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Fronteira escocesa, 1357.
—Assegure--se que ele beba o vinho antes que tire suas roupas.
A instrução era simplesmente a última de uma longa ladainha de advertências que Reyna ouviu enquanto silenciosamente andava pelo túnel cavernoso.
Ela apertou a mão da mulher maternal que a acompanhava.
—Cuidarei de fazer isto como planejamos, Alice. Eles parecem um grupo bastante destemido, e este assédio deve ser muito aborrecido. Ele deveria estar contente com esta diversão.
—Há uma só diversão que a maioria dos homens está interessada, criatura. Esse é o perigo, não é verdade?
—Não se preocupe com isso.
A escuridão total no túnel assustou Reyna, então ela se moveu depressa, uma mão segurava com firmeza a de Alice e a outra estava sobre a parede.
Sons ressonaram pela pedra sob a sua palma. Os invasores tinham começado a cavar seu próprio túnel não longe deste, onde ela estava. Ao longo dos meses, ela tinha vindo a essa saída escondida, com uma tocha nas mãos, e escutava os ruídos, julgando seu progresso. Ela não se preocupou em princípio, porque certamente a ajuda chegaria antes que eles completassem seu trabalho. Não era grande o exército que cercava a torre, e uma força pequena de qualquer lugar, mesmo que fosse de Harclow ou Clivedale, poderiam facilmente conseguir interceptar o assalto à Fortaleza. Mas nenhuma ajuda chegou, e agora os homens do exército estavam a dias de alcançar o muro circundante. Até mais inquietante tinha sido a segunda escavação que progredia no lado sul da fortaleza.
Elas alcançaram uma curva fechada à direita. Um feixe de luz chegava pela entrada estreita escavada detrás de uma formação rochosa. Um arbusto denso mais adiante escondia a entrada de ser visivel, e só alguém que examinasse cuidadosamente todo o terreno teria a oportunidade de encontrá-la. Esse exército não tinha explorado tão longe por esse terreno, e Reyna sorriu ante a ironia de todos os homens escavando quando essa entrada só estava a metros de distância.
—Saberá pela manhã se tiver tido êxito, Alice. Observe da torre e alerte a Sir Thomas e Reginald. Reyna tomou a cesta que Alice carregava, tentando soar valente e tranqüila.
—Eu irei primeiro até minha mãe, e logo depois a Edimburgh. Informarei quando estiver segura lá, e você poderá se reunir a mim.
Alice a abraçou.
—É um plano valente, mas precipitado o que tem, criatura. Sir Robert não o teria aprovado se estivesse vivo.
—Se Robert estivesse vivo, eu não teria que fazer isto. A mulher mais velha sacudiu a cabeça com resignação.
—Deus te acompanhe, então.
Reyna forçou a entrada e permaneceu dentro do matagal escuro. Cinqüenta metros mais adiante estavam os acampamentos que cercavam a torre. Não era um grande exército, mas era suficientemente grande para assegurar-se que ninguém saísse e nenhuma provisão chegasse. Não tinha havido nenhuma tomada por assalto, nenhum muro tinha sido escalado, nenhuma máquina de guerra tinha lançado fogo e pedras. Nem sequer tinha havido negociações. Só dois meses de cerco inexorável.
Homens movendo-se pelo acampamento, seus movimentos lentos e preguiçosos pelo calor do verão. Eles não usavam muitas roupas, e seus corpos se bronzearam com o sol. Uns poucos tinham adotado os refrescantes kilts escoceses. Mas estes homens não eram escoceses. Eram ingleses, ela pensou com desgosto, e essa noção renovou sua resolução.
Os ingleses tinham sido monstros desde sua infância e inimigos desde sua adolescência. Seu rei escocês podia ter aceito a derrota à mãos do rei Edward da Inglaterra dez anos atrás, mas nenhum escocês, especialmente aqueles nas fronteiras da Cumbria e Northumberland, submeteram-se prontamente à autoridade que os ingleses reivindicavam.
Ela sabia tudo sobre soldados ingleses, e o que aconteceria se seus homens tivessem êxito em romper os muros. As descrições das atrocidades inglesas tinham sido repetidas por gerações. Ela se forçou a visualizar as pessoas que conhecia sendo assassinadas e torturadas, e procurou força naquelas imagens horríveis. Não estava em sua natureza fazer o que ela estava planejando agora, mas não via nenhuma alternativa.
Esperava que Deus a ajudasse, e logo a perdoasse.
Ela saiu apressadamente do matagal e caminhou em um ângulo até que pareceria que ela chegava de um dos caminhos do norte. Os homens a examinaram, avaliando o significado de seu cabelo solto e seu vestido de seda.
Ela seguiu caminhando, circulando pelo lado oeste do acampamento e para a grande tenda ao centro. Quando esta apareceu diante de seus olhos, ela diminuiu a velocidade. Uma vez que ela entrasse, não haveria como voltar atrás.
Um assobio lascivo chamou sua atenção. Dois cavalheiros sorriram entre si e começaram a caminhar em direção a ela, fazendo sons obscenos com suas bocas, provocando-a. Sua pele se arrepiou, e ela correu os últimos poucos metros para a grande tenda com estandartes verdes e brancos.
Um escudeiro estava sentado perto da entrada limpando armas. Ele olhou para cima, surpreso, quando passou rapidamente ao lado dele, e correu o tecido que fazia de porta. Ela rezou para que o homem que procurava estivesse dentro, e que esses outros não a seguissem. Porque então, por tudo o que ela sabia, ele poderia simplesmente dar com os ombros e deixar que os soldados a levassem.
O tecido branco da tenda criava uma luz difusa e suave, e levou um momento para adaptar seus olhos. Ela procurou pela cama, a mesa e o baú que havia na tenda. Uma armadura polida brilhava no chão a alguns passos dela.
Não se ouvia um único som.
E então uma sombra se moveu. A de um homem levantando do tamborete onde ele tinha estado sentado com suas costas apoiadas contra o poste central da tenda.
—O que está fazendo aqui?— ele bruscamente perguntou. Ela só o olhou fixamente.
Ela observou esse homem tão alto como uma torre. Ele era mais alto que a maioria dos homens. Mas ela era mais baixa que a maioria das mulheres, e a diferença marcante em seus tamanhos de repente a fez estar intensamente consciente de sua vulnerabilidade.
O que ela não tinha podido ver, olhando a partir da torre, era como ele era bonito. As grossas sombrancelhas suavizavam suas feições e lhe davam um marco escuro, contrastando com seus olhos que pareciam com um céu claro, cheio de luz. Ossos agudos e definidos em suas bochechas e sua mandíbula. Uma larga e ligeiramente cheia boca compelia sua atenção. O cabelo escuro caindo até seus ombros, sustentado por um tecido atado ao redor de sua fronte.
Ele só vestia um par de calças camponesas soltas, cortado em cima dos joelhos. Essas pernas estavam bem formadas, todos os músculos alargados e avultados. A mesma magreza atlética formava seus ombros largos e seu tórax esculpido. Com seu primitivo modo de vestir, lhe fez recordar dos antigos guerreiros sobre os quais ela tinha lido nos livros de Robert. Ele era o inimigo, mas igualmente a respiração dela ficou entrecortada.
Magnífico. Assustador.
Era uma desgraça que ela tivesse que matá-lo.
Ele caminhou em direção a ela. Deu a seu vestido, a seu cabelo e a suas bochechas avermelhadas uma fria avaliação enquanto tirava a franja de sua fronte e passou uma mão por seu cabelo. Ela esperava que ele não pudera ver seu rubor, porque a mulher que interpretava esse dia nunca se sentiria desconcertada pelo exame de um homem, sem importar quão atrativo ele pudesse ser.
Sua expressão se iluminou, e ele levantou uma sobrancelha especulativamente. Ele deduziu a única coisa que ele precisava saber.
Sorriu. Meu Deus, que sorriso! Lábios retos, curvados apenas nos extremos. Absolutamente encantadores, sutilmente sugestivos, vagamente irônicos. Formavam umas atrativas e pequenas rugas a um e outro lado de sua boca. Transformando o bonito rosto, antes distante e indecifrável, em um sensual e amigável semblante.
Mas ela viu algo mais quando ele a olhou. Ela viu na posição confiante de seu corpo, no reflexo em seus olhos e até no sorriso propriamente dito: Vaidade. Arrogância. Orgulho. Uma inabalável confiança em si mesmo. Ela notou que ele era consciente do efeito que seu rosto seu corpo causavam. Em todas as mulheres.
Ela tinha conhecido esse tipo de homens antes. A casa de seu pai tinha estado cheia deles.
Talvez, afinal, não lhe importasse tanto matá-lo.
—O que está fazendo aqui?— ele repetiu.
Ela recuperou sua compostura.
—Fui chamada pela cidade de Bewton. A cidade enviou alguém a Glasgow para me contratar. A gente da cidade queria estar segura que seu presente ia agradar te, Sir Morvan .
—Presente? Está dizendo que a cidade contratou uma prostituta ...
—Sou Melissa, uma cortesã,— ela disse naturalmente. —Asseguro-te que não sou uma prostituta. É por isso que estou aqui. A cidade não confiava em suas mulheres para esta tarefa.
—E qual é o propósito deste presente?
—Eles esperam que se está agradado não atacará à cidade com seu exército.
—E você veio para me persuadir disso ?— ele caminhou ao redor dela, examinando-a como um animal posto à venda. Ela esperava que ele bocejasse e lhe anunciasse que ela não serviria para esse propósito.
—Um cavalheiro que dê essa ordem a seus homens teria que estar muito agradado, por certo. E qual é o propósito de conquistar se não haver nenhum butim*, nenhum lucro?
—A cidade pagará seu tributo. Haverá perdas sem dúvida. Mas é a selvageria, o saque e as violações, os estupros o que eles desejam evitar.
Ele estendeu sua mão e acariciou seu cabelo, levantando uma mecha, deixando que seu olhar e seus dedos percorressem sua considerável extensão
—Qual era mesmo seu nome?
—Melissa. Não pode ter ouvido falar de mim, mas eu fui treinado pela famosa Dionysia.
—Não parece com uma cortesã para mim, Melissa. Eu sempre assumi que elas eram mulheres voluptuosas. Parece muito magra para essa ocupação. Seu cabelo é adorável, de uma cor não muito freqüente. Muito clara, como a luz da lua—, ele ainda sujeitava a ponta da longa mecha de cabelo, e ele a deixou escorrer entre seus dedos como uma cinta de seda.
—O que você chama magro, importantes Lordes o consideram miúdo e delicado, Sir Morvan. Além disso, as habilidades de uma cortesã fazem tais detalhes insignificantes. Por outro lado, é claro que é muito simples em suas preferências. Retornarei e direi aos anciões da cidade que escolheram mau.
* butim: Segundo o Houaiss, é o conjunto de bens materiais e de escravos, ou prisioneiros, que se toma ao inimigo no curso de um ataque, de uma batalha, de uma guerra. Pode ser o produto de roubo ou de pilhagem. No uso formal é o produto de caça ou pesca, e, informal, é o proveito, lucro. Como espólio de guerra, era divido de acordo com a eficiência de cada um nos campos de batalha
—Não. É uma brilhante estratégia. Só há um problema com isto, e não é seu tamanho—. Ele ainda tocava seu cabelo. —Eu não sou Sir Morvan.
—Mas esta é a tenda maior, está no centro do acampamento. Fui informada que este exército pertence a Morvan Fitzwaryn.
—É assim, mas eu mando aqui. Morvan está ocupado em outro lugar. A parte principal do exército está em Harclow.
Não era surpreendente então que nenhuma ajuda alguma vez viesse. Todos na torre assumiam que Morvan primeiro tinha sitiado esta fortaleça para ganhar uma posição segura antes de tentar tomar a formidável Harclow, mas o homem tinha atacado ambos os lugares ao mesmo tempo. E Clivedale, também? Quão grande era esse exército?
Ela rapidamente fez cálculos. Se este homem estava no comando aqui, o plano deveria funcionar tão bem com ele ou com seu Lorde no comando.
—Se não é Morvan Fitzwaryn, quem é?
—Ian de Guilford.
—E você verdadeiramente é quem manda aqui?
—Sim. O destino desta torre e a cidade perto daqui estão em minhas mãos. Se a cidade te mandou para negociar, tem o nome equivocado, mas o homem correto. Seu presente estava planejado para mim.
Ele a observou de um modo óbvio o que a desestabilizou completamente. Seu olhar continha as conseqüências do fracasso no que ela cuidadosamente tinha evitado pensar.
Sua coragem desapareceu em um segundo.
—É uma desgraça, então, que não me ache a seu gosto. Irei agora.
—Insisto em que fique. Perderá seu dinheiro caso contrário, e viajaste desde muito longe. Foi rude de minha parte criticar um presente. Além disso, se foi treinada pela Famosa Dionysia, duvido que fique decepcionado.
Ele caminhou para ainda mais perto, e seu tamanho e masculinidade dominante se lhe impuseram.
Ela procurou arrumar uma desculpa para partir.
—Estes homens parecem ser mercenários. Eles lhe obedecem? Sem dúvida eles esperam ser pagos com um butim.
—Eles são mercenários, mas eles são meus mercenários, e me obedecerão. Morvan Fitzwaryn paga com prata, não com promessas de saques. Eles provavelmente esperam algo mais, mas isso não é parte do acordo.
—E se algo acontece com você?
—Não me tinha dado conta de que a gente da cidade tinha enviado um advogado além de uma cortesã. Seus favores exigem um contrato com a cobertura de todas as eventualidades?
Suas palavras e seu olhar lhe recordaram quem se supunha que era ela, e por que estava aqui. Pensou no perigo para os inocentes na torre se a fortaleza fosse invadida, e da morte horrível que a aguardava se não o fizesse. Seu plano era o único caminho para resolver ambos os problemas.
—Vamos despir-nos, Melissa, de maneira que possa me mostrar essa grande arte que aprendeste.— Ele friamente observou a cama. —Dificilmente adequada para uma cortesã. Preferiria algumas peles no chão? Haveria, mais espaço, então.
Ele caminhou com passos largos para o outro lado da tenda e dispôs várias peles grandes.
—Sim, isso será melhor.
Ian começou a desatar os cordões de suas calças.
—Ponha-se de quatro para a primeira vez.
Ela observou com horror o desenrolar muito rápido dos eventos.
—Sir Ian, parece-me que não entende. Como te disse, eu não sou uma prostituta. Sou uma cortesã. Nós fazemos as coisas diferentes.
—Realmente? Eu gosto de fazê-lo em todas as posições. Mas sempre estou ansioso por aprender algo novo.
OH!, Sim, matar este homem arrogante não seria nada difícil.
—Não é o que quis dizer. As cortesãs não se acoplam como bestas. Nós criamos todo um novo ambiente e uma experiência distinta. Há muita preparação e relaxação prévia.
Suas mãos deixaram os cordões.
—Terá que me instruir, então. Eu sou somente um simples cavalheiro. Estou acostumado às prostitutas que fazem o que o homem lhes solicita. Vejo que o caso das cortesãs é justamente o contrário.
—Conseguirá tudo o que desejas, e, mais. Eu fui treinada em muito mais artes além dessa. Música, conversação... Certamente depois de estar vivendo pouco melhor que um animal nestas tendas, uma noite de fineza e elegância te resultaria interessante. Isso é, deixe-me mostrar-te. Ela marchou para as peles, tomou algumas bolsas de couro, e as usou para criar uma espécie de travesseiro.
—Agora, descansa. Assim. Isto não é melhor?
Ian se estirou nas peles, sua cabeça e ombros apoiados contra as bolsas.
Ela se ajoelhou a seu lado e levantou o tecido que cobria a cesta. Ela tomou o bolo de carne e uma taça de vinho, e logo serviu um bom vinho do Bordeaux. Ela ofereceu a taça.
Ele a sorveu e a observou.
—Você não tomará?
—Não. Faz-me menos qualificada para minha tarefa. E nós não gostariamos disso, verdade?
Ian mordiscou uma porção de bolo de carne e levantou suas sobrancelhas apreciativamente.
—Se for melhor que as prostitutas do acampamento, isso está por ver-se, mas sua comida definitivamente é melhor que a do acampamento.
Ela sorriu agradada, e quase se lançou a lhe dar uma explicação das ervas que ela tinha usado, mas se conteve.
—Você gostaria que tocasse a flauta para você enquanto come?
—Absolutamente sim. Esta é uma experiência estranha para um Lord pobre como eu. Não quero perder nada—. Ele se apoiou sobre um cotovelo. Ela tentou não observar a taça movendo-se para seus lábios. Mais. Um gole, mais.
Ela começou a tocar uma melodia suave com o instrumento. Enquanto ela tocava pensou nos próximos minutos, e no que ela teria que fazer. Rezou para encontrar a coragem para completar sua missão. O êxito do plano impediria a invasão por uns poucos
dias pelo menos até que Morvan Fitzwaryn descobrisse o que estava acontecendo e enviasse mais homens. Nesse tempo, os outros poderiam ir ao norte a Clivedale.
De lado, viu Ian apoiar a taça de vinho. Estava vazia.
Ela suspirou com alívio e pulou uma nota. Pulou outra quando dois dedos tocaram seu braço e se moveram perigosamente pela extensão de seu ombro.
Houve movimento detrás dela. As mãos empurrando seu cabelo fora do um ombro. Um rosto aninhando-se em seu pescoço e a respiração quente em sua pele. Um beijo em seu ombro e dentes mordiscando sua orelha.
Ela olhou fixamente o tecido branco, intimidada porque os cuidados do estranho a estavam desestabilizando, fazendo-a ofegar. A melodia se dissolveu em um desastre de notas mau tocadas.
Ela baixou a flauta e o olhou ceticamente. Seu rosto estava a centímetros do dele, olhos ardentes e uma boca sensual. Ela olhou freneticamente a taça de vinho vazia. Durma. Desgraçadamente, Sir Ian não parecia sonolento.
—Isto é adorável,— ele disse brandamente, beijando seu pescoço novamente. —As pequenas pausas dão a melodia um toque sensual. Ele girou de maneira que seu torso ficou em frente ao dela. —É adorável,— ele murmurou.
Ele a beijou quase languidamente. Era mais o beijo de um amante que de um cliente ansioso, e o beijo se aprofundou lentamente, despertando algo dentro dela que não podia controlar, algo que a punha em expectativa depois de uma longa abstinência. Uma antecipação deliciosa despertou e se estendeu por seu corpo de um modo escandaloso. Reyna devia afastar-se dele, mas a cortesã Melissa certamente não queria e então ela o sentiu dolorosamente consciente de que ela não estava sofrendo o tanto que devia sofrer.
Ela tentou reprimir sua ultrajante resposta, e sua mente silenciosamente ordenou-lhe que dormisse. Maldição durma.
Ian se separou dela, sua expressão era indescritível. Calor. Desejo. A tácita promessa de prazer. Ele se apoiou sobre um braço e seu torso nu a sobrevoou, quase tocando seu ombro. Esse proibido sentir dentro dela deu uma resposta contra sua vontade. Ela não podia tirar os olhos de seu incrível rosto.
Ela não se podia mover.
—Não te envergonhe,— ele disse. —Certamente divertir-se é permitido em alguma ocasião.— ele olhou para baixo e passou seus dedos pelo decote de seu vestido onde aparecia o alto de seus peitos. Ele se inclinou para frente e beijou a pele exposta pelo decote. A excitação, mais estranha percorreu todo seu corpo. Ela observou, hipnotizada, como essa mão baixava o tecido de seu ombro.
—Assegure-te que ele beba o vinho antes que te tire as roupas.
Ela recuperou seus sentidos. Ela se afastou e forçou uma risada. Tentou parecer uma cortesã perita determinada a realizar o jogo a seu modo.
—Terminou seu vinho,— ela disse, agarrando a taça. —Deixe-me servir-te um pouco, mais. Muito mais.
Ian lhe deu um olhar que dizia que ele faria tudo a sua maneira durante algum tempo, mas não por muito, mais. Ele retrocedeu para o travesseiro e se estirou. Ela girou a tempo de ver a taça em seus lábios.
Ele se forçou a controlar o sangue perturbado em suas veias.
—Agora conversaremos,— ela disse firmemente. —Termina seu vinho e me conte como chegou aqui.
—Eu devo conversar? Você é quem foi treinada na arte da conversação.
—Fui treinada para escutar. Os homens desfrutam conversar sobre eles mesmos, e nós escutamos.
—Eu não gosto de falar sobre mim mesmo. Você deverá conversar.
—Eu? Sobre que tema?
—Pode conversar sobre mim. Pode me dizer quão bonito sou e quanto admira meu rosto e meu corpo. As mulheres sempre fazem isso.
—Realmente?— Que conveniente era que lhe recordasse sua vaidade, justamente quando ela necessitava de uma ajuda para sentir repugnância por esse homem. Se esse vaidoso garanhão esperava que ela suspirasse por sua beleza, estava tão equivocado… Ela suspirou pelo inútil de seu rancor. O vinho deveria estar causando, mais efeito agora. Deus sabia que ele tinha bebido o suficiente.
Ela fez uma careta e girou para ele. Seus olhos pareciam fechados.
Ele tomou sua mão e a apoiou sobre seu peito. Empurrou-a um pouco para ele, e ela notou que suas pálpebras estavam abertas em uma raia fina e que ele a observava. Não, não lhe importaria matá-lo depois dessa humilhação.
Ela forçou um sorriso em seu rosto e começou a percorrer as linhas de seus ombros e os músculos de seu peito. Sua mente lutando por encontrar frases apropriadas.
—Certamente é um homem muito atraente. Tem olhos muito bonitos e um sorriso encantador. E seu corpo é forte e magro.
Santos do céu, as cortesãs e as prostitutas definitivamente mereciam cada centavo que ganhavam. Durma, idiota presunçoso.
—Não é gordo e peludo como muitos dos homens.
—E a você o que você gosta, mais?— sua voz soava sonolenta e lenta.
—OH… bem, esses ocos na linha do pescoço são muito atraentes….
A mão dele languidamente tocou a extensão de seu cabelo. Ele a empurrou brandamente, guiando sua cabeça.
—Então beije-os. E o resto de meu corpo. O maior talento de uma cortesã não é sua boca?
Ela se achava a centímetros de seu rosto e desses olhos que a olhavam debaixo de suas pálpebras semi fechadas. Os peitos dela roçaram o tórax dele, passeando um pouco por ele, e seu ridículo e traiçoeiro corpo se excitou. Apertando os dentes, ela curvou seu pescoço e apertou seus lábios sobre o oco de sua clavícula.
Pele. Calor. Esse intoxicante aroma. Uma mão gentil mais firme guiou sua cabeça mas abaixo, para seu peito.
Durma, maldição. Ela beijou seu peito e tentou tirar a atenção da atemorizante intimidade que essa ação evocava. Ele era o inimigo, um estranho, e ela o odiava, mas algo dentro dela ignorava isto.
Ele a guiou mais abaixo, para seu estomago…
De repente, a mão sobre sua cabeça se relaxou. Ela conteve a respiração, e esperou o silêncio absoluto que lhe disse que ele havia adormecido.
Cautelosamente, ela escapou de seu corpo. Seu braço caiu flacidamente para seu lado. Ela a tomou e a esvaziou do resto dos bolos. Correu o pano no fundo que tampava o duplo fundo da cesta, e olhou fixamente a adaga ali escondida. Pela Alice e as outras mulheres. Sim, inclusive por Margery. Por Reginald, e até por Thomas.
Ela levantou a adaga. Olhou com pesar o homem atraente exposto como uma vítima drogada preparada para o sacrifício.
Ele, de repente, pareceu impotente, dormindo como uma criança, e ela o imaginou como tal, inocente e cândido. Seu coração entrou em rebelião com esse curso ela fixou para si mesma.
Levantou o punhal, apertando-o com ambas as mãos, a pontaria letal apontada para seu coração. Seus braços se agitaram, seu corpo tremeu, a faca oscilou no ar.
Ela tentou novamente reunir a coragem extraindo-o do temor pelas vidas seus amigos. Quando isso não funcionou, ela recorreu a seu medo por si mesma. As olhadas desconfiadas e as acusações. A carta do bispo. Os livros sobre ervas e as poções.
Ela deixou de ver a adaga, mas de repente este apareceu diante dela, muito real, muito afiado. Ela olhou os nódulos de seus dedos apertados em torno do cabo da adaga, à ponta e para o tórax masculino. Finalmente, ela observou o agradável rosto.
Ele a olhou em resposta. Os olhos escuro brilharam perigosamente debaixo das pestanas densas.
O pânico a invadiu. Sabendo que nesse momento era matar ou ser morta , ela se ajoelhou e baixou a adaga.
Uns braços fortes voaram, e uns dedos de ferro agarraram seus punhos. Ele a empurrou para um lado e ela caiu. Pela resistência que seguiu, o fio do punhal cortou, fazendo uma linha vermelha na parte superior de seu braço.
Ela fora apanhada. A fúria endureceu o rosto sobre o dela.
—Realmente pensou que eu faria o papel do Holofernes para sua Judite?— Ele disse entre dentes. —Esse era o plano, não é verdade? Como na história da Bíblia. Você mata o general e o exército sem guia se dissolve em confusão.
—Apócrifo,— ela absurdamente o corrigiu, sua voz soando muito longínqua. —Não é da Bíblia tradicional. É de um evangelho apócrifo.
—Não importa se Deus contou essa historia a Moisés em pessoa, puta—. Ele agarrou uma mecha de seu cabelo e a fez ficar de joelhos. Ele a arrastou até o poste central da tenda e a amarrou a ele com seus braços estirados sobre sua cabeça.
Ian foi para as peles. Ela estava segura que ele procuraria a adaga e lhe cortaria a garganta. Seu coração pulsou pesadamente em seu peito.
Ele voltou com o odre de vinho e o empurou contra seus lábios.
—Beba,— ele ordenou .
Capítulo 2
Ela gemeu e se moveu. Ian a examinou do tamborete onde estava sentado comendo um dos bolos de carne. Ela jazia estirada na cama, braços e pernas abertas amarradas nas quinas do leito. Ele havia considerado tirar as suas roupas, mas tinha decidido que poderia estar excedendo-se com isso. Ele a queria assustada e vulnerável, não paralisada de terror.
Na luta corporal seu vestido se rasgou, quase expondo um pequeno, e bonito seio. A saia se enroscou mostrando suas pernas bem formadas. Ela tinha um corpo muito belo, embora um pouco magro. Miúda e com curvas delicada como tinha sido Elizabeth, só que mais jovem. Quando ele a viu pela primeira vez de pé na luz tênue, formidável e determinada, com o cabelo claro comprido até seus quadris, tinha pensado por um momento que ela era Elizabeth. Porém o rosto, embora muito bonito, não tinha nada da perfeição da Elizabeth, e muito mais calor em sua expressão. E o cabelo não era loiro quase branco como o de Elizabeth, e sim um loiro com reflexos prateados e sua pele possuía um saudável tom rosado enquanto que Elizabeth tinha um tom branco como a neve. Esta mulher parecia o primeiro raio de sol ao amanhecer.
Teria vinte e poucos anos, ele deduziu. É adorável e valente. Que pena que tivesse que destruí-la.
Seu escudeiro John entrou na tenda, trazendo um prato com guisado. O adolescente se tinha demorado em lhe entregar o jantar, trazendo uma coisa de cada vez para ter uma desculpa de observar a mulher. Seus olhos ávidos esquadrinharam as pernas nuas.
Era melhor esclarecer as coisas agora.
—Mantenha suas calças atadas, moço. Ela não é para você.
John se ruborizou e apoiou o guisado. Ian fez uma careta diante daquela massa sem sabor.
Felizmente, ele se tinha enchido com as deliciosas tortas de carne de Melissa. Erguendo a última, ele a deu para seu escudeiro enquanto ele partia.
—Um consolo. O prazer que provê qualquer mulher é muito semelhante. Não se pode dizer o mesmo em relação à comida.
Ela se moveu novamente. Suas pálpebras lentamente se abriram. Seu estado de alerta aumentou quando ela compreendeu sua posição. Ela atirou suas ataduras, e o movimento a fez gemer novamente.
—Como é isto?— ele perguntou. —Nunca ouvi falar de uma porção para dormir que não faça doer a cabeça mais tarde.
O olhar dela se deslizou para onde ele estava sentado Por um momento, antes de recompor-se, o pânico a dominou.
Bem.
—Teve sorte que não tenha sido seu veneno,— ele adicionou.
—Não tinha uma receita para veneno.
Ele resistiu ao desejo de rir. Que moça adorável.
—Muito mau.
Ela conseguiu encolher levemente seus ombros.
—Desde que é óbvio que nunca bebeu o veneno, não importa—. Ela olhou seu corpo vulnerável novamente. —O que vai fazer comigo?
Ela tentou soar valente e fria. Ele se sentia um pouco arrependido.
—Estive considerando isso nestas últimas horas. Estava determinado a te enforcar quando acordasse.
—Me enforcar!
—Sim. Por assassinato.
—Mas não fiz ...
—Tentou.
—Não o fiz finalmente. Perdi a coragem.
—Eu tenho um corte no meu braço que você causou .
—Só porque você me atacou. Se estivesse dormindo como se supunha...
—Eu estaria morto agora. Não se faça de inocente comigo, Melissa. Seu plano era ousado e valente, respeito-lhe por isso. Mas falhou, isso faz com que você me pertença para exterminá-la. Considerei o enforcamento, mas meu escudeiro me convenceu que seria um desperdício. Então inventei um plano para sua rendição.
Ian caminhou e se sentou a seu lado na cama.
—Como você assinalou, este foi um longo e caloroso cerco. Há muitos homens aborrecidos aqui, e as prostitutas do acampamento… bem, não são o mesmo que uma cortesã.
Os olhos de Reyna se esbugalharam.
—Está dizendo que me entregaria a seu exército? Que você espera que eu...
—Não a todo o exército. Só aos cavalheiros.
—Isto é repugnante.
—Então há o enforcamento.
Sua expressão se endureceu com fúria. Ele esperava lágrimas. Ela tinha espírito, ele tinha que reconhecer isso.
—Não posso acreditar que seu Lorde, Sir Morvan, aprovaria o que está planejando. Se diz que é um homem honrado.
—Ele não se importará. Logo, eu terei tomado esta torre para ele e a metade deste exército poderá unir-se a ele em Harclow. Isso é tudo o que lhe importará. Além disso, eu lhe salvei a vida uma vez, então ele está em dívida para comigo.
Sua mandíbula se apertou com um controle vacilante e seus olhos brilharam antes de fechar suas pálpebras.
—Prefiro ser enforcada. Há pelo menos vinte cavalheiros aqui. Eles provavelmente me matarão de qualquer maneira.
—Não se eles ficarem satisfeitos. De algum modo, estará cumprindo sua missão. Amanhã ao amanhecer faremos chegar um dos túneis. Por volta do meio-dia, espero que a torre tenha cansado ou se rendido. Seus favores recompensarão meus cavalheiros, e talvez acalmará sua irritação porque não poderão saquear o que conquistaram.
Ela encontrou o olhar dele.
—Alcançarás com o túnel ao amanhecer?
—Isso espero. Estamos cavando dois. O do sul alcançou o muro.
Seu olhar se moveu para a pele úmida de seu rosto e seus ombros e o inchaço exposto de seus seios. Já não era uma garota, embora nunca tivesse gostado das muito jovens. O desejo de lamber sua palidez úmida e o conhecimento de que ela não poderia evitar que fizesse isso, enrigeceu seu corpo. Melissa, a cortesã tinha tido razão em uma coisa.
Ele estava cansado da vida no acampamento, e ansiava fazer amor com um pouco de finesse. Ele tinha ficado muito tentado a continuar o jogo dela até o final, mas tinha perdido a coragem de usá-la do modo que planejava agora.
Não pôde conter-se. Ele estirou a mão e acariciou sua bochecha. Suave. Morna. Ele se inclinou para frente e a roçou com seus lábios.
—Para uma cortesã, esse deveria ser um castigo fácil de agüentar. De modo que eu vejo isto, só há um problema—, ele sorriu. —Você, Melissa, não é cortesã.
—Claro que sou.
—Não é. Conheci virgens que beijam com mais habilidade que você. Quem é? É da cidade?
Ela sacudiu a cabeça .
—Então é uma jovem casada que decidiu ser uma heroína para sua gente. Muito valente e muito impressionante. Seu marido sabe que está tentando este plano louco?
— Sou viúva.
—Ah. Então, seu marido não te ensinou muito, não é verdade? E esse é o problema. Meu escudeiro espalhou a notícia de que tenho uma cortesã aqui. Alguns destes cavalheiros poderiam pensar que os está insultando, ou que está reservando o melhor de você para outros. Eles poderiam ficar bravos. Eu poderia lhes explicar o engano, porém eles podem pensar que eu estou mentindo e que é para mim que você reserva seu corpo.
Ele se moveu e olhou seu corpo meio exposto. Ela o olhou apreensivamente.
—Bem, já que a meta é te manter viva, não há outra solução que tomá-la primeiro—, ele disse. —Eu te ensinarei, e talvez poderá enganar a eles.
—Não há necessidade. Eu assumirei o risco.
—Não acredito.
Ele deslizou sua mão por seu corpo.
Ela não era imune ao contato, mas ele já tinha descoberto isso quando a tinha beijado. Ela possuía necessidades que não controlava, e ela temia que ele as pudesse despertar. Se ela era o tipo de mulher que ele pensava, isso era a pior coisa que ele poderia lhe fazer. Pior que os vinte cavalheiros com os que a tinha ameaçado.
Um tremor a percorreu e ele o sentiu, ele apertou os dentes.
A tentação de mantê-la com ele e esperar que passasse o verão com ela nessa cama e nessas peles quase ganhou.
Ian se afastou.
—Devo sair agora. O trabalho no túnel me solicita. Mas o terminaremos antes do amanhecer. Como tenho o comando aqui, posso me permitir uma celebração antecipada.
Ele ficou de pé.
—É uma pena ter que te compartilhar com os outros, Melissa, mas eles sabem que está aqui e seria pouco inteligente não fazê-lo. Além disso, serás minha antes e depois, de qualquer maneira.
—Depois! Deveria me deixar partir depois.
—Eventualmente, sim. Quando já não tiver mais uso para seu corpo.
Quando ele girou para ir-se, seu corpo desmoronou com desanimo, esse último detalhe finalmente a acabou.
Ian esperava com John e cinco homens mais perto da base da colina baixa em que se erguia a torre. Os acampamentos estavam quietos, todos seus ocupantes cuidadosamente posicionados para ter um rápido acesso ao portão de entrada. Em cima dele, a Fortaleza Black Lyne se levantava como uma couraça impenetrável de pedra cercada por uma fila de ameias grossas.
As fogueiras do acampamento ardiam baixas, emitindo escassa luz. Sua cativa não deveria estar surpreendida pelo silêncio e a falta de gente. Ela imaginaria que todos trabalhavam no túnel essa noite.
Tinha sido fácil enganá-la com sutilezas. De algum modo, uma mulher inteligente era a mais simples para enganar. A menos, claro, que ela enganasse a você primeiro. Isso tinha acontecido uma vez em sua vida com resultados catastróficos, e ele jurou que nunca aconteceria novamente.
—Está seguro?— o arqueiro Gregory sussurrou. Ele era homem de Morvan, maciço e grisalho, tinha sido enviado para permanecer durante o verão em companhia de Ian para vigiar as coisas.
—Estou seguro,— Ian disse. —Ela sabe muito. Ela contou os cavalheiros. Ela finge não saber que Morvan está em Harclow, nem que negociamos com a cidade um mês atrás. Além disso, ela é uma dama, não uma cortesã ou a viúva de um comerciante, e pode ter vindo de um só lugar.
E se ela partisse, poderia voltar ali.
Não sentia impaciência. Até depois que ela se desse conta que a corda que atava uma mão não estava bem presa levaria um tempo para livrar-se.
A única questão era se ela escolheria o curso mais sábio e tentaria escapar da situação, ou se arriscaria a voltar para advertir os outros. Ele contava que a dama que se tinha feito passar por uma cortesã para matá-lo, escolheria a última opção, a opção mais temerária.
—Se tiver razão, tudo será rápido e limpo. Morvan apreciará isso — disse Gregory.
Ian estava contando com isso. Contando com por Morvan Fitzwaryn ainda mas em dívida com ele. Apesar de certas velhas tensões entre eles, Ian respeitava Morvan e estava disposto a lutar essa guerra com suas condições peculiares, sabendo que Morvan iria recompensá-lo generosamente. O pagamento de uma boa soma pelo menos, embora Ian estava disposto a apostar mais alto. Uma vez que Morvan retomasse o controle de Harclow, uma vez que ele reclamasse as terras ancestrais arrancadas de sua posse quando era menino, lhe devolveria suas propriedades em Brittany e à sua família que lá estava. Então a fortaleza de Harclow necessitaria de um administrador para dirigi-la e protegê-la.
Ian planejava ocupar essa função. Não era o mesmo que assegurar suas próprias terras, claro. Mas muito melhor que a vida de acampamento em acampamento a que tinha estado submetido nesses últimos quatro anos.
Uma sombra se moveu perto dos acampamentos. O fogo revelou os reflexos prateados do cabelo de Melissa enquanto ela corria de tenda em tenda. Ela fez uma pausa na mais próxima à direção que levava ao caminho do norte.
Vem, pequena. Ian silenciosamente a persuadiu. Não perca sua coragem agora, nos mostre de que é feita.
Ela deu alguns passos rápidos afastando-se da colina, e ele amaldiçoou entre dentes.
Mas ela abruptamente se deteve, fez uma pausa por um momento, e logo girou decididamente e se dirigiu em direção à torre.
Ian correu atrás dela.
Capítulo 3
Reyna abriu o arbusto e encontrou a entrada posterior. Olhou fixamente o oco negro.
Não havia Alice para ajudá-la dessa vez.
Cento e cinqüenta metros de tunel subterrâneo a aguardavam. Quinhentos passos de escuridão absoluta incluindo pedras no caminho.
O velho pânico da infância tentava dominá-la, e ela o combatia desesperadamente.
Ela nunca tinha planejado voltar. Ela esperava roubar um cavalo e estar no caminho nordeste a essa altura. Pela manhã ela deveria ter estado nos braços de sua mãe, e planejando sua viagem a Edimburgh.
A entrada a saudou como uma boca aberta querendo tragá-la.
Era só escuridão. Não havia nada a temer.
Reunindo toda sua coragem, ela entrou.
Seu coração imediatamente começou um lento e horrível batimento. Correndo chegaria mais rápido, mas ela não podia forçar suas pernas a dar mais que passos vacilantes que retardavam seu progresso. Apalpando ao longo da parede, ela lutava com as velhas lembranças que a empurravam para a histeria.
Terror. Frio. Uma solidão desoladora. Garras invisíveis estirando-se para agarrá-la.
Mas, graças a Deus, outra lembrança. Uma luz cálida e um rosto amável e uma mão estendendo-se na negritude. Venha comigo, menina. Estará segura, e nunca estará assustada deste modo novamente. Ela fixou sua mente nessa imagem dessa mão e o cuidado, a segurança e o amor que oferecia. Ela caminhou um pouco mais rápido, guiada pela mão.
De repente, umas mãos fantasmagóricas a apanharam. Ela gritou e o som ressoou nas paredes de pedra e ecoou detrás dela. Reyna chutou e golpeou até que os braços fortes a sujeitaram contra um corpo alto e uma respiração morna roçou seu rosto. Enjoada ela emergiu do pesadelo e se achou rodeada pela força e o aroma de Ian de Guilford.
—Quieta, agora— Ele a acalmou do modo que se faz com um cavalo.
Por um momento ela quase desmoronou contra ele, agradecida e aliviada. Então as lembranças se enfraqueceram completamente, e ela se deu conta do que sua presença significava. Ela lutou novamente.
—Não me faça ter que te machucar, Melissa— ele disse, pondo-a de costas à entrada. Ele a sujeitou, assomar sua cabeça e assobiou.
—Bastardo. Filho da puta,— ela murmurou. —Como soube?
—A cidade chegou a um acordo comigo tempo atrás. E você é qualquer coisa menos uma cortesã.
Seus braços ainda a envolviam por trás.
—Não se sinta mau ou culpada. Este é a melhor maneira para aqueles que estão lá dentro.
Ela duvidava seriamente disso. Uma culpa horrível a enchia. Em vez de salvá-los ela tinha apressado seu sofrimento. Ela desejou ter sua adaga nesse momento. Não haveria nenhuma vacilação essa vez.
Um grupo de sombras bloqueou a luz tênue na entrada.
—Maldição—.
—Tinha razão— uma voz mais velha disse.
Ian a empurrou contra a parede de pedra, mantendo uma pressão firme em seus ombros
—Tudo terminou. Não tente nada estúpido— ele advertiu.
Ela lançou um olhar à sombra vaga de sua cabeça. Maldito fosse. Maldito fosse esse homem. Cuidadosamente, deliberadamente, ela se endireitou, lançou para trás sua cabeça, e cuspiu.
Os outros deveram havê-la ouvido, porque um silêncio total caiu sobre o pequeno grupo. Ian tomou seu rosto com força.
—Se comporte, Melissa, ou te tratarei como a prostituta que fingiu ser.
Ele se afastou.
—Cuide dela com sua espada, John. Não deixe que ela se vá daqui até que eu volte.
—Quer dizer que tenho que ficar aqui?—, a voz jovem do escudeiro reclamou.
—Faça-o. E, John, recorda o que te disse antes. Ela é minha. Você não montará meu cavalo sem minha permissão, então não tome liberdades de nenhum tipo.
John amaldiçoou e desembainhou sua espada. Os outros homens começaram a afastar-se na escuridão.
Reyna se apoiou contra a parede de pedra, enfrentando o escudeiro John. Quando os minutos passaram e ela não ofereceu nenhum desafio, ele foi invadido por uma vaga relaxação. Finalmente a ponta da espada desceu de seu peito e ele se moveu para um lado e se apoiou contra a pedra também.
Ela aguçou seus sentidos para ouvir sons da torre, mas a noite permaneceu muda. Ela imaginou Ian e os outros saindo pelo túnel, movendo-se nas sombras para o portão de entrada, abatendo os guardas um por um.
—Seu chefe parece ser um grande guerreiro.
—Ele tem experiência—, John concordou orgulhosamente— Poucos podem vencer sua habilidade com a espada, e ele é o campeão de muitas competições e torneios— Ele se lançou em uma descrição em particular de um torneio em Brittany, e Reyna o estimulou com perguntas, alentando-o para que se sentisse cômodo com ela.
Ainda nenhum som da torre.
—Ian deve ser muito famoso na Inglaterra.
John riu.
—Ele o é por certo, mas não do modo que você pensa. A maior parte de suas lutas foram na França, com esta companhia independente ele veio aqui quando Lorde Morvan os contratou. Ele se converteu no líder do grupo vários anos atrás.
Reyna sabia algo dessas companhias independentes, grupos de soldados independentes e cavalheiros sem terras que eram contratados por barões e reis para lutar em troca de dinheiro. Quando eles não estavam comprometidos profissionalmente eles continuavam com suas conquistas de maneira independente, estabelecendo cercos que só levantavam em troca de um resgate. Eles se converteram em um sério problema na França, hostilizando cidades e granjas. Se Morvan Fitzwaryn tinha contratado esse tipo de gente para este cerco, não era um bom augúrio para o futuro de sua gente.
—Ele lutou em Poitiers o ano passado com o Príncipe Negro— John adicionou defensivamente, como se sentisse sua desaprovação. —Salvou a vida de Lorde Morvan lá. Morvan tem uma antiga briga com a família de Beaumanoir de Brittany, e no campo de batalha eles foram diretamente para matar Morvan. Ian não sabia a quem estava ajudando, só viu esses cavalheiros tentando cortar o pescoço de Morvan e interveio para salvá-lo.
—Tanto heroísmo realmente deve tê-lo feito famoso.
—OH, não. Não na Inglaterra. Aqui ele é mas conhecido por seu êxito com as mulheres.
—Sir Ian é um homem atraente, não posso negar isso.
—Isso é como chamar um mar de atoleiro de água. Sir Ian tem que tirar as mulheres de cima dele usando sua espada. Grandes damas e simples criadas se atiram aos seus pés—, ele exalou admiração, então inclinou-se para ela em atitude conspiratória. —Quando voltamos aqui, inteirei-me que a corte de Windsor deu a ele um nome especial, como uma espécie de título.
—Um nome especial? Um título honorífico?
—Sim —, ela podia quase ouvir seu sorriso.
—Em Windsor e em Londres ele é conhecido como o Lorde das Mil Noites.
Reyna começou a rir, e John irreverentemente se uniu a ela. Agora isto era engraçado.
Outros homens recebiam apelidos apoiados em suas ações ousadas ou suas façanhas no campo de batalha, e eram considerados heróis. Ian de Guilford tinha sido imortalizado pelo número de vezes que tinha fornicado.
Todo o tempo que conversou com John, Reyna brandamente tateava o chão com seu pé.
Como suas risadas tornaram-se gargalhadas, ela achou o que estava procurando.
—Isso é um engano,— ela disse.
—Não, minha lady. Sir Ian o acha muito divertido.
—Não quis dizer isso. Eu estive presa muito tempo na tenda, e necessito… me dá vergonha dizê-lo, necessito…
—Necessita, que ?… Oh!.
—Talvez poderia me esperar na entrada por um momento—, ela sugeriu.
John ponderou sua idéia, logo caminhou uns poucos metros e se posicionou de costas à entrada.
Reyna inclinou e achou a pedra que seu pé havia encostado. Levantando-a com ambas as mãos, ela cautelosamente se moveu em direção ao crédulo John . Levantando-a sobre sua cabeça e o golpeou. O adolescente caiu no chão.
Enchendo sua mente com o medo por sua gente para afastar os horrores de sua infância, ela se apressou pelo túnel de pedra. As emoções mescladas a afligiram. Uma determinação letal. Cega resignação. Intensa preocupação.
E todo o tempo, os tentáculos do terror estirando-se na escuridão para apanhá-la.
Cinqüenta metros finais, sua mão achou o buraco que ela procurava. A conexão com o outro túnel, uma curva em um ângulo estranho levava ao túnel principal, quase impossível de ver até com uma tocha. Esse túnel continuava debaixo da torre propriamente dita.
Ela agachou sua cabeça, correndo mais rápido, pois certamente Ian já teria alcançado o portão de entrada a essa altura. Finalmente encontrou as escadas e, fazendo uma pausa só por um momento para tomar fôlego, ela começou a subir os degraus dos muros da torre.
Degraus de pedra, muitissimos degraus de pedra estavam diante dela na escuridão. Ela apenas podia respirar quando finalmente chegou ao alto. Exausta e com as pernas débeis, ela se apoiou contra o muro de pedra. Uma seção baixa cedeu e ela caiu dentro do solar do Senhor.
Ela jazia no piso ofegando por respirar.
Ao princípio ela assumiu que o solar estava vazio pelo completo silêncio. Então dois braços fortes a levantaram. Ela olhou o rosto gentil e preocupado do Sir Reginald:
—O portão de entrada— ela ofegou —Eles estão dentro e o abrirão para os outros.
—O que?— uma voz profunda detrás dela ressoou.
Ela girou para enfrentar Sir Thomas Armstrong e outros cinco cavalheiros. Ela se tinha intrometido em uma reunião do Conselho.
—Eles romperam o muro e estão dentro— ela ignorou o modo desconfiado com que Thomas inspecionou seu vestido
rasgado e seu cabelo solto e despenteado.
—Um grupo pequeno entrou pelo túnel. Eles tomarão o portão de entrada e levantarão as grades. Devem apressar-se.
—E como acharam o túnel?— Thomas disse bruscamente —Não há tempo para isso. Faça suas perguntas amanhã.
Thomas se aproximou dela com vários passos largos e pregou seu rosto ao rosto barbudo dele.
—Como se seu último crime não tivesse sido suficientemente mau, agora entregaste a torre? Procurou sua própria segurança nos traindo a todos? Disse a Robert e a Maccus que nunca deviam confiar em uma Graham.
—Enquanto vocês estão aqui me acusando, esta torre cairá. Vão ao portão de entrada. Se já foi tomado, ponham fogo nas escadas que levam a torre.
Enquanto ela gritava, a porta do solar se abriu de repente e um guarda entrou correndo.
—O portão está aberto,— ele informou —Alguns já estão no corredor debaixo.
Thomas olhou aos outros cavalheiros com olhos assustados e selvagens.
Nenhum deles tinha armadura, e dois não tinham suas espadas.
Reyna duvidava que esses homens sobreviveriam por longo tempo se lutassem nessas condições.
—Usem o túnel posterior— ela os persuadiu —Salvem-se e consigam ajuda em Clivedale.
Thomas e os outros cavalheiros se apressaram para a seção de parede aberta. Enquanto eles desapareciam na escada, Thomas girou seu rosto avermelhado para ela— Não pense que esta traição mudará as coisas. Responderá por isso, e por Robert.
Reginald vacilou. Ele extraiu sua espada, caminhou e fechou a porta da sala, e se colocou na frente dela.
Querido Reginald. Doce e honrado Reginald. Ela tocou seu braço.
—Deve ir também.
—Jurei a Sir Robert que te protegeria, e o farei.
Seu rosto anguloso mostrou a determinação debaixo de seu cabelo ralo e loiro.
Ela podia ouvir a atividade no salão de baixo. Os gritos e os ruídos ecoaram no pátio também. Todo o exército de Ian entrou.
Graças a ela a torre tinha caído em mãos de Ian como uma maçã amadurecida.
—Vá, Reginald, enquanto possa. Ordeno isso. Não pode me proteger se eu já estiver morta. Vá com os outros e consiga ajuda.
Ele vacilou.
—Venha conosco.
Ela sacudiu a cabeça.
—A primeira coisa que Thomas fará quando ele conseguir me levar a Clivedale é me julgar. Você conhece sua opinião neste tema, e eu nunca ganharei. Sou uma Graham, e velhas brigas são difíceis de esquecer. Ninguém acreditará em mim.
—Eu te levarei a outro lugar.
—Não temos nenhum cavalo. Não, Reginald. Por estranho que pareça, estou mas segura aqui com o inimigo que com a gente de meu marido. Pelo menos por um tempo.
Os sons ressoaram mais perto agora. Não havia tempo a perder.
—Vá,— ela ordenou.
Reginald caminhou para a parede aberta.
—Ficarei perto e procurarei cavalos. Espera por um sinal, minha lady. Conseguirei te levar longe daqui como Robert teria querido.
Ela observou ele desaparecer, e logo inclinou seu peso contra as pedras e a porta se fechou. Ela se apressou para a chaminé onde estava a espada de Robert. Desembainhando-a, ela a colocou contra a parede ao lado da porta. Então correu para os livros ao lado da mesa de escrever e tomou o mais pesado, com uma capa de prata.
Colocando-se ao lado da porta, ela esperou. Logo alguém viria para inspecionar o solar. Ela sabia quem provavelmente seria essa pessoa.
Não passou muito tempo. Passos soaram no corredor e fizeram uma pausa fora. A porta lentamente abriu e o reflexo da luz de vela brilhou. Ela conteve a respiração, a porta aberta obscurecendo sua presença. Quando ele esteve completamente dentro de seu campo de visão de costas para ela, Reyna avançou, levantou o livro, e o deixou cair.
Com um homem mais baixo ela poderia ter infligido um dano sério, mas Sir Ian somente cambaleou com o golpe, por um momento quase perdeu o equilíbrio. Reyna imediatamente agarrou a espada de Robert, caminhou, e pôs a fio contra seu pescoço.
Ele ainda sustentava sua própria arma e a olhou ferozmente, primeiro com surpresa e logo com fúria.
—Solte-a ou te cortarei a garganta,— ela disse —Não duvide que o farei desta vez, filho do diabo, eu não tenho nada a perder.
Murmurando uma maldição, ele deixou cair a espada ao piso.
—Agora fecha e tranca a porta.
Ian fez o que ela ordenou e Reyna manteve a espada afiada sobre ele todo o tempo.
—Agora no chão, de costas.
Com os dentes apertados, ele se estirou a seus pés. Ela permaneceu parada ao lado dele e apoiou a ponta da espada em seu pescoço.
Ele a olhou ferozmente.
—Quem diabos é?
—Reyna, a esposa de Robert de Kelso— Brevemente a surpresa substituiu sua raiva.
—Eu esperava alguém mais velha. Ouvi que Lorde Robert morreu pouco antes que nós chegássemos aqui. Você manda nesse lugar?
—Não. Maccus Armstrong, nosso Lorde, enviou seu sobrinho Thomas para governar estas terras depois que Robert morreu.
—E onde estão Sir Thomas e os outros cavalheiros?
—Se foram.
—Sem dúvida eles se foram do mesmo modo que você entrou. Se John foi ferido, você está em maus lençois.
—Neste momento, quem está mal é você.
Eles ficaram em silencio por um momento, a espada de Reyna em sua garganta, seus olhos claros a olhavam.
—Se me matas, não existirá ninguém que possa controlar estes homens,— ele disse.
— E se não o mato?
—Menciona suas condições. Não tenho outra opção senão que escutar.
—Os camponeses devem ser deixados em paz. Seus homens não deverão incomodá-los ou roubarem.
—Nós não os prejudicamos nestes últimos meses. E não começaremos agora.
—Não haverá nenhum estupro, torturas ou execuções.
Ian sorriu um pouco.
—Assim será.
—As crianças devem ser alimentadas e nunca prejudicadas.
—Sim, e além disso prometo que não cozinharemos nenhum bebê. Perdi o gosto por isso há vários anos atrás.
Seu tom zombador a enfureceu. Ela apertou a ponta da espada contra sua pele e um pouco de sangue fluiu. Ele estava muito quieto.
—Há uma coisa a mais. Deverá me dar um cavalo e uma escolta para me levar onde eu diga.
Seu olhar se deslizou da espada para seu corpo até que ele a olhou nos olhos.
—Isso não posso fazer.
—Claro que pode. Sua vitória, e o modo como você obteve isso, significa que eu não posso ficar aqui agora.
Sua expressão se suavizou um pouco.
—Entendo sua posição, mas não posso te deixar partir. Quando vim aqui, Morvan me deu poucas ordens, deixando várias coisas no meu entender e critério. Mas uma dessas ordens é muito clara. Se eu conseguisse tomar esta torre, era meu dever me ocupar da segurança de Lady Reyna. Já que é ela, não posso te deixar partir.
—Minha segurança? Sir Morvan se incomodou em dar uma ordem a respeito de mim? Por quê?
— Acredito que era um pedido de seu pai.
—Duncan! Um pedido de Duncan Graham? E o que tem que ver Sir Morvan com o Duncan e os Grahams?
—Ele tem uma aliança com eles para assegurar sua neutralidade neste conflito. Sua segurança era uma condição desse acordo.
—Eu estarei perfeitamente segura se partir. Mais segura, de fato. Deve permitir isso.
—Não. Além disso, aceito as outras condições. Tratarei as pessoas daqui como meus próprios homens sob a condição que eles me obedeçam, e prometo que os homens serão contidos em seus apetites. Há alguma outra coisa?
Sua mente confusa não podia pensar em nada mais.
—Então tire sua arma e coloque-a no piso. A torre está tomada e as terras asseguradas. Tentou fazer o melhor por sua gente, e negociaste bem. É tempo de render-se.
Ela deu um passo atrás e fez o que foi pedido. Ian ficou de pé, caminhou uns poucos passos para ela, e se deteve, sua raiva contida filtrando-se de um modo perigoso.
—Agora, milady , escuta cuidadosamente, pois vou dizer-te isto só uma vez. Duas vezes até agora levantou uma arma contra mim. A próxima vez, deve estar preparada para usá-la — Disse ele agarrando seu braço e empurrou-a para a porta da sala. —Virá ao salão e me ouvirá dar as ordens de maneira que saiba que eu mantenho minha palavra.
A gente do castelo estava reunida no salão. Quando ela e Ian entraram, seus olhos rapidamente encontraram os de Alice. A velha cozinheira encolheu os ombros.
Ian a empurrou com ele diante da multidão, sobre o assoalho da mesa do Lorde. Ela inspecionou o mar de rostos. Alguns com caretas de tristeza por sua situação, mas a maioria eram olhos de desconfiança para ela. Reyna assumiu que a notícia de sua presença no acampamento inimigo se espalhou, e eles estavam extraindo conclusões de acordo com seu preconceito.
Ian fez gestos para chamar a atenção, e um silêncio caiu no recinto.
—Reclamo estas terras em nome de Morvan Fitzwaryn,— ele começou. —Alguns de vocês são suficientemente velhos para recordar a seu pai, de quem Maccus Armstrong arrebatou Harclow muitos anos atrás. Sir Morvan deve tomar o que legalmente é dele, e o que rei Edward lhe há devolvido por decreto. Este não é nenhum exército que vem para conquistar, a não ser para retornar a propriedade a seu verdadeiro amo. Obedeçam e serão bem tratados. Qualquer homem que jure fidelidade poderá mover-se livremente.
A tensão no salão decresceu, e o alívio fluiu. Ian arrastou Reyna para o alto das escadas da torre e falou com o exército reunido abaixo. Ali os mercenários se inteiraram que não haveria violações, saques ou matanças.
—Está satisfeita, milady?— ele perguntou quando terminou .
—Se eles obedecerem, estou satisfeita. Assumo que suas ordens se estendem para mim também, e que já não espera que eu entretenha a seus cavalheiros.
A luz da tocha iluminou seu rosto bonito, fazendo que sua beleza parecesse misteriosa. Ele vestia uma túnica sem mangas, e o corte em seu braço onde ela o tinha talhado brilhava.
—As ordens se estendem a você. Mas não tentarei criar um monastério aqui. Não vou interferir com as pessoas adultas dispostas. Deveria dizer isso às mulheres para evitar maus entendidos.
—Então seus homens podem deitar-se com qualquer mulher que esteja disposta. Isso se estende para mim, também? Posso levar a um homem que me agrade à minha cama se estiver disposta?
Ian a olhou com um devastador sorriso.
—Sim.
Ele estendeu a mão e acariciou ligeiramente sua buchecha, logo a fez levantar o queixo. Era um gesto que falava sobre familiaridade, até de afeto. Ela se deu conta nesse momento que ele simplesmente não reconhecia que ela o achasse atraente porque todas as mulheres o faziam, porém, sim, sabia de sua atração porque tinha sentido reações a seus beijo e carícias.
Ela sentiu um pequeno calafrio que derrotou seus esforços de permanecer indiferente a seu contato. Era perturbador que ele pudesse despertar isso. Suas respostas, e seu conhecimento delas , encheu-a de raiva.
—Qualquer homem que me agrade?
Ian sacudiu a cabeça.
—Só este aqui.
Ela se afastou de seu contato e pensativamente colocou seu dedo sobre seus lábios.
Muito lentamente, ela caminhou ao redor dele, examinando-o da mesma maneira que ele o tinha feito mais cedo naquele dia. Ela resistiu ao desejo de beliscá-lo e lhe dizer que ficasse direito. Quando ela completou sua volta, viu uma combinação de diversão e irritação em seus olhos. Tinha extendido uma armadilha a esse inglês vaidoso, e ele sabia.
—Bem, Sir Ian, se seu objetivo é ser conhecido como o Lorde das Mil e uma Noites, seria melhor que olhasse para outro lugar.
Sentindo a única satisfação que ela tinha obtido nesse dia terrível, ela girou elegantemente sobre seus calcanhares e se afastou.
—Reyna—, ele a chamou suavemente. —Penso que acabo de ouvir o som de uma luva sendo lançada.
Capítulo 4
Na manhã seguinte, Ian enviou a metade da companhia a Harclow com notícias da captura da torre. Logo começou a distribuir os homens restantes em casas e tendas, decidindo quem permaneceria fora no acampamento. Durante o tempo em que estabelecia a ordem de comando da torre, ele continuou procurando o esbelto corpo e os cabelo loiros da viúva de Robert de Kelso.
Ela nunca apareceu. Se ele não tivesse seguro que ninguém escorregou pela vigilância dos guardas que tinha apostado no final do túnel posterior, poderia ter suspeitado que ela tivesse escapado. Sucumbindo à curiosidade e à preocupação, ele se aventurou a procurá-la no quarto próximo ao solar. Havia Pergaminhos esparramados sobre a mesa solitária do cômodo, mas a dama não estava.
Ian assistiu à refeição do meio-dia cansado, faminto, e em um estado de antecipação sem paz.
Seu estomago recordou o gosto das tortas de carne de Reyna do mesmo modo que seus lábios recordavam o sabor de sua pele. Ele esperava ansiosamente desfrutar da comida deliciosa da cozinheira e brigar com a vivaz Reyna.
Tomando a cadeira do Lorde na mesa principal, ele se sentiu molestado por achar que o lugar a seu lado não foi tomado por Reyna, mas sim por Margery, a esposa de Thomas Armstrong, uma das damas deixadas quando os cavalheiros fugiram.
Margery era uma atraente mulher de uns trinta anos. Ela luzia seus cabelos vermelhos em um complicado penteado e possuía uma figura luxuriosa bem exibida por seu apertado decote, ela sorriu muito calorosamente e Ian, sentindo uma estranha falta de confiança relativa a suas oportunidades de êxito com Lady Reyna, sorriu-lhe em resposta.
Ian deixou que o sorriso surtisse efeito, logo girou sua atenção para a comida que chegava. Ele estava amaldiçoado com um estomago totalmente inadequado para um soldado. Comer o que preparava o cozinheiro de sua companhia tinha sido a maior tortura de sua vida de acampamento desses últimos anos. Sabendo que essas tortas tinham vindo da torre quase tinha sido o suficiente incentivo para escalar os muros se a armadilha para Lady Reyna tivesse falhado.
Quando a panela se aproximou, deu um olhar desconfiado a seu conteúdo. As colheradas de guisado que caíram sobre seu prato pareciam depressivamente familiares. Ele inundou um pedaço de pão e provou. O sabor insípido matou seu apetite imediatamente.
Andrew, o mordomo da fortaleza, moveu-se pelo salão, e Ian o chamou.
—Quem preparou isto?
—A cozinheira.
—Sua cozinheira ou meu cozinheiro ?
—Nossa cozinheira, mas seu cozinheiro a fiscalizou. Nada entrou nessa panela que ele não revisasse. Pode comer isto com total confiança.
Andrew falou em tom tranqüilizador. O homem tinha mais de cinqüenta anos e tinha meticulosamente cuidado seu cabelo e sua barba cinza. Ele tinha maneiras elegantes com certa impassividade.
—Por que não teria confiança nesta comida?
Lady Margery se inclinou mas perto.
—Dadas as circunstâncias, não quereria comer um pouco preparado aqui, não é verdade? Eu certamente não o faria — ela disse.
—O que está sugerindo, minha lady?
—Bem, considerando que Robert foi envenenado, e que Alice, a cozinheira, sempre foi virtualmente como uma mãe para Reyna, e sendo ela uma Graham. Reyna às vezes ajuda a Alice, e pessoalmente preparou a comida de seu marido em seus últimos dias…— Margery levantou suas sobrancelhas significativamente.
—Meu marido sempre exigiu que um homem assista à preparação da comida depois do que aconteceu. Nenhuma substância entra na comida servida nesse salão que não seja revisada pelo guarda.
Ian olhou fixamente seu prato. Se seu próprio cozinheiro tinha fiscalizado essa comida, isso significava que nenhuma erva, fruta, raiz ou condimento que lhe desse um pouco de sabor tinha entrado na panela.
—Eu assumi que você quereria continuar com essa prática,— o mordomo disse friamente. —Considerando que você é o inimigo.
Ian despediu Andrew e decidiu prestar mais atenção a Lady Margery. —O que quer dizer, Sir Robert foi envenenado?
—Ele estava são e bem um dia, e vomitando e morto de dor ao seguinte. Três dias mais tarde ele estava morto.
—Ele tinha mais de sessenta anos, conforme ouvi. Os homens velhos morrem.
—Sim, e a princípio a maioria pensou desse modo, exceto alguns de nós que suspeitamos desde o começo. Depois de tudo, Reyna o atendia pessoalmente, e freqüentemente cozinhava para ele nas noites se ele chegava tarde. Era um interesse estranho o seu. Não muito próprio de uma dama, como tampouco o são todos esses livros e cartas. Os criados reportaram que lhe dava poções quando estava doente que pareciam piorar sua condição. Mas o que realmente foi revelador é a carta do bispo.
Apesar de si mesmo, ela tinha ganho seu interesse.
—O que é essa carta?
—Pouco depois que Maccus enviou meu marido aqui, uma carta chegou para Robert do bispo de Glasgow. Parece que Robert tinha escrito a ele sobre um assunto de grande importância procurando seu conselho. A carta se referia a esse assunto, e dizia que o bispo investigaria a disposição adequada do assunto, mas que não podia visitá-lo até o final do verão.
—Que assunto seria?
—A carta não o diz, mas é claro, não é verdade? Robert planejava separar-se de Reyna, e tinha procurado o conselho do bispo a respeito de como proceder. Maccus tinha dado estas terras para Robert e seus descendentes, mas não existe nenhum herdeiro. Eles tinham estado casados por doze anos e ela é estéril. Como você disse, o tempo de vida de Robert era limitado.
—Então pensaram que sua esposa, sabendo que seu marido planejava isso, matou-o? — Ele pôs mais sarcasmo em sua voz que o que verdadeiramente sentia. Muitos maridos tinham sido mortos por muito menos.
—Não há muitas provas.
—Se somamos o intento dela de escapar ao julgamento ajudando a você ontem de noite, a prova é suficiente para mim.
Ian quase lhe explicou que Lady Reyna não se aproximou dele para trair a sua gente a não ser para salvá-los, e que tinha tentado matá-lo no processo. Quando as palavras se formaram em sua mente, ele as reprimiu. Reyna não tinha contado nenhuma história em sua própria defesa, e agora ele entendia porque. A tentativa de assassinato dele somente ia sustentar esta outra acusação contra ela.
Ela tinha feito isso? Ele tinha um corte em seu braço que provava que ela era capaz de violência. Ela tinha planejado escapar, um sinal habitual de culpabilidade, e logo tinha tentado negociar sua partida quando a torre caiu. E entretanto, embora ele tivesse um ceticismo saudável em relação à honestidade e a perseverança das mulheres, não tinha uma sensação de maldade neste caso em particular. Quase o oposto.
Com a intimidade criada por compartilhar intrigas, Lady Margery conversou durante toda a refeição. Ian não prestou muita atenção a seus contos sobre a velha briga entre os Armstrongs e a família de Reyna, os Grahams, que na opinião de Margery somente suportava a culpabilidade de Reyna. Ele não se incomodou em assinalar que Lorde Robert não tinha sido um Armstrong, porque sua fidelidade para Maccus era indiscutível.
Todo esse tempo ele manteve seus olhos nas várias entradas do salão, procurando Reyna. Os cinco níveis da torre estavam conectadas por dois conjuntos de escadas, sem mencionar as escadas secretas que ele tinha descoberto nos muros. Isso fazia difícil encontrar a qualquer um que não desejava ser achado.
Ian olhou todo o salão que ocupava o segundo nível e tomou uma medida súbita. Mentalmente comparou a disposição do salão com sua lembrança do exterior do edifício. Os muros deviam ter quase quinze pés de espessura. Isso nas bases dos muros para sustentar o peso, mas acima, alguns daqueles muros provavelmente tinham sido cavados para cômodos.
Lady Reyna provavelmente podia viver até ser velha ali sem que ele a visse novamente.
—Lady Reyna não assistiu às refeições,— comentou Margery, interrompendo um giro infeliz na conversação onde ela sondava sobre seu passado. Ele perguntou-se o que dava às mulheres a idéia que os homens gostavam de conversar sobre tais coisas.
—Ela nunca o faz. Pelo menos não desde que Thomas e eu chegamos. Ela come na cozinha com a Alice, alguns outros o fazem também.
Ian se separou da mesa. Ele não tinha visitado as cozinhas ainda. Este parecia um bom momento.
Quando ele desceu os degraus de pedra, sons de conversação e risadas lhe chegaram. Também o fez o aroma muito rico de comida.
Toda conversação cessou quando ele apareceu na soleira. Duas mesas com vinte e cinco pessoas ocupava o centro do cômodo, e uma criada jovem revolvia a panela sobre a grande chaminé. Andrew Armstrong comia aqui, e unas poucas criadas e dois homens que ele reconheceu dos estábulos. Uma mulher velha, que ele adivinhou que era Alice, estava sentada entre dois meninos de mais ou menos dez e oito anos. Outras crianças estavam com suas mães e seus pais. Ele não viu Reyna.
No outro extremo da mesa viu o homem de Morvan, Gregory, e ele caminhou para ele com cinqüenta olhos observando seus passos. Gregory sorriu inocentemente.
—Passava por aqui, e me pareceu um grupo alegre — ele explicou.
Ian olhou o prato do Gregory. Uma suculenta coxa de pato e uma mescla colorida de vegetais formavam um molho marrom. O aroma era de dar água na boca. Evidentemente Alice a cozinheira cumpria com seu dever em relação aos que jantavam no salão, e logo punha em prática sua arte culinária para esse pequeno grupo.
Ele tomou bruscamente um pedaço de pão de Gregory e o inundou no molho.
Quase tinha alcançada sua boca quando uma colher de madeira voou perto de seu rosto como uma catapulta. O objeto lhe golpeou a mão, e um pedaço de carne voou através do cômodo e terminou no chão.
—Não te atreva, inglês filho de puta,— uma voz familiar advertiu.
Ian olhou surpreso para a criada que tinha estado mexendo a panela na chaminé, só que não era uma criada, mas Lady Reyna, usando um vestido solto e simples com um lenço preso na cabeça.
Reyna agitou a colher dizendo:
—Nem um bocado, diabo. Se adoecer, não quero ter às pessoas acusando Alice ou a mim.
Ela tomou seu lugar no banco.
—Além disso, não há suficiente para você, e devido a seu maldito cerco, estas são as primeiras aves ou carne que estas mulheres e crianças comem em um mês.
Ian lembrou mentalmente de falar com ela qualquer dia sobre seu vocabulário de insultos.
—A torre está tão mal provida? Deveria ter tido pescado seco e carne conservada para sobreviver todo esse tempo.
Do outro extremo da mesa Andrew Armstrong tossiu para chamar sua atenção.
—Sir Thomas ordenou que só os homens podessem comer essas coisas. Eles poderiam ter tido que lutar, e não se sabia quanto tempo o cerco duraria. É uma medida habitual.
Sim, era habitual, e Ian tinha visto e tinha ordenado isso antes, mas havia sentido uma culpa não muito freqüente nele.
—Quem cozinhou esta comida?—, ele perguntou, tomando mais pão, inundando-o, e metendo-o na boca antes que Reyna pudesse atacá-lo. Delicioso.
—Alice e eu,— Reyna disse, olhando para sua garganta, enquanto ele engolia.
Essas eram as pessoas do castelo que não pensavam que ela era uma envenenadora. Deliberadamente, ele molhou novamente mais pão no molho e mastigou visivelmente.
—Todos vocês não comerão aqui, mas sim se unirão aos outros no salão—, ele ordenou.
—Alice cozinhará como lhe parece, com a ajuda que ela escolha. Ninguém vigiará mais a preparação da comida. Gregory, organize umas partidas de caça para que haja bastante carne fresca.
Ele voltou-se para Reyna.
—Você, minha lady, estará presente em todas as refeições. Quando a comida for trazida ao salão, você provará isso primeiro.
O lenço lhe cobria até as sobrancelhas e estava amarrado em sua nuca, escondendo completamente seu cabelo. Ele pensou que ela parecia mais jovem e encantadora. Perguntou-se se não tinha passado ao lado dela várias vezes naquele dia e simplesmente não a tinha reconhecido.
Seus lábios sensuais se apertaram.
—O que te faz sentir tão seguro que não me matarei com intuiuto de me libertar de você e seu exército?
—Você poderia fazê-lo se você estivesse sozinha, mas, até onde eu sei, não arriscará sua gente—. Ian disse isso enquanto voltava para os degraus. —Além disso, minha lady, se soubesse a receita de um veneno, estaria morta a esta altura.
Mais tarde naquela tarde, Andrew Armstrong se aproximou quando Ian dirigia a reconstrução do muro do túnel posterior. O mordomo parecia imune ao calor apesar de sua roupa de lã. Ian estava suando como um cavalo de arado.
—Há um pequeno problema, sir—, Andrew disse ligeiramente.
—Que tipo de problema?
—É o poço de água. Parece haver secado. Estava bem esta manhã, porém agora uns criados foram extrair água e ... nada—. Andrew abriu suas mãos e sorriu debilmente.
Ian suspirou. O poço seco dificilmente era um problema pequeno.
—Mostre-me.
Seguiu Andrew por quarenta degraus até a saída da fortaleza, e desceu outros quarenta degraus até a cozinha. Maldita torre de fronteira. Em um só dia tinha chegado a odiar aquelas eternas escadarias.
Em um cômodo pequeno no porão, fora da cozinha, Andrew mostrou o poço com uma pequena reverência. Ian levantou o balde e o deixou cair por toda a extensão de sua corda até que ouviu a água. Ele subiu o balde mas sabia que este estaria vazio.
—Isto já aconteceu antes ?
—Estou aqui há vinte anos, desde que Maccus tomou as terras. Uma vez durante uma seca, isto aconteceu.
—Está fazendo mais calor que o normal, mas não estamos numa seca.
—Bem, com relação a água, nunca se pode afirmar, não é verdade ?
Ian começou a caminhar impacientemente do lado de fora do cômodo em linhas perfeitamente retas.
—Robert Kelso teve estas terras durante todos estes anos?
—Não até seu casamento com Lady Reyna. Foi um acordo para terminar com uma briga entre os Armstrongs e os Grahams que tinha começado oito anos antes. Maccus não tinha nenhum filho ou sobrinhos solteiros para representar os Armstrongs, e todos nestas terras sabiam que seu cavalheiro Sir Robert era um homem honrado. Até Duncan Graham o respeitava. Quando o matrimônio foi acordado, Sir Robert recebeu estas terras. Ele as governou em nome de Maccus, mas estava subentendido que eles formavam uma barreira entre os Armstrongs ao norte e os Grahams ao sul. Uma área neutra, por assim dizer.
Ian apoiava os cotovelos no muro de pedra.
—Milady devia ser muito jovem no momento desse casamento. Quase uma criança.
—Ela tinha doze anos. A Igreja permite o casamento nessa idade.
Ian achou uma pedra solta, puxou seu punhal e o cravou na fenda.
—Presumivelmente Sir Robert esperou para levá-la a cama.
—Não saberia dizer.
Sim, sabia. Ele era o tipo de mordomo que saberia todas as intrigas do castelo. Ian tirou as pedras soltas. Elas não se moveram. Mas uma vez ele recomeçou sua caminhada impaciente.
—Que tipo de homem era Sir Robert?
—Era um bom homem. Um cavalheiro valente, altamente honrado e um estudioso.
—Acha que ela o matou ?
Andrew refletiu antes de responder.
—Ela veio para cá muito assustada. Não tinha recebido amor em sua casa, e tinha presenciado muitas discussões e brigas. Robert lhe deu liberdade, asas para voar e cuidado. Não, não acho que ela o matou .
Ian voltou sua atenção ao poço.
—Você sabe que não está seco.
—Realmente?
—O balde não golpeou barro, nem sequer sujeira seca. Voltou limpo como desceu. Alguém está tampando a água com algo. Uma porta ou uma prancha de madeira. Como pensa que ela fez isto?
—Ela? Estou seguro que não o entendo, Sir Ian.
—Lady Reyna. Vejo sua mão nisto. Como desceu lá? Não posso encontrar portas escondidas no piso ou nas paredes.
Andrew encolheu os ombros. Ian sabia que sem tortura, não conseguiria que o homem falasse.
—Bem, mordomo, o que sugere?
Andrew pareceu ponderar o assunto. Ian não estava enganado não.
—Vamos ter que fazer como seu exército fez. Há um rio para banhar-se, e um manancial próximo com boa água para cozinhar. Esta última pode ser gasta aqui todos os dias e as mulheres podem ser enviadas ao rio quando precisarem lavar roupa. Sob custódia, se você preferir.
Ian se tinha perguntado sobre o sentido desta sabotagem, mas a solução de Andrew dava a explicação. Devido à necessidade de tomar banho com aquele calor de verão, e à necessidade de pegar água para prover as necessidades da torre o portão teria que ser aberto freqüentemente. E a torre se tornaria significativamente mais vulnerável. Ele olhou para o poço que de repente fazia seu trabalho ali muito mas difícil.
Deveria ter deixado que Reyna tomasse um cavalo e partisse para o inferno se era isso o que ela queria.
Naquela noite o salão se encheu para o jantar. Lady Margery se sentou à direita de Ian novamente, mas ele viu que o lugar à sua esquerda permanecia vazio para a Reyna. O outro lugar disponível na mesa principal estava perto da ponta, entre seis de seus cavalheiros.
Tinha sido preparada uma carne de veado com um molho saboroso. As pessoas do castelo sabiam que Alice e Reyna tinham cozinhado isto sem ser fiscalizadas, e, por isso eles só tinham comido pão, mantendo caras desanimadas. O aroma dos pratos penetrou o salão e se podia ouvir os estômagos roncando. Finalmente, os homens de Ian corajosamente escolheram suas pedaços de carne e alguns outros se atreveram a segui-los.
Reyna apareceu de repente nas escadarias, e todos os olhos voltaram-se para ela. Vestia um bonito vestido azul que expunha mais do que devia. Seu cabelo loiro estava trançado em uma grossa trança que caía em suas costas. Com uma expressão determinada, ela atravessou o salão para a mesa sobre o assoalho. Ela subiu por detrás de Ian, e ele esperou que ela tomasse o lugar a seu lado.
Ao contrário, ela estirou sua mão por cima de seu ombro e roubou um pedaço de carne de seu prato. Teatralmente o tomou e o examinou. Lançando um olhar de desafio para sua gente, colocou a carne na boca, mastigou, e engoliu com força. Olhou para o céu como se aguardasse o julgamento divino. Um silêncio invadiu o salão enquanto todos observavam e esperavam que a comida chegasse a seu estômago.
Ian sorriu diante de sua representação, e voltou-se para seu prato para comer.
Um gesto violento a seu lado deteve sua ação. Reyna de repente se afogou. Seu rosto se tornou vermelho. Ela se dobrou em dois, seu braço apertando seu estômago. E caiu no chão.
O caos se instalou. Os homens e as mulheres gritaram. Aqueles que comiam olharam espantados para seus pratos. Alguns se levantaram, colocaram seus dedos em suas gargantas.
Ian empurrou para o lado sua cadeira e se ajoelhou ao lado da Reyna. Cristo, ele a tinha matado. Com todos os rumores sobre um envenenador no castelo, ele deveria ter considerado que poderia ser verdade, e que podia ser alguém mais que Reyna.
Ele se sentiu incrivelmente inútil e impotente enquanto observava o veneno fazer seu trabalho.
Uma multidão se juntou ao redor com uma fascinação muda e morbida. Finalmente, desesperado por tentar algo para salvá-la, ele a voltou de costas para tentar retirar o pedaço de carne.
Enquanto suas mãos se fechavam em seu corpo, havia uma expressão relaxada e pacífica em seu rosto. O peito de Ian se oprimiu diante da imagem de paz da morte. Sentiu o desejo esmagador de abraçar o último calor de sua vida, e começou a fazer isso.
Seus cílios tremeram e se abriram. Aqueles lábios adoráveis se moveram.
—Retire suas mãos de mim, inglês.
Um momento tenso de silêncio saudou sua ressurreição milagrosa, e logo a risada se estalou no salão. Reyna se livrou de suas mãos e afastou-se.
A fúria pelo susto que ela lhe deu o atravessou como um trovão. Ele a arrastou para pô-la de pé.
—Faça uma coisa assim novamente e eu ...
—Você o que?— ela disse entre dentes enquanto ajeitava sua roupa e procurava soltar seu braço. —Voltará a me enganar para que traia a minha gente e para que volte para este lugar que só representa perigo para mim? Me manterá aqui para aguardar o julgamento que eventualmente chegará? Me forçará a representar um ritual em todas as refeições que confirme suas suspeitas?
Ian a olhou nos olhos e ela, por sua vez, o olhou diretamente, corajosamente e belicosamente.
—Sente-se,— ele ordenou, retornando à sua cadeira.
Para irritá-lo mais ainda, ela se afastou e se sentou na extremidade da mesa, no espaço livre entre os cavalheiros.
Ainda lívido pelo modo como Reyna o fazia de bobo, ainda confuso pelo desespero que havia sentido quando havia pensando que ela estava morrendo, Ian intencionalmente olhou para a mulher loira e deu seu sorriso mas encantador a Lady Margery.
Ian se manteve ocupado com Margery durante a refeição, mas uma parte de sua mente permanecia solidamente fixada na extremidade da mesa. Ouviu a conversa banal enquanto Reyna falava com os cavalheiros. Ele ouviu as lisonjas floridas de Sir Lionel. Ouviu as insinuações sugestivas de Sir George. Finalmente alguém fez uma brincadeira e a risada dela inesperadamente ressoou.
Seu olhar se moveu para Reyna. Ela sorriu brilhantemente, e deliciosas covinhas se formaram em suas bochechas. Ele se deu conta que nunca antes a tinha visto sorrir realmente. Transformava seu rosto, fazendo-a parecer muito mas jovem e doce.
Sir Lionel e Sir Matthew a olhavam embevecidos. Eles provavelmente começariam a escrever poemas para ela essa noite. Sir George, entretanto, observava-a com uma expressão oculta e predatória.
Ian pensou em seus beijos inexperientes. Uma viúva e não virgem, e pelo que ele sabia, nem sequer virtuosa, mas isso não era o que George achava.
Morvan lhe havia dito que se ocupasse de sua segurança. Bem, só havia uma maneira de fazer isso.
Capítulo 5
Reyna observou com maus pressentimentos as reações dos homens ao redor dela. Ela tinha provocado tanta atenção antes, com cavalheiros ou Lordes que estavam de visita, mas sua condição como a esposa de Robert a protegia de qualquer tipo de complicação.
Ela refletiu internamente como lutar contra os avanços masculinos, se eles se apresentassem. Talvez esses homens se tornassem perigosos se uma mulher não os rechaçasse de um modo apropriado. O bate-papo ao redor dela abruptamente cessou. Os homens olharam além dela.
Ela se surpreendeu quando umas mãos se apoiaram possessivamente em seus ombros. Reyna girou sua cabeça.
—Terminou com sua refeição?— Ian perguntou.
—Sim.
—Então vamos para nossos aposentos, milady.
A insinuação a deixou muda. Os homens a sua volta olharam para o lado. Ian tomou sua mão e a fez levantar do banco. Ele a levou em direção às escadarias.
A opção era segui-lo, ou criar uma cena que atrairia a atenção de todo o salão e não alteraria as conclusões que Ian pretendia que esses homens chegassem. Entretanto, ela queria gritar e chutar e deixar claro que repudiava sua conduta.
Ela viu sua expressão tranqüila.
—É desprezível. É sua intenção que eu perca o pouco de respeito que tenho aqui?
—Minha intenção é me ocupar de sua segurança como me foi ordenado. Na opinião desses homens dos quais se viu livre esta noite, você é uma mulher fácil e acessível e, na pior das hipóteses, uma rameira. Em sua cabeça pode ser uma viúva perseguida, e para muitas destas pessoas pode ser uma assassina, mas para meus cavalheiros, você é somente a mulher que veio à minha tenda e que me ofereceu seu corpo.
—Não realmente, e era por uma boa causa.
—Para um homem no meio de uma guerra que busca um pouco de calor e prazer, esses pequenos detalhes não têm importância.
Eles alcançaram as escadas. Ele a conduziu para acima, sua mão ainda apoiada na parte de atrás de sua cintura. Ela subiu até que estiveram fora de vista, logo voltou-se para ele.
—Não precisa me acompanhar. Penso que já deixou as coisas claras para seus cavalheiros. Eles agora estão certos que sou uma mulher fácil e acessível.
—Sim, mas agora é minha mulher, e nenhum deles te tocará—. Ele apontou para o andar superior — Escoltar-te-ei até seu quarto. Quero revistar as paredes.
Ian a seguiu silenciosamente, uma presença perturbadora atrás dela. Passaram o terceiro andar da capela, logo passaram para o quarto andar dos dormitórios dos cavalheiros e dos criados, e finalmente pelo corredor que ladeava o solar do Lorde e os cômodos menores ocupados por Margery e as outras mulheres. Ela acelerou seu passo e pôs alguma distância entre eles. Queria correr e trancar sua porta. Ela caminhou até seu escritório e começou a enrolar pergaminhos com mãos tremulas. Embora soubesse que ele a estava vendo, sua chegada ligeiramente atrasada a surpreendeu e se moveu nervosamente pelo escritório.
Ele entrou despreocupadamente. Seu olhar rapidamente observou a cama estreita e as três velas grandes para noite, já acesas pelos criados. Ela se moveu do escritório para a parede ao lado da porta, e se apoiou contra as pedras frias.
—Um quarto pequeno. O de Lady Margery é maior. Ela te fez mudar quando Thomas e ela chegaram?
—Não. Eu sempre estive aqui. Escolhi este quarto. Ele tem três janelas e os outros só têm uma.
Ele olhou a mesa com pergaminhos.
—Isso é melhor para a leitura?
—Sim. E de noite, se as velas se acabam ou se apagam, entra um pouco de luz.
—Tem medo dos demônios da noite?
—Não.
Ian começou a caminhar pelo quarto estreito, examinando as paredes, despreocupadamente, apalpando as juntas entre as pedras.
—O que está procurando?
—Cômodos, corredores, cavados nas paredes grossas. Tem algum?
—E o que esperaria encontrar ali? Ouro?
Ele a ignorou e continuou sua busca.
Perturbava-a o ter nesse espaço pequeno. Seu corpo, sua energia, seus movimentos ágeis enchiam o quarto como uma invasão aprazível e a punha em guarda. Ela se colou mais às pedras, sentindo sua superfície áspera em suas costas. Ele não falou por algum tempo, metodicamente continuava sua busca, afastando o baús de roupa para verificar detrás deles.
—Foi fiel a ele?— Ele perguntou enquanto ele se agachava. Falava como se fosse a pergunta mais natural do mundo, e não a pergunta indiscreta de um intruso.
Ela vacilou, e ele a olhou, seus olhos escuros procurando os seus.
—Sim—, ela disse.
Sim, tinha-lhe sido fiel. Com seu coração e com seu corpo. Só uma vez tinha havido um mal-entendido, não por parte de Robert, mas sim por parte dela, e mais desastrosamente, por parte de um escudeiro que se apaixonou por ela. Eles tinham crescido juntos, e ela o via como um irmão. Em sua ignorância, não tinha reconhecido os sinais de que seu afeto tinha mudado. Quando ela tinha dezessete anos e ele era um ano mais velho, Robert abruptamente o tinha mandado para longe da torre. Ela tinha ficado zangada e confusa com a débil explicação de Robert até que, antes de sua partida, esse amigo a tinha beijado de uma maneira nada fraternal.
Sua mão foi para seus lábios com a lembrança. Notou que Sir Ian agora a estava olhando.
—Sim—, ela repetiu mais firmemente.
Ian foi para a mesa. Se movia como um animal magro, forte e ágil. Um grande gato ou um cavalo jovem. Ele era um homem que tinha total confiança na força e na beleza de seu corpo. Ian tocava os pergaminhos:
—O que são estes?
Ele era o vencedor, ela recordou a si mesma. Ele tinha direito a questionar algo que quisesse.
—Cartas. Correspondo-me com várias pessoas. Robert me inspirou a escrever para homens de letras com perguntas que eu poderia ter sobre seus escritos .
—Então seu marido era um estudioso, e ensinou a sua jovem esposa a ser uma. Deve ter sido um grande consolo para você.
Reyna sentiu a piedade e a crítica na sua fala.
—Foi muito amável seu marido ao encontrar alguma ocupação e entretenimento dadas as circunstâncias. Além disso, não tinha nenhuma criança de quem se ocupar, não é verdade?
—Robert me ensinou a ler em inglês, galês, latim e grego, e me inspirou a ler seus livros. Ele era brilhante intelectualmente e muito cavalheiro, forte e gentil ao mesmo tempo. Como o rei Alfred.
Ela deixou que suas palavras expressassem sua própria crítica. Muito diferente de você.
Ian levantou suas sobrancelhas diante da referência ao antigo grande rei inglês.
—O Rei Alfred, nada menos. Seu marido era um homem impressionante realmente. Para quem escreve?
Ela desejou que ele a deixasse a sós.
—Escrevi a muitos escritores, mas só alguns me responderam. Podem não ter recebido minhas missivas, claro, mas eu suspeito que eles não se incomodam com perguntas de mulheres. Um filósofo, Thomas de Chartes, me respondeu muito amavelmente, e me informou que há várias mulheres no continente europeu com interesses semelhantes. Ao longo dos últimas anos mantive correspondência com essas mulheres.
—Ouvi falar de Thomas de Chartes. De fato, encontrei-o uma vez. Não ande divulgando que se corresponde com ele, milady. No ano passado ele teve que responder a uma acusação de heresia.
Antes que ela tivesse a oportunidade de absorver essa informação surpreendente, ele adicionou,
—Ainda o chora? A seu rei Alfred?
Ele a paralisou com essa pergunta impertinente, e com as respostas confusas que despertaram nela. Se ainda o chorava? Certamente a princípio ela o tinha feito, tinha-o chorado profundamente, quase terrivelmente. Agora tinha chegado à aceitação e amava as lembranças ternas, e havia um ressentimento que lhe provocava culpa. Ressentimento porque ele não a tinha preparado melhor para enfrentar os velhos ódios que sua presença despertava. Ressentimento pelas cargas que criara para proteger sua lembrança. Ressentimento porque ele tinha morrido e a havia deixado terrivelmente só e vulnerável.
—Não, já não o choro do modo que você quer dizer.
—Você o matou?
Finalmente, aí estava a pergunta que ele tinha desde o começo.
—Pensa o que quiser, a maioria acredita que sim.
—Não, eu não acredito.
Ian não vacilou. Uma doce gratidão apertou seu coração.
—Por que não o pensa?
—Ninguém chega a ser conhecido como o Lorde das Mil Noites sem conhecer algo sobre as mulheres.
—Sim, o suponho. Bem, eu não o matei, mas penso que talvez alguém o tenha feito. Sua enfermidade tinha todos os sinais. Mas minha negação não importa. Eu tive a oportunidade de fazê-lo, e o conhecimento para fazê-lo, assim pensam eles. E eu sou uma Graham. Somente o cerco à torre me salvou. Maccus Armstrong estava visitando Harclow antes que viesse aqui para o meu julgamento quando sua tropa chegou—. Ela não tinha que acrescentar o que teria acontecido se Maccus tivesse vindo e a tivesse julgado e a declarasse culpada.
A imagem dela pendurada, seu corpo flácido e azulado, cruzou sua mente. Tinha sido uma premonição que reaparecia esporádicamente durante toda sua vida, mas recentemente o pesadelo se fez mais forte e mais freqüente. Ela apoiou sua cabeça contra as pedras e lutou por conter o pânico que sempre ameaçava invadi-la quando considerava essa possibilidade.
Ian caminhou para ela.
—Ser uma Graham já não será uma desvantagem. Nenhum Armstrong te fará sentar para um julgamento. Morvan Fitzwaryn logo será o Lorde, e se alguém te exigirá prestar contas, será ele. Ele é um homem justo.
Talvez era uma esperança, mas ela detectou preocupação e compaixão nesses olhos impenetráveis. Seu espírito se agitou diante da idéia que alguém acreditasse em sua inocência.
Ele estava de pé ali, completamente cômodo com o silêncio entre eles. Sua expressão não trocou, ele não se moveu, mas de repente, claramente, o humor entre eles se alterou como se um ar diferente tivesse penetrado no quarto. Seu longo olhar a desestabilizou. Sua presença ali, suas perguntas pessoais, sua convicção em sua inocência, produziu uma intimidade estranha.
—Deixe-me partir—, ela disse —Tenho um amigo em Edimburgh que me ajudará. Eu estarei segura.
Ian estendeu sua mão e acariciou seu queixo naquele gesto afetuoso que ele havia usado duas noites antes.
—Não posso.
Sua pele queimou onde ele a havia tocado. O quarto tinha uma quietude antinatural.
Velas flamejavam atrás dele, pondo seu rosto na sombra, mas mesmo assim ela podia ver a mandíbula firme, a boca reta, os olhos observando-a atentamente.
—Pode fazê-lo. Se meu pai exige minha segurança, seria meramente um gesto formal de sua parte. Ele não tem interesse em meu bem-estar.
Ele lentamente sacudiu a cabeça.
—Não é só isso.
—O que é, então?— Ela quase perguntou, mas não teve que fazê-lo. A resposta pulsava entre eles, assustando-a, finalmente atravessando sua ignorância com grande intensidade.
Sua mão tomou sua longa trança e a levantou de suas costas para medir sua extensão. Ele deslizou a tira que segurava e começou a abrir a grossa trança, penteando o cabelo com os dedos. —Evitaste-me, Reyna—, ele disse, observando suas mãos.
Ela olhou para baixo, para aquela mão acariciando mais alto e mais alto, desarmando a trança, ocasionalmente tocando-a. Um medo tenebroso, debilitante e delicioso lhe percorreu o corpo.
—Não me escondi— ela mentiu, tentando afundar-se de volta na parede de pedra. —Estive fugindo de todos os homens. Você advertiu que as mulheres deviam evitar maus entendidos.
—É um pouco tarde para mim — Ele deslizou seus dedos debaixo de seu cabelo até acomodá-los detrás de suas orelhas e tomou seu rosto entre a palma das mãos.
—Eu não entendi nada.
—Isto não é justo—. Ela tentou não olhar seu rosto maravilhoso, procurando em vão um pouco de segurança para seus ingovernáveis sentimentos. Uma exigente sensação de expectativa a invadiu, afastando-a de sua segura determinação. Suas mãos ásperas pareciam tão suaves, tão bem-vindas para sua pele. O contato a acalmava e a assustava ao mesmo tempo.
—O que aconteceu na tenda não era minha intenção. Você tirou vantagem de mim.
Ian sorriu. Deus amado, que sorriso...
—Uma vantagem muito pequena, considerando sua vulnerabilidade. Não pude me refrear. Da mesma maneira que você não pôde evitar desfrutá-lo.
Ele se aproximou.
—Não faça isto—, ela gritou. —É cruel e desonroso de sua parte.
Mas sua boca tremula não falaria. Detenha-o, lute, sua mente lhe pedia desesperadamente. Por você e por seu orgulho. Por Robert. Mas sua proximidade e contato suave despertava esse desejo irracional tão longamente negado, e ela só podia conter a respiração e observar o rosto que se inclinava sobre o seu.
Lábios mornos sobre os seus, acalmando, atraindo. Beijos roçando sua bochecha, sua orelha, seu pescoço e um abraço muito apertado.
Sua mente nublada pela confusão, a negação e o desejo.
Por um momento ela ficou rígida. Mas suas mãos se moveram pelas costas, e esse contato reconfortante a venceu. Sua mente perdeu a batalha contra seus sentidos. O dever sucumbiu à necessidade.
Ela sabia que ele sabia da derrota, mas de repente não se importou. Ele levantou sua cabeça e olhou-a antes de reclamar um beijo mas exigente. Perdi tudo, ela pensou, e se deixou inundar pelo desejo.
Seu beijo se fez mais íntimo, sondando lentamente dentro de sua boca, e um estremecimento lhe percorreu o corpo, achando seu destino final mais abaixo do ventre. Levantou os braços por própria iniciativa e o abraçou, atraindo-o para mais perto ainda. Seus seios endurecidos pela pressão contra seu peito, e Reyna ofegou pelo prazer que esse contato lhe dava. Ela girou sua cabeça para aceitar os impacientes beijos que exploravam seu pescoço. Estava perdida agora, totalmente perdida.
Um prazer excitante cresceu rapidamente chegando a um ponto excruciante e insistente. Com mais calma, ele acariciou todo seu corpo, e ela suspirou. Sua mão alcançou seu seio e a sensação a fez exclamar em um grito. Ele tampou o som com um beijo. A mão sedutora acariciou o mamilo, levando-a ao delírio da excitação.
Ele meio a empurrou, meio a guiou para a cama. Sentou na borda e a colocou entre as coxas.
Ela olhou para baixo, aqueles olhos ardentes, a mandíbula tensa e os lábios semi abertos.
Ela nunca tinha conhecido um homem que pudesse parecer tão belo e forte em sua paixão. Ela podia contemplá-lo para sempre. Suas mãos acariciaram a extensão de seu cabelo, seguindo caminho pelos seios, o estomago e os quadris. Seus dedos acharam os laços de seu vestido e os desataram.
Ela não podia mover-se. Apenas podia permanecer em pé. Sem seu abraço ela sentia-se vulnerável. Reyna fechou os olhos quando ele deslizou o vestido para fora de seus ombros e seus braços. As alças caíram até seus quadris.
Por debaixo de suas pálpebras ela o observou estudar sua nudez e afastar seu cabelo para um lado e tocar seus seios. Suavemente acariciou e esfregou os mamilos eretos e a olhou com olhos conhecedores. Ela esticou seu corpo para ter algum vago controle e apertou suas coxas para aliviar a necessidade pulsante de seu sexo.
Ian a enlouqueceu de excitação antes de trazer seu corpo mais próximo e estimular com sua língua, primeiro um mamilo, e logo o outro. Reyna acariciou seu cabelo enquanto seus quadris se arqueavam de um modo sensual. Ian a abraçou e tomou seu seio em sua boca.
—Vem e deita comigo, Reyna.
Ela olhou para baixo, para seu bonito rosto e sentiu que o sonho se partia. Uma tristeza estranha invadiu-a. Teria sido melhor que ele nunca tivesse falado. As palavras são coisas racionais e alimentam o pensamento racional. Seu pedido reativou nela o sério sentido de dever e virtude.
—Não posso. Não devo.
A raiva o invadiu quando ele se deu conta que ela realmente queria dizer isso, que ela não iria mais adiante.
Raiva e assombro. Ele a sentou em seus joelhos e tomou seu rosto em sua mão.
—Isto é um desafio, milady? Para ver se eu dizia a verdade quando disse não haveria nenhum estupro aqui?
—Não,— ela disse, sabendo que estava muito vulnerável agora e que ninguém acreditaria que isso era uma violação.
Ela saiu de seu colo. Quase caiu no chão. Sentindo-se muito envergonhada, endireitou-se e cobriu-se com o vestido.
Ian ficou de pé.
—Certamente ensinaste a este inglês filho da puta uma lição—. Caminhou para a porta.
—Não pense fazê-lo novamente.
Reyna se sentou na cama depois que ele partiu, tentando submeter o que tinha acontecido a um pouco de lógica. Sua mente estava muito confusa. Só sabia que ela se traiu de um modo infame, e quase tinha traído Robert também.
Ela queria culpar Sir Ian, mas sabia que não tinha sentido fazer isso. Que importava a ele as velhas lealdades que batalhavam dentro dela? Reyna duvidava que fora um homem que refletisse muito sobre as conseqüências, ou que pensasse duas vezes sobre as mulheres que ia deixando no caminho. Ele era um mercenário que tinha estabelecido um cerco a seu castelo, e, uma vez que ela se rendesse ao que pretendia obter e tomaria seu prêmio para logo partir.
Sim, suas ações tinham sido compreensíveis e previsíveis. A culpa do que tinha acontecido estava nela.
Reyna foi para uma das janelas, sentando-se perto do parapeito, deixando que o fluxo de ar lhe lavasse o rosto para esfriar sua humilhação. Seu quarto dava para o lado leste, e dali ela podia ver as colinas Cheviot.
Seu olhar recaiu numa velha fortaleza, usada antes que Black Lyne tivesse sido construída.
Não era mais do que uma massa de pedras e ruínas sobre bases cavernosas agora.
Algo brilhou entre as ruínas, como uma estrela amarela reluzindo na base de uma estrutura distante. Ela aguçou a vista e o viu novamente.
O sinal de Reginald. Ele tinha encontrado cavalos.
Ian quase se sentia sob controle quando ele voltou a entrar no salão.
Forçando-se a não pensar na mulher que acabava de deixá-lo como um estúpido, mordendo sua fúria porque ela tinha encontrado força para negar-se de um modo que poucas mulheres fariam, ele esquadrinhou o grande recinto até que achou Gregory.
Caminhando a passos largos se aproximou para dizer:
—Amanhã pela manhã, leva dez homens com você a Harclow. Diga a Morvan que Maccus Armstrong não está dentro da fortaleza.
Gregory assobiou surpreso.
—Diga a Morvan que nós aumentaremos as patrulhas e vigiaremos a zona norte, mas que ele deve estar alerta também.
Gregory deixou o salão para escolher os homens que levaria. Ainda fervendo de raiva, Ian se sentou pesadamente na cadeira do Lorde na mesa principal.
Ela tinha planejado isto? Deliberadamente o tinha atraído a seu jardim para poder lhe fechar o portão na cara no momento mas efetivo? Tinha recorrido a lutar essa guerra com armas femininas, quando os punhais e as espadas falhavam? Sua rendição tinha sido posta em cena feita pela mesma atriz que primeiro se havia feito passar por prostituta?
Ian não acreditava nisso. Conhecia mulheres altamente peritas na arte da decepção e do engano, mas tinha sido prejudicado por uma delas apenas uma vez, quando não era mais que um adolescente. E tinha aprendido a lição. Seus instintos para detectar este tipo tinham ficado muito aguçados ao longo dos anos. Ela necessitaria muito mais que habilidade para enganá-lo.
Ele considerou as outras possibilidades e finalmente se forçou a enfrentar a mais óbvia. Ela afirmava ter sido fiel a seu marido. Uma mulher virtuosa, então, e por seu próprio código de moral ele não deveria aproximar-se dela.
Então, por que não tinha saído daquele quarto como tinha planejado?
Ian resistiu a reflexão que essa pergunta exigia. Reyna estava metida em sua cabeça, isso estava claro, e ele a desejava, isso estava mais do que claro. Desejava-a mais do que tinha desejado uma mulher em particular por um longo tempo. Não lhe acontecia isso desde Elizabeth, mas aquilo tinha sido diferente. Ele se aproximara de Elizabeth como um moço ferido e vingativo, e se tinha afastado dela um homem. E agora era um homem que desejava Reyna.
Olhou para a mesa abaixo da dominante posição na cadeira do Lorde. Era o mais perto que estaria do poder, e era bastante comparado com o que muitos filhos menores obtinham na vida. Mas essa noite, esse pensamento lhe deu pouco consolo. Ele só era, depois de tudo, uma espada paga, e tinha sido pouco mais que um ladrão nesses últimos anos. Pelo menos uma pessoa nessa torre sempre o veria assim, sem se importar onde ele se sentasse.
Que papel tinha ele na negação dela? E por que isso teria que lhe importar?
Não deveria se importar, porém, inexplicavelmente, importava-se.
Em um canto do salão, uma criada limpava as mesas, seu cabelo escuro e comprido escapava por debaixo de seu lenço. Ela olhou para ele enquanto trabalhava.
Observou que em cada um de seus movimentos, seus seios e a curva de seus quadris roçavam contra o tecido de seu vestido simples.
Ela notou sua atenção, e se aproximou. Ele a reconheceu. Ela tinha buscado seus olhos várias vezes durante os últimos dois dias e o tinha lançado sorrisos tímidos. Sorriu menos timidamente agora.
—Meu nome é Eva. Gostaria que buscasse um pouco de cerveja, Milorde?
Milorde. Não, realmente não eram as palavras apropriadas, mas isso era um ponto menor para os criados sob as atuais circunstâncias. Uma pessoa nessa fortaleza nunca o chamaria com esse título, embora a ameaçassem a fio de espada. Desprezível filho da puta, bastardo sem honra, sim, mas nunca Milorde.
Ian olhou através da mesa para Eva. E sorriu.