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Capítulo 6
Durante o passar do dia seguinte, Reyna certamente fez muito para evitar Sir Ian. Se ela ouvia seus passos na escada, corria descendo os degraus de outra escada. Quase ao entardecer, uma comoção no corredor a fez sair de seu quarto para encontrar Margery e outras damas conversando excitadamente.
Margery observou o vestido simples que Reyna se pôs depois do jantar.
—Ponha-se mais apresentável—, ela ordenou. —Estamos esperando uma visita. Um cavalheiro acaba de vir para anunciá-lo. É um nobre francês, o conde do Senlis.
—Por que um conde francês nos visitaria? Esta fortaleza está sob o mando de um exército inglês, e os franceses são seus inimigos.
—Quaisquer que fossem suas razões, devemos recebê-lo apropriadamente. Já instruí Alice para que faça a melhor refeição. Não queremos que este homem pense que está entre bárbaros. Vista-se decentemente ou se esconda na cozinha. Ele chega logo.
Reyna voltou para seu aposento, colocou seu vestido azul, e desceu ao pátio, onde as mulheres esperavam para saudar o nobre francês. Ian estava ali, e ele não fez nada para evitar parecer um bárbaro.
Ele estava terminando uma série de encanamentos que tinha inventado para levar água a pisos superiores da torre. Uma grande viga saía do banheiro, e cordas penduravam de uma roldana.
Os netos de Alice, Adam e Peter, brincavam nas sombras. Ian os viu e os chamou. Sorrindo encantados, eles o ajudaram a fazer um teste dos encanamentos. Colocaram um balde de água na parte inferior da corda, e Ian começou a içá-lo.
Ian vestia uma túnica sem mangas e calças curtas, seu corpo se destava por baixo do tecido. Os músculos tensos de seus braços marcavam linhas poderosas quando ele levantava as mãos para cima. Reyna se deu conta que essa era a primeira vez que o via à luz do dia. O sol criava reflexos vermelhos em seu cabelo marrom escuro. Seus olhos claros pareciam mais profundos e mais comoventes aqui fora.
Ele terminou o teste e sorriu com uma expressão satisfeita. Ela se aproximou e estudou o mecanismo.
—Se ajustar uma manivela à corda, até as mulheres poderiam fazer isto—, ela disse.
—Uma boa idéia. Claro que em tempo de guerra faz a fortaleza vulnerável. Quem estiver no comando aqui terá que destruí-la.
Ele finalmente notou a fila de mulheres com suas roupas mais elegantes aguardando nos degraus da torre.
—O que é isto? Estamos esperando o Papa?
—Margery disse que uma visita está a caminho.
—Tudo isto é por causa de David? Ele vai achar isto muito divertido.
—David?
—David de Abyndon, irmão de Morvan por casamento, seu cunhado.
—Margery entendeu mal. Ela pensa que é o conde de Senlis que está chegando.
—David é o conde de Senlis. Mas antes que ele recebesse Senlis era um comerciante em Londres, eu o conheci como tal. Na Inglaterra ele ainda é conhecido como Mestre David, o algodoeiro. Ele nunca renunciou à cidadania, e mantém seu lugar na companhia de comércio. Ele e Christiana, a irmã de Morvan, passam um pouco de tempo em Londres.
—Uma história não muito freqüente.
—Um homem não muito freqüente— ele voltou sua atenção para as grades que eram levantadas e os sons de cavalos aproximando-se.
Seis cavalheiros trotaram no pátio. Reyna identificou o conde imediatamente. Ele era um homem muito cabeludo de cabelo cor castanho dourado. Ele desmontou seu cavalo e caminhou em direção à fortaleza com um sorriso vago em seus lábios e um escrutínio inteligente em seus olhos azuis.
Ian avançou e os dois homens se saudaram calorosamente. Eles só falaram algumas palavras antes que David se dirigisse às mulheres. Margery estava mais adiante, em posição proeminente, e o conde aceitou sua mão estendida em um gesto elegante de saudação.
—Lady Reyna, presumo.
Margery se agitou.
—Não, esta é Lady Margery, Esposa de Thomas Armstrong—, Ian explicou. —Essa mulher é a viúva de Robert Kelso — ele apontou Reyna com seu dedo.
Ela se aproximou, sabendo que parecia muito mais pobre comparada a Margery e às outras. Ela não tinha nenhuma jóia e se negava a usar pesados vestidos de veludo. Ela se perguntou se este conde era o tipo de homem que se sentiria insultado por sua falta de esforço.
Mãos bonitas tomaram as suas cortesmente. Os intensos olhos azuis ignoraram seu vestido e só olharam seu rosto. Ela teve a incômoda sensação que outra mente acabava de invadir a sua e imediatamente soube tudo o que precisava saber.
Foi invadida por um medo inexplicável de que sua situação acabasse por tornar-se muito mais precária.
—O que são estes outros cômodos?— David perguntou quando Ian o levou à do porta solar.
—Lady Margery fica em um, e as outras damas se acomodam ali acima. A cela monástica de Lady Reyna fica lá.
—Cela monástica? Eu pensei que tinha armado seu próprio harém. Protegido e acessível só para o grande sultão Ian.
David caminhou pelo solar, e sua atenção rapidamente se dirigiu às prateleiras com livros. Ele ficou absorto, tocando-os cuidadosamente enquanto folheava as páginas.
—Esta é uma biblioteca excelente, melhor que a que muitos bispos possuem. Aquino e Agostinho. E Ovidio também—. Ele abriu uma capa. —Vários destes vieram da mesma fonte. Eles têm as iniciais marcadas de um dono anterior. J.M.
Ian tomou um livro da prateleira.
—Deveria achar isto interessante: Bernardo de Clairveaux, com comentário em francês às margens.
Ian observou David ler os volumes e considerou o que sabia sobre esse comerciante convertido em conde. David tinha sido um dos primeiros comerciantes ingleses a viajar ao sul e ao leste e estabelecer uma rede de comércio. Essa rede o fez rico antes que fizesse vinte e cinco anos. Um homem enigmático, fácil de conhecer superficialmente mas quase impossível conhecê-lo bem.
—O que te traz aqui ?— Ian finalmente perguntou.
David tirou sua atenção dos livros.
—Eu estava em Carlisle aguardando transporte para Londres, mas se atrasou e estava aborrecido. Fui a Harclow e Morvan me pediu que viesse aqui antes de retornar ao porto.
Morvan lhe pediu que viesse e que fiscalizasse Ian de Guilford, Ian sabia que era isso o que queria dizer. Morvan tinha para com Ian uma dívida por ter salvado sua vida e tinha concordado em pagá-la com a rendição da torre, mas Fitzwaryn não estava completamente tranquilo usando uma companhia de soldados independente em sua guerra privada.
—Como pode ver, tudo está em ordem e as pessoas estão bem. Esta torre teria caído antes se Morvan me houvesse dito sobre o túnel posterior.
—Ele não sabia sobre isso. Não esteve aqui desde que era um adolescente ou pelo menos seu pai nunca mencionou o túnel. Mas provavelmente Sir Robert o construiu. Morvan está muito contente com seu êxito aqui.
—Como vai o cerco em Harclow?
—A fome finalmente os forçou a fazer sair às pessoas dispensáveis: as mulheres, as crianças e alguns criados. Morvan estava esperando isso. Agora atacará. As máquinas de guerra estão construídas e prontas. Uma vez que o navio chegue com os homens que o rei Edward prometeu, será um fato.
Ele fez uma pausa.
—Será sangrento.
—Morvan me quer lá? Alguém poderia ficar no comando desta torre agora.
—Quando for o momento, ele te mandará chamar, por agora te quer aqui, vigiando os caminhos do solar de Armstrong em Clivedale. Esperamos que Thomas Armstrong tente uma ação de resgate. Sua notícias de que Maccus está em Harclow explicou muito, a propósito. Como se inteirou disso?
—Lady Reyna deixou escaparar isso.
—Os homens que nos enviou contaram que ela te levou até o túnel. Seduziu-a para que fizesse isso?
—É isso o que os homens disseram? Sim, o fiz, mas não do modo que eles acreditam.
Ian descreveu os eventos daquele dia.
—Foi astuto ao adivinhar o plano dela. Um homem mais vaidoso poderia ter acreditado que ela se apaixonou observando da torre, e teria usado o ardil para cumprir seu desejo.
—Não houve tanta boa sorte. Ela veio para me matar.
—Uma mulher valente. Muito bela. Quando a vi, recordou-me Elizabeth. Muito mais jovem, claro.
Ian vacilou ante este comentário casual sobre a viúva com quem ele tinha passado dois anos de sua vida.
—Ela te enviou seu carinho—, David adicionou. —Sente-se ferida porque você não a visitou quando passou perto de Londres.
Sim, ela me envia seu carinho. Mas enviou para Morvan Fitzwaryn seu amor.
Uma das velhas tensões entre eles.
—Me conte sobre Lady Reyna—, David disse.
—Ela é valente e determinada , criadora de problemas e dificuldades. Um pouco selvagem. Ela secou o poço de água, estou certo, e nunca fala comigo sem me insultar.
—Seus homens também contaram a história da morte de Sir Robert.
—Eu não acredito que ela seja capaz.
—Um problema no qual não precisa se meter.
—Problema ou não, ela estará segura aqui, como Morvan ordenou.
—Os homens que chegaram com Gregory também disseram que ela se tornou sua amante—. David falava em um tom casual mas era evidente que queria a informação.
—Eu os fiz pensar isso para protegê-la. Entendo os objetivos de Morvan aqui, David, mas estes homens estiveram vivendo uma vida muito dura...
—Não estou aqui para criticar, Ian. Mas estou contente por ouvir que não começou uma relação com ela, porque será melhor que a dama parta.
Então era por isso que David tinha vindo. Para levar Reyna. A idéia de que ela logo desapareceria, que ele não teria sua companhia nas refeições, perturbou-o de um modo estranho.
—Como sabe, Ian, Morvan prometeu sua segurança a seu pai. E a neutralidade de Duncan Graham neste conflito é importante — David explicou como se acreditasse que Ian precisava ser convencido. —Morvan não pode estar lutando com os Grahams enquanto também luta com os Armstrongs. Com as acusações contra Lady Reyna o assunto de sua segurança adquire um novo significado. Se os Armstrongs a seqüestrarem daqui para julgá-la, os Grahams interferirão.
Ian escutou a lógica inexorável que retiraria Reyna da fortaleza de Black Lyne.
—Aonde a levará?
—Para seu pai, Duncan Graham. Os estandartes de Senlis permitem cruzar sua fronteira.
—Ela não pode querer voltar lá. Ela pediu para partir, mas não para ir para casa de seu pai.
—Ela estará segura lá. Chame a dama, Ian.
Seu escudeiro John esperava fora da porta, e Ian o mandou procurar Reyna. Enquanto eles esperavam perguntou a David sobre Christiana e seus filhos. O rosto normalmente inescrutável de David se iluminou quando falava de sua família, e uma expressão terna encheu seus olhos com a menção de Christiana em particular. Ian via isso em homens jovens recentemente apaixonados, mas raras vezes em um homem casado há anos.
Reyna chegou parecendo uma criada com o vestido simples que usava na cozinha. Pelo menos tinha tirado o lenço do cabelo.
David convidou Reyna a sentar-se na cadeira, e logo ele se alojou em um tamborete atrás da escrivaninha.
—Encontrei-me com seu pai antes que esta guerra começasse — ele disse —Ele estava preocupado com sua segurança quando a luta começasse.
—Isso é muito estranho… eh… Como devo tratá-lo, milorde?
Milorde. Ian cerrou os dentes.
—David estaria bem.
—Não me sentirei à vontade me dirigindo desse modo.
—Então, se preferir, Sir David. Finalmente permiti que Morvan me nomeasse cavalheiro uns anos atrás. Como ele uma vez ameaçou me matar com sua espada, eu pensei que seria melhor aceitar.
Ela riu.
—Assim será melhor, Sir David. De qualquer maneira, eu não tenho visto meu pai desde que deixei sua casa, há doze anos atrás. Nem ouvi falar dele. Seu interesse súbito me surpreende.
—É sua filha.
Um silêncio se instalou. Ian observou Reyna. Ela estava representando uma mulher recatada e doce. Submissa. Nenhum insulto tinha saído de sua boca ainda.
David distraidamente levou um livro na sua direção. Reyna franziu o cenho.
—Tome cuidado, Sir David—, ela disse. —São livros muito raros e valiosos.
—Conheço seu valor, milady. É uma grande biblioteca para um Lorde escocês menor. Alguns são bastante antigos. Como os obteve seu marido?
—Adquiriu alguns quando voltou para a Escócia. Ao longo dos anos ele comprou mais. Alguns deles são meus.
—Voltava para a Escócia de onde?
—Robert viajou muito. Constantinopla e Grécia, acredito. Depois pela Europa. França. Foi há muito tempo atrás. Ao retornar se encontrou com Maccus Armstrong e começou a trabalhar a seu serviço, e esteve aqui desde então.
—Sinto muito não havê-lo conhecido. Nós teríamos tido muito para conversar. Disse que alguns destes são teus?
—Alguns. Eu os guardo aqui com os outros. Confio que quando tiver permissão para partir me será permitido levá-los, comigo.
—As leis dizem que uma mulher da nobreza tem permissão para levar sua roupa e suas jóias. As leis não mencionam livros.
Pela primeira vez desde que ela tinha entrado, Ian viu uma amostra da Reyna que ele conhecia.
—Não possuo nenhuma jóia, Sir David. Estes livros são tudo o que possuo. Escolhi os ter em vez de ter roupas e jóias—, ela disse intencionalmente.
—Será Morvan quem dita sua disposição. Ajudaria se tivesse documentos que confirmem sua propriedade. Talvez encontre recibos nas contas de seu marido, achaste documentos relacionados com esta propriedade, Ian? Alguma escritura nas prateleiras?
—Assumo que Thomas levou os documentos quando escapou.
Em realidade, ele tinha encontrado algo mais: a ambígua carta do bispo. Agora estava dobrada entre seus próprias pertences.
David abruptamente perdeu o interesse nos livros.
—Seu pai considera que sua segurança é um assunto importante, Lady Reyna, tenha sentido ou não. Considerando as acusações feitas contra você em relação à morte de seu marido, seria melhor te tirar daqui. Amanhã a levarei para sua família.
Seu anúncio revelou a verdadeira Reyna. Ela ficou de pé.
—Inferno! Não deixarei que o faça.
—As acusações prometem complicar as coisas de um modo que nós não precisamos. Voltará para seu pai.
—Meu pai não tem nenhuma autoridade sobre mim—, ela levantou seu queixo obstinadamente. —Ele cedeu essa autoridade quando me entregou a Robert. Ele não tem nenhum direito sobre mim, e eu não voltarei para lá.
—Retornaria para alguém que tivesse autoridade sobre você?
—E quem que seria essa pessoa? Meu marido não tinha família. Seu Lorde, Maccus Armstrong, está sitiado em Harclow. Ele gosta tanto de mim que abrirá os portões de Harclow para me deixar entrar?
Ian observou o diálogo fascinado. Essa era sua moça.
—Existe a opção de te mandar a Clivedale — disse David.
—Se o fizerem, Thomas Armstrong me executará pela violação de todas as leis. Morvan Fitzwaryn me mandaria para uma morte certa e injusta?— Reyna falava desafiantemente, mas a ameaça teve pouco efeito, porque seu corpo tremia como se estivesse morta de frio.
David a estudou.
—Por que te nega a voltar para seu pai? É o mais seguro para você.
—Visitou a casa de meu pai, Sir David? Certamente terá notado o medo dos criados. Viu o modo como as mulheres são tratadas e usadas. Isso é assim desde ele fez isso a minha mãe.
—Eu não vi o que descreve. Mas é sua filha. Certamente...
—Não será diferente para mim por ser sua filha e ele ficará pior agora. Duncan Graham não sente nenhum amor por mim. Eu não voltarei para lá.
—Ian me disse que pediu para partir.
—Sim, mas não para ir para Duncan. Eu desejo ir para Edimburgh. Tenho um amigo lá que me ajudará.
—Quem é esse amigo?
—Seu nome é Edmund.
Edmund?
—Edmund!—, Ian gritou.
—Ele é o irmão de um dos cavalheiros de meu marido. É um clérigo—, ela disse, mantendo seus olhos fixos em David. —Pertence à Ordem de cavalheiros de St. John. Vive em um refeitório perto do Edimburgh. Ele conhece uma viúva que me daria uma casa.
—Quer dizer que ele conhece um monge que te dará uma cama—, Ian disse.
—Ele tem votos de celibato, maldição!— Reyna replicou.
—Jesus. É tão ignorante? Tantos livros e não entende nada.
—Por que questionar as intenções de um bom homem. O que sabe você de um cavalheiro que se preocupa com uma mulher? Você abusa desse tipo de mulheres. Assim é sua vida.
—O que sabe desse clérigo honrado?— Ian exigiu.
—Mantemos correspondência há cinco anos.
—Escreve algumas cartas a um homem sobre filosofia e pensa que o conhece? Cristo Santo!
—Eu o conheci, idiota. Ele visitou seu irmão Reginald cinco anos atrás. Robert estava muito encantado com ele, e ele o visitou novamente no ano passado. Ele e Robert converteram-se em bons amigos.
—E você e ele se converteram em amigos íntimos.
—Só você pode pensar que tal amizade nunca poderia ser virtuosa. Para que serve uma mulher, a menos que esteja deitada em uma cama?
—Basta—, a voz calma de David interrompeu o dialogo firmemente.
Ian engoliu a replica que tinha para sua última declaração. Edmund, o Hospitaleiro... Por Deus!
—Ela obviamente não pode ir para Edimburgh, David—, ele disse. Se ela se equivocar a respeito desse homem, não poderá defender-se.
—Não sou tão má julgando os homens. Soube quem foi você em dois segundos. Inglês vaidoso, arrogante, tirânico, hedonista, filho da...
—Basta, milady—, David advertiu. —Nos deixe agora. Não irá para Edimburgh, pois nós não podemos garantir sua segurança lá. A respeito de voltar para seu pai, decidirei pela manhã, mas deveria se preparar.
Reyna partiu da sala com passos determinados que não pressagiavam nada bom para os próximos dias. Ian se perguntou se deveria pôr um guarda na dispensa de grãos.
—Selvagem, sem dúvida—, David disse.
—Sem dúvida.
—O monge poderia ser como ela assegura.
Ian deu a David um olhar de supremo ceticismo.
—Ela parece bastante zangada com você—, David disse secamente.
—Sim, claramente não impressionei a dama.
David se sentou atrás da escrivaninha novamente.
—A casa de seu pai é tal qual como ela a descreveu. Mas como ele expressou preocupação por ela, eu pensei que... mas…— ele franziu o cenho enquanto passava as folhas do livro aberto. —Pergunto-me porque ele a quer de volta.
—Não está claro? Disse que ele só procura sua segurança. Se ele a quiser, por que não deixar que ele venha e a busque. Talvez eles se reconciliarão ao encontrar-se aqui.
—Pensarei sobre isso. Por agora ajude-me com estes livros. Freqüentemente se guarda documentos importantes nos livros. Ou coisas pessoais. Talvez Robert o tenha feito também.
—O que estamos procurando?
—Qualquer coisa. Seu testamento. O contrato de casamento. Seu título. É estranho que você não os tenha encontrado. Por que Thomas Armstrong os levaria?
Eles passaram horas até o jantar trabalhando com os tomos. Ian encontrou algumas cartas privadas de nenhuma importancia, e um curto poema de natureza religiosa.
Alguns dos volumes distraíram a Ian. Um foi o Livro das Horas com adoráveis ilustrações mostrando os trabalhos nos distintos meses. Finalmente ele achou um pequeno fragmento de Pergaminho com um desenho. Só alguns círculos, um quadrado e algumas linhas curvas. Parecia que, entre outros interesses, Robert de Kelso gostava de astronomia.
Ao final de sua busca, David descobriu um grande pergaminho dentro de um dos Evangelhos.
—Aqui há algo.
—O que é?— Ian perguntou.
—O testamento de Sir Robert de Kelso. Entretanto, também é um motivo para que uma dama assassine a seu marido—. Deu-lhe o pergaminho. —Ele lhe deixou tudo. Não umas poucas terras para a dote. Lhe deixou tudo.
Capítulo 7
Ian ficou acordado a maior parte da noite pensando sobre a morte de Robert. Ele continuava considerando a evidência contra Reyna.
O descobrimento do testamento certamente inclinava a balança contra ela. Ele suspeitava que ela sabia que esse documento estava dentro daquele livro, e até talvez ela o havia a colocado ali. Ela não o destruiria, pois poderia resultar valioso, mas ela não queria que fosse encontrado. Era um lugar efetivo, já que ninguém exceto Reyna e seu marido liam esses livros. Era por isso que se preocupou quando David tocou nos livros.
Então, ela sabia que Sir Robert lhe tinha deixado Black Lyne e todas suas terras, convertendo-a em uma viúva rica. Até se Maccus procurasse desapropriá-la, aquele testamento teria dado a Reyna uma arma poderosa em qualquer negociação. Ao menos ela provavelmente teria sido salva do destino da maioria das viúvas sem filhos, viver em uma pequena propriedade e ser condenada a uma existência pobre.
Pior até, se Sir Robert procurava desfazer-se de sua esposa e anular o matrimônio porque ela era estéril, Reyna tinha um bom motivo para acelerar a morte do homem para evitar perder essa herança.
Finalmente, como se tudo isso não fosse suficientemente mau, havia Edmund. Ela tinha mantido correspondência com esse homem por mais de cinco anos. Filosofia e teologia e as grandes pergunta relativas à condição humana, sem dúvida. Maldição!
Chegou o amanhecer, ele se levantou e se vestiu. Quando se dirigia para o salão, Ian finalmente deixou que sua mente seguisse o caminho óbvio que tinha evitado durante toda a noite.
Ela e Edmund se apaixonaram quando ele a visitou. Eles continuavam a relação em suas cartas e ele tinha vindo para vê-la novamente no ano passado.
Lentamente, sutilmente, Edmund tinha começado a lamentar que eles estariam separados para sempre. Ela lamentava também, mas tinha demorado em pensar numa solução até que Robert começou com os trâmites para anular o matrimônio. De repente seu futuro estava em risco, e a atrativa idéia de uma vida com outro homem não só parecia acessível mas também necessária.
Robert morre, ela herda, Edmund chega para consolá-la e logo fica com ela, e eventualmente ele encontra um caminho para ser relevado de seus votos de celibato.
Mas as suspeitas contra ela tinham interrompido os planos, e de repente o testamento converteu-se em uma maldita evidência que devia ser escondida. Então, com a chegada do exército de Morvan, estas terras já não eram de Robert e ela não podia herdá-las. Ela ainda procurava unir-se a seu amor, mas agora tinha que escapar das conseqüências de sua ação homicida.
Sim, com o descobrimento do testamento e de sua relação com Edmund, a evidência débil contra Lady Reyna se fez muito mais forte. Era evidência clara, plausível, e suficientemente convincente para sentenciá-la à morte.
E o que podia ser colocado de seu lado na balança? Tudo o que ele podia alegar em defesa dela era sua própria sensação de que ela não faria uma coisa assim. Não era muito.
David estava sentado em uma mesa comendo pão e cerveja. Ian se deslizou pelo banco à sua frente.
—Ela não irá com você—, disse.
Desafiar a David era o mesmo que desafiar a Morvan. Ele estava arriscando o futuro que tinha planejado por uma mulher que bem podia ser uma envenenadora, a quem ele podia haver julgado mau, e a quem não devia nada. Incomodava-lhe admitir que nem sequer estava seguro do porque falava.
David placidamente comia seu pão.
—Não, ela não partirá. Eu provavelmente teria que amarrá-la aos arreios, e mesmo assim ela resistiria e permaneceríamos nas colinas Cheviot por dias. Passarei por Harclow no caminho para Carlisle e contarei tudo a Morvan, e sugerirei que Duncan venha para buscá-la. Se ele o fizer, você deverá deixá-la partir.
—Eu a deixarei ir, mas não a forçarei a fazê-lo.
—O que for que a espere na casa de Duncan, é melhor que a forca. Não espere que Morvan vá ignorar este crime.
—Ela não sabe nenhuma receita de veneno. Se soubesse, teria tentado usá-la comigo. Muito mais fácil que me matar com uma adaga.
—Se ela soubesse sobre venenos, saberia que seus efeitos são mutáveis de pessoa para pessoa, uma adaga é mais difícil de usar, mas também mais segura de causar a morte.
—Já decidiu que ela tem culpa.
—Eu só assinalo a evidência. Realmente, não penso que ela fez isso. Ela é muito inteligente. Se queria matar Robert de Kelso, penso que ela teria achado um modo de fazê-lo para que as suspeitas nunca recaíssem nela. Igualmente, mantenha um olho sobre ela. Ela tentará escapar. Por trás de sua pose valente ela está muito assustada, e tem razão para estar—. Ele ficou de pé. —Os homens e os cavalos aguardam. Espero chegar a Harclow ao entardecer.
Ian acompanhou David ao pátio. Lady Reyna estava nos degraus inferiores, com os braços cruzados sobre seu peito, sacudindo seu pé impacientemente.
—Não vou—, ela anunciou. —Além disso, tenho uma mensagem para que leve a Sir Morvan. Me inteirei de algo da tomada de Harclow quando ele era um menino. Recorde-lhe que Maccus Armstrong permitiu a sua mãe e seus filhos partir, e ir para onde ela desejasse. Eu exijo o mesmo cavalheirismo dele.
—Darei a Morvan sua mensagem, mas suavizarei o tom. Ele tem pouca tolerância às mulheres que querem lhe dar lições de cavalheirismo. Até que sua situação seja decidida, permanecerá aqui e obedecerá a Sir Ian.
Ian acompanhou David através do pátio até os cavalos.
—Deixo-te com problemas, Ian.
—Sim.
—Não a perca de vista. Não quero ter que explicar para Duncan que não sabemos onde está sua filha.
—Isso não acontecerá.
David montou seu cavalo. Ele olhou novamente para Lady Reyna. Ela estava de pé, bem reta e determinada e nem um pouco assustada. Ele bateu sua mão no ombro de Ian.
—Rezarei por você.
No dia seguinte um camponês chegou ao portão para fazer uma reclamação de furto. Tinha levado toda sua coragem atrever-se a vir, já que os ladrões haviam ameaçado matá-lo se o fizesse. Não lhe tinha sido roubado muito, mas para esses camponeses que não possuíam muito, qualquer perda era séria.
Ian fez com que o homem identificasse os culpados, e para isso procuraram em seu acampamento fora dos muros. Quando os artigos roubados foram encontrados, o destino dos ladrões foi selado.
Ian fez com que os ladrões fossem presos a uma grande árvore perto do rio. Ele podia tê-los pendurado dentro dos muros, mas tomou essa decisão como líder da companhia de soldados e não como Lorde da fortaleza. Ele exigiu que quarenta de seus homens assistissem à execução, incluindo aqueles que eram mais problemáticos. Ele deixou bem claro que o castigo não era pelo furto, já que isso seria hipócrita, mas sim por desobedecer à sua ordem.
Quando tudo estava terminado, um de seus cavaleiros mais jovens avançou e desembainhou a espada. Era o mais direto dos desafios, um gesto declarado para apresentar-se para substituir seu chefe. Como dois animais, eles lutariam pela liderança do rebanho. Ian não tinha conquistado sua própria autoridade dessa maneira, mas, sim, tinha sido eleito pelos outros cavalheiros três anos antes, quando o último capitão morreu .
Os outros homens formaram um círculo, e Ian voltou-se para o desafiante. Levou muito pouco tempo para derrotar o homem.
As duas experiências o deixaram sombrio pelo resto do dia, e sem humor para tolerar qualquer desafio. E então quando Lady Reyna não apareceu para a refeição da noite, ele saiu bruscamente do salão para procurá-la.
Achou-a em seu quarto, em sua cama com uma manta sobre os ombros.
Os Pergaminhos e os documentos em sua escrivaninha tinham sido ordenados e empilhados, e ele se perguntou se as cartas do Edmund estariam entre eles .Essa idéia não melhorou seu humor.
—Não me olhe assim—, ela disse. —Estou doente.
—Maldição! Isto é outra rebelião para me incomodar. Desça ao salão agora mesmo.
—Elogia a você mesmo se pensar que passarei fome para te incomodar. Asseguro-te que não estou bem.
—Mulheres como você não adoecem. É muito voluntariosa e determinada.
—Isso é a coisa mais estúpida que já ouvi. Eu adoeço freqüentemente. Como agora.
—O que você está sentindo?
—Não é nada sério. Passará em alguns dias.
A preocupação fez que sua voz fosse mais séria ainda.
—Milady, perguntarei mais uma vez. Que enfermidade é esta?
Ela suspirou.
—É uma enfermidade que deve conhecer. Cólica menstrual. Se uma mulher não tem filho, a dor pode ser pior.
Ian pareceu imediatamente embaraçado e envergonhado.
—Necessita uma criada para te ajudar?
—Não. Eu simplesmente suporto. Mande alguém dizer a Alice que não estarei pela cozinha por um tempo.
—Te mandarei Alice. Não sabe de nenhuma poção para tratar este tipo de coisa?
Ela suspirou profundamente.
—Se soubesse, pensa que passaria por este sofrimento? Realmente, Sir Ian, este tema é bastante constrangedor.
—Quanto tempo estará doente?
—Pelo menos dois dias—, ela replicou. —Talvez até quatro. Agora saia daqui, bárbaro inglês, e me permita um pouco de privacidade.
—Está bem—, ele disse, girando para partir. —Se não me tivesse insultado, teria enviado alguém para procurar um médico em Carlisle.
Duas manhãs depois Ian estava sentado no pátio no bebedouro dos cavalos com um enorme odre de couro em seu regaço. Ele fazia pequenos buracos em sua parte inferior com uma adaga.
—Assim, Sir Ian?— uma voz infantil falou.
Ian examinou o muro onde os netos de Alice, Adam e Peter, tinham construído um recinto da altura dos ombros de um homem. Seus homens poderiam ter feito esse trabalho em um terço do tempo e com melhores resultados, mas eles eram bons meninos e tinham começado a segui-lo por todos os lados, então ele os deixara participar desse projeto.
—Sim. Esse tamanho é suficiente—, ele disse. —Vamos ver se funciona.
Subiu as escadas e pendurou o odre no gancho. Adam arrastou um balde de água até ele e Ian despejou a água no odre. Imediatamente a água escapou pelos buracos, molhando-os.
—Será como se chovesse—, Adam disse. —Não me importaria de tomar banho se pudesse fazê-lo na chuva.
—Esta tarde poderá ser o primeiro, então. Te usarei para testar quanta água se necessita para um homem.
—Penso que muita. Um banho requer muitos baldes.
—Isto necessitará menos. Talvez só meio balde, se lavar-se rapidamente.
—Já teve um destes antes?
—Não, só me ocorreu inventar.
A necessidade o tinha feito desenhar aquilo. Não queria enviar os homens em grande número ao rio para banhar-se, com os problemas que esperava de Clivedale. Usar encanamentos estava fora de questão, já que eles teriam que alimentá-los ininterrumpidamente com água do rio para prover todas as necessidades da torre. Esperava ter encontrado uma solução. Se funcionasse, construiria alguns mais.
Ele saltou para baixo. Ouviu os sons das mulheres que iam ao rio para lavar roupa. Ian desejou que existisse um outro dispositivo para resolver esse problema também.
A sabotagem de Reyna tinha criado uma série de problemas.
Pensando nela, voltou sua mente para a morte de Robert de Kelso novamente. O assunto do envenenamento o tinha feito conjecturar muitas coisas recentemente. Se ela soubesse uma receita, onde teria achado os ingredientes, e onde os mantinha guardados?, onde armazenava ela todas suas ervas?
Ian deu parabéns e algumas instruções aos meninos, e deu a volta à torre em direção ao pátio sul. Existia um jardim interno rodeado por uma parede baixa e ele passeou entre os extensos canteiros de flores, em direção a uma macieira. Ele às vezes ia ali para pensar e ficar sozinho.
Infelizmente, ele não ia encontrar solidão agora. Lady Margery estava sentada bordando debaixo de umas árvores. Ela o chamou com um sorriso encantador.
Ele não achava Margery pouco atrativa ou indesejável, ela era o tipo de mulher disposta com quem ele se enredaria nestas circunstâncias. Mas sua disponibilidade descarada resultava-lhe irritante por alguma razão.
Não ajudava, é obvio, que ela tivesse um marido que indubitavelmente o desafiaria em duelo se soubesse que Ian tinha deitado com sua esposa, e ele certamente saberia disso pela boca de Margery. Ian não temia Thomas Armstrong. Somente queria evitar matar um homem por uma mulher que não lhe interessava tanto.
Edmund, o Hospitaleiro, por outro lado, com alegria o cortaria em pedaços.
Só a desejo porque não posso tê-la. Como um menino caprichoso.
Ian se sentou ao lado de Margery e fez alguns elogios sobre seu bordado e fez todas as coisas que se esperava que um cavalheiro fizesse. Ela se ruborizou como uma virgem e continuou fixando seus olhos enquanto falava. Ian sabia que ela esperava que ele a beijasse. Mas ele ficou de pé e estendeu-lhe a mão.
—Talvez poderia me mostrar o jardim. Nunca o vi todo.
Margery lançou um olhar que sugeria que aquele lugar e aquela árvore eram todo o jardim que eles necessitavam, mas ela deixando seu bordado, uniu-se a ele.
Eles passearam entre roseiras e outras flores que ele reconheceu. Margery se aproximava implacavelmente para mais perto e ele se distanciava implacavelmente para mais longe. Finalmente, contra o muro do fundo, ele encontrou o que procurava.
—O que é isto?—, perguntou.
—São as ervas de Reyna. Muito feias, não é verdade? Ouvi que ela coleta algumas outras nas colinas, mas Robert estava acostumado a lhe trazer sementes e plantas às vezes. E livros sobre ervas. Que tipo de presentes são esses para uma dama?
Presentes que a agradavam mais que sedas. O rei Alfred conhecia bem sua jovem esposa.
—Sabe o que cultiva aqui?
—Não sei nada sobre plantas. Só Reyna sabe.
—Como acredita que ela aprendeu?
—Provavelmente daquele herbário que ela tem. Robert o deu para ela.
—Quer dizer um livro sobre ervas e suas propriedades?
—Sim. Até tem pequenas ilustrações. Está com os outros livros no solar.
Não, não estava ali. Nem ele nem David tinham visto um herbário aquele dia. Nem estava no quarto de Reyna. Alguém o tinha tomado? Esse herbário incluía plantas com propriedades venenosas? Ele teria que descobrir as respostas para aquelas perguntas.
Era o momento de ter uma conversa franca com Reyna.
Ele devolveu Lady Margery ao banco de pedra, e educadamente, mas enfaticamente partiu.
Enquanto subia os intermináveis degraus, ele xingou as escadas dessa torre uma vez mais. Que lástima que não pudera enganchar uma grande caixa em uma roldana para levar pessoas aos andares superiores como tinha feito com a água. A idéia lhe pareceu estranha mas continuou pensando nela até que alcançou o quinto andar. Ainda se imaginava içando a grande caixa quando golpeou a porta do quarto de Lady Reyna.
Nenhuma resposta veio. Um mau pressentimento o invadiu. Ela poderia estar dormindo, claro. Ele golpeou com seu punho e a porta se abriu pela força usada.
Procurou no cômodo, e logo girou sobre seus calcanhares e voou escada abaixo, andar após andar, até que chegou à cozinha onde Alice estava cortando carne.
—Onde está ela?
—Ela?
—Lady Reyna. Ela não está em seu quarto.
—Não está? Bem, ela me disse ontem de noite que estava se sentindo melhor, então deve ter se levantado.
—Ela não está aqui.
—Ela não passa todo seu tempo aqui, Sir Ian. Ela tem outros interesses. Já procurou no solar? Ela lê lá às vezes. Ou no jardim, sim, ela gosta do jardim. Ou talvez está com as outras damas bordando.
Fervendo de raiva, Ian subiu as escadas para revisar os outros cômodos, trancando porta após porta. O pressentimento não diminiu nem um pouco, e quando ele voltou para o salão se transformou em uma furiosa certeza. A selvagem tinha fugido.
Seu olhar se posou no portão. Em sua mente viu o grupo de mulheres seguindo um carro de roupa para lavar.
Maldição. Ela tinha saído sob seu próprio nariz, e ele nem sequer tinha olhado direito porque pensava que ela estava acamada. Dores menstruais...
Ian gritou para que lhe trouxessem um cavalo, e logo xingou o homem quando ele não selou rapidamente. Pensando nas coisas que ele faria quando conseguisse lhe pôr a mãos em cima, esporeou seu cavalo.
Ele deveria ter deixado que David a levasse. Não, ele deveria ter insistido para que David fizesse isso. Ela era um demônio do inferno, perturbando sua paz, deliberadamente tentando enlouquecê-lo. Pior, ela se tinha convertido em uma presença invisível que ele não podia tirar da cabeça. Ele passava os dias ridiculamente antecipando sua presença, e as noites com sonhos da rendição dela. E agora, depois que ele ter sido suficientemente estúpido para defendê-la, e haver prometido a David sua segurança na Fortaleza Black Lyne, escapou de um modo que certamente o fazia parecer um idiota. Como podia Morvan lhe confiar a segurança de uma propriedade como administrador se ele não podia controlar uma mulher?
Ian encontrou três guardas que estavam a cem metros do rio. Risadas femininas e bate-papos flutuavam na brisa.
—Suponho que estão vigiando às mulheres—, ele disse bruscamente, parando seu cavalo. —Como podem as vigiar se estiverem tão longe?
Eles lançaram olhares cautelosos.
—Se fôssemos para mais perto, poderíamos as ver— um ofereceu uma explicação. —Você ordenou que não devíamos as observar ou as tocar. Nós podemos ouvir daqui se houver algum problema.
Sabia disso. Mas Reyna soubera da rotina interrogando às mulheres que vinham ao rio.
—Como se certificam que ninguém fuja?
O outro homem levantou suas mãos e assinalou a paisagem circundante.
—Escapar? Para onde? Daqui podemos ver o terreno por milhas, e não há muitos arbustos onde esconder-se entre este lugar e as granjas. Além disso, nós as contamos.
—Quantas há?
—Doze.
Ian cavalgou para a borda do rio. As mulheres o viram e começaram a reclamar. Ele viu uma mistura de seios, quadris e coxas. Rapidamente contou os rostos envergonhados e perplexos, e os insinuantes. Onze.
Ele examinou o terreno ao redor. Se ela iria para as granjas, seria facilmente visível.
Supondo-se que ela esperava ajuda. Supondo-se que alguém a estava esperando com um cavalo. Onde?
Seu olhar percorreu a desértica zona rural e se posou na antiga fortaleza. Era a única construção à vista, as árvores crescidas ao longo do rio a esconderiam.
Seguindo pela borda da água, ele começou a trotar em direção à fortaleza abandonada.
Capítulo 8
Reyna correu a bolsa de tecido que pendurava de seu ombro e rapidamente se moveu entre os arbustos e as árvores. Ela viu Ian cavalgar até o rio e imaginou que já tinha descoberto sua fuga.
Maldição esse homem. Ele não deveria ter suspeitado disso até o dia seguinte. Alice tinha prometido continuar levando comida para seu quarto para manter o disfarce. Ela devia estar muito longe antes que ele notasse sua ausência.
Seu plano tinha se saído bem. Foi fácil escapar escondida entre as outras mulheres.
Suas roupas pobres não surpreenderam os guardas, porque ela freqüentemente se vestia desse modo, e sua oferta de ajudar para lavar a roupa não levantou suspeitas, já que ela ajudava na cozinha. Uma vez no rio, tinha sido bastante simples afastar-se enquanto as mulheres se despiam.
Ela havia caminhado uns tantos metros rio acima antes de ver Ian. Mas agora seu progresso era mais lento porque ela precisava esconder-se entre a folhagem. Levantando sua cabeça para fora de um arbusto, ela espiou em volta e viu que ele avançava em sua direção.
O som de cascos de cavalo se fez audível. Ela olhou para o rio. Era agora ou nunca. Nunca teria outra oportunidade.
Ela escolheu o caminho para a beira da água. Rapidamente colocou seus sapatos em sua bolsa e a escondeu debaixo de uma árvore caída. Tirou o lenço de cabelo e o deixou no chão, logo tirou o vestido, dobrou-o, e envolveu no lenço fazendo um pacote. Vestida só com sua camisa, ela entrou na água fria. Cruzaria até o outro lado, e mais tarde poderia recuperar as outras coisas na bolsa. Depois de alguns metros a água se fez muito mas profunda. Ela colocou o lenço do pacote entre seus dentes de modo que ambos os braços estivessem livres. Não era um rio largo àquela altura e ela começou a nadar.
—Maldição, mulher, vai se afogar.
Ela alcançou a metade do rio quando a voz furiosa soou. Ela girou para ver Ian olhando-a. Seu cavalo estava na beira da água, a correnteza chegava até a metade de suas pernas.
Ela tomou o pacote de sua boca e caminhou por um momento. Ian se estirou, olhando em ambas as direções.
—A única ponte está rio abaixo, passando a fortaleza—, ela gritou.
—Volta aqui agora.
—Seria uma boba se o fizesse, e sabe disso.
—Te matarei.
—Nesse caso, deixe-me afogar. E não te pesará meu sangue em sua consciência.
Ian desmontou do cavalo e avançou até que a água chegou a seus quadris.
Ele não foi mais adiante.
Reyna sorriu.
—Não sabe nadar, não é verdade? Pensei nisso. Muitos ingleses não sabem. Deveria ter lido os antigos Romanos em estado de guerra, Sir Ian. Todos seus soldados sabiam nadar.
Sua pose e sua expressão era um retrato de fúria. Reyna riu e seus olhos somente ficaram mais escuros. Agarrando as rédeas de seu cavalo, ele saltou na sela e começou a andar sobre os atoleiros de barro da margem, girando sua cabeça para manter um olho nela.
Ela mordeu seu pacote de roupa novamente e nadou. Levaria pelo menos meia hora para galopar até a ponte e voltar para o mesmo ponto do outro lado. Ela poderia chegar às ruínas, ou achar um lugar onde esconder-se no caminho.
Uma forte corrente a apanhou. Ela lutou desesperadamente para escapar. Ofegava, e o pacote deslizava de seus dentes. Finalmente a corrente o levou.
Reyna notou para seu horror que Ian encontrara um lugar onde as águas eram mais baixas.
Ele já estava a meio caminho no rio. Seu vestido e seu lenço flutuavam diretamente para ele. Ele tirou uma flecha do lado da sela, inclinando-se, pescou os objetos.
Eles se enfrentaram um ao outro, separados por uma extensão de água. Ela girou de costas para ele, mas nadou de volta ao ponto de onde tinha partido. Ian caira na armadilha. Ele esporeou seu cavalo para frente e desapareceu na margem atrás da espessa folhagem.
Desesperadamente, Reyna emergiu no lado da margem de onde tinha partido. Quando saía da água, pôde ouvir os insultos que Ian proferia ao descobrir seu ardil.
Reyna procurou um lugar para esconder-se. Os arbustos e as canas lhe pareceram muito escassos de repente. A beira do desespero, ela se inclinou contra uma árvore. Olhou para cima.
Não era muito denso, mas parecia bastante forte. Alguns de seus ramos eram baixos, e talvez a folhagem a ajudaria a esconder-se. Murmurando insultos a Ian de Guilford por forçá-la a meter-se em todos esses problemas, ela conseguiu subir até o ramo mais baixo. Montando um ramo que se unia ao tronco, ela tentou ficar acomodada.
Seu traseiro se rebelava contra sentar-se com apenas uma fina camisa molhada entre ele e a casca áspera do ramo. Reyna olhou para baixo e viu sua condição, estava quase nua. A camisa chegava até a metade de suas coxas. Ela afastou o tecido molhado para separar de seu corpo. Se verdadeiramente existia um Deus, ele nunca deixaria que Ian de Guilford a descobrisse nessa condição. Como estava bastante segura que Deus existia, o pensamento lhe deu uma confiança renovada.
Os sons do cavalo diziam que Ian tinha amarrado o animal. Logo ela o ouviu caminhar perto da borda do rio enquanto procurava o lugar onde ela tinha deixado a água. Caminhou no espaço justo debaixo dela. Reyna conteve a respiração e não moveu nem um fio de cabelo.
Ian procurou a seu redor. Quando se moveu para a folhagem da margem, ela se permitiu uma pequena exalação. Eventualmente ele pensaria que enquanto ele a procurava ela tinha nadado para a margem oposta novamente. Ela se apoiou contra o tronco da árvore e tentou ignorar seu desconsolo.
O movimento nos arbustos a pôs em alerta. Ian havia retornado. Ele olhou a seu redor. Se inclinou contra o tronco de sua árvore enquanto contemplava o terreno.
O que havia de mal nesse homem ? Ela poderia estar a meio caminho de Edimburgh antes que ele continuasse sua busca. Ela o olhou, sentindo muito incômoda agora e culpando-o por isso.
De repente sua mão foi para sua cabeça. Ele tocou seu cabelo e logo olhou sua mão.
Ela afogou um grito quando se deu conta que uma gota de água de sua camisa empapada caíra sobre ele. Outra agora escorregava perigosamente por sua perna. Ela torceu seu pé para tentar detê-la.
Não funcionou. Ela praticamente ouviu a gota golpeando em sua cabeça.
Ian se afastou da árvore e a olhou. Quando ela viu sua expressão se sentiu contente de estar fora de seu alcance.
—Desça daí, milady—, ele falou no tom cuidadoso que uma pessoa usa quando está esforçando-se por não explodir de raiva.
—Não acredito que seja uma boa idéia. Parece muito zangado.
—Zangado não começa nem a descrever como me sinto. Para baixo. Agora!
—Penso que seria melhor que se acalmasse primeiro.
—Estou bastante tranqüilo. E estarei muito mais tranqüilo depois que consiga pôr minhas mãos em você.
—Está muito perturbado. Esperaremos um momento ou poderia fazer algo que lamentará mais tarde.
—Não lamentarei nem um pouco o que farei, Reyna. Seu rei Alfred te criou mal e pensa que não precisa obedecer a ninguém. Vou dar a seu traseiro o castigo que seu marido deveria ter te aplicado anos atrás. Depois estarei mais tranqüilo do que estive nestes últimos dias. Desça daí imediatamente ou será pior para você.
O desconforto de sua posição de repente não pareceu tanto.
—Não tem direito ou autoridade para abusar de mim desse modo.
—Milady se esquece de sua situação. É uma cativa de guerra. Sou o homem que comanda o exército que te capturou. Tenho todo o direito e a autoridade para fazer qualquer coisa que deseje com você. Agora, pela última vez, desça dessa árvore.
Ela lhe lançou um olhar. Sua situação era ridícula, mas suas ameaças eram intoleráveis.
—Bem. Descerei. Mas não te terei me observando a mim, à minha camisa.
Com uma expressão de exasperação profunda, ele lhe voltou as costas. Ela esperou um pouco antes de dizer,
—Não posso.
Ele girou e estreitou seus olhos perigosamente.
—O que quer dizer?
—Estou presa. Não posso descer.
—Claro que pode, pequena bruxa. Subiu até aí, e pode descer.
—Não seja estúpido. Nem sempre funciona assim e você sabe. Até os animais ficam presos nas árvores. De fato, não posso me desenganchar deste ramo.
—Merda! Já perdi suficiente tempo com você, malcriada de merda. Desça dessa maldita árvore ou subirei para te pegar.
—Realmente, Sir Ian. Cativa de guerra ou não, sou uma dama da nobreza. Sua linguagem...
—Minha linguagem?
—Vê? Não está tranqüilo. E não deveria subir para me ajudar, por galante que seja sua oferta. Olhe esta árvore. Não é muito forte. Apenas suporta meu peso.
Ian estudou os ramos e com desgosto viu que ela tinha razão.
—Penso que deveria ir e conseguir ajuda—, ela sugeriu. —Eu poderia conseguir se tivesse uma corda para me pendurar.
—Insulta-me, Reyna. Não preciso ser um filósofo para me dar conta do que está tramando. Quando eu sair daqui, saltará e roubará meu cavalo, mulher.
—Se for irracional e obstinado, teremos um problema sério, Sir Ian. Suponho que vamos ficar aqui até que morramos de fome? Não é uma solução muito inteligente.
Ele a olhou. Ela quase esperava que por sua fúria lhe crescessem asas de maneira que pudesse voar à copa da árvore e agarrá-la. Ele caminhou até uma árvore próxima e se sentou sob sua sombra. Estirou-se e ficou à vontade.
Ele planejava esperar. Bem, ela tinha um incentivo muito forte para vencê-lo nesse jogo. Eles ficaram um longo tempo em silêncio enquanto Reyna se movia no alto ramo e sua camisa se secava, e Ian olhando-a de lado.
—Quem iria te ajudar?—, ele finalmente perguntou. Ele soou um pouco menos furioso. —Veio para se encontrar com alguém. Quem? Edmund?
—Edmund está em Edimburgh. Não planejei me encontrar com ninguém.
—Isso é mentira. A última em uma longa cadeia de mentiras. Está bem capacitada para enganar. Terei que recordar isso no futuro.
Ela começou a refutá-lo, mas se deteve. Por um lado, não tinha sentido discutir. Pelo outro, tratava-se de uma mentira, e em alguns aspectos ela estava bem capacitada para enganar.
—Parece bastante adorável aí em cima. Como alguma ninfa dos bosques. Mas deve estar incômoda, já que está praticamente nua…
—Sim, não está agradável. E é descortês de sua parte não me conseguir ajuda ou uma corda.
Ele não respondeu. Simplesmente apoiou sua cabeça contra a árvore e fechou seus olhos. Tomar uma sesta estava fora de questão para Reyna, e ela permaneceu esperando longos minutos, tentando encontrar algum alívio.
Cada minuto parecia uma hora. O sol se moveu bastante quando ele olhou para cima novamente. Sua expressão parecia mais tranqüila, quase normal.
—Está pronta para descer agora?
—Se eu pudesse, o teria feito há muito tempo atrás. Enquanto você dormia, poderia ter tratado de fugir. Mas verdadeiramente não posso me mover daqui.
Ele ficou de pé e caminhou ao redor da árvore estudando sua afirmação.
—Talvez diga a verdade. O ramo mais próximo está bastante longe, e subir nele poderia ser traiçoeiro.
—Isso é o que tenho tentado te dizer.
—Parece estar presa aí em cima. Não acredito que pode sair daí. Cavalgarei à fortaleza e procurarei um pouco de ajuda e uma corda.
—Eu te sugeri isso uma hora atrás.
—Não se mova muito. Esse ramo está curvando de um modo perigoso com seu peso.
—Sua preocupação é comovedora.
—Voltarei logo. Não caia.
Ela ouviu os sons de sua partida, e logo a seu cavalo trotando longe, forçou-se a contar até cem antes de levantar uma perna. Poder mover-se era maravilhoso. Ela rodou cuidadosamente sobre seu estômago e baixou enquanto seus pés procuravam encontrar um ramo próximo. Quando o encontrou, ela lançou uma risada de triunfo e rapidamente desceu da árvore.
À exceção de algum movimento nos arbustos distantes, só o silêncio a saudou.
Velozmente, ela tomou a direção rio acima, para o lugar onde havia escondido sua bolsa de tecido. Ajoelhou-se ao lado de uma árvore caída e apalpou o chão.
Nada. Ela esticou seu braço mais para dentro, e logo se inclinou para olhar debaixo do tronco.
—É isto que procura?
Ela congelou por um momento, logo se endireitou sobre os joelhos. Ian estava de pé a vinte metros com sua bolsa em uma mão e o vestido e o lenço empapados na outra. Ele deixou cair a bolsa a seus pés e lançou os objetos molhados para ela.
Ian se inclinou contra uma árvore e dobrou seus braços sobre seu peito. Ele parecia indiferente a seu estado de nudez enquanto ela tinha estado sentada na árvore, mas agora seu olhar penetrante se moveu por seu corpo.
—Disse que ia partir—, ela murmurou acusadoramente. Ela parou e levantou o lenço pacote e nervosamente desatou o nó.
Ele não respondeu. Estava ali observando-a em um silêncio perigoso. Não havia muita raiva em sua expressão, mas ela decidiu que preferia ver fúria. Não gostava do que via em seus olhos. Seus dedos arranharam desesperadamente o lenço para chegar ao vestido.
—Realmente é muito bonita— ele disse, como se acabasse de descobrir algo que explicava um enigma.
Ela tomou uma respiração profunda e manteve seus olhos no nó do lenço. Seu coração pulsou rapidamente.
—Para alguém tão magra, sou bastante passável.
—Não tão magra, agora que comeu bem durante alguns dias. Miúda e delicada, como os grandes lordes preferem.
Ela olhou para cima e viu seu sorriso vago.
O ar entre eles estava se tornando muito pesado, e apesar de sua relaxada e indiferente postura corporal, algo predatório emanava dele. Esse olhar escuro não se moveu dela.
Reyna voltou sua atenção ao nó e procurou uma distração. O silêncio tenso pesava em sua consciência. Ela sentiu que ele sabia que a estava assustando. A Reyna espantou que o medo tivesse uma qualidade excitante.
—Te desejo— ele disse com calma dando um nome ao esmagante e invisível poder que a invadiu.
—Deveria me sentir elogiada? Se supõe que devo desmaiar de alegria por que um bonito capitão se fixa em mim? Sua atenção masculina foi pulverizada entre muitas mulheres e é algo não muito valorizado por mim, diabo fornicador.
—Considerando sua situação, milady, seria pouco inteligente me provocar justo agora.
A ameaça a paralisou. Reyna se sentiu intensamente consciente de quão isolados estavam, da grande distancia da fortaleza, de todos e de tudo.
—Parece perfeita nessa cena, com as flores e o pasto te rodeando—, ele disse. —Muito mais bela que rodeada por livros e pergaminhos. A natureza assenta-lhe bem. Sua mente pode ter sido treinada para pensar logicamente, mas seu espírito é tão selvagem como a vegetação daqui.
—Está equivocado—, ela disse, uns tremores horríveis mas maravilhosos percorriam silenciosamente seu corpo. Era estranho e surpreendente que ele pudesse lhe provocar aquilo estando a vinte metros de distância.
—Não acredito estar equivocado. Depois de tudo, já saboreei sua paixão—, ele se moveu um pouco, examinando-a. Era um movimento pequeno, mas lhe fez acelerar o coração.
—Tire a camisa, Reyna.
Sua respiração se deteve. Ela permaneceu imóvel, hipnotizada. Se aferrou ao pequeno vulto de roupa como se isso fora tudo o que ficava entre ela e a perdição. Seu rosto tinha uma expressão séria, e os olhos a olhavam por baixo de suas sombrancelhas longas.
Ele era tão bonito. Não era justo.
—Tire a camisa—, ele repetiu. —Solte o cabelo, vem aqui e me beije.
Sua ordem causou-lhe um estremecimento. Ela quase obedeceu.
—Não faça isto—, ela disse.
—É inevitável, sabe.
—Não. Você realmente não me deseja. Só te incomodo porque me nego a você. Nós voltaremos para a fortaleza e encontrará outra pessoa e tudo estará bem— ela continuava lançando mais palavras. Palavras racionais.
Ian sorriu de modo devastador. Suavizou sua expressão, mas não a intensidade de sua atenção.
—Não é tão simples. Não sei porque te desejo tanto. É estranho. E também é estranha a restrição que mostrei com você. Eu acreditava que você ainda tinha a seu marido em seu coração, mas agora que soube sobre Edmund…—, ele se separou da árvore e deu um passo para ela.
—Eu não menti sobre Edmund. Não se atreva a usar isso como desculpa.
Ian continuava caminhando para ela. Flexível. Forte. Confiante. Nada realmente existia mais que ele e a tensão entre eles .
—Te olhando e sentindo o que acontece entre nós, não necessito nenhuma desculpa. E você? Se quer pode dizer a você mesma que me odeia e que não me deseja, mas nenhuma das duas coisas será verdade.
Maldição com ele. Não tinha consciência. Nem vergonha nem clemência. Ela se separou dele e de sua beleza, mas principalmente tentou afastar do conhecimento horrível que ele tinha sobre ela e seus desejos.
Era um gesto desesperado. Até quando sua mente o rechaçava, seu espírito o desejava e já saboreava o poder masculino aproximando-se. Seu corpo se estremeceu do como o fazia em seus sonhos e com seu contato. O desejo já pulsava bem no profundo dela.
Corre, sua mente gritou. Não é nada para ele. Mas a voz foi afogada.
Ian a olhou de costas para ele, tentando fingir que não notava o laço invisível estendendo-se mais e mais entre eles. Ela estava eroticamente sobrecarregada com o medo agudo de seu desejo.
Ian a imaginou tirando a camisa, revelando o corpo que ele já meio conhecia. Voltaram as lembranças daquela noite em sua tenda. Seu tremor, a paixão assustada… sua impotente rendição… seus seios redondos inclinando-se contra sua boca… sua cintura tão estreita que suas mãos quase encontravam quando ele a sujeitava.
Uma onda de desejo violento o dominou. A uns metros de distância, de pé entre as flores silvestres, Reyna se sobressaltou como se a fome dele tivesse saltado pelo ar e a tivesse alcançado.
Ela rapidamente desfez o nó em seu pacote. Ele se aproximou, sacando sua adaga, e ela visivelmente se agitou quando ele se aproximou. Ian permaneceu detrás dela e estendeu seu braço para o nó, suas mãos cobrindo as suas por um momento, o breve contato excitando seus sentidos. Os braços que a rodeavam dominaram seu corpo pequeno, e ele inalou aroma da excitação feminina.
O lenço se abriu e o vestido saiu.
—Está molhado—, ele disse, olhando sua nuca e seu pescoço adorável.
—Mesmo assim o usarei— ela murmurou, tomando-o e abanando-o.
—Não porá isto, Reyna. E tirará a camisa.
Ela apertou o tecido contra seu corpo. Ian tocou seu cabelo, seus dedos brandamente removendo as fivelas. Todo seu corpo tremeu e um rubor subiu até seu pescoço. As brilhantes tranças caíam por suas costas. Ele se aproximou mais e passou suas mãos por seus braços e apertou sua boca contra a sedosa cabeleira.
—Te quero— ele disse novamente.
—Você sempre toma o que quer?
—Normalmente. Eventualmente. Não estou acostumado à negação—, ele se curvou e beijou seu ombro, ainda acariciando seus braços. Pequenos caminhos de calor se criavam sob seu contato. Ele não podia ver seu rosto mas sabia que ela havia fechado seus olhos em sinal de resistência.
—Pensa que Edmund e eu fomos amantes, que careço de moral e que portanto posso ser usada—, ela disse.
—Não. Está em minha cabeça todo o tempo e não posso lutar contra isso para sempre.
—Então procura te liberar dessa inconveniência.
Ian se aninhou no oco de seu pescoço e tomou sua cintura em suas mãos. Tão pequena, quase quebrável mas com um espírito que nunca se quebraria. Mas ele o curvaria à sua vontade.
—Quero te dar prazer. Isso enche meus sonhos—, ele beijou sua orelha. —Você deseja isto, Reyna. Se não, pode correr e escapar, mas não o fez, e não acredito que o faça. Algo me diz que você sente o mesmo que eu, e que sabe que isto será bom para nós.
Seus braços se moveram para abraçá-la. Ele ouviu sua respiração agitada. O vestido molhado caiu de seus braços. Sentiu sua espectadora cautela, sentiu o sobressalto de surpresa, quase cheirou o medo sensual mesclando com o aroma sutil do orvalho de seu sexo.
Tudo isso despertava reações primitivas.
Ele a acariciou, atraindo-a mais perto até que seus quadris se apertaram contra os dele. Por um momento sentiu a tensa indecisão dela. Quase podia ouvir a batalha entre a necessidade sensual de seu corpo contra seu pensamento racional. Então respirando profundamente, tremendo brandamente, ela se afundou em seu abraço e se rendeu.
Uma sensação de triunfo soberbo o alagou. Ian acariciou suas curvas esbeltas, seus sentidos absolutamente concentrados em seus audíveis suspiros e o aroma limpo e fresco de sua pele sob seus lábios enquanto encontrava lugares em seu pescoço que a faziam ofegar. E logo ouviu suas palavras.
—Se eu fizer isto, me deixará ir?
Suas mãos se detiveram. Ele levantou a cabeça. Uma dor oprimiu seu peito pelo medo mortal que a levava a oferecer essa negociação.
—Não, mas só em parte devido a meu dever respeito a Morvan.
—E mais tarde, quando se cansar de mim?
—Não partirá da fortaleza nem agora nem mais tarde.
Ela torceu seu pescoço para poder vê-lo.
—Eles me matarão.
—Não o farão. Não os deixarei.
—É só um homem.
—Não os deixarei, ainda que você se negue a mim, agora ou mais tarde. Não terá que se prostituir para ter minha proteção.
Uma esperança dolorosa brilhou em seus olhos. Então Reyna os fechou e apoiou sua bochecha contra ele. Ele a aproximou mais e ela não resistiu, pelo contrário, inclinou sua cabeça para aceitar seu beijo.
Ian tomou entre suas mãos seus seios e os estimulou até que ela se arqueou sob seu contato e seu quadril se apertou contra sua virilha. Ambos deslizaram para o chão.
Ele a tocou e a acariciou até que ela gemesse. Ian se separou dela um pouco.
—Tire a camisa.
Ela vacilou e o olhou. Então incorporando-se lentamente, ela levantou a bainha da camiseta. O olhar dele seguiu seu progresso enquanto suas coxas cremosas e suas nádegas arredondadas eram reveladas. Seus músculos delicados se estiraram elegantemente quando ela tirou a camisa pela cabeça.
Ian localizou a curva de sua cintura e seus quadris e depositou beijos na inferior das costas.
Quando ele se ajoelhou e abraçou seu calor nu, ela se moveu dentro de seus braços com uma sinuosa docilidade.
Ele a deitou sobre as flores e a relva. Ele estava ajoelhado de frente para ela olhando seus lábios semi-abertos e a paixão nublando seus olhos.
De coração pensou que nunca tinha visto uma mulher mais bela. Ele se curvou e beijou suas coxas esbeltas e o triângulo de pêlos loiros, seus quadris e seu estomago plano, a forma perfeita de seus seios, sorrindo ante os sons que extraía dela com cada contato. Inclinando-se para frente, Ian procurou sua boca e a beijou profundamente, sondando e saboreando o calor da intimidade. Ela tentadoramente tocou sua língua com a dele. Ian suspeitou que ela nunca tinha feito isso antes, e a alentou, retirando-se, abrindo seus lábios até que ela se aventurou a explorá-lo com sua língua delicada e inocente.
Ian dirigiu seus beijos para seu pescoço e ela gemeu quando ele estimulou os lugares sensíveis que descobriu. Pondo todo seu peso em um só braço Ian tocou seus seios com a outra mão. Umedeceu seus mamilos tensos com sua língua e a estimulou com seus lábios e seus dentes por um longo tempo até que notou que o corpo dela estava fora de controle debaixo dele, seus quadris arqueando-se suplicante. Ian não ia negar-se aquela preliminar alongada.
Ajoelhando-se novamente, ele desatou seu cinto e tirou a camisa. Ela o olhou, seus olhos selvagens, sua respiração vinha em suspiros agitados, seu cabelo loiro prateado espalhado ao redor dela. Ian abaixou até que sentiu seus seios contra seu tórax e fechou seus olhos sabendo que seu abraço era bem-vindo.
Uma tormenta de desejo o dominou. Acomodando seu peso sobre um braço, ele a beijou novamente, devorando sua boca, seu pescoço e seus seios, enquanto sua outra mão percorria todo seu corpo. Ian deslizou a mão entre suas coxas e a acariciou. Ela ofegou com surpresa e prazer, arranhado seus ombros. Brandamente Ian a tocou novamente, encontrando os lugares que a fizeram gritar, e ela aceitou essas carícias íntimas, fechando seus olhos no êxtase.
Ian deslizou sua mão entre suas coxas e as separou.
—OH, meu Deus—, ela gritou, olhando-o, de repente havia pavor em seus olhos. —OH, meu Deus. Não. Não—. Seu corpo lutou debaixo do dele e ela empurrou freneticamente seus ombros e seu peso.
—Não, não posso—, ela gritou, retorcendo-se e empurrando. Repetidas vezes ela gritou sua negação. Seu rosto era de desespero e pânico.
Raiva foi a resposta inicial de Ian, mas a força da reação dela o deixou atônito.
Uma preocupação cruzou sua mente até agora dominada pelo desejo. Ele a envolveu em seus braços.
—Não a tomarei. Não o farei—, ele a tranqüilizou.
Finalmente seu corpo se acalmou. Ela estava deitada ali com aquela expressão triste que ele tinha visto quando ela se afastou dele em seu quarto. Não posso. Ela havia dito então.
Não posso. Não devo.
—Sinto muito—, ela sussurrou. —Não quis fazer isto.
—Sobreviverei. Acredito.
Aquilo a fez rir de um modo envergonhado e doloroso.
—Deve pensar que sou uma louca ou verdadeiramente uma puta com muito pouca coragem. Não foi intencional.
—Sei.
Ela olhou para baixo, de repente consciente de sua nudez, e se ruborizou. Ela voltou sua cabeça para procurar a camisa e a apanhou.
—Não—, ele disse. —Não ainda. Fique aqui comigo um tempo mais.
Ela levantou uma sobrancelha.
—Se pensa em me seduzir deixando de lado minha resolução, não é possível.
—Isso dolorosamente entendi—, ele tocou com um dedo sua sobrancelha, depois seu nariz e seus lábios. Lentamente ele continuou linha abaixo. Seus mamilos se endureceram quando sua mão se aproximou.
—Penso te agradar. Não te penetrarei de nenhuma forma, prometo.
Ela começou a agitar sua cabeça em uma negação cautelosa, mas ele beijou suas objeções.
Apostaria um ano de seu salário que ela não sabia a que ele se referia.
Ela estava impotente diante do seu contato. Sua paixão cresceu novamente com assombrosa rapidez, acrescendo seu próprio desejo. Ele separou suas pernas de modo a poder acariciá-la livremente. Enterrando seu rosto em seu ombro, ela aceitou o prazer.
Ian colocou sua coxa entre as delas e a apertou contra sua virilha observando seu rosto meio escondido quando as sensações se tornaram excruciantes para ambos. Então ela estava gritando, agarrando-se a ele freneticamente, levantando seus quadris e exigindo mais. Seu clímax foi belo e violento. Ele a beijou, afogando seu grito e deixando que seus espasmos o levassem com ela.
Ela estava em seus braços ofegando e saciada. Ian não teve que olhar seu rosto para saber sua surpresa. Ele experimentou um prazer viril em havê-la levado a esse ponto de êxtase antes que qualquer outro homem.
—Existem muitos modos de obter prazer sem acoplar-se, Reyna. Passa comigo esta noite. Eu lhe mostrarei isso.
Aquele olhar triste voltou e ela lentamente sacudiu a cabeça.
—Sou fraca com você, Ian. Ir mais adiante não, não posso.
Ian não a persuadiu. Haveria tempo suficiente para isso. E ela tinha razão.
Ele mais adiante acharia o prazer negado por sua resolução ou por seu medo. Ele não era conhecido como o Lorde das Mil Noites por nada. Curvou-se para beijar seus lábios doces. Uns movimentos entre os arbustos o detiveram. Muito perto. Um novo odor humano se moveu na brisa.
Perigo, algo gritou dentro dele. Rapidamente se estirou para tomar sua adaga na relva. E então, em um segundo, sua cabeça foi atingida por um golpe e a escuridão o tragou.
Capítulo 9
—Não! Não o mates!—, seu grito alcançou Reginald quando a lâmina começava a descer em um novo golpe. Ele fez uma pausa, e a espada se deteve no ar.
Ela freneticamente procurou sua camisa e o vestido.
—Os homens dele estão na fortaleza. Se o matas, eles reagirão com vingança, e pode haver um saque na torre e na aldeia.
Reginald olhou para sua vítima. O sangue corria por cabelo tingia o pasto a seu lado.
—Ele a forçou a...
—Não. Eu lutei. Certamente você não me ouviu.
—Sim, ouvi seus gritos. Foi assim que a encontrei. A vi no rio das ruínas e por isso vim.
Ela se curvou e apalpou o pescoço de Ian. Seu horror diminuiu quando ela encontrou seu pulso.
—Deveríamos partir imediatamente. Ele está fora da fortaleza por muito tempo, e os outros virão para buscá-lo.
Os nós dos dedos de Reginald ficaram brancos enquanto agarrava sua espada com mais força.
—Malditos ingleses bastardos. Pensam que os escoceses nasceram para ser usados por eles.
—Encontrou os cavalos?— ela perguntou, tentando distraí-lo.
—Sim. Eles estão perto—, ele olhou o céu. —Esperaremos nas ruínas esta noite e partiremos para o norte amanhã.
—Não, devemos partir agora. Não levarão muito tempo para pensar que estamos no velho castelo. Podemos chegar às terras de meu pai em poucas horas. E eles não cruzarão a fronteira.
—Farejo chuva, milady . Estaremos seguros na torre de vigia, poderemos ver se alguém aproximar-se. Não passarei a noite nas terras dos Graham, nos perdendo nesses caminhos na escuridão. Se partirmos pelo amanhecer, terminaremos de atravessar aquelas terras ao anoitecer. Deve confiar em mim quanto a isto. Sei do que estou falando.
Reyna lançou um olhar preocupado para Ian. Ele não se movia, nem fazia nenhum som.
Ela fez uma prece para que alguém o encontrasse logo.
Os cavalos estavam a meia milha rio acima. Reginald a levantou sobre um e montou no outro.
Ela notou seu cenho franzido e os lábios apertados. O cabelo loiro caindo até seu queixo, e as bochechas altas e bem definidas descreviam seu rosto. Seus olhos azuis eram perigosos. Parecia um homem determinado a completar uma missão, e preparado para lutar contra os demônios do inferno se eles interferissem.
Eles cavalgaram para as ruínas, e Reyna se sentiu aliviada ao ver que Reginald havia acampado detrás de umas pedras e não nas bases cavernosas. Para um homem que tinha escapado da Fortaleza Black Lyne só dias atrás, tinha conseguido prover suas necessidades muito bem. Mantas, una panela e uma odre com água estavam a um lado do círculo da chaminé apagada. De algum jeito tinha conseguido um arco.
Nunca lhe tinha importado a natureza taciturna de Reginald antes, porque ele sempre tinha sido uma sombra muda na presença de Robert. Agora que ela estava a sós com ele, achou aquilo um pouco perturbador. Deu-se conta que Reginald tinha sido parte de sua vida durante doze anos, mas ela realmente não o conhecia. Certamente não tão bem como ela conhecera seu irmão Edmund em um só mês.
—Meu plano é ir para o norte, para Edimburgh—, ela explicou.
Reginald sacudiu a cabeça.
—Edmund me contou que te tinha feito uma oferta faz muito tempo, que se Robert morresse, você deixaria a fortaleza.
—Ele me disse que eu poderia ficar com uma viúva lá, uma mulher que ensina a umas moças. Enviei uma carta a Edmund antes da tomada da fortaleza e lhe disse que estaria indo para lá assim que pudesse. A idéia me atrai. Robert me ensinou, e agora eu ensinarei a outros. É uma espécie de desafio.
—Não é um vida segura. Duas mulheres vivendo sozinhas na cidade? Nenhum homem as protegerá. Robert não o aprovaria.
—Robert está morto, Reginald.
—Sim. Ele está morto, mas eu não.
A chuva que Reginald esperava caia do céu, e eles procuraram refúgio debaixo da entrada nas bases da fortaleza. Reyna se aconchegou entre umas mantas e dormiu com a chuva fresca salpicando-a.
Quando despertou, o sol tinha posto o ar úmido e opressivo. Reginald tinha saído, o arco não estava.
Reyna pensou na vida que a esperava. Sempre a tinha achado tão atraente e, logo depois que as acusações começaram, transformara-se em um sonho. Mas agora que ela estava a caminho daquela vida seu entusiasmo decaía e se sentiu invadida pela melancolia.
Decidiu que era porque estava deixando seu lar. Entretanto, algo mais tingia sua tristeza. Algo inexplicável e agudo.
Ela se perguntou pela centésima vez se alguém teria encontrado Ian. Seria melhor não pensar nele, Reyna decidiu. Seria maravilhoso nunca recordar o que havia acontecido algumas horas atrás. Deus santo, ela não resistiu muito, não havia corrido, não lhe havia dito que se detivesse. Não só tinha sucumbido a sua sedução praticada com tantas outras mulheres, mas também provavelmente se rendeu a ele mais prontamente que as outras.
Aquele pensamento a humilhou. E entretanto aquelas sensações luxuriosas tinham sido gloriosas, obscurecendo o pensamento racional e a idéia de dever, levando-a àquele êxtase especial. Sentiu-se ao mesmo tempo fora do mundo e, também, mais essencialmente humana que nunca. Perto do homem que a tinha em seus braços de um modo que nunca tinha estado com ninguém antes.
Surpreendia-a que tivesse recuperado a razão no último segundo, mas aquela lembrança só a humilhava mais. Deveria estar agradecida por sua compreensão nesse ponto. A maioria dos homens a teria forçado se ela os tivesse detido naquele momento.
Um homem estranho, Ian de Guilford. Orgulhoso, arrogante e convencido, por certo, um grande oportunista, sem dúvida. Mas muito a seu próprio modo. E muito inteligente.
Ela tinha se divertido nas discussões com ele naqueles últimos dias.
Reyna admitiu com surpresa que sentiria saudades, e parte de sua tristeza se devia à perda dele.
Precisava tirá-lo de sua mente. Procurou dentro de sua bolsa o livro que ela havia trazido, o Livro das Pequenas Horas. Tinha sido o primeiro que havia possuído. Robert o tinha presenteado como um presente de casamento porque tinha ilustrações adoráveis. Enquanto ele estava mau e morrendo, ela o lia pouco a pouco, embora ele conhecesse o texto de cor.
Ficou na mesa do lado de sua cama entre as poções e os pergaminhos, uma lembrança de seu amor e promessa.
Ela sorriu ante as ilustrações detalhadas de camponeses e a gente da aldeia mostrando os trabalhos agrícolas dos diferentes meses. Nunca se cansava de olhá-los. Quando ela virou a folha ao mês de agosto, um pequeno pedaço de pergaminho voou a seus pés.
Levantou-o preocupada porque uma página tinha se soltado. Mas o fragmento não pertencia ao livro. Não continha nenhuma palavra, só um retângulo e círculos e linhas curvas. Esse pergaminho devia pertencer a Thomas. Ele não lia muito, mas já o tinha visto olhando aquele tipo de figuras enquanto ele vivia no solar. Colocou-o dentro do livro e continuou lendo.
Reginald retornou no crepúsculo com dois coelhos. Ele armou um fogo protegido pelas pedras.
Quando a carne estava cozida, eles comeram em silêncio.
A noite caia quando Reginald abruptamente falou.
—Antes de ir para Edimburgh, iremos a Hawick e ficaremos ali por uns dias.
—Fica muito perto, Reginald. Vamos fazer nosso caminho para Edimburgh o mas rápido possível.
—Não. Será Hawick. Pensei sobre o que Robert me disse, sobre seu pedido para que te protegesse. Estou seguro que ele queria que nos casássemos.
Reyna ficou muito quieta. Rezou para ter ouvido mau.
—É o único modo de te proteger—, ele continuou —De outro modo, com que autoridade eu poderia fazer isso?
—Você ser um cavalheiro te dá essa autoridade. Meu finado marido te deu essa autoridade. Se isso não é suficiente, eu te dou essa autoridade.
Ele sacudiu a cabeça.
—Não seria apropriado que nós viajemos juntos sem estar casados e Robert não quereria que você vivesse sozinha e desprotegida. Nos casaremos e iremos para Edimburgh, e encontraremos lá um lugar onde eu possa prestar serviço. Edmund conhece lordes que precisam de cavalheiros.
—Eu vou para Edimburgh só por sugestão de Edmund, para que ensine lá e viva com essa viúva. Não desejo a vida de uma esposa de um cavalheiro a serviço.
—É um lugar bem distante daqui, e fora da jurisdição do bispo de Glasgow. É o melhor lugar para ir.
Ele não compreendia sua idéia.
—Reginald, estou segura que interprestaste mas as intenções de Robert. Se ele quisesse que nos casássemos, haveria me dito, e não o fez.
Reginald a examinou de um modo que não era nem simples nem normal.
—Não tem nenhum parente para te proteger exceto os Grahams, não quererá voltar para eles. Se não estiver casada, os homens lhe acossarão como esse inglês bastardo e, e eu os matarei. Não, milady, se temos que estar unidos por toda a vida, então estaremos corretamente unidos.
—Não deixarei que se sacrifique desse modo.
—Me casar com você me fará bem—, ele olhou para cima com uma expressão muito diferente. Reyna examinou seus olhos, e viu o que havia ali.
OH, Deus querido. OH, diabos.
—Robert morreu recentemente. Forçar a um casamento a uma viúva recente despojada de seus ...
—Pelo que vi esta tarde, sua dor foi bem superada, milady .
Então ele tinha visto e ouvido o suficiente para reconsiderar sua opinião sobre ela.
A viúva do Lorde de repente tinha ficado disponível. Não era uma cabeça-de-vento, mas ela poderia estar considerando um novo matrimônio. Provavelmente Reginald explicava seu comportamento ao modo da Igreja. Uma mulher, um ser de natureza carnal como todas as mulheres, obviamente tomaria uma mau caminho na vida se não tinha um homem a seu lado mantendo uma rédea firme sobre ela.
Sua decisão de casar-se corrigia tudo isso. Ele cumpriria com seu juramento de cavalheiro de protegê-la, e a salvaria do pecado da luxúria inerente a sua feminilidade, e ao mesmo tempo teria à esposa de seu Lorde a quem desejava. Sem dúvida um proceder muito claro para sua mente. Em seu primeiro matrimônio ela tinha provado ser estéril, provavelmente Reignald se sentiria incrivelmente cavalheiro e piedoso.
—Recusar-me-ei, e meu pai não nos deixará casar.
—Explicarei a situação, e ele entenderá. Se for necessário, pagarei-lhe.
Ela se levantou e o olhou fixamente.
—Isto é intolerável, Reginald. Eu sempre acreditei que fosse um homem honrado e decente, como Robert acreditava, mas vejo que nos equivocamos com você.
—E eu sempre acreditei que você era uma mulher honrada e virtuosa, como Robert acreditava, mas talvez nos equivocamos com você também. Uma mulher decente estaria contente de ter um marido que a proteja. Talvez hoje não fosse a primeira vez que está com esse inglês. Talvez Thomas tenha razão, e você entregou a torre depois de te deitar com ele—, ele fez uma pausa. —Talvez até estivesse cansada do velho Lorde e procurava ver-se livre dele.
Ela tomou uma profunda respiração com desânimo. Um ultimato tácito ficou pendente no ar. Se ela tinha amado Robert e não o tinha matado, ela era uma mulher virtuosa e se casaria com o Reginald. Se ela recusasse, era uma puta e provavelmente tinha matado a seu marido.
Um medo repugnante a invadiu, anunciando o perigo. Se ela recusasse o matrimônio, era uma puta e uma assassina, e tinha certeza que Reginald não a levaria para Edimburgh, e sim para Clivedale.
Maldição com ele. Havia uma terceiro opção que lhe permitiria ganhar tempo.
—Te liberto de seu juramento como cavalheiro—, ela tomou sua bolsa e se afastou do fogo. —Nunca pensei que chegaria o dia em que ser uma prisioneira do exército inglês era o lugar mas seguro para mim.
Reginald estava sobre ela em um segundo, sua aperto de ferro cingiu seu braço.
—Não voltará lá para ele.
—Não estou voltando para ninguém, louco— ela lutou para livrar-se dele. —Vou para minha casa.
Ele empurrou suas costas na direção do fogo.
—Amanhã cavalgaremos para Hawick. Pela manhã, verá que isso é o correto.
—Amanhã cavalgaremos para as terras de meu pai. Eu gritarei até que sejamos encontrados pelos Grahams, e não vai ser nada bom.
—Então me ocuparei de que não faça nenhum barulho, milady.
Seus olhos se dilataram com horror quando se deu conta para onde ele a estava arrastando.
—Não, Reginald. Não faça isso.
Ele se inclinou para procurar uma corda. Ela se agarrou a uma pedra e cravou seus calcanhares, então ele a levantou em seus braços.
—Não aqui, Reginald—, ela rogou enquanto a caverna negra parecia afogá-la. —Me prenda lá fora.
—Se a mordaça sair, gritará— ele disse, atirando-a ao chão e rapidamente lhe atou os tornozelos —Tudo estará bem. Eu cuidarei de você.
Já na escuridão o terror se fazia sentir . Derrotando-a. Fazendo dela uma menina outra vez.
—Então fique aqui comigo— ela pediu.
—Devo manter a vigilância— ele disse, apressando-se com passos largos.
OH, Deus. OH, Deus. Ela fechou seus olhos, tentando ignorar a escuridão, fingindo que só estava dormindo. Mas começou a sentir as garras da escuridão, o silêncio fazendo um eco cruel.
Desesperadamente girou sua vista ao redor até que pôde ver o caminho pelo qual eles tinham vindo. As vagas chamas da fogueira do acampamento eram visíveis entre as pedras. Ela abriu sua bolsa e tirou o livro. Apertando contra seu peito como um talismã para conservar a razão, dobrou seus joelhos e manteve seus olhos fixos naquele pequeno brilho alaranjado.
Observou-o por muito tempo, esperando o momento terrível em que as brasas se apagariam.
Frio. Um frio gelado. Uma solidão absoluta. Sons à esquerda e a direita, e debaixo dela, entre as pedras. Sons leves. Passos correndo.
Notou que as chamas se extinguiam. Finalmente enfrentou a eterna escuridão. O terror a invadiu lentamente, insidiosamente.
Ela apertou o livro e começou a recitar toda a prece que tinha aprendido de cor, cada passagem que tinha lido.
Ian afastou a mão de Margery de sua cabeça e se agachou para pegar as botas.
Margery estendeu a mão novamente, fazendo um irritante som de súplica.
—Basta— ele explodiu. Ela se moveu e apertou os lábios. Logo lançou-lhe um olhar que dizia que ele era um estúpido, que não poderia cuidar de si mesmo se planejava cavalgar nessa condição.
Tudo era tão previsível que Ian apenas conteve seu mau humor.
Ele voltou-se para Gregory.
—Já está pronto?
—Sim. Vinte homens para ir revistar as granjas. Outros dez para a aldeia. Uma patrulha partirá pelo amanhecer para procurar por rastros no musgo—. Seu tom cético indicava que duvidava que eles achariam algo. Ian duvidava também.
—Deveria comer algo—, Margery aventurou. —Eu trarei...
—Vá agora, mulher— Ian ordenou perigosamente. Ela se afastou sacudindo a cabeça.
Ela estava agindo como o pior pesadelo de uma esposa.
—Quem acredita que era? Quantos?— Gregory perguntou.
—Não vi nada—, Ian disse. Ele não tinha visto nada porque ele estava deitado sobre uma mulher nua, maldição.
—Poderia ser Thomas Armstrong que teve a oportunidade de capturá-la. Ou inclusive os Grahams. Não estavam tão longe de sua fronteira. Da duas opções, a mais provável é a dos Grahams, já que não lhe mataram.
Não, eles não o tinham matado mas ele tinha estado inconsciente por um longo tempo, até que a chuva o fez despertar. Ela teria ficado contra sua morte? Uma parte dele queria acreditar nisso. A parte fraca.
—Nem os Armstrongs nem os Grahams, acredito. Era alguém em quem ela confiava. Ela não vai viajar para Edimburgh sozinha—, ele amarrou com uma correia sua espada. —Penso que ela se dirigia para o velho castelo. Eu cavalgarei até lá e verei se eles já se foram.
—Quantos homens quer levar?
—Nenhum.
—Sir Ian, sei que está zangado porque a dama foi tomada de suas mãos. Sem dúvida quer revanche. Mas quem sabe o que o aguarda? Agora mesmo há seis homens preparados para cavalgar.
—Nenhum.
—Isto é pouco inteligente, e sabe disto.
Era uma questão pouco inteligente. Obstinada e orgulhosa. Ele a perdeu, então ele queria recuperá-la sozinho. Mas principalmente não queria ninguém a seu redor quando matasse a esses homens e logo lidasse com aquela trapaceira puta que o tinha enganado como se ele fosse um escudeiro de quinze anos.
Só uma vez antes em sua vida ele se equivocou tanto com uma mulher. Enquanto ele voltava para a fortaleza, com a cabeça partindo-se pela intensa dor, ele finalmente havia reconhecido quem era ela. Reyna tinha manipulado seu interesse para conseguir um aliado e protetor, induzindo-o a não dar importância à evidência clara de sua culpabilidade na morte de Robert.
Sua atuação tinha sido magistral. Jesus, ela o tinha tomado por idiota. Ganhando tempo pendurada naquela árvore, tentando prolongar a sedução. Todo esse tempo ela estava esperando que seus salvadores a encontrassem. Ela tinha esperado até o final da sedução, quando ele estaria mais vulnerável, para atacar. Ela fingiu inocência, ignorância e virtude desde o começo para enganá-lo.
Não posso. Claro que ela podia e como tinha gozado.
—Quer que vá com você— Gregory disse significativamente. —Morvan insiste em que ela não seja molestada.
—Então venha. Maldição. E traga outros. Tem razão, não se sabe o que nos aguarda.
Sem levar tochas, eles cavalgaram rapidamente rio acima, em direção à sombra escura das ruínas. Um quarto de milha antes, Ian chamou para fazerem uma parada. Gregory se deteve a seu lado.
—Bem posicionado—, Ian disse. —Se alguém está lá, pode ver em todas as direções e observar o rio também.
—Pensa que eles seriam tão idiotas para esconder-se em um lugar tão próximo?
—Por que não? Necessitaria de um exército inteiro para cercar esta colina. Nós subimos por um lado e eles descem pelo outro, e quando nós chegarmos à fortaleza eles já se foram bem distante— Ian desmontou seu cavalo. —Me dê tempo, dêem a volta e subam pelo lado sul. Depois avancem muita silenciosamente, fingindo procurar na vegetação ao bordo do rio. Se eles estiverem lá, talvez isso os distrairá enquanto eu consigo dar uma olhada. Se houver muitos homens, voltarei. Em caso contrário, devem estar alertas ao meu sinal.
Ian começou a correr para o sul. Sua cabeça pulsava de dor com cada pedra no caminho, mas um a pulsação diferente em seu sangue o empurrava a seguir. Deslizou pelo fosso onde a velha muralha de madeira tinha estado uma vez, e escalou pelo outro lado. Movendo-se mais lentamente, subiu em direção à forma destruída e escura da Torre de vigia. Quando se aproximou das pedras, fez uma pausa.
Nenhum som o recebeu exceto o vago relincho dos cavalos. Esperou na escuridão até que ouviu Gregory dando ordens aos outros homens, lhes dizendo que procurassem com ao longo do rio.
Ian aguçou a vista na noite. Havia um homem de costas investigando entre umas pedras.
As nuvens se moveram, a luz da lua vagamente mostrava seu cabelo loiro e o brilho do aço da espada em sua mão. Ninguém mais era visível.
Ian deu a volta para a parte de atrás da estrutura onde havia dois cavalo. Maldição, Reyna não lhe escaparia na noite. Ian desatou as rédeas e bruscamente bateu nas ancas dos animais com uma mão enquanto desembainhava sua espada com a outra.
O bater dos cascos e o som do aço saindo da bainha da espada fizeram que o homem desse a volta. Ian caminhou para uma clareira entre as ruínas e o enfrentou ao redor do círculo de uma fogueira apagada.
—Penso que tem algo que é meu.
—Não tenho nada teu, porco inglês.
—Tudo o que estava dentro da Fortaleza Black Lyne quando eu tomei é meu, inclusive a dama. Onde está ela?
—Muito longe com os outros. Eu fiquei para cobrir sua fuga.
—Está mentindo. Vi dois cavalos.
Ian não podia ver o rosto do homem na noite. Apenas podia ver a forma de seu corpo. Colina abaixo, Gregory e os outros continuavam procurando. Ian lhes gritou.
Sua boca apenas se fechou quando na escuridão o corpo atacou. O som de aço se chocando contra aço ecoou na noite.
O homem lutava com o desespero de um cruzado em uma batalha por Jerusalém. A escuridão só fazia a luta mais perigosa. Ian contava com seu instinto aguçado e seus sentidos alertas, escutando o assobio do ar que lhe dizia para onde a arma se curvava, pressentindo os movimentos do outro mais que os vendo.
Sabia quando um homem dobrava-se de um modo vulnerável, e levou sua própria espada a um ângulo que conectava com o quadril e a perna. Um grito gutural acompanhou os sons de um corpo e uma arma caindo por terra.
Não tinha sido um golpe mortal, porque ele queria o homem vivo. Agarrou-o pelo cabelo e empurrou sua cabeça. Gregory e os outros estavam cavalgando sobre a colina.
—Onde ela está?
O homem não falou, logo expôs seu pescoço para receber um golpe súbito de misericórdia. Sacudindo-o com irritação, Ian o lançou ao chão.
—A dama?— Gregory perguntou, desmontando de seu cavalo.
—Ela está aqui. Provavelmente nas ruínas—, ele teve o pensamento de que estavam brincando jogos de criança enquanto Reyna se deslizava por entre as pedras, sempre fora de seu alcance. —Coloca os homens em pontos em torno do fosso, Gregory, lhes diga que não deixem passar ninguém, nem sequer a um rato.
Com a cabeça pulsando de dor e sem incomodar-se em amaldiçoar, Ian caminhou em direção à edificação destruída.
A única coisa que mantinha Reyna sem enlouquecer eram os batimentos de seu próprio coração.
Ela se concentrou na pulsação rápida e pesada. Parecia tão real, quase tangível, e lhe recordava que não estava morta em uma eternidade obscura, mas sim estava viva e que o tempo passava de um modo normal. Mesmo assim, uma parte dela, uma parte crescente, há muito tempo se entregara ao terror.
Aquelas mãos invisíveis se estiravam para ela novamente. Não a assustavam com beliscões agora, a não ser deslizando-se a longo de seus braços e pernas. A risada era diferente – mais baixa e perigosa, gozando um prazer cruel do seu medo. Ela dobrou seus joelhos mais apertadas contra seu peito, para afastar esses demônios. Só que desta vez, eles não partiriam.
O pânico começou a crescer, determinado a derrotá-la. Ela o tinha combatido por tanto tempo que seu espírito estava esgotado, e sucumbir era uma idéia sedutora.
Robert, ela gritou silenciosamente.
Passos na escuridão. Não corridas amortecidas, mas os passos de um homem. Ela esperou, a respiração fortemente contida. Aguçou sua vista na escuridão, procurando a luz e a mão salvadora embora sua alma sabia que não podia estar ali.
Mais perto agora, aproximando-se lentamente. Tropeçando nela. Os gritos de terror vieram de algum lugar, ecoando entre as pedras, como seu espírito cansado desmoronando-se.
—Jesus—, disse uma voz alta. Uma voz real. Mas não lhe importou. Umas mãos firmes agarraram seus ombros, sacudindo-a.
A voz novamente mais suave agora.
—Não te machucarei. Não tem que estar assustada. Vêem comigo para fora deste lugar.
Sua própria voz, separada de seu corpo.
—Não posso.
—Milady, já não quero te ouvir dizer isto novamente.
—A corda.
—Infernos. Não se mova—. As ataduras caíram livres. —Parece que seu plano não saiu como o planejou, Reyna.
O espaço escuro lentamente tomou suas formas normais ao redor dela. Todo seu corpo se agitou de alívio.
Ian a pôs de pé. Ela apertou o pequeno livro com mais força contra seu peito. Seu braço forte rodeou seus ombros.
—Venha comigo, Reyna. Estará segura.
Ele a guiou para fora da escuridão. Só a sutil luz da lua os aguardava, mas já era algo. Ian gritou e os homens vieram correndo.
—Apanhamos um dos cavalos— Gregory disse.
—Ponha o homem nesse cavalo. Eu levarei a dama,— Ian disse. Ele ainda estava zangado, mas estando agradecida porque não teria que cavalgar sozinha na noite, a ela não importou.
—Quem é ele?— ele perguntou quando a ergueu sobre seu cavalo.
—Sir Reginald...
Ian montou atrás dela. Seus braços a rodearam enquanto tomava as rédeas.
—Um cavalheiro de seu marido? O irmão do Edmund? Maldição. Entretanto uma relação com ele tem mais sentido que com o Hospitaleiro.
—Por que estava amarrada? Não confiava em sua amante para cumprir o acordo que ela havia combinado antes do assassinato de seu marido? Devo felicitá-lo por ser mais previdente do que eu fui.
Suas palavras apenas penetravam sua mente. Reyna sentia como se seu espírito tivesse secado de qualquer emoção. Pendia dentro dela como um tecido impermeável a qualquer vento, inclusive à raiva de Ian.
Ela se aconchegou contra ele todo o caminho de volta à fortaleza, concentrada no alívio porque ele tinha vindo, a tinha encontrado e a tinha salvado do terror.
—Vem comigo, menina. Estará segura e nunca mais estará assustada desta maneira novamente.
Capítulo 10
Ian entrou no quarto de Reyna à primeira hora da manhã seguinte, despertando-a. Ela piscou e se sentou na cama, levantando os lençois ao redor de seu corpo.
—Está recuperada?—, ele perguntou. —Sir Reginald foi atendido, não está mutilado. Pode ir ver se o desejar, mas só se Gregory ou eu lhe acompanhamos.
—Não desejo vê-lo.
Sua expressão se obscureceu.
—É uma mulher fria.
—Ele deveria me haver ajudado, não me ameaçar.
—Deve pensar que todos os homens são grandes idiotas se espera que sua ajuda não tenha um preço. Um homem não ajuda uma mulher a matar seu Lorde e logo a deixa ir sem pagar sua dívida.
—Pensa que Reginald me ajudou a assassinar a Robert?
—O prêmio poderia tentar a qualquer homem. Você, e as terras que herdaria.
—As terras… Do que está falando?
—Do testamento de seu marido. David e eu o encontramos.
—Não sei nada do testamento de meu marido. Nós falamos disso só uma vez, sete anos atrás. Ele me assegurou que tinha tomado providências quanto a mim, isto é tudo. As terras do leste.
—Não perca seu tempo comigo, Reyna. Estou cansado de seus enganos. Vestir-se-á agora e virá comigo. Sempre estará perto de mim, então eu saberei onde está. Não quero você fora de minha vista.
Fiel à sua palavra, ele a fez segui-lo a todos os lados durante todo o dia. Quando ele deixou uma parte do pátio para trabalhar em outra, buscou-a e lhe fez gestos para que o seguisse. Pela noite, enquanto ele lia o título da propriedade, ele a fez sentar-se no solar com ele, e ela leu até muito tarde. Quando ela se levantou para dormir, ele a acompanhou a seu quarto e ,depois que ela se enfiou na cama, Ian entrou e lhe amarrou uma mão à cabeceira.
—Isto é excessivo—, ela disse.
—Não me arriscarei a que escape novamente.
—Está me tratando como se fosse um prisioneiro.
—Estou te tratando como uma mentirosa em quem não se pode confiar.
—Bastardo. Fui mais inteligente que você e me culpa por isso. Nunca menti. Você sabia que minha intenção era partir assim que pudesse.
—Sim, foi mais inteligente do que eu de muitas maneiras. Por tudo que sei, até a rendição da torre estava planejada para escapar da justiça dos Armstrongs. Mas eu não sou estúpido duas vezes com a mesma mulher.
A situação continuou assim por dois dias. Ele rara vez falava com ela e apenas a olhava. Ela se converteu em um cachorrinho, atada a ele por uma correia invisível.
No terceiro dia, ele estava juntando algumas armas do solar quando uma comoção no pátio o atraiu para a janela.
—O que acontece?—, ele gritou.
—Problemas—, Gregory respondeu. —Cavalheiros no caminho do oeste. Cinqüenta, talvez, conforme informou a patrulha.
—Tenha cinqüenta homens preparados para partir, Gregory. Vinte arqueiros. Chama os homens dos acampamentos e logo fecha o portão.
Ian girou, preparado para correr, e a viu de pé ali.
—Devo te seguir à batalha também?—, ela perguntou.
Ele olhou ao seu redor, ansioso por partir.
—Sente-se na cama—, ele ordenou, agarrando um cinto que estava sobre um baú.
—Teme que me cresçam asas e que saia voando por cima da muralha?—, ela perguntou enquanto ele envolvia o cinto ao redor de seus punhos e a amarrava à cabeceira.
—Não. Temo que você escape pelo portão em meio à confusão de homens partindo e retornando.
—E logo o que? Caminho até o Edimburgh atravessando as terras dos Armstrong?
—Talvez tem amantes nesse exército que lhe ajudarão. Talvez Edmund te espera em Bewton para tomar o lugar de seu irmão em sua cama.
—Esses são delírios irracionais de um homem obcecado.
—Não, são os pensamentos sensatos de um homem que tinha um véu lhe tampando os olhos.
Ele caminhou para fora do cômodo com uma ladainha de vivazes insultos. Tirando Reyna de sua mente, ele se deteve nos degraus do pátio. John segurava seu cavalo de guerra e fora dos portões seus cavalheiros esperavam.
—Sem armadura?—, John perguntou.
—Não há tempo, John.
Ele agarrou seu escudo. A perspectiva de ação o enchia de energia. Seria bom usar seu corpo e sua mente para aquilo que tinham sido treinados, em vez de debater sobre o caráter e o destino daquela mulher.
Há cinco milhas da fortaleza, Ian ouviu os sons de gritos e batalha. Ele esporeou seu cavalo a subir uma ladeira baixa. Adiante dele podia ver três grandes carros, rodeados por homens com espadas e arqueiros protegendo os cavaleiros Armstrongs.
Ian desembainhou sua espada e levou seus homens para a batalha. As flechas detiveram seus vôos quando ele e os outros cavalheiros se chocaram com o inimigo. Claramente superados em número agora, os Armstrongs começaram a afastar-se. Ian fez gestos para Gregory para que se ocupasse dos arqueiros e os seguiu.
Avermelhado pela excitação da breve ação, Ian voltou para o caminho.
David de Abyndon estava sentado em um cavalo perto do carro dianteiro, embainhando uma espada.
—É bem-vinda sua ajuda, Ian. De outro modo isto poderia ter levado todo o dia.
—O que está fazendo aqui?
David apontou os carros e os arqueiros.
—O navio partiu. Estamos levando a carga para sua fortaleza.
—Por que não vão para Harclow? É mas perto.
—Morvan não quer todas as armas lá. Fiquei com os arqueiros do rei Edward como proteção. Boa idéia. Morvan já chegou? Ele estava planejando te visitar.
—Não, ele não veio. —Ian olhou o carro e levantou suas sobrancelhas interrogativamente. David caminhou até o carro e levantou o tecido que o cobria. O metal brilhou.
—Armas— Ian exclamou.
—Sim. Também vêm de Edward. A pergunta é se Morvan as usará.
Ian entendeu o comentário. Morvan podia ser antiquado em seu sentido de honra.
A destruição espantosa que causavam essas novas máquinas de guerra lhe parecia pouco cavalheiresca. Ian as tinha visto sendo usadas em Poitiers e as achava fascinantes.
—Poderia as haver levado a Harclow. Ele não as teria usado.
—Ah. Bem, isso é verdade, Mas há outra carga que ele definitivamente quereria no cerco—. David deu um passo atrás até o segundo carro e lhe mostrou o que havia debaixo do tecido. —Pode sair agora, querida.
O tecido se levantou, e uma mulher de cabeleira negra e olhos brilhante apareceu, com uma adaga em sua mão.
—Ian!—, ela gritou.
Ian se curvou para beijar Christiana Fitzwaryn, a esposa de David. Enquanto o fazia levantou uma sobrancelha para David.
Alguns dos homens estavam verificando os corpos caídos. Um gritou dizendo que tinha encontrado um Armstrong que ainda respirava. Ian e David caminharam para o homem.
Ian se agachou.
—Quem os liderava? Thomas Armstrong?
O homem sacudiu a cabeça.
—Ele procurava fazer prisioneiros. Para permutá-los pelas mulheres.
—Se Thomas quiser a sua esposa e às outras damas, só tem que as pedir. Nós daremos-lhe um cavalo para que possa lhe levar essa mensagem.
Ele olhou à bela Christiana que estava sentada elegantemente no carro.
—Vai pedir que a hospede na Fortaleza Black Lyne para ter a sua esposa perto, não é verdade, David?
—Eu sabia que ela estava vindo, mas era minha intenção deixá-la em Carlisle. Mas, dadas as circunstâncias, dificilmente poderia exigir isso.
—Que circunstâncias?
—Os homens cavalgando atrás de você.
Ian voltou-se. Três arqueiros se aproximavam. O cavaleiro do centro se aproximou e ele notou o corpo esbelto, as pernas compridas cobertas por botas, e umas leves protuberâncias debaixo da túnica. Um mau pressentimento doentio o invadiu.
—Não o fez...—, ele murmurou.
—Sim, o fiz, embora haverá um grande problema com Morvan. Sua chegada foi uma completa surpresa. Ela não obedece a ninguém e insistiu em vir aqui.
O arqueiro surgiu diante de Ian. Uma mão esbelta foi para o capuz e a baixou. Ingovernáveis cachos loiros caíram sobre o corpo esbelto. Uns olhos azuis contemplaram-no.
—Ian, lembra-se de Anna, não é mesmo ?— Felizmente Christiana falou.
Sim, recordava de Anna de Leon, a esposa de Morvan. Não a tinha visto em oito anos, desde antes que ela se casou. Pelo modo com que ela o olhou, Ian suspeitou que ela não tinha esquecido de sua última reunião. Nem um detalhe daquele encontro.
—Ian de Guilford—, ela disse em voz baixa, aveludada. —Morvan me disse que o havia contratado e a seus mercenários.
Não, ela não tinha esquecido.
Anna tentou seu sorriso mais encantador.
Não teve nenhum efeito.
Infernos. Seria melhor empacotar suas armas e voltar para a França hoje mesmo.
Quando eles entraram pelo portão da Fortaleza Black Lyne, ficou claro que se haveria um inferno a pagar a Morvan, seria pago imediatamente. Cavalos e homens encheram o pátio. No alto dos degraus que levavam ao salão estava a imponente figura de cabelo escuro de Morvan Fitzwaryn com vários homens novos.
Anna baixou seu capuz para trás e cavalgou para a parte traseira. Morvan não a notou, mas viu sua irmã. A irritação relampejou em seus olhos negros brilhantes e desceu os degraus.
—Enlouqueceu, David? Traz minha irmã para uma guerra?
Ian decidiu que essa não era sua briga. Deu seu cavalo para John e examinou cuidadosamente os degraus para achar um lugar com boa visão. Ele se acomodou perto de dois dos homens que tinham vindo com Morvan. Um era um cavalheiro de cabelo vermelho e o outro um homem mais velho com cabelo e barba branca que parecia considerar desagradável a exibição pública no pátio.
Andrew Armstrong parou ao lado de Ian. Ian em voz baixa lhe explicou as relações entre as pessoas que protagonizavam aquela estranha boas vindas.
—Está sendo muito protetor, Morvan—, Christiana disse, saltando fora do carro e abraçando seu irmão. —David me disse que Ian assegurou o controle desta fortaleza, então isto não será como se nós tivéssemos que estar no acampamento durante um cerco.
Morvan olhou severamente para sua irmã e lançou um olhar letal a seu marido.
—Ela sobreviveu à queda de Caem e cruzou os Alpes duas vezes, Morvan. Tudo estará bem—, David disse.
—E desse modo, nós poderemos estar perto de David e de você,- Christiana disse.
—Nós?— Morvan repetiu desconfiadamente. Ele observou os homens montados. Seus braços caíram aos lados quando viu a alta e magra figura.
—Maldição. O que está fazendo aqui?
Anna com calma tirou seu arco e o pendurou à sela.
—Uma boa saudação de boas vindas para dar a sua esposa depois de cinco meses.
Morvan foi para ela, o pátio ficou em silêncio e todos podiam ouvir. Deveria estar na Britânia.
—Parece que estou aqui—, ela desmontou com um movimento flexível.
—Acordamos que você permaneceria em La Roche de Roald.
—Não acordamos tal coisa. Você decretou isso. Mas eu me aborreci e recordei do nosso acordo de casamento. Você prometeu: se alguma vez voltasse aqui, seria minha escolha te acompanhar ou não.
—Minha concessão foi que você não estaria obrigada a me seguir até aqui se escolhesse não fazê-lo.
—Então deveria ter escolhido suas palavras mais cuidadosamente quando fizemos nosso acordo.
—Maldição. Não terá trazido os meninos também?
Anna apartou seu capuz e passou seus dedos por seus cachos.
—Só Roald, mas deixei-o em Hampstead com os meninos de Christiana—, ela girou com as mãos nos quadris, uma amazona alta enfrentando a um oponente. —Posso ver que te desagrada minha presença. Voltarei para Carlisle imediatamente e procurarei uma passagem para Londres ou Brittany.
Ela ia voltar a montar seu cavalo.
—Maldição, não irá—, Morvan a agarrou antes que ela pudesse levantar sua perna. Ele agarrou-a em um abraço e a beijou ferozmente.
Uma explosão de risadas atravessou o pátio. Anna devolveu a saudação com igual paixão.
—Um casal bonito—, Andrew disse. —Eles ficarão aqui?
—Muito provavelmente—, Ian disse. —As damas por certo, durante algum tempo. Morvan e David pelo menos por uma noite ou duas, eu acredito.
As mãos de Morvan começaram a viajar intimamente pelo corpo de sua esposa.
—Talvez deveria lhes mostrar seus aposentos antes que ele tome a aqui mesmo no pátio—, Andrew sugeriu.
Ian começou a rir, mas o som se sufocou em sua garganta. Infernos. O solar…
—Melhor não. Ela está lá.
—Ela? Está se referindo a Lady Reyna?
—Sim.
—Estou seguro que a dama se retirará. Além disso, seu pai quererá falar com ela.
—Seu pai?—
Andrew apontou em cima de seu ombro com seu dedo polegar.
—O homem velho detrás de nós é Duncan Graham. O de cabelo vermelho é seu filho Aymer. Eles apareceram no portão em seguida à sua saída, mas se recusaram a entrar até que Morvan chegou. Parece que Morvan pediu a Duncan que se encontrassem aqui hoje por causa de Lady Reyna. Suponho que os Grahams ficarão esta noite também. Teremos que dormir eu mesmo e alguns outros em mantas no salão para acomodá-los, e suponho que posso pedir às damas Armstrong que compartilhem um quarto…
Ian cessou de ouvir as especulações de Andrew. Ele lançou um olhar aos dois homens detrás dele, e pensou em Reyna confinada no solar.
Aquilo, ele suspeitou, era parte do salário do pecado. O destino não tinha clemência com o malvado.
Questionou-se se poderia escapulir para dentro da fortaleza muito rapidamente e... mas David estava interrompendo Morvan e dizendo algo enquanto apontava para as escadarias. Morvan colocou Anna debaixo de seu braço.
—Ian, onde está Lady Reyna?—, ele perguntou, caminhando para ele.
Andrew respondeu por ele.
—Ela está no solar, Sir Morvan.
Ian deu a Andrew uma sutil mas forte cotovelada.
—Eu irei procurá-la—, ele disse, girando para entrar.
—Nós iremos até ela—, Anna disse. —Estou ansiosa por me reunir com a dama. David nos contou maravilhosas histórias de seu espírito rebelde. Penso que nós seremos grandes amigas.
—Há muitos degraus, milady, e viajou uma longa distância. O mordomo lhes trará um refresco no salão enquanto eu vou chamar a dama.
—Tolices. Quero conhecer a fortaleza. Nunca vi uma tão alta, e me sinto curiosa. Recorda-me a torre de uma catedral—, Anna disse, estreitando seus olhos disposta a contradizer ao homem que lhe repelia.
Igualmente, ele tentou novamente.
—Um pouco de cerveja primeiro, talvez...
—Maldição, não vim aqui para tomar cerveja e entreter às visitas, a não ser para ver minha filha—, uma voz falou detrás dele. A mão pesada de Duncan Graham tomou o ombro do Andrew. —Vamos, leve-nos a esse solar.
Andrew se encolheu sob o apuro e obedientemente girou para entrar. Duncan e Aymer o seguiram. Ian tentou dar um olhar de alerta a Morvan quando ele passou, para lhe comunicar que essa não era uma boa idéia, mas Morvan e Anna estavam absorvidos na sua própria paixão.
Com o suspiro de um mártir, Ian formou parte da procissão que ia escada acima.
Passaram pelo corredor. Logo escada acima, Ian desejou nesse momento que existissem muito mais degraus para adiar a catástrofe. Logo passaram pela galeria e foram em direção à porta do solar.
Ali estavam, Morvan e Anna, David e Christiana, Duncan e Aymer, e Ian na retaguarda. Ainda enquanto eles cruzavam a soleira ele pôde ver seus rostos surpreendidos quando eles se alinharam em frente à cama. Ele caminhou adiante, abrindo a boca para explicar.
E então a viu. Era pior do que esperava. Reyna tinha conseguido mover-se sobre a cama de maneira a poder deitar-se confortavelmente. Suas mãos ainda estavam atadas pelo cinto, seu cinto, na cabeceira, seus braços estirados por cima de sua cabeça. Os movimentos lhe tinham subido as saia até suas coxas. Sua postura tinha uma infeliz semelhança com a situação quando ele a tinha amarrado em sua tenda, e transmitia uma nota de vulnerabilidade junto com uma conotação sexual.
Reyna olhou às pessoas reunidas com surpresa.
—Pai!— ela gritou. —Aymer!
David suspirou audivelmente. Morvan lançou a Ian um olhar que poderia havê-lo matado. Lady Anna apertou seus lábios.
—Vejo que ainda galanteias às mulheres com sua velha sutileza, Ian—, ela disse.
Duncan Graham permaneceu diante de sua filha, seu corpo, tenso de fúria.
—Maldição, Fitzwaryn—, ele exclamou.
Ian abriu a boca para tentar uma explicação. Antes de ter a oportunidade, Aymer Graham caminhou para ele.
—Atreve-se a usar minha irmã como se ela fosse um prêmio de guerra, inglês bastardo?
Com um empurrão rápido, Aymer tirou sua luva e a lançou ao chão aos pés do Ian.
Um silêncio total caiu no aposento. Ian olhou da luva para os olhos cinza de Aymer.
—Combate total?
—Sim. Amanhã—, Aymer disse bruscamente.
—Não, Aymer, não fará isto—, Reyna gritou.
—Silencio, mulher—, Duncan gritou.
—Não permanecerei muda. Isto não é o que parece...— ela não teve a oportunidade de terminar. A mão de Duncan voou no ar e a golpeou bruscamente no rosto.
A afronta fez Ian reagir. Ele caminhou para frente, mas a mão firme de Morvan em seu braço o deteve.
—É filha de uma bruxa, Reyna, e sem dúvida tão má como sua mãe—, Duncan disse. —Seu irmão vingará a honra de família, embora a tua não possa ser salva.
Ian escapou da mão de Morvan e colocou a sua própria no cabo da espada. Se Duncan a golpeasse novamente, ele mataria o homem e assumiria as conseqüências.
Christiana se deslizou para a cabeceira e desatou as mãos da Reyna.
—Como o momento e as condições do desafio foram estabelecidas, talvez agora gostaria de tomar algo fresco no salão—, disse a Duncan. Ela falava com uma tranqüilidade cortês que parecia fora do lugar, como se Duncan realmente tivesse vindo para tomar cerveja e entreter às visitas.
Ela desarmou o velho como uma espada nunca poderia havê-lo feito. Duncan olhou fixamente por um momento, e logo sacudiu a cabeça com um grunhido. Ele arrastou Reyna pelos pés e a empurrou para seu irmão. O medo e a raiva iluminaram os olhos de Reyna enquanto os dois homens a levavam para a porta.
Seu corpo se tensionou em resistência e ela se livrou das mãos de Aymer como se este a repugnasse. Andrew Armstrong se aproximou para escoltá-los.
—Lady Reyna, posso me reunir a você?— Christiana perguntou, ainda com humor sereno. —Informaram-me que lê em grego. Eu nunca aprendi, e esperava que você pudesse me ensinar enquanto estiver de visita aqui.
—Ela não estará aqui depois de amanhã—, Aymer murmurou entre dentes.
—Igualmente, estou segura que nós temos muito para conversar—, Christiana firmemente disse, ficando ao lado de Reyna quando eles passavam pela entrada.
Morvan, Anna, David e Ian se mantiveram em silencio. A luva ainda estava no chão.
—Maldição, Ian. Elizabeth não lhe ensinou algo?—, Morvan murmurou finalmente.
—Como a dama disse, não era o que parecia—, ele descreveu sua fuga e os eventos que o levaram a amarrá-la a sua cama.
—Até se for como você diz, eles não acreditarão em suas negações—, Anna disse. —As mulheres que são usadas desse modo mentem sobre isso, porque temem ser desprezadas embora a culpa não dela seja.
A última coisa que Ian queria era mulheres participando da reunião que era necessário sustentar, especialmente porque a fuga dela tinha criado esse pequeno drama. Infelizmente, parecia improvável que Morvan ordenasse que Anna se retirerasse e ela não parecia aceitar a idéia de retirar-se sozinha.
Anna estava no extremo da cama. David com calma, tomou uma cadeira. Morvan caminhou em volta da janela e desviou seu olhar.
—Então, amanhã matará a Aymer Graham—, ele refletiu amargamente.
—Confio que todos estejamos rezando para que seja este o resultado.
—Teremos uma disputa com essa família por gerações.
—Está sugerindo que me sacrifique para evitar essa complicação?
—Sem dúvida seria esperar muito de você—, Anna disse. —Harclow deve ser retomada agora ou nunca. Se os Grahams se converterem em inimigos, tudo poderá fracassar.
—Eu não fiz o desafio para o duelo, milady.
—Não me parece que tenha tratado Reyna com cavalheirismo.
—Ela não seria molestada e se obedecesse e ficasse tranqüila...
—Por que essa mulher obedeceria a você?
Morvan olhou para sua esposa, logo para Ian e para ela novamente.
—Nos deixe, meu amor—, ele disse. —Veja com minha irmã e ajude-a com a raiva cega de Duncan. Se encontrarmos uma solução, precisaremos que ele esteja de bom humor.
Um desafio brilhou por um momento nos olhos de Anna. Ian sentiu surpresa e alívio quando ela se levantou e partiu.
Morvan voltou-se para Ian.
—Pensa que deveria fazer com que minha esposa deixasse de te falar desse modo.
Ian encolheu os ombros.
—É claro que não gosto que ela tenda a pensar o pior de mim.
Morvan voltou para a janela. Seu corpo ficou imóvel, e uma aura emanava dele, como se um poder feroz estivesse sendo contido.
—Poderia ordenar que contenha sua língua, Ian. Mas não é meu interesse fazer isso—, ele disse.—Depois de tudo, é o único homem vivo, além de mim que já a tocou.
Ian notou uma ênfase infeliz na palavra —vivo—, ele reconheceu o perigo em que se encontrava. Na cadeira, David estava muito quieto e silencioso.
Durante os meses desde que Ian tinha salvado a vida do Morvan, eles nunca antes se referiram àquela noite, oito anos atrás no jardim do Windsor.
—Isso foi há muito tempo, Morvan, e eu era muito jovem não mais que um adolescente—, Ian disse, enquanto calculava suas oportunidades de sobreviver se ele e Morvan se encontrassem em um duelo de espadas. Quase metade, ele pensou. Se Morvan o matava primeiro por esse velho insulto, certamente poderia arrumar as coisas com os Grahams, perguntou-se se Morvan estaria pensando nessa possibilidade.
—Sim. Faz muito tempo—, Morvan disse, voltando-se com um sorriso vago. —Bem, David, temos um problema infernal aqui, não é verdade?
—Certo. Salvo se Ian convenientemente cair sob a espada ou o machado de Aymer, isto não concluirá amanhã, e não acredito que Aymer o derrote.
—Obrigado pela confiança—, Ian disse.
—Não tenho dúvida que Reyna está tentando convencer a seus parentes que eles interpretaram mal a situação, mas sua palavra não será aceita como verdade. Como Anna assinalou, freqüentemente as mulheres que são violentadas o negam para evitar a vergonha e o desprezo—, David disse. —Então vamos assumir que convencer os Grahams de seu engano é improvável. Devemos então arcar com a afronta—, ele não olhou para Ian, a não ser para Morvan.
—Sim—, Morvan disse. —E há uma solução fácil para este insulto.
—Uma velha solução—, David concordou.
—Sem um custo real e de certa utilidade em outros assuntos—, Morvan adicionou pensativamente.
—Duncan não terá nenhuma opção mais que aceitar. Aymer também. E se eles estavam planejando algum dano futuro, não o poderão levar a cabo—, David continuou.
Ambos os homens simultaneamente dirigiram seu olhar para Ian.
Eles sorriram.
Ian olhou para Morvan, depois para David, e depois para Morvan novamente. Subitamente compreendeu.
—OH, diabos. Não.
—Pelo menos considere a possibilidade—, David disse.
—Não. É melhor que me pedissem que caia sob a espada de Aymer, Morvan.
—Tolices. Ela é uma mulher adorável.
—Ela é desobediente, inoportuna e manipuladora. Inclusive pode ser uma assassina.
—Uns dias atrás estava certo que ela não o era—, David lhe recordou.
—Reconsiderei a evidência.
Morvan se inclinou contra a janela.
—Eu estou seguro que adivinhou que era minha intenção te dar terras quando tudo isto termine.
Ian não o tinha adivinhado. A maioria dos homens teriam considerado que ajudá-lo a voltar para a Inglaterra seria suficiente pagamento para a dívida de lhe haver salvado a vida.
—Eu tinha pensado nas terras do sudeste, mas talvez isto tenha mais sentido. Você tomou esta fortaleza. É conhecido meu, a posição estratégica deste lugar exige um vassalo forte. As terras Graham começam a cerca de meia milha a leste, e as de Armstrong de Clivedale começam cinco milhas ao norte. Esta fortaleza foi construída para custodiar estas fronteiras.—
—Não há nenhuma família a quem estas terras devam ser retornadas?— Ian perguntou. O que Morvan havia dito despertou sua memória a respeito da sua própria família.
—A Fortaleza Black Lyne e as granjas circundantes nunca foram entregues. Um cavalheiro as administrava.
—Eu assumi que lhe daria as terras livres a seus filhos menores.
—Existem propriedades suficientes aqui e em Brittany. Não, talvez o problema seja o ouro, Ian. O testamento de Robert de Kelso pode apresentar dificuldades inclusive depois que eu recupere Harclow. O pai ou o futuro marido de Lady Reyna pode fazer reclamações em seu nome. Se a petição deles entra na corte, o trâmite pode prolongar-se por anos, e se eles usarem um exército, só haveria mais oportunidades para um longo conflito. Se eu desse a você as terras e você casasse com a dama, o título estará seguro. Está disposto?
—Se me recusar?
—As terras ainda serão suas se me jurar fidelidade. Nós faremos isso quando eu tenha recuperado Harclow novamente.
—E se não recuperar Harclow?
—Então as terras serão suas através da dama, se se casar com ela.
Ian considerou essa oferta surpreendente. Terras. Dele. Não extensas ou ricas, mas dele para sempre. E Reyna. A idéia de estar atado a ela o preenchia com uma estranha alegria e um medo peculiar.
—Está disposto?—, Morvan perguntou novamente.
—Estou disposto.