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Lembro-me de um sol laranja, fugindo para além do oásis de En Gedi, na costa ocidental do Mar Morto...
Recordava os relógios da nave...
Eles indicavam 21 horas de quinta-feira, 28 de junho, 1973.
Eu estava de volta ao meu tempo...
Logo escureceria.
Tínhamos falhado!
O "berço" acabara de precipitar-se nas águas do Mar de Sal. Eu pulei primeiro. Melhor dizendo, Eliseu, meu companheiro, me empurrou. E eu afundei...
Depois, espantado, eu contemplei a nave. Afundava e desaparecia nas profundezas.
O que tinha acontecido?
O módulo deveria ter pousado no topo do platô do Massada. Isto estava programado. Mas nós falhamos...
Eu pensei no combustível. Havia esgotado...
Não, não exatamente. Poderíamos ter pousado na "piscina”...
Por que não o fizemos?
Eu estava meio inconsciente. Era Eliseu que estava pilotando.
Eu não conseguia entender...
Olhei ao redor.
Negativo.
Nenhum sinal de meu companheiro.
"Está feito - eu tentei me tranqüilizar. Certamente nadou até a praia...”
Eu me sentia sem forças.
"Onde eu estava?"
Eu queria me orientar, mas estava difícil.
Eu reconheci a costa oriental do Mar Morto (hoje Jordânia). E isso foi tudo. Eu estava a cerca de 200 metros.
O lógico seria nadar no sentido oposto e procurar a margem judaica. Mas desisti. Estava muito longe. Quase 15 km.
Depois eu soube: o "berço" caiu no mar em frente a desembocadura do Wadi Mujib. Nesta região do mencionado Mar Morto – entre Mujib e En Gedi - a profundidade é máxima: cerca de 300 metros. A nave tinha, provavelmente, descido até o fundo, em uma camada de lama de uma centena de metros de espessura. Areia movediça autêntica e muito perigosa. Qualquer coisa que cai nessa área desaparece para sempre... [1]
Tentei nadar. Eu não consegui. Eu estava exausto.
Eu me deixei ser levado pelo vento e a corrente. Eu não tive escolha.
O vento não estava muito forte, mas soprava. Empurrava-me para o sudeste.
Eu sabia que nessa época do ano, durante o verão, os ventos se apresentavam antes do meio-dia e morriam pouco antes do pôr do sol. Quanto às correntes, no mês de Junho eram suaves: em torno de 15 centímetros por segundo, seguindo no sentido oposto aos ponteiros do relógio [2]. À noite, essas correntes se tornavam mais intensas e ultrapassavam o meio metro por segundo. Resumindo, o vento e as correntes empurravam-me, inevitavelmente, à referida costa leste, especificamente ao sul do Wadi Mujib.
Agora, ao escrever esta parte dos diários, eu entendo. Eliseu, que conhecia estas circunstâncias, tinha tudo planejado... Mas eu tenho que ir passo a passo.
Então reparei no traje de astronauta. O instinto me avisou. Eu tinha que me livrar dele. Se os judeus ou jordanianos acabassem me localizando, o que eu poderia dizer? O que fazia um ianque, vestido como um astronauta, no árido litoral do Mar Morto?
Eu me livrei do pesado e chamativo traje que ficou ali, flutuando na água vermelha.
O sol desapareceu às 21 horas e 36 minutos.
E o silêncio, curioso, olhou-me desde o alto. A lua já havia surgido...
Senti-me triste. Uma tristeza profunda e intensa...
Estava tudo acabado. A operação Cavalo de Tróia virou fumaça. Ele já não estava...
[1] De acordo com as nossas informações, o ritmo de sedimentação nos últimos 15 mil anos é 6,5 milímetros por ano, em média. Dada a inclinação do fundo do Mar Morto, a maior parte do lodo foi se acumulado ao longo das duas grandes bacias existentes ao norte (em frente ao rio Nahaliel) e no centro (En Gedi-Mujib). (N. do m.)
[2] Ao longo das margens do Mar Morto, as correntes de água circulam no sentido contrário aos ponteiros do relógio, devido ao efeito Coriolis (a força que se origina a partir do rotação da Terra e que move os fluidos no sentido horário na metade norte do globo, e para a esquerda no hemisfério sul). Na costa oeste do Mar de Sal, a direção da corrente é para o sul e na margem oriental circula ao contrário: para o norte. (N. do m.)
Eu inclinei minha cabeça para trás e me coloquei nas mãos do Pai Azul mais uma vez. Ele sabia. E eu orei: "Pai, me recebe! Eu me consagro a Ti agora, no tempo...”
E as ondas suaves, quase brincando, me confortaram.
"O que aconteceu?... Jesus de Nazaré... O Mestre levantou o braço esquerdo e acenou... Se despedia de quem isto escreve... Nunca mais voltaria a vê-Lo.”
Era tudo o que eu me lembrava.
Tarde da noite eu cheguei à costa...
Era tudo silêncio e escuridão. As luzes mais próximas estavam na zona judaica, espreitando aqui e ali. Ninguém parecia ter notado a presença, e posterior afundamento do "berço". Mas eu não deveria confiar...
Toquei as pedras que formavam a praia. Mostraram-se quentes e suaves. Agradeci. Eu estava exausto. Eu precisava de um pouco (de muita) ternura. Meu coração também tinha saltado pelo ar... Ela também, eu não voltaria a ver... Minha querida Ruth...
Explorei com o olhar o que tinha ao meu alcance, mas foi uma inspeção quase inútil. Atrás de mim estavam os penhascos negros que eu conhecia bem. Um pouco mais acima, ao norte, ficava o leito seco do Mujib, repleto de desolação e serpentes. No alto, em preto e branco, um firmamento espetacular.
Eu permaneci caído na margem - eu não posso dizer por quanto tempo - em uma vã tentativa de organizar as idéias e sentimentos. Tudo estava escuro e confuso, como aquele mar de morte.
"O que devia fazer? Como entrar em contato com o pessoal do projeto?... Como explicar o que nem eu mesmo sabia?... Tentava chegar ao Massada?... Estávamos em junho. O mais provável é que os homens de Cavalo de Tróia não estivessem mais no planalto. Eu tinha um problema, sim... Apenas um?”
Eu ri sem querer...
Eu lutei para levantar, e tentei várias vezes.
Mas não consegui. As forças tinham ficado pelo caminho...
E ali continuei, desmoronado, e na companhia de mim mesmo.
Prestar atenção à superfície do lago. Eu queria ver ou ouvir o meu companheiro, mas foi só isso: pura boa fé. Não havia ninguém ali. O mar se mantinha ligeiramente ondulado e hostil.
Gostaria de lamentar a morte de Eliseu, mas não foi possível. Não havia lágrimas.
As estrelas, como outrora, elas entenderam. Algumas brilharam mais intensamente, deixando-me saber que também se sentiam sozinhas e desamparadas. Agradeci e acabei aconchegando-me no leito de pedras e na vontade do Pai.
Foi assim que adormeci, dormindo profundamente.
Eu precisava disso.
E me vi assaltado por uma série de absurdos e angustiantes pesadelos.
Um deles me pareceu particularmente duro e macabro...
No sonho, o "berço" afundava no Mar de Sal...
Eu voltava para a superfície. Nadava apressadamente...
Então eu o vi.
Era Eliseu, meu irmão... Ele estava no interior da nave... Olhava-me através de uma das vigias... Estava vomitando sangue... E sorria maliciosamente.
Ele afundou na escuridão...
Eu queria nadar ao encontro do módulo, mas não foi possível. A salinidade, como uma sereia, puxava quem isto escreve para cima.
Em outra janela apareceu o general Curtiss, chefe da missão. Também me olhava.
Na mão esquerda mostrava o cilindro de aço contendo as amostras de sangue e cabelo do Mestre, da Senhora, de José, o pai terreno de Jesus, e de Amós, o irmão do Rabi. Na direita segurava um daqueles enormes charutos cubanos...
O que fazia Curtiss no "berço"? Não era o seu lugar...
E o general gritou no sonho:
"E terminou o prazo, seu maldito escrevinhador!"
Eu soube. Ele estava se referindo ao ultimato que Eliseu me deu em 24 de dezembro do ano 26 D.C. Eu tinha um mês para devolver o maldito cilindro.
E eu gritei, também no pesadelo:
- E se eu não fizer?
Curtiss clamou:
- Então regressarei sem você...
Isso foi o que Eliseu respondeu naquela oportunidade [3]. Como ele poderia saber?
Que absurdo!
[3] Ampla informação em “Operação Cavalo de Tróia 9 – Caná (N do A)
Nunca mais regressei para Beit Ids, nem pretendia fazê-lo. O cilindro de aço foi roubado pela garota selvagem. Eu queria gritar-lhe, mas a nave se perdeu no fundo.
Nadei no sonho, desesperadamente. Eu queria fugir daquele lugar. Estava me afogando...
A salinidade seguia me puxando, como uma criatura infernal.
Consegui alcançar a superfície e nadei até a margem oriental do lago.
Estava ficando escuro. Neste dia 28 junho de 1973 - eu sabia - o sol se esconderia às 21 horas, 36 minutos e 53 segundos. Como eu poderia saber uma coisa dessas em pleno sonho?
Mas, de repente, a salinidade se voltou contra mim. Me pegou pelos pés e senti que puxava quem isto escreve.
Eu afundava!
Não era possível... No Mar Morto isto não acontece. Ao contrário. Além disso, a salinidade não atua assim... Engoli água... Era amarga, sem nenhum vestígio de sal... Oh, Deus!
Eu estava a um passo de distância da margem...
Eu notei que as forças me abandonavam. E ela continuava me arrastando.
Então eu ouvi um riso distante. Era de Curtiss. Vinha do fundo...
Eu pensei que minha hora tinha chego.
E eu estava prestes a desaparecer sob as águas quando o vi na praia. Ele fez um sinal com os braços. Era ele, outra vez!
Ele me jogou uma corda e eu me agarrei a ela.
Mas salinidade percebeu a manobra e puxou este explorador com mais violência. Eu afundei de novo...
Continuei agarrado ao cabo salvador, e com toda a minha força. Eu podia sentir a corda puxando-me para a superfície.
E em torno de mim surgiram centenas de bolhas. Elas vinham das profundezas. Vinham com pressa.
Meu Deus!
Dentro de cada bolha flutuavam as diabólicas risadas de Eliseu e do General. Estavam por toda parte...
Mas a salinidade acabou vencida e a corda foi me puxando em direção à margem.
Lá estava ele...
Ele enrolou a corda e, sem dizer uma palavra, deu meia volta e foi embora.
Ele era o homem de dois metros de altura... O tipo do sorriso encantador!
Eu estava perplexo.
Então, aquele fascinante personagem virou-se para quem isto escreve, mirou-me, e ouvi uma voz na minha cabeça. Eu não o vi mexer os lábios. E a "voz" disse: "Você regressará..."
O sorriso era incrível. Espetacular. Preenchia tudo no sonho.
E ele repetiu:
"Você regressará com ele..."
Então ele se afastou, saltando ágil entre as rochas.
No sonho, logo escureceria...
Acordei no meio da manhã.
O sol, quente, acariciou-me com delicadeza. Era como se ele soubesse.
Fiquei por um tempo sem me mover. E na memória regressaram algumas das imagens vívidas (ou sofridos) em um dos pesadelos da noite anterior.
Por que o tipo do sorriso encantador tinha me puxado, salvando-me? Eu já não desempenhava nenhum papel... E, acima de tudo, o que ele quis dizer com aquele "regressará com ele"? Além disso, por que eu escrevo "ele" em letras minúsculas? Não se referia a Jesus de Nazaré?
Deixei de lado as reflexões. Era apenas um sonho. Um sonho ruim... Ou não? E lembrei-me também da recomendação do Mestre: "Encontrar a pérola em cada sonho..."
O que desejava transmitir o homem de dois metros?
A realidade tocou no meu ombro e me fez voltar ao presente.
O mar continuava azul e quieto, como se nada tivesse acontecido.
Levantei-me com dificuldade e verifiquei o que já suspeitava: Eu estava muito perto da desembocadura do wadi, ou leito seco do rio Arnon (Mujib). A cerca de 50 metros ao sul.
Eu procurei com o olhar, ansioso.
Nenhum sinal de Eliseu, ou do "berço".
E o pressentimento (?) (não sei como chamá-lo) surgiu pesado como chumbo. Eu devia me acostumar com a idéia: meu companheiro estava no fundo do Mar de Sal, morto.
A memória seguia me negando esta informação. Lembrava dos vômitos na praia de Saidan. Lembrava de Zal, correndo na direção do Mestre. Recordava do despertar na nave e, finalmente, o empurrão do engenheiro. Isso era tudo.
De repente, ouvi algo.
Era o típico e tranquilo tilintar de um rebanho.
Realmente, eram cabras. Pastavam e se equilibravam entre as pedras alaranjadas espalhadas pelo wadi.
Logo descobri o pastor.
Ele era um menino.
Ele estava agachado em uma dos rochedos, me observando. Ele portava um cajado.
Quanto tempo estava me observando? E o que importava isso...!
Tentei pensar rápido. O que devia fazer? Pedir ajuda? Talvez o menino soubesse algo...
Eu acabei levantando a mão direita e gritando. E eu fiz em Inglês...
Não houve resposta. Melhor dizendo, respondeu sim, a sua maneira.
Ele percebeu que algo estranho estava acontecendo, e que aquele velho magro e seminu precisava de ajuda. Ele se levantou e se afastou correndo. Vi-o desaparecer no Mujib. Ali ficaram as cabras, indiferentes.
E eu me sentei na praia, desapontado.
Eu tinha que encontrar uma solução.
Eu tentei caminhar. Somente dei 3 passos. Eu tive que parar. Aquela dor insuportável no estômago voltou e me dobrou. Eu caí de joelhos. Comecei a suar profusamente. E, novamente, os calafrios.
Os vômitos de sangue não tardariam a aparecer...
Mas o coração foi se acalmando e dor foi embora, por enquanto. Fiquei imóvel. Eu sabia o tipo de mal que me assombrava e isso multiplicou a angústia.
Depois de um tempo eu ouvi vozes.
Levantei-me, como pude, e consegui ver o pastor. Aproximava-se. Com ele, igualmente rápidos, três homens se aproximavam. Pareciam árabes. Eles usavam as amplas dishashas (túnicas beduínas) e seus turbantes brancos. Era provável que estivesse diante de uma família Badawi (nômades).
Pararam a uma curta distância e me observaram. Eu compreendi a sua estranheza.
Dois dos homens eram jovens. O terceiro tinha cerca de 50. Era encorpado e de baixa estatura. Percorreram-me com o olhar, de cima a abaixo, e eu fiz o mesmo. Os jovens apresentavam as khanjas no cinturão, umas adagas curvas e largas, bastante temidas.
Eles conversaram entre si, mas eu não consegui ouvir. O menino se manteve em silêncio. De vez em quando pegava uma pedra e corrigia o movimento das cabras.
Sinceramente, não me agradou.
O mais baixo avançou e ficou cerca de três metros de quem isto escreve. Ele voltou a percorrer-me com o olhar e perguntou, em árabe, quem eu era e o que tinha acontecido.
Tinha os olhos vermelhos, como se não tivesse dormido, e uma barba preta cerrada.
Eu não respondi. Eu não sabia o que dizer...
O árabe, sem alterar-se, perguntou novamente. Desta vez em Inglês.
Também não respondi. Tentava pensar, mas a mente estava em branco. Eu dei de ombros.
Eu acho que o homem gordo viu minha angústia e parou de questionar. Ele voltou para os outros e conversaram. Um dos rapazes apontou para mim e me chamou de "velho tolo". Eles continuaram a discutir, e em voz alta.
O que me chamou de "louco" queria dar meia volta e deixar-me à minha própria sorte. O barbudo repreendeu-o, acusando-o de desumanidade. E invocou o Deus dos cristãos. Eu estava diante de um grupo de árabes cristãos?
A discussão durou por alguns minutos.
Não houve nenhuma maneira de entrarem em acordo.
E de repente, um dos jovens (o que menos falou) se distanciou do grupo. Ele caminhou até este desconsertado explorador e, ao aproximar-se de mim, ele parou e puxou o punhal de aço.
A khanja advertiu com um par de flashes.
Eu instintivamente dei um passo para trás.
O que ele queria? Eu estava nu. Ele não tinha nada de valor...
O árabe de baixa estatura gritou ao do punhal, advertindo-o para não fazer nada estúpido.
O da khanja não prestou atenção. Ele continuou em silêncio, observando-me, ou melhor, observando meu pescoço. Nestes momentos críticos eu não me dei conta...
E o segundo jovem, seguiu os passos do primeiro.
Ele ficou atrás de mim, mas não disse nada. Ao passar observei a khanja desafiante. Continuava na cintura do árabe.
Senti falta da “pele de serpente”...
Eu estava sem forças. Eu estava desarmado. Aqueles miseráveis poderiam cortar minha garganta, apenas pelo prazer de fazê-lo.
Eu não tinha saída...
O que portava a adaga seguia olhando para o meu pescoço. Ele parecia estar interessado na placa de bronze, minha placa de identidade. Eu pensei isso... Mas não.
De repente ele falou e, em árabe, disse algo sobre uma pérola.
Eu não sabia a quê ele se referia. Eu não tinha nenhuma pérola.
Meu silêncio o irritou.
Sacudiu a Khanja lentamente, e a ponta foi buscar o cordão que suspendia a chapa de metal.
O árabe de baixa estatura gritou novamente, ameaçando. E ele ordenou que os de punhais se retirassem imediatamente.
Não obedeceram.
- Eu quero a pérola! - Reclamou aquele que estava em minha frente.
Eu neguei com a cabeça, mas o árabe interpretou mal o gesto. Só queria dizer que eu não tinha nenhuma pérola...
O segundo árabe, o que estava atrás de mim, me insultou, e aconselhou-me a obedecer ao seu comparsa.
- A pérola...!
A adaga levantou o cordão, e agitou a placa. Foi quando a "pérola" tilintou em contato com a placa de bronze. Foi então que eu a vi...
Eu não tinha reparado nela, ou melhor, "nele".
Estava pendurado no referido cordão, através de um pequeno anel de ouro.
- A pérola, maldito estrangeiro!
Notei a segunda adaga em minhas costas.
E ambos reclamaram a "pérola" pendurada no meu pescoço. A "pérola" preta, de tamanho pequeno... Como chegou até mim? Não recordava...
- Pela última vez, entrega-nos a pérola!
O que estava diante de mim aproximou o khanja, e afundou-o levemente na pele.
Eu levantei minha cabeça e tentei dizer alguma coisa. Eu não poderia explicar. Teria sido inútil e absurdo.
Eu pensei que minha hora tinha chegado...
Finalmente balbuciei:
- Não é uma pérola...
Foi então que o terceiro árabe, o baixinho, gritou e correu para nós.
Seus companheiros olharam para ele, perplexos.
E o de barba preta fechada situou-se diante daquele que ameaçava com o punhal no pescoço.
Ele carregava um revólver na mão direita. Ele agiu com rapidez e precisão.
Ele apontou a arma a poucos centímetros da têmpora esquerda do indivíduo da khanja e ordenou aos dois que guardassem os punhais e voltassem para o acampamento.
Hesitaram.
Era uma arma que eu nunca vou esquecer. Tinha o cabo de marfim. Provavelmente era um Smith & Wesson, calibre .44 Magnum, com um cano enorme de 8.5/8” polegadas (21,9cm).
A mão que estava carregando a Magnum 44 não tremeu em nenhum momento. O homem sabia o que queria e, acima de tudo, sabia como fazer...
Ele engatilhou o revólver e o cilindro girou obediente. Era um tambor de seis tiros. A mira era ajustável com um clique micrométrico.
Os árabes se olharam, temerosos.
Então eu notei o dedo indicador do que estava segurando a temível Magnum 44. Acariciou o gatilho pela parte inferior do mesmo, fazendo alavanca. Isso significava que ele estava pronto para disparar...
Não foi necessário.
Os árabes compreenderam, guardaram os punhais e retiraram-se, murmurando palavrões e obscenidades.
Eles se afastaram em direção ao Mujib.
Meu salvador guardou o revólver com cabo de marfim e sorriu brevemente. Ele suava.
Foi nestas circunstâncias, que acabei conhecendo Marcos, o árabe que empunhava a Magnum, um homem literalmente bom.
Muito possivelmente, como eu digo, salvou minha vida.
Marcos, realmente, era um árabe cristão. Era guia por profissão. Sua residência habitual era Belém, mas ele poderia ser encontrado em qualquer lugar do mundo. Ele falava sete idiomas.
Ele estava no Wadi Mujib - segundo ele mesmo disse - preparando uma expedição arqueológica conjunta, na qual participavam a Associação de Expedições de Israel e o Departamento de Antiguidades Amã (Jordânia). Ele havia sido contratado por um velho amigo, o renomado arqueólogo judeu Dan Urman (na época na Galiléia). Os arqueólogos pretendiam escavar quatro das grandes cavernas do Nahal ou rio Arnon. Para isso, eles montaram um pequeno acampamento no referido leito seco do Mujib. Marcos era o líder na época. As escavações começariam no outono.
O bom árabe trocou algumas palavras com quem isto escreve. Tranquilizou-me e eu o fiz ver que eu não estava bem. Ele pediu para ter calma. Voltou para o wadi e eu o vi retornar, em breve, com uma mula e outro árabe, tão velho como eu, sem dentes e sem palavras. Ele era mudo.
Eles me ajudaram a montar o animal e eu fui transferido para o referido acampamento.
Ali eles me deram roupas e leite.
A dor tinha ficado na praia do Mar de Sal. Isso eu imaginei...
Nós conversamos um pouco e Marcos chegou à conclusão que se tratava de um ianque que, talvez, tivesse sofrido um acidente e padecia de amnésia temporária.
Não lhe dei muitas explicações. Nem teria feito muito sentido e, além do mais, estava proibido. A idéia da amnésia parecia oportuna e se encaixava bem. Deixei assim.
Marcos sugeriu que eu descansasse e me recuperasse. Tinha tempo para entrar em contato com as autoridades e decidir sobre meu destino.
Eu agradeci o novo gesto de generosidade e me dediquei a observar todos os que me rodeavam. Ali estavam os sujeitos dos punhais. De vez em quando me olhavam com desprezo... O resto dos árabes, contratado pelo Departamento de Antiguidades, era igualmente Badawi (beduínos). A maioria pertencia à família Di' Ab, do clã dos Hamaideh, assentados na região de Arnon desde tempos imemoriais. Eles eram pastores e contrabandistas. Na zona do Mujib viviam também os Haweitat, os Sararat, os Atawneh, os Sehour, os Gahalin e os Azazmeh, entre outras tribos não me lembro. Eles se odiavam e se suportavam, em partes iguais.
Marcos deu uma curta ordem à Daher, o chefe da família Di’ Ab. Ninguém devia me molestar. E a notícia se espalhou por todo o acampamento. O "ianque louco" era um amigo de Marcos. Isto quer dizer, intocável...
Assim se passaram cinco dias.
Tentei me recuperar, mas somente consegui parcialmente.
Toda manhã eu ia até o Mar Salgado e esperava, em vão, um sinal dos céus. Do "berço" e de Eliseu não detectei nenhum vestígio.
Mas eu acho que estou esquecendo alguma coisa importante: a mal chamada "pérola”...
O que ela estava fazendo lá? Alguém, obviamente, a pendurou no meu pescoço...
Mas quem?
A pergunta era estúpida. Se não fui eu (pelo menos não me recordava) só poderia ser o engenheiro...
Eu a acariciei e mergulhei em outro mar de dúvidas.
Como eu suspeitei, a "pérola" (eu gostei do nome dado pelo árabe) não era isso. Na verdade, tratava-se uma "DR" um Dream Reader ou "leitor de sonhos" no jargão dos homens do Cavalo de Tróia.
O "DR" era um delicadíssimo dispositivo (miniaturizado), de 5 mm de diâmetro, esférico, com um brilho negro (daí a confusão com uma pérola negra) e com 4 gramas de peso.
Que eu tivesse conhecimento, nunca foi usado nas diferentes missões.
No interior, como eu disse, não tinha nada a ver com uma pérola.
Em palavras compreensíveis: era (e é) uma revolucionária descoberta (de origem militar), que poderia ser definido como "captador de sonhos", com o correspondente arquivo-memória.
Em suma, em um "DR" podem ser armazenados todos os sonhos, e memórias, de um mamífero (ao longo de sua vida).
Ao conectar a "pérola" ao crânio, um complexo sistema magnético (muito semelhante ao "Nemos") encontra os "depósitos" das memórias (especialmente as memórias codificadas nos milhões de neurônios do hipocampo), copia-as e as transfere ao arquivo do "leitor de sonhos". Memórias e sonhos são armazenados como se fosse uma videoteca [4].
A velocidade de captação do "DR" é de 12,5 milissegundos. É o tempo necessário para formar um pensamento (eu gosto mais do termo "recepção de pensamento") [5].
A "pérola", no entanto, não foi incluída na bagagem científica do "berço" com a missão exclusiva de conhecer os sonhos e memórias dos personagens que devíamos seguir e estudar. O que realmente interessava do "DR", era sua capacidade de memória, semelhante à dos cristais de titânio [6] que formavam a essência do fiel computador central "Papai Noel", com a vantagem de seu pequeno volume. Não aborrecerei o hipotético leitor destas memórias com dados técnicos sobre o "leitor de sonhos." Direi simplesmente que sua capacidade de armazenamento de informação é ilimitada. Nós a chamávamos de memória "Alfabit", isto é, com princípio e sem final. Ela alcançava (teoricamente) o milhão micabytes (1010 brontos). Em outras palavras: um bilhão de vezes as letras contidas na Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos da América. A potência de transmissão era arrepiante: um bilhão de operações por fentossegundo (um fem, como deve lembrar, é equivalente a 10¯¹⁵ segundos), com uma "latência" abaixo de 0,01 fem.
A memória infinita do "DR" era igualmente ilimitada no tempo, podendo permanecer intacta e limpa por cerca de milhares de anos (em teoria até um milhão de anos) [7]. Era blindada. Poderia resistir a temperaturas de 1.200°C, assim como, imersão em ácidos ou água especialmente salgada.
Sim, acariciei-a e a contemplei por um longo tempo...
O que estava contido na "pérola"? Por que apareceu no meu pescoço? Porque nestes momentos críticos?
Minha mente naufragou mais uma vez.
Eu não conseguia me lembrar. Eu não sabia...
E o mar de dúvidas acabou engolindo-me. O Mujib não era o lugar ideal para dissipar semelhantes interrogações. A única coisa clara na minha memória é que a “DR” não foi utilizado por quem isto escreve. A não ser que ele tenha feito durante o tempo em que eu permaneci sem ficar em pé.
[4] Eu não estou autorizado a descrever, em detalhes, os delicados mecanismos do "DR". São segredos militares. Posso dizer que uma das "portas" de conexão com os "depósitos" das memórias são os sonhos REM ou paradoxais, já comentados nestes diários. O cérebro classifica nossas memórias graças, justamente, aos REM. Durante esse tempo, o que eu chamam memória de "curto prazo" é descartada. Estas cenas, objetos ou sentimentos que não interessam ser guardados. Normalmente são "apagadas" em menos de 30 segundos. As memória de "longo prazo", no entanto, sobrevive, e é armazenada quimicamente. Nós estaríamos diante de tudo aquilo que, por uma razão ou outra, impressiona na vida. Ou seja, o que vale a pena guardar. Pois bem, a consolidação desta memória "indelével" acontece durante o sono, mais precisamente, enquanto sonhamos (períodos REM). O "leitor de sonhos" aproveita esta rota de acesso REM para chegar a esses “depósitos” e absorver a informação. De qualquer forma, eu sempre me perguntava: que "criatura" é a que decide o que manter na memória e que para apagar? (N. do m.)
[5] Aprendi com o Mestre que os pensamentos não se formam, se recebem... (N. do m.)
[6] Ampla informação em “Operação Cavalo de Tróia 1 – Jerusalém (N do a)
[7] Atualmente (2012), os discos rígidos têm uma expectativa de "vida" que dificilmente supera mais de 50 anos. A partir desse momento eles entram em um período de "escuridão digital" e "morrem". Quanto à capacidade de memória dos computadores (não-militares), eu tenho a informação que eles são comercializados até 4 Teras.
As unidades conhecidas em informática são as seguintes: bit: a menor unidade (valor "0" ou "1"); byte: equivalente a 8 bits; kilobytes: 1024 bytes; megabytes 1024 kilobytes; gigabyte: 1024 megabytes; terabyte: 1024 gigabytes; petabyte: 1024 terabytes; exabyte: 1024 petabytes; zettabyte: 1024 exabytes; yottabyte: 1024 zettabytes e brontobyte: 1024 yottabytes. O micabyte não consta na informática civil. (N. do a.)
Debati-me na confusão.
Por que usar um "leitor de sonhos"? Eu não vi sentido nisso...
Pobre idiota. Nunca aprenderei.
Assim vi transcorrer aqueles dias, montado no medo.
Ele estava com medo de tudo, e por qualquer motivo.
O medo da dor... Eu sabia que iria voltar.
Medo do Destino... O que tinha reservado para mim?
Medo das pessoas em volta de mim... Medo da solidão...
Eu tinha vivido ao lado d’Ele... Eu estava acostumado... Eu seria capaz de viver sem Ele?
Como eu sentia saudade!
Sentado sobre os escarpados, com o Mar de Sal aos meus pés, eu pensava sem parar...
Em primeiro lugar, o que fazia com a minha vida? Regressava para a base de Edwards, na Califórnia? A idéia não me tentou. Depois de descobrir as verdadeiras intenções dos militares no meu país, em relação ao projeto de Cavalo de Tróia, francamente, não me sentia atraído [8]. Odiava Curtiss e todo o seu grupo...
Eu pensei que desaparecer. Eu poderia fugir. Não era difícil conseguir uma identidade falsa. Procuraria um lugar remoto e pacífico e ali esperaria o fim. Ao que tudo indicava não estava longe...
A idéia foi conquistando-me.
E eu me deixei levar pela imaginação.
Eu tinha algumas economias. Seria suficiente. E dedicar o tempo para escrever a nossa experiência com o Filho do Homem. Ninguém tinha vivido uma aventura como essa. Eu tinha que fazer. Era meu dever. Era necessário que o mundo a conhecesse.
Essa era a chave: a verdade sobre a vida e a mensagem de Jesus de Nazaré não podia permanecer oculta. A história e a tradição são traidores...
[8] Ampla informação em “Operação Cavalo de Tróia 9 – Caná (N do A)
Eu recordava de tudo (ou quase tudo). Minha memória era panorâmica...
Mas, enquanto eu me deixava arrastar por essas fantasias (ou não eram fantasias?), em minha mente se materializava também a crua e triste realidade: eles vão te procurar e te encontrarão...
Eu sorri para mim e escutei, em meu interior, a voz quente do Mestre: "Deixa que Ab-ba faça o seu trabalho..."
Contar a vida do Galileu tal e como ela foi?
Eu gostei do desafio... Na verdade, já havia começado. Ali estavam os diários.
Mas, o que eu estava pensando? Os diários estavam no banco de dados de "Papai Noel". A nave estava perdida...
Não importava, eu disse a mim mesmo. Começaria do zero. Procuraria este refúgio e me entregaria de corpo e alma, à tarefa de escrever.
O Pai Azul, eu suponho, sorriu com benevolência.
Sim, tudo é medido e cuidadosamente medido...
E os pensamentos se voltaram para o "berço" e o desastre final.
Destino curioso...
Recordava de como tinha planejado a destruição da nave, no caso das amostras de sangue e cabelo do Mestre e sua família retornassem conosco ao nosso tempo. Recordava o que disse a Eliseu naquele Agosto do ano 25 de nossa era: "Chegado este momento... quando a nave decolar do Ravid, você não deve perguntar sobre o que você estiver vendo. Simplesmente deve aceitá-lo.”
Sim, estranho Destino...
Nada disso aconteceu. O cilindro de aço, como eu disse, foi roubado pela menina selvagem de Beit Ids e o "berço", muito a meu pesar, afundou no Mar de Sal...
Durante aqueles dias no Mujib, os olhos e os pensamentos também foram elevados para o platô do Massada. Ele podia ser vista daquele lugar. Estava relativamente perto. Presumivelmente, os israelitas ainda estavam na "piscina", a mando da Estação de Recepção de Fotografias (via satélite) [9]. Nosso retorno foi programado para a noite de 19 para 20 de março deste ano de 1973. O acordo estipulava que os militares judeus iniciariam a recepção de imagem em 1 de abril. Infelizmente (?), nosso retorno ocorreu em 28 de junho, quase três meses depois do estabelecido por Cavalo de Tróia...
Imaginei que Curtiss, e o resto das equipes, resistiram ao máximo, até o último momento. Eles, então, calcularam o pior: estávamos mortos ou presos no passado...
[9] Ampla informação sobre o Big Bird e a estação de recepção de fotografias no platô do Massada em “Operação Cavalo de Tróia 2 – Massada (N do A)
Eu entendi a dramática situação. Curtiss e os seus homens não tiveram alternativa. Eles não deviam revelar seu segredo para os judeus. Eles desmontaram o instrumental “classificado” e voltaram para o deserto de Mojave.
A operação Cavalo de Tróia havia fracassado.
Eu acertei em tudo, exceto em algo. Cavalo de Tróia terminou, mas não foi um fracasso. Não para mim, muito menos para ele... Ele soube mover as cordas com perfeição.
Mas quem isto escreve, naquele momento, estava cego. Eu não soube ver...
4 de Julho.
Naquela quarta-feira, 4 julho (1973), tudo voltou a escurecer.
A dor voltou, e impiedosa.
A hematêmese (vômito de sangue) tornou-se intensa. Era um sangue negro, de clara origem gástrica, precedida por uma tosse suspeita e estranha. As fezes também eram negras, como o alcatrão.
Eu não tinha dúvidas.
O sangue estava sendo digerido.
O diagnóstico, em minha opinião, parecia claro: eu era vítima de uma hemorragia gastrointestinal.
Mau negócio...
Se fosse o que eu supunha, e se quisesse sair vivo, eu não tinha alternativa, a não ser me colocar nas mãos dos médicos, e com urgência.
Isto ficou claro em questão de minutos...
Para cumprir o grande objetivo, se pretendia escrever sobre o que havíamos vivido na Palestina de Jesus de Nazaré, era necessário voltar para a Base da Força Aérea em Edwards (Califórnia). Mais cedo ou mais tarde saberiam que eu estava vivo...
Além disso, havia a questão da "pérola". Para decifrar e conhecer o conteúdo, não tinha escolha a não ser acudir à tecnologia de Cavalo de Tróia. Só assim poderia "abrir" o "DR".
Em Edwards, naturalmente, poderia ser atendido pelos melhores médicos e especialistas.
Faria isso.
E eu me perguntei: por que eu estava com medo? Por que eu estou preocupado com o ingresso no Mojave?
Eu tratei de ficar calmo.
Eu tinha cumprido a minha parte. Ninguém poderia me recriminar.
Contaria a verdade...
E o Destino, eu suponho, sorriu zombeteiro...
Marcos e os beduínos logo perceberam a minha precária situação. Não foi possível evitar os vômitos de sangue. Eu me sentia novamente fraco. Eu mal conseguia ficar em pé.
E o árabe fez os preparativos. Levar-me-ia imediatamente para um hospital.
Eu digo que o céu me iluminou e consegui convencê-lo para que, antes de tudo, me permitisse falar com a embaixada do meu país em Amã, a capital da Jordânia. Marcos aceitou. Isso ficava no caminho para o hospital.
Ela não fez perguntas.
Agradeci-lhe.
E a meio da manhã, no lombo de mulas, pudemos ver a localidade de Mathlūtha. Não houve maneira de entrar em contato com a legação norte-americana (missão do governo, onde não existe embaixada). O único telefone dos badu não funcionava. Marcos decidiu. Deslocaríamo-nos, de veículo, até Amã. Era a coisa mais sensata. Lá falaria com a embaixada.
Em Mdab tivemos de trocar de transporte. A velha camionete, alugada em Mathlūtha, era um suplício a mais. Ela parava a cada quilômetro...
Finalmente, no final da tarde, paramos em frente à embaixada dos EUA em Amã. Fingi que estava melhor e roguei a Marcos que retornasse para Mujib. Na embaixada me atenderiam.
Foi uma despedida breve e emotiva. E compreendi melhor o Mestre: as despedidas não são boas...
"Eu regressarei", eu lhe disse.
O bom árabe assentiu com a cabeça. Ele tentou sorrir, mas não conseguiu. Ele deu meia-volta, entrou no veículo e saiu em alta velocidade.
Naquele momento, eu não imaginava que Marcos iria se tornar um homem-chave na hora da transmissão de meu legado. Mas isso iria acontecer algum tempo depois... [10]
O pulso acelerou. E a frequência ultrapassou os 110. Eu não sei se era devido à perda de sangue ou agitação lógica, ao responder a perguntas da policia militar que me interrogou.
Mostrei a placa metálica. Identifiquei-me e, depois de alguns telefonemas, a maquinaria norte-americana se pôs em movimento. O próprio embaixador se colocou no comando da operação de resgate daquele explorador. Dean era discreto e eficiente. Ele tinha sido cônsul no Congo Belga e embaixador do Senegal e Gâmbia. Saiba o que fazer...
Vereker, a esposa, tomou conta daquele compatriota enfermo e perdido...
Serei sempre grato a eles.
Depois de escurecer, uma ambulância, fortemente escoltada, me transportava para a fronteira com Israel. Lá, na Ponte Allenby, eu fui sedado. Minhas recordações são nebulosas...
[10] O Major se refere a Marcos Gabriyeh, que residia em Belém (ampla informação em “Operação Cavalo de Tróia 3 – Saidan (N do A)
Dirigimos-nos para o sul. Eu vi os cartazes da cidade de Be’er Sheva. Depois, nada. Adormeci.
Quando acordei, eu estava em uma cama de hospital.
Eu questionei as enfermeiras que entravam e saíam, mas nenhuma respondeu. Só que o faziam com sorrisos intermináveis.
Depois que eu descobri.
Eu tinha ido para o deserto de Negev, no sul. Naquele momento eu não sabia se o centro nuclear de Dimona ou na base de Nevatim. Ambos estavam relativamente próximos e ao leste.
Mas o que importa onde eu estava?
A dor diminuiu, graças à medicação fornecida na embaixada, em Amã. Continuava fraco e com a mente confusa.
E ali começou uma nova e perturbadora aventura...
Após o ingresso no hospital da base judaica (?), tudo foi de "primeira classe": rápido, positivo e amigável.
Fui submetido à correspondente analítica e no início da tarde de quinta-feira, 5 de julho, entrava na sala cirúrgica. Eles não tinham nenhum histórico médico e isso complicou, no início, o diagnóstico diferencial. Os médicos suspeitavam qual era o problema, mas não tinham total segurança. Poderia ser uma úlcera péptica ou talvez varizes esofágicas.
Um médico jovem e negro queria tranquilizar-me. "Essas intervenções - sussurrou – nós as fazemos 200 vezes por dia... Coragem!”
Ele mentia, mas eu agradeci.
Meus últimos pensamentos antes de cair no poço de anestesia, foram para Ele e para ela...
Horas depois acordei em uma pequena sala, ensolarada e espartana. A única companhia era um soro. Brilhava no alto.
Uma janela, muito tímida me mostrou o deserto do Negev. Ali passaria quase uma semana.
Naquela mesma noite, o cirurgião negro - eu nunca soube o seu nome - entrou na sala e me informou tudo.
A operação foi um sucesso.
Não se tratava de uma síndrome de Mallory-Weiss, felizmente [11]. Isso teria complicado as coisas...
Também foi descartada uma origem respiratória dos vômitos de sangue (hemoptise).
O problema estava numa úlcera péptica, que estava danificando a artéria gastroduodenal e causando hemorragia gastrointestinal preocupante [12]. Em última análise, o ácido clorídrico, ao perfurar a mucosa, causava aquela dor intensa.
A intervenção (uma vagotomia troncular com piloroplastia) foi limpa e relativamente confortável. A úlcera era oval, com um diâmetro de 1,2 centímetros.
O cirurgião não falou sobre a origem da úlcera. Poderia ser múltiplas coisas, mas eu intuí que a causa estava no estresse provocado no processo de inversão de massa dos swivels e também, certamente, a emoção vivida durante o terceiro "salto" tempo.
É claro que eu não disse nada sobre esta suspeita.
O que importava é que o mal tinha sido resolvido.
De qualquer forma, tinha que ficar alerta. Não era bom abusar de certos medicamentos. A úlcera poderia aparecer de novo [13]. Teria de controlar a dose de antioxidantes...
O pós-operatório foi bom e tranqüilo. Minto: não foi nada tranquila, mas por razões não relacionadas à cirurgia...
Vamos ver.
Eu devo seguir narrando, mas com ordem...
Não houve novos episódios de dor ou vômitos de sangue. Recuperei a normalidade da pressão arterial, o pulso se estabilizou, e a anemia foi recuando. Também não houve qualquer recorrência de fezes cor alcatrão.
[11] A síndrome de Mallory-Weiss é basicamente uma rasgadura no esôfago distal. Acompanha hemorragia gastrointestinal de origem arterial. Aparece em alcoólatras, embora possa ocorrer em qualquer paciente. Se tivesse apresentado um problema assim, como eu disse, a gravidade tinha sido extrema. (N. do m.)
[12] A úlcera péptica ocorre geralmente nos primeiros centímetros do duodeno (bulbo duodenal). É uma ulceração circunscrita da mucosa que perfura a mucosa muscular. Pode ocorrer em regiões banhadas por ácido e pepsina. Este tipo de úlcera é também frequentes ao longo da curvatura menor do estômago (gástrica). As chamadas pilóricas ocorrer, com menos frequência, no canal pilórico. O mesmo se aplica para os posbulbares. Também ocorrem no divertículo de Meckel. (N. do m.)
[13] Existem medicamentos, no caso da aspirina e fármacos anti-inflamatórios (corticosteróides e reserpina, por exemplo) que pode predispor ao desenvolvimento de uma úlcera (embora não necessariamente do tipo péptica). (N. do m.)
Sem demora, para a satisfação da equipe médica, comecei a dar passeios curtos, e ingerir alimentos não irritantes (especialmente leite e doses de antiácidos). Os israelitas me forneceram hidróxido de alumínio, com um laxante contendo, eu acho, hidróxido de magnésio (hidróxido de alumínio, como é conhecido, é susceptível de causar um impacto ou impactação fecal após o desenvolvimento de uma hemorragia gastrointestinal).
Naquela noite de quinta-feira, 5 de julho fui sedado com fenobarbital, a 15 miligramas por dose.
Eu dormi tranquilamente...
Então veio a sexta-feira, dia 6, com mais uma surpresa...
Após o café da manhã eu fui surpreendido pela visita do General Curtiss, o chefe de Cavalo de Tróia. Ele estava vestido de uniforme. Estava acompanhado de dois diretores do projeto e um terceiro homem, com roupas civis, que eu não conhecia.
Eles permaneceram alguns segundos na porta, desconcertados.
Compreendidos.
Aquele major não era o que havia se despedido em 10 de março (1973), quando se realizou o segundo "salto" no tempo [14].
Eu sabia bem. Minha aparência era a de um homem velho.
Eles caminharam lentamente até a cama, não acreditando no que tinham em vista.
Eu não sorri. Não mereciam.
Curtiss, provavelmente, foi o mais afetado.
E ali continuaram durante um par de longos segundos, sem saber o que dizer.
Não os ajudei.
O general estava pálido. Ele tentou falar, mas não sabia por onde começar.
Olhavam-me como se eu fosse um fantasma, um velho fantasma de cabelos brancos e pele enrugada como uma múmia chilena.
[14] Ampla informação sobre este “salto” em “Operação Cavalo de Tróia 2 – Massada (N do A)
- O que aconteceu? - conseguiu balbuciar um dos diretores.
Eu respondi com sinceridade. Eu não sabia.
- Mas como isso é possível? - Curtiss explodiu.
Os diretores solicitaram calma. O terceiro homem permaneceu em silêncio e impassível, contemplando-me desde os pés da cama.
Eu insisti. Eu não sabia o que tinha acontecido nos últimos minutos, quando o "berço" se precipitou para as águas do Mar Morto. Na verdade, eu não sabia nada desde muito antes. Mas me limitei a comentar o estritamente necessário. Eu não confiava.
-... A nave ficou estacionária - recordei - e meu companheiro acabou me empurrando... Eu não estava bem...
Realizou um tenso silêncio.
-... Então eu caí e afundei... A intensa salinidade terminou devolvendo-me para a superfície... Foi quando eu vi o módulo. Afundava...
- E Eliseu?
- Eu não sei nada sobre ele... Eu não cheguei a vê-lo no interior da nave... Eu acho que ele saltou...
- Você acha?
A pergunta do general era pura dinamite. Mas eu continuei frio:
- Eu não cheguei a vê-lo – repeti. Depois eu fui arrastado pelas correntes e apareci perto do wadi Mujib, na costa leste...
Curtiss, com raiva, não me deixou terminar:
- Nós sabemos onde fica o Mujib...
E ele insistiu:
- O que aconteceu com o seu co-piloto?
- Não era eu que estava pilotando - respondi com frieza. Eu estava meio inconsciente... Era Eliseu que pilotava o "berço”...
Um dos diretores intercedeu conciliador:
- O que aconteceu? Por que você estava meio inconsciente?
- Eu não sei... Eu não me lembro...
- Mentira!
O general berrava.
- Silêncio! - exigiu o diretor que acabara de perguntar. Assim não chegaremos a lugar nenhum...
Ele estava certo.
E todos nós tentamos nos acalmar.
- É possível que as hemorragias internas – eu aclarei – me debilitaram...
Isso eles sabiam. Curtiss e o resto estavam cientes da operação.
-... Depois um grupo de beduínos me recolheu...
- Por que você não chamou de imediato?
Pedi desculpas, refugiando-se no meu estado precário. Eu acho que não consegui convencê-los.
Não importava. A verdade, como eu descrevi, é que naqueles momentos iniciais eu não queria voltar. Eu não estava interessado no projeto e, muito menos, no general e seu grupo.
- Perdemos um tempo precioso...
O lamento de Curtiss não foi dirigido a ninguém em particular. Ele foi até a janela e ficou lá, distraído. Eu duvido que estivesse atento às dunas amarelas do Negev...
Naquele momento, eu não cheguei a entender o verdadeiro significado das últimas palavras de Curtiss: "Perdemos um tempo precioso...»
Então ele virou-se para quem isto escreve e ficou olhando para mim, muito sério.
Desta vez fui eu quem perguntou:
- O que você sabe sobre Eliseu?
Não houve resposta de ninguém.
Mensagem recebida.
O silêncio confirmou minhas suposições. O engenheiro não tinha dado nenhum sinal de vida. Afogara-se no Mar de Sal?
- Eliseu... Você acabou de dizer que afundou com o "berço”...
Corrigi o general. Eu não tinha dito isso. A nave desapareceu nas profundezas, mas eu não consegui distinguir meu companheiro no interior.
- Onde ela afundou?
A súbita entrada de uma enfermeira, com o termômetro na mão, interrompeu a conversa.
Ficaram em silencio.
Quando a jovem fechou a porta e desapareceu, Curtiss fez sua, a pergunta de um dos diretores:
- Onde poderia ter caído a nave? Você se lembra?
O tom se suavizou. O general era inteligente, muito inteligente...
- Eu acredito que a vi desaparecer não muito longe do Mujib...
- O mar tem cerca de 17 quilômetros de largura... Você não pode ser mais específico?
Eu entendi.
O que estava à paisana - o cara que eu não conhecia - puxou então um pequeno livro encadernado em preto e começou a escrever.
Olhei-o, intrigado. Quem era?
Mas voltei ao que importava...
- Não tenho certeza - hesitei. Estava anoitecendo...
Eu fiz uns cálculos, apesar de um pouco absurdos.
- Tinha que ser menos de uma milha do wadi...
- Bem, isso é alguma coisa - respondeu o general -. Um quilômetro e meio ao oeste do Mujib...
Eu assenti com a cabeça, e acrescentei:
- Mais ou menos...
O do livreto anotou a localização que eu acabara de informar e ficou olhando para mim, com sua caneta no ar. Parecia aguardar mais informações.
Eu o deixei querendo...
- Esperamos na "piscina" até o último momento - disse um dos diretores.
- Eu sei...
- Meu Deus... - clamou Curtiss -. Tanto esforço... Para nada!
E sussurrou, quase para si mesmo:
- Nós não temos nada...!
Acho que deduzi o motivo de seus lamentos.
Maldito bastardo!
E eu fiquei feliz pela "perda" do cilindro de aço, com as amostras de sangue e cabelo do Mestre e dos seus.
Eu não falei nada. Eu escolhi o silêncio.
Naquele momento, a enfermeira retornou. Ela consultou o termômetro e sorriu, satisfeita. A temperatura estava correta. Ela saudou e se retirou.
E o silêncio voltou a engrossar.
Eu fingi que não me lembrava e perguntei, pela segunda vez, por meu companheiro, o engenheiro.
Eles se olharam, perplexos.
Um dos diretores disse:
- Nós já dissemos: não sabemos nada sobre ele. Nós pensamos que você poderia nos dizer... Desde que nos retiramos do Massada, no final de março, tudo tem sido angústia e confusão... Nós os demos por mortos ou perdidos naquele "agora".
Eu também deduzi isso, enquanto estava com Marcos no leito seco do Arnon.
Quanto à "angústia", eu me permiti duvidar. As intenções de alguns eram outras...
A visita terminou e eu fiquei com o olhar perdido nas dunas do Negev. E eu tentei ordenar os pensamentos.
A máquina militar tinha começado a se movimentar...
Eliseu era esperto. Era difícil aceitar que ele tinha cometido o erro de ficar preso no "berço". Algo me dizia que o engenheiro estava vivo. Mas onde? O que realmente aconteceu? E se ele tinha sobrevivido, porque não dava sinais de vida? Tinha os recursos necessários para contatar Edwards.
Eliseu era mais esperto do que eu...
Algo não fazia sentido.
Eu não devia esquecer - de forma alguma - que Eliseu era um "escuro" [15]. Em outras palavras, um indesejável com QI extraordinário. Não importava o que tinha acontecido. Não importava que ele tivesse sido curado pelo Galileu. O engenheiro era um dark-damn, um "escuro do inferno" até a morte, e talvez mais além.
Ou eu estava me precipitando, mais uma vez?
E se ele tivesse morto?
Eu não podia descartar nenhuma possibilidade...
No dia seguinte, sábado, Curtiss voltou ao meu quarto. Desta vez ele fez isso sozinho e a paisana. Aparecia mais calmo.
Pediu desculpas pelo tom e pela agressividade da visita anterior e se interessou pela minha saúde.
Eu sorri brevemente e com desconfiança. Ele sabia bem qual era o meu estado...
Ambos, eu imagino, odiávamos os confrontos.
O general carregava um envelope, laranja, gigante.
Ele se sentou ao meu lado na beira da cama, e me observou por um tempo. Eu sei que eu tentava entrar meus pensamentos, mas não conseguiu. Curtiss não era Ele...
O instinto me preveniu.
Curtiss era portador de más notícias. Eu não sei como eu sabia, mas eu sabia...
Por fim, ele me entregou o envelope, incentivando-me a abri-lo.
Eu hesitei.
O general se levantou e foi até a janela. Ele permaneceu em silêncio.
Algo me dizia para não abrir o envelope...
E eu continuei hesitando.
O militar não se moveu. Ele estava olhando para a paisagem árida e amarela.
Será que continha as provas da morte de Eliseu?
Revirei os olhos e me recusei a abrir.
Assim transcorreram dois ou três minutos.
O general olhou para mim e viu que o envelope não tinha sido aberto.
Também hesitou.
Finalmente, ele se aproximou e começou a extrair o conteúdo.
Fechei os olhos.
Curtiss sabia que eu não estava dormindo, e disse:
- Dê uma olhada...
Eu neguei com a cabeça.
[15] Assim chamavam os agentes especiais do Serviço de Investigação da Defesa (DSR). Todos eram militares. Ampla informação em Cavalo de Tróia 8 – Jordão e Cavalo de Tróia 9 - Caná (N do A)
- Por favor... – o general insistiu. É importante.
Eu não tive escolha.
Repassei-as várias vezes.
Curtiss ficou observando, atento ao menor movimento.
Eu não disse nada.
- e então?
- Eu não sei interpretá-las... Eu menti.
Eram fotografias, tiradas pelo satélite KH II, também conhecido como "Big Bird" (Grande Pássaro). Eram imagens recebidas na estação do Massada, a 34 km de onde eu estava.
Na parte inferior estavam as coordenadas, a altitude, data e hora, com os minutos e segundos em que foi feita cada uma das capturas. O Big Bird tinha fotografado todo o Mar Morto em uma órbita de 120 km, e em tiras que varriam o lago longitudinalmente. Cada varredura examinava uma área de 20 mil metros [16]. O satélite foi direcionado e desceu para a órbita acima mencionada. Ele dava uma volta na Terra a cada 90 minutos. A resolução era espetacular: fotografava o número de série gravado na coronha de um rifle.
"Eles foram rápidos", pensei.
As fotos eram no dia anterior, sexta-feira, 6 de julho...
A última foi tirada às 21 horas, 5 minutos e 32 segundos, ou seja, pouco antes do pôr do sol.
Curtiss insistiu. Ele sabia que eu estava treinado para "ler" este tipo de imagens aéreas.
- O que você acha?
- Não tenho certeza - eu voltei a mentir -. Faz muito tempo...
E eu senti um calafrio.
[16] O Big Bird, como já expliquei anteriormente, era um satélite de quarta geração. O Pentágono se associou, para a sua construção, com empresas como a Itek, Perkin-Elmer e Kodak. A principal missão do Big Bird era monitorar regiões instáveis (politicamente falando), como as fronteiras da URSS com o Irã e o Afeganistão, assim como o Golfo Pérsico e parte do Oriente Médio. A estação de recepção de imagem do Massada era capaz de receber centenas de fotografias destas áreas dentro de três minutos após terem sido sobrevoadas. Após terminar a missão, o satélite retornava à órbita original: 150 km acima da Terra. (N. do m.)
"Aquilo" era...
Eu acho que fiquei pálido.
O general captou. Ele sorriu com condescendência, tomou uma das fotos e indicou a mancha laranja que eu tinha detectado.
Não era possível...
Curtiss tentou eliminar as dúvidas de forma rápida. Esse era o seu estilo:
- A nave pode estar ali...
Era um ponto perto da costa do Wadi Mujib.
Ele acrescentou:
- A profundidade foi estimada em 330 metros...
Meu Deus!
Eu inspecionei novamente a imagem. Não havia dúvida. A mancha aparecia em uma das duas grandes fossas existentes no Mar de Sal [17]. O resto eram tons de verde, azul, preto e roxo, correspondentes às temperaturas lógicas lago naquele momento. Nada destacável.
- se trata uma fonte de calor, como você sabe...
Eu assenti com a cabeça.
Os sensores em infravermelho termal e as microondas passivas do Big Bird tinham localizado um "corpo" (?) capaz de emitir energia térmica. A cor laranja avermelhada era inconfundível. "Aquilo" desprendia calor.
- Mas isso é impossível - balbuciei sem muita convicção. No leito do Mar Morto não há vida. Nada pode emitir calor e muito menos nesta quantidade...
- A resolução dos sensores - Curtiss argumentou com razão - é boa...
Eu sabia. O infravermelho termal alcançava, naquela época, em torno de 1 km.
Curtiss indicou novamente a mancha laranja e admitiu:
- Você estava certo. Fica a 500 metros da costa da Jordânia, quase em frente à desembocadura do Mujib.
[17] O leito do Mar Morto, como referido em outro momento desses diários, é atravessado por duas fossas (de leste a oeste), com uma profundidade entre 322 e 350 metros. A situada ao norte aparece em frente do Wadi Zarqa. A segunda, praticamente na "cintura" do lago, se estende desde o Wadi Mujib até o oásis de En Gedi na costa judaica. (N. do m.)
E perguntou:
- Foi aí que caiu a nave?
- Eu acho que sim...
Notei que a boca estava ficando seca. Puro medo. E eu tentei esclarecer a questão-chave:
- Será que o "berço" ainda está ativo?
O general não respondeu de imediato. Ele caminhou de volta para a janela, ponderou a resposta, e disse, sem desviar o olhar do Negev:
- Nós não sabemos... Precisamos de mais informações... É preciso verificar...
Ele voltou, recolheu as fotografias e guardou-as no envelope.
Ele olhou para mim em silêncio. Ele estava lívido.
Pensei a grande velocidade.
O naufrágio do "berço" ocorreu na noite de 28 de junho. As imagens eram de 6 de julho. Oito dias se passaram...
- Não é possível - hesitei. Esta fonte de calor não pertence ao módulo...
- Por quê?
O chefe do projeto sabia a resposta melhor que eu. Mas eu a dei:
- O motor principal não poderia ficar ligado embaixo d’água...
Curtiss continuou atento.
- Além disso, quando ficamos estacionários, apenas restava combustível...
- A fonte de calor – cortou o geral - não tem por que vir do J85.
- O que quer dizer?
- Existem outras fontes de energia na nave, e você sabe disso.
Certo. A pilha atômica era uma delas. Sua capacidade teórica era de dez anos. Se Eliseu tinha sobrevivido era possível que tivesse mantido ativa a SNAP 27.
Eu senti um fogo dentro de mim.
- Se é assim - eu disse - Eliseu estaria vivo...
Curtiss deu de ombros e insistiu:
- Especulações...
Eu me rebelei e tentei sentar-me, enquanto clamava:
- Você não entende...? Ele pode estar vivo! ... É preciso descer e pegar o "berço"!
Curtiss solicitou calma.
- Não é tão fácil...
- Eu me colocarei à frente...
- Não é tão simples. Você sabe...
Eu protestei.
- A situação - completou o general - continua a piorar...
- O que quer dizer?
- Deveria saber. Esse maldito Nixon quer arrastar-nos para a III Guerra Mundial... E tem o apoio dos russos...
Curtiss se incendiou.
- Malditos comunistas!
Não tinha idéia do que ele estava falando, mas não me desviei do assunto principal: o resgate do "berço".
O general repetiu uma única vez:
- Neste momento não é possível uma operação no Mar Morto, e muito menos no lado Jordaniano...
E finalizou, retumbante:
- Uma guerra está se preparando... Não se esqueça.
Assim acabou com a conversa.
Curtiss, de fato, tinha falado demais.
- Fique bom rápido - foi sua última frase. Espero-te em casa na próxima semana.
Não voltaria a vê-lo até meu regresso para a base de Edwards, no deserto de Mojave.
Estes dias, no hospital militar, pensei que eu iria enlouquecer.
Se a informação era correta, o "berço" estava à 330 metros de profundidade, na fossa sul do Mar de Sal, e ativa!
Deus do céu! E eu não podia fazer nada!
Era possível que meu irmão estivesse dentro da nave, e vivo!
Eu fiz meus cálculos.
Eu me coloquei em seu lugar... O que teria feito se me visse trancado no "berço" e no fundo do Mar Morto?
Eu pensei no oxigênio.
Não foi possível calcular a reserva. Não sabia se a nave tinha sofrido alguma avaria. Caso contrário, "Papai Noel" administraria a mistura. O engenheiro tinha oxigênio disponível para duas semanas, no máximo.
Deus...! Haviam passado oito dias!
Poderia acionar a escotilha hidráulica e escapar?
A pressão o teria arrebentado...
Não, esse não era o caminho.
Avaliei outros parâmetros.
O "berço" estava preparado para suportar a espantosa salinidade do Mar Morto? [18]. A alta concentração de íons de cálcio era outro inimigo...
Acalmei-me. O escudo resistiria. O módulo foi fabricado com ligas de tório muito especial (4 por cento), alumínio e outros materiais "classificado". A totalidade da nave foi banhada em uma solução composta de óxido de alumínio (Al₂Oᵌ), o qual multiplicava a capacidade anti-corrosiva [19]. A condutividade térmica e elétrica eram elevadas (80 a 230 W/mK, e entre 34 e 38 m (Ω mm2), respectivamente). O ponto e fusão a 933 graus Kelvin era outro dado a ser considerado. A nave era quase indestrutível do ponto de vista da agressão química.
Quanto ao conteúdo de oxigênio e enxofre do lago, honestamente, eu não me preocupei [20]. No que diz respeito à concentração de íons de magnésio (44,2g por litro: altíssima) isso me pareceu preocupante, principalmente em relação à "membrana" de proteção do "berço". A estrutura da mesma, como eu já detalhei anteriormente, era extremamente complexa e delicada [21].
De fato, ao estudar o fator enxofre, eu me dei conta de algo: seria, o sulfeto de hidrogênio, existente no fundo do lago, o causador da emissão de calor detectado pelo satélite artificial? Eu rapidamente rejeitei a idéia. Se o H₂S fosse o responsável por essas emissões, uma parte do fundo do Mar Morto se tornaria um emissor de calor permanente. Eu sabia que isso não era assim.
E de repente, naquela loucura de cálculos e estimativas, veio à minha mente um "detalhe" que tinha passado despercebido: o cinturão de gravidade que protegia o "berço", como se fosse um tornado. Como já expliquei anteriormente, "Papai Noel", ou os pilotos, estavam capacitados para ativar uma emissão de ondas gravitacionais (algo apenas imaginado pelos cientistas civis de hoje), que partiam da mencionada "membrana" exterior, sendo projetadas, à vontade, tanto em termos de distância como de intensidade. O cinturão gravitacional envolvia o módulo como uma esfera invisível ou metade, dependendo do caso.
"Se Eliseu ou o computador central tinham ativado o "vendaval" – eu pensei - a nave acabaria flutuando no meio do lago..."
Era elementar.
As ondas gravitacionais serviriam como "salva-vidas".
Mas eu sabia que isso não tinha acontecido. O "berço" não retornou à superfície do Mar Morto. O engenheiro pode ter ativado a referida defesa, mas, infelizmente, isso não ocorreu...
E eu voltei a cair em abatimento.
[18] Por ser um lago "meromíctico" as águas do fundo apresentam maior salinidade do que a zona superior. Naquela ocasião (1973), a salinidade era 332 gramas por litro (a uma temperatura de 21°C). A densidade da água era de 1,234 gramas por centímetro cúbico. A salinidade da água superior variava entre 284 e 290 gramas por litro, com uma densidade, na superfície, de 1,201 gramas. (N. do m.)
[19] Em testes efetuados previamente, se comprovou que a corrosão afetava minimamente a blindagem: na ordem de 0,015 milésimos de milímetro a cada década. Em um ambiente como o fundo do Mar Morto, para chegar a uma corrosão de 3 mm, seriam necessários dois mil anos. A segurança do "berço", neste sentido, estava garantida. A alumina proporcionava à nave, um bonito e atraente avermelhado (tipo rubi), quando não estava coberta pelo IR (infravermelho). (N. do m.)
[20] A presença de oxigênio é mínima. Isto aliviava, ainda mais, os efeitos da corrosão. O enxofre, por sua vez, estava presente na forma de H₂S, e especialmente em águas inferiores. O enxofre é convertido em sulfato de hidrogênio em um processo redutivo, favorecido pela referida falta de oxigênio. Pois bem, de acordo com as nossas informações, o sulfato de hidrogênio existente no fundo do lago tem uma natureza biogênica (produto da atividade de certos organismos). Em resumo: na referida massa de água inferior vive uma grande colônia de bactérias, responsáveis pela produção do sulfato. Essas bactérias usam os íons de sulfato (livres) e os que constituem o gesso. (N. do m.)
[21] O "berço" possuía uma "membrana" exterior com umas propriedades de resistência estruturais muito especiais. Uma rede vascular, finíssima, por cujos condutos flui uma liga liqüidificável, mantém ativa esta membrana. Alguns dos seus elementos não ocupam volumes superiores a 0,07 milímetros cúbicos. As funções fundamentais da "membrana" eram as seguintes: camuflagem do módulo por meio de um "escudo" IR (radiação infravermelha: acima de 700 nanômetros). Isto deixava invisível todo o aparelho. Absorção - sem reflexo ou retorno - de ondas UHF, usadas pelos radares. Por último: a "membrana" provocava uma incandescência cada vez que ocorria uma inversão de massa, impedindo assim, a entrada de germes em outros tempos ou em outros marcos dimensionais. (N. do m.)
Eliseu estava morto? Por que não ativou o cinturão gravitacional? Por que não permitiu que o fiel "Papai Noel" conduzisse a manobra? Teria sido tão fácil...
E as elucubrações se seguiram com o mesmo e frustrante resultado: eu não sabia de nada...
Eu me recuperei fisicamente, sim, mas o coração seguiu inundado pela tristeza e incerteza.
Eu não podia fazer nada por Eliseu...
10 de julho
Fui avisado uma hora antes.
A decolagem do avião que me transportaria para os Estados Unidos da América foi marcada para o amanhecer.
Assim era Curtiss...
Alguém me deu roupas.
Eu acariciei a "pérola" pendurada no pescoço e deixei o hospital.
Minha única bagagem era a memória.
Um avião da USAF estava me esperando em uma das extremidades da pista 02/4 da base de Nevatim.
Um veículo deixou-me ao pé da escada e alguém, de uniforme, convidou-me para subir. Saudou militarmente e retribui com relutância.
Foi a minha despedida da terra de Israel, uma terra especialmente querida... Mas não seria a última visita.
Fiquei surpreso.
O aparelho era um veterano Boeing - KC-97-L - devidamente abastecido de medicamentos. Nada estava faltando nada.
No interior esperava um dos diretores do projeto Cavalo de Tróia e uma equipe médica. Tudo "perfeito" (de primeira classe). Eu pensei assim...
E às 7 horas e 31 minutos, os quatro motores Pratt-Whitney, turbo-hélice, com 3.500 cavalos, decolavam até o meu destino...
Naquele momento, os pensamentos estavam muito longe, e muito próximos, conforme o ponto de vista.
Ninguém, naquele momento, teria imaginado o que me reservava o referido e zombador Destino...
Eu me acomodei. Eu tinha muitas horas de vôo pela frente.
Mas a paz (?) durou pouco.
Ao atingir nível de cruzeiro – 9.500 metros - o diretor se sentou ao meu lado e, com caderno na mão, sem preâmbulos, começou a questionar-me.
- Eu pensei que já tinha contado tudo a vocês – eu respondi, um tanto irritado.
O indivíduo, com quem eu somente tive contato durante a preparação do projeto, sorriu brevemente, e seguiu na sua.
Eu não gostava daquele cara. Ele não olhava nos olhos. Isso me lembrou de Judas...
Ele era magro, com a cabeça raspada, a pele magra e ligeiramente esverdeada, e lábios sempre babando.
Ele insistiu. Queria saber a verdade.
A verdade? Eu a havia contato até a exaustão.
Não se alterou. E perguntou, autoritário:
- Onde está a nave? Eu exijo a verdade...
Eu não podia acreditar no que estava ouvindo. O que era aquilo? O que pretendia aquele sujeito?
Recusei-me a repetir o que já tinha explicado a Curtiss e aos outros diretores.
- Você tem medo da verdade?
A pergunta do viscoso [22] quase me fez perder as estribeiras. Algo me obrigou a manter-me calmo. Aquela conversa era mais importante do que eu pensava...
- Onde foi parar o "berço"?
Eu olhei para ele, intrigado, mas eu não conseguia ler nas entrelinhas.
A pergunta, como mais tarde comprovaria, continha veneno.
- Você sabe, assim como eu...
- Você não entendeu - sorriu maliciosamente. Sabemos que a nave não está lá...
E ele apontou com a mão esquerda para fora da janela, em direção ao mar.
Demorou alguns segundos para que eu tentasse entender.
- O que está insinuando?
- Eu lhe disse: nós suspeitamos que Eliseu voltou...
Recusei-me a responder. Aquele cara era um bastardo. Desde aquele momento eu o chamei de "Slimy". Ele merecia...
O diretor percebeu minha atitude e mudou de assunto. A conversa ficou pior.
Slimy queria saber das amostras de sangue e cabelo do Mestre e sua família. "O que aconteceu com eles?"
Compreendi.
Aquele imprestável estava ciente dos propósitos dos militares para tentar clonar o Galileu. Daí o seu interesse em especial pelo conteúdo do cilindro de aço.
[22] O major, em seu diário, usou a palavra "Slimy", que pode ser traduzida como "vil, repugnante e servil" e até como "pessoa pegajosa". (N. do a.)
- Os relatórios estão no "berço" - respondi com repugnância. Eliseu se ocupou disso Não sei mais nada - eu menti – e não quero saber...
Ele sorriu de novo, cínico.
E explodi:
- Desçam vocês e os resgatem!
O viscoso sentiu o golpe e ele me lembrou do acordo assinado antes de entrar no projeto. Chamado de protocolo COL/10/6, que exige a "íntima colaboração com a USAF" e "confidencialidade até a quarta geração."
- Nós podemos colocá-lo na prisão por toda a vida...
- Eu já estou na prisão, graças a vocês...
Mas Slimy não sabia do que eu estava falando.
- Quanto ao "col", pode metê-lo onde você quiser...
Ele sorriu, divertido, e pegou mais pesado em suas perguntas.
Desta vez, partiu para a vida sexual da Senhora e seu Filho. "O que eu tinha averiguado? Estava certo o que pregavam nas igrejas? Jesus foi casado com Maria Madalena? O Galileu teve amantes? Ele era homossexual? "
Mandei-o diretamente para o inferno.
Levantei-me e me refugiei na cabine, com os pilotos.
O KC-97L voava mansamente. Eu li nos instrumentos. Velocidade: 478 Km/h. Tempo estimado para a primeira escala: 7 horas... As turbinas J-47 empurrado com uma força de 2.545 quilos.
Sim, nada é casual...
Aquela desagradável conversa com Slimy me deixou alerta. Alguém, no esgotado projeto Cavalo de Tróia, estava escondendo algo. Mas teria de passar algum tempo - não muito - para que fossem colocadas as cartas na mesa...
E às 18 horas daquela terça-feira, 10 de julho, 1973, a aeronave pousou suavemente nos Açores.
Não me permitiram sair da aeronave.
Slimy não voltou a me incomodar. Ele continuou concentrado no caderno. Ocasionalmente falava pelo rádio...
A escala foi breve. Reabastecemos e o KC-97L taxiou pela pista 15/33 da Base aérea de Lajes na Ilha Terceira. O Boeing percorreu os 3.313 metros em um minuto e dois segundos.
E decolamos. Pela frente aguardavam mais de 3.000 milhas.
E eu me perguntei, novamente: o que seria de mim?...
A noite não demorou à nos alcançar.
E eu fiquei na minha, a pensar...
Eu sentia falta dele. Estava com saudade do Mestre.
Tinha que por mãos à obra. Eu tinha que escrever toda a nossa aventura na Palestina de Jesus de Nazaré. Nada ficaria escondido. O mundo tem o direito de saber...
E lembro-me de uma sensação estranha. É claro que eu a rechacei, mas ela seguiu ao meu lado, impertinente, "Havia sido tudo um sonho?"
Olhei ao redor.
Ali continuava a equipe médica e Slimy. Recordava da queda no Mar de Sal, dos beduínos, e de Marcos...
Não, não foi um sonho.
Não demorei a adormecer.
A viagem foi tranquila e sem sobressaltos.
Ao acordar, Slimy vigiava e babava.
A que estava se propondo?
A primeira surpresa do dia estava para cair...
Nosso destino não era a base de Edwards, na Califórnia.
Às 3 horas, os pilotos iniciaram a manobra de aproximação.
Eu não tinha idéia de onde estava. Eu fiz os cálculos. Só podia ser a costa da Flórida.
E era.
Curtiss tinha tudo planejado, e como!
Mas por que Florida?
Sobrevoamos Hillsborough Bay e eu deduzi para que lugar se dirigia o KC-97L.
O general soube escolher...
E às 3 horas e 45 minutos na madrugada de quarta-feira, 11 de julho aterrissamos em uma das intermináveis pistas da base aérea MacDill, ao sul da cidade de Tampa, no mencionado estado da Flórida.
No começo eu pensei de uma nova escala. Achei estranho. A autonomia do Boeing era de 6.880 km. Isso nos teria permitido aterrar em Houston...
Mas não quis perguntar. Ele não queria nenhum contato com Slimy.
Pelo que eu sabia, MacDill era uma das bases mais seguras dos Estados Unidos e, possivelmente, do mundo. Ali operavam o Comando Central e Operações Especiais, e eram mantidos (subterraneamente) os restos da espaçonave alienígena que caiu em Roswell (Novo México). Sem autorização, nem o ar entrava...
Um dispositivo armado me esperava no pé da escada.
Tudo ocorreu a grande velocidade e com precisão. Era óbvio que a operação tinha sido ensaiada.
A noite estava quente.
Algumas estrelas me olharam, surpresas. Uma delas brilhou com pressa.
Mensagem recebida.
Eu soube que era Ruth, minha querida ruiva...
Entrei em uma ambulância, acompanhada por dois dos médicos que viajaram no KC-97L.
Segundos depois estávamos saindo à alta velocidade, e fortemente escoltados.
A polícia militar, na entrada da base, saudou a passagem do pequeno comboio.
Deixamos as instalações da USAF e fomos para o norte.
Era o momento perfeito: quatro da madrugada. Nem uma alma nas ruas...
Sim, tudo cuidadosamente planejado.
Ao sair de MacDill eu me perdi completamente. Eu estava em branco. Eu não tinha idéia de qual era o meu destino.
O que havia na Flórida?
A lógica é que tivesse voado para o Mojave. Ali havia muito a ser feito...
A incerteza não durar muito tempo.
Vinte minutos depois de deixar a base aérea de Tampa, abriram-se as portas do veículo médico e os soldados cerraram fileiras em torno de mim.
O silêncio era total.
Foi assim que acabei no “JAHVH”. Assim chamavam o Hospital de Veteranos “James A. Haley", localizado em New Port Richey, no norte daquela cidade de Tampa.
Comecei a entender.
Naquela época, o ”JAHVH” era um centro renomado, com a mais avançada tecnologia médica no mundo [23]. Um local grande o suficiente para passar despercebido...
Curtiss e sua equipe não descuidaram um só detalhe.
O segundo andar foi isolado e ali fui instalado.
E, à equipe médica que me acompanhou no vôo desde Israel, juntaram-se outros especialistas, todos militares. Eu não conhecia ninguém.
Os acessos ao local foram guardados por soldados à paisana.
E durante três longos e desconfortáveis dias, eu me vi submetido a todos os tipos de checagens, análises e testes.
Eu perdi a conta.
Ninguém me disse nada.
Perguntar era inútil. Ninguém respondia.
Eu deduzi que somente o chefe do projeto estava autorizado a responder minhas perguntas. Mas Curtiss não deu o ar da graça.
Os especialistas em ressonâncias, scanners e outras máquinas, limitavam-se a realizar os exames. Depois desapareciam.
Eu tive que esperar a minha efetiva chegada em Edwards, para obter informações.
Na verdade, não encontraram nada que eu já não sabia...
Em suma, isto foi o que o general Curtiss me permitiu ler no meu retorno para o Mojave, na Califórnia (eu suponho que escondeu algo mais):
O envelhecimento - constava no relatório confidencial – prosseguia a ritmo calculado, tal como adiantou "Papai Noel" [24]. As perdas neurais foram estimadas em 1.400 milhões ao ano. Em um adulto saudável, estas perdas (a partir dos 20 anos) é de cerca de 36 milhões de neurônios anuais.
[23] Entre outras especialidades recordo as seguintes: departamento de lesões traumáticas cerebrais (TBIC), de particular interesse para quem isto escreve; fonoaudióloga; terapia respiratória; medicina de reabilitação; seção do transtorno de estresse pós-traumático (TEPT); centro de medicina nuclear; centro de assistência aos veteranos do Vietnã; microscopia eletrônica; neurologia profunda e oncologia. (N. do m.)
[24] A situação era a seguinte: durante os processos de inversão de massa das partículas subatômicas, "algo" provocava uma mutação ou perda de DNA nuclear nos neurônios do cérebro. Resultado: um incontrolável envelhecimento da rede neural. O motivo, quase certamente, era devido à degeneração mitocondrial. (N. do m.)
Em outras palavras, a deterioração era inexorável. A margem da vida (teórica) girava em torno de oito ou nove anos (com sorte) [25].
As novas microfotografias (especialmente do cerebelo) foram decisivas. O acúmulo de lipídios nas mitocôndrias dos neurônios era evidente e letal.
Ao citado envelhecimento prematuro, era necessário adicionar outras alterações, não menos graves. A saber: Inclusões intranucleares, invaginação (dobradura) da membrana nuclear, o acúmulo de lipofuscina e a diminuição do número de ribossomos e das referidas mitocôndrias. Estes distúrbios apareciam acompanhados por alterações bioquímicas, entre os que se destacavam, estava a redução da síntese de proteínas, a tendência à oxidação dos aminoácidos de enxofre e uma queda da oxidação intra-mitocondrial.
Em suma: uma catástrofe generalizada... [26]
Mas nem tudo foi horrível.
O relatório não mencionava a amiloidose. Não foram detectados os 19 tumores, alojados no mais fundo do meu cérebro, e muito menos o da língua. Como deve lembrar, "Papai Noel" acabou com eles, e em certas circunstâncias que eu prefiro não recordar [27]. Também não falava nada sobre a "iminente amiloidose secundária", anunciada pelo computador central naquela época [28].
Pelo menos alguma coisa...
Curtiss, em uma tentativa de levantar meu ânimo, sugeriu que prestasse atenção a um dos parágrafos do relatório médico. Nele se fazia alusão a um assunto “desconcertante”. Quem isto escreve estava envelhecendo prematuramente e de forma estrondosa. Isso era evidente. Os sinais vitais e a memória, no entanto, não mostravam sinais de deterioração. Era uma contradição...
[25] Ampla informação sobre o mal sofrido por Jasão e Eliseu, nos 9 Cavalos de Tróia. (N. do a.)
[26] Também, os níveis de óxido nítrico eram elevados, assim como "Papai Noel" advertiu na última revisão de quem isto escreve. Sabíamos que, após o processo de inversão de massa, o óxido nítrico provocava a síntese do Monofosfato cíclico de guanosina (segundo mensageiro dos neurotransmissores) e isso piorava as coisas. Os especialistas também apontavam a possibilidade de que o NO poderia reagir com o anion super-óxido, dando lugar ao peroxinitrito, outro destruidor de proteína. (N. do m.)
[27] O major tentou o suicídio durante a referida cirurgia, executada pelo computador central. Ampla informação em Cavalo de Tróia 9 - Caná. (N. do a.)
[28] Os "Nemos" captaram os sinais de uma iminente amiloidose secundária. Em suma, o organismo seria afetado por outros tumores que invadiriam o fígado, baço, rins, gânglios linfáticos e outros órgãos e sistemas. A morte viria em semanas. (N. do m.)
Eu perguntei ao general, mas ele não respondeu. Ele não sabia ou não queria falar...
Como era possível? A destruição neuronal era grave. Os radicais livres me devoravam [29] e, no entanto, desfrutava de uma memória panorâmica. Minha aparência era a de um idoso, mas a capacidade de absorção de oxigênio alcançava quatro litros por minuto. Esse é o consumo de um jovem de 20 anos... Na minha "idade", o número não deveria ultrapassar 1,5 litros por minuto.
Eu disse: os especialistas não saíam de seu espantado...
Curtiss me obrigou a tomar notas do último parágrafo: "Os tratamentos e recomendações."
Com toda a honestidade, os especialistas não entravam em acordo. Havia opiniões para todos os gostos.
A maioria aconselhava lutar contra a oxidação mitocondrial (envelhecimento), com uma extensa bateria de antioxidantes. Nada de novo. Tanto Eliseu como eu havíamos consumido-os na última aventura. Recomendavam vitamina E, o brometo de etídio (com resultado excelente na experiência com as drosophilas) [30], a útil dimetilglicina, glutamato, e também a familiar N-ter-butil-α-fenilnitrona.
Levantei o olhar acima dos papéis e contemplei Curtiss.
Maldito bastardo!
Foi ele quem ordenou a entrada daquelas drogas no "berço". Ele sabia, desde o início, que seriamos atacados pelos radicais livres...
Contive-me.
Não era hora de revelar o que eu sabia.
Era necessário esperar e manter a mente fria e distante.
Logo chegaria sua vez...
Meus pensamentos - sem que eu soubesse - foram proféticos.
Chegou sua hora, e mais cedo do que se suspeitava...
[29] Nas palavras do prestigiado especialista J. Miquel, chefe de Patologia Experimental da NASA, em Ames Research Center em Mountain View (Califórnia), "os radicais livres de oxigênio (fragmentos moleculares do gás que respiramos) têm um papel fundamental e desorganizador no envelhecimento. O alvo primário de ataque destes radicais são as mitocôndrias (estruturas celulares nas quais se utiliza o oxigênio na respiração celular para a produção de energia, que suporta as funções fisiológicas)." (Carta de J. Miquel ao autor.)
[30] Ampla Informação sobre moscas Drosophilas em Cavalo de Tróia 2 - Massada. (N. do a.)
Mas vamos por ordem.
Eu voltei a ler o capítulo sobre os "tratamentos" e fiquei impressionado com a ênfase na necessidade de consumir romãs. A romã é um poderoso antioxidante (um dos mais eficazes da criação), rico em polifenóis (especialmente punicalagins).
Imediatamente lembrei-me do bom Felipe, e seu "laboratório" em Saidan.
Como sentia saudade deles!
E me visitou uma idéia interessante: o que teria acontecido se esse explorador tivesse decidido ficar naquele tempo... Para sempre?
Talvez tivesse sido mais feliz...
Afastei-me de imediato de tais pensamentos. Não eram estes os propósitos. Eu tive a oportunidade, única e maravilhosa, de conhecer o Homem-Deus, e isso não era minha propriedade. Estava obrigado a difundir isso. Ele sugeriu isso em várias ocasiões. Eu era um “Mau’AK”, seu mensageiro...
Eu prossegui lendo as "recomendações".
A romã - dizia o relatório - além de retardar o envelhecimento, acabar com as rugas, beneficiar a hidratação geral, melhorar a circulação sanguínea e proteger o coração, é uma solução para prevenir os câncer e até mesmo multiplicar a atividade sexual.
Este último me desarmou. Meu grande amor tinha ficado do outro lado do tempo...
E voltei a lembrar de Felipe e suas misturas com as cascas das romãs. Para ele era o melhor daquele fruto. As devorava, ou esmagava-as, misturando-as com suco ou simplesmente com água ou com vinho.
Não estava equivocado... O poder de rejuvenescimento da casca da romã é significativamente superior ao seu conteúdo.
A Belinte de Deus...
Algum dia o homem vai entender: tudo está na natureza. Tudo foi testado nos "laboratórios" do Pai Azul. Ele assim disse: "Ab-ba não improvisa."
Mas a humanidade está cega...
Não importa - me censurei. Logo despertará.
Para isso eu voltei...
Também aconselhavam tratamentos à base de fenóis e derivados de enxofre reduzido. Ambos desempenham papéis importantes na defesa do organismo contra peroxidações descontroladas. E enfatizavam o consumo de ácido nordihidroguiarético e tiazolidina carboxílico. Também falavam de drogas energizantes, como a Hydergine e a ubiquinona. Os estudos apareciam respaldados por cientistas de prestígio, como Comfort, Bender, Powell, Kormendy, Miquel e Hrachovec, entre outros.
Eu não duvidei da sabedoria desses homens, mas... [31]
Finalmente prometi rever os "tratamentos e recomendações."
Mas não pensava em fazê-lo.
Lançaria mão, somente, da vitamina E, das romãs e da vinburnina (por pura curiosidade).
Como já devo ter dito: eu não tinha medo de morrer. Eu só precisava de tempo para escrever o que tinha vivido e o que eu sabia... Sobre Ele. Foi o Mestre que me ensinou: após a morte, a realidade nos espera...
Curtiss me ordenou: a cada três meses me submeteria a novos exames médicos.
Destino incrível... As checagens jamais se repetiram.
[31] Não aborrecerei o hipotético leitor destas memórias, com os tratamentos recomendados para o mal do qual padeço. Mencionarei, muito superficialmente, algumas das sugestões propostas. A saber:
14 de julho
Tudo tem um final (na matéria).
No entardecer de sexta, 13 de julho (1973), foram concluídos os exames médicos.
E eu recebi a ordem para me preparar. Iríamos partir.
Eu não soube mais nada. Ninguém falava comigo, exceto os médicos e especialistas, e apenas o necessário.
E às duas da manhã de sábado, 14, com o mesmo sigilo com o qual eu cheguei, deixamos o “JAHVH“...
Eu me senti como uma cobaia. Eu não recebi qualquer informação sobre o meu estado. Foi Curtiss, como já disse, que acabaria me mostrando os resultados dias depois. Mas antes eu fui testemunha de outros eventos, não menos desconcertantes.
A ambulância aventurou-se, rápida, pelas ruas de Tampa.
Às 2 horas e 30 minutos cruzava novamente o portão de entrada da base da força aérea (MacDill). Fui novamente escoltado até um dos hangares e ali, educadamente, convidado a subir em um Deltic Orion, um quadrimotor Lockheed P-3A, de patrulha marítima.
Fiquei intrigado.
Para que lugar eles pretendiam me transladar?
Este tipo de aeronave somente é utilizado sobre a mar. (Surpreendo-me a mim mesmo: eu começo a usar a linguagem do Mestre... Ele se referia ao mar, no feminino).
Curtiss era imprevisível.
Sentei-me e comecei a fazer cálculos. O Deltic, com seus quatro motores Allison de 4.910 CV, era capaz de voar a 760 Km/h, com uma autonomia de patrulha de 17 horas.
Isso significava que ele era capaz de alcançar o Alasca ou a Antártida... (!)
O que eles queriam de mim?
E eu me deixei levar pela imaginação.
Será que seria submetido a novos exames médicos em alguma das bases norte-americanas situadas no gelo do mar de Bering ou na Terra do Fogo?
O que mais eles poderiam fazer comigo?
Depois eu fui serenando-me.
O Deltic não foi preparado como aeronave médica.
Também não havia a equipe de médicos me acompanhando. Muito menos o odiado Slimy.
No aparelho, quase vazio, só viajava uma escolta uniformizada.
Fiquei confuso.
Logo, o Deltic estava em altitude de cruzeiro: 8.000 metros.
E foi rumo ao oeste.
Aquela direção não levava para o norte, nem para a Antártica...
Voamos sobre New Orleans, Houston e Austin.
Foi então que deduzi...
Curtiss era uma raposa.
Nosso destino podia ser a Califórnia.
Eu estava certo.
Nós estávamos nos dirigindo, seguramente, para a base de Edwards, no deserto de Mojave.
Fazia nove anos que trabalhava na AFFTC [32].
O general jogava com a arte de despistar, como um bom soldado...
Mas quem poderia estar interessado naquele "velho homem" de 36 anos?
E, de repente, eu me senti inquieto.
Eu não sei explicar.
Eu estava descansado, mas nervoso...
Algo estava para acontecer. Algo sério.
Eu pendurei novamente a "pérola" junto à placa de identificação e me fiz uma pergunta, uma pergunta muito importante: «Como eu faria para decifrar a “DR”?»
As dúvidas me assaltaram.
Ninguém sabia da existência, em meu poder, do "leitor de sonhos". Talvez não tenha agido corretamente. Deveria tê-la entregado a Curtiss? A intuição negou com a cabeça.
"Ela está onde deveria estar...»
Mas para acessar o conteúdo da "DR", necessitava de Cavalo de Tróia. Acessar esse dispositivo não era fácil. A tecnologia também era secreta. Para descobrir o que estava armazenado na "Pérola" tinha que solicitar autorização. Naquele momento delicado, me fariam perguntas e, o que era pior, eles poderiam confiscar o "leitor".
Como agir?
E eu comecei a amadurecer um plano...
[32] AFFTC: Air Flight Force Test Center, uma das designações da base Edwards. «Na primavera de 1964 - conta o major em seus diários - foi quando, de forma confidencial e, por acaso, (?) chegou aos meus ouvidos a existência de um ambicioso projeto, patrocinado pela AFOSI e AFORS (Instituto de Pesquisas Espaciais e Instituto de Investigação Científica da Força Aérea, respectivamente), onde trabalhou durante muitos anos um grande grupo de peritos do Instituto de Tecnologia de Massachusetts.»
«Eu tinha sido selecionado em outubro de 1963, com outros 13 pilotos da USAF, para um dos projetos da NASA. Na minha qualidade de médico e engenheiro em física nuclear, e como seguia pertencendo ao OAR (Instituto de Pesquisa Aeroespacial), me recomendaram um trabalho específico de supervisão do chamado VLLR ou Veículo de Pesquisa de Aterrissagem Lunar. Na mencionada primavera de 1964, duas destas curiosas máquinas voadoras - nas quais começaram os testes iniciais para futuros pousos lunares do projeto Apollo - chegaram finalmente ao lugar onde eu estava designado: o Centro de Pesquisa de Vôo da NASA, na base de Edwards, da Força Aérea dos EUA, à 80 milhas ao norte de Los Angeles.»
«Naquela paisagem desolada permaneci até final de 1964, quando concluíram com sucesso os testes preliminares do vôo dos VLLR.»
«Durante meses convivi com outros candidatos a astronautas, oficiais, cientistas e técnicos... E chegou a meus ouvidos um fantástico projeto: operação Swivel ("Elo, ligação"). »
«Uma vez concluído o meu trabalho em Edwards, a NASA estimou que eu deveria incorporar-me ao Marshall Space Flight Center. Minha verdadeira vocação havia sido sempre a pesquisa. Especificamente, o jovem "mundo" da teoria unificada das partículas elementares. No entanto, as minhas preocupações, naquele mês de dezembro de 1964, foram em outra direção. Os custos da NASA tinham começado a disparar e o Centro Marshall trabalhava dia e noite para encontrar novos sistemas, ou fontes de energia, que barateassem as caras baterias "químicas" dos Projetos Explorer, Mercury e Gemini. »
«Uma semana antes do Natal, e por motivo de trabalho, eu tive que voar novamente para a base de Edwards. Durante um dos almoços com o pessoal especializado, conheci o novo chefe do projeto Swivel, o General ..., um homem que soube ouvir minhas dissertações e lamentos sobre a miopia mental de alguns altos funcionários da NASA, que tinham rejeitado, mais de uma vez, a minha sugestão sobre a necessidade de substituir, as antiquadas baterias químicas, por células de combustível ou baterias atômicas.»
«O general pareceu interessado em alguns dos detalhes das pilhas atômicas e eu - eu admito - me desdobrei, saturando-o com uma enxurrada de dados e informações sobre a excelência do plutônio 238, do cúrio 244 e do promécio 147... Antes de sair da mesa, o general me fez uma pergunta: "Você quer trabalhar comigo?...»
«Assim, em janeiro de 1965, abandonava definitivamente a NASA para juntar-me ao módulo de experiências da USAF, em Mojave. Eu tinha conhecido boa parte dos cientistas e militares que se trabalhava naquele fantástico projeto, durante o meu período anterior na base de Edwards. Isso tornou as coisas mais fáceis e minha definitiva integração na operação Swivel foi rápida e total... » (N. do a.)
Era preciso ingressar em...
Eu estava louco! Isso era impossível.
Essa área estava sob vigilância constante. As câmeras de segurança varriam cada centímetro de cada canto.
Algo me ocorreria...
Eu tinha que tentar. Era necessário descobrir o conteúdo da "pérola", e devia fazê-lo secretamente.
Eu disse: a intuição tinha avisado. A "pérola" era vital para os meus propósitos.
Procuraria o momento certo. Eu me moveria na escuridão da noite...
Seria uma questão de minutos.
Lembro-me que, ao sobrevoar Albuquerque, outro pacote de dúvida caiu sobre mim.
E eu desmoronei...
Eu era um velho.
O que aconteceria se me colocassem na reserva? Era o mais provável...
Cavalo de Tróia tinha terminado, pelo menos para quem isto escreve.
Se o "berço" não aparecesse, eu receberia baixa, e Jasão seria enviado para casa. Que casa? Eu não tinha casa...
Mas eu não quis me desviar do tema principal. Se eu recebesse baixa, iriam obrigar-me a abandonar a base. Nesse caso, a "pérola" seria apenas um adorno.
Tentei me consolar.
Escreveria de memória, e desde o início. Eu recordava de nomes, palavras, datas, eventos... Tudo.
E as dúvidas me derrubaram novamente.
O que o "DR" continha? Quem o pendurou no meu pescoço? Foi Eliseu? Por quê? Fui eu? Por que não me recordo?
Sim, o conteúdo tinha de ser importante...
Eu me arriscaria. Eu o "abriria".
E o Destino- como não - sorriu zombeteiro...
Não houve jeito de conseguir dormir.
Muitas incógnitas...
Como eu sentia saudade dele! Jesus de Nazaré, o Homem-Deus! A melhor coisa que aconteceu na minha vida...
E como sentia saudade dela, meu único e grande amor!
Querida Ma'ch!
Estavam tão longe e tão perto...
Eu devia me sentir um sortudo – repetia para mim mesmo - mas não era assim. Um sentimento de tristeza tomava conta de mim. Pressentia algo.
As surpresas estavam aguardando lá embaixo. Eu tinha que ser forte.
Querida Ma'ch, espere por mim no céu!
E às 8 horas, o avião começou a descer.
Estávamos nos aproximando de Edwards, entre os condados de Los Angeles e Kern.
O amanhecer, como nos velhos tempos, me recebeu violeta e distante.
Às 9 horas, o Deltic deslizava, impecável e mal-humorado, pela pista 04/22. Para o piloto sobrou mais da metade dos 4.576 metros que esta pista possuía.
As hélices pararam.
Havíamos estacionado a uma curta distância do Dryden, o Centro de Pesquisa de vôo da NASA.
Quantas recordações! Era como se tivessem passados dois mil anos...
Nossa! Foi Isso mesmo...
A porta se abriu, e após me despedir da tripulação, a escolta me precedeu em direção à escada.
Ordenaram que esperasse.
Segundos depois, a um sinal do sargento, caminhei em direção à plataforma.
Edwards seguia seca, cinza e poeirenta, tal e como quando a deixei.
Ao vê-los fiquei chocado.
Não sabia o que fazer.
Os pilotos do Deltic observavam através das janelas da cabine com curiosidade. Ninguém, no avião, sabia quem eu era, mas deduziram que aquele velho era alguém importante. Talvez um general aposentado...
Ao pé da escada, para minha surpresa, me esperava um grupo de soldados.
Reconheci quase todos.
Eles eram os 61 membros do projeto Cavalo de Tróia: cientistas, técnicos, diretores...
Curtiss, na primeira fila, aparecia com o uniforme de general.
E sobre o estacionamento desceu o silêncio.
Todos os olhos estavam fixos naquele velho...
Eu tentei saudar, mas minhas pernas estavam tremendo. Eu tive que segurar no corrimão da escada.
Desconcertante. Fui treinado para quase tudo, mas não para uma situação como esta.
Eu me senti perdido.
Então começaram alguns murmúrios. E se espalhou como uma onda.
Compreendi.
O piloto havia regressado como um ancião.
Foi muito chocante para a maioria.
Eles estavam atordoados.
Finalmente eu decidi descer os degraus.
Eu fiz isso de forma lenta e insegura.
A escolta permaneceu atenta.
E, conforme me aproximava, os sussurros diminuíam.
Tudo estava em silêncio de novo.
Parei no último lance de escadas e observei-os cuidadosamente.
Eram olhares de incredulidade...
Eles não podiam imaginar o que este explorador tinha vivido e sofrido...
Eles não sabiam.
Eles estavam em outra galáxia.
Eu, agora, procedia da luz e regressava às trevas.
Entenderiam minha tragédia?
Como explicar? Como fazê-los ver? Como dizer que tudo o que sabem sobre o Maestro é errado? Como mostrar-lhes...?
Mas, que besteiras eu estava pensando! Eles seriam os últimos a ficar sabendo.
Curtiss terminou dissolvendo a espessa situação.
Ele deu alguns passos em direção à escada. Deteve-se. Saudou militarmente e gritou, de modo que fosse ouvido por todos:
- Bem vindo à casa!
Maldito hipócrita!
O silencio se derreteu como chumbo fundido. Ninguém respirava.
Terminei de descer os degraus e, ao tocar o solo da base, me posicionei e respondi a saudação, batendo continência.
Curtiss começou a suar.
Sim, alguém estava faltando, e ele sabia disso...
Nós tínhamos fracassado...
Mas, de repente, tudo mudou.
Alguém começou a bater palmas e o contágio foi geral. A salva de palmas se espalhou pelo grupo. E ouvi alguns vivas.
Mantive-me firme, saudando.
Os aplausos aumentaram.
E um estranho fogo varreu-me por dentro.
Meus joelhos tremeram novamente.
Eu não estava preparado para algo assim...
Eu não pude evitar. Os olhos lacrimejaram. Curtiss percebeu e desenhou um sorriso maroto.
Que estranho! Eu não costumava chorar...
Mas a lembrança de Eliseu se misturou com os aplausos e uma lágrima, traiçoeira, correu pelo rosto.
O grupo percebeu e aplaudiu freneticamente.
Depois, pouco a pouco, o silêncio voltou a se impor.
O general baixou a mão e caminhou para onde estava este perplexo explorador. O resto dos homens o seguiu e acabaram apertando minhas mãos, e me abraçando.
Foi emocionante e triste.
Sim, meu irmão estava faltando...
Os olhares eram curiosos e esquivos. Durou apenas o suficiente.
Eles estavam apavorados com a minha aparência.
"Como isso pôde acontecer? – se lamentavam. O que deu errado?”
Eu não sabia para onde olhar ou o que dizer.
"Desculpe-nos", foi a frase mais repetida.
O Slimy não se aproximou. Observou-me à vontade e moveu os lábios, mas sem emitir nenhum som. Eu captei apenas a palavra "traidores". E o viscoso desapareceu.
Alguém, então, por indicação de Curtiss, se aproximou com uma cadeira de rodas. Eu fui forçado a sentar-me nela.
E desta maneira, fui acompanhado até o próximo e familiar alojamento de oficiais.
Alguns, espantados, saíam nas janelas e saudavam.
Curtiss empurrava a cadeira.
Continuava pálido e suado.
E, de repente, alguém começou a cantar o hino dos Estados Unidos da América.
Foi mais um momento de glória (?)...
Chegando à frente ao edifício dos oficiais, o grupo se desfez.
O general despediu-se com um educado "até segunda-feira."
Um carro passaria para me pegar às 07h00min.
Curtiss tinha tudo planejado, é claro.
Traidores? Por que traidores?
Slimy referia-se, obviamente, a Eliseu e a quem isto escreve.
E à minha mente retornou a imagem do cilindro de aço, com as amostras do Mestre e de sua família.
O que estava acontecendo entre os homens do encerrado projeto?
A resposta - devastadora – chegaria na segunda-feira, 16 de julho.
O general, como eu disse, era um homem prevenido... Em quase tudo.
No dormitório foi disposta a minha roupa, os poucos pertences, um pouco de dinheiro, o passaporte e credenciais necessárias para mover-me pela base e, principalmente, pela área restrita, ao norte (que chamávamos de "Fog", e sobre a qual me referirei em breve).
Sobre a modesta mesa havia um envelope lacrado.
Não identifiquei a figura impressa na pasta vermelha da goma de laca e terebintina.
Era uma estrela de cinco pontas, invertida, com um círculo central e uma legenda, em latim, ao seu redor. As palavras se distinguiam com dificuldade.
Pareceu-me algo como “... fidelidade". É possível que dissesse: "Além de Fidelidade", mas eu não tenho certeza.
Desconcertou-me.
As estrelas de cinco pontas presentes nos emblemas das bases da USAF não estão de cabeça para baixo, e não me lembro de um slogan parecido [33].
E eu fiz algo incomum para mim. Voltei a deixar o envelope em cima da mesa, sem abri-lo.
Eu deduzi que eram novas ordens...
Eu estava farto.
Eu a abriria... Na segunda-feira.
Tomei banho, descansei um tempo, eu tentei, em vão, colocar os pensamentos em ordem, e acabei fugindo do aposento. Eu precisava falar com alguém, ou pelo menos, esticar as pernas.
Eu dispunha de um fim de semana e de excessivas recordações. Demasiada inquietação. Muitas perguntas sem respostas. Muita tristeza, até a borda da alma...
Eu parei no bar de oficiais.
Ali continuava Joco, o velho colega de bebedeiras e solidão.
Joco era uma curiosa mistura.
[33] Algum tempo mais tarde, quando aconteceu o que aconteceu, eu percebi que estava errado. Na época, três das bases aéreas da USAF ostentavam outras tantas estrelas de cinco pontas (invertidas): Ramstein, na Alemanha (3ª Força Aérea.); Yokota, no Japão (5ª Força Aérea.), e Elmendorf, no Alasca (11ª Força Aérea). Curioso, e bastante suspeito, que todas estavam fora do território nacional. (N. do m.)
Ele nasceu no Alabama, um pai japonês e mãe mexicana. Sua infância transcorreu em Tijuana.
Era como um chimpanzé, mas com olhos humanos.
Ele cuidava do bar há 20 anos...
Joco parecia um macaco, mas se comportava como um anjo.
Seu coração certamente era de ouro maciço...
Ele sabia tudo sobre Edwards: o secreto e o extremamente secreto.
Eu não sei como ele conseguia ser tão bem informado. Minto: eu sabia sim. Todo mundo sabia disso. Joco era um “ombro amigo”. Cada noite, um ou dois bêbados, ou até mais, chegavam ao bar, e falavam sobre o humano e o divino.
Já se sabe: os pilotos descem a terra para beber e esquecer os medos que fabricam lá em cima...
Joco definitivamente acabava sendo o grande confidente. Não importa a graduação. Ao começar a beber, as estrelas desaparecem...
Se alguém quisesse saber algo sobre a base, ou sobre seu pessoal, o melhor era ir para o bar de oficiais.
No começo não me reconheceu.
Depois, assustado, perguntou, enquanto derramava o café fora da xícara:
- Você é aquele que voltou do inferno?
Limpou o café, apressado, e ficou me olhando com curiosidade.
Sorri relutantemente e dei o primeiro gole.
Maravilhoso! Era café, café...!
- Está vivo! - Joco exclamou incrédulo.
Dei uma olhada para o meu uniforme de major e comentei:
- Vivo e morto, ao mesmo tempo...
O homem não entendeu, e seguiu na sua, dando um brilho desnecessários em algumas garrafas de whisky e tequila.
Depois de alguns minutos, mordido pela curiosidade, aproximou-se e perguntou se eu queria outro café.
Eu assenti com a cabeça.
Fazia dois mil anos que eu não provava um verdadeiro café...
Desta vez fui eu quem perguntou:
- O que estão falando sobre mim?
Joco hesitou.
Eu o encorajei. Nós estávamos sozinhos.
- Você, major, está de volta, mas o pobre...
- A que te referes?
- Ao seu companheiro...
E ele mencionou o nome verdadeiro de Eliseu.
Ele sabia do que estava falando...
- Você acha que ele está morto?
- É o que dizem... Aparentemente não saltou a tempo.
As notícias voavam, supersônicas.
-... Mas, você, senhor, sabe melhor do que eu e do que ninguém...
- Como é que você sabe tanto?
Pergunta estúpida.
Joco sorriu e me forneceu um dado desnecessário:
- É um segredo aberto no Fog...
É bom saber dos rumores que havia na base, especialmente na área restrita, no Fog.
O resto do fim de semana foi dedicado a passear e planejar o "assalto" ao pavilhão onde eu desejava decifrar o conteúdo da "pérola".
Coitado! Quando eu vou aprender a não fazer planos além da minha sombra?
Edwards, como eu disse, não tinha mudado muito.
Era uma cidade em miniatura [34], semelhante - quase gêmea - às quase 50 bases aéreas dos EUA existentes no mundo: um pouco mais de mil casas de um pavimento, jardins esforçados naquele deserto, 1.200 famílias supostamente bem estabelecidas, escolas não raciais, ônibus amarelos, cinco supermercados, uma capela, carros brilhantes, cinco cabeleireiros para senhoras, rugido de jatos, suor, fim de semana chatíssimos e cerveja a qualquer momento... E ao norte, o proibido: a área restrita.
Cruzei com velhos conhecidos, mas não me reconheceram. Eu passei por eles.
Eu parei em frente à placa em memória de Glen W. Edwards, capitão naquela base e morto quando pilotava a Northrop YB-49, a tristemente famosa "asa voadora". Ele e outros quatro companheiros pereceram no acidente. Edwards tinha apenas 30 anos. A placa diz: "Ele foi um herói que nunca reconheceu a sua ousadia." Não sei por que me veio à mente a imagem de Eliseu...
Eu fiz uma oração por Glen [35]. Ele, agora, sabe a verdade. No domingo, 15, depois de conversar com alguns colegas, retirei-me para descansar. Eu dormi muito e profundamente.
No dia seguinte - eu sabia - novas emoções me aguardavam. Umas bem excitantes...
O envelope lacrado, com a misteriosa estrela invertida, ficou sobre a mesa, sem abrir.
Fiquei espantado comigo mesmo.
Era um homem novo, sem dúvida...
Em outras circunstâncias, teria aberto o envelope imediatamente.
Ele tinha me mudado. Nada mais era o mesmo.
Eu sabia que a vida não é o que parece. Nada devia alterar-me...
Sim, essa era a verdade, mas...
[34] Inicialmente (1933), a base aérea de Edwards era um campo de treinamento da Força Aérea. Ela era conhecida como Muroc. Em 1949, após a morte do capitão Glen W. Edwards, ela mudou de nome. Foi projetada e construída sobre dois grandes lagos secos (Rogers, ao norte, e Rosamond, ao oeste). Dispõem de 12 pistas principais. A mais longa atinge 12,1 km. Em Edwards são testados todos os aviões de guerra norte-americanos, assim como, protótipos e foguetes da NASA. A série 'Bell-X "foi uma das mais renomadas. O famoso "X-15" (1961) quebrou recordes de velocidade, atingindo Mach 6,7 (3 de Outubro de 1967). Em julho de 1963 atingiu uma altitude de 106.010 metros. Em seguida, outro protótipo, o SR-71 Blackbird, ultrapassou as duas mil milhas por hora (3.331 km/h) a uma altitude de 24.462 metros.
Como eu disse, todos os reatores da Força Aérea dos EUA foram testados em Edwards: desde o XP-59A ao Shooting Star. Em 1951, a base foi reconhecida como o centro de testes de vôo e a escola de pilotos de Wright Field foi transferida para Edwards. Praticamente todos os astronautas passaram pelo deserto de Mojave. Foi onde se desenvolveram os programas mais secretos da USAF e da NASA. O projeto Swivel é um deles. Como também mencionei, em Edwards fica um complexo centro de investigação (Dryden), à serviço da NASA e, é claro, do Pentágono. Eu trabalhei nele... (N. do m.)
[35] Glen W. Edwards morreu em 5 de junho de 1948, a uma curta distância de onde eu estava (para o oeste), quando participava de um vôo experimental. Ele testou muitos outros dispositivos, como o perigoso bombardeiro XB-42. Em dezembro de 1945, com o Vice-Governador, estabeleceu um novo recorde ao voar de Long Beach, Califórnia, até a Base da Força Aérea de Bolling em Washington D. C., em somente 5:17hs. Ele era um jovem promissor que teria gostado da Operação Cavalo de Tróia... (N. do m.)
16 de julho
Naquela manhã de segunda-feira, 16, depois de um banho, comecei a abrir o envelope selado.
Eu estava bastante recuperado.
E previa surpresas.
A primeira chegou quando eu extraí aquela cartolina branca.
Não era o que eu imaginava. Não eram novas ordens.
Eu a revisei, intrigado. Depois foi a vez do envelope.
Não fazia nem idéia...
Não havia remetente.
A cartolina de 21 por 15 centímetros apresentava uma única frase, escrita à máquina, e no centro geométrico da folha.
No canto superior esquerdo brilhava um emblema.
Que estranho...!
A frase dizia: "Marte, alerta."
Eu não soube o que significava.
O emblema, em relevo, composto de dois elementos. O principal era uma estrela, também de cinco braços e também invertida, como a do lacre.
Era azul escuro com um círculo vermelho no centro.
Em torno dele estavam as palavras ULTRA FIDEM (Muito além da fidelidade).
Não descobri nenhuma data ou remetente.
Nada, nem uma única pista para revelar a identidade do autor, ou autores.
Eu fiquei pensativo e perplexo.
Era uma piada?
No início eu rechacei a idéia.
O lacre era impecável. A cartolina era de boa qualidade, assim como a frase digitada no centro. Quanto ao emblema, belo e perfeito.
A estrela media 3 por 3 centímetros.
Muitos aborrecimentos e muito caro - eu pensei - para ser uma piada...
Mas eu não encontrei nenhum sentido.
O texto não me dizia nada.
Ele sabia algo sobre simbologia, mas o especialista era Eliseu. A estrela de cinco braços, conforme estudado é a representação máxima da luz e do universo em expansão. Para muitos, ele é o símbolo do microcosmo humano. Para a Maçonaria, no grau correspondente ao companheiro, a estrela ardente simboliza a letra hebraica yod: Princípio Divino no coração do homem ou mulher iniciado.
Corrigi-me. Eu estava errado. Entre os maçons, no centro da estrela aparece sempre a letra “G”, e este não era o caso. Não era um símbolo maçônico. Além disso, a estrela, como eu disse, se apresentava de cabeça para baixo.
Sentei-me e examinei a estranha correspondência com cuidado.
O que isso significava?
Alguém estava me comunicando algo...
As letras de "Marte, alerta" estavam espaçadas. Aquilo me chamou a atenção.
Não sei por que, mas eu comecei a fazer contas.
A frase media 6 centímetros, exatamente.
Quanto à estrela, como já disse, 3 por 3 centímetros.
E eu deixei-me levar pela imaginação.
O "9" e o "3" se repetiam...
Rebusquei na memória.
O "9" possui un grande simbolismo [36].
Para mim era o número do Mestre [37]. E lembrei-me das lições de Yu, o chinês, e carpinteiro-chefe do estaleiro de Naum: "O Tao - dizia - produz o um... O um produz o dois e o dois produz o três... "Sim, Jesus de Nazaré, também era chamado de Príncipe Yuy ("Dois", em árabe).
A respeito do "3" eu sabia pouco. Yu afirmava que é o número do céu, o caminho que se percorre sozinho. Depois – ele dizia – um se encontra com seu outro "3" e tudo se transforma em "8".
Eu não queria me distrair, e deixei um pouco de lado as idéias do querido e saudoso chinês.
Por que o "3" e o "9" se repetiam naquela charada?
Fiquei um longo tempo imerso na mensagem – por que disto se tratava - mas não cheguei a nenhuma conclusão, de nenhum ponto de vista.
Talvez eu estivesse diante da obra de um louco ou de um palhaço.
Em Edwards havia de tudo, para não falar do Fog...
Enfim, nunca se sabe.
Coloquei a cartolina dentro do envelope e guardei-o cuidadosamente entre a roupa.
Estava ficando tarde.
Algo eu deduziu: Ultra Fidem não era um lema da USAF. (E não tenho a pretensão de fazer uma piada de mau gosto...)
Tomei o café da manhã com vontade, e às 7 horas, conforme foi estabelecido por Curtiss, chegou o veículo que deveria me levar para a área restrita, ao norte da base.
Quando nos despedimos, Joco deu uma piscada, animando-me com o dom de um sorriso. Lembrei-me de um dos gestos do Filho do Homem. E as palavras do Mestre vieram à minha mente "5 × 5" (alto e claro): "Confie...!"
Eu o faria. Eu vou confiar n’Ele
Tudo estava de cabeça para baixo, mas eu confiaria...
Percorremos os 6 quilômetros que nos separavam do Fog.
O dia prometia pegar fogo...
Naquele momento eu não sabia que outro tipo de "fogo" estava prestes a cair sobre quem isto escreve, e inesperadamente...
Mas o Destino, sabia sim. "Alguém" de quem muitas vezes eu esqueço.
[36] Embora a relação de símbolos seja interminável, aqui estão algumas das equivalências do "9" segundo o mundo da iniciação: representa o fim de um ciclo e de um emprego ou carreira (é o fim do anel de vida ). Hesíodo se refere a ele, em sua Teogonia, como o tempo necessário para ir da vida para a glória: nove dias e nove noites. Para a Maçonaria, o "9" é o número do eterno e da "germinação para baixo". Allendy vai mais longe e se aproxima da natureza do Filho do Homem, afirmando que o "9" representa a perda da personalidade, em beneficio do amor total. Para a velha e sábia Pérsia, o "9" era o supernúmero: o fim sem fim. Algo semelhante ao hak da Sufis (Islamismo): Aquele que atinge o "9" ao longo de sua vida está mais próximo da verdade. Era Parmênides quem estimava que o "9" diz respeito às coisas absolutas. Para o referido René Allendy, o "9" simboliza a análise total. É o "muito", que retorna para o "um". É a redenção e solidariedade cósmica. O "9" é a "montanha do sol", segundo os egípcios. Tudo desce e sobe através do "9". Na Índia, a mais antiga seita filosófica - a Vaisheshika - sintetiza a vida em nove estádios. «Ai daquele que se veja apresentar-se diante dele, repetidamente, o "9"! A morte espreita-o... » Para os Astecas era a conexão com os mundos infernais. Para os Maias, todo o contrário... E assim, como eu disse, até o infinito. (N. do m.)
[37] Ampla informação sobre o "9" e sua ligação com as datas relacionadas a Jesus de Nazaré, em Cavalo de Tróia 1 - Jerusalém. (N. do a.)
No portão principal da área restrita, a polícia militar impediu-me de passar.
Oops, eu me esqueci de colocar as credenciais em um lugar visível.
Apresentei as "tssc" [38] e o cabo sugeriu que colocasse no pescoço.
Eu sorri, agradecido, e assim o fiz.
O guarda voltou para a guarita, pegou o telefone e falou com alguém.
Trinta segundos depois, aparecia um veículo militar. Três homens armados trocaram umas palavras com o cabo e este ordenou a abertura do portão.
Passei para o outro lado e sentei-me no jipe recém-chegado.
E foi assim que retornei para o maldito Fog...
Fog (Nevoeiro) era o local secreto por excelência na Edwards Air Force Base.
Nós o chamávamos assim por causa do nevoeiro que cobria a área quase que permanentemente. Era o ideal para não ser observado.
Com o tempo, Fog terminou convertendo-se em um monstro...
A zona restrita ficava ao noroeste do lago seco Rogers. Ela estava separada de tudo, mas relativamente próxima do núcleo da base, assim como a estrada 58, que liga as cidades de Mojave e com Silt e Boron.
As dimensões de Fog eram consideráveis.
Ele formou um triângulo gigante de 10Km de lado.
As "Jóias" eram a 06/24 e o chamado hangar "vermelho".
A primeira era uma pista de concreto com cerca de 2.500 metros.
O segundo...
Mas irei por partes.
Outras pistas, pintadas de preto, atravessavam o deserto.
Para o leste, a pouco mais de 30 quilômetros, corria a 395, a rota de fuga para o norte e o sul.
[38] As "TSSC" eram credenciais - nível azul-4 - que permitiam o acesso aos segredos que afetam a defesa nacional dos Estados Unidos da América. Eu não posso dar mais informações a respeito. (N. do m.)
Fog, em suma, era um enxame de pavilhões, escritórios e hangares, em completa desordem, tudo confidencial (embora ninguém soubesse o porquê).
O complexo foi equipado com altas cercas farpadas, valas antitanque (!), câmeras de segurança, barreiras de infravermelhos, uma estrada que corria paralela ao perímetro, cães especialmente treinados, as inevitáveis linhas vermelhas (recordo de meia dúzia, rodeando alguns hangares, altamente "sensíveis"), guardas por toda a parte (incluindo nos telhados) e, naturalmente, os fumegadores...
Havia áreas nas quais se tinha acesso apenas com as "tssc" de níveis vermelho e violeta. Era o caso da "cidade subterrânea", a que me referirei mais adiante.
Era muito divertido.
No Nevoeiro, a primeira coisa que olhávamos não eram os olhos de uma pessoa, mas a cor das "tssc".
O segundo "rei" do nevoeiro, como eu disse, era o Z-412. O chamávamos de hangar "vermelho" pela cor das paredes e do telhado, cor de chumbo.
Era um dos edifícios que se destacava da área restrita, devido aos arquivos nele contidos, e a grande plataforma circular na qual subiam e desciam os protótipos secretos.
Em uma das dependências do hangar vermelho ficava o escritório de Curtiss. Nós o conhecíamos como o "fumódromo".
O resto era um labirinto de salas e escritórios. Lá trabalhava parte da equipe de Cavalo de Tróia.
E eu deixei a descrição dos fumegadores para o fim, não por acaso. A USAF tinha orgulho da "invenção". Era uma das chaves para o sucesso daquela área, repetiam os generais em voz baixa, quando visitavam a "cidade subterrânea" ou o resto do Fog. Deus! Que mediocridade!
O Nevoeiro possuía dois fumegadores: uma ao leste e outro ao oeste. Em palavras simples: consistiam de bocas, cinco metros abaixo da superfície, que lançavam uma névoa quando os responsáveis pelo de campo consideravam necessário. Era uma neblina densa e perolada que se apoderava do triângulo em questão de minutos. Uma teia de aranha de tubos de tório de 2 mm sobrevoava a zona à 10 metros do chão, mantendo a fumaça “presa” graças aos campos gravitacionais que atuavam como "tampa".
Os fumegadores e a névoa natural existente no lago seco Rogers tornavam a área restrita de Edwards praticamente "invisível". Nenhum observador era capaz de descobrir o que estava se cozinhando naquele lugar remoto.
E honestamente, foi muito, e de grande importância, o que se experimentou (e ainda se experimenta) na base em Mojave...
Enquanto os fumegadores estavam jogando neblina, o tráfego rodoviário no Fog estava estritamente proibido.
Outros edifícios "notáveis" naquele complexo super-secreto, eram os hangares "5" e "1", localizados também a leste e oeste da zona restrita, respectivamente. Neles estavam camuflados três poderosos elevadores que comunicavam a "cidade subterrânea", com a superfície.
O hipotético leitor destas memórias deve estar se perguntando: por que eu estou revelando parte de uma instalação militar secreta? Por ódio? Por vingança? Por não estar ciente disto?
Tenho pensado profundamente e compreendo que o motivo não tem nada a ver com isso. A explicação é simples. Os militares são cidadãos a serviço da comunidade. Esta comunidade paga e sustenta-os. Qualquer segredo militar é um insulto ao cidadão. Ainda assim, eu tenho alguns guardados. Eu sou tão pecador quanto eles...
Mas eu não pretendo desviar-me do essencial.
Às 7 horas e 20 minutos daquela segunda-feira 16 julho (1973), o jipe da polícia militar parou na esquina oriental do referido hangar vermelho. A névoa, alheia ao que estava prestes a acontecer, lambia os edifícios com certo tédio. Enxergava-se e não se envergava.
Eu conhecia bem o local.
Nós saltamos do veículo e nos encaminhamos a uma pequena porta de metal, camuflada na parede vermelha.
Um dos militares apertou uma campainha e esperou.
Ninguém falou nada.
Como de costume, me dediquei a observar. Desta vez, reparei nas submetralhadoras automáticas que os policiais portavam. Estavam reluzentes. Eram as "M3A1" de fabricação norte-americana. Provavelmente procediam da Ithaca Gun Co. Não creio que pesassem além de três quilos e pouco. Munição: 9 mm ou talvez 11,43 milímetros. Compartimento destacável (30 cartuchos). Taxa de fogo: 350-450 disparos por minuto. Uma jóia...
Na minha época, as chamávamos “greasegun" (arma de graxa), pela semelhança com pistolas engraxadeiras.
O mecanismo de pontaria era fixo, com uma alça de mira para até 100 jardas (aproximadamente 90 metros). Elas haviam prestado um bom serviço durante a Segunda Guerra Mundial, a Guerra da Coréia e do Vietnã.
E, de repente, eu me senti envergonhado.
Eu estava admirando uma arma, algo projetado para ferir e matar. Não era isso que o Filho do Homem pregava...
Os guardas me olharam de cima para baixo, intrigados.
O que fazia um idoso em um lugar como aquele?
Eles eram muito jovens. Eles não podiam sequer suspeitar...
A porta foi aberta por um dos diretores de Cavalo de Tróia.
Omitirei os nomes por segurança.
Ele sorriu e me convidou a entrar ao mesmo tempo em que arrumava os grossos óculos de tartaruga com o dedo indicador esquerdo.
O oficial encarregado disse que iriam esperar ali mesmo. E os "M3A1" continuaram com olhos de aço fixos no chão.
Segundos depois, entrávamos na sala das "tempestades". Nós a chamávamos assim porque era o lugar onde eram discutidos os assuntos mais delicados e tensos. Nós sempre terminávamos aos gritos.
O de óculos de tartaruga cruzou por mim e fez-se silêncio entre os que ali estavam reunidos. Eles pareciam muito nervosos. Provavelmente estavam discutindo.
A sala não tinha muito que descrever...
Uma mesa de vidro, fria e distraída, era o habitante principal. Era um capricho de Curtiss, vindo de Deus sabe onde. Olhando para o norte abria-se uma única janela. Ela estava orgulhosa de sua armadura. Somente via alambrados e deserto. Coitada.
No topo havia duas lâmpadas, sem nenhum adorno, e sempre ligadas. Elas flutuavam através da fumaça, com os fios em desordem e sem canaletas. Uma piscava incessantemente, em protesto.
Na parede da direita (vou tomar como referência a porta de entrada) estava pendurado um retrato do presidente Nixon, desbotado - quase azul - e com um sorriso bem falso.
Perto da janela, no canto, uma bandeira dos EUA, tão entediada quanto a mesa e as cadeiras.
Na parede esquerda se observava um grande quadro negro, com um preto ameaçador. As disputas começavam sempre nele. Eu não sei como ele conseguia...
Finalmente, também na parede da esquerda, a dois metros do chão, o gabinete do ar condicionado vigiava. Ele vivia permanentemente ligado. Naquela sala ouviu o que não está nos escritos.
Na cabeceira da mesa distraída estava o general, de costas para a janela que apenas via os alambrados.
Curtiss estava fumando um de seus intermináveis charutos cubano.
Ao redor da mesa estavam o resto dos diretores, todos eles.
Três ou quatro fumavam nervosamente.
Sim, estava se preparando o cenário para uma grande tempestade...
Curtiss fez sinal para que eu avançasse e me sentar-se à sua esquerda, perto da bandeira.
Nixon nem olhou para mim.
Éramos 12...
Eu observei-os por alguns segundos, e eles a mim.
Slimy babava, como sempre. Na frente dele, sobre a mesa de vidro, descansava uma pasta prateada, metálica, algemada ao seu pulso direito. O que ela continha? Por que tanta segurança?
Percebida dureza nos olhares. Do que poderiam me acusar? Por que discutiam?
Curtiss comprovou que o charuto tinha apagado, então procurou fósforos.
Ele não teve tempo de procurar nos bolsos.
Dois dos diretores levantaram-se imediatamente e ofereceram-lhe fogo.
Eles eram os bajuladores de sempre...
E o general aproveitou a pausa para pedir café.
E o de óculos de tartaruga saiu da sala, ao mesmo tempo em que o silêncio sentou-se ao nosso lado. Já éramos 13...
Curtiss se interessou por minha saúde.
Puro compromisso.
O instinto voltou a tocar meu ombro. Algo estava errado entre os diretores.
Devia preparar-me...
E assim foi.
Então compreendi a pobre janela. Precisava fugir, mas não era capaz.
Chegou o café e todos o apreciamos.
O silêncio sabia que estava sobrando, então se levantou e saiu.
Nixon o seguiu com o olhar.
E a conversa transcorreu por caminhos irrelevantes. A recente discussão parecia esquecida, mas não...
Curtiss então se dirigiu para um dos diretores (que chamávamos de "texano") e ordenou que repetisse o que expôs pouco antes, quando eu estava prestes a entrar na sala.
E o texano falou com certo ar de desafio:
- Eu lhes digo que o "berço" não está no Mar Morto...
Ele observou as caras de incredulidade e repetiu:
- Temos informações que confirmam... a nave não está onde pensávamos...
O silêncio não chegou ir até a porta. Ele virou-se e regressou para junto dos diretores.
Eu estava pálido.
Eu olhei para o geral, procurando uma explicação, mas eu consegui. Curtiss, impassível, nem olhou para mim. E incentivou o texano para continuar.
O diretor que tinha jogado a bomba não era amante de rodeios (surpreendentemente), e colocou tudo para fora.
Isto é o que eu me lembro daquela devastadora exposição:
De acordo com as fotografias e dados fornecidas pelo Big Bird e outros dois satélites, especialmente desviados para a órbita do Mar de Sal [39], a nave não aparecia no fundo.
Alguns dos diretores - entre os quais estava o de óculos de tartaruga - protestaram.
"A informação não era decisiva. Os radiômetros multi-espectrais ofereciam perfis confusos" [40].
E as discussões ficaram mais azedas, como se fosse possível.
[39] Os satélites de apoio ao Big Bird foram os Landsat. Eles foram equipados com mapas temáticos e scanners multiespectrais. O primeiro dispositivo podia produzir imagens com uma resolução de 1 metro (em sete bandas: três no espectro visível, uma no infravermelho térmico, outra no próximo e duas no infravermelho médio). Em relação aos scanners, eram capazes de medir a radiação refletida pela superfície da Terra em quatro bandas. Um dispositivo adicional e secreto emitia microondas e registrava os ecos. No caso de naufrágio, os restos eram apresentados como imagens mais brilhantes. O fundo do lago era uma superfície escura. Utilizou-se uma combinação de polarização e de comprimento de onda para obter imagens coloridas, com destaque para o leito do Mar Morto. As vistas estereoscópicas permitiram medições de todos os destroços que eram suspeitos. O texano, e os diretores que defendiam esta hipótese, estavam certos: nenhum vestígio do "berço"... (N. do m.)
[40] Um radiômetro é um dispositivo que mede as radiações eletromagnéticas, de acordo com diferentes comprimentos de onda. Alguns percebem a referida energia eletromagnética graças à sensores óticos e a técnicas eletrônicas. Os modelos utilizados para rastrear o "berço", mediram o fundo do Mar Morto em comprimentos de onda compreendidos entre 0,4 e 14,0 microns. Mas os radiômetros multi-espectrais não foram conclusivos. Alguns dos diretores estavam certos. Tanto os de varredura, como os de empuxo, ofereceram imagens pouco convincentes. (N. do m.)
Alguém insistiu muito na questão dos radiômetros.
"Não são confiáveis..."
O texano se levantou, apontou para a pasta que continuava algemada ao pulso do Slimy, e gritou mais alto que os outros:
- Disto falaremos mais adiante...!
Vi o silêncio desaparecer, aborrecido.
Curtiss solicitou calma, e voltou a acender o agonizante charuto.
A fumaça se espalhava sufocante.
A lâmpada seguia protestando, com seus flashes constantes, mas ninguém lhe dava atenção.
E o texano continuou...
Nem os radares de penetração profunda tinham obtido resultados conclusivos. [41] O "berço" não aparecia em nenhum lugar.
Os diretores que se opunham ao texano diziam que aquele também não era um argumento confiável. O fundo do Mar de Sal, como expliquei anteriormente, tinha cerca de cem metros de sedimentos, em sucessivas camadas químicas e argilosas, resultantes dos arrastes e correntezas fluviais. Em suma: uma centena de metros, ou mais, de pura lama, que se comporta como areia movediça.
O "berço" pesava mais de 20 toneladas...
Era mais do que possível que o lodo tivesse sugado-a, literalmente.
Talvez ela estivesse a 50 ou 80 metros dentro do lodo. Quem podia saber...
E eu pensei em Eliseu.
Meu Deus! Sepultado no lodo!
Eu senti a alma espremida...
Eu terminei o segundo café.
[41] Os radares a bordo dos satélites emitiam pulsos eletromagnéticos (em freqüência de microondas), que desciam sobre o ponto escolhido, retornando para as antenas. A informação era então processada e transmitida. Neste caso, a frequência de pulsos oscilava entre 2 e 18 GHz. As resoluções eram melhoradas com a ajuda da compreensão do pulso. Os radares de penetração profunda podiam "ver" o subsolo, até 10 metros abaixo da superfície. Ao atravessar as diferentes camadas de areia, argila, rochas, etc, os impulsos eletromagnéticos acabavam "desenhando" o que cruzava o seu caminho. Os computadores faziam o resto. Até 10 metros, o perfil da nave era inexistente. (N. do m.)
Eu entendi a situação da equipe de diretores de Cavalo de Tróia.
As informações e imagens fornecidas pelos satélites tinham dividido as opiniões sobre o paradeiro da nave. E esta divisão de opiniões parecia sem solução, pelo menos por enquanto.
Um grupo composto por seis diretores, entre os quais estava Slimy, defendia que o "berço" não estava no Mar Morto.
Os outros quatro opinavam o contrário.
O general não se manifestou.
E o texano, em nome dos que o apoiavam, aos quais, de agora em diante, vou chamar de "falcões", acrescentou:
- Nem a fonte emissora de calor, localizada na fossa sul, é a nave...
Novos protestos foram imediatos.
- Isso é um absurdo – comentou o de óculos de tartaruga. No Mar Morto, não há nada capaz de causar uma fonte de calor como essa...
Alguém falou de aragonita e sulfureto de hidrogênio.
Fecharam-lhe a boca imediatamente. Como eu já mencionei, o enxofre não poderia provocar uma coisa dessas, muito menos a aragonita.
O texano deixou a discussão rolar.
Quando os ânimos se acalmaram, concluiu:
- Esta fonte de calor é real, mas não é o "berço"...
Ele fez uma pausa e terminou:
- Esta fonte de calor poderia estar relacionada com a nave.
A perplexidade e a surpresa se deram as mãos. Ninguém entendeu:
Curtiss pressionou:
- O que diabos você está falando?
O texano esperava naquele instante. Ele fez um sinal para o de lábios babando, e Slimy começou a soltar as algemas que prendiam a maleta em seu pulso direito.
Silêncio sentou-se novamente entre os diretores. Nixon perdeu o estúpido sorriso...
Todo mundo estava na expectativa.
Slimy abriu sua maleta prateada e tirou um envelope cor laranja.
Aparecia lacrado.
E o depositou sobre a mesa de vidro, em frente ao general e chefe do projeto.
Foi então que eu notei. O lacre era o mesmo que fechava o envelope que eu recebi em meu quarto, no alojamento de oficiais de Edwards.
Uma estrela de cinco pontas, também invertida!
O que era tudo aquilo?
Curtiss se apressou a romper o lacre e extraiu uma coleção de fotografias.
Elas pareciam imagens captadas por satélites.
Silêncio.
A lâmpada que não parava de piscar, continuou gaguejando. Era insuportável...
O charuto do general fazia muito que tinha apagado.
Curtiss pediu explicações:
- O que é isso?
O texano respondeu de imediato:
- Podem ser acumuladores...
- Explique melhor.
E o texano o fez, fazendo-me desaparecer na confusão.
- Essa fonte de calor - e apontou a mancha laranja que aparecia nas imagens - não é do "berço". Se viesse da nave, esta fonte seria levemente radioativa..., mas não é.
Ele falava com razão.
A liga com o tório transformava a blindagem do módulo em "levemente radioativa".
- A fonte de calor que estão vendo - continuou o "falcão" - é de origem química.
- E então...
- Acreditamos que sejam acumuladores...
O general pediu mais clareza.
- Acumuladores... Você sabe, baterias elétricas como as que haviam...
O texano retificou:
- Como as que existem no "berço" [42].
Busquei na memória.
As baterias em questão estavam estrategicamente espalhadas por toda a nave. Eram elementos complementares, destinadas a fornecer algum tipo de déficit menor ou secundário. Eu recordava de ter usado-as em uma ocasião, ao explorar a cripta funerária do povoado de Nahum na Galiléia [43]. Naquela oportunidade, o acumulador usado alimentou uma poderosa lanterna de 33.000 lumens. Que eu saiba, eles nunca mais deixaram a nave.
- De quando são essas fotos?
O general tinha isso diante dele, ao pé das imagens, mas ele não viu.
O texano indicou:
- Aqui está a data e a hora...
- Estou vendo - falou Curtiss... Dia 15, às 13 horas...
Isso foi no dia anterior. As fotos foram tiradas no domingo.
Curtiss não compreendeu o alcance do que sugeria o texano e terminou passando as imagens para o resto da equipe.
Não houve discussão. A informação parecia correta.
E o general, depois de acender um novo charuto, levantou a questão-chave:
- OK... São baterias pertencentes ao "berço". E eu pergunto: onde está a nave?
Por alguns segundos, ninguém respondeu.
Finalmente, o texano falou com sensatez:
- Nós não sabemos...
[42] Tratava-se de 12 baterias ou acumuladores elétricos que armazenavam energia, graças aos polímeros de íon de lítio (uma tecnologia investigada anos atrás pelos militares, e por mim mesmo, e que seria muito útil em satélites de comunicações). Possuíam quatro células (3,7 V cada), com uma tensão nominal de 14,8 V. Baseavam-se em baterias de íon de lítio, mas alcançavam maior densidade de energia e uma taxa de descarga muito maior. Eram de tamanho mínimo (30 centímetros de comprimento), com um peso inferior ou igual a 500 gramas. Uma carcaça as mantinha estanque e garantia sua carga de flutuação. A auto-descarga não ultrapassava 1% anual. A utilidade era múltipla: como geradores de energia e do tipo secundário e, inclusive, para iluminação. Para utilizá-las, tinham que ser abastecidas (carregadas) anteriormente, no que chamamos de "processo de carga". Disto "Papai Noel" se encarregava, com a ajuda da pilha atômica. (N. do m.)
[43] Ampla informação sobre a exploração na cripta funerária em Cavalo de Tróia 3 - Saidan. (N. de a.)
- O que você está insinuando? - perguntou o general, desconfiado.
- Não estou insinuando nada... Por enquanto.
O diretor insistiu no que já é conhecido:
- Não há rastro da nave... Isso não quer dizer que está afundada...
Curtiss seguiu ausente sem entender o duplo sentido das palavras do texano. Ele solicitou as imagens e colocou-as nas mãos de quem isto escreve.
- E você, o que me diz?
Eu as examinei avidamente.
O sensoriamento ativo e os radiômetros multiespectrais ofereciam uma informação impecável [44]. A mancha laranja era clara. Aquilo representava uma fonte de energia de origem química. Era o mesmo foco emissor que Curtiss tinha me mostrado em 07 de julho, na base judaica de Nevatim.
Eu calculei as dimensões da fonte emissora. Eram significativamente menores do que as dimensões do "berço". Isso me deixou atordoado. O texano tinha razão: podiam ser acumuladores...
Rejeitei a idéia de imediato.
Eu voltei a examinar as imagens, comparei-as, e cheguei à mesma conclusão: aquilo não era de acumuladores...
O general captou minha surpresa e perguntou, rapidamente:
- O quê está havendo?
Demorei alguns segundos. A mente era um labirinto.
"Aquilo" não era possível...
Por fim, expliquei:
- não podem ser acumuladores... Não os da nave.
- O que você está dizendo? - interveio o texano.
[44] O processo de coleta de dados por parte dos satélites é realizada através dos chamados sensores ópticos eletrônicos. As ondas são convertidas em sinais digitais e estes em imagens. No caso do Big Bird, se trabalhavam com bandas espectrais, resoluções radiométricas e espaciais. Os algoritmos matemáticos faziam o resto. Os "TIMS" (Scanners multiespectrais de IR) mediam as radiações infravermelhas com uma margem de erro de 0,1°C. (N. do m.)
Indiquei o ponto laranja e abreviei:
- Estão agrupados... Insisto: não podem ser os acumuladores.
- Explique! - exigiu o general nervosamente.
E eu o fiz.
Se a nave tivesse sido aberta, como resultado do impacto sobre a água, as baterias e acumuladores elétricos poderiam ter se soltado do "berço" ou não. Como mencionei, estavam estrategicamente distribuídos, dispostos para serem utilizados em caso de emergência. Era fisicamente impossível que, ao escapar da nave, continuassem agrupados. A flutuação era notável e que os teria conduzido para a superfície do lago, e em desordem.
Curtiss olhou para mim, perplexo. O charuto tinha apagado novamente. Nixon não sabia do que estava falando, como de costume...
- Como é que as imagens mostram as baterias unidas em uma espécie de cacho? Nem em um milhão de anos poderia ocorrer uma casualidade assim...
"E, para o cúmulo - acrescentei - estão ativadas.
O texano, e vários de seus homens sorriram. Eu deduzi que eles já sabiam...
E continuei:
- Essas baterias não funcionam automaticamente. Elas devem ser acionadas manualmente.
- Não podem ter sido ativadas com o choque?
A questão Curtiss era exagerada, mas aclarei a sua dúvida:
- Dificilmente...
E uma nova incógnita ficou flutuando na fumaça: Quem as colocou em funcionamento?
Eu não recordava... Além do mais, por que razão fazer algo assim?
- São como lanternas - enfatizei. É preciso acionar o interruptor correspondente para "ligar”...
O general tinha compreendido, e resumiu:
- Vamos ver... Você está dizendo que estas baterias, ou o que quer que sejam, não deveriam estar ali?
Eu confirmei com a cabeça.
- E está insinuando que alguém fez a ativação, um a um?
Novamente movi a cabeça afirmativamente.
Todos, eu acho, fomos visitados pelo mesmo pensamento, mas ninguém se atreveu a expressá-lo.
- Mas os acumuladores - Curtiss murmurou para si mesmo – estão ali...
- Afirmativo... e eu não entendo.
- E isso não é tudo - Slimy interveio pela primeira vez. Os acumuladores estão flutuando a cinco ou dez metros do fundo...
Curtiss e eu examinamos a linha que marcava o fundo do Mar Morto. A avaliação era correta. As baterias estavam acima da lama.
A nova observação me surpreendeu.
E eu falei, incapaz de conter-me:
- Negativo!... É igualmente improvável!... As baterias flutuam!
Slimy perguntou maliciosamente:
- Trata-se de um milagre?
Em meu interior eu o amaldiçoei.
- Somente existe uma explicação – interveio o texano. Alguém dispôs assim... Alguém reuniu os acumuladores, ativou-os, e manteve-os presos ao fundo com algum tipo de peso...
Mas os interessantes comentários do diretor foram diluídos em outro protesto. Nós estávamos elucubrando. Tudo aquilo eram apenas suposições. Precisávamos de mais informações.
E o de óculos de tartaruga apontou para a necessidade de realizar uma incursão, em todos os sentidos, ao Mar Morto. Falou de sondas eletromagnéticas, magnetômetros de prótons, radares a laser, sonares de baixa freqüência e de varredura lateral (capazes de criar mapas a partir do fundo do lago) e dos "ASDIC", outro dispositivo sonar, inventado para detectar a presença de submarinos.
Os "falcões" começaram a rir, e com razão.
Com que tipo de desculpa nós iríamos preparar uma expedição assim como esta? O que poderíamos usar como argumento para não levantar suspeita diante dos judeus ou diante dos jordanianos?
A guerra estava para virar ali na esquina. Todos, naquela maldita base, estavam sabendo disto...
Esse não era o caminho.
E outra dúvida me afundou um pouco mais naquela confusão: como é possível que as baterias, assumindo que fossem elas, estavam ativas a 17 dias? Nestes modelos, o limite era de 114 horas...
Curtiss tirou-me daqueles escuros pensamentos.
Estava na hora de comer...
Depois do almoço, os "falcões" voltaram à carga.
Não estava tudo dito.
E o texano, implacável, levantou algo que ninguém havia mencionado, que eu saiba: por que falharam as medidas de segurança da nave, em caso de impacto ou naufrágio no mar?
Sim, foi estranho. Ninguém mencionou isso nos dias anteriores.
Eu não compreendi por quê.
Eu deduzi que eles assumiram que o golpe foi tão violento que as inutilizou.
Isso não estava certo.
As "BAL", abreviatura de Aleg Break como designávamos as referidas medidas de segurança, foram projetadas justamente para desastres desta natureza.
Em suma, as "BAL" consistiam no seguinte [45]:
«Coluna 20» (Col.20).
Se o "berço" acabasse afundado (este era o caso), após 20 segundos, a "membrana" exterior, cuja espessura total era de 3,29 centímetros, e da qual já me referi nestes diários, era ativada automaticamente pelo o computador central. E dela partiam milhares de minúsculos lasers, que formaram um cilindro perfeito, de um metro de diâmetro. Os raios lasers viajavam blindados em infravermelho, por isso só poderiam ser observados usando a visão infravermelha. A "col.20" partia verticalmente do "berço". Não importava a posição da nave. "Papai Noel" se ocupava disso.
Era uma questão de tempo para que as equipes de busca localizassem o citado "tubo" ou "cilindro" laser. A coluna era visível a quilômetros de distância. Aparecia sobre a superfície do mar, como aquilo que era: uma coluna de luz, que se perdia no espaço...
Cada laser também era portador de um sinal de ajuda (121,5), que podia ser captado por radiômetro, com um sistema de posicionamento que garantia um erro radial máximo de 1,8 centímetros.
O múltiplo sinal permanecia ativo por tempo indeterminado, desde que a SNAP 27 não estivesse danificada.
[45] Estas medidas de segurança aérea e marítima não são divulgadas ao público. Permanece sendo material restrito, de propriedade dos militares dos EUA. (N. do a.)
O procedimento, como eu disse, era automático. Tudo estava nas "mãos" de “Papai Noel”, as melhores “mãos”, é claro. Quem isto escreve sabia disto por experiência própria...
Se os pilotos estivessem mortos ou inconscientes, o sistema operava automaticamente.
E o texano perguntou:
- Por que não fomos capazes de localizar este "cilindro" no Mar Morto?
Ninguém respondeu.
Era inexplicável.
- Por que ninguém foi capaz de ouvir a música destas milhares de balizas...? Temos três satélites lá em cima...
Novo e significativo silêncio.
Alguém tinha de ter ouvido a "121,5", e não apenas os satélites. Qualquer aeronave sobrevoando a área, ou as estações civis ou militares que rodeiam o Mar de Sal, deveria ter detectado.
Era muito estranho...
Os diretores contrários ao grupo dos "falcões" levantaram uma dúvida mais do que razoável: se a nave foi engolida pelo lodo, adeus "membrana" e adeus a “BAL”. Toneladas de lama poderiam estar obstruindo os sistemas. Seria lógico que não funcionassem.
"Col.60".
Era a segunda medida de segurança, que também não funcionou, segundo sabíamos...
Aos 60 segundos do naufrágio do "berço", também de forma automática, o computador central se encarregava do congelamento da água contida na "coluna" laser. Não importava a altura da mesma. A “membrana” injetava gás no "tubo" (geralmente hidrocarbonetos com freon) e a temperatura da água caía. Ao inverter a polaridade da alimentação elétrica, de uma forma relativamente semelhante ao efeito Peltier, a água "prisioneira" no "cilindro" laser, aumentava a temperatura até o ponto de ebulição. Isso provocava uma "lacuna" no mar, facilitando o acesso à nave, assim como, o resgate dos ocupantes.
Pois bem, como eu disse, nada disto aconteceu no Mar Morto.
E a discussão voltou-se para o que já era conhecido: o lodo do fundo poderia inutilizar os sistemas que ativavam “col.60”.
A terceira e última medida de segurança não tinha nome.
Funcionava após 5 minutos do naufrágio.
"Papai Noel" foi programado para lançar para a superfície - sempre através do "cilindro" laser - um produto de composição química parecida com a clorofila, que "tingia" a água com "brilhos", que oscilavam entre 6,9 e 89,0 GHz. As observações ficavam por conta dos radiômetros passivos de microondas instalados nos satélites específicos.
O resultado também foi negativo.
Nada...
E o texano voltou para a primeira pergunta: por que nenhum dos "BAL" tinha funcionado?
Nós todos encolheu os ombros.
Repito: era inexplicável.
E o general foi direto para o que interessava:
- Nós falhamos... O "berço" não emite porque não pode emitir...
O silêncio foi significativo.
Curtiss estava certo.
Estávamos perdendo tempo. O mais provável é que o módulo, com Eliseu, estava sob lama profunda, no leito do Mar Morto.
Alguém abriu a boca e, timidamente, levantou a possibilidade de que a nave tivesse explodido enquanto afundava.
Duvidamos.
Os restos da pilha atômica teriam sido localizados imediatamente.
Além disso, na superfície do lago teria aparecido uma infinidade de destroços.
Eu o vi descendo, entre bolhas...
Se tivesse ocorrido uma explosão, quem isto escreve teria detectado. A onda explosiva, inclusive, poderia ter acabado comigo...
A sugestão sobre a desintegração do "berço" não prosperou.
O assunto da lama era outra questão. Com uma velocidade de 10 metros por segundo, a nave precisaria de um tempo em torno de 30 a 40 segundos para cavar-se na lama.
Também não encaixava...
O primeiro alarme - "col.20" – deveria ter ativado automaticamente. O contato com a água não era impedimento para a ativação da "membrana" exterior.
A menos que...
As discussões - quase todas inúteis – prolongaram-se até bem tarde.
Aquela semana de 16 de julho não teve mudanças substanciais.
Continuaram as reuniões na sala das "tempestades" e as controvérsias continuaram cada vez mais ácidas e divergentes. As imagens e as informações fornecidas pelos satélites estavam inalteradas. E as posições se inflamaram. Os diretores passavam o dia em desacordo. Enquanto isso, tudo estava quieto na fossa sul do Mar Morto.
As posições, como eu disse, não mudaram. Os diretores que seguiam o texano defendiam que o "berço" não estava no fundo do lago. O outro lado - a quem chamarei “pombas”, para simplificar – se enroscou na questão da lama e da necessidade de organizar uma expedição impossível ao fundo do Mar de Sal Estávamos em Julho de 1973. As notícias de uma iminente guerra entre árabes e judeus corria como rastilho de pólvora. Alguns, na base, assumiram que as hostilidades começariam nos primeiros dias de outubro. Sabiam de fonte segura...
Eu assistia às reuniões, mas, honestamente, não cheguei a nenhuma conclusão.
Foi uma semana indigesta.
Eu me senti fracassado e impotente.
Depois de tantos dias, Eliseu só poderia estar morto...
Fomos incapazes de reagir. Pelo contrário, nós nos enredamos em nós mesmos.
Na sexta-feira dia 20, chegaram os relatórios médicos do Hospital de Veteranos de Tampa. Curtiss e eu nos reunimos em particular e o general, como eu já expliquei anteriormente, permitiu-me ler e tomar notas dos "tratamentos e recomendações."
Curtiss não escondeu sua admiração por quem isto escreve.
Segundo aqueles documentos, me restavam oito ou nove anos de vida e, ainda assim, de acordo com o chefe do projeto, a minha única preocupação era Eliseu.
Sim e não...
Ao longo daquela e de outras conversas, eu estive tentado a mostrar-lhe a "pérola".
Eu acariciava-a enquanto conversávamos, mas Curtiss não a percebeu.
E a intuição me fez guardar silêncio.
Não era o momento. Ainda não...
Eu obedeci.
O Mestre falou muito sobre a intuição, “este anjo que anda na ponta dos pés”...
Não se equivocou.
Mas vou tentar respeitar a ordem do que aconteceu...
Ocorreu no final da entrevista.
O general guardou os relatórios médicos e, me olhando nos olhos, perguntou sobre o "berço":
- O que você acha?
Eu disse a verdade, desta vez.
- Estou confuso...
O general, compreendendo, tentou ajudar:
- Admitamos - apenas uma suposição - de que a nave não está no fundo do Mar Morto... Onde poderia estar?
Eu olhei para ele, perplexo.
Curtiss sabia mais do que parecia.
- Não entendo - eu me defendi.
- Você sabe o que eu quero dizer...
Eu senti a pressão e eu dei de ombros. Eu não queria mais complicações.
- Você acha que ele voltou?
- Voltar? Para que lugar?
O general sorriu com relutância. E acrescentou:
- Não se faça de bobo... Você sabe que aqueles - imaginei que se referia aos "falcões" - estão planejando o retorno...
Eu não sabia, e assim eu o fiz ver.
A resposta de Curtiss me nocauteou:
- Às vezes você parece de outro planeta... Você não sabe que estão pressionando lá em cima para enviar outra nave e descobrir o que aconteceu?
Eu fiquei de boca aberta.
E o general reafirmou o que disse:
- Às vezes você parece de outro mundo...
- Planejam isso? Querem voltar no tempo do Mestre e descobrir o que aconteceu com Eliseu?
O general negou com a cabeça e disse:
- Eliseu não importa para eles... Buscam o "berço", e o que ele contém.
- Como você sabe disso?
- Eu sou um general, mas não surdo... É um boato que corre pelo Fog e, suponho, pela base.
E perguntou, ironicamente:
- Não freqüenta o bar do Joco?
Eu assenti com a cabeça.
- É interessante que você nunca tenha ouvido... Pergunte a ele.
- Você está falando sério?
- Naturalmente. Cavalo de Tróia não é um jogo.
- Eu não entendo... Retornar, para quê?
O general esboçou um sorriso falso e respondeu sem responder:
- Eu já disse: você não é deste mundo...
Pensei rapidamente.
Qual era o conteúdo do "berço" que tanto interessava a eles? A informação sobre Jesus de Nazaré? Será que o cilindro de aço?
Concluí o motivo para planejarem o retorno ao tempo do Mestre: o cilindro de aço...
As informações sobre a vida, os pensamentos e a mensagem do Galileu não lhes importava, pelo menos para os "falcões". Foi uma dedução matemática. Ninguém em quase três semanas, tinha se interessado por nossa aventura na Palestina de Jesus. Ninguém perguntou pelo Filho do Homem. Era desconcertante...
Eu vi claramente.
O objetivo era a nave. Para ser mais preciso: o objetivo eram as amostras de sangue e cabelo do Homem-Deus e de sua família.
Bastardos!
E eu me perguntei, com igual surpresa: Se Curtiss era um dos instigadores dos diabólicos planos de Cavalo de Tróia, revelados por Eliseu antes que ele entrasse em coma [46], por que levantava estas questões? Era como se o referido "retorno" não fosse do seu agrado... Ou havia algo mais?
[46] Ampla informação sobre a confissão de Eliseu em Cavalo de Tróia 9 - Caná. (N. do a.)
Eu iria descobrir em breve...
E o general retornou ao tema do "hipotético retorno", mas com outras palavras:
- Você acha que Eliseu possa ter ativado a inversão de massa dos swivels e retornado para o "agora" de Jesus Cristo?
- Jesus de Nazaré - eu o corrigi.
- Bem, isso... O que você me diz?
- Você quer dizer mudar os eixos do tempo antes do "berço" chegar ao fundo do lago?
- Exatamente.
- Se Eliseu não pulou, e permaneceu na nave, é claro que poderia fazer isso, mas não vejo por que...
Curtiss esboçou um enigmático sorriso e ficou satisfeito com a resposta.
- Era o que eu queria saber... por enquanto.
E mudou de assunto, perguntando sobre minha saúde.
- Eu estou bem - eu disse, sem muita convicção – dentro do possível...
Fim da conversa.
Aquele sábado, 21 de julho foi relativamente calmo.
Nada aconteceu... Fora da minha mente.
Dediquei-me a passear e beber leite no bar de Joco.
As últimas questões, apontadas pelo chefe do Cavalo de Tróia, ocuparam a maior parte dos meus pensamentos.
«Eliseu retornou à época de Jesus de Nazaré? E por que para este "agora"? Também poderia transportar-se para outro momento histórico... Talvez ao futuro? "
Que absurdos eu estava pensando!
Eu estava me deixando contaminar pelos "falcões".
Eu tinha que manter a cabeça fria e distante. Esse é o segredo do sucesso...
Algo em meu interior (agora eu sei que era a "faísca") me corrigiu: "O sucesso consiste em acordar, e nisto a mente não intervém."
Mas eu segui na minha.
Eliseu estava morto...
Naquela manhã, eu me isolei em um pequeno parque, não muito longe do alojamento dos oficiais, a 600 metros ao oeste da estrada que conduzia para a população de Lancaster. Era um bosque modesto, com um nome sonoro: Onizuka.
Ali eu me sentei e procurei por respostas.
Eu conversei comigo mesmo e, às vezes, com uma família de cactos, que se dedicava durante todo o dia à procura de água. Eles não sabiam que eram cactos...
Havia os cilíndricos, lanosos, subindo para o nada, com formas de vela e talos, outros como o Opuntia, que chamavam de "cholla", chaparrais anãos, zimbro meio religiosos e o Pilosocereus, sempre com a barba por fazer. E no meio do verde e dos espinhos, o rei do Mojave: um cacto de cinco metros de altura, com tronco centenário fibroso. Era um milagre que conseguisse se sustentar em pé. As flores se abriam na primavera e imploravam água do céu. Então, ao vê-los, os Mórmons os batizaram com o nome de "Árvore de Josué". Eles eram desesperadamente pobres. Não tinham sequer anéis concêntricos. Assim disfarçavam a idade...
Como eu disse, eu tive várias conversas com esse tal Josué, mais conhecido nos livros, como Yucca brevifolia.
Eu perguntava e o velho respondia, a sua maneira.
- Por que razão Eliseu retornou para junto do Mestre?
A Árvore de Josué olhou para mim, entortava os olhos cor mostarda, e eu imagino que pensava:
- Outro piloto louco...
Mas seguia o meu jogo. Ele não tinha mais nada para fazer, a não ser o negócio da água. E murmurava:
- Bem, então me diga...
- Eu estava pensando nas razões para que meu parceiro, Eliseu, tivesse voltado para Jesus de Nazaré...
- Bem... Quais são elas?
Eu posso pensar em várias. Primeiro: por gratidão. O Filho do Homem o curou...
- Eu não conheço esta história...
- É lógico - eu respondi. Ainda não foi escrita.
- E como foi curado?
- Foi em um por do sol, mas isso não importa... Talvez quisesse voltar para agradecer de novo ...
- esta tese mal se sustenta, assim como eu...
Josué sabia mais do que aparentava, assim como Curtiss. E ele concluiu:
- Eliseu é um "escuro" e morrerá como um "escuro”...
- A segunda razão: pode ter voltado por Ruth...
- Quem é?
- Minha amada...
- Eu não entendo.
- Talvez desejasse voltar a vê-la e viver com ela até o fim de seus dias...
Josué perguntou, intrigado:
- Você não disse que é a sua amada? O que faz Eliseu atrás de Ruth?
- Ele disse que estava apaixonado por ela, mas eu não acredito.
- Você sim iria voltar por esse motivo... Você realmente está apaixonado...
- Estou pensando em outra coisa. Eliseu poderia ter retornado para recuperar o cilindro de aço... Ele certamente leu os diários. Ele sabe que foi roubado na aldeia de Beit Ids...
O pobre Josué se perdeu...
- Que cilindro? Que diários? E que aldeia?
- Não importa - respondi. O ponto é que está é uma boa razão para "saltar" no tempo e regressar...
Josué recomendou que descansasse. Pensar tão rápido não poderia ser saudável. Ele havia durado cem anos porque ele pensava somente o necessário.
Segui o conselho e fui dormir.
Eu tive sonhos perturbadores. Um deles seria profético, mas eu, naquele momento, não podia saber...
Isso foi o que eu sonhei:
Eu estava deitada e dormindo, no referido bosque.
Os cactos seguiam na sua, empenhados em conseguir água.
De cima eu olhei para o meu corpo. Eu era velho e magro.
De repente, de dentro da minha cabeça, a partir do Palácio de Cinábrio (próximo à glândula pineal), surgiu um cacto longo e verde, com dois ramos, em forma de braços. Ele elevou-se 9 pés...
No topo tinha uma cabeça humana. Recordou-me Judas, o traidor.
Seus olhos estavam vermelhos, acesos.
Então eu vi surgir um segundo cacto. Nasceu no coração. Elevou-se até 3 pés e 9 polegadas (exatamente). Era cilíndrico e com uma cabeça de mulher na extremidade. Ela era muito bonita. Era Ruth!
E, em seguida, dos testículos daquele Jason que estava dormindo no bosque, brotou um terceiro cacto. Era um Círio (Bergerocactus), também com uma cabeça humana no alto. Também reconheci o personagem: era Tarpelay, o guia negro que me acompanhou em muitas das aventuras pelo Jordão! Ele usava um turbante amarelo. O cacto atingir 3 pés e 36 polegadas, também exatamente.
Eu não tive tempo de me surpreender.
Um quarto cacto, lanoso, na cor violeta, apareceu no ventre e cresceu e cresceu até 3 pés e 20 polegadas. Na extremidade superior descobri a cabeça de outro querido e saudoso amigo: Yu, o chinês.
Os olhos dos quatro personagens se moviam inquietos. Eles procuravam algo.
No horizonte habitava um sol laranja. Achei que ele estava se ocultando, mas não. O sol estava imóvel. Todo o Mojave parecia tingido de ouro.
E lá, ao longe, eu pude ver a silhueta de Eliseu.
Ele corria em direção ao sol.
De vez em quando, ele parava, virava-se para o Jason dormindo, e gritava: "Aceita!... Aceita!”
Então eu acordei.
Josué continuava como seus pensamentos verticais, questionando a Deus sobre sua insuportável imobilidade.
Tudo estava tranqüilo.
Sim, eu havia tido um pesadelo...
Mas que estranho... O sonho me fez lembrar - não sei porquê - uma passagem do profeta Isaías (capítulo 11), que fala de um rebento brotando do tronco de Jessé [47] e de como frutificará um renovo de suas raízes...
Acabei não dando muita importância.
[47] Jesse foi um personagem bíblico. Ele era neto de Boaz e Rute. De acordo com o Antigo Testamento teve oito filhos. Um deles foi David, que se tornaria rei. Na Idade Média, os artistas representaram a genealogia de Jesus de Nazaré, usando o que eles chamavam de Árvore de Jessé. Jesse aparece dormindo no chão e do solo brota um tronco. Nos ramos foram pintados os supostos ancestrais do Mestre. É famoso o quadro de Stumme, "A Árvore de Jessé", assim como os evangelhos alemães e checos dos séculos XI e XII, nos quais se representa esta árvore. (N. do m.)
Eu estava oprimido diante da suposta possibilidade de que Eliseu tivesse ativado os swivels, e regressado para o ano 28 de nossa era. Essa era a causa, provavelmente, do pesadelo. Pobre coitado...
E eu esqueci outra recomendação do Homem-Deus "sempre busque a pérola dos sonhos."
Naquela tarde de sábado eu fui, pontualmente, ao bar de Joco.
Os rumores na base não corriam: estavam voando...
Alguns daqueles boatos tinham que ter nascido, necessariamente, na sala das "tempestades”. Não havia outra explicação. A mira estava bem ajustada...
Lembro-me do seguinte:
"O" berço "não estava no Mar Morto... Eliseu me jogou na água e, logo depois, voltou para o tempo de Jesus... A missão não tinha acabado... Os superiores estavam irados... O projeto era a piada do Pentágono... Nixon e o Dr. Kissinger estavam furiosos... Uma segunda nave estava disponível, em Mojave, para "saltar" de volta no tempo, capturar o traidor e voltar com o "berço" e seu conteúdo altamente secreto... »
Eu não conseguia acreditar no que estava ouvindo.
Joco, impassível, deu de ombros e serviu mais leite.
Ele apenas estava contando o que lhe foi dito.
E, apesar de minha mente - frio e distante - alguns rumores afetaram quem isto escreve.
Uma segunda nave?
Eu tinha que esclarecer o assunto. Perguntaria diretamente ao general...
Curioso. Meu grande objetivo - escrever e testemunhar o que vivi ao lado do Galileu - parecia cada vez mais distante.
22 de julho
Alguém bateu na porta do meu quarto.
Eram quatro horas da madrugada de domingo, 22 de Julho (1973).
Dois policiais militares saudaram na escuridão e me aconselharam que me vestisse. Eles tinham ordens para me escoltar até o Fog.
Eu não fiz perguntas.
Provavelmente não sabiam...
Na sala das "tempestades" aguardava a equipe de diretores, na íntegra.
Sentei-me perto da cabeceira e contemplei a equipe.
Não estavam muito contentes. Eles tinham sido arrancados das camas, assim como eu.
Algo grave estava acontecendo...
Interrogamo-nos uns aos outros, mas ninguém soube dar nenhuma explicação.
Às cinco horas, Curtiss se apresentou.
Fiquei impressionado.
Estava perfeitamente barbeado e com o uniforme impecável. Seus olhos brilhavam.
Na mão esquerda carregava um daqueles perturbadores envelopes laranja. Na direita, é claro, o inseparável charuto, ainda apagado.
Que notícias ele trazia?
Tinham de ser importantes, a julgar pela hora, pela sua aparência, e o brilho dos olhos.
O silêncio veio logo após o general e sentou-se na sala.
Nixon continuava lá em cima, fazendo de conta que sabia, mas não era verdade.
Curtiss abriu o envelope, tirou o conteúdo, e caminhou ao redor da mesa de vidro, depositando várias fotografias em frente a cada um dos diretores.
Eu fui o último a receber as imagens.
O general olhou para mim de soslaio. O olhar estava sumindo...
O que diabos estava acontecendo?
E percebi uma súbita palidez no rosto do militar.
Eu deduzi que as notícias não eram boas...
Eram imagens do Big Bird e dos Landsat, os satélites artificiais que vigiavam o Mar Morto.
No princípio eu não consegui ver nada de anormal.
A lâmpada gaga alertou com seus flashes, mas eu não me dei conta.
As imagens eram datadas do dia anterior, sábado, às 17 horas.
Olhamo-nos, intrigados.
Nenhum dos diretores sabia que o que tinha que olhar.
Eram fotos em preto e branco e em cores, com numerosas manchas e perfis.
Curtiss esperou por uma resposta, mas ninguém disse uma palavra.
Ninguém sabia...
Foi o general que indicou um ponto nas proximidades da costa leste, perto da foz do Mujib.
E continuou em silêncio, esperando a reação da equipe.
Todos nos concentramos naquele local.
Era um perfil...
Então eu senti um calafrio.
"Não é possível..."
Examinei-o novamente.
Eu não estava errado.
Eu levantei o rosto e questionei o general com o olhar.
Ele assentiu com a cabeça ligeiramente.
Meu Deus!
E Curtiss falou. O tom era cansado:
- Tudo parece indicar que sim...
O texano explodiu:
- Indicar o quê...? Do que você está falando? Não vemos nada nessas malditas fotos...
O general solicitou café e calma.
O de óculos de tartaruga saiu da sala e Curtiss sentou-se na cabeceira, acariciando a mesa de vidro. Mas esta, distraída, ignorou o gesto.
Curtiss se concentrou em acender o charuto e o fez como sempre, cerimonioso, soltando baforadas de fumaça branca e odorífera que terminavam cortejando as atordoadas lâmpadas.
O texano insistiu:
- O que está supondo que devemos ver?
O general o interrompeu de imediato:
- Por enquanto limite-se a esperar. Está faltando o teu companheiro... e o café.
Os diretores baixaram as cabeças e se esforçaram para identificar o perfil.
Não era fácil.
Finalmente chegou o café e, com ele, a notícia e a perplexidade.
- O Big Bird, e os outros - anunciou Curtiss – transmitiram isso ontem...
Isto nós sabíamos.
- Está a 60 metros de profundidade...
Ninguém respirava.
Deus do céu!
Como era possível?
- Os radiômetros – o general continuou com segurança – verificaram várias vezes... Não há possibilidade de erro.
Ele continuou, sob o tenso olhar dos diretores:
- Distância da costa oriental do lago: 140 metros...
O texano e o resto estavam prestes a explodir.
Curtiss não levou isto em conta
- Trata-se, como vocês sabem, de um penhasco pontudo, perto da fossa sul...
O charuto começou a querer apagar e Curtiss parou a explicação. Acendeu-o novamente e o saboreou com prazer.
Depois contemplou os seus homens e continuou com satisfação:
- Nós a descobrimos...
Olhe as fotos e neguei com a cabeça.
Não era verdade...
Eu não tive tempo para responder.
Slimy se adiantou:
- O que quer dizer...? Não entendo... Está te referindo ao "berço"?
Curtiss sorriu malicioso, e respondeu:
- Sim e não...
A equipe se remexeu nervosamente.
Eu voltei a negar com a cabeça, mas ninguém prestou atenção.
Nixon estava sorrindo o tempo todo, como um estúpido.
E o general, compreendendo que havia esmagado suficientemente os "falcões", disse:
- É o trem de pouso... Foi encontrado.
Os diretores procuraram o perfil novamente e mantiveram alguns segundos de silêncio.
Eles estavam perplexos.
Era, de fato, a almofada de pouso, a plataforma de aterrissagem do "berço", composta de uma estrutura metálica, retangular, na qual estavam aparafusadas os quatro pontos de apoio, extensões, com 14 pés cada um (4,3 metros ) e 3.000 libras de peso (1,5 toneladas). As imagens, uma vez amplificadas, ofereciam detalhes concretos e inquestionáveis. Ali viam-se as antenas de pouso dos radares, as sondas de detecção em cada uma das pernas, e parte da escada, fixada ao "cinturão" retangular.
- Sinto muito, meus senhores – sentenciou o general - A nave está no fundo...
Eu não podia acreditar no que via. Era o trem de pouso do "berço", mas sem a nave... Como era possível? Eu conhecia o sistema de ejeção da plataforma. A nave poderia ser separada do trem de pouso, de forma manual ou automática. Desta última opção o responsável era "Papai Noel".
Mas havia algo que não se encaixava...
E eu estava prestes a questionar quando alguém chamou nossa atenção para um assunto em que não tínhamos notado: Onde estava a fonte emissora de calor?
Examinamos as imagens uma por uma.
Negativo.
A mancha laranja não aparecia em nenhum lugar.
Curtiss, tão perplexo quanto o resto, pegou o telefone e deu uma ordem.
Precisava das fotos dos dias anteriores.
Eu continuei, concentrado no trem de pouso.
Eu medi várias vezes.
Ali havia um erro...
Em poucos minutos, um dos assistentes de Curtiss aparecia na sala das "tempestades" e entregou ao general outro maço de fotografias.
Nixon parecia rir de tudo...
Eram imagens dos satélites, registradas entre 16 e 21 de Julho. Nas imagens capturadas às 15 horas daquele dia 21 de julho, sábado, a fonte de calor aparecia claramente. E o mesmo acontecia nas fotos anteriores. A partir das 17 horas daquele sábado, 21, a mancha laranja desapareceu.
Isso significava que o grupo de baterias tinha se esgotado. As baterias, em última análise, permaneceram ativas por 23 dias... Inexplicável.
Mas o interessante tema dos acumuladores foi esquecido, por enquanto.
Slimy focou no trem de pouso e se adiantou às minhas intenções. Ele falou em nome dos "falcões".
- Algo cheira mal - disse. Se o "berço" afundou uma meio quilômetro à oeste do Mujib - e apontou para mim com indiferença - por quê o trem de pouso aparece a 140 metros da costa?
O questionamento de Slimy era consistente. Era o que eu queria expor.
Fui eu quem forneceu a primeira notícia sobre o lugar onde afundou o "berço". De fato: 500 metros, mais ou menos, da costa da Jordânia, em frente ao wadi de Mujib. Os satélites, posteriormente, como devem recordar, detectaram a fonte emissora de calor, justamente na fossa sul do Mar Morto, no local indicado por quem isto escreve.
- O que está insinuando? - Curtiss perguntou, inquieto.
- O que você ouviu. Algo cheira mal em tudo isso...
A pedido do general, a equipe revisou todas os fotografias tiradas por satélites, desde a primeira até a última. Ali estava o trem de pouso, fotografado desde o dia 6 de julho. Nós não soubemos vê-lo. Passou despercebido, como uma mancha a mais. Foi um erro nosso. Nós pensamos que poderia ser apenas mais um naufrágio [48].
Alguém, ingenuamente, tentou justificar a presença do trem de pouso naquele penhasco submarino, argumentando que a nave, ao chocar-se com a água, poderia ter sofrido o desprendimento do referido trem. Em seguida, as correntes o arrastaram para perto da costa e lá afundou...
A explicação do diretor – pertencente ao grupo das "pombas" - não convenceu ninguém. Uma tonelada e meia de metal teria ido para o fundo, assim como o resto da nave. Eu, além disto, ao ver como ela afundou, percebi que estava completa, com os pontos de apoio, e sem a escada.
Algo não se encaixava, realmente...
O texano interveio e me perguntou diretamente:
- Os pilotos poderiam liberar o trem de pouso manualmente?
Ele sabia isso, mas eu atendi a pergunta:
- Claro que sim... E o computador central também.
- Está claro - resumiu o representante dos "falcões". Alguém está querendo brincar conosco...
- O que quer dizer? - Curtiss interveio.
- É muito simples: o trem de pouso pertence ao "berço", sem dúvida, mas não deveria estar ali...
E o grupo entrou em outra ácida controvérsia.
Ácida?
Fazia tempo que eu não assistia a uma discussão tão corrosiva...
Ambos os lados se atacavam sem medida e sem vergonha. Insultavam-se.
Os "falcões" destroçaram as “pombas”, mas estes não ficaram para trás.
Eliseu foi acusado de traição.
Eu cruzei um olhar com Slimy.
Agora entendia...
[48] Além de outros naufrágios de barcos de madeira, os satélites capturaram perfis de embarcações de ferro que devem ter feito parte da navegação comercial no Mar Morto, bem como, das expedições científicas de que temos registro: 1778 (Gay Lussac que realizou as primeiras análises quantitativas da água do Mar de Sal); 1806 (Satzan, o primeiro a chegar ao sul do lago e descreveu a toponímia do mesmo); 1818 (Irvi e Mangels, do exército britânico, prepararam o primeiro mapa detalhado do sul do Mar Morto); 1837 (pesquisadores Moore e Bach observam que a temperatura de ebulição da água do Mar Morto é maior do que a estabelecida pela ciência); 1847 (Molineux viajou pelo Jordão, até o sul do Mar de Sal); 1864 (expedição do Duque de Lyns: é definida a densidade da água em diferentes profundidades); 1900 (expedição de McLister, do Departamento Britânico para a Investigação de Israel); 1908 (Aharoni e o botânico Aharanson unem-se à expedição de Blankenhorn); 1929 (Ashbal, estudioso da climatologia israelense); 1936 (Elazari-Volcani demonstra que há vida no Mar Morto); 1948 (uma expedição da Marinha norte-americana estabelece o nível exato do lago: -394 metros) e 1967 (Neev e Emery deixaram registrada a constituição estratigráfica do Mar de Sal).
Os satélites também descobriram uma série de tesouros, sobre os quais eu não estou autorizado a escrever. (N. do m.)
Eu tentei defender o engenheiro. Ele não estava lá para se defender.
Eu não tive opção. Não me deixaram falar. "Falcões" e "pombos" se atacavam aos gritos.
A cena foi lamentável.
Fiquei em silêncio, desmoralizado.
O texano deu a entender que a presença do trem de pouso naquele penhasco submarino, a uma curta distância da costa, era outro truque do "traidor", assim como a fonte emissora de calor, flutuando cinco metros acima do lodo, e durante 23 dias.
«Algo cheira mal! - os "falcões" gritaram em coro. Puro teatro! »
Nisso eu lhes dei razão. Eliseu era um grande ator...
Curtiss tentou colocar ordem em várias ocasiões, mas não teve sucesso.
Os "falcões", como eu digo, estavam fora de si. E exigiram do general que acabasse com aquela situação. Era necessário enviar uma segunda nave e resolver o mistério.
Slimy foi mais explícito:
- Nós temos que capturar o traidor e trazê-lo de volta, acorrentado pelo nariz...
- Pelo nariz não - o texano interveio. Melhor, pelas bolas...
O boato era verdade: havia uma segunda nave.
E a atmosfera continuou em ebulição.
O grupo das “pombas” exigiu mais informações, mas não se negaram oo envio de "Raio negro".
Eu fiquei perplexo.
"Raio negro"? O que era? Estavam se referindo a uma segunda nave?
O general terminou dando um soco na mesa de vidro. Esta, assustada, permaneceu fria, em função do susto.
A fumaça, covarde fugiu para o alto.
Não tenho certeza, mas acho que na imagem de Nixon, o sorriso foi ao chão...
Curtiss, pálido, esperou.
O silêncio retornou, sentou-se ao lado dos assustados diretores, e todos temeram o pior.
O pior? O que era o pior naquele momento?
O general foi claro e conciso: não enviaria uma segunda nave a nenhum lugar...
Eu esperava alguma referência ao "Raio negro", mas não houve nenhuma.
E concluiu:
- A segurança da tripulação vem em primeiro lugar.
E apontou para mim com o dedo indicador esquerdo e disse:
- Eu falo claramente? O resultado da primeira expedição está à vista...
Curtiss estava mentindo de novo. Não era a tripulação desta suposta segunda nave, o que o estava preocupado... Mas isso eu iria perceber logo depois, enquanto conversava com o cacto Josué.
Ninguém resmungou. O general, aparentemente, falava com razão.
E Curtiss insistiu naquilo já analisado pela equipe de diretores:
- Este não é o momento para pensar nisso... A guerra entre Israel e os árabes é iminente... O lançamento de uma segunda nave, como todos devem saber, requer um planejamento minucioso e exaustivo...
Ele fez uma pausa.
Os diretores foram concordando com a cabeça.
- É preciso selecionar um local de lançamento – prosseguiu o general - transportar o equipamento e materiais... Enfim, eu não preciso explicar o que isso significa...
- "Raio Negro" - disse o texano - tem um combustível muito superior ao do "berço". Poderíamos definir o local de lançamento fora de Israel... Isto iria facilitar a operação.
Fiquei intrigado. Eu não sabia nada sobre aquela nave. A que tipo de combustível o "falcão" estava se referindo?
Curtiss não cedeu.
Ele negou com a cabeça e declarou:
- Está decidido. "Raio negro" não se move...
O chefe do concluído projeto Cavalo de Tróia tinha razão em alguma coisa. A quarta guerra árabe-israelense era iminente. A tensão na região era crítica. As últimas notícias, sobre o falho ataque contra o presidente sírio Assad, tinham tensionada a frágil corda da paz no Oriente Médio [49]. Nós todos sabíamos do plano diabólico chamado Rapto de Europa, orquestrado pela União Soviética e pelo meu país para colapso das economias do Japão e da Europa. Era a única maneira - diziam - de salvar os programas expansionistas soviéticos e americanos. O Rapto de Europa pretendia provocar esta quarta guerra [50]. O conflito estrangularia o fluxo de petróleo para os verdadeiros inimigos (econômica) de Moscou e Washington...
O próprio Curtiss falou-nos sobre isso, em fevereiro do mesmo ano (1973), quando preparávamos o segundo "salto" do "berço" no topo do platô de Massada, em Israel.
Sabíamos até, da data que o conflito iria começar: início de outubro...
Faltavam dois meses.
Final da tempestuosa reunião.
Curtiss guardou as imagens dos satélites e ordenou a dois dos diretores (ambos do grupo das "pombas") que preparassem tudo para uma viagem a Washington D.C. Os três voariam naquela mesma tarde.
Presumi que o general queria passar informações aos chefões do Pentágono, incluindo o Dr. Kissinger, conselheiro de Nixon em assuntos de segurança nacional, e bem por dentro do projeto Cavalo de Tróia.
Às 8 horas daquela manhã nos despedimos.
Foi a última vez que vi aquele de óculos de tartaruga e o outro diretor.
O Destino, implacável, tinha tudo planejado...
Retirei-me para o bosque de cactos.
A partir de agora vou chamá-lo de bosque de Josué.
Eu estava confuso.
"Trem de pouso... "Raio negro”... Eliseu traidor... Curtiss recusando-se a enviar uma segunda nave... O desaparecimento das baterias... Rapto da Europa... A guerra...”
Os pensamentos pareciam lutando uns com os outros.
O que fazer? O que decidir? Qual era o meu papel em tudo aquilo?
Eu só queria me retirar, ir embora, e escrever...
Jesus de Nazaré!
A aventura seguia desaparecendo, como se fosse um sonho.
Eu peguei um cantil e dediquei-me a dar de beber a Josué.
O cacto, com olhos de mostarda, me olhava do alto de seus cinco metros e suspirava agradecido. Pelo visto, era o primeiro piloto que fazia algo assim. Isto eu deduzi...
[49] Dias antes, o presidente sírio, Hafez Assad havia conseguiu escapar de uma tentativa de assassinato. O atentado ocorreu em 10 de julho, quando unidades "rebeldes" do exército sírio abriram fogo contra a comitiva de Assad, quando ele se dirigia para o norte da Síria, em Damasco. (N. do m.)
[50] Assad acabou ferido na perna esquerda. Em torno de 300 oficiais, incluindo o general Abdel Moneim Ibrahim, foram presos. Como é fácil supor, a CIA e os serviços de inteligência militar dos EUA estavam por trás disto (N. do m.)
Embora este plano apareça detalhado em "Cavalo de Tróia 2 - Massada, eu entendo que, aqui e agora, é oportuno fazer um resumo do mesmo. Isto é o que o major descreve: «... Washington e Moscou, no mais estrito sigilo, haviam chegado a um acordo e desenharam um plano cujo nome, em código, era “Rapto de Europa”. Tanto o corrupto Nixon, como o, frio e implacável, Brezhnev sabiam que a fórmula mais eficaz para afundar, moral e economicamente, o Japão e a Europa, era o uso do petróleo. Se a Europa e o império japonês vissem cortados seus suprimentos de petróleo, as economias de ambos seriam freadas. Como chegar a este objetivo? Como conseguir que os poços de petróleo do Oriente Médio - principais "torneiras" de alimentação da pujança da Europa e do Japão - fossem fechados, total ou parcialmente...? “Rapto de Europa” era a solução.
»Uma nova guerra entre Israel e os árabes levaria, inexoravelmente, ao fechamento dos poços dos países árabes, inimigos ancestrais dos judeus... E a quarta guerra foi planejada meticulosamente, desde o Kremlin e o Pentágono. Eram conhecidas, até mesmo, as possíveis datas do início da mesma. As mais propícias ao ataque de Israel foram determinados inicialmente, em três momentos de 1973: na segunda quinzena de maio, em setembro e em outubro. De fato, em janeiro de 1973, o presidente egípcio Sadat ordenaria ao Chefe do Estado-Maior, o general Chazli, a "revisão" da travessia do Canal de Suez. Com o tempo, os russos se inclinaram em favor da terceira data.
»Eles determinaram a duração máxima do conflito, os países que deveriam lutar contra os judeus, as táticas a serem seguidas, o material bélico a ser usado por uns e pelos outros, os limites do apoio logístico por parte da URSS e dos EUA, as "pontes" aéreas e marítimas a serem usadas por ambas as partes, o número de baixas...
»Entre os métodos a serem utilizados para "elevar a temperatura de pré-guerra" na região, “Rapto de Europa” estabeleceu uma série de graduais mobilizações dos exércitos árabes (o Egito o fez em 20 ocasiões), intensas campanhas terroristas, o envenenamento da opinião mundial contra Israel (no sentido de um iminente ataque judeu aos países árabes), pistas falsas e comunicados à imprensa estrangeira sobre o "deficiente material bélico dos árabes”...
»O “Rapto de Europa” concluía com uma, igualmente minuciosa, análise das posições políticas e econômicas dos países europeus e do Japão a respeito de árabes e judeus e das "quase certas" consequências desta quarta guerra. (No caso do Japão, o consumo de petróleo em 1971, representava uns 8% da produção mundial. Deste percentual, 75% procedia dos poços do Oriente Médio.)
»A armadilha era perfeita. O resultado da guerra - pré-desenhado por Washington e Moscou - não era importante. A chave para a operação era outra: forçar o mundo árabe a fechar ou cortar o fornecimento de petróleo. O fantasma da alta dos preços do petróleo fazia muito tempo que planava sobre os países industrializados. Com esta jogada criminosa, Europa e Japão seriam forçados a tomar posições, quer a favor do dinheiro judeu ou do vital fluxo do petróleo árabe. A neutralidade diante da guerra era quase impensável. Inclusive, no caso de ocorrer, nenhum dos lados a perdoaria.
»A sorte do Japão e da Europa estava lançada. Em 8 de novembro de 1973, a Arábia Saudita reduziria sua produção de petróleo em 31,7% (comparada com a produção de setembro). O exemplo da Arábia foi seguido pelo outros países árabes e, Europa e Japão mergulharam em uma crise da qual ainda não levantaram a cabeça. » (N. do a.)
Então eu me sentei ao pé do velho e contemplei sua sombra, recém-nascida.
- Nossa, que manhã! Eu pensei em voz alta.
Como eu mencionei, Curtiss estava mentindo. Foi pura dedução. Não era a segurança da tripulação que o preocupava. Não foi isso que o levou a imobilizar a segunda nave.
E deixei a intuição falar...
Se "Raio negro" fosse enviado para o tempo de Jesus - talvez ao ano 28 de nossa era - e Eliseu fosse capturado, ou acabasse se entregando, os planos secretos dos militares poderiam ser expostos. Para Curtiss isso não era interessante. Se o engenheiro falasse sobre a clonagem do Mestre e de sua família, Curtiss seria retirado do projeto, ou algo pior...
Era melhor se camuflar atrás da desculpa da segurança da tripulação e invocar a guerra iminente...
Josué, que escutava atentamente estes pensamentos, não se conteve:
- De que guerra você está falando?
- Não te afeta... Explodirá longe, como todas as que meu país planeja...
- Nada confiável o tal Curtiss...!
- Você não tem certeza...
- Eu sei... Eu conheço muitos generais. Eles são duplamente mentirosos.
E o cacto perguntou:
- Você sabe o que um homem precisa para se tornar um general?
- Eu sou um major - eu respondi. Não aspiro ser mais que isto...
- Eu vou lhe dizer de qualquer maneira. Para ser general, você tem que estar preparado e ter uma escada...
- Sobre a questão da inteligência eu entendo. Quanto à escada, eu sinceramente não captei.
- Eu disse preparado, e não inteligente...
- E sobre a escada?
- Simples: com ela você pode subir mais alto do que o resto. Ser general não é outra coisa. Todos têm que se envergonhar.
Naquele dia eu me dei conta uma coisa terrível. Eu falava com os cactos, e com as coisas, porque eu não podia falar com ninguém. A natureza do meu segredo era tal, que acabou me engolindo. Meu Deus, que solidão!
A quem me dirigia? O que poderia lhe contar? Explicava que tinha conhecido o Filho do Homem, e que era o repositório da sua verdade? Ninguém teria acreditado em mim...
Era melhor assim.
Continuaria falando com os cactos...
Não é certo que a verdade nos torna livre. Aceitar que exista - e eu a conheci - a verdade separa...
Naquela tarde, busquei refúgio no bar de Joco, como de costume.
E perguntei sobre "Raio negro".
O japonês não sabia muito. Eram apenas boatos.
Ela estava no Fog, naturalmente. Era uma nave enorme, com tecnologia "não humana”...
- O que quer dizer?
Joco encolheu os ombros. Repetia o que tinha ouvido naquele mesmo bar, revelado por alguém que tinha acesso à "cidade subterrânea". Ali "flutuava", pronta para ser utilizada. Era a jóia do programa Swivel [51]. Tripulação: 4 ou 5 pilotos, de acordo com a situação. Talvez mais...
Eu não tinha credenciais que me permitissem o acesso à "cidade subterrânea" na zona restrita da base.
Eu tinha que me conformar. Ou não? A curiosidade começou me roer...
"Raio negro". Por que ninguém me falou sobre esta máquina? Ou não era isso?
Joco também não conseguiu esclarecer o motivo do nome.
E a conversa acabou derivando para outro assunto, quente naquele momento: Nixon e o “Watergate”, um buraco negro que estava engolindo o presidente dos Estados Unidos, tal e como previsto pelo general Curtiss.
Na semana seguinte - especificamente na quinta, 26 de julho - Nixon receberia três mandatos judiciais que o obrigavam a entregar as gravações que o vinculavam diretamente ao referido escândalo das escutas no hotel "Watergate".
Os rumores, na base, apontavam que Nixon desprezaria os mandatos [52]. E, correram as apostas. Em última análise, se o presidente se negasse a entregar as provas, o assunto iria acabar no Supremo Tribunal Federal. De qualquer forma, Nixon estava nas últimas...
Mas o pior é que, uma cópia dessas gravações, estava em poder de Curtiss. Os espiões do DRS (Serviço de Investigação da Defesa) na Casa Branca se apressaram a fornecer cópias das mencionadas gravações a diferentes estabelecimentos militares. Curtiss foi um dos beneficiários (Eliseu, como deve se recordar, era um agente do DRS).
Joco resumiu a situação:
- Se Curtiss, ou no Pentágono, fizerem chegar as gravações até a imprensa, adeus Nixon...
E acrescentei:
- E adeus Kissinger...
Exatamente. As carreiras políticas de ambos estariam seriamente comprometidas.
O perigo para Curtiss é que ambos eram venenosos. Kissinger, mais do que Nixon.
O general deveria se mover com cautela... e com a bendita escada mais perto do que nunca.
O que eu não calculei naquele momento, é que tanto Nixon como Kissinger já tinham começado a mover seus tentáculos...
[51] Ampla informação sobre Swivel (Elo, ligação) em Cavalo de Tróia 1 - Jerusalém. (N. do a.)
[52] Os mandatos judiciais, ou intimações, que seriam entregues a Nixon eram três: dois assinados pelo senador Sam Ervin, presidente do comitê especial que investigava o "Watergate", e outro assinado por Archibald Cox, o promotor que conduzia o caso. Nixon era o segundo presidente da história dos EUA, que recebia uma intimação. Em 1807, o presidente do Supremo Tribunal, John Marshall, enviou uma intimação para o então presidente, Thomas Jefferson, que se recusou a comparecer ao tribunal, pelo processo de traição contra Aaron Burr. Jefferson, no entanto, entregou os documentos solicitados. (N. do m.)
23 de julho
E chegou a trágica segunda-feira, 23 de julho.
Às 7 horas e 30 minutos eu entrava na sala das "tempestades".
Primeira surpresa.
Curtiss estava sentado à cabeceira da mesa de vidro.
Revisava alguns papéis.
Olhou-me e compreendeu a minha confusão.
Ele fez sinal para que eu me aproximasse e sentasse na cadeira de costume, à sua esquerda.
Nós estávamos sozinhos.
Nixon seguia com o sorrindo de sempre e a lâmpada gaga fazia o que podia. A luz do Mojave entrava pela janela, mas com cautela. Ela não confiava, e tinha razão. O que acontecia naquela sala era de provocar um infarto...
Ao sentar-me, Curtiss se justificou, em voz baixa, como se tivesse medo de ser ouvido.
E eu pensei: "Poderiam estar gravando?"
Provavelmente...
- Problemas familiares...
Isso ele argumentou. Essa era a razão pela qual, segundo ele, não voou no dia anterior de Los Angeles para Washington D. C., a capital federal.
Eu acreditei nele, mais ou menos.
Todos, em Edwards, sabiam que seu relacionamento com o conselheiro de Nixon, o Sr. Kissinger, andava de mal a pior. Em especial, desde o fracasso de Cavalo de Tróia. Kissinger responsabilizou o general, e insistia para que "aparasse as pontas soltas" (eufemismo próprio de Kissinger, que dificilmente se comprometia com algo).
"Aparar as pontas soltas" significava encontrar o "berço".
No Fog, todos estavam conscientes da estreita relação de Kissinger com os "falcões". E, embora não se falasse abertamente, o assessor de Nixon no assunto da segurança nacional, era outro convencido da necessidade de enviar uma segunda nave para "recuperar o que é nosso."
Era lógico que fosse assim: os "falcões" imediatamente se comunicaram com Kissinger e Curtiss evitou o contato com o assessor presidencial.
Este, em resumo, foi o motivo real para que o general não voasse para Washington. Foram somente os outros dois diretores, tal e como planejado por Curtiss.
Naquela manhã de segunda-feira, 23, os diretores em questão deveriam realizar duas importantes reuniões. A primeira no Pentágono. Depois com o próprio Kissinger. Eles carregavam as fotos do trem de pouso do "berço", submerso a 60 metros de profundidade, como já foi mencionado.
Os diretores – estávamos supondo - receberiam instruções.
O retorno estava marcado para a terça-feira, 24.
Este retorno nunca aconteceu...
E a manhã passou sem discussões, mas sob o fogo cruzado de olhares hostis. Todos, na sala das “tempestades”, suspeitávamos que o Pentágono e Kissinger poderiam inclinar-se para a solução dos "falcões": preparar outra nave e programar um novo "salto" no tempo. Se assim fosse, Curtiss teria engolir as suas palavras...
E a tensão foi aumentando.
Os olhares, dissimuladamente ou não, acabavam repousando naquele telefone preto enorme, que comunicava com o exterior.
Às onze horas da manhã, a fumaça dos charutos e cigarros havia tornado a atmosfera praticamente irrespirável. As lâmpadas tossiam. O retrato de Nixon tossia. A bandeira estava tossindo. A janela solitária estava tossindo. O grande quadro-negro tossia. O único que não estava tossindo era Curtiss. Ele estava tão tenso e excitado que, ao invés de fumar, mastigava os charutos, e entrava e saía constantemente da sala das "tempestades".
Mas o telefone preto seguiu silencioso.
Tomamos litros de café.
Nós sussurrávamos ou simplesmente não falávamos.
E optei por sentar no meu lugar e fugir, com a mente, para o bosque de Josué. A janela só podia contemplar alambrados, espantada, me viu entrar e sair várias vezes. Como fazia isso?
Alguém, desconfiado, foi até o telefone e verificou se ele estava conectado. E estava, é claro.
E eu me perguntei várias vezes: Qual seria o meu papel se o Pentágono ordenasse a mobilização de uma segunda nave?
Supondo que Eliseu ainda estivesse vivo, voltaria a ver o Mestre?
A idéia me fascinou, eu confesso, mas imediatamente, voltei à realidade.
"Isso é um absurdo... O "berço" está enterrado no Lodo do Mar de Sal... Eu vi como se precipitava para a escuridão... Mas, e se isso acontecesse? Se "Raio negro" fosse enviado para o tempo de Jesus, o que aconteceria com quem isto escreve?
"Eu era o mais preparado para uma missão assim. Eu conhecia o terreno, os personagens, as circunstâncias... Mas era um homem velho... Essa missão, estava prosperando, era uma coisa para jovens...”
A agonia e o êxtase se prolongaram por pouco tempo.
Finalmente o telefone tocou...
Eram 11 horas e 20 minutos.
Um dos diretores atendeu e entregou o telefone para o general.
- Sim, eu sou...
Curtiss ouvia atentamente, e mastigava um charuto moribundo.
Um dos bajuladores ofereceu fogo, mas o general recusou.
-... Malditos inúteis!... Trapaceiros! ... Enganadores! ...
Curtiss começou a se mover perto da distraído mesa de vidro enquanto lançava todos os tipos de insultos.
O diretor que tinha atendido à chamada fez um sinal. Na outra extremidade da linha estava o de óculos de tartaruga.
Eram más notícias, obviamente.
Eu entendi que o diretor estava transmitindo as ordens do Pentágono.
- Russos... Que russos?... Do que está falando?...
Olhamos-nos, atordoados.
-... E o que mais?...
Houve outro longo silêncio. Curtiss acabou devorando o charuto. Quando se deu conta, retirou-o da boca e atirou-o no chão, pisando nele com raiva. Um dos bajuladores apressou-se a recolher os restos do charuto.
E os insultos continuaram:
- Comunistas! Isso é o que são esse bando de sem-vergonhas e impostores!...
Silêncio.
- Tudo bem... Eu entendo... Ligue quando falar com o judeu...
Ele desligou violentamente e foi procurar no bolso interno do uniforme. Ele tirou outro cubano e acendeu-o, ofegando como um búfalo.
- Caras-de-pau...! Folgados! ... Malditos burgueses, isso é o que eles são! ... Covil de ladrões e comunistas!
Eu deduzi que Curtiss falava do Pentágono.
Eu estava de acordo com quase tudo...
O general procurou o seu lugar na cabeceira da mesa, já não tão distraída, sentou-se e desabafou:
- Esses vagabundos do Pentágono estão considerando que o "berço" pode ter caído nas mãos dos soviéticos...
Olhamos-nos, tão surpresos quanto as lâmpadas.
- Ignorantes! - continuou vomitando o general. Burocratas de merda! ...
Slimy babava, sorrindo.
- Desgraçados...! Ralé! - insistia Curtiss.
- Mas isso é impossível - interrompi no meio da tempestade. O "berço" não tinha combustível.
E lembrei-me do que foi dito em outras ocasiões:
- Quando eu fui empurrado para a água, a nave tinha acabado de entrar na reserva... Tínhamos 492 quilos... O combustível estava queimando a uma razão de 6 quilos por segundo... A margem, portanto, era de aproximadamente 80 segundos... Como Eliseu entregaria o "berço" aos russos?...
E arrematei, enojado:
- Eliseu não é um traidor! Ele nunca faria algo assim... A insinuação do Pentágono é simplesmente ridícula.
O general aprovou as minhas palavras com vários acenos com a cabeça, mas o texano terminou intervindo, e com evidente desprezo em relação a mim:
- A questão do combustível será averiguada...
- Eu não estou mentindo.
- Isto também será averiguado – falou Slimy.
Eu tive que fazer um esforço. Eu teria quebrado-lhe os dentes ali mesmo...
Mas os "falcões" abandonaram a sala.
Compreendi.
Nenhum deles acreditou na minha versão...
Às 13 horas e 15 minutos, o telefone tocou de novo.
Desta vez, eu atendi.
Era o de óculos de tartaruga.
Ele saudou brevemente e perguntou pelo general Curtiss.
Senti desconforto no tom de sua voz.
- É o Curtiss...
O general ouviu atentamente.
Eu supus que o diretor começou a informar-lhe sobre a reunião com Kissinger.
O charuto apagou novamente.
A exposição, aparentemente, foi breve.
E Curtiss explodiu:
- Maldito cachorro mulherengo...! O que ele sabe...?
Outro silêncio.
- Tem certeza...? E o que mais?
Os diretores, adiantando-se, foram tomando posições em torno da mesa distraída.
A tempestade estava se aproximando...
As notícias - deduzi - eram terríveis.
- Setenta e duas horas...? O que quer dizer?
O de óculos de tartaruga repetiu o que tinha exposto e Curtiss se revirou furiosamente. Mas o cabo do telefone o manteve preso. E o general continuou xingando:
- Esse medíocre...! Este judeu de merda é um subalterno! ... Ninguém pode fazer uma coisa assim!
O silêncio engrossou mais uma vez.
Logo, Curtiss concluiu:
- Eu entendo... OK! ... Vemos-nos manhã... Boa viagem...
O telefone pagou o pato da monumental ira do general. Ele deixou cair o fone com estrondo e foi sentar-se na cabeceira da mesa.
- Lunático...! Nixon o arrastará em sua queda...
Ódio de Curtiss por Kissinger era quilométrico.
E o General, refugiando-se atrás da fumaça do charuto, relatou tudo à equipe: Kissinger havia "recomendado" a elaboração de um relatório que conduzisse à recuperação do "berço".
Os "falcões" respiraram, aliviados. Era o que eles queriam.
Curtiss olhou para mim e disse, sarcasticamente:
- E o quer em 72 horas...
- Não entendi muito bem - interrompi. Quer que elaboremos um relatório sobre como recuperar o "berço"?
O general concordou rapidamente.
- Mas - insisti - de onde se supõe que vamos recuperá-lo: do Mar Morto?
Os "falcões" riram da "tirada". E o texano simplificou:
- Esse é o último lugar em que procuraremos...
Curtiss consultou o calendário.
Na segunda-feira, 30 de julho reveria viajar para Washington D. C. e apresentar o projeto ao puxa-saco.
Os "falcões" comemoraram. Eles sabiam bem, o que representava esse passo para o general. Ele teria que aceitar a derrota e se ajoelhar diante de Kissinger.
Às 14 horas e 30 minutos, Curtiss abandonou a sala das "tempestades". Não houve despedidas. O general não deu nenhuma ordem. Simplesmente desapareceu. Ficou para trás o rastro do charuto e do ódio...
O texano virou-se para o grande quadro e escreveu:
“Operação RAIO NEGRO".
Quem isto escreve também deixou a sala.
Eu não pude resistir.
O desastre estava se aproximando...
Voltei para o meu quarto no alojamento dos oficiais, e tentei descansar. Impossível. A mente borbulhava.
Era incrível. Todos pretendiam localizar o "berço" fora do Mar de Sal...
E eu me debati, mais uma vez, entre o real e o especulativo. O que tínhamos? Pouco, muito pouco...
A nave afundou. O trem de pouso tinha aparecido perto da costa a 60 metros de profundidade.
O que mais?
Os acumuladores permaneceram 23 dias ativos e agrupados... Isso, como já disse, era inexplicável.
Nós não tínhamos mais nenhuma informação. A lógica é que a nave estivesse no lodo, a uma boa profundidade e, portanto, indetectável. Mas não era hora de uma expedição de busca.
Em suma: não tínhamos evidências suficientemente conclusivas para enviar uma segunda nave para o ano 28 de nossa era.
Mesmo assim me deixei levar pela fantasia...
Se "Raio negro" fosse ativado, talvez a paranóia do Pentágono, ou de Kissinger, poderiam beneficiar-me... Se formasse parte da tripulação, talvez a aventura se repetisse... Alegrar-me-ia encontrar o Filho do Homem...
Peguei caneta e papel e comecei uma louca corrida de cálculos: O que nós precisávamos...? Onde situar a nave?... A Galiléia parecia o lugar perfeito... Saidan estava perto... E sobre os equipamentos? Como transportá-los? Como camuflá-los?... Quem faria parte dessa equipe?... Quem seria o responsável?... Deveria pensar em janeiro do ano 28, ou em outra data?
Depois de um tempo eu acabei jogando o lápis sobre a mesa.
Era um estúpido...
Por que me deixava enredar em semelhante absurdo?
Eu nem sequer sabia o que era "Ray negro".
Eu decidi tomar um longo banho. Isso me relaxaria.
Em seguida, daria uma caminhada e conversaria com Josué.
E nisto estava - no meio do banho - quando ouvi o telefone.
Olhei para o relógio. Marcava às 17 horas e 10 minutos.
Reunião de emergência no Fog.
Nossa! O que era agora?
Imaginei que Curtiss tinha planejado algo contra os planos de Kissinger. Ou se tratava do "berço"? Tinham ocorrido novidades? Finalmente foi detectada pelos satélites?
Eu me apressei.
Às 18 horas regressava para a sala das "tempestades". Ali estava a equipe de diretores.
Slimy apagou rapidamente o que estava escrito no quadro negro.
Cheguei ler a palavra “Jordânia”.
O que estavam tramando?
Ninguém sabia a razão para esta nova e urgente convocação.
Curtiss entrou na sala às 18 horas e 10 minutos.
Ele suava.
Caminho inseguro até a cabeceira da mesa distraída.
Algo grave aconteceu...
Ele carregava um pedaço de papel em sua mão esquerda.
Chamou-me a atenção não ver o habitual charuto na mão direita.
Dois de seus assistentes vinham atrás.
Aquilo era incomum.
Olhamos uns para os outros, intrigados.
E eu pensei: o "berço”...
O general não se sentou.
Olhou-nos, mas duvido que chegou a nos ver. Seus olhos estavam vidrados.
O papel tremia...
O que diabos estava acontecendo?
O general pigarreou e tentou ler.
Não conseguiu. A voz se recusou a obedecer.
Curtiss se esforçou.
O suor fazia brilhar as têmporas do militar.
Notei fogo no estômago.
E eu voltei a pensar: Eliseu... Tinham encontrado-o.
Eu me equivoquei.
Finalmente, incapaz de conseguir falar, Curtiss entregou o papel a um de seus assistentes e desabou sobre a cadeira. Olhou-me, mas não me olhou. Não via ninguém...
Estava perdido.
Nunca o tinha visto naquele estado.
O que aconteceu tinha que ser especialmente impressionante.
E era...
O assistente - major, como eu - olhou para os presentes e disse com um fio de voz:
- Eu devo anunciar más notícias...
Não soube o que pensar.
E procedeu a leitura:
- Esta tarde, às 17 horas e 43 minutos (hora de Missouri), o vôo 809 da companhia aérea Ozark sofreu um gravíssimo acidente a uma curta distância do Aeroporto Lambert, em Saint Louis...
O assistente interrompeu a leitura e voltou a olhar para nós.
Ele entendeu.
Ninguém sabia o que este evento tinha a ver conosco.
E ele aclarou, com tristeza:
- Dois dos diretores desta equipe viajavam neste bimotor...
Não houve um murmúrio.
Ficamos esmagados com a notícia.
Eram os diretores que tinham viajado para Washington D. C. Aparentemente estavam regressando.
Curtiss segurava a cabeça entre as mãos. Eu estava chorando.
E o assistente continuou:
- Pelo que nós sabemos...
Ele engoliu em seco e concluiu:
- Pelo que nós sabemos, há sobreviventes... Quando tivermos mais informações nós as transmitiremos. Por favor, não saiam desta sala...
O general terminou levantando-se. Seus olhos estavam molhados, de fato.
Ele não disse nada.
Ele caminhou lentamente até a porta e desapareceu.
Os assessores se apressaram a segui-lo.
Eu entendi o estado de ânimo do general. Ele deveria ter viajado com esses diretores e, possivelmente, no mesmo vôo. Foi a antipatia à Kissinger que o salvou.
Meu Deus! Eu tinha falado com o de óculos de tartaruga de manhã...
E as notícias foram chegando, devastadoras.
O avião era um Fairchild Hiller FH-227B. Viajavam nele, 41 passageiros e 3 tripulantes. Até o momento, foram localizados 38 corpos e quatro sobreviventes.
O avião bimotor caiu no chão a 2,3 milhas ao sudeste de Lambert (9 milhas ao noroeste de Saint Louis). Duas casas foram destruídas com o impacto.
Eram ignoradas as causas do acidente, mas tudo apontava para o mau tempo.
O "809" saiu de Marion, em Illinois, às 17 horas e 5 minutos (local).
E eu me perguntei: Por que pegaram aquele vôo? Havia outros...
À meia noite confirmaram o que se suspeitava: os diretores estavam entre os mortos. No total, 38 pessoas estavam mortas. Os pilotos e quatro passageiros sobreviveram.
Aos poucos, foram chegando notícias mais detalhadas. A possível causa do desastre estava na aproximação com o aeroporto (especificamente a pista 30L de Lambert). Ao que parece, foi realizada no meio de uma tempestade, e por meio de instrumentos.
Consultamos a meteorologia.
Naquele dia, as rajadas de vento atingiram 41,8 Km/hora. Naquele momento, havia nuvens baixas e chuva.
O capitão, Arvid Linke, de 37 anos, disse à polícia que eles foram atingidos por um raio, quando estavam em plena aproximação.
Estava claro.
O jovem piloto se precipitou.
Má sorte...
Retirei-me de madrugada.
Joco esperava com café quente. E falou de rumores correndo pela base: o desastre do "809" era devido a um atentado.
Eu olhei para ele, perplexo.
"Sim - disse o japonês – estão falando que é tudo devido a vingança de Nixon... Você sabe, em função das gravações em poder de Curtiss. Nixon tentou atingir o general, mas não conseguiu... "
Eu discordei.
Os peritos falaram de um raio ou de uma descarga, muito comuns na aviação durante tempestades elétricas. O aparelho perdeu as comunicações.
Mas o boato continuou rolando...
Naquela manhã de terça-feira, 24, tentei entrar em contato com Curtiss.
Era um miserável, mas eu senti pena dele.
Ele havia perdido dois de seus homens e recebeu o susto de sua vida.
O Mestre ensinou-me a ser generoso, principalmente com o inimigo...
O assistente, que atendeu a chamada - um velho conhecido desde os tempos da base de Wright Patterson, em Ohio (que a partir de agora chamarei de Domenico) - estava desesperado.
O general estava encerrado em seu escritório, no hangar vermelho, desde a noite da queda do bimotor. Eles não sabiam o que estava ocorrendo. O general não comia. Ele não recebia ninguém. Não atendia ao telefone.
- Apenas fuma e reza - disse Domenico cansado. A família já ligou 20 vezes, mas eu não sei o que inventar...
Nem naquele dia, nem no seguinte, se registrou alguma atividade por parte da equipe. Eu, pelo menos, não fui convocado.
Será que os "falcões" se reuniram? Muito possivelmente.
Eles seguiam com o assunto do "Raio negro".
E os rumores, em Edwards, tornaram-se sufocantes. O avião - diziam – tinha sido derrubado com uma carga explosiva. O objetivo era Curtiss, mas o general tinha sete vidas... Nixon, é claro, era o mentor do ataque. Kissinger estava ciente da operação...
Terminei chateado. Tudo aquilo era papo furado.
A verdade é que, na base dobraram as medidas de segurança, e principalmente no Fog.
No início da tarde do dia 25, quarta-feira, eu recebi um telefonema inesperado. Era Estrela, a esposa de Curtiss.
Parecia preocupada e inquieta. Seu marido estava quase dois dias sem aparecer em casa. Os assessores a evitavam. Ela não tinha acesso à área restrita. Ela tinha acabado de saber que Curtiss deveria estar no vôo "809”...
O general, aparentemente, não lhe falava de seu trabalho.
Ela invocou a nossa velha amizade (?) e pediu para que eu me informasse. Ela só queria saber como o seu marido estava e o que estava acontecendo.
Eu prometi que me ocuparia do assunto. Faria todo o possível e ligaria quando tivesse notícia.
Estrela sabia que eu sempre cumpria as promessas...
E eu fiz mais do que isso.
Decidi não esperar até o dia seguinte.
Eu fiz bem.
Eu me apresentei no hangar vermelho e procurei o escritório do general.
Eram 17 horas.
Domenico ficou chocado ao ver-me. Exceto sua mulher, quem isto escreve, era o único que estava preocupado com o estado de Curtiss.
E o assistente repetiu o que tinha explicado por telefone:
- Continua ali - apontou para o escritório do chefe do Projeto. Ele não atende a ninguém. Quanto à nós, nos trata aos pontapés...
Naquele momento, na verdade, eu vi tudo preto.
Não me receberia...
Mas os céus trabalham por caminhos incompreensíveis.
E foi Domenico, quem apontou uma possível solução:
- Por que não tentar? ... Entre e pergunte o que diabos está acontecendo...
Eu olhei para ele, incrédulo.
O bom e velho Domenico me incentivou:
- Você é como Lázaro para o general...
Nossa! Isso eu não sabia.
E Domenico me empurrou suavemente para o escritório de Curtiss.
- Se não te expulsar em um minuto, você vai ficar bem...
Parei por um momento diante da madeira cinza da porta.
Eu voltei a hesitar.
Eu olhei para o major e ele, lançando um sorriso, me incentivou a continuar.
"Que seja o que Deus quiser..."
E naquele momento eu escutei a voz do Mestre, na minha cabeça. Ouvi 5 × 5 (alto e claro):
"Confia!"
A porta obedeceu, dócil.
E eu entrei.
Eu conhecia aquele escritório. Eu o tinha visitado em outras ocasiões.
No Fog, o chamavam de "fumódromo", com razão.
No começo eu só distingui fumaça. O lugar era uma densa fumaça branca.
Entrei em pânico.
Eu procurei o fogo, mas não havia nada disso.
Eram os malditos charutos cubanos...
Em frente a porta havia uma janela. A luz fluía através das persianas e se derramava pelo grande escritório retangular. Ela fez isso com dificuldade. A fumaça não cedia. Era chumbo.
Curtiss estava sentado em sua cadeira giratória, de costas para quem isto escreve. Ele olhava, aparentemente, pela janela.
Eu me aproximei, lentamente, pela esquerda da mesa que presidia a sala (tomarei como referência a porta de entrada).
A grande mesa de mogno parecia adormecida. Cinco pilhas de papéis - todos confidenciais – me viram passar, com evidente curiosidade.
Os olhos do general estavam fechados.
Estava dormindo?
Contemplei-o por alguns instantes.
Tinha um aspecto ruim: barba por fazer, olheiras e a camisa manchada pela cinza. Em sua mão esquerda segurava um rosário de prata. Fiquei espantado de não ver um charuto em sua direita.
Fiquei pensando no que fazer.
Deveria acordá-lo?
Eu desisti.
Deixaria nas mãos do Destino, como sempre...
Tentei relaxar.
Impossível.
A fumaça me envolveu e faltou pouco para que começasse a tossir.
Arrastei-me com cautela em frente a janela e fui sentar-me no sofá preto e estofado que se esticava ao pé da parede à direita. As molas, sonoras, tentaram me delatar.
Ninguém se deu conta, exceto a fotografia de Nixon, pendurada na mesma parede. Mas o presidente seguiu na sua, sorrindo para ninguém. Aquele homem não tinha jeito...
E eu esperei, enquanto me dedicava ao meu: observar e tomar referências.
Eu sei: eu também não tenho solução.
Sobre a mesa, além dos papeis, estavam as fotos habituais. Uma de Estrela e dos filhos do general, quando eles eram pequenos. A mulher me viu e sorriu agradecida. Sei que me incentivou.
"Farei o que eu puder", eu respondi desde o sofá das molas sonoras.
A outra foto era do Papa Paulo VI, quando ele tomou posse como arcebispo de Milão. Aparecia com uma dedicatória. Data: 06 de janeiro de 1955. Montini me deu uma olhada enigmática, mas não disse nada.
E entre os papéis e pastas, três cinzeiros de ferro, como três valas comuns. Neles apodreciam não sei quantos charutos cubanos, com as bocas abertas, como os mortos.
Em uma das pilhas de papéis consegui ler o título de uma pasta.
Fiquei espantado.
Eu não sabia que "aquilo" era "altamente secreto”...
Ecclesiam Suam. Esse era o rótulo da pasta.
Não era essa, uma encíclica de Paulo VI? Ou se tratava de outra operação secreta?
Eu tinha que perguntar ao general...
À minha direita, em um canto, cochilava também a bandeira norte-americana, com as listras e estrelas desmaiadas, não sei se pelo sol do Mojave ou por tanto sigilo.
Finalmente, na parede esquerda, o general tinha mandado pendurar um quadro de Fra Angelico, pintado em têmpera sobre painel. Era a Anunciação, em tamanho natural (1,94 x 1,94 metros). Um anjo se apresentando diante da Senhora e lhe dando a boa notícia. À esquerda da cena, Adão e Eva expulsos do paraíso. Sobre o joelho direito de Maria descansa um livro, aberto.
No começo eu não percebi o que está escrito neste livro.
Foi depois...
Eu conhecia o original. Eu tive a oportunidade de admirá-lo no Museu do Prado, em Madri.
E deixei correr o tempo.
17 horas e 30 minutos.
Eu tinha que tomar uma decisão. Eu não podia ficar sentado naquele sofá, indefinidamente.
O que fazer quando escurecesse?
Reparei nas lâmpadas.
Duas delas, audazes, tinham saltado de pára-quedas azuis sobre o escritório.
Uma terceira lâmpada, mais modesta, situada no alto do quadro de Fra Angélico.
A situação era ridícula e perigosa.
Se despertasse, e me descobrisse, o general poderia me banir para o deserto da Arábia...
Eu tinha que fazer alguma coisa. Mas o quê?
Eu estava em branco.
Olhei em volta, pedindo ajuda aos móveis.
Eles permaneceram em silêncio. Bem, nem todos...
Naquele momento, como se o assistente tivesse ouvido meus pensamentos, a porta cinza se abriu.
Domenico permaneceu no umbral e interrogou-me, por sinais.
"Está tudo bem?"
"De primeira classe", eu respondi, também com gestos.
E eu mostrei para ele não fazer ruído. Curtiss estava dormindo.
"Tenha calma", ele retransmitiu.
"OK".
E o assistente se retirou.
Mas o azar (?) quis que ao fechar a porta, Domenico não calcular a distância e a força do braço e a porta atingiu o quadro com um estrondo.
Nossa!
Curtiss acusou o ruído e estremeceu.
Levantei-me e caminhei lentamente até a cadeira giratória.
Alarme falso.
O general continuava dormindo.
O rosário foi no chão.
Apanhei-o e examinou-o com curiosidade. Fazia muito que não via uma daquelas "ferramentas" para a oração.
Eu sorri para mim mesmo.
O Mestre nunca teria usado um rosário...
Era de prata, bonito, e desgastado pelo uso.
Tinha esquecido que Curtiss era um homem religioso, à direita da direita...
A pequena cruz brilhou, advertindo, mas não entendi a sua língua.
A luz que vinha do oeste fez brilhar o crucificado pela segunda vez.
Foi como um piscar de olhos.
Agora eu entendi.
Era como aquele gesto do Homem-Deus, quando piscava...
A pequena cruz não me agradou. Por que os católicos se empenham a mostrar seu Deus pregado a uma madeira? É impressionante! Não seria melhor e mais lógico que O representassem sorrindo ou nos muitos momentos de glória?
Debrucei-me sobre o general, a fim de devolver o rosário. Mas eu hesitei. Eu não sabia onde deixá-lo. Será que a mão esquerda, onde ele estava? Poderia cair novamente. Ou no colo?
E nisto estava, com a cruz balançando no ar, que Curtiss abriu os olhos.
Ele olhou para mim, incrédulo.
E, de imediato, um dos brilhos da cruz atingiu seus olhos.
O general fechou-os novamente.
Eu engoli em seco.
Eu me senti perdido.
Curtiss poderia arrancar-me as insígnias e minha cabeça...
O que fazia aquele verme em seu escritório, em sua frente, e sem aviso?
Tudo foi rápido.
Eu optei por encarar de frente.
Ele abriu os olhos de novo e olhou para a cruz que se agitava no ar, sustentada por quem isto escreve.
Desta vez, os brilhos foram contínuos e diretos nos olhos
Curtiss piscou.
A luz vinda do oeste foi oportuna. O resto das contas também colaborou, incluindo uma pequena imagem da Senhora, situada entre a cruz e o rosário em si.
Eu desenhei um sorriso bobo.
Isso foi tudo o que eu consegui improvisar.
E o general (ele confessaria dias depois) me tomou pelo que eu não era: um mensageiro dos céus. Ou era sim?
- Quem te mandou?
Não houve resposta.
Aumentei o sorriso e supliquei ao Destino para que o general não explodisse.
Ele não o fez. Ao contrário.
E repetiu, amável:
- Diga-me, quem te mandou?
- Não importa. Enviam-me...
A cruz tinha hipnotizado-o.
17 dias depois, conversando em sua casa, perto da cidade de São Francisco, ele me faria uma revelação: "Os intensos reflexos da cruz eram a resposta às minhas orações."
Ele, mais uma vez, havia interferido...
Pegou o rosário que estava em sua frente e beijou a cruz com veneração.
Eu me inclinei para trás e esperei.
O general terminou levantando-se e rebuscou na mesa de mogno.
Pegou um charuto e, após a segunda tragada, se mostrou mais seguro.
Não houve perguntas ou recriminações.
Limitou-se a ficar me olhando com curiosidade.
Aquilo durou um minuto ou mais.
Eu não sabia onde me esconder.
Finalmente, depois de jogar uma baforada de fumaça sobre os documentos confidenciais, convidou-me a sentar no sofá das molas escandalosas.
Foi então que, com voz serena, como se nada tivesse acontecido, perguntou:
- Você acredita em coincidência?
Não sei o por que o questionamento, mas eu também não fiquei parado tentando buscar uma explicação. Era hora de ser rápido, só isso.
- Faz muito tempo que não, meu general...
E eu acrescentei, pouco ou nada consciente da transcendência das minhas palavras:
- Eu não acredito no acaso..., desde que eu O conheci.
- A quem?
- A Ele, senhor...
- Te referes a Jesus Cristo?
- Refiro-me a Jesus de Nazaré - eu o corrigi mais uma vez.
- Isso...
Ele continuou:
- Eu deveria estar morto, você sabe...
Eu assenti com a cabeça em silêncio.
E continuou a desfrutar dos aros de fumaça.
Então eu me arrisquei:
- Tudo na vida está sujeito a uma ordem minuciosa e impecável. Uma ordem que não imaginamos.
Curtiss estava me acompanhando, espantado.
E acrescentei:
- Além disso, a morte não é o fim...
- Fala com muita confiança.
- Ele me ensinou.
- Ele...? Ah, eu entendo Cristo.
- Jesus de Nazaré...
- Sim, claro...
Ficou atento à fumaça do charuto e observou como subia até os pára-quedistas.
Logo, convencido proferiu uma frase que iria mudar meus planos, e os seus:
- Temos adiado essa conversa por um longo tempo...
Ele olhou para mim, intrigado, e perguntou:
- Há quanto tempo você voltou?
Olhei para o relógio.
- Às 22 se completam 27 dias e 12 horas.
O general apertou uma campainha.
Cinco segundos depois o assistente aparecia.
Domenico nos olhou com a boca aberta.
- Traga café - ordenou Curtiss - e uma garrafa de uísque. Temos muito que conversar... Depois pode se retirar.
O major bateu continência, feliz.
E olhou para mim, perplexo.
Eu tinha conseguido!
- A propósito - disse o general. Ligue para Estrela e diga-lhe que regressarei de madrugada... Eu acho.
- À suas ordens, general.
- Você tem razão - continuou Curtiss. Passaram 27 dias e ainda não falamos uma palavra sobre a coisa mais importante.
Eu assenti novamente com a cabeça.
- Você viveu a maior odisséia da humanidade, conheceu o Filho de Deus, e nós não perguntamos nada...
E o general soltou um de seus inconfundíveis epítetos:
- Nós somos uns papa-defuntos!
Eu adorava aquelas qualificações...
Ele falava com razão.
Até aquele momento, havíamos apenas nos ocupado do "berço". Certamente tinha prioridade, mas...
Dispúnhamos de um tesouro - o grande tesouro de todos os tempos - e, ainda assim, ninguém parecia se importar, começando por Kissinger. Nixon era um caso perdido.
O Pentágono se preocupava apenas com a União Soviética. Para os outros, o possível retorno de Eliseu à época de Jesus. Para as “pombas”, como afundar os "falcões". Para Curtiss, como evitar o "retorno". Para mim, honestamente, como “retornar”...
De qualquer forma, foi assim, na noite de daquela quarta-feira, 25 de julho que o general e eu iniciamos uma longa conversa sobre o Mestre.
Foi assim, finalmente, que Curtiss e quem isto escreve inauguraram uma nova relação, benéfica para ambos (especialmente para mim).
Mas eu tenho que ir passo a passo...
Às 18 horas e 59 minutos, o general prendeu as lâmpadas pára-quedistas e levantou as persianas. A luz alaranjada do pôr do sol, que morava em frente, se dispersou pelo escritório e nem ligou para o medo. Até que se esgotasse, dourou tudo: documentos, fotos e palavras...
E continuamos conversando.
Mais precisamente, ele perguntava e eu respondia.
Eu não sei se eu estava 100% certo.
Uma coisa é viver e outra, muito diferente, transmitir o que foi vivido...
Mas coloquei o coração.
Curtiss - eu não sei se já falei disto - era um homem extremamente religioso, moldado, e não ao costume antigo, mas ao costume remoto...
Era mais católico que o Papa e, também, mais feio e sentimental.
Estava ancorado (a palavra certa seria fossilizados) nos dogmas da Igreja Católica.
Ele acreditava no inferno como um lugar físico, com um fogo que nunca se apagava, e que superava os 1.400°C (!). Era o destino dos pecadores e, especialmente, os comunistas.
Ele acreditava, de pés juntos, no purgatório e no limbo.
O primeiro - segundo ele - era semelhante ao Pentágono.
O limbo era como cinema mudo.
Ele tinha um controle minucioso de seus pecados (mortais e veniais) e, o que era pior, anotava os de seus inimigos...
A morte em pecado mortal conduzia, inexoravelmente, aos 1.400°C, por toda a eternidade.
A fila para entrar no inferno era interminável.
Ele considerava que Maria, a Senhora, Mãe do Galileu, tinha sido "permanentemente" virgem. Nunca teve mais filhos - "isso era uma blasfêmia" - e sempre esteve ao lado do Homem-Deus. Era o seu apoio e conforto. Isto Curtiss defendia. Isso era o que pregava (e prega) a referida Igreja Católica, e outras denominações.
Maria foi a Co-Redentor para a salvação do mundo.
O general também afirmava que a igreja é a depositária da verdade e que fora dela, não há possibilidade de salvação.
Muçulmanos, judeus, budistas, protestantes, ateus e comunistas eram as novas pragas do Egito.
Seu ódio em relação aos comunistas era patológico.
Comungava diariamente e rezava o terço toda vez que tinha oportunidade.
No início, não foi fácil. Eu tive que pisar em ovos.
Mas no geral, apesar do que acabei de expor, era inteligente e sabia ouvir sem jogar raios e trovões.
Foi assim que lhe falei de uma mínima parte, mas essencial, do que vivi e experimentei junto ao Filho do homem e daqueles que o rodeavam.
Eu falei do Mestre, e de sua verdadeira personalidade. Eu lhe disse que Ele era um Homem alegre e divertido. Ele passou a maior parte de sua vida rindo. São as igrejas e a tradição que o mostram como um fiscal, sempre distante e, para cúmulo, pendurado em uma cruz.
Lamentei estas circunstâncias.
E também lhe falei de seus ensinamentos, sua mensagem, e de como os seguidores se separaram - desde o início - escolhendo uma religião "de propósito" sobre a figura do Mestre.
Ele nunca quis que O imitássemos.
Ele se encarnou para experimentar a matéria e, principalmente, para revelar o Pai Azul, um Deus oposto a Yavé.
E lhe falei sobre a grande esperança: somos imortais a partir do momento que o Criador nos imagina!
Não importa o que façamos ou o que pensemos. Somos imortais e viveremos fora do tempo!
Ele ouviu atentamente a minha versão sobre a "faísca", o Espírito Divino (fração infinitesimal (?) do Pai) que nos habita a partir dos cinco anos.
E eu me estendi, o quanto pude, sobre os 12; sobre como eles foram nomeados e, em especial, sobre a mente fechada desses discípulos. Eu fiz o general ver que eles não entenderam a mensagem. Suas idéias messiânicas eram quase genéticas. Eles acreditavam, e esperavam, um Jesus que fosse o Libertador político-religioso-militar que seu povo precisava. Com esta idéia, O acompanharam e com esta idéia, O viram morrer. E depois escreveram algo muito diferente da realidade e, com certeza, ao longo dos séculos, outros colocaram a mão nos evangelhos, deformando, ainda mais, a figura e a mensagem do Homem-Deus.
De qualquer forma, critiquei-os bastante...
- Você O considera um Deus-Homem?
- Ele é isso...
Curtiss não conseguiu esconder seu espanto. E comentou:
- Incrível!... Você não é religioso. É por isso que te escolhemos... Você se tornou um seguidor do Mestre?
Eu assenti com a cabeça. Por que negar...
- Se você tivesse contemplado o que eu contemplei... Se você tivesse O conhecido... Bem, você iria entender...
E acrescentei:
- Você não precisa ser religioso para procurar e encontrar o Pai Azul. Além disso, Ele, Ab-ba, não é religioso...
Curtiss se engasgou com o uísque.
- Isso é uma blasfêmia...
Eu sorri, divertido.
- Por que você insiste tanto no Pai?
- Ele o fazia... Ab-ba é o final.
Concluí.
- O fim de uma longa etapa. Depois seguiremos, convertidos em Deuses (com maiúscula).
O general parecia confuso. E admitiu:
- Em algo, você tem razão. A igreja tem esquecido o Pai. Ninguém fala sobre Ele...
- Obviamente se equivocam. O Filho do Homem fazia isso o tempo todo, por qualquer motivo, e com quem fosse. O Pai Azul é a fonte. Ele mantém tudo e nos chama, sussurrando. Ele habita em nós, como eu te disse.
E Curtiss e regressou a um dos pontos conflitantes:
- Por que você afirma que Cristo não instituiu nenhuma igreja?
- Jesus de Nazaré...
O general, intrigado com a minha insistência ao corrigi-lo, solicitou uma explicação. E eu dei:
-Cristo ou Jesus Cristo são nomes que definem o oposto do que Ele pretendia. Cristo ou Jesus Cristo é o que Ele não foi, e nem queria ser... Cristo, como você sabe, é a tradução, para o grego, da palavra hebraica "ungido". Pois bem, como já expliquei, o Galileu foi tudo menos o Messias que eles esperavam. Ele não veio para romper dentes, nem conduzir exércitos, ou para libertar Israel...
- O que foi então?
- Um enviado...
- Somente isso?
- Você acha pouco? Jesus foi um mensageiro de luxo. Refrescou a memória de uma humanidade perdida e lhes proporcionou esperança. Nós não somos o que acreditamos. Somos muito mais: nós somos filhos de um Deus, somos irmãos...
- Também os comunistas?
- Lembre-se: você é imortal, faça o que fizer, diga o que disser...
- E onde fica o mal?
Essa pergunta não me era estranha. Eu também a fiz para o Galileu. E eu respondi com as mesmas palavras do Filho do Homem:
- Não julgue Curtiss... É tão perigoso quanto dormir em pé.
- Mas e os maus...
- Tudo está calculado. O mal existe, é claro, mas é parte do jogo...
- Eu não entendo.
Eu o olhei intensamente, mas ele não entendeu a dica. Eu deixei correr o assunto.
- Algum dia eu gostaria de te dar um presente...
A sugestão intrigou o chefe do projeto.
- Que presente?
- O melhor que você já recebeu na sua vida...
E cortei a explicação ao meio:
- Mas, para isso, eu preciso de um quadro negro...
- Você quer que alguém o traga?
Eu neguei com a cabeça e soprei sobre as brasas de sua curiosidade:
- Outro dia, em outro lugar...
Curtiss tomou nota. Não esqueceria. E retornou à conversa, determinado a esclarecer sobre a fundação da "Santa Madre Igreja".
Eu dei a minha versão:
- Nada é sagrado, general... Pelo menos na matéria. Eu vou ser sincero. Eu não cheguei a assistir esta cena. Não posso confirmar se Jesus de Nazaré fundou uma igreja. As evidências sugerem que não... Esse não era o pensamento do Homem-Deus. Ele veio para algo mais importante. Ele é um revolucionário da esperança.
E concluí, pensando no Vaticano:
- Para buscar o Pai Azul não precisa de uma multinacional...
- Então, de acordo com você, não há por que se preocupar com os comunistas...
- Preocupe-se em viver. Além disso, há comunistas honrados e capitalistas miseráveis.
- Você virou comunista?
Mais uma vez eu rir.
- Não, senhor, eu não me importo com a política, e muito menos com os políticos. Para Ele também não interessava e Ele era mais sábio do que eu...
Foi ao longo daquela intensa conversa, que reparei o estranho "detalhe" do quadro de Fra Angélico.
Eu lembro que eu tinha me levantado e caminhava em torno da mesa. Ao passar eu notei, acidentalmente (?).
Eu estava sonhando?
Eu li de novo, me belisquei, e verifiquei que não era um sonho.
O general seguia perguntando, incansável.
Eu me aproximei e enfiei meu nariz praticamente nas páginas do livro que Maria estava segurando sobre o joelho direito. Como expliquei, é um livro aberto.
Eu respondi a Curtiss, mas sem precisão.
Naquele momento eu estava em outro lugar.
E lembrei-me do envelope que encontrei no meu quarto no alojamento dos oficiais, no momento da chegada à base de Edwards.
Era uma única frase.
E eu voltei a ler ...
Que estranho!
Não recordava de tê-la visto no quadro original.
Eu estava prestes a perguntar, mas não o fiz.
Estava escrito: "Marte, alerta."
Era o mesmo que tinha sido escrito no centro da cartolina que estava no envelope lacrado e que, como eu disse, estava em meu quarto.
"Aquilo" não era casual...
Por que foi pintado nesta tela? O que tinha a ver, o general Curtiss, chefe do projeto Cavalo de Tróia, com "Marte alerta"? E acima de tudo, o que diabos significava "Marte alerta"? O que tinha a ver comigo? Era um aviso?
Eu arquivei na memória, e continuei com o que importava.
A animada conversa se estendeu até bem tarde da noite.
Curtiss era teimoso, mas ele soube ser respeitoso.
Eu havia estado lá, com Ele, e o general sabia que não estava mentindo.
Isto lhe causava uma grande angústia e uma enorme curiosidade, em partes iguais.
Mas o importante, realmente, é que o general foi resgatado da profunda depressão em que estava e voltou à atividade.
Estranho destino!
Um rosário de prata foi o responsável por boa parte desta recuperação. O resto foi uma "pérola”...
Deixe-me explicar.
Perto do final da conversa, Curtiss manifestou o seguinte:
- Você tem que por mãos à obra e escrever suas memórias...
Fiquei surpreso. Essa era a minha intenção.
Na verdade, eu já tinha feito. Havia os diários.
- Você deve isso a...
Curtiss não terminou.
Eu o vi hesitar e eu entendi por que hesitava. Eu devia a quem? O que foi vivido por Eliseu e por quem isto escreve era material reservada. Altamente secreto. Para quem eu poderia contar?
E o general terminou retificando, em cima da hora:
- Você deve a mim... Na verdade, vocês devem a mim.
Que cínico!
E, instintivamente, ainda não sei por que, eu fui acariciar a "pérola" que estava pendurada no pescoço.
Ninguém sabia que continuava comigo.
E eu cometi um erro, supostamente:
- Está tudo escrito...
O general não entendeu.
Desengatei o 'DR' e depositei-o sobre a mesa de mogno, entre os fedorentos túmulos de charutos.
Estrela e Paulo VI espiaram meus movimentos, ciumentos.
E insisti:
-Eu digo que está tudo escrito... Eu suponho.
Eu não sei por que fiz isso.
E ainda me pergunto.
Eu não sei por que eu confiei em Curtiss.
Ele era um maldito bastardo...
Ele tinha me enviado para a morte. Sobravam-me apenas nove anos de vida. E ele o fez com frieza, e mentindo como um velhaco
Ele era um vil e sem coração!
Tinha intenção de clonar o Mestre e os seus...
Por que lhe entreguei o "leitor de sonhos"?
Eu não estou sendo totalmente honesto.
Agora eu sei por que fiz aquilo. Foi o Destino que me forçou.
Curtiss inclinou-se sobre a "pérola", observou-a com curiosidade, e acabou tocando-a com as pontas dos dedos, delicadamente.
Ele não disse nada e continuou observando.
Um minuto depois, ele olhou para mim e perguntou:
- É o que eu creio que é?
Eu me fiz de tonto.
- Eu não sei...
- É um "DR"?
Eu assenti com a cabeça.
- Como chegou até você? Procede do "berço"?
Fui honesto:
- Eu não sei. Estava no meu pescoço quando eu saltei do "berço".
- Eu não entendo...
- Eu também não.
- Pode ter sido Eliseu?
- Pode...
Continuou a examinar a esfera negra e foi ao ponto:
- Por que você diz que está tudo aqui?
- Intuição...
Curtiss permaneceu em silêncio. Ele acendeu um novo charuto e depositou a "pérola" na palma da sua mão esquerda.
O "leitor" moveu-se timidamente.
Curtiss brincou com ele por um tempo, enquanto ordenava os pensamentos.
Paulo VI, Estrela, os documentos confidenciais, o estúpido Nixon, o anjo do quadro e até mesmo Adão e Eva, esperaram impacientemente. O que o diga, quem isto escreve...
- Não há dúvida - finalmente proclamou o general. Você tem razão...
E caiu novamente em silêncio.
A "pérola", desconfortável, queria voltar para mim, mas o general não permitiu.
- No que eu tenho razão?
Curtiss sorriu com benevolência.
- Está bem: eu aceito. Existe este âmbito benéfico e maravilhoso de que você fala...
- Agora sou eu, o que não entende.
- Não importa. Melhor assim...
Ele não deu mais explicações.
Ele se levantou. Caminhou até o sofá das molas sonoras e levantou o punho esquerdo para a imagem do presidente Nixon. Dentro da mão estava a "pérola".
E clamou, vitorioso:
- João ninguém...! Você, e o teu melro, não ganharam ainda!
Eu assumi que o adjetivo "melro" ou informante, se destinava a Kissinger.
Ele, então, voltou para a cadeira giratória e confessou, quase para si mesmo:
- Sim, maravilhosamente ordenado...
Ele levantou o olhar e me presenteou com um "começo a gostar de sua teoria."
O que estava tramando?
- Eu ainda não entendo - argumentei - e não é uma teoria.
- Não importa. Agora ouça com atenção.
Nós todos o fizemos. Estrela, Nixon, o Papa, todos...
- Alguém mais sabe da existência deste "leitor"?
- Que eu saiba, não.
- Pois bem, exceto nós, ninguém pode saber de sua existência.
Olhei ao meu redor.
Exceto nós? Ali havia muitos...
- Você entendeu?
Eu disse que sim, enquanto olhava para Nixon de soslaio. Curtiss levantou novamente o punho esquerdo, com a "pérola", e declarou, solenemente:
- Altamente secreto.
- Sim, mas...
- Ninguém deve saber - repetiu - e muito menos esses “camotes” [53].
Eu imaginei que se referia aos "falcões".
[53] Camote, que na língua nahuatl (México e América Central) se diz “camotli” significa batata doce ou inhame. Na América Latina também é sinônimo de idiota ou imbecil. Encamotarse designa o estado de bobeira que muitas vezes acompanha os apaixonados. (N. do a.)
- Aonde você quer chegar?
- Logo você verá...
Devolveu-me o "leitor de sonhos" e disse:
- Amanhã...
Olhou para o relógio e corrigiu:
- Hoje mesmo darei as ordens apropriadas para que...
Ele hesitou.
- Melhor ainda... Você, em pessoa, se ocupará disto... Eu não quero olhares curiosos.
E ele explicou:
- Hoje colocarás mãos à obra. Eu quero que você trabalhe na descriptografia do “DR”... Somente você...
- Mas general...
- Está decidido. Ninguém ira te incomodar. Você te instalará no "vespeiro”... Eu providenciarei o necessário... E lembre-se: altamente secreto...
Ele continuou com o punho levantado.
Grande anticomunista!
- Você prestará contas a mim. Estou sendo claro?
Nixon estava tão espantado como quem isto escreve.
Eu disse que sim, naturalmente. E eu tentei pensar rápido.
- Quando você descobrir o conteúdo do "leitor", por favor, me avise. Não importa a hora...
O que ele pretendia?
E o general terminou esfregando as mãos com prazer.
Em seguida, voltou a dirigir o punho esquerdo para o retrato de Nixon e gritou, feliz:
- Bolota!
Quando me retirava – já na porta - Curtiss fez outras recomendações:
Trabalhe incansavelmente... Eu te libero da viagem para Washington D. C... Voltarei em 1° de Agosto. Até lá eu quero boas notícias.
E arrematou:
- Na primeira hora apresente-se ao meu assistente...
Ao mencionar a viagem para a capital federal, o General estava se referindo ao duplo cortejo fúnebre, em memória dos diretores mortos. Seria realizado no sábado, dia 28, no Cemitério Nacional de Arlington.
Assim terminou aquela indelével quarta-feira, 25 de julho de 1973.
26 de julho
Eu não dormi muito.
Os pensamentos chegavam, em ondas.
Eu não tinha intenção de ir ao funeral dos diretores. Há muito tempo que estes atos não me agradavam. Além disso, o de óculos de tartaruga, e o outro, estavam melhores do que eu e de que qualquer outro. Possivelmente em MAT-1, como dizia Eliseu.
Na segunda-feira, dia 30, o general teria a reunião com Kissinger e faria a entrega do relatório "zero", o estudo para o possível envio de uma segunda nave à época de Jesus (talvez o ano 28). Chamavam de "Raio negro".
Este assunto, sim, era de interesse para mim, mas eu não me atrevi a tocar nele, na recente conversa com Curtiss. Teria que esperar...
E eu fui assaltado pelas velhas dúvidas:
"Por que ele havia agido de forma tão rápida? Curtiss não era confiável. Porque eu mostrei a "pérola" para ele? Eu poderia ter ficado sem ela...”
Mas, ao mesmo tempo, em minha mente, "Alguém", sussurrou que a iniciativa foi correta.
Era isso o que eu estava procurando...
Precisava acessar a tecnologia de Cavalo de Tróia para a descriptografia e assim averiguar o conteúdo do “DR”. O general – melhor dizendo, o Destino – entregou-me em uma bandeja.
Aproveitaria a ordem e as circunstâncias.
Naquele momento, eu não podia imaginar que o Destino escondia um ás na manga...
O que continha o "leitor de sonhos"?
Passei vários minutos tentando lembrar.
Foi inútil.
Eu estava em branco.
Como já disse, quem isto escreve jamais utilizou o "DR". A não ser que tivesse feito nos últimos dias (janeiro do ano 28), que eu não conseguia lembrar...
Algo me dizia que não. Eu não tinha nada a ver com aquela estranha história...
Mas eram apenas suposições.
E, impaciente, eu vi chegar o amanhecer.
Naquele dia, o nascer do sol no Mojave, ocorreu às 5 horas em ponto.
O sol me preveniu.
Apareceu branco e misterioso, como se soubesse o que me esperava.
O deserto, vendo-o, fugiu em todas as direções.
Sim, algo muito especial sobrevoou a base de Edwards naquele dia.
E no horizonte da memória, surgiu novamente a querida e última imagem do Homem-Deus. Ele levantava o braço e acenava... "Confie".
Faria isso...
E às 7 horas, sem café da manhã, já estava no escritório do assistente de Curtiss, no hangar vermelho.
Domenico me abraçou.
Ele não sabia como eu tinha conseguido, mas o general estava flutuando, novamente. Naquela tarde voaria para Washington D. C. com parte da equipe de diretores.
Estrela me mandou beijos e um bolo de maçã.
Senti-me mais do que recompensado.
- O general deixou isto por você...
Domenico me entregou um envelope lacrado.
Continha uma folha azul, escrito à mão.
Curtiss me dava instruções precisas.
Li com atenção:
»1. Solicita as chaves do "vespeiro". Domenico sabe.
»2. Que meu assistente solicite - verbalmente - (sublinhou "verbalmente") uma escolta de nível três ao chefe de Segurança do Fog, coronel... (Eu suprimi o nome.)
»A escolta permanecerá com você o tempo necessário. Domenico sabe.
»3. Quanto às credenciais para entrar no "vespeiro" (nível 5 azul) meu assistente também se encarregará disto".
Assinado: Curtiss.
A nota tinha duas observações:
»PS 1: Para evitar rumores desnecessários, almoce no "vespeiro".
»PS 2:. TRITURAR/DESTRUIR"
Mensagem recebida.
Entreguei a folha para Domenico, ele a leu, e prosseguiu: introduziu no triturador e executou as ordens do general.
Domenico era eficaz.
Enquanto esperava, eu tomei café no escritório do assistente.
O bolo estava uma delícia. Domenico me ajudou.
E o familiar fogo interior, que sempre anuncia eventos especiais, me preveniu.
Eu estava prestes a entrar no "vespeiro”...
Às 8 horas e 30 minutos se apresentou, no hangar vermelho, um jipe 4WD (tração nas 4 rodas), automático, coberto, e equipado com sete assentos.
A escolta, composta por um cabo e dois soldados, saudou, verificou minhas novas credenciais, e se colocou à minha disposição.
O cabo se chamava Walter.
- Para o "vespeiro" - ordenei, enquanto saltava para o interior do jipe.
Arrancamos e o motorista se dirigiu para sudoeste.
Droga!
De repente, percebi.
Eu esqueci as chaves...
Era necessário dar meia volta e regressar.
Domenico, suado, nos encontrou. Ele corria pela rua que dá acesso ao hangar vermelho. Ele trazia as tais chaves.
Resolvido o contratempo nos dirigimos novamente para o "vespeiro".
Nós não conversamos.
Os rapazes eram jovens.
Eles carregavam as famosas submetralhadoras "M3A1" brilhantes e dispostas.
E eu pensei: "Também não é para tanto..."
Mas deixei por conta de Curtiss. Nesses assuntos, ele sabia mais do que eu...
Se os "falcões" suspeitassem que eu possuía um "DR", procedente do "berço", e que estava prestes a decifrá-lo, adeus...
Kissinger poderia confiscá-lo.
O problema era: quanto tempo levaria para que eles se dessem conta da manobra do general?
Como eu disse, em Edwards, os rumores não corriam: voavam.
O "vespeiro" se erguia à oeste da área restrita, perto dos alambrados, do fumegador número dois e de uma das torres de vigilância.
Alguém o tinha isolado, deliberadamente.
Era uma das jóias da coroa...
Acesso não era fácil. Ele estava localizado a três quilômetros dos hangares e dos pavilhões principais do Fog.
Ao sul do "vespeiro", em torno de 20 metros, sobrevivia uma velha cobertura de eternit. Era como se fosse da família. Proporcionava, às vezes, uma pequena sombra. Havia bebido todos os sóis do Mojave, desde 1952.
Ali parou o "4WD".
Eu saltei do jipe e me encaminhei, apressadamente, até a única construção existente na área: o "vespeiro”...
A escolta tomou posições.
O "vespeiro" era um monstro de concreto e chumbo, 9 por 6 metros e outros cinco de altura, sem janelas e pintado com as cores do deserto.
As paredes, de um metro de espessura, eram espetaculares.
Apareciam revestidas com placas de chumbo eletrolítico, com uma pureza de 99 por cento, e 30 centímetros de espessura. Era uma liga secreta. O chumbo continha uma pequena quantidade de pirocatecol [54] que frustrava qualquer tentativa de fotografia aérea.
O telhado era plano e também forrado com chumbo.
À direita do edifício, timidamente encostado, se via um pequeno complexo, também em concreto, que protegia os depósitos de gás, e alojava o necessário para a manutenção do "vespeiro".
Tudo foi concebido para enganar aviões de reconhecimento e satélites russos. (!)
[54] Em química orgânica, o pirocatecol é denominado ortodihidroxibenzeno e, geralmente, é obtido por descarboxilação do ácido protocatecuico. Ele tem todas as propriedades dos fenóis, destacando como bom redutor, especialmente do óxido de prata. Ao ser transformado em ortobenzoquinona pode ser utilizado como revelador fotográfico. O major não fala das características da liga chumbo-pirocatecol. (N. do a.)
Chamavam-lhe de "vespeiro" [55], porque, desde o início, as vespas do Mojave - grandes como dedais -o tinham escolhido para construir seus ninhos. E faziam-no de uma forma singular. As pequenas colméias, negras e esféricas, eram construídas nas paredes, sempre no lado oposto dos ventos predominantes na época.
Assim, conhecendo a posição dos favos, nós pilotos sabíamos, com antecedência, quais eram os ventos que nos ameaçavam [56].
Em suma: as vespas eram os meteorologistas mais certeiros de Edwards.
Um soldado, no topo da torre, nos observava com binóculos.
Eu levantei meu braço e saudei.
Ele bateu continência o pobre...
Eu empurrei a porta com dificuldade. Ela pesava 200 quilos...
Nem lembrava mais da baixa temperatura do local. Oscilava entre 4 e 5°C. Era essencial para um melhor desempenho dos delicados sistemas.
No início era uma bênção. Apenas n o início...
Tudo praticamente permanecia igual.
Fazia muito que não colocava os pés no “vespeiro”...
Ao abrir, automaticamente, o computador localizado à direita (tomarei a porta de chumbo como referência) acionava as luzes, todas embutidas nas paredes. Era um Computador irmão gêmeo de "Papai Noel", também com memória de cristais de titânio [57]. Ele estava conectado a três periféricos, aos quais chamávamos de "toner". Trabalhavam, entre outras tarefas que não devo revelar, como impressoras laser, tipo toner (tinta seca que atuava sobre o papel por um sistema eletrostático). Elas foram fabricadas pela Centronics Corporation, de Nashua. Era o modelo 101, habilmente manipuladas pelos especialistas militares.
[55] Nos diários do major, aparece como “wasp's nest”. (N. de a.)
[56] Naquela região, os ventos mais temíveis são chamados de "diabo". Procedem do leste e sudeste, e geralmente ocorrem na primavera e no outono. Também são denominados de Santa Ana, embora este nome, com toda a probabilidade, é uma variação de Satanás ou Satã. Assim os espanhóis chamavam os referidos ventos do "diabo", que sopram carregados de areia e elevam consideravelmente a temperatura. Quando eles aparecem, as casas se enchem de pó e vingança. Os ventos do "diabo" limpam a atmosfera fornecendo, para a base, uma considerável visibilidade. Era nestes momentos em que os fumegadores mais trabalhavam. Às vezes, ao entardecer, surgiam também os sundowner ou ventos do pôr do sol. Eles eram fortes e irritantes. O resto do ano pertencia aos ventos do Pacífico, mais suaves e femininos. (N. do m.)
[57] Ampla informação sobre Papai Noel em Cavalo de Tróia 1 - Jerusalém. (N. do a.)
Era uma maravilha.
Cada "toner" lia ou imprimia a uma taxa de 80.000 dígitos por minuto, com velocidades que oscilavam entre 280 e 1.066 cópias por segundo.
O resto da "mobília" era formado pelo estoque de papel (não revestidos), abundante, de 120 g/m2, um cofre, à esquerda da porta, e uma mesa e duas cadeiras no centro da sala.
O primeiro era um cofre gordo "Wes 149" de um metro de altura, especialmente modificado pela USAF. Estava aparafusado ao chão. O prisioneiro possuía uma porta impressionante, de 5 polegadas de espessura (12,7cm). Resistia a uma temperatura interna de 350°C. Foi fabricado de aço blindado, com manganês, e possuía um sistema de combinação biométrica [58].
A mesa e as cadeiras também estavam presas, mas podia ser movidas (se alguém fosse educado...).
Ativei os sistemas. Saudei o gêmeo de “Papai Noel” (como eu sentia falta dele!) E realizei alguns testes de rotina.
Logo depois, o computador disse que "estava tudo pronto". Que poderia introduzir a "pérola" e verificar o conteúdo “leitor de sonhos".
Mas eu hesitei.
Se o “toner” selecionado trabalhasse alimentado pela rede elétrica, a central de segurança do Fog detectaria imediatamente os referidos passos.
Foi um erro de Curtiss, e também meu.
Não devia correr riscos.
E eu pensei no fornecimento de gás.
Se o "toner" em questão fosse alimentado por este processo, a máquina não registraria os passos. Ficaria apenas registrado o consumo de gás, mas no relógio do depósito. Um gasto que, além do mais, seria mínimo. Para descobrir a manobra, alguém teria que ir até o depósito de mantimentos do "vespeiro" e verificar o estoque do tanque.
Parecia improvável...
Dito e feito.
Deixei o bunker e deslizei rápido, em direção ao prédio que guardava o gás.
A escolta me viu, mas seguiram na sua, fumando e descansando.
[58] Para abrir o cofre era necessário apresentar uma impressão digital específica. A "Wes" tinha uma capacidade de armazenamento de 30 impressões. As baterias suportavam 1.000 aberturas. (N. do m.)
O da torre procurava o que não existia: russos infiltrados...
Eu verifiquei os dois reservatórios.
Tudo em ordem.
Nível do reservatório: 95%. Capacidade de cada tanque: 4 metros cúbicos.
Havia combustível de sobra...
Eu verifiquei os outros parâmetros.
Pressão: 20 bar. Temperatura: -20°C. Pressão de teste: 30 bar.
Foi o suficiente.
E abandonei o recinto.
Notei agitação entre o pessoal da escolta.
O da torre tinha localizado uma cobra cascavel.
A patrulha correu para o local, localizou a perigosa cobra, e um dos soldados disparou a submetralhadora.
Má idéia...
Os disparos poderiam alertar o pessoal do Fog.
Droga!
Tinha que agir rapidamente.
E eu disse a mim mesmo, “Por que tanta preocupação?... Estou cumprindo ordens.”
Tranquei-me no "vespeiro" e me preparei.
9 horas e 45 minutos.
Introduzi o "DR" no computador e passei para o quinto loop [59].
A "espera" não existiu (!). A descarga ocorreu em um milésimo de bilionésimo de segundo (10¯¹⁵ ).
[59] O major não esclarece a natureza da operação. Um loop ou caracol, em computação, é uma instrução ou um conjunto de instruções, cuja execução se repete até que um objetivo seja alcançado (geralmente uma condição de saída). (N. de a.)
As telas ofereceram uma primeira visão do conteúdo do "leitor de sonhos".
Eu observei, incrédulo.
Eu solicitei mais informações.
Oh, meu Deus!
Nesse momento bateram na porta.
Nossa...!
Desconectei e atendi a chamada.
Era Walter, o cabo.
Alguém perguntava pelo oficial no comando. Esse era eu.
Fui até o "4WD" e atendi o rádio.
Era um sub-oficial da central de segurança.
Como imaginei, escutaram os disparos. Eles queriam saber o que tinha acontecido.
O cabo disse a verdade, mas exigiram a presença do comandante, se houvesse.
Eu me identifiquei e confirmei a versão de Walter.
Alarme falso.
A comunicação terminou ali, mas eu me senti inquieto...
Em poucos minutos, todo o Fog saberia que eu estava no "vespeiro".
Ele tinha que me apressar.
10 horas e 10 minutos.
Eu me tranquei novamente no "vespeiro" e procurei me acalmar.
Começando de novo.
Conectei, e o computador ofereceu a mesma visão.
Eu repassei o que eu tinha em minha frente, e em alta velocidade.
Não havia nenhuma dúvida...
Fiquei espantado.
Como era possível?
Eu não conseguia recordar...
E assim transcorreram 30 minutos mais ou menos.
E voltou a ocorrer...
Bateram na porta uma segunda vez.
Droga!
Eu desliguei o sistema e abrir novamente.
Era um dos soldados da escolta.
Ele apontou para um jipe, um CJ5 de dois lugares. Ele estava estacionado ao lado do “4WD”
Uma dupla de policiais militares conversava com o Cabo.
Aquilo não me agradou.
Tudo se complicava, desnecessariamente.
Aproximei-me, saudei e questionei os guardas.
Aparentemente, na central de segurança não estavam satisfeitos. Eles precisavam de mais informações sobre o incidente.
Walter se ofereceu para mostrar os restos da serpente.
Um dos recém-chegados foi para o seu veículo e conversou pelo rádio.
Foi autorizado a ver a cobra.
Aquilo era uma loucura...
Aproximamo-nos do lugar e os policiais examinaram a cascavel. Era uma Crotalus durissus verde amarelado, de quase 1,80 metros. A mordida era mortal.
E nisto estávamos, quando reparei o "vespeiro".
Havia deixado a porta aberta!
Os soldados discutiram.
Eles tinham que levar a cobra, mas não sabiam onde colocá-la. E o que era pior: ninguém se atrevia a colocar as mãos.
Ela parecia morta, mas...
O soldado da torre se divertia de tudo aquilo.
O que fazer?
Eu precisava de uma solução rápida.
Eu não tive que pensar muito.
Logo vimos outro jipe aparecer. Era um "Comando", muito maior.
Ele parou na área dos alambrados, onde estávamos, e eu vi um capitão descer. Atrás dele, outros quatro guardas.
Eu comecei a tremer.
Em breve, todo o Fog estaria lá.
Eu tive que segurar os nervos...
O capitão saudou e questionou primeiro os seus policiais.
Eles explicaram e mostraram a serpente.
Então ele se virou para mim, saudou, e explicou o que eu já sabia.
E voltaram a discutir.
Decidi terminar com aquilo.
Aproximei-me da cascavel, agarrei-a pela base da cabeça, e a levantei.
Os soldados recuaram, com medo.
Não havia nenhum problema. Ela estava morta.
E me encaminhei até o "Comando".
Seguiram-me, intrigados.
Joguei o animal na parte de trás do jipe e dei o caso por encerrado.
O capitão se desculpou. Montaram nos veículos e foram embora.
O grupo da minha escolta olhou para mim com certo temor reverencial.
E quem isto escreve, sem mais, e se dirigiu a seu trabalhar.
Nada disso...
Eu estava perto do "vespeiro" quando eu vi-os de volta.
Droga!
O capitão saltou novamente do jipe, dirigiu-se ao cabo Walter e perguntou pelo soldado que matou a cascavel. O rapaz se apresentou. Deu seu nome e um dos policiais exigiu a arma. Ele examinou. Verificou o número de projéteis disparados e devolveu a M3A1 ao confuso soldado.
Novas saudações e nova poeira.
Eles se afastaram.
O cabo tentou tranquilizar o guarda da submetralhadora.
Rotina.
Fechei a porta de chumbo, respirei fundo, e repeti as operações.
Eu senti uma profunda emoção...
Como era possível?
Por mais que eu me esforçasse, eu não conseguia me lembrar... Mas lá estava...
Era real.
O computador não mentia.
12 horas e 30 minutos.
E nisto estava, contemplando "aquilo", quando batem à porta mais uma vez.
"E agora?"
Tive de desligar a máquina.
Abri a folha e descobri o rosto de menino de Walter. Ele suava.
- Você quer comer algo major?
Demorei alguns segundos para reagir.
- Sim... Não.
- Sim ou não? É hora do almoço, senhor. Um dos rapazes voltará para o hangar para buscar a comida...
- Não, obrigado - eu emendei, finalmente.
Eu sorri à força e agradeci o detalhe.
Não era de comida, o que eu precisava.
Precisava paz e que ninguém voltasse a chamar aquela maldita porta.
Fechei.
Eu não podia acreditar no meu azar... E no que continha o "DR".
A "pérola" que havia aparecido em seu pescoço era um tesouro.
Ele reunia os diários, completos, de quem isto escreve e todas as análises realizadas por Eliseu e por este explorador ao longo dos três "saltos" no tempo.
Um tesouro, sim.
Eu me parabenizei.
Ali estavam os relatos sobre as mortalhas (Sudário) do Filho do Homem [60], os espetaculares resultados do chamado corpo "glorioso" do Ressuscitado [61], as informações que conduziriam, algum tempo depois, à histórica descoberta do “suporte” ou “habitáculo” a alma [62], as investigações de meu irmão sobre as amostras de DNA (decisivas para demonstrar que Jesus de Nazaré não foi concebido de forma sobrenatural) [63], as conclusões dos "nemos" sobre o milagre de Caná [64], análises de plantas, estudos sobre o pergaminho da "vitória", sobre o jade negro, sobre Yehohanan, sobre Ruth, os textos completos das minhas conversas secretas com o Homem-Deus, e uma longa lista de documentos dos quais tenho me referido e dos quais falarei, no momento certo (eu suponho).
Eu estava desconcertado e feliz ao mesmo tempo.
Ali estava tudo, ou quase tudo.
Senti falta, é claro, dos papiros, nos quais, se relatavam as viagens secretas de Jesus, pouco antes de sua vida de pregação. Eu não consegui. Eu não fiz esta transcrição.
O incêndio na insula de Nahum acabou com eles.
Eu me propus a escrever novamente. Eu lembrava muito bem deles, palavra por palavra.
Voltando ao meu “tesouro”, eu necessitava de tempo e um local isolado para onde pudesse me retirar. Ali eu o revisaria e o colocaria em dia.
Mas como fazer?
Era necessário imprimir o conteúdo da "pérola". Fora da base de Edwards, o "DR" não servia para nada. Eu precisava de uma cópia em papel e, acima de tudo, tirá-la daquele complexo militar.
Naquele momento, eu acho, comecei a planejar uma maneira de realizar a operação.
E me senti também desconcertado.
[60] Ampla informação em Cavalo de Tróia 2 - Massada (N. do a.)
[61] Ampla informação em Cavalo de Tróia 3 - Saidan. (N. do a.)
[62] Ampla informação em Cavalo de Tróia 3 - Saidan. (N. do a.)
[63] Ampla informação em Cavalo de Tróia 6 - Hermon (N. do a.)
[64] Ampla informação em Cavalo de Tróia 9 - Caná. (N. do a.)
Uma velha dúvida, teimosa e encurvada, apareceu diante de mim.
Quem transferiu aquela monumental informação, do banco de dados de “Papai Noel” para o “DR”'?
Eu tentava lembrar, mas não conseguia...
Eu não estava ciente de algo assim.
Fui até o final dos diários, várias vezes.
Repassei-os, em busca de uma pista.
Negativo.
O último texto escrito por este explorador nos mencionados diários, remontavam à novembro do ano 27 [65].
Depois permaneci junto de Eliseu e não retornei ao Ravid.
Não conseguia...
Não recordava.
E o bom senso colocou um nome diante de mim: Eliseu.
Foi ele?
Às 18 horas e 58 minutos, o sol foi embora para o oeste, emburrado.
Dei-me conta.
A escolta estava à muitas horas naquela torradeira.
Desliguei o computador e pendurei o “DR” no pescoço.
Pouco depois regressamos para o hangar vermelho.
[65] O texto ao qual o major da USAF se refere, diz assim:
«Retornei ao Ravid várias vezes. Eu precisava pensar. Eu precisava saber o que fazer. Eu escrevi muito.
Deus!
Ruth e Eliseu estavam morrendo, e eu não podia fazer nada por nenhum dos dois...
Kesil chorava e chorava ainda mais quando me via. Ele sabia da minha impotência. Eu ajudei como pude. Eu forneci-lhe a dimetilglicina que sobrava na nave, e procurei por opção de antioxidantes nas frutas (especialmente no melão, pêssegos, no limão e nas amoras), na carne, nos aspargos e espinafre. Tudo continha beta caroteno, tocoferol, ácido ascórbico e selênio.
Não foi o suficiente. O mal continuava avançando. Não me separei deles por dois meses. »
(Ampla informação em Cavalo de Tróia 9 - Caná). (N. do a.)
Tinha sido um dia agitado e afortunado.
O "tesouro" estava a salvo, aparentemente.
E eu segui me questionando: "Quem fez isso?"
A intuição tocou meu ombro e sussurrou um nome.
Mas, ao chegar ao escritório do assistente de Curtiss, eu me distraí.
Domenico confirmou a partida do general para Washington D. C. Ele estava acompanhado pela equipe de diretores.
Eu não mencionei o meu achado. Eu tinha tempo para dar a notícia à Curtiss...
Eu permaneci somente o necessário no Fog e, após acertar o encontro com a escolta para o dia seguinte, eu me retirei para o alojamento de oficiais.
Walter e os outros tinham começado a simpatizar comigo.
E eu prossegui com o que importava: Como burlar a vigilância na área restrita? Como retirar a cópia impressa da base? Era um material volumoso. Tinha que pensar, em primeiro lugar, em uma forma de ocultá-lo. Depois, como atravessar a barreira sem levantar suspeita...
Não era fácil.
Isso não importava. Eu faria o impossível. O mundo tinha o direito de saber...
Mas eu devia ser bem cuidadoso. Se o “DR” caísse nas mãos dos "falcões", adeus aos meus sonhos...
Eu fui ao supermercado e comprei uma porção de frutas.
Foi então que eu notei uma coisa...
"Aquela poderia ser a solução..."
Eu acariciei a caixa de madeira contendo figos e fiz alguns cálculos mentais.
"Poderia servir..."
Naquela noite, Joco me colocou à par dos rumores que voavam pela base.
Nixon, arrogante, recusou-se a entregar as gravações que a justiça estava exigindo. Era o que presumíamos.
E eu pensei em Curtiss.
A recusa do presidente em cooperar com a investigação do caso "Watergate" poderia causar desgostos para o chefe do projeto... E assim foi.
Esqueci este delicado assunto. O que eu tinha, já era o suficiente...
E o japonês também falou sobre as cobras, no plural, que foram pegas naquela manhã na zona do "vespeiro".
Fiquei perplexo.
Não era uma cascavel, mas dez (!).
De qualquer forma, Joco sabia de tudo, ou quase tudo...
Naquela noite eu dormi com uma obsessão: retirar o "tesouro" de Edwards. Levá-lo embora. Eu o revisaria, eu o atualizaria... Depois tinha que providenciar a sua difusão, mas não sabia como.
Eu tentei tranquilizar-me.
Meu avô, caçador de patos, dizia: "Em primeiro lugar chegue ao rio. Depois se preocupe em atravessá-lo.”
Não foi uma noite fácil.
Eu tive pesadelos.
Um deles, em particular, me perturbou.
Pareceu-me premonitório, assim como tantos...
Eu não estava equivocado.
O sonho ocorreu em uma casa de campo, à beira do mar.
Era o dia.
De repente, eu saí para a varanda e vi uma mulher.
Ao seu lado, de bruços, eu encontrei uma criança, nua.
O rosto era de Curtiss (!).
A mulher abriu-lhe as costas com uma faca.
Não saiu sangue.
Ela extraiu algo do corpo, colocou-o em um copo e me mostrou.
Eu conhecia a mulher, mas não conseguia lembrar de onde.
No vidro flutuava algo preto e grosso.
Não era líquido.
Desci ao jardim, examinei o copo de perto, e percebi que o conteúdo poderia ser pólvora.
Eu provei.
Não era pólvora.
Nisto, olhei para cima.
Pelo mar, e vi se aproximando uma gigantesca e solitária nuvem branca e negra, pulsante.
Identifiquei-a com a glória de Yavé, descrita no Antigo Testamento.
Era uma nuvem "inteligente". Fervia.
Ele estava vindo em nossa direção ameaçadora.
Era Yavé, que queria se vingar por meus pecados.
Fiquei apavorado.
Momentos depois, quando a nuvem se posicionava sobre mim, fui despertado pelo tintirintín do despertador.
Na sexta-feira, 27 julho (1973), regressei ao Fog bem cedo.
Eu levei roupas quentes.
A mesa, as cadeiras e o cofre espiaram meus movimentos, com inveja.
E eu me dediquei a ler muito.
Aquilo era fantástico!
Ali estavam todos os detalhes...
E foi ao longo daquela manhã quando recebi o título que deveria colocar como título dos diários: "Cavalo de Tróia".
Eu não sei se já mencionei. Faz tempo, muito tempo, que eu acredito que as idéias e pensamentos não são os nossos. Nós os recebemos. Isso é tudo.
No início da tarde, o guarda da escolta me avisou. Alguém me chamava no hangar vermelho.
Que estranho! Curtiss estava fora...
Domenico me conectou, por telefone, com o general.
O chefe do projeto queria falar com quem isto escreve.
Foi uma conversa breve e em código.
Compreendi os receios de Curtiss.
- Como está indo a caçada? - Perguntou, impaciente.
- De primeira, General...
- Explique... Quero detalhes, detalhes.
- A pérola é autêntica...
Curtiss a pegou no vôo:
- Valiosa?
- Eu diria que muito valiosa...
- Excelente, mas o quão valioso?
Eu me vi num beco sem saída.
- Teria que avaliar, General...
- Ela ainda está com você?
- Eu durmo com ela... Eu tinha pensado em levar a um joalheiro neste fim de semana, fora da base, e fazer uma cópia...
O general adivinhou as minhas intenções e me interrompeu:
- Não se atreva!
Ele acrescentou, moderando o tom:
- Sei de um bom joalheiro em Rodeo Drive, em Los Angeles, mas vamos juntos... Estrela nos acompanhará. Ela entende bem de diamantes.
- Pérola - eu o interrompi. É uma pérola, General.
- Isso... Você entendeu?
- Sim, vou esperar, e nada de cópias.
Ele acrescentou imperativo:
- Nada de joalheiros desconhecidos...! Esse presente merece o maior respeito!...
Compreendi.
- Regressarei para Edwards na quarta-feira, 1 de Agosto, se este "rebolador" o permitir.
Eu supus que ele se referia à Kissinger.
A reunião entre o conselheiro presidencial e o General Curtiss, como já mencionei, aconteceria na segunda-feira 30 de julho.
- Isso é uma ordem! - Concluiu Curtiss. Guarde a pérola e espere o meu retorno!... Não a tire daí!
Eu não gostei da decisão do general. Foi muito instintivo.
Os "falcões" retornariam na segunda-feira, dia 30, ou talvez dia...
Eu tinha que aproveitar esse fim de semana.
Era uma oportunidade única.
Mas, por enquanto, eu obedeci.
Entrei no "vespeiro" e continuei a revisar os diários.
Não demorei a comprovar que os problemas estavam me rondando.
Algumas passagens não deveriam cair nas mãos de Curtiss, nem de ninguém...
Especialmente a confissão de Eliseu e a minha tentativa de suicídio [66].
Demarquei-as.
Se chegasse a hora de imprimir o "tesouro", as referidas passagens seriam excluídas.
Mais adiante, eu veria.
Claro que, na hora de tornar público os diários, os textos seriam respeitados na íntegra.
E nisto estava, debruçado sobre a leitura, quando vi a intuição aparecer.
Eu não sei como ela entrou...
Ela se sentou ao meu lado e me observou, muito séria.
Ela deixou um pacote na minha mente, levantou-se e desapareceu.
Olhei em volta, confuso.
Não estava mais ali.
Perguntei ao cofre e ao “toner”. Eles deram de ombros.
Eles nunca tinham visto uma mulher tão delicada e bonita.
Abri o pacote e encontrei uma frase:
«Imprima o "tesouro".»
Isso significava desobedecer a ordem de Curtiss...
[66] Ampla informação sobre estes eventos, em Cavalo de Tróia 9 - Caná. (N. do a.)
E lembrei-me que o Mestre repetia sem cessar: "A intuição nunca trai."
Era verdade.
É a razão que vem depois da intuição e, ao julgar, estraga tudo...
Eu não hesitei.
Eu chamei o cabo e perguntou se ele podia conseguir caixas de madeira. Caixas de frutas e hortaliças, vazias. Na cozinha do Fog eu tinha visto...
Walter ouviu, perplexo, mas reagiu de forma inteligente:
- Quantas, major?
- Oito ou dez são suficientes.
Duas horas mais tarde, o jipe regressava com dez caixas de madeira, vazias.
Excelente.
Depositei-as no "vespeiro" e examinei-as cuidadosamente.
Elas serviram para armazenar pêssegos romanos.
Eu os conhecia. Havia saboreado-os no alojamento dos oficiais.
Eles eram enormes, muito doces, e caroços coloridos.
As caixas mediam 40 por 40 por 40 centímetros.
Elas eram perfeitas para os meus propósitos.
Na madeira, pintado em vermelho, lia-se “La Mimosa” e o lugar de procedência: Riverside, na Califórnia.
Eu terminei os cálculos e deduzi que com cinco caixas seria suficiente. Agora, eu precisava de corda, sacos plásticos, e um total de 80 pêssegos.
No dia seguinte, sábado, poderia reunir tudo isso.
Com um pouco de sorte, introduziria tudo na área restrita, na manhã de domingo, 29. Era o momento adequado. O movimento no Fog era mínimo.
Os habitantes do "vespeiro" me observavam, intrigados.
Aquilo era pura decadência.
O cofre murmurava e sussurrava com os periféricos. Estes, por sua vez, fofocavam com a mesa.
"Q que faziam aquelas toscas e primitivas caixas de frutas em um lugar sagrado como aquele?"
As cadeiras olharam com ódio, mas não disseram nada.
Elas nasceram em Seattle, e todo mundo sabe como as usam na capital do estado de Washington.
Eu não prestei atenção.
Eu segui com o que estava fazendo...
Naquela noite, eu providenciei uma corda, uma tesoura, sacos plásticos pretos e um saco de pêssegos romanos, requintados.
Joco me viu entrar com o carregamento e tentou ajudar.
Agradeci, mas não aceitei. Eu dava conta de tudo.
E refugiei-me no quarto, fazendo novas suposições.
O plano não devia falhar...
O problema era retirar a cópia de Edwards.
Eu não tinha a mínima idéia de como fazê-lo...
Confiei no Destino. Ele sabe...
E eu creio que Ele sabia!
O sábado, dia 28, foi mais um dia de tensa calma.
Eu me concedi uma pausa. Eu precisava disso.
A escolta descansou e eu dediquei parte do dia para pensar e conversar com Josué, meu cacto favorito.
Eu dei-lhe de beber e contei-lhe parte da minha vida.
Eu era um tipo estranho: eu tinha 36 anos, mas aparentava 80. Havia conhecido um Homem-Deus. Eu conversei com Ele. Ele me revelou segredos. Eu testemunhei os seus milagres e sua morte. Eu estava apaixonado, mas meu amor era violeta. Tentei o suicídio e fui salvo por um computador. Este Homem-Deus me ensinou que a vida não é a realidade, e que estamos condenados a sermos felizes, em curto prazo. Ele falou de Ab-ba, o Pai azul que nos imagina, que nos dá a imortalidade, e a quem chegaremos algum dia.
Josué olhou lá de cima, com seus olhos cor de mostarda, e repetia:
- Coitadinho...
O caso é que, isso do Pai Azul, acabou intrigando-o.
E perguntou:
- É outro general?
Com o é difícil explicar a super-simetria!
E lembrei-me do Galileu e suas dificuldades para se aproximar da verdade.
- De certa forma, sim - respondi. Manda muito, mas não se percebe...
- Então é um bom general... Onde está o seu posto de comando?
- A base está em uma ilha distante, além das estrelas. É a base do Paraíso. Todos nós chegaremos lá, mas para isso temos que morrer... Além disso, também vive na mente humana.
- Como assim? Possui um quartel general em uma ilha e habita nos seres humanos?
- Isso mesmo. Isso proclamou o Homem-Deus... É um segredo. Nem mesmo os anjos sabem.
- Anjos? O que são eles?
- Sargentos, mas sem mau humor.
- Eu entendo. Existem áreas restritas nessa base?
- Eu ignoro. Eu acabo de começar a caminho.
- Tem que haver - murmurou o cacto. Em todas as bases existem segredos...
- E que segredo o Pai Azul poderia esconder?
- Eu consigo pensar em um: o bom Deus são muitos...
- Nossa!
- Confie em mim. Estou aqui há muito tempo e não faço outra coisa, a não ser pensar e conseguir água. Não há um Deus. São muitos.
- Pode ser que esteja certo...
- E eu pergunto: por que o Pai Azul habita apenas nos seres humanos?
- Eu também não sei... O Homem-Deus me fez outra revelação. Eu sei que você vai gostar...
Josué esperou impacientemente.
-O amor desses Deuses é tal que dividem os territórios...
Não estou entendendo.
- Veja... Os seres humanos são habitados pelo Pai Azul, o grande general... A matéria é por outro Deus: o Espírito da Verdade.
- Outro general?
- E tão importante como o primeiro.
- Explique.
- O Espírito também se fragmenta, desce, e habita cada grama do que vemos e do que não vemos.
Os olhos cor de mostarda se arregalaram.
Eu continuei:
- Este Deus viaja sem se mover...
- Como eu! - Exclamou o cacto, emocionado.
Eu tratei de continuar:
- Este Deus que te habita, não possui exterior... Se divide, como eu disse, em trilhões de trilhões de trilhões de trilhões de trilhões de fragmentos...
Notei como Josué estava tonto.
Eu parei a explicação e deixei que respirasse verde, que é como os cactos respiram.
- Você está bem?
Ele assentiu e eu continuei:
- Este Deus, o Espírito da Verdade, ao habitar as coisas e a natureza, está ciente de tudo: sabe sobre a lisura do mar, de seus filhos mais escondidos, do silêncio congelado das geleiras, do milagre das colheitas, dos que rastejam e dos que se movem na velocidade da luz, do orvalho em que você tomar banho, da dolorosa imobilidade de rochas, das estrelas que morrem, cadentes...
E resumiu:
- Também é a inveja dos anjos...
- Mas eu não sinto esse Deus.
- É isso aí, caro amigo, é assim mesmo...
- Há algo que não entendo muito bem - comentou Josué. Por que somos tão diferentes? Você não é como eu...
- Acho que estamos diante de um problema de imaginação.
Eu apontei para o alto e arredondei:
- Ali em cima tem de sobra... Somos você e eu, que estamos secos e com os pensamentos revoltos. Nós precisamos saltar do tempo para o não tempo, para tentar entender.
O cacto estava perdido.
- Não se preocupe amigo... Apenas vive! Isso é tudo que vale a pena.
Eu não quis falar de imortalidade. Teria deixado-o ferido.
Mas o cacto de cinco metros, era longo também no pensamento. E adivinhou os meus:
- Porque eu não sou imortal?
- Eu não sei...
- As coisas, plantas, animais, tudo tem direito de perdurar...
Algo me ocorreu. Eu não sei se era bobagem, mas eu disse:
- Pode ser um problema logístico. Na realidade, pode ser que não haja espaço para tanta gente...
Josué olhou para mim, incrédulo.
E acrescentei, tentando justificar a minha ousadia:
- O céu - dizem - cabe na palma da mão.
- Eu não entendo.
- Não importa. De qualquer forma, você não vai morrer...
- Isso é engraçado.
Eu fiquei sério e reafirmei o que disse:
- Você é imortal, porque vive na memória de alguém.
O cacto sorriu, também na cor mostarda, e agradeceu o detalhe.
- Agora você vive em minha memória - acrescentei - e um dia viverá na de muitos...
- Na memória de muitos?
- Algum dia - eu declarei solenemente - essas conversas serão lidas por muitos.
- Você pensa em escrever um livro?
- Mais ou menos...
- E mencionarás o cacto que era todo na cor mostarda?
Eu assenti com a cabeça.
- Eu não poderei comprá-lo - lamento. Eu sou um prisioneiro...
- Ninguém é um prisioneiro quando é habitado por um Deus.
- Fale-me sobre Ele...
- O Espírito da Verdade te preenche completamente... É um truque dos céus. Ele te dá e Ele recebe em troca.
- O que pode receber de um pobre Yucca brevifolia?
- Informações, justamente sobre os brevifolia. O que são, como se comportam, qual é a sua linguagem, o que deseja um cacto, por que são tão bonitos, o que você vê daí de cima... Enfim, eu poderia ir amanhã citando.
- E tudo isso para quê?
- Para a maior glória dos Deuses. Assim Eles estão por dentro de sua miséria e seus sonhos... É assim, como tudo é um. E o mais baixo e primitivo, ascende pela mão de um Deus...
Josué não resistiu e fez a pergunta principal:
- Quem te ensinou?
Fiquei em silêncio.
Eu não teria acreditado.
Josué insistiu:
- Você me fará imortal? Você me levará em sua memória?
Eu assenti novamente com a cabeça. E acrescentei:
- De agora em diante você vai viajar na mala das memórias.
E eu me surpreendi.
Conversar com as coisas (supostamente inanimadas) não é tão louco. Tudo está habitado pela Divindade.
Desde então, a grama, as pedras solitárias, a poeira da estrada, as nuvens que passam, os horizontes, os brilhos distantes, os invejados pássaros, os monstros marinhos, os grãos de areia, os animais que cruzam nosso caminho, o que eu toco e o que eu não toco, o visível e o invisível, tudo me inspira um respeito infinito. O Espírito da Verdade, outro formidável Deus está em todos eles. Se falar com eles, eu também falo com Ele...
Quando me afastei do bosque, Josué chorava verde, de pura emoção. Ele nunca tinha parado para pensar que era um templo.
Naquela noite, Joco, o japonês, me informou sobre o duplo funeral realizado em Arlington.
Curtiss, em seu discurso, chamou os diretores falecidos de heróis.
Eu sabia que eles eram mais do que heróis...
29 de julho
Joco também participou da operação Riverside, mas nunca soube.
Irei passo a passo...
Naquela manhã de domingo, 29 de julho, o japonês me levou até a barreira de acesso ao Fog.
Seu "Cowboy", 71, impregnado com imagens dos Beatles, era famoso em todo Mojave.
Ajudou-me a descarregar o saco, com pêssegos romanos, e esperou que o guarda telefonasse para a patrulha que devia me escoltar.
Um dos soldados abriu o saco, observou as frutas, e olhou para mim, perplexo. Ele não disse nada.
Imaginei seus pensamentos: "Estes aviadores são loucos..."
E permitiu a minha passagem e fui embora, no jipe que havia estacionado ao lado da barreira.
Era domingo, mas ninguém ficou surpreso.
No Fog se trabalha em todas as horas...
Mudaram de escolta.
E às 8 horas e 30 minutos eu estava de volta em frente ao computador, pronto para continuar a revisão dos diários.
O saco de pêssegos também não foi do agrado dos habitantes do "vespeiro".
"Isto parece um mercado apache", disseram eles.
Deixei-os para lá...
E o dia se apresentou igualmente excitante.
Não, excitante não é a palavra...
Como defini-lo?
Que seja o hipotético leitor destas memórias que julgue...
Ocorreu no meio da manhã.
Que estranho!
Eu sou meticuloso em tudo o que empreendo.
Até demais, segundo Eliseu.
E era mais ainda, quando era relacionado ao Filho do Homem...
Como era possível?
Repassei várias vezes.
Não havia dúvida: eu estava diante de um “lapsus calami” (latim), um erro de escrita e claramente involuntário [67].
Aparecia em um texto correspondente à 12 de Maio do ano 26 D.C. Nesta passagem, quem isto escreve tomava referências no chamado Vão de Josué, perto de Betânia (a do Jordão) [68].
Ao descrever o candelabro localizado no topo do monumento das Doze Pedras, este explorador tinha escrito o seguinte: «Ao longo dos dois braços inferiores do candelabro foi gravado um texto de Zacarias (4, 6): "Esta é a palavra o Eterno: não pelo poder, nem pela força, mas pelo meu Espírito, diz o Eterno dos Exércitos." Nos restantes cinco braços, repartido, lia-se outro texto do mesmo profeta: "Estes sete são os olhos do Santo. Eles percorrem toda a terra.” »
Então, uma das frases tinha um erro.
Em vez de "Estes sete são os olhos do Santo” lia-se: "Até o sétimo são os olhos do Santo" (Zacarias 2, 7).
Era estranho... Em Zacarias (2, 7) não está escrito isso [69].
[67] Nos diários foram detectados erros. O major os justifica em uma nota, que aparece no final de Cavalo de Tróia 9 - Caná, que diz assim:
«Nos presentes diários foram introduzidos - intencionalmente - erros de terceira ordem, assim como afirmações não comprovadas e inconclusivas, eventos anunciados e não narrados, e supressões que não afetam o conteúdo. Tudo isso obedece à necessidade de reduzir, dentro do possível, a credibilidade da narrativa. »
E eu acrescento: alguns desses erros intencionais são de iniciativa minha. (N. do a.)
[68] «o Vão de Josué - escreve o major - era um lugar particularmente santo. Segundo a tradição oral, e os livros sagrados, foi naquele trecho do rio Jordão, que se produziu o primeiro prodígio do líder Josué, o homem que assumiu o "povo escolhido" após a morte (?) ou desaparecimento (?) de Moisés. Ao chegar à margem, Yavé ordenou a Josué que introduzisse a arca da aliança na água. E ele o fez. Enquanto os sacerdotes, que carregavam a arca, entravam no canal, as águas do Jordão se detiveram 30 quilômetros acima, digamos, na região de Adam e Damiya (Vão das Colunas), e as pessoas e animais atravessaram o Jordão. Em memória desse milagre, Josué mandou retirar doze grandes pedras do leito do rio, que estava seco, e ergueu um monumento. Cada pedra representava uma das doze tribos de Israel (aquelas que tinham atravessado o leito). » (N. do.)
[69] Zacharias (2, 7): "Nisto, saiu o anjo que falava comigo, e outro anjo foi ao seu encontro." Trata-se de uma visão de Zacarias (a terceira), ligada ao homem que fazia a medição Nada a ver, portanto, com o que eu tinha em minha frente. (N. do m.)
Permaneci pensativo.
Muito estranho...
Mas eu continuei.
Achei que eu tinham me perdido.
Eu corrigi o deslize e continuei a leitura, um pouco contrariado.
Eu não gosto de me equivocar em nada relacionado ao Filho do Homem. A história e a tradição já contêm erros suficientes...
Mas as surpresas não terminavam ali.
Pouco antes do pôr do sol, quando ele estava prestes a voltar para o alojamento dos oficiais, volteia me sobressaltar.
Eu olhei e repassei.
O que estava acontecendo?
Aquilo não era normal...
Eu não fazia as coisas assim.
Mas lá estava ele, claríssimo.
Cinquenta páginas após o primeiro erro, detectei uma segunda anomalia.
Eu não podia acreditar na minha estupidez.
Desta vez, o texto se referia ao que aconteceu no dia 14 de junho, também no ano 26 da nossa era. Quem isto escreve estava na Prisão de cobre. Estava tentando localizar Yehohanan. Fui conduzido por um dos guardas até os aposentos de Nakebos, o Alcaide da temida prisão existente na desembocadura do rio Yaboq.
O “amarelo” ordenou que esperasse em uma sala e me deixou sozinho por alguns segundos. As paredes estavam decoradas com textos de diferentes profetas. Eu tive tempo de ler uma dos textos. Era de Jó (28, 5-12) [70].
Dizia assim: "Quanto à terra, dela procede o pão, mas por baixo é revolvida como por fogo. As suas pedras são o lugar de safiras, e têm pó de ouro. A ave de rapina não conhece essa vereda, e não a viram os olhos do falcão. Nunca pisaram nela, feras altivas, nem o feroz leão passou por ela. O homem estende a mão contra a pederneira, e revolve os montes desde as suas raízes.
Corta canais nas pedras, e os seus olhos descobrem todas as coisas preciosas. Ele tapa os veios d’água para que não fluam; e o que estava escondido sai para a luz... »
Como eu disse, eu estava perplexo.
[70] Ampla informação sobre esta passagem em Cavalo de Tróia 9 - Caná. (N. do a.)
Ali havia outros erros, não importantes, mas chamativos.
A palavra "raízes" (roots) tinha sido alterada e, em seu lugar, lia-se “milho” (maize).
Isso me intrigou.
Eu não deveria ter escrito algo assim...
O milho era desconhecido em Israel no tempo do Mestre. Ele chegou à Europa muito mais tarde, após a descoberta da América.
Santo!
E eu atribuí, inicialmente, a um descuido na hora de escrever.
Mas, insisto, me pareceu estranho.
Enfim, eu poderia ter errado na hora de digitar, é claro.
A segunda anomalia era mais escandalosa.
Onde devia dizer "e o que estava escondido sai para a luz" dizia, "e cada erro conduz à luz (Zacarias 3, 1).
Voltei a revê-lo, atordoado.
Não dispunha dos textos bíblicos no "vespeiro", mas pelo que eu recordava, em Zacarias, no capítulo 3, versículo 1, não constava o que eu tinha escrito nos diários [71].
Como eu poderia cometer semelhantes erros?
Dei de ombros e atribuí à forte tensão naqueles momentos.
E me dispus a corrigi-los.
Mas, de repente, algo me deteve.
Agora eu sei. Era essa "força" misteriosa e benéfica que sempre me acompanha. Retifico: que sempre nos acompanha.
E o instinto advertiu...
Mas, desajeitado, eu não me dei conta.
Limitei-me a tomar nota das "anomalias".
Retornei ao alojamento dos oficiais, francamente preocupado.
[71] Zacarias, em 3, 1, escreve textualmente: "E ele mostrou-me o sumo sacerdote Josué, o qual estava diante do anjo do SENHOR, e Satanás estava à sua mão direita, para se lhe opor." (N. do m.)
Consultei as citações bíblicas. Aquelas encontradas nos diários, realmente estavam erradas.
O que estava acontecendo comigo?
Havia localizado dois erros (na verdade cinco)...
Quantos mais eu posso ter cometido?
Eu tinha que revisar os diários com uma lupa.
Era intolerável!
Eu estava realmente ficando velho...
Na segunda-feira, 30 de julho, eu me dediquei a uma revisão minuciosa dos diários.
Eu não encontrei nada de anormal, até aquele momento.
Isso me acalmou.
O essencial, na história do Homem-Deus, aparecia impecável.
Os diretores não retornaram naquele dia.
Eu deduzi que eles tinham decidido esperar, em Washington D. C., até o final da reunião decisiva entre Kissinger e o general Curtiss. Como eu já disse, essa reunião seria realizada na manhã daquela segunda-feira.
O "negócio" era tão simples como notável: se o assessor presidencial para assuntos de segurança nacional desse a sua aprovação ao relatório "Zero", "Raio negro" começaria a andar...
Curioso...
Com o passar dos dias, também a imagem do meu parceiro, Eliseu, estava começando a desaparecer.
Como bem projetada é a vida!
E, enquanto eu lia, continuei amadurecendo o que eu chamei de operação Riverside. Em outras palavras, uma forma de retirar, da base de Edwards, uma cópia em papel, do conteúdo do “DR”.
Eu sabia que, mais cedo ou mais tarde, Curtiss ordenaria a impressão dos diários. Se ele desejava lê-los, o lógico era que o fizesse com comodidade. Era impensável que se sentasse em frente a um computador por horas e horas. Esse tipo de visualização é desconfortável e perigosa. Alguém poderia meter o nariz e fazer perguntas embaraçosas.
Oficialmente, como eu mencionei, o "DR" não existia.
E eu comecei a me animar.
Eu tinha que imprimi-lo. Esse era o primeiro passo. Depois, veríamos...
Naquela noite, Joco me informou sobre o que aconteceu na capital federal.
O encontro entre o general e Kissinger tinha sido um sucesso para todos... Exceto para Curtiss.
"Raio negro" recebeu "luz verde".
O japonês não sabia mais.
Os "falcões" - imaginei - estariam esfregando as mãos.
Curtiss foi derrotado.
E eu perguntei: "O que o general fará? Pedirá afastamento?”
Curtiss era teimoso. Eu duvidei que ele desejasse continuar à frente de um projeto que rechaçava (embora seus reais motivos não fossem honestos).
Nesse caso, se o general abandonasse, o que aconteceria comigo?
Os "falcões" me desprezavam. Eu era tachado de traidor... Além disso, o que seria do meu "tesouro"?
Se Curtiss fosse retirado do projeto Swivel, provavelmente eu desapareceria. Desaparecer, ou algo pior...
Essa, por si só, era uma razão convincente para acelerar a impressão do conteúdo da "pérola" e, acima de tudo, para retirar a cópia do Fog.
A merda com as ordens!
Eu tinha que agir com rapidez e precisão.
Eu não podia permitir sequer uma única falha.
Quem sabe o que vai acontecer a partir de quarta-feira, 1 de Agosto, com o retorno de Curtiss...
E retirei-me para descansar.
Eu precisava acertar os detalhes...
Ali, nos aposentos, outra surpresa me aguardava.
Ao abrir a porta eu a vi.
Fiquei parado, com a mão na maçaneta da porta.
Como tinha entrado?
Que pergunta boba... Nunca trancava com chave.
Virou-se ao me ouvir.
Estava sentada em frente a mesa. Olhava meus papéis.
Estava linda, como sempre.
Usava uma túnica de seda, azul, até os pés. Ou era uma camisola?
Ela era linda, sim...
Olhou para mim com aqueles olhos oblíquos penetrantes e disse tudo com um olhar.
Estava muito séria, como de costume.
O cabelo preto descansava em seus ombros.
Percorri-a com o olhar e eu experimentei um intenso prazer.
Ela apontou para a cama, mas não disse nada.
Não consegui entender.
Ela percebeu, levantou-se, e seguiu olhando para mim atentamente.
Eu tentei sorrir, mas o sorriso desapareceu.
Eu podia sentir os joelhos tremendo...
E a mulher indicou a cama novamente.
A seda semitransparente permitia ver a sua nudez.
Os seios pequenos me fascinaram.
Ela manteve a mão esquerda levantada, apontando para a cama.
Foi então que eu percebi "aquilo".
Sobre a cama, em um canto, aparecia um pequeno pacote, embrulhado em papel de presente.
- É para você - finalmente falou.
- Por quê? - Gaguejei. Nós não nos conhecemos o suficiente...
- Isso, agora, não importa...
Eu hesitei.
Estou sempre hesitei com as mulheres, e com aquela, mais ainda.
- Abra-o...
Caminhei até a beirada da cama, peguei o presente, e tentei abri-lo, sem jeito.
Eu tive que sentar na cama e respirar profundamente.
No final eu consegui.
Ela permanecia de pé, olhando para mim.
Eu sei que desfrutava...
Era uma pequena caixa.
Contemplei-a, intrigado.
Era de papelão dobrado, azul como o mar.
Era lógico, procedendo de quem procedia...
E, lentamente, tirei a tampa.
Oh!
O pacote continha uma pérola negra, muito bonita, e um papel, também azul, com uma frase:
"Leve-me para longe."
Quando eu percebi, e levantei o olhar, a bela mulher tinha desaparecido.
Era a intuição que me visitava novamente...
E me entregou um interessante presente.
Seguiria o seu conselho.
Iria imprimir o conteúdo da "pérola" e o levaria para muito, muito distante...
Passei a noite agitado, com medo de tudo e de todos.
Eu estava extremamente receoso.
31 de julho
Na terça-feira, 31, na primeira hora, eu me tranquei no "vespeiro".
Walter, e outros, novamente se ocupavam da proteção.
Eu tinha que ter pressa, e ser prudente e eficaz.
Naquele mesmo final de tarde, com toda a probabilidade, a equipe de diretores e Curtiss estariam de volta à base.
Tudo tinha que ser concluído antes do por do sol.
"Antes do por do sol?
Em uma hora eu tinha concluído o "negócio”...
Os habitantes do "vespeiro" olhavam e não conseguiam acreditar.
Vantagens da Supertecnología...
Mas assim foi.
"Aqueci" as máquinas e preparei os “toner”.
Tudo estava pronto para a impressão dos diários. Melhor dizendo, tudo menos o que foi suprimido anteriormente. Mais adiante (?), se o Destino achasse oportuno e os diários fossem divulgados, restauraria as passagens censuradas.
Tudo pronto.
Às 7 horas e 2 minutos, o computador entrou em ação e a cópia ficou pronta em seis segundos (!).
Assombroso!
No começo eu interpretei como um erro.
Eu verifiquei. Eu olhei. Revisei.
Tudo OK. De primeira classe.
Sem falhas.
Ali estavam os diários, quase completos.
O cofre felicitou os "toner" e estes, por sua vez, ao computador. A mesa chorou de emoção. As de Seattle, já se sabe, se manteve em silêncio e estupidamente verticais.
A sugestão do computador funcionou.
Ao imprimir em ambos os lados, o número de páginas se reduziu pela metade. Mesmo assim, o volume era considerável: milhares de folhas.
Total de espaços, dependendo do computador: 11.627.204.
Eu acariciei o papel com emoção.
Ali estavam quase todas as minhas experiências e conversas com o Filho do Homem.
De fato: um tesouro... Que não era de minha propriedade, muito menos da USAF.
Eu organizei os maços de papéis, embrulhei-os em sacos de plástico, e comecei a amarrá-los com cuidado.
Em seguida, fui colocando-os nas caixas de madeira.
Precisei de cinco.
Perfeito.
E foi a vez dos pêssegos romanos...
Os cálculos foram exatos.
Eu coloquei nove no alto de cada saco preto e, camuflei assim, o verdadeiro conteúdo. Agora sim pareciam caixas de frutas...
Em qualquer possível verificação, os guardas pensariam se tratar de pêssegos.
E, de repente, aquela velha conhecida, a dúvida, sibilante e encurvado, ficou diante de quem isto escreve e me jogou na cara:
- Você acha que os guardas são estúpidos?
Nossa!
Novos problemas.
Como retirar os diários da área restrita?
E eu comecei a me perguntar...
Mas o sucesso, até agora, tinha se mudado de lugar.
Eu não sabia como resolver este problema.
Eu precisava de um carro, é claro, e uma desculpa que fizesse os guardas olharem para outro lugar.
Que desculpa?
Eu não tinha nenhuma...
Eu contemplei as cinco caixas e comecei a me desesperar.
Todo esse trabalho para nada...
O cofre sacudiu a cabeça com preocupação, e comentou:
- Sim, você tem um problema...
As de Seattle finalmente falaram, e compararam o "vespeiro" com um cercado ou uma arena, e uma conspiração (no sentido figurado, eu acho).
De qualquer forma, sobraram 14 pêssegos.
E eu continuei a leitura dos diários na tela do computador.
Às vezes eu olhava para as cinco caixas e sentia um arrepio. A operação Riverside estava em andamento, mas...
E eu me perguntava: qual o motivo daqueles calafrios? O crescente temor, ou os 5°C do "vespeiro"?
E em torno de 13 horas, bateram na porta.
Opa, eu esqueci... Hora de almoçar.
Pois não...
Ao abrir eu me deparei com um Walter pálido e nervoso. até a submetralhadora tremia.
A patrulha observava a uma curta distância.
Eles pareciam consternados.
- O que está acontecendo?
O cabo falou em voz baixa.
Que ridículo! Estávamos no meio do nada...
- Estão dizendo no Fog que Curtiss – retificou rapidamente -... Dizem no Fog que o general Curtiss está morto.
Levei alguns segundos para reagir.
Eu tinha ouvido perfeitamente, mas perguntei:
- O quê?
Walter assentiu mecanicamente.
A cor do rosto ia e voltava.
Também, a M3A1, virada para baixo, parecia muito preocupada. Nem brilhava...
Eu sacudi o cabo, exigindo uma explicação.
O rapaz respondeu da melhor forma possível:
- Eles dizem que voava no avião que caiu em Boston...
Eu olhei para ele, incrédulo.
- Que avião? O que quer dizer?
- Boston – repetia sem tino - Boston... Boston...
A partir daí eu não consegui tirar mais nada.
Deixei-os ali.
E comecei uma louca corrida através do deserto, em direção ao hangar vermelho.
Segundos depois eu parei.
"O que estava fazendo? Por que estava correndo?
O hangar estava a três quilômetros...
E lembrei-me: tinha deixado aberta a porta do "vespeiro"!
O meu "tesouro"!
Voltei os meus passos, e com a mesma velocidade.
A patrulha tinha se mobilizado e se dirigiam de jipe, até quem isto escreve. A julgar pela poeira, a toda velocidade.
Eles chegaram até mim e pararam.
Eu não parei.
Eu continuei a corrida e me perdi na poeira.
Imaginei os rostos dos guardas, intrigados.
E ouvi gritos.
Era Walter. Estava me chamando.
Eu ignorei.
Cheguei ao "vespeiro" e, sem pensar, eu fechei a porta.
Foi então que me dei conta.
Maldito idiota!
Ele havia deixado as chaves em cima da mesa! Eu não tinha como abrir!
Não houve tempo para mais nada.
O jipe deu marcha ré e ficou na frente do "vespeiro".
Fiquei olhando para a porta, como um perfeito inútil.
- Major! – Gritou o cabo. Vamos lá!
A voz de Walter me trouxe de volta à realidade...
"Curtiss...”
Eu pulei para dentro do carro e voamos - literalmente - para os pavilhões do Fog.
Aqueles poucos minutos foram intermináveis.
Tentei pensar rápido.
"Se o general tinha morrido, o que devia fazer?... Fugir?... Tentava retirar a cópia dos diários de dentro da base?... Como?... Eu precisava de ajuda... Sim, fugiria para o fim do mundo... Eu não tinha nada naquele deserto... Eu tinha que difundir a grande mensagem... Esse era o objetivo... Os "falcões" acabariam comigo... Eu disse: era preciso sair de Edwards...”
Notei agitação nos pavilhões.
Mau negócio...
Alguns olhavam pelas janelas.
Observei grupinhos.
Contemplavam-nos ao passar.
Senti um nó no estômago.
Novamente aquela sensação familiar...
E eu pensei de úlcera péptica.
Deus, de novo não!
Corri para o escritório do assistente do general.
Domenico ficou surpreso quando me viu.
- O que está acontecendo? Perguntou alarmado.
Eu tomei fôlego e olhei para ele, sem saber como fazer a pergunta.
E pensei comigo: “Por que Domenico parece tão tranquilo?”
- O que houve? – O assistente perguntou novamente.
- Isso é o que eu quero saber...
- Eu entendo. Você já ouviu o rumor...
Foi nesse momento, que eu descobri que era tudo devido a um dos malditos boatos que corriam, diariamente pela base.
Expliquei o que eu acabara de ouvir sobre Curtiss e ele sorriu com relutância.
- Eu sei. O telefone não para de tocar...
E o assistente me tranquilizou.
Tinha ocorrido um acidente aéreo, sim, mas o vôo procedia do Canadá.
O general Curtiss, e os diretores, voavam neste momento para Los Angeles.
Eu me deixei cair em uma cadeira, desarmado.
E lá fiquei até o final da tarde.
Eu esqueci o "vespeiro”...
Com o passar das horas, os ânimos no Fog foram se acalmando, relativamente.
A aeronave acidentada era um McDonnell Douglas DC-9-31.
Ele havia caído de manhã, no aeroporto de Logan, em Boston (Massachusetts). A névoa aparentemente, fez com que o aparelho, com 89 pessoas a bordo, colidisse com um muro existente no final da pista. O DC-9 acabou pegando fogo.
Até aquele momento dois sobreviventes foram encontrados.
Após o impacto, os destroços se precipitaram na baía de Boston.
O vôo da Delta Air Lines, procedia de Montreal (Canadá).
Domenico, paciente e eficiente, me forneceu outro conjunto de chaves para o "vespeiro".
Eu me despedi da escolta e me dirigi para alojamento dos oficiais.
O que aconteceu naquele dia devia me servir como uma lição.
Se Curtiss morresse, ou se afastasse, quem isto escreve tinha que saber o que fazer.
Eu não confiava em ninguém.
Eu vi claro: a minha saída da USAF se aproximava... Mas primeiro eu tinha que me apoderar da cópia dos diários.
E eu continuei maquinando e tramando...
"Como retirá-la de Edwards?... Eu tinha que fazer isso antes que os "falcões" tomassem conhecimento da existência do "DR”... Talvez já soubessem... Isso não era possível... A "Pérola" era um segredo entre Curtiss e eu... Eu pressenti: a quarta-feira, 1 de Agosto poderia ser a chave para aquele labirinto... quarta-feira? Era o dia seguinte ... Eu devia ficar alerta ... »
Aquela noite de terça-feira, dia 31, o bar do Joco era um fervedouro de fofocas.
Alguns acusaram Nixon pelo novo acidente aéreo.
Eles não tinham nem idéia do que diziam.
Outros afirmaram que os ataques continuariam. Curtiss - diziam - era um perigo para Nixon. Ele sabia demais.
Nisto estavam certos.
O general era uma bomba-relógio para o presidente.
Curtiss prognosticou: « “Watergate" será seu túmulo político. »
E os boatos se espalharam como uma mancha de óleo.
"Curtiss tinha os dias contados..."
A maioria desses boatos era pura fofoca, falsidade pura. Mas nem tudo... a julgar pelo que aconteceu 28 dias depois.
Naquela noite eu dormi pouco e mal.
Peguei papel e lápis e tentei esquematizar a segunda parte da operação Riverside. Assim como Einstein, eu só compreendo o que eu só posso desenhar...
Mas esta segunda fase – retirar os diários da zona restrita - resistiu.
Não encontrava a solução.
Solicitava ajuda para Domenico? Utilizaria um veículo oficial? Cortar o alambrado e fugir com a cópia?...
Eu esqueci o mais importante: Curtiss.
Acabei dormindo em cima da mesa, com lápis na mão.
01 de agosto
Às 07h00min daquela quarta-feira, 1 de agosto, 1973, eu estava novamente no "vespeiro".
O instinto advertiu.
O general chegará de um momento para outro.
Assim foi.
Eu revisei a caixa de pêssegos.
Na revista tudo parecia perfeito estado...
E esperei, atento ao monitor do primo de “Papai Noel”.
Tinha muito para verificar...
E às 8 horas chamaram na porta.
Quando abri, encontrei a escolta em posição de sentido e pálida como papel de cigarro.
Em frente ao ”bunker” deparei-me com o "Jeep Waggoner" branco e impecável do general.
Ainda roncava.
Era um potente veículo militar, com 155 cavalos e faróis sorridentes.
Eu já o tinha visto muitas vezes, mas tivemos pouco contato.
Domenico conduzia-o.
Curtiss desceu do "Wagoner" e caminhou determinado, para a porta onde eu estava.
O assistente fez uma saudação.
O cabo olhou para mim de soslaio e perguntou, com os olhos: "E agora, o que..."
Compreendi.
Era a primeira vez que um general da USAF passava em revista sua tropa de brinquedo.
Eu lhe tranquilizei com um gesto.
Não ajudou em nada. Walter continuou a tremer, assim como a submetralhadora.
O general passou diante da escolta e, como eu suspeitava, nem olhou.
Ele tinha começado a preparar um de seus charutos cubanos.
Eu saudei e Curtiss correspondeu, mas com charuto.
E entrou, rápido, no “bunker”.
Fechei e ofereci-lhe para sentar. As de Seattle sentiram-se recompensadas, finalmente.
O general foi contundente:
- O que você tem?
Fiquei em silêncio.
Eu me dirigi até a caixa número um. Tirei os pêssegos, desamarrei a corda, abri o saco plástico e extrai um maço de folhas.
Curtiss assistia perplexo.
Eu coloquei as folhas em cima da mesa e convidou-o a ler:
- A "pérola" é de primeira, General...
Curtiss ameaçou acender o charuto. Eu não deixei.
Resmungou e terminou mordiscando-o.
O computador e os "toner" me deram uma piscadela. De nada...
E a leitura dos diários o pegou.
Perguntei se queria café.
Nenhuma resposta.
Isso significava que sim.
Eu saí e pedi uma garrafa térmica ao chefe da escolta.
Aproveitei a oportunidade para trocar algumas idéias com Domenico.
O assistente não tirou minhas dúvidas.
Desconhecia as intenções do general sobre seguir ou não à frente do projeto Swivel. Ou desconhecia ou não queria se cometer...
E anunciou o que ele sabia: Kissinger tinha dado o sinal verde para "Raio negro" e a equipe de diretores trabalhava a toda velocidade para deixar tudo pronto.
Eu insisti.
- Curtiss continuará como chefe do projeto?
Domenico deu de ombros e evitou o meu olhar.
Isso não me agradou.
Domenico estava escondendo algo.
A leitura dos diários durou toda a manhã.
O assessor do general estava perplexo. Curtiss não tinha saído para fumar, nem mesmo uma vez...
Eu continuei na minha, atento à tela do computador.
Ocasionalmente observava Curtiss.
Ele estava imerso na leitura. Ele mesmo resgatava as folhas da caixa de frutas e voltava a sentar-se.
Do charuto não sobrou nada. Ele o tinha comido, literalmente.
Às 13 horas ergueu os olhos do papel. Contemplou-me como se fosse a primeira vez que ele me via, e disse:
- Bom trabalho!
Eu não sabia a que ele se referia, exatamente.
Também não perguntei.
O que me preocupava era outro assunto...
O general levantou-se, guardou as folhas, e entreteve-se em amarrar a corda. Depois, feliz da vida, foi colocando os nove pêssegos sobre o saco preto, camuflando o conteúdo da caixa.
Após a manobra, admitiu, sorrindo:
- Foi a melhor desobediência da sua vida...
- Sim, senhor... - balbuciei.
Permaneceu sério, olhando para as cinco caixas. Logo retornou para a realidade e comentou:
- Temos que tirar isso daqui... Especialmente agora.
O que ele queria dizer?
Eu me concentrei na primeira frase.
Era o que eu queria!
- Você pensou em alguma coisa? - Curtiss interveio.
Eu neguei com a cabeça.
Eu disse a verdade.
Nada...
Curtiss caminhou em silêncio ao lado dos "toner". Acariciou-os com as pontas dos dedos e acabou retornando até quem isto escreve, de frente para a mesa e as de Seattle.
Ele olhou fixamente para mim e proclamou:
- Eu acho que sei como fazer...
Ele não deu explicações. E eu, como um tolo, também não perguntei.
Olhou para o relógio:
- a que horas escurece?
Eu consultei o computador e respondi:
- Às 18 horas, 54 minutos e...
Não me permitiu terminar. Ele sorriu, satisfeito, e declarou:
- Você não tem jeito...
Ele abriu a porta e, quando estava para sair, ele ordenou:
- Aguarde o meu regresso...
- Sim, senhor, mas...
- Estarei de volta ao anoitecer.
Ele colocou um pé do lado de fora e, de repente, como se tivesse lembrado de algo importante, ele se virou e disse:
- Por falar nisso, você não acha que eu mereço umas férias?
Não soube o que dizer.
Férias? Por que aquela pergunta?
- Talvez, general...
Foi a única coisa que eu consegui falar.
O que estava se propondo?
- Lembre-se - concluiu. Não se mova...
Ele apontou as caixas de pêssegos e reconheceu, baixando o tom de voz:
- Essa "pérola" é realmente valiosa. Você estava certo. Convém avaliá-la e preservá-la como Deus manda.
- Sim, general...
Eu esperei, virado para o monitor azul do computador.
Não detectei mais nada de anormal.
Isso me tranquilizou, em parte.
O que o general estava tramando? Como pensava retirar as cinco caixas de páginas do "vespeiro" e, principalmente, da área restrita?
Era uma questão de esperar...
Às 18 horas e 57 minutos bateram na porta.
O sol tinha acabado de se pôr.
Era Walter.
Ele apontou para os pavilhões.
Na estrada de terra apontava um 4x4.
Ele tinha os faróis acesos.
A luz violeta e rasante do deserto perseguia-o, inutilmente.
Era um velho e barulhento, jeep hardtop 64, um CJ6 verde-oliva com sete janelas de Plexiglas, e com capacidade depara oito pessoas.
Ele freou, com vontade, em frente ao "vespeiro".
Eu não podia acreditar...
Curtiss aparecia ao volante!
Ele estava acompanhado por Domenico.
Que diabos ele estava tramando?
Andei intrigado, ao redor do veículo militar.
Ele era velho, mas oportuno.
Os assentos da parte de trás tinham sido removidos.
Recordei as características: carga útil 372 quilos; torque, 11,75kg; velocidade mínima sustentada (no TT), 5 km/h; peso máximo de 590Kg; freios hidráulicos, eixo de tração dianteira com transferência de duas velocidades , pedestal para metralhadora 30 milímetros...
Onde tinha conseguido aquela velharia?
O general saltou do hardtop e saudou.
Deus santo!
Ele vestia uniforme de combate (camuflado), usava boné de beisebol [72], e todas as suas medalhas (!), incluindo a DFC e a DSM [73].
Eu estive a ponto de soltar uma gargalhada, mas Domenico me fuzilou com o olhar.
A escolta imaginou o pior, e com razão.
Walter sussurrou em seu ouvido:
- Major, os russos desembarcaram?
Segui a suposta piada:
- Não, Walter... É Pearl Harbor outra vez...
A tropa estava alucinada.
E o cabo, que não estava brincando, insistiu:
- Mas major, o que vamos fazer? Temos quase sem balas...
Eu tentei tranqüilizá-lo.
Curtiss era muito teatral.
E lembrei-me aquela que montou no Massada, com os beduínos... [74]
O general se dirigiu ao cabo e ordenou:
- Venha comigo, filho!
E marcharam para o "vespeiro".
Corri atrás deles.
[72] Se bem me lembro, o boné tinha o nome da equipe Montana State Bobcats ou algo assim. (N. do m.)
[73] DFC: Distinguished Flying Cross (Cruz por Distinção em Vôo - pela Guerra da Coréia). Ela possuía uma fita azul, com uma faixa vermelha no centro, bordada em branco. A DSM (Distinguished Service Medal - Medalha por Distinção em Serviço) também obtida na Coréia. Ela apresentava fita branca, cercado por uma bandagem escarlate. Somente as usava em grandes ocasiões. (N. do m.)
[74] Ampla informação em Cavalo de Tróia 2 - Massada. (N. do a.)
O que estava se propondo?
Ao ver as caixas, com os pêssegos, o cabo ficou perplexo.
O general disse para chamar seus homens e que as carregassem até a parte de trás do hardtop.
Walter olhou para mim, confuso.
Eu assenti com a cabeça e o cabo, nervoso, esqueceu a ordem e começou a levantar a primeira das caixas. Mas a metralhadora escorregou de seu ombro e chocou-se contra o pavimento. Faltou pouco para que disparasse...
E, por um momento, imaginei: Curtiss ferido no pé... Todo cheio de sangue... Uma investigação... Alguém descobre a cópia dos diários... O general no hospital e eu na prisão...
Apaguei os negros pensamentos e foquei no que eu precisava me concentrar.
Lembrei-lhe da ordem do general e o cabo, se acalmando, foi em busca de seus homens.
Curtiss estava lívido.
Ameaçou querer fumar, mas voltei a proibi-lo.
E a escolta terminou de carregar as caixas de pêssegos romanos, transportando-as para o veículo.
"Foi uma operação militar rápida e brilhante", nas palavras do general.
E acrescentou feliz:
- Como na Coréia...
O general estava com os olhos brilhando...
Eu deduzi que ele estava falando sério.
Concluída a "operação militar" Curtiss deu mais duas ordens: a escolta deveria abrir caminho, com o jipe, até a barreira de saída do Fog, e eu acompanharia o general e seu assistente no hardtop.
Walter me olhou desorientado.
Imaginei seus pensamentos.
"De onde saíram as cinco caixas de pêssegos? Ele me forneceu dez, mas vazias. Agora haviam transportado cinco, mas cheias... “
Eu não sei se ele era crente e se pensou na multiplicação dos pães e dos peixes...
Eu não estive nesta cena.
Também não esclareci nada. Para que...
Eu pendurei a "pérola" do pescoço, fechei o "vespeiro" e combinei com o cabo para o encontro no dia seguinte, à hora e lugar de sempre.
Domenico se instalou novamente no banco do passageiro.
Eu não tive escolha.
Eu entrei na parte de trás do hardtop e me acomodei como pude, no chão do veículo.
Os 45 pêssegos me olharam, redondos.
E com as primeiras estrelas aparecendo no Mojave - ninguém queria perder uma cena como aquela - alcançamos a barreira e o controle da polícia militar.
Eu comecei a tremer.
Agora era a hora da verdade...
Os pêssegos romanos me viram suando e seguiram redondos, de puro medo.
Os guardas reconheceram o "condutor".
E ficaram em posição de sentido.
Um cabo se aproximou da janela do general, saudou militarmente, e introduziu uma potente lanterna na cabine.
Domenico piscou, incomodado, mas manteve-se impassível.
O cabo também identificou o assessor e repetiu a saudação.
Domenico respondeu rapidamente.
Ninguém perguntou, nem houve qualquer comentário.
O oficial então caminhou até o lado esquerdo do veículo e apontou a lanterna através das janelas de plástico.
Descobriram-me em um canto.
Iluminou-me por alguns segundos e saudou.
Correspondi, mais morto do que vivo...
Seguia suando, de terror.
A luz, em seguida, passeou pelas caixas de frutas e finalmente saiu.
Os pêssegos, e quem isto escreve, respiraram aliviados.
O cabo fez um sinal para o da barreira e o soldado começou a levantar a cancela.
A MP (polícia militar) voltou a ficar em posição de sentido e Curtiss acelerou bruscamente.
Eu tive que segurar as caixas.
Aquele homem não sabia dirigir. Freava ou acelerava sem controle e sem razão. O pobre hardtop ofegava.
As medalhas do general e as estrelas do Mojave tilintaram, decompostas.
Os pêssegos começaram a ficar tontos.
Meu coração também teve que se agarrar...
O único impassível era Domenico.
E eu imaginei os comentários da PM: "Este é o fim do mundo, tão anunciado pelos maias... E este é um sinal: os generais roubar pêssegos para as tropas”.
Tentei me distrair.
Tínhamos conseguido! A cópia dos diários estava em meu poder!
Agora eu tinha que planejar onde escondê-la.
Eu pensei no alojamento dos oficiais.
Negativo.
Talvez...
E lembrei-me que eu não tinha família ou amigos.
Onde, então?
Bem, isso não importava. Encontraria um lugar.
E depois?
Pensei em encaderná-la. Era o mais cômodo e mais prático.
Depois deixaria passar um tempo.
Guardaria o material em uma mala. Melhor, em duas. Não, o melhor é um baú...
E chegaria o momento decisivo: publicaria o meu "tesouro".
Faria isso no Vaticano?
"Você está louco!"
Deveria procurar um jornalista. Em Washington tem, e dos bons...
Mas, de repente, aquelas especulações foram interrompidas.
Escutei Curtiss falar, embora eu não entendesse as palavras.
A assistente respondeu, mas eu também não consegui entender.
Eles falavam em outro idioma...
Eu agucei os ouvidos e escutei:
- Ave Maria, cheia graça... Dominus tecum...
Oh!
E Domenico replicou:
- Benedita tu in muliéribus et benedíctus fructus ventris tui...
Droga, era o latim!
Depois continuaram em Inglês:
- Ave Maria... Cheia de graça... O Senhor é convosco... Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus...
Ou eu estava muito equivocado ou aquilo era um rosário.
O general iniciava as chamadas "dezenas" e Domenico completava.
Eu pensei que já tinha visto tudo, mas não.
E o voluntarioso hardtop foi engolido pela noite.
Às 19 horas e 43 minutos daquele importante 01 de agosto (1973), o veículo freou violentamente em frente ao alojamento de oficiais.
Todos nós respiramos, aliviados.
Olhei para pêssegos romanos e me perguntei: "Como eu vou fazer para subir as caixas para o meu quarto"
Desci do hardtop e esperei ordens.
"Talvez Domenico e Joco. Pudessem me ajudar...»
Eu não gostei da idéia.
Joco faria perguntas, com certeza. Poderia descobrir o artifício.
Esse não era o caminho...
"Eu as levarei para cima. Eu farei devagar, caixa por caixa.”
Também não parecia uma boa idéia.
Enquanto subia com uma das caixas, as outras quatro teriam que permanecer abandonadas. De jeito nenhum!
Curtiss continuava ao volante. O assessor e o General conversavam..., ou rezavam.
"E qual é a alternativa?"
O general finalmente saiu do veículo. Parecia feliz.
Ele tinha começado a fumar.
Avançou até quem isto escreve e, sem mais, me abraçou.
O gesto me confundiu.
Eu não entendia...
Notei as medalhas, frias. Ou era o coração de Curtiss?
Ele declarou:
- Siga com o que está fazendo, no "vespeiro". Meu assistente te manterá atualizado...
Ele apontou com o charuto para o hardtop e disse, sorrindo:
- Eu tenho muita leitura atrasada...
Ele saudou com o charuto e a fumaça desenhou uma espécie de sinal de interrogação na noite. Eu não soube ler a advertência do Destino...
Ele deu meia volta e voltou para o hardtop, mas pela porta da direita.
Domenico tinha se movido e agora estava no banco do motorista.
Eu compreenderia depois...
Tudo foi meticulosamente planejado pelo general.
Maldito bastardo!
E o carro se afastou, sem protesto.
Fiquei ali, como um estúpido, sem o meu "tesouro".
Roubei-o da USAF e Curtiss, por sua vez, roubou-o de mim.
Eu nunca aprenderei.
Eu estava tão confuso e com tanta raiva que eu precisei de tempo para voltar à realidade.
Quando eu consegui, eu estava sentado no balcão do bar de Joco.
O japonês ficava falando, mas eu não dei atenção.
"O que o general estava se propondo? Onde pretendia guardar os diários? Que intenções ele tinha?”
Aquilo cheirava a vingança...
Era lógico supor que ele não voltaria para o Fog com a cópia.
Então...
Eu tive que desistir. Os pensamentos acabaram emaranhados e resultando em um nó.
Foi então que prestei atenção nas palavras de Joco.
Ele falava sobre o assunto do momento...
A saber: o recente encontro entre Kissinger e Curtiss, em Washington D. C., realizado na segunda-feira, 30 de julho.
"Raio negro" estava em marcha. Havia começado a contagem regressiva.
Uma nova tripulação foi designada.
Eu ouvi perplexo.
- Regressarão - assegurou o japonês - localizarão o "berço" e o trarão de volta para casa...
E frisou:
- Com ou sem Eliseu.
Os "falcões", aparentemente, haviam começado a calcular os detalhes.
- E Curtiss?
Joco encolheu os ombros. Depois levou sua mão direita ao pescoço e simulou o gesto de decapitação.
- Ninguém dá um centavo para ele... É duplamente amaldiçoado. Nixon e Kissinger odeiam-no...
- Mas - interrompi - quem irá assumir o projeto [75]?
[75] O Projeto "Swivel" se dividia em outros programas. Ampla informação em Cavalo de Tróia 1 - Jerusalém. (N. do a.)
Joco não sabia, mas prometeu se informar.
Perguntei sobre a data e o lugar do "lançamento".
- Antes do Natal e, possivelmente, na Jordânia.
O japonês tirou o dele da reta:
- Isso é o que eu ouvi...
Natal? Faltavam cinco meses.
Bastardos! Ninguém tinha certeza de que Eliseu ainda está vivo...
E eu tentei penetrar novamente na mente de Curtiss.
"O que pensava fazer com a cópia? Vai lê-la? Possivelmente... E depois disso?”
Imaginei que iria acabar em um canto da sua casa ou, mais provavelmente, como combustível de lareira.
Eu pensei que eu estava ficando louco.
Como eu fui tão estúpido? Porquê eu confiei naquele beato cínico?
Jordânia!
Eu li isso no grande quadro negro na sala das "tempestade".
Mas por que esse país?
Recebi um pensamento: a guerra em Israel está chegando... A tensão é máxima.
Eu pensei em me apresentar diante do general Curtiss e exigir o que era meu.
Eu ri de mim mesmo.
Em primeiro lugar, os papéis, embora escritos por mim, não era minha propriedade.
Em segundo lugar, se eu exigisse algo assim, Curtiss ficaria tomado pela raiva e eu acabaria no deserto da Arábia (lugar favorito do chefe do projeto).
Passei parte da noite na companhia de Joco e do uísque.
Um passeio para a úlcera péptica!
O que eu devia fazer?
Eu tinha a "pérola" e as chaves do "vespeiro".
Curtiss ordenou que eu "continuasse o que estava fazendo", ou seja, a revisão dos diários.
Eu poderia imprimi-los novamente e tentar tirar esta cópia da base.
A primeira parte não era difícil. Quanto à segunda...
Riverside 2?
Como? Outra vez em caixas de pêssegos?
De jeito nenhum! Duas bombas não caem na mesma cratera...
Poderia envolver Walter...
E assim desfilaram as horas, zonzas na mente febril de quem isto escreve.
Na quinta-feira, dia 2, ao entrar no "vespeiro", outra surpresa me aguardava.
Eu nunca imaginei algo assim...
Em cima da mesa estava um envelope laranja, fechado e lacrado.
Eu hesitei.
Curtiss esqueceu enquanto a escolta carregava as caixas de pêssegos?
Mas o general não tinha nada em suas mãos, exceto o charuto.
Além disso, Curtiss não era daqueles que se esquecia das coisas...
No envelope eu li o meu nome completo, datilografado. Os acentos foram colocados corretamente.
A USAF nunca acertava estes acentos.
O lacre era familiar...
Nele aparecia uma estrela de cinco pontas, invertida.
Eu tinha recebido algo semelhante no meu quarto, no alojamento dos oficiais, logo após entrar na base de Edwards.
Em torno da misteriosa estrela, lia-se a mesma frase: "Além de fidelidade."
Que diabos era aquilo? Quem o enviava? Por que para mim?
Abri-o, intrigado.
Estava claro que alguém o depositou no “bunker” durante a noite passada, caso não tivesse sido Curtiss...
Eu voltei a rejeitar esta idéia. O general não carregava nenhum envelope laranja nas mãos. Eu o teria visto. Ou trouxe-o escondido?
Mas se não foi Curtiss, alguém tinha uma cópia das chaves do "vespeiro" ...
Eu lembrava bem.
Eu o tinha fechado.
Como era possível?
Foi Domenico?
Ele tinha acesso às chaves...
Também rejeitei a idéia.
Eu não conseguia imaginar, o contido assessor do general, entrando em uma aventura destas.
A porta principal do “vespeiro” tinha três fechaduras, tipo “go back” [76]. Quem desejasse entrar, tinha que estar na posse de três chaves. Caso contrário, não poderia abrir.
E segui me perguntando: se alguém estava entrando, descobriu a cópia dos diários, quando ele estava escondido nas caixas?
Era bem possível...
Dentro do envelope estava uma cartolina branca, idêntica à que recebi na ocasião anterior.
No canto superior esquerdo se destacava o mesmo emblema (?), composto por uma estrela de cinco pontas, em alto relevo, azul escura, e invertida. No centro havia um círculo vermelho.
Em torno da estrela, também em alto relevo, lia-se:
"Ultra Fidem".
Aquilo, obviamente, não era casual...
Alguém estava tentando me dizer algo.
Mas, insisto, por que a mim?
Eu não conseguia decifrar a charada.
Eu li, perplexo...
Eu revisei a cartolina e o envelope.
Negativo.
[76] O major não fornece detalhes sobre esses bloqueios ou fechaduras. Em Inglês, "Go Back" pode ser traduzido como “retornar” ou “desistir”. (N. do a.)
Nem uma única pista.
Eu cheguei a cheirá-los.
Eu não tinha idéia de quem era ou eram os autores da "brincadeira". Ou não era isso?
E outra coisa que me intrigou: por que este segundo envelope não foi colocado em meu quarto no alojamento dos oficiais, fora da área restrita? Penetrar no Fog era arriscado...
Se fosse um louco, obviamente, gostava de jogar.
No centro geométrico da cartolina - como no caso anterior - tinha sido datilografada uma palavra.
Eu estava sem saber.
Eu não tinha idéia...
O que queria dizer? Melhor dizendo, o que tinha a ver comigo?
Era uma expressão em hebraico.
Quem quer que tenha escrito, certamente era alguém culto.
Dizia: "Jillûl Hashêm."
Isso significa: "blasfêmia".
Eu sentei e contemplei a "mensagem".
A palavra também estava escrita de cabeça para baixo.
Isso eu entendi menos ainda.
"'Blasfêmia”? Por quê? O que o autor queria dizer? Eu não me considerava um blasfemo, e muito menos em relação ao que foi escrito sobre o Homem-Deus.
Eu estava especulando. Talvez a "brincadeira" (?) tinha outra intenção...
Lembrei-me do primeiro cartão. Ele dizia: "Marte, alerta."
"Marte, alerta" e "blasfêmia".
Não tinha nem idéia.
Eu não fui capaz de criar um único pensamento coerente.
Comecei a rebuscar na memória, sobre o que aconteceu na noite anterior:
Estava escuro quando bateram na porta.
Era 18 horas e 57 minutos.
A "brilhante operação militar" demorou 33 minutos.
Tranquei o “vespeiro”, com a fechadura tripla, às 19h31min., aproximadamente.
E partimos em direção ao controle de entrada e saída do Fog.
Consequentemente, o intruso teria que ter entrado no “bunker” depois das 19h30min.
Conclusão: alguém estava atento aos nossos movimentos.
Ele poderia ter entrado durante a noite.
Infelizmente, nenhum dos habitantes do "vespeiro" quis falar. Ou não sabiam, ou sabiam demais.
E o que era pior: este "alguém" poderia estar ciente da existência da "pérola" e, claro, da cópia dos diários.
A imaginação me arrastou para longe: este "alguém" sabia de tudo...
Foi inevitável.
E me veio à mente a lembrança dos “dark-damn”, os agentes especiais do DRS (Serviço de Investigação de Defesa), aos quais Eliseu pertencia.
Os "escuros do inferno"!
E eu me perguntei: estava exagerando?
Eliseu, em sua confissão, reconheceu que o número de "escuros" infiltrados na operação Cavalo de Tróia chegava a 52 [77].
Eu acabei me afogando em meus próprios pensamentos.
Optei por deixar de lado...
Eu iria ver.
E eu me concentrei na leitura dos diários. Havia muito para revisar.
Foi assim que eu esqueci – mais ou menos – do segundo envelope lacrado e da "perda" da cópia do meu "tesouro".
No final da tarde Domenico me chamou.
Eu fiquei curioso.
[77] Ampla informação sobre a confissão de Eliseu em Cavalo de Tróia 9 - Caná. (N. do a.)
Qual tinha sido o destino da cópia?
Mas eu não perguntei.
Limitei-me a escutar.
E o assistente foi me informando:
Curtiss tinha insinuado, de fato.
Domenico repetiu as palavras do general: muita leitura atrasada.
Eu entendi, apesar de não saber se o assistente estava ciente do verdadeiro conteúdo das caixas de pêssegos.
Como eu disse, eu não perguntei.
Ele não soube especificar quando retornaria para Edwards.
Isso eu também já sabia.
Curtiss deu ordens claras: Não me intrometer neste assunto.
Domenico insistiu:
- Obedecerás, somente, ao General... Você entendeu?
Eu assenti com a cabeça.
E o assessor acrescentou:
- Se te convidarem para participar desse trabalho - o que eu duvido – deverá rejeitá-lo...
Ele olhou fixamente para mim e repetiu:
- Você está sob ordens diretas do chefe do projeto.
Pouco faltou para perguntar sobre as diferenças entre Curtiss e Kissinger, mas a prudência cobriu minha boca.
[78] Através dos diários do major, se observa sua suspeita e desconfiança em relação a Paulo de Tarso, o discípulo que nunca conheceu o Mestre. Jasão não acreditava na santidade das pessoas. Por isso, não chamá-lo de São Paulo. (N. do a.)
Naquele momento não imaginava que o próprio Curtiss me falaria sobre o assunto...
O que eu questionei o assessor foi sobre a data de "lançamento" da segunda nave.
Domenico não estava seguro ou simulou:
- Talvez no Natal...
Isso eu também sabia, graças a Joco.
"Raio negro" estava em andamento, mas eu devia ignorá-lo.
Os nove dias seguintes transcorreram calmamente. Uma tensa calma...
Algo estava cozinhando no Fog e no Pentágono.
Algo muito sério...
Os "falcões" não me chamaram eu fiquei feliz por isso.
Eles se reuniam a toda hora.
O Fog estava fumegante, literalmente.
E começaram a circular as apostas no bar de Joco.
A tripulação de "Raio negro" - ainda desconhecida - iria pegar o traidor.
Era incrível.
Todo mundo dava como certo que Eliseu estava vivo.
Que eu soubesse, os satélites não voltaram a fornecer nenhuma informação relevante.
Domenico não me chamou no hangar vermelho até a manhã de segunda-feira dia 6 de agosto. Porem, antes aconteceu algo notável, mas este desajeitado explorador seguiu alheio à transcendência do que estava descobrindo. Felizmente, tudo está escrito. Maravilhosamente desenhados por esta inteligência não-humana que nos imagina.
Aconteceu no sábado, 4 de abril.
Por volta das 10 horas, eu detectei um novo erro nos diários de quem isto escreve.
Irritei-me.
Na verdade, a irritação tinha outras origens, já comentadas anteriormente.
De repente, relendo o texto em que este explorador estava visitando pela primeira vez (julho do ano 26) a chamada torre das "Verdes", e na companhia do fiel sais negro Tarpelay [79], reparei "naquilo"...
Eu li, intrigado.
Mais uma vez!
Originalmente, quando foi escrito no Ravid, a passagem dizia: «Decidi me aproximar da torre.
E ao chegar à porta, eu encontrei um par de inscrições esculpidas na verga superior da porta. Uma, em a'rab, dizia: "Allat me protege. Mas quem me protege de mim mesmo?”
Allat era uma deusa árabe, mais tarde identificada com Afrodite.
A segunda gravação, também na pedra, aparecia em grego: "Em boa sorte. Zeus Oboda ajuda Abdalgos que construiu esta torre com bons presságios, no ano 188, com a ajuda do mestre construtor Wailos e Eutiques.” »
Bem, o que eu tinha no monitor era o mesmo, mas diferente...
Eu li uma segunda e uma terceira vez.
Eu não tive dúvida.
Era outro erro...
"Aquilo" não era o que eu recordava, e o que eu tinha escrito com a ajuda de “Papai Noel”.
O texto que aparecia diante de mim, dizia assim:
"... Zeus Oboda ajuda Abdalgos que construiu esta torre em uma centena de crepúsculos, no ano 025, com a ajuda do mestre construtor Wailos, Eutiques e Turing”.
Fiquei perplexo.
Como eu podia ser tão idiota?
"'Cem crepúsculos"?
Não me lembro de ter escrito nada parecido...
"Ano 025”?
Francamente, eu não compreendi o erro, muito menos a forma de expressar a data.
Eu explico.
Eu nunca teria escrito "025", mas "25".
[79] Ampla informação em Cavalo de Tróia 9 - Caná. (N. do a.)
Além disso, em relação ao que eu escrevi no alto do "porta-aviões", eu me referi ao ano 188 (A. C.). Minha visita à torre, como eu disse, foi em julho do ano 26, e verifiquei que a construção era antiga. Era impossível que datasse do ano anterior.
E o Turing finalmente me desnorteou.
Eu estava bêbado quando descrevi?
Claro que não.
Então...
Como é que tinha aparecido o nome daquele gênio da computação [80] em uma legenda, em pedra, existente há mais de 2000 anos?
Por mais voltas que eu desse, eu não conseguia esclarecer.
Era um absurdo!
Eu admirava o trabalho de Turing, e Eliseu muito mais, mas isso não justificava a sua presença nos diários.
Era a terceira anomalia...
Não soube o que pensar.
Pobre idiota!
Quando vou aprender que Deus se diverte quando imagina...
Tomei nota.
Provavelmente, como já disse, eu estava ficando velho.
Outra estupidez!
Velhos são os trapos... Eu sou um idoso.
O resto do fim de semana transcorreu sem grandes sobressaltos.
Dei de beber para Josué. Bebi pensamentos. Eu bebi no bar Joco e desejava beber mais uma vez, na companhia do Filho do Homem e da ruiva...
[80] Alan M. Turing foi um dos gênios da informática e inteligência artificial. Hoje ele é considerado um precursor da computação. Em uma de suas viagens para os EUA participou do desenvolvimento de computadores com memória de titânio. Durante a Segunda Guerra Mundial desempenhou um papel destacado na hora de decifrar as codificações dos alemães. Uma de suas realizações foi a chamada "máquina de Turing". Em suma: demonstrou a possibilidade do impossível. Eliseu o adorava. Turing morreu em 1954. (N. do m.)
Os rumores continuavam: "Raio negro" estava pronto... A iminente guerra entre árabes e judeus o mantinha na "cidade subterrânea”... Tinham sido designados quatro tripulantes, mas os nomes eram meras conjecturas. Eu não estava nessa lista...
A impaciência me consumia.
Eu não sabia de Curtiss, muito menos, dos diários.
Tudo indicava que o general continuava a lê-los. Mas eu não podia confiar...
Quanto à operação Riverside 2, francamente, eu não avancei nada.
Eu estava travado.
Está claro que eu tenho muito a aprender... O Destino não trabalha nos parâmetros humanos.
Na segunda-feira, 6 de agosto, fui chamado novamente pelo assistente do general.
Eu voei até o hangar vermelho.
Curtiss convidava-nos para o próximo fim de semana em sua casa de campo em Pablo Bay, a noroeste do Mojave.
E quando eu digo "nós", eu quero dizer, Domenico e eu.
- Você não pode rejeitar algo assim - tentou convencer-me o meu colega major.
Não precisava disso.
Aceitei encantado.
Voltando ao frio “vespeiro”, eu pensei: “Qual o motivo deste convite? Curtiss tinha ciúmes de sua privacidade. Nenhum de seus subordinados, que eu soubesse, foi convidado para a casa em Pablo Bay”.
Alguma coisa estava acontecendo.
E eu me preparei.
O instinto tocou meu ombro...
"Um fim de semana dá para muita coisa – disse-me. Fique atento."
Ele começou a dança das suposições: «Curtiss iria me devolver a cópia dos diários? Desejava algum esclarecimento? Gostaria de perguntar sobre "Raio negro". Por que este explorador não participava desta nova operação? Ninguém conhecia o "terreno" melhor do que eu... »
E eu me surpreendi: "Que absurdos eu estava pensando? Eliseu possivelmente estava morto... O que importava "Raio negro"?
E a realidade se impôs.
Eu desejava ser educado, e corresponder à gentileza de Curtiss, na medida de minhas possibilidades.
O que eu poderia levar-lhe?
Eu sabia pouco sobre os gostos do general.
Perguntei para Joco.
O japonês, sabendo da furiosa antipatia de Curtiss em relação aos comunistas, sugeriu que eu lhe presenteasse com uma caixa de charutos cubanos.
Ele riu, divertindo-se.
Eu o mandei passear, mas, pouco a pouco, a idéia me pareceu acertada.
O general era um fumante compulsivo, mas apenas de charutos.
Eu pesquisei na base e os contrabandistas de plantão aconselharam e forneceram o melhor dos melhores: uma caixa de charutos "Upmann" vinda diretamente de Cuba. Eles eram os favoritos de Fidel (?).
"A casca maduro – dizia no pacote - acentua o sabor e o aroma."
Os "Upmann" - afirmavam - eram próprios de homens e mulheres corajosos. Eles são doces e picantes, ao mesmo tempo.
E eu pensei: "Fidel Castro é doce e picante ao mesmo tempo?"
Eu não sei...
E o mais importante: "Como é que reagiria o general? Será que me jogaria o presente na cara? Quem sabe... »
E eu me preparei para esta oportunidade única.
Jamais a esqueceria...
10 de agosto
Na sexta-feira, 10 de agosto (1973), na primeira hora na manhã, Domenico me pegou no alojamento de oficiais de Edwards.
Apresentou-se ao volante de um pequeno Jeep “Renegade II", de 1971.
Eu sou fascinado por carros.
O "Renegade" era conversível, com um notável estrabismo farol esquerdo e uma adaptação bem acabada (motorização 4.0 de 6 cilindros e 185 hp). Em outras palavras: a inveja da base.
Os assentos eram de cair para trás. O assistente tinha forrado-os com pele de zebra.
Nós nos revezamos durante a viagem.
Pablo Bay fica a 500 quilômetros da base.
Eu não sei se já mencionei, embora, francamente, eu acho que isso é irrelevante nesse relato: Domenico era homossexual.
No caminho falamos de tudo um pouco.
Seu último parceiro tinha acabado de abandoná-lo - depois de dez anos de relação - por um sargento pára-quedista designado em Fort Campbell (Kentucky).
Estava desesperado.
Pensava em suicídio.
Eu não recomendei. Falava por experiência...
A vida é uma oportunidade única.
Ele confessou que Curtiss e a fé o mantiveram à tona. O general estava ciente de sua situação.
Comecei a entender aquele lance do rosário quando "fugimos" do Fog com as caixas de pêssegos...
Em suma: estava perdido. Ele não acreditava na vida.
Ele não sabia por que havia nascido com aquela "tara" e por que Deus o castigava tão cruelmente.
Eu não disse nada.
Eu não posso passar a minha vida apagando incêndios e tentando provar que Deus não é responsável pela chuva.
Está aí outra razão para tornar público, os diários de quem isto escreve...
Nos últimos 200 quilômetros eu cuidei da condução.
De repente, perto de nosso destino, com a ilha de Angel à vista, em um dos rápidos olhares no espelho retrovisor, vi-a sentada no banco de trás.
Nossa!
Olhava-me séria, como de costume.
Era a bela intuição...
Desta vez não havia pacote de presente, mas me transmitiu uma mensagem curta: "Alerta"
Eu não compreendi.
Alerta? Por quê? Por Domenico? Por Curtiss?
Eu dei de ombros.
"Que seja o que Deus quiser..."
Ao olhar novamente, não estava mais.
E às 15 horas, como previsto, atravessamos o portão de ferro que servia de entrada para a propriedade de Curtiss.
Um cão amarelo de raça indefinida, saiu ao nosso encontro, furioso pelo estrabismo do "Renegade".
Seu nome era Henry.
Meu Deus!
A de Curtiss era uma casa cor de neve, construída no início do século, e no conforto de uns poucos milhares de metros quadrados.
Os ventos do diabo a maquiavam de areia, mas Curtiss, inacessível ao desânimo, pintava-a pessoalmente a cada ano. Só no primeiro andar.
A propriedade e a casa foram herdadas de seu pai, que, por sua vez, também recebeu de seu, um garimpeiro de ouro que, segundo as más línguas do condado, chegou em 1852, durante a corrida do ouro, com uma mão na frente e outra atrás.
O avô de Curtiss veio de Montana. Ele trabalhava lá como parteiro. Chegando na Califórnia – como escreve Perez Rosales - acabou se tornando uma "sortudo mineiro de bateia". Ele ganhou muito dinheiro nos rios da Nova Helvetia e acabou comprando a fazenda. Ele chamou-a de Gold Rush ("corrida do ouro").
O general a tinha melhorado, acrescentando um segundo andar que a tornava verdadeiramente nobre.
A madeira escolhida por Estrela, a esposa, veio das florestas de Alberta, no Canadá. Era Cipreste americano. No verão se tornava amarelo, para combinar com a paisagem.
A "Gold" desfrutava de uma varanda que a cercava completamente. Era um dos moradores mais rabugento da casa.
A curta distância, ao sul da mansão, cochilava uma piscina, sempre azul e pacífica, e onde aparecia um par de balanços de correntes enferrujadas e assentos de borracha (provavelmente retirados na base).
Mais distante, ao norte, havia um barracão, que dava asilo político aos trastes velhos do lugar.
E por todos os lugares, exaustivas, as moscas do pacifico, negras e dolorosas como um beliscão.
Curtiss chamava-as de: as soviéticas...
Finalmente, a oeste da propriedade, verdejava uma mancha de “arbequinas”: exuberantes e centenárias oliveiras, originárias da Palestina, famosas por uma fruta pequena, apertada, e capaz de fornecer um azeite que capturava o arco-íris o tempo todo.
Eu conhecia bem a espécies. Era a Olea europea, com folhas peludas estelares, que proporcionavam ao bosque uma impressão felpuda.
Ao vê-lo, eu estremeci. Não sei o porquê.
Aquele grupo de oliveiras guardava um emocionante segredo...
Emocionante, especialmente para quem isto escreve.
Seria o general quem me faria saber, pouco antes de nossa partida da "Gold", na manhã de domingo.
Curtiss nos recebeu na varanda.
O Henry latia furiosamente.
Domenico hesitou.
Saía ou não saía do "Renegade"?
E Curtiss deu uma bronca em Henry:
- Filho de uma judia...! Vá com Nixon!
E o vira-lata amarelo, acovardado, fugiu correndo para as oliveiras.
Não era bom ladrar para Curtiss...!
O general, descalço, estava vestindo uma bermuda xadrez, branca e laranja.
Completava a desconcertante vestimenta de verão, uma camisa guayabera marfim, longa e bem engomada, com um dos bolsos cheio de charutos. Os charutos mostravam as cabeças timidamente. Eles pareciam resignados à sua sorte.
Curtiss se protegia do sol com um boné vermelho onde se lia um apelido: "Bob". Mais tarde, soube que este era o seu time favorito de beisebol: os Montana. State Bobcats
Estrela, a “generala”, aparecia atrás.
Enxugava as mãos em um avental azul de grandes e felicíssimas margaridas brancas e amarelas. Isso me pareceu: felicíssimas...
Estrela tinha sido atraente. Ainda era.
Entre as rugas faciais, haviam uns olhos celestes constantemente tristes e resignados.
Por que as “generalas” que conheço carregam a tristeza pendurada no olhar?
Os cabelos eram brancos e corajosos, até os ombros.
Curtiss e Estrela viviam sozinhos.
Os filhos voaram há muito tempo...
Acomodamos-nos.
No andar de cima se alinhavam os quartos.
O meu era espartano.
Descrevê-lo-ei, seguindo o costume de referenciar-me pela porta.
O único luxo era a visão que observava, de uma janela situada à direita. Alguém com experiência e bom gosto, tinha pintado, à distância, a baía de Paulo. E o fez em um azul escuro, tentando imitar o mar, mas praticamente não conseguiu...
A imagem, no entanto, era de uma revista.
Na parede esquerda, estavam pendurados, seis rosários e um crucifixo de madeira.
Eles eram de pérola, vidro, prata, de sementes...
Eu procurei não esquecer: Eu estava na casa do general Curtiss, um fanático da religião católica.
Ao fundo, me mirava uma cama e uma mesa de cabeceira, claramente à direita (pela posição). Alguém teve piedade e deu-lhes uma lâmpada, com uma tela fabricada de papel manteiga. Na tulipa foram desenhadas numerosas claves de sol e uma enigmática equação: "5 + 5 = 1".
Contei as claves sol: dez.
Eu sei disso. Eu não tenho jeito...
E nesses momentos, enquanto contemplava as claves e os números, veio à minha mente a imagem, linda, de Iris.
Não sei por quê...
A lâmpada, na verdade, era uma excelente companhia.
E sobre a cama, ocupando quase toda a parede, um exemplar de um belo quadro: Francisco consolado por um anjo, de Murillo. Um óleo de 1,72 por 1,83 metros.
Inspecionei-o, curioso.
O anjo alado tocava um violino. E o fazia com a mão direita.
Eu nunca imaginei que os anjos eram destros.
Que decepção!
Minha admiração pelos canhotos não tem limite...
Mas o mais singular da imagem, aparecia nas cordas deste violino. Eram cinco! Do pouco que sei sobre música, os violinos possuem quatro cordas [81].
Voltei a contá-las: cinco...!
Pensei em um erro de Murillo...
Na parede da direita, próximo à janela que pintava paisagens, encontrei, de pé, um humilde reclinatório (banquinho onde as pessoas se ajoelham para rezar). Ele devia ser franciscano, a julgar pelo assento de palha.
Na parede, em frente ao banco, eu encontrei outra pintura, têmpera sobre madeira, representando João Batista no deserto. Era cópia de um Veneziano. Eu já tinha visto o original na National Gallery, em Washington D. C.
Yehohanan foi pintado nu, com um laço de Santidade na cabeça, cabelo curto e castanho, e sem rastro da criptorquidia bilateral [82] da qual padecia. O rosto também não apresentava a borboleta que eu tinha contemplado.
[81] O violino tem quatro cordas afinadas entre 3 tons e um semi tom (Sol2, Ré3, Lá3 e Mi4). A nota mais aguda, que é capaz de produzir, é o Dó7. Vai desde o Sol2 até o Sol6. (N. do m.)
[82] O major conta, em Cavalo de Tróia 8 - Jordão: "Não havia dúvida. Pude contemplá-lo durante um longo tempo e por diferentes ângulos. Yehohanan padecia uma criptorquidia bilateral; quer dizer, a ausência de ambos os testículo. O mais provável é que tivessem ficado detidos no ventre, ou no conduto inguinal, durante o período fetal, ou na infância, na obrigatória emigração para o escroto ou as bolsas, as quais mantêm uma temperatura ligeiramente inferior a do corpo, favorecendo assim a maturação. Esta ectopia testicular, ou situação anômala, podia provocar uma degeneração de ditos órgãos e convertê-lo em um homem estéril. Se a atrofia, como suspeitava, era permanente, além da referida esterilidade, Yehohanan se achava sujeito igualmente a algum tipo de impotência..." (N. do a.)
Eu sorri para mim mesmo. Nada é o que parece...
Isso era tudo.
Deixei minhas coisas sobre a cama e continuei bisbilhotando.
Eu o deixei de lado.
Na citada parede da direita, tentando aparecer inutilmente na baía, vivia um armário chinês, com dobradiças, grande e negro. Estrela tinha abandonado, em seu interior, um indefeso conjunto de toalhas azuis.
Que imprudência! O guarda-roupa de jacarandá poderia devorá-las...
Tentei ligar o ventilador de madeira que flutuava no teto. Impossível. Ele sofria algum tipo de paralisia.
Em cima da mesa de cabeceira tinha sido depositado - não sei se intencionalmente - Um missal romano diário (livro litúrgico para celebração da missa), em latim e Inglês, com um completo livro de hinos religiosos e um seleto livro de orações devotas. Foi produzido em 1952, em Montana.
Ao lado aparecia um "missalito" (variação do Missal Romano), dedicado aos "jovens de ambos os sexos" (!), Com uma coleção de recomendações, orações, fórmulas de pureza e um conjunto de regulamentos para a vida cristã (do dia a dia). As 798 páginas foram ilustradas, em tinta, com umas imagens ingênuas e retrógradas.
Junto aos missais - algo desconfortável, verdade seja dita – me olhava, um exemplar de “O amor, as mulheres e a morte”, de Schopenhauer.
Eu não pude resistir.
Folheei o "missal".
Aquela era a mais pura ortodoxia católica...
Abri-o ao acaso (?).
Página 142.
Nossa!
E eu li: "Os modelos de juventude."
Entre as páginas 142 e 145, junto aos retratos de oito homens e mulheres, "modelos" de juventude, li coisas como as seguintes: "Domingo Sávio: preferia morrer a pecar... Maria Goretti: O pecado não, não e não... Teresa: Eu quero ser santa... Estanislau: Eu sou devoto de Maria... Tarcisio: Não me afastarão de Jesus... Luis Gonzaga: Eu estou feliz para o céu... Agnes, virgem: Jesus, defender a minha pureza... Bernadette: Como você é linda, Maria "[83]
Deus do céu! A que extremos as religiões chegam!
"Aquilo" estava a anos luz de distância do que desejava e pretendia o Filho do Homem...
Irritado, refugiei-me em Schopenhauer.
Não podia ser pior...
E eu me perguntei: "O que fazia um livro de um pensador alemão, em uma casa tão católica, tão apostólica, e tão romana...?
Em minha opinião, Schopenhauer é um dos fundadores do pessimismo moderno. Os cristãos, por definição, deveriam ser otimistas... Na verdade, qualquer um que conheça a verdadeira mensagem do Homem-Deus.
[83] Os textos que acompanhavam esses "modelos" católicos eram surrealistas (para usar um termo caridoso). Lembro-me de alguns:
«Maria de Goretti: Que simpática esta menina de doze anos! Desde pequena fazia suas orações, assistia alegre o Catecismo e a santa missa Ela andava muito modesta pelas ruas, e todos diziam que parecia um anjo. Em certa ocasião tentaram obrigá-la a cometer um pecado impuro, e ela disse que não e não... Digam todos com ela: "O pecado não, não e não". »
«Tarcisio: Houve um tempo em que os bons cristãos eram perseguidos e jogados em prisões escuras, às vezes os jogavam às feras ou eram mortos com horríveis torturas. Antes de morrer queriam receber a Sagrada Comunhão... Um dia Tarcisio estava levando a Eucaristia para a prisão, e dizia: "Não, não me afastarão de Jesus." Ele morreu antes de entregar as hóstias sagradas. Digam com ele: "Não me afastarão de Jesus." »
«Inês, virgem: É a Padroeira da modéstia cristã. Você sabe por quê? Porque ela sempre era muito modesta, se afastava de coisas e lugares ruins e tinha muito cuidado, especialmente em se vestir como Deus desejava. Assim faz a boa menina. Um dia, levaram-na para um lugar ruim; ela não queria ir, e um anjo a defendeu... Digam com ela: "Jesus, defenda a minha pureza." »
«Domingos Sávio: Ele era um menino de casa pobre que amavam muito os seus pais. Ele ia muito à igreja e com a idade de cinco anos já ajudava na santa Missa. Afastava-se de más companhias e todos o respeitavam e desejavam a sua companhia, por ser tão bom. Ele era inteligente e aprendia bem as lições. Chamava-se Sávio, e sabia ser sábio e santo... Digam todos com ele: "É melhor morrer do que pecar." »
«Bernadete: Era muito pobre e mal vestida. Ela não sabia ler nem escrever, mas sabia como orar e amar muito a Deus e à Virgem. Um dia estava recolhendo lenha para preparar a comida, e de repente a Santíssima Virgem lhe apareceu cheia de resplendor. Várias vezes a Virgem apareceu para ela, e lhe dizia para rezar o Terço e que ela devia fazer penitência. Ela apareceu pelo menos umas 18 vezes. Um dia vamos vê-la no céu. Digam com a santa: "Como você é linda, ó Maria!" »
«Luis Gonzaga: Era filho de uma casa muito nobre e rica, e tinha todos os confortos e riquezas. Mas Luis não estimava estas coisas. Ele era o irmão mais velho. Quando ele tinha apenas oito anos de idade, prometeu a Deus sempre fugir coisas impuras. E ele cumpriu... Quando estava para morrer, alguns estavam chorando, mas ele dizia: "Não chorem, porque eu vou para o céu". Se você for bom, quando morrer, você também pode dizer: "Eu vou feliz para o céu." » (N. do a.)
Eu também folheei.
Alguém tinha assinalado alguns parágrafos a lápis.
Curtiss? Talvez a sua esposa?
E eu acabei parando - não sei por quê - nas últimas linhas da página 64. Dizia textualmente: "Amar é essencialmente sofrer, e como viver é amar, a vida é essencialmente dor. A vida não é mais que uma luta pela existência. A dor sempre a acompanhará, até o fim dos tempos.”
Olhei para Pablo Bay.
Eu não estava de acordo com Schopenhauer.
O Mestre não dizia isso.
A vida é um presente. A dor é apenas parte do jogo, como a maldade. A vida não é só uma luta pela existência. A vida - segundo Ele - é uma oportunidade para experimentar. Para aqueles que amam, a alegria é superior a qualquer possível sofrimento. Schopenhauer, obviamente, não ouviu falar de um amor violeta... É mais feliz aquele que ama, do que aquele que é amado. Em relação à questão da dor acompanhar a humanidade até o fim dos tempos... está para ser visto. O Mestre proclamou: "Virá um dia em que o mundo será ancorado na luz..."
Eu descansei até as 18 horas.
As surpresas estavam chegando na "Gold", mas eu não sabia...
O salão me recebeu em silêncio.
Não havia ninguém, exceto as coisas.
Os ventiladores marcavam o ritmo da vida. Aqueles estavam girando. Eles eram de pás velhas e brilhantes. Eles também já tinham navegado bastante...
Decidi esperar.
E dediquei-me à minha fraqueza: fuçar e tomar referências.
Mas, porquê era necessário na casa de campo do general Curtiss? Ficaríamos ali, quanto muito, por dois dias...
E eu pensei, "Nunca se sabe..."
Vou tomar como referência principal, a porta de entrada (a frase soa familiar).
O salão da "Gold" era espaçoso, iluminado, e delicadamente arrumado.
Percebia-se a mão feminina em cada detalhe e em cada canto.
Ali, como eu disse, escondidas entre a mobília, espreitavam muitas e interessantes surpresas.
Caminhei lentamente até o fundo.
Naquele lugar, o salão se comunicava com a cozinha e o fazia sem porta. Que milagre! O ar era o mais feliz. Entrava e saía sem bater.
No canto esquerdo, a esposa havia organizado o escritório de Curtiss. Nada sério. Uma livraria dupla, em ângulo, subia até o teto. Em frente resmungava uma mesa de fresno e de carvalho. E resmungava com razão: carregava centenas de papéis e pastas. A única frivolidade, permitida por Estrela, era uma cadeira giratória. Como imaginar Curtiss sem isto?
E meti o nariz nas prateleiras.
Calculei 395 livros.
Davam a impressão de serem criaturas amadas e queridas...
Fiquei surpreso com o pequeno grande tesouro.
Eu não sabia que o general era um homem culto.
Eu me equivoco novamente. A cultura não consiste em ler, mas em tolerar.
Isto eu também aprendi com o Filho do Homem.
Alguns títulos me intrigaram [84]. Em particular, dois deles: “O Zohar”, que remonta ao século XIII, mas é atribuído a Simeon Bar Yojai, que viveu no século 1, e “O Livro da Iluminação”, também conhecido como Sefer ha-Bahir. Ambos são textos essenciais no mundo da Cabala.
Folheei-os.
Curtiss tinha sublinhado-os fartamente, com muitas anotações e comentários nas margens.
E a imagem do general adquiriu, de repente, uma dimensão desconhecida.
Em uma das prateleiras descansava um venerável toca-discos.
Fazia muito que não cruzava com um daqueles abençoados aparelhos, tão característicos de minha juventude...
[84] Eu me lembro de obras como: Introdução Crítica ao Antigo Testamento; Grandes Pecadores, de Marchi; o Catecismo; História do Papado, de Arienti; Teologia do Antigo Testamento, de Gerhard von Rad; Figuras da Paixão, de Miró; A Religião Antiga, de Karl Kerényi; não sei quantas obras sobre a Vida de Jesus e sobre Maria; Concílio Vaticano II: decretos e declarações; Comentário Bíblico de Jerome (vários volumes), O Magistério da Igreja, de Denzinger, e inúmeras histórias dos judeus. (N. do m.)
Eu li: "Pioneer (modelo PLC 590)." Possuía um display para a medição de decibéis e revoluções por minuto (33 e 45). Eixo: 10 milímetros e cápsula (agulha), Z-1-S. A caixa era de mogno.
Ao seu lado cochilavam discos de vinil de 45 rpm.
Acariciei-os com as pontas dos dedos.
Também eram criaturas adoradas, como livros...
Eu desfrutei.
Eu admirava Barbra Streisand. Não importavam seus devaneios políticos... People!... Stoney end!... A Orquestra de Cleveland... Charles Aznavour... Veneza sem você!... Nino Rota... A trilha de O Poderoso Chefão!... A guerra dos mundos, de Jeff Wayne...
Quantas recordações!
The Beatles... Help... Beethoven e a maioria das sinfonias... A abertura de Egmont, a minha favorita! ... Os grandes compositores do Romantismo: Schumann, o prodigioso Chopin, Liszt, Rossini, von Weber, Os Huguenotes por Meyerbeer, Berlioz, Orfeo e Ariadne de Monteverdi...
E, claro, Maria Callas, a divina, e James Last e seu inesquecível Happy Heart, de 1969...
Finalmente, uma surpresa. Outra: O melhor do tango, com arranjos e letras de Mercedes Simone, José Basso, Hector Varela e mais alguns.
Eu não me lembro do resto.
Desde quando o general gostava de tango? Ou era a generala?
E a jóia das jóias: a Ave Maria, de Franz Schubert.
Na prateleira, rente à referida parede da esquerda tinham deixado uma lacuna de 0,70 por 0,40 metros. Ali foi pendurada uma cópia da original e sugestiva Anunciação, de Rossetti. Era a famosa Ecce Ancilla Domini, executada a óleo, em 1850.
Fiquei fascinado.
Uma Maria ruiva e assustada se recosta na cama, diante da presença de Gabriel, o anjo que anuncia a boa notícia. Gabriel flutuava sobre chamas.
A ruiva lembrou-me Ruth...
Agora eu sei que foi uma piscada do Destino.
Sobre a mesa murmuradora, como eu disse, empilhavam-se papéis e pastas.
O instinto tocou novamente no ombro.
E lembrei-me da bela intuição, sentada no banco de trás do "Renegade".
"Alerta!"
Aqueles papéis...
Eu resisti à tentação. Continuava só no salão, mas não devia...
Uma das pinhas de documentos pareceu-me familiar.
Eu continuei a inspeção.
Sobre a boca, negríssima, de uma lareira, aparecia outro quadro. Era La Piedad de Botticelli.
Esplêndido.
Fiquei emocionado.
Mas, de repente, eu me surpreendi a mim mesmo.
Regressei sobre os meus passos e voltei novamente, para a torre de papéis...
A curiosidade estava me puxando pelo nariz.
Não devo...
Sim, eu devo...
Não devo...
Eu não fiz. Não bisbilhotei.
E voltei para La Piedad. Era outra cópia (tempera na madeira), com cerca de um metro e meio de altura por dois de largura.
"Você deveria ter olhado os papéis", me repreendi.
Uma senhora com os olhos fechados, envelhecida e de luto, segurava sobre as pernas, o filho morto. O discípulo João estava ajudando-a a segurar o corpo. Outros homens e mulheres completavam a cena. Uma dessas mulheres me impressionou muito. Abraçava a cabeça do Mestre e chorava. Uma das lágrimas brilhava de pura dor. Outro estava prestes a correr pela bochecha esquerda, até o canto dos lábios. Ela também era uma ruiva.
Jesus de Nazaré estava completamente raspado.
À direita, ao fundo via-se um Pedro, também com o anel de santidade na cabeça, e uma enorme chave na mão esquerda. Bendizia o Mestre. (!)
A chave do reino, segundo a igreja...
Os mantos de as duas mulheres, ajoelhadas ao lado do Filho do Homem, eram ar e sentimento.
Botticelli sabia e não sabia...
No canto da mesma parede eu encontrei uma família de sofás, vermelhos de solidão, gastos e sem graça. Eles haviam adotado uma mesa baixa e policromada, com todas as pintas de ser uma intrusa. A mesa acompanhava-os, nada mais. Nela, a proprietária tinha distribuído uma dúzia de fotografias, todas em preto e branco.
Examinei-as. Eram fotos de família e de Curtiss, na Guerra da Coréia.
Uma das mais destacadas mostrava Estrela e o general com Montini, o Papa recém-nomeado (1963). Parecia uma audiência no Vaticano. A mulher era a única olhando para a câmera. Curtiss e Paulo VI olhavam para cantos diferentes.
E nessa mesma parede, sobre um dos sofás, estava pendurado, e sempre torcido, um terceiro quadro: A Transfiguração no Tabor, de Bellini. Copia em óleo sobre madeira.
Nessa cena eu também não estava...
Do outro lado do salão, na parede da direita, as coisas eram diferentes. Era outro mundo...
No canto, perto da porta da frente eu encontrei o habitante mais enigmático da fazenda: um aquário quadrado de um metro de largura, cheio de água e sem peixes. Uma luz, vinda de longe, dava-lhe um toque interessante e tentava, em vão, pintar as bolhas de azul. As bolhas, como só elas, não faziam outra coisa a não ser subir e escapar...
Um pouco mais adiante, no meio da sala, contemplava-me uma mesa de madeira torneada, antiqüíssima, e dez cadeiras com pernas helicoidais, cada uma mais presunçosa e insuportável. Diziam proceder do final do século XVII, mas não dava para confiar. Eram piores do que as de Seattle...
Deste lado, duas grandes janelas transportavam a luz, diretamente a partir do norte.
Mas ninguém na sala, estava ciente do vasto e contínuo esforço que isto envolvia...
Sob a segunda janela, austero e na ponta dos pés, se via trabalhar, sem descanso, uma cristaleira, também de fresno e carvalho. Esta sim era fabricada no século XVII e a golpes de formão e goiva, como deve nascer uma cristaleira que se preze.
Ele era negro, de nascimento e com as fraquezas próprias da idade. Ou seja: uma das gavetas ficava presa e tinha que soqueá-la para abrir.
Curtiss a mimava, mas por interesse.
No alto crepitava um coro de garrafas, com os licores mais extravagantes, vindos de lugares que, provavelmente não existem. Assim era o general...
Eu li, achando graça: "Licor da Galiléia", "rum com sabor de noz", "vodu gin", "bourbon sem milho e sem centeio”, “aguardente com mel", "Saque Comanche", "aguardente Malayo", "Cardeal Mendoza "e" Luis Felipe ", entre outros.
O resto da sala era somente o trivial: os ventiladores apressados, no teto de madeira, quatro lâmpadas de pára-quedas e cinzeiros coloridos nas posições e nos lugares mais improváveis.
Não tive tempo para mais nada.
De repente, vindo da cozinha, a dona da casa, a generala, invadiu a sala.
Estava segurando, na mão esquerda, uma bandeja de madeira onde estavam duas cervejas “Bud', muito loiras e desejáveis, e uma garrafa do uísque favorito de Curtiss: “Jack Daniel’s”, o licor sagrado do Tennessee.
- O general está esperando na varanda – anunciou Estrela. Deseja que te sirva algo?
Apontei para uma “'Budweiser” e a segui.
Curtiss, de fato, estava na varanda.
Ele se balançava suavemente em uma cadeira de balanço, de carvalho vermelho.
Fumava e contemplava Domenico. O assistente tinha optado por um mergulho na piscina.
De acordo com o general, aquela cadeira tinha acalmado os ânimos de seu avô e também de seu pai.
Ele mentia, é claro.
Sentei-me ao lado dele e observei-o.
Fabricava anéis de fumaça branca e dava-lhes a liberdade. Os anéis fugiam naturalmente.
Curtiss estava distraído.
Eu não sei se chegou a me ver.
E esperei, desfrutando da cor laranja do pôr do sol, e de minhas atentas observações.
Diante de nós estava uma atormentada mesa de carvalho vermelho, que combinava com a cadeira de balanço. Formavam dois blocos da mesma árvore.
Eu já tinha visto algo semelhante em uma pousada em Northamptonshire.
O suporte de mesa era composto da maior parte das raízes que saem de um pequeno trecho do tronco retorcido.
A mesa correspondia a uma secção transversal do referido tronco.
Era uma árvore centenária. Os anéis contavam em torno de 250 anos.
A região inferior da mesa estava forrada com dezenas de pregos de prata. Isso sim era próprio do avô de Curtiss...
E lembrei-me da caixa de charutos.
Droga! Esqueci-a no quarto.
Eu a entregaria naquela noite, durante o jantar.
Ao redor da mesa, Estrela tinha disposto meia dúzia de cadeiras “Windsor”, muito confortáveis. Os assentos eram de olmo, pernas de bétula, e os arcos dos braços e das costas de teixo sagrado. Narrava a lenda, que aquele que sentasse sobre o teixo, podia voar...
E por falar em voar...
Ali mesmo, no canto da varanda, voavam dois albatrozes patas negras, de madeira policromada.
Alguém os havia pendurado no teto.
A brisa do Pacífico não tardaria a jogar com eles, simulando que o ressuscitava. As asas, articuladas, tinham uma envergadura de um metro. Curtiss, em um extremo de ortodoxia, pintou os bicos de vermelhos. Só ele mesmo...
Estrela regressou.
Ela limpou a mesa, me ofereceu cerveja, retirou o cinzeiro com charutos mortos, e me olhou atentamente.
Queria me dizer algo, mas eu não fui capaz de ler naquele azul celeste.
E retirou-se.
A tristeza a levou pela mão.
As soviéticas voavam, irritantes. Más notícias. O vento do diabo não demoraria para aparecer.
Curtiss as defumava, mas não conseguia fazê-las retroceder.
Era uma batalha perdida, e o general sabia.
- Esfarrapadas!
Eu deduzi que Curtiss se referia às moscas.
Fiquei intrigado.
Por que as chamava de "caguetas"?
Finalmente escapou de suas reflexões (?) e, sem mais, disse:
- É tão difícil de acreditar, mas, ao mesmo tempo, tão bonito...
Eu não entendi.
O general continuou preocupado com a fumaça e as soviéticas.
Depois me observou por um segundo e continuou seu monólogo:
- Se não te conhecesse, se eu não soubesse, melhor que ninguém, que a operação foi real, eu pensaria que o que eu estou lendo é um romance de ficção...
Presumi que ele estava se referindo a Cavalo de Tróia e aos diários.
Eu não soube o que dizer.
Ele continuou, convicto:
- Se algum dia, você decidir publicar esses diários, por favor, eu te imploro, pense duas vezes...
Fiquei surpreso.
- Você sabe que o mundo viria abaixo?
- Não necessariamente - respondi de forma decisiva. Não se trata de impor nada. O Mestre nunca o fez.
E eu me perguntei, sobre a questão: "Por que ele está falando sobre publicar os diários? Eu nunca insinuei isso... »
Eu não pude resistir e perguntei-lhe:
- Você acha que alguém o tornará público?
Ele sorriu brevemente e seguiu afugentando moscas com a fumaça do charuto.
- Eu também sei ler os pensamentos dos meus homens - resumiu. Por isso eu sou general...
Ele me pegou.
E Curtiss, esquecendo-se das soviéticas, solicitou:
- Prometa-me uma coisa...
O tom era solene.
Contemplei-o, com medo.
A brisa do Pacífico deu o ar da graça e os “patas negras” começaram a voar. Ou melhor, sonhavam que estavam voando. Eles agitavam as asas brancas, mas não avançavam um milímetro.
Que angústia!
- Prometa-me uma coisa - insistiu Curtiss, com o rosto sério.
Ele retirou seu boné vermelho, e deu maior solenidade ao momento.
Eu assenti com a cabeça, sem saber.
- Se algum dia os diários forem publicados - solicitou – trate de rebaixar a credibilidade da história...
Ele compreendeu as minhas dúvidas e comentou:
- Enquanto eu viver esta história não se tornará pública...
Ele hesitou.
- Mas eu não vou viver para sempre... Chegado este momento, se os diários forem ver a luz do dia, por favor, você trabalhe para que pareça um romance.
- Por quê? A mensagem é revolucionária e está cheia de esperança...
- Olhe para mim. O que você vê?
- um general da USAF.
- Olhe com atenção... O que você vê?
Também não soube o que diabos ele queria dizer.
Ele se adiantou:
- Sou um velho...
E eu pensei: "E eu mais ainda."
- Sou um velho - sorriu Curtiss com relutância. Minha vida e meus princípios estão cristalizados. Eu não posso e não quero mudar...
E acrescentou com a voz embargada pela emoção:
- A verdade, supondo que exista, chega tarde para mim... Respeite àqueles que, como eu, acreditam fortemente em algo, mesmo que isto esteja errado. Não venha me ferir com a verdade...
Ele estava certo.
- Deixe que o mundo siga o seu curso. Não tente mudá-lo...
Voltava a falar com razão.
- Esta informação, se algum dia se tornar pública, chegará a quem tem que chegar. Os diários buscarão a pessoa, e não vice-versa. Mas, para o benefício de pessoas como eu, por favor, reduza a credibilidade da história.
Eu prometi.
Se chegasse o momento (?) encontraria uma fórmula. Eu não sei qual, mas cumpriria a minha palavra... [85]
[85] Isso explicaria a nota que aparece no final de Cavalo de Tróia 9 - Caná: «Nos presentes diários foram introduzidos - intencionalmente - erros de terceira ordem, assim como afirmações não comprovadas e inconclusivas, eventos anunciados e não narrados, e supressões que não afetam o conteúdo. Tudo isso obedece à necessidade de reduzir, dentro do possível, a credibilidade da narrativa. » (N. do a.)
Naquela tarde, o general estava inspirado:
- Os grandes beneficiários desta mensagem não somos nós, caro amigo... É o futuro.
Mas a inspiração se esgotou logo.
A “Bud” me reconciliou com o mundo.
Lúpulo era suave e casamento entre a cevada e o arroz prometia felicidade...
Eu brindei, em meu coração, pelo o Filho do Homem, onde quer que estivesse: "Lehaim"
O entardecer me viu e sorriu, violeta.
- Estou impressionado e assustado - continuou o general.
Eu deixei-o falar.
E Curtiss se esvaziou.
Tinha lido parte dos diários. Por isso me convidou para sua casa. Queria esclarecer alguns pontos...
- Estou indignado...
Fulminou-me com o olhar. A fumaça, sabendo, fugiu.
- O que aconteceu?
- Certamente você está mal informado...
Ele deixou a dúvida engordar em minha mente e disse, convicto:
- Ela não foi assim...
- Ela?
- Você a chama de Senhora, e com grande respeito. Consequentemente, não entendo por que afirmar essas coisas terríveis...
- Eu me limito a contar o que eu vi e o que eu ouvi.
- Maria, a Mãe do Senhor, não foi como você desenha...
Ele tinha fogo em seus olhos.
Foi difícil, mas não repliquei. Não valia a pena.
- Ela compreendeu o seu Filho sim...
E Curtiss levantou a sua voz, ameaçando:
- Seu único Filho!... Maria não teve mais filhos! Foi virgem permanentemente! Somente os odiosos judeus e os comunistas lançam estas blasfêmias...
Não vou esconder. Aquele era Curtiss, quimicamente puro.
- Você sabe que eu não sou um comunista...
- É por isso que eu digo que, com certeza, você está mal informado... A senhora, como a chama, entendeu perfeitamente a mensagem de Jesus Cristo...
- Jesus de Nazaré...
- Isso...
Ele continuou, ainda aceso:
- Ela permaneceu com seu Filho até o fim, e não como os outros. Ela resistiu ao pé da cruz... Ela chorou por Ele e por todos nós... Também por você.
De repente recordou-se da "virgindade permanente" e agitou-se furioso:
- E quanto a este estudo de DNA... Outra blasfêmia!
Fiquei intrigado.
Que cinismo!
Era ele que queria clonar o Mestre e os seus...
- Me alegra que o "berço" esteja perdido! - Adicionou.
Fiquei em silêncio. Não valia a pena discutir, especialmente com aqueles que não querem ouvir... Ele me ensinou: "Não polemizes. Insinue. Não tente convencer, nem vencer.”
Assim eu fiz.
Curtiss não era uma pessoa ruim, mas o fanatismo estragava-o.
E ele continuou, inabalável:
- A Santa Madre Igreja ensina que Maria é o caminho para aqueles que se dirigem para Cristo...
- Jesus de Nazaré...
- Isso... Você já leu a encíclica Mense Maio, de Paulo VI?
- Eu não acredito na Igreja Católica... Na verdade, não acredito em nenhuma igreja.
- O papa diz claramente: "a pessoa que encontra Maria encontra Jesus Cristo."
- Jesus de Nazaré...
- Isso...
- Eu já te disse que não acredito que o Homem-Deus tenha fundado nenhuma igreja...
- Mas você não viu isso...
Eu assenti com a cabeça. Nunca cheguei a presenciar essa cena.
E General seguiu o seu próprio:
Maria é a co-redentora. Salvamos-nos graças a Ela. Ela diz “sim” ou “não”... Sua intercessão é decisiva...
Eu neguei com a cabeça, desanimado.
- Nada é possível sem ela. Maria é nossa mãe, mais amorosa.
Eu segui negando em silêncio.
E Curtiss transbordou:
- Você é um espertinho...!
- Não, senhor... Acontece que não é assim. Jesus de Nazaré não veio para redimir ninguém, de nada... Ele encarnou-se para algo muito mais importante... Maria não é co-redentora de nada...
- Como se atreve? A Senhora é um exemplo de devoção e dedicação ao plano de resgate do Filho. Sem ela estamos mortos...
- No Curtiss... Não é isso, não é isso... Somos salvos a partir do momento que o bom Deus nos imagina e aparecemos.
O general não ouvia.
Ele continuou com a sua ladainha, enquanto enchia o copo com o licor sagrado do Tennessee.
- Os Santos Evangelhos dizem que Ele veio para redimir a humanidade dos seus pecados...
Eu explodi.
- Santos? Os evangelhos são outro naufrágio... Eles são o Titanic do seu fanatismo...
Eu reconheço que extrapolei.
Eu não deveria ter dito isso.
Eu pedi desculpas, mas acrescentei:
- Cavalo de Tróia confirmou que estes textos foram manipulados...
O olhar do general lançava raios e faíscas.
Mas terminei de exposição, impassível:
- Manipulados e censurados, desde o primeiro ao último... Os evangelistas não O compreenderam e escreveram de acordo com os seus interesses e crenças...
Curtiss estava lívido.
- E mais tarde, vieram outros - acrescentei - e também meteram a mão...
Eu senti pena do chefe do projeto.
- Eu lamento general... Não é a minha intenção machucá-lo... A verdade, não é o que a igreja conta... A Senhora foi uma mulher valente e extraordinária... Mas equivocada.
E eu tentei amenizar:
- E não a culpo...
Eu não consegui terminar.
Domenico se aproximou da mesa de pregos de prata. Ele se cobria com uma toalha.
Eu pensei que seria prudente dar uma desviada na conversa.
E eu perguntei:
- Sabe alguma coisa sobre o "berço"?
O assistente, com o a roupa de banho molhada, sentou-se em uma das "Windsor".
Curtiss, sério, serviu-lhe um uísque.
Eles trocaram um olhar de cumplicidade.
Pressenti algo...
Foi o general que finalmente falou:
- Não há nada de relevante... Os satélites não trouxeram nada de novo. Estamos na mesma...
Domenico saboreou o sagrado licor do Tennessee.
- Agora, como você sabe - interrompeu Curtiss - a prioridade é outra.
Eu deduzi que estava se referindo a "Raio negro".
E quando eu estava prestes a perguntar sobre a segunda nave, Estrela se apresentou.
- Está na hora - anunciou ao marido.
E foi sentar-se ao lado de Curtiss.
Olhei para o relógio. Rondávamos às 18 horas e 43 minutos.
A que se referia a generala?
- Do que vocês estão falando?
Curtiss e Domenico ficaram em silêncio.
Não me pareceu justo e perguntei à mulher, abertamente:
- Você acha que Eliseu está morto?
Mirou-nos desconcertada.
Ela sabia do que estava falando.
Uma ou duas estrelas foram rápidos a brilhar. Elas também queriam saber a opinião da bela de olhos azuis.
Os albatrozes tinham cansado de voar...
- Diga-me: que motivo ou motivos poderia ter o teu companheiro para "voltar"?
Eu dei de ombros.
Eu tinha pensado a respeito, mas não tinha certeza...
- Por amor ao Mestre? - Estrela perguntou novamente.
Ninguém respondeu.
Vi outras constelações aparecerem, igualmente curiosas.
- Por dinheiro, talvez?
Eu desenhei o ceticismo em meu rosto.
- Claro que não - declarou a mulher. Por quê, então?
Outro silêncio.
Faltava a razão mais provável - o cilindro de aço - mas não abri a boca.
- Pode ter voltado pelo amor de uma mulher?
Desta vez foi Curtiss e quem isto escreve que cruzamos um olhar significativo.
Curtiss tinha lido essa parte dos diários.
O instinto feminino é invejável...
Mas todos nós seguimos mudos.
E Estrela finalmente declarou:
- Talvez não esteja morto.
A oportunidade era excelente. E questionei os homens:
- O que vocês acham? Ele está morto?
Curtiss revolveu-se na cadeira, mas acabou murmurando um "sim".
O assistente concordou:
- Morto, sim...
E Estrela interveio novamente:
- Está na hora...
Curtiss assentiu e apontou para a toalha e a roupa de banho, molhada, de Domenico.
- Estas não são apropriadas - o general acrescentou. Suba e troque de roupa...
O assistente levantou-se e desapareceu rapidamente.
Curtiss, em seguida, apagou o charuto e fechou os olhos.
Eram centenas e centenas de estrelas que estavam paradas sobre Pablo Bay...
Por quê?
Eu iria descobrir em breve...
Fiquei decepcionado. Por que a generala considerava que Eliseu não estava morto? Por que não perguntei?
Pura e simplesmente: não era o momento.
Logo Domenico retornou.
Surpreendeu-nos, agradavelmente.
Ele usava um traje de linho branco, imaculado, com algumas rugas perdidas aqui e ali, como de costume. As rugas eram autênticos, não imitação.
Acompanhando a bela roupa, uma camisa de cor rosa ternura, uma flor mandarim na lapela e os pés descalços.
Em instantes, o local se encheu de um perfume branco e frágil.
Domenico apareceu sorrindo.
O assistente sentou-se e Curtiss se dispôs para o grande momento.
Eu não tinha idéia do que preparavam.
E o general tirou do bolso da bermuda, aquele rosário de prata que eu tive em minhas mãos, quando eu fui ao seu escritório no hangar vermelho.
Curtiss revirou os olhos e fez o sinal da cruz.
Estrela e Domenico imitaram-no.
Eu fiquei imóvel e em silêncio, atento.
- Mistérios Gozosos...
E começou a reza do rosário.
- Ave Maria, cheia de graça... O Senhor é convosco... Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus... A quem tu, ó Virgem, recebeu pelo poder do Espírito Santo.
A mulher e Domenico responderam, acompanhado:
- Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós pecadores, agora e na hora de nossa morte...
As estrelas sussurravam e emitiam flashes.
Eu não sei dizer se elas estavam a favor ou contra.
A brisa do Pacífico percebeu a oração, deu meia volta e regressou para a fazenda. Ali permaneceu um tempo, zanzando.
Os albatrozes se puseram a voar.
Eu tive a ligeira sensação de que tinham a intenção de fugir.
Não conseguiram.
Na terceira "Santa Maria", Domenico se equivocou.
Em vez de recitar "agora e na hora de nossa morte", não sei porquê, se embasbacou, e disse: "agora e na hora de tua morte."
Curtiss deteve a reza.
Ele abriu os olhos e resmungou.
Pelo que Estrela me contou naquela mesma noite, um erro, ao rezar a Ave Maria, era um sinal de má sorte. [86]
Domenico corrigiu e tudo seguiu seu curso, normalmente.
Eu continuei as observações.
E cheguei a uma conclusão: a de que aquelas pessoas viviam uma fé que teria feito o Galileu sorrir com benevolência.
Curtiss não teria aceitado a mensagem do Filho do Homem, mesmo que ele tivesse escutado de próprios lábios d’Ele...
O Galileu estava certo: a alma acorda quando chega o momento, nem antes nem depois...
Terminado o rosário, Curtiss entoou a Ladainha Lauretana.
A mulher e o assistente replicaram com precisão.
- Kyrie eleison... Christe, eleison...
As estrelas, aborrecidas, brilharam para o outro lado.
A brisa também deu adeus e os albatrozes pousaram no ar. Na ladainha eu somei quatro "santas", doze "mães" seis "virgens" quatorze "rainhas" e não sei quantos atributos mais, todos falsos.
Pobre Senhora! A história e a tradição a destroçaram...
E perto do fim da oração, quando Curtiss cantou o “Regina Profetárum”, depois do correspondente “Ora Pronobis”, o general fez um sinal para sua mulher. Esta compreendeu, levantou-se e desapareceu no salão.
Segundos depois, uma voz e um piano colocaram a vida em suspenso.
Curtiss e Domenico finalizaram a ladainha, e a Ave Maria, de Schubert, tomou conta do visível e do invisível.
Foi uma reconciliação de todos com todos.
Ave Maria... Gratia Plena...
Estrela regressou e depositou uma vela sobre a mesa de carvalho.
Sentou-se e ficou em silêncio, impressionada.
A chama amarela brilhava, mas não brilhava. Éramos nós que brilhávamos.
E aquela voz, limpa e transparente, foi se elevando até o firmamento. Os corações saíram atrás dela.
[86] Investiguei e deduzi que a superstição poderia vir de Alan de la Roche, um fervoroso seguidor da Senhora. De la Roche afirmava que tinha visto a Virgem e que em uma das revelações comunicou-lhe o seguinte: "um engano ao rezar o rosário significa ódio ou moleza e, portanto, a punição eterna (inferno)." Assim escreve Luís de Montfort (1710). Se essas aparições foram verdadeiras, o que eu duvido, a Senhora nunca ameaçaria com o inferno, e muito menos por causa de um erro... De la Roche era um dominicano. Ele viveu no século XV. (N. do m.)
As estrelas não podiam acreditar na beleza procedente daquele minúsculo e remoto mundo azul.
Só alguém apaixonado poderia compor uma música assim.
Ave Maria... Mater Dei...
Schubert fez o prodígio.
De repente, fui transportado e vi a Senhora, nos arredores de Cana, alegre e feliz. Colhendo flores... E eu a vi ajudando a trazer um bebê ao mundo, na caravana mesopotâmica de Murashu... E eu a vi lavar o rosto de Ruth...
Ave, ave dominus... Dominus tecum...
E eu a vi na "Casa das Flores", em Nahum, no escuro, quebrada pela dor... E eu a vi, triunfante, no casamento de Caná...
Ave Maria...
Eu tive que me segurar para não chorar.
Curtiss foi mais sincero. E uma lágrima surgiu, incrédula, no rosto do veterano de guerra.
Domenico também chorou.
Estrela permitiu que o azul de seus olhos se transbordasse.
Depois, ao final da Ave Maria, nós vimos o silêncio chegar. Cobriu-nos e assim permanecemos por um tempo, agasalhados.
Lembrei-me do túmulo de Franz Schubert, em Viena.
E eu não concordei com a frase de que foi esculpida na lápide: "A música enterrou aqui uma rica obra...»
O mais valioso de Schubert não está enterrado.
Aquela delícia cantada pela soprano norte-americana, de origem grega, Maria Ana Cecília Sophia Kalogeropoulos, durou 6 minutos e 17 segundos. A divina cantou em alemão e eu fui traduzido para o latim, em meu coração.
Nunca esquecerei aqueles 6 minutos e 17 segundos...
Naquela noite jantamos no jardim.
Estrela e Curtiss se esmeraram.
Luzes coloridas, mais música, excelente comida, o melhor uísque e muita cerveja mexicana.
A carne para o churrasco foi enviada - de propósito – desde as pradarias de Montana, ao leste das Montanhas Rochosas: Charolês de primeira, uapiti [87], costelinha de porco e vitela. A salada de manga suavizou o poder da carne.
Um chefe indígena da nação Siksika, a quem Curtiss chamava de Nitoh Mahkwi, enviava as carnes regularmente para a base de Edwards.
O tal "Lobo Solitário" tinha sido rastreador a serviço do general durante o conflito da Coréia. De acordo com a Curtiss, Nitoh pensava tão rápido quanto uma mulher...
Foi um período fantástico.
Aproveitei o bom humor do general, para fazer a entrega da caixa de "Upmann", os charutos favoritos de Fidel Castro.
Curtiss abriu o presente e, ao descobrir o conteúdo, olhou para mim, muito sério.
Eu temi o pior.
Considerou um insulto?
E estava prestes a pedir desculpas quando, sem dizer uma palavra, o general avançou em direção de quem isto escreve e me abraçou.
Eu respirei, aliviado.
Eu pude ver: a política não tem nada a ver com bons charutos...
Curtiss não esperou para terminar a refeição.
Sentou-se nos degraus da varanda, preparou um cortador guilhotina de lâmina dupla, de ouro maciço, e começou a cortar um dos "Upmann".
A cerimônia foi lenta e cuidadosa, como deveria ser.
Então, com o rosto sério, como se fosse algo relacionado com o fim do mundo (tão alardeado pelos maias), levou o charuto ao ouvido direito, tateou-o suavemente, virou-o sobre si mesmo, voltou a tateá-lo, e tentou "ouvir" a linguagem do charuto.
Assim, ele permaneceu por alguns segundos.
De vez em quando balançava a cabeça afirmativamente.
Estrela traduziu:
- O general diz que fala com os charutos...
[87] O uapiti (alce) ou veado canadense tem uma carne de elevado teor de proteínas e baixo teor de gordura, com um conteúdo significativo de ferro, zinco e fósforo. (Não deve ser confundido com o nannodes ou alce da Califórnia). (N. do m.)
Ninguém se atreveu a duvidar.
Esse era Curtiss...!
- O general - acrescentou a mulher – assegura que lhe anunciam o futuro...
Sem comentários.
Após a "conversação", Curtiss se aproximou de uma das grelhas da churrasqueira, inclinou-se e introduziu o "Upmann" entre as brasas. Ele inalou avidamente e acendeu o charuto.
- O candeeiro não possui sabor - disse. É a única coisa em que estão certos esses comunistas de merda...
Ele inalou de novo, suavemente, e fumaça branca encheu a boca.
Ali a deteve, por quatro ou cinco segundos, degustando como se fosse um bom vinho.
Depois, satisfeito, soltou-a.
E proclamou:
- Eu poderia perdoar esse safado do Fidel apenas por isso.
E apontou o poderoso charuto.
Foi assim que entramos no miolo de uma conversa que eu nunca esquecerei...
Todo o dia se aprende, e eu sou o primeiro.
Foi com a quinta cerveja que a língua de Curtiss começou a desatar.
Éramos pessoas de confiança. Não havia nenhum problema.
E confessou um segredo, como eu digo, me desmoronou por dentro.
Eu precisei de tempo para processar e, mesmo assim...
Insisti várias vezes, incrédulo, e o general confirmou-o com segurança.
Curtiss sabia de boa fonte: o Pentágono.
- Fidel Castro era da CIA...
Fiquei perplexo.
Domenico, assustado, refugiou-se na flor de mandarim que tinha na lapela, e insultou o comandante:
- sem-vergonha!
Castro, aparentemente, foi capturado pela Agência Central de Inteligência dos EUA antes da revolução cubana. O recrutamento pela CIA veio na esteira dos ataques ao Quartel Moncada em Santiago de Cuba, e "Carlos Manuel de Céspedes" em Bayamo (julho de 1953).
Castro, como é sabido, participou dos protestos contra o regime de Fulgêncio Batista.
Sim, nada é o que parece...
Curtiss e disse algo mais:
- Por isso continua lá...
- Mas...
Minhas objeções deram em nada.
Curtiss sabia de tudo:
- Cuba é um laboratório do Pentágono... Após a crise dos mísseis, os comunistas tornaram-se obsoletos... Quando o Muro de Berlim cai – e cairá - Cuba dará os últimos suspiros. Depois...
Domenico interrompeu-o:
- Então, Fidel é um dos nossos...
- Sim, mas não parece... Esse é o ponto. O Pentágono está por dentro, graças a ele.
- Eu não entendo - interveio novamente. A CIA tentou matar Fidel Castro em várias ocasiões...
- É o que dizem...
E Curtiss riu bastante.
Mensagem recebida.
- Nunca confie nas aparências – comentou o general. Onde você considerar que não há, pode haver, e vice-versa.
Eu concordei.
- E o que diz da tentativa de invasão na Baía dos Porcos?
Curtiss abriu a sexta cerveja e suspirou, resignado, diante da pergunta de seu assistente. Finalmente proclamou:
- Teatro, querido Domenico. Teatro.
- Teatro? Ali estiveram muitos leais anticomunistas...
- Teatro... Puro boato... Esses petroleiros da Flórida não souberam de nada.
- Como você pode dizer isso?
- Eu digo e sustento. Eu vi os documentos que provam isso...
E o general lançou uma observação que terminou me derrubando:
- Foi um plano perfeito. O fracasso em Porcos fortaleceu o nosso homem em Havana.
Curtiss levantou a cerveja e brindou:
- Por Fidel, o novo barba-azul!
Ninguém se atreveu a brindar com ele.
Maldita política!
Acabamos dançando ao ritmo de Andy Williams, Roberta Flack e Joe Cocker.
Curtiss, mais torto do que em linha reta, com sua esposa. Quem isto escreve, com Domenico...
Felizmente ninguém jamais soube.
O assistente acabou nos braços de Curtiss, extremamente bêbado. Domenico chorava inconsolável e jurava, com punho erguido, que mataria com suas próprias mãos, o sargento pára-quedista de Kentucky...
Foi assim que terminou aquela sexta-feira, 10 de agosto (1973), mais ou menos...
11 de agosto
Naquela manhã, acordei angustiado.
Eu sofri um pesadelo.
Isto é o que eu me lembro:
Eu era quitandeiro (!) em Nova York. Eu tinha um comércio de fruta e verduras.
Era Natal.
Nevava aos poucos, às vezes, sem muita vontade.
O dia estava acabando.
As coisas tinham cor caramelo, como na maior parte dos meus sonhos.
Às vezes, devido à escassez de clientes, me refugiava nas proximidades de um container onde dançava uma comunidade de hippies e chamas vermelhas.
No sonho, ao longe, soava uma música de Nino Rota... Eu conhecia aquela música.
Então surgiu um homem. Elegantemente vestido: casaco marrom claro, gravata de listras horizontais (pretas, brancas e torradas) e carregava um animal de estimação.
Seu rosto parecia familiar...
Ele se dirigiu, em italiano, a um jovem que esperava encostado em uma Ford Super Deluxe, de 42, e disse:
- Espera Fredo... Eu vou comprar algumas frutas.
Fredo?
Eu o tinha visto em algum lugar...
- Tudo bem - disse o jovem.
E o tal Fredo entrou no Ford preto e brilhante. Realmente, se tratava do modelo 73-B, de quatro portas, com um motor V8 (4.1 litros, 100 cv a 3.300 rpm). Olhei para o pára-choque. Era coisa de cinema: uma única peça e grade retangular, sem cromados (para a guerra).
Eu ajustei o boné e me dispus a servir aquele da gravata listrada.
Peguei uma embalagem de papel e aguardei o cliente.
Eu conhecia aquele homem...
O homem foi até as laranjas e apontou para duas delas, com o dedo indicador direito.
Peguei-as e as depositei na embalagem.
Então indicou os pimentões e comentou:
- Piperones...
E enquanto estava colocando os pimentões na embalagem laranja, durante o sonho, apareceram uns pés a poucos metros...
Os sapatos eram masculinos. Eram dois homens.
Em um primeiro momento caminhavam com pressa.
Eu vi as poças e a penumbra, desmaiadas na calçada.
Contornavam os transeuntes.
Em seguida, eles começaram a correr, bem próximos.
Meu cliente sentiu algo.
Ele se virou e olhou para o fundo da rua.
Os homens se moviam entre os carros estacionados.
Eles estavam com as mãos escondidas nos bolsos dos casacos. O da direita vestia um casaco de lã, cor de mostarda. O outro usava um preto brilhante.
Eles atravessaram a rua e aproximaram-se do lugar em que estávamos.
Foi, então, que sacaram os revólveres.
Meu cliente começou a correr em direção ao Ford Deluxe.
Seus olhos estavam esbugalhados.
Ele não teve tempo para nada...
Os agentes da CIA abriram fogo sobre o tipo de gravata listrada.
Eu contei onze tiros.
As laranjas rolaram na rua.
O homem se retorceu sobre a Ford.
Eu vi os buracos em seu casaco. E o sangue...
Ele tentou se levantar.
Ele não pode.
Escorregou pelo veículo e caiu em frente ao pára-choque de cinema.
Fredo tinha saído do carro, de arma na mão.
Ele se dirigiu até o ferido, mas, atordoado, perdeu o revólver. A arma acabou voando pelo ar.
O Ford ficou manchado de sangue. Uma pena...
O homem baleado tinha perdido o chapéu e estava despenteado.
Um filete de sangue apareceu no canto direito da boca.
Ele estava imóvel.
Eu pensei: 'Ele está morto... "
E Fredo, confuso, permaneceu de pé, olhando para o meu cliente.
Em seguida, ele foi sentar-se na beira da calçada e começou a gemer e chorar, enquanto clamava, em italiano:
- Papa!
O impecável chapéu de Fredo também acabou no chão.
E começou a chegar gente. Contei seis ou sete pessoas.
Ninguém se atreveu a tocar no de gravata listrada.
Então eu recordei.
Era Fidel Castro!
Mas o que estava fazendo em Nova York no Natal 1945?
No sonho, eu escutei um cachorro ao longe.
Depois uma criança chorou...
Porque eu soube que os atiradores eram da CIA?
A música aumentou, ligeiramente, e o sonho se converteu em preto.
Naquele momento eu acordei.
Que sonho estranho!
E eu deduzi que era consequência da conversa da noite passada.
Nossa, no final resultou que a CIA acabou com a vida de seu homem em Havana.
Eu fiz corpo mole e tentei encontrar a pérola do sonho. O Mestre defendia que sempre existe, em todos os sonhos.
Eu não a encontrei.
Pareceu-me um pesadelo "emotivo", somente isso.
Este sim, o papel do pára-choque do Ford e o do ator John Cazale, como Fredo, foram de cinema...
Eu já tinha visto essa cena, mas não lembrava em que filme.
E a paralisia do ventilador acabou prendendo minha atenção.
"Pobre... Sofrerá muito?”
Desci para o café da manhã.
Estrela serviu-me solícita.
Ela estava vestida de azul para combinar com o olhar.
Pareceu-me mais bela do que nunca.
Curtiss e Domenico tinham saído.
- Acho que procuram alguma coisa para você – tentou aclarar a generala.
Eu não fiz perguntas.
Naquela manhã, não iz grande coisa.
Fiz um passeio entre as oliveiras e me perguntei: "O que aconteceu com a cópia dos diários"
Eu teria que interrogar o general a respeito.
Tomei banho e lembrei-me das águas quentes do Yam, na Galiléia.
Como eu sentia falta!
No final da manhã, Estrela me chamou e perguntou se eu queria dar uma mão na cozinha.
Aceitei feliz.
Tomamos conta da pequena cozinha e a mulher foi me mostrando a matéria-prima com a qual ela desejava preparar o jantar. O cardápio prometia: batatas recheadas com caviar, lagosta a la Saint Croix (Ilhas Virgens, EUA), sua terra natal, e sobremesa surpresa.
Comecei batatas novas.
Eu tinha que lavá-las cuidadosamente.
Olhamo-nos de soslaio.
Ela parecia tensa.
Então eu continuei a cozinhar os tubérculos com sal grosso.
Ela preparou a manteiga e o caviar.
O olhar de Estrela veio ao meu encontro várias vezes.
O celeste tinha se apagado, inexplicavelmente.
Alguma coisa estava acontecendo...
Escorri cuidadosamente - segundo o seu conselho - e comecei a remover as peles.
Senti certo embaraço. Eu nunca gostei de despir ninguém...
Ela pegava cada batata, cortava a parte mais pontuda e guardava o "chapéu". Em seguida fazia um buraco no interior do tubérculo. Não muito grande.
- O que está acontecendo? - Arrisquei.
Ficou incomodada.
Eu recuei.
Eu não tinha o direito de me meter em sua vida.
Mas disse algo:
- Você é o único que tem se preocupado com Curtiss.
Estrela nunca chamava o general pelo nome de batismo.
- Não sei - eu gaguejei - talvez...
Ela pegou quatro recipientes de vidro e comentou:
- Eu vou te dizer, mas você tem que prometer...
Ele parou e corrigiu:
- Você tem que jurar que esta conversa não sairá daqui...
Eu jurei.
Vi o silêncio entrar.
E ali permaneceu um tempo, enquanto Estrela depositava três batatas em cada tigela. Cobriu-as com gema de ovo e sorriu. Parecia um ninho, de fato.
Eu pensei que ela tinha se arrependido.
Pegou uma colher de chá de manteiga quente, quase derretida, e verteu-a na cavidade de uma das batatas. O pobre tubérculo estremeceu, talvez de prazer.
Estrela deixou que a manteiga penetrasse.
Então ele pegou o caviar e recheou a batata feliz.
Esperei paciente.
O que estava acontecendo?
O silêncio deu meia-volta e desapareceu.
- O ideal é servi-las quente – a mulher lamentou - mas você sabe como é Curtiss... Sabe quando ele vai, mas nunca quando ele retorna.
Ela suspirou.
As mãos emaranharam-se no avental e, olhando nos meus olhos, como se estivesse em busca de compreensão, disse:
- Curtiss teme por sua vida...
O azul celeste tremeu.
Aquela mulher era muito inteligente. Não falava por falar.
Ela depositou o resto da manteiga derretida no pires de prata e serviu-me um generoso copo de vinho branco.
Olhou-me aliviada.
- Agora você sabe...
Eu provei o vinho.
Era um tranquilo Chardonnay, da região de Temecula, no condado de Riverside, não muito longe dali.
O vinho se deixou beber...
E declarei, sem meias palavras:
- Muitas pessoas falam sobre isso em Edwards...
Ela olhou para mim, perplexa.
Eu tentei remendar a besteira. Muito tarde.
- São apenas rumores, querida Estrela...
Ela balançou a cabeça negativamente.
Quando vou aprender que as mulheres são uma raça à parte?
Elas são mais rápidas e mais intuitivas do que os homens.
Assim demonstram os estudos hemastópicos realizados na Universidade de Portland: o pensamento feminino trabalha entre 2,01 e 2,03 vezes a velocidade do pensamento masculino.
Quando o homem vai, a mulher já está voltando...
- O que eles falam na base? - Perguntou a generala.
Não fazia sentido mentir ou suavizar os rumores. Estrela não merecia algo assim.
- Eles dizem que as diferenças entre Curtiss e Nixon são estrondosas...
Estrela me interrompeu:
- Estrondosas não... Eu diria, em vez disso, insuperável.
E fundamentou:
- Esses bastardos não perdoam ou esquecem...
Naquele momento eu não sabia se ela estava se referindo ao suposto fracasso de Cavalo de Tróia ou o tenebroso assunto das gravações em poder de Curtiss, nas quais o presidente aparece envolvido, nas escutas ilegais do Partido Democrata, no hotel "Watergate" em Washington D. C.
- Nixon é cruel e vingativo - resumiu Estrela. Irá contra Curtiss com toda a artilharia pesada...
Eu concordei.
E continuamos com o segundo prato: Lagosta ao estilo Saint Croix.
Ingredientes: dois quilos de lagosta, cortadas e limpas, uma colher de sopa de manteiga, óleo de coco, uma cebola picada, três dentes de alho, também picados, três tomates sem sementes, meia xícara de molho de tomate, alcaparras, metade de um copo de suco natural de laranja e um caldo de galinha, coentro, louro, sal e pimenta.
Estrela dispôs a fritura (Curtiss gostava do estilo italiano: sem salsicha nem pimentão): um generoso jato de óleo de coco (ao invés do azeite usual), a manteiga, cebola e alho, picados.
Ela deu uma mexida e esperou cinco minutos.
- E o que me diz deste judeu...?
Ela soube se segurar a tempo.
- Kissinger?
Ela assentiu com repugnância.
- Não sei - eu respondi. Parece que também não se dá bem com o general.
- Por que você é tão diplomático?
A mulher continuou, exaltada:
- Eles se odeiam!
O alho e a cebola começaram a gritar. Estavam queimando!
- Curtiss está encurralado – disse Estrela. Chegou a sua hora...
Não me permitiu intervir.
- Eles o matarão!... Você percebe a gravidade da situação?
- Não diga isso - eu falei, com pouca convicção.
A cebola e o alho perderam os sentidos. Foi a melhor coisa que poderia acontecer.
O olhar azul de Estrela se escureceu.
Eu tentei salvá-la daquela tempestade. Não foi fácil.
Ela estava certa em quase tudo.
O tempo demonstraria isso.
Nixon era uma cobra cuspideira e Kissinger tocava a flauta...
Mesmo assim tentei ajudá-la:
- O general sabe cuidar de si mesmo...
Estrela acrescentou os tomates picados, as alcaparras, o suco de laranja (truque pessoal da generala) e o caldo de galinha.
Ela mexeu novamente e ficou pensativa, olhando o tomate naufragar na fritura.
Eu insisti:
- Ele sabe...
A mulher agradeceu a ajuda e me acariciou com o azul celeste, enquanto proclamava:
- Curtiss só sabe de Maria Santíssima e de bicarbonato...
E se lamentou:
- No fundo é um idealista.
"Nem tanto", pensei.
O silêncio retornou para a cozinha, olhou para o ensopado, suspirou e voltou a desaparecer.
- O que você me aconselha a fazer?
Eu não fui capaz de ordenar as idéias e, menos ainda, de articular uma resposta medianamente coerente.
- Eles o matarão! ...
Eu não queria acreditar nisso.
- Eles não são capazes...
- Eles são, e você sabe...
Permaneceu concentrada na panela.
O aroma, indescritível, distraiu-nos, mas só por uns instantes.
- Podemos fugir...
Eu sorri para mim mesmo.
Ela mesma corrigiu:
- Não adiantaria de nada... Nixon e o judeu acabariam encontrando-nos.
O silêncio voltou para a cozinha. Sentou-se e se dispôs a assistir a última fase do refogado.
Estrela acrescentou a lagosta, as folhas de louro, coentro, o sal e a pimenta.
Consultou o relógio.
E a cada cinco minutos, depois de ter colocado a lagosta, adicionava à borbulhante panela, um longo filete de leite de coco, seu segundo segredo.
Quinze minutos depois, o silêncio se levantou e saiu.
Estrela suavizou o celeste do olhar e perguntou timidamente:
- è verdade que você O viu?
Ela estava se referindo ao Galileu.
Estrela sabia mais do que aparentava...
Eu assenti com a cabeça, sorrindo.
- É como contam?
- Não...
- Não?
- Era melhor... Infinitamente melhor.
Ela me olhou maravilhada.
Eu percebi que queria mais detalhes, e eu os proporcionei:
- Era mais humano do que escreveram... Mais amigo, mais próximo, mais generoso, mais respeitoso, mais divertido, mais sábio, mais poderoso, mais misericordioso, mais bonito...
- Como assim, bonito?
Eu não fui capaz de responder. Eu não tinha (e nem tenho) palavras...
Ela não fez mais perguntas.
E se dedicou à sobremesa. Esta ficou toda por conta dela.
Eu limitei-me a espiar e guardar na memória.
Misturou queijo cremoso mascarpone com açúcar de confeiteiro. Em seguida, misturou com manga. Triturou-o no liquidificador, até sair em um estado de graça, ou seja, líquido. Bateu tudo na mão e permitiu que o açúcar, queijo, manga e creme se misturassem. Fez o milagre, plantou um morango no topo e os enviou para a geladeira.
Era um "Lumi".
Assim chamou a sobremesa "Delícias de Lumi”.
Não sabia quem era Lumi, mas estava delicioso.
Aquela conversa, entre batatas despidas, lagosta com leite de coco e mangas em estado de graça, era outro aviso do Destino...
Faltavam 17 dias para a tragédia, mas eu, obviamente, não sabia disto.
Curtiss e Domenico retornaram com o sol no zênite (meio dia).
Eles chegaram "felizes".
Eles haviam se entretido pelo caminho, bebendo à saúde de brancos, negros e chineses...
Estrela mergulhou-os na piscina e ali os manteve, lá até que voltassem à realidade.
Eles compraram um quadro negro com moldura em madeira de álamo.
Nossa! Eu tinha me esquecido do assunto...
Posicionaram-no em pé, sobre um cavalete improvisado (próximo ao aquário sem peixe), e fizemos um lanche.
A água, e a bronca da generala, foram um santo remédio.
Curtiss obedecia como um cordeiro.
E perto das 15 horas, o general exigiu o que era seu: o presente prometido por quem isto escreve, em seu escritório, no Fog.
Todos foram sentar-se em frente ao quadro-negro, incluindo a luz e o silêncio.
Curtiss me entregou uma caixa de giz coloridos, onde se lia "ticatl".
Ele voltou para sua cadeira, acendeu um charuto, relaxado, e deu a ordem:
- Eu quero o meu presente!
Todos estavam ansiosos na sala, incluindo os ventiladores e as borbulhas de ar do aquário.
Honestamente, foi um momento terrível.
Eu não sabia por onde começar.
Além disso, eu queria desistir, mas tropecei com o gesto sério de Curtiss.
Que seja o que Deus quiser...
Abri a caixa de giz e selecionei o vermelho e o azul.
Eu fui para o canto superior esquerdo do quadro e desenhei dois círculos concêntricos. O de dentro em azul e o de fora em vermelho.
Depois me mudei para o canto superior direito e comecei a pintar uma esfera, com seus continentes.
- A Terra - anunciei desnecessariamente.
A platéia seguia atenta aos meus movimentos.
O silêncio e a luz me olhavam com ceticismo.
Então eu desenhei uma seta que partia dos círculos concêntricos e apontava para a Terra.
Detive-me na metade do caminho e pintei duas esferas menores. Uma azul e a outra vermelha.
Eu olhei para a platéia.
Ninguém tinha idéia do que eu estava propondo.
Melhor assim...
E eu escrevi, com giz branco, sobre os círculos concêntricos:
"MOMENTO ZERO”.
Em seguida, também em branco, escrevi perto de cada uma das pequenas esferas: "MULHER" (em azul) e "VARÃO" (em vermelho).
Eu voltei a contemplar os ali reunidos, mas seguiam sem entender.
E anunciei:
- Este seria um presente para o general, mas, na realidade, é um presente para todos...
E agora, ao revisar estes diários, eu penso, "Foi um presente para aquelas pessoas, mas, acima de tudo, para o hipotético leitor destas memórias."
Como dizia o Mestre: quem tem ouvidos para ouvir, que ouça...
Então abri uma explicação que, é claro, não era minha.
- Uma parte dos habitantes da Terra é assim antes do nascimento...
E indiquei os círculos concêntricos.
Eu esperei até que absorvessem a idéia.
E insisti com um leve toque do giz, chamando a atenção para o vermelho e para o azul interno.
Todos os olhares estavam voltados para os círculos concêntricos e às palavras escritas sobre eles: "MOMENTO ZERO".
A incredulidade também apareceu, sentada entre os meus amigos.
Era lógico e natural.
Eu continuei com as explicações:
- Digamos que eles são pura energia...
E mais uma vez apontei para os círculos concêntricos.
- Energia pura... Pois bem, neste "Momento zero" - para chamá-lo de alguma maneira - o Grande Computador começa a escolher entre os trilhões e trilhões de cadeias de experiências que um ser humano pode viver em uma existência material.
Domenico me seguia com dificuldade.
Notei que os olhos estavam fechando.
Quanto à Curtiss, o charuto tinha morrido e ele olhava para o quadro-negro com a boca aberta.
Estrela - eu sei - estava à frente.
- O ser ainda não nascido - continuei - estuda estes trilhões de "ofertas" e escolhe uma, livremente.
Eu ofereci uma pausa e sublinhei:
- Livremente!
Domenico acabou dormindo.
- Em seguida, "alguém", pergunta: "Você está certo da escolha?”... Se a criatura confirma a escolha, este "alguém" replica: "Assine aqui".
Estrela parecia surpresa.
- Ao assinar, ocorre o milagre... A criatura desce para a Terra...
Indiquei a imagem do planeta.
-... E nasce, mas dividida em dois...
Então dirigi o giz foi para as pequenas esferas em que estava escrito "mulher" e "varão".
E insisti:
- A criatura que era pura energia se transformou em um homem e em uma mulher. E na Terra eles viverão e experimentarão, conforme o previamente acordado... É quase certo que nunca irão se encontrar... Eles não saberão um do outro... Mas se isso acontecer...
Então, de repente, lembrei-me de uma questão vital.
- Peço desculpas. Há algo importante que eu não disse: no nascimento, a memória perpétua da criatura é apagada... Nem o homem e nem a mulher sabem realmente quem eles são, nem de onde procedem ou porque eles estão na Terra... E, ao longo de suas vidas, perguntam muitas vezes: "O que estou fazendo aqui?”
O rosto de Estrela se iluminou.
Eu sei que compreendeu.
- E ao morrer, regressam à realidade e tornam-se um, como eram antes de...
Deixei assim.
Eu retornei para o quadro negro e desenhei algo na parte inferior: uma segunda Terra, também com seus mares e continentes, e uma esfera, similar aos círculos concêntricos, que havia desenhado no canto superior esquerdo. Desta Terra partiu outra flecha, em direção a estes segundos círculos concêntricos. Também pintados em vermelho e azul.
Eu me virei e proclamei:
- Nada é como nós acreditamos... A verdade é muito mais bela.
E concluí:
- Final do presente, general.
O silêncio ficou alguns segundos, em sua cadeira, perplexo. Depois fez careta e saiu.
Lá ele...
Curtiss tomou a palavra e disse:
- Quer dizer que nós escolhemos o que somos... Antes do nascimento?
- Mais ou menos... E selecionamos tudo: família, amigos, inimigos, anonimato, riqueza, pobreza, dor, sabedoria, escuridão... E, inclusive, a forma e o momento de morrer.
Curtiss negou com a cabeça e comentou:
- Isso não é lógico. Eu não posso ter escolhido este velhaco do Kissinger como inimigo...
Eu não discuti.
Tive uma reação semelhante quando o Mestre me instruiu sobre essa verdade.
A generala continuou pensativa.
Finalmente fez a pergunta principal:
- Quem te ensinou tudo isso?
E apontou para os desenhos no quadro.
Eu sorri, malicioso.
Ela compreendeu instantaneamente.
Curtiss manteve sua posição e se recusou a aceitar aquela "proposta absurda". Assim a chamou.
Desta vez eu repliquei:
- General, reconhece que se a proposição fosse verdadeira, teria recebido o presente da sua vida...
- Você disse bem: se fosse verdade...
- Por que você fala de "uma parte dos habitantes da Terra"? - Estrela interrompeu. E quanto ao resto?
Eu sorri, satisfeito. A mulher, na verdade, está sempre à frente do homem.
E afirmei:
- Isso não faz parte do presente...
- E o que dizer da liberdade? - clamou Curtiss, notadamente aborrecido.
- Eu fiz esta mesma pergunta...
- Para quem?
- Para Ele, é claro...
- Então...
Estrela e eu trocamos um olhar de cumplicidade. Curtiss chegava sempre depois...
E eu disse:
- A liberdade não é viável na matéria na qual você vive.
O general, transtornado, me enfrentou:
- Os Estados Unidos são o símbolo da liberdade!
Dei de ombros e proclamei:
- Os EUA só conhecem a guerra... Meu general, somente é livre aquele que conhece... Mas esse território pertence à realidade.
- De que diabos você está falando?
- Da realidade.
- Eu não entendo...
- A realidade que nos aguarda depois da morte. É o que eu quero dizer.
Curtiss terminou ficando em pé, decepcionado. E caminhou até o canto do aquário sem peixe.
Domenico dormia como um bebê. Não ficou sabendo de nada.
E me propus a apagar os desenhos no quadro-negro.
Estrela implorou-me que não o fizesse.
- Preciso pensar...
Eu cumpri seus desejos e lá ficou ela por um tempo, contemplando as esferas azuis e vermelhas.
Eu me senti recompensado.
Caminhei em direção ao general. Queria pedir desculpas.
Talvez eu não tenha sido prudente na hora de expor "o presente".
Nem todo mundo entende...
Curtiss estava absorto, olhando para o aquário.
Na mão direita segurava o charuto apagado. Com a esquerda jogava comida na água.
Era um alimento colorido.
Pelo que li na caixa, sangue seco para peixe com 45% de proteína.
Explorei o vidro do aquário.
Eu estava atordoado.
Eu não via nenhum peixe.
As borbulhas azuis emergiam em coluna, e disciplinadamente, como os alunos de um colégio particular.
Ao atingir a superfície desapareciam. Que mistério!
- Me recomendaram os flocos – o general disse de repente - mas flutuam e sujam tudo.
Voltei a olhar, alarmado.
Reparei nas pedras do fundo.
Ali não havia nenhum peixe...
- Eu também testei com alimentos desidratados... E com granulados...
Ele balançou a cabeça negativamente e declarou:
- Mas eles são mais apropriados para borbulhas grandes...
Belisquei-me, dissimuladamente.
- Borbulhas? - Eu perguntei como um idiota. General, eu não entendo...
Curtiss me contemplou, perplexo.
- Borbulhas, sim...
E apontou para a coluna.
- Não sabe o que elas são?
- Não, senhor... Sim, senhor.
- Sim ou não?
- Sim, claro... Mas, porque alimentar as bolhas?
- E porque não... Elas têm o mesmo direito que o resto.
- É claro, general.
E eu fui perguntar uma estupidez, eu admito:
- São bolhas de águas frias ou águas tropicais?
- Homem... Você não vê?
Olhei de novo, desta vez como um perfeito imbecil.
- Eu não sei...
- Filho, eu não sabia que você era tão idiota... São bolhas tropicais! Vivemos na Califórnia...
- Nossa! Eu não tinha percebido...
Fiquei tão atordoado que consegui reagir.
Curtiss soltou a caixa de “alimentos para bolhas azuis tropicais” e apontou para o canto esquerdo da sala, enquanto ordenava:
- Venha comigo. Eu também quero te dar um presente...
Eu comecei a tremer.
Estrela continuava meditando sobre os desenhos no quadro-negro.
Domenico não meditava; roncava.
Dirigiu-se até o seu "escritório" e apontou a cadeira giratória. Ele desejava que eu me sentasse.
Eu hesitei.
Era a sua cadeira...
Finalmente exclamou, imperativo:
- Sente-se!
Eu obedeci, é claro.
Minha mente continuava do outro lado da sala, dentro do aquário. Aquilo, das bolhas de águas tropicais, tinha me transtornado.
Em seguida, em silêncio, Curtiss dirigiu-se ao quadro pendurada no centro da estante contra a parede.
Como já foi comentado, era A Anunciação, de Rossetti.
Nossa! O quadro era um disfarce...
Ele o fez girar sobre seu lado direito, revelando um cofre do tipo 125 UL-1, Gun-metal gray com combinação e chave tubular.
A ruiva e Gabriel ficaram olhando para a outra estante. Que vida!
O general abriu o cofre e procurou algo lá dentro.
Olhei para o outro lado, por vergonha, mas tudo o que eu consegui ver, foram as bolhas...
Sobre a mesa resmungona continuavam as pastas e aqueles papéis, tão familiares.
De onde eu os conhecia?
A mesa, de fresno e carvalho, tentou dizer alguma coisa, mas não tive certeza.
- Leia isto - interveio Curtiss, enquanto depositava, em minhas pecadoras mãos, um dossiê bastante volumoso.
A capa dizia: "Top secret (Warning: special access required)." Era um aviso. Para consultar aquelas páginas era preciso uma autorização especial.
O dossiê - "altamente secreto" – tinha o título: "Relatório Zero".
A pasta não tinha nenhum número.
Recordei.
Era o relatório que Curtiss apresentou para Kissinger em Washington D. C.!
Era trabalho inicial sobre "Raio negro!"
Olhei perplexo para o general.
Curtiss, com o rosto sério, limitou-se a fazer um comentário, totalmente desnecessário:
- Você não pode anotar nada... Apenas lê-lo.
Saudou com charuto apagado e acrescentou:
- Retorno em uma hora...
Deu meia volta e caminhou em direção ao aquário sem peixes. Mas, de repente, se lembrou de algo. Ele retornou sobre seus passos e disse baixinho:
- Eu não te mostrei nada. Se você falar sobre isso com a tua sombra - e apontou para o dossiê – eu te fuzilarei...
E desapareceu.
Examinei a capa novamente.
"Relatório Zero".
Eu deixei passar alguns segundos.
Eu não podia acreditar no que estava acontecendo.
A visita de fim de semana para Pablo Bay não foi por acaso. Que absurdo eu estava dizendo! Na vida não existem casualidades...
Eu tinha uma hora.
Eu a aproveitaria.
E eu me perguntei: "Por que Curtiss estava me mostrando aquilo?"
O general havia insistido, através do assistente, para que eu não me envolvesse com “Raio negro".
Qual era o motivo da mudança? Ou não era isso?
Girei a cadeira devagar e com cuidado.
Então eu vi.
Nossa!
O cofre havia ficado aberto.
Olhei ao meu redor.
Tudo continuava igual.
Estrela em frente ao quadro. Domenico com seus roncos.
Ninguém mais...
E se desse uma olhada lá dentro?
Da cadeira onde estava, podia ver outras pastas.
A curiosidade começou a me puxar pela manga.
Resisti.
Eu não deveria fazer isso.
E me concentrei no que eu tinha em minhas mãos...
Eram 60 páginas.
Os rumores que circulavam pela área restrita, e no bar de Joco, tinham fundamento.
A nave estava pronta para o translado. Estabeleceram-se cinco possíveis locais. Jordânia, de fato, era um deles. O combustível eu não conhecia. Quase tudo era novo para quem isto escreve. Eu li detalhes e detalhes.
Meu Deus!
Eu li o meu nome... Voltei a ler, incrédulo.
Não havia nenhuma dúvida.
Eu era um dos cinco membros da tripulação de "Raio negro".
Eu senti um calafrio.
Eu não conhecia o resto dos ocupantes da nave. Eu deduzi que eram jovens pilotos.
Eu li um capítulo dedicado a novas armas e uma tecnologia não-humana, conforme tinha dito o japonês.
O propósito de "Raio negro" era um só, e muito claro: recuperar o "berço" e devolvê-lo aos seus legítimos proprietários.
Falava algo sobre os soviéticos...
Que absurdo!
Para meu espanto, o relatório não falava sobre Eliseu, nem qualquer pista, de que pudessem suspeitar que ele tivesse "retornado" à época do Mestre.
E eu me questionei novamente: «Por que tanto esforço para enviar "Raio negro" se ninguém tinha certeza de que meu irmão tinha retornado? Ou eles possuíam essas pistas?»
O projeto estava tão detalhado, que haviam fixado até a data de "lançamento": "Após a guerra entre árabes e judeus."
Era espetacular...
Tudo tinha sido cuidadosamente programado.
E eu vi a mão dos "falcões" em tudo aquilo...
Eu li, e li avidamente.
E, de repente, vindo de muito longe, um pensamento me atingiu: «Poderia "retornar" e encontrar-me novamente com Ele? »
Engoli em seco.
O Mestre! Voltar a vê-LO!
A idéia se instalou em minha mente e eu comecei a me sentir bem. Muito bem...
Quem sabe! Não era difícil esquivar-me daqueles novatos... Certamente contaria com a ajuda de Eliseu.
E eu deixei-me levar pela fantasia.
Voltaria a vê-LO e a vê-la!
Quarenta minutos foram o suficiente. "Relatório Zero" ficou retido, palavra por palavra, no meu cérebro.
E nisto, enquanto eu fantasiava, eu me levantei e deparei-me novamente com o, escuro e atraente, interior do cofre.
Nossa!
E a curiosidade, muito forte, acabou me puxando.
Eu apenas tinha que me aproximar...
Apenas daria uma olhada, nada mais.
A dona da casa tinha se retirado.
O assistente continuava dormindo na cadeira “Windsor”.
Era o momento.
Curtiss prometeu voltar em uma hora. Faltavam 20 minutos...
"Basta somente olhar", insistiu a curiosidade.
“Eu não devo”, eu dizia para mim mesmo.
“Sim, você deve...”
“Não...”
E eu olhei, é claro. Melhor dizendo, remexi.
Eu revirei as pastas para ler os títulos. Um deles me chamou a atenção: “SPAN”.
Eu não sabia o que ele queria dizer.
«SPAN? » Space? Instante? Espaço-tempo?
Por que me atraiu?
Sentei-me abruptamente, como se tivesse cometido um assassinato.
Eu sei: eu não tenho solução...
E aguardei pelo retorno de Curtiss, imerso em “Ray negro”.
O general de apresentou, pontual.
Eram 18 horas.
O dossiê secreto descansava em cima da mesa que resmungava.
Eu continuava sem entender o que dizia a de fresno e de carvalho.
Falava em um idioma desconhecido. "Istripu" – repetia - "Istripu".
Eu tentei colocar ordem no quintal dos pensamentos. Foi inútil.
Eles eram como crianças.
Eles se atiravam pedras e gritavam como macacos. Eles chegavam como um tsunami na praia da mente e se derramavam como ondas...
“Raio negro.” Uma missão diabólica!
- E então... - Curtiss queria saber.
Eu balancei minha cabeça, desanimado. E eu lhe entreguei o dossiê.
- É uma loucura, general... Eliseu provavelmente está morto.
Curtiss folheou os papéis, superficialmente, e devolveu-os ao cofre.
Fechou-o em seguida, e a cópia de Rossetti recuperou a posição habitual.
A ruiva seguia aterrorizada, mais ou menos como eu.
Eu ameacei me levantar e ceder seu assento.
O general rejeitou a oferta e ordenou que eu continuasse sentado.
Eu explorei o olhar do chefe do projeto Swivel.
Não pareceu ter percebido que eu havia revirado dentro do cofre, ou pelo menos, dissimulou com perfeição.
E eu segui tremendo...
Curtiss era um Jarro de Pandora.
De repente, exclamou:
- Eu quero que você prometa uma coisa...
Corrigiu na mesma hora:
- Eu quero que você jure uma coisa...
Nossa!
Não estava mal: dois juramentos em seis horas...
Isso está ficando interessante.
- Você dirá que... - Eu repliquei, intrigado.
De repente, empalideceu.
Inclinou-se até quem isto escreve e mirou-me nos olhos.
O que estava acontecendo?
- Se “Raio negro” seguir em frente – e seguirá - jura por tua honra militar que não recuará...
- Recuar? Eu não entendo...
- Jura que fará parte dessa tripulação, não importa o que acontecer...
Eu não conseguia compreender e, apontando o cofre, comentei:
- Ali diz que eu faço parte de “Raio negro”...
- Eu sei. Foi uma decisão minha.
A palidez tornou-se mais intensa.
E eu percebi algumas gotas de suor nas têmporas.
Fiquei alarmado.
- Não importa que você não entenda - continuou. Jure!
Eu hesitei.
Eu não sabia do que ele estava falando.
Curtiss percebeu que eu estava perdido e, abaixando o tom de voz, sussurrou:
- Tudo está se precipitando... Se vier a acontecer algo - e vai acontecer - eu quero você lá, em “Raio negro”. Não desista...
- O que você acha que vai te acontecer?
E me veio à mente, o temor de Estrela.
Curtiss guardou um eloquente silêncio.
- Eu não entendo - eu joguei um verde, tentando averiguar. Há alguns dias atrás você ordenou-me que não me envolvesse nos trabalhos de preparação de “Raio negro”... Agora eu me encontro na lista da tripulação.
O general não caiu na armadilha.
- Isso é o que eu transmiti para Domenico. Mas isso foi dias atrás... Agora, os problemas são outros.
Ele voltou a olhar para mim, fixamente, e ordenou:
- Não me pergunte mais nada...
Vi o silêncio chegar.
Curtiss procurou um charuto.
Ele acendeu-o.
Suas mãos tremiam.
Ele sugou avidamente e vi a fumaça branca flutuar. Ela ficou perto do teto, como se soubesse do que o general estava falando.
O charuto acalmou os ânimos, em parte.
E Curtiss sussurrou:
- Ninguém está seguro com este podre do Nixon - parecia que falava para si mesmo - e muito menos eu...
Ele voltou a se inclinar sobre quem isto escreve e berrou, no melhor dos seus estilos:
- Obedeça, seu teimoso...! Sua vida depende disso!... Não desista de “Raio negro”! ...
A palidez vinha e voltava.
E concluiu, com a voz embargada:
- Não desista, aconteça o que acontecer, passe o que passar!
A fumaça do "Upmann" me envolveu, literalmente.
E eu comecei a tossir.
Curtiss se manteve a um palmo de meu rosto, indiferente, e esperou por uma resposta.
Eu só conseguia tossir.
- Além do mais - acrescentou, suavizando seu tom de voz – você é o mais qualificado...
As palavras abriram caminho através da fumaça e, com dificuldade, consegui perguntar:
- O que eu tenho a ver com Nixon...? Por que você diz que a minha vida está em perigo?
- Isso é uma ordem, “pés tortos”...! Jure!
Aquilo ficou claro.
Curtiss não tinha a intenção de esclarecer nenhuma dúvida. Pelo menos naquele momento...
E, eu jurei, certamente assustado.
O general estava escondendo algo muito sério...
- É engraçado - eu disse. Eu nem sequer conheço “Raio negro”...
Curtiss se deu conta.
Minhas credenciais eram “azul-4”. Para acessar a "cidade subterrânea", na área restrita de Edwards, precisava de uma "TSSC" de categoria superior.
- Isso será providenciado, no meu regresso à base – comentou o chefe do projeto. Falarei com Domenico para que ele providencie tudo...
O general tinha se acalmado. E ele começou a expelir anéis de fumaça branca.
Eu tive um terrível pensamento: "dava-lhes de comer, assim como fazia com as bolhas tropicais?"
- Amanhã, quando retornar para a base - continuou Curtiss - segue com o que você está fazendo... Que ninguém desconfie que você está na lista de “Raio negro”... E lembre-se: se você falar, te fuzilo...
- Joco já deve saber...
- Joco sabe o que eu quero que saiba...
Mensagem recebida.
E eu me atrevi a insistir:
- Você considera que Eliseu está vivo?
O general continuou o jogo de aros.
Depois de alguns segundos, quando ele ponderou a resposta, respondeu:
- Meu amigo, Curtiss só acredita na Santíssima Virgem, e no bicarbonato de sódio. Nessa ordem. E, neste último, cada vez menos...
E eu pensei: “sem esquecer as bolhas azuis tropicais".
Mas eu engoli o pensamento.
Alguma coisa eu sabia, em função de Estrela...
E o general ficou todo cheio de si.
Não me ocorreu perguntar novamente. Curtiss tinha sido um bom piloto. Não convinha repetir a pergunta.
E nisto estávamos, quando Estrela se apresentou no salão.
Acordou Domenico e veio em nossa direção.
Sorriu para mim com o olhar e disse a Curtiss:
- Está na hora...
O general procurou em uma das estantes e pegou um livro de capa vermelha e grandes letras douradas. Era uma encadernação com uma pele reluzente e mosqueada.
Não cheguei a ver o título.
Fiquei intrigado.
Curtiss convidou-me a acompanhá-los.
Foi então que, ao nos retirarmos, que a mesa de fresno e carvalho, murmurou novamente naquele idioma indecifrável. E ouvi-a dizer:
"Istripu... ez hildako”.
Ninguém prestou atenção.
E gritou, quando nos afastamos, "Istripu ez hildako!"
Eu voltei a perceber os papeis que habitavam no alto.
Eu conhecia-os...
Acomodamo-nos na varanda, em frente à mesa pregos de prata.
O general se deixou cair na velha cadeira de balanço e esta o recebeu com um breve, mas afetuoso balanço.
Os albatrozes observavam, imóveis, com os falsos bicos vermelhos orientados para o leste, atentos à brisa do Pacífico. Mas a brisa estava patrulhando outros lugares.
O pôr do sol se aproximava lentamente, na ponta dos pés, mas estava perto.
Curtiss esmagou o charuto e o esqueceu, agonizando, em um dos indiferentes cinzeiros.
A mulher colocou uma vela amarela, combinando com a chama, sobre a mesa de carvalho e sentou-se ao lado de seu marido. Domenico e quem isto escreve, nos sentamos perto do casal.
Desta vez não se rezou o rosário.
Era sábado e, de acordo com os costumes do general, dia de leitura e meditação.
Curtiss abriu o livro vermelho.
Tratava-se de “A Imitação de Cristo”, atribuída a Thomás Hemerken, mais conhecido como Thomás de Kempis [88]. Eu conhecia o texto de cor, mas agora, depois da aventura na Palestina do Filho do Homem, rejeitava-o de imediato.
E Curtiss começou a ler.
Ele começou com o quarto livro (capítulo 1, 5): "Santíssimo Sacramento do Altar... exortação devota à Santa Comunhão... Oh, meu Deus! O que não fizeram aqueles para te agradar? Mas, ai de mim! Quão pouco é o que eu faço! Quão curto tempo gasto em preparar-me para a Comunhão!”
O general se deteve. Ele olhou para os presentes e moveu a cabeça afirmativamente, enquanto repetia:
"Quão curto tempo gasto em preparar-me para a Comunhão!"
E deixou que a frase flutuasse nos corações. Eu fiquei em silêncio, atento.
“... Estou raramente inteiramente recolhido - continuou Curtiss - e muito raramente estou livre das distrações... E, de fato, que em sua divina e saudável presença, não deveria acontecer nenhum pensamento pouco decente, nem ocupar-me de qualquer criatura... porque eu não vou hospedar um anjo, mas o Senhor dos Anjos”.
O general interrompeu a leitura novamente e os três baixaram suas cabeças, dedicados a refletir sobre o que foi lido.
Eu fiquei em silêncio e atordoado.
Como explicar-lhes que o Mestre nunca pretendeu instituir a chamada Eucaristia? [89] Isso teria ido contra os seus pensamentos mais básicos... Jesus de Nazaré não era um defensor de fórmulas mágicas e matemáticas.
Tudo devido às más interpretações e, também, à censura e manipulações posteriores.
Eu me resignei.
Eles eram felizes assim. Eu não tinha o direito de modificar suas bússolas.
E Curtiss continuou no sétimo parágrafo: "Por que, então, não me inflamo mais em sua venerável presença? Por que não me preparo com mais cuidado para recebê-lo no sacramento, vendo que aqueles antigos Santos patriarcas e profetas, reis e príncipes, com todo o seu povo, mostraram tanta devoção ao culto divino?”
Santos? Ninguém é santo na Terra...
Meditaram novamente e o general passou o Kempis para Domenico. Este, por sua vez, leu o primeiro livro (capítulo 23, 5). "Da meditação e da morte"
[88] Supõe-se que Thomas de Kempis escreveu numerosas obras de espiritualidade e teologia. Uma delas foi A Imitação de Cristo (1441). Kempis entrou na ordem dos Irmãos da Vida em Comum (1398). Ele foi ordenado em 1413. A Imitação de Cristo foi escrita em latim e é composta por quatro partes principais. É a máxima da expressão do movimento de moda na época: a Devoção Moderna, uma corrente asceta nascida na Holanda. Ele queria uma espiritualidade acessível a todos os fiéis. (N. do m.)
[89] Ampla informação sobre a última ceia em Cavalo de Tróia 1 - Jerusalém, e Cavalo de Tróia 2 - Massada. (N. do.)
Ele disse: "Não confie em amigos ou vizinhos ou deixe para depois a sua salvação; porque, mais cedo do que você pensa, estará esquecido dos homens..."
Eles baixaram as cabeças e refletiram (?).
Meu Deus! Não é isso... Ele repetiu até a exaustão: somos imortais! Não há necessidade salvação! Confie ou desconfie. Não importa. No final, depois da morte, será imensamente feliz...
Mas eu continuei encerrado no silêncio.
Domenico passou para o 23, 9: "Trate-se como hóspede e peregrino sobre a terra, a que não está fazendo nada no mundo dos negócios... Mantenha o seu coração livre e levantado à Deus, porque aqui não temos um endereço permanente ... »
Nisto eu estive de acordo.
A Terra é uma simples ou complicada aventura, depende. É um suspiro de 20, 50 ou 100 anos. Algum dia – no não tempo - a vida será apenas uma vaga lembrança. Havia a necessidade de vivê-la e estamos vivendo-a... E iremos, então, para a realidade.
Terminada a meditação, foi a vez da mulher.
Ela leu o terceiro livro (capítulo 14): «Os teus juízos, Senhor, me apavoram como um trovão terrível, arrepiando todos os meus ossos, penetrando-os com temor e tremor, e minha alma fica apavorada...»
Estrela olhou para mim, tremendo. Eu neguei levemente, com a cabeça. Eu queria que ela soubesse que aquele texto não fazia sentido. Eu não sei se captou a mensagem.
O Pai Azul, Ab-ba, não julga ninguém. Mais ainda, ninguém julga ninguém depois do doce sono da morte.
“A Imitação de Cristo” era uma obra bem intencionada, mas errônea e catastrófica.
Meditaram e Estrela começou a ler a última passagem (Livro II, 12-11): "Quando chegares ao ponto, em que a aflição será doce e saborosa por causa do amor de Cristo, pensa então, que está tudo bem, porque você encontrou o paraíso na terra ".
Não é isso, não é isso... – disse a mim mesmo. Na terra, não viemos para sofrer, mas para experimentar, o que é muito diferente. Na Terra se sofre, por que é um mundo laboratório. Ele disse isso.
Meditaram novamente e eu fiquei em silêncio, colocando os pensamentos em ordem.
Não é isso...
O jantar, no salão, foi delicioso e relaxante.
Bebemos chardonnay e Chenin, das cepas brancas do condado de Napa, ao norte da baía de São Francisco (deveria ter escrito somente Francisco, mas enfim...).
Domenico repetiu a sobremesa.
E, como era a tradição na família, durante o jantar, eles conversaram sobre o que foi lido minutos antes: a necessidade de imitar o Mestre.
Eles discutiram o assunto e terminaram elogiando as excelências de Kempis.
Fiquei à margem, ocupado, especialmente elogiando o resplandecente chardonnay. O vinho olhava para mim e dava piscadas amarelas. Que bela criatura!
Mas Estrela logo percebeu a minha "ausência". E perguntou:
- O que você acha?
Abandonei o diálogo com o chardonnay e questionei a mulher, claramente confuso:
- O que eu penso sobre o que?
-Sobre a necessidade de imitar Jesus Cristo...
Curtiss a corrigiu:
- Jesus Cristo não... Diga Jesus de Nazaré.
A mulher escutou-o, sem compreender.
Curtiss e eu nos olhamos, satisfeitos.
E eu me concentrei na pergunta da generala:
- O Mestre não desejava algo assim...
- Não desejava o quê? Adiantou-se Estrela.
- Não pretendia que O imitassem.
- Por quê? -interveio Domenico. Cristo é...
Curtiss também o interrompeu.
- Se diz Jesus de Nazaré...
O assistente, confuso, continuou o seu raciocínio:
- Eu dizia que Cristo - perdão, Jesus - é o exemplo supremo em todos os aspectos da vida...
O general assumiu e se esvaziou:
- Isso mesmo. O Mestre foi um exemplo em sua vida diária, no trabalho como carpinteiro, na relação com os seus pais, na moral, no pensamento - sempre puro - na forma de orar, nos sacrifícios e jejuns que ele praticou em sua caridade, na ausência de pecado, em seu celibato e, até mesmo, na forma de morrer...
E a mulher repetiu a pergunta:
- O que você acha?
Eu não sabia por onde começar.
O sagrado licor do Tennessee me deu uma mão.
E eu expressei, o que eu acreditava, com base no que tinha visto com Ele.
- Jesus se encarnou em um lugar e um momento particular.
Escutaram-me atentamente.
- Nada foi casual. Tudo foi cuidadosamente pensado...
Mas não queria desviar-me do assunto principal e regressei para a pergunta de Estrela:
- Aquela Palestina e aquele primeiro século, não têm relação nenhuma com o nosso tempo. O Filho do Homem não queria que o imitássemos porque as circunstâncias históricas mudam dia a dia... O que foi bom para Ele, não tem porque ser para nós.
Domenico não me deixou terminar.
- Então, se não é para imitá-LO, do que se trata? Por quê e para quê estamos aqui?
E lembrei-me que ele tinha adormecido durante a "descabelada proposição" que realizei com a ajuda do quadro-negro.
Isso não importa. E resumiu:
- Não se trata de imitar o Mestre, mas sim de viver...
- De viver? E em quê consiste isto, de acordo com você?
- Eu disse à tarde. Viver é experimentar a imperfeição. Que ninguém te conte sobre isso após a morte... Viver é desfrutar da vida que você mesmo escolheu.
Eu levantei minha taça de chardonnay e os brilhos me deram razão.
E me fiz eco das palavras do general:
- Jesus de Nazaré é o símbolo do amor e da espiritualidade. Disto ninguém duvida.
Eles assentiram em silêncio.
- Mas cada um tem o seu destino.
Eu também deixar a idéia flutuar nos corações, e acrescentei, sabendo das reações que iria provocar:
- Hitler cumpriu o seu e agora nos precede no caminho até o Pai...
Curtiss foi o primeiro a explodir:
- Como se atreve a insinuar que aquele cabo “vagabundo” possa ser acolhido pelo Pai?
- Está deturpando as palavras, general...
Ele me olhou com espanto.
- Aquele chupador - rugiu o assistente - está queimando no inferno!
- Deixe-o falar! – a generala interveio.
- Eu não insinuei. Eu afirmo.
O charuto de Curtiss se apagou, de susto.
- Ninguém é rejeitado - e olhei para Domenico. Ninguém... Faça o que fizer, diga o que disser... Tudo faz parte do plano. Nada é de graça. Essa foi a mensagem do Galileu. Essa é a grande esperança...
- Hitler cometeu assassinatos em massa...
Eu respondi para Domenico:
- As Cruzadas também...
E imediatamente sorri para ele.
- Não temas. Tudo foi concebido para o bem, mesmo que não compreendamos.
Eu fiz minhas, algumas palavras do Mestre:
- Você sabe por que as formigas não olham para o céu?
Domenico e Curtiss pensaram: "Está louco."
Adiantei-me e proclamei:
- Não olham para o céu, porque não sabem que existe o céu.
E regressei ao assunto da imitação:
- Jesus também não orava como você fazem. Suas orações eram diálogos com o Pai...
E dei uma alfinetada:
- Jesus seria incapaz de rezar o rosário...
Arrependi-me imediatamente. Aquilo não foi legal...
E eu continuei, a duras penas:
- Jesus foi mais que um carpinteiro. Foi um educador revolucionário.
- Como Fidel?
A piada de Domenico aliviou a tensão.
- Também não praticou jejum, pelo menos conscientemente.
Curtiss escutava com a boca aberta e o charuto apagado.
- E se Ele foi celibatário - acrescentei - é porque isso era adequado aos seus planos, não porque ele era contra o casamento... Quanto à família...
Eu hesitei. Eu não queria machucá-los novamente.
Mas a Estrela me incentivou a continuar.
- Quanto à família, a relação com a mãe e os irmãos não foi como vocês pensam. Não O compreenderam...
E a generala arredondou, com habilidade:
- Nem naquela época, nem hoje.
Domenico, aparentemente, carregava uma pergunta há algum tempo, e a soltou:
- Será que o Mestre era um homossexual?
Curtiss queria comê-lo com os olhos.
Eu lhe sorri novamente e respondi:
- Houve homossexuais que O seguiram...
E eu falei, seguro de mim mesmo:
- Um dos doze era homossexual. Talvez dois...
O rosto de Domenico se iluminou.
E eu continuei:
- Eu vou lhe contar uma coisa que você não sabe...
E narrei o que aconteceu quando caminhávamos do Monte Hermon até a aldeia de Nahum, junto ao Yam. Naquela ocasião, Eliseu fez uma pergunta do Filho do Homem: "Diga-me, Senhor, como explicar a homossexualidade em um reino tão perfeito como o do Pai?" [90]
- Nós continuamos a caminhar, mas o Galileu não respondeu ao meu irmão... Então parou à esquerda da estrada. Um velho Badawi (beduíno) vendia uvas.
[90] Ampla informação em Cavalo de Tróia 7 - Nahum. (N. do.)
Os três escutavam, atentíssimos.
- E o beduíno, ansioso para vender, proclamou: "As anavim (uvas) são um presente dos deuses... Além disso, clareiam da pele. Iluminarão teu rosto...”
Jesus deslizou a mão esquerda sobre uns cachos brancos, com pintas pretas, e, depois de hesitar, arrancou um dos gomos. Ele ergueu-o e apontando-o ao sol, e contemplou, satisfeito, a textura e firmeza da polpa. Depois ele deu para o engenheiro comer. Era muito doce.
Finalmente, colocando as mãos sobre os ombros de Eliseu, contestou a aparentemente esquecida pergtunta: "Filho, você acha que o Pai comete erros?"
Domenico proclamou, eufórico:
- Então, não somos desprezíveis...
Eu queria dizer-lhe que não, mas Curtiss não permitiu. A bronca foi monumental. Para o general, a homossexualidade era outra praga do Egito, assim como o comunismo... Se ele aceitava o assistente, era por causa de sua comprovada eficácia.
Estrela, novamente, aliviou a tensão do caldeirão.
De repente, ela se levantou e colocou uma música.
Callas e Madame Butterfly fizeram o milagre.
Os ânimos retrocederam e nos dedicamos à beleza, nada mais.
Depois foi a Norma, de Bellini.
A voz da divina, no piano, era sublime.
Terminamos reconciliados, naturalmente.
Estrela, feliz, também nos presenteou a La Bohème, do insuperável Puccini.
Callas era um monstro.
Seu registro soprano incluía três oitavas. Não importavam os sobre-agudos estridentes. Era uma soprano sfogato.
E de repente, Domenico soltou:
- Por que não funda uma igreja?
Fiquei atônito.
- Você é um novo São Pedro...
- Em todo caso, um Pedro – eu o corrigi.
Curtiss e eu nos olhamos.
E lembrei-me de suas palavras sobre a necessidade de reduzir, dentro do possível, a credibilidade da história.
Mensagem recebida.
Retirei-me em uma hora prudencial.
Em minha mente, fervilhavam emoções e pensamentos.
Precisava colocar o quintal do coração em ordem.
Eles permaneceram no salão, hipnotizados pelo poderio de Callas.
Mas as surpresas, naquela noite, não haviam terminado...
Ao entrar no quarto, deparei com ele sobre a cama.
Nossa! Como ele foi parar lá?
Eu tentei usar a lógica.
Negativo.
Eu não sabia.
Na casa estávamos somente nós quatro, além de Henry, o cão amarelo. Mas este não contava.
Era tudo muito estranho...
Eu o inspecionei, intrigado.
E cheguei a olhar ao meu redor como um idiota.
Francisco e o Anjo do violino, de Murillo, encolheram os ombros.
Eles disseram não saber de nada.
Eu sabia que isso era impossível.
Eles tinham que ter visto algo. Eles estavam em um lugar privilegiado, sobre a cabeceira da cama.
Eu não respondi. Deixei-os...
As claves de sol e a misteriosa equação na tulipa (5 + 5 = 1) ficaram em silêncio. Isso foi mais grave. A clave de sol, como se sabe bem, representa o amor violeta e, portanto, o mais sincero.
Algo grave, gravíssimo, havia acontecido naquele quarto.
Eu tinha que averiguar...
Com o armário chinês eu nem falei. Continuava obcecado com Pablo Bay. Somente queria olhar para fora da janela, mas isso era impossível. Era um roupeiro...
Nem o crucifixo de madeira e o rosário pendurado na parede, deram uma única pista. Eles já tinham bastante com que se preocupar...
O reclinatório e Yehohanan olhavam para o outro lado.
Para bom entendedor...
Conformei-me.
Somente restava o ventilador com pás de madeira, mas este era tetraplégico. Eu não perguntei, por respeito.
Em suma, ninguém quis se cometer.
Na minha ausência, alguém tinha depositado um envelope laranja sobre a cama. Era idêntico aos recebidos anteriormente. O mesmo lacre, a mesma cor...
Eu inspecionei-o por um tempo.
Não emitia cheiro.
Ainda assim...
Eu tentei pensar em alta velocidade: "Só alguém que está comigo na casa pode ter entrado no quarto... Mas quem? Por quê?”
Abri e encontrei outra cartolina branca, com o conhecido emblema, em relevo, no canto superior esquerdo: um pentagrama, invertido, cercado pelo lema "além de lealdade."
Domenico? Talvez Estrela? ... Ou poderia ser o general?
Os três eram católicos apostólicos romanos. Todos os três eram anticomunistas...
E eu pensei de novo: "E o que isso tem a ver com essas mensagens?"
Eu estava atordoado.
Eu não conseguia esclarecer a incógnita.
No centro geométrico da cartolina, datilografada, aparecia a seguinte frase: "Deditionem fac, proditor".
Era Latim.
Poderia ser traduzido como "Renuncie, traidor".
Mais uma vez aquela acusação... Por quê? Eu não era um traidor. E, a que, eu deveria renunciar?
Eu não entendi.
E lembrei-me das "mensagens" anteriores. Ou se tratavam de ameaças: "Marte alerta" e "Blasfêmia".
Eu dei voltas e voltas, mas não cheguei a nenhuma conclusão.
“Marte alerta – Blasfêmia - Renuncie traidor."
Eu estava exausto.
As emoções tinham me atropelado.
Eu fiz o melhor que eu poderia fazer: guardei o enigmático envelope laranja e fui para a cama.
Custou-me dormir.
Estava à procura de uma solução para o mistério, mas não a encontrava.
"Eu não era um traidor..."
Finalmente, o sono entrou no quarto e me cobriu com sua capa preta...
Eu tive sonhos perturbadores e, agora eu sei, quase proféticos.
Um, em particular, me impressionou.
Isto é o que eu me lembro dele:
Eu estava na sala das "tempestades" no Fog.
Ao redor da mesa de vidro reunia-se uma incrível coleção de personagens.
Todos usavam trajes de astronautas do projeto Swivel, exceto Domenico, que atuava como escrivão.
Eu estava muito zangado.
Lá eu vi Maria Callas, alta, séria e poderosa. Eu também vi o compositor italiano Giácomo Puccini. Como era possível? Puccini morreu em 1924... Ele estava com os cabelos despenteados e um enorme bigode. Acariciou o traje branco e a bandeira norte-americana costurada no ombro esquerdo. E parecia dizer: "O que eu estou fazendo neste sonho"
Thomas de Kempis era outro dos ali reunidos.
Ele abraçava uma edição de luxo do “A Imitação de Cristo”. E repetia como um papagaio: "é uma tradução de Nieremberg".
Ninguém lhe dava atenção.
Aristóteles Sócrates Onassis era outro dos participantes da reunião. A USAF tinha o forçado a dispensar seus enormes óculos, o que o obrigava a olhar de soslaio.
A cada piscada, se ouvia um som estranho. Algo parecido com o som de uma caixa registradora...
Curtiss presidia a incrível assembléia.
E, como eu disse, quem isto escreve estava muito chateado e irritado.
As queixas eram dirigidas ao general e chefe do projeto.
Aparentemente, os presentes, exceto Domenico, integravam a tripulação de "Raio negro" (!).
E eu gritava, decomposto:
- Como posso resgatar o "berço" com esta tropa?
Curtiss pegou o rosário e começou a rezar.
- Nenhum está capacitado para voar! - Protestei.
Callas, em seguida, deu um soco na mesa e se levantou.
Todos ficaram em silêncio.
A divina quase se chocou com o teto.
Nixon parou de sorrir por causa do susto.
Ela ergueu o punho e cantou:
- Crudel...!
- Eu cruel? - Respondi. Você está me confundindo com Jon Vickers em Medea...
E eles começaram a assobiar e sapatear no chão.
Callas olhou com desprezo, e voltou a cantar:
- Crudel!
Ela fez uma pausa e continuou com a música:
- "Ho dato tutto a te”...
Traduzi para Curtiss:
- Ela diz que te deu tudo...
O general corou como uma papoula.
Onassis começou a aplaudir e o resto o seguiu, animado. A ovação se prolongou por três minutos.
Também não é para tanto, pensei.
Os agudos eram sonoros, embora não se ajustassem aos padrões estabelecidos. Eu não sabia se eram registros de uma soprano aguda ou contralto.
Mas isso, o que importava?
Estávamos ali por outro motivo: o resgate de Eliseu...
Eu comecei a suar.
Aquilo era um fracasso...
Kempis também se levantou e gritou:
- Eu vim para falar sobre o meu livro...! A Paramount Pictures Corp está interessada em levá-lo para o cinema!
Domenico me fez um sinal e perguntou:
- O que significa Corp?
- Eu não sei... Não me distraia.
Protestei.
Nós não estávamos no rumo certo...
Curtiss não aceitou o protesto.
E Thomas de Kempis continuou:
- Pode ser que o filme seja dirigido por Coppola...
Houve um murmúrio de admiração.
Todos o parabenizaram.
E Callas perguntou:
- E quanto ao elenco?
- Está muito avançado... Marlon Brando, Diane Keaton, Al Pacino, Robert De Niro, Duval, Talia Shire, James Caan, Richard castelhano...
Puccini interrompeu:
- Eu tenho um par de óperas para estrear. Talvez isso possa interessar para a Paramount...
Kempis hesitou.
- “La Traviata” eu deixo mais barata...
- Eu não sei, sussurrou Kempis. Que tal “La Traviata” e “La Bohème”, pelo mesmo preço?
- Porca miséria! - murmurou Puccini.
- E você tem que me dar “L Misa” de 1880, o “Prelúdio Sinfônico” de 1876, e “Requiem” de 1905...
Kempis era um tubarão.
Puccini concordou, com a condição de que ele fosse interpretado por Brando.
Eu não fui capaz de colocar ordem.
E Curtiss, para meu desespero, deu por concluída a convocação.
E os "astronautas" dirigiram-se para a "cidade subterrânea". Lá esperava a nave...
Domenico seguia empenhado:
- O que é Corp?
Eu mandei-o passear, diretamente.
Estava preocupado com frivolidades...
Quando nos preparamos para descer à "cidade subterrânea", a polícia militar me cortou a passagem.
Todos desceram, menos eu.
Protestei.
Eles disseram que eu não tinha as credenciais necessárias.
Que absurdo! Aquilo era um sonho...
Tentei argumentar com o sargento da PM.
Então eu percebi...
Sob o capacete aparecia o rosto de menino de Walter.
Dei-lhe os parabéns por sua promoção.
Não se alterou.
Ele me acusou de bajulador e exigiu as "TSSC" correspondentes.
Eu esvaziei meus bolsos. Isso era o que ele estava carregando: um dado para falar com Deus, as chaves de nenhum lugar, cinco dólares (símbolo do Pai Azul), o cartão de membro da Área 51, doze cartões de crédito (alguns expirados), pastilhas para a tosse, uma foto do meu avô (o caçador de patos), números de telefone (super secretos), toalhas higiênicas com aloe vera, pincéis atômicos vermelhos e pretos, óculos, um inalador (sem prescrição médica) e uma clave de sol ...
Walter estava impaciente.
Ele comentou:
- Mais alguma coisa?
As "TSSC" não apareceram.
Era simples: eu não as tinha.
Invoquei a minha amizade com Curtiss.
Negativo.
Eu falei-lhe das nossas peripécias com as caixas de pêssegos.
Negativo.
Eu dei-lhe os cinco dólares.
Negativo.
Prometi a um par de ingressos para o jogo de basquete entre Os Nets e os Stars.
Ele hesitou.
Eu pensei que o tinha pego, mas não...
Eu ofereci a receita da lagosta ao estilo Saint Croix.
Negativo.
Walter era concreto armado.
Insinuei que era amigo do Mestre e que possuía informações de primeira mão sobre a sua vida...
Negativo. Walter era protestante.
Eu desisti.
E abandonei o hangar vermelho, muito pálido...
Eu caminhei sem direção.
Qualquer pessoa que me via passar - vestido de astronauta – zombava de mim pelas minhas costas e cantava Madame Butterfly.
As pessoas são cruéis, inclusive em sonhos.
E me refugiei no bosque de Josué.
Eu chorei bastante e, com isso, reguei o cacto de olhos cor mostarda.
Como era de se prever, acabei no bar de Joco, segurando uma garrafa do sagrado licor do Tennessee.
E o japonês disse:
- Eles trouxeram isso para você...
Era mais um envelope laranja e selado.
Nossa!
Perguntei pelo entregador e Joco piscou:
- Que você tenha calma!
Ele serviu outro uísque e a descreveu:
- Ela era linda, séria, com cabelo preto, até o traseiro, e um andar peculiar...
Deduzi de quem se tratava.
- Parecia que andava na ponta dos pés, como os anjos.
E Joco arriscou:
- Eu diria que era uma Apache.
Eu tinha quase certeza. Era a bela intuição, novamente.
Eu não sabia que também agia em sonhos...
- Abra-o! – Sugeriu o japonês.
Eu terminei o uísque.
Joco estava impaciente.
E eu pensei: "Outra ameaça?"
Eu continuei brincando com o envelope laranja.
- Você não quer abri-lo?
E o japonês acrescentou:
- Lembre-se o hipotético leitor destas memórias...
Mas eu continuei na minha, fazendo os pensamentos girarem.
"Não - eu pensei - intuição nunca ameaça."
- Se desejares, eu abro...
Não era uma má idéia. E eu entreguei-lhe.
Ele o rasgou com pressa e, no sonho, extraiu outra cartolina branca, com o já conhecido emblema, em relevo e azul.
"Oh, não!... Outra mensagem”.
Joco leu silenciosamente, me observou e disse, desapontado:
- Que coisa tão estranha...
- Por quê?
- Veja você mesmo.
E ele me entregou a cartolina.
No centro geométrico tinha sido escrito, à mão, e em letra de forma:
"29 de agosto".
Eu não vi nada mais.
Joco consultou um calendário.
Faltavam 17 dias... Para o que quer que fosse.
E eu resolvi somar: 1 + 7 = 8.
Meu Deus! O número da morte, de acordo com Eliseu.
Joco insistiu:
- Uma coisa estranha, sim senhor...
E perguntou malicioso:
- Como se chama a afortunada?
- Chu'ma ni - improvisei. "Gota de Orvalho".
- Então não é apache...
- Dakota.
E retirei-me para o meu quarto.
Eu estava tão decepcionado que eu caí na cama sem tirar meu traje de astronauta. E no meio do sonho voltei a dormir (!) e "re-sonhei" (!) que despertava em 29 de agosto.
Eu estava cansado, mas não era para tanto...
Dormi 17 dias!
Tomei banho, cantei alguma coisa, e fui me apresentar no escritório de Domenico.
Ele queria saber como estava "Raio negro".
Ao entrar, o vi rezar o rosário.
Não tinha notícia de Curtiss. A expedição, aparentemente, estava se desenvolvendo normalmente (?).
Eu não fiz perguntas (coisa rara em mim) e me juntei à oração.
Nos sonhos, os compromissos existem, se você quiser...
Rezava os mistérios dolorosos... Eu deveria ter sabido.
Na terceira Ave Maria entrou o ajudante do Assistente.
Ele tinha uma pilha de fotografias em suas mãos.
Chorava.
Ele entregou-as para Domenico e disse, como conseguiu:
- Todos mortos...
Domenico olhou incrédulo e por sua vez perguntou:
- Todos?
O vice-assistente assentiu e soltou um sussurro:
- Sim, major... "Raio negro" capotou.
Eu odiava essa palavra. E adverti o vice-assistente:
- Capotar significa que um avião ou um carro fica em posição invertida, ou de cabeça para baixo, ao tombar... E você é um piloto?
O ajudante do assistente parou de lacrimejar.
Domenico analisou as imagens e começou a chorar amargamente.
Ele refugiou-se no rosário e vice-assistente juntou-se a ele.
Olhei as fotos e fiquei espantado.
No meio de uma floresta se viam os restos, fumegantes, de uma nave.
Deus abençoado!
Nos ramos dos pinheiros, estavam penduradas as peles de Callas, Puccini, Onassis e Kempis.
Pareciam capas ou cortinas ao vento!
Então, ao rever as imagens, notei algo que não se encaixava.
Eu solicitei uma lupa.
- Realmente - eu disse quase para mim mesmo.
- Realmente, o quê? - questionou Domenico.
Fiquei em silêncio.
Eu queria ter certeza.
Finalmente explodi:
- Isto não é "Raio negro"...
E eu mostrei, no meio dos destroços, uma cauda "T", típica de um avião.
E apontei os estabilizadores e o leme de profundidade, muito danificados.
- É um avião! - disse Domenico.
- Exatamente...
E eu indiquei a roda dianteira e o que sobrou do trem de pouso e os flaps, parte das abas internas e spoilers...
"Raio negro" era outra história.
Depois foram assessores que visualizaram os motores (ou o que restou deles). E eu também vi as carenagens e suportes, incendiados.
- E Curtiss? - Perguntei ansiosamente.
O ajudante do assistente não sabia.
E nisso, Domenico foi até a janela e abriu as cortinas. O sol nascente queria participar da reunião.
Foi então que eu acordei.
A luz solar me acariciava delicadamente. Chegou montada em uma madrugada pálida.
No começo eu não sabia onde eu estava.
Aquele avião destroçado...
Depois me acalmei.
O anjo de Murillo continuava a tocar aquela música silenciosa, em seu violino. Francisco contemplava-o, fascinado.
Nada havia mudado.
Bem, uma coisa sim...
A clave de sol havia pousado no travesseiro e me observava, com amor.
Ela acabou me beijando, e me mordeu nos lábios. Foi um beijo apaixonado.
Não dei maior importância ao sonho e, muito menos, ao "re-sonho". Eu pensei que se tratasse de uma bagunça mental, resultado de tantas emoções.
Sim e não...
Tomamos café da manhã e nos despedimos do casal. Tínhamos que voltar para Edwards.
E quando estávamos prestes a embarcar no “Renegade” com assentos de pele de zebra, Curtiss fez um sinal para que o seguisse.
Havia esquecido alguma coisa...
Henry, o cão amarelo, latia furiosamente, encarcerado distante.
Covarde!
E caminhou até o olival.
Uma vez entre as "arbequinas", o general perguntou:
- Essas árvores te dizem alguma coisa?
Eu passeei entre elas e inspecionei-as incluindo os galhos, troncos e os milhares de verdes.
- Nada, general... Desculpe.
Curtiss sorriu benevolente, e disse:
- Eu li em seus diários. O Mestre plantou a muda de oliveira que lhes entregamos, no Massada...
Recordei.
- E o fez, com amor, na chamada "casa das flores", em Nahum.
Eu entendi.
Aquela muda procedia da "Gold”...
O general adivinhou meus pensamentos:
- Sim, era uma destas "Arbequinas" que vocês levaram... Ela era uma muda destas...
Na memória surgiu Curtiss, pouco antes do segundo "salto", no topo do planalto do Massada, em Israel. Ele tinha nas mãos um cilindro de vidro... Com os olhos úmidos, estendeu-as para Eliseu, entregando-lhe a muda de oliveira que havia no cilindro...
E Curtiss falou:
- Um apelo final... Levem também este menino, e o plantem em nome dos que ficam deste lado... Será o humilde e secreto símbolo de uns homens que apenas estão buscando a paz. Uma paz sem fronteiras. Uma paz sem limitações de espaço..., ou tempo. Obrigado! E repetiu: Boa sorte!
Hipócrita!
Mas isso, agora, não importava...
Passado o tempo, quando estávamos no topo do Monte Hermon (atual fronteira entre o Líbano e Israel), meu irmão, o engenheiro, acabou dando a muda de presente para Jesus de Nazaré. Ele fez isso em seu 31º aniversário (21 de agosto do ano 25). O Mestre ficou encantado e recebeu a Eliseu, com as seguintes palavras:
- Um presente de outro mundo para o Senhor de todos os mundos...
E acrescentou, satisfeito:
- Será plantada como um símbolo da paz... A paz interior: a mais desafiadora...
Semanas mais tarde, realmente, o Homem-Deus a plantaria, com amor, em um dos canteiros da "Casa das Flores", em Nahum, à esquerda do portão de entrada. E lá permaneceu, até que o Destino decidiu mudá-la de lugar [91].
Então eu compreendi por que fiquei emocionado ao ver o bosque de oliveiras pela primeira vez...
Curtiss cortou uma rama e a deu para mim. Eu Iria guardá-la para sempre.
Voltamos para o “Renegade II".
Henry ainda estava latindo, especialmente em Inglês.
O general, de saco cheio, pegou uma pedra e tentou apedrejá-lo.
- Desertor!
E empreendemos nossa viagem de volta para a base.
Eu admito: foi um fim de semana singular, emocionante e profético.
[91] Ampla informação sobre o broto de oliveira em Cavalo de Tróia 2 - Massada, Cavalo de Tróia 6 - Hermon e Cavalo de Tróia 7 - Nahum. (N. do.)
14 de agosto
Na segunda-feira, 13 de agosto (1973), eu retornei aos meus principais deveres em Edwards.
Ou seja: a revisão dos diários no "vespeiro" (sempre com escolta), (Walter ainda era cabo); as conversas com o cacto Josué e ficar em dia com os segredos da área restrita (leia-se: bar de Joco, o japonês ).
Os "falcões" continuavam a sua, obstinados.
Eles não sabiam que eu sabia...
E foi na terça, dia 14, que se desencadeou a surpresa das surpresas.
Aconteceu no início da manhã, logo após sentar na frente da tela do computador.
Eu digitei. Eu procurei os diários e comecei a lê-los.
Oops... Após 130 linhas do terceiro erro, se apresentou uma nova anomalia.
Eu li, intrigado.
Mais uma vez!
Como eu podia ser tão idiota?
Quando relatava a minha aventura ao pé do que chamei de "pedra dos grafites”, perto da torre das "Verdes" e investigava o texto gravado no topo do penhasco, detectei...
O melhor da literatura para todos os gostos e idades