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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O FATOR INVISIVEL
O FATOR INVISIVEL

 

                                                                                                                                              

 

 

 

 

 

Meia hora depois a vida recomeçou na clareira. Uma hora ainda depois, quando o sol alto aprofundava as sombras, James Bond escorregou devagar para trás sobre o galho, deixou-se cair silenciosamente sobre uma área coberta de musgo e afundou-se cuidadosamente na floresta.


Naquela noite o encontro rotineiro de Bond com Mary Ann Russell foi tempestuoso.

— Você está louco — disse ela. — Não permitirei que faça isso. Vou fazer o chefe da F telefonar para o Coronel Schreiber e contar-lhe toda a história. Isso é trabalho para o SHAPE. Não para você.

Bond disse rispidamente:

— Você não vai fazer nada disso. O Coronel Schreiber disse que me deixava com muito prazer fazer uma remessa simulada amanhã cedo no lugar do mensageiro de serviço. É só o que ele precisa saber nesta fase. Uma espécie de reconstrução do crime. ele não está dando importância a isso. Praticamente deu por encerrado esse caso. Agora, seja boazinha e faça o que eu digo. Ponha meu relatório no teletipo para M. ele compreenderá porque devo liquidar este negócio. Não fará objeção.

— Maldito M! Maldito você! Maldito todo esse estúpido serviço! — exclamou Mary Ann, em cuja voz havia lágrimas de cólera. — Vocês não passam de um bando de crianças brincando de índios. Enfrentar essa gente sozinho! é... é exibicionismo. Só isso. Exibicionismo.

Bond estava começando a ficar aborrecido. Disse:

— Chega, Mary Ann. Ponha aquele relatório no teletipo. Sinto muito, mas é uma ordem.

Havia resignação na voz de Mary Ann quando disse:

— Oh, está bem. Não precisa abusar de seu posto para me fazer obedecer. Mas não se machuque. Pelo menos você terá os rapazes da Estação local para recolher os pedaços. Boa sorte.

— Obrigado, Mary Ann. E quer jantar comigo amanhã à noite? Em algum lugar como Armenonville. Champanha rosado e violinos ciganos. A rotina de Paris na primavera.

— Sim — respondeu ela seriamente. — Com todo o prazer. Mas então tome ainda mais cuidado, sim? Por favor!

— Claro que tomarei. Não se preocupe. Boa-noite.

— Boa-noite.

Bond passou o resto do tempo até deitar-se dando um último polimento em seus planos e transmitindo as instruções finais aos quatro homens da Estação.

Era outro belo dia. Sentado confortàvelmente na vibrante BSA esperando o momento da partida, Bond mal podia acreditar na emboscada que o estaria esperando pouco além do Carrefour Royal. O cabo do Corpo de Sinalização que lhe entregara a pasta vazia e estava para dar-lhe o sinal de partida disse:

— O senhor parece ter estado a vida inteira no Real Corpo. Eu diria que está quase precisando de um corte de cabelo, mas o uniforme assenta como uma luva. Está gostando da moto, senhor?

— Parece um sonho. Eu já havia esquecido como são divertidas estas malditas máquinas.

— Pois eu preferiria um pequeno e bonito “Austin A40”, senhor — disse o cabo, olhando seu relógio. — São quase sete horas. — Ergueu o polegar e acrescentou: — Pronto.

Bond puxou os óculos sobre os olhos, ergueu a mão para o cabo, engatou a máquina e rodou devagarinho sobre os pedregulhos até o portão principal.

Seguiu pela 184 e entrou na 307, atravessou Bailly e Noisy-le-Roi e chegou ao desvio de St. Nom. Ali devia fazer uma curva fechada para a direita a fim de entrar na D98 — a “route de la mort”, como o chamara o treinador de cães. Bond parou no acostamento gramado e examinou mais uma vez o Colt 45 cano longo. Tornou a pôr a arma morna encostada em seu estômago e deixou aberto o botão do blusão. Apontar! Preparar...!

Bond fez a curva fechada e acelerou até oitenta. O viaduto da auto-estrada de Paris apareceu à sua frente. A boca negra do túnel embaixo dele abriu-se e engoliu-o. O barulho de seu escapamento era ensurdecedor e por um instante houve o cheiro frio e úmido de túnel. Depois saiu de novo para o sol e imediatamente chegou ao Carrefour Royal. À sua frente o asfalto oleoso estendia-se reto por mais de três quilômetros através da floresta encantada e havia um cheiro suave de folhas e orvalho. Bond reduziu a velocidade para sessenta e cinco. O espelho retrovisor à sua esquerda tremia um pouco com a velocidade. Nada mostrava além da vista livre e vazia da estrada entre fileiras de árvores que se estendiam às suas costas como uma esteira verde. Nem sinal do assassino. Estaria assustado? Teria tido alguma suspeita? Mas depois apareceu um minúsculo ponto preto no centro do vidro convexo — um mosquito-polvora, que se transformou em mosca, em seguida em abelha e depois em bezouro. Agora era um capacete curvado sobre o guidom entre duas patas grandes e pretas. Santo Deus, como vinha depressa! Os olhos de Bond desviavam—se do espelho para a estrada à frente e novamente para o espelho. Quando a mão direita do assassino estendeu-se para a arma...!

Bond reduziu a velocidade — cinquenta, quarenta, trinta. À frente o asfalto era liso como metal. Um último e rápido olhar ao espelho. A mão direita deixara o guidom. O sol batendo nos óculos do homem fazia enormes e ferozes olhos por baixo da beirada do capacete. Agora! Bond brecou violentamente e fez a BSA derrapar em um ângulo de 45 graus, ao mesmo tempo que parava o motor. Não foi suficientemente rápido no movimento. A arma do assassino disparou duas vezes e uma bala penetrou nas molas do assento ao lado da coxa de Bond. Mas depois o Colt disse uma única palavra, e o assassino e sua BSA, como se tivessem sido laçados de dentro da floresta, viraram loucamente para fora da estrada, saltaram a vala e colidiram de frente com um tronco de faia. Por um momento, a confusão de homem e máquina ficou grudada no grosso tronco. Depois, com um estertor metálico, virou-se para trás e caiu sobre o capim.

Bond saltou de sua máquina e caminhou em direção ao feio monte retorcido de tecido caqui e aço fumegante. Não havia necessidade de verificar o pulso. Onde a bala acertara, o capacete quebrara-se como uma casca de ôvo. Bond virou-se e tornou a enfiar a arma na frente de sua túnica. Tivera sorte. Não devia abusar de sua sorte. Subiu na BSA e acelerou pela estrada, na direção contrária à que viera.

Encostou a BSA em uma das árvores raspadas logo na entrada na floresta e caminhou maciamente até a beirada da clareira. Assumiu sua posição na sombra da grande faia. Umideceu os lábios e deu, o mais parecido que pôde, o assobio de pássaro do assassino. Esperou. Teria assobiado errado? Mas então a roseira estremeceu e o zumbido alto e agudo começou. Bond enfiou o polegar direito por baixo da cinta a poucos centímetros da coronha da arma. Esperava não precisar matar mais. Os dois subalternos pareciam não estar armados. Com um pouco de sorte, eles se entregariam sem barulho.

As portas curvas abriram-se. De onde estava, Bond pôde ver o interior do buraco, mas segundos depois o primeiro homem saiu e pôs seus calçados para neve. Depois saiu o segundo homem. Calçados para neve! O coração de Bond parou de bater. Esquecera-se deles! Deviam estar escondidos lá atrás, entre os arbustos! Maldito tolo! Será que reparariam?

Os dois homens avançaram vagarosamente em sua direção, pisando com delicadeza. Quando estavam a uns cinco metros, o homem da frente disse algo baixinho em uma língua que parecia ser russa. Quando Bond não respondeu, os dois pararam onde estavam. Fitaram-no espantados, esperando talvez a resposta de uma senha. Bond sentiu o perigo. Sacou da arma e avançou na direção dos dois homens, agachando-se.

— Levantem as mãos — gritou, ao mesmo tempo que fazia um gesto com o cano do Colt.

O homem da frente deu uma ordem e jogou-se para diante. Ao mesmo tempo, o segundo homem disparou em direção ao esconderijo. Um fuzil roncou entre as árvores e a perna direita do homem dobrou-se embaixo dele. Os homens da Estação saíram de seus esconderijos e aproximaram-se correndo. Bond apoiou-se em um joelho e jogou o cano do revólver para cima contra o homem que saltava em sua direção. Acertou, mas o homem já estava em cima dele. Bond viu unhas saltando sobre seus olhos, mergulhou e desfechou um soco de baixo para cima. Uma mão segurava seu punho direito e sua arma estava sendo vagarosamente virada em sua direção. Não desejando matar, deixara a trava presa. Tentou alcançá-la com o polegar. Uma bota atingiu-o de um dos lados da cabeça. Bond soltou a arma e caiu para trás. Através de um nevoeiro vermelho viu o cano da arma apontando para seu rosto. Passou pela sua mente a ideia de que ia morrer — ia morrer por ter demonstrado piedade...!

De repente, o cano da arma desapareceu e o peso do homem saiu de cima de Bond. Bond ajoelhou-se e depois levantou-se. O corpo, caído na grama a seu lado, com os braços abertos, teve um último estremecimento. Havia buracos ensanguentados nas costas do macacão. Bond olhou em roda. Os quatro homens da Estação formavam um grupo. Bond desamarrou a tira de seu capacete e esfregou o lado da cabeça.

— Bem, muito obrigado — disse. — Quem fez isso? Ninguém respondeu. Os homens pareciam embaraçados. Bond caminhou em direção a eles, intrigado.

— Que há? — perguntou.

De repente, Bond percebeu um ligeiro movimento por trás dos homens. Apareceu mais uma perna — uma perna de mulher. Bond riu alto. Os homens sorriram encabulados e olharam para trás. Mary Ann Russel, com uma camisa parda e calça comprida, saiu de trás deles com as mãos para cima. Uma das mãos segurava o que parecia ser uma pistola 22 de tiro ao alvo. Baixou as mãos e enfiou a pistola na cintura da calça. Aproximando-se de Bond, disse ansiosamente:

— Você não vai pôr a culpa em ninguém, vai? Não deixei que eles saíssem hoje cedo sem mim.

Seus olhos imploravam, quando acrescentou:

— Foi sorte eu ter vindo, realmente. Quero dizer, aconteceu de eu atirar primeiro. Ninguém queria atirar com medo de atingi-lo.

Bond sorriu para os olhos dela e disse:

— Se você não tivesse vindo, eu seria obrigado a faltar àquele encontro para o jantar.

Virou-se para os homens e disse com voz prática: — Muito bem. Um de vocês toma a motocicleta e vai comunicar a essência disto ao Coronel Schreiber. Diga que estamos esperando sua gente antes de darmos uma olhada no esconderijo. E que ele inclua uns dois homens do serviço contra sabotagem. Esse buraco pode estar minado. Entendido? Bond tomou a moça pelo braço e disse:

— Venha cá. Quero mostrar-lhe um ninho de passarinho.

— Isso é uma ordem?

— É.


Para você, somente

 


(FOR YOUR EYES ONLY)

 

O mais belo pássaro da Jamaica, que alguns dizem ser o mais pelo pássaro do mundo, é o rabo-de-fitas ou beija-flor-médico. O macho tem uns vinte e três centímetros de comprimento, mas dezoito centímetros são da cauda — duas longas plumas pretas que se curvam, sobrepondo-se, e cujas orlas internas têm a forma de um desenho recortado. A cabeça e a crista são pretas, as asas verdes-escuras, o comprido bico é vermelho e os olhos, brilhantes e confiantes, são pretos. O corpo é verde-esmeralda, tão deslumbrante que, quando o sol bate sobre o peito, a gente vê o verde mais brilhante da natureza. Na Jamaica, os pássaros amados recebem apelidos. O Trochilus polytmus é chamado beija-flor-médico porque suas duas plumas pretas fazem lembrar a casaca preta do médico de antigamente.

A Sra. Havelock tinha particular dedicação por duas famílias desses pássaros porque os observara sugando mel, lutando, fazendo ninhos e amando desde quando se casara e viera para Content. Estava agora com mais de cinquenta anos, de modo que muitas gerações dessas duas famílias haviam chegado e partido desde quando os dois pares originais receberam os nomes de Piramo e Tisbe e Dafne e Cloé. Casais sucessivos, porém, haviam conservado os nomes. Sentada agora diante de seu elegante jogo de chá na ampla e fresca varanda, a Sra. Havelock observou Piramo, com um feroz e gritante mergulho, investir contra Dafne que acabara o mel de seu enorme arbusto de Japanese Hat e se introduzira furtivamente no vizinho Monkeyfiddle que era privativo de Piramo. Os dois minúsculos cometas pretos e verdes afastaram-se rodopiando sobre os belos acres de gramado, pontilhados de primaveras e hibiscos, até se perderem de vista nos laranjais. Logo voltariam. A constante batalha entre as duas famílias era um jogo. Naquele grande e bem tratado quintal havia mel suficiente para todos.

A Sra. Havelock descansou sua xícara de chá e apanhou um sanduíche de Paíum Peperium, dizendo:

— Eles são realmente terríveis exibicionistas.

O Coronel Havelock ergueu os olhos por cima de seu “Daily Gleaner” e perguntou:

— Quem?

— Piramo e Dafne.

— Oh, sim — disse o Coronel Havelock, que achava os nomes idiotas. — Parece que Batista estará logo em fuga. Castro continua fazendo muita pressão. Um sujeito na “Barclay’s” contou-me hoje cedo que já está vindo para cá muito dinheiro fugido. Disse que Belair foi vendida a testas de ferro. Cento e cinquenta mil libras por mil acres de carrapicho e uma casa que as formigas vermelhas derrubarão antes do Natal! Alguém apareceu de repente e comprou o horrível hotel “Blue Harbour”. Fala-se até mesmo que Jimmy Farquharson encontrou um comprador para sua propriedade, com todas as pragas e pestes que tem, suponho eu.

— Será bom para Úrsula. A coitadinha não suporta isto aqui. Mas não posso dizer que me agrade a ideia de ver toda a ilha sendo comprada por esses cubanos. Escute, Tim, afinal de contas, onde é que eles arranjam todo esse dinheiro?

— Extorsões, fundos sindicais, dinheiro do governo... só Deus sabe. Aquilo está cheio de trapaceiros e bandidos. Precisam tirar seu dinheiro de Cuba e levá-lo depressa para algum outro lugar. Jamaica é tão boa quanto qualquer outro lugar, agora que temos essa convertibilidade com o dólar. Pelo que parece, o homem que comprou Belair tirou o dinheiro de uma maleta e jogou no chão do escritório de Aschenheim. Acho que ficará com a propriedade um ou dois anos, até passar a encrenca ou Castro tomar conta do governo e acabar com a limpeza. Depois, porá a propriedade novamente à venda, sofrerá um prejuízo razoável e irá para algum outro lugar. É uma pena, em certo sentido. Belair era antigamente uma bela propriedade. Poderia ter sido recuperada se alguém da família se interessasse.

— Eram dez mil acres no tempo do avô de Bill. O administrador levava três dias para correr os limites.

— Bill pouco está ligando. Aposto como já reservou passagem para Londres. É mais uma das velhas famílias que se vai embora. Logo não restará ninguém senão nós. Graças a Deus Judy gosta daqui.

— É mesmo, querido — concordou a Sra. Havelock calmamente, ao mesmo tempo que tocava a campainha para que a criada tirasse as coisas do chá. Agatha, uma enorme negra de cor preta-azulada, usando um antiquado toucado branco que não se via mais em Jamaica, a não ser no interior, saiu da sala-de-estar pintada de branco e rosa, seguida por Fayprince, uma bela mestiça de Port Maria que estava treinando para ajudá-la. A Sra. Havelock disse:

— É tempo de começarmos a engarrafar, Agatha. As goiabas amadureceram cedo este ano.

A fisionomia de Agatha estava impassível, quando respondeu:

— Sim senhora. Mas precisamos de mais garrafas.

— Por quê? Ainda no ano passado eu trouxe duas dúzias das melhores que encontrei na “Henriques”.

— Sim, senhora. Alguém quebrou umas cinco ou seis.

— Mas, que coisa! Como foi isso?

— Não sei, não, senhora.

Agatha apanhou a grande bandeja de prata e esperou, observando o rosto da Sra. Havelock.

A Sra. Havelock não vivera a maior parte de sua vida na Jamaica sem aprender que uma coisa quebrada está quebrada e que de nada adianta procurar um culpado. Por isso, disse jovialmente:

— Está bem, Agatha. Trarei mais algumas quando fôr a Kingston.

— Sim, senhora.

Agatha, seguida pela moça, tornou a entrar na casa.

A Sra. Havelock apanhou um trabalho de petit-point e começou a costurar, com os dedos movendo-se automaticamente. Seus olhos voltaram-se para os grandes arbustos de Japanese Hat e Monkeyjiddle. Sim, os dois machos estavam de volta. Com suas caudas graciosamente empinadas moviam-se entre as flores. O sol estava baixo no horizonte e de vez em quando via-se um lampejo de um verde penetrantemente belo. Um tordo, no galho mais alto de um jasmim, começou seu repertório vespertino. O coaxar de uma perereca mais apressada anunciou o início de um rápido e violento crepúsculo.

Content, vinte mil acres de terra nas encostas do pico de Candlefly, um dos mais orientais das montanhas Blue, no condado de Portland, fora dada a um antigo Haverlock por Oliver Cromwell como recompensa por ter sido um dos signatários da ordem de execução da sentença de morte contra o rei Carlos. Ao contrário de muitos outros colonizadores daquela e de épocas posteriores, os Havelocks haviam mantido a fazenda através de três séculos, enfrentando terremotos e furacões, altas e baixas do cacau, do açúcar, das laranjas e da copra. Agora cultivavam bananas e crivam gado. Sua fazenda era uma das mais ricas e bem administradas entre todas as propriedades privadas da ilha. A casa, consertada ou reconstruída depois de cada terremoto ou furacão, era um híbrido — um bloco central de dois andares com colunas de mogno e assentado sobre o velho alicerce de pedra, flanqueado por duas alas de um andar com telhados jamaicanos de tábuas de cedro prateado, baixos e bem salientes. Os Havelocks estavam sentados na funda varanda do bloco central, voltados para o jardim que descia suavemente em direção a uma vasta e cerrada floresta que se estendia por trinta quilômetros até o mar.

O Coronel Havelock abaixou seu “Gleaner”.

— Acho que ouvi barulho de um carro.

A Sra. Havelock disse em tom firme:

— Se forem aqueles horríveis Feddens de Port Antônio, você simplesmente tem de livrar-se deles. Não posso suportar mais suas choradeiras sobre a Inglaterra. E da última vez os dois estavam completamente embriagados quando foram embora e o jantar ficou frio.

Levantou-se rapidamente, acrescentando:

— Vou mandar Agatha dizer que estou com enxaqueca.

Agatha entrou pela porta da sala-de-estar. Parecia agitada.

— Gente de Kingston. Querem ver o Coronel — disse apressadamente.

O homem da frente passou ao lado da criada. Ainda estava de chapéu, um panamá de aba estreita bem dobrada para cima. Tirou o chapéu com a mão esquerda e segurou-o encostado ao estômago. Os raios do sol cintilavam nos cabelos oleosos e na boca de dentes brancos e sorridentes. Avançou em direção ao Coronel Havelock com a mão estendida diretamente à sua frente.

— Sou o Major Gonzales. De Havana. Prazer em conhecê-lo, Coronel.

O sotaque era do patoá americano de um motorista de praça jamaicano. O Coronel Havelock levantou-se. Tocou de leve a mão estendida. Olhou sobre o ombro do major para os outros dois homens que haviam parado de cada um dos lados da porta. Cada um deles tinha um daqueles novos carrega-tudo dos trópicos — uma sacola da “Pan American”. As sacolas pareciam pesadas. Os dois homens curvaram-se ao mesmo tempo e colocaram as sacolas no chão, ao lado de seus sapatos amarelados. Depois se endireitaram. Usavam quepes brancos baixos com visores verdes, que lançavam sombras verdes nas maçãs de seus rostos. Entre as sombras verde seus inteligente olhos animais fixavam-se no major, acompanhando seu procedimento.

— São meus secretários — explicou o major.

O Coronel Havelock tirou um cachimbo do bolso e começou a enchê-lo. Seus olhos azuis e diretos registraram as roupas esmeradas, os sapatos lustrosos e as unhas brilhantes do Major, e as calças rancheiro e as camisas grosseiras dos outros dois. Pensou como poderia fazer esses homens entrarem em seu estúdio, até perto do revólver que estava na gaveta de cima de sua mesa.

— Que desejam? — perguntou.

Enquanto acendia o cachimbo, observou os olhos e a boca do Major através da fumaça.

O Major Gonzales abriu as mãos. A largura de seu sorriso mantinha-se constante. Os olhos líquidos, quase dourados, eram divertidos, amistosos.

— É uma questão de negócio, Coronel. Represento certo cavalheiro de Havana — disse ele, fazendo um gesto largo com a mão direita. — Um cavalheiro poderoso. Muito bom sujeito.

O Major Gonzales assumiu uma expressão de sinceridade ao crescentar:

— O senhor gostaria dele, Coronel. Pediu-me para apresentar-lhes cumprimentos e perguntar-lhe o preço de sua propriedade.

A Sra. Havelock, que observava a cena com um cortês meio sorriso nos lábios, colocou-se ao lado de seu marido. Disse em tom bondoso, para não embaraçar o pobre homem:

— Que pena, Major. Percorrer todas essas poeirentas estradas! Seu amigo devia realmente ter escrito primeiro ou perguntado a alguém em Kingston ou no Palácio do Governo. O senhor compreende, a família de meu marido viveu aqui quase trezentos anos.

Olhava para o major bondosamente, quase com expressão de quem pede desculpas, quando prosseguiu:

— Acho que não se pode cogitar de vender Content. Nunca se cogitou. Não sei onde seu importante amigo pode ter arrumado essa ideia.

O Major Gonzales curvou-se um pouco. Seu rosto sorridente voltou-se de novo para o Coronel Havelock. Disse, como se a Sra. Havelock não tivesse aberto a boca:

— O cavalheiro que eu represento ouviu dizer que esta é uma das melhores estâncias da Jamaica. ele é um homem muito generoso. O senhor pode pedir qualquer importância que seja razoável.

O Coronel Havelock falou firmemente:

— O senhor ouviu o que a Sra. Havelock disse. A propriedade não está à venda.

O Major Gonzales riu. Parecia uma risada genuína. Sacudiu a cabeça como se estivesse explicando alguma coisa a uma criança bastante tapada:

— O senhor entendeu-me mal, Coronel. O cavalheiro que represento deseja esta e nenhuma outra propriedade da Jamaica. ele tem alguns recursos, aguns recursos extraordinários, para investir. Esses recursos estão procurando uma casa na Jamaica. O cavalheiro que represento deseja que esta seja sua casa.

O Coronel Havelock retorquiu pacientemente:

— Compreendo perfeitamente, Major. E sinto muito que tenha perdido seu tempo. Enquanto eu viver, Content nunca será posta à venda. E agora, se me dão licença.. . Minha esposa e eu sempre jantamos cedo e os senhores têm um longo caminho a percorrer.

Fazendo um gesto em direção à esquerda, ao longo da varanda, prosseguiu:

— Penso que por aqui é o caminho mais rápido até seu carro. Permita-me que lhes mostre o caminho.

O Coronel Havelock moveu-se convidando-os a segui-lo, mas parou, quando o major não saiu de onde estava. Os olhos azuis começaram a ficar frios.

Agora havia talvez um dente a menos no sorriso do Major Gonzales e seus olhos estavam vigilantes. Mas suas maneiras ainda eram joviais. Disse cordialmente:

— Um momento, Coronel.

Deu uma ordem rápida sem virar a cabeça. Os Havelocks notaram que a máscara jovial caiu quando as poucas palavras ásperas foram proferidas entre os dentes. Pela primeira vez, a Sra. Havelock pareceu ligeiramente insegura. Aproximou-se ainda mais de seu marido. Os dois homens apanharam suas sacolas azuis da “Pan American” e deram um passo à frente. O Major Gonzales segurou o ziper de cada uma delas por sua vez e puxou-o. As bocas apertadas abriram-se inteiramente. As sacolas estavam cheias até em cima de sólidos pacotes de dinheiro americano. O Major Gonzales abriu os braços.

— São só notas de cem dólares. Tudo genuíno. Meio milhão de dólares. Isto é, em seu dinheiro, digamos, cento e oitenta mil libras. Uma pequena fortuna. Existem no mundo muitos outros lugares para se viver, Coronel. E talvez o cavalheiro que represento acrescente mais umas vinte mil libras para arredondar a conta. O senhor saberá disso dentro de uma semana. Só preciso de meia folha de papel com sua assinatura. Os advogados poderão fazer o resto. Agora, Coronel — o sorriso estava voltando — vamos dizer sim e trocar um aperto de mão? Depois as sacolas ficarão aqui e nós deixaremos os senhores com seu jantar.

Os Havelocks olhavam para o major com a mesma expressão — uma mistura de raiva e repugnância. Podia-se imaginar a Sra. Havelock contando a história no dia seguinte. “Um homenzinho vulgar, oleoso. E aquelas sujas sacolas de plástico cheias de dinheiro! Timmy foi maravilhoso. Simplesmente disse ao homem que saísse e levasse consigo aquela sujeira.”

A boca do Coronel Havelock virou-se para baixo com repugnância.

— Pensei que tivesse sido claro, Major — disse. — A propriedade não está à venda por preço nenhum. E eu não partilho da sede popular por dólares americanos. Agora, preciso pedir-lhes que se retirem.

O Coronel Havelock pôs seu cachimbo frio sobre a mesa como se se estivesse preparando para arregaçar as mangas.

Pela primeira vez o sorriso do Major Gonzales perdeu sua cordialidade. A boca continuou a sorrir, mas agora o sorriso tomava a forma de uma careta raivosa. Os olhos líquidos e dourados ficaram de repente frios e duros. Disse maciamente:

— Coronel, eu é que não fui claro. Não o senhor. O cavalheiro que represento deu-me instruções para dizer-lhe que, se não aceitar sua generosa oferta, teremos de passar a outras medidas.

A Sra. Havelock de repente começou a ter medo. Descansou a mão sobre o braço do Coronel Havelock e apertou-o bem. O Coronel pôs sua mão sobre a dela para tranquilizá--la. Com os lábios cerrados, disse:

— Por favor, retire-se. Major. Caso contrário, falarei com a polícia.

A ponta rosada da língua do major Gonzales saiu da boca e lambeu vagarosamente os lábios. Toda luz desapareceu de seu rosto, que se tornou tenso e duro. Disse asperamente:

— Então enquanto o senhor viver a propriedade não estará à venda, coronel? Essa é sua última palavra?

Sua mão direita colocou-se atrás das costas e seus dedos estalaram suavemente, uma vez. Atrás dele, os dois homens enfiaram a mão na abertura de suas camisas acima da cintura. Os vivos olhos animais observavam os dedos do major atrás de suas costas.

A Sra. Havelock levou a mão à boca. O Coronel Havelock tentou dizer sim, mas sua boca estava seca. Pigarreou barulhentamente. Não podia acreditar naquilo. Esse sórdido trapaceiro cubano devia estar blefando. Conseguiu dizer com voz rouca:

— Sim, é.

O major Gonzales fez uma rápida mesura.

— Nesse caso, Coronel, o cavalheiro que represento continuará as negociações com o próximo proprietário... com sua filha.

Os dedos estalaram. O Major Gonzales afastou-se para um lado a fim de deixar livre o campo de fogo. As mãos morenas de macaco saíram de dentro das camisas. Os feios pedaços de metal em forma de salsicha cuspiram e estrondaram — repetidas vezes, mesmo quando os dois corpos já estavam caindo.

O major Gonzales curvou-se e verificou onde as balas haviam acertado. Depois os três homens recuaram rapidamente através da sala-de-estar rosa e branca, atravessaram o escuro saguão do mogno lavrado e saíram pela elegante porta da frente. Subiram sem pressa no sedan preto “Ford Cônsul” com chapas da Jamaica. O Major Gonzales tomou a direção e os dois pistoleiros sentaram-se no banco traseiro. Desceram vagarosamente a comprida alameda ladeada de palmeiras reais. Na junção da alameda com a estrada para Port Antônio, os fios telefônicos cortados pendiam através das árvores como cipós brilhantes. O Major Gonzales dirigiu o carro cuidadosa e habilmente pela acidentada estrada vicinal até chegar à pista asfaltada perto da praia. Então aumentou a velocidade. Vinte minutos depois do assassínio chegou ao pátio externo do pequeno porto de bananas. Estacionou o carro no acostamento gramado ao lado da estrada. Os três homens desceram e andaram quinhentos metros na mal-iluminada rua principal até as docas de bananas. A lancha estava esperando, com seu escapamento borbulhando. Os três homens embarcaram e a lancha disparou através das águas paradas do que uma poetisa americana chamou de a mais bela baía do mundo. A âncora já estava meio erguida no cintilante “Chriscraft” de cinquenta toneladas. O barco desfraldava bandeira dos Estados Unidos. As duas graciosas hastes das varas de pesca de alto mar explicavam que se tratava de turistas — de Kingston, talvez, ou de Montego Bay. Os três homens subiram a bordo e a lancha foi recolhida. Duas canoas circundavam o barco, mendigando. O Major Gonzales jogou uma moeda de cinquenta “cents” para cada uma delas e os homens nus mergulharam. Os dois motores diesel começaram a roncar gaguejantes. O “Chriscraft” abaixou um pouquinho a popa e rumou para o canal profundo abaixo do hotel “Titchfield”. De madrugada, estaria de novo em Havana. Os pescadores do cais, em terra, observaram—no partir e continuaram a discutir que estrelas cinematográficas eram essas que estavam passando as férias na Jamaica.

Na larga varanda de Content os últimos raios do sol refletiam-se sobre manchas vermelhas. Um dos pássaros-médicos esvoaçou sobre a balaustrada e pairou bem acima do coração da Sra. Havelock, olhando para baixo. Não, isso não era para ele. Partiu rápido para seu poleiro entre os hibiscos próximos.

Alguém dirigindo um carro esporte fez uma barulhenta mudança de marcha na curva da alameda. Se a Sra. Havelock estivesse viva, estaria preparando-se para dizer: “Judy, eu sempre lhe digo para não fazer isso na curva. Espalha pedregulhos por todo o gramado e você sabe como isso estraga o cortador de grama de Joshua.”


Foi um mês depois. Em Londres, outubro começara com uma semana de brilhante verão. O barulho dos cortadores de grama subia de Regenfs Park e entrava pelas largas janelas abertas do escritório de M. Eram cortadores motorizados e James Bond refletiu que um dos mais belos ruídos do verão, a acalentadora canção de ferro das velhas máquinas, ia desaparecer para sempre do mundo. As crianças de hoje talvez sentissem o mesmo em relação ao bufar e trepidar dos pequenos motores de dois tempos. Pelo menos, o cheiro da grama cortada seria o mesmo.

Bond teve tempo para essas reflexões porque M parecia estar tendo dificuldade em entrar no assunto. Havia perguntado a Bond se estava fazendo alguma coisa no momento. Bond respondera alegremente que não e esperara que a caixa de Pandora se abrisse para ele. Sentia-se um pouco intrigado porque M o tratara por James e não por seu número — 007. Isso era incomum em horas de serviço. Dava a impressão de haver algum ângulo pessoal nessa missão — como se tivesse de ser apresentada a ele mais como um pedido do que como uma ordem. E parecia a Bond haver mais uma pequena ruga de preocupação entre os cinzentos olhos frios, terrivelmente claros. Além disso, três minutos eram sem dúvida tempo demais para pôr um cachimbo a funcionar.

M girou sua cadeira de modo que ficasse bem de frente para a mesa e jogou a caixa de fósforos, que deslizou sobre a superfície de couro vermelho na direção de Bond. Bond apanhou-a e cortêsmente fê-la escorregar de novo para o meio da mesa. M sorriu rapidamente. Parecia ter-se decidido. Com voz suave, disse:

— James, já lhe ocorreu alguma vez que em uma esquadra todo homem sabe o que fazer, exceto o almirante no comando?

Bond franziu a testa e respondeu:

— Nunca me ocorreu isso, senhor. Mas compreendo o que quer dizer. Os outros só precisam obedecer ordens. O almirante precisa decidir sobre as ordens. Acho que é o mesmo que dizer que o Supremo Comando é o posto mais solitário que existe.

M sacudiu seu cachimbo de lado.

— A mesma espécie de ideia. Alguém tem de ser duro. Alguém tem de decidir por fim. Se a gente manda uma mensagem balbuciante ao Almirantado, merece ser posto em terra. Algumas pessoas são religiosas... transferem a decisão para Deus. — Os olhos de M eram defensivos. — Tentei fazer isso algumas vezes no Serviço, mas ele sempre me devolveu a bola, me disse para ir em rente e decidir por mim. É bom para a gente, acho, mas duro. O mal é que muito poucas pessoas continuam duras depois dos quarenta. Foram maltratadas pela vida — tiveram encrencas, tragédias, doenças. Essas coisas amolecem a gente. — M olhou penetrantemente para Bond. — Qual é seu coeficiente de dureza, James? Você ainda não chegou à idade perigosa.

Bond não gostava de perguntas pessoais. Não sabia o que responder, nem sabia qual era a verdade. Não tinha esposa nem filhos — nunca sofrera a tragédia de uma perda pessoal. Não precisara enfrentar a cegueira ou uma doença mortal. Absolutamente não tinha ideia de como enfrentaria essas coisas que exigiam muito mais dureza do que até então precisara demonstrar. Disse hesitantemente:

— Acho que posso suportar a maioria das coisas, se precisar e se achar que é direito, Senhor. Quero dizer — não gostava de usar essas palavras — se a causa fôr... bem... fôr justa, Senhor.

Sentindo-se envergonhado de devolver a bola a M, continuou:

— Naturalmente, não é fácil saber o que é justo e o que não é. Presumo que quando me dão um serviço desagradável no Serviço a causa é justa.

— Diabo! — exclamou M, cujos olhos cintilavam impacientemente. — É exatamente o que eu queria dizer! Você confia em mim. Você não assume responsabilidade.

Empurrou o tubo do cachimbo em direção a seu próprio peito.

— Sou eu quem tem de fazer isso. Eu é que tenho de decidir se uma coisa é direita ou não.

A cólera desaparecera do olhar. A boca cruel curvou-se amargamente. M disse sombriamente:

— Oh, bem, acho que é para isso que me pagam. Alguém tem de dirigir o maldito trem.

M tornou a pôr o cachimbo na boca e chupou profundamente para aliviar seus sentimentos.

Agora Bond sentia pena de M. Nunca antes o ouvira dizer uma palavra tão forte quanto “maldito”. M nunca fizera também a qualquer membro de seu quadro de pessoal uma insinuação de que sentia o peso que estava carregando e que carregara desde quando abrira mão da perspectiva garantida de tornar-se Quinto Lorde do Mar para assumir a direção do Serviço Secreto. M tinha um problema. Bond imaginou qual poderia ser. Não teria relação com perigo. Se pudesse conhecer mais ou menos as probabilidades, M arriscar-se-ia a qualquer coisa, em qualquer lugar do mundo. Não seria político. M não dava a menor importância às sucetibilidades de qualquer Ministério e não hesitava em passar por trás deles para obter uma ordem pessoal do primeiro-ministro. Poderia ser moral. Poderia ser pessoal. Bond disse:

— Há alguma coisa em que eu possa ajudar, Senhor?

M olhou pensativamente para Bond e depois girou sua cadeira de modo a poder olhar para fora da janela, para as altas nuvens estivais. Disse abruptamente:

— Lembra-se do caso Havelock?

— Só do que li nos jornais, Senhor. Um casal idoso na Jamaica. A filha chegou em casa certa noite e encontrou os dois cheios de balas. Falou-se um pouco em bandidos de Havana. A criada disse que três homens haviam chegado em um carro. Pensava que talvez fossem cubanos. Descobriu-se que o carro era roubado. Um iate partiu do porto local naquela noite. Mas, pelo que me lembro, a polícia nada conseguiu. É só isso, senhor. Não vi mensagem alguma transmitida sobre o caso.

M disse carrancudo:

— Não poderia ter visto. Eram pessoais para mim. Não nos pediram que cuidássemos do caso. Acontece apenas — continuou M, pigarreando, pois usar assim particularmente o Serviço pesava em sua consciência — que conheci os Havelocks. Para dizer a verdade, fui padrinho em seu casamento. Em Malta. Mil novecentos e vinte e cinco.

— Compreendo, Senhor. Isso é mau.

M prosseguiu com voz ríspida:

— Boa gente. Seja como fôr, disse à Estação C para dar uma olhada no caso. Nada conseguiram com a gente de Batista, mas nós temos um bom homem do outro lado, com esse sujeito chamado Castro. E o pessoal do serviço secreto de Castro parece estar bem infiltrado no governo. Obtive toda a história há umas duas semanas. Resume-se em que um homem chamado Hammerstein ou von Hammerstein mandou matar o casal. Há muitos alemães bem instalados naquelas repúblicas de bananas. São nazistas que escaparam da rede no final da guerra. Este pertenceu à Gestapo. Conseguiu um emprego como chefe da contra-espionagem de Batista. Ganhou muito dinheiro com extorsão, chantagem e proteção. Estava arrumado para o resto da vida, quando a sorte de Castro começou a virar. Foi um dos primeiros a dar o fora. Deu uma parte do produto de suas pilhagens a um seu oficial, um homem chamado Gonzales, que viajou então pelas Antilhas, com dois pistoleiros para protegê-lo, e começou a tirar de Cuba o dinheiro de Hammerstein, empregando-o em imóveis e coisas semelhantes em nome de testas de ferro. Só comprava o que havia de melhor, mas por altos preços. Hammerstein podia dar-se a esse luxo. Quando o dinheiro não resolvia, empregava a força — sequestrava uma criança, queimava alguns acres de lavoura, qualquer coisa que fizesse o proprietário ser razoável. Bem, esse Hammerstein ouviu falar na propriedade dos Havelocks, uma das melhores da Jamaica, e disse a Gonzales que a conseguisse. Acho que suas ordens eram no sentido de matar os Havelocks se não quisessem vender e depois exercer pressão sobre a filha. Pois há uma filha. Deve estar agora com vinte e cinco anos. Eu nunca a vi. De qualquer maneira, foi isso o que aconteceu. Mataram os Havelocks. Depois, há duas semanas, Batista despediu Hammerstein. Talvez tenha ouvido falar nesses trabalhos. Não sei. Mas, seja como fôr, Hammerstein deu o fora e levou consigo seu grupinho de três homens. Devo dizer, que fez as coisas no momento certo. Parece que Castro talvez entre neste inverno, se continuar mantendo a pressão.

Bond perguntou em voz baixa:

— Para onde foram?

— Estados Unidos. Bem no norte de Vermont. Quase na fronteira do Canadá. Homens dessa espécie gostam de ficar perto de fronteiras. Um lugar chamado Lago do Eco. É uma espécie de fazenda de milionário que ele arrendou. Pelas fotografias, parece bonita. Incrustada entre montanhas com esse pequeno lago dentro. Sem dúvida escolheu um lugar onde não será incomodado por visitantes.

— Como conseguiu isso, Senhor?

— Mandei um relatório sobre todo o caso a Edgar Hoover. ele conhecia o homem. Eu tinha um palpite nesse sentido. Havia tido muito trabalho com esse contrabando de armas entre Miami e Castro. E está interessado em Havana desde quando o dinheiro grosso do gangsterismo americano começou a ir para lá com os cassinos. Disse que Hammerstein e seu grupo entraram nos Estados Unidos com vistos de visitantes válidos por seis meses. Foi muito atencioso. Queria saber se eu tinha elementos para processar os homens. Perguntou se eu queria que os extraditassem para serem julgados na Jamaica. Conversei aqui com o procurador-geral e ele me disse que não havia esperança, a menos que conseguíssemos as testemunhas de Havana. Não há a menor possibilidade disso. Foi só através do serviço secreto de Castro que chegamos a saber o que sabemos. Oficialmente, os cubanos não levantarão um dedo. Em seguida, Hoover se ofereceu para conseguir a revogação dos vistos e fazê-los andar de novo. Agradeci-lhe e disse que não. Deixamos as coisas nesse pé.

M ficou em silêncio um momento. Seu cachimbo se apagara e ele tornou a acendê-lo. Depois, prosseguiu:

— Decidi ter uma conversa com nossos amigos da Polícia Montada. Falei com o Comissário pelo teletipo. ele nunca me falhou. fez com que um de seus aviões perdesse o rumo, atravessasse a fronteira e fizesse completo levantamento aéreo desse lugar chamado Lago do Eco. Disseme que daria toda cooperação que eu desejasse. E agora — concluiu M, tornando a virar vagarosamente sua cadeira de frente para a mesa — tenho de decidir o que será feito em seguida.

 

 

                                         CONTINUA