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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O ENCANTADOR / Madeline Hunter
O ENCANTADOR / Madeline Hunter

                                                                                                                                                  

 

 

 

 

 

Biblio VT

 

 

 

 

 

Ele a encontrou nos braços de outro homem, a própria imagem da devassidão sofisticada. Mas, Sophia Raughley sabia muito bem que a verdade era muito diferente das aparências. No entanto, o que deveria ela fazer com esse homem atraente e autoritário, que invade o seu salão parisiense, exigindo que volte com ele para Inglaterra, por ordens do próprio rei?
Adrian Burchard não tinha ideia das lembranças dolorosas que levaram a bela duquesa a um exílio autoimposto do outro lado do mar, mas, claramente, ele não aceitaria um não como resposta. Mas, esse homem devastadoramente sedutor, tinha um passado secreto e atormentado, e poderosos inimigos na Inglaterra que ambos compartilhavam.
Enquanto Sophia cai sob o encanto do seu charme erótico e Adrian se vê incapaz de resistir à resposta apaixonada dela, eles embarcam juntos em um caso irresistivelmente perigoso que irá destruir os dois — ou evidenciar a única coisa que pode salvá-los.

 

 

 

 

 

 

Capítulo 1

Maio de 1831

Adrian atravessou o limiar da sala de estar e encontrou-se no meio de um harém árabe.

Mulheres envoltas em pantalonas e véus coloridos descansavam ao lado de homens vestidos com túnicas esvoaçantes. Uma fortuna em seda caía do teto alto com afrescos, formando uma enorme tenda. Duas peles de tigre estendiam-se sobre os tapetes de cor pastel, almofadas incrustadas com joias, sofás e cadeiras. Um aroma exótico e pesado flutuava sob as fragrâncias de incenso e perfume. Haxixe. Nos cantos mais escuros, alguns homens beijavam e acariciavam as suas damas, mas nenhuma orgia clara estava a acontecer.

Ainda.

Um homem numa missão, sem interesse nesse tipo de diversão, Adrian caminhou lentamente pelos corpos fantasiados, procurando por uma mulher que se encaixasse na descrição da Duquesa de Everdon.

Ele notou um canto com um dossel que parecia ser o lugar de honra. Ele dirigiu-se lá, ignorando as mulheres que o olhavam e sorriam convidativamente.

O dossel cobria um pequeno estrado sustentando uma espreguiçadeira. Uma mulher estava deitada nela, nos braços de um homem. Os seus olhos estavam fechados e o homem lhe oferecia vinho. O cartão de Adrian tinha caído desprezivelmente no chão, escapando dos dedos frouxos da dama.

— Estou grato por você finalmente me receber, Duquesa. — disse ele, anunciando a sua presença. Na verdade, ela não concordou em recebê-lo em absoluto. Ele tinha ameaçado e inventado, para passar pelo mordomo.

As pálpebras dela se abriram e ela olhou para ele. Ela usava uma roupa que a envolvia dos seios até aos pés descalços, mas que deixava o pescoço e os braços descobertos, revelando uma pele pálida e brilhante. Sob a luz fraca, ele não podia julgar bem o rosto dela, mas o seu cabelo era uma massa de cachos escuros subjugados por uma faixa de ouro circundando a sua cabeça.

Ela parecia muito sensual com a seda vermelha envolvendo as suas curvas, além dos braceletes e tornozeleiras brilhando à luz das velas. O homem loiro de peito nu que a segurava, também pensava assim. Adrian quase esperou que ele desse uma mordida nela enquanto ele observava.

A duquesa avaliou Adrian francamente e ele devolveu o mesmo tipo de avaliação. A única filha viva do último Duque de Everdon tinha alcançado uma importância instantânea com a morte inesperada do pai. Nas últimas duas semanas, todos aqueles que eram alguém em Inglaterra, estavam especulando sobre Sophia Raughley e imaginando o que ela fizera durante a sua longa ausência de Inglaterra.

Adrian não apreciava relatar a resposta aos homens que o enviaram para aqui. Pela aparência das coisas, nestes últimos oito anos em Paris, a nova duquesa tinha-se ocupado em tornar-se uma libertina desavergonhada.

Ela se torceu para fora do abraço do seu amante e se esticou para tatear o cartão, quase caindo da espreguiçadeira. Parecia infantilmente desajeitada de repente e, também, um pouco desamparada e Adrian sentiu uma pontada de pena. Ele pegou o cartão e o colocou nos dedos dela. Ela apertou os olhos e gesticulou para o seu parceiro aproximar uma vela.

— Senhor Adrian Burchard. — Ela leu.

— Ao seu serviço, Sua Graça. Se pudéssemos falar em particular, por favor.

Juntando a sua roupagem, ela levantou-se. Com a educação de séculos endurecendo a sua postura, ela o encarou.

— Acho que sei o serviço que você oferece, mas temo que desperdiçou a sua viagem. Não vou voltar com você.

Claro que ela ia.

— Mais uma vez, eu peço para falar com você em particular.

— Volte amanhã.

— Eu vim nos últimos dois dias e agora esta noite. É hora de você ouvir o que tenho a dizer. É hora de você encarar a realidade.

A raiva brilhou nos olhos dela. Ela avançou em direção a ele. Por um momento pareceu bastante formidável.

Então o seu pé ficou preso na flutuante seda. Ela tropeçou e se lançou para frente, direto para os braços dele.

Ele segurou a arremetida feminina, agarrando as suas costas e o seu traseiro macio. Ela não usava vestes ou anáguas sob aquela seda vermelha, ele percebeu. Não era de admirar que o seu árabe loiro brilhasse com expectativa.

Ela olhou para cima em choque, os seus olhos verdes brilhando. O sorriso de vergonha se ampliou até que ele esperou que as suas orelhas saltassem.

Ela estava bêbada. Completamente alterada.

Maravilhoso.

Ele a colocou de pé e segurou-a pelo braço, até que ela se equilibrou um pouco.

— Eu não me importo muito com a realidade. Se é isso que você oferece, vá embora. — Ela soava como uma criança rebelde e petulante, provocando nele a tentação de tratá-la como se fosse uma. Ela acenou para a sala de estar ao redor. — Isto é real o suficiente para mim.

— Dificilmente é real. Nem mesmo muito preciso.

— O meu seraglio1 é muito preciso. Stefan e eu o planejamos por semanas. O próprio Delacroix desenhou as roupas.

— As roupas estão corretas, mas você criou uma fantasia europeia. Um seraglio não é nada parecido com isto. Num verdadeiro harém, exceto pelo raro visitante, todos os homens são eunucos.

Ela riu e deu a Stefan uma cutucada brincalhona.

— Não tão alto, Senhor Burchard, ou os homens vão fugir. E as mulheres? Eu acertei nisso pelo menos?

— Não inteiramente. Por um lado, um seraglio inteiro existe para o prazer de um único homem, não muitos. Por outro...

A expressão de Stefan o distraiu. O seu sorriso revelava a presunção de um homem que supunha que, se apenas um sultão devesse desfrutar dos prazeres deste harém em particular, não havia dúvida de que seria ele.

Stefan ia ser um problema.

— Por outro lado, exceto por alguns ornamentos, as mulheres de um harém estão nuas.

Um riso sugestivo gotejou para o estrado dos espectadores. Gritos indecentes perfuraram as sombras esfumaçadas.

Como se as palavras dele tivessem sido uma deixa, uma mulher do outro lado da sala se levantou do círculo de admiradores e soltou um broche. Sua roupagem diáfana voou para o chão em meio a gritos e palmas.

Outra mulher se levantou e se despiu. A situação deteriorou-se rapidamente. Roupas voaram pelo ar. As sombras se encheram com o arredondado de seios e nádegas. Abraços se tornaram mais íntimos.

Os olhos da duquesa se arregalaram. Ela parecia desanimada com o rumo que as coisas tinham tomado. Ridículo, é claro.

Ela acabara de explicar que ela mesma planejara isto.

Stefan estendeu a mão para ela.

— Venha, Sophia, moi skarb2.

A duquesa cambaleou para trás com o puxão e caiu no colo dele. Adrian observava, uma presença esquecida.

Stefan começou a acariciar o braço dela enquanto entornava a taça para a boca dela.

Adrian se virou para ir embora. Esta prometia ser uma tarefa desagradável. Mesmo assim, era essencial para ele completá-la. Muita coisa dependia dessa mulher tola e debochada. Possivelmente o futuro da própria Inglaterra.

Ele olhou de volta para a espreguiçadeira. Stefan tinha soltado o vestido dela de um ombro e agora trabalhava no outro. A cabeça dela estava pendurada em seu ombro, mas a sua reação aborrecida não deteve Stefan nem um pouco. Ela se sentou com dificuldade enquanto o homem a despia.

Adrian voltou para o estrado, no momento em que Stefan desnudou os belos seios da duquesa.

— Talvez em seu zelo amoroso você não tenha notado, meu amigo, mas a mulher não está mais com você. Ela está bêbada.

Stefan estava fechando as cortinas da cobertura.

— Cuide dos seus próprios assuntos.

— Cavalheiros raramente se importam com seus próprios assuntos quando uma dama está prestes a ser estuprada. Mas também você não saberia como os cavalheiros reagem, pois não?

Stefan levantou-se indignado e a duquesa deslizou para longe, formando uma pilha seminua na espreguiçadeira.

— Como ousa insinuar que eu não sou um cavalheiro. Quero que saiba que eu sou um príncipe da casa real da Polônia.

— Você é? O que está fazendo em Paris? Com os seus compatriotas lutando para expulsar os russos, um príncipe não deveria estar liderando um exército em algum lugar? Ou você é um daqueles príncipes que não gosta muito de guerra?

— Agora você me chama de covarde!

— Só se você for realmente um príncipe, o que eu aposto que você não é. Na verdade, eu suspeito que você conseguiu sair das sarjetas de Varsóvia e está vivendo às custas de mulheres, desde que saiu de casa.

Os olhos de Stefan estavam cheios de fúria. Adrian, casualmente arrastou a seda vermelha, discretamente sobre os seios nus da duquesa.

— Exatamente em que você trabalha, Stefan? Quando você não está se prostituindo para mulheres ricas, isto é, ajudando-as a planejar orgias?

— Eu sou um poeta. — Rosnou Stefan.

— Ahhh. Um poeta. Bem, isso faz toda a diferença, não faz? As mulheres não te mantêm, elas te patrocinam.

Adrian se inclinou e deslizou os braços sob a duquesa.

— Eu estou levando a duquesa para um local onde ela pode se recuperar. Interfira, e eu vou matá-lo.

Stefan engasgou com indignação, mas a sua expressão rapidamente se tornou insultuosa e maldosa. Enquanto Adrian levantava o seu fardo, Stefan se moveu para bloquear o caminho deles.

— Estou falando sério, Stefan. Fique de lado ou eu vou te desafiar para um duelo e te matar. Já que você é um canalha, isso nem vai arruinar o meu dia.

Stefan estava quase bêbado o suficiente para ignorar a ameaça, mas, para o desapontamento de Adrian, não o bastante. Com uma carranca ele se afastou.

Adrian levou a duquesa para fora do estrado. O movimento fez com que a peça solta se movesse, de modo que, um seio espreitou através da seda vermelha. Notando mais uma vez que os seios dela eram muito adoráveis, ele tirou a duquesa do seraglio com tanta dignidade quanto pôde para os dois.

O velho mordomo espiava no corredor. Adrian pediu para o homem acompanhá-lo.

— Seu nome.

— Charles, senhor. Ela insiste que todos nós usemos os nossos nomes cristãos aqui. A influência francesa, receio.

A evidência de que a duquesa nutria algumas frívolas noções igualitárias não era uma boa notícia.

— Além de você, Charles, algum dos outros empregados é inglês?

— A sua criada, Jenny, isso é tudo. Os demais são franceses e há uma variedade de poloneses, austríacos e boêmios se alimentando na gamela, mas eles estão aqui para servir os seus próprios senhores, que por sua vez são hóspedes permanentes, por assim dizer.

— Quantos convidados permanentes?

— Quatro no momento.

— Todos homens?

Charles corou até ao topo da sua cabeça careca e assentiu.

— Do tipo artístico. Escritores e assim. Eles são conhecidos na cidade como o Ensemble da Srta. Raughley. Todos eles cheios de alta sensibilidade. A minha senhora, é uma grande patrocinadora do novo estilo romântico nas artes. — Ele olhou para a cabeça pendurada da sua senhora com afeição, e delicadamente estendeu a mão para deslizar um pouco de seda sobre o seio nu dela. — Eu quero dizer, que isto não é típico dela. Desde que soube da morte do pai, ela não tem sido a mesma.

— Afligida pelo luto?

— Aterrorizada é mais apropriado. Não havia muito amor entre ela e o duque. É por isso que estamos aqui, não é? Mas a notícia a afetou muito. É como se ela soubesse que não pode mais se esconder.

Eles tinham alcançado a escadaria principal.

— Mostre-me os aposentos dela, Charles, e chame Jenny e duas outras mulheres em quem você confia. Depois lhe darei instruções para fazer as malas. A duquesa sairá de Paris. Se você tiver qualquer dúvida sobre a minha autoridade para iniciar estes planos enquanto ela está indisposta, devo lhe dizer que tenho uma carta do próprio Rei William convocando-a para casa.

— O Rei! — As notícias deixaram Charles, adequadamente impressionado, até que chegaram ao segundo andar. — Eu não acho que seja possível efetuar uma partida tão rapidamente.

— Se fechar a casa se provar complicado, você ficará para trás e fará isso. A duquesa virá comigo imediatamente.

— Eu não acho que ela concordará com isso.

Adrian não tinha intenção de deixar a falta de concordância de Sophia Raughley interferir em sua missão. Charles sinalizou para um corredor e eles pararam numa grande porta dupla.

— Porque ela vai querer adiar, Charles? Se é por causa de Stefan, eu vou lidar com isso.

— Eu não estava pensando no poeta polonês. São os animais. Ela nunca iria embora sem eles.

— Um problema pequeno. Nós podemos levá-los. Eu tenho uma boa mão com cachorros.

Charles virou as maçanetas das portas.

— Acontece que não são apenas cachorros.

Adrian entrou e parou. Dezenas de olhos inumanos o olharam de ao redor da câmara.

Ele tinha escapado do harém apenas para se encontrar num zoológico.

— Há mais. — disse Charles.

Claro que há. Adrian andou pela opulenta sala de estar. Os pássaros de penas brilhantes tinham cessado o barulho, mas o macaquinho ainda estava fazendo birra porque a chegada de sua senhora não significava a liberdade da gaiola. Havia um réptil de aparência estranha numa caixa de vidro e duas cobras grandes em outra. Uma pele de jaguatirica3 se estendia debaixo da janela. Ao contrário das peles na sala de visitas, esta ainda tinha o animal dentro de si.

E, claro, havia cachorros. Três deles. Mastins de cara brava. Eles posavam como soldados, na frente da lareira, e olharam tensamente para o pescoço de Adrian. Os gritos femininos vindos do quarto de vestir, tinha-os colocado no limite.

— Os grandes estão na casa de campo. — explicou Charles. — Bem, dificilmente se pode abrigar uma girafa e um leão aqui na cidade, pode?

— De fato não. Eu tentei uma vez, com a minha girafa e o meu leão, e eles destruíram a biblioteca. — Adrian se jogou numa cadeira bem no meio dos mastins e começou a encará-los.

Mais gritos soaram no quarto de vestir, onde três criadas estavam banhando a duquesa. Com sorte, pelo menos metade da sua inteligência, retornaria para que ele pudesse explicar o que iria acontecer.

Esperançosamente ela não se lembraria dos primeiros momentos do seu despertar. Jenny acabara sendo uma coisinha pequena, e as duas empregadas francesas eram ainda menores. Elas não conseguiam levantar a duquesa, então ele foi forçado a carregá-la para dentro quando o banho estava pronto.

Pelo bem da modéstia, ele a tinha abaixado na água ainda vestida, mas a seda úmida se aderiu como uma segunda pele e criou uma imagem muito mais erótica do que a simples nudez. A duquesa anulou completamente as reações sexuais dele, recuperando a consciência após a submersão. Ela meio que despertou, absorveu a sua situação e depois acordou com um rugido.

Nesse ponto ela ficou doente.

Sim, esta estava se tornando numa noite e tanto.

Dois dos mastins assumiram posições de submissão a seus pés, mas o terceiro recusou-se a mover-se, curvar-se ou piscar. Adrian intensificou a disputa enquanto a sua memória examinava os acontecimentos da última hora, parando mais do que deveria, em várias imagens de Sophia Raughley encharcada, em desalinho ou de peito nu.

A voz zangada da duquesa podia ser ouvida, ameaçando despedir todos. Charles lançou um olhar suplicante para Adrian.

— Você pode sair. Você sabe o que fazer. — disse Adrian.

O último cão quebrou e abaixou o rabo. Adrian permitiu algum fungar simpático, depois gesticulou para o animal se deitar. Ele serviu um pouco do vinho trazido para refrescá-lo, esticou as pernas e esperou.


Capítulo 2

Sophia embalou a cabeça zonza nas mãos. Ela tinha bebido uma taça ou duas de vinho a mais do que o normal esta noite, mas nada para merecer este sofrimento.

— Ele ainda está lá?

Jenny abriu uma fresta da porta e enfiou o nariz nela.

— Sim, sentado à lareira como se tivesse o direito de estar aqui.

Sophia fez um gesto para as duas mulheres limpando a água ao redor da banheira.

— Saiam agora e vão para a cama. O resto pode esperar até amanhecer.

Lisette e Linette correram para a porta. Quando saíram, Sophia teve um vislumbre do homem sentado entre os seus cães.

Adrian Burchard. Ela conhecia os Burchard. Randall Burchard, o Conde de Dincaster, fora um amigo do pai dela.

A única coisa que sabia sobre esse Burchard em particular, no entanto, era o que descobrira com Jenny. Ele estava aqui em uma missão do Rei, nada menos, para levá-la de volta para a Inglaterra.

— Mande-o embora.

— Eu não acho que ele irá. Disse que esperaria até que você estivesse bem o suficiente para falar com ele.

Sophia empurrou Jenny para o lado e enfiou o próprio nariz na fresta. Adrian Burchard bebia o vinho dela, olhava à lareira dela e coçava a orelha de Yuri. Era uma maravilha que ele não tivesse tirado os sapatos. Ele mostrava uma figura impressionante com seu escuro cabelo despenteado, olhos escuros e traje de cerimónia preto. Muitas mulheres não se importariam de encontrá-lo metido em seus aposentos.

Ele possuía uma atraente presença que a afetava mesmo na condição lastimável em que se encontrava. Ainda assim, ele parecia, de alguma forma, fraudulento. O corte das suas roupas e a maneira como ele se recostava anunciavam-no como inglês. Ele exalava uma linhagem aristocrática inglesa que não podia ser falsificada. Mas... o seu rosto, sim, era isso. Havia algo suspeitamente não inglês no seu rosto.

Ele não se parecia com o loiro Conde de Dincaster. Este homem possuía grossos cabelos negros ondulados e olhos muito escuros, profundos e com o formato dos países do Mediterrâneo. O contraste com a sua pele clara criava uma aparência ligeiramente antinatural. Havia algo estrangeiro em sua boca também, uma linha dura que lhe dava um aspecto cruel.

Ela não conseguia afastar a impressão de que se ele trocasse de roupa, comportamento e alguns detalhes físicos, Adrian Burchard poderia passar por um príncipe espanhol, com muito mais sucesso, do que aquele pernicioso Stefan passava por um polaco. O que era peculiar porque, embora Stefan não fosse um príncipe, ele certamente era polaco.

Quanto mais ela observava, mais familiar Burchard parecia, numa forma que desconfortavelmente, picava as suas lembranças. Ela tentou afastar as grossas nuvens que obscureciam os acontecimentos da noite. Era extremamente desconcertante perceber, que várias horas da sua vida, tinham passado sem que se tivesse consciência delas.

Jenny estendeu alguns espartilhos para que ela analisasse.

— Você se sente bem o suficiente para se vestir agora, minha senhora?

— Não tenho intenção de me vestir completamente de novo, para cumprimentá-lo. Pegue o meu vestido informal violeta, faça alguma coisa com o meu cabelo e jogue um xale sobre os meus ombros. Se ele ficar chocado, eu não me importo.

— Oh, eu não acho que você poderia chocá-lo. — Jenny meditou enquanto abria as portas dos armários. — Depois do que ele já viu, seria peculiar se ele ficasse escandalizado por um vestido informal perfeitamente respeitável, não é?

Bem, isso agora dependia do que ele já tinha visto.

— O que você acha dele, Jenny?

Jenny olhou para a porta.

— Ele é bastante formidável. Ele não assusta como o seu pai assustava, mas há algo nele que faz nos querer colocar as coisas nas mãos dele, porque ele, com certeza, conseguirá o que pretende. E ele é todo um cavalheiro. Charles disse, que, enquanto a trazia até aqui, você estava parcialmente exposta e nem uma única vez o Senhor Burchard olhou.

O estômago inquieto de Sophia esperneou com indignação. Através de uma estranha desventura, esse estranho a tinha visto parcialmente despida.

— E ele pode ser muito gentil, minha senhora. — Continuou Jenny enquanto tentava domar os cachos de Sophia com pentes. — Ele a carregou para a banheira como um bebê, e quando você ficou enjoada ele ajudou e não mostrou nenhum desânimo.

Sophia sentiu o seu rosto queimar. De repente essa memória rompeu a névoa. Água em movimento. Mãos masculinas segurando o seu queixo e testa sobre um aro de porcelana. Metros de seda vermelha empapada e arruinada.

Jenny prendeu os seus cachos e os envolveu em uma rede fina. Sophia levantou-se para vestir o vestido violeta de cetim.

Reunindo, os fragmentos esfarrapados da sua dignidade em seu redor, ela entrou tão grandiosamente na sala ao lado quanto as circunstâncias permitiam.

O efeito, se houve algum, foi desperdiçado. Adrian estava debruçado sobre a forma prostrada e ofegante de Yuri, dando uma boa coçada no estômago, servilmente implorando por atenção.

Sophia esperou. Ele ouvira a entrada dela, mas fingia que não. Ele planejava fazer disso uma competição. Ela realmente não estava de bom humor, mesmo que os seus olhares escuros, deixassem a sua boca seca.

Ele finalmente a reconheceu. Levantando-se, estalou os dedos e apontou para Yuri voltar para o seu lugar junto à lareira. Sophia não perdeu o simbolismo. A sua casa já é minha para comandar, dizia o gesto.

Ele a avaliou de forma afiada com aqueles olhos maravilhosos. A sua expressão implicava que ele esperava achar a próxima competição fácil de ganhar também.

Ele avançou e ela apresentou a mão. Ele se curvou sobre ela.

— Dadas as circunstâncias, talvez devêssemos começar de novo e repetir a apresentação, Duquesa. Eu sou Adrian Burchard. Você está se sentindo melhor? Tomei a liberdade de pedir que alguma comida fosse trazida. Vai ajudar se você comer alguma coisa.

Chá e bolos esperavam em cima de uma mesa. Ele a guiou, sentou-a, serviu o chá e se acomodou a vários metros de distância. Magistralmente.

— Por favor, coma alguma coisa. — Não era um pedido. Não realmente.

Ela pegou um bolo, apesar de tudo. O mordiscou e bebeu um pouco de chá sob a aprovação atenta dele.

Uma parte boba e ainda inebriada dela, queria resplandecer com prazer, porque ele estava satisfeito.

Uma parte diferente e sensata, a parte que desenvolveu uma dor de cabeça gigantesca, sabia o que ele estava fazendo.

Ele estava tentando controlá-la, como se ela fosse uma idiota.

— Você é um dos filhos do Conde de Dincaster, não é? Eu conheci os seus pais, anos atrás. — Ela ficou surpresa por ter dito as palavras em voz alta. Ele era tão bonito que a desconcentrava. Ela teve que se forçar a não encarar o rosto dele. Assim de tão perto, ela achou surpreendente a sua beleza severa.

Ele possuía uma mandíbula quadrada e maçãs do rosto definidas e os seus olhos, pura e simplesmente, brilhavam à luz das velas. Os seus cabelos negros caíam descuidadamente sobre a testa, rosto e colarinho, mas não nos estilos cuidadosamente desalinhados vistos nas salas de visitas nos dias de hoje. Pelo contrário, parecia realmente crescer dessa maneira porque a natureza decretou que fosse um pouco selvagem.

Diga-me, Senhor Burchard, já que sempre me perguntei. Como é ser tão bonito que os corações param quando você passa?

— Eu sou o seu terceiro filho, depois dos meus irmãos Gavin e Colin.

Terceiro filho. Depois do “herdeiro e do reserva”. Lady Dincaster fora tão loira quanto o seu marido, recordou Sophia.

Ela examinou a aparência escura e estrangeira de Adrian com novo interesse.

— Você tem uma carta para mim, eu acredito. — disse ela, mal engolindo uma pergunta indecente sobre a sua legitimidade que queria escapar.

Ele retirou uma pequena missiva de dentro da sobrecasaca. Sophia observou o selo real.

— O que diz?

— O Rei ficou surpreso por você não ter voltado para a Inglaterra após a morte do seu pai. Ele convoca você imediatamente. Seria um prazer dar as boas-vindas para o mais novo nobre à sua posição.

Parecia que eles iam conversar sobre coisas tristes e complicadas. Ela achou-o um pouco menos atraente de repente.

— O meu pai estava morto. Assistir ao seu funeral não iria criar uma ponte sobre o abismo que achamos impossível atravessar durante a vida dele. Quanto a Sua Majestade, espero que ele queira que os seus lordes aproveitem a piada de uma mulher nobre num país governado pela primogenitura. Deixe-os encontrar a diversão em outro lugar.

— A sua situação é incomum, mas não é uma piada. Nem estará sozinha. Como você sabe, existem outras mulheres que se beneficiaram das tradições de herança nas suas famílias, como você.

— Há duzentos anos, um ancestral convenceu um rei a permitir que uma filha herdasse o título dele, e agora eu sou forçada a representar o ducado. — Ela se inclinou para ele. — Eu não quero isso. Eu não vou fazer isso. Um administrador pode cuidar da propriedade. Eu pretendo ficar aqui em Paris.

— Você deve voltar. Certamente sabe o que está ocorrendo em Inglaterra. Os jornais franceses o descrevem e os visitantes ingleses certamente o relatam.

— Eu não me associo muito com os visitantes ingleses, mas sim, estou ciente do que está ocorrendo.

— Então você sabe que o Parlamento foi dissolvido e eleições estão sendo realizadas. Um movimento para mudar a representação na Câmara dos Comuns varreu o país, colocando classe contra classe. Se um ato de reforma passar no próximo Parlamento, isso mudará a forma como a Inglaterra é governada, como nenhuma guerra jamais mudou.

— Talvez seja hora de algumas mudanças. Eu mesmo não saberia. Vou deixar os outros decidirem.

Os olhos dele faiscaram. Magnificamente. Deus, ele era atraente.

— Há aqueles que querem a revolução em vez da reforma. O poder de Everdon não pode esperar em França. — Ele capturou o olhar dela e segurou-o com o seu olhar interessado. — Eu vim para levá-la para casa, e se eu tiver que carregá-la sobre o meu ombro para a costa e através do canal, eu farei isso.

Ele manteve um comportamento totalmente relaxado enquanto fazia a sua ameaça. Nenhuma pomposidade da qual rir. Nenhuma postura para arruinar. Ele expôs os fatos com uma voz calma e firme. É assim que é, ele disse. Isto é o que acontecerá.

— Como mulher, eu não posso me sentar no Parlamento. Eu não herdei nenhum poder político junto com o título e a propriedade.

Ele a examinou pensativamente.

— Eu não consigo decidir se você é verdadeiramente tão ignorante quanto afirma, ou se adotou essa postura, na vã esperança de que isso fará a diferença.

— Você chegou muito perto do insulto, Senhor Burchard.

— Me perdoe. Permita-me explicar a situação em termos amplos. Como Duquesa de Everdon, você controla doze membros da Câmara dos Comuns. Eles vêm de distritos sob o seu controle em Devon e na Cornualha.

— Distritos pobres.

— Na maior parte. A sua nomeação é necessária para devolvê-los à Câmara dos Comuns nesta eleição. A sua orientação nos votos deles, uma vez eleitos, também será necessária. Cada voto será importante. Então, embora não possa participar diretamente, você ainda tem um poder significativo.

Era uma tradição aceita, de que centenas de assentos na Câmara dos Comuns, eram “propriedades” de nobres sentados na câmara alta. No entanto, ela não tinha ideia de que Everdon controlava tantos.

De repente ela experimentou uma sobriedade completa e horrível. Seria muito pior do que ela temia. A sua situação prometia ser terrivelmente precária.

— Você foi enviado pelo Rei. Quem mais?

Uma faísca de aprovação cintilou nos olhos escuros dele.

— O Duque de Wellington e outros homens de influência no partido conservador.

— Nós dois sabemos que esses homens não têm intenção de deixar o poder que você descreve em minhas mãos. Eles precisam encontrar uma maneira de mandar em mim e a maneira mais segura de fazer isso com uma mulher é através do marido dela. Então eu lhe pergunto: quem é o homem que foi escolhido para mim?

A sua dura boca se curvou com uma calma diversão. Ele parecia extremamente encantador assim.

— Se eu tivesse que arriscar um palpite, eu diria o Senhor Gerald Stidolph.

Oh, Senhor, não Gerald. Qualquer um menos Gerald.

Fúria e medo cintilavam como raios através da sua cabeça dolorida. Eles procuravam um destinatário e Adrian Burchard era o mais próximo disponível.

— Por que você foi escolhido para me levar de volta? Por que eles enviaram você em vez de outra pessoa?

— Eu conheci o seu pai. E sou o Membro do Parlamento de Stockton em Devon. É um dos seus distritos.

— Você não tem medo de eu o alienar com a sua interferência em minha vida? Diga-me: o que aconteceria se eu não o nomeasse para esta eleição?

As suas pálpebras baixaram e ele deu outro sorriso, menos divertido e amigável desta vez.

— Espero que o partido encontre outro lugar para mim. Se não, eu seria forçado a perseguir os meus outros interesses.

— Então você é um membro importante do partido e não apenas mais um.

— Não especialmente importante, mas útil.

— Não admira que eles o enviassem. Você não é devotado. Você me serve, mas apenas na medida em que se adapte aos seus verdadeiros senhores. Para esta reunião estar completa, você não deveria estar me dando alguma coisa? Um anel ou um selo?

Ela disse isso para aguilhoá-lo. A última coisa que ela esperava era que ele enfiasse a mão no bolso e, de fato, retirasse um anel. Ela o reconheceu como o do pai dela, com o emblema de Everdon em relevo na joia.

Ele estendeu a mão para a dela. Ela olhou para aquele anel. Um calafrio a arrepiou, saído do tempo e da memória. Ele se inclinou e levantou a mão dela do colo.

A mão dele segurando a dela parecia incrivelmente reconfortante, tanto que ela quase envergonhou os dois, pedindo-lhe para não a soltar imediatamente. Ele deslizou o círculo de ouro pesado em seu dedo. Parecia ridículo nela.

O toque dele desapareceu e ela foi deixada para aguentar sozinha o anel.

— Como não ficou claro por quanto tempo você ficaria indisposta, tomei a liberdade de dar instruções a Charles para a sua viagem. — Ele a olhou impassível. Ela era um problema para ser cuidado, uma dificuldade para ser tirada do caminho.

— Quanto à minha indisposição, Senhor Burchard, eu gostaria de esclarecer alguma coisa.

— Sim, eu achei que você gostaria — ele disse secamente.

Ele esperava desculpas. Ela pretendia dar algumas, mas mudou abruptamente o rumo.

— A minha criada me disse que você me acompanhou ao quarto de vestir. Se eu estivesse estado alerta, teria proibido isso, eu espero que você mostre mais respeito pela minha modéstia no futuro.

— Não te acompanhei, eu te carreguei. Eu precisava de você consciente e as suas criadas não poderiam fazer isso sozinhas. Sugiro que as substitua. Se pretende continuar no seu curso de vida, precisará de mulheres muito mais substanciais para ajudá-la. — Ele se levantou. — Agora, acho que deveria dormir. Você precisará orientar o empacotamento das suas coisas particulares amanhã, mas eu cuidarei da casa para você, com a ajuda de Charles.

Ela também se levantou.

— Talvez não tenha sido clara. Eu não vou.

— Sim, Duquesa, você vai. Na manhã seguinte partiremos. Traga tudo o que precisar para o seu conforto. Traga os seus animais e os seus artistas. Traga as suas sedas árabes e o seu haxixe. Traga as suas orgias, eu não me importo. Mas acredite em mim quando lhe digo, finalmente e definitivamente, que você me acompanhará de volta à Inglaterra.

Ela o observou sair de boca aberta. Haxixe e orgias, de fato. Acusá-la de tais coisas era insultante. Ora, era...

Com uma horrível brusquidão, as lembranças saíram do nevoeiro. Pedaços de imagens a pressionaram.

Perfumes e seda e risos. O seu seraglio foi um sucesso, mas alguns dos líderes da sociedade partiram cedo demais... a fantasia ficando muito real e muito onírica ao mesmo tempo... as cores tornando-se muito vívidas e os sons muito distantes.

Mais memórias agora, um dilúvio delas... Uma mão em seu corpo e um sotaque grosso em seu ouvido...

Roupas voando pelo ar...

— Jenny.

A sua criada saiu correndo do quarto de vestir.

— Jenny, diga a Charles que tenho que falar com ele pela manhã assim que eu acordar.

Visões escandalosas, observadas através de uma neblina... mulheres nuas e carne masculina... corpos entrelaçados...

— E Jenny, diga aos lacaios que eles devem entrar na sala de estar e pedir a qualquer convidado restante para sair. Imediatamente.


Capítulo 3

Começando ao amanhecer, Adrian iniciou os preparativos para a retirada de Sophia Raughley, até ao seu assento do seu título em Devon.

Muito antes do meio-dia, ele tinha providenciado o eventual transporte do zoológico, encarregado deveres de cuidadores aos servos recomendados por Charles, contratado vagões para acompanhá-los até à costa e ordenado o empacotamento de objetos de valor para serem levados juntos. As coisas estavam a correr bem na altura que o Ensemble4 da Srta. Raughley, desceu dos seus aposentos.

Todos pareciam ser homens do mundo, de cabelos desgrenhados, há poucos anos fora da universidade. Isso os tornava vários anos mais jovem que a própria duquesa, que tinha vinte e nove anos. Adrian, aos trinta e quatro, achava que eles pareciam imaturos e inexperientes e, de longe, muito contentes.

Ele deixou de lado o portfólio contendo as cartas de instruções que aguardavam a assinatura da duquesa (ou, se necessário, a sua falsificação) e se juntou a eles no café da manhã.

Charles tinha explicado que os membros do Ensemble fluíam e circulavam. Stefan era o mais recente a chegar, enquanto um grego partira há vários meses atrás. A duquesa tinha estado a manter hóspedes, há pelo menos cinco anos. Ela possuía uma fraqueza por artistas de países dilacerados por revoluções e conflitos, mas isso não era uma exigência para o seu patrocínio.

Adrian sentou-se à mesa enquanto os artistas o olhavam de cima a baixo.

— O que você está fazendo aqui? — Stefan rosnou.

— A duquesa me ofereceu a sua hospitalidade por um dia ou dois. — disse Adrian. — No começo eu não queria me impor, mas depois pensei: o que importa um homem descompromissado a mais ou a menos?

Todo mundo riu com humor autodepreciativo.

Todos, exceto Stefan.

— Quem diabos é você? O que você é?

— Adrian Burchard. Eu sou um compatriota dela.

— Um maldito incômodo é o que você é, e não se parece com um dos compatriotas dela.

Um homem moreno, de construção densa com um bigode pesado do outro lado da mesa riu com vontade.

— Ignore-o, Senhor Burchard. Stefan é sempre grosseiro pela manhã. Eu sou Áttila Toth, e você é bem-vindo a bordo.

— Você é Áttila Toth, o compositor húngaro? — perguntou Adrian, empregando a informação que ele tinha arrancado de Charles esta manhã, em relação aos convidados permanentes.

Um sorriso de prazer apareceu sob o arbusto de bigode.

— Você conhece a minha música? Eu sabia que a minha Sonata Hongrois foi apresentada em Londres em uma pequena performance, mas que você a tenha ouvido e lembrado do meu nome me impressiona.

Ele realmente parecia impressionado. Tanto que Adrian temia que ele pudesse fazer algo de uma sensibilidade embaraçosamente alta, como chorar ou desmaiar. Tornara-se moda para os jovens de disposições criativas exibirem os seus humores turbulentos. A tendência era a contrapartida humana à dinâmica fortemente expressiva em sua música e arte.

O compositor retrocedeu para dentro dos seus sonhos de grandeza artística, olhando pela janela para o jardim. Áttila era um pouco tolo, mas não um canalha como Stefan, decidiu Adrian. Possivelmente, o húngaro era o amante da duquesa em vez do polaco. Inferno, talvez fossem os dois.

Na verdade, talvez fossem todos.

Essa ideia criou uma irritação nervosa dentro dele.

Não era preciso dizer que Stefan não iria para a Inglaterra, mas ele estivera preparado para seguir os desejos da duquesa em relação aos outros. Agora ele decidiu abruptamente que nenhum do Ensemble faria a viagem de volta para Devon.

— Permita-me completar as apresentações. — disse o homem mais próximo a ele. — Eu sou Jacques Delaroche, e esse ladino bonito à minha esquerda é Dieter Wurzer.

Adrian vasculhou nas instruções de Charles novamente.

— É um prazer conhecer um poeta tão talentoso, e também um dos principais jovens romancistas da Prússia.

Jacques, o poeta francês, era todo polido, de ossos finos, elegância escura, o tipo de homem que passaria fome antes de usar um casaco fora de moda. Dieter, cujo sobrenome anunciava as suas origens humildes, possuía uma nobreza loira e tranquila que Stefan, o aspirante a príncipe polaco, faria bem em imitar.

Dois poetas, um romancista e um compositor. Nenhum inglês no lote. Nem um pintor, aliás.

Este zoológico humano estava desequilibrado e incompleto. Adrian considerou isso um marco em favor da duquesa. A extravagância espontânea tinha o potencial de ser encantadora, enquanto a autoindulgência calculada não prometia redenção alguma.

— Você é outro artista? — Dieter perguntou.

— Não.

Os três o observaram com mais curiosidade. Áttila ainda comungava com a natureza.

— Por acaso você não teria alguma coisa a ver com a atividade repentina entre os empregados? — Perguntou Jacques. — A confusão me acordou.

— Parece como se eles estivessem virando o lugar de cabeça para baixo para uma limpeza completa. — comentou Dieter. — Um lacaio se intrometeu para tirar a prata do meu quarto.

— Não uma limpeza completa. — explicou Adrian. — Uma mudança completa.

— Para o campo? — perguntou Áttila com entusiasmo, voltando à atenção para o grupo.

— Sim.

Dieter lançou a Adrian um olhar cuidadoso.

— Quanto tempo antes de ela sair? Para o campo?

— Amanhã é o planejado.

Adrian terminou o seu café da manhã e se despediu. Era hora de garantir que a duquesa estivesse acordada, consciente e fazendo as malas. Ele caminhou até à escada. Passos rápidos o alertaram que Jacques o seguia.

— Dieter parece pensar que Sophia estará viajando sozinha. — disse ele, entrando em cena.

— Eu vou acompanhá-la.

— Dieter também pensa, ele é muito quieto, mas também muito observador, ele também acha que toda essa atividade significa que esta casa está sendo fechada.

— Essa é a vontade de Sua Graça.

— Ela não disse nada para nós. A última vez que alguém a viu foi quando você a carregou ontem à noite. Sinto-me obrigado a perguntar se você tem o direito de fazer esses arranjos em nome dela, especialmente, dado que estes nos afetam.

— Se qualquer homem tem esse direito, eu tenho. — O que não significava nada, é claro, já que nenhum homem o tinha.

O rosto de Jacques decaiu.

— Ela me disse uma vez... mas eu apenas assumi que o arranjo era... minhas desculpas por questioná-lo, mas tenho a certeza de que você entenderá que a minha preocupação era pela So... pela duquesa, cujo coração é generoso demais, e de quem alguns tentam se aproveitar, como Stefan, que tenho certeza que vai se arrepender do dia que nasceu quando descobrir quem você é, especialmente desde que você o pegou na noite passada tentando tais liberdades...

O suave e urbano Jacques deixou escapar a sua interminável sentença, de uma maneira que implicava, que ele concluíra que Adrian era alguém que realmente importava.

Não se atrevendo a responder, Adrian apenas sorriu. O alívio de Jacques beirava o desmaio. O poeta francês andou na direção do corredor e de volta para a sala de café da manhã.

Jenny permitiu que Adrian entrasse nos aposentos de Sophia, apenas para informá-lo de que a sua dama levara a jaguatirica, Camilla, para o jardim.

Ele examinou os preparativos que transformaram o quarto de vestir em um desastre. Ele nunca imaginou que uma única mulher pudesse acumular tantas roupas. Dezenas de vestidos, um campo de chapéus, pilhas de luvas e sapatos... Parecia que uma das diversões favoritas da duquesa era fazer compras.

— Duas malas somente para amanhã. O resto deve ser enviado depois. — Ele lembrou a Jenny. Depois foi para o jardim, para informar a dama de seu próprio progresso em nome dela.

Ela descansava num banco, debaixo de uma pereira cheia com novas flores. Camilla caminhava de um lado para o outro, cautelosa e de olhos esbugalhados. A duquesa vestia a última moda, um vestido rosa de saia ampla e de mangas enormes e gola alta que revelava pouca forma, exceto uma cintura justa e nenhuma pele, exceto as pálidas mãos e o pescoço.

Adrian não gostava das novas modas para as mulheres e lembrava-se dos estilos mais suaves e clássicos de sua juventude com nostalgia. A duquesa era mais para o curvilíneo e não muito alta, e o estilo não a favorecia. Nem a cor do vestido, embora fosse muito bonito. Ele a imaginou apaixonando-se pelo tom e não se importando se isso se harmonizava com a sua pele e olhos. Uma mulher extravagante, talvez, mas não excessivamente vaidosa.

Ele avançou através dos cheiros férteis da primavera enchendo o jardim. Esta era a primeira vez que ele conseguia olhar decentemente para ela, já que as velas da noite anterior obscureciam mais do que revelavam.

Ele percebeu agora, que o cabelo escuro dela era tão lustroso e resplandecente com os seus cachos quanto parecera no estrado, e que o vestido cruel não escondia completamente a agradável suavidade feminina que ele segurara brevemente em seus braços. A sua pele cremosa possuía uma qualidade luminosa.

Ele podia ver o sangue do duque no seu pequeno queixo firme, no seu lábio inferior cheio e no osso fino e delicadamente torto do seu nariz. Ela era atraente e até impressionante quando focava aqueles olhos verdes em algo. No momento ela o fazia e o algo era ele.

Infelizmente, o modo como ela o avaliava indicava que ainda não tinha se rendido.

Hora de colocar a mão na massa.


Capítulo 4

Ele veio até ela pela grama baixa, trazendo a sua aura de comando e escuro magnetismo. Ela se ressentiu da sua reação formigante ao sorriso lento dele.

Camilla andou para bloquear o caminho dele. Adrian teve o bom senso de parar. A jaguatirica não era maior que um cão de tamanho médio, mas podia ser perigosa.

— Ela tem estado com pessoas desde o nascimento. — A duquesa tranquilizou, chamando Camilla. Ela notou a reação de Adrian. — Você não aprova.

Ele deu de ombros.

— A prisão de animais selvagens para fins educacionais é uma coisa, mas...

— Mas a restrição não natural de um para ser o brinquedo de uma mulher é outra. Eu concordo. Camilla pertencia a um diplomata estrangeiro que estava se casando. A sua noiva estava com medo de Camilla, e ele iria sacrificá-la. Eu a peguei em vez disso. — Ela coçou as orelhas de Camilla e o gato grande se moveu buscando mais, como um imenso gato malhado.

Ele descansou com o ombro contra a árvore, uma presença perturbadoramente atraente invadindo a sua paz.

Ele parecia mais perto do que realmente estava.

— Todos os animais vieram até você desse jeito? Como pedintes perdidos e sem teto?

— Os grandes vieram com a mansão. O antigo dono os colecionava. Quanto ao resto, simplesmente aconteceu. Um pássaro te diverte, então você aceita outro. Você aceita pegar um cachorro e os irmãos dele pedem para vir também.

— Certamente. Seria cruel recusar. — Ele estendeu a mão em direção a Camilla. Ela o ignorou com desdém.

— Ao contrário dos meus criados e dos meus cães, Camilla desconfia de você.

— Eu sou um estranho. Ela não conhece o meu cheiro. E ao contrário dos seus cães, ela é uma fêmea. Elas costumam ser mais cautelosas, mas com paciência e manuseio adequado, elas costumam mudar de ideia.

— É por isso que você foi enviado, Senhor Burchard? Porque você sabe como fazer as mulheres mudarem de ideia?

— Eu estava falando de fêmeas de quatro patas, não da variedade humana.

Não, você não estava.

— O que lhe disseram sobre mim? — Ela perguntou.

— Muito pouco.

— Eu imagino que você está chocado pelo que encontrou.

— Os seus gostos em diversões não são a minha preocupação. Levar você, rápida e em segurança para a Inglaterra, sim.

— Você tem trabalhado duro se preparando para isso. Charles me disse que você realizou, numa única manhã, uma façanha de organização que deveria levar pelo menos uma semana. Você tem alguma experiência como homem de negócios ou oficial militar?

— Não tenho experiência com nenhum dos dois, embora quando jovem, trabalhei como assistente do Ministro das Relações Exteriores e, na ocasião, acompanhei embaixadores que não poderiam ter encontrado o navio certo por conta própria, muito menos o país correto.

— E agora você foi enviado para buscar duquesas errantes que não querem ir para casa.

Um calafrio passou por ela. Talvez, fosse porque o sol tinha se movido e a sombra cobria agora a sua cabeça. Provavelmente foi o pensamento de ir para casa e confrontar as memórias que esperavam por ela.

Ele percebeu o seu tremor. Sem uma palavra, ele tirou a sobrecasaca e colocou-a ao redor dos ombros dela.

Era o tipo de coisa que qualquer cavalheiro faria. Isso realmente não significava outra coisa senão simples cortesia. No entanto, o gesto protetor a tocou tão profundamente que a sua alma tremeu. O jeito ganancioso com que o seu coração se agarrou a esta insinuação de amizade, revelava quão sozinha ela estava naquela cidade estrangeira, apesar de todos os animais, diversões e convidados.

O clima de maio em Paris ainda carregava uma mordida do norte, mas ele parecia bastante confortável em mangas de camisa e colete escuro com detalhes de seda cinza. E devastadoramente arrojado. Ela suspeitava que ele tivesse sido escolhido por causa da maneira como podia lidar com mulheres.

Uma parte dela desejava fazê-lo demonstrar a sua habilidade. Ela teria alguma proximidade então, durante algum tempo pelo menos. Ela provavelmente poderia mentir para si mesma que isso significava alguma coisa. Ela tinha um pouco de experiência em fazer isso.

A sua presença estava deixando-a tola e nostálgica. Ela evitou a comunidade inglesa em Paris. Havia esquecido como era muito agradável falar com alguém que compartilhava uma história e uma linguagem comuns. Isso criou um fluxo de familiaridade essencial, embora eles não se conhecessem.

— Senhor Burchard, há razões pelas quais eu não vivi na Inglaterra e por que nem sequer a visito.

Ele sentou-se na extremidade do banco, onde podia ver o rosto de Camilla.

— Eu respeito às razões que você tenha tido, mas elas não são mais importantes o bastante.

— Isso é algo insuportavelmente arrogante para dizer. Você é o tipo de homem, que assume que as preocupações de uma mulher são frívolas?

— Não. Eu sou um homem que acredita que há momentos em que o bem maior é mais importante do que a preferência de qualquer indivíduo.

— Temos que encontrar outra maneira de fazer isto. Eu lhe darei cartas dizendo o que precisa ser dito. Eu lhe darei o anel de meu pai para que outros possam falar em meu nome.

— Você deve ser vista nos distritos e as suas indicações serem conhecidas como a sua escolha. Não há outro caminho. — Ele despertou a atenção de Camilla e estendeu a mão para ela. A jaguatirica o cheirou cautelosamente. — Se houvesse outro meio, eu ficaria feliz em poupá-la de enfrentar quaisquer que sejam as suas razões para rejeitar a sua família e a sua pátria.

Pensou ter ouvido um convite para confidenciar. Seria delicioso fazer isso. Mas o que ela poderia dizer? Ela não tinha histórias de grandes ofensas ou insultos. A sua história era antiga, a de uma mulher que descobriu que nascera, apenas para ser usada.

Agora este homem tinha vindo para levá-la de volta, somente para ser usada novamente.

No momento seguinte, ele elegantemente derrotou Camilla. A sua mão girou e um longo dedo alisou o nariz do gato de forma sedutora. Com um ruído de prazer, Camilla se esticou para mais. Em pé agora, ela se esfregou contra a perna dele, alinhando a sua espinha. Com toques lânguidos, Adrian Burchard amarrou mais uma fêmea a ele para sempre.

Sophia observou a sua mão se mexer, hipnotizada. Percorrendo o pelo, esfregando a cabeça, coçando a cauda. Por um momento, a palma da mão estava sobre ela, aquecendo o seu corpo em uma carícia confiante e possessiva. O seu próprio ronronar visceral e silencioso se juntou ao de Camilla.

Mais um aliado perdido. Ele era bom nisso. Pelo jantar, sem dúvida, ela ficaria sozinha.

Uma pequena comoção perto da casa chamou a sua atenção.

Então, talvez, não estivesse totalmente sozinha.

Jacques, Dieter, Áttila e Stefan entraram no jardim. Eles a notaram embaixo da pereira e foram em sua direção.

— Você disse a eles. — disse ela.

— Sim.

— Eu não posso simplesmente abandoná-los.

— Não pode sair do navio do rei com quatro acólitos a reboque. Além disso, antes que eles cheguem, devo avisar que Jacques decidiu que sou alguém importante para você.

— Você está dizendo que permitiu que Jacques pensasse que você é o meu amante?

— Ele pensa que sou um homem do seu passado. Se eu deveria ser um amante do seu passado, não sei.

Sophia examinou os jovens que se aproximavam dela. As suas expressões sérias repentinamente fizeram sentido.

Eles estavam com medo.

Ela deu o seu melhor sorriso de boas-vindas. Mas, a sua simpatia não contava para nada, enquanto Adrian lhes dirigia um olhar sombrio. Eles pararam a nove metros de distância para discutir a situação.

Adrian observou com fascinação.

— Ajudaria se eu soubesse quem eles pensam quem eu sou.

— Foi conveniente para mim, enquanto morava aqui, inventar eventos do meu passado, a fim de me proteger. — Explicou ela. — Na ocasião, atraí a atenção de um homem a quem queria desencorajar. Descobri que a melhor maneira de fazer isso era ter um marido.

— Exceto que você nunca se casou. Mesmo na França, isso seria bem conhecido sobre uma mulher com o seu nascimento.

— Ele é um marido secreto. Alguém completamente inadequado e muito perigoso. Ele possui um temperamento terrível. Duelou cinco vezes e matou quatro homens. Se ele soubesse que alguém forçara atenções indesejadas dirigidas a mim, ninguém sabe o que ele poderia fazer.

— Como você explicou por que ele não está morando aqui com você?

— Ele é espião do governo inglês e atua na Turquia e nos Bálcãs há anos.

Ele deu a ela um olhar muito peculiar.

— Que história estranha.

— Não é? Além da espionagem, o meu pai nunca soube do casamento, então ele não poderia viver abertamente comigo de qualquer maneira.

Os artistas trabalharam em algo que se aproximava da bravura. Áttila havia sido eleito o porta-voz.

— Com o seu pai morto, no entanto...

— Jacques deve ter concluído que o meu marido secreto poderia vir me reivindicar agora. — Ela suspirou. — Eu tinha esquecido completamente que tinha dito a Jacques esse segredo quando nos conhecemos.

Áttila se aproximou e fez uma elaborada reverência.

— Senhor Burchard, os outros cavalheiros e eu queríamos ter uma palavrinha com você.

Sophia revirou os olhos.

— Deixe isso comigo, senhor Burchard. Eu preciso falar com os meus amigos de qualquer maneira sobre outra coisa. Eu explicarei o erro.

Adrian olhou para ela.

— Os cavalheiros querem falar comigo, não com você, minha querida. Também devemos abandonar as formalidades. Deixei claro que não pretendo continuar com o segredo por mais tempo.

Ela olhou para ele. Minha querida? Segredo?

Oh bom Deus. Ele estava assumindo o papel.

Ele voltou a sua atenção para Áttila, que engoliu com tanta força que foi audível.

— Senhor Burchard, sentimos alguma necessidade de esclarecer o acordo aqui. — disse Áttila. — Soph... sua esposa, em algumas ocasiões foi generosa o suficiente para estender a sua hospitalidade a artistas pobres que chegam a esta magnífica cidade sem dinheiro para as suas despesas. Os seus salões são frequentados pelas principais luzes das artes e, é claro, essas apresentações também são inestimáveis. Atualmente, nós quatro temos a sorte de ter o patrocínio desta grande dama. Não queremos que você se pergunte, no entanto, se nossa a afeição por ela, alguma vez, foi diferente da natureza mais pura.

Sophia sentiu o seu rosto ficando cada vez mais vermelho.

— Áttila, houve um erro ridículo...

— Na verdade, nunca me ocorreu que algum de vocês possa ter desonrado a minha esposa e, através dela, eu... — interrompeu Adrian. — Exceto pelo príncipe Stefan, é claro. — Três homens exalaram de alívio. Stefan fez uma pose pomposa, mas parecia enjoado. — No entanto, agora que você mencionou, espero que seja melhor interrogar a própria dama e descobrir a verdade.

Os olhos de Áttila se arregalaram de horror. Ele caiu de joelhos na frente de Sophia.

— Oh, kedvesem5, nós fizemos um mau negócio para você. Nós só procuramos acalmar qualquer suspeita que ele pudesse ter, porque, você deve admitir, a situação aqui poderia ser vista como um pouco peculiar por um marido não ciente da sua excessiva generosidade.

— Exceto que ele não é...

— “Um pouco peculiar”, é simplificar em demasia. Depois de falar com a duquesa, vou lidar com qualquer homem aqui que tenha sugerido algo impróprio.

Essa não era uma boa notícia. Stefan ficou pálido, mas todos pareciam desconfortáveis. De uma vez ou outra, cada um havia feito uma sugestão ou duas. Era o esperado. O patrocinado queria garantir que o patrono estivesse feliz. Quando a generosidade vinha de uma mulher, convinha a um jovem artista explorar quaisquer tipos de serviços que fossem necessários.

Áttila apertou e beijou a mão dela.

— Istenem, istenem6. Minha doce dama, se eu soubesse. Jacques nos contou esta manhã. Ter aceito a sua gentileza para colocá-la em perigo assim, me enche de culpa.

— Oh, pelo amor de Deus, eu continuo tentando te dizer que ele não é...

— Ela não está em perigo. Você está — Adrian esclareceu. — Embora, depois de todos estes anos sozinha, ela esquece quem é o seu senhor. Eu posso ter que discipliná-la, mas nada perigoso a espera.

Jacques estava se segurando, mas agora ele avançou corajosamente.

— Você fala como um ladino ao invés de um cavalheiro. Será incivilizado se você a tocar com raiva. Ela confidenciou que você era um homem cruel e vil, mas eu nunca esperei essa dureza.

Uma sobrancelha escura ergueu-se diabolicamente acima de um olho escuro.

— Foi isso que você contou de mim para os seus amantes, meu amor? Um homem cruel e vil?

Ela se levantou e forçou Áttila a se erguer também.

— Pela misericórdia do Céu, Burchard, veja o que você fez. Jacques, ele não vai me bater. Ele também não vai machucar nenhum de vocês. — Ela tirou o casaco dos ombros e jogou-o para ele. — Está se divertindo? Diga a eles que a sua sagacidade levou a melhor sobre você.

Ela enfrentou os seus amigos de costas para Adrian.

— Ele não é meu marido. Eu nunca o vi antes da noite passada. Stefan pode dizer-lhes que eu tive que ler o cartão dele para saber o seu nome.

— Esse foi um truque padrão para esconder o nosso relacionamento. — Sua voz contra-atacou por trás. — Repudiar-me não fará bem, minha querida.

— Ele está mentindo e assumiu esta casa sem autoridade.

— Se um marido não tem autoridade, quem terá, eu pergunto, senhores?

— Ele pensa em me forçar a voltar para a Inglaterra. Expliquei que não irei, mas ocorreu-me que uma viagem seria agradável mesmo assim. Vocês gostariam de se juntar a mim? Eu decidi fazer uma longa visita à Itália.

Como um tableau vivant7, todos ficaram congelados e olharam para ela surpresos.

Depois de uma contagem atordoada até cinco, Áttila apertou as mãos, feliz novamente.

— Itália?

Uma voz, nem um pouco feliz, falou bem atrás da sua cabeça.

— Itália?

— Veneza primeiro, depois desceremos até à costa. Ravenna, em seguida para Roma e Florença. Vamos alugar uma casa nas colinas da Toscana. Será grandioso. Tudo o que vocês precisam fazer...

Um calor masculino nas costas dela distraiu-a. As mãos circulavam a sua cintura possessivamente.

— Eu devo proibir isso, minha querida.

Ela tentou, em vão, se esquivar.

— Tudo o que precisam fazer para que isso aconteça, queridos amigos, é se livrar deste homem que invadiu a minha vida contra a minha vontade. Amarrá-lo e colocá-lo num barco lento de volta para a Inglaterra.

Eles consideraram isso. Ela podia ver em seus olhos. Jacques vacilou, com um pé já sobre a linha.

— Itália. — Ela ecoou brilhantemente, lembrando-o do prêmio.

— Morte. — disse Adrian friamente, soletrando o custo.

Jacques ergueu os braços em sinal de rendição, lançando lhe um sorriso de pesar e deu de ombros. O seu Ensemble inútil se afastou.

— Não é justo. — Ela se virou para enfrentar o seu adversário. — Você é todo blefe. Não tem intenção de machucá-los.

— Você preferiria que eu fizesse? Agora, sorria-me docemente ou terei que expulsá-los completamente, para ter a certeza de que não a ajudarão em nenhum esquema tolo que possa ter.

Ele ainda a segurava, as suas mãos pressionavam-na através da faixa e do vestido, mantendo-a no lugar apesar da sua resistência contorcida. Ele olhou para o círculo de homens que tinham se afastado para o jardim.

— Eles são apenas mais quatro desgarrados, não são? Como os animais na sua sala de estar.

Aquelas mãos e a sua proximidade faziam-na sentir-se horrivelmente maleável, tola e feminina. Ele provavelmente conseguia ver, o que era ainda pior.

— Não pretenda saber o que são para mim. Além disso, houve outros. Eu moro aqui há oito anos.

Os seus dedos pressionaram mais forte, como se ele tivesse verificado a sensação dela e testado o ajuste das suas mãos. Ela se arqueou para sair, mas ele não a soltou.

— Então, com a chance de que um deles seja seu amante e esteja disposto a arriscar tudo por você, eu deveria convencê-lo de que, com a minha volta, nenhum dos seus serviços serão necessários agora.

Ele a aproximou mais. Ela percebeu a sua intenção. Chocada, se afastou.

— Não se atreva. Eu sou uma nobre do reino. Há provavelmente alguma lei contra tomar liberdades comigo. Isto é...

A sua boca a silenciou.

Provavelmente não foi um longo beijo, embora parecesse durar para sempre. Ele nem sequer a abraçou, apenas a controlou, com as mãos em sua cintura. Começou discretamente, como um beijo de despedida ou de boas-vindas entre amigos. Dificilmente um beijo apaixonado. Uma liberdade leve, isso era tudo, para desencorajar Jacques e os outros.

Mas a sua ternura a surpreendeu. O gosto da doce conexão perfurou o seu coração com nostalgia e desejo, e ela não podia lutar contra ele como tinha planejado. Ela se submeteu, flexível e atordoada, a saia esmagada contra as pernas dele. Talvez ela até tenha suavizado, de uma maneira que poderia ser interpretada como se estivesse beijando-o de volta.

Ele demorou. Levantando uma mão para acariciar o seu rosto e segurá-lo para uma exploração breve e calorosa nos limites da discrição. Emoções há muito ignoradas e negadas agitaram-se dentro dela, um estrondo assustador que quase a fez ofegar.

Ele parou, mas continuou segurando-a com aquela palma quente contra a sua bochecha. O seu toque era tão gentil que não podia sentir-se indignada como queria. Ela sentiu que ele tinha conseguido ver tudo durante os poucos momentos em que o seu olhar escuro cravou em seus olhos. Tudo isso. Aquele beijo era perigosamente sedutor de maneiras que nada tinham a ver com sexo.

Ele se afastou e olhou para o Ensemble. Ela corou quando viu o sorriso de Áttila e a expressão malandra de Jacques.

— Faça os arranjos que você quiser para eles. Deixe-os seguir em um mês ou mais, se insistir. Mas não Stefan.

— Não, não Stefan.

— Você lembra, então? Que ele te drogou ontem à noite?

— Me drogou!?

— A sua perda de memória sugere isso, assim como a sua queda rápida na inconsciência. O seu príncipe polaco pretendia tê-la sem se incomodar em pedir o seu consentimento. Para que fim, não consigo imaginar. Chantagem?

— Confesso que recuperei algumas lembranças que me fizeram imaginar o que ocorreu com ele. Se foi como você diz, eu lhe devo a minha gratidão. Eu tinha planejado pedir que partisse e com certeza o farei agora.

— Não há necessidade, na verdade, uma vez que você sairá pela manhã.

Ele parecia muito confiante nisso. Falou com a mesma autoridade tranquila que disse que a sua resistência era inútil.

Isso despertou o seu aborrecimento. Ele provavelmente pensou que o beijo tinha estabelecido completamente o seu domínio.

Ele deu alguns passos em direção a casa.

— Você comeu? Venha e coma algo agora. Não quero arriscar que você fique enjoada na viagem.

— Eu comerei depois. Quero falar com eles.

— Eu devo insistir que você faça isso na minha presença. Além disso, vou ficar em sua casa hoje à noite, para garantir que tudo esteja pronto ao amanhecer. Se me der a sua palavra de que não tentará se esgueirar para a Itália ou para outro lugar, eu poderei encontrar um quarto e não me deitar no limiar dos seus aposentos.

Camilla gritou por liberação. Sophia desatou a corda do galho da árvore. A jaguatirica trotou para o lado de Adrian, onde fez pivôs delicados para esfregar a sua cabeça nas pernas dele.

Adrian esperou. Sophia se juntou a ele e a Camilla e caminharam juntos em direção à casa.

Ela iria deixá-lo pensar que tinha vencido. Amanhã de manhã, porém, ela não iria partir para a Inglaterra com ele.


Capítulo 5

Sophia olhou para a atividade na rua abaixo. Os servos colocaram os itens em uma carruagem carregada de malas, caixas e gaiolas. O seu cocheiro estava de prontidão.

Adrian Burchard caminhou entre tudo, analisando calmamente os resultados da sua interferência arbitrária em sua vida.

Ele parecia satisfeito e confiante. A facilidade relaxada da sua marcha a irritou.

Ela recebeu de bom grado a irritação. A raiva era um calmante, em comparação ao buraco nauseante em seu estômago que a atormentava desde que se levantara.

— Você está pronta, minha senhora? — Jenny perguntou.

Sophia se virou. Baús enchiam o guarda-roupa, esperando a sua vez de fazer a viagem para a Inglaterra. Vestidos, combinações, sapatos e bugigangas se aninhavam dentro deles.

— O senhor Burchard é incrível. — disse Jenny, com o que Sophia considerava uma admiração traidora. — Tudo isto organizado tão rapidamente.

— Sim. Ele conseguiu arrumar a minha vida inteira em dois dias. Como a substância dessa vida consiste em pouco mais do que os objetos que compro, no entanto, não foi um feito tão difícil.

— Isso não é verdade. A sua vida é plena e maravilhosa. Você fará muita falta. Paris vai lamentar a sua partida.

Ela duvidava que Paris desse muita atenção. Esta cidade tinha perdido algo melhor do que ela e sobreviveu a isso com facilidade.

— Eu não quero fazer isso. — disse Sophia. — Ele não tem o direito de me forçar.

Jenny deu um sorriso encorajador.

— Não vai ser tão ruim, você vai ver. Você é a duquesa agora. O seu pai se foi. Não será como antes.

Sophia queria acreditar nisso. O vazio dentro dela sabia que não seria diferente, no entanto. Por um lado, o pai dela não tinha ido embora. Ele morava na propriedade, no título e nos deveres. Pior, ele tinha sobrevivido pelo modo como sombreava a sua alma.

Jenny tentou novamente.

— Vamos descer?

Sem responder, Sophia passou por ela. Descer era a parte fácil. O que vinha depois era o que a adoecia.

Ela marchou para a frente, obrigando-se a não olhar para a mobília familiar e para os detalhes da casa. Estava determinada a não ficar chorosa e nostálgica. Não era mais uma criança. Além disso, não era o que deixava que a entristecia, mas para aquilo que iria voltar.

Tristeza e medo, era isso que ela levava, ao descer a grande escadaria. A tristeza e o medo de uma jovem desesperada, fugindo de uma vida que ela não podia mais viver.

A garota que estivera na Inglaterra ressuscitara durante a noite, deitada na cama, tentando encontrar uma maneira de impedir Burchard. Com a crescente percepção de que não poderia abortar os seus planos, que ele, realmente, a arrastaria de volta para a Inglaterra, todas as velhas e infelizes emoções começaram a afogá-la.

Elas voltaram a inundá-la enquanto estacava no último degrau e olhava pela porta aberta. As suas linhas emolduravam Burchard enquanto ele estava de costas para ela, supervisionando a última das malas.

Não era culpa dele que ela estivesse lutando uma guerra perdida contra todas as memórias ruins. Ele não sabia nada sobre a sua vida e estava apenas obedecendo aos seus superiores.

Admitir isso não ajudava. O que sobrou do seu espírito começou uma rebelião latente contra esse homem, que a estava fazendo voltar a um mundo que ela odiava.

Jenny olhou em volta.

— Onde estão os seus artistas? Eu esperava que eles estivessem aqui.

— O Senhor Burchard se certificou que eu estivesse sozinha esta manhã. Ele comprou os meus convidados dizendo que poderiam ficar na casa até que ela fosse fechada, se eles permanecessem em seus aposentos. Nos despedimos ontem à noite. Talvez tenha sido bom assim, já que Áttila chorou tanto.

— Bem, eu nunca me importei com despedidas, de qualquer maneira. — Jenny deu alguns passos para frente e olhou para ela com expectativa. — Devemos ir?

Adrian ouviu. Ele se virou, depois deu dois passos para indicar que tudo estava pronto e que poderiam sair da casa.

Sophia olhou para a carruagem que a aguardava. Ela a conduziria até a costa, para o navio que a levaria até a Inglaterra, onde outra carruagem a transportaria até Marleigh, a sede da sua família e do título.

Adrian Burchard achava que a levaria para casa.

Não era uma casa, não no sentido normal de lar. Não era um lugar que alguém desejasse ver e lembrar com carinho. Fantasmas esperavam por ela. O mesmo acontecia com a sua própria fraqueza e humilhação.

A pequena rebelião cresceu. Ela agarrou-a como uma jangada de apoio, em meio ao caos que nadava em sua cabeça e coração.

No início da manhã, ela se resignara a essa jornada como inevitável. Decidira usar uma máscara sofisticada para esconder o seu pânico e melancolia.

Agora, enfrentando aquela carruagem, ela sabia que sair pela porta destruiria o pouco contentamento que tinha construído em sua vida.

Ela ignorou a expressão de encorajamento de Jenny.

E não se mexeu.

Adrian recuou para seu antigo lugar e a encarou acima do limiar.

— Estamos preparados para partir, Sua Graça.

— Então todos os que estão preparados devem partir, Senhor Burchard. Lamento não poder ir com vocês.

Se um corpo pudesse suspirar, o dele fez.

Ele entrou na casa.

Alguns criados demoraram-se no topo das escadas para o nível mais baixo. Com o mais sutil dos gestos, ele lhes disse para sair. E então todos correram para baixo.

Sophia se ressentia da docilidade com que ele podia comandar a todos. Ela estreitou os olhos na figura fria e sombria de Adrian Burchard.

— Jenny, espere na carruagem. A duquesa vai se juntar a você em breve. — Disse ele.

Jenny hesitou, olhando para Sophia, impotente. Com uma expressão de desculpa e rendição, ela saiu da casa.

Sophia e Adrian se encararam. Ele não disse nada por um tempo. Durante esse breve período, as luzes em seus olhos mudaram. A sua expressão ficou menos severa e irritada e até um pouco simpática.

— Não há escolha. — disse ele.

Ele quis dizer para ela ou para ele?

— Só porque você não quer me dar uma.

— Como não há nenhuma, vamos fazer isso com a dignidade que convém à sua posição.

— Esse é o estranho destino das mulheres, não é? Ser uma adulta digna significa submissão e entrega. A resistência aos caprichos dos homens, faz de uma mulher uma criança obstinada. Você deve me perdoar, mas acho que o mundo está de trás para frente.

— Você pode estar certa. Hoje, no entanto, ainda não há escolha.

Ela odiava o modo confiante como ele anunciava o controle da sua vida.

Ele estendeu a mão, chamando-a para frente.

— É hora de ir, Duquesa.

Uma memória vívida veio a ela, do momento preciso em que chegou ao porto depois de sair de casa. Ela respirou fundo quando o seu pé pousou em solo francês. Naquele instante, experimentou um profundo sentimento de libertação e segurança.

O alívio tinha sido tão físico que ela poderia ter acabado de sobreviver a um afogamento ou estrangulamento. Sentia-se, como alguém que não tinha sido capaz de respirar por anos e, de repente, podia.

Entrar na carruagem significava ficar sem ar novamente.

Ela não abraçaria o destino de bom grado.

Ela ignorou a oferta de uma escolta. Em vez disso, sentou-se no último degrau da grande escadaria e olhou para a frente.

Ele não falou. Não se mexeu. Ela se recusou a reconhecê-lo. Sabia que estava sendo infantil e mimada, mas não se importava. Cada partícula dela gritava enquanto dava cada passo.

De repente, ele estava bem na frente dela e ela olhou apenas para os seus quadris. Isso a envergonhou o suficiente para que olhasse rapidamente para cima.

Ela esperava ver exasperação. Em vez disso, ele olhou para baixo com um calor que a surpreendeu. Ele não estava com raiva, apenas resignado.

Naquele instante, ela sabia que ele a entendia. Ao menos uma parte dela.

— Como eu disse ontem, te pouparia se pudesse. — disse ele.

Mas ele não podia, então ele não pouparia.

— Eu disse que iria carregá-la se tivesse que o fazer, e o farei.

Ela desviou o olhar, engolindo as lágrimas quentes. Não aceitaria isso, mas ia acontecer de qualquer maneira.

— As minhas sinceras desculpas, Duquesa.

Ele se abaixou e a levantou. Quando ela não ficou em pé sozinha, ele a içou e colocou-a sobre o seu ombro.

Ela se viu pendurada no ombro dele olhando para suas costas e ele a matinha firme com os braços ao redor das suas pernas.

Carregando-a como um tapete, ele a forçou a começar a jornada de volta à Inglaterra.


Ela ficou no corrimão do navio e deixou que o vento fizesse o seu pior. Desmantelasse o estilo cuidadoso em que Jenny havia arrumado o seu cabelo. O vento molhava o manto que ela segurava contra o seu corpo. Ela enfrentou a extensão cinzenta e imaginou a costa que logo apareceria.

Uma presença aqueceu o seu lado e ela olhou para cima. Adrian Burchard tinha se juntado a ela.

— Você continua pairando nas proximidades. — disse ela. — Você tem medo que eu pule? Garanto-lhe que me falta o desespero e a coragem. Eu quase me afoguei uma vez quando era uma menina e nunca mais desejo passar por esse terror novamente.

— Eu estou mais preocupado que a humidade a deixe doente.

— Estou seca debaixo do meu manto.

Se ele tinha inclinações para mandá-la ficar longe dali, não as disse. Em vez disso, apoiou os antebraços contra o corrimão e olhou para o mar com ela.

— Onde vamos aportar? — Perguntou ela.

— Portsmouth. É o porto que você usou quando saiu da Inglaterra?

— Sim.

O mar parecia interminável. Só que não era. Ela continuou observando o horizonte em busca de evidências de terras.

Observando demais.

— Eu montei no meu cavalo. Carreguei apenas um punhado de joias na minha bolsa. Nenhuma roupa, nada mais.

— Parece muito ousado e corajoso.

— Eu não era nem um pouco ousada. Estava apavorada, mas as outras emoções eram mais fortes que o medo e assim eu fiz, para o meu próprio espanto.

Ela não sabia por que lhe disse. Ele era o inimigo. Algo sobre ele, no entanto, oferecia um conforto peculiar e uma amizade vaga. Os seus olhos ainda continham aquela compreensão suave de quando ela estivera em casa. Ela desejou que eles não o fizessem. Ela poderia odiá-lo se não fosse por aquele vislumbre de compreensão.

— O meu pai estava em Londres, mas eu sabia que o Parlamento acabaria em breve. — disse ela. — Eu não estava feliz em Marleigh, mas podia tolerar quando ele não estava lá. Quando a carta chegou, anunciando a sua volta iminente, soube que não suportaria a sua presença todos os dias. Então eu fugi. — Ela riu da lembrança de sua surpreendente imprudência. — Eu não tinha ideia do que estava fazendo. Eu até tive que pedir informações a outros viajantes sobre o caminho para Portsmouth. Fiquei preocupada que ele me descobrisse em uma pousada se eu descansasse o cavalo, então o deixei descansar nos campos e bosques. Foi tudo muito dramático.

— Uma vez que ele não te pegou, talvez a sua cautela tenha sido sábia.

— Era desnecessário. Ele não me seguiu. Mais tarde soube que ele não fez nenhuma tentativa de me pegar. Ele me escreveu para Paris e explicou que o duque de Everdon se afastaria de uma filha obstinada que estava decidida a abraçar o escândalo e a ruína. A história seria muito indigna.

— Ele simplesmente lavou as mãos no que dizia respeito a você?

— Eu não tive muita sorte. Eu era a sua herdeira. Se a sua jovem esposa lhe desse um filho, eu estaria livre dele, mas ela não deu.

O seu firme olhar fixo em uma sombra à distância. A menor crista apareceu no horizonte.

Ela apertou os olhos, esperando que fosse apenas a névoa distante, mas o seu coração caiu porque sabia que não era.

Adrian deve ter visto também.

— Vamos ficar em Portsmouth durante a noite e depois começaremos a nossa jornada para Marleigh de manhã.

— Quanto tempo terei antes de ir à Câmara e me encontrar com o rei?

— Ele estará viajando para Marleigh para encontrar com você lá.

Ela desviou o olhar do horizonte para ele. Ela não precisava mais olhar para a distância. O horizonte cresceria em sua cabeça sem ela assistir a isso. A sua alma iria marcar o tempo até que este navio fosse para o porto.

— Você não me disse que as minhas provações começariam tão depressa, senhor Burchard. Eu assumi que teria algum tempo para me acomodar antes que o pior dessa provação começasse.

— Eu não fiz os arranjos. Outros fizeram.

E, aqueles outros, não se preocuparam se os seus arranjos eram atenciosos com ela. Ela realmente não importava. Era o poder de Everdon que eles esperavam. Era apenas má sorte do destino, que a fez ser o navio, em que esse poder agora descansava.

A dor no coração e a agitação começaram a entrar nela novamente. Ela instintivamente soltou o manto e cruzou os braços sobre o estômago.

O vento pegou a borda do seu manto e o chicoteou de volta até que voou atrás dela.

Adrian o pegou e gentilmente colocou-o em volta dela novamente. A sua educada proteção tocou o seu espírito maltratado.

Ela olhou em seus olhos. E adivinhou que este homem poderia ser muito duro se precisasse ser, mas não era agora. Ele olhou de volta com uma familiaridade nada apropriada, mas inegavelmente convincente. Mais uma vez, ela teve a sensação de que ele examinava o seu coração e alma até que a conhecesse melhor do que ela mesma.

Estranhamente, ela não viu críticas em seus olhos. Eles não refletiam nenhum dos duros julgamentos que ela esperava, considerando o que ele tinha aprendido sobre ela durante o breve momento do seu conhecimento. As profundezas daquelas poças escuras continham determinação e confiança, mas não de um tipo que a ameaçava.

E talvez, apenas possivelmente, ela visse feixes de genuína preocupação.

O seu espírito se acalmou. Parecia que o vento também, até que eles estavam num pequeno ponto de serenidade. A sua força silenciosa provocava nela uma coragem latente. Era quase como se ele quisesse transferir um pouco de coragem quando olhava para ela.

O navio se virou, chamando a sua atenção. Surpreendentemente, ela viu que a terra estava muito mais próxima do que esperava.

Isso a confundiu. Quanto tempo eles estiveram conectados por aquele límpido olhar? O progresso do navio sugeria que tinha sido muito mais tempo do que ela pensava.

— Inglaterra. — disse ela, estreitando os olhos sobre os edifícios e navios aparecendo cada vez mais.

— Casa. — Ele disse suavemente.

— Aquela casa era a minha prisão, senhor Burchard. Não espere que eu me entregue humildemente às suas correntes novamente.


Capítulo 6

Ele chamava a atenção por onde andava. Como uma pedrinha pulando na superfície de um lago plácido, a sua caminhada pelos limites dos convidados, despertava muita atenção.

Até os homens olhavam para ele, mas as mulheres realmente se reposicionavam para ter uma visão melhor. Várias se arrastavam atrás dele a certa distância, como se estivessem presas em linhas invisíveis que ele havia lançado em seu caminho.

Sophia observava do terraço mais alto em Marleigh, a propriedade rural de Everdon. Dois patamares abaixo dela, havia um jardim que espalhava o seu esplendor da primavera. Oficialmente, os convidados não estavam aqui para entretenimento. Isso seria impensável com a morte recente do duque, para não mencionar o último mês do ano de luto pelo último rei. Mesmo assim, apesar das suas roupas sombrias, a multidão de nobres que bebia ponche, tinha uma notável semelhança a uma festa de jardim.

Eles tinham chegado em massa para saudar a sua volta e expressar as suas simpatias. A sua vinda a Marleigh foi arranjada por Celine, a segunda esposa e viúva de seu pai. Uma casa cheia de aristocratas curiosos era a última coisa que Sophia queria suportar. Ela suspeitava que Celine tinha planejado isso, especificamente para deixá-la desconfortável.

Isto deveria ter ocorrido quatro dias após a sua volta, mas necessitaram passar por uma rota tortuosa em Portsmouth, de modo que ela só chegou na noite anterior. Apesar de tais perigos na viagem, parecia que metade da Câmara dos Lordes e as suas esposas tinham feito a jornada para Devon. Eles, provavelmente, pensaram que o perigo e a inconveniência valiam a pena. Afinal de contas, o rei tinha vindo, Sophia prometia ser uma boa fonte de boatos e essa era a coisa mais próxima de uma reunião decente que tinha ocorrido em quase um ano.

Ela sabia que o verdadeiro motivo não era dar-lhe as boas-vindas a casa. O interesse dos lordes e do rei tinha um propósito. O tempo era importante. Era imperativo persuadir o cordeiro sacrificial para o altar.

Reconhecer o seu destino, não significava que devia correr para ele de braços abertos. Sophia dormira até tarde, demorou a se vestir e demorou a aparecer. Quando finalmente saiu dos seus aposentos, com um vestido preto que tinha dez anos, ela procurou pelo único homem que não era um estranho.

Não foi difícil localizá-lo na multidão.

Ele não parecia perceber como as mulheres reagiam. Observando-o secretamente, Sophia ficou maravilhada como ele parecia inconsciente de grande parte disso e como era indiferente ao que realmente via.

— Ele tem um ar um pouco dramático, não acha? — Perguntou uma voz. Celine se aproximou e inclinou o seu guarda-sol preto num ângulo sobre os seus cachos loiros, proporcionando um pouco de sombra para Sophia também. Qualquer um que estivesse assistindo pensaria que elas eram velhas amigas buscando consolo em sua dor, o que dificilmente era o caso.

Embora Celine fosse, na verdade, um ano mais nova do que Sophia e pudesse de fato ser uma amiga, as duas nunca tinham gostado uma da outra.

— De quem você fala?

— Como se não soubesse. O garanhão lá embaixo, gerando tanto calor na multidão, é claro. O seu acompanhante, Burchard.

— Ele tem uma aparência dramática? Não tinha notado. — Ela disse isso com uma cara séria.

Celine deu um sorriso sarcástico, diferente dos seus outros. Ela aperfeiçoou todo um repertório deles. Uma das grandes belezas da sociedade desde que saíra da sala de aula, ela supunha que as suas reações deveriam ser do interesse de todos. O rosto dela deixava os homens gaguejando de uma forma que ninguém jamais reagira a Sophia, que admitiu que a sua antipatia por Celine continha uma grande dose de ciúmes. Naquele momento, ela achava muito injusto que até o crepe preto lisonjeasse a jovem duquesa.

Os olhos de Celine se estreitaram enquanto examinava Adrian.

— O que você acha? Italiano? Eu tenho um amigo que diz que ele é persa. Ele é um bastardo mestiço, claro. É tão embaraçosamente óbvio e, para seu crédito, ele não tenta agarrar a aceitação total. Você pensaria, que se a condessa de Dincaster pulasse a cerca, ela pelo menos devia ter se envolvido com um dos seus.

Talvez fosse a exaustão da viagem, mas essa crítica a Adrian incitou um brilho vívido de raiva.

— É assim que isso funciona, Celine? Discrição agora significa escolher um homem com a mesma nacionalidade e coloração do seu marido? Talvez o coração de Lady Dincaster não tenha entendido as regras que governam a infidelidade tão bem quanto você.

As pálpebras de Celine baixaram.

— Percebo que você não mudou muito, Sophia.

Na verdade, mudei muito. Tanto que não pertenço mais a este lugar. Tanto que às vezes nem sei quem sou.

A sua presença no terraço havia sido notada, infelizmente. Um lacaio, usando a libré real, começou a longa subida pelas escadas de pedra em sua direção.

Celine assistiu ressentida. A acolhida real que as esperava dentro da casa, mudaria a sua vida tão seguramente quanto a de Sophia.

— Você está feliz que ele está morto, não está? Você esteve esperando por isso.

— Eu não estou feliz, Celine. Ele era o meu pai. Nem quero o que a morte dele me traz.

— Mentirosa. É tudo seu, apesar da sua vontade e desobediência. Deixava-o doente saber que tudo iria para você, depois de tudo o que você fez.

— Eu não sei por que você fala como se eu fosse culpada. Você era quem deveria garantir que esse dia nunca chegasse.

Celine corou.

— O mínimo que você pode fazer é finalmente respeitar os seus desejos.

— Eu estava contando que você daria a solução para o problema de todos nós, fornecendo-lhe outro filho para substituir o meu irmão Brandon. Agora, os únicos desejos que pretendo respeitar são os meus.

O lacaio atingira o patamar delas. Sophia ouviu o pedido formal da sua presença pelo rei William. Ela olhou para Celine até que a duquesa viúva recuou. Então ela se aproximou do lacaio e deu-lhe novas instruções.


Adrian passeava pelo bosque de árvores que margeavam o jardim aquático, imaginando como a duquesa estava administrando tudo. A sua chegada atrasada significava que ela não tivera muito tempo para descansar antes dessa provação. A viagem de Portsmouth fora lenta e cansativa, com ele sentado com as pistolas a postos no topo da carruagem. A extrema tensão em Inglaterra raramente explodia em violência letal, mas só era necessário um fazendeiro radical ou um desabrigado para ferir uma mulher.

Ela ficou quieta no desembarque. A sua retirada o incomodara. Ela não o castigou ou acusou, ela mal parecia notá-lo, mas no momento em que ele a tinha deixado em Marleigh na noite passada, começou a se sentir culpado por crimes que não tinha cometido.

Um barulho no caminho atrás dele rompeu os seus pensamentos. Uma tosse delicada exigiu a sua atenção.

Ele fingiu que não tinha ouvido nenhuma das chamadas de atenção. A duquesa viúva de Everdon vinha perseguindo-o o dia todo. De certa forma, ela o estava perseguindo há anos.

Como uma ingênua solteira chamada Senhorita Celine Lacey, a duquesa não havia considerado seriamente o terceiro filho do conde de Dincaster. A mente vazia dentro da sua linda cabeça não parecia entender que ela o insultara, oferecendo os seus favores em forma de adultério. Nem nunca lhe preocupara que ele estivesse em dívida com o seu marido, de maneira que um caso, se tornaria especialmente desonroso.

Ainda assim, alguns homens poderiam ter aceito impiedosamente a oportunidade. Ele suspeitava fortemente, no entanto, que não importava quais fossem os seus motivos ao dispensar uma Celine disposta, ele acabaria se sentindo como um animal exótico permitido no quarto de vestir da dama, para ser acariciado e admirado como um troféu.

Um pouco como os animais do zoológico de Sophia Raughley, pensando bem.

Falando de Sophia Raughley... Ele olhou através das árvores para o terraço erguendo-se contra o belo palácio clássico. As coisas deviam estar em andamento agora.

Os ruídos pareciam mais próximos e rápidos. Adrian acelerou o ritmo e foi em direção ao jardim. O seu irmão Colin e a sua tia Dorothy contornaram a lagoa e saudaram-no assim que ele saiu do bosque.

— Aí está você. Todo mundo está cantando louvores sobre você por ter conseguido trazer a duquesa de volta tão rapidamente. — disse Colin.

Adrian cumprimentou o irmão e beijou Dorothy Burchard, a irmã solteira do conde. Com a mãe morta, ela e Colin eram as duas únicas pessoas que ele realmente considerava como família.

— Bom te ver, Dot. Já faz algumas semanas.

Colin olhou maliciosamente para a esquerda, onde Celine se retirou para estudar algumas flores em um arbusto.

— Pensei que você estava fugindo e pudesse precisar de um resgate, embora porque você iria ignorá-la eu nunca saberei. O duque não se importará agora.

Dorothy golpeou Colin com o seu leque.

— Vergonhoso, é isso mesmo. O homem mal esfriou no caixão e a sua esposa está lançando iscas suficientes para esvaziar o rio Tâmisa.

— A duquesa viúva não é para mim, Colin, mais do que Celine Lacey era. — disse Adrian.

— Esta viúva não quer se casar com você, Adrian. — disse Colin, apenas para ser golpeado pelo leque de Dorothy novamente.

Precisamente.

Colin pontapeou o cascalho com seu andar casual.

— Gavin está com o pai?

— Sim, Gavin está com o conde e o rei. Assim como metade da Câmara dos Lordes.

— Não é muito delicado da parte deles. — disse Dorothy. — Ela é apenas uma mulher.

— Eu estava pensando a mesma coisa. Era de supor que Wellington poderia derrotá-la apenas com o rei e um ou dois condes para ajudar.

— Como ela é? Houve rumores sobre a sua vida em Paris. Você achou o covil de decadência que alguns sussurram existir?

— É isso que dizem, Dot? Você devia ter me contado. Eu teria me preparado com mais indignação moral.

Eles tinham rodeado o pequeno lago. Celine não tinha ido e agora aguardava a sua abordagem.

Ele a beijara, uma vez, há mais de dez anos durante a sua primeira temporada. Foi um longo abraço num terraço escuro na noite anterior ao seu compromisso com o duque de Everdon. Houvera outras como ela, garotas que enfiavam um dedo no lago da audácia, permitindo-lhe pequenas liberdades.

Mais tarde, as liberdades tornaram-se maiores e as mulheres menos inocentes, mas o jogo permanecia o mesmo.

Por fim, ele se recusara a representar o papel do estrangeiro inglês, a quem toda garota sofisticada deveria experimentar, pelo menos uma vez.

Ele tentou se afastar de Celine o mais suavemente possível, mas parecia que não escaparia. Dorothy se separou de seu grupo, atacou Celine com os braços estendidos e envolveu a viúva em efusivas expressões de tristeza. Poupado pela generosa distração, Adrian e Colin continuaram em direção à casa grande.

— Então, como é a duquesa? — Colin cutucou.

— Um problema.

— Ela é? Que divertido.

— Eu sei que você não tem interesse em política, mas isso não é motivo de riso.

Colin franziu o cenho.

— Ela não te vai arrancar do seu lugar na Câmara dos Comuns, pois não?

— Ela poderia negar a nomeação, apenas para se vingar de mim. Ela realmente não queria voltar para a Inglaterra.

— Houve algum problema?

— Quando chegou a hora, ela se recusou a ceder e eu tive que cumprir uma ameaça anterior e levá-la para fora da sua casa pendurada no meu ombro.

Colin levantou uma sobrancelha e deu um meio sorriso.

— Você está zombando.

— Maldito seja, se estou. Ela usa pelo menos dez anáguas e tudo que eu conseguia pensar era que, se um vento forte chicoteasse sob a sua saia, nós dois poderíamos voar, como um daqueles grandes balões de ar.

Colin riu.

— Com todas as revoluções no continente, quem sabe onde você poderia ter sido abatido. Depois encontrou todo esse problema na estrada de Portsmouth.

— Eu exagerei um pouco nisso. Parte do nosso atraso ocorreu quando desembarcamos em Portsmouth. O macaco subiu até o topo do mastro principal do navio e levou meio dia para recuperá-lo. Tenho a certeza de que ela deliberadamente deixou Prinny fora da sua jaula.

— Prinny? Ela nomeou um macaco com o nome do falecido rei?

— Ele estava vivo quando ela nomeou o seu macaco. Fica pior. Ela e eu tivemos uma conversa interessante durante a travessia. Discutimos a pequena revolução do verão passado em França e a deposição do rei Charles em favor de Louis Philippe. A duquesa achou um drama esplêndido. As suas palavras exatas foram, “ajudar os cidadãos de Paris nas muralhas em julho passado, foi a coisa mais empolgante e interessante que já fiz em toda a minha vida.”

— Agora isso é um problema. Você contou a Wellington sobre isso?

— Eu pareço um homem que quer morrer?

Eles chegaram ao segundo terraço. Os seus reflexos brilhavam nitidamente, no novo vidro laminado que tinha sido instalado recentemente nas janelas e portas francesas. Por toda a Inglaterra, as grandes casas estavam abraçando os novos e caros vidros e por toda a Inglaterra as multidões os esmagavam. Até mesmo a Apsley House de Wellington, em Londres, tinha visto o seu novo vidro destruído um mês antes por uma multidão, após a resolução do último Parlamento ter matado a primeira Lei da Reforma.

O vidro produzia um efeito misterioso, que era muito diferente de se contemplar deliberadamente num espelho. Apanhava poses casuais e mostrava como o mundo os via. Agora exibia a aparência contraditória de Adrian e do seu irmão. Colin era todo reto e loiro, com uma face angelical de características perfeitas. Adrian parecia com a noite, enquanto ele com o dia, o Diabo e o Santo.

Ele não se parecia com o conde nem com Gavin, mas o contraste era maior com Colin. Colin nunca pareceu ter notado, ou pelo menos agia como se não tivesse, exceto durante as lutas na escola, quando ele ficava de pé ao lado de Adrian para defender a honra da sua mãe. Gavin sempre parecia estar longe no recreio, quando isso acontecia.

Um lacaio aproximou-se deles e informou a Adrian que a duquesa solicitara a sua presença em sua sala de estar.

— Parece que acabou. — disse Adrian depois que o lacaio saiu.

— O que você acha que ela quer?

— Talvez pense que a sua nova posição permite-lhe ordenar a minha execução.

Ele entrou na sala de visitas, atravessou a imensa casa, encontrou Charles servindo como mordomo e o seguiu até aos aposentos de Sophia.

As portas estavam abertas. Ela andava de um lado para o outro na sala de estar com Yuri e os outros dois mastins, com Camilla seguindo-a atrás. Prinny, o Macaco, subia e descia na cadeira.

A moça hostil se tornou uma duquesa. Com os seus cachos escuros, pele pálida e expressão tensa, ela parecia com a própria morte. Aborrecimento e preocupação formavam linhas fracas que emolduravam a sua boca. O seu cabelo foi apanhado num estilo pouco atraente que fazia alguns dos seus cachos saltarem debaixo de um pequeno chapéu. O seu antiquado vestido cobria menos anáguas e mostrava menos enchimento do que os estilos que ela normalmente usava, mas não poderia parecer menos atraente se tivesse tentado.

O que provavelmente significava que ela tinha tentado. Adrian se perguntou como Gerald Stidolph reagiu ao ver a sua prometida depois de oito anos.

— Eu confio que o rei e os lordes estão satisfeitos agora. — disse ele depois da sua saudação. — Confesse, não foi tão ruim quanto você previu.

— Eu não saberia. Ainda não me encontrei com eles.

— Você está dizendo que manteve o rei esperando por mais de duas horas?

— Eu estava indisposta. No entanto, ele me convocou novamente, então não posso evitá-lo mais.

— Você deixou para Sua Majestade chamá-la duas vezes para cumprimentá-lo em sua própria casa? O rei William pode até ser generoso com isso, mas garanto-lhe que Wellington não achará divertido.

Ela mandou os cachorros pararem.

— Deixe-me adivinhar. Ele é o seu herói. Você sempre se lamentou por ser jovem demais para lutar em Waterloo. Como um rapaz da escola, você idolatrava o general e sonhava em compartilhar a sua glória.

— Ele tem o apoio do rei e é uma força a ser considerada. Você não o quer como um inimigo. Eu aconselho que você se apresente ao rei rapidamente.

Ela reuniu as coleiras mais apertadas, puxando os cães para mais perto. Eles a cercaram, as suas cabeças subindo até aos cotovelos. Camilla se posicionou ao lado dela. Prinny subiu alegremente em seu ombro e agarrou o pequeno chapéu preto.

Ela apresentava uma imagem positivamente bizarra.

Que Deus o ajudasse, ele realmente a achava cativante além da exasperação.

— Eu pretendo descer agora. Você vai me acompanhar. — Anunciou ela. — Estou pronta.

— Você não quer enrolar as cobras ao redor do seu peito? Se o objetivo é convencê-los de que você é uma louca, por que não enfiar a iguana debaixo do braço? — Ele se aproximou, agarrou Prinny, colocou-o na jaula e bateu a porta. — Camilla fica aqui também.

— Eu não vou desprotegida.

— Uma paixão por cães é uma excentricidade inglesa respeitável. Eles podem acompanhá-la, mas você não precisa de guardas na audiência.

— Eu suponho que não, desde que você esteja vindo.

— Eu não fui chamado. Não posso entrar.

Ela perfurou-o com um olhar acusador.

— Você me forçou a voltar aqui. Arrastou-me para fora da minha casa, me sequestrou em favor das suas intenções e propósitos, me sujeitou a perigos desconhecidos e possível morte.

— Em nenhum momento a sua vida correu perigo.

— Você me separou dos meus queridos amigos e me largou aqui, onde eu não conheço quase ninguém e não gosto muito daqueles que conheço. Há um exército esperando por mim no escritório, senhor Burchard, liderado pelo próprio grande Wellington. Você não é meu aliado e sim um deles, mas eu serei amaldiçoada se entrar em seu campo totalmente sozinha. Ou você vem comigo ou eu não vou.

Ele considerou recusar. Isso causaria uma terrível agitação. E ele não podia ajudá-la. O que ia acontecer era inevitável.

O brilho de obstinação em seus olhos deu lugar a um de angústia. Piscou e queimou, aprofundando a sua cor. Ela não olhou para ele, mas para Yuri e seus irmãos.

— Por favor, me acompanhe. — As palavras vieram baixas, como se fazer o pedido a estrangulasse. — Vai ser o meu passo em falso, não o seu.

Ele tinha vislumbrado a sua vulnerabilidade várias vezes desde que a conheceu e isso sempre torcia algo dentro dele. Provavelmente foi por isso que os seus surtos de resistência em voltar o deixaram mais preocupado do que zangado. O seu papel nisto o tornara responsável por ela, de certa forma.

Ele deu um passo para o lado dela e ofereceu o seu braço.

— Eu prometi te entregar e se eu tomar as minhas palavras muito literalmente, ninguém pode me culpar por isso, eu suponho.


Capítulo 7

Roubando a sua força, Sophia aceitou a sua escolta até à sala onde a reunião seria realizada. Os cães se comportavam magnificamente, desde que o olho dominante de Adrian os observasse.

— Você não vai levá-los. — Adrian insistiu na porta do escritório, arrancando as coleiras dos seus dedos e entregando-os a um lacaio.

Como se viu, todo o exército não a esperava. A maioria dos lordes estavam na biblioteca e nos corredores. Apenas dez homens sentaram-se no escritório.

Eles se levantaram com a sua entrada, formando uma parede masculina. A amplitude da nobreza era tão assustadora quanto o seu número. Além do rei, ela contava com dois duques, dois condes, um marquês e uma variedade de títulos menores. O pai de Adrian, o conde de Dincaster, estava sentado junto à janela com o seu filho mais velho, Gavin.

Ela fez a sua reverência para o rei idoso e redondo. Após o seu gesto real, ela se sentou numa cadeira de frente para ele, no meio da sala como uma curiosidade em exibição.

— Bem, agora, minha querida, é muito bom vê-la novamente. — Saudou o rei William depois que todas as apresentações foram feitas. A sua cabeça cinza inclinou-se para ela e ele a favoreceu com um sorriso.

— E eu a você, Sua Majestade. A sua presença nos honra.

— O prazer é meu. Veio para resolver as coisas. Casa muito agradável. Perto do mar também. Velho homem da Marinha que sou. Fico feliz em vir. Precisamos resolver isso, não é? Ventos fracos soprando e tudo isso. Precisa resolver as coisas.

Um homem com cabelos grisalhos, olhos brilhantes e um nariz em gancho chamou a sua atenção e sorriu.

— O que Sua Majestade está tentando dizer é que precisamos resolver as coisas.

Ela conhecia esse homem. A sua presença não era um bom presságio para ela, mesmo que ele a convidasse a juntar-se a ele em uma pontinha de humor desrespeitoso. Ela podia ser capaz de enganar o novo rei conhecido como — Bobo da Corte — mas não o famoso duque de Wellington.

Tendo feito a sua recepção oficial, o velho rei se distraiu. Da parede oposta, Gerald Stidolph chamou a sua atenção e sorriu em reconhecimento caloroso. Ela não esperava que ele estivesse aqui. Mais do que a linha de batalha dos lordes e a presença dominante de Wellington, ela se ressentia pelas presunções que convidaram Gerald a participar.

Adrian recuou contra a parede mais próxima a ela. O seu magnetismo criou uma intensificação da gravidade onde ele estava. Sophia meio que esperava que os lordes sentados junto à janela deslizassem pelo chão, direto para a lareira.

Ninguém mais notou, para além dela?

Pelo menos outra pessoa notou. A pele cor-de-rosa do conde de Dincaster corou mais profundamente.

— A incumbência do meu filho mais novo terminou com a sua chegada, Duquesa.

— O senhor Adrian Burchard está presente a meu pedido.

— Esta é uma questão para a Câmara dos Lordes e não...

— Se a duquesa quer que ele fique, ele fica. — Grunhiu Wellington.

O rei Willian estremeceu alerta ao tom militar afiado.

— Muito bem. Vamos começar. — Ele pressionou as mãos nos joelhos grossos. — Agora, minha querida, você finalmente está aqui. Deveria ter vindo para casa por vontade própria assim que soube. Uma escolha estranha, mas não estamos aqui para falar sobre isso. Há trabalho a ser feito e rapidamente. Ventos fracos estão soprando e precisamos de todo homem no convés. O problema é que você não é homem, pois não?

— Não pareço ser, Sua Majestade.

— Apenas uma questão, claro. Se o capitão não puder pegar o leme, o seu primeiro oficial será enviado em vez disso.

— O que Sua Majestade está dizendo — Wellington esclareceu. — é que, se em outro momento a sua herança não causaria problemas, neste momento em particular traz. A revolução ameaça. Estas eleições são cruciais para o futuro da nação.

O rei bateu com a mão no joelho.

— Dever. Dever. Isso é o que é para todos nós. Casamento, Duquesa. É isso que deve ser. Nada mais que isso. O seu pai favoreceu o seu primo Stidolph ali, não foi? Bom homem. Apenas é certo em realizar o casamento agora.

Ela convocou toda a partícula de coragem que pôde.

— Eu não poderia pensar em casamento enquanto estou de luto pelo meu pai. Talvez no próximo verão.

— Normalmente, tal restrição seria esperada, é claro. — Wellington disse, o seu olhar avisando-a de uma forma que dizia, que ele imediatamente viu o seu jogo. — Você honra o seu pai, no entanto, fazendo a vontade dele e a situação no país não pode permitir tal demora.

— É mais do que a minha tristeza. O meu primo e eu nos tornamos estranhos um ao outro. Pode ser que não nos adequemos um ao outro. Eu não vou dar um passo tão importante tão impetuosamente. — Ela disse tudo, mas a sua voz soava horrivelmente pequena.

Wellington se levantou. Ele instantaneamente dominou o rei, o escritório e ela. Ele olhou para baixo, para ela, assim como ele deve ter examinado o mais baixo dos seus soldados.

— Senhores, se permitirem.

O seu tom não deixou espaço para discussão. Os lordes balançaram em direção à porta obedientemente.

— Eu devo insistir que o senhor Burchard permaneça. — disse ela.

— Claro que sim. — Concordou Wellington com suntuosidade. Ele deu a Adrian um olhar que dizia: Por que não? Afinal, ele é o meu homem.

Vendo que Adrian não tinha se mexido, Dincaster também se sentou. Wellington olhou para ele até que o rosto do conde ficou vermelho de indignação, mas ainda assim o pai não se mexeria se o terceiro filho ficasse. Finalmente, apenas Adrian, o conde de Dincaster, o rei e Wellington permaneceram.

Exceto que o rei tinha adormecido, então ele não estava com eles na verdade.

— Agora, duquesa, vamos falar com franqueza — disse o Duque de Ferro, prendendo-a no lugar com um olhar de águia. — Estou ciente de que você é uma mulher do mundo, então serei claro. Se o casamento com o seu primo não lhe interessa, isso é lamentável, mas dificilmente um grande problema. Produza um herdeiro e depois faça o que quiser.

— Eu não sou uma mulher do mundo, as minhas opiniões são tão práticas quanto as suas.

— Isso não é sobre você. É sobre a Grã-Bretanha. É sobre responsabilidade. Além disso, existem outras questões a considerar. Nós não queríamos assustá-la, mas você deve se casar imediatamente. Há alguma possibilidade de você estar em perigo e um marido a protegeria.

Em perigo. As palavras sugaram o vento da sua tempestade de indignação. Uma semente de medo bruto e culpa doentia que tinha sido plantada ao saber da morte de seu pai, de repente, arrancou caules e raízes.

— O que você quer dizer com perigo? Que tipo de perigo? — perguntou Adrian.

O Duque de Ferro olhou para ela como se pedisse permissão para falar sobre isso. O medo deixou-a nauseada e de repente ela não se importou com o seria dito ou feito.

— Quando jovem, a duquesa teve uma amizade com um jovem radical que atuava nesta área e na região central. Ele se autointitulava Capitão Brutus. O seu pai soube disso, colocou uma armadilha para o homem e o deportou. Isso foi há quase nove anos, mas parece que o Capitão Brutus está de volta. Inimigos foram encontrados com apelos à ação em nome dele. — O duque fez uma pausa. — Nestas circunstâncias, a morte do duque de Everdon durante a caçada é um tanto suspeita. Aqueles de nós, que sabem sobre o embate entre o capitão Brutus e esta família, acham que é preciso ter cautela.

— Se o que você diz é verdade, a duquesa não estaria mais segura em França? — O tom gelado de Adrian a fez se contorcer e olhar para cima. Ele ficou de pé, agora perto do ombro dela.

— Se ela está em perigo, era apenas uma questão de tempo até que o homem soubesse que ela estava lá. É melhor que a guerra seja travada em território que ela conheça, onde há aqueles que querem protegê-la.

— Estamos falando da segurança de uma mulher, diabos, não o envio de um exército.

— Veja aqui, Adrian... — O conde esquecido começou severamente.

— É aí que você está errado, Burchard. — respondeu Wellington. Ele se virou para ela. — Tenho a certeza de que você consegue enxergar a solução para o problema. É do interesse de todos, incluindo o seu, que esse casamento aconteça. Gerald Stidolph estava no exército e cuidará tanto da sua proteção como do exercício adequado da considerável influência política de Everdon.

A presença formidável de Wellington, o seu tamanho e comportamento exigiam submissão.

Ela ergueu o queixo até olhar o homem mais famoso da Inglaterra nos olhos. Havia apenas uma coisa a fazer se ela não quisesse ser intimidada.

— Sinto muito. Não vou me casar. — Ela disse. — Eu não posso. Você vê, eu já tenho um marido.


De algum modo, Adrian tirou a duquesa daquele escritório e afastou-se do choque que surgiu com o seu anúncio e história.

Com um equilíbrio perfeito, ela permitiu que ele pegasse os cachorros e fizesse uma retirada passando por todos aqueles lordes e até ao terceiro andar onde os seus aposentos se encontravam. Uma vez lá ele expulsou Jenny e fechou as portas da sala de estar.

Ele soltou o agarre da mão, que revelava as suas verdadeiras emoções, do seu braço e recuou.

— Eu não posso acreditar que você disse ao rei essa mentira descarada.

A sua suave expressão se quebrou, mas ela não parecia desanimada. Ela parecia satisfeita consigo mesma.

— Eu não contei ao rei nenhuma mentira. Ele estava ressonando. Eu menti um pouco para Wellington, mas desde que ele estava tentando me forçar a casar com Gerald, não me sinto culpada.

— Mentiu um pouco? Você contou a ele toda a história ridícula. Ele provavelmente acha que você se casou com o capitão Brutus e que Everdon está agora à mercê de um homem que encoraja a insurreição.

Ela se apoiou numa cadeira.

— Eu deixei bem claro que não é o Capitão Brutus porque, Deus me livre que ele realmente tenha voltado, eu não quero ficar emperrada a provar que ele não é o meu marido. Nem contei a história toda. Nunca mencionei que o meu marido era espião do governo, por exemplo...

E agradeço a Deus por isso.

— ... porque Wellington provavelmente conheceria todos os espiões e seria capaz de descobrir quem era, ou melhor, quem não era, porque não é nenhum deles. Eu decidi que tinha que manter isso em mistério. Realmente, usar essa desculpa foi brilhante. Ele não acredita em mim, mas não pode provar que estou mentindo.

Ela parecia mais feliz do que alguma vez esteve, desde que ele a conheceu.

— Eu tenho que te agradecer. Quando você enfrentou o duque daquela forma, percebi que ele era apenas outro homem. A maneira como você não se intimidou me deu força. Eu nunca poderia ter resistido sem a sua ajuda.

Ele supôs que era da sua incumbência ajudar a colocar o plano em prática novamente, não que ele tivesse muito estômago para isso.

— As notícias sobre o Capitão Brutus pareceram assustá-la. Se houver a chance de que ele seja um perigo, pode ser melhor que...

— O homem que eu conheci não seria um perigo para mim.

— Os homens mudam, especialmente se estão amargurados.

— Possivelmente. Eu sabia que os seus sete anos acabaram, é claro. Eu me perguntei se ele voltaria e se me culparia. Se ele o fizer, talvez eu mereça isso.

— Você deve se cuidar, apenas no caso de ele te culpar.

Ela deu um sorriso trêmulo para ele.

— Eu vou manter os cães nas proximidades. — Ele podia vê-la forçar a sua mente para outras coisas. — Por favor, leve a Wellington uma mensagem minha. Diga-lhe que aceitarei o seu conselho no exercício do poder de Everdon. Diga-lhe que estou preparada para nomear os homens recomendados por ele e enviarei as suas seleções para o novo Parlamento.

Adrian não teve dificuldade em reconhecer o que ela oferecia e o que escondia. As eleições eram iminentes e ela se submeteria à liderança do Partido Conservador por eles, mas não fazia outras promessas. Esses doze lugares permaneceriam com doze pontos de interrogação quando alguém tentasse antecipar a votação.

Os seus olhos verdes encontraram os dele em franco reconhecimento de que ela tinha sobrevivido a uma batalha crucial e tinha achado a vitória emocionante.

Quando disse a Colin que ela era um problema, ele não sabia o quanto.

Ele foi em busca de Wellington, agradecido por sua parte ter terminado e que, a partir de agora, estaria fora daquilo.

— Você tem que ficar.

Wellington deu a ordem ao receber a mensagem de Sophia.

— Ofereça-se para ajudá-la a resolver os assuntos de seu pai. Ela provavelmente não tem cabeça para isso e ficará feliz em ter conselhos. Duvido que ela confie nos advogados e mordomos do velho duque, já que ela não confia em ninguém na Inglaterra, pelo que eu posso ver. Exceto você, um pouco.

Ele ficou ao lado da janela do escritório, desfrutando de um charuto. O rei e o conde tinham partido e Adrian e Wellington estavam sozinhos.

— Encontre outra pessoa.

— Quem? Ela vai recusar. Ela também não tem a certeza de você, mas pelo menos você é o diabo que ela conhece.

— Mande Stidolph cuidar disso.

— Tenho a certeza que ele vai tentar, mas depois de conhecê-la, não tenho mais fé em Stidolph. Eu acho que ele exagerou na afeição deles um pelo outro e a sua reivindicação sobre estar casada fecha essa porta até ela reconsiderar. Mas, mesmo que ele a ganhe, duvido que possa controlá-la.

— Então você faz isso.

— Meu bom homem, eu sou o inimigo. Você é apenas o embaixador.

— Não, eu sou o homem que a forçou a voltar para cá, mesmo que isso a coloque em perigo. — Ele achava a maneira, como eles estavam a usando, cada vez mais desagradável. A percepção de que eles o estavam usando também era totalmente intragável. — Diabos, eu deveria ter sido informado.

— Pela sua reação, fico feliz por você não ter sido informado. Ela tinha que voltar. Quanto ao Capitão Brutus, eu quis dizer o que disse. Ela não está mais segura em França se o homem estiver determinado. Se você está se sentindo responsável, mais uma razão para ficar perto dela.

Primeiro dever, agora culpa. Primeiro pela Inglaterra, agora pela sua consciência. O Duque de Ferro era muito bom nisso, mas ele tinha que ser, não tinha? Não poderia fazer milhares morrerem sob o seu comando, a menos que fosse.

— Permaneça aqui e fique de olho nela. — Continuou Wellington. — Enquanto isso, argumente com ela. Com alguma influência e persuasão, ela verá o que precisa ser feito. Ela só quer que seja a sua decisão. Deveria ter esperado isso. Sangue de família. Você acredita na história do marido?

— É uma ficção que ela inventou em Paris e contou para alguns homens.

— Mulher inteligente. Malditamente astuta. Você é duramente pressionado para provar que alguém não é casado, se eles quiserem afirmar que são. Eu convenci Dincaster a ficar calado sobre isso. Se a notícia vazar, ela poderia acabar enredada em sua própria mentira. De qualquer forma, eu a deixo com você. Leve-a aos distritos para as nomeações e a ponha na linha para o voto dos Comuns, não deve ser difícil. Você administrou sérvios e turcos, uma mulher deve ser fácil.

Não era tão fácil e não era, de todo, o mesmo. Esta missão tinha um rosto e um nome e uma tristeza perturbadora.

Ele faria o que o Duque de Ferro queria. Ele a levaria para os distritos e até argumentaria com ela. Mas a sua prioridade em ficar por perto, seria para garantir que ela não sofresse danos, porque ele a obrigara a sair de Paris.

— Cuide disso, Burchard. Inferno, seduza-a, se isso for preciso. Apenas certifique-se de que ela entrega esses malditos votos.


Capítulo 8

Os aposentos em Marleigh, naquela noite, foram distribuídos pela ordem de precedência, o que significava que Adrian dormiu numa pousada nas proximidades. Na manhã seguinte, ele voltou e foi procurar a duquesa.

Ele a encontrou no escritório do duque. Sentada no chão, num traje de montar negro atrás da enorme escrivaninha, imersa numa montanha de papel. Ela tinha feito uma bagunça que levaria vários dias para alguém reorganizar.

— Eu não consigo encontrá-lo. — ela murmurou quando o viu. — O testamento. Não consigo encontrá-lo.

— Ele provavelmente manteve-o num lugar mais seguro que a sua escrivaninha. Além disso, o seu advogado tem uma cópia. Por que você o quer agora?

— Eu estava esperando que ele tivesse adicionado um codicilo8 e encontrado algum jeito de me impedir de herdar isto. — Ela levantou os braços em referência à casa e ao resto. Os papéis voaram.

— Não estava em seu poder impedir que você herdasse a maior parte disto e você sabe. — Ele entrou e levantou-a.

— Oh, Deus querido, eu fiz uma bagunça. — A sua parte traseira coberta de preto, se curvou para ele, enquanto ela se inclinava para reunir os documentos numa pilha inútil. Ele experimentou impulsos contraditórios de golpear esse traseiro e de acariciá-lo.

Os eventos em Paris tinham derrubado algumas formalidades fundamentais entre eles, de modo que, ele não contemplou muito a sua ação, antes de circular a sua cintura com um braço e levantá-la, levando-a para trás primeiro, para longe dos documentos, antes que ela causasse mais danos.

Ela se contorceu até que ele a soltou.

— Você está indo longe demais, senhor Burchard.

— O seu secretário vai precisar de sais quando ver isso.

— Eu não tenho secretário. Eu dispensei o do meu pai ontem à noite. Eu acho que vou mudar de advogado também. Papai me causou muitos problemas, quando eu quis que a minha parte da renda da mamãe fosse enviada para mim em Paris.

Adrian fez um gesto para a montanha de documentos.

— Posso sugerir que você espere para fazer qualquer mudança até que isso seja resolvido?

— Tenho a certeza de que você cuidará disso perfeitamente. Você não veio aqui esta manhã, para oferecer a sua ajuda em tais coisas? Eu apenas presumi que Wellington gostaria que alguém me espionasse e percebesse que você é a sua melhor chance.

Ela não parecia nada astuta, mas Adrian suspeitava, que a duquesa tinha acabado de revelar uma profundidade de percepção, que tornaria tudo mais difícil.

— O duque de Wellington não coloca espiões em cidadãos britânicos.

Ela olhou para o Monte Branco9 de pergaminho.

— Oh céus. Então eu fiz isto tudo para nada. Eu queria ver o quão rapidamente você poderia consertar tudo.

— Wellington, no entanto, expressou preocupações pela sua segurança e pensou, que você poderia aceitar a minha presença contínua por causa disso.

Ela se sentou numa cadeira e descansou numa pose mais relaxada do que era apropriado. Era, provavelmente, mais um exemplo do comportamento inadequado que ela adotou em Paris. Esse comportamento, e quão inadequado poderia ter sido, estava em sua mente frequentemente. As reflexões tinham sido parte de especulações muito masculinas sobre a duquesa, a liberdade parisiense e memórias provocativas de curvas suaves e seda vermelha encharcada.

— Eu não espero estar em perigo e eu tenho uma dúzia de lacaios para o caso de estar, então manter um guarda seria exagero. No entanto, se você ficar, precisamos encontrar algo para você fazer.

Ela fez uma demonstração de uma contemplação difícil. A sua atitude provocou o diabo nele.

— Eu suponho que você não toca o piano ou violino? — Ela perguntou.

— Não bem o suficiente para ser o seu entretenimento.

— Hmm. Você escreve poesia?

— Lamento

— Então, receio que voltamos aos documentos.

— Na verdade, Wellington sugeriu um papel diferente para mim. Ele achou que seria conveniente se eu me tornasse seu amante. — Ele disse isso para recuperar a vantagem, mas esperou pela reação dela com interesse.

— Considerando a sua comprovada eficiência, você deve fazer um rápido trabalho — disse ela, apontando para a bagunça, simplesmente ignorando o seu último comentário.

— Não muito rápido. Tenho a certeza de que ambos queremos que seja feito corretamente.

— Alguns dias devem ser suficientes para você fazer tudo adequadamente, eu acho. — Ela falou suavemente, mas um rubor traiu o reconhecimento do duplo sentido da troca.

— Só se você cooperar.

Mais vermelho agora, ela perseverou.

— Vou deixar isso para você, Burchard. Não tenho competência para tais assuntos.

Ele realmente não deveria...

— As mulheres sempre dizem isso e, em seguida, muitas vezes se mostram incrivelmente hábeis para os negócios. É, realmente, apenas uma questão de proceder com cuidado e atenção até que se fique satisfeito.

Os seus olhos se arregalaram. Ele gesticulou inocentemente para o monte de papéis.

— Vamos trabalhar juntos e eu vou te ensinar. Nós vamos direto ao assunto depois que você indique os seus candidatos.

A mudança abrupta de assunto a confundiu.

— Candidatos?

— A eleição. Você deve visitar os distritos rapidamente. Nós vamos embora amanhã. Jenny já está fazendo as malas.

— Oh, não, você não fez isso. De novo não. Eu farei os arranjos para este circuito e completarei a jornada sozinha. Você pode escrever onde eu preciso ir.

— As localizações dos distritos são frequentemente obscuras. Vou mapear a rota geral para os seus propósitos de planejamento, mas você nunca os encontrará sem um guia.

A sua testa enrugou-se fracamente.

— Muito bem. Se eu preciso de um guia, pode muito bem ser você. Pode vir, mas apenas para esse propósito. Você não deve dar uma única ordem, muito menos para mim. — Ela se levantou e foi para a porta. — Agora, por favor, me desculpe. Eu preciso sair desta casa. Ela me oprime ainda mais do que eu pensava.

Ele a seguiu até ao corredor de mármore e gesticulou para o traje dela.

— Você vai cavalgar?

— Como os meus convidados não vão descer por pelo menos uma hora, eu decidi aproveitar a oportunidade.

— Posso me juntar a você?

— Eu não preciso de um anjo da guarda. Não estou em perigo nas terras de Everdon.

Ela não tinha realmente recusado a companhia dele, então ele a seguiu até aos estábulos e pediu o seu cavalo. A confiança dela em sua segurança era equivocada. O duque morrera em terras de Everdon.

No entanto, enquanto observava a duquesa se acomodar em sua sela, ele admitiu que a ideia de um longo e privado passeio a cavalo com essa filha errante da nobreza, atraía-o por outras razões além de protegê-la.


Eles andaram com os cavalos pelos jardins formais e pararam atrás da casa. Ela parou em cima de uma elevação e olhou para baixo, para a colina onde o cemitério da família abraçava um lado de uma pequena capela. Um pequeno edifício de mármore recém-construído dominava os memoriais esculpidos.

— As minhas desculpas. — disse ele. — Eu deveria ter adivinhado que você poderia querer ir lá visitar.

— Eu não saí hoje para fazer orações no túmulo do meu pai.

Ela continuou olhando para o sepulcro. Adrian recuou o seu cavalo. Ela podia não estar querendo fazer orações, mas o que quer que tenha passado em sua mente absorveu-a quase completamente.

Ele observou a sua expressão séria a curta distância, imaginando o que ela estava tentando reconciliar. Ele notou que, como em outros conjuntos de luto, o traje de cavalgar era antiquado e infantil para a idade dela. Eles deviam ser todos conjuntos de quando o seu irmão Brandon morreu.

Ele se lembrava do acúmulo de roupas caído em torno de seu quarto de vestir, em Paris. Essa extravagância falava de uma mulher que nunca seria vista em modas ultrapassadas, independentemente da situação. Ele esperaria que ela tivesse modistas, que ficassem acordadas durante toda a noite, costurando e alterando, para ter a certeza de que ela aparecesse apropriadamente.

Ela realmente não se importava com isso, ele percebeu. Compras eram apenas uma diversão, como os seus salões e festas. Todo o seu comportamento em Paris tinha sido um meio de a distrair de alguma coisa. O que Charles dissera naquela primeira noite sobre a reação dela à morte do duque? É como se ela soubesse que não pode mais se esconder.

Uma mulher complexa. Interessante, com uma combinação atraente de força e vulnerabilidade. A dor escondida atrás de uma alegria estudada. Uma máscara de frivolidade obscurecia, deliberadamente, camadas intrigantes.

Ela virou o cavalo abruptamente e partiu a galope. Adrian a seguiu.

Ela se afastou da casa como se os demônios a seguissem da sua sombra. Quando eles entraram em uma seção arborizada do parque que escondia o palácio da vista, ela finalmente parou, ao lado de uma grande pedra e a usou para desmontar. Adrian desceu do cavalo e eles caminharam juntos pelo caminho coberto de sol. Os ricos e terrestres odores da primavera encheram o ar ao redor deles.

Lentamente, a sua auto absorção se desvaneceu.

— Você me acha sem coração por não visitar o túmulo dele.

— Você estava distante dele. A morte nem sempre resolve isso.

— Especialmente porque ele não está morto. O corpo dele está naquele monumento de pedra, mas eu estou sob o seu poder com mais eficácia do que há um ano. — Ela sorriu com tristeza. — Eu estava contando que ele tivesse outro filho. Eu nunca perdi a esperança disso. Nem ele. No entanto, parece que ele deixou os outros saberem sobre os seus planos para Gerald e eu, apenas no caso.

— É típico que os pais tentem influenciar os casamentos dos seus filhos, especialmente se a filha se tornar uma duquesa.

— Duvido que Gerald me veja como uma duquesa. Para ele, sempre serei a garotinha difícil de Alistair.

— Você, difícil? Eu não consigo imaginar isso.

Ela riu, em franca admissão, de que ela não tinha sido outra coisa desde que se conheceram.

— Há quanto tempo você conhece Stidolph? — Ele perguntou.

— Desde que a sua mãe se casou com o meu falecido tio, irmão do meu pai. Foi o segundo casamento dela. Eu tinha dez anos então. Gerald estava em Oxford. Ele entrou no exército alguns anos depois e eu nunca o vi muito, mas assim que vendeu a sua comissão, ele sempre parecia estar por perto. Papai o favoreceu. Foi tratado como um filho pelo meu pai. Tal como Wellington e você.

— Wellington dificilmente pensa em mim como filho. Eu sou útil para ele, isso é tudo. Você foi para Paris, para evitar o casamento?

— Essa é uma das razões pelas quais eu fui.

— Por que você não se casou com outra pessoa?

— Não havia mais ninguém. Papai podia ser muito desencorajador. Eu também estava isolada. Eu fui apresentada, mas nunca saí. A minha mãe morreu quando eu tinha dezessete anos, então estávamos de luto na temporada que eu o deveria ter feito e outras circunstâncias interferiram mais tarde. Eu acho que papai estava feliz. Ele não aprovava casamentos baseados em encontros com homens conhecidos em bailes de Londres. A escolha deveria ser dele, como em todos os outros detalhes da minha vida.

— Eu conheci o seu pai apenas através da política, mas suponho que posso ver como o seu senso de ordem pode ter parecido desagradável para a sua família.

— O meu pai era um homem autocrático e frio, muito consciente do seu poder. Ele tratou a minha mãe com pouco carinho. O meu irmão e eu éramos oportunidades a ser exploradas e responsabilidades a serem gerenciadas. Ele forçou Brandon a ser como ele, e depois insistiu quando pedaços da natureza do meu irmão se manifestaram. Ele poderia ser incrivelmente cruel.

Ela soltou isso com uma amargura penetrante. O seu corpo inteiro ficou tenso, como se ela segurasse um escudo invisível contra a memória do homem. Até as mãos dela apertaram as rédeas do cavalo.

— Os homens são o que são, duquesa. As suas naturezas raramente mudam, mesmo que eles o desejem. O seu pai provavelmente pensou que estava fazendo o que era melhor para a sua família.

— Ele achava que estava fazendo o que era melhor para Everdon. Mas então, eu esperaria que você o defendesse. Você era o homem dele.

— Eu era o seu Membro do Parlamento, uma posição negociada por Wellington.

— Eu estou bem ciente de onde está a sua primeira lealdade, senhor Burchard. Quanto ao meu pai, a sua família deveria ter tido mais do que um par do reino no meio deles. Deveria ter havido alguma consideração pelos nossos sonhos e um pouco de amor junto com os sermões e as críticas.

As suas palavras ressentidas atravessaram o coração dele. Ele entendia a sua amargura mais do que queria admitir.

Entendia, a um nível visceral, aquilo que apenas uma experiência compartilhada podia evocar. Há muito tempo ele aceitara a desgraça da sua infância, mas isso não significava que a infelicidade dela o comovesse menos.

Cuspindo as suas memórias sobre Alistair, ela também deu voz aos seus ressentimentos sobre Dincaster. A sua tentativa de acalmá-la, fora uma articulação das desculpas da infância que ele usara para aplacar a sua própria dor.

— Deveria haver algum amor? Eu espero que sim. — disse ele.

Ela fez uma pausa em seu passeio e aqueles olhos verdes se voltaram para ele com uma percepção clara. De repente, ele se sentiu exposto, tão completa era a compreensão em sua expressão. Ela sabia que ele entendia e sabia o porquê.

Uma ponte emocional se formou instantaneamente entre eles. A empatia fez de algo enterrado, há muito tempo dentro dele, ser repentinamente real novamente e cru.

O silencioso e mútuo reconhecimento que ambos tinham vivido com aquele vazio tocara-o profundamente. O desejo de puxá-la para os seus braços passou por ele. Ele a levaria para um prado privado e lhe mostraria como abraçar o presente poderia libertar alguém do passado.

— Você planeja viver toda a sua vida se vingando dele? Você deixará isso consumir o seu coração e governar a sua natureza? Se assim for, será um desperdício terrível e a maior vitória dele.

Ela olhou desesperadamente, como se ele a tivesse encurralado.

— Eu não posso imaginar por que isso deve importar para você.

Ele estendeu a mão e roçou a sua têmpora com um toque. Os olhos dela se arregalaram de surpresa. A intimidade nascida das suas revelações pulsava mais forte entre eles.

— Importa para mim e você sabe o porquê.

Ele poderia nunca ter feito o seu interesse explícito, ou pelo menos não tão cedo. Ele poderia ter continuado a expressá-lo através do leve flerte, a menos que ela encorajasse algo mais. Mas o clima do momento não apenas permitia isso, exigia, e também muito, muito mais.

Ele colocou a palma da mão contra a bochecha dela e a beijou sem pensar. Foi um impulso nascido da vontade de aliviar a sua aflição e reconhecer o seu pequeno vínculo. Ele também queria provar novamente os lábios trêmulos que beijara em seu jardim parisiense e sentir mais uma vez a sua rendição flexível.

Ela respondeu. Ele podia sentir isso em seu choque, que rapidamente desapareceu, e ao ouvir as suas respirações rápidas.

Ele começou a abraçá-la para poder explorá-la.

Quando as mãos dele tocaram o seu corpo, ela pulou para trás e virou o rosto. Ela parecia assustada e tragicamente vulnerável.

— Suponho que sei por que é importante para você. Se a vingança contra o meu pai me influenciar, isso me fará ser mais previsível. Mais fácil de controlar.

Sorriu com a tentativa dela de fingir que não compreendia o que acabara de acontecer.

— Desde que você entenda as minhas intenções, Duquesa.

O seu rubor revelou que ela realmente entendia. Ela juntou as rédeas desajeitadamente e puxou o cavalo mais para perto.

— Eu acho que vou visitar algumas fazendas.

Ele a ajudou a montar, mais encantado do que desapontado com o quão afobada ela ficara. Certamente, ela aprendera em Paris, que ignorar uma ponte não era o mesmo que queimá-la. A ponte ficaria ali, ligando as duas ilhas, reconhecendo-a ou não.

Ele teria que atravessar agora. Ele estava curioso sobre o que estava do outro lado.


Ela não odiava toda a sua herança. Ela amava a terra e o som distante do mar. Os parques, fazendas e colinas foram o seu refúgio quando menina. Se ela pudesse se livrar dos fantasmas e memórias, ela gostaria de receber essa parte do legado. Ela, provavelmente, poderia até mesmo se reconciliar com os deveres e restrições, se o seu coração pudesse encontrar paz com o passado.

Ela direcionou para a aldeia mais próxima, muito consciente do homem excitante cavalgando ao lado dela. Ele sempre a deixava nervosa e alerta. Ela se perguntou se algum dia aprenderia a ignorar sua presença. Depois do que acabara de acontecer, provavelmente não.

Isso a preocupava. Ela sabia como lidar com a sagacidade do flerte e insinuações irreverentes. Esse era um jogo com certas regras. Esse beijo foi diferente e muito mais perigoso.

A tinha desarmado, surgindo como surgiu durante aquele feitiço de profunda empatia. Ela ainda lutava para controlar as suas reações. O apelo do que ele poderia estar oferecendo, abalou a sua alma. Um desejo reflexivo brilhou, assustando-a com a sua força. Fora tolice se envolver naquela discussão sobre Alistair. Ela tinha revelado muito mais do que alguma vez antes.

A sua força quieta encorajou isso. Ainda acenava, tão seguramente quanto uma mão se aproximando dela, oferecendo-se para melhorar tudo.

Eles se voltaram para uma estrada de terra e uma pequena aldeia apareceu no horizonte. Os seus edifícios baixos e pequenos se agrupavam pitorescamente à distância. Uma carroça foi em direção a eles, puxada por uma mulher e um jovem. Três crianças caminhavam ao lado dela.

Ela reconheceu a mulher. O seu nome era Sarah e ela era a esposa de Henry Johnson, um fazendeiro.

As famílias de Sarah e Henry, viviam há gerações na propriedade, como inquilinos.

O menino parou quando ela se aproximou, mais por fadiga que por deferência. Ele e a sua mãe largaram os braços da carroça. Sophia notou os sacos de pano que cada um dos filhos carregava e o saco nas costas de Sarah.

— Sua Graça. — Sarah disse, balançando a cabeça. Oito anos tinham-na envelhecido severamente. Sophia lembrou-se de uma jovem mãe de olhos brilhantes, não dessa mulher pálida e cansada.

— Sarah, é bom ver um rosto familiar. Eu vejo que a sua descendência aumentou desde que saí. E o seu marido, Henry, como ele está?

O garoto gesticulou para a carroça com a cabeça.

— Veja por si mesma.

Ela andou com o cavalo. Henry jazia pouco consciente dentro da carroça, preso entre panelas e utensílios domésticos. A sua palidez e respiração ofegante marcavam-no como um homem muito doente.

— Senhor Burchard, você pode me ajudar, por favor.

Ele foi ter com ela imediatamente, descendo-a da sela lateral. Juntos, eles consideraram a condição de Henry.

— Ele está morrendo. — Murmurou Adrian.

— Sarah, o que ele tem?

— Não sei, Sua Graça. Ele tem estado mal durante meses, apenas piorando.

— O que o médico disse? — Adrian perguntou.

— Sem dinheiro para um médico. A velha Cooper nos deu uma poção, mas não ajudou muito.

Sophia examinou a família, notando novamente os sacos de tecido.

— Aonde vocês vão?

O seu filho olhou insolentemente.

— As plantações não foram cultivadas, não é? O administrador sabe que nenhum aluguel será pago, então estamos fora.

— Mas o seu pai...

— Fora de si agora. Não saberá onde morrerá. — Ele se virou, descartando o interesse dela. Ele inclinou-se para levantar os braços da carroça novamente, colocando o seu corpo jovem, onde um burro ou boi deveria estar.

— Vire a carroça, meu rapaz. — Ela ordenou. — Senhor Burchard, você pode ajudar a colocar Sarah no meu cavalo? É um longo caminho de volta para a aldeia e ela está exausta.

Sarah parecia confusa e assustada.

— Sua Graça, o administrador, ele vai...

— Você pode ficar em sua casa, Sarah. Marleigh é minha agora. Se eu disser que você pode ficar é assim que será.

Adrian ergueu uma Sarah atônita em seu cavalo, em vez disso, e depois acomodou as duas das crianças no cavalo de Sophia.

— Eu vou ajudar o rapaz. — disse ele, pegando o outro braço da carroça.

Quando se aproximaram da aldeia, as suas características ficaram mais óbvias. A pitoresca vila transformou-se numa decadência arrepiante. Adrian e o menino puxaram a carroça por uma faixa de madeira cinza e gesso apodrecendo até que pararam em frente a um chalé pequeno e triste. Adrian largou o braço da carroça, carregou Henry para dentro do chalé e depois voltou para tirar as crianças e Sarah dos cavalos.

Sarah apertou a mão de Sophia.

— Sua Graça, isso é tão generoso. Vai acalmar a sua morte assim. Nós iremos embora depois, eu prometo a você.

— Absurdo. Vou mandar um médico e talvez Henry possa ser ajudado. Se não, você vai ficar mesmo assim, Sarah. O seu filho será forte o suficiente em alguns anos para administrar os campos e o seu outro menino terá idade suficiente para ajudá-lo. Eu vou garantir que serão ajudados até então. Agora vá e deixe Henry confortável.

A família desapareceu no chalé. Adrian ajudou-a a subir em seu cavalo, as suas mãos firmes segurando a sua cintura e os seus braços fortes a erguendo lentamente. A sua proximidade a deixou inebriada.

Ela inspecionou a aldeia enquanto saíam.

— Eu não me lembro de parecer tão pobre.

— As casas mostram melhorias pouco recentes.

— Não posso acreditar que o meu pai deixou as coisas chegarem a esse estado. Ele provavelmente nunca viu. Os inquilinos eram apenas uma fonte de renda para ele. Era a minha mãe que conhecia os seus nomes e visitava os doentes. Ela provavelmente importunou o meu pai para fazer melhorias. Quando ela morreu, suponho que a consciência dele também.

— É a sua própria consciência que importará agora. Tais decisões são suas.

Elas eram, não eram? Uma palavra dela e esta aldeia cansada poderia parecer mais uma vez, como quando ela e Brandon passavam para brincar com os filhos dos inquilinos.

— Suponho que posso planejar algumas melhorias e estabelecer novas regras antes de sair.

Ele estendeu a mão e agarrou o freio de seu cavalo, impedindo-a.

— Sair?

— Claro. Eu nomearei os candidatos como combinado, mas depois voltarei para a França.

— Eu penso que não. Se você sair, provavelmente, serei enviado para te arrastar de volta para casa outra vez.

Ela puxou o cavalo de suas mãos e continuou andando.

— Se eu decidir voltar, você não pode me impedir.

— Experimente e veja se eu posso ou não. — disse ele. — Você tem deveres aqui. Acabou de aceitar isso ao ajudar esta família. Você não pode definir políticas e depois sair do reino. Os seus administradores e gerentes farão as coisas da maneira antiga se você não estiver aqui para supervisioná-los.

— Se eu ficar, essas tarefas se tornarão um jugo no meu pescoço. Elas controlarão a minha vida e o fantasma de Alistair será o cocheiro com o chicote, dirigindo-me pelo resto dos meus dias.

A sua expressão se suavizou.

— Isso não vai desaparecer. Não pode fingir que não aconteceu. E você recebeu o poder de fazer o bem também.

— Ajudar uma família e melhorar algumas casas é fácil. Gerenciar tudo isso é diferente.

— Você duvida que possa fazer isso? Eu não.

Foi uma declaração simples e não bajulação. Simples assim, do seu jeito calmo e firme.

O seu coração acelerou com a afirmação calma. Isso provocou aquele senso de empatia novamente. Por um momento, ela provou mais uma vez, uma intimidade que não experimentara em muitos anos.

Ele assumiu que ela era melhor e mais forte do que ela jamais poderia ser. Ela ia desapontá-lo se a conhecesse melhor.

Queria muito explicar porque não podia ficar. No entanto, algumas coisas queimavam muito profundamente para que ela contasse, então ela só abordou o motivo mais fácil de entender.

— Se eu aceitar os deveres, o mais importante será preservar Everdon dando à luz o próximo duque. Quando eu me casar, a minha competência não terá mais importância. Eu serei reduzida a uma figura de égua reprodutora. Pelo menos, se eu orientar um administrador de Paris, eu o possuirei e não o contrário. Não posso suportar a noção de estar acorrentada a Gerald dessa maneira.

— Não precisa ser Gerald.

— Se eu aceitar essa parte, não fará diferença quem é o homem. Será com Everdon que ele se casará, não com Sophia Raughley.

— Até esse dia, Everdon, é seu como se você fosse um homem. Você pode usar a sua posição até entregar as rédeas a um marido. Por que não as levar por um tempo? Por que não ver se a duquesa de Everdon está em você?

Ela quase riu. Ela fez questão de nunca descobrir o que havia nela.

O seu desafio incitou-a no caminho de volta para a casa. Era estranho, ter alguém que mal a conhecia, acreditar tanto nas suas habilidades. O seu próprio pai não via nada além de deficiências nela.

A carruagem real estava esperando na casa quando eles chegaram. O rei sairia em breve. Ela teria que correr para mudar-se, para poder vê-lo sair.

Ela desmontou e encarou Adrian sob o beiral do estábulo.

— Eu acho que você pode estar certo. Enquanto estiver na Inglaterra, devo pegar nessas rédeas.

— Os seus inquilinos ficarão felizes com isso.

— Eu não acho que deva apenas dar atenção às terras. Isso é apenas uma rédea. Se eu vou usar esse poder por um tempo, deveria tentar fazer o certo. Os meus Membros do Parlamento, por exemplo.

As pálpebras dele baixaram.

— O que têm eles?

— Se é esperado que eu dirija os votos deles após a eleição, acho que devo começar por saber tudo o que puder sobre essas questões.

Pela expressão no rosto dele quando se afastou, Sophia suspeitou que Adrian, não tinha considerado completamente as implicações, antes de a encorajar a tomar o poder de Everdon nas mãos.

 

 


CONTINUA