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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O DUQUE MAIS PERIGOSO DE LONDRES / Madeline Hunter
O DUQUE MAIS PERIGOSO DE LONDRES / Madeline Hunter

                                                                                                                                                  

 

 

 

 

Biblio VT

 

 

 

 

 

Condessa viúva de Marwood conseguia ser uma inimiga formidável quando queria. Sua mera presença desafiava alguém a tratá-la com gentileza para que ela pudesse ter uma desculpa para causar destruição, apenas por diversão.
Adam Penrose, Duque de Stratton, soube imediatamente o que encontraria nela.
Ele tinha sido chamado pelo seu neto, o conde da propriedade rural, que se encontrava ao seu comando. Vamos tentar enterrar o passado, ela havia escrito, e permitir que o que passou fique no passado entre nossas famílias.
Ele fora, curioso para ver como ela esperava conquistar isso, considerando que alguns desses acontecimentos não tinham terminado. Um olhar para ela, e ele sabia que qualquer plano que ela tivesse maquinado não o beneficiaria.
A senhora o deixou esperando por meia hora, antes de aparecer no aposento. Enfim, ela entrou na sala de estar, inclinada para a frente, cabeça erguida, seu peito amplo guiando o caminho, como alguém na proa do navio.
O luto pelo filho, o conde mais velho, a obrigava a usar roupas pretas, mas seu traje em crepe deve ter custado uma fortuna. Cachos grisalhos abundantes decoravam sua cabeça, sugerindo que ela também estava de luto pela moda ultrapassada das perucas. Olhos superficiais, grandes e de um azul pálido examinavam a pessoa que a chamou com um olhar crítico enquanto um sorriso artificial aprofundava as rugas de seu rosto comprido.

 

 

 

 

 

 

— Então, o senhor retornou — ela anunciou o óbvio quando eles se sentaram em duas cadeiras robustas, após a reverência curta dele e a reverência ainda mais curta dela.

— Estava na hora.

— Alguém poderia dizer que estava na hora há três anos, ou dois, ou ainda muitos anos antes.

— Alguém poderia, mas eu não.

Ela riu. Seu rosto inteiro franziu, não apenas seus lábios.

— O senhor ficou na França por bastante tempo. Até parece francês agora.

— Pelo menos metade, eu presumo, considerando meu parentesco.

— E como está sua querida mãe?

— Feliz em Paris. Ela fez muitas amigas lá.

As sobrancelhas da viúva se ergueram apenas o suficiente para expressar a diversão irônica.

— Sim, acredito que tenha feito. É um milagre ela não o ter casado com uma amiga dela.

— Acho que uma união britânica me serviria melhor. Não acha?

— De fato. Vai ajudá-lo enormemente.

Ele não queria falar sobre a mãe ou os motivos pelos quais uma união sólida o ajudaria.

— A senhora escreveu sobre o passado. Talvez possa me esclarecer quanto a isso.

Ela abriu as mãos, com a palma para cima, em um gesto de confusão.

— A animosidade entre nossas famílias é tão antiga que as pessoas ficam imaginando por que começou. É tão desnecessária. Muito lamentável. Nós somos vizinhos, afinal de contas. Certamente podemos passar por cima disso, se quisermos.

Incapaz de ficar sentado ouvindo suas referências alegres àquela história, ele se levantou e foi até as janelas altas. Tinham vista para um jardim espetacular e para as colinas além dele, não muito longe. A casa e seu terreno ocupavam um vale baixo.

— Como sugere que façamos isso? — ele fez a pergunta enquanto encurralava a amargura em sua mente.

A viúva sabia muito bem por que a recente animosidade havia começado e provavelmente sabia sobre a história antiga também. No entanto, reconhecer um dos dois tornaria sua oferta de paz peculiar. Nós roubamos sua propriedade, atacamos sua mãe e ajudamos a levar seu pai à morte, mas o senhor deveria passar por cima disso agora.

Ele se virou e a viu observando-o. Ela parecia confusa, como se ele tivesse feito algo inesperado e ela não conseguisse determinar se ele havia chegado a uma solução sem que ela soubesse.

Ele ergueu as sobrancelhas para encorajá-la a falar.

— Proponho que resolvamos isso da forma antiga. Da maneira que dinastias políticas fizeram ao longo do tempo — ela disse. — Acredito que nossas famílias devam se unir por meio do casamento.

Ele mal evitou revelar sua perplexidade. Não esperara isso, de todas as propostas. Ela não sugeriu apenas uma trégua, mas uma aliança unida pelos laços mais fortes. O tipo de aliança que poderia impedir que ele buscasse a verdade sobre o papel daquela família na morte de seu pai, ou que procurasse vingança se descobrisse que suas suspeitas sobre o último conde estavam corretas.

— Já que eu não tenho uma irmã para seu neto, presumo que a senhora tenha me escolhido.

— Meu neto tem uma irmã que vai combinar perfeitamente com o senhor. Emilia é tudo que qualquer homem poderia pedir e será uma perfeita duquesa para o senhor.

— A senhora fala com muita confiança, mas não faz ideia do que este homem pediria.

— Será que não? Como se eu tivesse vivido tanto e não aprendido nada? Bela, graciosa, reservada e elegante. Essas qualidades são prioridade na sua lista, como na de todos os homens.

A tentação em adicionar outras exigências, umas que iriam chocá-la, quase dominou seu autocontrole. Ele só ganhou a batalha porque havia aprendido a nunca informar o inimigo de seus pensamentos.

— Posso encontrar isso em muitas outras jovens. Devemos ser sinceros um com o outro? O que teria de particular nessa união que seria de minha vantagem?

— Pergunta ousada, mas justa. Nós seremos aliados em vez de inimigos. Vai beneficiar o senhor assim como a nós.

— Bom, Condessa, nós dois sabemos que isso não é verdade. Fui convidado para negociar a paz quando meu pai nunca foi, no passado. Seria tolo se não imaginasse por que a senhora pensa que eu concordaria. Considerando os boatos em relação às minhas atividades na França, suponho como a senhora pode achar que isso protegerá seu neto, mas não como me ajudará.

Seus olhos se estreitaram. As rugas de sua pele congelaram como esculturas de pedra. Ela não demonstrou medo. Adam admirava sua postura forte, mas, na verdade, ela não achava que estava em perigo.

Ela se levantou.

— Vamos até o terraço. Vou lhe mostrar minha neta. Assim que a vir, vai entender como será beneficiado.

Ele a seguiu para o ar fresco de abril. O jardim se espalhava abaixo deles como uma tapeçaria marrom e vermelha, decorada por novas folhinhas e flores amarelas, rosadas e roxas. Bulbos, ele pensou. Elas ainda não haviam começado a florescer quando ele foi embora de Paris.

Uma garota estava sentada no meio da plantação revivendo, em um banco de pedra a nove metros. Ela tinha um livro aberto, segurado para cima a fim de não precisar olhar para baixo. A viúva devia ter lhe concedido uma pausa do luto porque a garota usava um vestido azul-claro. Ela era bonita e talvez tivesse dezesseis anos de idade. Seu cabelo loiro brilhava no sol, e sua pele clara e seu rosto adorável atrairiam qualquer homem. Adicione uma elegância e ela serviria muito bem.

A viúva estava ao lado dele, e sua expressão era de extrema confiança. Ele não confiava nela, mas admirava sua habilidade naquele jogo. Ele admitia para si mesmo que sua oferta realmente tinha suas vantagens, e não porque a garota era linda. O nome de seu pai e a honra de sua família haviam sido manchados nos melhores círculos e, se ele quisesse alterar esse cenário, aquele casamento definitivamente ajudaria. Significaria esquecer os motivos pelos quais ele dera as costas à Inglaterra assim como seu único bom motivo para finalmente retornar. Era por isso, ele presumia, que a viúva o tinha convidado.

— Emilia é a menina mais doce que já conheci. Tem bom humor também e uma boa inteligência, não precisa se preocupar de ela ser lenta — a condessa disse.

A doce Emilia fingia não vê-los, assim como fingia ler, em uma posição na qual ele conseguia ver seu rosto e seu corpo.

Não havia nada a esquentando, e nenhum chapéu protegia aquela pele clara. Ele imaginou por quanto tempo ela estaria sentada ali, esperando seu futuro pretendido inspecioná-la.

Ele não sabia por que ela não era sedutora. Talvez porque, apesar de ser adorável e graciosa, fosse jovem demais e, como parecia ser submissa às instruções da avó, provavelmente faltava clima.

As portas se abriram e o conde saiu apressado. Alto e loiro, ele ainda não tinha passado da fase magra desengonçada da adolescência. Olhou de forma zangada sua avó ao passar por ela. Ela enrugou o rosto em resposta. A chegada dele aparentemente não fazia parte dos planos da viúva.

Ele avançou em Adam como um homem que cumprimentava um amigo, mas sua recepção apressada e calorosa e o brilho de suor na testa diziam outra coisa. Theobald, Conde de Marwood, estava com medo de seu convidado. Muitos homens mostraram a mesma reação desde que Adam voltou à Inglaterra há duas semanas. Ele tinha uma reputação e, aparentemente, a sociedade esperava que ele desafiasse todos que pensassem em provocá-lo.

Adam não havia feito nada para corrigir essas suposições. Primeiro, talvez ele desafiasse muito bem um ou dois, dependendo do que descobrisse sobre os eventos de cinco anos atrás. Segundo, havia homens, como o próprio Marwood, que ficavam mais flexíveis quando motivados pelo medo.

— Vejo que Vovó já abordou a ideia dessa união — Marwood disse cordialmente. Ele olhou para sua irmã Emilia, ainda parada no jardim. Eles eram muito parecidos: pálidos, claros, bonitos e jovens.

O conde não poderia ter mais do que vinte e um anos. Adam pensou se Marwood sabia sobre o boato que havia assombrado o pai de Adam até seu túmulo. O medo de Marwood sugeria que talvez soubesse, e que as suspeitas antigas sobre esses velhos inimigos pudessem ser verdade.

— O senhor concorda com a ideia? — Marwood perguntou.

A avó dele chegou mais perto.

— Perdoe meu neto. Ele ainda é muito jovem para não ponderar que a impaciência impetuosa é uma virtude forte.

Marwood olhou para o céu como se rezasse e pedisse por essa paciência.

— Ele já sabe se a ideia é atraente ou não.

— A ideia é atraente, de uma forma geral — Adam disse. Ele não mentiu. Ainda pesava as implicações do plano da viúva. Essa oferta de simplesmente virar a página do passado o tentava mais do que esperava.

O jovem conde lançou um olhar cheio de otimismo para a avó. A viúva demonstrou mais circunspecção. Adam concentrou seu olhar na garota. A viúva recuou. O conde se aproximou andando de lado. Ansioso para finalizar as negociações, o conde exaltou os atrativos da irmã, de homem para homem. Do canto de olho, Adam viu a viúva balançar a cabeça para a falta de finesse do neto.

Uma movimentação na colina além do jardim chamou a atenção de Adam. Uma faixa preta riscou o cume, voou por cima de uma árvore grande caída, depois parou de repente. Uma mulher inteira de preto, em um cavalo preto, olhava para baixo para a casa.

— Quem é aquela? — ele perguntou.

Marwood semicerrou os olhos e fingiu não reconhecer. Olhou de canto de olho para Adam e pensou melhor.

— Aquela é minha meia-irmã, Clara. Filha da primeira esposa de meu pai.

O ponto preto chamado Clara conseguia demonstrar uma boa dose de arrogância mesmo ao longe. Ela andava com seu cavalo para a frente e para trás no pico da colina, observando o quadro abaixo como se o resto deles estivesse em um espetáculo para sua diversão.

Ele se lembrou de Lady Clara Cheswick, embora nunca tivessem sido apresentados. Mas ela apareceu na sociedade antes de ele deixar a Inglaterra. Com olhos brilhantes e cheios de vida. Essas eram suas impressões absortas no momento.

— Ela não permite que o luto interfira em seu prazer de andar a cavalo — Adam disse.

— Provavelmente diria que honra nosso pai assim. Eles gostavam de andar a cavalo juntos.

— Como ela é mais velha, por que não estão me oferecendo sua mão?

Marwood olhou desconfiado para a viúva, depois deu um sorrisinho.

— Porque o objetivo é impedir que o senhor me mate, não é? — ele falou em voz baixa com uma franqueza inesperada. — Não quero lhe dar outro motivo.

Adam escolheu não tranquilizar Marwood sobre a parte de matá-lo. Deixou aquele projeto de conde se preocupando.

— Agora está me intrigando, não me desencorajando.

Marwood inclinou a cabeça para mais perto e falou em confidência.

— Estou lhe fazendo um grande favor agora, falando sinceramente. Meu pai a mimava, satisfazia todos os seus desejos e lhe permitiu criar ideias descabidas para mulheres. Ele nunca exigiu que se casasse, e agora ela pensa que isso está abaixo dela. Ele deixou uma boa parte da propriedade em seu nome, um bonito trato com ricos fazendeiros. — Sua voz ficou um pouco amarga na última frase. — Ela é minha irmã, mas eu não seria seu amigo se a elogiasse quando, na realidade, é uma boa de uma megera.

Clara era a filha preferida do velho conde, aparentemente. Adam pensou se o pai recém-falecido tinha a habilidade de se virar em sua cova. Com uma ou duas cutucadas, talvez.

— Quantos anos ela tem?

— Passou muito da idade de se casar. Vinte e quatro.

Idade suficiente para se lembrar. Ela talvez soubesse uma boa parte, se seu pai a mantivesse perto.

— Chame-a aqui. Gostaria de conhecê-la.

— Sinceramente, o senhor não quer...

— Chame-a. E diga à sua outra irmã para baixar o livro. Os braços devem estar parecendo chumbo agora.

Marwood apressou-se até a avó a fim de compartilhar o pedido. A viúva foi correndo até Adam enquanto tentava parecer calma.

— Temo que tenha entendido errado. Para essa união ter uma conclusão satisfatória, a noiva deve ser Emilia. O caráter de Clara é além do alcance, mas ela não é apropriada para nenhum homem que deseje harmonia doméstica.

— Só pedi para conhecer Lady Clara. E ainda não concordei com nenhum casamento.

— Antes de morrer, meu filho conversou especificamente comigo sobre essa união. Estou apenas executando suas intenções. Ele disse que deveria ser Emilia...

— Ele quer conhecê-la, Vovó. — Desesperado, Marwood ergueu o braço e acenou para sua irmã Clara se aproximar.

O cavalo parou de andar. A mulher tinha visto e entendido a instrução. Estava naquela colina, seu cavalo de perfil, a cabeça dela virada para eles, olhando para baixo. Então puxou forte as rédeas. Seu cavalo empinou tão alto que Adam temeu que ela escorregasse da sela. Em vez disso, ela se segurou perfeitamente enquanto girava seu cavalo. Virou-se de costas para eles e galopou para o lado contrário. A moça acabara de lhe dar um tapa na cara a quinhentos metros.

A expressão da viúva mostrava um triunfo presunçoso debaixo da camada de desânimo.

— Que pena ela não ter visto o sinal do meu neto.

— Ela viu muito bem.

— É um pouco teimosa, vou admitir. Avisei ao senhor — Marwood disse.

— Não mencionou que ela é grosseira, desobediente e rapidamente insulta outros quando quer.

— Tenho certeza de que ela não quis insultá-lo. — Ele lançou um olhar desesperado para a avó.

— Tem certeza? Então, por favor, peça aos criados para trazerem meu cavalo ao portal do jardim imediatamente. Vou lá e me apresento para Lady Clara, assim não fico com rancor de sua grosseria não intencional e não permito que isso interfira na nova amizade de nossas famílias. — Adam fez uma reverência para a viúva. — Por favor, dê minhas lembranças para Lady Emilia. Estou certo de que ela e eu nos conheceremos logo.


lara galopou até uns bons três quilômetros da casa. O que Theo estava pensando, chamando-a e acenando para ela ir até lá? Ela nem estava vestida para receber o convidado dele. Pela postura rígida de Vovó, suspeitava que apenas Theo pensara ser uma boa ideia.

Incentivou seu cavalo e o levou a um bosque. Tirando Theo de sua mente, desmontou de sua sela em um toco de árvore, desceu e pegou uma folha de papel da bolsa. Encontrou um bom lugar debaixo de uma árvore, sentou-se e voltou sua atenção às páginas. Sua amiga Althea havia enviado no dia anterior, e ela precisava ler e enviar de volta com seus pensamentos incluídos.

Fez uma imersão no texto, fazendo alguns comentários com um lápis que guardara em seu corpete. Absorta pela leitura, não olhou para cima por, no mínimo, meia hora. Quando o fez, viu que não estava mais sozinha. Um homem a observava a uns trinta metros. Seu cavalo branco contrastava com sua capa preta e o cabelo escuro. Esse último chegava à sua gola e não demonstrava nenhum sinal de ter sido cortado por um cabeleireiro consciente da moda atual de Londres.

Ela o reconheceu do terraço. Um pensamento a incomodou de que talvez já o tivesse visto. O visitante de Theo a seguira. Ela pensou que isso era muito ousado. A forma como ele estava ali sentado e observando-a apenas confirmava que ele não tinha boas maneiras.

Pensou em voltar a ler, depois decidiu que poderia não ser sábio. Uma coisa era fingir que não tinha visto o aceno de seu irmão para se aproximar, e outra era fingir que não via um homem bem à sua frente.

Ele levou seu cavalo para mais perto. Ela conseguia vê-lo melhor agora. A desaprovação endurecia a boca dele, o que enfatizava seus lábios carnudos sensuais. Olhos escuros a mediam quase que por completo. Sua capa preta não estava na moda para Londres, mas ela conhecia muito bem a moda francesa para reconhecê-la como mais apropriada para Paris. Ele usava uma gravata escura amarrada casualmente.

Achou-o muito bonito de forma chocante e poética. Por ter conhecido alguns homens com humor negro no passado, ela não tinha nenhum interesse em conhecer outro, independente do quanto ele fosse bonito.

Ele parou seu cavalo a três metros. Não desmontou, mas ficou acima dela. Ela pensou em se levantar, a fim de encurtar a distância, mas decidiu não o fazer. Se ele queria assustá-la, teria que fazer melhor que isso.

— Bom dia, senhor. — Ela permitiu que sua voz transmitisse o quanto achava inapropriada sua intrusão.

Ele desceu do cavalo.

— Por favor, perdoe-me a falta de apresentação formal, mas duvido que irá se importar, já que é uma mulher que não se incomoda muito com tais coisas.

— Tenho certeza de que não entendo o que quer dizer.

Os cantos daquela boca se ergueram o suficiente para indicar que ele sabia que ela estava mentindo. De fato, aquele meio sorriso implicava que ele sabia tudo sobre ela.

— A senhorita me ignorou lá, Lady Clara. É isso que quero dizer.

— É impossível ignorar alguém que não conhece.

— Parece que a senhorita pensa que é a mesma coisa.

Arrogante seria muito gentil para descrevê-lo.

— O senhor mencionou uma apresentação — ela disse através de um sorriso rígido.

Ele fez uma curta reverência.

— Sou Stratton.

Stratton? O Duque de Stratton? Aqui? Será que Theo havia enlouquecido?

Por isso ele era vagamente familiar. Ela o tinha visto há anos, em bailes, antes do pai dele morrer e ele ir embora da Inglaterra. A última vez que foi a Londres, dez dias antes, ela tinha ouvido um ou outro falar que ele havia retornado, mas ia além da sua compreensão o fato de Theo tê-lo permitido entrar na propriedade.

Ele andou de lado e adotou uma postura casual bem ao lado dela, com um de seus ombros apoiados no tronco da árvore. Ele cruzou os braços como um homem que esperava uma conversa longa.

Ela se levantou, juntando os papéis perto de seu peito para que não voassem pela colina.

— Eu não sabia quem o senhor era. Mesmo que eu tivesse que adivinhar a identidade do homem com meu irmão, seu nome nunca teria passado por minha cabeça.

— Com certeza, não. Nossas famílias são inimigas há décadas.

— Theo está deixando o título subir à cabeça dele se o recebeu. Minha avó deve estar apoplética.

— Foi sua avó que me convidou para vir aqui.

— Não é possível.

— A carta era dela, escrita à mão. Foi bem inesperado — ele disse em um tom sarcástico.

Ela estreitou os olhos para ele.

— E mesmo assim aceitou o convite.

— Sua avó é um dos baluartes da sociedade há mais tempo do que estou vivo. As padroeiras do Almack tremem na presença dela. Eu nunca insultaria alguém com tal influência.

Agora ele zombava dela. Ela duvidava que ele se importasse o mínimo com a influência social de sua avó. Não parecia ser um homem que deixaria de lado o orgulho de sua família e obedeceria a sua avó. Ela deveria organizar o artigo de Althea e sair dali. Mas a curiosidade foi maior.

— Por que ela o convidou?

— Ela propôs um casamento dinástico com sua irmã a fim de acabar com a animosidade. A fim de enterrar o passado. — Aquele meio sorriso de novo. — Pode imaginar meu espanto. Foi bem parecido com o seu agora.

Espanto mal fazia jus à sua reação. Isso ficava cada vez mais esquisito. Também mais irritante. Ela se sentia duplamente traída. Primeiro, no lugar de seu pai, que nunca teria aprovado essa ideia. E, segundo, por si mesma, porque não contaram para ela nem a consultaram. Vovó deve ter usado toda a sua força de vontade para manter isso um segredo, se até Emilia não confessou isso a ela.

— Então, quando o noivado será anunciado? — Ela deixou seu máximo ceticismo se expressar em seu tom sarcástico.

— Ainda não concordei com a união.

— Minha irmã é adorável e brilhante. Daria uma esplêndida duquesa, claro, só que não para o senhor. Estou aliviada por ainda não ter decidido.

— Não culpe a mim pelo atraso, sabendo o que penso sobre o assunto. Lá estava eu, tomando uma decisão sobre uma pomba branca adorável, quando um corvo preto voou e me distraiu.

Corvo? Por que o...

— Então o corvo bateu as asas na minha cara e virou o rabo para voar para longe. — Ele se aproximou até estar acima dela. — Nunca fujo de um desafio, Lady Clara.

Se ele pensava que ela iria tremer e ruborizar, estava enganado. Só que ela tremeu, sim, um pouco, enquanto reparava que o comportamento dele exalava uma boa quantia de mistério e empolgação e que seus olhos escuros e suas profundezas tinham camadas que a atraíam, chegando ao ponto de quase se afogar. A proximidade dele e seu olhar a deixaram incapaz de falar algo por um instante constrangedor. Talvez tivesse ruborizado um pouco também.

— Teria sido melhor agarrar o pombo branco enquanto podia — ela disse. — Agora tenho tempo para lembrar à minha avó que o senhor nunca o fará.

— Cumprirei muito bem aos propósitos dela.

— E quais são?

— A senhorita não sabe? — Ele inclinou a cabeça de lado. — Talvez não saiba.

Ficou ainda mais bizarro estar tão perto dele. Ela sentia uma mistura de alarme e... exultação. Deu um passo para trás e se atrapalhou com a pilha de folhas nos braços.

— Com licença.

Ela foi até seu cavalo. Sua estrutura alta e esguia logo aqueceu a lateral dela e os passos dele acompanharam os dela.

— Está indo embora sem nem desejar um bom dia? Penso que está determinada a me insultar.

— Estaria em meu direito atirar no senhor; insultá-lo é pouco. O senhor está invadindo esta propriedade, não importa o que minha avó aflita pelo luto tenha lhe dito. Ultrapassou o limite entre a terra de meu irmão e a minha há quatrocentos metros.

— E eu estaria no direito de segui-la em resposta ao seu comportamento.

Ela parou de andar e olhou desafiadoramente para ele.

— Tal ameaça é inaceitável. Tente fazer isso e, certamente, vou atirar no senhor. Não duvide disso. Não sou uma mulher que treme quando encontra a estupidez masculina. E cavalheiros com educação adequada teriam permitido passar o mal-entendido em relação às instruções de meu irmão. É ultrajante que o senhor se sinta no direito de me seguir e, depois, me censurar. Agora, seguirei meu caminho, e o senhor pode seguir o seu.

Ela acelerou o passo até o cavalo. Ele andou ao seu lado de novo. Ela queria bater nele com o manuscrito de Althea, estava irritando-a muito.

— A senhorita é escritora? — Ele esticou o braço e tocou no canto das folhas. Isso fez o braço dele se aproximar do corpo dela. Um sobressalto interno quase a fez pular para longe.

— Uma amiga escreveu isso. É um texto sobre... — Parou de falar. — Tenho certeza de que não lhe interessaria.

— Talvez interesse.

— Então tenho certeza de que não é da sua conta.

— Não é uma escritora, mas uma sabichona.

— Oh, detesto essa palavra. — Ela enfiou as páginas em sua bolsa. — O senhor acabou de passar anos na França. Eles são famosos por louvar mulheres cultas. Se me dá esse apelido simplesmente porque me viu lendo, aparentemente, não aprendeu muito enquanto esteve lá, exceto como ser irritante.

Ela pegou as rédeas e posicionou o cavalo.

— Permita-me ajudá-la. — Ele se aproximou.

— Por favor, só vá embora. — Rapidamente, ela pisou no toco de árvore. Com um pulo e uma puxada, montou de novo na sela.

— Admirável, Lady Clara. Vejo que é independente em todas as coisas.

Ela engoliu um gemido com o comentário dele.

— Acha que sou tola por descer de um cavalo se não houvesse como subir de volta?

Quando ela se virou para cavalgar, viu a expressão do duque. O humor suavizava aquele rosto de alguma forma, mas, dentro da mente atrás daqueles olhos escuros, os planos se formavam.

Adam observou Lady Clara cavalgar para longe.

Que mulher provocadora. De olhos brilhantes e muito vivos, mas também mais adoráveis, com uma pele cremosa e mechas claras no meio de seu cabelo castanho.

Espirituosa. Espirituosa demais, a maioria dos homens diria. Ele não era um deles. Gostava de mulheres altamente espirituosas e senhoras de si. Claro que preferia que elas não o tratassem com desdém. Ele a desculparia. Dessa vez. Os planos da viúva tinham pego Lady Clara desprevenida ? assim como a ele ? e a inimizade entre suas famílias tornava a grosseria dela compreensível.

Também a desculparia porque a quis imediatamente ao vê-la debaixo daquela árvore, e a quis mais no momento em que se separaram. O desejo sempre encorajou a generosidade.

Ele montou, mas cavalgou para leste, não de volta à casa de Marwood, a oeste. Não havia necessidade de retornar para lá, depois para a estrada. Se continuasse nesse caminho por muitos quilômetros, logo chegaria em sua própria terra.

Passou por fazendas bem cuidadas e por um vilarejo. Será que ainda era propriedade de Lady Clara? Se era, o legado de seu pai tinha sido significativo. Por isso Marwood falou disso com ressentimento.

Só quando ele alcançou o pico baixo da propriedade, percebeu exatamente onde estava. Reconheceu a cidade da qual se aproximava por seu moinho. Mal conseguia estabelecer o riacho que serpenteava de norte a sul. A propriedade de Marwood encontrava a dele em lugares ao longo do rio.

Ele avançou trotando com seu cavalo, pensando sobre a oferta da viúva, como ditado pelo último conde. O conde tinha motivos para buscar um tratado de paz. Adam pensou que sabia quais eram. Mas parecia que, até perto da morte, o caráter de um homem não mudava.

O último conde havia esquematizado para garantir que ganhasse uma velha batalha, até quando pediu à sua mãe para oferecer um ramo de oliveira na esperança de proteger o filho.

 

Clara amarrou uma fita no manuscrito de Althea e colocou sua folha de anotações em cima. Althea era uma boa escritora. No entanto, quando se importava profundamente com uma causa ou evento, ela desviava de sua opinião e entrava em polêmicas. Não precisaria de muito para mudar isso, então não demonstrou aquele defeito.

Ela o guardou em uma gaveta debaixo da escrivaninha que usava na biblioteca. Enquanto o fazia, seu irmão Theo entrou no aposento e a olhou com desconfiança. Então foi até o decanter e se serviu de um pouco de conhaque.

— Você arruinou tudo — ele disse entre dentes cerrados. — Tudo estava sob controle, e precisava insultá-lo ao ponto de ele esquecer todo o resto.

Ela nem tinha visto Theo ou sua avó ao retornar, então essa era a primeira vez que seu irmão tinha chance de repreendê-la. Não que ela fosse permitir.

— Se tivesse me contado que receberia Stratton, eu teria permanecido longe, asseguro a você.

— Foi ideia de Vovó, mas parece estar seguindo o próprio caminho.

— Papai nunca teria aprovado. Se é para haver uma reaproximação entre nossas famílias, deixe-os dar o primeiro passo.

Ele deu um sorrisinho para seu conhaque, depois para ela.

— Você não esteve muito em Londres esse último semestre. Não esteve participando nem um pouco da sociedade enquanto está de luto. Então não soube dele, não é?

— Não teria prestado atenção, de qualquer maneira, porque ele não tem nada a ver comigo. Com nenhum de nós. É assim que acontece desde, pelo menos, a época de nosso avô. — Ela crescera com essa lição. Seu pai, o papai querido, não precisara falar muito disso para passar a tradição da amargura da família.

— Infelizmente, ele não é como o pai dele. Ou nenhum dos outros. Ele é... perigoso.

Ela deu risada.

— Não pareceu perigoso para mim.

Só que parecera, sim. Todo aquele mistério tinha muito a ver com isso. Se ela um dia o visse de novo, ficaria tentada a fazer cócegas nele até ele rir como um tolo, apenas para derrotar aquela força do humor negro que carregava.

— Ele não é perigoso para mulheres. — A voz de Theo se aprofundou com sarcasmo.

Bom, agora ela não tinha certeza se concordava com isso também.

— Ele duela, Clara. Matou dois homens, e quase um terceiro. Na França. A menor provocação e ele desafia os homens. Ele não vai ceder. Estão dizendo que voltara à Inglaterra porque as autoridades francesas disseram para ele deixar o país. — Theo engoliu o resto do conhaque. — É um assassino.

A postura de Theo encolheu enquanto ele falava. Sua testa franziu. Seus olhos azuis olharam para longe em direção ao nada. Clara era três anos mais velha do que Theo e o observara crescer. Sabia que seu irmão estava com medo.

Ela se levantou e foi até ele.

— Ele não vai matar você, Theo. Não por causa de uma briga de família que começou antes de você nascer.

— Que melhor forma para ganhar essa batalha? Uma palavra errada, um olhar ruim, e ele terá sua desculpa.

— Está sendo muito dramático.

— Vovó concorda. Zombe de meu julgamento, se quiser, mas vai zombar tão rápido do dela?

A explicação de Stratton quanto à sua visita fazia sentido agora, mas da maneira mais ridícula. O luto de Vovó havia tomado um rumo infeliz se ela viu tal ameaça no duque. Quanto a Theo... Ele era corajoso quando havia um pouco de perigo, mas menos quando era seguido de ameaça.

— Presumo que a estratégia foi que, se fosse o cunhado dele, ele nunca iria querer duelar com você — ela disse. — É um preço alto a pagar pela paz, irmão. E quanto a Emilia? Se ele tem esse comportamento, é justo uni-la a ele?

— Eu disse que ele não é perigoso para mulheres, não disse?

— Você não tem certeza. Se nem nos sentamos à mesa com aquela família, não deveríamos planejar uniões com eles.

— Vovó...

— Você é o conde agora. Precisa pensar por si mesmo.

— Que conselho ridículo, Clara. Ele mal saiu da escola — Vovó entrou na biblioteca falando. — Não quero que complique ainda mais o assunto ao incentivar Theo a uma independência imprópria de meu conselho.

— Tenho vinte e um anos — Theo murmurou, ruborizando.

— Tem? Bom, um ano a mais ou a menos não significa nada.

— Não estou complicando nada — Clara disse.

Sua avó se sentou. Costas eretas e cabeça angulada exatamente para assumir a postura de rainha de tudo que supervisionava. No momento, isso incluía Clara.

— Seu comportamento hoje fez o duque partir antes de eu... nós podermos combinar as coisas. Se isso não é complicação, o que é?

— Uma prorrogação. Para Emilia. Para todos nós, enquanto a senhora reconsidera essa ideia extraordinária de casá-la com aquele homem.

— Ele pareceu bem adequado para mim. Francês demais, mas é o que se pode esperar com aquela mãe dele, e a forma como ele morou fora todo esse tempo. Mesmo assim, algumas semanas e ele vai assumir seu papel correto na vida e fazer o que precisa para reivindicar seu lugar entre nós. Ele sabe que precisa se casar com uma garota com a educação impecável como a de sua irmã, e nós vamos nos beneficiar ao tê-lo por perto, onde podemos ficar de olho nele para que o passado não consiga prejudicar Theo.

— A senhora não pode também pensar que ele é perigoso para meu irmão. Será que todo mundo perdeu o senso por aqui?

— Como sempre, você presume saber de tudo por causa de como meu filho a favorecia. Entretanto, há muito que não entende. Não estou brincando. Não vou deixar nada acontecer a Theo, principalmente com seu herdeiro presumível sendo aquele primo insuportável. Deixe comigo, Clara. Emilia vai se casar com Stratton, e tudo ficará bem.

Para que Clara não discutisse sobre a última palavra, sua avó ergueu um livro, abriu-o, colocou os óculos no nariz e começou a ler.

Clara olhou para Theo, esperando encontrar um aliado para suas objeções.

Ele se virou e se serviu de mais conhaque.


dam entregou seu chapéu e seu chicote ao criado na porta do White’s, e caminhou pelo salão do clube. Olhares voaram em sua direção. Cabeças se curvaram. Houve tanto silêncio que ele escutou o burburinho baixo de sussurros.

Ele continuou, assentindo e cumprimentando homens que não conseguiam resistir a olhar mais diretamente. Alguns reagiam com sorrisos simpáticos demais para apenas conhecidos.

Saiu do salão por uma porta no fundo e subiu as escadas para o piso superior.

— Sir, temo que todos os cômodos estejam ocupados. — A reprimenda gentil do funcionário o alcançou no meio das escadas.

Ele se virou. O funcionário viu seu rosto e ficou vermelho.

— Peço desculpas, Sua Graça. Não percebi que era o senhor. Bem-vindo de volta, sir.

— Presumo que eles estejam lá em cima.

O funcionário assentiu. Adam subiu. Sons saíam de trás de uma das portas. Vozes masculinas e risada. Ele abriu o ferrolho e entrou.

Dois homens o encararam, mudos pela surpresa.

— Caramba — um deles finalmente murmurou. — Brentworth aqui especulou que você pudesse aparecer hoje, mas eu disse que você nunca viria.

— Então ele estava certo, Langford, e você, errado.

Adam se jogou em uma cadeira e olhou em volta.

— Parece que nada mudou muito.

— Muito pouco. — Gabriel St. James, Duque de Langford, jogou-lhe um charuto. Ele sorriu com prazer e seus olhos azuis brilharam. — Droga, mas é bom vê-lo. Disseram que voltou há um mês. Por onde esteve?

— Colocando meus negócios em ordem. Analisando os registros da propriedade. — Ele pegou uma vela e a segurou em seu charuto. — Demitindo o administrador que estava me roubando. Esse tipo de coisa.

Ele também tinha feito outras coisas. Uma foi investigar uma mulher chamada Clara Cheswick. Descobrira algumas coisas sobre ela que eram apenas de seu interesse.

— Na fazenda, então. Por isso que a única indicação de seu retorno eram as fofocas e os boatos. — Eric Marshall, Duque de Brentworth, levantou-se para pegar o decanter de uísque. Aproximou-se com um copo, serviu Adam, depois encheu o próprio e o de Langford. Nenhum sorriso dele, apenas um sorriso deprimido em seu rosto severamente esculpido. Sem brilho em seus olhos escuros, mas escrutínio bem profundo.

Ambos eram a epítome da moda, mas em maneiras diferentes como seus comportamentos. Os cachos cortados do agradável Langford sempre pareciam que ele havia acabado de ficar ao vento, enquanto as ondas mais sérias de Brentworth nunca ousavam tal exuberância. Langford usava uma gravata casual escura naquela noite, enquanto o lenço de linho branco de Brentworth parecia ter sido engomado por seu criado cinco minutos antes.

Não que Brentworth não fosse espirituoso ou fosse escravo de convenções comparado a Langford, mas ele valorizava a discrição e não desprezava seus desejos ou pensamentos. Não se podia dizer o mesmo de Langford.

Adam gostou de como seus dois amigos interpretavam velhos rituais e o receberam com tranquilidade. Não ignorou o fato de que a cadeira em que se sentava ? sua cadeira de sempre ? não havia sido usada por nenhum deles, apesar da sua proximidade ao fogo reconfortante. Bebeu um pouco de uísque, soprou o charuto e permitiu que a nostalgia e a familiaridade o inundassem. Voltara à Inglaterra há mais de um mês, mas, naquele momento, finalmente sentia que tinha voltado para casa.

— Que tipo de fofocas e boatos? — ele perguntou, deixando o último comentário penetrar sua paz.

Seus amigos trocaram olhares misteriosos.

— Enquanto você esteve fora, sua reputação chegou à Inglaterra, mesmo que você não tenha voltado — Brentworth disse.

— Está falando dos duelos.

— Um é compreensível para qualquer cavalheiro. Dois podem ser desculpados. Três, no entanto... — Langford explicou.

— Nenhum homem no salão lá embaixo teria permitido qualquer daqueles insultos à família passar sem um desafio. Fiz o que qualquer um faria.

— Claro, claro — Langford acalmou. — A pergunta, porém, é se voltou para fazer isso aqui também. Há alguns camaradas que estão se lembrando de cada pequena desavença que podem ter tido com você, e qualquer crítica sussurrada à sua família ou a você. Tenho certeza de que, em algumas semanas, assim que voltar à sociedade e propagar seu charme, isso tudo será esquecido.

— Talvez seja melhor se não for.

Isso surpreendeu Langford.

— Não pode querer ser visto como perigoso. Sinceramente, ninguém vai ameaçá-lo.

— Se ser visto como perigoso impedir homens estúpidos de dizer coisas estúpidas que me obriguem a desafiar em nome da honra, então deixe-os pensar que sou perigoso. — Ele colocou o copo na mesa como uma forma de finalizar aquela linha de pensamento. — Estou feliz por ter encontrado vocês dois aqui.

— Onde mais estaríamos na primeira quinta à noite do mês? — Brentworth disse. — Continuamos como sempre foi. Você pode ter nos abandonado, mas nós ainda somos a Sociedade dos Duques Decadentes.

Adam sorriu. Eles três frequentavam a escola quando se deram esse nome. Todos herdeiros de ducados, haviam formado uma conexão imediatamente. A escola os separou, e os outros garotos também. Eles aprenderam rápido que a única pessoa que trataria um duque normalmente era outro duque. Portanto, uma amizade rápida e duradoura foi formada.

Aquele cômodo, e as reuniões mensais, começou assim que todos deixaram a universidade e foram para a cidade aproveitar seus privilégios. Por um bom tempo, a Sociedade dos Duques Decadentes fora mais do que um título inteligente que seguia os garotos de escola. Muitas vezes, encontravam-se ali, mas logo saíam para explorar quão decadentes conseguiam ser.

Langford havia encontrado seu segundo dom naquelas perversões. Um estilo de vida. Famílias decentes o recebiam agora apenas porque ele era um duque, embora seu charme considerável pudesse ter lhe dado algumas aprovações de qualquer forma. Brentworth, por outro lado, superara tais excessos primeiro, pelo menos em relação ao comportamento que outros pudessem ver ou relatar. Era mais um exemplo de como ele administrava tudo sem esforço para a ideia pública de duque, em aparência e comportamento. Superior, arrogante e confiante em seus privilégios, ele estava acima do mundo em estatura e indiferença. Adam não se importava com o quão duque seu amigo havia se tornado. Conhecia Brentworth muito bem para compreender como ele era realmente diferente de sua pessoa pública.

— Então, por que voltou? — Brentworth perguntou. — Depois de tantos anos, achei que nunca mais voltaria.

— Gostaria de dizer que simplesmente resolvi que era hora, mas não foi tão simples. O governo francês também decidiu que era hora. Foram feitas reclamações e, como resultado, o rei decidiu que era hora. Recebi uma intimação para comparecer.

Langford deu risada.

— Que antiquado. Quase charmoso.

— Já que estava na mão do rei, e as coisas estavam começando a esquentar na França... bem, cá estou.

— Já cumpriu sua parte com ele? — Langford quis saber.

— Assim que cheguei. Bebemos bastante vinho juntos. Ele perguntou sobre as mulheres de Paris. Posso ter exagerado um pouco, e o encontro foi amigável e cheio de conversa.

— Então sua metade inglesa respondeu ao comando de seu rei inglês — Brentworth disse. — Se não foi por isso... foi tempo suficiente?

— Sim. — E foi. A fúria que o levou embora tinha finalmente acabado há um ano, substituída por pensamentos mais deliberados, e responsabilidade de suas obrigações.

Havia deveres que não poderiam ser conduzidos eternamente de longe da França. Um em particular.

— É bom que finalmente veio à cidade — Langford falou. — Vamos pedir para fazer novos casacos para você amanhã. Uma visita ao barbeiro também pode ser organizada. Não pode andar por aí parecendo um desses franceses que seduzem viúvas para seu arrependimento eterno.

— Algumas não me deram tanto arrependimento, como me lembro. — Adam olhou para sua sobrecasaca. Cortada ao estilo francês, um pouco mais comprida e justa do que a moda inglesa, provavelmente o fazia parecer estrangeiro.

— Vamos nos embebedar, e você pode me contar sobre elas e me deixar com inveja — Langford disse.

— A menos que algo tenha mudado, há pouco que possa contar a vocês sobre viúvas.

— Então, quais são seus planos? — Brentworth perguntou.

— Espero que sejam bem parecidos com os de vocês agora. Cuidar da minha propriedade. Votar no Parlamento. Como disse, o tipo de coisa comum.

— Isso é tudo? — Brentworth questionou. — Você vai embora da Inglaterra e fica fora por quase cinco anos, e com seu retorno tudo que quer é ser um cavalheiro que vem à cidade para as votações?

— Pretendo encontrar uma esposa rica e sensual também. Chegou a hora de me casar.

— Fale por si mesmo — Langford rebateu.

— Ignore-o — Brentworth disse. — Há duas mamães que estão de olho em Langford, e ele está correndo dos lugares para se esconder. Infelizmente, é duvidoso que ambas as garotas sejam sensuais o bastante, ou tenho certeza de que ele iria entregar uma para você de bom grado.

— Se há duas, deveria enviar uma na sua direção — Adam respondeu.

Estranhamente, mães quase nunca miravam em Brentworth. Diziam que ele aterrorizava tanto as ingênuas que suas mães olhavam para outro lado.

— Quanto à parte sensual, já descobriu, Langford?

Langford deu risada.

— Talvez na França todo tipo de exploração seja feita quando o assunto é mulher, mas não se esqueça de que, aqui na Inglaterra, nós só esperamos o melhor e nunca conseguimos nada.

Por ser metade francês, Adam achava bizarra e curiosa a sensualidade sufocada que havia atormentado os ingleses nessas últimas décadas. Era como se todas as mães e avós tivessem se reunido no começo da guerra e decidido que, a fim de rejeitar todas as coisas francesas, suas filhas não deveriam se divertir tanto quanto elas se divertiram na juventude.

Uma rigidez pairou sobre o cômodo. Ele olhou para cima e viu Brentworth observando-o, e de uma forma não gentil.

— Fale — Adam exigiu.

— Inferno, isso, vou dizer que...

— Deixe quieto, Brentworth — Langford sugeriu.

— Não, eu insisto — Adam disse.

Brentworth se levantou e foi até o decanter de uísque de novo. Demorou-se tanto ali que Adam pensou que o rancor tivesse passado, ou que tivesse sido engolido agora. Brentworth se virou de repente para ele.

— Entendo que estava de luto. Entendo que havia coisas sendo ditas que eram sujas e prejudiciais e...

Adam se levantou e jogou seu copo no fogo. As chamas se sobressaltaram.

— Sujas e prejudiciais? Ele se matou por causa disso!

— Eu sei. Mas você nunca conversou conosco. Nunca permitiu que ajudássemos. Simplesmente desapareceu com sua mãe sem uma palavra, e não falou nada desde então, e entra aqui como se os últimos anos nunca tivessem acontecido. Caramba, Stratton, nós somos amigos há anos e você agiu como se nós dois estivéssemos na fila contra sua família.

— Nunca pensei isso.

— Até parece que não.

Langford balançou a cabeça.

— Sentem-se, vocês dois. Eu lhe disse antes, Brentworth, que, sob as circunstâncias, o que quer que ele fizesse era uma escolha feita por raiva e luto. Quem sabe como eu ou você teríamos agido? — Ele deu um sorriso para Adam de... o quê? Perdão? — Não precisa se explicar para nós.

Mas precisava, sim. Brentworth tinha razão. Ele virara as costas a tudo e todos em sua raiva. Não podia pensar em demorar a sair da Inglaterra. Não por causa da desgraça envolvida por trás da morte de seu pai, e porque não podia mais confiar em alguém.

— Fui embora daquele jeito porque, se não o fizesse, com certeza teria matado alguém por ódio, sem nem saber se culpava a pessoa certa.

Brentworth se jogou de novo em sua cadeira. O olhar de seu amigo o encarou por um longo tempo.

— E você sabe agora? Se culpou a pessoa certa? — Brentworth perguntou.

— Ainda não.

Langford limpou a cinza do seu charuto.

— Resposta interessante. Acho que agora sabemos por que ele voltou de verdade, não é, Brentworth?

 

Clara rapidamente leu sua correspondência matinal enquanto tomava café na Casa Gifford, a residência londrina da família. Duas cartas em particular receberam uma atenção bem breve. Sua avó havia escrito uma reprimenda.

 

A carta de Theo dizia quase a mesma coisa.

É improvável que façamos progresso com Stratton se continuar insultando-o. Pense no futuro de Emilia. Pense no meu. Certamente pode encontrar um pouco de gentileza em relação a ele.

Ela estava pensando no futuro de Emilia. E no da família. Via essa ideia toda de amenizar as diferenças entre a família dela e a de Stratton como um mau conselho e deslealdade. Deixe-os tentar, se quiserem, mas ela não iria cooperar. Vovó sabia disso. Foi por isso que ninguém lhe contou sobre o plano antes de embarcar nele.

Vestindo sua pelica e seu gorro, pegou um pacote embrulhado e desceu até a sala de entrada. Para evitar as carruagens da família, disse a um criado para lhe arranjar um cavalo alugado.

Tomou um pouco de ar no pórtico enquanto esperava. Infelizmente, enquanto o fazia, uma carruagem estacionou.

Ela xingou baixinho.

Stratton de novo. E ali estava ela, à vista. Não poderia mandar o mordomo dizer que não estava em casa. Por outro lado, deveria ser óbvio que estava saindo. Algumas palavras educadas e ele seguiria o próprio caminho.

O duque saiu de sua carruagem e a alcançou. Após um cumprimento, ele parou com um pé no degrau mais baixo da varanda e a olhou.

— A senhorita sai bastante.

— Posso estar de luto, mas não estou morta.

Ele apontou para sua carruagem.

— Permita-me levá-la ao seu destino.

— É muito gentil da sua parte, mas minha carruagem está a caminho.

— Pode demorar um pouco para chegar.

Podia mesmo. Com um resmungo interno de resignação, ela se virou para a casa.

— Já que o senhor queria falar comigo, vamos entrar e ter uma visita apropriada enquanto eu espero.

Ela guiou o caminho para dentro de casa e colocou seu pacote na mão do criado. Levou o duque para o andar superior, para a sala de estar.

Sentou-se em uma cadeira e torceu para parecer, no mínimo, meio formidável como sua avó.

O duque se sentou na cadeira mais próxima à dela e ficou confortável. Seu cabelo havia sido estilizado desde que ela o vira na colina. Agora, seus cachos bagunçados cortados enfatizavam mais seus olhos escuros e aquela boca sensual e maxilar forte.

— É gentileza da sua parte me receber, Lady Clara.

— Já que pensou ser adequado relatar à minha família que não o recebi anteriormente, agora me sinto obrigada a fingir ser receptiva a esse desejo inexplicável deles de criar uma amizade com o senhor.

— A senhorita é uma mulher bem direta.

— O senhor é um homem bem persistente.

— Em um homem, persistência é uma virtude, enquanto ser direta, para uma mulher...

— É um aborrecimento. O que me leva à questão do porquê se incomoda em ser tão persistente com este aborrecimento de mulher.

— É uma excelente pergunta. Se tivesse me recebido da primeira vez, agora teria compreendido completamente minhas intenções.

Que forma estranha de dizer isso. Quaisquer que fossem suas intenções.

— Talvez o senhor me esclareça agora, e rapidamente, para que eu possa terminar meus próprios compromissos... compromissos estes que o senhor interrompeu.

Ele riu em silêncio, como se fosse uma piada interna.

— Seu irmão disse que a senhorita tinha um gênio ruim. Posso ver o motivo.

Gênio ruim? Que menino mimado e desleal aquele.

— Prefiro ser chamada de direta. Como um cavalheiro, estou certa de que também prefere essa palavra.

— É claro. Permita-me ser direto também, para que possa voltar aos seus afazeres do dia. — Ele se inclinou para a frente e apoiou os braços nos joelhos. Isso trouxe seu rosto elegante para bem perto dela. — A senhorita sabe do plano de sua avó de me casar com Lady Emilia.

— Sei.

— Decidi declinar da proposta.

Ela conseguiu se conter de não comemorar com alívio. Graças aos céus alguém nesse acordo horrível estava usando o cérebro.

— E que a senhorita vai ser adequada para mim, e muito melhor para o plano da viúva.

Uma rigidez pairou no aposento. Demorou muito para a mente dela absorver o que ele dissera. Mesmo depois, soava bizarro demais para ser exato.

— Sua irmã é muito jovem para mim e, qualquer acordo que seja proposto com ela, nunca será tão bom quanto uma esposa com sua própria propriedade e renda.

Deus do céu.

Ela reuniu sua perspicácia, mas precisou de muito tato para não demonstrar sua reação atordoada.

— Ao menos conheceu Emilia?

— Não, mas não é significativo. Tenho bastante certeza de que ela é adorável, mas não é a noiva certa para mim.

— Como pode dizer isso quando nem...

— Eu sei.

— É melhor saber mais, e rápido, porque não estou disponível.

Ele se recostou na cadeira, nem um pouco impressionado por sua rejeição definitiva.

— É compreensível que tenha ficado surpresa com minha proposta. No entanto, estou confiante de que vá mudar de ideia.

Muito agitada para ficar sentada, ela se levantou e olhou desafiadoramente para o idiota presunçoso. Infelizmente, isso também o fez se levantar. Em vez de ser uma encarada satisfatória para baixo, ela agora olhava muito para cima, para um rosto acima dela.

— Não escutei nenhuma proposta. Escutei um decreto. Não consigo imaginar o que lhe dá motivo para pensar que eu obedeceria. O senhor é o último homem com quem me casaria, isso se eu me casar. De fato, meu pai se reviraria no túmulo se eu considerasse a ideia. Agora, sir, agradeço por sua visita, mas devo retornar aos meus afazeres. Já estou atrasada.

Ela girou, saiu a passos largos da sala de estar e desceu as escadas. Pegou de volta seu pacote com o criado e saiu. Sentiu o duque observando-a o caminho inteiro.

Sua carruagem alugada aguardava atrás da carruagem do duque. Ele olhou duramente para aquela carruagem.

— Por que não está usando a carruagem da família?

— Escolho não usar. — Ela desceu os degraus de pedra e seguiu para sua carruagem.

Ele andou ao seu lado.

— Penso que vai a um encontro secreto. Um que prefere que os criados da sua família não saibam. Não há outra explicação para usar uma carruagem alugada em vez da de sua família.

Ela realmente queria bater nele com o pacote por dizer aquilo ao alcance do criado que a esperava para ajudá-la a subir.

Ajeitou-se no assento enquanto o criado fechava a porta. O duque apoiou o antebraço na janela e esperou o criado se afastar.

— Não vou exigir explicação agora — ele disse. — Entretanto, se vai encontrar um homem, essa conexão deve acabar imediatamente, agora que estamos noivos.

Ela colocou o rosto para fora da janela.

— Nós. Não. Estamos. Noivos.

Ela estava quase gritando no fim da frase, mas a carruagem havia começado a andar, e apenas o ar a escutou.

Meia hora depois, Clara estava em uma mesa de biblioteca na Bedford Square. Havia papéis e uma folha em branco espalhados pela mesa.

— Acho que temos o suficiente para outro artigo do Parnassus, Althea — ela disse. — Podemos falar com a gráfica esta tarde sobre o cronograma.

Althea baixou a cabeça loira sobre as pilhas de papel e pegou uma bem pequena. Consistia em poemas que o jornal delas publicaria.

— Vejo que incluiu o soneto da sra. Clark. Fico feliz.

Clara trabalhava como a editora anônima e benfeitora do Parnassus. Ela havia criado o jornal há dois anos e começou a trabalhar nele de imediato. As duas primeiras publicações foram tentativas inexperientes, mas colheram assinaturas suficientes para encorajá-la. Agora, com seu legado, ela podia se dar ao luxo de tentar um cronograma regular de publicação.

Seguindo o modelo de jornais masculinos, o Parnassus continha notícias políticas, assim como críticas de apresentações teatrais e histórias de viagem. Ela gostava de preenchê-lo com informações e fatos, mas permitia que alguns pensadores afiados, como Althea, escrevessem artigos. Interesses femininos raramente eram ignorados. Clara amava moda, em particular, e o Parnassus tinha uma coluna dedicada a ela.

A característica mais distinta do jornal era a mistura de autores. Uma viscondessa e uma baronesa, às vezes, contribuíam, embora utilizassem um pseudônimo. No entanto, a sra. Clark era a viúva de um comerciante que agora administrava uma chapelaria. Ela tinha um dom óbvio para poesia e não tentava copiar outro poeta já existente.

Ladies aos montes, mulheres da cidade, mães, irmãs e, sim, até as sabichonas tinham assinado. Ela sabia que o sigilo do projeto pode ter contribuído para esse sucesso. Quem e onde era feito o Parnassus permaneciam um mistério tentador.

Naquele momento, o onde consistia nessa casa que Clara comprara com seu legado, três meses depois da morte do pai. Ela se lembrou dele ao assinar a escritura, além de sentir profunda gratidão por ele ter esquematizado para ela ter a própria propriedade e renda substancial e não ser dependente de Theo de nenhuma maneira. A relação deles era rara. Na verdade, ele a tratava como um filho. Ensinara-lhe a cavalgar, atirar e até disse uma vez que se arrependia de ela não poder herdar seu patrimônio ou o título dele. Ela achava que Theo nunca a perdoaria por como ela recebia a melhor parte do amor do pai deles. Ficara profundamente de luto por ele. Completamente. A tristeza acabara com ela como nada antes. Havia chegado a um ponto em que não se reconhecia mais. Finalmente, certo dia, começou a lutar para se salvar.

O Parnassus fora sua salvação. Comprar aquela casa foi o primeiro passo adiante em sua vida. As necessidades do jornal a obrigavam a visitar Londres periodicamente também. Até então, as visitas foram breves, mas, agora, seis meses após o falecimento do pai, ela, enfim, decidira fazer visitas mais longas.

— O artigo de moda de Lady Grace ainda não chegou — Althea mencionou.

Lady Grace Bidwell era a mais recente aquisição de colaboradoras. Irmã de conde, ela nunca se casara. Clara sentia uma afinidade natural com ela, e Lady Grace tinha um olho bom quando o assunto era moda.

— Vou escrever um lembrete a ela, mas não vou esperar para sempre — Clara falou com uma firmeza decisiva do tipo que não fazia muito tempo que usara com o Duque de Stratton, mas de nada valeu. Aquele encontro continuava a invadir sua mente e amargava seu humor quando o fazia. Quanto mais ela pensava naquela proposta, mais ofendida se sentia.

Althea olhou com seus lindos olhos azuis para Clara. Uns dez centímetros mais baixa que Clara e delicadamente esguia, Althea tinha uma presença que, às vezes, fazia Clara se sentir monstruosa em comparação a ela. Não que ela mesma fosse muito alta ou forte. Era só que Althea era extremamente pequena. Viúva do Capitão Galbreath, um oficial do exército, morava com o irmão, Sir Jonathan Polwarth, um barão, e sua esposa.

Althea tinha a vida de um parente dependente agora, do tipo que o pai de Clara a salvou com o legado.

— A senhorita está diferente hoje — Althea disse. — Seu irmão a está irritando de novo? Insistindo que volte para a fazenda?

— Não é isso. Não só isso. — Clara não iria confessar, mas queria compartilhar um pouco dos acontecimentos recentes e estranhos em sua vida. Não a proposta. Ninguém nunca saberia disso. — Theo e minha avó colocaram na cabeça a ideia de acabar com uma longa contenda que nossa família tem com aquele Duque de Stratton.

— Penso que seja uma coisa boa. Guerras tão longas assim não trazem muito benefício.

— Vovó nunca faz coisas simplesmente porque são boas, Althea. A mente dela é uma armadilha, e suas estratégias fariam Napoleão se envergonhar. Mas ela é determinada, assim como Theo. Eles até o receberam. Meu pai sempre jurou que nunca um Stratton iria sujar sua casa, mas lá estava ele.

Althea começou a organizar os artigos, colocando folhas em branco entre eles.

— Na sua casa daqui da cidade, na Casa Gifford? Fiquei sabendo que ele veio para cá recentemente.

— Você sabia? — Parecia uma boa maneira de não admitir que ele realmente havia sujado a casa da família dela da cidade.

— As pessoas estão falando dele. Você não ficou sabendo porque ficou enclausurada em Hickory Grange por muito tempo depois de seu pai falecer, e não estava aqui quando ele retornou da França.

Althea carregou a pilha grande de papéis para outra mesa e continuou o trabalho de prender tudo com linho. Clara a seguiu.

— Estão falando o quê?

Althea amarrou o pacote grosso, terminando com um laço rústico.

— Fofocas. Daquelas que você escuta umas partes quando chega em determinadas rodas, mas as pessoas param assim que a veem. Conversa séria, pelos olhares nas carrancas. Conversa sigilosa e sussurrada. A maior parte entre a geração de nossos pais.

— Claro que esses trechos devem ter lhe dado uma ideia de por que ele chamou tanta atenção.

Althea deu de ombros.

— Acho que escutei meu irmão se referir a ele como perigoso. Algo sobre duelos na França.

— Fiquei sabendo dos duelos. Theo me contou. Acho que ele teme que, se não pedir a paz, Stratton vá desafiá-lo. Não faz sentido.

— Também interrompi uma conversa em uma sala após uma festa. A anfitriã não conseguiu se conter, apesar de estar no meio da frase. Gesticulou a última palavra do que quer que estivesse falando para sua confidente.

— Que palavra era essa?

— Tenho quase certeza de que era vingança. Agora, se vamos falar com a gráfica hoje, precisamos ir antes de ficar tarde demais.

Elas colocaram suas pelicas e chapéus. Clara invejava Althea por usar um conjunto verde-limão e amarelo. Não se ressentia por vestir roupas de luto. Vestiria eternamente, se isso fosse honrar seu pai. Mas sentia falta de roupas com mais cor e estilo, e, às vezes, pensava em cometer excessos incríveis nas lojas quando pudesse se vestir com estilo novamente.

Com os manuscritos firmemente debaixo dos braços, Clara se juntou a Althea na caminhada para uma carruagem de aluguel parada na esquina da praça. Seu nariz até coçava pela informação tentadora que Althea acabara de lhe fornecer. Stratton podia ser exibido, irritante e arrogante, mas ele tinha acabado de se tornar interessante também, principalmente para a editora de um jornal.

Vingança? De quê? Parecia que alguns sabiam em Londres, mas não era conversa para o senso comum. Assim que entraram na carruagem e seguiram para a gráfica, Clara expressou seus pensamentos.

— Acho tudo isso estimulante, Althea. Se Stratton está inclinado à vingança, alguém sabe por que e contra quem. Ele não é um homem comum, afinal de contas. É um duque. Quem poderia ter irritado tanto um duque para ele querer vingança? E ser considerado perigoso... Há algo muito curioso em tudo isso.

— Presumo que eu possa fazer algumas perguntas para ver se consigo reunir mais um pouco de informação.

— Também farei isso. Vamos ver o que conseguimos descobrir sobre esse homem. Talvez haja uma história para o Parnassus.

Ela deixou de mencionar que mais informação talvez pudesse capacitá-la também para acabar com a corte inexplicável e rude de Stratton.


poeira o cobriu. Saiu voando das páginas quando ele as virou e alisou sua superfície como as aparas de ferro em um ímã.

Adam folheou, lendo os velhos jornais, mais interessado no que não havia sido notícia do que o que fora. Uma alusão aqui, uma referência improvisada ali, a menção de um nome ? essas eram as evidências que ele procurava, porque já sabia que não haveria uma discussão aberta dos acontecimentos que ele investigava.

Ele fora ao Times por último, após folhear páginas nos escritórios de outras revistas e jornais. Todos eles mantinham exemplares de suas antigas publicações em algum lugar. Podia ser em uma biblioteca arejada ou em um porão úmido, mas, com tempo e paciência, ele havia lido cada palavra publicada sobre o Duque de Stratton em alguns anos até a morte de seu pai.

As notícias da morte eram as mais inúteis, embora alguns jornais menos respeitáveis vagamente implicavam que poderia ter sido suicídio. O Times nunca seguiria nessa direção com um duque, então a notícia dele exaltava as conquistas e o gosto de seu pai. Lendo-o, ninguém nunca adivinharia as provocações extremas que fizeram um homem tirar a própria vida.

Agora ele procurava pistas em relação aos detalhes e fontes dessas provocações. Tudo fora um esquema bem secreto, então as partes que ele descobria estavam todas nas entrelinhas. Nenhum editor falaria abertamente sobre esses boatos. Nenhum homem falaria sobre isso exceto atrás de portas fechadas com a voz baixa.

E, mesmo assim, as palavras tinham sido ditas, e elas voaram pelo ar como pólen, então, enquanto ninguém fazia acusações, tudo que as pessoas sabiam era o que importava para o governo. Ele fechou o volume de cópias encadernadas do Times. Mal havia encontrado prova direta do que queria, mas também não achara nada que o convencesse estar errado em suas crenças sobre como a tragédia fora planejada.

Nas reuniões importantes do governo, questionamentos foram feitos sobre a lealdade de seu pai. Ministros e outros lordes lhe disseram coisas. Alguém coletara provas. Aconteceu por um tempo, crescente, talvez um ano ou mais. Isolado e sem amigos quando os miseráveis o encurralaram, ele tirara a vida para não enfrentar o tipo de desgraça que mancharia o nome da família por gerações. No entanto, o ato final e seus motivos eram as únicas partes que não estavam em questão.

Acho que Marwood está por trás de tudo. Foi isso que seu pai havia escrito no único recado que deixara. Ele tinha prova disso? Se tinha, não deixou nenhuma indicação. Será que foi uma conclusão irracional, criada por sua mente e pela longa inimizade entre as famílias? Adam não sabia. Se seu pai pensava que Marwood estava por trás de tudo, porém, então Marwood estava no topo da lista de homens que Adam investigaria.

Deixou o edifício do Times e foi até sua carruagem. Perdido em pensamentos, quase não viu a mulher do outro lado da rua até algo familiar nela tirá-lo de seu devaneio.

Ela andava com passadas determinadas, como se estivesse em uma importante missão. Ele notara o brilho em seus olhos, os quais implicavam muito sobre ela. Inteligência. Personalidade. Paixão. Problema. Não se importava com a última qualidade. Raramente encontrava as três primeiras em uma mulher sem a quarta. Seu tempo com ela, apesar de ter sido breve, não fora maçante. Apesar de seu cabelo castanho-avermelhado, coberto como um quadro em seu rosto debaixo da aba de seu chapéu, estar esplêndido contra seu traje preto, ele, de repente, pensou em como ela ficaria vestindo verde-claro.

Ele a imaginou assim enquanto atravessava a rua e a abordava. Assim que ela o viu, sua expressão desmoronou.

Ele queria rir da forma como ela se esforçava para manter a compostura adequada para a filha de um conde. Imaginava os pensamentos rudes pulando na mente dela.

— Lady Clara. Que prazer inesperado vê-la hoje.

— Sim. Que prazer. — Ela inclinou a cabeça para a esquerda, olhando o caminho da liberdade. — É um dia de tarefas para mim.

— Para mim também, embora eu já tenha acabado. Que tarefa a traz aqui?

Ela não respondeu de imediato. Parecia que ele tinha feito uma pergunta esquisita.

— Não estou cumprindo uma tarefa aqui. Estou simplesmente andando pela rua depois de fazer uma tarefa em outro lugar. — Ela foi para o lado dele e o analisou com o cenho franzido. — O senhor estava no sótão? Está coberto de poeira. — Ela esticou a mão e deu uma batidinha na manga dele, produzindo uma pequena nuvem de pó.

Ele achou charmoso o gesto dela.

— Meu lacaio vai resmungar quando vir isso.

— Fique parado. — De novo, sua mão varreu o casaco dele. Mais nuvens se ergueram. Ela o limpou como se ele fosse uma criança que tivesse caído na terra. Mas não tão delicadamente. A mão dela batia em seus ombros e peito. — Pronto. Está quase apresentável. Agora, devo seguir meu caminho.

— Não vai ser generosa me permitindo sua companhia? Não a vejo há quase duas semanas. Sei que foi minha culpa. Não entrei em contato. Devido a todas essas tarefas, sabe.

— Faz tanto tempo assim? Não reparei. Na verdade, eu não esperava que entrasse em contato. Não há motivo para fazê-lo.

— Nós dois sabemos que isso não é verdade. Entretanto, aqui estamos agora. Pelo menos permita-me acompanhá-la em segurança de volta à sua carruagem.

— Não será necessário. Ficarei bem segura sozinha.

— Por favor. Eu insisto.

Ela ficou parada em silêncio, parecendo uma menininha flagrada fazendo algo errado.

— Está com sua carruagem aqui? — ele perguntou.

— Não. — A resposta veio depois de uma longa pausa. Ela mordeu o lábio inferior.

— Carro de aluguel de novo? — Ele olhou para cima e para baixo da rua. — Ele mora aqui perto? Seu amigo, quero dizer.

— Não há amigo. Não da forma que insinua.

— Claro que não.

— Estou falando sério.

— Por favor, entenda que não estou chocado. Sou metade francês, afinal. Não me importo. Apenas peço que termine — ele mentiu suavemente. Importava-se, sim. Qualquer homem se importaria, se quisesse a mulher.

— Pede, não é?

— Estou sendo educado. Um pedido por enquanto. Em certo momento, claro, terá que ser um comando.

Os olhos dela arderam em chamas. Inferno, ela era excitante quando estava brava. Que bom, já que ele esperava que ela ficasse brava com frequência.

— Penso que o senhor está me provocando deliberadamente — ela disse.

— Prometo parar se concordar com uma visita rápida ao parque. Vamos ficar a céu aberto para a senhorita não se preocupar se vou me impor. Então a levarei para casa.

— E se eu recusar sua oferta?

— Provavelmente vou segui-la, fazendo perguntas indiscretas sobre seus afazeres misteriosos nesta parte da cidade.

Ela suspirou desesperada e tirou um relógio do bolso de sua retícula.

— Não haverá quase ninguém no Hyde Park a esta hora. Vamos virar ali, se faremos isso. Uma visita bem rápida, por favor. Tenho um compromisso esta tarde.

— Mais afazeres misteriosos? Como a senhorita é intrigante.

Ele ofereceu o braço. Ela não o aceitou. Juntos, andaram até a carruagem dele.

O Duque de Stratton estava se transformando em uma séria inconveniência. Parte da alegria de ser uma mulher mais velha e sem interesse em casamento era que as pessoas costumavam não perceber o que ela fazia. Clara aproveitara essa liberdade mesmo antes da morte de seu pai, e agora mais ainda porque morava sozinha na Casa Gifford.

A curiosidade de Stratton sobre ela complicava isso. Agora ali estava ela, sentada na carruagem dele quando deveria estar visitando o decorador que contratara para fazer algumas mudanças em sua casa na Bedford Square. Já que ninguém sabia sobre a casa, não poderia permitir que o duque a seguisse até lá.

Não se importava com como ele tramava para ela passar um tempo com ele. Ressentia-se que ele tivesse ganhado essa pequena batalha.

— Prefere a cidade? A senhorita passa boa parte do tempo aqui — ele disse assim que se sentaram um à frente do outro e o cocheiro abrira a porta da carruagem para arejar.

Se fosse outra pessoa, ela pensaria que era jogar conversa fora. Daquele homem, ela percebeu que era uma pergunta intrusiva.

— Gosto da fazenda e da cidade. Fico nos dois lugares. No entanto, depois de todos os meses em Hickory Grange após o funeral do meu pai, era hora de ver alguns amigos aqui e participar da sociedade de novo. — Mesmo com a forma como ela disse, ficou preocupada de ter lhe dado informação demais.

— Seus amigos sabichões?

— Sim.

— O que a senhorita faz quando não está conversando com eles?

— Se eu lhe dissesse, não seria mais intrigante e misteriosa.

Foi um erro dizer isso. Ela soube assim que disse. Os olhos escuros dele pairaram nela, divertidos e muito confiantes de que viam mais do que ela queria. Esse olhar a deixou nervosa. Ela achava decidida, quase óbvia, essa procura de sua atenção. Implicavam intimidades que ela não queria ter ou reconhecer. Apressou-se para fazer uma provocação.

— O senhor vai achar meus interesses muito entediantes e femininos. Eu visito boutiques e encho os olhos de tecidos que não posso usar agora. Passeio por armazéns e cobiço sedas e rendas.

— Por que não comprá-los agora e guardá-los até poder usar?

— Porque a espera faz parte da diversão. Há o perigo que se transformará em uma febre, no entanto, quando finalmente tirar esses trajes pretos, serei tão imprudente ao gastar tudo em um novo guarda-roupa que Theo vai precisar me tirar das dívidas.

— Oh, duvido disso.

Então ela soube que aquele homem havia descoberto o tamanho de sua herança. Será que Theo tinha lhe contado? Talvez ele tivesse escutado fofocas, mas seria suficiente.

Passou por sua mente que o único motivo de ele a perseguir com aquela proposta idiota era sua fortuna. Como se o Duque de Stratton precisasse disso! Mas, na verdade, quem sabia se ele precisava ou não? Ela não o investigara da forma como ele obviamente o fez com ela, embora ela pretendesse. Mesmo assim, era um homem atrás de sua fortuna. Que previsível. Senso comum. Decepcionante.

Já que eles estavam no parque, ela fez as próprias perguntas, enquanto encorajava que a caminhada deles deixasse o caminho principal a fim de que ninguém os visse juntos.

— O senhor não se importaria mesmo se a mulher para a qual fez proposta tivesse um amante anterior? O senhor continua insinuando isso.

Ela pensou ser uma questão sofisticada e investigativa e aguardou que ele não visse a refeição que ela acabara de colocar em um prato à sua frente.

— A senhorita tem o quê? Vinte e quatro anos? Só um tolo exigiria inocência de uma mulher com essa maturidade.

— Que visão liberal o senhor tem.

— Gosto de pensar assim. Só estou sendo um pouco estrito com a senhorita porque não posso arriscar que meu herdeiro seja filho de outro homem. Estou certo de que entende.

Ela olhou para ele, esperando ver aquele sorrisinho ou qualquer coisa que indicasse que suas referências contínuas à proposta agora fossem uma piada interna. Arrependida, viu que ele parecia mais sério. Ela resolveu que contrariá-lo só iria engrandecer aquela ideia ridícula, então ignorou.

Já que ele a tinha convencido a passar esse tempo juntos, não poderia se opor a algumas perguntas sinceras sobre sua vida e sua família, principalmente se ele realmente acreditava que eles iriam se casar. Althea ficou responsável por investigar o homem, mas cada pequena informação adicionada ao montante ajudaria.

— Por que o senhor partiu? — ela perguntou enquanto caminhavam por um pequeno bosque de árvores floridas.

— Porque era hora de voltar.

— Não quis dizer por que partiu da França. Por que partiu da Inglaterra?

O humor dele se alterou um pouco, como se a pergunta abrisse uma porta para o humor negro que ela sentia nele.

— Minha mãe não quis permanecer aqui depois da morte de meu pai, então eu a levei embora e me certifiquei de que ela se adaptasse a Paris.

— Ela queria voltar para casa, o senhor quer dizer. É compreensível.

— Ela morou aqui por décadas. Aqui deveria ter sido seu lar, não uma terra estrangeira para onde fugir. Houve aqueles que nunca a receberam bem, no entanto, ou permitiram que ela se ajustasse.

— Se ela é feliz agora na França, é o que importa, não é?

— Não disse que ela estava feliz. Ela não queria voltar para a França. Só não quis permanecer aqui.

Seu tom direto a fez parar de andar.

— Desculpe se entendi errado. Fui negligente com minha resposta. Claro que ela não poderia ficar feliz em deixar sua casa por tantos anos. — Ela engoliu a pergunta que implorava para ser feita. Por que ela não queria permanecer aqui?

Eles ficaram debaixo de uma das árvores, na sombra que os galhos emaranhados criavam.

— A senhorita realmente sabe tão pouco sobre a minha vida? — ele questionou. — Nunca ouviu falarem da minha mãe? Estava fora quando ela partiu. Antes de o meu pai morrer.

Ela não precisava buscar muito na memória para se lembrar de alguma conversa que ouvira. A voz da avó sempre cheia de desdém ao mencionar a duquesa francesa de Stratton. Vovó era uma das pessoas que pensava o pior de tudo e de todos os franceses durante a guerra.

Mas outros tinham bufado quando a Duquesa de Stratton entrava em um salão. Clara sempre achou que invejavam sua beleza e queriam falar mal de alguém. Na verdade, ela não se importava muito com o que as pessoas diziam. A antiga guerra entre sua família e a de Stratton haviam-na deixado insensível a quaisquer considerações feitas à mãe dele.

— Admito que, agora que falou, conheço um pouco do que ela passou — ela admitiu. — Se foi isso que a fez ir embora, não foi justo.

Para a surpresa dela, ele pegou sua mão e a ergueu para dar um beijo.

— Não foi apenas isso. No entanto, é bom a senhorita achar que foi injusto.

Aquele beijo na mão dela, apesar de breve, criou uma ponte de intimidade. Ela sentiu o beijo por seu braço inteiro e descendo por seu corpo. O olhar dele capturou o dela antes de ele beijar sua mão de novo, lentamente.

Ela não tirou a mão. Não desviou o olhar, apesar de definitivamente ter que fazer o contrário. Em vez disso, encarou enquanto aquele beijo e aqueles olhos escuros avivavam todo o seu corpo.

Ele a puxou cada vez mais para perto, até ela ter que dar um passo até ele ou cair. Fez um pouco dos dois, tropeçando de forma estranha, e se viu nos braços dele.

Ele iria beijá-la, ela tinha certeza. Isso não poderia acontecer. No entanto, em vez de se afastar, ela não conseguiu se mexer. O olhar dele a paralisou e incitou uma empolgação imprópria.

Os braços dele a envolveram. Ele olhou para baixo. Atordoada, ela fechou os olhos e aguardou.

E aguardou.

E aguardou.

Quando nada aconteceu, ela abriu os olhos. Instantaneamente, a euforia tomou conta, e ela se sentiu uma tola. Tentou se livrar de seu abraço, mas ele não permitiu.

— Quer que eu a beije?

— Claro que não. O senhor é o último homem que quero que me beije, asseguro-lhe. — Ela se recusou a olhar para ele e continuou tentando se afastar.

— Isso não é verdade. Vamos ser honestos um com o outro. — A cabeça dele mergulhou e seus lábios tomaram os dela.

Ela perdeu o fôlego. Céus, ele era lindo. E excitante. Até aquela escuridão era sedutora. Os arrepios percorreram seu corpo, implorando para ter desculpas para se transformar em algo mais poderoso.

— Parte da diversão é a espera — ele disse baixinho, prendendo-a com seu olhar. — Embora sempre haja o perigo de se transformar em uma febre. — Os lábios dele beijaram os dela, sempre suavemente, mas o suficiente para criar uma faísca.

Foi um gracejo. Uma promessa provocante.

Ele a soltou e recuou. Ela ficou parada, sem fala, e extremamente derrotada, chocada como ele tinha usado suas próprias palavras contra ela a fim de implicar que compartilhavam alguma empatia em questões sensuais.

— Preciso ir. — Ela se virou e andou pelo caminho principal. A cada passo, sua indignação aumentava.

Ele andava ao seu lado, mais do que satisfeito.

— Não posso acreditar que o senhor se impôs sobre mim assim — ela disse em seu melhor tom como ousa.

— Impus bem pouco, principalmente dadas as circunstâncias. De fato, se eu tivesse feito amor com a senhorita contra uma das árvores, não tenho certeza se teria sido uma imposição.

— Se pensa assim, ficou muito tempo na França.

Ela não conseguia chegar logo à carruagem. Recusou-se a olhar para ele no trajeto para a Casa Gifford. Quando chegaram, mal recusou a insistência dele em lhe dar a mão para descer. Ela enrijeceu contra a sensação da mão dele na sua, a proximidade de seu corpo e a forma como todo o seu ser ainda queria reagir inapropriadamente.

Não pôde resistir a uma última censura. Não apenas para lembrá-lo do comportamento adequado, mas para lembrar a ela também.

— Por favor, lembre-se, no futuro, como um cavalheiro trata uma dama, sir.

— Eu sei como tratar uma dama. A senhorita, no entanto, também é minha futura noiva. Isso muda tudo.

Ela se apressou até a porta, cheia de indignação furiosa. Assim que entrou, viu que aquele dia desconfortável só iria piorar.

Theo, Emilia e a viúva haviam chegado da fazenda para se juntar a ela.


— or que está tão mal-humorada? Não sorriu desde que entrou em casa — Clara fez a pergunta à irmã depois de procurá-la em seu quarto naquela noite.

O jantar provou ser um julgamento, com sua avó direcionando afazeres relacionados aos dias seguintes, e Emilia e Theo assentindo como se fossem alunos. A viúva descartou as objeções de Clara sobre as demandas que os planos causariam em seus dias.

Emilia se jogou na cama.

— Vovó quer que eu conheça Stratton. Já que ele está na cidade, nós o seguimos.

— Vocês ainda não foram apresentados?

Ela fez beicinho.

— É vergonhoso ser jogada para ele assim quando parece que ele preferiria me evitar. Já que eu preferiria evitá-lo também, quero que eles parem de persegui-lo. Sei que é um duque, mas o achei assustador quando ele estava naquele terraço. Nem acho justo ser oferecida assim para ele antes até de eu ter minha primeira Temporada.

Clara se sentou ao lado dela e a envolveu com um braço.

— Parece injusto.

Emilia era adorável e, se aguardasse aquela Temporada, haveria dúzias de admiradores esperando ganhar sua mão. Clara tinha lembranças carinhosas de sua primeira Temporada. Ela não procurava um marido, mas amava todo o planejamento e, então, todas as atividades sociais e bailes. Gostara dos poucos beijos roubados que a seguiam também.

— Agora eu estou na cidade e tenho que ficar aqui sentada enquanto todos os meus amigos vão a bailes — Emilia reclamou. — Uma coisa é ficar de luto na fazenda e perder isso. Outra é só ouvir a diversão pelas janelas enquanto fico sentada nesta casa, usando preto.

— Talvez possamos convencer Vovó a permitir que você vá a alguns eventos menores. Uma ou duas festas no jardim. E pode receber amigos aqui. Se é permitido que conheça Stratton, por que não outros jovens?

Os olhos de Emilia se iluminaram com esperança.

— Acha que ela vai concordar? Talvez me permita comprar um ou dois vestidos novos, não que eu queira mais vestidos pretos, mas pelo menos sairei para compras.

— Vou tentar convencê-la a permitir outra coisa além de preto para você. Agora passaram-se seis meses. A mim, parece que outras cores, simples e discretas certamente, podem ser permitidas para uma garota.

Emilia abraçou Clara e a beijou na bochecha.

— Se puder conseguir mesmo essa pequena concessão, ficarei grata.

— Escreva para seus amigos e os avise que está aqui e pode fazer e receber visitas. Quanto a Stratton, não é obrigada a se casar com alguém que não queira. Espero que saiba disso.

A alegria deixou Emilia tão rápido quanto apareceu.

— Nunca fui boa desafiando Vovó. Ela me assusta ainda mais do que o duque.

Claro que assustava. A viúva intimidava adultos. Se não fosse pela resistência de Stratton, Emilia já estaria noiva.

— Talvez Stratton também nunca venha aqui — Emilia disse, melancólica.

Clara duvidava disso. Vovó não seria deixada para depois agora, independente dos estratagemas que o duque tentasse. A não ser que ele se recusasse de forma direta a continuar esse passo de dança. Seria melhor para todos se ele decidisse fazer isso.

 

— Vai me contar aonde estamos indo? — Langford perguntou quando ele e Adam cavalgavam pela Bond Street. — Quando me chamou para me juntar a você, achei que a esta hora já fosse explicar por que e onde.

Adam havia passado por Langford há três quarteirões. Não tinha sido coincidência. Nem foi sua negligência deixar de mencionar o destino.

— Prometi que seria divertido, e vai ser.

— Devo insistir que revele tudo. Não acho que vamos a alguma loja ou que estamos a caminho de uma tarde típica de diversão.

Adam virou na Bond Street.

— Vou confessar por que abordei você, mas, primeiro, precisa prometer não me abandonar.

— O que está tramando, Stratton?

— Vou visitar Marwood.

— Não. Aquele pivete? Para quê? Pensei que tivesse jurado ser inimigo dele, por meio da sucessão.

— Ele acha que deveríamos fazer as pazes e ser amigos. Tem insistido nisso. Continua me convidando para ir à casa dele e me seguiu até a cidade para me encurralar. Ontem, ele me fez uma visita enquanto eu estava fora. Então escrevi e finalmente concordei em retornar o favor.

Langford continuou andando com seu cavalo. Pelo menos, ele não tinha rejeitado imediatamente a visita.

— Presumo que ele tenha medo de você desafiá-lo devido à briga ancestral. Provavelmente está sujando a cueca desde que soube que você voltou.

— Eu nunca duelaria por insultos de mais de cinquenta anos.

Ele recebeu um olhar duro de Langford por isso.

— Então concordou em aceitar seu ramo de oliveira? Nossa, que bondoso da sua parte.

Adam ignorou seu tom desconfiado.

— Bom, soube que ele tem uma irmã adorável.

— Deve estar falando da Lady Emilia. Ela foi uma criança linda, isso é verdade, mas ninguém a vê de perto há quase um ano. Espero que ela não frequente esta Temporada devido à morte do conde. Mas, sim, é de conhecimento de todos que ela ficou mais do que bonita. Com certeza você não pretende fazer as pazes a ponto de cortejá-la, não?

— Achei que você poderia querer.

Langford parou seu cavalo.

— Se isso foi uma piada, não estou rindo.

Adam sorriu.

— Eu estou. Pare de ficar tão preocupado. Alguém poderia pensar que é possível amarrá-lo ao casamento sem você saber.

— Há algumas mães que estão se esforçando ao máximo para isso. — Ele voltou a andar com o cavalo. — Perdoe-me pela falta de humor. Estou me sentindo perseguido. Então vamos visitar um dos inimigos de sua família, com o objetivo principal de cortejar a irmã dele.

— Isso resume bem.

Langford deu de ombros.

— Por que não me disse?

A cavalgada os levou até a porta da casa da cidade de Marwood, na Portman Square. Adam esperou até os criados pegarem seus cavalos e alcançarem a porta antes de falar de novo.

— Ah, esqueci de mencionar. A avó dele estava junto quando ele me visitou ontem. Acredito que a veremos também.

Langford fechou os olhos. Parecia um homem rezando por salvação.

— Tenho evitado assiduamente essa harpia há quase uma década, Stratton. Posso matá-lo por isso.

— Não iria querer que eu a enfrentasse sozinho, iria?

— Eu o teria mandado e coletado seus restos depois de ela acabar com você. Inferno, vamos entrar e rezar para ela já ter sido alimentada com outra pessoa hoje.

 

— Milady — a dama de Clara, Jocelyn, sussurrou o título em um tom nervoso.

— O que foi? — Clara respondeu calma como sempre, embora quisesse expressar um grande desprazer. Havia dito a Jocelyn que queria ser deixada sozinha. De forma clara e direta. Mesmo assim, ali estava a dama, interrompendo-a.

— Um lacaio veio até a porta. Disse que sua avó a quer na biblioteca.

Clara apoiou a cabeça nas mãos. Olhou para baixo, para a superfície da sua escrivaninha. As páginas impressas do jornal, recebidas de Althea no dia anterior, esperavam sua aprovação. Precisavam ser devolvidas com a correção para a gráfica no dia seguinte.

Esperara terminar na tarde do dia anterior. No entanto, desde que sua família veio se hospedar ali, houve uma interrupção atrás da outra. Ela não se importava com as de Emilia. Importava-se quando sua avó exigia sua presença.

Não que Vovó exigisse sua presença para coisas importantes. Ela mal queria conversar e precisava de um público. Pelo menos Clara havia usado aquele tempo de maneira produtiva: obtivera a autorização para Emilia ter um ou dois novos vestidos e poder receber visitas.

Na manhã do dia anterior, infelizmente, elas tinham se engajado em uma discussão quando ela recusou o comando de sua avó para se juntar à viúva e a Theo quando eles fizeram uma visita a Stratton à tarde. Ela não teve dificuldade em listar os motivos do porquê não fazer isso.

Tinha uma reunião com Althea planejada, primeiro. Segundo, ela pensou que pareceriam ridículos se a família inteira visitasse. E, finalmente, não queria encorajar o duque a pensar que ela estava, de alguma forma, de acordo com essa missão de paz, sem mencionar o plano peculiar dele de conquistar harmonia entre as famílias.

Não que ela pudesse explicar alguma dessas coisas para sua avó, então simplesmente a desafiou. Pensou como Vovó a faria pagar por isso.

— Ele mencionou que a condessa estava bem firme quanto ao assunto, milady. Disse que convidados importantes chegaram, e ela pediu para a senhorita descer.

“Convidados importantes” significava qualquer um que Vovó se dignasse a receber.

Ela olhou para seu vestido simples.

— Vou colocar meu vestido preto com cauda e bordado, Jocelyn, se são tão importantes, os malditos.

Jocelyn ruborizou com o xingamento e se apressou para o cômodo das roupas. Clara a seguiu, arrependendo-se do lapso. Ela realmente precisava parar de fazer isso.

Quinze minutos mais tarde, ela entrou na biblioteca e viu que o lacaio não tinha exagerado. Até para os altos padrões de Vovó, seus convidados eram importantes.

Stratton tinha retornado a visita do dia anterior. Mas não estava sozinho. Outro duque, Langford, o acompanhava. Durante os cumprimentos, Emilia a olhou com uma expressão desesperada.

— Os duques estão nos regalando com as descrições do baile de Lady Montclair ontem à noite — sua avó disse assim que todos se sentaram. — Ouso dizer que está sendo mais divertido ouvi-los recontar do que participar do evento.

— Eu gostaria de ter ido para ter certeza disso — Emilia murmurou.

Langford, um homem lindo com olhos azuis brilhantes e cachos escuros que se transformavam em um cabelo um pouco selvagem, dirigiu-se a ela com empatia.

— Não perdeu muito, Lady Emilia. Vai descobrir logo que bailes são todos iguais.

— Minha avó concordou que, embora nosso luto não tenha acabado, Emilia pode participar de alguns eventos menores, como festas de jardim. Seria aceitável, não concorda? — Clara olhou deliberadamente para a avó, já que ainda não tinha falado sobre o assunto com ela.

— Não vejo por que não. Avise-nos em qual ela irá, e Stratton e eu nos certificaremos de ir também e falar com ela lá.

— Como os senhores são gentis. — Se dois duques falassem com Emilia em uma festa, ninguém falaria muito sobre a menina ter ido durante o luto. — Nos certificaremos de avisá-los. Não é, Vovó?

— De fato.

Havia incontáveis respostas sob a superfície de gratidão naquela frase curta. Clara ouviu a desaprovação de sua ousadia e futuras ameaças. Emilia, no entanto, só brilhou com prazer por não ser deixada de fora de tudo.

Sua irmã estava linda naquele dia, como sempre. O sol entrando pelas janelas fazia seu cabelo loiro brilhar com luzes e também favorecia sua pele luminosa.

Langford ficava olhando para ela. Não que Langford fosse bom para Emilia, mais do que o outro duque poderia ser. Langford era conhecido por sua rebeldia que mais do que combinava com aquele cabelo devasso. Charmoso como o pecado, ele com certeza partiria o coração de qualquer mulher com quem se casasse.

Clara tentava não olhar para Stratton, mas ele se sentou bem ao lado do amigo e conseguiu se intrometer em sua visão. Mal olhava para Emilia, algo que Vovó certamente notaria. Clara esperava que Vovó não percebesse para quem ele estava olhando.

Não era como se ele a encarasse. Mas com frequência aquele olhar negro pairava nela, a ponto de deixá-la consciente. Ela entendia o que Emilia queria dizer sobre achar que ele era assustador, só que aquela palavra não interpretava adequadamente a reação que ele provocava. Ela achava que sua atenção a obrigava a lembrar dele perto demais, quase a beijando e dizendo coisas muito íntimas.

— O dia está lindo — sua avó anunciou. — Clara, por que não leva sua irmã e os cavalheiros para o jardim, a fim de aproveitar a brisa e o sol? Seu irmão e eu nos juntaremos aos senhores logo.

Então, ela liderou o caminho para fora das janelas francesas até o terraço.

Adam planejou que, quando saíssem no terraço, ele ficasse ao lado de Lady Clara, e Langford acompanhasse Lady Emilia.

Langford poderia encantar qualquer mulher de qualquer idade sem se esforçar. Era simplesmente de sua natureza. Alguns reis nasciam para governar; Langford nascera para seduzir.

Ele se conteve até onde pôde porque Lady Emilia era jovem, mas aqueles olhos azuis ainda eram penetrantes e aquele sorriso ainda bajulava. Lady Emilia se transformara em uma bagunça afobada de risadinhas e vermelhidão quando eles chegaram ao jardim.

Lady Clara não deixou de notar.

— Perspicaz da sua parte trazê-lo — ela disse para Adam. — Do contrário, minha avó poderia ter interpretado sua visita como cortejo, e um indicativo de seu acordo com a ideia dela sobre o casamento.

— Ela teria acertado, claro, mas apenas errado a dama. Não vamos explicar isso ainda, no entanto. Será nosso segredo por um tempo.

— Queria que parasse de falar assim, quando sabe que será um segredo eterno porque nunca aceitarei. Não há motivo para eu fazê-lo.

— Há um bom motivo. Muitos motivos. Será nosso segredo enquanto eu lhe mostro quais são.

Bem à frente, Langford deve ter contado alguma piada porque a risada de Emilia flutuou pelo ar.

— Espero que ele não crie nenhuma esperança com ela — Clara disse, estreitando os olhos. — Nunca vai ser adequado.

— Ele nunca mostrou interesse em jovens, então eu não me preocuparia.

— Os senhores são bons amigos?

— Somos amigos desde a escola. — Ele riu baixinho. — Esqueço como sabe pouquíssimo sobre mim, às vezes.

— Sua família não existia do ponto de vista da minha família, então nunca o notei ou com quem o senhor andava.

— Nunca me notou? Que ofensa. Nunca? Nem uma vez? — Ele a olhou diretamente, irônico.

Ela sentiu o rosto ruborizar, porque é claro que o tinha notado antes de ele partir para a França, durante as primeiras temporadas. Quem não notaria? Seu rosto lindo e espírito latente o destacavam. Uma vez, em um baile, ela sentiu uma calma estranha no salão, uma rigidez. Tinha sido ele, agindo como o centro de um vórtice, e a reunião ao redor era o redemoinho.

Ele a tinha visto observando-o, ela se lembrou de repente agora. Ele vira que ela o observava. Ele achava, ela suspeitou, que ela não o via totalmente como um inimigo naquele momento inesperado.

Agora ele mergulhou a cabeça para mais perto da dela.

— Não acho que não existíamos para sua família. Acho que falavam bastante de nós. Não com ou perto da senhorita, mas seu pai e sua mãe. Estou correto?

A voz dele, sua respiração, e a proximidade a deixaram nervosa. Ela verificou se sua irmã não tinha ido longe para fazer sala.

— Às vezes.

— Na época de Waterloo? — Sua voz suavizou. — Ou nos meses seguintes?

Sua mente voltou àquele tempo, anos atrás, como se fosse mandada para lá por um feitiço dele. As conversas se acumularam em sua memória todas de uma vez, como muitas vozes conversando em uníssono. Ela escutou o pai, tão claramente que lhe doeu, mas suas palavras foram obscurecidas por outras vozes falando por cima e à volta dele. Então o viu, claramente, batendo a mão na escrivaninha da biblioteca.

— Não — ela mentiu. — Não naquela época. Não que me lembre, pelo menos.

Ela não sabia por que se recusava a contar. Talvez por causa da maneira como ele a observava. Como se sua reação importasse para ele. Importava demais. Lá na frente, Langford parou de andar com Emilia. Ele os aguardou alcançá-los. Emilia parecia inebriada de alegria. Ficava olhando Langford como se ele a maravilhasse.

— Ah, não — Clara murmurou.

— Não se preocupe. Trarei homens mais apropriados para ela — Stratton disse. — Seguros, que não são perigosos de nenhuma forma. Ela vai rapidamente esquecer uma tarde de paixão.

 

— Agora, essa foi uma visita esquisita — Langford ofereceu a opinião quando ele e Adam viraram seus cavalos na Bond Street.

— Por quê?

— Por quê? Muito inocente. Você sabe por quê. Se eu não o conhecesse, diria que me trouxe para poder me jogar para aquela garota, apesar de suas garantias. Bom, não vou ceder. E se a viúva é tola o bastante para arriscar a virtude da neta comigo, ela terá que colocar a menina na fila atrás de outras cujas mães também são muito negligentes.

— A intenção não foi jogar você para a menina, mas evitar que eu fosse jogado para ela. Eu nunca a tinha conhecido e não queria que sua família pensasse que uma visita meramente social significasse mais do que isso.

— Estou muito feliz por ter me achado conveniente para seu objetivo. Da próxima vez, por favor, dê a honra a Brentworth.

— Ele teria assustado a garota ao ponto de ela não conseguir falar uma palavra. E também não teria sido tão descuidado a ponto de me permitir arriscar que seu nome fosse conectado ao dela.

— Está dizendo que me escolheu porque sou um perfeito idiota? Também não quero meu nome ligado ao dela. Se for, se Marwood começar os boatos, juro que vou...

— Eis o que deveria fazer. Visite-os de novo daqui a muitos dias...

— Pareço maluco para você? Estamos falando da Condessa de Marwood. Ela, que acaba com as mulheres por diversão e humilha homens como se fosse um jogo. Posso sobreviver a esta temporada se eu batalhar apenas com as mães armadas contra mim. Certamente vou perder se também precisar me proteger dessa mulher.

— Tinha me esquecido de como você é dramático. Escute-me. Visite de novo daqui a muitos dias, mas faça como eu. Traga outro com você. Seu irmão, por exemplo.

— Harry? Ele vai entediar a menina.

— Ela é muito jovem. O calmo e estudioso Harry não vai oprimi-la, e ela terá um amigo na cidade. Com o tempo, quem sabe o que pode acontecer? Ele terá o caminho livre, afinal.

Langford refletiu.

— Pode funcionar. Você fez aula de juntar casais na França?

— Tive aula de todo tipo de coisa. Agora, preciso parar aqui para uma coisa. — Ele desmontou do cavalo. — Você está livre para seguir seu caminho.

Langford olhou para baixo, para a loja onde Adam amarrou o cavalo.

— Vai comprar joias?

— Uma pequena bugiganga.

Langford desmontou.

— Para quem?

— Para minha senhora. Vou vê-la mais algumas vezes antes de dar o presente, mas é hora de escolher alguma coisa.

Ele entrou na loja, com Langford atrás.

— Agora fiquei confuso, Stratton. Acabou de falar para eu jogar meu irmão para ela, e tudo que fez foi ignorá-la... — Ele parou de andar. — Ah, caramba. A menina não tem nada a ver, mas a mais velha, certo? Diga que estou enganado, porque seria a pior união já planejada.

Adam pediu ao funcionário para trazer brincos de pérola. Langford apoiou os cotovelos ao lado dele no balcão.

— Se estou correto, pérolas são a escolha errada. Pérolas são modestas, discretas e convencionais. Aquela bruxa implora por algo brilhante e inesperado. Algo que declare que ela não vai se curvar para nenhum homem. Algo que...

— Estou começando a achar que você não gosta dela.

— Nenhum homem gosta muito, Stratton. A forma como ela empina o nariz para todo pretendente dificilmente encoraja generosidade. — Ele gesticulou para o funcionário levar a bandeja de pérolas embora. — Traga rubis, meu bom homem. Quanto maior e mais exagerado, melhor.


— Decidi que preciso me mudar para cá — Clara compartilhou o pensamento com Althea depois que elas terminaram de verificar o jornal. Faltava apenas Althea empacotá-lo para enviar à gráfica e agendar a impressão.

— Seus parentes a estão irritando?

— Minha avó acha que pode ditar meus movimentos e exigir que me junte a ela em qualquer visita que escolha fazer. Minha liberdade de ir e vir acabou. Preciso sair escondido como fiz hoje para encontrá-la aqui. Já estou esperando que ela abra minha correspondência.

Ela olhou em volta na biblioteca de sua casa em Bedford Square onde conversavam. A casa não chegava nem perto do tamanho da Gifford, claro, mas seria apropriado para ela. Se morasse ali, poderia terminar mais rápido seus outros planos para aquela casa.

Faltavam lugares para mulheres se encontrarem e relaxarem, com exceção da casa delas. Homens tinham seus clubes, tavernas e cafeterias para esse propósito. Por que as mulheres não poderiam ter refúgios também? Aquela casa, com sua sala de jantar, biblioteca e sala de estar, poderia servir como uma, para um grupo seleto de amigas. Ela nem precisaria fazer mudanças. Seria muito agradável se uma mulher pudesse sair de casa e se aventurar, sabendo que, em seu destino, haveria amigas e conhecidas com quem poderia passar uma hora ou mais, tomando café e comendo bolos, ou até um pouco de xerez ou vinho. Clara pensou que adoraria ter um clube de mulheres assim, então outras provavelmente pensavam da mesma forma.

— Quando planeja efetivar essa mudança? É um grande passo — Althea disse.

— Amanhã. Já informei minha criada para começar a arrumar meus baús.

— Informou seu irmão e sua irmã e, antes que nos esqueçamos, sua avó?

— Ainda não.

— Pretende sair escondida à noite e deixar uma carta?

— Claro que não. — Tinha passado por sua mente. — Não vamos sofrer por antecedência, e vamos falar de outras coisas. Descobriu alguma coisa sobre Stratton?

Althea sorriu presunçosa.

— Talvez.

— Vai me contar ou ficar zombando de mim?

— Pensei que um pouco da segunda opção seria justo. São notícias provocativas e, considerando a culpa que senti ao saber delas, preciso fazer você pagar.

— Se são provocativas, sou toda ouvidos.

— Descobri que há um boato bem vago de que o falecido duque não pereceu em um acidente de caça, como achavam. Ao invés disso, mirou a pistola em si mesmo.

Clara encarou Althea.

— Quem lhe contou isso? É uma coisa chocante de se dizer se não for verdade.

— Tirei essa informação da minha tia-avó.

— A tia-avó que precisa de cuidador?

— Disse a mim mesma que não me aproveitei, mas acho que fiz isso, sim. Ela estava visitando meu irmão, e ficamos sozinhas. Eu tinha acabado de perguntar ao meu irmão o que ele sabia sobre Stratton, quando ele foi chamado por sua secretária. Minha tia começou a falar o que ela sabia sobre Stratton, como se eu tivesse lhe feito a pergunta. — Ela mordeu o lábio inferior. — Acho que deveria tê-la impedido.

— Talvez ela o tenha confundido com outra pessoa. Alguém de muitos anos atrás.

— Acho que não, considerando o que ela disse.

Clara se inclinou, para que não perdesse uma palavra.

— Ela disse “Claro, a lealdade dele fora impugnada. O que mais ele poderia fazer?”.

— Não.

Althea assentiu.

— Então, meu irmão retornou, e um olhar desafiador a silenciou.

— Não me lembro de nenhum boato sobre a lealdade dele. Claro que ninguém ousaria compartilhar tal coisa abertamente se não houve nenhuma acusação oficial.

— Ela também poderia estar enganada. Ou, como disse, confundiu-o com outra pessoa.

Não foi a primeira vez que as conversas sobre a família Stratton fizeram Clara se lembrar de coisas, profundidades sobre situações às quais ela nunca deu importância. Agora, enquanto refletia sobre essa revelação, lembrou-se de flashes daquela época. Viu o pai em seu escritório, debruçado sobre o Times em sua mesa, estreitando os olhos para uma notícia com bordas em preto. Ela havia olhado apenas para ver o que o absorvia por causa de sua expressão. Não era de tristeza ou curiosidade. Mas uma armadura havia mascarado sua expressão, o que ela achou estranho, considerando que ele lia a notícia da morte de outro nobre.

— Ela também disse que aconteceu na propriedade da família — Althea revelou. — Falou como se ele tivesse sido grosseiro por se matar assim.

— Que horrível. — Clara sentia empatia pelo duque agora. Foi ruim o suficiente ter passado pela experiência de seu próprio pai morrer. Devia ser muito pior passar por isso sob essas circunstâncias. — Não me admira que ele tenha ido embora da Inglaterra logo depois. O duque atual, quero dizer. Se sua tia acreditava nisso, outros também o faziam, tenho certeza. Os falatórios teriam sido insuportáveis durante tal luto.

— Acho que é provável que ele tenha partido por causa daquele negócio sobre lealdade impugnada, não acha? Esse tipo de coisa mancha o nome da família, às vezes para sempre.

— Mesmo que eles sejam inimigos da minha família, preferiria não acreditar nessa parte. No entanto, pode explicar aqueles duelos na França. Ainda assim, não vamos presumir que sua tia esteja certa até termos informações parecidas de outros.

Althea se levantou e pegou sua prova embalada.

— Devo ir agora se quiser entregar isto para a gráfica esta tarde. Precisamos planejar como vamos distribuir o jornal para as livrarias. Devo escrever para nossas senhoras e marcar uma reunião?

— Se puder. Segunda será uma boa hora. Tenho alguns assuntos de família para tratar antes disso. — Clara levou Althea até a porta. — Quanto ao que me disse hoje, devemos guardar para nós mesmas.

— Não quer mais descobrir tudo e publicar um artigo?

— Se descobrirmos tudo, publicaremos. Até lá, entretanto, isso deve ficar apenas entre nós duas. Não quero prejudicar alguém sem querer ao mexer em histórias antigas.

Althea deu um beijinho em sua bochecha.

— Você tem um bom coração, Clara. Está sendo bem solidária. Talvez essa guerra antiga não tenha mais a importância que teve um dia.

Que coisa tola de se dizer. Claro que tinha. E ela não estava sendo solidária. Estava sendo responsável. Não deixaria os boatos e fofocas mancharem o nome de uma pessoa sem provas. Seu jornal era melhor que isso.

 

Dois dias depois, Adam e Brentworth passaram a tarde treinando boxe. Terminado o treino, tomaram banho e se vestiram.


CONTINUA

Condessa viúva de Marwood conseguia ser uma inimiga formidável quando queria. Sua mera presença desafiava alguém a tratá-la com gentileza para que ela pudesse ter uma desculpa para causar destruição, apenas por diversão.
Adam Penrose, Duque de Stratton, soube imediatamente o que encontraria nela.
Ele tinha sido chamado pelo seu neto, o conde da propriedade rural, que se encontrava ao seu comando. Vamos tentar enterrar o passado, ela havia escrito, e permitir que o que passou fique no passado entre nossas famílias.
Ele fora, curioso para ver como ela esperava conquistar isso, considerando que alguns desses acontecimentos não tinham terminado. Um olhar para ela, e ele sabia que qualquer plano que ela tivesse maquinado não o beneficiaria.
A senhora o deixou esperando por meia hora, antes de aparecer no aposento. Enfim, ela entrou na sala de estar, inclinada para a frente, cabeça erguida, seu peito amplo guiando o caminho, como alguém na proa do navio.
O luto pelo filho, o conde mais velho, a obrigava a usar roupas pretas, mas seu traje em crepe deve ter custado uma fortuna. Cachos grisalhos abundantes decoravam sua cabeça, sugerindo que ela também estava de luto pela moda ultrapassada das perucas. Olhos superficiais, grandes e de um azul pálido examinavam a pessoa que a chamou com um olhar crítico enquanto um sorriso artificial aprofundava as rugas de seu rosto comprido.

 

https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/O_DUQUE_MAIS_PERIGOSO_DE_LONDRES.jpg

 

— Então, o senhor retornou — ela anunciou o óbvio quando eles se sentaram em duas cadeiras robustas, após a reverência curta dele e a reverência ainda mais curta dela.

— Estava na hora.

— Alguém poderia dizer que estava na hora há três anos, ou dois, ou ainda muitos anos antes.

— Alguém poderia, mas eu não.

Ela riu. Seu rosto inteiro franziu, não apenas seus lábios.

— O senhor ficou na França por bastante tempo. Até parece francês agora.

— Pelo menos metade, eu presumo, considerando meu parentesco.

— E como está sua querida mãe?

— Feliz em Paris. Ela fez muitas amigas lá.

As sobrancelhas da viúva se ergueram apenas o suficiente para expressar a diversão irônica.

— Sim, acredito que tenha feito. É um milagre ela não o ter casado com uma amiga dela.

— Acho que uma união britânica me serviria melhor. Não acha?

— De fato. Vai ajudá-lo enormemente.

Ele não queria falar sobre a mãe ou os motivos pelos quais uma união sólida o ajudaria.

— A senhora escreveu sobre o passado. Talvez possa me esclarecer quanto a isso.

Ela abriu as mãos, com a palma para cima, em um gesto de confusão.

— A animosidade entre nossas famílias é tão antiga que as pessoas ficam imaginando por que começou. É tão desnecessária. Muito lamentável. Nós somos vizinhos, afinal de contas. Certamente podemos passar por cima disso, se quisermos.

Incapaz de ficar sentado ouvindo suas referências alegres àquela história, ele se levantou e foi até as janelas altas. Tinham vista para um jardim espetacular e para as colinas além dele, não muito longe. A casa e seu terreno ocupavam um vale baixo.

— Como sugere que façamos isso? — ele fez a pergunta enquanto encurralava a amargura em sua mente.

A viúva sabia muito bem por que a recente animosidade havia começado e provavelmente sabia sobre a história antiga também. No entanto, reconhecer um dos dois tornaria sua oferta de paz peculiar. Nós roubamos sua propriedade, atacamos sua mãe e ajudamos a levar seu pai à morte, mas o senhor deveria passar por cima disso agora.

Ele se virou e a viu observando-o. Ela parecia confusa, como se ele tivesse feito algo inesperado e ela não conseguisse determinar se ele havia chegado a uma solução sem que ela soubesse.

Ele ergueu as sobrancelhas para encorajá-la a falar.

— Proponho que resolvamos isso da forma antiga. Da maneira que dinastias políticas fizeram ao longo do tempo — ela disse. — Acredito que nossas famílias devam se unir por meio do casamento.

Ele mal evitou revelar sua perplexidade. Não esperara isso, de todas as propostas. Ela não sugeriu apenas uma trégua, mas uma aliança unida pelos laços mais fortes. O tipo de aliança que poderia impedir que ele buscasse a verdade sobre o papel daquela família na morte de seu pai, ou que procurasse vingança se descobrisse que suas suspeitas sobre o último conde estavam corretas.

— Já que eu não tenho uma irmã para seu neto, presumo que a senhora tenha me escolhido.

— Meu neto tem uma irmã que vai combinar perfeitamente com o senhor. Emilia é tudo que qualquer homem poderia pedir e será uma perfeita duquesa para o senhor.

— A senhora fala com muita confiança, mas não faz ideia do que este homem pediria.

— Será que não? Como se eu tivesse vivido tanto e não aprendido nada? Bela, graciosa, reservada e elegante. Essas qualidades são prioridade na sua lista, como na de todos os homens.

A tentação em adicionar outras exigências, umas que iriam chocá-la, quase dominou seu autocontrole. Ele só ganhou a batalha porque havia aprendido a nunca informar o inimigo de seus pensamentos.

— Posso encontrar isso em muitas outras jovens. Devemos ser sinceros um com o outro? O que teria de particular nessa união que seria de minha vantagem?

— Pergunta ousada, mas justa. Nós seremos aliados em vez de inimigos. Vai beneficiar o senhor assim como a nós.

— Bom, Condessa, nós dois sabemos que isso não é verdade. Fui convidado para negociar a paz quando meu pai nunca foi, no passado. Seria tolo se não imaginasse por que a senhora pensa que eu concordaria. Considerando os boatos em relação às minhas atividades na França, suponho como a senhora pode achar que isso protegerá seu neto, mas não como me ajudará.

Seus olhos se estreitaram. As rugas de sua pele congelaram como esculturas de pedra. Ela não demonstrou medo. Adam admirava sua postura forte, mas, na verdade, ela não achava que estava em perigo.

Ela se levantou.

— Vamos até o terraço. Vou lhe mostrar minha neta. Assim que a vir, vai entender como será beneficiado.

Ele a seguiu para o ar fresco de abril. O jardim se espalhava abaixo deles como uma tapeçaria marrom e vermelha, decorada por novas folhinhas e flores amarelas, rosadas e roxas. Bulbos, ele pensou. Elas ainda não haviam começado a florescer quando ele foi embora de Paris.

Uma garota estava sentada no meio da plantação revivendo, em um banco de pedra a nove metros. Ela tinha um livro aberto, segurado para cima a fim de não precisar olhar para baixo. A viúva devia ter lhe concedido uma pausa do luto porque a garota usava um vestido azul-claro. Ela era bonita e talvez tivesse dezesseis anos de idade. Seu cabelo loiro brilhava no sol, e sua pele clara e seu rosto adorável atrairiam qualquer homem. Adicione uma elegância e ela serviria muito bem.

A viúva estava ao lado dele, e sua expressão era de extrema confiança. Ele não confiava nela, mas admirava sua habilidade naquele jogo. Ele admitia para si mesmo que sua oferta realmente tinha suas vantagens, e não porque a garota era linda. O nome de seu pai e a honra de sua família haviam sido manchados nos melhores círculos e, se ele quisesse alterar esse cenário, aquele casamento definitivamente ajudaria. Significaria esquecer os motivos pelos quais ele dera as costas à Inglaterra assim como seu único bom motivo para finalmente retornar. Era por isso, ele presumia, que a viúva o tinha convidado.

— Emilia é a menina mais doce que já conheci. Tem bom humor também e uma boa inteligência, não precisa se preocupar de ela ser lenta — a condessa disse.

A doce Emilia fingia não vê-los, assim como fingia ler, em uma posição na qual ele conseguia ver seu rosto e seu corpo.

Não havia nada a esquentando, e nenhum chapéu protegia aquela pele clara. Ele imaginou por quanto tempo ela estaria sentada ali, esperando seu futuro pretendido inspecioná-la.

Ele não sabia por que ela não era sedutora. Talvez porque, apesar de ser adorável e graciosa, fosse jovem demais e, como parecia ser submissa às instruções da avó, provavelmente faltava clima.

As portas se abriram e o conde saiu apressado. Alto e loiro, ele ainda não tinha passado da fase magra desengonçada da adolescência. Olhou de forma zangada sua avó ao passar por ela. Ela enrugou o rosto em resposta. A chegada dele aparentemente não fazia parte dos planos da viúva.

Ele avançou em Adam como um homem que cumprimentava um amigo, mas sua recepção apressada e calorosa e o brilho de suor na testa diziam outra coisa. Theobald, Conde de Marwood, estava com medo de seu convidado. Muitos homens mostraram a mesma reação desde que Adam voltou à Inglaterra há duas semanas. Ele tinha uma reputação e, aparentemente, a sociedade esperava que ele desafiasse todos que pensassem em provocá-lo.

Adam não havia feito nada para corrigir essas suposições. Primeiro, talvez ele desafiasse muito bem um ou dois, dependendo do que descobrisse sobre os eventos de cinco anos atrás. Segundo, havia homens, como o próprio Marwood, que ficavam mais flexíveis quando motivados pelo medo.

— Vejo que Vovó já abordou a ideia dessa união — Marwood disse cordialmente. Ele olhou para sua irmã Emilia, ainda parada no jardim. Eles eram muito parecidos: pálidos, claros, bonitos e jovens.

O conde não poderia ter mais do que vinte e um anos. Adam pensou se Marwood sabia sobre o boato que havia assombrado o pai de Adam até seu túmulo. O medo de Marwood sugeria que talvez soubesse, e que as suspeitas antigas sobre esses velhos inimigos pudessem ser verdade.

— O senhor concorda com a ideia? — Marwood perguntou.

A avó dele chegou mais perto.

— Perdoe meu neto. Ele ainda é muito jovem para não ponderar que a impaciência impetuosa é uma virtude forte.

Marwood olhou para o céu como se rezasse e pedisse por essa paciência.

— Ele já sabe se a ideia é atraente ou não.

— A ideia é atraente, de uma forma geral — Adam disse. Ele não mentiu. Ainda pesava as implicações do plano da viúva. Essa oferta de simplesmente virar a página do passado o tentava mais do que esperava.

O jovem conde lançou um olhar cheio de otimismo para a avó. A viúva demonstrou mais circunspecção. Adam concentrou seu olhar na garota. A viúva recuou. O conde se aproximou andando de lado. Ansioso para finalizar as negociações, o conde exaltou os atrativos da irmã, de homem para homem. Do canto de olho, Adam viu a viúva balançar a cabeça para a falta de finesse do neto.

Uma movimentação na colina além do jardim chamou a atenção de Adam. Uma faixa preta riscou o cume, voou por cima de uma árvore grande caída, depois parou de repente. Uma mulher inteira de preto, em um cavalo preto, olhava para baixo para a casa.

— Quem é aquela? — ele perguntou.

Marwood semicerrou os olhos e fingiu não reconhecer. Olhou de canto de olho para Adam e pensou melhor.

— Aquela é minha meia-irmã, Clara. Filha da primeira esposa de meu pai.

O ponto preto chamado Clara conseguia demonstrar uma boa dose de arrogância mesmo ao longe. Ela andava com seu cavalo para a frente e para trás no pico da colina, observando o quadro abaixo como se o resto deles estivesse em um espetáculo para sua diversão.

Ele se lembrou de Lady Clara Cheswick, embora nunca tivessem sido apresentados. Mas ela apareceu na sociedade antes de ele deixar a Inglaterra. Com olhos brilhantes e cheios de vida. Essas eram suas impressões absortas no momento.

— Ela não permite que o luto interfira em seu prazer de andar a cavalo — Adam disse.

— Provavelmente diria que honra nosso pai assim. Eles gostavam de andar a cavalo juntos.

— Como ela é mais velha, por que não estão me oferecendo sua mão?

Marwood olhou desconfiado para a viúva, depois deu um sorrisinho.

— Porque o objetivo é impedir que o senhor me mate, não é? — ele falou em voz baixa com uma franqueza inesperada. — Não quero lhe dar outro motivo.

Adam escolheu não tranquilizar Marwood sobre a parte de matá-lo. Deixou aquele projeto de conde se preocupando.

— Agora está me intrigando, não me desencorajando.

Marwood inclinou a cabeça para mais perto e falou em confidência.

— Estou lhe fazendo um grande favor agora, falando sinceramente. Meu pai a mimava, satisfazia todos os seus desejos e lhe permitiu criar ideias descabidas para mulheres. Ele nunca exigiu que se casasse, e agora ela pensa que isso está abaixo dela. Ele deixou uma boa parte da propriedade em seu nome, um bonito trato com ricos fazendeiros. — Sua voz ficou um pouco amarga na última frase. — Ela é minha irmã, mas eu não seria seu amigo se a elogiasse quando, na realidade, é uma boa de uma megera.

Clara era a filha preferida do velho conde, aparentemente. Adam pensou se o pai recém-falecido tinha a habilidade de se virar em sua cova. Com uma ou duas cutucadas, talvez.

— Quantos anos ela tem?

— Passou muito da idade de se casar. Vinte e quatro.

Idade suficiente para se lembrar. Ela talvez soubesse uma boa parte, se seu pai a mantivesse perto.

— Chame-a aqui. Gostaria de conhecê-la.

— Sinceramente, o senhor não quer...

— Chame-a. E diga à sua outra irmã para baixar o livro. Os braços devem estar parecendo chumbo agora.

Marwood apressou-se até a avó a fim de compartilhar o pedido. A viúva foi correndo até Adam enquanto tentava parecer calma.

— Temo que tenha entendido errado. Para essa união ter uma conclusão satisfatória, a noiva deve ser Emilia. O caráter de Clara é além do alcance, mas ela não é apropriada para nenhum homem que deseje harmonia doméstica.

— Só pedi para conhecer Lady Clara. E ainda não concordei com nenhum casamento.

— Antes de morrer, meu filho conversou especificamente comigo sobre essa união. Estou apenas executando suas intenções. Ele disse que deveria ser Emilia...

— Ele quer conhecê-la, Vovó. — Desesperado, Marwood ergueu o braço e acenou para sua irmã Clara se aproximar.

O cavalo parou de andar. A mulher tinha visto e entendido a instrução. Estava naquela colina, seu cavalo de perfil, a cabeça dela virada para eles, olhando para baixo. Então puxou forte as rédeas. Seu cavalo empinou tão alto que Adam temeu que ela escorregasse da sela. Em vez disso, ela se segurou perfeitamente enquanto girava seu cavalo. Virou-se de costas para eles e galopou para o lado contrário. A moça acabara de lhe dar um tapa na cara a quinhentos metros.

A expressão da viúva mostrava um triunfo presunçoso debaixo da camada de desânimo.

— Que pena ela não ter visto o sinal do meu neto.

— Ela viu muito bem.

— É um pouco teimosa, vou admitir. Avisei ao senhor — Marwood disse.

— Não mencionou que ela é grosseira, desobediente e rapidamente insulta outros quando quer.

— Tenho certeza de que ela não quis insultá-lo. — Ele lançou um olhar desesperado para a avó.

— Tem certeza? Então, por favor, peça aos criados para trazerem meu cavalo ao portal do jardim imediatamente. Vou lá e me apresento para Lady Clara, assim não fico com rancor de sua grosseria não intencional e não permito que isso interfira na nova amizade de nossas famílias. — Adam fez uma reverência para a viúva. — Por favor, dê minhas lembranças para Lady Emilia. Estou certo de que ela e eu nos conheceremos logo.


lara galopou até uns bons três quilômetros da casa. O que Theo estava pensando, chamando-a e acenando para ela ir até lá? Ela nem estava vestida para receber o convidado dele. Pela postura rígida de Vovó, suspeitava que apenas Theo pensara ser uma boa ideia.

Incentivou seu cavalo e o levou a um bosque. Tirando Theo de sua mente, desmontou de sua sela em um toco de árvore, desceu e pegou uma folha de papel da bolsa. Encontrou um bom lugar debaixo de uma árvore, sentou-se e voltou sua atenção às páginas. Sua amiga Althea havia enviado no dia anterior, e ela precisava ler e enviar de volta com seus pensamentos incluídos.

Fez uma imersão no texto, fazendo alguns comentários com um lápis que guardara em seu corpete. Absorta pela leitura, não olhou para cima por, no mínimo, meia hora. Quando o fez, viu que não estava mais sozinha. Um homem a observava a uns trinta metros. Seu cavalo branco contrastava com sua capa preta e o cabelo escuro. Esse último chegava à sua gola e não demonstrava nenhum sinal de ter sido cortado por um cabeleireiro consciente da moda atual de Londres.

Ela o reconheceu do terraço. Um pensamento a incomodou de que talvez já o tivesse visto. O visitante de Theo a seguira. Ela pensou que isso era muito ousado. A forma como ele estava ali sentado e observando-a apenas confirmava que ele não tinha boas maneiras.

Pensou em voltar a ler, depois decidiu que poderia não ser sábio. Uma coisa era fingir que não tinha visto o aceno de seu irmão para se aproximar, e outra era fingir que não via um homem bem à sua frente.

Ele levou seu cavalo para mais perto. Ela conseguia vê-lo melhor agora. A desaprovação endurecia a boca dele, o que enfatizava seus lábios carnudos sensuais. Olhos escuros a mediam quase que por completo. Sua capa preta não estava na moda para Londres, mas ela conhecia muito bem a moda francesa para reconhecê-la como mais apropriada para Paris. Ele usava uma gravata escura amarrada casualmente.

Achou-o muito bonito de forma chocante e poética. Por ter conhecido alguns homens com humor negro no passado, ela não tinha nenhum interesse em conhecer outro, independente do quanto ele fosse bonito.

Ele parou seu cavalo a três metros. Não desmontou, mas ficou acima dela. Ela pensou em se levantar, a fim de encurtar a distância, mas decidiu não o fazer. Se ele queria assustá-la, teria que fazer melhor que isso.

— Bom dia, senhor. — Ela permitiu que sua voz transmitisse o quanto achava inapropriada sua intrusão.

Ele desceu do cavalo.

— Por favor, perdoe-me a falta de apresentação formal, mas duvido que irá se importar, já que é uma mulher que não se incomoda muito com tais coisas.

— Tenho certeza de que não entendo o que quer dizer.

Os cantos daquela boca se ergueram o suficiente para indicar que ele sabia que ela estava mentindo. De fato, aquele meio sorriso implicava que ele sabia tudo sobre ela.

— A senhorita me ignorou lá, Lady Clara. É isso que quero dizer.

— É impossível ignorar alguém que não conhece.

— Parece que a senhorita pensa que é a mesma coisa.

Arrogante seria muito gentil para descrevê-lo.

— O senhor mencionou uma apresentação — ela disse através de um sorriso rígido.

Ele fez uma curta reverência.

— Sou Stratton.

Stratton? O Duque de Stratton? Aqui? Será que Theo havia enlouquecido?

Por isso ele era vagamente familiar. Ela o tinha visto há anos, em bailes, antes do pai dele morrer e ele ir embora da Inglaterra. A última vez que foi a Londres, dez dias antes, ela tinha ouvido um ou outro falar que ele havia retornado, mas ia além da sua compreensão o fato de Theo tê-lo permitido entrar na propriedade.

Ele andou de lado e adotou uma postura casual bem ao lado dela, com um de seus ombros apoiados no tronco da árvore. Ele cruzou os braços como um homem que esperava uma conversa longa.

Ela se levantou, juntando os papéis perto de seu peito para que não voassem pela colina.

— Eu não sabia quem o senhor era. Mesmo que eu tivesse que adivinhar a identidade do homem com meu irmão, seu nome nunca teria passado por minha cabeça.

— Com certeza, não. Nossas famílias são inimigas há décadas.

— Theo está deixando o título subir à cabeça dele se o recebeu. Minha avó deve estar apoplética.

— Foi sua avó que me convidou para vir aqui.

— Não é possível.

— A carta era dela, escrita à mão. Foi bem inesperado — ele disse em um tom sarcástico.

Ela estreitou os olhos para ele.

— E mesmo assim aceitou o convite.

— Sua avó é um dos baluartes da sociedade há mais tempo do que estou vivo. As padroeiras do Almack tremem na presença dela. Eu nunca insultaria alguém com tal influência.

Agora ele zombava dela. Ela duvidava que ele se importasse o mínimo com a influência social de sua avó. Não parecia ser um homem que deixaria de lado o orgulho de sua família e obedeceria a sua avó. Ela deveria organizar o artigo de Althea e sair dali. Mas a curiosidade foi maior.

— Por que ela o convidou?

— Ela propôs um casamento dinástico com sua irmã a fim de acabar com a animosidade. A fim de enterrar o passado. — Aquele meio sorriso de novo. — Pode imaginar meu espanto. Foi bem parecido com o seu agora.

Espanto mal fazia jus à sua reação. Isso ficava cada vez mais esquisito. Também mais irritante. Ela se sentia duplamente traída. Primeiro, no lugar de seu pai, que nunca teria aprovado essa ideia. E, segundo, por si mesma, porque não contaram para ela nem a consultaram. Vovó deve ter usado toda a sua força de vontade para manter isso um segredo, se até Emilia não confessou isso a ela.

— Então, quando o noivado será anunciado? — Ela deixou seu máximo ceticismo se expressar em seu tom sarcástico.

— Ainda não concordei com a união.

— Minha irmã é adorável e brilhante. Daria uma esplêndida duquesa, claro, só que não para o senhor. Estou aliviada por ainda não ter decidido.

— Não culpe a mim pelo atraso, sabendo o que penso sobre o assunto. Lá estava eu, tomando uma decisão sobre uma pomba branca adorável, quando um corvo preto voou e me distraiu.

Corvo? Por que o...

— Então o corvo bateu as asas na minha cara e virou o rabo para voar para longe. — Ele se aproximou até estar acima dela. — Nunca fujo de um desafio, Lady Clara.

Se ele pensava que ela iria tremer e ruborizar, estava enganado. Só que ela tremeu, sim, um pouco, enquanto reparava que o comportamento dele exalava uma boa quantia de mistério e empolgação e que seus olhos escuros e suas profundezas tinham camadas que a atraíam, chegando ao ponto de quase se afogar. A proximidade dele e seu olhar a deixaram incapaz de falar algo por um instante constrangedor. Talvez tivesse ruborizado um pouco também.

— Teria sido melhor agarrar o pombo branco enquanto podia — ela disse. — Agora tenho tempo para lembrar à minha avó que o senhor nunca o fará.

— Cumprirei muito bem aos propósitos dela.

— E quais são?

— A senhorita não sabe? — Ele inclinou a cabeça de lado. — Talvez não saiba.

Ficou ainda mais bizarro estar tão perto dele. Ela sentia uma mistura de alarme e... exultação. Deu um passo para trás e se atrapalhou com a pilha de folhas nos braços.

— Com licença.

Ela foi até seu cavalo. Sua estrutura alta e esguia logo aqueceu a lateral dela e os passos dele acompanharam os dela.

— Está indo embora sem nem desejar um bom dia? Penso que está determinada a me insultar.

— Estaria em meu direito atirar no senhor; insultá-lo é pouco. O senhor está invadindo esta propriedade, não importa o que minha avó aflita pelo luto tenha lhe dito. Ultrapassou o limite entre a terra de meu irmão e a minha há quatrocentos metros.

— E eu estaria no direito de segui-la em resposta ao seu comportamento.

Ela parou de andar e olhou desafiadoramente para ele.

— Tal ameaça é inaceitável. Tente fazer isso e, certamente, vou atirar no senhor. Não duvide disso. Não sou uma mulher que treme quando encontra a estupidez masculina. E cavalheiros com educação adequada teriam permitido passar o mal-entendido em relação às instruções de meu irmão. É ultrajante que o senhor se sinta no direito de me seguir e, depois, me censurar. Agora, seguirei meu caminho, e o senhor pode seguir o seu.

Ela acelerou o passo até o cavalo. Ele andou ao seu lado de novo. Ela queria bater nele com o manuscrito de Althea, estava irritando-a muito.

— A senhorita é escritora? — Ele esticou o braço e tocou no canto das folhas. Isso fez o braço dele se aproximar do corpo dela. Um sobressalto interno quase a fez pular para longe.

— Uma amiga escreveu isso. É um texto sobre... — Parou de falar. — Tenho certeza de que não lhe interessaria.

— Talvez interesse.

— Então tenho certeza de que não é da sua conta.

— Não é uma escritora, mas uma sabichona.

— Oh, detesto essa palavra. — Ela enfiou as páginas em sua bolsa. — O senhor acabou de passar anos na França. Eles são famosos por louvar mulheres cultas. Se me dá esse apelido simplesmente porque me viu lendo, aparentemente, não aprendeu muito enquanto esteve lá, exceto como ser irritante.

Ela pegou as rédeas e posicionou o cavalo.

— Permita-me ajudá-la. — Ele se aproximou.

— Por favor, só vá embora. — Rapidamente, ela pisou no toco de árvore. Com um pulo e uma puxada, montou de novo na sela.

— Admirável, Lady Clara. Vejo que é independente em todas as coisas.

Ela engoliu um gemido com o comentário dele.

— Acha que sou tola por descer de um cavalo se não houvesse como subir de volta?

Quando ela se virou para cavalgar, viu a expressão do duque. O humor suavizava aquele rosto de alguma forma, mas, dentro da mente atrás daqueles olhos escuros, os planos se formavam.

Adam observou Lady Clara cavalgar para longe.

Que mulher provocadora. De olhos brilhantes e muito vivos, mas também mais adoráveis, com uma pele cremosa e mechas claras no meio de seu cabelo castanho.

Espirituosa. Espirituosa demais, a maioria dos homens diria. Ele não era um deles. Gostava de mulheres altamente espirituosas e senhoras de si. Claro que preferia que elas não o tratassem com desdém. Ele a desculparia. Dessa vez. Os planos da viúva tinham pego Lady Clara desprevenida ? assim como a ele ? e a inimizade entre suas famílias tornava a grosseria dela compreensível.

Também a desculparia porque a quis imediatamente ao vê-la debaixo daquela árvore, e a quis mais no momento em que se separaram. O desejo sempre encorajou a generosidade.

Ele montou, mas cavalgou para leste, não de volta à casa de Marwood, a oeste. Não havia necessidade de retornar para lá, depois para a estrada. Se continuasse nesse caminho por muitos quilômetros, logo chegaria em sua própria terra.

Passou por fazendas bem cuidadas e por um vilarejo. Será que ainda era propriedade de Lady Clara? Se era, o legado de seu pai tinha sido significativo. Por isso Marwood falou disso com ressentimento.

Só quando ele alcançou o pico baixo da propriedade, percebeu exatamente onde estava. Reconheceu a cidade da qual se aproximava por seu moinho. Mal conseguia estabelecer o riacho que serpenteava de norte a sul. A propriedade de Marwood encontrava a dele em lugares ao longo do rio.

Ele avançou trotando com seu cavalo, pensando sobre a oferta da viúva, como ditado pelo último conde. O conde tinha motivos para buscar um tratado de paz. Adam pensou que sabia quais eram. Mas parecia que, até perto da morte, o caráter de um homem não mudava.

O último conde havia esquematizado para garantir que ganhasse uma velha batalha, até quando pediu à sua mãe para oferecer um ramo de oliveira na esperança de proteger o filho.

 

Clara amarrou uma fita no manuscrito de Althea e colocou sua folha de anotações em cima. Althea era uma boa escritora. No entanto, quando se importava profundamente com uma causa ou evento, ela desviava de sua opinião e entrava em polêmicas. Não precisaria de muito para mudar isso, então não demonstrou aquele defeito.

Ela o guardou em uma gaveta debaixo da escrivaninha que usava na biblioteca. Enquanto o fazia, seu irmão Theo entrou no aposento e a olhou com desconfiança. Então foi até o decanter e se serviu de um pouco de conhaque.

— Você arruinou tudo — ele disse entre dentes cerrados. — Tudo estava sob controle, e precisava insultá-lo ao ponto de ele esquecer todo o resto.

Ela nem tinha visto Theo ou sua avó ao retornar, então essa era a primeira vez que seu irmão tinha chance de repreendê-la. Não que ela fosse permitir.

— Se tivesse me contado que receberia Stratton, eu teria permanecido longe, asseguro a você.

— Foi ideia de Vovó, mas parece estar seguindo o próprio caminho.

— Papai nunca teria aprovado. Se é para haver uma reaproximação entre nossas famílias, deixe-os dar o primeiro passo.

Ele deu um sorrisinho para seu conhaque, depois para ela.

— Você não esteve muito em Londres esse último semestre. Não esteve participando nem um pouco da sociedade enquanto está de luto. Então não soube dele, não é?

— Não teria prestado atenção, de qualquer maneira, porque ele não tem nada a ver comigo. Com nenhum de nós. É assim que acontece desde, pelo menos, a época de nosso avô. — Ela crescera com essa lição. Seu pai, o papai querido, não precisara falar muito disso para passar a tradição da amargura da família.

— Infelizmente, ele não é como o pai dele. Ou nenhum dos outros. Ele é... perigoso.

Ela deu risada.

— Não pareceu perigoso para mim.

Só que parecera, sim. Todo aquele mistério tinha muito a ver com isso. Se ela um dia o visse de novo, ficaria tentada a fazer cócegas nele até ele rir como um tolo, apenas para derrotar aquela força do humor negro que carregava.

— Ele não é perigoso para mulheres. — A voz de Theo se aprofundou com sarcasmo.

Bom, agora ela não tinha certeza se concordava com isso também.

— Ele duela, Clara. Matou dois homens, e quase um terceiro. Na França. A menor provocação e ele desafia os homens. Ele não vai ceder. Estão dizendo que voltara à Inglaterra porque as autoridades francesas disseram para ele deixar o país. — Theo engoliu o resto do conhaque. — É um assassino.

A postura de Theo encolheu enquanto ele falava. Sua testa franziu. Seus olhos azuis olharam para longe em direção ao nada. Clara era três anos mais velha do que Theo e o observara crescer. Sabia que seu irmão estava com medo.

Ela se levantou e foi até ele.

— Ele não vai matar você, Theo. Não por causa de uma briga de família que começou antes de você nascer.

— Que melhor forma para ganhar essa batalha? Uma palavra errada, um olhar ruim, e ele terá sua desculpa.

— Está sendo muito dramático.

— Vovó concorda. Zombe de meu julgamento, se quiser, mas vai zombar tão rápido do dela?

A explicação de Stratton quanto à sua visita fazia sentido agora, mas da maneira mais ridícula. O luto de Vovó havia tomado um rumo infeliz se ela viu tal ameaça no duque. Quanto a Theo... Ele era corajoso quando havia um pouco de perigo, mas menos quando era seguido de ameaça.

— Presumo que a estratégia foi que, se fosse o cunhado dele, ele nunca iria querer duelar com você — ela disse. — É um preço alto a pagar pela paz, irmão. E quanto a Emilia? Se ele tem esse comportamento, é justo uni-la a ele?

— Eu disse que ele não é perigoso para mulheres, não disse?

— Você não tem certeza. Se nem nos sentamos à mesa com aquela família, não deveríamos planejar uniões com eles.

— Vovó...

— Você é o conde agora. Precisa pensar por si mesmo.

— Que conselho ridículo, Clara. Ele mal saiu da escola — Vovó entrou na biblioteca falando. — Não quero que complique ainda mais o assunto ao incentivar Theo a uma independência imprópria de meu conselho.

— Tenho vinte e um anos — Theo murmurou, ruborizando.

— Tem? Bom, um ano a mais ou a menos não significa nada.

— Não estou complicando nada — Clara disse.

Sua avó se sentou. Costas eretas e cabeça angulada exatamente para assumir a postura de rainha de tudo que supervisionava. No momento, isso incluía Clara.

— Seu comportamento hoje fez o duque partir antes de eu... nós podermos combinar as coisas. Se isso não é complicação, o que é?

— Uma prorrogação. Para Emilia. Para todos nós, enquanto a senhora reconsidera essa ideia extraordinária de casá-la com aquele homem.

— Ele pareceu bem adequado para mim. Francês demais, mas é o que se pode esperar com aquela mãe dele, e a forma como ele morou fora todo esse tempo. Mesmo assim, algumas semanas e ele vai assumir seu papel correto na vida e fazer o que precisa para reivindicar seu lugar entre nós. Ele sabe que precisa se casar com uma garota com a educação impecável como a de sua irmã, e nós vamos nos beneficiar ao tê-lo por perto, onde podemos ficar de olho nele para que o passado não consiga prejudicar Theo.

— A senhora não pode também pensar que ele é perigoso para meu irmão. Será que todo mundo perdeu o senso por aqui?

— Como sempre, você presume saber de tudo por causa de como meu filho a favorecia. Entretanto, há muito que não entende. Não estou brincando. Não vou deixar nada acontecer a Theo, principalmente com seu herdeiro presumível sendo aquele primo insuportável. Deixe comigo, Clara. Emilia vai se casar com Stratton, e tudo ficará bem.

Para que Clara não discutisse sobre a última palavra, sua avó ergueu um livro, abriu-o, colocou os óculos no nariz e começou a ler.

Clara olhou para Theo, esperando encontrar um aliado para suas objeções.

Ele se virou e se serviu de mais conhaque.


dam entregou seu chapéu e seu chicote ao criado na porta do White’s, e caminhou pelo salão do clube. Olhares voaram em sua direção. Cabeças se curvaram. Houve tanto silêncio que ele escutou o burburinho baixo de sussurros.

Ele continuou, assentindo e cumprimentando homens que não conseguiam resistir a olhar mais diretamente. Alguns reagiam com sorrisos simpáticos demais para apenas conhecidos.

Saiu do salão por uma porta no fundo e subiu as escadas para o piso superior.

— Sir, temo que todos os cômodos estejam ocupados. — A reprimenda gentil do funcionário o alcançou no meio das escadas.

Ele se virou. O funcionário viu seu rosto e ficou vermelho.

— Peço desculpas, Sua Graça. Não percebi que era o senhor. Bem-vindo de volta, sir.

— Presumo que eles estejam lá em cima.

O funcionário assentiu. Adam subiu. Sons saíam de trás de uma das portas. Vozes masculinas e risada. Ele abriu o ferrolho e entrou.

Dois homens o encararam, mudos pela surpresa.

— Caramba — um deles finalmente murmurou. — Brentworth aqui especulou que você pudesse aparecer hoje, mas eu disse que você nunca viria.

— Então ele estava certo, Langford, e você, errado.

Adam se jogou em uma cadeira e olhou em volta.

— Parece que nada mudou muito.

— Muito pouco. — Gabriel St. James, Duque de Langford, jogou-lhe um charuto. Ele sorriu com prazer e seus olhos azuis brilharam. — Droga, mas é bom vê-lo. Disseram que voltou há um mês. Por onde esteve?

— Colocando meus negócios em ordem. Analisando os registros da propriedade. — Ele pegou uma vela e a segurou em seu charuto. — Demitindo o administrador que estava me roubando. Esse tipo de coisa.

Ele também tinha feito outras coisas. Uma foi investigar uma mulher chamada Clara Cheswick. Descobrira algumas coisas sobre ela que eram apenas de seu interesse.

— Na fazenda, então. Por isso que a única indicação de seu retorno eram as fofocas e os boatos. — Eric Marshall, Duque de Brentworth, levantou-se para pegar o decanter de uísque. Aproximou-se com um copo, serviu Adam, depois encheu o próprio e o de Langford. Nenhum sorriso dele, apenas um sorriso deprimido em seu rosto severamente esculpido. Sem brilho em seus olhos escuros, mas escrutínio bem profundo.

Ambos eram a epítome da moda, mas em maneiras diferentes como seus comportamentos. Os cachos cortados do agradável Langford sempre pareciam que ele havia acabado de ficar ao vento, enquanto as ondas mais sérias de Brentworth nunca ousavam tal exuberância. Langford usava uma gravata casual escura naquela noite, enquanto o lenço de linho branco de Brentworth parecia ter sido engomado por seu criado cinco minutos antes.

Não que Brentworth não fosse espirituoso ou fosse escravo de convenções comparado a Langford, mas ele valorizava a discrição e não desprezava seus desejos ou pensamentos. Não se podia dizer o mesmo de Langford.

Adam gostou de como seus dois amigos interpretavam velhos rituais e o receberam com tranquilidade. Não ignorou o fato de que a cadeira em que se sentava ? sua cadeira de sempre ? não havia sido usada por nenhum deles, apesar da sua proximidade ao fogo reconfortante. Bebeu um pouco de uísque, soprou o charuto e permitiu que a nostalgia e a familiaridade o inundassem. Voltara à Inglaterra há mais de um mês, mas, naquele momento, finalmente sentia que tinha voltado para casa.

— Que tipo de fofocas e boatos? — ele perguntou, deixando o último comentário penetrar sua paz.

Seus amigos trocaram olhares misteriosos.

— Enquanto você esteve fora, sua reputação chegou à Inglaterra, mesmo que você não tenha voltado — Brentworth disse.

— Está falando dos duelos.

— Um é compreensível para qualquer cavalheiro. Dois podem ser desculpados. Três, no entanto... — Langford explicou.

— Nenhum homem no salão lá embaixo teria permitido qualquer daqueles insultos à família passar sem um desafio. Fiz o que qualquer um faria.

— Claro, claro — Langford acalmou. — A pergunta, porém, é se voltou para fazer isso aqui também. Há alguns camaradas que estão se lembrando de cada pequena desavença que podem ter tido com você, e qualquer crítica sussurrada à sua família ou a você. Tenho certeza de que, em algumas semanas, assim que voltar à sociedade e propagar seu charme, isso tudo será esquecido.

— Talvez seja melhor se não for.

Isso surpreendeu Langford.

— Não pode querer ser visto como perigoso. Sinceramente, ninguém vai ameaçá-lo.

— Se ser visto como perigoso impedir homens estúpidos de dizer coisas estúpidas que me obriguem a desafiar em nome da honra, então deixe-os pensar que sou perigoso. — Ele colocou o copo na mesa como uma forma de finalizar aquela linha de pensamento. — Estou feliz por ter encontrado vocês dois aqui.

— Onde mais estaríamos na primeira quinta à noite do mês? — Brentworth disse. — Continuamos como sempre foi. Você pode ter nos abandonado, mas nós ainda somos a Sociedade dos Duques Decadentes.

Adam sorriu. Eles três frequentavam a escola quando se deram esse nome. Todos herdeiros de ducados, haviam formado uma conexão imediatamente. A escola os separou, e os outros garotos também. Eles aprenderam rápido que a única pessoa que trataria um duque normalmente era outro duque. Portanto, uma amizade rápida e duradoura foi formada.

Aquele cômodo, e as reuniões mensais, começou assim que todos deixaram a universidade e foram para a cidade aproveitar seus privilégios. Por um bom tempo, a Sociedade dos Duques Decadentes fora mais do que um título inteligente que seguia os garotos de escola. Muitas vezes, encontravam-se ali, mas logo saíam para explorar quão decadentes conseguiam ser.

Langford havia encontrado seu segundo dom naquelas perversões. Um estilo de vida. Famílias decentes o recebiam agora apenas porque ele era um duque, embora seu charme considerável pudesse ter lhe dado algumas aprovações de qualquer forma. Brentworth, por outro lado, superara tais excessos primeiro, pelo menos em relação ao comportamento que outros pudessem ver ou relatar. Era mais um exemplo de como ele administrava tudo sem esforço para a ideia pública de duque, em aparência e comportamento. Superior, arrogante e confiante em seus privilégios, ele estava acima do mundo em estatura e indiferença. Adam não se importava com o quão duque seu amigo havia se tornado. Conhecia Brentworth muito bem para compreender como ele era realmente diferente de sua pessoa pública.

— Então, por que voltou? — Brentworth perguntou. — Depois de tantos anos, achei que nunca mais voltaria.

— Gostaria de dizer que simplesmente resolvi que era hora, mas não foi tão simples. O governo francês também decidiu que era hora. Foram feitas reclamações e, como resultado, o rei decidiu que era hora. Recebi uma intimação para comparecer.

Langford deu risada.

— Que antiquado. Quase charmoso.

— Já que estava na mão do rei, e as coisas estavam começando a esquentar na França... bem, cá estou.

— Já cumpriu sua parte com ele? — Langford quis saber.

— Assim que cheguei. Bebemos bastante vinho juntos. Ele perguntou sobre as mulheres de Paris. Posso ter exagerado um pouco, e o encontro foi amigável e cheio de conversa.

— Então sua metade inglesa respondeu ao comando de seu rei inglês — Brentworth disse. — Se não foi por isso... foi tempo suficiente?

— Sim. — E foi. A fúria que o levou embora tinha finalmente acabado há um ano, substituída por pensamentos mais deliberados, e responsabilidade de suas obrigações.

Havia deveres que não poderiam ser conduzidos eternamente de longe da França. Um em particular.

— É bom que finalmente veio à cidade — Langford falou. — Vamos pedir para fazer novos casacos para você amanhã. Uma visita ao barbeiro também pode ser organizada. Não pode andar por aí parecendo um desses franceses que seduzem viúvas para seu arrependimento eterno.

— Algumas não me deram tanto arrependimento, como me lembro. — Adam olhou para sua sobrecasaca. Cortada ao estilo francês, um pouco mais comprida e justa do que a moda inglesa, provavelmente o fazia parecer estrangeiro.

— Vamos nos embebedar, e você pode me contar sobre elas e me deixar com inveja — Langford disse.

— A menos que algo tenha mudado, há pouco que possa contar a vocês sobre viúvas.

— Então, quais são seus planos? — Brentworth perguntou.

— Espero que sejam bem parecidos com os de vocês agora. Cuidar da minha propriedade. Votar no Parlamento. Como disse, o tipo de coisa comum.

— Isso é tudo? — Brentworth questionou. — Você vai embora da Inglaterra e fica fora por quase cinco anos, e com seu retorno tudo que quer é ser um cavalheiro que vem à cidade para as votações?

— Pretendo encontrar uma esposa rica e sensual também. Chegou a hora de me casar.

— Fale por si mesmo — Langford rebateu.

— Ignore-o — Brentworth disse. — Há duas mamães que estão de olho em Langford, e ele está correndo dos lugares para se esconder. Infelizmente, é duvidoso que ambas as garotas sejam sensuais o bastante, ou tenho certeza de que ele iria entregar uma para você de bom grado.

— Se há duas, deveria enviar uma na sua direção — Adam respondeu.

Estranhamente, mães quase nunca miravam em Brentworth. Diziam que ele aterrorizava tanto as ingênuas que suas mães olhavam para outro lado.

— Quanto à parte sensual, já descobriu, Langford?

Langford deu risada.

— Talvez na França todo tipo de exploração seja feita quando o assunto é mulher, mas não se esqueça de que, aqui na Inglaterra, nós só esperamos o melhor e nunca conseguimos nada.

Por ser metade francês, Adam achava bizarra e curiosa a sensualidade sufocada que havia atormentado os ingleses nessas últimas décadas. Era como se todas as mães e avós tivessem se reunido no começo da guerra e decidido que, a fim de rejeitar todas as coisas francesas, suas filhas não deveriam se divertir tanto quanto elas se divertiram na juventude.

Uma rigidez pairou sobre o cômodo. Ele olhou para cima e viu Brentworth observando-o, e de uma forma não gentil.

— Fale — Adam exigiu.

— Inferno, isso, vou dizer que...

— Deixe quieto, Brentworth — Langford sugeriu.

— Não, eu insisto — Adam disse.

Brentworth se levantou e foi até o decanter de uísque de novo. Demorou-se tanto ali que Adam pensou que o rancor tivesse passado, ou que tivesse sido engolido agora. Brentworth se virou de repente para ele.

— Entendo que estava de luto. Entendo que havia coisas sendo ditas que eram sujas e prejudiciais e...

Adam se levantou e jogou seu copo no fogo. As chamas se sobressaltaram.

— Sujas e prejudiciais? Ele se matou por causa disso!

— Eu sei. Mas você nunca conversou conosco. Nunca permitiu que ajudássemos. Simplesmente desapareceu com sua mãe sem uma palavra, e não falou nada desde então, e entra aqui como se os últimos anos nunca tivessem acontecido. Caramba, Stratton, nós somos amigos há anos e você agiu como se nós dois estivéssemos na fila contra sua família.

— Nunca pensei isso.

— Até parece que não.

Langford balançou a cabeça.

— Sentem-se, vocês dois. Eu lhe disse antes, Brentworth, que, sob as circunstâncias, o que quer que ele fizesse era uma escolha feita por raiva e luto. Quem sabe como eu ou você teríamos agido? — Ele deu um sorriso para Adam de... o quê? Perdão? — Não precisa se explicar para nós.

Mas precisava, sim. Brentworth tinha razão. Ele virara as costas a tudo e todos em sua raiva. Não podia pensar em demorar a sair da Inglaterra. Não por causa da desgraça envolvida por trás da morte de seu pai, e porque não podia mais confiar em alguém.

— Fui embora daquele jeito porque, se não o fizesse, com certeza teria matado alguém por ódio, sem nem saber se culpava a pessoa certa.

Brentworth se jogou de novo em sua cadeira. O olhar de seu amigo o encarou por um longo tempo.

— E você sabe agora? Se culpou a pessoa certa? — Brentworth perguntou.

— Ainda não.

Langford limpou a cinza do seu charuto.

— Resposta interessante. Acho que agora sabemos por que ele voltou de verdade, não é, Brentworth?

 

Clara rapidamente leu sua correspondência matinal enquanto tomava café na Casa Gifford, a residência londrina da família. Duas cartas em particular receberam uma atenção bem breve. Sua avó havia escrito uma reprimenda.

 

A carta de Theo dizia quase a mesma coisa.

É improvável que façamos progresso com Stratton se continuar insultando-o. Pense no futuro de Emilia. Pense no meu. Certamente pode encontrar um pouco de gentileza em relação a ele.

Ela estava pensando no futuro de Emilia. E no da família. Via essa ideia toda de amenizar as diferenças entre a família dela e a de Stratton como um mau conselho e deslealdade. Deixe-os tentar, se quiserem, mas ela não iria cooperar. Vovó sabia disso. Foi por isso que ninguém lhe contou sobre o plano antes de embarcar nele.

Vestindo sua pelica e seu gorro, pegou um pacote embrulhado e desceu até a sala de entrada. Para evitar as carruagens da família, disse a um criado para lhe arranjar um cavalo alugado.

Tomou um pouco de ar no pórtico enquanto esperava. Infelizmente, enquanto o fazia, uma carruagem estacionou.

Ela xingou baixinho.

Stratton de novo. E ali estava ela, à vista. Não poderia mandar o mordomo dizer que não estava em casa. Por outro lado, deveria ser óbvio que estava saindo. Algumas palavras educadas e ele seguiria o próprio caminho.

O duque saiu de sua carruagem e a alcançou. Após um cumprimento, ele parou com um pé no degrau mais baixo da varanda e a olhou.

— A senhorita sai bastante.

— Posso estar de luto, mas não estou morta.

Ele apontou para sua carruagem.

— Permita-me levá-la ao seu destino.

— É muito gentil da sua parte, mas minha carruagem está a caminho.

— Pode demorar um pouco para chegar.

Podia mesmo. Com um resmungo interno de resignação, ela se virou para a casa.

— Já que o senhor queria falar comigo, vamos entrar e ter uma visita apropriada enquanto eu espero.

Ela guiou o caminho para dentro de casa e colocou seu pacote na mão do criado. Levou o duque para o andar superior, para a sala de estar.

Sentou-se em uma cadeira e torceu para parecer, no mínimo, meio formidável como sua avó.

O duque se sentou na cadeira mais próxima à dela e ficou confortável. Seu cabelo havia sido estilizado desde que ela o vira na colina. Agora, seus cachos bagunçados cortados enfatizavam mais seus olhos escuros e aquela boca sensual e maxilar forte.

— É gentileza da sua parte me receber, Lady Clara.

— Já que pensou ser adequado relatar à minha família que não o recebi anteriormente, agora me sinto obrigada a fingir ser receptiva a esse desejo inexplicável deles de criar uma amizade com o senhor.

— A senhorita é uma mulher bem direta.

— O senhor é um homem bem persistente.

— Em um homem, persistência é uma virtude, enquanto ser direta, para uma mulher...

— É um aborrecimento. O que me leva à questão do porquê se incomoda em ser tão persistente com este aborrecimento de mulher.

— É uma excelente pergunta. Se tivesse me recebido da primeira vez, agora teria compreendido completamente minhas intenções.

Que forma estranha de dizer isso. Quaisquer que fossem suas intenções.

— Talvez o senhor me esclareça agora, e rapidamente, para que eu possa terminar meus próprios compromissos... compromissos estes que o senhor interrompeu.

Ele riu em silêncio, como se fosse uma piada interna.

— Seu irmão disse que a senhorita tinha um gênio ruim. Posso ver o motivo.

Gênio ruim? Que menino mimado e desleal aquele.

— Prefiro ser chamada de direta. Como um cavalheiro, estou certa de que também prefere essa palavra.

— É claro. Permita-me ser direto também, para que possa voltar aos seus afazeres do dia. — Ele se inclinou para a frente e apoiou os braços nos joelhos. Isso trouxe seu rosto elegante para bem perto dela. — A senhorita sabe do plano de sua avó de me casar com Lady Emilia.

— Sei.

— Decidi declinar da proposta.

Ela conseguiu se conter de não comemorar com alívio. Graças aos céus alguém nesse acordo horrível estava usando o cérebro.

— E que a senhorita vai ser adequada para mim, e muito melhor para o plano da viúva.

Uma rigidez pairou no aposento. Demorou muito para a mente dela absorver o que ele dissera. Mesmo depois, soava bizarro demais para ser exato.

— Sua irmã é muito jovem para mim e, qualquer acordo que seja proposto com ela, nunca será tão bom quanto uma esposa com sua própria propriedade e renda.

Deus do céu.

Ela reuniu sua perspicácia, mas precisou de muito tato para não demonstrar sua reação atordoada.

— Ao menos conheceu Emilia?

— Não, mas não é significativo. Tenho bastante certeza de que ela é adorável, mas não é a noiva certa para mim.

— Como pode dizer isso quando nem...

— Eu sei.

— É melhor saber mais, e rápido, porque não estou disponível.

Ele se recostou na cadeira, nem um pouco impressionado por sua rejeição definitiva.

— É compreensível que tenha ficado surpresa com minha proposta. No entanto, estou confiante de que vá mudar de ideia.

Muito agitada para ficar sentada, ela se levantou e olhou desafiadoramente para o idiota presunçoso. Infelizmente, isso também o fez se levantar. Em vez de ser uma encarada satisfatória para baixo, ela agora olhava muito para cima, para um rosto acima dela.

— Não escutei nenhuma proposta. Escutei um decreto. Não consigo imaginar o que lhe dá motivo para pensar que eu obedeceria. O senhor é o último homem com quem me casaria, isso se eu me casar. De fato, meu pai se reviraria no túmulo se eu considerasse a ideia. Agora, sir, agradeço por sua visita, mas devo retornar aos meus afazeres. Já estou atrasada.

Ela girou, saiu a passos largos da sala de estar e desceu as escadas. Pegou de volta seu pacote com o criado e saiu. Sentiu o duque observando-a o caminho inteiro.

Sua carruagem alugada aguardava atrás da carruagem do duque. Ele olhou duramente para aquela carruagem.

— Por que não está usando a carruagem da família?

— Escolho não usar. — Ela desceu os degraus de pedra e seguiu para sua carruagem.

Ele andou ao seu lado.

— Penso que vai a um encontro secreto. Um que prefere que os criados da sua família não saibam. Não há outra explicação para usar uma carruagem alugada em vez da de sua família.

Ela realmente queria bater nele com o pacote por dizer aquilo ao alcance do criado que a esperava para ajudá-la a subir.

Ajeitou-se no assento enquanto o criado fechava a porta. O duque apoiou o antebraço na janela e esperou o criado se afastar.

— Não vou exigir explicação agora — ele disse. — Entretanto, se vai encontrar um homem, essa conexão deve acabar imediatamente, agora que estamos noivos.

Ela colocou o rosto para fora da janela.

— Nós. Não. Estamos. Noivos.

Ela estava quase gritando no fim da frase, mas a carruagem havia começado a andar, e apenas o ar a escutou.

Meia hora depois, Clara estava em uma mesa de biblioteca na Bedford Square. Havia papéis e uma folha em branco espalhados pela mesa.

— Acho que temos o suficiente para outro artigo do Parnassus, Althea — ela disse. — Podemos falar com a gráfica esta tarde sobre o cronograma.

Althea baixou a cabeça loira sobre as pilhas de papel e pegou uma bem pequena. Consistia em poemas que o jornal delas publicaria.

— Vejo que incluiu o soneto da sra. Clark. Fico feliz.

Clara trabalhava como a editora anônima e benfeitora do Parnassus. Ela havia criado o jornal há dois anos e começou a trabalhar nele de imediato. As duas primeiras publicações foram tentativas inexperientes, mas colheram assinaturas suficientes para encorajá-la. Agora, com seu legado, ela podia se dar ao luxo de tentar um cronograma regular de publicação.

Seguindo o modelo de jornais masculinos, o Parnassus continha notícias políticas, assim como críticas de apresentações teatrais e histórias de viagem. Ela gostava de preenchê-lo com informações e fatos, mas permitia que alguns pensadores afiados, como Althea, escrevessem artigos. Interesses femininos raramente eram ignorados. Clara amava moda, em particular, e o Parnassus tinha uma coluna dedicada a ela.

A característica mais distinta do jornal era a mistura de autores. Uma viscondessa e uma baronesa, às vezes, contribuíam, embora utilizassem um pseudônimo. No entanto, a sra. Clark era a viúva de um comerciante que agora administrava uma chapelaria. Ela tinha um dom óbvio para poesia e não tentava copiar outro poeta já existente.

Ladies aos montes, mulheres da cidade, mães, irmãs e, sim, até as sabichonas tinham assinado. Ela sabia que o sigilo do projeto pode ter contribuído para esse sucesso. Quem e onde era feito o Parnassus permaneciam um mistério tentador.

Naquele momento, o onde consistia nessa casa que Clara comprara com seu legado, três meses depois da morte do pai. Ela se lembrou dele ao assinar a escritura, além de sentir profunda gratidão por ele ter esquematizado para ela ter a própria propriedade e renda substancial e não ser dependente de Theo de nenhuma maneira. A relação deles era rara. Na verdade, ele a tratava como um filho. Ensinara-lhe a cavalgar, atirar e até disse uma vez que se arrependia de ela não poder herdar seu patrimônio ou o título dele. Ela achava que Theo nunca a perdoaria por como ela recebia a melhor parte do amor do pai deles. Ficara profundamente de luto por ele. Completamente. A tristeza acabara com ela como nada antes. Havia chegado a um ponto em que não se reconhecia mais. Finalmente, certo dia, começou a lutar para se salvar.

O Parnassus fora sua salvação. Comprar aquela casa foi o primeiro passo adiante em sua vida. As necessidades do jornal a obrigavam a visitar Londres periodicamente também. Até então, as visitas foram breves, mas, agora, seis meses após o falecimento do pai, ela, enfim, decidira fazer visitas mais longas.

— O artigo de moda de Lady Grace ainda não chegou — Althea mencionou.

Lady Grace Bidwell era a mais recente aquisição de colaboradoras. Irmã de conde, ela nunca se casara. Clara sentia uma afinidade natural com ela, e Lady Grace tinha um olho bom quando o assunto era moda.

— Vou escrever um lembrete a ela, mas não vou esperar para sempre — Clara falou com uma firmeza decisiva do tipo que não fazia muito tempo que usara com o Duque de Stratton, mas de nada valeu. Aquele encontro continuava a invadir sua mente e amargava seu humor quando o fazia. Quanto mais ela pensava naquela proposta, mais ofendida se sentia.

Althea olhou com seus lindos olhos azuis para Clara. Uns dez centímetros mais baixa que Clara e delicadamente esguia, Althea tinha uma presença que, às vezes, fazia Clara se sentir monstruosa em comparação a ela. Não que ela mesma fosse muito alta ou forte. Era só que Althea era extremamente pequena. Viúva do Capitão Galbreath, um oficial do exército, morava com o irmão, Sir Jonathan Polwarth, um barão, e sua esposa.

Althea tinha a vida de um parente dependente agora, do tipo que o pai de Clara a salvou com o legado.

— A senhorita está diferente hoje — Althea disse. — Seu irmão a está irritando de novo? Insistindo que volte para a fazenda?

— Não é isso. Não só isso. — Clara não iria confessar, mas queria compartilhar um pouco dos acontecimentos recentes e estranhos em sua vida. Não a proposta. Ninguém nunca saberia disso. — Theo e minha avó colocaram na cabeça a ideia de acabar com uma longa contenda que nossa família tem com aquele Duque de Stratton.

— Penso que seja uma coisa boa. Guerras tão longas assim não trazem muito benefício.

— Vovó nunca faz coisas simplesmente porque são boas, Althea. A mente dela é uma armadilha, e suas estratégias fariam Napoleão se envergonhar. Mas ela é determinada, assim como Theo. Eles até o receberam. Meu pai sempre jurou que nunca um Stratton iria sujar sua casa, mas lá estava ele.

Althea começou a organizar os artigos, colocando folhas em branco entre eles.

— Na sua casa daqui da cidade, na Casa Gifford? Fiquei sabendo que ele veio para cá recentemente.

— Você sabia? — Parecia uma boa maneira de não admitir que ele realmente havia sujado a casa da família dela da cidade.

— As pessoas estão falando dele. Você não ficou sabendo porque ficou enclausurada em Hickory Grange por muito tempo depois de seu pai falecer, e não estava aqui quando ele retornou da França.

Althea carregou a pilha grande de papéis para outra mesa e continuou o trabalho de prender tudo com linho. Clara a seguiu.

— Estão falando o quê?

Althea amarrou o pacote grosso, terminando com um laço rústico.

— Fofocas. Daquelas que você escuta umas partes quando chega em determinadas rodas, mas as pessoas param assim que a veem. Conversa séria, pelos olhares nas carrancas. Conversa sigilosa e sussurrada. A maior parte entre a geração de nossos pais.

— Claro que esses trechos devem ter lhe dado uma ideia de por que ele chamou tanta atenção.

Althea deu de ombros.

— Acho que escutei meu irmão se referir a ele como perigoso. Algo sobre duelos na França.

— Fiquei sabendo dos duelos. Theo me contou. Acho que ele teme que, se não pedir a paz, Stratton vá desafiá-lo. Não faz sentido.

— Também interrompi uma conversa em uma sala após uma festa. A anfitriã não conseguiu se conter, apesar de estar no meio da frase. Gesticulou a última palavra do que quer que estivesse falando para sua confidente.

— Que palavra era essa?

— Tenho quase certeza de que era vingança. Agora, se vamos falar com a gráfica hoje, precisamos ir antes de ficar tarde demais.

Elas colocaram suas pelicas e chapéus. Clara invejava Althea por usar um conjunto verde-limão e amarelo. Não se ressentia por vestir roupas de luto. Vestiria eternamente, se isso fosse honrar seu pai. Mas sentia falta de roupas com mais cor e estilo, e, às vezes, pensava em cometer excessos incríveis nas lojas quando pudesse se vestir com estilo novamente.

Com os manuscritos firmemente debaixo dos braços, Clara se juntou a Althea na caminhada para uma carruagem de aluguel parada na esquina da praça. Seu nariz até coçava pela informação tentadora que Althea acabara de lhe fornecer. Stratton podia ser exibido, irritante e arrogante, mas ele tinha acabado de se tornar interessante também, principalmente para a editora de um jornal.

Vingança? De quê? Parecia que alguns sabiam em Londres, mas não era conversa para o senso comum. Assim que entraram na carruagem e seguiram para a gráfica, Clara expressou seus pensamentos.

— Acho tudo isso estimulante, Althea. Se Stratton está inclinado à vingança, alguém sabe por que e contra quem. Ele não é um homem comum, afinal de contas. É um duque. Quem poderia ter irritado tanto um duque para ele querer vingança? E ser considerado perigoso... Há algo muito curioso em tudo isso.

— Presumo que eu possa fazer algumas perguntas para ver se consigo reunir mais um pouco de informação.

— Também farei isso. Vamos ver o que conseguimos descobrir sobre esse homem. Talvez haja uma história para o Parnassus.

Ela deixou de mencionar que mais informação talvez pudesse capacitá-la também para acabar com a corte inexplicável e rude de Stratton.


poeira o cobriu. Saiu voando das páginas quando ele as virou e alisou sua superfície como as aparas de ferro em um ímã.

Adam folheou, lendo os velhos jornais, mais interessado no que não havia sido notícia do que o que fora. Uma alusão aqui, uma referência improvisada ali, a menção de um nome ? essas eram as evidências que ele procurava, porque já sabia que não haveria uma discussão aberta dos acontecimentos que ele investigava.

Ele fora ao Times por último, após folhear páginas nos escritórios de outras revistas e jornais. Todos eles mantinham exemplares de suas antigas publicações em algum lugar. Podia ser em uma biblioteca arejada ou em um porão úmido, mas, com tempo e paciência, ele havia lido cada palavra publicada sobre o Duque de Stratton em alguns anos até a morte de seu pai.

As notícias da morte eram as mais inúteis, embora alguns jornais menos respeitáveis vagamente implicavam que poderia ter sido suicídio. O Times nunca seguiria nessa direção com um duque, então a notícia dele exaltava as conquistas e o gosto de seu pai. Lendo-o, ninguém nunca adivinharia as provocações extremas que fizeram um homem tirar a própria vida.

Agora ele procurava pistas em relação aos detalhes e fontes dessas provocações. Tudo fora um esquema bem secreto, então as partes que ele descobria estavam todas nas entrelinhas. Nenhum editor falaria abertamente sobre esses boatos. Nenhum homem falaria sobre isso exceto atrás de portas fechadas com a voz baixa.

E, mesmo assim, as palavras tinham sido ditas, e elas voaram pelo ar como pólen, então, enquanto ninguém fazia acusações, tudo que as pessoas sabiam era o que importava para o governo. Ele fechou o volume de cópias encadernadas do Times. Mal havia encontrado prova direta do que queria, mas também não achara nada que o convencesse estar errado em suas crenças sobre como a tragédia fora planejada.

Nas reuniões importantes do governo, questionamentos foram feitos sobre a lealdade de seu pai. Ministros e outros lordes lhe disseram coisas. Alguém coletara provas. Aconteceu por um tempo, crescente, talvez um ano ou mais. Isolado e sem amigos quando os miseráveis o encurralaram, ele tirara a vida para não enfrentar o tipo de desgraça que mancharia o nome da família por gerações. No entanto, o ato final e seus motivos eram as únicas partes que não estavam em questão.

Acho que Marwood está por trás de tudo. Foi isso que seu pai havia escrito no único recado que deixara. Ele tinha prova disso? Se tinha, não deixou nenhuma indicação. Será que foi uma conclusão irracional, criada por sua mente e pela longa inimizade entre as famílias? Adam não sabia. Se seu pai pensava que Marwood estava por trás de tudo, porém, então Marwood estava no topo da lista de homens que Adam investigaria.

Deixou o edifício do Times e foi até sua carruagem. Perdido em pensamentos, quase não viu a mulher do outro lado da rua até algo familiar nela tirá-lo de seu devaneio.

Ela andava com passadas determinadas, como se estivesse em uma importante missão. Ele notara o brilho em seus olhos, os quais implicavam muito sobre ela. Inteligência. Personalidade. Paixão. Problema. Não se importava com a última qualidade. Raramente encontrava as três primeiras em uma mulher sem a quarta. Seu tempo com ela, apesar de ter sido breve, não fora maçante. Apesar de seu cabelo castanho-avermelhado, coberto como um quadro em seu rosto debaixo da aba de seu chapéu, estar esplêndido contra seu traje preto, ele, de repente, pensou em como ela ficaria vestindo verde-claro.

Ele a imaginou assim enquanto atravessava a rua e a abordava. Assim que ela o viu, sua expressão desmoronou.

Ele queria rir da forma como ela se esforçava para manter a compostura adequada para a filha de um conde. Imaginava os pensamentos rudes pulando na mente dela.

— Lady Clara. Que prazer inesperado vê-la hoje.

— Sim. Que prazer. — Ela inclinou a cabeça para a esquerda, olhando o caminho da liberdade. — É um dia de tarefas para mim.

— Para mim também, embora eu já tenha acabado. Que tarefa a traz aqui?

Ela não respondeu de imediato. Parecia que ele tinha feito uma pergunta esquisita.

— Não estou cumprindo uma tarefa aqui. Estou simplesmente andando pela rua depois de fazer uma tarefa em outro lugar. — Ela foi para o lado dele e o analisou com o cenho franzido. — O senhor estava no sótão? Está coberto de poeira. — Ela esticou a mão e deu uma batidinha na manga dele, produzindo uma pequena nuvem de pó.

Ele achou charmoso o gesto dela.

— Meu lacaio vai resmungar quando vir isso.

— Fique parado. — De novo, sua mão varreu o casaco dele. Mais nuvens se ergueram. Ela o limpou como se ele fosse uma criança que tivesse caído na terra. Mas não tão delicadamente. A mão dela batia em seus ombros e peito. — Pronto. Está quase apresentável. Agora, devo seguir meu caminho.

— Não vai ser generosa me permitindo sua companhia? Não a vejo há quase duas semanas. Sei que foi minha culpa. Não entrei em contato. Devido a todas essas tarefas, sabe.

— Faz tanto tempo assim? Não reparei. Na verdade, eu não esperava que entrasse em contato. Não há motivo para fazê-lo.

— Nós dois sabemos que isso não é verdade. Entretanto, aqui estamos agora. Pelo menos permita-me acompanhá-la em segurança de volta à sua carruagem.

— Não será necessário. Ficarei bem segura sozinha.

— Por favor. Eu insisto.

Ela ficou parada em silêncio, parecendo uma menininha flagrada fazendo algo errado.

— Está com sua carruagem aqui? — ele perguntou.

— Não. — A resposta veio depois de uma longa pausa. Ela mordeu o lábio inferior.

— Carro de aluguel de novo? — Ele olhou para cima e para baixo da rua. — Ele mora aqui perto? Seu amigo, quero dizer.

— Não há amigo. Não da forma que insinua.

— Claro que não.

— Estou falando sério.

— Por favor, entenda que não estou chocado. Sou metade francês, afinal. Não me importo. Apenas peço que termine — ele mentiu suavemente. Importava-se, sim. Qualquer homem se importaria, se quisesse a mulher.

— Pede, não é?

— Estou sendo educado. Um pedido por enquanto. Em certo momento, claro, terá que ser um comando.

Os olhos dela arderam em chamas. Inferno, ela era excitante quando estava brava. Que bom, já que ele esperava que ela ficasse brava com frequência.

— Penso que o senhor está me provocando deliberadamente — ela disse.

— Prometo parar se concordar com uma visita rápida ao parque. Vamos ficar a céu aberto para a senhorita não se preocupar se vou me impor. Então a levarei para casa.

— E se eu recusar sua oferta?

— Provavelmente vou segui-la, fazendo perguntas indiscretas sobre seus afazeres misteriosos nesta parte da cidade.

Ela suspirou desesperada e tirou um relógio do bolso de sua retícula.

— Não haverá quase ninguém no Hyde Park a esta hora. Vamos virar ali, se faremos isso. Uma visita bem rápida, por favor. Tenho um compromisso esta tarde.

— Mais afazeres misteriosos? Como a senhorita é intrigante.

Ele ofereceu o braço. Ela não o aceitou. Juntos, andaram até a carruagem dele.

O Duque de Stratton estava se transformando em uma séria inconveniência. Parte da alegria de ser uma mulher mais velha e sem interesse em casamento era que as pessoas costumavam não perceber o que ela fazia. Clara aproveitara essa liberdade mesmo antes da morte de seu pai, e agora mais ainda porque morava sozinha na Casa Gifford.

A curiosidade de Stratton sobre ela complicava isso. Agora ali estava ela, sentada na carruagem dele quando deveria estar visitando o decorador que contratara para fazer algumas mudanças em sua casa na Bedford Square. Já que ninguém sabia sobre a casa, não poderia permitir que o duque a seguisse até lá.

Não se importava com como ele tramava para ela passar um tempo com ele. Ressentia-se que ele tivesse ganhado essa pequena batalha.

— Prefere a cidade? A senhorita passa boa parte do tempo aqui — ele disse assim que se sentaram um à frente do outro e o cocheiro abrira a porta da carruagem para arejar.

Se fosse outra pessoa, ela pensaria que era jogar conversa fora. Daquele homem, ela percebeu que era uma pergunta intrusiva.

— Gosto da fazenda e da cidade. Fico nos dois lugares. No entanto, depois de todos os meses em Hickory Grange após o funeral do meu pai, era hora de ver alguns amigos aqui e participar da sociedade de novo. — Mesmo com a forma como ela disse, ficou preocupada de ter lhe dado informação demais.

— Seus amigos sabichões?

— Sim.

— O que a senhorita faz quando não está conversando com eles?

— Se eu lhe dissesse, não seria mais intrigante e misteriosa.

Foi um erro dizer isso. Ela soube assim que disse. Os olhos escuros dele pairaram nela, divertidos e muito confiantes de que viam mais do que ela queria. Esse olhar a deixou nervosa. Ela achava decidida, quase óbvia, essa procura de sua atenção. Implicavam intimidades que ela não queria ter ou reconhecer. Apressou-se para fazer uma provocação.

— O senhor vai achar meus interesses muito entediantes e femininos. Eu visito boutiques e encho os olhos de tecidos que não posso usar agora. Passeio por armazéns e cobiço sedas e rendas.

— Por que não comprá-los agora e guardá-los até poder usar?

— Porque a espera faz parte da diversão. Há o perigo que se transformará em uma febre, no entanto, quando finalmente tirar esses trajes pretos, serei tão imprudente ao gastar tudo em um novo guarda-roupa que Theo vai precisar me tirar das dívidas.

— Oh, duvido disso.

Então ela soube que aquele homem havia descoberto o tamanho de sua herança. Será que Theo tinha lhe contado? Talvez ele tivesse escutado fofocas, mas seria suficiente.

Passou por sua mente que o único motivo de ele a perseguir com aquela proposta idiota era sua fortuna. Como se o Duque de Stratton precisasse disso! Mas, na verdade, quem sabia se ele precisava ou não? Ela não o investigara da forma como ele obviamente o fez com ela, embora ela pretendesse. Mesmo assim, era um homem atrás de sua fortuna. Que previsível. Senso comum. Decepcionante.

Já que eles estavam no parque, ela fez as próprias perguntas, enquanto encorajava que a caminhada deles deixasse o caminho principal a fim de que ninguém os visse juntos.

— O senhor não se importaria mesmo se a mulher para a qual fez proposta tivesse um amante anterior? O senhor continua insinuando isso.

Ela pensou ser uma questão sofisticada e investigativa e aguardou que ele não visse a refeição que ela acabara de colocar em um prato à sua frente.

— A senhorita tem o quê? Vinte e quatro anos? Só um tolo exigiria inocência de uma mulher com essa maturidade.

— Que visão liberal o senhor tem.

— Gosto de pensar assim. Só estou sendo um pouco estrito com a senhorita porque não posso arriscar que meu herdeiro seja filho de outro homem. Estou certo de que entende.

Ela olhou para ele, esperando ver aquele sorrisinho ou qualquer coisa que indicasse que suas referências contínuas à proposta agora fossem uma piada interna. Arrependida, viu que ele parecia mais sério. Ela resolveu que contrariá-lo só iria engrandecer aquela ideia ridícula, então ignorou.

Já que ele a tinha convencido a passar esse tempo juntos, não poderia se opor a algumas perguntas sinceras sobre sua vida e sua família, principalmente se ele realmente acreditava que eles iriam se casar. Althea ficou responsável por investigar o homem, mas cada pequena informação adicionada ao montante ajudaria.

— Por que o senhor partiu? — ela perguntou enquanto caminhavam por um pequeno bosque de árvores floridas.

— Porque era hora de voltar.

— Não quis dizer por que partiu da França. Por que partiu da Inglaterra?

O humor dele se alterou um pouco, como se a pergunta abrisse uma porta para o humor negro que ela sentia nele.

— Minha mãe não quis permanecer aqui depois da morte de meu pai, então eu a levei embora e me certifiquei de que ela se adaptasse a Paris.

— Ela queria voltar para casa, o senhor quer dizer. É compreensível.

— Ela morou aqui por décadas. Aqui deveria ter sido seu lar, não uma terra estrangeira para onde fugir. Houve aqueles que nunca a receberam bem, no entanto, ou permitiram que ela se ajustasse.

— Se ela é feliz agora na França, é o que importa, não é?

— Não disse que ela estava feliz. Ela não queria voltar para a França. Só não quis permanecer aqui.

Seu tom direto a fez parar de andar.

— Desculpe se entendi errado. Fui negligente com minha resposta. Claro que ela não poderia ficar feliz em deixar sua casa por tantos anos. — Ela engoliu a pergunta que implorava para ser feita. Por que ela não queria permanecer aqui?

Eles ficaram debaixo de uma das árvores, na sombra que os galhos emaranhados criavam.

— A senhorita realmente sabe tão pouco sobre a minha vida? — ele questionou. — Nunca ouviu falarem da minha mãe? Estava fora quando ela partiu. Antes de o meu pai morrer.

Ela não precisava buscar muito na memória para se lembrar de alguma conversa que ouvira. A voz da avó sempre cheia de desdém ao mencionar a duquesa francesa de Stratton. Vovó era uma das pessoas que pensava o pior de tudo e de todos os franceses durante a guerra.

Mas outros tinham bufado quando a Duquesa de Stratton entrava em um salão. Clara sempre achou que invejavam sua beleza e queriam falar mal de alguém. Na verdade, ela não se importava muito com o que as pessoas diziam. A antiga guerra entre sua família e a de Stratton haviam-na deixado insensível a quaisquer considerações feitas à mãe dele.

— Admito que, agora que falou, conheço um pouco do que ela passou — ela admitiu. — Se foi isso que a fez ir embora, não foi justo.

Para a surpresa dela, ele pegou sua mão e a ergueu para dar um beijo.

— Não foi apenas isso. No entanto, é bom a senhorita achar que foi injusto.

Aquele beijo na mão dela, apesar de breve, criou uma ponte de intimidade. Ela sentiu o beijo por seu braço inteiro e descendo por seu corpo. O olhar dele capturou o dela antes de ele beijar sua mão de novo, lentamente.

Ela não tirou a mão. Não desviou o olhar, apesar de definitivamente ter que fazer o contrário. Em vez disso, encarou enquanto aquele beijo e aqueles olhos escuros avivavam todo o seu corpo.

Ele a puxou cada vez mais para perto, até ela ter que dar um passo até ele ou cair. Fez um pouco dos dois, tropeçando de forma estranha, e se viu nos braços dele.

Ele iria beijá-la, ela tinha certeza. Isso não poderia acontecer. No entanto, em vez de se afastar, ela não conseguiu se mexer. O olhar dele a paralisou e incitou uma empolgação imprópria.

Os braços dele a envolveram. Ele olhou para baixo. Atordoada, ela fechou os olhos e aguardou.

E aguardou.

E aguardou.

Quando nada aconteceu, ela abriu os olhos. Instantaneamente, a euforia tomou conta, e ela se sentiu uma tola. Tentou se livrar de seu abraço, mas ele não permitiu.

— Quer que eu a beije?

— Claro que não. O senhor é o último homem que quero que me beije, asseguro-lhe. — Ela se recusou a olhar para ele e continuou tentando se afastar.

— Isso não é verdade. Vamos ser honestos um com o outro. — A cabeça dele mergulhou e seus lábios tomaram os dela.

Ela perdeu o fôlego. Céus, ele era lindo. E excitante. Até aquela escuridão era sedutora. Os arrepios percorreram seu corpo, implorando para ter desculpas para se transformar em algo mais poderoso.

— Parte da diversão é a espera — ele disse baixinho, prendendo-a com seu olhar. — Embora sempre haja o perigo de se transformar em uma febre. — Os lábios dele beijaram os dela, sempre suavemente, mas o suficiente para criar uma faísca.

Foi um gracejo. Uma promessa provocante.

Ele a soltou e recuou. Ela ficou parada, sem fala, e extremamente derrotada, chocada como ele tinha usado suas próprias palavras contra ela a fim de implicar que compartilhavam alguma empatia em questões sensuais.

— Preciso ir. — Ela se virou e andou pelo caminho principal. A cada passo, sua indignação aumentava.

Ele andava ao seu lado, mais do que satisfeito.

— Não posso acreditar que o senhor se impôs sobre mim assim — ela disse em seu melhor tom como ousa.

— Impus bem pouco, principalmente dadas as circunstâncias. De fato, se eu tivesse feito amor com a senhorita contra uma das árvores, não tenho certeza se teria sido uma imposição.

— Se pensa assim, ficou muito tempo na França.

Ela não conseguia chegar logo à carruagem. Recusou-se a olhar para ele no trajeto para a Casa Gifford. Quando chegaram, mal recusou a insistência dele em lhe dar a mão para descer. Ela enrijeceu contra a sensação da mão dele na sua, a proximidade de seu corpo e a forma como todo o seu ser ainda queria reagir inapropriadamente.

Não pôde resistir a uma última censura. Não apenas para lembrá-lo do comportamento adequado, mas para lembrar a ela também.

— Por favor, lembre-se, no futuro, como um cavalheiro trata uma dama, sir.

— Eu sei como tratar uma dama. A senhorita, no entanto, também é minha futura noiva. Isso muda tudo.

Ela se apressou até a porta, cheia de indignação furiosa. Assim que entrou, viu que aquele dia desconfortável só iria piorar.

Theo, Emilia e a viúva haviam chegado da fazenda para se juntar a ela.


— or que está tão mal-humorada? Não sorriu desde que entrou em casa — Clara fez a pergunta à irmã depois de procurá-la em seu quarto naquela noite.

O jantar provou ser um julgamento, com sua avó direcionando afazeres relacionados aos dias seguintes, e Emilia e Theo assentindo como se fossem alunos. A viúva descartou as objeções de Clara sobre as demandas que os planos causariam em seus dias.

Emilia se jogou na cama.

— Vovó quer que eu conheça Stratton. Já que ele está na cidade, nós o seguimos.

— Vocês ainda não foram apresentados?

Ela fez beicinho.

— É vergonhoso ser jogada para ele assim quando parece que ele preferiria me evitar. Já que eu preferiria evitá-lo também, quero que eles parem de persegui-lo. Sei que é um duque, mas o achei assustador quando ele estava naquele terraço. Nem acho justo ser oferecida assim para ele antes até de eu ter minha primeira Temporada.

Clara se sentou ao lado dela e a envolveu com um braço.

— Parece injusto.

Emilia era adorável e, se aguardasse aquela Temporada, haveria dúzias de admiradores esperando ganhar sua mão. Clara tinha lembranças carinhosas de sua primeira Temporada. Ela não procurava um marido, mas amava todo o planejamento e, então, todas as atividades sociais e bailes. Gostara dos poucos beijos roubados que a seguiam também.

— Agora eu estou na cidade e tenho que ficar aqui sentada enquanto todos os meus amigos vão a bailes — Emilia reclamou. — Uma coisa é ficar de luto na fazenda e perder isso. Outra é só ouvir a diversão pelas janelas enquanto fico sentada nesta casa, usando preto.

— Talvez possamos convencer Vovó a permitir que você vá a alguns eventos menores. Uma ou duas festas no jardim. E pode receber amigos aqui. Se é permitido que conheça Stratton, por que não outros jovens?

Os olhos de Emilia se iluminaram com esperança.

— Acha que ela vai concordar? Talvez me permita comprar um ou dois vestidos novos, não que eu queira mais vestidos pretos, mas pelo menos sairei para compras.

— Vou tentar convencê-la a permitir outra coisa além de preto para você. Agora passaram-se seis meses. A mim, parece que outras cores, simples e discretas certamente, podem ser permitidas para uma garota.

Emilia abraçou Clara e a beijou na bochecha.

— Se puder conseguir mesmo essa pequena concessão, ficarei grata.

— Escreva para seus amigos e os avise que está aqui e pode fazer e receber visitas. Quanto a Stratton, não é obrigada a se casar com alguém que não queira. Espero que saiba disso.

A alegria deixou Emilia tão rápido quanto apareceu.

— Nunca fui boa desafiando Vovó. Ela me assusta ainda mais do que o duque.

Claro que assustava. A viúva intimidava adultos. Se não fosse pela resistência de Stratton, Emilia já estaria noiva.

— Talvez Stratton também nunca venha aqui — Emilia disse, melancólica.

Clara duvidava disso. Vovó não seria deixada para depois agora, independente dos estratagemas que o duque tentasse. A não ser que ele se recusasse de forma direta a continuar esse passo de dança. Seria melhor para todos se ele decidisse fazer isso.

 

— Vai me contar aonde estamos indo? — Langford perguntou quando ele e Adam cavalgavam pela Bond Street. — Quando me chamou para me juntar a você, achei que a esta hora já fosse explicar por que e onde.

Adam havia passado por Langford há três quarteirões. Não tinha sido coincidência. Nem foi sua negligência deixar de mencionar o destino.

— Prometi que seria divertido, e vai ser.

— Devo insistir que revele tudo. Não acho que vamos a alguma loja ou que estamos a caminho de uma tarde típica de diversão.

Adam virou na Bond Street.

— Vou confessar por que abordei você, mas, primeiro, precisa prometer não me abandonar.

— O que está tramando, Stratton?

— Vou visitar Marwood.

— Não. Aquele pivete? Para quê? Pensei que tivesse jurado ser inimigo dele, por meio da sucessão.

— Ele acha que deveríamos fazer as pazes e ser amigos. Tem insistido nisso. Continua me convidando para ir à casa dele e me seguiu até a cidade para me encurralar. Ontem, ele me fez uma visita enquanto eu estava fora. Então escrevi e finalmente concordei em retornar o favor.

Langford continuou andando com seu cavalo. Pelo menos, ele não tinha rejeitado imediatamente a visita.

— Presumo que ele tenha medo de você desafiá-lo devido à briga ancestral. Provavelmente está sujando a cueca desde que soube que você voltou.

— Eu nunca duelaria por insultos de mais de cinquenta anos.

Ele recebeu um olhar duro de Langford por isso.

— Então concordou em aceitar seu ramo de oliveira? Nossa, que bondoso da sua parte.

Adam ignorou seu tom desconfiado.

— Bom, soube que ele tem uma irmã adorável.

— Deve estar falando da Lady Emilia. Ela foi uma criança linda, isso é verdade, mas ninguém a vê de perto há quase um ano. Espero que ela não frequente esta Temporada devido à morte do conde. Mas, sim, é de conhecimento de todos que ela ficou mais do que bonita. Com certeza você não pretende fazer as pazes a ponto de cortejá-la, não?

— Achei que você poderia querer.

Langford parou seu cavalo.

— Se isso foi uma piada, não estou rindo.

Adam sorriu.

— Eu estou. Pare de ficar tão preocupado. Alguém poderia pensar que é possível amarrá-lo ao casamento sem você saber.

— Há algumas mães que estão se esforçando ao máximo para isso. — Ele voltou a andar com o cavalo. — Perdoe-me pela falta de humor. Estou me sentindo perseguido. Então vamos visitar um dos inimigos de sua família, com o objetivo principal de cortejar a irmã dele.

— Isso resume bem.

Langford deu de ombros.

— Por que não me disse?

A cavalgada os levou até a porta da casa da cidade de Marwood, na Portman Square. Adam esperou até os criados pegarem seus cavalos e alcançarem a porta antes de falar de novo.

— Ah, esqueci de mencionar. A avó dele estava junto quando ele me visitou ontem. Acredito que a veremos também.

Langford fechou os olhos. Parecia um homem rezando por salvação.

— Tenho evitado assiduamente essa harpia há quase uma década, Stratton. Posso matá-lo por isso.

— Não iria querer que eu a enfrentasse sozinho, iria?

— Eu o teria mandado e coletado seus restos depois de ela acabar com você. Inferno, vamos entrar e rezar para ela já ter sido alimentada com outra pessoa hoje.

 

— Milady — a dama de Clara, Jocelyn, sussurrou o título em um tom nervoso.

— O que foi? — Clara respondeu calma como sempre, embora quisesse expressar um grande desprazer. Havia dito a Jocelyn que queria ser deixada sozinha. De forma clara e direta. Mesmo assim, ali estava a dama, interrompendo-a.

— Um lacaio veio até a porta. Disse que sua avó a quer na biblioteca.

Clara apoiou a cabeça nas mãos. Olhou para baixo, para a superfície da sua escrivaninha. As páginas impressas do jornal, recebidas de Althea no dia anterior, esperavam sua aprovação. Precisavam ser devolvidas com a correção para a gráfica no dia seguinte.

Esperara terminar na tarde do dia anterior. No entanto, desde que sua família veio se hospedar ali, houve uma interrupção atrás da outra. Ela não se importava com as de Emilia. Importava-se quando sua avó exigia sua presença.

Não que Vovó exigisse sua presença para coisas importantes. Ela mal queria conversar e precisava de um público. Pelo menos Clara havia usado aquele tempo de maneira produtiva: obtivera a autorização para Emilia ter um ou dois novos vestidos e poder receber visitas.

Na manhã do dia anterior, infelizmente, elas tinham se engajado em uma discussão quando ela recusou o comando de sua avó para se juntar à viúva e a Theo quando eles fizeram uma visita a Stratton à tarde. Ela não teve dificuldade em listar os motivos do porquê não fazer isso.

Tinha uma reunião com Althea planejada, primeiro. Segundo, ela pensou que pareceriam ridículos se a família inteira visitasse. E, finalmente, não queria encorajar o duque a pensar que ela estava, de alguma forma, de acordo com essa missão de paz, sem mencionar o plano peculiar dele de conquistar harmonia entre as famílias.

Não que ela pudesse explicar alguma dessas coisas para sua avó, então simplesmente a desafiou. Pensou como Vovó a faria pagar por isso.

— Ele mencionou que a condessa estava bem firme quanto ao assunto, milady. Disse que convidados importantes chegaram, e ela pediu para a senhorita descer.

“Convidados importantes” significava qualquer um que Vovó se dignasse a receber.

Ela olhou para seu vestido simples.

— Vou colocar meu vestido preto com cauda e bordado, Jocelyn, se são tão importantes, os malditos.

Jocelyn ruborizou com o xingamento e se apressou para o cômodo das roupas. Clara a seguiu, arrependendo-se do lapso. Ela realmente precisava parar de fazer isso.

Quinze minutos mais tarde, ela entrou na biblioteca e viu que o lacaio não tinha exagerado. Até para os altos padrões de Vovó, seus convidados eram importantes.

Stratton tinha retornado a visita do dia anterior. Mas não estava sozinho. Outro duque, Langford, o acompanhava. Durante os cumprimentos, Emilia a olhou com uma expressão desesperada.

— Os duques estão nos regalando com as descrições do baile de Lady Montclair ontem à noite — sua avó disse assim que todos se sentaram. — Ouso dizer que está sendo mais divertido ouvi-los recontar do que participar do evento.

— Eu gostaria de ter ido para ter certeza disso — Emilia murmurou.

Langford, um homem lindo com olhos azuis brilhantes e cachos escuros que se transformavam em um cabelo um pouco selvagem, dirigiu-se a ela com empatia.

— Não perdeu muito, Lady Emilia. Vai descobrir logo que bailes são todos iguais.

— Minha avó concordou que, embora nosso luto não tenha acabado, Emilia pode participar de alguns eventos menores, como festas de jardim. Seria aceitável, não concorda? — Clara olhou deliberadamente para a avó, já que ainda não tinha falado sobre o assunto com ela.

— Não vejo por que não. Avise-nos em qual ela irá, e Stratton e eu nos certificaremos de ir também e falar com ela lá.

— Como os senhores são gentis. — Se dois duques falassem com Emilia em uma festa, ninguém falaria muito sobre a menina ter ido durante o luto. — Nos certificaremos de avisá-los. Não é, Vovó?

— De fato.

Havia incontáveis respostas sob a superfície de gratidão naquela frase curta. Clara ouviu a desaprovação de sua ousadia e futuras ameaças. Emilia, no entanto, só brilhou com prazer por não ser deixada de fora de tudo.

Sua irmã estava linda naquele dia, como sempre. O sol entrando pelas janelas fazia seu cabelo loiro brilhar com luzes e também favorecia sua pele luminosa.

Langford ficava olhando para ela. Não que Langford fosse bom para Emilia, mais do que o outro duque poderia ser. Langford era conhecido por sua rebeldia que mais do que combinava com aquele cabelo devasso. Charmoso como o pecado, ele com certeza partiria o coração de qualquer mulher com quem se casasse.

Clara tentava não olhar para Stratton, mas ele se sentou bem ao lado do amigo e conseguiu se intrometer em sua visão. Mal olhava para Emilia, algo que Vovó certamente notaria. Clara esperava que Vovó não percebesse para quem ele estava olhando.

Não era como se ele a encarasse. Mas com frequência aquele olhar negro pairava nela, a ponto de deixá-la consciente. Ela entendia o que Emilia queria dizer sobre achar que ele era assustador, só que aquela palavra não interpretava adequadamente a reação que ele provocava. Ela achava que sua atenção a obrigava a lembrar dele perto demais, quase a beijando e dizendo coisas muito íntimas.

— O dia está lindo — sua avó anunciou. — Clara, por que não leva sua irmã e os cavalheiros para o jardim, a fim de aproveitar a brisa e o sol? Seu irmão e eu nos juntaremos aos senhores logo.

Então, ela liderou o caminho para fora das janelas francesas até o terraço.

Adam planejou que, quando saíssem no terraço, ele ficasse ao lado de Lady Clara, e Langford acompanhasse Lady Emilia.

Langford poderia encantar qualquer mulher de qualquer idade sem se esforçar. Era simplesmente de sua natureza. Alguns reis nasciam para governar; Langford nascera para seduzir.

Ele se conteve até onde pôde porque Lady Emilia era jovem, mas aqueles olhos azuis ainda eram penetrantes e aquele sorriso ainda bajulava. Lady Emilia se transformara em uma bagunça afobada de risadinhas e vermelhidão quando eles chegaram ao jardim.

Lady Clara não deixou de notar.

— Perspicaz da sua parte trazê-lo — ela disse para Adam. — Do contrário, minha avó poderia ter interpretado sua visita como cortejo, e um indicativo de seu acordo com a ideia dela sobre o casamento.

— Ela teria acertado, claro, mas apenas errado a dama. Não vamos explicar isso ainda, no entanto. Será nosso segredo por um tempo.

— Queria que parasse de falar assim, quando sabe que será um segredo eterno porque nunca aceitarei. Não há motivo para eu fazê-lo.

— Há um bom motivo. Muitos motivos. Será nosso segredo enquanto eu lhe mostro quais são.

Bem à frente, Langford deve ter contado alguma piada porque a risada de Emilia flutuou pelo ar.

— Espero que ele não crie nenhuma esperança com ela — Clara disse, estreitando os olhos. — Nunca vai ser adequado.

— Ele nunca mostrou interesse em jovens, então eu não me preocuparia.

— Os senhores são bons amigos?

— Somos amigos desde a escola. — Ele riu baixinho. — Esqueço como sabe pouquíssimo sobre mim, às vezes.

— Sua família não existia do ponto de vista da minha família, então nunca o notei ou com quem o senhor andava.

— Nunca me notou? Que ofensa. Nunca? Nem uma vez? — Ele a olhou diretamente, irônico.

Ela sentiu o rosto ruborizar, porque é claro que o tinha notado antes de ele partir para a França, durante as primeiras temporadas. Quem não notaria? Seu rosto lindo e espírito latente o destacavam. Uma vez, em um baile, ela sentiu uma calma estranha no salão, uma rigidez. Tinha sido ele, agindo como o centro de um vórtice, e a reunião ao redor era o redemoinho.

Ele a tinha visto observando-o, ela se lembrou de repente agora. Ele vira que ela o observava. Ele achava, ela suspeitou, que ela não o via totalmente como um inimigo naquele momento inesperado.

Agora ele mergulhou a cabeça para mais perto da dela.

— Não acho que não existíamos para sua família. Acho que falavam bastante de nós. Não com ou perto da senhorita, mas seu pai e sua mãe. Estou correto?

A voz dele, sua respiração, e a proximidade a deixaram nervosa. Ela verificou se sua irmã não tinha ido longe para fazer sala.

— Às vezes.

— Na época de Waterloo? — Sua voz suavizou. — Ou nos meses seguintes?

Sua mente voltou àquele tempo, anos atrás, como se fosse mandada para lá por um feitiço dele. As conversas se acumularam em sua memória todas de uma vez, como muitas vozes conversando em uníssono. Ela escutou o pai, tão claramente que lhe doeu, mas suas palavras foram obscurecidas por outras vozes falando por cima e à volta dele. Então o viu, claramente, batendo a mão na escrivaninha da biblioteca.

— Não — ela mentiu. — Não naquela época. Não que me lembre, pelo menos.

Ela não sabia por que se recusava a contar. Talvez por causa da maneira como ele a observava. Como se sua reação importasse para ele. Importava demais. Lá na frente, Langford parou de andar com Emilia. Ele os aguardou alcançá-los. Emilia parecia inebriada de alegria. Ficava olhando Langford como se ele a maravilhasse.

— Ah, não — Clara murmurou.

— Não se preocupe. Trarei homens mais apropriados para ela — Stratton disse. — Seguros, que não são perigosos de nenhuma forma. Ela vai rapidamente esquecer uma tarde de paixão.

 

— Agora, essa foi uma visita esquisita — Langford ofereceu a opinião quando ele e Adam viraram seus cavalos na Bond Street.

— Por quê?

— Por quê? Muito inocente. Você sabe por quê. Se eu não o conhecesse, diria que me trouxe para poder me jogar para aquela garota, apesar de suas garantias. Bom, não vou ceder. E se a viúva é tola o bastante para arriscar a virtude da neta comigo, ela terá que colocar a menina na fila atrás de outras cujas mães também são muito negligentes.

— A intenção não foi jogar você para a menina, mas evitar que eu fosse jogado para ela. Eu nunca a tinha conhecido e não queria que sua família pensasse que uma visita meramente social significasse mais do que isso.

— Estou muito feliz por ter me achado conveniente para seu objetivo. Da próxima vez, por favor, dê a honra a Brentworth.

— Ele teria assustado a garota ao ponto de ela não conseguir falar uma palavra. E também não teria sido tão descuidado a ponto de me permitir arriscar que seu nome fosse conectado ao dela.

— Está dizendo que me escolheu porque sou um perfeito idiota? Também não quero meu nome ligado ao dela. Se for, se Marwood começar os boatos, juro que vou...

— Eis o que deveria fazer. Visite-os de novo daqui a muitos dias...

— Pareço maluco para você? Estamos falando da Condessa de Marwood. Ela, que acaba com as mulheres por diversão e humilha homens como se fosse um jogo. Posso sobreviver a esta temporada se eu batalhar apenas com as mães armadas contra mim. Certamente vou perder se também precisar me proteger dessa mulher.

— Tinha me esquecido de como você é dramático. Escute-me. Visite de novo daqui a muitos dias, mas faça como eu. Traga outro com você. Seu irmão, por exemplo.

— Harry? Ele vai entediar a menina.

— Ela é muito jovem. O calmo e estudioso Harry não vai oprimi-la, e ela terá um amigo na cidade. Com o tempo, quem sabe o que pode acontecer? Ele terá o caminho livre, afinal.

Langford refletiu.

— Pode funcionar. Você fez aula de juntar casais na França?

— Tive aula de todo tipo de coisa. Agora, preciso parar aqui para uma coisa. — Ele desmontou do cavalo. — Você está livre para seguir seu caminho.

Langford olhou para baixo, para a loja onde Adam amarrou o cavalo.

— Vai comprar joias?

— Uma pequena bugiganga.

Langford desmontou.

— Para quem?

— Para minha senhora. Vou vê-la mais algumas vezes antes de dar o presente, mas é hora de escolher alguma coisa.

Ele entrou na loja, com Langford atrás.

— Agora fiquei confuso, Stratton. Acabou de falar para eu jogar meu irmão para ela, e tudo que fez foi ignorá-la... — Ele parou de andar. — Ah, caramba. A menina não tem nada a ver, mas a mais velha, certo? Diga que estou enganado, porque seria a pior união já planejada.

Adam pediu ao funcionário para trazer brincos de pérola. Langford apoiou os cotovelos ao lado dele no balcão.

— Se estou correto, pérolas são a escolha errada. Pérolas são modestas, discretas e convencionais. Aquela bruxa implora por algo brilhante e inesperado. Algo que declare que ela não vai se curvar para nenhum homem. Algo que...

— Estou começando a achar que você não gosta dela.

— Nenhum homem gosta muito, Stratton. A forma como ela empina o nariz para todo pretendente dificilmente encoraja generosidade. — Ele gesticulou para o funcionário levar a bandeja de pérolas embora. — Traga rubis, meu bom homem. Quanto maior e mais exagerado, melhor.


— Decidi que preciso me mudar para cá — Clara compartilhou o pensamento com Althea depois que elas terminaram de verificar o jornal. Faltava apenas Althea empacotá-lo para enviar à gráfica e agendar a impressão.

— Seus parentes a estão irritando?

— Minha avó acha que pode ditar meus movimentos e exigir que me junte a ela em qualquer visita que escolha fazer. Minha liberdade de ir e vir acabou. Preciso sair escondido como fiz hoje para encontrá-la aqui. Já estou esperando que ela abra minha correspondência.

Ela olhou em volta na biblioteca de sua casa em Bedford Square onde conversavam. A casa não chegava nem perto do tamanho da Gifford, claro, mas seria apropriado para ela. Se morasse ali, poderia terminar mais rápido seus outros planos para aquela casa.

Faltavam lugares para mulheres se encontrarem e relaxarem, com exceção da casa delas. Homens tinham seus clubes, tavernas e cafeterias para esse propósito. Por que as mulheres não poderiam ter refúgios também? Aquela casa, com sua sala de jantar, biblioteca e sala de estar, poderia servir como uma, para um grupo seleto de amigas. Ela nem precisaria fazer mudanças. Seria muito agradável se uma mulher pudesse sair de casa e se aventurar, sabendo que, em seu destino, haveria amigas e conhecidas com quem poderia passar uma hora ou mais, tomando café e comendo bolos, ou até um pouco de xerez ou vinho. Clara pensou que adoraria ter um clube de mulheres assim, então outras provavelmente pensavam da mesma forma.

— Quando planeja efetivar essa mudança? É um grande passo — Althea disse.

— Amanhã. Já informei minha criada para começar a arrumar meus baús.

— Informou seu irmão e sua irmã e, antes que nos esqueçamos, sua avó?

— Ainda não.

— Pretende sair escondida à noite e deixar uma carta?

— Claro que não. — Tinha passado por sua mente. — Não vamos sofrer por antecedência, e vamos falar de outras coisas. Descobriu alguma coisa sobre Stratton?

Althea sorriu presunçosa.

— Talvez.

— Vai me contar ou ficar zombando de mim?

— Pensei que um pouco da segunda opção seria justo. São notícias provocativas e, considerando a culpa que senti ao saber delas, preciso fazer você pagar.

— Se são provocativas, sou toda ouvidos.

— Descobri que há um boato bem vago de que o falecido duque não pereceu em um acidente de caça, como achavam. Ao invés disso, mirou a pistola em si mesmo.

Clara encarou Althea.

— Quem lhe contou isso? É uma coisa chocante de se dizer se não for verdade.

— Tirei essa informação da minha tia-avó.

— A tia-avó que precisa de cuidador?

— Disse a mim mesma que não me aproveitei, mas acho que fiz isso, sim. Ela estava visitando meu irmão, e ficamos sozinhas. Eu tinha acabado de perguntar ao meu irmão o que ele sabia sobre Stratton, quando ele foi chamado por sua secretária. Minha tia começou a falar o que ela sabia sobre Stratton, como se eu tivesse lhe feito a pergunta. — Ela mordeu o lábio inferior. — Acho que deveria tê-la impedido.

— Talvez ela o tenha confundido com outra pessoa. Alguém de muitos anos atrás.

— Acho que não, considerando o que ela disse.

Clara se inclinou, para que não perdesse uma palavra.

— Ela disse “Claro, a lealdade dele fora impugnada. O que mais ele poderia fazer?”.

— Não.

Althea assentiu.

— Então, meu irmão retornou, e um olhar desafiador a silenciou.

— Não me lembro de nenhum boato sobre a lealdade dele. Claro que ninguém ousaria compartilhar tal coisa abertamente se não houve nenhuma acusação oficial.

— Ela também poderia estar enganada. Ou, como disse, confundiu-o com outra pessoa.

Não foi a primeira vez que as conversas sobre a família Stratton fizeram Clara se lembrar de coisas, profundidades sobre situações às quais ela nunca deu importância. Agora, enquanto refletia sobre essa revelação, lembrou-se de flashes daquela época. Viu o pai em seu escritório, debruçado sobre o Times em sua mesa, estreitando os olhos para uma notícia com bordas em preto. Ela havia olhado apenas para ver o que o absorvia por causa de sua expressão. Não era de tristeza ou curiosidade. Mas uma armadura havia mascarado sua expressão, o que ela achou estranho, considerando que ele lia a notícia da morte de outro nobre.

— Ela também disse que aconteceu na propriedade da família — Althea revelou. — Falou como se ele tivesse sido grosseiro por se matar assim.

— Que horrível. — Clara sentia empatia pelo duque agora. Foi ruim o suficiente ter passado pela experiência de seu próprio pai morrer. Devia ser muito pior passar por isso sob essas circunstâncias. — Não me admira que ele tenha ido embora da Inglaterra logo depois. O duque atual, quero dizer. Se sua tia acreditava nisso, outros também o faziam, tenho certeza. Os falatórios teriam sido insuportáveis durante tal luto.

— Acho que é provável que ele tenha partido por causa daquele negócio sobre lealdade impugnada, não acha? Esse tipo de coisa mancha o nome da família, às vezes para sempre.

— Mesmo que eles sejam inimigos da minha família, preferiria não acreditar nessa parte. No entanto, pode explicar aqueles duelos na França. Ainda assim, não vamos presumir que sua tia esteja certa até termos informações parecidas de outros.

Althea se levantou e pegou sua prova embalada.

— Devo ir agora se quiser entregar isto para a gráfica esta tarde. Precisamos planejar como vamos distribuir o jornal para as livrarias. Devo escrever para nossas senhoras e marcar uma reunião?

— Se puder. Segunda será uma boa hora. Tenho alguns assuntos de família para tratar antes disso. — Clara levou Althea até a porta. — Quanto ao que me disse hoje, devemos guardar para nós mesmas.

— Não quer mais descobrir tudo e publicar um artigo?

— Se descobrirmos tudo, publicaremos. Até lá, entretanto, isso deve ficar apenas entre nós duas. Não quero prejudicar alguém sem querer ao mexer em histórias antigas.

Althea deu um beijinho em sua bochecha.

— Você tem um bom coração, Clara. Está sendo bem solidária. Talvez essa guerra antiga não tenha mais a importância que teve um dia.

Que coisa tola de se dizer. Claro que tinha. E ela não estava sendo solidária. Estava sendo responsável. Não deixaria os boatos e fofocas mancharem o nome de uma pessoa sem provas. Seu jornal era melhor que isso.

 

Dois dias depois, Adam e Brentworth passaram a tarde treinando boxe. Terminado o treino, tomaram banho e se vestiram.


CONTINUA

Condessa viúva de Marwood conseguia ser uma inimiga formidável quando queria. Sua mera presença desafiava alguém a tratá-la com gentileza para que ela pudesse ter uma desculpa para causar destruição, apenas por diversão.
Adam Penrose, Duque de Stratton, soube imediatamente o que encontraria nela.
Ele tinha sido chamado pelo seu neto, o conde da propriedade rural, que se encontrava ao seu comando. Vamos tentar enterrar o passado, ela havia escrito, e permitir que o que passou fique no passado entre nossas famílias.
Ele fora, curioso para ver como ela esperava conquistar isso, considerando que alguns desses acontecimentos não tinham terminado. Um olhar para ela, e ele sabia que qualquer plano que ela tivesse maquinado não o beneficiaria.
A senhora o deixou esperando por meia hora, antes de aparecer no aposento. Enfim, ela entrou na sala de estar, inclinada para a frente, cabeça erguida, seu peito amplo guiando o caminho, como alguém na proa do navio.
O luto pelo filho, o conde mais velho, a obrigava a usar roupas pretas, mas seu traje em crepe deve ter custado uma fortuna. Cachos grisalhos abundantes decoravam sua cabeça, sugerindo que ela também estava de luto pela moda ultrapassada das perucas. Olhos superficiais, grandes e de um azul pálido examinavam a pessoa que a chamou com um olhar crítico enquanto um sorriso artificial aprofundava as rugas de seu rosto comprido.

 

https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/O_DUQUE_MAIS_PERIGOSO_DE_LONDRES.jpg

 

— Então, o senhor retornou — ela anunciou o óbvio quando eles se sentaram em duas cadeiras robustas, após a reverência curta dele e a reverência ainda mais curta dela.

— Estava na hora.

— Alguém poderia dizer que estava na hora há três anos, ou dois, ou ainda muitos anos antes.

— Alguém poderia, mas eu não.

Ela riu. Seu rosto inteiro franziu, não apenas seus lábios.

— O senhor ficou na França por bastante tempo. Até parece francês agora.

— Pelo menos metade, eu presumo, considerando meu parentesco.

— E como está sua querida mãe?

— Feliz em Paris. Ela fez muitas amigas lá.

As sobrancelhas da viúva se ergueram apenas o suficiente para expressar a diversão irônica.

— Sim, acredito que tenha feito. É um milagre ela não o ter casado com uma amiga dela.

— Acho que uma união britânica me serviria melhor. Não acha?

— De fato. Vai ajudá-lo enormemente.

Ele não queria falar sobre a mãe ou os motivos pelos quais uma união sólida o ajudaria.

— A senhora escreveu sobre o passado. Talvez possa me esclarecer quanto a isso.

Ela abriu as mãos, com a palma para cima, em um gesto de confusão.

— A animosidade entre nossas famílias é tão antiga que as pessoas ficam imaginando por que começou. É tão desnecessária. Muito lamentável. Nós somos vizinhos, afinal de contas. Certamente podemos passar por cima disso, se quisermos.

Incapaz de ficar sentado ouvindo suas referências alegres àquela história, ele se levantou e foi até as janelas altas. Tinham vista para um jardim espetacular e para as colinas além dele, não muito longe. A casa e seu terreno ocupavam um vale baixo.

— Como sugere que façamos isso? — ele fez a pergunta enquanto encurralava a amargura em sua mente.

A viúva sabia muito bem por que a recente animosidade havia começado e provavelmente sabia sobre a história antiga também. No entanto, reconhecer um dos dois tornaria sua oferta de paz peculiar. Nós roubamos sua propriedade, atacamos sua mãe e ajudamos a levar seu pai à morte, mas o senhor deveria passar por cima disso agora.

Ele se virou e a viu observando-o. Ela parecia confusa, como se ele tivesse feito algo inesperado e ela não conseguisse determinar se ele havia chegado a uma solução sem que ela soubesse.

Ele ergueu as sobrancelhas para encorajá-la a falar.

— Proponho que resolvamos isso da forma antiga. Da maneira que dinastias políticas fizeram ao longo do tempo — ela disse. — Acredito que nossas famílias devam se unir por meio do casamento.

Ele mal evitou revelar sua perplexidade. Não esperara isso, de todas as propostas. Ela não sugeriu apenas uma trégua, mas uma aliança unida pelos laços mais fortes. O tipo de aliança que poderia impedir que ele buscasse a verdade sobre o papel daquela família na morte de seu pai, ou que procurasse vingança se descobrisse que suas suspeitas sobre o último conde estavam corretas.

— Já que eu não tenho uma irmã para seu neto, presumo que a senhora tenha me escolhido.

— Meu neto tem uma irmã que vai combinar perfeitamente com o senhor. Emilia é tudo que qualquer homem poderia pedir e será uma perfeita duquesa para o senhor.

— A senhora fala com muita confiança, mas não faz ideia do que este homem pediria.

— Será que não? Como se eu tivesse vivido tanto e não aprendido nada? Bela, graciosa, reservada e elegante. Essas qualidades são prioridade na sua lista, como na de todos os homens.

A tentação em adicionar outras exigências, umas que iriam chocá-la, quase dominou seu autocontrole. Ele só ganhou a batalha porque havia aprendido a nunca informar o inimigo de seus pensamentos.

— Posso encontrar isso em muitas outras jovens. Devemos ser sinceros um com o outro? O que teria de particular nessa união que seria de minha vantagem?

— Pergunta ousada, mas justa. Nós seremos aliados em vez de inimigos. Vai beneficiar o senhor assim como a nós.

— Bom, Condessa, nós dois sabemos que isso não é verdade. Fui convidado para negociar a paz quando meu pai nunca foi, no passado. Seria tolo se não imaginasse por que a senhora pensa que eu concordaria. Considerando os boatos em relação às minhas atividades na França, suponho como a senhora pode achar que isso protegerá seu neto, mas não como me ajudará.

Seus olhos se estreitaram. As rugas de sua pele congelaram como esculturas de pedra. Ela não demonstrou medo. Adam admirava sua postura forte, mas, na verdade, ela não achava que estava em perigo.

Ela se levantou.

— Vamos até o terraço. Vou lhe mostrar minha neta. Assim que a vir, vai entender como será beneficiado.

Ele a seguiu para o ar fresco de abril. O jardim se espalhava abaixo deles como uma tapeçaria marrom e vermelha, decorada por novas folhinhas e flores amarelas, rosadas e roxas. Bulbos, ele pensou. Elas ainda não haviam começado a florescer quando ele foi embora de Paris.

Uma garota estava sentada no meio da plantação revivendo, em um banco de pedra a nove metros. Ela tinha um livro aberto, segurado para cima a fim de não precisar olhar para baixo. A viúva devia ter lhe concedido uma pausa do luto porque a garota usava um vestido azul-claro. Ela era bonita e talvez tivesse dezesseis anos de idade. Seu cabelo loiro brilhava no sol, e sua pele clara e seu rosto adorável atrairiam qualquer homem. Adicione uma elegância e ela serviria muito bem.

A viúva estava ao lado dele, e sua expressão era de extrema confiança. Ele não confiava nela, mas admirava sua habilidade naquele jogo. Ele admitia para si mesmo que sua oferta realmente tinha suas vantagens, e não porque a garota era linda. O nome de seu pai e a honra de sua família haviam sido manchados nos melhores círculos e, se ele quisesse alterar esse cenário, aquele casamento definitivamente ajudaria. Significaria esquecer os motivos pelos quais ele dera as costas à Inglaterra assim como seu único bom motivo para finalmente retornar. Era por isso, ele presumia, que a viúva o tinha convidado.

— Emilia é a menina mais doce que já conheci. Tem bom humor também e uma boa inteligência, não precisa se preocupar de ela ser lenta — a condessa disse.

A doce Emilia fingia não vê-los, assim como fingia ler, em uma posição na qual ele conseguia ver seu rosto e seu corpo.

Não havia nada a esquentando, e nenhum chapéu protegia aquela pele clara. Ele imaginou por quanto tempo ela estaria sentada ali, esperando seu futuro pretendido inspecioná-la.

Ele não sabia por que ela não era sedutora. Talvez porque, apesar de ser adorável e graciosa, fosse jovem demais e, como parecia ser submissa às instruções da avó, provavelmente faltava clima.

As portas se abriram e o conde saiu apressado. Alto e loiro, ele ainda não tinha passado da fase magra desengonçada da adolescência. Olhou de forma zangada sua avó ao passar por ela. Ela enrugou o rosto em resposta. A chegada dele aparentemente não fazia parte dos planos da viúva.

Ele avançou em Adam como um homem que cumprimentava um amigo, mas sua recepção apressada e calorosa e o brilho de suor na testa diziam outra coisa. Theobald, Conde de Marwood, estava com medo de seu convidado. Muitos homens mostraram a mesma reação desde que Adam voltou à Inglaterra há duas semanas. Ele tinha uma reputação e, aparentemente, a sociedade esperava que ele desafiasse todos que pensassem em provocá-lo.

Adam não havia feito nada para corrigir essas suposições. Primeiro, talvez ele desafiasse muito bem um ou dois, dependendo do que descobrisse sobre os eventos de cinco anos atrás. Segundo, havia homens, como o próprio Marwood, que ficavam mais flexíveis quando motivados pelo medo.

— Vejo que Vovó já abordou a ideia dessa união — Marwood disse cordialmente. Ele olhou para sua irmã Emilia, ainda parada no jardim. Eles eram muito parecidos: pálidos, claros, bonitos e jovens.

O conde não poderia ter mais do que vinte e um anos. Adam pensou se Marwood sabia sobre o boato que havia assombrado o pai de Adam até seu túmulo. O medo de Marwood sugeria que talvez soubesse, e que as suspeitas antigas sobre esses velhos inimigos pudessem ser verdade.

— O senhor concorda com a ideia? — Marwood perguntou.

A avó dele chegou mais perto.

— Perdoe meu neto. Ele ainda é muito jovem para não ponderar que a impaciência impetuosa é uma virtude forte.

Marwood olhou para o céu como se rezasse e pedisse por essa paciência.

— Ele já sabe se a ideia é atraente ou não.

— A ideia é atraente, de uma forma geral — Adam disse. Ele não mentiu. Ainda pesava as implicações do plano da viúva. Essa oferta de simplesmente virar a página do passado o tentava mais do que esperava.

O jovem conde lançou um olhar cheio de otimismo para a avó. A viúva demonstrou mais circunspecção. Adam concentrou seu olhar na garota. A viúva recuou. O conde se aproximou andando de lado. Ansioso para finalizar as negociações, o conde exaltou os atrativos da irmã, de homem para homem. Do canto de olho, Adam viu a viúva balançar a cabeça para a falta de finesse do neto.

Uma movimentação na colina além do jardim chamou a atenção de Adam. Uma faixa preta riscou o cume, voou por cima de uma árvore grande caída, depois parou de repente. Uma mulher inteira de preto, em um cavalo preto, olhava para baixo para a casa.

— Quem é aquela? — ele perguntou.

Marwood semicerrou os olhos e fingiu não reconhecer. Olhou de canto de olho para Adam e pensou melhor.

— Aquela é minha meia-irmã, Clara. Filha da primeira esposa de meu pai.

O ponto preto chamado Clara conseguia demonstrar uma boa dose de arrogância mesmo ao longe. Ela andava com seu cavalo para a frente e para trás no pico da colina, observando o quadro abaixo como se o resto deles estivesse em um espetáculo para sua diversão.

Ele se lembrou de Lady Clara Cheswick, embora nunca tivessem sido apresentados. Mas ela apareceu na sociedade antes de ele deixar a Inglaterra. Com olhos brilhantes e cheios de vida. Essas eram suas impressões absortas no momento.

— Ela não permite que o luto interfira em seu prazer de andar a cavalo — Adam disse.

— Provavelmente diria que honra nosso pai assim. Eles gostavam de andar a cavalo juntos.

— Como ela é mais velha, por que não estão me oferecendo sua mão?

Marwood olhou desconfiado para a viúva, depois deu um sorrisinho.

— Porque o objetivo é impedir que o senhor me mate, não é? — ele falou em voz baixa com uma franqueza inesperada. — Não quero lhe dar outro motivo.

Adam escolheu não tranquilizar Marwood sobre a parte de matá-lo. Deixou aquele projeto de conde se preocupando.

— Agora está me intrigando, não me desencorajando.

Marwood inclinou a cabeça para mais perto e falou em confidência.

— Estou lhe fazendo um grande favor agora, falando sinceramente. Meu pai a mimava, satisfazia todos os seus desejos e lhe permitiu criar ideias descabidas para mulheres. Ele nunca exigiu que se casasse, e agora ela pensa que isso está abaixo dela. Ele deixou uma boa parte da propriedade em seu nome, um bonito trato com ricos fazendeiros. — Sua voz ficou um pouco amarga na última frase. — Ela é minha irmã, mas eu não seria seu amigo se a elogiasse quando, na realidade, é uma boa de uma megera.

Clara era a filha preferida do velho conde, aparentemente. Adam pensou se o pai recém-falecido tinha a habilidade de se virar em sua cova. Com uma ou duas cutucadas, talvez.

— Quantos anos ela tem?

— Passou muito da idade de se casar. Vinte e quatro.

Idade suficiente para se lembrar. Ela talvez soubesse uma boa parte, se seu pai a mantivesse perto.

— Chame-a aqui. Gostaria de conhecê-la.

— Sinceramente, o senhor não quer...

— Chame-a. E diga à sua outra irmã para baixar o livro. Os braços devem estar parecendo chumbo agora.

Marwood apressou-se até a avó a fim de compartilhar o pedido. A viúva foi correndo até Adam enquanto tentava parecer calma.

— Temo que tenha entendido errado. Para essa união ter uma conclusão satisfatória, a noiva deve ser Emilia. O caráter de Clara é além do alcance, mas ela não é apropriada para nenhum homem que deseje harmonia doméstica.

— Só pedi para conhecer Lady Clara. E ainda não concordei com nenhum casamento.

— Antes de morrer, meu filho conversou especificamente comigo sobre essa união. Estou apenas executando suas intenções. Ele disse que deveria ser Emilia...

— Ele quer conhecê-la, Vovó. — Desesperado, Marwood ergueu o braço e acenou para sua irmã Clara se aproximar.

O cavalo parou de andar. A mulher tinha visto e entendido a instrução. Estava naquela colina, seu cavalo de perfil, a cabeça dela virada para eles, olhando para baixo. Então puxou forte as rédeas. Seu cavalo empinou tão alto que Adam temeu que ela escorregasse da sela. Em vez disso, ela se segurou perfeitamente enquanto girava seu cavalo. Virou-se de costas para eles e galopou para o lado contrário. A moça acabara de lhe dar um tapa na cara a quinhentos metros.

A expressão da viúva mostrava um triunfo presunçoso debaixo da camada de desânimo.

— Que pena ela não ter visto o sinal do meu neto.

— Ela viu muito bem.

— É um pouco teimosa, vou admitir. Avisei ao senhor — Marwood disse.

— Não mencionou que ela é grosseira, desobediente e rapidamente insulta outros quando quer.

— Tenho certeza de que ela não quis insultá-lo. — Ele lançou um olhar desesperado para a avó.

— Tem certeza? Então, por favor, peça aos criados para trazerem meu cavalo ao portal do jardim imediatamente. Vou lá e me apresento para Lady Clara, assim não fico com rancor de sua grosseria não intencional e não permito que isso interfira na nova amizade de nossas famílias. — Adam fez uma reverência para a viúva. — Por favor, dê minhas lembranças para Lady Emilia. Estou certo de que ela e eu nos conheceremos logo.


lara galopou até uns bons três quilômetros da casa. O que Theo estava pensando, chamando-a e acenando para ela ir até lá? Ela nem estava vestida para receber o convidado dele. Pela postura rígida de Vovó, suspeitava que apenas Theo pensara ser uma boa ideia.

Incentivou seu cavalo e o levou a um bosque. Tirando Theo de sua mente, desmontou de sua sela em um toco de árvore, desceu e pegou uma folha de papel da bolsa. Encontrou um bom lugar debaixo de uma árvore, sentou-se e voltou sua atenção às páginas. Sua amiga Althea havia enviado no dia anterior, e ela precisava ler e enviar de volta com seus pensamentos incluídos.

Fez uma imersão no texto, fazendo alguns comentários com um lápis que guardara em seu corpete. Absorta pela leitura, não olhou para cima por, no mínimo, meia hora. Quando o fez, viu que não estava mais sozinha. Um homem a observava a uns trinta metros. Seu cavalo branco contrastava com sua capa preta e o cabelo escuro. Esse último chegava à sua gola e não demonstrava nenhum sinal de ter sido cortado por um cabeleireiro consciente da moda atual de Londres.

Ela o reconheceu do terraço. Um pensamento a incomodou de que talvez já o tivesse visto. O visitante de Theo a seguira. Ela pensou que isso era muito ousado. A forma como ele estava ali sentado e observando-a apenas confirmava que ele não tinha boas maneiras.

Pensou em voltar a ler, depois decidiu que poderia não ser sábio. Uma coisa era fingir que não tinha visto o aceno de seu irmão para se aproximar, e outra era fingir que não via um homem bem à sua frente.

Ele levou seu cavalo para mais perto. Ela conseguia vê-lo melhor agora. A desaprovação endurecia a boca dele, o que enfatizava seus lábios carnudos sensuais. Olhos escuros a mediam quase que por completo. Sua capa preta não estava na moda para Londres, mas ela conhecia muito bem a moda francesa para reconhecê-la como mais apropriada para Paris. Ele usava uma gravata escura amarrada casualmente.

Achou-o muito bonito de forma chocante e poética. Por ter conhecido alguns homens com humor negro no passado, ela não tinha nenhum interesse em conhecer outro, independente do quanto ele fosse bonito.

Ele parou seu cavalo a três metros. Não desmontou, mas ficou acima dela. Ela pensou em se levantar, a fim de encurtar a distância, mas decidiu não o fazer. Se ele queria assustá-la, teria que fazer melhor que isso.

— Bom dia, senhor. — Ela permitiu que sua voz transmitisse o quanto achava inapropriada sua intrusão.

Ele desceu do cavalo.

— Por favor, perdoe-me a falta de apresentação formal, mas duvido que irá se importar, já que é uma mulher que não se incomoda muito com tais coisas.

— Tenho certeza de que não entendo o que quer dizer.

Os cantos daquela boca se ergueram o suficiente para indicar que ele sabia que ela estava mentindo. De fato, aquele meio sorriso implicava que ele sabia tudo sobre ela.

— A senhorita me ignorou lá, Lady Clara. É isso que quero dizer.

— É impossível ignorar alguém que não conhece.

— Parece que a senhorita pensa que é a mesma coisa.

Arrogante seria muito gentil para descrevê-lo.

— O senhor mencionou uma apresentação — ela disse através de um sorriso rígido.

Ele fez uma curta reverência.

— Sou Stratton.

Stratton? O Duque de Stratton? Aqui? Será que Theo havia enlouquecido?

Por isso ele era vagamente familiar. Ela o tinha visto há anos, em bailes, antes do pai dele morrer e ele ir embora da Inglaterra. A última vez que foi a Londres, dez dias antes, ela tinha ouvido um ou outro falar que ele havia retornado, mas ia além da sua compreensão o fato de Theo tê-lo permitido entrar na propriedade.

Ele andou de lado e adotou uma postura casual bem ao lado dela, com um de seus ombros apoiados no tronco da árvore. Ele cruzou os braços como um homem que esperava uma conversa longa.

Ela se levantou, juntando os papéis perto de seu peito para que não voassem pela colina.

— Eu não sabia quem o senhor era. Mesmo que eu tivesse que adivinhar a identidade do homem com meu irmão, seu nome nunca teria passado por minha cabeça.

— Com certeza, não. Nossas famílias são inimigas há décadas.

— Theo está deixando o título subir à cabeça dele se o recebeu. Minha avó deve estar apoplética.

— Foi sua avó que me convidou para vir aqui.

— Não é possível.

— A carta era dela, escrita à mão. Foi bem inesperado — ele disse em um tom sarcástico.

Ela estreitou os olhos para ele.

— E mesmo assim aceitou o convite.

— Sua avó é um dos baluartes da sociedade há mais tempo do que estou vivo. As padroeiras do Almack tremem na presença dela. Eu nunca insultaria alguém com tal influência.

Agora ele zombava dela. Ela duvidava que ele se importasse o mínimo com a influência social de sua avó. Não parecia ser um homem que deixaria de lado o orgulho de sua família e obedeceria a sua avó. Ela deveria organizar o artigo de Althea e sair dali. Mas a curiosidade foi maior.

— Por que ela o convidou?

— Ela propôs um casamento dinástico com sua irmã a fim de acabar com a animosidade. A fim de enterrar o passado. — Aquele meio sorriso de novo. — Pode imaginar meu espanto. Foi bem parecido com o seu agora.

Espanto mal fazia jus à sua reação. Isso ficava cada vez mais esquisito. Também mais irritante. Ela se sentia duplamente traída. Primeiro, no lugar de seu pai, que nunca teria aprovado essa ideia. E, segundo, por si mesma, porque não contaram para ela nem a consultaram. Vovó deve ter usado toda a sua força de vontade para manter isso um segredo, se até Emilia não confessou isso a ela.

— Então, quando o noivado será anunciado? — Ela deixou seu máximo ceticismo se expressar em seu tom sarcástico.

— Ainda não concordei com a união.

— Minha irmã é adorável e brilhante. Daria uma esplêndida duquesa, claro, só que não para o senhor. Estou aliviada por ainda não ter decidido.

— Não culpe a mim pelo atraso, sabendo o que penso sobre o assunto. Lá estava eu, tomando uma decisão sobre uma pomba branca adorável, quando um corvo preto voou e me distraiu.

Corvo? Por que o...

— Então o corvo bateu as asas na minha cara e virou o rabo para voar para longe. — Ele se aproximou até estar acima dela. — Nunca fujo de um desafio, Lady Clara.

Se ele pensava que ela iria tremer e ruborizar, estava enganado. Só que ela tremeu, sim, um pouco, enquanto reparava que o comportamento dele exalava uma boa quantia de mistério e empolgação e que seus olhos escuros e suas profundezas tinham camadas que a atraíam, chegando ao ponto de quase se afogar. A proximidade dele e seu olhar a deixaram incapaz de falar algo por um instante constrangedor. Talvez tivesse ruborizado um pouco também.

— Teria sido melhor agarrar o pombo branco enquanto podia — ela disse. — Agora tenho tempo para lembrar à minha avó que o senhor nunca o fará.

— Cumprirei muito bem aos propósitos dela.

— E quais são?

— A senhorita não sabe? — Ele inclinou a cabeça de lado. — Talvez não saiba.

Ficou ainda mais bizarro estar tão perto dele. Ela sentia uma mistura de alarme e... exultação. Deu um passo para trás e se atrapalhou com a pilha de folhas nos braços.

— Com licença.

Ela foi até seu cavalo. Sua estrutura alta e esguia logo aqueceu a lateral dela e os passos dele acompanharam os dela.

— Está indo embora sem nem desejar um bom dia? Penso que está determinada a me insultar.

— Estaria em meu direito atirar no senhor; insultá-lo é pouco. O senhor está invadindo esta propriedade, não importa o que minha avó aflita pelo luto tenha lhe dito. Ultrapassou o limite entre a terra de meu irmão e a minha há quatrocentos metros.

— E eu estaria no direito de segui-la em resposta ao seu comportamento.

Ela parou de andar e olhou desafiadoramente para ele.

— Tal ameaça é inaceitável. Tente fazer isso e, certamente, vou atirar no senhor. Não duvide disso. Não sou uma mulher que treme quando encontra a estupidez masculina. E cavalheiros com educação adequada teriam permitido passar o mal-entendido em relação às instruções de meu irmão. É ultrajante que o senhor se sinta no direito de me seguir e, depois, me censurar. Agora, seguirei meu caminho, e o senhor pode seguir o seu.

Ela acelerou o passo até o cavalo. Ele andou ao seu lado de novo. Ela queria bater nele com o manuscrito de Althea, estava irritando-a muito.

— A senhorita é escritora? — Ele esticou o braço e tocou no canto das folhas. Isso fez o braço dele se aproximar do corpo dela. Um sobressalto interno quase a fez pular para longe.

— Uma amiga escreveu isso. É um texto sobre... — Parou de falar. — Tenho certeza de que não lhe interessaria.

— Talvez interesse.

— Então tenho certeza de que não é da sua conta.

— Não é uma escritora, mas uma sabichona.

— Oh, detesto essa palavra. — Ela enfiou as páginas em sua bolsa. — O senhor acabou de passar anos na França. Eles são famosos por louvar mulheres cultas. Se me dá esse apelido simplesmente porque me viu lendo, aparentemente, não aprendeu muito enquanto esteve lá, exceto como ser irritante.

Ela pegou as rédeas e posicionou o cavalo.

— Permita-me ajudá-la. — Ele se aproximou.

— Por favor, só vá embora. — Rapidamente, ela pisou no toco de árvore. Com um pulo e uma puxada, montou de novo na sela.

— Admirável, Lady Clara. Vejo que é independente em todas as coisas.

Ela engoliu um gemido com o comentário dele.

— Acha que sou tola por descer de um cavalo se não houvesse como subir de volta?

Quando ela se virou para cavalgar, viu a expressão do duque. O humor suavizava aquele rosto de alguma forma, mas, dentro da mente atrás daqueles olhos escuros, os planos se formavam.

Adam observou Lady Clara cavalgar para longe.

Que mulher provocadora. De olhos brilhantes e muito vivos, mas também mais adoráveis, com uma pele cremosa e mechas claras no meio de seu cabelo castanho.

Espirituosa. Espirituosa demais, a maioria dos homens diria. Ele não era um deles. Gostava de mulheres altamente espirituosas e senhoras de si. Claro que preferia que elas não o tratassem com desdém. Ele a desculparia. Dessa vez. Os planos da viúva tinham pego Lady Clara desprevenida ? assim como a ele ? e a inimizade entre suas famílias tornava a grosseria dela compreensível.

Também a desculparia porque a quis imediatamente ao vê-la debaixo daquela árvore, e a quis mais no momento em que se separaram. O desejo sempre encorajou a generosidade.

Ele montou, mas cavalgou para leste, não de volta à casa de Marwood, a oeste. Não havia necessidade de retornar para lá, depois para a estrada. Se continuasse nesse caminho por muitos quilômetros, logo chegaria em sua própria terra.

Passou por fazendas bem cuidadas e por um vilarejo. Será que ainda era propriedade de Lady Clara? Se era, o legado de seu pai tinha sido significativo. Por isso Marwood falou disso com ressentimento.

Só quando ele alcançou o pico baixo da propriedade, percebeu exatamente onde estava. Reconheceu a cidade da qual se aproximava por seu moinho. Mal conseguia estabelecer o riacho que serpenteava de norte a sul. A propriedade de Marwood encontrava a dele em lugares ao longo do rio.

Ele avançou trotando com seu cavalo, pensando sobre a oferta da viúva, como ditado pelo último conde. O conde tinha motivos para buscar um tratado de paz. Adam pensou que sabia quais eram. Mas parecia que, até perto da morte, o caráter de um homem não mudava.

O último conde havia esquematizado para garantir que ganhasse uma velha batalha, até quando pediu à sua mãe para oferecer um ramo de oliveira na esperança de proteger o filho.

 

Clara amarrou uma fita no manuscrito de Althea e colocou sua folha de anotações em cima. Althea era uma boa escritora. No entanto, quando se importava profundamente com uma causa ou evento, ela desviava de sua opinião e entrava em polêmicas. Não precisaria de muito para mudar isso, então não demonstrou aquele defeito.

Ela o guardou em uma gaveta debaixo da escrivaninha que usava na biblioteca. Enquanto o fazia, seu irmão Theo entrou no aposento e a olhou com desconfiança. Então foi até o decanter e se serviu de um pouco de conhaque.

— Você arruinou tudo — ele disse entre dentes cerrados. — Tudo estava sob controle, e precisava insultá-lo ao ponto de ele esquecer todo o resto.

Ela nem tinha visto Theo ou sua avó ao retornar, então essa era a primeira vez que seu irmão tinha chance de repreendê-la. Não que ela fosse permitir.

— Se tivesse me contado que receberia Stratton, eu teria permanecido longe, asseguro a você.

— Foi ideia de Vovó, mas parece estar seguindo o próprio caminho.

— Papai nunca teria aprovado. Se é para haver uma reaproximação entre nossas famílias, deixe-os dar o primeiro passo.

Ele deu um sorrisinho para seu conhaque, depois para ela.

— Você não esteve muito em Londres esse último semestre. Não esteve participando nem um pouco da sociedade enquanto está de luto. Então não soube dele, não é?

— Não teria prestado atenção, de qualquer maneira, porque ele não tem nada a ver comigo. Com nenhum de nós. É assim que acontece desde, pelo menos, a época de nosso avô. — Ela crescera com essa lição. Seu pai, o papai querido, não precisara falar muito disso para passar a tradição da amargura da família.

— Infelizmente, ele não é como o pai dele. Ou nenhum dos outros. Ele é... perigoso.

Ela deu risada.

— Não pareceu perigoso para mim.

Só que parecera, sim. Todo aquele mistério tinha muito a ver com isso. Se ela um dia o visse de novo, ficaria tentada a fazer cócegas nele até ele rir como um tolo, apenas para derrotar aquela força do humor negro que carregava.

— Ele não é perigoso para mulheres. — A voz de Theo se aprofundou com sarcasmo.

Bom, agora ela não tinha certeza se concordava com isso também.

— Ele duela, Clara. Matou dois homens, e quase um terceiro. Na França. A menor provocação e ele desafia os homens. Ele não vai ceder. Estão dizendo que voltara à Inglaterra porque as autoridades francesas disseram para ele deixar o país. — Theo engoliu o resto do conhaque. — É um assassino.

A postura de Theo encolheu enquanto ele falava. Sua testa franziu. Seus olhos azuis olharam para longe em direção ao nada. Clara era três anos mais velha do que Theo e o observara crescer. Sabia que seu irmão estava com medo.

Ela se levantou e foi até ele.

— Ele não vai matar você, Theo. Não por causa de uma briga de família que começou antes de você nascer.

— Que melhor forma para ganhar essa batalha? Uma palavra errada, um olhar ruim, e ele terá sua desculpa.

— Está sendo muito dramático.

— Vovó concorda. Zombe de meu julgamento, se quiser, mas vai zombar tão rápido do dela?

A explicação de Stratton quanto à sua visita fazia sentido agora, mas da maneira mais ridícula. O luto de Vovó havia tomado um rumo infeliz se ela viu tal ameaça no duque. Quanto a Theo... Ele era corajoso quando havia um pouco de perigo, mas menos quando era seguido de ameaça.

— Presumo que a estratégia foi que, se fosse o cunhado dele, ele nunca iria querer duelar com você — ela disse. — É um preço alto a pagar pela paz, irmão. E quanto a Emilia? Se ele tem esse comportamento, é justo uni-la a ele?

— Eu disse que ele não é perigoso para mulheres, não disse?

— Você não tem certeza. Se nem nos sentamos à mesa com aquela família, não deveríamos planejar uniões com eles.

— Vovó...

— Você é o conde agora. Precisa pensar por si mesmo.

— Que conselho ridículo, Clara. Ele mal saiu da escola — Vovó entrou na biblioteca falando. — Não quero que complique ainda mais o assunto ao incentivar Theo a uma independência imprópria de meu conselho.

— Tenho vinte e um anos — Theo murmurou, ruborizando.

— Tem? Bom, um ano a mais ou a menos não significa nada.

— Não estou complicando nada — Clara disse.

Sua avó se sentou. Costas eretas e cabeça angulada exatamente para assumir a postura de rainha de tudo que supervisionava. No momento, isso incluía Clara.

— Seu comportamento hoje fez o duque partir antes de eu... nós podermos combinar as coisas. Se isso não é complicação, o que é?

— Uma prorrogação. Para Emilia. Para todos nós, enquanto a senhora reconsidera essa ideia extraordinária de casá-la com aquele homem.

— Ele pareceu bem adequado para mim. Francês demais, mas é o que se pode esperar com aquela mãe dele, e a forma como ele morou fora todo esse tempo. Mesmo assim, algumas semanas e ele vai assumir seu papel correto na vida e fazer o que precisa para reivindicar seu lugar entre nós. Ele sabe que precisa se casar com uma garota com a educação impecável como a de sua irmã, e nós vamos nos beneficiar ao tê-lo por perto, onde podemos ficar de olho nele para que o passado não consiga prejudicar Theo.

— A senhora não pode também pensar que ele é perigoso para meu irmão. Será que todo mundo perdeu o senso por aqui?

— Como sempre, você presume saber de tudo por causa de como meu filho a favorecia. Entretanto, há muito que não entende. Não estou brincando. Não vou deixar nada acontecer a Theo, principalmente com seu herdeiro presumível sendo aquele primo insuportável. Deixe comigo, Clara. Emilia vai se casar com Stratton, e tudo ficará bem.

Para que Clara não discutisse sobre a última palavra, sua avó ergueu um livro, abriu-o, colocou os óculos no nariz e começou a ler.

Clara olhou para Theo, esperando encontrar um aliado para suas objeções.

Ele se virou e se serviu de mais conhaque.


dam entregou seu chapéu e seu chicote ao criado na porta do White’s, e caminhou pelo salão do clube. Olhares voaram em sua direção. Cabeças se curvaram. Houve tanto silêncio que ele escutou o burburinho baixo de sussurros.

Ele continuou, assentindo e cumprimentando homens que não conseguiam resistir a olhar mais diretamente. Alguns reagiam com sorrisos simpáticos demais para apenas conhecidos.

Saiu do salão por uma porta no fundo e subiu as escadas para o piso superior.

— Sir, temo que todos os cômodos estejam ocupados. — A reprimenda gentil do funcionário o alcançou no meio das escadas.

Ele se virou. O funcionário viu seu rosto e ficou vermelho.

— Peço desculpas, Sua Graça. Não percebi que era o senhor. Bem-vindo de volta, sir.

— Presumo que eles estejam lá em cima.

O funcionário assentiu. Adam subiu. Sons saíam de trás de uma das portas. Vozes masculinas e risada. Ele abriu o ferrolho e entrou.

Dois homens o encararam, mudos pela surpresa.

— Caramba — um deles finalmente murmurou. — Brentworth aqui especulou que você pudesse aparecer hoje, mas eu disse que você nunca viria.

— Então ele estava certo, Langford, e você, errado.

Adam se jogou em uma cadeira e olhou em volta.

— Parece que nada mudou muito.

— Muito pouco. — Gabriel St. James, Duque de Langford, jogou-lhe um charuto. Ele sorriu com prazer e seus olhos azuis brilharam. — Droga, mas é bom vê-lo. Disseram que voltou há um mês. Por onde esteve?

— Colocando meus negócios em ordem. Analisando os registros da propriedade. — Ele pegou uma vela e a segurou em seu charuto. — Demitindo o administrador que estava me roubando. Esse tipo de coisa.

Ele também tinha feito outras coisas. Uma foi investigar uma mulher chamada Clara Cheswick. Descobrira algumas coisas sobre ela que eram apenas de seu interesse.

— Na fazenda, então. Por isso que a única indicação de seu retorno eram as fofocas e os boatos. — Eric Marshall, Duque de Brentworth, levantou-se para pegar o decanter de uísque. Aproximou-se com um copo, serviu Adam, depois encheu o próprio e o de Langford. Nenhum sorriso dele, apenas um sorriso deprimido em seu rosto severamente esculpido. Sem brilho em seus olhos escuros, mas escrutínio bem profundo.

Ambos eram a epítome da moda, mas em maneiras diferentes como seus comportamentos. Os cachos cortados do agradável Langford sempre pareciam que ele havia acabado de ficar ao vento, enquanto as ondas mais sérias de Brentworth nunca ousavam tal exuberância. Langford usava uma gravata casual escura naquela noite, enquanto o lenço de linho branco de Brentworth parecia ter sido engomado por seu criado cinco minutos antes.

Não que Brentworth não fosse espirituoso ou fosse escravo de convenções comparado a Langford, mas ele valorizava a discrição e não desprezava seus desejos ou pensamentos. Não se podia dizer o mesmo de Langford.

Adam gostou de como seus dois amigos interpretavam velhos rituais e o receberam com tranquilidade. Não ignorou o fato de que a cadeira em que se sentava ? sua cadeira de sempre ? não havia sido usada por nenhum deles, apesar da sua proximidade ao fogo reconfortante. Bebeu um pouco de uísque, soprou o charuto e permitiu que a nostalgia e a familiaridade o inundassem. Voltara à Inglaterra há mais de um mês, mas, naquele momento, finalmente sentia que tinha voltado para casa.

— Que tipo de fofocas e boatos? — ele perguntou, deixando o último comentário penetrar sua paz.

Seus amigos trocaram olhares misteriosos.

— Enquanto você esteve fora, sua reputação chegou à Inglaterra, mesmo que você não tenha voltado — Brentworth disse.

— Está falando dos duelos.

— Um é compreensível para qualquer cavalheiro. Dois podem ser desculpados. Três, no entanto... — Langford explicou.

— Nenhum homem no salão lá embaixo teria permitido qualquer daqueles insultos à família passar sem um desafio. Fiz o que qualquer um faria.

— Claro, claro — Langford acalmou. — A pergunta, porém, é se voltou para fazer isso aqui também. Há alguns camaradas que estão se lembrando de cada pequena desavença que podem ter tido com você, e qualquer crítica sussurrada à sua família ou a você. Tenho certeza de que, em algumas semanas, assim que voltar à sociedade e propagar seu charme, isso tudo será esquecido.

— Talvez seja melhor se não for.

Isso surpreendeu Langford.

— Não pode querer ser visto como perigoso. Sinceramente, ninguém vai ameaçá-lo.

— Se ser visto como perigoso impedir homens estúpidos de dizer coisas estúpidas que me obriguem a desafiar em nome da honra, então deixe-os pensar que sou perigoso. — Ele colocou o copo na mesa como uma forma de finalizar aquela linha de pensamento. — Estou feliz por ter encontrado vocês dois aqui.

— Onde mais estaríamos na primeira quinta à noite do mês? — Brentworth disse. — Continuamos como sempre foi. Você pode ter nos abandonado, mas nós ainda somos a Sociedade dos Duques Decadentes.

Adam sorriu. Eles três frequentavam a escola quando se deram esse nome. Todos herdeiros de ducados, haviam formado uma conexão imediatamente. A escola os separou, e os outros garotos também. Eles aprenderam rápido que a única pessoa que trataria um duque normalmente era outro duque. Portanto, uma amizade rápida e duradoura foi formada.

Aquele cômodo, e as reuniões mensais, começou assim que todos deixaram a universidade e foram para a cidade aproveitar seus privilégios. Por um bom tempo, a Sociedade dos Duques Decadentes fora mais do que um título inteligente que seguia os garotos de escola. Muitas vezes, encontravam-se ali, mas logo saíam para explorar quão decadentes conseguiam ser.

Langford havia encontrado seu segundo dom naquelas perversões. Um estilo de vida. Famílias decentes o recebiam agora apenas porque ele era um duque, embora seu charme considerável pudesse ter lhe dado algumas aprovações de qualquer forma. Brentworth, por outro lado, superara tais excessos primeiro, pelo menos em relação ao comportamento que outros pudessem ver ou relatar. Era mais um exemplo de como ele administrava tudo sem esforço para a ideia pública de duque, em aparência e comportamento. Superior, arrogante e confiante em seus privilégios, ele estava acima do mundo em estatura e indiferença. Adam não se importava com o quão duque seu amigo havia se tornado. Conhecia Brentworth muito bem para compreender como ele era realmente diferente de sua pessoa pública.

— Então, por que voltou? — Brentworth perguntou. — Depois de tantos anos, achei que nunca mais voltaria.

— Gostaria de dizer que simplesmente resolvi que era hora, mas não foi tão simples. O governo francês também decidiu que era hora. Foram feitas reclamações e, como resultado, o rei decidiu que era hora. Recebi uma intimação para comparecer.

Langford deu risada.

— Que antiquado. Quase charmoso.

— Já que estava na mão do rei, e as coisas estavam começando a esquentar na França... bem, cá estou.

— Já cumpriu sua parte com ele? — Langford quis saber.

— Assim que cheguei. Bebemos bastante vinho juntos. Ele perguntou sobre as mulheres de Paris. Posso ter exagerado um pouco, e o encontro foi amigável e cheio de conversa.

— Então sua metade inglesa respondeu ao comando de seu rei inglês — Brentworth disse. — Se não foi por isso... foi tempo suficiente?

— Sim. — E foi. A fúria que o levou embora tinha finalmente acabado há um ano, substituída por pensamentos mais deliberados, e responsabilidade de suas obrigações.

Havia deveres que não poderiam ser conduzidos eternamente de longe da França. Um em particular.

— É bom que finalmente veio à cidade — Langford falou. — Vamos pedir para fazer novos casacos para você amanhã. Uma visita ao barbeiro também pode ser organizada. Não pode andar por aí parecendo um desses franceses que seduzem viúvas para seu arrependimento eterno.

— Algumas não me deram tanto arrependimento, como me lembro. — Adam olhou para sua sobrecasaca. Cortada ao estilo francês, um pouco mais comprida e justa do que a moda inglesa, provavelmente o fazia parecer estrangeiro.

— Vamos nos embebedar, e você pode me contar sobre elas e me deixar com inveja — Langford disse.

— A menos que algo tenha mudado, há pouco que possa contar a vocês sobre viúvas.

— Então, quais são seus planos? — Brentworth perguntou.

— Espero que sejam bem parecidos com os de vocês agora. Cuidar da minha propriedade. Votar no Parlamento. Como disse, o tipo de coisa comum.

— Isso é tudo? — Brentworth questionou. — Você vai embora da Inglaterra e fica fora por quase cinco anos, e com seu retorno tudo que quer é ser um cavalheiro que vem à cidade para as votações?

— Pretendo encontrar uma esposa rica e sensual também. Chegou a hora de me casar.

— Fale por si mesmo — Langford rebateu.

— Ignore-o — Brentworth disse. — Há duas mamães que estão de olho em Langford, e ele está correndo dos lugares para se esconder. Infelizmente, é duvidoso que ambas as garotas sejam sensuais o bastante, ou tenho certeza de que ele iria entregar uma para você de bom grado.

— Se há duas, deveria enviar uma na sua direção — Adam respondeu.

Estranhamente, mães quase nunca miravam em Brentworth. Diziam que ele aterrorizava tanto as ingênuas que suas mães olhavam para outro lado.

— Quanto à parte sensual, já descobriu, Langford?

Langford deu risada.

— Talvez na França todo tipo de exploração seja feita quando o assunto é mulher, mas não se esqueça de que, aqui na Inglaterra, nós só esperamos o melhor e nunca conseguimos nada.

Por ser metade francês, Adam achava bizarra e curiosa a sensualidade sufocada que havia atormentado os ingleses nessas últimas décadas. Era como se todas as mães e avós tivessem se reunido no começo da guerra e decidido que, a fim de rejeitar todas as coisas francesas, suas filhas não deveriam se divertir tanto quanto elas se divertiram na juventude.

Uma rigidez pairou sobre o cômodo. Ele olhou para cima e viu Brentworth observando-o, e de uma forma não gentil.

— Fale — Adam exigiu.

— Inferno, isso, vou dizer que...

— Deixe quieto, Brentworth — Langford sugeriu.

— Não, eu insisto — Adam disse.

Brentworth se levantou e foi até o decanter de uísque de novo. Demorou-se tanto ali que Adam pensou que o rancor tivesse passado, ou que tivesse sido engolido agora. Brentworth se virou de repente para ele.

— Entendo que estava de luto. Entendo que havia coisas sendo ditas que eram sujas e prejudiciais e...

Adam se levantou e jogou seu copo no fogo. As chamas se sobressaltaram.

— Sujas e prejudiciais? Ele se matou por causa disso!

— Eu sei. Mas você nunca conversou conosco. Nunca permitiu que ajudássemos. Simplesmente desapareceu com sua mãe sem uma palavra, e não falou nada desde então, e entra aqui como se os últimos anos nunca tivessem acontecido. Caramba, Stratton, nós somos amigos há anos e você agiu como se nós dois estivéssemos na fila contra sua família.

— Nunca pensei isso.

— Até parece que não.

Langford balançou a cabeça.

— Sentem-se, vocês dois. Eu lhe disse antes, Brentworth, que, sob as circunstâncias, o que quer que ele fizesse era uma escolha feita por raiva e luto. Quem sabe como eu ou você teríamos agido? — Ele deu um sorriso para Adam de... o quê? Perdão? — Não precisa se explicar para nós.

Mas precisava, sim. Brentworth tinha razão. Ele virara as costas a tudo e todos em sua raiva. Não podia pensar em demorar a sair da Inglaterra. Não por causa da desgraça envolvida por trás da morte de seu pai, e porque não podia mais confiar em alguém.

— Fui embora daquele jeito porque, se não o fizesse, com certeza teria matado alguém por ódio, sem nem saber se culpava a pessoa certa.

Brentworth se jogou de novo em sua cadeira. O olhar de seu amigo o encarou por um longo tempo.

— E você sabe agora? Se culpou a pessoa certa? — Brentworth perguntou.

— Ainda não.

Langford limpou a cinza do seu charuto.

— Resposta interessante. Acho que agora sabemos por que ele voltou de verdade, não é, Brentworth?

 

Clara rapidamente leu sua correspondência matinal enquanto tomava café na Casa Gifford, a residência londrina da família. Duas cartas em particular receberam uma atenção bem breve. Sua avó havia escrito uma reprimenda.

 

A carta de Theo dizia quase a mesma coisa.

É improvável que façamos progresso com Stratton se continuar insultando-o. Pense no futuro de Emilia. Pense no meu. Certamente pode encontrar um pouco de gentileza em relação a ele.

Ela estava pensando no futuro de Emilia. E no da família. Via essa ideia toda de amenizar as diferenças entre a família dela e a de Stratton como um mau conselho e deslealdade. Deixe-os tentar, se quiserem, mas ela não iria cooperar. Vovó sabia disso. Foi por isso que ninguém lhe contou sobre o plano antes de embarcar nele.

Vestindo sua pelica e seu gorro, pegou um pacote embrulhado e desceu até a sala de entrada. Para evitar as carruagens da família, disse a um criado para lhe arranjar um cavalo alugado.

Tomou um pouco de ar no pórtico enquanto esperava. Infelizmente, enquanto o fazia, uma carruagem estacionou.

Ela xingou baixinho.

Stratton de novo. E ali estava ela, à vista. Não poderia mandar o mordomo dizer que não estava em casa. Por outro lado, deveria ser óbvio que estava saindo. Algumas palavras educadas e ele seguiria o próprio caminho.

O duque saiu de sua carruagem e a alcançou. Após um cumprimento, ele parou com um pé no degrau mais baixo da varanda e a olhou.

— A senhorita sai bastante.

— Posso estar de luto, mas não estou morta.

Ele apontou para sua carruagem.

— Permita-me levá-la ao seu destino.

— É muito gentil da sua parte, mas minha carruagem está a caminho.

— Pode demorar um pouco para chegar.

Podia mesmo. Com um resmungo interno de resignação, ela se virou para a casa.

— Já que o senhor queria falar comigo, vamos entrar e ter uma visita apropriada enquanto eu espero.

Ela guiou o caminho para dentro de casa e colocou seu pacote na mão do criado. Levou o duque para o andar superior, para a sala de estar.

Sentou-se em uma cadeira e torceu para parecer, no mínimo, meio formidável como sua avó.

O duque se sentou na cadeira mais próxima à dela e ficou confortável. Seu cabelo havia sido estilizado desde que ela o vira na colina. Agora, seus cachos bagunçados cortados enfatizavam mais seus olhos escuros e aquela boca sensual e maxilar forte.

— É gentileza da sua parte me receber, Lady Clara.

— Já que pensou ser adequado relatar à minha família que não o recebi anteriormente, agora me sinto obrigada a fingir ser receptiva a esse desejo inexplicável deles de criar uma amizade com o senhor.

— A senhorita é uma mulher bem direta.

— O senhor é um homem bem persistente.

— Em um homem, persistência é uma virtude, enquanto ser direta, para uma mulher...

— É um aborrecimento. O que me leva à questão do porquê se incomoda em ser tão persistente com este aborrecimento de mulher.

— É uma excelente pergunta. Se tivesse me recebido da primeira vez, agora teria compreendido completamente minhas intenções.

Que forma estranha de dizer isso. Quaisquer que fossem suas intenções.

— Talvez o senhor me esclareça agora, e rapidamente, para que eu possa terminar meus próprios compromissos... compromissos estes que o senhor interrompeu.

Ele riu em silêncio, como se fosse uma piada interna.

— Seu irmão disse que a senhorita tinha um gênio ruim. Posso ver o motivo.

Gênio ruim? Que menino mimado e desleal aquele.

— Prefiro ser chamada de direta. Como um cavalheiro, estou certa de que também prefere essa palavra.

— É claro. Permita-me ser direto também, para que possa voltar aos seus afazeres do dia. — Ele se inclinou para a frente e apoiou os braços nos joelhos. Isso trouxe seu rosto elegante para bem perto dela. — A senhorita sabe do plano de sua avó de me casar com Lady Emilia.

— Sei.

— Decidi declinar da proposta.

Ela conseguiu se conter de não comemorar com alívio. Graças aos céus alguém nesse acordo horrível estava usando o cérebro.

— E que a senhorita vai ser adequada para mim, e muito melhor para o plano da viúva.

Uma rigidez pairou no aposento. Demorou muito para a mente dela absorver o que ele dissera. Mesmo depois, soava bizarro demais para ser exato.

— Sua irmã é muito jovem para mim e, qualquer acordo que seja proposto com ela, nunca será tão bom quanto uma esposa com sua própria propriedade e renda.

Deus do céu.

Ela reuniu sua perspicácia, mas precisou de muito tato para não demonstrar sua reação atordoada.

— Ao menos conheceu Emilia?

— Não, mas não é significativo. Tenho bastante certeza de que ela é adorável, mas não é a noiva certa para mim.

— Como pode dizer isso quando nem...

— Eu sei.

— É melhor saber mais, e rápido, porque não estou disponível.

Ele se recostou na cadeira, nem um pouco impressionado por sua rejeição definitiva.

— É compreensível que tenha ficado surpresa com minha proposta. No entanto, estou confiante de que vá mudar de ideia.

Muito agitada para ficar sentada, ela se levantou e olhou desafiadoramente para o idiota presunçoso. Infelizmente, isso também o fez se levantar. Em vez de ser uma encarada satisfatória para baixo, ela agora olhava muito para cima, para um rosto acima dela.

— Não escutei nenhuma proposta. Escutei um decreto. Não consigo imaginar o que lhe dá motivo para pensar que eu obedeceria. O senhor é o último homem com quem me casaria, isso se eu me casar. De fato, meu pai se reviraria no túmulo se eu considerasse a ideia. Agora, sir, agradeço por sua visita, mas devo retornar aos meus afazeres. Já estou atrasada.

Ela girou, saiu a passos largos da sala de estar e desceu as escadas. Pegou de volta seu pacote com o criado e saiu. Sentiu o duque observando-a o caminho inteiro.

Sua carruagem alugada aguardava atrás da carruagem do duque. Ele olhou duramente para aquela carruagem.

— Por que não está usando a carruagem da família?

— Escolho não usar. — Ela desceu os degraus de pedra e seguiu para sua carruagem.

Ele andou ao seu lado.

— Penso que vai a um encontro secreto. Um que prefere que os criados da sua família não saibam. Não há outra explicação para usar uma carruagem alugada em vez da de sua família.

Ela realmente queria bater nele com o pacote por dizer aquilo ao alcance do criado que a esperava para ajudá-la a subir.

Ajeitou-se no assento enquanto o criado fechava a porta. O duque apoiou o antebraço na janela e esperou o criado se afastar.

— Não vou exigir explicação agora — ele disse. — Entretanto, se vai encontrar um homem, essa conexão deve acabar imediatamente, agora que estamos noivos.

Ela colocou o rosto para fora da janela.

— Nós. Não. Estamos. Noivos.

Ela estava quase gritando no fim da frase, mas a carruagem havia começado a andar, e apenas o ar a escutou.

Meia hora depois, Clara estava em uma mesa de biblioteca na Bedford Square. Havia papéis e uma folha em branco espalhados pela mesa.

— Acho que temos o suficiente para outro artigo do Parnassus, Althea — ela disse. — Podemos falar com a gráfica esta tarde sobre o cronograma.

Althea baixou a cabeça loira sobre as pilhas de papel e pegou uma bem pequena. Consistia em poemas que o jornal delas publicaria.

— Vejo que incluiu o soneto da sra. Clark. Fico feliz.

Clara trabalhava como a editora anônima e benfeitora do Parnassus. Ela havia criado o jornal há dois anos e começou a trabalhar nele de imediato. As duas primeiras publicações foram tentativas inexperientes, mas colheram assinaturas suficientes para encorajá-la. Agora, com seu legado, ela podia se dar ao luxo de tentar um cronograma regular de publicação.

Seguindo o modelo de jornais masculinos, o Parnassus continha notícias políticas, assim como críticas de apresentações teatrais e histórias de viagem. Ela gostava de preenchê-lo com informações e fatos, mas permitia que alguns pensadores afiados, como Althea, escrevessem artigos. Interesses femininos raramente eram ignorados. Clara amava moda, em particular, e o Parnassus tinha uma coluna dedicada a ela.

A característica mais distinta do jornal era a mistura de autores. Uma viscondessa e uma baronesa, às vezes, contribuíam, embora utilizassem um pseudônimo. No entanto, a sra. Clark era a viúva de um comerciante que agora administrava uma chapelaria. Ela tinha um dom óbvio para poesia e não tentava copiar outro poeta já existente.

Ladies aos montes, mulheres da cidade, mães, irmãs e, sim, até as sabichonas tinham assinado. Ela sabia que o sigilo do projeto pode ter contribuído para esse sucesso. Quem e onde era feito o Parnassus permaneciam um mistério tentador.

Naquele momento, o onde consistia nessa casa que Clara comprara com seu legado, três meses depois da morte do pai. Ela se lembrou dele ao assinar a escritura, além de sentir profunda gratidão por ele ter esquematizado para ela ter a própria propriedade e renda substancial e não ser dependente de Theo de nenhuma maneira. A relação deles era rara. Na verdade, ele a tratava como um filho. Ensinara-lhe a cavalgar, atirar e até disse uma vez que se arrependia de ela não poder herdar seu patrimônio ou o título dele. Ela achava que Theo nunca a perdoaria por como ela recebia a melhor parte do amor do pai deles. Ficara profundamente de luto por ele. Completamente. A tristeza acabara com ela como nada antes. Havia chegado a um ponto em que não se reconhecia mais. Finalmente, certo dia, começou a lutar para se salvar.

O Parnassus fora sua salvação. Comprar aquela casa foi o primeiro passo adiante em sua vida. As necessidades do jornal a obrigavam a visitar Londres periodicamente também. Até então, as visitas foram breves, mas, agora, seis meses após o falecimento do pai, ela, enfim, decidira fazer visitas mais longas.

— O artigo de moda de Lady Grace ainda não chegou — Althea mencionou.

Lady Grace Bidwell era a mais recente aquisição de colaboradoras. Irmã de conde, ela nunca se casara. Clara sentia uma afinidade natural com ela, e Lady Grace tinha um olho bom quando o assunto era moda.

— Vou escrever um lembrete a ela, mas não vou esperar para sempre — Clara falou com uma firmeza decisiva do tipo que não fazia muito tempo que usara com o Duque de Stratton, mas de nada valeu. Aquele encontro continuava a invadir sua mente e amargava seu humor quando o fazia. Quanto mais ela pensava naquela proposta, mais ofendida se sentia.

Althea olhou com seus lindos olhos azuis para Clara. Uns dez centímetros mais baixa que Clara e delicadamente esguia, Althea tinha uma presença que, às vezes, fazia Clara se sentir monstruosa em comparação a ela. Não que ela mesma fosse muito alta ou forte. Era só que Althea era extremamente pequena. Viúva do Capitão Galbreath, um oficial do exército, morava com o irmão, Sir Jonathan Polwarth, um barão, e sua esposa.

Althea tinha a vida de um parente dependente agora, do tipo que o pai de Clara a salvou com o legado.

— A senhorita está diferente hoje — Althea disse. — Seu irmão a está irritando de novo? Insistindo que volte para a fazenda?

— Não é isso. Não só isso. — Clara não iria confessar, mas queria compartilhar um pouco dos acontecimentos recentes e estranhos em sua vida. Não a proposta. Ninguém nunca saberia disso. — Theo e minha avó colocaram na cabeça a ideia de acabar com uma longa contenda que nossa família tem com aquele Duque de Stratton.

— Penso que seja uma coisa boa. Guerras tão longas assim não trazem muito benefício.

— Vovó nunca faz coisas simplesmente porque são boas, Althea. A mente dela é uma armadilha, e suas estratégias fariam Napoleão se envergonhar. Mas ela é determinada, assim como Theo. Eles até o receberam. Meu pai sempre jurou que nunca um Stratton iria sujar sua casa, mas lá estava ele.

Althea começou a organizar os artigos, colocando folhas em branco entre eles.

— Na sua casa daqui da cidade, na Casa Gifford? Fiquei sabendo que ele veio para cá recentemente.

— Você sabia? — Parecia uma boa maneira de não admitir que ele realmente havia sujado a casa da família dela da cidade.

— As pessoas estão falando dele. Você não ficou sabendo porque ficou enclausurada em Hickory Grange por muito tempo depois de seu pai falecer, e não estava aqui quando ele retornou da França.

Althea carregou a pilha grande de papéis para outra mesa e continuou o trabalho de prender tudo com linho. Clara a seguiu.

— Estão falando o quê?

Althea amarrou o pacote grosso, terminando com um laço rústico.

— Fofocas. Daquelas que você escuta umas partes quando chega em determinadas rodas, mas as pessoas param assim que a veem. Conversa séria, pelos olhares nas carrancas. Conversa sigilosa e sussurrada. A maior parte entre a geração de nossos pais.

— Claro que esses trechos devem ter lhe dado uma ideia de por que ele chamou tanta atenção.

Althea deu de ombros.

— Acho que escutei meu irmão se referir a ele como perigoso. Algo sobre duelos na França.

— Fiquei sabendo dos duelos. Theo me contou. Acho que ele teme que, se não pedir a paz, Stratton vá desafiá-lo. Não faz sentido.

— Também interrompi uma conversa em uma sala após uma festa. A anfitriã não conseguiu se conter, apesar de estar no meio da frase. Gesticulou a última palavra do que quer que estivesse falando para sua confidente.

— Que palavra era essa?

— Tenho quase certeza de que era vingança. Agora, se vamos falar com a gráfica hoje, precisamos ir antes de ficar tarde demais.

Elas colocaram suas pelicas e chapéus. Clara invejava Althea por usar um conjunto verde-limão e amarelo. Não se ressentia por vestir roupas de luto. Vestiria eternamente, se isso fosse honrar seu pai. Mas sentia falta de roupas com mais cor e estilo, e, às vezes, pensava em cometer excessos incríveis nas lojas quando pudesse se vestir com estilo novamente.

Com os manuscritos firmemente debaixo dos braços, Clara se juntou a Althea na caminhada para uma carruagem de aluguel parada na esquina da praça. Seu nariz até coçava pela informação tentadora que Althea acabara de lhe fornecer. Stratton podia ser exibido, irritante e arrogante, mas ele tinha acabado de se tornar interessante também, principalmente para a editora de um jornal.

Vingança? De quê? Parecia que alguns sabiam em Londres, mas não era conversa para o senso comum. Assim que entraram na carruagem e seguiram para a gráfica, Clara expressou seus pensamentos.

— Acho tudo isso estimulante, Althea. Se Stratton está inclinado à vingança, alguém sabe por que e contra quem. Ele não é um homem comum, afinal de contas. É um duque. Quem poderia ter irritado tanto um duque para ele querer vingança? E ser considerado perigoso... Há algo muito curioso em tudo isso.

— Presumo que eu possa fazer algumas perguntas para ver se consigo reunir mais um pouco de informação.

— Também farei isso. Vamos ver o que conseguimos descobrir sobre esse homem. Talvez haja uma história para o Parnassus.

Ela deixou de mencionar que mais informação talvez pudesse capacitá-la também para acabar com a corte inexplicável e rude de Stratton.


poeira o cobriu. Saiu voando das páginas quando ele as virou e alisou sua superfície como as aparas de ferro em um ímã.

Adam folheou, lendo os velhos jornais, mais interessado no que não havia sido notícia do que o que fora. Uma alusão aqui, uma referência improvisada ali, a menção de um nome ? essas eram as evidências que ele procurava, porque já sabia que não haveria uma discussão aberta dos acontecimentos que ele investigava.

Ele fora ao Times por último, após folhear páginas nos escritórios de outras revistas e jornais. Todos eles mantinham exemplares de suas antigas publicações em algum lugar. Podia ser em uma biblioteca arejada ou em um porão úmido, mas, com tempo e paciência, ele havia lido cada palavra publicada sobre o Duque de Stratton em alguns anos até a morte de seu pai.

As notícias da morte eram as mais inúteis, embora alguns jornais menos respeitáveis vagamente implicavam que poderia ter sido suicídio. O Times nunca seguiria nessa direção com um duque, então a notícia dele exaltava as conquistas e o gosto de seu pai. Lendo-o, ninguém nunca adivinharia as provocações extremas que fizeram um homem tirar a própria vida.

Agora ele procurava pistas em relação aos detalhes e fontes dessas provocações. Tudo fora um esquema bem secreto, então as partes que ele descobria estavam todas nas entrelinhas. Nenhum editor falaria abertamente sobre esses boatos. Nenhum homem falaria sobre isso exceto atrás de portas fechadas com a voz baixa.

E, mesmo assim, as palavras tinham sido ditas, e elas voaram pelo ar como pólen, então, enquanto ninguém fazia acusações, tudo que as pessoas sabiam era o que importava para o governo. Ele fechou o volume de cópias encadernadas do Times. Mal havia encontrado prova direta do que queria, mas também não achara nada que o convencesse estar errado em suas crenças sobre como a tragédia fora planejada.

Nas reuniões importantes do governo, questionamentos foram feitos sobre a lealdade de seu pai. Ministros e outros lordes lhe disseram coisas. Alguém coletara provas. Aconteceu por um tempo, crescente, talvez um ano ou mais. Isolado e sem amigos quando os miseráveis o encurralaram, ele tirara a vida para não enfrentar o tipo de desgraça que mancharia o nome da família por gerações. No entanto, o ato final e seus motivos eram as únicas partes que não estavam em questão.

Acho que Marwood está por trás de tudo. Foi isso que seu pai havia escrito no único recado que deixara. Ele tinha prova disso? Se tinha, não deixou nenhuma indicação. Será que foi uma conclusão irracional, criada por sua mente e pela longa inimizade entre as famílias? Adam não sabia. Se seu pai pensava que Marwood estava por trás de tudo, porém, então Marwood estava no topo da lista de homens que Adam investigaria.

Deixou o edifício do Times e foi até sua carruagem. Perdido em pensamentos, quase não viu a mulher do outro lado da rua até algo familiar nela tirá-lo de seu devaneio.

Ela andava com passadas determinadas, como se estivesse em uma importante missão. Ele notara o brilho em seus olhos, os quais implicavam muito sobre ela. Inteligência. Personalidade. Paixão. Problema. Não se importava com a última qualidade. Raramente encontrava as três primeiras em uma mulher sem a quarta. Seu tempo com ela, apesar de ter sido breve, não fora maçante. Apesar de seu cabelo castanho-avermelhado, coberto como um quadro em seu rosto debaixo da aba de seu chapéu, estar esplêndido contra seu traje preto, ele, de repente, pensou em como ela ficaria vestindo verde-claro.

Ele a imaginou assim enquanto atravessava a rua e a abordava. Assim que ela o viu, sua expressão desmoronou.

Ele queria rir da forma como ela se esforçava para manter a compostura adequada para a filha de um conde. Imaginava os pensamentos rudes pulando na mente dela.

— Lady Clara. Que prazer inesperado vê-la hoje.

— Sim. Que prazer. — Ela inclinou a cabeça para a esquerda, olhando o caminho da liberdade. — É um dia de tarefas para mim.

— Para mim também, embora eu já tenha acabado. Que tarefa a traz aqui?

Ela não respondeu de imediato. Parecia que ele tinha feito uma pergunta esquisita.

— Não estou cumprindo uma tarefa aqui. Estou simplesmente andando pela rua depois de fazer uma tarefa em outro lugar. — Ela foi para o lado dele e o analisou com o cenho franzido. — O senhor estava no sótão? Está coberto de poeira. — Ela esticou a mão e deu uma batidinha na manga dele, produzindo uma pequena nuvem de pó.

Ele achou charmoso o gesto dela.

— Meu lacaio vai resmungar quando vir isso.

— Fique parado. — De novo, sua mão varreu o casaco dele. Mais nuvens se ergueram. Ela o limpou como se ele fosse uma criança que tivesse caído na terra. Mas não tão delicadamente. A mão dela batia em seus ombros e peito. — Pronto. Está quase apresentável. Agora, devo seguir meu caminho.

— Não vai ser generosa me permitindo sua companhia? Não a vejo há quase duas semanas. Sei que foi minha culpa. Não entrei em contato. Devido a todas essas tarefas, sabe.

— Faz tanto tempo assim? Não reparei. Na verdade, eu não esperava que entrasse em contato. Não há motivo para fazê-lo.

— Nós dois sabemos que isso não é verdade. Entretanto, aqui estamos agora. Pelo menos permita-me acompanhá-la em segurança de volta à sua carruagem.

— Não será necessário. Ficarei bem segura sozinha.

— Por favor. Eu insisto.

Ela ficou parada em silêncio, parecendo uma menininha flagrada fazendo algo errado.

— Está com sua carruagem aqui? — ele perguntou.

— Não. — A resposta veio depois de uma longa pausa. Ela mordeu o lábio inferior.

— Carro de aluguel de novo? — Ele olhou para cima e para baixo da rua. — Ele mora aqui perto? Seu amigo, quero dizer.

— Não há amigo. Não da forma que insinua.

— Claro que não.

— Estou falando sério.

— Por favor, entenda que não estou chocado. Sou metade francês, afinal. Não me importo. Apenas peço que termine — ele mentiu suavemente. Importava-se, sim. Qualquer homem se importaria, se quisesse a mulher.

— Pede, não é?

— Estou sendo educado. Um pedido por enquanto. Em certo momento, claro, terá que ser um comando.

Os olhos dela arderam em chamas. Inferno, ela era excitante quando estava brava. Que bom, já que ele esperava que ela ficasse brava com frequência.

— Penso que o senhor está me provocando deliberadamente — ela disse.

— Prometo parar se concordar com uma visita rápida ao parque. Vamos ficar a céu aberto para a senhorita não se preocupar se vou me impor. Então a levarei para casa.

— E se eu recusar sua oferta?

— Provavelmente vou segui-la, fazendo perguntas indiscretas sobre seus afazeres misteriosos nesta parte da cidade.

Ela suspirou desesperada e tirou um relógio do bolso de sua retícula.

— Não haverá quase ninguém no Hyde Park a esta hora. Vamos virar ali, se faremos isso. Uma visita bem rápida, por favor. Tenho um compromisso esta tarde.

— Mais afazeres misteriosos? Como a senhorita é intrigante.

Ele ofereceu o braço. Ela não o aceitou. Juntos, andaram até a carruagem dele.

O Duque de Stratton estava se transformando em uma séria inconveniência. Parte da alegria de ser uma mulher mais velha e sem interesse em casamento era que as pessoas costumavam não perceber o que ela fazia. Clara aproveitara essa liberdade mesmo antes da morte de seu pai, e agora mais ainda porque morava sozinha na Casa Gifford.

A curiosidade de Stratton sobre ela complicava isso. Agora ali estava ela, sentada na carruagem dele quando deveria estar visitando o decorador que contratara para fazer algumas mudanças em sua casa na Bedford Square. Já que ninguém sabia sobre a casa, não poderia permitir que o duque a seguisse até lá.

Não se importava com como ele tramava para ela passar um tempo com ele. Ressentia-se que ele tivesse ganhado essa pequena batalha.

— Prefere a cidade? A senhorita passa boa parte do tempo aqui — ele disse assim que se sentaram um à frente do outro e o cocheiro abrira a porta da carruagem para arejar.

Se fosse outra pessoa, ela pensaria que era jogar conversa fora. Daquele homem, ela percebeu que era uma pergunta intrusiva.

— Gosto da fazenda e da cidade. Fico nos dois lugares. No entanto, depois de todos os meses em Hickory Grange após o funeral do meu pai, era hora de ver alguns amigos aqui e participar da sociedade de novo. — Mesmo com a forma como ela disse, ficou preocupada de ter lhe dado informação demais.

— Seus amigos sabichões?

— Sim.

— O que a senhorita faz quando não está conversando com eles?

— Se eu lhe dissesse, não seria mais intrigante e misteriosa.

Foi um erro dizer isso. Ela soube assim que disse. Os olhos escuros dele pairaram nela, divertidos e muito confiantes de que viam mais do que ela queria. Esse olhar a deixou nervosa. Ela achava decidida, quase óbvia, essa procura de sua atenção. Implicavam intimidades que ela não queria ter ou reconhecer. Apressou-se para fazer uma provocação.

— O senhor vai achar meus interesses muito entediantes e femininos. Eu visito boutiques e encho os olhos de tecidos que não posso usar agora. Passeio por armazéns e cobiço sedas e rendas.

— Por que não comprá-los agora e guardá-los até poder usar?

— Porque a espera faz parte da diversão. Há o perigo que se transformará em uma febre, no entanto, quando finalmente tirar esses trajes pretos, serei tão imprudente ao gastar tudo em um novo guarda-roupa que Theo vai precisar me tirar das dívidas.

— Oh, duvido disso.

Então ela soube que aquele homem havia descoberto o tamanho de sua herança. Será que Theo tinha lhe contado? Talvez ele tivesse escutado fofocas, mas seria suficiente.

Passou por sua mente que o único motivo de ele a perseguir com aquela proposta idiota era sua fortuna. Como se o Duque de Stratton precisasse disso! Mas, na verdade, quem sabia se ele precisava ou não? Ela não o investigara da forma como ele obviamente o fez com ela, embora ela pretendesse. Mesmo assim, era um homem atrás de sua fortuna. Que previsível. Senso comum. Decepcionante.

Já que eles estavam no parque, ela fez as próprias perguntas, enquanto encorajava que a caminhada deles deixasse o caminho principal a fim de que ninguém os visse juntos.

— O senhor não se importaria mesmo se a mulher para a qual fez proposta tivesse um amante anterior? O senhor continua insinuando isso.

Ela pensou ser uma questão sofisticada e investigativa e aguardou que ele não visse a refeição que ela acabara de colocar em um prato à sua frente.

— A senhorita tem o quê? Vinte e quatro anos? Só um tolo exigiria inocência de uma mulher com essa maturidade.

— Que visão liberal o senhor tem.

— Gosto de pensar assim. Só estou sendo um pouco estrito com a senhorita porque não posso arriscar que meu herdeiro seja filho de outro homem. Estou certo de que entende.

Ela olhou para ele, esperando ver aquele sorrisinho ou qualquer coisa que indicasse que suas referências contínuas à proposta agora fossem uma piada interna. Arrependida, viu que ele parecia mais sério. Ela resolveu que contrariá-lo só iria engrandecer aquela ideia ridícula, então ignorou.

Já que ele a tinha convencido a passar esse tempo juntos, não poderia se opor a algumas perguntas sinceras sobre sua vida e sua família, principalmente se ele realmente acreditava que eles iriam se casar. Althea ficou responsável por investigar o homem, mas cada pequena informação adicionada ao montante ajudaria.

— Por que o senhor partiu? — ela perguntou enquanto caminhavam por um pequeno bosque de árvores floridas.

— Porque era hora de voltar.

— Não quis dizer por que partiu da França. Por que partiu da Inglaterra?

O humor dele se alterou um pouco, como se a pergunta abrisse uma porta para o humor negro que ela sentia nele.

— Minha mãe não quis permanecer aqui depois da morte de meu pai, então eu a levei embora e me certifiquei de que ela se adaptasse a Paris.

— Ela queria voltar para casa, o senhor quer dizer. É compreensível.

— Ela morou aqui por décadas. Aqui deveria ter sido seu lar, não uma terra estrangeira para onde fugir. Houve aqueles que nunca a receberam bem, no entanto, ou permitiram que ela se ajustasse.

— Se ela é feliz agora na França, é o que importa, não é?

— Não disse que ela estava feliz. Ela não queria voltar para a França. Só não quis permanecer aqui.

Seu tom direto a fez parar de andar.

— Desculpe se entendi errado. Fui negligente com minha resposta. Claro que ela não poderia ficar feliz em deixar sua casa por tantos anos. — Ela engoliu a pergunta que implorava para ser feita. Por que ela não queria permanecer aqui?

Eles ficaram debaixo de uma das árvores, na sombra que os galhos emaranhados criavam.

— A senhorita realmente sabe tão pouco sobre a minha vida? — ele questionou. — Nunca ouviu falarem da minha mãe? Estava fora quando ela partiu. Antes de o meu pai morrer.

Ela não precisava buscar muito na memória para se lembrar de alguma conversa que ouvira. A voz da avó sempre cheia de desdém ao mencionar a duquesa francesa de Stratton. Vovó era uma das pessoas que pensava o pior de tudo e de todos os franceses durante a guerra.

Mas outros tinham bufado quando a Duquesa de Stratton entrava em um salão. Clara sempre achou que invejavam sua beleza e queriam falar mal de alguém. Na verdade, ela não se importava muito com o que as pessoas diziam. A antiga guerra entre sua família e a de Stratton haviam-na deixado insensível a quaisquer considerações feitas à mãe dele.

— Admito que, agora que falou, conheço um pouco do que ela passou — ela admitiu. — Se foi isso que a fez ir embora, não foi justo.

Para a surpresa dela, ele pegou sua mão e a ergueu para dar um beijo.

— Não foi apenas isso. No entanto, é bom a senhorita achar que foi injusto.

Aquele beijo na mão dela, apesar de breve, criou uma ponte de intimidade. Ela sentiu o beijo por seu braço inteiro e descendo por seu corpo. O olhar dele capturou o dela antes de ele beijar sua mão de novo, lentamente.

Ela não tirou a mão. Não desviou o olhar, apesar de definitivamente ter que fazer o contrário. Em vez disso, encarou enquanto aquele beijo e aqueles olhos escuros avivavam todo o seu corpo.

Ele a puxou cada vez mais para perto, até ela ter que dar um passo até ele ou cair. Fez um pouco dos dois, tropeçando de forma estranha, e se viu nos braços dele.

Ele iria beijá-la, ela tinha certeza. Isso não poderia acontecer. No entanto, em vez de se afastar, ela não conseguiu se mexer. O olhar dele a paralisou e incitou uma empolgação imprópria.

Os braços dele a envolveram. Ele olhou para baixo. Atordoada, ela fechou os olhos e aguardou.

E aguardou.

E aguardou.

Quando nada aconteceu, ela abriu os olhos. Instantaneamente, a euforia tomou conta, e ela se sentiu uma tola. Tentou se livrar de seu abraço, mas ele não permitiu.

— Quer que eu a beije?

— Claro que não. O senhor é o último homem que quero que me beije, asseguro-lhe. — Ela se recusou a olhar para ele e continuou tentando se afastar.

— Isso não é verdade. Vamos ser honestos um com o outro. — A cabeça dele mergulhou e seus lábios tomaram os dela.

Ela perdeu o fôlego. Céus, ele era lindo. E excitante. Até aquela escuridão era sedutora. Os arrepios percorreram seu corpo, implorando para ter desculpas para se transformar em algo mais poderoso.

— Parte da diversão é a espera — ele disse baixinho, prendendo-a com seu olhar. — Embora sempre haja o perigo de se transformar em uma febre. — Os lábios dele beijaram os dela, sempre suavemente, mas o suficiente para criar uma faísca.

Foi um gracejo. Uma promessa provocante.

Ele a soltou e recuou. Ela ficou parada, sem fala, e extremamente derrotada, chocada como ele tinha usado suas próprias palavras contra ela a fim de implicar que compartilhavam alguma empatia em questões sensuais.

— Preciso ir. — Ela se virou e andou pelo caminho principal. A cada passo, sua indignação aumentava.

Ele andava ao seu lado, mais do que satisfeito.

— Não posso acreditar que o senhor se impôs sobre mim assim — ela disse em seu melhor tom como ousa.

— Impus bem pouco, principalmente dadas as circunstâncias. De fato, se eu tivesse feito amor com a senhorita contra uma das árvores, não tenho certeza se teria sido uma imposição.

— Se pensa assim, ficou muito tempo na França.

Ela não conseguia chegar logo à carruagem. Recusou-se a olhar para ele no trajeto para a Casa Gifford. Quando chegaram, mal recusou a insistência dele em lhe dar a mão para descer. Ela enrijeceu contra a sensação da mão dele na sua, a proximidade de seu corpo e a forma como todo o seu ser ainda queria reagir inapropriadamente.

Não pôde resistir a uma última censura. Não apenas para lembrá-lo do comportamento adequado, mas para lembrar a ela também.

— Por favor, lembre-se, no futuro, como um cavalheiro trata uma dama, sir.

— Eu sei como tratar uma dama. A senhorita, no entanto, também é minha futura noiva. Isso muda tudo.

Ela se apressou até a porta, cheia de indignação furiosa. Assim que entrou, viu que aquele dia desconfortável só iria piorar.

Theo, Emilia e a viúva haviam chegado da fazenda para se juntar a ela.


— or que está tão mal-humorada? Não sorriu desde que entrou em casa — Clara fez a pergunta à irmã depois de procurá-la em seu quarto naquela noite.

O jantar provou ser um julgamento, com sua avó direcionando afazeres relacionados aos dias seguintes, e Emilia e Theo assentindo como se fossem alunos. A viúva descartou as objeções de Clara sobre as demandas que os planos causariam em seus dias.

Emilia se jogou na cama.

— Vovó quer que eu conheça Stratton. Já que ele está na cidade, nós o seguimos.

— Vocês ainda não foram apresentados?

Ela fez beicinho.

— É vergonhoso ser jogada para ele assim quando parece que ele preferiria me evitar. Já que eu preferiria evitá-lo também, quero que eles parem de persegui-lo. Sei que é um duque, mas o achei assustador quando ele estava naquele terraço. Nem acho justo ser oferecida assim para ele antes até de eu ter minha primeira Temporada.

Clara se sentou ao lado dela e a envolveu com um braço.

— Parece injusto.

Emilia era adorável e, se aguardasse aquela Temporada, haveria dúzias de admiradores esperando ganhar sua mão. Clara tinha lembranças carinhosas de sua primeira Temporada. Ela não procurava um marido, mas amava todo o planejamento e, então, todas as atividades sociais e bailes. Gostara dos poucos beijos roubados que a seguiam também.

— Agora eu estou na cidade e tenho que ficar aqui sentada enquanto todos os meus amigos vão a bailes — Emilia reclamou. — Uma coisa é ficar de luto na fazenda e perder isso. Outra é só ouvir a diversão pelas janelas enquanto fico sentada nesta casa, usando preto.

— Talvez possamos convencer Vovó a permitir que você vá a alguns eventos menores. Uma ou duas festas no jardim. E pode receber amigos aqui. Se é permitido que conheça Stratton, por que não outros jovens?

Os olhos de Emilia se iluminaram com esperança.

— Acha que ela vai concordar? Talvez me permita comprar um ou dois vestidos novos, não que eu queira mais vestidos pretos, mas pelo menos sairei para compras.

— Vou tentar convencê-la a permitir outra coisa além de preto para você. Agora passaram-se seis meses. A mim, parece que outras cores, simples e discretas certamente, podem ser permitidas para uma garota.

Emilia abraçou Clara e a beijou na bochecha.

— Se puder conseguir mesmo essa pequena concessão, ficarei grata.

— Escreva para seus amigos e os avise que está aqui e pode fazer e receber visitas. Quanto a Stratton, não é obrigada a se casar com alguém que não queira. Espero que saiba disso.

A alegria deixou Emilia tão rápido quanto apareceu.

— Nunca fui boa desafiando Vovó. Ela me assusta ainda mais do que o duque.

Claro que assustava. A viúva intimidava adultos. Se não fosse pela resistência de Stratton, Emilia já estaria noiva.

— Talvez Stratton também nunca venha aqui — Emilia disse, melancólica.

Clara duvidava disso. Vovó não seria deixada para depois agora, independente dos estratagemas que o duque tentasse. A não ser que ele se recusasse de forma direta a continuar esse passo de dança. Seria melhor para todos se ele decidisse fazer isso.

 

— Vai me contar aonde estamos indo? — Langford perguntou quando ele e Adam cavalgavam pela Bond Street. — Quando me chamou para me juntar a você, achei que a esta hora já fosse explicar por que e onde.

Adam havia passado por Langford há três quarteirões. Não tinha sido coincidência. Nem foi sua negligência deixar de mencionar o destino.

— Prometi que seria divertido, e vai ser.

— Devo insistir que revele tudo. Não acho que vamos a alguma loja ou que estamos a caminho de uma tarde típica de diversão.

Adam virou na Bond Street.

— Vou confessar por que abordei você, mas, primeiro, precisa prometer não me abandonar.

— O que está tramando, Stratton?

— Vou visitar Marwood.

— Não. Aquele pivete? Para quê? Pensei que tivesse jurado ser inimigo dele, por meio da sucessão.

— Ele acha que deveríamos fazer as pazes e ser amigos. Tem insistido nisso. Continua me convidando para ir à casa dele e me seguiu até a cidade para me encurralar. Ontem, ele me fez uma visita enquanto eu estava fora. Então escrevi e finalmente concordei em retornar o favor.

Langford continuou andando com seu cavalo. Pelo menos, ele não tinha rejeitado imediatamente a visita.

— Presumo que ele tenha medo de você desafiá-lo devido à briga ancestral. Provavelmente está sujando a cueca desde que soube que você voltou.

— Eu nunca duelaria por insultos de mais de cinquenta anos.

Ele recebeu um olhar duro de Langford por isso.

— Então concordou em aceitar seu ramo de oliveira? Nossa, que bondoso da sua parte.

Adam ignorou seu tom desconfiado.

— Bom, soube que ele tem uma irmã adorável.

— Deve estar falando da Lady Emilia. Ela foi uma criança linda, isso é verdade, mas ninguém a vê de perto há quase um ano. Espero que ela não frequente esta Temporada devido à morte do conde. Mas, sim, é de conhecimento de todos que ela ficou mais do que bonita. Com certeza você não pretende fazer as pazes a ponto de cortejá-la, não?

— Achei que você poderia querer.

Langford parou seu cavalo.

— Se isso foi uma piada, não estou rindo.

Adam sorriu.

— Eu estou. Pare de ficar tão preocupado. Alguém poderia pensar que é possível amarrá-lo ao casamento sem você saber.

— Há algumas mães que estão se esforçando ao máximo para isso. — Ele voltou a andar com o cavalo. — Perdoe-me pela falta de humor. Estou me sentindo perseguido. Então vamos visitar um dos inimigos de sua família, com o objetivo principal de cortejar a irmã dele.

— Isso resume bem.

Langford deu de ombros.

— Por que não me disse?

A cavalgada os levou até a porta da casa da cidade de Marwood, na Portman Square. Adam esperou até os criados pegarem seus cavalos e alcançarem a porta antes de falar de novo.

— Ah, esqueci de mencionar. A avó dele estava junto quando ele me visitou ontem. Acredito que a veremos também.

Langford fechou os olhos. Parecia um homem rezando por salvação.

— Tenho evitado assiduamente essa harpia há quase uma década, Stratton. Posso matá-lo por isso.

— Não iria querer que eu a enfrentasse sozinho, iria?

— Eu o teria mandado e coletado seus restos depois de ela acabar com você. Inferno, vamos entrar e rezar para ela já ter sido alimentada com outra pessoa hoje.

 

— Milady — a dama de Clara, Jocelyn, sussurrou o título em um tom nervoso.

— O que foi? — Clara respondeu calma como sempre, embora quisesse expressar um grande desprazer. Havia dito a Jocelyn que queria ser deixada sozinha. De forma clara e direta. Mesmo assim, ali estava a dama, interrompendo-a.

— Um lacaio veio até a porta. Disse que sua avó a quer na biblioteca.

Clara apoiou a cabeça nas mãos. Olhou para baixo, para a superfície da sua escrivaninha. As páginas impressas do jornal, recebidas de Althea no dia anterior, esperavam sua aprovação. Precisavam ser devolvidas com a correção para a gráfica no dia seguinte.

Esperara terminar na tarde do dia anterior. No entanto, desde que sua família veio se hospedar ali, houve uma interrupção atrás da outra. Ela não se importava com as de Emilia. Importava-se quando sua avó exigia sua presença.

Não que Vovó exigisse sua presença para coisas importantes. Ela mal queria conversar e precisava de um público. Pelo menos Clara havia usado aquele tempo de maneira produtiva: obtivera a autorização para Emilia ter um ou dois novos vestidos e poder receber visitas.

Na manhã do dia anterior, infelizmente, elas tinham se engajado em uma discussão quando ela recusou o comando de sua avó para se juntar à viúva e a Theo quando eles fizeram uma visita a Stratton à tarde. Ela não teve dificuldade em listar os motivos do porquê não fazer isso.

Tinha uma reunião com Althea planejada, primeiro. Segundo, ela pensou que pareceriam ridículos se a família inteira visitasse. E, finalmente, não queria encorajar o duque a pensar que ela estava, de alguma forma, de acordo com essa missão de paz, sem mencionar o plano peculiar dele de conquistar harmonia entre as famílias.

Não que ela pudesse explicar alguma dessas coisas para sua avó, então simplesmente a desafiou. Pensou como Vovó a faria pagar por isso.

— Ele mencionou que a condessa estava bem firme quanto ao assunto, milady. Disse que convidados importantes chegaram, e ela pediu para a senhorita descer.

“Convidados importantes” significava qualquer um que Vovó se dignasse a receber.

Ela olhou para seu vestido simples.

— Vou colocar meu vestido preto com cauda e bordado, Jocelyn, se são tão importantes, os malditos.

Jocelyn ruborizou com o xingamento e se apressou para o cômodo das roupas. Clara a seguiu, arrependendo-se do lapso. Ela realmente precisava parar de fazer isso.

Quinze minutos mais tarde, ela entrou na biblioteca e viu que o lacaio não tinha exagerado. Até para os altos padrões de Vovó, seus convidados eram importantes.

Stratton tinha retornado a visita do dia anterior. Mas não estava sozinho. Outro duque, Langford, o acompanhava. Durante os cumprimentos, Emilia a olhou com uma expressão desesperada.

— Os duques estão nos regalando com as descrições do baile de Lady Montclair ontem à noite — sua avó disse assim que todos se sentaram. — Ouso dizer que está sendo mais divertido ouvi-los recontar do que participar do evento.

— Eu gostaria de ter ido para ter certeza disso — Emilia murmurou.

Langford, um homem lindo com olhos azuis brilhantes e cachos escuros que se transformavam em um cabelo um pouco selvagem, dirigiu-se a ela com empatia.

— Não perdeu muito, Lady Emilia. Vai descobrir logo que bailes são todos iguais.

— Minha avó concordou que, embora nosso luto não tenha acabado, Emilia pode participar de alguns eventos menores, como festas de jardim. Seria aceitável, não concorda? — Clara olhou deliberadamente para a avó, já que ainda não tinha falado sobre o assunto com ela.

— Não vejo por que não. Avise-nos em qual ela irá, e Stratton e eu nos certificaremos de ir também e falar com ela lá.

— Como os senhores são gentis. — Se dois duques falassem com Emilia em uma festa, ninguém falaria muito sobre a menina ter ido durante o luto. — Nos certificaremos de avisá-los. Não é, Vovó?

— De fato.

Havia incontáveis respostas sob a superfície de gratidão naquela frase curta. Clara ouviu a desaprovação de sua ousadia e futuras ameaças. Emilia, no entanto, só brilhou com prazer por não ser deixada de fora de tudo.

Sua irmã estava linda naquele dia, como sempre. O sol entrando pelas janelas fazia seu cabelo loiro brilhar com luzes e também favorecia sua pele luminosa.

Langford ficava olhando para ela. Não que Langford fosse bom para Emilia, mais do que o outro duque poderia ser. Langford era conhecido por sua rebeldia que mais do que combinava com aquele cabelo devasso. Charmoso como o pecado, ele com certeza partiria o coração de qualquer mulher com quem se casasse.

Clara tentava não olhar para Stratton, mas ele se sentou bem ao lado do amigo e conseguiu se intrometer em sua visão. Mal olhava para Emilia, algo que Vovó certamente notaria. Clara esperava que Vovó não percebesse para quem ele estava olhando.

Não era como se ele a encarasse. Mas com frequência aquele olhar negro pairava nela, a ponto de deixá-la consciente. Ela entendia o que Emilia queria dizer sobre achar que ele era assustador, só que aquela palavra não interpretava adequadamente a reação que ele provocava. Ela achava que sua atenção a obrigava a lembrar dele perto demais, quase a beijando e dizendo coisas muito íntimas.

— O dia está lindo — sua avó anunciou. — Clara, por que não leva sua irmã e os cavalheiros para o jardim, a fim de aproveitar a brisa e o sol? Seu irmão e eu nos juntaremos aos senhores logo.

Então, ela liderou o caminho para fora das janelas francesas até o terraço.

Adam planejou que, quando saíssem no terraço, ele ficasse ao lado de Lady Clara, e Langford acompanhasse Lady Emilia.

Langford poderia encantar qualquer mulher de qualquer idade sem se esforçar. Era simplesmente de sua natureza. Alguns reis nasciam para governar; Langford nascera para seduzir.

Ele se conteve até onde pôde porque Lady Emilia era jovem, mas aqueles olhos azuis ainda eram penetrantes e aquele sorriso ainda bajulava. Lady Emilia se transformara em uma bagunça afobada de risadinhas e vermelhidão quando eles chegaram ao jardim.

Lady Clara não deixou de notar.

— Perspicaz da sua parte trazê-lo — ela disse para Adam. — Do contrário, minha avó poderia ter interpretado sua visita como cortejo, e um indicativo de seu acordo com a ideia dela sobre o casamento.

— Ela teria acertado, claro, mas apenas errado a dama. Não vamos explicar isso ainda, no entanto. Será nosso segredo por um tempo.

— Queria que parasse de falar assim, quando sabe que será um segredo eterno porque nunca aceitarei. Não há motivo para eu fazê-lo.

— Há um bom motivo. Muitos motivos. Será nosso segredo enquanto eu lhe mostro quais são.

Bem à frente, Langford deve ter contado alguma piada porque a risada de Emilia flutuou pelo ar.

— Espero que ele não crie nenhuma esperança com ela — Clara disse, estreitando os olhos. — Nunca vai ser adequado.

— Ele nunca mostrou interesse em jovens, então eu não me preocuparia.

— Os senhores são bons amigos?

— Somos amigos desde a escola. — Ele riu baixinho. — Esqueço como sabe pouquíssimo sobre mim, às vezes.

— Sua família não existia do ponto de vista da minha família, então nunca o notei ou com quem o senhor andava.

— Nunca me notou? Que ofensa. Nunca? Nem uma vez? — Ele a olhou diretamente, irônico.

Ela sentiu o rosto ruborizar, porque é claro que o tinha notado antes de ele partir para a França, durante as primeiras temporadas. Quem não notaria? Seu rosto lindo e espírito latente o destacavam. Uma vez, em um baile, ela sentiu uma calma estranha no salão, uma rigidez. Tinha sido ele, agindo como o centro de um vórtice, e a reunião ao redor era o redemoinho.

Ele a tinha visto observando-o, ela se lembrou de repente agora. Ele vira que ela o observava. Ele achava, ela suspeitou, que ela não o via totalmente como um inimigo naquele momento inesperado.

Agora ele mergulhou a cabeça para mais perto da dela.

— Não acho que não existíamos para sua família. Acho que falavam bastante de nós. Não com ou perto da senhorita, mas seu pai e sua mãe. Estou correto?

A voz dele, sua respiração, e a proximidade a deixaram nervosa. Ela verificou se sua irmã não tinha ido longe para fazer sala.

— Às vezes.

— Na época de Waterloo? — Sua voz suavizou. — Ou nos meses seguintes?

Sua mente voltou àquele tempo, anos atrás, como se fosse mandada para lá por um feitiço dele. As conversas se acumularam em sua memória todas de uma vez, como muitas vozes conversando em uníssono. Ela escutou o pai, tão claramente que lhe doeu, mas suas palavras foram obscurecidas por outras vozes falando por cima e à volta dele. Então o viu, claramente, batendo a mão na escrivaninha da biblioteca.

— Não — ela mentiu. — Não naquela época. Não que me lembre, pelo menos.

Ela não sabia por que se recusava a contar. Talvez por causa da maneira como ele a observava. Como se sua reação importasse para ele. Importava demais. Lá na frente, Langford parou de andar com Emilia. Ele os aguardou alcançá-los. Emilia parecia inebriada de alegria. Ficava olhando Langford como se ele a maravilhasse.

— Ah, não — Clara murmurou.

— Não se preocupe. Trarei homens mais apropriados para ela — Stratton disse. — Seguros, que não são perigosos de nenhuma forma. Ela vai rapidamente esquecer uma tarde de paixão.

 

— Agora, essa foi uma visita esquisita — Langford ofereceu a opinião quando ele e Adam viraram seus cavalos na Bond Street.

— Por quê?

— Por quê? Muito inocente. Você sabe por quê. Se eu não o conhecesse, diria que me trouxe para poder me jogar para aquela garota, apesar de suas garantias. Bom, não vou ceder. E se a viúva é tola o bastante para arriscar a virtude da neta comigo, ela terá que colocar a menina na fila atrás de outras cujas mães também são muito negligentes.

— A intenção não foi jogar você para a menina, mas evitar que eu fosse jogado para ela. Eu nunca a tinha conhecido e não queria que sua família pensasse que uma visita meramente social significasse mais do que isso.

— Estou muito feliz por ter me achado conveniente para seu objetivo. Da próxima vez, por favor, dê a honra a Brentworth.

— Ele teria assustado a garota ao ponto de ela não conseguir falar uma palavra. E também não teria sido tão descuidado a ponto de me permitir arriscar que seu nome fosse conectado ao dela.

— Está dizendo que me escolheu porque sou um perfeito idiota? Também não quero meu nome ligado ao dela. Se for, se Marwood começar os boatos, juro que vou...

— Eis o que deveria fazer. Visite-os de novo daqui a muitos dias...

— Pareço maluco para você? Estamos falando da Condessa de Marwood. Ela, que acaba com as mulheres por diversão e humilha homens como se fosse um jogo. Posso sobreviver a esta temporada se eu batalhar apenas com as mães armadas contra mim. Certamente vou perder se também precisar me proteger dessa mulher.

— Tinha me esquecido de como você é dramático. Escute-me. Visite de novo daqui a muitos dias, mas faça como eu. Traga outro com você. Seu irmão, por exemplo.

— Harry? Ele vai entediar a menina.

— Ela é muito jovem. O calmo e estudioso Harry não vai oprimi-la, e ela terá um amigo na cidade. Com o tempo, quem sabe o que pode acontecer? Ele terá o caminho livre, afinal.

Langford refletiu.

— Pode funcionar. Você fez aula de juntar casais na França?

— Tive aula de todo tipo de coisa. Agora, preciso parar aqui para uma coisa. — Ele desmontou do cavalo. — Você está livre para seguir seu caminho.

Langford olhou para baixo, para a loja onde Adam amarrou o cavalo.

— Vai comprar joias?

— Uma pequena bugiganga.

Langford desmontou.

— Para quem?

— Para minha senhora. Vou vê-la mais algumas vezes antes de dar o presente, mas é hora de escolher alguma coisa.

Ele entrou na loja, com Langford atrás.

— Agora fiquei confuso, Stratton. Acabou de falar para eu jogar meu irmão para ela, e tudo que fez foi ignorá-la... — Ele parou de andar. — Ah, caramba. A menina não tem nada a ver, mas a mais velha, certo? Diga que estou enganado, porque seria a pior união já planejada.

Adam pediu ao funcionário para trazer brincos de pérola. Langford apoiou os cotovelos ao lado dele no balcão.

— Se estou correto, pérolas são a escolha errada. Pérolas são modestas, discretas e convencionais. Aquela bruxa implora por algo brilhante e inesperado. Algo que declare que ela não vai se curvar para nenhum homem. Algo que...

— Estou começando a achar que você não gosta dela.

— Nenhum homem gosta muito, Stratton. A forma como ela empina o nariz para todo pretendente dificilmente encoraja generosidade. — Ele gesticulou para o funcionário levar a bandeja de pérolas embora. — Traga rubis, meu bom homem. Quanto maior e mais exagerado, melhor.


— Decidi que preciso me mudar para cá — Clara compartilhou o pensamento com Althea depois que elas terminaram de verificar o jornal. Faltava apenas Althea empacotá-lo para enviar à gráfica e agendar a impressão.

— Seus parentes a estão irritando?

— Minha avó acha que pode ditar meus movimentos e exigir que me junte a ela em qualquer visita que escolha fazer. Minha liberdade de ir e vir acabou. Preciso sair escondido como fiz hoje para encontrá-la aqui. Já estou esperando que ela abra minha correspondência.

Ela olhou em volta na biblioteca de sua casa em Bedford Square onde conversavam. A casa não chegava nem perto do tamanho da Gifford, claro, mas seria apropriado para ela. Se morasse ali, poderia terminar mais rápido seus outros planos para aquela casa.

Faltavam lugares para mulheres se encontrarem e relaxarem, com exceção da casa delas. Homens tinham seus clubes, tavernas e cafeterias para esse propósito. Por que as mulheres não poderiam ter refúgios também? Aquela casa, com sua sala de jantar, biblioteca e sala de estar, poderia servir como uma, para um grupo seleto de amigas. Ela nem precisaria fazer mudanças. Seria muito agradável se uma mulher pudesse sair de casa e se aventurar, sabendo que, em seu destino, haveria amigas e conhecidas com quem poderia passar uma hora ou mais, tomando café e comendo bolos, ou até um pouco de xerez ou vinho. Clara pensou que adoraria ter um clube de mulheres assim, então outras provavelmente pensavam da mesma forma.

— Quando planeja efetivar essa mudança? É um grande passo — Althea disse.

— Amanhã. Já informei minha criada para começar a arrumar meus baús.

— Informou seu irmão e sua irmã e, antes que nos esqueçamos, sua avó?

— Ainda não.

— Pretende sair escondida à noite e deixar uma carta?

— Claro que não. — Tinha passado por sua mente. — Não vamos sofrer por antecedência, e vamos falar de outras coisas. Descobriu alguma coisa sobre Stratton?

Althea sorriu presunçosa.

— Talvez.

— Vai me contar ou ficar zombando de mim?

— Pensei que um pouco da segunda opção seria justo. São notícias provocativas e, considerando a culpa que senti ao saber delas, preciso fazer você pagar.

— Se são provocativas, sou toda ouvidos.

— Descobri que há um boato bem vago de que o falecido duque não pereceu em um acidente de caça, como achavam. Ao invés disso, mirou a pistola em si mesmo.

Clara encarou Althea.

— Quem lhe contou isso? É uma coisa chocante de se dizer se não for verdade.

— Tirei essa informação da minha tia-avó.

— A tia-avó que precisa de cuidador?

— Disse a mim mesma que não me aproveitei, mas acho que fiz isso, sim. Ela estava visitando meu irmão, e ficamos sozinhas. Eu tinha acabado de perguntar ao meu irmão o que ele sabia sobre Stratton, quando ele foi chamado por sua secretária. Minha tia começou a falar o que ela sabia sobre Stratton, como se eu tivesse lhe feito a pergunta. — Ela mordeu o lábio inferior. — Acho que deveria tê-la impedido.

— Talvez ela o tenha confundido com outra pessoa. Alguém de muitos anos atrás.

— Acho que não, considerando o que ela disse.

Clara se inclinou, para que não perdesse uma palavra.

— Ela disse “Claro, a lealdade dele fora impugnada. O que mais ele poderia fazer?”.

— Não.

Althea assentiu.

— Então, meu irmão retornou, e um olhar desafiador a silenciou.

— Não me lembro de nenhum boato sobre a lealdade dele. Claro que ninguém ousaria compartilhar tal coisa abertamente se não houve nenhuma acusação oficial.

— Ela também poderia estar enganada. Ou, como disse, confundiu-o com outra pessoa.

Não foi a primeira vez que as conversas sobre a família Stratton fizeram Clara se lembrar de coisas, profundidades sobre situações às quais ela nunca deu importância. Agora, enquanto refletia sobre essa revelação, lembrou-se de flashes daquela época. Viu o pai em seu escritório, debruçado sobre o Times em sua mesa, estreitando os olhos para uma notícia com bordas em preto. Ela havia olhado apenas para ver o que o absorvia por causa de sua expressão. Não era de tristeza ou curiosidade. Mas uma armadura havia mascarado sua expressão, o que ela achou estranho, considerando que ele lia a notícia da morte de outro nobre.

— Ela também disse que aconteceu na propriedade da família — Althea revelou. — Falou como se ele tivesse sido grosseiro por se matar assim.

— Que horrível. — Clara sentia empatia pelo duque agora. Foi ruim o suficiente ter passado pela experiência de seu próprio pai morrer. Devia ser muito pior passar por isso sob essas circunstâncias. — Não me admira que ele tenha ido embora da Inglaterra logo depois. O duque atual, quero dizer. Se sua tia acreditava nisso, outros também o faziam, tenho certeza. Os falatórios teriam sido insuportáveis durante tal luto.

— Acho que é provável que ele tenha partido por causa daquele negócio sobre lealdade impugnada, não acha? Esse tipo de coisa mancha o nome da família, às vezes para sempre.

— Mesmo que eles sejam inimigos da minha família, preferiria não acreditar nessa parte. No entanto, pode explicar aqueles duelos na França. Ainda assim, não vamos presumir que sua tia esteja certa até termos informações parecidas de outros.

Althea se levantou e pegou sua prova embalada.

— Devo ir agora se quiser entregar isto para a gráfica esta tarde. Precisamos planejar como vamos distribuir o jornal para as livrarias. Devo escrever para nossas senhoras e marcar uma reunião?

— Se puder. Segunda será uma boa hora. Tenho alguns assuntos de família para tratar antes disso. — Clara levou Althea até a porta. — Quanto ao que me disse hoje, devemos guardar para nós mesmas.

— Não quer mais descobrir tudo e publicar um artigo?

— Se descobrirmos tudo, publicaremos. Até lá, entretanto, isso deve ficar apenas entre nós duas. Não quero prejudicar alguém sem querer ao mexer em histórias antigas.

Althea deu um beijinho em sua bochecha.

— Você tem um bom coração, Clara. Está sendo bem solidária. Talvez essa guerra antiga não tenha mais a importância que teve um dia.

Que coisa tola de se dizer. Claro que tinha. E ela não estava sendo solidária. Estava sendo responsável. Não deixaria os boatos e fofocas mancharem o nome de uma pessoa sem provas. Seu jornal era melhor que isso.

 

Dois dias depois, Adam e Brentworth passaram a tarde treinando boxe. Terminado o treino, tomaram banho e se vestiram.


CONTINUA

Condessa viúva de Marwood conseguia ser uma inimiga formidável quando queria. Sua mera presença desafiava alguém a tratá-la com gentileza para que ela pudesse ter uma desculpa para causar destruição, apenas por diversão.
Adam Penrose, Duque de Stratton, soube imediatamente o que encontraria nela.
Ele tinha sido chamado pelo seu neto, o conde da propriedade rural, que se encontrava ao seu comando. Vamos tentar enterrar o passado, ela havia escrito, e permitir que o que passou fique no passado entre nossas famílias.
Ele fora, curioso para ver como ela esperava conquistar isso, considerando que alguns desses acontecimentos não tinham terminado. Um olhar para ela, e ele sabia que qualquer plano que ela tivesse maquinado não o beneficiaria.
A senhora o deixou esperando por meia hora, antes de aparecer no aposento. Enfim, ela entrou na sala de estar, inclinada para a frente, cabeça erguida, seu peito amplo guiando o caminho, como alguém na proa do navio.
O luto pelo filho, o conde mais velho, a obrigava a usar roupas pretas, mas seu traje em crepe deve ter custado uma fortuna. Cachos grisalhos abundantes decoravam sua cabeça, sugerindo que ela também estava de luto pela moda ultrapassada das perucas. Olhos superficiais, grandes e de um azul pálido examinavam a pessoa que a chamou com um olhar crítico enquanto um sorriso artificial aprofundava as rugas de seu rosto comprido.

 

https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/O_DUQUE_MAIS_PERIGOSO_DE_LONDRES.jpg

 

— Então, o senhor retornou — ela anunciou o óbvio quando eles se sentaram em duas cadeiras robustas, após a reverência curta dele e a reverência ainda mais curta dela.

— Estava na hora.

— Alguém poderia dizer que estava na hora há três anos, ou dois, ou ainda muitos anos antes.

— Alguém poderia, mas eu não.

Ela riu. Seu rosto inteiro franziu, não apenas seus lábios.

— O senhor ficou na França por bastante tempo. Até parece francês agora.

— Pelo menos metade, eu presumo, considerando meu parentesco.

— E como está sua querida mãe?

— Feliz em Paris. Ela fez muitas amigas lá.

As sobrancelhas da viúva se ergueram apenas o suficiente para expressar a diversão irônica.

— Sim, acredito que tenha feito. É um milagre ela não o ter casado com uma amiga dela.

— Acho que uma união britânica me serviria melhor. Não acha?

— De fato. Vai ajudá-lo enormemente.

Ele não queria falar sobre a mãe ou os motivos pelos quais uma união sólida o ajudaria.

— A senhora escreveu sobre o passado. Talvez possa me esclarecer quanto a isso.

Ela abriu as mãos, com a palma para cima, em um gesto de confusão.

— A animosidade entre nossas famílias é tão antiga que as pessoas ficam imaginando por que começou. É tão desnecessária. Muito lamentável. Nós somos vizinhos, afinal de contas. Certamente podemos passar por cima disso, se quisermos.

Incapaz de ficar sentado ouvindo suas referências alegres àquela história, ele se levantou e foi até as janelas altas. Tinham vista para um jardim espetacular e para as colinas além dele, não muito longe. A casa e seu terreno ocupavam um vale baixo.

— Como sugere que façamos isso? — ele fez a pergunta enquanto encurralava a amargura em sua mente.

A viúva sabia muito bem por que a recente animosidade havia começado e provavelmente sabia sobre a história antiga também. No entanto, reconhecer um dos dois tornaria sua oferta de paz peculiar. Nós roubamos sua propriedade, atacamos sua mãe e ajudamos a levar seu pai à morte, mas o senhor deveria passar por cima disso agora.

Ele se virou e a viu observando-o. Ela parecia confusa, como se ele tivesse feito algo inesperado e ela não conseguisse determinar se ele havia chegado a uma solução sem que ela soubesse.

Ele ergueu as sobrancelhas para encorajá-la a falar.

— Proponho que resolvamos isso da forma antiga. Da maneira que dinastias políticas fizeram ao longo do tempo — ela disse. — Acredito que nossas famílias devam se unir por meio do casamento.

Ele mal evitou revelar sua perplexidade. Não esperara isso, de todas as propostas. Ela não sugeriu apenas uma trégua, mas uma aliança unida pelos laços mais fortes. O tipo de aliança que poderia impedir que ele buscasse a verdade sobre o papel daquela família na morte de seu pai, ou que procurasse vingança se descobrisse que suas suspeitas sobre o último conde estavam corretas.

— Já que eu não tenho uma irmã para seu neto, presumo que a senhora tenha me escolhido.

— Meu neto tem uma irmã que vai combinar perfeitamente com o senhor. Emilia é tudo que qualquer homem poderia pedir e será uma perfeita duquesa para o senhor.

— A senhora fala com muita confiança, mas não faz ideia do que este homem pediria.

— Será que não? Como se eu tivesse vivido tanto e não aprendido nada? Bela, graciosa, reservada e elegante. Essas qualidades são prioridade na sua lista, como na de todos os homens.

A tentação em adicionar outras exigências, umas que iriam chocá-la, quase dominou seu autocontrole. Ele só ganhou a batalha porque havia aprendido a nunca informar o inimigo de seus pensamentos.

— Posso encontrar isso em muitas outras jovens. Devemos ser sinceros um com o outro? O que teria de particular nessa união que seria de minha vantagem?

— Pergunta ousada, mas justa. Nós seremos aliados em vez de inimigos. Vai beneficiar o senhor assim como a nós.

— Bom, Condessa, nós dois sabemos que isso não é verdade. Fui convidado para negociar a paz quando meu pai nunca foi, no passado. Seria tolo se não imaginasse por que a senhora pensa que eu concordaria. Considerando os boatos em relação às minhas atividades na França, suponho como a senhora pode achar que isso protegerá seu neto, mas não como me ajudará.

Seus olhos se estreitaram. As rugas de sua pele congelaram como esculturas de pedra. Ela não demonstrou medo. Adam admirava sua postura forte, mas, na verdade, ela não achava que estava em perigo.

Ela se levantou.

— Vamos até o terraço. Vou lhe mostrar minha neta. Assim que a vir, vai entender como será beneficiado.

Ele a seguiu para o ar fresco de abril. O jardim se espalhava abaixo deles como uma tapeçaria marrom e vermelha, decorada por novas folhinhas e flores amarelas, rosadas e roxas. Bulbos, ele pensou. Elas ainda não haviam começado a florescer quando ele foi embora de Paris.

Uma garota estava sentada no meio da plantação revivendo, em um banco de pedra a nove metros. Ela tinha um livro aberto, segurado para cima a fim de não precisar olhar para baixo. A viúva devia ter lhe concedido uma pausa do luto porque a garota usava um vestido azul-claro. Ela era bonita e talvez tivesse dezesseis anos de idade. Seu cabelo loiro brilhava no sol, e sua pele clara e seu rosto adorável atrairiam qualquer homem. Adicione uma elegância e ela serviria muito bem.

A viúva estava ao lado dele, e sua expressão era de extrema confiança. Ele não confiava nela, mas admirava sua habilidade naquele jogo. Ele admitia para si mesmo que sua oferta realmente tinha suas vantagens, e não porque a garota era linda. O nome de seu pai e a honra de sua família haviam sido manchados nos melhores círculos e, se ele quisesse alterar esse cenário, aquele casamento definitivamente ajudaria. Significaria esquecer os motivos pelos quais ele dera as costas à Inglaterra assim como seu único bom motivo para finalmente retornar. Era por isso, ele presumia, que a viúva o tinha convidado.

— Emilia é a menina mais doce que já conheci. Tem bom humor também e uma boa inteligência, não precisa se preocupar de ela ser lenta — a condessa disse.

A doce Emilia fingia não vê-los, assim como fingia ler, em uma posição na qual ele conseguia ver seu rosto e seu corpo.

Não havia nada a esquentando, e nenhum chapéu protegia aquela pele clara. Ele imaginou por quanto tempo ela estaria sentada ali, esperando seu futuro pretendido inspecioná-la.

Ele não sabia por que ela não era sedutora. Talvez porque, apesar de ser adorável e graciosa, fosse jovem demais e, como parecia ser submissa às instruções da avó, provavelmente faltava clima.

As portas se abriram e o conde saiu apressado. Alto e loiro, ele ainda não tinha passado da fase magra desengonçada da adolescência. Olhou de forma zangada sua avó ao passar por ela. Ela enrugou o rosto em resposta. A chegada dele aparentemente não fazia parte dos planos da viúva.

Ele avançou em Adam como um homem que cumprimentava um amigo, mas sua recepção apressada e calorosa e o brilho de suor na testa diziam outra coisa. Theobald, Conde de Marwood, estava com medo de seu convidado. Muitos homens mostraram a mesma reação desde que Adam voltou à Inglaterra há duas semanas. Ele tinha uma reputação e, aparentemente, a sociedade esperava que ele desafiasse todos que pensassem em provocá-lo.

Adam não havia feito nada para corrigir essas suposições. Primeiro, talvez ele desafiasse muito bem um ou dois, dependendo do que descobrisse sobre os eventos de cinco anos atrás. Segundo, havia homens, como o próprio Marwood, que ficavam mais flexíveis quando motivados pelo medo.

— Vejo que Vovó já abordou a ideia dessa união — Marwood disse cordialmente. Ele olhou para sua irmã Emilia, ainda parada no jardim. Eles eram muito parecidos: pálidos, claros, bonitos e jovens.

O conde não poderia ter mais do que vinte e um anos. Adam pensou se Marwood sabia sobre o boato que havia assombrado o pai de Adam até seu túmulo. O medo de Marwood sugeria que talvez soubesse, e que as suspeitas antigas sobre esses velhos inimigos pudessem ser verdade.

— O senhor concorda com a ideia? — Marwood perguntou.

A avó dele chegou mais perto.

— Perdoe meu neto. Ele ainda é muito jovem para não ponderar que a impaciência impetuosa é uma virtude forte.

Marwood olhou para o céu como se rezasse e pedisse por essa paciência.

— Ele já sabe se a ideia é atraente ou não.

— A ideia é atraente, de uma forma geral — Adam disse. Ele não mentiu. Ainda pesava as implicações do plano da viúva. Essa oferta de simplesmente virar a página do passado o tentava mais do que esperava.

O jovem conde lançou um olhar cheio de otimismo para a avó. A viúva demonstrou mais circunspecção. Adam concentrou seu olhar na garota. A viúva recuou. O conde se aproximou andando de lado. Ansioso para finalizar as negociações, o conde exaltou os atrativos da irmã, de homem para homem. Do canto de olho, Adam viu a viúva balançar a cabeça para a falta de finesse do neto.

Uma movimentação na colina além do jardim chamou a atenção de Adam. Uma faixa preta riscou o cume, voou por cima de uma árvore grande caída, depois parou de repente. Uma mulher inteira de preto, em um cavalo preto, olhava para baixo para a casa.

— Quem é aquela? — ele perguntou.

Marwood semicerrou os olhos e fingiu não reconhecer. Olhou de canto de olho para Adam e pensou melhor.

— Aquela é minha meia-irmã, Clara. Filha da primeira esposa de meu pai.

O ponto preto chamado Clara conseguia demonstrar uma boa dose de arrogância mesmo ao longe. Ela andava com seu cavalo para a frente e para trás no pico da colina, observando o quadro abaixo como se o resto deles estivesse em um espetáculo para sua diversão.

Ele se lembrou de Lady Clara Cheswick, embora nunca tivessem sido apresentados. Mas ela apareceu na sociedade antes de ele deixar a Inglaterra. Com olhos brilhantes e cheios de vida. Essas eram suas impressões absortas no momento.

— Ela não permite que o luto interfira em seu prazer de andar a cavalo — Adam disse.

— Provavelmente diria que honra nosso pai assim. Eles gostavam de andar a cavalo juntos.

— Como ela é mais velha, por que não estão me oferecendo sua mão?

Marwood olhou desconfiado para a viúva, depois deu um sorrisinho.

— Porque o objetivo é impedir que o senhor me mate, não é? — ele falou em voz baixa com uma franqueza inesperada. — Não quero lhe dar outro motivo.

Adam escolheu não tranquilizar Marwood sobre a parte de matá-lo. Deixou aquele projeto de conde se preocupando.

— Agora está me intrigando, não me desencorajando.

Marwood inclinou a cabeça para mais perto e falou em confidência.

— Estou lhe fazendo um grande favor agora, falando sinceramente. Meu pai a mimava, satisfazia todos os seus desejos e lhe permitiu criar ideias descabidas para mulheres. Ele nunca exigiu que se casasse, e agora ela pensa que isso está abaixo dela. Ele deixou uma boa parte da propriedade em seu nome, um bonito trato com ricos fazendeiros. — Sua voz ficou um pouco amarga na última frase. — Ela é minha irmã, mas eu não seria seu amigo se a elogiasse quando, na realidade, é uma boa de uma megera.

Clara era a filha preferida do velho conde, aparentemente. Adam pensou se o pai recém-falecido tinha a habilidade de se virar em sua cova. Com uma ou duas cutucadas, talvez.

— Quantos anos ela tem?

— Passou muito da idade de se casar. Vinte e quatro.

Idade suficiente para se lembrar. Ela talvez soubesse uma boa parte, se seu pai a mantivesse perto.

— Chame-a aqui. Gostaria de conhecê-la.

— Sinceramente, o senhor não quer...

— Chame-a. E diga à sua outra irmã para baixar o livro. Os braços devem estar parecendo chumbo agora.

Marwood apressou-se até a avó a fim de compartilhar o pedido. A viúva foi correndo até Adam enquanto tentava parecer calma.

— Temo que tenha entendido errado. Para essa união ter uma conclusão satisfatória, a noiva deve ser Emilia. O caráter de Clara é além do alcance, mas ela não é apropriada para nenhum homem que deseje harmonia doméstica.

— Só pedi para conhecer Lady Clara. E ainda não concordei com nenhum casamento.

— Antes de morrer, meu filho conversou especificamente comigo sobre essa união. Estou apenas executando suas intenções. Ele disse que deveria ser Emilia...

— Ele quer conhecê-la, Vovó. — Desesperado, Marwood ergueu o braço e acenou para sua irmã Clara se aproximar.

O cavalo parou de andar. A mulher tinha visto e entendido a instrução. Estava naquela colina, seu cavalo de perfil, a cabeça dela virada para eles, olhando para baixo. Então puxou forte as rédeas. Seu cavalo empinou tão alto que Adam temeu que ela escorregasse da sela. Em vez disso, ela se segurou perfeitamente enquanto girava seu cavalo. Virou-se de costas para eles e galopou para o lado contrário. A moça acabara de lhe dar um tapa na cara a quinhentos metros.

A expressão da viúva mostrava um triunfo presunçoso debaixo da camada de desânimo.

— Que pena ela não ter visto o sinal do meu neto.

— Ela viu muito bem.

— É um pouco teimosa, vou admitir. Avisei ao senhor — Marwood disse.

— Não mencionou que ela é grosseira, desobediente e rapidamente insulta outros quando quer.

— Tenho certeza de que ela não quis insultá-lo. — Ele lançou um olhar desesperado para a avó.

— Tem certeza? Então, por favor, peça aos criados para trazerem meu cavalo ao portal do jardim imediatamente. Vou lá e me apresento para Lady Clara, assim não fico com rancor de sua grosseria não intencional e não permito que isso interfira na nova amizade de nossas famílias. — Adam fez uma reverência para a viúva. — Por favor, dê minhas lembranças para Lady Emilia. Estou certo de que ela e eu nos conheceremos logo.


lara galopou até uns bons três quilômetros da casa. O que Theo estava pensando, chamando-a e acenando para ela ir até lá? Ela nem estava vestida para receber o convidado dele. Pela postura rígida de Vovó, suspeitava que apenas Theo pensara ser uma boa ideia.

Incentivou seu cavalo e o levou a um bosque. Tirando Theo de sua mente, desmontou de sua sela em um toco de árvore, desceu e pegou uma folha de papel da bolsa. Encontrou um bom lugar debaixo de uma árvore, sentou-se e voltou sua atenção às páginas. Sua amiga Althea havia enviado no dia anterior, e ela precisava ler e enviar de volta com seus pensamentos incluídos.

Fez uma imersão no texto, fazendo alguns comentários com um lápis que guardara em seu corpete. Absorta pela leitura, não olhou para cima por, no mínimo, meia hora. Quando o fez, viu que não estava mais sozinha. Um homem a observava a uns trinta metros. Seu cavalo branco contrastava com sua capa preta e o cabelo escuro. Esse último chegava à sua gola e não demonstrava nenhum sinal de ter sido cortado por um cabeleireiro consciente da moda atual de Londres.

Ela o reconheceu do terraço. Um pensamento a incomodou de que talvez já o tivesse visto. O visitante de Theo a seguira. Ela pensou que isso era muito ousado. A forma como ele estava ali sentado e observando-a apenas confirmava que ele não tinha boas maneiras.

Pensou em voltar a ler, depois decidiu que poderia não ser sábio. Uma coisa era fingir que não tinha visto o aceno de seu irmão para se aproximar, e outra era fingir que não via um homem bem à sua frente.

Ele levou seu cavalo para mais perto. Ela conseguia vê-lo melhor agora. A desaprovação endurecia a boca dele, o que enfatizava seus lábios carnudos sensuais. Olhos escuros a mediam quase que por completo. Sua capa preta não estava na moda para Londres, mas ela conhecia muito bem a moda francesa para reconhecê-la como mais apropriada para Paris. Ele usava uma gravata escura amarrada casualmente.

Achou-o muito bonito de forma chocante e poética. Por ter conhecido alguns homens com humor negro no passado, ela não tinha nenhum interesse em conhecer outro, independente do quanto ele fosse bonito.

Ele parou seu cavalo a três metros. Não desmontou, mas ficou acima dela. Ela pensou em se levantar, a fim de encurtar a distância, mas decidiu não o fazer. Se ele queria assustá-la, teria que fazer melhor que isso.

— Bom dia, senhor. — Ela permitiu que sua voz transmitisse o quanto achava inapropriada sua intrusão.

Ele desceu do cavalo.

— Por favor, perdoe-me a falta de apresentação formal, mas duvido que irá se importar, já que é uma mulher que não se incomoda muito com tais coisas.

— Tenho certeza de que não entendo o que quer dizer.

Os cantos daquela boca se ergueram o suficiente para indicar que ele sabia que ela estava mentindo. De fato, aquele meio sorriso implicava que ele sabia tudo sobre ela.

— A senhorita me ignorou lá, Lady Clara. É isso que quero dizer.

— É impossível ignorar alguém que não conhece.

— Parece que a senhorita pensa que é a mesma coisa.

Arrogante seria muito gentil para descrevê-lo.

— O senhor mencionou uma apresentação — ela disse através de um sorriso rígido.

Ele fez uma curta reverência.

— Sou Stratton.

Stratton? O Duque de Stratton? Aqui? Será que Theo havia enlouquecido?

Por isso ele era vagamente familiar. Ela o tinha visto há anos, em bailes, antes do pai dele morrer e ele ir embora da Inglaterra. A última vez que foi a Londres, dez dias antes, ela tinha ouvido um ou outro falar que ele havia retornado, mas ia além da sua compreensão o fato de Theo tê-lo permitido entrar na propriedade.

Ele andou de lado e adotou uma postura casual bem ao lado dela, com um de seus ombros apoiados no tronco da árvore. Ele cruzou os braços como um homem que esperava uma conversa longa.

Ela se levantou, juntando os papéis perto de seu peito para que não voassem pela colina.

— Eu não sabia quem o senhor era. Mesmo que eu tivesse que adivinhar a identidade do homem com meu irmão, seu nome nunca teria passado por minha cabeça.

— Com certeza, não. Nossas famílias são inimigas há décadas.

— Theo está deixando o título subir à cabeça dele se o recebeu. Minha avó deve estar apoplética.

— Foi sua avó que me convidou para vir aqui.

— Não é possível.

— A carta era dela, escrita à mão. Foi bem inesperado — ele disse em um tom sarcástico.

Ela estreitou os olhos para ele.

— E mesmo assim aceitou o convite.

— Sua avó é um dos baluartes da sociedade há mais tempo do que estou vivo. As padroeiras do Almack tremem na presença dela. Eu nunca insultaria alguém com tal influência.

Agora ele zombava dela. Ela duvidava que ele se importasse o mínimo com a influência social de sua avó. Não parecia ser um homem que deixaria de lado o orgulho de sua família e obedeceria a sua avó. Ela deveria organizar o artigo de Althea e sair dali. Mas a curiosidade foi maior.

— Por que ela o convidou?

— Ela propôs um casamento dinástico com sua irmã a fim de acabar com a animosidade. A fim de enterrar o passado. — Aquele meio sorriso de novo. — Pode imaginar meu espanto. Foi bem parecido com o seu agora.

Espanto mal fazia jus à sua reação. Isso ficava cada vez mais esquisito. Também mais irritante. Ela se sentia duplamente traída. Primeiro, no lugar de seu pai, que nunca teria aprovado essa ideia. E, segundo, por si mesma, porque não contaram para ela nem a consultaram. Vovó deve ter usado toda a sua força de vontade para manter isso um segredo, se até Emilia não confessou isso a ela.

— Então, quando o noivado será anunciado? — Ela deixou seu máximo ceticismo se expressar em seu tom sarcástico.

— Ainda não concordei com a união.

— Minha irmã é adorável e brilhante. Daria uma esplêndida duquesa, claro, só que não para o senhor. Estou aliviada por ainda não ter decidido.

— Não culpe a mim pelo atraso, sabendo o que penso sobre o assunto. Lá estava eu, tomando uma decisão sobre uma pomba branca adorável, quando um corvo preto voou e me distraiu.

Corvo? Por que o...

— Então o corvo bateu as asas na minha cara e virou o rabo para voar para longe. — Ele se aproximou até estar acima dela. — Nunca fujo de um desafio, Lady Clara.

Se ele pensava que ela iria tremer e ruborizar, estava enganado. Só que ela tremeu, sim, um pouco, enquanto reparava que o comportamento dele exalava uma boa quantia de mistério e empolgação e que seus olhos escuros e suas profundezas tinham camadas que a atraíam, chegando ao ponto de quase se afogar. A proximidade dele e seu olhar a deixaram incapaz de falar algo por um instante constrangedor. Talvez tivesse ruborizado um pouco também.

— Teria sido melhor agarrar o pombo branco enquanto podia — ela disse. — Agora tenho tempo para lembrar à minha avó que o senhor nunca o fará.

— Cumprirei muito bem aos propósitos dela.

— E quais são?

— A senhorita não sabe? — Ele inclinou a cabeça de lado. — Talvez não saiba.

Ficou ainda mais bizarro estar tão perto dele. Ela sentia uma mistura de alarme e... exultação. Deu um passo para trás e se atrapalhou com a pilha de folhas nos braços.

— Com licença.

Ela foi até seu cavalo. Sua estrutura alta e esguia logo aqueceu a lateral dela e os passos dele acompanharam os dela.

— Está indo embora sem nem desejar um bom dia? Penso que está determinada a me insultar.

— Estaria em meu direito atirar no senhor; insultá-lo é pouco. O senhor está invadindo esta propriedade, não importa o que minha avó aflita pelo luto tenha lhe dito. Ultrapassou o limite entre a terra de meu irmão e a minha há quatrocentos metros.

— E eu estaria no direito de segui-la em resposta ao seu comportamento.

Ela parou de andar e olhou desafiadoramente para ele.

— Tal ameaça é inaceitável. Tente fazer isso e, certamente, vou atirar no senhor. Não duvide disso. Não sou uma mulher que treme quando encontra a estupidez masculina. E cavalheiros com educação adequada teriam permitido passar o mal-entendido em relação às instruções de meu irmão. É ultrajante que o senhor se sinta no direito de me seguir e, depois, me censurar. Agora, seguirei meu caminho, e o senhor pode seguir o seu.

Ela acelerou o passo até o cavalo. Ele andou ao seu lado de novo. Ela queria bater nele com o manuscrito de Althea, estava irritando-a muito.

— A senhorita é escritora? — Ele esticou o braço e tocou no canto das folhas. Isso fez o braço dele se aproximar do corpo dela. Um sobressalto interno quase a fez pular para longe.

— Uma amiga escreveu isso. É um texto sobre... — Parou de falar. — Tenho certeza de que não lhe interessaria.

— Talvez interesse.

— Então tenho certeza de que não é da sua conta.

— Não é uma escritora, mas uma sabichona.

— Oh, detesto essa palavra. — Ela enfiou as páginas em sua bolsa. — O senhor acabou de passar anos na França. Eles são famosos por louvar mulheres cultas. Se me dá esse apelido simplesmente porque me viu lendo, aparentemente, não aprendeu muito enquanto esteve lá, exceto como ser irritante.

Ela pegou as rédeas e posicionou o cavalo.

— Permita-me ajudá-la. — Ele se aproximou.

— Por favor, só vá embora. — Rapidamente, ela pisou no toco de árvore. Com um pulo e uma puxada, montou de novo na sela.

— Admirável, Lady Clara. Vejo que é independente em todas as coisas.

Ela engoliu um gemido com o comentário dele.

— Acha que sou tola por descer de um cavalo se não houvesse como subir de volta?

Quando ela se virou para cavalgar, viu a expressão do duque. O humor suavizava aquele rosto de alguma forma, mas, dentro da mente atrás daqueles olhos escuros, os planos se formavam.

Adam observou Lady Clara cavalgar para longe.

Que mulher provocadora. De olhos brilhantes e muito vivos, mas também mais adoráveis, com uma pele cremosa e mechas claras no meio de seu cabelo castanho.

Espirituosa. Espirituosa demais, a maioria dos homens diria. Ele não era um deles. Gostava de mulheres altamente espirituosas e senhoras de si. Claro que preferia que elas não o tratassem com desdém. Ele a desculparia. Dessa vez. Os planos da viúva tinham pego Lady Clara desprevenida ? assim como a ele ? e a inimizade entre suas famílias tornava a grosseria dela compreensível.

Também a desculparia porque a quis imediatamente ao vê-la debaixo daquela árvore, e a quis mais no momento em que se separaram. O desejo sempre encorajou a generosidade.

Ele montou, mas cavalgou para leste, não de volta à casa de Marwood, a oeste. Não havia necessidade de retornar para lá, depois para a estrada. Se continuasse nesse caminho por muitos quilômetros, logo chegaria em sua própria terra.

Passou por fazendas bem cuidadas e por um vilarejo. Será que ainda era propriedade de Lady Clara? Se era, o legado de seu pai tinha sido significativo. Por isso Marwood falou disso com ressentimento.

Só quando ele alcançou o pico baixo da propriedade, percebeu exatamente onde estava. Reconheceu a cidade da qual se aproximava por seu moinho. Mal conseguia estabelecer o riacho que serpenteava de norte a sul. A propriedade de Marwood encontrava a dele em lugares ao longo do rio.

Ele avançou trotando com seu cavalo, pensando sobre a oferta da viúva, como ditado pelo último conde. O conde tinha motivos para buscar um tratado de paz. Adam pensou que sabia quais eram. Mas parecia que, até perto da morte, o caráter de um homem não mudava.

O último conde havia esquematizado para garantir que ganhasse uma velha batalha, até quando pediu à sua mãe para oferecer um ramo de oliveira na esperança de proteger o filho.

 

Clara amarrou uma fita no manuscrito de Althea e colocou sua folha de anotações em cima. Althea era uma boa escritora. No entanto, quando se importava profundamente com uma causa ou evento, ela desviava de sua opinião e entrava em polêmicas. Não precisaria de muito para mudar isso, então não demonstrou aquele defeito.

Ela o guardou em uma gaveta debaixo da escrivaninha que usava na biblioteca. Enquanto o fazia, seu irmão Theo entrou no aposento e a olhou com desconfiança. Então foi até o decanter e se serviu de um pouco de conhaque.

— Você arruinou tudo — ele disse entre dentes cerrados. — Tudo estava sob controle, e precisava insultá-lo ao ponto de ele esquecer todo o resto.

Ela nem tinha visto Theo ou sua avó ao retornar, então essa era a primeira vez que seu irmão tinha chance de repreendê-la. Não que ela fosse permitir.

— Se tivesse me contado que receberia Stratton, eu teria permanecido longe, asseguro a você.

— Foi ideia de Vovó, mas parece estar seguindo o próprio caminho.

— Papai nunca teria aprovado. Se é para haver uma reaproximação entre nossas famílias, deixe-os dar o primeiro passo.

Ele deu um sorrisinho para seu conhaque, depois para ela.

— Você não esteve muito em Londres esse último semestre. Não esteve participando nem um pouco da sociedade enquanto está de luto. Então não soube dele, não é?

— Não teria prestado atenção, de qualquer maneira, porque ele não tem nada a ver comigo. Com nenhum de nós. É assim que acontece desde, pelo menos, a época de nosso avô. — Ela crescera com essa lição. Seu pai, o papai querido, não precisara falar muito disso para passar a tradição da amargura da família.

— Infelizmente, ele não é como o pai dele. Ou nenhum dos outros. Ele é... perigoso.

Ela deu risada.

— Não pareceu perigoso para mim.

Só que parecera, sim. Todo aquele mistério tinha muito a ver com isso. Se ela um dia o visse de novo, ficaria tentada a fazer cócegas nele até ele rir como um tolo, apenas para derrotar aquela força do humor negro que carregava.

— Ele não é perigoso para mulheres. — A voz de Theo se aprofundou com sarcasmo.

Bom, agora ela não tinha certeza se concordava com isso também.

— Ele duela, Clara. Matou dois homens, e quase um terceiro. Na França. A menor provocação e ele desafia os homens. Ele não vai ceder. Estão dizendo que voltara à Inglaterra porque as autoridades francesas disseram para ele deixar o país. — Theo engoliu o resto do conhaque. — É um assassino.

A postura de Theo encolheu enquanto ele falava. Sua testa franziu. Seus olhos azuis olharam para longe em direção ao nada. Clara era três anos mais velha do que Theo e o observara crescer. Sabia que seu irmão estava com medo.

Ela se levantou e foi até ele.

— Ele não vai matar você, Theo. Não por causa de uma briga de família que começou antes de você nascer.

— Que melhor forma para ganhar essa batalha? Uma palavra errada, um olhar ruim, e ele terá sua desculpa.

— Está sendo muito dramático.

— Vovó concorda. Zombe de meu julgamento, se quiser, mas vai zombar tão rápido do dela?

A explicação de Stratton quanto à sua visita fazia sentido agora, mas da maneira mais ridícula. O luto de Vovó havia tomado um rumo infeliz se ela viu tal ameaça no duque. Quanto a Theo... Ele era corajoso quando havia um pouco de perigo, mas menos quando era seguido de ameaça.

— Presumo que a estratégia foi que, se fosse o cunhado dele, ele nunca iria querer duelar com você — ela disse. — É um preço alto a pagar pela paz, irmão. E quanto a Emilia? Se ele tem esse comportamento, é justo uni-la a ele?

— Eu disse que ele não é perigoso para mulheres, não disse?

— Você não tem certeza. Se nem nos sentamos à mesa com aquela família, não deveríamos planejar uniões com eles.

— Vovó...

— Você é o conde agora. Precisa pensar por si mesmo.

— Que conselho ridículo, Clara. Ele mal saiu da escola — Vovó entrou na biblioteca falando. — Não quero que complique ainda mais o assunto ao incentivar Theo a uma independência imprópria de meu conselho.

— Tenho vinte e um anos — Theo murmurou, ruborizando.

— Tem? Bom, um ano a mais ou a menos não significa nada.

— Não estou complicando nada — Clara disse.

Sua avó se sentou. Costas eretas e cabeça angulada exatamente para assumir a postura de rainha de tudo que supervisionava. No momento, isso incluía Clara.

— Seu comportamento hoje fez o duque partir antes de eu... nós podermos combinar as coisas. Se isso não é complicação, o que é?

— Uma prorrogação. Para Emilia. Para todos nós, enquanto a senhora reconsidera essa ideia extraordinária de casá-la com aquele homem.

— Ele pareceu bem adequado para mim. Francês demais, mas é o que se pode esperar com aquela mãe dele, e a forma como ele morou fora todo esse tempo. Mesmo assim, algumas semanas e ele vai assumir seu papel correto na vida e fazer o que precisa para reivindicar seu lugar entre nós. Ele sabe que precisa se casar com uma garota com a educação impecável como a de sua irmã, e nós vamos nos beneficiar ao tê-lo por perto, onde podemos ficar de olho nele para que o passado não consiga prejudicar Theo.

— A senhora não pode também pensar que ele é perigoso para meu irmão. Será que todo mundo perdeu o senso por aqui?

— Como sempre, você presume saber de tudo por causa de como meu filho a favorecia. Entretanto, há muito que não entende. Não estou brincando. Não vou deixar nada acontecer a Theo, principalmente com seu herdeiro presumível sendo aquele primo insuportável. Deixe comigo, Clara. Emilia vai se casar com Stratton, e tudo ficará bem.

Para que Clara não discutisse sobre a última palavra, sua avó ergueu um livro, abriu-o, colocou os óculos no nariz e começou a ler.

Clara olhou para Theo, esperando encontrar um aliado para suas objeções.

Ele se virou e se serviu de mais conhaque.


dam entregou seu chapéu e seu chicote ao criado na porta do White’s, e caminhou pelo salão do clube. Olhares voaram em sua direção. Cabeças se curvaram. Houve tanto silêncio que ele escutou o burburinho baixo de sussurros.

Ele continuou, assentindo e cumprimentando homens que não conseguiam resistir a olhar mais diretamente. Alguns reagiam com sorrisos simpáticos demais para apenas conhecidos.

Saiu do salão por uma porta no fundo e subiu as escadas para o piso superior.

— Sir, temo que todos os cômodos estejam ocupados. — A reprimenda gentil do funcionário o alcançou no meio das escadas.

Ele se virou. O funcionário viu seu rosto e ficou vermelho.

— Peço desculpas, Sua Graça. Não percebi que era o senhor. Bem-vindo de volta, sir.

— Presumo que eles estejam lá em cima.

O funcionário assentiu. Adam subiu. Sons saíam de trás de uma das portas. Vozes masculinas e risada. Ele abriu o ferrolho e entrou.

Dois homens o encararam, mudos pela surpresa.

— Caramba — um deles finalmente murmurou. — Brentworth aqui especulou que você pudesse aparecer hoje, mas eu disse que você nunca viria.

— Então ele estava certo, Langford, e você, errado.

Adam se jogou em uma cadeira e olhou em volta.

— Parece que nada mudou muito.

— Muito pouco. — Gabriel St. James, Duque de Langford, jogou-lhe um charuto. Ele sorriu com prazer e seus olhos azuis brilharam. — Droga, mas é bom vê-lo. Disseram que voltou há um mês. Por onde esteve?

— Colocando meus negócios em ordem. Analisando os registros da propriedade. — Ele pegou uma vela e a segurou em seu charuto. — Demitindo o administrador que estava me roubando. Esse tipo de coisa.

Ele também tinha feito outras coisas. Uma foi investigar uma mulher chamada Clara Cheswick. Descobrira algumas coisas sobre ela que eram apenas de seu interesse.

— Na fazenda, então. Por isso que a única indicação de seu retorno eram as fofocas e os boatos. — Eric Marshall, Duque de Brentworth, levantou-se para pegar o decanter de uísque. Aproximou-se com um copo, serviu Adam, depois encheu o próprio e o de Langford. Nenhum sorriso dele, apenas um sorriso deprimido em seu rosto severamente esculpido. Sem brilho em seus olhos escuros, mas escrutínio bem profundo.

Ambos eram a epítome da moda, mas em maneiras diferentes como seus comportamentos. Os cachos cortados do agradável Langford sempre pareciam que ele havia acabado de ficar ao vento, enquanto as ondas mais sérias de Brentworth nunca ousavam tal exuberância. Langford usava uma gravata casual escura naquela noite, enquanto o lenço de linho branco de Brentworth parecia ter sido engomado por seu criado cinco minutos antes.

Não que Brentworth não fosse espirituoso ou fosse escravo de convenções comparado a Langford, mas ele valorizava a discrição e não desprezava seus desejos ou pensamentos. Não se podia dizer o mesmo de Langford.

Adam gostou de como seus dois amigos interpretavam velhos rituais e o receberam com tranquilidade. Não ignorou o fato de que a cadeira em que se sentava ? sua cadeira de sempre ? não havia sido usada por nenhum deles, apesar da sua proximidade ao fogo reconfortante. Bebeu um pouco de uísque, soprou o charuto e permitiu que a nostalgia e a familiaridade o inundassem. Voltara à Inglaterra há mais de um mês, mas, naquele momento, finalmente sentia que tinha voltado para casa.

— Que tipo de fofocas e boatos? — ele perguntou, deixando o último comentário penetrar sua paz.

Seus amigos trocaram olhares misteriosos.

— Enquanto você esteve fora, sua reputação chegou à Inglaterra, mesmo que você não tenha voltado — Brentworth disse.

— Está falando dos duelos.

— Um é compreensível para qualquer cavalheiro. Dois podem ser desculpados. Três, no entanto... — Langford explicou.

— Nenhum homem no salão lá embaixo teria permitido qualquer daqueles insultos à família passar sem um desafio. Fiz o que qualquer um faria.

— Claro, claro — Langford acalmou. — A pergunta, porém, é se voltou para fazer isso aqui também. Há alguns camaradas que estão se lembrando de cada pequena desavença que podem ter tido com você, e qualquer crítica sussurrada à sua família ou a você. Tenho certeza de que, em algumas semanas, assim que voltar à sociedade e propagar seu charme, isso tudo será esquecido.

— Talvez seja melhor se não for.

Isso surpreendeu Langford.

— Não pode querer ser visto como perigoso. Sinceramente, ninguém vai ameaçá-lo.

— Se ser visto como perigoso impedir homens estúpidos de dizer coisas estúpidas que me obriguem a desafiar em nome da honra, então deixe-os pensar que sou perigoso. — Ele colocou o copo na mesa como uma forma de finalizar aquela linha de pensamento. — Estou feliz por ter encontrado vocês dois aqui.

— Onde mais estaríamos na primeira quinta à noite do mês? — Brentworth disse. — Continuamos como sempre foi. Você pode ter nos abandonado, mas nós ainda somos a Sociedade dos Duques Decadentes.

Adam sorriu. Eles três frequentavam a escola quando se deram esse nome. Todos herdeiros de ducados, haviam formado uma conexão imediatamente. A escola os separou, e os outros garotos também. Eles aprenderam rápido que a única pessoa que trataria um duque normalmente era outro duque. Portanto, uma amizade rápida e duradoura foi formada.

Aquele cômodo, e as reuniões mensais, começou assim que todos deixaram a universidade e foram para a cidade aproveitar seus privilégios. Por um bom tempo, a Sociedade dos Duques Decadentes fora mais do que um título inteligente que seguia os garotos de escola. Muitas vezes, encontravam-se ali, mas logo saíam para explorar quão decadentes conseguiam ser.

Langford havia encontrado seu segundo dom naquelas perversões. Um estilo de vida. Famílias decentes o recebiam agora apenas porque ele era um duque, embora seu charme considerável pudesse ter lhe dado algumas aprovações de qualquer forma. Brentworth, por outro lado, superara tais excessos primeiro, pelo menos em relação ao comportamento que outros pudessem ver ou relatar. Era mais um exemplo de como ele administrava tudo sem esforço para a ideia pública de duque, em aparência e comportamento. Superior, arrogante e confiante em seus privilégios, ele estava acima do mundo em estatura e indiferença. Adam não se importava com o quão duque seu amigo havia se tornado. Conhecia Brentworth muito bem para compreender como ele era realmente diferente de sua pessoa pública.

— Então, por que voltou? — Brentworth perguntou. — Depois de tantos anos, achei que nunca mais voltaria.

— Gostaria de dizer que simplesmente resolvi que era hora, mas não foi tão simples. O governo francês também decidiu que era hora. Foram feitas reclamações e, como resultado, o rei decidiu que era hora. Recebi uma intimação para comparecer.

Langford deu risada.

— Que antiquado. Quase charmoso.

— Já que estava na mão do rei, e as coisas estavam começando a esquentar na França... bem, cá estou.

— Já cumpriu sua parte com ele? — Langford quis saber.

— Assim que cheguei. Bebemos bastante vinho juntos. Ele perguntou sobre as mulheres de Paris. Posso ter exagerado um pouco, e o encontro foi amigável e cheio de conversa.

— Então sua metade inglesa respondeu ao comando de seu rei inglês — Brentworth disse. — Se não foi por isso... foi tempo suficiente?

— Sim. — E foi. A fúria que o levou embora tinha finalmente acabado há um ano, substituída por pensamentos mais deliberados, e responsabilidade de suas obrigações.

Havia deveres que não poderiam ser conduzidos eternamente de longe da França. Um em particular.

— É bom que finalmente veio à cidade — Langford falou. — Vamos pedir para fazer novos casacos para você amanhã. Uma visita ao barbeiro também pode ser organizada. Não pode andar por aí parecendo um desses franceses que seduzem viúvas para seu arrependimento eterno.

— Algumas não me deram tanto arrependimento, como me lembro. — Adam olhou para sua sobrecasaca. Cortada ao estilo francês, um pouco mais comprida e justa do que a moda inglesa, provavelmente o fazia parecer estrangeiro.

— Vamos nos embebedar, e você pode me contar sobre elas e me deixar com inveja — Langford disse.

— A menos que algo tenha mudado, há pouco que possa contar a vocês sobre viúvas.

— Então, quais são seus planos? — Brentworth perguntou.

— Espero que sejam bem parecidos com os de vocês agora. Cuidar da minha propriedade. Votar no Parlamento. Como disse, o tipo de coisa comum.

— Isso é tudo? — Brentworth questionou. — Você vai embora da Inglaterra e fica fora por quase cinco anos, e com seu retorno tudo que quer é ser um cavalheiro que vem à cidade para as votações?

— Pretendo encontrar uma esposa rica e sensual também. Chegou a hora de me casar.

— Fale por si mesmo — Langford rebateu.

— Ignore-o — Brentworth disse. — Há duas mamães que estão de olho em Langford, e ele está correndo dos lugares para se esconder. Infelizmente, é duvidoso que ambas as garotas sejam sensuais o bastante, ou tenho certeza de que ele iria entregar uma para você de bom grado.

— Se há duas, deveria enviar uma na sua direção — Adam respondeu.

Estranhamente, mães quase nunca miravam em Brentworth. Diziam que ele aterrorizava tanto as ingênuas que suas mães olhavam para outro lado.

— Quanto à parte sensual, já descobriu, Langford?

Langford deu risada.

— Talvez na França todo tipo de exploração seja feita quando o assunto é mulher, mas não se esqueça de que, aqui na Inglaterra, nós só esperamos o melhor e nunca conseguimos nada.

Por ser metade francês, Adam achava bizarra e curiosa a sensualidade sufocada que havia atormentado os ingleses nessas últimas décadas. Era como se todas as mães e avós tivessem se reunido no começo da guerra e decidido que, a fim de rejeitar todas as coisas francesas, suas filhas não deveriam se divertir tanto quanto elas se divertiram na juventude.

Uma rigidez pairou sobre o cômodo. Ele olhou para cima e viu Brentworth observando-o, e de uma forma não gentil.

— Fale — Adam exigiu.

— Inferno, isso, vou dizer que...

— Deixe quieto, Brentworth — Langford sugeriu.

— Não, eu insisto — Adam disse.

Brentworth se levantou e foi até o decanter de uísque de novo. Demorou-se tanto ali que Adam pensou que o rancor tivesse passado, ou que tivesse sido engolido agora. Brentworth se virou de repente para ele.

— Entendo que estava de luto. Entendo que havia coisas sendo ditas que eram sujas e prejudiciais e...

Adam se levantou e jogou seu copo no fogo. As chamas se sobressaltaram.

— Sujas e prejudiciais? Ele se matou por causa disso!

— Eu sei. Mas você nunca conversou conosco. Nunca permitiu que ajudássemos. Simplesmente desapareceu com sua mãe sem uma palavra, e não falou nada desde então, e entra aqui como se os últimos anos nunca tivessem acontecido. Caramba, Stratton, nós somos amigos há anos e você agiu como se nós dois estivéssemos na fila contra sua família.

— Nunca pensei isso.

— Até parece que não.

Langford balançou a cabeça.

— Sentem-se, vocês dois. Eu lhe disse antes, Brentworth, que, sob as circunstâncias, o que quer que ele fizesse era uma escolha feita por raiva e luto. Quem sabe como eu ou você teríamos agido? — Ele deu um sorriso para Adam de... o quê? Perdão? — Não precisa se explicar para nós.

Mas precisava, sim. Brentworth tinha razão. Ele virara as costas a tudo e todos em sua raiva. Não podia pensar em demorar a sair da Inglaterra. Não por causa da desgraça envolvida por trás da morte de seu pai, e porque não podia mais confiar em alguém.

— Fui embora daquele jeito porque, se não o fizesse, com certeza teria matado alguém por ódio, sem nem saber se culpava a pessoa certa.

Brentworth se jogou de novo em sua cadeira. O olhar de seu amigo o encarou por um longo tempo.

— E você sabe agora? Se culpou a pessoa certa? — Brentworth perguntou.

— Ainda não.

Langford limpou a cinza do seu charuto.

— Resposta interessante. Acho que agora sabemos por que ele voltou de verdade, não é, Brentworth?

 

Clara rapidamente leu sua correspondência matinal enquanto tomava café na Casa Gifford, a residência londrina da família. Duas cartas em particular receberam uma atenção bem breve. Sua avó havia escrito uma reprimenda.

 

A carta de Theo dizia quase a mesma coisa.

É improvável que façamos progresso com Stratton se continuar insultando-o. Pense no futuro de Emilia. Pense no meu. Certamente pode encontrar um pouco de gentileza em relação a ele.

Ela estava pensando no futuro de Emilia. E no da família. Via essa ideia toda de amenizar as diferenças entre a família dela e a de Stratton como um mau conselho e deslealdade. Deixe-os tentar, se quiserem, mas ela não iria cooperar. Vovó sabia disso. Foi por isso que ninguém lhe contou sobre o plano antes de embarcar nele.

Vestindo sua pelica e seu gorro, pegou um pacote embrulhado e desceu até a sala de entrada. Para evitar as carruagens da família, disse a um criado para lhe arranjar um cavalo alugado.

Tomou um pouco de ar no pórtico enquanto esperava. Infelizmente, enquanto o fazia, uma carruagem estacionou.

Ela xingou baixinho.

Stratton de novo. E ali estava ela, à vista. Não poderia mandar o mordomo dizer que não estava em casa. Por outro lado, deveria ser óbvio que estava saindo. Algumas palavras educadas e ele seguiria o próprio caminho.

O duque saiu de sua carruagem e a alcançou. Após um cumprimento, ele parou com um pé no degrau mais baixo da varanda e a olhou.

— A senhorita sai bastante.

— Posso estar de luto, mas não estou morta.

Ele apontou para sua carruagem.

— Permita-me levá-la ao seu destino.

— É muito gentil da sua parte, mas minha carruagem está a caminho.

— Pode demorar um pouco para chegar.

Podia mesmo. Com um resmungo interno de resignação, ela se virou para a casa.

— Já que o senhor queria falar comigo, vamos entrar e ter uma visita apropriada enquanto eu espero.

Ela guiou o caminho para dentro de casa e colocou seu pacote na mão do criado. Levou o duque para o andar superior, para a sala de estar.

Sentou-se em uma cadeira e torceu para parecer, no mínimo, meio formidável como sua avó.

O duque se sentou na cadeira mais próxima à dela e ficou confortável. Seu cabelo havia sido estilizado desde que ela o vira na colina. Agora, seus cachos bagunçados cortados enfatizavam mais seus olhos escuros e aquela boca sensual e maxilar forte.

— É gentileza da sua parte me receber, Lady Clara.

— Já que pensou ser adequado relatar à minha família que não o recebi anteriormente, agora me sinto obrigada a fingir ser receptiva a esse desejo inexplicável deles de criar uma amizade com o senhor.

— A senhorita é uma mulher bem direta.

— O senhor é um homem bem persistente.

— Em um homem, persistência é uma virtude, enquanto ser direta, para uma mulher...

— É um aborrecimento. O que me leva à questão do porquê se incomoda em ser tão persistente com este aborrecimento de mulher.

— É uma excelente pergunta. Se tivesse me recebido da primeira vez, agora teria compreendido completamente minhas intenções.

Que forma estranha de dizer isso. Quaisquer que fossem suas intenções.

— Talvez o senhor me esclareça agora, e rapidamente, para que eu possa terminar meus próprios compromissos... compromissos estes que o senhor interrompeu.

Ele riu em silêncio, como se fosse uma piada interna.

— Seu irmão disse que a senhorita tinha um gênio ruim. Posso ver o motivo.

Gênio ruim? Que menino mimado e desleal aquele.

— Prefiro ser chamada de direta. Como um cavalheiro, estou certa de que também prefere essa palavra.

— É claro. Permita-me ser direto também, para que possa voltar aos seus afazeres do dia. — Ele se inclinou para a frente e apoiou os braços nos joelhos. Isso trouxe seu rosto elegante para bem perto dela. — A senhorita sabe do plano de sua avó de me casar com Lady Emilia.

— Sei.

— Decidi declinar da proposta.

Ela conseguiu se conter de não comemorar com alívio. Graças aos céus alguém nesse acordo horrível estava usando o cérebro.

— E que a senhorita vai ser adequada para mim, e muito melhor para o plano da viúva.

Uma rigidez pairou no aposento. Demorou muito para a mente dela absorver o que ele dissera. Mesmo depois, soava bizarro demais para ser exato.

— Sua irmã é muito jovem para mim e, qualquer acordo que seja proposto com ela, nunca será tão bom quanto uma esposa com sua própria propriedade e renda.

Deus do céu.

Ela reuniu sua perspicácia, mas precisou de muito tato para não demonstrar sua reação atordoada.

— Ao menos conheceu Emilia?

— Não, mas não é significativo. Tenho bastante certeza de que ela é adorável, mas não é a noiva certa para mim.

— Como pode dizer isso quando nem...

— Eu sei.

— É melhor saber mais, e rápido, porque não estou disponível.

Ele se recostou na cadeira, nem um pouco impressionado por sua rejeição definitiva.

— É compreensível que tenha ficado surpresa com minha proposta. No entanto, estou confiante de que vá mudar de ideia.

Muito agitada para ficar sentada, ela se levantou e olhou desafiadoramente para o idiota presunçoso. Infelizmente, isso também o fez se levantar. Em vez de ser uma encarada satisfatória para baixo, ela agora olhava muito para cima, para um rosto acima dela.

— Não escutei nenhuma proposta. Escutei um decreto. Não consigo imaginar o que lhe dá motivo para pensar que eu obedeceria. O senhor é o último homem com quem me casaria, isso se eu me casar. De fato, meu pai se reviraria no túmulo se eu considerasse a ideia. Agora, sir, agradeço por sua visita, mas devo retornar aos meus afazeres. Já estou atrasada.

Ela girou, saiu a passos largos da sala de estar e desceu as escadas. Pegou de volta seu pacote com o criado e saiu. Sentiu o duque observando-a o caminho inteiro.

Sua carruagem alugada aguardava atrás da carruagem do duque. Ele olhou duramente para aquela carruagem.

— Por que não está usando a carruagem da família?

— Escolho não usar. — Ela desceu os degraus de pedra e seguiu para sua carruagem.

Ele andou ao seu lado.

— Penso que vai a um encontro secreto. Um que prefere que os criados da sua família não saibam. Não há outra explicação para usar uma carruagem alugada em vez da de sua família.

Ela realmente queria bater nele com o pacote por dizer aquilo ao alcance do criado que a esperava para ajudá-la a subir.

Ajeitou-se no assento enquanto o criado fechava a porta. O duque apoiou o antebraço na janela e esperou o criado se afastar.

— Não vou exigir explicação agora — ele disse. — Entretanto, se vai encontrar um homem, essa conexão deve acabar imediatamente, agora que estamos noivos.

Ela colocou o rosto para fora da janela.

— Nós. Não. Estamos. Noivos.

Ela estava quase gritando no fim da frase, mas a carruagem havia começado a andar, e apenas o ar a escutou.

Meia hora depois, Clara estava em uma mesa de biblioteca na Bedford Square. Havia papéis e uma folha em branco espalhados pela mesa.

— Acho que temos o suficiente para outro artigo do Parnassus, Althea — ela disse. — Podemos falar com a gráfica esta tarde sobre o cronograma.

Althea baixou a cabeça loira sobre as pilhas de papel e pegou uma bem pequena. Consistia em poemas que o jornal delas publicaria.

— Vejo que incluiu o soneto da sra. Clark. Fico feliz.

Clara trabalhava como a editora anônima e benfeitora do Parnassus. Ela havia criado o jornal há dois anos e começou a trabalhar nele de imediato. As duas primeiras publicações foram tentativas inexperientes, mas colheram assinaturas suficientes para encorajá-la. Agora, com seu legado, ela podia se dar ao luxo de tentar um cronograma regular de publicação.

Seguindo o modelo de jornais masculinos, o Parnassus continha notícias políticas, assim como críticas de apresentações teatrais e histórias de viagem. Ela gostava de preenchê-lo com informações e fatos, mas permitia que alguns pensadores afiados, como Althea, escrevessem artigos. Interesses femininos raramente eram ignorados. Clara amava moda, em particular, e o Parnassus tinha uma coluna dedicada a ela.

A característica mais distinta do jornal era a mistura de autores. Uma viscondessa e uma baronesa, às vezes, contribuíam, embora utilizassem um pseudônimo. No entanto, a sra. Clark era a viúva de um comerciante que agora administrava uma chapelaria. Ela tinha um dom óbvio para poesia e não tentava copiar outro poeta já existente.

Ladies aos montes, mulheres da cidade, mães, irmãs e, sim, até as sabichonas tinham assinado. Ela sabia que o sigilo do projeto pode ter contribuído para esse sucesso. Quem e onde era feito o Parnassus permaneciam um mistério tentador.

Naquele momento, o onde consistia nessa casa que Clara comprara com seu legado, três meses depois da morte do pai. Ela se lembrou dele ao assinar a escritura, além de sentir profunda gratidão por ele ter esquematizado para ela ter a própria propriedade e renda substancial e não ser dependente de Theo de nenhuma maneira. A relação deles era rara. Na verdade, ele a tratava como um filho. Ensinara-lhe a cavalgar, atirar e até disse uma vez que se arrependia de ela não poder herdar seu patrimônio ou o título dele. Ela achava que Theo nunca a perdoaria por como ela recebia a melhor parte do amor do pai deles. Ficara profundamente de luto por ele. Completamente. A tristeza acabara com ela como nada antes. Havia chegado a um ponto em que não se reconhecia mais. Finalmente, certo dia, começou a lutar para se salvar.

O Parnassus fora sua salvação. Comprar aquela casa foi o primeiro passo adiante em sua vida. As necessidades do jornal a obrigavam a visitar Londres periodicamente também. Até então, as visitas foram breves, mas, agora, seis meses após o falecimento do pai, ela, enfim, decidira fazer visitas mais longas.

— O artigo de moda de Lady Grace ainda não chegou — Althea mencionou.

Lady Grace Bidwell era a mais recente aquisição de colaboradoras. Irmã de conde, ela nunca se casara. Clara sentia uma afinidade natural com ela, e Lady Grace tinha um olho bom quando o assunto era moda.

— Vou escrever um lembrete a ela, mas não vou esperar para sempre — Clara falou com uma firmeza decisiva do tipo que não fazia muito tempo que usara com o Duque de Stratton, mas de nada valeu. Aquele encontro continuava a invadir sua mente e amargava seu humor quando o fazia. Quanto mais ela pensava naquela proposta, mais ofendida se sentia.

Althea olhou com seus lindos olhos azuis para Clara. Uns dez centímetros mais baixa que Clara e delicadamente esguia, Althea tinha uma presença que, às vezes, fazia Clara se sentir monstruosa em comparação a ela. Não que ela mesma fosse muito alta ou forte. Era só que Althea era extremamente pequena. Viúva do Capitão Galbreath, um oficial do exército, morava com o irmão, Sir Jonathan Polwarth, um barão, e sua esposa.

Althea tinha a vida de um parente dependente agora, do tipo que o pai de Clara a salvou com o legado.

— A senhorita está diferente hoje — Althea disse. — Seu irmão a está irritando de novo? Insistindo que volte para a fazenda?

— Não é isso. Não só isso. — Clara não iria confessar, mas queria compartilhar um pouco dos acontecimentos recentes e estranhos em sua vida. Não a proposta. Ninguém nunca saberia disso. — Theo e minha avó colocaram na cabeça a ideia de acabar com uma longa contenda que nossa família tem com aquele Duque de Stratton.

— Penso que seja uma coisa boa. Guerras tão longas assim não trazem muito benefício.

— Vovó nunca faz coisas simplesmente porque são boas, Althea. A mente dela é uma armadilha, e suas estratégias fariam Napoleão se envergonhar. Mas ela é determinada, assim como Theo. Eles até o receberam. Meu pai sempre jurou que nunca um Stratton iria sujar sua casa, mas lá estava ele.

Althea começou a organizar os artigos, colocando folhas em branco entre eles.

— Na sua casa daqui da cidade, na Casa Gifford? Fiquei sabendo que ele veio para cá recentemente.

— Você sabia? — Parecia uma boa maneira de não admitir que ele realmente havia sujado a casa da família dela da cidade.

— As pessoas estão falando dele. Você não ficou sabendo porque ficou enclausurada em Hickory Grange por muito tempo depois de seu pai falecer, e não estava aqui quando ele retornou da França.

Althea carregou a pilha grande de papéis para outra mesa e continuou o trabalho de prender tudo com linho. Clara a seguiu.

— Estão falando o quê?

Althea amarrou o pacote grosso, terminando com um laço rústico.

— Fofocas. Daquelas que você escuta umas partes quando chega em determinadas rodas, mas as pessoas param assim que a veem. Conversa séria, pelos olhares nas carrancas. Conversa sigilosa e sussurrada. A maior parte entre a geração de nossos pais.

— Claro que esses trechos devem ter lhe dado uma ideia de por que ele chamou tanta atenção.

Althea deu de ombros.

— Acho que escutei meu irmão se referir a ele como perigoso. Algo sobre duelos na França.

— Fiquei sabendo dos duelos. Theo me contou. Acho que ele teme que, se não pedir a paz, Stratton vá desafiá-lo. Não faz sentido.

— Também interrompi uma conversa em uma sala após uma festa. A anfitriã não conseguiu se conter, apesar de estar no meio da frase. Gesticulou a última palavra do que quer que estivesse falando para sua confidente.

— Que palavra era essa?

— Tenho quase certeza de que era vingança. Agora, se vamos falar com a gráfica hoje, precisamos ir antes de ficar tarde demais.

Elas colocaram suas pelicas e chapéus. Clara invejava Althea por usar um conjunto verde-limão e amarelo. Não se ressentia por vestir roupas de luto. Vestiria eternamente, se isso fosse honrar seu pai. Mas sentia falta de roupas com mais cor e estilo, e, às vezes, pensava em cometer excessos incríveis nas lojas quando pudesse se vestir com estilo novamente.

Com os manuscritos firmemente debaixo dos braços, Clara se juntou a Althea na caminhada para uma carruagem de aluguel parada na esquina da praça. Seu nariz até coçava pela informação tentadora que Althea acabara de lhe fornecer. Stratton podia ser exibido, irritante e arrogante, mas ele tinha acabado de se tornar interessante também, principalmente para a editora de um jornal.

Vingança? De quê? Parecia que alguns sabiam em Londres, mas não era conversa para o senso comum. Assim que entraram na carruagem e seguiram para a gráfica, Clara expressou seus pensamentos.

— Acho tudo isso estimulante, Althea. Se Stratton está inclinado à vingança, alguém sabe por que e contra quem. Ele não é um homem comum, afinal de contas. É um duque. Quem poderia ter irritado tanto um duque para ele querer vingança? E ser considerado perigoso... Há algo muito curioso em tudo isso.

— Presumo que eu possa fazer algumas perguntas para ver se consigo reunir mais um pouco de informação.

— Também farei isso. Vamos ver o que conseguimos descobrir sobre esse homem. Talvez haja uma história para o Parnassus.

Ela deixou de mencionar que mais informação talvez pudesse capacitá-la também para acabar com a corte inexplicável e rude de Stratton.


poeira o cobriu. Saiu voando das páginas quando ele as virou e alisou sua superfície como as aparas de ferro em um ímã.

Adam folheou, lendo os velhos jornais, mais interessado no que não havia sido notícia do que o que fora. Uma alusão aqui, uma referência improvisada ali, a menção de um nome ? essas eram as evidências que ele procurava, porque já sabia que não haveria uma discussão aberta dos acontecimentos que ele investigava.

Ele fora ao Times por último, após folhear páginas nos escritórios de outras revistas e jornais. Todos eles mantinham exemplares de suas antigas publicações em algum lugar. Podia ser em uma biblioteca arejada ou em um porão úmido, mas, com tempo e paciência, ele havia lido cada palavra publicada sobre o Duque de Stratton em alguns anos até a morte de seu pai.

As notícias da morte eram as mais inúteis, embora alguns jornais menos respeitáveis vagamente implicavam que poderia ter sido suicídio. O Times nunca seguiria nessa direção com um duque, então a notícia dele exaltava as conquistas e o gosto de seu pai. Lendo-o, ninguém nunca adivinharia as provocações extremas que fizeram um homem tirar a própria vida.

Agora ele procurava pistas em relação aos detalhes e fontes dessas provocações. Tudo fora um esquema bem secreto, então as partes que ele descobria estavam todas nas entrelinhas. Nenhum editor falaria abertamente sobre esses boatos. Nenhum homem falaria sobre isso exceto atrás de portas fechadas com a voz baixa.

E, mesmo assim, as palavras tinham sido ditas, e elas voaram pelo ar como pólen, então, enquanto ninguém fazia acusações, tudo que as pessoas sabiam era o que importava para o governo. Ele fechou o volume de cópias encadernadas do Times. Mal havia encontrado prova direta do que queria, mas também não achara nada que o convencesse estar errado em suas crenças sobre como a tragédia fora planejada.

Nas reuniões importantes do governo, questionamentos foram feitos sobre a lealdade de seu pai. Ministros e outros lordes lhe disseram coisas. Alguém coletara provas. Aconteceu por um tempo, crescente, talvez um ano ou mais. Isolado e sem amigos quando os miseráveis o encurralaram, ele tirara a vida para não enfrentar o tipo de desgraça que mancharia o nome da família por gerações. No entanto, o ato final e seus motivos eram as únicas partes que não estavam em questão.

Acho que Marwood está por trás de tudo. Foi isso que seu pai havia escrito no único recado que deixara. Ele tinha prova disso? Se tinha, não deixou nenhuma indicação. Será que foi uma conclusão irracional, criada por sua mente e pela longa inimizade entre as famílias? Adam não sabia. Se seu pai pensava que Marwood estava por trás de tudo, porém, então Marwood estava no topo da lista de homens que Adam investigaria.

Deixou o edifício do Times e foi até sua carruagem. Perdido em pensamentos, quase não viu a mulher do outro lado da rua até algo familiar nela tirá-lo de seu devaneio.

Ela andava com passadas determinadas, como se estivesse em uma importante missão. Ele notara o brilho em seus olhos, os quais implicavam muito sobre ela. Inteligência. Personalidade. Paixão. Problema. Não se importava com a última qualidade. Raramente encontrava as três primeiras em uma mulher sem a quarta. Seu tempo com ela, apesar de ter sido breve, não fora maçante. Apesar de seu cabelo castanho-avermelhado, coberto como um quadro em seu rosto debaixo da aba de seu chapéu, estar esplêndido contra seu traje preto, ele, de repente, pensou em como ela ficaria vestindo verde-claro.

Ele a imaginou assim enquanto atravessava a rua e a abordava. Assim que ela o viu, sua expressão desmoronou.

Ele queria rir da forma como ela se esforçava para manter a compostura adequada para a filha de um conde. Imaginava os pensamentos rudes pulando na mente dela.

— Lady Clara. Que prazer inesperado vê-la hoje.

— Sim. Que prazer. — Ela inclinou a cabeça para a esquerda, olhando o caminho da liberdade. — É um dia de tarefas para mim.

— Para mim também, embora eu já tenha acabado. Que tarefa a traz aqui?

Ela não respondeu de imediato. Parecia que ele tinha feito uma pergunta esquisita.

— Não estou cumprindo uma tarefa aqui. Estou simplesmente andando pela rua depois de fazer uma tarefa em outro lugar. — Ela foi para o lado dele e o analisou com o cenho franzido. — O senhor estava no sótão? Está coberto de poeira. — Ela esticou a mão e deu uma batidinha na manga dele, produzindo uma pequena nuvem de pó.

Ele achou charmoso o gesto dela.

— Meu lacaio vai resmungar quando vir isso.

— Fique parado. — De novo, sua mão varreu o casaco dele. Mais nuvens se ergueram. Ela o limpou como se ele fosse uma criança que tivesse caído na terra. Mas não tão delicadamente. A mão dela batia em seus ombros e peito. — Pronto. Está quase apresentável. Agora, devo seguir meu caminho.

— Não vai ser generosa me permitindo sua companhia? Não a vejo há quase duas semanas. Sei que foi minha culpa. Não entrei em contato. Devido a todas essas tarefas, sabe.

— Faz tanto tempo assim? Não reparei. Na verdade, eu não esperava que entrasse em contato. Não há motivo para fazê-lo.

— Nós dois sabemos que isso não é verdade. Entretanto, aqui estamos agora. Pelo menos permita-me acompanhá-la em segurança de volta à sua carruagem.

— Não será necessário. Ficarei bem segura sozinha.

— Por favor. Eu insisto.

Ela ficou parada em silêncio, parecendo uma menininha flagrada fazendo algo errado.

— Está com sua carruagem aqui? — ele perguntou.

— Não. — A resposta veio depois de uma longa pausa. Ela mordeu o lábio inferior.

— Carro de aluguel de novo? — Ele olhou para cima e para baixo da rua. — Ele mora aqui perto? Seu amigo, quero dizer.

— Não há amigo. Não da forma que insinua.

— Claro que não.

— Estou falando sério.

— Por favor, entenda que não estou chocado. Sou metade francês, afinal. Não me importo. Apenas peço que termine — ele mentiu suavemente. Importava-se, sim. Qualquer homem se importaria, se quisesse a mulher.

— Pede, não é?

— Estou sendo educado. Um pedido por enquanto. Em certo momento, claro, terá que ser um comando.

Os olhos dela arderam em chamas. Inferno, ela era excitante quando estava brava. Que bom, já que ele esperava que ela ficasse brava com frequência.

— Penso que o senhor está me provocando deliberadamente — ela disse.

— Prometo parar se concordar com uma visita rápida ao parque. Vamos ficar a céu aberto para a senhorita não se preocupar se vou me impor. Então a levarei para casa.

— E se eu recusar sua oferta?

— Provavelmente vou segui-la, fazendo perguntas indiscretas sobre seus afazeres misteriosos nesta parte da cidade.

Ela suspirou desesperada e tirou um relógio do bolso de sua retícula.

— Não haverá quase ninguém no Hyde Park a esta hora. Vamos virar ali, se faremos isso. Uma visita bem rápida, por favor. Tenho um compromisso esta tarde.

— Mais afazeres misteriosos? Como a senhorita é intrigante.

Ele ofereceu o braço. Ela não o aceitou. Juntos, andaram até a carruagem dele.

O Duque de Stratton estava se transformando em uma séria inconveniência. Parte da alegria de ser uma mulher mais velha e sem interesse em casamento era que as pessoas costumavam não perceber o que ela fazia. Clara aproveitara essa liberdade mesmo antes da morte de seu pai, e agora mais ainda porque morava sozinha na Casa Gifford.

A curiosidade de Stratton sobre ela complicava isso. Agora ali estava ela, sentada na carruagem dele quando deveria estar visitando o decorador que contratara para fazer algumas mudanças em sua casa na Bedford Square. Já que ninguém sabia sobre a casa, não poderia permitir que o duque a seguisse até lá.

Não se importava com como ele tramava para ela passar um tempo com ele. Ressentia-se que ele tivesse ganhado essa pequena batalha.

— Prefere a cidade? A senhorita passa boa parte do tempo aqui — ele disse assim que se sentaram um à frente do outro e o cocheiro abrira a porta da carruagem para arejar.

Se fosse outra pessoa, ela pensaria que era jogar conversa fora. Daquele homem, ela percebeu que era uma pergunta intrusiva.

— Gosto da fazenda e da cidade. Fico nos dois lugares. No entanto, depois de todos os meses em Hickory Grange após o funeral do meu pai, era hora de ver alguns amigos aqui e participar da sociedade de novo. — Mesmo com a forma como ela disse, ficou preocupada de ter lhe dado informação demais.

— Seus amigos sabichões?

— Sim.

— O que a senhorita faz quando não está conversando com eles?

— Se eu lhe dissesse, não seria mais intrigante e misteriosa.

Foi um erro dizer isso. Ela soube assim que disse. Os olhos escuros dele pairaram nela, divertidos e muito confiantes de que viam mais do que ela queria. Esse olhar a deixou nervosa. Ela achava decidida, quase óbvia, essa procura de sua atenção. Implicavam intimidades que ela não queria ter ou reconhecer. Apressou-se para fazer uma provocação.

— O senhor vai achar meus interesses muito entediantes e femininos. Eu visito boutiques e encho os olhos de tecidos que não posso usar agora. Passeio por armazéns e cobiço sedas e rendas.

— Por que não comprá-los agora e guardá-los até poder usar?

— Porque a espera faz parte da diversão. Há o perigo que se transformará em uma febre, no entanto, quando finalmente tirar esses trajes pretos, serei tão imprudente ao gastar tudo em um novo guarda-roupa que Theo vai precisar me tirar das dívidas.

— Oh, duvido disso.

Então ela soube que aquele homem havia descoberto o tamanho de sua herança. Será que Theo tinha lhe contado? Talvez ele tivesse escutado fofocas, mas seria suficiente.

Passou por sua mente que o único motivo de ele a perseguir com aquela proposta idiota era sua fortuna. Como se o Duque de Stratton precisasse disso! Mas, na verdade, quem sabia se ele precisava ou não? Ela não o investigara da forma como ele obviamente o fez com ela, embora ela pretendesse. Mesmo assim, era um homem atrás de sua fortuna. Que previsível. Senso comum. Decepcionante.

Já que eles estavam no parque, ela fez as próprias perguntas, enquanto encorajava que a caminhada deles deixasse o caminho principal a fim de que ninguém os visse juntos.

— O senhor não se importaria mesmo se a mulher para a qual fez proposta tivesse um amante anterior? O senhor continua insinuando isso.

Ela pensou ser uma questão sofisticada e investigativa e aguardou que ele não visse a refeição que ela acabara de colocar em um prato à sua frente.

— A senhorita tem o quê? Vinte e quatro anos? Só um tolo exigiria inocência de uma mulher com essa maturidade.

— Que visão liberal o senhor tem.

— Gosto de pensar assim. Só estou sendo um pouco estrito com a senhorita porque não posso arriscar que meu herdeiro seja filho de outro homem. Estou certo de que entende.

Ela olhou para ele, esperando ver aquele sorrisinho ou qualquer coisa que indicasse que suas referências contínuas à proposta agora fossem uma piada interna. Arrependida, viu que ele parecia mais sério. Ela resolveu que contrariá-lo só iria engrandecer aquela ideia ridícula, então ignorou.

Já que ele a tinha convencido a passar esse tempo juntos, não poderia se opor a algumas perguntas sinceras sobre sua vida e sua família, principalmente se ele realmente acreditava que eles iriam se casar. Althea ficou responsável por investigar o homem, mas cada pequena informação adicionada ao montante ajudaria.

— Por que o senhor partiu? — ela perguntou enquanto caminhavam por um pequeno bosque de árvores floridas.

— Porque era hora de voltar.

— Não quis dizer por que partiu da França. Por que partiu da Inglaterra?

O humor dele se alterou um pouco, como se a pergunta abrisse uma porta para o humor negro que ela sentia nele.

— Minha mãe não quis permanecer aqui depois da morte de meu pai, então eu a levei embora e me certifiquei de que ela se adaptasse a Paris.

— Ela queria voltar para casa, o senhor quer dizer. É compreensível.

— Ela morou aqui por décadas. Aqui deveria ter sido seu lar, não uma terra estrangeira para onde fugir. Houve aqueles que nunca a receberam bem, no entanto, ou permitiram que ela se ajustasse.

— Se ela é feliz agora na França, é o que importa, não é?

— Não disse que ela estava feliz. Ela não queria voltar para a França. Só não quis permanecer aqui.

Seu tom direto a fez parar de andar.

— Desculpe se entendi errado. Fui negligente com minha resposta. Claro que ela não poderia ficar feliz em deixar sua casa por tantos anos. — Ela engoliu a pergunta que implorava para ser feita. Por que ela não queria permanecer aqui?

Eles ficaram debaixo de uma das árvores, na sombra que os galhos emaranhados criavam.

— A senhorita realmente sabe tão pouco sobre a minha vida? — ele questionou. — Nunca ouviu falarem da minha mãe? Estava fora quando ela partiu. Antes de o meu pai morrer.

Ela não precisava buscar muito na memória para se lembrar de alguma conversa que ouvira. A voz da avó sempre cheia de desdém ao mencionar a duquesa francesa de Stratton. Vovó era uma das pessoas que pensava o pior de tudo e de todos os franceses durante a guerra.

Mas outros tinham bufado quando a Duquesa de Stratton entrava em um salão. Clara sempre achou que invejavam sua beleza e queriam falar mal de alguém. Na verdade, ela não se importava muito com o que as pessoas diziam. A antiga guerra entre sua família e a de Stratton haviam-na deixado insensível a quaisquer considerações feitas à mãe dele.

— Admito que, agora que falou, conheço um pouco do que ela passou — ela admitiu. — Se foi isso que a fez ir embora, não foi justo.

Para a surpresa dela, ele pegou sua mão e a ergueu para dar um beijo.

— Não foi apenas isso. No entanto, é bom a senhorita achar que foi injusto.

Aquele beijo na mão dela, apesar de breve, criou uma ponte de intimidade. Ela sentiu o beijo por seu braço inteiro e descendo por seu corpo. O olhar dele capturou o dela antes de ele beijar sua mão de novo, lentamente.

Ela não tirou a mão. Não desviou o olhar, apesar de definitivamente ter que fazer o contrário. Em vez disso, encarou enquanto aquele beijo e aqueles olhos escuros avivavam todo o seu corpo.

Ele a puxou cada vez mais para perto, até ela ter que dar um passo até ele ou cair. Fez um pouco dos dois, tropeçando de forma estranha, e se viu nos braços dele.

Ele iria beijá-la, ela tinha certeza. Isso não poderia acontecer. No entanto, em vez de se afastar, ela não conseguiu se mexer. O olhar dele a paralisou e incitou uma empolgação imprópria.

Os braços dele a envolveram. Ele olhou para baixo. Atordoada, ela fechou os olhos e aguardou.

E aguardou.

E aguardou.

Quando nada aconteceu, ela abriu os olhos. Instantaneamente, a euforia tomou conta, e ela se sentiu uma tola. Tentou se livrar de seu abraço, mas ele não permitiu.

— Quer que eu a beije?

— Claro que não. O senhor é o último homem que quero que me beije, asseguro-lhe. — Ela se recusou a olhar para ele e continuou tentando se afastar.

— Isso não é verdade. Vamos ser honestos um com o outro. — A cabeça dele mergulhou e seus lábios tomaram os dela.

Ela perdeu o fôlego. Céus, ele era lindo. E excitante. Até aquela escuridão era sedutora. Os arrepios percorreram seu corpo, implorando para ter desculpas para se transformar em algo mais poderoso.

— Parte da diversão é a espera — ele disse baixinho, prendendo-a com seu olhar. — Embora sempre haja o perigo de se transformar em uma febre. — Os lábios dele beijaram os dela, sempre suavemente, mas o suficiente para criar uma faísca.

Foi um gracejo. Uma promessa provocante.

Ele a soltou e recuou. Ela ficou parada, sem fala, e extremamente derrotada, chocada como ele tinha usado suas próprias palavras contra ela a fim de implicar que compartilhavam alguma empatia em questões sensuais.

— Preciso ir. — Ela se virou e andou pelo caminho principal. A cada passo, sua indignação aumentava.

Ele andava ao seu lado, mais do que satisfeito.

— Não posso acreditar que o senhor se impôs sobre mim assim — ela disse em seu melhor tom como ousa.

— Impus bem pouco, principalmente dadas as circunstâncias. De fato, se eu tivesse feito amor com a senhorita contra uma das árvores, não tenho certeza se teria sido uma imposição.

— Se pensa assim, ficou muito tempo na França.

Ela não conseguia chegar logo à carruagem. Recusou-se a olhar para ele no trajeto para a Casa Gifford. Quando chegaram, mal recusou a insistência dele em lhe dar a mão para descer. Ela enrijeceu contra a sensação da mão dele na sua, a proximidade de seu corpo e a forma como todo o seu ser ainda queria reagir inapropriadamente.

Não pôde resistir a uma última censura. Não apenas para lembrá-lo do comportamento adequado, mas para lembrar a ela também.

— Por favor, lembre-se, no futuro, como um cavalheiro trata uma dama, sir.

— Eu sei como tratar uma dama. A senhorita, no entanto, também é minha futura noiva. Isso muda tudo.

Ela se apressou até a porta, cheia de indignação furiosa. Assim que entrou, viu que aquele dia desconfortável só iria piorar.

Theo, Emilia e a viúva haviam chegado da fazenda para se juntar a ela.


— or que está tão mal-humorada? Não sorriu desde que entrou em casa — Clara fez a pergunta à irmã depois de procurá-la em seu quarto naquela noite.

O jantar provou ser um julgamento, com sua avó direcionando afazeres relacionados aos dias seguintes, e Emilia e Theo assentindo como se fossem alunos. A viúva descartou as objeções de Clara sobre as demandas que os planos causariam em seus dias.

Emilia se jogou na cama.

— Vovó quer que eu conheça Stratton. Já que ele está na cidade, nós o seguimos.

— Vocês ainda não foram apresentados?

Ela fez beicinho.

— É vergonhoso ser jogada para ele assim quando parece que ele preferiria me evitar. Já que eu preferiria evitá-lo também, quero que eles parem de persegui-lo. Sei que é um duque, mas o achei assustador quando ele estava naquele terraço. Nem acho justo ser oferecida assim para ele antes até de eu ter minha primeira Temporada.

Clara se sentou ao lado dela e a envolveu com um braço.

— Parece injusto.

Emilia era adorável e, se aguardasse aquela Temporada, haveria dúzias de admiradores esperando ganhar sua mão. Clara tinha lembranças carinhosas de sua primeira Temporada. Ela não procurava um marido, mas amava todo o planejamento e, então, todas as atividades sociais e bailes. Gostara dos poucos beijos roubados que a seguiam também.

— Agora eu estou na cidade e tenho que ficar aqui sentada enquanto todos os meus amigos vão a bailes — Emilia reclamou. — Uma coisa é ficar de luto na fazenda e perder isso. Outra é só ouvir a diversão pelas janelas enquanto fico sentada nesta casa, usando preto.

— Talvez possamos convencer Vovó a permitir que você vá a alguns eventos menores. Uma ou duas festas no jardim. E pode receber amigos aqui. Se é permitido que conheça Stratton, por que não outros jovens?

Os olhos de Emilia se iluminaram com esperança.

— Acha que ela vai concordar? Talvez me permita comprar um ou dois vestidos novos, não que eu queira mais vestidos pretos, mas pelo menos sairei para compras.

— Vou tentar convencê-la a permitir outra coisa além de preto para você. Agora passaram-se seis meses. A mim, parece que outras cores, simples e discretas certamente, podem ser permitidas para uma garota.

Emilia abraçou Clara e a beijou na bochecha.

— Se puder conseguir mesmo essa pequena concessão, ficarei grata.

— Escreva para seus amigos e os avise que está aqui e pode fazer e receber visitas. Quanto a Stratton, não é obrigada a se casar com alguém que não queira. Espero que saiba disso.

A alegria deixou Emilia tão rápido quanto apareceu.

— Nunca fui boa desafiando Vovó. Ela me assusta ainda mais do que o duque.

Claro que assustava. A viúva intimidava adultos. Se não fosse pela resistência de Stratton, Emilia já estaria noiva.

— Talvez Stratton também nunca venha aqui — Emilia disse, melancólica.

Clara duvidava disso. Vovó não seria deixada para depois agora, independente dos estratagemas que o duque tentasse. A não ser que ele se recusasse de forma direta a continuar esse passo de dança. Seria melhor para todos se ele decidisse fazer isso.

 

— Vai me contar aonde estamos indo? — Langford perguntou quando ele e Adam cavalgavam pela Bond Street. — Quando me chamou para me juntar a você, achei que a esta hora já fosse explicar por que e onde.

Adam havia passado por Langford há três quarteirões. Não tinha sido coincidência. Nem foi sua negligência deixar de mencionar o destino.

— Prometi que seria divertido, e vai ser.

— Devo insistir que revele tudo. Não acho que vamos a alguma loja ou que estamos a caminho de uma tarde típica de diversão.

Adam virou na Bond Street.

— Vou confessar por que abordei você, mas, primeiro, precisa prometer não me abandonar.

— O que está tramando, Stratton?

— Vou visitar Marwood.

— Não. Aquele pivete? Para quê? Pensei que tivesse jurado ser inimigo dele, por meio da sucessão.

— Ele acha que deveríamos fazer as pazes e ser amigos. Tem insistido nisso. Continua me convidando para ir à casa dele e me seguiu até a cidade para me encurralar. Ontem, ele me fez uma visita enquanto eu estava fora. Então escrevi e finalmente concordei em retornar o favor.

Langford continuou andando com seu cavalo. Pelo menos, ele não tinha rejeitado imediatamente a visita.

— Presumo que ele tenha medo de você desafiá-lo devido à briga ancestral. Provavelmente está sujando a cueca desde que soube que você voltou.

— Eu nunca duelaria por insultos de mais de cinquenta anos.

Ele recebeu um olhar duro de Langford por isso.

— Então concordou em aceitar seu ramo de oliveira? Nossa, que bondoso da sua parte.

Adam ignorou seu tom desconfiado.

— Bom, soube que ele tem uma irmã adorável.

— Deve estar falando da Lady Emilia. Ela foi uma criança linda, isso é verdade, mas ninguém a vê de perto há quase um ano. Espero que ela não frequente esta Temporada devido à morte do conde. Mas, sim, é de conhecimento de todos que ela ficou mais do que bonita. Com certeza você não pretende fazer as pazes a ponto de cortejá-la, não?

— Achei que você poderia querer.

Langford parou seu cavalo.

— Se isso foi uma piada, não estou rindo.

Adam sorriu.

— Eu estou. Pare de ficar tão preocupado. Alguém poderia pensar que é possível amarrá-lo ao casamento sem você saber.

— Há algumas mães que estão se esforçando ao máximo para isso. — Ele voltou a andar com o cavalo. — Perdoe-me pela falta de humor. Estou me sentindo perseguido. Então vamos visitar um dos inimigos de sua família, com o objetivo principal de cortejar a irmã dele.

— Isso resume bem.

Langford deu de ombros.

— Por que não me disse?

A cavalgada os levou até a porta da casa da cidade de Marwood, na Portman Square. Adam esperou até os criados pegarem seus cavalos e alcançarem a porta antes de falar de novo.

— Ah, esqueci de mencionar. A avó dele estava junto quando ele me visitou ontem. Acredito que a veremos também.

Langford fechou os olhos. Parecia um homem rezando por salvação.

— Tenho evitado assiduamente essa harpia há quase uma década, Stratton. Posso matá-lo por isso.

— Não iria querer que eu a enfrentasse sozinho, iria?

— Eu o teria mandado e coletado seus restos depois de ela acabar com você. Inferno, vamos entrar e rezar para ela já ter sido alimentada com outra pessoa hoje.

 

— Milady — a dama de Clara, Jocelyn, sussurrou o título em um tom nervoso.

— O que foi? — Clara respondeu calma como sempre, embora quisesse expressar um grande desprazer. Havia dito a Jocelyn que queria ser deixada sozinha. De forma clara e direta. Mesmo assim, ali estava a dama, interrompendo-a.

— Um lacaio veio até a porta. Disse que sua avó a quer na biblioteca.

Clara apoiou a cabeça nas mãos. Olhou para baixo, para a superfície da sua escrivaninha. As páginas impressas do jornal, recebidas de Althea no dia anterior, esperavam sua aprovação. Precisavam ser devolvidas com a correção para a gráfica no dia seguinte.

Esperara terminar na tarde do dia anterior. No entanto, desde que sua família veio se hospedar ali, houve uma interrupção atrás da outra. Ela não se importava com as de Emilia. Importava-se quando sua avó exigia sua presença.

Não que Vovó exigisse sua presença para coisas importantes. Ela mal queria conversar e precisava de um público. Pelo menos Clara havia usado aquele tempo de maneira produtiva: obtivera a autorização para Emilia ter um ou dois novos vestidos e poder receber visitas.

Na manhã do dia anterior, infelizmente, elas tinham se engajado em uma discussão quando ela recusou o comando de sua avó para se juntar à viúva e a Theo quando eles fizeram uma visita a Stratton à tarde. Ela não teve dificuldade em listar os motivos do porquê não fazer isso.

Tinha uma reunião com Althea planejada, primeiro. Segundo, ela pensou que pareceriam ridículos se a família inteira visitasse. E, finalmente, não queria encorajar o duque a pensar que ela estava, de alguma forma, de acordo com essa missão de paz, sem mencionar o plano peculiar dele de conquistar harmonia entre as famílias.

Não que ela pudesse explicar alguma dessas coisas para sua avó, então simplesmente a desafiou. Pensou como Vovó a faria pagar por isso.

— Ele mencionou que a condessa estava bem firme quanto ao assunto, milady. Disse que convidados importantes chegaram, e ela pediu para a senhorita descer.

“Convidados importantes” significava qualquer um que Vovó se dignasse a receber.

Ela olhou para seu vestido simples.

— Vou colocar meu vestido preto com cauda e bordado, Jocelyn, se são tão importantes, os malditos.

Jocelyn ruborizou com o xingamento e se apressou para o cômodo das roupas. Clara a seguiu, arrependendo-se do lapso. Ela realmente precisava parar de fazer isso.

Quinze minutos mais tarde, ela entrou na biblioteca e viu que o lacaio não tinha exagerado. Até para os altos padrões de Vovó, seus convidados eram importantes.

Stratton tinha retornado a visita do dia anterior. Mas não estava sozinho. Outro duque, Langford, o acompanhava. Durante os cumprimentos, Emilia a olhou com uma expressão desesperada.

— Os duques estão nos regalando com as descrições do baile de Lady Montclair ontem à noite — sua avó disse assim que todos se sentaram. — Ouso dizer que está sendo mais divertido ouvi-los recontar do que participar do evento.

— Eu gostaria de ter ido para ter certeza disso — Emilia murmurou.

Langford, um homem lindo com olhos azuis brilhantes e cachos escuros que se transformavam em um cabelo um pouco selvagem, dirigiu-se a ela com empatia.

— Não perdeu muito, Lady Emilia. Vai descobrir logo que bailes são todos iguais.

— Minha avó concordou que, embora nosso luto não tenha acabado, Emilia pode participar de alguns eventos menores, como festas de jardim. Seria aceitável, não concorda? — Clara olhou deliberadamente para a avó, já que ainda não tinha falado sobre o assunto com ela.

— Não vejo por que não. Avise-nos em qual ela irá, e Stratton e eu nos certificaremos de ir também e falar com ela lá.

— Como os senhores são gentis. — Se dois duques falassem com Emilia em uma festa, ninguém falaria muito sobre a menina ter ido durante o luto. — Nos certificaremos de avisá-los. Não é, Vovó?

— De fato.

Havia incontáveis respostas sob a superfície de gratidão naquela frase curta. Clara ouviu a desaprovação de sua ousadia e futuras ameaças. Emilia, no entanto, só brilhou com prazer por não ser deixada de fora de tudo.

Sua irmã estava linda naquele dia, como sempre. O sol entrando pelas janelas fazia seu cabelo loiro brilhar com luzes e também favorecia sua pele luminosa.

Langford ficava olhando para ela. Não que Langford fosse bom para Emilia, mais do que o outro duque poderia ser. Langford era conhecido por sua rebeldia que mais do que combinava com aquele cabelo devasso. Charmoso como o pecado, ele com certeza partiria o coração de qualquer mulher com quem se casasse.

Clara tentava não olhar para Stratton, mas ele se sentou bem ao lado do amigo e conseguiu se intrometer em sua visão. Mal olhava para Emilia, algo que Vovó certamente notaria. Clara esperava que Vovó não percebesse para quem ele estava olhando.

Não era como se ele a encarasse. Mas com frequência aquele olhar negro pairava nela, a ponto de deixá-la consciente. Ela entendia o que Emilia queria dizer sobre achar que ele era assustador, só que aquela palavra não interpretava adequadamente a reação que ele provocava. Ela achava que sua atenção a obrigava a lembrar dele perto demais, quase a beijando e dizendo coisas muito íntimas.

— O dia está lindo — sua avó anunciou. — Clara, por que não leva sua irmã e os cavalheiros para o jardim, a fim de aproveitar a brisa e o sol? Seu irmão e eu nos juntaremos aos senhores logo.

Então, ela liderou o caminho para fora das janelas francesas até o terraço.

Adam planejou que, quando saíssem no terraço, ele ficasse ao lado de Lady Clara, e Langford acompanhasse Lady Emilia.

Langford poderia encantar qualquer mulher de qualquer idade sem se esforçar. Era simplesmente de sua natureza. Alguns reis nasciam para governar; Langford nascera para seduzir.

Ele se conteve até onde pôde porque Lady Emilia era jovem, mas aqueles olhos azuis ainda eram penetrantes e aquele sorriso ainda bajulava. Lady Emilia se transformara em uma bagunça afobada de risadinhas e vermelhidão quando eles chegaram ao jardim.

Lady Clara não deixou de notar.

— Perspicaz da sua parte trazê-lo — ela disse para Adam. — Do contrário, minha avó poderia ter interpretado sua visita como cortejo, e um indicativo de seu acordo com a ideia dela sobre o casamento.

— Ela teria acertado, claro, mas apenas errado a dama. Não vamos explicar isso ainda, no entanto. Será nosso segredo por um tempo.

— Queria que parasse de falar assim, quando sabe que será um segredo eterno porque nunca aceitarei. Não há motivo para eu fazê-lo.

— Há um bom motivo. Muitos motivos. Será nosso segredo enquanto eu lhe mostro quais são.

Bem à frente, Langford deve ter contado alguma piada porque a risada de Emilia flutuou pelo ar.

— Espero que ele não crie nenhuma esperança com ela — Clara disse, estreitando os olhos. — Nunca vai ser adequado.

— Ele nunca mostrou interesse em jovens, então eu não me preocuparia.

— Os senhores são bons amigos?

— Somos amigos desde a escola. — Ele riu baixinho. — Esqueço como sabe pouquíssimo sobre mim, às vezes.

— Sua família não existia do ponto de vista da minha família, então nunca o notei ou com quem o senhor andava.

— Nunca me notou? Que ofensa. Nunca? Nem uma vez? — Ele a olhou diretamente, irônico.

Ela sentiu o rosto ruborizar, porque é claro que o tinha notado antes de ele partir para a França, durante as primeiras temporadas. Quem não notaria? Seu rosto lindo e espírito latente o destacavam. Uma vez, em um baile, ela sentiu uma calma estranha no salão, uma rigidez. Tinha sido ele, agindo como o centro de um vórtice, e a reunião ao redor era o redemoinho.

Ele a tinha visto observando-o, ela se lembrou de repente agora. Ele vira que ela o observava. Ele achava, ela suspeitou, que ela não o via totalmente como um inimigo naquele momento inesperado.

Agora ele mergulhou a cabeça para mais perto da dela.

— Não acho que não existíamos para sua família. Acho que falavam bastante de nós. Não com ou perto da senhorita, mas seu pai e sua mãe. Estou correto?

A voz dele, sua respiração, e a proximidade a deixaram nervosa. Ela verificou se sua irmã não tinha ido longe para fazer sala.

— Às vezes.

— Na época de Waterloo? — Sua voz suavizou. — Ou nos meses seguintes?

Sua mente voltou àquele tempo, anos atrás, como se fosse mandada para lá por um feitiço dele. As conversas se acumularam em sua memória todas de uma vez, como muitas vozes conversando em uníssono. Ela escutou o pai, tão claramente que lhe doeu, mas suas palavras foram obscurecidas por outras vozes falando por cima e à volta dele. Então o viu, claramente, batendo a mão na escrivaninha da biblioteca.

— Não — ela mentiu. — Não naquela época. Não que me lembre, pelo menos.

Ela não sabia por que se recusava a contar. Talvez por causa da maneira como ele a observava. Como se sua reação importasse para ele. Importava demais. Lá na frente, Langford parou de andar com Emilia. Ele os aguardou alcançá-los. Emilia parecia inebriada de alegria. Ficava olhando Langford como se ele a maravilhasse.

— Ah, não — Clara murmurou.

— Não se preocupe. Trarei homens mais apropriados para ela — Stratton disse. — Seguros, que não são perigosos de nenhuma forma. Ela vai rapidamente esquecer uma tarde de paixão.

 

— Agora, essa foi uma visita esquisita — Langford ofereceu a opinião quando ele e Adam viraram seus cavalos na Bond Street.

— Por quê?

— Por quê? Muito inocente. Você sabe por quê. Se eu não o conhecesse, diria que me trouxe para poder me jogar para aquela garota, apesar de suas garantias. Bom, não vou ceder. E se a viúva é tola o bastante para arriscar a virtude da neta comigo, ela terá que colocar a menina na fila atrás de outras cujas mães também são muito negligentes.

— A intenção não foi jogar você para a menina, mas evitar que eu fosse jogado para ela. Eu nunca a tinha conhecido e não queria que sua família pensasse que uma visita meramente social significasse mais do que isso.

— Estou muito feliz por ter me achado conveniente para seu objetivo. Da próxima vez, por favor, dê a honra a Brentworth.

— Ele teria assustado a garota ao ponto de ela não conseguir falar uma palavra. E também não teria sido tão descuidado a ponto de me permitir arriscar que seu nome fosse conectado ao dela.

— Está dizendo que me escolheu porque sou um perfeito idiota? Também não quero meu nome ligado ao dela. Se for, se Marwood começar os boatos, juro que vou...

— Eis o que deveria fazer. Visite-os de novo daqui a muitos dias...

— Pareço maluco para você? Estamos falando da Condessa de Marwood. Ela, que acaba com as mulheres por diversão e humilha homens como se fosse um jogo. Posso sobreviver a esta temporada se eu batalhar apenas com as mães armadas contra mim. Certamente vou perder se também precisar me proteger dessa mulher.

— Tinha me esquecido de como você é dramático. Escute-me. Visite de novo daqui a muitos dias, mas faça como eu. Traga outro com você. Seu irmão, por exemplo.

— Harry? Ele vai entediar a menina.

— Ela é muito jovem. O calmo e estudioso Harry não vai oprimi-la, e ela terá um amigo na cidade. Com o tempo, quem sabe o que pode acontecer? Ele terá o caminho livre, afinal.

Langford refletiu.

— Pode funcionar. Você fez aula de juntar casais na França?

— Tive aula de todo tipo de coisa. Agora, preciso parar aqui para uma coisa. — Ele desmontou do cavalo. — Você está livre para seguir seu caminho.

Langford olhou para baixo, para a loja onde Adam amarrou o cavalo.

— Vai comprar joias?

— Uma pequena bugiganga.

Langford desmontou.

— Para quem?

— Para minha senhora. Vou vê-la mais algumas vezes antes de dar o presente, mas é hora de escolher alguma coisa.

Ele entrou na loja, com Langford atrás.

— Agora fiquei confuso, Stratton. Acabou de falar para eu jogar meu irmão para ela, e tudo que fez foi ignorá-la... — Ele parou de andar. — Ah, caramba. A menina não tem nada a ver, mas a mais velha, certo? Diga que estou enganado, porque seria a pior união já planejada.

Adam pediu ao funcionário para trazer brincos de pérola. Langford apoiou os cotovelos ao lado dele no balcão.

— Se estou correto, pérolas são a escolha errada. Pérolas são modestas, discretas e convencionais. Aquela bruxa implora por algo brilhante e inesperado. Algo que declare que ela não vai se curvar para nenhum homem. Algo que...

— Estou começando a achar que você não gosta dela.

— Nenhum homem gosta muito, Stratton. A forma como ela empina o nariz para todo pretendente dificilmente encoraja generosidade. — Ele gesticulou para o funcionário levar a bandeja de pérolas embora. — Traga rubis, meu bom homem. Quanto maior e mais exagerado, melhor.


— Decidi que preciso me mudar para cá — Clara compartilhou o pensamento com Althea depois que elas terminaram de verificar o jornal. Faltava apenas Althea empacotá-lo para enviar à gráfica e agendar a impressão.

— Seus parentes a estão irritando?

— Minha avó acha que pode ditar meus movimentos e exigir que me junte a ela em qualquer visita que escolha fazer. Minha liberdade de ir e vir acabou. Preciso sair escondido como fiz hoje para encontrá-la aqui. Já estou esperando que ela abra minha correspondência.

Ela olhou em volta na biblioteca de sua casa em Bedford Square onde conversavam. A casa não chegava nem perto do tamanho da Gifford, claro, mas seria apropriado para ela. Se morasse ali, poderia terminar mais rápido seus outros planos para aquela casa.

Faltavam lugares para mulheres se encontrarem e relaxarem, com exceção da casa delas. Homens tinham seus clubes, tavernas e cafeterias para esse propósito. Por que as mulheres não poderiam ter refúgios também? Aquela casa, com sua sala de jantar, biblioteca e sala de estar, poderia servir como uma, para um grupo seleto de amigas. Ela nem precisaria fazer mudanças. Seria muito agradável se uma mulher pudesse sair de casa e se aventurar, sabendo que, em seu destino, haveria amigas e conhecidas com quem poderia passar uma hora ou mais, tomando café e comendo bolos, ou até um pouco de xerez ou vinho. Clara pensou que adoraria ter um clube de mulheres assim, então outras provavelmente pensavam da mesma forma.

— Quando planeja efetivar essa mudança? É um grande passo — Althea disse.

— Amanhã. Já informei minha criada para começar a arrumar meus baús.

— Informou seu irmão e sua irmã e, antes que nos esqueçamos, sua avó?

— Ainda não.

— Pretende sair escondida à noite e deixar uma carta?

— Claro que não. — Tinha passado por sua mente. — Não vamos sofrer por antecedência, e vamos falar de outras coisas. Descobriu alguma coisa sobre Stratton?

Althea sorriu presunçosa.

— Talvez.

— Vai me contar ou ficar zombando de mim?

— Pensei que um pouco da segunda opção seria justo. São notícias provocativas e, considerando a culpa que senti ao saber delas, preciso fazer você pagar.

— Se são provocativas, sou toda ouvidos.

— Descobri que há um boato bem vago de que o falecido duque não pereceu em um acidente de caça, como achavam. Ao invés disso, mirou a pistola em si mesmo.

Clara encarou Althea.

— Quem lhe contou isso? É uma coisa chocante de se dizer se não for verdade.

— Tirei essa informação da minha tia-avó.

— A tia-avó que precisa de cuidador?

— Disse a mim mesma que não me aproveitei, mas acho que fiz isso, sim. Ela estava visitando meu irmão, e ficamos sozinhas. Eu tinha acabado de perguntar ao meu irmão o que ele sabia sobre Stratton, quando ele foi chamado por sua secretária. Minha tia começou a falar o que ela sabia sobre Stratton, como se eu tivesse lhe feito a pergunta. — Ela mordeu o lábio inferior. — Acho que deveria tê-la impedido.

— Talvez ela o tenha confundido com outra pessoa. Alguém de muitos anos atrás.

— Acho que não, considerando o que ela disse.

Clara se inclinou, para que não perdesse uma palavra.

— Ela disse “Claro, a lealdade dele fora impugnada. O que mais ele poderia fazer?”.

— Não.

Althea assentiu.

— Então, meu irmão retornou, e um olhar desafiador a silenciou.

— Não me lembro de nenhum boato sobre a lealdade dele. Claro que ninguém ousaria compartilhar tal coisa abertamente se não houve nenhuma acusação oficial.

— Ela também poderia estar enganada. Ou, como disse, confundiu-o com outra pessoa.

Não foi a primeira vez que as conversas sobre a família Stratton fizeram Clara se lembrar de coisas, profundidades sobre situações às quais ela nunca deu importância. Agora, enquanto refletia sobre essa revelação, lembrou-se de flashes daquela época. Viu o pai em seu escritório, debruçado sobre o Times em sua mesa, estreitando os olhos para uma notícia com bordas em preto. Ela havia olhado apenas para ver o que o absorvia por causa de sua expressão. Não era de tristeza ou curiosidade. Mas uma armadura havia mascarado sua expressão, o que ela achou estranho, considerando que ele lia a notícia da morte de outro nobre.

— Ela também disse que aconteceu na propriedade da família — Althea revelou. — Falou como se ele tivesse sido grosseiro por se matar assim.

— Que horrível. — Clara sentia empatia pelo duque agora. Foi ruim o suficiente ter passado pela experiência de seu próprio pai morrer. Devia ser muito pior passar por isso sob essas circunstâncias. — Não me admira que ele tenha ido embora da Inglaterra logo depois. O duque atual, quero dizer. Se sua tia acreditava nisso, outros também o faziam, tenho certeza. Os falatórios teriam sido insuportáveis durante tal luto.

— Acho que é provável que ele tenha partido por causa daquele negócio sobre lealdade impugnada, não acha? Esse tipo de coisa mancha o nome da família, às vezes para sempre.

— Mesmo que eles sejam inimigos da minha família, preferiria não acreditar nessa parte. No entanto, pode explicar aqueles duelos na França. Ainda assim, não vamos presumir que sua tia esteja certa até termos informações parecidas de outros.

Althea se levantou e pegou sua prova embalada.

— Devo ir agora se quiser entregar isto para a gráfica esta tarde. Precisamos planejar como vamos distribuir o jornal para as livrarias. Devo escrever para nossas senhoras e marcar uma reunião?

— Se puder. Segunda será uma boa hora. Tenho alguns assuntos de família para tratar antes disso. — Clara levou Althea até a porta. — Quanto ao que me disse hoje, devemos guardar para nós mesmas.

— Não quer mais descobrir tudo e publicar um artigo?

— Se descobrirmos tudo, publicaremos. Até lá, entretanto, isso deve ficar apenas entre nós duas. Não quero prejudicar alguém sem querer ao mexer em histórias antigas.

Althea deu um beijinho em sua bochecha.

— Você tem um bom coração, Clara. Está sendo bem solidária. Talvez essa guerra antiga não tenha mais a importância que teve um dia.

Que coisa tola de se dizer. Claro que tinha. E ela não estava sendo solidária. Estava sendo responsável. Não deixaria os boatos e fofocas mancharem o nome de uma pessoa sem provas. Seu jornal era melhor que isso.

 

Dois dias depois, Adam e Brentworth passaram a tarde treinando boxe. Terminado o treino, tomaram banho e se vestiram.


CONTINUA

Condessa viúva de Marwood conseguia ser uma inimiga formidável quando queria. Sua mera presença desafiava alguém a tratá-la com gentileza para que ela pudesse ter uma desculpa para causar destruição, apenas por diversão.
Adam Penrose, Duque de Stratton, soube imediatamente o que encontraria nela.
Ele tinha sido chamado pelo seu neto, o conde da propriedade rural, que se encontrava ao seu comando. Vamos tentar enterrar o passado, ela havia escrito, e permitir que o que passou fique no passado entre nossas famílias.
Ele fora, curioso para ver como ela esperava conquistar isso, considerando que alguns desses acontecimentos não tinham terminado. Um olhar para ela, e ele sabia que qualquer plano que ela tivesse maquinado não o beneficiaria.
A senhora o deixou esperando por meia hora, antes de aparecer no aposento. Enfim, ela entrou na sala de estar, inclinada para a frente, cabeça erguida, seu peito amplo guiando o caminho, como alguém na proa do navio.
O luto pelo filho, o conde mais velho, a obrigava a usar roupas pretas, mas seu traje em crepe deve ter custado uma fortuna. Cachos grisalhos abundantes decoravam sua cabeça, sugerindo que ela também estava de luto pela moda ultrapassada das perucas. Olhos superficiais, grandes e de um azul pálido examinavam a pessoa que a chamou com um olhar crítico enquanto um sorriso artificial aprofundava as rugas de seu rosto comprido.

 

https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/O_DUQUE_MAIS_PERIGOSO_DE_LONDRES.jpg

 

— Então, o senhor retornou — ela anunciou o óbvio quando eles se sentaram em duas cadeiras robustas, após a reverência curta dele e a reverência ainda mais curta dela.

— Estava na hora.

— Alguém poderia dizer que estava na hora há três anos, ou dois, ou ainda muitos anos antes.

— Alguém poderia, mas eu não.

Ela riu. Seu rosto inteiro franziu, não apenas seus lábios.

— O senhor ficou na França por bastante tempo. Até parece francês agora.

— Pelo menos metade, eu presumo, considerando meu parentesco.

— E como está sua querida mãe?

— Feliz em Paris. Ela fez muitas amigas lá.

As sobrancelhas da viúva se ergueram apenas o suficiente para expressar a diversão irônica.

— Sim, acredito que tenha feito. É um milagre ela não o ter casado com uma amiga dela.

— Acho que uma união britânica me serviria melhor. Não acha?

— De fato. Vai ajudá-lo enormemente.

Ele não queria falar sobre a mãe ou os motivos pelos quais uma união sólida o ajudaria.

— A senhora escreveu sobre o passado. Talvez possa me esclarecer quanto a isso.

Ela abriu as mãos, com a palma para cima, em um gesto de confusão.

— A animosidade entre nossas famílias é tão antiga que as pessoas ficam imaginando por que começou. É tão desnecessária. Muito lamentável. Nós somos vizinhos, afinal de contas. Certamente podemos passar por cima disso, se quisermos.

Incapaz de ficar sentado ouvindo suas referências alegres àquela história, ele se levantou e foi até as janelas altas. Tinham vista para um jardim espetacular e para as colinas além dele, não muito longe. A casa e seu terreno ocupavam um vale baixo.

— Como sugere que façamos isso? — ele fez a pergunta enquanto encurralava a amargura em sua mente.

A viúva sabia muito bem por que a recente animosidade havia começado e provavelmente sabia sobre a história antiga também. No entanto, reconhecer um dos dois tornaria sua oferta de paz peculiar. Nós roubamos sua propriedade, atacamos sua mãe e ajudamos a levar seu pai à morte, mas o senhor deveria passar por cima disso agora.

Ele se virou e a viu observando-o. Ela parecia confusa, como se ele tivesse feito algo inesperado e ela não conseguisse determinar se ele havia chegado a uma solução sem que ela soubesse.

Ele ergueu as sobrancelhas para encorajá-la a falar.

— Proponho que resolvamos isso da forma antiga. Da maneira que dinastias políticas fizeram ao longo do tempo — ela disse. — Acredito que nossas famílias devam se unir por meio do casamento.

Ele mal evitou revelar sua perplexidade. Não esperara isso, de todas as propostas. Ela não sugeriu apenas uma trégua, mas uma aliança unida pelos laços mais fortes. O tipo de aliança que poderia impedir que ele buscasse a verdade sobre o papel daquela família na morte de seu pai, ou que procurasse vingança se descobrisse que suas suspeitas sobre o último conde estavam corretas.

— Já que eu não tenho uma irmã para seu neto, presumo que a senhora tenha me escolhido.

— Meu neto tem uma irmã que vai combinar perfeitamente com o senhor. Emilia é tudo que qualquer homem poderia pedir e será uma perfeita duquesa para o senhor.

— A senhora fala com muita confiança, mas não faz ideia do que este homem pediria.

— Será que não? Como se eu tivesse vivido tanto e não aprendido nada? Bela, graciosa, reservada e elegante. Essas qualidades são prioridade na sua lista, como na de todos os homens.

A tentação em adicionar outras exigências, umas que iriam chocá-la, quase dominou seu autocontrole. Ele só ganhou a batalha porque havia aprendido a nunca informar o inimigo de seus pensamentos.

— Posso encontrar isso em muitas outras jovens. Devemos ser sinceros um com o outro? O que teria de particular nessa união que seria de minha vantagem?

— Pergunta ousada, mas justa. Nós seremos aliados em vez de inimigos. Vai beneficiar o senhor assim como a nós.

— Bom, Condessa, nós dois sabemos que isso não é verdade. Fui convidado para negociar a paz quando meu pai nunca foi, no passado. Seria tolo se não imaginasse por que a senhora pensa que eu concordaria. Considerando os boatos em relação às minhas atividades na França, suponho como a senhora pode achar que isso protegerá seu neto, mas não como me ajudará.

Seus olhos se estreitaram. As rugas de sua pele congelaram como esculturas de pedra. Ela não demonstrou medo. Adam admirava sua postura forte, mas, na verdade, ela não achava que estava em perigo.

Ela se levantou.

— Vamos até o terraço. Vou lhe mostrar minha neta. Assim que a vir, vai entender como será beneficiado.

Ele a seguiu para o ar fresco de abril. O jardim se espalhava abaixo deles como uma tapeçaria marrom e vermelha, decorada por novas folhinhas e flores amarelas, rosadas e roxas. Bulbos, ele pensou. Elas ainda não haviam começado a florescer quando ele foi embora de Paris.

Uma garota estava sentada no meio da plantação revivendo, em um banco de pedra a nove metros. Ela tinha um livro aberto, segurado para cima a fim de não precisar olhar para baixo. A viúva devia ter lhe concedido uma pausa do luto porque a garota usava um vestido azul-claro. Ela era bonita e talvez tivesse dezesseis anos de idade. Seu cabelo loiro brilhava no sol, e sua pele clara e seu rosto adorável atrairiam qualquer homem. Adicione uma elegância e ela serviria muito bem.

A viúva estava ao lado dele, e sua expressão era de extrema confiança. Ele não confiava nela, mas admirava sua habilidade naquele jogo. Ele admitia para si mesmo que sua oferta realmente tinha suas vantagens, e não porque a garota era linda. O nome de seu pai e a honra de sua família haviam sido manchados nos melhores círculos e, se ele quisesse alterar esse cenário, aquele casamento definitivamente ajudaria. Significaria esquecer os motivos pelos quais ele dera as costas à Inglaterra assim como seu único bom motivo para finalmente retornar. Era por isso, ele presumia, que a viúva o tinha convidado.

— Emilia é a menina mais doce que já conheci. Tem bom humor também e uma boa inteligência, não precisa se preocupar de ela ser lenta — a condessa disse.

A doce Emilia fingia não vê-los, assim como fingia ler, em uma posição na qual ele conseguia ver seu rosto e seu corpo.

Não havia nada a esquentando, e nenhum chapéu protegia aquela pele clara. Ele imaginou por quanto tempo ela estaria sentada ali, esperando seu futuro pretendido inspecioná-la.

Ele não sabia por que ela não era sedutora. Talvez porque, apesar de ser adorável e graciosa, fosse jovem demais e, como parecia ser submissa às instruções da avó, provavelmente faltava clima.

As portas se abriram e o conde saiu apressado. Alto e loiro, ele ainda não tinha passado da fase magra desengonçada da adolescência. Olhou de forma zangada sua avó ao passar por ela. Ela enrugou o rosto em resposta. A chegada dele aparentemente não fazia parte dos planos da viúva.

Ele avançou em Adam como um homem que cumprimentava um amigo, mas sua recepção apressada e calorosa e o brilho de suor na testa diziam outra coisa. Theobald, Conde de Marwood, estava com medo de seu convidado. Muitos homens mostraram a mesma reação desde que Adam voltou à Inglaterra há duas semanas. Ele tinha uma reputação e, aparentemente, a sociedade esperava que ele desafiasse todos que pensassem em provocá-lo.

Adam não havia feito nada para corrigir essas suposições. Primeiro, talvez ele desafiasse muito bem um ou dois, dependendo do que descobrisse sobre os eventos de cinco anos atrás. Segundo, havia homens, como o próprio Marwood, que ficavam mais flexíveis quando motivados pelo medo.

— Vejo que Vovó já abordou a ideia dessa união — Marwood disse cordialmente. Ele olhou para sua irmã Emilia, ainda parada no jardim. Eles eram muito parecidos: pálidos, claros, bonitos e jovens.

O conde não poderia ter mais do que vinte e um anos. Adam pensou se Marwood sabia sobre o boato que havia assombrado o pai de Adam até seu túmulo. O medo de Marwood sugeria que talvez soubesse, e que as suspeitas antigas sobre esses velhos inimigos pudessem ser verdade.

— O senhor concorda com a ideia? — Marwood perguntou.

A avó dele chegou mais perto.

— Perdoe meu neto. Ele ainda é muito jovem para não ponderar que a impaciência impetuosa é uma virtude forte.

Marwood olhou para o céu como se rezasse e pedisse por essa paciência.

— Ele já sabe se a ideia é atraente ou não.

— A ideia é atraente, de uma forma geral — Adam disse. Ele não mentiu. Ainda pesava as implicações do plano da viúva. Essa oferta de simplesmente virar a página do passado o tentava mais do que esperava.

O jovem conde lançou um olhar cheio de otimismo para a avó. A viúva demonstrou mais circunspecção. Adam concentrou seu olhar na garota. A viúva recuou. O conde se aproximou andando de lado. Ansioso para finalizar as negociações, o conde exaltou os atrativos da irmã, de homem para homem. Do canto de olho, Adam viu a viúva balançar a cabeça para a falta de finesse do neto.

Uma movimentação na colina além do jardim chamou a atenção de Adam. Uma faixa preta riscou o cume, voou por cima de uma árvore grande caída, depois parou de repente. Uma mulher inteira de preto, em um cavalo preto, olhava para baixo para a casa.

— Quem é aquela? — ele perguntou.

Marwood semicerrou os olhos e fingiu não reconhecer. Olhou de canto de olho para Adam e pensou melhor.

— Aquela é minha meia-irmã, Clara. Filha da primeira esposa de meu pai.

O ponto preto chamado Clara conseguia demonstrar uma boa dose de arrogância mesmo ao longe. Ela andava com seu cavalo para a frente e para trás no pico da colina, observando o quadro abaixo como se o resto deles estivesse em um espetáculo para sua diversão.

Ele se lembrou de Lady Clara Cheswick, embora nunca tivessem sido apresentados. Mas ela apareceu na sociedade antes de ele deixar a Inglaterra. Com olhos brilhantes e cheios de vida. Essas eram suas impressões absortas no momento.

— Ela não permite que o luto interfira em seu prazer de andar a cavalo — Adam disse.

— Provavelmente diria que honra nosso pai assim. Eles gostavam de andar a cavalo juntos.

— Como ela é mais velha, por que não estão me oferecendo sua mão?

Marwood olhou desconfiado para a viúva, depois deu um sorrisinho.

— Porque o objetivo é impedir que o senhor me mate, não é? — ele falou em voz baixa com uma franqueza inesperada. — Não quero lhe dar outro motivo.

Adam escolheu não tranquilizar Marwood sobre a parte de matá-lo. Deixou aquele projeto de conde se preocupando.

— Agora está me intrigando, não me desencorajando.

Marwood inclinou a cabeça para mais perto e falou em confidência.

— Estou lhe fazendo um grande favor agora, falando sinceramente. Meu pai a mimava, satisfazia todos os seus desejos e lhe permitiu criar ideias descabidas para mulheres. Ele nunca exigiu que se casasse, e agora ela pensa que isso está abaixo dela. Ele deixou uma boa parte da propriedade em seu nome, um bonito trato com ricos fazendeiros. — Sua voz ficou um pouco amarga na última frase. — Ela é minha irmã, mas eu não seria seu amigo se a elogiasse quando, na realidade, é uma boa de uma megera.

Clara era a filha preferida do velho conde, aparentemente. Adam pensou se o pai recém-falecido tinha a habilidade de se virar em sua cova. Com uma ou duas cutucadas, talvez.

— Quantos anos ela tem?

— Passou muito da idade de se casar. Vinte e quatro.

Idade suficiente para se lembrar. Ela talvez soubesse uma boa parte, se seu pai a mantivesse perto.

— Chame-a aqui. Gostaria de conhecê-la.

— Sinceramente, o senhor não quer...

— Chame-a. E diga à sua outra irmã para baixar o livro. Os braços devem estar parecendo chumbo agora.

Marwood apressou-se até a avó a fim de compartilhar o pedido. A viúva foi correndo até Adam enquanto tentava parecer calma.

— Temo que tenha entendido errado. Para essa união ter uma conclusão satisfatória, a noiva deve ser Emilia. O caráter de Clara é além do alcance, mas ela não é apropriada para nenhum homem que deseje harmonia doméstica.

— Só pedi para conhecer Lady Clara. E ainda não concordei com nenhum casamento.

— Antes de morrer, meu filho conversou especificamente comigo sobre essa união. Estou apenas executando suas intenções. Ele disse que deveria ser Emilia...

— Ele quer conhecê-la, Vovó. — Desesperado, Marwood ergueu o braço e acenou para sua irmã Clara se aproximar.

O cavalo parou de andar. A mulher tinha visto e entendido a instrução. Estava naquela colina, seu cavalo de perfil, a cabeça dela virada para eles, olhando para baixo. Então puxou forte as rédeas. Seu cavalo empinou tão alto que Adam temeu que ela escorregasse da sela. Em vez disso, ela se segurou perfeitamente enquanto girava seu cavalo. Virou-se de costas para eles e galopou para o lado contrário. A moça acabara de lhe dar um tapa na cara a quinhentos metros.

A expressão da viúva mostrava um triunfo presunçoso debaixo da camada de desânimo.

— Que pena ela não ter visto o sinal do meu neto.

— Ela viu muito bem.

— É um pouco teimosa, vou admitir. Avisei ao senhor — Marwood disse.

— Não mencionou que ela é grosseira, desobediente e rapidamente insulta outros quando quer.

— Tenho certeza de que ela não quis insultá-lo. — Ele lançou um olhar desesperado para a avó.

— Tem certeza? Então, por favor, peça aos criados para trazerem meu cavalo ao portal do jardim imediatamente. Vou lá e me apresento para Lady Clara, assim não fico com rancor de sua grosseria não intencional e não permito que isso interfira na nova amizade de nossas famílias. — Adam fez uma reverência para a viúva. — Por favor, dê minhas lembranças para Lady Emilia. Estou certo de que ela e eu nos conheceremos logo.


lara galopou até uns bons três quilômetros da casa. O que Theo estava pensando, chamando-a e acenando para ela ir até lá? Ela nem estava vestida para receber o convidado dele. Pela postura rígida de Vovó, suspeitava que apenas Theo pensara ser uma boa ideia.

Incentivou seu cavalo e o levou a um bosque. Tirando Theo de sua mente, desmontou de sua sela em um toco de árvore, desceu e pegou uma folha de papel da bolsa. Encontrou um bom lugar debaixo de uma árvore, sentou-se e voltou sua atenção às páginas. Sua amiga Althea havia enviado no dia anterior, e ela precisava ler e enviar de volta com seus pensamentos incluídos.

Fez uma imersão no texto, fazendo alguns comentários com um lápis que guardara em seu corpete. Absorta pela leitura, não olhou para cima por, no mínimo, meia hora. Quando o fez, viu que não estava mais sozinha. Um homem a observava a uns trinta metros. Seu cavalo branco contrastava com sua capa preta e o cabelo escuro. Esse último chegava à sua gola e não demonstrava nenhum sinal de ter sido cortado por um cabeleireiro consciente da moda atual de Londres.

Ela o reconheceu do terraço. Um pensamento a incomodou de que talvez já o tivesse visto. O visitante de Theo a seguira. Ela pensou que isso era muito ousado. A forma como ele estava ali sentado e observando-a apenas confirmava que ele não tinha boas maneiras.

Pensou em voltar a ler, depois decidiu que poderia não ser sábio. Uma coisa era fingir que não tinha visto o aceno de seu irmão para se aproximar, e outra era fingir que não via um homem bem à sua frente.

Ele levou seu cavalo para mais perto. Ela conseguia vê-lo melhor agora. A desaprovação endurecia a boca dele, o que enfatizava seus lábios carnudos sensuais. Olhos escuros a mediam quase que por completo. Sua capa preta não estava na moda para Londres, mas ela conhecia muito bem a moda francesa para reconhecê-la como mais apropriada para Paris. Ele usava uma gravata escura amarrada casualmente.

Achou-o muito bonito de forma chocante e poética. Por ter conhecido alguns homens com humor negro no passado, ela não tinha nenhum interesse em conhecer outro, independente do quanto ele fosse bonito.

Ele parou seu cavalo a três metros. Não desmontou, mas ficou acima dela. Ela pensou em se levantar, a fim de encurtar a distância, mas decidiu não o fazer. Se ele queria assustá-la, teria que fazer melhor que isso.

— Bom dia, senhor. — Ela permitiu que sua voz transmitisse o quanto achava inapropriada sua intrusão.

Ele desceu do cavalo.

— Por favor, perdoe-me a falta de apresentação formal, mas duvido que irá se importar, já que é uma mulher que não se incomoda muito com tais coisas.

— Tenho certeza de que não entendo o que quer dizer.

Os cantos daquela boca se ergueram o suficiente para indicar que ele sabia que ela estava mentindo. De fato, aquele meio sorriso implicava que ele sabia tudo sobre ela.

— A senhorita me ignorou lá, Lady Clara. É isso que quero dizer.

— É impossível ignorar alguém que não conhece.

— Parece que a senhorita pensa que é a mesma coisa.

Arrogante seria muito gentil para descrevê-lo.

— O senhor mencionou uma apresentação — ela disse através de um sorriso rígido.

Ele fez uma curta reverência.

— Sou Stratton.

Stratton? O Duque de Stratton? Aqui? Será que Theo havia enlouquecido?

Por isso ele era vagamente familiar. Ela o tinha visto há anos, em bailes, antes do pai dele morrer e ele ir embora da Inglaterra. A última vez que foi a Londres, dez dias antes, ela tinha ouvido um ou outro falar que ele havia retornado, mas ia além da sua compreensão o fato de Theo tê-lo permitido entrar na propriedade.

Ele andou de lado e adotou uma postura casual bem ao lado dela, com um de seus ombros apoiados no tronco da árvore. Ele cruzou os braços como um homem que esperava uma conversa longa.

Ela se levantou, juntando os papéis perto de seu peito para que não voassem pela colina.

— Eu não sabia quem o senhor era. Mesmo que eu tivesse que adivinhar a identidade do homem com meu irmão, seu nome nunca teria passado por minha cabeça.

— Com certeza, não. Nossas famílias são inimigas há décadas.

— Theo está deixando o título subir à cabeça dele se o recebeu. Minha avó deve estar apoplética.

— Foi sua avó que me convidou para vir aqui.

— Não é possível.

— A carta era dela, escrita à mão. Foi bem inesperado — ele disse em um tom sarcástico.

Ela estreitou os olhos para ele.

— E mesmo assim aceitou o convite.

— Sua avó é um dos baluartes da sociedade há mais tempo do que estou vivo. As padroeiras do Almack tremem na presença dela. Eu nunca insultaria alguém com tal influência.

Agora ele zombava dela. Ela duvidava que ele se importasse o mínimo com a influência social de sua avó. Não parecia ser um homem que deixaria de lado o orgulho de sua família e obedeceria a sua avó. Ela deveria organizar o artigo de Althea e sair dali. Mas a curiosidade foi maior.

— Por que ela o convidou?

— Ela propôs um casamento dinástico com sua irmã a fim de acabar com a animosidade. A fim de enterrar o passado. — Aquele meio sorriso de novo. — Pode imaginar meu espanto. Foi bem parecido com o seu agora.

Espanto mal fazia jus à sua reação. Isso ficava cada vez mais esquisito. Também mais irritante. Ela se sentia duplamente traída. Primeiro, no lugar de seu pai, que nunca teria aprovado essa ideia. E, segundo, por si mesma, porque não contaram para ela nem a consultaram. Vovó deve ter usado toda a sua força de vontade para manter isso um segredo, se até Emilia não confessou isso a ela.

— Então, quando o noivado será anunciado? — Ela deixou seu máximo ceticismo se expressar em seu tom sarcástico.

— Ainda não concordei com a união.

— Minha irmã é adorável e brilhante. Daria uma esplêndida duquesa, claro, só que não para o senhor. Estou aliviada por ainda não ter decidido.

— Não culpe a mim pelo atraso, sabendo o que penso sobre o assunto. Lá estava eu, tomando uma decisão sobre uma pomba branca adorável, quando um corvo preto voou e me distraiu.

Corvo? Por que o...

— Então o corvo bateu as asas na minha cara e virou o rabo para voar para longe. — Ele se aproximou até estar acima dela. — Nunca fujo de um desafio, Lady Clara.

Se ele pensava que ela iria tremer e ruborizar, estava enganado. Só que ela tremeu, sim, um pouco, enquanto reparava que o comportamento dele exalava uma boa quantia de mistério e empolgação e que seus olhos escuros e suas profundezas tinham camadas que a atraíam, chegando ao ponto de quase se afogar. A proximidade dele e seu olhar a deixaram incapaz de falar algo por um instante constrangedor. Talvez tivesse ruborizado um pouco também.

— Teria sido melhor agarrar o pombo branco enquanto podia — ela disse. — Agora tenho tempo para lembrar à minha avó que o senhor nunca o fará.

— Cumprirei muito bem aos propósitos dela.

— E quais são?

— A senhorita não sabe? — Ele inclinou a cabeça de lado. — Talvez não saiba.

Ficou ainda mais bizarro estar tão perto dele. Ela sentia uma mistura de alarme e... exultação. Deu um passo para trás e se atrapalhou com a pilha de folhas nos braços.

— Com licença.

Ela foi até seu cavalo. Sua estrutura alta e esguia logo aqueceu a lateral dela e os passos dele acompanharam os dela.

— Está indo embora sem nem desejar um bom dia? Penso que está determinada a me insultar.

— Estaria em meu direito atirar no senhor; insultá-lo é pouco. O senhor está invadindo esta propriedade, não importa o que minha avó aflita pelo luto tenha lhe dito. Ultrapassou o limite entre a terra de meu irmão e a minha há quatrocentos metros.

— E eu estaria no direito de segui-la em resposta ao seu comportamento.

Ela parou de andar e olhou desafiadoramente para ele.

— Tal ameaça é inaceitável. Tente fazer isso e, certamente, vou atirar no senhor. Não duvide disso. Não sou uma mulher que treme quando encontra a estupidez masculina. E cavalheiros com educação adequada teriam permitido passar o mal-entendido em relação às instruções de meu irmão. É ultrajante que o senhor se sinta no direito de me seguir e, depois, me censurar. Agora, seguirei meu caminho, e o senhor pode seguir o seu.

Ela acelerou o passo até o cavalo. Ele andou ao seu lado de novo. Ela queria bater nele com o manuscrito de Althea, estava irritando-a muito.

— A senhorita é escritora? — Ele esticou o braço e tocou no canto das folhas. Isso fez o braço dele se aproximar do corpo dela. Um sobressalto interno quase a fez pular para longe.

— Uma amiga escreveu isso. É um texto sobre... — Parou de falar. — Tenho certeza de que não lhe interessaria.

— Talvez interesse.

— Então tenho certeza de que não é da sua conta.

— Não é uma escritora, mas uma sabichona.

— Oh, detesto essa palavra. — Ela enfiou as páginas em sua bolsa. — O senhor acabou de passar anos na França. Eles são famosos por louvar mulheres cultas. Se me dá esse apelido simplesmente porque me viu lendo, aparentemente, não aprendeu muito enquanto esteve lá, exceto como ser irritante.

Ela pegou as rédeas e posicionou o cavalo.

— Permita-me ajudá-la. — Ele se aproximou.

— Por favor, só vá embora. — Rapidamente, ela pisou no toco de árvore. Com um pulo e uma puxada, montou de novo na sela.

— Admirável, Lady Clara. Vejo que é independente em todas as coisas.

Ela engoliu um gemido com o comentário dele.

— Acha que sou tola por descer de um cavalo se não houvesse como subir de volta?

Quando ela se virou para cavalgar, viu a expressão do duque. O humor suavizava aquele rosto de alguma forma, mas, dentro da mente atrás daqueles olhos escuros, os planos se formavam.

Adam observou Lady Clara cavalgar para longe.

Que mulher provocadora. De olhos brilhantes e muito vivos, mas também mais adoráveis, com uma pele cremosa e mechas claras no meio de seu cabelo castanho.

Espirituosa. Espirituosa demais, a maioria dos homens diria. Ele não era um deles. Gostava de mulheres altamente espirituosas e senhoras de si. Claro que preferia que elas não o tratassem com desdém. Ele a desculparia. Dessa vez. Os planos da viúva tinham pego Lady Clara desprevenida ? assim como a ele ? e a inimizade entre suas famílias tornava a grosseria dela compreensível.

Também a desculparia porque a quis imediatamente ao vê-la debaixo daquela árvore, e a quis mais no momento em que se separaram. O desejo sempre encorajou a generosidade.

Ele montou, mas cavalgou para leste, não de volta à casa de Marwood, a oeste. Não havia necessidade de retornar para lá, depois para a estrada. Se continuasse nesse caminho por muitos quilômetros, logo chegaria em sua própria terra.

Passou por fazendas bem cuidadas e por um vilarejo. Será que ainda era propriedade de Lady Clara? Se era, o legado de seu pai tinha sido significativo. Por isso Marwood falou disso com ressentimento.

Só quando ele alcançou o pico baixo da propriedade, percebeu exatamente onde estava. Reconheceu a cidade da qual se aproximava por seu moinho. Mal conseguia estabelecer o riacho que serpenteava de norte a sul. A propriedade de Marwood encontrava a dele em lugares ao longo do rio.

Ele avançou trotando com seu cavalo, pensando sobre a oferta da viúva, como ditado pelo último conde. O conde tinha motivos para buscar um tratado de paz. Adam pensou que sabia quais eram. Mas parecia que, até perto da morte, o caráter de um homem não mudava.

O último conde havia esquematizado para garantir que ganhasse uma velha batalha, até quando pediu à sua mãe para oferecer um ramo de oliveira na esperança de proteger o filho.

 

Clara amarrou uma fita no manuscrito de Althea e colocou sua folha de anotações em cima. Althea era uma boa escritora. No entanto, quando se importava profundamente com uma causa ou evento, ela desviava de sua opinião e entrava em polêmicas. Não precisaria de muito para mudar isso, então não demonstrou aquele defeito.

Ela o guardou em uma gaveta debaixo da escrivaninha que usava na biblioteca. Enquanto o fazia, seu irmão Theo entrou no aposento e a olhou com desconfiança. Então foi até o decanter e se serviu de um pouco de conhaque.

— Você arruinou tudo — ele disse entre dentes cerrados. — Tudo estava sob controle, e precisava insultá-lo ao ponto de ele esquecer todo o resto.

Ela nem tinha visto Theo ou sua avó ao retornar, então essa era a primeira vez que seu irmão tinha chance de repreendê-la. Não que ela fosse permitir.

— Se tivesse me contado que receberia Stratton, eu teria permanecido longe, asseguro a você.

— Foi ideia de Vovó, mas parece estar seguindo o próprio caminho.

— Papai nunca teria aprovado. Se é para haver uma reaproximação entre nossas famílias, deixe-os dar o primeiro passo.

Ele deu um sorrisinho para seu conhaque, depois para ela.

— Você não esteve muito em Londres esse último semestre. Não esteve participando nem um pouco da sociedade enquanto está de luto. Então não soube dele, não é?

— Não teria prestado atenção, de qualquer maneira, porque ele não tem nada a ver comigo. Com nenhum de nós. É assim que acontece desde, pelo menos, a época de nosso avô. — Ela crescera com essa lição. Seu pai, o papai querido, não precisara falar muito disso para passar a tradição da amargura da família.

— Infelizmente, ele não é como o pai dele. Ou nenhum dos outros. Ele é... perigoso.

Ela deu risada.

— Não pareceu perigoso para mim.

Só que parecera, sim. Todo aquele mistério tinha muito a ver com isso. Se ela um dia o visse de novo, ficaria tentada a fazer cócegas nele até ele rir como um tolo, apenas para derrotar aquela força do humor negro que carregava.

— Ele não é perigoso para mulheres. — A voz de Theo se aprofundou com sarcasmo.

Bom, agora ela não tinha certeza se concordava com isso também.

— Ele duela, Clara. Matou dois homens, e quase um terceiro. Na França. A menor provocação e ele desafia os homens. Ele não vai ceder. Estão dizendo que voltara à Inglaterra porque as autoridades francesas disseram para ele deixar o país. — Theo engoliu o resto do conhaque. — É um assassino.

A postura de Theo encolheu enquanto ele falava. Sua testa franziu. Seus olhos azuis olharam para longe em direção ao nada. Clara era três anos mais velha do que Theo e o observara crescer. Sabia que seu irmão estava com medo.

Ela se levantou e foi até ele.

— Ele não vai matar você, Theo. Não por causa de uma briga de família que começou antes de você nascer.

— Que melhor forma para ganhar essa batalha? Uma palavra errada, um olhar ruim, e ele terá sua desculpa.

— Está sendo muito dramático.

— Vovó concorda. Zombe de meu julgamento, se quiser, mas vai zombar tão rápido do dela?

A explicação de Stratton quanto à sua visita fazia sentido agora, mas da maneira mais ridícula. O luto de Vovó havia tomado um rumo infeliz se ela viu tal ameaça no duque. Quanto a Theo... Ele era corajoso quando havia um pouco de perigo, mas menos quando era seguido de ameaça.

— Presumo que a estratégia foi que, se fosse o cunhado dele, ele nunca iria querer duelar com você — ela disse. — É um preço alto a pagar pela paz, irmão. E quanto a Emilia? Se ele tem esse comportamento, é justo uni-la a ele?

— Eu disse que ele não é perigoso para mulheres, não disse?

— Você não tem certeza. Se nem nos sentamos à mesa com aquela família, não deveríamos planejar uniões com eles.

— Vovó...

— Você é o conde agora. Precisa pensar por si mesmo.

— Que conselho ridículo, Clara. Ele mal saiu da escola — Vovó entrou na biblioteca falando. — Não quero que complique ainda mais o assunto ao incentivar Theo a uma independência imprópria de meu conselho.

— Tenho vinte e um anos — Theo murmurou, ruborizando.

— Tem? Bom, um ano a mais ou a menos não significa nada.

— Não estou complicando nada — Clara disse.

Sua avó se sentou. Costas eretas e cabeça angulada exatamente para assumir a postura de rainha de tudo que supervisionava. No momento, isso incluía Clara.

— Seu comportamento hoje fez o duque partir antes de eu... nós podermos combinar as coisas. Se isso não é complicação, o que é?

— Uma prorrogação. Para Emilia. Para todos nós, enquanto a senhora reconsidera essa ideia extraordinária de casá-la com aquele homem.

— Ele pareceu bem adequado para mim. Francês demais, mas é o que se pode esperar com aquela mãe dele, e a forma como ele morou fora todo esse tempo. Mesmo assim, algumas semanas e ele vai assumir seu papel correto na vida e fazer o que precisa para reivindicar seu lugar entre nós. Ele sabe que precisa se casar com uma garota com a educação impecável como a de sua irmã, e nós vamos nos beneficiar ao tê-lo por perto, onde podemos ficar de olho nele para que o passado não consiga prejudicar Theo.

— A senhora não pode também pensar que ele é perigoso para meu irmão. Será que todo mundo perdeu o senso por aqui?

— Como sempre, você presume saber de tudo por causa de como meu filho a favorecia. Entretanto, há muito que não entende. Não estou brincando. Não vou deixar nada acontecer a Theo, principalmente com seu herdeiro presumível sendo aquele primo insuportável. Deixe comigo, Clara. Emilia vai se casar com Stratton, e tudo ficará bem.

Para que Clara não discutisse sobre a última palavra, sua avó ergueu um livro, abriu-o, colocou os óculos no nariz e começou a ler.

Clara olhou para Theo, esperando encontrar um aliado para suas objeções.

Ele se virou e se serviu de mais conhaque.


dam entregou seu chapéu e seu chicote ao criado na porta do White’s, e caminhou pelo salão do clube. Olhares voaram em sua direção. Cabeças se curvaram. Houve tanto silêncio que ele escutou o burburinho baixo de sussurros.

Ele continuou, assentindo e cumprimentando homens que não conseguiam resistir a olhar mais diretamente. Alguns reagiam com sorrisos simpáticos demais para apenas conhecidos.

Saiu do salão por uma porta no fundo e subiu as escadas para o piso superior.

— Sir, temo que todos os cômodos estejam ocupados. — A reprimenda gentil do funcionário o alcançou no meio das escadas.

Ele se virou. O funcionário viu seu rosto e ficou vermelho.

— Peço desculpas, Sua Graça. Não percebi que era o senhor. Bem-vindo de volta, sir.

— Presumo que eles estejam lá em cima.

O funcionário assentiu. Adam subiu. Sons saíam de trás de uma das portas. Vozes masculinas e risada. Ele abriu o ferrolho e entrou.

Dois homens o encararam, mudos pela surpresa.

— Caramba — um deles finalmente murmurou. — Brentworth aqui especulou que você pudesse aparecer hoje, mas eu disse que você nunca viria.

— Então ele estava certo, Langford, e você, errado.

Adam se jogou em uma cadeira e olhou em volta.

— Parece que nada mudou muito.

— Muito pouco. — Gabriel St. James, Duque de Langford, jogou-lhe um charuto. Ele sorriu com prazer e seus olhos azuis brilharam. — Droga, mas é bom vê-lo. Disseram que voltou há um mês. Por onde esteve?

— Colocando meus negócios em ordem. Analisando os registros da propriedade. — Ele pegou uma vela e a segurou em seu charuto. — Demitindo o administrador que estava me roubando. Esse tipo de coisa.

Ele também tinha feito outras coisas. Uma foi investigar uma mulher chamada Clara Cheswick. Descobrira algumas coisas sobre ela que eram apenas de seu interesse.

— Na fazenda, então. Por isso que a única indicação de seu retorno eram as fofocas e os boatos. — Eric Marshall, Duque de Brentworth, levantou-se para pegar o decanter de uísque. Aproximou-se com um copo, serviu Adam, depois encheu o próprio e o de Langford. Nenhum sorriso dele, apenas um sorriso deprimido em seu rosto severamente esculpido. Sem brilho em seus olhos escuros, mas escrutínio bem profundo.

Ambos eram a epítome da moda, mas em maneiras diferentes como seus comportamentos. Os cachos cortados do agradável Langford sempre pareciam que ele havia acabado de ficar ao vento, enquanto as ondas mais sérias de Brentworth nunca ousavam tal exuberância. Langford usava uma gravata casual escura naquela noite, enquanto o lenço de linho branco de Brentworth parecia ter sido engomado por seu criado cinco minutos antes.

Não que Brentworth não fosse espirituoso ou fosse escravo de convenções comparado a Langford, mas ele valorizava a discrição e não desprezava seus desejos ou pensamentos. Não se podia dizer o mesmo de Langford.

Adam gostou de como seus dois amigos interpretavam velhos rituais e o receberam com tranquilidade. Não ignorou o fato de que a cadeira em que se sentava ? sua cadeira de sempre ? não havia sido usada por nenhum deles, apesar da sua proximidade ao fogo reconfortante. Bebeu um pouco de uísque, soprou o charuto e permitiu que a nostalgia e a familiaridade o inundassem. Voltara à Inglaterra há mais de um mês, mas, naquele momento, finalmente sentia que tinha voltado para casa.

— Que tipo de fofocas e boatos? — ele perguntou, deixando o último comentário penetrar sua paz.

Seus amigos trocaram olhares misteriosos.

— Enquanto você esteve fora, sua reputação chegou à Inglaterra, mesmo que você não tenha voltado — Brentworth disse.

— Está falando dos duelos.

— Um é compreensível para qualquer cavalheiro. Dois podem ser desculpados. Três, no entanto... — Langford explicou.

— Nenhum homem no salão lá embaixo teria permitido qualquer daqueles insultos à família passar sem um desafio. Fiz o que qualquer um faria.

— Claro, claro — Langford acalmou. — A pergunta, porém, é se voltou para fazer isso aqui também. Há alguns camaradas que estão se lembrando de cada pequena desavença que podem ter tido com você, e qualquer crítica sussurrada à sua família ou a você. Tenho certeza de que, em algumas semanas, assim que voltar à sociedade e propagar seu charme, isso tudo será esquecido.

— Talvez seja melhor se não for.

Isso surpreendeu Langford.

— Não pode querer ser visto como perigoso. Sinceramente, ninguém vai ameaçá-lo.

— Se ser visto como perigoso impedir homens estúpidos de dizer coisas estúpidas que me obriguem a desafiar em nome da honra, então deixe-os pensar que sou perigoso. — Ele colocou o copo na mesa como uma forma de finalizar aquela linha de pensamento. — Estou feliz por ter encontrado vocês dois aqui.

— Onde mais estaríamos na primeira quinta à noite do mês? — Brentworth disse. — Continuamos como sempre foi. Você pode ter nos abandonado, mas nós ainda somos a Sociedade dos Duques Decadentes.

Adam sorriu. Eles três frequentavam a escola quando se deram esse nome. Todos herdeiros de ducados, haviam formado uma conexão imediatamente. A escola os separou, e os outros garotos também. Eles aprenderam rápido que a única pessoa que trataria um duque normalmente era outro duque. Portanto, uma amizade rápida e duradoura foi formada.

Aquele cômodo, e as reuniões mensais, começou assim que todos deixaram a universidade e foram para a cidade aproveitar seus privilégios. Por um bom tempo, a Sociedade dos Duques Decadentes fora mais do que um título inteligente que seguia os garotos de escola. Muitas vezes, encontravam-se ali, mas logo saíam para explorar quão decadentes conseguiam ser.

Langford havia encontrado seu segundo dom naquelas perversões. Um estilo de vida. Famílias decentes o recebiam agora apenas porque ele era um duque, embora seu charme considerável pudesse ter lhe dado algumas aprovações de qualquer forma. Brentworth, por outro lado, superara tais excessos primeiro, pelo menos em relação ao comportamento que outros pudessem ver ou relatar. Era mais um exemplo de como ele administrava tudo sem esforço para a ideia pública de duque, em aparência e comportamento. Superior, arrogante e confiante em seus privilégios, ele estava acima do mundo em estatura e indiferença. Adam não se importava com o quão duque seu amigo havia se tornado. Conhecia Brentworth muito bem para compreender como ele era realmente diferente de sua pessoa pública.

— Então, por que voltou? — Brentworth perguntou. — Depois de tantos anos, achei que nunca mais voltaria.

— Gostaria de dizer que simplesmente resolvi que era hora, mas não foi tão simples. O governo francês também decidiu que era hora. Foram feitas reclamações e, como resultado, o rei decidiu que era hora. Recebi uma intimação para comparecer.

Langford deu risada.

— Que antiquado. Quase charmoso.

— Já que estava na mão do rei, e as coisas estavam começando a esquentar na França... bem, cá estou.

— Já cumpriu sua parte com ele? — Langford quis saber.

— Assim que cheguei. Bebemos bastante vinho juntos. Ele perguntou sobre as mulheres de Paris. Posso ter exagerado um pouco, e o encontro foi amigável e cheio de conversa.

— Então sua metade inglesa respondeu ao comando de seu rei inglês — Brentworth disse. — Se não foi por isso... foi tempo suficiente?

— Sim. — E foi. A fúria que o levou embora tinha finalmente acabado há um ano, substituída por pensamentos mais deliberados, e responsabilidade de suas obrigações.

Havia deveres que não poderiam ser conduzidos eternamente de longe da França. Um em particular.

— É bom que finalmente veio à cidade — Langford falou. — Vamos pedir para fazer novos casacos para você amanhã. Uma visita ao barbeiro também pode ser organizada. Não pode andar por aí parecendo um desses franceses que seduzem viúvas para seu arrependimento eterno.

— Algumas não me deram tanto arrependimento, como me lembro. — Adam olhou para sua sobrecasaca. Cortada ao estilo francês, um pouco mais comprida e justa do que a moda inglesa, provavelmente o fazia parecer estrangeiro.

— Vamos nos embebedar, e você pode me contar sobre elas e me deixar com inveja — Langford disse.

— A menos que algo tenha mudado, há pouco que possa contar a vocês sobre viúvas.

— Então, quais são seus planos? — Brentworth perguntou.

— Espero que sejam bem parecidos com os de vocês agora. Cuidar da minha propriedade. Votar no Parlamento. Como disse, o tipo de coisa comum.

— Isso é tudo? — Brentworth questionou. — Você vai embora da Inglaterra e fica fora por quase cinco anos, e com seu retorno tudo que quer é ser um cavalheiro que vem à cidade para as votações?

— Pretendo encontrar uma esposa rica e sensual também. Chegou a hora de me casar.

— Fale por si mesmo — Langford rebateu.

— Ignore-o — Brentworth disse. — Há duas mamães que estão de olho em Langford, e ele está correndo dos lugares para se esconder. Infelizmente, é duvidoso que ambas as garotas sejam sensuais o bastante, ou tenho certeza de que ele iria entregar uma para você de bom grado.

— Se há duas, deveria enviar uma na sua direção — Adam respondeu.

Estranhamente, mães quase nunca miravam em Brentworth. Diziam que ele aterrorizava tanto as ingênuas que suas mães olhavam para outro lado.

— Quanto à parte sensual, já descobriu, Langford?

Langford deu risada.

— Talvez na França todo tipo de exploração seja feita quando o assunto é mulher, mas não se esqueça de que, aqui na Inglaterra, nós só esperamos o melhor e nunca conseguimos nada.

Por ser metade francês, Adam achava bizarra e curiosa a sensualidade sufocada que havia atormentado os ingleses nessas últimas décadas. Era como se todas as mães e avós tivessem se reunido no começo da guerra e decidido que, a fim de rejeitar todas as coisas francesas, suas filhas não deveriam se divertir tanto quanto elas se divertiram na juventude.

Uma rigidez pairou sobre o cômodo. Ele olhou para cima e viu Brentworth observando-o, e de uma forma não gentil.

— Fale — Adam exigiu.

— Inferno, isso, vou dizer que...

— Deixe quieto, Brentworth — Langford sugeriu.

— Não, eu insisto — Adam disse.

Brentworth se levantou e foi até o decanter de uísque de novo. Demorou-se tanto ali que Adam pensou que o rancor tivesse passado, ou que tivesse sido engolido agora. Brentworth se virou de repente para ele.

— Entendo que estava de luto. Entendo que havia coisas sendo ditas que eram sujas e prejudiciais e...

Adam se levantou e jogou seu copo no fogo. As chamas se sobressaltaram.

— Sujas e prejudiciais? Ele se matou por causa disso!

— Eu sei. Mas você nunca conversou conosco. Nunca permitiu que ajudássemos. Simplesmente desapareceu com sua mãe sem uma palavra, e não falou nada desde então, e entra aqui como se os últimos anos nunca tivessem acontecido. Caramba, Stratton, nós somos amigos há anos e você agiu como se nós dois estivéssemos na fila contra sua família.

— Nunca pensei isso.

— Até parece que não.

Langford balançou a cabeça.

— Sentem-se, vocês dois. Eu lhe disse antes, Brentworth, que, sob as circunstâncias, o que quer que ele fizesse era uma escolha feita por raiva e luto. Quem sabe como eu ou você teríamos agido? — Ele deu um sorriso para Adam de... o quê? Perdão? — Não precisa se explicar para nós.

Mas precisava, sim. Brentworth tinha razão. Ele virara as costas a tudo e todos em sua raiva. Não podia pensar em demorar a sair da Inglaterra. Não por causa da desgraça envolvida por trás da morte de seu pai, e porque não podia mais confiar em alguém.

— Fui embora daquele jeito porque, se não o fizesse, com certeza teria matado alguém por ódio, sem nem saber se culpava a pessoa certa.

Brentworth se jogou de novo em sua cadeira. O olhar de seu amigo o encarou por um longo tempo.

— E você sabe agora? Se culpou a pessoa certa? — Brentworth perguntou.

— Ainda não.

Langford limpou a cinza do seu charuto.

— Resposta interessante. Acho que agora sabemos por que ele voltou de verdade, não é, Brentworth?

 

Clara rapidamente leu sua correspondência matinal enquanto tomava café na Casa Gifford, a residência londrina da família. Duas cartas em particular receberam uma atenção bem breve. Sua avó havia escrito uma reprimenda.

 

A carta de Theo dizia quase a mesma coisa.

É improvável que façamos progresso com Stratton se continuar insultando-o. Pense no futuro de Emilia. Pense no meu. Certamente pode encontrar um pouco de gentileza em relação a ele.

Ela estava pensando no futuro de Emilia. E no da família. Via essa ideia toda de amenizar as diferenças entre a família dela e a de Stratton como um mau conselho e deslealdade. Deixe-os tentar, se quiserem, mas ela não iria cooperar. Vovó sabia disso. Foi por isso que ninguém lhe contou sobre o plano antes de embarcar nele.

Vestindo sua pelica e seu gorro, pegou um pacote embrulhado e desceu até a sala de entrada. Para evitar as carruagens da família, disse a um criado para lhe arranjar um cavalo alugado.

Tomou um pouco de ar no pórtico enquanto esperava. Infelizmente, enquanto o fazia, uma carruagem estacionou.

Ela xingou baixinho.

Stratton de novo. E ali estava ela, à vista. Não poderia mandar o mordomo dizer que não estava em casa. Por outro lado, deveria ser óbvio que estava saindo. Algumas palavras educadas e ele seguiria o próprio caminho.

O duque saiu de sua carruagem e a alcançou. Após um cumprimento, ele parou com um pé no degrau mais baixo da varanda e a olhou.

— A senhorita sai bastante.

— Posso estar de luto, mas não estou morta.

Ele apontou para sua carruagem.

— Permita-me levá-la ao seu destino.

— É muito gentil da sua parte, mas minha carruagem está a caminho.

— Pode demorar um pouco para chegar.

Podia mesmo. Com um resmungo interno de resignação, ela se virou para a casa.

— Já que o senhor queria falar comigo, vamos entrar e ter uma visita apropriada enquanto eu espero.

Ela guiou o caminho para dentro de casa e colocou seu pacote na mão do criado. Levou o duque para o andar superior, para a sala de estar.

Sentou-se em uma cadeira e torceu para parecer, no mínimo, meio formidável como sua avó.

O duque se sentou na cadeira mais próxima à dela e ficou confortável. Seu cabelo havia sido estilizado desde que ela o vira na colina. Agora, seus cachos bagunçados cortados enfatizavam mais seus olhos escuros e aquela boca sensual e maxilar forte.

— É gentileza da sua parte me receber, Lady Clara.

— Já que pensou ser adequado relatar à minha família que não o recebi anteriormente, agora me sinto obrigada a fingir ser receptiva a esse desejo inexplicável deles de criar uma amizade com o senhor.

— A senhorita é uma mulher bem direta.

— O senhor é um homem bem persistente.

— Em um homem, persistência é uma virtude, enquanto ser direta, para uma mulher...

— É um aborrecimento. O que me leva à questão do porquê se incomoda em ser tão persistente com este aborrecimento de mulher.

— É uma excelente pergunta. Se tivesse me recebido da primeira vez, agora teria compreendido completamente minhas intenções.

Que forma estranha de dizer isso. Quaisquer que fossem suas intenções.

— Talvez o senhor me esclareça agora, e rapidamente, para que eu possa terminar meus próprios compromissos... compromissos estes que o senhor interrompeu.

Ele riu em silêncio, como se fosse uma piada interna.

— Seu irmão disse que a senhorita tinha um gênio ruim. Posso ver o motivo.

Gênio ruim? Que menino mimado e desleal aquele.

— Prefiro ser chamada de direta. Como um cavalheiro, estou certa de que também prefere essa palavra.

— É claro. Permita-me ser direto também, para que possa voltar aos seus afazeres do dia. — Ele se inclinou para a frente e apoiou os braços nos joelhos. Isso trouxe seu rosto elegante para bem perto dela. — A senhorita sabe do plano de sua avó de me casar com Lady Emilia.

— Sei.

— Decidi declinar da proposta.

Ela conseguiu se conter de não comemorar com alívio. Graças aos céus alguém nesse acordo horrível estava usando o cérebro.

— E que a senhorita vai ser adequada para mim, e muito melhor para o plano da viúva.

Uma rigidez pairou no aposento. Demorou muito para a mente dela absorver o que ele dissera. Mesmo depois, soava bizarro demais para ser exato.

— Sua irmã é muito jovem para mim e, qualquer acordo que seja proposto com ela, nunca será tão bom quanto uma esposa com sua própria propriedade e renda.

Deus do céu.

Ela reuniu sua perspicácia, mas precisou de muito tato para não demonstrar sua reação atordoada.

— Ao menos conheceu Emilia?

— Não, mas não é significativo. Tenho bastante certeza de que ela é adorável, mas não é a noiva certa para mim.

— Como pode dizer isso quando nem...

— Eu sei.

— É melhor saber mais, e rápido, porque não estou disponível.

Ele se recostou na cadeira, nem um pouco impressionado por sua rejeição definitiva.

— É compreensível que tenha ficado surpresa com minha proposta. No entanto, estou confiante de que vá mudar de ideia.

Muito agitada para ficar sentada, ela se levantou e olhou desafiadoramente para o idiota presunçoso. Infelizmente, isso também o fez se levantar. Em vez de ser uma encarada satisfatória para baixo, ela agora olhava muito para cima, para um rosto acima dela.

— Não escutei nenhuma proposta. Escutei um decreto. Não consigo imaginar o que lhe dá motivo para pensar que eu obedeceria. O senhor é o último homem com quem me casaria, isso se eu me casar. De fato, meu pai se reviraria no túmulo se eu considerasse a ideia. Agora, sir, agradeço por sua visita, mas devo retornar aos meus afazeres. Já estou atrasada.

Ela girou, saiu a passos largos da sala de estar e desceu as escadas. Pegou de volta seu pacote com o criado e saiu. Sentiu o duque observando-a o caminho inteiro.

Sua carruagem alugada aguardava atrás da carruagem do duque. Ele olhou duramente para aquela carruagem.

— Por que não está usando a carruagem da família?

— Escolho não usar. — Ela desceu os degraus de pedra e seguiu para sua carruagem.

Ele andou ao seu lado.

— Penso que vai a um encontro secreto. Um que prefere que os criados da sua família não saibam. Não há outra explicação para usar uma carruagem alugada em vez da de sua família.

Ela realmente queria bater nele com o pacote por dizer aquilo ao alcance do criado que a esperava para ajudá-la a subir.

Ajeitou-se no assento enquanto o criado fechava a porta. O duque apoiou o antebraço na janela e esperou o criado se afastar.

— Não vou exigir explicação agora — ele disse. — Entretanto, se vai encontrar um homem, essa conexão deve acabar imediatamente, agora que estamos noivos.

Ela colocou o rosto para fora da janela.

— Nós. Não. Estamos. Noivos.

Ela estava quase gritando no fim da frase, mas a carruagem havia começado a andar, e apenas o ar a escutou.

Meia hora depois, Clara estava em uma mesa de biblioteca na Bedford Square. Havia papéis e uma folha em branco espalhados pela mesa.

— Acho que temos o suficiente para outro artigo do Parnassus, Althea — ela disse. — Podemos falar com a gráfica esta tarde sobre o cronograma.

Althea baixou a cabeça loira sobre as pilhas de papel e pegou uma bem pequena. Consistia em poemas que o jornal delas publicaria.

— Vejo que incluiu o soneto da sra. Clark. Fico feliz.

Clara trabalhava como a editora anônima e benfeitora do Parnassus. Ela havia criado o jornal há dois anos e começou a trabalhar nele de imediato. As duas primeiras publicações foram tentativas inexperientes, mas colheram assinaturas suficientes para encorajá-la. Agora, com seu legado, ela podia se dar ao luxo de tentar um cronograma regular de publicação.

Seguindo o modelo de jornais masculinos, o Parnassus continha notícias políticas, assim como críticas de apresentações teatrais e histórias de viagem. Ela gostava de preenchê-lo com informações e fatos, mas permitia que alguns pensadores afiados, como Althea, escrevessem artigos. Interesses femininos raramente eram ignorados. Clara amava moda, em particular, e o Parnassus tinha uma coluna dedicada a ela.

A característica mais distinta do jornal era a mistura de autores. Uma viscondessa e uma baronesa, às vezes, contribuíam, embora utilizassem um pseudônimo. No entanto, a sra. Clark era a viúva de um comerciante que agora administrava uma chapelaria. Ela tinha um dom óbvio para poesia e não tentava copiar outro poeta já existente.

Ladies aos montes, mulheres da cidade, mães, irmãs e, sim, até as sabichonas tinham assinado. Ela sabia que o sigilo do projeto pode ter contribuído para esse sucesso. Quem e onde era feito o Parnassus permaneciam um mistério tentador.

Naquele momento, o onde consistia nessa casa que Clara comprara com seu legado, três meses depois da morte do pai. Ela se lembrou dele ao assinar a escritura, além de sentir profunda gratidão por ele ter esquematizado para ela ter a própria propriedade e renda substancial e não ser dependente de Theo de nenhuma maneira. A relação deles era rara. Na verdade, ele a tratava como um filho. Ensinara-lhe a cavalgar, atirar e até disse uma vez que se arrependia de ela não poder herdar seu patrimônio ou o título dele. Ela achava que Theo nunca a perdoaria por como ela recebia a melhor parte do amor do pai deles. Ficara profundamente de luto por ele. Completamente. A tristeza acabara com ela como nada antes. Havia chegado a um ponto em que não se reconhecia mais. Finalmente, certo dia, começou a lutar para se salvar.

O Parnassus fora sua salvação. Comprar aquela casa foi o primeiro passo adiante em sua vida. As necessidades do jornal a obrigavam a visitar Londres periodicamente também. Até então, as visitas foram breves, mas, agora, seis meses após o falecimento do pai, ela, enfim, decidira fazer visitas mais longas.

— O artigo de moda de Lady Grace ainda não chegou — Althea mencionou.

Lady Grace Bidwell era a mais recente aquisição de colaboradoras. Irmã de conde, ela nunca se casara. Clara sentia uma afinidade natural com ela, e Lady Grace tinha um olho bom quando o assunto era moda.

— Vou escrever um lembrete a ela, mas não vou esperar para sempre — Clara falou com uma firmeza decisiva do tipo que não fazia muito tempo que usara com o Duque de Stratton, mas de nada valeu. Aquele encontro continuava a invadir sua mente e amargava seu humor quando o fazia. Quanto mais ela pensava naquela proposta, mais ofendida se sentia.

Althea olhou com seus lindos olhos azuis para Clara. Uns dez centímetros mais baixa que Clara e delicadamente esguia, Althea tinha uma presença que, às vezes, fazia Clara se sentir monstruosa em comparação a ela. Não que ela mesma fosse muito alta ou forte. Era só que Althea era extremamente pequena. Viúva do Capitão Galbreath, um oficial do exército, morava com o irmão, Sir Jonathan Polwarth, um barão, e sua esposa.

Althea tinha a vida de um parente dependente agora, do tipo que o pai de Clara a salvou com o legado.

— A senhorita está diferente hoje — Althea disse. — Seu irmão a está irritando de novo? Insistindo que volte para a fazenda?

— Não é isso. Não só isso. — Clara não iria confessar, mas queria compartilhar um pouco dos acontecimentos recentes e estranhos em sua vida. Não a proposta. Ninguém nunca saberia disso. — Theo e minha avó colocaram na cabeça a ideia de acabar com uma longa contenda que nossa família tem com aquele Duque de Stratton.

— Penso que seja uma coisa boa. Guerras tão longas assim não trazem muito benefício.

— Vovó nunca faz coisas simplesmente porque são boas, Althea. A mente dela é uma armadilha, e suas estratégias fariam Napoleão se envergonhar. Mas ela é determinada, assim como Theo. Eles até o receberam. Meu pai sempre jurou que nunca um Stratton iria sujar sua casa, mas lá estava ele.

Althea começou a organizar os artigos, colocando folhas em branco entre eles.

— Na sua casa daqui da cidade, na Casa Gifford? Fiquei sabendo que ele veio para cá recentemente.

— Você sabia? — Parecia uma boa maneira de não admitir que ele realmente havia sujado a casa da família dela da cidade.

— As pessoas estão falando dele. Você não ficou sabendo porque ficou enclausurada em Hickory Grange por muito tempo depois de seu pai falecer, e não estava aqui quando ele retornou da França.

Althea carregou a pilha grande de papéis para outra mesa e continuou o trabalho de prender tudo com linho. Clara a seguiu.

— Estão falando o quê?

Althea amarrou o pacote grosso, terminando com um laço rústico.

— Fofocas. Daquelas que você escuta umas partes quando chega em determinadas rodas, mas as pessoas param assim que a veem. Conversa séria, pelos olhares nas carrancas. Conversa sigilosa e sussurrada. A maior parte entre a geração de nossos pais.

— Claro que esses trechos devem ter lhe dado uma ideia de por que ele chamou tanta atenção.

Althea deu de ombros.

— Acho que escutei meu irmão se referir a ele como perigoso. Algo sobre duelos na França.

— Fiquei sabendo dos duelos. Theo me contou. Acho que ele teme que, se não pedir a paz, Stratton vá desafiá-lo. Não faz sentido.

— Também interrompi uma conversa em uma sala após uma festa. A anfitriã não conseguiu se conter, apesar de estar no meio da frase. Gesticulou a última palavra do que quer que estivesse falando para sua confidente.

— Que palavra era essa?

— Tenho quase certeza de que era vingança. Agora, se vamos falar com a gráfica hoje, precisamos ir antes de ficar tarde demais.

Elas colocaram suas pelicas e chapéus. Clara invejava Althea por usar um conjunto verde-limão e amarelo. Não se ressentia por vestir roupas de luto. Vestiria eternamente, se isso fosse honrar seu pai. Mas sentia falta de roupas com mais cor e estilo, e, às vezes, pensava em cometer excessos incríveis nas lojas quando pudesse se vestir com estilo novamente.

Com os manuscritos firmemente debaixo dos braços, Clara se juntou a Althea na caminhada para uma carruagem de aluguel parada na esquina da praça. Seu nariz até coçava pela informação tentadora que Althea acabara de lhe fornecer. Stratton podia ser exibido, irritante e arrogante, mas ele tinha acabado de se tornar interessante também, principalmente para a editora de um jornal.

Vingança? De quê? Parecia que alguns sabiam em Londres, mas não era conversa para o senso comum. Assim que entraram na carruagem e seguiram para a gráfica, Clara expressou seus pensamentos.

— Acho tudo isso estimulante, Althea. Se Stratton está inclinado à vingança, alguém sabe por que e contra quem. Ele não é um homem comum, afinal de contas. É um duque. Quem poderia ter irritado tanto um duque para ele querer vingança? E ser considerado perigoso... Há algo muito curioso em tudo isso.

— Presumo que eu possa fazer algumas perguntas para ver se consigo reunir mais um pouco de informação.

— Também farei isso. Vamos ver o que conseguimos descobrir sobre esse homem. Talvez haja uma história para o Parnassus.

Ela deixou de mencionar que mais informação talvez pudesse capacitá-la também para acabar com a corte inexplicável e rude de Stratton.


poeira o cobriu. Saiu voando das páginas quando ele as virou e alisou sua superfície como as aparas de ferro em um ímã.

Adam folheou, lendo os velhos jornais, mais interessado no que não havia sido notícia do que o que fora. Uma alusão aqui, uma referência improvisada ali, a menção de um nome ? essas eram as evidências que ele procurava, porque já sabia que não haveria uma discussão aberta dos acontecimentos que ele investigava.

Ele fora ao Times por último, após folhear páginas nos escritórios de outras revistas e jornais. Todos eles mantinham exemplares de suas antigas publicações em algum lugar. Podia ser em uma biblioteca arejada ou em um porão úmido, mas, com tempo e paciência, ele havia lido cada palavra publicada sobre o Duque de Stratton em alguns anos até a morte de seu pai.

As notícias da morte eram as mais inúteis, embora alguns jornais menos respeitáveis vagamente implicavam que poderia ter sido suicídio. O Times nunca seguiria nessa direção com um duque, então a notícia dele exaltava as conquistas e o gosto de seu pai. Lendo-o, ninguém nunca adivinharia as provocações extremas que fizeram um homem tirar a própria vida.

Agora ele procurava pistas em relação aos detalhes e fontes dessas provocações. Tudo fora um esquema bem secreto, então as partes que ele descobria estavam todas nas entrelinhas. Nenhum editor falaria abertamente sobre esses boatos. Nenhum homem falaria sobre isso exceto atrás de portas fechadas com a voz baixa.

E, mesmo assim, as palavras tinham sido ditas, e elas voaram pelo ar como pólen, então, enquanto ninguém fazia acusações, tudo que as pessoas sabiam era o que importava para o governo. Ele fechou o volume de cópias encadernadas do Times. Mal havia encontrado prova direta do que queria, mas também não achara nada que o convencesse estar errado em suas crenças sobre como a tragédia fora planejada.

Nas reuniões importantes do governo, questionamentos foram feitos sobre a lealdade de seu pai. Ministros e outros lordes lhe disseram coisas. Alguém coletara provas. Aconteceu por um tempo, crescente, talvez um ano ou mais. Isolado e sem amigos quando os miseráveis o encurralaram, ele tirara a vida para não enfrentar o tipo de desgraça que mancharia o nome da família por gerações. No entanto, o ato final e seus motivos eram as únicas partes que não estavam em questão.

Acho que Marwood está por trás de tudo. Foi isso que seu pai havia escrito no único recado que deixara. Ele tinha prova disso? Se tinha, não deixou nenhuma indicação. Será que foi uma conclusão irracional, criada por sua mente e pela longa inimizade entre as famílias? Adam não sabia. Se seu pai pensava que Marwood estava por trás de tudo, porém, então Marwood estava no topo da lista de homens que Adam investigaria.

Deixou o edifício do Times e foi até sua carruagem. Perdido em pensamentos, quase não viu a mulher do outro lado da rua até algo familiar nela tirá-lo de seu devaneio.

Ela andava com passadas determinadas, como se estivesse em uma importante missão. Ele notara o brilho em seus olhos, os quais implicavam muito sobre ela. Inteligência. Personalidade. Paixão. Problema. Não se importava com a última qualidade. Raramente encontrava as três primeiras em uma mulher sem a quarta. Seu tempo com ela, apesar de ter sido breve, não fora maçante. Apesar de seu cabelo castanho-avermelhado, coberto como um quadro em seu rosto debaixo da aba de seu chapéu, estar esplêndido contra seu traje preto, ele, de repente, pensou em como ela ficaria vestindo verde-claro.

Ele a imaginou assim enquanto atravessava a rua e a abordava. Assim que ela o viu, sua expressão desmoronou.

Ele queria rir da forma como ela se esforçava para manter a compostura adequada para a filha de um conde. Imaginava os pensamentos rudes pulando na mente dela.

— Lady Clara. Que prazer inesperado vê-la hoje.

— Sim. Que prazer. — Ela inclinou a cabeça para a esquerda, olhando o caminho da liberdade. — É um dia de tarefas para mim.

— Para mim também, embora eu já tenha acabado. Que tarefa a traz aqui?

Ela não respondeu de imediato. Parecia que ele tinha feito uma pergunta esquisita.

— Não estou cumprindo uma tarefa aqui. Estou simplesmente andando pela rua depois de fazer uma tarefa em outro lugar. — Ela foi para o lado dele e o analisou com o cenho franzido. — O senhor estava no sótão? Está coberto de poeira. — Ela esticou a mão e deu uma batidinha na manga dele, produzindo uma pequena nuvem de pó.

Ele achou charmoso o gesto dela.

— Meu lacaio vai resmungar quando vir isso.

— Fique parado. — De novo, sua mão varreu o casaco dele. Mais nuvens se ergueram. Ela o limpou como se ele fosse uma criança que tivesse caído na terra. Mas não tão delicadamente. A mão dela batia em seus ombros e peito. — Pronto. Está quase apresentável. Agora, devo seguir meu caminho.

— Não vai ser generosa me permitindo sua companhia? Não a vejo há quase duas semanas. Sei que foi minha culpa. Não entrei em contato. Devido a todas essas tarefas, sabe.

— Faz tanto tempo assim? Não reparei. Na verdade, eu não esperava que entrasse em contato. Não há motivo para fazê-lo.

— Nós dois sabemos que isso não é verdade. Entretanto, aqui estamos agora. Pelo menos permita-me acompanhá-la em segurança de volta à sua carruagem.

— Não será necessário. Ficarei bem segura sozinha.

— Por favor. Eu insisto.

Ela ficou parada em silêncio, parecendo uma menininha flagrada fazendo algo errado.

— Está com sua carruagem aqui? — ele perguntou.

— Não. — A resposta veio depois de uma longa pausa. Ela mordeu o lábio inferior.

— Carro de aluguel de novo? — Ele olhou para cima e para baixo da rua. — Ele mora aqui perto? Seu amigo, quero dizer.

— Não há amigo. Não da forma que insinua.

— Claro que não.

— Estou falando sério.

— Por favor, entenda que não estou chocado. Sou metade francês, afinal. Não me importo. Apenas peço que termine — ele mentiu suavemente. Importava-se, sim. Qualquer homem se importaria, se quisesse a mulher.

— Pede, não é?

— Estou sendo educado. Um pedido por enquanto. Em certo momento, claro, terá que ser um comando.

Os olhos dela arderam em chamas. Inferno, ela era excitante quando estava brava. Que bom, já que ele esperava que ela ficasse brava com frequência.

— Penso que o senhor está me provocando deliberadamente — ela disse.

— Prometo parar se concordar com uma visita rápida ao parque. Vamos ficar a céu aberto para a senhorita não se preocupar se vou me impor. Então a levarei para casa.

— E se eu recusar sua oferta?

— Provavelmente vou segui-la, fazendo perguntas indiscretas sobre seus afazeres misteriosos nesta parte da cidade.

Ela suspirou desesperada e tirou um relógio do bolso de sua retícula.

— Não haverá quase ninguém no Hyde Park a esta hora. Vamos virar ali, se faremos isso. Uma visita bem rápida, por favor. Tenho um compromisso esta tarde.

— Mais afazeres misteriosos? Como a senhorita é intrigante.

Ele ofereceu o braço. Ela não o aceitou. Juntos, andaram até a carruagem dele.

O Duque de Stratton estava se transformando em uma séria inconveniência. Parte da alegria de ser uma mulher mais velha e sem interesse em casamento era que as pessoas costumavam não perceber o que ela fazia. Clara aproveitara essa liberdade mesmo antes da morte de seu pai, e agora mais ainda porque morava sozinha na Casa Gifford.

A curiosidade de Stratton sobre ela complicava isso. Agora ali estava ela, sentada na carruagem dele quando deveria estar visitando o decorador que contratara para fazer algumas mudanças em sua casa na Bedford Square. Já que ninguém sabia sobre a casa, não poderia permitir que o duque a seguisse até lá.

Não se importava com como ele tramava para ela passar um tempo com ele. Ressentia-se que ele tivesse ganhado essa pequena batalha.

— Prefere a cidade? A senhorita passa boa parte do tempo aqui — ele disse assim que se sentaram um à frente do outro e o cocheiro abrira a porta da carruagem para arejar.

Se fosse outra pessoa, ela pensaria que era jogar conversa fora. Daquele homem, ela percebeu que era uma pergunta intrusiva.

— Gosto da fazenda e da cidade. Fico nos dois lugares. No entanto, depois de todos os meses em Hickory Grange após o funeral do meu pai, era hora de ver alguns amigos aqui e participar da sociedade de novo. — Mesmo com a forma como ela disse, ficou preocupada de ter lhe dado informação demais.

— Seus amigos sabichões?

— Sim.

— O que a senhorita faz quando não está conversando com eles?

— Se eu lhe dissesse, não seria mais intrigante e misteriosa.

Foi um erro dizer isso. Ela soube assim que disse. Os olhos escuros dele pairaram nela, divertidos e muito confiantes de que viam mais do que ela queria. Esse olhar a deixou nervosa. Ela achava decidida, quase óbvia, essa procura de sua atenção. Implicavam intimidades que ela não queria ter ou reconhecer. Apressou-se para fazer uma provocação.

— O senhor vai achar meus interesses muito entediantes e femininos. Eu visito boutiques e encho os olhos de tecidos que não posso usar agora. Passeio por armazéns e cobiço sedas e rendas.

— Por que não comprá-los agora e guardá-los até poder usar?

— Porque a espera faz parte da diversão. Há o perigo que se transformará em uma febre, no entanto, quando finalmente tirar esses trajes pretos, serei tão imprudente ao gastar tudo em um novo guarda-roupa que Theo vai precisar me tirar das dívidas.

— Oh, duvido disso.

Então ela soube que aquele homem havia descoberto o tamanho de sua herança. Será que Theo tinha lhe contado? Talvez ele tivesse escutado fofocas, mas seria suficiente.

Passou por sua mente que o único motivo de ele a perseguir com aquela proposta idiota era sua fortuna. Como se o Duque de Stratton precisasse disso! Mas, na verdade, quem sabia se ele precisava ou não? Ela não o investigara da forma como ele obviamente o fez com ela, embora ela pretendesse. Mesmo assim, era um homem atrás de sua fortuna. Que previsível. Senso comum. Decepcionante.

Já que eles estavam no parque, ela fez as próprias perguntas, enquanto encorajava que a caminhada deles deixasse o caminho principal a fim de que ninguém os visse juntos.

— O senhor não se importaria mesmo se a mulher para a qual fez proposta tivesse um amante anterior? O senhor continua insinuando isso.

Ela pensou ser uma questão sofisticada e investigativa e aguardou que ele não visse a refeição que ela acabara de colocar em um prato à sua frente.

— A senhorita tem o quê? Vinte e quatro anos? Só um tolo exigiria inocência de uma mulher com essa maturidade.

— Que visão liberal o senhor tem.

— Gosto de pensar assim. Só estou sendo um pouco estrito com a senhorita porque não posso arriscar que meu herdeiro seja filho de outro homem. Estou certo de que entende.

Ela olhou para ele, esperando ver aquele sorrisinho ou qualquer coisa que indicasse que suas referências contínuas à proposta agora fossem uma piada interna. Arrependida, viu que ele parecia mais sério. Ela resolveu que contrariá-lo só iria engrandecer aquela ideia ridícula, então ignorou.

Já que ele a tinha convencido a passar esse tempo juntos, não poderia se opor a algumas perguntas sinceras sobre sua vida e sua família, principalmente se ele realmente acreditava que eles iriam se casar. Althea ficou responsável por investigar o homem, mas cada pequena informação adicionada ao montante ajudaria.

— Por que o senhor partiu? — ela perguntou enquanto caminhavam por um pequeno bosque de árvores floridas.

— Porque era hora de voltar.

— Não quis dizer por que partiu da França. Por que partiu da Inglaterra?

O humor dele se alterou um pouco, como se a pergunta abrisse uma porta para o humor negro que ela sentia nele.

— Minha mãe não quis permanecer aqui depois da morte de meu pai, então eu a levei embora e me certifiquei de que ela se adaptasse a Paris.

— Ela queria voltar para casa, o senhor quer dizer. É compreensível.

— Ela morou aqui por décadas. Aqui deveria ter sido seu lar, não uma terra estrangeira para onde fugir. Houve aqueles que nunca a receberam bem, no entanto, ou permitiram que ela se ajustasse.

— Se ela é feliz agora na França, é o que importa, não é?

— Não disse que ela estava feliz. Ela não queria voltar para a França. Só não quis permanecer aqui.

Seu tom direto a fez parar de andar.

— Desculpe se entendi errado. Fui negligente com minha resposta. Claro que ela não poderia ficar feliz em deixar sua casa por tantos anos. — Ela engoliu a pergunta que implorava para ser feita. Por que ela não queria permanecer aqui?

Eles ficaram debaixo de uma das árvores, na sombra que os galhos emaranhados criavam.

— A senhorita realmente sabe tão pouco sobre a minha vida? — ele questionou. — Nunca ouviu falarem da minha mãe? Estava fora quando ela partiu. Antes de o meu pai morrer.

Ela não precisava buscar muito na memória para se lembrar de alguma conversa que ouvira. A voz da avó sempre cheia de desdém ao mencionar a duquesa francesa de Stratton. Vovó era uma das pessoas que pensava o pior de tudo e de todos os franceses durante a guerra.

Mas outros tinham bufado quando a Duquesa de Stratton entrava em um salão. Clara sempre achou que invejavam sua beleza e queriam falar mal de alguém. Na verdade, ela não se importava muito com o que as pessoas diziam. A antiga guerra entre sua família e a de Stratton haviam-na deixado insensível a quaisquer considerações feitas à mãe dele.

— Admito que, agora que falou, conheço um pouco do que ela passou — ela admitiu. — Se foi isso que a fez ir embora, não foi justo.

Para a surpresa dela, ele pegou sua mão e a ergueu para dar um beijo.

— Não foi apenas isso. No entanto, é bom a senhorita achar que foi injusto.

Aquele beijo na mão dela, apesar de breve, criou uma ponte de intimidade. Ela sentiu o beijo por seu braço inteiro e descendo por seu corpo. O olhar dele capturou o dela antes de ele beijar sua mão de novo, lentamente.

Ela não tirou a mão. Não desviou o olhar, apesar de definitivamente ter que fazer o contrário. Em vez disso, encarou enquanto aquele beijo e aqueles olhos escuros avivavam todo o seu corpo.

Ele a puxou cada vez mais para perto, até ela ter que dar um passo até ele ou cair. Fez um pouco dos dois, tropeçando de forma estranha, e se viu nos braços dele.

Ele iria beijá-la, ela tinha certeza. Isso não poderia acontecer. No entanto, em vez de se afastar, ela não conseguiu se mexer. O olhar dele a paralisou e incitou uma empolgação imprópria.

Os braços dele a envolveram. Ele olhou para baixo. Atordoada, ela fechou os olhos e aguardou.

E aguardou.

E aguardou.

Quando nada aconteceu, ela abriu os olhos. Instantaneamente, a euforia tomou conta, e ela se sentiu uma tola. Tentou se livrar de seu abraço, mas ele não permitiu.

— Quer que eu a beije?

— Claro que não. O senhor é o último homem que quero que me beije, asseguro-lhe. — Ela se recusou a olhar para ele e continuou tentando se afastar.

— Isso não é verdade. Vamos ser honestos um com o outro. — A cabeça dele mergulhou e seus lábios tomaram os dela.

Ela perdeu o fôlego. Céus, ele era lindo. E excitante. Até aquela escuridão era sedutora. Os arrepios percorreram seu corpo, implorando para ter desculpas para se transformar em algo mais poderoso.

— Parte da diversão é a espera — ele disse baixinho, prendendo-a com seu olhar. — Embora sempre haja o perigo de se transformar em uma febre. — Os lábios dele beijaram os dela, sempre suavemente, mas o suficiente para criar uma faísca.

Foi um gracejo. Uma promessa provocante.

Ele a soltou e recuou. Ela ficou parada, sem fala, e extremamente derrotada, chocada como ele tinha usado suas próprias palavras contra ela a fim de implicar que compartilhavam alguma empatia em questões sensuais.

— Preciso ir. — Ela se virou e andou pelo caminho principal. A cada passo, sua indignação aumentava.

Ele andava ao seu lado, mais do que satisfeito.

— Não posso acreditar que o senhor se impôs sobre mim assim — ela disse em seu melhor tom como ousa.

— Impus bem pouco, principalmente dadas as circunstâncias. De fato, se eu tivesse feito amor com a senhorita contra uma das árvores, não tenho certeza se teria sido uma imposição.

— Se pensa assim, ficou muito tempo na França.

Ela não conseguia chegar logo à carruagem. Recusou-se a olhar para ele no trajeto para a Casa Gifford. Quando chegaram, mal recusou a insistência dele em lhe dar a mão para descer. Ela enrijeceu contra a sensação da mão dele na sua, a proximidade de seu corpo e a forma como todo o seu ser ainda queria reagir inapropriadamente.

Não pôde resistir a uma última censura. Não apenas para lembrá-lo do comportamento adequado, mas para lembrar a ela também.

— Por favor, lembre-se, no futuro, como um cavalheiro trata uma dama, sir.

— Eu sei como tratar uma dama. A senhorita, no entanto, também é minha futura noiva. Isso muda tudo.

Ela se apressou até a porta, cheia de indignação furiosa. Assim que entrou, viu que aquele dia desconfortável só iria piorar.

Theo, Emilia e a viúva haviam chegado da fazenda para se juntar a ela.


— or que está tão mal-humorada? Não sorriu desde que entrou em casa — Clara fez a pergunta à irmã depois de procurá-la em seu quarto naquela noite.

O jantar provou ser um julgamento, com sua avó direcionando afazeres relacionados aos dias seguintes, e Emilia e Theo assentindo como se fossem alunos. A viúva descartou as objeções de Clara sobre as demandas que os planos causariam em seus dias.

Emilia se jogou na cama.

— Vovó quer que eu conheça Stratton. Já que ele está na cidade, nós o seguimos.

— Vocês ainda não foram apresentados?

Ela fez beicinho.

— É vergonhoso ser jogada para ele assim quando parece que ele preferiria me evitar. Já que eu preferiria evitá-lo também, quero que eles parem de persegui-lo. Sei que é um duque, mas o achei assustador quando ele estava naquele terraço. Nem acho justo ser oferecida assim para ele antes até de eu ter minha primeira Temporada.

Clara se sentou ao lado dela e a envolveu com um braço.

— Parece injusto.

Emilia era adorável e, se aguardasse aquela Temporada, haveria dúzias de admiradores esperando ganhar sua mão. Clara tinha lembranças carinhosas de sua primeira Temporada. Ela não procurava um marido, mas amava todo o planejamento e, então, todas as atividades sociais e bailes. Gostara dos poucos beijos roubados que a seguiam também.

— Agora eu estou na cidade e tenho que ficar aqui sentada enquanto todos os meus amigos vão a bailes — Emilia reclamou. — Uma coisa é ficar de luto na fazenda e perder isso. Outra é só ouvir a diversão pelas janelas enquanto fico sentada nesta casa, usando preto.

— Talvez possamos convencer Vovó a permitir que você vá a alguns eventos menores. Uma ou duas festas no jardim. E pode receber amigos aqui. Se é permitido que conheça Stratton, por que não outros jovens?

Os olhos de Emilia se iluminaram com esperança.

— Acha que ela vai concordar? Talvez me permita comprar um ou dois vestidos novos, não que eu queira mais vestidos pretos, mas pelo menos sairei para compras.

— Vou tentar convencê-la a permitir outra coisa além de preto para você. Agora passaram-se seis meses. A mim, parece que outras cores, simples e discretas certamente, podem ser permitidas para uma garota.

Emilia abraçou Clara e a beijou na bochecha.

— Se puder conseguir mesmo essa pequena concessão, ficarei grata.

— Escreva para seus amigos e os avise que está aqui e pode fazer e receber visitas. Quanto a Stratton, não é obrigada a se casar com alguém que não queira. Espero que saiba disso.

A alegria deixou Emilia tão rápido quanto apareceu.

— Nunca fui boa desafiando Vovó. Ela me assusta ainda mais do que o duque.

Claro que assustava. A viúva intimidava adultos. Se não fosse pela resistência de Stratton, Emilia já estaria noiva.

— Talvez Stratton também nunca venha aqui — Emilia disse, melancólica.

Clara duvidava disso. Vovó não seria deixada para depois agora, independente dos estratagemas que o duque tentasse. A não ser que ele se recusasse de forma direta a continuar esse passo de dança. Seria melhor para todos se ele decidisse fazer isso.

 

— Vai me contar aonde estamos indo? — Langford perguntou quando ele e Adam cavalgavam pela Bond Street. — Quando me chamou para me juntar a você, achei que a esta hora já fosse explicar por que e onde.

Adam havia passado por Langford há três quarteirões. Não tinha sido coincidência. Nem foi sua negligência deixar de mencionar o destino.

— Prometi que seria divertido, e vai ser.

— Devo insistir que revele tudo. Não acho que vamos a alguma loja ou que estamos a caminho de uma tarde típica de diversão.

Adam virou na Bond Street.

— Vou confessar por que abordei você, mas, primeiro, precisa prometer não me abandonar.

— O que está tramando, Stratton?

— Vou visitar Marwood.

— Não. Aquele pivete? Para quê? Pensei que tivesse jurado ser inimigo dele, por meio da sucessão.

— Ele acha que deveríamos fazer as pazes e ser amigos. Tem insistido nisso. Continua me convidando para ir à casa dele e me seguiu até a cidade para me encurralar. Ontem, ele me fez uma visita enquanto eu estava fora. Então escrevi e finalmente concordei em retornar o favor.

Langford continuou andando com seu cavalo. Pelo menos, ele não tinha rejeitado imediatamente a visita.

— Presumo que ele tenha medo de você desafiá-lo devido à briga ancestral. Provavelmente está sujando a cueca desde que soube que você voltou.

— Eu nunca duelaria por insultos de mais de cinquenta anos.

Ele recebeu um olhar duro de Langford por isso.

— Então concordou em aceitar seu ramo de oliveira? Nossa, que bondoso da sua parte.

Adam ignorou seu tom desconfiado.

— Bom, soube que ele tem uma irmã adorável.

— Deve estar falando da Lady Emilia. Ela foi uma criança linda, isso é verdade, mas ninguém a vê de perto há quase um ano. Espero que ela não frequente esta Temporada devido à morte do conde. Mas, sim, é de conhecimento de todos que ela ficou mais do que bonita. Com certeza você não pretende fazer as pazes a ponto de cortejá-la, não?

— Achei que você poderia querer.

Langford parou seu cavalo.

— Se isso foi uma piada, não estou rindo.

Adam sorriu.

— Eu estou. Pare de ficar tão preocupado. Alguém poderia pensar que é possível amarrá-lo ao casamento sem você saber.

— Há algumas mães que estão se esforçando ao máximo para isso. — Ele voltou a andar com o cavalo. — Perdoe-me pela falta de humor. Estou me sentindo perseguido. Então vamos visitar um dos inimigos de sua família, com o objetivo principal de cortejar a irmã dele.

— Isso resume bem.

Langford deu de ombros.

— Por que não me disse?

A cavalgada os levou até a porta da casa da cidade de Marwood, na Portman Square. Adam esperou até os criados pegarem seus cavalos e alcançarem a porta antes de falar de novo.

— Ah, esqueci de mencionar. A avó dele estava junto quando ele me visitou ontem. Acredito que a veremos também.

Langford fechou os olhos. Parecia um homem rezando por salvação.

— Tenho evitado assiduamente essa harpia há quase uma década, Stratton. Posso matá-lo por isso.

— Não iria querer que eu a enfrentasse sozinho, iria?

— Eu o teria mandado e coletado seus restos depois de ela acabar com você. Inferno, vamos entrar e rezar para ela já ter sido alimentada com outra pessoa hoje.

 

— Milady — a dama de Clara, Jocelyn, sussurrou o título em um tom nervoso.

— O que foi? — Clara respondeu calma como sempre, embora quisesse expressar um grande desprazer. Havia dito a Jocelyn que queria ser deixada sozinha. De forma clara e direta. Mesmo assim, ali estava a dama, interrompendo-a.

— Um lacaio veio até a porta. Disse que sua avó a quer na biblioteca.

Clara apoiou a cabeça nas mãos. Olhou para baixo, para a superfície da sua escrivaninha. As páginas impressas do jornal, recebidas de Althea no dia anterior, esperavam sua aprovação. Precisavam ser devolvidas com a correção para a gráfica no dia seguinte.

Esperara terminar na tarde do dia anterior. No entanto, desde que sua família veio se hospedar ali, houve uma interrupção atrás da outra. Ela não se importava com as de Emilia. Importava-se quando sua avó exigia sua presença.

Não que Vovó exigisse sua presença para coisas importantes. Ela mal queria conversar e precisava de um público. Pelo menos Clara havia usado aquele tempo de maneira produtiva: obtivera a autorização para Emilia ter um ou dois novos vestidos e poder receber visitas.

Na manhã do dia anterior, infelizmente, elas tinham se engajado em uma discussão quando ela recusou o comando de sua avó para se juntar à viúva e a Theo quando eles fizeram uma visita a Stratton à tarde. Ela não teve dificuldade em listar os motivos do porquê não fazer isso.

Tinha uma reunião com Althea planejada, primeiro. Segundo, ela pensou que pareceriam ridículos se a família inteira visitasse. E, finalmente, não queria encorajar o duque a pensar que ela estava, de alguma forma, de acordo com essa missão de paz, sem mencionar o plano peculiar dele de conquistar harmonia entre as famílias.

Não que ela pudesse explicar alguma dessas coisas para sua avó, então simplesmente a desafiou. Pensou como Vovó a faria pagar por isso.

— Ele mencionou que a condessa estava bem firme quanto ao assunto, milady. Disse que convidados importantes chegaram, e ela pediu para a senhorita descer.

“Convidados importantes” significava qualquer um que Vovó se dignasse a receber.

Ela olhou para seu vestido simples.

— Vou colocar meu vestido preto com cauda e bordado, Jocelyn, se são tão importantes, os malditos.

Jocelyn ruborizou com o xingamento e se apressou para o cômodo das roupas. Clara a seguiu, arrependendo-se do lapso. Ela realmente precisava parar de fazer isso.

Quinze minutos mais tarde, ela entrou na biblioteca e viu que o lacaio não tinha exagerado. Até para os altos padrões de Vovó, seus convidados eram importantes.

Stratton tinha retornado a visita do dia anterior. Mas não estava sozinho. Outro duque, Langford, o acompanhava. Durante os cumprimentos, Emilia a olhou com uma expressão desesperada.

— Os duques estão nos regalando com as descrições do baile de Lady Montclair ontem à noite — sua avó disse assim que todos se sentaram. — Ouso dizer que está sendo mais divertido ouvi-los recontar do que participar do evento.

— Eu gostaria de ter ido para ter certeza disso — Emilia murmurou.

Langford, um homem lindo com olhos azuis brilhantes e cachos escuros que se transformavam em um cabelo um pouco selvagem, dirigiu-se a ela com empatia.

— Não perdeu muito, Lady Emilia. Vai descobrir logo que bailes são todos iguais.

— Minha avó concordou que, embora nosso luto não tenha acabado, Emilia pode participar de alguns eventos menores, como festas de jardim. Seria aceitável, não concorda? — Clara olhou deliberadamente para a avó, já que ainda não tinha falado sobre o assunto com ela.

— Não vejo por que não. Avise-nos em qual ela irá, e Stratton e eu nos certificaremos de ir também e falar com ela lá.

— Como os senhores são gentis. — Se dois duques falassem com Emilia em uma festa, ninguém falaria muito sobre a menina ter ido durante o luto. — Nos certificaremos de avisá-los. Não é, Vovó?

— De fato.

Havia incontáveis respostas sob a superfície de gratidão naquela frase curta. Clara ouviu a desaprovação de sua ousadia e futuras ameaças. Emilia, no entanto, só brilhou com prazer por não ser deixada de fora de tudo.

Sua irmã estava linda naquele dia, como sempre. O sol entrando pelas janelas fazia seu cabelo loiro brilhar com luzes e também favorecia sua pele luminosa.

Langford ficava olhando para ela. Não que Langford fosse bom para Emilia, mais do que o outro duque poderia ser. Langford era conhecido por sua rebeldia que mais do que combinava com aquele cabelo devasso. Charmoso como o pecado, ele com certeza partiria o coração de qualquer mulher com quem se casasse.

Clara tentava não olhar para Stratton, mas ele se sentou bem ao lado do amigo e conseguiu se intrometer em sua visão. Mal olhava para Emilia, algo que Vovó certamente notaria. Clara esperava que Vovó não percebesse para quem ele estava olhando.

Não era como se ele a encarasse. Mas com frequência aquele olhar negro pairava nela, a ponto de deixá-la consciente. Ela entendia o que Emilia queria dizer sobre achar que ele era assustador, só que aquela palavra não interpretava adequadamente a reação que ele provocava. Ela achava que sua atenção a obrigava a lembrar dele perto demais, quase a beijando e dizendo coisas muito íntimas.

— O dia está lindo — sua avó anunciou. — Clara, por que não leva sua irmã e os cavalheiros para o jardim, a fim de aproveitar a brisa e o sol? Seu irmão e eu nos juntaremos aos senhores logo.

Então, ela liderou o caminho para fora das janelas francesas até o terraço.

Adam planejou que, quando saíssem no terraço, ele ficasse ao lado de Lady Clara, e Langford acompanhasse Lady Emilia.

Langford poderia encantar qualquer mulher de qualquer idade sem se esforçar. Era simplesmente de sua natureza. Alguns reis nasciam para governar; Langford nascera para seduzir.

Ele se conteve até onde pôde porque Lady Emilia era jovem, mas aqueles olhos azuis ainda eram penetrantes e aquele sorriso ainda bajulava. Lady Emilia se transformara em uma bagunça afobada de risadinhas e vermelhidão quando eles chegaram ao jardim.

Lady Clara não deixou de notar.

— Perspicaz da sua parte trazê-lo — ela disse para Adam. — Do contrário, minha avó poderia ter interpretado sua visita como cortejo, e um indicativo de seu acordo com a ideia dela sobre o casamento.

— Ela teria acertado, claro, mas apenas errado a dama. Não vamos explicar isso ainda, no entanto. Será nosso segredo por um tempo.

— Queria que parasse de falar assim, quando sabe que será um segredo eterno porque nunca aceitarei. Não há motivo para eu fazê-lo.

— Há um bom motivo. Muitos motivos. Será nosso segredo enquanto eu lhe mostro quais são.

Bem à frente, Langford deve ter contado alguma piada porque a risada de Emilia flutuou pelo ar.

— Espero que ele não crie nenhuma esperança com ela — Clara disse, estreitando os olhos. — Nunca vai ser adequado.

— Ele nunca mostrou interesse em jovens, então eu não me preocuparia.

— Os senhores são bons amigos?

— Somos amigos desde a escola. — Ele riu baixinho. — Esqueço como sabe pouquíssimo sobre mim, às vezes.

— Sua família não existia do ponto de vista da minha família, então nunca o notei ou com quem o senhor andava.

— Nunca me notou? Que ofensa. Nunca? Nem uma vez? — Ele a olhou diretamente, irônico.

Ela sentiu o rosto ruborizar, porque é claro que o tinha notado antes de ele partir para a França, durante as primeiras temporadas. Quem não notaria? Seu rosto lindo e espírito latente o destacavam. Uma vez, em um baile, ela sentiu uma calma estranha no salão, uma rigidez. Tinha sido ele, agindo como o centro de um vórtice, e a reunião ao redor era o redemoinho.

Ele a tinha visto observando-o, ela se lembrou de repente agora. Ele vira que ela o observava. Ele achava, ela suspeitou, que ela não o via totalmente como um inimigo naquele momento inesperado.

Agora ele mergulhou a cabeça para mais perto da dela.

— Não acho que não existíamos para sua família. Acho que falavam bastante de nós. Não com ou perto da senhorita, mas seu pai e sua mãe. Estou correto?

A voz dele, sua respiração, e a proximidade a deixaram nervosa. Ela verificou se sua irmã não tinha ido longe para fazer sala.

— Às vezes.

— Na época de Waterloo? — Sua voz suavizou. — Ou nos meses seguintes?

Sua mente voltou àquele tempo, anos atrás, como se fosse mandada para lá por um feitiço dele. As conversas se acumularam em sua memória todas de uma vez, como muitas vozes conversando em uníssono. Ela escutou o pai, tão claramente que lhe doeu, mas suas palavras foram obscurecidas por outras vozes falando por cima e à volta dele. Então o viu, claramente, batendo a mão na escrivaninha da biblioteca.

— Não — ela mentiu. — Não naquela época. Não que me lembre, pelo menos.

Ela não sabia por que se recusava a contar. Talvez por causa da maneira como ele a observava. Como se sua reação importasse para ele. Importava demais. Lá na frente, Langford parou de andar com Emilia. Ele os aguardou alcançá-los. Emilia parecia inebriada de alegria. Ficava olhando Langford como se ele a maravilhasse.

— Ah, não — Clara murmurou.

— Não se preocupe. Trarei homens mais apropriados para ela — Stratton disse. — Seguros, que não são perigosos de nenhuma forma. Ela vai rapidamente esquecer uma tarde de paixão.

 

— Agora, essa foi uma visita esquisita — Langford ofereceu a opinião quando ele e Adam viraram seus cavalos na Bond Street.

— Por quê?

— Por quê? Muito inocente. Você sabe por quê. Se eu não o conhecesse, diria que me trouxe para poder me jogar para aquela garota, apesar de suas garantias. Bom, não vou ceder. E se a viúva é tola o bastante para arriscar a virtude da neta comigo, ela terá que colocar a menina na fila atrás de outras cujas mães também são muito negligentes.

— A intenção não foi jogar você para a menina, mas evitar que eu fosse jogado para ela. Eu nunca a tinha conhecido e não queria que sua família pensasse que uma visita meramente social significasse mais do que isso.

— Estou muito feliz por ter me achado conveniente para seu objetivo. Da próxima vez, por favor, dê a honra a Brentworth.

— Ele teria assustado a garota ao ponto de ela não conseguir falar uma palavra. E também não teria sido tão descuidado a ponto de me permitir arriscar que seu nome fosse conectado ao dela.

— Está dizendo que me escolheu porque sou um perfeito idiota? Também não quero meu nome ligado ao dela. Se for, se Marwood começar os boatos, juro que vou...

— Eis o que deveria fazer. Visite-os de novo daqui a muitos dias...

— Pareço maluco para você? Estamos falando da Condessa de Marwood. Ela, que acaba com as mulheres por diversão e humilha homens como se fosse um jogo. Posso sobreviver a esta temporada se eu batalhar apenas com as mães armadas contra mim. Certamente vou perder se também precisar me proteger dessa mulher.

— Tinha me esquecido de como você é dramático. Escute-me. Visite de novo daqui a muitos dias, mas faça como eu. Traga outro com você. Seu irmão, por exemplo.

— Harry? Ele vai entediar a menina.

— Ela é muito jovem. O calmo e estudioso Harry não vai oprimi-la, e ela terá um amigo na cidade. Com o tempo, quem sabe o que pode acontecer? Ele terá o caminho livre, afinal.

Langford refletiu.

— Pode funcionar. Você fez aula de juntar casais na França?

— Tive aula de todo tipo de coisa. Agora, preciso parar aqui para uma coisa. — Ele desmontou do cavalo. — Você está livre para seguir seu caminho.

Langford olhou para baixo, para a loja onde Adam amarrou o cavalo.

— Vai comprar joias?

— Uma pequena bugiganga.

Langford desmontou.

— Para quem?

— Para minha senhora. Vou vê-la mais algumas vezes antes de dar o presente, mas é hora de escolher alguma coisa.

Ele entrou na loja, com Langford atrás.

— Agora fiquei confuso, Stratton. Acabou de falar para eu jogar meu irmão para ela, e tudo que fez foi ignorá-la... — Ele parou de andar. — Ah, caramba. A menina não tem nada a ver, mas a mais velha, certo? Diga que estou enganado, porque seria a pior união já planejada.

Adam pediu ao funcionário para trazer brincos de pérola. Langford apoiou os cotovelos ao lado dele no balcão.

— Se estou correto, pérolas são a escolha errada. Pérolas são modestas, discretas e convencionais. Aquela bruxa implora por algo brilhante e inesperado. Algo que declare que ela não vai se curvar para nenhum homem. Algo que...

— Estou começando a achar que você não gosta dela.

— Nenhum homem gosta muito, Stratton. A forma como ela empina o nariz para todo pretendente dificilmente encoraja generosidade. — Ele gesticulou para o funcionário levar a bandeja de pérolas embora. — Traga rubis, meu bom homem. Quanto maior e mais exagerado, melhor.


— Decidi que preciso me mudar para cá — Clara compartilhou o pensamento com Althea depois que elas terminaram de verificar o jornal. Faltava apenas Althea empacotá-lo para enviar à gráfica e agendar a impressão.

— Seus parentes a estão irritando?

— Minha avó acha que pode ditar meus movimentos e exigir que me junte a ela em qualquer visita que escolha fazer. Minha liberdade de ir e vir acabou. Preciso sair escondido como fiz hoje para encontrá-la aqui. Já estou esperando que ela abra minha correspondência.

Ela olhou em volta na biblioteca de sua casa em Bedford Square onde conversavam. A casa não chegava nem perto do tamanho da Gifford, claro, mas seria apropriado para ela. Se morasse ali, poderia terminar mais rápido seus outros planos para aquela casa.

Faltavam lugares para mulheres se encontrarem e relaxarem, com exceção da casa delas. Homens tinham seus clubes, tavernas e cafeterias para esse propósito. Por que as mulheres não poderiam ter refúgios também? Aquela casa, com sua sala de jantar, biblioteca e sala de estar, poderia servir como uma, para um grupo seleto de amigas. Ela nem precisaria fazer mudanças. Seria muito agradável se uma mulher pudesse sair de casa e se aventurar, sabendo que, em seu destino, haveria amigas e conhecidas com quem poderia passar uma hora ou mais, tomando café e comendo bolos, ou até um pouco de xerez ou vinho. Clara pensou que adoraria ter um clube de mulheres assim, então outras provavelmente pensavam da mesma forma.

— Quando planeja efetivar essa mudança? É um grande passo — Althea disse.

— Amanhã. Já informei minha criada para começar a arrumar meus baús.

— Informou seu irmão e sua irmã e, antes que nos esqueçamos, sua avó?

— Ainda não.

— Pretende sair escondida à noite e deixar uma carta?

— Claro que não. — Tinha passado por sua mente. — Não vamos sofrer por antecedência, e vamos falar de outras coisas. Descobriu alguma coisa sobre Stratton?

Althea sorriu presunçosa.

— Talvez.

— Vai me contar ou ficar zombando de mim?

— Pensei que um pouco da segunda opção seria justo. São notícias provocativas e, considerando a culpa que senti ao saber delas, preciso fazer você pagar.

— Se são provocativas, sou toda ouvidos.

— Descobri que há um boato bem vago de que o falecido duque não pereceu em um acidente de caça, como achavam. Ao invés disso, mirou a pistola em si mesmo.

Clara encarou Althea.

— Quem lhe contou isso? É uma coisa chocante de se dizer se não for verdade.

— Tirei essa informação da minha tia-avó.

— A tia-avó que precisa de cuidador?

— Disse a mim mesma que não me aproveitei, mas acho que fiz isso, sim. Ela estava visitando meu irmão, e ficamos sozinhas. Eu tinha acabado de perguntar ao meu irmão o que ele sabia sobre Stratton, quando ele foi chamado por sua secretária. Minha tia começou a falar o que ela sabia sobre Stratton, como se eu tivesse lhe feito a pergunta. — Ela mordeu o lábio inferior. — Acho que deveria tê-la impedido.

— Talvez ela o tenha confundido com outra pessoa. Alguém de muitos anos atrás.

— Acho que não, considerando o que ela disse.

Clara se inclinou, para que não perdesse uma palavra.

— Ela disse “Claro, a lealdade dele fora impugnada. O que mais ele poderia fazer?”.

— Não.

Althea assentiu.

— Então, meu irmão retornou, e um olhar desafiador a silenciou.

— Não me lembro de nenhum boato sobre a lealdade dele. Claro que ninguém ousaria compartilhar tal coisa abertamente se não houve nenhuma acusação oficial.

— Ela também poderia estar enganada. Ou, como disse, confundiu-o com outra pessoa.

Não foi a primeira vez que as conversas sobre a família Stratton fizeram Clara se lembrar de coisas, profundidades sobre situações às quais ela nunca deu importância. Agora, enquanto refletia sobre essa revelação, lembrou-se de flashes daquela época. Viu o pai em seu escritório, debruçado sobre o Times em sua mesa, estreitando os olhos para uma notícia com bordas em preto. Ela havia olhado apenas para ver o que o absorvia por causa de sua expressão. Não era de tristeza ou curiosidade. Mas uma armadura havia mascarado sua expressão, o que ela achou estranho, considerando que ele lia a notícia da morte de outro nobre.

— Ela também disse que aconteceu na propriedade da família — Althea revelou. — Falou como se ele tivesse sido grosseiro por se matar assim.

— Que horrível. — Clara sentia empatia pelo duque agora. Foi ruim o suficiente ter passado pela experiência de seu próprio pai morrer. Devia ser muito pior passar por isso sob essas circunstâncias. — Não me admira que ele tenha ido embora da Inglaterra logo depois. O duque atual, quero dizer. Se sua tia acreditava nisso, outros também o faziam, tenho certeza. Os falatórios teriam sido insuportáveis durante tal luto.

— Acho que é provável que ele tenha partido por causa daquele negócio sobre lealdade impugnada, não acha? Esse tipo de coisa mancha o nome da família, às vezes para sempre.

— Mesmo que eles sejam inimigos da minha família, preferiria não acreditar nessa parte. No entanto, pode explicar aqueles duelos na França. Ainda assim, não vamos presumir que sua tia esteja certa até termos informações parecidas de outros.

Althea se levantou e pegou sua prova embalada.

— Devo ir agora se quiser entregar isto para a gráfica esta tarde. Precisamos planejar como vamos distribuir o jornal para as livrarias. Devo escrever para nossas senhoras e marcar uma reunião?

— Se puder. Segunda será uma boa hora. Tenho alguns assuntos de família para tratar antes disso. — Clara levou Althea até a porta. — Quanto ao que me disse hoje, devemos guardar para nós mesmas.

— Não quer mais descobrir tudo e publicar um artigo?

— Se descobrirmos tudo, publicaremos. Até lá, entretanto, isso deve ficar apenas entre nós duas. Não quero prejudicar alguém sem querer ao mexer em histórias antigas.

Althea deu um beijinho em sua bochecha.

— Você tem um bom coração, Clara. Está sendo bem solidária. Talvez essa guerra antiga não tenha mais a importância que teve um dia.

Que coisa tola de se dizer. Claro que tinha. E ela não estava sendo solidária. Estava sendo responsável. Não deixaria os boatos e fofocas mancharem o nome de uma pessoa sem provas. Seu jornal era melhor que isso.

 

Dois dias depois, Adam e Brentworth passaram a tarde treinando boxe. Terminado o treino, tomaram banho e se vestiram.


CONTINUA

Condessa viúva de Marwood conseguia ser uma inimiga formidável quando queria. Sua mera presença desafiava alguém a tratá-la com gentileza para que ela pudesse ter uma desculpa para causar destruição, apenas por diversão.
Adam Penrose, Duque de Stratton, soube imediatamente o que encontraria nela.
Ele tinha sido chamado pelo seu neto, o conde da propriedade rural, que se encontrava ao seu comando. Vamos tentar enterrar o passado, ela havia escrito, e permitir que o que passou fique no passado entre nossas famílias.
Ele fora, curioso para ver como ela esperava conquistar isso, considerando que alguns desses acontecimentos não tinham terminado. Um olhar para ela, e ele sabia que qualquer plano que ela tivesse maquinado não o beneficiaria.
A senhora o deixou esperando por meia hora, antes de aparecer no aposento. Enfim, ela entrou na sala de estar, inclinada para a frente, cabeça erguida, seu peito amplo guiando o caminho, como alguém na proa do navio.
O luto pelo filho, o conde mais velho, a obrigava a usar roupas pretas, mas seu traje em crepe deve ter custado uma fortuna. Cachos grisalhos abundantes decoravam sua cabeça, sugerindo que ela também estava de luto pela moda ultrapassada das perucas. Olhos superficiais, grandes e de um azul pálido examinavam a pessoa que a chamou com um olhar crítico enquanto um sorriso artificial aprofundava as rugas de seu rosto comprido.

 

https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/O_DUQUE_MAIS_PERIGOSO_DE_LONDRES.jpg

 

— Então, o senhor retornou — ela anunciou o óbvio quando eles se sentaram em duas cadeiras robustas, após a reverência curta dele e a reverência ainda mais curta dela.

— Estava na hora.

— Alguém poderia dizer que estava na hora há três anos, ou dois, ou ainda muitos anos antes.

— Alguém poderia, mas eu não.

Ela riu. Seu rosto inteiro franziu, não apenas seus lábios.

— O senhor ficou na França por bastante tempo. Até parece francês agora.

— Pelo menos metade, eu presumo, considerando meu parentesco.

— E como está sua querida mãe?

— Feliz em Paris. Ela fez muitas amigas lá.

As sobrancelhas da viúva se ergueram apenas o suficiente para expressar a diversão irônica.

— Sim, acredito que tenha feito. É um milagre ela não o ter casado com uma amiga dela.

— Acho que uma união britânica me serviria melhor. Não acha?

— De fato. Vai ajudá-lo enormemente.

Ele não queria falar sobre a mãe ou os motivos pelos quais uma união sólida o ajudaria.

— A senhora escreveu sobre o passado. Talvez possa me esclarecer quanto a isso.

Ela abriu as mãos, com a palma para cima, em um gesto de confusão.

— A animosidade entre nossas famílias é tão antiga que as pessoas ficam imaginando por que começou. É tão desnecessária. Muito lamentável. Nós somos vizinhos, afinal de contas. Certamente podemos passar por cima disso, se quisermos.

Incapaz de ficar sentado ouvindo suas referências alegres àquela história, ele se levantou e foi até as janelas altas. Tinham vista para um jardim espetacular e para as colinas além dele, não muito longe. A casa e seu terreno ocupavam um vale baixo.

— Como sugere que façamos isso? — ele fez a pergunta enquanto encurralava a amargura em sua mente.

A viúva sabia muito bem por que a recente animosidade havia começado e provavelmente sabia sobre a história antiga também. No entanto, reconhecer um dos dois tornaria sua oferta de paz peculiar. Nós roubamos sua propriedade, atacamos sua mãe e ajudamos a levar seu pai à morte, mas o senhor deveria passar por cima disso agora.

Ele se virou e a viu observando-o. Ela parecia confusa, como se ele tivesse feito algo inesperado e ela não conseguisse determinar se ele havia chegado a uma solução sem que ela soubesse.

Ele ergueu as sobrancelhas para encorajá-la a falar.

— Proponho que resolvamos isso da forma antiga. Da maneira que dinastias políticas fizeram ao longo do tempo — ela disse. — Acredito que nossas famílias devam se unir por meio do casamento.

Ele mal evitou revelar sua perplexidade. Não esperara isso, de todas as propostas. Ela não sugeriu apenas uma trégua, mas uma aliança unida pelos laços mais fortes. O tipo de aliança que poderia impedir que ele buscasse a verdade sobre o papel daquela família na morte de seu pai, ou que procurasse vingança se descobrisse que suas suspeitas sobre o último conde estavam corretas.

— Já que eu não tenho uma irmã para seu neto, presumo que a senhora tenha me escolhido.

— Meu neto tem uma irmã que vai combinar perfeitamente com o senhor. Emilia é tudo que qualquer homem poderia pedir e será uma perfeita duquesa para o senhor.

— A senhora fala com muita confiança, mas não faz ideia do que este homem pediria.

— Será que não? Como se eu tivesse vivido tanto e não aprendido nada? Bela, graciosa, reservada e elegante. Essas qualidades são prioridade na sua lista, como na de todos os homens.

A tentação em adicionar outras exigências, umas que iriam chocá-la, quase dominou seu autocontrole. Ele só ganhou a batalha porque havia aprendido a nunca informar o inimigo de seus pensamentos.

— Posso encontrar isso em muitas outras jovens. Devemos ser sinceros um com o outro? O que teria de particular nessa união que seria de minha vantagem?

— Pergunta ousada, mas justa. Nós seremos aliados em vez de inimigos. Vai beneficiar o senhor assim como a nós.

— Bom, Condessa, nós dois sabemos que isso não é verdade. Fui convidado para negociar a paz quando meu pai nunca foi, no passado. Seria tolo se não imaginasse por que a senhora pensa que eu concordaria. Considerando os boatos em relação às minhas atividades na França, suponho como a senhora pode achar que isso protegerá seu neto, mas não como me ajudará.

Seus olhos se estreitaram. As rugas de sua pele congelaram como esculturas de pedra. Ela não demonstrou medo. Adam admirava sua postura forte, mas, na verdade, ela não achava que estava em perigo.

Ela se levantou.

— Vamos até o terraço. Vou lhe mostrar minha neta. Assim que a vir, vai entender como será beneficiado.

Ele a seguiu para o ar fresco de abril. O jardim se espalhava abaixo deles como uma tapeçaria marrom e vermelha, decorada por novas folhinhas e flores amarelas, rosadas e roxas. Bulbos, ele pensou. Elas ainda não haviam começado a florescer quando ele foi embora de Paris.

Uma garota estava sentada no meio da plantação revivendo, em um banco de pedra a nove metros. Ela tinha um livro aberto, segurado para cima a fim de não precisar olhar para baixo. A viúva devia ter lhe concedido uma pausa do luto porque a garota usava um vestido azul-claro. Ela era bonita e talvez tivesse dezesseis anos de idade. Seu cabelo loiro brilhava no sol, e sua pele clara e seu rosto adorável atrairiam qualquer homem. Adicione uma elegância e ela serviria muito bem.

A viúva estava ao lado dele, e sua expressão era de extrema confiança. Ele não confiava nela, mas admirava sua habilidade naquele jogo. Ele admitia para si mesmo que sua oferta realmente tinha suas vantagens, e não porque a garota era linda. O nome de seu pai e a honra de sua família haviam sido manchados nos melhores círculos e, se ele quisesse alterar esse cenário, aquele casamento definitivamente ajudaria. Significaria esquecer os motivos pelos quais ele dera as costas à Inglaterra assim como seu único bom motivo para finalmente retornar. Era por isso, ele presumia, que a viúva o tinha convidado.

— Emilia é a menina mais doce que já conheci. Tem bom humor também e uma boa inteligência, não precisa se preocupar de ela ser lenta — a condessa disse.

A doce Emilia fingia não vê-los, assim como fingia ler, em uma posição na qual ele conseguia ver seu rosto e seu corpo.

Não havia nada a esquentando, e nenhum chapéu protegia aquela pele clara. Ele imaginou por quanto tempo ela estaria sentada ali, esperando seu futuro pretendido inspecioná-la.

Ele não sabia por que ela não era sedutora. Talvez porque, apesar de ser adorável e graciosa, fosse jovem demais e, como parecia ser submissa às instruções da avó, provavelmente faltava clima.

As portas se abriram e o conde saiu apressado. Alto e loiro, ele ainda não tinha passado da fase magra desengonçada da adolescência. Olhou de forma zangada sua avó ao passar por ela. Ela enrugou o rosto em resposta. A chegada dele aparentemente não fazia parte dos planos da viúva.

Ele avançou em Adam como um homem que cumprimentava um amigo, mas sua recepção apressada e calorosa e o brilho de suor na testa diziam outra coisa. Theobald, Conde de Marwood, estava com medo de seu convidado. Muitos homens mostraram a mesma reação desde que Adam voltou à Inglaterra há duas semanas. Ele tinha uma reputação e, aparentemente, a sociedade esperava que ele desafiasse todos que pensassem em provocá-lo.

Adam não havia feito nada para corrigir essas suposições. Primeiro, talvez ele desafiasse muito bem um ou dois, dependendo do que descobrisse sobre os eventos de cinco anos atrás. Segundo, havia homens, como o próprio Marwood, que ficavam mais flexíveis quando motivados pelo medo.

— Vejo que Vovó já abordou a ideia dessa união — Marwood disse cordialmente. Ele olhou para sua irmã Emilia, ainda parada no jardim. Eles eram muito parecidos: pálidos, claros, bonitos e jovens.

O conde não poderia ter mais do que vinte e um anos. Adam pensou se Marwood sabia sobre o boato que havia assombrado o pai de Adam até seu túmulo. O medo de Marwood sugeria que talvez soubesse, e que as suspeitas antigas sobre esses velhos inimigos pudessem ser verdade.

— O senhor concorda com a ideia? — Marwood perguntou.

A avó dele chegou mais perto.

— Perdoe meu neto. Ele ainda é muito jovem para não ponderar que a impaciência impetuosa é uma virtude forte.

Marwood olhou para o céu como se rezasse e pedisse por essa paciência.

— Ele já sabe se a ideia é atraente ou não.

— A ideia é atraente, de uma forma geral — Adam disse. Ele não mentiu. Ainda pesava as implicações do plano da viúva. Essa oferta de simplesmente virar a página do passado o tentava mais do que esperava.

O jovem conde lançou um olhar cheio de otimismo para a avó. A viúva demonstrou mais circunspecção. Adam concentrou seu olhar na garota. A viúva recuou. O conde se aproximou andando de lado. Ansioso para finalizar as negociações, o conde exaltou os atrativos da irmã, de homem para homem. Do canto de olho, Adam viu a viúva balançar a cabeça para a falta de finesse do neto.

Uma movimentação na colina além do jardim chamou a atenção de Adam. Uma faixa preta riscou o cume, voou por cima de uma árvore grande caída, depois parou de repente. Uma mulher inteira de preto, em um cavalo preto, olhava para baixo para a casa.

— Quem é aquela? — ele perguntou.

Marwood semicerrou os olhos e fingiu não reconhecer. Olhou de canto de olho para Adam e pensou melhor.

— Aquela é minha meia-irmã, Clara. Filha da primeira esposa de meu pai.

O ponto preto chamado Clara conseguia demonstrar uma boa dose de arrogância mesmo ao longe. Ela andava com seu cavalo para a frente e para trás no pico da colina, observando o quadro abaixo como se o resto deles estivesse em um espetáculo para sua diversão.

Ele se lembrou de Lady Clara Cheswick, embora nunca tivessem sido apresentados. Mas ela apareceu na sociedade antes de ele deixar a Inglaterra. Com olhos brilhantes e cheios de vida. Essas eram suas impressões absortas no momento.

— Ela não permite que o luto interfira em seu prazer de andar a cavalo — Adam disse.

— Provavelmente diria que honra nosso pai assim. Eles gostavam de andar a cavalo juntos.

— Como ela é mais velha, por que não estão me oferecendo sua mão?

Marwood olhou desconfiado para a viúva, depois deu um sorrisinho.

— Porque o objetivo é impedir que o senhor me mate, não é? — ele falou em voz baixa com uma franqueza inesperada. — Não quero lhe dar outro motivo.

Adam escolheu não tranquilizar Marwood sobre a parte de matá-lo. Deixou aquele projeto de conde se preocupando.

— Agora está me intrigando, não me desencorajando.

Marwood inclinou a cabeça para mais perto e falou em confidência.

— Estou lhe fazendo um grande favor agora, falando sinceramente. Meu pai a mimava, satisfazia todos os seus desejos e lhe permitiu criar ideias descabidas para mulheres. Ele nunca exigiu que se casasse, e agora ela pensa que isso está abaixo dela. Ele deixou uma boa parte da propriedade em seu nome, um bonito trato com ricos fazendeiros. — Sua voz ficou um pouco amarga na última frase. — Ela é minha irmã, mas eu não seria seu amigo se a elogiasse quando, na realidade, é uma boa de uma megera.

Clara era a filha preferida do velho conde, aparentemente. Adam pensou se o pai recém-falecido tinha a habilidade de se virar em sua cova. Com uma ou duas cutucadas, talvez.

— Quantos anos ela tem?

— Passou muito da idade de se casar. Vinte e quatro.

Idade suficiente para se lembrar. Ela talvez soubesse uma boa parte, se seu pai a mantivesse perto.

— Chame-a aqui. Gostaria de conhecê-la.

— Sinceramente, o senhor não quer...

— Chame-a. E diga à sua outra irmã para baixar o livro. Os braços devem estar parecendo chumbo agora.

Marwood apressou-se até a avó a fim de compartilhar o pedido. A viúva foi correndo até Adam enquanto tentava parecer calma.

— Temo que tenha entendido errado. Para essa união ter uma conclusão satisfatória, a noiva deve ser Emilia. O caráter de Clara é além do alcance, mas ela não é apropriada para nenhum homem que deseje harmonia doméstica.

— Só pedi para conhecer Lady Clara. E ainda não concordei com nenhum casamento.

— Antes de morrer, meu filho conversou especificamente comigo sobre essa união. Estou apenas executando suas intenções. Ele disse que deveria ser Emilia...

— Ele quer conhecê-la, Vovó. — Desesperado, Marwood ergueu o braço e acenou para sua irmã Clara se aproximar.

O cavalo parou de andar. A mulher tinha visto e entendido a instrução. Estava naquela colina, seu cavalo de perfil, a cabeça dela virada para eles, olhando para baixo. Então puxou forte as rédeas. Seu cavalo empinou tão alto que Adam temeu que ela escorregasse da sela. Em vez disso, ela se segurou perfeitamente enquanto girava seu cavalo. Virou-se de costas para eles e galopou para o lado contrário. A moça acabara de lhe dar um tapa na cara a quinhentos metros.

A expressão da viúva mostrava um triunfo presunçoso debaixo da camada de desânimo.

— Que pena ela não ter visto o sinal do meu neto.

— Ela viu muito bem.

— É um pouco teimosa, vou admitir. Avisei ao senhor — Marwood disse.

— Não mencionou que ela é grosseira, desobediente e rapidamente insulta outros quando quer.

— Tenho certeza de que ela não quis insultá-lo. — Ele lançou um olhar desesperado para a avó.

— Tem certeza? Então, por favor, peça aos criados para trazerem meu cavalo ao portal do jardim imediatamente. Vou lá e me apresento para Lady Clara, assim não fico com rancor de sua grosseria não intencional e não permito que isso interfira na nova amizade de nossas famílias. — Adam fez uma reverência para a viúva. — Por favor, dê minhas lembranças para Lady Emilia. Estou certo de que ela e eu nos conheceremos logo.


lara galopou até uns bons três quilômetros da casa. O que Theo estava pensando, chamando-a e acenando para ela ir até lá? Ela nem estava vestida para receber o convidado dele. Pela postura rígida de Vovó, suspeitava que apenas Theo pensara ser uma boa ideia.

Incentivou seu cavalo e o levou a um bosque. Tirando Theo de sua mente, desmontou de sua sela em um toco de árvore, desceu e pegou uma folha de papel da bolsa. Encontrou um bom lugar debaixo de uma árvore, sentou-se e voltou sua atenção às páginas. Sua amiga Althea havia enviado no dia anterior, e ela precisava ler e enviar de volta com seus pensamentos incluídos.

Fez uma imersão no texto, fazendo alguns comentários com um lápis que guardara em seu corpete. Absorta pela leitura, não olhou para cima por, no mínimo, meia hora. Quando o fez, viu que não estava mais sozinha. Um homem a observava a uns trinta metros. Seu cavalo branco contrastava com sua capa preta e o cabelo escuro. Esse último chegava à sua gola e não demonstrava nenhum sinal de ter sido cortado por um cabeleireiro consciente da moda atual de Londres.

Ela o reconheceu do terraço. Um pensamento a incomodou de que talvez já o tivesse visto. O visitante de Theo a seguira. Ela pensou que isso era muito ousado. A forma como ele estava ali sentado e observando-a apenas confirmava que ele não tinha boas maneiras.

Pensou em voltar a ler, depois decidiu que poderia não ser sábio. Uma coisa era fingir que não tinha visto o aceno de seu irmão para se aproximar, e outra era fingir que não via um homem bem à sua frente.

Ele levou seu cavalo para mais perto. Ela conseguia vê-lo melhor agora. A desaprovação endurecia a boca dele, o que enfatizava seus lábios carnudos sensuais. Olhos escuros a mediam quase que por completo. Sua capa preta não estava na moda para Londres, mas ela conhecia muito bem a moda francesa para reconhecê-la como mais apropriada para Paris. Ele usava uma gravata escura amarrada casualmente.

Achou-o muito bonito de forma chocante e poética. Por ter conhecido alguns homens com humor negro no passado, ela não tinha nenhum interesse em conhecer outro, independente do quanto ele fosse bonito.

Ele parou seu cavalo a três metros. Não desmontou, mas ficou acima dela. Ela pensou em se levantar, a fim de encurtar a distância, mas decidiu não o fazer. Se ele queria assustá-la, teria que fazer melhor que isso.

— Bom dia, senhor. — Ela permitiu que sua voz transmitisse o quanto achava inapropriada sua intrusão.

Ele desceu do cavalo.

— Por favor, perdoe-me a falta de apresentação formal, mas duvido que irá se importar, já que é uma mulher que não se incomoda muito com tais coisas.

— Tenho certeza de que não entendo o que quer dizer.

Os cantos daquela boca se ergueram o suficiente para indicar que ele sabia que ela estava mentindo. De fato, aquele meio sorriso implicava que ele sabia tudo sobre ela.

— A senhorita me ignorou lá, Lady Clara. É isso que quero dizer.

— É impossível ignorar alguém que não conhece.

— Parece que a senhorita pensa que é a mesma coisa.

Arrogante seria muito gentil para descrevê-lo.

— O senhor mencionou uma apresentação — ela disse através de um sorriso rígido.

Ele fez uma curta reverência.

— Sou Stratton.

Stratton? O Duque de Stratton? Aqui? Será que Theo havia enlouquecido?

Por isso ele era vagamente familiar. Ela o tinha visto há anos, em bailes, antes do pai dele morrer e ele ir embora da Inglaterra. A última vez que foi a Londres, dez dias antes, ela tinha ouvido um ou outro falar que ele havia retornado, mas ia além da sua compreensão o fato de Theo tê-lo permitido entrar na propriedade.

Ele andou de lado e adotou uma postura casual bem ao lado dela, com um de seus ombros apoiados no tronco da árvore. Ele cruzou os braços como um homem que esperava uma conversa longa.

Ela se levantou, juntando os papéis perto de seu peito para que não voassem pela colina.

— Eu não sabia quem o senhor era. Mesmo que eu tivesse que adivinhar a identidade do homem com meu irmão, seu nome nunca teria passado por minha cabeça.

— Com certeza, não. Nossas famílias são inimigas há décadas.

— Theo está deixando o título subir à cabeça dele se o recebeu. Minha avó deve estar apoplética.

— Foi sua avó que me convidou para vir aqui.

— Não é possível.

— A carta era dela, escrita à mão. Foi bem inesperado — ele disse em um tom sarcástico.

Ela estreitou os olhos para ele.

— E mesmo assim aceitou o convite.

— Sua avó é um dos baluartes da sociedade há mais tempo do que estou vivo. As padroeiras do Almack tremem na presença dela. Eu nunca insultaria alguém com tal influência.

Agora ele zombava dela. Ela duvidava que ele se importasse o mínimo com a influência social de sua avó. Não parecia ser um homem que deixaria de lado o orgulho de sua família e obedeceria a sua avó. Ela deveria organizar o artigo de Althea e sair dali. Mas a curiosidade foi maior.

— Por que ela o convidou?

— Ela propôs um casamento dinástico com sua irmã a fim de acabar com a animosidade. A fim de enterrar o passado. — Aquele meio sorriso de novo. — Pode imaginar meu espanto. Foi bem parecido com o seu agora.

Espanto mal fazia jus à sua reação. Isso ficava cada vez mais esquisito. Também mais irritante. Ela se sentia duplamente traída. Primeiro, no lugar de seu pai, que nunca teria aprovado essa ideia. E, segundo, por si mesma, porque não contaram para ela nem a consultaram. Vovó deve ter usado toda a sua força de vontade para manter isso um segredo, se até Emilia não confessou isso a ela.

— Então, quando o noivado será anunciado? — Ela deixou seu máximo ceticismo se expressar em seu tom sarcástico.

— Ainda não concordei com a união.

— Minha irmã é adorável e brilhante. Daria uma esplêndida duquesa, claro, só que não para o senhor. Estou aliviada por ainda não ter decidido.

— Não culpe a mim pelo atraso, sabendo o que penso sobre o assunto. Lá estava eu, tomando uma decisão sobre uma pomba branca adorável, quando um corvo preto voou e me distraiu.

Corvo? Por que o...

— Então o corvo bateu as asas na minha cara e virou o rabo para voar para longe. — Ele se aproximou até estar acima dela. — Nunca fujo de um desafio, Lady Clara.

Se ele pensava que ela iria tremer e ruborizar, estava enganado. Só que ela tremeu, sim, um pouco, enquanto reparava que o comportamento dele exalava uma boa quantia de mistério e empolgação e que seus olhos escuros e suas profundezas tinham camadas que a atraíam, chegando ao ponto de quase se afogar. A proximidade dele e seu olhar a deixaram incapaz de falar algo por um instante constrangedor. Talvez tivesse ruborizado um pouco também.

— Teria sido melhor agarrar o pombo branco enquanto podia — ela disse. — Agora tenho tempo para lembrar à minha avó que o senhor nunca o fará.

— Cumprirei muito bem aos propósitos dela.

— E quais são?

— A senhorita não sabe? — Ele inclinou a cabeça de lado. — Talvez não saiba.

Ficou ainda mais bizarro estar tão perto dele. Ela sentia uma mistura de alarme e... exultação. Deu um passo para trás e se atrapalhou com a pilha de folhas nos braços.

— Com licença.

Ela foi até seu cavalo. Sua estrutura alta e esguia logo aqueceu a lateral dela e os passos dele acompanharam os dela.

— Está indo embora sem nem desejar um bom dia? Penso que está determinada a me insultar.

— Estaria em meu direito atirar no senhor; insultá-lo é pouco. O senhor está invadindo esta propriedade, não importa o que minha avó aflita pelo luto tenha lhe dito. Ultrapassou o limite entre a terra de meu irmão e a minha há quatrocentos metros.

— E eu estaria no direito de segui-la em resposta ao seu comportamento.

Ela parou de andar e olhou desafiadoramente para ele.

— Tal ameaça é inaceitável. Tente fazer isso e, certamente, vou atirar no senhor. Não duvide disso. Não sou uma mulher que treme quando encontra a estupidez masculina. E cavalheiros com educação adequada teriam permitido passar o mal-entendido em relação às instruções de meu irmão. É ultrajante que o senhor se sinta no direito de me seguir e, depois, me censurar. Agora, seguirei meu caminho, e o senhor pode seguir o seu.

Ela acelerou o passo até o cavalo. Ele andou ao seu lado de novo. Ela queria bater nele com o manuscrito de Althea, estava irritando-a muito.

— A senhorita é escritora? — Ele esticou o braço e tocou no canto das folhas. Isso fez o braço dele se aproximar do corpo dela. Um sobressalto interno quase a fez pular para longe.

— Uma amiga escreveu isso. É um texto sobre... — Parou de falar. — Tenho certeza de que não lhe interessaria.

— Talvez interesse.

— Então tenho certeza de que não é da sua conta.

— Não é uma escritora, mas uma sabichona.

— Oh, detesto essa palavra. — Ela enfiou as páginas em sua bolsa. — O senhor acabou de passar anos na França. Eles são famosos por louvar mulheres cultas. Se me dá esse apelido simplesmente porque me viu lendo, aparentemente, não aprendeu muito enquanto esteve lá, exceto como ser irritante.

Ela pegou as rédeas e posicionou o cavalo.

— Permita-me ajudá-la. — Ele se aproximou.

— Por favor, só vá embora. — Rapidamente, ela pisou no toco de árvore. Com um pulo e uma puxada, montou de novo na sela.

— Admirável, Lady Clara. Vejo que é independente em todas as coisas.

Ela engoliu um gemido com o comentário dele.

— Acha que sou tola por descer de um cavalo se não houvesse como subir de volta?

Quando ela se virou para cavalgar, viu a expressão do duque. O humor suavizava aquele rosto de alguma forma, mas, dentro da mente atrás daqueles olhos escuros, os planos se formavam.

Adam observou Lady Clara cavalgar para longe.

Que mulher provocadora. De olhos brilhantes e muito vivos, mas também mais adoráveis, com uma pele cremosa e mechas claras no meio de seu cabelo castanho.

Espirituosa. Espirituosa demais, a maioria dos homens diria. Ele não era um deles. Gostava de mulheres altamente espirituosas e senhoras de si. Claro que preferia que elas não o tratassem com desdém. Ele a desculparia. Dessa vez. Os planos da viúva tinham pego Lady Clara desprevenida ? assim como a ele ? e a inimizade entre suas famílias tornava a grosseria dela compreensível.

Também a desculparia porque a quis imediatamente ao vê-la debaixo daquela árvore, e a quis mais no momento em que se separaram. O desejo sempre encorajou a generosidade.

Ele montou, mas cavalgou para leste, não de volta à casa de Marwood, a oeste. Não havia necessidade de retornar para lá, depois para a estrada. Se continuasse nesse caminho por muitos quilômetros, logo chegaria em sua própria terra.

Passou por fazendas bem cuidadas e por um vilarejo. Será que ainda era propriedade de Lady Clara? Se era, o legado de seu pai tinha sido significativo. Por isso Marwood falou disso com ressentimento.

Só quando ele alcançou o pico baixo da propriedade, percebeu exatamente onde estava. Reconheceu a cidade da qual se aproximava por seu moinho. Mal conseguia estabelecer o riacho que serpenteava de norte a sul. A propriedade de Marwood encontrava a dele em lugares ao longo do rio.

Ele avançou trotando com seu cavalo, pensando sobre a oferta da viúva, como ditado pelo último conde. O conde tinha motivos para buscar um tratado de paz. Adam pensou que sabia quais eram. Mas parecia que, até perto da morte, o caráter de um homem não mudava.

O último conde havia esquematizado para garantir que ganhasse uma velha batalha, até quando pediu à sua mãe para oferecer um ramo de oliveira na esperança de proteger o filho.

 

Clara amarrou uma fita no manuscrito de Althea e colocou sua folha de anotações em cima. Althea era uma boa escritora. No entanto, quando se importava profundamente com uma causa ou evento, ela desviava de sua opinião e entrava em polêmicas. Não precisaria de muito para mudar isso, então não demonstrou aquele defeito.

Ela o guardou em uma gaveta debaixo da escrivaninha que usava na biblioteca. Enquanto o fazia, seu irmão Theo entrou no aposento e a olhou com desconfiança. Então foi até o decanter e se serviu de um pouco de conhaque.

— Você arruinou tudo — ele disse entre dentes cerrados. — Tudo estava sob controle, e precisava insultá-lo ao ponto de ele esquecer todo o resto.

Ela nem tinha visto Theo ou sua avó ao retornar, então essa era a primeira vez que seu irmão tinha chance de repreendê-la. Não que ela fosse permitir.

— Se tivesse me contado que receberia Stratton, eu teria permanecido longe, asseguro a você.

— Foi ideia de Vovó, mas parece estar seguindo o próprio caminho.

— Papai nunca teria aprovado. Se é para haver uma reaproximação entre nossas famílias, deixe-os dar o primeiro passo.

Ele deu um sorrisinho para seu conhaque, depois para ela.

— Você não esteve muito em Londres esse último semestre. Não esteve participando nem um pouco da sociedade enquanto está de luto. Então não soube dele, não é?

— Não teria prestado atenção, de qualquer maneira, porque ele não tem nada a ver comigo. Com nenhum de nós. É assim que acontece desde, pelo menos, a época de nosso avô. — Ela crescera com essa lição. Seu pai, o papai querido, não precisara falar muito disso para passar a tradição da amargura da família.

— Infelizmente, ele não é como o pai dele. Ou nenhum dos outros. Ele é... perigoso.

Ela deu risada.

— Não pareceu perigoso para mim.

Só que parecera, sim. Todo aquele mistério tinha muito a ver com isso. Se ela um dia o visse de novo, ficaria tentada a fazer cócegas nele até ele rir como um tolo, apenas para derrotar aquela força do humor negro que carregava.

— Ele não é perigoso para mulheres. — A voz de Theo se aprofundou com sarcasmo.

Bom, agora ela não tinha certeza se concordava com isso também.

— Ele duela, Clara. Matou dois homens, e quase um terceiro. Na França. A menor provocação e ele desafia os homens. Ele não vai ceder. Estão dizendo que voltara à Inglaterra porque as autoridades francesas disseram para ele deixar o país. — Theo engoliu o resto do conhaque. — É um assassino.

A postura de Theo encolheu enquanto ele falava. Sua testa franziu. Seus olhos azuis olharam para longe em direção ao nada. Clara era três anos mais velha do que Theo e o observara crescer. Sabia que seu irmão estava com medo.

Ela se levantou e foi até ele.

— Ele não vai matar você, Theo. Não por causa de uma briga de família que começou antes de você nascer.

— Que melhor forma para ganhar essa batalha? Uma palavra errada, um olhar ruim, e ele terá sua desculpa.

— Está sendo muito dramático.

— Vovó concorda. Zombe de meu julgamento, se quiser, mas vai zombar tão rápido do dela?

A explicação de Stratton quanto à sua visita fazia sentido agora, mas da maneira mais ridícula. O luto de Vovó havia tomado um rumo infeliz se ela viu tal ameaça no duque. Quanto a Theo... Ele era corajoso quando havia um pouco de perigo, mas menos quando era seguido de ameaça.

— Presumo que a estratégia foi que, se fosse o cunhado dele, ele nunca iria querer duelar com você — ela disse. — É um preço alto a pagar pela paz, irmão. E quanto a Emilia? Se ele tem esse comportamento, é justo uni-la a ele?

— Eu disse que ele não é perigoso para mulheres, não disse?

— Você não tem certeza. Se nem nos sentamos à mesa com aquela família, não deveríamos planejar uniões com eles.

— Vovó...

— Você é o conde agora. Precisa pensar por si mesmo.

— Que conselho ridículo, Clara. Ele mal saiu da escola — Vovó entrou na biblioteca falando. — Não quero que complique ainda mais o assunto ao incentivar Theo a uma independência imprópria de meu conselho.

— Tenho vinte e um anos — Theo murmurou, ruborizando.

— Tem? Bom, um ano a mais ou a menos não significa nada.

— Não estou complicando nada — Clara disse.

Sua avó se sentou. Costas eretas e cabeça angulada exatamente para assumir a postura de rainha de tudo que supervisionava. No momento, isso incluía Clara.

— Seu comportamento hoje fez o duque partir antes de eu... nós podermos combinar as coisas. Se isso não é complicação, o que é?

— Uma prorrogação. Para Emilia. Para todos nós, enquanto a senhora reconsidera essa ideia extraordinária de casá-la com aquele homem.

— Ele pareceu bem adequado para mim. Francês demais, mas é o que se pode esperar com aquela mãe dele, e a forma como ele morou fora todo esse tempo. Mesmo assim, algumas semanas e ele vai assumir seu papel correto na vida e fazer o que precisa para reivindicar seu lugar entre nós. Ele sabe que precisa se casar com uma garota com a educação impecável como a de sua irmã, e nós vamos nos beneficiar ao tê-lo por perto, onde podemos ficar de olho nele para que o passado não consiga prejudicar Theo.

— A senhora não pode também pensar que ele é perigoso para meu irmão. Será que todo mundo perdeu o senso por aqui?

— Como sempre, você presume saber de tudo por causa de como meu filho a favorecia. Entretanto, há muito que não entende. Não estou brincando. Não vou deixar nada acontecer a Theo, principalmente com seu herdeiro presumível sendo aquele primo insuportável. Deixe comigo, Clara. Emilia vai se casar com Stratton, e tudo ficará bem.

Para que Clara não discutisse sobre a última palavra, sua avó ergueu um livro, abriu-o, colocou os óculos no nariz e começou a ler.

Clara olhou para Theo, esperando encontrar um aliado para suas objeções.

Ele se virou e se serviu de mais conhaque.


dam entregou seu chapéu e seu chicote ao criado na porta do White’s, e caminhou pelo salão do clube. Olhares voaram em sua direção. Cabeças se curvaram. Houve tanto silêncio que ele escutou o burburinho baixo de sussurros.

Ele continuou, assentindo e cumprimentando homens que não conseguiam resistir a olhar mais diretamente. Alguns reagiam com sorrisos simpáticos demais para apenas conhecidos.

Saiu do salão por uma porta no fundo e subiu as escadas para o piso superior.

— Sir, temo que todos os cômodos estejam ocupados. — A reprimenda gentil do funcionário o alcançou no meio das escadas.

Ele se virou. O funcionário viu seu rosto e ficou vermelho.

— Peço desculpas, Sua Graça. Não percebi que era o senhor. Bem-vindo de volta, sir.

— Presumo que eles estejam lá em cima.

O funcionário assentiu. Adam subiu. Sons saíam de trás de uma das portas. Vozes masculinas e risada. Ele abriu o ferrolho e entrou.

Dois homens o encararam, mudos pela surpresa.

— Caramba — um deles finalmente murmurou. — Brentworth aqui especulou que você pudesse aparecer hoje, mas eu disse que você nunca viria.

— Então ele estava certo, Langford, e você, errado.

Adam se jogou em uma cadeira e olhou em volta.

— Parece que nada mudou muito.

— Muito pouco. — Gabriel St. James, Duque de Langford, jogou-lhe um charuto. Ele sorriu com prazer e seus olhos azuis brilharam. — Droga, mas é bom vê-lo. Disseram que voltou há um mês. Por onde esteve?

— Colocando meus negócios em ordem. Analisando os registros da propriedade. — Ele pegou uma vela e a segurou em seu charuto. — Demitindo o administrador que estava me roubando. Esse tipo de coisa.

Ele também tinha feito outras coisas. Uma foi investigar uma mulher chamada Clara Cheswick. Descobrira algumas coisas sobre ela que eram apenas de seu interesse.

— Na fazenda, então. Por isso que a única indicação de seu retorno eram as fofocas e os boatos. — Eric Marshall, Duque de Brentworth, levantou-se para pegar o decanter de uísque. Aproximou-se com um copo, serviu Adam, depois encheu o próprio e o de Langford. Nenhum sorriso dele, apenas um sorriso deprimido em seu rosto severamente esculpido. Sem brilho em seus olhos escuros, mas escrutínio bem profundo.

Ambos eram a epítome da moda, mas em maneiras diferentes como seus comportamentos. Os cachos cortados do agradável Langford sempre pareciam que ele havia acabado de ficar ao vento, enquanto as ondas mais sérias de Brentworth nunca ousavam tal exuberância. Langford usava uma gravata casual escura naquela noite, enquanto o lenço de linho branco de Brentworth parecia ter sido engomado por seu criado cinco minutos antes.

Não que Brentworth não fosse espirituoso ou fosse escravo de convenções comparado a Langford, mas ele valorizava a discrição e não desprezava seus desejos ou pensamentos. Não se podia dizer o mesmo de Langford.

Adam gostou de como seus dois amigos interpretavam velhos rituais e o receberam com tranquilidade. Não ignorou o fato de que a cadeira em que se sentava ? sua cadeira de sempre ? não havia sido usada por nenhum deles, apesar da sua proximidade ao fogo reconfortante. Bebeu um pouco de uísque, soprou o charuto e permitiu que a nostalgia e a familiaridade o inundassem. Voltara à Inglaterra há mais de um mês, mas, naquele momento, finalmente sentia que tinha voltado para casa.

— Que tipo de fofocas e boatos? — ele perguntou, deixando o último comentário penetrar sua paz.

Seus amigos trocaram olhares misteriosos.

— Enquanto você esteve fora, sua reputação chegou à Inglaterra, mesmo que você não tenha voltado — Brentworth disse.

— Está falando dos duelos.

— Um é compreensível para qualquer cavalheiro. Dois podem ser desculpados. Três, no entanto... — Langford explicou.

— Nenhum homem no salão lá embaixo teria permitido qualquer daqueles insultos à família passar sem um desafio. Fiz o que qualquer um faria.

— Claro, claro — Langford acalmou. — A pergunta, porém, é se voltou para fazer isso aqui também. Há alguns camaradas que estão se lembrando de cada pequena desavença que podem ter tido com você, e qualquer crítica sussurrada à sua família ou a você. Tenho certeza de que, em algumas semanas, assim que voltar à sociedade e propagar seu charme, isso tudo será esquecido.

— Talvez seja melhor se não for.

Isso surpreendeu Langford.

— Não pode querer ser visto como perigoso. Sinceramente, ninguém vai ameaçá-lo.

— Se ser visto como perigoso impedir homens estúpidos de dizer coisas estúpidas que me obriguem a desafiar em nome da honra, então deixe-os pensar que sou perigoso. — Ele colocou o copo na mesa como uma forma de finalizar aquela linha de pensamento. — Estou feliz por ter encontrado vocês dois aqui.

— Onde mais estaríamos na primeira quinta à noite do mês? — Brentworth disse. — Continuamos como sempre foi. Você pode ter nos abandonado, mas nós ainda somos a Sociedade dos Duques Decadentes.

Adam sorriu. Eles três frequentavam a escola quando se deram esse nome. Todos herdeiros de ducados, haviam formado uma conexão imediatamente. A escola os separou, e os outros garotos também. Eles aprenderam rápido que a única pessoa que trataria um duque normalmente era outro duque. Portanto, uma amizade rápida e duradoura foi formada.

Aquele cômodo, e as reuniões mensais, começou assim que todos deixaram a universidade e foram para a cidade aproveitar seus privilégios. Por um bom tempo, a Sociedade dos Duques Decadentes fora mais do que um título inteligente que seguia os garotos de escola. Muitas vezes, encontravam-se ali, mas logo saíam para explorar quão decadentes conseguiam ser.

Langford havia encontrado seu segundo dom naquelas perversões. Um estilo de vida. Famílias decentes o recebiam agora apenas porque ele era um duque, embora seu charme considerável pudesse ter lhe dado algumas aprovações de qualquer forma. Brentworth, por outro lado, superara tais excessos primeiro, pelo menos em relação ao comportamento que outros pudessem ver ou relatar. Era mais um exemplo de como ele administrava tudo sem esforço para a ideia pública de duque, em aparência e comportamento. Superior, arrogante e confiante em seus privilégios, ele estava acima do mundo em estatura e indiferença. Adam não se importava com o quão duque seu amigo havia se tornado. Conhecia Brentworth muito bem para compreender como ele era realmente diferente de sua pessoa pública.

— Então, por que voltou? — Brentworth perguntou. — Depois de tantos anos, achei que nunca mais voltaria.

— Gostaria de dizer que simplesmente resolvi que era hora, mas não foi tão simples. O governo francês também decidiu que era hora. Foram feitas reclamações e, como resultado, o rei decidiu que era hora. Recebi uma intimação para comparecer.

Langford deu risada.

— Que antiquado. Quase charmoso.

— Já que estava na mão do rei, e as coisas estavam começando a esquentar na França... bem, cá estou.

— Já cumpriu sua parte com ele? — Langford quis saber.

— Assim que cheguei. Bebemos bastante vinho juntos. Ele perguntou sobre as mulheres de Paris. Posso ter exagerado um pouco, e o encontro foi amigável e cheio de conversa.

— Então sua metade inglesa respondeu ao comando de seu rei inglês — Brentworth disse. — Se não foi por isso... foi tempo suficiente?

— Sim. — E foi. A fúria que o levou embora tinha finalmente acabado há um ano, substituída por pensamentos mais deliberados, e responsabilidade de suas obrigações.

Havia deveres que não poderiam ser conduzidos eternamente de longe da França. Um em particular.

— É bom que finalmente veio à cidade — Langford falou. — Vamos pedir para fazer novos casacos para você amanhã. Uma visita ao barbeiro também pode ser organizada. Não pode andar por aí parecendo um desses franceses que seduzem viúvas para seu arrependimento eterno.

— Algumas não me deram tanto arrependimento, como me lembro. — Adam olhou para sua sobrecasaca. Cortada ao estilo francês, um pouco mais comprida e justa do que a moda inglesa, provavelmente o fazia parecer estrangeiro.

— Vamos nos embebedar, e você pode me contar sobre elas e me deixar com inveja — Langford disse.

— A menos que algo tenha mudado, há pouco que possa contar a vocês sobre viúvas.

— Então, quais são seus planos? — Brentworth perguntou.

— Espero que sejam bem parecidos com os de vocês agora. Cuidar da minha propriedade. Votar no Parlamento. Como disse, o tipo de coisa comum.

— Isso é tudo? — Brentworth questionou. — Você vai embora da Inglaterra e fica fora por quase cinco anos, e com seu retorno tudo que quer é ser um cavalheiro que vem à cidade para as votações?

— Pretendo encontrar uma esposa rica e sensual também. Chegou a hora de me casar.

— Fale por si mesmo — Langford rebateu.

— Ignore-o — Brentworth disse. — Há duas mamães que estão de olho em Langford, e ele está correndo dos lugares para se esconder. Infelizmente, é duvidoso que ambas as garotas sejam sensuais o bastante, ou tenho certeza de que ele iria entregar uma para você de bom grado.

— Se há duas, deveria enviar uma na sua direção — Adam respondeu.

Estranhamente, mães quase nunca miravam em Brentworth. Diziam que ele aterrorizava tanto as ingênuas que suas mães olhavam para outro lado.

— Quanto à parte sensual, já descobriu, Langford?

Langford deu risada.

— Talvez na França todo tipo de exploração seja feita quando o assunto é mulher, mas não se esqueça de que, aqui na Inglaterra, nós só esperamos o melhor e nunca conseguimos nada.

Por ser metade francês, Adam achava bizarra e curiosa a sensualidade sufocada que havia atormentado os ingleses nessas últimas décadas. Era como se todas as mães e avós tivessem se reunido no começo da guerra e decidido que, a fim de rejeitar todas as coisas francesas, suas filhas não deveriam se divertir tanto quanto elas se divertiram na juventude.

Uma rigidez pairou sobre o cômodo. Ele olhou para cima e viu Brentworth observando-o, e de uma forma não gentil.

— Fale — Adam exigiu.

— Inferno, isso, vou dizer que...

— Deixe quieto, Brentworth — Langford sugeriu.

— Não, eu insisto — Adam disse.

Brentworth se levantou e foi até o decanter de uísque de novo. Demorou-se tanto ali que Adam pensou que o rancor tivesse passado, ou que tivesse sido engolido agora. Brentworth se virou de repente para ele.

— Entendo que estava de luto. Entendo que havia coisas sendo ditas que eram sujas e prejudiciais e...

Adam se levantou e jogou seu copo no fogo. As chamas se sobressaltaram.

— Sujas e prejudiciais? Ele se matou por causa disso!

— Eu sei. Mas você nunca conversou conosco. Nunca permitiu que ajudássemos. Simplesmente desapareceu com sua mãe sem uma palavra, e não falou nada desde então, e entra aqui como se os últimos anos nunca tivessem acontecido. Caramba, Stratton, nós somos amigos há anos e você agiu como se nós dois estivéssemos na fila contra sua família.

— Nunca pensei isso.

— Até parece que não.

Langford balançou a cabeça.

— Sentem-se, vocês dois. Eu lhe disse antes, Brentworth, que, sob as circunstâncias, o que quer que ele fizesse era uma escolha feita por raiva e luto. Quem sabe como eu ou você teríamos agido? — Ele deu um sorriso para Adam de... o quê? Perdão? — Não precisa se explicar para nós.

Mas precisava, sim. Brentworth tinha razão. Ele virara as costas a tudo e todos em sua raiva. Não podia pensar em demorar a sair da Inglaterra. Não por causa da desgraça envolvida por trás da morte de seu pai, e porque não podia mais confiar em alguém.

— Fui embora daquele jeito porque, se não o fizesse, com certeza teria matado alguém por ódio, sem nem saber se culpava a pessoa certa.

Brentworth se jogou de novo em sua cadeira. O olhar de seu amigo o encarou por um longo tempo.

— E você sabe agora? Se culpou a pessoa certa? — Brentworth perguntou.

— Ainda não.

Langford limpou a cinza do seu charuto.

— Resposta interessante. Acho que agora sabemos por que ele voltou de verdade, não é, Brentworth?

 

Clara rapidamente leu sua correspondência matinal enquanto tomava café na Casa Gifford, a residência londrina da família. Duas cartas em particular receberam uma atenção bem breve. Sua avó havia escrito uma reprimenda.

 

A carta de Theo dizia quase a mesma coisa.

É improvável que façamos progresso com Stratton se continuar insultando-o. Pense no futuro de Emilia. Pense no meu. Certamente pode encontrar um pouco de gentileza em relação a ele.

Ela estava pensando no futuro de Emilia. E no da família. Via essa ideia toda de amenizar as diferenças entre a família dela e a de Stratton como um mau conselho e deslealdade. Deixe-os tentar, se quiserem, mas ela não iria cooperar. Vovó sabia disso. Foi por isso que ninguém lhe contou sobre o plano antes de embarcar nele.

Vestindo sua pelica e seu gorro, pegou um pacote embrulhado e desceu até a sala de entrada. Para evitar as carruagens da família, disse a um criado para lhe arranjar um cavalo alugado.

Tomou um pouco de ar no pórtico enquanto esperava. Infelizmente, enquanto o fazia, uma carruagem estacionou.

Ela xingou baixinho.

Stratton de novo. E ali estava ela, à vista. Não poderia mandar o mordomo dizer que não estava em casa. Por outro lado, deveria ser óbvio que estava saindo. Algumas palavras educadas e ele seguiria o próprio caminho.

O duque saiu de sua carruagem e a alcançou. Após um cumprimento, ele parou com um pé no degrau mais baixo da varanda e a olhou.

— A senhorita sai bastante.

— Posso estar de luto, mas não estou morta.

Ele apontou para sua carruagem.

— Permita-me levá-la ao seu destino.

— É muito gentil da sua parte, mas minha carruagem está a caminho.

— Pode demorar um pouco para chegar.

Podia mesmo. Com um resmungo interno de resignação, ela se virou para a casa.

— Já que o senhor queria falar comigo, vamos entrar e ter uma visita apropriada enquanto eu espero.

Ela guiou o caminho para dentro de casa e colocou seu pacote na mão do criado. Levou o duque para o andar superior, para a sala de estar.

Sentou-se em uma cadeira e torceu para parecer, no mínimo, meio formidável como sua avó.

O duque se sentou na cadeira mais próxima à dela e ficou confortável. Seu cabelo havia sido estilizado desde que ela o vira na colina. Agora, seus cachos bagunçados cortados enfatizavam mais seus olhos escuros e aquela boca sensual e maxilar forte.

— É gentileza da sua parte me receber, Lady Clara.

— Já que pensou ser adequado relatar à minha família que não o recebi anteriormente, agora me sinto obrigada a fingir ser receptiva a esse desejo inexplicável deles de criar uma amizade com o senhor.

— A senhorita é uma mulher bem direta.

— O senhor é um homem bem persistente.

— Em um homem, persistência é uma virtude, enquanto ser direta, para uma mulher...

— É um aborrecimento. O que me leva à questão do porquê se incomoda em ser tão persistente com este aborrecimento de mulher.

— É uma excelente pergunta. Se tivesse me recebido da primeira vez, agora teria compreendido completamente minhas intenções.

Que forma estranha de dizer isso. Quaisquer que fossem suas intenções.

— Talvez o senhor me esclareça agora, e rapidamente, para que eu possa terminar meus próprios compromissos... compromissos estes que o senhor interrompeu.

Ele riu em silêncio, como se fosse uma piada interna.

— Seu irmão disse que a senhorita tinha um gênio ruim. Posso ver o motivo.

Gênio ruim? Que menino mimado e desleal aquele.

— Prefiro ser chamada de direta. Como um cavalheiro, estou certa de que também prefere essa palavra.

— É claro. Permita-me ser direto também, para que possa voltar aos seus afazeres do dia. — Ele se inclinou para a frente e apoiou os braços nos joelhos. Isso trouxe seu rosto elegante para bem perto dela. — A senhorita sabe do plano de sua avó de me casar com Lady Emilia.

— Sei.

— Decidi declinar da proposta.

Ela conseguiu se conter de não comemorar com alívio. Graças aos céus alguém nesse acordo horrível estava usando o cérebro.

— E que a senhorita vai ser adequada para mim, e muito melhor para o plano da viúva.

Uma rigidez pairou no aposento. Demorou muito para a mente dela absorver o que ele dissera. Mesmo depois, soava bizarro demais para ser exato.

— Sua irmã é muito jovem para mim e, qualquer acordo que seja proposto com ela, nunca será tão bom quanto uma esposa com sua própria propriedade e renda.

Deus do céu.

Ela reuniu sua perspicácia, mas precisou de muito tato para não demonstrar sua reação atordoada.

— Ao menos conheceu Emilia?

— Não, mas não é significativo. Tenho bastante certeza de que ela é adorável, mas não é a noiva certa para mim.

— Como pode dizer isso quando nem...

— Eu sei.

— É melhor saber mais, e rápido, porque não estou disponível.

Ele se recostou na cadeira, nem um pouco impressionado por sua rejeição definitiva.

— É compreensível que tenha ficado surpresa com minha proposta. No entanto, estou confiante de que vá mudar de ideia.

Muito agitada para ficar sentada, ela se levantou e olhou desafiadoramente para o idiota presunçoso. Infelizmente, isso também o fez se levantar. Em vez de ser uma encarada satisfatória para baixo, ela agora olhava muito para cima, para um rosto acima dela.

— Não escutei nenhuma proposta. Escutei um decreto. Não consigo imaginar o que lhe dá motivo para pensar que eu obedeceria. O senhor é o último homem com quem me casaria, isso se eu me casar. De fato, meu pai se reviraria no túmulo se eu considerasse a ideia. Agora, sir, agradeço por sua visita, mas devo retornar aos meus afazeres. Já estou atrasada.

Ela girou, saiu a passos largos da sala de estar e desceu as escadas. Pegou de volta seu pacote com o criado e saiu. Sentiu o duque observando-a o caminho inteiro.

Sua carruagem alugada aguardava atrás da carruagem do duque. Ele olhou duramente para aquela carruagem.

— Por que não está usando a carruagem da família?

— Escolho não usar. — Ela desceu os degraus de pedra e seguiu para sua carruagem.

Ele andou ao seu lado.

— Penso que vai a um encontro secreto. Um que prefere que os criados da sua família não saibam. Não há outra explicação para usar uma carruagem alugada em vez da de sua família.

Ela realmente queria bater nele com o pacote por dizer aquilo ao alcance do criado que a esperava para ajudá-la a subir.

Ajeitou-se no assento enquanto o criado fechava a porta. O duque apoiou o antebraço na janela e esperou o criado se afastar.

— Não vou exigir explicação agora — ele disse. — Entretanto, se vai encontrar um homem, essa conexão deve acabar imediatamente, agora que estamos noivos.

Ela colocou o rosto para fora da janela.

— Nós. Não. Estamos. Noivos.

Ela estava quase gritando no fim da frase, mas a carruagem havia começado a andar, e apenas o ar a escutou.

Meia hora depois, Clara estava em uma mesa de biblioteca na Bedford Square. Havia papéis e uma folha em branco espalhados pela mesa.

— Acho que temos o suficiente para outro artigo do Parnassus, Althea — ela disse. — Podemos falar com a gráfica esta tarde sobre o cronograma.

Althea baixou a cabeça loira sobre as pilhas de papel e pegou uma bem pequena. Consistia em poemas que o jornal delas publicaria.

— Vejo que incluiu o soneto da sra. Clark. Fico feliz.

Clara trabalhava como a editora anônima e benfeitora do Parnassus. Ela havia criado o jornal há dois anos e começou a trabalhar nele de imediato. As duas primeiras publicações foram tentativas inexperientes, mas colheram assinaturas suficientes para encorajá-la. Agora, com seu legado, ela podia se dar ao luxo de tentar um cronograma regular de publicação.

Seguindo o modelo de jornais masculinos, o Parnassus continha notícias políticas, assim como críticas de apresentações teatrais e histórias de viagem. Ela gostava de preenchê-lo com informações e fatos, mas permitia que alguns pensadores afiados, como Althea, escrevessem artigos. Interesses femininos raramente eram ignorados. Clara amava moda, em particular, e o Parnassus tinha uma coluna dedicada a ela.

A característica mais distinta do jornal era a mistura de autores. Uma viscondessa e uma baronesa, às vezes, contribuíam, embora utilizassem um pseudônimo. No entanto, a sra. Clark era a viúva de um comerciante que agora administrava uma chapelaria. Ela tinha um dom óbvio para poesia e não tentava copiar outro poeta já existente.

Ladies aos montes, mulheres da cidade, mães, irmãs e, sim, até as sabichonas tinham assinado. Ela sabia que o sigilo do projeto pode ter contribuído para esse sucesso. Quem e onde era feito o Parnassus permaneciam um mistério tentador.

Naquele momento, o onde consistia nessa casa que Clara comprara com seu legado, três meses depois da morte do pai. Ela se lembrou dele ao assinar a escritura, além de sentir profunda gratidão por ele ter esquematizado para ela ter a própria propriedade e renda substancial e não ser dependente de Theo de nenhuma maneira. A relação deles era rara. Na verdade, ele a tratava como um filho. Ensinara-lhe a cavalgar, atirar e até disse uma vez que se arrependia de ela não poder herdar seu patrimônio ou o título dele. Ela achava que Theo nunca a perdoaria por como ela recebia a melhor parte do amor do pai deles. Ficara profundamente de luto por ele. Completamente. A tristeza acabara com ela como nada antes. Havia chegado a um ponto em que não se reconhecia mais. Finalmente, certo dia, começou a lutar para se salvar.

O Parnassus fora sua salvação. Comprar aquela casa foi o primeiro passo adiante em sua vida. As necessidades do jornal a obrigavam a visitar Londres periodicamente também. Até então, as visitas foram breves, mas, agora, seis meses após o falecimento do pai, ela, enfim, decidira fazer visitas mais longas.

— O artigo de moda de Lady Grace ainda não chegou — Althea mencionou.

Lady Grace Bidwell era a mais recente aquisição de colaboradoras. Irmã de conde, ela nunca se casara. Clara sentia uma afinidade natural com ela, e Lady Grace tinha um olho bom quando o assunto era moda.

— Vou escrever um lembrete a ela, mas não vou esperar para sempre — Clara falou com uma firmeza decisiva do tipo que não fazia muito tempo que usara com o Duque de Stratton, mas de nada valeu. Aquele encontro continuava a invadir sua mente e amargava seu humor quando o fazia. Quanto mais ela pensava naquela proposta, mais ofendida se sentia.

Althea olhou com seus lindos olhos azuis para Clara. Uns dez centímetros mais baixa que Clara e delicadamente esguia, Althea tinha uma presença que, às vezes, fazia Clara se sentir monstruosa em comparação a ela. Não que ela mesma fosse muito alta ou forte. Era só que Althea era extremamente pequena. Viúva do Capitão Galbreath, um oficial do exército, morava com o irmão, Sir Jonathan Polwarth, um barão, e sua esposa.

Althea tinha a vida de um parente dependente agora, do tipo que o pai de Clara a salvou com o legado.

— A senhorita está diferente hoje — Althea disse. — Seu irmão a está irritando de novo? Insistindo que volte para a fazenda?

— Não é isso. Não só isso. — Clara não iria confessar, mas queria compartilhar um pouco dos acontecimentos recentes e estranhos em sua vida. Não a proposta. Ninguém nunca saberia disso. — Theo e minha avó colocaram na cabeça a ideia de acabar com uma longa contenda que nossa família tem com aquele Duque de Stratton.

— Penso que seja uma coisa boa. Guerras tão longas assim não trazem muito benefício.

— Vovó nunca faz coisas simplesmente porque são boas, Althea. A mente dela é uma armadilha, e suas estratégias fariam Napoleão se envergonhar. Mas ela é determinada, assim como Theo. Eles até o receberam. Meu pai sempre jurou que nunca um Stratton iria sujar sua casa, mas lá estava ele.

Althea começou a organizar os artigos, colocando folhas em branco entre eles.

— Na sua casa daqui da cidade, na Casa Gifford? Fiquei sabendo que ele veio para cá recentemente.

— Você sabia? — Parecia uma boa maneira de não admitir que ele realmente havia sujado a casa da família dela da cidade.

— As pessoas estão falando dele. Você não ficou sabendo porque ficou enclausurada em Hickory Grange por muito tempo depois de seu pai falecer, e não estava aqui quando ele retornou da França.

Althea carregou a pilha grande de papéis para outra mesa e continuou o trabalho de prender tudo com linho. Clara a seguiu.

— Estão falando o quê?

Althea amarrou o pacote grosso, terminando com um laço rústico.

— Fofocas. Daquelas que você escuta umas partes quando chega em determinadas rodas, mas as pessoas param assim que a veem. Conversa séria, pelos olhares nas carrancas. Conversa sigilosa e sussurrada. A maior parte entre a geração de nossos pais.

— Claro que esses trechos devem ter lhe dado uma ideia de por que ele chamou tanta atenção.

Althea deu de ombros.

— Acho que escutei meu irmão se referir a ele como perigoso. Algo sobre duelos na França.

— Fiquei sabendo dos duelos. Theo me contou. Acho que ele teme que, se não pedir a paz, Stratton vá desafiá-lo. Não faz sentido.

— Também interrompi uma conversa em uma sala após uma festa. A anfitriã não conseguiu se conter, apesar de estar no meio da frase. Gesticulou a última palavra do que quer que estivesse falando para sua confidente.

— Que palavra era essa?

— Tenho quase certeza de que era vingança. Agora, se vamos falar com a gráfica hoje, precisamos ir antes de ficar tarde demais.

Elas colocaram suas pelicas e chapéus. Clara invejava Althea por usar um conjunto verde-limão e amarelo. Não se ressentia por vestir roupas de luto. Vestiria eternamente, se isso fosse honrar seu pai. Mas sentia falta de roupas com mais cor e estilo, e, às vezes, pensava em cometer excessos incríveis nas lojas quando pudesse se vestir com estilo novamente.

Com os manuscritos firmemente debaixo dos braços, Clara se juntou a Althea na caminhada para uma carruagem de aluguel parada na esquina da praça. Seu nariz até coçava pela informação tentadora que Althea acabara de lhe fornecer. Stratton podia ser exibido, irritante e arrogante, mas ele tinha acabado de se tornar interessante também, principalmente para a editora de um jornal.

Vingança? De quê? Parecia que alguns sabiam em Londres, mas não era conversa para o senso comum. Assim que entraram na carruagem e seguiram para a gráfica, Clara expressou seus pensamentos.

— Acho tudo isso estimulante, Althea. Se Stratton está inclinado à vingança, alguém sabe por que e contra quem. Ele não é um homem comum, afinal de contas. É um duque. Quem poderia ter irritado tanto um duque para ele querer vingança? E ser considerado perigoso... Há algo muito curioso em tudo isso.

— Presumo que eu possa fazer algumas perguntas para ver se consigo reunir mais um pouco de informação.

— Também farei isso. Vamos ver o que conseguimos descobrir sobre esse homem. Talvez haja uma história para o Parnassus.

Ela deixou de mencionar que mais informação talvez pudesse capacitá-la também para acabar com a corte inexplicável e rude de Stratton.


poeira o cobriu. Saiu voando das páginas quando ele as virou e alisou sua superfície como as aparas de ferro em um ímã.

Adam folheou, lendo os velhos jornais, mais interessado no que não havia sido notícia do que o que fora. Uma alusão aqui, uma referência improvisada ali, a menção de um nome ? essas eram as evidências que ele procurava, porque já sabia que não haveria uma discussão aberta dos acontecimentos que ele investigava.

Ele fora ao Times por último, após folhear páginas nos escritórios de outras revistas e jornais. Todos eles mantinham exemplares de suas antigas publicações em algum lugar. Podia ser em uma biblioteca arejada ou em um porão úmido, mas, com tempo e paciência, ele havia lido cada palavra publicada sobre o Duque de Stratton em alguns anos até a morte de seu pai.

As notícias da morte eram as mais inúteis, embora alguns jornais menos respeitáveis vagamente implicavam que poderia ter sido suicídio. O Times nunca seguiria nessa direção com um duque, então a notícia dele exaltava as conquistas e o gosto de seu pai. Lendo-o, ninguém nunca adivinharia as provocações extremas que fizeram um homem tirar a própria vida.

Agora ele procurava pistas em relação aos detalhes e fontes dessas provocações. Tudo fora um esquema bem secreto, então as partes que ele descobria estavam todas nas entrelinhas. Nenhum editor falaria abertamente sobre esses boatos. Nenhum homem falaria sobre isso exceto atrás de portas fechadas com a voz baixa.

E, mesmo assim, as palavras tinham sido ditas, e elas voaram pelo ar como pólen, então, enquanto ninguém fazia acusações, tudo que as pessoas sabiam era o que importava para o governo. Ele fechou o volume de cópias encadernadas do Times. Mal havia encontrado prova direta do que queria, mas também não achara nada que o convencesse estar errado em suas crenças sobre como a tragédia fora planejada.

Nas reuniões importantes do governo, questionamentos foram feitos sobre a lealdade de seu pai. Ministros e outros lordes lhe disseram coisas. Alguém coletara provas. Aconteceu por um tempo, crescente, talvez um ano ou mais. Isolado e sem amigos quando os miseráveis o encurralaram, ele tirara a vida para não enfrentar o tipo de desgraça que mancharia o nome da família por gerações. No entanto, o ato final e seus motivos eram as únicas partes que não estavam em questão.

Acho que Marwood está por trás de tudo. Foi isso que seu pai havia escrito no único recado que deixara. Ele tinha prova disso? Se tinha, não deixou nenhuma indicação. Será que foi uma conclusão irracional, criada por sua mente e pela longa inimizade entre as famílias? Adam não sabia. Se seu pai pensava que Marwood estava por trás de tudo, porém, então Marwood estava no topo da lista de homens que Adam investigaria.

Deixou o edifício do Times e foi até sua carruagem. Perdido em pensamentos, quase não viu a mulher do outro lado da rua até algo familiar nela tirá-lo de seu devaneio.

Ela andava com passadas determinadas, como se estivesse em uma importante missão. Ele notara o brilho em seus olhos, os quais implicavam muito sobre ela. Inteligência. Personalidade. Paixão. Problema. Não se importava com a última qualidade. Raramente encontrava as três primeiras em uma mulher sem a quarta. Seu tempo com ela, apesar de ter sido breve, não fora maçante. Apesar de seu cabelo castanho-avermelhado, coberto como um quadro em seu rosto debaixo da aba de seu chapéu, estar esplêndido contra seu traje preto, ele, de repente, pensou em como ela ficaria vestindo verde-claro.

Ele a imaginou assim enquanto atravessava a rua e a abordava. Assim que ela o viu, sua expressão desmoronou.

Ele queria rir da forma como ela se esforçava para manter a compostura adequada para a filha de um conde. Imaginava os pensamentos rudes pulando na mente dela.

— Lady Clara. Que prazer inesperado vê-la hoje.

— Sim. Que prazer. — Ela inclinou a cabeça para a esquerda, olhando o caminho da liberdade. — É um dia de tarefas para mim.

— Para mim também, embora eu já tenha acabado. Que tarefa a traz aqui?

Ela não respondeu de imediato. Parecia que ele tinha feito uma pergunta esquisita.

— Não estou cumprindo uma tarefa aqui. Estou simplesmente andando pela rua depois de fazer uma tarefa em outro lugar. — Ela foi para o lado dele e o analisou com o cenho franzido. — O senhor estava no sótão? Está coberto de poeira. — Ela esticou a mão e deu uma batidinha na manga dele, produzindo uma pequena nuvem de pó.

Ele achou charmoso o gesto dela.

— Meu lacaio vai resmungar quando vir isso.

— Fique parado. — De novo, sua mão varreu o casaco dele. Mais nuvens se ergueram. Ela o limpou como se ele fosse uma criança que tivesse caído na terra. Mas não tão delicadamente. A mão dela batia em seus ombros e peito. — Pronto. Está quase apresentável. Agora, devo seguir meu caminho.

— Não vai ser generosa me permitindo sua companhia? Não a vejo há quase duas semanas. Sei que foi minha culpa. Não entrei em contato. Devido a todas essas tarefas, sabe.

— Faz tanto tempo assim? Não reparei. Na verdade, eu não esperava que entrasse em contato. Não há motivo para fazê-lo.

— Nós dois sabemos que isso não é verdade. Entretanto, aqui estamos agora. Pelo menos permita-me acompanhá-la em segurança de volta à sua carruagem.

— Não será necessário. Ficarei bem segura sozinha.

— Por favor. Eu insisto.

Ela ficou parada em silêncio, parecendo uma menininha flagrada fazendo algo errado.

— Está com sua carruagem aqui? — ele perguntou.

— Não. — A resposta veio depois de uma longa pausa. Ela mordeu o lábio inferior.

— Carro de aluguel de novo? — Ele olhou para cima e para baixo da rua. — Ele mora aqui perto? Seu amigo, quero dizer.

— Não há amigo. Não da forma que insinua.

— Claro que não.

— Estou falando sério.

— Por favor, entenda que não estou chocado. Sou metade francês, afinal. Não me importo. Apenas peço que termine — ele mentiu suavemente. Importava-se, sim. Qualquer homem se importaria, se quisesse a mulher.

— Pede, não é?

— Estou sendo educado. Um pedido por enquanto. Em certo momento, claro, terá que ser um comando.

Os olhos dela arderam em chamas. Inferno, ela era excitante quando estava brava. Que bom, já que ele esperava que ela ficasse brava com frequência.

— Penso que o senhor está me provocando deliberadamente — ela disse.

— Prometo parar se concordar com uma visita rápida ao parque. Vamos ficar a céu aberto para a senhorita não se preocupar se vou me impor. Então a levarei para casa.

— E se eu recusar sua oferta?

— Provavelmente vou segui-la, fazendo perguntas indiscretas sobre seus afazeres misteriosos nesta parte da cidade.

Ela suspirou desesperada e tirou um relógio do bolso de sua retícula.

— Não haverá quase ninguém no Hyde Park a esta hora. Vamos virar ali, se faremos isso. Uma visita bem rápida, por favor. Tenho um compromisso esta tarde.

— Mais afazeres misteriosos? Como a senhorita é intrigante.

Ele ofereceu o braço. Ela não o aceitou. Juntos, andaram até a carruagem dele.

O Duque de Stratton estava se transformando em uma séria inconveniência. Parte da alegria de ser uma mulher mais velha e sem interesse em casamento era que as pessoas costumavam não perceber o que ela fazia. Clara aproveitara essa liberdade mesmo antes da morte de seu pai, e agora mais ainda porque morava sozinha na Casa Gifford.

A curiosidade de Stratton sobre ela complicava isso. Agora ali estava ela, sentada na carruagem dele quando deveria estar visitando o decorador que contratara para fazer algumas mudanças em sua casa na Bedford Square. Já que ninguém sabia sobre a casa, não poderia permitir que o duque a seguisse até lá.

Não se importava com como ele tramava para ela passar um tempo com ele. Ressentia-se que ele tivesse ganhado essa pequena batalha.

— Prefere a cidade? A senhorita passa boa parte do tempo aqui — ele disse assim que se sentaram um à frente do outro e o cocheiro abrira a porta da carruagem para arejar.

Se fosse outra pessoa, ela pensaria que era jogar conversa fora. Daquele homem, ela percebeu que era uma pergunta intrusiva.

— Gosto da fazenda e da cidade. Fico nos dois lugares. No entanto, depois de todos os meses em Hickory Grange após o funeral do meu pai, era hora de ver alguns amigos aqui e participar da sociedade de novo. — Mesmo com a forma como ela disse, ficou preocupada de ter lhe dado informação demais.

— Seus amigos sabichões?

— Sim.

— O que a senhorita faz quando não está conversando com eles?

— Se eu lhe dissesse, não seria mais intrigante e misteriosa.

Foi um erro dizer isso. Ela soube assim que disse. Os olhos escuros dele pairaram nela, divertidos e muito confiantes de que viam mais do que ela queria. Esse olhar a deixou nervosa. Ela achava decidida, quase óbvia, essa procura de sua atenção. Implicavam intimidades que ela não queria ter ou reconhecer. Apressou-se para fazer uma provocação.

— O senhor vai achar meus interesses muito entediantes e femininos. Eu visito boutiques e encho os olhos de tecidos que não posso usar agora. Passeio por armazéns e cobiço sedas e rendas.

— Por que não comprá-los agora e guardá-los até poder usar?

— Porque a espera faz parte da diversão. Há o perigo que se transformará em uma febre, no entanto, quando finalmente tirar esses trajes pretos, serei tão imprudente ao gastar tudo em um novo guarda-roupa que Theo vai precisar me tirar das dívidas.

— Oh, duvido disso.

Então ela soube que aquele homem havia descoberto o tamanho de sua herança. Será que Theo tinha lhe contado? Talvez ele tivesse escutado fofocas, mas seria suficiente.

Passou por sua mente que o único motivo de ele a perseguir com aquela proposta idiota era sua fortuna. Como se o Duque de Stratton precisasse disso! Mas, na verdade, quem sabia se ele precisava ou não? Ela não o investigara da forma como ele obviamente o fez com ela, embora ela pretendesse. Mesmo assim, era um homem atrás de sua fortuna. Que previsível. Senso comum. Decepcionante.

Já que eles estavam no parque, ela fez as próprias perguntas, enquanto encorajava que a caminhada deles deixasse o caminho principal a fim de que ninguém os visse juntos.

— O senhor não se importaria mesmo se a mulher para a qual fez proposta tivesse um amante anterior? O senhor continua insinuando isso.

Ela pensou ser uma questão sofisticada e investigativa e aguardou que ele não visse a refeição que ela acabara de colocar em um prato à sua frente.

— A senhorita tem o quê? Vinte e quatro anos? Só um tolo exigiria inocência de uma mulher com essa maturidade.

— Que visão liberal o senhor tem.

— Gosto de pensar assim. Só estou sendo um pouco estrito com a senhorita porque não posso arriscar que meu herdeiro seja filho de outro homem. Estou certo de que entende.

Ela olhou para ele, esperando ver aquele sorrisinho ou qualquer coisa que indicasse que suas referências contínuas à proposta agora fossem uma piada interna. Arrependida, viu que ele parecia mais sério. Ela resolveu que contrariá-lo só iria engrandecer aquela ideia ridícula, então ignorou.

Já que ele a tinha convencido a passar esse tempo juntos, não poderia se opor a algumas perguntas sinceras sobre sua vida e sua família, principalmente se ele realmente acreditava que eles iriam se casar. Althea ficou responsável por investigar o homem, mas cada pequena informação adicionada ao montante ajudaria.

— Por que o senhor partiu? — ela perguntou enquanto caminhavam por um pequeno bosque de árvores floridas.

— Porque era hora de voltar.

— Não quis dizer por que partiu da França. Por que partiu da Inglaterra?

O humor dele se alterou um pouco, como se a pergunta abrisse uma porta para o humor negro que ela sentia nele.

— Minha mãe não quis permanecer aqui depois da morte de meu pai, então eu a levei embora e me certifiquei de que ela se adaptasse a Paris.

— Ela queria voltar para casa, o senhor quer dizer. É compreensível.

— Ela morou aqui por décadas. Aqui deveria ter sido seu lar, não uma terra estrangeira para onde fugir. Houve aqueles que nunca a receberam bem, no entanto, ou permitiram que ela se ajustasse.

— Se ela é feliz agora na França, é o que importa, não é?

— Não disse que ela estava feliz. Ela não queria voltar para a França. Só não quis permanecer aqui.

Seu tom direto a fez parar de andar.

— Desculpe se entendi errado. Fui negligente com minha resposta. Claro que ela não poderia ficar feliz em deixar sua casa por tantos anos. — Ela engoliu a pergunta que implorava para ser feita. Por que ela não queria permanecer aqui?

Eles ficaram debaixo de uma das árvores, na sombra que os galhos emaranhados criavam.

— A senhorita realmente sabe tão pouco sobre a minha vida? — ele questionou. — Nunca ouviu falarem da minha mãe? Estava fora quando ela partiu. Antes de o meu pai morrer.

Ela não precisava buscar muito na memória para se lembrar de alguma conversa que ouvira. A voz da avó sempre cheia de desdém ao mencionar a duquesa francesa de Stratton. Vovó era uma das pessoas que pensava o pior de tudo e de todos os franceses durante a guerra.

Mas outros tinham bufado quando a Duquesa de Stratton entrava em um salão. Clara sempre achou que invejavam sua beleza e queriam falar mal de alguém. Na verdade, ela não se importava muito com o que as pessoas diziam. A antiga guerra entre sua família e a de Stratton haviam-na deixado insensível a quaisquer considerações feitas à mãe dele.

— Admito que, agora que falou, conheço um pouco do que ela passou — ela admitiu. — Se foi isso que a fez ir embora, não foi justo.

Para a surpresa dela, ele pegou sua mão e a ergueu para dar um beijo.

— Não foi apenas isso. No entanto, é bom a senhorita achar que foi injusto.

Aquele beijo na mão dela, apesar de breve, criou uma ponte de intimidade. Ela sentiu o beijo por seu braço inteiro e descendo por seu corpo. O olhar dele capturou o dela antes de ele beijar sua mão de novo, lentamente.

Ela não tirou a mão. Não desviou o olhar, apesar de definitivamente ter que fazer o contrário. Em vez disso, encarou enquanto aquele beijo e aqueles olhos escuros avivavam todo o seu corpo.

Ele a puxou cada vez mais para perto, até ela ter que dar um passo até ele ou cair. Fez um pouco dos dois, tropeçando de forma estranha, e se viu nos braços dele.

Ele iria beijá-la, ela tinha certeza. Isso não poderia acontecer. No entanto, em vez de se afastar, ela não conseguiu se mexer. O olhar dele a paralisou e incitou uma empolgação imprópria.

Os braços dele a envolveram. Ele olhou para baixo. Atordoada, ela fechou os olhos e aguardou.

E aguardou.

E aguardou.

Quando nada aconteceu, ela abriu os olhos. Instantaneamente, a euforia tomou conta, e ela se sentiu uma tola. Tentou se livrar de seu abraço, mas ele não permitiu.

— Quer que eu a beije?

— Claro que não. O senhor é o último homem que quero que me beije, asseguro-lhe. — Ela se recusou a olhar para ele e continuou tentando se afastar.

— Isso não é verdade. Vamos ser honestos um com o outro. — A cabeça dele mergulhou e seus lábios tomaram os dela.

Ela perdeu o fôlego. Céus, ele era lindo. E excitante. Até aquela escuridão era sedutora. Os arrepios percorreram seu corpo, implorando para ter desculpas para se transformar em algo mais poderoso.

— Parte da diversão é a espera — ele disse baixinho, prendendo-a com seu olhar. — Embora sempre haja o perigo de se transformar em uma febre. — Os lábios dele beijaram os dela, sempre suavemente, mas o suficiente para criar uma faísca.

Foi um gracejo. Uma promessa provocante.

Ele a soltou e recuou. Ela ficou parada, sem fala, e extremamente derrotada, chocada como ele tinha usado suas próprias palavras contra ela a fim de implicar que compartilhavam alguma empatia em questões sensuais.

— Preciso ir. — Ela se virou e andou pelo caminho principal. A cada passo, sua indignação aumentava.

Ele andava ao seu lado, mais do que satisfeito.

— Não posso acreditar que o senhor se impôs sobre mim assim — ela disse em seu melhor tom como ousa.

— Impus bem pouco, principalmente dadas as circunstâncias. De fato, se eu tivesse feito amor com a senhorita contra uma das árvores, não tenho certeza se teria sido uma imposição.

— Se pensa assim, ficou muito tempo na França.

Ela não conseguia chegar logo à carruagem. Recusou-se a olhar para ele no trajeto para a Casa Gifford. Quando chegaram, mal recusou a insistência dele em lhe dar a mão para descer. Ela enrijeceu contra a sensação da mão dele na sua, a proximidade de seu corpo e a forma como todo o seu ser ainda queria reagir inapropriadamente.

Não pôde resistir a uma última censura. Não apenas para lembrá-lo do comportamento adequado, mas para lembrar a ela também.

— Por favor, lembre-se, no futuro, como um cavalheiro trata uma dama, sir.

— Eu sei como tratar uma dama. A senhorita, no entanto, também é minha futura noiva. Isso muda tudo.

Ela se apressou até a porta, cheia de indignação furiosa. Assim que entrou, viu que aquele dia desconfortável só iria piorar.

Theo, Emilia e a viúva haviam chegado da fazenda para se juntar a ela.


— or que está tão mal-humorada? Não sorriu desde que entrou em casa — Clara fez a pergunta à irmã depois de procurá-la em seu quarto naquela noite.

O jantar provou ser um julgamento, com sua avó direcionando afazeres relacionados aos dias seguintes, e Emilia e Theo assentindo como se fossem alunos. A viúva descartou as objeções de Clara sobre as demandas que os planos causariam em seus dias.

Emilia se jogou na cama.

— Vovó quer que eu conheça Stratton. Já que ele está na cidade, nós o seguimos.

— Vocês ainda não foram apresentados?

Ela fez beicinho.

— É vergonhoso ser jogada para ele assim quando parece que ele preferiria me evitar. Já que eu preferiria evitá-lo também, quero que eles parem de persegui-lo. Sei que é um duque, mas o achei assustador quando ele estava naquele terraço. Nem acho justo ser oferecida assim para ele antes até de eu ter minha primeira Temporada.

Clara se sentou ao lado dela e a envolveu com um braço.

— Parece injusto.

Emilia era adorável e, se aguardasse aquela Temporada, haveria dúzias de admiradores esperando ganhar sua mão. Clara tinha lembranças carinhosas de sua primeira Temporada. Ela não procurava um marido, mas amava todo o planejamento e, então, todas as atividades sociais e bailes. Gostara dos poucos beijos roubados que a seguiam também.

— Agora eu estou na cidade e tenho que ficar aqui sentada enquanto todos os meus amigos vão a bailes — Emilia reclamou. — Uma coisa é ficar de luto na fazenda e perder isso. Outra é só ouvir a diversão pelas janelas enquanto fico sentada nesta casa, usando preto.

— Talvez possamos convencer Vovó a permitir que você vá a alguns eventos menores. Uma ou duas festas no jardim. E pode receber amigos aqui. Se é permitido que conheça Stratton, por que não outros jovens?

Os olhos de Emilia se iluminaram com esperança.

— Acha que ela vai concordar? Talvez me permita comprar um ou dois vestidos novos, não que eu queira mais vestidos pretos, mas pelo menos sairei para compras.

— Vou tentar convencê-la a permitir outra coisa além de preto para você. Agora passaram-se seis meses. A mim, parece que outras cores, simples e discretas certamente, podem ser permitidas para uma garota.

Emilia abraçou Clara e a beijou na bochecha.

— Se puder conseguir mesmo essa pequena concessão, ficarei grata.

— Escreva para seus amigos e os avise que está aqui e pode fazer e receber visitas. Quanto a Stratton, não é obrigada a se casar com alguém que não queira. Espero que saiba disso.

A alegria deixou Emilia tão rápido quanto apareceu.

— Nunca fui boa desafiando Vovó. Ela me assusta ainda mais do que o duque.

Claro que assustava. A viúva intimidava adultos. Se não fosse pela resistência de Stratton, Emilia já estaria noiva.

— Talvez Stratton também nunca venha aqui — Emilia disse, melancólica.

Clara duvidava disso. Vovó não seria deixada para depois agora, independente dos estratagemas que o duque tentasse. A não ser que ele se recusasse de forma direta a continuar esse passo de dança. Seria melhor para todos se ele decidisse fazer isso.

 

— Vai me contar aonde estamos indo? — Langford perguntou quando ele e Adam cavalgavam pela Bond Street. — Quando me chamou para me juntar a você, achei que a esta hora já fosse explicar por que e onde.

Adam havia passado por Langford há três quarteirões. Não tinha sido coincidência. Nem foi sua negligência deixar de mencionar o destino.

— Prometi que seria divertido, e vai ser.

— Devo insistir que revele tudo. Não acho que vamos a alguma loja ou que estamos a caminho de uma tarde típica de diversão.

Adam virou na Bond Street.

— Vou confessar por que abordei você, mas, primeiro, precisa prometer não me abandonar.

— O que está tramando, Stratton?

— Vou visitar Marwood.

— Não. Aquele pivete? Para quê? Pensei que tivesse jurado ser inimigo dele, por meio da sucessão.

— Ele acha que deveríamos fazer as pazes e ser amigos. Tem insistido nisso. Continua me convidando para ir à casa dele e me seguiu até a cidade para me encurralar. Ontem, ele me fez uma visita enquanto eu estava fora. Então escrevi e finalmente concordei em retornar o favor.

Langford continuou andando com seu cavalo. Pelo menos, ele não tinha rejeitado imediatamente a visita.

— Presumo que ele tenha medo de você desafiá-lo devido à briga ancestral. Provavelmente está sujando a cueca desde que soube que você voltou.

— Eu nunca duelaria por insultos de mais de cinquenta anos.

Ele recebeu um olhar duro de Langford por isso.

— Então concordou em aceitar seu ramo de oliveira? Nossa, que bondoso da sua parte.

Adam ignorou seu tom desconfiado.

— Bom, soube que ele tem uma irmã adorável.

— Deve estar falando da Lady Emilia. Ela foi uma criança linda, isso é verdade, mas ninguém a vê de perto há quase um ano. Espero que ela não frequente esta Temporada devido à morte do conde. Mas, sim, é de conhecimento de todos que ela ficou mais do que bonita. Com certeza você não pretende fazer as pazes a ponto de cortejá-la, não?

— Achei que você poderia querer.

Langford parou seu cavalo.

— Se isso foi uma piada, não estou rindo.

Adam sorriu.

— Eu estou. Pare de ficar tão preocupado. Alguém poderia pensar que é possível amarrá-lo ao casamento sem você saber.

— Há algumas mães que estão se esforçando ao máximo para isso. — Ele voltou a andar com o cavalo. — Perdoe-me pela falta de humor. Estou me sentindo perseguido. Então vamos visitar um dos inimigos de sua família, com o objetivo principal de cortejar a irmã dele.

— Isso resume bem.

Langford deu de ombros.

— Por que não me disse?

A cavalgada os levou até a porta da casa da cidade de Marwood, na Portman Square. Adam esperou até os criados pegarem seus cavalos e alcançarem a porta antes de falar de novo.

— Ah, esqueci de mencionar. A avó dele estava junto quando ele me visitou ontem. Acredito que a veremos também.

Langford fechou os olhos. Parecia um homem rezando por salvação.

— Tenho evitado assiduamente essa harpia há quase uma década, Stratton. Posso matá-lo por isso.

— Não iria querer que eu a enfrentasse sozinho, iria?

— Eu o teria mandado e coletado seus restos depois de ela acabar com você. Inferno, vamos entrar e rezar para ela já ter sido alimentada com outra pessoa hoje.

 

— Milady — a dama de Clara, Jocelyn, sussurrou o título em um tom nervoso.

— O que foi? — Clara respondeu calma como sempre, embora quisesse expressar um grande desprazer. Havia dito a Jocelyn que queria ser deixada sozinha. De forma clara e direta. Mesmo assim, ali estava a dama, interrompendo-a.

— Um lacaio veio até a porta. Disse que sua avó a quer na biblioteca.

Clara apoiou a cabeça nas mãos. Olhou para baixo, para a superfície da sua escrivaninha. As páginas impressas do jornal, recebidas de Althea no dia anterior, esperavam sua aprovação. Precisavam ser devolvidas com a correção para a gráfica no dia seguinte.

Esperara terminar na tarde do dia anterior. No entanto, desde que sua família veio se hospedar ali, houve uma interrupção atrás da outra. Ela não se importava com as de Emilia. Importava-se quando sua avó exigia sua presença.

Não que Vovó exigisse sua presença para coisas importantes. Ela mal queria conversar e precisava de um público. Pelo menos Clara havia usado aquele tempo de maneira produtiva: obtivera a autorização para Emilia ter um ou dois novos vestidos e poder receber visitas.

Na manhã do dia anterior, infelizmente, elas tinham se engajado em uma discussão quando ela recusou o comando de sua avó para se juntar à viúva e a Theo quando eles fizeram uma visita a Stratton à tarde. Ela não teve dificuldade em listar os motivos do porquê não fazer isso.

Tinha uma reunião com Althea planejada, primeiro. Segundo, ela pensou que pareceriam ridículos se a família inteira visitasse. E, finalmente, não queria encorajar o duque a pensar que ela estava, de alguma forma, de acordo com essa missão de paz, sem mencionar o plano peculiar dele de conquistar harmonia entre as famílias.

Não que ela pudesse explicar alguma dessas coisas para sua avó, então simplesmente a desafiou. Pensou como Vovó a faria pagar por isso.

— Ele mencionou que a condessa estava bem firme quanto ao assunto, milady. Disse que convidados importantes chegaram, e ela pediu para a senhorita descer.

“Convidados importantes” significava qualquer um que Vovó se dignasse a receber.

Ela olhou para seu vestido simples.

— Vou colocar meu vestido preto com cauda e bordado, Jocelyn, se são tão importantes, os malditos.

Jocelyn ruborizou com o xingamento e se apressou para o cômodo das roupas. Clara a seguiu, arrependendo-se do lapso. Ela realmente precisava parar de fazer isso.

Quinze minutos mais tarde, ela entrou na biblioteca e viu que o lacaio não tinha exagerado. Até para os altos padrões de Vovó, seus convidados eram importantes.

Stratton tinha retornado a visita do dia anterior. Mas não estava sozinho. Outro duque, Langford, o acompanhava. Durante os cumprimentos, Emilia a olhou com uma expressão desesperada.

— Os duques estão nos regalando com as descrições do baile de Lady Montclair ontem à noite — sua avó disse assim que todos se sentaram. — Ouso dizer que está sendo mais divertido ouvi-los recontar do que participar do evento.

— Eu gostaria de ter ido para ter certeza disso — Emilia murmurou.

Langford, um homem lindo com olhos azuis brilhantes e cachos escuros que se transformavam em um cabelo um pouco selvagem, dirigiu-se a ela com empatia.

— Não perdeu muito, Lady Emilia. Vai descobrir logo que bailes são todos iguais.

— Minha avó concordou que, embora nosso luto não tenha acabado, Emilia pode participar de alguns eventos menores, como festas de jardim. Seria aceitável, não concorda? — Clara olhou deliberadamente para a avó, já que ainda não tinha falado sobre o assunto com ela.

— Não vejo por que não. Avise-nos em qual ela irá, e Stratton e eu nos certificaremos de ir também e falar com ela lá.

— Como os senhores são gentis. — Se dois duques falassem com Emilia em uma festa, ninguém falaria muito sobre a menina ter ido durante o luto. — Nos certificaremos de avisá-los. Não é, Vovó?

— De fato.

Havia incontáveis respostas sob a superfície de gratidão naquela frase curta. Clara ouviu a desaprovação de sua ousadia e futuras ameaças. Emilia, no entanto, só brilhou com prazer por não ser deixada de fora de tudo.

Sua irmã estava linda naquele dia, como sempre. O sol entrando pelas janelas fazia seu cabelo loiro brilhar com luzes e também favorecia sua pele luminosa.

Langford ficava olhando para ela. Não que Langford fosse bom para Emilia, mais do que o outro duque poderia ser. Langford era conhecido por sua rebeldia que mais do que combinava com aquele cabelo devasso. Charmoso como o pecado, ele com certeza partiria o coração de qualquer mulher com quem se casasse.

Clara tentava não olhar para Stratton, mas ele se sentou bem ao lado do amigo e conseguiu se intrometer em sua visão. Mal olhava para Emilia, algo que Vovó certamente notaria. Clara esperava que Vovó não percebesse para quem ele estava olhando.

Não era como se ele a encarasse. Mas com frequência aquele olhar negro pairava nela, a ponto de deixá-la consciente. Ela entendia o que Emilia queria dizer sobre achar que ele era assustador, só que aquela palavra não interpretava adequadamente a reação que ele provocava. Ela achava que sua atenção a obrigava a lembrar dele perto demais, quase a beijando e dizendo coisas muito íntimas.

— O dia está lindo — sua avó anunciou. — Clara, por que não leva sua irmã e os cavalheiros para o jardim, a fim de aproveitar a brisa e o sol? Seu irmão e eu nos juntaremos aos senhores logo.

Então, ela liderou o caminho para fora das janelas francesas até o terraço.

Adam planejou que, quando saíssem no terraço, ele ficasse ao lado de Lady Clara, e Langford acompanhasse Lady Emilia.

Langford poderia encantar qualquer mulher de qualquer idade sem se esforçar. Era simplesmente de sua natureza. Alguns reis nasciam para governar; Langford nascera para seduzir.

Ele se conteve até onde pôde porque Lady Emilia era jovem, mas aqueles olhos azuis ainda eram penetrantes e aquele sorriso ainda bajulava. Lady Emilia se transformara em uma bagunça afobada de risadinhas e vermelhidão quando eles chegaram ao jardim.

Lady Clara não deixou de notar.

— Perspicaz da sua parte trazê-lo — ela disse para Adam. — Do contrário, minha avó poderia ter interpretado sua visita como cortejo, e um indicativo de seu acordo com a ideia dela sobre o casamento.

— Ela teria acertado, claro, mas apenas errado a dama. Não vamos explicar isso ainda, no entanto. Será nosso segredo por um tempo.

— Queria que parasse de falar assim, quando sabe que será um segredo eterno porque nunca aceitarei. Não há motivo para eu fazê-lo.

— Há um bom motivo. Muitos motivos. Será nosso segredo enquanto eu lhe mostro quais são.

Bem à frente, Langford deve ter contado alguma piada porque a risada de Emilia flutuou pelo ar.

— Espero que ele não crie nenhuma esperança com ela — Clara disse, estreitando os olhos. — Nunca vai ser adequado.

— Ele nunca mostrou interesse em jovens, então eu não me preocuparia.

— Os senhores são bons amigos?

— Somos amigos desde a escola. — Ele riu baixinho. — Esqueço como sabe pouquíssimo sobre mim, às vezes.

— Sua família não existia do ponto de vista da minha família, então nunca o notei ou com quem o senhor andava.

— Nunca me notou? Que ofensa. Nunca? Nem uma vez? — Ele a olhou diretamente, irônico.

Ela sentiu o rosto ruborizar, porque é claro que o tinha notado antes de ele partir para a França, durante as primeiras temporadas. Quem não notaria? Seu rosto lindo e espírito latente o destacavam. Uma vez, em um baile, ela sentiu uma calma estranha no salão, uma rigidez. Tinha sido ele, agindo como o centro de um vórtice, e a reunião ao redor era o redemoinho.

Ele a tinha visto observando-o, ela se lembrou de repente agora. Ele vira que ela o observava. Ele achava, ela suspeitou, que ela não o via totalmente como um inimigo naquele momento inesperado.

Agora ele mergulhou a cabeça para mais perto da dela.

— Não acho que não existíamos para sua família. Acho que falavam bastante de nós. Não com ou perto da senhorita, mas seu pai e sua mãe. Estou correto?

A voz dele, sua respiração, e a proximidade a deixaram nervosa. Ela verificou se sua irmã não tinha ido longe para fazer sala.

— Às vezes.

— Na época de Waterloo? — Sua voz suavizou. — Ou nos meses seguintes?

Sua mente voltou àquele tempo, anos atrás, como se fosse mandada para lá por um feitiço dele. As conversas se acumularam em sua memória todas de uma vez, como muitas vozes conversando em uníssono. Ela escutou o pai, tão claramente que lhe doeu, mas suas palavras foram obscurecidas por outras vozes falando por cima e à volta dele. Então o viu, claramente, batendo a mão na escrivaninha da biblioteca.

— Não — ela mentiu. — Não naquela época. Não que me lembre, pelo menos.

Ela não sabia por que se recusava a contar. Talvez por causa da maneira como ele a observava. Como se sua reação importasse para ele. Importava demais. Lá na frente, Langford parou de andar com Emilia. Ele os aguardou alcançá-los. Emilia parecia inebriada de alegria. Ficava olhando Langford como se ele a maravilhasse.

— Ah, não — Clara murmurou.

— Não se preocupe. Trarei homens mais apropriados para ela — Stratton disse. — Seguros, que não são perigosos de nenhuma forma. Ela vai rapidamente esquecer uma tarde de paixão.

 

— Agora, essa foi uma visita esquisita — Langford ofereceu a opinião quando ele e Adam viraram seus cavalos na Bond Street.

— Por quê?

— Por quê? Muito inocente. Você sabe por quê. Se eu não o conhecesse, diria que me trouxe para poder me jogar para aquela garota, apesar de suas garantias. Bom, não vou ceder. E se a viúva é tola o bastante para arriscar a virtude da neta comigo, ela terá que colocar a menina na fila atrás de outras cujas mães também são muito negligentes.

— A intenção não foi jogar você para a menina, mas evitar que eu fosse jogado para ela. Eu nunca a tinha conhecido e não queria que sua família pensasse que uma visita meramente social significasse mais do que isso.

— Estou muito feliz por ter me achado conveniente para seu objetivo. Da próxima vez, por favor, dê a honra a Brentworth.

— Ele teria assustado a garota ao ponto de ela não conseguir falar uma palavra. E também não teria sido tão descuidado a ponto de me permitir arriscar que seu nome fosse conectado ao dela.

— Está dizendo que me escolheu porque sou um perfeito idiota? Também não quero meu nome ligado ao dela. Se for, se Marwood começar os boatos, juro que vou...

— Eis o que deveria fazer. Visite-os de novo daqui a muitos dias...

— Pareço maluco para você? Estamos falando da Condessa de Marwood. Ela, que acaba com as mulheres por diversão e humilha homens como se fosse um jogo. Posso sobreviver a esta temporada se eu batalhar apenas com as mães armadas contra mim. Certamente vou perder se também precisar me proteger dessa mulher.

— Tinha me esquecido de como você é dramático. Escute-me. Visite de novo daqui a muitos dias, mas faça como eu. Traga outro com você. Seu irmão, por exemplo.

— Harry? Ele vai entediar a menina.

— Ela é muito jovem. O calmo e estudioso Harry não vai oprimi-la, e ela terá um amigo na cidade. Com o tempo, quem sabe o que pode acontecer? Ele terá o caminho livre, afinal.

Langford refletiu.

— Pode funcionar. Você fez aula de juntar casais na França?

— Tive aula de todo tipo de coisa. Agora, preciso parar aqui para uma coisa. — Ele desmontou do cavalo. — Você está livre para seguir seu caminho.

Langford olhou para baixo, para a loja onde Adam amarrou o cavalo.

— Vai comprar joias?

— Uma pequena bugiganga.

Langford desmontou.

— Para quem?

— Para minha senhora. Vou vê-la mais algumas vezes antes de dar o presente, mas é hora de escolher alguma coisa.

Ele entrou na loja, com Langford atrás.

— Agora fiquei confuso, Stratton. Acabou de falar para eu jogar meu irmão para ela, e tudo que fez foi ignorá-la... — Ele parou de andar. — Ah, caramba. A menina não tem nada a ver, mas a mais velha, certo? Diga que estou enganado, porque seria a pior união já planejada.

Adam pediu ao funcionário para trazer brincos de pérola. Langford apoiou os cotovelos ao lado dele no balcão.

— Se estou correto, pérolas são a escolha errada. Pérolas são modestas, discretas e convencionais. Aquela bruxa implora por algo brilhante e inesperado. Algo que declare que ela não vai se curvar para nenhum homem. Algo que...

— Estou começando a achar que você não gosta dela.

— Nenhum homem gosta muito, Stratton. A forma como ela empina o nariz para todo pretendente dificilmente encoraja generosidade. — Ele gesticulou para o funcionário levar a bandeja de pérolas embora. — Traga rubis, meu bom homem. Quanto maior e mais exagerado, melhor.


— Decidi que preciso me mudar para cá — Clara compartilhou o pensamento com Althea depois que elas terminaram de verificar o jornal. Faltava apenas Althea empacotá-lo para enviar à gráfica e agendar a impressão.

— Seus parentes a estão irritando?

— Minha avó acha que pode ditar meus movimentos e exigir que me junte a ela em qualquer visita que escolha fazer. Minha liberdade de ir e vir acabou. Preciso sair escondido como fiz hoje para encontrá-la aqui. Já estou esperando que ela abra minha correspondência.

Ela olhou em volta na biblioteca de sua casa em Bedford Square onde conversavam. A casa não chegava nem perto do tamanho da Gifford, claro, mas seria apropriado para ela. Se morasse ali, poderia terminar mais rápido seus outros planos para aquela casa.

Faltavam lugares para mulheres se encontrarem e relaxarem, com exceção da casa delas. Homens tinham seus clubes, tavernas e cafeterias para esse propósito. Por que as mulheres não poderiam ter refúgios também? Aquela casa, com sua sala de jantar, biblioteca e sala de estar, poderia servir como uma, para um grupo seleto de amigas. Ela nem precisaria fazer mudanças. Seria muito agradável se uma mulher pudesse sair de casa e se aventurar, sabendo que, em seu destino, haveria amigas e conhecidas com quem poderia passar uma hora ou mais, tomando café e comendo bolos, ou até um pouco de xerez ou vinho. Clara pensou que adoraria ter um clube de mulheres assim, então outras provavelmente pensavam da mesma forma.

— Quando planeja efetivar essa mudança? É um grande passo — Althea disse.

— Amanhã. Já informei minha criada para começar a arrumar meus baús.

— Informou seu irmão e sua irmã e, antes que nos esqueçamos, sua avó?

— Ainda não.

— Pretende sair escondida à noite e deixar uma carta?

— Claro que não. — Tinha passado por sua mente. — Não vamos sofrer por antecedência, e vamos falar de outras coisas. Descobriu alguma coisa sobre Stratton?

Althea sorriu presunçosa.

— Talvez.

— Vai me contar ou ficar zombando de mim?

— Pensei que um pouco da segunda opção seria justo. São notícias provocativas e, considerando a culpa que senti ao saber delas, preciso fazer você pagar.

— Se são provocativas, sou toda ouvidos.

— Descobri que há um boato bem vago de que o falecido duque não pereceu em um acidente de caça, como achavam. Ao invés disso, mirou a pistola em si mesmo.

Clara encarou Althea.

— Quem lhe contou isso? É uma coisa chocante de se dizer se não for verdade.

— Tirei essa informação da minha tia-avó.

— A tia-avó que precisa de cuidador?

— Disse a mim mesma que não me aproveitei, mas acho que fiz isso, sim. Ela estava visitando meu irmão, e ficamos sozinhas. Eu tinha acabado de perguntar ao meu irmão o que ele sabia sobre Stratton, quando ele foi chamado por sua secretária. Minha tia começou a falar o que ela sabia sobre Stratton, como se eu tivesse lhe feito a pergunta. — Ela mordeu o lábio inferior. — Acho que deveria tê-la impedido.

— Talvez ela o tenha confundido com outra pessoa. Alguém de muitos anos atrás.

— Acho que não, considerando o que ela disse.

Clara se inclinou, para que não perdesse uma palavra.

— Ela disse “Claro, a lealdade dele fora impugnada. O que mais ele poderia fazer?”.

— Não.

Althea assentiu.

— Então, meu irmão retornou, e um olhar desafiador a silenciou.

— Não me lembro de nenhum boato sobre a lealdade dele. Claro que ninguém ousaria compartilhar tal coisa abertamente se não houve nenhuma acusação oficial.

— Ela também poderia estar enganada. Ou, como disse, confundiu-o com outra pessoa.

Não foi a primeira vez que as conversas sobre a família Stratton fizeram Clara se lembrar de coisas, profundidades sobre situações às quais ela nunca deu importância. Agora, enquanto refletia sobre essa revelação, lembrou-se de flashes daquela época. Viu o pai em seu escritório, debruçado sobre o Times em sua mesa, estreitando os olhos para uma notícia com bordas em preto. Ela havia olhado apenas para ver o que o absorvia por causa de sua expressão. Não era de tristeza ou curiosidade. Mas uma armadura havia mascarado sua expressão, o que ela achou estranho, considerando que ele lia a notícia da morte de outro nobre.

— Ela também disse que aconteceu na propriedade da família — Althea revelou. — Falou como se ele tivesse sido grosseiro por se matar assim.

— Que horrível. — Clara sentia empatia pelo duque agora. Foi ruim o suficiente ter passado pela experiência de seu próprio pai morrer. Devia ser muito pior passar por isso sob essas circunstâncias. — Não me admira que ele tenha ido embora da Inglaterra logo depois. O duque atual, quero dizer. Se sua tia acreditava nisso, outros também o faziam, tenho certeza. Os falatórios teriam sido insuportáveis durante tal luto.

— Acho que é provável que ele tenha partido por causa daquele negócio sobre lealdade impugnada, não acha? Esse tipo de coisa mancha o nome da família, às vezes para sempre.

— Mesmo que eles sejam inimigos da minha família, preferiria não acreditar nessa parte. No entanto, pode explicar aqueles duelos na França. Ainda assim, não vamos presumir que sua tia esteja certa até termos informações parecidas de outros.

Althea se levantou e pegou sua prova embalada.

— Devo ir agora se quiser entregar isto para a gráfica esta tarde. Precisamos planejar como vamos distribuir o jornal para as livrarias. Devo escrever para nossas senhoras e marcar uma reunião?

— Se puder. Segunda será uma boa hora. Tenho alguns assuntos de família para tratar antes disso. — Clara levou Althea até a porta. — Quanto ao que me disse hoje, devemos guardar para nós mesmas.

— Não quer mais descobrir tudo e publicar um artigo?

— Se descobrirmos tudo, publicaremos. Até lá, entretanto, isso deve ficar apenas entre nós duas. Não quero prejudicar alguém sem querer ao mexer em histórias antigas.

Althea deu um beijinho em sua bochecha.

— Você tem um bom coração, Clara. Está sendo bem solidária. Talvez essa guerra antiga não tenha mais a importância que teve um dia.

Que coisa tola de se dizer. Claro que tinha. E ela não estava sendo solidária. Estava sendo responsável. Não deixaria os boatos e fofocas mancharem o nome de uma pessoa sem provas. Seu jornal era melhor que isso.

 

Dois dias depois, Adam e Brentworth passaram a tarde treinando boxe. Terminado o treino, tomaram banho e se vestiram.


CONTINUA

Condessa viúva de Marwood conseguia ser uma inimiga formidável quando queria. Sua mera presença desafiava alguém a tratá-la com gentileza para que ela pudesse ter uma desculpa para causar destruição, apenas por diversão.
Adam Penrose, Duque de Stratton, soube imediatamente o que encontraria nela.
Ele tinha sido chamado pelo seu neto, o conde da propriedade rural, que se encontrava ao seu comando. Vamos tentar enterrar o passado, ela havia escrito, e permitir que o que passou fique no passado entre nossas famílias.
Ele fora, curioso para ver como ela esperava conquistar isso, considerando que alguns desses acontecimentos não tinham terminado. Um olhar para ela, e ele sabia que qualquer plano que ela tivesse maquinado não o beneficiaria.
A senhora o deixou esperando por meia hora, antes de aparecer no aposento. Enfim, ela entrou na sala de estar, inclinada para a frente, cabeça erguida, seu peito amplo guiando o caminho, como alguém na proa do navio.
O luto pelo filho, o conde mais velho, a obrigava a usar roupas pretas, mas seu traje em crepe deve ter custado uma fortuna. Cachos grisalhos abundantes decoravam sua cabeça, sugerindo que ela também estava de luto pela moda ultrapassada das perucas. Olhos superficiais, grandes e de um azul pálido examinavam a pessoa que a chamou com um olhar crítico enquanto um sorriso artificial aprofundava as rugas de seu rosto comprido.

 

https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/O_DUQUE_MAIS_PERIGOSO_DE_LONDRES.jpg

 

— Então, o senhor retornou — ela anunciou o óbvio quando eles se sentaram em duas cadeiras robustas, após a reverência curta dele e a reverência ainda mais curta dela.

— Estava na hora.

— Alguém poderia dizer que estava na hora há três anos, ou dois, ou ainda muitos anos antes.

— Alguém poderia, mas eu não.

Ela riu. Seu rosto inteiro franziu, não apenas seus lábios.

— O senhor ficou na França por bastante tempo. Até parece francês agora.

— Pelo menos metade, eu presumo, considerando meu parentesco.

— E como está sua querida mãe?

— Feliz em Paris. Ela fez muitas amigas lá.

As sobrancelhas da viúva se ergueram apenas o suficiente para expressar a diversão irônica.

— Sim, acredito que tenha feito. É um milagre ela não o ter casado com uma amiga dela.

— Acho que uma união britânica me serviria melhor. Não acha?

— De fato. Vai ajudá-lo enormemente.

Ele não queria falar sobre a mãe ou os motivos pelos quais uma união sólida o ajudaria.

— A senhora escreveu sobre o passado. Talvez possa me esclarecer quanto a isso.

Ela abriu as mãos, com a palma para cima, em um gesto de confusão.

— A animosidade entre nossas famílias é tão antiga que as pessoas ficam imaginando por que começou. É tão desnecessária. Muito lamentável. Nós somos vizinhos, afinal de contas. Certamente podemos passar por cima disso, se quisermos.

Incapaz de ficar sentado ouvindo suas referências alegres àquela história, ele se levantou e foi até as janelas altas. Tinham vista para um jardim espetacular e para as colinas além dele, não muito longe. A casa e seu terreno ocupavam um vale baixo.

— Como sugere que façamos isso? — ele fez a pergunta enquanto encurralava a amargura em sua mente.

A viúva sabia muito bem por que a recente animosidade havia começado e provavelmente sabia sobre a história antiga também. No entanto, reconhecer um dos dois tornaria sua oferta de paz peculiar. Nós roubamos sua propriedade, atacamos sua mãe e ajudamos a levar seu pai à morte, mas o senhor deveria passar por cima disso agora.

Ele se virou e a viu observando-o. Ela parecia confusa, como se ele tivesse feito algo inesperado e ela não conseguisse determinar se ele havia chegado a uma solução sem que ela soubesse.

Ele ergueu as sobrancelhas para encorajá-la a falar.

— Proponho que resolvamos isso da forma antiga. Da maneira que dinastias políticas fizeram ao longo do tempo — ela disse. — Acredito que nossas famílias devam se unir por meio do casamento.

Ele mal evitou revelar sua perplexidade. Não esperara isso, de todas as propostas. Ela não sugeriu apenas uma trégua, mas uma aliança unida pelos laços mais fortes. O tipo de aliança que poderia impedir que ele buscasse a verdade sobre o papel daquela família na morte de seu pai, ou que procurasse vingança se descobrisse que suas suspeitas sobre o último conde estavam corretas.

— Já que eu não tenho uma irmã para seu neto, presumo que a senhora tenha me escolhido.

— Meu neto tem uma irmã que vai combinar perfeitamente com o senhor. Emilia é tudo que qualquer homem poderia pedir e será uma perfeita duquesa para o senhor.

— A senhora fala com muita confiança, mas não faz ideia do que este homem pediria.

— Será que não? Como se eu tivesse vivido tanto e não aprendido nada? Bela, graciosa, reservada e elegante. Essas qualidades são prioridade na sua lista, como na de todos os homens.

A tentação em adicionar outras exigências, umas que iriam chocá-la, quase dominou seu autocontrole. Ele só ganhou a batalha porque havia aprendido a nunca informar o inimigo de seus pensamentos.

— Posso encontrar isso em muitas outras jovens. Devemos ser sinceros um com o outro? O que teria de particular nessa união que seria de minha vantagem?

— Pergunta ousada, mas justa. Nós seremos aliados em vez de inimigos. Vai beneficiar o senhor assim como a nós.

— Bom, Condessa, nós dois sabemos que isso não é verdade. Fui convidado para negociar a paz quando meu pai nunca foi, no passado. Seria tolo se não imaginasse por que a senhora pensa que eu concordaria. Considerando os boatos em relação às minhas atividades na França, suponho como a senhora pode achar que isso protegerá seu neto, mas não como me ajudará.

Seus olhos se estreitaram. As rugas de sua pele congelaram como esculturas de pedra. Ela não demonstrou medo. Adam admirava sua postura forte, mas, na verdade, ela não achava que estava em perigo.

Ela se levantou.

— Vamos até o terraço. Vou lhe mostrar minha neta. Assim que a vir, vai entender como será beneficiado.

Ele a seguiu para o ar fresco de abril. O jardim se espalhava abaixo deles como uma tapeçaria marrom e vermelha, decorada por novas folhinhas e flores amarelas, rosadas e roxas. Bulbos, ele pensou. Elas ainda não haviam começado a florescer quando ele foi embora de Paris.

Uma garota estava sentada no meio da plantação revivendo, em um banco de pedra a nove metros. Ela tinha um livro aberto, segurado para cima a fim de não precisar olhar para baixo. A viúva devia ter lhe concedido uma pausa do luto porque a garota usava um vestido azul-claro. Ela era bonita e talvez tivesse dezesseis anos de idade. Seu cabelo loiro brilhava no sol, e sua pele clara e seu rosto adorável atrairiam qualquer homem. Adicione uma elegância e ela serviria muito bem.

A viúva estava ao lado dele, e sua expressão era de extrema confiança. Ele não confiava nela, mas admirava sua habilidade naquele jogo. Ele admitia para si mesmo que sua oferta realmente tinha suas vantagens, e não porque a garota era linda. O nome de seu pai e a honra de sua família haviam sido manchados nos melhores círculos e, se ele quisesse alterar esse cenário, aquele casamento definitivamente ajudaria. Significaria esquecer os motivos pelos quais ele dera as costas à Inglaterra assim como seu único bom motivo para finalmente retornar. Era por isso, ele presumia, que a viúva o tinha convidado.

— Emilia é a menina mais doce que já conheci. Tem bom humor também e uma boa inteligência, não precisa se preocupar de ela ser lenta — a condessa disse.

A doce Emilia fingia não vê-los, assim como fingia ler, em uma posição na qual ele conseguia ver seu rosto e seu corpo.

Não havia nada a esquentando, e nenhum chapéu protegia aquela pele clara. Ele imaginou por quanto tempo ela estaria sentada ali, esperando seu futuro pretendido inspecioná-la.

Ele não sabia por que ela não era sedutora. Talvez porque, apesar de ser adorável e graciosa, fosse jovem demais e, como parecia ser submissa às instruções da avó, provavelmente faltava clima.

As portas se abriram e o conde saiu apressado. Alto e loiro, ele ainda não tinha passado da fase magra desengonçada da adolescência. Olhou de forma zangada sua avó ao passar por ela. Ela enrugou o rosto em resposta. A chegada dele aparentemente não fazia parte dos planos da viúva.

Ele avançou em Adam como um homem que cumprimentava um amigo, mas sua recepção apressada e calorosa e o brilho de suor na testa diziam outra coisa. Theobald, Conde de Marwood, estava com medo de seu convidado. Muitos homens mostraram a mesma reação desde que Adam voltou à Inglaterra há duas semanas. Ele tinha uma reputação e, aparentemente, a sociedade esperava que ele desafiasse todos que pensassem em provocá-lo.

Adam não havia feito nada para corrigir essas suposições. Primeiro, talvez ele desafiasse muito bem um ou dois, dependendo do que descobrisse sobre os eventos de cinco anos atrás. Segundo, havia homens, como o próprio Marwood, que ficavam mais flexíveis quando motivados pelo medo.

— Vejo que Vovó já abordou a ideia dessa união — Marwood disse cordialmente. Ele olhou para sua irmã Emilia, ainda parada no jardim. Eles eram muito parecidos: pálidos, claros, bonitos e jovens.

O conde não poderia ter mais do que vinte e um anos. Adam pensou se Marwood sabia sobre o boato que havia assombrado o pai de Adam até seu túmulo. O medo de Marwood sugeria que talvez soubesse, e que as suspeitas antigas sobre esses velhos inimigos pudessem ser verdade.

— O senhor concorda com a ideia? — Marwood perguntou.

A avó dele chegou mais perto.

— Perdoe meu neto. Ele ainda é muito jovem para não ponderar que a impaciência impetuosa é uma virtude forte.

Marwood olhou para o céu como se rezasse e pedisse por essa paciência.

— Ele já sabe se a ideia é atraente ou não.

— A ideia é atraente, de uma forma geral — Adam disse. Ele não mentiu. Ainda pesava as implicações do plano da viúva. Essa oferta de simplesmente virar a página do passado o tentava mais do que esperava.

O jovem conde lançou um olhar cheio de otimismo para a avó. A viúva demonstrou mais circunspecção. Adam concentrou seu olhar na garota. A viúva recuou. O conde se aproximou andando de lado. Ansioso para finalizar as negociações, o conde exaltou os atrativos da irmã, de homem para homem. Do canto de olho, Adam viu a viúva balançar a cabeça para a falta de finesse do neto.

Uma movimentação na colina além do jardim chamou a atenção de Adam. Uma faixa preta riscou o cume, voou por cima de uma árvore grande caída, depois parou de repente. Uma mulher inteira de preto, em um cavalo preto, olhava para baixo para a casa.

— Quem é aquela? — ele perguntou.

Marwood semicerrou os olhos e fingiu não reconhecer. Olhou de canto de olho para Adam e pensou melhor.

— Aquela é minha meia-irmã, Clara. Filha da primeira esposa de meu pai.

O ponto preto chamado Clara conseguia demonstrar uma boa dose de arrogância mesmo ao longe. Ela andava com seu cavalo para a frente e para trás no pico da colina, observando o quadro abaixo como se o resto deles estivesse em um espetáculo para sua diversão.

Ele se lembrou de Lady Clara Cheswick, embora nunca tivessem sido apresentados. Mas ela apareceu na sociedade antes de ele deixar a Inglaterra. Com olhos brilhantes e cheios de vida. Essas eram suas impressões absortas no momento.

— Ela não permite que o luto interfira em seu prazer de andar a cavalo — Adam disse.

— Provavelmente diria que honra nosso pai assim. Eles gostavam de andar a cavalo juntos.

— Como ela é mais velha, por que não estão me oferecendo sua mão?

Marwood olhou desconfiado para a viúva, depois deu um sorrisinho.

— Porque o objetivo é impedir que o senhor me mate, não é? — ele falou em voz baixa com uma franqueza inesperada. — Não quero lhe dar outro motivo.

Adam escolheu não tranquilizar Marwood sobre a parte de matá-lo. Deixou aquele projeto de conde se preocupando.

— Agora está me intrigando, não me desencorajando.

Marwood inclinou a cabeça para mais perto e falou em confidência.

— Estou lhe fazendo um grande favor agora, falando sinceramente. Meu pai a mimava, satisfazia todos os seus desejos e lhe permitiu criar ideias descabidas para mulheres. Ele nunca exigiu que se casasse, e agora ela pensa que isso está abaixo dela. Ele deixou uma boa parte da propriedade em seu nome, um bonito trato com ricos fazendeiros. — Sua voz ficou um pouco amarga na última frase. — Ela é minha irmã, mas eu não seria seu amigo se a elogiasse quando, na realidade, é uma boa de uma megera.

Clara era a filha preferida do velho conde, aparentemente. Adam pensou se o pai recém-falecido tinha a habilidade de se virar em sua cova. Com uma ou duas cutucadas, talvez.

— Quantos anos ela tem?

— Passou muito da idade de se casar. Vinte e quatro.

Idade suficiente para se lembrar. Ela talvez soubesse uma boa parte, se seu pai a mantivesse perto.

— Chame-a aqui. Gostaria de conhecê-la.

— Sinceramente, o senhor não quer...

— Chame-a. E diga à sua outra irmã para baixar o livro. Os braços devem estar parecendo chumbo agora.

Marwood apressou-se até a avó a fim de compartilhar o pedido. A viúva foi correndo até Adam enquanto tentava parecer calma.

— Temo que tenha entendido errado. Para essa união ter uma conclusão satisfatória, a noiva deve ser Emilia. O caráter de Clara é além do alcance, mas ela não é apropriada para nenhum homem que deseje harmonia doméstica.

— Só pedi para conhecer Lady Clara. E ainda não concordei com nenhum casamento.

— Antes de morrer, meu filho conversou especificamente comigo sobre essa união. Estou apenas executando suas intenções. Ele disse que deveria ser Emilia...

— Ele quer conhecê-la, Vovó. — Desesperado, Marwood ergueu o braço e acenou para sua irmã Clara se aproximar.

O cavalo parou de andar. A mulher tinha visto e entendido a instrução. Estava naquela colina, seu cavalo de perfil, a cabeça dela virada para eles, olhando para baixo. Então puxou forte as rédeas. Seu cavalo empinou tão alto que Adam temeu que ela escorregasse da sela. Em vez disso, ela se segurou perfeitamente enquanto girava seu cavalo. Virou-se de costas para eles e galopou para o lado contrário. A moça acabara de lhe dar um tapa na cara a quinhentos metros.

A expressão da viúva mostrava um triunfo presunçoso debaixo da camada de desânimo.

— Que pena ela não ter visto o sinal do meu neto.

— Ela viu muito bem.

— É um pouco teimosa, vou admitir. Avisei ao senhor — Marwood disse.

— Não mencionou que ela é grosseira, desobediente e rapidamente insulta outros quando quer.

— Tenho certeza de que ela não quis insultá-lo. — Ele lançou um olhar desesperado para a avó.

— Tem certeza? Então, por favor, peça aos criados para trazerem meu cavalo ao portal do jardim imediatamente. Vou lá e me apresento para Lady Clara, assim não fico com rancor de sua grosseria não intencional e não permito que isso interfira na nova amizade de nossas famílias. — Adam fez uma reverência para a viúva. — Por favor, dê minhas lembranças para Lady Emilia. Estou certo de que ela e eu nos conheceremos logo.


lara galopou até uns bons três quilômetros da casa. O que Theo estava pensando, chamando-a e acenando para ela ir até lá? Ela nem estava vestida para receber o convidado dele. Pela postura rígida de Vovó, suspeitava que apenas Theo pensara ser uma boa ideia.

Incentivou seu cavalo e o levou a um bosque. Tirando Theo de sua mente, desmontou de sua sela em um toco de árvore, desceu e pegou uma folha de papel da bolsa. Encontrou um bom lugar debaixo de uma árvore, sentou-se e voltou sua atenção às páginas. Sua amiga Althea havia enviado no dia anterior, e ela precisava ler e enviar de volta com seus pensamentos incluídos.

Fez uma imersão no texto, fazendo alguns comentários com um lápis que guardara em seu corpete. Absorta pela leitura, não olhou para cima por, no mínimo, meia hora. Quando o fez, viu que não estava mais sozinha. Um homem a observava a uns trinta metros. Seu cavalo branco contrastava com sua capa preta e o cabelo escuro. Esse último chegava à sua gola e não demonstrava nenhum sinal de ter sido cortado por um cabeleireiro consciente da moda atual de Londres.

Ela o reconheceu do terraço. Um pensamento a incomodou de que talvez já o tivesse visto. O visitante de Theo a seguira. Ela pensou que isso era muito ousado. A forma como ele estava ali sentado e observando-a apenas confirmava que ele não tinha boas maneiras.

Pensou em voltar a ler, depois decidiu que poderia não ser sábio. Uma coisa era fingir que não tinha visto o aceno de seu irmão para se aproximar, e outra era fingir que não via um homem bem à sua frente.

Ele levou seu cavalo para mais perto. Ela conseguia vê-lo melhor agora. A desaprovação endurecia a boca dele, o que enfatizava seus lábios carnudos sensuais. Olhos escuros a mediam quase que por completo. Sua capa preta não estava na moda para Londres, mas ela conhecia muito bem a moda francesa para reconhecê-la como mais apropriada para Paris. Ele usava uma gravata escura amarrada casualmente.

Achou-o muito bonito de forma chocante e poética. Por ter conhecido alguns homens com humor negro no passado, ela não tinha nenhum interesse em conhecer outro, independente do quanto ele fosse bonito.

Ele parou seu cavalo a três metros. Não desmontou, mas ficou acima dela. Ela pensou em se levantar, a fim de encurtar a distância, mas decidiu não o fazer. Se ele queria assustá-la, teria que fazer melhor que isso.

— Bom dia, senhor. — Ela permitiu que sua voz transmitisse o quanto achava inapropriada sua intrusão.

Ele desceu do cavalo.

— Por favor, perdoe-me a falta de apresentação formal, mas duvido que irá se importar, já que é uma mulher que não se incomoda muito com tais coisas.

— Tenho certeza de que não entendo o que quer dizer.

Os cantos daquela boca se ergueram o suficiente para indicar que ele sabia que ela estava mentindo. De fato, aquele meio sorriso implicava que ele sabia tudo sobre ela.

— A senhorita me ignorou lá, Lady Clara. É isso que quero dizer.

— É impossível ignorar alguém que não conhece.

— Parece que a senhorita pensa que é a mesma coisa.

Arrogante seria muito gentil para descrevê-lo.

— O senhor mencionou uma apresentação — ela disse através de um sorriso rígido.

Ele fez uma curta reverência.

— Sou Stratton.

Stratton? O Duque de Stratton? Aqui? Será que Theo havia enlouquecido?

Por isso ele era vagamente familiar. Ela o tinha visto há anos, em bailes, antes do pai dele morrer e ele ir embora da Inglaterra. A última vez que foi a Londres, dez dias antes, ela tinha ouvido um ou outro falar que ele havia retornado, mas ia além da sua compreensão o fato de Theo tê-lo permitido entrar na propriedade.

Ele andou de lado e adotou uma postura casual bem ao lado dela, com um de seus ombros apoiados no tronco da árvore. Ele cruzou os braços como um homem que esperava uma conversa longa.

Ela se levantou, juntando os papéis perto de seu peito para que não voassem pela colina.

— Eu não sabia quem o senhor era. Mesmo que eu tivesse que adivinhar a identidade do homem com meu irmão, seu nome nunca teria passado por minha cabeça.

— Com certeza, não. Nossas famílias são inimigas há décadas.

— Theo está deixando o título subir à cabeça dele se o recebeu. Minha avó deve estar apoplética.

— Foi sua avó que me convidou para vir aqui.

— Não é possível.

— A carta era dela, escrita à mão. Foi bem inesperado — ele disse em um tom sarcástico.

Ela estreitou os olhos para ele.

— E mesmo assim aceitou o convite.

— Sua avó é um dos baluartes da sociedade há mais tempo do que estou vivo. As padroeiras do Almack tremem na presença dela. Eu nunca insultaria alguém com tal influência.

Agora ele zombava dela. Ela duvidava que ele se importasse o mínimo com a influência social de sua avó. Não parecia ser um homem que deixaria de lado o orgulho de sua família e obedeceria a sua avó. Ela deveria organizar o artigo de Althea e sair dali. Mas a curiosidade foi maior.

— Por que ela o convidou?

— Ela propôs um casamento dinástico com sua irmã a fim de acabar com a animosidade. A fim de enterrar o passado. — Aquele meio sorriso de novo. — Pode imaginar meu espanto. Foi bem parecido com o seu agora.

Espanto mal fazia jus à sua reação. Isso ficava cada vez mais esquisito. Também mais irritante. Ela se sentia duplamente traída. Primeiro, no lugar de seu pai, que nunca teria aprovado essa ideia. E, segundo, por si mesma, porque não contaram para ela nem a consultaram. Vovó deve ter usado toda a sua força de vontade para manter isso um segredo, se até Emilia não confessou isso a ela.

— Então, quando o noivado será anunciado? — Ela deixou seu máximo ceticismo se expressar em seu tom sarcástico.

— Ainda não concordei com a união.

— Minha irmã é adorável e brilhante. Daria uma esplêndida duquesa, claro, só que não para o senhor. Estou aliviada por ainda não ter decidido.

— Não culpe a mim pelo atraso, sabendo o que penso sobre o assunto. Lá estava eu, tomando uma decisão sobre uma pomba branca adorável, quando um corvo preto voou e me distraiu.

Corvo? Por que o...

— Então o corvo bateu as asas na minha cara e virou o rabo para voar para longe. — Ele se aproximou até estar acima dela. — Nunca fujo de um desafio, Lady Clara.

Se ele pensava que ela iria tremer e ruborizar, estava enganado. Só que ela tremeu, sim, um pouco, enquanto reparava que o comportamento dele exalava uma boa quantia de mistério e empolgação e que seus olhos escuros e suas profundezas tinham camadas que a atraíam, chegando ao ponto de quase se afogar. A proximidade dele e seu olhar a deixaram incapaz de falar algo por um instante constrangedor. Talvez tivesse ruborizado um pouco também.

— Teria sido melhor agarrar o pombo branco enquanto podia — ela disse. — Agora tenho tempo para lembrar à minha avó que o senhor nunca o fará.

— Cumprirei muito bem aos propósitos dela.

— E quais são?

— A senhorita não sabe? — Ele inclinou a cabeça de lado. — Talvez não saiba.

Ficou ainda mais bizarro estar tão perto dele. Ela sentia uma mistura de alarme e... exultação. Deu um passo para trás e se atrapalhou com a pilha de folhas nos braços.

— Com licença.

Ela foi até seu cavalo. Sua estrutura alta e esguia logo aqueceu a lateral dela e os passos dele acompanharam os dela.

— Está indo embora sem nem desejar um bom dia? Penso que está determinada a me insultar.

— Estaria em meu direito atirar no senhor; insultá-lo é pouco. O senhor está invadindo esta propriedade, não importa o que minha avó aflita pelo luto tenha lhe dito. Ultrapassou o limite entre a terra de meu irmão e a minha há quatrocentos metros.

— E eu estaria no direito de segui-la em resposta ao seu comportamento.

Ela parou de andar e olhou desafiadoramente para ele.

— Tal ameaça é inaceitável. Tente fazer isso e, certamente, vou atirar no senhor. Não duvide disso. Não sou uma mulher que treme quando encontra a estupidez masculina. E cavalheiros com educação adequada teriam permitido passar o mal-entendido em relação às instruções de meu irmão. É ultrajante que o senhor se sinta no direito de me seguir e, depois, me censurar. Agora, seguirei meu caminho, e o senhor pode seguir o seu.

Ela acelerou o passo até o cavalo. Ele andou ao seu lado de novo. Ela queria bater nele com o manuscrito de Althea, estava irritando-a muito.

— A senhorita é escritora? — Ele esticou o braço e tocou no canto das folhas. Isso fez o braço dele se aproximar do corpo dela. Um sobressalto interno quase a fez pular para longe.

— Uma amiga escreveu isso. É um texto sobre... — Parou de falar. — Tenho certeza de que não lhe interessaria.

— Talvez interesse.

— Então tenho certeza de que não é da sua conta.

— Não é uma escritora, mas uma sabichona.

— Oh, detesto essa palavra. — Ela enfiou as páginas em sua bolsa. — O senhor acabou de passar anos na França. Eles são famosos por louvar mulheres cultas. Se me dá esse apelido simplesmente porque me viu lendo, aparentemente, não aprendeu muito enquanto esteve lá, exceto como ser irritante.

Ela pegou as rédeas e posicionou o cavalo.

— Permita-me ajudá-la. — Ele se aproximou.

— Por favor, só vá embora. — Rapidamente, ela pisou no toco de árvore. Com um pulo e uma puxada, montou de novo na sela.

— Admirável, Lady Clara. Vejo que é independente em todas as coisas.

Ela engoliu um gemido com o comentário dele.

— Acha que sou tola por descer de um cavalo se não houvesse como subir de volta?

Quando ela se virou para cavalgar, viu a expressão do duque. O humor suavizava aquele rosto de alguma forma, mas, dentro da mente atrás daqueles olhos escuros, os planos se formavam.

Adam observou Lady Clara cavalgar para longe.

Que mulher provocadora. De olhos brilhantes e muito vivos, mas também mais adoráveis, com uma pele cremosa e mechas claras no meio de seu cabelo castanho.

Espirituosa. Espirituosa demais, a maioria dos homens diria. Ele não era um deles. Gostava de mulheres altamente espirituosas e senhoras de si. Claro que preferia que elas não o tratassem com desdém. Ele a desculparia. Dessa vez. Os planos da viúva tinham pego Lady Clara desprevenida ? assim como a ele ? e a inimizade entre suas famílias tornava a grosseria dela compreensível.

Também a desculparia porque a quis imediatamente ao vê-la debaixo daquela árvore, e a quis mais no momento em que se separaram. O desejo sempre encorajou a generosidade.

Ele montou, mas cavalgou para leste, não de volta à casa de Marwood, a oeste. Não havia necessidade de retornar para lá, depois para a estrada. Se continuasse nesse caminho por muitos quilômetros, logo chegaria em sua própria terra.

Passou por fazendas bem cuidadas e por um vilarejo. Será que ainda era propriedade de Lady Clara? Se era, o legado de seu pai tinha sido significativo. Por isso Marwood falou disso com ressentimento.

Só quando ele alcançou o pico baixo da propriedade, percebeu exatamente onde estava. Reconheceu a cidade da qual se aproximava por seu moinho. Mal conseguia estabelecer o riacho que serpenteava de norte a sul. A propriedade de Marwood encontrava a dele em lugares ao longo do rio.

Ele avançou trotando com seu cavalo, pensando sobre a oferta da viúva, como ditado pelo último conde. O conde tinha motivos para buscar um tratado de paz. Adam pensou que sabia quais eram. Mas parecia que, até perto da morte, o caráter de um homem não mudava.

O último conde havia esquematizado para garantir que ganhasse uma velha batalha, até quando pediu à sua mãe para oferecer um ramo de oliveira na esperança de proteger o filho.

 

Clara amarrou uma fita no manuscrito de Althea e colocou sua folha de anotações em cima. Althea era uma boa escritora. No entanto, quando se importava profundamente com uma causa ou evento, ela desviava de sua opinião e entrava em polêmicas. Não precisaria de muito para mudar isso, então não demonstrou aquele defeito.

Ela o guardou em uma gaveta debaixo da escrivaninha que usava na biblioteca. Enquanto o fazia, seu irmão Theo entrou no aposento e a olhou com desconfiança. Então foi até o decanter e se serviu de um pouco de conhaque.

— Você arruinou tudo — ele disse entre dentes cerrados. — Tudo estava sob controle, e precisava insultá-lo ao ponto de ele esquecer todo o resto.

Ela nem tinha visto Theo ou sua avó ao retornar, então essa era a primeira vez que seu irmão tinha chance de repreendê-la. Não que ela fosse permitir.

— Se tivesse me contado que receberia Stratton, eu teria permanecido longe, asseguro a você.

— Foi ideia de Vovó, mas parece estar seguindo o próprio caminho.

— Papai nunca teria aprovado. Se é para haver uma reaproximação entre nossas famílias, deixe-os dar o primeiro passo.

Ele deu um sorrisinho para seu conhaque, depois para ela.

— Você não esteve muito em Londres esse último semestre. Não esteve participando nem um pouco da sociedade enquanto está de luto. Então não soube dele, não é?

— Não teria prestado atenção, de qualquer maneira, porque ele não tem nada a ver comigo. Com nenhum de nós. É assim que acontece desde, pelo menos, a época de nosso avô. — Ela crescera com essa lição. Seu pai, o papai querido, não precisara falar muito disso para passar a tradição da amargura da família.

— Infelizmente, ele não é como o pai dele. Ou nenhum dos outros. Ele é... perigoso.

Ela deu risada.

— Não pareceu perigoso para mim.

Só que parecera, sim. Todo aquele mistério tinha muito a ver com isso. Se ela um dia o visse de novo, ficaria tentada a fazer cócegas nele até ele rir como um tolo, apenas para derrotar aquela força do humor negro que carregava.

— Ele não é perigoso para mulheres. — A voz de Theo se aprofundou com sarcasmo.

Bom, agora ela não tinha certeza se concordava com isso também.

— Ele duela, Clara. Matou dois homens, e quase um terceiro. Na França. A menor provocação e ele desafia os homens. Ele não vai ceder. Estão dizendo que voltara à Inglaterra porque as autoridades francesas disseram para ele deixar o país. — Theo engoliu o resto do conhaque. — É um assassino.

A postura de Theo encolheu enquanto ele falava. Sua testa franziu. Seus olhos azuis olharam para longe em direção ao nada. Clara era três anos mais velha do que Theo e o observara crescer. Sabia que seu irmão estava com medo.

Ela se levantou e foi até ele.

— Ele não vai matar você, Theo. Não por causa de uma briga de família que começou antes de você nascer.

— Que melhor forma para ganhar essa batalha? Uma palavra errada, um olhar ruim, e ele terá sua desculpa.

— Está sendo muito dramático.

— Vovó concorda. Zombe de meu julgamento, se quiser, mas vai zombar tão rápido do dela?

A explicação de Stratton quanto à sua visita fazia sentido agora, mas da maneira mais ridícula. O luto de Vovó havia tomado um rumo infeliz se ela viu tal ameaça no duque. Quanto a Theo... Ele era corajoso quando havia um pouco de perigo, mas menos quando era seguido de ameaça.

— Presumo que a estratégia foi que, se fosse o cunhado dele, ele nunca iria querer duelar com você — ela disse. — É um preço alto a pagar pela paz, irmão. E quanto a Emilia? Se ele tem esse comportamento, é justo uni-la a ele?

— Eu disse que ele não é perigoso para mulheres, não disse?

— Você não tem certeza. Se nem nos sentamos à mesa com aquela família, não deveríamos planejar uniões com eles.

— Vovó...

— Você é o conde agora. Precisa pensar por si mesmo.

— Que conselho ridículo, Clara. Ele mal saiu da escola — Vovó entrou na biblioteca falando. — Não quero que complique ainda mais o assunto ao incentivar Theo a uma independência imprópria de meu conselho.

— Tenho vinte e um anos — Theo murmurou, ruborizando.

— Tem? Bom, um ano a mais ou a menos não significa nada.

— Não estou complicando nada — Clara disse.

Sua avó se sentou. Costas eretas e cabeça angulada exatamente para assumir a postura de rainha de tudo que supervisionava. No momento, isso incluía Clara.

— Seu comportamento hoje fez o duque partir antes de eu... nós podermos combinar as coisas. Se isso não é complicação, o que é?

— Uma prorrogação. Para Emilia. Para todos nós, enquanto a senhora reconsidera essa ideia extraordinária de casá-la com aquele homem.

— Ele pareceu bem adequado para mim. Francês demais, mas é o que se pode esperar com aquela mãe dele, e a forma como ele morou fora todo esse tempo. Mesmo assim, algumas semanas e ele vai assumir seu papel correto na vida e fazer o que precisa para reivindicar seu lugar entre nós. Ele sabe que precisa se casar com uma garota com a educação impecável como a de sua irmã, e nós vamos nos beneficiar ao tê-lo por perto, onde podemos ficar de olho nele para que o passado não consiga prejudicar Theo.

— A senhora não pode também pensar que ele é perigoso para meu irmão. Será que todo mundo perdeu o senso por aqui?

— Como sempre, você presume saber de tudo por causa de como meu filho a favorecia. Entretanto, há muito que não entende. Não estou brincando. Não vou deixar nada acontecer a Theo, principalmente com seu herdeiro presumível sendo aquele primo insuportável. Deixe comigo, Clara. Emilia vai se casar com Stratton, e tudo ficará bem.

Para que Clara não discutisse sobre a última palavra, sua avó ergueu um livro, abriu-o, colocou os óculos no nariz e começou a ler.

Clara olhou para Theo, esperando encontrar um aliado para suas objeções.

Ele se virou e se serviu de mais conhaque.


dam entregou seu chapéu e seu chicote ao criado na porta do White’s, e caminhou pelo salão do clube. Olhares voaram em sua direção. Cabeças se curvaram. Houve tanto silêncio que ele escutou o burburinho baixo de sussurros.

Ele continuou, assentindo e cumprimentando homens que não conseguiam resistir a olhar mais diretamente. Alguns reagiam com sorrisos simpáticos demais para apenas conhecidos.

Saiu do salão por uma porta no fundo e subiu as escadas para o piso superior.

— Sir, temo que todos os cômodos estejam ocupados. — A reprimenda gentil do funcionário o alcançou no meio das escadas.

Ele se virou. O funcionário viu seu rosto e ficou vermelho.

— Peço desculpas, Sua Graça. Não percebi que era o senhor. Bem-vindo de volta, sir.

— Presumo que eles estejam lá em cima.

O funcionário assentiu. Adam subiu. Sons saíam de trás de uma das portas. Vozes masculinas e risada. Ele abriu o ferrolho e entrou.

Dois homens o encararam, mudos pela surpresa.

— Caramba — um deles finalmente murmurou. — Brentworth aqui especulou que você pudesse aparecer hoje, mas eu disse que você nunca viria.

— Então ele estava certo, Langford, e você, errado.

Adam se jogou em uma cadeira e olhou em volta.

— Parece que nada mudou muito.

— Muito pouco. — Gabriel St. James, Duque de Langford, jogou-lhe um charuto. Ele sorriu com prazer e seus olhos azuis brilharam. — Droga, mas é bom vê-lo. Disseram que voltou há um mês. Por onde esteve?

— Colocando meus negócios em ordem. Analisando os registros da propriedade. — Ele pegou uma vela e a segurou em seu charuto. — Demitindo o administrador que estava me roubando. Esse tipo de coisa.

Ele também tinha feito outras coisas. Uma foi investigar uma mulher chamada Clara Cheswick. Descobrira algumas coisas sobre ela que eram apenas de seu interesse.

— Na fazenda, então. Por isso que a única indicação de seu retorno eram as fofocas e os boatos. — Eric Marshall, Duque de Brentworth, levantou-se para pegar o decanter de uísque. Aproximou-se com um copo, serviu Adam, depois encheu o próprio e o de Langford. Nenhum sorriso dele, apenas um sorriso deprimido em seu rosto severamente esculpido. Sem brilho em seus olhos escuros, mas escrutínio bem profundo.

Ambos eram a epítome da moda, mas em maneiras diferentes como seus comportamentos. Os cachos cortados do agradável Langford sempre pareciam que ele havia acabado de ficar ao vento, enquanto as ondas mais sérias de Brentworth nunca ousavam tal exuberância. Langford usava uma gravata casual escura naquela noite, enquanto o lenço de linho branco de Brentworth parecia ter sido engomado por seu criado cinco minutos antes.

Não que Brentworth não fosse espirituoso ou fosse escravo de convenções comparado a Langford, mas ele valorizava a discrição e não desprezava seus desejos ou pensamentos. Não se podia dizer o mesmo de Langford.

Adam gostou de como seus dois amigos interpretavam velhos rituais e o receberam com tranquilidade. Não ignorou o fato de que a cadeira em que se sentava ? sua cadeira de sempre ? não havia sido usada por nenhum deles, apesar da sua proximidade ao fogo reconfortante. Bebeu um pouco de uísque, soprou o charuto e permitiu que a nostalgia e a familiaridade o inundassem. Voltara à Inglaterra há mais de um mês, mas, naquele momento, finalmente sentia que tinha voltado para casa.

— Que tipo de fofocas e boatos? — ele perguntou, deixando o último comentário penetrar sua paz.

Seus amigos trocaram olhares misteriosos.

— Enquanto você esteve fora, sua reputação chegou à Inglaterra, mesmo que você não tenha voltado — Brentworth disse.

— Está falando dos duelos.

— Um é compreensível para qualquer cavalheiro. Dois podem ser desculpados. Três, no entanto... — Langford explicou.

— Nenhum homem no salão lá embaixo teria permitido qualquer daqueles insultos à família passar sem um desafio. Fiz o que qualquer um faria.

— Claro, claro — Langford acalmou. — A pergunta, porém, é se voltou para fazer isso aqui também. Há alguns camaradas que estão se lembrando de cada pequena desavença que podem ter tido com você, e qualquer crítica sussurrada à sua família ou a você. Tenho certeza de que, em algumas semanas, assim que voltar à sociedade e propagar seu charme, isso tudo será esquecido.

— Talvez seja melhor se não for.

Isso surpreendeu Langford.

— Não pode querer ser visto como perigoso. Sinceramente, ninguém vai ameaçá-lo.

— Se ser visto como perigoso impedir homens estúpidos de dizer coisas estúpidas que me obriguem a desafiar em nome da honra, então deixe-os pensar que sou perigoso. — Ele colocou o copo na mesa como uma forma de finalizar aquela linha de pensamento. — Estou feliz por ter encontrado vocês dois aqui.

— Onde mais estaríamos na primeira quinta à noite do mês? — Brentworth disse. — Continuamos como sempre foi. Você pode ter nos abandonado, mas nós ainda somos a Sociedade dos Duques Decadentes.

Adam sorriu. Eles três frequentavam a escola quando se deram esse nome. Todos herdeiros de ducados, haviam formado uma conexão imediatamente. A escola os separou, e os outros garotos também. Eles aprenderam rápido que a única pessoa que trataria um duque normalmente era outro duque. Portanto, uma amizade rápida e duradoura foi formada.

Aquele cômodo, e as reuniões mensais, começou assim que todos deixaram a universidade e foram para a cidade aproveitar seus privilégios. Por um bom tempo, a Sociedade dos Duques Decadentes fora mais do que um título inteligente que seguia os garotos de escola. Muitas vezes, encontravam-se ali, mas logo saíam para explorar quão decadentes conseguiam ser.

Langford havia encontrado seu segundo dom naquelas perversões. Um estilo de vida. Famílias decentes o recebiam agora apenas porque ele era um duque, embora seu charme considerável pudesse ter lhe dado algumas aprovações de qualquer forma. Brentworth, por outro lado, superara tais excessos primeiro, pelo menos em relação ao comportamento que outros pudessem ver ou relatar. Era mais um exemplo de como ele administrava tudo sem esforço para a ideia pública de duque, em aparência e comportamento. Superior, arrogante e confiante em seus privilégios, ele estava acima do mundo em estatura e indiferença. Adam não se importava com o quão duque seu amigo havia se tornado. Conhecia Brentworth muito bem para compreender como ele era realmente diferente de sua pessoa pública.

— Então, por que voltou? — Brentworth perguntou. — Depois de tantos anos, achei que nunca mais voltaria.

— Gostaria de dizer que simplesmente resolvi que era hora, mas não foi tão simples. O governo francês também decidiu que era hora. Foram feitas reclamações e, como resultado, o rei decidiu que era hora. Recebi uma intimação para comparecer.

Langford deu risada.

— Que antiquado. Quase charmoso.

— Já que estava na mão do rei, e as coisas estavam começando a esquentar na França... bem, cá estou.

— Já cumpriu sua parte com ele? — Langford quis saber.

— Assim que cheguei. Bebemos bastante vinho juntos. Ele perguntou sobre as mulheres de Paris. Posso ter exagerado um pouco, e o encontro foi amigável e cheio de conversa.

— Então sua metade inglesa respondeu ao comando de seu rei inglês — Brentworth disse. — Se não foi por isso... foi tempo suficiente?

— Sim. — E foi. A fúria que o levou embora tinha finalmente acabado há um ano, substituída por pensamentos mais deliberados, e responsabilidade de suas obrigações.

Havia deveres que não poderiam ser conduzidos eternamente de longe da França. Um em particular.

— É bom que finalmente veio à cidade — Langford falou. — Vamos pedir para fazer novos casacos para você amanhã. Uma visita ao barbeiro também pode ser organizada. Não pode andar por aí parecendo um desses franceses que seduzem viúvas para seu arrependimento eterno.

— Algumas não me deram tanto arrependimento, como me lembro. — Adam olhou para sua sobrecasaca. Cortada ao estilo francês, um pouco mais comprida e justa do que a moda inglesa, provavelmente o fazia parecer estrangeiro.

— Vamos nos embebedar, e você pode me contar sobre elas e me deixar com inveja — Langford disse.

— A menos que algo tenha mudado, há pouco que possa contar a vocês sobre viúvas.

— Então, quais são seus planos? — Brentworth perguntou.

— Espero que sejam bem parecidos com os de vocês agora. Cuidar da minha propriedade. Votar no Parlamento. Como disse, o tipo de coisa comum.

— Isso é tudo? — Brentworth questionou. — Você vai embora da Inglaterra e fica fora por quase cinco anos, e com seu retorno tudo que quer é ser um cavalheiro que vem à cidade para as votações?

— Pretendo encontrar uma esposa rica e sensual também. Chegou a hora de me casar.

— Fale por si mesmo — Langford rebateu.

— Ignore-o — Brentworth disse. — Há duas mamães que estão de olho em Langford, e ele está correndo dos lugares para se esconder. Infelizmente, é duvidoso que ambas as garotas sejam sensuais o bastante, ou tenho certeza de que ele iria entregar uma para você de bom grado.

— Se há duas, deveria enviar uma na sua direção — Adam respondeu.

Estranhamente, mães quase nunca miravam em Brentworth. Diziam que ele aterrorizava tanto as ingênuas que suas mães olhavam para outro lado.

— Quanto à parte sensual, já descobriu, Langford?

Langford deu risada.

— Talvez na França todo tipo de exploração seja feita quando o assunto é mulher, mas não se esqueça de que, aqui na Inglaterra, nós só esperamos o melhor e nunca conseguimos nada.

Por ser metade francês, Adam achava bizarra e curiosa a sensualidade sufocada que havia atormentado os ingleses nessas últimas décadas. Era como se todas as mães e avós tivessem se reunido no começo da guerra e decidido que, a fim de rejeitar todas as coisas francesas, suas filhas não deveriam se divertir tanto quanto elas se divertiram na juventude.

Uma rigidez pairou sobre o cômodo. Ele olhou para cima e viu Brentworth observando-o, e de uma forma não gentil.

— Fale — Adam exigiu.

— Inferno, isso, vou dizer que...

— Deixe quieto, Brentworth — Langford sugeriu.

— Não, eu insisto — Adam disse.

Brentworth se levantou e foi até o decanter de uísque de novo. Demorou-se tanto ali que Adam pensou que o rancor tivesse passado, ou que tivesse sido engolido agora. Brentworth se virou de repente para ele.

— Entendo que estava de luto. Entendo que havia coisas sendo ditas que eram sujas e prejudiciais e...

Adam se levantou e jogou seu copo no fogo. As chamas se sobressaltaram.

— Sujas e prejudiciais? Ele se matou por causa disso!

— Eu sei. Mas você nunca conversou conosco. Nunca permitiu que ajudássemos. Simplesmente desapareceu com sua mãe sem uma palavra, e não falou nada desde então, e entra aqui como se os últimos anos nunca tivessem acontecido. Caramba, Stratton, nós somos amigos há anos e você agiu como se nós dois estivéssemos na fila contra sua família.

— Nunca pensei isso.

— Até parece que não.

Langford balançou a cabeça.

— Sentem-se, vocês dois. Eu lhe disse antes, Brentworth, que, sob as circunstâncias, o que quer que ele fizesse era uma escolha feita por raiva e luto. Quem sabe como eu ou você teríamos agido? — Ele deu um sorriso para Adam de... o quê? Perdão? — Não precisa se explicar para nós.

Mas precisava, sim. Brentworth tinha razão. Ele virara as costas a tudo e todos em sua raiva. Não podia pensar em demorar a sair da Inglaterra. Não por causa da desgraça envolvida por trás da morte de seu pai, e porque não podia mais confiar em alguém.

— Fui embora daquele jeito porque, se não o fizesse, com certeza teria matado alguém por ódio, sem nem saber se culpava a pessoa certa.

Brentworth se jogou de novo em sua cadeira. O olhar de seu amigo o encarou por um longo tempo.

— E você sabe agora? Se culpou a pessoa certa? — Brentworth perguntou.

— Ainda não.

Langford limpou a cinza do seu charuto.

— Resposta interessante. Acho que agora sabemos por que ele voltou de verdade, não é, Brentworth?

 

Clara rapidamente leu sua correspondência matinal enquanto tomava café na Casa Gifford, a residência londrina da família. Duas cartas em particular receberam uma atenção bem breve. Sua avó havia escrito uma reprimenda.

 

A carta de Theo dizia quase a mesma coisa.

É improvável que façamos progresso com Stratton se continuar insultando-o. Pense no futuro de Emilia. Pense no meu. Certamente pode encontrar um pouco de gentileza em relação a ele.

Ela estava pensando no futuro de Emilia. E no da família. Via essa ideia toda de amenizar as diferenças entre a família dela e a de Stratton como um mau conselho e deslealdade. Deixe-os tentar, se quiserem, mas ela não iria cooperar. Vovó sabia disso. Foi por isso que ninguém lhe contou sobre o plano antes de embarcar nele.

Vestindo sua pelica e seu gorro, pegou um pacote embrulhado e desceu até a sala de entrada. Para evitar as carruagens da família, disse a um criado para lhe arranjar um cavalo alugado.

Tomou um pouco de ar no pórtico enquanto esperava. Infelizmente, enquanto o fazia, uma carruagem estacionou.

Ela xingou baixinho.

Stratton de novo. E ali estava ela, à vista. Não poderia mandar o mordomo dizer que não estava em casa. Por outro lado, deveria ser óbvio que estava saindo. Algumas palavras educadas e ele seguiria o próprio caminho.

O duque saiu de sua carruagem e a alcançou. Após um cumprimento, ele parou com um pé no degrau mais baixo da varanda e a olhou.

— A senhorita sai bastante.

— Posso estar de luto, mas não estou morta.

Ele apontou para sua carruagem.

— Permita-me levá-la ao seu destino.

— É muito gentil da sua parte, mas minha carruagem está a caminho.

— Pode demorar um pouco para chegar.

Podia mesmo. Com um resmungo interno de resignação, ela se virou para a casa.

— Já que o senhor queria falar comigo, vamos entrar e ter uma visita apropriada enquanto eu espero.

Ela guiou o caminho para dentro de casa e colocou seu pacote na mão do criado. Levou o duque para o andar superior, para a sala de estar.

Sentou-se em uma cadeira e torceu para parecer, no mínimo, meio formidável como sua avó.

O duque se sentou na cadeira mais próxima à dela e ficou confortável. Seu cabelo havia sido estilizado desde que ela o vira na colina. Agora, seus cachos bagunçados cortados enfatizavam mais seus olhos escuros e aquela boca sensual e maxilar forte.

— É gentileza da sua parte me receber, Lady Clara.

— Já que pensou ser adequado relatar à minha família que não o recebi anteriormente, agora me sinto obrigada a fingir ser receptiva a esse desejo inexplicável deles de criar uma amizade com o senhor.

— A senhorita é uma mulher bem direta.

— O senhor é um homem bem persistente.

— Em um homem, persistência é uma virtude, enquanto ser direta, para uma mulher...

— É um aborrecimento. O que me leva à questão do porquê se incomoda em ser tão persistente com este aborrecimento de mulher.

— É uma excelente pergunta. Se tivesse me recebido da primeira vez, agora teria compreendido completamente minhas intenções.

Que forma estranha de dizer isso. Quaisquer que fossem suas intenções.

— Talvez o senhor me esclareça agora, e rapidamente, para que eu possa terminar meus próprios compromissos... compromissos estes que o senhor interrompeu.

Ele riu em silêncio, como se fosse uma piada interna.

— Seu irmão disse que a senhorita tinha um gênio ruim. Posso ver o motivo.

Gênio ruim? Que menino mimado e desleal aquele.

— Prefiro ser chamada de direta. Como um cavalheiro, estou certa de que também prefere essa palavra.

— É claro. Permita-me ser direto também, para que possa voltar aos seus afazeres do dia. — Ele se inclinou para a frente e apoiou os braços nos joelhos. Isso trouxe seu rosto elegante para bem perto dela. — A senhorita sabe do plano de sua avó de me casar com Lady Emilia.

— Sei.

— Decidi declinar da proposta.

Ela conseguiu se conter de não comemorar com alívio. Graças aos céus alguém nesse acordo horrível estava usando o cérebro.

— E que a senhorita vai ser adequada para mim, e muito melhor para o plano da viúva.

Uma rigidez pairou no aposento. Demorou muito para a mente dela absorver o que ele dissera. Mesmo depois, soava bizarro demais para ser exato.

— Sua irmã é muito jovem para mim e, qualquer acordo que seja proposto com ela, nunca será tão bom quanto uma esposa com sua própria propriedade e renda.

Deus do céu.

Ela reuniu sua perspicácia, mas precisou de muito tato para não demonstrar sua reação atordoada.

— Ao menos conheceu Emilia?

— Não, mas não é significativo. Tenho bastante certeza de que ela é adorável, mas não é a noiva certa para mim.

— Como pode dizer isso quando nem...

— Eu sei.

— É melhor saber mais, e rápido, porque não estou disponível.

Ele se recostou na cadeira, nem um pouco impressionado por sua rejeição definitiva.

— É compreensível que tenha ficado surpresa com minha proposta. No entanto, estou confiante de que vá mudar de ideia.

Muito agitada para ficar sentada, ela se levantou e olhou desafiadoramente para o idiota presunçoso. Infelizmente, isso também o fez se levantar. Em vez de ser uma encarada satisfatória para baixo, ela agora olhava muito para cima, para um rosto acima dela.

— Não escutei nenhuma proposta. Escutei um decreto. Não consigo imaginar o que lhe dá motivo para pensar que eu obedeceria. O senhor é o último homem com quem me casaria, isso se eu me casar. De fato, meu pai se reviraria no túmulo se eu considerasse a ideia. Agora, sir, agradeço por sua visita, mas devo retornar aos meus afazeres. Já estou atrasada.

Ela girou, saiu a passos largos da sala de estar e desceu as escadas. Pegou de volta seu pacote com o criado e saiu. Sentiu o duque observando-a o caminho inteiro.

Sua carruagem alugada aguardava atrás da carruagem do duque. Ele olhou duramente para aquela carruagem.

— Por que não está usando a carruagem da família?

— Escolho não usar. — Ela desceu os degraus de pedra e seguiu para sua carruagem.

Ele andou ao seu lado.

— Penso que vai a um encontro secreto. Um que prefere que os criados da sua família não saibam. Não há outra explicação para usar uma carruagem alugada em vez da de sua família.

Ela realmente queria bater nele com o pacote por dizer aquilo ao alcance do criado que a esperava para ajudá-la a subir.

Ajeitou-se no assento enquanto o criado fechava a porta. O duque apoiou o antebraço na janela e esperou o criado se afastar.

— Não vou exigir explicação agora — ele disse. — Entretanto, se vai encontrar um homem, essa conexão deve acabar imediatamente, agora que estamos noivos.

Ela colocou o rosto para fora da janela.

— Nós. Não. Estamos. Noivos.

Ela estava quase gritando no fim da frase, mas a carruagem havia começado a andar, e apenas o ar a escutou.

Meia hora depois, Clara estava em uma mesa de biblioteca na Bedford Square. Havia papéis e uma folha em branco espalhados pela mesa.

— Acho que temos o suficiente para outro artigo do Parnassus, Althea — ela disse. — Podemos falar com a gráfica esta tarde sobre o cronograma.

Althea baixou a cabeça loira sobre as pilhas de papel e pegou uma bem pequena. Consistia em poemas que o jornal delas publicaria.

— Vejo que incluiu o soneto da sra. Clark. Fico feliz.

Clara trabalhava como a editora anônima e benfeitora do Parnassus. Ela havia criado o jornal há dois anos e começou a trabalhar nele de imediato. As duas primeiras publicações foram tentativas inexperientes, mas colheram assinaturas suficientes para encorajá-la. Agora, com seu legado, ela podia se dar ao luxo de tentar um cronograma regular de publicação.

Seguindo o modelo de jornais masculinos, o Parnassus continha notícias políticas, assim como críticas de apresentações teatrais e histórias de viagem. Ela gostava de preenchê-lo com informações e fatos, mas permitia que alguns pensadores afiados, como Althea, escrevessem artigos. Interesses femininos raramente eram ignorados. Clara amava moda, em particular, e o Parnassus tinha uma coluna dedicada a ela.

A característica mais distinta do jornal era a mistura de autores. Uma viscondessa e uma baronesa, às vezes, contribuíam, embora utilizassem um pseudônimo. No entanto, a sra. Clark era a viúva de um comerciante que agora administrava uma chapelaria. Ela tinha um dom óbvio para poesia e não tentava copiar outro poeta já existente.

Ladies aos montes, mulheres da cidade, mães, irmãs e, sim, até as sabichonas tinham assinado. Ela sabia que o sigilo do projeto pode ter contribuído para esse sucesso. Quem e onde era feito o Parnassus permaneciam um mistério tentador.

Naquele momento, o onde consistia nessa casa que Clara comprara com seu legado, três meses depois da morte do pai. Ela se lembrou dele ao assinar a escritura, além de sentir profunda gratidão por ele ter esquematizado para ela ter a própria propriedade e renda substancial e não ser dependente de Theo de nenhuma maneira. A relação deles era rara. Na verdade, ele a tratava como um filho. Ensinara-lhe a cavalgar, atirar e até disse uma vez que se arrependia de ela não poder herdar seu patrimônio ou o título dele. Ela achava que Theo nunca a perdoaria por como ela recebia a melhor parte do amor do pai deles. Ficara profundamente de luto por ele. Completamente. A tristeza acabara com ela como nada antes. Havia chegado a um ponto em que não se reconhecia mais. Finalmente, certo dia, começou a lutar para se salvar.

O Parnassus fora sua salvação. Comprar aquela casa foi o primeiro passo adiante em sua vida. As necessidades do jornal a obrigavam a visitar Londres periodicamente também. Até então, as visitas foram breves, mas, agora, seis meses após o falecimento do pai, ela, enfim, decidira fazer visitas mais longas.

— O artigo de moda de Lady Grace ainda não chegou — Althea mencionou.

Lady Grace Bidwell era a mais recente aquisição de colaboradoras. Irmã de conde, ela nunca se casara. Clara sentia uma afinidade natural com ela, e Lady Grace tinha um olho bom quando o assunto era moda.

— Vou escrever um lembrete a ela, mas não vou esperar para sempre — Clara falou com uma firmeza decisiva do tipo que não fazia muito tempo que usara com o Duque de Stratton, mas de nada valeu. Aquele encontro continuava a invadir sua mente e amargava seu humor quando o fazia. Quanto mais ela pensava naquela proposta, mais ofendida se sentia.

Althea olhou com seus lindos olhos azuis para Clara. Uns dez centímetros mais baixa que Clara e delicadamente esguia, Althea tinha uma presença que, às vezes, fazia Clara se sentir monstruosa em comparação a ela. Não que ela mesma fosse muito alta ou forte. Era só que Althea era extremamente pequena. Viúva do Capitão Galbreath, um oficial do exército, morava com o irmão, Sir Jonathan Polwarth, um barão, e sua esposa.

Althea tinha a vida de um parente dependente agora, do tipo que o pai de Clara a salvou com o legado.

— A senhorita está diferente hoje — Althea disse. — Seu irmão a está irritando de novo? Insistindo que volte para a fazenda?

— Não é isso. Não só isso. — Clara não iria confessar, mas queria compartilhar um pouco dos acontecimentos recentes e estranhos em sua vida. Não a proposta. Ninguém nunca saberia disso. — Theo e minha avó colocaram na cabeça a ideia de acabar com uma longa contenda que nossa família tem com aquele Duque de Stratton.

— Penso que seja uma coisa boa. Guerras tão longas assim não trazem muito benefício.

— Vovó nunca faz coisas simplesmente porque são boas, Althea. A mente dela é uma armadilha, e suas estratégias fariam Napoleão se envergonhar. Mas ela é determinada, assim como Theo. Eles até o receberam. Meu pai sempre jurou que nunca um Stratton iria sujar sua casa, mas lá estava ele.

Althea começou a organizar os artigos, colocando folhas em branco entre eles.

— Na sua casa daqui da cidade, na Casa Gifford? Fiquei sabendo que ele veio para cá recentemente.

— Você sabia? — Parecia uma boa maneira de não admitir que ele realmente havia sujado a casa da família dela da cidade.

— As pessoas estão falando dele. Você não ficou sabendo porque ficou enclausurada em Hickory Grange por muito tempo depois de seu pai falecer, e não estava aqui quando ele retornou da França.

Althea carregou a pilha grande de papéis para outra mesa e continuou o trabalho de prender tudo com linho. Clara a seguiu.

— Estão falando o quê?

Althea amarrou o pacote grosso, terminando com um laço rústico.

— Fofocas. Daquelas que você escuta umas partes quando chega em determinadas rodas, mas as pessoas param assim que a veem. Conversa séria, pelos olhares nas carrancas. Conversa sigilosa e sussurrada. A maior parte entre a geração de nossos pais.

— Claro que esses trechos devem ter lhe dado uma ideia de por que ele chamou tanta atenção.

Althea deu de ombros.

— Acho que escutei meu irmão se referir a ele como perigoso. Algo sobre duelos na França.

— Fiquei sabendo dos duelos. Theo me contou. Acho que ele teme que, se não pedir a paz, Stratton vá desafiá-lo. Não faz sentido.

— Também interrompi uma conversa em uma sala após uma festa. A anfitriã não conseguiu se conter, apesar de estar no meio da frase. Gesticulou a última palavra do que quer que estivesse falando para sua confidente.

— Que palavra era essa?

— Tenho quase certeza de que era vingança. Agora, se vamos falar com a gráfica hoje, precisamos ir antes de ficar tarde demais.

Elas colocaram suas pelicas e chapéus. Clara invejava Althea por usar um conjunto verde-limão e amarelo. Não se ressentia por vestir roupas de luto. Vestiria eternamente, se isso fosse honrar seu pai. Mas sentia falta de roupas com mais cor e estilo, e, às vezes, pensava em cometer excessos incríveis nas lojas quando pudesse se vestir com estilo novamente.

Com os manuscritos firmemente debaixo dos braços, Clara se juntou a Althea na caminhada para uma carruagem de aluguel parada na esquina da praça. Seu nariz até coçava pela informação tentadora que Althea acabara de lhe fornecer. Stratton podia ser exibido, irritante e arrogante, mas ele tinha acabado de se tornar interessante também, principalmente para a editora de um jornal.

Vingança? De quê? Parecia que alguns sabiam em Londres, mas não era conversa para o senso comum. Assim que entraram na carruagem e seguiram para a gráfica, Clara expressou seus pensamentos.

— Acho tudo isso estimulante, Althea. Se Stratton está inclinado à vingança, alguém sabe por que e contra quem. Ele não é um homem comum, afinal de contas. É um duque. Quem poderia ter irritado tanto um duque para ele querer vingança? E ser considerado perigoso... Há algo muito curioso em tudo isso.

— Presumo que eu possa fazer algumas perguntas para ver se consigo reunir mais um pouco de informação.

— Também farei isso. Vamos ver o que conseguimos descobrir sobre esse homem. Talvez haja uma história para o Parnassus.

Ela deixou de mencionar que mais informação talvez pudesse capacitá-la também para acabar com a corte inexplicável e rude de Stratton.


poeira o cobriu. Saiu voando das páginas quando ele as virou e alisou sua superfície como as aparas de ferro em um ímã.

Adam folheou, lendo os velhos jornais, mais interessado no que não havia sido notícia do que o que fora. Uma alusão aqui, uma referência improvisada ali, a menção de um nome ? essas eram as evidências que ele procurava, porque já sabia que não haveria uma discussão aberta dos acontecimentos que ele investigava.

Ele fora ao Times por último, após folhear páginas nos escritórios de outras revistas e jornais. Todos eles mantinham exemplares de suas antigas publicações em algum lugar. Podia ser em uma biblioteca arejada ou em um porão úmido, mas, com tempo e paciência, ele havia lido cada palavra publicada sobre o Duque de Stratton em alguns anos até a morte de seu pai.

As notícias da morte eram as mais inúteis, embora alguns jornais menos respeitáveis vagamente implicavam que poderia ter sido suicídio. O Times nunca seguiria nessa direção com um duque, então a notícia dele exaltava as conquistas e o gosto de seu pai. Lendo-o, ninguém nunca adivinharia as provocações extremas que fizeram um homem tirar a própria vida.

Agora ele procurava pistas em relação aos detalhes e fontes dessas provocações. Tudo fora um esquema bem secreto, então as partes que ele descobria estavam todas nas entrelinhas. Nenhum editor falaria abertamente sobre esses boatos. Nenhum homem falaria sobre isso exceto atrás de portas fechadas com a voz baixa.

E, mesmo assim, as palavras tinham sido ditas, e elas voaram pelo ar como pólen, então, enquanto ninguém fazia acusações, tudo que as pessoas sabiam era o que importava para o governo. Ele fechou o volume de cópias encadernadas do Times. Mal havia encontrado prova direta do que queria, mas também não achara nada que o convencesse estar errado em suas crenças sobre como a tragédia fora planejada.

Nas reuniões importantes do governo, questionamentos foram feitos sobre a lealdade de seu pai. Ministros e outros lordes lhe disseram coisas. Alguém coletara provas. Aconteceu por um tempo, crescente, talvez um ano ou mais. Isolado e sem amigos quando os miseráveis o encurralaram, ele tirara a vida para não enfrentar o tipo de desgraça que mancharia o nome da família por gerações. No entanto, o ato final e seus motivos eram as únicas partes que não estavam em questão.

Acho que Marwood está por trás de tudo. Foi isso que seu pai havia escrito no único recado que deixara. Ele tinha prova disso? Se tinha, não deixou nenhuma indicação. Será que foi uma conclusão irracional, criada por sua mente e pela longa inimizade entre as famílias? Adam não sabia. Se seu pai pensava que Marwood estava por trás de tudo, porém, então Marwood estava no topo da lista de homens que Adam investigaria.

Deixou o edifício do Times e foi até sua carruagem. Perdido em pensamentos, quase não viu a mulher do outro lado da rua até algo familiar nela tirá-lo de seu devaneio.

Ela andava com passadas determinadas, como se estivesse em uma importante missão. Ele notara o brilho em seus olhos, os quais implicavam muito sobre ela. Inteligência. Personalidade. Paixão. Problema. Não se importava com a última qualidade. Raramente encontrava as três primeiras em uma mulher sem a quarta. Seu tempo com ela, apesar de ter sido breve, não fora maçante. Apesar de seu cabelo castanho-avermelhado, coberto como um quadro em seu rosto debaixo da aba de seu chapéu, estar esplêndido contra seu traje preto, ele, de repente, pensou em como ela ficaria vestindo verde-claro.

Ele a imaginou assim enquanto atravessava a rua e a abordava. Assim que ela o viu, sua expressão desmoronou.

Ele queria rir da forma como ela se esforçava para manter a compostura adequada para a filha de um conde. Imaginava os pensamentos rudes pulando na mente dela.

— Lady Clara. Que prazer inesperado vê-la hoje.

— Sim. Que prazer. — Ela inclinou a cabeça para a esquerda, olhando o caminho da liberdade. — É um dia de tarefas para mim.

— Para mim também, embora eu já tenha acabado. Que tarefa a traz aqui?

Ela não respondeu de imediato. Parecia que ele tinha feito uma pergunta esquisita.

— Não estou cumprindo uma tarefa aqui. Estou simplesmente andando pela rua depois de fazer uma tarefa em outro lugar. — Ela foi para o lado dele e o analisou com o cenho franzido. — O senhor estava no sótão? Está coberto de poeira. — Ela esticou a mão e deu uma batidinha na manga dele, produzindo uma pequena nuvem de pó.

Ele achou charmoso o gesto dela.

— Meu lacaio vai resmungar quando vir isso.

— Fique parado. — De novo, sua mão varreu o casaco dele. Mais nuvens se ergueram. Ela o limpou como se ele fosse uma criança que tivesse caído na terra. Mas não tão delicadamente. A mão dela batia em seus ombros e peito. — Pronto. Está quase apresentável. Agora, devo seguir meu caminho.

— Não vai ser generosa me permitindo sua companhia? Não a vejo há quase duas semanas. Sei que foi minha culpa. Não entrei em contato. Devido a todas essas tarefas, sabe.

— Faz tanto tempo assim? Não reparei. Na verdade, eu não esperava que entrasse em contato. Não há motivo para fazê-lo.

— Nós dois sabemos que isso não é verdade. Entretanto, aqui estamos agora. Pelo menos permita-me acompanhá-la em segurança de volta à sua carruagem.

— Não será necessário. Ficarei bem segura sozinha.

— Por favor. Eu insisto.

Ela ficou parada em silêncio, parecendo uma menininha flagrada fazendo algo errado.

— Está com sua carruagem aqui? — ele perguntou.

— Não. — A resposta veio depois de uma longa pausa. Ela mordeu o lábio inferior.

— Carro de aluguel de novo? — Ele olhou para cima e para baixo da rua. — Ele mora aqui perto? Seu amigo, quero dizer.

— Não há amigo. Não da forma que insinua.

— Claro que não.

— Estou falando sério.

— Por favor, entenda que não estou chocado. Sou metade francês, afinal. Não me importo. Apenas peço que termine — ele mentiu suavemente. Importava-se, sim. Qualquer homem se importaria, se quisesse a mulher.

— Pede, não é?

— Estou sendo educado. Um pedido por enquanto. Em certo momento, claro, terá que ser um comando.

Os olhos dela arderam em chamas. Inferno, ela era excitante quando estava brava. Que bom, já que ele esperava que ela ficasse brava com frequência.

— Penso que o senhor está me provocando deliberadamente — ela disse.

— Prometo parar se concordar com uma visita rápida ao parque. Vamos ficar a céu aberto para a senhorita não se preocupar se vou me impor. Então a levarei para casa.

— E se eu recusar sua oferta?

— Provavelmente vou segui-la, fazendo perguntas indiscretas sobre seus afazeres misteriosos nesta parte da cidade.

Ela suspirou desesperada e tirou um relógio do bolso de sua retícula.

— Não haverá quase ninguém no Hyde Park a esta hora. Vamos virar ali, se faremos isso. Uma visita bem rápida, por favor. Tenho um compromisso esta tarde.

— Mais afazeres misteriosos? Como a senhorita é intrigante.

Ele ofereceu o braço. Ela não o aceitou. Juntos, andaram até a carruagem dele.

O Duque de Stratton estava se transformando em uma séria inconveniência. Parte da alegria de ser uma mulher mais velha e sem interesse em casamento era que as pessoas costumavam não perceber o que ela fazia. Clara aproveitara essa liberdade mesmo antes da morte de seu pai, e agora mais ainda porque morava sozinha na Casa Gifford.

A curiosidade de Stratton sobre ela complicava isso. Agora ali estava ela, sentada na carruagem dele quando deveria estar visitando o decorador que contratara para fazer algumas mudanças em sua casa na Bedford Square. Já que ninguém sabia sobre a casa, não poderia permitir que o duque a seguisse até lá.

Não se importava com como ele tramava para ela passar um tempo com ele. Ressentia-se que ele tivesse ganhado essa pequena batalha.

— Prefere a cidade? A senhorita passa boa parte do tempo aqui — ele disse assim que se sentaram um à frente do outro e o cocheiro abrira a porta da carruagem para arejar.

Se fosse outra pessoa, ela pensaria que era jogar conversa fora. Daquele homem, ela percebeu que era uma pergunta intrusiva.

— Gosto da fazenda e da cidade. Fico nos dois lugares. No entanto, depois de todos os meses em Hickory Grange após o funeral do meu pai, era hora de ver alguns amigos aqui e participar da sociedade de novo. — Mesmo com a forma como ela disse, ficou preocupada de ter lhe dado informação demais.

— Seus amigos sabichões?

— Sim.

— O que a senhorita faz quando não está conversando com eles?

— Se eu lhe dissesse, não seria mais intrigante e misteriosa.

Foi um erro dizer isso. Ela soube assim que disse. Os olhos escuros dele pairaram nela, divertidos e muito confiantes de que viam mais do que ela queria. Esse olhar a deixou nervosa. Ela achava decidida, quase óbvia, essa procura de sua atenção. Implicavam intimidades que ela não queria ter ou reconhecer. Apressou-se para fazer uma provocação.

— O senhor vai achar meus interesses muito entediantes e femininos. Eu visito boutiques e encho os olhos de tecidos que não posso usar agora. Passeio por armazéns e cobiço sedas e rendas.

— Por que não comprá-los agora e guardá-los até poder usar?

— Porque a espera faz parte da diversão. Há o perigo que se transformará em uma febre, no entanto, quando finalmente tirar esses trajes pretos, serei tão imprudente ao gastar tudo em um novo guarda-roupa que Theo vai precisar me tirar das dívidas.

— Oh, duvido disso.

Então ela soube que aquele homem havia descoberto o tamanho de sua herança. Será que Theo tinha lhe contado? Talvez ele tivesse escutado fofocas, mas seria suficiente.

Passou por sua mente que o único motivo de ele a perseguir com aquela proposta idiota era sua fortuna. Como se o Duque de Stratton precisasse disso! Mas, na verdade, quem sabia se ele precisava ou não? Ela não o investigara da forma como ele obviamente o fez com ela, embora ela pretendesse. Mesmo assim, era um homem atrás de sua fortuna. Que previsível. Senso comum. Decepcionante.

Já que eles estavam no parque, ela fez as próprias perguntas, enquanto encorajava que a caminhada deles deixasse o caminho principal a fim de que ninguém os visse juntos.

— O senhor não se importaria mesmo se a mulher para a qual fez proposta tivesse um amante anterior? O senhor continua insinuando isso.

Ela pensou ser uma questão sofisticada e investigativa e aguardou que ele não visse a refeição que ela acabara de colocar em um prato à sua frente.

— A senhorita tem o quê? Vinte e quatro anos? Só um tolo exigiria inocência de uma mulher com essa maturidade.

— Que visão liberal o senhor tem.

— Gosto de pensar assim. Só estou sendo um pouco estrito com a senhorita porque não posso arriscar que meu herdeiro seja filho de outro homem. Estou certo de que entende.

Ela olhou para ele, esperando ver aquele sorrisinho ou qualquer coisa que indicasse que suas referências contínuas à proposta agora fossem uma piada interna. Arrependida, viu que ele parecia mais sério. Ela resolveu que contrariá-lo só iria engrandecer aquela ideia ridícula, então ignorou.

Já que ele a tinha convencido a passar esse tempo juntos, não poderia se opor a algumas perguntas sinceras sobre sua vida e sua família, principalmente se ele realmente acreditava que eles iriam se casar. Althea ficou responsável por investigar o homem, mas cada pequena informação adicionada ao montante ajudaria.

— Por que o senhor partiu? — ela perguntou enquanto caminhavam por um pequeno bosque de árvores floridas.

— Porque era hora de voltar.

— Não quis dizer por que partiu da França. Por que partiu da Inglaterra?

O humor dele se alterou um pouco, como se a pergunta abrisse uma porta para o humor negro que ela sentia nele.

— Minha mãe não quis permanecer aqui depois da morte de meu pai, então eu a levei embora e me certifiquei de que ela se adaptasse a Paris.

— Ela queria voltar para casa, o senhor quer dizer. É compreensível.

— Ela morou aqui por décadas. Aqui deveria ter sido seu lar, não uma terra estrangeira para onde fugir. Houve aqueles que nunca a receberam bem, no entanto, ou permitiram que ela se ajustasse.

— Se ela é feliz agora na França, é o que importa, não é?

— Não disse que ela estava feliz. Ela não queria voltar para a França. Só não quis permanecer aqui.

Seu tom direto a fez parar de andar.

— Desculpe se entendi errado. Fui negligente com minha resposta. Claro que ela não poderia ficar feliz em deixar sua casa por tantos anos. — Ela engoliu a pergunta que implorava para ser feita. Por que ela não queria permanecer aqui?

Eles ficaram debaixo de uma das árvores, na sombra que os galhos emaranhados criavam.

— A senhorita realmente sabe tão pouco sobre a minha vida? — ele questionou. — Nunca ouviu falarem da minha mãe? Estava fora quando ela partiu. Antes de o meu pai morrer.

Ela não precisava buscar muito na memória para se lembrar de alguma conversa que ouvira. A voz da avó sempre cheia de desdém ao mencionar a duquesa francesa de Stratton. Vovó era uma das pessoas que pensava o pior de tudo e de todos os franceses durante a guerra.

Mas outros tinham bufado quando a Duquesa de Stratton entrava em um salão. Clara sempre achou que invejavam sua beleza e queriam falar mal de alguém. Na verdade, ela não se importava muito com o que as pessoas diziam. A antiga guerra entre sua família e a de Stratton haviam-na deixado insensível a quaisquer considerações feitas à mãe dele.

— Admito que, agora que falou, conheço um pouco do que ela passou — ela admitiu. — Se foi isso que a fez ir embora, não foi justo.

Para a surpresa dela, ele pegou sua mão e a ergueu para dar um beijo.

— Não foi apenas isso. No entanto, é bom a senhorita achar que foi injusto.

Aquele beijo na mão dela, apesar de breve, criou uma ponte de intimidade. Ela sentiu o beijo por seu braço inteiro e descendo por seu corpo. O olhar dele capturou o dela antes de ele beijar sua mão de novo, lentamente.

Ela não tirou a mão. Não desviou o olhar, apesar de definitivamente ter que fazer o contrário. Em vez disso, encarou enquanto aquele beijo e aqueles olhos escuros avivavam todo o seu corpo.

Ele a puxou cada vez mais para perto, até ela ter que dar um passo até ele ou cair. Fez um pouco dos dois, tropeçando de forma estranha, e se viu nos braços dele.

Ele iria beijá-la, ela tinha certeza. Isso não poderia acontecer. No entanto, em vez de se afastar, ela não conseguiu se mexer. O olhar dele a paralisou e incitou uma empolgação imprópria.

Os braços dele a envolveram. Ele olhou para baixo. Atordoada, ela fechou os olhos e aguardou.

E aguardou.

E aguardou.

Quando nada aconteceu, ela abriu os olhos. Instantaneamente, a euforia tomou conta, e ela se sentiu uma tola. Tentou se livrar de seu abraço, mas ele não permitiu.

— Quer que eu a beije?

— Claro que não. O senhor é o último homem que quero que me beije, asseguro-lhe. — Ela se recusou a olhar para ele e continuou tentando se afastar.

— Isso não é verdade. Vamos ser honestos um com o outro. — A cabeça dele mergulhou e seus lábios tomaram os dela.

Ela perdeu o fôlego. Céus, ele era lindo. E excitante. Até aquela escuridão era sedutora. Os arrepios percorreram seu corpo, implorando para ter desculpas para se transformar em algo mais poderoso.

— Parte da diversão é a espera — ele disse baixinho, prendendo-a com seu olhar. — Embora sempre haja o perigo de se transformar em uma febre. — Os lábios dele beijaram os dela, sempre suavemente, mas o suficiente para criar uma faísca.

Foi um gracejo. Uma promessa provocante.

Ele a soltou e recuou. Ela ficou parada, sem fala, e extremamente derrotada, chocada como ele tinha usado suas próprias palavras contra ela a fim de implicar que compartilhavam alguma empatia em questões sensuais.

— Preciso ir. — Ela se virou e andou pelo caminho principal. A cada passo, sua indignação aumentava.

Ele andava ao seu lado, mais do que satisfeito.

— Não posso acreditar que o senhor se impôs sobre mim assim — ela disse em seu melhor tom como ousa.

— Impus bem pouco, principalmente dadas as circunstâncias. De fato, se eu tivesse feito amor com a senhorita contra uma das árvores, não tenho certeza se teria sido uma imposição.

— Se pensa assim, ficou muito tempo na França.

Ela não conseguia chegar logo à carruagem. Recusou-se a olhar para ele no trajeto para a Casa Gifford. Quando chegaram, mal recusou a insistência dele em lhe dar a mão para descer. Ela enrijeceu contra a sensação da mão dele na sua, a proximidade de seu corpo e a forma como todo o seu ser ainda queria reagir inapropriadamente.

Não pôde resistir a uma última censura. Não apenas para lembrá-lo do comportamento adequado, mas para lembrar a ela também.

— Por favor, lembre-se, no futuro, como um cavalheiro trata uma dama, sir.

— Eu sei como tratar uma dama. A senhorita, no entanto, também é minha futura noiva. Isso muda tudo.

Ela se apressou até a porta, cheia de indignação furiosa. Assim que entrou, viu que aquele dia desconfortável só iria piorar.

Theo, Emilia e a viúva haviam chegado da fazenda para se juntar a ela.


— or que está tão mal-humorada? Não sorriu desde que entrou em casa — Clara fez a pergunta à irmã depois de procurá-la em seu quarto naquela noite.

O jantar provou ser um julgamento, com sua avó direcionando afazeres relacionados aos dias seguintes, e Emilia e Theo assentindo como se fossem alunos. A viúva descartou as objeções de Clara sobre as demandas que os planos causariam em seus dias.

Emilia se jogou na cama.

— Vovó quer que eu conheça Stratton. Já que ele está na cidade, nós o seguimos.

— Vocês ainda não foram apresentados?

Ela fez beicinho.

— É vergonhoso ser jogada para ele assim quando parece que ele preferiria me evitar. Já que eu preferiria evitá-lo também, quero que eles parem de persegui-lo. Sei que é um duque, mas o achei assustador quando ele estava naquele terraço. Nem acho justo ser oferecida assim para ele antes até de eu ter minha primeira Temporada.

Clara se sentou ao lado dela e a envolveu com um braço.

— Parece injusto.

Emilia era adorável e, se aguardasse aquela Temporada, haveria dúzias de admiradores esperando ganhar sua mão. Clara tinha lembranças carinhosas de sua primeira Temporada. Ela não procurava um marido, mas amava todo o planejamento e, então, todas as atividades sociais e bailes. Gostara dos poucos beijos roubados que a seguiam também.

— Agora eu estou na cidade e tenho que ficar aqui sentada enquanto todos os meus amigos vão a bailes — Emilia reclamou. — Uma coisa é ficar de luto na fazenda e perder isso. Outra é só ouvir a diversão pelas janelas enquanto fico sentada nesta casa, usando preto.

— Talvez possamos convencer Vovó a permitir que você vá a alguns eventos menores. Uma ou duas festas no jardim. E pode receber amigos aqui. Se é permitido que conheça Stratton, por que não outros jovens?

Os olhos de Emilia se iluminaram com esperança.

— Acha que ela vai concordar? Talvez me permita comprar um ou dois vestidos novos, não que eu queira mais vestidos pretos, mas pelo menos sairei para compras.

— Vou tentar convencê-la a permitir outra coisa além de preto para você. Agora passaram-se seis meses. A mim, parece que outras cores, simples e discretas certamente, podem ser permitidas para uma garota.

Emilia abraçou Clara e a beijou na bochecha.

— Se puder conseguir mesmo essa pequena concessão, ficarei grata.

— Escreva para seus amigos e os avise que está aqui e pode fazer e receber visitas. Quanto a Stratton, não é obrigada a se casar com alguém que não queira. Espero que saiba disso.

A alegria deixou Emilia tão rápido quanto apareceu.

— Nunca fui boa desafiando Vovó. Ela me assusta ainda mais do que o duque.

Claro que assustava. A viúva intimidava adultos. Se não fosse pela resistência de Stratton, Emilia já estaria noiva.

— Talvez Stratton também nunca venha aqui — Emilia disse, melancólica.

Clara duvidava disso. Vovó não seria deixada para depois agora, independente dos estratagemas que o duque tentasse. A não ser que ele se recusasse de forma direta a continuar esse passo de dança. Seria melhor para todos se ele decidisse fazer isso.

 

— Vai me contar aonde estamos indo? — Langford perguntou quando ele e Adam cavalgavam pela Bond Street. — Quando me chamou para me juntar a você, achei que a esta hora já fosse explicar por que e onde.

Adam havia passado por Langford há três quarteirões. Não tinha sido coincidência. Nem foi sua negligência deixar de mencionar o destino.

— Prometi que seria divertido, e vai ser.

— Devo insistir que revele tudo. Não acho que vamos a alguma loja ou que estamos a caminho de uma tarde típica de diversão.

Adam virou na Bond Street.

— Vou confessar por que abordei você, mas, primeiro, precisa prometer não me abandonar.

— O que está tramando, Stratton?

— Vou visitar Marwood.

— Não. Aquele pivete? Para quê? Pensei que tivesse jurado ser inimigo dele, por meio da sucessão.

— Ele acha que deveríamos fazer as pazes e ser amigos. Tem insistido nisso. Continua me convidando para ir à casa dele e me seguiu até a cidade para me encurralar. Ontem, ele me fez uma visita enquanto eu estava fora. Então escrevi e finalmente concordei em retornar o favor.

Langford continuou andando com seu cavalo. Pelo menos, ele não tinha rejeitado imediatamente a visita.

— Presumo que ele tenha medo de você desafiá-lo devido à briga ancestral. Provavelmente está sujando a cueca desde que soube que você voltou.

— Eu nunca duelaria por insultos de mais de cinquenta anos.

Ele recebeu um olhar duro de Langford por isso.

— Então concordou em aceitar seu ramo de oliveira? Nossa, que bondoso da sua parte.

Adam ignorou seu tom desconfiado.

— Bom, soube que ele tem uma irmã adorável.

— Deve estar falando da Lady Emilia. Ela foi uma criança linda, isso é verdade, mas ninguém a vê de perto há quase um ano. Espero que ela não frequente esta Temporada devido à morte do conde. Mas, sim, é de conhecimento de todos que ela ficou mais do que bonita. Com certeza você não pretende fazer as pazes a ponto de cortejá-la, não?

— Achei que você poderia querer.

Langford parou seu cavalo.

— Se isso foi uma piada, não estou rindo.

Adam sorriu.

— Eu estou. Pare de ficar tão preocupado. Alguém poderia pensar que é possível amarrá-lo ao casamento sem você saber.

— Há algumas mães que estão se esforçando ao máximo para isso. — Ele voltou a andar com o cavalo. — Perdoe-me pela falta de humor. Estou me sentindo perseguido. Então vamos visitar um dos inimigos de sua família, com o objetivo principal de cortejar a irmã dele.

— Isso resume bem.

Langford deu de ombros.

— Por que não me disse?

A cavalgada os levou até a porta da casa da cidade de Marwood, na Portman Square. Adam esperou até os criados pegarem seus cavalos e alcançarem a porta antes de falar de novo.

— Ah, esqueci de mencionar. A avó dele estava junto quando ele me visitou ontem. Acredito que a veremos também.

Langford fechou os olhos. Parecia um homem rezando por salvação.

— Tenho evitado assiduamente essa harpia há quase uma década, Stratton. Posso matá-lo por isso.

— Não iria querer que eu a enfrentasse sozinho, iria?

— Eu o teria mandado e coletado seus restos depois de ela acabar com você. Inferno, vamos entrar e rezar para ela já ter sido alimentada com outra pessoa hoje.

 

— Milady — a dama de Clara, Jocelyn, sussurrou o título em um tom nervoso.

— O que foi? — Clara respondeu calma como sempre, embora quisesse expressar um grande desprazer. Havia dito a Jocelyn que queria ser deixada sozinha. De forma clara e direta. Mesmo assim, ali estava a dama, interrompendo-a.

— Um lacaio veio até a porta. Disse que sua avó a quer na biblioteca.

Clara apoiou a cabeça nas mãos. Olhou para baixo, para a superfície da sua escrivaninha. As páginas impressas do jornal, recebidas de Althea no dia anterior, esperavam sua aprovação. Precisavam ser devolvidas com a correção para a gráfica no dia seguinte.

Esperara terminar na tarde do dia anterior. No entanto, desde que sua família veio se hospedar ali, houve uma interrupção atrás da outra. Ela não se importava com as de Emilia. Importava-se quando sua avó exigia sua presença.

Não que Vovó exigisse sua presença para coisas importantes. Ela mal queria conversar e precisava de um público. Pelo menos Clara havia usado aquele tempo de maneira produtiva: obtivera a autorização para Emilia ter um ou dois novos vestidos e poder receber visitas.

Na manhã do dia anterior, infelizmente, elas tinham se engajado em uma discussão quando ela recusou o comando de sua avó para se juntar à viúva e a Theo quando eles fizeram uma visita a Stratton à tarde. Ela não teve dificuldade em listar os motivos do porquê não fazer isso.

Tinha uma reunião com Althea planejada, primeiro. Segundo, ela pensou que pareceriam ridículos se a família inteira visitasse. E, finalmente, não queria encorajar o duque a pensar que ela estava, de alguma forma, de acordo com essa missão de paz, sem mencionar o plano peculiar dele de conquistar harmonia entre as famílias.

Não que ela pudesse explicar alguma dessas coisas para sua avó, então simplesmente a desafiou. Pensou como Vovó a faria pagar por isso.

— Ele mencionou que a condessa estava bem firme quanto ao assunto, milady. Disse que convidados importantes chegaram, e ela pediu para a senhorita descer.

“Convidados importantes” significava qualquer um que Vovó se dignasse a receber.

Ela olhou para seu vestido simples.

— Vou colocar meu vestido preto com cauda e bordado, Jocelyn, se são tão importantes, os malditos.

Jocelyn ruborizou com o xingamento e se apressou para o cômodo das roupas. Clara a seguiu, arrependendo-se do lapso. Ela realmente precisava parar de fazer isso.

Quinze minutos mais tarde, ela entrou na biblioteca e viu que o lacaio não tinha exagerado. Até para os altos padrões de Vovó, seus convidados eram importantes.

Stratton tinha retornado a visita do dia anterior. Mas não estava sozinho. Outro duque, Langford, o acompanhava. Durante os cumprimentos, Emilia a olhou com uma expressão desesperada.

— Os duques estão nos regalando com as descrições do baile de Lady Montclair ontem à noite — sua avó disse assim que todos se sentaram. — Ouso dizer que está sendo mais divertido ouvi-los recontar do que participar do evento.

— Eu gostaria de ter ido para ter certeza disso — Emilia murmurou.

Langford, um homem lindo com olhos azuis brilhantes e cachos escuros que se transformavam em um cabelo um pouco selvagem, dirigiu-se a ela com empatia.

— Não perdeu muito, Lady Emilia. Vai descobrir logo que bailes são todos iguais.

— Minha avó concordou que, embora nosso luto não tenha acabado, Emilia pode participar de alguns eventos menores, como festas de jardim. Seria aceitável, não concorda? — Clara olhou deliberadamente para a avó, já que ainda não tinha falado sobre o assunto com ela.

— Não vejo por que não. Avise-nos em qual ela irá, e Stratton e eu nos certificaremos de ir também e falar com ela lá.

— Como os senhores são gentis. — Se dois duques falassem com Emilia em uma festa, ninguém falaria muito sobre a menina ter ido durante o luto. — Nos certificaremos de avisá-los. Não é, Vovó?

— De fato.

Havia incontáveis respostas sob a superfície de gratidão naquela frase curta. Clara ouviu a desaprovação de sua ousadia e futuras ameaças. Emilia, no entanto, só brilhou com prazer por não ser deixada de fora de tudo.

Sua irmã estava linda naquele dia, como sempre. O sol entrando pelas janelas fazia seu cabelo loiro brilhar com luzes e também favorecia sua pele luminosa.

Langford ficava olhando para ela. Não que Langford fosse bom para Emilia, mais do que o outro duque poderia ser. Langford era conhecido por sua rebeldia que mais do que combinava com aquele cabelo devasso. Charmoso como o pecado, ele com certeza partiria o coração de qualquer mulher com quem se casasse.

Clara tentava não olhar para Stratton, mas ele se sentou bem ao lado do amigo e conseguiu se intrometer em sua visão. Mal olhava para Emilia, algo que Vovó certamente notaria. Clara esperava que Vovó não percebesse para quem ele estava olhando.

Não era como se ele a encarasse. Mas com frequência aquele olhar negro pairava nela, a ponto de deixá-la consciente. Ela entendia o que Emilia queria dizer sobre achar que ele era assustador, só que aquela palavra não interpretava adequadamente a reação que ele provocava. Ela achava que sua atenção a obrigava a lembrar dele perto demais, quase a beijando e dizendo coisas muito íntimas.

— O dia está lindo — sua avó anunciou. — Clara, por que não leva sua irmã e os cavalheiros para o jardim, a fim de aproveitar a brisa e o sol? Seu irmão e eu nos juntaremos aos senhores logo.

Então, ela liderou o caminho para fora das janelas francesas até o terraço.

Adam planejou que, quando saíssem no terraço, ele ficasse ao lado de Lady Clara, e Langford acompanhasse Lady Emilia.

Langford poderia encantar qualquer mulher de qualquer idade sem se esforçar. Era simplesmente de sua natureza. Alguns reis nasciam para governar; Langford nascera para seduzir.

Ele se conteve até onde pôde porque Lady Emilia era jovem, mas aqueles olhos azuis ainda eram penetrantes e aquele sorriso ainda bajulava. Lady Emilia se transformara em uma bagunça afobada de risadinhas e vermelhidão quando eles chegaram ao jardim.

Lady Clara não deixou de notar.

— Perspicaz da sua parte trazê-lo — ela disse para Adam. — Do contrário, minha avó poderia ter interpretado sua visita como cortejo, e um indicativo de seu acordo com a ideia dela sobre o casamento.

— Ela teria acertado, claro, mas apenas errado a dama. Não vamos explicar isso ainda, no entanto. Será nosso segredo por um tempo.

— Queria que parasse de falar assim, quando sabe que será um segredo eterno porque nunca aceitarei. Não há motivo para eu fazê-lo.

— Há um bom motivo. Muitos motivos. Será nosso segredo enquanto eu lhe mostro quais são.

Bem à frente, Langford deve ter contado alguma piada porque a risada de Emilia flutuou pelo ar.

— Espero que ele não crie nenhuma esperança com ela — Clara disse, estreitando os olhos. — Nunca vai ser adequado.

— Ele nunca mostrou interesse em jovens, então eu não me preocuparia.

— Os senhores são bons amigos?

— Somos amigos desde a escola. — Ele riu baixinho. — Esqueço como sabe pouquíssimo sobre mim, às vezes.

— Sua família não existia do ponto de vista da minha família, então nunca o notei ou com quem o senhor andava.

— Nunca me notou? Que ofensa. Nunca? Nem uma vez? — Ele a olhou diretamente, irônico.

Ela sentiu o rosto ruborizar, porque é claro que o tinha notado antes de ele partir para a França, durante as primeiras temporadas. Quem não notaria? Seu rosto lindo e espírito latente o destacavam. Uma vez, em um baile, ela sentiu uma calma estranha no salão, uma rigidez. Tinha sido ele, agindo como o centro de um vórtice, e a reunião ao redor era o redemoinho.

Ele a tinha visto observando-o, ela se lembrou de repente agora. Ele vira que ela o observava. Ele achava, ela suspeitou, que ela não o via totalmente como um inimigo naquele momento inesperado.

Agora ele mergulhou a cabeça para mais perto da dela.

— Não acho que não existíamos para sua família. Acho que falavam bastante de nós. Não com ou perto da senhorita, mas seu pai e sua mãe. Estou correto?

A voz dele, sua respiração, e a proximidade a deixaram nervosa. Ela verificou se sua irmã não tinha ido longe para fazer sala.

— Às vezes.

— Na época de Waterloo? — Sua voz suavizou. — Ou nos meses seguintes?

Sua mente voltou àquele tempo, anos atrás, como se fosse mandada para lá por um feitiço dele. As conversas se acumularam em sua memória todas de uma vez, como muitas vozes conversando em uníssono. Ela escutou o pai, tão claramente que lhe doeu, mas suas palavras foram obscurecidas por outras vozes falando por cima e à volta dele. Então o viu, claramente, batendo a mão na escrivaninha da biblioteca.

— Não — ela mentiu. — Não naquela época. Não que me lembre, pelo menos.

Ela não sabia por que se recusava a contar. Talvez por causa da maneira como ele a observava. Como se sua reação importasse para ele. Importava demais. Lá na frente, Langford parou de andar com Emilia. Ele os aguardou alcançá-los. Emilia parecia inebriada de alegria. Ficava olhando Langford como se ele a maravilhasse.

— Ah, não — Clara murmurou.

— Não se preocupe. Trarei homens mais apropriados para ela — Stratton disse. — Seguros, que não são perigosos de nenhuma forma. Ela vai rapidamente esquecer uma tarde de paixão.

 

— Agora, essa foi uma visita esquisita — Langford ofereceu a opinião quando ele e Adam viraram seus cavalos na Bond Street.

— Por quê?

— Por quê? Muito inocente. Você sabe por quê. Se eu não o conhecesse, diria que me trouxe para poder me jogar para aquela garota, apesar de suas garantias. Bom, não vou ceder. E se a viúva é tola o bastante para arriscar a virtude da neta comigo, ela terá que colocar a menina na fila atrás de outras cujas mães também são muito negligentes.

— A intenção não foi jogar você para a menina, mas evitar que eu fosse jogado para ela. Eu nunca a tinha conhecido e não queria que sua família pensasse que uma visita meramente social significasse mais do que isso.

— Estou muito feliz por ter me achado conveniente para seu objetivo. Da próxima vez, por favor, dê a honra a Brentworth.

— Ele teria assustado a garota ao ponto de ela não conseguir falar uma palavra. E também não teria sido tão descuidado a ponto de me permitir arriscar que seu nome fosse conectado ao dela.

— Está dizendo que me escolheu porque sou um perfeito idiota? Também não quero meu nome ligado ao dela. Se for, se Marwood começar os boatos, juro que vou...

— Eis o que deveria fazer. Visite-os de novo daqui a muitos dias...

— Pareço maluco para você? Estamos falando da Condessa de Marwood. Ela, que acaba com as mulheres por diversão e humilha homens como se fosse um jogo. Posso sobreviver a esta temporada se eu batalhar apenas com as mães armadas contra mim. Certamente vou perder se também precisar me proteger dessa mulher.

— Tinha me esquecido de como você é dramático. Escute-me. Visite de novo daqui a muitos dias, mas faça como eu. Traga outro com você. Seu irmão, por exemplo.

— Harry? Ele vai entediar a menina.

— Ela é muito jovem. O calmo e estudioso Harry não vai oprimi-la, e ela terá um amigo na cidade. Com o tempo, quem sabe o que pode acontecer? Ele terá o caminho livre, afinal.

Langford refletiu.

— Pode funcionar. Você fez aula de juntar casais na França?

— Tive aula de todo tipo de coisa. Agora, preciso parar aqui para uma coisa. — Ele desmontou do cavalo. — Você está livre para seguir seu caminho.

Langford olhou para baixo, para a loja onde Adam amarrou o cavalo.

— Vai comprar joias?

— Uma pequena bugiganga.

Langford desmontou.

— Para quem?

— Para minha senhora. Vou vê-la mais algumas vezes antes de dar o presente, mas é hora de escolher alguma coisa.

Ele entrou na loja, com Langford atrás.

— Agora fiquei confuso, Stratton. Acabou de falar para eu jogar meu irmão para ela, e tudo que fez foi ignorá-la... — Ele parou de andar. — Ah, caramba. A menina não tem nada a ver, mas a mais velha, certo? Diga que estou enganado, porque seria a pior união já planejada.

Adam pediu ao funcionário para trazer brincos de pérola. Langford apoiou os cotovelos ao lado dele no balcão.

— Se estou correto, pérolas são a escolha errada. Pérolas são modestas, discretas e convencionais. Aquela bruxa implora por algo brilhante e inesperado. Algo que declare que ela não vai se curvar para nenhum homem. Algo que...

— Estou começando a achar que você não gosta dela.

— Nenhum homem gosta muito, Stratton. A forma como ela empina o nariz para todo pretendente dificilmente encoraja generosidade. — Ele gesticulou para o funcionário levar a bandeja de pérolas embora. — Traga rubis, meu bom homem. Quanto maior e mais exagerado, melhor.


— Decidi que preciso me mudar para cá — Clara compartilhou o pensamento com Althea depois que elas terminaram de verificar o jornal. Faltava apenas Althea empacotá-lo para enviar à gráfica e agendar a impressão.

— Seus parentes a estão irritando?

— Minha avó acha que pode ditar meus movimentos e exigir que me junte a ela em qualquer visita que escolha fazer. Minha liberdade de ir e vir acabou. Preciso sair escondido como fiz hoje para encontrá-la aqui. Já estou esperando que ela abra minha correspondência.

Ela olhou em volta na biblioteca de sua casa em Bedford Square onde conversavam. A casa não chegava nem perto do tamanho da Gifford, claro, mas seria apropriado para ela. Se morasse ali, poderia terminar mais rápido seus outros planos para aquela casa.

Faltavam lugares para mulheres se encontrarem e relaxarem, com exceção da casa delas. Homens tinham seus clubes, tavernas e cafeterias para esse propósito. Por que as mulheres não poderiam ter refúgios também? Aquela casa, com sua sala de jantar, biblioteca e sala de estar, poderia servir como uma, para um grupo seleto de amigas. Ela nem precisaria fazer mudanças. Seria muito agradável se uma mulher pudesse sair de casa e se aventurar, sabendo que, em seu destino, haveria amigas e conhecidas com quem poderia passar uma hora ou mais, tomando café e comendo bolos, ou até um pouco de xerez ou vinho. Clara pensou que adoraria ter um clube de mulheres assim, então outras provavelmente pensavam da mesma forma.

— Quando planeja efetivar essa mudança? É um grande passo — Althea disse.

— Amanhã. Já informei minha criada para começar a arrumar meus baús.

— Informou seu irmão e sua irmã e, antes que nos esqueçamos, sua avó?

— Ainda não.

— Pretende sair escondida à noite e deixar uma carta?

— Claro que não. — Tinha passado por sua mente. — Não vamos sofrer por antecedência, e vamos falar de outras coisas. Descobriu alguma coisa sobre Stratton?

Althea sorriu presunçosa.

— Talvez.

— Vai me contar ou ficar zombando de mim?

— Pensei que um pouco da segunda opção seria justo. São notícias provocativas e, considerando a culpa que senti ao saber delas, preciso fazer você pagar.

— Se são provocativas, sou toda ouvidos.

— Descobri que há um boato bem vago de que o falecido duque não pereceu em um acidente de caça, como achavam. Ao invés disso, mirou a pistola em si mesmo.

Clara encarou Althea.

— Quem lhe contou isso? É uma coisa chocante de se dizer se não for verdade.

— Tirei essa informação da minha tia-avó.

— A tia-avó que precisa de cuidador?

— Disse a mim mesma que não me aproveitei, mas acho que fiz isso, sim. Ela estava visitando meu irmão, e ficamos sozinhas. Eu tinha acabado de perguntar ao meu irmão o que ele sabia sobre Stratton, quando ele foi chamado por sua secretária. Minha tia começou a falar o que ela sabia sobre Stratton, como se eu tivesse lhe feito a pergunta. — Ela mordeu o lábio inferior. — Acho que deveria tê-la impedido.

— Talvez ela o tenha confundido com outra pessoa. Alguém de muitos anos atrás.

— Acho que não, considerando o que ela disse.

Clara se inclinou, para que não perdesse uma palavra.

— Ela disse “Claro, a lealdade dele fora impugnada. O que mais ele poderia fazer?”.

— Não.

Althea assentiu.

— Então, meu irmão retornou, e um olhar desafiador a silenciou.

— Não me lembro de nenhum boato sobre a lealdade dele. Claro que ninguém ousaria compartilhar tal coisa abertamente se não houve nenhuma acusação oficial.

— Ela também poderia estar enganada. Ou, como disse, confundiu-o com outra pessoa.

Não foi a primeira vez que as conversas sobre a família Stratton fizeram Clara se lembrar de coisas, profundidades sobre situações às quais ela nunca deu importância. Agora, enquanto refletia sobre essa revelação, lembrou-se de flashes daquela época. Viu o pai em seu escritório, debruçado sobre o Times em sua mesa, estreitando os olhos para uma notícia com bordas em preto. Ela havia olhado apenas para ver o que o absorvia por causa de sua expressão. Não era de tristeza ou curiosidade. Mas uma armadura havia mascarado sua expressão, o que ela achou estranho, considerando que ele lia a notícia da morte de outro nobre.

— Ela também disse que aconteceu na propriedade da família — Althea revelou. — Falou como se ele tivesse sido grosseiro por se matar assim.

— Que horrível. — Clara sentia empatia pelo duque agora. Foi ruim o suficiente ter passado pela experiência de seu próprio pai morrer. Devia ser muito pior passar por isso sob essas circunstâncias. — Não me admira que ele tenha ido embora da Inglaterra logo depois. O duque atual, quero dizer. Se sua tia acreditava nisso, outros também o faziam, tenho certeza. Os falatórios teriam sido insuportáveis durante tal luto.

— Acho que é provável que ele tenha partido por causa daquele negócio sobre lealdade impugnada, não acha? Esse tipo de coisa mancha o nome da família, às vezes para sempre.

— Mesmo que eles sejam inimigos da minha família, preferiria não acreditar nessa parte. No entanto, pode explicar aqueles duelos na França. Ainda assim, não vamos presumir que sua tia esteja certa até termos informações parecidas de outros.

Althea se levantou e pegou sua prova embalada.

— Devo ir agora se quiser entregar isto para a gráfica esta tarde. Precisamos planejar como vamos distribuir o jornal para as livrarias. Devo escrever para nossas senhoras e marcar uma reunião?

— Se puder. Segunda será uma boa hora. Tenho alguns assuntos de família para tratar antes disso. — Clara levou Althea até a porta. — Quanto ao que me disse hoje, devemos guardar para nós mesmas.

— Não quer mais descobrir tudo e publicar um artigo?

— Se descobrirmos tudo, publicaremos. Até lá, entretanto, isso deve ficar apenas entre nós duas. Não quero prejudicar alguém sem querer ao mexer em histórias antigas.

Althea deu um beijinho em sua bochecha.

— Você tem um bom coração, Clara. Está sendo bem solidária. Talvez essa guerra antiga não tenha mais a importância que teve um dia.

Que coisa tola de se dizer. Claro que tinha. E ela não estava sendo solidária. Estava sendo responsável. Não deixaria os boatos e fofocas mancharem o nome de uma pessoa sem provas. Seu jornal era melhor que isso.

 

Dois dias depois, Adam e Brentworth passaram a tarde treinando boxe. Terminado o treino, tomaram banho e se vestiram.

 


CONTINUA