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Ele achou que pudesse descobrir algo com ela. Nunca havia escrito para ela sobre essas questões. Em vez disso, ele a deixara angustiada sem propósito.
Suas repreensões delicadas não eram novidade. O desejo que ela tinha de o filho deixar o passado em paz também não. Por cinco anos, ela o convencera de que o caminho prudente era seguir em frente. Quando ele ficava agitado em relação ao seu dever pendente quanto ao nome do pai, uma visita a ela acalmaria o turbilhão tentando tomá-lo de novo.
Você deveria se casar. Ter um herdeiro e me dar um neto, e encontrar a felicidade. Ele sempre pensou que ela sabia mais do que dizia e escondia dele para que não alimentasse a turbulência obscura que poderia, um dia, causar sua morte. Agora, ao ter pelo menos metade da verdade nas mãos, ela insistia não saber de nada.
Ele submeteu os últimos deveres ao seu criado em um humor maçante e atrasou-se escrevendo outra carta para, depois, sair em seu cavalo à casa de Brentworth.
Talvez o sol tivesse melhorado seu humor, ou fosse a alegria da pequena multidão zanzando pelo jardim enorme. Certamente, avistar Lady Clara não lhe causou mágoa. Ela estava sentada com a irmã e o irmão de Langford, Harry, em um banco no centro do jardim mais próximo da casa. Sua irmã usava a musselina branca que elas encomendaram na costureira naquele dia. Já que a maioria das garotas usava branco, somente a simplicidade do tecido a diferenciava. Lady Clara também trajava um vestido escolhido naquele dia. Embora fosse decorado com um bordado simples tão discreto que era quase invisível, a cor fazia toda diferença. À luz clara do dia, o lilás-hortênsia parecia mais vibrante do que na loja.
Ele foi até elas. Ela dissera para não a visitar. Não havia dito para não falar com ela. Não que ele teria obedecido tal comando, de qualquer forma.
Harry o viu primeiro e o recebeu com um cumprimento feliz. Harry se parecia muito com seu irmão mais velho, só que ainda esguio da maneira que jovens de vinte anos ficam. Também usava óculos, consequência de muita leitura à luz de vela ao longo dos anos. Adam concluiu isso muito depois de ele e Langford terem lido uma história esotérica escrita por Harry, dizendo que viveria nas bibliotecas pelo mundo.
— É um lindo dia, não é, Stratton? — Harry parecia bêbado de prazer. Como Lady Emilia não parecia entediada, as coisas deviam estar indo bem entre eles.
— Sim, muito lindo.
— Lindo demais — Lady Emilia disse com um grande sorriso.
— Está lindo mesmo — Lady Clara respondeu sem nem um pequeno sorriso.
Ele se aproveitou de um espaço vago no banco ao lado de Lady Clara. Ela arrastou-se para mais perto da irmã e mais longe dele.
— As senhoritas são mais bonitas do que as flores — Adam elogiou. — Essa cor combina bem, Lady Clara.
— Pensei que sim, dadas as circunstâncias.
— Tenho certeza de que está ansiosa pelo dia em que usará uma variedade de cores de novo. Azul, por exemplo. Azul-claro, para combinar com seus olhos adoráveis e contrastar com seu cabelo.
— Ela tem uma roupa assim — Emilia disse. — Ele pode estar descrevendo seu traje azul para cavalgar, Clara. Fica lindo mesmo nela, sir. Ninguém poderia deixar de admirá-la quando ela usa esse traje e se senta em um lindo cavalo.
— Tenho certeza — Adam respondeu.
Clara sugou as bochechas.
A alegria de Harry diminuíra um pouco depois da adição de Adam ao grupo. Agora ele brilhava, como se fosse atingido por uma inspiração divina.
— Vi uma cama de tulipas quando entrei. Poderia me acompanhar enquanto vou olhá-la, Lady Emilia?
Emilia virou os olhos esperançosos para a irmã. Clara lançou um olhar crítico a Harry, depois outro por cima do ombro.
— Acho que uma caminhada rápida até as tulipas não seria prejudicial. Lembre-se do que lhe disse quando estávamos vindo, Emilia. Não queremos que Vovó me repreenda por ser uma acompanhante inapta.
Emilia saiu com Harry antes de ela terminar. Clara aproveitou-se do espaço a mais a fim de ficar ainda mais longe de Adam.
— O que está fazendo aqui? — ela perguntou.
— Brentworth é um de meus melhores amigos. Se não tivesse passado uma de suas primeiras Temporadas ignorando minha existência, saberia disso.
— Passou pela minha mente que ele pudesse ser. O senhor o fez fazer isso? Ele não dá muitas festas aqui. Acho que a última vez que estive aqui foi há três anos, antes de ele ter ficado com a herança.
— Ninguém convence Brentworth a fazer alguma coisa. Ele decidiu sozinho. — Era oficialmente verdade, mas não completamente. — Talvez ele tenha decidido dar mais festas e pensou que esta pequena reunião fosse um bom começo.
— Veio em uma hora conveniente. É um bom começo para Emilia também. — Ela olhou por cima do ombro de novo para encontrar sua irmã no jardim.
— É obrigada a ficar aqui sentada o tempo inteiro? — ele perguntou. — Há alguma regra desconhecida a mim que não possa aproveitar o sol e as flores se está de luto?
— Claro que não. É só que... — Ela olhou em volta no jardim e mordeu o lábio inferior. — Sinto-me um pouco estranha. Conheço todas essas pessoas e, mesmo assim, sinto-me excluída de uma nova maneira. Como se elas não importassem. Como se eu não me importasse com elas.
Ele conhecia a sensação esquisita.
— A senhorita esteve separada delas mais tempo do que imagina. A morte de seu pai muda as coisas também. Nós todos somos colocados em filas por outros e somos movidos ao longo do tempo.
— Então antes eu estava na fila de filha de Marwood, e agora estou na de irmã de Marwood?
— Algo assim.
— Esta não parece prestigiosa. Agora estou menos interessante.
— Talvez menos útil fosse uma forma melhor de dizer.
— Nossa, o senhor é cínico às vezes. Suponho que quatro anos atrás eu estava na fila de ingênua no mercado para casamento, mas isso mudou agora também. Agora estou na solteirona na prateleira.
— Eu diria que está na fila mulher madura que sabe o que quer.
— Que generoso da sua parte. Independente do nome que damos, eu prefiro este lugar.
Ele gesticulou para os outros convidados.
— Acho que eles sabem disso. Talvez seja outro motivo pelo qual se sinta uma estranha com eles.
Ela se levantou.
— Se estou tão confortável comigo mesma, não deveria permitir que outros me façam sentir estranha. Acho que vou socializar, para variar.
Ele a viu se afastar e cumprimentar duas damas que conversavam por perto. Ele podia ver, antes de algo ser dito, que aquelas jovens expressaram solidariedade pela perda dela. Provavelmente aconteceria isso a cada pessoa que ela encontrasse, já que a maioria não fora ao funeral no interior.
Ele não esperava que ela fosse sociável por muito tempo. Procurou Brentworth e encontrou-o no terraço, sofrendo com um discurso político do Visconde Weberly. Corado e escandaloso, o velho fazia pronunciamento atrás de pronunciamento sobre a necessidade de esmagar rebeliões assim que elas surgissem, e não aguardar as delicadezas de uma ação legal. Brentworth apenas escutava, mas, quando viu Adam, usou isso como desculpa para se libertar.
— Pensei que Weberly nunca fosse parar — ele disse, conduzindo Adam para mais longe e na direção do ponche.
— Descobri há muito tempo que era perda de tempo tentar explicar a mentes como a dele que, enquanto pode ser conveniente prender os manifestantes sem julgamentos, não era legal nem inglês.
Weberly não estava sozinho em defender o ato de governo de forma contrária à lei e à tradição. O medo motivava a ele e outros. A revolução francesa ainda lançava uma sombra, revivida quando a agitação ribombava pelo país. Já que rugia às vezes agora, Weberly e sua turma ficavam cada vez mais fervorosos ao exigir ações que certificariam a segurança de seu pescoço.
Brentworth pegou dois copos de refresco de um criado que administrava as tigelas de ponche e entregou um para Adam.
— Vai gostar. É uma poção do oeste indiano com uma quantidade justa de rum. O conteúdo daquela outra tigela é doce, típico e sem algo forte.
— Tenho certeza de que as damas gostaram da escolha.
— Você pensaria que sim. Muitas delas, no entanto, quiseram o que nós bebemos, várias vezes. Estou de olho em uma delas, para que não desmaie antes de a tarde acabar.
— Onde está Langford? — Adam usou a pergunta como desculpa para supervisionar o jardim até encontrar Lady Clara.
— Por aí em algum lugar, seguindo seu conselho bem seriamente de flertar com todas as jovens.
— Ele nasceu para flertar, e elas gostam tanto que ele não consegue evitar.
— É melhor ele se certificar de que uma delas não o arraste para atrás de um arbusto, ou ficará um inferno. Essas meninas estão ficando mais ousadas ou eu que estou ficando velho?
— Acho que um pouco dos dois.
— Falando em flerte, onde está sua senhora?
— Ali ao lado da fonte, conversando com Hollsworth e a esposa.
— Você não deveria estar lá também?
— Tudo a seu tempo.
— Suponho que, primeiro, precise avaliar o terreno, depois planejar o ataque.
— Não haverá ataque. Sou um cavalheiro.
— Chame do que quiser. Quanto ao terreno, há uma construção maravilhosa no canto mais ao norte, no meio daquele bosque de árvores frutíferas. Um pequeno templo para a deusa Diana. É muito frio lá atrás, mesmo em dias quentes, então é improvável chamar a atenção de muitos convidados.
Adam olhou o pomar em questão.
— Lembrei dele agora que me lembrou. A estátua da deusa é bem mais interessante do que alguém espera em um jardim.
— É da antiga Roma. Provavelmente eu deveria levá-la para a galeria.
— Lady Clara é uma mulher culta. Ela gostaria de vê-la em seu local atual antes de você mudar.
— Acha isso? Infelizmente, tenho todos esses convidados para receber e não posso levá-la lá. Talvez a leve por mim.
— Vou tentar me lembrar de fazer isso, presumindo que ela e eu conversemos de novo. — Ele colocou o copo na mesa, depois saiu do terraço, em direção à fonte.
Clara saiu de uma discussão longa em relação à nova moda de golas muito altas e viu o Conde de Hollsworth perto da fonte. Sua condessa sorria amavelmente na direção dela, então juntou-se a eles.
Hollsworth estava muito ereto, apesar de sua idade avançada. Cabelos brancos finos cresciam em tufos. Os óculos grossos faziam seus olhos parecerem muito pequenos. Ele sorriu em cumprimento enquanto a condessa pequena e grisalha a cumprimentava.
Hollsworth fora amigo de seu avô e, depois, de seu pai. Um homem quieto, observava mais do que contribuía em reuniões sociais. Seu pai lhe dissera, uma vez, que o comportamento reservado de Hollsworth significava que as pessoas frequentemente falavam sem perceber que ele escutava. Como resultado, seu pai o considerava um de seus pares mais bem informados.
Lady Hollsworth examinou detalhadamente o vestido de Lady Clara.
— Muito bem. Fico muito feliz em ver que você e sua irmã se aventuraram a sair e escolheram colocar o luto de lado. Jovens não deveriam ficar um ano inteiro excluídas de suas vidas, e acho estranho que tal costume esteja virando moda. Não concorda, Charles?
Lorde Hollsworth apenas sorriu e assentiu.
Clara dedicou sua atenção à condessa, elogiando seu vestido elegante. Ela havia acabado quando o conde se endireitou ainda mais, o suficiente para chamar a atenção da esposa.
— Oh, nossa — ela murmurou, observando além de Clara. Olhou desconfiada para o marido, cuja expressão ficara rígida. — Com certeza ele não virá aqui.
Clara olhou por cima do ombro. Ele em questão era Stratton, que parecia estar andando na direção deles.
— É um velho amigo de Brentworth — ela disse, embora a presença do duque não precisasse de explicação.
A mandíbula do conde ficou firme. A condessa olhou preocupada para ele.
— Por que não vai admirar o jardim, Charles?
Assentindo firmemente, o conde se afastou.
— Perdoe-nos. Meu marido prefere não conversar com Stratton. Nem gostaria de ignorá-lo diretamente. Pode ver a dificuldade dele.
— Vejo claramente. Mas não sei se entendo.
A condessa manteve o olhar no jardim entre eles e a casa. Clara se moveu para que pudesse ver também. Stratton andava devagar, parando para cumprimentar outros convidados, mas permaneceu em uma linha que acabaria nelas.
— Ele voltou por um motivo. Repare como todos os homens o cumprimentam calorosamente, mas ficam sérios assim que ele passa. Ele veio para encontrar alguém para culpar pelo ato precipitado do pai, acredito. Meu marido gostaria de evitar uma discussão com ele sobre tudo isso — Lady Hollsworth explicou.
— Lorde Hollsworth não precisa ficar preocupado que o duque o desafie. Stratton tem uma decência básica e nunca ousaria fazer tal coisa com um idoso, principalmente depois de uma simples conversa.
As sobrancelhas de Lady Hollsworth se ergueram.
— Sei que muitos pensam assim, mas nunca se sabe. Além disso, a senhorita é uma escolha estranha para defendê-lo. Muito estranha. Esperava que seguisse meu marido para evitar fazer parte do encontro prestes a ocorrer.
— Minha avó decidiu que devemos fazer um esforço para acabar com essa antiga briga. Já que parece que ninguém se lembra do que a causou, acredito que ela esteja correta.
— Isso fica cada vez mais curioso. Será que a viúva não está se sentindo bem esses dias? Ela não é mulher de desenvolver uma memória defeituosa sem outro motivo. — Já que Stratton estava quase ao lado delas, ela fixou um sorriso no rosto quando ele se aproximou. — Deixe sua avó sofrer a investigação dele sobre aquelas joias, se decidiu fazer as pazes. Meu marido não quer se ver esquivando-se das perguntas de Stratton.
— Que joias?
— Stratton! Que gentileza a sua de cumprimentar uma idosa — Lady Hollsworth o saudou e fez uma reverência.
Ele emanava um charme que deixaria qualquer mulher à vontade.
— Não poderia deixar passar a chance de falar com a senhora.
— O senhor só precisava me visitar, e teria tido a chance mais cedo.
— Vou assumir isso como um convite. E Lorde Hollsworth? — ele perguntou. — Está bem?
— Muito bem. Estava aqui agora mesmo, mas buscou refúgio nas flores quando Lady Clara e eu começamos a falar sobre vestidos.
— Sinto muito tê-lo perdido. Talvez cruze com ele mais tarde.
— Ele ficaria bem grato se o fizesse, sei disso. — Ela fingiu ficar na ponta dos pés e procurá-lo. — Deveria encontrá-lo, suponho. Clara, você e eu vamos conversar de novo em breve, assim espero. Faça uma visita.
Ela saiu, deixando Clara com o duque.
— Que grosseria da parte dela — Clara disse.
— Eu queria que ela saísse, para que a senhorita e eu pudéssemos ficar sozinhos.
— Não acho que isso durará muito tempo com todas essas pessoas aqui.
— Tenho certeza de que vai. Ninguém aqui está querendo conversar comigo.
Ele sabia das reações que o seguiam conforme ele passava.
— O senhor não pode gostar da forma com que os homens o tratam com cautela. É como se recusassem a aceitar que é um deles.
— Com minha posição, eles precisam me aceitar. Eu sabia que levaria um tempo para minha ausência ser esquecida ou meu retorno ser compreendido. Vamos dar uma volta, se estiver disposta. Assim, outros convidados podem se sentar nesses bancos em volta da fonte, o que não acho que farão se eu permanecer neste local.
Os bancos realmente haviam se esvaziado assim que ele chegou. Clara concordou em dar uma volta pelo jardim. Ela ainda não conseguia entender como ele não se importava com as desfeitas sociais.
— Sabe por que homens como Hollsworth o evitam?
Ele baixou a cabeça para cheirar os botões de um arbusto de lilás.
— Alguns se preocupam de que eu vá me ofender por algo que digam. Se não me desonrarem, a ofensa será impossível. Mesmo assim, isso os preocupa.
— Hollsworth certamente sabe que, mesmo se o insultar francamente, o senhor nunca desafiaria um idoso. Eu disse isso para a condessa. Ela respondeu que ele quer evitar uma conversa com o senhor.
Ele simplesmente continuou andando.
— Não se importa que todos eles o considerem perigoso? — Ela gesticulou para o lugar com o braço na direção do jardim.
— A senhorita também? Isso me magoaria de verdade. Não me importo muito com os outros.
— Ainda não decidi — ela mentiu. Considerava-o, sim, perigoso. Para ela. Não tinha nada a ver com duelos ou o passado ou nenhum dos motivos pelos quais todos o tratavam com cuidado. Mesmo agora, andando pelos caminhos do jardim, ela não era ela mesma. A proximidade dele a deixava afobada. Olhar para ele ameaçava deixá-la calada.
O caminho os levou para o fim de um bosque cheio de flores.
— Há uma construção aqui — ele disse. — Um pequeno templo romano abobadado para a deusa Diana. A estátua é antiga.
As árvores frutíferas ainda não estavam cheias de folhas. A luz do sol manchava os caminhos debaixo dos galhos. Ela pensou ter visto a abóbada. Juntar-se a Stratton quando ele se aventurou pelo bosque não a preocupava. Provavelmente, encontrariam outros convidados entre aquelas macieiras.
O ar esfriou apesar dos raios de sol. A construção estava no canto, perto de onde os muros de pedra se encontravam. A deusa de mármore usava pele de animal e carregava uma aljava de flechas nas costas. Estava abaixada para amarrar a sandália com o pé apoiado em um toco de árvore, no qual estava apoiado seu arco.
Clara subiu os três degraus que circulavam a estrutura e passou pela arcada que segurava a abóbada e comportava a estátua.
— É muito realista. As diferentes texturas são retratadas de forma tão exata que se pode pensar que não é de pedra. — Ela passou a ponta dos dedos pela pele de animal.
— Provavelmente é do começo da era romana. O pai de Brentworth era um homem bem viajado, com um olho bom para arte de qualidade.
Ela andou em volta da estátua. Adam entrou na estrutura, só que olhou para ela, não para a deusa.
— O senhor não me trouxe aqui para admirar esta estátua, não é?
— Eu a trouxe aqui porque exigiu que não a visitasse na sua casa.
Ela se virou e o viu bem atrás dela. Seu coração acelerou, bloqueando sua respiração. De repente, o bosque não mais pareceu amplo e aberto, mas denso e obscuro. Ela mal conseguia escutar o som da festa no jardim aberto.
Ele ergueu seu queixo com os dedos.
— Se não fosse tão rigorosa, eu poderia ter feito isto lá. — Ele a beijou, suavemente primeiro, mas depois mais apaixonadamente. As sensações cascatearam por ela, então ela não mais queria ser nada rigorosa.
Ele interrompeu o beijo, mas manteve a mão no rosto dela.
— Não posso permitir que me rejeite, Clara. Que negue isto. Não penso que realmente queira também.
Ela ficara muito segura depois da cavalgada deles. Sua mente tinha ficado bem clara. Naquele momento, não conseguia se lembrar do que havia pensado.
Mas ele falou a verdade. Ela não queria realmente negar o quanto se sentia viva quando ele a beijava. As considerações do motivo dele deixaram, então, de importar. Ela não queria rejeitar o prazer ou a excitação. Deveria, mas não queria. Saboreava a maneira como ele a excitava. Ela havia refletido nas lembranças do que aconteceu na colina por muito tempo desde que se viram pela última vez.
Ele a beijou de novo e a abraçou. O calor de seu corpo a confortava e extasiava. Tão bom. Bom demais.
— Se repetir sua exigência de não a visitar, terei que persegui-la em bosques e jardins o verão todo — ele murmurou em seu ouvido. — A discrição pode ser quase impossível.
Com seu prazer inebriante, ela vagamente reparou que ele não havia desistido. Ele a alertara naquele primeiro dia que não o faria.
Ainda assim, ela deveria repetir sua exigência. Não deveria fazer nada que o encorajasse. Deveria se lembrar de por que aqueles beijos não eram apenas errados, mas desleais. Assim que essa intimidade acabasse, com certeza ela se importaria de novo com todos aqueles...
Os sons penetraram no silêncio ao redor deles. Uma risada, e uma risada de homem. Não muito longe. Perto, naquele caminho. Stratton a soltou abruptamente e saiu do templo, deixando-a sozinha com a deusa.
Um feixe de luz do sol iluminou um vestido branco e uma cabeça loira entre as maçãs. Com outra risada, Emilia entrou na pequena clareira com o templo. A expressão de sua companhia caiu quando viu Stratton.
— Harry, que gentil da sua parte mostrar a Lady Emilia o caminho deste tesouro — Stratton disse. — A irmã dela tentou encontrá-la antes de vir aqui. — Ele apontou para Clara.
Harry viu Clara. Emilia também viu. Ambos coraram. Clara fez uma careta enquanto lutava para manter a compostura. Ao permitir que o duque a ofuscasse novamente, havia negligenciado seu dever. Emilia iria receber um sermão muito grande para não ser tão burra de ficar sozinha com um homem daquele jeito.
— Venha e veja a estátua — ela chamou. — É impressionante.
Visivelmente aliviado, Harry acompanhou Emilia para dentro da estrutura. Todos eles admiraram a deusa juntos, depois voltaram pelo bosque e chegaram ao jardim ensolarado.
Clara decidiu que ela e Emilia deveriam ir embora e arrastou a irmã para Brentworth para que pudessem agradecer ao anfitrião. Quando iam embora, ela viu Stratton perto dos bancos, observando alguém. Seu olhar seguiu a direção do dele, diretamente para o Conde de Hollsworth.
Funções sociais completas, ela e Emilia se acomodaram na carruagem de Theo para o caminho aos respectivos lares.
— Teve uma tarde boa e se divertiu? — Clara perguntou diretamente, conforme as lições sociais necessárias se organizavam em sua mente.
— Minha tarde não foi tão divertida como a sua, acho. — Emilia lançou um olhar sábio pela cabine da carruagem.
Foi a vez de Clara corar. E engoliu o longo sermão que pretendia dar à irmã.
lara e Althea estavam paradas uma ao lado da outra na biblioteca de Clara na sexta-feira de manhã. Em uma mesa comprida, cópias frescas do jornal delas aguardavam em pilhas. A gráfica enviaria pelo correio as cópias dos assinantes, mas essas deveriam ser entregues em livrarias, e as mulheres que fariam isso, amigas da sra. Clark, chegariam ao meio-dia.
Clara admirava as brochuras vultosas. As que iam pelo correio não tinham capa, mas aquelas tinham a capa azul-escura e o título gravado de maneira encantadora. Ficariam lindos nas lojas.
Althea disse um número, e Clara pegou aquele número de cópias e as levou para a ponta da mesa. Althea seguiu e colocou um papel com um nome de loja naquele grupo.
Até então, metade dos jornais tinham sido atribuídos às lojas.
O trabalho demorara mais do que o esperado porque Clara estava descrevendo a festa no jardim. Não a parte em que fora beijada de novo, claro.
— Depois, Lady Hollsworth disse tão claro como está ouvindo agora: Deixe sua avó sofrer a investigação dele sobre aquelas joias. Perguntei o que ela quis dizer, mas, naquele instante, Stratton já estava ao nosso lado, então ela não respondeu.
— Que intrigante. É um milagre você não ter mandado o duque embora para que pudesse ter sua resposta.
— Tento não ser grosseira, Althea.
Althea verificou seu papel.
— Ackermann’s. Quinze.
Clara contou cinco cópias e as levou para a outra ponta da mesa.
— Descobriu alguma coisa interessante?
— Continuo ouvindo as mesmas coisas. Conversas sobre os duelos. Preocupação que ele desafie as pessoas daqui. Há uma hipótese entre algumas pessoas de que ele terá que fazê-lo a fim de limpar o nome da família do que quer que o tenha manchado. Algumas das idosas acreditam que a honra significa que ele não pode permitir que as coisas fiquem como estão.
— Os tempos mudaram. As famílias não têm mais os pecados de seus antecessores como marcas na testa. Sugerir tal coisa é muito ultrapassado.
— Não é um pecado típico, no entanto, não é? Os boatos tinham a ver com traição.
— Não houve acusação pública, Althea. Nem julgamento.
— Não se aborreça comigo. Só estou dizendo...
— Sei o que está dizendo. Não estou aborrecida com você. Estou irritada com todas essas fofocas vagas de pessoas que parecem não saber de nada com certeza.
— Alguém sabe. Entretanto, a história acabou, então quem quer que seja não levantará a questão novamente. Principalmente com o duque de volta à Inglaterra.
É, alguém sabia. Provavelmente muitos alguéns. Como Hollsworth.
Será que o pai dela também sabia?
Jocelyn entrou na biblioteca com a correspondência matinal. Clara parou de contar os jornais enquanto verificou as poucas cartas. Uma a fez congelar. Rasgou-a e a leu.
— Oh, não. De todos os dias que se podia escolher... — Olhou freneticamente para a mesa, cheia de cópias do jornal.
— O que foi? — Althea perguntou.
Clara abanou a carta.
— Minha avó tem algo importante para me contar e pretende vir aqui logo depois do meio-dia, antes de fazer suas visitas.
— Aqui? Oh, nossa. As mulheres...
— Chegarão exatamente quando ela chegar. Entrando e carregando pilhas destes jornais. — Ela se apressou até a porta da biblioteca e chamou Jocelyn. — Pode terminar isto sozinha, Althea? Vou tentar ao máximo retornar antes do meio-dia, mas devo ir à casa de meu irmão antes que minha avó saia para vir até a minha casa.
Jocelyn chegou e Clara lhe pediu sua pelica e a boina. Ela olhou para seu vestido. Era parte do guarda-roupa que deixou ali depois do último verão, e não era preto nem azul ou roxo escuros. Ao acordar de sonhos sensuais desconfortáveis, impulsivamente colocara um vestido vermelho. Ninguém a veria, exceto sua família. A família em questão não aprovaria, entretanto.
— Vou cuidar de tudo por aqui — Althea disse. — Não se preocupe. Tenho minha lista e vou acabar em quinze minutos.
Jocelyn trouxe uma boina e a pelica. Pretas. Vermelho e preto. Ficaria parecendo um palhaço.
— Jocelyn, por favor, ajude Althea a terminar de contar as brochuras. Preciso sair imediatamente.
Ela se apressou até a porta, para alugar uma carruagem para o trajeto longo até Mayfair.
Quase uma hora mais tarde, ela entrou na Casa Gifford, só para descobrir que sua avó ainda não havia descido. Rezando para que ela não sofresse e não fosse esquartejada pela presunção, subiu até o seu quarto.
Parou do lado de fora da porta. Nunca mais tinha entrado ali. Desde que tinha dez anos e entrara escondido para explorar a penteadeira de sua avó. Fascinada pelas joias e maquiagens, ela as provara, admirando-se no espelho. Mesmo agora conseguia ver seu reflexo, depois o susto de ver sua avó bem atrás.
Pagara severamente por colocar aquele colar e o rouge. Sua avó lhe batera com uma vareta enquanto a obrigou a olhar para seus pecados no espelho o tempo todo. Depois ordenara que ficasse presa apenas com pão e água durante uma semana. Seu pai estava viajando e só retornou e lhe concedeu a soltura dois dias depois.
Não conseguia olhar para aquela porta e não se ver naquele espelho enquanto a vareta batia em suas nádegas nuas. Respirando fundo e colocando a imagem dela toda pintada e enfeitada de lado, aventurou-se, entrando.
Viu sua avó um segundo antes de sua dama de companhia colocar sua peruca. Com o cabelo amassado em uma rede e o corpo escondido em uma camisola com camadas de renda, sua avó não a viu até a dama tocar seu ombro e apontar para a porta.
Aqueles olhos enormes e pálidos lançaram um olhar fulminante, depois se voltaram para o espelho.
— Cuide de mim, Margaret, para que eu possa falar com minha neta invasora.
Margaret colocou a peruca, ajustou alguns cachos grisalhos e se afastou.
— Agora vá e chame Theo. Diga que preciso dele aqui.
Margaret se apressou para fora do quarto.
— Clara, está usando esse vestido para me provocar? É medonho em qualquer época, mas principalmente agora.
Clara se sentou em um divã perto da lareira.
— Recebi seu recado. Pensei que era melhor ouvir isso logo do que mais tarde.
Sua avó se virou na cadeira.
— Mais tarde, mas não muito mais tarde. Poderia ter esperado eu me vestir, pelo menos. Ou até ter reconsiderado sua própria vestimenta.
— Desculpe. Pareceu muito importante, então vim imediatamente.
Sua avó se virou para o espelho mais uma vez e beliscou as bochechas até formar duas bolinhas cor-de-rosa. Não finja que não se maquia. Nós duas sabemos que o faz. Chicoteou-me uma vez por descobrir isso.
— Não queria me ver naquela sua casa, é isso que quer dizer.
Theo entrou apressado. Viu Clara, evitou olhar para o traje de sua avó, e sentou-se em uma cadeira.
— Espero que não vá demorar. Estava indo cavalgar no parque.
— Não vai demorar nada. Porém, queria você aqui quando explicasse as questões para sua irmã.
— Que questões? — Clara perguntou. Uma preocupação meio esquisita a tomou. Duvidava que essas questões a agradariam, considerando o tom de sua avó.
— Fiquei sabendo da festa de Brentworth. Muitos de meus amigos me escreveram. Fico feliz em dizer que a opinião deles sobre o comportamento de Emilia foi perfeita.
— Tentei ser uma boa acompanhante. — Pelo menos não era sobre Harry.
— Também escreveram que Stratton estava lá.
— Sim, acredito que estava.
— Acredita que estava, certo? Da forma que entendi, ele passou mais de uma hora na sua companhia.
Parecia que o quarto havia diminuído.
— Nem uma hora, tenho certeza.
— No mínimo, uma hora, dois de meus amigos relataram. Da mesma forma, ele não passou nenhum tempo com Emilia.
— Não é verdade. Eu estava presente quando conversaram.
— Então ele conversou com ela por, no máximo, um minuto. Está claro, Theo, que fizemos suposições errôneas sobre o duque e vamos precisar corrigir nossa estratégia.
— Parece que sim — Theo concordou.
— Não culpe Emilia se ele não concordou com a sua última — Clara disse. — Esperar que ele se case com alguém da nossa família foi uma estratégia incorreta desde o começo. Falei isso para a senhora.
Sua avó se levantou. Em um balançar da renda, ela se moveu até estar sentada ao lado de Clara no divã.
— Uma estratégia incorreta? — Ela riu com a renda nos lábios. — Não em princípio, parece. Ele pode não ter gostado de Emilia, verdade. No entanto, parece que acha você interessante. Não sou uma mulher rígida. Se o sucesso exige uma substituição de irmãs, que seja.
Theo pareceu confuso.
— Stratton a quer?
— Parece que ele saiu do caminho dele para ter a companhia dela na festa.
Theo quase deu risada.
— Inferno, isso é novidade.
— Olha a linguagem, Theo. Quanto à preferência do duque, não há como medir gosto.
— Sinto muito, Vovó. É só que Emilia é tão perfeita, e Clara é... — Ele deu de ombros, depois estendeu o braço na direção de Clara, como se dissesse bom, ela é quem ela é.
— Não é a esposa que eu aconselharia para um duque, mas, já que ele não me escutou quanto ao assunto, vamos nos adaptar à sua decisão peculiar.
Theo balançou a cabeça.
— Não vejo como a união irá nos aproximar dele. Em seis meses de casamento, ele vai ter certeza de que foi enganado e sairá sedento por sangue.
— Então devo deixar que vocês dois discutam minha vida francamente? Não gostaria que minha presença interferisse — Clara disse diretamente.
Sua avó deu um tapinha em sua mão.
— Nós a aborrecemos, Theo. Acalme-se, querida.
— Estou bem calma, obrigada. Porém, infelizmente, preciso dizer que interpretou completamente mal o interesse do duque. Ele gosta de me provocar, nada mais.
— Isso é simplesmente um menino puxando o cabelo de uma menina de que gosta — sua avó disse.
— Não gosto que puxem meu cabelo. A senhora parece ter se esquecido de que, não importa o que o duque prefira, eu não vou me casar com ele ou com outra pessoa.
Theo resmungou.
— Isso de novo, não.
— É, isso de novo. E de novo. E de novo. Não entendo por que vocês insistem em pensar que minha decisão é algo passageiro, quando fiquei firme por todos esses anos.
— Decisões podem ser mudadas, como esta deve ser. — Sua avó deu um tapinha em sua mão de novo. — Pelo bem da família, pelo bem de seu irmão, pelo meu bem, você vai se casar com ele.
Tão agitada que temia que fosse gritar, Clara se levantou. Como ousavam interferir nesse estágio da vida dela? Porque papai se foi e não há ninguém aqui para impedi-los.
— Se essas são as notícias importantes, já ouvi. Agora me vou. Encorajo-os a encontrar outra solução para o que quer que seja a ameaça que pensem que o duque representa. Theo, se for esperto e não o insultar ou à família dele, ele nunca vai desafiá-lo, então toda essa trama é desnecessária, de qualquer forma.
— Se ele lhe pedir e você recusar, estará insultando-o — Theo soltou.
— Vou embora. Recuso-me a ouvir mais desta loucura.
— Você não vai embora. Vai ficar bem aqui enquanto planejamos como o pescará agora que ele foi fisgado — Vovó disse.
— Meu Deus, Stratton não é um peixe burro. Não haverá pesca. Bom dia para vocês.
Ela já estava na escada quando seu tremor começou. Não sabia se era da raiva e do choque ou do desejo inexplicável de rir. Na metade da escada, o último impulso desapareceu. E se Stratton contasse a Theo e sua avó que ele já tinha feito o pedido? Eles seriam implacáveis em coagi-la a concordar. Ela teria que se mudar para o Brasil para salvar sua sanidade.
— Sempre fico feliz ao assistir a leilões, mas estamos aqui por um motivo, Stratton? — Langford perguntou.
— Pretendo comprar um cavalo. Que outro motivo me traria aqui?
Eles se levantaram no jardim de Tattersalls, junto com outros vinte homens, enquanto saía um cavalo atrás do outro para inspeção e ofertas. Até então, nenhum tinha sido bom o suficiente. Certamente, não a atual no palco, mesmo que o leiloeiro tivesse elogiado a égua como adequada para uma mulher.
— Pretende comprar hoje? Os cinco cavalos no seu estábulo aqui da cidade não servem? Os vinte que você tem no interior precisam de um novo amigo?
— Não é para mim. É um presente.
— Ahhhhh. Ou seja, para sua dama.
— Ela precisa de um cavalo. Um cavalo muito bom. É uma amazona excelente, como vai descobrir. Cavalga melhor que você, embora esteja presa em uma sela lateral.
— Nenhuma mulher cavalga melhor do que eu.
— Quando eu comprar o cavalo, pode apostar corrida com ela e veremos quanto a isso.
— Está dando muitos presentes a ela. É apropriado? Primeiro o colar de rubi, agora um cavalo. — Langford olhou-o. — Você deu a ela o colar de rubi, suponho.
— Ainda não. Isso é para depois.
— Quanto depois? Faz semanas.
— Estou esperando o momento certo.
— Que ainda não chegou, aparentemente. — Langford sorriu. — Estou achando que a grande sedução não está se revelando como você pretendia. Não, não, não precisa explicar. Não sou o tipo de homem que pressiona um amigo por detalhes tão íntimos. Mas talvez devesse anotar quando eu lhe der uma aula.
Adam não se importaria em dar uma surra em Langford. Se não quisesse outra opinião sobre o cavalo, talvez tivesse batido nele.
— Ela sabe que você está comprando um cavalo para ela?
— Não.
— Uma surpresa, então. O estábulo do irmão dela tem espaço para outro cavalo?
— Não sei.
— Não deveria descobrir antes de comprar um?
— Pare de ser tão prático. — Isso era melhor do que dizer a Langford que Lady Clara se mudara da casa de sua família e agora arranjaria seu próprio estábulo.
A movimentação perto do leiloeiro chamou a atenção de Adam. A baia foi aberta, e os criados a levaram para longe. Um homem guiou o próximo cavalo. O castrado tinha uma cor castanha profunda, quase preto. Era alto e resistia a quem estava segurando a rédea.
— Agora aquele é um animal lindo — Langford disse.
Adam também pensou isso, então aproximou-se para olhar mais de perto, com Langford atrás.
Examinaram o cavalo por completo. Langford verificou os dentes enquanto Adam ergueu as pernas e os cascos. Outros também se amontoaram, mas o olho experiente do leiloeiro deve ter visto os cavalheiros prováveis para ofertar alto porque aproximou-se de Adam.
— Três anos — o homem repetiu, sendo que acabara de anunciar a informação. — Uma verdadeira beleza. Com personalidade suficiente para correr. Um cavalo para se cavalgar, com certeza. Não é adequado para carruagem, embora possa ser treinado para isso.
— Como ele lida com a sela?
— Tolera muito bem. Um cavalheiro com você não deve ter problema. Estaria mentindo se não admitisse que não colocaria um cavaleiro fraco nele. Ele tem a própria mente, sim, e precisa de uma mão firme.
— Parece perfeito para o cavaleiro que tenho em mente. Eles vão combinar.
— Então espero que ganhe. Espero que a oferta suba bem.
Adam se afastou. Langford se juntou a ele.
— Então é esse? Tem certeza? Se ele a jogar no chão, você vai se sentir muito culpado.
— Ela não será jogada no chão.
— Se você diz. — Langford não soou convencido.
Quinze minutos depois, Adam combinava o pagamento pelo cavalo e sua entrega em seu próprio estábulo.
— Não vamos levá-lo para ela agora? — Langford perguntou enquanto iam embora.
— Nós nunca vamos levá-lo para ela. Eu vou sozinho. Outro dia.
— Que pena. Eu queria ver. Se ela ama tanto cavalos, provavelmente vai cair aos seus pés quando recebê-lo.
Adam imaginou isso e deu risada, embora, em sua mente, Lady Clara se recusava a se render por completo. Não sabia se ele queria que ela o fizesse.
lara acordou cedo na segunda-feira. Os criados que ela contratara começariam naquele dia, e ela precisava explicar seus deveres e suas expectativas. Duvidava que terminasse até a noite.
Vestiu-se e desceu para a sala a fim de tomar café da manhã. Um grande aparador a recebeu. Diferente do fraco desjejum preparado por Jocelyn, havia comida suficiente para alimentar dez pessoas. Ela provou um pouco dos ovos. Ovos quentes, diferente dos mornos que Jocelyn fazia.
Uma mulher entrou enquanto ela comia e colocou a correspondência ao lado de seu prato, depois recuou. Não era Jocelyn. Parecia uma das mulheres que ela considerara para a vaga de governanta. Provavelmente, era a que ela contratara.
Ela se levantou e foi procurar a mulher. Encontrou-a em uma conversa baixa com uma menina perto das escadas que levavam à cozinha. Ao vê-la, ambas fizeram reverência. A menina desceu as escadas correndo.
— Vejo que já está aqui, sra. Finley. Esperava recebê-la quando chegasse.
— Sua dama me deixou entrar, e já comecei. Espero que não se importe.
— Nem um pouco. A cozinheira está aqui também, reparei. Poderia lhe dizer que, no futuro, ela não precisa fazer tanta comida. Moro sozinha e não tenho grande apetite de manhã. Também diga a ela que estava tudo maravilhoso, e o café estava excelente.
— Sim, milady.
— Poderia me avisar quando o sr. Brady, o cocheiro, chegar?
— Ele está lá embaixo agora, milady, esperando a senhorita chamar. Ele disse que trouxe um cavalariço como a senhorita pediu.
Ela pediu que a sra. Finley mandasse o cocheiro e o cavalariço subirem até a biblioteca. Meia hora depois, tudo estava resolvido. O cavalariço foi contratado, e o sr. Brady foi enviado para pesquisar carruagens e um par de cavalos à venda para que ela pudesse ter um motivo para o emprego dele.
A sra. Finley entrou na biblioteca quando os dois homens saíram.
— A senhorita vai querer direcionar a cozinheira quanto às refeições e afins, ou devo lidar com isso?
— Acho que vou deixar em suas mãos capazes. Amanhã vamos sentar e chegar a uma consideração razoável para você.
— Haverá mais alguma coisa agora, milady?
— Mais uma coisa. Por favor, sente-se.
A sra. Finley acomodou sua figura robusta em uma das cadeiras. Clara a tinha contratado em parte porque era uma mulher madura que veio com boas referências. Mais, porém, porque a sra. Finley a lembrava de uma governanta que trabalhara na casa de seu pai há muitos anos.
Naquele instante, com um vestido simples cinza e uma touca grande branca que cobria a maior parte de seu cabelo castanho, a sra. Finley pareceu preocupada. Clara lhe agradeceu por cuidar da casa tão rápida e perfeitamente, depois abordou o tópico verdadeiro que queria discutir.
Ter todos esses criados colocava em risco algumas das colaboradoras do jornal. Elas não mais visitariam uma casa vazia usada apenas para reuniões. Agora encontrariam uma casa cheia na qual as atividades do jornal eram visíveis para olhos curiosos. Uma mulher que escrevia sob um apelido não gostaria que criados de Londres soubessem de sua identidade.
— Quando me encontrei com cada um de vocês, fui muito clara de que todo mundo que trabalha aqui deve ser discreto ao extremo. Quero enfatizar de novo e pedir que você, em troca, converse com os outros sobre isso. Não posso permitir que os criados fofoquem com os amigos sobre esta casa. Às vezes, pessoas importantes visitam, mesmo fora do horário de visita, e essas idas e vindas não devem ser mencionadas fora desta propriedade. Qualquer falta de discrição será pior que roubo, do meu ponto de vista. Estou falando bem sério.
— Sim, milady.
— Arrependo-me de precisar cobrá-la por reforçar esta regra. Se suspeitar que qualquer um esteja sendo desleal, deve me informar.
— Sim, milady. Não se preocupe. Vou certificar-me de que os lábios estejam fechados quando saírem desta casa.
Era o melhor que ela poderia fazer. Esperava ser o suficiente. Um deslize e ela teria que encontrar outra casa para o jornal. Seria inconveniente.
Sua manhã ocupada havia tomado apenas uma hora e meia, graças à sra. Finley. Subiu para seus aposentos e passou o resto da manhã com Jocelyn, procurando vestidos apropriados para a metade restante do luto. Tendo aparecido na festa de Brentworth, Emilia e ela começaram a receber convites para outros eventos. Ela ansiava por interpretar a acompanhante mais um pouco.
À uma e meia, enquanto escrevia cartas, uma batida em sua porta fez Jocelyn sair do quarto de vestir e abri-la. A sra. Finley estava na porta, corada e um pouco sem fôlego.
— Desculpe, milady, mas um cavalheiro chegou. — Ela entregou um cartão a Jocelyn. — Um cavalheiro bem notável. Um daqueles importantes dos quais falou esta manhã. Eu o coloquei na biblioteca.
Jocelyn fechou a porta e entregou a Clara o cartão com uma expressão suave, mas os olhos brilhando. O cartão pertencia ao Duque de Stratton.
Sem nenhuma delas falar uma palavra, Jocelyn começou a arrumar o cabelo dela, depois franziu o cenho para seu vestido, para depois assentir.
O mais apresentável que conseguiu, Clara desceu para a biblioteca. Viu Stratton examinando a estante de livros majoritariamente vazia. No momento, ele estava com o livro que continha as cópias publicadas do Parnassus. Ela acreditava que ele não tivesse removido nenhuma para uma inspeção mais detalhada, mas, se tivesse, simplesmente suporia que ela fosse assinante.
Ele se virou ao escutar os passos. O coração dela acelerou com asas flutuantes com o sorriso que ele lhe deu.
— A senhorita precisa de mais livros.
— O decorador recomendou uma livraria onde eu posso comprá-los aos montes. Pensei que seria mais divertido eu mesma escolher cada um. Vai demorar, mas, em alguns anos, provavelmente terei a maioria das prateleiras cheias.
Ele se aproximou, curvou-se sobre sua mão e a beijou.
— A senhorita negligenciou o fato de exigir que eu não visitasse, então aqui estou. Está brava comigo?
Ela não poderia dizer o que deveria. Ele saberia que estava mentindo. Pior, saberia que ela era uma covarde e uma mulher que não sabia o que quer.
— Não estou brava. Estou feliz por ter me visitado.
— Venha comigo — ele pediu, ainda segurando a mão dela e levando-a para a porta. — Preciso testar minha sorte e esperar que isso não a deixe brava também.
Ela o seguiu para a porta da frente. Ele a abriu e revelou seu cavalo amarrado. Outro cavalo estava parado ao seu lado. Um cavalo maravilhoso, tão bonito quanto Galahaf e parecido em estrutura, mas mais escuro. Quase preto. Havia uma sela lateral nele.
Stratton desceu e fez um carinho firme no pescoço do animal.
— Pode dar o nome que quiser a ele. Já acertei um lugar e os cuidados em um estábulo nas proximidades.
Clara desceu e se juntou a ele para ficar onde o cavalo pudesse vê-la e vice-versa.
— É lindo. Mas não entendo.
— Ele é seu. Eu o encontrei para a senhorita. Mulheres não vão a leilões, então, para comprar o melhor, precisei fazê-lo. Gostou?
— Adorei. — Nossa, que cavalo. Tinha linhas lindas e um brilho imperial nos olhos. Ela afagou o nariz dele. O cavalo a olhou, analisando-a assim como ela o fazia.
— O que lhe devo por ele?
— Nada. É um presente, claro. — Stratton soou vagamente desesperado, mas pareceu gostar da reação dela com o animal.
Um presente. Muito valioso. Aceitar seria se comprometer. Recusar seria insultar.
— Devo insistir em comprá-lo. Vou fazê-lo quando receber meu próximo pagamento.
— A senhorita é teimosa. Passei por bastante coisa para lhe dar um presente, e agora está me transformando em pouco mais do que um vendedor de cavalos.
— Aprecio seu esforço. De verdade. Nunca poderia tê-lo encontrado. Ele é uma surpresa maravilhosa. No entanto, não posso aceitar um presente valioso assim.
Ele suspirou irritado.
— Vou pedir que meu administrador informe o valor ao seu contador. Não vou pegar seu dinheiro por completo nem estou disposto a concordar com isso.
— Obrigada. Devo lhe dar o nome perfeito, então vou pensar nisso.
— Se colocar seu traje, podemos sair para cavalgar no parque antes que fique muito cheio. A senhorita pode pensar no nome enquanto o cavalga.
Seu senso dizia que ela deveria declinar do convite, mas sua empolgação com o cavalo silenciou essa voz em dois segundos.
— Entre e aguarde enquanto me visto adequadamente. Mas será uma cavalgada rápida. Tenho muitos deveres em casa hoje.
Vinte minutos mais tarde, ela estava sentada na sela. O cavalo a testou imediatamente quando saíram. Tentou trotar antes do comando, e ela o freou com firmeza.
Stratton não perdeu nada.
— O leiloeiro alertou que ele precisava de uma mão firme. Tem personalidade e, como viu, um pouco de rebeldia.
— Consigo lidar com ele.
— Eu sabia que conseguiria. Vocês dois têm muito em comum e vão se entender rapidamente.
— Está me comparando a um cavalo?
— Só da melhor maneira.
— Suponho que não me importe muito. Poderia ter sido outra coisa. Como um peixe.
Eles foram até Strand e cavalgaram ao longo dela, manobrando pelo amontoado de carruagens. Ela manteve a atenção no cavalo, para se certificar de que se acertassem do jeito que ela quisesse.
Quando chegaram a Mayfair, Stratton os guiou pelas ruas residenciais para que não desfilassem por Bond ou Piccadilly. Finalmente, entraram no Hyde Park.
— Já escolheu um nome?
— Ele tem opinião, é temperamental e persistente. Talvez eu deva chamá-lo de Duque.
— Não conheço nenhum duque com essas qualidades.
— Não? Eu conheço. O parque está quase vazio, está muito cedo. Vamos fazê-lo correr? O pobrezinho está agoniado com esse ritmo.
— Absolutamente. Vou segui-los.
Ela levou seu cavalo ao galope rapidamente e mirou na área ocidental do parque. Alguns cavaleiros exercitavam suas montarias ali, andando para a frente e para trás. Ela encontrou um ritmo perfeito e aproveitou a velocidade tanto quanto seu cavalo.
Ela o puxou e Stratton parou ao seu lado.
— Decidi. Será Duque. Há uma nobreza real nele.
— Então será Duque, apesar de que, quando eu estiver com a senhorita, não ficará claro com quem está falando.
— Vou chamá-lo de Stratton.
— Prefiro Adam.
Parecia uma coisa pequena, mas ela sabia que não era. Duvidava que alguém, exceto a mãe dele, o chamasse de Adam. Esse convite à informalidade implicava uma intimidade contínua e crescente.
Ela debateu sobre sua resposta. Enquanto o fazia, um cavaleiro cavalgou na direção deles, saudando Stratton. Ela apertou os olhos para ver quem poderia ser e reconheceu o cavalo, a capa e o cabelo loiro. Theo se aproximou rápido.
Que azar.
Theo freou seu cavalo e lhe ofereceu um enorme sorriso. Ele brilhava. Mesmo ao cumprimentar Stratton, seu prazer era todo por ela. Ela não via seu irmão tão feliz em meses.
Muito azar.
— Que montaria linda você tem aí, Clara. É um dos seus, Stratton?
— Ele é meu — Clara o informou. — Acabei de pegá-lo. Não queria me aproveitar da sua generosidade o tempo todo.
— Eu não teria me importado, apesar de que teria sido inconveniente para você cruzar a cidade até o meu estábulo. — Theo olhou maliciosamente para Stratton a fim de ver qual, se tivesse alguma, reação isso provocava. Já que o duque não pareceu nem um pouco confuso, Theo deve ter concluído que Stratton sabia onde ela morava agora. Seus olhos azuis brilharam com satisfação.
Maldito e infernal azar.
— Devo voltar para meus amigos — Theo disse. — Vou deixar vocês dois se entreterem. — Ele girou seu cavalo e cavalgou de volta para onde viera.
— A senhorita não gostou de ele ter nos visto — Stratton concluiu.
— Nem um pouco.
— Vai ter que contar a alguém alguma hora.
— Não há nada para contar.
— Claro que há. Será que o mundo inteiro vai saber antes da senhorita? — Ele virou o cavalo. — Vamos por aqui.
O caminho dele levava às profundezas do parque, longe dos lugares para caminhada. Ninguém os veria ali nem sorriria sabiamente da forma que Theo fizera.
Ninguém nos verá aqui. Ela olhou para Stratton, pensando que deveria se opor. Só que não o fez. Esperava que ele estivesse tramando algo. Um aperto em seu peito dizia o mesmo. Uma ansiedade vergonhosa a tomou. Ela parecia estar à beira de um precipício, preparando-se para saltar, esperando que voasse e não caísse.
Ele desmontou em uma área isolada de grama e amarrou seu cavalo. Tirou-a de Duque e o amarrou também. Juntos, sentaram-se na grama.
— Gostaria que não contasse a ninguém que tentou me dar Duque de presente — ela pediu. — Poderia ser mal interpretado como outro gesto além de amizade.
— Provavelmente, já que não tenho o hábito de dar cavalos para amigos. Também é improvável que os beije, acaricie o corpo deles, ou...
— O senhor sabe o que quero dizer. Também acho que poderíamos resolver que o que quer que tenha causado a briga entre nossas famílias esteja acabado e não seja mais importante. Tanta raiva quando ninguém sabe o que aconteceu é ridículo.
— Eu sei o que aconteceu.
Ela se virou, surpresa.
— Sabe? Lady Hollsworth disse que era um problema de honra, mulher ou propriedade.
— Foi propriedade. Meu pai explicou tudo para mim. Seu pai provavelmente fez o mesmo com Theo, embora duvide que ele e eu tenhamos escutado as mesmas histórias.
Ela esperou. Stratton observou o horizonte, seu perfil lindo provocando-a a tocar e traçar sua linha. Talvez ela o deixasse permanecer em silêncio e ficasse a próxima meia hora apenas olhando-o.
Só que ela estava curiosa. Se aquele homem estava em sua vida agora, ela queria saber por que não estivera antes.
— Vai me contar?
Ele pareceu pensar sobre isso.
— Começou com nossos avós. Houve um trato de propriedade no condado que eles disputaram. Uma herança da parte do seu avô, mas meu avô havia reivindicado antes.
— Ou disse que reivindicou.
Ela recebeu um olhar afiado por isso.
— Só quero lembrar que há dois lados aqui. Duas histórias. Por favor, continue.
— Fui aos tribunais e, como essas coisas acontecem, nada foi resolvido durante a vida deles. Os advogados ficaram ricos, os aluguéis foram pelo ralo e nada progrediu.
— Ainda está assim?
Ele balançou a cabeça.
— Seu pai encontrou uma solução. Enquanto meu pai estava na França, cortejando e se casando com minha mãe, seu pai foi ao tribunal de novo. Reabriu o caso e pressionou para um julgamento. Nosso advogado foi pego de surpresa pela rápida ação. Foi tudo feito dentro de uma semana. Não preciso dizer que seu pai recebeu o benefício daquele julgamento.
— Não me importo em como diz tudo isso. Nem sua escolha de palavras, nem seu tom. O senhor implicou que meu pai foi indigno.
— Foi mais para sagaz.
— Tenho certeza de que foi uma coincidência a corte fazer esse trato, então.
— Clara, não há coincidências em Chancelaria. O período e a velocidade revelam alguém com forte influência pressionando.
— Ainda acho que... oh!
Ele a puxou e a abraçou.
— Shhh — ele murmurou antes de beijá-la.
Ela permitiu que aqueles beijos reprimissem sua indignação. Eles removeram qualquer pensamento da guerra antiga da família de sua mente. Clara poderia ser muito feliz, pensou, sendo beijada por horas na doce brisa.
Mas não era assim. Ele verificou sua paixão crescente. Por muito tempo, ficaram ali sentados, entrelaçados, sem falar. Ela se doía e imaginava que ele também.
— É sua intenção viver sozinha para sempre? — ele perguntou.
— É.
— Por quê?
— Pode acreditar que ninguém nunca me perguntou isso? Nem sei se perguntei a mim mesma. — Só o fez agora para tentar responder. — Meu pai se casou de novo quando eu era criança. Já que a nova esposa não era minha mãe, posso ter reparado em coisas que não o faria, do contrário. A forma como ela obedecia e se submetia. As suposições que ele fazia sobre seu poder sobre ela e sua propriedade. Não gostava muito dela, mas ainda achava injusto. Eu tinha mais liberdade do que ela. Tinha até mais do meu pai de verdade do que ela. Ele nunca a ensinou a atirar ou a levou para caçar. O espaço dela na vida dele era muito pequeno, parecia para mim.
— Há alguns casais que compartilham mais afeição do que está descrevendo.
— Não sei se faltava afeição. Talvez eles se amassem profundamente. Não fazia diferença. Então decidi, um dia, quando a ouvi implorando para visitar uma amiga, como uma criança imploraria para uma governanta, e o escutei negar-lhe aquela pequena liberdade... por nenhum motivo, parecia... Decidi que não viveria assim se tivesse escolha. E tive escolha. De todos os privilégios da minha posição, essa foi a melhor coisa.
Ele acariciou sua face com a ponta dos dedos.
— Também era sua intenção viver como uma freira? Negar a si mesma amor físico? Faz parte de sua natureza assim como sua capacidade de pensar e conhecer seus sentimentos.
— Nunca pretendi isso. O senhor não é o primeiro homem que me beija. Não vivo como uma freira.
Ele se inclinou para a frente e a beijou.
— É bom saber.
De novo, aquele desejo foi suficiente para ela reagir ao beijo com mais agressividade do que costumava. Ele a virou rápido e exigente em resposta.
— Isso nunca vai dar certo — ele murmurou entre beijos que desmentiam suas palavras. — Se continuarmos a fazer isso em locais assim, inevitavelmente seremos vistos.
Ela encontrou força para afastá-lo e criar um espaço entre seus corpos. Mas seus braços permaneceram em volta dela.
Ele tinha razão. Eles arriscavam demais com esses joguinhos. Ela arriscava tudo.
— Venha comigo para minha casa — ele disse. — É apenas a algumas ruas daqui.
Ela queria concordar em ir. Cada centímetro de seu corpo queria. Mas aquelas ruas eram as mais perigosas no mundo dela. Dúzias de pessoas que moravam naquelas ruas a conheciam. Centenas. Não poderia cavalgar em uma delas sem ser reconhecida. Nem ele. Para, depois, arriscar ser vista entrando na propriedade dele, na casa dele...
— Nunca vai dar certo também — ela disse. — O senhor sabe que não.
— Em alguns minutos, devo saber. No momento, quero tanto a senhorita que não dou a mínima se alguém vir alguma coisa.
Ela precisou rir disso com pesar.
— Não posso não dar a mínima.
Ele a soltou do abraço, mas manteve um braço em volta dela.
— Vou encontrar uma forma. Quando encontrar, pretendo ir no meu tempo, depois do inferno pelo que estou passando.
Tempo dele?
Ele notou sua confusão. Passou o braço pelo pescoço dela e inclinou a cabeça dela para perto da dele.
— Beijar a senhorita. Tocá-la. Inteira. Seu pescoço. — Ele beijou o pescoço dela. — Seus seios. — Sua mão passou por seu seio, provocando um solavanco de prazer. — Suas coxas. — Ele acariciou a coxa dela do joelho ao quadril.
Não parou de falar. Disse, em detalhes chocantes, o que mais iria fazer. Era o tipo de coisas que homens decentes nunca falavam para mulheres decentes. Pelo menos era o que ela achava. Ela o teria impedido, só que suas palavras a deixaram hipnotizada, e sua excitação fervente ameaçou se tornar um incêndio.
Um silêncio profundo e pesado com poder sensual seguiu sua descrição escandalosa.
— É melhor voltarmos — ela disse.
— Provavelmente posso fazê-lo somente em uns dez minutos.
Ela demorou para entender o que ele quis dizer. Então corou intensamente. Ele deu risada.
A sociedade havia chegado ao parque quando eles passaram de volta pelo portão. As pessoas estavam muito ocupadas consigo mesmas e em serem vistas, então ela não viu muitas atentas a eles.
— Posso ir para casa sozinha — ela declarou. — Diga qual estábulo o senhor acertou para eu usar.
— Não vou atender seu pedido. Vou acompanhá-la até lá.
Ela preferiria que ele não o fizesse. Agora que estava cavalgando de novo e não mais em seus braços, ela conseguiu se livrar da sensação de ter sido escandalosa. Tão deliciosamente. Não por causa dos beijos, mas por ter ouvido o que ele disse, e como disse, e permitir aqueles toques delicados e as provocações sensuais.
Na casa dela, ele a ajudou a desmontar, depois pegou as rédeas de seu cavalo.
— Vou levá-lo ao estábulo. É de Cooper, a oeste daqui.
— Obrigada.
Ele se inclinou para lhe dar um beijo antes de voltar à sela e levar Duque embora. Ela observou-o virar a rua.
Antes de entrar em casa, olhou para a fachada como se algo invisível chamasse sua atenção. Viu um pedaço de touca branca em uma janela antes de desaparecer. Jocelyn os estivera observando. Ou era a sra. Finley.
lara estava sentada à mesa de sua biblioteca com papel, tinta e caneta. Tentava planejar a próxima edição do Parnassus. Não estava indo bem. Sua mente estava em outro lugar, não na mistura de textos e artigos que pudesse atrair leitoras.
Enquanto comia seu jantar, algumas verdades duras se apresentaram, exigindo atenção e contemplação e, já que não conseguia tirá-las da cabeça, ela as enfrentava agora.
Primeiro, Theo a tinha visto com Stratton e tirado conclusões que não eram verdade. Ela teria sorte de não encontrar sua avó colocando um anúncio de noivado nos jornais antes de a semana terminar.
Segundo, apesar de os dois não terem atraído muita atenção, foram vistos juntos. Depois de passarem tempo um com o outro na festa de Brentworth, os boatos estavam prestes a começar.
Terceiro, ela descobrira a história da velha contenda de suas famílias e, ao lhe contar, Stratton culpara seu pai muito mais do que o dele. Achou isso deselegante. Se ele não a tivesse beijado, ela teria dito o quanto sua interpretação fora injusta. Só que a beijara e, mais uma vez, a fez esquecer rapidamente por que não era para ela gostar dele ou aceitar sua companhia e como aqueles boatos de ele querer vingança poderiam ser verdade e poderiam até ser da família dela.
Quatro ? ela suspirou pesadamente ao admitir ?, a menos que sua perplexidade a tenha feito entender errado, ou que Stratton falasse em eufemismos poéticos, ela havia lhe dado permissão para fazer coisas com ela que não sabia que homens faziam com mulheres, muito menos mulheres como ela.
Finalmente ? ela suspirou de novo, por sua falta de bom senso ?, ela poderia ter lhe permitido pensar que concordava em ter um caso. O que não era verdade. Um beijo aqui e ali era uma coisa. Um caso seria muito delicioso ? não, não delicioso! De onde aquela palavra tinha vindo? Imprudente e perigoso, era isso que seria. Repetiu aquelas duas palavras de novo em sua mente. Focou nelas. Imaginou-se explicando para ele. Só que ele estava magnífico em sua imaginação, aquele sorrisinho se formando enquanto ela o dissuadia por completo daquela ideia. Depois, ele a interrompeu com um beijo, e centenas de faíscas de excitação a alegraram naquela fantasia. E na realidade também, onde estava sentada em uma cadeira.
Controlou-se e se obrigou a prestar atenção de novo ao papel em branco. Pegou sua caneta e a mergulhou no tinteiro, determinada a fazer mais naquela noite do que desfalecer pelo Duque de Stratton. Havia permitido muita intimidade, e veja onde isso a trouxera: a apreciar secretamente o quanto um homem pode ser perigoso.
Adam perambulava por sua casa, andando de um lado a outro em seus aposentos imensos e o corredor. O colete estava aberto. Ele o tinha desabotoado porque o calor dele o sufocava. Não sentia o frio da noite, mesmo com muitas das janelas abertas. Totalmente o oposto. Um desconforto como uma febre o atormentava.
O calor queimava em sua cabeça mais do que em seu corpo. Imagens eróticas e impulsos se alojavam ali. Nada os tinha dissipado. Nem a leitura. Nem se enterrar nas contas da propriedade. Nem listar o que ele tinha e o que não tinha descoberto sobre a intriga em relação à morte de seu pai.
Imergir naqueles detalhes foi uma tentativa desesperada e inútil de quebrar o controle de Clara sobre ele. Tudo indicava que o pai dela havia colocado combustível no fogo daqueles boatos e possivelmente os tivesse começado. A viúva também pode tê-lo incitado. Suas tentativas atuais recentes de forjar paz diziam tudo.
Ele ainda se importava com isso, furiosamente, mas pensar em Clara interferia na raiva justificada que ele carregara de volta da França. A lealdade cega dela ao pai, ver aquilo de novo à tarde, importava agora, mesmo que não tivesse importado no começo. Quando ele começou a persegui-la, tivera um impulso de luxúria e vingança, uma forma oblíqua de provocar velhos inimigos ao possuir a filha premiada e mais privilegiada da família. Agora, ele via que a magoaria se descobrisse coisas que impugnassem o falecido conde.
Dever, dever. Entoava aquela palavra em sua mente quando se percebia criando desculpas para não fazer o que precisava, tudo por causa de uma mulher. Não poderia ignorar que, quanto mais a conhecia, mais ela enfraquecia seu plano. Quem se importaria se ele deixasse a história enterrar a mentira? Não seria a mãe dele.
Seus passos o levaram para a galeria do lado de fora do salão de baile. A luz da lua brilhava nas janelas compridas de um lado do corredor comprido, dando formas aos bancos, plantas e imagens emolduradas. Andou pelo corredor sob os olhares de seus ancestrais até chegar ao quadro de seu pai. Não havia procurado aquela pintura, mas parou quando a viu.
Ele e seu pai não se pareciam muito. Adam herdou os traços da mãe. O pai dele era totalmente inglês, com um rosto comprido e cheio e olhos inteligentes. Usava uma peruca branca no quadro, e um sorriso vago. Não parecia em nada com a última vez que Adam o viu, e era essa última imagem que permanecia vívida em sua memória agora. Talvez, se seu pai soubesse o que uma bala de pistola na têmpora causava a um corpo, teria escolhido outra maneira de morrer.
Dever, dever. Ele não conseguia dar as costas, claro. Reconhecer seu dever não bania pensamentos sobre Clara ou o fazia pesar suas escolhas racionalmente. Continuou andando, caminhando pela noite, lutando uma batalha que sabia que um homem raramente ganhava, contra a vontade de possuir uma mulher que desejava.
Não era a primeira vez naquela noite que Clara acordava e ficava alerta. Virou na cama, puxando o lençol e o cobertor e, com isso, virando-se de lado. Enquanto afofava os travesseiros, seus olhos se abriram por um instante. Uma luz amarela e prateada iluminou seus lençóis. Completamente acordada agora, olhou para sua janela. As cortinas estavam abertas, e a luz da lua e das ruas se infiltrava como um pó de fada.
Ela pensou ter visto Jocelyn fechar as cortinas. Aparentemente, não. Irritada pelo descuido da dama, saiu da cama e tateou para fazê-lo ela mesma.
— Não. Sem a luz, não vou conseguir vê-la.
A mão dela segurou o tecido enquanto seu corpo congelou de susto. Ela girou. Stratton estava sentado em uma cadeira do outro lado do quarto, tão relaxado como se fosse sua própria casa. Na verdade, parecia que ele estava sentado ali há algum tempo, pela forma como suas pernas estavam estendidas e a maneira como ele descansava a cabeça na mão com o braço flexionado.
— O que... Como subiu aqui?
— Sua governanta me deixou entrar. Bati, ela chegou na porta de roupão e, com um olhar, virou-se e me trouxe para cima. Foi boa o bastante apontando sua porta antes de continuar subindo para o próximo andar.
— Que comportamento bizarro.
— Ela pareceu pensar que a senhorita me esperava. — Ele recolheu as pernas e se inclinou para a frente enquanto tirava o casaco.
— Ela começou hoje. Vou precisar explicar em termos mais firmes que... — Partes de sua conversa com a sra. Finley naquela manhã interromperam seus pensamentos. As partes sobre discrição e pessoas importantes visitando, mesmo em horas incomuns. Ninguém era mais importante do que um duque. Nada exigia mais discrição do que o caso de uma mulher solteira com um homem.
O duque agora desabotoava seu colete. O pânico tomou seu coração.
— A governanta cometeu um erro. Os empregados... minha dama...
— Sua dama também me viu. Olhei para o topo da escada e ela estava xeretando.
— Oh, meu Deus.
— Nem ela nem a governanta pareceram chocadas com a minha chegada. Só a senhorita. — Ele retirou o colete e o colocou no topo de seu casaco na cadeira ao lado da escrivaninha. — Quer que eu vá embora, Clara? Se quiser, diga agora, antes de eu terminar de me despir. Será muito irritante se acovardar depois que eu estiver nu.
Nu.
Ele aguardou. Ela encarou. O quanto seria difícil dizer sim, quero que vá embora? Acabou sendo muito difícil. Porque a maior parte dela não queria que ele partisse, e o resto não tinha certeza.
Ele se abaixou e tirou as botas. Levantou-se.
— É linda à luz da lua. Etérea. Prateada e cinza.
Ela olhou para si mesma. A menos que estivesse enganada, aquela luz tornava sua camisola fina transparente. Não sabia se parecia etérea, mas suspeitava parecer quase nua.
Resistiu ao impulso de se cobrir com a cortina. Não se importava com a forma como ele falou a palavra covarde, como se mandá-lo embora mostrasse falta de caráter em vez de admirável limitação. Uma mulher respeitável decidindo permanecer respeitável não era covarde. Era cuidadosa, sensível e... e... Ela suspirou, porque a excitação correndo por ela recusava-se a ouvir as lições antigas e previsíveis sobre bom senso e toda outra palavra entediante já usada para desencorajar o prazer.
Mesmo assim, ela teria que ficar firme, embora estivesse quase nua, e fazer o que precisava. Tê-lo em seu próprio quarto, sua própria cama, era mais do que perigoso. Era insanamente negligente.
Ela olhou para cima a fim de explicar isso, confiante de que ele entenderia, como o cavalheiro que era. Assim que o fez, ele tirou a camisa e, de repente, ela se esqueceu do que pretendia dizer.
Clara ficou simplesmente olhando para ele, os olhos arregalados com excitação e medo. Passou pela cabeça dele, quando ela acordou e ele viu o choque de sua presença, dar-lhe um beijo e recuar. Só que ela realmente estava linda e ficaria ainda mais linda assim que ele retirasse aquela touca. Ela não gritou nem o mandou sair. Em vez disso, observou-o, tão obviamente que ele tentou adivinhar o debate na mente dela.
Era a touca que dizia a ele com certeza que ela não fingiu a surpresa ao vê-lo. Uma mulher ansiosa pela chegada de um homem em seu quarto nunca usaria aquilo. A tola da nova governanta havia tirado conclusões que Clara não pensara. Ele apreciara o erro antes de saber que era um. A ideia de que ela o esperava, o recebesse e fizesse planos para recebê-lo baniu qualquer indecisão. Ele quase tinha subido a escada a cada três degraus.
Foi até ela e a pegou nos braços.
— A senhorita não falou nada. Estou aqui por causa de um conjunto de erros, mas ainda precisa ser sua escolha que eu fique.
Ela colocou as mãos no peito dele, depois apoiou a face na pele entre elas. O tecido fino de sua camisola oferecia pouca barreira para a sensação do corpo dela debaixo das mãos e dos braços dele. Sua maciez e seu calor doce entraram nele e acalmaram o descontentamento agitado que ele vivera naquela noite.
— Precisa ir antes das cinco.
— Irei bem antes disso.
— Não pode contar a ninguém. Precisa jurar. E deve prometer morrer antes de contar para minha família.
— Morrer?
Ela olhou nos olhos dele. Um brilho da Clara que ele tanto admirava apareceu entre outros que refletiam seu encantamento. Ele podia sentir a excitação dela. Mas ela ainda não havia se entregado.
— Sim, morrer. Eles não podem saber.
— Juro. — Ele provavelmente juraria qualquer coisa naquele momento.
Ela se esticou, envolveu os braços no pescoço dele e deu-lhe um beijinho.
— Então decidi que não serei covarde, como o senhor colocou de forma tão pouco generosa.
— Foi meu desejo pela senhorita tentando falar a meu favor.
— Eu sei. Funcionou.
Ele tirou a touca. O cabelo dela se soltou. Ele passou os dedos pelos fios e segurou sua cabeça para um beijo que esperara horas para ser libertado. A ferocidade do desejo dele explodiu quente e firme. Ameaçava dominá-lo. Ele precisou se controlar para não a arrebatar ali. Desabotoou o topo da sua camisola até ter abertura suficiente para conseguir tirá-la pelos ombros e braços.
Ela se aconchegou contra ele a fim de esconder sua nudez. Ele empurrou a camisola pelos quadris, depois a ergueu e a carregou para a cama.
Clara puxou os lençóis para cima assim que ele a deitou e acomodou-se ao seu lado.
— Está com frio?
Ela balançou a cabeça.
Ele tirou os lençóis.
— Então não faça isso. Quero vê-la.
Clara fechou os olhos conforme ele retirava seu escudo. Deixou-a assim enquanto se levantou e tirou o resto da roupa. A visão dela deitada ali fazia sua mente queimar.
— Dizem que os franceses são muito bons nisso — ela disse.
— Sou meio inglês.
— Talvez devesse falar francês, para chamar aquela outra metade.
— Não acho que vou falar muito. Minha boca estará ocupada demais.
Ele se juntou a ela de novo e se apoiou com um braço enquanto acariciava seu pescoço e descia por seu peito entre os seios. O bico de seus seios enrijeceu e empinou.
Sua própria mão acariciou o braço dele. Ela olhou para ele.
— Realmente pretende fazer todas aquelas coisas que falou esta tarde?
— Nem todas esta noite. — Ele não teria a paciência.
— Foi muito maldoso da sua parte. Muito escandaloso.
— E, mesmo assim, não fez nada para me impedir. Nenhuma arfada. Nenhuma palavra.
— Fiquei muito chocada.
— Pareceu, para mim, que ficou fascinada. — E excitada. Definitivamente excitada. Ele nunca teria ido tão longe se não fosse por isso.
Adam segurou ambos os bicos suavemente. Ela arfou.
— Oh! Isso é ainda melhor sem roupa.
Ele se certificou de que ela soubesse o quanto era melhor. Acariciou seus seios até ela gemer com prazer, depois baixou a cabeça e usou a língua e a boca.
A selvageria a tomou tão rápido que ela nem lutou contra. Sua paixão incendiou a dele. Imagens eróticas o atormentaram, mas ele tinha racionalidade suficiente para saber que aquela não era a noite para isso.
Acariciou suas pernas, depois colocou a mão entre suas coxas. Uma surpresa satisfeita foi emitida pelos choramingos dela. Ele explorou sua maciez úmida enquanto continuava excitando-a com dentes e língua. Perdida nas sensações, Clara abriu mais as pernas e lhe disse com suspiros imploradores que queria mais quando os carinhos dele aumentaram seu prazer.
Uma fome primitiva se libertou nele. Nada menos que se enfiar dentro dela iria satisfazer aquela necessidade agora. Ele cerrou os dentes e acariciou os lugares que a obrigariam a terminar se ela se permitisse. Ele ouviu seus gemidos aumentarem e sentiu a movimentação de seu corpo. Também sentiu o medo dela. Pressionou a boca em seu ouvido e lhe disse para relaxar. Ela o fez, abraçando aquele sentimento com um grito.
Ele se moveu para tomá-la. Os braços dela se ergueram para abraçá-lo. Ele ainda tinha a racionalidade suficiente para ir devagar primeiro e descobriu que era muito bom. Ele se segurou para não a machucar enquanto o desejo rugia dentro dele. Silenciou aquela voz primitiva o bastante para conhecer o prazer mais calmo da sensação dela revestindo-o. Fez movimentos longos e lentos enquanto pôde, mas, em certo instante, a necessidade de completude o derrotou. O alívio veio como um cataclismo e arremessou-o para o silêncio sombrio onde não havia outros sentidos e a paz absoluta reinava.
Tendo experiência com muitas mulheres, Adam sabia que não deveria dormir da forma como todo seu corpo encorajava. Em vez disso, conforme voltou ao mundo, rolou Clara e a puxou para seu braço na lateral.
Convinha a ele dizer algo assim que sua mente cooperasse. Mas a experiência não fazia diferença agora. Essa era a primeira vez para ela, o que fazia dele a primeira vez também, por assim dizer.
Clara estava pronta para falar mesmo que ele não estivesse. Por motivos que ele nunca entendeu, mulheres ficavam falantes às vezes. Ela não era exceção.
— Foi muito bom — ela disse. — Não doeu tanto quanto eu esperava.
— Bom saber. — A parte do “muito bom” o agradou. A parte de não doer o aliviou. Pareceu que ele pudesse tê-la machucado, agora que algumas lembranças infiltravam sua mente.
Ela se apoiou no cotovelo e olhou para ele.
— Sei que é para cavalheiros se sentirem culpados depois de ficarem com inocentes, mas acredito que o senhor não vá.
— Não me sinto nada culpado, já que entendo que vamos nos casar.
— Viu? É essa culpa, mesmo que negue. Bom, eu o absolvo.
— Clara, já pedi sua mão. Lembra?
— Não pediu de verdade. Não quis dizer mesmo. Foi um pedido fácil e seguro porque fez a uma mulher que nunca pretendeu se casar. Só estou dizendo que não quero que fique culpado.
— Não é culpa. Apesar de que, considerando o que acabou de acontecer, não há realmente uma escolha agora.
— Claro que há. Não finja que sua honra agora exige isso. Sabia que eu era virgem, mas isso não o impediu. Mais importante, sabia que eu era uma virgem que não casaria com o senhor depois que fizéssemos isso.
Ele não a insultaria dizendo que não sabia de nada disso. A disparidade tinha acontecido até na questão da virgindade. Era o tipo de mulher que poderia ter tido um amante por curiosidade, apenas isso. Poderia ter feito exatamente isso com ele.
— Então concordamos. Sem culpa e sem obrigações — ela disse.
Ele não concordava em nada. Haveria tempo para discutir sobre isso outro dia.
Aquele tópico terminou, para a satisfação dela, então se aninhou ao lado dele de novo.
— Sei por que realmente partiu da Inglaterra. Sei sobre seu pai.
Ele mal havia organizado seus pensamentos, e essa mudança de assunto o pegou desprevenido.
— O que sabe?
— Como ele morreu. O senhor deve ter ficado muito triste.
— Fiquei mais bravo do que triste. Com ele. Pelos motivos dele.
— Sei sobre eles também. Os motivos. Tudo parece muito injusto para mim.
— O que sabe? — ele repetiu com cuidado.
— Partes e pedaços apenas. Sobre os boatos. Ouvi que algumas joias tiveram uma participação.
Ele se esforçou muito para manter o tom casual e não diretamente.
— Quem lhe contou isso?
— Lady Hollsworth, na festa do jardim.
Fora um erro não forçar uma conversa com Hollsworth. Um erro ter adiado.
— Não sei nada sobre joias. Acho que ela se enganou — ele disse.
— Talvez.
Não falaram nada por muitos minutos. Ele ousou se permitir começar a dormir.
— Eu pensara, desde que o conheci, que o senhor carregava uma escuridão interna — ela disse, acordando-o de novo. — Algo que o fazia refletir. Só agora, enquanto estávamos juntos no prazer, fui poupada do luto pela primeira vez em seis meses. Pareceu, para mim, que talvez essa escuridão tenha diminuído no senhor também, por um tempo. Se sim, fico feliz.
Tinha, sim, de maneiras como nunca acontecera na França, independente de quem compartilhasse a cama com ele. O fato de ela reparar nisso o impressionou. O fato de ela estar feliz por isso o emocionou.
Ela não exigiu confirmação se estava correta. Tendo dito isso, finalizou. Aninhou-se ao lado dele, quieta em sua satisfação, sem nem exigir mais conversa.
— ilady, milady! — o chamado desesperado da sra. Finley penetrou a porta do quarto.
Clara sentou-se na cama, ainda meio dormindo. Sua nudez acordou-a. Enquanto segurava os lençóis ao seu redor, tentando cobrir cada centímetro de pele até o pescoço, seu olhar varria o cômodo, procurando provas de seu visitante.
Não havia ninguém. Ele fora embora, provavelmente horas atrás enquanto ela dormia, assim como prometeu. A única prova da noite anterior era ela.
Jocelyn se apressou para abrir a porta. A sra. Finley falava as palavras entre respirações pesadas.
— A condessa. O conde. Aqui. A carruagem deles. — Ela parou e inalou profundamente. — A casa não está pronta. Não há café da manhã suficiente. Vou correr e falar para a cozinheira fazer alguma coisa. — Ela se virou e saiu apressada.
Jocelyn correu para a janela, olhando a rua.
— Eles estão na porta.
— O que podem estar pensando, vindo a esta hora?
— São quase dez horas.
— Ajude-me a me lavar e vestir para que eu possa recebê-los. Não, primeiro corra lá para baixo e fale para a sra. Finley que é para ela colocá-los na sala matinal com o café da manhã e, se minha avó recusar, então será na biblioteca. Vou descer logo.
Jocelyn saiu correndo. Clara encontrou sua camisola entre os lençóis emaranhados e a colocou. Era sua imaginação ou a cama inteira tinha um cheiro diferente naquela manhã? Ela cheirou, depois ruborizou. Não havia como negar o que acontecera ali.
Foi apressada para o quarto de vestir. Água quente já a aguardava e ela começou a usá-la, sem esperar a dama. Jocelyn voltou e pegou uma toalha.
— Talvez eles subam aqui. A sra. Finley está firme, mas a viúva a está encarando e não acho que seja uma briga justa.
Por que, por tudo que é...
— Faça algo com meu cabelo, rápido.
— Não consigo mais do que um coque agora.
— Então faça um coque. Mas primeiro feche a porta do meu quarto. Tranque-a. Se minha avó der um passo naquela direção, você se joga contra a porta e se recusa a se mexer independente da ameaça dela.
O coque mal estava pronto quando escutaram vozes nas escadas. Jocelyn correu até o guarda-roupa, pegou um roupão e o jogou pelo cômodo para Clara.
Clara o pegou e o abotoou com mãos trêmulas.
— Mulher, vai se mover ou meu neto vai mover você — a viúva ameaçou sombriamente, sua voz fervendo do lado de fora da porta do quarto de vestir.
— Estou dizendo que ela ainda estava na cama e me instruiu para pedir à senhora que espere até estar vestida, milady.
— Eu não espero meus netos. É o contrário. Pode acreditar na ousadia da sua irmã, Theo? Ela invade meu quarto enquanto me visto, mas parece que não posso fazer o mesmo. Não vamos tolerar isso. Mexa-se.
— Vá e convide-os para entrar, Jocelyn, antes que a sra. Finley seja jogada pelas escadas. — Clara não gostou do tom da sua avó. Nem um pouco.
Jocelyn abriu a porta e ficou de lado. Sua avó entrou no quarto com um Theo amarrotado e bocejante atrás dela. Qualquer severidade desapareceu de sua avó assim que viu Clara. Um sorriso se abriu em seu rosto. Ela se aproximou e deu um beijo raro na cabeça da neta.
— Não, não se levante. Diga à sua dama para continuar, se ela ia fazer algo com esse cabelo terrível. Um coque? Eu seria a primeira a dizer que você precisa de um novo estilo, mas não é isso.
— Bom dia, Vovó. Theo.
Theo grunhiu. Assim que a avó se sentou, ele se jogou em um pequeno divã e estendeu as pernas. Vovó bateu naquelas pernas com sua sombrinha.
— Mostre um pouco de respeito, Theo. Não estamos em uma taverna. Perdoe-o, Clara. Parece que o acordei não muito depois de ele voltar de uma noite fazendo sabe-se lá o quê. — A forma como ela espetava Theo com um olhar sugeria que sabia o que era, ou pelo menos suspeitava.
Clara não estava com vontade de buscar um aliado pelo que pensava ser uma conversa desagradável.
— Ele é jovem, Vovó. Não pode esperar que se comporte como um homem de cinquenta anos.
Theo lhe lançou um olhar de gratidão.
— Felizmente, também falta discrição nele, ou eu poderia nunca ter descoberto que sua corte com Stratton progride rapidamente. Muito bem, Clara. Muito bem, de fato.
Clara olhou para Theo desafiadoramente. Ele deu de ombros, perdido.
— O que Theo disse?
— Em seu prazer e alívio de ver seu encontro com Stratton no parque, contou-me tudo. — Ela se inclinou para a frente. — E digo tudo, Clara. Tudo.
— Sim, cavalgamos pelo parque juntos. Não pensei que gostaria que o ignorasse. Encontro não é a melhor forma de descrever.
— Não precisa disfarçar para mim, querida. Conheço encontros acidentais que não são verdadeiros.
Ela deu uma grande piscada.
Clara não ousou responder. Não tinha certeza do que Theo vira ou não. Assumira que, depois de falar com eles, se ocupou com os amigos. Mas e se ele os seguira ao vê-los cavalgando para a área privada? E se tivesse visto mais do que cavalgar e conversar? E se tivesse visto tudo?
Ela olhou para o irmão, esperando descobrir exatamente o quanto sua situação estava ruim. Infelizmente, ele caíra no sono.
— Deixe-o dormir — sua avó disse. — Agora, conte-me. Stratton lhe deu presentes valiosos?
Só um cavalo muito lindo e uma noite para recordar pelo resto da minha vida.
— O que quer dizer com valioso? Como um lenço chique de seda?
— Oh, nossa, não. Você é tão ingênua. Com sua idade avançada, normalmente me esqueço disso. Valioso como joias caras.
— Ele não me deu nenhuma joia de nenhum valor.
— Que pena. Eu tinha esperança de que... Depois do que Theo me contou...
— O que exatamente Theo lhe contou? E ele estava bêbado quando lhe contou?
— Se estava bêbado, era de felicidade. Voltou perambulando com prazer da cavalgada. O duque claramente está apaixonado, ele disse. O homem não conseguia tirar os olhos de você, ele relatou. Vocês dois foram para longe, onde podem ter encontrado um pouco de privacidade, ele contou. — Ela abaixou o queixo e olhou para cima ameaçadoramente nessa parte.
Clara temeu que pudesse corar e confirmar tudo.
— Se ele tivesse nos seguido, teria nos visto discutindo. Bem alto, sobre um assunto que não dizia respeito a ninguém. Embora o duque e eu tenhamos um tipo de amizade, não é nada romântica. Considerando nossas duas famílias, como poderia ser?
Vovó não se importou com isso. Franziu os lábios e contemplou essa notícia lamentável.
— Ele não precisa ter nenhuma amizade com você, Clara. Se quer sua companhia, suas intenções são mais do que amizade. Você deve me contar se ele lhe der, ou tentar dar, qualquer joia. Quando um homem faz isso, implica coisas. Para uma mulher de sua educação, é uma declaração, mas garante que virá uma proposta em breve, senão imediatamente.
Clara imaginou o que implicava para uma mulher que não tivesse a educação dela. Intenções não honráveis, provavelmente.
Sua avó bateu de novo nas pernas de Theo com a sombrinha.
— Vamos embora para que você possa se vestir. Veja um novo estilo para seu cabelo. E diga para sua dama arrumar. — Ela cutucou a camisola com a ponta da sombrinha e a segurou a fim de acená-la como uma bandeira. Começou a falar, mas parou. Olhou aquela camisola. Cheirou. — Nossa, encontre uma nova lavadeira também. O que a sua usou nessa roupa? Água de peixe?
— Vou me certificar de encontrar uma melhor.
A camisola se agitou perto de Theo antes de Vovó soltá-la. Theo encarou o tecido no chão, depois franziu o cenho. Voltou-se para Clara com uma expressão confusa. Clara olhou de volta e fingiu ignorar a curiosidade dele. Aquele cheiro agora parecia preencher todo o quarto de vestir.
— Também deveria substituir a governanta e a dama. — Sua avó continuou dando opiniões enquanto se levantava. — E não adquira nenhum animal de estimação. Não consigo tolerar mulheres que moram sozinhas e mantêm animais.
— E aqui estava eu pensando em comprar um papagaio da América do Sul. Pensei em trazê-lo para a senhora ensiná-lo a falar. Então eu teria a alegria de suas lições o tempo todo.
— Cuidado, Clara. Não sou velha demais para reconhecer sarcasmo, e você anda em corda bamba comigo nos últimos dias. Venha, Theo. E lembre-se, Clara, qualquer presente de valor, qualquer presente, na verdade, conte-me imediatamente. Não, conte-me qualquer coisa que acontecer com ele. Não quero você perdendo esta oportunidade. Vai precisar do meu conselho.
Ela saiu. Theo olhou mais uma vez para a camisola antes de segui-la.
— Tente não arruinar isso, Clara. Não é como se algum outro homem fosse querê-la agora — ele disse, partindo.
Jocelyn entrou depois que eles passaram e fechou a porta.
— Isso pareceu divertido.
Clara pensou que as últimas palavras de Theo soaram sinistras. Como se ele soubesse. Ou adivinhasse. Ela olhou para a camisola. Vovó deve ter se esquecido daquele cheiro, mas, como um jovem que acabou de descobrir a vida, Theo devia estar bem familiarizado com ele nos últimos tempos.
— Ajude-me a me vestir, Jocelyn. — Ela pensou naquela folha em branco aguardando-a na biblioteca. Deveria tentar progredir. Seria difícil. Seus pensamentos já flutuavam de volta à noite anterior, e seu coração, às sensações descobertas naquela intimidade.
Adam terminou a carta para Clara e entregou para o mordomo postá-la. Também deu instruções ao homem para repassá-las aos criados de uma de suas propriedades.
Terminada a correspondência, pediu seu cavalo e foi até a cidade. Conteve uma tentação de visitar uma casa em Bedford Square e continuou reto até um prédio perto de Lincoln’s Inn. Ali, apresentou-se nas câmaras de Claudius Leland, seu advogado.
O sr. Leland havia herdado seus deveres ao Duque de Stratton um ano antes da herança de Adam. Cartas do sr. Leland chegaram com regularidade em Paris, longas missivas contendo muitos detalhes sobre a propriedade. Com Adam fora, o advogado havia se responsabilizado por exigir relatórios de cada propriedade e até visitava as principais a cada trimestre. É verdade que ele falhara em ver como o administrador de Drewsbarrow roubara milhares de libras, mas o ladrão havia sido muito esperto com a contabilidade, e Adam não culpou o advogado pelo evento miserável.
Agora o sr. Leland o observava através dos óculos. Não era jovem, mas seu cabelo fino permanecera ruivo e sua cor ainda era saudável. Sentaram-se em duas cadeiras ao lado de uma linda lareira. Prateleiras de livros cobriam as paredes, a maioria delas preenchida por livros de contabilidade e arquivos. Uma estante funda tinha pergaminhos. Embora fosse cedo, Leland ofereceu xerez. Então aguardou ouvir o motivo da visita.
— Estou curioso sobre as joias da propriedade — Adam disse.
— Seus antepassados acumularam algumas peças caras ao longo das gerações. A maioria não está na moda hoje, mas as pedras e os metais são de valor muito alto. A maior parte está no banco. Uma pessoa não teria joias tão valiosas em casa assim como um homem prudente mantém milhares de notas no banco.
— E a propriedade é dona delas? Como isso funciona?
Sr. Leland cruzou as pernas. Parecia feliz em explicar esta especialidade particular para alguém, principalmente um novo duque que ainda precisava impressionar.
— Oficialmente, pertencem a cada duque. Não há como herdar tais coisas. Mas as tradições de herança o fazem. Por exemplo, é costume nas famílias que alguém, normalmente um advogado confiável, explique a uma nova duquesa que, enquanto ela pode usar as joias, e qualquer presente dado diretamente a ela pelo marido se torna sua propriedade pessoal, as joias da família não são dela de uma maneira legal e permanecem com a propriedade.
— Então meu pai ou avô poderiam ter dado qualquer dessas joias valiosas a quem quer que escolhessem. Ou vendido algumas.
— Assim como o senhor pode fazer agora, claro. Tem interesse em fazê-lo?
— Estou mais interessado em descobrir como alguém saberia se eu fizesse.
— Ah. Agora temos uma conversa que nos foi negada até agora. Ninguém saberia se o fizesse, exceto o senhor, eu e o próximo duque. É feito um inventário de tudo da propriedade quando há a morte de seu dono. Foi feito um por mim depois que seu pai faleceu. Outro inventário do valor da propriedade é feito a cada dez anos. Se há falta de conformidade entre os dois, é meu dever investigar por quê.
— Acredito que às vezes algo desapareça sem explicação.
— É meu dever encontrar, mesmo que signifique averiguar se houve roubo ou perda. Algumas vezes, com meus patrões, eu já sei que algo foi vendido porque está nas minhas contas. É mais comum meus patrões me informarem quando uma propriedade pessoal de tal valor é desembolsada para que eu possa anotar e não ficar em dúvida sobre o que aconteceu.
— Mas o primeiro inventário que fez foi depois de o meu pai falecer.
— É verdade, mas tenho todos os registros. Foram mudados para cá quando tive a honra de assumir o cargo de meu antecessor. Gostaria de ver o último inventário?
— Sim.
Leland se levantou e foi para os fundos examinar as prateleiras. Esticando-se, pegou um arquivo grande e grosso, que quase caiu em cima dele conforme o pegou. Colocou em uma mesa com um barulho alto.
— Agora, vejamos... — Ele o abriu, colocou o dedo em uma página no fim e virou as páginas pesadas. Folheou mais, depois recuou. — A seção relacionada a joias está bem aqui.
Adam se inclinou para a página. Linha após linha descrevia as joias em detalhes.
— E o inventário anterior a este?
Leland colocou um papel na página atual, depois procurou o anterior.
— Não está tão completo, claro. Nem todas as rédeas dos estábulos, por assim dizer. Somente superficialmente. — Ele encontrou o inventário, folheou e gesticulou. — Aqui. 1811.
Adam conferiu a lista. Batia bastante com a recente.
— E o inventário de 1801, se não se importa.
Leland pareceu perturbado. Encontrou o inventário, e Adam viu imediatamente uma divergência.
— Este conjunto aqui não está nos dois últimos.
Leland olhou a página.
— Filigrana de ouro com pérolas e safiras, coroa e colar. — Folheou os inventários seguintes. — Parece que não. Presumo que seu pai tenha explicado a ausência antes de 1811, ou na época esse inventário foi feito por meu antecessor.
— Ou um erro foi cometido.
— Não cometemos erros, Sua Graça.
O conjunto fora removido da lista, isso era certo.
— Sabemos como se parecia? Posso encontrá-lo em um armário algum dia.
— Claro que sabemos. — Leland voltou à prateleira. Desta vez, usou uma escada a fim de acessar a prateleira mais alta e tirou uma caixa nomeada Stratton. Trouxe-a até a mesa. — São desenhados. Provam-se úteis em muitas situações.
A caixa incluía desenhos datados de pratarias e quadros, assim como joias. Adam reconheceu muita coisa da propriedade. Depois de pesquisar um pouco, descobriu o desenho das joias desaparecidas.
A descrição simples não lhes fazia jus. Só o colar tinha, no mínimo, trinta pérolas e cinco safiras de um bom tamanho. O ouro fora trabalhado como filigrana, mas com muito mais quilates que a palavra implicava. A coroa era ainda mais rica.
— Pesada — ele disse. — Imagino se alguma duquesa a usou.
— Talvez uma bem robusta. — Leland deu risada de sua piadinha.
— Gostaria de levar isso comigo.
— É seu, claro. Talvez encontre a joia algum dia, guardada em um lugar tão bom e seguro que foi esquecida. Não posso nem lhe dizer o quanto isso acontece. Pensariam que alguém dono de coisas tão valiosas se lembraria do que faz com elas.
Adam dobrou o desenho e guardou em seu casaco. Seu pai lhe mostrara todos os lugares seguros e bons das propriedades da família. Ele os checaria. Não pensava que eram essas joias que Clara disse que Lady Hollsworth mencionou, no entanto. Elas tinham desaparecido há muito mais tempo. Já que nenhuma outra sumira, provavelmente Lady Hollsworth cometeu um engano ou repetiu algum boato infundado.
Não eram o dinheiro nem as joias. De que outra maneira um homem poderia ajudar o inimigo enquanto permanecia na Inglaterra?
Dois dias depois, Clara estava descobrindo que ter um caso mantido em segredo de absolutamente todo mundo exigia um nível extraordinário de evasão. Um que ela começara a acreditar não possuir.
Começou bem simples, com um convite de Stratton para acompanhá-lo ao Epsom Derby Stakes. Iriam com a carruagem dele, ele propôs, e ficariam em uma de suas propriedades não muito longe do centro. Em sua empolgação inicial, ela respondeu e concordou.
Então o planejamento começou. Como explicar sua ausência da casa? Os novos criados aceitariam o que ela dissesse, mas Jocelyn acharia suspeita qualquer desculpa. Pior, como explicar sua presença na corrida com Stratton como acompanhante? E como explicaria sua hospedagem caso alguém perguntasse, o que certamente aconteceria?
Nem todo mundo estaria lá, mas uma boa parte da cidade faria a curta viagem. A maioria dos jovens estaria lá, com certeza. Isso significava que Theo provavelmente a veria. E teria suas suspeitas confirmadas. Se contasse à avó que ela e Stratton tinham... estavam... Era suficiente dizer que seria um inferno.
Passou por sua mente, enquanto pensava quais mentiras funcionariam e se ela estaria disposta a usá-las, que o duque não se importava muito se todos assumissem o pior deles. Ele não tinha mencionado de novo que se casariam? Como se estivesse falando sério mesmo sobre isso? Talvez contasse com um escândalo pendente para fazê-la mudar de ideia sobre a resposta.
Ela não fingiria que não tinha imaginado se casar com ele algumas vezes nos últimos dias, mas colocou a culpa na influência latente da intimidade deles. No entanto, quaisquer fantasias otimistas que ela conjurasse seriam rapidamente derrotadas pelas realidades das quais não poderia fugir.
Ficaria sem controle de sua renda. Sem independência. Não mais poderia subsidiar o Parnassus e acabaria a publicação. Seria triste ter que contar a Althea e às outras que a aventura terminara. Quase não seria mais uma pessoa, verdade seja dita. Com algumas palavras, ela teria se tornado uma mulher que não reconheceria.
Decidiu que não havia como ir ao Derby Stakes com Stratton. Isso a entristeceu em um nível surpreendente, e não apenas por causa de sua decepção em não ver a corrida. A fim de dissipar a melancolia, decidiu visitar algumas livrarias para ver se as cópias do Parnassus estavam vendendo.
Seu cocheiro a tinha ajudado a comprar uma carruagem modesta e um par de cavalos, e pediu a ele que a trouxesse. Ela controlaria seu humor e escreveria a Stratton à noite explicando sua mudança de decisão.
Não havia ido muito longe quando decidiu que a companhia de uma amiga ajudaria a melhorar seu ânimo, então deu ao cocheiro o endereço da casa de Althea.
Sua amiga morava com o irmão em uma rua perto da St. James’s Square. Clara foi levada para a sala de estar, onde Althea sofria em silêncio enquanto sua cunhada conversava com outras visitas. Os olhos de Althea se iluminaram quando ela viu Clara entrar. Ela pulou para apresentar Clara às damas reunidas e, na primeira oportunidade, levou-a para o lado.
— Você é uma santa — Clara disse. — Eu teria enlouquecido se tivesse que fingir que as amigas dela eram minhas amigas.
— Não me importo normalmente, mas neste momento estou muito feliz em vê-la.
— Despeça-se delas. Estou com minha nova carruagem lá fora. Vamos visitar algumas livrarias.
Althea provou concordar extremamente. Quinze minutos mais tarde, pararam na primeira loja e entraram para contar as cópias.
— Estão faltando três — Althea relatou quando voltaram à carruagem. — Vamos verificar a Johnson’s, na Oxford.
As novidades lá as emocionaram. Só faltava uma cópia ser vendida.
Quando saíam da loja, uma voz chamou Clara. Ela se virou e viu Stratton saindo de uma loja a quatro portas dali. Althea lhe lançou um olhar confuso.
— Ele e eu conversamos às vezes — Clara explicou. — Não deveria ignorá-lo.
— Claro que não. Seria muito errado ignorar um homem tão bonito.
Ele pareceu feliz em vê-la. E Clara não conseguiu esconder que também estava feliz. Esperava que fosse apenas isso que revelasse, e não o resto do que sentia. Alegria, calor e ecos de vibrações sensuais a inundavam. De canto de olho, viu Althea compreendendo tudo.
Fez as apresentações. Stratton conhecia o irmão de Althea, que se lembrou da mãe de Stratton. Finalmente, Clara se virou para a amiga.
— Tenho algo que preciso dizer ao duque. Pode nos dar licença por um minuto?
Althea sorriu gentilmente e foi até a vitrine de uma loja admirar os produtos.
— Não posso ir — Clara disse baixinho. — Sei que combinamos, e quero muito ver a corrida, mas não importa o quanto tente planejar, só vejo as fofocas se espalhando rapidamente depois. Não há como ser discreta.
— Dane-se a discrição.
— Não pode pensar assim.
— Não, não penso. Pelo menos, para o seu bem, não penso. — Olhou além dela. — Convide sua amiga. Leve-a com a senhorita. É sua carruagem? Planeje ir com ela. Vou cuidar do resto. — Ele olhou para Althea de novo. — Pode ter que lhe contar. Pode confiar nela?
— Ela deve ser a única pessoa em que posso confiar. Certamente é a única pessoa que sei que guarda segredo.
Ele inclinou a cabeça. Seu sorriso charmoso provocou um arrepio até seus dedos do pé.
— Tem segredos além de mim? Que intrigante. Agora vou precisar descobrir quais são.
Ela chamou Althea de volta.
— Deveríamos continuar nossas tarefas, Duque. Bom dia para o senhor.
Adam foi embora, e elas subiram na carruagem. Althea colocou a cabeça para fora da janela a fim de observar o duque se afastando. Depois se acomodou, colocou a bolsa no colo e olhou diretamente para Clara.
— Há alguma coisa que queira me contar, querida? Porque acho que compartilhou muito mais do que conversas com aquele homem.
Assim que Clara falou para Adam que a amiga se juntaria a ela, seu plano se encaixou. Ele deixou uma casinha em Epsom para as damas. Só que elas não iriam usá-la, na verdade.
Adam compartilhou seu plano genial com Langford e Brentworth, naquela noite, em um salão de jogos enquanto jogavam.
— Você está desafiando o diabo — Brentworth disse. — Pelo menos metade da cidade estará em Derby Stakes. As estradas de Surrey estarão lotadas com carruagens. Com certeza o irmão dela irá. Poderia se ver casado com a ponta da espada.
— Não entende? Stratton não vai ao Derby — Langford revelou. — Se tivesse a mulher que queria sozinha em um lugar privado, interromperia o romance para desperdiçar um dia em uma corrida de cavalos?
— Talvez ele queira ver a corrida. Talvez ela queira.
— Prometi que ela veria a corrida — Adam contou.
— Ela não vai sentir falta se você não for desajeitado. Tenho que aconselhá-lo nisso também?
— Por favor, não — Brentworth pediu. — Imploro a você, e Stratton insiste, tenho certeza.
Langford fez algumas apostas.
— Vou apostar com vocês dois que não fará sentido ir à corrida. Estou confiante de que meu conhecimento vasto sobre mulheres está correto. Diga quanto.
— Cem libras — Adam disse.
Langford parou e desistiu de suas apostas.
— Retiro o desafio, se aposta tanto assim. Já que você tem controle do resultado, devo concluir que vai garantir que ganhe, mesmo se for contra seus interesses.
— Se sedução fosse meu único objetivo, não precisaria sair de Londres. Ela quer ver a corrida, e eu vou passar por uma dificuldade considerável para conseguir isso. Tanto que, mesmo que ela insista em abdicar disso, vou exigir que completemos o plano.
Langford deu risada.
— Não, minha querida, não podemos ficar na cama o dia todo. Temos que ir para Epsom em breve. Pare com esses carinhos. Não serei persuadido pelas artimanhas femininas de mudar o plano. — Ele imitou a voz de Adam.
— Ignore-o — Brentworth disse. — Procure meu lugar na corrida. Vamos assistir juntos e brindar ao vencedor, que espero que seja o meu cavalo.
Ele e Langford começaram a falar de probabilidades e da competição. Adam observou a roda girar. Três dias até Clara se juntar a ele em Surrey. Tinha certeza de que ficaria louco antes disso.
CONTINUA
Ele achou que pudesse descobrir algo com ela. Nunca havia escrito para ela sobre essas questões. Em vez disso, ele a deixara angustiada sem propósito.
Suas repreensões delicadas não eram novidade. O desejo que ela tinha de o filho deixar o passado em paz também não. Por cinco anos, ela o convencera de que o caminho prudente era seguir em frente. Quando ele ficava agitado em relação ao seu dever pendente quanto ao nome do pai, uma visita a ela acalmaria o turbilhão tentando tomá-lo de novo.
Você deveria se casar. Ter um herdeiro e me dar um neto, e encontrar a felicidade. Ele sempre pensou que ela sabia mais do que dizia e escondia dele para que não alimentasse a turbulência obscura que poderia, um dia, causar sua morte. Agora, ao ter pelo menos metade da verdade nas mãos, ela insistia não saber de nada.
Ele submeteu os últimos deveres ao seu criado em um humor maçante e atrasou-se escrevendo outra carta para, depois, sair em seu cavalo à casa de Brentworth.
Talvez o sol tivesse melhorado seu humor, ou fosse a alegria da pequena multidão zanzando pelo jardim enorme. Certamente, avistar Lady Clara não lhe causou mágoa. Ela estava sentada com a irmã e o irmão de Langford, Harry, em um banco no centro do jardim mais próximo da casa. Sua irmã usava a musselina branca que elas encomendaram na costureira naquele dia. Já que a maioria das garotas usava branco, somente a simplicidade do tecido a diferenciava. Lady Clara também trajava um vestido escolhido naquele dia. Embora fosse decorado com um bordado simples tão discreto que era quase invisível, a cor fazia toda diferença. À luz clara do dia, o lilás-hortênsia parecia mais vibrante do que na loja.
Ele foi até elas. Ela dissera para não a visitar. Não havia dito para não falar com ela. Não que ele teria obedecido tal comando, de qualquer forma.
Harry o viu primeiro e o recebeu com um cumprimento feliz. Harry se parecia muito com seu irmão mais velho, só que ainda esguio da maneira que jovens de vinte anos ficam. Também usava óculos, consequência de muita leitura à luz de vela ao longo dos anos. Adam concluiu isso muito depois de ele e Langford terem lido uma história esotérica escrita por Harry, dizendo que viveria nas bibliotecas pelo mundo.
— É um lindo dia, não é, Stratton? — Harry parecia bêbado de prazer. Como Lady Emilia não parecia entediada, as coisas deviam estar indo bem entre eles.
— Sim, muito lindo.
— Lindo demais — Lady Emilia disse com um grande sorriso.
— Está lindo mesmo — Lady Clara respondeu sem nem um pequeno sorriso.
Ele se aproveitou de um espaço vago no banco ao lado de Lady Clara. Ela arrastou-se para mais perto da irmã e mais longe dele.
— As senhoritas são mais bonitas do que as flores — Adam elogiou. — Essa cor combina bem, Lady Clara.
— Pensei que sim, dadas as circunstâncias.
— Tenho certeza de que está ansiosa pelo dia em que usará uma variedade de cores de novo. Azul, por exemplo. Azul-claro, para combinar com seus olhos adoráveis e contrastar com seu cabelo.
— Ela tem uma roupa assim — Emilia disse. — Ele pode estar descrevendo seu traje azul para cavalgar, Clara. Fica lindo mesmo nela, sir. Ninguém poderia deixar de admirá-la quando ela usa esse traje e se senta em um lindo cavalo.
— Tenho certeza — Adam respondeu.
Clara sugou as bochechas.
A alegria de Harry diminuíra um pouco depois da adição de Adam ao grupo. Agora ele brilhava, como se fosse atingido por uma inspiração divina.
— Vi uma cama de tulipas quando entrei. Poderia me acompanhar enquanto vou olhá-la, Lady Emilia?
Emilia virou os olhos esperançosos para a irmã. Clara lançou um olhar crítico a Harry, depois outro por cima do ombro.
— Acho que uma caminhada rápida até as tulipas não seria prejudicial. Lembre-se do que lhe disse quando estávamos vindo, Emilia. Não queremos que Vovó me repreenda por ser uma acompanhante inapta.
Emilia saiu com Harry antes de ela terminar. Clara aproveitou-se do espaço a mais a fim de ficar ainda mais longe de Adam.
— O que está fazendo aqui? — ela perguntou.
— Brentworth é um de meus melhores amigos. Se não tivesse passado uma de suas primeiras Temporadas ignorando minha existência, saberia disso.
— Passou pela minha mente que ele pudesse ser. O senhor o fez fazer isso? Ele não dá muitas festas aqui. Acho que a última vez que estive aqui foi há três anos, antes de ele ter ficado com a herança.
— Ninguém convence Brentworth a fazer alguma coisa. Ele decidiu sozinho. — Era oficialmente verdade, mas não completamente. — Talvez ele tenha decidido dar mais festas e pensou que esta pequena reunião fosse um bom começo.
— Veio em uma hora conveniente. É um bom começo para Emilia também. — Ela olhou por cima do ombro de novo para encontrar sua irmã no jardim.
— É obrigada a ficar aqui sentada o tempo inteiro? — ele perguntou. — Há alguma regra desconhecida a mim que não possa aproveitar o sol e as flores se está de luto?
— Claro que não. É só que... — Ela olhou em volta no jardim e mordeu o lábio inferior. — Sinto-me um pouco estranha. Conheço todas essas pessoas e, mesmo assim, sinto-me excluída de uma nova maneira. Como se elas não importassem. Como se eu não me importasse com elas.
Ele conhecia a sensação esquisita.
— A senhorita esteve separada delas mais tempo do que imagina. A morte de seu pai muda as coisas também. Nós todos somos colocados em filas por outros e somos movidos ao longo do tempo.
— Então antes eu estava na fila de filha de Marwood, e agora estou na de irmã de Marwood?
— Algo assim.
— Esta não parece prestigiosa. Agora estou menos interessante.
— Talvez menos útil fosse uma forma melhor de dizer.
— Nossa, o senhor é cínico às vezes. Suponho que quatro anos atrás eu estava na fila de ingênua no mercado para casamento, mas isso mudou agora também. Agora estou na solteirona na prateleira.
— Eu diria que está na fila mulher madura que sabe o que quer.
— Que generoso da sua parte. Independente do nome que damos, eu prefiro este lugar.
Ele gesticulou para os outros convidados.
— Acho que eles sabem disso. Talvez seja outro motivo pelo qual se sinta uma estranha com eles.
Ela se levantou.
— Se estou tão confortável comigo mesma, não deveria permitir que outros me façam sentir estranha. Acho que vou socializar, para variar.
Ele a viu se afastar e cumprimentar duas damas que conversavam por perto. Ele podia ver, antes de algo ser dito, que aquelas jovens expressaram solidariedade pela perda dela. Provavelmente aconteceria isso a cada pessoa que ela encontrasse, já que a maioria não fora ao funeral no interior.
Ele não esperava que ela fosse sociável por muito tempo. Procurou Brentworth e encontrou-o no terraço, sofrendo com um discurso político do Visconde Weberly. Corado e escandaloso, o velho fazia pronunciamento atrás de pronunciamento sobre a necessidade de esmagar rebeliões assim que elas surgissem, e não aguardar as delicadezas de uma ação legal. Brentworth apenas escutava, mas, quando viu Adam, usou isso como desculpa para se libertar.
— Pensei que Weberly nunca fosse parar — ele disse, conduzindo Adam para mais longe e na direção do ponche.
— Descobri há muito tempo que era perda de tempo tentar explicar a mentes como a dele que, enquanto pode ser conveniente prender os manifestantes sem julgamentos, não era legal nem inglês.
Weberly não estava sozinho em defender o ato de governo de forma contrária à lei e à tradição. O medo motivava a ele e outros. A revolução francesa ainda lançava uma sombra, revivida quando a agitação ribombava pelo país. Já que rugia às vezes agora, Weberly e sua turma ficavam cada vez mais fervorosos ao exigir ações que certificariam a segurança de seu pescoço.
Brentworth pegou dois copos de refresco de um criado que administrava as tigelas de ponche e entregou um para Adam.
— Vai gostar. É uma poção do oeste indiano com uma quantidade justa de rum. O conteúdo daquela outra tigela é doce, típico e sem algo forte.
— Tenho certeza de que as damas gostaram da escolha.
— Você pensaria que sim. Muitas delas, no entanto, quiseram o que nós bebemos, várias vezes. Estou de olho em uma delas, para que não desmaie antes de a tarde acabar.
— Onde está Langford? — Adam usou a pergunta como desculpa para supervisionar o jardim até encontrar Lady Clara.
— Por aí em algum lugar, seguindo seu conselho bem seriamente de flertar com todas as jovens.
— Ele nasceu para flertar, e elas gostam tanto que ele não consegue evitar.
— É melhor ele se certificar de que uma delas não o arraste para atrás de um arbusto, ou ficará um inferno. Essas meninas estão ficando mais ousadas ou eu que estou ficando velho?
— Acho que um pouco dos dois.
— Falando em flerte, onde está sua senhora?
— Ali ao lado da fonte, conversando com Hollsworth e a esposa.
— Você não deveria estar lá também?
— Tudo a seu tempo.
— Suponho que, primeiro, precise avaliar o terreno, depois planejar o ataque.
— Não haverá ataque. Sou um cavalheiro.
— Chame do que quiser. Quanto ao terreno, há uma construção maravilhosa no canto mais ao norte, no meio daquele bosque de árvores frutíferas. Um pequeno templo para a deusa Diana. É muito frio lá atrás, mesmo em dias quentes, então é improvável chamar a atenção de muitos convidados.
Adam olhou o pomar em questão.
— Lembrei dele agora que me lembrou. A estátua da deusa é bem mais interessante do que alguém espera em um jardim.
— É da antiga Roma. Provavelmente eu deveria levá-la para a galeria.
— Lady Clara é uma mulher culta. Ela gostaria de vê-la em seu local atual antes de você mudar.
— Acha isso? Infelizmente, tenho todos esses convidados para receber e não posso levá-la lá. Talvez a leve por mim.
— Vou tentar me lembrar de fazer isso, presumindo que ela e eu conversemos de novo. — Ele colocou o copo na mesa, depois saiu do terraço, em direção à fonte.
Clara saiu de uma discussão longa em relação à nova moda de golas muito altas e viu o Conde de Hollsworth perto da fonte. Sua condessa sorria amavelmente na direção dela, então juntou-se a eles.
Hollsworth estava muito ereto, apesar de sua idade avançada. Cabelos brancos finos cresciam em tufos. Os óculos grossos faziam seus olhos parecerem muito pequenos. Ele sorriu em cumprimento enquanto a condessa pequena e grisalha a cumprimentava.
Hollsworth fora amigo de seu avô e, depois, de seu pai. Um homem quieto, observava mais do que contribuía em reuniões sociais. Seu pai lhe dissera, uma vez, que o comportamento reservado de Hollsworth significava que as pessoas frequentemente falavam sem perceber que ele escutava. Como resultado, seu pai o considerava um de seus pares mais bem informados.
Lady Hollsworth examinou detalhadamente o vestido de Lady Clara.
— Muito bem. Fico muito feliz em ver que você e sua irmã se aventuraram a sair e escolheram colocar o luto de lado. Jovens não deveriam ficar um ano inteiro excluídas de suas vidas, e acho estranho que tal costume esteja virando moda. Não concorda, Charles?
Lorde Hollsworth apenas sorriu e assentiu.
Clara dedicou sua atenção à condessa, elogiando seu vestido elegante. Ela havia acabado quando o conde se endireitou ainda mais, o suficiente para chamar a atenção da esposa.
— Oh, nossa — ela murmurou, observando além de Clara. Olhou desconfiada para o marido, cuja expressão ficara rígida. — Com certeza ele não virá aqui.
Clara olhou por cima do ombro. Ele em questão era Stratton, que parecia estar andando na direção deles.
— É um velho amigo de Brentworth — ela disse, embora a presença do duque não precisasse de explicação.
A mandíbula do conde ficou firme. A condessa olhou preocupada para ele.
— Por que não vai admirar o jardim, Charles?
Assentindo firmemente, o conde se afastou.
— Perdoe-nos. Meu marido prefere não conversar com Stratton. Nem gostaria de ignorá-lo diretamente. Pode ver a dificuldade dele.
— Vejo claramente. Mas não sei se entendo.
A condessa manteve o olhar no jardim entre eles e a casa. Clara se moveu para que pudesse ver também. Stratton andava devagar, parando para cumprimentar outros convidados, mas permaneceu em uma linha que acabaria nelas.
— Ele voltou por um motivo. Repare como todos os homens o cumprimentam calorosamente, mas ficam sérios assim que ele passa. Ele veio para encontrar alguém para culpar pelo ato precipitado do pai, acredito. Meu marido gostaria de evitar uma discussão com ele sobre tudo isso — Lady Hollsworth explicou.
— Lorde Hollsworth não precisa ficar preocupado que o duque o desafie. Stratton tem uma decência básica e nunca ousaria fazer tal coisa com um idoso, principalmente depois de uma simples conversa.
As sobrancelhas de Lady Hollsworth se ergueram.
— Sei que muitos pensam assim, mas nunca se sabe. Além disso, a senhorita é uma escolha estranha para defendê-lo. Muito estranha. Esperava que seguisse meu marido para evitar fazer parte do encontro prestes a ocorrer.
— Minha avó decidiu que devemos fazer um esforço para acabar com essa antiga briga. Já que parece que ninguém se lembra do que a causou, acredito que ela esteja correta.
— Isso fica cada vez mais curioso. Será que a viúva não está se sentindo bem esses dias? Ela não é mulher de desenvolver uma memória defeituosa sem outro motivo. — Já que Stratton estava quase ao lado delas, ela fixou um sorriso no rosto quando ele se aproximou. — Deixe sua avó sofrer a investigação dele sobre aquelas joias, se decidiu fazer as pazes. Meu marido não quer se ver esquivando-se das perguntas de Stratton.
— Que joias?
— Stratton! Que gentileza a sua de cumprimentar uma idosa — Lady Hollsworth o saudou e fez uma reverência.
Ele emanava um charme que deixaria qualquer mulher à vontade.
— Não poderia deixar passar a chance de falar com a senhora.
— O senhor só precisava me visitar, e teria tido a chance mais cedo.
— Vou assumir isso como um convite. E Lorde Hollsworth? — ele perguntou. — Está bem?
— Muito bem. Estava aqui agora mesmo, mas buscou refúgio nas flores quando Lady Clara e eu começamos a falar sobre vestidos.
— Sinto muito tê-lo perdido. Talvez cruze com ele mais tarde.
— Ele ficaria bem grato se o fizesse, sei disso. — Ela fingiu ficar na ponta dos pés e procurá-lo. — Deveria encontrá-lo, suponho. Clara, você e eu vamos conversar de novo em breve, assim espero. Faça uma visita.
Ela saiu, deixando Clara com o duque.
— Que grosseria da parte dela — Clara disse.
— Eu queria que ela saísse, para que a senhorita e eu pudéssemos ficar sozinhos.
— Não acho que isso durará muito tempo com todas essas pessoas aqui.
— Tenho certeza de que vai. Ninguém aqui está querendo conversar comigo.
Ele sabia das reações que o seguiam conforme ele passava.
— O senhor não pode gostar da forma com que os homens o tratam com cautela. É como se recusassem a aceitar que é um deles.
— Com minha posição, eles precisam me aceitar. Eu sabia que levaria um tempo para minha ausência ser esquecida ou meu retorno ser compreendido. Vamos dar uma volta, se estiver disposta. Assim, outros convidados podem se sentar nesses bancos em volta da fonte, o que não acho que farão se eu permanecer neste local.
Os bancos realmente haviam se esvaziado assim que ele chegou. Clara concordou em dar uma volta pelo jardim. Ela ainda não conseguia entender como ele não se importava com as desfeitas sociais.
— Sabe por que homens como Hollsworth o evitam?
Ele baixou a cabeça para cheirar os botões de um arbusto de lilás.
— Alguns se preocupam de que eu vá me ofender por algo que digam. Se não me desonrarem, a ofensa será impossível. Mesmo assim, isso os preocupa.
— Hollsworth certamente sabe que, mesmo se o insultar francamente, o senhor nunca desafiaria um idoso. Eu disse isso para a condessa. Ela respondeu que ele quer evitar uma conversa com o senhor.
Ele simplesmente continuou andando.
— Não se importa que todos eles o considerem perigoso? — Ela gesticulou para o lugar com o braço na direção do jardim.
— A senhorita também? Isso me magoaria de verdade. Não me importo muito com os outros.
— Ainda não decidi — ela mentiu. Considerava-o, sim, perigoso. Para ela. Não tinha nada a ver com duelos ou o passado ou nenhum dos motivos pelos quais todos o tratavam com cuidado. Mesmo agora, andando pelos caminhos do jardim, ela não era ela mesma. A proximidade dele a deixava afobada. Olhar para ele ameaçava deixá-la calada.
O caminho os levou para o fim de um bosque cheio de flores.
— Há uma construção aqui — ele disse. — Um pequeno templo romano abobadado para a deusa Diana. A estátua é antiga.
As árvores frutíferas ainda não estavam cheias de folhas. A luz do sol manchava os caminhos debaixo dos galhos. Ela pensou ter visto a abóbada. Juntar-se a Stratton quando ele se aventurou pelo bosque não a preocupava. Provavelmente, encontrariam outros convidados entre aquelas macieiras.
O ar esfriou apesar dos raios de sol. A construção estava no canto, perto de onde os muros de pedra se encontravam. A deusa de mármore usava pele de animal e carregava uma aljava de flechas nas costas. Estava abaixada para amarrar a sandália com o pé apoiado em um toco de árvore, no qual estava apoiado seu arco.
Clara subiu os três degraus que circulavam a estrutura e passou pela arcada que segurava a abóbada e comportava a estátua.
— É muito realista. As diferentes texturas são retratadas de forma tão exata que se pode pensar que não é de pedra. — Ela passou a ponta dos dedos pela pele de animal.
— Provavelmente é do começo da era romana. O pai de Brentworth era um homem bem viajado, com um olho bom para arte de qualidade.
Ela andou em volta da estátua. Adam entrou na estrutura, só que olhou para ela, não para a deusa.
— O senhor não me trouxe aqui para admirar esta estátua, não é?
— Eu a trouxe aqui porque exigiu que não a visitasse na sua casa.
Ela se virou e o viu bem atrás dela. Seu coração acelerou, bloqueando sua respiração. De repente, o bosque não mais pareceu amplo e aberto, mas denso e obscuro. Ela mal conseguia escutar o som da festa no jardim aberto.
Ele ergueu seu queixo com os dedos.
— Se não fosse tão rigorosa, eu poderia ter feito isto lá. — Ele a beijou, suavemente primeiro, mas depois mais apaixonadamente. As sensações cascatearam por ela, então ela não mais queria ser nada rigorosa.
Ele interrompeu o beijo, mas manteve a mão no rosto dela.
— Não posso permitir que me rejeite, Clara. Que negue isto. Não penso que realmente queira também.
Ela ficara muito segura depois da cavalgada deles. Sua mente tinha ficado bem clara. Naquele momento, não conseguia se lembrar do que havia pensado.
Mas ele falou a verdade. Ela não queria realmente negar o quanto se sentia viva quando ele a beijava. As considerações do motivo dele deixaram, então, de importar. Ela não queria rejeitar o prazer ou a excitação. Deveria, mas não queria. Saboreava a maneira como ele a excitava. Ela havia refletido nas lembranças do que aconteceu na colina por muito tempo desde que se viram pela última vez.
Ele a beijou de novo e a abraçou. O calor de seu corpo a confortava e extasiava. Tão bom. Bom demais.
— Se repetir sua exigência de não a visitar, terei que persegui-la em bosques e jardins o verão todo — ele murmurou em seu ouvido. — A discrição pode ser quase impossível.
Com seu prazer inebriante, ela vagamente reparou que ele não havia desistido. Ele a alertara naquele primeiro dia que não o faria.
Ainda assim, ela deveria repetir sua exigência. Não deveria fazer nada que o encorajasse. Deveria se lembrar de por que aqueles beijos não eram apenas errados, mas desleais. Assim que essa intimidade acabasse, com certeza ela se importaria de novo com todos aqueles...
Os sons penetraram no silêncio ao redor deles. Uma risada, e uma risada de homem. Não muito longe. Perto, naquele caminho. Stratton a soltou abruptamente e saiu do templo, deixando-a sozinha com a deusa.
Um feixe de luz do sol iluminou um vestido branco e uma cabeça loira entre as maçãs. Com outra risada, Emilia entrou na pequena clareira com o templo. A expressão de sua companhia caiu quando viu Stratton.
— Harry, que gentil da sua parte mostrar a Lady Emilia o caminho deste tesouro — Stratton disse. — A irmã dela tentou encontrá-la antes de vir aqui. — Ele apontou para Clara.
Harry viu Clara. Emilia também viu. Ambos coraram. Clara fez uma careta enquanto lutava para manter a compostura. Ao permitir que o duque a ofuscasse novamente, havia negligenciado seu dever. Emilia iria receber um sermão muito grande para não ser tão burra de ficar sozinha com um homem daquele jeito.
— Venha e veja a estátua — ela chamou. — É impressionante.
Visivelmente aliviado, Harry acompanhou Emilia para dentro da estrutura. Todos eles admiraram a deusa juntos, depois voltaram pelo bosque e chegaram ao jardim ensolarado.
Clara decidiu que ela e Emilia deveriam ir embora e arrastou a irmã para Brentworth para que pudessem agradecer ao anfitrião. Quando iam embora, ela viu Stratton perto dos bancos, observando alguém. Seu olhar seguiu a direção do dele, diretamente para o Conde de Hollsworth.
Funções sociais completas, ela e Emilia se acomodaram na carruagem de Theo para o caminho aos respectivos lares.
— Teve uma tarde boa e se divertiu? — Clara perguntou diretamente, conforme as lições sociais necessárias se organizavam em sua mente.
— Minha tarde não foi tão divertida como a sua, acho. — Emilia lançou um olhar sábio pela cabine da carruagem.
Foi a vez de Clara corar. E engoliu o longo sermão que pretendia dar à irmã.
lara e Althea estavam paradas uma ao lado da outra na biblioteca de Clara na sexta-feira de manhã. Em uma mesa comprida, cópias frescas do jornal delas aguardavam em pilhas. A gráfica enviaria pelo correio as cópias dos assinantes, mas essas deveriam ser entregues em livrarias, e as mulheres que fariam isso, amigas da sra. Clark, chegariam ao meio-dia.
Clara admirava as brochuras vultosas. As que iam pelo correio não tinham capa, mas aquelas tinham a capa azul-escura e o título gravado de maneira encantadora. Ficariam lindos nas lojas.
Althea disse um número, e Clara pegou aquele número de cópias e as levou para a ponta da mesa. Althea seguiu e colocou um papel com um nome de loja naquele grupo.
Até então, metade dos jornais tinham sido atribuídos às lojas.
O trabalho demorara mais do que o esperado porque Clara estava descrevendo a festa no jardim. Não a parte em que fora beijada de novo, claro.
— Depois, Lady Hollsworth disse tão claro como está ouvindo agora: Deixe sua avó sofrer a investigação dele sobre aquelas joias. Perguntei o que ela quis dizer, mas, naquele instante, Stratton já estava ao nosso lado, então ela não respondeu.
— Que intrigante. É um milagre você não ter mandado o duque embora para que pudesse ter sua resposta.
— Tento não ser grosseira, Althea.
Althea verificou seu papel.
— Ackermann’s. Quinze.
Clara contou cinco cópias e as levou para a outra ponta da mesa.
— Descobriu alguma coisa interessante?
— Continuo ouvindo as mesmas coisas. Conversas sobre os duelos. Preocupação que ele desafie as pessoas daqui. Há uma hipótese entre algumas pessoas de que ele terá que fazê-lo a fim de limpar o nome da família do que quer que o tenha manchado. Algumas das idosas acreditam que a honra significa que ele não pode permitir que as coisas fiquem como estão.
— Os tempos mudaram. As famílias não têm mais os pecados de seus antecessores como marcas na testa. Sugerir tal coisa é muito ultrapassado.
— Não é um pecado típico, no entanto, não é? Os boatos tinham a ver com traição.
— Não houve acusação pública, Althea. Nem julgamento.
— Não se aborreça comigo. Só estou dizendo...
— Sei o que está dizendo. Não estou aborrecida com você. Estou irritada com todas essas fofocas vagas de pessoas que parecem não saber de nada com certeza.
— Alguém sabe. Entretanto, a história acabou, então quem quer que seja não levantará a questão novamente. Principalmente com o duque de volta à Inglaterra.
É, alguém sabia. Provavelmente muitos alguéns. Como Hollsworth.
Será que o pai dela também sabia?
Jocelyn entrou na biblioteca com a correspondência matinal. Clara parou de contar os jornais enquanto verificou as poucas cartas. Uma a fez congelar. Rasgou-a e a leu.
— Oh, não. De todos os dias que se podia escolher... — Olhou freneticamente para a mesa, cheia de cópias do jornal.
— O que foi? — Althea perguntou.
Clara abanou a carta.
— Minha avó tem algo importante para me contar e pretende vir aqui logo depois do meio-dia, antes de fazer suas visitas.
— Aqui? Oh, nossa. As mulheres...
— Chegarão exatamente quando ela chegar. Entrando e carregando pilhas destes jornais. — Ela se apressou até a porta da biblioteca e chamou Jocelyn. — Pode terminar isto sozinha, Althea? Vou tentar ao máximo retornar antes do meio-dia, mas devo ir à casa de meu irmão antes que minha avó saia para vir até a minha casa.
Jocelyn chegou e Clara lhe pediu sua pelica e a boina. Ela olhou para seu vestido. Era parte do guarda-roupa que deixou ali depois do último verão, e não era preto nem azul ou roxo escuros. Ao acordar de sonhos sensuais desconfortáveis, impulsivamente colocara um vestido vermelho. Ninguém a veria, exceto sua família. A família em questão não aprovaria, entretanto.
— Vou cuidar de tudo por aqui — Althea disse. — Não se preocupe. Tenho minha lista e vou acabar em quinze minutos.
Jocelyn trouxe uma boina e a pelica. Pretas. Vermelho e preto. Ficaria parecendo um palhaço.
— Jocelyn, por favor, ajude Althea a terminar de contar as brochuras. Preciso sair imediatamente.
Ela se apressou até a porta, para alugar uma carruagem para o trajeto longo até Mayfair.
Quase uma hora mais tarde, ela entrou na Casa Gifford, só para descobrir que sua avó ainda não havia descido. Rezando para que ela não sofresse e não fosse esquartejada pela presunção, subiu até o seu quarto.
Parou do lado de fora da porta. Nunca mais tinha entrado ali. Desde que tinha dez anos e entrara escondido para explorar a penteadeira de sua avó. Fascinada pelas joias e maquiagens, ela as provara, admirando-se no espelho. Mesmo agora conseguia ver seu reflexo, depois o susto de ver sua avó bem atrás.
Pagara severamente por colocar aquele colar e o rouge. Sua avó lhe batera com uma vareta enquanto a obrigou a olhar para seus pecados no espelho o tempo todo. Depois ordenara que ficasse presa apenas com pão e água durante uma semana. Seu pai estava viajando e só retornou e lhe concedeu a soltura dois dias depois.
Não conseguia olhar para aquela porta e não se ver naquele espelho enquanto a vareta batia em suas nádegas nuas. Respirando fundo e colocando a imagem dela toda pintada e enfeitada de lado, aventurou-se, entrando.
Viu sua avó um segundo antes de sua dama de companhia colocar sua peruca. Com o cabelo amassado em uma rede e o corpo escondido em uma camisola com camadas de renda, sua avó não a viu até a dama tocar seu ombro e apontar para a porta.
Aqueles olhos enormes e pálidos lançaram um olhar fulminante, depois se voltaram para o espelho.
— Cuide de mim, Margaret, para que eu possa falar com minha neta invasora.
Margaret colocou a peruca, ajustou alguns cachos grisalhos e se afastou.
— Agora vá e chame Theo. Diga que preciso dele aqui.
Margaret se apressou para fora do quarto.
— Clara, está usando esse vestido para me provocar? É medonho em qualquer época, mas principalmente agora.
Clara se sentou em um divã perto da lareira.
— Recebi seu recado. Pensei que era melhor ouvir isso logo do que mais tarde.
Sua avó se virou na cadeira.
— Mais tarde, mas não muito mais tarde. Poderia ter esperado eu me vestir, pelo menos. Ou até ter reconsiderado sua própria vestimenta.
— Desculpe. Pareceu muito importante, então vim imediatamente.
Sua avó se virou para o espelho mais uma vez e beliscou as bochechas até formar duas bolinhas cor-de-rosa. Não finja que não se maquia. Nós duas sabemos que o faz. Chicoteou-me uma vez por descobrir isso.
— Não queria me ver naquela sua casa, é isso que quer dizer.
Theo entrou apressado. Viu Clara, evitou olhar para o traje de sua avó, e sentou-se em uma cadeira.
— Espero que não vá demorar. Estava indo cavalgar no parque.
— Não vai demorar nada. Porém, queria você aqui quando explicasse as questões para sua irmã.
— Que questões? — Clara perguntou. Uma preocupação meio esquisita a tomou. Duvidava que essas questões a agradariam, considerando o tom de sua avó.
— Fiquei sabendo da festa de Brentworth. Muitos de meus amigos me escreveram. Fico feliz em dizer que a opinião deles sobre o comportamento de Emilia foi perfeita.
— Tentei ser uma boa acompanhante. — Pelo menos não era sobre Harry.
— Também escreveram que Stratton estava lá.
— Sim, acredito que estava.
— Acredita que estava, certo? Da forma que entendi, ele passou mais de uma hora na sua companhia.
Parecia que o quarto havia diminuído.
— Nem uma hora, tenho certeza.
— No mínimo, uma hora, dois de meus amigos relataram. Da mesma forma, ele não passou nenhum tempo com Emilia.
— Não é verdade. Eu estava presente quando conversaram.
— Então ele conversou com ela por, no máximo, um minuto. Está claro, Theo, que fizemos suposições errôneas sobre o duque e vamos precisar corrigir nossa estratégia.
— Parece que sim — Theo concordou.
— Não culpe Emilia se ele não concordou com a sua última — Clara disse. — Esperar que ele se case com alguém da nossa família foi uma estratégia incorreta desde o começo. Falei isso para a senhora.
Sua avó se levantou. Em um balançar da renda, ela se moveu até estar sentada ao lado de Clara no divã.
— Uma estratégia incorreta? — Ela riu com a renda nos lábios. — Não em princípio, parece. Ele pode não ter gostado de Emilia, verdade. No entanto, parece que acha você interessante. Não sou uma mulher rígida. Se o sucesso exige uma substituição de irmãs, que seja.
Theo pareceu confuso.
— Stratton a quer?
— Parece que ele saiu do caminho dele para ter a companhia dela na festa.
Theo quase deu risada.
— Inferno, isso é novidade.
— Olha a linguagem, Theo. Quanto à preferência do duque, não há como medir gosto.
— Sinto muito, Vovó. É só que Emilia é tão perfeita, e Clara é... — Ele deu de ombros, depois estendeu o braço na direção de Clara, como se dissesse bom, ela é quem ela é.
— Não é a esposa que eu aconselharia para um duque, mas, já que ele não me escutou quanto ao assunto, vamos nos adaptar à sua decisão peculiar.
Theo balançou a cabeça.
— Não vejo como a união irá nos aproximar dele. Em seis meses de casamento, ele vai ter certeza de que foi enganado e sairá sedento por sangue.
— Então devo deixar que vocês dois discutam minha vida francamente? Não gostaria que minha presença interferisse — Clara disse diretamente.
Sua avó deu um tapinha em sua mão.
— Nós a aborrecemos, Theo. Acalme-se, querida.
— Estou bem calma, obrigada. Porém, infelizmente, preciso dizer que interpretou completamente mal o interesse do duque. Ele gosta de me provocar, nada mais.
— Isso é simplesmente um menino puxando o cabelo de uma menina de que gosta — sua avó disse.
— Não gosto que puxem meu cabelo. A senhora parece ter se esquecido de que, não importa o que o duque prefira, eu não vou me casar com ele ou com outra pessoa.
Theo resmungou.
— Isso de novo, não.
— É, isso de novo. E de novo. E de novo. Não entendo por que vocês insistem em pensar que minha decisão é algo passageiro, quando fiquei firme por todos esses anos.
— Decisões podem ser mudadas, como esta deve ser. — Sua avó deu um tapinha em sua mão de novo. — Pelo bem da família, pelo bem de seu irmão, pelo meu bem, você vai se casar com ele.
Tão agitada que temia que fosse gritar, Clara se levantou. Como ousavam interferir nesse estágio da vida dela? Porque papai se foi e não há ninguém aqui para impedi-los.
— Se essas são as notícias importantes, já ouvi. Agora me vou. Encorajo-os a encontrar outra solução para o que quer que seja a ameaça que pensem que o duque representa. Theo, se for esperto e não o insultar ou à família dele, ele nunca vai desafiá-lo, então toda essa trama é desnecessária, de qualquer forma.
— Se ele lhe pedir e você recusar, estará insultando-o — Theo soltou.
— Vou embora. Recuso-me a ouvir mais desta loucura.
— Você não vai embora. Vai ficar bem aqui enquanto planejamos como o pescará agora que ele foi fisgado — Vovó disse.
— Meu Deus, Stratton não é um peixe burro. Não haverá pesca. Bom dia para vocês.
Ela já estava na escada quando seu tremor começou. Não sabia se era da raiva e do choque ou do desejo inexplicável de rir. Na metade da escada, o último impulso desapareceu. E se Stratton contasse a Theo e sua avó que ele já tinha feito o pedido? Eles seriam implacáveis em coagi-la a concordar. Ela teria que se mudar para o Brasil para salvar sua sanidade.
— Sempre fico feliz ao assistir a leilões, mas estamos aqui por um motivo, Stratton? — Langford perguntou.
— Pretendo comprar um cavalo. Que outro motivo me traria aqui?
Eles se levantaram no jardim de Tattersalls, junto com outros vinte homens, enquanto saía um cavalo atrás do outro para inspeção e ofertas. Até então, nenhum tinha sido bom o suficiente. Certamente, não a atual no palco, mesmo que o leiloeiro tivesse elogiado a égua como adequada para uma mulher.
— Pretende comprar hoje? Os cinco cavalos no seu estábulo aqui da cidade não servem? Os vinte que você tem no interior precisam de um novo amigo?
— Não é para mim. É um presente.
— Ahhhhh. Ou seja, para sua dama.
— Ela precisa de um cavalo. Um cavalo muito bom. É uma amazona excelente, como vai descobrir. Cavalga melhor que você, embora esteja presa em uma sela lateral.
— Nenhuma mulher cavalga melhor do que eu.
— Quando eu comprar o cavalo, pode apostar corrida com ela e veremos quanto a isso.
— Está dando muitos presentes a ela. É apropriado? Primeiro o colar de rubi, agora um cavalo. — Langford olhou-o. — Você deu a ela o colar de rubi, suponho.
— Ainda não. Isso é para depois.
— Quanto depois? Faz semanas.
— Estou esperando o momento certo.
— Que ainda não chegou, aparentemente. — Langford sorriu. — Estou achando que a grande sedução não está se revelando como você pretendia. Não, não, não precisa explicar. Não sou o tipo de homem que pressiona um amigo por detalhes tão íntimos. Mas talvez devesse anotar quando eu lhe der uma aula.
Adam não se importaria em dar uma surra em Langford. Se não quisesse outra opinião sobre o cavalo, talvez tivesse batido nele.
— Ela sabe que você está comprando um cavalo para ela?
— Não.
— Uma surpresa, então. O estábulo do irmão dela tem espaço para outro cavalo?
— Não sei.
— Não deveria descobrir antes de comprar um?
— Pare de ser tão prático. — Isso era melhor do que dizer a Langford que Lady Clara se mudara da casa de sua família e agora arranjaria seu próprio estábulo.
A movimentação perto do leiloeiro chamou a atenção de Adam. A baia foi aberta, e os criados a levaram para longe. Um homem guiou o próximo cavalo. O castrado tinha uma cor castanha profunda, quase preto. Era alto e resistia a quem estava segurando a rédea.
— Agora aquele é um animal lindo — Langford disse.
Adam também pensou isso, então aproximou-se para olhar mais de perto, com Langford atrás.
Examinaram o cavalo por completo. Langford verificou os dentes enquanto Adam ergueu as pernas e os cascos. Outros também se amontoaram, mas o olho experiente do leiloeiro deve ter visto os cavalheiros prováveis para ofertar alto porque aproximou-se de Adam.
— Três anos — o homem repetiu, sendo que acabara de anunciar a informação. — Uma verdadeira beleza. Com personalidade suficiente para correr. Um cavalo para se cavalgar, com certeza. Não é adequado para carruagem, embora possa ser treinado para isso.
— Como ele lida com a sela?
— Tolera muito bem. Um cavalheiro com você não deve ter problema. Estaria mentindo se não admitisse que não colocaria um cavaleiro fraco nele. Ele tem a própria mente, sim, e precisa de uma mão firme.
— Parece perfeito para o cavaleiro que tenho em mente. Eles vão combinar.
— Então espero que ganhe. Espero que a oferta suba bem.
Adam se afastou. Langford se juntou a ele.
— Então é esse? Tem certeza? Se ele a jogar no chão, você vai se sentir muito culpado.
— Ela não será jogada no chão.
— Se você diz. — Langford não soou convencido.
Quinze minutos depois, Adam combinava o pagamento pelo cavalo e sua entrega em seu próprio estábulo.
— Não vamos levá-lo para ela agora? — Langford perguntou enquanto iam embora.
— Nós nunca vamos levá-lo para ela. Eu vou sozinho. Outro dia.
— Que pena. Eu queria ver. Se ela ama tanto cavalos, provavelmente vai cair aos seus pés quando recebê-lo.
Adam imaginou isso e deu risada, embora, em sua mente, Lady Clara se recusava a se render por completo. Não sabia se ele queria que ela o fizesse.
lara acordou cedo na segunda-feira. Os criados que ela contratara começariam naquele dia, e ela precisava explicar seus deveres e suas expectativas. Duvidava que terminasse até a noite.
Vestiu-se e desceu para a sala a fim de tomar café da manhã. Um grande aparador a recebeu. Diferente do fraco desjejum preparado por Jocelyn, havia comida suficiente para alimentar dez pessoas. Ela provou um pouco dos ovos. Ovos quentes, diferente dos mornos que Jocelyn fazia.
Uma mulher entrou enquanto ela comia e colocou a correspondência ao lado de seu prato, depois recuou. Não era Jocelyn. Parecia uma das mulheres que ela considerara para a vaga de governanta. Provavelmente, era a que ela contratara.
Ela se levantou e foi procurar a mulher. Encontrou-a em uma conversa baixa com uma menina perto das escadas que levavam à cozinha. Ao vê-la, ambas fizeram reverência. A menina desceu as escadas correndo.
— Vejo que já está aqui, sra. Finley. Esperava recebê-la quando chegasse.
— Sua dama me deixou entrar, e já comecei. Espero que não se importe.
— Nem um pouco. A cozinheira está aqui também, reparei. Poderia lhe dizer que, no futuro, ela não precisa fazer tanta comida. Moro sozinha e não tenho grande apetite de manhã. Também diga a ela que estava tudo maravilhoso, e o café estava excelente.
— Sim, milady.
— Poderia me avisar quando o sr. Brady, o cocheiro, chegar?
— Ele está lá embaixo agora, milady, esperando a senhorita chamar. Ele disse que trouxe um cavalariço como a senhorita pediu.
Ela pediu que a sra. Finley mandasse o cocheiro e o cavalariço subirem até a biblioteca. Meia hora depois, tudo estava resolvido. O cavalariço foi contratado, e o sr. Brady foi enviado para pesquisar carruagens e um par de cavalos à venda para que ela pudesse ter um motivo para o emprego dele.
A sra. Finley entrou na biblioteca quando os dois homens saíram.
— A senhorita vai querer direcionar a cozinheira quanto às refeições e afins, ou devo lidar com isso?
— Acho que vou deixar em suas mãos capazes. Amanhã vamos sentar e chegar a uma consideração razoável para você.
— Haverá mais alguma coisa agora, milady?
— Mais uma coisa. Por favor, sente-se.
A sra. Finley acomodou sua figura robusta em uma das cadeiras. Clara a tinha contratado em parte porque era uma mulher madura que veio com boas referências. Mais, porém, porque a sra. Finley a lembrava de uma governanta que trabalhara na casa de seu pai há muitos anos.
Naquele instante, com um vestido simples cinza e uma touca grande branca que cobria a maior parte de seu cabelo castanho, a sra. Finley pareceu preocupada. Clara lhe agradeceu por cuidar da casa tão rápida e perfeitamente, depois abordou o tópico verdadeiro que queria discutir.
Ter todos esses criados colocava em risco algumas das colaboradoras do jornal. Elas não mais visitariam uma casa vazia usada apenas para reuniões. Agora encontrariam uma casa cheia na qual as atividades do jornal eram visíveis para olhos curiosos. Uma mulher que escrevia sob um apelido não gostaria que criados de Londres soubessem de sua identidade.
— Quando me encontrei com cada um de vocês, fui muito clara de que todo mundo que trabalha aqui deve ser discreto ao extremo. Quero enfatizar de novo e pedir que você, em troca, converse com os outros sobre isso. Não posso permitir que os criados fofoquem com os amigos sobre esta casa. Às vezes, pessoas importantes visitam, mesmo fora do horário de visita, e essas idas e vindas não devem ser mencionadas fora desta propriedade. Qualquer falta de discrição será pior que roubo, do meu ponto de vista. Estou falando bem sério.
— Sim, milady.
— Arrependo-me de precisar cobrá-la por reforçar esta regra. Se suspeitar que qualquer um esteja sendo desleal, deve me informar.
— Sim, milady. Não se preocupe. Vou certificar-me de que os lábios estejam fechados quando saírem desta casa.
Era o melhor que ela poderia fazer. Esperava ser o suficiente. Um deslize e ela teria que encontrar outra casa para o jornal. Seria inconveniente.
Sua manhã ocupada havia tomado apenas uma hora e meia, graças à sra. Finley. Subiu para seus aposentos e passou o resto da manhã com Jocelyn, procurando vestidos apropriados para a metade restante do luto. Tendo aparecido na festa de Brentworth, Emilia e ela começaram a receber convites para outros eventos. Ela ansiava por interpretar a acompanhante mais um pouco.
À uma e meia, enquanto escrevia cartas, uma batida em sua porta fez Jocelyn sair do quarto de vestir e abri-la. A sra. Finley estava na porta, corada e um pouco sem fôlego.
— Desculpe, milady, mas um cavalheiro chegou. — Ela entregou um cartão a Jocelyn. — Um cavalheiro bem notável. Um daqueles importantes dos quais falou esta manhã. Eu o coloquei na biblioteca.
Jocelyn fechou a porta e entregou a Clara o cartão com uma expressão suave, mas os olhos brilhando. O cartão pertencia ao Duque de Stratton.
Sem nenhuma delas falar uma palavra, Jocelyn começou a arrumar o cabelo dela, depois franziu o cenho para seu vestido, para depois assentir.
O mais apresentável que conseguiu, Clara desceu para a biblioteca. Viu Stratton examinando a estante de livros majoritariamente vazia. No momento, ele estava com o livro que continha as cópias publicadas do Parnassus. Ela acreditava que ele não tivesse removido nenhuma para uma inspeção mais detalhada, mas, se tivesse, simplesmente suporia que ela fosse assinante.
Ele se virou ao escutar os passos. O coração dela acelerou com asas flutuantes com o sorriso que ele lhe deu.
— A senhorita precisa de mais livros.
— O decorador recomendou uma livraria onde eu posso comprá-los aos montes. Pensei que seria mais divertido eu mesma escolher cada um. Vai demorar, mas, em alguns anos, provavelmente terei a maioria das prateleiras cheias.
Ele se aproximou, curvou-se sobre sua mão e a beijou.
— A senhorita negligenciou o fato de exigir que eu não visitasse, então aqui estou. Está brava comigo?
Ela não poderia dizer o que deveria. Ele saberia que estava mentindo. Pior, saberia que ela era uma covarde e uma mulher que não sabia o que quer.
— Não estou brava. Estou feliz por ter me visitado.
— Venha comigo — ele pediu, ainda segurando a mão dela e levando-a para a porta. — Preciso testar minha sorte e esperar que isso não a deixe brava também.
Ela o seguiu para a porta da frente. Ele a abriu e revelou seu cavalo amarrado. Outro cavalo estava parado ao seu lado. Um cavalo maravilhoso, tão bonito quanto Galahaf e parecido em estrutura, mas mais escuro. Quase preto. Havia uma sela lateral nele.
Stratton desceu e fez um carinho firme no pescoço do animal.
— Pode dar o nome que quiser a ele. Já acertei um lugar e os cuidados em um estábulo nas proximidades.
Clara desceu e se juntou a ele para ficar onde o cavalo pudesse vê-la e vice-versa.
— É lindo. Mas não entendo.
— Ele é seu. Eu o encontrei para a senhorita. Mulheres não vão a leilões, então, para comprar o melhor, precisei fazê-lo. Gostou?
— Adorei. — Nossa, que cavalo. Tinha linhas lindas e um brilho imperial nos olhos. Ela afagou o nariz dele. O cavalo a olhou, analisando-a assim como ela o fazia.
— O que lhe devo por ele?
— Nada. É um presente, claro. — Stratton soou vagamente desesperado, mas pareceu gostar da reação dela com o animal.
Um presente. Muito valioso. Aceitar seria se comprometer. Recusar seria insultar.
— Devo insistir em comprá-lo. Vou fazê-lo quando receber meu próximo pagamento.
— A senhorita é teimosa. Passei por bastante coisa para lhe dar um presente, e agora está me transformando em pouco mais do que um vendedor de cavalos.
— Aprecio seu esforço. De verdade. Nunca poderia tê-lo encontrado. Ele é uma surpresa maravilhosa. No entanto, não posso aceitar um presente valioso assim.
Ele suspirou irritado.
— Vou pedir que meu administrador informe o valor ao seu contador. Não vou pegar seu dinheiro por completo nem estou disposto a concordar com isso.
— Obrigada. Devo lhe dar o nome perfeito, então vou pensar nisso.
— Se colocar seu traje, podemos sair para cavalgar no parque antes que fique muito cheio. A senhorita pode pensar no nome enquanto o cavalga.
Seu senso dizia que ela deveria declinar do convite, mas sua empolgação com o cavalo silenciou essa voz em dois segundos.
— Entre e aguarde enquanto me visto adequadamente. Mas será uma cavalgada rápida. Tenho muitos deveres em casa hoje.
Vinte minutos mais tarde, ela estava sentada na sela. O cavalo a testou imediatamente quando saíram. Tentou trotar antes do comando, e ela o freou com firmeza.
Stratton não perdeu nada.
— O leiloeiro alertou que ele precisava de uma mão firme. Tem personalidade e, como viu, um pouco de rebeldia.
— Consigo lidar com ele.
— Eu sabia que conseguiria. Vocês dois têm muito em comum e vão se entender rapidamente.
— Está me comparando a um cavalo?
— Só da melhor maneira.
— Suponho que não me importe muito. Poderia ter sido outra coisa. Como um peixe.
Eles foram até Strand e cavalgaram ao longo dela, manobrando pelo amontoado de carruagens. Ela manteve a atenção no cavalo, para se certificar de que se acertassem do jeito que ela quisesse.
Quando chegaram a Mayfair, Stratton os guiou pelas ruas residenciais para que não desfilassem por Bond ou Piccadilly. Finalmente, entraram no Hyde Park.
— Já escolheu um nome?
— Ele tem opinião, é temperamental e persistente. Talvez eu deva chamá-lo de Duque.
— Não conheço nenhum duque com essas qualidades.
— Não? Eu conheço. O parque está quase vazio, está muito cedo. Vamos fazê-lo correr? O pobrezinho está agoniado com esse ritmo.
— Absolutamente. Vou segui-los.
Ela levou seu cavalo ao galope rapidamente e mirou na área ocidental do parque. Alguns cavaleiros exercitavam suas montarias ali, andando para a frente e para trás. Ela encontrou um ritmo perfeito e aproveitou a velocidade tanto quanto seu cavalo.
Ela o puxou e Stratton parou ao seu lado.
— Decidi. Será Duque. Há uma nobreza real nele.
— Então será Duque, apesar de que, quando eu estiver com a senhorita, não ficará claro com quem está falando.
— Vou chamá-lo de Stratton.
— Prefiro Adam.
Parecia uma coisa pequena, mas ela sabia que não era. Duvidava que alguém, exceto a mãe dele, o chamasse de Adam. Esse convite à informalidade implicava uma intimidade contínua e crescente.
Ela debateu sobre sua resposta. Enquanto o fazia, um cavaleiro cavalgou na direção deles, saudando Stratton. Ela apertou os olhos para ver quem poderia ser e reconheceu o cavalo, a capa e o cabelo loiro. Theo se aproximou rápido.
Que azar.
Theo freou seu cavalo e lhe ofereceu um enorme sorriso. Ele brilhava. Mesmo ao cumprimentar Stratton, seu prazer era todo por ela. Ela não via seu irmão tão feliz em meses.
Muito azar.
— Que montaria linda você tem aí, Clara. É um dos seus, Stratton?
— Ele é meu — Clara o informou. — Acabei de pegá-lo. Não queria me aproveitar da sua generosidade o tempo todo.
— Eu não teria me importado, apesar de que teria sido inconveniente para você cruzar a cidade até o meu estábulo. — Theo olhou maliciosamente para Stratton a fim de ver qual, se tivesse alguma, reação isso provocava. Já que o duque não pareceu nem um pouco confuso, Theo deve ter concluído que Stratton sabia onde ela morava agora. Seus olhos azuis brilharam com satisfação.
Maldito e infernal azar.
— Devo voltar para meus amigos — Theo disse. — Vou deixar vocês dois se entreterem. — Ele girou seu cavalo e cavalgou de volta para onde viera.
— A senhorita não gostou de ele ter nos visto — Stratton concluiu.
— Nem um pouco.
— Vai ter que contar a alguém alguma hora.
— Não há nada para contar.
— Claro que há. Será que o mundo inteiro vai saber antes da senhorita? — Ele virou o cavalo. — Vamos por aqui.
O caminho dele levava às profundezas do parque, longe dos lugares para caminhada. Ninguém os veria ali nem sorriria sabiamente da forma que Theo fizera.
Ninguém nos verá aqui. Ela olhou para Stratton, pensando que deveria se opor. Só que não o fez. Esperava que ele estivesse tramando algo. Um aperto em seu peito dizia o mesmo. Uma ansiedade vergonhosa a tomou. Ela parecia estar à beira de um precipício, preparando-se para saltar, esperando que voasse e não caísse.
Ele desmontou em uma área isolada de grama e amarrou seu cavalo. Tirou-a de Duque e o amarrou também. Juntos, sentaram-se na grama.
— Gostaria que não contasse a ninguém que tentou me dar Duque de presente — ela pediu. — Poderia ser mal interpretado como outro gesto além de amizade.
— Provavelmente, já que não tenho o hábito de dar cavalos para amigos. Também é improvável que os beije, acaricie o corpo deles, ou...
— O senhor sabe o que quero dizer. Também acho que poderíamos resolver que o que quer que tenha causado a briga entre nossas famílias esteja acabado e não seja mais importante. Tanta raiva quando ninguém sabe o que aconteceu é ridículo.
— Eu sei o que aconteceu.
Ela se virou, surpresa.
— Sabe? Lady Hollsworth disse que era um problema de honra, mulher ou propriedade.
— Foi propriedade. Meu pai explicou tudo para mim. Seu pai provavelmente fez o mesmo com Theo, embora duvide que ele e eu tenhamos escutado as mesmas histórias.
Ela esperou. Stratton observou o horizonte, seu perfil lindo provocando-a a tocar e traçar sua linha. Talvez ela o deixasse permanecer em silêncio e ficasse a próxima meia hora apenas olhando-o.
Só que ela estava curiosa. Se aquele homem estava em sua vida agora, ela queria saber por que não estivera antes.
— Vai me contar?
Ele pareceu pensar sobre isso.
— Começou com nossos avós. Houve um trato de propriedade no condado que eles disputaram. Uma herança da parte do seu avô, mas meu avô havia reivindicado antes.
— Ou disse que reivindicou.
Ela recebeu um olhar afiado por isso.
— Só quero lembrar que há dois lados aqui. Duas histórias. Por favor, continue.
— Fui aos tribunais e, como essas coisas acontecem, nada foi resolvido durante a vida deles. Os advogados ficaram ricos, os aluguéis foram pelo ralo e nada progrediu.
— Ainda está assim?
Ele balançou a cabeça.
— Seu pai encontrou uma solução. Enquanto meu pai estava na França, cortejando e se casando com minha mãe, seu pai foi ao tribunal de novo. Reabriu o caso e pressionou para um julgamento. Nosso advogado foi pego de surpresa pela rápida ação. Foi tudo feito dentro de uma semana. Não preciso dizer que seu pai recebeu o benefício daquele julgamento.
— Não me importo em como diz tudo isso. Nem sua escolha de palavras, nem seu tom. O senhor implicou que meu pai foi indigno.
— Foi mais para sagaz.
— Tenho certeza de que foi uma coincidência a corte fazer esse trato, então.
— Clara, não há coincidências em Chancelaria. O período e a velocidade revelam alguém com forte influência pressionando.
— Ainda acho que... oh!
Ele a puxou e a abraçou.
— Shhh — ele murmurou antes de beijá-la.
Ela permitiu que aqueles beijos reprimissem sua indignação. Eles removeram qualquer pensamento da guerra antiga da família de sua mente. Clara poderia ser muito feliz, pensou, sendo beijada por horas na doce brisa.
Mas não era assim. Ele verificou sua paixão crescente. Por muito tempo, ficaram ali sentados, entrelaçados, sem falar. Ela se doía e imaginava que ele também.
— É sua intenção viver sozinha para sempre? — ele perguntou.
— É.
— Por quê?
— Pode acreditar que ninguém nunca me perguntou isso? Nem sei se perguntei a mim mesma. — Só o fez agora para tentar responder. — Meu pai se casou de novo quando eu era criança. Já que a nova esposa não era minha mãe, posso ter reparado em coisas que não o faria, do contrário. A forma como ela obedecia e se submetia. As suposições que ele fazia sobre seu poder sobre ela e sua propriedade. Não gostava muito dela, mas ainda achava injusto. Eu tinha mais liberdade do que ela. Tinha até mais do meu pai de verdade do que ela. Ele nunca a ensinou a atirar ou a levou para caçar. O espaço dela na vida dele era muito pequeno, parecia para mim.
— Há alguns casais que compartilham mais afeição do que está descrevendo.
— Não sei se faltava afeição. Talvez eles se amassem profundamente. Não fazia diferença. Então decidi, um dia, quando a ouvi implorando para visitar uma amiga, como uma criança imploraria para uma governanta, e o escutei negar-lhe aquela pequena liberdade... por nenhum motivo, parecia... Decidi que não viveria assim se tivesse escolha. E tive escolha. De todos os privilégios da minha posição, essa foi a melhor coisa.
Ele acariciou sua face com a ponta dos dedos.
— Também era sua intenção viver como uma freira? Negar a si mesma amor físico? Faz parte de sua natureza assim como sua capacidade de pensar e conhecer seus sentimentos.
— Nunca pretendi isso. O senhor não é o primeiro homem que me beija. Não vivo como uma freira.
Ele se inclinou para a frente e a beijou.
— É bom saber.
De novo, aquele desejo foi suficiente para ela reagir ao beijo com mais agressividade do que costumava. Ele a virou rápido e exigente em resposta.
— Isso nunca vai dar certo — ele murmurou entre beijos que desmentiam suas palavras. — Se continuarmos a fazer isso em locais assim, inevitavelmente seremos vistos.
Ela encontrou força para afastá-lo e criar um espaço entre seus corpos. Mas seus braços permaneceram em volta dela.
Ele tinha razão. Eles arriscavam demais com esses joguinhos. Ela arriscava tudo.
— Venha comigo para minha casa — ele disse. — É apenas a algumas ruas daqui.
Ela queria concordar em ir. Cada centímetro de seu corpo queria. Mas aquelas ruas eram as mais perigosas no mundo dela. Dúzias de pessoas que moravam naquelas ruas a conheciam. Centenas. Não poderia cavalgar em uma delas sem ser reconhecida. Nem ele. Para, depois, arriscar ser vista entrando na propriedade dele, na casa dele...
— Nunca vai dar certo também — ela disse. — O senhor sabe que não.
— Em alguns minutos, devo saber. No momento, quero tanto a senhorita que não dou a mínima se alguém vir alguma coisa.
Ela precisou rir disso com pesar.
— Não posso não dar a mínima.
Ele a soltou do abraço, mas manteve um braço em volta dela.
— Vou encontrar uma forma. Quando encontrar, pretendo ir no meu tempo, depois do inferno pelo que estou passando.
Tempo dele?
Ele notou sua confusão. Passou o braço pelo pescoço dela e inclinou a cabeça dela para perto da dele.
— Beijar a senhorita. Tocá-la. Inteira. Seu pescoço. — Ele beijou o pescoço dela. — Seus seios. — Sua mão passou por seu seio, provocando um solavanco de prazer. — Suas coxas. — Ele acariciou a coxa dela do joelho ao quadril.
Não parou de falar. Disse, em detalhes chocantes, o que mais iria fazer. Era o tipo de coisas que homens decentes nunca falavam para mulheres decentes. Pelo menos era o que ela achava. Ela o teria impedido, só que suas palavras a deixaram hipnotizada, e sua excitação fervente ameaçou se tornar um incêndio.
Um silêncio profundo e pesado com poder sensual seguiu sua descrição escandalosa.
— É melhor voltarmos — ela disse.
— Provavelmente posso fazê-lo somente em uns dez minutos.
Ela demorou para entender o que ele quis dizer. Então corou intensamente. Ele deu risada.
A sociedade havia chegado ao parque quando eles passaram de volta pelo portão. As pessoas estavam muito ocupadas consigo mesmas e em serem vistas, então ela não viu muitas atentas a eles.
— Posso ir para casa sozinha — ela declarou. — Diga qual estábulo o senhor acertou para eu usar.
— Não vou atender seu pedido. Vou acompanhá-la até lá.
Ela preferiria que ele não o fizesse. Agora que estava cavalgando de novo e não mais em seus braços, ela conseguiu se livrar da sensação de ter sido escandalosa. Tão deliciosamente. Não por causa dos beijos, mas por ter ouvido o que ele disse, e como disse, e permitir aqueles toques delicados e as provocações sensuais.
Na casa dela, ele a ajudou a desmontar, depois pegou as rédeas de seu cavalo.
— Vou levá-lo ao estábulo. É de Cooper, a oeste daqui.
— Obrigada.
Ele se inclinou para lhe dar um beijo antes de voltar à sela e levar Duque embora. Ela observou-o virar a rua.
Antes de entrar em casa, olhou para a fachada como se algo invisível chamasse sua atenção. Viu um pedaço de touca branca em uma janela antes de desaparecer. Jocelyn os estivera observando. Ou era a sra. Finley.
lara estava sentada à mesa de sua biblioteca com papel, tinta e caneta. Tentava planejar a próxima edição do Parnassus. Não estava indo bem. Sua mente estava em outro lugar, não na mistura de textos e artigos que pudesse atrair leitoras.
Enquanto comia seu jantar, algumas verdades duras se apresentaram, exigindo atenção e contemplação e, já que não conseguia tirá-las da cabeça, ela as enfrentava agora.
Primeiro, Theo a tinha visto com Stratton e tirado conclusões que não eram verdade. Ela teria sorte de não encontrar sua avó colocando um anúncio de noivado nos jornais antes de a semana terminar.
Segundo, apesar de os dois não terem atraído muita atenção, foram vistos juntos. Depois de passarem tempo um com o outro na festa de Brentworth, os boatos estavam prestes a começar.
Terceiro, ela descobrira a história da velha contenda de suas famílias e, ao lhe contar, Stratton culpara seu pai muito mais do que o dele. Achou isso deselegante. Se ele não a tivesse beijado, ela teria dito o quanto sua interpretação fora injusta. Só que a beijara e, mais uma vez, a fez esquecer rapidamente por que não era para ela gostar dele ou aceitar sua companhia e como aqueles boatos de ele querer vingança poderiam ser verdade e poderiam até ser da família dela.
Quatro ? ela suspirou pesadamente ao admitir ?, a menos que sua perplexidade a tenha feito entender errado, ou que Stratton falasse em eufemismos poéticos, ela havia lhe dado permissão para fazer coisas com ela que não sabia que homens faziam com mulheres, muito menos mulheres como ela.
Finalmente ? ela suspirou de novo, por sua falta de bom senso ?, ela poderia ter lhe permitido pensar que concordava em ter um caso. O que não era verdade. Um beijo aqui e ali era uma coisa. Um caso seria muito delicioso ? não, não delicioso! De onde aquela palavra tinha vindo? Imprudente e perigoso, era isso que seria. Repetiu aquelas duas palavras de novo em sua mente. Focou nelas. Imaginou-se explicando para ele. Só que ele estava magnífico em sua imaginação, aquele sorrisinho se formando enquanto ela o dissuadia por completo daquela ideia. Depois, ele a interrompeu com um beijo, e centenas de faíscas de excitação a alegraram naquela fantasia. E na realidade também, onde estava sentada em uma cadeira.
Controlou-se e se obrigou a prestar atenção de novo ao papel em branco. Pegou sua caneta e a mergulhou no tinteiro, determinada a fazer mais naquela noite do que desfalecer pelo Duque de Stratton. Havia permitido muita intimidade, e veja onde isso a trouxera: a apreciar secretamente o quanto um homem pode ser perigoso.
Adam perambulava por sua casa, andando de um lado a outro em seus aposentos imensos e o corredor. O colete estava aberto. Ele o tinha desabotoado porque o calor dele o sufocava. Não sentia o frio da noite, mesmo com muitas das janelas abertas. Totalmente o oposto. Um desconforto como uma febre o atormentava.
O calor queimava em sua cabeça mais do que em seu corpo. Imagens eróticas e impulsos se alojavam ali. Nada os tinha dissipado. Nem a leitura. Nem se enterrar nas contas da propriedade. Nem listar o que ele tinha e o que não tinha descoberto sobre a intriga em relação à morte de seu pai.
Imergir naqueles detalhes foi uma tentativa desesperada e inútil de quebrar o controle de Clara sobre ele. Tudo indicava que o pai dela havia colocado combustível no fogo daqueles boatos e possivelmente os tivesse começado. A viúva também pode tê-lo incitado. Suas tentativas atuais recentes de forjar paz diziam tudo.
Ele ainda se importava com isso, furiosamente, mas pensar em Clara interferia na raiva justificada que ele carregara de volta da França. A lealdade cega dela ao pai, ver aquilo de novo à tarde, importava agora, mesmo que não tivesse importado no começo. Quando ele começou a persegui-la, tivera um impulso de luxúria e vingança, uma forma oblíqua de provocar velhos inimigos ao possuir a filha premiada e mais privilegiada da família. Agora, ele via que a magoaria se descobrisse coisas que impugnassem o falecido conde.
Dever, dever. Entoava aquela palavra em sua mente quando se percebia criando desculpas para não fazer o que precisava, tudo por causa de uma mulher. Não poderia ignorar que, quanto mais a conhecia, mais ela enfraquecia seu plano. Quem se importaria se ele deixasse a história enterrar a mentira? Não seria a mãe dele.
Seus passos o levaram para a galeria do lado de fora do salão de baile. A luz da lua brilhava nas janelas compridas de um lado do corredor comprido, dando formas aos bancos, plantas e imagens emolduradas. Andou pelo corredor sob os olhares de seus ancestrais até chegar ao quadro de seu pai. Não havia procurado aquela pintura, mas parou quando a viu.
Ele e seu pai não se pareciam muito. Adam herdou os traços da mãe. O pai dele era totalmente inglês, com um rosto comprido e cheio e olhos inteligentes. Usava uma peruca branca no quadro, e um sorriso vago. Não parecia em nada com a última vez que Adam o viu, e era essa última imagem que permanecia vívida em sua memória agora. Talvez, se seu pai soubesse o que uma bala de pistola na têmpora causava a um corpo, teria escolhido outra maneira de morrer.
Dever, dever. Ele não conseguia dar as costas, claro. Reconhecer seu dever não bania pensamentos sobre Clara ou o fazia pesar suas escolhas racionalmente. Continuou andando, caminhando pela noite, lutando uma batalha que sabia que um homem raramente ganhava, contra a vontade de possuir uma mulher que desejava.
Não era a primeira vez naquela noite que Clara acordava e ficava alerta. Virou na cama, puxando o lençol e o cobertor e, com isso, virando-se de lado. Enquanto afofava os travesseiros, seus olhos se abriram por um instante. Uma luz amarela e prateada iluminou seus lençóis. Completamente acordada agora, olhou para sua janela. As cortinas estavam abertas, e a luz da lua e das ruas se infiltrava como um pó de fada.
Ela pensou ter visto Jocelyn fechar as cortinas. Aparentemente, não. Irritada pelo descuido da dama, saiu da cama e tateou para fazê-lo ela mesma.
— Não. Sem a luz, não vou conseguir vê-la.
A mão dela segurou o tecido enquanto seu corpo congelou de susto. Ela girou. Stratton estava sentado em uma cadeira do outro lado do quarto, tão relaxado como se fosse sua própria casa. Na verdade, parecia que ele estava sentado ali há algum tempo, pela forma como suas pernas estavam estendidas e a maneira como ele descansava a cabeça na mão com o braço flexionado.
— O que... Como subiu aqui?
— Sua governanta me deixou entrar. Bati, ela chegou na porta de roupão e, com um olhar, virou-se e me trouxe para cima. Foi boa o bastante apontando sua porta antes de continuar subindo para o próximo andar.
— Que comportamento bizarro.
— Ela pareceu pensar que a senhorita me esperava. — Ele recolheu as pernas e se inclinou para a frente enquanto tirava o casaco.
— Ela começou hoje. Vou precisar explicar em termos mais firmes que... — Partes de sua conversa com a sra. Finley naquela manhã interromperam seus pensamentos. As partes sobre discrição e pessoas importantes visitando, mesmo em horas incomuns. Ninguém era mais importante do que um duque. Nada exigia mais discrição do que o caso de uma mulher solteira com um homem.
O duque agora desabotoava seu colete. O pânico tomou seu coração.
— A governanta cometeu um erro. Os empregados... minha dama...
— Sua dama também me viu. Olhei para o topo da escada e ela estava xeretando.
— Oh, meu Deus.
— Nem ela nem a governanta pareceram chocadas com a minha chegada. Só a senhorita. — Ele retirou o colete e o colocou no topo de seu casaco na cadeira ao lado da escrivaninha. — Quer que eu vá embora, Clara? Se quiser, diga agora, antes de eu terminar de me despir. Será muito irritante se acovardar depois que eu estiver nu.
Nu.
Ele aguardou. Ela encarou. O quanto seria difícil dizer sim, quero que vá embora? Acabou sendo muito difícil. Porque a maior parte dela não queria que ele partisse, e o resto não tinha certeza.
Ele se abaixou e tirou as botas. Levantou-se.
— É linda à luz da lua. Etérea. Prateada e cinza.
Ela olhou para si mesma. A menos que estivesse enganada, aquela luz tornava sua camisola fina transparente. Não sabia se parecia etérea, mas suspeitava parecer quase nua.
Resistiu ao impulso de se cobrir com a cortina. Não se importava com a forma como ele falou a palavra covarde, como se mandá-lo embora mostrasse falta de caráter em vez de admirável limitação. Uma mulher respeitável decidindo permanecer respeitável não era covarde. Era cuidadosa, sensível e... e... Ela suspirou, porque a excitação correndo por ela recusava-se a ouvir as lições antigas e previsíveis sobre bom senso e toda outra palavra entediante já usada para desencorajar o prazer.
Mesmo assim, ela teria que ficar firme, embora estivesse quase nua, e fazer o que precisava. Tê-lo em seu próprio quarto, sua própria cama, era mais do que perigoso. Era insanamente negligente.
Ela olhou para cima a fim de explicar isso, confiante de que ele entenderia, como o cavalheiro que era. Assim que o fez, ele tirou a camisa e, de repente, ela se esqueceu do que pretendia dizer.
Clara ficou simplesmente olhando para ele, os olhos arregalados com excitação e medo. Passou pela cabeça dele, quando ela acordou e ele viu o choque de sua presença, dar-lhe um beijo e recuar. Só que ela realmente estava linda e ficaria ainda mais linda assim que ele retirasse aquela touca. Ela não gritou nem o mandou sair. Em vez disso, observou-o, tão obviamente que ele tentou adivinhar o debate na mente dela.
Era a touca que dizia a ele com certeza que ela não fingiu a surpresa ao vê-lo. Uma mulher ansiosa pela chegada de um homem em seu quarto nunca usaria aquilo. A tola da nova governanta havia tirado conclusões que Clara não pensara. Ele apreciara o erro antes de saber que era um. A ideia de que ela o esperava, o recebesse e fizesse planos para recebê-lo baniu qualquer indecisão. Ele quase tinha subido a escada a cada três degraus.
Foi até ela e a pegou nos braços.
— A senhorita não falou nada. Estou aqui por causa de um conjunto de erros, mas ainda precisa ser sua escolha que eu fique.
Ela colocou as mãos no peito dele, depois apoiou a face na pele entre elas. O tecido fino de sua camisola oferecia pouca barreira para a sensação do corpo dela debaixo das mãos e dos braços dele. Sua maciez e seu calor doce entraram nele e acalmaram o descontentamento agitado que ele vivera naquela noite.
— Precisa ir antes das cinco.
— Irei bem antes disso.
— Não pode contar a ninguém. Precisa jurar. E deve prometer morrer antes de contar para minha família.
— Morrer?
Ela olhou nos olhos dele. Um brilho da Clara que ele tanto admirava apareceu entre outros que refletiam seu encantamento. Ele podia sentir a excitação dela. Mas ela ainda não havia se entregado.
— Sim, morrer. Eles não podem saber.
— Juro. — Ele provavelmente juraria qualquer coisa naquele momento.
Ela se esticou, envolveu os braços no pescoço dele e deu-lhe um beijinho.
— Então decidi que não serei covarde, como o senhor colocou de forma tão pouco generosa.
— Foi meu desejo pela senhorita tentando falar a meu favor.
— Eu sei. Funcionou.
Ele tirou a touca. O cabelo dela se soltou. Ele passou os dedos pelos fios e segurou sua cabeça para um beijo que esperara horas para ser libertado. A ferocidade do desejo dele explodiu quente e firme. Ameaçava dominá-lo. Ele precisou se controlar para não a arrebatar ali. Desabotoou o topo da sua camisola até ter abertura suficiente para conseguir tirá-la pelos ombros e braços.
Ela se aconchegou contra ele a fim de esconder sua nudez. Ele empurrou a camisola pelos quadris, depois a ergueu e a carregou para a cama.
Clara puxou os lençóis para cima assim que ele a deitou e acomodou-se ao seu lado.
— Está com frio?
Ela balançou a cabeça.
Ele tirou os lençóis.
— Então não faça isso. Quero vê-la.
Clara fechou os olhos conforme ele retirava seu escudo. Deixou-a assim enquanto se levantou e tirou o resto da roupa. A visão dela deitada ali fazia sua mente queimar.
— Dizem que os franceses são muito bons nisso — ela disse.
— Sou meio inglês.
— Talvez devesse falar francês, para chamar aquela outra metade.
— Não acho que vou falar muito. Minha boca estará ocupada demais.
Ele se juntou a ela de novo e se apoiou com um braço enquanto acariciava seu pescoço e descia por seu peito entre os seios. O bico de seus seios enrijeceu e empinou.
Sua própria mão acariciou o braço dele. Ela olhou para ele.
— Realmente pretende fazer todas aquelas coisas que falou esta tarde?
— Nem todas esta noite. — Ele não teria a paciência.
— Foi muito maldoso da sua parte. Muito escandaloso.
— E, mesmo assim, não fez nada para me impedir. Nenhuma arfada. Nenhuma palavra.
— Fiquei muito chocada.
— Pareceu, para mim, que ficou fascinada. — E excitada. Definitivamente excitada. Ele nunca teria ido tão longe se não fosse por isso.
Adam segurou ambos os bicos suavemente. Ela arfou.
— Oh! Isso é ainda melhor sem roupa.
Ele se certificou de que ela soubesse o quanto era melhor. Acariciou seus seios até ela gemer com prazer, depois baixou a cabeça e usou a língua e a boca.
A selvageria a tomou tão rápido que ela nem lutou contra. Sua paixão incendiou a dele. Imagens eróticas o atormentaram, mas ele tinha racionalidade suficiente para saber que aquela não era a noite para isso.
Acariciou suas pernas, depois colocou a mão entre suas coxas. Uma surpresa satisfeita foi emitida pelos choramingos dela. Ele explorou sua maciez úmida enquanto continuava excitando-a com dentes e língua. Perdida nas sensações, Clara abriu mais as pernas e lhe disse com suspiros imploradores que queria mais quando os carinhos dele aumentaram seu prazer.
Uma fome primitiva se libertou nele. Nada menos que se enfiar dentro dela iria satisfazer aquela necessidade agora. Ele cerrou os dentes e acariciou os lugares que a obrigariam a terminar se ela se permitisse. Ele ouviu seus gemidos aumentarem e sentiu a movimentação de seu corpo. Também sentiu o medo dela. Pressionou a boca em seu ouvido e lhe disse para relaxar. Ela o fez, abraçando aquele sentimento com um grito.
Ele se moveu para tomá-la. Os braços dela se ergueram para abraçá-lo. Ele ainda tinha a racionalidade suficiente para ir devagar primeiro e descobriu que era muito bom. Ele se segurou para não a machucar enquanto o desejo rugia dentro dele. Silenciou aquela voz primitiva o bastante para conhecer o prazer mais calmo da sensação dela revestindo-o. Fez movimentos longos e lentos enquanto pôde, mas, em certo instante, a necessidade de completude o derrotou. O alívio veio como um cataclismo e arremessou-o para o silêncio sombrio onde não havia outros sentidos e a paz absoluta reinava.
Tendo experiência com muitas mulheres, Adam sabia que não deveria dormir da forma como todo seu corpo encorajava. Em vez disso, conforme voltou ao mundo, rolou Clara e a puxou para seu braço na lateral.
Convinha a ele dizer algo assim que sua mente cooperasse. Mas a experiência não fazia diferença agora. Essa era a primeira vez para ela, o que fazia dele a primeira vez também, por assim dizer.
Clara estava pronta para falar mesmo que ele não estivesse. Por motivos que ele nunca entendeu, mulheres ficavam falantes às vezes. Ela não era exceção.
— Foi muito bom — ela disse. — Não doeu tanto quanto eu esperava.
— Bom saber. — A parte do “muito bom” o agradou. A parte de não doer o aliviou. Pareceu que ele pudesse tê-la machucado, agora que algumas lembranças infiltravam sua mente.
Ela se apoiou no cotovelo e olhou para ele.
— Sei que é para cavalheiros se sentirem culpados depois de ficarem com inocentes, mas acredito que o senhor não vá.
— Não me sinto nada culpado, já que entendo que vamos nos casar.
— Viu? É essa culpa, mesmo que negue. Bom, eu o absolvo.
— Clara, já pedi sua mão. Lembra?
— Não pediu de verdade. Não quis dizer mesmo. Foi um pedido fácil e seguro porque fez a uma mulher que nunca pretendeu se casar. Só estou dizendo que não quero que fique culpado.
— Não é culpa. Apesar de que, considerando o que acabou de acontecer, não há realmente uma escolha agora.
— Claro que há. Não finja que sua honra agora exige isso. Sabia que eu era virgem, mas isso não o impediu. Mais importante, sabia que eu era uma virgem que não casaria com o senhor depois que fizéssemos isso.
Ele não a insultaria dizendo que não sabia de nada disso. A disparidade tinha acontecido até na questão da virgindade. Era o tipo de mulher que poderia ter tido um amante por curiosidade, apenas isso. Poderia ter feito exatamente isso com ele.
— Então concordamos. Sem culpa e sem obrigações — ela disse.
Ele não concordava em nada. Haveria tempo para discutir sobre isso outro dia.
Aquele tópico terminou, para a satisfação dela, então se aninhou ao lado dele de novo.
— Sei por que realmente partiu da Inglaterra. Sei sobre seu pai.
Ele mal havia organizado seus pensamentos, e essa mudança de assunto o pegou desprevenido.
— O que sabe?
— Como ele morreu. O senhor deve ter ficado muito triste.
— Fiquei mais bravo do que triste. Com ele. Pelos motivos dele.
— Sei sobre eles também. Os motivos. Tudo parece muito injusto para mim.
— O que sabe? — ele repetiu com cuidado.
— Partes e pedaços apenas. Sobre os boatos. Ouvi que algumas joias tiveram uma participação.
Ele se esforçou muito para manter o tom casual e não diretamente.
— Quem lhe contou isso?
— Lady Hollsworth, na festa do jardim.
Fora um erro não forçar uma conversa com Hollsworth. Um erro ter adiado.
— Não sei nada sobre joias. Acho que ela se enganou — ele disse.
— Talvez.
Não falaram nada por muitos minutos. Ele ousou se permitir começar a dormir.
— Eu pensara, desde que o conheci, que o senhor carregava uma escuridão interna — ela disse, acordando-o de novo. — Algo que o fazia refletir. Só agora, enquanto estávamos juntos no prazer, fui poupada do luto pela primeira vez em seis meses. Pareceu, para mim, que talvez essa escuridão tenha diminuído no senhor também, por um tempo. Se sim, fico feliz.
Tinha, sim, de maneiras como nunca acontecera na França, independente de quem compartilhasse a cama com ele. O fato de ela reparar nisso o impressionou. O fato de ela estar feliz por isso o emocionou.
Ela não exigiu confirmação se estava correta. Tendo dito isso, finalizou. Aninhou-se ao lado dele, quieta em sua satisfação, sem nem exigir mais conversa.
— ilady, milady! — o chamado desesperado da sra. Finley penetrou a porta do quarto.
Clara sentou-se na cama, ainda meio dormindo. Sua nudez acordou-a. Enquanto segurava os lençóis ao seu redor, tentando cobrir cada centímetro de pele até o pescoço, seu olhar varria o cômodo, procurando provas de seu visitante.
Não havia ninguém. Ele fora embora, provavelmente horas atrás enquanto ela dormia, assim como prometeu. A única prova da noite anterior era ela.
Jocelyn se apressou para abrir a porta. A sra. Finley falava as palavras entre respirações pesadas.
— A condessa. O conde. Aqui. A carruagem deles. — Ela parou e inalou profundamente. — A casa não está pronta. Não há café da manhã suficiente. Vou correr e falar para a cozinheira fazer alguma coisa. — Ela se virou e saiu apressada.
Jocelyn correu para a janela, olhando a rua.
— Eles estão na porta.
— O que podem estar pensando, vindo a esta hora?
— São quase dez horas.
— Ajude-me a me lavar e vestir para que eu possa recebê-los. Não, primeiro corra lá para baixo e fale para a sra. Finley que é para ela colocá-los na sala matinal com o café da manhã e, se minha avó recusar, então será na biblioteca. Vou descer logo.
Jocelyn saiu correndo. Clara encontrou sua camisola entre os lençóis emaranhados e a colocou. Era sua imaginação ou a cama inteira tinha um cheiro diferente naquela manhã? Ela cheirou, depois ruborizou. Não havia como negar o que acontecera ali.
Foi apressada para o quarto de vestir. Água quente já a aguardava e ela começou a usá-la, sem esperar a dama. Jocelyn voltou e pegou uma toalha.
— Talvez eles subam aqui. A sra. Finley está firme, mas a viúva a está encarando e não acho que seja uma briga justa.
Por que, por tudo que é...
— Faça algo com meu cabelo, rápido.
— Não consigo mais do que um coque agora.
— Então faça um coque. Mas primeiro feche a porta do meu quarto. Tranque-a. Se minha avó der um passo naquela direção, você se joga contra a porta e se recusa a se mexer independente da ameaça dela.
O coque mal estava pronto quando escutaram vozes nas escadas. Jocelyn correu até o guarda-roupa, pegou um roupão e o jogou pelo cômodo para Clara.
Clara o pegou e o abotoou com mãos trêmulas.
— Mulher, vai se mover ou meu neto vai mover você — a viúva ameaçou sombriamente, sua voz fervendo do lado de fora da porta do quarto de vestir.
— Estou dizendo que ela ainda estava na cama e me instruiu para pedir à senhora que espere até estar vestida, milady.
— Eu não espero meus netos. É o contrário. Pode acreditar na ousadia da sua irmã, Theo? Ela invade meu quarto enquanto me visto, mas parece que não posso fazer o mesmo. Não vamos tolerar isso. Mexa-se.
— Vá e convide-os para entrar, Jocelyn, antes que a sra. Finley seja jogada pelas escadas. — Clara não gostou do tom da sua avó. Nem um pouco.
Jocelyn abriu a porta e ficou de lado. Sua avó entrou no quarto com um Theo amarrotado e bocejante atrás dela. Qualquer severidade desapareceu de sua avó assim que viu Clara. Um sorriso se abriu em seu rosto. Ela se aproximou e deu um beijo raro na cabeça da neta.
— Não, não se levante. Diga à sua dama para continuar, se ela ia fazer algo com esse cabelo terrível. Um coque? Eu seria a primeira a dizer que você precisa de um novo estilo, mas não é isso.
— Bom dia, Vovó. Theo.
Theo grunhiu. Assim que a avó se sentou, ele se jogou em um pequeno divã e estendeu as pernas. Vovó bateu naquelas pernas com sua sombrinha.
— Mostre um pouco de respeito, Theo. Não estamos em uma taverna. Perdoe-o, Clara. Parece que o acordei não muito depois de ele voltar de uma noite fazendo sabe-se lá o quê. — A forma como ela espetava Theo com um olhar sugeria que sabia o que era, ou pelo menos suspeitava.
Clara não estava com vontade de buscar um aliado pelo que pensava ser uma conversa desagradável.
— Ele é jovem, Vovó. Não pode esperar que se comporte como um homem de cinquenta anos.
Theo lhe lançou um olhar de gratidão.
— Felizmente, também falta discrição nele, ou eu poderia nunca ter descoberto que sua corte com Stratton progride rapidamente. Muito bem, Clara. Muito bem, de fato.
Clara olhou para Theo desafiadoramente. Ele deu de ombros, perdido.
— O que Theo disse?
— Em seu prazer e alívio de ver seu encontro com Stratton no parque, contou-me tudo. — Ela se inclinou para a frente. — E digo tudo, Clara. Tudo.
— Sim, cavalgamos pelo parque juntos. Não pensei que gostaria que o ignorasse. Encontro não é a melhor forma de descrever.
— Não precisa disfarçar para mim, querida. Conheço encontros acidentais que não são verdadeiros.
Ela deu uma grande piscada.
Clara não ousou responder. Não tinha certeza do que Theo vira ou não. Assumira que, depois de falar com eles, se ocupou com os amigos. Mas e se ele os seguira ao vê-los cavalgando para a área privada? E se tivesse visto mais do que cavalgar e conversar? E se tivesse visto tudo?
Ela olhou para o irmão, esperando descobrir exatamente o quanto sua situação estava ruim. Infelizmente, ele caíra no sono.
— Deixe-o dormir — sua avó disse. — Agora, conte-me. Stratton lhe deu presentes valiosos?
Só um cavalo muito lindo e uma noite para recordar pelo resto da minha vida.
— O que quer dizer com valioso? Como um lenço chique de seda?
— Oh, nossa, não. Você é tão ingênua. Com sua idade avançada, normalmente me esqueço disso. Valioso como joias caras.
— Ele não me deu nenhuma joia de nenhum valor.
— Que pena. Eu tinha esperança de que... Depois do que Theo me contou...
— O que exatamente Theo lhe contou? E ele estava bêbado quando lhe contou?
— Se estava bêbado, era de felicidade. Voltou perambulando com prazer da cavalgada. O duque claramente está apaixonado, ele disse. O homem não conseguia tirar os olhos de você, ele relatou. Vocês dois foram para longe, onde podem ter encontrado um pouco de privacidade, ele contou. — Ela abaixou o queixo e olhou para cima ameaçadoramente nessa parte.
Clara temeu que pudesse corar e confirmar tudo.
— Se ele tivesse nos seguido, teria nos visto discutindo. Bem alto, sobre um assunto que não dizia respeito a ninguém. Embora o duque e eu tenhamos um tipo de amizade, não é nada romântica. Considerando nossas duas famílias, como poderia ser?
Vovó não se importou com isso. Franziu os lábios e contemplou essa notícia lamentável.
— Ele não precisa ter nenhuma amizade com você, Clara. Se quer sua companhia, suas intenções são mais do que amizade. Você deve me contar se ele lhe der, ou tentar dar, qualquer joia. Quando um homem faz isso, implica coisas. Para uma mulher de sua educação, é uma declaração, mas garante que virá uma proposta em breve, senão imediatamente.
Clara imaginou o que implicava para uma mulher que não tivesse a educação dela. Intenções não honráveis, provavelmente.
Sua avó bateu de novo nas pernas de Theo com a sombrinha.
— Vamos embora para que você possa se vestir. Veja um novo estilo para seu cabelo. E diga para sua dama arrumar. — Ela cutucou a camisola com a ponta da sombrinha e a segurou a fim de acená-la como uma bandeira. Começou a falar, mas parou. Olhou aquela camisola. Cheirou. — Nossa, encontre uma nova lavadeira também. O que a sua usou nessa roupa? Água de peixe?
— Vou me certificar de encontrar uma melhor.
A camisola se agitou perto de Theo antes de Vovó soltá-la. Theo encarou o tecido no chão, depois franziu o cenho. Voltou-se para Clara com uma expressão confusa. Clara olhou de volta e fingiu ignorar a curiosidade dele. Aquele cheiro agora parecia preencher todo o quarto de vestir.
— Também deveria substituir a governanta e a dama. — Sua avó continuou dando opiniões enquanto se levantava. — E não adquira nenhum animal de estimação. Não consigo tolerar mulheres que moram sozinhas e mantêm animais.
— E aqui estava eu pensando em comprar um papagaio da América do Sul. Pensei em trazê-lo para a senhora ensiná-lo a falar. Então eu teria a alegria de suas lições o tempo todo.
— Cuidado, Clara. Não sou velha demais para reconhecer sarcasmo, e você anda em corda bamba comigo nos últimos dias. Venha, Theo. E lembre-se, Clara, qualquer presente de valor, qualquer presente, na verdade, conte-me imediatamente. Não, conte-me qualquer coisa que acontecer com ele. Não quero você perdendo esta oportunidade. Vai precisar do meu conselho.
Ela saiu. Theo olhou mais uma vez para a camisola antes de segui-la.
— Tente não arruinar isso, Clara. Não é como se algum outro homem fosse querê-la agora — ele disse, partindo.
Jocelyn entrou depois que eles passaram e fechou a porta.
— Isso pareceu divertido.
Clara pensou que as últimas palavras de Theo soaram sinistras. Como se ele soubesse. Ou adivinhasse. Ela olhou para a camisola. Vovó deve ter se esquecido daquele cheiro, mas, como um jovem que acabou de descobrir a vida, Theo devia estar bem familiarizado com ele nos últimos tempos.
— Ajude-me a me vestir, Jocelyn. — Ela pensou naquela folha em branco aguardando-a na biblioteca. Deveria tentar progredir. Seria difícil. Seus pensamentos já flutuavam de volta à noite anterior, e seu coração, às sensações descobertas naquela intimidade.
Adam terminou a carta para Clara e entregou para o mordomo postá-la. Também deu instruções ao homem para repassá-las aos criados de uma de suas propriedades.
Terminada a correspondência, pediu seu cavalo e foi até a cidade. Conteve uma tentação de visitar uma casa em Bedford Square e continuou reto até um prédio perto de Lincoln’s Inn. Ali, apresentou-se nas câmaras de Claudius Leland, seu advogado.
O sr. Leland havia herdado seus deveres ao Duque de Stratton um ano antes da herança de Adam. Cartas do sr. Leland chegaram com regularidade em Paris, longas missivas contendo muitos detalhes sobre a propriedade. Com Adam fora, o advogado havia se responsabilizado por exigir relatórios de cada propriedade e até visitava as principais a cada trimestre. É verdade que ele falhara em ver como o administrador de Drewsbarrow roubara milhares de libras, mas o ladrão havia sido muito esperto com a contabilidade, e Adam não culpou o advogado pelo evento miserável.
Agora o sr. Leland o observava através dos óculos. Não era jovem, mas seu cabelo fino permanecera ruivo e sua cor ainda era saudável. Sentaram-se em duas cadeiras ao lado de uma linda lareira. Prateleiras de livros cobriam as paredes, a maioria delas preenchida por livros de contabilidade e arquivos. Uma estante funda tinha pergaminhos. Embora fosse cedo, Leland ofereceu xerez. Então aguardou ouvir o motivo da visita.
— Estou curioso sobre as joias da propriedade — Adam disse.
— Seus antepassados acumularam algumas peças caras ao longo das gerações. A maioria não está na moda hoje, mas as pedras e os metais são de valor muito alto. A maior parte está no banco. Uma pessoa não teria joias tão valiosas em casa assim como um homem prudente mantém milhares de notas no banco.
— E a propriedade é dona delas? Como isso funciona?
Sr. Leland cruzou as pernas. Parecia feliz em explicar esta especialidade particular para alguém, principalmente um novo duque que ainda precisava impressionar.
— Oficialmente, pertencem a cada duque. Não há como herdar tais coisas. Mas as tradições de herança o fazem. Por exemplo, é costume nas famílias que alguém, normalmente um advogado confiável, explique a uma nova duquesa que, enquanto ela pode usar as joias, e qualquer presente dado diretamente a ela pelo marido se torna sua propriedade pessoal, as joias da família não são dela de uma maneira legal e permanecem com a propriedade.
— Então meu pai ou avô poderiam ter dado qualquer dessas joias valiosas a quem quer que escolhessem. Ou vendido algumas.
— Assim como o senhor pode fazer agora, claro. Tem interesse em fazê-lo?
— Estou mais interessado em descobrir como alguém saberia se eu fizesse.
— Ah. Agora temos uma conversa que nos foi negada até agora. Ninguém saberia se o fizesse, exceto o senhor, eu e o próximo duque. É feito um inventário de tudo da propriedade quando há a morte de seu dono. Foi feito um por mim depois que seu pai faleceu. Outro inventário do valor da propriedade é feito a cada dez anos. Se há falta de conformidade entre os dois, é meu dever investigar por quê.
— Acredito que às vezes algo desapareça sem explicação.
— É meu dever encontrar, mesmo que signifique averiguar se houve roubo ou perda. Algumas vezes, com meus patrões, eu já sei que algo foi vendido porque está nas minhas contas. É mais comum meus patrões me informarem quando uma propriedade pessoal de tal valor é desembolsada para que eu possa anotar e não ficar em dúvida sobre o que aconteceu.
— Mas o primeiro inventário que fez foi depois de o meu pai falecer.
— É verdade, mas tenho todos os registros. Foram mudados para cá quando tive a honra de assumir o cargo de meu antecessor. Gostaria de ver o último inventário?
— Sim.
Leland se levantou e foi para os fundos examinar as prateleiras. Esticando-se, pegou um arquivo grande e grosso, que quase caiu em cima dele conforme o pegou. Colocou em uma mesa com um barulho alto.
— Agora, vejamos... — Ele o abriu, colocou o dedo em uma página no fim e virou as páginas pesadas. Folheou mais, depois recuou. — A seção relacionada a joias está bem aqui.
Adam se inclinou para a página. Linha após linha descrevia as joias em detalhes.
— E o inventário anterior a este?
Leland colocou um papel na página atual, depois procurou o anterior.
— Não está tão completo, claro. Nem todas as rédeas dos estábulos, por assim dizer. Somente superficialmente. — Ele encontrou o inventário, folheou e gesticulou. — Aqui. 1811.
Adam conferiu a lista. Batia bastante com a recente.
— E o inventário de 1801, se não se importa.
Leland pareceu perturbado. Encontrou o inventário, e Adam viu imediatamente uma divergência.
— Este conjunto aqui não está nos dois últimos.
Leland olhou a página.
— Filigrana de ouro com pérolas e safiras, coroa e colar. — Folheou os inventários seguintes. — Parece que não. Presumo que seu pai tenha explicado a ausência antes de 1811, ou na época esse inventário foi feito por meu antecessor.
— Ou um erro foi cometido.
— Não cometemos erros, Sua Graça.
O conjunto fora removido da lista, isso era certo.
— Sabemos como se parecia? Posso encontrá-lo em um armário algum dia.
— Claro que sabemos. — Leland voltou à prateleira. Desta vez, usou uma escada a fim de acessar a prateleira mais alta e tirou uma caixa nomeada Stratton. Trouxe-a até a mesa. — São desenhados. Provam-se úteis em muitas situações.
A caixa incluía desenhos datados de pratarias e quadros, assim como joias. Adam reconheceu muita coisa da propriedade. Depois de pesquisar um pouco, descobriu o desenho das joias desaparecidas.
A descrição simples não lhes fazia jus. Só o colar tinha, no mínimo, trinta pérolas e cinco safiras de um bom tamanho. O ouro fora trabalhado como filigrana, mas com muito mais quilates que a palavra implicava. A coroa era ainda mais rica.
— Pesada — ele disse. — Imagino se alguma duquesa a usou.
— Talvez uma bem robusta. — Leland deu risada de sua piadinha.
— Gostaria de levar isso comigo.
— É seu, claro. Talvez encontre a joia algum dia, guardada em um lugar tão bom e seguro que foi esquecida. Não posso nem lhe dizer o quanto isso acontece. Pensariam que alguém dono de coisas tão valiosas se lembraria do que faz com elas.
Adam dobrou o desenho e guardou em seu casaco. Seu pai lhe mostrara todos os lugares seguros e bons das propriedades da família. Ele os checaria. Não pensava que eram essas joias que Clara disse que Lady Hollsworth mencionou, no entanto. Elas tinham desaparecido há muito mais tempo. Já que nenhuma outra sumira, provavelmente Lady Hollsworth cometeu um engano ou repetiu algum boato infundado.
Não eram o dinheiro nem as joias. De que outra maneira um homem poderia ajudar o inimigo enquanto permanecia na Inglaterra?
Dois dias depois, Clara estava descobrindo que ter um caso mantido em segredo de absolutamente todo mundo exigia um nível extraordinário de evasão. Um que ela começara a acreditar não possuir.
Começou bem simples, com um convite de Stratton para acompanhá-lo ao Epsom Derby Stakes. Iriam com a carruagem dele, ele propôs, e ficariam em uma de suas propriedades não muito longe do centro. Em sua empolgação inicial, ela respondeu e concordou.
Então o planejamento começou. Como explicar sua ausência da casa? Os novos criados aceitariam o que ela dissesse, mas Jocelyn acharia suspeita qualquer desculpa. Pior, como explicar sua presença na corrida com Stratton como acompanhante? E como explicaria sua hospedagem caso alguém perguntasse, o que certamente aconteceria?
Nem todo mundo estaria lá, mas uma boa parte da cidade faria a curta viagem. A maioria dos jovens estaria lá, com certeza. Isso significava que Theo provavelmente a veria. E teria suas suspeitas confirmadas. Se contasse à avó que ela e Stratton tinham... estavam... Era suficiente dizer que seria um inferno.
Passou por sua mente, enquanto pensava quais mentiras funcionariam e se ela estaria disposta a usá-las, que o duque não se importava muito se todos assumissem o pior deles. Ele não tinha mencionado de novo que se casariam? Como se estivesse falando sério mesmo sobre isso? Talvez contasse com um escândalo pendente para fazê-la mudar de ideia sobre a resposta.
Ela não fingiria que não tinha imaginado se casar com ele algumas vezes nos últimos dias, mas colocou a culpa na influência latente da intimidade deles. No entanto, quaisquer fantasias otimistas que ela conjurasse seriam rapidamente derrotadas pelas realidades das quais não poderia fugir.
Ficaria sem controle de sua renda. Sem independência. Não mais poderia subsidiar o Parnassus e acabaria a publicação. Seria triste ter que contar a Althea e às outras que a aventura terminara. Quase não seria mais uma pessoa, verdade seja dita. Com algumas palavras, ela teria se tornado uma mulher que não reconheceria.
Decidiu que não havia como ir ao Derby Stakes com Stratton. Isso a entristeceu em um nível surpreendente, e não apenas por causa de sua decepção em não ver a corrida. A fim de dissipar a melancolia, decidiu visitar algumas livrarias para ver se as cópias do Parnassus estavam vendendo.
Seu cocheiro a tinha ajudado a comprar uma carruagem modesta e um par de cavalos, e pediu a ele que a trouxesse. Ela controlaria seu humor e escreveria a Stratton à noite explicando sua mudança de decisão.
Não havia ido muito longe quando decidiu que a companhia de uma amiga ajudaria a melhorar seu ânimo, então deu ao cocheiro o endereço da casa de Althea.
Sua amiga morava com o irmão em uma rua perto da St. James’s Square. Clara foi levada para a sala de estar, onde Althea sofria em silêncio enquanto sua cunhada conversava com outras visitas. Os olhos de Althea se iluminaram quando ela viu Clara entrar. Ela pulou para apresentar Clara às damas reunidas e, na primeira oportunidade, levou-a para o lado.
— Você é uma santa — Clara disse. — Eu teria enlouquecido se tivesse que fingir que as amigas dela eram minhas amigas.
— Não me importo normalmente, mas neste momento estou muito feliz em vê-la.
— Despeça-se delas. Estou com minha nova carruagem lá fora. Vamos visitar algumas livrarias.
Althea provou concordar extremamente. Quinze minutos mais tarde, pararam na primeira loja e entraram para contar as cópias.
— Estão faltando três — Althea relatou quando voltaram à carruagem. — Vamos verificar a Johnson’s, na Oxford.
As novidades lá as emocionaram. Só faltava uma cópia ser vendida.
Quando saíam da loja, uma voz chamou Clara. Ela se virou e viu Stratton saindo de uma loja a quatro portas dali. Althea lhe lançou um olhar confuso.
— Ele e eu conversamos às vezes — Clara explicou. — Não deveria ignorá-lo.
— Claro que não. Seria muito errado ignorar um homem tão bonito.
Ele pareceu feliz em vê-la. E Clara não conseguiu esconder que também estava feliz. Esperava que fosse apenas isso que revelasse, e não o resto do que sentia. Alegria, calor e ecos de vibrações sensuais a inundavam. De canto de olho, viu Althea compreendendo tudo.
Fez as apresentações. Stratton conhecia o irmão de Althea, que se lembrou da mãe de Stratton. Finalmente, Clara se virou para a amiga.
— Tenho algo que preciso dizer ao duque. Pode nos dar licença por um minuto?
Althea sorriu gentilmente e foi até a vitrine de uma loja admirar os produtos.
— Não posso ir — Clara disse baixinho. — Sei que combinamos, e quero muito ver a corrida, mas não importa o quanto tente planejar, só vejo as fofocas se espalhando rapidamente depois. Não há como ser discreta.
— Dane-se a discrição.
— Não pode pensar assim.
— Não, não penso. Pelo menos, para o seu bem, não penso. — Olhou além dela. — Convide sua amiga. Leve-a com a senhorita. É sua carruagem? Planeje ir com ela. Vou cuidar do resto. — Ele olhou para Althea de novo. — Pode ter que lhe contar. Pode confiar nela?
— Ela deve ser a única pessoa em que posso confiar. Certamente é a única pessoa que sei que guarda segredo.
Ele inclinou a cabeça. Seu sorriso charmoso provocou um arrepio até seus dedos do pé.
— Tem segredos além de mim? Que intrigante. Agora vou precisar descobrir quais são.
Ela chamou Althea de volta.
— Deveríamos continuar nossas tarefas, Duque. Bom dia para o senhor.
Adam foi embora, e elas subiram na carruagem. Althea colocou a cabeça para fora da janela a fim de observar o duque se afastando. Depois se acomodou, colocou a bolsa no colo e olhou diretamente para Clara.
— Há alguma coisa que queira me contar, querida? Porque acho que compartilhou muito mais do que conversas com aquele homem.
Assim que Clara falou para Adam que a amiga se juntaria a ela, seu plano se encaixou. Ele deixou uma casinha em Epsom para as damas. Só que elas não iriam usá-la, na verdade.
Adam compartilhou seu plano genial com Langford e Brentworth, naquela noite, em um salão de jogos enquanto jogavam.
— Você está desafiando o diabo — Brentworth disse. — Pelo menos metade da cidade estará em Derby Stakes. As estradas de Surrey estarão lotadas com carruagens. Com certeza o irmão dela irá. Poderia se ver casado com a ponta da espada.
— Não entende? Stratton não vai ao Derby — Langford revelou. — Se tivesse a mulher que queria sozinha em um lugar privado, interromperia o romance para desperdiçar um dia em uma corrida de cavalos?
— Talvez ele queira ver a corrida. Talvez ela queira.
— Prometi que ela veria a corrida — Adam contou.
— Ela não vai sentir falta se você não for desajeitado. Tenho que aconselhá-lo nisso também?
— Por favor, não — Brentworth pediu. — Imploro a você, e Stratton insiste, tenho certeza.
Langford fez algumas apostas.
— Vou apostar com vocês dois que não fará sentido ir à corrida. Estou confiante de que meu conhecimento vasto sobre mulheres está correto. Diga quanto.
— Cem libras — Adam disse.
Langford parou e desistiu de suas apostas.
— Retiro o desafio, se aposta tanto assim. Já que você tem controle do resultado, devo concluir que vai garantir que ganhe, mesmo se for contra seus interesses.
— Se sedução fosse meu único objetivo, não precisaria sair de Londres. Ela quer ver a corrida, e eu vou passar por uma dificuldade considerável para conseguir isso. Tanto que, mesmo que ela insista em abdicar disso, vou exigir que completemos o plano.
Langford deu risada.
— Não, minha querida, não podemos ficar na cama o dia todo. Temos que ir para Epsom em breve. Pare com esses carinhos. Não serei persuadido pelas artimanhas femininas de mudar o plano. — Ele imitou a voz de Adam.
— Ignore-o — Brentworth disse. — Procure meu lugar na corrida. Vamos assistir juntos e brindar ao vencedor, que espero que seja o meu cavalo.
Ele e Langford começaram a falar de probabilidades e da competição. Adam observou a roda girar. Três dias até Clara se juntar a ele em Surrey. Tinha certeza de que ficaria louco antes disso.
CONTINUA
Ele achou que pudesse descobrir algo com ela. Nunca havia escrito para ela sobre essas questões. Em vez disso, ele a deixara angustiada sem propósito.
Suas repreensões delicadas não eram novidade. O desejo que ela tinha de o filho deixar o passado em paz também não. Por cinco anos, ela o convencera de que o caminho prudente era seguir em frente. Quando ele ficava agitado em relação ao seu dever pendente quanto ao nome do pai, uma visita a ela acalmaria o turbilhão tentando tomá-lo de novo.
Você deveria se casar. Ter um herdeiro e me dar um neto, e encontrar a felicidade. Ele sempre pensou que ela sabia mais do que dizia e escondia dele para que não alimentasse a turbulência obscura que poderia, um dia, causar sua morte. Agora, ao ter pelo menos metade da verdade nas mãos, ela insistia não saber de nada.
Ele submeteu os últimos deveres ao seu criado em um humor maçante e atrasou-se escrevendo outra carta para, depois, sair em seu cavalo à casa de Brentworth.
Talvez o sol tivesse melhorado seu humor, ou fosse a alegria da pequena multidão zanzando pelo jardim enorme. Certamente, avistar Lady Clara não lhe causou mágoa. Ela estava sentada com a irmã e o irmão de Langford, Harry, em um banco no centro do jardim mais próximo da casa. Sua irmã usava a musselina branca que elas encomendaram na costureira naquele dia. Já que a maioria das garotas usava branco, somente a simplicidade do tecido a diferenciava. Lady Clara também trajava um vestido escolhido naquele dia. Embora fosse decorado com um bordado simples tão discreto que era quase invisível, a cor fazia toda diferença. À luz clara do dia, o lilás-hortênsia parecia mais vibrante do que na loja.
Ele foi até elas. Ela dissera para não a visitar. Não havia dito para não falar com ela. Não que ele teria obedecido tal comando, de qualquer forma.
Harry o viu primeiro e o recebeu com um cumprimento feliz. Harry se parecia muito com seu irmão mais velho, só que ainda esguio da maneira que jovens de vinte anos ficam. Também usava óculos, consequência de muita leitura à luz de vela ao longo dos anos. Adam concluiu isso muito depois de ele e Langford terem lido uma história esotérica escrita por Harry, dizendo que viveria nas bibliotecas pelo mundo.
— É um lindo dia, não é, Stratton? — Harry parecia bêbado de prazer. Como Lady Emilia não parecia entediada, as coisas deviam estar indo bem entre eles.
— Sim, muito lindo.
— Lindo demais — Lady Emilia disse com um grande sorriso.
— Está lindo mesmo — Lady Clara respondeu sem nem um pequeno sorriso.
Ele se aproveitou de um espaço vago no banco ao lado de Lady Clara. Ela arrastou-se para mais perto da irmã e mais longe dele.
— As senhoritas são mais bonitas do que as flores — Adam elogiou. — Essa cor combina bem, Lady Clara.
— Pensei que sim, dadas as circunstâncias.
— Tenho certeza de que está ansiosa pelo dia em que usará uma variedade de cores de novo. Azul, por exemplo. Azul-claro, para combinar com seus olhos adoráveis e contrastar com seu cabelo.
— Ela tem uma roupa assim — Emilia disse. — Ele pode estar descrevendo seu traje azul para cavalgar, Clara. Fica lindo mesmo nela, sir. Ninguém poderia deixar de admirá-la quando ela usa esse traje e se senta em um lindo cavalo.
— Tenho certeza — Adam respondeu.
Clara sugou as bochechas.
A alegria de Harry diminuíra um pouco depois da adição de Adam ao grupo. Agora ele brilhava, como se fosse atingido por uma inspiração divina.
— Vi uma cama de tulipas quando entrei. Poderia me acompanhar enquanto vou olhá-la, Lady Emilia?
Emilia virou os olhos esperançosos para a irmã. Clara lançou um olhar crítico a Harry, depois outro por cima do ombro.
— Acho que uma caminhada rápida até as tulipas não seria prejudicial. Lembre-se do que lhe disse quando estávamos vindo, Emilia. Não queremos que Vovó me repreenda por ser uma acompanhante inapta.
Emilia saiu com Harry antes de ela terminar. Clara aproveitou-se do espaço a mais a fim de ficar ainda mais longe de Adam.
— O que está fazendo aqui? — ela perguntou.
— Brentworth é um de meus melhores amigos. Se não tivesse passado uma de suas primeiras Temporadas ignorando minha existência, saberia disso.
— Passou pela minha mente que ele pudesse ser. O senhor o fez fazer isso? Ele não dá muitas festas aqui. Acho que a última vez que estive aqui foi há três anos, antes de ele ter ficado com a herança.
— Ninguém convence Brentworth a fazer alguma coisa. Ele decidiu sozinho. — Era oficialmente verdade, mas não completamente. — Talvez ele tenha decidido dar mais festas e pensou que esta pequena reunião fosse um bom começo.
— Veio em uma hora conveniente. É um bom começo para Emilia também. — Ela olhou por cima do ombro de novo para encontrar sua irmã no jardim.
— É obrigada a ficar aqui sentada o tempo inteiro? — ele perguntou. — Há alguma regra desconhecida a mim que não possa aproveitar o sol e as flores se está de luto?
— Claro que não. É só que... — Ela olhou em volta no jardim e mordeu o lábio inferior. — Sinto-me um pouco estranha. Conheço todas essas pessoas e, mesmo assim, sinto-me excluída de uma nova maneira. Como se elas não importassem. Como se eu não me importasse com elas.
Ele conhecia a sensação esquisita.
— A senhorita esteve separada delas mais tempo do que imagina. A morte de seu pai muda as coisas também. Nós todos somos colocados em filas por outros e somos movidos ao longo do tempo.
— Então antes eu estava na fila de filha de Marwood, e agora estou na de irmã de Marwood?
— Algo assim.
— Esta não parece prestigiosa. Agora estou menos interessante.
— Talvez menos útil fosse uma forma melhor de dizer.
— Nossa, o senhor é cínico às vezes. Suponho que quatro anos atrás eu estava na fila de ingênua no mercado para casamento, mas isso mudou agora também. Agora estou na solteirona na prateleira.
— Eu diria que está na fila mulher madura que sabe o que quer.
— Que generoso da sua parte. Independente do nome que damos, eu prefiro este lugar.
Ele gesticulou para os outros convidados.
— Acho que eles sabem disso. Talvez seja outro motivo pelo qual se sinta uma estranha com eles.
Ela se levantou.
— Se estou tão confortável comigo mesma, não deveria permitir que outros me façam sentir estranha. Acho que vou socializar, para variar.
Ele a viu se afastar e cumprimentar duas damas que conversavam por perto. Ele podia ver, antes de algo ser dito, que aquelas jovens expressaram solidariedade pela perda dela. Provavelmente aconteceria isso a cada pessoa que ela encontrasse, já que a maioria não fora ao funeral no interior.
Ele não esperava que ela fosse sociável por muito tempo. Procurou Brentworth e encontrou-o no terraço, sofrendo com um discurso político do Visconde Weberly. Corado e escandaloso, o velho fazia pronunciamento atrás de pronunciamento sobre a necessidade de esmagar rebeliões assim que elas surgissem, e não aguardar as delicadezas de uma ação legal. Brentworth apenas escutava, mas, quando viu Adam, usou isso como desculpa para se libertar.
— Pensei que Weberly nunca fosse parar — ele disse, conduzindo Adam para mais longe e na direção do ponche.
— Descobri há muito tempo que era perda de tempo tentar explicar a mentes como a dele que, enquanto pode ser conveniente prender os manifestantes sem julgamentos, não era legal nem inglês.
Weberly não estava sozinho em defender o ato de governo de forma contrária à lei e à tradição. O medo motivava a ele e outros. A revolução francesa ainda lançava uma sombra, revivida quando a agitação ribombava pelo país. Já que rugia às vezes agora, Weberly e sua turma ficavam cada vez mais fervorosos ao exigir ações que certificariam a segurança de seu pescoço.
Brentworth pegou dois copos de refresco de um criado que administrava as tigelas de ponche e entregou um para Adam.
— Vai gostar. É uma poção do oeste indiano com uma quantidade justa de rum. O conteúdo daquela outra tigela é doce, típico e sem algo forte.
— Tenho certeza de que as damas gostaram da escolha.
— Você pensaria que sim. Muitas delas, no entanto, quiseram o que nós bebemos, várias vezes. Estou de olho em uma delas, para que não desmaie antes de a tarde acabar.
— Onde está Langford? — Adam usou a pergunta como desculpa para supervisionar o jardim até encontrar Lady Clara.
— Por aí em algum lugar, seguindo seu conselho bem seriamente de flertar com todas as jovens.
— Ele nasceu para flertar, e elas gostam tanto que ele não consegue evitar.
— É melhor ele se certificar de que uma delas não o arraste para atrás de um arbusto, ou ficará um inferno. Essas meninas estão ficando mais ousadas ou eu que estou ficando velho?
— Acho que um pouco dos dois.
— Falando em flerte, onde está sua senhora?
— Ali ao lado da fonte, conversando com Hollsworth e a esposa.
— Você não deveria estar lá também?
— Tudo a seu tempo.
— Suponho que, primeiro, precise avaliar o terreno, depois planejar o ataque.
— Não haverá ataque. Sou um cavalheiro.
— Chame do que quiser. Quanto ao terreno, há uma construção maravilhosa no canto mais ao norte, no meio daquele bosque de árvores frutíferas. Um pequeno templo para a deusa Diana. É muito frio lá atrás, mesmo em dias quentes, então é improvável chamar a atenção de muitos convidados.
Adam olhou o pomar em questão.
— Lembrei dele agora que me lembrou. A estátua da deusa é bem mais interessante do que alguém espera em um jardim.
— É da antiga Roma. Provavelmente eu deveria levá-la para a galeria.
— Lady Clara é uma mulher culta. Ela gostaria de vê-la em seu local atual antes de você mudar.
— Acha isso? Infelizmente, tenho todos esses convidados para receber e não posso levá-la lá. Talvez a leve por mim.
— Vou tentar me lembrar de fazer isso, presumindo que ela e eu conversemos de novo. — Ele colocou o copo na mesa, depois saiu do terraço, em direção à fonte.
Clara saiu de uma discussão longa em relação à nova moda de golas muito altas e viu o Conde de Hollsworth perto da fonte. Sua condessa sorria amavelmente na direção dela, então juntou-se a eles.
Hollsworth estava muito ereto, apesar de sua idade avançada. Cabelos brancos finos cresciam em tufos. Os óculos grossos faziam seus olhos parecerem muito pequenos. Ele sorriu em cumprimento enquanto a condessa pequena e grisalha a cumprimentava.
Hollsworth fora amigo de seu avô e, depois, de seu pai. Um homem quieto, observava mais do que contribuía em reuniões sociais. Seu pai lhe dissera, uma vez, que o comportamento reservado de Hollsworth significava que as pessoas frequentemente falavam sem perceber que ele escutava. Como resultado, seu pai o considerava um de seus pares mais bem informados.
Lady Hollsworth examinou detalhadamente o vestido de Lady Clara.
— Muito bem. Fico muito feliz em ver que você e sua irmã se aventuraram a sair e escolheram colocar o luto de lado. Jovens não deveriam ficar um ano inteiro excluídas de suas vidas, e acho estranho que tal costume esteja virando moda. Não concorda, Charles?
Lorde Hollsworth apenas sorriu e assentiu.
Clara dedicou sua atenção à condessa, elogiando seu vestido elegante. Ela havia acabado quando o conde se endireitou ainda mais, o suficiente para chamar a atenção da esposa.
— Oh, nossa — ela murmurou, observando além de Clara. Olhou desconfiada para o marido, cuja expressão ficara rígida. — Com certeza ele não virá aqui.
Clara olhou por cima do ombro. Ele em questão era Stratton, que parecia estar andando na direção deles.
— É um velho amigo de Brentworth — ela disse, embora a presença do duque não precisasse de explicação.
A mandíbula do conde ficou firme. A condessa olhou preocupada para ele.
— Por que não vai admirar o jardim, Charles?
Assentindo firmemente, o conde se afastou.
— Perdoe-nos. Meu marido prefere não conversar com Stratton. Nem gostaria de ignorá-lo diretamente. Pode ver a dificuldade dele.
— Vejo claramente. Mas não sei se entendo.
A condessa manteve o olhar no jardim entre eles e a casa. Clara se moveu para que pudesse ver também. Stratton andava devagar, parando para cumprimentar outros convidados, mas permaneceu em uma linha que acabaria nelas.
— Ele voltou por um motivo. Repare como todos os homens o cumprimentam calorosamente, mas ficam sérios assim que ele passa. Ele veio para encontrar alguém para culpar pelo ato precipitado do pai, acredito. Meu marido gostaria de evitar uma discussão com ele sobre tudo isso — Lady Hollsworth explicou.
— Lorde Hollsworth não precisa ficar preocupado que o duque o desafie. Stratton tem uma decência básica e nunca ousaria fazer tal coisa com um idoso, principalmente depois de uma simples conversa.
As sobrancelhas de Lady Hollsworth se ergueram.
— Sei que muitos pensam assim, mas nunca se sabe. Além disso, a senhorita é uma escolha estranha para defendê-lo. Muito estranha. Esperava que seguisse meu marido para evitar fazer parte do encontro prestes a ocorrer.
— Minha avó decidiu que devemos fazer um esforço para acabar com essa antiga briga. Já que parece que ninguém se lembra do que a causou, acredito que ela esteja correta.
— Isso fica cada vez mais curioso. Será que a viúva não está se sentindo bem esses dias? Ela não é mulher de desenvolver uma memória defeituosa sem outro motivo. — Já que Stratton estava quase ao lado delas, ela fixou um sorriso no rosto quando ele se aproximou. — Deixe sua avó sofrer a investigação dele sobre aquelas joias, se decidiu fazer as pazes. Meu marido não quer se ver esquivando-se das perguntas de Stratton.
— Que joias?
— Stratton! Que gentileza a sua de cumprimentar uma idosa — Lady Hollsworth o saudou e fez uma reverência.
Ele emanava um charme que deixaria qualquer mulher à vontade.
— Não poderia deixar passar a chance de falar com a senhora.
— O senhor só precisava me visitar, e teria tido a chance mais cedo.
— Vou assumir isso como um convite. E Lorde Hollsworth? — ele perguntou. — Está bem?
— Muito bem. Estava aqui agora mesmo, mas buscou refúgio nas flores quando Lady Clara e eu começamos a falar sobre vestidos.
— Sinto muito tê-lo perdido. Talvez cruze com ele mais tarde.
— Ele ficaria bem grato se o fizesse, sei disso. — Ela fingiu ficar na ponta dos pés e procurá-lo. — Deveria encontrá-lo, suponho. Clara, você e eu vamos conversar de novo em breve, assim espero. Faça uma visita.
Ela saiu, deixando Clara com o duque.
— Que grosseria da parte dela — Clara disse.
— Eu queria que ela saísse, para que a senhorita e eu pudéssemos ficar sozinhos.
— Não acho que isso durará muito tempo com todas essas pessoas aqui.
— Tenho certeza de que vai. Ninguém aqui está querendo conversar comigo.
Ele sabia das reações que o seguiam conforme ele passava.
— O senhor não pode gostar da forma com que os homens o tratam com cautela. É como se recusassem a aceitar que é um deles.
— Com minha posição, eles precisam me aceitar. Eu sabia que levaria um tempo para minha ausência ser esquecida ou meu retorno ser compreendido. Vamos dar uma volta, se estiver disposta. Assim, outros convidados podem se sentar nesses bancos em volta da fonte, o que não acho que farão se eu permanecer neste local.
Os bancos realmente haviam se esvaziado assim que ele chegou. Clara concordou em dar uma volta pelo jardim. Ela ainda não conseguia entender como ele não se importava com as desfeitas sociais.
— Sabe por que homens como Hollsworth o evitam?
Ele baixou a cabeça para cheirar os botões de um arbusto de lilás.
— Alguns se preocupam de que eu vá me ofender por algo que digam. Se não me desonrarem, a ofensa será impossível. Mesmo assim, isso os preocupa.
— Hollsworth certamente sabe que, mesmo se o insultar francamente, o senhor nunca desafiaria um idoso. Eu disse isso para a condessa. Ela respondeu que ele quer evitar uma conversa com o senhor.
Ele simplesmente continuou andando.
— Não se importa que todos eles o considerem perigoso? — Ela gesticulou para o lugar com o braço na direção do jardim.
— A senhorita também? Isso me magoaria de verdade. Não me importo muito com os outros.
— Ainda não decidi — ela mentiu. Considerava-o, sim, perigoso. Para ela. Não tinha nada a ver com duelos ou o passado ou nenhum dos motivos pelos quais todos o tratavam com cuidado. Mesmo agora, andando pelos caminhos do jardim, ela não era ela mesma. A proximidade dele a deixava afobada. Olhar para ele ameaçava deixá-la calada.
O caminho os levou para o fim de um bosque cheio de flores.
— Há uma construção aqui — ele disse. — Um pequeno templo romano abobadado para a deusa Diana. A estátua é antiga.
As árvores frutíferas ainda não estavam cheias de folhas. A luz do sol manchava os caminhos debaixo dos galhos. Ela pensou ter visto a abóbada. Juntar-se a Stratton quando ele se aventurou pelo bosque não a preocupava. Provavelmente, encontrariam outros convidados entre aquelas macieiras.
O ar esfriou apesar dos raios de sol. A construção estava no canto, perto de onde os muros de pedra se encontravam. A deusa de mármore usava pele de animal e carregava uma aljava de flechas nas costas. Estava abaixada para amarrar a sandália com o pé apoiado em um toco de árvore, no qual estava apoiado seu arco.
Clara subiu os três degraus que circulavam a estrutura e passou pela arcada que segurava a abóbada e comportava a estátua.
— É muito realista. As diferentes texturas são retratadas de forma tão exata que se pode pensar que não é de pedra. — Ela passou a ponta dos dedos pela pele de animal.
— Provavelmente é do começo da era romana. O pai de Brentworth era um homem bem viajado, com um olho bom para arte de qualidade.
Ela andou em volta da estátua. Adam entrou na estrutura, só que olhou para ela, não para a deusa.
— O senhor não me trouxe aqui para admirar esta estátua, não é?
— Eu a trouxe aqui porque exigiu que não a visitasse na sua casa.
Ela se virou e o viu bem atrás dela. Seu coração acelerou, bloqueando sua respiração. De repente, o bosque não mais pareceu amplo e aberto, mas denso e obscuro. Ela mal conseguia escutar o som da festa no jardim aberto.
Ele ergueu seu queixo com os dedos.
— Se não fosse tão rigorosa, eu poderia ter feito isto lá. — Ele a beijou, suavemente primeiro, mas depois mais apaixonadamente. As sensações cascatearam por ela, então ela não mais queria ser nada rigorosa.
Ele interrompeu o beijo, mas manteve a mão no rosto dela.
— Não posso permitir que me rejeite, Clara. Que negue isto. Não penso que realmente queira também.
Ela ficara muito segura depois da cavalgada deles. Sua mente tinha ficado bem clara. Naquele momento, não conseguia se lembrar do que havia pensado.
Mas ele falou a verdade. Ela não queria realmente negar o quanto se sentia viva quando ele a beijava. As considerações do motivo dele deixaram, então, de importar. Ela não queria rejeitar o prazer ou a excitação. Deveria, mas não queria. Saboreava a maneira como ele a excitava. Ela havia refletido nas lembranças do que aconteceu na colina por muito tempo desde que se viram pela última vez.
Ele a beijou de novo e a abraçou. O calor de seu corpo a confortava e extasiava. Tão bom. Bom demais.
— Se repetir sua exigência de não a visitar, terei que persegui-la em bosques e jardins o verão todo — ele murmurou em seu ouvido. — A discrição pode ser quase impossível.
Com seu prazer inebriante, ela vagamente reparou que ele não havia desistido. Ele a alertara naquele primeiro dia que não o faria.
Ainda assim, ela deveria repetir sua exigência. Não deveria fazer nada que o encorajasse. Deveria se lembrar de por que aqueles beijos não eram apenas errados, mas desleais. Assim que essa intimidade acabasse, com certeza ela se importaria de novo com todos aqueles...
Os sons penetraram no silêncio ao redor deles. Uma risada, e uma risada de homem. Não muito longe. Perto, naquele caminho. Stratton a soltou abruptamente e saiu do templo, deixando-a sozinha com a deusa.
Um feixe de luz do sol iluminou um vestido branco e uma cabeça loira entre as maçãs. Com outra risada, Emilia entrou na pequena clareira com o templo. A expressão de sua companhia caiu quando viu Stratton.
— Harry, que gentil da sua parte mostrar a Lady Emilia o caminho deste tesouro — Stratton disse. — A irmã dela tentou encontrá-la antes de vir aqui. — Ele apontou para Clara.
Harry viu Clara. Emilia também viu. Ambos coraram. Clara fez uma careta enquanto lutava para manter a compostura. Ao permitir que o duque a ofuscasse novamente, havia negligenciado seu dever. Emilia iria receber um sermão muito grande para não ser tão burra de ficar sozinha com um homem daquele jeito.
— Venha e veja a estátua — ela chamou. — É impressionante.
Visivelmente aliviado, Harry acompanhou Emilia para dentro da estrutura. Todos eles admiraram a deusa juntos, depois voltaram pelo bosque e chegaram ao jardim ensolarado.
Clara decidiu que ela e Emilia deveriam ir embora e arrastou a irmã para Brentworth para que pudessem agradecer ao anfitrião. Quando iam embora, ela viu Stratton perto dos bancos, observando alguém. Seu olhar seguiu a direção do dele, diretamente para o Conde de Hollsworth.
Funções sociais completas, ela e Emilia se acomodaram na carruagem de Theo para o caminho aos respectivos lares.
— Teve uma tarde boa e se divertiu? — Clara perguntou diretamente, conforme as lições sociais necessárias se organizavam em sua mente.
— Minha tarde não foi tão divertida como a sua, acho. — Emilia lançou um olhar sábio pela cabine da carruagem.
Foi a vez de Clara corar. E engoliu o longo sermão que pretendia dar à irmã.
lara e Althea estavam paradas uma ao lado da outra na biblioteca de Clara na sexta-feira de manhã. Em uma mesa comprida, cópias frescas do jornal delas aguardavam em pilhas. A gráfica enviaria pelo correio as cópias dos assinantes, mas essas deveriam ser entregues em livrarias, e as mulheres que fariam isso, amigas da sra. Clark, chegariam ao meio-dia.
Clara admirava as brochuras vultosas. As que iam pelo correio não tinham capa, mas aquelas tinham a capa azul-escura e o título gravado de maneira encantadora. Ficariam lindos nas lojas.
Althea disse um número, e Clara pegou aquele número de cópias e as levou para a ponta da mesa. Althea seguiu e colocou um papel com um nome de loja naquele grupo.
Até então, metade dos jornais tinham sido atribuídos às lojas.
O trabalho demorara mais do que o esperado porque Clara estava descrevendo a festa no jardim. Não a parte em que fora beijada de novo, claro.
— Depois, Lady Hollsworth disse tão claro como está ouvindo agora: Deixe sua avó sofrer a investigação dele sobre aquelas joias. Perguntei o que ela quis dizer, mas, naquele instante, Stratton já estava ao nosso lado, então ela não respondeu.
— Que intrigante. É um milagre você não ter mandado o duque embora para que pudesse ter sua resposta.
— Tento não ser grosseira, Althea.
Althea verificou seu papel.
— Ackermann’s. Quinze.
Clara contou cinco cópias e as levou para a outra ponta da mesa.
— Descobriu alguma coisa interessante?
— Continuo ouvindo as mesmas coisas. Conversas sobre os duelos. Preocupação que ele desafie as pessoas daqui. Há uma hipótese entre algumas pessoas de que ele terá que fazê-lo a fim de limpar o nome da família do que quer que o tenha manchado. Algumas das idosas acreditam que a honra significa que ele não pode permitir que as coisas fiquem como estão.
— Os tempos mudaram. As famílias não têm mais os pecados de seus antecessores como marcas na testa. Sugerir tal coisa é muito ultrapassado.
— Não é um pecado típico, no entanto, não é? Os boatos tinham a ver com traição.
— Não houve acusação pública, Althea. Nem julgamento.
— Não se aborreça comigo. Só estou dizendo...
— Sei o que está dizendo. Não estou aborrecida com você. Estou irritada com todas essas fofocas vagas de pessoas que parecem não saber de nada com certeza.
— Alguém sabe. Entretanto, a história acabou, então quem quer que seja não levantará a questão novamente. Principalmente com o duque de volta à Inglaterra.
É, alguém sabia. Provavelmente muitos alguéns. Como Hollsworth.
Será que o pai dela também sabia?
Jocelyn entrou na biblioteca com a correspondência matinal. Clara parou de contar os jornais enquanto verificou as poucas cartas. Uma a fez congelar. Rasgou-a e a leu.
— Oh, não. De todos os dias que se podia escolher... — Olhou freneticamente para a mesa, cheia de cópias do jornal.
— O que foi? — Althea perguntou.
Clara abanou a carta.
— Minha avó tem algo importante para me contar e pretende vir aqui logo depois do meio-dia, antes de fazer suas visitas.
— Aqui? Oh, nossa. As mulheres...
— Chegarão exatamente quando ela chegar. Entrando e carregando pilhas destes jornais. — Ela se apressou até a porta da biblioteca e chamou Jocelyn. — Pode terminar isto sozinha, Althea? Vou tentar ao máximo retornar antes do meio-dia, mas devo ir à casa de meu irmão antes que minha avó saia para vir até a minha casa.
Jocelyn chegou e Clara lhe pediu sua pelica e a boina. Ela olhou para seu vestido. Era parte do guarda-roupa que deixou ali depois do último verão, e não era preto nem azul ou roxo escuros. Ao acordar de sonhos sensuais desconfortáveis, impulsivamente colocara um vestido vermelho. Ninguém a veria, exceto sua família. A família em questão não aprovaria, entretanto.
— Vou cuidar de tudo por aqui — Althea disse. — Não se preocupe. Tenho minha lista e vou acabar em quinze minutos.
Jocelyn trouxe uma boina e a pelica. Pretas. Vermelho e preto. Ficaria parecendo um palhaço.
— Jocelyn, por favor, ajude Althea a terminar de contar as brochuras. Preciso sair imediatamente.
Ela se apressou até a porta, para alugar uma carruagem para o trajeto longo até Mayfair.
Quase uma hora mais tarde, ela entrou na Casa Gifford, só para descobrir que sua avó ainda não havia descido. Rezando para que ela não sofresse e não fosse esquartejada pela presunção, subiu até o seu quarto.
Parou do lado de fora da porta. Nunca mais tinha entrado ali. Desde que tinha dez anos e entrara escondido para explorar a penteadeira de sua avó. Fascinada pelas joias e maquiagens, ela as provara, admirando-se no espelho. Mesmo agora conseguia ver seu reflexo, depois o susto de ver sua avó bem atrás.
Pagara severamente por colocar aquele colar e o rouge. Sua avó lhe batera com uma vareta enquanto a obrigou a olhar para seus pecados no espelho o tempo todo. Depois ordenara que ficasse presa apenas com pão e água durante uma semana. Seu pai estava viajando e só retornou e lhe concedeu a soltura dois dias depois.
Não conseguia olhar para aquela porta e não se ver naquele espelho enquanto a vareta batia em suas nádegas nuas. Respirando fundo e colocando a imagem dela toda pintada e enfeitada de lado, aventurou-se, entrando.
Viu sua avó um segundo antes de sua dama de companhia colocar sua peruca. Com o cabelo amassado em uma rede e o corpo escondido em uma camisola com camadas de renda, sua avó não a viu até a dama tocar seu ombro e apontar para a porta.
Aqueles olhos enormes e pálidos lançaram um olhar fulminante, depois se voltaram para o espelho.
— Cuide de mim, Margaret, para que eu possa falar com minha neta invasora.
Margaret colocou a peruca, ajustou alguns cachos grisalhos e se afastou.
— Agora vá e chame Theo. Diga que preciso dele aqui.
Margaret se apressou para fora do quarto.
— Clara, está usando esse vestido para me provocar? É medonho em qualquer época, mas principalmente agora.
Clara se sentou em um divã perto da lareira.
— Recebi seu recado. Pensei que era melhor ouvir isso logo do que mais tarde.
Sua avó se virou na cadeira.
— Mais tarde, mas não muito mais tarde. Poderia ter esperado eu me vestir, pelo menos. Ou até ter reconsiderado sua própria vestimenta.
— Desculpe. Pareceu muito importante, então vim imediatamente.
Sua avó se virou para o espelho mais uma vez e beliscou as bochechas até formar duas bolinhas cor-de-rosa. Não finja que não se maquia. Nós duas sabemos que o faz. Chicoteou-me uma vez por descobrir isso.
— Não queria me ver naquela sua casa, é isso que quer dizer.
Theo entrou apressado. Viu Clara, evitou olhar para o traje de sua avó, e sentou-se em uma cadeira.
— Espero que não vá demorar. Estava indo cavalgar no parque.
— Não vai demorar nada. Porém, queria você aqui quando explicasse as questões para sua irmã.
— Que questões? — Clara perguntou. Uma preocupação meio esquisita a tomou. Duvidava que essas questões a agradariam, considerando o tom de sua avó.
— Fiquei sabendo da festa de Brentworth. Muitos de meus amigos me escreveram. Fico feliz em dizer que a opinião deles sobre o comportamento de Emilia foi perfeita.
— Tentei ser uma boa acompanhante. — Pelo menos não era sobre Harry.
— Também escreveram que Stratton estava lá.
— Sim, acredito que estava.
— Acredita que estava, certo? Da forma que entendi, ele passou mais de uma hora na sua companhia.
Parecia que o quarto havia diminuído.
— Nem uma hora, tenho certeza.
— No mínimo, uma hora, dois de meus amigos relataram. Da mesma forma, ele não passou nenhum tempo com Emilia.
— Não é verdade. Eu estava presente quando conversaram.
— Então ele conversou com ela por, no máximo, um minuto. Está claro, Theo, que fizemos suposições errôneas sobre o duque e vamos precisar corrigir nossa estratégia.
— Parece que sim — Theo concordou.
— Não culpe Emilia se ele não concordou com a sua última — Clara disse. — Esperar que ele se case com alguém da nossa família foi uma estratégia incorreta desde o começo. Falei isso para a senhora.
Sua avó se levantou. Em um balançar da renda, ela se moveu até estar sentada ao lado de Clara no divã.
— Uma estratégia incorreta? — Ela riu com a renda nos lábios. — Não em princípio, parece. Ele pode não ter gostado de Emilia, verdade. No entanto, parece que acha você interessante. Não sou uma mulher rígida. Se o sucesso exige uma substituição de irmãs, que seja.
Theo pareceu confuso.
— Stratton a quer?
— Parece que ele saiu do caminho dele para ter a companhia dela na festa.
Theo quase deu risada.
— Inferno, isso é novidade.
— Olha a linguagem, Theo. Quanto à preferência do duque, não há como medir gosto.
— Sinto muito, Vovó. É só que Emilia é tão perfeita, e Clara é... — Ele deu de ombros, depois estendeu o braço na direção de Clara, como se dissesse bom, ela é quem ela é.
— Não é a esposa que eu aconselharia para um duque, mas, já que ele não me escutou quanto ao assunto, vamos nos adaptar à sua decisão peculiar.
Theo balançou a cabeça.
— Não vejo como a união irá nos aproximar dele. Em seis meses de casamento, ele vai ter certeza de que foi enganado e sairá sedento por sangue.
— Então devo deixar que vocês dois discutam minha vida francamente? Não gostaria que minha presença interferisse — Clara disse diretamente.
Sua avó deu um tapinha em sua mão.
— Nós a aborrecemos, Theo. Acalme-se, querida.
— Estou bem calma, obrigada. Porém, infelizmente, preciso dizer que interpretou completamente mal o interesse do duque. Ele gosta de me provocar, nada mais.
— Isso é simplesmente um menino puxando o cabelo de uma menina de que gosta — sua avó disse.
— Não gosto que puxem meu cabelo. A senhora parece ter se esquecido de que, não importa o que o duque prefira, eu não vou me casar com ele ou com outra pessoa.
Theo resmungou.
— Isso de novo, não.
— É, isso de novo. E de novo. E de novo. Não entendo por que vocês insistem em pensar que minha decisão é algo passageiro, quando fiquei firme por todos esses anos.
— Decisões podem ser mudadas, como esta deve ser. — Sua avó deu um tapinha em sua mão de novo. — Pelo bem da família, pelo bem de seu irmão, pelo meu bem, você vai se casar com ele.
Tão agitada que temia que fosse gritar, Clara se levantou. Como ousavam interferir nesse estágio da vida dela? Porque papai se foi e não há ninguém aqui para impedi-los.
— Se essas são as notícias importantes, já ouvi. Agora me vou. Encorajo-os a encontrar outra solução para o que quer que seja a ameaça que pensem que o duque representa. Theo, se for esperto e não o insultar ou à família dele, ele nunca vai desafiá-lo, então toda essa trama é desnecessária, de qualquer forma.
— Se ele lhe pedir e você recusar, estará insultando-o — Theo soltou.
— Vou embora. Recuso-me a ouvir mais desta loucura.
— Você não vai embora. Vai ficar bem aqui enquanto planejamos como o pescará agora que ele foi fisgado — Vovó disse.
— Meu Deus, Stratton não é um peixe burro. Não haverá pesca. Bom dia para vocês.
Ela já estava na escada quando seu tremor começou. Não sabia se era da raiva e do choque ou do desejo inexplicável de rir. Na metade da escada, o último impulso desapareceu. E se Stratton contasse a Theo e sua avó que ele já tinha feito o pedido? Eles seriam implacáveis em coagi-la a concordar. Ela teria que se mudar para o Brasil para salvar sua sanidade.
— Sempre fico feliz ao assistir a leilões, mas estamos aqui por um motivo, Stratton? — Langford perguntou.
— Pretendo comprar um cavalo. Que outro motivo me traria aqui?
Eles se levantaram no jardim de Tattersalls, junto com outros vinte homens, enquanto saía um cavalo atrás do outro para inspeção e ofertas. Até então, nenhum tinha sido bom o suficiente. Certamente, não a atual no palco, mesmo que o leiloeiro tivesse elogiado a égua como adequada para uma mulher.
— Pretende comprar hoje? Os cinco cavalos no seu estábulo aqui da cidade não servem? Os vinte que você tem no interior precisam de um novo amigo?
— Não é para mim. É um presente.
— Ahhhhh. Ou seja, para sua dama.
— Ela precisa de um cavalo. Um cavalo muito bom. É uma amazona excelente, como vai descobrir. Cavalga melhor que você, embora esteja presa em uma sela lateral.
— Nenhuma mulher cavalga melhor do que eu.
— Quando eu comprar o cavalo, pode apostar corrida com ela e veremos quanto a isso.
— Está dando muitos presentes a ela. É apropriado? Primeiro o colar de rubi, agora um cavalo. — Langford olhou-o. — Você deu a ela o colar de rubi, suponho.
— Ainda não. Isso é para depois.
— Quanto depois? Faz semanas.
— Estou esperando o momento certo.
— Que ainda não chegou, aparentemente. — Langford sorriu. — Estou achando que a grande sedução não está se revelando como você pretendia. Não, não, não precisa explicar. Não sou o tipo de homem que pressiona um amigo por detalhes tão íntimos. Mas talvez devesse anotar quando eu lhe der uma aula.
Adam não se importaria em dar uma surra em Langford. Se não quisesse outra opinião sobre o cavalo, talvez tivesse batido nele.
— Ela sabe que você está comprando um cavalo para ela?
— Não.
— Uma surpresa, então. O estábulo do irmão dela tem espaço para outro cavalo?
— Não sei.
— Não deveria descobrir antes de comprar um?
— Pare de ser tão prático. — Isso era melhor do que dizer a Langford que Lady Clara se mudara da casa de sua família e agora arranjaria seu próprio estábulo.
A movimentação perto do leiloeiro chamou a atenção de Adam. A baia foi aberta, e os criados a levaram para longe. Um homem guiou o próximo cavalo. O castrado tinha uma cor castanha profunda, quase preto. Era alto e resistia a quem estava segurando a rédea.
— Agora aquele é um animal lindo — Langford disse.
Adam também pensou isso, então aproximou-se para olhar mais de perto, com Langford atrás.
Examinaram o cavalo por completo. Langford verificou os dentes enquanto Adam ergueu as pernas e os cascos. Outros também se amontoaram, mas o olho experiente do leiloeiro deve ter visto os cavalheiros prováveis para ofertar alto porque aproximou-se de Adam.
— Três anos — o homem repetiu, sendo que acabara de anunciar a informação. — Uma verdadeira beleza. Com personalidade suficiente para correr. Um cavalo para se cavalgar, com certeza. Não é adequado para carruagem, embora possa ser treinado para isso.
— Como ele lida com a sela?
— Tolera muito bem. Um cavalheiro com você não deve ter problema. Estaria mentindo se não admitisse que não colocaria um cavaleiro fraco nele. Ele tem a própria mente, sim, e precisa de uma mão firme.
— Parece perfeito para o cavaleiro que tenho em mente. Eles vão combinar.
— Então espero que ganhe. Espero que a oferta suba bem.
Adam se afastou. Langford se juntou a ele.
— Então é esse? Tem certeza? Se ele a jogar no chão, você vai se sentir muito culpado.
— Ela não será jogada no chão.
— Se você diz. — Langford não soou convencido.
Quinze minutos depois, Adam combinava o pagamento pelo cavalo e sua entrega em seu próprio estábulo.
— Não vamos levá-lo para ela agora? — Langford perguntou enquanto iam embora.
— Nós nunca vamos levá-lo para ela. Eu vou sozinho. Outro dia.
— Que pena. Eu queria ver. Se ela ama tanto cavalos, provavelmente vai cair aos seus pés quando recebê-lo.
Adam imaginou isso e deu risada, embora, em sua mente, Lady Clara se recusava a se render por completo. Não sabia se ele queria que ela o fizesse.
lara acordou cedo na segunda-feira. Os criados que ela contratara começariam naquele dia, e ela precisava explicar seus deveres e suas expectativas. Duvidava que terminasse até a noite.
Vestiu-se e desceu para a sala a fim de tomar café da manhã. Um grande aparador a recebeu. Diferente do fraco desjejum preparado por Jocelyn, havia comida suficiente para alimentar dez pessoas. Ela provou um pouco dos ovos. Ovos quentes, diferente dos mornos que Jocelyn fazia.
Uma mulher entrou enquanto ela comia e colocou a correspondência ao lado de seu prato, depois recuou. Não era Jocelyn. Parecia uma das mulheres que ela considerara para a vaga de governanta. Provavelmente, era a que ela contratara.
Ela se levantou e foi procurar a mulher. Encontrou-a em uma conversa baixa com uma menina perto das escadas que levavam à cozinha. Ao vê-la, ambas fizeram reverência. A menina desceu as escadas correndo.
— Vejo que já está aqui, sra. Finley. Esperava recebê-la quando chegasse.
— Sua dama me deixou entrar, e já comecei. Espero que não se importe.
— Nem um pouco. A cozinheira está aqui também, reparei. Poderia lhe dizer que, no futuro, ela não precisa fazer tanta comida. Moro sozinha e não tenho grande apetite de manhã. Também diga a ela que estava tudo maravilhoso, e o café estava excelente.
— Sim, milady.
— Poderia me avisar quando o sr. Brady, o cocheiro, chegar?
— Ele está lá embaixo agora, milady, esperando a senhorita chamar. Ele disse que trouxe um cavalariço como a senhorita pediu.
Ela pediu que a sra. Finley mandasse o cocheiro e o cavalariço subirem até a biblioteca. Meia hora depois, tudo estava resolvido. O cavalariço foi contratado, e o sr. Brady foi enviado para pesquisar carruagens e um par de cavalos à venda para que ela pudesse ter um motivo para o emprego dele.
A sra. Finley entrou na biblioteca quando os dois homens saíram.
— A senhorita vai querer direcionar a cozinheira quanto às refeições e afins, ou devo lidar com isso?
— Acho que vou deixar em suas mãos capazes. Amanhã vamos sentar e chegar a uma consideração razoável para você.
— Haverá mais alguma coisa agora, milady?
— Mais uma coisa. Por favor, sente-se.
A sra. Finley acomodou sua figura robusta em uma das cadeiras. Clara a tinha contratado em parte porque era uma mulher madura que veio com boas referências. Mais, porém, porque a sra. Finley a lembrava de uma governanta que trabalhara na casa de seu pai há muitos anos.
Naquele instante, com um vestido simples cinza e uma touca grande branca que cobria a maior parte de seu cabelo castanho, a sra. Finley pareceu preocupada. Clara lhe agradeceu por cuidar da casa tão rápida e perfeitamente, depois abordou o tópico verdadeiro que queria discutir.
Ter todos esses criados colocava em risco algumas das colaboradoras do jornal. Elas não mais visitariam uma casa vazia usada apenas para reuniões. Agora encontrariam uma casa cheia na qual as atividades do jornal eram visíveis para olhos curiosos. Uma mulher que escrevia sob um apelido não gostaria que criados de Londres soubessem de sua identidade.
— Quando me encontrei com cada um de vocês, fui muito clara de que todo mundo que trabalha aqui deve ser discreto ao extremo. Quero enfatizar de novo e pedir que você, em troca, converse com os outros sobre isso. Não posso permitir que os criados fofoquem com os amigos sobre esta casa. Às vezes, pessoas importantes visitam, mesmo fora do horário de visita, e essas idas e vindas não devem ser mencionadas fora desta propriedade. Qualquer falta de discrição será pior que roubo, do meu ponto de vista. Estou falando bem sério.
— Sim, milady.
— Arrependo-me de precisar cobrá-la por reforçar esta regra. Se suspeitar que qualquer um esteja sendo desleal, deve me informar.
— Sim, milady. Não se preocupe. Vou certificar-me de que os lábios estejam fechados quando saírem desta casa.
Era o melhor que ela poderia fazer. Esperava ser o suficiente. Um deslize e ela teria que encontrar outra casa para o jornal. Seria inconveniente.
Sua manhã ocupada havia tomado apenas uma hora e meia, graças à sra. Finley. Subiu para seus aposentos e passou o resto da manhã com Jocelyn, procurando vestidos apropriados para a metade restante do luto. Tendo aparecido na festa de Brentworth, Emilia e ela começaram a receber convites para outros eventos. Ela ansiava por interpretar a acompanhante mais um pouco.
À uma e meia, enquanto escrevia cartas, uma batida em sua porta fez Jocelyn sair do quarto de vestir e abri-la. A sra. Finley estava na porta, corada e um pouco sem fôlego.
— Desculpe, milady, mas um cavalheiro chegou. — Ela entregou um cartão a Jocelyn. — Um cavalheiro bem notável. Um daqueles importantes dos quais falou esta manhã. Eu o coloquei na biblioteca.
Jocelyn fechou a porta e entregou a Clara o cartão com uma expressão suave, mas os olhos brilhando. O cartão pertencia ao Duque de Stratton.
Sem nenhuma delas falar uma palavra, Jocelyn começou a arrumar o cabelo dela, depois franziu o cenho para seu vestido, para depois assentir.
O mais apresentável que conseguiu, Clara desceu para a biblioteca. Viu Stratton examinando a estante de livros majoritariamente vazia. No momento, ele estava com o livro que continha as cópias publicadas do Parnassus. Ela acreditava que ele não tivesse removido nenhuma para uma inspeção mais detalhada, mas, se tivesse, simplesmente suporia que ela fosse assinante.
Ele se virou ao escutar os passos. O coração dela acelerou com asas flutuantes com o sorriso que ele lhe deu.
— A senhorita precisa de mais livros.
— O decorador recomendou uma livraria onde eu posso comprá-los aos montes. Pensei que seria mais divertido eu mesma escolher cada um. Vai demorar, mas, em alguns anos, provavelmente terei a maioria das prateleiras cheias.
Ele se aproximou, curvou-se sobre sua mão e a beijou.
— A senhorita negligenciou o fato de exigir que eu não visitasse, então aqui estou. Está brava comigo?
Ela não poderia dizer o que deveria. Ele saberia que estava mentindo. Pior, saberia que ela era uma covarde e uma mulher que não sabia o que quer.
— Não estou brava. Estou feliz por ter me visitado.
— Venha comigo — ele pediu, ainda segurando a mão dela e levando-a para a porta. — Preciso testar minha sorte e esperar que isso não a deixe brava também.
Ela o seguiu para a porta da frente. Ele a abriu e revelou seu cavalo amarrado. Outro cavalo estava parado ao seu lado. Um cavalo maravilhoso, tão bonito quanto Galahaf e parecido em estrutura, mas mais escuro. Quase preto. Havia uma sela lateral nele.
Stratton desceu e fez um carinho firme no pescoço do animal.
— Pode dar o nome que quiser a ele. Já acertei um lugar e os cuidados em um estábulo nas proximidades.
Clara desceu e se juntou a ele para ficar onde o cavalo pudesse vê-la e vice-versa.
— É lindo. Mas não entendo.
— Ele é seu. Eu o encontrei para a senhorita. Mulheres não vão a leilões, então, para comprar o melhor, precisei fazê-lo. Gostou?
— Adorei. — Nossa, que cavalo. Tinha linhas lindas e um brilho imperial nos olhos. Ela afagou o nariz dele. O cavalo a olhou, analisando-a assim como ela o fazia.
— O que lhe devo por ele?
— Nada. É um presente, claro. — Stratton soou vagamente desesperado, mas pareceu gostar da reação dela com o animal.
Um presente. Muito valioso. Aceitar seria se comprometer. Recusar seria insultar.
— Devo insistir em comprá-lo. Vou fazê-lo quando receber meu próximo pagamento.
— A senhorita é teimosa. Passei por bastante coisa para lhe dar um presente, e agora está me transformando em pouco mais do que um vendedor de cavalos.
— Aprecio seu esforço. De verdade. Nunca poderia tê-lo encontrado. Ele é uma surpresa maravilhosa. No entanto, não posso aceitar um presente valioso assim.
Ele suspirou irritado.
— Vou pedir que meu administrador informe o valor ao seu contador. Não vou pegar seu dinheiro por completo nem estou disposto a concordar com isso.
— Obrigada. Devo lhe dar o nome perfeito, então vou pensar nisso.
— Se colocar seu traje, podemos sair para cavalgar no parque antes que fique muito cheio. A senhorita pode pensar no nome enquanto o cavalga.
Seu senso dizia que ela deveria declinar do convite, mas sua empolgação com o cavalo silenciou essa voz em dois segundos.
— Entre e aguarde enquanto me visto adequadamente. Mas será uma cavalgada rápida. Tenho muitos deveres em casa hoje.
Vinte minutos mais tarde, ela estava sentada na sela. O cavalo a testou imediatamente quando saíram. Tentou trotar antes do comando, e ela o freou com firmeza.
Stratton não perdeu nada.
— O leiloeiro alertou que ele precisava de uma mão firme. Tem personalidade e, como viu, um pouco de rebeldia.
— Consigo lidar com ele.
— Eu sabia que conseguiria. Vocês dois têm muito em comum e vão se entender rapidamente.
— Está me comparando a um cavalo?
— Só da melhor maneira.
— Suponho que não me importe muito. Poderia ter sido outra coisa. Como um peixe.
Eles foram até Strand e cavalgaram ao longo dela, manobrando pelo amontoado de carruagens. Ela manteve a atenção no cavalo, para se certificar de que se acertassem do jeito que ela quisesse.
Quando chegaram a Mayfair, Stratton os guiou pelas ruas residenciais para que não desfilassem por Bond ou Piccadilly. Finalmente, entraram no Hyde Park.
— Já escolheu um nome?
— Ele tem opinião, é temperamental e persistente. Talvez eu deva chamá-lo de Duque.
— Não conheço nenhum duque com essas qualidades.
— Não? Eu conheço. O parque está quase vazio, está muito cedo. Vamos fazê-lo correr? O pobrezinho está agoniado com esse ritmo.
— Absolutamente. Vou segui-los.
Ela levou seu cavalo ao galope rapidamente e mirou na área ocidental do parque. Alguns cavaleiros exercitavam suas montarias ali, andando para a frente e para trás. Ela encontrou um ritmo perfeito e aproveitou a velocidade tanto quanto seu cavalo.
Ela o puxou e Stratton parou ao seu lado.
— Decidi. Será Duque. Há uma nobreza real nele.
— Então será Duque, apesar de que, quando eu estiver com a senhorita, não ficará claro com quem está falando.
— Vou chamá-lo de Stratton.
— Prefiro Adam.
Parecia uma coisa pequena, mas ela sabia que não era. Duvidava que alguém, exceto a mãe dele, o chamasse de Adam. Esse convite à informalidade implicava uma intimidade contínua e crescente.
Ela debateu sobre sua resposta. Enquanto o fazia, um cavaleiro cavalgou na direção deles, saudando Stratton. Ela apertou os olhos para ver quem poderia ser e reconheceu o cavalo, a capa e o cabelo loiro. Theo se aproximou rápido.
Que azar.
Theo freou seu cavalo e lhe ofereceu um enorme sorriso. Ele brilhava. Mesmo ao cumprimentar Stratton, seu prazer era todo por ela. Ela não via seu irmão tão feliz em meses.
Muito azar.
— Que montaria linda você tem aí, Clara. É um dos seus, Stratton?
— Ele é meu — Clara o informou. — Acabei de pegá-lo. Não queria me aproveitar da sua generosidade o tempo todo.
— Eu não teria me importado, apesar de que teria sido inconveniente para você cruzar a cidade até o meu estábulo. — Theo olhou maliciosamente para Stratton a fim de ver qual, se tivesse alguma, reação isso provocava. Já que o duque não pareceu nem um pouco confuso, Theo deve ter concluído que Stratton sabia onde ela morava agora. Seus olhos azuis brilharam com satisfação.
Maldito e infernal azar.
— Devo voltar para meus amigos — Theo disse. — Vou deixar vocês dois se entreterem. — Ele girou seu cavalo e cavalgou de volta para onde viera.
— A senhorita não gostou de ele ter nos visto — Stratton concluiu.
— Nem um pouco.
— Vai ter que contar a alguém alguma hora.
— Não há nada para contar.
— Claro que há. Será que o mundo inteiro vai saber antes da senhorita? — Ele virou o cavalo. — Vamos por aqui.
O caminho dele levava às profundezas do parque, longe dos lugares para caminhada. Ninguém os veria ali nem sorriria sabiamente da forma que Theo fizera.
Ninguém nos verá aqui. Ela olhou para Stratton, pensando que deveria se opor. Só que não o fez. Esperava que ele estivesse tramando algo. Um aperto em seu peito dizia o mesmo. Uma ansiedade vergonhosa a tomou. Ela parecia estar à beira de um precipício, preparando-se para saltar, esperando que voasse e não caísse.
Ele desmontou em uma área isolada de grama e amarrou seu cavalo. Tirou-a de Duque e o amarrou também. Juntos, sentaram-se na grama.
— Gostaria que não contasse a ninguém que tentou me dar Duque de presente — ela pediu. — Poderia ser mal interpretado como outro gesto além de amizade.
— Provavelmente, já que não tenho o hábito de dar cavalos para amigos. Também é improvável que os beije, acaricie o corpo deles, ou...
— O senhor sabe o que quero dizer. Também acho que poderíamos resolver que o que quer que tenha causado a briga entre nossas famílias esteja acabado e não seja mais importante. Tanta raiva quando ninguém sabe o que aconteceu é ridículo.
— Eu sei o que aconteceu.
Ela se virou, surpresa.
— Sabe? Lady Hollsworth disse que era um problema de honra, mulher ou propriedade.
— Foi propriedade. Meu pai explicou tudo para mim. Seu pai provavelmente fez o mesmo com Theo, embora duvide que ele e eu tenhamos escutado as mesmas histórias.
Ela esperou. Stratton observou o horizonte, seu perfil lindo provocando-a a tocar e traçar sua linha. Talvez ela o deixasse permanecer em silêncio e ficasse a próxima meia hora apenas olhando-o.
Só que ela estava curiosa. Se aquele homem estava em sua vida agora, ela queria saber por que não estivera antes.
— Vai me contar?
Ele pareceu pensar sobre isso.
— Começou com nossos avós. Houve um trato de propriedade no condado que eles disputaram. Uma herança da parte do seu avô, mas meu avô havia reivindicado antes.
— Ou disse que reivindicou.
Ela recebeu um olhar afiado por isso.
— Só quero lembrar que há dois lados aqui. Duas histórias. Por favor, continue.
— Fui aos tribunais e, como essas coisas acontecem, nada foi resolvido durante a vida deles. Os advogados ficaram ricos, os aluguéis foram pelo ralo e nada progrediu.
— Ainda está assim?
Ele balançou a cabeça.
— Seu pai encontrou uma solução. Enquanto meu pai estava na França, cortejando e se casando com minha mãe, seu pai foi ao tribunal de novo. Reabriu o caso e pressionou para um julgamento. Nosso advogado foi pego de surpresa pela rápida ação. Foi tudo feito dentro de uma semana. Não preciso dizer que seu pai recebeu o benefício daquele julgamento.
— Não me importo em como diz tudo isso. Nem sua escolha de palavras, nem seu tom. O senhor implicou que meu pai foi indigno.
— Foi mais para sagaz.
— Tenho certeza de que foi uma coincidência a corte fazer esse trato, então.
— Clara, não há coincidências em Chancelaria. O período e a velocidade revelam alguém com forte influência pressionando.
— Ainda acho que... oh!
Ele a puxou e a abraçou.
— Shhh — ele murmurou antes de beijá-la.
Ela permitiu que aqueles beijos reprimissem sua indignação. Eles removeram qualquer pensamento da guerra antiga da família de sua mente. Clara poderia ser muito feliz, pensou, sendo beijada por horas na doce brisa.
Mas não era assim. Ele verificou sua paixão crescente. Por muito tempo, ficaram ali sentados, entrelaçados, sem falar. Ela se doía e imaginava que ele também.
— É sua intenção viver sozinha para sempre? — ele perguntou.
— É.
— Por quê?
— Pode acreditar que ninguém nunca me perguntou isso? Nem sei se perguntei a mim mesma. — Só o fez agora para tentar responder. — Meu pai se casou de novo quando eu era criança. Já que a nova esposa não era minha mãe, posso ter reparado em coisas que não o faria, do contrário. A forma como ela obedecia e se submetia. As suposições que ele fazia sobre seu poder sobre ela e sua propriedade. Não gostava muito dela, mas ainda achava injusto. Eu tinha mais liberdade do que ela. Tinha até mais do meu pai de verdade do que ela. Ele nunca a ensinou a atirar ou a levou para caçar. O espaço dela na vida dele era muito pequeno, parecia para mim.
— Há alguns casais que compartilham mais afeição do que está descrevendo.
— Não sei se faltava afeição. Talvez eles se amassem profundamente. Não fazia diferença. Então decidi, um dia, quando a ouvi implorando para visitar uma amiga, como uma criança imploraria para uma governanta, e o escutei negar-lhe aquela pequena liberdade... por nenhum motivo, parecia... Decidi que não viveria assim se tivesse escolha. E tive escolha. De todos os privilégios da minha posição, essa foi a melhor coisa.
Ele acariciou sua face com a ponta dos dedos.
— Também era sua intenção viver como uma freira? Negar a si mesma amor físico? Faz parte de sua natureza assim como sua capacidade de pensar e conhecer seus sentimentos.
— Nunca pretendi isso. O senhor não é o primeiro homem que me beija. Não vivo como uma freira.
Ele se inclinou para a frente e a beijou.
— É bom saber.
De novo, aquele desejo foi suficiente para ela reagir ao beijo com mais agressividade do que costumava. Ele a virou rápido e exigente em resposta.
— Isso nunca vai dar certo — ele murmurou entre beijos que desmentiam suas palavras. — Se continuarmos a fazer isso em locais assim, inevitavelmente seremos vistos.
Ela encontrou força para afastá-lo e criar um espaço entre seus corpos. Mas seus braços permaneceram em volta dela.
Ele tinha razão. Eles arriscavam demais com esses joguinhos. Ela arriscava tudo.
— Venha comigo para minha casa — ele disse. — É apenas a algumas ruas daqui.
Ela queria concordar em ir. Cada centímetro de seu corpo queria. Mas aquelas ruas eram as mais perigosas no mundo dela. Dúzias de pessoas que moravam naquelas ruas a conheciam. Centenas. Não poderia cavalgar em uma delas sem ser reconhecida. Nem ele. Para, depois, arriscar ser vista entrando na propriedade dele, na casa dele...
— Nunca vai dar certo também — ela disse. — O senhor sabe que não.
— Em alguns minutos, devo saber. No momento, quero tanto a senhorita que não dou a mínima se alguém vir alguma coisa.
Ela precisou rir disso com pesar.
— Não posso não dar a mínima.
Ele a soltou do abraço, mas manteve um braço em volta dela.
— Vou encontrar uma forma. Quando encontrar, pretendo ir no meu tempo, depois do inferno pelo que estou passando.
Tempo dele?
Ele notou sua confusão. Passou o braço pelo pescoço dela e inclinou a cabeça dela para perto da dele.
— Beijar a senhorita. Tocá-la. Inteira. Seu pescoço. — Ele beijou o pescoço dela. — Seus seios. — Sua mão passou por seu seio, provocando um solavanco de prazer. — Suas coxas. — Ele acariciou a coxa dela do joelho ao quadril.
Não parou de falar. Disse, em detalhes chocantes, o que mais iria fazer. Era o tipo de coisas que homens decentes nunca falavam para mulheres decentes. Pelo menos era o que ela achava. Ela o teria impedido, só que suas palavras a deixaram hipnotizada, e sua excitação fervente ameaçou se tornar um incêndio.
Um silêncio profundo e pesado com poder sensual seguiu sua descrição escandalosa.
— É melhor voltarmos — ela disse.
— Provavelmente posso fazê-lo somente em uns dez minutos.
Ela demorou para entender o que ele quis dizer. Então corou intensamente. Ele deu risada.
A sociedade havia chegado ao parque quando eles passaram de volta pelo portão. As pessoas estavam muito ocupadas consigo mesmas e em serem vistas, então ela não viu muitas atentas a eles.
— Posso ir para casa sozinha — ela declarou. — Diga qual estábulo o senhor acertou para eu usar.
— Não vou atender seu pedido. Vou acompanhá-la até lá.
Ela preferiria que ele não o fizesse. Agora que estava cavalgando de novo e não mais em seus braços, ela conseguiu se livrar da sensação de ter sido escandalosa. Tão deliciosamente. Não por causa dos beijos, mas por ter ouvido o que ele disse, e como disse, e permitir aqueles toques delicados e as provocações sensuais.
Na casa dela, ele a ajudou a desmontar, depois pegou as rédeas de seu cavalo.
— Vou levá-lo ao estábulo. É de Cooper, a oeste daqui.
— Obrigada.
Ele se inclinou para lhe dar um beijo antes de voltar à sela e levar Duque embora. Ela observou-o virar a rua.
Antes de entrar em casa, olhou para a fachada como se algo invisível chamasse sua atenção. Viu um pedaço de touca branca em uma janela antes de desaparecer. Jocelyn os estivera observando. Ou era a sra. Finley.
lara estava sentada à mesa de sua biblioteca com papel, tinta e caneta. Tentava planejar a próxima edição do Parnassus. Não estava indo bem. Sua mente estava em outro lugar, não na mistura de textos e artigos que pudesse atrair leitoras.
Enquanto comia seu jantar, algumas verdades duras se apresentaram, exigindo atenção e contemplação e, já que não conseguia tirá-las da cabeça, ela as enfrentava agora.
Primeiro, Theo a tinha visto com Stratton e tirado conclusões que não eram verdade. Ela teria sorte de não encontrar sua avó colocando um anúncio de noivado nos jornais antes de a semana terminar.
Segundo, apesar de os dois não terem atraído muita atenção, foram vistos juntos. Depois de passarem tempo um com o outro na festa de Brentworth, os boatos estavam prestes a começar.
Terceiro, ela descobrira a história da velha contenda de suas famílias e, ao lhe contar, Stratton culpara seu pai muito mais do que o dele. Achou isso deselegante. Se ele não a tivesse beijado, ela teria dito o quanto sua interpretação fora injusta. Só que a beijara e, mais uma vez, a fez esquecer rapidamente por que não era para ela gostar dele ou aceitar sua companhia e como aqueles boatos de ele querer vingança poderiam ser verdade e poderiam até ser da família dela.
Quatro ? ela suspirou pesadamente ao admitir ?, a menos que sua perplexidade a tenha feito entender errado, ou que Stratton falasse em eufemismos poéticos, ela havia lhe dado permissão para fazer coisas com ela que não sabia que homens faziam com mulheres, muito menos mulheres como ela.
Finalmente ? ela suspirou de novo, por sua falta de bom senso ?, ela poderia ter lhe permitido pensar que concordava em ter um caso. O que não era verdade. Um beijo aqui e ali era uma coisa. Um caso seria muito delicioso ? não, não delicioso! De onde aquela palavra tinha vindo? Imprudente e perigoso, era isso que seria. Repetiu aquelas duas palavras de novo em sua mente. Focou nelas. Imaginou-se explicando para ele. Só que ele estava magnífico em sua imaginação, aquele sorrisinho se formando enquanto ela o dissuadia por completo daquela ideia. Depois, ele a interrompeu com um beijo, e centenas de faíscas de excitação a alegraram naquela fantasia. E na realidade também, onde estava sentada em uma cadeira.
Controlou-se e se obrigou a prestar atenção de novo ao papel em branco. Pegou sua caneta e a mergulhou no tinteiro, determinada a fazer mais naquela noite do que desfalecer pelo Duque de Stratton. Havia permitido muita intimidade, e veja onde isso a trouxera: a apreciar secretamente o quanto um homem pode ser perigoso.
Adam perambulava por sua casa, andando de um lado a outro em seus aposentos imensos e o corredor. O colete estava aberto. Ele o tinha desabotoado porque o calor dele o sufocava. Não sentia o frio da noite, mesmo com muitas das janelas abertas. Totalmente o oposto. Um desconforto como uma febre o atormentava.
O calor queimava em sua cabeça mais do que em seu corpo. Imagens eróticas e impulsos se alojavam ali. Nada os tinha dissipado. Nem a leitura. Nem se enterrar nas contas da propriedade. Nem listar o que ele tinha e o que não tinha descoberto sobre a intriga em relação à morte de seu pai.
Imergir naqueles detalhes foi uma tentativa desesperada e inútil de quebrar o controle de Clara sobre ele. Tudo indicava que o pai dela havia colocado combustível no fogo daqueles boatos e possivelmente os tivesse começado. A viúva também pode tê-lo incitado. Suas tentativas atuais recentes de forjar paz diziam tudo.
Ele ainda se importava com isso, furiosamente, mas pensar em Clara interferia na raiva justificada que ele carregara de volta da França. A lealdade cega dela ao pai, ver aquilo de novo à tarde, importava agora, mesmo que não tivesse importado no começo. Quando ele começou a persegui-la, tivera um impulso de luxúria e vingança, uma forma oblíqua de provocar velhos inimigos ao possuir a filha premiada e mais privilegiada da família. Agora, ele via que a magoaria se descobrisse coisas que impugnassem o falecido conde.
Dever, dever. Entoava aquela palavra em sua mente quando se percebia criando desculpas para não fazer o que precisava, tudo por causa de uma mulher. Não poderia ignorar que, quanto mais a conhecia, mais ela enfraquecia seu plano. Quem se importaria se ele deixasse a história enterrar a mentira? Não seria a mãe dele.
Seus passos o levaram para a galeria do lado de fora do salão de baile. A luz da lua brilhava nas janelas compridas de um lado do corredor comprido, dando formas aos bancos, plantas e imagens emolduradas. Andou pelo corredor sob os olhares de seus ancestrais até chegar ao quadro de seu pai. Não havia procurado aquela pintura, mas parou quando a viu.
Ele e seu pai não se pareciam muito. Adam herdou os traços da mãe. O pai dele era totalmente inglês, com um rosto comprido e cheio e olhos inteligentes. Usava uma peruca branca no quadro, e um sorriso vago. Não parecia em nada com a última vez que Adam o viu, e era essa última imagem que permanecia vívida em sua memória agora. Talvez, se seu pai soubesse o que uma bala de pistola na têmpora causava a um corpo, teria escolhido outra maneira de morrer.
Dever, dever. Ele não conseguia dar as costas, claro. Reconhecer seu dever não bania pensamentos sobre Clara ou o fazia pesar suas escolhas racionalmente. Continuou andando, caminhando pela noite, lutando uma batalha que sabia que um homem raramente ganhava, contra a vontade de possuir uma mulher que desejava.
Não era a primeira vez naquela noite que Clara acordava e ficava alerta. Virou na cama, puxando o lençol e o cobertor e, com isso, virando-se de lado. Enquanto afofava os travesseiros, seus olhos se abriram por um instante. Uma luz amarela e prateada iluminou seus lençóis. Completamente acordada agora, olhou para sua janela. As cortinas estavam abertas, e a luz da lua e das ruas se infiltrava como um pó de fada.
Ela pensou ter visto Jocelyn fechar as cortinas. Aparentemente, não. Irritada pelo descuido da dama, saiu da cama e tateou para fazê-lo ela mesma.
— Não. Sem a luz, não vou conseguir vê-la.
A mão dela segurou o tecido enquanto seu corpo congelou de susto. Ela girou. Stratton estava sentado em uma cadeira do outro lado do quarto, tão relaxado como se fosse sua própria casa. Na verdade, parecia que ele estava sentado ali há algum tempo, pela forma como suas pernas estavam estendidas e a maneira como ele descansava a cabeça na mão com o braço flexionado.
— O que... Como subiu aqui?
— Sua governanta me deixou entrar. Bati, ela chegou na porta de roupão e, com um olhar, virou-se e me trouxe para cima. Foi boa o bastante apontando sua porta antes de continuar subindo para o próximo andar.
— Que comportamento bizarro.
— Ela pareceu pensar que a senhorita me esperava. — Ele recolheu as pernas e se inclinou para a frente enquanto tirava o casaco.
— Ela começou hoje. Vou precisar explicar em termos mais firmes que... — Partes de sua conversa com a sra. Finley naquela manhã interromperam seus pensamentos. As partes sobre discrição e pessoas importantes visitando, mesmo em horas incomuns. Ninguém era mais importante do que um duque. Nada exigia mais discrição do que o caso de uma mulher solteira com um homem.
O duque agora desabotoava seu colete. O pânico tomou seu coração.
— A governanta cometeu um erro. Os empregados... minha dama...
— Sua dama também me viu. Olhei para o topo da escada e ela estava xeretando.
— Oh, meu Deus.
— Nem ela nem a governanta pareceram chocadas com a minha chegada. Só a senhorita. — Ele retirou o colete e o colocou no topo de seu casaco na cadeira ao lado da escrivaninha. — Quer que eu vá embora, Clara? Se quiser, diga agora, antes de eu terminar de me despir. Será muito irritante se acovardar depois que eu estiver nu.
Nu.
Ele aguardou. Ela encarou. O quanto seria difícil dizer sim, quero que vá embora? Acabou sendo muito difícil. Porque a maior parte dela não queria que ele partisse, e o resto não tinha certeza.
Ele se abaixou e tirou as botas. Levantou-se.
— É linda à luz da lua. Etérea. Prateada e cinza.
Ela olhou para si mesma. A menos que estivesse enganada, aquela luz tornava sua camisola fina transparente. Não sabia se parecia etérea, mas suspeitava parecer quase nua.
Resistiu ao impulso de se cobrir com a cortina. Não se importava com a forma como ele falou a palavra covarde, como se mandá-lo embora mostrasse falta de caráter em vez de admirável limitação. Uma mulher respeitável decidindo permanecer respeitável não era covarde. Era cuidadosa, sensível e... e... Ela suspirou, porque a excitação correndo por ela recusava-se a ouvir as lições antigas e previsíveis sobre bom senso e toda outra palavra entediante já usada para desencorajar o prazer.
Mesmo assim, ela teria que ficar firme, embora estivesse quase nua, e fazer o que precisava. Tê-lo em seu próprio quarto, sua própria cama, era mais do que perigoso. Era insanamente negligente.
Ela olhou para cima a fim de explicar isso, confiante de que ele entenderia, como o cavalheiro que era. Assim que o fez, ele tirou a camisa e, de repente, ela se esqueceu do que pretendia dizer.
Clara ficou simplesmente olhando para ele, os olhos arregalados com excitação e medo. Passou pela cabeça dele, quando ela acordou e ele viu o choque de sua presença, dar-lhe um beijo e recuar. Só que ela realmente estava linda e ficaria ainda mais linda assim que ele retirasse aquela touca. Ela não gritou nem o mandou sair. Em vez disso, observou-o, tão obviamente que ele tentou adivinhar o debate na mente dela.
Era a touca que dizia a ele com certeza que ela não fingiu a surpresa ao vê-lo. Uma mulher ansiosa pela chegada de um homem em seu quarto nunca usaria aquilo. A tola da nova governanta havia tirado conclusões que Clara não pensara. Ele apreciara o erro antes de saber que era um. A ideia de que ela o esperava, o recebesse e fizesse planos para recebê-lo baniu qualquer indecisão. Ele quase tinha subido a escada a cada três degraus.
Foi até ela e a pegou nos braços.
— A senhorita não falou nada. Estou aqui por causa de um conjunto de erros, mas ainda precisa ser sua escolha que eu fique.
Ela colocou as mãos no peito dele, depois apoiou a face na pele entre elas. O tecido fino de sua camisola oferecia pouca barreira para a sensação do corpo dela debaixo das mãos e dos braços dele. Sua maciez e seu calor doce entraram nele e acalmaram o descontentamento agitado que ele vivera naquela noite.
— Precisa ir antes das cinco.
— Irei bem antes disso.
— Não pode contar a ninguém. Precisa jurar. E deve prometer morrer antes de contar para minha família.
— Morrer?
Ela olhou nos olhos dele. Um brilho da Clara que ele tanto admirava apareceu entre outros que refletiam seu encantamento. Ele podia sentir a excitação dela. Mas ela ainda não havia se entregado.
— Sim, morrer. Eles não podem saber.
— Juro. — Ele provavelmente juraria qualquer coisa naquele momento.
Ela se esticou, envolveu os braços no pescoço dele e deu-lhe um beijinho.
— Então decidi que não serei covarde, como o senhor colocou de forma tão pouco generosa.
— Foi meu desejo pela senhorita tentando falar a meu favor.
— Eu sei. Funcionou.
Ele tirou a touca. O cabelo dela se soltou. Ele passou os dedos pelos fios e segurou sua cabeça para um beijo que esperara horas para ser libertado. A ferocidade do desejo dele explodiu quente e firme. Ameaçava dominá-lo. Ele precisou se controlar para não a arrebatar ali. Desabotoou o topo da sua camisola até ter abertura suficiente para conseguir tirá-la pelos ombros e braços.
Ela se aconchegou contra ele a fim de esconder sua nudez. Ele empurrou a camisola pelos quadris, depois a ergueu e a carregou para a cama.
Clara puxou os lençóis para cima assim que ele a deitou e acomodou-se ao seu lado.
— Está com frio?
Ela balançou a cabeça.
Ele tirou os lençóis.
— Então não faça isso. Quero vê-la.
Clara fechou os olhos conforme ele retirava seu escudo. Deixou-a assim enquanto se levantou e tirou o resto da roupa. A visão dela deitada ali fazia sua mente queimar.
— Dizem que os franceses são muito bons nisso — ela disse.
— Sou meio inglês.
— Talvez devesse falar francês, para chamar aquela outra metade.
— Não acho que vou falar muito. Minha boca estará ocupada demais.
Ele se juntou a ela de novo e se apoiou com um braço enquanto acariciava seu pescoço e descia por seu peito entre os seios. O bico de seus seios enrijeceu e empinou.
Sua própria mão acariciou o braço dele. Ela olhou para ele.
— Realmente pretende fazer todas aquelas coisas que falou esta tarde?
— Nem todas esta noite. — Ele não teria a paciência.
— Foi muito maldoso da sua parte. Muito escandaloso.
— E, mesmo assim, não fez nada para me impedir. Nenhuma arfada. Nenhuma palavra.
— Fiquei muito chocada.
— Pareceu, para mim, que ficou fascinada. — E excitada. Definitivamente excitada. Ele nunca teria ido tão longe se não fosse por isso.
Adam segurou ambos os bicos suavemente. Ela arfou.
— Oh! Isso é ainda melhor sem roupa.
Ele se certificou de que ela soubesse o quanto era melhor. Acariciou seus seios até ela gemer com prazer, depois baixou a cabeça e usou a língua e a boca.
A selvageria a tomou tão rápido que ela nem lutou contra. Sua paixão incendiou a dele. Imagens eróticas o atormentaram, mas ele tinha racionalidade suficiente para saber que aquela não era a noite para isso.
Acariciou suas pernas, depois colocou a mão entre suas coxas. Uma surpresa satisfeita foi emitida pelos choramingos dela. Ele explorou sua maciez úmida enquanto continuava excitando-a com dentes e língua. Perdida nas sensações, Clara abriu mais as pernas e lhe disse com suspiros imploradores que queria mais quando os carinhos dele aumentaram seu prazer.
Uma fome primitiva se libertou nele. Nada menos que se enfiar dentro dela iria satisfazer aquela necessidade agora. Ele cerrou os dentes e acariciou os lugares que a obrigariam a terminar se ela se permitisse. Ele ouviu seus gemidos aumentarem e sentiu a movimentação de seu corpo. Também sentiu o medo dela. Pressionou a boca em seu ouvido e lhe disse para relaxar. Ela o fez, abraçando aquele sentimento com um grito.
Ele se moveu para tomá-la. Os braços dela se ergueram para abraçá-lo. Ele ainda tinha a racionalidade suficiente para ir devagar primeiro e descobriu que era muito bom. Ele se segurou para não a machucar enquanto o desejo rugia dentro dele. Silenciou aquela voz primitiva o bastante para conhecer o prazer mais calmo da sensação dela revestindo-o. Fez movimentos longos e lentos enquanto pôde, mas, em certo instante, a necessidade de completude o derrotou. O alívio veio como um cataclismo e arremessou-o para o silêncio sombrio onde não havia outros sentidos e a paz absoluta reinava.
Tendo experiência com muitas mulheres, Adam sabia que não deveria dormir da forma como todo seu corpo encorajava. Em vez disso, conforme voltou ao mundo, rolou Clara e a puxou para seu braço na lateral.
Convinha a ele dizer algo assim que sua mente cooperasse. Mas a experiência não fazia diferença agora. Essa era a primeira vez para ela, o que fazia dele a primeira vez também, por assim dizer.
Clara estava pronta para falar mesmo que ele não estivesse. Por motivos que ele nunca entendeu, mulheres ficavam falantes às vezes. Ela não era exceção.
— Foi muito bom — ela disse. — Não doeu tanto quanto eu esperava.
— Bom saber. — A parte do “muito bom” o agradou. A parte de não doer o aliviou. Pareceu que ele pudesse tê-la machucado, agora que algumas lembranças infiltravam sua mente.
Ela se apoiou no cotovelo e olhou para ele.
— Sei que é para cavalheiros se sentirem culpados depois de ficarem com inocentes, mas acredito que o senhor não vá.
— Não me sinto nada culpado, já que entendo que vamos nos casar.
— Viu? É essa culpa, mesmo que negue. Bom, eu o absolvo.
— Clara, já pedi sua mão. Lembra?
— Não pediu de verdade. Não quis dizer mesmo. Foi um pedido fácil e seguro porque fez a uma mulher que nunca pretendeu se casar. Só estou dizendo que não quero que fique culpado.
— Não é culpa. Apesar de que, considerando o que acabou de acontecer, não há realmente uma escolha agora.
— Claro que há. Não finja que sua honra agora exige isso. Sabia que eu era virgem, mas isso não o impediu. Mais importante, sabia que eu era uma virgem que não casaria com o senhor depois que fizéssemos isso.
Ele não a insultaria dizendo que não sabia de nada disso. A disparidade tinha acontecido até na questão da virgindade. Era o tipo de mulher que poderia ter tido um amante por curiosidade, apenas isso. Poderia ter feito exatamente isso com ele.
— Então concordamos. Sem culpa e sem obrigações — ela disse.
Ele não concordava em nada. Haveria tempo para discutir sobre isso outro dia.
Aquele tópico terminou, para a satisfação dela, então se aninhou ao lado dele de novo.
— Sei por que realmente partiu da Inglaterra. Sei sobre seu pai.
Ele mal havia organizado seus pensamentos, e essa mudança de assunto o pegou desprevenido.
— O que sabe?
— Como ele morreu. O senhor deve ter ficado muito triste.
— Fiquei mais bravo do que triste. Com ele. Pelos motivos dele.
— Sei sobre eles também. Os motivos. Tudo parece muito injusto para mim.
— O que sabe? — ele repetiu com cuidado.
— Partes e pedaços apenas. Sobre os boatos. Ouvi que algumas joias tiveram uma participação.
Ele se esforçou muito para manter o tom casual e não diretamente.
— Quem lhe contou isso?
— Lady Hollsworth, na festa do jardim.
Fora um erro não forçar uma conversa com Hollsworth. Um erro ter adiado.
— Não sei nada sobre joias. Acho que ela se enganou — ele disse.
— Talvez.
Não falaram nada por muitos minutos. Ele ousou se permitir começar a dormir.
— Eu pensara, desde que o conheci, que o senhor carregava uma escuridão interna — ela disse, acordando-o de novo. — Algo que o fazia refletir. Só agora, enquanto estávamos juntos no prazer, fui poupada do luto pela primeira vez em seis meses. Pareceu, para mim, que talvez essa escuridão tenha diminuído no senhor também, por um tempo. Se sim, fico feliz.
Tinha, sim, de maneiras como nunca acontecera na França, independente de quem compartilhasse a cama com ele. O fato de ela reparar nisso o impressionou. O fato de ela estar feliz por isso o emocionou.
Ela não exigiu confirmação se estava correta. Tendo dito isso, finalizou. Aninhou-se ao lado dele, quieta em sua satisfação, sem nem exigir mais conversa.
— ilady, milady! — o chamado desesperado da sra. Finley penetrou a porta do quarto.
Clara sentou-se na cama, ainda meio dormindo. Sua nudez acordou-a. Enquanto segurava os lençóis ao seu redor, tentando cobrir cada centímetro de pele até o pescoço, seu olhar varria o cômodo, procurando provas de seu visitante.
Não havia ninguém. Ele fora embora, provavelmente horas atrás enquanto ela dormia, assim como prometeu. A única prova da noite anterior era ela.
Jocelyn se apressou para abrir a porta. A sra. Finley falava as palavras entre respirações pesadas.
— A condessa. O conde. Aqui. A carruagem deles. — Ela parou e inalou profundamente. — A casa não está pronta. Não há café da manhã suficiente. Vou correr e falar para a cozinheira fazer alguma coisa. — Ela se virou e saiu apressada.
Jocelyn correu para a janela, olhando a rua.
— Eles estão na porta.
— O que podem estar pensando, vindo a esta hora?
— São quase dez horas.
— Ajude-me a me lavar e vestir para que eu possa recebê-los. Não, primeiro corra lá para baixo e fale para a sra. Finley que é para ela colocá-los na sala matinal com o café da manhã e, se minha avó recusar, então será na biblioteca. Vou descer logo.
Jocelyn saiu correndo. Clara encontrou sua camisola entre os lençóis emaranhados e a colocou. Era sua imaginação ou a cama inteira tinha um cheiro diferente naquela manhã? Ela cheirou, depois ruborizou. Não havia como negar o que acontecera ali.
Foi apressada para o quarto de vestir. Água quente já a aguardava e ela começou a usá-la, sem esperar a dama. Jocelyn voltou e pegou uma toalha.
— Talvez eles subam aqui. A sra. Finley está firme, mas a viúva a está encarando e não acho que seja uma briga justa.
Por que, por tudo que é...
— Faça algo com meu cabelo, rápido.
— Não consigo mais do que um coque agora.
— Então faça um coque. Mas primeiro feche a porta do meu quarto. Tranque-a. Se minha avó der um passo naquela direção, você se joga contra a porta e se recusa a se mexer independente da ameaça dela.
O coque mal estava pronto quando escutaram vozes nas escadas. Jocelyn correu até o guarda-roupa, pegou um roupão e o jogou pelo cômodo para Clara.
Clara o pegou e o abotoou com mãos trêmulas.
— Mulher, vai se mover ou meu neto vai mover você — a viúva ameaçou sombriamente, sua voz fervendo do lado de fora da porta do quarto de vestir.
— Estou dizendo que ela ainda estava na cama e me instruiu para pedir à senhora que espere até estar vestida, milady.
— Eu não espero meus netos. É o contrário. Pode acreditar na ousadia da sua irmã, Theo? Ela invade meu quarto enquanto me visto, mas parece que não posso fazer o mesmo. Não vamos tolerar isso. Mexa-se.
— Vá e convide-os para entrar, Jocelyn, antes que a sra. Finley seja jogada pelas escadas. — Clara não gostou do tom da sua avó. Nem um pouco.
Jocelyn abriu a porta e ficou de lado. Sua avó entrou no quarto com um Theo amarrotado e bocejante atrás dela. Qualquer severidade desapareceu de sua avó assim que viu Clara. Um sorriso se abriu em seu rosto. Ela se aproximou e deu um beijo raro na cabeça da neta.
— Não, não se levante. Diga à sua dama para continuar, se ela ia fazer algo com esse cabelo terrível. Um coque? Eu seria a primeira a dizer que você precisa de um novo estilo, mas não é isso.
— Bom dia, Vovó. Theo.
Theo grunhiu. Assim que a avó se sentou, ele se jogou em um pequeno divã e estendeu as pernas. Vovó bateu naquelas pernas com sua sombrinha.
— Mostre um pouco de respeito, Theo. Não estamos em uma taverna. Perdoe-o, Clara. Parece que o acordei não muito depois de ele voltar de uma noite fazendo sabe-se lá o quê. — A forma como ela espetava Theo com um olhar sugeria que sabia o que era, ou pelo menos suspeitava.
Clara não estava com vontade de buscar um aliado pelo que pensava ser uma conversa desagradável.
— Ele é jovem, Vovó. Não pode esperar que se comporte como um homem de cinquenta anos.
Theo lhe lançou um olhar de gratidão.
— Felizmente, também falta discrição nele, ou eu poderia nunca ter descoberto que sua corte com Stratton progride rapidamente. Muito bem, Clara. Muito bem, de fato.
Clara olhou para Theo desafiadoramente. Ele deu de ombros, perdido.
— O que Theo disse?
— Em seu prazer e alívio de ver seu encontro com Stratton no parque, contou-me tudo. — Ela se inclinou para a frente. — E digo tudo, Clara. Tudo.
— Sim, cavalgamos pelo parque juntos. Não pensei que gostaria que o ignorasse. Encontro não é a melhor forma de descrever.
— Não precisa disfarçar para mim, querida. Conheço encontros acidentais que não são verdadeiros.
Ela deu uma grande piscada.
Clara não ousou responder. Não tinha certeza do que Theo vira ou não. Assumira que, depois de falar com eles, se ocupou com os amigos. Mas e se ele os seguira ao vê-los cavalgando para a área privada? E se tivesse visto mais do que cavalgar e conversar? E se tivesse visto tudo?
Ela olhou para o irmão, esperando descobrir exatamente o quanto sua situação estava ruim. Infelizmente, ele caíra no sono.
— Deixe-o dormir — sua avó disse. — Agora, conte-me. Stratton lhe deu presentes valiosos?
Só um cavalo muito lindo e uma noite para recordar pelo resto da minha vida.
— O que quer dizer com valioso? Como um lenço chique de seda?
— Oh, nossa, não. Você é tão ingênua. Com sua idade avançada, normalmente me esqueço disso. Valioso como joias caras.
— Ele não me deu nenhuma joia de nenhum valor.
— Que pena. Eu tinha esperança de que... Depois do que Theo me contou...
— O que exatamente Theo lhe contou? E ele estava bêbado quando lhe contou?
— Se estava bêbado, era de felicidade. Voltou perambulando com prazer da cavalgada. O duque claramente está apaixonado, ele disse. O homem não conseguia tirar os olhos de você, ele relatou. Vocês dois foram para longe, onde podem ter encontrado um pouco de privacidade, ele contou. — Ela abaixou o queixo e olhou para cima ameaçadoramente nessa parte.
Clara temeu que pudesse corar e confirmar tudo.
— Se ele tivesse nos seguido, teria nos visto discutindo. Bem alto, sobre um assunto que não dizia respeito a ninguém. Embora o duque e eu tenhamos um tipo de amizade, não é nada romântica. Considerando nossas duas famílias, como poderia ser?
Vovó não se importou com isso. Franziu os lábios e contemplou essa notícia lamentável.
— Ele não precisa ter nenhuma amizade com você, Clara. Se quer sua companhia, suas intenções são mais do que amizade. Você deve me contar se ele lhe der, ou tentar dar, qualquer joia. Quando um homem faz isso, implica coisas. Para uma mulher de sua educação, é uma declaração, mas garante que virá uma proposta em breve, senão imediatamente.
Clara imaginou o que implicava para uma mulher que não tivesse a educação dela. Intenções não honráveis, provavelmente.
Sua avó bateu de novo nas pernas de Theo com a sombrinha.
— Vamos embora para que você possa se vestir. Veja um novo estilo para seu cabelo. E diga para sua dama arrumar. — Ela cutucou a camisola com a ponta da sombrinha e a segurou a fim de acená-la como uma bandeira. Começou a falar, mas parou. Olhou aquela camisola. Cheirou. — Nossa, encontre uma nova lavadeira também. O que a sua usou nessa roupa? Água de peixe?
— Vou me certificar de encontrar uma melhor.
A camisola se agitou perto de Theo antes de Vovó soltá-la. Theo encarou o tecido no chão, depois franziu o cenho. Voltou-se para Clara com uma expressão confusa. Clara olhou de volta e fingiu ignorar a curiosidade dele. Aquele cheiro agora parecia preencher todo o quarto de vestir.
— Também deveria substituir a governanta e a dama. — Sua avó continuou dando opiniões enquanto se levantava. — E não adquira nenhum animal de estimação. Não consigo tolerar mulheres que moram sozinhas e mantêm animais.
— E aqui estava eu pensando em comprar um papagaio da América do Sul. Pensei em trazê-lo para a senhora ensiná-lo a falar. Então eu teria a alegria de suas lições o tempo todo.
— Cuidado, Clara. Não sou velha demais para reconhecer sarcasmo, e você anda em corda bamba comigo nos últimos dias. Venha, Theo. E lembre-se, Clara, qualquer presente de valor, qualquer presente, na verdade, conte-me imediatamente. Não, conte-me qualquer coisa que acontecer com ele. Não quero você perdendo esta oportunidade. Vai precisar do meu conselho.
Ela saiu. Theo olhou mais uma vez para a camisola antes de segui-la.
— Tente não arruinar isso, Clara. Não é como se algum outro homem fosse querê-la agora — ele disse, partindo.
Jocelyn entrou depois que eles passaram e fechou a porta.
— Isso pareceu divertido.
Clara pensou que as últimas palavras de Theo soaram sinistras. Como se ele soubesse. Ou adivinhasse. Ela olhou para a camisola. Vovó deve ter se esquecido daquele cheiro, mas, como um jovem que acabou de descobrir a vida, Theo devia estar bem familiarizado com ele nos últimos tempos.
— Ajude-me a me vestir, Jocelyn. — Ela pensou naquela folha em branco aguardando-a na biblioteca. Deveria tentar progredir. Seria difícil. Seus pensamentos já flutuavam de volta à noite anterior, e seu coração, às sensações descobertas naquela intimidade.
Adam terminou a carta para Clara e entregou para o mordomo postá-la. Também deu instruções ao homem para repassá-las aos criados de uma de suas propriedades.
Terminada a correspondência, pediu seu cavalo e foi até a cidade. Conteve uma tentação de visitar uma casa em Bedford Square e continuou reto até um prédio perto de Lincoln’s Inn. Ali, apresentou-se nas câmaras de Claudius Leland, seu advogado.
O sr. Leland havia herdado seus deveres ao Duque de Stratton um ano antes da herança de Adam. Cartas do sr. Leland chegaram com regularidade em Paris, longas missivas contendo muitos detalhes sobre a propriedade. Com Adam fora, o advogado havia se responsabilizado por exigir relatórios de cada propriedade e até visitava as principais a cada trimestre. É verdade que ele falhara em ver como o administrador de Drewsbarrow roubara milhares de libras, mas o ladrão havia sido muito esperto com a contabilidade, e Adam não culpou o advogado pelo evento miserável.
Agora o sr. Leland o observava através dos óculos. Não era jovem, mas seu cabelo fino permanecera ruivo e sua cor ainda era saudável. Sentaram-se em duas cadeiras ao lado de uma linda lareira. Prateleiras de livros cobriam as paredes, a maioria delas preenchida por livros de contabilidade e arquivos. Uma estante funda tinha pergaminhos. Embora fosse cedo, Leland ofereceu xerez. Então aguardou ouvir o motivo da visita.
— Estou curioso sobre as joias da propriedade — Adam disse.
— Seus antepassados acumularam algumas peças caras ao longo das gerações. A maioria não está na moda hoje, mas as pedras e os metais são de valor muito alto. A maior parte está no banco. Uma pessoa não teria joias tão valiosas em casa assim como um homem prudente mantém milhares de notas no banco.
— E a propriedade é dona delas? Como isso funciona?
Sr. Leland cruzou as pernas. Parecia feliz em explicar esta especialidade particular para alguém, principalmente um novo duque que ainda precisava impressionar.
— Oficialmente, pertencem a cada duque. Não há como herdar tais coisas. Mas as tradições de herança o fazem. Por exemplo, é costume nas famílias que alguém, normalmente um advogado confiável, explique a uma nova duquesa que, enquanto ela pode usar as joias, e qualquer presente dado diretamente a ela pelo marido se torna sua propriedade pessoal, as joias da família não são dela de uma maneira legal e permanecem com a propriedade.
— Então meu pai ou avô poderiam ter dado qualquer dessas joias valiosas a quem quer que escolhessem. Ou vendido algumas.
— Assim como o senhor pode fazer agora, claro. Tem interesse em fazê-lo?
— Estou mais interessado em descobrir como alguém saberia se eu fizesse.
— Ah. Agora temos uma conversa que nos foi negada até agora. Ninguém saberia se o fizesse, exceto o senhor, eu e o próximo duque. É feito um inventário de tudo da propriedade quando há a morte de seu dono. Foi feito um por mim depois que seu pai faleceu. Outro inventário do valor da propriedade é feito a cada dez anos. Se há falta de conformidade entre os dois, é meu dever investigar por quê.
— Acredito que às vezes algo desapareça sem explicação.
— É meu dever encontrar, mesmo que signifique averiguar se houve roubo ou perda. Algumas vezes, com meus patrões, eu já sei que algo foi vendido porque está nas minhas contas. É mais comum meus patrões me informarem quando uma propriedade pessoal de tal valor é desembolsada para que eu possa anotar e não ficar em dúvida sobre o que aconteceu.
— Mas o primeiro inventário que fez foi depois de o meu pai falecer.
— É verdade, mas tenho todos os registros. Foram mudados para cá quando tive a honra de assumir o cargo de meu antecessor. Gostaria de ver o último inventário?
— Sim.
Leland se levantou e foi para os fundos examinar as prateleiras. Esticando-se, pegou um arquivo grande e grosso, que quase caiu em cima dele conforme o pegou. Colocou em uma mesa com um barulho alto.
— Agora, vejamos... — Ele o abriu, colocou o dedo em uma página no fim e virou as páginas pesadas. Folheou mais, depois recuou. — A seção relacionada a joias está bem aqui.
Adam se inclinou para a página. Linha após linha descrevia as joias em detalhes.
— E o inventário anterior a este?
Leland colocou um papel na página atual, depois procurou o anterior.
— Não está tão completo, claro. Nem todas as rédeas dos estábulos, por assim dizer. Somente superficialmente. — Ele encontrou o inventário, folheou e gesticulou. — Aqui. 1811.
Adam conferiu a lista. Batia bastante com a recente.
— E o inventário de 1801, se não se importa.
Leland pareceu perturbado. Encontrou o inventário, e Adam viu imediatamente uma divergência.
— Este conjunto aqui não está nos dois últimos.
Leland olhou a página.
— Filigrana de ouro com pérolas e safiras, coroa e colar. — Folheou os inventários seguintes. — Parece que não. Presumo que seu pai tenha explicado a ausência antes de 1811, ou na época esse inventário foi feito por meu antecessor.
— Ou um erro foi cometido.
— Não cometemos erros, Sua Graça.
O conjunto fora removido da lista, isso era certo.
— Sabemos como se parecia? Posso encontrá-lo em um armário algum dia.
— Claro que sabemos. — Leland voltou à prateleira. Desta vez, usou uma escada a fim de acessar a prateleira mais alta e tirou uma caixa nomeada Stratton. Trouxe-a até a mesa. — São desenhados. Provam-se úteis em muitas situações.
A caixa incluía desenhos datados de pratarias e quadros, assim como joias. Adam reconheceu muita coisa da propriedade. Depois de pesquisar um pouco, descobriu o desenho das joias desaparecidas.
A descrição simples não lhes fazia jus. Só o colar tinha, no mínimo, trinta pérolas e cinco safiras de um bom tamanho. O ouro fora trabalhado como filigrana, mas com muito mais quilates que a palavra implicava. A coroa era ainda mais rica.
— Pesada — ele disse. — Imagino se alguma duquesa a usou.
— Talvez uma bem robusta. — Leland deu risada de sua piadinha.
— Gostaria de levar isso comigo.
— É seu, claro. Talvez encontre a joia algum dia, guardada em um lugar tão bom e seguro que foi esquecida. Não posso nem lhe dizer o quanto isso acontece. Pensariam que alguém dono de coisas tão valiosas se lembraria do que faz com elas.
Adam dobrou o desenho e guardou em seu casaco. Seu pai lhe mostrara todos os lugares seguros e bons das propriedades da família. Ele os checaria. Não pensava que eram essas joias que Clara disse que Lady Hollsworth mencionou, no entanto. Elas tinham desaparecido há muito mais tempo. Já que nenhuma outra sumira, provavelmente Lady Hollsworth cometeu um engano ou repetiu algum boato infundado.
Não eram o dinheiro nem as joias. De que outra maneira um homem poderia ajudar o inimigo enquanto permanecia na Inglaterra?
Dois dias depois, Clara estava descobrindo que ter um caso mantido em segredo de absolutamente todo mundo exigia um nível extraordinário de evasão. Um que ela começara a acreditar não possuir.
Começou bem simples, com um convite de Stratton para acompanhá-lo ao Epsom Derby Stakes. Iriam com a carruagem dele, ele propôs, e ficariam em uma de suas propriedades não muito longe do centro. Em sua empolgação inicial, ela respondeu e concordou.
Então o planejamento começou. Como explicar sua ausência da casa? Os novos criados aceitariam o que ela dissesse, mas Jocelyn acharia suspeita qualquer desculpa. Pior, como explicar sua presença na corrida com Stratton como acompanhante? E como explicaria sua hospedagem caso alguém perguntasse, o que certamente aconteceria?
Nem todo mundo estaria lá, mas uma boa parte da cidade faria a curta viagem. A maioria dos jovens estaria lá, com certeza. Isso significava que Theo provavelmente a veria. E teria suas suspeitas confirmadas. Se contasse à avó que ela e Stratton tinham... estavam... Era suficiente dizer que seria um inferno.
Passou por sua mente, enquanto pensava quais mentiras funcionariam e se ela estaria disposta a usá-las, que o duque não se importava muito se todos assumissem o pior deles. Ele não tinha mencionado de novo que se casariam? Como se estivesse falando sério mesmo sobre isso? Talvez contasse com um escândalo pendente para fazê-la mudar de ideia sobre a resposta.
Ela não fingiria que não tinha imaginado se casar com ele algumas vezes nos últimos dias, mas colocou a culpa na influência latente da intimidade deles. No entanto, quaisquer fantasias otimistas que ela conjurasse seriam rapidamente derrotadas pelas realidades das quais não poderia fugir.
Ficaria sem controle de sua renda. Sem independência. Não mais poderia subsidiar o Parnassus e acabaria a publicação. Seria triste ter que contar a Althea e às outras que a aventura terminara. Quase não seria mais uma pessoa, verdade seja dita. Com algumas palavras, ela teria se tornado uma mulher que não reconheceria.
Decidiu que não havia como ir ao Derby Stakes com Stratton. Isso a entristeceu em um nível surpreendente, e não apenas por causa de sua decepção em não ver a corrida. A fim de dissipar a melancolia, decidiu visitar algumas livrarias para ver se as cópias do Parnassus estavam vendendo.
Seu cocheiro a tinha ajudado a comprar uma carruagem modesta e um par de cavalos, e pediu a ele que a trouxesse. Ela controlaria seu humor e escreveria a Stratton à noite explicando sua mudança de decisão.
Não havia ido muito longe quando decidiu que a companhia de uma amiga ajudaria a melhorar seu ânimo, então deu ao cocheiro o endereço da casa de Althea.
Sua amiga morava com o irmão em uma rua perto da St. James’s Square. Clara foi levada para a sala de estar, onde Althea sofria em silêncio enquanto sua cunhada conversava com outras visitas. Os olhos de Althea se iluminaram quando ela viu Clara entrar. Ela pulou para apresentar Clara às damas reunidas e, na primeira oportunidade, levou-a para o lado.
— Você é uma santa — Clara disse. — Eu teria enlouquecido se tivesse que fingir que as amigas dela eram minhas amigas.
— Não me importo normalmente, mas neste momento estou muito feliz em vê-la.
— Despeça-se delas. Estou com minha nova carruagem lá fora. Vamos visitar algumas livrarias.
Althea provou concordar extremamente. Quinze minutos mais tarde, pararam na primeira loja e entraram para contar as cópias.
— Estão faltando três — Althea relatou quando voltaram à carruagem. — Vamos verificar a Johnson’s, na Oxford.
As novidades lá as emocionaram. Só faltava uma cópia ser vendida.
Quando saíam da loja, uma voz chamou Clara. Ela se virou e viu Stratton saindo de uma loja a quatro portas dali. Althea lhe lançou um olhar confuso.
— Ele e eu conversamos às vezes — Clara explicou. — Não deveria ignorá-lo.
— Claro que não. Seria muito errado ignorar um homem tão bonito.
Ele pareceu feliz em vê-la. E Clara não conseguiu esconder que também estava feliz. Esperava que fosse apenas isso que revelasse, e não o resto do que sentia. Alegria, calor e ecos de vibrações sensuais a inundavam. De canto de olho, viu Althea compreendendo tudo.
Fez as apresentações. Stratton conhecia o irmão de Althea, que se lembrou da mãe de Stratton. Finalmente, Clara se virou para a amiga.
— Tenho algo que preciso dizer ao duque. Pode nos dar licença por um minuto?
Althea sorriu gentilmente e foi até a vitrine de uma loja admirar os produtos.
— Não posso ir — Clara disse baixinho. — Sei que combinamos, e quero muito ver a corrida, mas não importa o quanto tente planejar, só vejo as fofocas se espalhando rapidamente depois. Não há como ser discreta.
— Dane-se a discrição.
— Não pode pensar assim.
— Não, não penso. Pelo menos, para o seu bem, não penso. — Olhou além dela. — Convide sua amiga. Leve-a com a senhorita. É sua carruagem? Planeje ir com ela. Vou cuidar do resto. — Ele olhou para Althea de novo. — Pode ter que lhe contar. Pode confiar nela?
— Ela deve ser a única pessoa em que posso confiar. Certamente é a única pessoa que sei que guarda segredo.
Ele inclinou a cabeça. Seu sorriso charmoso provocou um arrepio até seus dedos do pé.
— Tem segredos além de mim? Que intrigante. Agora vou precisar descobrir quais são.
Ela chamou Althea de volta.
— Deveríamos continuar nossas tarefas, Duque. Bom dia para o senhor.
Adam foi embora, e elas subiram na carruagem. Althea colocou a cabeça para fora da janela a fim de observar o duque se afastando. Depois se acomodou, colocou a bolsa no colo e olhou diretamente para Clara.
— Há alguma coisa que queira me contar, querida? Porque acho que compartilhou muito mais do que conversas com aquele homem.
Assim que Clara falou para Adam que a amiga se juntaria a ela, seu plano se encaixou. Ele deixou uma casinha em Epsom para as damas. Só que elas não iriam usá-la, na verdade.
Adam compartilhou seu plano genial com Langford e Brentworth, naquela noite, em um salão de jogos enquanto jogavam.
— Você está desafiando o diabo — Brentworth disse. — Pelo menos metade da cidade estará em Derby Stakes. As estradas de Surrey estarão lotadas com carruagens. Com certeza o irmão dela irá. Poderia se ver casado com a ponta da espada.
— Não entende? Stratton não vai ao Derby — Langford revelou. — Se tivesse a mulher que queria sozinha em um lugar privado, interromperia o romance para desperdiçar um dia em uma corrida de cavalos?
— Talvez ele queira ver a corrida. Talvez ela queira.
— Prometi que ela veria a corrida — Adam contou.
— Ela não vai sentir falta se você não for desajeitado. Tenho que aconselhá-lo nisso também?
— Por favor, não — Brentworth pediu. — Imploro a você, e Stratton insiste, tenho certeza.
Langford fez algumas apostas.
— Vou apostar com vocês dois que não fará sentido ir à corrida. Estou confiante de que meu conhecimento vasto sobre mulheres está correto. Diga quanto.
— Cem libras — Adam disse.
Langford parou e desistiu de suas apostas.
— Retiro o desafio, se aposta tanto assim. Já que você tem controle do resultado, devo concluir que vai garantir que ganhe, mesmo se for contra seus interesses.
— Se sedução fosse meu único objetivo, não precisaria sair de Londres. Ela quer ver a corrida, e eu vou passar por uma dificuldade considerável para conseguir isso. Tanto que, mesmo que ela insista em abdicar disso, vou exigir que completemos o plano.
Langford deu risada.
— Não, minha querida, não podemos ficar na cama o dia todo. Temos que ir para Epsom em breve. Pare com esses carinhos. Não serei persuadido pelas artimanhas femininas de mudar o plano. — Ele imitou a voz de Adam.
— Ignore-o — Brentworth disse. — Procure meu lugar na corrida. Vamos assistir juntos e brindar ao vencedor, que espero que seja o meu cavalo.
Ele e Langford começaram a falar de probabilidades e da competição. Adam observou a roda girar. Três dias até Clara se juntar a ele em Surrey. Tinha certeza de que ficaria louco antes disso.
CONTINUA
Ele achou que pudesse descobrir algo com ela. Nunca havia escrito para ela sobre essas questões. Em vez disso, ele a deixara angustiada sem propósito.
Suas repreensões delicadas não eram novidade. O desejo que ela tinha de o filho deixar o passado em paz também não. Por cinco anos, ela o convencera de que o caminho prudente era seguir em frente. Quando ele ficava agitado em relação ao seu dever pendente quanto ao nome do pai, uma visita a ela acalmaria o turbilhão tentando tomá-lo de novo.
Você deveria se casar. Ter um herdeiro e me dar um neto, e encontrar a felicidade. Ele sempre pensou que ela sabia mais do que dizia e escondia dele para que não alimentasse a turbulência obscura que poderia, um dia, causar sua morte. Agora, ao ter pelo menos metade da verdade nas mãos, ela insistia não saber de nada.
Ele submeteu os últimos deveres ao seu criado em um humor maçante e atrasou-se escrevendo outra carta para, depois, sair em seu cavalo à casa de Brentworth.
Talvez o sol tivesse melhorado seu humor, ou fosse a alegria da pequena multidão zanzando pelo jardim enorme. Certamente, avistar Lady Clara não lhe causou mágoa. Ela estava sentada com a irmã e o irmão de Langford, Harry, em um banco no centro do jardim mais próximo da casa. Sua irmã usava a musselina branca que elas encomendaram na costureira naquele dia. Já que a maioria das garotas usava branco, somente a simplicidade do tecido a diferenciava. Lady Clara também trajava um vestido escolhido naquele dia. Embora fosse decorado com um bordado simples tão discreto que era quase invisível, a cor fazia toda diferença. À luz clara do dia, o lilás-hortênsia parecia mais vibrante do que na loja.
Ele foi até elas. Ela dissera para não a visitar. Não havia dito para não falar com ela. Não que ele teria obedecido tal comando, de qualquer forma.
Harry o viu primeiro e o recebeu com um cumprimento feliz. Harry se parecia muito com seu irmão mais velho, só que ainda esguio da maneira que jovens de vinte anos ficam. Também usava óculos, consequência de muita leitura à luz de vela ao longo dos anos. Adam concluiu isso muito depois de ele e Langford terem lido uma história esotérica escrita por Harry, dizendo que viveria nas bibliotecas pelo mundo.
— É um lindo dia, não é, Stratton? — Harry parecia bêbado de prazer. Como Lady Emilia não parecia entediada, as coisas deviam estar indo bem entre eles.
— Sim, muito lindo.
— Lindo demais — Lady Emilia disse com um grande sorriso.
— Está lindo mesmo — Lady Clara respondeu sem nem um pequeno sorriso.
Ele se aproveitou de um espaço vago no banco ao lado de Lady Clara. Ela arrastou-se para mais perto da irmã e mais longe dele.
— As senhoritas são mais bonitas do que as flores — Adam elogiou. — Essa cor combina bem, Lady Clara.
— Pensei que sim, dadas as circunstâncias.
— Tenho certeza de que está ansiosa pelo dia em que usará uma variedade de cores de novo. Azul, por exemplo. Azul-claro, para combinar com seus olhos adoráveis e contrastar com seu cabelo.
— Ela tem uma roupa assim — Emilia disse. — Ele pode estar descrevendo seu traje azul para cavalgar, Clara. Fica lindo mesmo nela, sir. Ninguém poderia deixar de admirá-la quando ela usa esse traje e se senta em um lindo cavalo.
— Tenho certeza — Adam respondeu.
Clara sugou as bochechas.
A alegria de Harry diminuíra um pouco depois da adição de Adam ao grupo. Agora ele brilhava, como se fosse atingido por uma inspiração divina.
— Vi uma cama de tulipas quando entrei. Poderia me acompanhar enquanto vou olhá-la, Lady Emilia?
Emilia virou os olhos esperançosos para a irmã. Clara lançou um olhar crítico a Harry, depois outro por cima do ombro.
— Acho que uma caminhada rápida até as tulipas não seria prejudicial. Lembre-se do que lhe disse quando estávamos vindo, Emilia. Não queremos que Vovó me repreenda por ser uma acompanhante inapta.
Emilia saiu com Harry antes de ela terminar. Clara aproveitou-se do espaço a mais a fim de ficar ainda mais longe de Adam.
— O que está fazendo aqui? — ela perguntou.
— Brentworth é um de meus melhores amigos. Se não tivesse passado uma de suas primeiras Temporadas ignorando minha existência, saberia disso.
— Passou pela minha mente que ele pudesse ser. O senhor o fez fazer isso? Ele não dá muitas festas aqui. Acho que a última vez que estive aqui foi há três anos, antes de ele ter ficado com a herança.
— Ninguém convence Brentworth a fazer alguma coisa. Ele decidiu sozinho. — Era oficialmente verdade, mas não completamente. — Talvez ele tenha decidido dar mais festas e pensou que esta pequena reunião fosse um bom começo.
— Veio em uma hora conveniente. É um bom começo para Emilia também. — Ela olhou por cima do ombro de novo para encontrar sua irmã no jardim.
— É obrigada a ficar aqui sentada o tempo inteiro? — ele perguntou. — Há alguma regra desconhecida a mim que não possa aproveitar o sol e as flores se está de luto?
— Claro que não. É só que... — Ela olhou em volta no jardim e mordeu o lábio inferior. — Sinto-me um pouco estranha. Conheço todas essas pessoas e, mesmo assim, sinto-me excluída de uma nova maneira. Como se elas não importassem. Como se eu não me importasse com elas.
Ele conhecia a sensação esquisita.
— A senhorita esteve separada delas mais tempo do que imagina. A morte de seu pai muda as coisas também. Nós todos somos colocados em filas por outros e somos movidos ao longo do tempo.
— Então antes eu estava na fila de filha de Marwood, e agora estou na de irmã de Marwood?
— Algo assim.
— Esta não parece prestigiosa. Agora estou menos interessante.
— Talvez menos útil fosse uma forma melhor de dizer.
— Nossa, o senhor é cínico às vezes. Suponho que quatro anos atrás eu estava na fila de ingênua no mercado para casamento, mas isso mudou agora também. Agora estou na solteirona na prateleira.
— Eu diria que está na fila mulher madura que sabe o que quer.
— Que generoso da sua parte. Independente do nome que damos, eu prefiro este lugar.
Ele gesticulou para os outros convidados.
— Acho que eles sabem disso. Talvez seja outro motivo pelo qual se sinta uma estranha com eles.
Ela se levantou.
— Se estou tão confortável comigo mesma, não deveria permitir que outros me façam sentir estranha. Acho que vou socializar, para variar.
Ele a viu se afastar e cumprimentar duas damas que conversavam por perto. Ele podia ver, antes de algo ser dito, que aquelas jovens expressaram solidariedade pela perda dela. Provavelmente aconteceria isso a cada pessoa que ela encontrasse, já que a maioria não fora ao funeral no interior.
Ele não esperava que ela fosse sociável por muito tempo. Procurou Brentworth e encontrou-o no terraço, sofrendo com um discurso político do Visconde Weberly. Corado e escandaloso, o velho fazia pronunciamento atrás de pronunciamento sobre a necessidade de esmagar rebeliões assim que elas surgissem, e não aguardar as delicadezas de uma ação legal. Brentworth apenas escutava, mas, quando viu Adam, usou isso como desculpa para se libertar.
— Pensei que Weberly nunca fosse parar — ele disse, conduzindo Adam para mais longe e na direção do ponche.
— Descobri há muito tempo que era perda de tempo tentar explicar a mentes como a dele que, enquanto pode ser conveniente prender os manifestantes sem julgamentos, não era legal nem inglês.
Weberly não estava sozinho em defender o ato de governo de forma contrária à lei e à tradição. O medo motivava a ele e outros. A revolução francesa ainda lançava uma sombra, revivida quando a agitação ribombava pelo país. Já que rugia às vezes agora, Weberly e sua turma ficavam cada vez mais fervorosos ao exigir ações que certificariam a segurança de seu pescoço.
Brentworth pegou dois copos de refresco de um criado que administrava as tigelas de ponche e entregou um para Adam.
— Vai gostar. É uma poção do oeste indiano com uma quantidade justa de rum. O conteúdo daquela outra tigela é doce, típico e sem algo forte.
— Tenho certeza de que as damas gostaram da escolha.
— Você pensaria que sim. Muitas delas, no entanto, quiseram o que nós bebemos, várias vezes. Estou de olho em uma delas, para que não desmaie antes de a tarde acabar.
— Onde está Langford? — Adam usou a pergunta como desculpa para supervisionar o jardim até encontrar Lady Clara.
— Por aí em algum lugar, seguindo seu conselho bem seriamente de flertar com todas as jovens.
— Ele nasceu para flertar, e elas gostam tanto que ele não consegue evitar.
— É melhor ele se certificar de que uma delas não o arraste para atrás de um arbusto, ou ficará um inferno. Essas meninas estão ficando mais ousadas ou eu que estou ficando velho?
— Acho que um pouco dos dois.
— Falando em flerte, onde está sua senhora?
— Ali ao lado da fonte, conversando com Hollsworth e a esposa.
— Você não deveria estar lá também?
— Tudo a seu tempo.
— Suponho que, primeiro, precise avaliar o terreno, depois planejar o ataque.
— Não haverá ataque. Sou um cavalheiro.
— Chame do que quiser. Quanto ao terreno, há uma construção maravilhosa no canto mais ao norte, no meio daquele bosque de árvores frutíferas. Um pequeno templo para a deusa Diana. É muito frio lá atrás, mesmo em dias quentes, então é improvável chamar a atenção de muitos convidados.
Adam olhou o pomar em questão.
— Lembrei dele agora que me lembrou. A estátua da deusa é bem mais interessante do que alguém espera em um jardim.
— É da antiga Roma. Provavelmente eu deveria levá-la para a galeria.
— Lady Clara é uma mulher culta. Ela gostaria de vê-la em seu local atual antes de você mudar.
— Acha isso? Infelizmente, tenho todos esses convidados para receber e não posso levá-la lá. Talvez a leve por mim.
— Vou tentar me lembrar de fazer isso, presumindo que ela e eu conversemos de novo. — Ele colocou o copo na mesa, depois saiu do terraço, em direção à fonte.
Clara saiu de uma discussão longa em relação à nova moda de golas muito altas e viu o Conde de Hollsworth perto da fonte. Sua condessa sorria amavelmente na direção dela, então juntou-se a eles.
Hollsworth estava muito ereto, apesar de sua idade avançada. Cabelos brancos finos cresciam em tufos. Os óculos grossos faziam seus olhos parecerem muito pequenos. Ele sorriu em cumprimento enquanto a condessa pequena e grisalha a cumprimentava.
Hollsworth fora amigo de seu avô e, depois, de seu pai. Um homem quieto, observava mais do que contribuía em reuniões sociais. Seu pai lhe dissera, uma vez, que o comportamento reservado de Hollsworth significava que as pessoas frequentemente falavam sem perceber que ele escutava. Como resultado, seu pai o considerava um de seus pares mais bem informados.
Lady Hollsworth examinou detalhadamente o vestido de Lady Clara.
— Muito bem. Fico muito feliz em ver que você e sua irmã se aventuraram a sair e escolheram colocar o luto de lado. Jovens não deveriam ficar um ano inteiro excluídas de suas vidas, e acho estranho que tal costume esteja virando moda. Não concorda, Charles?
Lorde Hollsworth apenas sorriu e assentiu.
Clara dedicou sua atenção à condessa, elogiando seu vestido elegante. Ela havia acabado quando o conde se endireitou ainda mais, o suficiente para chamar a atenção da esposa.
— Oh, nossa — ela murmurou, observando além de Clara. Olhou desconfiada para o marido, cuja expressão ficara rígida. — Com certeza ele não virá aqui.
Clara olhou por cima do ombro. Ele em questão era Stratton, que parecia estar andando na direção deles.
— É um velho amigo de Brentworth — ela disse, embora a presença do duque não precisasse de explicação.
A mandíbula do conde ficou firme. A condessa olhou preocupada para ele.
— Por que não vai admirar o jardim, Charles?
Assentindo firmemente, o conde se afastou.
— Perdoe-nos. Meu marido prefere não conversar com Stratton. Nem gostaria de ignorá-lo diretamente. Pode ver a dificuldade dele.
— Vejo claramente. Mas não sei se entendo.
A condessa manteve o olhar no jardim entre eles e a casa. Clara se moveu para que pudesse ver também. Stratton andava devagar, parando para cumprimentar outros convidados, mas permaneceu em uma linha que acabaria nelas.
— Ele voltou por um motivo. Repare como todos os homens o cumprimentam calorosamente, mas ficam sérios assim que ele passa. Ele veio para encontrar alguém para culpar pelo ato precipitado do pai, acredito. Meu marido gostaria de evitar uma discussão com ele sobre tudo isso — Lady Hollsworth explicou.
— Lorde Hollsworth não precisa ficar preocupado que o duque o desafie. Stratton tem uma decência básica e nunca ousaria fazer tal coisa com um idoso, principalmente depois de uma simples conversa.
As sobrancelhas de Lady Hollsworth se ergueram.
— Sei que muitos pensam assim, mas nunca se sabe. Além disso, a senhorita é uma escolha estranha para defendê-lo. Muito estranha. Esperava que seguisse meu marido para evitar fazer parte do encontro prestes a ocorrer.
— Minha avó decidiu que devemos fazer um esforço para acabar com essa antiga briga. Já que parece que ninguém se lembra do que a causou, acredito que ela esteja correta.
— Isso fica cada vez mais curioso. Será que a viúva não está se sentindo bem esses dias? Ela não é mulher de desenvolver uma memória defeituosa sem outro motivo. — Já que Stratton estava quase ao lado delas, ela fixou um sorriso no rosto quando ele se aproximou. — Deixe sua avó sofrer a investigação dele sobre aquelas joias, se decidiu fazer as pazes. Meu marido não quer se ver esquivando-se das perguntas de Stratton.
— Que joias?
— Stratton! Que gentileza a sua de cumprimentar uma idosa — Lady Hollsworth o saudou e fez uma reverência.
Ele emanava um charme que deixaria qualquer mulher à vontade.
— Não poderia deixar passar a chance de falar com a senhora.
— O senhor só precisava me visitar, e teria tido a chance mais cedo.
— Vou assumir isso como um convite. E Lorde Hollsworth? — ele perguntou. — Está bem?
— Muito bem. Estava aqui agora mesmo, mas buscou refúgio nas flores quando Lady Clara e eu começamos a falar sobre vestidos.
— Sinto muito tê-lo perdido. Talvez cruze com ele mais tarde.
— Ele ficaria bem grato se o fizesse, sei disso. — Ela fingiu ficar na ponta dos pés e procurá-lo. — Deveria encontrá-lo, suponho. Clara, você e eu vamos conversar de novo em breve, assim espero. Faça uma visita.
Ela saiu, deixando Clara com o duque.
— Que grosseria da parte dela — Clara disse.
— Eu queria que ela saísse, para que a senhorita e eu pudéssemos ficar sozinhos.
— Não acho que isso durará muito tempo com todas essas pessoas aqui.
— Tenho certeza de que vai. Ninguém aqui está querendo conversar comigo.
Ele sabia das reações que o seguiam conforme ele passava.
— O senhor não pode gostar da forma com que os homens o tratam com cautela. É como se recusassem a aceitar que é um deles.
— Com minha posição, eles precisam me aceitar. Eu sabia que levaria um tempo para minha ausência ser esquecida ou meu retorno ser compreendido. Vamos dar uma volta, se estiver disposta. Assim, outros convidados podem se sentar nesses bancos em volta da fonte, o que não acho que farão se eu permanecer neste local.
Os bancos realmente haviam se esvaziado assim que ele chegou. Clara concordou em dar uma volta pelo jardim. Ela ainda não conseguia entender como ele não se importava com as desfeitas sociais.
— Sabe por que homens como Hollsworth o evitam?
Ele baixou a cabeça para cheirar os botões de um arbusto de lilás.
— Alguns se preocupam de que eu vá me ofender por algo que digam. Se não me desonrarem, a ofensa será impossível. Mesmo assim, isso os preocupa.
— Hollsworth certamente sabe que, mesmo se o insultar francamente, o senhor nunca desafiaria um idoso. Eu disse isso para a condessa. Ela respondeu que ele quer evitar uma conversa com o senhor.
Ele simplesmente continuou andando.
— Não se importa que todos eles o considerem perigoso? — Ela gesticulou para o lugar com o braço na direção do jardim.
— A senhorita também? Isso me magoaria de verdade. Não me importo muito com os outros.
— Ainda não decidi — ela mentiu. Considerava-o, sim, perigoso. Para ela. Não tinha nada a ver com duelos ou o passado ou nenhum dos motivos pelos quais todos o tratavam com cuidado. Mesmo agora, andando pelos caminhos do jardim, ela não era ela mesma. A proximidade dele a deixava afobada. Olhar para ele ameaçava deixá-la calada.
O caminho os levou para o fim de um bosque cheio de flores.
— Há uma construção aqui — ele disse. — Um pequeno templo romano abobadado para a deusa Diana. A estátua é antiga.
As árvores frutíferas ainda não estavam cheias de folhas. A luz do sol manchava os caminhos debaixo dos galhos. Ela pensou ter visto a abóbada. Juntar-se a Stratton quando ele se aventurou pelo bosque não a preocupava. Provavelmente, encontrariam outros convidados entre aquelas macieiras.
O ar esfriou apesar dos raios de sol. A construção estava no canto, perto de onde os muros de pedra se encontravam. A deusa de mármore usava pele de animal e carregava uma aljava de flechas nas costas. Estava abaixada para amarrar a sandália com o pé apoiado em um toco de árvore, no qual estava apoiado seu arco.
Clara subiu os três degraus que circulavam a estrutura e passou pela arcada que segurava a abóbada e comportava a estátua.
— É muito realista. As diferentes texturas são retratadas de forma tão exata que se pode pensar que não é de pedra. — Ela passou a ponta dos dedos pela pele de animal.
— Provavelmente é do começo da era romana. O pai de Brentworth era um homem bem viajado, com um olho bom para arte de qualidade.
Ela andou em volta da estátua. Adam entrou na estrutura, só que olhou para ela, não para a deusa.
— O senhor não me trouxe aqui para admirar esta estátua, não é?
— Eu a trouxe aqui porque exigiu que não a visitasse na sua casa.
Ela se virou e o viu bem atrás dela. Seu coração acelerou, bloqueando sua respiração. De repente, o bosque não mais pareceu amplo e aberto, mas denso e obscuro. Ela mal conseguia escutar o som da festa no jardim aberto.
Ele ergueu seu queixo com os dedos.
— Se não fosse tão rigorosa, eu poderia ter feito isto lá. — Ele a beijou, suavemente primeiro, mas depois mais apaixonadamente. As sensações cascatearam por ela, então ela não mais queria ser nada rigorosa.
Ele interrompeu o beijo, mas manteve a mão no rosto dela.
— Não posso permitir que me rejeite, Clara. Que negue isto. Não penso que realmente queira também.
Ela ficara muito segura depois da cavalgada deles. Sua mente tinha ficado bem clara. Naquele momento, não conseguia se lembrar do que havia pensado.
Mas ele falou a verdade. Ela não queria realmente negar o quanto se sentia viva quando ele a beijava. As considerações do motivo dele deixaram, então, de importar. Ela não queria rejeitar o prazer ou a excitação. Deveria, mas não queria. Saboreava a maneira como ele a excitava. Ela havia refletido nas lembranças do que aconteceu na colina por muito tempo desde que se viram pela última vez.
Ele a beijou de novo e a abraçou. O calor de seu corpo a confortava e extasiava. Tão bom. Bom demais.
— Se repetir sua exigência de não a visitar, terei que persegui-la em bosques e jardins o verão todo — ele murmurou em seu ouvido. — A discrição pode ser quase impossível.
Com seu prazer inebriante, ela vagamente reparou que ele não havia desistido. Ele a alertara naquele primeiro dia que não o faria.
Ainda assim, ela deveria repetir sua exigência. Não deveria fazer nada que o encorajasse. Deveria se lembrar de por que aqueles beijos não eram apenas errados, mas desleais. Assim que essa intimidade acabasse, com certeza ela se importaria de novo com todos aqueles...
Os sons penetraram no silêncio ao redor deles. Uma risada, e uma risada de homem. Não muito longe. Perto, naquele caminho. Stratton a soltou abruptamente e saiu do templo, deixando-a sozinha com a deusa.
Um feixe de luz do sol iluminou um vestido branco e uma cabeça loira entre as maçãs. Com outra risada, Emilia entrou na pequena clareira com o templo. A expressão de sua companhia caiu quando viu Stratton.
— Harry, que gentil da sua parte mostrar a Lady Emilia o caminho deste tesouro — Stratton disse. — A irmã dela tentou encontrá-la antes de vir aqui. — Ele apontou para Clara.
Harry viu Clara. Emilia também viu. Ambos coraram. Clara fez uma careta enquanto lutava para manter a compostura. Ao permitir que o duque a ofuscasse novamente, havia negligenciado seu dever. Emilia iria receber um sermão muito grande para não ser tão burra de ficar sozinha com um homem daquele jeito.
— Venha e veja a estátua — ela chamou. — É impressionante.
Visivelmente aliviado, Harry acompanhou Emilia para dentro da estrutura. Todos eles admiraram a deusa juntos, depois voltaram pelo bosque e chegaram ao jardim ensolarado.
Clara decidiu que ela e Emilia deveriam ir embora e arrastou a irmã para Brentworth para que pudessem agradecer ao anfitrião. Quando iam embora, ela viu Stratton perto dos bancos, observando alguém. Seu olhar seguiu a direção do dele, diretamente para o Conde de Hollsworth.
Funções sociais completas, ela e Emilia se acomodaram na carruagem de Theo para o caminho aos respectivos lares.
— Teve uma tarde boa e se divertiu? — Clara perguntou diretamente, conforme as lições sociais necessárias se organizavam em sua mente.
— Minha tarde não foi tão divertida como a sua, acho. — Emilia lançou um olhar sábio pela cabine da carruagem.
Foi a vez de Clara corar. E engoliu o longo sermão que pretendia dar à irmã.
lara e Althea estavam paradas uma ao lado da outra na biblioteca de Clara na sexta-feira de manhã. Em uma mesa comprida, cópias frescas do jornal delas aguardavam em pilhas. A gráfica enviaria pelo correio as cópias dos assinantes, mas essas deveriam ser entregues em livrarias, e as mulheres que fariam isso, amigas da sra. Clark, chegariam ao meio-dia.
Clara admirava as brochuras vultosas. As que iam pelo correio não tinham capa, mas aquelas tinham a capa azul-escura e o título gravado de maneira encantadora. Ficariam lindos nas lojas.
Althea disse um número, e Clara pegou aquele número de cópias e as levou para a ponta da mesa. Althea seguiu e colocou um papel com um nome de loja naquele grupo.
Até então, metade dos jornais tinham sido atribuídos às lojas.
O trabalho demorara mais do que o esperado porque Clara estava descrevendo a festa no jardim. Não a parte em que fora beijada de novo, claro.
— Depois, Lady Hollsworth disse tão claro como está ouvindo agora: Deixe sua avó sofrer a investigação dele sobre aquelas joias. Perguntei o que ela quis dizer, mas, naquele instante, Stratton já estava ao nosso lado, então ela não respondeu.
— Que intrigante. É um milagre você não ter mandado o duque embora para que pudesse ter sua resposta.
— Tento não ser grosseira, Althea.
Althea verificou seu papel.
— Ackermann’s. Quinze.
Clara contou cinco cópias e as levou para a outra ponta da mesa.
— Descobriu alguma coisa interessante?
— Continuo ouvindo as mesmas coisas. Conversas sobre os duelos. Preocupação que ele desafie as pessoas daqui. Há uma hipótese entre algumas pessoas de que ele terá que fazê-lo a fim de limpar o nome da família do que quer que o tenha manchado. Algumas das idosas acreditam que a honra significa que ele não pode permitir que as coisas fiquem como estão.
— Os tempos mudaram. As famílias não têm mais os pecados de seus antecessores como marcas na testa. Sugerir tal coisa é muito ultrapassado.
— Não é um pecado típico, no entanto, não é? Os boatos tinham a ver com traição.
— Não houve acusação pública, Althea. Nem julgamento.
— Não se aborreça comigo. Só estou dizendo...
— Sei o que está dizendo. Não estou aborrecida com você. Estou irritada com todas essas fofocas vagas de pessoas que parecem não saber de nada com certeza.
— Alguém sabe. Entretanto, a história acabou, então quem quer que seja não levantará a questão novamente. Principalmente com o duque de volta à Inglaterra.
É, alguém sabia. Provavelmente muitos alguéns. Como Hollsworth.
Será que o pai dela também sabia?
Jocelyn entrou na biblioteca com a correspondência matinal. Clara parou de contar os jornais enquanto verificou as poucas cartas. Uma a fez congelar. Rasgou-a e a leu.
— Oh, não. De todos os dias que se podia escolher... — Olhou freneticamente para a mesa, cheia de cópias do jornal.
— O que foi? — Althea perguntou.
Clara abanou a carta.
— Minha avó tem algo importante para me contar e pretende vir aqui logo depois do meio-dia, antes de fazer suas visitas.
— Aqui? Oh, nossa. As mulheres...
— Chegarão exatamente quando ela chegar. Entrando e carregando pilhas destes jornais. — Ela se apressou até a porta da biblioteca e chamou Jocelyn. — Pode terminar isto sozinha, Althea? Vou tentar ao máximo retornar antes do meio-dia, mas devo ir à casa de meu irmão antes que minha avó saia para vir até a minha casa.
Jocelyn chegou e Clara lhe pediu sua pelica e a boina. Ela olhou para seu vestido. Era parte do guarda-roupa que deixou ali depois do último verão, e não era preto nem azul ou roxo escuros. Ao acordar de sonhos sensuais desconfortáveis, impulsivamente colocara um vestido vermelho. Ninguém a veria, exceto sua família. A família em questão não aprovaria, entretanto.
— Vou cuidar de tudo por aqui — Althea disse. — Não se preocupe. Tenho minha lista e vou acabar em quinze minutos.
Jocelyn trouxe uma boina e a pelica. Pretas. Vermelho e preto. Ficaria parecendo um palhaço.
— Jocelyn, por favor, ajude Althea a terminar de contar as brochuras. Preciso sair imediatamente.
Ela se apressou até a porta, para alugar uma carruagem para o trajeto longo até Mayfair.
Quase uma hora mais tarde, ela entrou na Casa Gifford, só para descobrir que sua avó ainda não havia descido. Rezando para que ela não sofresse e não fosse esquartejada pela presunção, subiu até o seu quarto.
Parou do lado de fora da porta. Nunca mais tinha entrado ali. Desde que tinha dez anos e entrara escondido para explorar a penteadeira de sua avó. Fascinada pelas joias e maquiagens, ela as provara, admirando-se no espelho. Mesmo agora conseguia ver seu reflexo, depois o susto de ver sua avó bem atrás.
Pagara severamente por colocar aquele colar e o rouge. Sua avó lhe batera com uma vareta enquanto a obrigou a olhar para seus pecados no espelho o tempo todo. Depois ordenara que ficasse presa apenas com pão e água durante uma semana. Seu pai estava viajando e só retornou e lhe concedeu a soltura dois dias depois.
Não conseguia olhar para aquela porta e não se ver naquele espelho enquanto a vareta batia em suas nádegas nuas. Respirando fundo e colocando a imagem dela toda pintada e enfeitada de lado, aventurou-se, entrando.
Viu sua avó um segundo antes de sua dama de companhia colocar sua peruca. Com o cabelo amassado em uma rede e o corpo escondido em uma camisola com camadas de renda, sua avó não a viu até a dama tocar seu ombro e apontar para a porta.
Aqueles olhos enormes e pálidos lançaram um olhar fulminante, depois se voltaram para o espelho.
— Cuide de mim, Margaret, para que eu possa falar com minha neta invasora.
Margaret colocou a peruca, ajustou alguns cachos grisalhos e se afastou.
— Agora vá e chame Theo. Diga que preciso dele aqui.
Margaret se apressou para fora do quarto.
— Clara, está usando esse vestido para me provocar? É medonho em qualquer época, mas principalmente agora.
Clara se sentou em um divã perto da lareira.
— Recebi seu recado. Pensei que era melhor ouvir isso logo do que mais tarde.
Sua avó se virou na cadeira.
— Mais tarde, mas não muito mais tarde. Poderia ter esperado eu me vestir, pelo menos. Ou até ter reconsiderado sua própria vestimenta.
— Desculpe. Pareceu muito importante, então vim imediatamente.
Sua avó se virou para o espelho mais uma vez e beliscou as bochechas até formar duas bolinhas cor-de-rosa. Não finja que não se maquia. Nós duas sabemos que o faz. Chicoteou-me uma vez por descobrir isso.
— Não queria me ver naquela sua casa, é isso que quer dizer.
Theo entrou apressado. Viu Clara, evitou olhar para o traje de sua avó, e sentou-se em uma cadeira.
— Espero que não vá demorar. Estava indo cavalgar no parque.
— Não vai demorar nada. Porém, queria você aqui quando explicasse as questões para sua irmã.
— Que questões? — Clara perguntou. Uma preocupação meio esquisita a tomou. Duvidava que essas questões a agradariam, considerando o tom de sua avó.
— Fiquei sabendo da festa de Brentworth. Muitos de meus amigos me escreveram. Fico feliz em dizer que a opinião deles sobre o comportamento de Emilia foi perfeita.
— Tentei ser uma boa acompanhante. — Pelo menos não era sobre Harry.
— Também escreveram que Stratton estava lá.
— Sim, acredito que estava.
— Acredita que estava, certo? Da forma que entendi, ele passou mais de uma hora na sua companhia.
Parecia que o quarto havia diminuído.
— Nem uma hora, tenho certeza.
— No mínimo, uma hora, dois de meus amigos relataram. Da mesma forma, ele não passou nenhum tempo com Emilia.
— Não é verdade. Eu estava presente quando conversaram.
— Então ele conversou com ela por, no máximo, um minuto. Está claro, Theo, que fizemos suposições errôneas sobre o duque e vamos precisar corrigir nossa estratégia.
— Parece que sim — Theo concordou.
— Não culpe Emilia se ele não concordou com a sua última — Clara disse. — Esperar que ele se case com alguém da nossa família foi uma estratégia incorreta desde o começo. Falei isso para a senhora.
Sua avó se levantou. Em um balançar da renda, ela se moveu até estar sentada ao lado de Clara no divã.
— Uma estratégia incorreta? — Ela riu com a renda nos lábios. — Não em princípio, parece. Ele pode não ter gostado de Emilia, verdade. No entanto, parece que acha você interessante. Não sou uma mulher rígida. Se o sucesso exige uma substituição de irmãs, que seja.
Theo pareceu confuso.
— Stratton a quer?
— Parece que ele saiu do caminho dele para ter a companhia dela na festa.
Theo quase deu risada.
— Inferno, isso é novidade.
— Olha a linguagem, Theo. Quanto à preferência do duque, não há como medir gosto.
— Sinto muito, Vovó. É só que Emilia é tão perfeita, e Clara é... — Ele deu de ombros, depois estendeu o braço na direção de Clara, como se dissesse bom, ela é quem ela é.
— Não é a esposa que eu aconselharia para um duque, mas, já que ele não me escutou quanto ao assunto, vamos nos adaptar à sua decisão peculiar.
Theo balançou a cabeça.
— Não vejo como a união irá nos aproximar dele. Em seis meses de casamento, ele vai ter certeza de que foi enganado e sairá sedento por sangue.
— Então devo deixar que vocês dois discutam minha vida francamente? Não gostaria que minha presença interferisse — Clara disse diretamente.
Sua avó deu um tapinha em sua mão.
— Nós a aborrecemos, Theo. Acalme-se, querida.
— Estou bem calma, obrigada. Porém, infelizmente, preciso dizer que interpretou completamente mal o interesse do duque. Ele gosta de me provocar, nada mais.
— Isso é simplesmente um menino puxando o cabelo de uma menina de que gosta — sua avó disse.
— Não gosto que puxem meu cabelo. A senhora parece ter se esquecido de que, não importa o que o duque prefira, eu não vou me casar com ele ou com outra pessoa.
Theo resmungou.
— Isso de novo, não.
— É, isso de novo. E de novo. E de novo. Não entendo por que vocês insistem em pensar que minha decisão é algo passageiro, quando fiquei firme por todos esses anos.
— Decisões podem ser mudadas, como esta deve ser. — Sua avó deu um tapinha em sua mão de novo. — Pelo bem da família, pelo bem de seu irmão, pelo meu bem, você vai se casar com ele.
Tão agitada que temia que fosse gritar, Clara se levantou. Como ousavam interferir nesse estágio da vida dela? Porque papai se foi e não há ninguém aqui para impedi-los.
— Se essas são as notícias importantes, já ouvi. Agora me vou. Encorajo-os a encontrar outra solução para o que quer que seja a ameaça que pensem que o duque representa. Theo, se for esperto e não o insultar ou à família dele, ele nunca vai desafiá-lo, então toda essa trama é desnecessária, de qualquer forma.
— Se ele lhe pedir e você recusar, estará insultando-o — Theo soltou.
— Vou embora. Recuso-me a ouvir mais desta loucura.
— Você não vai embora. Vai ficar bem aqui enquanto planejamos como o pescará agora que ele foi fisgado — Vovó disse.
— Meu Deus, Stratton não é um peixe burro. Não haverá pesca. Bom dia para vocês.
Ela já estava na escada quando seu tremor começou. Não sabia se era da raiva e do choque ou do desejo inexplicável de rir. Na metade da escada, o último impulso desapareceu. E se Stratton contasse a Theo e sua avó que ele já tinha feito o pedido? Eles seriam implacáveis em coagi-la a concordar. Ela teria que se mudar para o Brasil para salvar sua sanidade.
— Sempre fico feliz ao assistir a leilões, mas estamos aqui por um motivo, Stratton? — Langford perguntou.
— Pretendo comprar um cavalo. Que outro motivo me traria aqui?
Eles se levantaram no jardim de Tattersalls, junto com outros vinte homens, enquanto saía um cavalo atrás do outro para inspeção e ofertas. Até então, nenhum tinha sido bom o suficiente. Certamente, não a atual no palco, mesmo que o leiloeiro tivesse elogiado a égua como adequada para uma mulher.
— Pretende comprar hoje? Os cinco cavalos no seu estábulo aqui da cidade não servem? Os vinte que você tem no interior precisam de um novo amigo?
— Não é para mim. É um presente.
— Ahhhhh. Ou seja, para sua dama.
— Ela precisa de um cavalo. Um cavalo muito bom. É uma amazona excelente, como vai descobrir. Cavalga melhor que você, embora esteja presa em uma sela lateral.
— Nenhuma mulher cavalga melhor do que eu.
— Quando eu comprar o cavalo, pode apostar corrida com ela e veremos quanto a isso.
— Está dando muitos presentes a ela. É apropriado? Primeiro o colar de rubi, agora um cavalo. — Langford olhou-o. — Você deu a ela o colar de rubi, suponho.
— Ainda não. Isso é para depois.
— Quanto depois? Faz semanas.
— Estou esperando o momento certo.
— Que ainda não chegou, aparentemente. — Langford sorriu. — Estou achando que a grande sedução não está se revelando como você pretendia. Não, não, não precisa explicar. Não sou o tipo de homem que pressiona um amigo por detalhes tão íntimos. Mas talvez devesse anotar quando eu lhe der uma aula.
Adam não se importaria em dar uma surra em Langford. Se não quisesse outra opinião sobre o cavalo, talvez tivesse batido nele.
— Ela sabe que você está comprando um cavalo para ela?
— Não.
— Uma surpresa, então. O estábulo do irmão dela tem espaço para outro cavalo?
— Não sei.
— Não deveria descobrir antes de comprar um?
— Pare de ser tão prático. — Isso era melhor do que dizer a Langford que Lady Clara se mudara da casa de sua família e agora arranjaria seu próprio estábulo.
A movimentação perto do leiloeiro chamou a atenção de Adam. A baia foi aberta, e os criados a levaram para longe. Um homem guiou o próximo cavalo. O castrado tinha uma cor castanha profunda, quase preto. Era alto e resistia a quem estava segurando a rédea.
— Agora aquele é um animal lindo — Langford disse.
Adam também pensou isso, então aproximou-se para olhar mais de perto, com Langford atrás.
Examinaram o cavalo por completo. Langford verificou os dentes enquanto Adam ergueu as pernas e os cascos. Outros também se amontoaram, mas o olho experiente do leiloeiro deve ter visto os cavalheiros prováveis para ofertar alto porque aproximou-se de Adam.
— Três anos — o homem repetiu, sendo que acabara de anunciar a informação. — Uma verdadeira beleza. Com personalidade suficiente para correr. Um cavalo para se cavalgar, com certeza. Não é adequado para carruagem, embora possa ser treinado para isso.
— Como ele lida com a sela?
— Tolera muito bem. Um cavalheiro com você não deve ter problema. Estaria mentindo se não admitisse que não colocaria um cavaleiro fraco nele. Ele tem a própria mente, sim, e precisa de uma mão firme.
— Parece perfeito para o cavaleiro que tenho em mente. Eles vão combinar.
— Então espero que ganhe. Espero que a oferta suba bem.
Adam se afastou. Langford se juntou a ele.
— Então é esse? Tem certeza? Se ele a jogar no chão, você vai se sentir muito culpado.
— Ela não será jogada no chão.
— Se você diz. — Langford não soou convencido.
Quinze minutos depois, Adam combinava o pagamento pelo cavalo e sua entrega em seu próprio estábulo.
— Não vamos levá-lo para ela agora? — Langford perguntou enquanto iam embora.
— Nós nunca vamos levá-lo para ela. Eu vou sozinho. Outro dia.
— Que pena. Eu queria ver. Se ela ama tanto cavalos, provavelmente vai cair aos seus pés quando recebê-lo.
Adam imaginou isso e deu risada, embora, em sua mente, Lady Clara se recusava a se render por completo. Não sabia se ele queria que ela o fizesse.
lara acordou cedo na segunda-feira. Os criados que ela contratara começariam naquele dia, e ela precisava explicar seus deveres e suas expectativas. Duvidava que terminasse até a noite.
Vestiu-se e desceu para a sala a fim de tomar café da manhã. Um grande aparador a recebeu. Diferente do fraco desjejum preparado por Jocelyn, havia comida suficiente para alimentar dez pessoas. Ela provou um pouco dos ovos. Ovos quentes, diferente dos mornos que Jocelyn fazia.
Uma mulher entrou enquanto ela comia e colocou a correspondência ao lado de seu prato, depois recuou. Não era Jocelyn. Parecia uma das mulheres que ela considerara para a vaga de governanta. Provavelmente, era a que ela contratara.
Ela se levantou e foi procurar a mulher. Encontrou-a em uma conversa baixa com uma menina perto das escadas que levavam à cozinha. Ao vê-la, ambas fizeram reverência. A menina desceu as escadas correndo.
— Vejo que já está aqui, sra. Finley. Esperava recebê-la quando chegasse.
— Sua dama me deixou entrar, e já comecei. Espero que não se importe.
— Nem um pouco. A cozinheira está aqui também, reparei. Poderia lhe dizer que, no futuro, ela não precisa fazer tanta comida. Moro sozinha e não tenho grande apetite de manhã. Também diga a ela que estava tudo maravilhoso, e o café estava excelente.
— Sim, milady.
— Poderia me avisar quando o sr. Brady, o cocheiro, chegar?
— Ele está lá embaixo agora, milady, esperando a senhorita chamar. Ele disse que trouxe um cavalariço como a senhorita pediu.
Ela pediu que a sra. Finley mandasse o cocheiro e o cavalariço subirem até a biblioteca. Meia hora depois, tudo estava resolvido. O cavalariço foi contratado, e o sr. Brady foi enviado para pesquisar carruagens e um par de cavalos à venda para que ela pudesse ter um motivo para o emprego dele.
A sra. Finley entrou na biblioteca quando os dois homens saíram.
— A senhorita vai querer direcionar a cozinheira quanto às refeições e afins, ou devo lidar com isso?
— Acho que vou deixar em suas mãos capazes. Amanhã vamos sentar e chegar a uma consideração razoável para você.
— Haverá mais alguma coisa agora, milady?
— Mais uma coisa. Por favor, sente-se.
A sra. Finley acomodou sua figura robusta em uma das cadeiras. Clara a tinha contratado em parte porque era uma mulher madura que veio com boas referências. Mais, porém, porque a sra. Finley a lembrava de uma governanta que trabalhara na casa de seu pai há muitos anos.
Naquele instante, com um vestido simples cinza e uma touca grande branca que cobria a maior parte de seu cabelo castanho, a sra. Finley pareceu preocupada. Clara lhe agradeceu por cuidar da casa tão rápida e perfeitamente, depois abordou o tópico verdadeiro que queria discutir.
Ter todos esses criados colocava em risco algumas das colaboradoras do jornal. Elas não mais visitariam uma casa vazia usada apenas para reuniões. Agora encontrariam uma casa cheia na qual as atividades do jornal eram visíveis para olhos curiosos. Uma mulher que escrevia sob um apelido não gostaria que criados de Londres soubessem de sua identidade.
— Quando me encontrei com cada um de vocês, fui muito clara de que todo mundo que trabalha aqui deve ser discreto ao extremo. Quero enfatizar de novo e pedir que você, em troca, converse com os outros sobre isso. Não posso permitir que os criados fofoquem com os amigos sobre esta casa. Às vezes, pessoas importantes visitam, mesmo fora do horário de visita, e essas idas e vindas não devem ser mencionadas fora desta propriedade. Qualquer falta de discrição será pior que roubo, do meu ponto de vista. Estou falando bem sério.
— Sim, milady.
— Arrependo-me de precisar cobrá-la por reforçar esta regra. Se suspeitar que qualquer um esteja sendo desleal, deve me informar.
— Sim, milady. Não se preocupe. Vou certificar-me de que os lábios estejam fechados quando saírem desta casa.
Era o melhor que ela poderia fazer. Esperava ser o suficiente. Um deslize e ela teria que encontrar outra casa para o jornal. Seria inconveniente.
Sua manhã ocupada havia tomado apenas uma hora e meia, graças à sra. Finley. Subiu para seus aposentos e passou o resto da manhã com Jocelyn, procurando vestidos apropriados para a metade restante do luto. Tendo aparecido na festa de Brentworth, Emilia e ela começaram a receber convites para outros eventos. Ela ansiava por interpretar a acompanhante mais um pouco.
À uma e meia, enquanto escrevia cartas, uma batida em sua porta fez Jocelyn sair do quarto de vestir e abri-la. A sra. Finley estava na porta, corada e um pouco sem fôlego.
— Desculpe, milady, mas um cavalheiro chegou. — Ela entregou um cartão a Jocelyn. — Um cavalheiro bem notável. Um daqueles importantes dos quais falou esta manhã. Eu o coloquei na biblioteca.
Jocelyn fechou a porta e entregou a Clara o cartão com uma expressão suave, mas os olhos brilhando. O cartão pertencia ao Duque de Stratton.
Sem nenhuma delas falar uma palavra, Jocelyn começou a arrumar o cabelo dela, depois franziu o cenho para seu vestido, para depois assentir.
O mais apresentável que conseguiu, Clara desceu para a biblioteca. Viu Stratton examinando a estante de livros majoritariamente vazia. No momento, ele estava com o livro que continha as cópias publicadas do Parnassus. Ela acreditava que ele não tivesse removido nenhuma para uma inspeção mais detalhada, mas, se tivesse, simplesmente suporia que ela fosse assinante.
Ele se virou ao escutar os passos. O coração dela acelerou com asas flutuantes com o sorriso que ele lhe deu.
— A senhorita precisa de mais livros.
— O decorador recomendou uma livraria onde eu posso comprá-los aos montes. Pensei que seria mais divertido eu mesma escolher cada um. Vai demorar, mas, em alguns anos, provavelmente terei a maioria das prateleiras cheias.
Ele se aproximou, curvou-se sobre sua mão e a beijou.
— A senhorita negligenciou o fato de exigir que eu não visitasse, então aqui estou. Está brava comigo?
Ela não poderia dizer o que deveria. Ele saberia que estava mentindo. Pior, saberia que ela era uma covarde e uma mulher que não sabia o que quer.
— Não estou brava. Estou feliz por ter me visitado.
— Venha comigo — ele pediu, ainda segurando a mão dela e levando-a para a porta. — Preciso testar minha sorte e esperar que isso não a deixe brava também.
Ela o seguiu para a porta da frente. Ele a abriu e revelou seu cavalo amarrado. Outro cavalo estava parado ao seu lado. Um cavalo maravilhoso, tão bonito quanto Galahaf e parecido em estrutura, mas mais escuro. Quase preto. Havia uma sela lateral nele.
Stratton desceu e fez um carinho firme no pescoço do animal.
— Pode dar o nome que quiser a ele. Já acertei um lugar e os cuidados em um estábulo nas proximidades.
Clara desceu e se juntou a ele para ficar onde o cavalo pudesse vê-la e vice-versa.
— É lindo. Mas não entendo.
— Ele é seu. Eu o encontrei para a senhorita. Mulheres não vão a leilões, então, para comprar o melhor, precisei fazê-lo. Gostou?
— Adorei. — Nossa, que cavalo. Tinha linhas lindas e um brilho imperial nos olhos. Ela afagou o nariz dele. O cavalo a olhou, analisando-a assim como ela o fazia.
— O que lhe devo por ele?
— Nada. É um presente, claro. — Stratton soou vagamente desesperado, mas pareceu gostar da reação dela com o animal.
Um presente. Muito valioso. Aceitar seria se comprometer. Recusar seria insultar.
— Devo insistir em comprá-lo. Vou fazê-lo quando receber meu próximo pagamento.
— A senhorita é teimosa. Passei por bastante coisa para lhe dar um presente, e agora está me transformando em pouco mais do que um vendedor de cavalos.
— Aprecio seu esforço. De verdade. Nunca poderia tê-lo encontrado. Ele é uma surpresa maravilhosa. No entanto, não posso aceitar um presente valioso assim.
Ele suspirou irritado.
— Vou pedir que meu administrador informe o valor ao seu contador. Não vou pegar seu dinheiro por completo nem estou disposto a concordar com isso.
— Obrigada. Devo lhe dar o nome perfeito, então vou pensar nisso.
— Se colocar seu traje, podemos sair para cavalgar no parque antes que fique muito cheio. A senhorita pode pensar no nome enquanto o cavalga.
Seu senso dizia que ela deveria declinar do convite, mas sua empolgação com o cavalo silenciou essa voz em dois segundos.
— Entre e aguarde enquanto me visto adequadamente. Mas será uma cavalgada rápida. Tenho muitos deveres em casa hoje.
Vinte minutos mais tarde, ela estava sentada na sela. O cavalo a testou imediatamente quando saíram. Tentou trotar antes do comando, e ela o freou com firmeza.
Stratton não perdeu nada.
— O leiloeiro alertou que ele precisava de uma mão firme. Tem personalidade e, como viu, um pouco de rebeldia.
— Consigo lidar com ele.
— Eu sabia que conseguiria. Vocês dois têm muito em comum e vão se entender rapidamente.
— Está me comparando a um cavalo?
— Só da melhor maneira.
— Suponho que não me importe muito. Poderia ter sido outra coisa. Como um peixe.
Eles foram até Strand e cavalgaram ao longo dela, manobrando pelo amontoado de carruagens. Ela manteve a atenção no cavalo, para se certificar de que se acertassem do jeito que ela quisesse.
Quando chegaram a Mayfair, Stratton os guiou pelas ruas residenciais para que não desfilassem por Bond ou Piccadilly. Finalmente, entraram no Hyde Park.
— Já escolheu um nome?
— Ele tem opinião, é temperamental e persistente. Talvez eu deva chamá-lo de Duque.
— Não conheço nenhum duque com essas qualidades.
— Não? Eu conheço. O parque está quase vazio, está muito cedo. Vamos fazê-lo correr? O pobrezinho está agoniado com esse ritmo.
— Absolutamente. Vou segui-los.
Ela levou seu cavalo ao galope rapidamente e mirou na área ocidental do parque. Alguns cavaleiros exercitavam suas montarias ali, andando para a frente e para trás. Ela encontrou um ritmo perfeito e aproveitou a velocidade tanto quanto seu cavalo.
Ela o puxou e Stratton parou ao seu lado.
— Decidi. Será Duque. Há uma nobreza real nele.
— Então será Duque, apesar de que, quando eu estiver com a senhorita, não ficará claro com quem está falando.
— Vou chamá-lo de Stratton.
— Prefiro Adam.
Parecia uma coisa pequena, mas ela sabia que não era. Duvidava que alguém, exceto a mãe dele, o chamasse de Adam. Esse convite à informalidade implicava uma intimidade contínua e crescente.
Ela debateu sobre sua resposta. Enquanto o fazia, um cavaleiro cavalgou na direção deles, saudando Stratton. Ela apertou os olhos para ver quem poderia ser e reconheceu o cavalo, a capa e o cabelo loiro. Theo se aproximou rápido.
Que azar.
Theo freou seu cavalo e lhe ofereceu um enorme sorriso. Ele brilhava. Mesmo ao cumprimentar Stratton, seu prazer era todo por ela. Ela não via seu irmão tão feliz em meses.
Muito azar.
— Que montaria linda você tem aí, Clara. É um dos seus, Stratton?
— Ele é meu — Clara o informou. — Acabei de pegá-lo. Não queria me aproveitar da sua generosidade o tempo todo.
— Eu não teria me importado, apesar de que teria sido inconveniente para você cruzar a cidade até o meu estábulo. — Theo olhou maliciosamente para Stratton a fim de ver qual, se tivesse alguma, reação isso provocava. Já que o duque não pareceu nem um pouco confuso, Theo deve ter concluído que Stratton sabia onde ela morava agora. Seus olhos azuis brilharam com satisfação.
Maldito e infernal azar.
— Devo voltar para meus amigos — Theo disse. — Vou deixar vocês dois se entreterem. — Ele girou seu cavalo e cavalgou de volta para onde viera.
— A senhorita não gostou de ele ter nos visto — Stratton concluiu.
— Nem um pouco.
— Vai ter que contar a alguém alguma hora.
— Não há nada para contar.
— Claro que há. Será que o mundo inteiro vai saber antes da senhorita? — Ele virou o cavalo. — Vamos por aqui.
O caminho dele levava às profundezas do parque, longe dos lugares para caminhada. Ninguém os veria ali nem sorriria sabiamente da forma que Theo fizera.
Ninguém nos verá aqui. Ela olhou para Stratton, pensando que deveria se opor. Só que não o fez. Esperava que ele estivesse tramando algo. Um aperto em seu peito dizia o mesmo. Uma ansiedade vergonhosa a tomou. Ela parecia estar à beira de um precipício, preparando-se para saltar, esperando que voasse e não caísse.
Ele desmontou em uma área isolada de grama e amarrou seu cavalo. Tirou-a de Duque e o amarrou também. Juntos, sentaram-se na grama.
— Gostaria que não contasse a ninguém que tentou me dar Duque de presente — ela pediu. — Poderia ser mal interpretado como outro gesto além de amizade.
— Provavelmente, já que não tenho o hábito de dar cavalos para amigos. Também é improvável que os beije, acaricie o corpo deles, ou...
— O senhor sabe o que quero dizer. Também acho que poderíamos resolver que o que quer que tenha causado a briga entre nossas famílias esteja acabado e não seja mais importante. Tanta raiva quando ninguém sabe o que aconteceu é ridículo.
— Eu sei o que aconteceu.
Ela se virou, surpresa.
— Sabe? Lady Hollsworth disse que era um problema de honra, mulher ou propriedade.
— Foi propriedade. Meu pai explicou tudo para mim. Seu pai provavelmente fez o mesmo com Theo, embora duvide que ele e eu tenhamos escutado as mesmas histórias.
Ela esperou. Stratton observou o horizonte, seu perfil lindo provocando-a a tocar e traçar sua linha. Talvez ela o deixasse permanecer em silêncio e ficasse a próxima meia hora apenas olhando-o.
Só que ela estava curiosa. Se aquele homem estava em sua vida agora, ela queria saber por que não estivera antes.
— Vai me contar?
Ele pareceu pensar sobre isso.
— Começou com nossos avós. Houve um trato de propriedade no condado que eles disputaram. Uma herança da parte do seu avô, mas meu avô havia reivindicado antes.
— Ou disse que reivindicou.
Ela recebeu um olhar afiado por isso.
— Só quero lembrar que há dois lados aqui. Duas histórias. Por favor, continue.
— Fui aos tribunais e, como essas coisas acontecem, nada foi resolvido durante a vida deles. Os advogados ficaram ricos, os aluguéis foram pelo ralo e nada progrediu.
— Ainda está assim?
Ele balançou a cabeça.
— Seu pai encontrou uma solução. Enquanto meu pai estava na França, cortejando e se casando com minha mãe, seu pai foi ao tribunal de novo. Reabriu o caso e pressionou para um julgamento. Nosso advogado foi pego de surpresa pela rápida ação. Foi tudo feito dentro de uma semana. Não preciso dizer que seu pai recebeu o benefício daquele julgamento.
— Não me importo em como diz tudo isso. Nem sua escolha de palavras, nem seu tom. O senhor implicou que meu pai foi indigno.
— Foi mais para sagaz.
— Tenho certeza de que foi uma coincidência a corte fazer esse trato, então.
— Clara, não há coincidências em Chancelaria. O período e a velocidade revelam alguém com forte influência pressionando.
— Ainda acho que... oh!
Ele a puxou e a abraçou.
— Shhh — ele murmurou antes de beijá-la.
Ela permitiu que aqueles beijos reprimissem sua indignação. Eles removeram qualquer pensamento da guerra antiga da família de sua mente. Clara poderia ser muito feliz, pensou, sendo beijada por horas na doce brisa.
Mas não era assim. Ele verificou sua paixão crescente. Por muito tempo, ficaram ali sentados, entrelaçados, sem falar. Ela se doía e imaginava que ele também.
— É sua intenção viver sozinha para sempre? — ele perguntou.
— É.
— Por quê?
— Pode acreditar que ninguém nunca me perguntou isso? Nem sei se perguntei a mim mesma. — Só o fez agora para tentar responder. — Meu pai se casou de novo quando eu era criança. Já que a nova esposa não era minha mãe, posso ter reparado em coisas que não o faria, do contrário. A forma como ela obedecia e se submetia. As suposições que ele fazia sobre seu poder sobre ela e sua propriedade. Não gostava muito dela, mas ainda achava injusto. Eu tinha mais liberdade do que ela. Tinha até mais do meu pai de verdade do que ela. Ele nunca a ensinou a atirar ou a levou para caçar. O espaço dela na vida dele era muito pequeno, parecia para mim.
— Há alguns casais que compartilham mais afeição do que está descrevendo.
— Não sei se faltava afeição. Talvez eles se amassem profundamente. Não fazia diferença. Então decidi, um dia, quando a ouvi implorando para visitar uma amiga, como uma criança imploraria para uma governanta, e o escutei negar-lhe aquela pequena liberdade... por nenhum motivo, parecia... Decidi que não viveria assim se tivesse escolha. E tive escolha. De todos os privilégios da minha posição, essa foi a melhor coisa.
Ele acariciou sua face com a ponta dos dedos.
— Também era sua intenção viver como uma freira? Negar a si mesma amor físico? Faz parte de sua natureza assim como sua capacidade de pensar e conhecer seus sentimentos.
— Nunca pretendi isso. O senhor não é o primeiro homem que me beija. Não vivo como uma freira.
Ele se inclinou para a frente e a beijou.
— É bom saber.
De novo, aquele desejo foi suficiente para ela reagir ao beijo com mais agressividade do que costumava. Ele a virou rápido e exigente em resposta.
— Isso nunca vai dar certo — ele murmurou entre beijos que desmentiam suas palavras. — Se continuarmos a fazer isso em locais assim, inevitavelmente seremos vistos.
Ela encontrou força para afastá-lo e criar um espaço entre seus corpos. Mas seus braços permaneceram em volta dela.
Ele tinha razão. Eles arriscavam demais com esses joguinhos. Ela arriscava tudo.
— Venha comigo para minha casa — ele disse. — É apenas a algumas ruas daqui.
Ela queria concordar em ir. Cada centímetro de seu corpo queria. Mas aquelas ruas eram as mais perigosas no mundo dela. Dúzias de pessoas que moravam naquelas ruas a conheciam. Centenas. Não poderia cavalgar em uma delas sem ser reconhecida. Nem ele. Para, depois, arriscar ser vista entrando na propriedade dele, na casa dele...
— Nunca vai dar certo também — ela disse. — O senhor sabe que não.
— Em alguns minutos, devo saber. No momento, quero tanto a senhorita que não dou a mínima se alguém vir alguma coisa.
Ela precisou rir disso com pesar.
— Não posso não dar a mínima.
Ele a soltou do abraço, mas manteve um braço em volta dela.
— Vou encontrar uma forma. Quando encontrar, pretendo ir no meu tempo, depois do inferno pelo que estou passando.
Tempo dele?
Ele notou sua confusão. Passou o braço pelo pescoço dela e inclinou a cabeça dela para perto da dele.
— Beijar a senhorita. Tocá-la. Inteira. Seu pescoço. — Ele beijou o pescoço dela. — Seus seios. — Sua mão passou por seu seio, provocando um solavanco de prazer. — Suas coxas. — Ele acariciou a coxa dela do joelho ao quadril.
Não parou de falar. Disse, em detalhes chocantes, o que mais iria fazer. Era o tipo de coisas que homens decentes nunca falavam para mulheres decentes. Pelo menos era o que ela achava. Ela o teria impedido, só que suas palavras a deixaram hipnotizada, e sua excitação fervente ameaçou se tornar um incêndio.
Um silêncio profundo e pesado com poder sensual seguiu sua descrição escandalosa.
— É melhor voltarmos — ela disse.
— Provavelmente posso fazê-lo somente em uns dez minutos.
Ela demorou para entender o que ele quis dizer. Então corou intensamente. Ele deu risada.
A sociedade havia chegado ao parque quando eles passaram de volta pelo portão. As pessoas estavam muito ocupadas consigo mesmas e em serem vistas, então ela não viu muitas atentas a eles.
— Posso ir para casa sozinha — ela declarou. — Diga qual estábulo o senhor acertou para eu usar.
— Não vou atender seu pedido. Vou acompanhá-la até lá.
Ela preferiria que ele não o fizesse. Agora que estava cavalgando de novo e não mais em seus braços, ela conseguiu se livrar da sensação de ter sido escandalosa. Tão deliciosamente. Não por causa dos beijos, mas por ter ouvido o que ele disse, e como disse, e permitir aqueles toques delicados e as provocações sensuais.
Na casa dela, ele a ajudou a desmontar, depois pegou as rédeas de seu cavalo.
— Vou levá-lo ao estábulo. É de Cooper, a oeste daqui.
— Obrigada.
Ele se inclinou para lhe dar um beijo antes de voltar à sela e levar Duque embora. Ela observou-o virar a rua.
Antes de entrar em casa, olhou para a fachada como se algo invisível chamasse sua atenção. Viu um pedaço de touca branca em uma janela antes de desaparecer. Jocelyn os estivera observando. Ou era a sra. Finley.
lara estava sentada à mesa de sua biblioteca com papel, tinta e caneta. Tentava planejar a próxima edição do Parnassus. Não estava indo bem. Sua mente estava em outro lugar, não na mistura de textos e artigos que pudesse atrair leitoras.
Enquanto comia seu jantar, algumas verdades duras se apresentaram, exigindo atenção e contemplação e, já que não conseguia tirá-las da cabeça, ela as enfrentava agora.
Primeiro, Theo a tinha visto com Stratton e tirado conclusões que não eram verdade. Ela teria sorte de não encontrar sua avó colocando um anúncio de noivado nos jornais antes de a semana terminar.
Segundo, apesar de os dois não terem atraído muita atenção, foram vistos juntos. Depois de passarem tempo um com o outro na festa de Brentworth, os boatos estavam prestes a começar.
Terceiro, ela descobrira a história da velha contenda de suas famílias e, ao lhe contar, Stratton culpara seu pai muito mais do que o dele. Achou isso deselegante. Se ele não a tivesse beijado, ela teria dito o quanto sua interpretação fora injusta. Só que a beijara e, mais uma vez, a fez esquecer rapidamente por que não era para ela gostar dele ou aceitar sua companhia e como aqueles boatos de ele querer vingança poderiam ser verdade e poderiam até ser da família dela.
Quatro ? ela suspirou pesadamente ao admitir ?, a menos que sua perplexidade a tenha feito entender errado, ou que Stratton falasse em eufemismos poéticos, ela havia lhe dado permissão para fazer coisas com ela que não sabia que homens faziam com mulheres, muito menos mulheres como ela.
Finalmente ? ela suspirou de novo, por sua falta de bom senso ?, ela poderia ter lhe permitido pensar que concordava em ter um caso. O que não era verdade. Um beijo aqui e ali era uma coisa. Um caso seria muito delicioso ? não, não delicioso! De onde aquela palavra tinha vindo? Imprudente e perigoso, era isso que seria. Repetiu aquelas duas palavras de novo em sua mente. Focou nelas. Imaginou-se explicando para ele. Só que ele estava magnífico em sua imaginação, aquele sorrisinho se formando enquanto ela o dissuadia por completo daquela ideia. Depois, ele a interrompeu com um beijo, e centenas de faíscas de excitação a alegraram naquela fantasia. E na realidade também, onde estava sentada em uma cadeira.
Controlou-se e se obrigou a prestar atenção de novo ao papel em branco. Pegou sua caneta e a mergulhou no tinteiro, determinada a fazer mais naquela noite do que desfalecer pelo Duque de Stratton. Havia permitido muita intimidade, e veja onde isso a trouxera: a apreciar secretamente o quanto um homem pode ser perigoso.
Adam perambulava por sua casa, andando de um lado a outro em seus aposentos imensos e o corredor. O colete estava aberto. Ele o tinha desabotoado porque o calor dele o sufocava. Não sentia o frio da noite, mesmo com muitas das janelas abertas. Totalmente o oposto. Um desconforto como uma febre o atormentava.
O calor queimava em sua cabeça mais do que em seu corpo. Imagens eróticas e impulsos se alojavam ali. Nada os tinha dissipado. Nem a leitura. Nem se enterrar nas contas da propriedade. Nem listar o que ele tinha e o que não tinha descoberto sobre a intriga em relação à morte de seu pai.
Imergir naqueles detalhes foi uma tentativa desesperada e inútil de quebrar o controle de Clara sobre ele. Tudo indicava que o pai dela havia colocado combustível no fogo daqueles boatos e possivelmente os tivesse começado. A viúva também pode tê-lo incitado. Suas tentativas atuais recentes de forjar paz diziam tudo.
Ele ainda se importava com isso, furiosamente, mas pensar em Clara interferia na raiva justificada que ele carregara de volta da França. A lealdade cega dela ao pai, ver aquilo de novo à tarde, importava agora, mesmo que não tivesse importado no começo. Quando ele começou a persegui-la, tivera um impulso de luxúria e vingança, uma forma oblíqua de provocar velhos inimigos ao possuir a filha premiada e mais privilegiada da família. Agora, ele via que a magoaria se descobrisse coisas que impugnassem o falecido conde.
Dever, dever. Entoava aquela palavra em sua mente quando se percebia criando desculpas para não fazer o que precisava, tudo por causa de uma mulher. Não poderia ignorar que, quanto mais a conhecia, mais ela enfraquecia seu plano. Quem se importaria se ele deixasse a história enterrar a mentira? Não seria a mãe dele.
Seus passos o levaram para a galeria do lado de fora do salão de baile. A luz da lua brilhava nas janelas compridas de um lado do corredor comprido, dando formas aos bancos, plantas e imagens emolduradas. Andou pelo corredor sob os olhares de seus ancestrais até chegar ao quadro de seu pai. Não havia procurado aquela pintura, mas parou quando a viu.
Ele e seu pai não se pareciam muito. Adam herdou os traços da mãe. O pai dele era totalmente inglês, com um rosto comprido e cheio e olhos inteligentes. Usava uma peruca branca no quadro, e um sorriso vago. Não parecia em nada com a última vez que Adam o viu, e era essa última imagem que permanecia vívida em sua memória agora. Talvez, se seu pai soubesse o que uma bala de pistola na têmpora causava a um corpo, teria escolhido outra maneira de morrer.
Dever, dever. Ele não conseguia dar as costas, claro. Reconhecer seu dever não bania pensamentos sobre Clara ou o fazia pesar suas escolhas racionalmente. Continuou andando, caminhando pela noite, lutando uma batalha que sabia que um homem raramente ganhava, contra a vontade de possuir uma mulher que desejava.
Não era a primeira vez naquela noite que Clara acordava e ficava alerta. Virou na cama, puxando o lençol e o cobertor e, com isso, virando-se de lado. Enquanto afofava os travesseiros, seus olhos se abriram por um instante. Uma luz amarela e prateada iluminou seus lençóis. Completamente acordada agora, olhou para sua janela. As cortinas estavam abertas, e a luz da lua e das ruas se infiltrava como um pó de fada.
Ela pensou ter visto Jocelyn fechar as cortinas. Aparentemente, não. Irritada pelo descuido da dama, saiu da cama e tateou para fazê-lo ela mesma.
— Não. Sem a luz, não vou conseguir vê-la.
A mão dela segurou o tecido enquanto seu corpo congelou de susto. Ela girou. Stratton estava sentado em uma cadeira do outro lado do quarto, tão relaxado como se fosse sua própria casa. Na verdade, parecia que ele estava sentado ali há algum tempo, pela forma como suas pernas estavam estendidas e a maneira como ele descansava a cabeça na mão com o braço flexionado.
— O que... Como subiu aqui?
— Sua governanta me deixou entrar. Bati, ela chegou na porta de roupão e, com um olhar, virou-se e me trouxe para cima. Foi boa o bastante apontando sua porta antes de continuar subindo para o próximo andar.
— Que comportamento bizarro.
— Ela pareceu pensar que a senhorita me esperava. — Ele recolheu as pernas e se inclinou para a frente enquanto tirava o casaco.
— Ela começou hoje. Vou precisar explicar em termos mais firmes que... — Partes de sua conversa com a sra. Finley naquela manhã interromperam seus pensamentos. As partes sobre discrição e pessoas importantes visitando, mesmo em horas incomuns. Ninguém era mais importante do que um duque. Nada exigia mais discrição do que o caso de uma mulher solteira com um homem.
O duque agora desabotoava seu colete. O pânico tomou seu coração.
— A governanta cometeu um erro. Os empregados... minha dama...
— Sua dama também me viu. Olhei para o topo da escada e ela estava xeretando.
— Oh, meu Deus.
— Nem ela nem a governanta pareceram chocadas com a minha chegada. Só a senhorita. — Ele retirou o colete e o colocou no topo de seu casaco na cadeira ao lado da escrivaninha. — Quer que eu vá embora, Clara? Se quiser, diga agora, antes de eu terminar de me despir. Será muito irritante se acovardar depois que eu estiver nu.
Nu.
Ele aguardou. Ela encarou. O quanto seria difícil dizer sim, quero que vá embora? Acabou sendo muito difícil. Porque a maior parte dela não queria que ele partisse, e o resto não tinha certeza.
Ele se abaixou e tirou as botas. Levantou-se.
— É linda à luz da lua. Etérea. Prateada e cinza.
Ela olhou para si mesma. A menos que estivesse enganada, aquela luz tornava sua camisola fina transparente. Não sabia se parecia etérea, mas suspeitava parecer quase nua.
Resistiu ao impulso de se cobrir com a cortina. Não se importava com a forma como ele falou a palavra covarde, como se mandá-lo embora mostrasse falta de caráter em vez de admirável limitação. Uma mulher respeitável decidindo permanecer respeitável não era covarde. Era cuidadosa, sensível e... e... Ela suspirou, porque a excitação correndo por ela recusava-se a ouvir as lições antigas e previsíveis sobre bom senso e toda outra palavra entediante já usada para desencorajar o prazer.
Mesmo assim, ela teria que ficar firme, embora estivesse quase nua, e fazer o que precisava. Tê-lo em seu próprio quarto, sua própria cama, era mais do que perigoso. Era insanamente negligente.
Ela olhou para cima a fim de explicar isso, confiante de que ele entenderia, como o cavalheiro que era. Assim que o fez, ele tirou a camisa e, de repente, ela se esqueceu do que pretendia dizer.
Clara ficou simplesmente olhando para ele, os olhos arregalados com excitação e medo. Passou pela cabeça dele, quando ela acordou e ele viu o choque de sua presença, dar-lhe um beijo e recuar. Só que ela realmente estava linda e ficaria ainda mais linda assim que ele retirasse aquela touca. Ela não gritou nem o mandou sair. Em vez disso, observou-o, tão obviamente que ele tentou adivinhar o debate na mente dela.
Era a touca que dizia a ele com certeza que ela não fingiu a surpresa ao vê-lo. Uma mulher ansiosa pela chegada de um homem em seu quarto nunca usaria aquilo. A tola da nova governanta havia tirado conclusões que Clara não pensara. Ele apreciara o erro antes de saber que era um. A ideia de que ela o esperava, o recebesse e fizesse planos para recebê-lo baniu qualquer indecisão. Ele quase tinha subido a escada a cada três degraus.
Foi até ela e a pegou nos braços.
— A senhorita não falou nada. Estou aqui por causa de um conjunto de erros, mas ainda precisa ser sua escolha que eu fique.
Ela colocou as mãos no peito dele, depois apoiou a face na pele entre elas. O tecido fino de sua camisola oferecia pouca barreira para a sensação do corpo dela debaixo das mãos e dos braços dele. Sua maciez e seu calor doce entraram nele e acalmaram o descontentamento agitado que ele vivera naquela noite.
— Precisa ir antes das cinco.
— Irei bem antes disso.
— Não pode contar a ninguém. Precisa jurar. E deve prometer morrer antes de contar para minha família.
— Morrer?
Ela olhou nos olhos dele. Um brilho da Clara que ele tanto admirava apareceu entre outros que refletiam seu encantamento. Ele podia sentir a excitação dela. Mas ela ainda não havia se entregado.
— Sim, morrer. Eles não podem saber.
— Juro. — Ele provavelmente juraria qualquer coisa naquele momento.
Ela se esticou, envolveu os braços no pescoço dele e deu-lhe um beijinho.
— Então decidi que não serei covarde, como o senhor colocou de forma tão pouco generosa.
— Foi meu desejo pela senhorita tentando falar a meu favor.
— Eu sei. Funcionou.
Ele tirou a touca. O cabelo dela se soltou. Ele passou os dedos pelos fios e segurou sua cabeça para um beijo que esperara horas para ser libertado. A ferocidade do desejo dele explodiu quente e firme. Ameaçava dominá-lo. Ele precisou se controlar para não a arrebatar ali. Desabotoou o topo da sua camisola até ter abertura suficiente para conseguir tirá-la pelos ombros e braços.
Ela se aconchegou contra ele a fim de esconder sua nudez. Ele empurrou a camisola pelos quadris, depois a ergueu e a carregou para a cama.
Clara puxou os lençóis para cima assim que ele a deitou e acomodou-se ao seu lado.
— Está com frio?
Ela balançou a cabeça.
Ele tirou os lençóis.
— Então não faça isso. Quero vê-la.
Clara fechou os olhos conforme ele retirava seu escudo. Deixou-a assim enquanto se levantou e tirou o resto da roupa. A visão dela deitada ali fazia sua mente queimar.
— Dizem que os franceses são muito bons nisso — ela disse.
— Sou meio inglês.
— Talvez devesse falar francês, para chamar aquela outra metade.
— Não acho que vou falar muito. Minha boca estará ocupada demais.
Ele se juntou a ela de novo e se apoiou com um braço enquanto acariciava seu pescoço e descia por seu peito entre os seios. O bico de seus seios enrijeceu e empinou.
Sua própria mão acariciou o braço dele. Ela olhou para ele.
— Realmente pretende fazer todas aquelas coisas que falou esta tarde?
— Nem todas esta noite. — Ele não teria a paciência.
— Foi muito maldoso da sua parte. Muito escandaloso.
— E, mesmo assim, não fez nada para me impedir. Nenhuma arfada. Nenhuma palavra.
— Fiquei muito chocada.
— Pareceu, para mim, que ficou fascinada. — E excitada. Definitivamente excitada. Ele nunca teria ido tão longe se não fosse por isso.
Adam segurou ambos os bicos suavemente. Ela arfou.
— Oh! Isso é ainda melhor sem roupa.
Ele se certificou de que ela soubesse o quanto era melhor. Acariciou seus seios até ela gemer com prazer, depois baixou a cabeça e usou a língua e a boca.
A selvageria a tomou tão rápido que ela nem lutou contra. Sua paixão incendiou a dele. Imagens eróticas o atormentaram, mas ele tinha racionalidade suficiente para saber que aquela não era a noite para isso.
Acariciou suas pernas, depois colocou a mão entre suas coxas. Uma surpresa satisfeita foi emitida pelos choramingos dela. Ele explorou sua maciez úmida enquanto continuava excitando-a com dentes e língua. Perdida nas sensações, Clara abriu mais as pernas e lhe disse com suspiros imploradores que queria mais quando os carinhos dele aumentaram seu prazer.
Uma fome primitiva se libertou nele. Nada menos que se enfiar dentro dela iria satisfazer aquela necessidade agora. Ele cerrou os dentes e acariciou os lugares que a obrigariam a terminar se ela se permitisse. Ele ouviu seus gemidos aumentarem e sentiu a movimentação de seu corpo. Também sentiu o medo dela. Pressionou a boca em seu ouvido e lhe disse para relaxar. Ela o fez, abraçando aquele sentimento com um grito.
Ele se moveu para tomá-la. Os braços dela se ergueram para abraçá-lo. Ele ainda tinha a racionalidade suficiente para ir devagar primeiro e descobriu que era muito bom. Ele se segurou para não a machucar enquanto o desejo rugia dentro dele. Silenciou aquela voz primitiva o bastante para conhecer o prazer mais calmo da sensação dela revestindo-o. Fez movimentos longos e lentos enquanto pôde, mas, em certo instante, a necessidade de completude o derrotou. O alívio veio como um cataclismo e arremessou-o para o silêncio sombrio onde não havia outros sentidos e a paz absoluta reinava.
Tendo experiência com muitas mulheres, Adam sabia que não deveria dormir da forma como todo seu corpo encorajava. Em vez disso, conforme voltou ao mundo, rolou Clara e a puxou para seu braço na lateral.
Convinha a ele dizer algo assim que sua mente cooperasse. Mas a experiência não fazia diferença agora. Essa era a primeira vez para ela, o que fazia dele a primeira vez também, por assim dizer.
Clara estava pronta para falar mesmo que ele não estivesse. Por motivos que ele nunca entendeu, mulheres ficavam falantes às vezes. Ela não era exceção.
— Foi muito bom — ela disse. — Não doeu tanto quanto eu esperava.
— Bom saber. — A parte do “muito bom” o agradou. A parte de não doer o aliviou. Pareceu que ele pudesse tê-la machucado, agora que algumas lembranças infiltravam sua mente.
Ela se apoiou no cotovelo e olhou para ele.
— Sei que é para cavalheiros se sentirem culpados depois de ficarem com inocentes, mas acredito que o senhor não vá.
— Não me sinto nada culpado, já que entendo que vamos nos casar.
— Viu? É essa culpa, mesmo que negue. Bom, eu o absolvo.
— Clara, já pedi sua mão. Lembra?
— Não pediu de verdade. Não quis dizer mesmo. Foi um pedido fácil e seguro porque fez a uma mulher que nunca pretendeu se casar. Só estou dizendo que não quero que fique culpado.
— Não é culpa. Apesar de que, considerando o que acabou de acontecer, não há realmente uma escolha agora.
— Claro que há. Não finja que sua honra agora exige isso. Sabia que eu era virgem, mas isso não o impediu. Mais importante, sabia que eu era uma virgem que não casaria com o senhor depois que fizéssemos isso.
Ele não a insultaria dizendo que não sabia de nada disso. A disparidade tinha acontecido até na questão da virgindade. Era o tipo de mulher que poderia ter tido um amante por curiosidade, apenas isso. Poderia ter feito exatamente isso com ele.
— Então concordamos. Sem culpa e sem obrigações — ela disse.
Ele não concordava em nada. Haveria tempo para discutir sobre isso outro dia.
Aquele tópico terminou, para a satisfação dela, então se aninhou ao lado dele de novo.
— Sei por que realmente partiu da Inglaterra. Sei sobre seu pai.
Ele mal havia organizado seus pensamentos, e essa mudança de assunto o pegou desprevenido.
— O que sabe?
— Como ele morreu. O senhor deve ter ficado muito triste.
— Fiquei mais bravo do que triste. Com ele. Pelos motivos dele.
— Sei sobre eles também. Os motivos. Tudo parece muito injusto para mim.
— O que sabe? — ele repetiu com cuidado.
— Partes e pedaços apenas. Sobre os boatos. Ouvi que algumas joias tiveram uma participação.
Ele se esforçou muito para manter o tom casual e não diretamente.
— Quem lhe contou isso?
— Lady Hollsworth, na festa do jardim.
Fora um erro não forçar uma conversa com Hollsworth. Um erro ter adiado.
— Não sei nada sobre joias. Acho que ela se enganou — ele disse.
— Talvez.
Não falaram nada por muitos minutos. Ele ousou se permitir começar a dormir.
— Eu pensara, desde que o conheci, que o senhor carregava uma escuridão interna — ela disse, acordando-o de novo. — Algo que o fazia refletir. Só agora, enquanto estávamos juntos no prazer, fui poupada do luto pela primeira vez em seis meses. Pareceu, para mim, que talvez essa escuridão tenha diminuído no senhor também, por um tempo. Se sim, fico feliz.
Tinha, sim, de maneiras como nunca acontecera na França, independente de quem compartilhasse a cama com ele. O fato de ela reparar nisso o impressionou. O fato de ela estar feliz por isso o emocionou.
Ela não exigiu confirmação se estava correta. Tendo dito isso, finalizou. Aninhou-se ao lado dele, quieta em sua satisfação, sem nem exigir mais conversa.
— ilady, milady! — o chamado desesperado da sra. Finley penetrou a porta do quarto.
Clara sentou-se na cama, ainda meio dormindo. Sua nudez acordou-a. Enquanto segurava os lençóis ao seu redor, tentando cobrir cada centímetro de pele até o pescoço, seu olhar varria o cômodo, procurando provas de seu visitante.
Não havia ninguém. Ele fora embora, provavelmente horas atrás enquanto ela dormia, assim como prometeu. A única prova da noite anterior era ela.
Jocelyn se apressou para abrir a porta. A sra. Finley falava as palavras entre respirações pesadas.
— A condessa. O conde. Aqui. A carruagem deles. — Ela parou e inalou profundamente. — A casa não está pronta. Não há café da manhã suficiente. Vou correr e falar para a cozinheira fazer alguma coisa. — Ela se virou e saiu apressada.
Jocelyn correu para a janela, olhando a rua.
— Eles estão na porta.
— O que podem estar pensando, vindo a esta hora?
— São quase dez horas.
— Ajude-me a me lavar e vestir para que eu possa recebê-los. Não, primeiro corra lá para baixo e fale para a sra. Finley que é para ela colocá-los na sala matinal com o café da manhã e, se minha avó recusar, então será na biblioteca. Vou descer logo.
Jocelyn saiu correndo. Clara encontrou sua camisola entre os lençóis emaranhados e a colocou. Era sua imaginação ou a cama inteira tinha um cheiro diferente naquela manhã? Ela cheirou, depois ruborizou. Não havia como negar o que acontecera ali.
Foi apressada para o quarto de vestir. Água quente já a aguardava e ela começou a usá-la, sem esperar a dama. Jocelyn voltou e pegou uma toalha.
— Talvez eles subam aqui. A sra. Finley está firme, mas a viúva a está encarando e não acho que seja uma briga justa.
Por que, por tudo que é...
— Faça algo com meu cabelo, rápido.
— Não consigo mais do que um coque agora.
— Então faça um coque. Mas primeiro feche a porta do meu quarto. Tranque-a. Se minha avó der um passo naquela direção, você se joga contra a porta e se recusa a se mexer independente da ameaça dela.
O coque mal estava pronto quando escutaram vozes nas escadas. Jocelyn correu até o guarda-roupa, pegou um roupão e o jogou pelo cômodo para Clara.
Clara o pegou e o abotoou com mãos trêmulas.
— Mulher, vai se mover ou meu neto vai mover você — a viúva ameaçou sombriamente, sua voz fervendo do lado de fora da porta do quarto de vestir.
— Estou dizendo que ela ainda estava na cama e me instruiu para pedir à senhora que espere até estar vestida, milady.
— Eu não espero meus netos. É o contrário. Pode acreditar na ousadia da sua irmã, Theo? Ela invade meu quarto enquanto me visto, mas parece que não posso fazer o mesmo. Não vamos tolerar isso. Mexa-se.
— Vá e convide-os para entrar, Jocelyn, antes que a sra. Finley seja jogada pelas escadas. — Clara não gostou do tom da sua avó. Nem um pouco.
Jocelyn abriu a porta e ficou de lado. Sua avó entrou no quarto com um Theo amarrotado e bocejante atrás dela. Qualquer severidade desapareceu de sua avó assim que viu Clara. Um sorriso se abriu em seu rosto. Ela se aproximou e deu um beijo raro na cabeça da neta.
— Não, não se levante. Diga à sua dama para continuar, se ela ia fazer algo com esse cabelo terrível. Um coque? Eu seria a primeira a dizer que você precisa de um novo estilo, mas não é isso.
— Bom dia, Vovó. Theo.
Theo grunhiu. Assim que a avó se sentou, ele se jogou em um pequeno divã e estendeu as pernas. Vovó bateu naquelas pernas com sua sombrinha.
— Mostre um pouco de respeito, Theo. Não estamos em uma taverna. Perdoe-o, Clara. Parece que o acordei não muito depois de ele voltar de uma noite fazendo sabe-se lá o quê. — A forma como ela espetava Theo com um olhar sugeria que sabia o que era, ou pelo menos suspeitava.
Clara não estava com vontade de buscar um aliado pelo que pensava ser uma conversa desagradável.
— Ele é jovem, Vovó. Não pode esperar que se comporte como um homem de cinquenta anos.
Theo lhe lançou um olhar de gratidão.
— Felizmente, também falta discrição nele, ou eu poderia nunca ter descoberto que sua corte com Stratton progride rapidamente. Muito bem, Clara. Muito bem, de fato.
Clara olhou para Theo desafiadoramente. Ele deu de ombros, perdido.
— O que Theo disse?
— Em seu prazer e alívio de ver seu encontro com Stratton no parque, contou-me tudo. — Ela se inclinou para a frente. — E digo tudo, Clara. Tudo.
— Sim, cavalgamos pelo parque juntos. Não pensei que gostaria que o ignorasse. Encontro não é a melhor forma de descrever.
— Não precisa disfarçar para mim, querida. Conheço encontros acidentais que não são verdadeiros.
Ela deu uma grande piscada.
Clara não ousou responder. Não tinha certeza do que Theo vira ou não. Assumira que, depois de falar com eles, se ocupou com os amigos. Mas e se ele os seguira ao vê-los cavalgando para a área privada? E se tivesse visto mais do que cavalgar e conversar? E se tivesse visto tudo?
Ela olhou para o irmão, esperando descobrir exatamente o quanto sua situação estava ruim. Infelizmente, ele caíra no sono.
— Deixe-o dormir — sua avó disse. — Agora, conte-me. Stratton lhe deu presentes valiosos?
Só um cavalo muito lindo e uma noite para recordar pelo resto da minha vida.
— O que quer dizer com valioso? Como um lenço chique de seda?
— Oh, nossa, não. Você é tão ingênua. Com sua idade avançada, normalmente me esqueço disso. Valioso como joias caras.
— Ele não me deu nenhuma joia de nenhum valor.
— Que pena. Eu tinha esperança de que... Depois do que Theo me contou...
— O que exatamente Theo lhe contou? E ele estava bêbado quando lhe contou?
— Se estava bêbado, era de felicidade. Voltou perambulando com prazer da cavalgada. O duque claramente está apaixonado, ele disse. O homem não conseguia tirar os olhos de você, ele relatou. Vocês dois foram para longe, onde podem ter encontrado um pouco de privacidade, ele contou. — Ela abaixou o queixo e olhou para cima ameaçadoramente nessa parte.
Clara temeu que pudesse corar e confirmar tudo.
— Se ele tivesse nos seguido, teria nos visto discutindo. Bem alto, sobre um assunto que não dizia respeito a ninguém. Embora o duque e eu tenhamos um tipo de amizade, não é nada romântica. Considerando nossas duas famílias, como poderia ser?
Vovó não se importou com isso. Franziu os lábios e contemplou essa notícia lamentável.
— Ele não precisa ter nenhuma amizade com você, Clara. Se quer sua companhia, suas intenções são mais do que amizade. Você deve me contar se ele lhe der, ou tentar dar, qualquer joia. Quando um homem faz isso, implica coisas. Para uma mulher de sua educação, é uma declaração, mas garante que virá uma proposta em breve, senão imediatamente.
Clara imaginou o que implicava para uma mulher que não tivesse a educação dela. Intenções não honráveis, provavelmente.
Sua avó bateu de novo nas pernas de Theo com a sombrinha.
— Vamos embora para que você possa se vestir. Veja um novo estilo para seu cabelo. E diga para sua dama arrumar. — Ela cutucou a camisola com a ponta da sombrinha e a segurou a fim de acená-la como uma bandeira. Começou a falar, mas parou. Olhou aquela camisola. Cheirou. — Nossa, encontre uma nova lavadeira também. O que a sua usou nessa roupa? Água de peixe?
— Vou me certificar de encontrar uma melhor.
A camisola se agitou perto de Theo antes de Vovó soltá-la. Theo encarou o tecido no chão, depois franziu o cenho. Voltou-se para Clara com uma expressão confusa. Clara olhou de volta e fingiu ignorar a curiosidade dele. Aquele cheiro agora parecia preencher todo o quarto de vestir.
— Também deveria substituir a governanta e a dama. — Sua avó continuou dando opiniões enquanto se levantava. — E não adquira nenhum animal de estimação. Não consigo tolerar mulheres que moram sozinhas e mantêm animais.
— E aqui estava eu pensando em comprar um papagaio da América do Sul. Pensei em trazê-lo para a senhora ensiná-lo a falar. Então eu teria a alegria de suas lições o tempo todo.
— Cuidado, Clara. Não sou velha demais para reconhecer sarcasmo, e você anda em corda bamba comigo nos últimos dias. Venha, Theo. E lembre-se, Clara, qualquer presente de valor, qualquer presente, na verdade, conte-me imediatamente. Não, conte-me qualquer coisa que acontecer com ele. Não quero você perdendo esta oportunidade. Vai precisar do meu conselho.
Ela saiu. Theo olhou mais uma vez para a camisola antes de segui-la.
— Tente não arruinar isso, Clara. Não é como se algum outro homem fosse querê-la agora — ele disse, partindo.
Jocelyn entrou depois que eles passaram e fechou a porta.
— Isso pareceu divertido.
Clara pensou que as últimas palavras de Theo soaram sinistras. Como se ele soubesse. Ou adivinhasse. Ela olhou para a camisola. Vovó deve ter se esquecido daquele cheiro, mas, como um jovem que acabou de descobrir a vida, Theo devia estar bem familiarizado com ele nos últimos tempos.
— Ajude-me a me vestir, Jocelyn. — Ela pensou naquela folha em branco aguardando-a na biblioteca. Deveria tentar progredir. Seria difícil. Seus pensamentos já flutuavam de volta à noite anterior, e seu coração, às sensações descobertas naquela intimidade.
Adam terminou a carta para Clara e entregou para o mordomo postá-la. Também deu instruções ao homem para repassá-las aos criados de uma de suas propriedades.
Terminada a correspondência, pediu seu cavalo e foi até a cidade. Conteve uma tentação de visitar uma casa em Bedford Square e continuou reto até um prédio perto de Lincoln’s Inn. Ali, apresentou-se nas câmaras de Claudius Leland, seu advogado.
O sr. Leland havia herdado seus deveres ao Duque de Stratton um ano antes da herança de Adam. Cartas do sr. Leland chegaram com regularidade em Paris, longas missivas contendo muitos detalhes sobre a propriedade. Com Adam fora, o advogado havia se responsabilizado por exigir relatórios de cada propriedade e até visitava as principais a cada trimestre. É verdade que ele falhara em ver como o administrador de Drewsbarrow roubara milhares de libras, mas o ladrão havia sido muito esperto com a contabilidade, e Adam não culpou o advogado pelo evento miserável.
Agora o sr. Leland o observava através dos óculos. Não era jovem, mas seu cabelo fino permanecera ruivo e sua cor ainda era saudável. Sentaram-se em duas cadeiras ao lado de uma linda lareira. Prateleiras de livros cobriam as paredes, a maioria delas preenchida por livros de contabilidade e arquivos. Uma estante funda tinha pergaminhos. Embora fosse cedo, Leland ofereceu xerez. Então aguardou ouvir o motivo da visita.
— Estou curioso sobre as joias da propriedade — Adam disse.
— Seus antepassados acumularam algumas peças caras ao longo das gerações. A maioria não está na moda hoje, mas as pedras e os metais são de valor muito alto. A maior parte está no banco. Uma pessoa não teria joias tão valiosas em casa assim como um homem prudente mantém milhares de notas no banco.
— E a propriedade é dona delas? Como isso funciona?
Sr. Leland cruzou as pernas. Parecia feliz em explicar esta especialidade particular para alguém, principalmente um novo duque que ainda precisava impressionar.
— Oficialmente, pertencem a cada duque. Não há como herdar tais coisas. Mas as tradições de herança o fazem. Por exemplo, é costume nas famílias que alguém, normalmente um advogado confiável, explique a uma nova duquesa que, enquanto ela pode usar as joias, e qualquer presente dado diretamente a ela pelo marido se torna sua propriedade pessoal, as joias da família não são dela de uma maneira legal e permanecem com a propriedade.
— Então meu pai ou avô poderiam ter dado qualquer dessas joias valiosas a quem quer que escolhessem. Ou vendido algumas.
— Assim como o senhor pode fazer agora, claro. Tem interesse em fazê-lo?
— Estou mais interessado em descobrir como alguém saberia se eu fizesse.
— Ah. Agora temos uma conversa que nos foi negada até agora. Ninguém saberia se o fizesse, exceto o senhor, eu e o próximo duque. É feito um inventário de tudo da propriedade quando há a morte de seu dono. Foi feito um por mim depois que seu pai faleceu. Outro inventário do valor da propriedade é feito a cada dez anos. Se há falta de conformidade entre os dois, é meu dever investigar por quê.
— Acredito que às vezes algo desapareça sem explicação.
— É meu dever encontrar, mesmo que signifique averiguar se houve roubo ou perda. Algumas vezes, com meus patrões, eu já sei que algo foi vendido porque está nas minhas contas. É mais comum meus patrões me informarem quando uma propriedade pessoal de tal valor é desembolsada para que eu possa anotar e não ficar em dúvida sobre o que aconteceu.
— Mas o primeiro inventário que fez foi depois de o meu pai falecer.
— É verdade, mas tenho todos os registros. Foram mudados para cá quando tive a honra de assumir o cargo de meu antecessor. Gostaria de ver o último inventário?
— Sim.
Leland se levantou e foi para os fundos examinar as prateleiras. Esticando-se, pegou um arquivo grande e grosso, que quase caiu em cima dele conforme o pegou. Colocou em uma mesa com um barulho alto.
— Agora, vejamos... — Ele o abriu, colocou o dedo em uma página no fim e virou as páginas pesadas. Folheou mais, depois recuou. — A seção relacionada a joias está bem aqui.
Adam se inclinou para a página. Linha após linha descrevia as joias em detalhes.
— E o inventário anterior a este?
Leland colocou um papel na página atual, depois procurou o anterior.
— Não está tão completo, claro. Nem todas as rédeas dos estábulos, por assim dizer. Somente superficialmente. — Ele encontrou o inventário, folheou e gesticulou. — Aqui. 1811.
Adam conferiu a lista. Batia bastante com a recente.
— E o inventário de 1801, se não se importa.
Leland pareceu perturbado. Encontrou o inventário, e Adam viu imediatamente uma divergência.
— Este conjunto aqui não está nos dois últimos.
Leland olhou a página.
— Filigrana de ouro com pérolas e safiras, coroa e colar. — Folheou os inventários seguintes. — Parece que não. Presumo que seu pai tenha explicado a ausência antes de 1811, ou na época esse inventário foi feito por meu antecessor.
— Ou um erro foi cometido.
— Não cometemos erros, Sua Graça.
O conjunto fora removido da lista, isso era certo.
— Sabemos como se parecia? Posso encontrá-lo em um armário algum dia.
— Claro que sabemos. — Leland voltou à prateleira. Desta vez, usou uma escada a fim de acessar a prateleira mais alta e tirou uma caixa nomeada Stratton. Trouxe-a até a mesa. — São desenhados. Provam-se úteis em muitas situações.
A caixa incluía desenhos datados de pratarias e quadros, assim como joias. Adam reconheceu muita coisa da propriedade. Depois de pesquisar um pouco, descobriu o desenho das joias desaparecidas.
A descrição simples não lhes fazia jus. Só o colar tinha, no mínimo, trinta pérolas e cinco safiras de um bom tamanho. O ouro fora trabalhado como filigrana, mas com muito mais quilates que a palavra implicava. A coroa era ainda mais rica.
— Pesada — ele disse. — Imagino se alguma duquesa a usou.
— Talvez uma bem robusta. — Leland deu risada de sua piadinha.
— Gostaria de levar isso comigo.
— É seu, claro. Talvez encontre a joia algum dia, guardada em um lugar tão bom e seguro que foi esquecida. Não posso nem lhe dizer o quanto isso acontece. Pensariam que alguém dono de coisas tão valiosas se lembraria do que faz com elas.
Adam dobrou o desenho e guardou em seu casaco. Seu pai lhe mostrara todos os lugares seguros e bons das propriedades da família. Ele os checaria. Não pensava que eram essas joias que Clara disse que Lady Hollsworth mencionou, no entanto. Elas tinham desaparecido há muito mais tempo. Já que nenhuma outra sumira, provavelmente Lady Hollsworth cometeu um engano ou repetiu algum boato infundado.
Não eram o dinheiro nem as joias. De que outra maneira um homem poderia ajudar o inimigo enquanto permanecia na Inglaterra?
Dois dias depois, Clara estava descobrindo que ter um caso mantido em segredo de absolutamente todo mundo exigia um nível extraordinário de evasão. Um que ela começara a acreditar não possuir.
Começou bem simples, com um convite de Stratton para acompanhá-lo ao Epsom Derby Stakes. Iriam com a carruagem dele, ele propôs, e ficariam em uma de suas propriedades não muito longe do centro. Em sua empolgação inicial, ela respondeu e concordou.
Então o planejamento começou. Como explicar sua ausência da casa? Os novos criados aceitariam o que ela dissesse, mas Jocelyn acharia suspeita qualquer desculpa. Pior, como explicar sua presença na corrida com Stratton como acompanhante? E como explicaria sua hospedagem caso alguém perguntasse, o que certamente aconteceria?
Nem todo mundo estaria lá, mas uma boa parte da cidade faria a curta viagem. A maioria dos jovens estaria lá, com certeza. Isso significava que Theo provavelmente a veria. E teria suas suspeitas confirmadas. Se contasse à avó que ela e Stratton tinham... estavam... Era suficiente dizer que seria um inferno.
Passou por sua mente, enquanto pensava quais mentiras funcionariam e se ela estaria disposta a usá-las, que o duque não se importava muito se todos assumissem o pior deles. Ele não tinha mencionado de novo que se casariam? Como se estivesse falando sério mesmo sobre isso? Talvez contasse com um escândalo pendente para fazê-la mudar de ideia sobre a resposta.
Ela não fingiria que não tinha imaginado se casar com ele algumas vezes nos últimos dias, mas colocou a culpa na influência latente da intimidade deles. No entanto, quaisquer fantasias otimistas que ela conjurasse seriam rapidamente derrotadas pelas realidades das quais não poderia fugir.
Ficaria sem controle de sua renda. Sem independência. Não mais poderia subsidiar o Parnassus e acabaria a publicação. Seria triste ter que contar a Althea e às outras que a aventura terminara. Quase não seria mais uma pessoa, verdade seja dita. Com algumas palavras, ela teria se tornado uma mulher que não reconheceria.
Decidiu que não havia como ir ao Derby Stakes com Stratton. Isso a entristeceu em um nível surpreendente, e não apenas por causa de sua decepção em não ver a corrida. A fim de dissipar a melancolia, decidiu visitar algumas livrarias para ver se as cópias do Parnassus estavam vendendo.
Seu cocheiro a tinha ajudado a comprar uma carruagem modesta e um par de cavalos, e pediu a ele que a trouxesse. Ela controlaria seu humor e escreveria a Stratton à noite explicando sua mudança de decisão.
Não havia ido muito longe quando decidiu que a companhia de uma amiga ajudaria a melhorar seu ânimo, então deu ao cocheiro o endereço da casa de Althea.
Sua amiga morava com o irmão em uma rua perto da St. James’s Square. Clara foi levada para a sala de estar, onde Althea sofria em silêncio enquanto sua cunhada conversava com outras visitas. Os olhos de Althea se iluminaram quando ela viu Clara entrar. Ela pulou para apresentar Clara às damas reunidas e, na primeira oportunidade, levou-a para o lado.
— Você é uma santa — Clara disse. — Eu teria enlouquecido se tivesse que fingir que as amigas dela eram minhas amigas.
— Não me importo normalmente, mas neste momento estou muito feliz em vê-la.
— Despeça-se delas. Estou com minha nova carruagem lá fora. Vamos visitar algumas livrarias.
Althea provou concordar extremamente. Quinze minutos mais tarde, pararam na primeira loja e entraram para contar as cópias.
— Estão faltando três — Althea relatou quando voltaram à carruagem. — Vamos verificar a Johnson’s, na Oxford.
As novidades lá as emocionaram. Só faltava uma cópia ser vendida.
Quando saíam da loja, uma voz chamou Clara. Ela se virou e viu Stratton saindo de uma loja a quatro portas dali. Althea lhe lançou um olhar confuso.
— Ele e eu conversamos às vezes — Clara explicou. — Não deveria ignorá-lo.
— Claro que não. Seria muito errado ignorar um homem tão bonito.
Ele pareceu feliz em vê-la. E Clara não conseguiu esconder que também estava feliz. Esperava que fosse apenas isso que revelasse, e não o resto do que sentia. Alegria, calor e ecos de vibrações sensuais a inundavam. De canto de olho, viu Althea compreendendo tudo.
Fez as apresentações. Stratton conhecia o irmão de Althea, que se lembrou da mãe de Stratton. Finalmente, Clara se virou para a amiga.
— Tenho algo que preciso dizer ao duque. Pode nos dar licença por um minuto?
Althea sorriu gentilmente e foi até a vitrine de uma loja admirar os produtos.
— Não posso ir — Clara disse baixinho. — Sei que combinamos, e quero muito ver a corrida, mas não importa o quanto tente planejar, só vejo as fofocas se espalhando rapidamente depois. Não há como ser discreta.
— Dane-se a discrição.
— Não pode pensar assim.
— Não, não penso. Pelo menos, para o seu bem, não penso. — Olhou além dela. — Convide sua amiga. Leve-a com a senhorita. É sua carruagem? Planeje ir com ela. Vou cuidar do resto. — Ele olhou para Althea de novo. — Pode ter que lhe contar. Pode confiar nela?
— Ela deve ser a única pessoa em que posso confiar. Certamente é a única pessoa que sei que guarda segredo.
Ele inclinou a cabeça. Seu sorriso charmoso provocou um arrepio até seus dedos do pé.
— Tem segredos além de mim? Que intrigante. Agora vou precisar descobrir quais são.
Ela chamou Althea de volta.
— Deveríamos continuar nossas tarefas, Duque. Bom dia para o senhor.
Adam foi embora, e elas subiram na carruagem. Althea colocou a cabeça para fora da janela a fim de observar o duque se afastando. Depois se acomodou, colocou a bolsa no colo e olhou diretamente para Clara.
— Há alguma coisa que queira me contar, querida? Porque acho que compartilhou muito mais do que conversas com aquele homem.
Assim que Clara falou para Adam que a amiga se juntaria a ela, seu plano se encaixou. Ele deixou uma casinha em Epsom para as damas. Só que elas não iriam usá-la, na verdade.
Adam compartilhou seu plano genial com Langford e Brentworth, naquela noite, em um salão de jogos enquanto jogavam.
— Você está desafiando o diabo — Brentworth disse. — Pelo menos metade da cidade estará em Derby Stakes. As estradas de Surrey estarão lotadas com carruagens. Com certeza o irmão dela irá. Poderia se ver casado com a ponta da espada.
— Não entende? Stratton não vai ao Derby — Langford revelou. — Se tivesse a mulher que queria sozinha em um lugar privado, interromperia o romance para desperdiçar um dia em uma corrida de cavalos?
— Talvez ele queira ver a corrida. Talvez ela queira.
— Prometi que ela veria a corrida — Adam contou.
— Ela não vai sentir falta se você não for desajeitado. Tenho que aconselhá-lo nisso também?
— Por favor, não — Brentworth pediu. — Imploro a você, e Stratton insiste, tenho certeza.
Langford fez algumas apostas.
— Vou apostar com vocês dois que não fará sentido ir à corrida. Estou confiante de que meu conhecimento vasto sobre mulheres está correto. Diga quanto.
— Cem libras — Adam disse.
Langford parou e desistiu de suas apostas.
— Retiro o desafio, se aposta tanto assim. Já que você tem controle do resultado, devo concluir que vai garantir que ganhe, mesmo se for contra seus interesses.
— Se sedução fosse meu único objetivo, não precisaria sair de Londres. Ela quer ver a corrida, e eu vou passar por uma dificuldade considerável para conseguir isso. Tanto que, mesmo que ela insista em abdicar disso, vou exigir que completemos o plano.
Langford deu risada.
— Não, minha querida, não podemos ficar na cama o dia todo. Temos que ir para Epsom em breve. Pare com esses carinhos. Não serei persuadido pelas artimanhas femininas de mudar o plano. — Ele imitou a voz de Adam.
— Ignore-o — Brentworth disse. — Procure meu lugar na corrida. Vamos assistir juntos e brindar ao vencedor, que espero que seja o meu cavalo.
Ele e Langford começaram a falar de probabilidades e da competição. Adam observou a roda girar. Três dias até Clara se juntar a ele em Surrey. Tinha certeza de que ficaria louco antes disso.
CONTINUA
Ele achou que pudesse descobrir algo com ela. Nunca havia escrito para ela sobre essas questões. Em vez disso, ele a deixara angustiada sem propósito.
Suas repreensões delicadas não eram novidade. O desejo que ela tinha de o filho deixar o passado em paz também não. Por cinco anos, ela o convencera de que o caminho prudente era seguir em frente. Quando ele ficava agitado em relação ao seu dever pendente quanto ao nome do pai, uma visita a ela acalmaria o turbilhão tentando tomá-lo de novo.
Você deveria se casar. Ter um herdeiro e me dar um neto, e encontrar a felicidade. Ele sempre pensou que ela sabia mais do que dizia e escondia dele para que não alimentasse a turbulência obscura que poderia, um dia, causar sua morte. Agora, ao ter pelo menos metade da verdade nas mãos, ela insistia não saber de nada.
Ele submeteu os últimos deveres ao seu criado em um humor maçante e atrasou-se escrevendo outra carta para, depois, sair em seu cavalo à casa de Brentworth.
Talvez o sol tivesse melhorado seu humor, ou fosse a alegria da pequena multidão zanzando pelo jardim enorme. Certamente, avistar Lady Clara não lhe causou mágoa. Ela estava sentada com a irmã e o irmão de Langford, Harry, em um banco no centro do jardim mais próximo da casa. Sua irmã usava a musselina branca que elas encomendaram na costureira naquele dia. Já que a maioria das garotas usava branco, somente a simplicidade do tecido a diferenciava. Lady Clara também trajava um vestido escolhido naquele dia. Embora fosse decorado com um bordado simples tão discreto que era quase invisível, a cor fazia toda diferença. À luz clara do dia, o lilás-hortênsia parecia mais vibrante do que na loja.
Ele foi até elas. Ela dissera para não a visitar. Não havia dito para não falar com ela. Não que ele teria obedecido tal comando, de qualquer forma.
Harry o viu primeiro e o recebeu com um cumprimento feliz. Harry se parecia muito com seu irmão mais velho, só que ainda esguio da maneira que jovens de vinte anos ficam. Também usava óculos, consequência de muita leitura à luz de vela ao longo dos anos. Adam concluiu isso muito depois de ele e Langford terem lido uma história esotérica escrita por Harry, dizendo que viveria nas bibliotecas pelo mundo.
— É um lindo dia, não é, Stratton? — Harry parecia bêbado de prazer. Como Lady Emilia não parecia entediada, as coisas deviam estar indo bem entre eles.
— Sim, muito lindo.
— Lindo demais — Lady Emilia disse com um grande sorriso.
— Está lindo mesmo — Lady Clara respondeu sem nem um pequeno sorriso.
Ele se aproveitou de um espaço vago no banco ao lado de Lady Clara. Ela arrastou-se para mais perto da irmã e mais longe dele.
— As senhoritas são mais bonitas do que as flores — Adam elogiou. — Essa cor combina bem, Lady Clara.
— Pensei que sim, dadas as circunstâncias.
— Tenho certeza de que está ansiosa pelo dia em que usará uma variedade de cores de novo. Azul, por exemplo. Azul-claro, para combinar com seus olhos adoráveis e contrastar com seu cabelo.
— Ela tem uma roupa assim — Emilia disse. — Ele pode estar descrevendo seu traje azul para cavalgar, Clara. Fica lindo mesmo nela, sir. Ninguém poderia deixar de admirá-la quando ela usa esse traje e se senta em um lindo cavalo.
— Tenho certeza — Adam respondeu.
Clara sugou as bochechas.
A alegria de Harry diminuíra um pouco depois da adição de Adam ao grupo. Agora ele brilhava, como se fosse atingido por uma inspiração divina.
— Vi uma cama de tulipas quando entrei. Poderia me acompanhar enquanto vou olhá-la, Lady Emilia?
Emilia virou os olhos esperançosos para a irmã. Clara lançou um olhar crítico a Harry, depois outro por cima do ombro.
— Acho que uma caminhada rápida até as tulipas não seria prejudicial. Lembre-se do que lhe disse quando estávamos vindo, Emilia. Não queremos que Vovó me repreenda por ser uma acompanhante inapta.
Emilia saiu com Harry antes de ela terminar. Clara aproveitou-se do espaço a mais a fim de ficar ainda mais longe de Adam.
— O que está fazendo aqui? — ela perguntou.
— Brentworth é um de meus melhores amigos. Se não tivesse passado uma de suas primeiras Temporadas ignorando minha existência, saberia disso.
— Passou pela minha mente que ele pudesse ser. O senhor o fez fazer isso? Ele não dá muitas festas aqui. Acho que a última vez que estive aqui foi há três anos, antes de ele ter ficado com a herança.
— Ninguém convence Brentworth a fazer alguma coisa. Ele decidiu sozinho. — Era oficialmente verdade, mas não completamente. — Talvez ele tenha decidido dar mais festas e pensou que esta pequena reunião fosse um bom começo.
— Veio em uma hora conveniente. É um bom começo para Emilia também. — Ela olhou por cima do ombro de novo para encontrar sua irmã no jardim.
— É obrigada a ficar aqui sentada o tempo inteiro? — ele perguntou. — Há alguma regra desconhecida a mim que não possa aproveitar o sol e as flores se está de luto?
— Claro que não. É só que... — Ela olhou em volta no jardim e mordeu o lábio inferior. — Sinto-me um pouco estranha. Conheço todas essas pessoas e, mesmo assim, sinto-me excluída de uma nova maneira. Como se elas não importassem. Como se eu não me importasse com elas.
Ele conhecia a sensação esquisita.
— A senhorita esteve separada delas mais tempo do que imagina. A morte de seu pai muda as coisas também. Nós todos somos colocados em filas por outros e somos movidos ao longo do tempo.
— Então antes eu estava na fila de filha de Marwood, e agora estou na de irmã de Marwood?
— Algo assim.
— Esta não parece prestigiosa. Agora estou menos interessante.
— Talvez menos útil fosse uma forma melhor de dizer.
— Nossa, o senhor é cínico às vezes. Suponho que quatro anos atrás eu estava na fila de ingênua no mercado para casamento, mas isso mudou agora também. Agora estou na solteirona na prateleira.
— Eu diria que está na fila mulher madura que sabe o que quer.
— Que generoso da sua parte. Independente do nome que damos, eu prefiro este lugar.
Ele gesticulou para os outros convidados.
— Acho que eles sabem disso. Talvez seja outro motivo pelo qual se sinta uma estranha com eles.
Ela se levantou.
— Se estou tão confortável comigo mesma, não deveria permitir que outros me façam sentir estranha. Acho que vou socializar, para variar.
Ele a viu se afastar e cumprimentar duas damas que conversavam por perto. Ele podia ver, antes de algo ser dito, que aquelas jovens expressaram solidariedade pela perda dela. Provavelmente aconteceria isso a cada pessoa que ela encontrasse, já que a maioria não fora ao funeral no interior.
Ele não esperava que ela fosse sociável por muito tempo. Procurou Brentworth e encontrou-o no terraço, sofrendo com um discurso político do Visconde Weberly. Corado e escandaloso, o velho fazia pronunciamento atrás de pronunciamento sobre a necessidade de esmagar rebeliões assim que elas surgissem, e não aguardar as delicadezas de uma ação legal. Brentworth apenas escutava, mas, quando viu Adam, usou isso como desculpa para se libertar.
— Pensei que Weberly nunca fosse parar — ele disse, conduzindo Adam para mais longe e na direção do ponche.
— Descobri há muito tempo que era perda de tempo tentar explicar a mentes como a dele que, enquanto pode ser conveniente prender os manifestantes sem julgamentos, não era legal nem inglês.
Weberly não estava sozinho em defender o ato de governo de forma contrária à lei e à tradição. O medo motivava a ele e outros. A revolução francesa ainda lançava uma sombra, revivida quando a agitação ribombava pelo país. Já que rugia às vezes agora, Weberly e sua turma ficavam cada vez mais fervorosos ao exigir ações que certificariam a segurança de seu pescoço.
Brentworth pegou dois copos de refresco de um criado que administrava as tigelas de ponche e entregou um para Adam.
— Vai gostar. É uma poção do oeste indiano com uma quantidade justa de rum. O conteúdo daquela outra tigela é doce, típico e sem algo forte.
— Tenho certeza de que as damas gostaram da escolha.
— Você pensaria que sim. Muitas delas, no entanto, quiseram o que nós bebemos, várias vezes. Estou de olho em uma delas, para que não desmaie antes de a tarde acabar.
— Onde está Langford? — Adam usou a pergunta como desculpa para supervisionar o jardim até encontrar Lady Clara.
— Por aí em algum lugar, seguindo seu conselho bem seriamente de flertar com todas as jovens.
— Ele nasceu para flertar, e elas gostam tanto que ele não consegue evitar.
— É melhor ele se certificar de que uma delas não o arraste para atrás de um arbusto, ou ficará um inferno. Essas meninas estão ficando mais ousadas ou eu que estou ficando velho?
— Acho que um pouco dos dois.
— Falando em flerte, onde está sua senhora?
— Ali ao lado da fonte, conversando com Hollsworth e a esposa.
— Você não deveria estar lá também?
— Tudo a seu tempo.
— Suponho que, primeiro, precise avaliar o terreno, depois planejar o ataque.
— Não haverá ataque. Sou um cavalheiro.
— Chame do que quiser. Quanto ao terreno, há uma construção maravilhosa no canto mais ao norte, no meio daquele bosque de árvores frutíferas. Um pequeno templo para a deusa Diana. É muito frio lá atrás, mesmo em dias quentes, então é improvável chamar a atenção de muitos convidados.
Adam olhou o pomar em questão.
— Lembrei dele agora que me lembrou. A estátua da deusa é bem mais interessante do que alguém espera em um jardim.
— É da antiga Roma. Provavelmente eu deveria levá-la para a galeria.
— Lady Clara é uma mulher culta. Ela gostaria de vê-la em seu local atual antes de você mudar.
— Acha isso? Infelizmente, tenho todos esses convidados para receber e não posso levá-la lá. Talvez a leve por mim.
— Vou tentar me lembrar de fazer isso, presumindo que ela e eu conversemos de novo. — Ele colocou o copo na mesa, depois saiu do terraço, em direção à fonte.
Clara saiu de uma discussão longa em relação à nova moda de golas muito altas e viu o Conde de Hollsworth perto da fonte. Sua condessa sorria amavelmente na direção dela, então juntou-se a eles.
Hollsworth estava muito ereto, apesar de sua idade avançada. Cabelos brancos finos cresciam em tufos. Os óculos grossos faziam seus olhos parecerem muito pequenos. Ele sorriu em cumprimento enquanto a condessa pequena e grisalha a cumprimentava.
Hollsworth fora amigo de seu avô e, depois, de seu pai. Um homem quieto, observava mais do que contribuía em reuniões sociais. Seu pai lhe dissera, uma vez, que o comportamento reservado de Hollsworth significava que as pessoas frequentemente falavam sem perceber que ele escutava. Como resultado, seu pai o considerava um de seus pares mais bem informados.
Lady Hollsworth examinou detalhadamente o vestido de Lady Clara.
— Muito bem. Fico muito feliz em ver que você e sua irmã se aventuraram a sair e escolheram colocar o luto de lado. Jovens não deveriam ficar um ano inteiro excluídas de suas vidas, e acho estranho que tal costume esteja virando moda. Não concorda, Charles?
Lorde Hollsworth apenas sorriu e assentiu.
Clara dedicou sua atenção à condessa, elogiando seu vestido elegante. Ela havia acabado quando o conde se endireitou ainda mais, o suficiente para chamar a atenção da esposa.
— Oh, nossa — ela murmurou, observando além de Clara. Olhou desconfiada para o marido, cuja expressão ficara rígida. — Com certeza ele não virá aqui.
Clara olhou por cima do ombro. Ele em questão era Stratton, que parecia estar andando na direção deles.
— É um velho amigo de Brentworth — ela disse, embora a presença do duque não precisasse de explicação.
A mandíbula do conde ficou firme. A condessa olhou preocupada para ele.
— Por que não vai admirar o jardim, Charles?
Assentindo firmemente, o conde se afastou.
— Perdoe-nos. Meu marido prefere não conversar com Stratton. Nem gostaria de ignorá-lo diretamente. Pode ver a dificuldade dele.
— Vejo claramente. Mas não sei se entendo.
A condessa manteve o olhar no jardim entre eles e a casa. Clara se moveu para que pudesse ver também. Stratton andava devagar, parando para cumprimentar outros convidados, mas permaneceu em uma linha que acabaria nelas.
— Ele voltou por um motivo. Repare como todos os homens o cumprimentam calorosamente, mas ficam sérios assim que ele passa. Ele veio para encontrar alguém para culpar pelo ato precipitado do pai, acredito. Meu marido gostaria de evitar uma discussão com ele sobre tudo isso — Lady Hollsworth explicou.
— Lorde Hollsworth não precisa ficar preocupado que o duque o desafie. Stratton tem uma decência básica e nunca ousaria fazer tal coisa com um idoso, principalmente depois de uma simples conversa.
As sobrancelhas de Lady Hollsworth se ergueram.
— Sei que muitos pensam assim, mas nunca se sabe. Além disso, a senhorita é uma escolha estranha para defendê-lo. Muito estranha. Esperava que seguisse meu marido para evitar fazer parte do encontro prestes a ocorrer.
— Minha avó decidiu que devemos fazer um esforço para acabar com essa antiga briga. Já que parece que ninguém se lembra do que a causou, acredito que ela esteja correta.
— Isso fica cada vez mais curioso. Será que a viúva não está se sentindo bem esses dias? Ela não é mulher de desenvolver uma memória defeituosa sem outro motivo. — Já que Stratton estava quase ao lado delas, ela fixou um sorriso no rosto quando ele se aproximou. — Deixe sua avó sofrer a investigação dele sobre aquelas joias, se decidiu fazer as pazes. Meu marido não quer se ver esquivando-se das perguntas de Stratton.
— Que joias?
— Stratton! Que gentileza a sua de cumprimentar uma idosa — Lady Hollsworth o saudou e fez uma reverência.
Ele emanava um charme que deixaria qualquer mulher à vontade.
— Não poderia deixar passar a chance de falar com a senhora.
— O senhor só precisava me visitar, e teria tido a chance mais cedo.
— Vou assumir isso como um convite. E Lorde Hollsworth? — ele perguntou. — Está bem?
— Muito bem. Estava aqui agora mesmo, mas buscou refúgio nas flores quando Lady Clara e eu começamos a falar sobre vestidos.
— Sinto muito tê-lo perdido. Talvez cruze com ele mais tarde.
— Ele ficaria bem grato se o fizesse, sei disso. — Ela fingiu ficar na ponta dos pés e procurá-lo. — Deveria encontrá-lo, suponho. Clara, você e eu vamos conversar de novo em breve, assim espero. Faça uma visita.
Ela saiu, deixando Clara com o duque.
— Que grosseria da parte dela — Clara disse.
— Eu queria que ela saísse, para que a senhorita e eu pudéssemos ficar sozinhos.
— Não acho que isso durará muito tempo com todas essas pessoas aqui.
— Tenho certeza de que vai. Ninguém aqui está querendo conversar comigo.
Ele sabia das reações que o seguiam conforme ele passava.
— O senhor não pode gostar da forma com que os homens o tratam com cautela. É como se recusassem a aceitar que é um deles.
— Com minha posição, eles precisam me aceitar. Eu sabia que levaria um tempo para minha ausência ser esquecida ou meu retorno ser compreendido. Vamos dar uma volta, se estiver disposta. Assim, outros convidados podem se sentar nesses bancos em volta da fonte, o que não acho que farão se eu permanecer neste local.
Os bancos realmente haviam se esvaziado assim que ele chegou. Clara concordou em dar uma volta pelo jardim. Ela ainda não conseguia entender como ele não se importava com as desfeitas sociais.
— Sabe por que homens como Hollsworth o evitam?
Ele baixou a cabeça para cheirar os botões de um arbusto de lilás.
— Alguns se preocupam de que eu vá me ofender por algo que digam. Se não me desonrarem, a ofensa será impossível. Mesmo assim, isso os preocupa.
— Hollsworth certamente sabe que, mesmo se o insultar francamente, o senhor nunca desafiaria um idoso. Eu disse isso para a condessa. Ela respondeu que ele quer evitar uma conversa com o senhor.
Ele simplesmente continuou andando.
— Não se importa que todos eles o considerem perigoso? — Ela gesticulou para o lugar com o braço na direção do jardim.
— A senhorita também? Isso me magoaria de verdade. Não me importo muito com os outros.
— Ainda não decidi — ela mentiu. Considerava-o, sim, perigoso. Para ela. Não tinha nada a ver com duelos ou o passado ou nenhum dos motivos pelos quais todos o tratavam com cuidado. Mesmo agora, andando pelos caminhos do jardim, ela não era ela mesma. A proximidade dele a deixava afobada. Olhar para ele ameaçava deixá-la calada.
O caminho os levou para o fim de um bosque cheio de flores.
— Há uma construção aqui — ele disse. — Um pequeno templo romano abobadado para a deusa Diana. A estátua é antiga.
As árvores frutíferas ainda não estavam cheias de folhas. A luz do sol manchava os caminhos debaixo dos galhos. Ela pensou ter visto a abóbada. Juntar-se a Stratton quando ele se aventurou pelo bosque não a preocupava. Provavelmente, encontrariam outros convidados entre aquelas macieiras.
O ar esfriou apesar dos raios de sol. A construção estava no canto, perto de onde os muros de pedra se encontravam. A deusa de mármore usava pele de animal e carregava uma aljava de flechas nas costas. Estava abaixada para amarrar a sandália com o pé apoiado em um toco de árvore, no qual estava apoiado seu arco.
Clara subiu os três degraus que circulavam a estrutura e passou pela arcada que segurava a abóbada e comportava a estátua.
— É muito realista. As diferentes texturas são retratadas de forma tão exata que se pode pensar que não é de pedra. — Ela passou a ponta dos dedos pela pele de animal.
— Provavelmente é do começo da era romana. O pai de Brentworth era um homem bem viajado, com um olho bom para arte de qualidade.
Ela andou em volta da estátua. Adam entrou na estrutura, só que olhou para ela, não para a deusa.
— O senhor não me trouxe aqui para admirar esta estátua, não é?
— Eu a trouxe aqui porque exigiu que não a visitasse na sua casa.
Ela se virou e o viu bem atrás dela. Seu coração acelerou, bloqueando sua respiração. De repente, o bosque não mais pareceu amplo e aberto, mas denso e obscuro. Ela mal conseguia escutar o som da festa no jardim aberto.
Ele ergueu seu queixo com os dedos.
— Se não fosse tão rigorosa, eu poderia ter feito isto lá. — Ele a beijou, suavemente primeiro, mas depois mais apaixonadamente. As sensações cascatearam por ela, então ela não mais queria ser nada rigorosa.
Ele interrompeu o beijo, mas manteve a mão no rosto dela.
— Não posso permitir que me rejeite, Clara. Que negue isto. Não penso que realmente queira também.
Ela ficara muito segura depois da cavalgada deles. Sua mente tinha ficado bem clara. Naquele momento, não conseguia se lembrar do que havia pensado.
Mas ele falou a verdade. Ela não queria realmente negar o quanto se sentia viva quando ele a beijava. As considerações do motivo dele deixaram, então, de importar. Ela não queria rejeitar o prazer ou a excitação. Deveria, mas não queria. Saboreava a maneira como ele a excitava. Ela havia refletido nas lembranças do que aconteceu na colina por muito tempo desde que se viram pela última vez.
Ele a beijou de novo e a abraçou. O calor de seu corpo a confortava e extasiava. Tão bom. Bom demais.
— Se repetir sua exigência de não a visitar, terei que persegui-la em bosques e jardins o verão todo — ele murmurou em seu ouvido. — A discrição pode ser quase impossível.
Com seu prazer inebriante, ela vagamente reparou que ele não havia desistido. Ele a alertara naquele primeiro dia que não o faria.
Ainda assim, ela deveria repetir sua exigência. Não deveria fazer nada que o encorajasse. Deveria se lembrar de por que aqueles beijos não eram apenas errados, mas desleais. Assim que essa intimidade acabasse, com certeza ela se importaria de novo com todos aqueles...
Os sons penetraram no silêncio ao redor deles. Uma risada, e uma risada de homem. Não muito longe. Perto, naquele caminho. Stratton a soltou abruptamente e saiu do templo, deixando-a sozinha com a deusa.
Um feixe de luz do sol iluminou um vestido branco e uma cabeça loira entre as maçãs. Com outra risada, Emilia entrou na pequena clareira com o templo. A expressão de sua companhia caiu quando viu Stratton.
— Harry, que gentil da sua parte mostrar a Lady Emilia o caminho deste tesouro — Stratton disse. — A irmã dela tentou encontrá-la antes de vir aqui. — Ele apontou para Clara.
Harry viu Clara. Emilia também viu. Ambos coraram. Clara fez uma careta enquanto lutava para manter a compostura. Ao permitir que o duque a ofuscasse novamente, havia negligenciado seu dever. Emilia iria receber um sermão muito grande para não ser tão burra de ficar sozinha com um homem daquele jeito.
— Venha e veja a estátua — ela chamou. — É impressionante.
Visivelmente aliviado, Harry acompanhou Emilia para dentro da estrutura. Todos eles admiraram a deusa juntos, depois voltaram pelo bosque e chegaram ao jardim ensolarado.
Clara decidiu que ela e Emilia deveriam ir embora e arrastou a irmã para Brentworth para que pudessem agradecer ao anfitrião. Quando iam embora, ela viu Stratton perto dos bancos, observando alguém. Seu olhar seguiu a direção do dele, diretamente para o Conde de Hollsworth.
Funções sociais completas, ela e Emilia se acomodaram na carruagem de Theo para o caminho aos respectivos lares.
— Teve uma tarde boa e se divertiu? — Clara perguntou diretamente, conforme as lições sociais necessárias se organizavam em sua mente.
— Minha tarde não foi tão divertida como a sua, acho. — Emilia lançou um olhar sábio pela cabine da carruagem.
Foi a vez de Clara corar. E engoliu o longo sermão que pretendia dar à irmã.
lara e Althea estavam paradas uma ao lado da outra na biblioteca de Clara na sexta-feira de manhã. Em uma mesa comprida, cópias frescas do jornal delas aguardavam em pilhas. A gráfica enviaria pelo correio as cópias dos assinantes, mas essas deveriam ser entregues em livrarias, e as mulheres que fariam isso, amigas da sra. Clark, chegariam ao meio-dia.
Clara admirava as brochuras vultosas. As que iam pelo correio não tinham capa, mas aquelas tinham a capa azul-escura e o título gravado de maneira encantadora. Ficariam lindos nas lojas.
Althea disse um número, e Clara pegou aquele número de cópias e as levou para a ponta da mesa. Althea seguiu e colocou um papel com um nome de loja naquele grupo.
Até então, metade dos jornais tinham sido atribuídos às lojas.
O trabalho demorara mais do que o esperado porque Clara estava descrevendo a festa no jardim. Não a parte em que fora beijada de novo, claro.
— Depois, Lady Hollsworth disse tão claro como está ouvindo agora: Deixe sua avó sofrer a investigação dele sobre aquelas joias. Perguntei o que ela quis dizer, mas, naquele instante, Stratton já estava ao nosso lado, então ela não respondeu.
— Que intrigante. É um milagre você não ter mandado o duque embora para que pudesse ter sua resposta.
— Tento não ser grosseira, Althea.
Althea verificou seu papel.
— Ackermann’s. Quinze.
Clara contou cinco cópias e as levou para a outra ponta da mesa.
— Descobriu alguma coisa interessante?
— Continuo ouvindo as mesmas coisas. Conversas sobre os duelos. Preocupação que ele desafie as pessoas daqui. Há uma hipótese entre algumas pessoas de que ele terá que fazê-lo a fim de limpar o nome da família do que quer que o tenha manchado. Algumas das idosas acreditam que a honra significa que ele não pode permitir que as coisas fiquem como estão.
— Os tempos mudaram. As famílias não têm mais os pecados de seus antecessores como marcas na testa. Sugerir tal coisa é muito ultrapassado.
— Não é um pecado típico, no entanto, não é? Os boatos tinham a ver com traição.
— Não houve acusação pública, Althea. Nem julgamento.
— Não se aborreça comigo. Só estou dizendo...
— Sei o que está dizendo. Não estou aborrecida com você. Estou irritada com todas essas fofocas vagas de pessoas que parecem não saber de nada com certeza.
— Alguém sabe. Entretanto, a história acabou, então quem quer que seja não levantará a questão novamente. Principalmente com o duque de volta à Inglaterra.
É, alguém sabia. Provavelmente muitos alguéns. Como Hollsworth.
Será que o pai dela também sabia?
Jocelyn entrou na biblioteca com a correspondência matinal. Clara parou de contar os jornais enquanto verificou as poucas cartas. Uma a fez congelar. Rasgou-a e a leu.
— Oh, não. De todos os dias que se podia escolher... — Olhou freneticamente para a mesa, cheia de cópias do jornal.
— O que foi? — Althea perguntou.
Clara abanou a carta.
— Minha avó tem algo importante para me contar e pretende vir aqui logo depois do meio-dia, antes de fazer suas visitas.
— Aqui? Oh, nossa. As mulheres...
— Chegarão exatamente quando ela chegar. Entrando e carregando pilhas destes jornais. — Ela se apressou até a porta da biblioteca e chamou Jocelyn. — Pode terminar isto sozinha, Althea? Vou tentar ao máximo retornar antes do meio-dia, mas devo ir à casa de meu irmão antes que minha avó saia para vir até a minha casa.
Jocelyn chegou e Clara lhe pediu sua pelica e a boina. Ela olhou para seu vestido. Era parte do guarda-roupa que deixou ali depois do último verão, e não era preto nem azul ou roxo escuros. Ao acordar de sonhos sensuais desconfortáveis, impulsivamente colocara um vestido vermelho. Ninguém a veria, exceto sua família. A família em questão não aprovaria, entretanto.
— Vou cuidar de tudo por aqui — Althea disse. — Não se preocupe. Tenho minha lista e vou acabar em quinze minutos.
Jocelyn trouxe uma boina e a pelica. Pretas. Vermelho e preto. Ficaria parecendo um palhaço.
— Jocelyn, por favor, ajude Althea a terminar de contar as brochuras. Preciso sair imediatamente.
Ela se apressou até a porta, para alugar uma carruagem para o trajeto longo até Mayfair.
Quase uma hora mais tarde, ela entrou na Casa Gifford, só para descobrir que sua avó ainda não havia descido. Rezando para que ela não sofresse e não fosse esquartejada pela presunção, subiu até o seu quarto.
Parou do lado de fora da porta. Nunca mais tinha entrado ali. Desde que tinha dez anos e entrara escondido para explorar a penteadeira de sua avó. Fascinada pelas joias e maquiagens, ela as provara, admirando-se no espelho. Mesmo agora conseguia ver seu reflexo, depois o susto de ver sua avó bem atrás.
Pagara severamente por colocar aquele colar e o rouge. Sua avó lhe batera com uma vareta enquanto a obrigou a olhar para seus pecados no espelho o tempo todo. Depois ordenara que ficasse presa apenas com pão e água durante uma semana. Seu pai estava viajando e só retornou e lhe concedeu a soltura dois dias depois.
Não conseguia olhar para aquela porta e não se ver naquele espelho enquanto a vareta batia em suas nádegas nuas. Respirando fundo e colocando a imagem dela toda pintada e enfeitada de lado, aventurou-se, entrando.
Viu sua avó um segundo antes de sua dama de companhia colocar sua peruca. Com o cabelo amassado em uma rede e o corpo escondido em uma camisola com camadas de renda, sua avó não a viu até a dama tocar seu ombro e apontar para a porta.
Aqueles olhos enormes e pálidos lançaram um olhar fulminante, depois se voltaram para o espelho.
— Cuide de mim, Margaret, para que eu possa falar com minha neta invasora.
Margaret colocou a peruca, ajustou alguns cachos grisalhos e se afastou.
— Agora vá e chame Theo. Diga que preciso dele aqui.
Margaret se apressou para fora do quarto.
— Clara, está usando esse vestido para me provocar? É medonho em qualquer época, mas principalmente agora.
Clara se sentou em um divã perto da lareira.
— Recebi seu recado. Pensei que era melhor ouvir isso logo do que mais tarde.
Sua avó se virou na cadeira.
— Mais tarde, mas não muito mais tarde. Poderia ter esperado eu me vestir, pelo menos. Ou até ter reconsiderado sua própria vestimenta.
— Desculpe. Pareceu muito importante, então vim imediatamente.
Sua avó se virou para o espelho mais uma vez e beliscou as bochechas até formar duas bolinhas cor-de-rosa. Não finja que não se maquia. Nós duas sabemos que o faz. Chicoteou-me uma vez por descobrir isso.
— Não queria me ver naquela sua casa, é isso que quer dizer.
Theo entrou apressado. Viu Clara, evitou olhar para o traje de sua avó, e sentou-se em uma cadeira.
— Espero que não vá demorar. Estava indo cavalgar no parque.
— Não vai demorar nada. Porém, queria você aqui quando explicasse as questões para sua irmã.
— Que questões? — Clara perguntou. Uma preocupação meio esquisita a tomou. Duvidava que essas questões a agradariam, considerando o tom de sua avó.
— Fiquei sabendo da festa de Brentworth. Muitos de meus amigos me escreveram. Fico feliz em dizer que a opinião deles sobre o comportamento de Emilia foi perfeita.
— Tentei ser uma boa acompanhante. — Pelo menos não era sobre Harry.
— Também escreveram que Stratton estava lá.
— Sim, acredito que estava.
— Acredita que estava, certo? Da forma que entendi, ele passou mais de uma hora na sua companhia.
Parecia que o quarto havia diminuído.
— Nem uma hora, tenho certeza.
— No mínimo, uma hora, dois de meus amigos relataram. Da mesma forma, ele não passou nenhum tempo com Emilia.
— Não é verdade. Eu estava presente quando conversaram.
— Então ele conversou com ela por, no máximo, um minuto. Está claro, Theo, que fizemos suposições errôneas sobre o duque e vamos precisar corrigir nossa estratégia.
— Parece que sim — Theo concordou.
— Não culpe Emilia se ele não concordou com a sua última — Clara disse. — Esperar que ele se case com alguém da nossa família foi uma estratégia incorreta desde o começo. Falei isso para a senhora.
Sua avó se levantou. Em um balançar da renda, ela se moveu até estar sentada ao lado de Clara no divã.
— Uma estratégia incorreta? — Ela riu com a renda nos lábios. — Não em princípio, parece. Ele pode não ter gostado de Emilia, verdade. No entanto, parece que acha você interessante. Não sou uma mulher rígida. Se o sucesso exige uma substituição de irmãs, que seja.
Theo pareceu confuso.
— Stratton a quer?
— Parece que ele saiu do caminho dele para ter a companhia dela na festa.
Theo quase deu risada.
— Inferno, isso é novidade.
— Olha a linguagem, Theo. Quanto à preferência do duque, não há como medir gosto.
— Sinto muito, Vovó. É só que Emilia é tão perfeita, e Clara é... — Ele deu de ombros, depois estendeu o braço na direção de Clara, como se dissesse bom, ela é quem ela é.
— Não é a esposa que eu aconselharia para um duque, mas, já que ele não me escutou quanto ao assunto, vamos nos adaptar à sua decisão peculiar.
Theo balançou a cabeça.
— Não vejo como a união irá nos aproximar dele. Em seis meses de casamento, ele vai ter certeza de que foi enganado e sairá sedento por sangue.
— Então devo deixar que vocês dois discutam minha vida francamente? Não gostaria que minha presença interferisse — Clara disse diretamente.
Sua avó deu um tapinha em sua mão.
— Nós a aborrecemos, Theo. Acalme-se, querida.
— Estou bem calma, obrigada. Porém, infelizmente, preciso dizer que interpretou completamente mal o interesse do duque. Ele gosta de me provocar, nada mais.
— Isso é simplesmente um menino puxando o cabelo de uma menina de que gosta — sua avó disse.
— Não gosto que puxem meu cabelo. A senhora parece ter se esquecido de que, não importa o que o duque prefira, eu não vou me casar com ele ou com outra pessoa.
Theo resmungou.
— Isso de novo, não.
— É, isso de novo. E de novo. E de novo. Não entendo por que vocês insistem em pensar que minha decisão é algo passageiro, quando fiquei firme por todos esses anos.
— Decisões podem ser mudadas, como esta deve ser. — Sua avó deu um tapinha em sua mão de novo. — Pelo bem da família, pelo bem de seu irmão, pelo meu bem, você vai se casar com ele.
Tão agitada que temia que fosse gritar, Clara se levantou. Como ousavam interferir nesse estágio da vida dela? Porque papai se foi e não há ninguém aqui para impedi-los.
— Se essas são as notícias importantes, já ouvi. Agora me vou. Encorajo-os a encontrar outra solução para o que quer que seja a ameaça que pensem que o duque representa. Theo, se for esperto e não o insultar ou à família dele, ele nunca vai desafiá-lo, então toda essa trama é desnecessária, de qualquer forma.
— Se ele lhe pedir e você recusar, estará insultando-o — Theo soltou.
— Vou embora. Recuso-me a ouvir mais desta loucura.
— Você não vai embora. Vai ficar bem aqui enquanto planejamos como o pescará agora que ele foi fisgado — Vovó disse.
— Meu Deus, Stratton não é um peixe burro. Não haverá pesca. Bom dia para vocês.
Ela já estava na escada quando seu tremor começou. Não sabia se era da raiva e do choque ou do desejo inexplicável de rir. Na metade da escada, o último impulso desapareceu. E se Stratton contasse a Theo e sua avó que ele já tinha feito o pedido? Eles seriam implacáveis em coagi-la a concordar. Ela teria que se mudar para o Brasil para salvar sua sanidade.
— Sempre fico feliz ao assistir a leilões, mas estamos aqui por um motivo, Stratton? — Langford perguntou.
— Pretendo comprar um cavalo. Que outro motivo me traria aqui?
Eles se levantaram no jardim de Tattersalls, junto com outros vinte homens, enquanto saía um cavalo atrás do outro para inspeção e ofertas. Até então, nenhum tinha sido bom o suficiente. Certamente, não a atual no palco, mesmo que o leiloeiro tivesse elogiado a égua como adequada para uma mulher.
— Pretende comprar hoje? Os cinco cavalos no seu estábulo aqui da cidade não servem? Os vinte que você tem no interior precisam de um novo amigo?
— Não é para mim. É um presente.
— Ahhhhh. Ou seja, para sua dama.
— Ela precisa de um cavalo. Um cavalo muito bom. É uma amazona excelente, como vai descobrir. Cavalga melhor que você, embora esteja presa em uma sela lateral.
— Nenhuma mulher cavalga melhor do que eu.
— Quando eu comprar o cavalo, pode apostar corrida com ela e veremos quanto a isso.
— Está dando muitos presentes a ela. É apropriado? Primeiro o colar de rubi, agora um cavalo. — Langford olhou-o. — Você deu a ela o colar de rubi, suponho.
— Ainda não. Isso é para depois.
— Quanto depois? Faz semanas.
— Estou esperando o momento certo.
— Que ainda não chegou, aparentemente. — Langford sorriu. — Estou achando que a grande sedução não está se revelando como você pretendia. Não, não, não precisa explicar. Não sou o tipo de homem que pressiona um amigo por detalhes tão íntimos. Mas talvez devesse anotar quando eu lhe der uma aula.
Adam não se importaria em dar uma surra em Langford. Se não quisesse outra opinião sobre o cavalo, talvez tivesse batido nele.
— Ela sabe que você está comprando um cavalo para ela?
— Não.
— Uma surpresa, então. O estábulo do irmão dela tem espaço para outro cavalo?
— Não sei.
— Não deveria descobrir antes de comprar um?
— Pare de ser tão prático. — Isso era melhor do que dizer a Langford que Lady Clara se mudara da casa de sua família e agora arranjaria seu próprio estábulo.
A movimentação perto do leiloeiro chamou a atenção de Adam. A baia foi aberta, e os criados a levaram para longe. Um homem guiou o próximo cavalo. O castrado tinha uma cor castanha profunda, quase preto. Era alto e resistia a quem estava segurando a rédea.
— Agora aquele é um animal lindo — Langford disse.
Adam também pensou isso, então aproximou-se para olhar mais de perto, com Langford atrás.
Examinaram o cavalo por completo. Langford verificou os dentes enquanto Adam ergueu as pernas e os cascos. Outros também se amontoaram, mas o olho experiente do leiloeiro deve ter visto os cavalheiros prováveis para ofertar alto porque aproximou-se de Adam.
— Três anos — o homem repetiu, sendo que acabara de anunciar a informação. — Uma verdadeira beleza. Com personalidade suficiente para correr. Um cavalo para se cavalgar, com certeza. Não é adequado para carruagem, embora possa ser treinado para isso.
— Como ele lida com a sela?
— Tolera muito bem. Um cavalheiro com você não deve ter problema. Estaria mentindo se não admitisse que não colocaria um cavaleiro fraco nele. Ele tem a própria mente, sim, e precisa de uma mão firme.
— Parece perfeito para o cavaleiro que tenho em mente. Eles vão combinar.
— Então espero que ganhe. Espero que a oferta suba bem.
Adam se afastou. Langford se juntou a ele.
— Então é esse? Tem certeza? Se ele a jogar no chão, você vai se sentir muito culpado.
— Ela não será jogada no chão.
— Se você diz. — Langford não soou convencido.
Quinze minutos depois, Adam combinava o pagamento pelo cavalo e sua entrega em seu próprio estábulo.
— Não vamos levá-lo para ela agora? — Langford perguntou enquanto iam embora.
— Nós nunca vamos levá-lo para ela. Eu vou sozinho. Outro dia.
— Que pena. Eu queria ver. Se ela ama tanto cavalos, provavelmente vai cair aos seus pés quando recebê-lo.
Adam imaginou isso e deu risada, embora, em sua mente, Lady Clara se recusava a se render por completo. Não sabia se ele queria que ela o fizesse.
lara acordou cedo na segunda-feira. Os criados que ela contratara começariam naquele dia, e ela precisava explicar seus deveres e suas expectativas. Duvidava que terminasse até a noite.
Vestiu-se e desceu para a sala a fim de tomar café da manhã. Um grande aparador a recebeu. Diferente do fraco desjejum preparado por Jocelyn, havia comida suficiente para alimentar dez pessoas. Ela provou um pouco dos ovos. Ovos quentes, diferente dos mornos que Jocelyn fazia.
Uma mulher entrou enquanto ela comia e colocou a correspondência ao lado de seu prato, depois recuou. Não era Jocelyn. Parecia uma das mulheres que ela considerara para a vaga de governanta. Provavelmente, era a que ela contratara.
Ela se levantou e foi procurar a mulher. Encontrou-a em uma conversa baixa com uma menina perto das escadas que levavam à cozinha. Ao vê-la, ambas fizeram reverência. A menina desceu as escadas correndo.
— Vejo que já está aqui, sra. Finley. Esperava recebê-la quando chegasse.
— Sua dama me deixou entrar, e já comecei. Espero que não se importe.
— Nem um pouco. A cozinheira está aqui também, reparei. Poderia lhe dizer que, no futuro, ela não precisa fazer tanta comida. Moro sozinha e não tenho grande apetite de manhã. Também diga a ela que estava tudo maravilhoso, e o café estava excelente.
— Sim, milady.
— Poderia me avisar quando o sr. Brady, o cocheiro, chegar?
— Ele está lá embaixo agora, milady, esperando a senhorita chamar. Ele disse que trouxe um cavalariço como a senhorita pediu.
Ela pediu que a sra. Finley mandasse o cocheiro e o cavalariço subirem até a biblioteca. Meia hora depois, tudo estava resolvido. O cavalariço foi contratado, e o sr. Brady foi enviado para pesquisar carruagens e um par de cavalos à venda para que ela pudesse ter um motivo para o emprego dele.
A sra. Finley entrou na biblioteca quando os dois homens saíram.
— A senhorita vai querer direcionar a cozinheira quanto às refeições e afins, ou devo lidar com isso?
— Acho que vou deixar em suas mãos capazes. Amanhã vamos sentar e chegar a uma consideração razoável para você.
— Haverá mais alguma coisa agora, milady?
— Mais uma coisa. Por favor, sente-se.
A sra. Finley acomodou sua figura robusta em uma das cadeiras. Clara a tinha contratado em parte porque era uma mulher madura que veio com boas referências. Mais, porém, porque a sra. Finley a lembrava de uma governanta que trabalhara na casa de seu pai há muitos anos.
Naquele instante, com um vestido simples cinza e uma touca grande branca que cobria a maior parte de seu cabelo castanho, a sra. Finley pareceu preocupada. Clara lhe agradeceu por cuidar da casa tão rápida e perfeitamente, depois abordou o tópico verdadeiro que queria discutir.
Ter todos esses criados colocava em risco algumas das colaboradoras do jornal. Elas não mais visitariam uma casa vazia usada apenas para reuniões. Agora encontrariam uma casa cheia na qual as atividades do jornal eram visíveis para olhos curiosos. Uma mulher que escrevia sob um apelido não gostaria que criados de Londres soubessem de sua identidade.
— Quando me encontrei com cada um de vocês, fui muito clara de que todo mundo que trabalha aqui deve ser discreto ao extremo. Quero enfatizar de novo e pedir que você, em troca, converse com os outros sobre isso. Não posso permitir que os criados fofoquem com os amigos sobre esta casa. Às vezes, pessoas importantes visitam, mesmo fora do horário de visita, e essas idas e vindas não devem ser mencionadas fora desta propriedade. Qualquer falta de discrição será pior que roubo, do meu ponto de vista. Estou falando bem sério.
— Sim, milady.
— Arrependo-me de precisar cobrá-la por reforçar esta regra. Se suspeitar que qualquer um esteja sendo desleal, deve me informar.
— Sim, milady. Não se preocupe. Vou certificar-me de que os lábios estejam fechados quando saírem desta casa.
Era o melhor que ela poderia fazer. Esperava ser o suficiente. Um deslize e ela teria que encontrar outra casa para o jornal. Seria inconveniente.
Sua manhã ocupada havia tomado apenas uma hora e meia, graças à sra. Finley. Subiu para seus aposentos e passou o resto da manhã com Jocelyn, procurando vestidos apropriados para a metade restante do luto. Tendo aparecido na festa de Brentworth, Emilia e ela começaram a receber convites para outros eventos. Ela ansiava por interpretar a acompanhante mais um pouco.
À uma e meia, enquanto escrevia cartas, uma batida em sua porta fez Jocelyn sair do quarto de vestir e abri-la. A sra. Finley estava na porta, corada e um pouco sem fôlego.
— Desculpe, milady, mas um cavalheiro chegou. — Ela entregou um cartão a Jocelyn. — Um cavalheiro bem notável. Um daqueles importantes dos quais falou esta manhã. Eu o coloquei na biblioteca.
Jocelyn fechou a porta e entregou a Clara o cartão com uma expressão suave, mas os olhos brilhando. O cartão pertencia ao Duque de Stratton.
Sem nenhuma delas falar uma palavra, Jocelyn começou a arrumar o cabelo dela, depois franziu o cenho para seu vestido, para depois assentir.
O mais apresentável que conseguiu, Clara desceu para a biblioteca. Viu Stratton examinando a estante de livros majoritariamente vazia. No momento, ele estava com o livro que continha as cópias publicadas do Parnassus. Ela acreditava que ele não tivesse removido nenhuma para uma inspeção mais detalhada, mas, se tivesse, simplesmente suporia que ela fosse assinante.
Ele se virou ao escutar os passos. O coração dela acelerou com asas flutuantes com o sorriso que ele lhe deu.
— A senhorita precisa de mais livros.
— O decorador recomendou uma livraria onde eu posso comprá-los aos montes. Pensei que seria mais divertido eu mesma escolher cada um. Vai demorar, mas, em alguns anos, provavelmente terei a maioria das prateleiras cheias.
Ele se aproximou, curvou-se sobre sua mão e a beijou.
— A senhorita negligenciou o fato de exigir que eu não visitasse, então aqui estou. Está brava comigo?
Ela não poderia dizer o que deveria. Ele saberia que estava mentindo. Pior, saberia que ela era uma covarde e uma mulher que não sabia o que quer.
— Não estou brava. Estou feliz por ter me visitado.
— Venha comigo — ele pediu, ainda segurando a mão dela e levando-a para a porta. — Preciso testar minha sorte e esperar que isso não a deixe brava também.
Ela o seguiu para a porta da frente. Ele a abriu e revelou seu cavalo amarrado. Outro cavalo estava parado ao seu lado. Um cavalo maravilhoso, tão bonito quanto Galahaf e parecido em estrutura, mas mais escuro. Quase preto. Havia uma sela lateral nele.
Stratton desceu e fez um carinho firme no pescoço do animal.
— Pode dar o nome que quiser a ele. Já acertei um lugar e os cuidados em um estábulo nas proximidades.
Clara desceu e se juntou a ele para ficar onde o cavalo pudesse vê-la e vice-versa.
— É lindo. Mas não entendo.
— Ele é seu. Eu o encontrei para a senhorita. Mulheres não vão a leilões, então, para comprar o melhor, precisei fazê-lo. Gostou?
— Adorei. — Nossa, que cavalo. Tinha linhas lindas e um brilho imperial nos olhos. Ela afagou o nariz dele. O cavalo a olhou, analisando-a assim como ela o fazia.
— O que lhe devo por ele?
— Nada. É um presente, claro. — Stratton soou vagamente desesperado, mas pareceu gostar da reação dela com o animal.
Um presente. Muito valioso. Aceitar seria se comprometer. Recusar seria insultar.
— Devo insistir em comprá-lo. Vou fazê-lo quando receber meu próximo pagamento.
— A senhorita é teimosa. Passei por bastante coisa para lhe dar um presente, e agora está me transformando em pouco mais do que um vendedor de cavalos.
— Aprecio seu esforço. De verdade. Nunca poderia tê-lo encontrado. Ele é uma surpresa maravilhosa. No entanto, não posso aceitar um presente valioso assim.
Ele suspirou irritado.
— Vou pedir que meu administrador informe o valor ao seu contador. Não vou pegar seu dinheiro por completo nem estou disposto a concordar com isso.
— Obrigada. Devo lhe dar o nome perfeito, então vou pensar nisso.
— Se colocar seu traje, podemos sair para cavalgar no parque antes que fique muito cheio. A senhorita pode pensar no nome enquanto o cavalga.
Seu senso dizia que ela deveria declinar do convite, mas sua empolgação com o cavalo silenciou essa voz em dois segundos.
— Entre e aguarde enquanto me visto adequadamente. Mas será uma cavalgada rápida. Tenho muitos deveres em casa hoje.
Vinte minutos mais tarde, ela estava sentada na sela. O cavalo a testou imediatamente quando saíram. Tentou trotar antes do comando, e ela o freou com firmeza.
Stratton não perdeu nada.
— O leiloeiro alertou que ele precisava de uma mão firme. Tem personalidade e, como viu, um pouco de rebeldia.
— Consigo lidar com ele.
— Eu sabia que conseguiria. Vocês dois têm muito em comum e vão se entender rapidamente.
— Está me comparando a um cavalo?
— Só da melhor maneira.
— Suponho que não me importe muito. Poderia ter sido outra coisa. Como um peixe.
Eles foram até Strand e cavalgaram ao longo dela, manobrando pelo amontoado de carruagens. Ela manteve a atenção no cavalo, para se certificar de que se acertassem do jeito que ela quisesse.
Quando chegaram a Mayfair, Stratton os guiou pelas ruas residenciais para que não desfilassem por Bond ou Piccadilly. Finalmente, entraram no Hyde Park.
— Já escolheu um nome?
— Ele tem opinião, é temperamental e persistente. Talvez eu deva chamá-lo de Duque.
— Não conheço nenhum duque com essas qualidades.
— Não? Eu conheço. O parque está quase vazio, está muito cedo. Vamos fazê-lo correr? O pobrezinho está agoniado com esse ritmo.
— Absolutamente. Vou segui-los.
Ela levou seu cavalo ao galope rapidamente e mirou na área ocidental do parque. Alguns cavaleiros exercitavam suas montarias ali, andando para a frente e para trás. Ela encontrou um ritmo perfeito e aproveitou a velocidade tanto quanto seu cavalo.
Ela o puxou e Stratton parou ao seu lado.
— Decidi. Será Duque. Há uma nobreza real nele.
— Então será Duque, apesar de que, quando eu estiver com a senhorita, não ficará claro com quem está falando.
— Vou chamá-lo de Stratton.
— Prefiro Adam.
Parecia uma coisa pequena, mas ela sabia que não era. Duvidava que alguém, exceto a mãe dele, o chamasse de Adam. Esse convite à informalidade implicava uma intimidade contínua e crescente.
Ela debateu sobre sua resposta. Enquanto o fazia, um cavaleiro cavalgou na direção deles, saudando Stratton. Ela apertou os olhos para ver quem poderia ser e reconheceu o cavalo, a capa e o cabelo loiro. Theo se aproximou rápido.
Que azar.
Theo freou seu cavalo e lhe ofereceu um enorme sorriso. Ele brilhava. Mesmo ao cumprimentar Stratton, seu prazer era todo por ela. Ela não via seu irmão tão feliz em meses.
Muito azar.
— Que montaria linda você tem aí, Clara. É um dos seus, Stratton?
— Ele é meu — Clara o informou. — Acabei de pegá-lo. Não queria me aproveitar da sua generosidade o tempo todo.
— Eu não teria me importado, apesar de que teria sido inconveniente para você cruzar a cidade até o meu estábulo. — Theo olhou maliciosamente para Stratton a fim de ver qual, se tivesse alguma, reação isso provocava. Já que o duque não pareceu nem um pouco confuso, Theo deve ter concluído que Stratton sabia onde ela morava agora. Seus olhos azuis brilharam com satisfação.
Maldito e infernal azar.
— Devo voltar para meus amigos — Theo disse. — Vou deixar vocês dois se entreterem. — Ele girou seu cavalo e cavalgou de volta para onde viera.
— A senhorita não gostou de ele ter nos visto — Stratton concluiu.
— Nem um pouco.
— Vai ter que contar a alguém alguma hora.
— Não há nada para contar.
— Claro que há. Será que o mundo inteiro vai saber antes da senhorita? — Ele virou o cavalo. — Vamos por aqui.
O caminho dele levava às profundezas do parque, longe dos lugares para caminhada. Ninguém os veria ali nem sorriria sabiamente da forma que Theo fizera.
Ninguém nos verá aqui. Ela olhou para Stratton, pensando que deveria se opor. Só que não o fez. Esperava que ele estivesse tramando algo. Um aperto em seu peito dizia o mesmo. Uma ansiedade vergonhosa a tomou. Ela parecia estar à beira de um precipício, preparando-se para saltar, esperando que voasse e não caísse.
Ele desmontou em uma área isolada de grama e amarrou seu cavalo. Tirou-a de Duque e o amarrou também. Juntos, sentaram-se na grama.
— Gostaria que não contasse a ninguém que tentou me dar Duque de presente — ela pediu. — Poderia ser mal interpretado como outro gesto além de amizade.
— Provavelmente, já que não tenho o hábito de dar cavalos para amigos. Também é improvável que os beije, acaricie o corpo deles, ou...
— O senhor sabe o que quero dizer. Também acho que poderíamos resolver que o que quer que tenha causado a briga entre nossas famílias esteja acabado e não seja mais importante. Tanta raiva quando ninguém sabe o que aconteceu é ridículo.
— Eu sei o que aconteceu.
Ela se virou, surpresa.
— Sabe? Lady Hollsworth disse que era um problema de honra, mulher ou propriedade.
— Foi propriedade. Meu pai explicou tudo para mim. Seu pai provavelmente fez o mesmo com Theo, embora duvide que ele e eu tenhamos escutado as mesmas histórias.
Ela esperou. Stratton observou o horizonte, seu perfil lindo provocando-a a tocar e traçar sua linha. Talvez ela o deixasse permanecer em silêncio e ficasse a próxima meia hora apenas olhando-o.
Só que ela estava curiosa. Se aquele homem estava em sua vida agora, ela queria saber por que não estivera antes.
— Vai me contar?
Ele pareceu pensar sobre isso.
— Começou com nossos avós. Houve um trato de propriedade no condado que eles disputaram. Uma herança da parte do seu avô, mas meu avô havia reivindicado antes.
— Ou disse que reivindicou.
Ela recebeu um olhar afiado por isso.
— Só quero lembrar que há dois lados aqui. Duas histórias. Por favor, continue.
— Fui aos tribunais e, como essas coisas acontecem, nada foi resolvido durante a vida deles. Os advogados ficaram ricos, os aluguéis foram pelo ralo e nada progrediu.
— Ainda está assim?
Ele balançou a cabeça.
— Seu pai encontrou uma solução. Enquanto meu pai estava na França, cortejando e se casando com minha mãe, seu pai foi ao tribunal de novo. Reabriu o caso e pressionou para um julgamento. Nosso advogado foi pego de surpresa pela rápida ação. Foi tudo feito dentro de uma semana. Não preciso dizer que seu pai recebeu o benefício daquele julgamento.
— Não me importo em como diz tudo isso. Nem sua escolha de palavras, nem seu tom. O senhor implicou que meu pai foi indigno.
— Foi mais para sagaz.
— Tenho certeza de que foi uma coincidência a corte fazer esse trato, então.
— Clara, não há coincidências em Chancelaria. O período e a velocidade revelam alguém com forte influência pressionando.
— Ainda acho que... oh!
Ele a puxou e a abraçou.
— Shhh — ele murmurou antes de beijá-la.
Ela permitiu que aqueles beijos reprimissem sua indignação. Eles removeram qualquer pensamento da guerra antiga da família de sua mente. Clara poderia ser muito feliz, pensou, sendo beijada por horas na doce brisa.
Mas não era assim. Ele verificou sua paixão crescente. Por muito tempo, ficaram ali sentados, entrelaçados, sem falar. Ela se doía e imaginava que ele também.
— É sua intenção viver sozinha para sempre? — ele perguntou.
— É.
— Por quê?
— Pode acreditar que ninguém nunca me perguntou isso? Nem sei se perguntei a mim mesma. — Só o fez agora para tentar responder. — Meu pai se casou de novo quando eu era criança. Já que a nova esposa não era minha mãe, posso ter reparado em coisas que não o faria, do contrário. A forma como ela obedecia e se submetia. As suposições que ele fazia sobre seu poder sobre ela e sua propriedade. Não gostava muito dela, mas ainda achava injusto. Eu tinha mais liberdade do que ela. Tinha até mais do meu pai de verdade do que ela. Ele nunca a ensinou a atirar ou a levou para caçar. O espaço dela na vida dele era muito pequeno, parecia para mim.
— Há alguns casais que compartilham mais afeição do que está descrevendo.
— Não sei se faltava afeição. Talvez eles se amassem profundamente. Não fazia diferença. Então decidi, um dia, quando a ouvi implorando para visitar uma amiga, como uma criança imploraria para uma governanta, e o escutei negar-lhe aquela pequena liberdade... por nenhum motivo, parecia... Decidi que não viveria assim se tivesse escolha. E tive escolha. De todos os privilégios da minha posição, essa foi a melhor coisa.
Ele acariciou sua face com a ponta dos dedos.
— Também era sua intenção viver como uma freira? Negar a si mesma amor físico? Faz parte de sua natureza assim como sua capacidade de pensar e conhecer seus sentimentos.
— Nunca pretendi isso. O senhor não é o primeiro homem que me beija. Não vivo como uma freira.
Ele se inclinou para a frente e a beijou.
— É bom saber.
De novo, aquele desejo foi suficiente para ela reagir ao beijo com mais agressividade do que costumava. Ele a virou rápido e exigente em resposta.
— Isso nunca vai dar certo — ele murmurou entre beijos que desmentiam suas palavras. — Se continuarmos a fazer isso em locais assim, inevitavelmente seremos vistos.
Ela encontrou força para afastá-lo e criar um espaço entre seus corpos. Mas seus braços permaneceram em volta dela.
Ele tinha razão. Eles arriscavam demais com esses joguinhos. Ela arriscava tudo.
— Venha comigo para minha casa — ele disse. — É apenas a algumas ruas daqui.
Ela queria concordar em ir. Cada centímetro de seu corpo queria. Mas aquelas ruas eram as mais perigosas no mundo dela. Dúzias de pessoas que moravam naquelas ruas a conheciam. Centenas. Não poderia cavalgar em uma delas sem ser reconhecida. Nem ele. Para, depois, arriscar ser vista entrando na propriedade dele, na casa dele...
— Nunca vai dar certo também — ela disse. — O senhor sabe que não.
— Em alguns minutos, devo saber. No momento, quero tanto a senhorita que não dou a mínima se alguém vir alguma coisa.
Ela precisou rir disso com pesar.
— Não posso não dar a mínima.
Ele a soltou do abraço, mas manteve um braço em volta dela.
— Vou encontrar uma forma. Quando encontrar, pretendo ir no meu tempo, depois do inferno pelo que estou passando.
Tempo dele?
Ele notou sua confusão. Passou o braço pelo pescoço dela e inclinou a cabeça dela para perto da dele.
— Beijar a senhorita. Tocá-la. Inteira. Seu pescoço. — Ele beijou o pescoço dela. — Seus seios. — Sua mão passou por seu seio, provocando um solavanco de prazer. — Suas coxas. — Ele acariciou a coxa dela do joelho ao quadril.
Não parou de falar. Disse, em detalhes chocantes, o que mais iria fazer. Era o tipo de coisas que homens decentes nunca falavam para mulheres decentes. Pelo menos era o que ela achava. Ela o teria impedido, só que suas palavras a deixaram hipnotizada, e sua excitação fervente ameaçou se tornar um incêndio.
Um silêncio profundo e pesado com poder sensual seguiu sua descrição escandalosa.
— É melhor voltarmos — ela disse.
— Provavelmente posso fazê-lo somente em uns dez minutos.
Ela demorou para entender o que ele quis dizer. Então corou intensamente. Ele deu risada.
A sociedade havia chegado ao parque quando eles passaram de volta pelo portão. As pessoas estavam muito ocupadas consigo mesmas e em serem vistas, então ela não viu muitas atentas a eles.
— Posso ir para casa sozinha — ela declarou. — Diga qual estábulo o senhor acertou para eu usar.
— Não vou atender seu pedido. Vou acompanhá-la até lá.
Ela preferiria que ele não o fizesse. Agora que estava cavalgando de novo e não mais em seus braços, ela conseguiu se livrar da sensação de ter sido escandalosa. Tão deliciosamente. Não por causa dos beijos, mas por ter ouvido o que ele disse, e como disse, e permitir aqueles toques delicados e as provocações sensuais.
Na casa dela, ele a ajudou a desmontar, depois pegou as rédeas de seu cavalo.
— Vou levá-lo ao estábulo. É de Cooper, a oeste daqui.
— Obrigada.
Ele se inclinou para lhe dar um beijo antes de voltar à sela e levar Duque embora. Ela observou-o virar a rua.
Antes de entrar em casa, olhou para a fachada como se algo invisível chamasse sua atenção. Viu um pedaço de touca branca em uma janela antes de desaparecer. Jocelyn os estivera observando. Ou era a sra. Finley.
lara estava sentada à mesa de sua biblioteca com papel, tinta e caneta. Tentava planejar a próxima edição do Parnassus. Não estava indo bem. Sua mente estava em outro lugar, não na mistura de textos e artigos que pudesse atrair leitoras.
Enquanto comia seu jantar, algumas verdades duras se apresentaram, exigindo atenção e contemplação e, já que não conseguia tirá-las da cabeça, ela as enfrentava agora.
Primeiro, Theo a tinha visto com Stratton e tirado conclusões que não eram verdade. Ela teria sorte de não encontrar sua avó colocando um anúncio de noivado nos jornais antes de a semana terminar.
Segundo, apesar de os dois não terem atraído muita atenção, foram vistos juntos. Depois de passarem tempo um com o outro na festa de Brentworth, os boatos estavam prestes a começar.
Terceiro, ela descobrira a história da velha contenda de suas famílias e, ao lhe contar, Stratton culpara seu pai muito mais do que o dele. Achou isso deselegante. Se ele não a tivesse beijado, ela teria dito o quanto sua interpretação fora injusta. Só que a beijara e, mais uma vez, a fez esquecer rapidamente por que não era para ela gostar dele ou aceitar sua companhia e como aqueles boatos de ele querer vingança poderiam ser verdade e poderiam até ser da família dela.
Quatro ? ela suspirou pesadamente ao admitir ?, a menos que sua perplexidade a tenha feito entender errado, ou que Stratton falasse em eufemismos poéticos, ela havia lhe dado permissão para fazer coisas com ela que não sabia que homens faziam com mulheres, muito menos mulheres como ela.
Finalmente ? ela suspirou de novo, por sua falta de bom senso ?, ela poderia ter lhe permitido pensar que concordava em ter um caso. O que não era verdade. Um beijo aqui e ali era uma coisa. Um caso seria muito delicioso ? não, não delicioso! De onde aquela palavra tinha vindo? Imprudente e perigoso, era isso que seria. Repetiu aquelas duas palavras de novo em sua mente. Focou nelas. Imaginou-se explicando para ele. Só que ele estava magnífico em sua imaginação, aquele sorrisinho se formando enquanto ela o dissuadia por completo daquela ideia. Depois, ele a interrompeu com um beijo, e centenas de faíscas de excitação a alegraram naquela fantasia. E na realidade também, onde estava sentada em uma cadeira.
Controlou-se e se obrigou a prestar atenção de novo ao papel em branco. Pegou sua caneta e a mergulhou no tinteiro, determinada a fazer mais naquela noite do que desfalecer pelo Duque de Stratton. Havia permitido muita intimidade, e veja onde isso a trouxera: a apreciar secretamente o quanto um homem pode ser perigoso.
Adam perambulava por sua casa, andando de um lado a outro em seus aposentos imensos e o corredor. O colete estava aberto. Ele o tinha desabotoado porque o calor dele o sufocava. Não sentia o frio da noite, mesmo com muitas das janelas abertas. Totalmente o oposto. Um desconforto como uma febre o atormentava.
O calor queimava em sua cabeça mais do que em seu corpo. Imagens eróticas e impulsos se alojavam ali. Nada os tinha dissipado. Nem a leitura. Nem se enterrar nas contas da propriedade. Nem listar o que ele tinha e o que não tinha descoberto sobre a intriga em relação à morte de seu pai.
Imergir naqueles detalhes foi uma tentativa desesperada e inútil de quebrar o controle de Clara sobre ele. Tudo indicava que o pai dela havia colocado combustível no fogo daqueles boatos e possivelmente os tivesse começado. A viúva também pode tê-lo incitado. Suas tentativas atuais recentes de forjar paz diziam tudo.
Ele ainda se importava com isso, furiosamente, mas pensar em Clara interferia na raiva justificada que ele carregara de volta da França. A lealdade cega dela ao pai, ver aquilo de novo à tarde, importava agora, mesmo que não tivesse importado no começo. Quando ele começou a persegui-la, tivera um impulso de luxúria e vingança, uma forma oblíqua de provocar velhos inimigos ao possuir a filha premiada e mais privilegiada da família. Agora, ele via que a magoaria se descobrisse coisas que impugnassem o falecido conde.
Dever, dever. Entoava aquela palavra em sua mente quando se percebia criando desculpas para não fazer o que precisava, tudo por causa de uma mulher. Não poderia ignorar que, quanto mais a conhecia, mais ela enfraquecia seu plano. Quem se importaria se ele deixasse a história enterrar a mentira? Não seria a mãe dele.
Seus passos o levaram para a galeria do lado de fora do salão de baile. A luz da lua brilhava nas janelas compridas de um lado do corredor comprido, dando formas aos bancos, plantas e imagens emolduradas. Andou pelo corredor sob os olhares de seus ancestrais até chegar ao quadro de seu pai. Não havia procurado aquela pintura, mas parou quando a viu.
Ele e seu pai não se pareciam muito. Adam herdou os traços da mãe. O pai dele era totalmente inglês, com um rosto comprido e cheio e olhos inteligentes. Usava uma peruca branca no quadro, e um sorriso vago. Não parecia em nada com a última vez que Adam o viu, e era essa última imagem que permanecia vívida em sua memória agora. Talvez, se seu pai soubesse o que uma bala de pistola na têmpora causava a um corpo, teria escolhido outra maneira de morrer.
Dever, dever. Ele não conseguia dar as costas, claro. Reconhecer seu dever não bania pensamentos sobre Clara ou o fazia pesar suas escolhas racionalmente. Continuou andando, caminhando pela noite, lutando uma batalha que sabia que um homem raramente ganhava, contra a vontade de possuir uma mulher que desejava.
Não era a primeira vez naquela noite que Clara acordava e ficava alerta. Virou na cama, puxando o lençol e o cobertor e, com isso, virando-se de lado. Enquanto afofava os travesseiros, seus olhos se abriram por um instante. Uma luz amarela e prateada iluminou seus lençóis. Completamente acordada agora, olhou para sua janela. As cortinas estavam abertas, e a luz da lua e das ruas se infiltrava como um pó de fada.
Ela pensou ter visto Jocelyn fechar as cortinas. Aparentemente, não. Irritada pelo descuido da dama, saiu da cama e tateou para fazê-lo ela mesma.
— Não. Sem a luz, não vou conseguir vê-la.
A mão dela segurou o tecido enquanto seu corpo congelou de susto. Ela girou. Stratton estava sentado em uma cadeira do outro lado do quarto, tão relaxado como se fosse sua própria casa. Na verdade, parecia que ele estava sentado ali há algum tempo, pela forma como suas pernas estavam estendidas e a maneira como ele descansava a cabeça na mão com o braço flexionado.
— O que... Como subiu aqui?
— Sua governanta me deixou entrar. Bati, ela chegou na porta de roupão e, com um olhar, virou-se e me trouxe para cima. Foi boa o bastante apontando sua porta antes de continuar subindo para o próximo andar.
— Que comportamento bizarro.
— Ela pareceu pensar que a senhorita me esperava. — Ele recolheu as pernas e se inclinou para a frente enquanto tirava o casaco.
— Ela começou hoje. Vou precisar explicar em termos mais firmes que... — Partes de sua conversa com a sra. Finley naquela manhã interromperam seus pensamentos. As partes sobre discrição e pessoas importantes visitando, mesmo em horas incomuns. Ninguém era mais importante do que um duque. Nada exigia mais discrição do que o caso de uma mulher solteira com um homem.
O duque agora desabotoava seu colete. O pânico tomou seu coração.
— A governanta cometeu um erro. Os empregados... minha dama...
— Sua dama também me viu. Olhei para o topo da escada e ela estava xeretando.
— Oh, meu Deus.
— Nem ela nem a governanta pareceram chocadas com a minha chegada. Só a senhorita. — Ele retirou o colete e o colocou no topo de seu casaco na cadeira ao lado da escrivaninha. — Quer que eu vá embora, Clara? Se quiser, diga agora, antes de eu terminar de me despir. Será muito irritante se acovardar depois que eu estiver nu.
Nu.
Ele aguardou. Ela encarou. O quanto seria difícil dizer sim, quero que vá embora? Acabou sendo muito difícil. Porque a maior parte dela não queria que ele partisse, e o resto não tinha certeza.
Ele se abaixou e tirou as botas. Levantou-se.
— É linda à luz da lua. Etérea. Prateada e cinza.
Ela olhou para si mesma. A menos que estivesse enganada, aquela luz tornava sua camisola fina transparente. Não sabia se parecia etérea, mas suspeitava parecer quase nua.
Resistiu ao impulso de se cobrir com a cortina. Não se importava com a forma como ele falou a palavra covarde, como se mandá-lo embora mostrasse falta de caráter em vez de admirável limitação. Uma mulher respeitável decidindo permanecer respeitável não era covarde. Era cuidadosa, sensível e... e... Ela suspirou, porque a excitação correndo por ela recusava-se a ouvir as lições antigas e previsíveis sobre bom senso e toda outra palavra entediante já usada para desencorajar o prazer.
Mesmo assim, ela teria que ficar firme, embora estivesse quase nua, e fazer o que precisava. Tê-lo em seu próprio quarto, sua própria cama, era mais do que perigoso. Era insanamente negligente.
Ela olhou para cima a fim de explicar isso, confiante de que ele entenderia, como o cavalheiro que era. Assim que o fez, ele tirou a camisa e, de repente, ela se esqueceu do que pretendia dizer.
Clara ficou simplesmente olhando para ele, os olhos arregalados com excitação e medo. Passou pela cabeça dele, quando ela acordou e ele viu o choque de sua presença, dar-lhe um beijo e recuar. Só que ela realmente estava linda e ficaria ainda mais linda assim que ele retirasse aquela touca. Ela não gritou nem o mandou sair. Em vez disso, observou-o, tão obviamente que ele tentou adivinhar o debate na mente dela.
Era a touca que dizia a ele com certeza que ela não fingiu a surpresa ao vê-lo. Uma mulher ansiosa pela chegada de um homem em seu quarto nunca usaria aquilo. A tola da nova governanta havia tirado conclusões que Clara não pensara. Ele apreciara o erro antes de saber que era um. A ideia de que ela o esperava, o recebesse e fizesse planos para recebê-lo baniu qualquer indecisão. Ele quase tinha subido a escada a cada três degraus.
Foi até ela e a pegou nos braços.
— A senhorita não falou nada. Estou aqui por causa de um conjunto de erros, mas ainda precisa ser sua escolha que eu fique.
Ela colocou as mãos no peito dele, depois apoiou a face na pele entre elas. O tecido fino de sua camisola oferecia pouca barreira para a sensação do corpo dela debaixo das mãos e dos braços dele. Sua maciez e seu calor doce entraram nele e acalmaram o descontentamento agitado que ele vivera naquela noite.
— Precisa ir antes das cinco.
— Irei bem antes disso.
— Não pode contar a ninguém. Precisa jurar. E deve prometer morrer antes de contar para minha família.
— Morrer?
Ela olhou nos olhos dele. Um brilho da Clara que ele tanto admirava apareceu entre outros que refletiam seu encantamento. Ele podia sentir a excitação dela. Mas ela ainda não havia se entregado.
— Sim, morrer. Eles não podem saber.
— Juro. — Ele provavelmente juraria qualquer coisa naquele momento.
Ela se esticou, envolveu os braços no pescoço dele e deu-lhe um beijinho.
— Então decidi que não serei covarde, como o senhor colocou de forma tão pouco generosa.
— Foi meu desejo pela senhorita tentando falar a meu favor.
— Eu sei. Funcionou.
Ele tirou a touca. O cabelo dela se soltou. Ele passou os dedos pelos fios e segurou sua cabeça para um beijo que esperara horas para ser libertado. A ferocidade do desejo dele explodiu quente e firme. Ameaçava dominá-lo. Ele precisou se controlar para não a arrebatar ali. Desabotoou o topo da sua camisola até ter abertura suficiente para conseguir tirá-la pelos ombros e braços.
Ela se aconchegou contra ele a fim de esconder sua nudez. Ele empurrou a camisola pelos quadris, depois a ergueu e a carregou para a cama.
Clara puxou os lençóis para cima assim que ele a deitou e acomodou-se ao seu lado.
— Está com frio?
Ela balançou a cabeça.
Ele tirou os lençóis.
— Então não faça isso. Quero vê-la.
Clara fechou os olhos conforme ele retirava seu escudo. Deixou-a assim enquanto se levantou e tirou o resto da roupa. A visão dela deitada ali fazia sua mente queimar.
— Dizem que os franceses são muito bons nisso — ela disse.
— Sou meio inglês.
— Talvez devesse falar francês, para chamar aquela outra metade.
— Não acho que vou falar muito. Minha boca estará ocupada demais.
Ele se juntou a ela de novo e se apoiou com um braço enquanto acariciava seu pescoço e descia por seu peito entre os seios. O bico de seus seios enrijeceu e empinou.
Sua própria mão acariciou o braço dele. Ela olhou para ele.
— Realmente pretende fazer todas aquelas coisas que falou esta tarde?
— Nem todas esta noite. — Ele não teria a paciência.
— Foi muito maldoso da sua parte. Muito escandaloso.
— E, mesmo assim, não fez nada para me impedir. Nenhuma arfada. Nenhuma palavra.
— Fiquei muito chocada.
— Pareceu, para mim, que ficou fascinada. — E excitada. Definitivamente excitada. Ele nunca teria ido tão longe se não fosse por isso.
Adam segurou ambos os bicos suavemente. Ela arfou.
— Oh! Isso é ainda melhor sem roupa.
Ele se certificou de que ela soubesse o quanto era melhor. Acariciou seus seios até ela gemer com prazer, depois baixou a cabeça e usou a língua e a boca.
A selvageria a tomou tão rápido que ela nem lutou contra. Sua paixão incendiou a dele. Imagens eróticas o atormentaram, mas ele tinha racionalidade suficiente para saber que aquela não era a noite para isso.
Acariciou suas pernas, depois colocou a mão entre suas coxas. Uma surpresa satisfeita foi emitida pelos choramingos dela. Ele explorou sua maciez úmida enquanto continuava excitando-a com dentes e língua. Perdida nas sensações, Clara abriu mais as pernas e lhe disse com suspiros imploradores que queria mais quando os carinhos dele aumentaram seu prazer.
Uma fome primitiva se libertou nele. Nada menos que se enfiar dentro dela iria satisfazer aquela necessidade agora. Ele cerrou os dentes e acariciou os lugares que a obrigariam a terminar se ela se permitisse. Ele ouviu seus gemidos aumentarem e sentiu a movimentação de seu corpo. Também sentiu o medo dela. Pressionou a boca em seu ouvido e lhe disse para relaxar. Ela o fez, abraçando aquele sentimento com um grito.
Ele se moveu para tomá-la. Os braços dela se ergueram para abraçá-lo. Ele ainda tinha a racionalidade suficiente para ir devagar primeiro e descobriu que era muito bom. Ele se segurou para não a machucar enquanto o desejo rugia dentro dele. Silenciou aquela voz primitiva o bastante para conhecer o prazer mais calmo da sensação dela revestindo-o. Fez movimentos longos e lentos enquanto pôde, mas, em certo instante, a necessidade de completude o derrotou. O alívio veio como um cataclismo e arremessou-o para o silêncio sombrio onde não havia outros sentidos e a paz absoluta reinava.
Tendo experiência com muitas mulheres, Adam sabia que não deveria dormir da forma como todo seu corpo encorajava. Em vez disso, conforme voltou ao mundo, rolou Clara e a puxou para seu braço na lateral.
Convinha a ele dizer algo assim que sua mente cooperasse. Mas a experiência não fazia diferença agora. Essa era a primeira vez para ela, o que fazia dele a primeira vez também, por assim dizer.
Clara estava pronta para falar mesmo que ele não estivesse. Por motivos que ele nunca entendeu, mulheres ficavam falantes às vezes. Ela não era exceção.
— Foi muito bom — ela disse. — Não doeu tanto quanto eu esperava.
— Bom saber. — A parte do “muito bom” o agradou. A parte de não doer o aliviou. Pareceu que ele pudesse tê-la machucado, agora que algumas lembranças infiltravam sua mente.
Ela se apoiou no cotovelo e olhou para ele.
— Sei que é para cavalheiros se sentirem culpados depois de ficarem com inocentes, mas acredito que o senhor não vá.
— Não me sinto nada culpado, já que entendo que vamos nos casar.
— Viu? É essa culpa, mesmo que negue. Bom, eu o absolvo.
— Clara, já pedi sua mão. Lembra?
— Não pediu de verdade. Não quis dizer mesmo. Foi um pedido fácil e seguro porque fez a uma mulher que nunca pretendeu se casar. Só estou dizendo que não quero que fique culpado.
— Não é culpa. Apesar de que, considerando o que acabou de acontecer, não há realmente uma escolha agora.
— Claro que há. Não finja que sua honra agora exige isso. Sabia que eu era virgem, mas isso não o impediu. Mais importante, sabia que eu era uma virgem que não casaria com o senhor depois que fizéssemos isso.
Ele não a insultaria dizendo que não sabia de nada disso. A disparidade tinha acontecido até na questão da virgindade. Era o tipo de mulher que poderia ter tido um amante por curiosidade, apenas isso. Poderia ter feito exatamente isso com ele.
— Então concordamos. Sem culpa e sem obrigações — ela disse.
Ele não concordava em nada. Haveria tempo para discutir sobre isso outro dia.
Aquele tópico terminou, para a satisfação dela, então se aninhou ao lado dele de novo.
— Sei por que realmente partiu da Inglaterra. Sei sobre seu pai.
Ele mal havia organizado seus pensamentos, e essa mudança de assunto o pegou desprevenido.
— O que sabe?
— Como ele morreu. O senhor deve ter ficado muito triste.
— Fiquei mais bravo do que triste. Com ele. Pelos motivos dele.
— Sei sobre eles também. Os motivos. Tudo parece muito injusto para mim.
— O que sabe? — ele repetiu com cuidado.
— Partes e pedaços apenas. Sobre os boatos. Ouvi que algumas joias tiveram uma participação.
Ele se esforçou muito para manter o tom casual e não diretamente.
— Quem lhe contou isso?
— Lady Hollsworth, na festa do jardim.
Fora um erro não forçar uma conversa com Hollsworth. Um erro ter adiado.
— Não sei nada sobre joias. Acho que ela se enganou — ele disse.
— Talvez.
Não falaram nada por muitos minutos. Ele ousou se permitir começar a dormir.
— Eu pensara, desde que o conheci, que o senhor carregava uma escuridão interna — ela disse, acordando-o de novo. — Algo que o fazia refletir. Só agora, enquanto estávamos juntos no prazer, fui poupada do luto pela primeira vez em seis meses. Pareceu, para mim, que talvez essa escuridão tenha diminuído no senhor também, por um tempo. Se sim, fico feliz.
Tinha, sim, de maneiras como nunca acontecera na França, independente de quem compartilhasse a cama com ele. O fato de ela reparar nisso o impressionou. O fato de ela estar feliz por isso o emocionou.
Ela não exigiu confirmação se estava correta. Tendo dito isso, finalizou. Aninhou-se ao lado dele, quieta em sua satisfação, sem nem exigir mais conversa.
— ilady, milady! — o chamado desesperado da sra. Finley penetrou a porta do quarto.
Clara sentou-se na cama, ainda meio dormindo. Sua nudez acordou-a. Enquanto segurava os lençóis ao seu redor, tentando cobrir cada centímetro de pele até o pescoço, seu olhar varria o cômodo, procurando provas de seu visitante.
Não havia ninguém. Ele fora embora, provavelmente horas atrás enquanto ela dormia, assim como prometeu. A única prova da noite anterior era ela.
Jocelyn se apressou para abrir a porta. A sra. Finley falava as palavras entre respirações pesadas.
— A condessa. O conde. Aqui. A carruagem deles. — Ela parou e inalou profundamente. — A casa não está pronta. Não há café da manhã suficiente. Vou correr e falar para a cozinheira fazer alguma coisa. — Ela se virou e saiu apressada.
Jocelyn correu para a janela, olhando a rua.
— Eles estão na porta.
— O que podem estar pensando, vindo a esta hora?
— São quase dez horas.
— Ajude-me a me lavar e vestir para que eu possa recebê-los. Não, primeiro corra lá para baixo e fale para a sra. Finley que é para ela colocá-los na sala matinal com o café da manhã e, se minha avó recusar, então será na biblioteca. Vou descer logo.
Jocelyn saiu correndo. Clara encontrou sua camisola entre os lençóis emaranhados e a colocou. Era sua imaginação ou a cama inteira tinha um cheiro diferente naquela manhã? Ela cheirou, depois ruborizou. Não havia como negar o que acontecera ali.
Foi apressada para o quarto de vestir. Água quente já a aguardava e ela começou a usá-la, sem esperar a dama. Jocelyn voltou e pegou uma toalha.
— Talvez eles subam aqui. A sra. Finley está firme, mas a viúva a está encarando e não acho que seja uma briga justa.
Por que, por tudo que é...
— Faça algo com meu cabelo, rápido.
— Não consigo mais do que um coque agora.
— Então faça um coque. Mas primeiro feche a porta do meu quarto. Tranque-a. Se minha avó der um passo naquela direção, você se joga contra a porta e se recusa a se mexer independente da ameaça dela.
O coque mal estava pronto quando escutaram vozes nas escadas. Jocelyn correu até o guarda-roupa, pegou um roupão e o jogou pelo cômodo para Clara.
Clara o pegou e o abotoou com mãos trêmulas.
— Mulher, vai se mover ou meu neto vai mover você — a viúva ameaçou sombriamente, sua voz fervendo do lado de fora da porta do quarto de vestir.
— Estou dizendo que ela ainda estava na cama e me instruiu para pedir à senhora que espere até estar vestida, milady.
— Eu não espero meus netos. É o contrário. Pode acreditar na ousadia da sua irmã, Theo? Ela invade meu quarto enquanto me visto, mas parece que não posso fazer o mesmo. Não vamos tolerar isso. Mexa-se.
— Vá e convide-os para entrar, Jocelyn, antes que a sra. Finley seja jogada pelas escadas. — Clara não gostou do tom da sua avó. Nem um pouco.
Jocelyn abriu a porta e ficou de lado. Sua avó entrou no quarto com um Theo amarrotado e bocejante atrás dela. Qualquer severidade desapareceu de sua avó assim que viu Clara. Um sorriso se abriu em seu rosto. Ela se aproximou e deu um beijo raro na cabeça da neta.
— Não, não se levante. Diga à sua dama para continuar, se ela ia fazer algo com esse cabelo terrível. Um coque? Eu seria a primeira a dizer que você precisa de um novo estilo, mas não é isso.
— Bom dia, Vovó. Theo.
Theo grunhiu. Assim que a avó se sentou, ele se jogou em um pequeno divã e estendeu as pernas. Vovó bateu naquelas pernas com sua sombrinha.
— Mostre um pouco de respeito, Theo. Não estamos em uma taverna. Perdoe-o, Clara. Parece que o acordei não muito depois de ele voltar de uma noite fazendo sabe-se lá o quê. — A forma como ela espetava Theo com um olhar sugeria que sabia o que era, ou pelo menos suspeitava.
Clara não estava com vontade de buscar um aliado pelo que pensava ser uma conversa desagradável.
— Ele é jovem, Vovó. Não pode esperar que se comporte como um homem de cinquenta anos.
Theo lhe lançou um olhar de gratidão.
— Felizmente, também falta discrição nele, ou eu poderia nunca ter descoberto que sua corte com Stratton progride rapidamente. Muito bem, Clara. Muito bem, de fato.
Clara olhou para Theo desafiadoramente. Ele deu de ombros, perdido.
— O que Theo disse?
— Em seu prazer e alívio de ver seu encontro com Stratton no parque, contou-me tudo. — Ela se inclinou para a frente. — E digo tudo, Clara. Tudo.
— Sim, cavalgamos pelo parque juntos. Não pensei que gostaria que o ignorasse. Encontro não é a melhor forma de descrever.
— Não precisa disfarçar para mim, querida. Conheço encontros acidentais que não são verdadeiros.
Ela deu uma grande piscada.
Clara não ousou responder. Não tinha certeza do que Theo vira ou não. Assumira que, depois de falar com eles, se ocupou com os amigos. Mas e se ele os seguira ao vê-los cavalgando para a área privada? E se tivesse visto mais do que cavalgar e conversar? E se tivesse visto tudo?
Ela olhou para o irmão, esperando descobrir exatamente o quanto sua situação estava ruim. Infelizmente, ele caíra no sono.
— Deixe-o dormir — sua avó disse. — Agora, conte-me. Stratton lhe deu presentes valiosos?
Só um cavalo muito lindo e uma noite para recordar pelo resto da minha vida.
— O que quer dizer com valioso? Como um lenço chique de seda?
— Oh, nossa, não. Você é tão ingênua. Com sua idade avançada, normalmente me esqueço disso. Valioso como joias caras.
— Ele não me deu nenhuma joia de nenhum valor.
— Que pena. Eu tinha esperança de que... Depois do que Theo me contou...
— O que exatamente Theo lhe contou? E ele estava bêbado quando lhe contou?
— Se estava bêbado, era de felicidade. Voltou perambulando com prazer da cavalgada. O duque claramente está apaixonado, ele disse. O homem não conseguia tirar os olhos de você, ele relatou. Vocês dois foram para longe, onde podem ter encontrado um pouco de privacidade, ele contou. — Ela abaixou o queixo e olhou para cima ameaçadoramente nessa parte.
Clara temeu que pudesse corar e confirmar tudo.
— Se ele tivesse nos seguido, teria nos visto discutindo. Bem alto, sobre um assunto que não dizia respeito a ninguém. Embora o duque e eu tenhamos um tipo de amizade, não é nada romântica. Considerando nossas duas famílias, como poderia ser?
Vovó não se importou com isso. Franziu os lábios e contemplou essa notícia lamentável.
— Ele não precisa ter nenhuma amizade com você, Clara. Se quer sua companhia, suas intenções são mais do que amizade. Você deve me contar se ele lhe der, ou tentar dar, qualquer joia. Quando um homem faz isso, implica coisas. Para uma mulher de sua educação, é uma declaração, mas garante que virá uma proposta em breve, senão imediatamente.
Clara imaginou o que implicava para uma mulher que não tivesse a educação dela. Intenções não honráveis, provavelmente.
Sua avó bateu de novo nas pernas de Theo com a sombrinha.
— Vamos embora para que você possa se vestir. Veja um novo estilo para seu cabelo. E diga para sua dama arrumar. — Ela cutucou a camisola com a ponta da sombrinha e a segurou a fim de acená-la como uma bandeira. Começou a falar, mas parou. Olhou aquela camisola. Cheirou. — Nossa, encontre uma nova lavadeira também. O que a sua usou nessa roupa? Água de peixe?
— Vou me certificar de encontrar uma melhor.
A camisola se agitou perto de Theo antes de Vovó soltá-la. Theo encarou o tecido no chão, depois franziu o cenho. Voltou-se para Clara com uma expressão confusa. Clara olhou de volta e fingiu ignorar a curiosidade dele. Aquele cheiro agora parecia preencher todo o quarto de vestir.
— Também deveria substituir a governanta e a dama. — Sua avó continuou dando opiniões enquanto se levantava. — E não adquira nenhum animal de estimação. Não consigo tolerar mulheres que moram sozinhas e mantêm animais.
— E aqui estava eu pensando em comprar um papagaio da América do Sul. Pensei em trazê-lo para a senhora ensiná-lo a falar. Então eu teria a alegria de suas lições o tempo todo.
— Cuidado, Clara. Não sou velha demais para reconhecer sarcasmo, e você anda em corda bamba comigo nos últimos dias. Venha, Theo. E lembre-se, Clara, qualquer presente de valor, qualquer presente, na verdade, conte-me imediatamente. Não, conte-me qualquer coisa que acontecer com ele. Não quero você perdendo esta oportunidade. Vai precisar do meu conselho.
Ela saiu. Theo olhou mais uma vez para a camisola antes de segui-la.
— Tente não arruinar isso, Clara. Não é como se algum outro homem fosse querê-la agora — ele disse, partindo.
Jocelyn entrou depois que eles passaram e fechou a porta.
— Isso pareceu divertido.
Clara pensou que as últimas palavras de Theo soaram sinistras. Como se ele soubesse. Ou adivinhasse. Ela olhou para a camisola. Vovó deve ter se esquecido daquele cheiro, mas, como um jovem que acabou de descobrir a vida, Theo devia estar bem familiarizado com ele nos últimos tempos.
— Ajude-me a me vestir, Jocelyn. — Ela pensou naquela folha em branco aguardando-a na biblioteca. Deveria tentar progredir. Seria difícil. Seus pensamentos já flutuavam de volta à noite anterior, e seu coração, às sensações descobertas naquela intimidade.
Adam terminou a carta para Clara e entregou para o mordomo postá-la. Também deu instruções ao homem para repassá-las aos criados de uma de suas propriedades.
Terminada a correspondência, pediu seu cavalo e foi até a cidade. Conteve uma tentação de visitar uma casa em Bedford Square e continuou reto até um prédio perto de Lincoln’s Inn. Ali, apresentou-se nas câmaras de Claudius Leland, seu advogado.
O sr. Leland havia herdado seus deveres ao Duque de Stratton um ano antes da herança de Adam. Cartas do sr. Leland chegaram com regularidade em Paris, longas missivas contendo muitos detalhes sobre a propriedade. Com Adam fora, o advogado havia se responsabilizado por exigir relatórios de cada propriedade e até visitava as principais a cada trimestre. É verdade que ele falhara em ver como o administrador de Drewsbarrow roubara milhares de libras, mas o ladrão havia sido muito esperto com a contabilidade, e Adam não culpou o advogado pelo evento miserável.
Agora o sr. Leland o observava através dos óculos. Não era jovem, mas seu cabelo fino permanecera ruivo e sua cor ainda era saudável. Sentaram-se em duas cadeiras ao lado de uma linda lareira. Prateleiras de livros cobriam as paredes, a maioria delas preenchida por livros de contabilidade e arquivos. Uma estante funda tinha pergaminhos. Embora fosse cedo, Leland ofereceu xerez. Então aguardou ouvir o motivo da visita.
— Estou curioso sobre as joias da propriedade — Adam disse.
— Seus antepassados acumularam algumas peças caras ao longo das gerações. A maioria não está na moda hoje, mas as pedras e os metais são de valor muito alto. A maior parte está no banco. Uma pessoa não teria joias tão valiosas em casa assim como um homem prudente mantém milhares de notas no banco.
— E a propriedade é dona delas? Como isso funciona?
Sr. Leland cruzou as pernas. Parecia feliz em explicar esta especialidade particular para alguém, principalmente um novo duque que ainda precisava impressionar.
— Oficialmente, pertencem a cada duque. Não há como herdar tais coisas. Mas as tradições de herança o fazem. Por exemplo, é costume nas famílias que alguém, normalmente um advogado confiável, explique a uma nova duquesa que, enquanto ela pode usar as joias, e qualquer presente dado diretamente a ela pelo marido se torna sua propriedade pessoal, as joias da família não são dela de uma maneira legal e permanecem com a propriedade.
— Então meu pai ou avô poderiam ter dado qualquer dessas joias valiosas a quem quer que escolhessem. Ou vendido algumas.
— Assim como o senhor pode fazer agora, claro. Tem interesse em fazê-lo?
— Estou mais interessado em descobrir como alguém saberia se eu fizesse.
— Ah. Agora temos uma conversa que nos foi negada até agora. Ninguém saberia se o fizesse, exceto o senhor, eu e o próximo duque. É feito um inventário de tudo da propriedade quando há a morte de seu dono. Foi feito um por mim depois que seu pai faleceu. Outro inventário do valor da propriedade é feito a cada dez anos. Se há falta de conformidade entre os dois, é meu dever investigar por quê.
— Acredito que às vezes algo desapareça sem explicação.
— É meu dever encontrar, mesmo que signifique averiguar se houve roubo ou perda. Algumas vezes, com meus patrões, eu já sei que algo foi vendido porque está nas minhas contas. É mais comum meus patrões me informarem quando uma propriedade pessoal de tal valor é desembolsada para que eu possa anotar e não ficar em dúvida sobre o que aconteceu.
— Mas o primeiro inventário que fez foi depois de o meu pai falecer.
— É verdade, mas tenho todos os registros. Foram mudados para cá quando tive a honra de assumir o cargo de meu antecessor. Gostaria de ver o último inventário?
— Sim.
Leland se levantou e foi para os fundos examinar as prateleiras. Esticando-se, pegou um arquivo grande e grosso, que quase caiu em cima dele conforme o pegou. Colocou em uma mesa com um barulho alto.
— Agora, vejamos... — Ele o abriu, colocou o dedo em uma página no fim e virou as páginas pesadas. Folheou mais, depois recuou. — A seção relacionada a joias está bem aqui.
Adam se inclinou para a página. Linha após linha descrevia as joias em detalhes.
— E o inventário anterior a este?
Leland colocou um papel na página atual, depois procurou o anterior.
— Não está tão completo, claro. Nem todas as rédeas dos estábulos, por assim dizer. Somente superficialmente. — Ele encontrou o inventário, folheou e gesticulou. — Aqui. 1811.
Adam conferiu a lista. Batia bastante com a recente.
— E o inventário de 1801, se não se importa.
Leland pareceu perturbado. Encontrou o inventário, e Adam viu imediatamente uma divergência.
— Este conjunto aqui não está nos dois últimos.
Leland olhou a página.
— Filigrana de ouro com pérolas e safiras, coroa e colar. — Folheou os inventários seguintes. — Parece que não. Presumo que seu pai tenha explicado a ausência antes de 1811, ou na época esse inventário foi feito por meu antecessor.
— Ou um erro foi cometido.
— Não cometemos erros, Sua Graça.
O conjunto fora removido da lista, isso era certo.
— Sabemos como se parecia? Posso encontrá-lo em um armário algum dia.
— Claro que sabemos. — Leland voltou à prateleira. Desta vez, usou uma escada a fim de acessar a prateleira mais alta e tirou uma caixa nomeada Stratton. Trouxe-a até a mesa. — São desenhados. Provam-se úteis em muitas situações.
A caixa incluía desenhos datados de pratarias e quadros, assim como joias. Adam reconheceu muita coisa da propriedade. Depois de pesquisar um pouco, descobriu o desenho das joias desaparecidas.
A descrição simples não lhes fazia jus. Só o colar tinha, no mínimo, trinta pérolas e cinco safiras de um bom tamanho. O ouro fora trabalhado como filigrana, mas com muito mais quilates que a palavra implicava. A coroa era ainda mais rica.
— Pesada — ele disse. — Imagino se alguma duquesa a usou.
— Talvez uma bem robusta. — Leland deu risada de sua piadinha.
— Gostaria de levar isso comigo.
— É seu, claro. Talvez encontre a joia algum dia, guardada em um lugar tão bom e seguro que foi esquecida. Não posso nem lhe dizer o quanto isso acontece. Pensariam que alguém dono de coisas tão valiosas se lembraria do que faz com elas.
Adam dobrou o desenho e guardou em seu casaco. Seu pai lhe mostrara todos os lugares seguros e bons das propriedades da família. Ele os checaria. Não pensava que eram essas joias que Clara disse que Lady Hollsworth mencionou, no entanto. Elas tinham desaparecido há muito mais tempo. Já que nenhuma outra sumira, provavelmente Lady Hollsworth cometeu um engano ou repetiu algum boato infundado.
Não eram o dinheiro nem as joias. De que outra maneira um homem poderia ajudar o inimigo enquanto permanecia na Inglaterra?
Dois dias depois, Clara estava descobrindo que ter um caso mantido em segredo de absolutamente todo mundo exigia um nível extraordinário de evasão. Um que ela começara a acreditar não possuir.
Começou bem simples, com um convite de Stratton para acompanhá-lo ao Epsom Derby Stakes. Iriam com a carruagem dele, ele propôs, e ficariam em uma de suas propriedades não muito longe do centro. Em sua empolgação inicial, ela respondeu e concordou.
Então o planejamento começou. Como explicar sua ausência da casa? Os novos criados aceitariam o que ela dissesse, mas Jocelyn acharia suspeita qualquer desculpa. Pior, como explicar sua presença na corrida com Stratton como acompanhante? E como explicaria sua hospedagem caso alguém perguntasse, o que certamente aconteceria?
Nem todo mundo estaria lá, mas uma boa parte da cidade faria a curta viagem. A maioria dos jovens estaria lá, com certeza. Isso significava que Theo provavelmente a veria. E teria suas suspeitas confirmadas. Se contasse à avó que ela e Stratton tinham... estavam... Era suficiente dizer que seria um inferno.
Passou por sua mente, enquanto pensava quais mentiras funcionariam e se ela estaria disposta a usá-las, que o duque não se importava muito se todos assumissem o pior deles. Ele não tinha mencionado de novo que se casariam? Como se estivesse falando sério mesmo sobre isso? Talvez contasse com um escândalo pendente para fazê-la mudar de ideia sobre a resposta.
Ela não fingiria que não tinha imaginado se casar com ele algumas vezes nos últimos dias, mas colocou a culpa na influência latente da intimidade deles. No entanto, quaisquer fantasias otimistas que ela conjurasse seriam rapidamente derrotadas pelas realidades das quais não poderia fugir.
Ficaria sem controle de sua renda. Sem independência. Não mais poderia subsidiar o Parnassus e acabaria a publicação. Seria triste ter que contar a Althea e às outras que a aventura terminara. Quase não seria mais uma pessoa, verdade seja dita. Com algumas palavras, ela teria se tornado uma mulher que não reconheceria.
Decidiu que não havia como ir ao Derby Stakes com Stratton. Isso a entristeceu em um nível surpreendente, e não apenas por causa de sua decepção em não ver a corrida. A fim de dissipar a melancolia, decidiu visitar algumas livrarias para ver se as cópias do Parnassus estavam vendendo.
Seu cocheiro a tinha ajudado a comprar uma carruagem modesta e um par de cavalos, e pediu a ele que a trouxesse. Ela controlaria seu humor e escreveria a Stratton à noite explicando sua mudança de decisão.
Não havia ido muito longe quando decidiu que a companhia de uma amiga ajudaria a melhorar seu ânimo, então deu ao cocheiro o endereço da casa de Althea.
Sua amiga morava com o irmão em uma rua perto da St. James’s Square. Clara foi levada para a sala de estar, onde Althea sofria em silêncio enquanto sua cunhada conversava com outras visitas. Os olhos de Althea se iluminaram quando ela viu Clara entrar. Ela pulou para apresentar Clara às damas reunidas e, na primeira oportunidade, levou-a para o lado.
— Você é uma santa — Clara disse. — Eu teria enlouquecido se tivesse que fingir que as amigas dela eram minhas amigas.
— Não me importo normalmente, mas neste momento estou muito feliz em vê-la.
— Despeça-se delas. Estou com minha nova carruagem lá fora. Vamos visitar algumas livrarias.
Althea provou concordar extremamente. Quinze minutos mais tarde, pararam na primeira loja e entraram para contar as cópias.
— Estão faltando três — Althea relatou quando voltaram à carruagem. — Vamos verificar a Johnson’s, na Oxford.
As novidades lá as emocionaram. Só faltava uma cópia ser vendida.
Quando saíam da loja, uma voz chamou Clara. Ela se virou e viu Stratton saindo de uma loja a quatro portas dali. Althea lhe lançou um olhar confuso.
— Ele e eu conversamos às vezes — Clara explicou. — Não deveria ignorá-lo.
— Claro que não. Seria muito errado ignorar um homem tão bonito.
Ele pareceu feliz em vê-la. E Clara não conseguiu esconder que também estava feliz. Esperava que fosse apenas isso que revelasse, e não o resto do que sentia. Alegria, calor e ecos de vibrações sensuais a inundavam. De canto de olho, viu Althea compreendendo tudo.
Fez as apresentações. Stratton conhecia o irmão de Althea, que se lembrou da mãe de Stratton. Finalmente, Clara se virou para a amiga.
— Tenho algo que preciso dizer ao duque. Pode nos dar licença por um minuto?
Althea sorriu gentilmente e foi até a vitrine de uma loja admirar os produtos.
— Não posso ir — Clara disse baixinho. — Sei que combinamos, e quero muito ver a corrida, mas não importa o quanto tente planejar, só vejo as fofocas se espalhando rapidamente depois. Não há como ser discreta.
— Dane-se a discrição.
— Não pode pensar assim.
— Não, não penso. Pelo menos, para o seu bem, não penso. — Olhou além dela. — Convide sua amiga. Leve-a com a senhorita. É sua carruagem? Planeje ir com ela. Vou cuidar do resto. — Ele olhou para Althea de novo. — Pode ter que lhe contar. Pode confiar nela?
— Ela deve ser a única pessoa em que posso confiar. Certamente é a única pessoa que sei que guarda segredo.
Ele inclinou a cabeça. Seu sorriso charmoso provocou um arrepio até seus dedos do pé.
— Tem segredos além de mim? Que intrigante. Agora vou precisar descobrir quais são.
Ela chamou Althea de volta.
— Deveríamos continuar nossas tarefas, Duque. Bom dia para o senhor.
Adam foi embora, e elas subiram na carruagem. Althea colocou a cabeça para fora da janela a fim de observar o duque se afastando. Depois se acomodou, colocou a bolsa no colo e olhou diretamente para Clara.
— Há alguma coisa que queira me contar, querida? Porque acho que compartilhou muito mais do que conversas com aquele homem.
Assim que Clara falou para Adam que a amiga se juntaria a ela, seu plano se encaixou. Ele deixou uma casinha em Epsom para as damas. Só que elas não iriam usá-la, na verdade.
Adam compartilhou seu plano genial com Langford e Brentworth, naquela noite, em um salão de jogos enquanto jogavam.
— Você está desafiando o diabo — Brentworth disse. — Pelo menos metade da cidade estará em Derby Stakes. As estradas de Surrey estarão lotadas com carruagens. Com certeza o irmão dela irá. Poderia se ver casado com a ponta da espada.
— Não entende? Stratton não vai ao Derby — Langford revelou. — Se tivesse a mulher que queria sozinha em um lugar privado, interromperia o romance para desperdiçar um dia em uma corrida de cavalos?
— Talvez ele queira ver a corrida. Talvez ela queira.
— Prometi que ela veria a corrida — Adam contou.
— Ela não vai sentir falta se você não for desajeitado. Tenho que aconselhá-lo nisso também?
— Por favor, não — Brentworth pediu. — Imploro a você, e Stratton insiste, tenho certeza.
Langford fez algumas apostas.
— Vou apostar com vocês dois que não fará sentido ir à corrida. Estou confiante de que meu conhecimento vasto sobre mulheres está correto. Diga quanto.
— Cem libras — Adam disse.
Langford parou e desistiu de suas apostas.
— Retiro o desafio, se aposta tanto assim. Já que você tem controle do resultado, devo concluir que vai garantir que ganhe, mesmo se for contra seus interesses.
— Se sedução fosse meu único objetivo, não precisaria sair de Londres. Ela quer ver a corrida, e eu vou passar por uma dificuldade considerável para conseguir isso. Tanto que, mesmo que ela insista em abdicar disso, vou exigir que completemos o plano.
Langford deu risada.
— Não, minha querida, não podemos ficar na cama o dia todo. Temos que ir para Epsom em breve. Pare com esses carinhos. Não serei persuadido pelas artimanhas femininas de mudar o plano. — Ele imitou a voz de Adam.
— Ignore-o — Brentworth disse. — Procure meu lugar na corrida. Vamos assistir juntos e brindar ao vencedor, que espero que seja o meu cavalo.
Ele e Langford começaram a falar de probabilidades e da competição. Adam observou a roda girar. Três dias até Clara se juntar a ele em Surrey. Tinha certeza de que ficaria louco antes disso.