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18. Leia agora V. E. Ilustríssima o fim deste primeiro exame: Neste ponto, perceba Galileu, com quanta razão, desta e das muitas outras coisas expostas por ele no texto Nunzio Sidereo, deduzimos que o cometa deve se encontrar além da Lua. Ele mesmo afirma que, entre os astros, alguns brilham com a luz nativa e própria, e nesse número ele coloca o Sol e as estrelas chamadas fixas; outros, não dotados de brilho algum pela natureza, recebem toda a luz do Sol, como é costume pensar dos seis planetas que sobram.
Galileu observou, ademais, que as estrelas amam muito aquela vã coroação de luz não própria e que costuma fazer crescer uma cauda; os planetas, em vez, especialmente a Lua, Júpiter e Saturno, não têm quase nenhum brilho; contudo, Marte, Vênus e Mercúrio, apesar de não serem providos de luz própria, tiram, pela vizinhança do Sol, tanta luz que, sendo quase igual àquelas das estrelas, imitam seus raios circunstantes e seu brilho. Portanto, como o cometa, segundo Galileu também, não possui luz própria por natureza, mas a recebe do Sol, e junto com outros astrônomos de grande fama o consideramos planeta temporário, devia-se raciocinar sobre ele do mesmo modo como sobre a Lua e outros planetas, e cuja condição é tal que quanto menos são distantes do Sol tanto mais brilham, e revestidos de um brilho maior (que deriva disto), observados com a luneta parecem aumentar menos; enquanto o cometa recebe deste instrumento quase o mesmo aumento de Mercúrio, podemos não com muita probabilidade deduzir que o cometa não irradiou aquela luz circundada mais que Mercúrio e por isso não se encontra muito longe; por outro lado, como era aumentado menos que a Lua, precisava colocá-lo circundado de uma luz maior e mais perto do Sol? De tudo isto pode-se compreender com quanta razão afirmamos que o cometa, pois pareceu aumentar muito pouco, deve ser considerado muito mais longe de nós do que a Lua.
Sem dúvida, pela paralaxe observada e também pelo curso do cometa quase sidéreo, nós conhecíamos bastante seu lugar; como, além disso, a luneta o aumentava quase quanto Mercúrio, certamente nenhuma razão teria podido sustentar o contrário; foi lícito tirar daqui um corolário também de grande importância e peso a favor de nossa teoria. Mesmo que soubéssemos, com efeito, que estas coisas podiam ser originadas por muitas causas, justamente por causa da analogia que este corpo luminoso guardava junto a todos os outros corpos celestes em todos os seus fenômenos, pensamos ter recebido da luneta um beneficio bastante grande, pois nosso parecer, já firmado pelo peso de outros argumentos, confirmava ainda mais com o peso do próprio assentimento. Quanto ao restante, porém, acrescentado ao argumento, isto é, as palavras: "Sei que este argumento foi considerado por alguns de pouca importância", etc, clara e honestamente havíamos lembrado antes para que fim estas palavras haviam sido acrescentadas: naturalmente contra aqueles que, enfraquecendo a fé neste instrumento, completamente ignaros das disciplinas de óptica, proclamavam-no enganador e indigno de qualquer confiança. Compreende, então, Galileu, se não me engano, com quanta falta de raciocínio lutou contra nossa opinião a respeito da luneta, que ele considera em tudo de acordo com a verdade e com as suas próprias opiniões: haveria podido conhecer também antes se a tivesse examinado com espírito mais calmo. Como, então, haveríamos podido imaginar que ele não haveria de gostar dessas ideias que considerávamos suas próprias? Mas como estas coisas, segundo a nossa opinião, parecem suficientes, vamos examinar a opinião do próprio Galileu.
Aqui, primeiramente, como V. E. pode ver, iniciamos uma argumentação recortada, como se diz, de velho pano, consistente em diversos fragmentos de proposições, para provar que o lugar do cometa era entre a Lua e o Sol; proposição esta que o Sr. Mário e eu podemos conceder-lhe por completo, sem prejuízo algum, não tendo nós nunca afirmado nada em relação ao lugar do cometa, nem negado que ele possa se encontrar além da Lua, mas falou-se somente que as demonstrações até agora apresentadas pelos autores oferecem dúvidas. E para tirá-las não é de ajuda nenhuma que Sarsi apresente agora uma nova demonstração, mesmo que ela fosse necessária e conclusiva, e provar que esta conclusão seja verdadeira, mesmo que também em torno de conclusões verdadeiras se possa argumentar e silogizar falsamente. Todavia, pelo desejo que eu possuo de pôr à luz as coisas escondidas e chegar a verdadeiras conclusões, apresentarei algumas considerações em relação a estas proposições.
Para maior clareza e compreensão o farei com a maior brevidade possível.
Afirma ele ter deduzido do meu Nunzio Sidereo que as estrelas fixas, sendo aquelas que brilham com luz própria, brilham com uma luz não real, mas aparente. Os planetas, sendo desprovidos de luz própria, não agem assim, especialmente a Lua, Júpiter e Saturno, mas mostram-se quase sem brilho; porém, Vênus, Mercúrio e Marte, mesmo privados de luz própria, brilham muito por causa da vizinhança do Sol, pelo qual são mais abundantemente atingidos. Afirma, além disso, que o cometa, segundo meu parecer, recebe sua luz do Sol, e acrescenta haver ele, junto com autores de renome, considerado o cometa, desde muito tempo, um planeta; assim, a respeito dele pode-se raciocinar como a respeito dos outros planetas, os quais, quanto mais encontram-se perto do Sol mais brilham, e por consequência menos podem ser observados pelo telescópio, e, aumentando o cometa pouco mais que Mercúrio e muito menos que a Lua, com muita razão podia-se concluir que não estivesse muito mais longe do Sol do que de Mercúrio, mas muito mais perto daquele que da Lua. Esta é a teoria que muito bem se ajusta à necessidade de Sarsi, como se a conclusão, deduzida antes dos princípios e meios, dependesse não aquela destes, mas estes dela, e tivessem sido preparados por ele não da grandiosidade da natureza mas da arte muito sutil. Pesquisemos, porém, quanto ela seja conclusiva.
Em primeiro lugar, é completamente falso que eu tenha escrito no Nunzio Sidereo que Júpiter e Saturno não brilhem quase nada e que Marte, Vênus e Mercúrio sejam coroados de muitos raios, porque eu separei só a Lua do resto das outras estrelas, quer fixas quer errantes.
Em segundo lugar, não sei se para concluir que o cometa seja quase um planeta e que, sendo tal, lhe sejam convenientes as propriedades dos outros planetas, seja suficiente que Sarsi e seu Mestre junto com outros autores o tenham considerado e chamado assim. Pois, se a opinião deles fosse tão importante a ponto de fazer aceitar as coisas por eles propostas, eu os rogaria que considerassem e chamassem ouro muitos velhos pedaços de ferro que possuo em casa. Mas, deixando os nomes de lado, qual é a teoria que os induz a considerar o cometa quase um planeta desde muito tempo? Brilhar como os planetas? Mas qual é a nuvem, qual a fumaça, qual a madeira, qual o muro, qual a montanha, atingidos pelo Sol, que não brilham do mesmo tanto? Não percebeu Sarsi no Nunzio Sidereo minha demonstração, isto é,que nossa Terra brilha mais que a Lua? Mas qual é minha opinião sobre o brilho do cometa como um planeta? Eu, por mim, não considero impossível que sua luz possa ser tão fraca e sua substância tão sutil e rala, que, quando alguém se aproximasse dela, sumisse da vista completamente, como acontece com alguns fogos-fátuos que saem da Terra, que são percebidos só durante a noite e de longe, mas de perto desaparecem; da mesma forma que as nuvens distantes são percebidas bem determinadas, e depois, de perto, mostram um pouco de nebulosidade tão indeterminada que alguém, entrando nela, quase não distingue os limites, nem sabe separá-la do ar contíguo. E aquelas projeções de raios solares entre as nuvens, tão semelhantes aos cometas, por quem são percebidas se não por aqueles que lhes são distantes? Tem o cometa alguma coisa em comum com os planetas por causa do movimento? E qual será a coisa separada da parte elementar que, obedecendo ao estado terrestre, não terá o moto diurno de acordo com o resto do universo? Mas se falamos do outro movimento, aquele transversal, este não tem nada a ver com o movimento dos planetas, não sendo criado nem por aquele rumo, nem regulado, nem talvez circular. Mas, deixados de lado os acidentes, acreditará talvez alguém que a substância ou a matéria do cometa tenha alguma coisa a ver com a dos planetas? Pode-se acreditar que ela seja solidíssima, como nos convida a pensar em particular a Lua e em universal a figura bem determinada e imutável de todos os planetas; e, ao contrário, pode-se acreditar que a do cometa dissolva-se em poucos dias; e sua figura, não determinada ao redor, mas confusa e indistinta, nos mostra que a sua substância é mais sutil e mais rala que a névoa e a fumaça. Assim ele quase poderia ser chamado mais um planeta pintado que real.
Em terceiro lugar, eu não sei com quanta perfeição ele possa ter parangonado os raios e o aumento do cometa com o aumento de Mercúrio que, podendo ser observado raríssimas vezes, em todo o tempo da aparição do cometa, ele não apareceu nunca, nem deu a possibilidade de ser observado, encontrando-se sempre muito perto do Sol; posso sem escrúpulo acreditar que Sarsi não fez esta comparação, difícil de se realizar e muito incerta, mas que ele afirma ter realizado porque, sendo assim, serviria melhor para sua causa. Outro indício que mostra como ele não conseguiu fazer esta experiência é-me fornecido pelo fato de que, ao referir-se às observações relativas a Mercúrio e à Lua, com os quais compara as do cometa, parece-me que ele esteja confundindo muito. Aceitando, para concluir, que o cometa se encontre mais longe do Sol que de Mercúrio, precisava afirmar que o cometa possuía menos raios que ele, e observado com o telescópio aumentava mais que ele; todavia, afirmou o contrário, isto é, que não possuía mais raios que Mercúrio e que aumentava quase a mesma coisa, o que significa afirmar que possuía mais raios e menos aumento que Mercúrio. Comparando depois o cometa com a Lua, escreve a mesma coisa (mesmo afirmando escrever o contrário), isto é, que aumentava menos que a Lua e possuía mais raios. Todavia, para chegar a uma conclusão, deduz da identidade das premissas conclusões diferentes, isto é, que o cometa encontra-se mais perto do Sol que a Lua, porém mais distante que Mercúrio.
Para finalizar, afirmando Sarsi ser um lógico exato, não me faz entender por que, na divisão dos corpos luminosos que se irradiam mais ou menos, e que por consequência, observados com o telescópio, recebem um aumento maior ou menor, ele não haja registrado nossas luzes elementares; pois as velas, as tochas acesas observadas a qualquer distância, qualquer pedrinha, lenho ou corpúsculo, até as folhas e as gotas de orvalho atingidas pelo Sol, resplandecem, e de certo ângulo irradiam a par de qualquer estrela mais brilhante, e vistas pelo telescópio observam no aumento o mesmo teor que as estrelas. Assim, termina completamente aquela ajuda a mais que os outros haviam esperado do telescópio para conduzir o cometa no céu e tirá-lo da esfera elementar. Abandonai, portanto, Sarsi, a ideia de poder ajudar vosso Mestre e estai certo de que, para querer sustentar um erro, é necessário perpetrar cem outros e, coisa ainda pior, não conseguir o intento. Gostaria também de pedir-vos para não replicar mais, como o fazeis no final desta vossa parte, que estas são teorias minhas, pois nunca escrevi coisas parecidas, nem as falei, nem as pensei. Basta a respeito do primeiro trecho em exame.
19. Passemos ao segundo: Apesar de ninguém até hoje ter falado que o cometa deve colocar-se entre as aparências vãs, onde não haveríamos necessidade de libertá-lo da acusação de inanidade, pois Galileu acreditou enveredar por outro caminho para explicar o cometa completa e sabidamente, é justo parar e expor com cuidado esta sua nova teoria.
São duas hipóteses que ele cogitou: uma relativa à substância, outra referente ao movimento do cometa. No que diz respeito à primeira, Galileu afirma que esta luz é daquelas que, mostradas mais que criadas pela refração de outra luz, parecem ter mais o nome de sombras de corpos luminosos que ser corpos luminosos, como, por exemplo, os arco-íris, os halos, os parélios e muitas outras coisas semelhantes. No que diz respeito à segunda, Galileu afirma que o movimento dos cometas sempre foi retilíneo e perpendicular à superfície da Terra. Revelando estas suas descobertas, acreditou poder destruir com facilidade as opiniões dos outros. Nós vamos examinar agora com poucas palavras, e sem retórica, quanto de próprio se deva atribuir a estas opiniões (pois a verdade, mesmo nua, é bastante ornada). Mesmo sendo difícil abranger singularmente estas duas proposições, pois são tão conexas que parecem depender uma da outra e sustentar-se reciprocamente, nós nos preocuparemos para que os leitores não fiquem lesados. Por isso, contra a primeira posição de Galileu, afirmo que o cometa não foi simulacro vão de uma luz que iludia os olhos daqueles que o observavam e isto parece-me que não necessita de outra prova para aquele que, ao menos uma vez, seja a olho nu, seja com a luneta, haja observado o cometa. A simples vista manifestava a natureza desta luz, porque, em comparação a outras luzes realíssimas, qualquer um poderá com facilidade julgar se o observado era falso ou verdadeiro. Tycho, examinando as observações de Tadeu Agezio, deduz isto: "O corpo do cometa naqueles dias foi igual, em grandeza, a Júpiter e Vênus, e revestiu-se de uma luz nítida e de um grande esplendor, puro e belo, e sua substância pareceu pura demais para ser conveniente a matérias só elementares, mas era, de preferência, análoga àquela dos corpos celestes ". Tycho acrescenta a isto: "Tadeu foi bom juiz relativamente a este aspecto, haveria podido concluir claramente que este cometa não era elementar".
Sarsi andou figurando antes e arbitrariamente os princípios e os meios que fossem de acordo com as conclusões que ele queria demonstrar; agora parece-me que vai imaginando conclusões para contradizê-las como teorias do Sr. Mário e minhas, muito diversas, ou, ao menos, muito diversamente tomadas, de como são relatadas no Discurso do Sr. Mário. Que o cometa seja, sem dúvida, uma imagem vã e uma simples aparência, nunca foi afirmado com certeza, mas só foi posto em dúvida e levado à consideração dos filósofos com aqueles raciocínios e cogitações que parecem poder garantir que seja verdade. Eis aqui as palavras do Sr. Mário a este propósito: "Eu não afirmo resolutamente que o cometa produza-se assim, mas afirmo que são duvidosos, seja este modo seja os outros dos demais autores; os quais pretenderão estabelecer com certeza seus pareceres. e terão a obrigação de demonstrar que esta e todas as outras posições são vãs e falsas". Mesmo sendo o texto tão diferente, Sarsi afirma que nós temos por certo que o movimento do cometa deve ser necessariamente reto e perpendicular à superfície terrestre. Isto não foi apresentado desta forma, mas simplesmente foi cogitado como ser mais conforme às aparências e satisfazer às mudanças observadas no cometa. Esta hipótese é tão superficialmente apresentada pelo Sr. Mário que no fim ele declara: "Porém é mais conveniente para nós contentarmo-nos com aquele pouco que podemos cogitar mesmo sem ter muita clareza". Porém Sarsi quis mostrar que estas opiniões eram tão firmemente aceitas por mim que imaginou podê-las destruir com facilidade e com meios mais eficazes. Se ele conseguir o agradecerei, pois no futuro deverei preocupar-me com uma hipótese a menos todas as vezes que me venha a ideia de filosofar sobre tal matéria. Por enquanto, pois parece-me que ainda subsiste alguma coisa de vivo no raciocínio do Sr. Mário, moverei algumas objeções às objeções de Sarsi.
Opondo-se Sarsi com grande firmeza à primeira conclusão, afirma que aquele que, mesmo por uma vez, houvesse observado o cometa, não necessitaria mais de argumento algum para conhecer a natureza desta estrela; estrela que, comparada com as outras verdadeiras estrelas, mostrava muito claramente ser verdadeira e não falsa. Assim, como V. E. Ilustríssima entende, Sarsi confia tanto no sentido da visão que considera impossível ser enganado todas as vezes que tentamos fazer uma comparação entre um objeto falso e um real. Eu confesso não ter a visão tão perfeita, pelo contrário, confesso ser como aquele macaco que acredita firmemente ver no espelho outro macaco, e nem reconhece seu erro se quatro ou seis vezes não tenha ido atrás do espelho para agarrar a imagem, tanto aquela imagem se lhe apresente viva e verdadeira. Supondo, então, que aqueles que Sarsi vê no espelho não sejam homens verdadeiros e reais, mas imagens vãs, como nós vemos nossa imagem no espelho, gostaria ardentemente de saber quais são aquelas diferenças visuais por meio das quais tão rapidamente distingue o verdadeiro do falso. Quanto a mim, encontrei-me mil vezes em alguma sala de janelas fechadas, e através de algum pequeno buraco pude perceber o Sol refletindo-se sobre um muro oposto, julgando assim esta mancha, pela vista, uma estrela tão brilhante quanto a Canícula e Vênus. E andando contra o Sol no campo, quantos milhares de corpúsculos, pedrinhas, lisos ou molhados, transformar-se-ão pelo reflexo do Sol em estrelas brilhantíssimas? Mesmo cuspindo no chão, Sarsi sem dúvida perceberá onde cuspiu, pela reflexão solar, uma estrela naturalíssima. Além disso, qual corpo colocado a grande distância, atingido pelo Sol, não aparecerá como uma estrela, especialmente se for tão alto que possa ser enxergado durante a noite, como se enxergam as outras estrelas? E quem distinguiria a Lua, vista durante o dia, de uma nuvem atingida pelo Sol, senão pela diversidade do aspecto e pela grandeza?
Ninguém, com certeza. E enfim, se a simples aparência deve determinar a essência, é necessário que Sarsi aceite que os sóis, as luas e as estrelas, observados em água parada e em espelhos, sejam verdadeiros sóis, verdadeiras luas e verdadeiras estrelas. Em relação a esta parte, mude mesmo Sarsi de opinião, nem acredite que, citando a autoridade de Tycho, de Tadeu Agezio ou de muitos outros, melhore sua condição, a não ser que, por ter tido tais homens como companheiros, desculpe mais seu erro.
20. Continue V. E. Ilustríssima a ler: "Pois, por todo o tempo que nosso cometa brilhou, Galileu, segundo ouvi dizer, permaneceu de cama por uma doença, e nunca talvez pôde, por causa da doença, observar aquele corpo brilhantíssimo, e por isso pensamos dever-se discutir com ele por meio de outra argumentação. Afirma ele mesmo que às vezes, de alguma parte da Terra, um vapor fumacento levanta-se acima da Lua e também acima do Sol, e, logo que saído do cone sombreado da Terra, olhou para a luz do Sol da qual como que concebeu e gerou o cometa; e o movimento ou a subida de um tal vapor não é vago ou incerto mas retilíneo e sem ser desviado para parte alguma. Assim afirma ele, mas nós colocamos na nossa balança o peso destas afirmações. Primeiro, sabemos que esta matéria fumacenta e úmida, tendo subido casualmente da Terra nos dias em que, dominando amplamente o céu bóreas violentíssimas, facilmente poderia haver sido dispersada e dissipada. É pois, digno de admiração como impunemente corpúsculos tão sutis e leves, entre a ira do vento violentíssimo, puderam ter chegado até o alto com um proceder constante através do caminho enveredado no começo, quando nem pesos consideráveis confiados ao vento podiam vencer o ímpeto e a força. Eu considero muito contraditório que um vapor muito leve suba e suba em linha reta, e mal acredito que isto haja podido acontecer entre as várias mudanças do vento. E acrescenta que, garante Galileu, nem nas mais altas regiões dos planetas faltam condensações e rarefações de tais corpos fumacentos, e por isso nem aqueles movimentos vagos e incertos pelos quais é necessário que sejam levados.
Que os vapores fumacentos de alguma parte da Terra subam além da Lua, e até além do Sol, e que saídos do cone da sombra terrestre sejam engravidados pelos raios solares e que então gerem o cometa, nunca foi escrito pelo Sr. Mário nem foi afirmado por mim, apesar de Sarsi atribuí-lo a mim.
Aquilo que o Sr. Mário escreveu é que não é impossível que algumas vezes possam elevar-se da Terra exalações e outras coisas parecidas, mas muito mais sutis que de costume, que subam além da Lua e possam ser matéria geradora do cometa, e que às vezes originem-se sublimações extraordinárias relativas à matéria dos corpúsculos, exemplificando-o por meio da aurora boreal. Porém não afirma que aquela seja numericamente a mesma matéria dos cometas, que necessita ser muito mais rala e sutil que os vapores dos corpúsculos e do que a matéria da assim chamada aurora boreal, tendo aceito que o cometa resplende muito menos que a aurora; assim, se o cometa se ampliasse, por exemplo, rumo ao oriente, na cândida alvorada, enquanto o Sol não se encontrasse longe do horizonte mais do que 6 ou 8 graus, sem dúvida não se perceberia, por ser menos brilhante do que seu próprio ambiente. E com a mesma probabilidade, não certeza, atribuiu-se à mesma matéria o movimento retilíneo em ascensão. E isto seja afirmado não para retratarmo-nos por medo das oposições de Sarsi, mas só para mostrar que não nos afastamos do nosso hábito, que consiste em não afirmar como verdadeiras a não ser as coisas que conhecemos como indiscutíveis, como nos ensina nossa filosofia e nossa matemática. Agora, partindo do ponto de vista de que houvéssemos verdadeiramente afirmado aquilo que Sarsi fala, examinemos suas posições.
Sua primeira oposição baseia-se na impossibilidade de os vapores subirem ao céu, em linha reta, enquanto que verificamos que um papagaio é empurrado pelo ar com movimento transversal, assim como as outras coisas que se encontram nele; e o mesmo verificou-se por muitos dias depois do aparecimento do cometa. A oposição é verdadeiramente inteligente, mas perde muito de sua força lógica porque, segundo notícias seguras, naqueles dias, nem na Pérsia nem na China verificaram-se perturbações atmosféricas; e eu acreditarei que de umas daquelas regiões se origina a matéria do cometa, se Sarsi provar que ele não é originário de lá, mas de Roma, onde ele percebeu o vento boreal.
Mas, mesmo que o vapor saísse da Itália, quem pode saber se ele não se houvesse posto em viagem antes dos dias de vento, muitos dias antes de sua chegada ao orbe do cometa, longe da Terra, segundo a relação do Mestre de Sarsi, quatrocentos e setenta mil milhas mais ou menos; porque, para empreender uma viagem tão comprida, é necessário bastante tempo, pois a subida dos vapores, por aquilo que podemos observar em relação àqueles perto da Terra, não atinge a velocidade do voo das aves; assim não seriam suficientes quatro anos para concluir tamanha viagem. Mesmo aceitando que estes vapores pudessem se movimentar em época de vento, Sarsi, que acredita piamente nos historiadores e nos poetas, não poderá negar que o impulso dos ventos não sobe mais de duas ou três milhas, já que existem montes cujo cume vai além da região dos ventos. Assim, o máximo que ele poderá concluir é que dentro deste espaço os vapores movimentam-se transversal e não perpendicularmente; porém, fora deste espaço desaparece o impedimento que os desvia do caminho retilíneo.
21. Veja mais V. E. Ilustríssima: Aceitamos que estes vapores possam manter, através dos ventos, suas direções e rumar para onde possam receber os raios diretos do Sol, enviando-os a nós refletidos. Por que, então, recebendo em toda a sua extensão a luz do Sol, no-la mostram somente em uma mínima parte de si? Com certeza, sendo o próprio Galileu testemunha, quando nos dias de verão um vapor não diferente indo rumo ao norte mais alto que de costume apresenta-se à luz do Sol, então, imergido em luz brilhantíssima, mostra-se muito brilhante em todas as suas partes, para utilizar sua próprias palavras, nos reflete mesmo de noite a aurora boreal; e não se mostra tão avarento do esplendor recebido que não permita que a reflexão da luz do Sol, que ele recebeu em toda a sua extensão, nos apareça apenas através de um pequeno buraco. Eu mesmo verifiquei, não somente em tempo de verão, mas no mês de janeiro, quatro horas depois do pôr do sol, algo ainda mais maravilhoso, isto é, uma pequena nuvem, cândida e brilhante, tão rarefeita que não encobria nem as estrelas menores, e os dons de luz que havia recebido do Sol ela os expandia livremente, com alma generosa, por todos os cantos. Então todas as nuvens (admitindo que tenham alguma afinidade com a matéria do cometa), se são tão densas e obscuras que não possam refletir livremente os raios do Sol, ao menos na parte virada para o Sol o refletem para nós com generosidade recíproca; porém, se são ralas e sutis, e a luz facilmente as penetre integralmente, não mostram obscuridade em parte alguma, mas oferecem aos olhos inundados uma luz esplendorosa. Então, se o cometa não se forma de outra matéria que não seja vapores fumacentos, não Juntados globalmente mas, como o próprio Galileu afirma, ocupando um espaço suficientemente vasto do céu, brilhando em toda parte com a luz do Sol, qual é a causa pela qual brilham sempre para aqueles que o observam só de um pequeno e estreito disco, e as outras partes deste mesmo vapor, iluminadas pelo Sol com mesma luz, não aparecem? Dificilmente tudo isto pode ser explicado com o exemplo do arco-íris, em cuja formação acontece a mesma coisa que evidentemente só de uma parte da nuvem volta ao olho, quando, entretanto, em todo o espaço iluminado pelo Sol a própria diversidade das cores seja gerada de sua luz. Com efeito, o arco-íris e outros meteoros, se existirem, requerem de preferência matéria úmida e com tendência a mudar-se em água; pois esta matéria só quando se derrete em água, imitando a natureza dos corpos leves, puros e transparentes, reflete a luz só na parte onde formam ângulos de reflexão e de refração necessários a tudo isto, como percebemos nos espelhos, na água e no gelo. Depois, se alguma emanação encontrar-se mais rarefeita ou mais seca, acontece porque ela não possui superfície lisa como os espelhos, nem reflete muitos raios. Visto necessitar-se de um corpo liso para que haja reflexão e necessitar-se de sua densidade para a refração (coisas que nunca se encontram nas impressões meteorológicas, a não ser quando a natureza delas possui muita água, como ensinaram não só Aristóteles mas também todos os mestres de óptica, e a própria razão persuade com muita eficácia), segue disto necessariamente que emanações semelhantes possuirão, por natureza própria, um certo peso, e por isto menos aptas a subir acima da Lua e do Sol, pois o próprio Galileu admite que devem ser muito sutis e leves aqueles que voam até lá em cima. Portanto, não daquele vapor fumacento e rarefeito, e na verdade de peso algum, poderá refletir para nós aquela imagem brilhante de luz: o vapor aguado, na verdade, sendo pesado, não poderá subir deforma alguma.
Depois de observado por muitas experiências, parece-me ser esta a condição humana em relação às coisas intelectuais: quanto menos entende-se e sabe-se, com tanta mais força quer-se discutir; e, pelo contrário, mais coisas são conhecidas menor é a tendência de discutir resolutamente sobre qualquer novidade. Nasceu em um lugar muito solitário um homem dotado por natureza de grande inteligência e de extraordinária curiosidade. Criando por prazer grande diversidade de aves, gostava enormemente do seu canto, e com muita admiração observava de que modo, por meio do próprio ar que respiravam, conseguiam formar ao seu arbítrio cantos diferentes e todos suavíssimos. Acontece que uma noite perto de casa escutou um som delicado, e, nem podendo imaginar que fosse outra coisa a não ser uma pequena ave, foi buscá-la. Chegando à estrada encontrou um pequeno pastor que, assoprando num pedaço de madeira furada e movimentando os dedos sobre a madeira, uma vez fechando e uma vez abrindo determinados buracos, conseguia produzir aquelas vozes diferentes, semelhantes às de um pássaro, mas de forma bem diversa. Admirado e movido pela sua curiosidade natural, deu de presente um bezerro ao pastor para obter aquela flauta. De regresso à sua casa e percebendo que se não houvesse encontrado por acaso aquele pastor nunca haveria aprendido que existiam na natureza duas formas diversas de criar vozes e cantos suaves, quis sair de casa procurando encontrar outras aventuras. Aconteceu que no dia seguinte, passando perto de uma pequena choça, escutou ressoar dentro dela uma voz semelhante. Para ter certeza se era uma flauta ou um pássaro, entrou e encontrou um menino que estava serrando, com um pequeno arco segurado na mão direita, alguns nervos estendidos sobre um lenho côncavo, enquanto sustentava com a mão esquerda o instrumento sobre o qual, movimentando os dedos e sem sopro algum, extraía dele vozes diversas e suaves. Qual foi seu espanto pode ser julgado facilmente por aquele que possuir a mesma inteligência e a mesma curiosidade dele que, vendo aumentar, de duas novas formas, a maneira de produzir uma voz e um canto tão inusitados, começou a acreditar poderem existir ainda outros na natureza. Mas qual foi sua surpresa quando, entrando em um determinado templo, começou a olhar atrás da porta para ver quem estava tocando e percebeu que o som havia saído dos ferros da porta ao abri-la? Em outra ocasião, empolgado pela curiosidade, entrou em um boteco e, acreditando encontrar outra vez alguém que com o arco tocasse as cordas de um violino, viu uma pessoa que, esfregando o dedo sobre a orla de um copo, conseguia produzir um som suavíssimo. Mas logo que observou que as abelhas, os pernilongos e as moscas, com o rapidíssimo bater das asas, e não como suas primeiras aves que respirando formavam vozes ininterruptas, produziam um som perpétuo, tanto aumentou sua admiração que diminuiu sua confiança sobre o conhecimento da origem do som. Nem todas as experiências já observadas haveriam sido suficientes para fazer-lhe entender ou acreditar que os grilos, não voando, conseguiam, não por meio do sopro mas com o movimento das asas, produzir sons tão doces e sonoros. Mas quando acreditou não poderem existir outras formas possíveis de produzir vozes, depois de haver observado, além das maneiras já relatadas, ainda tantos órgãos, trompas, flautas e instrumentos de corda de todos os tipos, até chegar à aquela pequena lâmina de ferro que, suspensa entre os dentes, usava de forma muito esquisita a cavidade bucal para dar corpo à amplificação do sopro permitindo a passagem do som, quando, repito, na hora que acreditava haver conhecido tudo, encontrou-se ainda mais no escuro e na ignorância, quando, havendo encontrado uma cigarra que nem fechando-lhe a boca e nem fechando-lhe as asas conseguia diminuir seu altíssimo estridor, não percebeu movimento algum de escamas nem de outras partes. Finalmente, levantando-lhe a caixa dos pulmões e observando embaixo dela algumas cartilagens duras mas sutis, e acreditando que o som fosse originado do seu movimento, resolveu quebrá-las para fazê-la parar, mas tudo foi em vão.
Então, fincando uma agulha mais funda no corpo da cigarra, passando-a, tirou-lhe junto com a voz a vida e assim não pode mais pesquisar se o canto era originado verdadeiramente por aquelas membranas. Tornou-se tão descrente sobre seus possíveis conhecimentos em relação aos sons que todas as vezes que alguém lhe perguntava sua opinião sobre a origem dos sons, generosamente respondia não conhecer causa alguma, mas que estava resolvido a acreditar que pudessem existir cem outras maneiras, ainda desconhecidas e impensáveis.
Eu poderia dar muitos exemplos da variedade da natureza em produzir seus efeitos de maneira inimaginável para nós, se o sentido e a experiência não nos explicitassem sem, muitas vezes, suprir nossa incapacidade. Assim, se eu não souber, com exatidão, determinar a produção do cometa, deverão ser aceitas minhas desculpas, especialmente porque nunca afirmei poder dar esta explicação sabendo que ela poderia verificar-se de forma muito alheia à nossa imaginação. A dificuldade de entender como se forma o canto da cigarra, enquanto ela canta na mão, desculpa de sobra não saber como pode formar-se um cometa tão longe de nós. Para frisar, então, a primeira intenção do Sr. Mário e minha, isto é, promover aquelas dúvidas que parecem abalar as opiniões manifestadas até agora e propor alguma nova teoria para examinar se existe alguma coisa que possa esclarecer e abrir o caminho rumo à verdade, continuarei a raciocinar sobre as teorias manifestadas por Sarsi, que considerou improváveis nossos argumentos.
Continuando Sarsi sua exposição e aceitando serem os vapores ou outra matéria aptos a formar o cometa, seu elevar-se da Terra e subindo muito alto, onde pudesse receber diretamente os raios solares refletindo-os para nós, é difícil imaginar de que forma, sendo completamente iluminada, reflita até nós só a luz de uma pequena parte, e não acontece como aqueles vapores que nos apresentam aquela intempestiva aurora boreal, vapores que, sendo todos iluminados, mostram todos suas luzes.
Afirma depois ter observado, pelo meio da noite, uma coisa maravilhosa, isto é, uma pequena nuvem no zênite que, sendo toda iluminada, refletia livremente seu brilho de todas as suas partes, e acrescenta que, se todas as nuvens forem espessas e opacas, nos refletem a luz do Sol com toda a sua parte visível, porém se elas forem ralas, assim que a luz as penetre, mostrar-se-ão a nós brilhantes e não opacas; então, se o cometa forma-se com tais vapores fumacentos muito espalhados, como afirma o Sr. Mário, e não reunidos em círculo, sendo atingidos pelo Sol por todas as partes, por qual razão nós recebemos sua reflexão de uma pequena parte e não de todo o restante igualmente iluminado? Mesmo que as soluções destas perguntas estejam completamente resolvidas no Discurso do Sr. Mário, eu as relatarei aqui colocando-as acertadamente e acrescentando alguma outra consideração, conforme for solicitado pela matéria.
Em primeiro lugar, Sarsi deveria sem dificuldade conceder que só de um lado particular de toda a matéria sublimada pelo cometa verifica-se a reflexão da luz do Sol a uma visão particular, apesar de ser toda iluminada; tendo nós mil experiências semelhantes a favor, contra uma que pareça ser contrária, facilmente, entre as de Sarsi contrárias a esta posição, encontraremos muitas outras favoráveis. É certo que qualquer espelho plano exposto ao Sol fica por ele iluminado em toda a sua superfície; o mesmo acontece com qualquer pântano, lago, rio, mar, ou seja, com qualquer superfície lisa de qualquer material; porém, a uma vista particular não corresponde a reflexão do raio solar, a não ser de um lugar particular desta superfície, cujo lugar muda, mudando o olho do observador. A superfície externa de nuvens sutis, mas muito espalhadas, é toda iluminada pelo Sol de forma igual; todavia, o halo e os periélios não aparecem a um olho particular a não ser em um único lugar, e este, com o movimento do olho, muda de lugar dentro da nuvem.
Sarsi afirma: Aquela matéria sutil sublimada que produz aquela aurora boreal vê-se também toda iluminada, como ela o é de verdade. Porém, pergunto eu a Sarsi de onde lhe vem esta certeza. E ele pode responder-me somente que não percebe parte alguma que não seja iluminada, assim como acontece com o resto da superfície dos espelhos, das águas, dos mármores, além daquela pequena parte que reflete a viva luz do Sol. Porém advirto-o de que, se a matéria fosse transparente, não distinguiria nada mais que aquele esplêndido raio refletido, como acontece às vezes que a superfície do mar não se distingue do ar, mesmo que se veja imagem reflexa do Sol; e assim, colocado um vidro sutil a uma determinada distância, poderá mostrar-nos aquela sua pequena parte que reflete alguma luz, ficando o resto invisível por causa de sua transparência. Este erro de Sarsi é semelhante àquele dos que afirmam que criminoso algum deve confiar que seu crime possa ficar oculto, nem percebem a incompatibilidade que existe entre permanecer oculto e ser descoberto, e quem quisesse ter duas cadernetas, uma dos delitos que permanecem ocultos e outra daqueles que são descobertos em cuja caderneta dos ocultos nunca poderia registrar-se coisa alguma. Afirmo, então, que não me oponho à crença de que a matéria da aurora boreal seja muito ampla e uniformemente iluminada pelo Sol50; como, porém, não posso descobrir e observar a não ser aquela parte cuja refração meu olho pode captar, permanecendo invisível todo o restante, tenho a ilusão de perceber tudo. E que mais? A propósito dos vapores crepusculares que circundam a Terra, não permanece iluminado pelos raios solares sempre um hemisfério? Com certeza sim; todavia, aquela parte que se interpõe diretamente entre o Sol e nós mostra-se a nós muito mais luminosa do que as partes mais distantes. Mas esta, como ainda outras, é pura aparência e ilusão de nosso olho, pois, encontrando-nos em qualquer lugar, sempre observamos o Sol como centro de um círculo luminoso, mas que gradualmente vai perdendo o brilho, segundo se encontre à direita ou à esquerda deste centro; para outros, mais para o boreal, parece mais escura aquela parte que a mim parece mais clara, e mais brilhante aquela que a mim apresentava-se mais escura. Podemos, assim, afirmar a existência de um halo perpétuo e grande ao redor do Sol, figurado na superfície convexa que termina a esfera de vapor, cujo halo, da mesma forma que o outro, que às vezes nasce de uma nuvem sutil, muda de lugar segundo a mudança do observador. Em relação à pequena nuvem que Sarsi afirma ter observado brilhar na noite profunda, poderia perguntar-lhe que certeza tem ele de ela não ser maior do que aquela que aparece, especialmente afirmando ele que era tão transparente que não escondia estrelas fixas, mesmo mínimas, pois não possuía indício algum para garantir que ela se ampliasse invisivelmente como transparente, muito e muito além da parte brilhante observada: por isso é ainda duvidoso se ela não é uma aparência que muda como as outras segundo a mudança do olho. Além de não haver nada em contrário que ela apareça inteiramente brilhante e seja, da mesma forma, uma ilusão, o que acontecerá se ela não fosse maior do que aquele espaço que vem a ser ocupado pela imagem do Sol, assim que, observando a imagem do Sol, por exemplo, ocupar num espelho tanto espaço quanto uma unha, nós cortássemos fora o restante, não há dúvida de que este pequeno espelho poderá nos aparecer brilhante de todo. Além disso, quando o pequeno espelho fosse menor do que a imagem, então poder-se-ia observar não só tudo iluminado mas sua imagem não pareceria movimentar-se a cada movimento do olho, como no espelho grande; e até por ser ele incapaz de toda imagem do Sol, segue que, movendo-se o olho, veria a reflexão ora de um lado ora de outro do disco solar; assim a imagem pareceria imóvel, até que o olho se dirija à parte que não produz reflexão, ela se perderia completamente. É muito importante, então, considerar a grandeza e a qualidade da superfície que reflete, pois, conforme a superfície seja menos limpa, a imagem do mesmo objeto se apresentará sempre maior, pois, às vezes, antes que a imagem passe por todo o espelho, será necessário que o olho passe por muito espaço, e esta imagem parecerá fixa então, mesmo que na realidade seja móvel.
Para explicar melhor um ponto importantíssimo e que talvez possa solicitar, não digo Sarsi, mas algum outro, pense V. E. Ilustríssima encontrar-se numa praia com um tempo tranquilo e o Sol já descendo no ocaso. Perceberá, então, sobre a superfície do mar que está na metade do círculo máximo da esfera celeste que passa pelo disco solar, o reflexo brilhantíssimo do Sol, mas não muito amplo; se, pelo contrário, como já falei, a água for muito calma, verá a imagem do disco solar bem definida como num espelho. Se uma pequena brisa começa a movimentar a superfície da água, na mesma hora verá V. E. Ilustríssima a imagem do Sol quebrar-se em muitas partes, ampliando-se e difundindo-se. E, enquanto próxima, poderiam se distinguir cada uma das partes da imagem quebrada; todavia, sendo longe, não se perceberia esta separação, quer pelos breves intervalos entre as partes, quer pelo grande brilho das partes cintilantes, que se misturaram, como acontece com muitos fogos perto entre si e que de longe parecem ser um só. Se a água se movimentar sempre mais por espaços sempre maiores, ampliar-se-á a multidão dos espelhos que refletirão, segundo as diversas inclinações das ondas, a imagem do Sol quebrada. Mas distanciando-se sempre mais e subindo numa colina ou outra elevação para poder enxergar melhor o mar, o campo brilhante parecerá único e contínuo. Aconteceu-me enxergar de cima de uma montanha altíssima e distante do mar de Livorno sessenta milhas, com um tempo sereno mas de ventania, uma hora antes do pôr do sol, uma tira brilhantíssima à direita e à esquerda do Sol, que ocupava em comprimento muitas dezenas, até muitas centenas de milhas, a qual era, porém, como as outras, uma mesma reflexão da luz do Sol. Agora, imagine, Sarsi, que da superfície do mar, com o mesmo movimento de ondas, grande parte tivesse se retraído para as orlas deixando só no meio, isto é, face ao Sol, um comprimento de duas ou três milhas: esta, com certeza, seria observada completamente iluminada, e imóvel mesmo, com respeito a qualquer movimento que o observador houvesse realizado à direita ou à esquerda; só depois de movimentar-se por alguma milha começaria a desaparecer a parte esquerda da imagem, se ele estivesse caminhando para a direita, e a imagem esplendorosa diminuiria até que, adelgaçando-se, desapareceria por completo. Disto resulta que a imagem é móvel em relação à imagem do observador, pois, mesmo observando-a toda, perceberíamo-la toda ainda movimentar-se, encontrando-se seu meio sempre à direita do Sol, apesar de aparecer a muitos outros que a observem no mesmo momento como encontrando-se em outros pontos do horizonte.
Eu não quero esconder de V. E. Ilustríssima aquilo que eu lembrei neste ponto para a solução do problema do mar. Espertos marinheiros conhecem às vezes o vento que chegou a eles depois de algum tempo, observando o ar que, nesse caso, mostra-se mais claro, daquele lado, do que deveria ser.
Imagine V. E. Ilustríssima se isto poderia derivar do fato de se encontrar já naquela parte o vento que, movimentadas as ondas, faz nascer, como por espelhos multiplicados infinitamente e difundidos amplamente, o reflexo do Sol muito maior do que se o mar fosse tranquilo, permitindo que seja muito mais iluminada por esta nova luz aquela parte do ar vaporoso por meio do qual este reflexo difunde-se, cujo ar ofereça ainda algum reflexo de luz aos olhos dos marinheiros, os quais, encontrando-se embaixo, não podiam perceber a primeira reflexão daquela parte de mar já movimentada pelos ventos e distante deles vinte ou trinta milhas; e que esta seja a sua previsão do vento distante.
Mas, continuando nosso primeiro discurso, afirmo que os raios solares não refletem, com a mesma grandeza, a imagem do Sol sobre todos os materiais, isto é, sobre todas as superfícies; mas sobre algumas (isto é, as planas e lisas como um espelho) nos aparece o disco solar semelhante ao verdadeiro, nas superfícies convexas mas lisas nos aparece menor, e nas côncavas às vezes menor e às vezes maior, às vezes mesmo igual, segundo as diversas distâncias entre o espelho, o objeto e o olho.
Porém, se a superfície não for igual mas sinuosa e cheia de cavidades ou elevações e como se fosse composta por milhares de pequenos espelhos colocados com várias inclinações, expostas aos olhos de mil modos, então a mesma imagem do Sol chegará ao nosso olho de mil partes e dividida em mil pedaços, os quais ampliar-se-ão, imprimindo nesta superfície um amplo conjunto de pequenas manchas brilhantes, cuja frequência originará a ilusão de um único campo de luz contínua visto de longe, mais brilhante e viva no meio que nas extremidades, onde diminui e desaparece, enfim, quando por causa da obliquidade do olho em relação a esta superfície os raios visíveis não encontram mais ondas que se refletem contra o Sol. Esta imagem resulta ainda móvel de acordo com o movimento do olho, se, porém, além de seus limites, continua a superfície que reflete; mas, se a quantidade da matéria ocupar um pequeno espaço, muito menor do que o da imagem inteira, poderá acontecer que, ficando fixa a matéria e movimentando-se o olho, ela continue a aparecer brilhante, até que, tendo chegado o olho àquele termo do qual, pela obliquidade dos raios incidentes sobre a matéria, as reflexões não se dirigem mais rumo ao Sol, a luz desaparece e perde-se. Não concordo com Sarsi que quando ele vê uma nuvem suspensa no ar, bem determinada e toda brilhante, que permanece tal apesar de o olho ir se movimentando, não pode ter a certeza de que esta luz seja mais real do que um halo, do que os periélios, do que o arco-íris, e do que a reflexão sobre a superfície do mar; porque afirmo-lhe que a sua consistência e sua aparente estabilidade podem depender da pequenez da nuvem que não consegue receber toda a amplidão da imagem do Sol; e esta imagem, em relação à posição das partes da superfície da nuvem, ampliar-se-ia, se não lhe faltasse matéria, num espaço muito maior da nuvem, e quando se visse inteiro e o campo das nuvens se adiantasse a ele, afirmo que apareceria movimentando-se inteiramente em relação ao movimento do olho. Prova-o o fato de termos visto muitas vezes, ao nascer e ao pôr do sol, muitas pequenas nuvens colocadas perto do horizonte, das quais as que se encontram face ao Sol tornam-se brilhantíssimas e quase de fino ouro, das laterais as menos distantes do meio são ainda mais brilhantes do que as mais distantes, as quais vão aparecendo gradualmente menos claras até ficar praticamente nulo o brilho das mais distantes: nulo para nós, mas, para quem se encontrasse num lugar onde elas permanecessem entre seu olho e o lugar onde o Sol se põe, mostrar-se-iam brilhantíssimas para ele e obscuras a nós as mais esplendorosas. Entenda, então, Sarsi, que se as nuvens não fossem quebradas mas fossem uma longa extensão contínua, a sua parte central pareceria brilhante a qualquer um dos observantes e gradualmente menos claras as laterais, conforme a distância de seu meio, porque onde eu posso ver o maior brilho, para outros é o menor. Mas alguém poderia agora afirmar que, uma vez que aquela parte da nuvem permanece fixa e sua luz não parece movimentar-se pela mudança de lugar do observador, isto seria suficiente para fazer com que a paralaxe opere na determinação de sua altura, e que, podendo acontecer o mesmo com o cometa, o uso da paralaxe seja suficiente para quem queira mostrar o lugar dela. Poder-se-ia responder a esta objeção que este argumento resultaria verdadeiro se fosse demonstrado antes que o cometa não é uma inteira imagem do Sol, mas só uma parte da imagem, assim como a matéria que forma o cometa é não só toda iluminada mas que a imagem do Sol é maior que ela, de modo que é bastante para iluminar um campo muito maior, existindo matéria apta a refletir a luz. Isto não foi demonstrado e pode ser diferente, isto é, que o cometa seja uma inteira imagem, não mutilada, como nos faz acreditar sua aparência bem regulada e simétrica. E daqui pode-se deduzir uma resposta fácil e razoável à pergunta que Sarsi coloca, isto é, como pode acontecer que, acreditando, segundo a colocação de Mário, o cometa esteja num campo muito extenso em altura que não se ilumine inteiramente mas nos reflita só um círculo parcial, sem que as outras partes, mesmo atingidas pelo Sol, não apareçam nunca. Farei, então, a mesma pergunta a ele e ao seu Mestre, que não desejando que o cometa seja um fogo, mas querendo acreditar (se não me engano) que ao menos sua cauda seja uma reflexão dos raios solares, se eles acreditam que o material que produz uma reflexão seja recortado da medida desta cauda, inteiro, que tenha de algum lado; e se sobrar (como acredito que me responda), por que não é percebida, uma vez que é atingida pelo Sol?
Não se pode afirmar que o reflexo seja originado pela substância do éter, substância que, muito transparente, não serve para isto, nem pode-se originar em outro material que, mesmo apto à reflexão, seria também apto a refletir os raios solares. Além disso, não sei por que razão ele chama um pequeno círculo a cabeça do cometa que seu Mestre conseguiu medir em 87.127 milhas quadradas, não sei com quais inteligentíssimos cálculos, quando nuvem alguma, acredito eu, pode alcançar tal medida.
Acrescenta Sarsi, imitando aquele que por muito tempo acreditou que o som pudesse ser produzido de uma única forma, não ser possível que o cometa se origine do reflexo daqueles vapores fumacentos, e que o exemplo do arco-íris não resolve a dificuldade, sendo ele uma ilusão visual: pois o arco-íris e outras coisas semelhantes são originados pela umidade da matéria que já está se transformando em água, que só naquele momento, imitando a natureza dos corpos líquidos, reflete a luz daquela parte onde se produzem os ângulos da reflexão e da refração, procurados como acontece nos espelhos, na água e nas bolas de cristal; mas, nos outros materiais ralos e secos, não possuindo superfície lisa como os espelhos, não se origina muita refração, procurando-se, então, para esta finalidade, uma matéria aguada, por conseguinte, muito pesada e inapta a subir além da Lua e do Sol, aonde podem chegar (também segundo minha opinião) só exalações levíssimas. O cometa, então, não pode ser produzido por tais fumacentos vapores. Uma resposta suficiente a toda esta argumentação seria afirmar que o Sr. Mário nunca limitou-se a afirmar qual seja a matéria originária e precisa do cometa, nem se ela é úmida ou fumacenta, seca ou lisa, e sei que ele não se envergonhará em afirmar que não a conhece. Porém, vendo que em vapores, nuvens ralas e não aguacentas, e naquelas que se dissolvem já em pequenas gotas, nas águas paradas, nos espelhos e outras matérias, aparecem por reflexão e refração muitas imagens ilusórias, considerou não ser impossível que na natureza exista ainda uma matéria apta a nos oferecer mais uma imagem diversa das outras, isto é, o cometa. Tal resposta, afirmo eu, é bem adequada à pergunta, se cada parte da pergunta for exata: todavia, o desejo de ajudar (como muitas vezes já confirmei) a pesquisa da verdade, pelo que me cabe, leva-me a fazer algumas considerações sobre determinados particulares contidos nesses discursos.
Em primeiro lugar, é verdade que numa emanação de pequeníssimas gotas de água recebemos a ilusão do arco-íris, mas não acredito que, pelo contrário, uma ilusão semelhante não se verifique sem tal emanação. O prisma triangular cristalino perto dos olhos nos apresenta todos os objetos das cores do arco-íris; muitas vezes, vê-se o arco-íris também em nuvens secas, sem que caia chuva alguma.
Não podemos ver também as mesmas ilusões de cores diversas nas penas de muitas aves, enquanto o Sol as atinge de várias formas? E que mais? Gostaria de anunciar a Sarsi alguma novidade se existisse alguma novidade a contar. Pegue ele qualquer matéria, seja pedra, madeira ou metal, e expondo-a ao Sol, observe-a atentamente e poderá observar nela todas as cores repartidas em pequeníssimas partes; e se ele usufruir, para observá-las melhor, de um telescópio adaptado a observar os objetos muito próximos, muito mais distintamente perceberá aquilo de que estou falando, sem necessidade que aqueles corpos transformem-se em orvalho ou vapores úmidos. Além disso, aquelas pequenas nuvens que ao pôr do sol mostram-se brilhantíssimas e refletem a luz do Sol tão viva que quase nos cega, são das mais ralas, secas e estéreis nuvens que existem no ar, e as úmidas, em vez, quanto mais estão cheias de água mais se mostram a nós escuras. O halo e os periélios verificam-se sem chuvas e sem umidade nas mais ralas e secas nuvens ou vapores que se encontrem no ar.
Segundo, é verdade que as superfícies bem lisas, como as dos espelhos, nos oferecem um poderoso reflexo da luz do Sol; assim, a muito custo podemos observá-la sem ofender a vista; porém, é também verdade que superfícies não muito lisas refletem com menos força se menor for a sua limpeza.
Veja agora, V. E. Ilustríssima, se o esplendor do cometa é daqueles que cegam a vista, ou é daqueles que por fraqueza não ofendem em nada; e disto julgue se para produzi-lo seja necessário uma superfície semelhante àquela de um espelho, e seja suficiente uma menos lisa. Eu gostaria de mostrar a Sarsi um modo de originar uma reflexão muito semelhante àquela do cometa. Pegue V. E. Ilustríssima uma garrafa de vidro bem limpa, e com uma vela acesa não muito distante do recipiente perceberá, em sua superfície, uma imagem bem pequena desta luz, clara e determinada. Pegando depois com a ponta do dedo uma mínima quantidade de qualquer matéria que possua um pouco de gordura, de modo que se junte ao vidro, engordure o mais sutilmente que puder aquela parte onde se percebe a imagem da luz até que a superfície fique um pouco nublada. Movimente depois a garrafa de maneira que a imagem saia da gordura e pare ao contato com ela; passe depois o dedo uma única vez horizontalmente sobre a parte gordurosa. Imediatamente verá originar-se um raio reto como a cauda do cometa, e este raio cortará transversalmente e em ângulos retos a linha do dedo que V. E. produziu, e, se V. E. voltar a passar o dedo numa outra direção, este raio originar-se-á em outra direção. Isto acontece porque, devido à pele dos nossos dedos não ser lisa, mas marcada por algumas linhas sinuosas para permitir melhor o tato e perceber as mínimas diferenças entre as coisas tangíveis, movimentando o dedo sobre esta superfície gordurosa, deixa alguns sulcos sutis no interior dos quais produzem-se os reflexos da luz, os quais, sendo muitos e dispostos ordenadamente, apresentam depois uma Unha brilhante, em cuja extremidade, se produzirmos, movimentando o vaso, aquela primeira imagem realizada na parte não gordurosa, perceber-se-á a cabeça da cauda mais brilhante e a cauda menos brilhante; o mesmo efeito produzir-se-á se, em vez de se engordurar o vidro, ficar embaçado soprando em cima. Eu peço a V. E. Ilustríssima que, se alguma vez por acaso Sarsi chegar a conhecer esta brincadeira, explique por mim bem claramente que eu não entendo com isso afirmar que exista no céu uma grande garrafa e alguém que a engordure, produzindo assim o cometa; simplesmente eu apresento este exemplo e poderei apresentar muitos outros que possam encontrar-se na natureza, ainda indefinidos a nós, como argumentos de sua riqueza de modos diferentes entre eles para produzir seus efeitos.
Em terceiro lugar, que reflexão e refração não podem ser produzidas por matérias e impressões meteorológicas a não ser quando contêm muita água, porque só neste caso apresentam superfícies lisas e limpas, condições estas necessárias para produzir tal efeito, asseguro que não é verdade que não possa ser diferente. No que diz respeito à limpeza, afirmo que mesmo sem ela produzir-se-á a reflexão da imagem unida e distinta. Afirmo assim porque a imagem quebrada e confusa é produzida por todas as superfícies, desiguais e ásperas; porém, aquela imagem de um pano colorido, que se vê distintíssima num espelho oposto, vê-se confusa e quebrada sobre o muro que reproduz uma determinada sombra da cor deste pano. Se V. E. Ilustríssima pegar uma pedra ou uma ripa de madeira não tão lisa que reflita perfeitamente as imagens, e colocar-se em direção oblíqua ao olho, como se quiséssemos verificar se ela é plana e reta, perceberá distintamente sobre ela as imagens dos objetos que se encontrarem encostados do outro lado da ripa, tão distintas que, apoiando um livro em cima, poderá ser lido comodamente. Mas se este experimento for concluído colocando-se o olho perto da extremidade de algum muro reto e comprido, primeiro perceber-se-á um perpétuo curso de exalações em direção ao céu, especialmente quando o muro for atingido pelo Sol, assim como todos os objetos parecem tremer; depois, o muro do outro lado parecerá aproximar-se, e verá que, quando estiver bem perto, sua imagem se apresentará refletida naqueles vapores ascendentes, nem úmidos nem pesados, pelo contrário, secos e leves. E que mais? Não chegou ainda ao ouvido de Sarsi tudo aquilo que foi falado, especialmente por Tycho, a propósito das refrações que se operam nas exalações e vapores que circundam a Terra mesmo que o ar seja sereno, seco e sem chuva e umidade? Também não se apoie, como ele faz, sobre a autoridade de Aristóteles e de todos os mestres de perspectiva, porque ele não poderá fazer outra coisa que afirmar que eu sou um observador mais cuidadoso que eles, o que, segundo meu parecer, é de todo contrário à sua intenção. Parece-me que tudo o que expus é uma resposta suficiente ao argumento de Sarsi.
Passemos, pois, ao segundo.
CONTINUA
18. Leia agora V. E. Ilustríssima o fim deste primeiro exame: Neste ponto, perceba Galileu, com quanta razão, desta e das muitas outras coisas expostas por ele no texto Nunzio Sidereo, deduzimos que o cometa deve se encontrar além da Lua. Ele mesmo afirma que, entre os astros, alguns brilham com a luz nativa e própria, e nesse número ele coloca o Sol e as estrelas chamadas fixas; outros, não dotados de brilho algum pela natureza, recebem toda a luz do Sol, como é costume pensar dos seis planetas que sobram.
Galileu observou, ademais, que as estrelas amam muito aquela vã coroação de luz não própria e que costuma fazer crescer uma cauda; os planetas, em vez, especialmente a Lua, Júpiter e Saturno, não têm quase nenhum brilho; contudo, Marte, Vênus e Mercúrio, apesar de não serem providos de luz própria, tiram, pela vizinhança do Sol, tanta luz que, sendo quase igual àquelas das estrelas, imitam seus raios circunstantes e seu brilho. Portanto, como o cometa, segundo Galileu também, não possui luz própria por natureza, mas a recebe do Sol, e junto com outros astrônomos de grande fama o consideramos planeta temporário, devia-se raciocinar sobre ele do mesmo modo como sobre a Lua e outros planetas, e cuja condição é tal que quanto menos são distantes do Sol tanto mais brilham, e revestidos de um brilho maior (que deriva disto), observados com a luneta parecem aumentar menos; enquanto o cometa recebe deste instrumento quase o mesmo aumento de Mercúrio, podemos não com muita probabilidade deduzir que o cometa não irradiou aquela luz circundada mais que Mercúrio e por isso não se encontra muito longe; por outro lado, como era aumentado menos que a Lua, precisava colocá-lo circundado de uma luz maior e mais perto do Sol? De tudo isto pode-se compreender com quanta razão afirmamos que o cometa, pois pareceu aumentar muito pouco, deve ser considerado muito mais longe de nós do que a Lua.
Sem dúvida, pela paralaxe observada e também pelo curso do cometa quase sidéreo, nós conhecíamos bastante seu lugar; como, além disso, a luneta o aumentava quase quanto Mercúrio, certamente nenhuma razão teria podido sustentar o contrário; foi lícito tirar daqui um corolário também de grande importância e peso a favor de nossa teoria. Mesmo que soubéssemos, com efeito, que estas coisas podiam ser originadas por muitas causas, justamente por causa da analogia que este corpo luminoso guardava junto a todos os outros corpos celestes em todos os seus fenômenos, pensamos ter recebido da luneta um beneficio bastante grande, pois nosso parecer, já firmado pelo peso de outros argumentos, confirmava ainda mais com o peso do próprio assentimento. Quanto ao restante, porém, acrescentado ao argumento, isto é, as palavras: "Sei que este argumento foi considerado por alguns de pouca importância", etc, clara e honestamente havíamos lembrado antes para que fim estas palavras haviam sido acrescentadas: naturalmente contra aqueles que, enfraquecendo a fé neste instrumento, completamente ignaros das disciplinas de óptica, proclamavam-no enganador e indigno de qualquer confiança. Compreende, então, Galileu, se não me engano, com quanta falta de raciocínio lutou contra nossa opinião a respeito da luneta, que ele considera em tudo de acordo com a verdade e com as suas próprias opiniões: haveria podido conhecer também antes se a tivesse examinado com espírito mais calmo. Como, então, haveríamos podido imaginar que ele não haveria de gostar dessas ideias que considerávamos suas próprias? Mas como estas coisas, segundo a nossa opinião, parecem suficientes, vamos examinar a opinião do próprio Galileu.
Aqui, primeiramente, como V. E. pode ver, iniciamos uma argumentação recortada, como se diz, de velho pano, consistente em diversos fragmentos de proposições, para provar que o lugar do cometa era entre a Lua e o Sol; proposição esta que o Sr. Mário e eu podemos conceder-lhe por completo, sem prejuízo algum, não tendo nós nunca afirmado nada em relação ao lugar do cometa, nem negado que ele possa se encontrar além da Lua, mas falou-se somente que as demonstrações até agora apresentadas pelos autores oferecem dúvidas. E para tirá-las não é de ajuda nenhuma que Sarsi apresente agora uma nova demonstração, mesmo que ela fosse necessária e conclusiva, e provar que esta conclusão seja verdadeira, mesmo que também em torno de conclusões verdadeiras se possa argumentar e silogizar falsamente. Todavia, pelo desejo que eu possuo de pôr à luz as coisas escondidas e chegar a verdadeiras conclusões, apresentarei algumas considerações em relação a estas proposições.
Para maior clareza e compreensão o farei com a maior brevidade possível.
Afirma ele ter deduzido do meu Nunzio Sidereo que as estrelas fixas, sendo aquelas que brilham com luz própria, brilham com uma luz não real, mas aparente. Os planetas, sendo desprovidos de luz própria, não agem assim, especialmente a Lua, Júpiter e Saturno, mas mostram-se quase sem brilho; porém, Vênus, Mercúrio e Marte, mesmo privados de luz própria, brilham muito por causa da vizinhança do Sol, pelo qual são mais abundantemente atingidos. Afirma, além disso, que o cometa, segundo meu parecer, recebe sua luz do Sol, e acrescenta haver ele, junto com autores de renome, considerado o cometa, desde muito tempo, um planeta; assim, a respeito dele pode-se raciocinar como a respeito dos outros planetas, os quais, quanto mais encontram-se perto do Sol mais brilham, e por consequência menos podem ser observados pelo telescópio, e, aumentando o cometa pouco mais que Mercúrio e muito menos que a Lua, com muita razão podia-se concluir que não estivesse muito mais longe do Sol do que de Mercúrio, mas muito mais perto daquele que da Lua. Esta é a teoria que muito bem se ajusta à necessidade de Sarsi, como se a conclusão, deduzida antes dos princípios e meios, dependesse não aquela destes, mas estes dela, e tivessem sido preparados por ele não da grandiosidade da natureza mas da arte muito sutil. Pesquisemos, porém, quanto ela seja conclusiva.
Em primeiro lugar, é completamente falso que eu tenha escrito no Nunzio Sidereo que Júpiter e Saturno não brilhem quase nada e que Marte, Vênus e Mercúrio sejam coroados de muitos raios, porque eu separei só a Lua do resto das outras estrelas, quer fixas quer errantes.
Em segundo lugar, não sei se para concluir que o cometa seja quase um planeta e que, sendo tal, lhe sejam convenientes as propriedades dos outros planetas, seja suficiente que Sarsi e seu Mestre junto com outros autores o tenham considerado e chamado assim. Pois, se a opinião deles fosse tão importante a ponto de fazer aceitar as coisas por eles propostas, eu os rogaria que considerassem e chamassem ouro muitos velhos pedaços de ferro que possuo em casa. Mas, deixando os nomes de lado, qual é a teoria que os induz a considerar o cometa quase um planeta desde muito tempo? Brilhar como os planetas? Mas qual é a nuvem, qual a fumaça, qual a madeira, qual o muro, qual a montanha, atingidos pelo Sol, que não brilham do mesmo tanto? Não percebeu Sarsi no Nunzio Sidereo minha demonstração, isto é,que nossa Terra brilha mais que a Lua? Mas qual é minha opinião sobre o brilho do cometa como um planeta? Eu, por mim, não considero impossível que sua luz possa ser tão fraca e sua substância tão sutil e rala, que, quando alguém se aproximasse dela, sumisse da vista completamente, como acontece com alguns fogos-fátuos que saem da Terra, que são percebidos só durante a noite e de longe, mas de perto desaparecem; da mesma forma que as nuvens distantes são percebidas bem determinadas, e depois, de perto, mostram um pouco de nebulosidade tão indeterminada que alguém, entrando nela, quase não distingue os limites, nem sabe separá-la do ar contíguo. E aquelas projeções de raios solares entre as nuvens, tão semelhantes aos cometas, por quem são percebidas se não por aqueles que lhes são distantes? Tem o cometa alguma coisa em comum com os planetas por causa do movimento? E qual será a coisa separada da parte elementar que, obedecendo ao estado terrestre, não terá o moto diurno de acordo com o resto do universo? Mas se falamos do outro movimento, aquele transversal, este não tem nada a ver com o movimento dos planetas, não sendo criado nem por aquele rumo, nem regulado, nem talvez circular. Mas, deixados de lado os acidentes, acreditará talvez alguém que a substância ou a matéria do cometa tenha alguma coisa a ver com a dos planetas? Pode-se acreditar que ela seja solidíssima, como nos convida a pensar em particular a Lua e em universal a figura bem determinada e imutável de todos os planetas; e, ao contrário, pode-se acreditar que a do cometa dissolva-se em poucos dias; e sua figura, não determinada ao redor, mas confusa e indistinta, nos mostra que a sua substância é mais sutil e mais rala que a névoa e a fumaça. Assim ele quase poderia ser chamado mais um planeta pintado que real.
Em terceiro lugar, eu não sei com quanta perfeição ele possa ter parangonado os raios e o aumento do cometa com o aumento de Mercúrio que, podendo ser observado raríssimas vezes, em todo o tempo da aparição do cometa, ele não apareceu nunca, nem deu a possibilidade de ser observado, encontrando-se sempre muito perto do Sol; posso sem escrúpulo acreditar que Sarsi não fez esta comparação, difícil de se realizar e muito incerta, mas que ele afirma ter realizado porque, sendo assim, serviria melhor para sua causa. Outro indício que mostra como ele não conseguiu fazer esta experiência é-me fornecido pelo fato de que, ao referir-se às observações relativas a Mercúrio e à Lua, com os quais compara as do cometa, parece-me que ele esteja confundindo muito. Aceitando, para concluir, que o cometa se encontre mais longe do Sol que de Mercúrio, precisava afirmar que o cometa possuía menos raios que ele, e observado com o telescópio aumentava mais que ele; todavia, afirmou o contrário, isto é, que não possuía mais raios que Mercúrio e que aumentava quase a mesma coisa, o que significa afirmar que possuía mais raios e menos aumento que Mercúrio. Comparando depois o cometa com a Lua, escreve a mesma coisa (mesmo afirmando escrever o contrário), isto é, que aumentava menos que a Lua e possuía mais raios. Todavia, para chegar a uma conclusão, deduz da identidade das premissas conclusões diferentes, isto é, que o cometa encontra-se mais perto do Sol que a Lua, porém mais distante que Mercúrio.
Para finalizar, afirmando Sarsi ser um lógico exato, não me faz entender por que, na divisão dos corpos luminosos que se irradiam mais ou menos, e que por consequência, observados com o telescópio, recebem um aumento maior ou menor, ele não haja registrado nossas luzes elementares; pois as velas, as tochas acesas observadas a qualquer distância, qualquer pedrinha, lenho ou corpúsculo, até as folhas e as gotas de orvalho atingidas pelo Sol, resplandecem, e de certo ângulo irradiam a par de qualquer estrela mais brilhante, e vistas pelo telescópio observam no aumento o mesmo teor que as estrelas. Assim, termina completamente aquela ajuda a mais que os outros haviam esperado do telescópio para conduzir o cometa no céu e tirá-lo da esfera elementar. Abandonai, portanto, Sarsi, a ideia de poder ajudar vosso Mestre e estai certo de que, para querer sustentar um erro, é necessário perpetrar cem outros e, coisa ainda pior, não conseguir o intento. Gostaria também de pedir-vos para não replicar mais, como o fazeis no final desta vossa parte, que estas são teorias minhas, pois nunca escrevi coisas parecidas, nem as falei, nem as pensei. Basta a respeito do primeiro trecho em exame.
19. Passemos ao segundo: Apesar de ninguém até hoje ter falado que o cometa deve colocar-se entre as aparências vãs, onde não haveríamos necessidade de libertá-lo da acusação de inanidade, pois Galileu acreditou enveredar por outro caminho para explicar o cometa completa e sabidamente, é justo parar e expor com cuidado esta sua nova teoria.
São duas hipóteses que ele cogitou: uma relativa à substância, outra referente ao movimento do cometa. No que diz respeito à primeira, Galileu afirma que esta luz é daquelas que, mostradas mais que criadas pela refração de outra luz, parecem ter mais o nome de sombras de corpos luminosos que ser corpos luminosos, como, por exemplo, os arco-íris, os halos, os parélios e muitas outras coisas semelhantes. No que diz respeito à segunda, Galileu afirma que o movimento dos cometas sempre foi retilíneo e perpendicular à superfície da Terra. Revelando estas suas descobertas, acreditou poder destruir com facilidade as opiniões dos outros. Nós vamos examinar agora com poucas palavras, e sem retórica, quanto de próprio se deva atribuir a estas opiniões (pois a verdade, mesmo nua, é bastante ornada). Mesmo sendo difícil abranger singularmente estas duas proposições, pois são tão conexas que parecem depender uma da outra e sustentar-se reciprocamente, nós nos preocuparemos para que os leitores não fiquem lesados. Por isso, contra a primeira posição de Galileu, afirmo que o cometa não foi simulacro vão de uma luz que iludia os olhos daqueles que o observavam e isto parece-me que não necessita de outra prova para aquele que, ao menos uma vez, seja a olho nu, seja com a luneta, haja observado o cometa. A simples vista manifestava a natureza desta luz, porque, em comparação a outras luzes realíssimas, qualquer um poderá com facilidade julgar se o observado era falso ou verdadeiro. Tycho, examinando as observações de Tadeu Agezio, deduz isto: "O corpo do cometa naqueles dias foi igual, em grandeza, a Júpiter e Vênus, e revestiu-se de uma luz nítida e de um grande esplendor, puro e belo, e sua substância pareceu pura demais para ser conveniente a matérias só elementares, mas era, de preferência, análoga àquela dos corpos celestes ". Tycho acrescenta a isto: "Tadeu foi bom juiz relativamente a este aspecto, haveria podido concluir claramente que este cometa não era elementar".
Sarsi andou figurando antes e arbitrariamente os princípios e os meios que fossem de acordo com as conclusões que ele queria demonstrar; agora parece-me que vai imaginando conclusões para contradizê-las como teorias do Sr. Mário e minhas, muito diversas, ou, ao menos, muito diversamente tomadas, de como são relatadas no Discurso do Sr. Mário. Que o cometa seja, sem dúvida, uma imagem vã e uma simples aparência, nunca foi afirmado com certeza, mas só foi posto em dúvida e levado à consideração dos filósofos com aqueles raciocínios e cogitações que parecem poder garantir que seja verdade. Eis aqui as palavras do Sr. Mário a este propósito: "Eu não afirmo resolutamente que o cometa produza-se assim, mas afirmo que são duvidosos, seja este modo seja os outros dos demais autores; os quais pretenderão estabelecer com certeza seus pareceres. e terão a obrigação de demonstrar que esta e todas as outras posições são vãs e falsas". Mesmo sendo o texto tão diferente, Sarsi afirma que nós temos por certo que o movimento do cometa deve ser necessariamente reto e perpendicular à superfície terrestre. Isto não foi apresentado desta forma, mas simplesmente foi cogitado como ser mais conforme às aparências e satisfazer às mudanças observadas no cometa. Esta hipótese é tão superficialmente apresentada pelo Sr. Mário que no fim ele declara: "Porém é mais conveniente para nós contentarmo-nos com aquele pouco que podemos cogitar mesmo sem ter muita clareza". Porém Sarsi quis mostrar que estas opiniões eram tão firmemente aceitas por mim que imaginou podê-las destruir com facilidade e com meios mais eficazes. Se ele conseguir o agradecerei, pois no futuro deverei preocupar-me com uma hipótese a menos todas as vezes que me venha a ideia de filosofar sobre tal matéria. Por enquanto, pois parece-me que ainda subsiste alguma coisa de vivo no raciocínio do Sr. Mário, moverei algumas objeções às objeções de Sarsi.
Opondo-se Sarsi com grande firmeza à primeira conclusão, afirma que aquele que, mesmo por uma vez, houvesse observado o cometa, não necessitaria mais de argumento algum para conhecer a natureza desta estrela; estrela que, comparada com as outras verdadeiras estrelas, mostrava muito claramente ser verdadeira e não falsa. Assim, como V. E. Ilustríssima entende, Sarsi confia tanto no sentido da visão que considera impossível ser enganado todas as vezes que tentamos fazer uma comparação entre um objeto falso e um real. Eu confesso não ter a visão tão perfeita, pelo contrário, confesso ser como aquele macaco que acredita firmemente ver no espelho outro macaco, e nem reconhece seu erro se quatro ou seis vezes não tenha ido atrás do espelho para agarrar a imagem, tanto aquela imagem se lhe apresente viva e verdadeira. Supondo, então, que aqueles que Sarsi vê no espelho não sejam homens verdadeiros e reais, mas imagens vãs, como nós vemos nossa imagem no espelho, gostaria ardentemente de saber quais são aquelas diferenças visuais por meio das quais tão rapidamente distingue o verdadeiro do falso. Quanto a mim, encontrei-me mil vezes em alguma sala de janelas fechadas, e através de algum pequeno buraco pude perceber o Sol refletindo-se sobre um muro oposto, julgando assim esta mancha, pela vista, uma estrela tão brilhante quanto a Canícula e Vênus. E andando contra o Sol no campo, quantos milhares de corpúsculos, pedrinhas, lisos ou molhados, transformar-se-ão pelo reflexo do Sol em estrelas brilhantíssimas? Mesmo cuspindo no chão, Sarsi sem dúvida perceberá onde cuspiu, pela reflexão solar, uma estrela naturalíssima. Além disso, qual corpo colocado a grande distância, atingido pelo Sol, não aparecerá como uma estrela, especialmente se for tão alto que possa ser enxergado durante a noite, como se enxergam as outras estrelas? E quem distinguiria a Lua, vista durante o dia, de uma nuvem atingida pelo Sol, senão pela diversidade do aspecto e pela grandeza?
Ninguém, com certeza. E enfim, se a simples aparência deve determinar a essência, é necessário que Sarsi aceite que os sóis, as luas e as estrelas, observados em água parada e em espelhos, sejam verdadeiros sóis, verdadeiras luas e verdadeiras estrelas. Em relação a esta parte, mude mesmo Sarsi de opinião, nem acredite que, citando a autoridade de Tycho, de Tadeu Agezio ou de muitos outros, melhore sua condição, a não ser que, por ter tido tais homens como companheiros, desculpe mais seu erro.
20. Continue V. E. Ilustríssima a ler: "Pois, por todo o tempo que nosso cometa brilhou, Galileu, segundo ouvi dizer, permaneceu de cama por uma doença, e nunca talvez pôde, por causa da doença, observar aquele corpo brilhantíssimo, e por isso pensamos dever-se discutir com ele por meio de outra argumentação. Afirma ele mesmo que às vezes, de alguma parte da Terra, um vapor fumacento levanta-se acima da Lua e também acima do Sol, e, logo que saído do cone sombreado da Terra, olhou para a luz do Sol da qual como que concebeu e gerou o cometa; e o movimento ou a subida de um tal vapor não é vago ou incerto mas retilíneo e sem ser desviado para parte alguma. Assim afirma ele, mas nós colocamos na nossa balança o peso destas afirmações. Primeiro, sabemos que esta matéria fumacenta e úmida, tendo subido casualmente da Terra nos dias em que, dominando amplamente o céu bóreas violentíssimas, facilmente poderia haver sido dispersada e dissipada. É pois, digno de admiração como impunemente corpúsculos tão sutis e leves, entre a ira do vento violentíssimo, puderam ter chegado até o alto com um proceder constante através do caminho enveredado no começo, quando nem pesos consideráveis confiados ao vento podiam vencer o ímpeto e a força. Eu considero muito contraditório que um vapor muito leve suba e suba em linha reta, e mal acredito que isto haja podido acontecer entre as várias mudanças do vento. E acrescenta que, garante Galileu, nem nas mais altas regiões dos planetas faltam condensações e rarefações de tais corpos fumacentos, e por isso nem aqueles movimentos vagos e incertos pelos quais é necessário que sejam levados.
Que os vapores fumacentos de alguma parte da Terra subam além da Lua, e até além do Sol, e que saídos do cone da sombra terrestre sejam engravidados pelos raios solares e que então gerem o cometa, nunca foi escrito pelo Sr. Mário nem foi afirmado por mim, apesar de Sarsi atribuí-lo a mim.
Aquilo que o Sr. Mário escreveu é que não é impossível que algumas vezes possam elevar-se da Terra exalações e outras coisas parecidas, mas muito mais sutis que de costume, que subam além da Lua e possam ser matéria geradora do cometa, e que às vezes originem-se sublimações extraordinárias relativas à matéria dos corpúsculos, exemplificando-o por meio da aurora boreal. Porém não afirma que aquela seja numericamente a mesma matéria dos cometas, que necessita ser muito mais rala e sutil que os vapores dos corpúsculos e do que a matéria da assim chamada aurora boreal, tendo aceito que o cometa resplende muito menos que a aurora; assim, se o cometa se ampliasse, por exemplo, rumo ao oriente, na cândida alvorada, enquanto o Sol não se encontrasse longe do horizonte mais do que 6 ou 8 graus, sem dúvida não se perceberia, por ser menos brilhante do que seu próprio ambiente. E com a mesma probabilidade, não certeza, atribuiu-se à mesma matéria o movimento retilíneo em ascensão. E isto seja afirmado não para retratarmo-nos por medo das oposições de Sarsi, mas só para mostrar que não nos afastamos do nosso hábito, que consiste em não afirmar como verdadeiras a não ser as coisas que conhecemos como indiscutíveis, como nos ensina nossa filosofia e nossa matemática. Agora, partindo do ponto de vista de que houvéssemos verdadeiramente afirmado aquilo que Sarsi fala, examinemos suas posições.
Sua primeira oposição baseia-se na impossibilidade de os vapores subirem ao céu, em linha reta, enquanto que verificamos que um papagaio é empurrado pelo ar com movimento transversal, assim como as outras coisas que se encontram nele; e o mesmo verificou-se por muitos dias depois do aparecimento do cometa. A oposição é verdadeiramente inteligente, mas perde muito de sua força lógica porque, segundo notícias seguras, naqueles dias, nem na Pérsia nem na China verificaram-se perturbações atmosféricas; e eu acreditarei que de umas daquelas regiões se origina a matéria do cometa, se Sarsi provar que ele não é originário de lá, mas de Roma, onde ele percebeu o vento boreal.
Mas, mesmo que o vapor saísse da Itália, quem pode saber se ele não se houvesse posto em viagem antes dos dias de vento, muitos dias antes de sua chegada ao orbe do cometa, longe da Terra, segundo a relação do Mestre de Sarsi, quatrocentos e setenta mil milhas mais ou menos; porque, para empreender uma viagem tão comprida, é necessário bastante tempo, pois a subida dos vapores, por aquilo que podemos observar em relação àqueles perto da Terra, não atinge a velocidade do voo das aves; assim não seriam suficientes quatro anos para concluir tamanha viagem. Mesmo aceitando que estes vapores pudessem se movimentar em época de vento, Sarsi, que acredita piamente nos historiadores e nos poetas, não poderá negar que o impulso dos ventos não sobe mais de duas ou três milhas, já que existem montes cujo cume vai além da região dos ventos. Assim, o máximo que ele poderá concluir é que dentro deste espaço os vapores movimentam-se transversal e não perpendicularmente; porém, fora deste espaço desaparece o impedimento que os desvia do caminho retilíneo.
21. Veja mais V. E. Ilustríssima: Aceitamos que estes vapores possam manter, através dos ventos, suas direções e rumar para onde possam receber os raios diretos do Sol, enviando-os a nós refletidos. Por que, então, recebendo em toda a sua extensão a luz do Sol, no-la mostram somente em uma mínima parte de si? Com certeza, sendo o próprio Galileu testemunha, quando nos dias de verão um vapor não diferente indo rumo ao norte mais alto que de costume apresenta-se à luz do Sol, então, imergido em luz brilhantíssima, mostra-se muito brilhante em todas as suas partes, para utilizar sua próprias palavras, nos reflete mesmo de noite a aurora boreal; e não se mostra tão avarento do esplendor recebido que não permita que a reflexão da luz do Sol, que ele recebeu em toda a sua extensão, nos apareça apenas através de um pequeno buraco. Eu mesmo verifiquei, não somente em tempo de verão, mas no mês de janeiro, quatro horas depois do pôr do sol, algo ainda mais maravilhoso, isto é, uma pequena nuvem, cândida e brilhante, tão rarefeita que não encobria nem as estrelas menores, e os dons de luz que havia recebido do Sol ela os expandia livremente, com alma generosa, por todos os cantos. Então todas as nuvens (admitindo que tenham alguma afinidade com a matéria do cometa), se são tão densas e obscuras que não possam refletir livremente os raios do Sol, ao menos na parte virada para o Sol o refletem para nós com generosidade recíproca; porém, se são ralas e sutis, e a luz facilmente as penetre integralmente, não mostram obscuridade em parte alguma, mas oferecem aos olhos inundados uma luz esplendorosa. Então, se o cometa não se forma de outra matéria que não seja vapores fumacentos, não Juntados globalmente mas, como o próprio Galileu afirma, ocupando um espaço suficientemente vasto do céu, brilhando em toda parte com a luz do Sol, qual é a causa pela qual brilham sempre para aqueles que o observam só de um pequeno e estreito disco, e as outras partes deste mesmo vapor, iluminadas pelo Sol com mesma luz, não aparecem? Dificilmente tudo isto pode ser explicado com o exemplo do arco-íris, em cuja formação acontece a mesma coisa que evidentemente só de uma parte da nuvem volta ao olho, quando, entretanto, em todo o espaço iluminado pelo Sol a própria diversidade das cores seja gerada de sua luz. Com efeito, o arco-íris e outros meteoros, se existirem, requerem de preferência matéria úmida e com tendência a mudar-se em água; pois esta matéria só quando se derrete em água, imitando a natureza dos corpos leves, puros e transparentes, reflete a luz só na parte onde formam ângulos de reflexão e de refração necessários a tudo isto, como percebemos nos espelhos, na água e no gelo. Depois, se alguma emanação encontrar-se mais rarefeita ou mais seca, acontece porque ela não possui superfície lisa como os espelhos, nem reflete muitos raios. Visto necessitar-se de um corpo liso para que haja reflexão e necessitar-se de sua densidade para a refração (coisas que nunca se encontram nas impressões meteorológicas, a não ser quando a natureza delas possui muita água, como ensinaram não só Aristóteles mas também todos os mestres de óptica, e a própria razão persuade com muita eficácia), segue disto necessariamente que emanações semelhantes possuirão, por natureza própria, um certo peso, e por isto menos aptas a subir acima da Lua e do Sol, pois o próprio Galileu admite que devem ser muito sutis e leves aqueles que voam até lá em cima. Portanto, não daquele vapor fumacento e rarefeito, e na verdade de peso algum, poderá refletir para nós aquela imagem brilhante de luz: o vapor aguado, na verdade, sendo pesado, não poderá subir deforma alguma.
Depois de observado por muitas experiências, parece-me ser esta a condição humana em relação às coisas intelectuais: quanto menos entende-se e sabe-se, com tanta mais força quer-se discutir; e, pelo contrário, mais coisas são conhecidas menor é a tendência de discutir resolutamente sobre qualquer novidade. Nasceu em um lugar muito solitário um homem dotado por natureza de grande inteligência e de extraordinária curiosidade. Criando por prazer grande diversidade de aves, gostava enormemente do seu canto, e com muita admiração observava de que modo, por meio do próprio ar que respiravam, conseguiam formar ao seu arbítrio cantos diferentes e todos suavíssimos. Acontece que uma noite perto de casa escutou um som delicado, e, nem podendo imaginar que fosse outra coisa a não ser uma pequena ave, foi buscá-la. Chegando à estrada encontrou um pequeno pastor que, assoprando num pedaço de madeira furada e movimentando os dedos sobre a madeira, uma vez fechando e uma vez abrindo determinados buracos, conseguia produzir aquelas vozes diferentes, semelhantes às de um pássaro, mas de forma bem diversa. Admirado e movido pela sua curiosidade natural, deu de presente um bezerro ao pastor para obter aquela flauta. De regresso à sua casa e percebendo que se não houvesse encontrado por acaso aquele pastor nunca haveria aprendido que existiam na natureza duas formas diversas de criar vozes e cantos suaves, quis sair de casa procurando encontrar outras aventuras. Aconteceu que no dia seguinte, passando perto de uma pequena choça, escutou ressoar dentro dela uma voz semelhante. Para ter certeza se era uma flauta ou um pássaro, entrou e encontrou um menino que estava serrando, com um pequeno arco segurado na mão direita, alguns nervos estendidos sobre um lenho côncavo, enquanto sustentava com a mão esquerda o instrumento sobre o qual, movimentando os dedos e sem sopro algum, extraía dele vozes diversas e suaves. Qual foi seu espanto pode ser julgado facilmente por aquele que possuir a mesma inteligência e a mesma curiosidade dele que, vendo aumentar, de duas novas formas, a maneira de produzir uma voz e um canto tão inusitados, começou a acreditar poderem existir ainda outros na natureza. Mas qual foi sua surpresa quando, entrando em um determinado templo, começou a olhar atrás da porta para ver quem estava tocando e percebeu que o som havia saído dos ferros da porta ao abri-la? Em outra ocasião, empolgado pela curiosidade, entrou em um boteco e, acreditando encontrar outra vez alguém que com o arco tocasse as cordas de um violino, viu uma pessoa que, esfregando o dedo sobre a orla de um copo, conseguia produzir um som suavíssimo. Mas logo que observou que as abelhas, os pernilongos e as moscas, com o rapidíssimo bater das asas, e não como suas primeiras aves que respirando formavam vozes ininterruptas, produziam um som perpétuo, tanto aumentou sua admiração que diminuiu sua confiança sobre o conhecimento da origem do som. Nem todas as experiências já observadas haveriam sido suficientes para fazer-lhe entender ou acreditar que os grilos, não voando, conseguiam, não por meio do sopro mas com o movimento das asas, produzir sons tão doces e sonoros. Mas quando acreditou não poderem existir outras formas possíveis de produzir vozes, depois de haver observado, além das maneiras já relatadas, ainda tantos órgãos, trompas, flautas e instrumentos de corda de todos os tipos, até chegar à aquela pequena lâmina de ferro que, suspensa entre os dentes, usava de forma muito esquisita a cavidade bucal para dar corpo à amplificação do sopro permitindo a passagem do som, quando, repito, na hora que acreditava haver conhecido tudo, encontrou-se ainda mais no escuro e na ignorância, quando, havendo encontrado uma cigarra que nem fechando-lhe a boca e nem fechando-lhe as asas conseguia diminuir seu altíssimo estridor, não percebeu movimento algum de escamas nem de outras partes. Finalmente, levantando-lhe a caixa dos pulmões e observando embaixo dela algumas cartilagens duras mas sutis, e acreditando que o som fosse originado do seu movimento, resolveu quebrá-las para fazê-la parar, mas tudo foi em vão.
Então, fincando uma agulha mais funda no corpo da cigarra, passando-a, tirou-lhe junto com a voz a vida e assim não pode mais pesquisar se o canto era originado verdadeiramente por aquelas membranas. Tornou-se tão descrente sobre seus possíveis conhecimentos em relação aos sons que todas as vezes que alguém lhe perguntava sua opinião sobre a origem dos sons, generosamente respondia não conhecer causa alguma, mas que estava resolvido a acreditar que pudessem existir cem outras maneiras, ainda desconhecidas e impensáveis.
Eu poderia dar muitos exemplos da variedade da natureza em produzir seus efeitos de maneira inimaginável para nós, se o sentido e a experiência não nos explicitassem sem, muitas vezes, suprir nossa incapacidade. Assim, se eu não souber, com exatidão, determinar a produção do cometa, deverão ser aceitas minhas desculpas, especialmente porque nunca afirmei poder dar esta explicação sabendo que ela poderia verificar-se de forma muito alheia à nossa imaginação. A dificuldade de entender como se forma o canto da cigarra, enquanto ela canta na mão, desculpa de sobra não saber como pode formar-se um cometa tão longe de nós. Para frisar, então, a primeira intenção do Sr. Mário e minha, isto é, promover aquelas dúvidas que parecem abalar as opiniões manifestadas até agora e propor alguma nova teoria para examinar se existe alguma coisa que possa esclarecer e abrir o caminho rumo à verdade, continuarei a raciocinar sobre as teorias manifestadas por Sarsi, que considerou improváveis nossos argumentos.
Continuando Sarsi sua exposição e aceitando serem os vapores ou outra matéria aptos a formar o cometa, seu elevar-se da Terra e subindo muito alto, onde pudesse receber diretamente os raios solares refletindo-os para nós, é difícil imaginar de que forma, sendo completamente iluminada, reflita até nós só a luz de uma pequena parte, e não acontece como aqueles vapores que nos apresentam aquela intempestiva aurora boreal, vapores que, sendo todos iluminados, mostram todos suas luzes.
Afirma depois ter observado, pelo meio da noite, uma coisa maravilhosa, isto é, uma pequena nuvem no zênite que, sendo toda iluminada, refletia livremente seu brilho de todas as suas partes, e acrescenta que, se todas as nuvens forem espessas e opacas, nos refletem a luz do Sol com toda a sua parte visível, porém se elas forem ralas, assim que a luz as penetre, mostrar-se-ão a nós brilhantes e não opacas; então, se o cometa forma-se com tais vapores fumacentos muito espalhados, como afirma o Sr. Mário, e não reunidos em círculo, sendo atingidos pelo Sol por todas as partes, por qual razão nós recebemos sua reflexão de uma pequena parte e não de todo o restante igualmente iluminado? Mesmo que as soluções destas perguntas estejam completamente resolvidas no Discurso do Sr. Mário, eu as relatarei aqui colocando-as acertadamente e acrescentando alguma outra consideração, conforme for solicitado pela matéria.
Em primeiro lugar, Sarsi deveria sem dificuldade conceder que só de um lado particular de toda a matéria sublimada pelo cometa verifica-se a reflexão da luz do Sol a uma visão particular, apesar de ser toda iluminada; tendo nós mil experiências semelhantes a favor, contra uma que pareça ser contrária, facilmente, entre as de Sarsi contrárias a esta posição, encontraremos muitas outras favoráveis. É certo que qualquer espelho plano exposto ao Sol fica por ele iluminado em toda a sua superfície; o mesmo acontece com qualquer pântano, lago, rio, mar, ou seja, com qualquer superfície lisa de qualquer material; porém, a uma vista particular não corresponde a reflexão do raio solar, a não ser de um lugar particular desta superfície, cujo lugar muda, mudando o olho do observador. A superfície externa de nuvens sutis, mas muito espalhadas, é toda iluminada pelo Sol de forma igual; todavia, o halo e os periélios não aparecem a um olho particular a não ser em um único lugar, e este, com o movimento do olho, muda de lugar dentro da nuvem.
Sarsi afirma: Aquela matéria sutil sublimada que produz aquela aurora boreal vê-se também toda iluminada, como ela o é de verdade. Porém, pergunto eu a Sarsi de onde lhe vem esta certeza. E ele pode responder-me somente que não percebe parte alguma que não seja iluminada, assim como acontece com o resto da superfície dos espelhos, das águas, dos mármores, além daquela pequena parte que reflete a viva luz do Sol. Porém advirto-o de que, se a matéria fosse transparente, não distinguiria nada mais que aquele esplêndido raio refletido, como acontece às vezes que a superfície do mar não se distingue do ar, mesmo que se veja imagem reflexa do Sol; e assim, colocado um vidro sutil a uma determinada distância, poderá mostrar-nos aquela sua pequena parte que reflete alguma luz, ficando o resto invisível por causa de sua transparência. Este erro de Sarsi é semelhante àquele dos que afirmam que criminoso algum deve confiar que seu crime possa ficar oculto, nem percebem a incompatibilidade que existe entre permanecer oculto e ser descoberto, e quem quisesse ter duas cadernetas, uma dos delitos que permanecem ocultos e outra daqueles que são descobertos em cuja caderneta dos ocultos nunca poderia registrar-se coisa alguma. Afirmo, então, que não me oponho à crença de que a matéria da aurora boreal seja muito ampla e uniformemente iluminada pelo Sol50; como, porém, não posso descobrir e observar a não ser aquela parte cuja refração meu olho pode captar, permanecendo invisível todo o restante, tenho a ilusão de perceber tudo. E que mais? A propósito dos vapores crepusculares que circundam a Terra, não permanece iluminado pelos raios solares sempre um hemisfério? Com certeza sim; todavia, aquela parte que se interpõe diretamente entre o Sol e nós mostra-se a nós muito mais luminosa do que as partes mais distantes. Mas esta, como ainda outras, é pura aparência e ilusão de nosso olho, pois, encontrando-nos em qualquer lugar, sempre observamos o Sol como centro de um círculo luminoso, mas que gradualmente vai perdendo o brilho, segundo se encontre à direita ou à esquerda deste centro; para outros, mais para o boreal, parece mais escura aquela parte que a mim parece mais clara, e mais brilhante aquela que a mim apresentava-se mais escura. Podemos, assim, afirmar a existência de um halo perpétuo e grande ao redor do Sol, figurado na superfície convexa que termina a esfera de vapor, cujo halo, da mesma forma que o outro, que às vezes nasce de uma nuvem sutil, muda de lugar segundo a mudança do observador. Em relação à pequena nuvem que Sarsi afirma ter observado brilhar na noite profunda, poderia perguntar-lhe que certeza tem ele de ela não ser maior do que aquela que aparece, especialmente afirmando ele que era tão transparente que não escondia estrelas fixas, mesmo mínimas, pois não possuía indício algum para garantir que ela se ampliasse invisivelmente como transparente, muito e muito além da parte brilhante observada: por isso é ainda duvidoso se ela não é uma aparência que muda como as outras segundo a mudança do olho. Além de não haver nada em contrário que ela apareça inteiramente brilhante e seja, da mesma forma, uma ilusão, o que acontecerá se ela não fosse maior do que aquele espaço que vem a ser ocupado pela imagem do Sol, assim que, observando a imagem do Sol, por exemplo, ocupar num espelho tanto espaço quanto uma unha, nós cortássemos fora o restante, não há dúvida de que este pequeno espelho poderá nos aparecer brilhante de todo. Além disso, quando o pequeno espelho fosse menor do que a imagem, então poder-se-ia observar não só tudo iluminado mas sua imagem não pareceria movimentar-se a cada movimento do olho, como no espelho grande; e até por ser ele incapaz de toda imagem do Sol, segue que, movendo-se o olho, veria a reflexão ora de um lado ora de outro do disco solar; assim a imagem pareceria imóvel, até que o olho se dirija à parte que não produz reflexão, ela se perderia completamente. É muito importante, então, considerar a grandeza e a qualidade da superfície que reflete, pois, conforme a superfície seja menos limpa, a imagem do mesmo objeto se apresentará sempre maior, pois, às vezes, antes que a imagem passe por todo o espelho, será necessário que o olho passe por muito espaço, e esta imagem parecerá fixa então, mesmo que na realidade seja móvel.
Para explicar melhor um ponto importantíssimo e que talvez possa solicitar, não digo Sarsi, mas algum outro, pense V. E. Ilustríssima encontrar-se numa praia com um tempo tranquilo e o Sol já descendo no ocaso. Perceberá, então, sobre a superfície do mar que está na metade do círculo máximo da esfera celeste que passa pelo disco solar, o reflexo brilhantíssimo do Sol, mas não muito amplo; se, pelo contrário, como já falei, a água for muito calma, verá a imagem do disco solar bem definida como num espelho. Se uma pequena brisa começa a movimentar a superfície da água, na mesma hora verá V. E. Ilustríssima a imagem do Sol quebrar-se em muitas partes, ampliando-se e difundindo-se. E, enquanto próxima, poderiam se distinguir cada uma das partes da imagem quebrada; todavia, sendo longe, não se perceberia esta separação, quer pelos breves intervalos entre as partes, quer pelo grande brilho das partes cintilantes, que se misturaram, como acontece com muitos fogos perto entre si e que de longe parecem ser um só. Se a água se movimentar sempre mais por espaços sempre maiores, ampliar-se-á a multidão dos espelhos que refletirão, segundo as diversas inclinações das ondas, a imagem do Sol quebrada. Mas distanciando-se sempre mais e subindo numa colina ou outra elevação para poder enxergar melhor o mar, o campo brilhante parecerá único e contínuo. Aconteceu-me enxergar de cima de uma montanha altíssima e distante do mar de Livorno sessenta milhas, com um tempo sereno mas de ventania, uma hora antes do pôr do sol, uma tira brilhantíssima à direita e à esquerda do Sol, que ocupava em comprimento muitas dezenas, até muitas centenas de milhas, a qual era, porém, como as outras, uma mesma reflexão da luz do Sol. Agora, imagine, Sarsi, que da superfície do mar, com o mesmo movimento de ondas, grande parte tivesse se retraído para as orlas deixando só no meio, isto é, face ao Sol, um comprimento de duas ou três milhas: esta, com certeza, seria observada completamente iluminada, e imóvel mesmo, com respeito a qualquer movimento que o observador houvesse realizado à direita ou à esquerda; só depois de movimentar-se por alguma milha começaria a desaparecer a parte esquerda da imagem, se ele estivesse caminhando para a direita, e a imagem esplendorosa diminuiria até que, adelgaçando-se, desapareceria por completo. Disto resulta que a imagem é móvel em relação à imagem do observador, pois, mesmo observando-a toda, perceberíamo-la toda ainda movimentar-se, encontrando-se seu meio sempre à direita do Sol, apesar de aparecer a muitos outros que a observem no mesmo momento como encontrando-se em outros pontos do horizonte.
Eu não quero esconder de V. E. Ilustríssima aquilo que eu lembrei neste ponto para a solução do problema do mar. Espertos marinheiros conhecem às vezes o vento que chegou a eles depois de algum tempo, observando o ar que, nesse caso, mostra-se mais claro, daquele lado, do que deveria ser.
Imagine V. E. Ilustríssima se isto poderia derivar do fato de se encontrar já naquela parte o vento que, movimentadas as ondas, faz nascer, como por espelhos multiplicados infinitamente e difundidos amplamente, o reflexo do Sol muito maior do que se o mar fosse tranquilo, permitindo que seja muito mais iluminada por esta nova luz aquela parte do ar vaporoso por meio do qual este reflexo difunde-se, cujo ar ofereça ainda algum reflexo de luz aos olhos dos marinheiros, os quais, encontrando-se embaixo, não podiam perceber a primeira reflexão daquela parte de mar já movimentada pelos ventos e distante deles vinte ou trinta milhas; e que esta seja a sua previsão do vento distante.
Mas, continuando nosso primeiro discurso, afirmo que os raios solares não refletem, com a mesma grandeza, a imagem do Sol sobre todos os materiais, isto é, sobre todas as superfícies; mas sobre algumas (isto é, as planas e lisas como um espelho) nos aparece o disco solar semelhante ao verdadeiro, nas superfícies convexas mas lisas nos aparece menor, e nas côncavas às vezes menor e às vezes maior, às vezes mesmo igual, segundo as diversas distâncias entre o espelho, o objeto e o olho.
Porém, se a superfície não for igual mas sinuosa e cheia de cavidades ou elevações e como se fosse composta por milhares de pequenos espelhos colocados com várias inclinações, expostas aos olhos de mil modos, então a mesma imagem do Sol chegará ao nosso olho de mil partes e dividida em mil pedaços, os quais ampliar-se-ão, imprimindo nesta superfície um amplo conjunto de pequenas manchas brilhantes, cuja frequência originará a ilusão de um único campo de luz contínua visto de longe, mais brilhante e viva no meio que nas extremidades, onde diminui e desaparece, enfim, quando por causa da obliquidade do olho em relação a esta superfície os raios visíveis não encontram mais ondas que se refletem contra o Sol. Esta imagem resulta ainda móvel de acordo com o movimento do olho, se, porém, além de seus limites, continua a superfície que reflete; mas, se a quantidade da matéria ocupar um pequeno espaço, muito menor do que o da imagem inteira, poderá acontecer que, ficando fixa a matéria e movimentando-se o olho, ela continue a aparecer brilhante, até que, tendo chegado o olho àquele termo do qual, pela obliquidade dos raios incidentes sobre a matéria, as reflexões não se dirigem mais rumo ao Sol, a luz desaparece e perde-se. Não concordo com Sarsi que quando ele vê uma nuvem suspensa no ar, bem determinada e toda brilhante, que permanece tal apesar de o olho ir se movimentando, não pode ter a certeza de que esta luz seja mais real do que um halo, do que os periélios, do que o arco-íris, e do que a reflexão sobre a superfície do mar; porque afirmo-lhe que a sua consistência e sua aparente estabilidade podem depender da pequenez da nuvem que não consegue receber toda a amplidão da imagem do Sol; e esta imagem, em relação à posição das partes da superfície da nuvem, ampliar-se-ia, se não lhe faltasse matéria, num espaço muito maior da nuvem, e quando se visse inteiro e o campo das nuvens se adiantasse a ele, afirmo que apareceria movimentando-se inteiramente em relação ao movimento do olho. Prova-o o fato de termos visto muitas vezes, ao nascer e ao pôr do sol, muitas pequenas nuvens colocadas perto do horizonte, das quais as que se encontram face ao Sol tornam-se brilhantíssimas e quase de fino ouro, das laterais as menos distantes do meio são ainda mais brilhantes do que as mais distantes, as quais vão aparecendo gradualmente menos claras até ficar praticamente nulo o brilho das mais distantes: nulo para nós, mas, para quem se encontrasse num lugar onde elas permanecessem entre seu olho e o lugar onde o Sol se põe, mostrar-se-iam brilhantíssimas para ele e obscuras a nós as mais esplendorosas. Entenda, então, Sarsi, que se as nuvens não fossem quebradas mas fossem uma longa extensão contínua, a sua parte central pareceria brilhante a qualquer um dos observantes e gradualmente menos claras as laterais, conforme a distância de seu meio, porque onde eu posso ver o maior brilho, para outros é o menor. Mas alguém poderia agora afirmar que, uma vez que aquela parte da nuvem permanece fixa e sua luz não parece movimentar-se pela mudança de lugar do observador, isto seria suficiente para fazer com que a paralaxe opere na determinação de sua altura, e que, podendo acontecer o mesmo com o cometa, o uso da paralaxe seja suficiente para quem queira mostrar o lugar dela. Poder-se-ia responder a esta objeção que este argumento resultaria verdadeiro se fosse demonstrado antes que o cometa não é uma inteira imagem do Sol, mas só uma parte da imagem, assim como a matéria que forma o cometa é não só toda iluminada mas que a imagem do Sol é maior que ela, de modo que é bastante para iluminar um campo muito maior, existindo matéria apta a refletir a luz. Isto não foi demonstrado e pode ser diferente, isto é, que o cometa seja uma inteira imagem, não mutilada, como nos faz acreditar sua aparência bem regulada e simétrica. E daqui pode-se deduzir uma resposta fácil e razoável à pergunta que Sarsi coloca, isto é, como pode acontecer que, acreditando, segundo a colocação de Mário, o cometa esteja num campo muito extenso em altura que não se ilumine inteiramente mas nos reflita só um círculo parcial, sem que as outras partes, mesmo atingidas pelo Sol, não apareçam nunca. Farei, então, a mesma pergunta a ele e ao seu Mestre, que não desejando que o cometa seja um fogo, mas querendo acreditar (se não me engano) que ao menos sua cauda seja uma reflexão dos raios solares, se eles acreditam que o material que produz uma reflexão seja recortado da medida desta cauda, inteiro, que tenha de algum lado; e se sobrar (como acredito que me responda), por que não é percebida, uma vez que é atingida pelo Sol?
Não se pode afirmar que o reflexo seja originado pela substância do éter, substância que, muito transparente, não serve para isto, nem pode-se originar em outro material que, mesmo apto à reflexão, seria também apto a refletir os raios solares. Além disso, não sei por que razão ele chama um pequeno círculo a cabeça do cometa que seu Mestre conseguiu medir em 87.127 milhas quadradas, não sei com quais inteligentíssimos cálculos, quando nuvem alguma, acredito eu, pode alcançar tal medida.
Acrescenta Sarsi, imitando aquele que por muito tempo acreditou que o som pudesse ser produzido de uma única forma, não ser possível que o cometa se origine do reflexo daqueles vapores fumacentos, e que o exemplo do arco-íris não resolve a dificuldade, sendo ele uma ilusão visual: pois o arco-íris e outras coisas semelhantes são originados pela umidade da matéria que já está se transformando em água, que só naquele momento, imitando a natureza dos corpos líquidos, reflete a luz daquela parte onde se produzem os ângulos da reflexão e da refração, procurados como acontece nos espelhos, na água e nas bolas de cristal; mas, nos outros materiais ralos e secos, não possuindo superfície lisa como os espelhos, não se origina muita refração, procurando-se, então, para esta finalidade, uma matéria aguada, por conseguinte, muito pesada e inapta a subir além da Lua e do Sol, aonde podem chegar (também segundo minha opinião) só exalações levíssimas. O cometa, então, não pode ser produzido por tais fumacentos vapores. Uma resposta suficiente a toda esta argumentação seria afirmar que o Sr. Mário nunca limitou-se a afirmar qual seja a matéria originária e precisa do cometa, nem se ela é úmida ou fumacenta, seca ou lisa, e sei que ele não se envergonhará em afirmar que não a conhece. Porém, vendo que em vapores, nuvens ralas e não aguacentas, e naquelas que se dissolvem já em pequenas gotas, nas águas paradas, nos espelhos e outras matérias, aparecem por reflexão e refração muitas imagens ilusórias, considerou não ser impossível que na natureza exista ainda uma matéria apta a nos oferecer mais uma imagem diversa das outras, isto é, o cometa. Tal resposta, afirmo eu, é bem adequada à pergunta, se cada parte da pergunta for exata: todavia, o desejo de ajudar (como muitas vezes já confirmei) a pesquisa da verdade, pelo que me cabe, leva-me a fazer algumas considerações sobre determinados particulares contidos nesses discursos.
Em primeiro lugar, é verdade que numa emanação de pequeníssimas gotas de água recebemos a ilusão do arco-íris, mas não acredito que, pelo contrário, uma ilusão semelhante não se verifique sem tal emanação. O prisma triangular cristalino perto dos olhos nos apresenta todos os objetos das cores do arco-íris; muitas vezes, vê-se o arco-íris também em nuvens secas, sem que caia chuva alguma.
Não podemos ver também as mesmas ilusões de cores diversas nas penas de muitas aves, enquanto o Sol as atinge de várias formas? E que mais? Gostaria de anunciar a Sarsi alguma novidade se existisse alguma novidade a contar. Pegue ele qualquer matéria, seja pedra, madeira ou metal, e expondo-a ao Sol, observe-a atentamente e poderá observar nela todas as cores repartidas em pequeníssimas partes; e se ele usufruir, para observá-las melhor, de um telescópio adaptado a observar os objetos muito próximos, muito mais distintamente perceberá aquilo de que estou falando, sem necessidade que aqueles corpos transformem-se em orvalho ou vapores úmidos. Além disso, aquelas pequenas nuvens que ao pôr do sol mostram-se brilhantíssimas e refletem a luz do Sol tão viva que quase nos cega, são das mais ralas, secas e estéreis nuvens que existem no ar, e as úmidas, em vez, quanto mais estão cheias de água mais se mostram a nós escuras. O halo e os periélios verificam-se sem chuvas e sem umidade nas mais ralas e secas nuvens ou vapores que se encontrem no ar.
Segundo, é verdade que as superfícies bem lisas, como as dos espelhos, nos oferecem um poderoso reflexo da luz do Sol; assim, a muito custo podemos observá-la sem ofender a vista; porém, é também verdade que superfícies não muito lisas refletem com menos força se menor for a sua limpeza.
Veja agora, V. E. Ilustríssima, se o esplendor do cometa é daqueles que cegam a vista, ou é daqueles que por fraqueza não ofendem em nada; e disto julgue se para produzi-lo seja necessário uma superfície semelhante àquela de um espelho, e seja suficiente uma menos lisa. Eu gostaria de mostrar a Sarsi um modo de originar uma reflexão muito semelhante àquela do cometa. Pegue V. E. Ilustríssima uma garrafa de vidro bem limpa, e com uma vela acesa não muito distante do recipiente perceberá, em sua superfície, uma imagem bem pequena desta luz, clara e determinada. Pegando depois com a ponta do dedo uma mínima quantidade de qualquer matéria que possua um pouco de gordura, de modo que se junte ao vidro, engordure o mais sutilmente que puder aquela parte onde se percebe a imagem da luz até que a superfície fique um pouco nublada. Movimente depois a garrafa de maneira que a imagem saia da gordura e pare ao contato com ela; passe depois o dedo uma única vez horizontalmente sobre a parte gordurosa. Imediatamente verá originar-se um raio reto como a cauda do cometa, e este raio cortará transversalmente e em ângulos retos a linha do dedo que V. E. produziu, e, se V. E. voltar a passar o dedo numa outra direção, este raio originar-se-á em outra direção. Isto acontece porque, devido à pele dos nossos dedos não ser lisa, mas marcada por algumas linhas sinuosas para permitir melhor o tato e perceber as mínimas diferenças entre as coisas tangíveis, movimentando o dedo sobre esta superfície gordurosa, deixa alguns sulcos sutis no interior dos quais produzem-se os reflexos da luz, os quais, sendo muitos e dispostos ordenadamente, apresentam depois uma Unha brilhante, em cuja extremidade, se produzirmos, movimentando o vaso, aquela primeira imagem realizada na parte não gordurosa, perceber-se-á a cabeça da cauda mais brilhante e a cauda menos brilhante; o mesmo efeito produzir-se-á se, em vez de se engordurar o vidro, ficar embaçado soprando em cima. Eu peço a V. E. Ilustríssima que, se alguma vez por acaso Sarsi chegar a conhecer esta brincadeira, explique por mim bem claramente que eu não entendo com isso afirmar que exista no céu uma grande garrafa e alguém que a engordure, produzindo assim o cometa; simplesmente eu apresento este exemplo e poderei apresentar muitos outros que possam encontrar-se na natureza, ainda indefinidos a nós, como argumentos de sua riqueza de modos diferentes entre eles para produzir seus efeitos.
Em terceiro lugar, que reflexão e refração não podem ser produzidas por matérias e impressões meteorológicas a não ser quando contêm muita água, porque só neste caso apresentam superfícies lisas e limpas, condições estas necessárias para produzir tal efeito, asseguro que não é verdade que não possa ser diferente. No que diz respeito à limpeza, afirmo que mesmo sem ela produzir-se-á a reflexão da imagem unida e distinta. Afirmo assim porque a imagem quebrada e confusa é produzida por todas as superfícies, desiguais e ásperas; porém, aquela imagem de um pano colorido, que se vê distintíssima num espelho oposto, vê-se confusa e quebrada sobre o muro que reproduz uma determinada sombra da cor deste pano. Se V. E. Ilustríssima pegar uma pedra ou uma ripa de madeira não tão lisa que reflita perfeitamente as imagens, e colocar-se em direção oblíqua ao olho, como se quiséssemos verificar se ela é plana e reta, perceberá distintamente sobre ela as imagens dos objetos que se encontrarem encostados do outro lado da ripa, tão distintas que, apoiando um livro em cima, poderá ser lido comodamente. Mas se este experimento for concluído colocando-se o olho perto da extremidade de algum muro reto e comprido, primeiro perceber-se-á um perpétuo curso de exalações em direção ao céu, especialmente quando o muro for atingido pelo Sol, assim como todos os objetos parecem tremer; depois, o muro do outro lado parecerá aproximar-se, e verá que, quando estiver bem perto, sua imagem se apresentará refletida naqueles vapores ascendentes, nem úmidos nem pesados, pelo contrário, secos e leves. E que mais? Não chegou ainda ao ouvido de Sarsi tudo aquilo que foi falado, especialmente por Tycho, a propósito das refrações que se operam nas exalações e vapores que circundam a Terra mesmo que o ar seja sereno, seco e sem chuva e umidade? Também não se apoie, como ele faz, sobre a autoridade de Aristóteles e de todos os mestres de perspectiva, porque ele não poderá fazer outra coisa que afirmar que eu sou um observador mais cuidadoso que eles, o que, segundo meu parecer, é de todo contrário à sua intenção. Parece-me que tudo o que expus é uma resposta suficiente ao argumento de Sarsi.
Passemos, pois, ao segundo.
CONTINUA
18. Leia agora V. E. Ilustríssima o fim deste primeiro exame: Neste ponto, perceba Galileu, com quanta razão, desta e das muitas outras coisas expostas por ele no texto Nunzio Sidereo, deduzimos que o cometa deve se encontrar além da Lua. Ele mesmo afirma que, entre os astros, alguns brilham com a luz nativa e própria, e nesse número ele coloca o Sol e as estrelas chamadas fixas; outros, não dotados de brilho algum pela natureza, recebem toda a luz do Sol, como é costume pensar dos seis planetas que sobram.
Galileu observou, ademais, que as estrelas amam muito aquela vã coroação de luz não própria e que costuma fazer crescer uma cauda; os planetas, em vez, especialmente a Lua, Júpiter e Saturno, não têm quase nenhum brilho; contudo, Marte, Vênus e Mercúrio, apesar de não serem providos de luz própria, tiram, pela vizinhança do Sol, tanta luz que, sendo quase igual àquelas das estrelas, imitam seus raios circunstantes e seu brilho. Portanto, como o cometa, segundo Galileu também, não possui luz própria por natureza, mas a recebe do Sol, e junto com outros astrônomos de grande fama o consideramos planeta temporário, devia-se raciocinar sobre ele do mesmo modo como sobre a Lua e outros planetas, e cuja condição é tal que quanto menos são distantes do Sol tanto mais brilham, e revestidos de um brilho maior (que deriva disto), observados com a luneta parecem aumentar menos; enquanto o cometa recebe deste instrumento quase o mesmo aumento de Mercúrio, podemos não com muita probabilidade deduzir que o cometa não irradiou aquela luz circundada mais que Mercúrio e por isso não se encontra muito longe; por outro lado, como era aumentado menos que a Lua, precisava colocá-lo circundado de uma luz maior e mais perto do Sol? De tudo isto pode-se compreender com quanta razão afirmamos que o cometa, pois pareceu aumentar muito pouco, deve ser considerado muito mais longe de nós do que a Lua.
Sem dúvida, pela paralaxe observada e também pelo curso do cometa quase sidéreo, nós conhecíamos bastante seu lugar; como, além disso, a luneta o aumentava quase quanto Mercúrio, certamente nenhuma razão teria podido sustentar o contrário; foi lícito tirar daqui um corolário também de grande importância e peso a favor de nossa teoria. Mesmo que soubéssemos, com efeito, que estas coisas podiam ser originadas por muitas causas, justamente por causa da analogia que este corpo luminoso guardava junto a todos os outros corpos celestes em todos os seus fenômenos, pensamos ter recebido da luneta um beneficio bastante grande, pois nosso parecer, já firmado pelo peso de outros argumentos, confirmava ainda mais com o peso do próprio assentimento. Quanto ao restante, porém, acrescentado ao argumento, isto é, as palavras: "Sei que este argumento foi considerado por alguns de pouca importância", etc, clara e honestamente havíamos lembrado antes para que fim estas palavras haviam sido acrescentadas: naturalmente contra aqueles que, enfraquecendo a fé neste instrumento, completamente ignaros das disciplinas de óptica, proclamavam-no enganador e indigno de qualquer confiança. Compreende, então, Galileu, se não me engano, com quanta falta de raciocínio lutou contra nossa opinião a respeito da luneta, que ele considera em tudo de acordo com a verdade e com as suas próprias opiniões: haveria podido conhecer também antes se a tivesse examinado com espírito mais calmo. Como, então, haveríamos podido imaginar que ele não haveria de gostar dessas ideias que considerávamos suas próprias? Mas como estas coisas, segundo a nossa opinião, parecem suficientes, vamos examinar a opinião do próprio Galileu.
Aqui, primeiramente, como V. E. pode ver, iniciamos uma argumentação recortada, como se diz, de velho pano, consistente em diversos fragmentos de proposições, para provar que o lugar do cometa era entre a Lua e o Sol; proposição esta que o Sr. Mário e eu podemos conceder-lhe por completo, sem prejuízo algum, não tendo nós nunca afirmado nada em relação ao lugar do cometa, nem negado que ele possa se encontrar além da Lua, mas falou-se somente que as demonstrações até agora apresentadas pelos autores oferecem dúvidas. E para tirá-las não é de ajuda nenhuma que Sarsi apresente agora uma nova demonstração, mesmo que ela fosse necessária e conclusiva, e provar que esta conclusão seja verdadeira, mesmo que também em torno de conclusões verdadeiras se possa argumentar e silogizar falsamente. Todavia, pelo desejo que eu possuo de pôr à luz as coisas escondidas e chegar a verdadeiras conclusões, apresentarei algumas considerações em relação a estas proposições.
Para maior clareza e compreensão o farei com a maior brevidade possível.
Afirma ele ter deduzido do meu Nunzio Sidereo que as estrelas fixas, sendo aquelas que brilham com luz própria, brilham com uma luz não real, mas aparente. Os planetas, sendo desprovidos de luz própria, não agem assim, especialmente a Lua, Júpiter e Saturno, mas mostram-se quase sem brilho; porém, Vênus, Mercúrio e Marte, mesmo privados de luz própria, brilham muito por causa da vizinhança do Sol, pelo qual são mais abundantemente atingidos. Afirma, além disso, que o cometa, segundo meu parecer, recebe sua luz do Sol, e acrescenta haver ele, junto com autores de renome, considerado o cometa, desde muito tempo, um planeta; assim, a respeito dele pode-se raciocinar como a respeito dos outros planetas, os quais, quanto mais encontram-se perto do Sol mais brilham, e por consequência menos podem ser observados pelo telescópio, e, aumentando o cometa pouco mais que Mercúrio e muito menos que a Lua, com muita razão podia-se concluir que não estivesse muito mais longe do Sol do que de Mercúrio, mas muito mais perto daquele que da Lua. Esta é a teoria que muito bem se ajusta à necessidade de Sarsi, como se a conclusão, deduzida antes dos princípios e meios, dependesse não aquela destes, mas estes dela, e tivessem sido preparados por ele não da grandiosidade da natureza mas da arte muito sutil. Pesquisemos, porém, quanto ela seja conclusiva.
Em primeiro lugar, é completamente falso que eu tenha escrito no Nunzio Sidereo que Júpiter e Saturno não brilhem quase nada e que Marte, Vênus e Mercúrio sejam coroados de muitos raios, porque eu separei só a Lua do resto das outras estrelas, quer fixas quer errantes.
Em segundo lugar, não sei se para concluir que o cometa seja quase um planeta e que, sendo tal, lhe sejam convenientes as propriedades dos outros planetas, seja suficiente que Sarsi e seu Mestre junto com outros autores o tenham considerado e chamado assim. Pois, se a opinião deles fosse tão importante a ponto de fazer aceitar as coisas por eles propostas, eu os rogaria que considerassem e chamassem ouro muitos velhos pedaços de ferro que possuo em casa. Mas, deixando os nomes de lado, qual é a teoria que os induz a considerar o cometa quase um planeta desde muito tempo? Brilhar como os planetas? Mas qual é a nuvem, qual a fumaça, qual a madeira, qual o muro, qual a montanha, atingidos pelo Sol, que não brilham do mesmo tanto? Não percebeu Sarsi no Nunzio Sidereo minha demonstração, isto é,que nossa Terra brilha mais que a Lua? Mas qual é minha opinião sobre o brilho do cometa como um planeta? Eu, por mim, não considero impossível que sua luz possa ser tão fraca e sua substância tão sutil e rala, que, quando alguém se aproximasse dela, sumisse da vista completamente, como acontece com alguns fogos-fátuos que saem da Terra, que são percebidos só durante a noite e de longe, mas de perto desaparecem; da mesma forma que as nuvens distantes são percebidas bem determinadas, e depois, de perto, mostram um pouco de nebulosidade tão indeterminada que alguém, entrando nela, quase não distingue os limites, nem sabe separá-la do ar contíguo. E aquelas projeções de raios solares entre as nuvens, tão semelhantes aos cometas, por quem são percebidas se não por aqueles que lhes são distantes? Tem o cometa alguma coisa em comum com os planetas por causa do movimento? E qual será a coisa separada da parte elementar que, obedecendo ao estado terrestre, não terá o moto diurno de acordo com o resto do universo? Mas se falamos do outro movimento, aquele transversal, este não tem nada a ver com o movimento dos planetas, não sendo criado nem por aquele rumo, nem regulado, nem talvez circular. Mas, deixados de lado os acidentes, acreditará talvez alguém que a substância ou a matéria do cometa tenha alguma coisa a ver com a dos planetas? Pode-se acreditar que ela seja solidíssima, como nos convida a pensar em particular a Lua e em universal a figura bem determinada e imutável de todos os planetas; e, ao contrário, pode-se acreditar que a do cometa dissolva-se em poucos dias; e sua figura, não determinada ao redor, mas confusa e indistinta, nos mostra que a sua substância é mais sutil e mais rala que a névoa e a fumaça. Assim ele quase poderia ser chamado mais um planeta pintado que real.
Em terceiro lugar, eu não sei com quanta perfeição ele possa ter parangonado os raios e o aumento do cometa com o aumento de Mercúrio que, podendo ser observado raríssimas vezes, em todo o tempo da aparição do cometa, ele não apareceu nunca, nem deu a possibilidade de ser observado, encontrando-se sempre muito perto do Sol; posso sem escrúpulo acreditar que Sarsi não fez esta comparação, difícil de se realizar e muito incerta, mas que ele afirma ter realizado porque, sendo assim, serviria melhor para sua causa. Outro indício que mostra como ele não conseguiu fazer esta experiência é-me fornecido pelo fato de que, ao referir-se às observações relativas a Mercúrio e à Lua, com os quais compara as do cometa, parece-me que ele esteja confundindo muito. Aceitando, para concluir, que o cometa se encontre mais longe do Sol que de Mercúrio, precisava afirmar que o cometa possuía menos raios que ele, e observado com o telescópio aumentava mais que ele; todavia, afirmou o contrário, isto é, que não possuía mais raios que Mercúrio e que aumentava quase a mesma coisa, o que significa afirmar que possuía mais raios e menos aumento que Mercúrio. Comparando depois o cometa com a Lua, escreve a mesma coisa (mesmo afirmando escrever o contrário), isto é, que aumentava menos que a Lua e possuía mais raios. Todavia, para chegar a uma conclusão, deduz da identidade das premissas conclusões diferentes, isto é, que o cometa encontra-se mais perto do Sol que a Lua, porém mais distante que Mercúrio.
Para finalizar, afirmando Sarsi ser um lógico exato, não me faz entender por que, na divisão dos corpos luminosos que se irradiam mais ou menos, e que por consequência, observados com o telescópio, recebem um aumento maior ou menor, ele não haja registrado nossas luzes elementares; pois as velas, as tochas acesas observadas a qualquer distância, qualquer pedrinha, lenho ou corpúsculo, até as folhas e as gotas de orvalho atingidas pelo Sol, resplandecem, e de certo ângulo irradiam a par de qualquer estrela mais brilhante, e vistas pelo telescópio observam no aumento o mesmo teor que as estrelas. Assim, termina completamente aquela ajuda a mais que os outros haviam esperado do telescópio para conduzir o cometa no céu e tirá-lo da esfera elementar. Abandonai, portanto, Sarsi, a ideia de poder ajudar vosso Mestre e estai certo de que, para querer sustentar um erro, é necessário perpetrar cem outros e, coisa ainda pior, não conseguir o intento. Gostaria também de pedir-vos para não replicar mais, como o fazeis no final desta vossa parte, que estas são teorias minhas, pois nunca escrevi coisas parecidas, nem as falei, nem as pensei. Basta a respeito do primeiro trecho em exame.
19. Passemos ao segundo: Apesar de ninguém até hoje ter falado que o cometa deve colocar-se entre as aparências vãs, onde não haveríamos necessidade de libertá-lo da acusação de inanidade, pois Galileu acreditou enveredar por outro caminho para explicar o cometa completa e sabidamente, é justo parar e expor com cuidado esta sua nova teoria.
São duas hipóteses que ele cogitou: uma relativa à substância, outra referente ao movimento do cometa. No que diz respeito à primeira, Galileu afirma que esta luz é daquelas que, mostradas mais que criadas pela refração de outra luz, parecem ter mais o nome de sombras de corpos luminosos que ser corpos luminosos, como, por exemplo, os arco-íris, os halos, os parélios e muitas outras coisas semelhantes. No que diz respeito à segunda, Galileu afirma que o movimento dos cometas sempre foi retilíneo e perpendicular à superfície da Terra. Revelando estas suas descobertas, acreditou poder destruir com facilidade as opiniões dos outros. Nós vamos examinar agora com poucas palavras, e sem retórica, quanto de próprio se deva atribuir a estas opiniões (pois a verdade, mesmo nua, é bastante ornada). Mesmo sendo difícil abranger singularmente estas duas proposições, pois são tão conexas que parecem depender uma da outra e sustentar-se reciprocamente, nós nos preocuparemos para que os leitores não fiquem lesados. Por isso, contra a primeira posição de Galileu, afirmo que o cometa não foi simulacro vão de uma luz que iludia os olhos daqueles que o observavam e isto parece-me que não necessita de outra prova para aquele que, ao menos uma vez, seja a olho nu, seja com a luneta, haja observado o cometa. A simples vista manifestava a natureza desta luz, porque, em comparação a outras luzes realíssimas, qualquer um poderá com facilidade julgar se o observado era falso ou verdadeiro. Tycho, examinando as observações de Tadeu Agezio, deduz isto: "O corpo do cometa naqueles dias foi igual, em grandeza, a Júpiter e Vênus, e revestiu-se de uma luz nítida e de um grande esplendor, puro e belo, e sua substância pareceu pura demais para ser conveniente a matérias só elementares, mas era, de preferência, análoga àquela dos corpos celestes ". Tycho acrescenta a isto: "Tadeu foi bom juiz relativamente a este aspecto, haveria podido concluir claramente que este cometa não era elementar".
Sarsi andou figurando antes e arbitrariamente os princípios e os meios que fossem de acordo com as conclusões que ele queria demonstrar; agora parece-me que vai imaginando conclusões para contradizê-las como teorias do Sr. Mário e minhas, muito diversas, ou, ao menos, muito diversamente tomadas, de como são relatadas no Discurso do Sr. Mário. Que o cometa seja, sem dúvida, uma imagem vã e uma simples aparência, nunca foi afirmado com certeza, mas só foi posto em dúvida e levado à consideração dos filósofos com aqueles raciocínios e cogitações que parecem poder garantir que seja verdade. Eis aqui as palavras do Sr. Mário a este propósito: "Eu não afirmo resolutamente que o cometa produza-se assim, mas afirmo que são duvidosos, seja este modo seja os outros dos demais autores; os quais pretenderão estabelecer com certeza seus pareceres. e terão a obrigação de demonstrar que esta e todas as outras posições são vãs e falsas". Mesmo sendo o texto tão diferente, Sarsi afirma que nós temos por certo que o movimento do cometa deve ser necessariamente reto e perpendicular à superfície terrestre. Isto não foi apresentado desta forma, mas simplesmente foi cogitado como ser mais conforme às aparências e satisfazer às mudanças observadas no cometa. Esta hipótese é tão superficialmente apresentada pelo Sr. Mário que no fim ele declara: "Porém é mais conveniente para nós contentarmo-nos com aquele pouco que podemos cogitar mesmo sem ter muita clareza". Porém Sarsi quis mostrar que estas opiniões eram tão firmemente aceitas por mim que imaginou podê-las destruir com facilidade e com meios mais eficazes. Se ele conseguir o agradecerei, pois no futuro deverei preocupar-me com uma hipótese a menos todas as vezes que me venha a ideia de filosofar sobre tal matéria. Por enquanto, pois parece-me que ainda subsiste alguma coisa de vivo no raciocínio do Sr. Mário, moverei algumas objeções às objeções de Sarsi.
Opondo-se Sarsi com grande firmeza à primeira conclusão, afirma que aquele que, mesmo por uma vez, houvesse observado o cometa, não necessitaria mais de argumento algum para conhecer a natureza desta estrela; estrela que, comparada com as outras verdadeiras estrelas, mostrava muito claramente ser verdadeira e não falsa. Assim, como V. E. Ilustríssima entende, Sarsi confia tanto no sentido da visão que considera impossível ser enganado todas as vezes que tentamos fazer uma comparação entre um objeto falso e um real. Eu confesso não ter a visão tão perfeita, pelo contrário, confesso ser como aquele macaco que acredita firmemente ver no espelho outro macaco, e nem reconhece seu erro se quatro ou seis vezes não tenha ido atrás do espelho para agarrar a imagem, tanto aquela imagem se lhe apresente viva e verdadeira. Supondo, então, que aqueles que Sarsi vê no espelho não sejam homens verdadeiros e reais, mas imagens vãs, como nós vemos nossa imagem no espelho, gostaria ardentemente de saber quais são aquelas diferenças visuais por meio das quais tão rapidamente distingue o verdadeiro do falso. Quanto a mim, encontrei-me mil vezes em alguma sala de janelas fechadas, e através de algum pequeno buraco pude perceber o Sol refletindo-se sobre um muro oposto, julgando assim esta mancha, pela vista, uma estrela tão brilhante quanto a Canícula e Vênus. E andando contra o Sol no campo, quantos milhares de corpúsculos, pedrinhas, lisos ou molhados, transformar-se-ão pelo reflexo do Sol em estrelas brilhantíssimas? Mesmo cuspindo no chão, Sarsi sem dúvida perceberá onde cuspiu, pela reflexão solar, uma estrela naturalíssima. Além disso, qual corpo colocado a grande distância, atingido pelo Sol, não aparecerá como uma estrela, especialmente se for tão alto que possa ser enxergado durante a noite, como se enxergam as outras estrelas? E quem distinguiria a Lua, vista durante o dia, de uma nuvem atingida pelo Sol, senão pela diversidade do aspecto e pela grandeza?
Ninguém, com certeza. E enfim, se a simples aparência deve determinar a essência, é necessário que Sarsi aceite que os sóis, as luas e as estrelas, observados em água parada e em espelhos, sejam verdadeiros sóis, verdadeiras luas e verdadeiras estrelas. Em relação a esta parte, mude mesmo Sarsi de opinião, nem acredite que, citando a autoridade de Tycho, de Tadeu Agezio ou de muitos outros, melhore sua condição, a não ser que, por ter tido tais homens como companheiros, desculpe mais seu erro.
20. Continue V. E. Ilustríssima a ler: "Pois, por todo o tempo que nosso cometa brilhou, Galileu, segundo ouvi dizer, permaneceu de cama por uma doença, e nunca talvez pôde, por causa da doença, observar aquele corpo brilhantíssimo, e por isso pensamos dever-se discutir com ele por meio de outra argumentação. Afirma ele mesmo que às vezes, de alguma parte da Terra, um vapor fumacento levanta-se acima da Lua e também acima do Sol, e, logo que saído do cone sombreado da Terra, olhou para a luz do Sol da qual como que concebeu e gerou o cometa; e o movimento ou a subida de um tal vapor não é vago ou incerto mas retilíneo e sem ser desviado para parte alguma. Assim afirma ele, mas nós colocamos na nossa balança o peso destas afirmações. Primeiro, sabemos que esta matéria fumacenta e úmida, tendo subido casualmente da Terra nos dias em que, dominando amplamente o céu bóreas violentíssimas, facilmente poderia haver sido dispersada e dissipada. É pois, digno de admiração como impunemente corpúsculos tão sutis e leves, entre a ira do vento violentíssimo, puderam ter chegado até o alto com um proceder constante através do caminho enveredado no começo, quando nem pesos consideráveis confiados ao vento podiam vencer o ímpeto e a força. Eu considero muito contraditório que um vapor muito leve suba e suba em linha reta, e mal acredito que isto haja podido acontecer entre as várias mudanças do vento. E acrescenta que, garante Galileu, nem nas mais altas regiões dos planetas faltam condensações e rarefações de tais corpos fumacentos, e por isso nem aqueles movimentos vagos e incertos pelos quais é necessário que sejam levados.
Que os vapores fumacentos de alguma parte da Terra subam além da Lua, e até além do Sol, e que saídos do cone da sombra terrestre sejam engravidados pelos raios solares e que então gerem o cometa, nunca foi escrito pelo Sr. Mário nem foi afirmado por mim, apesar de Sarsi atribuí-lo a mim.
Aquilo que o Sr. Mário escreveu é que não é impossível que algumas vezes possam elevar-se da Terra exalações e outras coisas parecidas, mas muito mais sutis que de costume, que subam além da Lua e possam ser matéria geradora do cometa, e que às vezes originem-se sublimações extraordinárias relativas à matéria dos corpúsculos, exemplificando-o por meio da aurora boreal. Porém não afirma que aquela seja numericamente a mesma matéria dos cometas, que necessita ser muito mais rala e sutil que os vapores dos corpúsculos e do que a matéria da assim chamada aurora boreal, tendo aceito que o cometa resplende muito menos que a aurora; assim, se o cometa se ampliasse, por exemplo, rumo ao oriente, na cândida alvorada, enquanto o Sol não se encontrasse longe do horizonte mais do que 6 ou 8 graus, sem dúvida não se perceberia, por ser menos brilhante do que seu próprio ambiente. E com a mesma probabilidade, não certeza, atribuiu-se à mesma matéria o movimento retilíneo em ascensão. E isto seja afirmado não para retratarmo-nos por medo das oposições de Sarsi, mas só para mostrar que não nos afastamos do nosso hábito, que consiste em não afirmar como verdadeiras a não ser as coisas que conhecemos como indiscutíveis, como nos ensina nossa filosofia e nossa matemática. Agora, partindo do ponto de vista de que houvéssemos verdadeiramente afirmado aquilo que Sarsi fala, examinemos suas posições.
Sua primeira oposição baseia-se na impossibilidade de os vapores subirem ao céu, em linha reta, enquanto que verificamos que um papagaio é empurrado pelo ar com movimento transversal, assim como as outras coisas que se encontram nele; e o mesmo verificou-se por muitos dias depois do aparecimento do cometa. A oposição é verdadeiramente inteligente, mas perde muito de sua força lógica porque, segundo notícias seguras, naqueles dias, nem na Pérsia nem na China verificaram-se perturbações atmosféricas; e eu acreditarei que de umas daquelas regiões se origina a matéria do cometa, se Sarsi provar que ele não é originário de lá, mas de Roma, onde ele percebeu o vento boreal.
Mas, mesmo que o vapor saísse da Itália, quem pode saber se ele não se houvesse posto em viagem antes dos dias de vento, muitos dias antes de sua chegada ao orbe do cometa, longe da Terra, segundo a relação do Mestre de Sarsi, quatrocentos e setenta mil milhas mais ou menos; porque, para empreender uma viagem tão comprida, é necessário bastante tempo, pois a subida dos vapores, por aquilo que podemos observar em relação àqueles perto da Terra, não atinge a velocidade do voo das aves; assim não seriam suficientes quatro anos para concluir tamanha viagem. Mesmo aceitando que estes vapores pudessem se movimentar em época de vento, Sarsi, que acredita piamente nos historiadores e nos poetas, não poderá negar que o impulso dos ventos não sobe mais de duas ou três milhas, já que existem montes cujo cume vai além da região dos ventos. Assim, o máximo que ele poderá concluir é que dentro deste espaço os vapores movimentam-se transversal e não perpendicularmente; porém, fora deste espaço desaparece o impedimento que os desvia do caminho retilíneo.
21. Veja mais V. E. Ilustríssima: Aceitamos que estes vapores possam manter, através dos ventos, suas direções e rumar para onde possam receber os raios diretos do Sol, enviando-os a nós refletidos. Por que, então, recebendo em toda a sua extensão a luz do Sol, no-la mostram somente em uma mínima parte de si? Com certeza, sendo o próprio Galileu testemunha, quando nos dias de verão um vapor não diferente indo rumo ao norte mais alto que de costume apresenta-se à luz do Sol, então, imergido em luz brilhantíssima, mostra-se muito brilhante em todas as suas partes, para utilizar sua próprias palavras, nos reflete mesmo de noite a aurora boreal; e não se mostra tão avarento do esplendor recebido que não permita que a reflexão da luz do Sol, que ele recebeu em toda a sua extensão, nos apareça apenas através de um pequeno buraco. Eu mesmo verifiquei, não somente em tempo de verão, mas no mês de janeiro, quatro horas depois do pôr do sol, algo ainda mais maravilhoso, isto é, uma pequena nuvem, cândida e brilhante, tão rarefeita que não encobria nem as estrelas menores, e os dons de luz que havia recebido do Sol ela os expandia livremente, com alma generosa, por todos os cantos. Então todas as nuvens (admitindo que tenham alguma afinidade com a matéria do cometa), se são tão densas e obscuras que não possam refletir livremente os raios do Sol, ao menos na parte virada para o Sol o refletem para nós com generosidade recíproca; porém, se são ralas e sutis, e a luz facilmente as penetre integralmente, não mostram obscuridade em parte alguma, mas oferecem aos olhos inundados uma luz esplendorosa. Então, se o cometa não se forma de outra matéria que não seja vapores fumacentos, não Juntados globalmente mas, como o próprio Galileu afirma, ocupando um espaço suficientemente vasto do céu, brilhando em toda parte com a luz do Sol, qual é a causa pela qual brilham sempre para aqueles que o observam só de um pequeno e estreito disco, e as outras partes deste mesmo vapor, iluminadas pelo Sol com mesma luz, não aparecem? Dificilmente tudo isto pode ser explicado com o exemplo do arco-íris, em cuja formação acontece a mesma coisa que evidentemente só de uma parte da nuvem volta ao olho, quando, entretanto, em todo o espaço iluminado pelo Sol a própria diversidade das cores seja gerada de sua luz. Com efeito, o arco-íris e outros meteoros, se existirem, requerem de preferência matéria úmida e com tendência a mudar-se em água; pois esta matéria só quando se derrete em água, imitando a natureza dos corpos leves, puros e transparentes, reflete a luz só na parte onde formam ângulos de reflexão e de refração necessários a tudo isto, como percebemos nos espelhos, na água e no gelo. Depois, se alguma emanação encontrar-se mais rarefeita ou mais seca, acontece porque ela não possui superfície lisa como os espelhos, nem reflete muitos raios. Visto necessitar-se de um corpo liso para que haja reflexão e necessitar-se de sua densidade para a refração (coisas que nunca se encontram nas impressões meteorológicas, a não ser quando a natureza delas possui muita água, como ensinaram não só Aristóteles mas também todos os mestres de óptica, e a própria razão persuade com muita eficácia), segue disto necessariamente que emanações semelhantes possuirão, por natureza própria, um certo peso, e por isto menos aptas a subir acima da Lua e do Sol, pois o próprio Galileu admite que devem ser muito sutis e leves aqueles que voam até lá em cima. Portanto, não daquele vapor fumacento e rarefeito, e na verdade de peso algum, poderá refletir para nós aquela imagem brilhante de luz: o vapor aguado, na verdade, sendo pesado, não poderá subir deforma alguma.
Depois de observado por muitas experiências, parece-me ser esta a condição humana em relação às coisas intelectuais: quanto menos entende-se e sabe-se, com tanta mais força quer-se discutir; e, pelo contrário, mais coisas são conhecidas menor é a tendência de discutir resolutamente sobre qualquer novidade. Nasceu em um lugar muito solitário um homem dotado por natureza de grande inteligência e de extraordinária curiosidade. Criando por prazer grande diversidade de aves, gostava enormemente do seu canto, e com muita admiração observava de que modo, por meio do próprio ar que respiravam, conseguiam formar ao seu arbítrio cantos diferentes e todos suavíssimos. Acontece que uma noite perto de casa escutou um som delicado, e, nem podendo imaginar que fosse outra coisa a não ser uma pequena ave, foi buscá-la. Chegando à estrada encontrou um pequeno pastor que, assoprando num pedaço de madeira furada e movimentando os dedos sobre a madeira, uma vez fechando e uma vez abrindo determinados buracos, conseguia produzir aquelas vozes diferentes, semelhantes às de um pássaro, mas de forma bem diversa. Admirado e movido pela sua curiosidade natural, deu de presente um bezerro ao pastor para obter aquela flauta. De regresso à sua casa e percebendo que se não houvesse encontrado por acaso aquele pastor nunca haveria aprendido que existiam na natureza duas formas diversas de criar vozes e cantos suaves, quis sair de casa procurando encontrar outras aventuras. Aconteceu que no dia seguinte, passando perto de uma pequena choça, escutou ressoar dentro dela uma voz semelhante. Para ter certeza se era uma flauta ou um pássaro, entrou e encontrou um menino que estava serrando, com um pequeno arco segurado na mão direita, alguns nervos estendidos sobre um lenho côncavo, enquanto sustentava com a mão esquerda o instrumento sobre o qual, movimentando os dedos e sem sopro algum, extraía dele vozes diversas e suaves. Qual foi seu espanto pode ser julgado facilmente por aquele que possuir a mesma inteligência e a mesma curiosidade dele que, vendo aumentar, de duas novas formas, a maneira de produzir uma voz e um canto tão inusitados, começou a acreditar poderem existir ainda outros na natureza. Mas qual foi sua surpresa quando, entrando em um determinado templo, começou a olhar atrás da porta para ver quem estava tocando e percebeu que o som havia saído dos ferros da porta ao abri-la? Em outra ocasião, empolgado pela curiosidade, entrou em um boteco e, acreditando encontrar outra vez alguém que com o arco tocasse as cordas de um violino, viu uma pessoa que, esfregando o dedo sobre a orla de um copo, conseguia produzir um som suavíssimo. Mas logo que observou que as abelhas, os pernilongos e as moscas, com o rapidíssimo bater das asas, e não como suas primeiras aves que respirando formavam vozes ininterruptas, produziam um som perpétuo, tanto aumentou sua admiração que diminuiu sua confiança sobre o conhecimento da origem do som. Nem todas as experiências já observadas haveriam sido suficientes para fazer-lhe entender ou acreditar que os grilos, não voando, conseguiam, não por meio do sopro mas com o movimento das asas, produzir sons tão doces e sonoros. Mas quando acreditou não poderem existir outras formas possíveis de produzir vozes, depois de haver observado, além das maneiras já relatadas, ainda tantos órgãos, trompas, flautas e instrumentos de corda de todos os tipos, até chegar à aquela pequena lâmina de ferro que, suspensa entre os dentes, usava de forma muito esquisita a cavidade bucal para dar corpo à amplificação do sopro permitindo a passagem do som, quando, repito, na hora que acreditava haver conhecido tudo, encontrou-se ainda mais no escuro e na ignorância, quando, havendo encontrado uma cigarra que nem fechando-lhe a boca e nem fechando-lhe as asas conseguia diminuir seu altíssimo estridor, não percebeu movimento algum de escamas nem de outras partes. Finalmente, levantando-lhe a caixa dos pulmões e observando embaixo dela algumas cartilagens duras mas sutis, e acreditando que o som fosse originado do seu movimento, resolveu quebrá-las para fazê-la parar, mas tudo foi em vão.
Então, fincando uma agulha mais funda no corpo da cigarra, passando-a, tirou-lhe junto com a voz a vida e assim não pode mais pesquisar se o canto era originado verdadeiramente por aquelas membranas. Tornou-se tão descrente sobre seus possíveis conhecimentos em relação aos sons que todas as vezes que alguém lhe perguntava sua opinião sobre a origem dos sons, generosamente respondia não conhecer causa alguma, mas que estava resolvido a acreditar que pudessem existir cem outras maneiras, ainda desconhecidas e impensáveis.
Eu poderia dar muitos exemplos da variedade da natureza em produzir seus efeitos de maneira inimaginável para nós, se o sentido e a experiência não nos explicitassem sem, muitas vezes, suprir nossa incapacidade. Assim, se eu não souber, com exatidão, determinar a produção do cometa, deverão ser aceitas minhas desculpas, especialmente porque nunca afirmei poder dar esta explicação sabendo que ela poderia verificar-se de forma muito alheia à nossa imaginação. A dificuldade de entender como se forma o canto da cigarra, enquanto ela canta na mão, desculpa de sobra não saber como pode formar-se um cometa tão longe de nós. Para frisar, então, a primeira intenção do Sr. Mário e minha, isto é, promover aquelas dúvidas que parecem abalar as opiniões manifestadas até agora e propor alguma nova teoria para examinar se existe alguma coisa que possa esclarecer e abrir o caminho rumo à verdade, continuarei a raciocinar sobre as teorias manifestadas por Sarsi, que considerou improváveis nossos argumentos.
Continuando Sarsi sua exposição e aceitando serem os vapores ou outra matéria aptos a formar o cometa, seu elevar-se da Terra e subindo muito alto, onde pudesse receber diretamente os raios solares refletindo-os para nós, é difícil imaginar de que forma, sendo completamente iluminada, reflita até nós só a luz de uma pequena parte, e não acontece como aqueles vapores que nos apresentam aquela intempestiva aurora boreal, vapores que, sendo todos iluminados, mostram todos suas luzes.
Afirma depois ter observado, pelo meio da noite, uma coisa maravilhosa, isto é, uma pequena nuvem no zênite que, sendo toda iluminada, refletia livremente seu brilho de todas as suas partes, e acrescenta que, se todas as nuvens forem espessas e opacas, nos refletem a luz do Sol com toda a sua parte visível, porém se elas forem ralas, assim que a luz as penetre, mostrar-se-ão a nós brilhantes e não opacas; então, se o cometa forma-se com tais vapores fumacentos muito espalhados, como afirma o Sr. Mário, e não reunidos em círculo, sendo atingidos pelo Sol por todas as partes, por qual razão nós recebemos sua reflexão de uma pequena parte e não de todo o restante igualmente iluminado? Mesmo que as soluções destas perguntas estejam completamente resolvidas no Discurso do Sr. Mário, eu as relatarei aqui colocando-as acertadamente e acrescentando alguma outra consideração, conforme for solicitado pela matéria.
Em primeiro lugar, Sarsi deveria sem dificuldade conceder que só de um lado particular de toda a matéria sublimada pelo cometa verifica-se a reflexão da luz do Sol a uma visão particular, apesar de ser toda iluminada; tendo nós mil experiências semelhantes a favor, contra uma que pareça ser contrária, facilmente, entre as de Sarsi contrárias a esta posição, encontraremos muitas outras favoráveis. É certo que qualquer espelho plano exposto ao Sol fica por ele iluminado em toda a sua superfície; o mesmo acontece com qualquer pântano, lago, rio, mar, ou seja, com qualquer superfície lisa de qualquer material; porém, a uma vista particular não corresponde a reflexão do raio solar, a não ser de um lugar particular desta superfície, cujo lugar muda, mudando o olho do observador. A superfície externa de nuvens sutis, mas muito espalhadas, é toda iluminada pelo Sol de forma igual; todavia, o halo e os periélios não aparecem a um olho particular a não ser em um único lugar, e este, com o movimento do olho, muda de lugar dentro da nuvem.
Sarsi afirma: Aquela matéria sutil sublimada que produz aquela aurora boreal vê-se também toda iluminada, como ela o é de verdade. Porém, pergunto eu a Sarsi de onde lhe vem esta certeza. E ele pode responder-me somente que não percebe parte alguma que não seja iluminada, assim como acontece com o resto da superfície dos espelhos, das águas, dos mármores, além daquela pequena parte que reflete a viva luz do Sol. Porém advirto-o de que, se a matéria fosse transparente, não distinguiria nada mais que aquele esplêndido raio refletido, como acontece às vezes que a superfície do mar não se distingue do ar, mesmo que se veja imagem reflexa do Sol; e assim, colocado um vidro sutil a uma determinada distância, poderá mostrar-nos aquela sua pequena parte que reflete alguma luz, ficando o resto invisível por causa de sua transparência. Este erro de Sarsi é semelhante àquele dos que afirmam que criminoso algum deve confiar que seu crime possa ficar oculto, nem percebem a incompatibilidade que existe entre permanecer oculto e ser descoberto, e quem quisesse ter duas cadernetas, uma dos delitos que permanecem ocultos e outra daqueles que são descobertos em cuja caderneta dos ocultos nunca poderia registrar-se coisa alguma. Afirmo, então, que não me oponho à crença de que a matéria da aurora boreal seja muito ampla e uniformemente iluminada pelo Sol50; como, porém, não posso descobrir e observar a não ser aquela parte cuja refração meu olho pode captar, permanecendo invisível todo o restante, tenho a ilusão de perceber tudo. E que mais? A propósito dos vapores crepusculares que circundam a Terra, não permanece iluminado pelos raios solares sempre um hemisfério? Com certeza sim; todavia, aquela parte que se interpõe diretamente entre o Sol e nós mostra-se a nós muito mais luminosa do que as partes mais distantes. Mas esta, como ainda outras, é pura aparência e ilusão de nosso olho, pois, encontrando-nos em qualquer lugar, sempre observamos o Sol como centro de um círculo luminoso, mas que gradualmente vai perdendo o brilho, segundo se encontre à direita ou à esquerda deste centro; para outros, mais para o boreal, parece mais escura aquela parte que a mim parece mais clara, e mais brilhante aquela que a mim apresentava-se mais escura. Podemos, assim, afirmar a existência de um halo perpétuo e grande ao redor do Sol, figurado na superfície convexa que termina a esfera de vapor, cujo halo, da mesma forma que o outro, que às vezes nasce de uma nuvem sutil, muda de lugar segundo a mudança do observador. Em relação à pequena nuvem que Sarsi afirma ter observado brilhar na noite profunda, poderia perguntar-lhe que certeza tem ele de ela não ser maior do que aquela que aparece, especialmente afirmando ele que era tão transparente que não escondia estrelas fixas, mesmo mínimas, pois não possuía indício algum para garantir que ela se ampliasse invisivelmente como transparente, muito e muito além da parte brilhante observada: por isso é ainda duvidoso se ela não é uma aparência que muda como as outras segundo a mudança do olho. Além de não haver nada em contrário que ela apareça inteiramente brilhante e seja, da mesma forma, uma ilusão, o que acontecerá se ela não fosse maior do que aquele espaço que vem a ser ocupado pela imagem do Sol, assim que, observando a imagem do Sol, por exemplo, ocupar num espelho tanto espaço quanto uma unha, nós cortássemos fora o restante, não há dúvida de que este pequeno espelho poderá nos aparecer brilhante de todo. Além disso, quando o pequeno espelho fosse menor do que a imagem, então poder-se-ia observar não só tudo iluminado mas sua imagem não pareceria movimentar-se a cada movimento do olho, como no espelho grande; e até por ser ele incapaz de toda imagem do Sol, segue que, movendo-se o olho, veria a reflexão ora de um lado ora de outro do disco solar; assim a imagem pareceria imóvel, até que o olho se dirija à parte que não produz reflexão, ela se perderia completamente. É muito importante, então, considerar a grandeza e a qualidade da superfície que reflete, pois, conforme a superfície seja menos limpa, a imagem do mesmo objeto se apresentará sempre maior, pois, às vezes, antes que a imagem passe por todo o espelho, será necessário que o olho passe por muito espaço, e esta imagem parecerá fixa então, mesmo que na realidade seja móvel.
Para explicar melhor um ponto importantíssimo e que talvez possa solicitar, não digo Sarsi, mas algum outro, pense V. E. Ilustríssima encontrar-se numa praia com um tempo tranquilo e o Sol já descendo no ocaso. Perceberá, então, sobre a superfície do mar que está na metade do círculo máximo da esfera celeste que passa pelo disco solar, o reflexo brilhantíssimo do Sol, mas não muito amplo; se, pelo contrário, como já falei, a água for muito calma, verá a imagem do disco solar bem definida como num espelho. Se uma pequena brisa começa a movimentar a superfície da água, na mesma hora verá V. E. Ilustríssima a imagem do Sol quebrar-se em muitas partes, ampliando-se e difundindo-se. E, enquanto próxima, poderiam se distinguir cada uma das partes da imagem quebrada; todavia, sendo longe, não se perceberia esta separação, quer pelos breves intervalos entre as partes, quer pelo grande brilho das partes cintilantes, que se misturaram, como acontece com muitos fogos perto entre si e que de longe parecem ser um só. Se a água se movimentar sempre mais por espaços sempre maiores, ampliar-se-á a multidão dos espelhos que refletirão, segundo as diversas inclinações das ondas, a imagem do Sol quebrada. Mas distanciando-se sempre mais e subindo numa colina ou outra elevação para poder enxergar melhor o mar, o campo brilhante parecerá único e contínuo. Aconteceu-me enxergar de cima de uma montanha altíssima e distante do mar de Livorno sessenta milhas, com um tempo sereno mas de ventania, uma hora antes do pôr do sol, uma tira brilhantíssima à direita e à esquerda do Sol, que ocupava em comprimento muitas dezenas, até muitas centenas de milhas, a qual era, porém, como as outras, uma mesma reflexão da luz do Sol. Agora, imagine, Sarsi, que da superfície do mar, com o mesmo movimento de ondas, grande parte tivesse se retraído para as orlas deixando só no meio, isto é, face ao Sol, um comprimento de duas ou três milhas: esta, com certeza, seria observada completamente iluminada, e imóvel mesmo, com respeito a qualquer movimento que o observador houvesse realizado à direita ou à esquerda; só depois de movimentar-se por alguma milha começaria a desaparecer a parte esquerda da imagem, se ele estivesse caminhando para a direita, e a imagem esplendorosa diminuiria até que, adelgaçando-se, desapareceria por completo. Disto resulta que a imagem é móvel em relação à imagem do observador, pois, mesmo observando-a toda, perceberíamo-la toda ainda movimentar-se, encontrando-se seu meio sempre à direita do Sol, apesar de aparecer a muitos outros que a observem no mesmo momento como encontrando-se em outros pontos do horizonte.
Eu não quero esconder de V. E. Ilustríssima aquilo que eu lembrei neste ponto para a solução do problema do mar. Espertos marinheiros conhecem às vezes o vento que chegou a eles depois de algum tempo, observando o ar que, nesse caso, mostra-se mais claro, daquele lado, do que deveria ser.
Imagine V. E. Ilustríssima se isto poderia derivar do fato de se encontrar já naquela parte o vento que, movimentadas as ondas, faz nascer, como por espelhos multiplicados infinitamente e difundidos amplamente, o reflexo do Sol muito maior do que se o mar fosse tranquilo, permitindo que seja muito mais iluminada por esta nova luz aquela parte do ar vaporoso por meio do qual este reflexo difunde-se, cujo ar ofereça ainda algum reflexo de luz aos olhos dos marinheiros, os quais, encontrando-se embaixo, não podiam perceber a primeira reflexão daquela parte de mar já movimentada pelos ventos e distante deles vinte ou trinta milhas; e que esta seja a sua previsão do vento distante.
Mas, continuando nosso primeiro discurso, afirmo que os raios solares não refletem, com a mesma grandeza, a imagem do Sol sobre todos os materiais, isto é, sobre todas as superfícies; mas sobre algumas (isto é, as planas e lisas como um espelho) nos aparece o disco solar semelhante ao verdadeiro, nas superfícies convexas mas lisas nos aparece menor, e nas côncavas às vezes menor e às vezes maior, às vezes mesmo igual, segundo as diversas distâncias entre o espelho, o objeto e o olho.
Porém, se a superfície não for igual mas sinuosa e cheia de cavidades ou elevações e como se fosse composta por milhares de pequenos espelhos colocados com várias inclinações, expostas aos olhos de mil modos, então a mesma imagem do Sol chegará ao nosso olho de mil partes e dividida em mil pedaços, os quais ampliar-se-ão, imprimindo nesta superfície um amplo conjunto de pequenas manchas brilhantes, cuja frequência originará a ilusão de um único campo de luz contínua visto de longe, mais brilhante e viva no meio que nas extremidades, onde diminui e desaparece, enfim, quando por causa da obliquidade do olho em relação a esta superfície os raios visíveis não encontram mais ondas que se refletem contra o Sol. Esta imagem resulta ainda móvel de acordo com o movimento do olho, se, porém, além de seus limites, continua a superfície que reflete; mas, se a quantidade da matéria ocupar um pequeno espaço, muito menor do que o da imagem inteira, poderá acontecer que, ficando fixa a matéria e movimentando-se o olho, ela continue a aparecer brilhante, até que, tendo chegado o olho àquele termo do qual, pela obliquidade dos raios incidentes sobre a matéria, as reflexões não se dirigem mais rumo ao Sol, a luz desaparece e perde-se. Não concordo com Sarsi que quando ele vê uma nuvem suspensa no ar, bem determinada e toda brilhante, que permanece tal apesar de o olho ir se movimentando, não pode ter a certeza de que esta luz seja mais real do que um halo, do que os periélios, do que o arco-íris, e do que a reflexão sobre a superfície do mar; porque afirmo-lhe que a sua consistência e sua aparente estabilidade podem depender da pequenez da nuvem que não consegue receber toda a amplidão da imagem do Sol; e esta imagem, em relação à posição das partes da superfície da nuvem, ampliar-se-ia, se não lhe faltasse matéria, num espaço muito maior da nuvem, e quando se visse inteiro e o campo das nuvens se adiantasse a ele, afirmo que apareceria movimentando-se inteiramente em relação ao movimento do olho. Prova-o o fato de termos visto muitas vezes, ao nascer e ao pôr do sol, muitas pequenas nuvens colocadas perto do horizonte, das quais as que se encontram face ao Sol tornam-se brilhantíssimas e quase de fino ouro, das laterais as menos distantes do meio são ainda mais brilhantes do que as mais distantes, as quais vão aparecendo gradualmente menos claras até ficar praticamente nulo o brilho das mais distantes: nulo para nós, mas, para quem se encontrasse num lugar onde elas permanecessem entre seu olho e o lugar onde o Sol se põe, mostrar-se-iam brilhantíssimas para ele e obscuras a nós as mais esplendorosas. Entenda, então, Sarsi, que se as nuvens não fossem quebradas mas fossem uma longa extensão contínua, a sua parte central pareceria brilhante a qualquer um dos observantes e gradualmente menos claras as laterais, conforme a distância de seu meio, porque onde eu posso ver o maior brilho, para outros é o menor. Mas alguém poderia agora afirmar que, uma vez que aquela parte da nuvem permanece fixa e sua luz não parece movimentar-se pela mudança de lugar do observador, isto seria suficiente para fazer com que a paralaxe opere na determinação de sua altura, e que, podendo acontecer o mesmo com o cometa, o uso da paralaxe seja suficiente para quem queira mostrar o lugar dela. Poder-se-ia responder a esta objeção que este argumento resultaria verdadeiro se fosse demonstrado antes que o cometa não é uma inteira imagem do Sol, mas só uma parte da imagem, assim como a matéria que forma o cometa é não só toda iluminada mas que a imagem do Sol é maior que ela, de modo que é bastante para iluminar um campo muito maior, existindo matéria apta a refletir a luz. Isto não foi demonstrado e pode ser diferente, isto é, que o cometa seja uma inteira imagem, não mutilada, como nos faz acreditar sua aparência bem regulada e simétrica. E daqui pode-se deduzir uma resposta fácil e razoável à pergunta que Sarsi coloca, isto é, como pode acontecer que, acreditando, segundo a colocação de Mário, o cometa esteja num campo muito extenso em altura que não se ilumine inteiramente mas nos reflita só um círculo parcial, sem que as outras partes, mesmo atingidas pelo Sol, não apareçam nunca. Farei, então, a mesma pergunta a ele e ao seu Mestre, que não desejando que o cometa seja um fogo, mas querendo acreditar (se não me engano) que ao menos sua cauda seja uma reflexão dos raios solares, se eles acreditam que o material que produz uma reflexão seja recortado da medida desta cauda, inteiro, que tenha de algum lado; e se sobrar (como acredito que me responda), por que não é percebida, uma vez que é atingida pelo Sol?
Não se pode afirmar que o reflexo seja originado pela substância do éter, substância que, muito transparente, não serve para isto, nem pode-se originar em outro material que, mesmo apto à reflexão, seria também apto a refletir os raios solares. Além disso, não sei por que razão ele chama um pequeno círculo a cabeça do cometa que seu Mestre conseguiu medir em 87.127 milhas quadradas, não sei com quais inteligentíssimos cálculos, quando nuvem alguma, acredito eu, pode alcançar tal medida.
Acrescenta Sarsi, imitando aquele que por muito tempo acreditou que o som pudesse ser produzido de uma única forma, não ser possível que o cometa se origine do reflexo daqueles vapores fumacentos, e que o exemplo do arco-íris não resolve a dificuldade, sendo ele uma ilusão visual: pois o arco-íris e outras coisas semelhantes são originados pela umidade da matéria que já está se transformando em água, que só naquele momento, imitando a natureza dos corpos líquidos, reflete a luz daquela parte onde se produzem os ângulos da reflexão e da refração, procurados como acontece nos espelhos, na água e nas bolas de cristal; mas, nos outros materiais ralos e secos, não possuindo superfície lisa como os espelhos, não se origina muita refração, procurando-se, então, para esta finalidade, uma matéria aguada, por conseguinte, muito pesada e inapta a subir além da Lua e do Sol, aonde podem chegar (também segundo minha opinião) só exalações levíssimas. O cometa, então, não pode ser produzido por tais fumacentos vapores. Uma resposta suficiente a toda esta argumentação seria afirmar que o Sr. Mário nunca limitou-se a afirmar qual seja a matéria originária e precisa do cometa, nem se ela é úmida ou fumacenta, seca ou lisa, e sei que ele não se envergonhará em afirmar que não a conhece. Porém, vendo que em vapores, nuvens ralas e não aguacentas, e naquelas que se dissolvem já em pequenas gotas, nas águas paradas, nos espelhos e outras matérias, aparecem por reflexão e refração muitas imagens ilusórias, considerou não ser impossível que na natureza exista ainda uma matéria apta a nos oferecer mais uma imagem diversa das outras, isto é, o cometa. Tal resposta, afirmo eu, é bem adequada à pergunta, se cada parte da pergunta for exata: todavia, o desejo de ajudar (como muitas vezes já confirmei) a pesquisa da verdade, pelo que me cabe, leva-me a fazer algumas considerações sobre determinados particulares contidos nesses discursos.
Em primeiro lugar, é verdade que numa emanação de pequeníssimas gotas de água recebemos a ilusão do arco-íris, mas não acredito que, pelo contrário, uma ilusão semelhante não se verifique sem tal emanação. O prisma triangular cristalino perto dos olhos nos apresenta todos os objetos das cores do arco-íris; muitas vezes, vê-se o arco-íris também em nuvens secas, sem que caia chuva alguma.
Não podemos ver também as mesmas ilusões de cores diversas nas penas de muitas aves, enquanto o Sol as atinge de várias formas? E que mais? Gostaria de anunciar a Sarsi alguma novidade se existisse alguma novidade a contar. Pegue ele qualquer matéria, seja pedra, madeira ou metal, e expondo-a ao Sol, observe-a atentamente e poderá observar nela todas as cores repartidas em pequeníssimas partes; e se ele usufruir, para observá-las melhor, de um telescópio adaptado a observar os objetos muito próximos, muito mais distintamente perceberá aquilo de que estou falando, sem necessidade que aqueles corpos transformem-se em orvalho ou vapores úmidos. Além disso, aquelas pequenas nuvens que ao pôr do sol mostram-se brilhantíssimas e refletem a luz do Sol tão viva que quase nos cega, são das mais ralas, secas e estéreis nuvens que existem no ar, e as úmidas, em vez, quanto mais estão cheias de água mais se mostram a nós escuras. O halo e os periélios verificam-se sem chuvas e sem umidade nas mais ralas e secas nuvens ou vapores que se encontrem no ar.
Segundo, é verdade que as superfícies bem lisas, como as dos espelhos, nos oferecem um poderoso reflexo da luz do Sol; assim, a muito custo podemos observá-la sem ofender a vista; porém, é também verdade que superfícies não muito lisas refletem com menos força se menor for a sua limpeza.
Veja agora, V. E. Ilustríssima, se o esplendor do cometa é daqueles que cegam a vista, ou é daqueles que por fraqueza não ofendem em nada; e disto julgue se para produzi-lo seja necessário uma superfície semelhante àquela de um espelho, e seja suficiente uma menos lisa. Eu gostaria de mostrar a Sarsi um modo de originar uma reflexão muito semelhante àquela do cometa. Pegue V. E. Ilustríssima uma garrafa de vidro bem limpa, e com uma vela acesa não muito distante do recipiente perceberá, em sua superfície, uma imagem bem pequena desta luz, clara e determinada. Pegando depois com a ponta do dedo uma mínima quantidade de qualquer matéria que possua um pouco de gordura, de modo que se junte ao vidro, engordure o mais sutilmente que puder aquela parte onde se percebe a imagem da luz até que a superfície fique um pouco nublada. Movimente depois a garrafa de maneira que a imagem saia da gordura e pare ao contato com ela; passe depois o dedo uma única vez horizontalmente sobre a parte gordurosa. Imediatamente verá originar-se um raio reto como a cauda do cometa, e este raio cortará transversalmente e em ângulos retos a linha do dedo que V. E. produziu, e, se V. E. voltar a passar o dedo numa outra direção, este raio originar-se-á em outra direção. Isto acontece porque, devido à pele dos nossos dedos não ser lisa, mas marcada por algumas linhas sinuosas para permitir melhor o tato e perceber as mínimas diferenças entre as coisas tangíveis, movimentando o dedo sobre esta superfície gordurosa, deixa alguns sulcos sutis no interior dos quais produzem-se os reflexos da luz, os quais, sendo muitos e dispostos ordenadamente, apresentam depois uma Unha brilhante, em cuja extremidade, se produzirmos, movimentando o vaso, aquela primeira imagem realizada na parte não gordurosa, perceber-se-á a cabeça da cauda mais brilhante e a cauda menos brilhante; o mesmo efeito produzir-se-á se, em vez de se engordurar o vidro, ficar embaçado soprando em cima. Eu peço a V. E. Ilustríssima que, se alguma vez por acaso Sarsi chegar a conhecer esta brincadeira, explique por mim bem claramente que eu não entendo com isso afirmar que exista no céu uma grande garrafa e alguém que a engordure, produzindo assim o cometa; simplesmente eu apresento este exemplo e poderei apresentar muitos outros que possam encontrar-se na natureza, ainda indefinidos a nós, como argumentos de sua riqueza de modos diferentes entre eles para produzir seus efeitos.
Em terceiro lugar, que reflexão e refração não podem ser produzidas por matérias e impressões meteorológicas a não ser quando contêm muita água, porque só neste caso apresentam superfícies lisas e limpas, condições estas necessárias para produzir tal efeito, asseguro que não é verdade que não possa ser diferente. No que diz respeito à limpeza, afirmo que mesmo sem ela produzir-se-á a reflexão da imagem unida e distinta. Afirmo assim porque a imagem quebrada e confusa é produzida por todas as superfícies, desiguais e ásperas; porém, aquela imagem de um pano colorido, que se vê distintíssima num espelho oposto, vê-se confusa e quebrada sobre o muro que reproduz uma determinada sombra da cor deste pano. Se V. E. Ilustríssima pegar uma pedra ou uma ripa de madeira não tão lisa que reflita perfeitamente as imagens, e colocar-se em direção oblíqua ao olho, como se quiséssemos verificar se ela é plana e reta, perceberá distintamente sobre ela as imagens dos objetos que se encontrarem encostados do outro lado da ripa, tão distintas que, apoiando um livro em cima, poderá ser lido comodamente. Mas se este experimento for concluído colocando-se o olho perto da extremidade de algum muro reto e comprido, primeiro perceber-se-á um perpétuo curso de exalações em direção ao céu, especialmente quando o muro for atingido pelo Sol, assim como todos os objetos parecem tremer; depois, o muro do outro lado parecerá aproximar-se, e verá que, quando estiver bem perto, sua imagem se apresentará refletida naqueles vapores ascendentes, nem úmidos nem pesados, pelo contrário, secos e leves. E que mais? Não chegou ainda ao ouvido de Sarsi tudo aquilo que foi falado, especialmente por Tycho, a propósito das refrações que se operam nas exalações e vapores que circundam a Terra mesmo que o ar seja sereno, seco e sem chuva e umidade? Também não se apoie, como ele faz, sobre a autoridade de Aristóteles e de todos os mestres de perspectiva, porque ele não poderá fazer outra coisa que afirmar que eu sou um observador mais cuidadoso que eles, o que, segundo meu parecer, é de todo contrário à sua intenção. Parece-me que tudo o que expus é uma resposta suficiente ao argumento de Sarsi.
Passemos, pois, ao segundo.
CONTINUA
18. Leia agora V. E. Ilustríssima o fim deste primeiro exame: Neste ponto, perceba Galileu, com quanta razão, desta e das muitas outras coisas expostas por ele no texto Nunzio Sidereo, deduzimos que o cometa deve se encontrar além da Lua. Ele mesmo afirma que, entre os astros, alguns brilham com a luz nativa e própria, e nesse número ele coloca o Sol e as estrelas chamadas fixas; outros, não dotados de brilho algum pela natureza, recebem toda a luz do Sol, como é costume pensar dos seis planetas que sobram.
Galileu observou, ademais, que as estrelas amam muito aquela vã coroação de luz não própria e que costuma fazer crescer uma cauda; os planetas, em vez, especialmente a Lua, Júpiter e Saturno, não têm quase nenhum brilho; contudo, Marte, Vênus e Mercúrio, apesar de não serem providos de luz própria, tiram, pela vizinhança do Sol, tanta luz que, sendo quase igual àquelas das estrelas, imitam seus raios circunstantes e seu brilho. Portanto, como o cometa, segundo Galileu também, não possui luz própria por natureza, mas a recebe do Sol, e junto com outros astrônomos de grande fama o consideramos planeta temporário, devia-se raciocinar sobre ele do mesmo modo como sobre a Lua e outros planetas, e cuja condição é tal que quanto menos são distantes do Sol tanto mais brilham, e revestidos de um brilho maior (que deriva disto), observados com a luneta parecem aumentar menos; enquanto o cometa recebe deste instrumento quase o mesmo aumento de Mercúrio, podemos não com muita probabilidade deduzir que o cometa não irradiou aquela luz circundada mais que Mercúrio e por isso não se encontra muito longe; por outro lado, como era aumentado menos que a Lua, precisava colocá-lo circundado de uma luz maior e mais perto do Sol? De tudo isto pode-se compreender com quanta razão afirmamos que o cometa, pois pareceu aumentar muito pouco, deve ser considerado muito mais longe de nós do que a Lua.
Sem dúvida, pela paralaxe observada e também pelo curso do cometa quase sidéreo, nós conhecíamos bastante seu lugar; como, além disso, a luneta o aumentava quase quanto Mercúrio, certamente nenhuma razão teria podido sustentar o contrário; foi lícito tirar daqui um corolário também de grande importância e peso a favor de nossa teoria. Mesmo que soubéssemos, com efeito, que estas coisas podiam ser originadas por muitas causas, justamente por causa da analogia que este corpo luminoso guardava junto a todos os outros corpos celestes em todos os seus fenômenos, pensamos ter recebido da luneta um beneficio bastante grande, pois nosso parecer, já firmado pelo peso de outros argumentos, confirmava ainda mais com o peso do próprio assentimento. Quanto ao restante, porém, acrescentado ao argumento, isto é, as palavras: "Sei que este argumento foi considerado por alguns de pouca importância", etc, clara e honestamente havíamos lembrado antes para que fim estas palavras haviam sido acrescentadas: naturalmente contra aqueles que, enfraquecendo a fé neste instrumento, completamente ignaros das disciplinas de óptica, proclamavam-no enganador e indigno de qualquer confiança. Compreende, então, Galileu, se não me engano, com quanta falta de raciocínio lutou contra nossa opinião a respeito da luneta, que ele considera em tudo de acordo com a verdade e com as suas próprias opiniões: haveria podido conhecer também antes se a tivesse examinado com espírito mais calmo. Como, então, haveríamos podido imaginar que ele não haveria de gostar dessas ideias que considerávamos suas próprias? Mas como estas coisas, segundo a nossa opinião, parecem suficientes, vamos examinar a opinião do próprio Galileu.
Aqui, primeiramente, como V. E. pode ver, iniciamos uma argumentação recortada, como se diz, de velho pano, consistente em diversos fragmentos de proposições, para provar que o lugar do cometa era entre a Lua e o Sol; proposição esta que o Sr. Mário e eu podemos conceder-lhe por completo, sem prejuízo algum, não tendo nós nunca afirmado nada em relação ao lugar do cometa, nem negado que ele possa se encontrar além da Lua, mas falou-se somente que as demonstrações até agora apresentadas pelos autores oferecem dúvidas. E para tirá-las não é de ajuda nenhuma que Sarsi apresente agora uma nova demonstração, mesmo que ela fosse necessária e conclusiva, e provar que esta conclusão seja verdadeira, mesmo que também em torno de conclusões verdadeiras se possa argumentar e silogizar falsamente. Todavia, pelo desejo que eu possuo de pôr à luz as coisas escondidas e chegar a verdadeiras conclusões, apresentarei algumas considerações em relação a estas proposições.
Para maior clareza e compreensão o farei com a maior brevidade possível.
Afirma ele ter deduzido do meu Nunzio Sidereo que as estrelas fixas, sendo aquelas que brilham com luz própria, brilham com uma luz não real, mas aparente. Os planetas, sendo desprovidos de luz própria, não agem assim, especialmente a Lua, Júpiter e Saturno, mas mostram-se quase sem brilho; porém, Vênus, Mercúrio e Marte, mesmo privados de luz própria, brilham muito por causa da vizinhança do Sol, pelo qual são mais abundantemente atingidos. Afirma, além disso, que o cometa, segundo meu parecer, recebe sua luz do Sol, e acrescenta haver ele, junto com autores de renome, considerado o cometa, desde muito tempo, um planeta; assim, a respeito dele pode-se raciocinar como a respeito dos outros planetas, os quais, quanto mais encontram-se perto do Sol mais brilham, e por consequência menos podem ser observados pelo telescópio, e, aumentando o cometa pouco mais que Mercúrio e muito menos que a Lua, com muita razão podia-se concluir que não estivesse muito mais longe do Sol do que de Mercúrio, mas muito mais perto daquele que da Lua. Esta é a teoria que muito bem se ajusta à necessidade de Sarsi, como se a conclusão, deduzida antes dos princípios e meios, dependesse não aquela destes, mas estes dela, e tivessem sido preparados por ele não da grandiosidade da natureza mas da arte muito sutil. Pesquisemos, porém, quanto ela seja conclusiva.
Em primeiro lugar, é completamente falso que eu tenha escrito no Nunzio Sidereo que Júpiter e Saturno não brilhem quase nada e que Marte, Vênus e Mercúrio sejam coroados de muitos raios, porque eu separei só a Lua do resto das outras estrelas, quer fixas quer errantes.
Em segundo lugar, não sei se para concluir que o cometa seja quase um planeta e que, sendo tal, lhe sejam convenientes as propriedades dos outros planetas, seja suficiente que Sarsi e seu Mestre junto com outros autores o tenham considerado e chamado assim. Pois, se a opinião deles fosse tão importante a ponto de fazer aceitar as coisas por eles propostas, eu os rogaria que considerassem e chamassem ouro muitos velhos pedaços de ferro que possuo em casa. Mas, deixando os nomes de lado, qual é a teoria que os induz a considerar o cometa quase um planeta desde muito tempo? Brilhar como os planetas? Mas qual é a nuvem, qual a fumaça, qual a madeira, qual o muro, qual a montanha, atingidos pelo Sol, que não brilham do mesmo tanto? Não percebeu Sarsi no Nunzio Sidereo minha demonstração, isto é,que nossa Terra brilha mais que a Lua? Mas qual é minha opinião sobre o brilho do cometa como um planeta? Eu, por mim, não considero impossível que sua luz possa ser tão fraca e sua substância tão sutil e rala, que, quando alguém se aproximasse dela, sumisse da vista completamente, como acontece com alguns fogos-fátuos que saem da Terra, que são percebidos só durante a noite e de longe, mas de perto desaparecem; da mesma forma que as nuvens distantes são percebidas bem determinadas, e depois, de perto, mostram um pouco de nebulosidade tão indeterminada que alguém, entrando nela, quase não distingue os limites, nem sabe separá-la do ar contíguo. E aquelas projeções de raios solares entre as nuvens, tão semelhantes aos cometas, por quem são percebidas se não por aqueles que lhes são distantes? Tem o cometa alguma coisa em comum com os planetas por causa do movimento? E qual será a coisa separada da parte elementar que, obedecendo ao estado terrestre, não terá o moto diurno de acordo com o resto do universo? Mas se falamos do outro movimento, aquele transversal, este não tem nada a ver com o movimento dos planetas, não sendo criado nem por aquele rumo, nem regulado, nem talvez circular. Mas, deixados de lado os acidentes, acreditará talvez alguém que a substância ou a matéria do cometa tenha alguma coisa a ver com a dos planetas? Pode-se acreditar que ela seja solidíssima, como nos convida a pensar em particular a Lua e em universal a figura bem determinada e imutável de todos os planetas; e, ao contrário, pode-se acreditar que a do cometa dissolva-se em poucos dias; e sua figura, não determinada ao redor, mas confusa e indistinta, nos mostra que a sua substância é mais sutil e mais rala que a névoa e a fumaça. Assim ele quase poderia ser chamado mais um planeta pintado que real.
Em terceiro lugar, eu não sei com quanta perfeição ele possa ter parangonado os raios e o aumento do cometa com o aumento de Mercúrio que, podendo ser observado raríssimas vezes, em todo o tempo da aparição do cometa, ele não apareceu nunca, nem deu a possibilidade de ser observado, encontrando-se sempre muito perto do Sol; posso sem escrúpulo acreditar que Sarsi não fez esta comparação, difícil de se realizar e muito incerta, mas que ele afirma ter realizado porque, sendo assim, serviria melhor para sua causa. Outro indício que mostra como ele não conseguiu fazer esta experiência é-me fornecido pelo fato de que, ao referir-se às observações relativas a Mercúrio e à Lua, com os quais compara as do cometa, parece-me que ele esteja confundindo muito. Aceitando, para concluir, que o cometa se encontre mais longe do Sol que de Mercúrio, precisava afirmar que o cometa possuía menos raios que ele, e observado com o telescópio aumentava mais que ele; todavia, afirmou o contrário, isto é, que não possuía mais raios que Mercúrio e que aumentava quase a mesma coisa, o que significa afirmar que possuía mais raios e menos aumento que Mercúrio. Comparando depois o cometa com a Lua, escreve a mesma coisa (mesmo afirmando escrever o contrário), isto é, que aumentava menos que a Lua e possuía mais raios. Todavia, para chegar a uma conclusão, deduz da identidade das premissas conclusões diferentes, isto é, que o cometa encontra-se mais perto do Sol que a Lua, porém mais distante que Mercúrio.
Para finalizar, afirmando Sarsi ser um lógico exato, não me faz entender por que, na divisão dos corpos luminosos que se irradiam mais ou menos, e que por consequência, observados com o telescópio, recebem um aumento maior ou menor, ele não haja registrado nossas luzes elementares; pois as velas, as tochas acesas observadas a qualquer distância, qualquer pedrinha, lenho ou corpúsculo, até as folhas e as gotas de orvalho atingidas pelo Sol, resplandecem, e de certo ângulo irradiam a par de qualquer estrela mais brilhante, e vistas pelo telescópio observam no aumento o mesmo teor que as estrelas. Assim, termina completamente aquela ajuda a mais que os outros haviam esperado do telescópio para conduzir o cometa no céu e tirá-lo da esfera elementar. Abandonai, portanto, Sarsi, a ideia de poder ajudar vosso Mestre e estai certo de que, para querer sustentar um erro, é necessário perpetrar cem outros e, coisa ainda pior, não conseguir o intento. Gostaria também de pedir-vos para não replicar mais, como o fazeis no final desta vossa parte, que estas são teorias minhas, pois nunca escrevi coisas parecidas, nem as falei, nem as pensei. Basta a respeito do primeiro trecho em exame.
19. Passemos ao segundo: Apesar de ninguém até hoje ter falado que o cometa deve colocar-se entre as aparências vãs, onde não haveríamos necessidade de libertá-lo da acusação de inanidade, pois Galileu acreditou enveredar por outro caminho para explicar o cometa completa e sabidamente, é justo parar e expor com cuidado esta sua nova teoria.
São duas hipóteses que ele cogitou: uma relativa à substância, outra referente ao movimento do cometa. No que diz respeito à primeira, Galileu afirma que esta luz é daquelas que, mostradas mais que criadas pela refração de outra luz, parecem ter mais o nome de sombras de corpos luminosos que ser corpos luminosos, como, por exemplo, os arco-íris, os halos, os parélios e muitas outras coisas semelhantes. No que diz respeito à segunda, Galileu afirma que o movimento dos cometas sempre foi retilíneo e perpendicular à superfície da Terra. Revelando estas suas descobertas, acreditou poder destruir com facilidade as opiniões dos outros. Nós vamos examinar agora com poucas palavras, e sem retórica, quanto de próprio se deva atribuir a estas opiniões (pois a verdade, mesmo nua, é bastante ornada). Mesmo sendo difícil abranger singularmente estas duas proposições, pois são tão conexas que parecem depender uma da outra e sustentar-se reciprocamente, nós nos preocuparemos para que os leitores não fiquem lesados. Por isso, contra a primeira posição de Galileu, afirmo que o cometa não foi simulacro vão de uma luz que iludia os olhos daqueles que o observavam e isto parece-me que não necessita de outra prova para aquele que, ao menos uma vez, seja a olho nu, seja com a luneta, haja observado o cometa. A simples vista manifestava a natureza desta luz, porque, em comparação a outras luzes realíssimas, qualquer um poderá com facilidade julgar se o observado era falso ou verdadeiro. Tycho, examinando as observações de Tadeu Agezio, deduz isto: "O corpo do cometa naqueles dias foi igual, em grandeza, a Júpiter e Vênus, e revestiu-se de uma luz nítida e de um grande esplendor, puro e belo, e sua substância pareceu pura demais para ser conveniente a matérias só elementares, mas era, de preferência, análoga àquela dos corpos celestes ". Tycho acrescenta a isto: "Tadeu foi bom juiz relativamente a este aspecto, haveria podido concluir claramente que este cometa não era elementar".
Sarsi andou figurando antes e arbitrariamente os princípios e os meios que fossem de acordo com as conclusões que ele queria demonstrar; agora parece-me que vai imaginando conclusões para contradizê-las como teorias do Sr. Mário e minhas, muito diversas, ou, ao menos, muito diversamente tomadas, de como são relatadas no Discurso do Sr. Mário. Que o cometa seja, sem dúvida, uma imagem vã e uma simples aparência, nunca foi afirmado com certeza, mas só foi posto em dúvida e levado à consideração dos filósofos com aqueles raciocínios e cogitações que parecem poder garantir que seja verdade. Eis aqui as palavras do Sr. Mário a este propósito: "Eu não afirmo resolutamente que o cometa produza-se assim, mas afirmo que são duvidosos, seja este modo seja os outros dos demais autores; os quais pretenderão estabelecer com certeza seus pareceres. e terão a obrigação de demonstrar que esta e todas as outras posições são vãs e falsas". Mesmo sendo o texto tão diferente, Sarsi afirma que nós temos por certo que o movimento do cometa deve ser necessariamente reto e perpendicular à superfície terrestre. Isto não foi apresentado desta forma, mas simplesmente foi cogitado como ser mais conforme às aparências e satisfazer às mudanças observadas no cometa. Esta hipótese é tão superficialmente apresentada pelo Sr. Mário que no fim ele declara: "Porém é mais conveniente para nós contentarmo-nos com aquele pouco que podemos cogitar mesmo sem ter muita clareza". Porém Sarsi quis mostrar que estas opiniões eram tão firmemente aceitas por mim que imaginou podê-las destruir com facilidade e com meios mais eficazes. Se ele conseguir o agradecerei, pois no futuro deverei preocupar-me com uma hipótese a menos todas as vezes que me venha a ideia de filosofar sobre tal matéria. Por enquanto, pois parece-me que ainda subsiste alguma coisa de vivo no raciocínio do Sr. Mário, moverei algumas objeções às objeções de Sarsi.
Opondo-se Sarsi com grande firmeza à primeira conclusão, afirma que aquele que, mesmo por uma vez, houvesse observado o cometa, não necessitaria mais de argumento algum para conhecer a natureza desta estrela; estrela que, comparada com as outras verdadeiras estrelas, mostrava muito claramente ser verdadeira e não falsa. Assim, como V. E. Ilustríssima entende, Sarsi confia tanto no sentido da visão que considera impossível ser enganado todas as vezes que tentamos fazer uma comparação entre um objeto falso e um real. Eu confesso não ter a visão tão perfeita, pelo contrário, confesso ser como aquele macaco que acredita firmemente ver no espelho outro macaco, e nem reconhece seu erro se quatro ou seis vezes não tenha ido atrás do espelho para agarrar a imagem, tanto aquela imagem se lhe apresente viva e verdadeira. Supondo, então, que aqueles que Sarsi vê no espelho não sejam homens verdadeiros e reais, mas imagens vãs, como nós vemos nossa imagem no espelho, gostaria ardentemente de saber quais são aquelas diferenças visuais por meio das quais tão rapidamente distingue o verdadeiro do falso. Quanto a mim, encontrei-me mil vezes em alguma sala de janelas fechadas, e através de algum pequeno buraco pude perceber o Sol refletindo-se sobre um muro oposto, julgando assim esta mancha, pela vista, uma estrela tão brilhante quanto a Canícula e Vênus. E andando contra o Sol no campo, quantos milhares de corpúsculos, pedrinhas, lisos ou molhados, transformar-se-ão pelo reflexo do Sol em estrelas brilhantíssimas? Mesmo cuspindo no chão, Sarsi sem dúvida perceberá onde cuspiu, pela reflexão solar, uma estrela naturalíssima. Além disso, qual corpo colocado a grande distância, atingido pelo Sol, não aparecerá como uma estrela, especialmente se for tão alto que possa ser enxergado durante a noite, como se enxergam as outras estrelas? E quem distinguiria a Lua, vista durante o dia, de uma nuvem atingida pelo Sol, senão pela diversidade do aspecto e pela grandeza?
Ninguém, com certeza. E enfim, se a simples aparência deve determinar a essência, é necessário que Sarsi aceite que os sóis, as luas e as estrelas, observados em água parada e em espelhos, sejam verdadeiros sóis, verdadeiras luas e verdadeiras estrelas. Em relação a esta parte, mude mesmo Sarsi de opinião, nem acredite que, citando a autoridade de Tycho, de Tadeu Agezio ou de muitos outros, melhore sua condição, a não ser que, por ter tido tais homens como companheiros, desculpe mais seu erro.
20. Continue V. E. Ilustríssima a ler: "Pois, por todo o tempo que nosso cometa brilhou, Galileu, segundo ouvi dizer, permaneceu de cama por uma doença, e nunca talvez pôde, por causa da doença, observar aquele corpo brilhantíssimo, e por isso pensamos dever-se discutir com ele por meio de outra argumentação. Afirma ele mesmo que às vezes, de alguma parte da Terra, um vapor fumacento levanta-se acima da Lua e também acima do Sol, e, logo que saído do cone sombreado da Terra, olhou para a luz do Sol da qual como que concebeu e gerou o cometa; e o movimento ou a subida de um tal vapor não é vago ou incerto mas retilíneo e sem ser desviado para parte alguma. Assim afirma ele, mas nós colocamos na nossa balança o peso destas afirmações. Primeiro, sabemos que esta matéria fumacenta e úmida, tendo subido casualmente da Terra nos dias em que, dominando amplamente o céu bóreas violentíssimas, facilmente poderia haver sido dispersada e dissipada. É pois, digno de admiração como impunemente corpúsculos tão sutis e leves, entre a ira do vento violentíssimo, puderam ter chegado até o alto com um proceder constante através do caminho enveredado no começo, quando nem pesos consideráveis confiados ao vento podiam vencer o ímpeto e a força. Eu considero muito contraditório que um vapor muito leve suba e suba em linha reta, e mal acredito que isto haja podido acontecer entre as várias mudanças do vento. E acrescenta que, garante Galileu, nem nas mais altas regiões dos planetas faltam condensações e rarefações de tais corpos fumacentos, e por isso nem aqueles movimentos vagos e incertos pelos quais é necessário que sejam levados.
Que os vapores fumacentos de alguma parte da Terra subam além da Lua, e até além do Sol, e que saídos do cone da sombra terrestre sejam engravidados pelos raios solares e que então gerem o cometa, nunca foi escrito pelo Sr. Mário nem foi afirmado por mim, apesar de Sarsi atribuí-lo a mim.
Aquilo que o Sr. Mário escreveu é que não é impossível que algumas vezes possam elevar-se da Terra exalações e outras coisas parecidas, mas muito mais sutis que de costume, que subam além da Lua e possam ser matéria geradora do cometa, e que às vezes originem-se sublimações extraordinárias relativas à matéria dos corpúsculos, exemplificando-o por meio da aurora boreal. Porém não afirma que aquela seja numericamente a mesma matéria dos cometas, que necessita ser muito mais rala e sutil que os vapores dos corpúsculos e do que a matéria da assim chamada aurora boreal, tendo aceito que o cometa resplende muito menos que a aurora; assim, se o cometa se ampliasse, por exemplo, rumo ao oriente, na cândida alvorada, enquanto o Sol não se encontrasse longe do horizonte mais do que 6 ou 8 graus, sem dúvida não se perceberia, por ser menos brilhante do que seu próprio ambiente. E com a mesma probabilidade, não certeza, atribuiu-se à mesma matéria o movimento retilíneo em ascensão. E isto seja afirmado não para retratarmo-nos por medo das oposições de Sarsi, mas só para mostrar que não nos afastamos do nosso hábito, que consiste em não afirmar como verdadeiras a não ser as coisas que conhecemos como indiscutíveis, como nos ensina nossa filosofia e nossa matemática. Agora, partindo do ponto de vista de que houvéssemos verdadeiramente afirmado aquilo que Sarsi fala, examinemos suas posições.
Sua primeira oposição baseia-se na impossibilidade de os vapores subirem ao céu, em linha reta, enquanto que verificamos que um papagaio é empurrado pelo ar com movimento transversal, assim como as outras coisas que se encontram nele; e o mesmo verificou-se por muitos dias depois do aparecimento do cometa. A oposição é verdadeiramente inteligente, mas perde muito de sua força lógica porque, segundo notícias seguras, naqueles dias, nem na Pérsia nem na China verificaram-se perturbações atmosféricas; e eu acreditarei que de umas daquelas regiões se origina a matéria do cometa, se Sarsi provar que ele não é originário de lá, mas de Roma, onde ele percebeu o vento boreal.
Mas, mesmo que o vapor saísse da Itália, quem pode saber se ele não se houvesse posto em viagem antes dos dias de vento, muitos dias antes de sua chegada ao orbe do cometa, longe da Terra, segundo a relação do Mestre de Sarsi, quatrocentos e setenta mil milhas mais ou menos; porque, para empreender uma viagem tão comprida, é necessário bastante tempo, pois a subida dos vapores, por aquilo que podemos observar em relação àqueles perto da Terra, não atinge a velocidade do voo das aves; assim não seriam suficientes quatro anos para concluir tamanha viagem. Mesmo aceitando que estes vapores pudessem se movimentar em época de vento, Sarsi, que acredita piamente nos historiadores e nos poetas, não poderá negar que o impulso dos ventos não sobe mais de duas ou três milhas, já que existem montes cujo cume vai além da região dos ventos. Assim, o máximo que ele poderá concluir é que dentro deste espaço os vapores movimentam-se transversal e não perpendicularmente; porém, fora deste espaço desaparece o impedimento que os desvia do caminho retilíneo.
21. Veja mais V. E. Ilustríssima: Aceitamos que estes vapores possam manter, através dos ventos, suas direções e rumar para onde possam receber os raios diretos do Sol, enviando-os a nós refletidos. Por que, então, recebendo em toda a sua extensão a luz do Sol, no-la mostram somente em uma mínima parte de si? Com certeza, sendo o próprio Galileu testemunha, quando nos dias de verão um vapor não diferente indo rumo ao norte mais alto que de costume apresenta-se à luz do Sol, então, imergido em luz brilhantíssima, mostra-se muito brilhante em todas as suas partes, para utilizar sua próprias palavras, nos reflete mesmo de noite a aurora boreal; e não se mostra tão avarento do esplendor recebido que não permita que a reflexão da luz do Sol, que ele recebeu em toda a sua extensão, nos apareça apenas através de um pequeno buraco. Eu mesmo verifiquei, não somente em tempo de verão, mas no mês de janeiro, quatro horas depois do pôr do sol, algo ainda mais maravilhoso, isto é, uma pequena nuvem, cândida e brilhante, tão rarefeita que não encobria nem as estrelas menores, e os dons de luz que havia recebido do Sol ela os expandia livremente, com alma generosa, por todos os cantos. Então todas as nuvens (admitindo que tenham alguma afinidade com a matéria do cometa), se são tão densas e obscuras que não possam refletir livremente os raios do Sol, ao menos na parte virada para o Sol o refletem para nós com generosidade recíproca; porém, se são ralas e sutis, e a luz facilmente as penetre integralmente, não mostram obscuridade em parte alguma, mas oferecem aos olhos inundados uma luz esplendorosa. Então, se o cometa não se forma de outra matéria que não seja vapores fumacentos, não Juntados globalmente mas, como o próprio Galileu afirma, ocupando um espaço suficientemente vasto do céu, brilhando em toda parte com a luz do Sol, qual é a causa pela qual brilham sempre para aqueles que o observam só de um pequeno e estreito disco, e as outras partes deste mesmo vapor, iluminadas pelo Sol com mesma luz, não aparecem? Dificilmente tudo isto pode ser explicado com o exemplo do arco-íris, em cuja formação acontece a mesma coisa que evidentemente só de uma parte da nuvem volta ao olho, quando, entretanto, em todo o espaço iluminado pelo Sol a própria diversidade das cores seja gerada de sua luz. Com efeito, o arco-íris e outros meteoros, se existirem, requerem de preferência matéria úmida e com tendência a mudar-se em água; pois esta matéria só quando se derrete em água, imitando a natureza dos corpos leves, puros e transparentes, reflete a luz só na parte onde formam ângulos de reflexão e de refração necessários a tudo isto, como percebemos nos espelhos, na água e no gelo. Depois, se alguma emanação encontrar-se mais rarefeita ou mais seca, acontece porque ela não possui superfície lisa como os espelhos, nem reflete muitos raios. Visto necessitar-se de um corpo liso para que haja reflexão e necessitar-se de sua densidade para a refração (coisas que nunca se encontram nas impressões meteorológicas, a não ser quando a natureza delas possui muita água, como ensinaram não só Aristóteles mas também todos os mestres de óptica, e a própria razão persuade com muita eficácia), segue disto necessariamente que emanações semelhantes possuirão, por natureza própria, um certo peso, e por isto menos aptas a subir acima da Lua e do Sol, pois o próprio Galileu admite que devem ser muito sutis e leves aqueles que voam até lá em cima. Portanto, não daquele vapor fumacento e rarefeito, e na verdade de peso algum, poderá refletir para nós aquela imagem brilhante de luz: o vapor aguado, na verdade, sendo pesado, não poderá subir deforma alguma.
Depois de observado por muitas experiências, parece-me ser esta a condição humana em relação às coisas intelectuais: quanto menos entende-se e sabe-se, com tanta mais força quer-se discutir; e, pelo contrário, mais coisas são conhecidas menor é a tendência de discutir resolutamente sobre qualquer novidade. Nasceu em um lugar muito solitário um homem dotado por natureza de grande inteligência e de extraordinária curiosidade. Criando por prazer grande diversidade de aves, gostava enormemente do seu canto, e com muita admiração observava de que modo, por meio do próprio ar que respiravam, conseguiam formar ao seu arbítrio cantos diferentes e todos suavíssimos. Acontece que uma noite perto de casa escutou um som delicado, e, nem podendo imaginar que fosse outra coisa a não ser uma pequena ave, foi buscá-la. Chegando à estrada encontrou um pequeno pastor que, assoprando num pedaço de madeira furada e movimentando os dedos sobre a madeira, uma vez fechando e uma vez abrindo determinados buracos, conseguia produzir aquelas vozes diferentes, semelhantes às de um pássaro, mas de forma bem diversa. Admirado e movido pela sua curiosidade natural, deu de presente um bezerro ao pastor para obter aquela flauta. De regresso à sua casa e percebendo que se não houvesse encontrado por acaso aquele pastor nunca haveria aprendido que existiam na natureza duas formas diversas de criar vozes e cantos suaves, quis sair de casa procurando encontrar outras aventuras. Aconteceu que no dia seguinte, passando perto de uma pequena choça, escutou ressoar dentro dela uma voz semelhante. Para ter certeza se era uma flauta ou um pássaro, entrou e encontrou um menino que estava serrando, com um pequeno arco segurado na mão direita, alguns nervos estendidos sobre um lenho côncavo, enquanto sustentava com a mão esquerda o instrumento sobre o qual, movimentando os dedos e sem sopro algum, extraía dele vozes diversas e suaves. Qual foi seu espanto pode ser julgado facilmente por aquele que possuir a mesma inteligência e a mesma curiosidade dele que, vendo aumentar, de duas novas formas, a maneira de produzir uma voz e um canto tão inusitados, começou a acreditar poderem existir ainda outros na natureza. Mas qual foi sua surpresa quando, entrando em um determinado templo, começou a olhar atrás da porta para ver quem estava tocando e percebeu que o som havia saído dos ferros da porta ao abri-la? Em outra ocasião, empolgado pela curiosidade, entrou em um boteco e, acreditando encontrar outra vez alguém que com o arco tocasse as cordas de um violino, viu uma pessoa que, esfregando o dedo sobre a orla de um copo, conseguia produzir um som suavíssimo. Mas logo que observou que as abelhas, os pernilongos e as moscas, com o rapidíssimo bater das asas, e não como suas primeiras aves que respirando formavam vozes ininterruptas, produziam um som perpétuo, tanto aumentou sua admiração que diminuiu sua confiança sobre o conhecimento da origem do som. Nem todas as experiências já observadas haveriam sido suficientes para fazer-lhe entender ou acreditar que os grilos, não voando, conseguiam, não por meio do sopro mas com o movimento das asas, produzir sons tão doces e sonoros. Mas quando acreditou não poderem existir outras formas possíveis de produzir vozes, depois de haver observado, além das maneiras já relatadas, ainda tantos órgãos, trompas, flautas e instrumentos de corda de todos os tipos, até chegar à aquela pequena lâmina de ferro que, suspensa entre os dentes, usava de forma muito esquisita a cavidade bucal para dar corpo à amplificação do sopro permitindo a passagem do som, quando, repito, na hora que acreditava haver conhecido tudo, encontrou-se ainda mais no escuro e na ignorância, quando, havendo encontrado uma cigarra que nem fechando-lhe a boca e nem fechando-lhe as asas conseguia diminuir seu altíssimo estridor, não percebeu movimento algum de escamas nem de outras partes. Finalmente, levantando-lhe a caixa dos pulmões e observando embaixo dela algumas cartilagens duras mas sutis, e acreditando que o som fosse originado do seu movimento, resolveu quebrá-las para fazê-la parar, mas tudo foi em vão.
Então, fincando uma agulha mais funda no corpo da cigarra, passando-a, tirou-lhe junto com a voz a vida e assim não pode mais pesquisar se o canto era originado verdadeiramente por aquelas membranas. Tornou-se tão descrente sobre seus possíveis conhecimentos em relação aos sons que todas as vezes que alguém lhe perguntava sua opinião sobre a origem dos sons, generosamente respondia não conhecer causa alguma, mas que estava resolvido a acreditar que pudessem existir cem outras maneiras, ainda desconhecidas e impensáveis.
Eu poderia dar muitos exemplos da variedade da natureza em produzir seus efeitos de maneira inimaginável para nós, se o sentido e a experiência não nos explicitassem sem, muitas vezes, suprir nossa incapacidade. Assim, se eu não souber, com exatidão, determinar a produção do cometa, deverão ser aceitas minhas desculpas, especialmente porque nunca afirmei poder dar esta explicação sabendo que ela poderia verificar-se de forma muito alheia à nossa imaginação. A dificuldade de entender como se forma o canto da cigarra, enquanto ela canta na mão, desculpa de sobra não saber como pode formar-se um cometa tão longe de nós. Para frisar, então, a primeira intenção do Sr. Mário e minha, isto é, promover aquelas dúvidas que parecem abalar as opiniões manifestadas até agora e propor alguma nova teoria para examinar se existe alguma coisa que possa esclarecer e abrir o caminho rumo à verdade, continuarei a raciocinar sobre as teorias manifestadas por Sarsi, que considerou improváveis nossos argumentos.
Continuando Sarsi sua exposição e aceitando serem os vapores ou outra matéria aptos a formar o cometa, seu elevar-se da Terra e subindo muito alto, onde pudesse receber diretamente os raios solares refletindo-os para nós, é difícil imaginar de que forma, sendo completamente iluminada, reflita até nós só a luz de uma pequena parte, e não acontece como aqueles vapores que nos apresentam aquela intempestiva aurora boreal, vapores que, sendo todos iluminados, mostram todos suas luzes.
Afirma depois ter observado, pelo meio da noite, uma coisa maravilhosa, isto é, uma pequena nuvem no zênite que, sendo toda iluminada, refletia livremente seu brilho de todas as suas partes, e acrescenta que, se todas as nuvens forem espessas e opacas, nos refletem a luz do Sol com toda a sua parte visível, porém se elas forem ralas, assim que a luz as penetre, mostrar-se-ão a nós brilhantes e não opacas; então, se o cometa forma-se com tais vapores fumacentos muito espalhados, como afirma o Sr. Mário, e não reunidos em círculo, sendo atingidos pelo Sol por todas as partes, por qual razão nós recebemos sua reflexão de uma pequena parte e não de todo o restante igualmente iluminado? Mesmo que as soluções destas perguntas estejam completamente resolvidas no Discurso do Sr. Mário, eu as relatarei aqui colocando-as acertadamente e acrescentando alguma outra consideração, conforme for solicitado pela matéria.
Em primeiro lugar, Sarsi deveria sem dificuldade conceder que só de um lado particular de toda a matéria sublimada pelo cometa verifica-se a reflexão da luz do Sol a uma visão particular, apesar de ser toda iluminada; tendo nós mil experiências semelhantes a favor, contra uma que pareça ser contrária, facilmente, entre as de Sarsi contrárias a esta posição, encontraremos muitas outras favoráveis. É certo que qualquer espelho plano exposto ao Sol fica por ele iluminado em toda a sua superfície; o mesmo acontece com qualquer pântano, lago, rio, mar, ou seja, com qualquer superfície lisa de qualquer material; porém, a uma vista particular não corresponde a reflexão do raio solar, a não ser de um lugar particular desta superfície, cujo lugar muda, mudando o olho do observador. A superfície externa de nuvens sutis, mas muito espalhadas, é toda iluminada pelo Sol de forma igual; todavia, o halo e os periélios não aparecem a um olho particular a não ser em um único lugar, e este, com o movimento do olho, muda de lugar dentro da nuvem.
Sarsi afirma: Aquela matéria sutil sublimada que produz aquela aurora boreal vê-se também toda iluminada, como ela o é de verdade. Porém, pergunto eu a Sarsi de onde lhe vem esta certeza. E ele pode responder-me somente que não percebe parte alguma que não seja iluminada, assim como acontece com o resto da superfície dos espelhos, das águas, dos mármores, além daquela pequena parte que reflete a viva luz do Sol. Porém advirto-o de que, se a matéria fosse transparente, não distinguiria nada mais que aquele esplêndido raio refletido, como acontece às vezes que a superfície do mar não se distingue do ar, mesmo que se veja imagem reflexa do Sol; e assim, colocado um vidro sutil a uma determinada distância, poderá mostrar-nos aquela sua pequena parte que reflete alguma luz, ficando o resto invisível por causa de sua transparência. Este erro de Sarsi é semelhante àquele dos que afirmam que criminoso algum deve confiar que seu crime possa ficar oculto, nem percebem a incompatibilidade que existe entre permanecer oculto e ser descoberto, e quem quisesse ter duas cadernetas, uma dos delitos que permanecem ocultos e outra daqueles que são descobertos em cuja caderneta dos ocultos nunca poderia registrar-se coisa alguma. Afirmo, então, que não me oponho à crença de que a matéria da aurora boreal seja muito ampla e uniformemente iluminada pelo Sol50; como, porém, não posso descobrir e observar a não ser aquela parte cuja refração meu olho pode captar, permanecendo invisível todo o restante, tenho a ilusão de perceber tudo. E que mais? A propósito dos vapores crepusculares que circundam a Terra, não permanece iluminado pelos raios solares sempre um hemisfério? Com certeza sim; todavia, aquela parte que se interpõe diretamente entre o Sol e nós mostra-se a nós muito mais luminosa do que as partes mais distantes. Mas esta, como ainda outras, é pura aparência e ilusão de nosso olho, pois, encontrando-nos em qualquer lugar, sempre observamos o Sol como centro de um círculo luminoso, mas que gradualmente vai perdendo o brilho, segundo se encontre à direita ou à esquerda deste centro; para outros, mais para o boreal, parece mais escura aquela parte que a mim parece mais clara, e mais brilhante aquela que a mim apresentava-se mais escura. Podemos, assim, afirmar a existência de um halo perpétuo e grande ao redor do Sol, figurado na superfície convexa que termina a esfera de vapor, cujo halo, da mesma forma que o outro, que às vezes nasce de uma nuvem sutil, muda de lugar segundo a mudança do observador. Em relação à pequena nuvem que Sarsi afirma ter observado brilhar na noite profunda, poderia perguntar-lhe que certeza tem ele de ela não ser maior do que aquela que aparece, especialmente afirmando ele que era tão transparente que não escondia estrelas fixas, mesmo mínimas, pois não possuía indício algum para garantir que ela se ampliasse invisivelmente como transparente, muito e muito além da parte brilhante observada: por isso é ainda duvidoso se ela não é uma aparência que muda como as outras segundo a mudança do olho. Além de não haver nada em contrário que ela apareça inteiramente brilhante e seja, da mesma forma, uma ilusão, o que acontecerá se ela não fosse maior do que aquele espaço que vem a ser ocupado pela imagem do Sol, assim que, observando a imagem do Sol, por exemplo, ocupar num espelho tanto espaço quanto uma unha, nós cortássemos fora o restante, não há dúvida de que este pequeno espelho poderá nos aparecer brilhante de todo. Além disso, quando o pequeno espelho fosse menor do que a imagem, então poder-se-ia observar não só tudo iluminado mas sua imagem não pareceria movimentar-se a cada movimento do olho, como no espelho grande; e até por ser ele incapaz de toda imagem do Sol, segue que, movendo-se o olho, veria a reflexão ora de um lado ora de outro do disco solar; assim a imagem pareceria imóvel, até que o olho se dirija à parte que não produz reflexão, ela se perderia completamente. É muito importante, então, considerar a grandeza e a qualidade da superfície que reflete, pois, conforme a superfície seja menos limpa, a imagem do mesmo objeto se apresentará sempre maior, pois, às vezes, antes que a imagem passe por todo o espelho, será necessário que o olho passe por muito espaço, e esta imagem parecerá fixa então, mesmo que na realidade seja móvel.
Para explicar melhor um ponto importantíssimo e que talvez possa solicitar, não digo Sarsi, mas algum outro, pense V. E. Ilustríssima encontrar-se numa praia com um tempo tranquilo e o Sol já descendo no ocaso. Perceberá, então, sobre a superfície do mar que está na metade do círculo máximo da esfera celeste que passa pelo disco solar, o reflexo brilhantíssimo do Sol, mas não muito amplo; se, pelo contrário, como já falei, a água for muito calma, verá a imagem do disco solar bem definida como num espelho. Se uma pequena brisa começa a movimentar a superfície da água, na mesma hora verá V. E. Ilustríssima a imagem do Sol quebrar-se em muitas partes, ampliando-se e difundindo-se. E, enquanto próxima, poderiam se distinguir cada uma das partes da imagem quebrada; todavia, sendo longe, não se perceberia esta separação, quer pelos breves intervalos entre as partes, quer pelo grande brilho das partes cintilantes, que se misturaram, como acontece com muitos fogos perto entre si e que de longe parecem ser um só. Se a água se movimentar sempre mais por espaços sempre maiores, ampliar-se-á a multidão dos espelhos que refletirão, segundo as diversas inclinações das ondas, a imagem do Sol quebrada. Mas distanciando-se sempre mais e subindo numa colina ou outra elevação para poder enxergar melhor o mar, o campo brilhante parecerá único e contínuo. Aconteceu-me enxergar de cima de uma montanha altíssima e distante do mar de Livorno sessenta milhas, com um tempo sereno mas de ventania, uma hora antes do pôr do sol, uma tira brilhantíssima à direita e à esquerda do Sol, que ocupava em comprimento muitas dezenas, até muitas centenas de milhas, a qual era, porém, como as outras, uma mesma reflexão da luz do Sol. Agora, imagine, Sarsi, que da superfície do mar, com o mesmo movimento de ondas, grande parte tivesse se retraído para as orlas deixando só no meio, isto é, face ao Sol, um comprimento de duas ou três milhas: esta, com certeza, seria observada completamente iluminada, e imóvel mesmo, com respeito a qualquer movimento que o observador houvesse realizado à direita ou à esquerda; só depois de movimentar-se por alguma milha começaria a desaparecer a parte esquerda da imagem, se ele estivesse caminhando para a direita, e a imagem esplendorosa diminuiria até que, adelgaçando-se, desapareceria por completo. Disto resulta que a imagem é móvel em relação à imagem do observador, pois, mesmo observando-a toda, perceberíamo-la toda ainda movimentar-se, encontrando-se seu meio sempre à direita do Sol, apesar de aparecer a muitos outros que a observem no mesmo momento como encontrando-se em outros pontos do horizonte.
Eu não quero esconder de V. E. Ilustríssima aquilo que eu lembrei neste ponto para a solução do problema do mar. Espertos marinheiros conhecem às vezes o vento que chegou a eles depois de algum tempo, observando o ar que, nesse caso, mostra-se mais claro, daquele lado, do que deveria ser.
Imagine V. E. Ilustríssima se isto poderia derivar do fato de se encontrar já naquela parte o vento que, movimentadas as ondas, faz nascer, como por espelhos multiplicados infinitamente e difundidos amplamente, o reflexo do Sol muito maior do que se o mar fosse tranquilo, permitindo que seja muito mais iluminada por esta nova luz aquela parte do ar vaporoso por meio do qual este reflexo difunde-se, cujo ar ofereça ainda algum reflexo de luz aos olhos dos marinheiros, os quais, encontrando-se embaixo, não podiam perceber a primeira reflexão daquela parte de mar já movimentada pelos ventos e distante deles vinte ou trinta milhas; e que esta seja a sua previsão do vento distante.
Mas, continuando nosso primeiro discurso, afirmo que os raios solares não refletem, com a mesma grandeza, a imagem do Sol sobre todos os materiais, isto é, sobre todas as superfícies; mas sobre algumas (isto é, as planas e lisas como um espelho) nos aparece o disco solar semelhante ao verdadeiro, nas superfícies convexas mas lisas nos aparece menor, e nas côncavas às vezes menor e às vezes maior, às vezes mesmo igual, segundo as diversas distâncias entre o espelho, o objeto e o olho.
Porém, se a superfície não for igual mas sinuosa e cheia de cavidades ou elevações e como se fosse composta por milhares de pequenos espelhos colocados com várias inclinações, expostas aos olhos de mil modos, então a mesma imagem do Sol chegará ao nosso olho de mil partes e dividida em mil pedaços, os quais ampliar-se-ão, imprimindo nesta superfície um amplo conjunto de pequenas manchas brilhantes, cuja frequência originará a ilusão de um único campo de luz contínua visto de longe, mais brilhante e viva no meio que nas extremidades, onde diminui e desaparece, enfim, quando por causa da obliquidade do olho em relação a esta superfície os raios visíveis não encontram mais ondas que se refletem contra o Sol. Esta imagem resulta ainda móvel de acordo com o movimento do olho, se, porém, além de seus limites, continua a superfície que reflete; mas, se a quantidade da matéria ocupar um pequeno espaço, muito menor do que o da imagem inteira, poderá acontecer que, ficando fixa a matéria e movimentando-se o olho, ela continue a aparecer brilhante, até que, tendo chegado o olho àquele termo do qual, pela obliquidade dos raios incidentes sobre a matéria, as reflexões não se dirigem mais rumo ao Sol, a luz desaparece e perde-se. Não concordo com Sarsi que quando ele vê uma nuvem suspensa no ar, bem determinada e toda brilhante, que permanece tal apesar de o olho ir se movimentando, não pode ter a certeza de que esta luz seja mais real do que um halo, do que os periélios, do que o arco-íris, e do que a reflexão sobre a superfície do mar; porque afirmo-lhe que a sua consistência e sua aparente estabilidade podem depender da pequenez da nuvem que não consegue receber toda a amplidão da imagem do Sol; e esta imagem, em relação à posição das partes da superfície da nuvem, ampliar-se-ia, se não lhe faltasse matéria, num espaço muito maior da nuvem, e quando se visse inteiro e o campo das nuvens se adiantasse a ele, afirmo que apareceria movimentando-se inteiramente em relação ao movimento do olho. Prova-o o fato de termos visto muitas vezes, ao nascer e ao pôr do sol, muitas pequenas nuvens colocadas perto do horizonte, das quais as que se encontram face ao Sol tornam-se brilhantíssimas e quase de fino ouro, das laterais as menos distantes do meio são ainda mais brilhantes do que as mais distantes, as quais vão aparecendo gradualmente menos claras até ficar praticamente nulo o brilho das mais distantes: nulo para nós, mas, para quem se encontrasse num lugar onde elas permanecessem entre seu olho e o lugar onde o Sol se põe, mostrar-se-iam brilhantíssimas para ele e obscuras a nós as mais esplendorosas. Entenda, então, Sarsi, que se as nuvens não fossem quebradas mas fossem uma longa extensão contínua, a sua parte central pareceria brilhante a qualquer um dos observantes e gradualmente menos claras as laterais, conforme a distância de seu meio, porque onde eu posso ver o maior brilho, para outros é o menor. Mas alguém poderia agora afirmar que, uma vez que aquela parte da nuvem permanece fixa e sua luz não parece movimentar-se pela mudança de lugar do observador, isto seria suficiente para fazer com que a paralaxe opere na determinação de sua altura, e que, podendo acontecer o mesmo com o cometa, o uso da paralaxe seja suficiente para quem queira mostrar o lugar dela. Poder-se-ia responder a esta objeção que este argumento resultaria verdadeiro se fosse demonstrado antes que o cometa não é uma inteira imagem do Sol, mas só uma parte da imagem, assim como a matéria que forma o cometa é não só toda iluminada mas que a imagem do Sol é maior que ela, de modo que é bastante para iluminar um campo muito maior, existindo matéria apta a refletir a luz. Isto não foi demonstrado e pode ser diferente, isto é, que o cometa seja uma inteira imagem, não mutilada, como nos faz acreditar sua aparência bem regulada e simétrica. E daqui pode-se deduzir uma resposta fácil e razoável à pergunta que Sarsi coloca, isto é, como pode acontecer que, acreditando, segundo a colocação de Mário, o cometa esteja num campo muito extenso em altura que não se ilumine inteiramente mas nos reflita só um círculo parcial, sem que as outras partes, mesmo atingidas pelo Sol, não apareçam nunca. Farei, então, a mesma pergunta a ele e ao seu Mestre, que não desejando que o cometa seja um fogo, mas querendo acreditar (se não me engano) que ao menos sua cauda seja uma reflexão dos raios solares, se eles acreditam que o material que produz uma reflexão seja recortado da medida desta cauda, inteiro, que tenha de algum lado; e se sobrar (como acredito que me responda), por que não é percebida, uma vez que é atingida pelo Sol?
Não se pode afirmar que o reflexo seja originado pela substância do éter, substância que, muito transparente, não serve para isto, nem pode-se originar em outro material que, mesmo apto à reflexão, seria também apto a refletir os raios solares. Além disso, não sei por que razão ele chama um pequeno círculo a cabeça do cometa que seu Mestre conseguiu medir em 87.127 milhas quadradas, não sei com quais inteligentíssimos cálculos, quando nuvem alguma, acredito eu, pode alcançar tal medida.
Acrescenta Sarsi, imitando aquele que por muito tempo acreditou que o som pudesse ser produzido de uma única forma, não ser possível que o cometa se origine do reflexo daqueles vapores fumacentos, e que o exemplo do arco-íris não resolve a dificuldade, sendo ele uma ilusão visual: pois o arco-íris e outras coisas semelhantes são originados pela umidade da matéria que já está se transformando em água, que só naquele momento, imitando a natureza dos corpos líquidos, reflete a luz daquela parte onde se produzem os ângulos da reflexão e da refração, procurados como acontece nos espelhos, na água e nas bolas de cristal; mas, nos outros materiais ralos e secos, não possuindo superfície lisa como os espelhos, não se origina muita refração, procurando-se, então, para esta finalidade, uma matéria aguada, por conseguinte, muito pesada e inapta a subir além da Lua e do Sol, aonde podem chegar (também segundo minha opinião) só exalações levíssimas. O cometa, então, não pode ser produzido por tais fumacentos vapores. Uma resposta suficiente a toda esta argumentação seria afirmar que o Sr. Mário nunca limitou-se a afirmar qual seja a matéria originária e precisa do cometa, nem se ela é úmida ou fumacenta, seca ou lisa, e sei que ele não se envergonhará em afirmar que não a conhece. Porém, vendo que em vapores, nuvens ralas e não aguacentas, e naquelas que se dissolvem já em pequenas gotas, nas águas paradas, nos espelhos e outras matérias, aparecem por reflexão e refração muitas imagens ilusórias, considerou não ser impossível que na natureza exista ainda uma matéria apta a nos oferecer mais uma imagem diversa das outras, isto é, o cometa. Tal resposta, afirmo eu, é bem adequada à pergunta, se cada parte da pergunta for exata: todavia, o desejo de ajudar (como muitas vezes já confirmei) a pesquisa da verdade, pelo que me cabe, leva-me a fazer algumas considerações sobre determinados particulares contidos nesses discursos.
Em primeiro lugar, é verdade que numa emanação de pequeníssimas gotas de água recebemos a ilusão do arco-íris, mas não acredito que, pelo contrário, uma ilusão semelhante não se verifique sem tal emanação. O prisma triangular cristalino perto dos olhos nos apresenta todos os objetos das cores do arco-íris; muitas vezes, vê-se o arco-íris também em nuvens secas, sem que caia chuva alguma.
Não podemos ver também as mesmas ilusões de cores diversas nas penas de muitas aves, enquanto o Sol as atinge de várias formas? E que mais? Gostaria de anunciar a Sarsi alguma novidade se existisse alguma novidade a contar. Pegue ele qualquer matéria, seja pedra, madeira ou metal, e expondo-a ao Sol, observe-a atentamente e poderá observar nela todas as cores repartidas em pequeníssimas partes; e se ele usufruir, para observá-las melhor, de um telescópio adaptado a observar os objetos muito próximos, muito mais distintamente perceberá aquilo de que estou falando, sem necessidade que aqueles corpos transformem-se em orvalho ou vapores úmidos. Além disso, aquelas pequenas nuvens que ao pôr do sol mostram-se brilhantíssimas e refletem a luz do Sol tão viva que quase nos cega, são das mais ralas, secas e estéreis nuvens que existem no ar, e as úmidas, em vez, quanto mais estão cheias de água mais se mostram a nós escuras. O halo e os periélios verificam-se sem chuvas e sem umidade nas mais ralas e secas nuvens ou vapores que se encontrem no ar.
Segundo, é verdade que as superfícies bem lisas, como as dos espelhos, nos oferecem um poderoso reflexo da luz do Sol; assim, a muito custo podemos observá-la sem ofender a vista; porém, é também verdade que superfícies não muito lisas refletem com menos força se menor for a sua limpeza.
Veja agora, V. E. Ilustríssima, se o esplendor do cometa é daqueles que cegam a vista, ou é daqueles que por fraqueza não ofendem em nada; e disto julgue se para produzi-lo seja necessário uma superfície semelhante àquela de um espelho, e seja suficiente uma menos lisa. Eu gostaria de mostrar a Sarsi um modo de originar uma reflexão muito semelhante àquela do cometa. Pegue V. E. Ilustríssima uma garrafa de vidro bem limpa, e com uma vela acesa não muito distante do recipiente perceberá, em sua superfície, uma imagem bem pequena desta luz, clara e determinada. Pegando depois com a ponta do dedo uma mínima quantidade de qualquer matéria que possua um pouco de gordura, de modo que se junte ao vidro, engordure o mais sutilmente que puder aquela parte onde se percebe a imagem da luz até que a superfície fique um pouco nublada. Movimente depois a garrafa de maneira que a imagem saia da gordura e pare ao contato com ela; passe depois o dedo uma única vez horizontalmente sobre a parte gordurosa. Imediatamente verá originar-se um raio reto como a cauda do cometa, e este raio cortará transversalmente e em ângulos retos a linha do dedo que V. E. produziu, e, se V. E. voltar a passar o dedo numa outra direção, este raio originar-se-á em outra direção. Isto acontece porque, devido à pele dos nossos dedos não ser lisa, mas marcada por algumas linhas sinuosas para permitir melhor o tato e perceber as mínimas diferenças entre as coisas tangíveis, movimentando o dedo sobre esta superfície gordurosa, deixa alguns sulcos sutis no interior dos quais produzem-se os reflexos da luz, os quais, sendo muitos e dispostos ordenadamente, apresentam depois uma Unha brilhante, em cuja extremidade, se produzirmos, movimentando o vaso, aquela primeira imagem realizada na parte não gordurosa, perceber-se-á a cabeça da cauda mais brilhante e a cauda menos brilhante; o mesmo efeito produzir-se-á se, em vez de se engordurar o vidro, ficar embaçado soprando em cima. Eu peço a V. E. Ilustríssima que, se alguma vez por acaso Sarsi chegar a conhecer esta brincadeira, explique por mim bem claramente que eu não entendo com isso afirmar que exista no céu uma grande garrafa e alguém que a engordure, produzindo assim o cometa; simplesmente eu apresento este exemplo e poderei apresentar muitos outros que possam encontrar-se na natureza, ainda indefinidos a nós, como argumentos de sua riqueza de modos diferentes entre eles para produzir seus efeitos.
Em terceiro lugar, que reflexão e refração não podem ser produzidas por matérias e impressões meteorológicas a não ser quando contêm muita água, porque só neste caso apresentam superfícies lisas e limpas, condições estas necessárias para produzir tal efeito, asseguro que não é verdade que não possa ser diferente. No que diz respeito à limpeza, afirmo que mesmo sem ela produzir-se-á a reflexão da imagem unida e distinta. Afirmo assim porque a imagem quebrada e confusa é produzida por todas as superfícies, desiguais e ásperas; porém, aquela imagem de um pano colorido, que se vê distintíssima num espelho oposto, vê-se confusa e quebrada sobre o muro que reproduz uma determinada sombra da cor deste pano. Se V. E. Ilustríssima pegar uma pedra ou uma ripa de madeira não tão lisa que reflita perfeitamente as imagens, e colocar-se em direção oblíqua ao olho, como se quiséssemos verificar se ela é plana e reta, perceberá distintamente sobre ela as imagens dos objetos que se encontrarem encostados do outro lado da ripa, tão distintas que, apoiando um livro em cima, poderá ser lido comodamente. Mas se este experimento for concluído colocando-se o olho perto da extremidade de algum muro reto e comprido, primeiro perceber-se-á um perpétuo curso de exalações em direção ao céu, especialmente quando o muro for atingido pelo Sol, assim como todos os objetos parecem tremer; depois, o muro do outro lado parecerá aproximar-se, e verá que, quando estiver bem perto, sua imagem se apresentará refletida naqueles vapores ascendentes, nem úmidos nem pesados, pelo contrário, secos e leves. E que mais? Não chegou ainda ao ouvido de Sarsi tudo aquilo que foi falado, especialmente por Tycho, a propósito das refrações que se operam nas exalações e vapores que circundam a Terra mesmo que o ar seja sereno, seco e sem chuva e umidade? Também não se apoie, como ele faz, sobre a autoridade de Aristóteles e de todos os mestres de perspectiva, porque ele não poderá fazer outra coisa que afirmar que eu sou um observador mais cuidadoso que eles, o que, segundo meu parecer, é de todo contrário à sua intenção. Parece-me que tudo o que expus é uma resposta suficiente ao argumento de Sarsi.
Passemos, pois, ao segundo.
CONTINUA
18. Leia agora V. E. Ilustríssima o fim deste primeiro exame: Neste ponto, perceba Galileu, com quanta razão, desta e das muitas outras coisas expostas por ele no texto Nunzio Sidereo, deduzimos que o cometa deve se encontrar além da Lua. Ele mesmo afirma que, entre os astros, alguns brilham com a luz nativa e própria, e nesse número ele coloca o Sol e as estrelas chamadas fixas; outros, não dotados de brilho algum pela natureza, recebem toda a luz do Sol, como é costume pensar dos seis planetas que sobram.
Galileu observou, ademais, que as estrelas amam muito aquela vã coroação de luz não própria e que costuma fazer crescer uma cauda; os planetas, em vez, especialmente a Lua, Júpiter e Saturno, não têm quase nenhum brilho; contudo, Marte, Vênus e Mercúrio, apesar de não serem providos de luz própria, tiram, pela vizinhança do Sol, tanta luz que, sendo quase igual àquelas das estrelas, imitam seus raios circunstantes e seu brilho. Portanto, como o cometa, segundo Galileu também, não possui luz própria por natureza, mas a recebe do Sol, e junto com outros astrônomos de grande fama o consideramos planeta temporário, devia-se raciocinar sobre ele do mesmo modo como sobre a Lua e outros planetas, e cuja condição é tal que quanto menos são distantes do Sol tanto mais brilham, e revestidos de um brilho maior (que deriva disto), observados com a luneta parecem aumentar menos; enquanto o cometa recebe deste instrumento quase o mesmo aumento de Mercúrio, podemos não com muita probabilidade deduzir que o cometa não irradiou aquela luz circundada mais que Mercúrio e por isso não se encontra muito longe; por outro lado, como era aumentado menos que a Lua, precisava colocá-lo circundado de uma luz maior e mais perto do Sol? De tudo isto pode-se compreender com quanta razão afirmamos que o cometa, pois pareceu aumentar muito pouco, deve ser considerado muito mais longe de nós do que a Lua.
Sem dúvida, pela paralaxe observada e também pelo curso do cometa quase sidéreo, nós conhecíamos bastante seu lugar; como, além disso, a luneta o aumentava quase quanto Mercúrio, certamente nenhuma razão teria podido sustentar o contrário; foi lícito tirar daqui um corolário também de grande importância e peso a favor de nossa teoria. Mesmo que soubéssemos, com efeito, que estas coisas podiam ser originadas por muitas causas, justamente por causa da analogia que este corpo luminoso guardava junto a todos os outros corpos celestes em todos os seus fenômenos, pensamos ter recebido da luneta um beneficio bastante grande, pois nosso parecer, já firmado pelo peso de outros argumentos, confirmava ainda mais com o peso do próprio assentimento. Quanto ao restante, porém, acrescentado ao argumento, isto é, as palavras: "Sei que este argumento foi considerado por alguns de pouca importância", etc, clara e honestamente havíamos lembrado antes para que fim estas palavras haviam sido acrescentadas: naturalmente contra aqueles que, enfraquecendo a fé neste instrumento, completamente ignaros das disciplinas de óptica, proclamavam-no enganador e indigno de qualquer confiança. Compreende, então, Galileu, se não me engano, com quanta falta de raciocínio lutou contra nossa opinião a respeito da luneta, que ele considera em tudo de acordo com a verdade e com as suas próprias opiniões: haveria podido conhecer também antes se a tivesse examinado com espírito mais calmo. Como, então, haveríamos podido imaginar que ele não haveria de gostar dessas ideias que considerávamos suas próprias? Mas como estas coisas, segundo a nossa opinião, parecem suficientes, vamos examinar a opinião do próprio Galileu.
Aqui, primeiramente, como V. E. pode ver, iniciamos uma argumentação recortada, como se diz, de velho pano, consistente em diversos fragmentos de proposições, para provar que o lugar do cometa era entre a Lua e o Sol; proposição esta que o Sr. Mário e eu podemos conceder-lhe por completo, sem prejuízo algum, não tendo nós nunca afirmado nada em relação ao lugar do cometa, nem negado que ele possa se encontrar além da Lua, mas falou-se somente que as demonstrações até agora apresentadas pelos autores oferecem dúvidas. E para tirá-las não é de ajuda nenhuma que Sarsi apresente agora uma nova demonstração, mesmo que ela fosse necessária e conclusiva, e provar que esta conclusão seja verdadeira, mesmo que também em torno de conclusões verdadeiras se possa argumentar e silogizar falsamente. Todavia, pelo desejo que eu possuo de pôr à luz as coisas escondidas e chegar a verdadeiras conclusões, apresentarei algumas considerações em relação a estas proposições.
Para maior clareza e compreensão o farei com a maior brevidade possível.
Afirma ele ter deduzido do meu Nunzio Sidereo que as estrelas fixas, sendo aquelas que brilham com luz própria, brilham com uma luz não real, mas aparente. Os planetas, sendo desprovidos de luz própria, não agem assim, especialmente a Lua, Júpiter e Saturno, mas mostram-se quase sem brilho; porém, Vênus, Mercúrio e Marte, mesmo privados de luz própria, brilham muito por causa da vizinhança do Sol, pelo qual são mais abundantemente atingidos. Afirma, além disso, que o cometa, segundo meu parecer, recebe sua luz do Sol, e acrescenta haver ele, junto com autores de renome, considerado o cometa, desde muito tempo, um planeta; assim, a respeito dele pode-se raciocinar como a respeito dos outros planetas, os quais, quanto mais encontram-se perto do Sol mais brilham, e por consequência menos podem ser observados pelo telescópio, e, aumentando o cometa pouco mais que Mercúrio e muito menos que a Lua, com muita razão podia-se concluir que não estivesse muito mais longe do Sol do que de Mercúrio, mas muito mais perto daquele que da Lua. Esta é a teoria que muito bem se ajusta à necessidade de Sarsi, como se a conclusão, deduzida antes dos princípios e meios, dependesse não aquela destes, mas estes dela, e tivessem sido preparados por ele não da grandiosidade da natureza mas da arte muito sutil. Pesquisemos, porém, quanto ela seja conclusiva.
Em primeiro lugar, é completamente falso que eu tenha escrito no Nunzio Sidereo que Júpiter e Saturno não brilhem quase nada e que Marte, Vênus e Mercúrio sejam coroados de muitos raios, porque eu separei só a Lua do resto das outras estrelas, quer fixas quer errantes.
Em segundo lugar, não sei se para concluir que o cometa seja quase um planeta e que, sendo tal, lhe sejam convenientes as propriedades dos outros planetas, seja suficiente que Sarsi e seu Mestre junto com outros autores o tenham considerado e chamado assim. Pois, se a opinião deles fosse tão importante a ponto de fazer aceitar as coisas por eles propostas, eu os rogaria que considerassem e chamassem ouro muitos velhos pedaços de ferro que possuo em casa. Mas, deixando os nomes de lado, qual é a teoria que os induz a considerar o cometa quase um planeta desde muito tempo? Brilhar como os planetas? Mas qual é a nuvem, qual a fumaça, qual a madeira, qual o muro, qual a montanha, atingidos pelo Sol, que não brilham do mesmo tanto? Não percebeu Sarsi no Nunzio Sidereo minha demonstração, isto é,que nossa Terra brilha mais que a Lua? Mas qual é minha opinião sobre o brilho do cometa como um planeta? Eu, por mim, não considero impossível que sua luz possa ser tão fraca e sua substância tão sutil e rala, que, quando alguém se aproximasse dela, sumisse da vista completamente, como acontece com alguns fogos-fátuos que saem da Terra, que são percebidos só durante a noite e de longe, mas de perto desaparecem; da mesma forma que as nuvens distantes são percebidas bem determinadas, e depois, de perto, mostram um pouco de nebulosidade tão indeterminada que alguém, entrando nela, quase não distingue os limites, nem sabe separá-la do ar contíguo. E aquelas projeções de raios solares entre as nuvens, tão semelhantes aos cometas, por quem são percebidas se não por aqueles que lhes são distantes? Tem o cometa alguma coisa em comum com os planetas por causa do movimento? E qual será a coisa separada da parte elementar que, obedecendo ao estado terrestre, não terá o moto diurno de acordo com o resto do universo? Mas se falamos do outro movimento, aquele transversal, este não tem nada a ver com o movimento dos planetas, não sendo criado nem por aquele rumo, nem regulado, nem talvez circular. Mas, deixados de lado os acidentes, acreditará talvez alguém que a substância ou a matéria do cometa tenha alguma coisa a ver com a dos planetas? Pode-se acreditar que ela seja solidíssima, como nos convida a pensar em particular a Lua e em universal a figura bem determinada e imutável de todos os planetas; e, ao contrário, pode-se acreditar que a do cometa dissolva-se em poucos dias; e sua figura, não determinada ao redor, mas confusa e indistinta, nos mostra que a sua substância é mais sutil e mais rala que a névoa e a fumaça. Assim ele quase poderia ser chamado mais um planeta pintado que real.
Em terceiro lugar, eu não sei com quanta perfeição ele possa ter parangonado os raios e o aumento do cometa com o aumento de Mercúrio que, podendo ser observado raríssimas vezes, em todo o tempo da aparição do cometa, ele não apareceu nunca, nem deu a possibilidade de ser observado, encontrando-se sempre muito perto do Sol; posso sem escrúpulo acreditar que Sarsi não fez esta comparação, difícil de se realizar e muito incerta, mas que ele afirma ter realizado porque, sendo assim, serviria melhor para sua causa. Outro indício que mostra como ele não conseguiu fazer esta experiência é-me fornecido pelo fato de que, ao referir-se às observações relativas a Mercúrio e à Lua, com os quais compara as do cometa, parece-me que ele esteja confundindo muito. Aceitando, para concluir, que o cometa se encontre mais longe do Sol que de Mercúrio, precisava afirmar que o cometa possuía menos raios que ele, e observado com o telescópio aumentava mais que ele; todavia, afirmou o contrário, isto é, que não possuía mais raios que Mercúrio e que aumentava quase a mesma coisa, o que significa afirmar que possuía mais raios e menos aumento que Mercúrio. Comparando depois o cometa com a Lua, escreve a mesma coisa (mesmo afirmando escrever o contrário), isto é, que aumentava menos que a Lua e possuía mais raios. Todavia, para chegar a uma conclusão, deduz da identidade das premissas conclusões diferentes, isto é, que o cometa encontra-se mais perto do Sol que a Lua, porém mais distante que Mercúrio.
Para finalizar, afirmando Sarsi ser um lógico exato, não me faz entender por que, na divisão dos corpos luminosos que se irradiam mais ou menos, e que por consequência, observados com o telescópio, recebem um aumento maior ou menor, ele não haja registrado nossas luzes elementares; pois as velas, as tochas acesas observadas a qualquer distância, qualquer pedrinha, lenho ou corpúsculo, até as folhas e as gotas de orvalho atingidas pelo Sol, resplandecem, e de certo ângulo irradiam a par de qualquer estrela mais brilhante, e vistas pelo telescópio observam no aumento o mesmo teor que as estrelas. Assim, termina completamente aquela ajuda a mais que os outros haviam esperado do telescópio para conduzir o cometa no céu e tirá-lo da esfera elementar. Abandonai, portanto, Sarsi, a ideia de poder ajudar vosso Mestre e estai certo de que, para querer sustentar um erro, é necessário perpetrar cem outros e, coisa ainda pior, não conseguir o intento. Gostaria também de pedir-vos para não replicar mais, como o fazeis no final desta vossa parte, que estas são teorias minhas, pois nunca escrevi coisas parecidas, nem as falei, nem as pensei. Basta a respeito do primeiro trecho em exame.
19. Passemos ao segundo: Apesar de ninguém até hoje ter falado que o cometa deve colocar-se entre as aparências vãs, onde não haveríamos necessidade de libertá-lo da acusação de inanidade, pois Galileu acreditou enveredar por outro caminho para explicar o cometa completa e sabidamente, é justo parar e expor com cuidado esta sua nova teoria.
São duas hipóteses que ele cogitou: uma relativa à substância, outra referente ao movimento do cometa. No que diz respeito à primeira, Galileu afirma que esta luz é daquelas que, mostradas mais que criadas pela refração de outra luz, parecem ter mais o nome de sombras de corpos luminosos que ser corpos luminosos, como, por exemplo, os arco-íris, os halos, os parélios e muitas outras coisas semelhantes. No que diz respeito à segunda, Galileu afirma que o movimento dos cometas sempre foi retilíneo e perpendicular à superfície da Terra. Revelando estas suas descobertas, acreditou poder destruir com facilidade as opiniões dos outros. Nós vamos examinar agora com poucas palavras, e sem retórica, quanto de próprio se deva atribuir a estas opiniões (pois a verdade, mesmo nua, é bastante ornada). Mesmo sendo difícil abranger singularmente estas duas proposições, pois são tão conexas que parecem depender uma da outra e sustentar-se reciprocamente, nós nos preocuparemos para que os leitores não fiquem lesados. Por isso, contra a primeira posição de Galileu, afirmo que o cometa não foi simulacro vão de uma luz que iludia os olhos daqueles que o observavam e isto parece-me que não necessita de outra prova para aquele que, ao menos uma vez, seja a olho nu, seja com a luneta, haja observado o cometa. A simples vista manifestava a natureza desta luz, porque, em comparação a outras luzes realíssimas, qualquer um poderá com facilidade julgar se o observado era falso ou verdadeiro. Tycho, examinando as observações de Tadeu Agezio, deduz isto: "O corpo do cometa naqueles dias foi igual, em grandeza, a Júpiter e Vênus, e revestiu-se de uma luz nítida e de um grande esplendor, puro e belo, e sua substância pareceu pura demais para ser conveniente a matérias só elementares, mas era, de preferência, análoga àquela dos corpos celestes ". Tycho acrescenta a isto: "Tadeu foi bom juiz relativamente a este aspecto, haveria podido concluir claramente que este cometa não era elementar".
Sarsi andou figurando antes e arbitrariamente os princípios e os meios que fossem de acordo com as conclusões que ele queria demonstrar; agora parece-me que vai imaginando conclusões para contradizê-las como teorias do Sr. Mário e minhas, muito diversas, ou, ao menos, muito diversamente tomadas, de como são relatadas no Discurso do Sr. Mário. Que o cometa seja, sem dúvida, uma imagem vã e uma simples aparência, nunca foi afirmado com certeza, mas só foi posto em dúvida e levado à consideração dos filósofos com aqueles raciocínios e cogitações que parecem poder garantir que seja verdade. Eis aqui as palavras do Sr. Mário a este propósito: "Eu não afirmo resolutamente que o cometa produza-se assim, mas afirmo que são duvidosos, seja este modo seja os outros dos demais autores; os quais pretenderão estabelecer com certeza seus pareceres. e terão a obrigação de demonstrar que esta e todas as outras posições são vãs e falsas". Mesmo sendo o texto tão diferente, Sarsi afirma que nós temos por certo que o movimento do cometa deve ser necessariamente reto e perpendicular à superfície terrestre. Isto não foi apresentado desta forma, mas simplesmente foi cogitado como ser mais conforme às aparências e satisfazer às mudanças observadas no cometa. Esta hipótese é tão superficialmente apresentada pelo Sr. Mário que no fim ele declara: "Porém é mais conveniente para nós contentarmo-nos com aquele pouco que podemos cogitar mesmo sem ter muita clareza". Porém Sarsi quis mostrar que estas opiniões eram tão firmemente aceitas por mim que imaginou podê-las destruir com facilidade e com meios mais eficazes. Se ele conseguir o agradecerei, pois no futuro deverei preocupar-me com uma hipótese a menos todas as vezes que me venha a ideia de filosofar sobre tal matéria. Por enquanto, pois parece-me que ainda subsiste alguma coisa de vivo no raciocínio do Sr. Mário, moverei algumas objeções às objeções de Sarsi.
Opondo-se Sarsi com grande firmeza à primeira conclusão, afirma que aquele que, mesmo por uma vez, houvesse observado o cometa, não necessitaria mais de argumento algum para conhecer a natureza desta estrela; estrela que, comparada com as outras verdadeiras estrelas, mostrava muito claramente ser verdadeira e não falsa. Assim, como V. E. Ilustríssima entende, Sarsi confia tanto no sentido da visão que considera impossível ser enganado todas as vezes que tentamos fazer uma comparação entre um objeto falso e um real. Eu confesso não ter a visão tão perfeita, pelo contrário, confesso ser como aquele macaco que acredita firmemente ver no espelho outro macaco, e nem reconhece seu erro se quatro ou seis vezes não tenha ido atrás do espelho para agarrar a imagem, tanto aquela imagem se lhe apresente viva e verdadeira. Supondo, então, que aqueles que Sarsi vê no espelho não sejam homens verdadeiros e reais, mas imagens vãs, como nós vemos nossa imagem no espelho, gostaria ardentemente de saber quais são aquelas diferenças visuais por meio das quais tão rapidamente distingue o verdadeiro do falso. Quanto a mim, encontrei-me mil vezes em alguma sala de janelas fechadas, e através de algum pequeno buraco pude perceber o Sol refletindo-se sobre um muro oposto, julgando assim esta mancha, pela vista, uma estrela tão brilhante quanto a Canícula e Vênus. E andando contra o Sol no campo, quantos milhares de corpúsculos, pedrinhas, lisos ou molhados, transformar-se-ão pelo reflexo do Sol em estrelas brilhantíssimas? Mesmo cuspindo no chão, Sarsi sem dúvida perceberá onde cuspiu, pela reflexão solar, uma estrela naturalíssima. Além disso, qual corpo colocado a grande distância, atingido pelo Sol, não aparecerá como uma estrela, especialmente se for tão alto que possa ser enxergado durante a noite, como se enxergam as outras estrelas? E quem distinguiria a Lua, vista durante o dia, de uma nuvem atingida pelo Sol, senão pela diversidade do aspecto e pela grandeza?
Ninguém, com certeza. E enfim, se a simples aparência deve determinar a essência, é necessário que Sarsi aceite que os sóis, as luas e as estrelas, observados em água parada e em espelhos, sejam verdadeiros sóis, verdadeiras luas e verdadeiras estrelas. Em relação a esta parte, mude mesmo Sarsi de opinião, nem acredite que, citando a autoridade de Tycho, de Tadeu Agezio ou de muitos outros, melhore sua condição, a não ser que, por ter tido tais homens como companheiros, desculpe mais seu erro.
20. Continue V. E. Ilustríssima a ler: "Pois, por todo o tempo que nosso cometa brilhou, Galileu, segundo ouvi dizer, permaneceu de cama por uma doença, e nunca talvez pôde, por causa da doença, observar aquele corpo brilhantíssimo, e por isso pensamos dever-se discutir com ele por meio de outra argumentação. Afirma ele mesmo que às vezes, de alguma parte da Terra, um vapor fumacento levanta-se acima da Lua e também acima do Sol, e, logo que saído do cone sombreado da Terra, olhou para a luz do Sol da qual como que concebeu e gerou o cometa; e o movimento ou a subida de um tal vapor não é vago ou incerto mas retilíneo e sem ser desviado para parte alguma. Assim afirma ele, mas nós colocamos na nossa balança o peso destas afirmações. Primeiro, sabemos que esta matéria fumacenta e úmida, tendo subido casualmente da Terra nos dias em que, dominando amplamente o céu bóreas violentíssimas, facilmente poderia haver sido dispersada e dissipada. É pois, digno de admiração como impunemente corpúsculos tão sutis e leves, entre a ira do vento violentíssimo, puderam ter chegado até o alto com um proceder constante através do caminho enveredado no começo, quando nem pesos consideráveis confiados ao vento podiam vencer o ímpeto e a força. Eu considero muito contraditório que um vapor muito leve suba e suba em linha reta, e mal acredito que isto haja podido acontecer entre as várias mudanças do vento. E acrescenta que, garante Galileu, nem nas mais altas regiões dos planetas faltam condensações e rarefações de tais corpos fumacentos, e por isso nem aqueles movimentos vagos e incertos pelos quais é necessário que sejam levados.
Que os vapores fumacentos de alguma parte da Terra subam além da Lua, e até além do Sol, e que saídos do cone da sombra terrestre sejam engravidados pelos raios solares e que então gerem o cometa, nunca foi escrito pelo Sr. Mário nem foi afirmado por mim, apesar de Sarsi atribuí-lo a mim.
Aquilo que o Sr. Mário escreveu é que não é impossível que algumas vezes possam elevar-se da Terra exalações e outras coisas parecidas, mas muito mais sutis que de costume, que subam além da Lua e possam ser matéria geradora do cometa, e que às vezes originem-se sublimações extraordinárias relativas à matéria dos corpúsculos, exemplificando-o por meio da aurora boreal. Porém não afirma que aquela seja numericamente a mesma matéria dos cometas, que necessita ser muito mais rala e sutil que os vapores dos corpúsculos e do que a matéria da assim chamada aurora boreal, tendo aceito que o cometa resplende muito menos que a aurora; assim, se o cometa se ampliasse, por exemplo, rumo ao oriente, na cândida alvorada, enquanto o Sol não se encontrasse longe do horizonte mais do que 6 ou 8 graus, sem dúvida não se perceberia, por ser menos brilhante do que seu próprio ambiente. E com a mesma probabilidade, não certeza, atribuiu-se à mesma matéria o movimento retilíneo em ascensão. E isto seja afirmado não para retratarmo-nos por medo das oposições de Sarsi, mas só para mostrar que não nos afastamos do nosso hábito, que consiste em não afirmar como verdadeiras a não ser as coisas que conhecemos como indiscutíveis, como nos ensina nossa filosofia e nossa matemática. Agora, partindo do ponto de vista de que houvéssemos verdadeiramente afirmado aquilo que Sarsi fala, examinemos suas posições.
Sua primeira oposição baseia-se na impossibilidade de os vapores subirem ao céu, em linha reta, enquanto que verificamos que um papagaio é empurrado pelo ar com movimento transversal, assim como as outras coisas que se encontram nele; e o mesmo verificou-se por muitos dias depois do aparecimento do cometa. A oposição é verdadeiramente inteligente, mas perde muito de sua força lógica porque, segundo notícias seguras, naqueles dias, nem na Pérsia nem na China verificaram-se perturbações atmosféricas; e eu acreditarei que de umas daquelas regiões se origina a matéria do cometa, se Sarsi provar que ele não é originário de lá, mas de Roma, onde ele percebeu o vento boreal.
Mas, mesmo que o vapor saísse da Itália, quem pode saber se ele não se houvesse posto em viagem antes dos dias de vento, muitos dias antes de sua chegada ao orbe do cometa, longe da Terra, segundo a relação do Mestre de Sarsi, quatrocentos e setenta mil milhas mais ou menos; porque, para empreender uma viagem tão comprida, é necessário bastante tempo, pois a subida dos vapores, por aquilo que podemos observar em relação àqueles perto da Terra, não atinge a velocidade do voo das aves; assim não seriam suficientes quatro anos para concluir tamanha viagem. Mesmo aceitando que estes vapores pudessem se movimentar em época de vento, Sarsi, que acredita piamente nos historiadores e nos poetas, não poderá negar que o impulso dos ventos não sobe mais de duas ou três milhas, já que existem montes cujo cume vai além da região dos ventos. Assim, o máximo que ele poderá concluir é que dentro deste espaço os vapores movimentam-se transversal e não perpendicularmente; porém, fora deste espaço desaparece o impedimento que os desvia do caminho retilíneo.
21. Veja mais V. E. Ilustríssima: Aceitamos que estes vapores possam manter, através dos ventos, suas direções e rumar para onde possam receber os raios diretos do Sol, enviando-os a nós refletidos. Por que, então, recebendo em toda a sua extensão a luz do Sol, no-la mostram somente em uma mínima parte de si? Com certeza, sendo o próprio Galileu testemunha, quando nos dias de verão um vapor não diferente indo rumo ao norte mais alto que de costume apresenta-se à luz do Sol, então, imergido em luz brilhantíssima, mostra-se muito brilhante em todas as suas partes, para utilizar sua próprias palavras, nos reflete mesmo de noite a aurora boreal; e não se mostra tão avarento do esplendor recebido que não permita que a reflexão da luz do Sol, que ele recebeu em toda a sua extensão, nos apareça apenas através de um pequeno buraco. Eu mesmo verifiquei, não somente em tempo de verão, mas no mês de janeiro, quatro horas depois do pôr do sol, algo ainda mais maravilhoso, isto é, uma pequena nuvem, cândida e brilhante, tão rarefeita que não encobria nem as estrelas menores, e os dons de luz que havia recebido do Sol ela os expandia livremente, com alma generosa, por todos os cantos. Então todas as nuvens (admitindo que tenham alguma afinidade com a matéria do cometa), se são tão densas e obscuras que não possam refletir livremente os raios do Sol, ao menos na parte virada para o Sol o refletem para nós com generosidade recíproca; porém, se são ralas e sutis, e a luz facilmente as penetre integralmente, não mostram obscuridade em parte alguma, mas oferecem aos olhos inundados uma luz esplendorosa. Então, se o cometa não se forma de outra matéria que não seja vapores fumacentos, não Juntados globalmente mas, como o próprio Galileu afirma, ocupando um espaço suficientemente vasto do céu, brilhando em toda parte com a luz do Sol, qual é a causa pela qual brilham sempre para aqueles que o observam só de um pequeno e estreito disco, e as outras partes deste mesmo vapor, iluminadas pelo Sol com mesma luz, não aparecem? Dificilmente tudo isto pode ser explicado com o exemplo do arco-íris, em cuja formação acontece a mesma coisa que evidentemente só de uma parte da nuvem volta ao olho, quando, entretanto, em todo o espaço iluminado pelo Sol a própria diversidade das cores seja gerada de sua luz. Com efeito, o arco-íris e outros meteoros, se existirem, requerem de preferência matéria úmida e com tendência a mudar-se em água; pois esta matéria só quando se derrete em água, imitando a natureza dos corpos leves, puros e transparentes, reflete a luz só na parte onde formam ângulos de reflexão e de refração necessários a tudo isto, como percebemos nos espelhos, na água e no gelo. Depois, se alguma emanação encontrar-se mais rarefeita ou mais seca, acontece porque ela não possui superfície lisa como os espelhos, nem reflete muitos raios. Visto necessitar-se de um corpo liso para que haja reflexão e necessitar-se de sua densidade para a refração (coisas que nunca se encontram nas impressões meteorológicas, a não ser quando a natureza delas possui muita água, como ensinaram não só Aristóteles mas também todos os mestres de óptica, e a própria razão persuade com muita eficácia), segue disto necessariamente que emanações semelhantes possuirão, por natureza própria, um certo peso, e por isto menos aptas a subir acima da Lua e do Sol, pois o próprio Galileu admite que devem ser muito sutis e leves aqueles que voam até lá em cima. Portanto, não daquele vapor fumacento e rarefeito, e na verdade de peso algum, poderá refletir para nós aquela imagem brilhante de luz: o vapor aguado, na verdade, sendo pesado, não poderá subir deforma alguma.
Depois de observado por muitas experiências, parece-me ser esta a condição humana em relação às coisas intelectuais: quanto menos entende-se e sabe-se, com tanta mais força quer-se discutir; e, pelo contrário, mais coisas são conhecidas menor é a tendência de discutir resolutamente sobre qualquer novidade. Nasceu em um lugar muito solitário um homem dotado por natureza de grande inteligência e de extraordinária curiosidade. Criando por prazer grande diversidade de aves, gostava enormemente do seu canto, e com muita admiração observava de que modo, por meio do próprio ar que respiravam, conseguiam formar ao seu arbítrio cantos diferentes e todos suavíssimos. Acontece que uma noite perto de casa escutou um som delicado, e, nem podendo imaginar que fosse outra coisa a não ser uma pequena ave, foi buscá-la. Chegando à estrada encontrou um pequeno pastor que, assoprando num pedaço de madeira furada e movimentando os dedos sobre a madeira, uma vez fechando e uma vez abrindo determinados buracos, conseguia produzir aquelas vozes diferentes, semelhantes às de um pássaro, mas de forma bem diversa. Admirado e movido pela sua curiosidade natural, deu de presente um bezerro ao pastor para obter aquela flauta. De regresso à sua casa e percebendo que se não houvesse encontrado por acaso aquele pastor nunca haveria aprendido que existiam na natureza duas formas diversas de criar vozes e cantos suaves, quis sair de casa procurando encontrar outras aventuras. Aconteceu que no dia seguinte, passando perto de uma pequena choça, escutou ressoar dentro dela uma voz semelhante. Para ter certeza se era uma flauta ou um pássaro, entrou e encontrou um menino que estava serrando, com um pequeno arco segurado na mão direita, alguns nervos estendidos sobre um lenho côncavo, enquanto sustentava com a mão esquerda o instrumento sobre o qual, movimentando os dedos e sem sopro algum, extraía dele vozes diversas e suaves. Qual foi seu espanto pode ser julgado facilmente por aquele que possuir a mesma inteligência e a mesma curiosidade dele que, vendo aumentar, de duas novas formas, a maneira de produzir uma voz e um canto tão inusitados, começou a acreditar poderem existir ainda outros na natureza. Mas qual foi sua surpresa quando, entrando em um determinado templo, começou a olhar atrás da porta para ver quem estava tocando e percebeu que o som havia saído dos ferros da porta ao abri-la? Em outra ocasião, empolgado pela curiosidade, entrou em um boteco e, acreditando encontrar outra vez alguém que com o arco tocasse as cordas de um violino, viu uma pessoa que, esfregando o dedo sobre a orla de um copo, conseguia produzir um som suavíssimo. Mas logo que observou que as abelhas, os pernilongos e as moscas, com o rapidíssimo bater das asas, e não como suas primeiras aves que respirando formavam vozes ininterruptas, produziam um som perpétuo, tanto aumentou sua admiração que diminuiu sua confiança sobre o conhecimento da origem do som. Nem todas as experiências já observadas haveriam sido suficientes para fazer-lhe entender ou acreditar que os grilos, não voando, conseguiam, não por meio do sopro mas com o movimento das asas, produzir sons tão doces e sonoros. Mas quando acreditou não poderem existir outras formas possíveis de produzir vozes, depois de haver observado, além das maneiras já relatadas, ainda tantos órgãos, trompas, flautas e instrumentos de corda de todos os tipos, até chegar à aquela pequena lâmina de ferro que, suspensa entre os dentes, usava de forma muito esquisita a cavidade bucal para dar corpo à amplificação do sopro permitindo a passagem do som, quando, repito, na hora que acreditava haver conhecido tudo, encontrou-se ainda mais no escuro e na ignorância, quando, havendo encontrado uma cigarra que nem fechando-lhe a boca e nem fechando-lhe as asas conseguia diminuir seu altíssimo estridor, não percebeu movimento algum de escamas nem de outras partes. Finalmente, levantando-lhe a caixa dos pulmões e observando embaixo dela algumas cartilagens duras mas sutis, e acreditando que o som fosse originado do seu movimento, resolveu quebrá-las para fazê-la parar, mas tudo foi em vão.
Então, fincando uma agulha mais funda no corpo da cigarra, passando-a, tirou-lhe junto com a voz a vida e assim não pode mais pesquisar se o canto era originado verdadeiramente por aquelas membranas. Tornou-se tão descrente sobre seus possíveis conhecimentos em relação aos sons que todas as vezes que alguém lhe perguntava sua opinião sobre a origem dos sons, generosamente respondia não conhecer causa alguma, mas que estava resolvido a acreditar que pudessem existir cem outras maneiras, ainda desconhecidas e impensáveis.
Eu poderia dar muitos exemplos da variedade da natureza em produzir seus efeitos de maneira inimaginável para nós, se o sentido e a experiência não nos explicitassem sem, muitas vezes, suprir nossa incapacidade. Assim, se eu não souber, com exatidão, determinar a produção do cometa, deverão ser aceitas minhas desculpas, especialmente porque nunca afirmei poder dar esta explicação sabendo que ela poderia verificar-se de forma muito alheia à nossa imaginação. A dificuldade de entender como se forma o canto da cigarra, enquanto ela canta na mão, desculpa de sobra não saber como pode formar-se um cometa tão longe de nós. Para frisar, então, a primeira intenção do Sr. Mário e minha, isto é, promover aquelas dúvidas que parecem abalar as opiniões manifestadas até agora e propor alguma nova teoria para examinar se existe alguma coisa que possa esclarecer e abrir o caminho rumo à verdade, continuarei a raciocinar sobre as teorias manifestadas por Sarsi, que considerou improváveis nossos argumentos.
Continuando Sarsi sua exposição e aceitando serem os vapores ou outra matéria aptos a formar o cometa, seu elevar-se da Terra e subindo muito alto, onde pudesse receber diretamente os raios solares refletindo-os para nós, é difícil imaginar de que forma, sendo completamente iluminada, reflita até nós só a luz de uma pequena parte, e não acontece como aqueles vapores que nos apresentam aquela intempestiva aurora boreal, vapores que, sendo todos iluminados, mostram todos suas luzes.
Afirma depois ter observado, pelo meio da noite, uma coisa maravilhosa, isto é, uma pequena nuvem no zênite que, sendo toda iluminada, refletia livremente seu brilho de todas as suas partes, e acrescenta que, se todas as nuvens forem espessas e opacas, nos refletem a luz do Sol com toda a sua parte visível, porém se elas forem ralas, assim que a luz as penetre, mostrar-se-ão a nós brilhantes e não opacas; então, se o cometa forma-se com tais vapores fumacentos muito espalhados, como afirma o Sr. Mário, e não reunidos em círculo, sendo atingidos pelo Sol por todas as partes, por qual razão nós recebemos sua reflexão de uma pequena parte e não de todo o restante igualmente iluminado? Mesmo que as soluções destas perguntas estejam completamente resolvidas no Discurso do Sr. Mário, eu as relatarei aqui colocando-as acertadamente e acrescentando alguma outra consideração, conforme for solicitado pela matéria.
Em primeiro lugar, Sarsi deveria sem dificuldade conceder que só de um lado particular de toda a matéria sublimada pelo cometa verifica-se a reflexão da luz do Sol a uma visão particular, apesar de ser toda iluminada; tendo nós mil experiências semelhantes a favor, contra uma que pareça ser contrária, facilmente, entre as de Sarsi contrárias a esta posição, encontraremos muitas outras favoráveis. É certo que qualquer espelho plano exposto ao Sol fica por ele iluminado em toda a sua superfície; o mesmo acontece com qualquer pântano, lago, rio, mar, ou seja, com qualquer superfície lisa de qualquer material; porém, a uma vista particular não corresponde a reflexão do raio solar, a não ser de um lugar particular desta superfície, cujo lugar muda, mudando o olho do observador. A superfície externa de nuvens sutis, mas muito espalhadas, é toda iluminada pelo Sol de forma igual; todavia, o halo e os periélios não aparecem a um olho particular a não ser em um único lugar, e este, com o movimento do olho, muda de lugar dentro da nuvem.
Sarsi afirma: Aquela matéria sutil sublimada que produz aquela aurora boreal vê-se também toda iluminada, como ela o é de verdade. Porém, pergunto eu a Sarsi de onde lhe vem esta certeza. E ele pode responder-me somente que não percebe parte alguma que não seja iluminada, assim como acontece com o resto da superfície dos espelhos, das águas, dos mármores, além daquela pequena parte que reflete a viva luz do Sol. Porém advirto-o de que, se a matéria fosse transparente, não distinguiria nada mais que aquele esplêndido raio refletido, como acontece às vezes que a superfície do mar não se distingue do ar, mesmo que se veja imagem reflexa do Sol; e assim, colocado um vidro sutil a uma determinada distância, poderá mostrar-nos aquela sua pequena parte que reflete alguma luz, ficando o resto invisível por causa de sua transparência. Este erro de Sarsi é semelhante àquele dos que afirmam que criminoso algum deve confiar que seu crime possa ficar oculto, nem percebem a incompatibilidade que existe entre permanecer oculto e ser descoberto, e quem quisesse ter duas cadernetas, uma dos delitos que permanecem ocultos e outra daqueles que são descobertos em cuja caderneta dos ocultos nunca poderia registrar-se coisa alguma. Afirmo, então, que não me oponho à crença de que a matéria da aurora boreal seja muito ampla e uniformemente iluminada pelo Sol50; como, porém, não posso descobrir e observar a não ser aquela parte cuja refração meu olho pode captar, permanecendo invisível todo o restante, tenho a ilusão de perceber tudo. E que mais? A propósito dos vapores crepusculares que circundam a Terra, não permanece iluminado pelos raios solares sempre um hemisfério? Com certeza sim; todavia, aquela parte que se interpõe diretamente entre o Sol e nós mostra-se a nós muito mais luminosa do que as partes mais distantes. Mas esta, como ainda outras, é pura aparência e ilusão de nosso olho, pois, encontrando-nos em qualquer lugar, sempre observamos o Sol como centro de um círculo luminoso, mas que gradualmente vai perdendo o brilho, segundo se encontre à direita ou à esquerda deste centro; para outros, mais para o boreal, parece mais escura aquela parte que a mim parece mais clara, e mais brilhante aquela que a mim apresentava-se mais escura. Podemos, assim, afirmar a existência de um halo perpétuo e grande ao redor do Sol, figurado na superfície convexa que termina a esfera de vapor, cujo halo, da mesma forma que o outro, que às vezes nasce de uma nuvem sutil, muda de lugar segundo a mudança do observador. Em relação à pequena nuvem que Sarsi afirma ter observado brilhar na noite profunda, poderia perguntar-lhe que certeza tem ele de ela não ser maior do que aquela que aparece, especialmente afirmando ele que era tão transparente que não escondia estrelas fixas, mesmo mínimas, pois não possuía indício algum para garantir que ela se ampliasse invisivelmente como transparente, muito e muito além da parte brilhante observada: por isso é ainda duvidoso se ela não é uma aparência que muda como as outras segundo a mudança do olho. Além de não haver nada em contrário que ela apareça inteiramente brilhante e seja, da mesma forma, uma ilusão, o que acontecerá se ela não fosse maior do que aquele espaço que vem a ser ocupado pela imagem do Sol, assim que, observando a imagem do Sol, por exemplo, ocupar num espelho tanto espaço quanto uma unha, nós cortássemos fora o restante, não há dúvida de que este pequeno espelho poderá nos aparecer brilhante de todo. Além disso, quando o pequeno espelho fosse menor do que a imagem, então poder-se-ia observar não só tudo iluminado mas sua imagem não pareceria movimentar-se a cada movimento do olho, como no espelho grande; e até por ser ele incapaz de toda imagem do Sol, segue que, movendo-se o olho, veria a reflexão ora de um lado ora de outro do disco solar; assim a imagem pareceria imóvel, até que o olho se dirija à parte que não produz reflexão, ela se perderia completamente. É muito importante, então, considerar a grandeza e a qualidade da superfície que reflete, pois, conforme a superfície seja menos limpa, a imagem do mesmo objeto se apresentará sempre maior, pois, às vezes, antes que a imagem passe por todo o espelho, será necessário que o olho passe por muito espaço, e esta imagem parecerá fixa então, mesmo que na realidade seja móvel.
Para explicar melhor um ponto importantíssimo e que talvez possa solicitar, não digo Sarsi, mas algum outro, pense V. E. Ilustríssima encontrar-se numa praia com um tempo tranquilo e o Sol já descendo no ocaso. Perceberá, então, sobre a superfície do mar que está na metade do círculo máximo da esfera celeste que passa pelo disco solar, o reflexo brilhantíssimo do Sol, mas não muito amplo; se, pelo contrário, como já falei, a água for muito calma, verá a imagem do disco solar bem definida como num espelho. Se uma pequena brisa começa a movimentar a superfície da água, na mesma hora verá V. E. Ilustríssima a imagem do Sol quebrar-se em muitas partes, ampliando-se e difundindo-se. E, enquanto próxima, poderiam se distinguir cada uma das partes da imagem quebrada; todavia, sendo longe, não se perceberia esta separação, quer pelos breves intervalos entre as partes, quer pelo grande brilho das partes cintilantes, que se misturaram, como acontece com muitos fogos perto entre si e que de longe parecem ser um só. Se a água se movimentar sempre mais por espaços sempre maiores, ampliar-se-á a multidão dos espelhos que refletirão, segundo as diversas inclinações das ondas, a imagem do Sol quebrada. Mas distanciando-se sempre mais e subindo numa colina ou outra elevação para poder enxergar melhor o mar, o campo brilhante parecerá único e contínuo. Aconteceu-me enxergar de cima de uma montanha altíssima e distante do mar de Livorno sessenta milhas, com um tempo sereno mas de ventania, uma hora antes do pôr do sol, uma tira brilhantíssima à direita e à esquerda do Sol, que ocupava em comprimento muitas dezenas, até muitas centenas de milhas, a qual era, porém, como as outras, uma mesma reflexão da luz do Sol. Agora, imagine, Sarsi, que da superfície do mar, com o mesmo movimento de ondas, grande parte tivesse se retraído para as orlas deixando só no meio, isto é, face ao Sol, um comprimento de duas ou três milhas: esta, com certeza, seria observada completamente iluminada, e imóvel mesmo, com respeito a qualquer movimento que o observador houvesse realizado à direita ou à esquerda; só depois de movimentar-se por alguma milha começaria a desaparecer a parte esquerda da imagem, se ele estivesse caminhando para a direita, e a imagem esplendorosa diminuiria até que, adelgaçando-se, desapareceria por completo. Disto resulta que a imagem é móvel em relação à imagem do observador, pois, mesmo observando-a toda, perceberíamo-la toda ainda movimentar-se, encontrando-se seu meio sempre à direita do Sol, apesar de aparecer a muitos outros que a observem no mesmo momento como encontrando-se em outros pontos do horizonte.
Eu não quero esconder de V. E. Ilustríssima aquilo que eu lembrei neste ponto para a solução do problema do mar. Espertos marinheiros conhecem às vezes o vento que chegou a eles depois de algum tempo, observando o ar que, nesse caso, mostra-se mais claro, daquele lado, do que deveria ser.
Imagine V. E. Ilustríssima se isto poderia derivar do fato de se encontrar já naquela parte o vento que, movimentadas as ondas, faz nascer, como por espelhos multiplicados infinitamente e difundidos amplamente, o reflexo do Sol muito maior do que se o mar fosse tranquilo, permitindo que seja muito mais iluminada por esta nova luz aquela parte do ar vaporoso por meio do qual este reflexo difunde-se, cujo ar ofereça ainda algum reflexo de luz aos olhos dos marinheiros, os quais, encontrando-se embaixo, não podiam perceber a primeira reflexão daquela parte de mar já movimentada pelos ventos e distante deles vinte ou trinta milhas; e que esta seja a sua previsão do vento distante.
Mas, continuando nosso primeiro discurso, afirmo que os raios solares não refletem, com a mesma grandeza, a imagem do Sol sobre todos os materiais, isto é, sobre todas as superfícies; mas sobre algumas (isto é, as planas e lisas como um espelho) nos aparece o disco solar semelhante ao verdadeiro, nas superfícies convexas mas lisas nos aparece menor, e nas côncavas às vezes menor e às vezes maior, às vezes mesmo igual, segundo as diversas distâncias entre o espelho, o objeto e o olho.
Porém, se a superfície não for igual mas sinuosa e cheia de cavidades ou elevações e como se fosse composta por milhares de pequenos espelhos colocados com várias inclinações, expostas aos olhos de mil modos, então a mesma imagem do Sol chegará ao nosso olho de mil partes e dividida em mil pedaços, os quais ampliar-se-ão, imprimindo nesta superfície um amplo conjunto de pequenas manchas brilhantes, cuja frequência originará a ilusão de um único campo de luz contínua visto de longe, mais brilhante e viva no meio que nas extremidades, onde diminui e desaparece, enfim, quando por causa da obliquidade do olho em relação a esta superfície os raios visíveis não encontram mais ondas que se refletem contra o Sol. Esta imagem resulta ainda móvel de acordo com o movimento do olho, se, porém, além de seus limites, continua a superfície que reflete; mas, se a quantidade da matéria ocupar um pequeno espaço, muito menor do que o da imagem inteira, poderá acontecer que, ficando fixa a matéria e movimentando-se o olho, ela continue a aparecer brilhante, até que, tendo chegado o olho àquele termo do qual, pela obliquidade dos raios incidentes sobre a matéria, as reflexões não se dirigem mais rumo ao Sol, a luz desaparece e perde-se. Não concordo com Sarsi que quando ele vê uma nuvem suspensa no ar, bem determinada e toda brilhante, que permanece tal apesar de o olho ir se movimentando, não pode ter a certeza de que esta luz seja mais real do que um halo, do que os periélios, do que o arco-íris, e do que a reflexão sobre a superfície do mar; porque afirmo-lhe que a sua consistência e sua aparente estabilidade podem depender da pequenez da nuvem que não consegue receber toda a amplidão da imagem do Sol; e esta imagem, em relação à posição das partes da superfície da nuvem, ampliar-se-ia, se não lhe faltasse matéria, num espaço muito maior da nuvem, e quando se visse inteiro e o campo das nuvens se adiantasse a ele, afirmo que apareceria movimentando-se inteiramente em relação ao movimento do olho. Prova-o o fato de termos visto muitas vezes, ao nascer e ao pôr do sol, muitas pequenas nuvens colocadas perto do horizonte, das quais as que se encontram face ao Sol tornam-se brilhantíssimas e quase de fino ouro, das laterais as menos distantes do meio são ainda mais brilhantes do que as mais distantes, as quais vão aparecendo gradualmente menos claras até ficar praticamente nulo o brilho das mais distantes: nulo para nós, mas, para quem se encontrasse num lugar onde elas permanecessem entre seu olho e o lugar onde o Sol se põe, mostrar-se-iam brilhantíssimas para ele e obscuras a nós as mais esplendorosas. Entenda, então, Sarsi, que se as nuvens não fossem quebradas mas fossem uma longa extensão contínua, a sua parte central pareceria brilhante a qualquer um dos observantes e gradualmente menos claras as laterais, conforme a distância de seu meio, porque onde eu posso ver o maior brilho, para outros é o menor. Mas alguém poderia agora afirmar que, uma vez que aquela parte da nuvem permanece fixa e sua luz não parece movimentar-se pela mudança de lugar do observador, isto seria suficiente para fazer com que a paralaxe opere na determinação de sua altura, e que, podendo acontecer o mesmo com o cometa, o uso da paralaxe seja suficiente para quem queira mostrar o lugar dela. Poder-se-ia responder a esta objeção que este argumento resultaria verdadeiro se fosse demonstrado antes que o cometa não é uma inteira imagem do Sol, mas só uma parte da imagem, assim como a matéria que forma o cometa é não só toda iluminada mas que a imagem do Sol é maior que ela, de modo que é bastante para iluminar um campo muito maior, existindo matéria apta a refletir a luz. Isto não foi demonstrado e pode ser diferente, isto é, que o cometa seja uma inteira imagem, não mutilada, como nos faz acreditar sua aparência bem regulada e simétrica. E daqui pode-se deduzir uma resposta fácil e razoável à pergunta que Sarsi coloca, isto é, como pode acontecer que, acreditando, segundo a colocação de Mário, o cometa esteja num campo muito extenso em altura que não se ilumine inteiramente mas nos reflita só um círculo parcial, sem que as outras partes, mesmo atingidas pelo Sol, não apareçam nunca. Farei, então, a mesma pergunta a ele e ao seu Mestre, que não desejando que o cometa seja um fogo, mas querendo acreditar (se não me engano) que ao menos sua cauda seja uma reflexão dos raios solares, se eles acreditam que o material que produz uma reflexão seja recortado da medida desta cauda, inteiro, que tenha de algum lado; e se sobrar (como acredito que me responda), por que não é percebida, uma vez que é atingida pelo Sol?
Não se pode afirmar que o reflexo seja originado pela substância do éter, substância que, muito transparente, não serve para isto, nem pode-se originar em outro material que, mesmo apto à reflexão, seria também apto a refletir os raios solares. Além disso, não sei por que razão ele chama um pequeno círculo a cabeça do cometa que seu Mestre conseguiu medir em 87.127 milhas quadradas, não sei com quais inteligentíssimos cálculos, quando nuvem alguma, acredito eu, pode alcançar tal medida.
Acrescenta Sarsi, imitando aquele que por muito tempo acreditou que o som pudesse ser produzido de uma única forma, não ser possível que o cometa se origine do reflexo daqueles vapores fumacentos, e que o exemplo do arco-íris não resolve a dificuldade, sendo ele uma ilusão visual: pois o arco-íris e outras coisas semelhantes são originados pela umidade da matéria que já está se transformando em água, que só naquele momento, imitando a natureza dos corpos líquidos, reflete a luz daquela parte onde se produzem os ângulos da reflexão e da refração, procurados como acontece nos espelhos, na água e nas bolas de cristal; mas, nos outros materiais ralos e secos, não possuindo superfície lisa como os espelhos, não se origina muita refração, procurando-se, então, para esta finalidade, uma matéria aguada, por conseguinte, muito pesada e inapta a subir além da Lua e do Sol, aonde podem chegar (também segundo minha opinião) só exalações levíssimas. O cometa, então, não pode ser produzido por tais fumacentos vapores. Uma resposta suficiente a toda esta argumentação seria afirmar que o Sr. Mário nunca limitou-se a afirmar qual seja a matéria originária e precisa do cometa, nem se ela é úmida ou fumacenta, seca ou lisa, e sei que ele não se envergonhará em afirmar que não a conhece. Porém, vendo que em vapores, nuvens ralas e não aguacentas, e naquelas que se dissolvem já em pequenas gotas, nas águas paradas, nos espelhos e outras matérias, aparecem por reflexão e refração muitas imagens ilusórias, considerou não ser impossível que na natureza exista ainda uma matéria apta a nos oferecer mais uma imagem diversa das outras, isto é, o cometa. Tal resposta, afirmo eu, é bem adequada à pergunta, se cada parte da pergunta for exata: todavia, o desejo de ajudar (como muitas vezes já confirmei) a pesquisa da verdade, pelo que me cabe, leva-me a fazer algumas considerações sobre determinados particulares contidos nesses discursos.
Em primeiro lugar, é verdade que numa emanação de pequeníssimas gotas de água recebemos a ilusão do arco-íris, mas não acredito que, pelo contrário, uma ilusão semelhante não se verifique sem tal emanação. O prisma triangular cristalino perto dos olhos nos apresenta todos os objetos das cores do arco-íris; muitas vezes, vê-se o arco-íris também em nuvens secas, sem que caia chuva alguma.
Não podemos ver também as mesmas ilusões de cores diversas nas penas de muitas aves, enquanto o Sol as atinge de várias formas? E que mais? Gostaria de anunciar a Sarsi alguma novidade se existisse alguma novidade a contar. Pegue ele qualquer matéria, seja pedra, madeira ou metal, e expondo-a ao Sol, observe-a atentamente e poderá observar nela todas as cores repartidas em pequeníssimas partes; e se ele usufruir, para observá-las melhor, de um telescópio adaptado a observar os objetos muito próximos, muito mais distintamente perceberá aquilo de que estou falando, sem necessidade que aqueles corpos transformem-se em orvalho ou vapores úmidos. Além disso, aquelas pequenas nuvens que ao pôr do sol mostram-se brilhantíssimas e refletem a luz do Sol tão viva que quase nos cega, são das mais ralas, secas e estéreis nuvens que existem no ar, e as úmidas, em vez, quanto mais estão cheias de água mais se mostram a nós escuras. O halo e os periélios verificam-se sem chuvas e sem umidade nas mais ralas e secas nuvens ou vapores que se encontrem no ar.
Segundo, é verdade que as superfícies bem lisas, como as dos espelhos, nos oferecem um poderoso reflexo da luz do Sol; assim, a muito custo podemos observá-la sem ofender a vista; porém, é também verdade que superfícies não muito lisas refletem com menos força se menor for a sua limpeza.
Veja agora, V. E. Ilustríssima, se o esplendor do cometa é daqueles que cegam a vista, ou é daqueles que por fraqueza não ofendem em nada; e disto julgue se para produzi-lo seja necessário uma superfície semelhante àquela de um espelho, e seja suficiente uma menos lisa. Eu gostaria de mostrar a Sarsi um modo de originar uma reflexão muito semelhante àquela do cometa. Pegue V. E. Ilustríssima uma garrafa de vidro bem limpa, e com uma vela acesa não muito distante do recipiente perceberá, em sua superfície, uma imagem bem pequena desta luz, clara e determinada. Pegando depois com a ponta do dedo uma mínima quantidade de qualquer matéria que possua um pouco de gordura, de modo que se junte ao vidro, engordure o mais sutilmente que puder aquela parte onde se percebe a imagem da luz até que a superfície fique um pouco nublada. Movimente depois a garrafa de maneira que a imagem saia da gordura e pare ao contato com ela; passe depois o dedo uma única vez horizontalmente sobre a parte gordurosa. Imediatamente verá originar-se um raio reto como a cauda do cometa, e este raio cortará transversalmente e em ângulos retos a linha do dedo que V. E. produziu, e, se V. E. voltar a passar o dedo numa outra direção, este raio originar-se-á em outra direção. Isto acontece porque, devido à pele dos nossos dedos não ser lisa, mas marcada por algumas linhas sinuosas para permitir melhor o tato e perceber as mínimas diferenças entre as coisas tangíveis, movimentando o dedo sobre esta superfície gordurosa, deixa alguns sulcos sutis no interior dos quais produzem-se os reflexos da luz, os quais, sendo muitos e dispostos ordenadamente, apresentam depois uma Unha brilhante, em cuja extremidade, se produzirmos, movimentando o vaso, aquela primeira imagem realizada na parte não gordurosa, perceber-se-á a cabeça da cauda mais brilhante e a cauda menos brilhante; o mesmo efeito produzir-se-á se, em vez de se engordurar o vidro, ficar embaçado soprando em cima. Eu peço a V. E. Ilustríssima que, se alguma vez por acaso Sarsi chegar a conhecer esta brincadeira, explique por mim bem claramente que eu não entendo com isso afirmar que exista no céu uma grande garrafa e alguém que a engordure, produzindo assim o cometa; simplesmente eu apresento este exemplo e poderei apresentar muitos outros que possam encontrar-se na natureza, ainda indefinidos a nós, como argumentos de sua riqueza de modos diferentes entre eles para produzir seus efeitos.
Em terceiro lugar, que reflexão e refração não podem ser produzidas por matérias e impressões meteorológicas a não ser quando contêm muita água, porque só neste caso apresentam superfícies lisas e limpas, condições estas necessárias para produzir tal efeito, asseguro que não é verdade que não possa ser diferente. No que diz respeito à limpeza, afirmo que mesmo sem ela produzir-se-á a reflexão da imagem unida e distinta. Afirmo assim porque a imagem quebrada e confusa é produzida por todas as superfícies, desiguais e ásperas; porém, aquela imagem de um pano colorido, que se vê distintíssima num espelho oposto, vê-se confusa e quebrada sobre o muro que reproduz uma determinada sombra da cor deste pano. Se V. E. Ilustríssima pegar uma pedra ou uma ripa de madeira não tão lisa que reflita perfeitamente as imagens, e colocar-se em direção oblíqua ao olho, como se quiséssemos verificar se ela é plana e reta, perceberá distintamente sobre ela as imagens dos objetos que se encontrarem encostados do outro lado da ripa, tão distintas que, apoiando um livro em cima, poderá ser lido comodamente. Mas se este experimento for concluído colocando-se o olho perto da extremidade de algum muro reto e comprido, primeiro perceber-se-á um perpétuo curso de exalações em direção ao céu, especialmente quando o muro for atingido pelo Sol, assim como todos os objetos parecem tremer; depois, o muro do outro lado parecerá aproximar-se, e verá que, quando estiver bem perto, sua imagem se apresentará refletida naqueles vapores ascendentes, nem úmidos nem pesados, pelo contrário, secos e leves. E que mais? Não chegou ainda ao ouvido de Sarsi tudo aquilo que foi falado, especialmente por Tycho, a propósito das refrações que se operam nas exalações e vapores que circundam a Terra mesmo que o ar seja sereno, seco e sem chuva e umidade? Também não se apoie, como ele faz, sobre a autoridade de Aristóteles e de todos os mestres de perspectiva, porque ele não poderá fazer outra coisa que afirmar que eu sou um observador mais cuidadoso que eles, o que, segundo meu parecer, é de todo contrário à sua intenção. Parece-me que tudo o que expus é uma resposta suficiente ao argumento de Sarsi.
Passemos, pois, ao segundo.
CONTINUA
18. Leia agora V. E. Ilustríssima o fim deste primeiro exame: Neste ponto, perceba Galileu, com quanta razão, desta e das muitas outras coisas expostas por ele no texto Nunzio Sidereo, deduzimos que o cometa deve se encontrar além da Lua. Ele mesmo afirma que, entre os astros, alguns brilham com a luz nativa e própria, e nesse número ele coloca o Sol e as estrelas chamadas fixas; outros, não dotados de brilho algum pela natureza, recebem toda a luz do Sol, como é costume pensar dos seis planetas que sobram.
Galileu observou, ademais, que as estrelas amam muito aquela vã coroação de luz não própria e que costuma fazer crescer uma cauda; os planetas, em vez, especialmente a Lua, Júpiter e Saturno, não têm quase nenhum brilho; contudo, Marte, Vênus e Mercúrio, apesar de não serem providos de luz própria, tiram, pela vizinhança do Sol, tanta luz que, sendo quase igual àquelas das estrelas, imitam seus raios circunstantes e seu brilho. Portanto, como o cometa, segundo Galileu também, não possui luz própria por natureza, mas a recebe do Sol, e junto com outros astrônomos de grande fama o consideramos planeta temporário, devia-se raciocinar sobre ele do mesmo modo como sobre a Lua e outros planetas, e cuja condição é tal que quanto menos são distantes do Sol tanto mais brilham, e revestidos de um brilho maior (que deriva disto), observados com a luneta parecem aumentar menos; enquanto o cometa recebe deste instrumento quase o mesmo aumento de Mercúrio, podemos não com muita probabilidade deduzir que o cometa não irradiou aquela luz circundada mais que Mercúrio e por isso não se encontra muito longe; por outro lado, como era aumentado menos que a Lua, precisava colocá-lo circundado de uma luz maior e mais perto do Sol? De tudo isto pode-se compreender com quanta razão afirmamos que o cometa, pois pareceu aumentar muito pouco, deve ser considerado muito mais longe de nós do que a Lua.
Sem dúvida, pela paralaxe observada e também pelo curso do cometa quase sidéreo, nós conhecíamos bastante seu lugar; como, além disso, a luneta o aumentava quase quanto Mercúrio, certamente nenhuma razão teria podido sustentar o contrário; foi lícito tirar daqui um corolário também de grande importância e peso a favor de nossa teoria. Mesmo que soubéssemos, com efeito, que estas coisas podiam ser originadas por muitas causas, justamente por causa da analogia que este corpo luminoso guardava junto a todos os outros corpos celestes em todos os seus fenômenos, pensamos ter recebido da luneta um beneficio bastante grande, pois nosso parecer, já firmado pelo peso de outros argumentos, confirmava ainda mais com o peso do próprio assentimento. Quanto ao restante, porém, acrescentado ao argumento, isto é, as palavras: "Sei que este argumento foi considerado por alguns de pouca importância", etc, clara e honestamente havíamos lembrado antes para que fim estas palavras haviam sido acrescentadas: naturalmente contra aqueles que, enfraquecendo a fé neste instrumento, completamente ignaros das disciplinas de óptica, proclamavam-no enganador e indigno de qualquer confiança. Compreende, então, Galileu, se não me engano, com quanta falta de raciocínio lutou contra nossa opinião a respeito da luneta, que ele considera em tudo de acordo com a verdade e com as suas próprias opiniões: haveria podido conhecer também antes se a tivesse examinado com espírito mais calmo. Como, então, haveríamos podido imaginar que ele não haveria de gostar dessas ideias que considerávamos suas próprias? Mas como estas coisas, segundo a nossa opinião, parecem suficientes, vamos examinar a opinião do próprio Galileu.
Aqui, primeiramente, como V. E. pode ver, iniciamos uma argumentação recortada, como se diz, de velho pano, consistente em diversos fragmentos de proposições, para provar que o lugar do cometa era entre a Lua e o Sol; proposição esta que o Sr. Mário e eu podemos conceder-lhe por completo, sem prejuízo algum, não tendo nós nunca afirmado nada em relação ao lugar do cometa, nem negado que ele possa se encontrar além da Lua, mas falou-se somente que as demonstrações até agora apresentadas pelos autores oferecem dúvidas. E para tirá-las não é de ajuda nenhuma que Sarsi apresente agora uma nova demonstração, mesmo que ela fosse necessária e conclusiva, e provar que esta conclusão seja verdadeira, mesmo que também em torno de conclusões verdadeiras se possa argumentar e silogizar falsamente. Todavia, pelo desejo que eu possuo de pôr à luz as coisas escondidas e chegar a verdadeiras conclusões, apresentarei algumas considerações em relação a estas proposições.
Para maior clareza e compreensão o farei com a maior brevidade possível.
Afirma ele ter deduzido do meu Nunzio Sidereo que as estrelas fixas, sendo aquelas que brilham com luz própria, brilham com uma luz não real, mas aparente. Os planetas, sendo desprovidos de luz própria, não agem assim, especialmente a Lua, Júpiter e Saturno, mas mostram-se quase sem brilho; porém, Vênus, Mercúrio e Marte, mesmo privados de luz própria, brilham muito por causa da vizinhança do Sol, pelo qual são mais abundantemente atingidos. Afirma, além disso, que o cometa, segundo meu parecer, recebe sua luz do Sol, e acrescenta haver ele, junto com autores de renome, considerado o cometa, desde muito tempo, um planeta; assim, a respeito dele pode-se raciocinar como a respeito dos outros planetas, os quais, quanto mais encontram-se perto do Sol mais brilham, e por consequência menos podem ser observados pelo telescópio, e, aumentando o cometa pouco mais que Mercúrio e muito menos que a Lua, com muita razão podia-se concluir que não estivesse muito mais longe do Sol do que de Mercúrio, mas muito mais perto daquele que da Lua. Esta é a teoria que muito bem se ajusta à necessidade de Sarsi, como se a conclusão, deduzida antes dos princípios e meios, dependesse não aquela destes, mas estes dela, e tivessem sido preparados por ele não da grandiosidade da natureza mas da arte muito sutil. Pesquisemos, porém, quanto ela seja conclusiva.
Em primeiro lugar, é completamente falso que eu tenha escrito no Nunzio Sidereo que Júpiter e Saturno não brilhem quase nada e que Marte, Vênus e Mercúrio sejam coroados de muitos raios, porque eu separei só a Lua do resto das outras estrelas, quer fixas quer errantes.
Em segundo lugar, não sei se para concluir que o cometa seja quase um planeta e que, sendo tal, lhe sejam convenientes as propriedades dos outros planetas, seja suficiente que Sarsi e seu Mestre junto com outros autores o tenham considerado e chamado assim. Pois, se a opinião deles fosse tão importante a ponto de fazer aceitar as coisas por eles propostas, eu os rogaria que considerassem e chamassem ouro muitos velhos pedaços de ferro que possuo em casa. Mas, deixando os nomes de lado, qual é a teoria que os induz a considerar o cometa quase um planeta desde muito tempo? Brilhar como os planetas? Mas qual é a nuvem, qual a fumaça, qual a madeira, qual o muro, qual a montanha, atingidos pelo Sol, que não brilham do mesmo tanto? Não percebeu Sarsi no Nunzio Sidereo minha demonstração, isto é,que nossa Terra brilha mais que a Lua? Mas qual é minha opinião sobre o brilho do cometa como um planeta? Eu, por mim, não considero impossível que sua luz possa ser tão fraca e sua substância tão sutil e rala, que, quando alguém se aproximasse dela, sumisse da vista completamente, como acontece com alguns fogos-fátuos que saem da Terra, que são percebidos só durante a noite e de longe, mas de perto desaparecem; da mesma forma que as nuvens distantes são percebidas bem determinadas, e depois, de perto, mostram um pouco de nebulosidade tão indeterminada que alguém, entrando nela, quase não distingue os limites, nem sabe separá-la do ar contíguo. E aquelas projeções de raios solares entre as nuvens, tão semelhantes aos cometas, por quem são percebidas se não por aqueles que lhes são distantes? Tem o cometa alguma coisa em comum com os planetas por causa do movimento? E qual será a coisa separada da parte elementar que, obedecendo ao estado terrestre, não terá o moto diurno de acordo com o resto do universo? Mas se falamos do outro movimento, aquele transversal, este não tem nada a ver com o movimento dos planetas, não sendo criado nem por aquele rumo, nem regulado, nem talvez circular. Mas, deixados de lado os acidentes, acreditará talvez alguém que a substância ou a matéria do cometa tenha alguma coisa a ver com a dos planetas? Pode-se acreditar que ela seja solidíssima, como nos convida a pensar em particular a Lua e em universal a figura bem determinada e imutável de todos os planetas; e, ao contrário, pode-se acreditar que a do cometa dissolva-se em poucos dias; e sua figura, não determinada ao redor, mas confusa e indistinta, nos mostra que a sua substância é mais sutil e mais rala que a névoa e a fumaça. Assim ele quase poderia ser chamado mais um planeta pintado que real.
Em terceiro lugar, eu não sei com quanta perfeição ele possa ter parangonado os raios e o aumento do cometa com o aumento de Mercúrio que, podendo ser observado raríssimas vezes, em todo o tempo da aparição do cometa, ele não apareceu nunca, nem deu a possibilidade de ser observado, encontrando-se sempre muito perto do Sol; posso sem escrúpulo acreditar que Sarsi não fez esta comparação, difícil de se realizar e muito incerta, mas que ele afirma ter realizado porque, sendo assim, serviria melhor para sua causa. Outro indício que mostra como ele não conseguiu fazer esta experiência é-me fornecido pelo fato de que, ao referir-se às observações relativas a Mercúrio e à Lua, com os quais compara as do cometa, parece-me que ele esteja confundindo muito. Aceitando, para concluir, que o cometa se encontre mais longe do Sol que de Mercúrio, precisava afirmar que o cometa possuía menos raios que ele, e observado com o telescópio aumentava mais que ele; todavia, afirmou o contrário, isto é, que não possuía mais raios que Mercúrio e que aumentava quase a mesma coisa, o que significa afirmar que possuía mais raios e menos aumento que Mercúrio. Comparando depois o cometa com a Lua, escreve a mesma coisa (mesmo afirmando escrever o contrário), isto é, que aumentava menos que a Lua e possuía mais raios. Todavia, para chegar a uma conclusão, deduz da identidade das premissas conclusões diferentes, isto é, que o cometa encontra-se mais perto do Sol que a Lua, porém mais distante que Mercúrio.
Para finalizar, afirmando Sarsi ser um lógico exato, não me faz entender por que, na divisão dos corpos luminosos que se irradiam mais ou menos, e que por consequência, observados com o telescópio, recebem um aumento maior ou menor, ele não haja registrado nossas luzes elementares; pois as velas, as tochas acesas observadas a qualquer distância, qualquer pedrinha, lenho ou corpúsculo, até as folhas e as gotas de orvalho atingidas pelo Sol, resplandecem, e de certo ângulo irradiam a par de qualquer estrela mais brilhante, e vistas pelo telescópio observam no aumento o mesmo teor que as estrelas. Assim, termina completamente aquela ajuda a mais que os outros haviam esperado do telescópio para conduzir o cometa no céu e tirá-lo da esfera elementar. Abandonai, portanto, Sarsi, a ideia de poder ajudar vosso Mestre e estai certo de que, para querer sustentar um erro, é necessário perpetrar cem outros e, coisa ainda pior, não conseguir o intento. Gostaria também de pedir-vos para não replicar mais, como o fazeis no final desta vossa parte, que estas são teorias minhas, pois nunca escrevi coisas parecidas, nem as falei, nem as pensei. Basta a respeito do primeiro trecho em exame.
19. Passemos ao segundo: Apesar de ninguém até hoje ter falado que o cometa deve colocar-se entre as aparências vãs, onde não haveríamos necessidade de libertá-lo da acusação de inanidade, pois Galileu acreditou enveredar por outro caminho para explicar o cometa completa e sabidamente, é justo parar e expor com cuidado esta sua nova teoria.
São duas hipóteses que ele cogitou: uma relativa à substância, outra referente ao movimento do cometa. No que diz respeito à primeira, Galileu afirma que esta luz é daquelas que, mostradas mais que criadas pela refração de outra luz, parecem ter mais o nome de sombras de corpos luminosos que ser corpos luminosos, como, por exemplo, os arco-íris, os halos, os parélios e muitas outras coisas semelhantes. No que diz respeito à segunda, Galileu afirma que o movimento dos cometas sempre foi retilíneo e perpendicular à superfície da Terra. Revelando estas suas descobertas, acreditou poder destruir com facilidade as opiniões dos outros. Nós vamos examinar agora com poucas palavras, e sem retórica, quanto de próprio se deva atribuir a estas opiniões (pois a verdade, mesmo nua, é bastante ornada). Mesmo sendo difícil abranger singularmente estas duas proposições, pois são tão conexas que parecem depender uma da outra e sustentar-se reciprocamente, nós nos preocuparemos para que os leitores não fiquem lesados. Por isso, contra a primeira posição de Galileu, afirmo que o cometa não foi simulacro vão de uma luz que iludia os olhos daqueles que o observavam e isto parece-me que não necessita de outra prova para aquele que, ao menos uma vez, seja a olho nu, seja com a luneta, haja observado o cometa. A simples vista manifestava a natureza desta luz, porque, em comparação a outras luzes realíssimas, qualquer um poderá com facilidade julgar se o observado era falso ou verdadeiro. Tycho, examinando as observações de Tadeu Agezio, deduz isto: "O corpo do cometa naqueles dias foi igual, em grandeza, a Júpiter e Vênus, e revestiu-se de uma luz nítida e de um grande esplendor, puro e belo, e sua substância pareceu pura demais para ser conveniente a matérias só elementares, mas era, de preferência, análoga àquela dos corpos celestes ". Tycho acrescenta a isto: "Tadeu foi bom juiz relativamente a este aspecto, haveria podido concluir claramente que este cometa não era elementar".
Sarsi andou figurando antes e arbitrariamente os princípios e os meios que fossem de acordo com as conclusões que ele queria demonstrar; agora parece-me que vai imaginando conclusões para contradizê-las como teorias do Sr. Mário e minhas, muito diversas, ou, ao menos, muito diversamente tomadas, de como são relatadas no Discurso do Sr. Mário. Que o cometa seja, sem dúvida, uma imagem vã e uma simples aparência, nunca foi afirmado com certeza, mas só foi posto em dúvida e levado à consideração dos filósofos com aqueles raciocínios e cogitações que parecem poder garantir que seja verdade. Eis aqui as palavras do Sr. Mário a este propósito: "Eu não afirmo resolutamente que o cometa produza-se assim, mas afirmo que são duvidosos, seja este modo seja os outros dos demais autores; os quais pretenderão estabelecer com certeza seus pareceres. e terão a obrigação de demonstrar que esta e todas as outras posições são vãs e falsas". Mesmo sendo o texto tão diferente, Sarsi afirma que nós temos por certo que o movimento do cometa deve ser necessariamente reto e perpendicular à superfície terrestre. Isto não foi apresentado desta forma, mas simplesmente foi cogitado como ser mais conforme às aparências e satisfazer às mudanças observadas no cometa. Esta hipótese é tão superficialmente apresentada pelo Sr. Mário que no fim ele declara: "Porém é mais conveniente para nós contentarmo-nos com aquele pouco que podemos cogitar mesmo sem ter muita clareza". Porém Sarsi quis mostrar que estas opiniões eram tão firmemente aceitas por mim que imaginou podê-las destruir com facilidade e com meios mais eficazes. Se ele conseguir o agradecerei, pois no futuro deverei preocupar-me com uma hipótese a menos todas as vezes que me venha a ideia de filosofar sobre tal matéria. Por enquanto, pois parece-me que ainda subsiste alguma coisa de vivo no raciocínio do Sr. Mário, moverei algumas objeções às objeções de Sarsi.
Opondo-se Sarsi com grande firmeza à primeira conclusão, afirma que aquele que, mesmo por uma vez, houvesse observado o cometa, não necessitaria mais de argumento algum para conhecer a natureza desta estrela; estrela que, comparada com as outras verdadeiras estrelas, mostrava muito claramente ser verdadeira e não falsa. Assim, como V. E. Ilustríssima entende, Sarsi confia tanto no sentido da visão que considera impossível ser enganado todas as vezes que tentamos fazer uma comparação entre um objeto falso e um real. Eu confesso não ter a visão tão perfeita, pelo contrário, confesso ser como aquele macaco que acredita firmemente ver no espelho outro macaco, e nem reconhece seu erro se quatro ou seis vezes não tenha ido atrás do espelho para agarrar a imagem, tanto aquela imagem se lhe apresente viva e verdadeira. Supondo, então, que aqueles que Sarsi vê no espelho não sejam homens verdadeiros e reais, mas imagens vãs, como nós vemos nossa imagem no espelho, gostaria ardentemente de saber quais são aquelas diferenças visuais por meio das quais tão rapidamente distingue o verdadeiro do falso. Quanto a mim, encontrei-me mil vezes em alguma sala de janelas fechadas, e através de algum pequeno buraco pude perceber o Sol refletindo-se sobre um muro oposto, julgando assim esta mancha, pela vista, uma estrela tão brilhante quanto a Canícula e Vênus. E andando contra o Sol no campo, quantos milhares de corpúsculos, pedrinhas, lisos ou molhados, transformar-se-ão pelo reflexo do Sol em estrelas brilhantíssimas? Mesmo cuspindo no chão, Sarsi sem dúvida perceberá onde cuspiu, pela reflexão solar, uma estrela naturalíssima. Além disso, qual corpo colocado a grande distância, atingido pelo Sol, não aparecerá como uma estrela, especialmente se for tão alto que possa ser enxergado durante a noite, como se enxergam as outras estrelas? E quem distinguiria a Lua, vista durante o dia, de uma nuvem atingida pelo Sol, senão pela diversidade do aspecto e pela grandeza?
Ninguém, com certeza. E enfim, se a simples aparência deve determinar a essência, é necessário que Sarsi aceite que os sóis, as luas e as estrelas, observados em água parada e em espelhos, sejam verdadeiros sóis, verdadeiras luas e verdadeiras estrelas. Em relação a esta parte, mude mesmo Sarsi de opinião, nem acredite que, citando a autoridade de Tycho, de Tadeu Agezio ou de muitos outros, melhore sua condição, a não ser que, por ter tido tais homens como companheiros, desculpe mais seu erro.
20. Continue V. E. Ilustríssima a ler: "Pois, por todo o tempo que nosso cometa brilhou, Galileu, segundo ouvi dizer, permaneceu de cama por uma doença, e nunca talvez pôde, por causa da doença, observar aquele corpo brilhantíssimo, e por isso pensamos dever-se discutir com ele por meio de outra argumentação. Afirma ele mesmo que às vezes, de alguma parte da Terra, um vapor fumacento levanta-se acima da Lua e também acima do Sol, e, logo que saído do cone sombreado da Terra, olhou para a luz do Sol da qual como que concebeu e gerou o cometa; e o movimento ou a subida de um tal vapor não é vago ou incerto mas retilíneo e sem ser desviado para parte alguma. Assim afirma ele, mas nós colocamos na nossa balança o peso destas afirmações. Primeiro, sabemos que esta matéria fumacenta e úmida, tendo subido casualmente da Terra nos dias em que, dominando amplamente o céu bóreas violentíssimas, facilmente poderia haver sido dispersada e dissipada. É pois, digno de admiração como impunemente corpúsculos tão sutis e leves, entre a ira do vento violentíssimo, puderam ter chegado até o alto com um proceder constante através do caminho enveredado no começo, quando nem pesos consideráveis confiados ao vento podiam vencer o ímpeto e a força. Eu considero muito contraditório que um vapor muito leve suba e suba em linha reta, e mal acredito que isto haja podido acontecer entre as várias mudanças do vento. E acrescenta que, garante Galileu, nem nas mais altas regiões dos planetas faltam condensações e rarefações de tais corpos fumacentos, e por isso nem aqueles movimentos vagos e incertos pelos quais é necessário que sejam levados.
Que os vapores fumacentos de alguma parte da Terra subam além da Lua, e até além do Sol, e que saídos do cone da sombra terrestre sejam engravidados pelos raios solares e que então gerem o cometa, nunca foi escrito pelo Sr. Mário nem foi afirmado por mim, apesar de Sarsi atribuí-lo a mim.
Aquilo que o Sr. Mário escreveu é que não é impossível que algumas vezes possam elevar-se da Terra exalações e outras coisas parecidas, mas muito mais sutis que de costume, que subam além da Lua e possam ser matéria geradora do cometa, e que às vezes originem-se sublimações extraordinárias relativas à matéria dos corpúsculos, exemplificando-o por meio da aurora boreal. Porém não afirma que aquela seja numericamente a mesma matéria dos cometas, que necessita ser muito mais rala e sutil que os vapores dos corpúsculos e do que a matéria da assim chamada aurora boreal, tendo aceito que o cometa resplende muito menos que a aurora; assim, se o cometa se ampliasse, por exemplo, rumo ao oriente, na cândida alvorada, enquanto o Sol não se encontrasse longe do horizonte mais do que 6 ou 8 graus, sem dúvida não se perceberia, por ser menos brilhante do que seu próprio ambiente. E com a mesma probabilidade, não certeza, atribuiu-se à mesma matéria o movimento retilíneo em ascensão. E isto seja afirmado não para retratarmo-nos por medo das oposições de Sarsi, mas só para mostrar que não nos afastamos do nosso hábito, que consiste em não afirmar como verdadeiras a não ser as coisas que conhecemos como indiscutíveis, como nos ensina nossa filosofia e nossa matemática. Agora, partindo do ponto de vista de que houvéssemos verdadeiramente afirmado aquilo que Sarsi fala, examinemos suas posições.
Sua primeira oposição baseia-se na impossibilidade de os vapores subirem ao céu, em linha reta, enquanto que verificamos que um papagaio é empurrado pelo ar com movimento transversal, assim como as outras coisas que se encontram nele; e o mesmo verificou-se por muitos dias depois do aparecimento do cometa. A oposição é verdadeiramente inteligente, mas perde muito de sua força lógica porque, segundo notícias seguras, naqueles dias, nem na Pérsia nem na China verificaram-se perturbações atmosféricas; e eu acreditarei que de umas daquelas regiões se origina a matéria do cometa, se Sarsi provar que ele não é originário de lá, mas de Roma, onde ele percebeu o vento boreal.
Mas, mesmo que o vapor saísse da Itália, quem pode saber se ele não se houvesse posto em viagem antes dos dias de vento, muitos dias antes de sua chegada ao orbe do cometa, longe da Terra, segundo a relação do Mestre de Sarsi, quatrocentos e setenta mil milhas mais ou menos; porque, para empreender uma viagem tão comprida, é necessário bastante tempo, pois a subida dos vapores, por aquilo que podemos observar em relação àqueles perto da Terra, não atinge a velocidade do voo das aves; assim não seriam suficientes quatro anos para concluir tamanha viagem. Mesmo aceitando que estes vapores pudessem se movimentar em época de vento, Sarsi, que acredita piamente nos historiadores e nos poetas, não poderá negar que o impulso dos ventos não sobe mais de duas ou três milhas, já que existem montes cujo cume vai além da região dos ventos. Assim, o máximo que ele poderá concluir é que dentro deste espaço os vapores movimentam-se transversal e não perpendicularmente; porém, fora deste espaço desaparece o impedimento que os desvia do caminho retilíneo.
21. Veja mais V. E. Ilustríssima: Aceitamos que estes vapores possam manter, através dos ventos, suas direções e rumar para onde possam receber os raios diretos do Sol, enviando-os a nós refletidos. Por que, então, recebendo em toda a sua extensão a luz do Sol, no-la mostram somente em uma mínima parte de si? Com certeza, sendo o próprio Galileu testemunha, quando nos dias de verão um vapor não diferente indo rumo ao norte mais alto que de costume apresenta-se à luz do Sol, então, imergido em luz brilhantíssima, mostra-se muito brilhante em todas as suas partes, para utilizar sua próprias palavras, nos reflete mesmo de noite a aurora boreal; e não se mostra tão avarento do esplendor recebido que não permita que a reflexão da luz do Sol, que ele recebeu em toda a sua extensão, nos apareça apenas através de um pequeno buraco. Eu mesmo verifiquei, não somente em tempo de verão, mas no mês de janeiro, quatro horas depois do pôr do sol, algo ainda mais maravilhoso, isto é, uma pequena nuvem, cândida e brilhante, tão rarefeita que não encobria nem as estrelas menores, e os dons de luz que havia recebido do Sol ela os expandia livremente, com alma generosa, por todos os cantos. Então todas as nuvens (admitindo que tenham alguma afinidade com a matéria do cometa), se são tão densas e obscuras que não possam refletir livremente os raios do Sol, ao menos na parte virada para o Sol o refletem para nós com generosidade recíproca; porém, se são ralas e sutis, e a luz facilmente as penetre integralmente, não mostram obscuridade em parte alguma, mas oferecem aos olhos inundados uma luz esplendorosa. Então, se o cometa não se forma de outra matéria que não seja vapores fumacentos, não Juntados globalmente mas, como o próprio Galileu afirma, ocupando um espaço suficientemente vasto do céu, brilhando em toda parte com a luz do Sol, qual é a causa pela qual brilham sempre para aqueles que o observam só de um pequeno e estreito disco, e as outras partes deste mesmo vapor, iluminadas pelo Sol com mesma luz, não aparecem? Dificilmente tudo isto pode ser explicado com o exemplo do arco-íris, em cuja formação acontece a mesma coisa que evidentemente só de uma parte da nuvem volta ao olho, quando, entretanto, em todo o espaço iluminado pelo Sol a própria diversidade das cores seja gerada de sua luz. Com efeito, o arco-íris e outros meteoros, se existirem, requerem de preferência matéria úmida e com tendência a mudar-se em água; pois esta matéria só quando se derrete em água, imitando a natureza dos corpos leves, puros e transparentes, reflete a luz só na parte onde formam ângulos de reflexão e de refração necessários a tudo isto, como percebemos nos espelhos, na água e no gelo. Depois, se alguma emanação encontrar-se mais rarefeita ou mais seca, acontece porque ela não possui superfície lisa como os espelhos, nem reflete muitos raios. Visto necessitar-se de um corpo liso para que haja reflexão e necessitar-se de sua densidade para a refração (coisas que nunca se encontram nas impressões meteorológicas, a não ser quando a natureza delas possui muita água, como ensinaram não só Aristóteles mas também todos os mestres de óptica, e a própria razão persuade com muita eficácia), segue disto necessariamente que emanações semelhantes possuirão, por natureza própria, um certo peso, e por isto menos aptas a subir acima da Lua e do Sol, pois o próprio Galileu admite que devem ser muito sutis e leves aqueles que voam até lá em cima. Portanto, não daquele vapor fumacento e rarefeito, e na verdade de peso algum, poderá refletir para nós aquela imagem brilhante de luz: o vapor aguado, na verdade, sendo pesado, não poderá subir deforma alguma.
Depois de observado por muitas experiências, parece-me ser esta a condição humana em relação às coisas intelectuais: quanto menos entende-se e sabe-se, com tanta mais força quer-se discutir; e, pelo contrário, mais coisas são conhecidas menor é a tendência de discutir resolutamente sobre qualquer novidade. Nasceu em um lugar muito solitário um homem dotado por natureza de grande inteligência e de extraordinária curiosidade. Criando por prazer grande diversidade de aves, gostava enormemente do seu canto, e com muita admiração observava de que modo, por meio do próprio ar que respiravam, conseguiam formar ao seu arbítrio cantos diferentes e todos suavíssimos. Acontece que uma noite perto de casa escutou um som delicado, e, nem podendo imaginar que fosse outra coisa a não ser uma pequena ave, foi buscá-la. Chegando à estrada encontrou um pequeno pastor que, assoprando num pedaço de madeira furada e movimentando os dedos sobre a madeira, uma vez fechando e uma vez abrindo determinados buracos, conseguia produzir aquelas vozes diferentes, semelhantes às de um pássaro, mas de forma bem diversa. Admirado e movido pela sua curiosidade natural, deu de presente um bezerro ao pastor para obter aquela flauta. De regresso à sua casa e percebendo que se não houvesse encontrado por acaso aquele pastor nunca haveria aprendido que existiam na natureza duas formas diversas de criar vozes e cantos suaves, quis sair de casa procurando encontrar outras aventuras. Aconteceu que no dia seguinte, passando perto de uma pequena choça, escutou ressoar dentro dela uma voz semelhante. Para ter certeza se era uma flauta ou um pássaro, entrou e encontrou um menino que estava serrando, com um pequeno arco segurado na mão direita, alguns nervos estendidos sobre um lenho côncavo, enquanto sustentava com a mão esquerda o instrumento sobre o qual, movimentando os dedos e sem sopro algum, extraía dele vozes diversas e suaves. Qual foi seu espanto pode ser julgado facilmente por aquele que possuir a mesma inteligência e a mesma curiosidade dele que, vendo aumentar, de duas novas formas, a maneira de produzir uma voz e um canto tão inusitados, começou a acreditar poderem existir ainda outros na natureza. Mas qual foi sua surpresa quando, entrando em um determinado templo, começou a olhar atrás da porta para ver quem estava tocando e percebeu que o som havia saído dos ferros da porta ao abri-la? Em outra ocasião, empolgado pela curiosidade, entrou em um boteco e, acreditando encontrar outra vez alguém que com o arco tocasse as cordas de um violino, viu uma pessoa que, esfregando o dedo sobre a orla de um copo, conseguia produzir um som suavíssimo. Mas logo que observou que as abelhas, os pernilongos e as moscas, com o rapidíssimo bater das asas, e não como suas primeiras aves que respirando formavam vozes ininterruptas, produziam um som perpétuo, tanto aumentou sua admiração que diminuiu sua confiança sobre o conhecimento da origem do som. Nem todas as experiências já observadas haveriam sido suficientes para fazer-lhe entender ou acreditar que os grilos, não voando, conseguiam, não por meio do sopro mas com o movimento das asas, produzir sons tão doces e sonoros. Mas quando acreditou não poderem existir outras formas possíveis de produzir vozes, depois de haver observado, além das maneiras já relatadas, ainda tantos órgãos, trompas, flautas e instrumentos de corda de todos os tipos, até chegar à aquela pequena lâmina de ferro que, suspensa entre os dentes, usava de forma muito esquisita a cavidade bucal para dar corpo à amplificação do sopro permitindo a passagem do som, quando, repito, na hora que acreditava haver conhecido tudo, encontrou-se ainda mais no escuro e na ignorância, quando, havendo encontrado uma cigarra que nem fechando-lhe a boca e nem fechando-lhe as asas conseguia diminuir seu altíssimo estridor, não percebeu movimento algum de escamas nem de outras partes. Finalmente, levantando-lhe a caixa dos pulmões e observando embaixo dela algumas cartilagens duras mas sutis, e acreditando que o som fosse originado do seu movimento, resolveu quebrá-las para fazê-la parar, mas tudo foi em vão.
Então, fincando uma agulha mais funda no corpo da cigarra, passando-a, tirou-lhe junto com a voz a vida e assim não pode mais pesquisar se o canto era originado verdadeiramente por aquelas membranas. Tornou-se tão descrente sobre seus possíveis conhecimentos em relação aos sons que todas as vezes que alguém lhe perguntava sua opinião sobre a origem dos sons, generosamente respondia não conhecer causa alguma, mas que estava resolvido a acreditar que pudessem existir cem outras maneiras, ainda desconhecidas e impensáveis.
Eu poderia dar muitos exemplos da variedade da natureza em produzir seus efeitos de maneira inimaginável para nós, se o sentido e a experiência não nos explicitassem sem, muitas vezes, suprir nossa incapacidade. Assim, se eu não souber, com exatidão, determinar a produção do cometa, deverão ser aceitas minhas desculpas, especialmente porque nunca afirmei poder dar esta explicação sabendo que ela poderia verificar-se de forma muito alheia à nossa imaginação. A dificuldade de entender como se forma o canto da cigarra, enquanto ela canta na mão, desculpa de sobra não saber como pode formar-se um cometa tão longe de nós. Para frisar, então, a primeira intenção do Sr. Mário e minha, isto é, promover aquelas dúvidas que parecem abalar as opiniões manifestadas até agora e propor alguma nova teoria para examinar se existe alguma coisa que possa esclarecer e abrir o caminho rumo à verdade, continuarei a raciocinar sobre as teorias manifestadas por Sarsi, que considerou improváveis nossos argumentos.
Continuando Sarsi sua exposição e aceitando serem os vapores ou outra matéria aptos a formar o cometa, seu elevar-se da Terra e subindo muito alto, onde pudesse receber diretamente os raios solares refletindo-os para nós, é difícil imaginar de que forma, sendo completamente iluminada, reflita até nós só a luz de uma pequena parte, e não acontece como aqueles vapores que nos apresentam aquela intempestiva aurora boreal, vapores que, sendo todos iluminados, mostram todos suas luzes.
Afirma depois ter observado, pelo meio da noite, uma coisa maravilhosa, isto é, uma pequena nuvem no zênite que, sendo toda iluminada, refletia livremente seu brilho de todas as suas partes, e acrescenta que, se todas as nuvens forem espessas e opacas, nos refletem a luz do Sol com toda a sua parte visível, porém se elas forem ralas, assim que a luz as penetre, mostrar-se-ão a nós brilhantes e não opacas; então, se o cometa forma-se com tais vapores fumacentos muito espalhados, como afirma o Sr. Mário, e não reunidos em círculo, sendo atingidos pelo Sol por todas as partes, por qual razão nós recebemos sua reflexão de uma pequena parte e não de todo o restante igualmente iluminado? Mesmo que as soluções destas perguntas estejam completamente resolvidas no Discurso do Sr. Mário, eu as relatarei aqui colocando-as acertadamente e acrescentando alguma outra consideração, conforme for solicitado pela matéria.
Em primeiro lugar, Sarsi deveria sem dificuldade conceder que só de um lado particular de toda a matéria sublimada pelo cometa verifica-se a reflexão da luz do Sol a uma visão particular, apesar de ser toda iluminada; tendo nós mil experiências semelhantes a favor, contra uma que pareça ser contrária, facilmente, entre as de Sarsi contrárias a esta posição, encontraremos muitas outras favoráveis. É certo que qualquer espelho plano exposto ao Sol fica por ele iluminado em toda a sua superfície; o mesmo acontece com qualquer pântano, lago, rio, mar, ou seja, com qualquer superfície lisa de qualquer material; porém, a uma vista particular não corresponde a reflexão do raio solar, a não ser de um lugar particular desta superfície, cujo lugar muda, mudando o olho do observador. A superfície externa de nuvens sutis, mas muito espalhadas, é toda iluminada pelo Sol de forma igual; todavia, o halo e os periélios não aparecem a um olho particular a não ser em um único lugar, e este, com o movimento do olho, muda de lugar dentro da nuvem.
Sarsi afirma: Aquela matéria sutil sublimada que produz aquela aurora boreal vê-se também toda iluminada, como ela o é de verdade. Porém, pergunto eu a Sarsi de onde lhe vem esta certeza. E ele pode responder-me somente que não percebe parte alguma que não seja iluminada, assim como acontece com o resto da superfície dos espelhos, das águas, dos mármores, além daquela pequena parte que reflete a viva luz do Sol. Porém advirto-o de que, se a matéria fosse transparente, não distinguiria nada mais que aquele esplêndido raio refletido, como acontece às vezes que a superfície do mar não se distingue do ar, mesmo que se veja imagem reflexa do Sol; e assim, colocado um vidro sutil a uma determinada distância, poderá mostrar-nos aquela sua pequena parte que reflete alguma luz, ficando o resto invisível por causa de sua transparência. Este erro de Sarsi é semelhante àquele dos que afirmam que criminoso algum deve confiar que seu crime possa ficar oculto, nem percebem a incompatibilidade que existe entre permanecer oculto e ser descoberto, e quem quisesse ter duas cadernetas, uma dos delitos que permanecem ocultos e outra daqueles que são descobertos em cuja caderneta dos ocultos nunca poderia registrar-se coisa alguma. Afirmo, então, que não me oponho à crença de que a matéria da aurora boreal seja muito ampla e uniformemente iluminada pelo Sol50; como, porém, não posso descobrir e observar a não ser aquela parte cuja refração meu olho pode captar, permanecendo invisível todo o restante, tenho a ilusão de perceber tudo. E que mais? A propósito dos vapores crepusculares que circundam a Terra, não permanece iluminado pelos raios solares sempre um hemisfério? Com certeza sim; todavia, aquela parte que se interpõe diretamente entre o Sol e nós mostra-se a nós muito mais luminosa do que as partes mais distantes. Mas esta, como ainda outras, é pura aparência e ilusão de nosso olho, pois, encontrando-nos em qualquer lugar, sempre observamos o Sol como centro de um círculo luminoso, mas que gradualmente vai perdendo o brilho, segundo se encontre à direita ou à esquerda deste centro; para outros, mais para o boreal, parece mais escura aquela parte que a mim parece mais clara, e mais brilhante aquela que a mim apresentava-se mais escura. Podemos, assim, afirmar a existência de um halo perpétuo e grande ao redor do Sol, figurado na superfície convexa que termina a esfera de vapor, cujo halo, da mesma forma que o outro, que às vezes nasce de uma nuvem sutil, muda de lugar segundo a mudança do observador. Em relação à pequena nuvem que Sarsi afirma ter observado brilhar na noite profunda, poderia perguntar-lhe que certeza tem ele de ela não ser maior do que aquela que aparece, especialmente afirmando ele que era tão transparente que não escondia estrelas fixas, mesmo mínimas, pois não possuía indício algum para garantir que ela se ampliasse invisivelmente como transparente, muito e muito além da parte brilhante observada: por isso é ainda duvidoso se ela não é uma aparência que muda como as outras segundo a mudança do olho. Além de não haver nada em contrário que ela apareça inteiramente brilhante e seja, da mesma forma, uma ilusão, o que acontecerá se ela não fosse maior do que aquele espaço que vem a ser ocupado pela imagem do Sol, assim que, observando a imagem do Sol, por exemplo, ocupar num espelho tanto espaço quanto uma unha, nós cortássemos fora o restante, não há dúvida de que este pequeno espelho poderá nos aparecer brilhante de todo. Além disso, quando o pequeno espelho fosse menor do que a imagem, então poder-se-ia observar não só tudo iluminado mas sua imagem não pareceria movimentar-se a cada movimento do olho, como no espelho grande; e até por ser ele incapaz de toda imagem do Sol, segue que, movendo-se o olho, veria a reflexão ora de um lado ora de outro do disco solar; assim a imagem pareceria imóvel, até que o olho se dirija à parte que não produz reflexão, ela se perderia completamente. É muito importante, então, considerar a grandeza e a qualidade da superfície que reflete, pois, conforme a superfície seja menos limpa, a imagem do mesmo objeto se apresentará sempre maior, pois, às vezes, antes que a imagem passe por todo o espelho, será necessário que o olho passe por muito espaço, e esta imagem parecerá fixa então, mesmo que na realidade seja móvel.
Para explicar melhor um ponto importantíssimo e que talvez possa solicitar, não digo Sarsi, mas algum outro, pense V. E. Ilustríssima encontrar-se numa praia com um tempo tranquilo e o Sol já descendo no ocaso. Perceberá, então, sobre a superfície do mar que está na metade do círculo máximo da esfera celeste que passa pelo disco solar, o reflexo brilhantíssimo do Sol, mas não muito amplo; se, pelo contrário, como já falei, a água for muito calma, verá a imagem do disco solar bem definida como num espelho. Se uma pequena brisa começa a movimentar a superfície da água, na mesma hora verá V. E. Ilustríssima a imagem do Sol quebrar-se em muitas partes, ampliando-se e difundindo-se. E, enquanto próxima, poderiam se distinguir cada uma das partes da imagem quebrada; todavia, sendo longe, não se perceberia esta separação, quer pelos breves intervalos entre as partes, quer pelo grande brilho das partes cintilantes, que se misturaram, como acontece com muitos fogos perto entre si e que de longe parecem ser um só. Se a água se movimentar sempre mais por espaços sempre maiores, ampliar-se-á a multidão dos espelhos que refletirão, segundo as diversas inclinações das ondas, a imagem do Sol quebrada. Mas distanciando-se sempre mais e subindo numa colina ou outra elevação para poder enxergar melhor o mar, o campo brilhante parecerá único e contínuo. Aconteceu-me enxergar de cima de uma montanha altíssima e distante do mar de Livorno sessenta milhas, com um tempo sereno mas de ventania, uma hora antes do pôr do sol, uma tira brilhantíssima à direita e à esquerda do Sol, que ocupava em comprimento muitas dezenas, até muitas centenas de milhas, a qual era, porém, como as outras, uma mesma reflexão da luz do Sol. Agora, imagine, Sarsi, que da superfície do mar, com o mesmo movimento de ondas, grande parte tivesse se retraído para as orlas deixando só no meio, isto é, face ao Sol, um comprimento de duas ou três milhas: esta, com certeza, seria observada completamente iluminada, e imóvel mesmo, com respeito a qualquer movimento que o observador houvesse realizado à direita ou à esquerda; só depois de movimentar-se por alguma milha começaria a desaparecer a parte esquerda da imagem, se ele estivesse caminhando para a direita, e a imagem esplendorosa diminuiria até que, adelgaçando-se, desapareceria por completo. Disto resulta que a imagem é móvel em relação à imagem do observador, pois, mesmo observando-a toda, perceberíamo-la toda ainda movimentar-se, encontrando-se seu meio sempre à direita do Sol, apesar de aparecer a muitos outros que a observem no mesmo momento como encontrando-se em outros pontos do horizonte.
Eu não quero esconder de V. E. Ilustríssima aquilo que eu lembrei neste ponto para a solução do problema do mar. Espertos marinheiros conhecem às vezes o vento que chegou a eles depois de algum tempo, observando o ar que, nesse caso, mostra-se mais claro, daquele lado, do que deveria ser.
Imagine V. E. Ilustríssima se isto poderia derivar do fato de se encontrar já naquela parte o vento que, movimentadas as ondas, faz nascer, como por espelhos multiplicados infinitamente e difundidos amplamente, o reflexo do Sol muito maior do que se o mar fosse tranquilo, permitindo que seja muito mais iluminada por esta nova luz aquela parte do ar vaporoso por meio do qual este reflexo difunde-se, cujo ar ofereça ainda algum reflexo de luz aos olhos dos marinheiros, os quais, encontrando-se embaixo, não podiam perceber a primeira reflexão daquela parte de mar já movimentada pelos ventos e distante deles vinte ou trinta milhas; e que esta seja a sua previsão do vento distante.
Mas, continuando nosso primeiro discurso, afirmo que os raios solares não refletem, com a mesma grandeza, a imagem do Sol sobre todos os materiais, isto é, sobre todas as superfícies; mas sobre algumas (isto é, as planas e lisas como um espelho) nos aparece o disco solar semelhante ao verdadeiro, nas superfícies convexas mas lisas nos aparece menor, e nas côncavas às vezes menor e às vezes maior, às vezes mesmo igual, segundo as diversas distâncias entre o espelho, o objeto e o olho.
Porém, se a superfície não for igual mas sinuosa e cheia de cavidades ou elevações e como se fosse composta por milhares de pequenos espelhos colocados com várias inclinações, expostas aos olhos de mil modos, então a mesma imagem do Sol chegará ao nosso olho de mil partes e dividida em mil pedaços, os quais ampliar-se-ão, imprimindo nesta superfície um amplo conjunto de pequenas manchas brilhantes, cuja frequência originará a ilusão de um único campo de luz contínua visto de longe, mais brilhante e viva no meio que nas extremidades, onde diminui e desaparece, enfim, quando por causa da obliquidade do olho em relação a esta superfície os raios visíveis não encontram mais ondas que se refletem contra o Sol. Esta imagem resulta ainda móvel de acordo com o movimento do olho, se, porém, além de seus limites, continua a superfície que reflete; mas, se a quantidade da matéria ocupar um pequeno espaço, muito menor do que o da imagem inteira, poderá acontecer que, ficando fixa a matéria e movimentando-se o olho, ela continue a aparecer brilhante, até que, tendo chegado o olho àquele termo do qual, pela obliquidade dos raios incidentes sobre a matéria, as reflexões não se dirigem mais rumo ao Sol, a luz desaparece e perde-se. Não concordo com Sarsi que quando ele vê uma nuvem suspensa no ar, bem determinada e toda brilhante, que permanece tal apesar de o olho ir se movimentando, não pode ter a certeza de que esta luz seja mais real do que um halo, do que os periélios, do que o arco-íris, e do que a reflexão sobre a superfície do mar; porque afirmo-lhe que a sua consistência e sua aparente estabilidade podem depender da pequenez da nuvem que não consegue receber toda a amplidão da imagem do Sol; e esta imagem, em relação à posição das partes da superfície da nuvem, ampliar-se-ia, se não lhe faltasse matéria, num espaço muito maior da nuvem, e quando se visse inteiro e o campo das nuvens se adiantasse a ele, afirmo que apareceria movimentando-se inteiramente em relação ao movimento do olho. Prova-o o fato de termos visto muitas vezes, ao nascer e ao pôr do sol, muitas pequenas nuvens colocadas perto do horizonte, das quais as que se encontram face ao Sol tornam-se brilhantíssimas e quase de fino ouro, das laterais as menos distantes do meio são ainda mais brilhantes do que as mais distantes, as quais vão aparecendo gradualmente menos claras até ficar praticamente nulo o brilho das mais distantes: nulo para nós, mas, para quem se encontrasse num lugar onde elas permanecessem entre seu olho e o lugar onde o Sol se põe, mostrar-se-iam brilhantíssimas para ele e obscuras a nós as mais esplendorosas. Entenda, então, Sarsi, que se as nuvens não fossem quebradas mas fossem uma longa extensão contínua, a sua parte central pareceria brilhante a qualquer um dos observantes e gradualmente menos claras as laterais, conforme a distância de seu meio, porque onde eu posso ver o maior brilho, para outros é o menor. Mas alguém poderia agora afirmar que, uma vez que aquela parte da nuvem permanece fixa e sua luz não parece movimentar-se pela mudança de lugar do observador, isto seria suficiente para fazer com que a paralaxe opere na determinação de sua altura, e que, podendo acontecer o mesmo com o cometa, o uso da paralaxe seja suficiente para quem queira mostrar o lugar dela. Poder-se-ia responder a esta objeção que este argumento resultaria verdadeiro se fosse demonstrado antes que o cometa não é uma inteira imagem do Sol, mas só uma parte da imagem, assim como a matéria que forma o cometa é não só toda iluminada mas que a imagem do Sol é maior que ela, de modo que é bastante para iluminar um campo muito maior, existindo matéria apta a refletir a luz. Isto não foi demonstrado e pode ser diferente, isto é, que o cometa seja uma inteira imagem, não mutilada, como nos faz acreditar sua aparência bem regulada e simétrica. E daqui pode-se deduzir uma resposta fácil e razoável à pergunta que Sarsi coloca, isto é, como pode acontecer que, acreditando, segundo a colocação de Mário, o cometa esteja num campo muito extenso em altura que não se ilumine inteiramente mas nos reflita só um círculo parcial, sem que as outras partes, mesmo atingidas pelo Sol, não apareçam nunca. Farei, então, a mesma pergunta a ele e ao seu Mestre, que não desejando que o cometa seja um fogo, mas querendo acreditar (se não me engano) que ao menos sua cauda seja uma reflexão dos raios solares, se eles acreditam que o material que produz uma reflexão seja recortado da medida desta cauda, inteiro, que tenha de algum lado; e se sobrar (como acredito que me responda), por que não é percebida, uma vez que é atingida pelo Sol?
Não se pode afirmar que o reflexo seja originado pela substância do éter, substância que, muito transparente, não serve para isto, nem pode-se originar em outro material que, mesmo apto à reflexão, seria também apto a refletir os raios solares. Além disso, não sei por que razão ele chama um pequeno círculo a cabeça do cometa que seu Mestre conseguiu medir em 87.127 milhas quadradas, não sei com quais inteligentíssimos cálculos, quando nuvem alguma, acredito eu, pode alcançar tal medida.
Acrescenta Sarsi, imitando aquele que por muito tempo acreditou que o som pudesse ser produzido de uma única forma, não ser possível que o cometa se origine do reflexo daqueles vapores fumacentos, e que o exemplo do arco-íris não resolve a dificuldade, sendo ele uma ilusão visual: pois o arco-íris e outras coisas semelhantes são originados pela umidade da matéria que já está se transformando em água, que só naquele momento, imitando a natureza dos corpos líquidos, reflete a luz daquela parte onde se produzem os ângulos da reflexão e da refração, procurados como acontece nos espelhos, na água e nas bolas de cristal; mas, nos outros materiais ralos e secos, não possuindo superfície lisa como os espelhos, não se origina muita refração, procurando-se, então, para esta finalidade, uma matéria aguada, por conseguinte, muito pesada e inapta a subir além da Lua e do Sol, aonde podem chegar (também segundo minha opinião) só exalações levíssimas. O cometa, então, não pode ser produzido por tais fumacentos vapores. Uma resposta suficiente a toda esta argumentação seria afirmar que o Sr. Mário nunca limitou-se a afirmar qual seja a matéria originária e precisa do cometa, nem se ela é úmida ou fumacenta, seca ou lisa, e sei que ele não se envergonhará em afirmar que não a conhece. Porém, vendo que em vapores, nuvens ralas e não aguacentas, e naquelas que se dissolvem já em pequenas gotas, nas águas paradas, nos espelhos e outras matérias, aparecem por reflexão e refração muitas imagens ilusórias, considerou não ser impossível que na natureza exista ainda uma matéria apta a nos oferecer mais uma imagem diversa das outras, isto é, o cometa. Tal resposta, afirmo eu, é bem adequada à pergunta, se cada parte da pergunta for exata: todavia, o desejo de ajudar (como muitas vezes já confirmei) a pesquisa da verdade, pelo que me cabe, leva-me a fazer algumas considerações sobre determinados particulares contidos nesses discursos.
Em primeiro lugar, é verdade que numa emanação de pequeníssimas gotas de água recebemos a ilusão do arco-íris, mas não acredito que, pelo contrário, uma ilusão semelhante não se verifique sem tal emanação. O prisma triangular cristalino perto dos olhos nos apresenta todos os objetos das cores do arco-íris; muitas vezes, vê-se o arco-íris também em nuvens secas, sem que caia chuva alguma.
Não podemos ver também as mesmas ilusões de cores diversas nas penas de muitas aves, enquanto o Sol as atinge de várias formas? E que mais? Gostaria de anunciar a Sarsi alguma novidade se existisse alguma novidade a contar. Pegue ele qualquer matéria, seja pedra, madeira ou metal, e expondo-a ao Sol, observe-a atentamente e poderá observar nela todas as cores repartidas em pequeníssimas partes; e se ele usufruir, para observá-las melhor, de um telescópio adaptado a observar os objetos muito próximos, muito mais distintamente perceberá aquilo de que estou falando, sem necessidade que aqueles corpos transformem-se em orvalho ou vapores úmidos. Além disso, aquelas pequenas nuvens que ao pôr do sol mostram-se brilhantíssimas e refletem a luz do Sol tão viva que quase nos cega, são das mais ralas, secas e estéreis nuvens que existem no ar, e as úmidas, em vez, quanto mais estão cheias de água mais se mostram a nós escuras. O halo e os periélios verificam-se sem chuvas e sem umidade nas mais ralas e secas nuvens ou vapores que se encontrem no ar.
Segundo, é verdade que as superfícies bem lisas, como as dos espelhos, nos oferecem um poderoso reflexo da luz do Sol; assim, a muito custo podemos observá-la sem ofender a vista; porém, é também verdade que superfícies não muito lisas refletem com menos força se menor for a sua limpeza.
Veja agora, V. E. Ilustríssima, se o esplendor do cometa é daqueles que cegam a vista, ou é daqueles que por fraqueza não ofendem em nada; e disto julgue se para produzi-lo seja necessário uma superfície semelhante àquela de um espelho, e seja suficiente uma menos lisa. Eu gostaria de mostrar a Sarsi um modo de originar uma reflexão muito semelhante àquela do cometa. Pegue V. E. Ilustríssima uma garrafa de vidro bem limpa, e com uma vela acesa não muito distante do recipiente perceberá, em sua superfície, uma imagem bem pequena desta luz, clara e determinada. Pegando depois com a ponta do dedo uma mínima quantidade de qualquer matéria que possua um pouco de gordura, de modo que se junte ao vidro, engordure o mais sutilmente que puder aquela parte onde se percebe a imagem da luz até que a superfície fique um pouco nublada. Movimente depois a garrafa de maneira que a imagem saia da gordura e pare ao contato com ela; passe depois o dedo uma única vez horizontalmente sobre a parte gordurosa. Imediatamente verá originar-se um raio reto como a cauda do cometa, e este raio cortará transversalmente e em ângulos retos a linha do dedo que V. E. produziu, e, se V. E. voltar a passar o dedo numa outra direção, este raio originar-se-á em outra direção. Isto acontece porque, devido à pele dos nossos dedos não ser lisa, mas marcada por algumas linhas sinuosas para permitir melhor o tato e perceber as mínimas diferenças entre as coisas tangíveis, movimentando o dedo sobre esta superfície gordurosa, deixa alguns sulcos sutis no interior dos quais produzem-se os reflexos da luz, os quais, sendo muitos e dispostos ordenadamente, apresentam depois uma Unha brilhante, em cuja extremidade, se produzirmos, movimentando o vaso, aquela primeira imagem realizada na parte não gordurosa, perceber-se-á a cabeça da cauda mais brilhante e a cauda menos brilhante; o mesmo efeito produzir-se-á se, em vez de se engordurar o vidro, ficar embaçado soprando em cima. Eu peço a V. E. Ilustríssima que, se alguma vez por acaso Sarsi chegar a conhecer esta brincadeira, explique por mim bem claramente que eu não entendo com isso afirmar que exista no céu uma grande garrafa e alguém que a engordure, produzindo assim o cometa; simplesmente eu apresento este exemplo e poderei apresentar muitos outros que possam encontrar-se na natureza, ainda indefinidos a nós, como argumentos de sua riqueza de modos diferentes entre eles para produzir seus efeitos.
Em terceiro lugar, que reflexão e refração não podem ser produzidas por matérias e impressões meteorológicas a não ser quando contêm muita água, porque só neste caso apresentam superfícies lisas e limpas, condições estas necessárias para produzir tal efeito, asseguro que não é verdade que não possa ser diferente. No que diz respeito à limpeza, afirmo que mesmo sem ela produzir-se-á a reflexão da imagem unida e distinta. Afirmo assim porque a imagem quebrada e confusa é produzida por todas as superfícies, desiguais e ásperas; porém, aquela imagem de um pano colorido, que se vê distintíssima num espelho oposto, vê-se confusa e quebrada sobre o muro que reproduz uma determinada sombra da cor deste pano. Se V. E. Ilustríssima pegar uma pedra ou uma ripa de madeira não tão lisa que reflita perfeitamente as imagens, e colocar-se em direção oblíqua ao olho, como se quiséssemos verificar se ela é plana e reta, perceberá distintamente sobre ela as imagens dos objetos que se encontrarem encostados do outro lado da ripa, tão distintas que, apoiando um livro em cima, poderá ser lido comodamente. Mas se este experimento for concluído colocando-se o olho perto da extremidade de algum muro reto e comprido, primeiro perceber-se-á um perpétuo curso de exalações em direção ao céu, especialmente quando o muro for atingido pelo Sol, assim como todos os objetos parecem tremer; depois, o muro do outro lado parecerá aproximar-se, e verá que, quando estiver bem perto, sua imagem se apresentará refletida naqueles vapores ascendentes, nem úmidos nem pesados, pelo contrário, secos e leves. E que mais? Não chegou ainda ao ouvido de Sarsi tudo aquilo que foi falado, especialmente por Tycho, a propósito das refrações que se operam nas exalações e vapores que circundam a Terra mesmo que o ar seja sereno, seco e sem chuva e umidade? Também não se apoie, como ele faz, sobre a autoridade de Aristóteles e de todos os mestres de perspectiva, porque ele não poderá fazer outra coisa que afirmar que eu sou um observador mais cuidadoso que eles, o que, segundo meu parecer, é de todo contrário à sua intenção. Parece-me que tudo o que expus é uma resposta suficiente ao argumento de Sarsi.
Passemos, pois, ao segundo.
CONTINUA
18. Leia agora V. E. Ilustríssima o fim deste primeiro exame: Neste ponto, perceba Galileu, com quanta razão, desta e das muitas outras coisas expostas por ele no texto Nunzio Sidereo, deduzimos que o cometa deve se encontrar além da Lua. Ele mesmo afirma que, entre os astros, alguns brilham com a luz nativa e própria, e nesse número ele coloca o Sol e as estrelas chamadas fixas; outros, não dotados de brilho algum pela natureza, recebem toda a luz do Sol, como é costume pensar dos seis planetas que sobram.
Galileu observou, ademais, que as estrelas amam muito aquela vã coroação de luz não própria e que costuma fazer crescer uma cauda; os planetas, em vez, especialmente a Lua, Júpiter e Saturno, não têm quase nenhum brilho; contudo, Marte, Vênus e Mercúrio, apesar de não serem providos de luz própria, tiram, pela vizinhança do Sol, tanta luz que, sendo quase igual àquelas das estrelas, imitam seus raios circunstantes e seu brilho. Portanto, como o cometa, segundo Galileu também, não possui luz própria por natureza, mas a recebe do Sol, e junto com outros astrônomos de grande fama o consideramos planeta temporário, devia-se raciocinar sobre ele do mesmo modo como sobre a Lua e outros planetas, e cuja condição é tal que quanto menos são distantes do Sol tanto mais brilham, e revestidos de um brilho maior (que deriva disto), observados com a luneta parecem aumentar menos; enquanto o cometa recebe deste instrumento quase o mesmo aumento de Mercúrio, podemos não com muita probabilidade deduzir que o cometa não irradiou aquela luz circundada mais que Mercúrio e por isso não se encontra muito longe; por outro lado, como era aumentado menos que a Lua, precisava colocá-lo circundado de uma luz maior e mais perto do Sol? De tudo isto pode-se compreender com quanta razão afirmamos que o cometa, pois pareceu aumentar muito pouco, deve ser considerado muito mais longe de nós do que a Lua.
Sem dúvida, pela paralaxe observada e também pelo curso do cometa quase sidéreo, nós conhecíamos bastante seu lugar; como, além disso, a luneta o aumentava quase quanto Mercúrio, certamente nenhuma razão teria podido sustentar o contrário; foi lícito tirar daqui um corolário também de grande importância e peso a favor de nossa teoria. Mesmo que soubéssemos, com efeito, que estas coisas podiam ser originadas por muitas causas, justamente por causa da analogia que este corpo luminoso guardava junto a todos os outros corpos celestes em todos os seus fenômenos, pensamos ter recebido da luneta um beneficio bastante grande, pois nosso parecer, já firmado pelo peso de outros argumentos, confirmava ainda mais com o peso do próprio assentimento. Quanto ao restante, porém, acrescentado ao argumento, isto é, as palavras: "Sei que este argumento foi considerado por alguns de pouca importância", etc, clara e honestamente havíamos lembrado antes para que fim estas palavras haviam sido acrescentadas: naturalmente contra aqueles que, enfraquecendo a fé neste instrumento, completamente ignaros das disciplinas de óptica, proclamavam-no enganador e indigno de qualquer confiança. Compreende, então, Galileu, se não me engano, com quanta falta de raciocínio lutou contra nossa opinião a respeito da luneta, que ele considera em tudo de acordo com a verdade e com as suas próprias opiniões: haveria podido conhecer também antes se a tivesse examinado com espírito mais calmo. Como, então, haveríamos podido imaginar que ele não haveria de gostar dessas ideias que considerávamos suas próprias? Mas como estas coisas, segundo a nossa opinião, parecem suficientes, vamos examinar a opinião do próprio Galileu.
Aqui, primeiramente, como V. E. pode ver, iniciamos uma argumentação recortada, como se diz, de velho pano, consistente em diversos fragmentos de proposições, para provar que o lugar do cometa era entre a Lua e o Sol; proposição esta que o Sr. Mário e eu podemos conceder-lhe por completo, sem prejuízo algum, não tendo nós nunca afirmado nada em relação ao lugar do cometa, nem negado que ele possa se encontrar além da Lua, mas falou-se somente que as demonstrações até agora apresentadas pelos autores oferecem dúvidas. E para tirá-las não é de ajuda nenhuma que Sarsi apresente agora uma nova demonstração, mesmo que ela fosse necessária e conclusiva, e provar que esta conclusão seja verdadeira, mesmo que também em torno de conclusões verdadeiras se possa argumentar e silogizar falsamente. Todavia, pelo desejo que eu possuo de pôr à luz as coisas escondidas e chegar a verdadeiras conclusões, apresentarei algumas considerações em relação a estas proposições.
Para maior clareza e compreensão o farei com a maior brevidade possível.
Afirma ele ter deduzido do meu Nunzio Sidereo que as estrelas fixas, sendo aquelas que brilham com luz própria, brilham com uma luz não real, mas aparente. Os planetas, sendo desprovidos de luz própria, não agem assim, especialmente a Lua, Júpiter e Saturno, mas mostram-se quase sem brilho; porém, Vênus, Mercúrio e Marte, mesmo privados de luz própria, brilham muito por causa da vizinhança do Sol, pelo qual são mais abundantemente atingidos. Afirma, além disso, que o cometa, segundo meu parecer, recebe sua luz do Sol, e acrescenta haver ele, junto com autores de renome, considerado o cometa, desde muito tempo, um planeta; assim, a respeito dele pode-se raciocinar como a respeito dos outros planetas, os quais, quanto mais encontram-se perto do Sol mais brilham, e por consequência menos podem ser observados pelo telescópio, e, aumentando o cometa pouco mais que Mercúrio e muito menos que a Lua, com muita razão podia-se concluir que não estivesse muito mais longe do Sol do que de Mercúrio, mas muito mais perto daquele que da Lua. Esta é a teoria que muito bem se ajusta à necessidade de Sarsi, como se a conclusão, deduzida antes dos princípios e meios, dependesse não aquela destes, mas estes dela, e tivessem sido preparados por ele não da grandiosidade da natureza mas da arte muito sutil. Pesquisemos, porém, quanto ela seja conclusiva.
Em primeiro lugar, é completamente falso que eu tenha escrito no Nunzio Sidereo que Júpiter e Saturno não brilhem quase nada e que Marte, Vênus e Mercúrio sejam coroados de muitos raios, porque eu separei só a Lua do resto das outras estrelas, quer fixas quer errantes.
Em segundo lugar, não sei se para concluir que o cometa seja quase um planeta e que, sendo tal, lhe sejam convenientes as propriedades dos outros planetas, seja suficiente que Sarsi e seu Mestre junto com outros autores o tenham considerado e chamado assim. Pois, se a opinião deles fosse tão importante a ponto de fazer aceitar as coisas por eles propostas, eu os rogaria que considerassem e chamassem ouro muitos velhos pedaços de ferro que possuo em casa. Mas, deixando os nomes de lado, qual é a teoria que os induz a considerar o cometa quase um planeta desde muito tempo? Brilhar como os planetas? Mas qual é a nuvem, qual a fumaça, qual a madeira, qual o muro, qual a montanha, atingidos pelo Sol, que não brilham do mesmo tanto? Não percebeu Sarsi no Nunzio Sidereo minha demonstração, isto é,que nossa Terra brilha mais que a Lua? Mas qual é minha opinião sobre o brilho do cometa como um planeta? Eu, por mim, não considero impossível que sua luz possa ser tão fraca e sua substância tão sutil e rala, que, quando alguém se aproximasse dela, sumisse da vista completamente, como acontece com alguns fogos-fátuos que saem da Terra, que são percebidos só durante a noite e de longe, mas de perto desaparecem; da mesma forma que as nuvens distantes são percebidas bem determinadas, e depois, de perto, mostram um pouco de nebulosidade tão indeterminada que alguém, entrando nela, quase não distingue os limites, nem sabe separá-la do ar contíguo. E aquelas projeções de raios solares entre as nuvens, tão semelhantes aos cometas, por quem são percebidas se não por aqueles que lhes são distantes? Tem o cometa alguma coisa em comum com os planetas por causa do movimento? E qual será a coisa separada da parte elementar que, obedecendo ao estado terrestre, não terá o moto diurno de acordo com o resto do universo? Mas se falamos do outro movimento, aquele transversal, este não tem nada a ver com o movimento dos planetas, não sendo criado nem por aquele rumo, nem regulado, nem talvez circular. Mas, deixados de lado os acidentes, acreditará talvez alguém que a substância ou a matéria do cometa tenha alguma coisa a ver com a dos planetas? Pode-se acreditar que ela seja solidíssima, como nos convida a pensar em particular a Lua e em universal a figura bem determinada e imutável de todos os planetas; e, ao contrário, pode-se acreditar que a do cometa dissolva-se em poucos dias; e sua figura, não determinada ao redor, mas confusa e indistinta, nos mostra que a sua substância é mais sutil e mais rala que a névoa e a fumaça. Assim ele quase poderia ser chamado mais um planeta pintado que real.
Em terceiro lugar, eu não sei com quanta perfeição ele possa ter parangonado os raios e o aumento do cometa com o aumento de Mercúrio que, podendo ser observado raríssimas vezes, em todo o tempo da aparição do cometa, ele não apareceu nunca, nem deu a possibilidade de ser observado, encontrando-se sempre muito perto do Sol; posso sem escrúpulo acreditar que Sarsi não fez esta comparação, difícil de se realizar e muito incerta, mas que ele afirma ter realizado porque, sendo assim, serviria melhor para sua causa. Outro indício que mostra como ele não conseguiu fazer esta experiência é-me fornecido pelo fato de que, ao referir-se às observações relativas a Mercúrio e à Lua, com os quais compara as do cometa, parece-me que ele esteja confundindo muito. Aceitando, para concluir, que o cometa se encontre mais longe do Sol que de Mercúrio, precisava afirmar que o cometa possuía menos raios que ele, e observado com o telescópio aumentava mais que ele; todavia, afirmou o contrário, isto é, que não possuía mais raios que Mercúrio e que aumentava quase a mesma coisa, o que significa afirmar que possuía mais raios e menos aumento que Mercúrio. Comparando depois o cometa com a Lua, escreve a mesma coisa (mesmo afirmando escrever o contrário), isto é, que aumentava menos que a Lua e possuía mais raios. Todavia, para chegar a uma conclusão, deduz da identidade das premissas conclusões diferentes, isto é, que o cometa encontra-se mais perto do Sol que a Lua, porém mais distante que Mercúrio.
Para finalizar, afirmando Sarsi ser um lógico exato, não me faz entender por que, na divisão dos corpos luminosos que se irradiam mais ou menos, e que por consequência, observados com o telescópio, recebem um aumento maior ou menor, ele não haja registrado nossas luzes elementares; pois as velas, as tochas acesas observadas a qualquer distância, qualquer pedrinha, lenho ou corpúsculo, até as folhas e as gotas de orvalho atingidas pelo Sol, resplandecem, e de certo ângulo irradiam a par de qualquer estrela mais brilhante, e vistas pelo telescópio observam no aumento o mesmo teor que as estrelas. Assim, termina completamente aquela ajuda a mais que os outros haviam esperado do telescópio para conduzir o cometa no céu e tirá-lo da esfera elementar. Abandonai, portanto, Sarsi, a ideia de poder ajudar vosso Mestre e estai certo de que, para querer sustentar um erro, é necessário perpetrar cem outros e, coisa ainda pior, não conseguir o intento. Gostaria também de pedir-vos para não replicar mais, como o fazeis no final desta vossa parte, que estas são teorias minhas, pois nunca escrevi coisas parecidas, nem as falei, nem as pensei. Basta a respeito do primeiro trecho em exame.
19. Passemos ao segundo: Apesar de ninguém até hoje ter falado que o cometa deve colocar-se entre as aparências vãs, onde não haveríamos necessidade de libertá-lo da acusação de inanidade, pois Galileu acreditou enveredar por outro caminho para explicar o cometa completa e sabidamente, é justo parar e expor com cuidado esta sua nova teoria.
São duas hipóteses que ele cogitou: uma relativa à substância, outra referente ao movimento do cometa. No que diz respeito à primeira, Galileu afirma que esta luz é daquelas que, mostradas mais que criadas pela refração de outra luz, parecem ter mais o nome de sombras de corpos luminosos que ser corpos luminosos, como, por exemplo, os arco-íris, os halos, os parélios e muitas outras coisas semelhantes. No que diz respeito à segunda, Galileu afirma que o movimento dos cometas sempre foi retilíneo e perpendicular à superfície da Terra. Revelando estas suas descobertas, acreditou poder destruir com facilidade as opiniões dos outros. Nós vamos examinar agora com poucas palavras, e sem retórica, quanto de próprio se deva atribuir a estas opiniões (pois a verdade, mesmo nua, é bastante ornada). Mesmo sendo difícil abranger singularmente estas duas proposições, pois são tão conexas que parecem depender uma da outra e sustentar-se reciprocamente, nós nos preocuparemos para que os leitores não fiquem lesados. Por isso, contra a primeira posição de Galileu, afirmo que o cometa não foi simulacro vão de uma luz que iludia os olhos daqueles que o observavam e isto parece-me que não necessita de outra prova para aquele que, ao menos uma vez, seja a olho nu, seja com a luneta, haja observado o cometa. A simples vista manifestava a natureza desta luz, porque, em comparação a outras luzes realíssimas, qualquer um poderá com facilidade julgar se o observado era falso ou verdadeiro. Tycho, examinando as observações de Tadeu Agezio, deduz isto: "O corpo do cometa naqueles dias foi igual, em grandeza, a Júpiter e Vênus, e revestiu-se de uma luz nítida e de um grande esplendor, puro e belo, e sua substância pareceu pura demais para ser conveniente a matérias só elementares, mas era, de preferência, análoga àquela dos corpos celestes ". Tycho acrescenta a isto: "Tadeu foi bom juiz relativamente a este aspecto, haveria podido concluir claramente que este cometa não era elementar".
Sarsi andou figurando antes e arbitrariamente os princípios e os meios que fossem de acordo com as conclusões que ele queria demonstrar; agora parece-me que vai imaginando conclusões para contradizê-las como teorias do Sr. Mário e minhas, muito diversas, ou, ao menos, muito diversamente tomadas, de como são relatadas no Discurso do Sr. Mário. Que o cometa seja, sem dúvida, uma imagem vã e uma simples aparência, nunca foi afirmado com certeza, mas só foi posto em dúvida e levado à consideração dos filósofos com aqueles raciocínios e cogitações que parecem poder garantir que seja verdade. Eis aqui as palavras do Sr. Mário a este propósito: "Eu não afirmo resolutamente que o cometa produza-se assim, mas afirmo que são duvidosos, seja este modo seja os outros dos demais autores; os quais pretenderão estabelecer com certeza seus pareceres. e terão a obrigação de demonstrar que esta e todas as outras posições são vãs e falsas". Mesmo sendo o texto tão diferente, Sarsi afirma que nós temos por certo que o movimento do cometa deve ser necessariamente reto e perpendicular à superfície terrestre. Isto não foi apresentado desta forma, mas simplesmente foi cogitado como ser mais conforme às aparências e satisfazer às mudanças observadas no cometa. Esta hipótese é tão superficialmente apresentada pelo Sr. Mário que no fim ele declara: "Porém é mais conveniente para nós contentarmo-nos com aquele pouco que podemos cogitar mesmo sem ter muita clareza". Porém Sarsi quis mostrar que estas opiniões eram tão firmemente aceitas por mim que imaginou podê-las destruir com facilidade e com meios mais eficazes. Se ele conseguir o agradecerei, pois no futuro deverei preocupar-me com uma hipótese a menos todas as vezes que me venha a ideia de filosofar sobre tal matéria. Por enquanto, pois parece-me que ainda subsiste alguma coisa de vivo no raciocínio do Sr. Mário, moverei algumas objeções às objeções de Sarsi.
Opondo-se Sarsi com grande firmeza à primeira conclusão, afirma que aquele que, mesmo por uma vez, houvesse observado o cometa, não necessitaria mais de argumento algum para conhecer a natureza desta estrela; estrela que, comparada com as outras verdadeiras estrelas, mostrava muito claramente ser verdadeira e não falsa. Assim, como V. E. Ilustríssima entende, Sarsi confia tanto no sentido da visão que considera impossível ser enganado todas as vezes que tentamos fazer uma comparação entre um objeto falso e um real. Eu confesso não ter a visão tão perfeita, pelo contrário, confesso ser como aquele macaco que acredita firmemente ver no espelho outro macaco, e nem reconhece seu erro se quatro ou seis vezes não tenha ido atrás do espelho para agarrar a imagem, tanto aquela imagem se lhe apresente viva e verdadeira. Supondo, então, que aqueles que Sarsi vê no espelho não sejam homens verdadeiros e reais, mas imagens vãs, como nós vemos nossa imagem no espelho, gostaria ardentemente de saber quais são aquelas diferenças visuais por meio das quais tão rapidamente distingue o verdadeiro do falso. Quanto a mim, encontrei-me mil vezes em alguma sala de janelas fechadas, e através de algum pequeno buraco pude perceber o Sol refletindo-se sobre um muro oposto, julgando assim esta mancha, pela vista, uma estrela tão brilhante quanto a Canícula e Vênus. E andando contra o Sol no campo, quantos milhares de corpúsculos, pedrinhas, lisos ou molhados, transformar-se-ão pelo reflexo do Sol em estrelas brilhantíssimas? Mesmo cuspindo no chão, Sarsi sem dúvida perceberá onde cuspiu, pela reflexão solar, uma estrela naturalíssima. Além disso, qual corpo colocado a grande distância, atingido pelo Sol, não aparecerá como uma estrela, especialmente se for tão alto que possa ser enxergado durante a noite, como se enxergam as outras estrelas? E quem distinguiria a Lua, vista durante o dia, de uma nuvem atingida pelo Sol, senão pela diversidade do aspecto e pela grandeza?
Ninguém, com certeza. E enfim, se a simples aparência deve determinar a essência, é necessário que Sarsi aceite que os sóis, as luas e as estrelas, observados em água parada e em espelhos, sejam verdadeiros sóis, verdadeiras luas e verdadeiras estrelas. Em relação a esta parte, mude mesmo Sarsi de opinião, nem acredite que, citando a autoridade de Tycho, de Tadeu Agezio ou de muitos outros, melhore sua condição, a não ser que, por ter tido tais homens como companheiros, desculpe mais seu erro.
20. Continue V. E. Ilustríssima a ler: "Pois, por todo o tempo que nosso cometa brilhou, Galileu, segundo ouvi dizer, permaneceu de cama por uma doença, e nunca talvez pôde, por causa da doença, observar aquele corpo brilhantíssimo, e por isso pensamos dever-se discutir com ele por meio de outra argumentação. Afirma ele mesmo que às vezes, de alguma parte da Terra, um vapor fumacento levanta-se acima da Lua e também acima do Sol, e, logo que saído do cone sombreado da Terra, olhou para a luz do Sol da qual como que concebeu e gerou o cometa; e o movimento ou a subida de um tal vapor não é vago ou incerto mas retilíneo e sem ser desviado para parte alguma. Assim afirma ele, mas nós colocamos na nossa balança o peso destas afirmações. Primeiro, sabemos que esta matéria fumacenta e úmida, tendo subido casualmente da Terra nos dias em que, dominando amplamente o céu bóreas violentíssimas, facilmente poderia haver sido dispersada e dissipada. É pois, digno de admiração como impunemente corpúsculos tão sutis e leves, entre a ira do vento violentíssimo, puderam ter chegado até o alto com um proceder constante através do caminho enveredado no começo, quando nem pesos consideráveis confiados ao vento podiam vencer o ímpeto e a força. Eu considero muito contraditório que um vapor muito leve suba e suba em linha reta, e mal acredito que isto haja podido acontecer entre as várias mudanças do vento. E acrescenta que, garante Galileu, nem nas mais altas regiões dos planetas faltam condensações e rarefações de tais corpos fumacentos, e por isso nem aqueles movimentos vagos e incertos pelos quais é necessário que sejam levados.
Que os vapores fumacentos de alguma parte da Terra subam além da Lua, e até além do Sol, e que saídos do cone da sombra terrestre sejam engravidados pelos raios solares e que então gerem o cometa, nunca foi escrito pelo Sr. Mário nem foi afirmado por mim, apesar de Sarsi atribuí-lo a mim.
Aquilo que o Sr. Mário escreveu é que não é impossível que algumas vezes possam elevar-se da Terra exalações e outras coisas parecidas, mas muito mais sutis que de costume, que subam além da Lua e possam ser matéria geradora do cometa, e que às vezes originem-se sublimações extraordinárias relativas à matéria dos corpúsculos, exemplificando-o por meio da aurora boreal. Porém não afirma que aquela seja numericamente a mesma matéria dos cometas, que necessita ser muito mais rala e sutil que os vapores dos corpúsculos e do que a matéria da assim chamada aurora boreal, tendo aceito que o cometa resplende muito menos que a aurora; assim, se o cometa se ampliasse, por exemplo, rumo ao oriente, na cândida alvorada, enquanto o Sol não se encontrasse longe do horizonte mais do que 6 ou 8 graus, sem dúvida não se perceberia, por ser menos brilhante do que seu próprio ambiente. E com a mesma probabilidade, não certeza, atribuiu-se à mesma matéria o movimento retilíneo em ascensão. E isto seja afirmado não para retratarmo-nos por medo das oposições de Sarsi, mas só para mostrar que não nos afastamos do nosso hábito, que consiste em não afirmar como verdadeiras a não ser as coisas que conhecemos como indiscutíveis, como nos ensina nossa filosofia e nossa matemática. Agora, partindo do ponto de vista de que houvéssemos verdadeiramente afirmado aquilo que Sarsi fala, examinemos suas posições.
Sua primeira oposição baseia-se na impossibilidade de os vapores subirem ao céu, em linha reta, enquanto que verificamos que um papagaio é empurrado pelo ar com movimento transversal, assim como as outras coisas que se encontram nele; e o mesmo verificou-se por muitos dias depois do aparecimento do cometa. A oposição é verdadeiramente inteligente, mas perde muito de sua força lógica porque, segundo notícias seguras, naqueles dias, nem na Pérsia nem na China verificaram-se perturbações atmosféricas; e eu acreditarei que de umas daquelas regiões se origina a matéria do cometa, se Sarsi provar que ele não é originário de lá, mas de Roma, onde ele percebeu o vento boreal.
Mas, mesmo que o vapor saísse da Itália, quem pode saber se ele não se houvesse posto em viagem antes dos dias de vento, muitos dias antes de sua chegada ao orbe do cometa, longe da Terra, segundo a relação do Mestre de Sarsi, quatrocentos e setenta mil milhas mais ou menos; porque, para empreender uma viagem tão comprida, é necessário bastante tempo, pois a subida dos vapores, por aquilo que podemos observar em relação àqueles perto da Terra, não atinge a velocidade do voo das aves; assim não seriam suficientes quatro anos para concluir tamanha viagem. Mesmo aceitando que estes vapores pudessem se movimentar em época de vento, Sarsi, que acredita piamente nos historiadores e nos poetas, não poderá negar que o impulso dos ventos não sobe mais de duas ou três milhas, já que existem montes cujo cume vai além da região dos ventos. Assim, o máximo que ele poderá concluir é que dentro deste espaço os vapores movimentam-se transversal e não perpendicularmente; porém, fora deste espaço desaparece o impedimento que os desvia do caminho retilíneo.
21. Veja mais V. E. Ilustríssima: Aceitamos que estes vapores possam manter, através dos ventos, suas direções e rumar para onde possam receber os raios diretos do Sol, enviando-os a nós refletidos. Por que, então, recebendo em toda a sua extensão a luz do Sol, no-la mostram somente em uma mínima parte de si? Com certeza, sendo o próprio Galileu testemunha, quando nos dias de verão um vapor não diferente indo rumo ao norte mais alto que de costume apresenta-se à luz do Sol, então, imergido em luz brilhantíssima, mostra-se muito brilhante em todas as suas partes, para utilizar sua próprias palavras, nos reflete mesmo de noite a aurora boreal; e não se mostra tão avarento do esplendor recebido que não permita que a reflexão da luz do Sol, que ele recebeu em toda a sua extensão, nos apareça apenas através de um pequeno buraco. Eu mesmo verifiquei, não somente em tempo de verão, mas no mês de janeiro, quatro horas depois do pôr do sol, algo ainda mais maravilhoso, isto é, uma pequena nuvem, cândida e brilhante, tão rarefeita que não encobria nem as estrelas menores, e os dons de luz que havia recebido do Sol ela os expandia livremente, com alma generosa, por todos os cantos. Então todas as nuvens (admitindo que tenham alguma afinidade com a matéria do cometa), se são tão densas e obscuras que não possam refletir livremente os raios do Sol, ao menos na parte virada para o Sol o refletem para nós com generosidade recíproca; porém, se são ralas e sutis, e a luz facilmente as penetre integralmente, não mostram obscuridade em parte alguma, mas oferecem aos olhos inundados uma luz esplendorosa. Então, se o cometa não se forma de outra matéria que não seja vapores fumacentos, não Juntados globalmente mas, como o próprio Galileu afirma, ocupando um espaço suficientemente vasto do céu, brilhando em toda parte com a luz do Sol, qual é a causa pela qual brilham sempre para aqueles que o observam só de um pequeno e estreito disco, e as outras partes deste mesmo vapor, iluminadas pelo Sol com mesma luz, não aparecem? Dificilmente tudo isto pode ser explicado com o exemplo do arco-íris, em cuja formação acontece a mesma coisa que evidentemente só de uma parte da nuvem volta ao olho, quando, entretanto, em todo o espaço iluminado pelo Sol a própria diversidade das cores seja gerada de sua luz. Com efeito, o arco-íris e outros meteoros, se existirem, requerem de preferência matéria úmida e com tendência a mudar-se em água; pois esta matéria só quando se derrete em água, imitando a natureza dos corpos leves, puros e transparentes, reflete a luz só na parte onde formam ângulos de reflexão e de refração necessários a tudo isto, como percebemos nos espelhos, na água e no gelo. Depois, se alguma emanação encontrar-se mais rarefeita ou mais seca, acontece porque ela não possui superfície lisa como os espelhos, nem reflete muitos raios. Visto necessitar-se de um corpo liso para que haja reflexão e necessitar-se de sua densidade para a refração (coisas que nunca se encontram nas impressões meteorológicas, a não ser quando a natureza delas possui muita água, como ensinaram não só Aristóteles mas também todos os mestres de óptica, e a própria razão persuade com muita eficácia), segue disto necessariamente que emanações semelhantes possuirão, por natureza própria, um certo peso, e por isto menos aptas a subir acima da Lua e do Sol, pois o próprio Galileu admite que devem ser muito sutis e leves aqueles que voam até lá em cima. Portanto, não daquele vapor fumacento e rarefeito, e na verdade de peso algum, poderá refletir para nós aquela imagem brilhante de luz: o vapor aguado, na verdade, sendo pesado, não poderá subir deforma alguma.
Depois de observado por muitas experiências, parece-me ser esta a condição humana em relação às coisas intelectuais: quanto menos entende-se e sabe-se, com tanta mais força quer-se discutir; e, pelo contrário, mais coisas são conhecidas menor é a tendência de discutir resolutamente sobre qualquer novidade. Nasceu em um lugar muito solitário um homem dotado por natureza de grande inteligência e de extraordinária curiosidade. Criando por prazer grande diversidade de aves, gostava enormemente do seu canto, e com muita admiração observava de que modo, por meio do próprio ar que respiravam, conseguiam formar ao seu arbítrio cantos diferentes e todos suavíssimos. Acontece que uma noite perto de casa escutou um som delicado, e, nem podendo imaginar que fosse outra coisa a não ser uma pequena ave, foi buscá-la. Chegando à estrada encontrou um pequeno pastor que, assoprando num pedaço de madeira furada e movimentando os dedos sobre a madeira, uma vez fechando e uma vez abrindo determinados buracos, conseguia produzir aquelas vozes diferentes, semelhantes às de um pássaro, mas de forma bem diversa. Admirado e movido pela sua curiosidade natural, deu de presente um bezerro ao pastor para obter aquela flauta. De regresso à sua casa e percebendo que se não houvesse encontrado por acaso aquele pastor nunca haveria aprendido que existiam na natureza duas formas diversas de criar vozes e cantos suaves, quis sair de casa procurando encontrar outras aventuras. Aconteceu que no dia seguinte, passando perto de uma pequena choça, escutou ressoar dentro dela uma voz semelhante. Para ter certeza se era uma flauta ou um pássaro, entrou e encontrou um menino que estava serrando, com um pequeno arco segurado na mão direita, alguns nervos estendidos sobre um lenho côncavo, enquanto sustentava com a mão esquerda o instrumento sobre o qual, movimentando os dedos e sem sopro algum, extraía dele vozes diversas e suaves. Qual foi seu espanto pode ser julgado facilmente por aquele que possuir a mesma inteligência e a mesma curiosidade dele que, vendo aumentar, de duas novas formas, a maneira de produzir uma voz e um canto tão inusitados, começou a acreditar poderem existir ainda outros na natureza. Mas qual foi sua surpresa quando, entrando em um determinado templo, começou a olhar atrás da porta para ver quem estava tocando e percebeu que o som havia saído dos ferros da porta ao abri-la? Em outra ocasião, empolgado pela curiosidade, entrou em um boteco e, acreditando encontrar outra vez alguém que com o arco tocasse as cordas de um violino, viu uma pessoa que, esfregando o dedo sobre a orla de um copo, conseguia produzir um som suavíssimo. Mas logo que observou que as abelhas, os pernilongos e as moscas, com o rapidíssimo bater das asas, e não como suas primeiras aves que respirando formavam vozes ininterruptas, produziam um som perpétuo, tanto aumentou sua admiração que diminuiu sua confiança sobre o conhecimento da origem do som. Nem todas as experiências já observadas haveriam sido suficientes para fazer-lhe entender ou acreditar que os grilos, não voando, conseguiam, não por meio do sopro mas com o movimento das asas, produzir sons tão doces e sonoros. Mas quando acreditou não poderem existir outras formas possíveis de produzir vozes, depois de haver observado, além das maneiras já relatadas, ainda tantos órgãos, trompas, flautas e instrumentos de corda de todos os tipos, até chegar à aquela pequena lâmina de ferro que, suspensa entre os dentes, usava de forma muito esquisita a cavidade bucal para dar corpo à amplificação do sopro permitindo a passagem do som, quando, repito, na hora que acreditava haver conhecido tudo, encontrou-se ainda mais no escuro e na ignorância, quando, havendo encontrado uma cigarra que nem fechando-lhe a boca e nem fechando-lhe as asas conseguia diminuir seu altíssimo estridor, não percebeu movimento algum de escamas nem de outras partes. Finalmente, levantando-lhe a caixa dos pulmões e observando embaixo dela algumas cartilagens duras mas sutis, e acreditando que o som fosse originado do seu movimento, resolveu quebrá-las para fazê-la parar, mas tudo foi em vão.
Então, fincando uma agulha mais funda no corpo da cigarra, passando-a, tirou-lhe junto com a voz a vida e assim não pode mais pesquisar se o canto era originado verdadeiramente por aquelas membranas. Tornou-se tão descrente sobre seus possíveis conhecimentos em relação aos sons que todas as vezes que alguém lhe perguntava sua opinião sobre a origem dos sons, generosamente respondia não conhecer causa alguma, mas que estava resolvido a acreditar que pudessem existir cem outras maneiras, ainda desconhecidas e impensáveis.
Eu poderia dar muitos exemplos da variedade da natureza em produzir seus efeitos de maneira inimaginável para nós, se o sentido e a experiência não nos explicitassem sem, muitas vezes, suprir nossa incapacidade. Assim, se eu não souber, com exatidão, determinar a produção do cometa, deverão ser aceitas minhas desculpas, especialmente porque nunca afirmei poder dar esta explicação sabendo que ela poderia verificar-se de forma muito alheia à nossa imaginação. A dificuldade de entender como se forma o canto da cigarra, enquanto ela canta na mão, desculpa de sobra não saber como pode formar-se um cometa tão longe de nós. Para frisar, então, a primeira intenção do Sr. Mário e minha, isto é, promover aquelas dúvidas que parecem abalar as opiniões manifestadas até agora e propor alguma nova teoria para examinar se existe alguma coisa que possa esclarecer e abrir o caminho rumo à verdade, continuarei a raciocinar sobre as teorias manifestadas por Sarsi, que considerou improváveis nossos argumentos.
Continuando Sarsi sua exposição e aceitando serem os vapores ou outra matéria aptos a formar o cometa, seu elevar-se da Terra e subindo muito alto, onde pudesse receber diretamente os raios solares refletindo-os para nós, é difícil imaginar de que forma, sendo completamente iluminada, reflita até nós só a luz de uma pequena parte, e não acontece como aqueles vapores que nos apresentam aquela intempestiva aurora boreal, vapores que, sendo todos iluminados, mostram todos suas luzes.
Afirma depois ter observado, pelo meio da noite, uma coisa maravilhosa, isto é, uma pequena nuvem no zênite que, sendo toda iluminada, refletia livremente seu brilho de todas as suas partes, e acrescenta que, se todas as nuvens forem espessas e opacas, nos refletem a luz do Sol com toda a sua parte visível, porém se elas forem ralas, assim que a luz as penetre, mostrar-se-ão a nós brilhantes e não opacas; então, se o cometa forma-se com tais vapores fumacentos muito espalhados, como afirma o Sr. Mário, e não reunidos em círculo, sendo atingidos pelo Sol por todas as partes, por qual razão nós recebemos sua reflexão de uma pequena parte e não de todo o restante igualmente iluminado? Mesmo que as soluções destas perguntas estejam completamente resolvidas no Discurso do Sr. Mário, eu as relatarei aqui colocando-as acertadamente e acrescentando alguma outra consideração, conforme for solicitado pela matéria.
Em primeiro lugar, Sarsi deveria sem dificuldade conceder que só de um lado particular de toda a matéria sublimada pelo cometa verifica-se a reflexão da luz do Sol a uma visão particular, apesar de ser toda iluminada; tendo nós mil experiências semelhantes a favor, contra uma que pareça ser contrária, facilmente, entre as de Sarsi contrárias a esta posição, encontraremos muitas outras favoráveis. É certo que qualquer espelho plano exposto ao Sol fica por ele iluminado em toda a sua superfície; o mesmo acontece com qualquer pântano, lago, rio, mar, ou seja, com qualquer superfície lisa de qualquer material; porém, a uma vista particular não corresponde a reflexão do raio solar, a não ser de um lugar particular desta superfície, cujo lugar muda, mudando o olho do observador. A superfície externa de nuvens sutis, mas muito espalhadas, é toda iluminada pelo Sol de forma igual; todavia, o halo e os periélios não aparecem a um olho particular a não ser em um único lugar, e este, com o movimento do olho, muda de lugar dentro da nuvem.
Sarsi afirma: Aquela matéria sutil sublimada que produz aquela aurora boreal vê-se também toda iluminada, como ela o é de verdade. Porém, pergunto eu a Sarsi de onde lhe vem esta certeza. E ele pode responder-me somente que não percebe parte alguma que não seja iluminada, assim como acontece com o resto da superfície dos espelhos, das águas, dos mármores, além daquela pequena parte que reflete a viva luz do Sol. Porém advirto-o de que, se a matéria fosse transparente, não distinguiria nada mais que aquele esplêndido raio refletido, como acontece às vezes que a superfície do mar não se distingue do ar, mesmo que se veja imagem reflexa do Sol; e assim, colocado um vidro sutil a uma determinada distância, poderá mostrar-nos aquela sua pequena parte que reflete alguma luz, ficando o resto invisível por causa de sua transparência. Este erro de Sarsi é semelhante àquele dos que afirmam que criminoso algum deve confiar que seu crime possa ficar oculto, nem percebem a incompatibilidade que existe entre permanecer oculto e ser descoberto, e quem quisesse ter duas cadernetas, uma dos delitos que permanecem ocultos e outra daqueles que são descobertos em cuja caderneta dos ocultos nunca poderia registrar-se coisa alguma. Afirmo, então, que não me oponho à crença de que a matéria da aurora boreal seja muito ampla e uniformemente iluminada pelo Sol50; como, porém, não posso descobrir e observar a não ser aquela parte cuja refração meu olho pode captar, permanecendo invisível todo o restante, tenho a ilusão de perceber tudo. E que mais? A propósito dos vapores crepusculares que circundam a Terra, não permanece iluminado pelos raios solares sempre um hemisfério? Com certeza sim; todavia, aquela parte que se interpõe diretamente entre o Sol e nós mostra-se a nós muito mais luminosa do que as partes mais distantes. Mas esta, como ainda outras, é pura aparência e ilusão de nosso olho, pois, encontrando-nos em qualquer lugar, sempre observamos o Sol como centro de um círculo luminoso, mas que gradualmente vai perdendo o brilho, segundo se encontre à direita ou à esquerda deste centro; para outros, mais para o boreal, parece mais escura aquela parte que a mim parece mais clara, e mais brilhante aquela que a mim apresentava-se mais escura. Podemos, assim, afirmar a existência de um halo perpétuo e grande ao redor do Sol, figurado na superfície convexa que termina a esfera de vapor, cujo halo, da mesma forma que o outro, que às vezes nasce de uma nuvem sutil, muda de lugar segundo a mudança do observador. Em relação à pequena nuvem que Sarsi afirma ter observado brilhar na noite profunda, poderia perguntar-lhe que certeza tem ele de ela não ser maior do que aquela que aparece, especialmente afirmando ele que era tão transparente que não escondia estrelas fixas, mesmo mínimas, pois não possuía indício algum para garantir que ela se ampliasse invisivelmente como transparente, muito e muito além da parte brilhante observada: por isso é ainda duvidoso se ela não é uma aparência que muda como as outras segundo a mudança do olho. Além de não haver nada em contrário que ela apareça inteiramente brilhante e seja, da mesma forma, uma ilusão, o que acontecerá se ela não fosse maior do que aquele espaço que vem a ser ocupado pela imagem do Sol, assim que, observando a imagem do Sol, por exemplo, ocupar num espelho tanto espaço quanto uma unha, nós cortássemos fora o restante, não há dúvida de que este pequeno espelho poderá nos aparecer brilhante de todo. Além disso, quando o pequeno espelho fosse menor do que a imagem, então poder-se-ia observar não só tudo iluminado mas sua imagem não pareceria movimentar-se a cada movimento do olho, como no espelho grande; e até por ser ele incapaz de toda imagem do Sol, segue que, movendo-se o olho, veria a reflexão ora de um lado ora de outro do disco solar; assim a imagem pareceria imóvel, até que o olho se dirija à parte que não produz reflexão, ela se perderia completamente. É muito importante, então, considerar a grandeza e a qualidade da superfície que reflete, pois, conforme a superfície seja menos limpa, a imagem do mesmo objeto se apresentará sempre maior, pois, às vezes, antes que a imagem passe por todo o espelho, será necessário que o olho passe por muito espaço, e esta imagem parecerá fixa então, mesmo que na realidade seja móvel.
Para explicar melhor um ponto importantíssimo e que talvez possa solicitar, não digo Sarsi, mas algum outro, pense V. E. Ilustríssima encontrar-se numa praia com um tempo tranquilo e o Sol já descendo no ocaso. Perceberá, então, sobre a superfície do mar que está na metade do círculo máximo da esfera celeste que passa pelo disco solar, o reflexo brilhantíssimo do Sol, mas não muito amplo; se, pelo contrário, como já falei, a água for muito calma, verá a imagem do disco solar bem definida como num espelho. Se uma pequena brisa começa a movimentar a superfície da água, na mesma hora verá V. E. Ilustríssima a imagem do Sol quebrar-se em muitas partes, ampliando-se e difundindo-se. E, enquanto próxima, poderiam se distinguir cada uma das partes da imagem quebrada; todavia, sendo longe, não se perceberia esta separação, quer pelos breves intervalos entre as partes, quer pelo grande brilho das partes cintilantes, que se misturaram, como acontece com muitos fogos perto entre si e que de longe parecem ser um só. Se a água se movimentar sempre mais por espaços sempre maiores, ampliar-se-á a multidão dos espelhos que refletirão, segundo as diversas inclinações das ondas, a imagem do Sol quebrada. Mas distanciando-se sempre mais e subindo numa colina ou outra elevação para poder enxergar melhor o mar, o campo brilhante parecerá único e contínuo. Aconteceu-me enxergar de cima de uma montanha altíssima e distante do mar de Livorno sessenta milhas, com um tempo sereno mas de ventania, uma hora antes do pôr do sol, uma tira brilhantíssima à direita e à esquerda do Sol, que ocupava em comprimento muitas dezenas, até muitas centenas de milhas, a qual era, porém, como as outras, uma mesma reflexão da luz do Sol. Agora, imagine, Sarsi, que da superfície do mar, com o mesmo movimento de ondas, grande parte tivesse se retraído para as orlas deixando só no meio, isto é, face ao Sol, um comprimento de duas ou três milhas: esta, com certeza, seria observada completamente iluminada, e imóvel mesmo, com respeito a qualquer movimento que o observador houvesse realizado à direita ou à esquerda; só depois de movimentar-se por alguma milha começaria a desaparecer a parte esquerda da imagem, se ele estivesse caminhando para a direita, e a imagem esplendorosa diminuiria até que, adelgaçando-se, desapareceria por completo. Disto resulta que a imagem é móvel em relação à imagem do observador, pois, mesmo observando-a toda, perceberíamo-la toda ainda movimentar-se, encontrando-se seu meio sempre à direita do Sol, apesar de aparecer a muitos outros que a observem no mesmo momento como encontrando-se em outros pontos do horizonte.
Eu não quero esconder de V. E. Ilustríssima aquilo que eu lembrei neste ponto para a solução do problema do mar. Espertos marinheiros conhecem às vezes o vento que chegou a eles depois de algum tempo, observando o ar que, nesse caso, mostra-se mais claro, daquele lado, do que deveria ser.
Imagine V. E. Ilustríssima se isto poderia derivar do fato de se encontrar já naquela parte o vento que, movimentadas as ondas, faz nascer, como por espelhos multiplicados infinitamente e difundidos amplamente, o reflexo do Sol muito maior do que se o mar fosse tranquilo, permitindo que seja muito mais iluminada por esta nova luz aquela parte do ar vaporoso por meio do qual este reflexo difunde-se, cujo ar ofereça ainda algum reflexo de luz aos olhos dos marinheiros, os quais, encontrando-se embaixo, não podiam perceber a primeira reflexão daquela parte de mar já movimentada pelos ventos e distante deles vinte ou trinta milhas; e que esta seja a sua previsão do vento distante.
Mas, continuando nosso primeiro discurso, afirmo que os raios solares não refletem, com a mesma grandeza, a imagem do Sol sobre todos os materiais, isto é, sobre todas as superfícies; mas sobre algumas (isto é, as planas e lisas como um espelho) nos aparece o disco solar semelhante ao verdadeiro, nas superfícies convexas mas lisas nos aparece menor, e nas côncavas às vezes menor e às vezes maior, às vezes mesmo igual, segundo as diversas distâncias entre o espelho, o objeto e o olho.
Porém, se a superfície não for igual mas sinuosa e cheia de cavidades ou elevações e como se fosse composta por milhares de pequenos espelhos colocados com várias inclinações, expostas aos olhos de mil modos, então a mesma imagem do Sol chegará ao nosso olho de mil partes e dividida em mil pedaços, os quais ampliar-se-ão, imprimindo nesta superfície um amplo conjunto de pequenas manchas brilhantes, cuja frequência originará a ilusão de um único campo de luz contínua visto de longe, mais brilhante e viva no meio que nas extremidades, onde diminui e desaparece, enfim, quando por causa da obliquidade do olho em relação a esta superfície os raios visíveis não encontram mais ondas que se refletem contra o Sol. Esta imagem resulta ainda móvel de acordo com o movimento do olho, se, porém, além de seus limites, continua a superfície que reflete; mas, se a quantidade da matéria ocupar um pequeno espaço, muito menor do que o da imagem inteira, poderá acontecer que, ficando fixa a matéria e movimentando-se o olho, ela continue a aparecer brilhante, até que, tendo chegado o olho àquele termo do qual, pela obliquidade dos raios incidentes sobre a matéria, as reflexões não se dirigem mais rumo ao Sol, a luz desaparece e perde-se. Não concordo com Sarsi que quando ele vê uma nuvem suspensa no ar, bem determinada e toda brilhante, que permanece tal apesar de o olho ir se movimentando, não pode ter a certeza de que esta luz seja mais real do que um halo, do que os periélios, do que o arco-íris, e do que a reflexão sobre a superfície do mar; porque afirmo-lhe que a sua consistência e sua aparente estabilidade podem depender da pequenez da nuvem que não consegue receber toda a amplidão da imagem do Sol; e esta imagem, em relação à posição das partes da superfície da nuvem, ampliar-se-ia, se não lhe faltasse matéria, num espaço muito maior da nuvem, e quando se visse inteiro e o campo das nuvens se adiantasse a ele, afirmo que apareceria movimentando-se inteiramente em relação ao movimento do olho. Prova-o o fato de termos visto muitas vezes, ao nascer e ao pôr do sol, muitas pequenas nuvens colocadas perto do horizonte, das quais as que se encontram face ao Sol tornam-se brilhantíssimas e quase de fino ouro, das laterais as menos distantes do meio são ainda mais brilhantes do que as mais distantes, as quais vão aparecendo gradualmente menos claras até ficar praticamente nulo o brilho das mais distantes: nulo para nós, mas, para quem se encontrasse num lugar onde elas permanecessem entre seu olho e o lugar onde o Sol se põe, mostrar-se-iam brilhantíssimas para ele e obscuras a nós as mais esplendorosas. Entenda, então, Sarsi, que se as nuvens não fossem quebradas mas fossem uma longa extensão contínua, a sua parte central pareceria brilhante a qualquer um dos observantes e gradualmente menos claras as laterais, conforme a distância de seu meio, porque onde eu posso ver o maior brilho, para outros é o menor. Mas alguém poderia agora afirmar que, uma vez que aquela parte da nuvem permanece fixa e sua luz não parece movimentar-se pela mudança de lugar do observador, isto seria suficiente para fazer com que a paralaxe opere na determinação de sua altura, e que, podendo acontecer o mesmo com o cometa, o uso da paralaxe seja suficiente para quem queira mostrar o lugar dela. Poder-se-ia responder a esta objeção que este argumento resultaria verdadeiro se fosse demonstrado antes que o cometa não é uma inteira imagem do Sol, mas só uma parte da imagem, assim como a matéria que forma o cometa é não só toda iluminada mas que a imagem do Sol é maior que ela, de modo que é bastante para iluminar um campo muito maior, existindo matéria apta a refletir a luz. Isto não foi demonstrado e pode ser diferente, isto é, que o cometa seja uma inteira imagem, não mutilada, como nos faz acreditar sua aparência bem regulada e simétrica. E daqui pode-se deduzir uma resposta fácil e razoável à pergunta que Sarsi coloca, isto é, como pode acontecer que, acreditando, segundo a colocação de Mário, o cometa esteja num campo muito extenso em altura que não se ilumine inteiramente mas nos reflita só um círculo parcial, sem que as outras partes, mesmo atingidas pelo Sol, não apareçam nunca. Farei, então, a mesma pergunta a ele e ao seu Mestre, que não desejando que o cometa seja um fogo, mas querendo acreditar (se não me engano) que ao menos sua cauda seja uma reflexão dos raios solares, se eles acreditam que o material que produz uma reflexão seja recortado da medida desta cauda, inteiro, que tenha de algum lado; e se sobrar (como acredito que me responda), por que não é percebida, uma vez que é atingida pelo Sol?
Não se pode afirmar que o reflexo seja originado pela substância do éter, substância que, muito transparente, não serve para isto, nem pode-se originar em outro material que, mesmo apto à reflexão, seria também apto a refletir os raios solares. Além disso, não sei por que razão ele chama um pequeno círculo a cabeça do cometa que seu Mestre conseguiu medir em 87.127 milhas quadradas, não sei com quais inteligentíssimos cálculos, quando nuvem alguma, acredito eu, pode alcançar tal medida.
Acrescenta Sarsi, imitando aquele que por muito tempo acreditou que o som pudesse ser produzido de uma única forma, não ser possível que o cometa se origine do reflexo daqueles vapores fumacentos, e que o exemplo do arco-íris não resolve a dificuldade, sendo ele uma ilusão visual: pois o arco-íris e outras coisas semelhantes são originados pela umidade da matéria que já está se transformando em água, que só naquele momento, imitando a natureza dos corpos líquidos, reflete a luz daquela parte onde se produzem os ângulos da reflexão e da refração, procurados como acontece nos espelhos, na água e nas bolas de cristal; mas, nos outros materiais ralos e secos, não possuindo superfície lisa como os espelhos, não se origina muita refração, procurando-se, então, para esta finalidade, uma matéria aguada, por conseguinte, muito pesada e inapta a subir além da Lua e do Sol, aonde podem chegar (também segundo minha opinião) só exalações levíssimas. O cometa, então, não pode ser produzido por tais fumacentos vapores. Uma resposta suficiente a toda esta argumentação seria afirmar que o Sr. Mário nunca limitou-se a afirmar qual seja a matéria originária e precisa do cometa, nem se ela é úmida ou fumacenta, seca ou lisa, e sei que ele não se envergonhará em afirmar que não a conhece. Porém, vendo que em vapores, nuvens ralas e não aguacentas, e naquelas que se dissolvem já em pequenas gotas, nas águas paradas, nos espelhos e outras matérias, aparecem por reflexão e refração muitas imagens ilusórias, considerou não ser impossível que na natureza exista ainda uma matéria apta a nos oferecer mais uma imagem diversa das outras, isto é, o cometa. Tal resposta, afirmo eu, é bem adequada à pergunta, se cada parte da pergunta for exata: todavia, o desejo de ajudar (como muitas vezes já confirmei) a pesquisa da verdade, pelo que me cabe, leva-me a fazer algumas considerações sobre determinados particulares contidos nesses discursos.
Em primeiro lugar, é verdade que numa emanação de pequeníssimas gotas de água recebemos a ilusão do arco-íris, mas não acredito que, pelo contrário, uma ilusão semelhante não se verifique sem tal emanação. O prisma triangular cristalino perto dos olhos nos apresenta todos os objetos das cores do arco-íris; muitas vezes, vê-se o arco-íris também em nuvens secas, sem que caia chuva alguma.
Não podemos ver também as mesmas ilusões de cores diversas nas penas de muitas aves, enquanto o Sol as atinge de várias formas? E que mais? Gostaria de anunciar a Sarsi alguma novidade se existisse alguma novidade a contar. Pegue ele qualquer matéria, seja pedra, madeira ou metal, e expondo-a ao Sol, observe-a atentamente e poderá observar nela todas as cores repartidas em pequeníssimas partes; e se ele usufruir, para observá-las melhor, de um telescópio adaptado a observar os objetos muito próximos, muito mais distintamente perceberá aquilo de que estou falando, sem necessidade que aqueles corpos transformem-se em orvalho ou vapores úmidos. Além disso, aquelas pequenas nuvens que ao pôr do sol mostram-se brilhantíssimas e refletem a luz do Sol tão viva que quase nos cega, são das mais ralas, secas e estéreis nuvens que existem no ar, e as úmidas, em vez, quanto mais estão cheias de água mais se mostram a nós escuras. O halo e os periélios verificam-se sem chuvas e sem umidade nas mais ralas e secas nuvens ou vapores que se encontrem no ar.
Segundo, é verdade que as superfícies bem lisas, como as dos espelhos, nos oferecem um poderoso reflexo da luz do Sol; assim, a muito custo podemos observá-la sem ofender a vista; porém, é também verdade que superfícies não muito lisas refletem com menos força se menor for a sua limpeza.
Veja agora, V. E. Ilustríssima, se o esplendor do cometa é daqueles que cegam a vista, ou é daqueles que por fraqueza não ofendem em nada; e disto julgue se para produzi-lo seja necessário uma superfície semelhante àquela de um espelho, e seja suficiente uma menos lisa. Eu gostaria de mostrar a Sarsi um modo de originar uma reflexão muito semelhante àquela do cometa. Pegue V. E. Ilustríssima uma garrafa de vidro bem limpa, e com uma vela acesa não muito distante do recipiente perceberá, em sua superfície, uma imagem bem pequena desta luz, clara e determinada. Pegando depois com a ponta do dedo uma mínima quantidade de qualquer matéria que possua um pouco de gordura, de modo que se junte ao vidro, engordure o mais sutilmente que puder aquela parte onde se percebe a imagem da luz até que a superfície fique um pouco nublada. Movimente depois a garrafa de maneira que a imagem saia da gordura e pare ao contato com ela; passe depois o dedo uma única vez horizontalmente sobre a parte gordurosa. Imediatamente verá originar-se um raio reto como a cauda do cometa, e este raio cortará transversalmente e em ângulos retos a linha do dedo que V. E. produziu, e, se V. E. voltar a passar o dedo numa outra direção, este raio originar-se-á em outra direção. Isto acontece porque, devido à pele dos nossos dedos não ser lisa, mas marcada por algumas linhas sinuosas para permitir melhor o tato e perceber as mínimas diferenças entre as coisas tangíveis, movimentando o dedo sobre esta superfície gordurosa, deixa alguns sulcos sutis no interior dos quais produzem-se os reflexos da luz, os quais, sendo muitos e dispostos ordenadamente, apresentam depois uma Unha brilhante, em cuja extremidade, se produzirmos, movimentando o vaso, aquela primeira imagem realizada na parte não gordurosa, perceber-se-á a cabeça da cauda mais brilhante e a cauda menos brilhante; o mesmo efeito produzir-se-á se, em vez de se engordurar o vidro, ficar embaçado soprando em cima. Eu peço a V. E. Ilustríssima que, se alguma vez por acaso Sarsi chegar a conhecer esta brincadeira, explique por mim bem claramente que eu não entendo com isso afirmar que exista no céu uma grande garrafa e alguém que a engordure, produzindo assim o cometa; simplesmente eu apresento este exemplo e poderei apresentar muitos outros que possam encontrar-se na natureza, ainda indefinidos a nós, como argumentos de sua riqueza de modos diferentes entre eles para produzir seus efeitos.
Em terceiro lugar, que reflexão e refração não podem ser produzidas por matérias e impressões meteorológicas a não ser quando contêm muita água, porque só neste caso apresentam superfícies lisas e limpas, condições estas necessárias para produzir tal efeito, asseguro que não é verdade que não possa ser diferente. No que diz respeito à limpeza, afirmo que mesmo sem ela produzir-se-á a reflexão da imagem unida e distinta. Afirmo assim porque a imagem quebrada e confusa é produzida por todas as superfícies, desiguais e ásperas; porém, aquela imagem de um pano colorido, que se vê distintíssima num espelho oposto, vê-se confusa e quebrada sobre o muro que reproduz uma determinada sombra da cor deste pano. Se V. E. Ilustríssima pegar uma pedra ou uma ripa de madeira não tão lisa que reflita perfeitamente as imagens, e colocar-se em direção oblíqua ao olho, como se quiséssemos verificar se ela é plana e reta, perceberá distintamente sobre ela as imagens dos objetos que se encontrarem encostados do outro lado da ripa, tão distintas que, apoiando um livro em cima, poderá ser lido comodamente. Mas se este experimento for concluído colocando-se o olho perto da extremidade de algum muro reto e comprido, primeiro perceber-se-á um perpétuo curso de exalações em direção ao céu, especialmente quando o muro for atingido pelo Sol, assim como todos os objetos parecem tremer; depois, o muro do outro lado parecerá aproximar-se, e verá que, quando estiver bem perto, sua imagem se apresentará refletida naqueles vapores ascendentes, nem úmidos nem pesados, pelo contrário, secos e leves. E que mais? Não chegou ainda ao ouvido de Sarsi tudo aquilo que foi falado, especialmente por Tycho, a propósito das refrações que se operam nas exalações e vapores que circundam a Terra mesmo que o ar seja sereno, seco e sem chuva e umidade? Também não se apoie, como ele faz, sobre a autoridade de Aristóteles e de todos os mestres de perspectiva, porque ele não poderá fazer outra coisa que afirmar que eu sou um observador mais cuidadoso que eles, o que, segundo meu parecer, é de todo contrário à sua intenção. Parece-me que tudo o que expus é uma resposta suficiente ao argumento de Sarsi.
Passemos, pois, ao segundo.
CONTINUA
18. Leia agora V. E. Ilustríssima o fim deste primeiro exame: Neste ponto, perceba Galileu, com quanta razão, desta e das muitas outras coisas expostas por ele no texto Nunzio Sidereo, deduzimos que o cometa deve se encontrar além da Lua. Ele mesmo afirma que, entre os astros, alguns brilham com a luz nativa e própria, e nesse número ele coloca o Sol e as estrelas chamadas fixas; outros, não dotados de brilho algum pela natureza, recebem toda a luz do Sol, como é costume pensar dos seis planetas que sobram.
Galileu observou, ademais, que as estrelas amam muito aquela vã coroação de luz não própria e que costuma fazer crescer uma cauda; os planetas, em vez, especialmente a Lua, Júpiter e Saturno, não têm quase nenhum brilho; contudo, Marte, Vênus e Mercúrio, apesar de não serem providos de luz própria, tiram, pela vizinhança do Sol, tanta luz que, sendo quase igual àquelas das estrelas, imitam seus raios circunstantes e seu brilho. Portanto, como o cometa, segundo Galileu também, não possui luz própria por natureza, mas a recebe do Sol, e junto com outros astrônomos de grande fama o consideramos planeta temporário, devia-se raciocinar sobre ele do mesmo modo como sobre a Lua e outros planetas, e cuja condição é tal que quanto menos são distantes do Sol tanto mais brilham, e revestidos de um brilho maior (que deriva disto), observados com a luneta parecem aumentar menos; enquanto o cometa recebe deste instrumento quase o mesmo aumento de Mercúrio, podemos não com muita probabilidade deduzir que o cometa não irradiou aquela luz circundada mais que Mercúrio e por isso não se encontra muito longe; por outro lado, como era aumentado menos que a Lua, precisava colocá-lo circundado de uma luz maior e mais perto do Sol? De tudo isto pode-se compreender com quanta razão afirmamos que o cometa, pois pareceu aumentar muito pouco, deve ser considerado muito mais longe de nós do que a Lua.
Sem dúvida, pela paralaxe observada e também pelo curso do cometa quase sidéreo, nós conhecíamos bastante seu lugar; como, além disso, a luneta o aumentava quase quanto Mercúrio, certamente nenhuma razão teria podido sustentar o contrário; foi lícito tirar daqui um corolário também de grande importância e peso a favor de nossa teoria. Mesmo que soubéssemos, com efeito, que estas coisas podiam ser originadas por muitas causas, justamente por causa da analogia que este corpo luminoso guardava junto a todos os outros corpos celestes em todos os seus fenômenos, pensamos ter recebido da luneta um beneficio bastante grande, pois nosso parecer, já firmado pelo peso de outros argumentos, confirmava ainda mais com o peso do próprio assentimento. Quanto ao restante, porém, acrescentado ao argumento, isto é, as palavras: "Sei que este argumento foi considerado por alguns de pouca importância", etc, clara e honestamente havíamos lembrado antes para que fim estas palavras haviam sido acrescentadas: naturalmente contra aqueles que, enfraquecendo a fé neste instrumento, completamente ignaros das disciplinas de óptica, proclamavam-no enganador e indigno de qualquer confiança. Compreende, então, Galileu, se não me engano, com quanta falta de raciocínio lutou contra nossa opinião a respeito da luneta, que ele considera em tudo de acordo com a verdade e com as suas próprias opiniões: haveria podido conhecer também antes se a tivesse examinado com espírito mais calmo. Como, então, haveríamos podido imaginar que ele não haveria de gostar dessas ideias que considerávamos suas próprias? Mas como estas coisas, segundo a nossa opinião, parecem suficientes, vamos examinar a opinião do próprio Galileu.
Aqui, primeiramente, como V. E. pode ver, iniciamos uma argumentação recortada, como se diz, de velho pano, consistente em diversos fragmentos de proposições, para provar que o lugar do cometa era entre a Lua e o Sol; proposição esta que o Sr. Mário e eu podemos conceder-lhe por completo, sem prejuízo algum, não tendo nós nunca afirmado nada em relação ao lugar do cometa, nem negado que ele possa se encontrar além da Lua, mas falou-se somente que as demonstrações até agora apresentadas pelos autores oferecem dúvidas. E para tirá-las não é de ajuda nenhuma que Sarsi apresente agora uma nova demonstração, mesmo que ela fosse necessária e conclusiva, e provar que esta conclusão seja verdadeira, mesmo que também em torno de conclusões verdadeiras se possa argumentar e silogizar falsamente. Todavia, pelo desejo que eu possuo de pôr à luz as coisas escondidas e chegar a verdadeiras conclusões, apresentarei algumas considerações em relação a estas proposições.
Para maior clareza e compreensão o farei com a maior brevidade possível.
Afirma ele ter deduzido do meu Nunzio Sidereo que as estrelas fixas, sendo aquelas que brilham com luz própria, brilham com uma luz não real, mas aparente. Os planetas, sendo desprovidos de luz própria, não agem assim, especialmente a Lua, Júpiter e Saturno, mas mostram-se quase sem brilho; porém, Vênus, Mercúrio e Marte, mesmo privados de luz própria, brilham muito por causa da vizinhança do Sol, pelo qual são mais abundantemente atingidos. Afirma, além disso, que o cometa, segundo meu parecer, recebe sua luz do Sol, e acrescenta haver ele, junto com autores de renome, considerado o cometa, desde muito tempo, um planeta; assim, a respeito dele pode-se raciocinar como a respeito dos outros planetas, os quais, quanto mais encontram-se perto do Sol mais brilham, e por consequência menos podem ser observados pelo telescópio, e, aumentando o cometa pouco mais que Mercúrio e muito menos que a Lua, com muita razão podia-se concluir que não estivesse muito mais longe do Sol do que de Mercúrio, mas muito mais perto daquele que da Lua. Esta é a teoria que muito bem se ajusta à necessidade de Sarsi, como se a conclusão, deduzida antes dos princípios e meios, dependesse não aquela destes, mas estes dela, e tivessem sido preparados por ele não da grandiosidade da natureza mas da arte muito sutil. Pesquisemos, porém, quanto ela seja conclusiva.
Em primeiro lugar, é completamente falso que eu tenha escrito no Nunzio Sidereo que Júpiter e Saturno não brilhem quase nada e que Marte, Vênus e Mercúrio sejam coroados de muitos raios, porque eu separei só a Lua do resto das outras estrelas, quer fixas quer errantes.
Em segundo lugar, não sei se para concluir que o cometa seja quase um planeta e que, sendo tal, lhe sejam convenientes as propriedades dos outros planetas, seja suficiente que Sarsi e seu Mestre junto com outros autores o tenham considerado e chamado assim. Pois, se a opinião deles fosse tão importante a ponto de fazer aceitar as coisas por eles propostas, eu os rogaria que considerassem e chamassem ouro muitos velhos pedaços de ferro que possuo em casa. Mas, deixando os nomes de lado, qual é a teoria que os induz a considerar o cometa quase um planeta desde muito tempo? Brilhar como os planetas? Mas qual é a nuvem, qual a fumaça, qual a madeira, qual o muro, qual a montanha, atingidos pelo Sol, que não brilham do mesmo tanto? Não percebeu Sarsi no Nunzio Sidereo minha demonstração, isto é,que nossa Terra brilha mais que a Lua? Mas qual é minha opinião sobre o brilho do cometa como um planeta? Eu, por mim, não considero impossível que sua luz possa ser tão fraca e sua substância tão sutil e rala, que, quando alguém se aproximasse dela, sumisse da vista completamente, como acontece com alguns fogos-fátuos que saem da Terra, que são percebidos só durante a noite e de longe, mas de perto desaparecem; da mesma forma que as nuvens distantes são percebidas bem determinadas, e depois, de perto, mostram um pouco de nebulosidade tão indeterminada que alguém, entrando nela, quase não distingue os limites, nem sabe separá-la do ar contíguo. E aquelas projeções de raios solares entre as nuvens, tão semelhantes aos cometas, por quem são percebidas se não por aqueles que lhes são distantes? Tem o cometa alguma coisa em comum com os planetas por causa do movimento? E qual será a coisa separada da parte elementar que, obedecendo ao estado terrestre, não terá o moto diurno de acordo com o resto do universo? Mas se falamos do outro movimento, aquele transversal, este não tem nada a ver com o movimento dos planetas, não sendo criado nem por aquele rumo, nem regulado, nem talvez circular. Mas, deixados de lado os acidentes, acreditará talvez alguém que a substância ou a matéria do cometa tenha alguma coisa a ver com a dos planetas? Pode-se acreditar que ela seja solidíssima, como nos convida a pensar em particular a Lua e em universal a figura bem determinada e imutável de todos os planetas; e, ao contrário, pode-se acreditar que a do cometa dissolva-se em poucos dias; e sua figura, não determinada ao redor, mas confusa e indistinta, nos mostra que a sua substância é mais sutil e mais rala que a névoa e a fumaça. Assim ele quase poderia ser chamado mais um planeta pintado que real.
Em terceiro lugar, eu não sei com quanta perfeição ele possa ter parangonado os raios e o aumento do cometa com o aumento de Mercúrio que, podendo ser observado raríssimas vezes, em todo o tempo da aparição do cometa, ele não apareceu nunca, nem deu a possibilidade de ser observado, encontrando-se sempre muito perto do Sol; posso sem escrúpulo acreditar que Sarsi não fez esta comparação, difícil de se realizar e muito incerta, mas que ele afirma ter realizado porque, sendo assim, serviria melhor para sua causa. Outro indício que mostra como ele não conseguiu fazer esta experiência é-me fornecido pelo fato de que, ao referir-se às observações relativas a Mercúrio e à Lua, com os quais compara as do cometa, parece-me que ele esteja confundindo muito. Aceitando, para concluir, que o cometa se encontre mais longe do Sol que de Mercúrio, precisava afirmar que o cometa possuía menos raios que ele, e observado com o telescópio aumentava mais que ele; todavia, afirmou o contrário, isto é, que não possuía mais raios que Mercúrio e que aumentava quase a mesma coisa, o que significa afirmar que possuía mais raios e menos aumento que Mercúrio. Comparando depois o cometa com a Lua, escreve a mesma coisa (mesmo afirmando escrever o contrário), isto é, que aumentava menos que a Lua e possuía mais raios. Todavia, para chegar a uma conclusão, deduz da identidade das premissas conclusões diferentes, isto é, que o cometa encontra-se mais perto do Sol que a Lua, porém mais distante que Mercúrio.
Para finalizar, afirmando Sarsi ser um lógico exato, não me faz entender por que, na divisão dos corpos luminosos que se irradiam mais ou menos, e que por consequência, observados com o telescópio, recebem um aumento maior ou menor, ele não haja registrado nossas luzes elementares; pois as velas, as tochas acesas observadas a qualquer distância, qualquer pedrinha, lenho ou corpúsculo, até as folhas e as gotas de orvalho atingidas pelo Sol, resplandecem, e de certo ângulo irradiam a par de qualquer estrela mais brilhante, e vistas pelo telescópio observam no aumento o mesmo teor que as estrelas. Assim, termina completamente aquela ajuda a mais que os outros haviam esperado do telescópio para conduzir o cometa no céu e tirá-lo da esfera elementar. Abandonai, portanto, Sarsi, a ideia de poder ajudar vosso Mestre e estai certo de que, para querer sustentar um erro, é necessário perpetrar cem outros e, coisa ainda pior, não conseguir o intento. Gostaria também de pedir-vos para não replicar mais, como o fazeis no final desta vossa parte, que estas são teorias minhas, pois nunca escrevi coisas parecidas, nem as falei, nem as pensei. Basta a respeito do primeiro trecho em exame.
19. Passemos ao segundo: Apesar de ninguém até hoje ter falado que o cometa deve colocar-se entre as aparências vãs, onde não haveríamos necessidade de libertá-lo da acusação de inanidade, pois Galileu acreditou enveredar por outro caminho para explicar o cometa completa e sabidamente, é justo parar e expor com cuidado esta sua nova teoria.
São duas hipóteses que ele cogitou: uma relativa à substância, outra referente ao movimento do cometa. No que diz respeito à primeira, Galileu afirma que esta luz é daquelas que, mostradas mais que criadas pela refração de outra luz, parecem ter mais o nome de sombras de corpos luminosos que ser corpos luminosos, como, por exemplo, os arco-íris, os halos, os parélios e muitas outras coisas semelhantes. No que diz respeito à segunda, Galileu afirma que o movimento dos cometas sempre foi retilíneo e perpendicular à superfície da Terra. Revelando estas suas descobertas, acreditou poder destruir com facilidade as opiniões dos outros. Nós vamos examinar agora com poucas palavras, e sem retórica, quanto de próprio se deva atribuir a estas opiniões (pois a verdade, mesmo nua, é bastante ornada). Mesmo sendo difícil abranger singularmente estas duas proposições, pois são tão conexas que parecem depender uma da outra e sustentar-se reciprocamente, nós nos preocuparemos para que os leitores não fiquem lesados. Por isso, contra a primeira posição de Galileu, afirmo que o cometa não foi simulacro vão de uma luz que iludia os olhos daqueles que o observavam e isto parece-me que não necessita de outra prova para aquele que, ao menos uma vez, seja a olho nu, seja com a luneta, haja observado o cometa. A simples vista manifestava a natureza desta luz, porque, em comparação a outras luzes realíssimas, qualquer um poderá com facilidade julgar se o observado era falso ou verdadeiro. Tycho, examinando as observações de Tadeu Agezio, deduz isto: "O corpo do cometa naqueles dias foi igual, em grandeza, a Júpiter e Vênus, e revestiu-se de uma luz nítida e de um grande esplendor, puro e belo, e sua substância pareceu pura demais para ser conveniente a matérias só elementares, mas era, de preferência, análoga àquela dos corpos celestes ". Tycho acrescenta a isto: "Tadeu foi bom juiz relativamente a este aspecto, haveria podido concluir claramente que este cometa não era elementar".
Sarsi andou figurando antes e arbitrariamente os princípios e os meios que fossem de acordo com as conclusões que ele queria demonstrar; agora parece-me que vai imaginando conclusões para contradizê-las como teorias do Sr. Mário e minhas, muito diversas, ou, ao menos, muito diversamente tomadas, de como são relatadas no Discurso do Sr. Mário. Que o cometa seja, sem dúvida, uma imagem vã e uma simples aparência, nunca foi afirmado com certeza, mas só foi posto em dúvida e levado à consideração dos filósofos com aqueles raciocínios e cogitações que parecem poder garantir que seja verdade. Eis aqui as palavras do Sr. Mário a este propósito: "Eu não afirmo resolutamente que o cometa produza-se assim, mas afirmo que são duvidosos, seja este modo seja os outros dos demais autores; os quais pretenderão estabelecer com certeza seus pareceres. e terão a obrigação de demonstrar que esta e todas as outras posições são vãs e falsas". Mesmo sendo o texto tão diferente, Sarsi afirma que nós temos por certo que o movimento do cometa deve ser necessariamente reto e perpendicular à superfície terrestre. Isto não foi apresentado desta forma, mas simplesmente foi cogitado como ser mais conforme às aparências e satisfazer às mudanças observadas no cometa. Esta hipótese é tão superficialmente apresentada pelo Sr. Mário que no fim ele declara: "Porém é mais conveniente para nós contentarmo-nos com aquele pouco que podemos cogitar mesmo sem ter muita clareza". Porém Sarsi quis mostrar que estas opiniões eram tão firmemente aceitas por mim que imaginou podê-las destruir com facilidade e com meios mais eficazes. Se ele conseguir o agradecerei, pois no futuro deverei preocupar-me com uma hipótese a menos todas as vezes que me venha a ideia de filosofar sobre tal matéria. Por enquanto, pois parece-me que ainda subsiste alguma coisa de vivo no raciocínio do Sr. Mário, moverei algumas objeções às objeções de Sarsi.
Opondo-se Sarsi com grande firmeza à primeira conclusão, afirma que aquele que, mesmo por uma vez, houvesse observado o cometa, não necessitaria mais de argumento algum para conhecer a natureza desta estrela; estrela que, comparada com as outras verdadeiras estrelas, mostrava muito claramente ser verdadeira e não falsa. Assim, como V. E. Ilustríssima entende, Sarsi confia tanto no sentido da visão que considera impossível ser enganado todas as vezes que tentamos fazer uma comparação entre um objeto falso e um real. Eu confesso não ter a visão tão perfeita, pelo contrário, confesso ser como aquele macaco que acredita firmemente ver no espelho outro macaco, e nem reconhece seu erro se quatro ou seis vezes não tenha ido atrás do espelho para agarrar a imagem, tanto aquela imagem se lhe apresente viva e verdadeira. Supondo, então, que aqueles que Sarsi vê no espelho não sejam homens verdadeiros e reais, mas imagens vãs, como nós vemos nossa imagem no espelho, gostaria ardentemente de saber quais são aquelas diferenças visuais por meio das quais tão rapidamente distingue o verdadeiro do falso. Quanto a mim, encontrei-me mil vezes em alguma sala de janelas fechadas, e através de algum pequeno buraco pude perceber o Sol refletindo-se sobre um muro oposto, julgando assim esta mancha, pela vista, uma estrela tão brilhante quanto a Canícula e Vênus. E andando contra o Sol no campo, quantos milhares de corpúsculos, pedrinhas, lisos ou molhados, transformar-se-ão pelo reflexo do Sol em estrelas brilhantíssimas? Mesmo cuspindo no chão, Sarsi sem dúvida perceberá onde cuspiu, pela reflexão solar, uma estrela naturalíssima. Além disso, qual corpo colocado a grande distância, atingido pelo Sol, não aparecerá como uma estrela, especialmente se for tão alto que possa ser enxergado durante a noite, como se enxergam as outras estrelas? E quem distinguiria a Lua, vista durante o dia, de uma nuvem atingida pelo Sol, senão pela diversidade do aspecto e pela grandeza?
Ninguém, com certeza. E enfim, se a simples aparência deve determinar a essência, é necessário que Sarsi aceite que os sóis, as luas e as estrelas, observados em água parada e em espelhos, sejam verdadeiros sóis, verdadeiras luas e verdadeiras estrelas. Em relação a esta parte, mude mesmo Sarsi de opinião, nem acredite que, citando a autoridade de Tycho, de Tadeu Agezio ou de muitos outros, melhore sua condição, a não ser que, por ter tido tais homens como companheiros, desculpe mais seu erro.
20. Continue V. E. Ilustríssima a ler: "Pois, por todo o tempo que nosso cometa brilhou, Galileu, segundo ouvi dizer, permaneceu de cama por uma doença, e nunca talvez pôde, por causa da doença, observar aquele corpo brilhantíssimo, e por isso pensamos dever-se discutir com ele por meio de outra argumentação. Afirma ele mesmo que às vezes, de alguma parte da Terra, um vapor fumacento levanta-se acima da Lua e também acima do Sol, e, logo que saído do cone sombreado da Terra, olhou para a luz do Sol da qual como que concebeu e gerou o cometa; e o movimento ou a subida de um tal vapor não é vago ou incerto mas retilíneo e sem ser desviado para parte alguma. Assim afirma ele, mas nós colocamos na nossa balança o peso destas afirmações. Primeiro, sabemos que esta matéria fumacenta e úmida, tendo subido casualmente da Terra nos dias em que, dominando amplamente o céu bóreas violentíssimas, facilmente poderia haver sido dispersada e dissipada. É pois, digno de admiração como impunemente corpúsculos tão sutis e leves, entre a ira do vento violentíssimo, puderam ter chegado até o alto com um proceder constante através do caminho enveredado no começo, quando nem pesos consideráveis confiados ao vento podiam vencer o ímpeto e a força. Eu considero muito contraditório que um vapor muito leve suba e suba em linha reta, e mal acredito que isto haja podido acontecer entre as várias mudanças do vento. E acrescenta que, garante Galileu, nem nas mais altas regiões dos planetas faltam condensações e rarefações de tais corpos fumacentos, e por isso nem aqueles movimentos vagos e incertos pelos quais é necessário que sejam levados.
Que os vapores fumacentos de alguma parte da Terra subam além da Lua, e até além do Sol, e que saídos do cone da sombra terrestre sejam engravidados pelos raios solares e que então gerem o cometa, nunca foi escrito pelo Sr. Mário nem foi afirmado por mim, apesar de Sarsi atribuí-lo a mim.
Aquilo que o Sr. Mário escreveu é que não é impossível que algumas vezes possam elevar-se da Terra exalações e outras coisas parecidas, mas muito mais sutis que de costume, que subam além da Lua e possam ser matéria geradora do cometa, e que às vezes originem-se sublimações extraordinárias relativas à matéria dos corpúsculos, exemplificando-o por meio da aurora boreal. Porém não afirma que aquela seja numericamente a mesma matéria dos cometas, que necessita ser muito mais rala e sutil que os vapores dos corpúsculos e do que a matéria da assim chamada aurora boreal, tendo aceito que o cometa resplende muito menos que a aurora; assim, se o cometa se ampliasse, por exemplo, rumo ao oriente, na cândida alvorada, enquanto o Sol não se encontrasse longe do horizonte mais do que 6 ou 8 graus, sem dúvida não se perceberia, por ser menos brilhante do que seu próprio ambiente. E com a mesma probabilidade, não certeza, atribuiu-se à mesma matéria o movimento retilíneo em ascensão. E isto seja afirmado não para retratarmo-nos por medo das oposições de Sarsi, mas só para mostrar que não nos afastamos do nosso hábito, que consiste em não afirmar como verdadeiras a não ser as coisas que conhecemos como indiscutíveis, como nos ensina nossa filosofia e nossa matemática. Agora, partindo do ponto de vista de que houvéssemos verdadeiramente afirmado aquilo que Sarsi fala, examinemos suas posições.
Sua primeira oposição baseia-se na impossibilidade de os vapores subirem ao céu, em linha reta, enquanto que verificamos que um papagaio é empurrado pelo ar com movimento transversal, assim como as outras coisas que se encontram nele; e o mesmo verificou-se por muitos dias depois do aparecimento do cometa. A oposição é verdadeiramente inteligente, mas perde muito de sua força lógica porque, segundo notícias seguras, naqueles dias, nem na Pérsia nem na China verificaram-se perturbações atmosféricas; e eu acreditarei que de umas daquelas regiões se origina a matéria do cometa, se Sarsi provar que ele não é originário de lá, mas de Roma, onde ele percebeu o vento boreal.
Mas, mesmo que o vapor saísse da Itália, quem pode saber se ele não se houvesse posto em viagem antes dos dias de vento, muitos dias antes de sua chegada ao orbe do cometa, longe da Terra, segundo a relação do Mestre de Sarsi, quatrocentos e setenta mil milhas mais ou menos; porque, para empreender uma viagem tão comprida, é necessário bastante tempo, pois a subida dos vapores, por aquilo que podemos observar em relação àqueles perto da Terra, não atinge a velocidade do voo das aves; assim não seriam suficientes quatro anos para concluir tamanha viagem. Mesmo aceitando que estes vapores pudessem se movimentar em época de vento, Sarsi, que acredita piamente nos historiadores e nos poetas, não poderá negar que o impulso dos ventos não sobe mais de duas ou três milhas, já que existem montes cujo cume vai além da região dos ventos. Assim, o máximo que ele poderá concluir é que dentro deste espaço os vapores movimentam-se transversal e não perpendicularmente; porém, fora deste espaço desaparece o impedimento que os desvia do caminho retilíneo.
21. Veja mais V. E. Ilustríssima: Aceitamos que estes vapores possam manter, através dos ventos, suas direções e rumar para onde possam receber os raios diretos do Sol, enviando-os a nós refletidos. Por que, então, recebendo em toda a sua extensão a luz do Sol, no-la mostram somente em uma mínima parte de si? Com certeza, sendo o próprio Galileu testemunha, quando nos dias de verão um vapor não diferente indo rumo ao norte mais alto que de costume apresenta-se à luz do Sol, então, imergido em luz brilhantíssima, mostra-se muito brilhante em todas as suas partes, para utilizar sua próprias palavras, nos reflete mesmo de noite a aurora boreal; e não se mostra tão avarento do esplendor recebido que não permita que a reflexão da luz do Sol, que ele recebeu em toda a sua extensão, nos apareça apenas através de um pequeno buraco. Eu mesmo verifiquei, não somente em tempo de verão, mas no mês de janeiro, quatro horas depois do pôr do sol, algo ainda mais maravilhoso, isto é, uma pequena nuvem, cândida e brilhante, tão rarefeita que não encobria nem as estrelas menores, e os dons de luz que havia recebido do Sol ela os expandia livremente, com alma generosa, por todos os cantos. Então todas as nuvens (admitindo que tenham alguma afinidade com a matéria do cometa), se são tão densas e obscuras que não possam refletir livremente os raios do Sol, ao menos na parte virada para o Sol o refletem para nós com generosidade recíproca; porém, se são ralas e sutis, e a luz facilmente as penetre integralmente, não mostram obscuridade em parte alguma, mas oferecem aos olhos inundados uma luz esplendorosa. Então, se o cometa não se forma de outra matéria que não seja vapores fumacentos, não Juntados globalmente mas, como o próprio Galileu afirma, ocupando um espaço suficientemente vasto do céu, brilhando em toda parte com a luz do Sol, qual é a causa pela qual brilham sempre para aqueles que o observam só de um pequeno e estreito disco, e as outras partes deste mesmo vapor, iluminadas pelo Sol com mesma luz, não aparecem? Dificilmente tudo isto pode ser explicado com o exemplo do arco-íris, em cuja formação acontece a mesma coisa que evidentemente só de uma parte da nuvem volta ao olho, quando, entretanto, em todo o espaço iluminado pelo Sol a própria diversidade das cores seja gerada de sua luz. Com efeito, o arco-íris e outros meteoros, se existirem, requerem de preferência matéria úmida e com tendência a mudar-se em água; pois esta matéria só quando se derrete em água, imitando a natureza dos corpos leves, puros e transparentes, reflete a luz só na parte onde formam ângulos de reflexão e de refração necessários a tudo isto, como percebemos nos espelhos, na água e no gelo. Depois, se alguma emanação encontrar-se mais rarefeita ou mais seca, acontece porque ela não possui superfície lisa como os espelhos, nem reflete muitos raios. Visto necessitar-se de um corpo liso para que haja reflexão e necessitar-se de sua densidade para a refração (coisas que nunca se encontram nas impressões meteorológicas, a não ser quando a natureza delas possui muita água, como ensinaram não só Aristóteles mas também todos os mestres de óptica, e a própria razão persuade com muita eficácia), segue disto necessariamente que emanações semelhantes possuirão, por natureza própria, um certo peso, e por isto menos aptas a subir acima da Lua e do Sol, pois o próprio Galileu admite que devem ser muito sutis e leves aqueles que voam até lá em cima. Portanto, não daquele vapor fumacento e rarefeito, e na verdade de peso algum, poderá refletir para nós aquela imagem brilhante de luz: o vapor aguado, na verdade, sendo pesado, não poderá subir deforma alguma.
Depois de observado por muitas experiências, parece-me ser esta a condição humana em relação às coisas intelectuais: quanto menos entende-se e sabe-se, com tanta mais força quer-se discutir; e, pelo contrário, mais coisas são conhecidas menor é a tendência de discutir resolutamente sobre qualquer novidade. Nasceu em um lugar muito solitário um homem dotado por natureza de grande inteligência e de extraordinária curiosidade. Criando por prazer grande diversidade de aves, gostava enormemente do seu canto, e com muita admiração observava de que modo, por meio do próprio ar que respiravam, conseguiam formar ao seu arbítrio cantos diferentes e todos suavíssimos. Acontece que uma noite perto de casa escutou um som delicado, e, nem podendo imaginar que fosse outra coisa a não ser uma pequena ave, foi buscá-la. Chegando à estrada encontrou um pequeno pastor que, assoprando num pedaço de madeira furada e movimentando os dedos sobre a madeira, uma vez fechando e uma vez abrindo determinados buracos, conseguia produzir aquelas vozes diferentes, semelhantes às de um pássaro, mas de forma bem diversa. Admirado e movido pela sua curiosidade natural, deu de presente um bezerro ao pastor para obter aquela flauta. De regresso à sua casa e percebendo que se não houvesse encontrado por acaso aquele pastor nunca haveria aprendido que existiam na natureza duas formas diversas de criar vozes e cantos suaves, quis sair de casa procurando encontrar outras aventuras. Aconteceu que no dia seguinte, passando perto de uma pequena choça, escutou ressoar dentro dela uma voz semelhante. Para ter certeza se era uma flauta ou um pássaro, entrou e encontrou um menino que estava serrando, com um pequeno arco segurado na mão direita, alguns nervos estendidos sobre um lenho côncavo, enquanto sustentava com a mão esquerda o instrumento sobre o qual, movimentando os dedos e sem sopro algum, extraía dele vozes diversas e suaves. Qual foi seu espanto pode ser julgado facilmente por aquele que possuir a mesma inteligência e a mesma curiosidade dele que, vendo aumentar, de duas novas formas, a maneira de produzir uma voz e um canto tão inusitados, começou a acreditar poderem existir ainda outros na natureza. Mas qual foi sua surpresa quando, entrando em um determinado templo, começou a olhar atrás da porta para ver quem estava tocando e percebeu que o som havia saído dos ferros da porta ao abri-la? Em outra ocasião, empolgado pela curiosidade, entrou em um boteco e, acreditando encontrar outra vez alguém que com o arco tocasse as cordas de um violino, viu uma pessoa que, esfregando o dedo sobre a orla de um copo, conseguia produzir um som suavíssimo. Mas logo que observou que as abelhas, os pernilongos e as moscas, com o rapidíssimo bater das asas, e não como suas primeiras aves que respirando formavam vozes ininterruptas, produziam um som perpétuo, tanto aumentou sua admiração que diminuiu sua confiança sobre o conhecimento da origem do som. Nem todas as experiências já observadas haveriam sido suficientes para fazer-lhe entender ou acreditar que os grilos, não voando, conseguiam, não por meio do sopro mas com o movimento das asas, produzir sons tão doces e sonoros. Mas quando acreditou não poderem existir outras formas possíveis de produzir vozes, depois de haver observado, além das maneiras já relatadas, ainda tantos órgãos, trompas, flautas e instrumentos de corda de todos os tipos, até chegar à aquela pequena lâmina de ferro que, suspensa entre os dentes, usava de forma muito esquisita a cavidade bucal para dar corpo à amplificação do sopro permitindo a passagem do som, quando, repito, na hora que acreditava haver conhecido tudo, encontrou-se ainda mais no escuro e na ignorância, quando, havendo encontrado uma cigarra que nem fechando-lhe a boca e nem fechando-lhe as asas conseguia diminuir seu altíssimo estridor, não percebeu movimento algum de escamas nem de outras partes. Finalmente, levantando-lhe a caixa dos pulmões e observando embaixo dela algumas cartilagens duras mas sutis, e acreditando que o som fosse originado do seu movimento, resolveu quebrá-las para fazê-la parar, mas tudo foi em vão.
Então, fincando uma agulha mais funda no corpo da cigarra, passando-a, tirou-lhe junto com a voz a vida e assim não pode mais pesquisar se o canto era originado verdadeiramente por aquelas membranas. Tornou-se tão descrente sobre seus possíveis conhecimentos em relação aos sons que todas as vezes que alguém lhe perguntava sua opinião sobre a origem dos sons, generosamente respondia não conhecer causa alguma, mas que estava resolvido a acreditar que pudessem existir cem outras maneiras, ainda desconhecidas e impensáveis.
Eu poderia dar muitos exemplos da variedade da natureza em produzir seus efeitos de maneira inimaginável para nós, se o sentido e a experiência não nos explicitassem sem, muitas vezes, suprir nossa incapacidade. Assim, se eu não souber, com exatidão, determinar a produção do cometa, deverão ser aceitas minhas desculpas, especialmente porque nunca afirmei poder dar esta explicação sabendo que ela poderia verificar-se de forma muito alheia à nossa imaginação. A dificuldade de entender como se forma o canto da cigarra, enquanto ela canta na mão, desculpa de sobra não saber como pode formar-se um cometa tão longe de nós. Para frisar, então, a primeira intenção do Sr. Mário e minha, isto é, promover aquelas dúvidas que parecem abalar as opiniões manifestadas até agora e propor alguma nova teoria para examinar se existe alguma coisa que possa esclarecer e abrir o caminho rumo à verdade, continuarei a raciocinar sobre as teorias manifestadas por Sarsi, que considerou improváveis nossos argumentos.
Continuando Sarsi sua exposição e aceitando serem os vapores ou outra matéria aptos a formar o cometa, seu elevar-se da Terra e subindo muito alto, onde pudesse receber diretamente os raios solares refletindo-os para nós, é difícil imaginar de que forma, sendo completamente iluminada, reflita até nós só a luz de uma pequena parte, e não acontece como aqueles vapores que nos apresentam aquela intempestiva aurora boreal, vapores que, sendo todos iluminados, mostram todos suas luzes.
Afirma depois ter observado, pelo meio da noite, uma coisa maravilhosa, isto é, uma pequena nuvem no zênite que, sendo toda iluminada, refletia livremente seu brilho de todas as suas partes, e acrescenta que, se todas as nuvens forem espessas e opacas, nos refletem a luz do Sol com toda a sua parte visível, porém se elas forem ralas, assim que a luz as penetre, mostrar-se-ão a nós brilhantes e não opacas; então, se o cometa forma-se com tais vapores fumacentos muito espalhados, como afirma o Sr. Mário, e não reunidos em círculo, sendo atingidos pelo Sol por todas as partes, por qual razão nós recebemos sua reflexão de uma pequena parte e não de todo o restante igualmente iluminado? Mesmo que as soluções destas perguntas estejam completamente resolvidas no Discurso do Sr. Mário, eu as relatarei aqui colocando-as acertadamente e acrescentando alguma outra consideração, conforme for solicitado pela matéria.
Em primeiro lugar, Sarsi deveria sem dificuldade conceder que só de um lado particular de toda a matéria sublimada pelo cometa verifica-se a reflexão da luz do Sol a uma visão particular, apesar de ser toda iluminada; tendo nós mil experiências semelhantes a favor, contra uma que pareça ser contrária, facilmente, entre as de Sarsi contrárias a esta posição, encontraremos muitas outras favoráveis. É certo que qualquer espelho plano exposto ao Sol fica por ele iluminado em toda a sua superfície; o mesmo acontece com qualquer pântano, lago, rio, mar, ou seja, com qualquer superfície lisa de qualquer material; porém, a uma vista particular não corresponde a reflexão do raio solar, a não ser de um lugar particular desta superfície, cujo lugar muda, mudando o olho do observador. A superfície externa de nuvens sutis, mas muito espalhadas, é toda iluminada pelo Sol de forma igual; todavia, o halo e os periélios não aparecem a um olho particular a não ser em um único lugar, e este, com o movimento do olho, muda de lugar dentro da nuvem.
Sarsi afirma: Aquela matéria sutil sublimada que produz aquela aurora boreal vê-se também toda iluminada, como ela o é de verdade. Porém, pergunto eu a Sarsi de onde lhe vem esta certeza. E ele pode responder-me somente que não percebe parte alguma que não seja iluminada, assim como acontece com o resto da superfície dos espelhos, das águas, dos mármores, além daquela pequena parte que reflete a viva luz do Sol. Porém advirto-o de que, se a matéria fosse transparente, não distinguiria nada mais que aquele esplêndido raio refletido, como acontece às vezes que a superfície do mar não se distingue do ar, mesmo que se veja imagem reflexa do Sol; e assim, colocado um vidro sutil a uma determinada distância, poderá mostrar-nos aquela sua pequena parte que reflete alguma luz, ficando o resto invisível por causa de sua transparência. Este erro de Sarsi é semelhante àquele dos que afirmam que criminoso algum deve confiar que seu crime possa ficar oculto, nem percebem a incompatibilidade que existe entre permanecer oculto e ser descoberto, e quem quisesse ter duas cadernetas, uma dos delitos que permanecem ocultos e outra daqueles que são descobertos em cuja caderneta dos ocultos nunca poderia registrar-se coisa alguma. Afirmo, então, que não me oponho à crença de que a matéria da aurora boreal seja muito ampla e uniformemente iluminada pelo Sol50; como, porém, não posso descobrir e observar a não ser aquela parte cuja refração meu olho pode captar, permanecendo invisível todo o restante, tenho a ilusão de perceber tudo. E que mais? A propósito dos vapores crepusculares que circundam a Terra, não permanece iluminado pelos raios solares sempre um hemisfério? Com certeza sim; todavia, aquela parte que se interpõe diretamente entre o Sol e nós mostra-se a nós muito mais luminosa do que as partes mais distantes. Mas esta, como ainda outras, é pura aparência e ilusão de nosso olho, pois, encontrando-nos em qualquer lugar, sempre observamos o Sol como centro de um círculo luminoso, mas que gradualmente vai perdendo o brilho, segundo se encontre à direita ou à esquerda deste centro; para outros, mais para o boreal, parece mais escura aquela parte que a mim parece mais clara, e mais brilhante aquela que a mim apresentava-se mais escura. Podemos, assim, afirmar a existência de um halo perpétuo e grande ao redor do Sol, figurado na superfície convexa que termina a esfera de vapor, cujo halo, da mesma forma que o outro, que às vezes nasce de uma nuvem sutil, muda de lugar segundo a mudança do observador. Em relação à pequena nuvem que Sarsi afirma ter observado brilhar na noite profunda, poderia perguntar-lhe que certeza tem ele de ela não ser maior do que aquela que aparece, especialmente afirmando ele que era tão transparente que não escondia estrelas fixas, mesmo mínimas, pois não possuía indício algum para garantir que ela se ampliasse invisivelmente como transparente, muito e muito além da parte brilhante observada: por isso é ainda duvidoso se ela não é uma aparência que muda como as outras segundo a mudança do olho. Além de não haver nada em contrário que ela apareça inteiramente brilhante e seja, da mesma forma, uma ilusão, o que acontecerá se ela não fosse maior do que aquele espaço que vem a ser ocupado pela imagem do Sol, assim que, observando a imagem do Sol, por exemplo, ocupar num espelho tanto espaço quanto uma unha, nós cortássemos fora o restante, não há dúvida de que este pequeno espelho poderá nos aparecer brilhante de todo. Além disso, quando o pequeno espelho fosse menor do que a imagem, então poder-se-ia observar não só tudo iluminado mas sua imagem não pareceria movimentar-se a cada movimento do olho, como no espelho grande; e até por ser ele incapaz de toda imagem do Sol, segue que, movendo-se o olho, veria a reflexão ora de um lado ora de outro do disco solar; assim a imagem pareceria imóvel, até que o olho se dirija à parte que não produz reflexão, ela se perderia completamente. É muito importante, então, considerar a grandeza e a qualidade da superfície que reflete, pois, conforme a superfície seja menos limpa, a imagem do mesmo objeto se apresentará sempre maior, pois, às vezes, antes que a imagem passe por todo o espelho, será necessário que o olho passe por muito espaço, e esta imagem parecerá fixa então, mesmo que na realidade seja móvel.
Para explicar melhor um ponto importantíssimo e que talvez possa solicitar, não digo Sarsi, mas algum outro, pense V. E. Ilustríssima encontrar-se numa praia com um tempo tranquilo e o Sol já descendo no ocaso. Perceberá, então, sobre a superfície do mar que está na metade do círculo máximo da esfera celeste que passa pelo disco solar, o reflexo brilhantíssimo do Sol, mas não muito amplo; se, pelo contrário, como já falei, a água for muito calma, verá a imagem do disco solar bem definida como num espelho. Se uma pequena brisa começa a movimentar a superfície da água, na mesma hora verá V. E. Ilustríssima a imagem do Sol quebrar-se em muitas partes, ampliando-se e difundindo-se. E, enquanto próxima, poderiam se distinguir cada uma das partes da imagem quebrada; todavia, sendo longe, não se perceberia esta separação, quer pelos breves intervalos entre as partes, quer pelo grande brilho das partes cintilantes, que se misturaram, como acontece com muitos fogos perto entre si e que de longe parecem ser um só. Se a água se movimentar sempre mais por espaços sempre maiores, ampliar-se-á a multidão dos espelhos que refletirão, segundo as diversas inclinações das ondas, a imagem do Sol quebrada. Mas distanciando-se sempre mais e subindo numa colina ou outra elevação para poder enxergar melhor o mar, o campo brilhante parecerá único e contínuo. Aconteceu-me enxergar de cima de uma montanha altíssima e distante do mar de Livorno sessenta milhas, com um tempo sereno mas de ventania, uma hora antes do pôr do sol, uma tira brilhantíssima à direita e à esquerda do Sol, que ocupava em comprimento muitas dezenas, até muitas centenas de milhas, a qual era, porém, como as outras, uma mesma reflexão da luz do Sol. Agora, imagine, Sarsi, que da superfície do mar, com o mesmo movimento de ondas, grande parte tivesse se retraído para as orlas deixando só no meio, isto é, face ao Sol, um comprimento de duas ou três milhas: esta, com certeza, seria observada completamente iluminada, e imóvel mesmo, com respeito a qualquer movimento que o observador houvesse realizado à direita ou à esquerda; só depois de movimentar-se por alguma milha começaria a desaparecer a parte esquerda da imagem, se ele estivesse caminhando para a direita, e a imagem esplendorosa diminuiria até que, adelgaçando-se, desapareceria por completo. Disto resulta que a imagem é móvel em relação à imagem do observador, pois, mesmo observando-a toda, perceberíamo-la toda ainda movimentar-se, encontrando-se seu meio sempre à direita do Sol, apesar de aparecer a muitos outros que a observem no mesmo momento como encontrando-se em outros pontos do horizonte.
Eu não quero esconder de V. E. Ilustríssima aquilo que eu lembrei neste ponto para a solução do problema do mar. Espertos marinheiros conhecem às vezes o vento que chegou a eles depois de algum tempo, observando o ar que, nesse caso, mostra-se mais claro, daquele lado, do que deveria ser.
Imagine V. E. Ilustríssima se isto poderia derivar do fato de se encontrar já naquela parte o vento que, movimentadas as ondas, faz nascer, como por espelhos multiplicados infinitamente e difundidos amplamente, o reflexo do Sol muito maior do que se o mar fosse tranquilo, permitindo que seja muito mais iluminada por esta nova luz aquela parte do ar vaporoso por meio do qual este reflexo difunde-se, cujo ar ofereça ainda algum reflexo de luz aos olhos dos marinheiros, os quais, encontrando-se embaixo, não podiam perceber a primeira reflexão daquela parte de mar já movimentada pelos ventos e distante deles vinte ou trinta milhas; e que esta seja a sua previsão do vento distante.
Mas, continuando nosso primeiro discurso, afirmo que os raios solares não refletem, com a mesma grandeza, a imagem do Sol sobre todos os materiais, isto é, sobre todas as superfícies; mas sobre algumas (isto é, as planas e lisas como um espelho) nos aparece o disco solar semelhante ao verdadeiro, nas superfícies convexas mas lisas nos aparece menor, e nas côncavas às vezes menor e às vezes maior, às vezes mesmo igual, segundo as diversas distâncias entre o espelho, o objeto e o olho.
Porém, se a superfície não for igual mas sinuosa e cheia de cavidades ou elevações e como se fosse composta por milhares de pequenos espelhos colocados com várias inclinações, expostas aos olhos de mil modos, então a mesma imagem do Sol chegará ao nosso olho de mil partes e dividida em mil pedaços, os quais ampliar-se-ão, imprimindo nesta superfície um amplo conjunto de pequenas manchas brilhantes, cuja frequência originará a ilusão de um único campo de luz contínua visto de longe, mais brilhante e viva no meio que nas extremidades, onde diminui e desaparece, enfim, quando por causa da obliquidade do olho em relação a esta superfície os raios visíveis não encontram mais ondas que se refletem contra o Sol. Esta imagem resulta ainda móvel de acordo com o movimento do olho, se, porém, além de seus limites, continua a superfície que reflete; mas, se a quantidade da matéria ocupar um pequeno espaço, muito menor do que o da imagem inteira, poderá acontecer que, ficando fixa a matéria e movimentando-se o olho, ela continue a aparecer brilhante, até que, tendo chegado o olho àquele termo do qual, pela obliquidade dos raios incidentes sobre a matéria, as reflexões não se dirigem mais rumo ao Sol, a luz desaparece e perde-se. Não concordo com Sarsi que quando ele vê uma nuvem suspensa no ar, bem determinada e toda brilhante, que permanece tal apesar de o olho ir se movimentando, não pode ter a certeza de que esta luz seja mais real do que um halo, do que os periélios, do que o arco-íris, e do que a reflexão sobre a superfície do mar; porque afirmo-lhe que a sua consistência e sua aparente estabilidade podem depender da pequenez da nuvem que não consegue receber toda a amplidão da imagem do Sol; e esta imagem, em relação à posição das partes da superfície da nuvem, ampliar-se-ia, se não lhe faltasse matéria, num espaço muito maior da nuvem, e quando se visse inteiro e o campo das nuvens se adiantasse a ele, afirmo que apareceria movimentando-se inteiramente em relação ao movimento do olho. Prova-o o fato de termos visto muitas vezes, ao nascer e ao pôr do sol, muitas pequenas nuvens colocadas perto do horizonte, das quais as que se encontram face ao Sol tornam-se brilhantíssimas e quase de fino ouro, das laterais as menos distantes do meio são ainda mais brilhantes do que as mais distantes, as quais vão aparecendo gradualmente menos claras até ficar praticamente nulo o brilho das mais distantes: nulo para nós, mas, para quem se encontrasse num lugar onde elas permanecessem entre seu olho e o lugar onde o Sol se põe, mostrar-se-iam brilhantíssimas para ele e obscuras a nós as mais esplendorosas. Entenda, então, Sarsi, que se as nuvens não fossem quebradas mas fossem uma longa extensão contínua, a sua parte central pareceria brilhante a qualquer um dos observantes e gradualmente menos claras as laterais, conforme a distância de seu meio, porque onde eu posso ver o maior brilho, para outros é o menor. Mas alguém poderia agora afirmar que, uma vez que aquela parte da nuvem permanece fixa e sua luz não parece movimentar-se pela mudança de lugar do observador, isto seria suficiente para fazer com que a paralaxe opere na determinação de sua altura, e que, podendo acontecer o mesmo com o cometa, o uso da paralaxe seja suficiente para quem queira mostrar o lugar dela. Poder-se-ia responder a esta objeção que este argumento resultaria verdadeiro se fosse demonstrado antes que o cometa não é uma inteira imagem do Sol, mas só uma parte da imagem, assim como a matéria que forma o cometa é não só toda iluminada mas que a imagem do Sol é maior que ela, de modo que é bastante para iluminar um campo muito maior, existindo matéria apta a refletir a luz. Isto não foi demonstrado e pode ser diferente, isto é, que o cometa seja uma inteira imagem, não mutilada, como nos faz acreditar sua aparência bem regulada e simétrica. E daqui pode-se deduzir uma resposta fácil e razoável à pergunta que Sarsi coloca, isto é, como pode acontecer que, acreditando, segundo a colocação de Mário, o cometa esteja num campo muito extenso em altura que não se ilumine inteiramente mas nos reflita só um círculo parcial, sem que as outras partes, mesmo atingidas pelo Sol, não apareçam nunca. Farei, então, a mesma pergunta a ele e ao seu Mestre, que não desejando que o cometa seja um fogo, mas querendo acreditar (se não me engano) que ao menos sua cauda seja uma reflexão dos raios solares, se eles acreditam que o material que produz uma reflexão seja recortado da medida desta cauda, inteiro, que tenha de algum lado; e se sobrar (como acredito que me responda), por que não é percebida, uma vez que é atingida pelo Sol?
Não se pode afirmar que o reflexo seja originado pela substância do éter, substância que, muito transparente, não serve para isto, nem pode-se originar em outro material que, mesmo apto à reflexão, seria também apto a refletir os raios solares. Além disso, não sei por que razão ele chama um pequeno círculo a cabeça do cometa que seu Mestre conseguiu medir em 87.127 milhas quadradas, não sei com quais inteligentíssimos cálculos, quando nuvem alguma, acredito eu, pode alcançar tal medida.
Acrescenta Sarsi, imitando aquele que por muito tempo acreditou que o som pudesse ser produzido de uma única forma, não ser possível que o cometa se origine do reflexo daqueles vapores fumacentos, e que o exemplo do arco-íris não resolve a dificuldade, sendo ele uma ilusão visual: pois o arco-íris e outras coisas semelhantes são originados pela umidade da matéria que já está se transformando em água, que só naquele momento, imitando a natureza dos corpos líquidos, reflete a luz daquela parte onde se produzem os ângulos da reflexão e da refração, procurados como acontece nos espelhos, na água e nas bolas de cristal; mas, nos outros materiais ralos e secos, não possuindo superfície lisa como os espelhos, não se origina muita refração, procurando-se, então, para esta finalidade, uma matéria aguada, por conseguinte, muito pesada e inapta a subir além da Lua e do Sol, aonde podem chegar (também segundo minha opinião) só exalações levíssimas. O cometa, então, não pode ser produzido por tais fumacentos vapores. Uma resposta suficiente a toda esta argumentação seria afirmar que o Sr. Mário nunca limitou-se a afirmar qual seja a matéria originária e precisa do cometa, nem se ela é úmida ou fumacenta, seca ou lisa, e sei que ele não se envergonhará em afirmar que não a conhece. Porém, vendo que em vapores, nuvens ralas e não aguacentas, e naquelas que se dissolvem já em pequenas gotas, nas águas paradas, nos espelhos e outras matérias, aparecem por reflexão e refração muitas imagens ilusórias, considerou não ser impossível que na natureza exista ainda uma matéria apta a nos oferecer mais uma imagem diversa das outras, isto é, o cometa. Tal resposta, afirmo eu, é bem adequada à pergunta, se cada parte da pergunta for exata: todavia, o desejo de ajudar (como muitas vezes já confirmei) a pesquisa da verdade, pelo que me cabe, leva-me a fazer algumas considerações sobre determinados particulares contidos nesses discursos.
Em primeiro lugar, é verdade que numa emanação de pequeníssimas gotas de água recebemos a ilusão do arco-íris, mas não acredito que, pelo contrário, uma ilusão semelhante não se verifique sem tal emanação. O prisma triangular cristalino perto dos olhos nos apresenta todos os objetos das cores do arco-íris; muitas vezes, vê-se o arco-íris também em nuvens secas, sem que caia chuva alguma.
Não podemos ver também as mesmas ilusões de cores diversas nas penas de muitas aves, enquanto o Sol as atinge de várias formas? E que mais? Gostaria de anunciar a Sarsi alguma novidade se existisse alguma novidade a contar. Pegue ele qualquer matéria, seja pedra, madeira ou metal, e expondo-a ao Sol, observe-a atentamente e poderá observar nela todas as cores repartidas em pequeníssimas partes; e se ele usufruir, para observá-las melhor, de um telescópio adaptado a observar os objetos muito próximos, muito mais distintamente perceberá aquilo de que estou falando, sem necessidade que aqueles corpos transformem-se em orvalho ou vapores úmidos. Além disso, aquelas pequenas nuvens que ao pôr do sol mostram-se brilhantíssimas e refletem a luz do Sol tão viva que quase nos cega, são das mais ralas, secas e estéreis nuvens que existem no ar, e as úmidas, em vez, quanto mais estão cheias de água mais se mostram a nós escuras. O halo e os periélios verificam-se sem chuvas e sem umidade nas mais ralas e secas nuvens ou vapores que se encontrem no ar.
Segundo, é verdade que as superfícies bem lisas, como as dos espelhos, nos oferecem um poderoso reflexo da luz do Sol; assim, a muito custo podemos observá-la sem ofender a vista; porém, é também verdade que superfícies não muito lisas refletem com menos força se menor for a sua limpeza.
Veja agora, V. E. Ilustríssima, se o esplendor do cometa é daqueles que cegam a vista, ou é daqueles que por fraqueza não ofendem em nada; e disto julgue se para produzi-lo seja necessário uma superfície semelhante àquela de um espelho, e seja suficiente uma menos lisa. Eu gostaria de mostrar a Sarsi um modo de originar uma reflexão muito semelhante àquela do cometa. Pegue V. E. Ilustríssima uma garrafa de vidro bem limpa, e com uma vela acesa não muito distante do recipiente perceberá, em sua superfície, uma imagem bem pequena desta luz, clara e determinada. Pegando depois com a ponta do dedo uma mínima quantidade de qualquer matéria que possua um pouco de gordura, de modo que se junte ao vidro, engordure o mais sutilmente que puder aquela parte onde se percebe a imagem da luz até que a superfície fique um pouco nublada. Movimente depois a garrafa de maneira que a imagem saia da gordura e pare ao contato com ela; passe depois o dedo uma única vez horizontalmente sobre a parte gordurosa. Imediatamente verá originar-se um raio reto como a cauda do cometa, e este raio cortará transversalmente e em ângulos retos a linha do dedo que V. E. produziu, e, se V. E. voltar a passar o dedo numa outra direção, este raio originar-se-á em outra direção. Isto acontece porque, devido à pele dos nossos dedos não ser lisa, mas marcada por algumas linhas sinuosas para permitir melhor o tato e perceber as mínimas diferenças entre as coisas tangíveis, movimentando o dedo sobre esta superfície gordurosa, deixa alguns sulcos sutis no interior dos quais produzem-se os reflexos da luz, os quais, sendo muitos e dispostos ordenadamente, apresentam depois uma Unha brilhante, em cuja extremidade, se produzirmos, movimentando o vaso, aquela primeira imagem realizada na parte não gordurosa, perceber-se-á a cabeça da cauda mais brilhante e a cauda menos brilhante; o mesmo efeito produzir-se-á se, em vez de se engordurar o vidro, ficar embaçado soprando em cima. Eu peço a V. E. Ilustríssima que, se alguma vez por acaso Sarsi chegar a conhecer esta brincadeira, explique por mim bem claramente que eu não entendo com isso afirmar que exista no céu uma grande garrafa e alguém que a engordure, produzindo assim o cometa; simplesmente eu apresento este exemplo e poderei apresentar muitos outros que possam encontrar-se na natureza, ainda indefinidos a nós, como argumentos de sua riqueza de modos diferentes entre eles para produzir seus efeitos.
Em terceiro lugar, que reflexão e refração não podem ser produzidas por matérias e impressões meteorológicas a não ser quando contêm muita água, porque só neste caso apresentam superfícies lisas e limpas, condições estas necessárias para produzir tal efeito, asseguro que não é verdade que não possa ser diferente. No que diz respeito à limpeza, afirmo que mesmo sem ela produzir-se-á a reflexão da imagem unida e distinta. Afirmo assim porque a imagem quebrada e confusa é produzida por todas as superfícies, desiguais e ásperas; porém, aquela imagem de um pano colorido, que se vê distintíssima num espelho oposto, vê-se confusa e quebrada sobre o muro que reproduz uma determinada sombra da cor deste pano. Se V. E. Ilustríssima pegar uma pedra ou uma ripa de madeira não tão lisa que reflita perfeitamente as imagens, e colocar-se em direção oblíqua ao olho, como se quiséssemos verificar se ela é plana e reta, perceberá distintamente sobre ela as imagens dos objetos que se encontrarem encostados do outro lado da ripa, tão distintas que, apoiando um livro em cima, poderá ser lido comodamente. Mas se este experimento for concluído colocando-se o olho perto da extremidade de algum muro reto e comprido, primeiro perceber-se-á um perpétuo curso de exalações em direção ao céu, especialmente quando o muro for atingido pelo Sol, assim como todos os objetos parecem tremer; depois, o muro do outro lado parecerá aproximar-se, e verá que, quando estiver bem perto, sua imagem se apresentará refletida naqueles vapores ascendentes, nem úmidos nem pesados, pelo contrário, secos e leves. E que mais? Não chegou ainda ao ouvido de Sarsi tudo aquilo que foi falado, especialmente por Tycho, a propósito das refrações que se operam nas exalações e vapores que circundam a Terra mesmo que o ar seja sereno, seco e sem chuva e umidade? Também não se apoie, como ele faz, sobre a autoridade de Aristóteles e de todos os mestres de perspectiva, porque ele não poderá fazer outra coisa que afirmar que eu sou um observador mais cuidadoso que eles, o que, segundo meu parecer, é de todo contrário à sua intenção. Parece-me que tudo o que expus é uma resposta suficiente ao argumento de Sarsi.
Passemos, pois, ao segundo.
CONTINUA
18. Leia agora V. E. Ilustríssima o fim deste primeiro exame: Neste ponto, perceba Galileu, com quanta razão, desta e das muitas outras coisas expostas por ele no texto Nunzio Sidereo, deduzimos que o cometa deve se encontrar além da Lua. Ele mesmo afirma que, entre os astros, alguns brilham com a luz nativa e própria, e nesse número ele coloca o Sol e as estrelas chamadas fixas; outros, não dotados de brilho algum pela natureza, recebem toda a luz do Sol, como é costume pensar dos seis planetas que sobram.
Galileu observou, ademais, que as estrelas amam muito aquela vã coroação de luz não própria e que costuma fazer crescer uma cauda; os planetas, em vez, especialmente a Lua, Júpiter e Saturno, não têm quase nenhum brilho; contudo, Marte, Vênus e Mercúrio, apesar de não serem providos de luz própria, tiram, pela vizinhança do Sol, tanta luz que, sendo quase igual àquelas das estrelas, imitam seus raios circunstantes e seu brilho. Portanto, como o cometa, segundo Galileu também, não possui luz própria por natureza, mas a recebe do Sol, e junto com outros astrônomos de grande fama o consideramos planeta temporário, devia-se raciocinar sobre ele do mesmo modo como sobre a Lua e outros planetas, e cuja condição é tal que quanto menos são distantes do Sol tanto mais brilham, e revestidos de um brilho maior (que deriva disto), observados com a luneta parecem aumentar menos; enquanto o cometa recebe deste instrumento quase o mesmo aumento de Mercúrio, podemos não com muita probabilidade deduzir que o cometa não irradiou aquela luz circundada mais que Mercúrio e por isso não se encontra muito longe; por outro lado, como era aumentado menos que a Lua, precisava colocá-lo circundado de uma luz maior e mais perto do Sol? De tudo isto pode-se compreender com quanta razão afirmamos que o cometa, pois pareceu aumentar muito pouco, deve ser considerado muito mais longe de nós do que a Lua.
Sem dúvida, pela paralaxe observada e também pelo curso do cometa quase sidéreo, nós conhecíamos bastante seu lugar; como, além disso, a luneta o aumentava quase quanto Mercúrio, certamente nenhuma razão teria podido sustentar o contrário; foi lícito tirar daqui um corolário também de grande importância e peso a favor de nossa teoria. Mesmo que soubéssemos, com efeito, que estas coisas podiam ser originadas por muitas causas, justamente por causa da analogia que este corpo luminoso guardava junto a todos os outros corpos celestes em todos os seus fenômenos, pensamos ter recebido da luneta um beneficio bastante grande, pois nosso parecer, já firmado pelo peso de outros argumentos, confirmava ainda mais com o peso do próprio assentimento. Quanto ao restante, porém, acrescentado ao argumento, isto é, as palavras: "Sei que este argumento foi considerado por alguns de pouca importância", etc, clara e honestamente havíamos lembrado antes para que fim estas palavras haviam sido acrescentadas: naturalmente contra aqueles que, enfraquecendo a fé neste instrumento, completamente ignaros das disciplinas de óptica, proclamavam-no enganador e indigno de qualquer confiança. Compreende, então, Galileu, se não me engano, com quanta falta de raciocínio lutou contra nossa opinião a respeito da luneta, que ele considera em tudo de acordo com a verdade e com as suas próprias opiniões: haveria podido conhecer também antes se a tivesse examinado com espírito mais calmo. Como, então, haveríamos podido imaginar que ele não haveria de gostar dessas ideias que considerávamos suas próprias? Mas como estas coisas, segundo a nossa opinião, parecem suficientes, vamos examinar a opinião do próprio Galileu.
Aqui, primeiramente, como V. E. pode ver, iniciamos uma argumentação recortada, como se diz, de velho pano, consistente em diversos fragmentos de proposições, para provar que o lugar do cometa era entre a Lua e o Sol; proposição esta que o Sr. Mário e eu podemos conceder-lhe por completo, sem prejuízo algum, não tendo nós nunca afirmado nada em relação ao lugar do cometa, nem negado que ele possa se encontrar além da Lua, mas falou-se somente que as demonstrações até agora apresentadas pelos autores oferecem dúvidas. E para tirá-las não é de ajuda nenhuma que Sarsi apresente agora uma nova demonstração, mesmo que ela fosse necessária e conclusiva, e provar que esta conclusão seja verdadeira, mesmo que também em torno de conclusões verdadeiras se possa argumentar e silogizar falsamente. Todavia, pelo desejo que eu possuo de pôr à luz as coisas escondidas e chegar a verdadeiras conclusões, apresentarei algumas considerações em relação a estas proposições.
Para maior clareza e compreensão o farei com a maior brevidade possível.
Afirma ele ter deduzido do meu Nunzio Sidereo que as estrelas fixas, sendo aquelas que brilham com luz própria, brilham com uma luz não real, mas aparente. Os planetas, sendo desprovidos de luz própria, não agem assim, especialmente a Lua, Júpiter e Saturno, mas mostram-se quase sem brilho; porém, Vênus, Mercúrio e Marte, mesmo privados de luz própria, brilham muito por causa da vizinhança do Sol, pelo qual são mais abundantemente atingidos. Afirma, além disso, que o cometa, segundo meu parecer, recebe sua luz do Sol, e acrescenta haver ele, junto com autores de renome, considerado o cometa, desde muito tempo, um planeta; assim, a respeito dele pode-se raciocinar como a respeito dos outros planetas, os quais, quanto mais encontram-se perto do Sol mais brilham, e por consequência menos podem ser observados pelo telescópio, e, aumentando o cometa pouco mais que Mercúrio e muito menos que a Lua, com muita razão podia-se concluir que não estivesse muito mais longe do Sol do que de Mercúrio, mas muito mais perto daquele que da Lua. Esta é a teoria que muito bem se ajusta à necessidade de Sarsi, como se a conclusão, deduzida antes dos princípios e meios, dependesse não aquela destes, mas estes dela, e tivessem sido preparados por ele não da grandiosidade da natureza mas da arte muito sutil. Pesquisemos, porém, quanto ela seja conclusiva.
Em primeiro lugar, é completamente falso que eu tenha escrito no Nunzio Sidereo que Júpiter e Saturno não brilhem quase nada e que Marte, Vênus e Mercúrio sejam coroados de muitos raios, porque eu separei só a Lua do resto das outras estrelas, quer fixas quer errantes.
Em segundo lugar, não sei se para concluir que o cometa seja quase um planeta e que, sendo tal, lhe sejam convenientes as propriedades dos outros planetas, seja suficiente que Sarsi e seu Mestre junto com outros autores o tenham considerado e chamado assim. Pois, se a opinião deles fosse tão importante a ponto de fazer aceitar as coisas por eles propostas, eu os rogaria que considerassem e chamassem ouro muitos velhos pedaços de ferro que possuo em casa. Mas, deixando os nomes de lado, qual é a teoria que os induz a considerar o cometa quase um planeta desde muito tempo? Brilhar como os planetas? Mas qual é a nuvem, qual a fumaça, qual a madeira, qual o muro, qual a montanha, atingidos pelo Sol, que não brilham do mesmo tanto? Não percebeu Sarsi no Nunzio Sidereo minha demonstração, isto é,que nossa Terra brilha mais que a Lua? Mas qual é minha opinião sobre o brilho do cometa como um planeta? Eu, por mim, não considero impossível que sua luz possa ser tão fraca e sua substância tão sutil e rala, que, quando alguém se aproximasse dela, sumisse da vista completamente, como acontece com alguns fogos-fátuos que saem da Terra, que são percebidos só durante a noite e de longe, mas de perto desaparecem; da mesma forma que as nuvens distantes são percebidas bem determinadas, e depois, de perto, mostram um pouco de nebulosidade tão indeterminada que alguém, entrando nela, quase não distingue os limites, nem sabe separá-la do ar contíguo. E aquelas projeções de raios solares entre as nuvens, tão semelhantes aos cometas, por quem são percebidas se não por aqueles que lhes são distantes? Tem o cometa alguma coisa em comum com os planetas por causa do movimento? E qual será a coisa separada da parte elementar que, obedecendo ao estado terrestre, não terá o moto diurno de acordo com o resto do universo? Mas se falamos do outro movimento, aquele transversal, este não tem nada a ver com o movimento dos planetas, não sendo criado nem por aquele rumo, nem regulado, nem talvez circular. Mas, deixados de lado os acidentes, acreditará talvez alguém que a substância ou a matéria do cometa tenha alguma coisa a ver com a dos planetas? Pode-se acreditar que ela seja solidíssima, como nos convida a pensar em particular a Lua e em universal a figura bem determinada e imutável de todos os planetas; e, ao contrário, pode-se acreditar que a do cometa dissolva-se em poucos dias; e sua figura, não determinada ao redor, mas confusa e indistinta, nos mostra que a sua substância é mais sutil e mais rala que a névoa e a fumaça. Assim ele quase poderia ser chamado mais um planeta pintado que real.
Em terceiro lugar, eu não sei com quanta perfeição ele possa ter parangonado os raios e o aumento do cometa com o aumento de Mercúrio que, podendo ser observado raríssimas vezes, em todo o tempo da aparição do cometa, ele não apareceu nunca, nem deu a possibilidade de ser observado, encontrando-se sempre muito perto do Sol; posso sem escrúpulo acreditar que Sarsi não fez esta comparação, difícil de se realizar e muito incerta, mas que ele afirma ter realizado porque, sendo assim, serviria melhor para sua causa. Outro indício que mostra como ele não conseguiu fazer esta experiência é-me fornecido pelo fato de que, ao referir-se às observações relativas a Mercúrio e à Lua, com os quais compara as do cometa, parece-me que ele esteja confundindo muito. Aceitando, para concluir, que o cometa se encontre mais longe do Sol que de Mercúrio, precisava afirmar que o cometa possuía menos raios que ele, e observado com o telescópio aumentava mais que ele; todavia, afirmou o contrário, isto é, que não possuía mais raios que Mercúrio e que aumentava quase a mesma coisa, o que significa afirmar que possuía mais raios e menos aumento que Mercúrio. Comparando depois o cometa com a Lua, escreve a mesma coisa (mesmo afirmando escrever o contrário), isto é, que aumentava menos que a Lua e possuía mais raios. Todavia, para chegar a uma conclusão, deduz da identidade das premissas conclusões diferentes, isto é, que o cometa encontra-se mais perto do Sol que a Lua, porém mais distante que Mercúrio.
Para finalizar, afirmando Sarsi ser um lógico exato, não me faz entender por que, na divisão dos corpos luminosos que se irradiam mais ou menos, e que por consequência, observados com o telescópio, recebem um aumento maior ou menor, ele não haja registrado nossas luzes elementares; pois as velas, as tochas acesas observadas a qualquer distância, qualquer pedrinha, lenho ou corpúsculo, até as folhas e as gotas de orvalho atingidas pelo Sol, resplandecem, e de certo ângulo irradiam a par de qualquer estrela mais brilhante, e vistas pelo telescópio observam no aumento o mesmo teor que as estrelas. Assim, termina completamente aquela ajuda a mais que os outros haviam esperado do telescópio para conduzir o cometa no céu e tirá-lo da esfera elementar. Abandonai, portanto, Sarsi, a ideia de poder ajudar vosso Mestre e estai certo de que, para querer sustentar um erro, é necessário perpetrar cem outros e, coisa ainda pior, não conseguir o intento. Gostaria também de pedir-vos para não replicar mais, como o fazeis no final desta vossa parte, que estas são teorias minhas, pois nunca escrevi coisas parecidas, nem as falei, nem as pensei. Basta a respeito do primeiro trecho em exame.
19. Passemos ao segundo: Apesar de ninguém até hoje ter falado que o cometa deve colocar-se entre as aparências vãs, onde não haveríamos necessidade de libertá-lo da acusação de inanidade, pois Galileu acreditou enveredar por outro caminho para explicar o cometa completa e sabidamente, é justo parar e expor com cuidado esta sua nova teoria.
São duas hipóteses que ele cogitou: uma relativa à substância, outra referente ao movimento do cometa. No que diz respeito à primeira, Galileu afirma que esta luz é daquelas que, mostradas mais que criadas pela refração de outra luz, parecem ter mais o nome de sombras de corpos luminosos que ser corpos luminosos, como, por exemplo, os arco-íris, os halos, os parélios e muitas outras coisas semelhantes. No que diz respeito à segunda, Galileu afirma que o movimento dos cometas sempre foi retilíneo e perpendicular à superfície da Terra. Revelando estas suas descobertas, acreditou poder destruir com facilidade as opiniões dos outros. Nós vamos examinar agora com poucas palavras, e sem retórica, quanto de próprio se deva atribuir a estas opiniões (pois a verdade, mesmo nua, é bastante ornada). Mesmo sendo difícil abranger singularmente estas duas proposições, pois são tão conexas que parecem depender uma da outra e sustentar-se reciprocamente, nós nos preocuparemos para que os leitores não fiquem lesados. Por isso, contra a primeira posição de Galileu, afirmo que o cometa não foi simulacro vão de uma luz que iludia os olhos daqueles que o observavam e isto parece-me que não necessita de outra prova para aquele que, ao menos uma vez, seja a olho nu, seja com a luneta, haja observado o cometa. A simples vista manifestava a natureza desta luz, porque, em comparação a outras luzes realíssimas, qualquer um poderá com facilidade julgar se o observado era falso ou verdadeiro. Tycho, examinando as observações de Tadeu Agezio, deduz isto: "O corpo do cometa naqueles dias foi igual, em grandeza, a Júpiter e Vênus, e revestiu-se de uma luz nítida e de um grande esplendor, puro e belo, e sua substância pareceu pura demais para ser conveniente a matérias só elementares, mas era, de preferência, análoga àquela dos corpos celestes ". Tycho acrescenta a isto: "Tadeu foi bom juiz relativamente a este aspecto, haveria podido concluir claramente que este cometa não era elementar".
Sarsi andou figurando antes e arbitrariamente os princípios e os meios que fossem de acordo com as conclusões que ele queria demonstrar; agora parece-me que vai imaginando conclusões para contradizê-las como teorias do Sr. Mário e minhas, muito diversas, ou, ao menos, muito diversamente tomadas, de como são relatadas no Discurso do Sr. Mário. Que o cometa seja, sem dúvida, uma imagem vã e uma simples aparência, nunca foi afirmado com certeza, mas só foi posto em dúvida e levado à consideração dos filósofos com aqueles raciocínios e cogitações que parecem poder garantir que seja verdade. Eis aqui as palavras do Sr. Mário a este propósito: "Eu não afirmo resolutamente que o cometa produza-se assim, mas afirmo que são duvidosos, seja este modo seja os outros dos demais autores; os quais pretenderão estabelecer com certeza seus pareceres. e terão a obrigação de demonstrar que esta e todas as outras posições são vãs e falsas". Mesmo sendo o texto tão diferente, Sarsi afirma que nós temos por certo que o movimento do cometa deve ser necessariamente reto e perpendicular à superfície terrestre. Isto não foi apresentado desta forma, mas simplesmente foi cogitado como ser mais conforme às aparências e satisfazer às mudanças observadas no cometa. Esta hipótese é tão superficialmente apresentada pelo Sr. Mário que no fim ele declara: "Porém é mais conveniente para nós contentarmo-nos com aquele pouco que podemos cogitar mesmo sem ter muita clareza". Porém Sarsi quis mostrar que estas opiniões eram tão firmemente aceitas por mim que imaginou podê-las destruir com facilidade e com meios mais eficazes. Se ele conseguir o agradecerei, pois no futuro deverei preocupar-me com uma hipótese a menos todas as vezes que me venha a ideia de filosofar sobre tal matéria. Por enquanto, pois parece-me que ainda subsiste alguma coisa de vivo no raciocínio do Sr. Mário, moverei algumas objeções às objeções de Sarsi.
Opondo-se Sarsi com grande firmeza à primeira conclusão, afirma que aquele que, mesmo por uma vez, houvesse observado o cometa, não necessitaria mais de argumento algum para conhecer a natureza desta estrela; estrela que, comparada com as outras verdadeiras estrelas, mostrava muito claramente ser verdadeira e não falsa. Assim, como V. E. Ilustríssima entende, Sarsi confia tanto no sentido da visão que considera impossível ser enganado todas as vezes que tentamos fazer uma comparação entre um objeto falso e um real. Eu confesso não ter a visão tão perfeita, pelo contrário, confesso ser como aquele macaco que acredita firmemente ver no espelho outro macaco, e nem reconhece seu erro se quatro ou seis vezes não tenha ido atrás do espelho para agarrar a imagem, tanto aquela imagem se lhe apresente viva e verdadeira. Supondo, então, que aqueles que Sarsi vê no espelho não sejam homens verdadeiros e reais, mas imagens vãs, como nós vemos nossa imagem no espelho, gostaria ardentemente de saber quais são aquelas diferenças visuais por meio das quais tão rapidamente distingue o verdadeiro do falso. Quanto a mim, encontrei-me mil vezes em alguma sala de janelas fechadas, e através de algum pequeno buraco pude perceber o Sol refletindo-se sobre um muro oposto, julgando assim esta mancha, pela vista, uma estrela tão brilhante quanto a Canícula e Vênus. E andando contra o Sol no campo, quantos milhares de corpúsculos, pedrinhas, lisos ou molhados, transformar-se-ão pelo reflexo do Sol em estrelas brilhantíssimas? Mesmo cuspindo no chão, Sarsi sem dúvida perceberá onde cuspiu, pela reflexão solar, uma estrela naturalíssima. Além disso, qual corpo colocado a grande distância, atingido pelo Sol, não aparecerá como uma estrela, especialmente se for tão alto que possa ser enxergado durante a noite, como se enxergam as outras estrelas? E quem distinguiria a Lua, vista durante o dia, de uma nuvem atingida pelo Sol, senão pela diversidade do aspecto e pela grandeza?
Ninguém, com certeza. E enfim, se a simples aparência deve determinar a essência, é necessário que Sarsi aceite que os sóis, as luas e as estrelas, observados em água parada e em espelhos, sejam verdadeiros sóis, verdadeiras luas e verdadeiras estrelas. Em relação a esta parte, mude mesmo Sarsi de opinião, nem acredite que, citando a autoridade de Tycho, de Tadeu Agezio ou de muitos outros, melhore sua condição, a não ser que, por ter tido tais homens como companheiros, desculpe mais seu erro.
20. Continue V. E. Ilustríssima a ler: "Pois, por todo o tempo que nosso cometa brilhou, Galileu, segundo ouvi dizer, permaneceu de cama por uma doença, e nunca talvez pôde, por causa da doença, observar aquele corpo brilhantíssimo, e por isso pensamos dever-se discutir com ele por meio de outra argumentação. Afirma ele mesmo que às vezes, de alguma parte da Terra, um vapor fumacento levanta-se acima da Lua e também acima do Sol, e, logo que saído do cone sombreado da Terra, olhou para a luz do Sol da qual como que concebeu e gerou o cometa; e o movimento ou a subida de um tal vapor não é vago ou incerto mas retilíneo e sem ser desviado para parte alguma. Assim afirma ele, mas nós colocamos na nossa balança o peso destas afirmações. Primeiro, sabemos que esta matéria fumacenta e úmida, tendo subido casualmente da Terra nos dias em que, dominando amplamente o céu bóreas violentíssimas, facilmente poderia haver sido dispersada e dissipada. É pois, digno de admiração como impunemente corpúsculos tão sutis e leves, entre a ira do vento violentíssimo, puderam ter chegado até o alto com um proceder constante através do caminho enveredado no começo, quando nem pesos consideráveis confiados ao vento podiam vencer o ímpeto e a força. Eu considero muito contraditório que um vapor muito leve suba e suba em linha reta, e mal acredito que isto haja podido acontecer entre as várias mudanças do vento. E acrescenta que, garante Galileu, nem nas mais altas regiões dos planetas faltam condensações e rarefações de tais corpos fumacentos, e por isso nem aqueles movimentos vagos e incertos pelos quais é necessário que sejam levados.
Que os vapores fumacentos de alguma parte da Terra subam além da Lua, e até além do Sol, e que saídos do cone da sombra terrestre sejam engravidados pelos raios solares e que então gerem o cometa, nunca foi escrito pelo Sr. Mário nem foi afirmado por mim, apesar de Sarsi atribuí-lo a mim.
Aquilo que o Sr. Mário escreveu é que não é impossível que algumas vezes possam elevar-se da Terra exalações e outras coisas parecidas, mas muito mais sutis que de costume, que subam além da Lua e possam ser matéria geradora do cometa, e que às vezes originem-se sublimações extraordinárias relativas à matéria dos corpúsculos, exemplificando-o por meio da aurora boreal. Porém não afirma que aquela seja numericamente a mesma matéria dos cometas, que necessita ser muito mais rala e sutil que os vapores dos corpúsculos e do que a matéria da assim chamada aurora boreal, tendo aceito que o cometa resplende muito menos que a aurora; assim, se o cometa se ampliasse, por exemplo, rumo ao oriente, na cândida alvorada, enquanto o Sol não se encontrasse longe do horizonte mais do que 6 ou 8 graus, sem dúvida não se perceberia, por ser menos brilhante do que seu próprio ambiente. E com a mesma probabilidade, não certeza, atribuiu-se à mesma matéria o movimento retilíneo em ascensão. E isto seja afirmado não para retratarmo-nos por medo das oposições de Sarsi, mas só para mostrar que não nos afastamos do nosso hábito, que consiste em não afirmar como verdadeiras a não ser as coisas que conhecemos como indiscutíveis, como nos ensina nossa filosofia e nossa matemática. Agora, partindo do ponto de vista de que houvéssemos verdadeiramente afirmado aquilo que Sarsi fala, examinemos suas posições.
Sua primeira oposição baseia-se na impossibilidade de os vapores subirem ao céu, em linha reta, enquanto que verificamos que um papagaio é empurrado pelo ar com movimento transversal, assim como as outras coisas que se encontram nele; e o mesmo verificou-se por muitos dias depois do aparecimento do cometa. A oposição é verdadeiramente inteligente, mas perde muito de sua força lógica porque, segundo notícias seguras, naqueles dias, nem na Pérsia nem na China verificaram-se perturbações atmosféricas; e eu acreditarei que de umas daquelas regiões se origina a matéria do cometa, se Sarsi provar que ele não é originário de lá, mas de Roma, onde ele percebeu o vento boreal.
Mas, mesmo que o vapor saísse da Itália, quem pode saber se ele não se houvesse posto em viagem antes dos dias de vento, muitos dias antes de sua chegada ao orbe do cometa, longe da Terra, segundo a relação do Mestre de Sarsi, quatrocentos e setenta mil milhas mais ou menos; porque, para empreender uma viagem tão comprida, é necessário bastante tempo, pois a subida dos vapores, por aquilo que podemos observar em relação àqueles perto da Terra, não atinge a velocidade do voo das aves; assim não seriam suficientes quatro anos para concluir tamanha viagem. Mesmo aceitando que estes vapores pudessem se movimentar em época de vento, Sarsi, que acredita piamente nos historiadores e nos poetas, não poderá negar que o impulso dos ventos não sobe mais de duas ou três milhas, já que existem montes cujo cume vai além da região dos ventos. Assim, o máximo que ele poderá concluir é que dentro deste espaço os vapores movimentam-se transversal e não perpendicularmente; porém, fora deste espaço desaparece o impedimento que os desvia do caminho retilíneo.
21. Veja mais V. E. Ilustríssima: Aceitamos que estes vapores possam manter, através dos ventos, suas direções e rumar para onde possam receber os raios diretos do Sol, enviando-os a nós refletidos. Por que, então, recebendo em toda a sua extensão a luz do Sol, no-la mostram somente em uma mínima parte de si? Com certeza, sendo o próprio Galileu testemunha, quando nos dias de verão um vapor não diferente indo rumo ao norte mais alto que de costume apresenta-se à luz do Sol, então, imergido em luz brilhantíssima, mostra-se muito brilhante em todas as suas partes, para utilizar sua próprias palavras, nos reflete mesmo de noite a aurora boreal; e não se mostra tão avarento do esplendor recebido que não permita que a reflexão da luz do Sol, que ele recebeu em toda a sua extensão, nos apareça apenas através de um pequeno buraco. Eu mesmo verifiquei, não somente em tempo de verão, mas no mês de janeiro, quatro horas depois do pôr do sol, algo ainda mais maravilhoso, isto é, uma pequena nuvem, cândida e brilhante, tão rarefeita que não encobria nem as estrelas menores, e os dons de luz que havia recebido do Sol ela os expandia livremente, com alma generosa, por todos os cantos. Então todas as nuvens (admitindo que tenham alguma afinidade com a matéria do cometa), se são tão densas e obscuras que não possam refletir livremente os raios do Sol, ao menos na parte virada para o Sol o refletem para nós com generosidade recíproca; porém, se são ralas e sutis, e a luz facilmente as penetre integralmente, não mostram obscuridade em parte alguma, mas oferecem aos olhos inundados uma luz esplendorosa. Então, se o cometa não se forma de outra matéria que não seja vapores fumacentos, não Juntados globalmente mas, como o próprio Galileu afirma, ocupando um espaço suficientemente vasto do céu, brilhando em toda parte com a luz do Sol, qual é a causa pela qual brilham sempre para aqueles que o observam só de um pequeno e estreito disco, e as outras partes deste mesmo vapor, iluminadas pelo Sol com mesma luz, não aparecem? Dificilmente tudo isto pode ser explicado com o exemplo do arco-íris, em cuja formação acontece a mesma coisa que evidentemente só de uma parte da nuvem volta ao olho, quando, entretanto, em todo o espaço iluminado pelo Sol a própria diversidade das cores seja gerada de sua luz. Com efeito, o arco-íris e outros meteoros, se existirem, requerem de preferência matéria úmida e com tendência a mudar-se em água; pois esta matéria só quando se derrete em água, imitando a natureza dos corpos leves, puros e transparentes, reflete a luz só na parte onde formam ângulos de reflexão e de refração necessários a tudo isto, como percebemos nos espelhos, na água e no gelo. Depois, se alguma emanação encontrar-se mais rarefeita ou mais seca, acontece porque ela não possui superfície lisa como os espelhos, nem reflete muitos raios. Visto necessitar-se de um corpo liso para que haja reflexão e necessitar-se de sua densidade para a refração (coisas que nunca se encontram nas impressões meteorológicas, a não ser quando a natureza delas possui muita água, como ensinaram não só Aristóteles mas também todos os mestres de óptica, e a própria razão persuade com muita eficácia), segue disto necessariamente que emanações semelhantes possuirão, por natureza própria, um certo peso, e por isto menos aptas a subir acima da Lua e do Sol, pois o próprio Galileu admite que devem ser muito sutis e leves aqueles que voam até lá em cima. Portanto, não daquele vapor fumacento e rarefeito, e na verdade de peso algum, poderá refletir para nós aquela imagem brilhante de luz: o vapor aguado, na verdade, sendo pesado, não poderá subir deforma alguma.
Depois de observado por muitas experiências, parece-me ser esta a condição humana em relação às coisas intelectuais: quanto menos entende-se e sabe-se, com tanta mais força quer-se discutir; e, pelo contrário, mais coisas são conhecidas menor é a tendência de discutir resolutamente sobre qualquer novidade. Nasceu em um lugar muito solitário um homem dotado por natureza de grande inteligência e de extraordinária curiosidade. Criando por prazer grande diversidade de aves, gostava enormemente do seu canto, e com muita admiração observava de que modo, por meio do próprio ar que respiravam, conseguiam formar ao seu arbítrio cantos diferentes e todos suavíssimos. Acontece que uma noite perto de casa escutou um som delicado, e, nem podendo imaginar que fosse outra coisa a não ser uma pequena ave, foi buscá-la. Chegando à estrada encontrou um pequeno pastor que, assoprando num pedaço de madeira furada e movimentando os dedos sobre a madeira, uma vez fechando e uma vez abrindo determinados buracos, conseguia produzir aquelas vozes diferentes, semelhantes às de um pássaro, mas de forma bem diversa. Admirado e movido pela sua curiosidade natural, deu de presente um bezerro ao pastor para obter aquela flauta. De regresso à sua casa e percebendo que se não houvesse encontrado por acaso aquele pastor nunca haveria aprendido que existiam na natureza duas formas diversas de criar vozes e cantos suaves, quis sair de casa procurando encontrar outras aventuras. Aconteceu que no dia seguinte, passando perto de uma pequena choça, escutou ressoar dentro dela uma voz semelhante. Para ter certeza se era uma flauta ou um pássaro, entrou e encontrou um menino que estava serrando, com um pequeno arco segurado na mão direita, alguns nervos estendidos sobre um lenho côncavo, enquanto sustentava com a mão esquerda o instrumento sobre o qual, movimentando os dedos e sem sopro algum, extraía dele vozes diversas e suaves. Qual foi seu espanto pode ser julgado facilmente por aquele que possuir a mesma inteligência e a mesma curiosidade dele que, vendo aumentar, de duas novas formas, a maneira de produzir uma voz e um canto tão inusitados, começou a acreditar poderem existir ainda outros na natureza. Mas qual foi sua surpresa quando, entrando em um determinado templo, começou a olhar atrás da porta para ver quem estava tocando e percebeu que o som havia saído dos ferros da porta ao abri-la? Em outra ocasião, empolgado pela curiosidade, entrou em um boteco e, acreditando encontrar outra vez alguém que com o arco tocasse as cordas de um violino, viu uma pessoa que, esfregando o dedo sobre a orla de um copo, conseguia produzir um som suavíssimo. Mas logo que observou que as abelhas, os pernilongos e as moscas, com o rapidíssimo bater das asas, e não como suas primeiras aves que respirando formavam vozes ininterruptas, produziam um som perpétuo, tanto aumentou sua admiração que diminuiu sua confiança sobre o conhecimento da origem do som. Nem todas as experiências já observadas haveriam sido suficientes para fazer-lhe entender ou acreditar que os grilos, não voando, conseguiam, não por meio do sopro mas com o movimento das asas, produzir sons tão doces e sonoros. Mas quando acreditou não poderem existir outras formas possíveis de produzir vozes, depois de haver observado, além das maneiras já relatadas, ainda tantos órgãos, trompas, flautas e instrumentos de corda de todos os tipos, até chegar à aquela pequena lâmina de ferro que, suspensa entre os dentes, usava de forma muito esquisita a cavidade bucal para dar corpo à amplificação do sopro permitindo a passagem do som, quando, repito, na hora que acreditava haver conhecido tudo, encontrou-se ainda mais no escuro e na ignorância, quando, havendo encontrado uma cigarra que nem fechando-lhe a boca e nem fechando-lhe as asas conseguia diminuir seu altíssimo estridor, não percebeu movimento algum de escamas nem de outras partes. Finalmente, levantando-lhe a caixa dos pulmões e observando embaixo dela algumas cartilagens duras mas sutis, e acreditando que o som fosse originado do seu movimento, resolveu quebrá-las para fazê-la parar, mas tudo foi em vão.
Então, fincando uma agulha mais funda no corpo da cigarra, passando-a, tirou-lhe junto com a voz a vida e assim não pode mais pesquisar se o canto era originado verdadeiramente por aquelas membranas. Tornou-se tão descrente sobre seus possíveis conhecimentos em relação aos sons que todas as vezes que alguém lhe perguntava sua opinião sobre a origem dos sons, generosamente respondia não conhecer causa alguma, mas que estava resolvido a acreditar que pudessem existir cem outras maneiras, ainda desconhecidas e impensáveis.
Eu poderia dar muitos exemplos da variedade da natureza em produzir seus efeitos de maneira inimaginável para nós, se o sentido e a experiência não nos explicitassem sem, muitas vezes, suprir nossa incapacidade. Assim, se eu não souber, com exatidão, determinar a produção do cometa, deverão ser aceitas minhas desculpas, especialmente porque nunca afirmei poder dar esta explicação sabendo que ela poderia verificar-se de forma muito alheia à nossa imaginação. A dificuldade de entender como se forma o canto da cigarra, enquanto ela canta na mão, desculpa de sobra não saber como pode formar-se um cometa tão longe de nós. Para frisar, então, a primeira intenção do Sr. Mário e minha, isto é, promover aquelas dúvidas que parecem abalar as opiniões manifestadas até agora e propor alguma nova teoria para examinar se existe alguma coisa que possa esclarecer e abrir o caminho rumo à verdade, continuarei a raciocinar sobre as teorias manifestadas por Sarsi, que considerou improváveis nossos argumentos.
Continuando Sarsi sua exposição e aceitando serem os vapores ou outra matéria aptos a formar o cometa, seu elevar-se da Terra e subindo muito alto, onde pudesse receber diretamente os raios solares refletindo-os para nós, é difícil imaginar de que forma, sendo completamente iluminada, reflita até nós só a luz de uma pequena parte, e não acontece como aqueles vapores que nos apresentam aquela intempestiva aurora boreal, vapores que, sendo todos iluminados, mostram todos suas luzes.
Afirma depois ter observado, pelo meio da noite, uma coisa maravilhosa, isto é, uma pequena nuvem no zênite que, sendo toda iluminada, refletia livremente seu brilho de todas as suas partes, e acrescenta que, se todas as nuvens forem espessas e opacas, nos refletem a luz do Sol com toda a sua parte visível, porém se elas forem ralas, assim que a luz as penetre, mostrar-se-ão a nós brilhantes e não opacas; então, se o cometa forma-se com tais vapores fumacentos muito espalhados, como afirma o Sr. Mário, e não reunidos em círculo, sendo atingidos pelo Sol por todas as partes, por qual razão nós recebemos sua reflexão de uma pequena parte e não de todo o restante igualmente iluminado? Mesmo que as soluções destas perguntas estejam completamente resolvidas no Discurso do Sr. Mário, eu as relatarei aqui colocando-as acertadamente e acrescentando alguma outra consideração, conforme for solicitado pela matéria.
Em primeiro lugar, Sarsi deveria sem dificuldade conceder que só de um lado particular de toda a matéria sublimada pelo cometa verifica-se a reflexão da luz do Sol a uma visão particular, apesar de ser toda iluminada; tendo nós mil experiências semelhantes a favor, contra uma que pareça ser contrária, facilmente, entre as de Sarsi contrárias a esta posição, encontraremos muitas outras favoráveis. É certo que qualquer espelho plano exposto ao Sol fica por ele iluminado em toda a sua superfície; o mesmo acontece com qualquer pântano, lago, rio, mar, ou seja, com qualquer superfície lisa de qualquer material; porém, a uma vista particular não corresponde a reflexão do raio solar, a não ser de um lugar particular desta superfície, cujo lugar muda, mudando o olho do observador. A superfície externa de nuvens sutis, mas muito espalhadas, é toda iluminada pelo Sol de forma igual; todavia, o halo e os periélios não aparecem a um olho particular a não ser em um único lugar, e este, com o movimento do olho, muda de lugar dentro da nuvem.
Sarsi afirma: Aquela matéria sutil sublimada que produz aquela aurora boreal vê-se também toda iluminada, como ela o é de verdade. Porém, pergunto eu a Sarsi de onde lhe vem esta certeza. E ele pode responder-me somente que não percebe parte alguma que não seja iluminada, assim como acontece com o resto da superfície dos espelhos, das águas, dos mármores, além daquela pequena parte que reflete a viva luz do Sol. Porém advirto-o de que, se a matéria fosse transparente, não distinguiria nada mais que aquele esplêndido raio refletido, como acontece às vezes que a superfície do mar não se distingue do ar, mesmo que se veja imagem reflexa do Sol; e assim, colocado um vidro sutil a uma determinada distância, poderá mostrar-nos aquela sua pequena parte que reflete alguma luz, ficando o resto invisível por causa de sua transparência. Este erro de Sarsi é semelhante àquele dos que afirmam que criminoso algum deve confiar que seu crime possa ficar oculto, nem percebem a incompatibilidade que existe entre permanecer oculto e ser descoberto, e quem quisesse ter duas cadernetas, uma dos delitos que permanecem ocultos e outra daqueles que são descobertos em cuja caderneta dos ocultos nunca poderia registrar-se coisa alguma. Afirmo, então, que não me oponho à crença de que a matéria da aurora boreal seja muito ampla e uniformemente iluminada pelo Sol50; como, porém, não posso descobrir e observar a não ser aquela parte cuja refração meu olho pode captar, permanecendo invisível todo o restante, tenho a ilusão de perceber tudo. E que mais? A propósito dos vapores crepusculares que circundam a Terra, não permanece iluminado pelos raios solares sempre um hemisfério? Com certeza sim; todavia, aquela parte que se interpõe diretamente entre o Sol e nós mostra-se a nós muito mais luminosa do que as partes mais distantes. Mas esta, como ainda outras, é pura aparência e ilusão de nosso olho, pois, encontrando-nos em qualquer lugar, sempre observamos o Sol como centro de um círculo luminoso, mas que gradualmente vai perdendo o brilho, segundo se encontre à direita ou à esquerda deste centro; para outros, mais para o boreal, parece mais escura aquela parte que a mim parece mais clara, e mais brilhante aquela que a mim apresentava-se mais escura. Podemos, assim, afirmar a existência de um halo perpétuo e grande ao redor do Sol, figurado na superfície convexa que termina a esfera de vapor, cujo halo, da mesma forma que o outro, que às vezes nasce de uma nuvem sutil, muda de lugar segundo a mudança do observador. Em relação à pequena nuvem que Sarsi afirma ter observado brilhar na noite profunda, poderia perguntar-lhe que certeza tem ele de ela não ser maior do que aquela que aparece, especialmente afirmando ele que era tão transparente que não escondia estrelas fixas, mesmo mínimas, pois não possuía indício algum para garantir que ela se ampliasse invisivelmente como transparente, muito e muito além da parte brilhante observada: por isso é ainda duvidoso se ela não é uma aparência que muda como as outras segundo a mudança do olho. Além de não haver nada em contrário que ela apareça inteiramente brilhante e seja, da mesma forma, uma ilusão, o que acontecerá se ela não fosse maior do que aquele espaço que vem a ser ocupado pela imagem do Sol, assim que, observando a imagem do Sol, por exemplo, ocupar num espelho tanto espaço quanto uma unha, nós cortássemos fora o restante, não há dúvida de que este pequeno espelho poderá nos aparecer brilhante de todo. Além disso, quando o pequeno espelho fosse menor do que a imagem, então poder-se-ia observar não só tudo iluminado mas sua imagem não pareceria movimentar-se a cada movimento do olho, como no espelho grande; e até por ser ele incapaz de toda imagem do Sol, segue que, movendo-se o olho, veria a reflexão ora de um lado ora de outro do disco solar; assim a imagem pareceria imóvel, até que o olho se dirija à parte que não produz reflexão, ela se perderia completamente. É muito importante, então, considerar a grandeza e a qualidade da superfície que reflete, pois, conforme a superfície seja menos limpa, a imagem do mesmo objeto se apresentará sempre maior, pois, às vezes, antes que a imagem passe por todo o espelho, será necessário que o olho passe por muito espaço, e esta imagem parecerá fixa então, mesmo que na realidade seja móvel.
Para explicar melhor um ponto importantíssimo e que talvez possa solicitar, não digo Sarsi, mas algum outro, pense V. E. Ilustríssima encontrar-se numa praia com um tempo tranquilo e o Sol já descendo no ocaso. Perceberá, então, sobre a superfície do mar que está na metade do círculo máximo da esfera celeste que passa pelo disco solar, o reflexo brilhantíssimo do Sol, mas não muito amplo; se, pelo contrário, como já falei, a água for muito calma, verá a imagem do disco solar bem definida como num espelho. Se uma pequena brisa começa a movimentar a superfície da água, na mesma hora verá V. E. Ilustríssima a imagem do Sol quebrar-se em muitas partes, ampliando-se e difundindo-se. E, enquanto próxima, poderiam se distinguir cada uma das partes da imagem quebrada; todavia, sendo longe, não se perceberia esta separação, quer pelos breves intervalos entre as partes, quer pelo grande brilho das partes cintilantes, que se misturaram, como acontece com muitos fogos perto entre si e que de longe parecem ser um só. Se a água se movimentar sempre mais por espaços sempre maiores, ampliar-se-á a multidão dos espelhos que refletirão, segundo as diversas inclinações das ondas, a imagem do Sol quebrada. Mas distanciando-se sempre mais e subindo numa colina ou outra elevação para poder enxergar melhor o mar, o campo brilhante parecerá único e contínuo. Aconteceu-me enxergar de cima de uma montanha altíssima e distante do mar de Livorno sessenta milhas, com um tempo sereno mas de ventania, uma hora antes do pôr do sol, uma tira brilhantíssima à direita e à esquerda do Sol, que ocupava em comprimento muitas dezenas, até muitas centenas de milhas, a qual era, porém, como as outras, uma mesma reflexão da luz do Sol. Agora, imagine, Sarsi, que da superfície do mar, com o mesmo movimento de ondas, grande parte tivesse se retraído para as orlas deixando só no meio, isto é, face ao Sol, um comprimento de duas ou três milhas: esta, com certeza, seria observada completamente iluminada, e imóvel mesmo, com respeito a qualquer movimento que o observador houvesse realizado à direita ou à esquerda; só depois de movimentar-se por alguma milha começaria a desaparecer a parte esquerda da imagem, se ele estivesse caminhando para a direita, e a imagem esplendorosa diminuiria até que, adelgaçando-se, desapareceria por completo. Disto resulta que a imagem é móvel em relação à imagem do observador, pois, mesmo observando-a toda, perceberíamo-la toda ainda movimentar-se, encontrando-se seu meio sempre à direita do Sol, apesar de aparecer a muitos outros que a observem no mesmo momento como encontrando-se em outros pontos do horizonte.
Eu não quero esconder de V. E. Ilustríssima aquilo que eu lembrei neste ponto para a solução do problema do mar. Espertos marinheiros conhecem às vezes o vento que chegou a eles depois de algum tempo, observando o ar que, nesse caso, mostra-se mais claro, daquele lado, do que deveria ser.
Imagine V. E. Ilustríssima se isto poderia derivar do fato de se encontrar já naquela parte o vento que, movimentadas as ondas, faz nascer, como por espelhos multiplicados infinitamente e difundidos amplamente, o reflexo do Sol muito maior do que se o mar fosse tranquilo, permitindo que seja muito mais iluminada por esta nova luz aquela parte do ar vaporoso por meio do qual este reflexo difunde-se, cujo ar ofereça ainda algum reflexo de luz aos olhos dos marinheiros, os quais, encontrando-se embaixo, não podiam perceber a primeira reflexão daquela parte de mar já movimentada pelos ventos e distante deles vinte ou trinta milhas; e que esta seja a sua previsão do vento distante.
Mas, continuando nosso primeiro discurso, afirmo que os raios solares não refletem, com a mesma grandeza, a imagem do Sol sobre todos os materiais, isto é, sobre todas as superfícies; mas sobre algumas (isto é, as planas e lisas como um espelho) nos aparece o disco solar semelhante ao verdadeiro, nas superfícies convexas mas lisas nos aparece menor, e nas côncavas às vezes menor e às vezes maior, às vezes mesmo igual, segundo as diversas distâncias entre o espelho, o objeto e o olho.
Porém, se a superfície não for igual mas sinuosa e cheia de cavidades ou elevações e como se fosse composta por milhares de pequenos espelhos colocados com várias inclinações, expostas aos olhos de mil modos, então a mesma imagem do Sol chegará ao nosso olho de mil partes e dividida em mil pedaços, os quais ampliar-se-ão, imprimindo nesta superfície um amplo conjunto de pequenas manchas brilhantes, cuja frequência originará a ilusão de um único campo de luz contínua visto de longe, mais brilhante e viva no meio que nas extremidades, onde diminui e desaparece, enfim, quando por causa da obliquidade do olho em relação a esta superfície os raios visíveis não encontram mais ondas que se refletem contra o Sol. Esta imagem resulta ainda móvel de acordo com o movimento do olho, se, porém, além de seus limites, continua a superfície que reflete; mas, se a quantidade da matéria ocupar um pequeno espaço, muito menor do que o da imagem inteira, poderá acontecer que, ficando fixa a matéria e movimentando-se o olho, ela continue a aparecer brilhante, até que, tendo chegado o olho àquele termo do qual, pela obliquidade dos raios incidentes sobre a matéria, as reflexões não se dirigem mais rumo ao Sol, a luz desaparece e perde-se. Não concordo com Sarsi que quando ele vê uma nuvem suspensa no ar, bem determinada e toda brilhante, que permanece tal apesar de o olho ir se movimentando, não pode ter a certeza de que esta luz seja mais real do que um halo, do que os periélios, do que o arco-íris, e do que a reflexão sobre a superfície do mar; porque afirmo-lhe que a sua consistência e sua aparente estabilidade podem depender da pequenez da nuvem que não consegue receber toda a amplidão da imagem do Sol; e esta imagem, em relação à posição das partes da superfície da nuvem, ampliar-se-ia, se não lhe faltasse matéria, num espaço muito maior da nuvem, e quando se visse inteiro e o campo das nuvens se adiantasse a ele, afirmo que apareceria movimentando-se inteiramente em relação ao movimento do olho. Prova-o o fato de termos visto muitas vezes, ao nascer e ao pôr do sol, muitas pequenas nuvens colocadas perto do horizonte, das quais as que se encontram face ao Sol tornam-se brilhantíssimas e quase de fino ouro, das laterais as menos distantes do meio são ainda mais brilhantes do que as mais distantes, as quais vão aparecendo gradualmente menos claras até ficar praticamente nulo o brilho das mais distantes: nulo para nós, mas, para quem se encontrasse num lugar onde elas permanecessem entre seu olho e o lugar onde o Sol se põe, mostrar-se-iam brilhantíssimas para ele e obscuras a nós as mais esplendorosas. Entenda, então, Sarsi, que se as nuvens não fossem quebradas mas fossem uma longa extensão contínua, a sua parte central pareceria brilhante a qualquer um dos observantes e gradualmente menos claras as laterais, conforme a distância de seu meio, porque onde eu posso ver o maior brilho, para outros é o menor. Mas alguém poderia agora afirmar que, uma vez que aquela parte da nuvem permanece fixa e sua luz não parece movimentar-se pela mudança de lugar do observador, isto seria suficiente para fazer com que a paralaxe opere na determinação de sua altura, e que, podendo acontecer o mesmo com o cometa, o uso da paralaxe seja suficiente para quem queira mostrar o lugar dela. Poder-se-ia responder a esta objeção que este argumento resultaria verdadeiro se fosse demonstrado antes que o cometa não é uma inteira imagem do Sol, mas só uma parte da imagem, assim como a matéria que forma o cometa é não só toda iluminada mas que a imagem do Sol é maior que ela, de modo que é bastante para iluminar um campo muito maior, existindo matéria apta a refletir a luz. Isto não foi demonstrado e pode ser diferente, isto é, que o cometa seja uma inteira imagem, não mutilada, como nos faz acreditar sua aparência bem regulada e simétrica. E daqui pode-se deduzir uma resposta fácil e razoável à pergunta que Sarsi coloca, isto é, como pode acontecer que, acreditando, segundo a colocação de Mário, o cometa esteja num campo muito extenso em altura que não se ilumine inteiramente mas nos reflita só um círculo parcial, sem que as outras partes, mesmo atingidas pelo Sol, não apareçam nunca. Farei, então, a mesma pergunta a ele e ao seu Mestre, que não desejando que o cometa seja um fogo, mas querendo acreditar (se não me engano) que ao menos sua cauda seja uma reflexão dos raios solares, se eles acreditam que o material que produz uma reflexão seja recortado da medida desta cauda, inteiro, que tenha de algum lado; e se sobrar (como acredito que me responda), por que não é percebida, uma vez que é atingida pelo Sol?
Não se pode afirmar que o reflexo seja originado pela substância do éter, substância que, muito transparente, não serve para isto, nem pode-se originar em outro material que, mesmo apto à reflexão, seria também apto a refletir os raios solares. Além disso, não sei por que razão ele chama um pequeno círculo a cabeça do cometa que seu Mestre conseguiu medir em 87.127 milhas quadradas, não sei com quais inteligentíssimos cálculos, quando nuvem alguma, acredito eu, pode alcançar tal medida.
Acrescenta Sarsi, imitando aquele que por muito tempo acreditou que o som pudesse ser produzido de uma única forma, não ser possível que o cometa se origine do reflexo daqueles vapores fumacentos, e que o exemplo do arco-íris não resolve a dificuldade, sendo ele uma ilusão visual: pois o arco-íris e outras coisas semelhantes são originados pela umidade da matéria que já está se transformando em água, que só naquele momento, imitando a natureza dos corpos líquidos, reflete a luz daquela parte onde se produzem os ângulos da reflexão e da refração, procurados como acontece nos espelhos, na água e nas bolas de cristal; mas, nos outros materiais ralos e secos, não possuindo superfície lisa como os espelhos, não se origina muita refração, procurando-se, então, para esta finalidade, uma matéria aguada, por conseguinte, muito pesada e inapta a subir além da Lua e do Sol, aonde podem chegar (também segundo minha opinião) só exalações levíssimas. O cometa, então, não pode ser produzido por tais fumacentos vapores. Uma resposta suficiente a toda esta argumentação seria afirmar que o Sr. Mário nunca limitou-se a afirmar qual seja a matéria originária e precisa do cometa, nem se ela é úmida ou fumacenta, seca ou lisa, e sei que ele não se envergonhará em afirmar que não a conhece. Porém, vendo que em vapores, nuvens ralas e não aguacentas, e naquelas que se dissolvem já em pequenas gotas, nas águas paradas, nos espelhos e outras matérias, aparecem por reflexão e refração muitas imagens ilusórias, considerou não ser impossível que na natureza exista ainda uma matéria apta a nos oferecer mais uma imagem diversa das outras, isto é, o cometa. Tal resposta, afirmo eu, é bem adequada à pergunta, se cada parte da pergunta for exata: todavia, o desejo de ajudar (como muitas vezes já confirmei) a pesquisa da verdade, pelo que me cabe, leva-me a fazer algumas considerações sobre determinados particulares contidos nesses discursos.
Em primeiro lugar, é verdade que numa emanação de pequeníssimas gotas de água recebemos a ilusão do arco-íris, mas não acredito que, pelo contrário, uma ilusão semelhante não se verifique sem tal emanação. O prisma triangular cristalino perto dos olhos nos apresenta todos os objetos das cores do arco-íris; muitas vezes, vê-se o arco-íris também em nuvens secas, sem que caia chuva alguma.
Não podemos ver também as mesmas ilusões de cores diversas nas penas de muitas aves, enquanto o Sol as atinge de várias formas? E que mais? Gostaria de anunciar a Sarsi alguma novidade se existisse alguma novidade a contar. Pegue ele qualquer matéria, seja pedra, madeira ou metal, e expondo-a ao Sol, observe-a atentamente e poderá observar nela todas as cores repartidas em pequeníssimas partes; e se ele usufruir, para observá-las melhor, de um telescópio adaptado a observar os objetos muito próximos, muito mais distintamente perceberá aquilo de que estou falando, sem necessidade que aqueles corpos transformem-se em orvalho ou vapores úmidos. Além disso, aquelas pequenas nuvens que ao pôr do sol mostram-se brilhantíssimas e refletem a luz do Sol tão viva que quase nos cega, são das mais ralas, secas e estéreis nuvens que existem no ar, e as úmidas, em vez, quanto mais estão cheias de água mais se mostram a nós escuras. O halo e os periélios verificam-se sem chuvas e sem umidade nas mais ralas e secas nuvens ou vapores que se encontrem no ar.
Segundo, é verdade que as superfícies bem lisas, como as dos espelhos, nos oferecem um poderoso reflexo da luz do Sol; assim, a muito custo podemos observá-la sem ofender a vista; porém, é também verdade que superfícies não muito lisas refletem com menos força se menor for a sua limpeza.
Veja agora, V. E. Ilustríssima, se o esplendor do cometa é daqueles que cegam a vista, ou é daqueles que por fraqueza não ofendem em nada; e disto julgue se para produzi-lo seja necessário uma superfície semelhante àquela de um espelho, e seja suficiente uma menos lisa. Eu gostaria de mostrar a Sarsi um modo de originar uma reflexão muito semelhante àquela do cometa. Pegue V. E. Ilustríssima uma garrafa de vidro bem limpa, e com uma vela acesa não muito distante do recipiente perceberá, em sua superfície, uma imagem bem pequena desta luz, clara e determinada. Pegando depois com a ponta do dedo uma mínima quantidade de qualquer matéria que possua um pouco de gordura, de modo que se junte ao vidro, engordure o mais sutilmente que puder aquela parte onde se percebe a imagem da luz até que a superfície fique um pouco nublada. Movimente depois a garrafa de maneira que a imagem saia da gordura e pare ao contato com ela; passe depois o dedo uma única vez horizontalmente sobre a parte gordurosa. Imediatamente verá originar-se um raio reto como a cauda do cometa, e este raio cortará transversalmente e em ângulos retos a linha do dedo que V. E. produziu, e, se V. E. voltar a passar o dedo numa outra direção, este raio originar-se-á em outra direção. Isto acontece porque, devido à pele dos nossos dedos não ser lisa, mas marcada por algumas linhas sinuosas para permitir melhor o tato e perceber as mínimas diferenças entre as coisas tangíveis, movimentando o dedo sobre esta superfície gordurosa, deixa alguns sulcos sutis no interior dos quais produzem-se os reflexos da luz, os quais, sendo muitos e dispostos ordenadamente, apresentam depois uma Unha brilhante, em cuja extremidade, se produzirmos, movimentando o vaso, aquela primeira imagem realizada na parte não gordurosa, perceber-se-á a cabeça da cauda mais brilhante e a cauda menos brilhante; o mesmo efeito produzir-se-á se, em vez de se engordurar o vidro, ficar embaçado soprando em cima. Eu peço a V. E. Ilustríssima que, se alguma vez por acaso Sarsi chegar a conhecer esta brincadeira, explique por mim bem claramente que eu não entendo com isso afirmar que exista no céu uma grande garrafa e alguém que a engordure, produzindo assim o cometa; simplesmente eu apresento este exemplo e poderei apresentar muitos outros que possam encontrar-se na natureza, ainda indefinidos a nós, como argumentos de sua riqueza de modos diferentes entre eles para produzir seus efeitos.
Em terceiro lugar, que reflexão e refração não podem ser produzidas por matérias e impressões meteorológicas a não ser quando contêm muita água, porque só neste caso apresentam superfícies lisas e limpas, condições estas necessárias para produzir tal efeito, asseguro que não é verdade que não possa ser diferente. No que diz respeito à limpeza, afirmo que mesmo sem ela produzir-se-á a reflexão da imagem unida e distinta. Afirmo assim porque a imagem quebrada e confusa é produzida por todas as superfícies, desiguais e ásperas; porém, aquela imagem de um pano colorido, que se vê distintíssima num espelho oposto, vê-se confusa e quebrada sobre o muro que reproduz uma determinada sombra da cor deste pano. Se V. E. Ilustríssima pegar uma pedra ou uma ripa de madeira não tão lisa que reflita perfeitamente as imagens, e colocar-se em direção oblíqua ao olho, como se quiséssemos verificar se ela é plana e reta, perceberá distintamente sobre ela as imagens dos objetos que se encontrarem encostados do outro lado da ripa, tão distintas que, apoiando um livro em cima, poderá ser lido comodamente. Mas se este experimento for concluído colocando-se o olho perto da extremidade de algum muro reto e comprido, primeiro perceber-se-á um perpétuo curso de exalações em direção ao céu, especialmente quando o muro for atingido pelo Sol, assim como todos os objetos parecem tremer; depois, o muro do outro lado parecerá aproximar-se, e verá que, quando estiver bem perto, sua imagem se apresentará refletida naqueles vapores ascendentes, nem úmidos nem pesados, pelo contrário, secos e leves. E que mais? Não chegou ainda ao ouvido de Sarsi tudo aquilo que foi falado, especialmente por Tycho, a propósito das refrações que se operam nas exalações e vapores que circundam a Terra mesmo que o ar seja sereno, seco e sem chuva e umidade? Também não se apoie, como ele faz, sobre a autoridade de Aristóteles e de todos os mestres de perspectiva, porque ele não poderá fazer outra coisa que afirmar que eu sou um observador mais cuidadoso que eles, o que, segundo meu parecer, é de todo contrário à sua intenção. Parece-me que tudo o que expus é uma resposta suficiente ao argumento de Sarsi.
Passemos, pois, ao segundo.
CONTINUA
18. Leia agora V. E. Ilustríssima o fim deste primeiro exame: Neste ponto, perceba Galileu, com quanta razão, desta e das muitas outras coisas expostas por ele no texto Nunzio Sidereo, deduzimos que o cometa deve se encontrar além da Lua. Ele mesmo afirma que, entre os astros, alguns brilham com a luz nativa e própria, e nesse número ele coloca o Sol e as estrelas chamadas fixas; outros, não dotados de brilho algum pela natureza, recebem toda a luz do Sol, como é costume pensar dos seis planetas que sobram.
Galileu observou, ademais, que as estrelas amam muito aquela vã coroação de luz não própria e que costuma fazer crescer uma cauda; os planetas, em vez, especialmente a Lua, Júpiter e Saturno, não têm quase nenhum brilho; contudo, Marte, Vênus e Mercúrio, apesar de não serem providos de luz própria, tiram, pela vizinhança do Sol, tanta luz que, sendo quase igual àquelas das estrelas, imitam seus raios circunstantes e seu brilho. Portanto, como o cometa, segundo Galileu também, não possui luz própria por natureza, mas a recebe do Sol, e junto com outros astrônomos de grande fama o consideramos planeta temporário, devia-se raciocinar sobre ele do mesmo modo como sobre a Lua e outros planetas, e cuja condição é tal que quanto menos são distantes do Sol tanto mais brilham, e revestidos de um brilho maior (que deriva disto), observados com a luneta parecem aumentar menos; enquanto o cometa recebe deste instrumento quase o mesmo aumento de Mercúrio, podemos não com muita probabilidade deduzir que o cometa não irradiou aquela luz circundada mais que Mercúrio e por isso não se encontra muito longe; por outro lado, como era aumentado menos que a Lua, precisava colocá-lo circundado de uma luz maior e mais perto do Sol? De tudo isto pode-se compreender com quanta razão afirmamos que o cometa, pois pareceu aumentar muito pouco, deve ser considerado muito mais longe de nós do que a Lua.
Sem dúvida, pela paralaxe observada e também pelo curso do cometa quase sidéreo, nós conhecíamos bastante seu lugar; como, além disso, a luneta o aumentava quase quanto Mercúrio, certamente nenhuma razão teria podido sustentar o contrário; foi lícito tirar daqui um corolário também de grande importância e peso a favor de nossa teoria. Mesmo que soubéssemos, com efeito, que estas coisas podiam ser originadas por muitas causas, justamente por causa da analogia que este corpo luminoso guardava junto a todos os outros corpos celestes em todos os seus fenômenos, pensamos ter recebido da luneta um beneficio bastante grande, pois nosso parecer, já firmado pelo peso de outros argumentos, confirmava ainda mais com o peso do próprio assentimento. Quanto ao restante, porém, acrescentado ao argumento, isto é, as palavras: "Sei que este argumento foi considerado por alguns de pouca importância", etc, clara e honestamente havíamos lembrado antes para que fim estas palavras haviam sido acrescentadas: naturalmente contra aqueles que, enfraquecendo a fé neste instrumento, completamente ignaros das disciplinas de óptica, proclamavam-no enganador e indigno de qualquer confiança. Compreende, então, Galileu, se não me engano, com quanta falta de raciocínio lutou contra nossa opinião a respeito da luneta, que ele considera em tudo de acordo com a verdade e com as suas próprias opiniões: haveria podido conhecer também antes se a tivesse examinado com espírito mais calmo. Como, então, haveríamos podido imaginar que ele não haveria de gostar dessas ideias que considerávamos suas próprias? Mas como estas coisas, segundo a nossa opinião, parecem suficientes, vamos examinar a opinião do próprio Galileu.
Aqui, primeiramente, como V. E. pode ver, iniciamos uma argumentação recortada, como se diz, de velho pano, consistente em diversos fragmentos de proposições, para provar que o lugar do cometa era entre a Lua e o Sol; proposição esta que o Sr. Mário e eu podemos conceder-lhe por completo, sem prejuízo algum, não tendo nós nunca afirmado nada em relação ao lugar do cometa, nem negado que ele possa se encontrar além da Lua, mas falou-se somente que as demonstrações até agora apresentadas pelos autores oferecem dúvidas. E para tirá-las não é de ajuda nenhuma que Sarsi apresente agora uma nova demonstração, mesmo que ela fosse necessária e conclusiva, e provar que esta conclusão seja verdadeira, mesmo que também em torno de conclusões verdadeiras se possa argumentar e silogizar falsamente. Todavia, pelo desejo que eu possuo de pôr à luz as coisas escondidas e chegar a verdadeiras conclusões, apresentarei algumas considerações em relação a estas proposições.
Para maior clareza e compreensão o farei com a maior brevidade possível.
Afirma ele ter deduzido do meu Nunzio Sidereo que as estrelas fixas, sendo aquelas que brilham com luz própria, brilham com uma luz não real, mas aparente. Os planetas, sendo desprovidos de luz própria, não agem assim, especialmente a Lua, Júpiter e Saturno, mas mostram-se quase sem brilho; porém, Vênus, Mercúrio e Marte, mesmo privados de luz própria, brilham muito por causa da vizinhança do Sol, pelo qual são mais abundantemente atingidos. Afirma, além disso, que o cometa, segundo meu parecer, recebe sua luz do Sol, e acrescenta haver ele, junto com autores de renome, considerado o cometa, desde muito tempo, um planeta; assim, a respeito dele pode-se raciocinar como a respeito dos outros planetas, os quais, quanto mais encontram-se perto do Sol mais brilham, e por consequência menos podem ser observados pelo telescópio, e, aumentando o cometa pouco mais que Mercúrio e muito menos que a Lua, com muita razão podia-se concluir que não estivesse muito mais longe do Sol do que de Mercúrio, mas muito mais perto daquele que da Lua. Esta é a teoria que muito bem se ajusta à necessidade de Sarsi, como se a conclusão, deduzida antes dos princípios e meios, dependesse não aquela destes, mas estes dela, e tivessem sido preparados por ele não da grandiosidade da natureza mas da arte muito sutil. Pesquisemos, porém, quanto ela seja conclusiva.
Em primeiro lugar, é completamente falso que eu tenha escrito no Nunzio Sidereo que Júpiter e Saturno não brilhem quase nada e que Marte, Vênus e Mercúrio sejam coroados de muitos raios, porque eu separei só a Lua do resto das outras estrelas, quer fixas quer errantes.
Em segundo lugar, não sei se para concluir que o cometa seja quase um planeta e que, sendo tal, lhe sejam convenientes as propriedades dos outros planetas, seja suficiente que Sarsi e seu Mestre junto com outros autores o tenham considerado e chamado assim. Pois, se a opinião deles fosse tão importante a ponto de fazer aceitar as coisas por eles propostas, eu os rogaria que considerassem e chamassem ouro muitos velhos pedaços de ferro que possuo em casa. Mas, deixando os nomes de lado, qual é a teoria que os induz a considerar o cometa quase um planeta desde muito tempo? Brilhar como os planetas? Mas qual é a nuvem, qual a fumaça, qual a madeira, qual o muro, qual a montanha, atingidos pelo Sol, que não brilham do mesmo tanto? Não percebeu Sarsi no Nunzio Sidereo minha demonstração, isto é,que nossa Terra brilha mais que a Lua? Mas qual é minha opinião sobre o brilho do cometa como um planeta? Eu, por mim, não considero impossível que sua luz possa ser tão fraca e sua substância tão sutil e rala, que, quando alguém se aproximasse dela, sumisse da vista completamente, como acontece com alguns fogos-fátuos que saem da Terra, que são percebidos só durante a noite e de longe, mas de perto desaparecem; da mesma forma que as nuvens distantes são percebidas bem determinadas, e depois, de perto, mostram um pouco de nebulosidade tão indeterminada que alguém, entrando nela, quase não distingue os limites, nem sabe separá-la do ar contíguo. E aquelas projeções de raios solares entre as nuvens, tão semelhantes aos cometas, por quem são percebidas se não por aqueles que lhes são distantes? Tem o cometa alguma coisa em comum com os planetas por causa do movimento? E qual será a coisa separada da parte elementar que, obedecendo ao estado terrestre, não terá o moto diurno de acordo com o resto do universo? Mas se falamos do outro movimento, aquele transversal, este não tem nada a ver com o movimento dos planetas, não sendo criado nem por aquele rumo, nem regulado, nem talvez circular. Mas, deixados de lado os acidentes, acreditará talvez alguém que a substância ou a matéria do cometa tenha alguma coisa a ver com a dos planetas? Pode-se acreditar que ela seja solidíssima, como nos convida a pensar em particular a Lua e em universal a figura bem determinada e imutável de todos os planetas; e, ao contrário, pode-se acreditar que a do cometa dissolva-se em poucos dias; e sua figura, não determinada ao redor, mas confusa e indistinta, nos mostra que a sua substância é mais sutil e mais rala que a névoa e a fumaça. Assim ele quase poderia ser chamado mais um planeta pintado que real.
Em terceiro lugar, eu não sei com quanta perfeição ele possa ter parangonado os raios e o aumento do cometa com o aumento de Mercúrio que, podendo ser observado raríssimas vezes, em todo o tempo da aparição do cometa, ele não apareceu nunca, nem deu a possibilidade de ser observado, encontrando-se sempre muito perto do Sol; posso sem escrúpulo acreditar que Sarsi não fez esta comparação, difícil de se realizar e muito incerta, mas que ele afirma ter realizado porque, sendo assim, serviria melhor para sua causa. Outro indício que mostra como ele não conseguiu fazer esta experiência é-me fornecido pelo fato de que, ao referir-se às observações relativas a Mercúrio e à Lua, com os quais compara as do cometa, parece-me que ele esteja confundindo muito. Aceitando, para concluir, que o cometa se encontre mais longe do Sol que de Mercúrio, precisava afirmar que o cometa possuía menos raios que ele, e observado com o telescópio aumentava mais que ele; todavia, afirmou o contrário, isto é, que não possuía mais raios que Mercúrio e que aumentava quase a mesma coisa, o que significa afirmar que possuía mais raios e menos aumento que Mercúrio. Comparando depois o cometa com a Lua, escreve a mesma coisa (mesmo afirmando escrever o contrário), isto é, que aumentava menos que a Lua e possuía mais raios. Todavia, para chegar a uma conclusão, deduz da identidade das premissas conclusões diferentes, isto é, que o cometa encontra-se mais perto do Sol que a Lua, porém mais distante que Mercúrio.
Para finalizar, afirmando Sarsi ser um lógico exato, não me faz entender por que, na divisão dos corpos luminosos que se irradiam mais ou menos, e que por consequência, observados com o telescópio, recebem um aumento maior ou menor, ele não haja registrado nossas luzes elementares; pois as velas, as tochas acesas observadas a qualquer distância, qualquer pedrinha, lenho ou corpúsculo, até as folhas e as gotas de orvalho atingidas pelo Sol, resplandecem, e de certo ângulo irradiam a par de qualquer estrela mais brilhante, e vistas pelo telescópio observam no aumento o mesmo teor que as estrelas. Assim, termina completamente aquela ajuda a mais que os outros haviam esperado do telescópio para conduzir o cometa no céu e tirá-lo da esfera elementar. Abandonai, portanto, Sarsi, a ideia de poder ajudar vosso Mestre e estai certo de que, para querer sustentar um erro, é necessário perpetrar cem outros e, coisa ainda pior, não conseguir o intento. Gostaria também de pedir-vos para não replicar mais, como o fazeis no final desta vossa parte, que estas são teorias minhas, pois nunca escrevi coisas parecidas, nem as falei, nem as pensei. Basta a respeito do primeiro trecho em exame.
19. Passemos ao segundo: Apesar de ninguém até hoje ter falado que o cometa deve colocar-se entre as aparências vãs, onde não haveríamos necessidade de libertá-lo da acusação de inanidade, pois Galileu acreditou enveredar por outro caminho para explicar o cometa completa e sabidamente, é justo parar e expor com cuidado esta sua nova teoria.
São duas hipóteses que ele cogitou: uma relativa à substância, outra referente ao movimento do cometa. No que diz respeito à primeira, Galileu afirma que esta luz é daquelas que, mostradas mais que criadas pela refração de outra luz, parecem ter mais o nome de sombras de corpos luminosos que ser corpos luminosos, como, por exemplo, os arco-íris, os halos, os parélios e muitas outras coisas semelhantes. No que diz respeito à segunda, Galileu afirma que o movimento dos cometas sempre foi retilíneo e perpendicular à superfície da Terra. Revelando estas suas descobertas, acreditou poder destruir com facilidade as opiniões dos outros. Nós vamos examinar agora com poucas palavras, e sem retórica, quanto de próprio se deva atribuir a estas opiniões (pois a verdade, mesmo nua, é bastante ornada). Mesmo sendo difícil abranger singularmente estas duas proposições, pois são tão conexas que parecem depender uma da outra e sustentar-se reciprocamente, nós nos preocuparemos para que os leitores não fiquem lesados. Por isso, contra a primeira posição de Galileu, afirmo que o cometa não foi simulacro vão de uma luz que iludia os olhos daqueles que o observavam e isto parece-me que não necessita de outra prova para aquele que, ao menos uma vez, seja a olho nu, seja com a luneta, haja observado o cometa. A simples vista manifestava a natureza desta luz, porque, em comparação a outras luzes realíssimas, qualquer um poderá com facilidade julgar se o observado era falso ou verdadeiro. Tycho, examinando as observações de Tadeu Agezio, deduz isto: "O corpo do cometa naqueles dias foi igual, em grandeza, a Júpiter e Vênus, e revestiu-se de uma luz nítida e de um grande esplendor, puro e belo, e sua substância pareceu pura demais para ser conveniente a matérias só elementares, mas era, de preferência, análoga àquela dos corpos celestes ". Tycho acrescenta a isto: "Tadeu foi bom juiz relativamente a este aspecto, haveria podido concluir claramente que este cometa não era elementar".
Sarsi andou figurando antes e arbitrariamente os princípios e os meios que fossem de acordo com as conclusões que ele queria demonstrar; agora parece-me que vai imaginando conclusões para contradizê-las como teorias do Sr. Mário e minhas, muito diversas, ou, ao menos, muito diversamente tomadas, de como são relatadas no Discurso do Sr. Mário. Que o cometa seja, sem dúvida, uma imagem vã e uma simples aparência, nunca foi afirmado com certeza, mas só foi posto em dúvida e levado à consideração dos filósofos com aqueles raciocínios e cogitações que parecem poder garantir que seja verdade. Eis aqui as palavras do Sr. Mário a este propósito: "Eu não afirmo resolutamente que o cometa produza-se assim, mas afirmo que são duvidosos, seja este modo seja os outros dos demais autores; os quais pretenderão estabelecer com certeza seus pareceres. e terão a obrigação de demonstrar que esta e todas as outras posições são vãs e falsas". Mesmo sendo o texto tão diferente, Sarsi afirma que nós temos por certo que o movimento do cometa deve ser necessariamente reto e perpendicular à superfície terrestre. Isto não foi apresentado desta forma, mas simplesmente foi cogitado como ser mais conforme às aparências e satisfazer às mudanças observadas no cometa. Esta hipótese é tão superficialmente apresentada pelo Sr. Mário que no fim ele declara: "Porém é mais conveniente para nós contentarmo-nos com aquele pouco que podemos cogitar mesmo sem ter muita clareza". Porém Sarsi quis mostrar que estas opiniões eram tão firmemente aceitas por mim que imaginou podê-las destruir com facilidade e com meios mais eficazes. Se ele conseguir o agradecerei, pois no futuro deverei preocupar-me com uma hipótese a menos todas as vezes que me venha a ideia de filosofar sobre tal matéria. Por enquanto, pois parece-me que ainda subsiste alguma coisa de vivo no raciocínio do Sr. Mário, moverei algumas objeções às objeções de Sarsi.
Opondo-se Sarsi com grande firmeza à primeira conclusão, afirma que aquele que, mesmo por uma vez, houvesse observado o cometa, não necessitaria mais de argumento algum para conhecer a natureza desta estrela; estrela que, comparada com as outras verdadeiras estrelas, mostrava muito claramente ser verdadeira e não falsa. Assim, como V. E. Ilustríssima entende, Sarsi confia tanto no sentido da visão que considera impossível ser enganado todas as vezes que tentamos fazer uma comparação entre um objeto falso e um real. Eu confesso não ter a visão tão perfeita, pelo contrário, confesso ser como aquele macaco que acredita firmemente ver no espelho outro macaco, e nem reconhece seu erro se quatro ou seis vezes não tenha ido atrás do espelho para agarrar a imagem, tanto aquela imagem se lhe apresente viva e verdadeira. Supondo, então, que aqueles que Sarsi vê no espelho não sejam homens verdadeiros e reais, mas imagens vãs, como nós vemos nossa imagem no espelho, gostaria ardentemente de saber quais são aquelas diferenças visuais por meio das quais tão rapidamente distingue o verdadeiro do falso. Quanto a mim, encontrei-me mil vezes em alguma sala de janelas fechadas, e através de algum pequeno buraco pude perceber o Sol refletindo-se sobre um muro oposto, julgando assim esta mancha, pela vista, uma estrela tão brilhante quanto a Canícula e Vênus. E andando contra o Sol no campo, quantos milhares de corpúsculos, pedrinhas, lisos ou molhados, transformar-se-ão pelo reflexo do Sol em estrelas brilhantíssimas? Mesmo cuspindo no chão, Sarsi sem dúvida perceberá onde cuspiu, pela reflexão solar, uma estrela naturalíssima. Além disso, qual corpo colocado a grande distância, atingido pelo Sol, não aparecerá como uma estrela, especialmente se for tão alto que possa ser enxergado durante a noite, como se enxergam as outras estrelas? E quem distinguiria a Lua, vista durante o dia, de uma nuvem atingida pelo Sol, senão pela diversidade do aspecto e pela grandeza?
Ninguém, com certeza. E enfim, se a simples aparência deve determinar a essência, é necessário que Sarsi aceite que os sóis, as luas e as estrelas, observados em água parada e em espelhos, sejam verdadeiros sóis, verdadeiras luas e verdadeiras estrelas. Em relação a esta parte, mude mesmo Sarsi de opinião, nem acredite que, citando a autoridade de Tycho, de Tadeu Agezio ou de muitos outros, melhore sua condição, a não ser que, por ter tido tais homens como companheiros, desculpe mais seu erro.
20. Continue V. E. Ilustríssima a ler: "Pois, por todo o tempo que nosso cometa brilhou, Galileu, segundo ouvi dizer, permaneceu de cama por uma doença, e nunca talvez pôde, por causa da doença, observar aquele corpo brilhantíssimo, e por isso pensamos dever-se discutir com ele por meio de outra argumentação. Afirma ele mesmo que às vezes, de alguma parte da Terra, um vapor fumacento levanta-se acima da Lua e também acima do Sol, e, logo que saído do cone sombreado da Terra, olhou para a luz do Sol da qual como que concebeu e gerou o cometa; e o movimento ou a subida de um tal vapor não é vago ou incerto mas retilíneo e sem ser desviado para parte alguma. Assim afirma ele, mas nós colocamos na nossa balança o peso destas afirmações. Primeiro, sabemos que esta matéria fumacenta e úmida, tendo subido casualmente da Terra nos dias em que, dominando amplamente o céu bóreas violentíssimas, facilmente poderia haver sido dispersada e dissipada. É pois, digno de admiração como impunemente corpúsculos tão sutis e leves, entre a ira do vento violentíssimo, puderam ter chegado até o alto com um proceder constante através do caminho enveredado no começo, quando nem pesos consideráveis confiados ao vento podiam vencer o ímpeto e a força. Eu considero muito contraditório que um vapor muito leve suba e suba em linha reta, e mal acredito que isto haja podido acontecer entre as várias mudanças do vento. E acrescenta que, garante Galileu, nem nas mais altas regiões dos planetas faltam condensações e rarefações de tais corpos fumacentos, e por isso nem aqueles movimentos vagos e incertos pelos quais é necessário que sejam levados.
Que os vapores fumacentos de alguma parte da Terra subam além da Lua, e até além do Sol, e que saídos do cone da sombra terrestre sejam engravidados pelos raios solares e que então gerem o cometa, nunca foi escrito pelo Sr. Mário nem foi afirmado por mim, apesar de Sarsi atribuí-lo a mim.
Aquilo que o Sr. Mário escreveu é que não é impossível que algumas vezes possam elevar-se da Terra exalações e outras coisas parecidas, mas muito mais sutis que de costume, que subam além da Lua e possam ser matéria geradora do cometa, e que às vezes originem-se sublimações extraordinárias relativas à matéria dos corpúsculos, exemplificando-o por meio da aurora boreal. Porém não afirma que aquela seja numericamente a mesma matéria dos cometas, que necessita ser muito mais rala e sutil que os vapores dos corpúsculos e do que a matéria da assim chamada aurora boreal, tendo aceito que o cometa resplende muito menos que a aurora; assim, se o cometa se ampliasse, por exemplo, rumo ao oriente, na cândida alvorada, enquanto o Sol não se encontrasse longe do horizonte mais do que 6 ou 8 graus, sem dúvida não se perceberia, por ser menos brilhante do que seu próprio ambiente. E com a mesma probabilidade, não certeza, atribuiu-se à mesma matéria o movimento retilíneo em ascensão. E isto seja afirmado não para retratarmo-nos por medo das oposições de Sarsi, mas só para mostrar que não nos afastamos do nosso hábito, que consiste em não afirmar como verdadeiras a não ser as coisas que conhecemos como indiscutíveis, como nos ensina nossa filosofia e nossa matemática. Agora, partindo do ponto de vista de que houvéssemos verdadeiramente afirmado aquilo que Sarsi fala, examinemos suas posições.
Sua primeira oposição baseia-se na impossibilidade de os vapores subirem ao céu, em linha reta, enquanto que verificamos que um papagaio é empurrado pelo ar com movimento transversal, assim como as outras coisas que se encontram nele; e o mesmo verificou-se por muitos dias depois do aparecimento do cometa. A oposição é verdadeiramente inteligente, mas perde muito de sua força lógica porque, segundo notícias seguras, naqueles dias, nem na Pérsia nem na China verificaram-se perturbações atmosféricas; e eu acreditarei que de umas daquelas regiões se origina a matéria do cometa, se Sarsi provar que ele não é originário de lá, mas de Roma, onde ele percebeu o vento boreal.
Mas, mesmo que o vapor saísse da Itália, quem pode saber se ele não se houvesse posto em viagem antes dos dias de vento, muitos dias antes de sua chegada ao orbe do cometa, longe da Terra, segundo a relação do Mestre de Sarsi, quatrocentos e setenta mil milhas mais ou menos; porque, para empreender uma viagem tão comprida, é necessário bastante tempo, pois a subida dos vapores, por aquilo que podemos observar em relação àqueles perto da Terra, não atinge a velocidade do voo das aves; assim não seriam suficientes quatro anos para concluir tamanha viagem. Mesmo aceitando que estes vapores pudessem se movimentar em época de vento, Sarsi, que acredita piamente nos historiadores e nos poetas, não poderá negar que o impulso dos ventos não sobe mais de duas ou três milhas, já que existem montes cujo cume vai além da região dos ventos. Assim, o máximo que ele poderá concluir é que dentro deste espaço os vapores movimentam-se transversal e não perpendicularmente; porém, fora deste espaço desaparece o impedimento que os desvia do caminho retilíneo.
21. Veja mais V. E. Ilustríssima: Aceitamos que estes vapores possam manter, através dos ventos, suas direções e rumar para onde possam receber os raios diretos do Sol, enviando-os a nós refletidos. Por que, então, recebendo em toda a sua extensão a luz do Sol, no-la mostram somente em uma mínima parte de si? Com certeza, sendo o próprio Galileu testemunha, quando nos dias de verão um vapor não diferente indo rumo ao norte mais alto que de costume apresenta-se à luz do Sol, então, imergido em luz brilhantíssima, mostra-se muito brilhante em todas as suas partes, para utilizar sua próprias palavras, nos reflete mesmo de noite a aurora boreal; e não se mostra tão avarento do esplendor recebido que não permita que a reflexão da luz do Sol, que ele recebeu em toda a sua extensão, nos apareça apenas através de um pequeno buraco. Eu mesmo verifiquei, não somente em tempo de verão, mas no mês de janeiro, quatro horas depois do pôr do sol, algo ainda mais maravilhoso, isto é, uma pequena nuvem, cândida e brilhante, tão rarefeita que não encobria nem as estrelas menores, e os dons de luz que havia recebido do Sol ela os expandia livremente, com alma generosa, por todos os cantos. Então todas as nuvens (admitindo que tenham alguma afinidade com a matéria do cometa), se são tão densas e obscuras que não possam refletir livremente os raios do Sol, ao menos na parte virada para o Sol o refletem para nós com generosidade recíproca; porém, se são ralas e sutis, e a luz facilmente as penetre integralmente, não mostram obscuridade em parte alguma, mas oferecem aos olhos inundados uma luz esplendorosa. Então, se o cometa não se forma de outra matéria que não seja vapores fumacentos, não Juntados globalmente mas, como o próprio Galileu afirma, ocupando um espaço suficientemente vasto do céu, brilhando em toda parte com a luz do Sol, qual é a causa pela qual brilham sempre para aqueles que o observam só de um pequeno e estreito disco, e as outras partes deste mesmo vapor, iluminadas pelo Sol com mesma luz, não aparecem? Dificilmente tudo isto pode ser explicado com o exemplo do arco-íris, em cuja formação acontece a mesma coisa que evidentemente só de uma parte da nuvem volta ao olho, quando, entretanto, em todo o espaço iluminado pelo Sol a própria diversidade das cores seja gerada de sua luz. Com efeito, o arco-íris e outros meteoros, se existirem, requerem de preferência matéria úmida e com tendência a mudar-se em água; pois esta matéria só quando se derrete em água, imitando a natureza dos corpos leves, puros e transparentes, reflete a luz só na parte onde formam ângulos de reflexão e de refração necessários a tudo isto, como percebemos nos espelhos, na água e no gelo. Depois, se alguma emanação encontrar-se mais rarefeita ou mais seca, acontece porque ela não possui superfície lisa como os espelhos, nem reflete muitos raios. Visto necessitar-se de um corpo liso para que haja reflexão e necessitar-se de sua densidade para a refração (coisas que nunca se encontram nas impressões meteorológicas, a não ser quando a natureza delas possui muita água, como ensinaram não só Aristóteles mas também todos os mestres de óptica, e a própria razão persuade com muita eficácia), segue disto necessariamente que emanações semelhantes possuirão, por natureza própria, um certo peso, e por isto menos aptas a subir acima da Lua e do Sol, pois o próprio Galileu admite que devem ser muito sutis e leves aqueles que voam até lá em cima. Portanto, não daquele vapor fumacento e rarefeito, e na verdade de peso algum, poderá refletir para nós aquela imagem brilhante de luz: o vapor aguado, na verdade, sendo pesado, não poderá subir deforma alguma.
Depois de observado por muitas experiências, parece-me ser esta a condição humana em relação às coisas intelectuais: quanto menos entende-se e sabe-se, com tanta mais força quer-se discutir; e, pelo contrário, mais coisas são conhecidas menor é a tendência de discutir resolutamente sobre qualquer novidade. Nasceu em um lugar muito solitário um homem dotado por natureza de grande inteligência e de extraordinária curiosidade. Criando por prazer grande diversidade de aves, gostava enormemente do seu canto, e com muita admiração observava de que modo, por meio do próprio ar que respiravam, conseguiam formar ao seu arbítrio cantos diferentes e todos suavíssimos. Acontece que uma noite perto de casa escutou um som delicado, e, nem podendo imaginar que fosse outra coisa a não ser uma pequena ave, foi buscá-la. Chegando à estrada encontrou um pequeno pastor que, assoprando num pedaço de madeira furada e movimentando os dedos sobre a madeira, uma vez fechando e uma vez abrindo determinados buracos, conseguia produzir aquelas vozes diferentes, semelhantes às de um pássaro, mas de forma bem diversa. Admirado e movido pela sua curiosidade natural, deu de presente um bezerro ao pastor para obter aquela flauta. De regresso à sua casa e percebendo que se não houvesse encontrado por acaso aquele pastor nunca haveria aprendido que existiam na natureza duas formas diversas de criar vozes e cantos suaves, quis sair de casa procurando encontrar outras aventuras. Aconteceu que no dia seguinte, passando perto de uma pequena choça, escutou ressoar dentro dela uma voz semelhante. Para ter certeza se era uma flauta ou um pássaro, entrou e encontrou um menino que estava serrando, com um pequeno arco segurado na mão direita, alguns nervos estendidos sobre um lenho côncavo, enquanto sustentava com a mão esquerda o instrumento sobre o qual, movimentando os dedos e sem sopro algum, extraía dele vozes diversas e suaves. Qual foi seu espanto pode ser julgado facilmente por aquele que possuir a mesma inteligência e a mesma curiosidade dele que, vendo aumentar, de duas novas formas, a maneira de produzir uma voz e um canto tão inusitados, começou a acreditar poderem existir ainda outros na natureza. Mas qual foi sua surpresa quando, entrando em um determinado templo, começou a olhar atrás da porta para ver quem estava tocando e percebeu que o som havia saído dos ferros da porta ao abri-la? Em outra ocasião, empolgado pela curiosidade, entrou em um boteco e, acreditando encontrar outra vez alguém que com o arco tocasse as cordas de um violino, viu uma pessoa que, esfregando o dedo sobre a orla de um copo, conseguia produzir um som suavíssimo. Mas logo que observou que as abelhas, os pernilongos e as moscas, com o rapidíssimo bater das asas, e não como suas primeiras aves que respirando formavam vozes ininterruptas, produziam um som perpétuo, tanto aumentou sua admiração que diminuiu sua confiança sobre o conhecimento da origem do som. Nem todas as experiências já observadas haveriam sido suficientes para fazer-lhe entender ou acreditar que os grilos, não voando, conseguiam, não por meio do sopro mas com o movimento das asas, produzir sons tão doces e sonoros. Mas quando acreditou não poderem existir outras formas possíveis de produzir vozes, depois de haver observado, além das maneiras já relatadas, ainda tantos órgãos, trompas, flautas e instrumentos de corda de todos os tipos, até chegar à aquela pequena lâmina de ferro que, suspensa entre os dentes, usava de forma muito esquisita a cavidade bucal para dar corpo à amplificação do sopro permitindo a passagem do som, quando, repito, na hora que acreditava haver conhecido tudo, encontrou-se ainda mais no escuro e na ignorância, quando, havendo encontrado uma cigarra que nem fechando-lhe a boca e nem fechando-lhe as asas conseguia diminuir seu altíssimo estridor, não percebeu movimento algum de escamas nem de outras partes. Finalmente, levantando-lhe a caixa dos pulmões e observando embaixo dela algumas cartilagens duras mas sutis, e acreditando que o som fosse originado do seu movimento, resolveu quebrá-las para fazê-la parar, mas tudo foi em vão.
Então, fincando uma agulha mais funda no corpo da cigarra, passando-a, tirou-lhe junto com a voz a vida e assim não pode mais pesquisar se o canto era originado verdadeiramente por aquelas membranas. Tornou-se tão descrente sobre seus possíveis conhecimentos em relação aos sons que todas as vezes que alguém lhe perguntava sua opinião sobre a origem dos sons, generosamente respondia não conhecer causa alguma, mas que estava resolvido a acreditar que pudessem existir cem outras maneiras, ainda desconhecidas e impensáveis.
Eu poderia dar muitos exemplos da variedade da natureza em produzir seus efeitos de maneira inimaginável para nós, se o sentido e a experiência não nos explicitassem sem, muitas vezes, suprir nossa incapacidade. Assim, se eu não souber, com exatidão, determinar a produção do cometa, deverão ser aceitas minhas desculpas, especialmente porque nunca afirmei poder dar esta explicação sabendo que ela poderia verificar-se de forma muito alheia à nossa imaginação. A dificuldade de entender como se forma o canto da cigarra, enquanto ela canta na mão, desculpa de sobra não saber como pode formar-se um cometa tão longe de nós. Para frisar, então, a primeira intenção do Sr. Mário e minha, isto é, promover aquelas dúvidas que parecem abalar as opiniões manifestadas até agora e propor alguma nova teoria para examinar se existe alguma coisa que possa esclarecer e abrir o caminho rumo à verdade, continuarei a raciocinar sobre as teorias manifestadas por Sarsi, que considerou improváveis nossos argumentos.
Continuando Sarsi sua exposição e aceitando serem os vapores ou outra matéria aptos a formar o cometa, seu elevar-se da Terra e subindo muito alto, onde pudesse receber diretamente os raios solares refletindo-os para nós, é difícil imaginar de que forma, sendo completamente iluminada, reflita até nós só a luz de uma pequena parte, e não acontece como aqueles vapores que nos apresentam aquela intempestiva aurora boreal, vapores que, sendo todos iluminados, mostram todos suas luzes.
Afirma depois ter observado, pelo meio da noite, uma coisa maravilhosa, isto é, uma pequena nuvem no zênite que, sendo toda iluminada, refletia livremente seu brilho de todas as suas partes, e acrescenta que, se todas as nuvens forem espessas e opacas, nos refletem a luz do Sol com toda a sua parte visível, porém se elas forem ralas, assim que a luz as penetre, mostrar-se-ão a nós brilhantes e não opacas; então, se o cometa forma-se com tais vapores fumacentos muito espalhados, como afirma o Sr. Mário, e não reunidos em círculo, sendo atingidos pelo Sol por todas as partes, por qual razão nós recebemos sua reflexão de uma pequena parte e não de todo o restante igualmente iluminado? Mesmo que as soluções destas perguntas estejam completamente resolvidas no Discurso do Sr. Mário, eu as relatarei aqui colocando-as acertadamente e acrescentando alguma outra consideração, conforme for solicitado pela matéria.
Em primeiro lugar, Sarsi deveria sem dificuldade conceder que só de um lado particular de toda a matéria sublimada pelo cometa verifica-se a reflexão da luz do Sol a uma visão particular, apesar de ser toda iluminada; tendo nós mil experiências semelhantes a favor, contra uma que pareça ser contrária, facilmente, entre as de Sarsi contrárias a esta posição, encontraremos muitas outras favoráveis. É certo que qualquer espelho plano exposto ao Sol fica por ele iluminado em toda a sua superfície; o mesmo acontece com qualquer pântano, lago, rio, mar, ou seja, com qualquer superfície lisa de qualquer material; porém, a uma vista particular não corresponde a reflexão do raio solar, a não ser de um lugar particular desta superfície, cujo lugar muda, mudando o olho do observador. A superfície externa de nuvens sutis, mas muito espalhadas, é toda iluminada pelo Sol de forma igual; todavia, o halo e os periélios não aparecem a um olho particular a não ser em um único lugar, e este, com o movimento do olho, muda de lugar dentro da nuvem.
Sarsi afirma: Aquela matéria sutil sublimada que produz aquela aurora boreal vê-se também toda iluminada, como ela o é de verdade. Porém, pergunto eu a Sarsi de onde lhe vem esta certeza. E ele pode responder-me somente que não percebe parte alguma que não seja iluminada, assim como acontece com o resto da superfície dos espelhos, das águas, dos mármores, além daquela pequena parte que reflete a viva luz do Sol. Porém advirto-o de que, se a matéria fosse transparente, não distinguiria nada mais que aquele esplêndido raio refletido, como acontece às vezes que a superfície do mar não se distingue do ar, mesmo que se veja imagem reflexa do Sol; e assim, colocado um vidro sutil a uma determinada distância, poderá mostrar-nos aquela sua pequena parte que reflete alguma luz, ficando o resto invisível por causa de sua transparência. Este erro de Sarsi é semelhante àquele dos que afirmam que criminoso algum deve confiar que seu crime possa ficar oculto, nem percebem a incompatibilidade que existe entre permanecer oculto e ser descoberto, e quem quisesse ter duas cadernetas, uma dos delitos que permanecem ocultos e outra daqueles que são descobertos em cuja caderneta dos ocultos nunca poderia registrar-se coisa alguma. Afirmo, então, que não me oponho à crença de que a matéria da aurora boreal seja muito ampla e uniformemente iluminada pelo Sol50; como, porém, não posso descobrir e observar a não ser aquela parte cuja refração meu olho pode captar, permanecendo invisível todo o restante, tenho a ilusão de perceber tudo. E que mais? A propósito dos vapores crepusculares que circundam a Terra, não permanece iluminado pelos raios solares sempre um hemisfério? Com certeza sim; todavia, aquela parte que se interpõe diretamente entre o Sol e nós mostra-se a nós muito mais luminosa do que as partes mais distantes. Mas esta, como ainda outras, é pura aparência e ilusão de nosso olho, pois, encontrando-nos em qualquer lugar, sempre observamos o Sol como centro de um círculo luminoso, mas que gradualmente vai perdendo o brilho, segundo se encontre à direita ou à esquerda deste centro; para outros, mais para o boreal, parece mais escura aquela parte que a mim parece mais clara, e mais brilhante aquela que a mim apresentava-se mais escura. Podemos, assim, afirmar a existência de um halo perpétuo e grande ao redor do Sol, figurado na superfície convexa que termina a esfera de vapor, cujo halo, da mesma forma que o outro, que às vezes nasce de uma nuvem sutil, muda de lugar segundo a mudança do observador. Em relação à pequena nuvem que Sarsi afirma ter observado brilhar na noite profunda, poderia perguntar-lhe que certeza tem ele de ela não ser maior do que aquela que aparece, especialmente afirmando ele que era tão transparente que não escondia estrelas fixas, mesmo mínimas, pois não possuía indício algum para garantir que ela se ampliasse invisivelmente como transparente, muito e muito além da parte brilhante observada: por isso é ainda duvidoso se ela não é uma aparência que muda como as outras segundo a mudança do olho. Além de não haver nada em contrário que ela apareça inteiramente brilhante e seja, da mesma forma, uma ilusão, o que acontecerá se ela não fosse maior do que aquele espaço que vem a ser ocupado pela imagem do Sol, assim que, observando a imagem do Sol, por exemplo, ocupar num espelho tanto espaço quanto uma unha, nós cortássemos fora o restante, não há dúvida de que este pequeno espelho poderá nos aparecer brilhante de todo. Além disso, quando o pequeno espelho fosse menor do que a imagem, então poder-se-ia observar não só tudo iluminado mas sua imagem não pareceria movimentar-se a cada movimento do olho, como no espelho grande; e até por ser ele incapaz de toda imagem do Sol, segue que, movendo-se o olho, veria a reflexão ora de um lado ora de outro do disco solar; assim a imagem pareceria imóvel, até que o olho se dirija à parte que não produz reflexão, ela se perderia completamente. É muito importante, então, considerar a grandeza e a qualidade da superfície que reflete, pois, conforme a superfície seja menos limpa, a imagem do mesmo objeto se apresentará sempre maior, pois, às vezes, antes que a imagem passe por todo o espelho, será necessário que o olho passe por muito espaço, e esta imagem parecerá fixa então, mesmo que na realidade seja móvel.
Para explicar melhor um ponto importantíssimo e que talvez possa solicitar, não digo Sarsi, mas algum outro, pense V. E. Ilustríssima encontrar-se numa praia com um tempo tranquilo e o Sol já descendo no ocaso. Perceberá, então, sobre a superfície do mar que está na metade do círculo máximo da esfera celeste que passa pelo disco solar, o reflexo brilhantíssimo do Sol, mas não muito amplo; se, pelo contrário, como já falei, a água for muito calma, verá a imagem do disco solar bem definida como num espelho. Se uma pequena brisa começa a movimentar a superfície da água, na mesma hora verá V. E. Ilustríssima a imagem do Sol quebrar-se em muitas partes, ampliando-se e difundindo-se. E, enquanto próxima, poderiam se distinguir cada uma das partes da imagem quebrada; todavia, sendo longe, não se perceberia esta separação, quer pelos breves intervalos entre as partes, quer pelo grande brilho das partes cintilantes, que se misturaram, como acontece com muitos fogos perto entre si e que de longe parecem ser um só. Se a água se movimentar sempre mais por espaços sempre maiores, ampliar-se-á a multidão dos espelhos que refletirão, segundo as diversas inclinações das ondas, a imagem do Sol quebrada. Mas distanciando-se sempre mais e subindo numa colina ou outra elevação para poder enxergar melhor o mar, o campo brilhante parecerá único e contínuo. Aconteceu-me enxergar de cima de uma montanha altíssima e distante do mar de Livorno sessenta milhas, com um tempo sereno mas de ventania, uma hora antes do pôr do sol, uma tira brilhantíssima à direita e à esquerda do Sol, que ocupava em comprimento muitas dezenas, até muitas centenas de milhas, a qual era, porém, como as outras, uma mesma reflexão da luz do Sol. Agora, imagine, Sarsi, que da superfície do mar, com o mesmo movimento de ondas, grande parte tivesse se retraído para as orlas deixando só no meio, isto é, face ao Sol, um comprimento de duas ou três milhas: esta, com certeza, seria observada completamente iluminada, e imóvel mesmo, com respeito a qualquer movimento que o observador houvesse realizado à direita ou à esquerda; só depois de movimentar-se por alguma milha começaria a desaparecer a parte esquerda da imagem, se ele estivesse caminhando para a direita, e a imagem esplendorosa diminuiria até que, adelgaçando-se, desapareceria por completo. Disto resulta que a imagem é móvel em relação à imagem do observador, pois, mesmo observando-a toda, perceberíamo-la toda ainda movimentar-se, encontrando-se seu meio sempre à direita do Sol, apesar de aparecer a muitos outros que a observem no mesmo momento como encontrando-se em outros pontos do horizonte.
Eu não quero esconder de V. E. Ilustríssima aquilo que eu lembrei neste ponto para a solução do problema do mar. Espertos marinheiros conhecem às vezes o vento que chegou a eles depois de algum tempo, observando o ar que, nesse caso, mostra-se mais claro, daquele lado, do que deveria ser.
Imagine V. E. Ilustríssima se isto poderia derivar do fato de se encontrar já naquela parte o vento que, movimentadas as ondas, faz nascer, como por espelhos multiplicados infinitamente e difundidos amplamente, o reflexo do Sol muito maior do que se o mar fosse tranquilo, permitindo que seja muito mais iluminada por esta nova luz aquela parte do ar vaporoso por meio do qual este reflexo difunde-se, cujo ar ofereça ainda algum reflexo de luz aos olhos dos marinheiros, os quais, encontrando-se embaixo, não podiam perceber a primeira reflexão daquela parte de mar já movimentada pelos ventos e distante deles vinte ou trinta milhas; e que esta seja a sua previsão do vento distante.
Mas, continuando nosso primeiro discurso, afirmo que os raios solares não refletem, com a mesma grandeza, a imagem do Sol sobre todos os materiais, isto é, sobre todas as superfícies; mas sobre algumas (isto é, as planas e lisas como um espelho) nos aparece o disco solar semelhante ao verdadeiro, nas superfícies convexas mas lisas nos aparece menor, e nas côncavas às vezes menor e às vezes maior, às vezes mesmo igual, segundo as diversas distâncias entre o espelho, o objeto e o olho.
Porém, se a superfície não for igual mas sinuosa e cheia de cavidades ou elevações e como se fosse composta por milhares de pequenos espelhos colocados com várias inclinações, expostas aos olhos de mil modos, então a mesma imagem do Sol chegará ao nosso olho de mil partes e dividida em mil pedaços, os quais ampliar-se-ão, imprimindo nesta superfície um amplo conjunto de pequenas manchas brilhantes, cuja frequência originará a ilusão de um único campo de luz contínua visto de longe, mais brilhante e viva no meio que nas extremidades, onde diminui e desaparece, enfim, quando por causa da obliquidade do olho em relação a esta superfície os raios visíveis não encontram mais ondas que se refletem contra o Sol. Esta imagem resulta ainda móvel de acordo com o movimento do olho, se, porém, além de seus limites, continua a superfície que reflete; mas, se a quantidade da matéria ocupar um pequeno espaço, muito menor do que o da imagem inteira, poderá acontecer que, ficando fixa a matéria e movimentando-se o olho, ela continue a aparecer brilhante, até que, tendo chegado o olho àquele termo do qual, pela obliquidade dos raios incidentes sobre a matéria, as reflexões não se dirigem mais rumo ao Sol, a luz desaparece e perde-se. Não concordo com Sarsi que quando ele vê uma nuvem suspensa no ar, bem determinada e toda brilhante, que permanece tal apesar de o olho ir se movimentando, não pode ter a certeza de que esta luz seja mais real do que um halo, do que os periélios, do que o arco-íris, e do que a reflexão sobre a superfície do mar; porque afirmo-lhe que a sua consistência e sua aparente estabilidade podem depender da pequenez da nuvem que não consegue receber toda a amplidão da imagem do Sol; e esta imagem, em relação à posição das partes da superfície da nuvem, ampliar-se-ia, se não lhe faltasse matéria, num espaço muito maior da nuvem, e quando se visse inteiro e o campo das nuvens se adiantasse a ele, afirmo que apareceria movimentando-se inteiramente em relação ao movimento do olho. Prova-o o fato de termos visto muitas vezes, ao nascer e ao pôr do sol, muitas pequenas nuvens colocadas perto do horizonte, das quais as que se encontram face ao Sol tornam-se brilhantíssimas e quase de fino ouro, das laterais as menos distantes do meio são ainda mais brilhantes do que as mais distantes, as quais vão aparecendo gradualmente menos claras até ficar praticamente nulo o brilho das mais distantes: nulo para nós, mas, para quem se encontrasse num lugar onde elas permanecessem entre seu olho e o lugar onde o Sol se põe, mostrar-se-iam brilhantíssimas para ele e obscuras a nós as mais esplendorosas. Entenda, então, Sarsi, que se as nuvens não fossem quebradas mas fossem uma longa extensão contínua, a sua parte central pareceria brilhante a qualquer um dos observantes e gradualmente menos claras as laterais, conforme a distância de seu meio, porque onde eu posso ver o maior brilho, para outros é o menor. Mas alguém poderia agora afirmar que, uma vez que aquela parte da nuvem permanece fixa e sua luz não parece movimentar-se pela mudança de lugar do observador, isto seria suficiente para fazer com que a paralaxe opere na determinação de sua altura, e que, podendo acontecer o mesmo com o cometa, o uso da paralaxe seja suficiente para quem queira mostrar o lugar dela. Poder-se-ia responder a esta objeção que este argumento resultaria verdadeiro se fosse demonstrado antes que o cometa não é uma inteira imagem do Sol, mas só uma parte da imagem, assim como a matéria que forma o cometa é não só toda iluminada mas que a imagem do Sol é maior que ela, de modo que é bastante para iluminar um campo muito maior, existindo matéria apta a refletir a luz. Isto não foi demonstrado e pode ser diferente, isto é, que o cometa seja uma inteira imagem, não mutilada, como nos faz acreditar sua aparência bem regulada e simétrica. E daqui pode-se deduzir uma resposta fácil e razoável à pergunta que Sarsi coloca, isto é, como pode acontecer que, acreditando, segundo a colocação de Mário, o cometa esteja num campo muito extenso em altura que não se ilumine inteiramente mas nos reflita só um círculo parcial, sem que as outras partes, mesmo atingidas pelo Sol, não apareçam nunca. Farei, então, a mesma pergunta a ele e ao seu Mestre, que não desejando que o cometa seja um fogo, mas querendo acreditar (se não me engano) que ao menos sua cauda seja uma reflexão dos raios solares, se eles acreditam que o material que produz uma reflexão seja recortado da medida desta cauda, inteiro, que tenha de algum lado; e se sobrar (como acredito que me responda), por que não é percebida, uma vez que é atingida pelo Sol?
Não se pode afirmar que o reflexo seja originado pela substância do éter, substância que, muito transparente, não serve para isto, nem pode-se originar em outro material que, mesmo apto à reflexão, seria também apto a refletir os raios solares. Além disso, não sei por que razão ele chama um pequeno círculo a cabeça do cometa que seu Mestre conseguiu medir em 87.127 milhas quadradas, não sei com quais inteligentíssimos cálculos, quando nuvem alguma, acredito eu, pode alcançar tal medida.
Acrescenta Sarsi, imitando aquele que por muito tempo acreditou que o som pudesse ser produzido de uma única forma, não ser possível que o cometa se origine do reflexo daqueles vapores fumacentos, e que o exemplo do arco-íris não resolve a dificuldade, sendo ele uma ilusão visual: pois o arco-íris e outras coisas semelhantes são originados pela umidade da matéria que já está se transformando em água, que só naquele momento, imitando a natureza dos corpos líquidos, reflete a luz daquela parte onde se produzem os ângulos da reflexão e da refração, procurados como acontece nos espelhos, na água e nas bolas de cristal; mas, nos outros materiais ralos e secos, não possuindo superfície lisa como os espelhos, não se origina muita refração, procurando-se, então, para esta finalidade, uma matéria aguada, por conseguinte, muito pesada e inapta a subir além da Lua e do Sol, aonde podem chegar (também segundo minha opinião) só exalações levíssimas. O cometa, então, não pode ser produzido por tais fumacentos vapores. Uma resposta suficiente a toda esta argumentação seria afirmar que o Sr. Mário nunca limitou-se a afirmar qual seja a matéria originária e precisa do cometa, nem se ela é úmida ou fumacenta, seca ou lisa, e sei que ele não se envergonhará em afirmar que não a conhece. Porém, vendo que em vapores, nuvens ralas e não aguacentas, e naquelas que se dissolvem já em pequenas gotas, nas águas paradas, nos espelhos e outras matérias, aparecem por reflexão e refração muitas imagens ilusórias, considerou não ser impossível que na natureza exista ainda uma matéria apta a nos oferecer mais uma imagem diversa das outras, isto é, o cometa. Tal resposta, afirmo eu, é bem adequada à pergunta, se cada parte da pergunta for exata: todavia, o desejo de ajudar (como muitas vezes já confirmei) a pesquisa da verdade, pelo que me cabe, leva-me a fazer algumas considerações sobre determinados particulares contidos nesses discursos.
Em primeiro lugar, é verdade que numa emanação de pequeníssimas gotas de água recebemos a ilusão do arco-íris, mas não acredito que, pelo contrário, uma ilusão semelhante não se verifique sem tal emanação. O prisma triangular cristalino perto dos olhos nos apresenta todos os objetos das cores do arco-íris; muitas vezes, vê-se o arco-íris também em nuvens secas, sem que caia chuva alguma.
Não podemos ver também as mesmas ilusões de cores diversas nas penas de muitas aves, enquanto o Sol as atinge de várias formas? E que mais? Gostaria de anunciar a Sarsi alguma novidade se existisse alguma novidade a contar. Pegue ele qualquer matéria, seja pedra, madeira ou metal, e expondo-a ao Sol, observe-a atentamente e poderá observar nela todas as cores repartidas em pequeníssimas partes; e se ele usufruir, para observá-las melhor, de um telescópio adaptado a observar os objetos muito próximos, muito mais distintamente perceberá aquilo de que estou falando, sem necessidade que aqueles corpos transformem-se em orvalho ou vapores úmidos. Além disso, aquelas pequenas nuvens que ao pôr do sol mostram-se brilhantíssimas e refletem a luz do Sol tão viva que quase nos cega, são das mais ralas, secas e estéreis nuvens que existem no ar, e as úmidas, em vez, quanto mais estão cheias de água mais se mostram a nós escuras. O halo e os periélios verificam-se sem chuvas e sem umidade nas mais ralas e secas nuvens ou vapores que se encontrem no ar.
Segundo, é verdade que as superfícies bem lisas, como as dos espelhos, nos oferecem um poderoso reflexo da luz do Sol; assim, a muito custo podemos observá-la sem ofender a vista; porém, é também verdade que superfícies não muito lisas refletem com menos força se menor for a sua limpeza.
Veja agora, V. E. Ilustríssima, se o esplendor do cometa é daqueles que cegam a vista, ou é daqueles que por fraqueza não ofendem em nada; e disto julgue se para produzi-lo seja necessário uma superfície semelhante àquela de um espelho, e seja suficiente uma menos lisa. Eu gostaria de mostrar a Sarsi um modo de originar uma reflexão muito semelhante àquela do cometa. Pegue V. E. Ilustríssima uma garrafa de vidro bem limpa, e com uma vela acesa não muito distante do recipiente perceberá, em sua superfície, uma imagem bem pequena desta luz, clara e determinada. Pegando depois com a ponta do dedo uma mínima quantidade de qualquer matéria que possua um pouco de gordura, de modo que se junte ao vidro, engordure o mais sutilmente que puder aquela parte onde se percebe a imagem da luz até que a superfície fique um pouco nublada. Movimente depois a garrafa de maneira que a imagem saia da gordura e pare ao contato com ela; passe depois o dedo uma única vez horizontalmente sobre a parte gordurosa. Imediatamente verá originar-se um raio reto como a cauda do cometa, e este raio cortará transversalmente e em ângulos retos a linha do dedo que V. E. produziu, e, se V. E. voltar a passar o dedo numa outra direção, este raio originar-se-á em outra direção. Isto acontece porque, devido à pele dos nossos dedos não ser lisa, mas marcada por algumas linhas sinuosas para permitir melhor o tato e perceber as mínimas diferenças entre as coisas tangíveis, movimentando o dedo sobre esta superfície gordurosa, deixa alguns sulcos sutis no interior dos quais produzem-se os reflexos da luz, os quais, sendo muitos e dispostos ordenadamente, apresentam depois uma Unha brilhante, em cuja extremidade, se produzirmos, movimentando o vaso, aquela primeira imagem realizada na parte não gordurosa, perceber-se-á a cabeça da cauda mais brilhante e a cauda menos brilhante; o mesmo efeito produzir-se-á se, em vez de se engordurar o vidro, ficar embaçado soprando em cima. Eu peço a V. E. Ilustríssima que, se alguma vez por acaso Sarsi chegar a conhecer esta brincadeira, explique por mim bem claramente que eu não entendo com isso afirmar que exista no céu uma grande garrafa e alguém que a engordure, produzindo assim o cometa; simplesmente eu apresento este exemplo e poderei apresentar muitos outros que possam encontrar-se na natureza, ainda indefinidos a nós, como argumentos de sua riqueza de modos diferentes entre eles para produzir seus efeitos.
Em terceiro lugar, que reflexão e refração não podem ser produzidas por matérias e impressões meteorológicas a não ser quando contêm muita água, porque só neste caso apresentam superfícies lisas e limpas, condições estas necessárias para produzir tal efeito, asseguro que não é verdade que não possa ser diferente. No que diz respeito à limpeza, afirmo que mesmo sem ela produzir-se-á a reflexão da imagem unida e distinta. Afirmo assim porque a imagem quebrada e confusa é produzida por todas as superfícies, desiguais e ásperas; porém, aquela imagem de um pano colorido, que se vê distintíssima num espelho oposto, vê-se confusa e quebrada sobre o muro que reproduz uma determinada sombra da cor deste pano. Se V. E. Ilustríssima pegar uma pedra ou uma ripa de madeira não tão lisa que reflita perfeitamente as imagens, e colocar-se em direção oblíqua ao olho, como se quiséssemos verificar se ela é plana e reta, perceberá distintamente sobre ela as imagens dos objetos que se encontrarem encostados do outro lado da ripa, tão distintas que, apoiando um livro em cima, poderá ser lido comodamente. Mas se este experimento for concluído colocando-se o olho perto da extremidade de algum muro reto e comprido, primeiro perceber-se-á um perpétuo curso de exalações em direção ao céu, especialmente quando o muro for atingido pelo Sol, assim como todos os objetos parecem tremer; depois, o muro do outro lado parecerá aproximar-se, e verá que, quando estiver bem perto, sua imagem se apresentará refletida naqueles vapores ascendentes, nem úmidos nem pesados, pelo contrário, secos e leves. E que mais? Não chegou ainda ao ouvido de Sarsi tudo aquilo que foi falado, especialmente por Tycho, a propósito das refrações que se operam nas exalações e vapores que circundam a Terra mesmo que o ar seja sereno, seco e sem chuva e umidade? Também não se apoie, como ele faz, sobre a autoridade de Aristóteles e de todos os mestres de perspectiva, porque ele não poderá fazer outra coisa que afirmar que eu sou um observador mais cuidadoso que eles, o que, segundo meu parecer, é de todo contrário à sua intenção. Parece-me que tudo o que expus é uma resposta suficiente ao argumento de Sarsi.
Passemos, pois, ao segundo.
CONTINUA
18. Leia agora V. E. Ilustríssima o fim deste primeiro exame: Neste ponto, perceba Galileu, com quanta razão, desta e das muitas outras coisas expostas por ele no texto Nunzio Sidereo, deduzimos que o cometa deve se encontrar além da Lua. Ele mesmo afirma que, entre os astros, alguns brilham com a luz nativa e própria, e nesse número ele coloca o Sol e as estrelas chamadas fixas; outros, não dotados de brilho algum pela natureza, recebem toda a luz do Sol, como é costume pensar dos seis planetas que sobram.
Galileu observou, ademais, que as estrelas amam muito aquela vã coroação de luz não própria e que costuma fazer crescer uma cauda; os planetas, em vez, especialmente a Lua, Júpiter e Saturno, não têm quase nenhum brilho; contudo, Marte, Vênus e Mercúrio, apesar de não serem providos de luz própria, tiram, pela vizinhança do Sol, tanta luz que, sendo quase igual àquelas das estrelas, imitam seus raios circunstantes e seu brilho. Portanto, como o cometa, segundo Galileu também, não possui luz própria por natureza, mas a recebe do Sol, e junto com outros astrônomos de grande fama o consideramos planeta temporário, devia-se raciocinar sobre ele do mesmo modo como sobre a Lua e outros planetas, e cuja condição é tal que quanto menos são distantes do Sol tanto mais brilham, e revestidos de um brilho maior (que deriva disto), observados com a luneta parecem aumentar menos; enquanto o cometa recebe deste instrumento quase o mesmo aumento de Mercúrio, podemos não com muita probabilidade deduzir que o cometa não irradiou aquela luz circundada mais que Mercúrio e por isso não se encontra muito longe; por outro lado, como era aumentado menos que a Lua, precisava colocá-lo circundado de uma luz maior e mais perto do Sol? De tudo isto pode-se compreender com quanta razão afirmamos que o cometa, pois pareceu aumentar muito pouco, deve ser considerado muito mais longe de nós do que a Lua.
Sem dúvida, pela paralaxe observada e também pelo curso do cometa quase sidéreo, nós conhecíamos bastante seu lugar; como, além disso, a luneta o aumentava quase quanto Mercúrio, certamente nenhuma razão teria podido sustentar o contrário; foi lícito tirar daqui um corolário também de grande importância e peso a favor de nossa teoria. Mesmo que soubéssemos, com efeito, que estas coisas podiam ser originadas por muitas causas, justamente por causa da analogia que este corpo luminoso guardava junto a todos os outros corpos celestes em todos os seus fenômenos, pensamos ter recebido da luneta um beneficio bastante grande, pois nosso parecer, já firmado pelo peso de outros argumentos, confirmava ainda mais com o peso do próprio assentimento. Quanto ao restante, porém, acrescentado ao argumento, isto é, as palavras: "Sei que este argumento foi considerado por alguns de pouca importância", etc, clara e honestamente havíamos lembrado antes para que fim estas palavras haviam sido acrescentadas: naturalmente contra aqueles que, enfraquecendo a fé neste instrumento, completamente ignaros das disciplinas de óptica, proclamavam-no enganador e indigno de qualquer confiança. Compreende, então, Galileu, se não me engano, com quanta falta de raciocínio lutou contra nossa opinião a respeito da luneta, que ele considera em tudo de acordo com a verdade e com as suas próprias opiniões: haveria podido conhecer também antes se a tivesse examinado com espírito mais calmo. Como, então, haveríamos podido imaginar que ele não haveria de gostar dessas ideias que considerávamos suas próprias? Mas como estas coisas, segundo a nossa opinião, parecem suficientes, vamos examinar a opinião do próprio Galileu.
Aqui, primeiramente, como V. E. pode ver, iniciamos uma argumentação recortada, como se diz, de velho pano, consistente em diversos fragmentos de proposições, para provar que o lugar do cometa era entre a Lua e o Sol; proposição esta que o Sr. Mário e eu podemos conceder-lhe por completo, sem prejuízo algum, não tendo nós nunca afirmado nada em relação ao lugar do cometa, nem negado que ele possa se encontrar além da Lua, mas falou-se somente que as demonstrações até agora apresentadas pelos autores oferecem dúvidas. E para tirá-las não é de ajuda nenhuma que Sarsi apresente agora uma nova demonstração, mesmo que ela fosse necessária e conclusiva, e provar que esta conclusão seja verdadeira, mesmo que também em torno de conclusões verdadeiras se possa argumentar e silogizar falsamente. Todavia, pelo desejo que eu possuo de pôr à luz as coisas escondidas e chegar a verdadeiras conclusões, apresentarei algumas considerações em relação a estas proposições.
Para maior clareza e compreensão o farei com a maior brevidade possível.
Afirma ele ter deduzido do meu Nunzio Sidereo que as estrelas fixas, sendo aquelas que brilham com luz própria, brilham com uma luz não real, mas aparente. Os planetas, sendo desprovidos de luz própria, não agem assim, especialmente a Lua, Júpiter e Saturno, mas mostram-se quase sem brilho; porém, Vênus, Mercúrio e Marte, mesmo privados de luz própria, brilham muito por causa da vizinhança do Sol, pelo qual são mais abundantemente atingidos. Afirma, além disso, que o cometa, segundo meu parecer, recebe sua luz do Sol, e acrescenta haver ele, junto com autores de renome, considerado o cometa, desde muito tempo, um planeta; assim, a respeito dele pode-se raciocinar como a respeito dos outros planetas, os quais, quanto mais encontram-se perto do Sol mais brilham, e por consequência menos podem ser observados pelo telescópio, e, aumentando o cometa pouco mais que Mercúrio e muito menos que a Lua, com muita razão podia-se concluir que não estivesse muito mais longe do Sol do que de Mercúrio, mas muito mais perto daquele que da Lua. Esta é a teoria que muito bem se ajusta à necessidade de Sarsi, como se a conclusão, deduzida antes dos princípios e meios, dependesse não aquela destes, mas estes dela, e tivessem sido preparados por ele não da grandiosidade da natureza mas da arte muito sutil. Pesquisemos, porém, quanto ela seja conclusiva.
Em primeiro lugar, é completamente falso que eu tenha escrito no Nunzio Sidereo que Júpiter e Saturno não brilhem quase nada e que Marte, Vênus e Mercúrio sejam coroados de muitos raios, porque eu separei só a Lua do resto das outras estrelas, quer fixas quer errantes.
Em segundo lugar, não sei se para concluir que o cometa seja quase um planeta e que, sendo tal, lhe sejam convenientes as propriedades dos outros planetas, seja suficiente que Sarsi e seu Mestre junto com outros autores o tenham considerado e chamado assim. Pois, se a opinião deles fosse tão importante a ponto de fazer aceitar as coisas por eles propostas, eu os rogaria que considerassem e chamassem ouro muitos velhos pedaços de ferro que possuo em casa. Mas, deixando os nomes de lado, qual é a teoria que os induz a considerar o cometa quase um planeta desde muito tempo? Brilhar como os planetas? Mas qual é a nuvem, qual a fumaça, qual a madeira, qual o muro, qual a montanha, atingidos pelo Sol, que não brilham do mesmo tanto? Não percebeu Sarsi no Nunzio Sidereo minha demonstração, isto é,que nossa Terra brilha mais que a Lua? Mas qual é minha opinião sobre o brilho do cometa como um planeta? Eu, por mim, não considero impossível que sua luz possa ser tão fraca e sua substância tão sutil e rala, que, quando alguém se aproximasse dela, sumisse da vista completamente, como acontece com alguns fogos-fátuos que saem da Terra, que são percebidos só durante a noite e de longe, mas de perto desaparecem; da mesma forma que as nuvens distantes são percebidas bem determinadas, e depois, de perto, mostram um pouco de nebulosidade tão indeterminada que alguém, entrando nela, quase não distingue os limites, nem sabe separá-la do ar contíguo. E aquelas projeções de raios solares entre as nuvens, tão semelhantes aos cometas, por quem são percebidas se não por aqueles que lhes são distantes? Tem o cometa alguma coisa em comum com os planetas por causa do movimento? E qual será a coisa separada da parte elementar que, obedecendo ao estado terrestre, não terá o moto diurno de acordo com o resto do universo? Mas se falamos do outro movimento, aquele transversal, este não tem nada a ver com o movimento dos planetas, não sendo criado nem por aquele rumo, nem regulado, nem talvez circular. Mas, deixados de lado os acidentes, acreditará talvez alguém que a substância ou a matéria do cometa tenha alguma coisa a ver com a dos planetas? Pode-se acreditar que ela seja solidíssima, como nos convida a pensar em particular a Lua e em universal a figura bem determinada e imutável de todos os planetas; e, ao contrário, pode-se acreditar que a do cometa dissolva-se em poucos dias; e sua figura, não determinada ao redor, mas confusa e indistinta, nos mostra que a sua substância é mais sutil e mais rala que a névoa e a fumaça. Assim ele quase poderia ser chamado mais um planeta pintado que real.
Em terceiro lugar, eu não sei com quanta perfeição ele possa ter parangonado os raios e o aumento do cometa com o aumento de Mercúrio que, podendo ser observado raríssimas vezes, em todo o tempo da aparição do cometa, ele não apareceu nunca, nem deu a possibilidade de ser observado, encontrando-se sempre muito perto do Sol; posso sem escrúpulo acreditar que Sarsi não fez esta comparação, difícil de se realizar e muito incerta, mas que ele afirma ter realizado porque, sendo assim, serviria melhor para sua causa. Outro indício que mostra como ele não conseguiu fazer esta experiência é-me fornecido pelo fato de que, ao referir-se às observações relativas a Mercúrio e à Lua, com os quais compara as do cometa, parece-me que ele esteja confundindo muito. Aceitando, para concluir, que o cometa se encontre mais longe do Sol que de Mercúrio, precisava afirmar que o cometa possuía menos raios que ele, e observado com o telescópio aumentava mais que ele; todavia, afirmou o contrário, isto é, que não possuía mais raios que Mercúrio e que aumentava quase a mesma coisa, o que significa afirmar que possuía mais raios e menos aumento que Mercúrio. Comparando depois o cometa com a Lua, escreve a mesma coisa (mesmo afirmando escrever o contrário), isto é, que aumentava menos que a Lua e possuía mais raios. Todavia, para chegar a uma conclusão, deduz da identidade das premissas conclusões diferentes, isto é, que o cometa encontra-se mais perto do Sol que a Lua, porém mais distante que Mercúrio.
Para finalizar, afirmando Sarsi ser um lógico exato, não me faz entender por que, na divisão dos corpos luminosos que se irradiam mais ou menos, e que por consequência, observados com o telescópio, recebem um aumento maior ou menor, ele não haja registrado nossas luzes elementares; pois as velas, as tochas acesas observadas a qualquer distância, qualquer pedrinha, lenho ou corpúsculo, até as folhas e as gotas de orvalho atingidas pelo Sol, resplandecem, e de certo ângulo irradiam a par de qualquer estrela mais brilhante, e vistas pelo telescópio observam no aumento o mesmo teor que as estrelas. Assim, termina completamente aquela ajuda a mais que os outros haviam esperado do telescópio para conduzir o cometa no céu e tirá-lo da esfera elementar. Abandonai, portanto, Sarsi, a ideia de poder ajudar vosso Mestre e estai certo de que, para querer sustentar um erro, é necessário perpetrar cem outros e, coisa ainda pior, não conseguir o intento. Gostaria também de pedir-vos para não replicar mais, como o fazeis no final desta vossa parte, que estas são teorias minhas, pois nunca escrevi coisas parecidas, nem as falei, nem as pensei. Basta a respeito do primeiro trecho em exame.
19. Passemos ao segundo: Apesar de ninguém até hoje ter falado que o cometa deve colocar-se entre as aparências vãs, onde não haveríamos necessidade de libertá-lo da acusação de inanidade, pois Galileu acreditou enveredar por outro caminho para explicar o cometa completa e sabidamente, é justo parar e expor com cuidado esta sua nova teoria.
São duas hipóteses que ele cogitou: uma relativa à substância, outra referente ao movimento do cometa. No que diz respeito à primeira, Galileu afirma que esta luz é daquelas que, mostradas mais que criadas pela refração de outra luz, parecem ter mais o nome de sombras de corpos luminosos que ser corpos luminosos, como, por exemplo, os arco-íris, os halos, os parélios e muitas outras coisas semelhantes. No que diz respeito à segunda, Galileu afirma que o movimento dos cometas sempre foi retilíneo e perpendicular à superfície da Terra. Revelando estas suas descobertas, acreditou poder destruir com facilidade as opiniões dos outros. Nós vamos examinar agora com poucas palavras, e sem retórica, quanto de próprio se deva atribuir a estas opiniões (pois a verdade, mesmo nua, é bastante ornada). Mesmo sendo difícil abranger singularmente estas duas proposições, pois são tão conexas que parecem depender uma da outra e sustentar-se reciprocamente, nós nos preocuparemos para que os leitores não fiquem lesados. Por isso, contra a primeira posição de Galileu, afirmo que o cometa não foi simulacro vão de uma luz que iludia os olhos daqueles que o observavam e isto parece-me que não necessita de outra prova para aquele que, ao menos uma vez, seja a olho nu, seja com a luneta, haja observado o cometa. A simples vista manifestava a natureza desta luz, porque, em comparação a outras luzes realíssimas, qualquer um poderá com facilidade julgar se o observado era falso ou verdadeiro. Tycho, examinando as observações de Tadeu Agezio, deduz isto: "O corpo do cometa naqueles dias foi igual, em grandeza, a Júpiter e Vênus, e revestiu-se de uma luz nítida e de um grande esplendor, puro e belo, e sua substância pareceu pura demais para ser conveniente a matérias só elementares, mas era, de preferência, análoga àquela dos corpos celestes ". Tycho acrescenta a isto: "Tadeu foi bom juiz relativamente a este aspecto, haveria podido concluir claramente que este cometa não era elementar".
Sarsi andou figurando antes e arbitrariamente os princípios e os meios que fossem de acordo com as conclusões que ele queria demonstrar; agora parece-me que vai imaginando conclusões para contradizê-las como teorias do Sr. Mário e minhas, muito diversas, ou, ao menos, muito diversamente tomadas, de como são relatadas no Discurso do Sr. Mário. Que o cometa seja, sem dúvida, uma imagem vã e uma simples aparência, nunca foi afirmado com certeza, mas só foi posto em dúvida e levado à consideração dos filósofos com aqueles raciocínios e cogitações que parecem poder garantir que seja verdade. Eis aqui as palavras do Sr. Mário a este propósito: "Eu não afirmo resolutamente que o cometa produza-se assim, mas afirmo que são duvidosos, seja este modo seja os outros dos demais autores; os quais pretenderão estabelecer com certeza seus pareceres. e terão a obrigação de demonstrar que esta e todas as outras posições são vãs e falsas". Mesmo sendo o texto tão diferente, Sarsi afirma que nós temos por certo que o movimento do cometa deve ser necessariamente reto e perpendicular à superfície terrestre. Isto não foi apresentado desta forma, mas simplesmente foi cogitado como ser mais conforme às aparências e satisfazer às mudanças observadas no cometa. Esta hipótese é tão superficialmente apresentada pelo Sr. Mário que no fim ele declara: "Porém é mais conveniente para nós contentarmo-nos com aquele pouco que podemos cogitar mesmo sem ter muita clareza". Porém Sarsi quis mostrar que estas opiniões eram tão firmemente aceitas por mim que imaginou podê-las destruir com facilidade e com meios mais eficazes. Se ele conseguir o agradecerei, pois no futuro deverei preocupar-me com uma hipótese a menos todas as vezes que me venha a ideia de filosofar sobre tal matéria. Por enquanto, pois parece-me que ainda subsiste alguma coisa de vivo no raciocínio do Sr. Mário, moverei algumas objeções às objeções de Sarsi.
Opondo-se Sarsi com grande firmeza à primeira conclusão, afirma que aquele que, mesmo por uma vez, houvesse observado o cometa, não necessitaria mais de argumento algum para conhecer a natureza desta estrela; estrela que, comparada com as outras verdadeiras estrelas, mostrava muito claramente ser verdadeira e não falsa. Assim, como V. E. Ilustríssima entende, Sarsi confia tanto no sentido da visão que considera impossível ser enganado todas as vezes que tentamos fazer uma comparação entre um objeto falso e um real. Eu confesso não ter a visão tão perfeita, pelo contrário, confesso ser como aquele macaco que acredita firmemente ver no espelho outro macaco, e nem reconhece seu erro se quatro ou seis vezes não tenha ido atrás do espelho para agarrar a imagem, tanto aquela imagem se lhe apresente viva e verdadeira. Supondo, então, que aqueles que Sarsi vê no espelho não sejam homens verdadeiros e reais, mas imagens vãs, como nós vemos nossa imagem no espelho, gostaria ardentemente de saber quais são aquelas diferenças visuais por meio das quais tão rapidamente distingue o verdadeiro do falso. Quanto a mim, encontrei-me mil vezes em alguma sala de janelas fechadas, e através de algum pequeno buraco pude perceber o Sol refletindo-se sobre um muro oposto, julgando assim esta mancha, pela vista, uma estrela tão brilhante quanto a Canícula e Vênus. E andando contra o Sol no campo, quantos milhares de corpúsculos, pedrinhas, lisos ou molhados, transformar-se-ão pelo reflexo do Sol em estrelas brilhantíssimas? Mesmo cuspindo no chão, Sarsi sem dúvida perceberá onde cuspiu, pela reflexão solar, uma estrela naturalíssima. Além disso, qual corpo colocado a grande distância, atingido pelo Sol, não aparecerá como uma estrela, especialmente se for tão alto que possa ser enxergado durante a noite, como se enxergam as outras estrelas? E quem distinguiria a Lua, vista durante o dia, de uma nuvem atingida pelo Sol, senão pela diversidade do aspecto e pela grandeza?
Ninguém, com certeza. E enfim, se a simples aparência deve determinar a essência, é necessário que Sarsi aceite que os sóis, as luas e as estrelas, observados em água parada e em espelhos, sejam verdadeiros sóis, verdadeiras luas e verdadeiras estrelas. Em relação a esta parte, mude mesmo Sarsi de opinião, nem acredite que, citando a autoridade de Tycho, de Tadeu Agezio ou de muitos outros, melhore sua condição, a não ser que, por ter tido tais homens como companheiros, desculpe mais seu erro.
20. Continue V. E. Ilustríssima a ler: "Pois, por todo o tempo que nosso cometa brilhou, Galileu, segundo ouvi dizer, permaneceu de cama por uma doença, e nunca talvez pôde, por causa da doença, observar aquele corpo brilhantíssimo, e por isso pensamos dever-se discutir com ele por meio de outra argumentação. Afirma ele mesmo que às vezes, de alguma parte da Terra, um vapor fumacento levanta-se acima da Lua e também acima do Sol, e, logo que saído do cone sombreado da Terra, olhou para a luz do Sol da qual como que concebeu e gerou o cometa; e o movimento ou a subida de um tal vapor não é vago ou incerto mas retilíneo e sem ser desviado para parte alguma. Assim afirma ele, mas nós colocamos na nossa balança o peso destas afirmações. Primeiro, sabemos que esta matéria fumacenta e úmida, tendo subido casualmente da Terra nos dias em que, dominando amplamente o céu bóreas violentíssimas, facilmente poderia haver sido dispersada e dissipada. É pois, digno de admiração como impunemente corpúsculos tão sutis e leves, entre a ira do vento violentíssimo, puderam ter chegado até o alto com um proceder constante através do caminho enveredado no começo, quando nem pesos consideráveis confiados ao vento podiam vencer o ímpeto e a força. Eu considero muito contraditório que um vapor muito leve suba e suba em linha reta, e mal acredito que isto haja podido acontecer entre as várias mudanças do vento. E acrescenta que, garante Galileu, nem nas mais altas regiões dos planetas faltam condensações e rarefações de tais corpos fumacentos, e por isso nem aqueles movimentos vagos e incertos pelos quais é necessário que sejam levados.
Que os vapores fumacentos de alguma parte da Terra subam além da Lua, e até além do Sol, e que saídos do cone da sombra terrestre sejam engravidados pelos raios solares e que então gerem o cometa, nunca foi escrito pelo Sr. Mário nem foi afirmado por mim, apesar de Sarsi atribuí-lo a mim.
Aquilo que o Sr. Mário escreveu é que não é impossível que algumas vezes possam elevar-se da Terra exalações e outras coisas parecidas, mas muito mais sutis que de costume, que subam além da Lua e possam ser matéria geradora do cometa, e que às vezes originem-se sublimações extraordinárias relativas à matéria dos corpúsculos, exemplificando-o por meio da aurora boreal. Porém não afirma que aquela seja numericamente a mesma matéria dos cometas, que necessita ser muito mais rala e sutil que os vapores dos corpúsculos e do que a matéria da assim chamada aurora boreal, tendo aceito que o cometa resplende muito menos que a aurora; assim, se o cometa se ampliasse, por exemplo, rumo ao oriente, na cândida alvorada, enquanto o Sol não se encontrasse longe do horizonte mais do que 6 ou 8 graus, sem dúvida não se perceberia, por ser menos brilhante do que seu próprio ambiente. E com a mesma probabilidade, não certeza, atribuiu-se à mesma matéria o movimento retilíneo em ascensão. E isto seja afirmado não para retratarmo-nos por medo das oposições de Sarsi, mas só para mostrar que não nos afastamos do nosso hábito, que consiste em não afirmar como verdadeiras a não ser as coisas que conhecemos como indiscutíveis, como nos ensina nossa filosofia e nossa matemática. Agora, partindo do ponto de vista de que houvéssemos verdadeiramente afirmado aquilo que Sarsi fala, examinemos suas posições.
Sua primeira oposição baseia-se na impossibilidade de os vapores subirem ao céu, em linha reta, enquanto que verificamos que um papagaio é empurrado pelo ar com movimento transversal, assim como as outras coisas que se encontram nele; e o mesmo verificou-se por muitos dias depois do aparecimento do cometa. A oposição é verdadeiramente inteligente, mas perde muito de sua força lógica porque, segundo notícias seguras, naqueles dias, nem na Pérsia nem na China verificaram-se perturbações atmosféricas; e eu acreditarei que de umas daquelas regiões se origina a matéria do cometa, se Sarsi provar que ele não é originário de lá, mas de Roma, onde ele percebeu o vento boreal.
Mas, mesmo que o vapor saísse da Itália, quem pode saber se ele não se houvesse posto em viagem antes dos dias de vento, muitos dias antes de sua chegada ao orbe do cometa, longe da Terra, segundo a relação do Mestre de Sarsi, quatrocentos e setenta mil milhas mais ou menos; porque, para empreender uma viagem tão comprida, é necessário bastante tempo, pois a subida dos vapores, por aquilo que podemos observar em relação àqueles perto da Terra, não atinge a velocidade do voo das aves; assim não seriam suficientes quatro anos para concluir tamanha viagem. Mesmo aceitando que estes vapores pudessem se movimentar em época de vento, Sarsi, que acredita piamente nos historiadores e nos poetas, não poderá negar que o impulso dos ventos não sobe mais de duas ou três milhas, já que existem montes cujo cume vai além da região dos ventos. Assim, o máximo que ele poderá concluir é que dentro deste espaço os vapores movimentam-se transversal e não perpendicularmente; porém, fora deste espaço desaparece o impedimento que os desvia do caminho retilíneo.
21. Veja mais V. E. Ilustríssima: Aceitamos que estes vapores possam manter, através dos ventos, suas direções e rumar para onde possam receber os raios diretos do Sol, enviando-os a nós refletidos. Por que, então, recebendo em toda a sua extensão a luz do Sol, no-la mostram somente em uma mínima parte de si? Com certeza, sendo o próprio Galileu testemunha, quando nos dias de verão um vapor não diferente indo rumo ao norte mais alto que de costume apresenta-se à luz do Sol, então, imergido em luz brilhantíssima, mostra-se muito brilhante em todas as suas partes, para utilizar sua próprias palavras, nos reflete mesmo de noite a aurora boreal; e não se mostra tão avarento do esplendor recebido que não permita que a reflexão da luz do Sol, que ele recebeu em toda a sua extensão, nos apareça apenas através de um pequeno buraco. Eu mesmo verifiquei, não somente em tempo de verão, mas no mês de janeiro, quatro horas depois do pôr do sol, algo ainda mais maravilhoso, isto é, uma pequena nuvem, cândida e brilhante, tão rarefeita que não encobria nem as estrelas menores, e os dons de luz que havia recebido do Sol ela os expandia livremente, com alma generosa, por todos os cantos. Então todas as nuvens (admitindo que tenham alguma afinidade com a matéria do cometa), se são tão densas e obscuras que não possam refletir livremente os raios do Sol, ao menos na parte virada para o Sol o refletem para nós com generosidade recíproca; porém, se são ralas e sutis, e a luz facilmente as penetre integralmente, não mostram obscuridade em parte alguma, mas oferecem aos olhos inundados uma luz esplendorosa. Então, se o cometa não se forma de outra matéria que não seja vapores fumacentos, não Juntados globalmente mas, como o próprio Galileu afirma, ocupando um espaço suficientemente vasto do céu, brilhando em toda parte com a luz do Sol, qual é a causa pela qual brilham sempre para aqueles que o observam só de um pequeno e estreito disco, e as outras partes deste mesmo vapor, iluminadas pelo Sol com mesma luz, não aparecem? Dificilmente tudo isto pode ser explicado com o exemplo do arco-íris, em cuja formação acontece a mesma coisa que evidentemente só de uma parte da nuvem volta ao olho, quando, entretanto, em todo o espaço iluminado pelo Sol a própria diversidade das cores seja gerada de sua luz. Com efeito, o arco-íris e outros meteoros, se existirem, requerem de preferência matéria úmida e com tendência a mudar-se em água; pois esta matéria só quando se derrete em água, imitando a natureza dos corpos leves, puros e transparentes, reflete a luz só na parte onde formam ângulos de reflexão e de refração necessários a tudo isto, como percebemos nos espelhos, na água e no gelo. Depois, se alguma emanação encontrar-se mais rarefeita ou mais seca, acontece porque ela não possui superfície lisa como os espelhos, nem reflete muitos raios. Visto necessitar-se de um corpo liso para que haja reflexão e necessitar-se de sua densidade para a refração (coisas que nunca se encontram nas impressões meteorológicas, a não ser quando a natureza delas possui muita água, como ensinaram não só Aristóteles mas também todos os mestres de óptica, e a própria razão persuade com muita eficácia), segue disto necessariamente que emanações semelhantes possuirão, por natureza própria, um certo peso, e por isto menos aptas a subir acima da Lua e do Sol, pois o próprio Galileu admite que devem ser muito sutis e leves aqueles que voam até lá em cima. Portanto, não daquele vapor fumacento e rarefeito, e na verdade de peso algum, poderá refletir para nós aquela imagem brilhante de luz: o vapor aguado, na verdade, sendo pesado, não poderá subir deforma alguma.
Depois de observado por muitas experiências, parece-me ser esta a condição humana em relação às coisas intelectuais: quanto menos entende-se e sabe-se, com tanta mais força quer-se discutir; e, pelo contrário, mais coisas são conhecidas menor é a tendência de discutir resolutamente sobre qualquer novidade. Nasceu em um lugar muito solitário um homem dotado por natureza de grande inteligência e de extraordinária curiosidade. Criando por prazer grande diversidade de aves, gostava enormemente do seu canto, e com muita admiração observava de que modo, por meio do próprio ar que respiravam, conseguiam formar ao seu arbítrio cantos diferentes e todos suavíssimos. Acontece que uma noite perto de casa escutou um som delicado, e, nem podendo imaginar que fosse outra coisa a não ser uma pequena ave, foi buscá-la. Chegando à estrada encontrou um pequeno pastor que, assoprando num pedaço de madeira furada e movimentando os dedos sobre a madeira, uma vez fechando e uma vez abrindo determinados buracos, conseguia produzir aquelas vozes diferentes, semelhantes às de um pássaro, mas de forma bem diversa. Admirado e movido pela sua curiosidade natural, deu de presente um bezerro ao pastor para obter aquela flauta. De regresso à sua casa e percebendo que se não houvesse encontrado por acaso aquele pastor nunca haveria aprendido que existiam na natureza duas formas diversas de criar vozes e cantos suaves, quis sair de casa procurando encontrar outras aventuras. Aconteceu que no dia seguinte, passando perto de uma pequena choça, escutou ressoar dentro dela uma voz semelhante. Para ter certeza se era uma flauta ou um pássaro, entrou e encontrou um menino que estava serrando, com um pequeno arco segurado na mão direita, alguns nervos estendidos sobre um lenho côncavo, enquanto sustentava com a mão esquerda o instrumento sobre o qual, movimentando os dedos e sem sopro algum, extraía dele vozes diversas e suaves. Qual foi seu espanto pode ser julgado facilmente por aquele que possuir a mesma inteligência e a mesma curiosidade dele que, vendo aumentar, de duas novas formas, a maneira de produzir uma voz e um canto tão inusitados, começou a acreditar poderem existir ainda outros na natureza. Mas qual foi sua surpresa quando, entrando em um determinado templo, começou a olhar atrás da porta para ver quem estava tocando e percebeu que o som havia saído dos ferros da porta ao abri-la? Em outra ocasião, empolgado pela curiosidade, entrou em um boteco e, acreditando encontrar outra vez alguém que com o arco tocasse as cordas de um violino, viu uma pessoa que, esfregando o dedo sobre a orla de um copo, conseguia produzir um som suavíssimo. Mas logo que observou que as abelhas, os pernilongos e as moscas, com o rapidíssimo bater das asas, e não como suas primeiras aves que respirando formavam vozes ininterruptas, produziam um som perpétuo, tanto aumentou sua admiração que diminuiu sua confiança sobre o conhecimento da origem do som. Nem todas as experiências já observadas haveriam sido suficientes para fazer-lhe entender ou acreditar que os grilos, não voando, conseguiam, não por meio do sopro mas com o movimento das asas, produzir sons tão doces e sonoros. Mas quando acreditou não poderem existir outras formas possíveis de produzir vozes, depois de haver observado, além das maneiras já relatadas, ainda tantos órgãos, trompas, flautas e instrumentos de corda de todos os tipos, até chegar à aquela pequena lâmina de ferro que, suspensa entre os dentes, usava de forma muito esquisita a cavidade bucal para dar corpo à amplificação do sopro permitindo a passagem do som, quando, repito, na hora que acreditava haver conhecido tudo, encontrou-se ainda mais no escuro e na ignorância, quando, havendo encontrado uma cigarra que nem fechando-lhe a boca e nem fechando-lhe as asas conseguia diminuir seu altíssimo estridor, não percebeu movimento algum de escamas nem de outras partes. Finalmente, levantando-lhe a caixa dos pulmões e observando embaixo dela algumas cartilagens duras mas sutis, e acreditando que o som fosse originado do seu movimento, resolveu quebrá-las para fazê-la parar, mas tudo foi em vão.
Então, fincando uma agulha mais funda no corpo da cigarra, passando-a, tirou-lhe junto com a voz a vida e assim não pode mais pesquisar se o canto era originado verdadeiramente por aquelas membranas. Tornou-se tão descrente sobre seus possíveis conhecimentos em relação aos sons que todas as vezes que alguém lhe perguntava sua opinião sobre a origem dos sons, generosamente respondia não conhecer causa alguma, mas que estava resolvido a acreditar que pudessem existir cem outras maneiras, ainda desconhecidas e impensáveis.
Eu poderia dar muitos exemplos da variedade da natureza em produzir seus efeitos de maneira inimaginável para nós, se o sentido e a experiência não nos explicitassem sem, muitas vezes, suprir nossa incapacidade. Assim, se eu não souber, com exatidão, determinar a produção do cometa, deverão ser aceitas minhas desculpas, especialmente porque nunca afirmei poder dar esta explicação sabendo que ela poderia verificar-se de forma muito alheia à nossa imaginação. A dificuldade de entender como se forma o canto da cigarra, enquanto ela canta na mão, desculpa de sobra não saber como pode formar-se um cometa tão longe de nós. Para frisar, então, a primeira intenção do Sr. Mário e minha, isto é, promover aquelas dúvidas que parecem abalar as opiniões manifestadas até agora e propor alguma nova teoria para examinar se existe alguma coisa que possa esclarecer e abrir o caminho rumo à verdade, continuarei a raciocinar sobre as teorias manifestadas por Sarsi, que considerou improváveis nossos argumentos.
Continuando Sarsi sua exposição e aceitando serem os vapores ou outra matéria aptos a formar o cometa, seu elevar-se da Terra e subindo muito alto, onde pudesse receber diretamente os raios solares refletindo-os para nós, é difícil imaginar de que forma, sendo completamente iluminada, reflita até nós só a luz de uma pequena parte, e não acontece como aqueles vapores que nos apresentam aquela intempestiva aurora boreal, vapores que, sendo todos iluminados, mostram todos suas luzes.
Afirma depois ter observado, pelo meio da noite, uma coisa maravilhosa, isto é, uma pequena nuvem no zênite que, sendo toda iluminada, refletia livremente seu brilho de todas as suas partes, e acrescenta que, se todas as nuvens forem espessas e opacas, nos refletem a luz do Sol com toda a sua parte visível, porém se elas forem ralas, assim que a luz as penetre, mostrar-se-ão a nós brilhantes e não opacas; então, se o cometa forma-se com tais vapores fumacentos muito espalhados, como afirma o Sr. Mário, e não reunidos em círculo, sendo atingidos pelo Sol por todas as partes, por qual razão nós recebemos sua reflexão de uma pequena parte e não de todo o restante igualmente iluminado? Mesmo que as soluções destas perguntas estejam completamente resolvidas no Discurso do Sr. Mário, eu as relatarei aqui colocando-as acertadamente e acrescentando alguma outra consideração, conforme for solicitado pela matéria.
Em primeiro lugar, Sarsi deveria sem dificuldade conceder que só de um lado particular de toda a matéria sublimada pelo cometa verifica-se a reflexão da luz do Sol a uma visão particular, apesar de ser toda iluminada; tendo nós mil experiências semelhantes a favor, contra uma que pareça ser contrária, facilmente, entre as de Sarsi contrárias a esta posição, encontraremos muitas outras favoráveis. É certo que qualquer espelho plano exposto ao Sol fica por ele iluminado em toda a sua superfície; o mesmo acontece com qualquer pântano, lago, rio, mar, ou seja, com qualquer superfície lisa de qualquer material; porém, a uma vista particular não corresponde a reflexão do raio solar, a não ser de um lugar particular desta superfície, cujo lugar muda, mudando o olho do observador. A superfície externa de nuvens sutis, mas muito espalhadas, é toda iluminada pelo Sol de forma igual; todavia, o halo e os periélios não aparecem a um olho particular a não ser em um único lugar, e este, com o movimento do olho, muda de lugar dentro da nuvem.
Sarsi afirma: Aquela matéria sutil sublimada que produz aquela aurora boreal vê-se também toda iluminada, como ela o é de verdade. Porém, pergunto eu a Sarsi de onde lhe vem esta certeza. E ele pode responder-me somente que não percebe parte alguma que não seja iluminada, assim como acontece com o resto da superfície dos espelhos, das águas, dos mármores, além daquela pequena parte que reflete a viva luz do Sol. Porém advirto-o de que, se a matéria fosse transparente, não distinguiria nada mais que aquele esplêndido raio refletido, como acontece às vezes que a superfície do mar não se distingue do ar, mesmo que se veja imagem reflexa do Sol; e assim, colocado um vidro sutil a uma determinada distância, poderá mostrar-nos aquela sua pequena parte que reflete alguma luz, ficando o resto invisível por causa de sua transparência. Este erro de Sarsi é semelhante àquele dos que afirmam que criminoso algum deve confiar que seu crime possa ficar oculto, nem percebem a incompatibilidade que existe entre permanecer oculto e ser descoberto, e quem quisesse ter duas cadernetas, uma dos delitos que permanecem ocultos e outra daqueles que são descobertos em cuja caderneta dos ocultos nunca poderia registrar-se coisa alguma. Afirmo, então, que não me oponho à crença de que a matéria da aurora boreal seja muito ampla e uniformemente iluminada pelo Sol50; como, porém, não posso descobrir e observar a não ser aquela parte cuja refração meu olho pode captar, permanecendo invisível todo o restante, tenho a ilusão de perceber tudo. E que mais? A propósito dos vapores crepusculares que circundam a Terra, não permanece iluminado pelos raios solares sempre um hemisfério? Com certeza sim; todavia, aquela parte que se interpõe diretamente entre o Sol e nós mostra-se a nós muito mais luminosa do que as partes mais distantes. Mas esta, como ainda outras, é pura aparência e ilusão de nosso olho, pois, encontrando-nos em qualquer lugar, sempre observamos o Sol como centro de um círculo luminoso, mas que gradualmente vai perdendo o brilho, segundo se encontre à direita ou à esquerda deste centro; para outros, mais para o boreal, parece mais escura aquela parte que a mim parece mais clara, e mais brilhante aquela que a mim apresentava-se mais escura. Podemos, assim, afirmar a existência de um halo perpétuo e grande ao redor do Sol, figurado na superfície convexa que termina a esfera de vapor, cujo halo, da mesma forma que o outro, que às vezes nasce de uma nuvem sutil, muda de lugar segundo a mudança do observador. Em relação à pequena nuvem que Sarsi afirma ter observado brilhar na noite profunda, poderia perguntar-lhe que certeza tem ele de ela não ser maior do que aquela que aparece, especialmente afirmando ele que era tão transparente que não escondia estrelas fixas, mesmo mínimas, pois não possuía indício algum para garantir que ela se ampliasse invisivelmente como transparente, muito e muito além da parte brilhante observada: por isso é ainda duvidoso se ela não é uma aparência que muda como as outras segundo a mudança do olho. Além de não haver nada em contrário que ela apareça inteiramente brilhante e seja, da mesma forma, uma ilusão, o que acontecerá se ela não fosse maior do que aquele espaço que vem a ser ocupado pela imagem do Sol, assim que, observando a imagem do Sol, por exemplo, ocupar num espelho tanto espaço quanto uma unha, nós cortássemos fora o restante, não há dúvida de que este pequeno espelho poderá nos aparecer brilhante de todo. Além disso, quando o pequeno espelho fosse menor do que a imagem, então poder-se-ia observar não só tudo iluminado mas sua imagem não pareceria movimentar-se a cada movimento do olho, como no espelho grande; e até por ser ele incapaz de toda imagem do Sol, segue que, movendo-se o olho, veria a reflexão ora de um lado ora de outro do disco solar; assim a imagem pareceria imóvel, até que o olho se dirija à parte que não produz reflexão, ela se perderia completamente. É muito importante, então, considerar a grandeza e a qualidade da superfície que reflete, pois, conforme a superfície seja menos limpa, a imagem do mesmo objeto se apresentará sempre maior, pois, às vezes, antes que a imagem passe por todo o espelho, será necessário que o olho passe por muito espaço, e esta imagem parecerá fixa então, mesmo que na realidade seja móvel.
Para explicar melhor um ponto importantíssimo e que talvez possa solicitar, não digo Sarsi, mas algum outro, pense V. E. Ilustríssima encontrar-se numa praia com um tempo tranquilo e o Sol já descendo no ocaso. Perceberá, então, sobre a superfície do mar que está na metade do círculo máximo da esfera celeste que passa pelo disco solar, o reflexo brilhantíssimo do Sol, mas não muito amplo; se, pelo contrário, como já falei, a água for muito calma, verá a imagem do disco solar bem definida como num espelho. Se uma pequena brisa começa a movimentar a superfície da água, na mesma hora verá V. E. Ilustríssima a imagem do Sol quebrar-se em muitas partes, ampliando-se e difundindo-se. E, enquanto próxima, poderiam se distinguir cada uma das partes da imagem quebrada; todavia, sendo longe, não se perceberia esta separação, quer pelos breves intervalos entre as partes, quer pelo grande brilho das partes cintilantes, que se misturaram, como acontece com muitos fogos perto entre si e que de longe parecem ser um só. Se a água se movimentar sempre mais por espaços sempre maiores, ampliar-se-á a multidão dos espelhos que refletirão, segundo as diversas inclinações das ondas, a imagem do Sol quebrada. Mas distanciando-se sempre mais e subindo numa colina ou outra elevação para poder enxergar melhor o mar, o campo brilhante parecerá único e contínuo. Aconteceu-me enxergar de cima de uma montanha altíssima e distante do mar de Livorno sessenta milhas, com um tempo sereno mas de ventania, uma hora antes do pôr do sol, uma tira brilhantíssima à direita e à esquerda do Sol, que ocupava em comprimento muitas dezenas, até muitas centenas de milhas, a qual era, porém, como as outras, uma mesma reflexão da luz do Sol. Agora, imagine, Sarsi, que da superfície do mar, com o mesmo movimento de ondas, grande parte tivesse se retraído para as orlas deixando só no meio, isto é, face ao Sol, um comprimento de duas ou três milhas: esta, com certeza, seria observada completamente iluminada, e imóvel mesmo, com respeito a qualquer movimento que o observador houvesse realizado à direita ou à esquerda; só depois de movimentar-se por alguma milha começaria a desaparecer a parte esquerda da imagem, se ele estivesse caminhando para a direita, e a imagem esplendorosa diminuiria até que, adelgaçando-se, desapareceria por completo. Disto resulta que a imagem é móvel em relação à imagem do observador, pois, mesmo observando-a toda, perceberíamo-la toda ainda movimentar-se, encontrando-se seu meio sempre à direita do Sol, apesar de aparecer a muitos outros que a observem no mesmo momento como encontrando-se em outros pontos do horizonte.
Eu não quero esconder de V. E. Ilustríssima aquilo que eu lembrei neste ponto para a solução do problema do mar. Espertos marinheiros conhecem às vezes o vento que chegou a eles depois de algum tempo, observando o ar que, nesse caso, mostra-se mais claro, daquele lado, do que deveria ser.
Imagine V. E. Ilustríssima se isto poderia derivar do fato de se encontrar já naquela parte o vento que, movimentadas as ondas, faz nascer, como por espelhos multiplicados infinitamente e difundidos amplamente, o reflexo do Sol muito maior do que se o mar fosse tranquilo, permitindo que seja muito mais iluminada por esta nova luz aquela parte do ar vaporoso por meio do qual este reflexo difunde-se, cujo ar ofereça ainda algum reflexo de luz aos olhos dos marinheiros, os quais, encontrando-se embaixo, não podiam perceber a primeira reflexão daquela parte de mar já movimentada pelos ventos e distante deles vinte ou trinta milhas; e que esta seja a sua previsão do vento distante.
Mas, continuando nosso primeiro discurso, afirmo que os raios solares não refletem, com a mesma grandeza, a imagem do Sol sobre todos os materiais, isto é, sobre todas as superfícies; mas sobre algumas (isto é, as planas e lisas como um espelho) nos aparece o disco solar semelhante ao verdadeiro, nas superfícies convexas mas lisas nos aparece menor, e nas côncavas às vezes menor e às vezes maior, às vezes mesmo igual, segundo as diversas distâncias entre o espelho, o objeto e o olho.
Porém, se a superfície não for igual mas sinuosa e cheia de cavidades ou elevações e como se fosse composta por milhares de pequenos espelhos colocados com várias inclinações, expostas aos olhos de mil modos, então a mesma imagem do Sol chegará ao nosso olho de mil partes e dividida em mil pedaços, os quais ampliar-se-ão, imprimindo nesta superfície um amplo conjunto de pequenas manchas brilhantes, cuja frequência originará a ilusão de um único campo de luz contínua visto de longe, mais brilhante e viva no meio que nas extremidades, onde diminui e desaparece, enfim, quando por causa da obliquidade do olho em relação a esta superfície os raios visíveis não encontram mais ondas que se refletem contra o Sol. Esta imagem resulta ainda móvel de acordo com o movimento do olho, se, porém, além de seus limites, continua a superfície que reflete; mas, se a quantidade da matéria ocupar um pequeno espaço, muito menor do que o da imagem inteira, poderá acontecer que, ficando fixa a matéria e movimentando-se o olho, ela continue a aparecer brilhante, até que, tendo chegado o olho àquele termo do qual, pela obliquidade dos raios incidentes sobre a matéria, as reflexões não se dirigem mais rumo ao Sol, a luz desaparece e perde-se. Não concordo com Sarsi que quando ele vê uma nuvem suspensa no ar, bem determinada e toda brilhante, que permanece tal apesar de o olho ir se movimentando, não pode ter a certeza de que esta luz seja mais real do que um halo, do que os periélios, do que o arco-íris, e do que a reflexão sobre a superfície do mar; porque afirmo-lhe que a sua consistência e sua aparente estabilidade podem depender da pequenez da nuvem que não consegue receber toda a amplidão da imagem do Sol; e esta imagem, em relação à posição das partes da superfície da nuvem, ampliar-se-ia, se não lhe faltasse matéria, num espaço muito maior da nuvem, e quando se visse inteiro e o campo das nuvens se adiantasse a ele, afirmo que apareceria movimentando-se inteiramente em relação ao movimento do olho. Prova-o o fato de termos visto muitas vezes, ao nascer e ao pôr do sol, muitas pequenas nuvens colocadas perto do horizonte, das quais as que se encontram face ao Sol tornam-se brilhantíssimas e quase de fino ouro, das laterais as menos distantes do meio são ainda mais brilhantes do que as mais distantes, as quais vão aparecendo gradualmente menos claras até ficar praticamente nulo o brilho das mais distantes: nulo para nós, mas, para quem se encontrasse num lugar onde elas permanecessem entre seu olho e o lugar onde o Sol se põe, mostrar-se-iam brilhantíssimas para ele e obscuras a nós as mais esplendorosas. Entenda, então, Sarsi, que se as nuvens não fossem quebradas mas fossem uma longa extensão contínua, a sua parte central pareceria brilhante a qualquer um dos observantes e gradualmente menos claras as laterais, conforme a distância de seu meio, porque onde eu posso ver o maior brilho, para outros é o menor. Mas alguém poderia agora afirmar que, uma vez que aquela parte da nuvem permanece fixa e sua luz não parece movimentar-se pela mudança de lugar do observador, isto seria suficiente para fazer com que a paralaxe opere na determinação de sua altura, e que, podendo acontecer o mesmo com o cometa, o uso da paralaxe seja suficiente para quem queira mostrar o lugar dela. Poder-se-ia responder a esta objeção que este argumento resultaria verdadeiro se fosse demonstrado antes que o cometa não é uma inteira imagem do Sol, mas só uma parte da imagem, assim como a matéria que forma o cometa é não só toda iluminada mas que a imagem do Sol é maior que ela, de modo que é bastante para iluminar um campo muito maior, existindo matéria apta a refletir a luz. Isto não foi demonstrado e pode ser diferente, isto é, que o cometa seja uma inteira imagem, não mutilada, como nos faz acreditar sua aparência bem regulada e simétrica. E daqui pode-se deduzir uma resposta fácil e razoável à pergunta que Sarsi coloca, isto é, como pode acontecer que, acreditando, segundo a colocação de Mário, o cometa esteja num campo muito extenso em altura que não se ilumine inteiramente mas nos reflita só um círculo parcial, sem que as outras partes, mesmo atingidas pelo Sol, não apareçam nunca. Farei, então, a mesma pergunta a ele e ao seu Mestre, que não desejando que o cometa seja um fogo, mas querendo acreditar (se não me engano) que ao menos sua cauda seja uma reflexão dos raios solares, se eles acreditam que o material que produz uma reflexão seja recortado da medida desta cauda, inteiro, que tenha de algum lado; e se sobrar (como acredito que me responda), por que não é percebida, uma vez que é atingida pelo Sol?
Não se pode afirmar que o reflexo seja originado pela substância do éter, substância que, muito transparente, não serve para isto, nem pode-se originar em outro material que, mesmo apto à reflexão, seria também apto a refletir os raios solares. Além disso, não sei por que razão ele chama um pequeno círculo a cabeça do cometa que seu Mestre conseguiu medir em 87.127 milhas quadradas, não sei com quais inteligentíssimos cálculos, quando nuvem alguma, acredito eu, pode alcançar tal medida.
Acrescenta Sarsi, imitando aquele que por muito tempo acreditou que o som pudesse ser produzido de uma única forma, não ser possível que o cometa se origine do reflexo daqueles vapores fumacentos, e que o exemplo do arco-íris não resolve a dificuldade, sendo ele uma ilusão visual: pois o arco-íris e outras coisas semelhantes são originados pela umidade da matéria que já está se transformando em água, que só naquele momento, imitando a natureza dos corpos líquidos, reflete a luz daquela parte onde se produzem os ângulos da reflexão e da refração, procurados como acontece nos espelhos, na água e nas bolas de cristal; mas, nos outros materiais ralos e secos, não possuindo superfície lisa como os espelhos, não se origina muita refração, procurando-se, então, para esta finalidade, uma matéria aguada, por conseguinte, muito pesada e inapta a subir além da Lua e do Sol, aonde podem chegar (também segundo minha opinião) só exalações levíssimas. O cometa, então, não pode ser produzido por tais fumacentos vapores. Uma resposta suficiente a toda esta argumentação seria afirmar que o Sr. Mário nunca limitou-se a afirmar qual seja a matéria originária e precisa do cometa, nem se ela é úmida ou fumacenta, seca ou lisa, e sei que ele não se envergonhará em afirmar que não a conhece. Porém, vendo que em vapores, nuvens ralas e não aguacentas, e naquelas que se dissolvem já em pequenas gotas, nas águas paradas, nos espelhos e outras matérias, aparecem por reflexão e refração muitas imagens ilusórias, considerou não ser impossível que na natureza exista ainda uma matéria apta a nos oferecer mais uma imagem diversa das outras, isto é, o cometa. Tal resposta, afirmo eu, é bem adequada à pergunta, se cada parte da pergunta for exata: todavia, o desejo de ajudar (como muitas vezes já confirmei) a pesquisa da verdade, pelo que me cabe, leva-me a fazer algumas considerações sobre determinados particulares contidos nesses discursos.
Em primeiro lugar, é verdade que numa emanação de pequeníssimas gotas de água recebemos a ilusão do arco-íris, mas não acredito que, pelo contrário, uma ilusão semelhante não se verifique sem tal emanação. O prisma triangular cristalino perto dos olhos nos apresenta todos os objetos das cores do arco-íris; muitas vezes, vê-se o arco-íris também em nuvens secas, sem que caia chuva alguma.
Não podemos ver também as mesmas ilusões de cores diversas nas penas de muitas aves, enquanto o Sol as atinge de várias formas? E que mais? Gostaria de anunciar a Sarsi alguma novidade se existisse alguma novidade a contar. Pegue ele qualquer matéria, seja pedra, madeira ou metal, e expondo-a ao Sol, observe-a atentamente e poderá observar nela todas as cores repartidas em pequeníssimas partes; e se ele usufruir, para observá-las melhor, de um telescópio adaptado a observar os objetos muito próximos, muito mais distintamente perceberá aquilo de que estou falando, sem necessidade que aqueles corpos transformem-se em orvalho ou vapores úmidos. Além disso, aquelas pequenas nuvens que ao pôr do sol mostram-se brilhantíssimas e refletem a luz do Sol tão viva que quase nos cega, são das mais ralas, secas e estéreis nuvens que existem no ar, e as úmidas, em vez, quanto mais estão cheias de água mais se mostram a nós escuras. O halo e os periélios verificam-se sem chuvas e sem umidade nas mais ralas e secas nuvens ou vapores que se encontrem no ar.
Segundo, é verdade que as superfícies bem lisas, como as dos espelhos, nos oferecem um poderoso reflexo da luz do Sol; assim, a muito custo podemos observá-la sem ofender a vista; porém, é também verdade que superfícies não muito lisas refletem com menos força se menor for a sua limpeza.
Veja agora, V. E. Ilustríssima, se o esplendor do cometa é daqueles que cegam a vista, ou é daqueles que por fraqueza não ofendem em nada; e disto julgue se para produzi-lo seja necessário uma superfície semelhante àquela de um espelho, e seja suficiente uma menos lisa. Eu gostaria de mostrar a Sarsi um modo de originar uma reflexão muito semelhante àquela do cometa. Pegue V. E. Ilustríssima uma garrafa de vidro bem limpa, e com uma vela acesa não muito distante do recipiente perceberá, em sua superfície, uma imagem bem pequena desta luz, clara e determinada. Pegando depois com a ponta do dedo uma mínima quantidade de qualquer matéria que possua um pouco de gordura, de modo que se junte ao vidro, engordure o mais sutilmente que puder aquela parte onde se percebe a imagem da luz até que a superfície fique um pouco nublada. Movimente depois a garrafa de maneira que a imagem saia da gordura e pare ao contato com ela; passe depois o dedo uma única vez horizontalmente sobre a parte gordurosa. Imediatamente verá originar-se um raio reto como a cauda do cometa, e este raio cortará transversalmente e em ângulos retos a linha do dedo que V. E. produziu, e, se V. E. voltar a passar o dedo numa outra direção, este raio originar-se-á em outra direção. Isto acontece porque, devido à pele dos nossos dedos não ser lisa, mas marcada por algumas linhas sinuosas para permitir melhor o tato e perceber as mínimas diferenças entre as coisas tangíveis, movimentando o dedo sobre esta superfície gordurosa, deixa alguns sulcos sutis no interior dos quais produzem-se os reflexos da luz, os quais, sendo muitos e dispostos ordenadamente, apresentam depois uma Unha brilhante, em cuja extremidade, se produzirmos, movimentando o vaso, aquela primeira imagem realizada na parte não gordurosa, perceber-se-á a cabeça da cauda mais brilhante e a cauda menos brilhante; o mesmo efeito produzir-se-á se, em vez de se engordurar o vidro, ficar embaçado soprando em cima. Eu peço a V. E. Ilustríssima que, se alguma vez por acaso Sarsi chegar a conhecer esta brincadeira, explique por mim bem claramente que eu não entendo com isso afirmar que exista no céu uma grande garrafa e alguém que a engordure, produzindo assim o cometa; simplesmente eu apresento este exemplo e poderei apresentar muitos outros que possam encontrar-se na natureza, ainda indefinidos a nós, como argumentos de sua riqueza de modos diferentes entre eles para produzir seus efeitos.
Em terceiro lugar, que reflexão e refração não podem ser produzidas por matérias e impressões meteorológicas a não ser quando contêm muita água, porque só neste caso apresentam superfícies lisas e limpas, condições estas necessárias para produzir tal efeito, asseguro que não é verdade que não possa ser diferente. No que diz respeito à limpeza, afirmo que mesmo sem ela produzir-se-á a reflexão da imagem unida e distinta. Afirmo assim porque a imagem quebrada e confusa é produzida por todas as superfícies, desiguais e ásperas; porém, aquela imagem de um pano colorido, que se vê distintíssima num espelho oposto, vê-se confusa e quebrada sobre o muro que reproduz uma determinada sombra da cor deste pano. Se V. E. Ilustríssima pegar uma pedra ou uma ripa de madeira não tão lisa que reflita perfeitamente as imagens, e colocar-se em direção oblíqua ao olho, como se quiséssemos verificar se ela é plana e reta, perceberá distintamente sobre ela as imagens dos objetos que se encontrarem encostados do outro lado da ripa, tão distintas que, apoiando um livro em cima, poderá ser lido comodamente. Mas se este experimento for concluído colocando-se o olho perto da extremidade de algum muro reto e comprido, primeiro perceber-se-á um perpétuo curso de exalações em direção ao céu, especialmente quando o muro for atingido pelo Sol, assim como todos os objetos parecem tremer; depois, o muro do outro lado parecerá aproximar-se, e verá que, quando estiver bem perto, sua imagem se apresentará refletida naqueles vapores ascendentes, nem úmidos nem pesados, pelo contrário, secos e leves. E que mais? Não chegou ainda ao ouvido de Sarsi tudo aquilo que foi falado, especialmente por Tycho, a propósito das refrações que se operam nas exalações e vapores que circundam a Terra mesmo que o ar seja sereno, seco e sem chuva e umidade? Também não se apoie, como ele faz, sobre a autoridade de Aristóteles e de todos os mestres de perspectiva, porque ele não poderá fazer outra coisa que afirmar que eu sou um observador mais cuidadoso que eles, o que, segundo meu parecer, é de todo contrário à sua intenção. Parece-me que tudo o que expus é uma resposta suficiente ao argumento de Sarsi.
Passemos, pois, ao segundo.
CONTINUA
18. Leia agora V. E. Ilustríssima o fim deste primeiro exame: Neste ponto, perceba Galileu, com quanta razão, desta e das muitas outras coisas expostas por ele no texto Nunzio Sidereo, deduzimos que o cometa deve se encontrar além da Lua. Ele mesmo afirma que, entre os astros, alguns brilham com a luz nativa e própria, e nesse número ele coloca o Sol e as estrelas chamadas fixas; outros, não dotados de brilho algum pela natureza, recebem toda a luz do Sol, como é costume pensar dos seis planetas que sobram.
Galileu observou, ademais, que as estrelas amam muito aquela vã coroação de luz não própria e que costuma fazer crescer uma cauda; os planetas, em vez, especialmente a Lua, Júpiter e Saturno, não têm quase nenhum brilho; contudo, Marte, Vênus e Mercúrio, apesar de não serem providos de luz própria, tiram, pela vizinhança do Sol, tanta luz que, sendo quase igual àquelas das estrelas, imitam seus raios circunstantes e seu brilho. Portanto, como o cometa, segundo Galileu também, não possui luz própria por natureza, mas a recebe do Sol, e junto com outros astrônomos de grande fama o consideramos planeta temporário, devia-se raciocinar sobre ele do mesmo modo como sobre a Lua e outros planetas, e cuja condição é tal que quanto menos são distantes do Sol tanto mais brilham, e revestidos de um brilho maior (que deriva disto), observados com a luneta parecem aumentar menos; enquanto o cometa recebe deste instrumento quase o mesmo aumento de Mercúrio, podemos não com muita probabilidade deduzir que o cometa não irradiou aquela luz circundada mais que Mercúrio e por isso não se encontra muito longe; por outro lado, como era aumentado menos que a Lua, precisava colocá-lo circundado de uma luz maior e mais perto do Sol? De tudo isto pode-se compreender com quanta razão afirmamos que o cometa, pois pareceu aumentar muito pouco, deve ser considerado muito mais longe de nós do que a Lua.
Sem dúvida, pela paralaxe observada e também pelo curso do cometa quase sidéreo, nós conhecíamos bastante seu lugar; como, além disso, a luneta o aumentava quase quanto Mercúrio, certamente nenhuma razão teria podido sustentar o contrário; foi lícito tirar daqui um corolário também de grande importância e peso a favor de nossa teoria. Mesmo que soubéssemos, com efeito, que estas coisas podiam ser originadas por muitas causas, justamente por causa da analogia que este corpo luminoso guardava junto a todos os outros corpos celestes em todos os seus fenômenos, pensamos ter recebido da luneta um beneficio bastante grande, pois nosso parecer, já firmado pelo peso de outros argumentos, confirmava ainda mais com o peso do próprio assentimento. Quanto ao restante, porém, acrescentado ao argumento, isto é, as palavras: "Sei que este argumento foi considerado por alguns de pouca importância", etc, clara e honestamente havíamos lembrado antes para que fim estas palavras haviam sido acrescentadas: naturalmente contra aqueles que, enfraquecendo a fé neste instrumento, completamente ignaros das disciplinas de óptica, proclamavam-no enganador e indigno de qualquer confiança. Compreende, então, Galileu, se não me engano, com quanta falta de raciocínio lutou contra nossa opinião a respeito da luneta, que ele considera em tudo de acordo com a verdade e com as suas próprias opiniões: haveria podido conhecer também antes se a tivesse examinado com espírito mais calmo. Como, então, haveríamos podido imaginar que ele não haveria de gostar dessas ideias que considerávamos suas próprias? Mas como estas coisas, segundo a nossa opinião, parecem suficientes, vamos examinar a opinião do próprio Galileu.
Aqui, primeiramente, como V. E. pode ver, iniciamos uma argumentação recortada, como se diz, de velho pano, consistente em diversos fragmentos de proposições, para provar que o lugar do cometa era entre a Lua e o Sol; proposição esta que o Sr. Mário e eu podemos conceder-lhe por completo, sem prejuízo algum, não tendo nós nunca afirmado nada em relação ao lugar do cometa, nem negado que ele possa se encontrar além da Lua, mas falou-se somente que as demonstrações até agora apresentadas pelos autores oferecem dúvidas. E para tirá-las não é de ajuda nenhuma que Sarsi apresente agora uma nova demonstração, mesmo que ela fosse necessária e conclusiva, e provar que esta conclusão seja verdadeira, mesmo que também em torno de conclusões verdadeiras se possa argumentar e silogizar falsamente. Todavia, pelo desejo que eu possuo de pôr à luz as coisas escondidas e chegar a verdadeiras conclusões, apresentarei algumas considerações em relação a estas proposições.
Para maior clareza e compreensão o farei com a maior brevidade possível.
Afirma ele ter deduzido do meu Nunzio Sidereo que as estrelas fixas, sendo aquelas que brilham com luz própria, brilham com uma luz não real, mas aparente. Os planetas, sendo desprovidos de luz própria, não agem assim, especialmente a Lua, Júpiter e Saturno, mas mostram-se quase sem brilho; porém, Vênus, Mercúrio e Marte, mesmo privados de luz própria, brilham muito por causa da vizinhança do Sol, pelo qual são mais abundantemente atingidos. Afirma, além disso, que o cometa, segundo meu parecer, recebe sua luz do Sol, e acrescenta haver ele, junto com autores de renome, considerado o cometa, desde muito tempo, um planeta; assim, a respeito dele pode-se raciocinar como a respeito dos outros planetas, os quais, quanto mais encontram-se perto do Sol mais brilham, e por consequência menos podem ser observados pelo telescópio, e, aumentando o cometa pouco mais que Mercúrio e muito menos que a Lua, com muita razão podia-se concluir que não estivesse muito mais longe do Sol do que de Mercúrio, mas muito mais perto daquele que da Lua. Esta é a teoria que muito bem se ajusta à necessidade de Sarsi, como se a conclusão, deduzida antes dos princípios e meios, dependesse não aquela destes, mas estes dela, e tivessem sido preparados por ele não da grandiosidade da natureza mas da arte muito sutil. Pesquisemos, porém, quanto ela seja conclusiva.
Em primeiro lugar, é completamente falso que eu tenha escrito no Nunzio Sidereo que Júpiter e Saturno não brilhem quase nada e que Marte, Vênus e Mercúrio sejam coroados de muitos raios, porque eu separei só a Lua do resto das outras estrelas, quer fixas quer errantes.
Em segundo lugar, não sei se para concluir que o cometa seja quase um planeta e que, sendo tal, lhe sejam convenientes as propriedades dos outros planetas, seja suficiente que Sarsi e seu Mestre junto com outros autores o tenham considerado e chamado assim. Pois, se a opinião deles fosse tão importante a ponto de fazer aceitar as coisas por eles propostas, eu os rogaria que considerassem e chamassem ouro muitos velhos pedaços de ferro que possuo em casa. Mas, deixando os nomes de lado, qual é a teoria que os induz a considerar o cometa quase um planeta desde muito tempo? Brilhar como os planetas? Mas qual é a nuvem, qual a fumaça, qual a madeira, qual o muro, qual a montanha, atingidos pelo Sol, que não brilham do mesmo tanto? Não percebeu Sarsi no Nunzio Sidereo minha demonstração, isto é,que nossa Terra brilha mais que a Lua? Mas qual é minha opinião sobre o brilho do cometa como um planeta? Eu, por mim, não considero impossível que sua luz possa ser tão fraca e sua substância tão sutil e rala, que, quando alguém se aproximasse dela, sumisse da vista completamente, como acontece com alguns fogos-fátuos que saem da Terra, que são percebidos só durante a noite e de longe, mas de perto desaparecem; da mesma forma que as nuvens distantes são percebidas bem determinadas, e depois, de perto, mostram um pouco de nebulosidade tão indeterminada que alguém, entrando nela, quase não distingue os limites, nem sabe separá-la do ar contíguo. E aquelas projeções de raios solares entre as nuvens, tão semelhantes aos cometas, por quem são percebidas se não por aqueles que lhes são distantes? Tem o cometa alguma coisa em comum com os planetas por causa do movimento? E qual será a coisa separada da parte elementar que, obedecendo ao estado terrestre, não terá o moto diurno de acordo com o resto do universo? Mas se falamos do outro movimento, aquele transversal, este não tem nada a ver com o movimento dos planetas, não sendo criado nem por aquele rumo, nem regulado, nem talvez circular. Mas, deixados de lado os acidentes, acreditará talvez alguém que a substância ou a matéria do cometa tenha alguma coisa a ver com a dos planetas? Pode-se acreditar que ela seja solidíssima, como nos convida a pensar em particular a Lua e em universal a figura bem determinada e imutável de todos os planetas; e, ao contrário, pode-se acreditar que a do cometa dissolva-se em poucos dias; e sua figura, não determinada ao redor, mas confusa e indistinta, nos mostra que a sua substância é mais sutil e mais rala que a névoa e a fumaça. Assim ele quase poderia ser chamado mais um planeta pintado que real.
Em terceiro lugar, eu não sei com quanta perfeição ele possa ter parangonado os raios e o aumento do cometa com o aumento de Mercúrio que, podendo ser observado raríssimas vezes, em todo o tempo da aparição do cometa, ele não apareceu nunca, nem deu a possibilidade de ser observado, encontrando-se sempre muito perto do Sol; posso sem escrúpulo acreditar que Sarsi não fez esta comparação, difícil de se realizar e muito incerta, mas que ele afirma ter realizado porque, sendo assim, serviria melhor para sua causa. Outro indício que mostra como ele não conseguiu fazer esta experiência é-me fornecido pelo fato de que, ao referir-se às observações relativas a Mercúrio e à Lua, com os quais compara as do cometa, parece-me que ele esteja confundindo muito. Aceitando, para concluir, que o cometa se encontre mais longe do Sol que de Mercúrio, precisava afirmar que o cometa possuía menos raios que ele, e observado com o telescópio aumentava mais que ele; todavia, afirmou o contrário, isto é, que não possuía mais raios que Mercúrio e que aumentava quase a mesma coisa, o que significa afirmar que possuía mais raios e menos aumento que Mercúrio. Comparando depois o cometa com a Lua, escreve a mesma coisa (mesmo afirmando escrever o contrário), isto é, que aumentava menos que a Lua e possuía mais raios. Todavia, para chegar a uma conclusão, deduz da identidade das premissas conclusões diferentes, isto é, que o cometa encontra-se mais perto do Sol que a Lua, porém mais distante que Mercúrio.
Para finalizar, afirmando Sarsi ser um lógico exato, não me faz entender por que, na divisão dos corpos luminosos que se irradiam mais ou menos, e que por consequência, observados com o telescópio, recebem um aumento maior ou menor, ele não haja registrado nossas luzes elementares; pois as velas, as tochas acesas observadas a qualquer distância, qualquer pedrinha, lenho ou corpúsculo, até as folhas e as gotas de orvalho atingidas pelo Sol, resplandecem, e de certo ângulo irradiam a par de qualquer estrela mais brilhante, e vistas pelo telescópio observam no aumento o mesmo teor que as estrelas. Assim, termina completamente aquela ajuda a mais que os outros haviam esperado do telescópio para conduzir o cometa no céu e tirá-lo da esfera elementar. Abandonai, portanto, Sarsi, a ideia de poder ajudar vosso Mestre e estai certo de que, para querer sustentar um erro, é necessário perpetrar cem outros e, coisa ainda pior, não conseguir o intento. Gostaria também de pedir-vos para não replicar mais, como o fazeis no final desta vossa parte, que estas são teorias minhas, pois nunca escrevi coisas parecidas, nem as falei, nem as pensei. Basta a respeito do primeiro trecho em exame.
19. Passemos ao segundo: Apesar de ninguém até hoje ter falado que o cometa deve colocar-se entre as aparências vãs, onde não haveríamos necessidade de libertá-lo da acusação de inanidade, pois Galileu acreditou enveredar por outro caminho para explicar o cometa completa e sabidamente, é justo parar e expor com cuidado esta sua nova teoria.
São duas hipóteses que ele cogitou: uma relativa à substância, outra referente ao movimento do cometa. No que diz respeito à primeira, Galileu afirma que esta luz é daquelas que, mostradas mais que criadas pela refração de outra luz, parecem ter mais o nome de sombras de corpos luminosos que ser corpos luminosos, como, por exemplo, os arco-íris, os halos, os parélios e muitas outras coisas semelhantes. No que diz respeito à segunda, Galileu afirma que o movimento dos cometas sempre foi retilíneo e perpendicular à superfície da Terra. Revelando estas suas descobertas, acreditou poder destruir com facilidade as opiniões dos outros. Nós vamos examinar agora com poucas palavras, e sem retórica, quanto de próprio se deva atribuir a estas opiniões (pois a verdade, mesmo nua, é bastante ornada). Mesmo sendo difícil abranger singularmente estas duas proposições, pois são tão conexas que parecem depender uma da outra e sustentar-se reciprocamente, nós nos preocuparemos para que os leitores não fiquem lesados. Por isso, contra a primeira posição de Galileu, afirmo que o cometa não foi simulacro vão de uma luz que iludia os olhos daqueles que o observavam e isto parece-me que não necessita de outra prova para aquele que, ao menos uma vez, seja a olho nu, seja com a luneta, haja observado o cometa. A simples vista manifestava a natureza desta luz, porque, em comparação a outras luzes realíssimas, qualquer um poderá com facilidade julgar se o observado era falso ou verdadeiro. Tycho, examinando as observações de Tadeu Agezio, deduz isto: "O corpo do cometa naqueles dias foi igual, em grandeza, a Júpiter e Vênus, e revestiu-se de uma luz nítida e de um grande esplendor, puro e belo, e sua substância pareceu pura demais para ser conveniente a matérias só elementares, mas era, de preferência, análoga àquela dos corpos celestes ". Tycho acrescenta a isto: "Tadeu foi bom juiz relativamente a este aspecto, haveria podido concluir claramente que este cometa não era elementar".
Sarsi andou figurando antes e arbitrariamente os princípios e os meios que fossem de acordo com as conclusões que ele queria demonstrar; agora parece-me que vai imaginando conclusões para contradizê-las como teorias do Sr. Mário e minhas, muito diversas, ou, ao menos, muito diversamente tomadas, de como são relatadas no Discurso do Sr. Mário. Que o cometa seja, sem dúvida, uma imagem vã e uma simples aparência, nunca foi afirmado com certeza, mas só foi posto em dúvida e levado à consideração dos filósofos com aqueles raciocínios e cogitações que parecem poder garantir que seja verdade. Eis aqui as palavras do Sr. Mário a este propósito: "Eu não afirmo resolutamente que o cometa produza-se assim, mas afirmo que são duvidosos, seja este modo seja os outros dos demais autores; os quais pretenderão estabelecer com certeza seus pareceres. e terão a obrigação de demonstrar que esta e todas as outras posições são vãs e falsas". Mesmo sendo o texto tão diferente, Sarsi afirma que nós temos por certo que o movimento do cometa deve ser necessariamente reto e perpendicular à superfície terrestre. Isto não foi apresentado desta forma, mas simplesmente foi cogitado como ser mais conforme às aparências e satisfazer às mudanças observadas no cometa. Esta hipótese é tão superficialmente apresentada pelo Sr. Mário que no fim ele declara: "Porém é mais conveniente para nós contentarmo-nos com aquele pouco que podemos cogitar mesmo sem ter muita clareza". Porém Sarsi quis mostrar que estas opiniões eram tão firmemente aceitas por mim que imaginou podê-las destruir com facilidade e com meios mais eficazes. Se ele conseguir o agradecerei, pois no futuro deverei preocupar-me com uma hipótese a menos todas as vezes que me venha a ideia de filosofar sobre tal matéria. Por enquanto, pois parece-me que ainda subsiste alguma coisa de vivo no raciocínio do Sr. Mário, moverei algumas objeções às objeções de Sarsi.
Opondo-se Sarsi com grande firmeza à primeira conclusão, afirma que aquele que, mesmo por uma vez, houvesse observado o cometa, não necessitaria mais de argumento algum para conhecer a natureza desta estrela; estrela que, comparada com as outras verdadeiras estrelas, mostrava muito claramente ser verdadeira e não falsa. Assim, como V. E. Ilustríssima entende, Sarsi confia tanto no sentido da visão que considera impossível ser enganado todas as vezes que tentamos fazer uma comparação entre um objeto falso e um real. Eu confesso não ter a visão tão perfeita, pelo contrário, confesso ser como aquele macaco que acredita firmemente ver no espelho outro macaco, e nem reconhece seu erro se quatro ou seis vezes não tenha ido atrás do espelho para agarrar a imagem, tanto aquela imagem se lhe apresente viva e verdadeira. Supondo, então, que aqueles que Sarsi vê no espelho não sejam homens verdadeiros e reais, mas imagens vãs, como nós vemos nossa imagem no espelho, gostaria ardentemente de saber quais são aquelas diferenças visuais por meio das quais tão rapidamente distingue o verdadeiro do falso. Quanto a mim, encontrei-me mil vezes em alguma sala de janelas fechadas, e através de algum pequeno buraco pude perceber o Sol refletindo-se sobre um muro oposto, julgando assim esta mancha, pela vista, uma estrela tão brilhante quanto a Canícula e Vênus. E andando contra o Sol no campo, quantos milhares de corpúsculos, pedrinhas, lisos ou molhados, transformar-se-ão pelo reflexo do Sol em estrelas brilhantíssimas? Mesmo cuspindo no chão, Sarsi sem dúvida perceberá onde cuspiu, pela reflexão solar, uma estrela naturalíssima. Além disso, qual corpo colocado a grande distância, atingido pelo Sol, não aparecerá como uma estrela, especialmente se for tão alto que possa ser enxergado durante a noite, como se enxergam as outras estrelas? E quem distinguiria a Lua, vista durante o dia, de uma nuvem atingida pelo Sol, senão pela diversidade do aspecto e pela grandeza?
Ninguém, com certeza. E enfim, se a simples aparência deve determinar a essência, é necessário que Sarsi aceite que os sóis, as luas e as estrelas, observados em água parada e em espelhos, sejam verdadeiros sóis, verdadeiras luas e verdadeiras estrelas. Em relação a esta parte, mude mesmo Sarsi de opinião, nem acredite que, citando a autoridade de Tycho, de Tadeu Agezio ou de muitos outros, melhore sua condição, a não ser que, por ter tido tais homens como companheiros, desculpe mais seu erro.
20. Continue V. E. Ilustríssima a ler: "Pois, por todo o tempo que nosso cometa brilhou, Galileu, segundo ouvi dizer, permaneceu de cama por uma doença, e nunca talvez pôde, por causa da doença, observar aquele corpo brilhantíssimo, e por isso pensamos dever-se discutir com ele por meio de outra argumentação. Afirma ele mesmo que às vezes, de alguma parte da Terra, um vapor fumacento levanta-se acima da Lua e também acima do Sol, e, logo que saído do cone sombreado da Terra, olhou para a luz do Sol da qual como que concebeu e gerou o cometa; e o movimento ou a subida de um tal vapor não é vago ou incerto mas retilíneo e sem ser desviado para parte alguma. Assim afirma ele, mas nós colocamos na nossa balança o peso destas afirmações. Primeiro, sabemos que esta matéria fumacenta e úmida, tendo subido casualmente da Terra nos dias em que, dominando amplamente o céu bóreas violentíssimas, facilmente poderia haver sido dispersada e dissipada. É pois, digno de admiração como impunemente corpúsculos tão sutis e leves, entre a ira do vento violentíssimo, puderam ter chegado até o alto com um proceder constante através do caminho enveredado no começo, quando nem pesos consideráveis confiados ao vento podiam vencer o ímpeto e a força. Eu considero muito contraditório que um vapor muito leve suba e suba em linha reta, e mal acredito que isto haja podido acontecer entre as várias mudanças do vento. E acrescenta que, garante Galileu, nem nas mais altas regiões dos planetas faltam condensações e rarefações de tais corpos fumacentos, e por isso nem aqueles movimentos vagos e incertos pelos quais é necessário que sejam levados.
Que os vapores fumacentos de alguma parte da Terra subam além da Lua, e até além do Sol, e que saídos do cone da sombra terrestre sejam engravidados pelos raios solares e que então gerem o cometa, nunca foi escrito pelo Sr. Mário nem foi afirmado por mim, apesar de Sarsi atribuí-lo a mim.
Aquilo que o Sr. Mário escreveu é que não é impossível que algumas vezes possam elevar-se da Terra exalações e outras coisas parecidas, mas muito mais sutis que de costume, que subam além da Lua e possam ser matéria geradora do cometa, e que às vezes originem-se sublimações extraordinárias relativas à matéria dos corpúsculos, exemplificando-o por meio da aurora boreal. Porém não afirma que aquela seja numericamente a mesma matéria dos cometas, que necessita ser muito mais rala e sutil que os vapores dos corpúsculos e do que a matéria da assim chamada aurora boreal, tendo aceito que o cometa resplende muito menos que a aurora; assim, se o cometa se ampliasse, por exemplo, rumo ao oriente, na cândida alvorada, enquanto o Sol não se encontrasse longe do horizonte mais do que 6 ou 8 graus, sem dúvida não se perceberia, por ser menos brilhante do que seu próprio ambiente. E com a mesma probabilidade, não certeza, atribuiu-se à mesma matéria o movimento retilíneo em ascensão. E isto seja afirmado não para retratarmo-nos por medo das oposições de Sarsi, mas só para mostrar que não nos afastamos do nosso hábito, que consiste em não afirmar como verdadeiras a não ser as coisas que conhecemos como indiscutíveis, como nos ensina nossa filosofia e nossa matemática. Agora, partindo do ponto de vista de que houvéssemos verdadeiramente afirmado aquilo que Sarsi fala, examinemos suas posições.
Sua primeira oposição baseia-se na impossibilidade de os vapores subirem ao céu, em linha reta, enquanto que verificamos que um papagaio é empurrado pelo ar com movimento transversal, assim como as outras coisas que se encontram nele; e o mesmo verificou-se por muitos dias depois do aparecimento do cometa. A oposição é verdadeiramente inteligente, mas perde muito de sua força lógica porque, segundo notícias seguras, naqueles dias, nem na Pérsia nem na China verificaram-se perturbações atmosféricas; e eu acreditarei que de umas daquelas regiões se origina a matéria do cometa, se Sarsi provar que ele não é originário de lá, mas de Roma, onde ele percebeu o vento boreal.
Mas, mesmo que o vapor saísse da Itália, quem pode saber se ele não se houvesse posto em viagem antes dos dias de vento, muitos dias antes de sua chegada ao orbe do cometa, longe da Terra, segundo a relação do Mestre de Sarsi, quatrocentos e setenta mil milhas mais ou menos; porque, para empreender uma viagem tão comprida, é necessário bastante tempo, pois a subida dos vapores, por aquilo que podemos observar em relação àqueles perto da Terra, não atinge a velocidade do voo das aves; assim não seriam suficientes quatro anos para concluir tamanha viagem. Mesmo aceitando que estes vapores pudessem se movimentar em época de vento, Sarsi, que acredita piamente nos historiadores e nos poetas, não poderá negar que o impulso dos ventos não sobe mais de duas ou três milhas, já que existem montes cujo cume vai além da região dos ventos. Assim, o máximo que ele poderá concluir é que dentro deste espaço os vapores movimentam-se transversal e não perpendicularmente; porém, fora deste espaço desaparece o impedimento que os desvia do caminho retilíneo.
21. Veja mais V. E. Ilustríssima: Aceitamos que estes vapores possam manter, através dos ventos, suas direções e rumar para onde possam receber os raios diretos do Sol, enviando-os a nós refletidos. Por que, então, recebendo em toda a sua extensão a luz do Sol, no-la mostram somente em uma mínima parte de si? Com certeza, sendo o próprio Galileu testemunha, quando nos dias de verão um vapor não diferente indo rumo ao norte mais alto que de costume apresenta-se à luz do Sol, então, imergido em luz brilhantíssima, mostra-se muito brilhante em todas as suas partes, para utilizar sua próprias palavras, nos reflete mesmo de noite a aurora boreal; e não se mostra tão avarento do esplendor recebido que não permita que a reflexão da luz do Sol, que ele recebeu em toda a sua extensão, nos apareça apenas através de um pequeno buraco. Eu mesmo verifiquei, não somente em tempo de verão, mas no mês de janeiro, quatro horas depois do pôr do sol, algo ainda mais maravilhoso, isto é, uma pequena nuvem, cândida e brilhante, tão rarefeita que não encobria nem as estrelas menores, e os dons de luz que havia recebido do Sol ela os expandia livremente, com alma generosa, por todos os cantos. Então todas as nuvens (admitindo que tenham alguma afinidade com a matéria do cometa), se são tão densas e obscuras que não possam refletir livremente os raios do Sol, ao menos na parte virada para o Sol o refletem para nós com generosidade recíproca; porém, se são ralas e sutis, e a luz facilmente as penetre integralmente, não mostram obscuridade em parte alguma, mas oferecem aos olhos inundados uma luz esplendorosa. Então, se o cometa não se forma de outra matéria que não seja vapores fumacentos, não Juntados globalmente mas, como o próprio Galileu afirma, ocupando um espaço suficientemente vasto do céu, brilhando em toda parte com a luz do Sol, qual é a causa pela qual brilham sempre para aqueles que o observam só de um pequeno e estreito disco, e as outras partes deste mesmo vapor, iluminadas pelo Sol com mesma luz, não aparecem? Dificilmente tudo isto pode ser explicado com o exemplo do arco-íris, em cuja formação acontece a mesma coisa que evidentemente só de uma parte da nuvem volta ao olho, quando, entretanto, em todo o espaço iluminado pelo Sol a própria diversidade das cores seja gerada de sua luz. Com efeito, o arco-íris e outros meteoros, se existirem, requerem de preferência matéria úmida e com tendência a mudar-se em água; pois esta matéria só quando se derrete em água, imitando a natureza dos corpos leves, puros e transparentes, reflete a luz só na parte onde formam ângulos de reflexão e de refração necessários a tudo isto, como percebemos nos espelhos, na água e no gelo. Depois, se alguma emanação encontrar-se mais rarefeita ou mais seca, acontece porque ela não possui superfície lisa como os espelhos, nem reflete muitos raios. Visto necessitar-se de um corpo liso para que haja reflexão e necessitar-se de sua densidade para a refração (coisas que nunca se encontram nas impressões meteorológicas, a não ser quando a natureza delas possui muita água, como ensinaram não só Aristóteles mas também todos os mestres de óptica, e a própria razão persuade com muita eficácia), segue disto necessariamente que emanações semelhantes possuirão, por natureza própria, um certo peso, e por isto menos aptas a subir acima da Lua e do Sol, pois o próprio Galileu admite que devem ser muito sutis e leves aqueles que voam até lá em cima. Portanto, não daquele vapor fumacento e rarefeito, e na verdade de peso algum, poderá refletir para nós aquela imagem brilhante de luz: o vapor aguado, na verdade, sendo pesado, não poderá subir deforma alguma.
Depois de observado por muitas experiências, parece-me ser esta a condição humana em relação às coisas intelectuais: quanto menos entende-se e sabe-se, com tanta mais força quer-se discutir; e, pelo contrário, mais coisas são conhecidas menor é a tendência de discutir resolutamente sobre qualquer novidade. Nasceu em um lugar muito solitário um homem dotado por natureza de grande inteligência e de extraordinária curiosidade. Criando por prazer grande diversidade de aves, gostava enormemente do seu canto, e com muita admiração observava de que modo, por meio do próprio ar que respiravam, conseguiam formar ao seu arbítrio cantos diferentes e todos suavíssimos. Acontece que uma noite perto de casa escutou um som delicado, e, nem podendo imaginar que fosse outra coisa a não ser uma pequena ave, foi buscá-la. Chegando à estrada encontrou um pequeno pastor que, assoprando num pedaço de madeira furada e movimentando os dedos sobre a madeira, uma vez fechando e uma vez abrindo determinados buracos, conseguia produzir aquelas vozes diferentes, semelhantes às de um pássaro, mas de forma bem diversa. Admirado e movido pela sua curiosidade natural, deu de presente um bezerro ao pastor para obter aquela flauta. De regresso à sua casa e percebendo que se não houvesse encontrado por acaso aquele pastor nunca haveria aprendido que existiam na natureza duas formas diversas de criar vozes e cantos suaves, quis sair de casa procurando encontrar outras aventuras. Aconteceu que no dia seguinte, passando perto de uma pequena choça, escutou ressoar dentro dela uma voz semelhante. Para ter certeza se era uma flauta ou um pássaro, entrou e encontrou um menino que estava serrando, com um pequeno arco segurado na mão direita, alguns nervos estendidos sobre um lenho côncavo, enquanto sustentava com a mão esquerda o instrumento sobre o qual, movimentando os dedos e sem sopro algum, extraía dele vozes diversas e suaves. Qual foi seu espanto pode ser julgado facilmente por aquele que possuir a mesma inteligência e a mesma curiosidade dele que, vendo aumentar, de duas novas formas, a maneira de produzir uma voz e um canto tão inusitados, começou a acreditar poderem existir ainda outros na natureza. Mas qual foi sua surpresa quando, entrando em um determinado templo, começou a olhar atrás da porta para ver quem estava tocando e percebeu que o som havia saído dos ferros da porta ao abri-la? Em outra ocasião, empolgado pela curiosidade, entrou em um boteco e, acreditando encontrar outra vez alguém que com o arco tocasse as cordas de um violino, viu uma pessoa que, esfregando o dedo sobre a orla de um copo, conseguia produzir um som suavíssimo. Mas logo que observou que as abelhas, os pernilongos e as moscas, com o rapidíssimo bater das asas, e não como suas primeiras aves que respirando formavam vozes ininterruptas, produziam um som perpétuo, tanto aumentou sua admiração que diminuiu sua confiança sobre o conhecimento da origem do som. Nem todas as experiências já observadas haveriam sido suficientes para fazer-lhe entender ou acreditar que os grilos, não voando, conseguiam, não por meio do sopro mas com o movimento das asas, produzir sons tão doces e sonoros. Mas quando acreditou não poderem existir outras formas possíveis de produzir vozes, depois de haver observado, além das maneiras já relatadas, ainda tantos órgãos, trompas, flautas e instrumentos de corda de todos os tipos, até chegar à aquela pequena lâmina de ferro que, suspensa entre os dentes, usava de forma muito esquisita a cavidade bucal para dar corpo à amplificação do sopro permitindo a passagem do som, quando, repito, na hora que acreditava haver conhecido tudo, encontrou-se ainda mais no escuro e na ignorância, quando, havendo encontrado uma cigarra que nem fechando-lhe a boca e nem fechando-lhe as asas conseguia diminuir seu altíssimo estridor, não percebeu movimento algum de escamas nem de outras partes. Finalmente, levantando-lhe a caixa dos pulmões e observando embaixo dela algumas cartilagens duras mas sutis, e acreditando que o som fosse originado do seu movimento, resolveu quebrá-las para fazê-la parar, mas tudo foi em vão.
Então, fincando uma agulha mais funda no corpo da cigarra, passando-a, tirou-lhe junto com a voz a vida e assim não pode mais pesquisar se o canto era originado verdadeiramente por aquelas membranas. Tornou-se tão descrente sobre seus possíveis conhecimentos em relação aos sons que todas as vezes que alguém lhe perguntava sua opinião sobre a origem dos sons, generosamente respondia não conhecer causa alguma, mas que estava resolvido a acreditar que pudessem existir cem outras maneiras, ainda desconhecidas e impensáveis.
Eu poderia dar muitos exemplos da variedade da natureza em produzir seus efeitos de maneira inimaginável para nós, se o sentido e a experiência não nos explicitassem sem, muitas vezes, suprir nossa incapacidade. Assim, se eu não souber, com exatidão, determinar a produção do cometa, deverão ser aceitas minhas desculpas, especialmente porque nunca afirmei poder dar esta explicação sabendo que ela poderia verificar-se de forma muito alheia à nossa imaginação. A dificuldade de entender como se forma o canto da cigarra, enquanto ela canta na mão, desculpa de sobra não saber como pode formar-se um cometa tão longe de nós. Para frisar, então, a primeira intenção do Sr. Mário e minha, isto é, promover aquelas dúvidas que parecem abalar as opiniões manifestadas até agora e propor alguma nova teoria para examinar se existe alguma coisa que possa esclarecer e abrir o caminho rumo à verdade, continuarei a raciocinar sobre as teorias manifestadas por Sarsi, que considerou improváveis nossos argumentos.
Continuando Sarsi sua exposição e aceitando serem os vapores ou outra matéria aptos a formar o cometa, seu elevar-se da Terra e subindo muito alto, onde pudesse receber diretamente os raios solares refletindo-os para nós, é difícil imaginar de que forma, sendo completamente iluminada, reflita até nós só a luz de uma pequena parte, e não acontece como aqueles vapores que nos apresentam aquela intempestiva aurora boreal, vapores que, sendo todos iluminados, mostram todos suas luzes.
Afirma depois ter observado, pelo meio da noite, uma coisa maravilhosa, isto é, uma pequena nuvem no zênite que, sendo toda iluminada, refletia livremente seu brilho de todas as suas partes, e acrescenta que, se todas as nuvens forem espessas e opacas, nos refletem a luz do Sol com toda a sua parte visível, porém se elas forem ralas, assim que a luz as penetre, mostrar-se-ão a nós brilhantes e não opacas; então, se o cometa forma-se com tais vapores fumacentos muito espalhados, como afirma o Sr. Mário, e não reunidos em círculo, sendo atingidos pelo Sol por todas as partes, por qual razão nós recebemos sua reflexão de uma pequena parte e não de todo o restante igualmente iluminado? Mesmo que as soluções destas perguntas estejam completamente resolvidas no Discurso do Sr. Mário, eu as relatarei aqui colocando-as acertadamente e acrescentando alguma outra consideração, conforme for solicitado pela matéria.
Em primeiro lugar, Sarsi deveria sem dificuldade conceder que só de um lado particular de toda a matéria sublimada pelo cometa verifica-se a reflexão da luz do Sol a uma visão particular, apesar de ser toda iluminada; tendo nós mil experiências semelhantes a favor, contra uma que pareça ser contrária, facilmente, entre as de Sarsi contrárias a esta posição, encontraremos muitas outras favoráveis. É certo que qualquer espelho plano exposto ao Sol fica por ele iluminado em toda a sua superfície; o mesmo acontece com qualquer pântano, lago, rio, mar, ou seja, com qualquer superfície lisa de qualquer material; porém, a uma vista particular não corresponde a reflexão do raio solar, a não ser de um lugar particular desta superfície, cujo lugar muda, mudando o olho do observador. A superfície externa de nuvens sutis, mas muito espalhadas, é toda iluminada pelo Sol de forma igual; todavia, o halo e os periélios não aparecem a um olho particular a não ser em um único lugar, e este, com o movimento do olho, muda de lugar dentro da nuvem.
Sarsi afirma: Aquela matéria sutil sublimada que produz aquela aurora boreal vê-se também toda iluminada, como ela o é de verdade. Porém, pergunto eu a Sarsi de onde lhe vem esta certeza. E ele pode responder-me somente que não percebe parte alguma que não seja iluminada, assim como acontece com o resto da superfície dos espelhos, das águas, dos mármores, além daquela pequena parte que reflete a viva luz do Sol. Porém advirto-o de que, se a matéria fosse transparente, não distinguiria nada mais que aquele esplêndido raio refletido, como acontece às vezes que a superfície do mar não se distingue do ar, mesmo que se veja imagem reflexa do Sol; e assim, colocado um vidro sutil a uma determinada distância, poderá mostrar-nos aquela sua pequena parte que reflete alguma luz, ficando o resto invisível por causa de sua transparência. Este erro de Sarsi é semelhante àquele dos que afirmam que criminoso algum deve confiar que seu crime possa ficar oculto, nem percebem a incompatibilidade que existe entre permanecer oculto e ser descoberto, e quem quisesse ter duas cadernetas, uma dos delitos que permanecem ocultos e outra daqueles que são descobertos em cuja caderneta dos ocultos nunca poderia registrar-se coisa alguma. Afirmo, então, que não me oponho à crença de que a matéria da aurora boreal seja muito ampla e uniformemente iluminada pelo Sol50; como, porém, não posso descobrir e observar a não ser aquela parte cuja refração meu olho pode captar, permanecendo invisível todo o restante, tenho a ilusão de perceber tudo. E que mais? A propósito dos vapores crepusculares que circundam a Terra, não permanece iluminado pelos raios solares sempre um hemisfério? Com certeza sim; todavia, aquela parte que se interpõe diretamente entre o Sol e nós mostra-se a nós muito mais luminosa do que as partes mais distantes. Mas esta, como ainda outras, é pura aparência e ilusão de nosso olho, pois, encontrando-nos em qualquer lugar, sempre observamos o Sol como centro de um círculo luminoso, mas que gradualmente vai perdendo o brilho, segundo se encontre à direita ou à esquerda deste centro; para outros, mais para o boreal, parece mais escura aquela parte que a mim parece mais clara, e mais brilhante aquela que a mim apresentava-se mais escura. Podemos, assim, afirmar a existência de um halo perpétuo e grande ao redor do Sol, figurado na superfície convexa que termina a esfera de vapor, cujo halo, da mesma forma que o outro, que às vezes nasce de uma nuvem sutil, muda de lugar segundo a mudança do observador. Em relação à pequena nuvem que Sarsi afirma ter observado brilhar na noite profunda, poderia perguntar-lhe que certeza tem ele de ela não ser maior do que aquela que aparece, especialmente afirmando ele que era tão transparente que não escondia estrelas fixas, mesmo mínimas, pois não possuía indício algum para garantir que ela se ampliasse invisivelmente como transparente, muito e muito além da parte brilhante observada: por isso é ainda duvidoso se ela não é uma aparência que muda como as outras segundo a mudança do olho. Além de não haver nada em contrário que ela apareça inteiramente brilhante e seja, da mesma forma, uma ilusão, o que acontecerá se ela não fosse maior do que aquele espaço que vem a ser ocupado pela imagem do Sol, assim que, observando a imagem do Sol, por exemplo, ocupar num espelho tanto espaço quanto uma unha, nós cortássemos fora o restante, não há dúvida de que este pequeno espelho poderá nos aparecer brilhante de todo. Além disso, quando o pequeno espelho fosse menor do que a imagem, então poder-se-ia observar não só tudo iluminado mas sua imagem não pareceria movimentar-se a cada movimento do olho, como no espelho grande; e até por ser ele incapaz de toda imagem do Sol, segue que, movendo-se o olho, veria a reflexão ora de um lado ora de outro do disco solar; assim a imagem pareceria imóvel, até que o olho se dirija à parte que não produz reflexão, ela se perderia completamente. É muito importante, então, considerar a grandeza e a qualidade da superfície que reflete, pois, conforme a superfície seja menos limpa, a imagem do mesmo objeto se apresentará sempre maior, pois, às vezes, antes que a imagem passe por todo o espelho, será necessário que o olho passe por muito espaço, e esta imagem parecerá fixa então, mesmo que na realidade seja móvel.
Para explicar melhor um ponto importantíssimo e que talvez possa solicitar, não digo Sarsi, mas algum outro, pense V. E. Ilustríssima encontrar-se numa praia com um tempo tranquilo e o Sol já descendo no ocaso. Perceberá, então, sobre a superfície do mar que está na metade do círculo máximo da esfera celeste que passa pelo disco solar, o reflexo brilhantíssimo do Sol, mas não muito amplo; se, pelo contrário, como já falei, a água for muito calma, verá a imagem do disco solar bem definida como num espelho. Se uma pequena brisa começa a movimentar a superfície da água, na mesma hora verá V. E. Ilustríssima a imagem do Sol quebrar-se em muitas partes, ampliando-se e difundindo-se. E, enquanto próxima, poderiam se distinguir cada uma das partes da imagem quebrada; todavia, sendo longe, não se perceberia esta separação, quer pelos breves intervalos entre as partes, quer pelo grande brilho das partes cintilantes, que se misturaram, como acontece com muitos fogos perto entre si e que de longe parecem ser um só. Se a água se movimentar sempre mais por espaços sempre maiores, ampliar-se-á a multidão dos espelhos que refletirão, segundo as diversas inclinações das ondas, a imagem do Sol quebrada. Mas distanciando-se sempre mais e subindo numa colina ou outra elevação para poder enxergar melhor o mar, o campo brilhante parecerá único e contínuo. Aconteceu-me enxergar de cima de uma montanha altíssima e distante do mar de Livorno sessenta milhas, com um tempo sereno mas de ventania, uma hora antes do pôr do sol, uma tira brilhantíssima à direita e à esquerda do Sol, que ocupava em comprimento muitas dezenas, até muitas centenas de milhas, a qual era, porém, como as outras, uma mesma reflexão da luz do Sol. Agora, imagine, Sarsi, que da superfície do mar, com o mesmo movimento de ondas, grande parte tivesse se retraído para as orlas deixando só no meio, isto é, face ao Sol, um comprimento de duas ou três milhas: esta, com certeza, seria observada completamente iluminada, e imóvel mesmo, com respeito a qualquer movimento que o observador houvesse realizado à direita ou à esquerda; só depois de movimentar-se por alguma milha começaria a desaparecer a parte esquerda da imagem, se ele estivesse caminhando para a direita, e a imagem esplendorosa diminuiria até que, adelgaçando-se, desapareceria por completo. Disto resulta que a imagem é móvel em relação à imagem do observador, pois, mesmo observando-a toda, perceberíamo-la toda ainda movimentar-se, encontrando-se seu meio sempre à direita do Sol, apesar de aparecer a muitos outros que a observem no mesmo momento como encontrando-se em outros pontos do horizonte.
Eu não quero esconder de V. E. Ilustríssima aquilo que eu lembrei neste ponto para a solução do problema do mar. Espertos marinheiros conhecem às vezes o vento que chegou a eles depois de algum tempo, observando o ar que, nesse caso, mostra-se mais claro, daquele lado, do que deveria ser.
Imagine V. E. Ilustríssima se isto poderia derivar do fato de se encontrar já naquela parte o vento que, movimentadas as ondas, faz nascer, como por espelhos multiplicados infinitamente e difundidos amplamente, o reflexo do Sol muito maior do que se o mar fosse tranquilo, permitindo que seja muito mais iluminada por esta nova luz aquela parte do ar vaporoso por meio do qual este reflexo difunde-se, cujo ar ofereça ainda algum reflexo de luz aos olhos dos marinheiros, os quais, encontrando-se embaixo, não podiam perceber a primeira reflexão daquela parte de mar já movimentada pelos ventos e distante deles vinte ou trinta milhas; e que esta seja a sua previsão do vento distante.
Mas, continuando nosso primeiro discurso, afirmo que os raios solares não refletem, com a mesma grandeza, a imagem do Sol sobre todos os materiais, isto é, sobre todas as superfícies; mas sobre algumas (isto é, as planas e lisas como um espelho) nos aparece o disco solar semelhante ao verdadeiro, nas superfícies convexas mas lisas nos aparece menor, e nas côncavas às vezes menor e às vezes maior, às vezes mesmo igual, segundo as diversas distâncias entre o espelho, o objeto e o olho.
Porém, se a superfície não for igual mas sinuosa e cheia de cavidades ou elevações e como se fosse composta por milhares de pequenos espelhos colocados com várias inclinações, expostas aos olhos de mil modos, então a mesma imagem do Sol chegará ao nosso olho de mil partes e dividida em mil pedaços, os quais ampliar-se-ão, imprimindo nesta superfície um amplo conjunto de pequenas manchas brilhantes, cuja frequência originará a ilusão de um único campo de luz contínua visto de longe, mais brilhante e viva no meio que nas extremidades, onde diminui e desaparece, enfim, quando por causa da obliquidade do olho em relação a esta superfície os raios visíveis não encontram mais ondas que se refletem contra o Sol. Esta imagem resulta ainda móvel de acordo com o movimento do olho, se, porém, além de seus limites, continua a superfície que reflete; mas, se a quantidade da matéria ocupar um pequeno espaço, muito menor do que o da imagem inteira, poderá acontecer que, ficando fixa a matéria e movimentando-se o olho, ela continue a aparecer brilhante, até que, tendo chegado o olho àquele termo do qual, pela obliquidade dos raios incidentes sobre a matéria, as reflexões não se dirigem mais rumo ao Sol, a luz desaparece e perde-se. Não concordo com Sarsi que quando ele vê uma nuvem suspensa no ar, bem determinada e toda brilhante, que permanece tal apesar de o olho ir se movimentando, não pode ter a certeza de que esta luz seja mais real do que um halo, do que os periélios, do que o arco-íris, e do que a reflexão sobre a superfície do mar; porque afirmo-lhe que a sua consistência e sua aparente estabilidade podem depender da pequenez da nuvem que não consegue receber toda a amplidão da imagem do Sol; e esta imagem, em relação à posição das partes da superfície da nuvem, ampliar-se-ia, se não lhe faltasse matéria, num espaço muito maior da nuvem, e quando se visse inteiro e o campo das nuvens se adiantasse a ele, afirmo que apareceria movimentando-se inteiramente em relação ao movimento do olho. Prova-o o fato de termos visto muitas vezes, ao nascer e ao pôr do sol, muitas pequenas nuvens colocadas perto do horizonte, das quais as que se encontram face ao Sol tornam-se brilhantíssimas e quase de fino ouro, das laterais as menos distantes do meio são ainda mais brilhantes do que as mais distantes, as quais vão aparecendo gradualmente menos claras até ficar praticamente nulo o brilho das mais distantes: nulo para nós, mas, para quem se encontrasse num lugar onde elas permanecessem entre seu olho e o lugar onde o Sol se põe, mostrar-se-iam brilhantíssimas para ele e obscuras a nós as mais esplendorosas. Entenda, então, Sarsi, que se as nuvens não fossem quebradas mas fossem uma longa extensão contínua, a sua parte central pareceria brilhante a qualquer um dos observantes e gradualmente menos claras as laterais, conforme a distância de seu meio, porque onde eu posso ver o maior brilho, para outros é o menor. Mas alguém poderia agora afirmar que, uma vez que aquela parte da nuvem permanece fixa e sua luz não parece movimentar-se pela mudança de lugar do observador, isto seria suficiente para fazer com que a paralaxe opere na determinação de sua altura, e que, podendo acontecer o mesmo com o cometa, o uso da paralaxe seja suficiente para quem queira mostrar o lugar dela. Poder-se-ia responder a esta objeção que este argumento resultaria verdadeiro se fosse demonstrado antes que o cometa não é uma inteira imagem do Sol, mas só uma parte da imagem, assim como a matéria que forma o cometa é não só toda iluminada mas que a imagem do Sol é maior que ela, de modo que é bastante para iluminar um campo muito maior, existindo matéria apta a refletir a luz. Isto não foi demonstrado e pode ser diferente, isto é, que o cometa seja uma inteira imagem, não mutilada, como nos faz acreditar sua aparência bem regulada e simétrica. E daqui pode-se deduzir uma resposta fácil e razoável à pergunta que Sarsi coloca, isto é, como pode acontecer que, acreditando, segundo a colocação de Mário, o cometa esteja num campo muito extenso em altura que não se ilumine inteiramente mas nos reflita só um círculo parcial, sem que as outras partes, mesmo atingidas pelo Sol, não apareçam nunca. Farei, então, a mesma pergunta a ele e ao seu Mestre, que não desejando que o cometa seja um fogo, mas querendo acreditar (se não me engano) que ao menos sua cauda seja uma reflexão dos raios solares, se eles acreditam que o material que produz uma reflexão seja recortado da medida desta cauda, inteiro, que tenha de algum lado; e se sobrar (como acredito que me responda), por que não é percebida, uma vez que é atingida pelo Sol?
Não se pode afirmar que o reflexo seja originado pela substância do éter, substância que, muito transparente, não serve para isto, nem pode-se originar em outro material que, mesmo apto à reflexão, seria também apto a refletir os raios solares. Além disso, não sei por que razão ele chama um pequeno círculo a cabeça do cometa que seu Mestre conseguiu medir em 87.127 milhas quadradas, não sei com quais inteligentíssimos cálculos, quando nuvem alguma, acredito eu, pode alcançar tal medida.
Acrescenta Sarsi, imitando aquele que por muito tempo acreditou que o som pudesse ser produzido de uma única forma, não ser possível que o cometa se origine do reflexo daqueles vapores fumacentos, e que o exemplo do arco-íris não resolve a dificuldade, sendo ele uma ilusão visual: pois o arco-íris e outras coisas semelhantes são originados pela umidade da matéria que já está se transformando em água, que só naquele momento, imitando a natureza dos corpos líquidos, reflete a luz daquela parte onde se produzem os ângulos da reflexão e da refração, procurados como acontece nos espelhos, na água e nas bolas de cristal; mas, nos outros materiais ralos e secos, não possuindo superfície lisa como os espelhos, não se origina muita refração, procurando-se, então, para esta finalidade, uma matéria aguada, por conseguinte, muito pesada e inapta a subir além da Lua e do Sol, aonde podem chegar (também segundo minha opinião) só exalações levíssimas. O cometa, então, não pode ser produzido por tais fumacentos vapores. Uma resposta suficiente a toda esta argumentação seria afirmar que o Sr. Mário nunca limitou-se a afirmar qual seja a matéria originária e precisa do cometa, nem se ela é úmida ou fumacenta, seca ou lisa, e sei que ele não se envergonhará em afirmar que não a conhece. Porém, vendo que em vapores, nuvens ralas e não aguacentas, e naquelas que se dissolvem já em pequenas gotas, nas águas paradas, nos espelhos e outras matérias, aparecem por reflexão e refração muitas imagens ilusórias, considerou não ser impossível que na natureza exista ainda uma matéria apta a nos oferecer mais uma imagem diversa das outras, isto é, o cometa. Tal resposta, afirmo eu, é bem adequada à pergunta, se cada parte da pergunta for exata: todavia, o desejo de ajudar (como muitas vezes já confirmei) a pesquisa da verdade, pelo que me cabe, leva-me a fazer algumas considerações sobre determinados particulares contidos nesses discursos.
Em primeiro lugar, é verdade que numa emanação de pequeníssimas gotas de água recebemos a ilusão do arco-íris, mas não acredito que, pelo contrário, uma ilusão semelhante não se verifique sem tal emanação. O prisma triangular cristalino perto dos olhos nos apresenta todos os objetos das cores do arco-íris; muitas vezes, vê-se o arco-íris também em nuvens secas, sem que caia chuva alguma.
Não podemos ver também as mesmas ilusões de cores diversas nas penas de muitas aves, enquanto o Sol as atinge de várias formas? E que mais? Gostaria de anunciar a Sarsi alguma novidade se existisse alguma novidade a contar. Pegue ele qualquer matéria, seja pedra, madeira ou metal, e expondo-a ao Sol, observe-a atentamente e poderá observar nela todas as cores repartidas em pequeníssimas partes; e se ele usufruir, para observá-las melhor, de um telescópio adaptado a observar os objetos muito próximos, muito mais distintamente perceberá aquilo de que estou falando, sem necessidade que aqueles corpos transformem-se em orvalho ou vapores úmidos. Além disso, aquelas pequenas nuvens que ao pôr do sol mostram-se brilhantíssimas e refletem a luz do Sol tão viva que quase nos cega, são das mais ralas, secas e estéreis nuvens que existem no ar, e as úmidas, em vez, quanto mais estão cheias de água mais se mostram a nós escuras. O halo e os periélios verificam-se sem chuvas e sem umidade nas mais ralas e secas nuvens ou vapores que se encontrem no ar.
Segundo, é verdade que as superfícies bem lisas, como as dos espelhos, nos oferecem um poderoso reflexo da luz do Sol; assim, a muito custo podemos observá-la sem ofender a vista; porém, é também verdade que superfícies não muito lisas refletem com menos força se menor for a sua limpeza.
Veja agora, V. E. Ilustríssima, se o esplendor do cometa é daqueles que cegam a vista, ou é daqueles que por fraqueza não ofendem em nada; e disto julgue se para produzi-lo seja necessário uma superfície semelhante àquela de um espelho, e seja suficiente uma menos lisa. Eu gostaria de mostrar a Sarsi um modo de originar uma reflexão muito semelhante àquela do cometa. Pegue V. E. Ilustríssima uma garrafa de vidro bem limpa, e com uma vela acesa não muito distante do recipiente perceberá, em sua superfície, uma imagem bem pequena desta luz, clara e determinada. Pegando depois com a ponta do dedo uma mínima quantidade de qualquer matéria que possua um pouco de gordura, de modo que se junte ao vidro, engordure o mais sutilmente que puder aquela parte onde se percebe a imagem da luz até que a superfície fique um pouco nublada. Movimente depois a garrafa de maneira que a imagem saia da gordura e pare ao contato com ela; passe depois o dedo uma única vez horizontalmente sobre a parte gordurosa. Imediatamente verá originar-se um raio reto como a cauda do cometa, e este raio cortará transversalmente e em ângulos retos a linha do dedo que V. E. produziu, e, se V. E. voltar a passar o dedo numa outra direção, este raio originar-se-á em outra direção. Isto acontece porque, devido à pele dos nossos dedos não ser lisa, mas marcada por algumas linhas sinuosas para permitir melhor o tato e perceber as mínimas diferenças entre as coisas tangíveis, movimentando o dedo sobre esta superfície gordurosa, deixa alguns sulcos sutis no interior dos quais produzem-se os reflexos da luz, os quais, sendo muitos e dispostos ordenadamente, apresentam depois uma Unha brilhante, em cuja extremidade, se produzirmos, movimentando o vaso, aquela primeira imagem realizada na parte não gordurosa, perceber-se-á a cabeça da cauda mais brilhante e a cauda menos brilhante; o mesmo efeito produzir-se-á se, em vez de se engordurar o vidro, ficar embaçado soprando em cima. Eu peço a V. E. Ilustríssima que, se alguma vez por acaso Sarsi chegar a conhecer esta brincadeira, explique por mim bem claramente que eu não entendo com isso afirmar que exista no céu uma grande garrafa e alguém que a engordure, produzindo assim o cometa; simplesmente eu apresento este exemplo e poderei apresentar muitos outros que possam encontrar-se na natureza, ainda indefinidos a nós, como argumentos de sua riqueza de modos diferentes entre eles para produzir seus efeitos.
Em terceiro lugar, que reflexão e refração não podem ser produzidas por matérias e impressões meteorológicas a não ser quando contêm muita água, porque só neste caso apresentam superfícies lisas e limpas, condições estas necessárias para produzir tal efeito, asseguro que não é verdade que não possa ser diferente. No que diz respeito à limpeza, afirmo que mesmo sem ela produzir-se-á a reflexão da imagem unida e distinta. Afirmo assim porque a imagem quebrada e confusa é produzida por todas as superfícies, desiguais e ásperas; porém, aquela imagem de um pano colorido, que se vê distintíssima num espelho oposto, vê-se confusa e quebrada sobre o muro que reproduz uma determinada sombra da cor deste pano. Se V. E. Ilustríssima pegar uma pedra ou uma ripa de madeira não tão lisa que reflita perfeitamente as imagens, e colocar-se em direção oblíqua ao olho, como se quiséssemos verificar se ela é plana e reta, perceberá distintamente sobre ela as imagens dos objetos que se encontrarem encostados do outro lado da ripa, tão distintas que, apoiando um livro em cima, poderá ser lido comodamente. Mas se este experimento for concluído colocando-se o olho perto da extremidade de algum muro reto e comprido, primeiro perceber-se-á um perpétuo curso de exalações em direção ao céu, especialmente quando o muro for atingido pelo Sol, assim como todos os objetos parecem tremer; depois, o muro do outro lado parecerá aproximar-se, e verá que, quando estiver bem perto, sua imagem se apresentará refletida naqueles vapores ascendentes, nem úmidos nem pesados, pelo contrário, secos e leves. E que mais? Não chegou ainda ao ouvido de Sarsi tudo aquilo que foi falado, especialmente por Tycho, a propósito das refrações que se operam nas exalações e vapores que circundam a Terra mesmo que o ar seja sereno, seco e sem chuva e umidade? Também não se apoie, como ele faz, sobre a autoridade de Aristóteles e de todos os mestres de perspectiva, porque ele não poderá fazer outra coisa que afirmar que eu sou um observador mais cuidadoso que eles, o que, segundo meu parecer, é de todo contrário à sua intenção. Parece-me que tudo o que expus é uma resposta suficiente ao argumento de Sarsi.
Passemos, pois, ao segundo.
CONTINUA
18. Leia agora V. E. Ilustríssima o fim deste primeiro exame: Neste ponto, perceba Galileu, com quanta razão, desta e das muitas outras coisas expostas por ele no texto Nunzio Sidereo, deduzimos que o cometa deve se encontrar além da Lua. Ele mesmo afirma que, entre os astros, alguns brilham com a luz nativa e própria, e nesse número ele coloca o Sol e as estrelas chamadas fixas; outros, não dotados de brilho algum pela natureza, recebem toda a luz do Sol, como é costume pensar dos seis planetas que sobram.
Galileu observou, ademais, que as estrelas amam muito aquela vã coroação de luz não própria e que costuma fazer crescer uma cauda; os planetas, em vez, especialmente a Lua, Júpiter e Saturno, não têm quase nenhum brilho; contudo, Marte, Vênus e Mercúrio, apesar de não serem providos de luz própria, tiram, pela vizinhança do Sol, tanta luz que, sendo quase igual àquelas das estrelas, imitam seus raios circunstantes e seu brilho. Portanto, como o cometa, segundo Galileu também, não possui luz própria por natureza, mas a recebe do Sol, e junto com outros astrônomos de grande fama o consideramos planeta temporário, devia-se raciocinar sobre ele do mesmo modo como sobre a Lua e outros planetas, e cuja condição é tal que quanto menos são distantes do Sol tanto mais brilham, e revestidos de um brilho maior (que deriva disto), observados com a luneta parecem aumentar menos; enquanto o cometa recebe deste instrumento quase o mesmo aumento de Mercúrio, podemos não com muita probabilidade deduzir que o cometa não irradiou aquela luz circundada mais que Mercúrio e por isso não se encontra muito longe; por outro lado, como era aumentado menos que a Lua, precisava colocá-lo circundado de uma luz maior e mais perto do Sol? De tudo isto pode-se compreender com quanta razão afirmamos que o cometa, pois pareceu aumentar muito pouco, deve ser considerado muito mais longe de nós do que a Lua.
Sem dúvida, pela paralaxe observada e também pelo curso do cometa quase sidéreo, nós conhecíamos bastante seu lugar; como, além disso, a luneta o aumentava quase quanto Mercúrio, certamente nenhuma razão teria podido sustentar o contrário; foi lícito tirar daqui um corolário também de grande importância e peso a favor de nossa teoria. Mesmo que soubéssemos, com efeito, que estas coisas podiam ser originadas por muitas causas, justamente por causa da analogia que este corpo luminoso guardava junto a todos os outros corpos celestes em todos os seus fenômenos, pensamos ter recebido da luneta um beneficio bastante grande, pois nosso parecer, já firmado pelo peso de outros argumentos, confirmava ainda mais com o peso do próprio assentimento. Quanto ao restante, porém, acrescentado ao argumento, isto é, as palavras: "Sei que este argumento foi considerado por alguns de pouca importância", etc, clara e honestamente havíamos lembrado antes para que fim estas palavras haviam sido acrescentadas: naturalmente contra aqueles que, enfraquecendo a fé neste instrumento, completamente ignaros das disciplinas de óptica, proclamavam-no enganador e indigno de qualquer confiança. Compreende, então, Galileu, se não me engano, com quanta falta de raciocínio lutou contra nossa opinião a respeito da luneta, que ele considera em tudo de acordo com a verdade e com as suas próprias opiniões: haveria podido conhecer também antes se a tivesse examinado com espírito mais calmo. Como, então, haveríamos podido imaginar que ele não haveria de gostar dessas ideias que considerávamos suas próprias? Mas como estas coisas, segundo a nossa opinião, parecem suficientes, vamos examinar a opinião do próprio Galileu.
Aqui, primeiramente, como V. E. pode ver, iniciamos uma argumentação recortada, como se diz, de velho pano, consistente em diversos fragmentos de proposições, para provar que o lugar do cometa era entre a Lua e o Sol; proposição esta que o Sr. Mário e eu podemos conceder-lhe por completo, sem prejuízo algum, não tendo nós nunca afirmado nada em relação ao lugar do cometa, nem negado que ele possa se encontrar além da Lua, mas falou-se somente que as demonstrações até agora apresentadas pelos autores oferecem dúvidas. E para tirá-las não é de ajuda nenhuma que Sarsi apresente agora uma nova demonstração, mesmo que ela fosse necessária e conclusiva, e provar que esta conclusão seja verdadeira, mesmo que também em torno de conclusões verdadeiras se possa argumentar e silogizar falsamente. Todavia, pelo desejo que eu possuo de pôr à luz as coisas escondidas e chegar a verdadeiras conclusões, apresentarei algumas considerações em relação a estas proposições.
Para maior clareza e compreensão o farei com a maior brevidade possível.
Afirma ele ter deduzido do meu Nunzio Sidereo que as estrelas fixas, sendo aquelas que brilham com luz própria, brilham com uma luz não real, mas aparente. Os planetas, sendo desprovidos de luz própria, não agem assim, especialmente a Lua, Júpiter e Saturno, mas mostram-se quase sem brilho; porém, Vênus, Mercúrio e Marte, mesmo privados de luz própria, brilham muito por causa da vizinhança do Sol, pelo qual são mais abundantemente atingidos. Afirma, além disso, que o cometa, segundo meu parecer, recebe sua luz do Sol, e acrescenta haver ele, junto com autores de renome, considerado o cometa, desde muito tempo, um planeta; assim, a respeito dele pode-se raciocinar como a respeito dos outros planetas, os quais, quanto mais encontram-se perto do Sol mais brilham, e por consequência menos podem ser observados pelo telescópio, e, aumentando o cometa pouco mais que Mercúrio e muito menos que a Lua, com muita razão podia-se concluir que não estivesse muito mais longe do Sol do que de Mercúrio, mas muito mais perto daquele que da Lua. Esta é a teoria que muito bem se ajusta à necessidade de Sarsi, como se a conclusão, deduzida antes dos princípios e meios, dependesse não aquela destes, mas estes dela, e tivessem sido preparados por ele não da grandiosidade da natureza mas da arte muito sutil. Pesquisemos, porém, quanto ela seja conclusiva.
Em primeiro lugar, é completamente falso que eu tenha escrito no Nunzio Sidereo que Júpiter e Saturno não brilhem quase nada e que Marte, Vênus e Mercúrio sejam coroados de muitos raios, porque eu separei só a Lua do resto das outras estrelas, quer fixas quer errantes.
Em segundo lugar, não sei se para concluir que o cometa seja quase um planeta e que, sendo tal, lhe sejam convenientes as propriedades dos outros planetas, seja suficiente que Sarsi e seu Mestre junto com outros autores o tenham considerado e chamado assim. Pois, se a opinião deles fosse tão importante a ponto de fazer aceitar as coisas por eles propostas, eu os rogaria que considerassem e chamassem ouro muitos velhos pedaços de ferro que possuo em casa. Mas, deixando os nomes de lado, qual é a teoria que os induz a considerar o cometa quase um planeta desde muito tempo? Brilhar como os planetas? Mas qual é a nuvem, qual a fumaça, qual a madeira, qual o muro, qual a montanha, atingidos pelo Sol, que não brilham do mesmo tanto? Não percebeu Sarsi no Nunzio Sidereo minha demonstração, isto é,que nossa Terra brilha mais que a Lua? Mas qual é minha opinião sobre o brilho do cometa como um planeta? Eu, por mim, não considero impossível que sua luz possa ser tão fraca e sua substância tão sutil e rala, que, quando alguém se aproximasse dela, sumisse da vista completamente, como acontece com alguns fogos-fátuos que saem da Terra, que são percebidos só durante a noite e de longe, mas de perto desaparecem; da mesma forma que as nuvens distantes são percebidas bem determinadas, e depois, de perto, mostram um pouco de nebulosidade tão indeterminada que alguém, entrando nela, quase não distingue os limites, nem sabe separá-la do ar contíguo. E aquelas projeções de raios solares entre as nuvens, tão semelhantes aos cometas, por quem são percebidas se não por aqueles que lhes são distantes? Tem o cometa alguma coisa em comum com os planetas por causa do movimento? E qual será a coisa separada da parte elementar que, obedecendo ao estado terrestre, não terá o moto diurno de acordo com o resto do universo? Mas se falamos do outro movimento, aquele transversal, este não tem nada a ver com o movimento dos planetas, não sendo criado nem por aquele rumo, nem regulado, nem talvez circular. Mas, deixados de lado os acidentes, acreditará talvez alguém que a substância ou a matéria do cometa tenha alguma coisa a ver com a dos planetas? Pode-se acreditar que ela seja solidíssima, como nos convida a pensar em particular a Lua e em universal a figura bem determinada e imutável de todos os planetas; e, ao contrário, pode-se acreditar que a do cometa dissolva-se em poucos dias; e sua figura, não determinada ao redor, mas confusa e indistinta, nos mostra que a sua substância é mais sutil e mais rala que a névoa e a fumaça. Assim ele quase poderia ser chamado mais um planeta pintado que real.
Em terceiro lugar, eu não sei com quanta perfeição ele possa ter parangonado os raios e o aumento do cometa com o aumento de Mercúrio que, podendo ser observado raríssimas vezes, em todo o tempo da aparição do cometa, ele não apareceu nunca, nem deu a possibilidade de ser observado, encontrando-se sempre muito perto do Sol; posso sem escrúpulo acreditar que Sarsi não fez esta comparação, difícil de se realizar e muito incerta, mas que ele afirma ter realizado porque, sendo assim, serviria melhor para sua causa. Outro indício que mostra como ele não conseguiu fazer esta experiência é-me fornecido pelo fato de que, ao referir-se às observações relativas a Mercúrio e à Lua, com os quais compara as do cometa, parece-me que ele esteja confundindo muito. Aceitando, para concluir, que o cometa se encontre mais longe do Sol que de Mercúrio, precisava afirmar que o cometa possuía menos raios que ele, e observado com o telescópio aumentava mais que ele; todavia, afirmou o contrário, isto é, que não possuía mais raios que Mercúrio e que aumentava quase a mesma coisa, o que significa afirmar que possuía mais raios e menos aumento que Mercúrio. Comparando depois o cometa com a Lua, escreve a mesma coisa (mesmo afirmando escrever o contrário), isto é, que aumentava menos que a Lua e possuía mais raios. Todavia, para chegar a uma conclusão, deduz da identidade das premissas conclusões diferentes, isto é, que o cometa encontra-se mais perto do Sol que a Lua, porém mais distante que Mercúrio.
Para finalizar, afirmando Sarsi ser um lógico exato, não me faz entender por que, na divisão dos corpos luminosos que se irradiam mais ou menos, e que por consequência, observados com o telescópio, recebem um aumento maior ou menor, ele não haja registrado nossas luzes elementares; pois as velas, as tochas acesas observadas a qualquer distância, qualquer pedrinha, lenho ou corpúsculo, até as folhas e as gotas de orvalho atingidas pelo Sol, resplandecem, e de certo ângulo irradiam a par de qualquer estrela mais brilhante, e vistas pelo telescópio observam no aumento o mesmo teor que as estrelas. Assim, termina completamente aquela ajuda a mais que os outros haviam esperado do telescópio para conduzir o cometa no céu e tirá-lo da esfera elementar. Abandonai, portanto, Sarsi, a ideia de poder ajudar vosso Mestre e estai certo de que, para querer sustentar um erro, é necessário perpetrar cem outros e, coisa ainda pior, não conseguir o intento. Gostaria também de pedir-vos para não replicar mais, como o fazeis no final desta vossa parte, que estas são teorias minhas, pois nunca escrevi coisas parecidas, nem as falei, nem as pensei. Basta a respeito do primeiro trecho em exame.
19. Passemos ao segundo: Apesar de ninguém até hoje ter falado que o cometa deve colocar-se entre as aparências vãs, onde não haveríamos necessidade de libertá-lo da acusação de inanidade, pois Galileu acreditou enveredar por outro caminho para explicar o cometa completa e sabidamente, é justo parar e expor com cuidado esta sua nova teoria.
São duas hipóteses que ele cogitou: uma relativa à substância, outra referente ao movimento do cometa. No que diz respeito à primeira, Galileu afirma que esta luz é daquelas que, mostradas mais que criadas pela refração de outra luz, parecem ter mais o nome de sombras de corpos luminosos que ser corpos luminosos, como, por exemplo, os arco-íris, os halos, os parélios e muitas outras coisas semelhantes. No que diz respeito à segunda, Galileu afirma que o movimento dos cometas sempre foi retilíneo e perpendicular à superfície da Terra. Revelando estas suas descobertas, acreditou poder destruir com facilidade as opiniões dos outros. Nós vamos examinar agora com poucas palavras, e sem retórica, quanto de próprio se deva atribuir a estas opiniões (pois a verdade, mesmo nua, é bastante ornada). Mesmo sendo difícil abranger singularmente estas duas proposições, pois são tão conexas que parecem depender uma da outra e sustentar-se reciprocamente, nós nos preocuparemos para que os leitores não fiquem lesados. Por isso, contra a primeira posição de Galileu, afirmo que o cometa não foi simulacro vão de uma luz que iludia os olhos daqueles que o observavam e isto parece-me que não necessita de outra prova para aquele que, ao menos uma vez, seja a olho nu, seja com a luneta, haja observado o cometa. A simples vista manifestava a natureza desta luz, porque, em comparação a outras luzes realíssimas, qualquer um poderá com facilidade julgar se o observado era falso ou verdadeiro. Tycho, examinando as observações de Tadeu Agezio, deduz isto: "O corpo do cometa naqueles dias foi igual, em grandeza, a Júpiter e Vênus, e revestiu-se de uma luz nítida e de um grande esplendor, puro e belo, e sua substância pareceu pura demais para ser conveniente a matérias só elementares, mas era, de preferência, análoga àquela dos corpos celestes ". Tycho acrescenta a isto: "Tadeu foi bom juiz relativamente a este aspecto, haveria podido concluir claramente que este cometa não era elementar".
Sarsi andou figurando antes e arbitrariamente os princípios e os meios que fossem de acordo com as conclusões que ele queria demonstrar; agora parece-me que vai imaginando conclusões para contradizê-las como teorias do Sr. Mário e minhas, muito diversas, ou, ao menos, muito diversamente tomadas, de como são relatadas no Discurso do Sr. Mário. Que o cometa seja, sem dúvida, uma imagem vã e uma simples aparência, nunca foi afirmado com certeza, mas só foi posto em dúvida e levado à consideração dos filósofos com aqueles raciocínios e cogitações que parecem poder garantir que seja verdade. Eis aqui as palavras do Sr. Mário a este propósito: "Eu não afirmo resolutamente que o cometa produza-se assim, mas afirmo que são duvidosos, seja este modo seja os outros dos demais autores; os quais pretenderão estabelecer com certeza seus pareceres. e terão a obrigação de demonstrar que esta e todas as outras posições são vãs e falsas". Mesmo sendo o texto tão diferente, Sarsi afirma que nós temos por certo que o movimento do cometa deve ser necessariamente reto e perpendicular à superfície terrestre. Isto não foi apresentado desta forma, mas simplesmente foi cogitado como ser mais conforme às aparências e satisfazer às mudanças observadas no cometa. Esta hipótese é tão superficialmente apresentada pelo Sr. Mário que no fim ele declara: "Porém é mais conveniente para nós contentarmo-nos com aquele pouco que podemos cogitar mesmo sem ter muita clareza". Porém Sarsi quis mostrar que estas opiniões eram tão firmemente aceitas por mim que imaginou podê-las destruir com facilidade e com meios mais eficazes. Se ele conseguir o agradecerei, pois no futuro deverei preocupar-me com uma hipótese a menos todas as vezes que me venha a ideia de filosofar sobre tal matéria. Por enquanto, pois parece-me que ainda subsiste alguma coisa de vivo no raciocínio do Sr. Mário, moverei algumas objeções às objeções de Sarsi.
Opondo-se Sarsi com grande firmeza à primeira conclusão, afirma que aquele que, mesmo por uma vez, houvesse observado o cometa, não necessitaria mais de argumento algum para conhecer a natureza desta estrela; estrela que, comparada com as outras verdadeiras estrelas, mostrava muito claramente ser verdadeira e não falsa. Assim, como V. E. Ilustríssima entende, Sarsi confia tanto no sentido da visão que considera impossível ser enganado todas as vezes que tentamos fazer uma comparação entre um objeto falso e um real. Eu confesso não ter a visão tão perfeita, pelo contrário, confesso ser como aquele macaco que acredita firmemente ver no espelho outro macaco, e nem reconhece seu erro se quatro ou seis vezes não tenha ido atrás do espelho para agarrar a imagem, tanto aquela imagem se lhe apresente viva e verdadeira. Supondo, então, que aqueles que Sarsi vê no espelho não sejam homens verdadeiros e reais, mas imagens vãs, como nós vemos nossa imagem no espelho, gostaria ardentemente de saber quais são aquelas diferenças visuais por meio das quais tão rapidamente distingue o verdadeiro do falso. Quanto a mim, encontrei-me mil vezes em alguma sala de janelas fechadas, e através de algum pequeno buraco pude perceber o Sol refletindo-se sobre um muro oposto, julgando assim esta mancha, pela vista, uma estrela tão brilhante quanto a Canícula e Vênus. E andando contra o Sol no campo, quantos milhares de corpúsculos, pedrinhas, lisos ou molhados, transformar-se-ão pelo reflexo do Sol em estrelas brilhantíssimas? Mesmo cuspindo no chão, Sarsi sem dúvida perceberá onde cuspiu, pela reflexão solar, uma estrela naturalíssima. Além disso, qual corpo colocado a grande distância, atingido pelo Sol, não aparecerá como uma estrela, especialmente se for tão alto que possa ser enxergado durante a noite, como se enxergam as outras estrelas? E quem distinguiria a Lua, vista durante o dia, de uma nuvem atingida pelo Sol, senão pela diversidade do aspecto e pela grandeza?
Ninguém, com certeza. E enfim, se a simples aparência deve determinar a essência, é necessário que Sarsi aceite que os sóis, as luas e as estrelas, observados em água parada e em espelhos, sejam verdadeiros sóis, verdadeiras luas e verdadeiras estrelas. Em relação a esta parte, mude mesmo Sarsi de opinião, nem acredite que, citando a autoridade de Tycho, de Tadeu Agezio ou de muitos outros, melhore sua condição, a não ser que, por ter tido tais homens como companheiros, desculpe mais seu erro.
20. Continue V. E. Ilustríssima a ler: "Pois, por todo o tempo que nosso cometa brilhou, Galileu, segundo ouvi dizer, permaneceu de cama por uma doença, e nunca talvez pôde, por causa da doença, observar aquele corpo brilhantíssimo, e por isso pensamos dever-se discutir com ele por meio de outra argumentação. Afirma ele mesmo que às vezes, de alguma parte da Terra, um vapor fumacento levanta-se acima da Lua e também acima do Sol, e, logo que saído do cone sombreado da Terra, olhou para a luz do Sol da qual como que concebeu e gerou o cometa; e o movimento ou a subida de um tal vapor não é vago ou incerto mas retilíneo e sem ser desviado para parte alguma. Assim afirma ele, mas nós colocamos na nossa balança o peso destas afirmações. Primeiro, sabemos que esta matéria fumacenta e úmida, tendo subido casualmente da Terra nos dias em que, dominando amplamente o céu bóreas violentíssimas, facilmente poderia haver sido dispersada e dissipada. É pois, digno de admiração como impunemente corpúsculos tão sutis e leves, entre a ira do vento violentíssimo, puderam ter chegado até o alto com um proceder constante através do caminho enveredado no começo, quando nem pesos consideráveis confiados ao vento podiam vencer o ímpeto e a força. Eu considero muito contraditório que um vapor muito leve suba e suba em linha reta, e mal acredito que isto haja podido acontecer entre as várias mudanças do vento. E acrescenta que, garante Galileu, nem nas mais altas regiões dos planetas faltam condensações e rarefações de tais corpos fumacentos, e por isso nem aqueles movimentos vagos e incertos pelos quais é necessário que sejam levados.
Que os vapores fumacentos de alguma parte da Terra subam além da Lua, e até além do Sol, e que saídos do cone da sombra terrestre sejam engravidados pelos raios solares e que então gerem o cometa, nunca foi escrito pelo Sr. Mário nem foi afirmado por mim, apesar de Sarsi atribuí-lo a mim.
Aquilo que o Sr. Mário escreveu é que não é impossível que algumas vezes possam elevar-se da Terra exalações e outras coisas parecidas, mas muito mais sutis que de costume, que subam além da Lua e possam ser matéria geradora do cometa, e que às vezes originem-se sublimações extraordinárias relativas à matéria dos corpúsculos, exemplificando-o por meio da aurora boreal. Porém não afirma que aquela seja numericamente a mesma matéria dos cometas, que necessita ser muito mais rala e sutil que os vapores dos corpúsculos e do que a matéria da assim chamada aurora boreal, tendo aceito que o cometa resplende muito menos que a aurora; assim, se o cometa se ampliasse, por exemplo, rumo ao oriente, na cândida alvorada, enquanto o Sol não se encontrasse longe do horizonte mais do que 6 ou 8 graus, sem dúvida não se perceberia, por ser menos brilhante do que seu próprio ambiente. E com a mesma probabilidade, não certeza, atribuiu-se à mesma matéria o movimento retilíneo em ascensão. E isto seja afirmado não para retratarmo-nos por medo das oposições de Sarsi, mas só para mostrar que não nos afastamos do nosso hábito, que consiste em não afirmar como verdadeiras a não ser as coisas que conhecemos como indiscutíveis, como nos ensina nossa filosofia e nossa matemática. Agora, partindo do ponto de vista de que houvéssemos verdadeiramente afirmado aquilo que Sarsi fala, examinemos suas posições.
Sua primeira oposição baseia-se na impossibilidade de os vapores subirem ao céu, em linha reta, enquanto que verificamos que um papagaio é empurrado pelo ar com movimento transversal, assim como as outras coisas que se encontram nele; e o mesmo verificou-se por muitos dias depois do aparecimento do cometa. A oposição é verdadeiramente inteligente, mas perde muito de sua força lógica porque, segundo notícias seguras, naqueles dias, nem na Pérsia nem na China verificaram-se perturbações atmosféricas; e eu acreditarei que de umas daquelas regiões se origina a matéria do cometa, se Sarsi provar que ele não é originário de lá, mas de Roma, onde ele percebeu o vento boreal.
Mas, mesmo que o vapor saísse da Itália, quem pode saber se ele não se houvesse posto em viagem antes dos dias de vento, muitos dias antes de sua chegada ao orbe do cometa, longe da Terra, segundo a relação do Mestre de Sarsi, quatrocentos e setenta mil milhas mais ou menos; porque, para empreender uma viagem tão comprida, é necessário bastante tempo, pois a subida dos vapores, por aquilo que podemos observar em relação àqueles perto da Terra, não atinge a velocidade do voo das aves; assim não seriam suficientes quatro anos para concluir tamanha viagem. Mesmo aceitando que estes vapores pudessem se movimentar em época de vento, Sarsi, que acredita piamente nos historiadores e nos poetas, não poderá negar que o impulso dos ventos não sobe mais de duas ou três milhas, já que existem montes cujo cume vai além da região dos ventos. Assim, o máximo que ele poderá concluir é que dentro deste espaço os vapores movimentam-se transversal e não perpendicularmente; porém, fora deste espaço desaparece o impedimento que os desvia do caminho retilíneo.
21. Veja mais V. E. Ilustríssima: Aceitamos que estes vapores possam manter, através dos ventos, suas direções e rumar para onde possam receber os raios diretos do Sol, enviando-os a nós refletidos. Por que, então, recebendo em toda a sua extensão a luz do Sol, no-la mostram somente em uma mínima parte de si? Com certeza, sendo o próprio Galileu testemunha, quando nos dias de verão um vapor não diferente indo rumo ao norte mais alto que de costume apresenta-se à luz do Sol, então, imergido em luz brilhantíssima, mostra-se muito brilhante em todas as suas partes, para utilizar sua próprias palavras, nos reflete mesmo de noite a aurora boreal; e não se mostra tão avarento do esplendor recebido que não permita que a reflexão da luz do Sol, que ele recebeu em toda a sua extensão, nos apareça apenas através de um pequeno buraco. Eu mesmo verifiquei, não somente em tempo de verão, mas no mês de janeiro, quatro horas depois do pôr do sol, algo ainda mais maravilhoso, isto é, uma pequena nuvem, cândida e brilhante, tão rarefeita que não encobria nem as estrelas menores, e os dons de luz que havia recebido do Sol ela os expandia livremente, com alma generosa, por todos os cantos. Então todas as nuvens (admitindo que tenham alguma afinidade com a matéria do cometa), se são tão densas e obscuras que não possam refletir livremente os raios do Sol, ao menos na parte virada para o Sol o refletem para nós com generosidade recíproca; porém, se são ralas e sutis, e a luz facilmente as penetre integralmente, não mostram obscuridade em parte alguma, mas oferecem aos olhos inundados uma luz esplendorosa. Então, se o cometa não se forma de outra matéria que não seja vapores fumacentos, não Juntados globalmente mas, como o próprio Galileu afirma, ocupando um espaço suficientemente vasto do céu, brilhando em toda parte com a luz do Sol, qual é a causa pela qual brilham sempre para aqueles que o observam só de um pequeno e estreito disco, e as outras partes deste mesmo vapor, iluminadas pelo Sol com mesma luz, não aparecem? Dificilmente tudo isto pode ser explicado com o exemplo do arco-íris, em cuja formação acontece a mesma coisa que evidentemente só de uma parte da nuvem volta ao olho, quando, entretanto, em todo o espaço iluminado pelo Sol a própria diversidade das cores seja gerada de sua luz. Com efeito, o arco-íris e outros meteoros, se existirem, requerem de preferência matéria úmida e com tendência a mudar-se em água; pois esta matéria só quando se derrete em água, imitando a natureza dos corpos leves, puros e transparentes, reflete a luz só na parte onde formam ângulos de reflexão e de refração necessários a tudo isto, como percebemos nos espelhos, na água e no gelo. Depois, se alguma emanação encontrar-se mais rarefeita ou mais seca, acontece porque ela não possui superfície lisa como os espelhos, nem reflete muitos raios. Visto necessitar-se de um corpo liso para que haja reflexão e necessitar-se de sua densidade para a refração (coisas que nunca se encontram nas impressões meteorológicas, a não ser quando a natureza delas possui muita água, como ensinaram não só Aristóteles mas também todos os mestres de óptica, e a própria razão persuade com muita eficácia), segue disto necessariamente que emanações semelhantes possuirão, por natureza própria, um certo peso, e por isto menos aptas a subir acima da Lua e do Sol, pois o próprio Galileu admite que devem ser muito sutis e leves aqueles que voam até lá em cima. Portanto, não daquele vapor fumacento e rarefeito, e na verdade de peso algum, poderá refletir para nós aquela imagem brilhante de luz: o vapor aguado, na verdade, sendo pesado, não poderá subir deforma alguma.
Depois de observado por muitas experiências, parece-me ser esta a condição humana em relação às coisas intelectuais: quanto menos entende-se e sabe-se, com tanta mais força quer-se discutir; e, pelo contrário, mais coisas são conhecidas menor é a tendência de discutir resolutamente sobre qualquer novidade. Nasceu em um lugar muito solitário um homem dotado por natureza de grande inteligência e de extraordinária curiosidade. Criando por prazer grande diversidade de aves, gostava enormemente do seu canto, e com muita admiração observava de que modo, por meio do próprio ar que respiravam, conseguiam formar ao seu arbítrio cantos diferentes e todos suavíssimos. Acontece que uma noite perto de casa escutou um som delicado, e, nem podendo imaginar que fosse outra coisa a não ser uma pequena ave, foi buscá-la. Chegando à estrada encontrou um pequeno pastor que, assoprando num pedaço de madeira furada e movimentando os dedos sobre a madeira, uma vez fechando e uma vez abrindo determinados buracos, conseguia produzir aquelas vozes diferentes, semelhantes às de um pássaro, mas de forma bem diversa. Admirado e movido pela sua curiosidade natural, deu de presente um bezerro ao pastor para obter aquela flauta. De regresso à sua casa e percebendo que se não houvesse encontrado por acaso aquele pastor nunca haveria aprendido que existiam na natureza duas formas diversas de criar vozes e cantos suaves, quis sair de casa procurando encontrar outras aventuras. Aconteceu que no dia seguinte, passando perto de uma pequena choça, escutou ressoar dentro dela uma voz semelhante. Para ter certeza se era uma flauta ou um pássaro, entrou e encontrou um menino que estava serrando, com um pequeno arco segurado na mão direita, alguns nervos estendidos sobre um lenho côncavo, enquanto sustentava com a mão esquerda o instrumento sobre o qual, movimentando os dedos e sem sopro algum, extraía dele vozes diversas e suaves. Qual foi seu espanto pode ser julgado facilmente por aquele que possuir a mesma inteligência e a mesma curiosidade dele que, vendo aumentar, de duas novas formas, a maneira de produzir uma voz e um canto tão inusitados, começou a acreditar poderem existir ainda outros na natureza. Mas qual foi sua surpresa quando, entrando em um determinado templo, começou a olhar atrás da porta para ver quem estava tocando e percebeu que o som havia saído dos ferros da porta ao abri-la? Em outra ocasião, empolgado pela curiosidade, entrou em um boteco e, acreditando encontrar outra vez alguém que com o arco tocasse as cordas de um violino, viu uma pessoa que, esfregando o dedo sobre a orla de um copo, conseguia produzir um som suavíssimo. Mas logo que observou que as abelhas, os pernilongos e as moscas, com o rapidíssimo bater das asas, e não como suas primeiras aves que respirando formavam vozes ininterruptas, produziam um som perpétuo, tanto aumentou sua admiração que diminuiu sua confiança sobre o conhecimento da origem do som. Nem todas as experiências já observadas haveriam sido suficientes para fazer-lhe entender ou acreditar que os grilos, não voando, conseguiam, não por meio do sopro mas com o movimento das asas, produzir sons tão doces e sonoros. Mas quando acreditou não poderem existir outras formas possíveis de produzir vozes, depois de haver observado, além das maneiras já relatadas, ainda tantos órgãos, trompas, flautas e instrumentos de corda de todos os tipos, até chegar à aquela pequena lâmina de ferro que, suspensa entre os dentes, usava de forma muito esquisita a cavidade bucal para dar corpo à amplificação do sopro permitindo a passagem do som, quando, repito, na hora que acreditava haver conhecido tudo, encontrou-se ainda mais no escuro e na ignorância, quando, havendo encontrado uma cigarra que nem fechando-lhe a boca e nem fechando-lhe as asas conseguia diminuir seu altíssimo estridor, não percebeu movimento algum de escamas nem de outras partes. Finalmente, levantando-lhe a caixa dos pulmões e observando embaixo dela algumas cartilagens duras mas sutis, e acreditando que o som fosse originado do seu movimento, resolveu quebrá-las para fazê-la parar, mas tudo foi em vão.
Então, fincando uma agulha mais funda no corpo da cigarra, passando-a, tirou-lhe junto com a voz a vida e assim não pode mais pesquisar se o canto era originado verdadeiramente por aquelas membranas. Tornou-se tão descrente sobre seus possíveis conhecimentos em relação aos sons que todas as vezes que alguém lhe perguntava sua opinião sobre a origem dos sons, generosamente respondia não conhecer causa alguma, mas que estava resolvido a acreditar que pudessem existir cem outras maneiras, ainda desconhecidas e impensáveis.
Eu poderia dar muitos exemplos da variedade da natureza em produzir seus efeitos de maneira inimaginável para nós, se o sentido e a experiência não nos explicitassem sem, muitas vezes, suprir nossa incapacidade. Assim, se eu não souber, com exatidão, determinar a produção do cometa, deverão ser aceitas minhas desculpas, especialmente porque nunca afirmei poder dar esta explicação sabendo que ela poderia verificar-se de forma muito alheia à nossa imaginação. A dificuldade de entender como se forma o canto da cigarra, enquanto ela canta na mão, desculpa de sobra não saber como pode formar-se um cometa tão longe de nós. Para frisar, então, a primeira intenção do Sr. Mário e minha, isto é, promover aquelas dúvidas que parecem abalar as opiniões manifestadas até agora e propor alguma nova teoria para examinar se existe alguma coisa que possa esclarecer e abrir o caminho rumo à verdade, continuarei a raciocinar sobre as teorias manifestadas por Sarsi, que considerou improváveis nossos argumentos.
Continuando Sarsi sua exposição e aceitando serem os vapores ou outra matéria aptos a formar o cometa, seu elevar-se da Terra e subindo muito alto, onde pudesse receber diretamente os raios solares refletindo-os para nós, é difícil imaginar de que forma, sendo completamente iluminada, reflita até nós só a luz de uma pequena parte, e não acontece como aqueles vapores que nos apresentam aquela intempestiva aurora boreal, vapores que, sendo todos iluminados, mostram todos suas luzes.
Afirma depois ter observado, pelo meio da noite, uma coisa maravilhosa, isto é, uma pequena nuvem no zênite que, sendo toda iluminada, refletia livremente seu brilho de todas as suas partes, e acrescenta que, se todas as nuvens forem espessas e opacas, nos refletem a luz do Sol com toda a sua parte visível, porém se elas forem ralas, assim que a luz as penetre, mostrar-se-ão a nós brilhantes e não opacas; então, se o cometa forma-se com tais vapores fumacentos muito espalhados, como afirma o Sr. Mário, e não reunidos em círculo, sendo atingidos pelo Sol por todas as partes, por qual razão nós recebemos sua reflexão de uma pequena parte e não de todo o restante igualmente iluminado? Mesmo que as soluções destas perguntas estejam completamente resolvidas no Discurso do Sr. Mário, eu as relatarei aqui colocando-as acertadamente e acrescentando alguma outra consideração, conforme for solicitado pela matéria.
Em primeiro lugar, Sarsi deveria sem dificuldade conceder que só de um lado particular de toda a matéria sublimada pelo cometa verifica-se a reflexão da luz do Sol a uma visão particular, apesar de ser toda iluminada; tendo nós mil experiências semelhantes a favor, contra uma que pareça ser contrária, facilmente, entre as de Sarsi contrárias a esta posição, encontraremos muitas outras favoráveis. É certo que qualquer espelho plano exposto ao Sol fica por ele iluminado em toda a sua superfície; o mesmo acontece com qualquer pântano, lago, rio, mar, ou seja, com qualquer superfície lisa de qualquer material; porém, a uma vista particular não corresponde a reflexão do raio solar, a não ser de um lugar particular desta superfície, cujo lugar muda, mudando o olho do observador. A superfície externa de nuvens sutis, mas muito espalhadas, é toda iluminada pelo Sol de forma igual; todavia, o halo e os periélios não aparecem a um olho particular a não ser em um único lugar, e este, com o movimento do olho, muda de lugar dentro da nuvem.
Sarsi afirma: Aquela matéria sutil sublimada que produz aquela aurora boreal vê-se também toda iluminada, como ela o é de verdade. Porém, pergunto eu a Sarsi de onde lhe vem esta certeza. E ele pode responder-me somente que não percebe parte alguma que não seja iluminada, assim como acontece com o resto da superfície dos espelhos, das águas, dos mármores, além daquela pequena parte que reflete a viva luz do Sol. Porém advirto-o de que, se a matéria fosse transparente, não distinguiria nada mais que aquele esplêndido raio refletido, como acontece às vezes que a superfície do mar não se distingue do ar, mesmo que se veja imagem reflexa do Sol; e assim, colocado um vidro sutil a uma determinada distância, poderá mostrar-nos aquela sua pequena parte que reflete alguma luz, ficando o resto invisível por causa de sua transparência. Este erro de Sarsi é semelhante àquele dos que afirmam que criminoso algum deve confiar que seu crime possa ficar oculto, nem percebem a incompatibilidade que existe entre permanecer oculto e ser descoberto, e quem quisesse ter duas cadernetas, uma dos delitos que permanecem ocultos e outra daqueles que são descobertos em cuja caderneta dos ocultos nunca poderia registrar-se coisa alguma. Afirmo, então, que não me oponho à crença de que a matéria da aurora boreal seja muito ampla e uniformemente iluminada pelo Sol50; como, porém, não posso descobrir e observar a não ser aquela parte cuja refração meu olho pode captar, permanecendo invisível todo o restante, tenho a ilusão de perceber tudo. E que mais? A propósito dos vapores crepusculares que circundam a Terra, não permanece iluminado pelos raios solares sempre um hemisfério? Com certeza sim; todavia, aquela parte que se interpõe diretamente entre o Sol e nós mostra-se a nós muito mais luminosa do que as partes mais distantes. Mas esta, como ainda outras, é pura aparência e ilusão de nosso olho, pois, encontrando-nos em qualquer lugar, sempre observamos o Sol como centro de um círculo luminoso, mas que gradualmente vai perdendo o brilho, segundo se encontre à direita ou à esquerda deste centro; para outros, mais para o boreal, parece mais escura aquela parte que a mim parece mais clara, e mais brilhante aquela que a mim apresentava-se mais escura. Podemos, assim, afirmar a existência de um halo perpétuo e grande ao redor do Sol, figurado na superfície convexa que termina a esfera de vapor, cujo halo, da mesma forma que o outro, que às vezes nasce de uma nuvem sutil, muda de lugar segundo a mudança do observador. Em relação à pequena nuvem que Sarsi afirma ter observado brilhar na noite profunda, poderia perguntar-lhe que certeza tem ele de ela não ser maior do que aquela que aparece, especialmente afirmando ele que era tão transparente que não escondia estrelas fixas, mesmo mínimas, pois não possuía indício algum para garantir que ela se ampliasse invisivelmente como transparente, muito e muito além da parte brilhante observada: por isso é ainda duvidoso se ela não é uma aparência que muda como as outras segundo a mudança do olho. Além de não haver nada em contrário que ela apareça inteiramente brilhante e seja, da mesma forma, uma ilusão, o que acontecerá se ela não fosse maior do que aquele espaço que vem a ser ocupado pela imagem do Sol, assim que, observando a imagem do Sol, por exemplo, ocupar num espelho tanto espaço quanto uma unha, nós cortássemos fora o restante, não há dúvida de que este pequeno espelho poderá nos aparecer brilhante de todo. Além disso, quando o pequeno espelho fosse menor do que a imagem, então poder-se-ia observar não só tudo iluminado mas sua imagem não pareceria movimentar-se a cada movimento do olho, como no espelho grande; e até por ser ele incapaz de toda imagem do Sol, segue que, movendo-se o olho, veria a reflexão ora de um lado ora de outro do disco solar; assim a imagem pareceria imóvel, até que o olho se dirija à parte que não produz reflexão, ela se perderia completamente. É muito importante, então, considerar a grandeza e a qualidade da superfície que reflete, pois, conforme a superfície seja menos limpa, a imagem do mesmo objeto se apresentará sempre maior, pois, às vezes, antes que a imagem passe por todo o espelho, será necessário que o olho passe por muito espaço, e esta imagem parecerá fixa então, mesmo que na realidade seja móvel.
Para explicar melhor um ponto importantíssimo e que talvez possa solicitar, não digo Sarsi, mas algum outro, pense V. E. Ilustríssima encontrar-se numa praia com um tempo tranquilo e o Sol já descendo no ocaso. Perceberá, então, sobre a superfície do mar que está na metade do círculo máximo da esfera celeste que passa pelo disco solar, o reflexo brilhantíssimo do Sol, mas não muito amplo; se, pelo contrário, como já falei, a água for muito calma, verá a imagem do disco solar bem definida como num espelho. Se uma pequena brisa começa a movimentar a superfície da água, na mesma hora verá V. E. Ilustríssima a imagem do Sol quebrar-se em muitas partes, ampliando-se e difundindo-se. E, enquanto próxima, poderiam se distinguir cada uma das partes da imagem quebrada; todavia, sendo longe, não se perceberia esta separação, quer pelos breves intervalos entre as partes, quer pelo grande brilho das partes cintilantes, que se misturaram, como acontece com muitos fogos perto entre si e que de longe parecem ser um só. Se a água se movimentar sempre mais por espaços sempre maiores, ampliar-se-á a multidão dos espelhos que refletirão, segundo as diversas inclinações das ondas, a imagem do Sol quebrada. Mas distanciando-se sempre mais e subindo numa colina ou outra elevação para poder enxergar melhor o mar, o campo brilhante parecerá único e contínuo. Aconteceu-me enxergar de cima de uma montanha altíssima e distante do mar de Livorno sessenta milhas, com um tempo sereno mas de ventania, uma hora antes do pôr do sol, uma tira brilhantíssima à direita e à esquerda do Sol, que ocupava em comprimento muitas dezenas, até muitas centenas de milhas, a qual era, porém, como as outras, uma mesma reflexão da luz do Sol. Agora, imagine, Sarsi, que da superfície do mar, com o mesmo movimento de ondas, grande parte tivesse se retraído para as orlas deixando só no meio, isto é, face ao Sol, um comprimento de duas ou três milhas: esta, com certeza, seria observada completamente iluminada, e imóvel mesmo, com respeito a qualquer movimento que o observador houvesse realizado à direita ou à esquerda; só depois de movimentar-se por alguma milha começaria a desaparecer a parte esquerda da imagem, se ele estivesse caminhando para a direita, e a imagem esplendorosa diminuiria até que, adelgaçando-se, desapareceria por completo. Disto resulta que a imagem é móvel em relação à imagem do observador, pois, mesmo observando-a toda, perceberíamo-la toda ainda movimentar-se, encontrando-se seu meio sempre à direita do Sol, apesar de aparecer a muitos outros que a observem no mesmo momento como encontrando-se em outros pontos do horizonte.
Eu não quero esconder de V. E. Ilustríssima aquilo que eu lembrei neste ponto para a solução do problema do mar. Espertos marinheiros conhecem às vezes o vento que chegou a eles depois de algum tempo, observando o ar que, nesse caso, mostra-se mais claro, daquele lado, do que deveria ser.
Imagine V. E. Ilustríssima se isto poderia derivar do fato de se encontrar já naquela parte o vento que, movimentadas as ondas, faz nascer, como por espelhos multiplicados infinitamente e difundidos amplamente, o reflexo do Sol muito maior do que se o mar fosse tranquilo, permitindo que seja muito mais iluminada por esta nova luz aquela parte do ar vaporoso por meio do qual este reflexo difunde-se, cujo ar ofereça ainda algum reflexo de luz aos olhos dos marinheiros, os quais, encontrando-se embaixo, não podiam perceber a primeira reflexão daquela parte de mar já movimentada pelos ventos e distante deles vinte ou trinta milhas; e que esta seja a sua previsão do vento distante.
Mas, continuando nosso primeiro discurso, afirmo que os raios solares não refletem, com a mesma grandeza, a imagem do Sol sobre todos os materiais, isto é, sobre todas as superfícies; mas sobre algumas (isto é, as planas e lisas como um espelho) nos aparece o disco solar semelhante ao verdadeiro, nas superfícies convexas mas lisas nos aparece menor, e nas côncavas às vezes menor e às vezes maior, às vezes mesmo igual, segundo as diversas distâncias entre o espelho, o objeto e o olho.
Porém, se a superfície não for igual mas sinuosa e cheia de cavidades ou elevações e como se fosse composta por milhares de pequenos espelhos colocados com várias inclinações, expostas aos olhos de mil modos, então a mesma imagem do Sol chegará ao nosso olho de mil partes e dividida em mil pedaços, os quais ampliar-se-ão, imprimindo nesta superfície um amplo conjunto de pequenas manchas brilhantes, cuja frequência originará a ilusão de um único campo de luz contínua visto de longe, mais brilhante e viva no meio que nas extremidades, onde diminui e desaparece, enfim, quando por causa da obliquidade do olho em relação a esta superfície os raios visíveis não encontram mais ondas que se refletem contra o Sol. Esta imagem resulta ainda móvel de acordo com o movimento do olho, se, porém, além de seus limites, continua a superfície que reflete; mas, se a quantidade da matéria ocupar um pequeno espaço, muito menor do que o da imagem inteira, poderá acontecer que, ficando fixa a matéria e movimentando-se o olho, ela continue a aparecer brilhante, até que, tendo chegado o olho àquele termo do qual, pela obliquidade dos raios incidentes sobre a matéria, as reflexões não se dirigem mais rumo ao Sol, a luz desaparece e perde-se. Não concordo com Sarsi que quando ele vê uma nuvem suspensa no ar, bem determinada e toda brilhante, que permanece tal apesar de o olho ir se movimentando, não pode ter a certeza de que esta luz seja mais real do que um halo, do que os periélios, do que o arco-íris, e do que a reflexão sobre a superfície do mar; porque afirmo-lhe que a sua consistência e sua aparente estabilidade podem depender da pequenez da nuvem que não consegue receber toda a amplidão da imagem do Sol; e esta imagem, em relação à posição das partes da superfície da nuvem, ampliar-se-ia, se não lhe faltasse matéria, num espaço muito maior da nuvem, e quando se visse inteiro e o campo das nuvens se adiantasse a ele, afirmo que apareceria movimentando-se inteiramente em relação ao movimento do olho. Prova-o o fato de termos visto muitas vezes, ao nascer e ao pôr do sol, muitas pequenas nuvens colocadas perto do horizonte, das quais as que se encontram face ao Sol tornam-se brilhantíssimas e quase de fino ouro, das laterais as menos distantes do meio são ainda mais brilhantes do que as mais distantes, as quais vão aparecendo gradualmente menos claras até ficar praticamente nulo o brilho das mais distantes: nulo para nós, mas, para quem se encontrasse num lugar onde elas permanecessem entre seu olho e o lugar onde o Sol se põe, mostrar-se-iam brilhantíssimas para ele e obscuras a nós as mais esplendorosas. Entenda, então, Sarsi, que se as nuvens não fossem quebradas mas fossem uma longa extensão contínua, a sua parte central pareceria brilhante a qualquer um dos observantes e gradualmente menos claras as laterais, conforme a distância de seu meio, porque onde eu posso ver o maior brilho, para outros é o menor. Mas alguém poderia agora afirmar que, uma vez que aquela parte da nuvem permanece fixa e sua luz não parece movimentar-se pela mudança de lugar do observador, isto seria suficiente para fazer com que a paralaxe opere na determinação de sua altura, e que, podendo acontecer o mesmo com o cometa, o uso da paralaxe seja suficiente para quem queira mostrar o lugar dela. Poder-se-ia responder a esta objeção que este argumento resultaria verdadeiro se fosse demonstrado antes que o cometa não é uma inteira imagem do Sol, mas só uma parte da imagem, assim como a matéria que forma o cometa é não só toda iluminada mas que a imagem do Sol é maior que ela, de modo que é bastante para iluminar um campo muito maior, existindo matéria apta a refletir a luz. Isto não foi demonstrado e pode ser diferente, isto é, que o cometa seja uma inteira imagem, não mutilada, como nos faz acreditar sua aparência bem regulada e simétrica. E daqui pode-se deduzir uma resposta fácil e razoável à pergunta que Sarsi coloca, isto é, como pode acontecer que, acreditando, segundo a colocação de Mário, o cometa esteja num campo muito extenso em altura que não se ilumine inteiramente mas nos reflita só um círculo parcial, sem que as outras partes, mesmo atingidas pelo Sol, não apareçam nunca. Farei, então, a mesma pergunta a ele e ao seu Mestre, que não desejando que o cometa seja um fogo, mas querendo acreditar (se não me engano) que ao menos sua cauda seja uma reflexão dos raios solares, se eles acreditam que o material que produz uma reflexão seja recortado da medida desta cauda, inteiro, que tenha de algum lado; e se sobrar (como acredito que me responda), por que não é percebida, uma vez que é atingida pelo Sol?
Não se pode afirmar que o reflexo seja originado pela substância do éter, substância que, muito transparente, não serve para isto, nem pode-se originar em outro material que, mesmo apto à reflexão, seria também apto a refletir os raios solares. Além disso, não sei por que razão ele chama um pequeno círculo a cabeça do cometa que seu Mestre conseguiu medir em 87.127 milhas quadradas, não sei com quais inteligentíssimos cálculos, quando nuvem alguma, acredito eu, pode alcançar tal medida.
Acrescenta Sarsi, imitando aquele que por muito tempo acreditou que o som pudesse ser produzido de uma única forma, não ser possível que o cometa se origine do reflexo daqueles vapores fumacentos, e que o exemplo do arco-íris não resolve a dificuldade, sendo ele uma ilusão visual: pois o arco-íris e outras coisas semelhantes são originados pela umidade da matéria que já está se transformando em água, que só naquele momento, imitando a natureza dos corpos líquidos, reflete a luz daquela parte onde se produzem os ângulos da reflexão e da refração, procurados como acontece nos espelhos, na água e nas bolas de cristal; mas, nos outros materiais ralos e secos, não possuindo superfície lisa como os espelhos, não se origina muita refração, procurando-se, então, para esta finalidade, uma matéria aguada, por conseguinte, muito pesada e inapta a subir além da Lua e do Sol, aonde podem chegar (também segundo minha opinião) só exalações levíssimas. O cometa, então, não pode ser produzido por tais fumacentos vapores. Uma resposta suficiente a toda esta argumentação seria afirmar que o Sr. Mário nunca limitou-se a afirmar qual seja a matéria originária e precisa do cometa, nem se ela é úmida ou fumacenta, seca ou lisa, e sei que ele não se envergonhará em afirmar que não a conhece. Porém, vendo que em vapores, nuvens ralas e não aguacentas, e naquelas que se dissolvem já em pequenas gotas, nas águas paradas, nos espelhos e outras matérias, aparecem por reflexão e refração muitas imagens ilusórias, considerou não ser impossível que na natureza exista ainda uma matéria apta a nos oferecer mais uma imagem diversa das outras, isto é, o cometa. Tal resposta, afirmo eu, é bem adequada à pergunta, se cada parte da pergunta for exata: todavia, o desejo de ajudar (como muitas vezes já confirmei) a pesquisa da verdade, pelo que me cabe, leva-me a fazer algumas considerações sobre determinados particulares contidos nesses discursos.
Em primeiro lugar, é verdade que numa emanação de pequeníssimas gotas de água recebemos a ilusão do arco-íris, mas não acredito que, pelo contrário, uma ilusão semelhante não se verifique sem tal emanação. O prisma triangular cristalino perto dos olhos nos apresenta todos os objetos das cores do arco-íris; muitas vezes, vê-se o arco-íris também em nuvens secas, sem que caia chuva alguma.
Não podemos ver também as mesmas ilusões de cores diversas nas penas de muitas aves, enquanto o Sol as atinge de várias formas? E que mais? Gostaria de anunciar a Sarsi alguma novidade se existisse alguma novidade a contar. Pegue ele qualquer matéria, seja pedra, madeira ou metal, e expondo-a ao Sol, observe-a atentamente e poderá observar nela todas as cores repartidas em pequeníssimas partes; e se ele usufruir, para observá-las melhor, de um telescópio adaptado a observar os objetos muito próximos, muito mais distintamente perceberá aquilo de que estou falando, sem necessidade que aqueles corpos transformem-se em orvalho ou vapores úmidos. Além disso, aquelas pequenas nuvens que ao pôr do sol mostram-se brilhantíssimas e refletem a luz do Sol tão viva que quase nos cega, são das mais ralas, secas e estéreis nuvens que existem no ar, e as úmidas, em vez, quanto mais estão cheias de água mais se mostram a nós escuras. O halo e os periélios verificam-se sem chuvas e sem umidade nas mais ralas e secas nuvens ou vapores que se encontrem no ar.
Segundo, é verdade que as superfícies bem lisas, como as dos espelhos, nos oferecem um poderoso reflexo da luz do Sol; assim, a muito custo podemos observá-la sem ofender a vista; porém, é também verdade que superfícies não muito lisas refletem com menos força se menor for a sua limpeza.
Veja agora, V. E. Ilustríssima, se o esplendor do cometa é daqueles que cegam a vista, ou é daqueles que por fraqueza não ofendem em nada; e disto julgue se para produzi-lo seja necessário uma superfície semelhante àquela de um espelho, e seja suficiente uma menos lisa. Eu gostaria de mostrar a Sarsi um modo de originar uma reflexão muito semelhante àquela do cometa. Pegue V. E. Ilustríssima uma garrafa de vidro bem limpa, e com uma vela acesa não muito distante do recipiente perceberá, em sua superfície, uma imagem bem pequena desta luz, clara e determinada. Pegando depois com a ponta do dedo uma mínima quantidade de qualquer matéria que possua um pouco de gordura, de modo que se junte ao vidro, engordure o mais sutilmente que puder aquela parte onde se percebe a imagem da luz até que a superfície fique um pouco nublada. Movimente depois a garrafa de maneira que a imagem saia da gordura e pare ao contato com ela; passe depois o dedo uma única vez horizontalmente sobre a parte gordurosa. Imediatamente verá originar-se um raio reto como a cauda do cometa, e este raio cortará transversalmente e em ângulos retos a linha do dedo que V. E. produziu, e, se V. E. voltar a passar o dedo numa outra direção, este raio originar-se-á em outra direção. Isto acontece porque, devido à pele dos nossos dedos não ser lisa, mas marcada por algumas linhas sinuosas para permitir melhor o tato e perceber as mínimas diferenças entre as coisas tangíveis, movimentando o dedo sobre esta superfície gordurosa, deixa alguns sulcos sutis no interior dos quais produzem-se os reflexos da luz, os quais, sendo muitos e dispostos ordenadamente, apresentam depois uma Unha brilhante, em cuja extremidade, se produzirmos, movimentando o vaso, aquela primeira imagem realizada na parte não gordurosa, perceber-se-á a cabeça da cauda mais brilhante e a cauda menos brilhante; o mesmo efeito produzir-se-á se, em vez de se engordurar o vidro, ficar embaçado soprando em cima. Eu peço a V. E. Ilustríssima que, se alguma vez por acaso Sarsi chegar a conhecer esta brincadeira, explique por mim bem claramente que eu não entendo com isso afirmar que exista no céu uma grande garrafa e alguém que a engordure, produzindo assim o cometa; simplesmente eu apresento este exemplo e poderei apresentar muitos outros que possam encontrar-se na natureza, ainda indefinidos a nós, como argumentos de sua riqueza de modos diferentes entre eles para produzir seus efeitos.
Em terceiro lugar, que reflexão e refração não podem ser produzidas por matérias e impressões meteorológicas a não ser quando contêm muita água, porque só neste caso apresentam superfícies lisas e limpas, condições estas necessárias para produzir tal efeito, asseguro que não é verdade que não possa ser diferente. No que diz respeito à limpeza, afirmo que mesmo sem ela produzir-se-á a reflexão da imagem unida e distinta. Afirmo assim porque a imagem quebrada e confusa é produzida por todas as superfícies, desiguais e ásperas; porém, aquela imagem de um pano colorido, que se vê distintíssima num espelho oposto, vê-se confusa e quebrada sobre o muro que reproduz uma determinada sombra da cor deste pano. Se V. E. Ilustríssima pegar uma pedra ou uma ripa de madeira não tão lisa que reflita perfeitamente as imagens, e colocar-se em direção oblíqua ao olho, como se quiséssemos verificar se ela é plana e reta, perceberá distintamente sobre ela as imagens dos objetos que se encontrarem encostados do outro lado da ripa, tão distintas que, apoiando um livro em cima, poderá ser lido comodamente. Mas se este experimento for concluído colocando-se o olho perto da extremidade de algum muro reto e comprido, primeiro perceber-se-á um perpétuo curso de exalações em direção ao céu, especialmente quando o muro for atingido pelo Sol, assim como todos os objetos parecem tremer; depois, o muro do outro lado parecerá aproximar-se, e verá que, quando estiver bem perto, sua imagem se apresentará refletida naqueles vapores ascendentes, nem úmidos nem pesados, pelo contrário, secos e leves. E que mais? Não chegou ainda ao ouvido de Sarsi tudo aquilo que foi falado, especialmente por Tycho, a propósito das refrações que se operam nas exalações e vapores que circundam a Terra mesmo que o ar seja sereno, seco e sem chuva e umidade? Também não se apoie, como ele faz, sobre a autoridade de Aristóteles e de todos os mestres de perspectiva, porque ele não poderá fazer outra coisa que afirmar que eu sou um observador mais cuidadoso que eles, o que, segundo meu parecer, é de todo contrário à sua intenção. Parece-me que tudo o que expus é uma resposta suficiente ao argumento de Sarsi.
Passemos, pois, ao segundo.
CONTINUA
18. Leia agora V. E. Ilustríssima o fim deste primeiro exame: Neste ponto, perceba Galileu, com quanta razão, desta e das muitas outras coisas expostas por ele no texto Nunzio Sidereo, deduzimos que o cometa deve se encontrar além da Lua. Ele mesmo afirma que, entre os astros, alguns brilham com a luz nativa e própria, e nesse número ele coloca o Sol e as estrelas chamadas fixas; outros, não dotados de brilho algum pela natureza, recebem toda a luz do Sol, como é costume pensar dos seis planetas que sobram.
Galileu observou, ademais, que as estrelas amam muito aquela vã coroação de luz não própria e que costuma fazer crescer uma cauda; os planetas, em vez, especialmente a Lua, Júpiter e Saturno, não têm quase nenhum brilho; contudo, Marte, Vênus e Mercúrio, apesar de não serem providos de luz própria, tiram, pela vizinhança do Sol, tanta luz que, sendo quase igual àquelas das estrelas, imitam seus raios circunstantes e seu brilho. Portanto, como o cometa, segundo Galileu também, não possui luz própria por natureza, mas a recebe do Sol, e junto com outros astrônomos de grande fama o consideramos planeta temporário, devia-se raciocinar sobre ele do mesmo modo como sobre a Lua e outros planetas, e cuja condição é tal que quanto menos são distantes do Sol tanto mais brilham, e revestidos de um brilho maior (que deriva disto), observados com a luneta parecem aumentar menos; enquanto o cometa recebe deste instrumento quase o mesmo aumento de Mercúrio, podemos não com muita probabilidade deduzir que o cometa não irradiou aquela luz circundada mais que Mercúrio e por isso não se encontra muito longe; por outro lado, como era aumentado menos que a Lua, precisava colocá-lo circundado de uma luz maior e mais perto do Sol? De tudo isto pode-se compreender com quanta razão afirmamos que o cometa, pois pareceu aumentar muito pouco, deve ser considerado muito mais longe de nós do que a Lua.
Sem dúvida, pela paralaxe observada e também pelo curso do cometa quase sidéreo, nós conhecíamos bastante seu lugar; como, além disso, a luneta o aumentava quase quanto Mercúrio, certamente nenhuma razão teria podido sustentar o contrário; foi lícito tirar daqui um corolário também de grande importância e peso a favor de nossa teoria. Mesmo que soubéssemos, com efeito, que estas coisas podiam ser originadas por muitas causas, justamente por causa da analogia que este corpo luminoso guardava junto a todos os outros corpos celestes em todos os seus fenômenos, pensamos ter recebido da luneta um beneficio bastante grande, pois nosso parecer, já firmado pelo peso de outros argumentos, confirmava ainda mais com o peso do próprio assentimento. Quanto ao restante, porém, acrescentado ao argumento, isto é, as palavras: "Sei que este argumento foi considerado por alguns de pouca importância", etc, clara e honestamente havíamos lembrado antes para que fim estas palavras haviam sido acrescentadas: naturalmente contra aqueles que, enfraquecendo a fé neste instrumento, completamente ignaros das disciplinas de óptica, proclamavam-no enganador e indigno de qualquer confiança. Compreende, então, Galileu, se não me engano, com quanta falta de raciocínio lutou contra nossa opinião a respeito da luneta, que ele considera em tudo de acordo com a verdade e com as suas próprias opiniões: haveria podido conhecer também antes se a tivesse examinado com espírito mais calmo. Como, então, haveríamos podido imaginar que ele não haveria de gostar dessas ideias que considerávamos suas próprias? Mas como estas coisas, segundo a nossa opinião, parecem suficientes, vamos examinar a opinião do próprio Galileu.
Aqui, primeiramente, como V. E. pode ver, iniciamos uma argumentação recortada, como se diz, de velho pano, consistente em diversos fragmentos de proposições, para provar que o lugar do cometa era entre a Lua e o Sol; proposição esta que o Sr. Mário e eu podemos conceder-lhe por completo, sem prejuízo algum, não tendo nós nunca afirmado nada em relação ao lugar do cometa, nem negado que ele possa se encontrar além da Lua, mas falou-se somente que as demonstrações até agora apresentadas pelos autores oferecem dúvidas. E para tirá-las não é de ajuda nenhuma que Sarsi apresente agora uma nova demonstração, mesmo que ela fosse necessária e conclusiva, e provar que esta conclusão seja verdadeira, mesmo que também em torno de conclusões verdadeiras se possa argumentar e silogizar falsamente. Todavia, pelo desejo que eu possuo de pôr à luz as coisas escondidas e chegar a verdadeiras conclusões, apresentarei algumas considerações em relação a estas proposições.
Para maior clareza e compreensão o farei com a maior brevidade possível.
Afirma ele ter deduzido do meu Nunzio Sidereo que as estrelas fixas, sendo aquelas que brilham com luz própria, brilham com uma luz não real, mas aparente. Os planetas, sendo desprovidos de luz própria, não agem assim, especialmente a Lua, Júpiter e Saturno, mas mostram-se quase sem brilho; porém, Vênus, Mercúrio e Marte, mesmo privados de luz própria, brilham muito por causa da vizinhança do Sol, pelo qual são mais abundantemente atingidos. Afirma, além disso, que o cometa, segundo meu parecer, recebe sua luz do Sol, e acrescenta haver ele, junto com autores de renome, considerado o cometa, desde muito tempo, um planeta; assim, a respeito dele pode-se raciocinar como a respeito dos outros planetas, os quais, quanto mais encontram-se perto do Sol mais brilham, e por consequência menos podem ser observados pelo telescópio, e, aumentando o cometa pouco mais que Mercúrio e muito menos que a Lua, com muita razão podia-se concluir que não estivesse muito mais longe do Sol do que de Mercúrio, mas muito mais perto daquele que da Lua. Esta é a teoria que muito bem se ajusta à necessidade de Sarsi, como se a conclusão, deduzida antes dos princípios e meios, dependesse não aquela destes, mas estes dela, e tivessem sido preparados por ele não da grandiosidade da natureza mas da arte muito sutil. Pesquisemos, porém, quanto ela seja conclusiva.
Em primeiro lugar, é completamente falso que eu tenha escrito no Nunzio Sidereo que Júpiter e Saturno não brilhem quase nada e que Marte, Vênus e Mercúrio sejam coroados de muitos raios, porque eu separei só a Lua do resto das outras estrelas, quer fixas quer errantes.
Em segundo lugar, não sei se para concluir que o cometa seja quase um planeta e que, sendo tal, lhe sejam convenientes as propriedades dos outros planetas, seja suficiente que Sarsi e seu Mestre junto com outros autores o tenham considerado e chamado assim. Pois, se a opinião deles fosse tão importante a ponto de fazer aceitar as coisas por eles propostas, eu os rogaria que considerassem e chamassem ouro muitos velhos pedaços de ferro que possuo em casa. Mas, deixando os nomes de lado, qual é a teoria que os induz a considerar o cometa quase um planeta desde muito tempo? Brilhar como os planetas? Mas qual é a nuvem, qual a fumaça, qual a madeira, qual o muro, qual a montanha, atingidos pelo Sol, que não brilham do mesmo tanto? Não percebeu Sarsi no Nunzio Sidereo minha demonstração, isto é,que nossa Terra brilha mais que a Lua? Mas qual é minha opinião sobre o brilho do cometa como um planeta? Eu, por mim, não considero impossível que sua luz possa ser tão fraca e sua substância tão sutil e rala, que, quando alguém se aproximasse dela, sumisse da vista completamente, como acontece com alguns fogos-fátuos que saem da Terra, que são percebidos só durante a noite e de longe, mas de perto desaparecem; da mesma forma que as nuvens distantes são percebidas bem determinadas, e depois, de perto, mostram um pouco de nebulosidade tão indeterminada que alguém, entrando nela, quase não distingue os limites, nem sabe separá-la do ar contíguo. E aquelas projeções de raios solares entre as nuvens, tão semelhantes aos cometas, por quem são percebidas se não por aqueles que lhes são distantes? Tem o cometa alguma coisa em comum com os planetas por causa do movimento? E qual será a coisa separada da parte elementar que, obedecendo ao estado terrestre, não terá o moto diurno de acordo com o resto do universo? Mas se falamos do outro movimento, aquele transversal, este não tem nada a ver com o movimento dos planetas, não sendo criado nem por aquele rumo, nem regulado, nem talvez circular. Mas, deixados de lado os acidentes, acreditará talvez alguém que a substância ou a matéria do cometa tenha alguma coisa a ver com a dos planetas? Pode-se acreditar que ela seja solidíssima, como nos convida a pensar em particular a Lua e em universal a figura bem determinada e imutável de todos os planetas; e, ao contrário, pode-se acreditar que a do cometa dissolva-se em poucos dias; e sua figura, não determinada ao redor, mas confusa e indistinta, nos mostra que a sua substância é mais sutil e mais rala que a névoa e a fumaça. Assim ele quase poderia ser chamado mais um planeta pintado que real.
Em terceiro lugar, eu não sei com quanta perfeição ele possa ter parangonado os raios e o aumento do cometa com o aumento de Mercúrio que, podendo ser observado raríssimas vezes, em todo o tempo da aparição do cometa, ele não apareceu nunca, nem deu a possibilidade de ser observado, encontrando-se sempre muito perto do Sol; posso sem escrúpulo acreditar que Sarsi não fez esta comparação, difícil de se realizar e muito incerta, mas que ele afirma ter realizado porque, sendo assim, serviria melhor para sua causa. Outro indício que mostra como ele não conseguiu fazer esta experiência é-me fornecido pelo fato de que, ao referir-se às observações relativas a Mercúrio e à Lua, com os quais compara as do cometa, parece-me que ele esteja confundindo muito. Aceitando, para concluir, que o cometa se encontre mais longe do Sol que de Mercúrio, precisava afirmar que o cometa possuía menos raios que ele, e observado com o telescópio aumentava mais que ele; todavia, afirmou o contrário, isto é, que não possuía mais raios que Mercúrio e que aumentava quase a mesma coisa, o que significa afirmar que possuía mais raios e menos aumento que Mercúrio. Comparando depois o cometa com a Lua, escreve a mesma coisa (mesmo afirmando escrever o contrário), isto é, que aumentava menos que a Lua e possuía mais raios. Todavia, para chegar a uma conclusão, deduz da identidade das premissas conclusões diferentes, isto é, que o cometa encontra-se mais perto do Sol que a Lua, porém mais distante que Mercúrio.
Para finalizar, afirmando Sarsi ser um lógico exato, não me faz entender por que, na divisão dos corpos luminosos que se irradiam mais ou menos, e que por consequência, observados com o telescópio, recebem um aumento maior ou menor, ele não haja registrado nossas luzes elementares; pois as velas, as tochas acesas observadas a qualquer distância, qualquer pedrinha, lenho ou corpúsculo, até as folhas e as gotas de orvalho atingidas pelo Sol, resplandecem, e de certo ângulo irradiam a par de qualquer estrela mais brilhante, e vistas pelo telescópio observam no aumento o mesmo teor que as estrelas. Assim, termina completamente aquela ajuda a mais que os outros haviam esperado do telescópio para conduzir o cometa no céu e tirá-lo da esfera elementar. Abandonai, portanto, Sarsi, a ideia de poder ajudar vosso Mestre e estai certo de que, para querer sustentar um erro, é necessário perpetrar cem outros e, coisa ainda pior, não conseguir o intento. Gostaria também de pedir-vos para não replicar mais, como o fazeis no final desta vossa parte, que estas são teorias minhas, pois nunca escrevi coisas parecidas, nem as falei, nem as pensei. Basta a respeito do primeiro trecho em exame.
19. Passemos ao segundo: Apesar de ninguém até hoje ter falado que o cometa deve colocar-se entre as aparências vãs, onde não haveríamos necessidade de libertá-lo da acusação de inanidade, pois Galileu acreditou enveredar por outro caminho para explicar o cometa completa e sabidamente, é justo parar e expor com cuidado esta sua nova teoria.
São duas hipóteses que ele cogitou: uma relativa à substância, outra referente ao movimento do cometa. No que diz respeito à primeira, Galileu afirma que esta luz é daquelas que, mostradas mais que criadas pela refração de outra luz, parecem ter mais o nome de sombras de corpos luminosos que ser corpos luminosos, como, por exemplo, os arco-íris, os halos, os parélios e muitas outras coisas semelhantes. No que diz respeito à segunda, Galileu afirma que o movimento dos cometas sempre foi retilíneo e perpendicular à superfície da Terra. Revelando estas suas descobertas, acreditou poder destruir com facilidade as opiniões dos outros. Nós vamos examinar agora com poucas palavras, e sem retórica, quanto de próprio se deva atribuir a estas opiniões (pois a verdade, mesmo nua, é bastante ornada). Mesmo sendo difícil abranger singularmente estas duas proposições, pois são tão conexas que parecem depender uma da outra e sustentar-se reciprocamente, nós nos preocuparemos para que os leitores não fiquem lesados. Por isso, contra a primeira posição de Galileu, afirmo que o cometa não foi simulacro vão de uma luz que iludia os olhos daqueles que o observavam e isto parece-me que não necessita de outra prova para aquele que, ao menos uma vez, seja a olho nu, seja com a luneta, haja observado o cometa. A simples vista manifestava a natureza desta luz, porque, em comparação a outras luzes realíssimas, qualquer um poderá com facilidade julgar se o observado era falso ou verdadeiro. Tycho, examinando as observações de Tadeu Agezio, deduz isto: "O corpo do cometa naqueles dias foi igual, em grandeza, a Júpiter e Vênus, e revestiu-se de uma luz nítida e de um grande esplendor, puro e belo, e sua substância pareceu pura demais para ser conveniente a matérias só elementares, mas era, de preferência, análoga àquela dos corpos celestes ". Tycho acrescenta a isto: "Tadeu foi bom juiz relativamente a este aspecto, haveria podido concluir claramente que este cometa não era elementar".
Sarsi andou figurando antes e arbitrariamente os princípios e os meios que fossem de acordo com as conclusões que ele queria demonstrar; agora parece-me que vai imaginando conclusões para contradizê-las como teorias do Sr. Mário e minhas, muito diversas, ou, ao menos, muito diversamente tomadas, de como são relatadas no Discurso do Sr. Mário. Que o cometa seja, sem dúvida, uma imagem vã e uma simples aparência, nunca foi afirmado com certeza, mas só foi posto em dúvida e levado à consideração dos filósofos com aqueles raciocínios e cogitações que parecem poder garantir que seja verdade. Eis aqui as palavras do Sr. Mário a este propósito: "Eu não afirmo resolutamente que o cometa produza-se assim, mas afirmo que são duvidosos, seja este modo seja os outros dos demais autores; os quais pretenderão estabelecer com certeza seus pareceres. e terão a obrigação de demonstrar que esta e todas as outras posições são vãs e falsas". Mesmo sendo o texto tão diferente, Sarsi afirma que nós temos por certo que o movimento do cometa deve ser necessariamente reto e perpendicular à superfície terrestre. Isto não foi apresentado desta forma, mas simplesmente foi cogitado como ser mais conforme às aparências e satisfazer às mudanças observadas no cometa. Esta hipótese é tão superficialmente apresentada pelo Sr. Mário que no fim ele declara: "Porém é mais conveniente para nós contentarmo-nos com aquele pouco que podemos cogitar mesmo sem ter muita clareza". Porém Sarsi quis mostrar que estas opiniões eram tão firmemente aceitas por mim que imaginou podê-las destruir com facilidade e com meios mais eficazes. Se ele conseguir o agradecerei, pois no futuro deverei preocupar-me com uma hipótese a menos todas as vezes que me venha a ideia de filosofar sobre tal matéria. Por enquanto, pois parece-me que ainda subsiste alguma coisa de vivo no raciocínio do Sr. Mário, moverei algumas objeções às objeções de Sarsi.
Opondo-se Sarsi com grande firmeza à primeira conclusão, afirma que aquele que, mesmo por uma vez, houvesse observado o cometa, não necessitaria mais de argumento algum para conhecer a natureza desta estrela; estrela que, comparada com as outras verdadeiras estrelas, mostrava muito claramente ser verdadeira e não falsa. Assim, como V. E. Ilustríssima entende, Sarsi confia tanto no sentido da visão que considera impossível ser enganado todas as vezes que tentamos fazer uma comparação entre um objeto falso e um real. Eu confesso não ter a visão tão perfeita, pelo contrário, confesso ser como aquele macaco que acredita firmemente ver no espelho outro macaco, e nem reconhece seu erro se quatro ou seis vezes não tenha ido atrás do espelho para agarrar a imagem, tanto aquela imagem se lhe apresente viva e verdadeira. Supondo, então, que aqueles que Sarsi vê no espelho não sejam homens verdadeiros e reais, mas imagens vãs, como nós vemos nossa imagem no espelho, gostaria ardentemente de saber quais são aquelas diferenças visuais por meio das quais tão rapidamente distingue o verdadeiro do falso. Quanto a mim, encontrei-me mil vezes em alguma sala de janelas fechadas, e através de algum pequeno buraco pude perceber o Sol refletindo-se sobre um muro oposto, julgando assim esta mancha, pela vista, uma estrela tão brilhante quanto a Canícula e Vênus. E andando contra o Sol no campo, quantos milhares de corpúsculos, pedrinhas, lisos ou molhados, transformar-se-ão pelo reflexo do Sol em estrelas brilhantíssimas? Mesmo cuspindo no chão, Sarsi sem dúvida perceberá onde cuspiu, pela reflexão solar, uma estrela naturalíssima. Além disso, qual corpo colocado a grande distância, atingido pelo Sol, não aparecerá como uma estrela, especialmente se for tão alto que possa ser enxergado durante a noite, como se enxergam as outras estrelas? E quem distinguiria a Lua, vista durante o dia, de uma nuvem atingida pelo Sol, senão pela diversidade do aspecto e pela grandeza?
Ninguém, com certeza. E enfim, se a simples aparência deve determinar a essência, é necessário que Sarsi aceite que os sóis, as luas e as estrelas, observados em água parada e em espelhos, sejam verdadeiros sóis, verdadeiras luas e verdadeiras estrelas. Em relação a esta parte, mude mesmo Sarsi de opinião, nem acredite que, citando a autoridade de Tycho, de Tadeu Agezio ou de muitos outros, melhore sua condição, a não ser que, por ter tido tais homens como companheiros, desculpe mais seu erro.
20. Continue V. E. Ilustríssima a ler: "Pois, por todo o tempo que nosso cometa brilhou, Galileu, segundo ouvi dizer, permaneceu de cama por uma doença, e nunca talvez pôde, por causa da doença, observar aquele corpo brilhantíssimo, e por isso pensamos dever-se discutir com ele por meio de outra argumentação. Afirma ele mesmo que às vezes, de alguma parte da Terra, um vapor fumacento levanta-se acima da Lua e também acima do Sol, e, logo que saído do cone sombreado da Terra, olhou para a luz do Sol da qual como que concebeu e gerou o cometa; e o movimento ou a subida de um tal vapor não é vago ou incerto mas retilíneo e sem ser desviado para parte alguma. Assim afirma ele, mas nós colocamos na nossa balança o peso destas afirmações. Primeiro, sabemos que esta matéria fumacenta e úmida, tendo subido casualmente da Terra nos dias em que, dominando amplamente o céu bóreas violentíssimas, facilmente poderia haver sido dispersada e dissipada. É pois, digno de admiração como impunemente corpúsculos tão sutis e leves, entre a ira do vento violentíssimo, puderam ter chegado até o alto com um proceder constante através do caminho enveredado no começo, quando nem pesos consideráveis confiados ao vento podiam vencer o ímpeto e a força. Eu considero muito contraditório que um vapor muito leve suba e suba em linha reta, e mal acredito que isto haja podido acontecer entre as várias mudanças do vento. E acrescenta que, garante Galileu, nem nas mais altas regiões dos planetas faltam condensações e rarefações de tais corpos fumacentos, e por isso nem aqueles movimentos vagos e incertos pelos quais é necessário que sejam levados.
Que os vapores fumacentos de alguma parte da Terra subam além da Lua, e até além do Sol, e que saídos do cone da sombra terrestre sejam engravidados pelos raios solares e que então gerem o cometa, nunca foi escrito pelo Sr. Mário nem foi afirmado por mim, apesar de Sarsi atribuí-lo a mim.
Aquilo que o Sr. Mário escreveu é que não é impossível que algumas vezes possam elevar-se da Terra exalações e outras coisas parecidas, mas muito mais sutis que de costume, que subam além da Lua e possam ser matéria geradora do cometa, e que às vezes originem-se sublimações extraordinárias relativas à matéria dos corpúsculos, exemplificando-o por meio da aurora boreal. Porém não afirma que aquela seja numericamente a mesma matéria dos cometas, que necessita ser muito mais rala e sutil que os vapores dos corpúsculos e do que a matéria da assim chamada aurora boreal, tendo aceito que o cometa resplende muito menos que a aurora; assim, se o cometa se ampliasse, por exemplo, rumo ao oriente, na cândida alvorada, enquanto o Sol não se encontrasse longe do horizonte mais do que 6 ou 8 graus, sem dúvida não se perceberia, por ser menos brilhante do que seu próprio ambiente. E com a mesma probabilidade, não certeza, atribuiu-se à mesma matéria o movimento retilíneo em ascensão. E isto seja afirmado não para retratarmo-nos por medo das oposições de Sarsi, mas só para mostrar que não nos afastamos do nosso hábito, que consiste em não afirmar como verdadeiras a não ser as coisas que conhecemos como indiscutíveis, como nos ensina nossa filosofia e nossa matemática. Agora, partindo do ponto de vista de que houvéssemos verdadeiramente afirmado aquilo que Sarsi fala, examinemos suas posições.
Sua primeira oposição baseia-se na impossibilidade de os vapores subirem ao céu, em linha reta, enquanto que verificamos que um papagaio é empurrado pelo ar com movimento transversal, assim como as outras coisas que se encontram nele; e o mesmo verificou-se por muitos dias depois do aparecimento do cometa. A oposição é verdadeiramente inteligente, mas perde muito de sua força lógica porque, segundo notícias seguras, naqueles dias, nem na Pérsia nem na China verificaram-se perturbações atmosféricas; e eu acreditarei que de umas daquelas regiões se origina a matéria do cometa, se Sarsi provar que ele não é originário de lá, mas de Roma, onde ele percebeu o vento boreal.
Mas, mesmo que o vapor saísse da Itália, quem pode saber se ele não se houvesse posto em viagem antes dos dias de vento, muitos dias antes de sua chegada ao orbe do cometa, longe da Terra, segundo a relação do Mestre de Sarsi, quatrocentos e setenta mil milhas mais ou menos; porque, para empreender uma viagem tão comprida, é necessário bastante tempo, pois a subida dos vapores, por aquilo que podemos observar em relação àqueles perto da Terra, não atinge a velocidade do voo das aves; assim não seriam suficientes quatro anos para concluir tamanha viagem. Mesmo aceitando que estes vapores pudessem se movimentar em época de vento, Sarsi, que acredita piamente nos historiadores e nos poetas, não poderá negar que o impulso dos ventos não sobe mais de duas ou três milhas, já que existem montes cujo cume vai além da região dos ventos. Assim, o máximo que ele poderá concluir é que dentro deste espaço os vapores movimentam-se transversal e não perpendicularmente; porém, fora deste espaço desaparece o impedimento que os desvia do caminho retilíneo.
21. Veja mais V. E. Ilustríssima: Aceitamos que estes vapores possam manter, através dos ventos, suas direções e rumar para onde possam receber os raios diretos do Sol, enviando-os a nós refletidos. Por que, então, recebendo em toda a sua extensão a luz do Sol, no-la mostram somente em uma mínima parte de si? Com certeza, sendo o próprio Galileu testemunha, quando nos dias de verão um vapor não diferente indo rumo ao norte mais alto que de costume apresenta-se à luz do Sol, então, imergido em luz brilhantíssima, mostra-se muito brilhante em todas as suas partes, para utilizar sua próprias palavras, nos reflete mesmo de noite a aurora boreal; e não se mostra tão avarento do esplendor recebido que não permita que a reflexão da luz do Sol, que ele recebeu em toda a sua extensão, nos apareça apenas através de um pequeno buraco. Eu mesmo verifiquei, não somente em tempo de verão, mas no mês de janeiro, quatro horas depois do pôr do sol, algo ainda mais maravilhoso, isto é, uma pequena nuvem, cândida e brilhante, tão rarefeita que não encobria nem as estrelas menores, e os dons de luz que havia recebido do Sol ela os expandia livremente, com alma generosa, por todos os cantos. Então todas as nuvens (admitindo que tenham alguma afinidade com a matéria do cometa), se são tão densas e obscuras que não possam refletir livremente os raios do Sol, ao menos na parte virada para o Sol o refletem para nós com generosidade recíproca; porém, se são ralas e sutis, e a luz facilmente as penetre integralmente, não mostram obscuridade em parte alguma, mas oferecem aos olhos inundados uma luz esplendorosa. Então, se o cometa não se forma de outra matéria que não seja vapores fumacentos, não Juntados globalmente mas, como o próprio Galileu afirma, ocupando um espaço suficientemente vasto do céu, brilhando em toda parte com a luz do Sol, qual é a causa pela qual brilham sempre para aqueles que o observam só de um pequeno e estreito disco, e as outras partes deste mesmo vapor, iluminadas pelo Sol com mesma luz, não aparecem? Dificilmente tudo isto pode ser explicado com o exemplo do arco-íris, em cuja formação acontece a mesma coisa que evidentemente só de uma parte da nuvem volta ao olho, quando, entretanto, em todo o espaço iluminado pelo Sol a própria diversidade das cores seja gerada de sua luz. Com efeito, o arco-íris e outros meteoros, se existirem, requerem de preferência matéria úmida e com tendência a mudar-se em água; pois esta matéria só quando se derrete em água, imitando a natureza dos corpos leves, puros e transparentes, reflete a luz só na parte onde formam ângulos de reflexão e de refração necessários a tudo isto, como percebemos nos espelhos, na água e no gelo. Depois, se alguma emanação encontrar-se mais rarefeita ou mais seca, acontece porque ela não possui superfície lisa como os espelhos, nem reflete muitos raios. Visto necessitar-se de um corpo liso para que haja reflexão e necessitar-se de sua densidade para a refração (coisas que nunca se encontram nas impressões meteorológicas, a não ser quando a natureza delas possui muita água, como ensinaram não só Aristóteles mas também todos os mestres de óptica, e a própria razão persuade com muita eficácia), segue disto necessariamente que emanações semelhantes possuirão, por natureza própria, um certo peso, e por isto menos aptas a subir acima da Lua e do Sol, pois o próprio Galileu admite que devem ser muito sutis e leves aqueles que voam até lá em cima. Portanto, não daquele vapor fumacento e rarefeito, e na verdade de peso algum, poderá refletir para nós aquela imagem brilhante de luz: o vapor aguado, na verdade, sendo pesado, não poderá subir deforma alguma.
Depois de observado por muitas experiências, parece-me ser esta a condição humana em relação às coisas intelectuais: quanto menos entende-se e sabe-se, com tanta mais força quer-se discutir; e, pelo contrário, mais coisas são conhecidas menor é a tendência de discutir resolutamente sobre qualquer novidade. Nasceu em um lugar muito solitário um homem dotado por natureza de grande inteligência e de extraordinária curiosidade. Criando por prazer grande diversidade de aves, gostava enormemente do seu canto, e com muita admiração observava de que modo, por meio do próprio ar que respiravam, conseguiam formar ao seu arbítrio cantos diferentes e todos suavíssimos. Acontece que uma noite perto de casa escutou um som delicado, e, nem podendo imaginar que fosse outra coisa a não ser uma pequena ave, foi buscá-la. Chegando à estrada encontrou um pequeno pastor que, assoprando num pedaço de madeira furada e movimentando os dedos sobre a madeira, uma vez fechando e uma vez abrindo determinados buracos, conseguia produzir aquelas vozes diferentes, semelhantes às de um pássaro, mas de forma bem diversa. Admirado e movido pela sua curiosidade natural, deu de presente um bezerro ao pastor para obter aquela flauta. De regresso à sua casa e percebendo que se não houvesse encontrado por acaso aquele pastor nunca haveria aprendido que existiam na natureza duas formas diversas de criar vozes e cantos suaves, quis sair de casa procurando encontrar outras aventuras. Aconteceu que no dia seguinte, passando perto de uma pequena choça, escutou ressoar dentro dela uma voz semelhante. Para ter certeza se era uma flauta ou um pássaro, entrou e encontrou um menino que estava serrando, com um pequeno arco segurado na mão direita, alguns nervos estendidos sobre um lenho côncavo, enquanto sustentava com a mão esquerda o instrumento sobre o qual, movimentando os dedos e sem sopro algum, extraía dele vozes diversas e suaves. Qual foi seu espanto pode ser julgado facilmente por aquele que possuir a mesma inteligência e a mesma curiosidade dele que, vendo aumentar, de duas novas formas, a maneira de produzir uma voz e um canto tão inusitados, começou a acreditar poderem existir ainda outros na natureza. Mas qual foi sua surpresa quando, entrando em um determinado templo, começou a olhar atrás da porta para ver quem estava tocando e percebeu que o som havia saído dos ferros da porta ao abri-la? Em outra ocasião, empolgado pela curiosidade, entrou em um boteco e, acreditando encontrar outra vez alguém que com o arco tocasse as cordas de um violino, viu uma pessoa que, esfregando o dedo sobre a orla de um copo, conseguia produzir um som suavíssimo. Mas logo que observou que as abelhas, os pernilongos e as moscas, com o rapidíssimo bater das asas, e não como suas primeiras aves que respirando formavam vozes ininterruptas, produziam um som perpétuo, tanto aumentou sua admiração que diminuiu sua confiança sobre o conhecimento da origem do som. Nem todas as experiências já observadas haveriam sido suficientes para fazer-lhe entender ou acreditar que os grilos, não voando, conseguiam, não por meio do sopro mas com o movimento das asas, produzir sons tão doces e sonoros. Mas quando acreditou não poderem existir outras formas possíveis de produzir vozes, depois de haver observado, além das maneiras já relatadas, ainda tantos órgãos, trompas, flautas e instrumentos de corda de todos os tipos, até chegar à aquela pequena lâmina de ferro que, suspensa entre os dentes, usava de forma muito esquisita a cavidade bucal para dar corpo à amplificação do sopro permitindo a passagem do som, quando, repito, na hora que acreditava haver conhecido tudo, encontrou-se ainda mais no escuro e na ignorância, quando, havendo encontrado uma cigarra que nem fechando-lhe a boca e nem fechando-lhe as asas conseguia diminuir seu altíssimo estridor, não percebeu movimento algum de escamas nem de outras partes. Finalmente, levantando-lhe a caixa dos pulmões e observando embaixo dela algumas cartilagens duras mas sutis, e acreditando que o som fosse originado do seu movimento, resolveu quebrá-las para fazê-la parar, mas tudo foi em vão.
Então, fincando uma agulha mais funda no corpo da cigarra, passando-a, tirou-lhe junto com a voz a vida e assim não pode mais pesquisar se o canto era originado verdadeiramente por aquelas membranas. Tornou-se tão descrente sobre seus possíveis conhecimentos em relação aos sons que todas as vezes que alguém lhe perguntava sua opinião sobre a origem dos sons, generosamente respondia não conhecer causa alguma, mas que estava resolvido a acreditar que pudessem existir cem outras maneiras, ainda desconhecidas e impensáveis.
Eu poderia dar muitos exemplos da variedade da natureza em produzir seus efeitos de maneira inimaginável para nós, se o sentido e a experiência não nos explicitassem sem, muitas vezes, suprir nossa incapacidade. Assim, se eu não souber, com exatidão, determinar a produção do cometa, deverão ser aceitas minhas desculpas, especialmente porque nunca afirmei poder dar esta explicação sabendo que ela poderia verificar-se de forma muito alheia à nossa imaginação. A dificuldade de entender como se forma o canto da cigarra, enquanto ela canta na mão, desculpa de sobra não saber como pode formar-se um cometa tão longe de nós. Para frisar, então, a primeira intenção do Sr. Mário e minha, isto é, promover aquelas dúvidas que parecem abalar as opiniões manifestadas até agora e propor alguma nova teoria para examinar se existe alguma coisa que possa esclarecer e abrir o caminho rumo à verdade, continuarei a raciocinar sobre as teorias manifestadas por Sarsi, que considerou improváveis nossos argumentos.
Continuando Sarsi sua exposição e aceitando serem os vapores ou outra matéria aptos a formar o cometa, seu elevar-se da Terra e subindo muito alto, onde pudesse receber diretamente os raios solares refletindo-os para nós, é difícil imaginar de que forma, sendo completamente iluminada, reflita até nós só a luz de uma pequena parte, e não acontece como aqueles vapores que nos apresentam aquela intempestiva aurora boreal, vapores que, sendo todos iluminados, mostram todos suas luzes.
Afirma depois ter observado, pelo meio da noite, uma coisa maravilhosa, isto é, uma pequena nuvem no zênite que, sendo toda iluminada, refletia livremente seu brilho de todas as suas partes, e acrescenta que, se todas as nuvens forem espessas e opacas, nos refletem a luz do Sol com toda a sua parte visível, porém se elas forem ralas, assim que a luz as penetre, mostrar-se-ão a nós brilhantes e não opacas; então, se o cometa forma-se com tais vapores fumacentos muito espalhados, como afirma o Sr. Mário, e não reunidos em círculo, sendo atingidos pelo Sol por todas as partes, por qual razão nós recebemos sua reflexão de uma pequena parte e não de todo o restante igualmente iluminado? Mesmo que as soluções destas perguntas estejam completamente resolvidas no Discurso do Sr. Mário, eu as relatarei aqui colocando-as acertadamente e acrescentando alguma outra consideração, conforme for solicitado pela matéria.
Em primeiro lugar, Sarsi deveria sem dificuldade conceder que só de um lado particular de toda a matéria sublimada pelo cometa verifica-se a reflexão da luz do Sol a uma visão particular, apesar de ser toda iluminada; tendo nós mil experiências semelhantes a favor, contra uma que pareça ser contrária, facilmente, entre as de Sarsi contrárias a esta posição, encontraremos muitas outras favoráveis. É certo que qualquer espelho plano exposto ao Sol fica por ele iluminado em toda a sua superfície; o mesmo acontece com qualquer pântano, lago, rio, mar, ou seja, com qualquer superfície lisa de qualquer material; porém, a uma vista particular não corresponde a reflexão do raio solar, a não ser de um lugar particular desta superfície, cujo lugar muda, mudando o olho do observador. A superfície externa de nuvens sutis, mas muito espalhadas, é toda iluminada pelo Sol de forma igual; todavia, o halo e os periélios não aparecem a um olho particular a não ser em um único lugar, e este, com o movimento do olho, muda de lugar dentro da nuvem.
Sarsi afirma: Aquela matéria sutil sublimada que produz aquela aurora boreal vê-se também toda iluminada, como ela o é de verdade. Porém, pergunto eu a Sarsi de onde lhe vem esta certeza. E ele pode responder-me somente que não percebe parte alguma que não seja iluminada, assim como acontece com o resto da superfície dos espelhos, das águas, dos mármores, além daquela pequena parte que reflete a viva luz do Sol. Porém advirto-o de que, se a matéria fosse transparente, não distinguiria nada mais que aquele esplêndido raio refletido, como acontece às vezes que a superfície do mar não se distingue do ar, mesmo que se veja imagem reflexa do Sol; e assim, colocado um vidro sutil a uma determinada distância, poderá mostrar-nos aquela sua pequena parte que reflete alguma luz, ficando o resto invisível por causa de sua transparência. Este erro de Sarsi é semelhante àquele dos que afirmam que criminoso algum deve confiar que seu crime possa ficar oculto, nem percebem a incompatibilidade que existe entre permanecer oculto e ser descoberto, e quem quisesse ter duas cadernetas, uma dos delitos que permanecem ocultos e outra daqueles que são descobertos em cuja caderneta dos ocultos nunca poderia registrar-se coisa alguma. Afirmo, então, que não me oponho à crença de que a matéria da aurora boreal seja muito ampla e uniformemente iluminada pelo Sol50; como, porém, não posso descobrir e observar a não ser aquela parte cuja refração meu olho pode captar, permanecendo invisível todo o restante, tenho a ilusão de perceber tudo. E que mais? A propósito dos vapores crepusculares que circundam a Terra, não permanece iluminado pelos raios solares sempre um hemisfério? Com certeza sim; todavia, aquela parte que se interpõe diretamente entre o Sol e nós mostra-se a nós muito mais luminosa do que as partes mais distantes. Mas esta, como ainda outras, é pura aparência e ilusão de nosso olho, pois, encontrando-nos em qualquer lugar, sempre observamos o Sol como centro de um círculo luminoso, mas que gradualmente vai perdendo o brilho, segundo se encontre à direita ou à esquerda deste centro; para outros, mais para o boreal, parece mais escura aquela parte que a mim parece mais clara, e mais brilhante aquela que a mim apresentava-se mais escura. Podemos, assim, afirmar a existência de um halo perpétuo e grande ao redor do Sol, figurado na superfície convexa que termina a esfera de vapor, cujo halo, da mesma forma que o outro, que às vezes nasce de uma nuvem sutil, muda de lugar segundo a mudança do observador. Em relação à pequena nuvem que Sarsi afirma ter observado brilhar na noite profunda, poderia perguntar-lhe que certeza tem ele de ela não ser maior do que aquela que aparece, especialmente afirmando ele que era tão transparente que não escondia estrelas fixas, mesmo mínimas, pois não possuía indício algum para garantir que ela se ampliasse invisivelmente como transparente, muito e muito além da parte brilhante observada: por isso é ainda duvidoso se ela não é uma aparência que muda como as outras segundo a mudança do olho. Além de não haver nada em contrário que ela apareça inteiramente brilhante e seja, da mesma forma, uma ilusão, o que acontecerá se ela não fosse maior do que aquele espaço que vem a ser ocupado pela imagem do Sol, assim que, observando a imagem do Sol, por exemplo, ocupar num espelho tanto espaço quanto uma unha, nós cortássemos fora o restante, não há dúvida de que este pequeno espelho poderá nos aparecer brilhante de todo. Além disso, quando o pequeno espelho fosse menor do que a imagem, então poder-se-ia observar não só tudo iluminado mas sua imagem não pareceria movimentar-se a cada movimento do olho, como no espelho grande; e até por ser ele incapaz de toda imagem do Sol, segue que, movendo-se o olho, veria a reflexão ora de um lado ora de outro do disco solar; assim a imagem pareceria imóvel, até que o olho se dirija à parte que não produz reflexão, ela se perderia completamente. É muito importante, então, considerar a grandeza e a qualidade da superfície que reflete, pois, conforme a superfície seja menos limpa, a imagem do mesmo objeto se apresentará sempre maior, pois, às vezes, antes que a imagem passe por todo o espelho, será necessário que o olho passe por muito espaço, e esta imagem parecerá fixa então, mesmo que na realidade seja móvel.
Para explicar melhor um ponto importantíssimo e que talvez possa solicitar, não digo Sarsi, mas algum outro, pense V. E. Ilustríssima encontrar-se numa praia com um tempo tranquilo e o Sol já descendo no ocaso. Perceberá, então, sobre a superfície do mar que está na metade do círculo máximo da esfera celeste que passa pelo disco solar, o reflexo brilhantíssimo do Sol, mas não muito amplo; se, pelo contrário, como já falei, a água for muito calma, verá a imagem do disco solar bem definida como num espelho. Se uma pequena brisa começa a movimentar a superfície da água, na mesma hora verá V. E. Ilustríssima a imagem do Sol quebrar-se em muitas partes, ampliando-se e difundindo-se. E, enquanto próxima, poderiam se distinguir cada uma das partes da imagem quebrada; todavia, sendo longe, não se perceberia esta separação, quer pelos breves intervalos entre as partes, quer pelo grande brilho das partes cintilantes, que se misturaram, como acontece com muitos fogos perto entre si e que de longe parecem ser um só. Se a água se movimentar sempre mais por espaços sempre maiores, ampliar-se-á a multidão dos espelhos que refletirão, segundo as diversas inclinações das ondas, a imagem do Sol quebrada. Mas distanciando-se sempre mais e subindo numa colina ou outra elevação para poder enxergar melhor o mar, o campo brilhante parecerá único e contínuo. Aconteceu-me enxergar de cima de uma montanha altíssima e distante do mar de Livorno sessenta milhas, com um tempo sereno mas de ventania, uma hora antes do pôr do sol, uma tira brilhantíssima à direita e à esquerda do Sol, que ocupava em comprimento muitas dezenas, até muitas centenas de milhas, a qual era, porém, como as outras, uma mesma reflexão da luz do Sol. Agora, imagine, Sarsi, que da superfície do mar, com o mesmo movimento de ondas, grande parte tivesse se retraído para as orlas deixando só no meio, isto é, face ao Sol, um comprimento de duas ou três milhas: esta, com certeza, seria observada completamente iluminada, e imóvel mesmo, com respeito a qualquer movimento que o observador houvesse realizado à direita ou à esquerda; só depois de movimentar-se por alguma milha começaria a desaparecer a parte esquerda da imagem, se ele estivesse caminhando para a direita, e a imagem esplendorosa diminuiria até que, adelgaçando-se, desapareceria por completo. Disto resulta que a imagem é móvel em relação à imagem do observador, pois, mesmo observando-a toda, perceberíamo-la toda ainda movimentar-se, encontrando-se seu meio sempre à direita do Sol, apesar de aparecer a muitos outros que a observem no mesmo momento como encontrando-se em outros pontos do horizonte.
Eu não quero esconder de V. E. Ilustríssima aquilo que eu lembrei neste ponto para a solução do problema do mar. Espertos marinheiros conhecem às vezes o vento que chegou a eles depois de algum tempo, observando o ar que, nesse caso, mostra-se mais claro, daquele lado, do que deveria ser.
Imagine V. E. Ilustríssima se isto poderia derivar do fato de se encontrar já naquela parte o vento que, movimentadas as ondas, faz nascer, como por espelhos multiplicados infinitamente e difundidos amplamente, o reflexo do Sol muito maior do que se o mar fosse tranquilo, permitindo que seja muito mais iluminada por esta nova luz aquela parte do ar vaporoso por meio do qual este reflexo difunde-se, cujo ar ofereça ainda algum reflexo de luz aos olhos dos marinheiros, os quais, encontrando-se embaixo, não podiam perceber a primeira reflexão daquela parte de mar já movimentada pelos ventos e distante deles vinte ou trinta milhas; e que esta seja a sua previsão do vento distante.
Mas, continuando nosso primeiro discurso, afirmo que os raios solares não refletem, com a mesma grandeza, a imagem do Sol sobre todos os materiais, isto é, sobre todas as superfícies; mas sobre algumas (isto é, as planas e lisas como um espelho) nos aparece o disco solar semelhante ao verdadeiro, nas superfícies convexas mas lisas nos aparece menor, e nas côncavas às vezes menor e às vezes maior, às vezes mesmo igual, segundo as diversas distâncias entre o espelho, o objeto e o olho.
Porém, se a superfície não for igual mas sinuosa e cheia de cavidades ou elevações e como se fosse composta por milhares de pequenos espelhos colocados com várias inclinações, expostas aos olhos de mil modos, então a mesma imagem do Sol chegará ao nosso olho de mil partes e dividida em mil pedaços, os quais ampliar-se-ão, imprimindo nesta superfície um amplo conjunto de pequenas manchas brilhantes, cuja frequência originará a ilusão de um único campo de luz contínua visto de longe, mais brilhante e viva no meio que nas extremidades, onde diminui e desaparece, enfim, quando por causa da obliquidade do olho em relação a esta superfície os raios visíveis não encontram mais ondas que se refletem contra o Sol. Esta imagem resulta ainda móvel de acordo com o movimento do olho, se, porém, além de seus limites, continua a superfície que reflete; mas, se a quantidade da matéria ocupar um pequeno espaço, muito menor do que o da imagem inteira, poderá acontecer que, ficando fixa a matéria e movimentando-se o olho, ela continue a aparecer brilhante, até que, tendo chegado o olho àquele termo do qual, pela obliquidade dos raios incidentes sobre a matéria, as reflexões não se dirigem mais rumo ao Sol, a luz desaparece e perde-se. Não concordo com Sarsi que quando ele vê uma nuvem suspensa no ar, bem determinada e toda brilhante, que permanece tal apesar de o olho ir se movimentando, não pode ter a certeza de que esta luz seja mais real do que um halo, do que os periélios, do que o arco-íris, e do que a reflexão sobre a superfície do mar; porque afirmo-lhe que a sua consistência e sua aparente estabilidade podem depender da pequenez da nuvem que não consegue receber toda a amplidão da imagem do Sol; e esta imagem, em relação à posição das partes da superfície da nuvem, ampliar-se-ia, se não lhe faltasse matéria, num espaço muito maior da nuvem, e quando se visse inteiro e o campo das nuvens se adiantasse a ele, afirmo que apareceria movimentando-se inteiramente em relação ao movimento do olho. Prova-o o fato de termos visto muitas vezes, ao nascer e ao pôr do sol, muitas pequenas nuvens colocadas perto do horizonte, das quais as que se encontram face ao Sol tornam-se brilhantíssimas e quase de fino ouro, das laterais as menos distantes do meio são ainda mais brilhantes do que as mais distantes, as quais vão aparecendo gradualmente menos claras até ficar praticamente nulo o brilho das mais distantes: nulo para nós, mas, para quem se encontrasse num lugar onde elas permanecessem entre seu olho e o lugar onde o Sol se põe, mostrar-se-iam brilhantíssimas para ele e obscuras a nós as mais esplendorosas. Entenda, então, Sarsi, que se as nuvens não fossem quebradas mas fossem uma longa extensão contínua, a sua parte central pareceria brilhante a qualquer um dos observantes e gradualmente menos claras as laterais, conforme a distância de seu meio, porque onde eu posso ver o maior brilho, para outros é o menor. Mas alguém poderia agora afirmar que, uma vez que aquela parte da nuvem permanece fixa e sua luz não parece movimentar-se pela mudança de lugar do observador, isto seria suficiente para fazer com que a paralaxe opere na determinação de sua altura, e que, podendo acontecer o mesmo com o cometa, o uso da paralaxe seja suficiente para quem queira mostrar o lugar dela. Poder-se-ia responder a esta objeção que este argumento resultaria verdadeiro se fosse demonstrado antes que o cometa não é uma inteira imagem do Sol, mas só uma parte da imagem, assim como a matéria que forma o cometa é não só toda iluminada mas que a imagem do Sol é maior que ela, de modo que é bastante para iluminar um campo muito maior, existindo matéria apta a refletir a luz. Isto não foi demonstrado e pode ser diferente, isto é, que o cometa seja uma inteira imagem, não mutilada, como nos faz acreditar sua aparência bem regulada e simétrica. E daqui pode-se deduzir uma resposta fácil e razoável à pergunta que Sarsi coloca, isto é, como pode acontecer que, acreditando, segundo a colocação de Mário, o cometa esteja num campo muito extenso em altura que não se ilumine inteiramente mas nos reflita só um círculo parcial, sem que as outras partes, mesmo atingidas pelo Sol, não apareçam nunca. Farei, então, a mesma pergunta a ele e ao seu Mestre, que não desejando que o cometa seja um fogo, mas querendo acreditar (se não me engano) que ao menos sua cauda seja uma reflexão dos raios solares, se eles acreditam que o material que produz uma reflexão seja recortado da medida desta cauda, inteiro, que tenha de algum lado; e se sobrar (como acredito que me responda), por que não é percebida, uma vez que é atingida pelo Sol?
Não se pode afirmar que o reflexo seja originado pela substância do éter, substância que, muito transparente, não serve para isto, nem pode-se originar em outro material que, mesmo apto à reflexão, seria também apto a refletir os raios solares. Além disso, não sei por que razão ele chama um pequeno círculo a cabeça do cometa que seu Mestre conseguiu medir em 87.127 milhas quadradas, não sei com quais inteligentíssimos cálculos, quando nuvem alguma, acredito eu, pode alcançar tal medida.
Acrescenta Sarsi, imitando aquele que por muito tempo acreditou que o som pudesse ser produzido de uma única forma, não ser possível que o cometa se origine do reflexo daqueles vapores fumacentos, e que o exemplo do arco-íris não resolve a dificuldade, sendo ele uma ilusão visual: pois o arco-íris e outras coisas semelhantes são originados pela umidade da matéria que já está se transformando em água, que só naquele momento, imitando a natureza dos corpos líquidos, reflete a luz daquela parte onde se produzem os ângulos da reflexão e da refração, procurados como acontece nos espelhos, na água e nas bolas de cristal; mas, nos outros materiais ralos e secos, não possuindo superfície lisa como os espelhos, não se origina muita refração, procurando-se, então, para esta finalidade, uma matéria aguada, por conseguinte, muito pesada e inapta a subir além da Lua e do Sol, aonde podem chegar (também segundo minha opinião) só exalações levíssimas. O cometa, então, não pode ser produzido por tais fumacentos vapores. Uma resposta suficiente a toda esta argumentação seria afirmar que o Sr. Mário nunca limitou-se a afirmar qual seja a matéria originária e precisa do cometa, nem se ela é úmida ou fumacenta, seca ou lisa, e sei que ele não se envergonhará em afirmar que não a conhece. Porém, vendo que em vapores, nuvens ralas e não aguacentas, e naquelas que se dissolvem já em pequenas gotas, nas águas paradas, nos espelhos e outras matérias, aparecem por reflexão e refração muitas imagens ilusórias, considerou não ser impossível que na natureza exista ainda uma matéria apta a nos oferecer mais uma imagem diversa das outras, isto é, o cometa. Tal resposta, afirmo eu, é bem adequada à pergunta, se cada parte da pergunta for exata: todavia, o desejo de ajudar (como muitas vezes já confirmei) a pesquisa da verdade, pelo que me cabe, leva-me a fazer algumas considerações sobre determinados particulares contidos nesses discursos.
Em primeiro lugar, é verdade que numa emanação de pequeníssimas gotas de água recebemos a ilusão do arco-íris, mas não acredito que, pelo contrário, uma ilusão semelhante não se verifique sem tal emanação. O prisma triangular cristalino perto dos olhos nos apresenta todos os objetos das cores do arco-íris; muitas vezes, vê-se o arco-íris também em nuvens secas, sem que caia chuva alguma.
Não podemos ver também as mesmas ilusões de cores diversas nas penas de muitas aves, enquanto o Sol as atinge de várias formas? E que mais? Gostaria de anunciar a Sarsi alguma novidade se existisse alguma novidade a contar. Pegue ele qualquer matéria, seja pedra, madeira ou metal, e expondo-a ao Sol, observe-a atentamente e poderá observar nela todas as cores repartidas em pequeníssimas partes; e se ele usufruir, para observá-las melhor, de um telescópio adaptado a observar os objetos muito próximos, muito mais distintamente perceberá aquilo de que estou falando, sem necessidade que aqueles corpos transformem-se em orvalho ou vapores úmidos. Além disso, aquelas pequenas nuvens que ao pôr do sol mostram-se brilhantíssimas e refletem a luz do Sol tão viva que quase nos cega, são das mais ralas, secas e estéreis nuvens que existem no ar, e as úmidas, em vez, quanto mais estão cheias de água mais se mostram a nós escuras. O halo e os periélios verificam-se sem chuvas e sem umidade nas mais ralas e secas nuvens ou vapores que se encontrem no ar.
Segundo, é verdade que as superfícies bem lisas, como as dos espelhos, nos oferecem um poderoso reflexo da luz do Sol; assim, a muito custo podemos observá-la sem ofender a vista; porém, é também verdade que superfícies não muito lisas refletem com menos força se menor for a sua limpeza.
Veja agora, V. E. Ilustríssima, se o esplendor do cometa é daqueles que cegam a vista, ou é daqueles que por fraqueza não ofendem em nada; e disto julgue se para produzi-lo seja necessário uma superfície semelhante àquela de um espelho, e seja suficiente uma menos lisa. Eu gostaria de mostrar a Sarsi um modo de originar uma reflexão muito semelhante àquela do cometa. Pegue V. E. Ilustríssima uma garrafa de vidro bem limpa, e com uma vela acesa não muito distante do recipiente perceberá, em sua superfície, uma imagem bem pequena desta luz, clara e determinada. Pegando depois com a ponta do dedo uma mínima quantidade de qualquer matéria que possua um pouco de gordura, de modo que se junte ao vidro, engordure o mais sutilmente que puder aquela parte onde se percebe a imagem da luz até que a superfície fique um pouco nublada. Movimente depois a garrafa de maneira que a imagem saia da gordura e pare ao contato com ela; passe depois o dedo uma única vez horizontalmente sobre a parte gordurosa. Imediatamente verá originar-se um raio reto como a cauda do cometa, e este raio cortará transversalmente e em ângulos retos a linha do dedo que V. E. produziu, e, se V. E. voltar a passar o dedo numa outra direção, este raio originar-se-á em outra direção. Isto acontece porque, devido à pele dos nossos dedos não ser lisa, mas marcada por algumas linhas sinuosas para permitir melhor o tato e perceber as mínimas diferenças entre as coisas tangíveis, movimentando o dedo sobre esta superfície gordurosa, deixa alguns sulcos sutis no interior dos quais produzem-se os reflexos da luz, os quais, sendo muitos e dispostos ordenadamente, apresentam depois uma Unha brilhante, em cuja extremidade, se produzirmos, movimentando o vaso, aquela primeira imagem realizada na parte não gordurosa, perceber-se-á a cabeça da cauda mais brilhante e a cauda menos brilhante; o mesmo efeito produzir-se-á se, em vez de se engordurar o vidro, ficar embaçado soprando em cima. Eu peço a V. E. Ilustríssima que, se alguma vez por acaso Sarsi chegar a conhecer esta brincadeira, explique por mim bem claramente que eu não entendo com isso afirmar que exista no céu uma grande garrafa e alguém que a engordure, produzindo assim o cometa; simplesmente eu apresento este exemplo e poderei apresentar muitos outros que possam encontrar-se na natureza, ainda indefinidos a nós, como argumentos de sua riqueza de modos diferentes entre eles para produzir seus efeitos.
Em terceiro lugar, que reflexão e refração não podem ser produzidas por matérias e impressões meteorológicas a não ser quando contêm muita água, porque só neste caso apresentam superfícies lisas e limpas, condições estas necessárias para produzir tal efeito, asseguro que não é verdade que não possa ser diferente. No que diz respeito à limpeza, afirmo que mesmo sem ela produzir-se-á a reflexão da imagem unida e distinta. Afirmo assim porque a imagem quebrada e confusa é produzida por todas as superfícies, desiguais e ásperas; porém, aquela imagem de um pano colorido, que se vê distintíssima num espelho oposto, vê-se confusa e quebrada sobre o muro que reproduz uma determinada sombra da cor deste pano. Se V. E. Ilustríssima pegar uma pedra ou uma ripa de madeira não tão lisa que reflita perfeitamente as imagens, e colocar-se em direção oblíqua ao olho, como se quiséssemos verificar se ela é plana e reta, perceberá distintamente sobre ela as imagens dos objetos que se encontrarem encostados do outro lado da ripa, tão distintas que, apoiando um livro em cima, poderá ser lido comodamente. Mas se este experimento for concluído colocando-se o olho perto da extremidade de algum muro reto e comprido, primeiro perceber-se-á um perpétuo curso de exalações em direção ao céu, especialmente quando o muro for atingido pelo Sol, assim como todos os objetos parecem tremer; depois, o muro do outro lado parecerá aproximar-se, e verá que, quando estiver bem perto, sua imagem se apresentará refletida naqueles vapores ascendentes, nem úmidos nem pesados, pelo contrário, secos e leves. E que mais? Não chegou ainda ao ouvido de Sarsi tudo aquilo que foi falado, especialmente por Tycho, a propósito das refrações que se operam nas exalações e vapores que circundam a Terra mesmo que o ar seja sereno, seco e sem chuva e umidade? Também não se apoie, como ele faz, sobre a autoridade de Aristóteles e de todos os mestres de perspectiva, porque ele não poderá fazer outra coisa que afirmar que eu sou um observador mais cuidadoso que eles, o que, segundo meu parecer, é de todo contrário à sua intenção. Parece-me que tudo o que expus é uma resposta suficiente ao argumento de Sarsi.
Passemos, pois, ao segundo.
CONTINUA
18. Leia agora V. E. Ilustríssima o fim deste primeiro exame: Neste ponto, perceba Galileu, com quanta razão, desta e das muitas outras coisas expostas por ele no texto Nunzio Sidereo, deduzimos que o cometa deve se encontrar além da Lua. Ele mesmo afirma que, entre os astros, alguns brilham com a luz nativa e própria, e nesse número ele coloca o Sol e as estrelas chamadas fixas; outros, não dotados de brilho algum pela natureza, recebem toda a luz do Sol, como é costume pensar dos seis planetas que sobram.
Galileu observou, ademais, que as estrelas amam muito aquela vã coroação de luz não própria e que costuma fazer crescer uma cauda; os planetas, em vez, especialmente a Lua, Júpiter e Saturno, não têm quase nenhum brilho; contudo, Marte, Vênus e Mercúrio, apesar de não serem providos de luz própria, tiram, pela vizinhança do Sol, tanta luz que, sendo quase igual àquelas das estrelas, imitam seus raios circunstantes e seu brilho. Portanto, como o cometa, segundo Galileu também, não possui luz própria por natureza, mas a recebe do Sol, e junto com outros astrônomos de grande fama o consideramos planeta temporário, devia-se raciocinar sobre ele do mesmo modo como sobre a Lua e outros planetas, e cuja condição é tal que quanto menos são distantes do Sol tanto mais brilham, e revestidos de um brilho maior (que deriva disto), observados com a luneta parecem aumentar menos; enquanto o cometa recebe deste instrumento quase o mesmo aumento de Mercúrio, podemos não com muita probabilidade deduzir que o cometa não irradiou aquela luz circundada mais que Mercúrio e por isso não se encontra muito longe; por outro lado, como era aumentado menos que a Lua, precisava colocá-lo circundado de uma luz maior e mais perto do Sol? De tudo isto pode-se compreender com quanta razão afirmamos que o cometa, pois pareceu aumentar muito pouco, deve ser considerado muito mais longe de nós do que a Lua.
Sem dúvida, pela paralaxe observada e também pelo curso do cometa quase sidéreo, nós conhecíamos bastante seu lugar; como, além disso, a luneta o aumentava quase quanto Mercúrio, certamente nenhuma razão teria podido sustentar o contrário; foi lícito tirar daqui um corolário também de grande importância e peso a favor de nossa teoria. Mesmo que soubéssemos, com efeito, que estas coisas podiam ser originadas por muitas causas, justamente por causa da analogia que este corpo luminoso guardava junto a todos os outros corpos celestes em todos os seus fenômenos, pensamos ter recebido da luneta um beneficio bastante grande, pois nosso parecer, já firmado pelo peso de outros argumentos, confirmava ainda mais com o peso do próprio assentimento. Quanto ao restante, porém, acrescentado ao argumento, isto é, as palavras: "Sei que este argumento foi considerado por alguns de pouca importância", etc, clara e honestamente havíamos lembrado antes para que fim estas palavras haviam sido acrescentadas: naturalmente contra aqueles que, enfraquecendo a fé neste instrumento, completamente ignaros das disciplinas de óptica, proclamavam-no enganador e indigno de qualquer confiança. Compreende, então, Galileu, se não me engano, com quanta falta de raciocínio lutou contra nossa opinião a respeito da luneta, que ele considera em tudo de acordo com a verdade e com as suas próprias opiniões: haveria podido conhecer também antes se a tivesse examinado com espírito mais calmo. Como, então, haveríamos podido imaginar que ele não haveria de gostar dessas ideias que considerávamos suas próprias? Mas como estas coisas, segundo a nossa opinião, parecem suficientes, vamos examinar a opinião do próprio Galileu.
Aqui, primeiramente, como V. E. pode ver, iniciamos uma argumentação recortada, como se diz, de velho pano, consistente em diversos fragmentos de proposições, para provar que o lugar do cometa era entre a Lua e o Sol; proposição esta que o Sr. Mário e eu podemos conceder-lhe por completo, sem prejuízo algum, não tendo nós nunca afirmado nada em relação ao lugar do cometa, nem negado que ele possa se encontrar além da Lua, mas falou-se somente que as demonstrações até agora apresentadas pelos autores oferecem dúvidas. E para tirá-las não é de ajuda nenhuma que Sarsi apresente agora uma nova demonstração, mesmo que ela fosse necessária e conclusiva, e provar que esta conclusão seja verdadeira, mesmo que também em torno de conclusões verdadeiras se possa argumentar e silogizar falsamente. Todavia, pelo desejo que eu possuo de pôr à luz as coisas escondidas e chegar a verdadeiras conclusões, apresentarei algumas considerações em relação a estas proposições.
Para maior clareza e compreensão o farei com a maior brevidade possível.
Afirma ele ter deduzido do meu Nunzio Sidereo que as estrelas fixas, sendo aquelas que brilham com luz própria, brilham com uma luz não real, mas aparente. Os planetas, sendo desprovidos de luz própria, não agem assim, especialmente a Lua, Júpiter e Saturno, mas mostram-se quase sem brilho; porém, Vênus, Mercúrio e Marte, mesmo privados de luz própria, brilham muito por causa da vizinhança do Sol, pelo qual são mais abundantemente atingidos. Afirma, além disso, que o cometa, segundo meu parecer, recebe sua luz do Sol, e acrescenta haver ele, junto com autores de renome, considerado o cometa, desde muito tempo, um planeta; assim, a respeito dele pode-se raciocinar como a respeito dos outros planetas, os quais, quanto mais encontram-se perto do Sol mais brilham, e por consequência menos podem ser observados pelo telescópio, e, aumentando o cometa pouco mais que Mercúrio e muito menos que a Lua, com muita razão podia-se concluir que não estivesse muito mais longe do Sol do que de Mercúrio, mas muito mais perto daquele que da Lua. Esta é a teoria que muito bem se ajusta à necessidade de Sarsi, como se a conclusão, deduzida antes dos princípios e meios, dependesse não aquela destes, mas estes dela, e tivessem sido preparados por ele não da grandiosidade da natureza mas da arte muito sutil. Pesquisemos, porém, quanto ela seja conclusiva.
Em primeiro lugar, é completamente falso que eu tenha escrito no Nunzio Sidereo que Júpiter e Saturno não brilhem quase nada e que Marte, Vênus e Mercúrio sejam coroados de muitos raios, porque eu separei só a Lua do resto das outras estrelas, quer fixas quer errantes.
Em segundo lugar, não sei se para concluir que o cometa seja quase um planeta e que, sendo tal, lhe sejam convenientes as propriedades dos outros planetas, seja suficiente que Sarsi e seu Mestre junto com outros autores o tenham considerado e chamado assim. Pois, se a opinião deles fosse tão importante a ponto de fazer aceitar as coisas por eles propostas, eu os rogaria que considerassem e chamassem ouro muitos velhos pedaços de ferro que possuo em casa. Mas, deixando os nomes de lado, qual é a teoria que os induz a considerar o cometa quase um planeta desde muito tempo? Brilhar como os planetas? Mas qual é a nuvem, qual a fumaça, qual a madeira, qual o muro, qual a montanha, atingidos pelo Sol, que não brilham do mesmo tanto? Não percebeu Sarsi no Nunzio Sidereo minha demonstração, isto é,que nossa Terra brilha mais que a Lua? Mas qual é minha opinião sobre o brilho do cometa como um planeta? Eu, por mim, não considero impossível que sua luz possa ser tão fraca e sua substância tão sutil e rala, que, quando alguém se aproximasse dela, sumisse da vista completamente, como acontece com alguns fogos-fátuos que saem da Terra, que são percebidos só durante a noite e de longe, mas de perto desaparecem; da mesma forma que as nuvens distantes são percebidas bem determinadas, e depois, de perto, mostram um pouco de nebulosidade tão indeterminada que alguém, entrando nela, quase não distingue os limites, nem sabe separá-la do ar contíguo. E aquelas projeções de raios solares entre as nuvens, tão semelhantes aos cometas, por quem são percebidas se não por aqueles que lhes são distantes? Tem o cometa alguma coisa em comum com os planetas por causa do movimento? E qual será a coisa separada da parte elementar que, obedecendo ao estado terrestre, não terá o moto diurno de acordo com o resto do universo? Mas se falamos do outro movimento, aquele transversal, este não tem nada a ver com o movimento dos planetas, não sendo criado nem por aquele rumo, nem regulado, nem talvez circular. Mas, deixados de lado os acidentes, acreditará talvez alguém que a substância ou a matéria do cometa tenha alguma coisa a ver com a dos planetas? Pode-se acreditar que ela seja solidíssima, como nos convida a pensar em particular a Lua e em universal a figura bem determinada e imutável de todos os planetas; e, ao contrário, pode-se acreditar que a do cometa dissolva-se em poucos dias; e sua figura, não determinada ao redor, mas confusa e indistinta, nos mostra que a sua substância é mais sutil e mais rala que a névoa e a fumaça. Assim ele quase poderia ser chamado mais um planeta pintado que real.
Em terceiro lugar, eu não sei com quanta perfeição ele possa ter parangonado os raios e o aumento do cometa com o aumento de Mercúrio que, podendo ser observado raríssimas vezes, em todo o tempo da aparição do cometa, ele não apareceu nunca, nem deu a possibilidade de ser observado, encontrando-se sempre muito perto do Sol; posso sem escrúpulo acreditar que Sarsi não fez esta comparação, difícil de se realizar e muito incerta, mas que ele afirma ter realizado porque, sendo assim, serviria melhor para sua causa. Outro indício que mostra como ele não conseguiu fazer esta experiência é-me fornecido pelo fato de que, ao referir-se às observações relativas a Mercúrio e à Lua, com os quais compara as do cometa, parece-me que ele esteja confundindo muito. Aceitando, para concluir, que o cometa se encontre mais longe do Sol que de Mercúrio, precisava afirmar que o cometa possuía menos raios que ele, e observado com o telescópio aumentava mais que ele; todavia, afirmou o contrário, isto é, que não possuía mais raios que Mercúrio e que aumentava quase a mesma coisa, o que significa afirmar que possuía mais raios e menos aumento que Mercúrio. Comparando depois o cometa com a Lua, escreve a mesma coisa (mesmo afirmando escrever o contrário), isto é, que aumentava menos que a Lua e possuía mais raios. Todavia, para chegar a uma conclusão, deduz da identidade das premissas conclusões diferentes, isto é, que o cometa encontra-se mais perto do Sol que a Lua, porém mais distante que Mercúrio.
Para finalizar, afirmando Sarsi ser um lógico exato, não me faz entender por que, na divisão dos corpos luminosos que se irradiam mais ou menos, e que por consequência, observados com o telescópio, recebem um aumento maior ou menor, ele não haja registrado nossas luzes elementares; pois as velas, as tochas acesas observadas a qualquer distância, qualquer pedrinha, lenho ou corpúsculo, até as folhas e as gotas de orvalho atingidas pelo Sol, resplandecem, e de certo ângulo irradiam a par de qualquer estrela mais brilhante, e vistas pelo telescópio observam no aumento o mesmo teor que as estrelas. Assim, termina completamente aquela ajuda a mais que os outros haviam esperado do telescópio para conduzir o cometa no céu e tirá-lo da esfera elementar. Abandonai, portanto, Sarsi, a ideia de poder ajudar vosso Mestre e estai certo de que, para querer sustentar um erro, é necessário perpetrar cem outros e, coisa ainda pior, não conseguir o intento. Gostaria também de pedir-vos para não replicar mais, como o fazeis no final desta vossa parte, que estas são teorias minhas, pois nunca escrevi coisas parecidas, nem as falei, nem as pensei. Basta a respeito do primeiro trecho em exame.
19. Passemos ao segundo: Apesar de ninguém até hoje ter falado que o cometa deve colocar-se entre as aparências vãs, onde não haveríamos necessidade de libertá-lo da acusação de inanidade, pois Galileu acreditou enveredar por outro caminho para explicar o cometa completa e sabidamente, é justo parar e expor com cuidado esta sua nova teoria.
São duas hipóteses que ele cogitou: uma relativa à substância, outra referente ao movimento do cometa. No que diz respeito à primeira, Galileu afirma que esta luz é daquelas que, mostradas mais que criadas pela refração de outra luz, parecem ter mais o nome de sombras de corpos luminosos que ser corpos luminosos, como, por exemplo, os arco-íris, os halos, os parélios e muitas outras coisas semelhantes. No que diz respeito à segunda, Galileu afirma que o movimento dos cometas sempre foi retilíneo e perpendicular à superfície da Terra. Revelando estas suas descobertas, acreditou poder destruir com facilidade as opiniões dos outros. Nós vamos examinar agora com poucas palavras, e sem retórica, quanto de próprio se deva atribuir a estas opiniões (pois a verdade, mesmo nua, é bastante ornada). Mesmo sendo difícil abranger singularmente estas duas proposições, pois são tão conexas que parecem depender uma da outra e sustentar-se reciprocamente, nós nos preocuparemos para que os leitores não fiquem lesados. Por isso, contra a primeira posição de Galileu, afirmo que o cometa não foi simulacro vão de uma luz que iludia os olhos daqueles que o observavam e isto parece-me que não necessita de outra prova para aquele que, ao menos uma vez, seja a olho nu, seja com a luneta, haja observado o cometa. A simples vista manifestava a natureza desta luz, porque, em comparação a outras luzes realíssimas, qualquer um poderá com facilidade julgar se o observado era falso ou verdadeiro. Tycho, examinando as observações de Tadeu Agezio, deduz isto: "O corpo do cometa naqueles dias foi igual, em grandeza, a Júpiter e Vênus, e revestiu-se de uma luz nítida e de um grande esplendor, puro e belo, e sua substância pareceu pura demais para ser conveniente a matérias só elementares, mas era, de preferência, análoga àquela dos corpos celestes ". Tycho acrescenta a isto: "Tadeu foi bom juiz relativamente a este aspecto, haveria podido concluir claramente que este cometa não era elementar".
Sarsi andou figurando antes e arbitrariamente os princípios e os meios que fossem de acordo com as conclusões que ele queria demonstrar; agora parece-me que vai imaginando conclusões para contradizê-las como teorias do Sr. Mário e minhas, muito diversas, ou, ao menos, muito diversamente tomadas, de como são relatadas no Discurso do Sr. Mário. Que o cometa seja, sem dúvida, uma imagem vã e uma simples aparência, nunca foi afirmado com certeza, mas só foi posto em dúvida e levado à consideração dos filósofos com aqueles raciocínios e cogitações que parecem poder garantir que seja verdade. Eis aqui as palavras do Sr. Mário a este propósito: "Eu não afirmo resolutamente que o cometa produza-se assim, mas afirmo que são duvidosos, seja este modo seja os outros dos demais autores; os quais pretenderão estabelecer com certeza seus pareceres. e terão a obrigação de demonstrar que esta e todas as outras posições são vãs e falsas". Mesmo sendo o texto tão diferente, Sarsi afirma que nós temos por certo que o movimento do cometa deve ser necessariamente reto e perpendicular à superfície terrestre. Isto não foi apresentado desta forma, mas simplesmente foi cogitado como ser mais conforme às aparências e satisfazer às mudanças observadas no cometa. Esta hipótese é tão superficialmente apresentada pelo Sr. Mário que no fim ele declara: "Porém é mais conveniente para nós contentarmo-nos com aquele pouco que podemos cogitar mesmo sem ter muita clareza". Porém Sarsi quis mostrar que estas opiniões eram tão firmemente aceitas por mim que imaginou podê-las destruir com facilidade e com meios mais eficazes. Se ele conseguir o agradecerei, pois no futuro deverei preocupar-me com uma hipótese a menos todas as vezes que me venha a ideia de filosofar sobre tal matéria. Por enquanto, pois parece-me que ainda subsiste alguma coisa de vivo no raciocínio do Sr. Mário, moverei algumas objeções às objeções de Sarsi.
Opondo-se Sarsi com grande firmeza à primeira conclusão, afirma que aquele que, mesmo por uma vez, houvesse observado o cometa, não necessitaria mais de argumento algum para conhecer a natureza desta estrela; estrela que, comparada com as outras verdadeiras estrelas, mostrava muito claramente ser verdadeira e não falsa. Assim, como V. E. Ilustríssima entende, Sarsi confia tanto no sentido da visão que considera impossível ser enganado todas as vezes que tentamos fazer uma comparação entre um objeto falso e um real. Eu confesso não ter a visão tão perfeita, pelo contrário, confesso ser como aquele macaco que acredita firmemente ver no espelho outro macaco, e nem reconhece seu erro se quatro ou seis vezes não tenha ido atrás do espelho para agarrar a imagem, tanto aquela imagem se lhe apresente viva e verdadeira. Supondo, então, que aqueles que Sarsi vê no espelho não sejam homens verdadeiros e reais, mas imagens vãs, como nós vemos nossa imagem no espelho, gostaria ardentemente de saber quais são aquelas diferenças visuais por meio das quais tão rapidamente distingue o verdadeiro do falso. Quanto a mim, encontrei-me mil vezes em alguma sala de janelas fechadas, e através de algum pequeno buraco pude perceber o Sol refletindo-se sobre um muro oposto, julgando assim esta mancha, pela vista, uma estrela tão brilhante quanto a Canícula e Vênus. E andando contra o Sol no campo, quantos milhares de corpúsculos, pedrinhas, lisos ou molhados, transformar-se-ão pelo reflexo do Sol em estrelas brilhantíssimas? Mesmo cuspindo no chão, Sarsi sem dúvida perceberá onde cuspiu, pela reflexão solar, uma estrela naturalíssima. Além disso, qual corpo colocado a grande distância, atingido pelo Sol, não aparecerá como uma estrela, especialmente se for tão alto que possa ser enxergado durante a noite, como se enxergam as outras estrelas? E quem distinguiria a Lua, vista durante o dia, de uma nuvem atingida pelo Sol, senão pela diversidade do aspecto e pela grandeza?
Ninguém, com certeza. E enfim, se a simples aparência deve determinar a essência, é necessário que Sarsi aceite que os sóis, as luas e as estrelas, observados em água parada e em espelhos, sejam verdadeiros sóis, verdadeiras luas e verdadeiras estrelas. Em relação a esta parte, mude mesmo Sarsi de opinião, nem acredite que, citando a autoridade de Tycho, de Tadeu Agezio ou de muitos outros, melhore sua condição, a não ser que, por ter tido tais homens como companheiros, desculpe mais seu erro.
20. Continue V. E. Ilustríssima a ler: "Pois, por todo o tempo que nosso cometa brilhou, Galileu, segundo ouvi dizer, permaneceu de cama por uma doença, e nunca talvez pôde, por causa da doença, observar aquele corpo brilhantíssimo, e por isso pensamos dever-se discutir com ele por meio de outra argumentação. Afirma ele mesmo que às vezes, de alguma parte da Terra, um vapor fumacento levanta-se acima da Lua e também acima do Sol, e, logo que saído do cone sombreado da Terra, olhou para a luz do Sol da qual como que concebeu e gerou o cometa; e o movimento ou a subida de um tal vapor não é vago ou incerto mas retilíneo e sem ser desviado para parte alguma. Assim afirma ele, mas nós colocamos na nossa balança o peso destas afirmações. Primeiro, sabemos que esta matéria fumacenta e úmida, tendo subido casualmente da Terra nos dias em que, dominando amplamente o céu bóreas violentíssimas, facilmente poderia haver sido dispersada e dissipada. É pois, digno de admiração como impunemente corpúsculos tão sutis e leves, entre a ira do vento violentíssimo, puderam ter chegado até o alto com um proceder constante através do caminho enveredado no começo, quando nem pesos consideráveis confiados ao vento podiam vencer o ímpeto e a força. Eu considero muito contraditório que um vapor muito leve suba e suba em linha reta, e mal acredito que isto haja podido acontecer entre as várias mudanças do vento. E acrescenta que, garante Galileu, nem nas mais altas regiões dos planetas faltam condensações e rarefações de tais corpos fumacentos, e por isso nem aqueles movimentos vagos e incertos pelos quais é necessário que sejam levados.
Que os vapores fumacentos de alguma parte da Terra subam além da Lua, e até além do Sol, e que saídos do cone da sombra terrestre sejam engravidados pelos raios solares e que então gerem o cometa, nunca foi escrito pelo Sr. Mário nem foi afirmado por mim, apesar de Sarsi atribuí-lo a mim.
Aquilo que o Sr. Mário escreveu é que não é impossível que algumas vezes possam elevar-se da Terra exalações e outras coisas parecidas, mas muito mais sutis que de costume, que subam além da Lua e possam ser matéria geradora do cometa, e que às vezes originem-se sublimações extraordinárias relativas à matéria dos corpúsculos, exemplificando-o por meio da aurora boreal. Porém não afirma que aquela seja numericamente a mesma matéria dos cometas, que necessita ser muito mais rala e sutil que os vapores dos corpúsculos e do que a matéria da assim chamada aurora boreal, tendo aceito que o cometa resplende muito menos que a aurora; assim, se o cometa se ampliasse, por exemplo, rumo ao oriente, na cândida alvorada, enquanto o Sol não se encontrasse longe do horizonte mais do que 6 ou 8 graus, sem dúvida não se perceberia, por ser menos brilhante do que seu próprio ambiente. E com a mesma probabilidade, não certeza, atribuiu-se à mesma matéria o movimento retilíneo em ascensão. E isto seja afirmado não para retratarmo-nos por medo das oposições de Sarsi, mas só para mostrar que não nos afastamos do nosso hábito, que consiste em não afirmar como verdadeiras a não ser as coisas que conhecemos como indiscutíveis, como nos ensina nossa filosofia e nossa matemática. Agora, partindo do ponto de vista de que houvéssemos verdadeiramente afirmado aquilo que Sarsi fala, examinemos suas posições.
Sua primeira oposição baseia-se na impossibilidade de os vapores subirem ao céu, em linha reta, enquanto que verificamos que um papagaio é empurrado pelo ar com movimento transversal, assim como as outras coisas que se encontram nele; e o mesmo verificou-se por muitos dias depois do aparecimento do cometa. A oposição é verdadeiramente inteligente, mas perde muito de sua força lógica porque, segundo notícias seguras, naqueles dias, nem na Pérsia nem na China verificaram-se perturbações atmosféricas; e eu acreditarei que de umas daquelas regiões se origina a matéria do cometa, se Sarsi provar que ele não é originário de lá, mas de Roma, onde ele percebeu o vento boreal.
Mas, mesmo que o vapor saísse da Itália, quem pode saber se ele não se houvesse posto em viagem antes dos dias de vento, muitos dias antes de sua chegada ao orbe do cometa, longe da Terra, segundo a relação do Mestre de Sarsi, quatrocentos e setenta mil milhas mais ou menos; porque, para empreender uma viagem tão comprida, é necessário bastante tempo, pois a subida dos vapores, por aquilo que podemos observar em relação àqueles perto da Terra, não atinge a velocidade do voo das aves; assim não seriam suficientes quatro anos para concluir tamanha viagem. Mesmo aceitando que estes vapores pudessem se movimentar em época de vento, Sarsi, que acredita piamente nos historiadores e nos poetas, não poderá negar que o impulso dos ventos não sobe mais de duas ou três milhas, já que existem montes cujo cume vai além da região dos ventos. Assim, o máximo que ele poderá concluir é que dentro deste espaço os vapores movimentam-se transversal e não perpendicularmente; porém, fora deste espaço desaparece o impedimento que os desvia do caminho retilíneo.
21. Veja mais V. E. Ilustríssima: Aceitamos que estes vapores possam manter, através dos ventos, suas direções e rumar para onde possam receber os raios diretos do Sol, enviando-os a nós refletidos. Por que, então, recebendo em toda a sua extensão a luz do Sol, no-la mostram somente em uma mínima parte de si? Com certeza, sendo o próprio Galileu testemunha, quando nos dias de verão um vapor não diferente indo rumo ao norte mais alto que de costume apresenta-se à luz do Sol, então, imergido em luz brilhantíssima, mostra-se muito brilhante em todas as suas partes, para utilizar sua próprias palavras, nos reflete mesmo de noite a aurora boreal; e não se mostra tão avarento do esplendor recebido que não permita que a reflexão da luz do Sol, que ele recebeu em toda a sua extensão, nos apareça apenas através de um pequeno buraco. Eu mesmo verifiquei, não somente em tempo de verão, mas no mês de janeiro, quatro horas depois do pôr do sol, algo ainda mais maravilhoso, isto é, uma pequena nuvem, cândida e brilhante, tão rarefeita que não encobria nem as estrelas menores, e os dons de luz que havia recebido do Sol ela os expandia livremente, com alma generosa, por todos os cantos. Então todas as nuvens (admitindo que tenham alguma afinidade com a matéria do cometa), se são tão densas e obscuras que não possam refletir livremente os raios do Sol, ao menos na parte virada para o Sol o refletem para nós com generosidade recíproca; porém, se são ralas e sutis, e a luz facilmente as penetre integralmente, não mostram obscuridade em parte alguma, mas oferecem aos olhos inundados uma luz esplendorosa. Então, se o cometa não se forma de outra matéria que não seja vapores fumacentos, não Juntados globalmente mas, como o próprio Galileu afirma, ocupando um espaço suficientemente vasto do céu, brilhando em toda parte com a luz do Sol, qual é a causa pela qual brilham sempre para aqueles que o observam só de um pequeno e estreito disco, e as outras partes deste mesmo vapor, iluminadas pelo Sol com mesma luz, não aparecem? Dificilmente tudo isto pode ser explicado com o exemplo do arco-íris, em cuja formação acontece a mesma coisa que evidentemente só de uma parte da nuvem volta ao olho, quando, entretanto, em todo o espaço iluminado pelo Sol a própria diversidade das cores seja gerada de sua luz. Com efeito, o arco-íris e outros meteoros, se existirem, requerem de preferência matéria úmida e com tendência a mudar-se em água; pois esta matéria só quando se derrete em água, imitando a natureza dos corpos leves, puros e transparentes, reflete a luz só na parte onde formam ângulos de reflexão e de refração necessários a tudo isto, como percebemos nos espelhos, na água e no gelo. Depois, se alguma emanação encontrar-se mais rarefeita ou mais seca, acontece porque ela não possui superfície lisa como os espelhos, nem reflete muitos raios. Visto necessitar-se de um corpo liso para que haja reflexão e necessitar-se de sua densidade para a refração (coisas que nunca se encontram nas impressões meteorológicas, a não ser quando a natureza delas possui muita água, como ensinaram não só Aristóteles mas também todos os mestres de óptica, e a própria razão persuade com muita eficácia), segue disto necessariamente que emanações semelhantes possuirão, por natureza própria, um certo peso, e por isto menos aptas a subir acima da Lua e do Sol, pois o próprio Galileu admite que devem ser muito sutis e leves aqueles que voam até lá em cima. Portanto, não daquele vapor fumacento e rarefeito, e na verdade de peso algum, poderá refletir para nós aquela imagem brilhante de luz: o vapor aguado, na verdade, sendo pesado, não poderá subir deforma alguma.
Depois de observado por muitas experiências, parece-me ser esta a condição humana em relação às coisas intelectuais: quanto menos entende-se e sabe-se, com tanta mais força quer-se discutir; e, pelo contrário, mais coisas são conhecidas menor é a tendência de discutir resolutamente sobre qualquer novidade. Nasceu em um lugar muito solitário um homem dotado por natureza de grande inteligência e de extraordinária curiosidade. Criando por prazer grande diversidade de aves, gostava enormemente do seu canto, e com muita admiração observava de que modo, por meio do próprio ar que respiravam, conseguiam formar ao seu arbítrio cantos diferentes e todos suavíssimos. Acontece que uma noite perto de casa escutou um som delicado, e, nem podendo imaginar que fosse outra coisa a não ser uma pequena ave, foi buscá-la. Chegando à estrada encontrou um pequeno pastor que, assoprando num pedaço de madeira furada e movimentando os dedos sobre a madeira, uma vez fechando e uma vez abrindo determinados buracos, conseguia produzir aquelas vozes diferentes, semelhantes às de um pássaro, mas de forma bem diversa. Admirado e movido pela sua curiosidade natural, deu de presente um bezerro ao pastor para obter aquela flauta. De regresso à sua casa e percebendo que se não houvesse encontrado por acaso aquele pastor nunca haveria aprendido que existiam na natureza duas formas diversas de criar vozes e cantos suaves, quis sair de casa procurando encontrar outras aventuras. Aconteceu que no dia seguinte, passando perto de uma pequena choça, escutou ressoar dentro dela uma voz semelhante. Para ter certeza se era uma flauta ou um pássaro, entrou e encontrou um menino que estava serrando, com um pequeno arco segurado na mão direita, alguns nervos estendidos sobre um lenho côncavo, enquanto sustentava com a mão esquerda o instrumento sobre o qual, movimentando os dedos e sem sopro algum, extraía dele vozes diversas e suaves. Qual foi seu espanto pode ser julgado facilmente por aquele que possuir a mesma inteligência e a mesma curiosidade dele que, vendo aumentar, de duas novas formas, a maneira de produzir uma voz e um canto tão inusitados, começou a acreditar poderem existir ainda outros na natureza. Mas qual foi sua surpresa quando, entrando em um determinado templo, começou a olhar atrás da porta para ver quem estava tocando e percebeu que o som havia saído dos ferros da porta ao abri-la? Em outra ocasião, empolgado pela curiosidade, entrou em um boteco e, acreditando encontrar outra vez alguém que com o arco tocasse as cordas de um violino, viu uma pessoa que, esfregando o dedo sobre a orla de um copo, conseguia produzir um som suavíssimo. Mas logo que observou que as abelhas, os pernilongos e as moscas, com o rapidíssimo bater das asas, e não como suas primeiras aves que respirando formavam vozes ininterruptas, produziam um som perpétuo, tanto aumentou sua admiração que diminuiu sua confiança sobre o conhecimento da origem do som. Nem todas as experiências já observadas haveriam sido suficientes para fazer-lhe entender ou acreditar que os grilos, não voando, conseguiam, não por meio do sopro mas com o movimento das asas, produzir sons tão doces e sonoros. Mas quando acreditou não poderem existir outras formas possíveis de produzir vozes, depois de haver observado, além das maneiras já relatadas, ainda tantos órgãos, trompas, flautas e instrumentos de corda de todos os tipos, até chegar à aquela pequena lâmina de ferro que, suspensa entre os dentes, usava de forma muito esquisita a cavidade bucal para dar corpo à amplificação do sopro permitindo a passagem do som, quando, repito, na hora que acreditava haver conhecido tudo, encontrou-se ainda mais no escuro e na ignorância, quando, havendo encontrado uma cigarra que nem fechando-lhe a boca e nem fechando-lhe as asas conseguia diminuir seu altíssimo estridor, não percebeu movimento algum de escamas nem de outras partes. Finalmente, levantando-lhe a caixa dos pulmões e observando embaixo dela algumas cartilagens duras mas sutis, e acreditando que o som fosse originado do seu movimento, resolveu quebrá-las para fazê-la parar, mas tudo foi em vão.
Então, fincando uma agulha mais funda no corpo da cigarra, passando-a, tirou-lhe junto com a voz a vida e assim não pode mais pesquisar se o canto era originado verdadeiramente por aquelas membranas. Tornou-se tão descrente sobre seus possíveis conhecimentos em relação aos sons que todas as vezes que alguém lhe perguntava sua opinião sobre a origem dos sons, generosamente respondia não conhecer causa alguma, mas que estava resolvido a acreditar que pudessem existir cem outras maneiras, ainda desconhecidas e impensáveis.
Eu poderia dar muitos exemplos da variedade da natureza em produzir seus efeitos de maneira inimaginável para nós, se o sentido e a experiência não nos explicitassem sem, muitas vezes, suprir nossa incapacidade. Assim, se eu não souber, com exatidão, determinar a produção do cometa, deverão ser aceitas minhas desculpas, especialmente porque nunca afirmei poder dar esta explicação sabendo que ela poderia verificar-se de forma muito alheia à nossa imaginação. A dificuldade de entender como se forma o canto da cigarra, enquanto ela canta na mão, desculpa de sobra não saber como pode formar-se um cometa tão longe de nós. Para frisar, então, a primeira intenção do Sr. Mário e minha, isto é, promover aquelas dúvidas que parecem abalar as opiniões manifestadas até agora e propor alguma nova teoria para examinar se existe alguma coisa que possa esclarecer e abrir o caminho rumo à verdade, continuarei a raciocinar sobre as teorias manifestadas por Sarsi, que considerou improváveis nossos argumentos.
Continuando Sarsi sua exposição e aceitando serem os vapores ou outra matéria aptos a formar o cometa, seu elevar-se da Terra e subindo muito alto, onde pudesse receber diretamente os raios solares refletindo-os para nós, é difícil imaginar de que forma, sendo completamente iluminada, reflita até nós só a luz de uma pequena parte, e não acontece como aqueles vapores que nos apresentam aquela intempestiva aurora boreal, vapores que, sendo todos iluminados, mostram todos suas luzes.
Afirma depois ter observado, pelo meio da noite, uma coisa maravilhosa, isto é, uma pequena nuvem no zênite que, sendo toda iluminada, refletia livremente seu brilho de todas as suas partes, e acrescenta que, se todas as nuvens forem espessas e opacas, nos refletem a luz do Sol com toda a sua parte visível, porém se elas forem ralas, assim que a luz as penetre, mostrar-se-ão a nós brilhantes e não opacas; então, se o cometa forma-se com tais vapores fumacentos muito espalhados, como afirma o Sr. Mário, e não reunidos em círculo, sendo atingidos pelo Sol por todas as partes, por qual razão nós recebemos sua reflexão de uma pequena parte e não de todo o restante igualmente iluminado? Mesmo que as soluções destas perguntas estejam completamente resolvidas no Discurso do Sr. Mário, eu as relatarei aqui colocando-as acertadamente e acrescentando alguma outra consideração, conforme for solicitado pela matéria.
Em primeiro lugar, Sarsi deveria sem dificuldade conceder que só de um lado particular de toda a matéria sublimada pelo cometa verifica-se a reflexão da luz do Sol a uma visão particular, apesar de ser toda iluminada; tendo nós mil experiências semelhantes a favor, contra uma que pareça ser contrária, facilmente, entre as de Sarsi contrárias a esta posição, encontraremos muitas outras favoráveis. É certo que qualquer espelho plano exposto ao Sol fica por ele iluminado em toda a sua superfície; o mesmo acontece com qualquer pântano, lago, rio, mar, ou seja, com qualquer superfície lisa de qualquer material; porém, a uma vista particular não corresponde a reflexão do raio solar, a não ser de um lugar particular desta superfície, cujo lugar muda, mudando o olho do observador. A superfície externa de nuvens sutis, mas muito espalhadas, é toda iluminada pelo Sol de forma igual; todavia, o halo e os periélios não aparecem a um olho particular a não ser em um único lugar, e este, com o movimento do olho, muda de lugar dentro da nuvem.
Sarsi afirma: Aquela matéria sutil sublimada que produz aquela aurora boreal vê-se também toda iluminada, como ela o é de verdade. Porém, pergunto eu a Sarsi de onde lhe vem esta certeza. E ele pode responder-me somente que não percebe parte alguma que não seja iluminada, assim como acontece com o resto da superfície dos espelhos, das águas, dos mármores, além daquela pequena parte que reflete a viva luz do Sol. Porém advirto-o de que, se a matéria fosse transparente, não distinguiria nada mais que aquele esplêndido raio refletido, como acontece às vezes que a superfície do mar não se distingue do ar, mesmo que se veja imagem reflexa do Sol; e assim, colocado um vidro sutil a uma determinada distância, poderá mostrar-nos aquela sua pequena parte que reflete alguma luz, ficando o resto invisível por causa de sua transparência. Este erro de Sarsi é semelhante àquele dos que afirmam que criminoso algum deve confiar que seu crime possa ficar oculto, nem percebem a incompatibilidade que existe entre permanecer oculto e ser descoberto, e quem quisesse ter duas cadernetas, uma dos delitos que permanecem ocultos e outra daqueles que são descobertos em cuja caderneta dos ocultos nunca poderia registrar-se coisa alguma. Afirmo, então, que não me oponho à crença de que a matéria da aurora boreal seja muito ampla e uniformemente iluminada pelo Sol50; como, porém, não posso descobrir e observar a não ser aquela parte cuja refração meu olho pode captar, permanecendo invisível todo o restante, tenho a ilusão de perceber tudo. E que mais? A propósito dos vapores crepusculares que circundam a Terra, não permanece iluminado pelos raios solares sempre um hemisfério? Com certeza sim; todavia, aquela parte que se interpõe diretamente entre o Sol e nós mostra-se a nós muito mais luminosa do que as partes mais distantes. Mas esta, como ainda outras, é pura aparência e ilusão de nosso olho, pois, encontrando-nos em qualquer lugar, sempre observamos o Sol como centro de um círculo luminoso, mas que gradualmente vai perdendo o brilho, segundo se encontre à direita ou à esquerda deste centro; para outros, mais para o boreal, parece mais escura aquela parte que a mim parece mais clara, e mais brilhante aquela que a mim apresentava-se mais escura. Podemos, assim, afirmar a existência de um halo perpétuo e grande ao redor do Sol, figurado na superfície convexa que termina a esfera de vapor, cujo halo, da mesma forma que o outro, que às vezes nasce de uma nuvem sutil, muda de lugar segundo a mudança do observador. Em relação à pequena nuvem que Sarsi afirma ter observado brilhar na noite profunda, poderia perguntar-lhe que certeza tem ele de ela não ser maior do que aquela que aparece, especialmente afirmando ele que era tão transparente que não escondia estrelas fixas, mesmo mínimas, pois não possuía indício algum para garantir que ela se ampliasse invisivelmente como transparente, muito e muito além da parte brilhante observada: por isso é ainda duvidoso se ela não é uma aparência que muda como as outras segundo a mudança do olho. Além de não haver nada em contrário que ela apareça inteiramente brilhante e seja, da mesma forma, uma ilusão, o que acontecerá se ela não fosse maior do que aquele espaço que vem a ser ocupado pela imagem do Sol, assim que, observando a imagem do Sol, por exemplo, ocupar num espelho tanto espaço quanto uma unha, nós cortássemos fora o restante, não há dúvida de que este pequeno espelho poderá nos aparecer brilhante de todo. Além disso, quando o pequeno espelho fosse menor do que a imagem, então poder-se-ia observar não só tudo iluminado mas sua imagem não pareceria movimentar-se a cada movimento do olho, como no espelho grande; e até por ser ele incapaz de toda imagem do Sol, segue que, movendo-se o olho, veria a reflexão ora de um lado ora de outro do disco solar; assim a imagem pareceria imóvel, até que o olho se dirija à parte que não produz reflexão, ela se perderia completamente. É muito importante, então, considerar a grandeza e a qualidade da superfície que reflete, pois, conforme a superfície seja menos limpa, a imagem do mesmo objeto se apresentará sempre maior, pois, às vezes, antes que a imagem passe por todo o espelho, será necessário que o olho passe por muito espaço, e esta imagem parecerá fixa então, mesmo que na realidade seja móvel.
Para explicar melhor um ponto importantíssimo e que talvez possa solicitar, não digo Sarsi, mas algum outro, pense V. E. Ilustríssima encontrar-se numa praia com um tempo tranquilo e o Sol já descendo no ocaso. Perceberá, então, sobre a superfície do mar que está na metade do círculo máximo da esfera celeste que passa pelo disco solar, o reflexo brilhantíssimo do Sol, mas não muito amplo; se, pelo contrário, como já falei, a água for muito calma, verá a imagem do disco solar bem definida como num espelho. Se uma pequena brisa começa a movimentar a superfície da água, na mesma hora verá V. E. Ilustríssima a imagem do Sol quebrar-se em muitas partes, ampliando-se e difundindo-se. E, enquanto próxima, poderiam se distinguir cada uma das partes da imagem quebrada; todavia, sendo longe, não se perceberia esta separação, quer pelos breves intervalos entre as partes, quer pelo grande brilho das partes cintilantes, que se misturaram, como acontece com muitos fogos perto entre si e que de longe parecem ser um só. Se a água se movimentar sempre mais por espaços sempre maiores, ampliar-se-á a multidão dos espelhos que refletirão, segundo as diversas inclinações das ondas, a imagem do Sol quebrada. Mas distanciando-se sempre mais e subindo numa colina ou outra elevação para poder enxergar melhor o mar, o campo brilhante parecerá único e contínuo. Aconteceu-me enxergar de cima de uma montanha altíssima e distante do mar de Livorno sessenta milhas, com um tempo sereno mas de ventania, uma hora antes do pôr do sol, uma tira brilhantíssima à direita e à esquerda do Sol, que ocupava em comprimento muitas dezenas, até muitas centenas de milhas, a qual era, porém, como as outras, uma mesma reflexão da luz do Sol. Agora, imagine, Sarsi, que da superfície do mar, com o mesmo movimento de ondas, grande parte tivesse se retraído para as orlas deixando só no meio, isto é, face ao Sol, um comprimento de duas ou três milhas: esta, com certeza, seria observada completamente iluminada, e imóvel mesmo, com respeito a qualquer movimento que o observador houvesse realizado à direita ou à esquerda; só depois de movimentar-se por alguma milha começaria a desaparecer a parte esquerda da imagem, se ele estivesse caminhando para a direita, e a imagem esplendorosa diminuiria até que, adelgaçando-se, desapareceria por completo. Disto resulta que a imagem é móvel em relação à imagem do observador, pois, mesmo observando-a toda, perceberíamo-la toda ainda movimentar-se, encontrando-se seu meio sempre à direita do Sol, apesar de aparecer a muitos outros que a observem no mesmo momento como encontrando-se em outros pontos do horizonte.
Eu não quero esconder de V. E. Ilustríssima aquilo que eu lembrei neste ponto para a solução do problema do mar. Espertos marinheiros conhecem às vezes o vento que chegou a eles depois de algum tempo, observando o ar que, nesse caso, mostra-se mais claro, daquele lado, do que deveria ser.
Imagine V. E. Ilustríssima se isto poderia derivar do fato de se encontrar já naquela parte o vento que, movimentadas as ondas, faz nascer, como por espelhos multiplicados infinitamente e difundidos amplamente, o reflexo do Sol muito maior do que se o mar fosse tranquilo, permitindo que seja muito mais iluminada por esta nova luz aquela parte do ar vaporoso por meio do qual este reflexo difunde-se, cujo ar ofereça ainda algum reflexo de luz aos olhos dos marinheiros, os quais, encontrando-se embaixo, não podiam perceber a primeira reflexão daquela parte de mar já movimentada pelos ventos e distante deles vinte ou trinta milhas; e que esta seja a sua previsão do vento distante.
Mas, continuando nosso primeiro discurso, afirmo que os raios solares não refletem, com a mesma grandeza, a imagem do Sol sobre todos os materiais, isto é, sobre todas as superfícies; mas sobre algumas (isto é, as planas e lisas como um espelho) nos aparece o disco solar semelhante ao verdadeiro, nas superfícies convexas mas lisas nos aparece menor, e nas côncavas às vezes menor e às vezes maior, às vezes mesmo igual, segundo as diversas distâncias entre o espelho, o objeto e o olho.
Porém, se a superfície não for igual mas sinuosa e cheia de cavidades ou elevações e como se fosse composta por milhares de pequenos espelhos colocados com várias inclinações, expostas aos olhos de mil modos, então a mesma imagem do Sol chegará ao nosso olho de mil partes e dividida em mil pedaços, os quais ampliar-se-ão, imprimindo nesta superfície um amplo conjunto de pequenas manchas brilhantes, cuja frequência originará a ilusão de um único campo de luz contínua visto de longe, mais brilhante e viva no meio que nas extremidades, onde diminui e desaparece, enfim, quando por causa da obliquidade do olho em relação a esta superfície os raios visíveis não encontram mais ondas que se refletem contra o Sol. Esta imagem resulta ainda móvel de acordo com o movimento do olho, se, porém, além de seus limites, continua a superfície que reflete; mas, se a quantidade da matéria ocupar um pequeno espaço, muito menor do que o da imagem inteira, poderá acontecer que, ficando fixa a matéria e movimentando-se o olho, ela continue a aparecer brilhante, até que, tendo chegado o olho àquele termo do qual, pela obliquidade dos raios incidentes sobre a matéria, as reflexões não se dirigem mais rumo ao Sol, a luz desaparece e perde-se. Não concordo com Sarsi que quando ele vê uma nuvem suspensa no ar, bem determinada e toda brilhante, que permanece tal apesar de o olho ir se movimentando, não pode ter a certeza de que esta luz seja mais real do que um halo, do que os periélios, do que o arco-íris, e do que a reflexão sobre a superfície do mar; porque afirmo-lhe que a sua consistência e sua aparente estabilidade podem depender da pequenez da nuvem que não consegue receber toda a amplidão da imagem do Sol; e esta imagem, em relação à posição das partes da superfície da nuvem, ampliar-se-ia, se não lhe faltasse matéria, num espaço muito maior da nuvem, e quando se visse inteiro e o campo das nuvens se adiantasse a ele, afirmo que apareceria movimentando-se inteiramente em relação ao movimento do olho. Prova-o o fato de termos visto muitas vezes, ao nascer e ao pôr do sol, muitas pequenas nuvens colocadas perto do horizonte, das quais as que se encontram face ao Sol tornam-se brilhantíssimas e quase de fino ouro, das laterais as menos distantes do meio são ainda mais brilhantes do que as mais distantes, as quais vão aparecendo gradualmente menos claras até ficar praticamente nulo o brilho das mais distantes: nulo para nós, mas, para quem se encontrasse num lugar onde elas permanecessem entre seu olho e o lugar onde o Sol se põe, mostrar-se-iam brilhantíssimas para ele e obscuras a nós as mais esplendorosas. Entenda, então, Sarsi, que se as nuvens não fossem quebradas mas fossem uma longa extensão contínua, a sua parte central pareceria brilhante a qualquer um dos observantes e gradualmente menos claras as laterais, conforme a distância de seu meio, porque onde eu posso ver o maior brilho, para outros é o menor. Mas alguém poderia agora afirmar que, uma vez que aquela parte da nuvem permanece fixa e sua luz não parece movimentar-se pela mudança de lugar do observador, isto seria suficiente para fazer com que a paralaxe opere na determinação de sua altura, e que, podendo acontecer o mesmo com o cometa, o uso da paralaxe seja suficiente para quem queira mostrar o lugar dela. Poder-se-ia responder a esta objeção que este argumento resultaria verdadeiro se fosse demonstrado antes que o cometa não é uma inteira imagem do Sol, mas só uma parte da imagem, assim como a matéria que forma o cometa é não só toda iluminada mas que a imagem do Sol é maior que ela, de modo que é bastante para iluminar um campo muito maior, existindo matéria apta a refletir a luz. Isto não foi demonstrado e pode ser diferente, isto é, que o cometa seja uma inteira imagem, não mutilada, como nos faz acreditar sua aparência bem regulada e simétrica. E daqui pode-se deduzir uma resposta fácil e razoável à pergunta que Sarsi coloca, isto é, como pode acontecer que, acreditando, segundo a colocação de Mário, o cometa esteja num campo muito extenso em altura que não se ilumine inteiramente mas nos reflita só um círculo parcial, sem que as outras partes, mesmo atingidas pelo Sol, não apareçam nunca. Farei, então, a mesma pergunta a ele e ao seu Mestre, que não desejando que o cometa seja um fogo, mas querendo acreditar (se não me engano) que ao menos sua cauda seja uma reflexão dos raios solares, se eles acreditam que o material que produz uma reflexão seja recortado da medida desta cauda, inteiro, que tenha de algum lado; e se sobrar (como acredito que me responda), por que não é percebida, uma vez que é atingida pelo Sol?
Não se pode afirmar que o reflexo seja originado pela substância do éter, substância que, muito transparente, não serve para isto, nem pode-se originar em outro material que, mesmo apto à reflexão, seria também apto a refletir os raios solares. Além disso, não sei por que razão ele chama um pequeno círculo a cabeça do cometa que seu Mestre conseguiu medir em 87.127 milhas quadradas, não sei com quais inteligentíssimos cálculos, quando nuvem alguma, acredito eu, pode alcançar tal medida.
Acrescenta Sarsi, imitando aquele que por muito tempo acreditou que o som pudesse ser produzido de uma única forma, não ser possível que o cometa se origine do reflexo daqueles vapores fumacentos, e que o exemplo do arco-íris não resolve a dificuldade, sendo ele uma ilusão visual: pois o arco-íris e outras coisas semelhantes são originados pela umidade da matéria que já está se transformando em água, que só naquele momento, imitando a natureza dos corpos líquidos, reflete a luz daquela parte onde se produzem os ângulos da reflexão e da refração, procurados como acontece nos espelhos, na água e nas bolas de cristal; mas, nos outros materiais ralos e secos, não possuindo superfície lisa como os espelhos, não se origina muita refração, procurando-se, então, para esta finalidade, uma matéria aguada, por conseguinte, muito pesada e inapta a subir além da Lua e do Sol, aonde podem chegar (também segundo minha opinião) só exalações levíssimas. O cometa, então, não pode ser produzido por tais fumacentos vapores. Uma resposta suficiente a toda esta argumentação seria afirmar que o Sr. Mário nunca limitou-se a afirmar qual seja a matéria originária e precisa do cometa, nem se ela é úmida ou fumacenta, seca ou lisa, e sei que ele não se envergonhará em afirmar que não a conhece. Porém, vendo que em vapores, nuvens ralas e não aguacentas, e naquelas que se dissolvem já em pequenas gotas, nas águas paradas, nos espelhos e outras matérias, aparecem por reflexão e refração muitas imagens ilusórias, considerou não ser impossível que na natureza exista ainda uma matéria apta a nos oferecer mais uma imagem diversa das outras, isto é, o cometa. Tal resposta, afirmo eu, é bem adequada à pergunta, se cada parte da pergunta for exata: todavia, o desejo de ajudar (como muitas vezes já confirmei) a pesquisa da verdade, pelo que me cabe, leva-me a fazer algumas considerações sobre determinados particulares contidos nesses discursos.
Em primeiro lugar, é verdade que numa emanação de pequeníssimas gotas de água recebemos a ilusão do arco-íris, mas não acredito que, pelo contrário, uma ilusão semelhante não se verifique sem tal emanação. O prisma triangular cristalino perto dos olhos nos apresenta todos os objetos das cores do arco-íris; muitas vezes, vê-se o arco-íris também em nuvens secas, sem que caia chuva alguma.
Não podemos ver também as mesmas ilusões de cores diversas nas penas de muitas aves, enquanto o Sol as atinge de várias formas? E que mais? Gostaria de anunciar a Sarsi alguma novidade se existisse alguma novidade a contar. Pegue ele qualquer matéria, seja pedra, madeira ou metal, e expondo-a ao Sol, observe-a atentamente e poderá observar nela todas as cores repartidas em pequeníssimas partes; e se ele usufruir, para observá-las melhor, de um telescópio adaptado a observar os objetos muito próximos, muito mais distintamente perceberá aquilo de que estou falando, sem necessidade que aqueles corpos transformem-se em orvalho ou vapores úmidos. Além disso, aquelas pequenas nuvens que ao pôr do sol mostram-se brilhantíssimas e refletem a luz do Sol tão viva que quase nos cega, são das mais ralas, secas e estéreis nuvens que existem no ar, e as úmidas, em vez, quanto mais estão cheias de água mais se mostram a nós escuras. O halo e os periélios verificam-se sem chuvas e sem umidade nas mais ralas e secas nuvens ou vapores que se encontrem no ar.
Segundo, é verdade que as superfícies bem lisas, como as dos espelhos, nos oferecem um poderoso reflexo da luz do Sol; assim, a muito custo podemos observá-la sem ofender a vista; porém, é também verdade que superfícies não muito lisas refletem com menos força se menor for a sua limpeza.
Veja agora, V. E. Ilustríssima, se o esplendor do cometa é daqueles que cegam a vista, ou é daqueles que por fraqueza não ofendem em nada; e disto julgue se para produzi-lo seja necessário uma superfície semelhante àquela de um espelho, e seja suficiente uma menos lisa. Eu gostaria de mostrar a Sarsi um modo de originar uma reflexão muito semelhante àquela do cometa. Pegue V. E. Ilustríssima uma garrafa de vidro bem limpa, e com uma vela acesa não muito distante do recipiente perceberá, em sua superfície, uma imagem bem pequena desta luz, clara e determinada. Pegando depois com a ponta do dedo uma mínima quantidade de qualquer matéria que possua um pouco de gordura, de modo que se junte ao vidro, engordure o mais sutilmente que puder aquela parte onde se percebe a imagem da luz até que a superfície fique um pouco nublada. Movimente depois a garrafa de maneira que a imagem saia da gordura e pare ao contato com ela; passe depois o dedo uma única vez horizontalmente sobre a parte gordurosa. Imediatamente verá originar-se um raio reto como a cauda do cometa, e este raio cortará transversalmente e em ângulos retos a linha do dedo que V. E. produziu, e, se V. E. voltar a passar o dedo numa outra direção, este raio originar-se-á em outra direção. Isto acontece porque, devido à pele dos nossos dedos não ser lisa, mas marcada por algumas linhas sinuosas para permitir melhor o tato e perceber as mínimas diferenças entre as coisas tangíveis, movimentando o dedo sobre esta superfície gordurosa, deixa alguns sulcos sutis no interior dos quais produzem-se os reflexos da luz, os quais, sendo muitos e dispostos ordenadamente, apresentam depois uma Unha brilhante, em cuja extremidade, se produzirmos, movimentando o vaso, aquela primeira imagem realizada na parte não gordurosa, perceber-se-á a cabeça da cauda mais brilhante e a cauda menos brilhante; o mesmo efeito produzir-se-á se, em vez de se engordurar o vidro, ficar embaçado soprando em cima. Eu peço a V. E. Ilustríssima que, se alguma vez por acaso Sarsi chegar a conhecer esta brincadeira, explique por mim bem claramente que eu não entendo com isso afirmar que exista no céu uma grande garrafa e alguém que a engordure, produzindo assim o cometa; simplesmente eu apresento este exemplo e poderei apresentar muitos outros que possam encontrar-se na natureza, ainda indefinidos a nós, como argumentos de sua riqueza de modos diferentes entre eles para produzir seus efeitos.
Em terceiro lugar, que reflexão e refração não podem ser produzidas por matérias e impressões meteorológicas a não ser quando contêm muita água, porque só neste caso apresentam superfícies lisas e limpas, condições estas necessárias para produzir tal efeito, asseguro que não é verdade que não possa ser diferente. No que diz respeito à limpeza, afirmo que mesmo sem ela produzir-se-á a reflexão da imagem unida e distinta. Afirmo assim porque a imagem quebrada e confusa é produzida por todas as superfícies, desiguais e ásperas; porém, aquela imagem de um pano colorido, que se vê distintíssima num espelho oposto, vê-se confusa e quebrada sobre o muro que reproduz uma determinada sombra da cor deste pano. Se V. E. Ilustríssima pegar uma pedra ou uma ripa de madeira não tão lisa que reflita perfeitamente as imagens, e colocar-se em direção oblíqua ao olho, como se quiséssemos verificar se ela é plana e reta, perceberá distintamente sobre ela as imagens dos objetos que se encontrarem encostados do outro lado da ripa, tão distintas que, apoiando um livro em cima, poderá ser lido comodamente. Mas se este experimento for concluído colocando-se o olho perto da extremidade de algum muro reto e comprido, primeiro perceber-se-á um perpétuo curso de exalações em direção ao céu, especialmente quando o muro for atingido pelo Sol, assim como todos os objetos parecem tremer; depois, o muro do outro lado parecerá aproximar-se, e verá que, quando estiver bem perto, sua imagem se apresentará refletida naqueles vapores ascendentes, nem úmidos nem pesados, pelo contrário, secos e leves. E que mais? Não chegou ainda ao ouvido de Sarsi tudo aquilo que foi falado, especialmente por Tycho, a propósito das refrações que se operam nas exalações e vapores que circundam a Terra mesmo que o ar seja sereno, seco e sem chuva e umidade? Também não se apoie, como ele faz, sobre a autoridade de Aristóteles e de todos os mestres de perspectiva, porque ele não poderá fazer outra coisa que afirmar que eu sou um observador mais cuidadoso que eles, o que, segundo meu parecer, é de todo contrário à sua intenção. Parece-me que tudo o que expus é uma resposta suficiente ao argumento de Sarsi.
Passemos, pois, ao segundo.
CONTINUA
18. Leia agora V. E. Ilustríssima o fim deste primeiro exame: Neste ponto, perceba Galileu, com quanta razão, desta e das muitas outras coisas expostas por ele no texto Nunzio Sidereo, deduzimos que o cometa deve se encontrar além da Lua. Ele mesmo afirma que, entre os astros, alguns brilham com a luz nativa e própria, e nesse número ele coloca o Sol e as estrelas chamadas fixas; outros, não dotados de brilho algum pela natureza, recebem toda a luz do Sol, como é costume pensar dos seis planetas que sobram.
Galileu observou, ademais, que as estrelas amam muito aquela vã coroação de luz não própria e que costuma fazer crescer uma cauda; os planetas, em vez, especialmente a Lua, Júpiter e Saturno, não têm quase nenhum brilho; contudo, Marte, Vênus e Mercúrio, apesar de não serem providos de luz própria, tiram, pela vizinhança do Sol, tanta luz que, sendo quase igual àquelas das estrelas, imitam seus raios circunstantes e seu brilho. Portanto, como o cometa, segundo Galileu também, não possui luz própria por natureza, mas a recebe do Sol, e junto com outros astrônomos de grande fama o consideramos planeta temporário, devia-se raciocinar sobre ele do mesmo modo como sobre a Lua e outros planetas, e cuja condição é tal que quanto menos são distantes do Sol tanto mais brilham, e revestidos de um brilho maior (que deriva disto), observados com a luneta parecem aumentar menos; enquanto o cometa recebe deste instrumento quase o mesmo aumento de Mercúrio, podemos não com muita probabilidade deduzir que o cometa não irradiou aquela luz circundada mais que Mercúrio e por isso não se encontra muito longe; por outro lado, como era aumentado menos que a Lua, precisava colocá-lo circundado de uma luz maior e mais perto do Sol? De tudo isto pode-se compreender com quanta razão afirmamos que o cometa, pois pareceu aumentar muito pouco, deve ser considerado muito mais longe de nós do que a Lua.
Sem dúvida, pela paralaxe observada e também pelo curso do cometa quase sidéreo, nós conhecíamos bastante seu lugar; como, além disso, a luneta o aumentava quase quanto Mercúrio, certamente nenhuma razão teria podido sustentar o contrário; foi lícito tirar daqui um corolário também de grande importância e peso a favor de nossa teoria. Mesmo que soubéssemos, com efeito, que estas coisas podiam ser originadas por muitas causas, justamente por causa da analogia que este corpo luminoso guardava junto a todos os outros corpos celestes em todos os seus fenômenos, pensamos ter recebido da luneta um beneficio bastante grande, pois nosso parecer, já firmado pelo peso de outros argumentos, confirmava ainda mais com o peso do próprio assentimento. Quanto ao restante, porém, acrescentado ao argumento, isto é, as palavras: "Sei que este argumento foi considerado por alguns de pouca importância", etc, clara e honestamente havíamos lembrado antes para que fim estas palavras haviam sido acrescentadas: naturalmente contra aqueles que, enfraquecendo a fé neste instrumento, completamente ignaros das disciplinas de óptica, proclamavam-no enganador e indigno de qualquer confiança. Compreende, então, Galileu, se não me engano, com quanta falta de raciocínio lutou contra nossa opinião a respeito da luneta, que ele considera em tudo de acordo com a verdade e com as suas próprias opiniões: haveria podido conhecer também antes se a tivesse examinado com espírito mais calmo. Como, então, haveríamos podido imaginar que ele não haveria de gostar dessas ideias que considerávamos suas próprias? Mas como estas coisas, segundo a nossa opinião, parecem suficientes, vamos examinar a opinião do próprio Galileu.
Aqui, primeiramente, como V. E. pode ver, iniciamos uma argumentação recortada, como se diz, de velho pano, consistente em diversos fragmentos de proposições, para provar que o lugar do cometa era entre a Lua e o Sol; proposição esta que o Sr. Mário e eu podemos conceder-lhe por completo, sem prejuízo algum, não tendo nós nunca afirmado nada em relação ao lugar do cometa, nem negado que ele possa se encontrar além da Lua, mas falou-se somente que as demonstrações até agora apresentadas pelos autores oferecem dúvidas. E para tirá-las não é de ajuda nenhuma que Sarsi apresente agora uma nova demonstração, mesmo que ela fosse necessária e conclusiva, e provar que esta conclusão seja verdadeira, mesmo que também em torno de conclusões verdadeiras se possa argumentar e silogizar falsamente. Todavia, pelo desejo que eu possuo de pôr à luz as coisas escondidas e chegar a verdadeiras conclusões, apresentarei algumas considerações em relação a estas proposições.
Para maior clareza e compreensão o farei com a maior brevidade possível.
Afirma ele ter deduzido do meu Nunzio Sidereo que as estrelas fixas, sendo aquelas que brilham com luz própria, brilham com uma luz não real, mas aparente. Os planetas, sendo desprovidos de luz própria, não agem assim, especialmente a Lua, Júpiter e Saturno, mas mostram-se quase sem brilho; porém, Vênus, Mercúrio e Marte, mesmo privados de luz própria, brilham muito por causa da vizinhança do Sol, pelo qual são mais abundantemente atingidos. Afirma, além disso, que o cometa, segundo meu parecer, recebe sua luz do Sol, e acrescenta haver ele, junto com autores de renome, considerado o cometa, desde muito tempo, um planeta; assim, a respeito dele pode-se raciocinar como a respeito dos outros planetas, os quais, quanto mais encontram-se perto do Sol mais brilham, e por consequência menos podem ser observados pelo telescópio, e, aumentando o cometa pouco mais que Mercúrio e muito menos que a Lua, com muita razão podia-se concluir que não estivesse muito mais longe do Sol do que de Mercúrio, mas muito mais perto daquele que da Lua. Esta é a teoria que muito bem se ajusta à necessidade de Sarsi, como se a conclusão, deduzida antes dos princípios e meios, dependesse não aquela destes, mas estes dela, e tivessem sido preparados por ele não da grandiosidade da natureza mas da arte muito sutil. Pesquisemos, porém, quanto ela seja conclusiva.
Em primeiro lugar, é completamente falso que eu tenha escrito no Nunzio Sidereo que Júpiter e Saturno não brilhem quase nada e que Marte, Vênus e Mercúrio sejam coroados de muitos raios, porque eu separei só a Lua do resto das outras estrelas, quer fixas quer errantes.
Em segundo lugar, não sei se para concluir que o cometa seja quase um planeta e que, sendo tal, lhe sejam convenientes as propriedades dos outros planetas, seja suficiente que Sarsi e seu Mestre junto com outros autores o tenham considerado e chamado assim. Pois, se a opinião deles fosse tão importante a ponto de fazer aceitar as coisas por eles propostas, eu os rogaria que considerassem e chamassem ouro muitos velhos pedaços de ferro que possuo em casa. Mas, deixando os nomes de lado, qual é a teoria que os induz a considerar o cometa quase um planeta desde muito tempo? Brilhar como os planetas? Mas qual é a nuvem, qual a fumaça, qual a madeira, qual o muro, qual a montanha, atingidos pelo Sol, que não brilham do mesmo tanto? Não percebeu Sarsi no Nunzio Sidereo minha demonstração, isto é,que nossa Terra brilha mais que a Lua? Mas qual é minha opinião sobre o brilho do cometa como um planeta? Eu, por mim, não considero impossível que sua luz possa ser tão fraca e sua substância tão sutil e rala, que, quando alguém se aproximasse dela, sumisse da vista completamente, como acontece com alguns fogos-fátuos que saem da Terra, que são percebidos só durante a noite e de longe, mas de perto desaparecem; da mesma forma que as nuvens distantes são percebidas bem determinadas, e depois, de perto, mostram um pouco de nebulosidade tão indeterminada que alguém, entrando nela, quase não distingue os limites, nem sabe separá-la do ar contíguo. E aquelas projeções de raios solares entre as nuvens, tão semelhantes aos cometas, por quem são percebidas se não por aqueles que lhes são distantes? Tem o cometa alguma coisa em comum com os planetas por causa do movimento? E qual será a coisa separada da parte elementar que, obedecendo ao estado terrestre, não terá o moto diurno de acordo com o resto do universo? Mas se falamos do outro movimento, aquele transversal, este não tem nada a ver com o movimento dos planetas, não sendo criado nem por aquele rumo, nem regulado, nem talvez circular. Mas, deixados de lado os acidentes, acreditará talvez alguém que a substância ou a matéria do cometa tenha alguma coisa a ver com a dos planetas? Pode-se acreditar que ela seja solidíssima, como nos convida a pensar em particular a Lua e em universal a figura bem determinada e imutável de todos os planetas; e, ao contrário, pode-se acreditar que a do cometa dissolva-se em poucos dias; e sua figura, não determinada ao redor, mas confusa e indistinta, nos mostra que a sua substância é mais sutil e mais rala que a névoa e a fumaça. Assim ele quase poderia ser chamado mais um planeta pintado que real.
Em terceiro lugar, eu não sei com quanta perfeição ele possa ter parangonado os raios e o aumento do cometa com o aumento de Mercúrio que, podendo ser observado raríssimas vezes, em todo o tempo da aparição do cometa, ele não apareceu nunca, nem deu a possibilidade de ser observado, encontrando-se sempre muito perto do Sol; posso sem escrúpulo acreditar que Sarsi não fez esta comparação, difícil de se realizar e muito incerta, mas que ele afirma ter realizado porque, sendo assim, serviria melhor para sua causa. Outro indício que mostra como ele não conseguiu fazer esta experiência é-me fornecido pelo fato de que, ao referir-se às observações relativas a Mercúrio e à Lua, com os quais compara as do cometa, parece-me que ele esteja confundindo muito. Aceitando, para concluir, que o cometa se encontre mais longe do Sol que de Mercúrio, precisava afirmar que o cometa possuía menos raios que ele, e observado com o telescópio aumentava mais que ele; todavia, afirmou o contrário, isto é, que não possuía mais raios que Mercúrio e que aumentava quase a mesma coisa, o que significa afirmar que possuía mais raios e menos aumento que Mercúrio. Comparando depois o cometa com a Lua, escreve a mesma coisa (mesmo afirmando escrever o contrário), isto é, que aumentava menos que a Lua e possuía mais raios. Todavia, para chegar a uma conclusão, deduz da identidade das premissas conclusões diferentes, isto é, que o cometa encontra-se mais perto do Sol que a Lua, porém mais distante que Mercúrio.
Para finalizar, afirmando Sarsi ser um lógico exato, não me faz entender por que, na divisão dos corpos luminosos que se irradiam mais ou menos, e que por consequência, observados com o telescópio, recebem um aumento maior ou menor, ele não haja registrado nossas luzes elementares; pois as velas, as tochas acesas observadas a qualquer distância, qualquer pedrinha, lenho ou corpúsculo, até as folhas e as gotas de orvalho atingidas pelo Sol, resplandecem, e de certo ângulo irradiam a par de qualquer estrela mais brilhante, e vistas pelo telescópio observam no aumento o mesmo teor que as estrelas. Assim, termina completamente aquela ajuda a mais que os outros haviam esperado do telescópio para conduzir o cometa no céu e tirá-lo da esfera elementar. Abandonai, portanto, Sarsi, a ideia de poder ajudar vosso Mestre e estai certo de que, para querer sustentar um erro, é necessário perpetrar cem outros e, coisa ainda pior, não conseguir o intento. Gostaria também de pedir-vos para não replicar mais, como o fazeis no final desta vossa parte, que estas são teorias minhas, pois nunca escrevi coisas parecidas, nem as falei, nem as pensei. Basta a respeito do primeiro trecho em exame.
19. Passemos ao segundo: Apesar de ninguém até hoje ter falado que o cometa deve colocar-se entre as aparências vãs, onde não haveríamos necessidade de libertá-lo da acusação de inanidade, pois Galileu acreditou enveredar por outro caminho para explicar o cometa completa e sabidamente, é justo parar e expor com cuidado esta sua nova teoria.
São duas hipóteses que ele cogitou: uma relativa à substância, outra referente ao movimento do cometa. No que diz respeito à primeira, Galileu afirma que esta luz é daquelas que, mostradas mais que criadas pela refração de outra luz, parecem ter mais o nome de sombras de corpos luminosos que ser corpos luminosos, como, por exemplo, os arco-íris, os halos, os parélios e muitas outras coisas semelhantes. No que diz respeito à segunda, Galileu afirma que o movimento dos cometas sempre foi retilíneo e perpendicular à superfície da Terra. Revelando estas suas descobertas, acreditou poder destruir com facilidade as opiniões dos outros. Nós vamos examinar agora com poucas palavras, e sem retórica, quanto de próprio se deva atribuir a estas opiniões (pois a verdade, mesmo nua, é bastante ornada). Mesmo sendo difícil abranger singularmente estas duas proposições, pois são tão conexas que parecem depender uma da outra e sustentar-se reciprocamente, nós nos preocuparemos para que os leitores não fiquem lesados. Por isso, contra a primeira posição de Galileu, afirmo que o cometa não foi simulacro vão de uma luz que iludia os olhos daqueles que o observavam e isto parece-me que não necessita de outra prova para aquele que, ao menos uma vez, seja a olho nu, seja com a luneta, haja observado o cometa. A simples vista manifestava a natureza desta luz, porque, em comparação a outras luzes realíssimas, qualquer um poderá com facilidade julgar se o observado era falso ou verdadeiro. Tycho, examinando as observações de Tadeu Agezio, deduz isto: "O corpo do cometa naqueles dias foi igual, em grandeza, a Júpiter e Vênus, e revestiu-se de uma luz nítida e de um grande esplendor, puro e belo, e sua substância pareceu pura demais para ser conveniente a matérias só elementares, mas era, de preferência, análoga àquela dos corpos celestes ". Tycho acrescenta a isto: "Tadeu foi bom juiz relativamente a este aspecto, haveria podido concluir claramente que este cometa não era elementar".
Sarsi andou figurando antes e arbitrariamente os princípios e os meios que fossem de acordo com as conclusões que ele queria demonstrar; agora parece-me que vai imaginando conclusões para contradizê-las como teorias do Sr. Mário e minhas, muito diversas, ou, ao menos, muito diversamente tomadas, de como são relatadas no Discurso do Sr. Mário. Que o cometa seja, sem dúvida, uma imagem vã e uma simples aparência, nunca foi afirmado com certeza, mas só foi posto em dúvida e levado à consideração dos filósofos com aqueles raciocínios e cogitações que parecem poder garantir que seja verdade. Eis aqui as palavras do Sr. Mário a este propósito: "Eu não afirmo resolutamente que o cometa produza-se assim, mas afirmo que são duvidosos, seja este modo seja os outros dos demais autores; os quais pretenderão estabelecer com certeza seus pareceres. e terão a obrigação de demonstrar que esta e todas as outras posições são vãs e falsas". Mesmo sendo o texto tão diferente, Sarsi afirma que nós temos por certo que o movimento do cometa deve ser necessariamente reto e perpendicular à superfície terrestre. Isto não foi apresentado desta forma, mas simplesmente foi cogitado como ser mais conforme às aparências e satisfazer às mudanças observadas no cometa. Esta hipótese é tão superficialmente apresentada pelo Sr. Mário que no fim ele declara: "Porém é mais conveniente para nós contentarmo-nos com aquele pouco que podemos cogitar mesmo sem ter muita clareza". Porém Sarsi quis mostrar que estas opiniões eram tão firmemente aceitas por mim que imaginou podê-las destruir com facilidade e com meios mais eficazes. Se ele conseguir o agradecerei, pois no futuro deverei preocupar-me com uma hipótese a menos todas as vezes que me venha a ideia de filosofar sobre tal matéria. Por enquanto, pois parece-me que ainda subsiste alguma coisa de vivo no raciocínio do Sr. Mário, moverei algumas objeções às objeções de Sarsi.
Opondo-se Sarsi com grande firmeza à primeira conclusão, afirma que aquele que, mesmo por uma vez, houvesse observado o cometa, não necessitaria mais de argumento algum para conhecer a natureza desta estrela; estrela que, comparada com as outras verdadeiras estrelas, mostrava muito claramente ser verdadeira e não falsa. Assim, como V. E. Ilustríssima entende, Sarsi confia tanto no sentido da visão que considera impossível ser enganado todas as vezes que tentamos fazer uma comparação entre um objeto falso e um real. Eu confesso não ter a visão tão perfeita, pelo contrário, confesso ser como aquele macaco que acredita firmemente ver no espelho outro macaco, e nem reconhece seu erro se quatro ou seis vezes não tenha ido atrás do espelho para agarrar a imagem, tanto aquela imagem se lhe apresente viva e verdadeira. Supondo, então, que aqueles que Sarsi vê no espelho não sejam homens verdadeiros e reais, mas imagens vãs, como nós vemos nossa imagem no espelho, gostaria ardentemente de saber quais são aquelas diferenças visuais por meio das quais tão rapidamente distingue o verdadeiro do falso. Quanto a mim, encontrei-me mil vezes em alguma sala de janelas fechadas, e através de algum pequeno buraco pude perceber o Sol refletindo-se sobre um muro oposto, julgando assim esta mancha, pela vista, uma estrela tão brilhante quanto a Canícula e Vênus. E andando contra o Sol no campo, quantos milhares de corpúsculos, pedrinhas, lisos ou molhados, transformar-se-ão pelo reflexo do Sol em estrelas brilhantíssimas? Mesmo cuspindo no chão, Sarsi sem dúvida perceberá onde cuspiu, pela reflexão solar, uma estrela naturalíssima. Além disso, qual corpo colocado a grande distância, atingido pelo Sol, não aparecerá como uma estrela, especialmente se for tão alto que possa ser enxergado durante a noite, como se enxergam as outras estrelas? E quem distinguiria a Lua, vista durante o dia, de uma nuvem atingida pelo Sol, senão pela diversidade do aspecto e pela grandeza?
Ninguém, com certeza. E enfim, se a simples aparência deve determinar a essência, é necessário que Sarsi aceite que os sóis, as luas e as estrelas, observados em água parada e em espelhos, sejam verdadeiros sóis, verdadeiras luas e verdadeiras estrelas. Em relação a esta parte, mude mesmo Sarsi de opinião, nem acredite que, citando a autoridade de Tycho, de Tadeu Agezio ou de muitos outros, melhore sua condição, a não ser que, por ter tido tais homens como companheiros, desculpe mais seu erro.
20. Continue V. E. Ilustríssima a ler: "Pois, por todo o tempo que nosso cometa brilhou, Galileu, segundo ouvi dizer, permaneceu de cama por uma doença, e nunca talvez pôde, por causa da doença, observar aquele corpo brilhantíssimo, e por isso pensamos dever-se discutir com ele por meio de outra argumentação. Afirma ele mesmo que às vezes, de alguma parte da Terra, um vapor fumacento levanta-se acima da Lua e também acima do Sol, e, logo que saído do cone sombreado da Terra, olhou para a luz do Sol da qual como que concebeu e gerou o cometa; e o movimento ou a subida de um tal vapor não é vago ou incerto mas retilíneo e sem ser desviado para parte alguma. Assim afirma ele, mas nós colocamos na nossa balança o peso destas afirmações. Primeiro, sabemos que esta matéria fumacenta e úmida, tendo subido casualmente da Terra nos dias em que, dominando amplamente o céu bóreas violentíssimas, facilmente poderia haver sido dispersada e dissipada. É pois, digno de admiração como impunemente corpúsculos tão sutis e leves, entre a ira do vento violentíssimo, puderam ter chegado até o alto com um proceder constante através do caminho enveredado no começo, quando nem pesos consideráveis confiados ao vento podiam vencer o ímpeto e a força. Eu considero muito contraditório que um vapor muito leve suba e suba em linha reta, e mal acredito que isto haja podido acontecer entre as várias mudanças do vento. E acrescenta que, garante Galileu, nem nas mais altas regiões dos planetas faltam condensações e rarefações de tais corpos fumacentos, e por isso nem aqueles movimentos vagos e incertos pelos quais é necessário que sejam levados.
Que os vapores fumacentos de alguma parte da Terra subam além da Lua, e até além do Sol, e que saídos do cone da sombra terrestre sejam engravidados pelos raios solares e que então gerem o cometa, nunca foi escrito pelo Sr. Mário nem foi afirmado por mim, apesar de Sarsi atribuí-lo a mim.
Aquilo que o Sr. Mário escreveu é que não é impossível que algumas vezes possam elevar-se da Terra exalações e outras coisas parecidas, mas muito mais sutis que de costume, que subam além da Lua e possam ser matéria geradora do cometa, e que às vezes originem-se sublimações extraordinárias relativas à matéria dos corpúsculos, exemplificando-o por meio da aurora boreal. Porém não afirma que aquela seja numericamente a mesma matéria dos cometas, que necessita ser muito mais rala e sutil que os vapores dos corpúsculos e do que a matéria da assim chamada aurora boreal, tendo aceito que o cometa resplende muito menos que a aurora; assim, se o cometa se ampliasse, por exemplo, rumo ao oriente, na cândida alvorada, enquanto o Sol não se encontrasse longe do horizonte mais do que 6 ou 8 graus, sem dúvida não se perceberia, por ser menos brilhante do que seu próprio ambiente. E com a mesma probabilidade, não certeza, atribuiu-se à mesma matéria o movimento retilíneo em ascensão. E isto seja afirmado não para retratarmo-nos por medo das oposições de Sarsi, mas só para mostrar que não nos afastamos do nosso hábito, que consiste em não afirmar como verdadeiras a não ser as coisas que conhecemos como indiscutíveis, como nos ensina nossa filosofia e nossa matemática. Agora, partindo do ponto de vista de que houvéssemos verdadeiramente afirmado aquilo que Sarsi fala, examinemos suas posições.
Sua primeira oposição baseia-se na impossibilidade de os vapores subirem ao céu, em linha reta, enquanto que verificamos que um papagaio é empurrado pelo ar com movimento transversal, assim como as outras coisas que se encontram nele; e o mesmo verificou-se por muitos dias depois do aparecimento do cometa. A oposição é verdadeiramente inteligente, mas perde muito de sua força lógica porque, segundo notícias seguras, naqueles dias, nem na Pérsia nem na China verificaram-se perturbações atmosféricas; e eu acreditarei que de umas daquelas regiões se origina a matéria do cometa, se Sarsi provar que ele não é originário de lá, mas de Roma, onde ele percebeu o vento boreal.
Mas, mesmo que o vapor saísse da Itália, quem pode saber se ele não se houvesse posto em viagem antes dos dias de vento, muitos dias antes de sua chegada ao orbe do cometa, longe da Terra, segundo a relação do Mestre de Sarsi, quatrocentos e setenta mil milhas mais ou menos; porque, para empreender uma viagem tão comprida, é necessário bastante tempo, pois a subida dos vapores, por aquilo que podemos observar em relação àqueles perto da Terra, não atinge a velocidade do voo das aves; assim não seriam suficientes quatro anos para concluir tamanha viagem. Mesmo aceitando que estes vapores pudessem se movimentar em época de vento, Sarsi, que acredita piamente nos historiadores e nos poetas, não poderá negar que o impulso dos ventos não sobe mais de duas ou três milhas, já que existem montes cujo cume vai além da região dos ventos. Assim, o máximo que ele poderá concluir é que dentro deste espaço os vapores movimentam-se transversal e não perpendicularmente; porém, fora deste espaço desaparece o impedimento que os desvia do caminho retilíneo.
21. Veja mais V. E. Ilustríssima: Aceitamos que estes vapores possam manter, através dos ventos, suas direções e rumar para onde possam receber os raios diretos do Sol, enviando-os a nós refletidos. Por que, então, recebendo em toda a sua extensão a luz do Sol, no-la mostram somente em uma mínima parte de si? Com certeza, sendo o próprio Galileu testemunha, quando nos dias de verão um vapor não diferente indo rumo ao norte mais alto que de costume apresenta-se à luz do Sol, então, imergido em luz brilhantíssima, mostra-se muito brilhante em todas as suas partes, para utilizar sua próprias palavras, nos reflete mesmo de noite a aurora boreal; e não se mostra tão avarento do esplendor recebido que não permita que a reflexão da luz do Sol, que ele recebeu em toda a sua extensão, nos apareça apenas através de um pequeno buraco. Eu mesmo verifiquei, não somente em tempo de verão, mas no mês de janeiro, quatro horas depois do pôr do sol, algo ainda mais maravilhoso, isto é, uma pequena nuvem, cândida e brilhante, tão rarefeita que não encobria nem as estrelas menores, e os dons de luz que havia recebido do Sol ela os expandia livremente, com alma generosa, por todos os cantos. Então todas as nuvens (admitindo que tenham alguma afinidade com a matéria do cometa), se são tão densas e obscuras que não possam refletir livremente os raios do Sol, ao menos na parte virada para o Sol o refletem para nós com generosidade recíproca; porém, se são ralas e sutis, e a luz facilmente as penetre integralmente, não mostram obscuridade em parte alguma, mas oferecem aos olhos inundados uma luz esplendorosa. Então, se o cometa não se forma de outra matéria que não seja vapores fumacentos, não Juntados globalmente mas, como o próprio Galileu afirma, ocupando um espaço suficientemente vasto do céu, brilhando em toda parte com a luz do Sol, qual é a causa pela qual brilham sempre para aqueles que o observam só de um pequeno e estreito disco, e as outras partes deste mesmo vapor, iluminadas pelo Sol com mesma luz, não aparecem? Dificilmente tudo isto pode ser explicado com o exemplo do arco-íris, em cuja formação acontece a mesma coisa que evidentemente só de uma parte da nuvem volta ao olho, quando, entretanto, em todo o espaço iluminado pelo Sol a própria diversidade das cores seja gerada de sua luz. Com efeito, o arco-íris e outros meteoros, se existirem, requerem de preferência matéria úmida e com tendência a mudar-se em água; pois esta matéria só quando se derrete em água, imitando a natureza dos corpos leves, puros e transparentes, reflete a luz só na parte onde formam ângulos de reflexão e de refração necessários a tudo isto, como percebemos nos espelhos, na água e no gelo. Depois, se alguma emanação encontrar-se mais rarefeita ou mais seca, acontece porque ela não possui superfície lisa como os espelhos, nem reflete muitos raios. Visto necessitar-se de um corpo liso para que haja reflexão e necessitar-se de sua densidade para a refração (coisas que nunca se encontram nas impressões meteorológicas, a não ser quando a natureza delas possui muita água, como ensinaram não só Aristóteles mas também todos os mestres de óptica, e a própria razão persuade com muita eficácia), segue disto necessariamente que emanações semelhantes possuirão, por natureza própria, um certo peso, e por isto menos aptas a subir acima da Lua e do Sol, pois o próprio Galileu admite que devem ser muito sutis e leves aqueles que voam até lá em cima. Portanto, não daquele vapor fumacento e rarefeito, e na verdade de peso algum, poderá refletir para nós aquela imagem brilhante de luz: o vapor aguado, na verdade, sendo pesado, não poderá subir deforma alguma.
Depois de observado por muitas experiências, parece-me ser esta a condição humana em relação às coisas intelectuais: quanto menos entende-se e sabe-se, com tanta mais força quer-se discutir; e, pelo contrário, mais coisas são conhecidas menor é a tendência de discutir resolutamente sobre qualquer novidade. Nasceu em um lugar muito solitário um homem dotado por natureza de grande inteligência e de extraordinária curiosidade. Criando por prazer grande diversidade de aves, gostava enormemente do seu canto, e com muita admiração observava de que modo, por meio do próprio ar que respiravam, conseguiam formar ao seu arbítrio cantos diferentes e todos suavíssimos. Acontece que uma noite perto de casa escutou um som delicado, e, nem podendo imaginar que fosse outra coisa a não ser uma pequena ave, foi buscá-la. Chegando à estrada encontrou um pequeno pastor que, assoprando num pedaço de madeira furada e movimentando os dedos sobre a madeira, uma vez fechando e uma vez abrindo determinados buracos, conseguia produzir aquelas vozes diferentes, semelhantes às de um pássaro, mas de forma bem diversa. Admirado e movido pela sua curiosidade natural, deu de presente um bezerro ao pastor para obter aquela flauta. De regresso à sua casa e percebendo que se não houvesse encontrado por acaso aquele pastor nunca haveria aprendido que existiam na natureza duas formas diversas de criar vozes e cantos suaves, quis sair de casa procurando encontrar outras aventuras. Aconteceu que no dia seguinte, passando perto de uma pequena choça, escutou ressoar dentro dela uma voz semelhante. Para ter certeza se era uma flauta ou um pássaro, entrou e encontrou um menino que estava serrando, com um pequeno arco segurado na mão direita, alguns nervos estendidos sobre um lenho côncavo, enquanto sustentava com a mão esquerda o instrumento sobre o qual, movimentando os dedos e sem sopro algum, extraía dele vozes diversas e suaves. Qual foi seu espanto pode ser julgado facilmente por aquele que possuir a mesma inteligência e a mesma curiosidade dele que, vendo aumentar, de duas novas formas, a maneira de produzir uma voz e um canto tão inusitados, começou a acreditar poderem existir ainda outros na natureza. Mas qual foi sua surpresa quando, entrando em um determinado templo, começou a olhar atrás da porta para ver quem estava tocando e percebeu que o som havia saído dos ferros da porta ao abri-la? Em outra ocasião, empolgado pela curiosidade, entrou em um boteco e, acreditando encontrar outra vez alguém que com o arco tocasse as cordas de um violino, viu uma pessoa que, esfregando o dedo sobre a orla de um copo, conseguia produzir um som suavíssimo. Mas logo que observou que as abelhas, os pernilongos e as moscas, com o rapidíssimo bater das asas, e não como suas primeiras aves que respirando formavam vozes ininterruptas, produziam um som perpétuo, tanto aumentou sua admiração que diminuiu sua confiança sobre o conhecimento da origem do som. Nem todas as experiências já observadas haveriam sido suficientes para fazer-lhe entender ou acreditar que os grilos, não voando, conseguiam, não por meio do sopro mas com o movimento das asas, produzir sons tão doces e sonoros. Mas quando acreditou não poderem existir outras formas possíveis de produzir vozes, depois de haver observado, além das maneiras já relatadas, ainda tantos órgãos, trompas, flautas e instrumentos de corda de todos os tipos, até chegar à aquela pequena lâmina de ferro que, suspensa entre os dentes, usava de forma muito esquisita a cavidade bucal para dar corpo à amplificação do sopro permitindo a passagem do som, quando, repito, na hora que acreditava haver conhecido tudo, encontrou-se ainda mais no escuro e na ignorância, quando, havendo encontrado uma cigarra que nem fechando-lhe a boca e nem fechando-lhe as asas conseguia diminuir seu altíssimo estridor, não percebeu movimento algum de escamas nem de outras partes. Finalmente, levantando-lhe a caixa dos pulmões e observando embaixo dela algumas cartilagens duras mas sutis, e acreditando que o som fosse originado do seu movimento, resolveu quebrá-las para fazê-la parar, mas tudo foi em vão.
Então, fincando uma agulha mais funda no corpo da cigarra, passando-a, tirou-lhe junto com a voz a vida e assim não pode mais pesquisar se o canto era originado verdadeiramente por aquelas membranas. Tornou-se tão descrente sobre seus possíveis conhecimentos em relação aos sons que todas as vezes que alguém lhe perguntava sua opinião sobre a origem dos sons, generosamente respondia não conhecer causa alguma, mas que estava resolvido a acreditar que pudessem existir cem outras maneiras, ainda desconhecidas e impensáveis.
Eu poderia dar muitos exemplos da variedade da natureza em produzir seus efeitos de maneira inimaginável para nós, se o sentido e a experiência não nos explicitassem sem, muitas vezes, suprir nossa incapacidade. Assim, se eu não souber, com exatidão, determinar a produção do cometa, deverão ser aceitas minhas desculpas, especialmente porque nunca afirmei poder dar esta explicação sabendo que ela poderia verificar-se de forma muito alheia à nossa imaginação. A dificuldade de entender como se forma o canto da cigarra, enquanto ela canta na mão, desculpa de sobra não saber como pode formar-se um cometa tão longe de nós. Para frisar, então, a primeira intenção do Sr. Mário e minha, isto é, promover aquelas dúvidas que parecem abalar as opiniões manifestadas até agora e propor alguma nova teoria para examinar se existe alguma coisa que possa esclarecer e abrir o caminho rumo à verdade, continuarei a raciocinar sobre as teorias manifestadas por Sarsi, que considerou improváveis nossos argumentos.
Continuando Sarsi sua exposição e aceitando serem os vapores ou outra matéria aptos a formar o cometa, seu elevar-se da Terra e subindo muito alto, onde pudesse receber diretamente os raios solares refletindo-os para nós, é difícil imaginar de que forma, sendo completamente iluminada, reflita até nós só a luz de uma pequena parte, e não acontece como aqueles vapores que nos apresentam aquela intempestiva aurora boreal, vapores que, sendo todos iluminados, mostram todos suas luzes.
Afirma depois ter observado, pelo meio da noite, uma coisa maravilhosa, isto é, uma pequena nuvem no zênite que, sendo toda iluminada, refletia livremente seu brilho de todas as suas partes, e acrescenta que, se todas as nuvens forem espessas e opacas, nos refletem a luz do Sol com toda a sua parte visível, porém se elas forem ralas, assim que a luz as penetre, mostrar-se-ão a nós brilhantes e não opacas; então, se o cometa forma-se com tais vapores fumacentos muito espalhados, como afirma o Sr. Mário, e não reunidos em círculo, sendo atingidos pelo Sol por todas as partes, por qual razão nós recebemos sua reflexão de uma pequena parte e não de todo o restante igualmente iluminado? Mesmo que as soluções destas perguntas estejam completamente resolvidas no Discurso do Sr. Mário, eu as relatarei aqui colocando-as acertadamente e acrescentando alguma outra consideração, conforme for solicitado pela matéria.
Em primeiro lugar, Sarsi deveria sem dificuldade conceder que só de um lado particular de toda a matéria sublimada pelo cometa verifica-se a reflexão da luz do Sol a uma visão particular, apesar de ser toda iluminada; tendo nós mil experiências semelhantes a favor, contra uma que pareça ser contrária, facilmente, entre as de Sarsi contrárias a esta posição, encontraremos muitas outras favoráveis. É certo que qualquer espelho plano exposto ao Sol fica por ele iluminado em toda a sua superfície; o mesmo acontece com qualquer pântano, lago, rio, mar, ou seja, com qualquer superfície lisa de qualquer material; porém, a uma vista particular não corresponde a reflexão do raio solar, a não ser de um lugar particular desta superfície, cujo lugar muda, mudando o olho do observador. A superfície externa de nuvens sutis, mas muito espalhadas, é toda iluminada pelo Sol de forma igual; todavia, o halo e os periélios não aparecem a um olho particular a não ser em um único lugar, e este, com o movimento do olho, muda de lugar dentro da nuvem.
Sarsi afirma: Aquela matéria sutil sublimada que produz aquela aurora boreal vê-se também toda iluminada, como ela o é de verdade. Porém, pergunto eu a Sarsi de onde lhe vem esta certeza. E ele pode responder-me somente que não percebe parte alguma que não seja iluminada, assim como acontece com o resto da superfície dos espelhos, das águas, dos mármores, além daquela pequena parte que reflete a viva luz do Sol. Porém advirto-o de que, se a matéria fosse transparente, não distinguiria nada mais que aquele esplêndido raio refletido, como acontece às vezes que a superfície do mar não se distingue do ar, mesmo que se veja imagem reflexa do Sol; e assim, colocado um vidro sutil a uma determinada distância, poderá mostrar-nos aquela sua pequena parte que reflete alguma luz, ficando o resto invisível por causa de sua transparência. Este erro de Sarsi é semelhante àquele dos que afirmam que criminoso algum deve confiar que seu crime possa ficar oculto, nem percebem a incompatibilidade que existe entre permanecer oculto e ser descoberto, e quem quisesse ter duas cadernetas, uma dos delitos que permanecem ocultos e outra daqueles que são descobertos em cuja caderneta dos ocultos nunca poderia registrar-se coisa alguma. Afirmo, então, que não me oponho à crença de que a matéria da aurora boreal seja muito ampla e uniformemente iluminada pelo Sol50; como, porém, não posso descobrir e observar a não ser aquela parte cuja refração meu olho pode captar, permanecendo invisível todo o restante, tenho a ilusão de perceber tudo. E que mais? A propósito dos vapores crepusculares que circundam a Terra, não permanece iluminado pelos raios solares sempre um hemisfério? Com certeza sim; todavia, aquela parte que se interpõe diretamente entre o Sol e nós mostra-se a nós muito mais luminosa do que as partes mais distantes. Mas esta, como ainda outras, é pura aparência e ilusão de nosso olho, pois, encontrando-nos em qualquer lugar, sempre observamos o Sol como centro de um círculo luminoso, mas que gradualmente vai perdendo o brilho, segundo se encontre à direita ou à esquerda deste centro; para outros, mais para o boreal, parece mais escura aquela parte que a mim parece mais clara, e mais brilhante aquela que a mim apresentava-se mais escura. Podemos, assim, afirmar a existência de um halo perpétuo e grande ao redor do Sol, figurado na superfície convexa que termina a esfera de vapor, cujo halo, da mesma forma que o outro, que às vezes nasce de uma nuvem sutil, muda de lugar segundo a mudança do observador. Em relação à pequena nuvem que Sarsi afirma ter observado brilhar na noite profunda, poderia perguntar-lhe que certeza tem ele de ela não ser maior do que aquela que aparece, especialmente afirmando ele que era tão transparente que não escondia estrelas fixas, mesmo mínimas, pois não possuía indício algum para garantir que ela se ampliasse invisivelmente como transparente, muito e muito além da parte brilhante observada: por isso é ainda duvidoso se ela não é uma aparência que muda como as outras segundo a mudança do olho. Além de não haver nada em contrário que ela apareça inteiramente brilhante e seja, da mesma forma, uma ilusão, o que acontecerá se ela não fosse maior do que aquele espaço que vem a ser ocupado pela imagem do Sol, assim que, observando a imagem do Sol, por exemplo, ocupar num espelho tanto espaço quanto uma unha, nós cortássemos fora o restante, não há dúvida de que este pequeno espelho poderá nos aparecer brilhante de todo. Além disso, quando o pequeno espelho fosse menor do que a imagem, então poder-se-ia observar não só tudo iluminado mas sua imagem não pareceria movimentar-se a cada movimento do olho, como no espelho grande; e até por ser ele incapaz de toda imagem do Sol, segue que, movendo-se o olho, veria a reflexão ora de um lado ora de outro do disco solar; assim a imagem pareceria imóvel, até que o olho se dirija à parte que não produz reflexão, ela se perderia completamente. É muito importante, então, considerar a grandeza e a qualidade da superfície que reflete, pois, conforme a superfície seja menos limpa, a imagem do mesmo objeto se apresentará sempre maior, pois, às vezes, antes que a imagem passe por todo o espelho, será necessário que o olho passe por muito espaço, e esta imagem parecerá fixa então, mesmo que na realidade seja móvel.
Para explicar melhor um ponto importantíssimo e que talvez possa solicitar, não digo Sarsi, mas algum outro, pense V. E. Ilustríssima encontrar-se numa praia com um tempo tranquilo e o Sol já descendo no ocaso. Perceberá, então, sobre a superfície do mar que está na metade do círculo máximo da esfera celeste que passa pelo disco solar, o reflexo brilhantíssimo do Sol, mas não muito amplo; se, pelo contrário, como já falei, a água for muito calma, verá a imagem do disco solar bem definida como num espelho. Se uma pequena brisa começa a movimentar a superfície da água, na mesma hora verá V. E. Ilustríssima a imagem do Sol quebrar-se em muitas partes, ampliando-se e difundindo-se. E, enquanto próxima, poderiam se distinguir cada uma das partes da imagem quebrada; todavia, sendo longe, não se perceberia esta separação, quer pelos breves intervalos entre as partes, quer pelo grande brilho das partes cintilantes, que se misturaram, como acontece com muitos fogos perto entre si e que de longe parecem ser um só. Se a água se movimentar sempre mais por espaços sempre maiores, ampliar-se-á a multidão dos espelhos que refletirão, segundo as diversas inclinações das ondas, a imagem do Sol quebrada. Mas distanciando-se sempre mais e subindo numa colina ou outra elevação para poder enxergar melhor o mar, o campo brilhante parecerá único e contínuo. Aconteceu-me enxergar de cima de uma montanha altíssima e distante do mar de Livorno sessenta milhas, com um tempo sereno mas de ventania, uma hora antes do pôr do sol, uma tira brilhantíssima à direita e à esquerda do Sol, que ocupava em comprimento muitas dezenas, até muitas centenas de milhas, a qual era, porém, como as outras, uma mesma reflexão da luz do Sol. Agora, imagine, Sarsi, que da superfície do mar, com o mesmo movimento de ondas, grande parte tivesse se retraído para as orlas deixando só no meio, isto é, face ao Sol, um comprimento de duas ou três milhas: esta, com certeza, seria observada completamente iluminada, e imóvel mesmo, com respeito a qualquer movimento que o observador houvesse realizado à direita ou à esquerda; só depois de movimentar-se por alguma milha começaria a desaparecer a parte esquerda da imagem, se ele estivesse caminhando para a direita, e a imagem esplendorosa diminuiria até que, adelgaçando-se, desapareceria por completo. Disto resulta que a imagem é móvel em relação à imagem do observador, pois, mesmo observando-a toda, perceberíamo-la toda ainda movimentar-se, encontrando-se seu meio sempre à direita do Sol, apesar de aparecer a muitos outros que a observem no mesmo momento como encontrando-se em outros pontos do horizonte.
Eu não quero esconder de V. E. Ilustríssima aquilo que eu lembrei neste ponto para a solução do problema do mar. Espertos marinheiros conhecem às vezes o vento que chegou a eles depois de algum tempo, observando o ar que, nesse caso, mostra-se mais claro, daquele lado, do que deveria ser.
Imagine V. E. Ilustríssima se isto poderia derivar do fato de se encontrar já naquela parte o vento que, movimentadas as ondas, faz nascer, como por espelhos multiplicados infinitamente e difundidos amplamente, o reflexo do Sol muito maior do que se o mar fosse tranquilo, permitindo que seja muito mais iluminada por esta nova luz aquela parte do ar vaporoso por meio do qual este reflexo difunde-se, cujo ar ofereça ainda algum reflexo de luz aos olhos dos marinheiros, os quais, encontrando-se embaixo, não podiam perceber a primeira reflexão daquela parte de mar já movimentada pelos ventos e distante deles vinte ou trinta milhas; e que esta seja a sua previsão do vento distante.
Mas, continuando nosso primeiro discurso, afirmo que os raios solares não refletem, com a mesma grandeza, a imagem do Sol sobre todos os materiais, isto é, sobre todas as superfícies; mas sobre algumas (isto é, as planas e lisas como um espelho) nos aparece o disco solar semelhante ao verdadeiro, nas superfícies convexas mas lisas nos aparece menor, e nas côncavas às vezes menor e às vezes maior, às vezes mesmo igual, segundo as diversas distâncias entre o espelho, o objeto e o olho.
Porém, se a superfície não for igual mas sinuosa e cheia de cavidades ou elevações e como se fosse composta por milhares de pequenos espelhos colocados com várias inclinações, expostas aos olhos de mil modos, então a mesma imagem do Sol chegará ao nosso olho de mil partes e dividida em mil pedaços, os quais ampliar-se-ão, imprimindo nesta superfície um amplo conjunto de pequenas manchas brilhantes, cuja frequência originará a ilusão de um único campo de luz contínua visto de longe, mais brilhante e viva no meio que nas extremidades, onde diminui e desaparece, enfim, quando por causa da obliquidade do olho em relação a esta superfície os raios visíveis não encontram mais ondas que se refletem contra o Sol. Esta imagem resulta ainda móvel de acordo com o movimento do olho, se, porém, além de seus limites, continua a superfície que reflete; mas, se a quantidade da matéria ocupar um pequeno espaço, muito menor do que o da imagem inteira, poderá acontecer que, ficando fixa a matéria e movimentando-se o olho, ela continue a aparecer brilhante, até que, tendo chegado o olho àquele termo do qual, pela obliquidade dos raios incidentes sobre a matéria, as reflexões não se dirigem mais rumo ao Sol, a luz desaparece e perde-se. Não concordo com Sarsi que quando ele vê uma nuvem suspensa no ar, bem determinada e toda brilhante, que permanece tal apesar de o olho ir se movimentando, não pode ter a certeza de que esta luz seja mais real do que um halo, do que os periélios, do que o arco-íris, e do que a reflexão sobre a superfície do mar; porque afirmo-lhe que a sua consistência e sua aparente estabilidade podem depender da pequenez da nuvem que não consegue receber toda a amplidão da imagem do Sol; e esta imagem, em relação à posição das partes da superfície da nuvem, ampliar-se-ia, se não lhe faltasse matéria, num espaço muito maior da nuvem, e quando se visse inteiro e o campo das nuvens se adiantasse a ele, afirmo que apareceria movimentando-se inteiramente em relação ao movimento do olho. Prova-o o fato de termos visto muitas vezes, ao nascer e ao pôr do sol, muitas pequenas nuvens colocadas perto do horizonte, das quais as que se encontram face ao Sol tornam-se brilhantíssimas e quase de fino ouro, das laterais as menos distantes do meio são ainda mais brilhantes do que as mais distantes, as quais vão aparecendo gradualmente menos claras até ficar praticamente nulo o brilho das mais distantes: nulo para nós, mas, para quem se encontrasse num lugar onde elas permanecessem entre seu olho e o lugar onde o Sol se põe, mostrar-se-iam brilhantíssimas para ele e obscuras a nós as mais esplendorosas. Entenda, então, Sarsi, que se as nuvens não fossem quebradas mas fossem uma longa extensão contínua, a sua parte central pareceria brilhante a qualquer um dos observantes e gradualmente menos claras as laterais, conforme a distância de seu meio, porque onde eu posso ver o maior brilho, para outros é o menor. Mas alguém poderia agora afirmar que, uma vez que aquela parte da nuvem permanece fixa e sua luz não parece movimentar-se pela mudança de lugar do observador, isto seria suficiente para fazer com que a paralaxe opere na determinação de sua altura, e que, podendo acontecer o mesmo com o cometa, o uso da paralaxe seja suficiente para quem queira mostrar o lugar dela. Poder-se-ia responder a esta objeção que este argumento resultaria verdadeiro se fosse demonstrado antes que o cometa não é uma inteira imagem do Sol, mas só uma parte da imagem, assim como a matéria que forma o cometa é não só toda iluminada mas que a imagem do Sol é maior que ela, de modo que é bastante para iluminar um campo muito maior, existindo matéria apta a refletir a luz. Isto não foi demonstrado e pode ser diferente, isto é, que o cometa seja uma inteira imagem, não mutilada, como nos faz acreditar sua aparência bem regulada e simétrica. E daqui pode-se deduzir uma resposta fácil e razoável à pergunta que Sarsi coloca, isto é, como pode acontecer que, acreditando, segundo a colocação de Mário, o cometa esteja num campo muito extenso em altura que não se ilumine inteiramente mas nos reflita só um círculo parcial, sem que as outras partes, mesmo atingidas pelo Sol, não apareçam nunca. Farei, então, a mesma pergunta a ele e ao seu Mestre, que não desejando que o cometa seja um fogo, mas querendo acreditar (se não me engano) que ao menos sua cauda seja uma reflexão dos raios solares, se eles acreditam que o material que produz uma reflexão seja recortado da medida desta cauda, inteiro, que tenha de algum lado; e se sobrar (como acredito que me responda), por que não é percebida, uma vez que é atingida pelo Sol?
Não se pode afirmar que o reflexo seja originado pela substância do éter, substância que, muito transparente, não serve para isto, nem pode-se originar em outro material que, mesmo apto à reflexão, seria também apto a refletir os raios solares. Além disso, não sei por que razão ele chama um pequeno círculo a cabeça do cometa que seu Mestre conseguiu medir em 87.127 milhas quadradas, não sei com quais inteligentíssimos cálculos, quando nuvem alguma, acredito eu, pode alcançar tal medida.
Acrescenta Sarsi, imitando aquele que por muito tempo acreditou que o som pudesse ser produzido de uma única forma, não ser possível que o cometa se origine do reflexo daqueles vapores fumacentos, e que o exemplo do arco-íris não resolve a dificuldade, sendo ele uma ilusão visual: pois o arco-íris e outras coisas semelhantes são originados pela umidade da matéria que já está se transformando em água, que só naquele momento, imitando a natureza dos corpos líquidos, reflete a luz daquela parte onde se produzem os ângulos da reflexão e da refração, procurados como acontece nos espelhos, na água e nas bolas de cristal; mas, nos outros materiais ralos e secos, não possuindo superfície lisa como os espelhos, não se origina muita refração, procurando-se, então, para esta finalidade, uma matéria aguada, por conseguinte, muito pesada e inapta a subir além da Lua e do Sol, aonde podem chegar (também segundo minha opinião) só exalações levíssimas. O cometa, então, não pode ser produzido por tais fumacentos vapores. Uma resposta suficiente a toda esta argumentação seria afirmar que o Sr. Mário nunca limitou-se a afirmar qual seja a matéria originária e precisa do cometa, nem se ela é úmida ou fumacenta, seca ou lisa, e sei que ele não se envergonhará em afirmar que não a conhece. Porém, vendo que em vapores, nuvens ralas e não aguacentas, e naquelas que se dissolvem já em pequenas gotas, nas águas paradas, nos espelhos e outras matérias, aparecem por reflexão e refração muitas imagens ilusórias, considerou não ser impossível que na natureza exista ainda uma matéria apta a nos oferecer mais uma imagem diversa das outras, isto é, o cometa. Tal resposta, afirmo eu, é bem adequada à pergunta, se cada parte da pergunta for exata: todavia, o desejo de ajudar (como muitas vezes já confirmei) a pesquisa da verdade, pelo que me cabe, leva-me a fazer algumas considerações sobre determinados particulares contidos nesses discursos.
Em primeiro lugar, é verdade que numa emanação de pequeníssimas gotas de água recebemos a ilusão do arco-íris, mas não acredito que, pelo contrário, uma ilusão semelhante não se verifique sem tal emanação. O prisma triangular cristalino perto dos olhos nos apresenta todos os objetos das cores do arco-íris; muitas vezes, vê-se o arco-íris também em nuvens secas, sem que caia chuva alguma.
Não podemos ver também as mesmas ilusões de cores diversas nas penas de muitas aves, enquanto o Sol as atinge de várias formas? E que mais? Gostaria de anunciar a Sarsi alguma novidade se existisse alguma novidade a contar. Pegue ele qualquer matéria, seja pedra, madeira ou metal, e expondo-a ao Sol, observe-a atentamente e poderá observar nela todas as cores repartidas em pequeníssimas partes; e se ele usufruir, para observá-las melhor, de um telescópio adaptado a observar os objetos muito próximos, muito mais distintamente perceberá aquilo de que estou falando, sem necessidade que aqueles corpos transformem-se em orvalho ou vapores úmidos. Além disso, aquelas pequenas nuvens que ao pôr do sol mostram-se brilhantíssimas e refletem a luz do Sol tão viva que quase nos cega, são das mais ralas, secas e estéreis nuvens que existem no ar, e as úmidas, em vez, quanto mais estão cheias de água mais se mostram a nós escuras. O halo e os periélios verificam-se sem chuvas e sem umidade nas mais ralas e secas nuvens ou vapores que se encontrem no ar.
Segundo, é verdade que as superfícies bem lisas, como as dos espelhos, nos oferecem um poderoso reflexo da luz do Sol; assim, a muito custo podemos observá-la sem ofender a vista; porém, é também verdade que superfícies não muito lisas refletem com menos força se menor for a sua limpeza.
Veja agora, V. E. Ilustríssima, se o esplendor do cometa é daqueles que cegam a vista, ou é daqueles que por fraqueza não ofendem em nada; e disto julgue se para produzi-lo seja necessário uma superfície semelhante àquela de um espelho, e seja suficiente uma menos lisa. Eu gostaria de mostrar a Sarsi um modo de originar uma reflexão muito semelhante àquela do cometa. Pegue V. E. Ilustríssima uma garrafa de vidro bem limpa, e com uma vela acesa não muito distante do recipiente perceberá, em sua superfície, uma imagem bem pequena desta luz, clara e determinada. Pegando depois com a ponta do dedo uma mínima quantidade de qualquer matéria que possua um pouco de gordura, de modo que se junte ao vidro, engordure o mais sutilmente que puder aquela parte onde se percebe a imagem da luz até que a superfície fique um pouco nublada. Movimente depois a garrafa de maneira que a imagem saia da gordura e pare ao contato com ela; passe depois o dedo uma única vez horizontalmente sobre a parte gordurosa. Imediatamente verá originar-se um raio reto como a cauda do cometa, e este raio cortará transversalmente e em ângulos retos a linha do dedo que V. E. produziu, e, se V. E. voltar a passar o dedo numa outra direção, este raio originar-se-á em outra direção. Isto acontece porque, devido à pele dos nossos dedos não ser lisa, mas marcada por algumas linhas sinuosas para permitir melhor o tato e perceber as mínimas diferenças entre as coisas tangíveis, movimentando o dedo sobre esta superfície gordurosa, deixa alguns sulcos sutis no interior dos quais produzem-se os reflexos da luz, os quais, sendo muitos e dispostos ordenadamente, apresentam depois uma Unha brilhante, em cuja extremidade, se produzirmos, movimentando o vaso, aquela primeira imagem realizada na parte não gordurosa, perceber-se-á a cabeça da cauda mais brilhante e a cauda menos brilhante; o mesmo efeito produzir-se-á se, em vez de se engordurar o vidro, ficar embaçado soprando em cima. Eu peço a V. E. Ilustríssima que, se alguma vez por acaso Sarsi chegar a conhecer esta brincadeira, explique por mim bem claramente que eu não entendo com isso afirmar que exista no céu uma grande garrafa e alguém que a engordure, produzindo assim o cometa; simplesmente eu apresento este exemplo e poderei apresentar muitos outros que possam encontrar-se na natureza, ainda indefinidos a nós, como argumentos de sua riqueza de modos diferentes entre eles para produzir seus efeitos.
Em terceiro lugar, que reflexão e refração não podem ser produzidas por matérias e impressões meteorológicas a não ser quando contêm muita água, porque só neste caso apresentam superfícies lisas e limpas, condições estas necessárias para produzir tal efeito, asseguro que não é verdade que não possa ser diferente. No que diz respeito à limpeza, afirmo que mesmo sem ela produzir-se-á a reflexão da imagem unida e distinta. Afirmo assim porque a imagem quebrada e confusa é produzida por todas as superfícies, desiguais e ásperas; porém, aquela imagem de um pano colorido, que se vê distintíssima num espelho oposto, vê-se confusa e quebrada sobre o muro que reproduz uma determinada sombra da cor deste pano. Se V. E. Ilustríssima pegar uma pedra ou uma ripa de madeira não tão lisa que reflita perfeitamente as imagens, e colocar-se em direção oblíqua ao olho, como se quiséssemos verificar se ela é plana e reta, perceberá distintamente sobre ela as imagens dos objetos que se encontrarem encostados do outro lado da ripa, tão distintas que, apoiando um livro em cima, poderá ser lido comodamente. Mas se este experimento for concluído colocando-se o olho perto da extremidade de algum muro reto e comprido, primeiro perceber-se-á um perpétuo curso de exalações em direção ao céu, especialmente quando o muro for atingido pelo Sol, assim como todos os objetos parecem tremer; depois, o muro do outro lado parecerá aproximar-se, e verá que, quando estiver bem perto, sua imagem se apresentará refletida naqueles vapores ascendentes, nem úmidos nem pesados, pelo contrário, secos e leves. E que mais? Não chegou ainda ao ouvido de Sarsi tudo aquilo que foi falado, especialmente por Tycho, a propósito das refrações que se operam nas exalações e vapores que circundam a Terra mesmo que o ar seja sereno, seco e sem chuva e umidade? Também não se apoie, como ele faz, sobre a autoridade de Aristóteles e de todos os mestres de perspectiva, porque ele não poderá fazer outra coisa que afirmar que eu sou um observador mais cuidadoso que eles, o que, segundo meu parecer, é de todo contrário à sua intenção. Parece-me que tudo o que expus é uma resposta suficiente ao argumento de Sarsi.
Passemos, pois, ao segundo.
CONTINUA
18. Leia agora V. E. Ilustríssima o fim deste primeiro exame: Neste ponto, perceba Galileu, com quanta razão, desta e das muitas outras coisas expostas por ele no texto Nunzio Sidereo, deduzimos que o cometa deve se encontrar além da Lua. Ele mesmo afirma que, entre os astros, alguns brilham com a luz nativa e própria, e nesse número ele coloca o Sol e as estrelas chamadas fixas; outros, não dotados de brilho algum pela natureza, recebem toda a luz do Sol, como é costume pensar dos seis planetas que sobram.
Galileu observou, ademais, que as estrelas amam muito aquela vã coroação de luz não própria e que costuma fazer crescer uma cauda; os planetas, em vez, especialmente a Lua, Júpiter e Saturno, não têm quase nenhum brilho; contudo, Marte, Vênus e Mercúrio, apesar de não serem providos de luz própria, tiram, pela vizinhança do Sol, tanta luz que, sendo quase igual àquelas das estrelas, imitam seus raios circunstantes e seu brilho. Portanto, como o cometa, segundo Galileu também, não possui luz própria por natureza, mas a recebe do Sol, e junto com outros astrônomos de grande fama o consideramos planeta temporário, devia-se raciocinar sobre ele do mesmo modo como sobre a Lua e outros planetas, e cuja condição é tal que quanto menos são distantes do Sol tanto mais brilham, e revestidos de um brilho maior (que deriva disto), observados com a luneta parecem aumentar menos; enquanto o cometa recebe deste instrumento quase o mesmo aumento de Mercúrio, podemos não com muita probabilidade deduzir que o cometa não irradiou aquela luz circundada mais que Mercúrio e por isso não se encontra muito longe; por outro lado, como era aumentado menos que a Lua, precisava colocá-lo circundado de uma luz maior e mais perto do Sol? De tudo isto pode-se compreender com quanta razão afirmamos que o cometa, pois pareceu aumentar muito pouco, deve ser considerado muito mais longe de nós do que a Lua.
Sem dúvida, pela paralaxe observada e também pelo curso do cometa quase sidéreo, nós conhecíamos bastante seu lugar; como, além disso, a luneta o aumentava quase quanto Mercúrio, certamente nenhuma razão teria podido sustentar o contrário; foi lícito tirar daqui um corolário também de grande importância e peso a favor de nossa teoria. Mesmo que soubéssemos, com efeito, que estas coisas podiam ser originadas por muitas causas, justamente por causa da analogia que este corpo luminoso guardava junto a todos os outros corpos celestes em todos os seus fenômenos, pensamos ter recebido da luneta um beneficio bastante grande, pois nosso parecer, já firmado pelo peso de outros argumentos, confirmava ainda mais com o peso do próprio assentimento. Quanto ao restante, porém, acrescentado ao argumento, isto é, as palavras: "Sei que este argumento foi considerado por alguns de pouca importância", etc, clara e honestamente havíamos lembrado antes para que fim estas palavras haviam sido acrescentadas: naturalmente contra aqueles que, enfraquecendo a fé neste instrumento, completamente ignaros das disciplinas de óptica, proclamavam-no enganador e indigno de qualquer confiança. Compreende, então, Galileu, se não me engano, com quanta falta de raciocínio lutou contra nossa opinião a respeito da luneta, que ele considera em tudo de acordo com a verdade e com as suas próprias opiniões: haveria podido conhecer também antes se a tivesse examinado com espírito mais calmo. Como, então, haveríamos podido imaginar que ele não haveria de gostar dessas ideias que considerávamos suas próprias? Mas como estas coisas, segundo a nossa opinião, parecem suficientes, vamos examinar a opinião do próprio Galileu.
Aqui, primeiramente, como V. E. pode ver, iniciamos uma argumentação recortada, como se diz, de velho pano, consistente em diversos fragmentos de proposições, para provar que o lugar do cometa era entre a Lua e o Sol; proposição esta que o Sr. Mário e eu podemos conceder-lhe por completo, sem prejuízo algum, não tendo nós nunca afirmado nada em relação ao lugar do cometa, nem negado que ele possa se encontrar além da Lua, mas falou-se somente que as demonstrações até agora apresentadas pelos autores oferecem dúvidas. E para tirá-las não é de ajuda nenhuma que Sarsi apresente agora uma nova demonstração, mesmo que ela fosse necessária e conclusiva, e provar que esta conclusão seja verdadeira, mesmo que também em torno de conclusões verdadeiras se possa argumentar e silogizar falsamente. Todavia, pelo desejo que eu possuo de pôr à luz as coisas escondidas e chegar a verdadeiras conclusões, apresentarei algumas considerações em relação a estas proposições.
Para maior clareza e compreensão o farei com a maior brevidade possível.
Afirma ele ter deduzido do meu Nunzio Sidereo que as estrelas fixas, sendo aquelas que brilham com luz própria, brilham com uma luz não real, mas aparente. Os planetas, sendo desprovidos de luz própria, não agem assim, especialmente a Lua, Júpiter e Saturno, mas mostram-se quase sem brilho; porém, Vênus, Mercúrio e Marte, mesmo privados de luz própria, brilham muito por causa da vizinhança do Sol, pelo qual são mais abundantemente atingidos. Afirma, além disso, que o cometa, segundo meu parecer, recebe sua luz do Sol, e acrescenta haver ele, junto com autores de renome, considerado o cometa, desde muito tempo, um planeta; assim, a respeito dele pode-se raciocinar como a respeito dos outros planetas, os quais, quanto mais encontram-se perto do Sol mais brilham, e por consequência menos podem ser observados pelo telescópio, e, aumentando o cometa pouco mais que Mercúrio e muito menos que a Lua, com muita razão podia-se concluir que não estivesse muito mais longe do Sol do que de Mercúrio, mas muito mais perto daquele que da Lua. Esta é a teoria que muito bem se ajusta à necessidade de Sarsi, como se a conclusão, deduzida antes dos princípios e meios, dependesse não aquela destes, mas estes dela, e tivessem sido preparados por ele não da grandiosidade da natureza mas da arte muito sutil. Pesquisemos, porém, quanto ela seja conclusiva.
Em primeiro lugar, é completamente falso que eu tenha escrito no Nunzio Sidereo que Júpiter e Saturno não brilhem quase nada e que Marte, Vênus e Mercúrio sejam coroados de muitos raios, porque eu separei só a Lua do resto das outras estrelas, quer fixas quer errantes.
Em segundo lugar, não sei se para concluir que o cometa seja quase um planeta e que, sendo tal, lhe sejam convenientes as propriedades dos outros planetas, seja suficiente que Sarsi e seu Mestre junto com outros autores o tenham considerado e chamado assim. Pois, se a opinião deles fosse tão importante a ponto de fazer aceitar as coisas por eles propostas, eu os rogaria que considerassem e chamassem ouro muitos velhos pedaços de ferro que possuo em casa. Mas, deixando os nomes de lado, qual é a teoria que os induz a considerar o cometa quase um planeta desde muito tempo? Brilhar como os planetas? Mas qual é a nuvem, qual a fumaça, qual a madeira, qual o muro, qual a montanha, atingidos pelo Sol, que não brilham do mesmo tanto? Não percebeu Sarsi no Nunzio Sidereo minha demonstração, isto é,que nossa Terra brilha mais que a Lua? Mas qual é minha opinião sobre o brilho do cometa como um planeta? Eu, por mim, não considero impossível que sua luz possa ser tão fraca e sua substância tão sutil e rala, que, quando alguém se aproximasse dela, sumisse da vista completamente, como acontece com alguns fogos-fátuos que saem da Terra, que são percebidos só durante a noite e de longe, mas de perto desaparecem; da mesma forma que as nuvens distantes são percebidas bem determinadas, e depois, de perto, mostram um pouco de nebulosidade tão indeterminada que alguém, entrando nela, quase não distingue os limites, nem sabe separá-la do ar contíguo. E aquelas projeções de raios solares entre as nuvens, tão semelhantes aos cometas, por quem são percebidas se não por aqueles que lhes são distantes? Tem o cometa alguma coisa em comum com os planetas por causa do movimento? E qual será a coisa separada da parte elementar que, obedecendo ao estado terrestre, não terá o moto diurno de acordo com o resto do universo? Mas se falamos do outro movimento, aquele transversal, este não tem nada a ver com o movimento dos planetas, não sendo criado nem por aquele rumo, nem regulado, nem talvez circular. Mas, deixados de lado os acidentes, acreditará talvez alguém que a substância ou a matéria do cometa tenha alguma coisa a ver com a dos planetas? Pode-se acreditar que ela seja solidíssima, como nos convida a pensar em particular a Lua e em universal a figura bem determinada e imutável de todos os planetas; e, ao contrário, pode-se acreditar que a do cometa dissolva-se em poucos dias; e sua figura, não determinada ao redor, mas confusa e indistinta, nos mostra que a sua substância é mais sutil e mais rala que a névoa e a fumaça. Assim ele quase poderia ser chamado mais um planeta pintado que real.
Em terceiro lugar, eu não sei com quanta perfeição ele possa ter parangonado os raios e o aumento do cometa com o aumento de Mercúrio que, podendo ser observado raríssimas vezes, em todo o tempo da aparição do cometa, ele não apareceu nunca, nem deu a possibilidade de ser observado, encontrando-se sempre muito perto do Sol; posso sem escrúpulo acreditar que Sarsi não fez esta comparação, difícil de se realizar e muito incerta, mas que ele afirma ter realizado porque, sendo assim, serviria melhor para sua causa. Outro indício que mostra como ele não conseguiu fazer esta experiência é-me fornecido pelo fato de que, ao referir-se às observações relativas a Mercúrio e à Lua, com os quais compara as do cometa, parece-me que ele esteja confundindo muito. Aceitando, para concluir, que o cometa se encontre mais longe do Sol que de Mercúrio, precisava afirmar que o cometa possuía menos raios que ele, e observado com o telescópio aumentava mais que ele; todavia, afirmou o contrário, isto é, que não possuía mais raios que Mercúrio e que aumentava quase a mesma coisa, o que significa afirmar que possuía mais raios e menos aumento que Mercúrio. Comparando depois o cometa com a Lua, escreve a mesma coisa (mesmo afirmando escrever o contrário), isto é, que aumentava menos que a Lua e possuía mais raios. Todavia, para chegar a uma conclusão, deduz da identidade das premissas conclusões diferentes, isto é, que o cometa encontra-se mais perto do Sol que a Lua, porém mais distante que Mercúrio.
Para finalizar, afirmando Sarsi ser um lógico exato, não me faz entender por que, na divisão dos corpos luminosos que se irradiam mais ou menos, e que por consequência, observados com o telescópio, recebem um aumento maior ou menor, ele não haja registrado nossas luzes elementares; pois as velas, as tochas acesas observadas a qualquer distância, qualquer pedrinha, lenho ou corpúsculo, até as folhas e as gotas de orvalho atingidas pelo Sol, resplandecem, e de certo ângulo irradiam a par de qualquer estrela mais brilhante, e vistas pelo telescópio observam no aumento o mesmo teor que as estrelas. Assim, termina completamente aquela ajuda a mais que os outros haviam esperado do telescópio para conduzir o cometa no céu e tirá-lo da esfera elementar. Abandonai, portanto, Sarsi, a ideia de poder ajudar vosso Mestre e estai certo de que, para querer sustentar um erro, é necessário perpetrar cem outros e, coisa ainda pior, não conseguir o intento. Gostaria também de pedir-vos para não replicar mais, como o fazeis no final desta vossa parte, que estas são teorias minhas, pois nunca escrevi coisas parecidas, nem as falei, nem as pensei. Basta a respeito do primeiro trecho em exame.
19. Passemos ao segundo: Apesar de ninguém até hoje ter falado que o cometa deve colocar-se entre as aparências vãs, onde não haveríamos necessidade de libertá-lo da acusação de inanidade, pois Galileu acreditou enveredar por outro caminho para explicar o cometa completa e sabidamente, é justo parar e expor com cuidado esta sua nova teoria.
São duas hipóteses que ele cogitou: uma relativa à substância, outra referente ao movimento do cometa. No que diz respeito à primeira, Galileu afirma que esta luz é daquelas que, mostradas mais que criadas pela refração de outra luz, parecem ter mais o nome de sombras de corpos luminosos que ser corpos luminosos, como, por exemplo, os arco-íris, os halos, os parélios e muitas outras coisas semelhantes. No que diz respeito à segunda, Galileu afirma que o movimento dos cometas sempre foi retilíneo e perpendicular à superfície da Terra. Revelando estas suas descobertas, acreditou poder destruir com facilidade as opiniões dos outros. Nós vamos examinar agora com poucas palavras, e sem retórica, quanto de próprio se deva atribuir a estas opiniões (pois a verdade, mesmo nua, é bastante ornada). Mesmo sendo difícil abranger singularmente estas duas proposições, pois são tão conexas que parecem depender uma da outra e sustentar-se reciprocamente, nós nos preocuparemos para que os leitores não fiquem lesados. Por isso, contra a primeira posição de Galileu, afirmo que o cometa não foi simulacro vão de uma luz que iludia os olhos daqueles que o observavam e isto parece-me que não necessita de outra prova para aquele que, ao menos uma vez, seja a olho nu, seja com a luneta, haja observado o cometa. A simples vista manifestava a natureza desta luz, porque, em comparação a outras luzes realíssimas, qualquer um poderá com facilidade julgar se o observado era falso ou verdadeiro. Tycho, examinando as observações de Tadeu Agezio, deduz isto: "O corpo do cometa naqueles dias foi igual, em grandeza, a Júpiter e Vênus, e revestiu-se de uma luz nítida e de um grande esplendor, puro e belo, e sua substância pareceu pura demais para ser conveniente a matérias só elementares, mas era, de preferência, análoga àquela dos corpos celestes ". Tycho acrescenta a isto: "Tadeu foi bom juiz relativamente a este aspecto, haveria podido concluir claramente que este cometa não era elementar".
Sarsi andou figurando antes e arbitrariamente os princípios e os meios que fossem de acordo com as conclusões que ele queria demonstrar; agora parece-me que vai imaginando conclusões para contradizê-las como teorias do Sr. Mário e minhas, muito diversas, ou, ao menos, muito diversamente tomadas, de como são relatadas no Discurso do Sr. Mário. Que o cometa seja, sem dúvida, uma imagem vã e uma simples aparência, nunca foi afirmado com certeza, mas só foi posto em dúvida e levado à consideração dos filósofos com aqueles raciocínios e cogitações que parecem poder garantir que seja verdade. Eis aqui as palavras do Sr. Mário a este propósito: "Eu não afirmo resolutamente que o cometa produza-se assim, mas afirmo que são duvidosos, seja este modo seja os outros dos demais autores; os quais pretenderão estabelecer com certeza seus pareceres. e terão a obrigação de demonstrar que esta e todas as outras posições são vãs e falsas". Mesmo sendo o texto tão diferente, Sarsi afirma que nós temos por certo que o movimento do cometa deve ser necessariamente reto e perpendicular à superfície terrestre. Isto não foi apresentado desta forma, mas simplesmente foi cogitado como ser mais conforme às aparências e satisfazer às mudanças observadas no cometa. Esta hipótese é tão superficialmente apresentada pelo Sr. Mário que no fim ele declara: "Porém é mais conveniente para nós contentarmo-nos com aquele pouco que podemos cogitar mesmo sem ter muita clareza". Porém Sarsi quis mostrar que estas opiniões eram tão firmemente aceitas por mim que imaginou podê-las destruir com facilidade e com meios mais eficazes. Se ele conseguir o agradecerei, pois no futuro deverei preocupar-me com uma hipótese a menos todas as vezes que me venha a ideia de filosofar sobre tal matéria. Por enquanto, pois parece-me que ainda subsiste alguma coisa de vivo no raciocínio do Sr. Mário, moverei algumas objeções às objeções de Sarsi.
Opondo-se Sarsi com grande firmeza à primeira conclusão, afirma que aquele que, mesmo por uma vez, houvesse observado o cometa, não necessitaria mais de argumento algum para conhecer a natureza desta estrela; estrela que, comparada com as outras verdadeiras estrelas, mostrava muito claramente ser verdadeira e não falsa. Assim, como V. E. Ilustríssima entende, Sarsi confia tanto no sentido da visão que considera impossível ser enganado todas as vezes que tentamos fazer uma comparação entre um objeto falso e um real. Eu confesso não ter a visão tão perfeita, pelo contrário, confesso ser como aquele macaco que acredita firmemente ver no espelho outro macaco, e nem reconhece seu erro se quatro ou seis vezes não tenha ido atrás do espelho para agarrar a imagem, tanto aquela imagem se lhe apresente viva e verdadeira. Supondo, então, que aqueles que Sarsi vê no espelho não sejam homens verdadeiros e reais, mas imagens vãs, como nós vemos nossa imagem no espelho, gostaria ardentemente de saber quais são aquelas diferenças visuais por meio das quais tão rapidamente distingue o verdadeiro do falso. Quanto a mim, encontrei-me mil vezes em alguma sala de janelas fechadas, e através de algum pequeno buraco pude perceber o Sol refletindo-se sobre um muro oposto, julgando assim esta mancha, pela vista, uma estrela tão brilhante quanto a Canícula e Vênus. E andando contra o Sol no campo, quantos milhares de corpúsculos, pedrinhas, lisos ou molhados, transformar-se-ão pelo reflexo do Sol em estrelas brilhantíssimas? Mesmo cuspindo no chão, Sarsi sem dúvida perceberá onde cuspiu, pela reflexão solar, uma estrela naturalíssima. Além disso, qual corpo colocado a grande distância, atingido pelo Sol, não aparecerá como uma estrela, especialmente se for tão alto que possa ser enxergado durante a noite, como se enxergam as outras estrelas? E quem distinguiria a Lua, vista durante o dia, de uma nuvem atingida pelo Sol, senão pela diversidade do aspecto e pela grandeza?
Ninguém, com certeza. E enfim, se a simples aparência deve determinar a essência, é necessário que Sarsi aceite que os sóis, as luas e as estrelas, observados em água parada e em espelhos, sejam verdadeiros sóis, verdadeiras luas e verdadeiras estrelas. Em relação a esta parte, mude mesmo Sarsi de opinião, nem acredite que, citando a autoridade de Tycho, de Tadeu Agezio ou de muitos outros, melhore sua condição, a não ser que, por ter tido tais homens como companheiros, desculpe mais seu erro.
20. Continue V. E. Ilustríssima a ler: "Pois, por todo o tempo que nosso cometa brilhou, Galileu, segundo ouvi dizer, permaneceu de cama por uma doença, e nunca talvez pôde, por causa da doença, observar aquele corpo brilhantíssimo, e por isso pensamos dever-se discutir com ele por meio de outra argumentação. Afirma ele mesmo que às vezes, de alguma parte da Terra, um vapor fumacento levanta-se acima da Lua e também acima do Sol, e, logo que saído do cone sombreado da Terra, olhou para a luz do Sol da qual como que concebeu e gerou o cometa; e o movimento ou a subida de um tal vapor não é vago ou incerto mas retilíneo e sem ser desviado para parte alguma. Assim afirma ele, mas nós colocamos na nossa balança o peso destas afirmações. Primeiro, sabemos que esta matéria fumacenta e úmida, tendo subido casualmente da Terra nos dias em que, dominando amplamente o céu bóreas violentíssimas, facilmente poderia haver sido dispersada e dissipada. É pois, digno de admiração como impunemente corpúsculos tão sutis e leves, entre a ira do vento violentíssimo, puderam ter chegado até o alto com um proceder constante através do caminho enveredado no começo, quando nem pesos consideráveis confiados ao vento podiam vencer o ímpeto e a força. Eu considero muito contraditório que um vapor muito leve suba e suba em linha reta, e mal acredito que isto haja podido acontecer entre as várias mudanças do vento. E acrescenta que, garante Galileu, nem nas mais altas regiões dos planetas faltam condensações e rarefações de tais corpos fumacentos, e por isso nem aqueles movimentos vagos e incertos pelos quais é necessário que sejam levados.
Que os vapores fumacentos de alguma parte da Terra subam além da Lua, e até além do Sol, e que saídos do cone da sombra terrestre sejam engravidados pelos raios solares e que então gerem o cometa, nunca foi escrito pelo Sr. Mário nem foi afirmado por mim, apesar de Sarsi atribuí-lo a mim.
Aquilo que o Sr. Mário escreveu é que não é impossível que algumas vezes possam elevar-se da Terra exalações e outras coisas parecidas, mas muito mais sutis que de costume, que subam além da Lua e possam ser matéria geradora do cometa, e que às vezes originem-se sublimações extraordinárias relativas à matéria dos corpúsculos, exemplificando-o por meio da aurora boreal. Porém não afirma que aquela seja numericamente a mesma matéria dos cometas, que necessita ser muito mais rala e sutil que os vapores dos corpúsculos e do que a matéria da assim chamada aurora boreal, tendo aceito que o cometa resplende muito menos que a aurora; assim, se o cometa se ampliasse, por exemplo, rumo ao oriente, na cândida alvorada, enquanto o Sol não se encontrasse longe do horizonte mais do que 6 ou 8 graus, sem dúvida não se perceberia, por ser menos brilhante do que seu próprio ambiente. E com a mesma probabilidade, não certeza, atribuiu-se à mesma matéria o movimento retilíneo em ascensão. E isto seja afirmado não para retratarmo-nos por medo das oposições de Sarsi, mas só para mostrar que não nos afastamos do nosso hábito, que consiste em não afirmar como verdadeiras a não ser as coisas que conhecemos como indiscutíveis, como nos ensina nossa filosofia e nossa matemática. Agora, partindo do ponto de vista de que houvéssemos verdadeiramente afirmado aquilo que Sarsi fala, examinemos suas posições.
Sua primeira oposição baseia-se na impossibilidade de os vapores subirem ao céu, em linha reta, enquanto que verificamos que um papagaio é empurrado pelo ar com movimento transversal, assim como as outras coisas que se encontram nele; e o mesmo verificou-se por muitos dias depois do aparecimento do cometa. A oposição é verdadeiramente inteligente, mas perde muito de sua força lógica porque, segundo notícias seguras, naqueles dias, nem na Pérsia nem na China verificaram-se perturbações atmosféricas; e eu acreditarei que de umas daquelas regiões se origina a matéria do cometa, se Sarsi provar que ele não é originário de lá, mas de Roma, onde ele percebeu o vento boreal.
Mas, mesmo que o vapor saísse da Itália, quem pode saber se ele não se houvesse posto em viagem antes dos dias de vento, muitos dias antes de sua chegada ao orbe do cometa, longe da Terra, segundo a relação do Mestre de Sarsi, quatrocentos e setenta mil milhas mais ou menos; porque, para empreender uma viagem tão comprida, é necessário bastante tempo, pois a subida dos vapores, por aquilo que podemos observar em relação àqueles perto da Terra, não atinge a velocidade do voo das aves; assim não seriam suficientes quatro anos para concluir tamanha viagem. Mesmo aceitando que estes vapores pudessem se movimentar em época de vento, Sarsi, que acredita piamente nos historiadores e nos poetas, não poderá negar que o impulso dos ventos não sobe mais de duas ou três milhas, já que existem montes cujo cume vai além da região dos ventos. Assim, o máximo que ele poderá concluir é que dentro deste espaço os vapores movimentam-se transversal e não perpendicularmente; porém, fora deste espaço desaparece o impedimento que os desvia do caminho retilíneo.
21. Veja mais V. E. Ilustríssima: Aceitamos que estes vapores possam manter, através dos ventos, suas direções e rumar para onde possam receber os raios diretos do Sol, enviando-os a nós refletidos. Por que, então, recebendo em toda a sua extensão a luz do Sol, no-la mostram somente em uma mínima parte de si? Com certeza, sendo o próprio Galileu testemunha, quando nos dias de verão um vapor não diferente indo rumo ao norte mais alto que de costume apresenta-se à luz do Sol, então, imergido em luz brilhantíssima, mostra-se muito brilhante em todas as suas partes, para utilizar sua próprias palavras, nos reflete mesmo de noite a aurora boreal; e não se mostra tão avarento do esplendor recebido que não permita que a reflexão da luz do Sol, que ele recebeu em toda a sua extensão, nos apareça apenas através de um pequeno buraco. Eu mesmo verifiquei, não somente em tempo de verão, mas no mês de janeiro, quatro horas depois do pôr do sol, algo ainda mais maravilhoso, isto é, uma pequena nuvem, cândida e brilhante, tão rarefeita que não encobria nem as estrelas menores, e os dons de luz que havia recebido do Sol ela os expandia livremente, com alma generosa, por todos os cantos. Então todas as nuvens (admitindo que tenham alguma afinidade com a matéria do cometa), se são tão densas e obscuras que não possam refletir livremente os raios do Sol, ao menos na parte virada para o Sol o refletem para nós com generosidade recíproca; porém, se são ralas e sutis, e a luz facilmente as penetre integralmente, não mostram obscuridade em parte alguma, mas oferecem aos olhos inundados uma luz esplendorosa. Então, se o cometa não se forma de outra matéria que não seja vapores fumacentos, não Juntados globalmente mas, como o próprio Galileu afirma, ocupando um espaço suficientemente vasto do céu, brilhando em toda parte com a luz do Sol, qual é a causa pela qual brilham sempre para aqueles que o observam só de um pequeno e estreito disco, e as outras partes deste mesmo vapor, iluminadas pelo Sol com mesma luz, não aparecem? Dificilmente tudo isto pode ser explicado com o exemplo do arco-íris, em cuja formação acontece a mesma coisa que evidentemente só de uma parte da nuvem volta ao olho, quando, entretanto, em todo o espaço iluminado pelo Sol a própria diversidade das cores seja gerada de sua luz. Com efeito, o arco-íris e outros meteoros, se existirem, requerem de preferência matéria úmida e com tendência a mudar-se em água; pois esta matéria só quando se derrete em água, imitando a natureza dos corpos leves, puros e transparentes, reflete a luz só na parte onde formam ângulos de reflexão e de refração necessários a tudo isto, como percebemos nos espelhos, na água e no gelo. Depois, se alguma emanação encontrar-se mais rarefeita ou mais seca, acontece porque ela não possui superfície lisa como os espelhos, nem reflete muitos raios. Visto necessitar-se de um corpo liso para que haja reflexão e necessitar-se de sua densidade para a refração (coisas que nunca se encontram nas impressões meteorológicas, a não ser quando a natureza delas possui muita água, como ensinaram não só Aristóteles mas também todos os mestres de óptica, e a própria razão persuade com muita eficácia), segue disto necessariamente que emanações semelhantes possuirão, por natureza própria, um certo peso, e por isto menos aptas a subir acima da Lua e do Sol, pois o próprio Galileu admite que devem ser muito sutis e leves aqueles que voam até lá em cima. Portanto, não daquele vapor fumacento e rarefeito, e na verdade de peso algum, poderá refletir para nós aquela imagem brilhante de luz: o vapor aguado, na verdade, sendo pesado, não poderá subir deforma alguma.
Depois de observado por muitas experiências, parece-me ser esta a condição humana em relação às coisas intelectuais: quanto menos entende-se e sabe-se, com tanta mais força quer-se discutir; e, pelo contrário, mais coisas são conhecidas menor é a tendência de discutir resolutamente sobre qualquer novidade. Nasceu em um lugar muito solitário um homem dotado por natureza de grande inteligência e de extraordinária curiosidade. Criando por prazer grande diversidade de aves, gostava enormemente do seu canto, e com muita admiração observava de que modo, por meio do próprio ar que respiravam, conseguiam formar ao seu arbítrio cantos diferentes e todos suavíssimos. Acontece que uma noite perto de casa escutou um som delicado, e, nem podendo imaginar que fosse outra coisa a não ser uma pequena ave, foi buscá-la. Chegando à estrada encontrou um pequeno pastor que, assoprando num pedaço de madeira furada e movimentando os dedos sobre a madeira, uma vez fechando e uma vez abrindo determinados buracos, conseguia produzir aquelas vozes diferentes, semelhantes às de um pássaro, mas de forma bem diversa. Admirado e movido pela sua curiosidade natural, deu de presente um bezerro ao pastor para obter aquela flauta. De regresso à sua casa e percebendo que se não houvesse encontrado por acaso aquele pastor nunca haveria aprendido que existiam na natureza duas formas diversas de criar vozes e cantos suaves, quis sair de casa procurando encontrar outras aventuras. Aconteceu que no dia seguinte, passando perto de uma pequena choça, escutou ressoar dentro dela uma voz semelhante. Para ter certeza se era uma flauta ou um pássaro, entrou e encontrou um menino que estava serrando, com um pequeno arco segurado na mão direita, alguns nervos estendidos sobre um lenho côncavo, enquanto sustentava com a mão esquerda o instrumento sobre o qual, movimentando os dedos e sem sopro algum, extraía dele vozes diversas e suaves. Qual foi seu espanto pode ser julgado facilmente por aquele que possuir a mesma inteligência e a mesma curiosidade dele que, vendo aumentar, de duas novas formas, a maneira de produzir uma voz e um canto tão inusitados, começou a acreditar poderem existir ainda outros na natureza. Mas qual foi sua surpresa quando, entrando em um determinado templo, começou a olhar atrás da porta para ver quem estava tocando e percebeu que o som havia saído dos ferros da porta ao abri-la? Em outra ocasião, empolgado pela curiosidade, entrou em um boteco e, acreditando encontrar outra vez alguém que com o arco tocasse as cordas de um violino, viu uma pessoa que, esfregando o dedo sobre a orla de um copo, conseguia produzir um som suavíssimo. Mas logo que observou que as abelhas, os pernilongos e as moscas, com o rapidíssimo bater das asas, e não como suas primeiras aves que respirando formavam vozes ininterruptas, produziam um som perpétuo, tanto aumentou sua admiração que diminuiu sua confiança sobre o conhecimento da origem do som. Nem todas as experiências já observadas haveriam sido suficientes para fazer-lhe entender ou acreditar que os grilos, não voando, conseguiam, não por meio do sopro mas com o movimento das asas, produzir sons tão doces e sonoros. Mas quando acreditou não poderem existir outras formas possíveis de produzir vozes, depois de haver observado, além das maneiras já relatadas, ainda tantos órgãos, trompas, flautas e instrumentos de corda de todos os tipos, até chegar à aquela pequena lâmina de ferro que, suspensa entre os dentes, usava de forma muito esquisita a cavidade bucal para dar corpo à amplificação do sopro permitindo a passagem do som, quando, repito, na hora que acreditava haver conhecido tudo, encontrou-se ainda mais no escuro e na ignorância, quando, havendo encontrado uma cigarra que nem fechando-lhe a boca e nem fechando-lhe as asas conseguia diminuir seu altíssimo estridor, não percebeu movimento algum de escamas nem de outras partes. Finalmente, levantando-lhe a caixa dos pulmões e observando embaixo dela algumas cartilagens duras mas sutis, e acreditando que o som fosse originado do seu movimento, resolveu quebrá-las para fazê-la parar, mas tudo foi em vão.
Então, fincando uma agulha mais funda no corpo da cigarra, passando-a, tirou-lhe junto com a voz a vida e assim não pode mais pesquisar se o canto era originado verdadeiramente por aquelas membranas. Tornou-se tão descrente sobre seus possíveis conhecimentos em relação aos sons que todas as vezes que alguém lhe perguntava sua opinião sobre a origem dos sons, generosamente respondia não conhecer causa alguma, mas que estava resolvido a acreditar que pudessem existir cem outras maneiras, ainda desconhecidas e impensáveis.
Eu poderia dar muitos exemplos da variedade da natureza em produzir seus efeitos de maneira inimaginável para nós, se o sentido e a experiência não nos explicitassem sem, muitas vezes, suprir nossa incapacidade. Assim, se eu não souber, com exatidão, determinar a produção do cometa, deverão ser aceitas minhas desculpas, especialmente porque nunca afirmei poder dar esta explicação sabendo que ela poderia verificar-se de forma muito alheia à nossa imaginação. A dificuldade de entender como se forma o canto da cigarra, enquanto ela canta na mão, desculpa de sobra não saber como pode formar-se um cometa tão longe de nós. Para frisar, então, a primeira intenção do Sr. Mário e minha, isto é, promover aquelas dúvidas que parecem abalar as opiniões manifestadas até agora e propor alguma nova teoria para examinar se existe alguma coisa que possa esclarecer e abrir o caminho rumo à verdade, continuarei a raciocinar sobre as teorias manifestadas por Sarsi, que considerou improváveis nossos argumentos.
Continuando Sarsi sua exposição e aceitando serem os vapores ou outra matéria aptos a formar o cometa, seu elevar-se da Terra e subindo muito alto, onde pudesse receber diretamente os raios solares refletindo-os para nós, é difícil imaginar de que forma, sendo completamente iluminada, reflita até nós só a luz de uma pequena parte, e não acontece como aqueles vapores que nos apresentam aquela intempestiva aurora boreal, vapores que, sendo todos iluminados, mostram todos suas luzes.
Afirma depois ter observado, pelo meio da noite, uma coisa maravilhosa, isto é, uma pequena nuvem no zênite que, sendo toda iluminada, refletia livremente seu brilho de todas as suas partes, e acrescenta que, se todas as nuvens forem espessas e opacas, nos refletem a luz do Sol com toda a sua parte visível, porém se elas forem ralas, assim que a luz as penetre, mostrar-se-ão a nós brilhantes e não opacas; então, se o cometa forma-se com tais vapores fumacentos muito espalhados, como afirma o Sr. Mário, e não reunidos em círculo, sendo atingidos pelo Sol por todas as partes, por qual razão nós recebemos sua reflexão de uma pequena parte e não de todo o restante igualmente iluminado? Mesmo que as soluções destas perguntas estejam completamente resolvidas no Discurso do Sr. Mário, eu as relatarei aqui colocando-as acertadamente e acrescentando alguma outra consideração, conforme for solicitado pela matéria.
Em primeiro lugar, Sarsi deveria sem dificuldade conceder que só de um lado particular de toda a matéria sublimada pelo cometa verifica-se a reflexão da luz do Sol a uma visão particular, apesar de ser toda iluminada; tendo nós mil experiências semelhantes a favor, contra uma que pareça ser contrária, facilmente, entre as de Sarsi contrárias a esta posição, encontraremos muitas outras favoráveis. É certo que qualquer espelho plano exposto ao Sol fica por ele iluminado em toda a sua superfície; o mesmo acontece com qualquer pântano, lago, rio, mar, ou seja, com qualquer superfície lisa de qualquer material; porém, a uma vista particular não corresponde a reflexão do raio solar, a não ser de um lugar particular desta superfície, cujo lugar muda, mudando o olho do observador. A superfície externa de nuvens sutis, mas muito espalhadas, é toda iluminada pelo Sol de forma igual; todavia, o halo e os periélios não aparecem a um olho particular a não ser em um único lugar, e este, com o movimento do olho, muda de lugar dentro da nuvem.
Sarsi afirma: Aquela matéria sutil sublimada que produz aquela aurora boreal vê-se também toda iluminada, como ela o é de verdade. Porém, pergunto eu a Sarsi de onde lhe vem esta certeza. E ele pode responder-me somente que não percebe parte alguma que não seja iluminada, assim como acontece com o resto da superfície dos espelhos, das águas, dos mármores, além daquela pequena parte que reflete a viva luz do Sol. Porém advirto-o de que, se a matéria fosse transparente, não distinguiria nada mais que aquele esplêndido raio refletido, como acontece às vezes que a superfície do mar não se distingue do ar, mesmo que se veja imagem reflexa do Sol; e assim, colocado um vidro sutil a uma determinada distância, poderá mostrar-nos aquela sua pequena parte que reflete alguma luz, ficando o resto invisível por causa de sua transparência. Este erro de Sarsi é semelhante àquele dos que afirmam que criminoso algum deve confiar que seu crime possa ficar oculto, nem percebem a incompatibilidade que existe entre permanecer oculto e ser descoberto, e quem quisesse ter duas cadernetas, uma dos delitos que permanecem ocultos e outra daqueles que são descobertos em cuja caderneta dos ocultos nunca poderia registrar-se coisa alguma. Afirmo, então, que não me oponho à crença de que a matéria da aurora boreal seja muito ampla e uniformemente iluminada pelo Sol50; como, porém, não posso descobrir e observar a não ser aquela parte cuja refração meu olho pode captar, permanecendo invisível todo o restante, tenho a ilusão de perceber tudo. E que mais? A propósito dos vapores crepusculares que circundam a Terra, não permanece iluminado pelos raios solares sempre um hemisfério? Com certeza sim; todavia, aquela parte que se interpõe diretamente entre o Sol e nós mostra-se a nós muito mais luminosa do que as partes mais distantes. Mas esta, como ainda outras, é pura aparência e ilusão de nosso olho, pois, encontrando-nos em qualquer lugar, sempre observamos o Sol como centro de um círculo luminoso, mas que gradualmente vai perdendo o brilho, segundo se encontre à direita ou à esquerda deste centro; para outros, mais para o boreal, parece mais escura aquela parte que a mim parece mais clara, e mais brilhante aquela que a mim apresentava-se mais escura. Podemos, assim, afirmar a existência de um halo perpétuo e grande ao redor do Sol, figurado na superfície convexa que termina a esfera de vapor, cujo halo, da mesma forma que o outro, que às vezes nasce de uma nuvem sutil, muda de lugar segundo a mudança do observador. Em relação à pequena nuvem que Sarsi afirma ter observado brilhar na noite profunda, poderia perguntar-lhe que certeza tem ele de ela não ser maior do que aquela que aparece, especialmente afirmando ele que era tão transparente que não escondia estrelas fixas, mesmo mínimas, pois não possuía indício algum para garantir que ela se ampliasse invisivelmente como transparente, muito e muito além da parte brilhante observada: por isso é ainda duvidoso se ela não é uma aparência que muda como as outras segundo a mudança do olho. Além de não haver nada em contrário que ela apareça inteiramente brilhante e seja, da mesma forma, uma ilusão, o que acontecerá se ela não fosse maior do que aquele espaço que vem a ser ocupado pela imagem do Sol, assim que, observando a imagem do Sol, por exemplo, ocupar num espelho tanto espaço quanto uma unha, nós cortássemos fora o restante, não há dúvida de que este pequeno espelho poderá nos aparecer brilhante de todo. Além disso, quando o pequeno espelho fosse menor do que a imagem, então poder-se-ia observar não só tudo iluminado mas sua imagem não pareceria movimentar-se a cada movimento do olho, como no espelho grande; e até por ser ele incapaz de toda imagem do Sol, segue que, movendo-se o olho, veria a reflexão ora de um lado ora de outro do disco solar; assim a imagem pareceria imóvel, até que o olho se dirija à parte que não produz reflexão, ela se perderia completamente. É muito importante, então, considerar a grandeza e a qualidade da superfície que reflete, pois, conforme a superfície seja menos limpa, a imagem do mesmo objeto se apresentará sempre maior, pois, às vezes, antes que a imagem passe por todo o espelho, será necessário que o olho passe por muito espaço, e esta imagem parecerá fixa então, mesmo que na realidade seja móvel.
Para explicar melhor um ponto importantíssimo e que talvez possa solicitar, não digo Sarsi, mas algum outro, pense V. E. Ilustríssima encontrar-se numa praia com um tempo tranquilo e o Sol já descendo no ocaso. Perceberá, então, sobre a superfície do mar que está na metade do círculo máximo da esfera celeste que passa pelo disco solar, o reflexo brilhantíssimo do Sol, mas não muito amplo; se, pelo contrário, como já falei, a água for muito calma, verá a imagem do disco solar bem definida como num espelho. Se uma pequena brisa começa a movimentar a superfície da água, na mesma hora verá V. E. Ilustríssima a imagem do Sol quebrar-se em muitas partes, ampliando-se e difundindo-se. E, enquanto próxima, poderiam se distinguir cada uma das partes da imagem quebrada; todavia, sendo longe, não se perceberia esta separação, quer pelos breves intervalos entre as partes, quer pelo grande brilho das partes cintilantes, que se misturaram, como acontece com muitos fogos perto entre si e que de longe parecem ser um só. Se a água se movimentar sempre mais por espaços sempre maiores, ampliar-se-á a multidão dos espelhos que refletirão, segundo as diversas inclinações das ondas, a imagem do Sol quebrada. Mas distanciando-se sempre mais e subindo numa colina ou outra elevação para poder enxergar melhor o mar, o campo brilhante parecerá único e contínuo. Aconteceu-me enxergar de cima de uma montanha altíssima e distante do mar de Livorno sessenta milhas, com um tempo sereno mas de ventania, uma hora antes do pôr do sol, uma tira brilhantíssima à direita e à esquerda do Sol, que ocupava em comprimento muitas dezenas, até muitas centenas de milhas, a qual era, porém, como as outras, uma mesma reflexão da luz do Sol. Agora, imagine, Sarsi, que da superfície do mar, com o mesmo movimento de ondas, grande parte tivesse se retraído para as orlas deixando só no meio, isto é, face ao Sol, um comprimento de duas ou três milhas: esta, com certeza, seria observada completamente iluminada, e imóvel mesmo, com respeito a qualquer movimento que o observador houvesse realizado à direita ou à esquerda; só depois de movimentar-se por alguma milha começaria a desaparecer a parte esquerda da imagem, se ele estivesse caminhando para a direita, e a imagem esplendorosa diminuiria até que, adelgaçando-se, desapareceria por completo. Disto resulta que a imagem é móvel em relação à imagem do observador, pois, mesmo observando-a toda, perceberíamo-la toda ainda movimentar-se, encontrando-se seu meio sempre à direita do Sol, apesar de aparecer a muitos outros que a observem no mesmo momento como encontrando-se em outros pontos do horizonte.
Eu não quero esconder de V. E. Ilustríssima aquilo que eu lembrei neste ponto para a solução do problema do mar. Espertos marinheiros conhecem às vezes o vento que chegou a eles depois de algum tempo, observando o ar que, nesse caso, mostra-se mais claro, daquele lado, do que deveria ser.
Imagine V. E. Ilustríssima se isto poderia derivar do fato de se encontrar já naquela parte o vento que, movimentadas as ondas, faz nascer, como por espelhos multiplicados infinitamente e difundidos amplamente, o reflexo do Sol muito maior do que se o mar fosse tranquilo, permitindo que seja muito mais iluminada por esta nova luz aquela parte do ar vaporoso por meio do qual este reflexo difunde-se, cujo ar ofereça ainda algum reflexo de luz aos olhos dos marinheiros, os quais, encontrando-se embaixo, não podiam perceber a primeira reflexão daquela parte de mar já movimentada pelos ventos e distante deles vinte ou trinta milhas; e que esta seja a sua previsão do vento distante.
Mas, continuando nosso primeiro discurso, afirmo que os raios solares não refletem, com a mesma grandeza, a imagem do Sol sobre todos os materiais, isto é, sobre todas as superfícies; mas sobre algumas (isto é, as planas e lisas como um espelho) nos aparece o disco solar semelhante ao verdadeiro, nas superfícies convexas mas lisas nos aparece menor, e nas côncavas às vezes menor e às vezes maior, às vezes mesmo igual, segundo as diversas distâncias entre o espelho, o objeto e o olho.
Porém, se a superfície não for igual mas sinuosa e cheia de cavidades ou elevações e como se fosse composta por milhares de pequenos espelhos colocados com várias inclinações, expostas aos olhos de mil modos, então a mesma imagem do Sol chegará ao nosso olho de mil partes e dividida em mil pedaços, os quais ampliar-se-ão, imprimindo nesta superfície um amplo conjunto de pequenas manchas brilhantes, cuja frequência originará a ilusão de um único campo de luz contínua visto de longe, mais brilhante e viva no meio que nas extremidades, onde diminui e desaparece, enfim, quando por causa da obliquidade do olho em relação a esta superfície os raios visíveis não encontram mais ondas que se refletem contra o Sol. Esta imagem resulta ainda móvel de acordo com o movimento do olho, se, porém, além de seus limites, continua a superfície que reflete; mas, se a quantidade da matéria ocupar um pequeno espaço, muito menor do que o da imagem inteira, poderá acontecer que, ficando fixa a matéria e movimentando-se o olho, ela continue a aparecer brilhante, até que, tendo chegado o olho àquele termo do qual, pela obliquidade dos raios incidentes sobre a matéria, as reflexões não se dirigem mais rumo ao Sol, a luz desaparece e perde-se. Não concordo com Sarsi que quando ele vê uma nuvem suspensa no ar, bem determinada e toda brilhante, que permanece tal apesar de o olho ir se movimentando, não pode ter a certeza de que esta luz seja mais real do que um halo, do que os periélios, do que o arco-íris, e do que a reflexão sobre a superfície do mar; porque afirmo-lhe que a sua consistência e sua aparente estabilidade podem depender da pequenez da nuvem que não consegue receber toda a amplidão da imagem do Sol; e esta imagem, em relação à posição das partes da superfície da nuvem, ampliar-se-ia, se não lhe faltasse matéria, num espaço muito maior da nuvem, e quando se visse inteiro e o campo das nuvens se adiantasse a ele, afirmo que apareceria movimentando-se inteiramente em relação ao movimento do olho. Prova-o o fato de termos visto muitas vezes, ao nascer e ao pôr do sol, muitas pequenas nuvens colocadas perto do horizonte, das quais as que se encontram face ao Sol tornam-se brilhantíssimas e quase de fino ouro, das laterais as menos distantes do meio são ainda mais brilhantes do que as mais distantes, as quais vão aparecendo gradualmente menos claras até ficar praticamente nulo o brilho das mais distantes: nulo para nós, mas, para quem se encontrasse num lugar onde elas permanecessem entre seu olho e o lugar onde o Sol se põe, mostrar-se-iam brilhantíssimas para ele e obscuras a nós as mais esplendorosas. Entenda, então, Sarsi, que se as nuvens não fossem quebradas mas fossem uma longa extensão contínua, a sua parte central pareceria brilhante a qualquer um dos observantes e gradualmente menos claras as laterais, conforme a distância de seu meio, porque onde eu posso ver o maior brilho, para outros é o menor. Mas alguém poderia agora afirmar que, uma vez que aquela parte da nuvem permanece fixa e sua luz não parece movimentar-se pela mudança de lugar do observador, isto seria suficiente para fazer com que a paralaxe opere na determinação de sua altura, e que, podendo acontecer o mesmo com o cometa, o uso da paralaxe seja suficiente para quem queira mostrar o lugar dela. Poder-se-ia responder a esta objeção que este argumento resultaria verdadeiro se fosse demonstrado antes que o cometa não é uma inteira imagem do Sol, mas só uma parte da imagem, assim como a matéria que forma o cometa é não só toda iluminada mas que a imagem do Sol é maior que ela, de modo que é bastante para iluminar um campo muito maior, existindo matéria apta a refletir a luz. Isto não foi demonstrado e pode ser diferente, isto é, que o cometa seja uma inteira imagem, não mutilada, como nos faz acreditar sua aparência bem regulada e simétrica. E daqui pode-se deduzir uma resposta fácil e razoável à pergunta que Sarsi coloca, isto é, como pode acontecer que, acreditando, segundo a colocação de Mário, o cometa esteja num campo muito extenso em altura que não se ilumine inteiramente mas nos reflita só um círculo parcial, sem que as outras partes, mesmo atingidas pelo Sol, não apareçam nunca. Farei, então, a mesma pergunta a ele e ao seu Mestre, que não desejando que o cometa seja um fogo, mas querendo acreditar (se não me engano) que ao menos sua cauda seja uma reflexão dos raios solares, se eles acreditam que o material que produz uma reflexão seja recortado da medida desta cauda, inteiro, que tenha de algum lado; e se sobrar (como acredito que me responda), por que não é percebida, uma vez que é atingida pelo Sol?
Não se pode afirmar que o reflexo seja originado pela substância do éter, substância que, muito transparente, não serve para isto, nem pode-se originar em outro material que, mesmo apto à reflexão, seria também apto a refletir os raios solares. Além disso, não sei por que razão ele chama um pequeno círculo a cabeça do cometa que seu Mestre conseguiu medir em 87.127 milhas quadradas, não sei com quais inteligentíssimos cálculos, quando nuvem alguma, acredito eu, pode alcançar tal medida.
Acrescenta Sarsi, imitando aquele que por muito tempo acreditou que o som pudesse ser produzido de uma única forma, não ser possível que o cometa se origine do reflexo daqueles vapores fumacentos, e que o exemplo do arco-íris não resolve a dificuldade, sendo ele uma ilusão visual: pois o arco-íris e outras coisas semelhantes são originados pela umidade da matéria que já está se transformando em água, que só naquele momento, imitando a natureza dos corpos líquidos, reflete a luz daquela parte onde se produzem os ângulos da reflexão e da refração, procurados como acontece nos espelhos, na água e nas bolas de cristal; mas, nos outros materiais ralos e secos, não possuindo superfície lisa como os espelhos, não se origina muita refração, procurando-se, então, para esta finalidade, uma matéria aguada, por conseguinte, muito pesada e inapta a subir além da Lua e do Sol, aonde podem chegar (também segundo minha opinião) só exalações levíssimas. O cometa, então, não pode ser produzido por tais fumacentos vapores. Uma resposta suficiente a toda esta argumentação seria afirmar que o Sr. Mário nunca limitou-se a afirmar qual seja a matéria originária e precisa do cometa, nem se ela é úmida ou fumacenta, seca ou lisa, e sei que ele não se envergonhará em afirmar que não a conhece. Porém, vendo que em vapores, nuvens ralas e não aguacentas, e naquelas que se dissolvem já em pequenas gotas, nas águas paradas, nos espelhos e outras matérias, aparecem por reflexão e refração muitas imagens ilusórias, considerou não ser impossível que na natureza exista ainda uma matéria apta a nos oferecer mais uma imagem diversa das outras, isto é, o cometa. Tal resposta, afirmo eu, é bem adequada à pergunta, se cada parte da pergunta for exata: todavia, o desejo de ajudar (como muitas vezes já confirmei) a pesquisa da verdade, pelo que me cabe, leva-me a fazer algumas considerações sobre determinados particulares contidos nesses discursos.
Em primeiro lugar, é verdade que numa emanação de pequeníssimas gotas de água recebemos a ilusão do arco-íris, mas não acredito que, pelo contrário, uma ilusão semelhante não se verifique sem tal emanação. O prisma triangular cristalino perto dos olhos nos apresenta todos os objetos das cores do arco-íris; muitas vezes, vê-se o arco-íris também em nuvens secas, sem que caia chuva alguma.
Não podemos ver também as mesmas ilusões de cores diversas nas penas de muitas aves, enquanto o Sol as atinge de várias formas? E que mais? Gostaria de anunciar a Sarsi alguma novidade se existisse alguma novidade a contar. Pegue ele qualquer matéria, seja pedra, madeira ou metal, e expondo-a ao Sol, observe-a atentamente e poderá observar nela todas as cores repartidas em pequeníssimas partes; e se ele usufruir, para observá-las melhor, de um telescópio adaptado a observar os objetos muito próximos, muito mais distintamente perceberá aquilo de que estou falando, sem necessidade que aqueles corpos transformem-se em orvalho ou vapores úmidos. Além disso, aquelas pequenas nuvens que ao pôr do sol mostram-se brilhantíssimas e refletem a luz do Sol tão viva que quase nos cega, são das mais ralas, secas e estéreis nuvens que existem no ar, e as úmidas, em vez, quanto mais estão cheias de água mais se mostram a nós escuras. O halo e os periélios verificam-se sem chuvas e sem umidade nas mais ralas e secas nuvens ou vapores que se encontrem no ar.
Segundo, é verdade que as superfícies bem lisas, como as dos espelhos, nos oferecem um poderoso reflexo da luz do Sol; assim, a muito custo podemos observá-la sem ofender a vista; porém, é também verdade que superfícies não muito lisas refletem com menos força se menor for a sua limpeza.
Veja agora, V. E. Ilustríssima, se o esplendor do cometa é daqueles que cegam a vista, ou é daqueles que por fraqueza não ofendem em nada; e disto julgue se para produzi-lo seja necessário uma superfície semelhante àquela de um espelho, e seja suficiente uma menos lisa. Eu gostaria de mostrar a Sarsi um modo de originar uma reflexão muito semelhante àquela do cometa. Pegue V. E. Ilustríssima uma garrafa de vidro bem limpa, e com uma vela acesa não muito distante do recipiente perceberá, em sua superfície, uma imagem bem pequena desta luz, clara e determinada. Pegando depois com a ponta do dedo uma mínima quantidade de qualquer matéria que possua um pouco de gordura, de modo que se junte ao vidro, engordure o mais sutilmente que puder aquela parte onde se percebe a imagem da luz até que a superfície fique um pouco nublada. Movimente depois a garrafa de maneira que a imagem saia da gordura e pare ao contato com ela; passe depois o dedo uma única vez horizontalmente sobre a parte gordurosa. Imediatamente verá originar-se um raio reto como a cauda do cometa, e este raio cortará transversalmente e em ângulos retos a linha do dedo que V. E. produziu, e, se V. E. voltar a passar o dedo numa outra direção, este raio originar-se-á em outra direção. Isto acontece porque, devido à pele dos nossos dedos não ser lisa, mas marcada por algumas linhas sinuosas para permitir melhor o tato e perceber as mínimas diferenças entre as coisas tangíveis, movimentando o dedo sobre esta superfície gordurosa, deixa alguns sulcos sutis no interior dos quais produzem-se os reflexos da luz, os quais, sendo muitos e dispostos ordenadamente, apresentam depois uma Unha brilhante, em cuja extremidade, se produzirmos, movimentando o vaso, aquela primeira imagem realizada na parte não gordurosa, perceber-se-á a cabeça da cauda mais brilhante e a cauda menos brilhante; o mesmo efeito produzir-se-á se, em vez de se engordurar o vidro, ficar embaçado soprando em cima. Eu peço a V. E. Ilustríssima que, se alguma vez por acaso Sarsi chegar a conhecer esta brincadeira, explique por mim bem claramente que eu não entendo com isso afirmar que exista no céu uma grande garrafa e alguém que a engordure, produzindo assim o cometa; simplesmente eu apresento este exemplo e poderei apresentar muitos outros que possam encontrar-se na natureza, ainda indefinidos a nós, como argumentos de sua riqueza de modos diferentes entre eles para produzir seus efeitos.
Em terceiro lugar, que reflexão e refração não podem ser produzidas por matérias e impressões meteorológicas a não ser quando contêm muita água, porque só neste caso apresentam superfícies lisas e limpas, condições estas necessárias para produzir tal efeito, asseguro que não é verdade que não possa ser diferente. No que diz respeito à limpeza, afirmo que mesmo sem ela produzir-se-á a reflexão da imagem unida e distinta. Afirmo assim porque a imagem quebrada e confusa é produzida por todas as superfícies, desiguais e ásperas; porém, aquela imagem de um pano colorido, que se vê distintíssima num espelho oposto, vê-se confusa e quebrada sobre o muro que reproduz uma determinada sombra da cor deste pano. Se V. E. Ilustríssima pegar uma pedra ou uma ripa de madeira não tão lisa que reflita perfeitamente as imagens, e colocar-se em direção oblíqua ao olho, como se quiséssemos verificar se ela é plana e reta, perceberá distintamente sobre ela as imagens dos objetos que se encontrarem encostados do outro lado da ripa, tão distintas que, apoiando um livro em cima, poderá ser lido comodamente. Mas se este experimento for concluído colocando-se o olho perto da extremidade de algum muro reto e comprido, primeiro perceber-se-á um perpétuo curso de exalações em direção ao céu, especialmente quando o muro for atingido pelo Sol, assim como todos os objetos parecem tremer; depois, o muro do outro lado parecerá aproximar-se, e verá que, quando estiver bem perto, sua imagem se apresentará refletida naqueles vapores ascendentes, nem úmidos nem pesados, pelo contrário, secos e leves. E que mais? Não chegou ainda ao ouvido de Sarsi tudo aquilo que foi falado, especialmente por Tycho, a propósito das refrações que se operam nas exalações e vapores que circundam a Terra mesmo que o ar seja sereno, seco e sem chuva e umidade? Também não se apoie, como ele faz, sobre a autoridade de Aristóteles e de todos os mestres de perspectiva, porque ele não poderá fazer outra coisa que afirmar que eu sou um observador mais cuidadoso que eles, o que, segundo meu parecer, é de todo contrário à sua intenção. Parece-me que tudo o que expus é uma resposta suficiente ao argumento de Sarsi.
Passemos, pois, ao segundo.
CONTINUA
18. Leia agora V. E. Ilustríssima o fim deste primeiro exame: Neste ponto, perceba Galileu, com quanta razão, desta e das muitas outras coisas expostas por ele no texto Nunzio Sidereo, deduzimos que o cometa deve se encontrar além da Lua. Ele mesmo afirma que, entre os astros, alguns brilham com a luz nativa e própria, e nesse número ele coloca o Sol e as estrelas chamadas fixas; outros, não dotados de brilho algum pela natureza, recebem toda a luz do Sol, como é costume pensar dos seis planetas que sobram.
Galileu observou, ademais, que as estrelas amam muito aquela vã coroação de luz não própria e que costuma fazer crescer uma cauda; os planetas, em vez, especialmente a Lua, Júpiter e Saturno, não têm quase nenhum brilho; contudo, Marte, Vênus e Mercúrio, apesar de não serem providos de luz própria, tiram, pela vizinhança do Sol, tanta luz que, sendo quase igual àquelas das estrelas, imitam seus raios circunstantes e seu brilho. Portanto, como o cometa, segundo Galileu também, não possui luz própria por natureza, mas a recebe do Sol, e junto com outros astrônomos de grande fama o consideramos planeta temporário, devia-se raciocinar sobre ele do mesmo modo como sobre a Lua e outros planetas, e cuja condição é tal que quanto menos são distantes do Sol tanto mais brilham, e revestidos de um brilho maior (que deriva disto), observados com a luneta parecem aumentar menos; enquanto o cometa recebe deste instrumento quase o mesmo aumento de Mercúrio, podemos não com muita probabilidade deduzir que o cometa não irradiou aquela luz circundada mais que Mercúrio e por isso não se encontra muito longe; por outro lado, como era aumentado menos que a Lua, precisava colocá-lo circundado de uma luz maior e mais perto do Sol? De tudo isto pode-se compreender com quanta razão afirmamos que o cometa, pois pareceu aumentar muito pouco, deve ser considerado muito mais longe de nós do que a Lua.
Sem dúvida, pela paralaxe observada e também pelo curso do cometa quase sidéreo, nós conhecíamos bastante seu lugar; como, além disso, a luneta o aumentava quase quanto Mercúrio, certamente nenhuma razão teria podido sustentar o contrário; foi lícito tirar daqui um corolário também de grande importância e peso a favor de nossa teoria. Mesmo que soubéssemos, com efeito, que estas coisas podiam ser originadas por muitas causas, justamente por causa da analogia que este corpo luminoso guardava junto a todos os outros corpos celestes em todos os seus fenômenos, pensamos ter recebido da luneta um beneficio bastante grande, pois nosso parecer, já firmado pelo peso de outros argumentos, confirmava ainda mais com o peso do próprio assentimento. Quanto ao restante, porém, acrescentado ao argumento, isto é, as palavras: "Sei que este argumento foi considerado por alguns de pouca importância", etc, clara e honestamente havíamos lembrado antes para que fim estas palavras haviam sido acrescentadas: naturalmente contra aqueles que, enfraquecendo a fé neste instrumento, completamente ignaros das disciplinas de óptica, proclamavam-no enganador e indigno de qualquer confiança. Compreende, então, Galileu, se não me engano, com quanta falta de raciocínio lutou contra nossa opinião a respeito da luneta, que ele considera em tudo de acordo com a verdade e com as suas próprias opiniões: haveria podido conhecer também antes se a tivesse examinado com espírito mais calmo. Como, então, haveríamos podido imaginar que ele não haveria de gostar dessas ideias que considerávamos suas próprias? Mas como estas coisas, segundo a nossa opinião, parecem suficientes, vamos examinar a opinião do próprio Galileu.
Aqui, primeiramente, como V. E. pode ver, iniciamos uma argumentação recortada, como se diz, de velho pano, consistente em diversos fragmentos de proposições, para provar que o lugar do cometa era entre a Lua e o Sol; proposição esta que o Sr. Mário e eu podemos conceder-lhe por completo, sem prejuízo algum, não tendo nós nunca afirmado nada em relação ao lugar do cometa, nem negado que ele possa se encontrar além da Lua, mas falou-se somente que as demonstrações até agora apresentadas pelos autores oferecem dúvidas. E para tirá-las não é de ajuda nenhuma que Sarsi apresente agora uma nova demonstração, mesmo que ela fosse necessária e conclusiva, e provar que esta conclusão seja verdadeira, mesmo que também em torno de conclusões verdadeiras se possa argumentar e silogizar falsamente. Todavia, pelo desejo que eu possuo de pôr à luz as coisas escondidas e chegar a verdadeiras conclusões, apresentarei algumas considerações em relação a estas proposições.
Para maior clareza e compreensão o farei com a maior brevidade possível.
Afirma ele ter deduzido do meu Nunzio Sidereo que as estrelas fixas, sendo aquelas que brilham com luz própria, brilham com uma luz não real, mas aparente. Os planetas, sendo desprovidos de luz própria, não agem assim, especialmente a Lua, Júpiter e Saturno, mas mostram-se quase sem brilho; porém, Vênus, Mercúrio e Marte, mesmo privados de luz própria, brilham muito por causa da vizinhança do Sol, pelo qual são mais abundantemente atingidos. Afirma, além disso, que o cometa, segundo meu parecer, recebe sua luz do Sol, e acrescenta haver ele, junto com autores de renome, considerado o cometa, desde muito tempo, um planeta; assim, a respeito dele pode-se raciocinar como a respeito dos outros planetas, os quais, quanto mais encontram-se perto do Sol mais brilham, e por consequência menos podem ser observados pelo telescópio, e, aumentando o cometa pouco mais que Mercúrio e muito menos que a Lua, com muita razão podia-se concluir que não estivesse muito mais longe do Sol do que de Mercúrio, mas muito mais perto daquele que da Lua. Esta é a teoria que muito bem se ajusta à necessidade de Sarsi, como se a conclusão, deduzida antes dos princípios e meios, dependesse não aquela destes, mas estes dela, e tivessem sido preparados por ele não da grandiosidade da natureza mas da arte muito sutil. Pesquisemos, porém, quanto ela seja conclusiva.
Em primeiro lugar, é completamente falso que eu tenha escrito no Nunzio Sidereo que Júpiter e Saturno não brilhem quase nada e que Marte, Vênus e Mercúrio sejam coroados de muitos raios, porque eu separei só a Lua do resto das outras estrelas, quer fixas quer errantes.
Em segundo lugar, não sei se para concluir que o cometa seja quase um planeta e que, sendo tal, lhe sejam convenientes as propriedades dos outros planetas, seja suficiente que Sarsi e seu Mestre junto com outros autores o tenham considerado e chamado assim. Pois, se a opinião deles fosse tão importante a ponto de fazer aceitar as coisas por eles propostas, eu os rogaria que considerassem e chamassem ouro muitos velhos pedaços de ferro que possuo em casa. Mas, deixando os nomes de lado, qual é a teoria que os induz a considerar o cometa quase um planeta desde muito tempo? Brilhar como os planetas? Mas qual é a nuvem, qual a fumaça, qual a madeira, qual o muro, qual a montanha, atingidos pelo Sol, que não brilham do mesmo tanto? Não percebeu Sarsi no Nunzio Sidereo minha demonstração, isto é,que nossa Terra brilha mais que a Lua? Mas qual é minha opinião sobre o brilho do cometa como um planeta? Eu, por mim, não considero impossível que sua luz possa ser tão fraca e sua substância tão sutil e rala, que, quando alguém se aproximasse dela, sumisse da vista completamente, como acontece com alguns fogos-fátuos que saem da Terra, que são percebidos só durante a noite e de longe, mas de perto desaparecem; da mesma forma que as nuvens distantes são percebidas bem determinadas, e depois, de perto, mostram um pouco de nebulosidade tão indeterminada que alguém, entrando nela, quase não distingue os limites, nem sabe separá-la do ar contíguo. E aquelas projeções de raios solares entre as nuvens, tão semelhantes aos cometas, por quem são percebidas se não por aqueles que lhes são distantes? Tem o cometa alguma coisa em comum com os planetas por causa do movimento? E qual será a coisa separada da parte elementar que, obedecendo ao estado terrestre, não terá o moto diurno de acordo com o resto do universo? Mas se falamos do outro movimento, aquele transversal, este não tem nada a ver com o movimento dos planetas, não sendo criado nem por aquele rumo, nem regulado, nem talvez circular. Mas, deixados de lado os acidentes, acreditará talvez alguém que a substância ou a matéria do cometa tenha alguma coisa a ver com a dos planetas? Pode-se acreditar que ela seja solidíssima, como nos convida a pensar em particular a Lua e em universal a figura bem determinada e imutável de todos os planetas; e, ao contrário, pode-se acreditar que a do cometa dissolva-se em poucos dias; e sua figura, não determinada ao redor, mas confusa e indistinta, nos mostra que a sua substância é mais sutil e mais rala que a névoa e a fumaça. Assim ele quase poderia ser chamado mais um planeta pintado que real.
Em terceiro lugar, eu não sei com quanta perfeição ele possa ter parangonado os raios e o aumento do cometa com o aumento de Mercúrio que, podendo ser observado raríssimas vezes, em todo o tempo da aparição do cometa, ele não apareceu nunca, nem deu a possibilidade de ser observado, encontrando-se sempre muito perto do Sol; posso sem escrúpulo acreditar que Sarsi não fez esta comparação, difícil de se realizar e muito incerta, mas que ele afirma ter realizado porque, sendo assim, serviria melhor para sua causa. Outro indício que mostra como ele não conseguiu fazer esta experiência é-me fornecido pelo fato de que, ao referir-se às observações relativas a Mercúrio e à Lua, com os quais compara as do cometa, parece-me que ele esteja confundindo muito. Aceitando, para concluir, que o cometa se encontre mais longe do Sol que de Mercúrio, precisava afirmar que o cometa possuía menos raios que ele, e observado com o telescópio aumentava mais que ele; todavia, afirmou o contrário, isto é, que não possuía mais raios que Mercúrio e que aumentava quase a mesma coisa, o que significa afirmar que possuía mais raios e menos aumento que Mercúrio. Comparando depois o cometa com a Lua, escreve a mesma coisa (mesmo afirmando escrever o contrário), isto é, que aumentava menos que a Lua e possuía mais raios. Todavia, para chegar a uma conclusão, deduz da identidade das premissas conclusões diferentes, isto é, que o cometa encontra-se mais perto do Sol que a Lua, porém mais distante que Mercúrio.
Para finalizar, afirmando Sarsi ser um lógico exato, não me faz entender por que, na divisão dos corpos luminosos que se irradiam mais ou menos, e que por consequência, observados com o telescópio, recebem um aumento maior ou menor, ele não haja registrado nossas luzes elementares; pois as velas, as tochas acesas observadas a qualquer distância, qualquer pedrinha, lenho ou corpúsculo, até as folhas e as gotas de orvalho atingidas pelo Sol, resplandecem, e de certo ângulo irradiam a par de qualquer estrela mais brilhante, e vistas pelo telescópio observam no aumento o mesmo teor que as estrelas. Assim, termina completamente aquela ajuda a mais que os outros haviam esperado do telescópio para conduzir o cometa no céu e tirá-lo da esfera elementar. Abandonai, portanto, Sarsi, a ideia de poder ajudar vosso Mestre e estai certo de que, para querer sustentar um erro, é necessário perpetrar cem outros e, coisa ainda pior, não conseguir o intento. Gostaria também de pedir-vos para não replicar mais, como o fazeis no final desta vossa parte, que estas são teorias minhas, pois nunca escrevi coisas parecidas, nem as falei, nem as pensei. Basta a respeito do primeiro trecho em exame.
19. Passemos ao segundo: Apesar de ninguém até hoje ter falado que o cometa deve colocar-se entre as aparências vãs, onde não haveríamos necessidade de libertá-lo da acusação de inanidade, pois Galileu acreditou enveredar por outro caminho para explicar o cometa completa e sabidamente, é justo parar e expor com cuidado esta sua nova teoria.
São duas hipóteses que ele cogitou: uma relativa à substância, outra referente ao movimento do cometa. No que diz respeito à primeira, Galileu afirma que esta luz é daquelas que, mostradas mais que criadas pela refração de outra luz, parecem ter mais o nome de sombras de corpos luminosos que ser corpos luminosos, como, por exemplo, os arco-íris, os halos, os parélios e muitas outras coisas semelhantes. No que diz respeito à segunda, Galileu afirma que o movimento dos cometas sempre foi retilíneo e perpendicular à superfície da Terra. Revelando estas suas descobertas, acreditou poder destruir com facilidade as opiniões dos outros. Nós vamos examinar agora com poucas palavras, e sem retórica, quanto de próprio se deva atribuir a estas opiniões (pois a verdade, mesmo nua, é bastante ornada). Mesmo sendo difícil abranger singularmente estas duas proposições, pois são tão conexas que parecem depender uma da outra e sustentar-se reciprocamente, nós nos preocuparemos para que os leitores não fiquem lesados. Por isso, contra a primeira posição de Galileu, afirmo que o cometa não foi simulacro vão de uma luz que iludia os olhos daqueles que o observavam e isto parece-me que não necessita de outra prova para aquele que, ao menos uma vez, seja a olho nu, seja com a luneta, haja observado o cometa. A simples vista manifestava a natureza desta luz, porque, em comparação a outras luzes realíssimas, qualquer um poderá com facilidade julgar se o observado era falso ou verdadeiro. Tycho, examinando as observações de Tadeu Agezio, deduz isto: "O corpo do cometa naqueles dias foi igual, em grandeza, a Júpiter e Vênus, e revestiu-se de uma luz nítida e de um grande esplendor, puro e belo, e sua substância pareceu pura demais para ser conveniente a matérias só elementares, mas era, de preferência, análoga àquela dos corpos celestes ". Tycho acrescenta a isto: "Tadeu foi bom juiz relativamente a este aspecto, haveria podido concluir claramente que este cometa não era elementar".
Sarsi andou figurando antes e arbitrariamente os princípios e os meios que fossem de acordo com as conclusões que ele queria demonstrar; agora parece-me que vai imaginando conclusões para contradizê-las como teorias do Sr. Mário e minhas, muito diversas, ou, ao menos, muito diversamente tomadas, de como são relatadas no Discurso do Sr. Mário. Que o cometa seja, sem dúvida, uma imagem vã e uma simples aparência, nunca foi afirmado com certeza, mas só foi posto em dúvida e levado à consideração dos filósofos com aqueles raciocínios e cogitações que parecem poder garantir que seja verdade. Eis aqui as palavras do Sr. Mário a este propósito: "Eu não afirmo resolutamente que o cometa produza-se assim, mas afirmo que são duvidosos, seja este modo seja os outros dos demais autores; os quais pretenderão estabelecer com certeza seus pareceres. e terão a obrigação de demonstrar que esta e todas as outras posições são vãs e falsas". Mesmo sendo o texto tão diferente, Sarsi afirma que nós temos por certo que o movimento do cometa deve ser necessariamente reto e perpendicular à superfície terrestre. Isto não foi apresentado desta forma, mas simplesmente foi cogitado como ser mais conforme às aparências e satisfazer às mudanças observadas no cometa. Esta hipótese é tão superficialmente apresentada pelo Sr. Mário que no fim ele declara: "Porém é mais conveniente para nós contentarmo-nos com aquele pouco que podemos cogitar mesmo sem ter muita clareza". Porém Sarsi quis mostrar que estas opiniões eram tão firmemente aceitas por mim que imaginou podê-las destruir com facilidade e com meios mais eficazes. Se ele conseguir o agradecerei, pois no futuro deverei preocupar-me com uma hipótese a menos todas as vezes que me venha a ideia de filosofar sobre tal matéria. Por enquanto, pois parece-me que ainda subsiste alguma coisa de vivo no raciocínio do Sr. Mário, moverei algumas objeções às objeções de Sarsi.
Opondo-se Sarsi com grande firmeza à primeira conclusão, afirma que aquele que, mesmo por uma vez, houvesse observado o cometa, não necessitaria mais de argumento algum para conhecer a natureza desta estrela; estrela que, comparada com as outras verdadeiras estrelas, mostrava muito claramente ser verdadeira e não falsa. Assim, como V. E. Ilustríssima entende, Sarsi confia tanto no sentido da visão que considera impossível ser enganado todas as vezes que tentamos fazer uma comparação entre um objeto falso e um real. Eu confesso não ter a visão tão perfeita, pelo contrário, confesso ser como aquele macaco que acredita firmemente ver no espelho outro macaco, e nem reconhece seu erro se quatro ou seis vezes não tenha ido atrás do espelho para agarrar a imagem, tanto aquela imagem se lhe apresente viva e verdadeira. Supondo, então, que aqueles que Sarsi vê no espelho não sejam homens verdadeiros e reais, mas imagens vãs, como nós vemos nossa imagem no espelho, gostaria ardentemente de saber quais são aquelas diferenças visuais por meio das quais tão rapidamente distingue o verdadeiro do falso. Quanto a mim, encontrei-me mil vezes em alguma sala de janelas fechadas, e através de algum pequeno buraco pude perceber o Sol refletindo-se sobre um muro oposto, julgando assim esta mancha, pela vista, uma estrela tão brilhante quanto a Canícula e Vênus. E andando contra o Sol no campo, quantos milhares de corpúsculos, pedrinhas, lisos ou molhados, transformar-se-ão pelo reflexo do Sol em estrelas brilhantíssimas? Mesmo cuspindo no chão, Sarsi sem dúvida perceberá onde cuspiu, pela reflexão solar, uma estrela naturalíssima. Além disso, qual corpo colocado a grande distância, atingido pelo Sol, não aparecerá como uma estrela, especialmente se for tão alto que possa ser enxergado durante a noite, como se enxergam as outras estrelas? E quem distinguiria a Lua, vista durante o dia, de uma nuvem atingida pelo Sol, senão pela diversidade do aspecto e pela grandeza?
Ninguém, com certeza. E enfim, se a simples aparência deve determinar a essência, é necessário que Sarsi aceite que os sóis, as luas e as estrelas, observados em água parada e em espelhos, sejam verdadeiros sóis, verdadeiras luas e verdadeiras estrelas. Em relação a esta parte, mude mesmo Sarsi de opinião, nem acredite que, citando a autoridade de Tycho, de Tadeu Agezio ou de muitos outros, melhore sua condição, a não ser que, por ter tido tais homens como companheiros, desculpe mais seu erro.
20. Continue V. E. Ilustríssima a ler: "Pois, por todo o tempo que nosso cometa brilhou, Galileu, segundo ouvi dizer, permaneceu de cama por uma doença, e nunca talvez pôde, por causa da doença, observar aquele corpo brilhantíssimo, e por isso pensamos dever-se discutir com ele por meio de outra argumentação. Afirma ele mesmo que às vezes, de alguma parte da Terra, um vapor fumacento levanta-se acima da Lua e também acima do Sol, e, logo que saído do cone sombreado da Terra, olhou para a luz do Sol da qual como que concebeu e gerou o cometa; e o movimento ou a subida de um tal vapor não é vago ou incerto mas retilíneo e sem ser desviado para parte alguma. Assim afirma ele, mas nós colocamos na nossa balança o peso destas afirmações. Primeiro, sabemos que esta matéria fumacenta e úmida, tendo subido casualmente da Terra nos dias em que, dominando amplamente o céu bóreas violentíssimas, facilmente poderia haver sido dispersada e dissipada. É pois, digno de admiração como impunemente corpúsculos tão sutis e leves, entre a ira do vento violentíssimo, puderam ter chegado até o alto com um proceder constante através do caminho enveredado no começo, quando nem pesos consideráveis confiados ao vento podiam vencer o ímpeto e a força. Eu considero muito contraditório que um vapor muito leve suba e suba em linha reta, e mal acredito que isto haja podido acontecer entre as várias mudanças do vento. E acrescenta que, garante Galileu, nem nas mais altas regiões dos planetas faltam condensações e rarefações de tais corpos fumacentos, e por isso nem aqueles movimentos vagos e incertos pelos quais é necessário que sejam levados.
Que os vapores fumacentos de alguma parte da Terra subam além da Lua, e até além do Sol, e que saídos do cone da sombra terrestre sejam engravidados pelos raios solares e que então gerem o cometa, nunca foi escrito pelo Sr. Mário nem foi afirmado por mim, apesar de Sarsi atribuí-lo a mim.
Aquilo que o Sr. Mário escreveu é que não é impossível que algumas vezes possam elevar-se da Terra exalações e outras coisas parecidas, mas muito mais sutis que de costume, que subam além da Lua e possam ser matéria geradora do cometa, e que às vezes originem-se sublimações extraordinárias relativas à matéria dos corpúsculos, exemplificando-o por meio da aurora boreal. Porém não afirma que aquela seja numericamente a mesma matéria dos cometas, que necessita ser muito mais rala e sutil que os vapores dos corpúsculos e do que a matéria da assim chamada aurora boreal, tendo aceito que o cometa resplende muito menos que a aurora; assim, se o cometa se ampliasse, por exemplo, rumo ao oriente, na cândida alvorada, enquanto o Sol não se encontrasse longe do horizonte mais do que 6 ou 8 graus, sem dúvida não se perceberia, por ser menos brilhante do que seu próprio ambiente. E com a mesma probabilidade, não certeza, atribuiu-se à mesma matéria o movimento retilíneo em ascensão. E isto seja afirmado não para retratarmo-nos por medo das oposições de Sarsi, mas só para mostrar que não nos afastamos do nosso hábito, que consiste em não afirmar como verdadeiras a não ser as coisas que conhecemos como indiscutíveis, como nos ensina nossa filosofia e nossa matemática. Agora, partindo do ponto de vista de que houvéssemos verdadeiramente afirmado aquilo que Sarsi fala, examinemos suas posições.
Sua primeira oposição baseia-se na impossibilidade de os vapores subirem ao céu, em linha reta, enquanto que verificamos que um papagaio é empurrado pelo ar com movimento transversal, assim como as outras coisas que se encontram nele; e o mesmo verificou-se por muitos dias depois do aparecimento do cometa. A oposição é verdadeiramente inteligente, mas perde muito de sua força lógica porque, segundo notícias seguras, naqueles dias, nem na Pérsia nem na China verificaram-se perturbações atmosféricas; e eu acreditarei que de umas daquelas regiões se origina a matéria do cometa, se Sarsi provar que ele não é originário de lá, mas de Roma, onde ele percebeu o vento boreal.
Mas, mesmo que o vapor saísse da Itália, quem pode saber se ele não se houvesse posto em viagem antes dos dias de vento, muitos dias antes de sua chegada ao orbe do cometa, longe da Terra, segundo a relação do Mestre de Sarsi, quatrocentos e setenta mil milhas mais ou menos; porque, para empreender uma viagem tão comprida, é necessário bastante tempo, pois a subida dos vapores, por aquilo que podemos observar em relação àqueles perto da Terra, não atinge a velocidade do voo das aves; assim não seriam suficientes quatro anos para concluir tamanha viagem. Mesmo aceitando que estes vapores pudessem se movimentar em época de vento, Sarsi, que acredita piamente nos historiadores e nos poetas, não poderá negar que o impulso dos ventos não sobe mais de duas ou três milhas, já que existem montes cujo cume vai além da região dos ventos. Assim, o máximo que ele poderá concluir é que dentro deste espaço os vapores movimentam-se transversal e não perpendicularmente; porém, fora deste espaço desaparece o impedimento que os desvia do caminho retilíneo.
21. Veja mais V. E. Ilustríssima: Aceitamos que estes vapores possam manter, através dos ventos, suas direções e rumar para onde possam receber os raios diretos do Sol, enviando-os a nós refletidos. Por que, então, recebendo em toda a sua extensão a luz do Sol, no-la mostram somente em uma mínima parte de si? Com certeza, sendo o próprio Galileu testemunha, quando nos dias de verão um vapor não diferente indo rumo ao norte mais alto que de costume apresenta-se à luz do Sol, então, imergido em luz brilhantíssima, mostra-se muito brilhante em todas as suas partes, para utilizar sua próprias palavras, nos reflete mesmo de noite a aurora boreal; e não se mostra tão avarento do esplendor recebido que não permita que a reflexão da luz do Sol, que ele recebeu em toda a sua extensão, nos apareça apenas através de um pequeno buraco. Eu mesmo verifiquei, não somente em tempo de verão, mas no mês de janeiro, quatro horas depois do pôr do sol, algo ainda mais maravilhoso, isto é, uma pequena nuvem, cândida e brilhante, tão rarefeita que não encobria nem as estrelas menores, e os dons de luz que havia recebido do Sol ela os expandia livremente, com alma generosa, por todos os cantos. Então todas as nuvens (admitindo que tenham alguma afinidade com a matéria do cometa), se são tão densas e obscuras que não possam refletir livremente os raios do Sol, ao menos na parte virada para o Sol o refletem para nós com generosidade recíproca; porém, se são ralas e sutis, e a luz facilmente as penetre integralmente, não mostram obscuridade em parte alguma, mas oferecem aos olhos inundados uma luz esplendorosa. Então, se o cometa não se forma de outra matéria que não seja vapores fumacentos, não Juntados globalmente mas, como o próprio Galileu afirma, ocupando um espaço suficientemente vasto do céu, brilhando em toda parte com a luz do Sol, qual é a causa pela qual brilham sempre para aqueles que o observam só de um pequeno e estreito disco, e as outras partes deste mesmo vapor, iluminadas pelo Sol com mesma luz, não aparecem? Dificilmente tudo isto pode ser explicado com o exemplo do arco-íris, em cuja formação acontece a mesma coisa que evidentemente só de uma parte da nuvem volta ao olho, quando, entretanto, em todo o espaço iluminado pelo Sol a própria diversidade das cores seja gerada de sua luz. Com efeito, o arco-íris e outros meteoros, se existirem, requerem de preferência matéria úmida e com tendência a mudar-se em água; pois esta matéria só quando se derrete em água, imitando a natureza dos corpos leves, puros e transparentes, reflete a luz só na parte onde formam ângulos de reflexão e de refração necessários a tudo isto, como percebemos nos espelhos, na água e no gelo. Depois, se alguma emanação encontrar-se mais rarefeita ou mais seca, acontece porque ela não possui superfície lisa como os espelhos, nem reflete muitos raios. Visto necessitar-se de um corpo liso para que haja reflexão e necessitar-se de sua densidade para a refração (coisas que nunca se encontram nas impressões meteorológicas, a não ser quando a natureza delas possui muita água, como ensinaram não só Aristóteles mas também todos os mestres de óptica, e a própria razão persuade com muita eficácia), segue disto necessariamente que emanações semelhantes possuirão, por natureza própria, um certo peso, e por isto menos aptas a subir acima da Lua e do Sol, pois o próprio Galileu admite que devem ser muito sutis e leves aqueles que voam até lá em cima. Portanto, não daquele vapor fumacento e rarefeito, e na verdade de peso algum, poderá refletir para nós aquela imagem brilhante de luz: o vapor aguado, na verdade, sendo pesado, não poderá subir deforma alguma.
Depois de observado por muitas experiências, parece-me ser esta a condição humana em relação às coisas intelectuais: quanto menos entende-se e sabe-se, com tanta mais força quer-se discutir; e, pelo contrário, mais coisas são conhecidas menor é a tendência de discutir resolutamente sobre qualquer novidade. Nasceu em um lugar muito solitário um homem dotado por natureza de grande inteligência e de extraordinária curiosidade. Criando por prazer grande diversidade de aves, gostava enormemente do seu canto, e com muita admiração observava de que modo, por meio do próprio ar que respiravam, conseguiam formar ao seu arbítrio cantos diferentes e todos suavíssimos. Acontece que uma noite perto de casa escutou um som delicado, e, nem podendo imaginar que fosse outra coisa a não ser uma pequena ave, foi buscá-la. Chegando à estrada encontrou um pequeno pastor que, assoprando num pedaço de madeira furada e movimentando os dedos sobre a madeira, uma vez fechando e uma vez abrindo determinados buracos, conseguia produzir aquelas vozes diferentes, semelhantes às de um pássaro, mas de forma bem diversa. Admirado e movido pela sua curiosidade natural, deu de presente um bezerro ao pastor para obter aquela flauta. De regresso à sua casa e percebendo que se não houvesse encontrado por acaso aquele pastor nunca haveria aprendido que existiam na natureza duas formas diversas de criar vozes e cantos suaves, quis sair de casa procurando encontrar outras aventuras. Aconteceu que no dia seguinte, passando perto de uma pequena choça, escutou ressoar dentro dela uma voz semelhante. Para ter certeza se era uma flauta ou um pássaro, entrou e encontrou um menino que estava serrando, com um pequeno arco segurado na mão direita, alguns nervos estendidos sobre um lenho côncavo, enquanto sustentava com a mão esquerda o instrumento sobre o qual, movimentando os dedos e sem sopro algum, extraía dele vozes diversas e suaves. Qual foi seu espanto pode ser julgado facilmente por aquele que possuir a mesma inteligência e a mesma curiosidade dele que, vendo aumentar, de duas novas formas, a maneira de produzir uma voz e um canto tão inusitados, começou a acreditar poderem existir ainda outros na natureza. Mas qual foi sua surpresa quando, entrando em um determinado templo, começou a olhar atrás da porta para ver quem estava tocando e percebeu que o som havia saído dos ferros da porta ao abri-la? Em outra ocasião, empolgado pela curiosidade, entrou em um boteco e, acreditando encontrar outra vez alguém que com o arco tocasse as cordas de um violino, viu uma pessoa que, esfregando o dedo sobre a orla de um copo, conseguia produzir um som suavíssimo. Mas logo que observou que as abelhas, os pernilongos e as moscas, com o rapidíssimo bater das asas, e não como suas primeiras aves que respirando formavam vozes ininterruptas, produziam um som perpétuo, tanto aumentou sua admiração que diminuiu sua confiança sobre o conhecimento da origem do som. Nem todas as experiências já observadas haveriam sido suficientes para fazer-lhe entender ou acreditar que os grilos, não voando, conseguiam, não por meio do sopro mas com o movimento das asas, produzir sons tão doces e sonoros. Mas quando acreditou não poderem existir outras formas possíveis de produzir vozes, depois de haver observado, além das maneiras já relatadas, ainda tantos órgãos, trompas, flautas e instrumentos de corda de todos os tipos, até chegar à aquela pequena lâmina de ferro que, suspensa entre os dentes, usava de forma muito esquisita a cavidade bucal para dar corpo à amplificação do sopro permitindo a passagem do som, quando, repito, na hora que acreditava haver conhecido tudo, encontrou-se ainda mais no escuro e na ignorância, quando, havendo encontrado uma cigarra que nem fechando-lhe a boca e nem fechando-lhe as asas conseguia diminuir seu altíssimo estridor, não percebeu movimento algum de escamas nem de outras partes. Finalmente, levantando-lhe a caixa dos pulmões e observando embaixo dela algumas cartilagens duras mas sutis, e acreditando que o som fosse originado do seu movimento, resolveu quebrá-las para fazê-la parar, mas tudo foi em vão.
Então, fincando uma agulha mais funda no corpo da cigarra, passando-a, tirou-lhe junto com a voz a vida e assim não pode mais pesquisar se o canto era originado verdadeiramente por aquelas membranas. Tornou-se tão descrente sobre seus possíveis conhecimentos em relação aos sons que todas as vezes que alguém lhe perguntava sua opinião sobre a origem dos sons, generosamente respondia não conhecer causa alguma, mas que estava resolvido a acreditar que pudessem existir cem outras maneiras, ainda desconhecidas e impensáveis.
Eu poderia dar muitos exemplos da variedade da natureza em produzir seus efeitos de maneira inimaginável para nós, se o sentido e a experiência não nos explicitassem sem, muitas vezes, suprir nossa incapacidade. Assim, se eu não souber, com exatidão, determinar a produção do cometa, deverão ser aceitas minhas desculpas, especialmente porque nunca afirmei poder dar esta explicação sabendo que ela poderia verificar-se de forma muito alheia à nossa imaginação. A dificuldade de entender como se forma o canto da cigarra, enquanto ela canta na mão, desculpa de sobra não saber como pode formar-se um cometa tão longe de nós. Para frisar, então, a primeira intenção do Sr. Mário e minha, isto é, promover aquelas dúvidas que parecem abalar as opiniões manifestadas até agora e propor alguma nova teoria para examinar se existe alguma coisa que possa esclarecer e abrir o caminho rumo à verdade, continuarei a raciocinar sobre as teorias manifestadas por Sarsi, que considerou improváveis nossos argumentos.
Continuando Sarsi sua exposição e aceitando serem os vapores ou outra matéria aptos a formar o cometa, seu elevar-se da Terra e subindo muito alto, onde pudesse receber diretamente os raios solares refletindo-os para nós, é difícil imaginar de que forma, sendo completamente iluminada, reflita até nós só a luz de uma pequena parte, e não acontece como aqueles vapores que nos apresentam aquela intempestiva aurora boreal, vapores que, sendo todos iluminados, mostram todos suas luzes.
Afirma depois ter observado, pelo meio da noite, uma coisa maravilhosa, isto é, uma pequena nuvem no zênite que, sendo toda iluminada, refletia livremente seu brilho de todas as suas partes, e acrescenta que, se todas as nuvens forem espessas e opacas, nos refletem a luz do Sol com toda a sua parte visível, porém se elas forem ralas, assim que a luz as penetre, mostrar-se-ão a nós brilhantes e não opacas; então, se o cometa forma-se com tais vapores fumacentos muito espalhados, como afirma o Sr. Mário, e não reunidos em círculo, sendo atingidos pelo Sol por todas as partes, por qual razão nós recebemos sua reflexão de uma pequena parte e não de todo o restante igualmente iluminado? Mesmo que as soluções destas perguntas estejam completamente resolvidas no Discurso do Sr. Mário, eu as relatarei aqui colocando-as acertadamente e acrescentando alguma outra consideração, conforme for solicitado pela matéria.
Em primeiro lugar, Sarsi deveria sem dificuldade conceder que só de um lado particular de toda a matéria sublimada pelo cometa verifica-se a reflexão da luz do Sol a uma visão particular, apesar de ser toda iluminada; tendo nós mil experiências semelhantes a favor, contra uma que pareça ser contrária, facilmente, entre as de Sarsi contrárias a esta posição, encontraremos muitas outras favoráveis. É certo que qualquer espelho plano exposto ao Sol fica por ele iluminado em toda a sua superfície; o mesmo acontece com qualquer pântano, lago, rio, mar, ou seja, com qualquer superfície lisa de qualquer material; porém, a uma vista particular não corresponde a reflexão do raio solar, a não ser de um lugar particular desta superfície, cujo lugar muda, mudando o olho do observador. A superfície externa de nuvens sutis, mas muito espalhadas, é toda iluminada pelo Sol de forma igual; todavia, o halo e os periélios não aparecem a um olho particular a não ser em um único lugar, e este, com o movimento do olho, muda de lugar dentro da nuvem.
Sarsi afirma: Aquela matéria sutil sublimada que produz aquela aurora boreal vê-se também toda iluminada, como ela o é de verdade. Porém, pergunto eu a Sarsi de onde lhe vem esta certeza. E ele pode responder-me somente que não percebe parte alguma que não seja iluminada, assim como acontece com o resto da superfície dos espelhos, das águas, dos mármores, além daquela pequena parte que reflete a viva luz do Sol. Porém advirto-o de que, se a matéria fosse transparente, não distinguiria nada mais que aquele esplêndido raio refletido, como acontece às vezes que a superfície do mar não se distingue do ar, mesmo que se veja imagem reflexa do Sol; e assim, colocado um vidro sutil a uma determinada distância, poderá mostrar-nos aquela sua pequena parte que reflete alguma luz, ficando o resto invisível por causa de sua transparência. Este erro de Sarsi é semelhante àquele dos que afirmam que criminoso algum deve confiar que seu crime possa ficar oculto, nem percebem a incompatibilidade que existe entre permanecer oculto e ser descoberto, e quem quisesse ter duas cadernetas, uma dos delitos que permanecem ocultos e outra daqueles que são descobertos em cuja caderneta dos ocultos nunca poderia registrar-se coisa alguma. Afirmo, então, que não me oponho à crença de que a matéria da aurora boreal seja muito ampla e uniformemente iluminada pelo Sol50; como, porém, não posso descobrir e observar a não ser aquela parte cuja refração meu olho pode captar, permanecendo invisível todo o restante, tenho a ilusão de perceber tudo. E que mais? A propósito dos vapores crepusculares que circundam a Terra, não permanece iluminado pelos raios solares sempre um hemisfério? Com certeza sim; todavia, aquela parte que se interpõe diretamente entre o Sol e nós mostra-se a nós muito mais luminosa do que as partes mais distantes. Mas esta, como ainda outras, é pura aparência e ilusão de nosso olho, pois, encontrando-nos em qualquer lugar, sempre observamos o Sol como centro de um círculo luminoso, mas que gradualmente vai perdendo o brilho, segundo se encontre à direita ou à esquerda deste centro; para outros, mais para o boreal, parece mais escura aquela parte que a mim parece mais clara, e mais brilhante aquela que a mim apresentava-se mais escura. Podemos, assim, afirmar a existência de um halo perpétuo e grande ao redor do Sol, figurado na superfície convexa que termina a esfera de vapor, cujo halo, da mesma forma que o outro, que às vezes nasce de uma nuvem sutil, muda de lugar segundo a mudança do observador. Em relação à pequena nuvem que Sarsi afirma ter observado brilhar na noite profunda, poderia perguntar-lhe que certeza tem ele de ela não ser maior do que aquela que aparece, especialmente afirmando ele que era tão transparente que não escondia estrelas fixas, mesmo mínimas, pois não possuía indício algum para garantir que ela se ampliasse invisivelmente como transparente, muito e muito além da parte brilhante observada: por isso é ainda duvidoso se ela não é uma aparência que muda como as outras segundo a mudança do olho. Além de não haver nada em contrário que ela apareça inteiramente brilhante e seja, da mesma forma, uma ilusão, o que acontecerá se ela não fosse maior do que aquele espaço que vem a ser ocupado pela imagem do Sol, assim que, observando a imagem do Sol, por exemplo, ocupar num espelho tanto espaço quanto uma unha, nós cortássemos fora o restante, não há dúvida de que este pequeno espelho poderá nos aparecer brilhante de todo. Além disso, quando o pequeno espelho fosse menor do que a imagem, então poder-se-ia observar não só tudo iluminado mas sua imagem não pareceria movimentar-se a cada movimento do olho, como no espelho grande; e até por ser ele incapaz de toda imagem do Sol, segue que, movendo-se o olho, veria a reflexão ora de um lado ora de outro do disco solar; assim a imagem pareceria imóvel, até que o olho se dirija à parte que não produz reflexão, ela se perderia completamente. É muito importante, então, considerar a grandeza e a qualidade da superfície que reflete, pois, conforme a superfície seja menos limpa, a imagem do mesmo objeto se apresentará sempre maior, pois, às vezes, antes que a imagem passe por todo o espelho, será necessário que o olho passe por muito espaço, e esta imagem parecerá fixa então, mesmo que na realidade seja móvel.
Para explicar melhor um ponto importantíssimo e que talvez possa solicitar, não digo Sarsi, mas algum outro, pense V. E. Ilustríssima encontrar-se numa praia com um tempo tranquilo e o Sol já descendo no ocaso. Perceberá, então, sobre a superfície do mar que está na metade do círculo máximo da esfera celeste que passa pelo disco solar, o reflexo brilhantíssimo do Sol, mas não muito amplo; se, pelo contrário, como já falei, a água for muito calma, verá a imagem do disco solar bem definida como num espelho. Se uma pequena brisa começa a movimentar a superfície da água, na mesma hora verá V. E. Ilustríssima a imagem do Sol quebrar-se em muitas partes, ampliando-se e difundindo-se. E, enquanto próxima, poderiam se distinguir cada uma das partes da imagem quebrada; todavia, sendo longe, não se perceberia esta separação, quer pelos breves intervalos entre as partes, quer pelo grande brilho das partes cintilantes, que se misturaram, como acontece com muitos fogos perto entre si e que de longe parecem ser um só. Se a água se movimentar sempre mais por espaços sempre maiores, ampliar-se-á a multidão dos espelhos que refletirão, segundo as diversas inclinações das ondas, a imagem do Sol quebrada. Mas distanciando-se sempre mais e subindo numa colina ou outra elevação para poder enxergar melhor o mar, o campo brilhante parecerá único e contínuo. Aconteceu-me enxergar de cima de uma montanha altíssima e distante do mar de Livorno sessenta milhas, com um tempo sereno mas de ventania, uma hora antes do pôr do sol, uma tira brilhantíssima à direita e à esquerda do Sol, que ocupava em comprimento muitas dezenas, até muitas centenas de milhas, a qual era, porém, como as outras, uma mesma reflexão da luz do Sol. Agora, imagine, Sarsi, que da superfície do mar, com o mesmo movimento de ondas, grande parte tivesse se retraído para as orlas deixando só no meio, isto é, face ao Sol, um comprimento de duas ou três milhas: esta, com certeza, seria observada completamente iluminada, e imóvel mesmo, com respeito a qualquer movimento que o observador houvesse realizado à direita ou à esquerda; só depois de movimentar-se por alguma milha começaria a desaparecer a parte esquerda da imagem, se ele estivesse caminhando para a direita, e a imagem esplendorosa diminuiria até que, adelgaçando-se, desapareceria por completo. Disto resulta que a imagem é móvel em relação à imagem do observador, pois, mesmo observando-a toda, perceberíamo-la toda ainda movimentar-se, encontrando-se seu meio sempre à direita do Sol, apesar de aparecer a muitos outros que a observem no mesmo momento como encontrando-se em outros pontos do horizonte.
Eu não quero esconder de V. E. Ilustríssima aquilo que eu lembrei neste ponto para a solução do problema do mar. Espertos marinheiros conhecem às vezes o vento que chegou a eles depois de algum tempo, observando o ar que, nesse caso, mostra-se mais claro, daquele lado, do que deveria ser.
Imagine V. E. Ilustríssima se isto poderia derivar do fato de se encontrar já naquela parte o vento que, movimentadas as ondas, faz nascer, como por espelhos multiplicados infinitamente e difundidos amplamente, o reflexo do Sol muito maior do que se o mar fosse tranquilo, permitindo que seja muito mais iluminada por esta nova luz aquela parte do ar vaporoso por meio do qual este reflexo difunde-se, cujo ar ofereça ainda algum reflexo de luz aos olhos dos marinheiros, os quais, encontrando-se embaixo, não podiam perceber a primeira reflexão daquela parte de mar já movimentada pelos ventos e distante deles vinte ou trinta milhas; e que esta seja a sua previsão do vento distante.
Mas, continuando nosso primeiro discurso, afirmo que os raios solares não refletem, com a mesma grandeza, a imagem do Sol sobre todos os materiais, isto é, sobre todas as superfícies; mas sobre algumas (isto é, as planas e lisas como um espelho) nos aparece o disco solar semelhante ao verdadeiro, nas superfícies convexas mas lisas nos aparece menor, e nas côncavas às vezes menor e às vezes maior, às vezes mesmo igual, segundo as diversas distâncias entre o espelho, o objeto e o olho.
Porém, se a superfície não for igual mas sinuosa e cheia de cavidades ou elevações e como se fosse composta por milhares de pequenos espelhos colocados com várias inclinações, expostas aos olhos de mil modos, então a mesma imagem do Sol chegará ao nosso olho de mil partes e dividida em mil pedaços, os quais ampliar-se-ão, imprimindo nesta superfície um amplo conjunto de pequenas manchas brilhantes, cuja frequência originará a ilusão de um único campo de luz contínua visto de longe, mais brilhante e viva no meio que nas extremidades, onde diminui e desaparece, enfim, quando por causa da obliquidade do olho em relação a esta superfície os raios visíveis não encontram mais ondas que se refletem contra o Sol. Esta imagem resulta ainda móvel de acordo com o movimento do olho, se, porém, além de seus limites, continua a superfície que reflete; mas, se a quantidade da matéria ocupar um pequeno espaço, muito menor do que o da imagem inteira, poderá acontecer que, ficando fixa a matéria e movimentando-se o olho, ela continue a aparecer brilhante, até que, tendo chegado o olho àquele termo do qual, pela obliquidade dos raios incidentes sobre a matéria, as reflexões não se dirigem mais rumo ao Sol, a luz desaparece e perde-se. Não concordo com Sarsi que quando ele vê uma nuvem suspensa no ar, bem determinada e toda brilhante, que permanece tal apesar de o olho ir se movimentando, não pode ter a certeza de que esta luz seja mais real do que um halo, do que os periélios, do que o arco-íris, e do que a reflexão sobre a superfície do mar; porque afirmo-lhe que a sua consistência e sua aparente estabilidade podem depender da pequenez da nuvem que não consegue receber toda a amplidão da imagem do Sol; e esta imagem, em relação à posição das partes da superfície da nuvem, ampliar-se-ia, se não lhe faltasse matéria, num espaço muito maior da nuvem, e quando se visse inteiro e o campo das nuvens se adiantasse a ele, afirmo que apareceria movimentando-se inteiramente em relação ao movimento do olho. Prova-o o fato de termos visto muitas vezes, ao nascer e ao pôr do sol, muitas pequenas nuvens colocadas perto do horizonte, das quais as que se encontram face ao Sol tornam-se brilhantíssimas e quase de fino ouro, das laterais as menos distantes do meio são ainda mais brilhantes do que as mais distantes, as quais vão aparecendo gradualmente menos claras até ficar praticamente nulo o brilho das mais distantes: nulo para nós, mas, para quem se encontrasse num lugar onde elas permanecessem entre seu olho e o lugar onde o Sol se põe, mostrar-se-iam brilhantíssimas para ele e obscuras a nós as mais esplendorosas. Entenda, então, Sarsi, que se as nuvens não fossem quebradas mas fossem uma longa extensão contínua, a sua parte central pareceria brilhante a qualquer um dos observantes e gradualmente menos claras as laterais, conforme a distância de seu meio, porque onde eu posso ver o maior brilho, para outros é o menor. Mas alguém poderia agora afirmar que, uma vez que aquela parte da nuvem permanece fixa e sua luz não parece movimentar-se pela mudança de lugar do observador, isto seria suficiente para fazer com que a paralaxe opere na determinação de sua altura, e que, podendo acontecer o mesmo com o cometa, o uso da paralaxe seja suficiente para quem queira mostrar o lugar dela. Poder-se-ia responder a esta objeção que este argumento resultaria verdadeiro se fosse demonstrado antes que o cometa não é uma inteira imagem do Sol, mas só uma parte da imagem, assim como a matéria que forma o cometa é não só toda iluminada mas que a imagem do Sol é maior que ela, de modo que é bastante para iluminar um campo muito maior, existindo matéria apta a refletir a luz. Isto não foi demonstrado e pode ser diferente, isto é, que o cometa seja uma inteira imagem, não mutilada, como nos faz acreditar sua aparência bem regulada e simétrica. E daqui pode-se deduzir uma resposta fácil e razoável à pergunta que Sarsi coloca, isto é, como pode acontecer que, acreditando, segundo a colocação de Mário, o cometa esteja num campo muito extenso em altura que não se ilumine inteiramente mas nos reflita só um círculo parcial, sem que as outras partes, mesmo atingidas pelo Sol, não apareçam nunca. Farei, então, a mesma pergunta a ele e ao seu Mestre, que não desejando que o cometa seja um fogo, mas querendo acreditar (se não me engano) que ao menos sua cauda seja uma reflexão dos raios solares, se eles acreditam que o material que produz uma reflexão seja recortado da medida desta cauda, inteiro, que tenha de algum lado; e se sobrar (como acredito que me responda), por que não é percebida, uma vez que é atingida pelo Sol?
Não se pode afirmar que o reflexo seja originado pela substância do éter, substância que, muito transparente, não serve para isto, nem pode-se originar em outro material que, mesmo apto à reflexão, seria também apto a refletir os raios solares. Além disso, não sei por que razão ele chama um pequeno círculo a cabeça do cometa que seu Mestre conseguiu medir em 87.127 milhas quadradas, não sei com quais inteligentíssimos cálculos, quando nuvem alguma, acredito eu, pode alcançar tal medida.
Acrescenta Sarsi, imitando aquele que por muito tempo acreditou que o som pudesse ser produzido de uma única forma, não ser possível que o cometa se origine do reflexo daqueles vapores fumacentos, e que o exemplo do arco-íris não resolve a dificuldade, sendo ele uma ilusão visual: pois o arco-íris e outras coisas semelhantes são originados pela umidade da matéria que já está se transformando em água, que só naquele momento, imitando a natureza dos corpos líquidos, reflete a luz daquela parte onde se produzem os ângulos da reflexão e da refração, procurados como acontece nos espelhos, na água e nas bolas de cristal; mas, nos outros materiais ralos e secos, não possuindo superfície lisa como os espelhos, não se origina muita refração, procurando-se, então, para esta finalidade, uma matéria aguada, por conseguinte, muito pesada e inapta a subir além da Lua e do Sol, aonde podem chegar (também segundo minha opinião) só exalações levíssimas. O cometa, então, não pode ser produzido por tais fumacentos vapores. Uma resposta suficiente a toda esta argumentação seria afirmar que o Sr. Mário nunca limitou-se a afirmar qual seja a matéria originária e precisa do cometa, nem se ela é úmida ou fumacenta, seca ou lisa, e sei que ele não se envergonhará em afirmar que não a conhece. Porém, vendo que em vapores, nuvens ralas e não aguacentas, e naquelas que se dissolvem já em pequenas gotas, nas águas paradas, nos espelhos e outras matérias, aparecem por reflexão e refração muitas imagens ilusórias, considerou não ser impossível que na natureza exista ainda uma matéria apta a nos oferecer mais uma imagem diversa das outras, isto é, o cometa. Tal resposta, afirmo eu, é bem adequada à pergunta, se cada parte da pergunta for exata: todavia, o desejo de ajudar (como muitas vezes já confirmei) a pesquisa da verdade, pelo que me cabe, leva-me a fazer algumas considerações sobre determinados particulares contidos nesses discursos.
Em primeiro lugar, é verdade que numa emanação de pequeníssimas gotas de água recebemos a ilusão do arco-íris, mas não acredito que, pelo contrário, uma ilusão semelhante não se verifique sem tal emanação. O prisma triangular cristalino perto dos olhos nos apresenta todos os objetos das cores do arco-íris; muitas vezes, vê-se o arco-íris também em nuvens secas, sem que caia chuva alguma.
Não podemos ver também as mesmas ilusões de cores diversas nas penas de muitas aves, enquanto o Sol as atinge de várias formas? E que mais? Gostaria de anunciar a Sarsi alguma novidade se existisse alguma novidade a contar. Pegue ele qualquer matéria, seja pedra, madeira ou metal, e expondo-a ao Sol, observe-a atentamente e poderá observar nela todas as cores repartidas em pequeníssimas partes; e se ele usufruir, para observá-las melhor, de um telescópio adaptado a observar os objetos muito próximos, muito mais distintamente perceberá aquilo de que estou falando, sem necessidade que aqueles corpos transformem-se em orvalho ou vapores úmidos. Além disso, aquelas pequenas nuvens que ao pôr do sol mostram-se brilhantíssimas e refletem a luz do Sol tão viva que quase nos cega, são das mais ralas, secas e estéreis nuvens que existem no ar, e as úmidas, em vez, quanto mais estão cheias de água mais se mostram a nós escuras. O halo e os periélios verificam-se sem chuvas e sem umidade nas mais ralas e secas nuvens ou vapores que se encontrem no ar.
Segundo, é verdade que as superfícies bem lisas, como as dos espelhos, nos oferecem um poderoso reflexo da luz do Sol; assim, a muito custo podemos observá-la sem ofender a vista; porém, é também verdade que superfícies não muito lisas refletem com menos força se menor for a sua limpeza.
Veja agora, V. E. Ilustríssima, se o esplendor do cometa é daqueles que cegam a vista, ou é daqueles que por fraqueza não ofendem em nada; e disto julgue se para produzi-lo seja necessário uma superfície semelhante àquela de um espelho, e seja suficiente uma menos lisa. Eu gostaria de mostrar a Sarsi um modo de originar uma reflexão muito semelhante àquela do cometa. Pegue V. E. Ilustríssima uma garrafa de vidro bem limpa, e com uma vela acesa não muito distante do recipiente perceberá, em sua superfície, uma imagem bem pequena desta luz, clara e determinada. Pegando depois com a ponta do dedo uma mínima quantidade de qualquer matéria que possua um pouco de gordura, de modo que se junte ao vidro, engordure o mais sutilmente que puder aquela parte onde se percebe a imagem da luz até que a superfície fique um pouco nublada. Movimente depois a garrafa de maneira que a imagem saia da gordura e pare ao contato com ela; passe depois o dedo uma única vez horizontalmente sobre a parte gordurosa. Imediatamente verá originar-se um raio reto como a cauda do cometa, e este raio cortará transversalmente e em ângulos retos a linha do dedo que V. E. produziu, e, se V. E. voltar a passar o dedo numa outra direção, este raio originar-se-á em outra direção. Isto acontece porque, devido à pele dos nossos dedos não ser lisa, mas marcada por algumas linhas sinuosas para permitir melhor o tato e perceber as mínimas diferenças entre as coisas tangíveis, movimentando o dedo sobre esta superfície gordurosa, deixa alguns sulcos sutis no interior dos quais produzem-se os reflexos da luz, os quais, sendo muitos e dispostos ordenadamente, apresentam depois uma Unha brilhante, em cuja extremidade, se produzirmos, movimentando o vaso, aquela primeira imagem realizada na parte não gordurosa, perceber-se-á a cabeça da cauda mais brilhante e a cauda menos brilhante; o mesmo efeito produzir-se-á se, em vez de se engordurar o vidro, ficar embaçado soprando em cima. Eu peço a V. E. Ilustríssima que, se alguma vez por acaso Sarsi chegar a conhecer esta brincadeira, explique por mim bem claramente que eu não entendo com isso afirmar que exista no céu uma grande garrafa e alguém que a engordure, produzindo assim o cometa; simplesmente eu apresento este exemplo e poderei apresentar muitos outros que possam encontrar-se na natureza, ainda indefinidos a nós, como argumentos de sua riqueza de modos diferentes entre eles para produzir seus efeitos.
Em terceiro lugar, que reflexão e refração não podem ser produzidas por matérias e impressões meteorológicas a não ser quando contêm muita água, porque só neste caso apresentam superfícies lisas e limpas, condições estas necessárias para produzir tal efeito, asseguro que não é verdade que não possa ser diferente. No que diz respeito à limpeza, afirmo que mesmo sem ela produzir-se-á a reflexão da imagem unida e distinta. Afirmo assim porque a imagem quebrada e confusa é produzida por todas as superfícies, desiguais e ásperas; porém, aquela imagem de um pano colorido, que se vê distintíssima num espelho oposto, vê-se confusa e quebrada sobre o muro que reproduz uma determinada sombra da cor deste pano. Se V. E. Ilustríssima pegar uma pedra ou uma ripa de madeira não tão lisa que reflita perfeitamente as imagens, e colocar-se em direção oblíqua ao olho, como se quiséssemos verificar se ela é plana e reta, perceberá distintamente sobre ela as imagens dos objetos que se encontrarem encostados do outro lado da ripa, tão distintas que, apoiando um livro em cima, poderá ser lido comodamente. Mas se este experimento for concluído colocando-se o olho perto da extremidade de algum muro reto e comprido, primeiro perceber-se-á um perpétuo curso de exalações em direção ao céu, especialmente quando o muro for atingido pelo Sol, assim como todos os objetos parecem tremer; depois, o muro do outro lado parecerá aproximar-se, e verá que, quando estiver bem perto, sua imagem se apresentará refletida naqueles vapores ascendentes, nem úmidos nem pesados, pelo contrário, secos e leves. E que mais? Não chegou ainda ao ouvido de Sarsi tudo aquilo que foi falado, especialmente por Tycho, a propósito das refrações que se operam nas exalações e vapores que circundam a Terra mesmo que o ar seja sereno, seco e sem chuva e umidade? Também não se apoie, como ele faz, sobre a autoridade de Aristóteles e de todos os mestres de perspectiva, porque ele não poderá fazer outra coisa que afirmar que eu sou um observador mais cuidadoso que eles, o que, segundo meu parecer, é de todo contrário à sua intenção. Parece-me que tudo o que expus é uma resposta suficiente ao argumento de Sarsi.
Passemos, pois, ao segundo.
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