Criar um Site Grátis Fantástico
Translate to English Translate to Spanish Translate to French Translate to German Translate to Italian Translate to Russian Translate to Chinese Translate to Japanese

  

 

Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O PLANO DE MISS FAIRBOURNE
O PLANO DE MISS FAIRBOURNE

                                                                                                                                                  

 

 

 

 

Biblio VT

 

 

 

 

 

CAPÍTULO 18
Mrs. Norriston serviu uma ceia ligeira, antes de Emma e Southwaite abandonarem a casa. Assim que terminou a refeição, o conde pediu licença para se retirar com o
intuito de verificar se a carruagem estava pronta.
Ao subir para a carruagem, Emma reparou que o cavalo de Southwaite havia sido preso à parte de trás do veículo. O conde iria acompanhá-la e mostrar-lhe o local em
questão, mas Emma regressaria a casa sozinha.
Não precisaram de mais do que dez minutos para alcançarem uma ligeira elevação que se estendia ao longo do litoral, onde a costa começava a arribar, culminando nas
enormes falésias de Dover. Southwaite ajudou-a a descer da carruagem. Caminharam juntos cerca de noventa metros, até atingirem o trilho que serpenteava no cimo da
arriba escarpada.
– Segundo me contaram, o meu pai veio de casa até este lugar. Quando o encontraram, não viram qualquer cavalo, nem carruagem – disse Emma.
– Aparentemente, o seu pai passeava muitas vezes por este caminho. O trilho segue o contorno da costa, em toda a sua extensão. Pode aceder-se a ele não muito longe
da sua casa.
Emma saiu cautelosamente do caminho, pisando a área onde o chão descia abruptamente. O declive não era tão íngreme ali como se tornaria mais a sul, mas era suficientemente
pronunciado para causar danos fatais.
– Presumo que o meu pai se encontrava neste preciso lugar, quando tudo aconteceu.
– Sim, foi essa a informação que recebi.
Emma ergueu o olhar, fixando-o no mar. A altitude e a localização daquele ponto geográfico possibilitavam uma boa visualização da costa. Ao longe, para norte, avistou
um aglomerado de linhas e formas. Percebeu que era a frota do Tamisa, guardando as rotas marítimas que ficavam perto de Londres.
– Disseram-me que ele caiu ao final da tarde, mas só foi encontrado na manhã seguinte.
– O juiz de paz descobriu, durante o inquérito, que ele foi visto a percorrer o trilho por volta das oito da noite.
– Então já era relativamente tarde. Quase crepúsculo. Assistiu ao inquérito?
Emma não o fizera. Na altura, não quisera ouvir os detalhes. Nunca quisera, até àquele momento.
Southwaite assentiu com a cabeça.
O conde deixou-a entregue aos seus pensamentos. Emma agradecia a atitude, mas também considerava que o comportamento de Southwaite se tornara extremamente reservado.
O homem que revelara as suas emoções tão vigorosamente há algumas horas, transformara-se entretanto num verdadeiro enigma.
Emma olhou de novo para a costa, na sua totalidade.
– Efetivamente, o meu pai foi visto aqui a uma hora razoavelmente tardia – disse. – Não teria a ajuda da luz do sol, para voltar a casa. Talvez haja caído no caminho
de regresso, após o seu avistamento, quando já estava escuro e não conseguia ver tão bem os limites do trilho.
– É possível.
– Não posso deixar de perguntar, a mim mesma, por que motivo decidiu ele passear por um caminho tão perigoso, nessa altura do dia. Tem alguma ideia sobre o assunto,
Lord Southwaite?
– Existem, sem dúvida, muitas explicações possíveis.
Emma só conseguia lembrar-se de algumas. Uma, em particular, fazia muito sentido, dadas as circunstâncias. Ela ponderava-a e suspeitava, pela conduta fechada e tranquila
de Southwaite, que o conde também o fazia.
O seu pai podia ter estado a vigiar a costa, a pedido de alguém. Os contrabandistas utilizavam vigilantes desse género, que transmitiam sinais se o caminho estivesse
livre, para que trouxessem os barcos durante a noite. Emma não sabia se Southwaite acreditava que Maurice estivera envolvido nesse tipo de atividades. Contudo, o
conde não era estúpido. Aquela possibilidade não teria sido imediatamente descartada por Darius.
Olhou para Southwaite, que permanecia imóvel, com o mar na sua retaguarda, aguardando pacientemente que Emma acabasse de fazer o que desejava, naquele trilho fatídico.
O conde dominava a elevação deserta e batida pelo vento, tal como dominara a sala de visitas, no primeiro dia de entrevistas aos candidatos. O seu belo perfil destacava-se
do céu cada vez mais cinzento, ficando coberto pela sombra do sol, que desaparecia no oeste. Tanto a sua expressão como os elementos da sua fisionomia salientavam
a nobreza do homem que a acompanhava.
O conde provara ser consideravelmente astuto e bastante inteligente, ao conseguir descortinar os planos de Emma. Provavelmente, Darius adivinhara muitos dos factos
sobre o seu pai e a Fairbourne’s antes de ela própria haver desvendado o que quer que fosse. Presumia que Southwaite suspeitara de algo ilícito desde que soubera
onde Maurice havia caído. No dia em que ocorrera o «Equívoco Escandaloso», o conde visitara-a com o fito de se livrar de um investimento que poderia comprometer
a sua reputação e o seu dever.
Emma gostaria de poder afirmar que tais suspeitas eram infundadas. Queria explicar-lhe que o pai aceitara algumas mercadorias ilegais, é verdade, mas nunca desempenhara
um papel ativo no contrabando. No entanto, todas as admissões e desculpas ficaram aprisionadas na sua garganta.
Já não estava segura do que acontecera, nem do que o seu pai fizera e não fizera. Por isso, como poderia convencer Southwaite? Tinha sido feita uma referência à
possível realização de um favor, para garantir a libertação de Robert. Talvez Maurice também estivesse a realizar um favor desse género, ao vigiar a costa na noite
da sua morte.
Até mesmo essa perspetiva era bastante otimista, tendo em conta os factos. Afinal, existiam outras explicações, que não absolviam o pai tão eficazmente, nem o tornavam
tão inocente, não era verdade?
Maurice não tivera qualquer aliança com os contrabandistas locais, que atuavam na proximidade da sua propriedade rural. Mas, como dissera Tarrington, a costa era
muito extensa.
Regressaram à carruagem. Emma acreditava que a inspeção daquela parcela da costa havia sido útil, apesar de tudo. Dissipara alguma da indefinição que rodeava a tragédia
e contribuíra para o sentimento de aceitação que o seu coração começava a experimentar.
Emma desejava tão-somente que tudo o que vira não tivesse originado mais perguntas sobre o pai, nem a tivesse deixado ainda mais preocupada com o irmão.
– Para onde vamos?
Emma só colocou a questão quando já viajavam há algum tempo. Estivera perdida nos seus pensamentos, não notando a direção em que a carruagem seguira, nem qualquer
outra coisa. Porém, naquele instante, encostara o rosto à janela e não reconhecera o cenário que iam deixando para trás.
– Estamos a ir para sul, em vez de regressarmos à minha casa – observou ela.
– Não ficaria segura, se pernoitasse na sua propriedade.
– Pensa, porventura, que o Tarrington tentará assassinar-me, enquanto durmo?
– O Tarrington não é a única pessoa que sabe que a menina tem dúvidas e que tentou encontrar-se com um contrabandista, com o fito de as esclarecer.
Emma perguntou a si própria que dúvidas lhe seriam atribuídas por Southwaite. O conde não sabia que Robert estava vivo. Por isso não seriam, certamente, as dúvidas
reais.
Era mais provável que as suspeitas de Darius estivessem na origem daquela manobra. Ele julgava ter interrompido uma conversa de negócios, na taberna, e não lhe quereria
dar a hipótese de a terminar.
– Pondero que deva existir uma estalagem decente numa das povoações locais – comentou Emma. – Gostaria que me tivesse informado dos seus planos, para que pudesse
ter preparado, pelo menos, uma pequena mala.
– Mrs. Norriston disponibilizou a sua e tratou da arrumação dos seus pertences. Está lá em cima, com o cocheiro.
– Foi muito gentil da sua parte supervisionar os preparativos necessários.
– Ora, não tem de quê. Infelizmente, não há uma única estalagem decente nas aldeias mais próximas.
Nem estaria segura num estabelecimento desse género, caso este existisse. Assim sendo, será recebida como minha convidada, esta noite, em Crownhill Hall.
O conde proferiu as palavras com tal serenidade, que parecia estar a informá-la de uma simples ida ao teatro, naquela noite.
– Considero que devia ter mencionado a sua ideia, antes de abandonarmos a minha residência.
– Estava perturbada, na altura. Tomar conhecimento da minha decisão poderia unicamente tê-la inquietado ainda mais.
– É certo que deveria ter sido uma decisão tomada por mim, não por si.
– Fui forçado a tomá-la, dadas as circunstâncias.
– Sendo assim, o senhor conde raptou-me.
– Não seja dramática. Estou a fazer isto para a proteger. Se pensar sobre o assunto com a mente mais tranquila, concordará comigo, em como estará mais segura em
Crownhill e que não havia outra opção.
Southwaite omitia convenientemente que Emma estaria em Crownhill com ele.
– Haverá alguma parente sua, ou outra mulher adulta, que resida nessa propriedade?
– A governanta é consideravelmente adulta.
– Ela não possui qualquer autoridade. O senhor conde está a pôr em risco a minha reputação. Se descobrirem que...
– Não irão descobrir coisa alguma. Não tenha receio disso.
Apesar do sorriso encantador que exibia, o conde conseguia parecer um pouco magoado.
– Procuro somente garantir a sua segurança. Esse é o meu dever, como cavalheiro.
Sim, Southwaite era um cavalheiro. Um cavalheiro que tinha ampla experiência no campo da discrição, de acordo com Cassandra. Era um gentil-homem que só quebrava
as regras em privado, afigurando-se, perante o mundo, como um homem que seguia e defendia as convenções sociais mais rigorosas, e chegando a exigir o mesmo das outras
pessoas.
Em resumo, era uma fraude. Emma esquecera-se de tudo aquilo. Nunca o vira nas salas de visitas da alta sociedade e o conde não recorria à maioria das pretensões
típicas do seu género, quando estava com ela.
Contudo, naquele momento, Southwaite exercia o seu encanto polido, tal como faria na presença de uma duquesa. A sua voz maravilhosa acalmava qualquer agitação e
o seu sorriso tranquilizava qualquer mente inquieta. Era um tipo de sedução cujo objetivo, provavelmente, seria provocar a submissão de Emma à sua vontade.
– E o que fará, então, se eu insistir para que não seja presunçoso a ponto de exigir que eu aceite uma proteção que somente o senhor conde decidiu ser necessária?
– Enquanto permanecer perto da costa, ficará num lugar onde possa mantê-la debaixo de olho. Não arriscarei que o Tarrington, ou qualquer outro da laia dele, se aproxime
de si outra vez, Emma.
Ali estava. Não fora dito de uma forma clara, mas a mensagem encontrava-se lá. Southwaite assumira que Emma efetivamente andara à procura de mais lotes para vender,
compostos por mercadorias ilícitas.
Se o conde acreditava que podia impedir as suas iniciativas ilegais, mantendo-a sob vigilância, Emma nunca conseguiria convencê-lo a permitir que regressasse à sua
propriedade rural.
Tentou construir uma argumentação sólida, para o persuadir a deixá-la regressar a casa, mas acabou por ceder. Na verdade, não queria realmente voltar para a casa
do pai, onde teria de enfrentar as memórias e as perguntas acerca dele. Emma não queria preocupar-se pela noite dentro, pensando em Robert e duvidando se conseguiria
encontrar o dinheiro necessário para o resgatar.
Quando a carruagem virou para o acesso a Crownhill Hall, Emma já estava parcialmente convencida de que nada de mal resultaria daquela decisão tomada por Southwaite.
Tinha quase a certeza de que estaria verdadeiramente segura. Mesmo em relação às investidas do conde.
CAPÍTULO 19
A governanta ocupou-se imediatamente de Emma, conduzindo-a até um quarto localizado num dos pisos superiores. Darius entregou a carruagem e o cocheiro aos seus criados,
para que tomassem as devidas diligências, dirigindo-se depois até à biblioteca.
Na realidade, não havia outra opção, a não ser trazer Emma para a sua propriedade. A única alternativa consistia em colocá-la numa estalagem e ficar de guarda à
porta do quarto em permanência. Tinha interrompido algo, ao entrar na taberna, e, por mais que tentasse, não conseguia convencer-se de que Emma não tentaria continuar
essa pequena aventura, se lhe dessem uma oportunidade para o fazer.
Obviamente, tudo dependia da razão pela qual Emma se encontrara com Tarrington. A profunda emoção que ela revelara distraíra Southwaite, impedindo-o de descobrir
o motivo. Uma lágrima dela bastou para que fosse instantaneamente derrotado.
Talvez fosse melhor assim. Emma não reagira bem às insinuações que o conde fizera acerca do seu pai.
Por isso, dificilmente teria encarado de forma positiva um interrogatório sobre as suas próprias atividades, especialmente tendo em conta que decerto se reunira
com Tarrington pela razão mais plausível.
Naquele momento, Emma já reunira, muito provavelmente, informações suficientes para, pelo menos, ter algumas dúvidas sobre os registos de contabilidade vagos da
leiloeira e sobre as estadias do pai na costa. Ela chegara a fazer algumas alusões ao assunto, quando se encontravam no trilho costeiro, e convidara-o a articular
as suas próprias suspeitas. Pois bem, se Emma viera até ali com a finalidade de seguir as pisadas do pai e envolver-se com contrabandistas, Darius acreditava ter
frustrado atempadamente os seus planos.
Serviu-se de um pouco de brandy e levou o copo até ao terraço. Supunha que Emma permaneceria lá em cima, no seu quarto. Duvidava que Miss Fairbourne fosse suficientemente
corajosa para se juntar a ele, durante aquela noite.
O corpo de Southwaite não apreciava a ideia, de todo. Uma fome crescia silenciosamente dentro do conde, ansiando por ser incentivada. Darius bebeu o brandy, enquanto
observava as sombras que invadiam o jardim, sabendo que teria pela frente uma longa noite de vigília.
Alguns salpicos ténues de luz, proveniente das janelas situadas por cima do terraço, tingiam o espaço de dourado, como se uma fina camada de tinta pálida tivesse
sido aplicada sobre a escuridão. Perto de terminar o seu brandy, Southwaite reparou que as luzes mais próximas perdiam alguma da sua intensidade.
O conde virou-se e olhou para a origem da luminosidade enfraquecida. Dois pisos acima, Miss Fairbourne estava à janela, observando o exterior.
– Gosta do seu quarto?
Darius não teve de levantar a voz, de modo algum, para conversar com Emma. A noite estava tão tranquila que se podiam ouvir, claramente, até mesmo sons distantes,
como o rebentar das ondas.
– Se precisar de alguma coisa, peça à governanta.
– Estou-lhe inteiramente grata pelo quarto que me cedeu. É muito confortável e luxuoso – observou Emma, inclinando depois ligeiramente a cabeça, como se assuntos
mais interessantes do que Darius absorvessem a sua atenção. – Tive a impressão de ouvir cavalos.
– São criados em terras que ficam a oeste daqui. Passámos por eles, quando vínhamos para cá, mas a menina não notou.
Emma não reparara nos cavalos porque estivera ocupada a ponderar o perigo de ficar sozinha, bem como o perigo de pernoitar com Southwaite.
– São seus? Deve possuir muitos, se fazem barulho suficiente para se ouvirem aqui.
O conde escutou atentamente.
– Dois garanhões estão a enfrentar-se, o que produz mais ruído do que o habitual. Podemos ir vê-los amanhã, se desejar. Um dos campos está reservado para espécimes
puro-sangue, que são verdadeiramente impressionantes.
– Como passámos por eles a caminho de cá, suponho que também passaremos por eles quando regressarmos, em direção a oeste. Sim, gostaria de os observar, se não for
inconveniente.
Emma manteve-se à janela, sendo a sua silhueta iluminada pelo candeeiro do quarto. Ela está somente a apanhar um pouco de ar fresco, seu imbecil. Deseje-lhe boa
noite e vá para dentro.
– A noite está agradável – comentou Darius. – Se quiser, pode passear pelo jardim, ou ler algo, na biblioteca. Não é obrigada a permanecer aí em cima.
– Agradeço a sua gentileza. Ainda é cedo e tenho demasiados pensamentos a ocuparem-me a mente.
Por isso, não é provável que consiga adormecer durante as próximas horas.
– Permita-me que a auxilie. Sugiro uma visita guiada pelas divisões públicas. Os retratos dos meus antepassados, que se encontram pendurados na galeria, irão aborrecê-la
quanto baste, para provocarem alguns cabeceamentos sonolentos.
Emma não respondeu. A hesitação encorajou-o, tanto como a concordância o faria. O conde não aguardou que Emma chegasse a uma conclusão desfavorável às suas intenções.
– Encontrá-la-ei a meio caminho, no cimo da escadaria principal.
Southwaite dirigiu-se para o interior da casa, antes que Emma tivesse a possibilidade de objetar.
Assim que Southwaite desapareceu, Emma soube que tinha sido insensata. Tivera a esperança de que o conde não detetasse a sua presença, na janela, enquanto o observava.
Porém, deixara-se deslumbrar pelo que vira e sentira, ao espiá-lo. As palavras de recusa haviam ficado presas na sua garganta, porque o seu coração ascendia continuamente,
bloqueando o trajeto que estas deveriam seguir.
Não tinha sido apenas a aparência dele que maravilhara Emma, quando o vira no terraço, embora a noite o favorecesse bastante e a luz fraca suavizasse as superfícies
do rosto de Southwaite, de uma maneira extremamente atrativa. Mais do que isso, Emma fora surpreendida pela forma como conseguia senti-lo, independentemente da distância
que os separava, e como podia ser atraída pela presença daquele homem, mesmo quando ele não tinha qualquer consciência da presença dela. Era como se uma corda invisível
prendesse Emma ao conde. Essa corda puxava-a com insistência, criando uma sensação insuportavelmente deliciosa de perigo e... de euforia.
Imaginou-o a subir a escadaria. Emma podia continuar no quarto. Podia esconder-se de Darius.
Possivelmente, o conde consideraria a atitude infantil, mas, naquele momento, essa seria, sem dúvida, a opção mais prudente.
A tentação de ser sensata não tinha qualquer hipótese contra outras tentações mais sedutoras. O
deslumbramento que Emma sentira era muito mais agradável do que as restantes emoções que a tinham dominado durante todo o dia. Aquele sentimento refrescara-a mais
eficazmente do que a brisa noturna, enquanto permanecera à janela. O entusiasmo proibido dera-lhe ânimo e entretivera-a maravilhosamente.
Para o cérebro de Emma, não se tratava de uma escolha entre o perigo e a segurança, mas sim de optar entre uma preocupação solitária e uma companhia humana estimulante.
Emma recompôs-se, antes de avançar. Construiu um pequeno muro, no seu lado da corda, com o intuito de evitar que esta a puxasse, em excesso, na direção de Southwaite.
Logo depois, abandonou o quarto e desceu as escadas.
A expressão de Darius, quando Emma o avistou, deu-lhe alguma coragem. Poderia ter sido uma prima de Southwaite, tendo em conta o modo informal como o conde a recebeu.
Aparentemente, a corda só existia do lado de Emma. É claro que assim era.
– Por aqui – indicou Darius. – A galeria encontra-se disposta paralelamente ao salão de baile. Vamos visitá-lo primeiro.
Southwaite levou um candelabro para o interior da divisão. Grandes espelhos, colocados nas paredes, captaram a chama das velas, multiplicando-a uma centena de vezes.
O enorme salão pareceu cintilar, devido a esse efeito. A luz proveniente dos reflexos, e da fila de janelas compridas, era suficiente para conseguirem ver os bancos
e cadeiras, forrados a seda, bem como as elaboradas decorações do teto alto.
A divisão aproveitava a totalidade do comprimento da casa. Emma olhou para os lustres, que pairavam no ar. Aquele que ocupava o centro do salão era certamente capaz
de suportar várias dúzias de velas e ostentava inúmeros cristais.
– Quantas pessoas participariam num baile que tivesse lugar aqui?
– Não sei ao certo quantas. Possivelmente umas centenas, creio eu. A minha mãe organizou o último baile, há já alguns anos.
– E ela já faleceu? Encontra-se sozinho, então?
– Tenho uma irmã. Ela não se interessa por bailes, por isso não existe qualquer incentivo para que se realize outro.
Southwaite não falara sobre a sua irmã com uma grande alegria. Muito pelo contrário.
– Presumo que os bailes sejam eventos ruidosos e cheios de gente, mesmo num salão desta dimensão.
Talvez a sua irmã não goste do caos, simplesmente.
– Presume? Nunca foi a um baile, Miss Fairbourne?
– Já participei em convívios e festas. Contudo, se se refere aos eventos realizados em espaços imponentes como este, nunca fui a um, realmente.
– Então, tratarei de a convidar para assistir a um, a fim de colmatar essa falha.
Emma inclinou a cabeça, para observar o teto extremamente elevado e o lustre com encaixes para uma centena de velas esguias. Virou-se, fazendo do movimento um pequeno
passo de dança secreto. Os espelhos duplicaram a forma de Emma vezes sem conta. Imaginou aquele salão repleto de mulheres, envergando vestidos maravilhosos, criando
uma profusão de cores.
– Não estou segura de que apreciasse uma noite desse género. Poderia sentir-me terrivelmente deslocada – explicou Emma. – E penso que esta divisão, cheia de pessoas
e com todas as velas acesas...
Na minha opinião, isso poderia arruinar a noite. Gosto do salão exatamente como se encontra agora, com as minúsculas luzes das chamas a dançarem nos espelhos e na
talha dourada, criando um brilho áureo muito pálido. É um lugar mágico, quando está vazio e predominantemente escuro.
– Então, insisto para que desfrute da magia, durante o tempo que desejar.
Darius transportou o candelabro até ao centro da divisão pousando-o no chão.
A nova posição das velas amplificou o efeito. Os cristais do lustre captaram os reflexos, fazendo com que o salão cintilasse ainda mais.
O conde dirigiu-se para as sombras. Um ruído de algo a raspar contra o chão precedeu a sua reaparição. Southwaite empurrava uma chaise longue, revestida de cetim,
na direção do candelabro.
– Pode até pernoitar aqui, se quiser.
– Se o fizesse, provavelmente sonharia com fadas.
Darius pegou na mão de Emma e começou a recuar lentamente, persuadindo-a a acompanhá-lo até ao centro da divisão.
– Tinha a esperança de que sonhasse comigo.
Mais do que puxá-la, o conde procurava atraí-la. Emma só teria de manter os pés imóveis, para conseguir impedir a deslocação de ambos. A luz fraca não escondia as
intenções de Southwaite. Antes pelo contrário, o ouro pálido bruxuleante realçava os olhos do conde e um brilho mágico quase parecia emanar deles.
A cautela sussurrava no interior de Emma. Contudo, o perigo parecia mais excitante do que assustador.
Diversas maneiras de acabar com a situação atravessavam a mente de Emma. Porém, todas as objeções morriam nos seus lábios. Os arrepios subiam-lhe continuamente pelo
braço, partindo do ponto de contacto com Darius. A força gerada por Southwaite enredava-a, sem qualquer misericórdia.
O trajeto até às velas foi percorrido vagarosamente. Emma deixou até de constatar que se movimentava, tal era o modo como se encontrava enfeitiçada pelo conde. Quanto
mais se aproximava da fonte de luz, mais pequeno lhe parecia o salão. Os cantos escuros desapareceram, assim como os extremos e a totalidade da divisão, a dado momento,
exceto a área central, na qual os infinitos cristais pairavam por cima da dezena de velas estreitas do candelabro, posicionado no pavimento.
Emma viu-se subitamente no centro do salão, com a sua mão ainda na de Darius. Tudo a fascinava naquele sítio. Tratava-se de um lugar verdadeiramente celestial. Sentia-se
como se estivesse imersa num lago que refletia milhares de estrelas. Não se assemelhava com espaço algum que tivesse visitado anteriormente. Emma sentiu-se como
alguém que nunca havia sido.
O braço de Southwaite desceu um pouco, puxando-a para mais perto dele. O coração de Emma acelerou e começou a bater desesperadamente. Parou a trinta centímetros
de distância do conde, mas já se encontrava excessivamente próxima. Sentia-o ao seu lado. O corpo de Emma reagiu como se estivessem abraçados.
Darius ficava demasiado atraente, ao ser banhado por aquela luz. Emma apenas conseguia discernir os tons escuros, os reflexos dourados e os olhos intensos, que pareciam
arder. A magia do ambiente favorecia-o bastante, tornando-o belo, misterioso e imponente.
Southwaite pousou a palma da mão no rosto de Emma. Em seguida, agarrou carinhosamente o maxilar inferior e o queixo dela, observando o que segurava. Emma perguntou
a si mesma se, sob aqueles reflexos ténues cintilantes, poderia ser bonita.
– Está a pensar seduzir-me, Southwaite?
Na face do conde surgiu um sorriso, lânguido e discreto.
– A sinceridade é, seguramente, uma das suas qualidades, Miss Fairbourne.
– Se planeia seduzir-me, talvez me possa chamar somente Emma.
– Na realidade, não pensei em muita coisa, durante os últimos minutos.
– Não pensou em muita coisa, mas pensou em algo?
O espaço existente entre os dois desapareceu e a proximidade repentina causou o estremecimento do corpo de Emma. A cabeça de Darius inclinou-se para baixo e os seus
lábios tocaram levemente nos dela.
– Sim, Emma. Em algo.
Era outro beijo provocante, um que fez todas as luzes cintilantes dançarem.
– Em si e no modo como a desejo, desde que me ignorou, naquele leilão final «não tão derradeiro».
Se o conde tivesse dito qualquer outra coisa, Emma poderia ter reunido alguma força de vontade. Se ao menos Southwaite tivesse murmurado que estivera a pensar sobre
o modo como a luz a transformava, ou como a divisão em que se encontravam obliterava o mundo real, ou ainda como o salão produzia um encantamento ao qual não conseguia
resistir... Se Darius tivesse dito algo que não implicasse admitir que desejara a comum, não muito bela, e por vezes teimosa, Miss Fairbourne, ela ainda poderia
tê-lo rejeitado.
Em vez disso, as palavras do conde emocionaram-na profundamente. Mesmo que Southwaite estivesse a enganá-la, tinha usado a mentira certa.
Darius puxou-a, envolvendo-a com os braços. Emma sabia que devia considerar certos aspetos, bem como ponderar sobre o «porquê» de tudo aquilo e sobre «a pretensão»
que viria mais tarde, mas revelou-se impotente perante o tumulto originado pelo conde. As manchas cintilantes, presentes nas paredes e no pavimento, entraram no
sangue de Emma. O temível poder masculino de Southwaite, manifestado através da sua vontade e das suas carícias, subjugou-a por completo.
A forma como Darius a beijava e a afagava mostrava o seu conhecimento da rendição de Emma.
Southwaite já compreendera que, naquele momento, ela era totalmente sua.
Emma rejeitou os últimos vestígios de recato. Abraçou-o e sentiu a tensão que ascendia no corpo de Southwaite, enquanto este devorava a sua boca com beijos exigentes.
Emma abandonou-se tão inteiramente à magia do momento e a Darius, que nem sequer ficou sobressaltada quando o conde começou a desabotoar a parte da frente do casaco
castanho que ela usava.
Quem imaginaria que tirar a roupa poderia ser tão erótico? Os prodígios sucessivos maravilhavam Emma, ao mesmo tempo que o seu casaco caía no chão. Em seguida, o
mesmo sucedeu com a indumentária de Southwaite. O conde beijava-a e acariciava-a, enquanto cumpria a tarefa de os despir a ambos, sem qualquer esforço. Abraçou-a
e, subitamente, as fitas existentes nas costas do vestido de Emma ficaram desapertadas.
Darius conduziu-a na direção da chaise longue. O conde sentou-se na luxuosa peça de mobiliário e Emma permaneceu em pé, diante dele. Southwaite baixou-lhe o vestido,
para que Emma pudesse sair daquela carapaça opaca que a escondia. Nesse momento, Emma finalmente sentiu alguma timidez, ao ver-se coberta somente pelas suas vestes
interiores e pelas meias que usava. Até mesmo as luzes encantadas não conseguiam esconder que se encontrava quase nua.
Southwaite beijou o corpo de Emma, através das vestes interiores, o que a assustou um pouco. O conde repetiu a ação, imediatamente abaixo do peito dela. Emma soltou
um grito penetrante de prazer, ficando surpreendida com a sua própria reação. Então, a boca de Darius deslocou-se para o seu peito, provocando-lhe sensações insuportavelmente
deliciosas. Southwaite afagava-a e beijava-a em simultâneo. As mãos do conde deslizaram pelas coxas de Emma, ascendendo sob as vestes interiores.
Darius parecia saber o que a chocaria, permitindo que ela se adaptasse a cada invasão indecente, antes de realizar uma nova incursão.
Emma não percebeu como se deitaram juntos, naquela chaise longue. Um beijo puxou-a para o lado de Southwaite e, em seguida, uma reviravolta hábil fez com que ficasse
a olhar para cima, observando os cristais e o conde. A boca de Darius dedicou-se a um dos seios de Emma, enquanto a sua mão acariciava o outro, levando-a à loucura
com uma tortura maravilhosa. Southwaite estimulou ambos os seios, aumentando a sua sensibilidade, até esta atingir um ponto em que o menor toque, ou sopro, originava
arrepios fluidos no interior de Emma. As ações do conde transportaram-na rapidamente para além de qualquer modéstia. Emma não se inquietou, quando as suas vestes
interiores deslizaram para cima e para fora do seu corpo, flutuando, ao mesmo tempo que se afastavam.
Nessa altura, Emma perdeu a noção do tempo, do que acontecia antes ou depois, e de que arte sedutora lhe fazia o quê. Sentiu vários movimentos e, posteriormente,
foi invadida pela nova sensação de ter o corpo de Darius contra o seu, pele sobre pele, por todo o lado. Após uma série de beijos diabólicos, distribuídos pelas
suas coxas e pernas, o conde inclinou-se para remover as meias de Emma, de modo a poder completar o contacto.
A partir desse momento, Southwaite adquiriu um domínio absoluto sobre ela, recorrendo a toques e intimidades destinados a enlouquecê-la. As carícias do conde envolviam
todo o corpo de Emma, sem o menor constrangimento. Emma aceitava-as, deliciando-se com o prazer crescente que sentia. A sua excitação sexual tornava-se progressivamente
mais intensa, mais concentrada e mais dolorosa. O desejo transformou-se numa sucessão de calafrios, nunca verdadeiramente finalizados, nunca resolvidos.
Acumulavam-se continuamente, fazendo com que Emma quisesse mais.
Num afago demorado, Darius acariciou o corpo de Emma, passando pela zona entre as pernas, até que a sua mão segurou as nádegas dela e o seu antebraço comprimiu o
monte de Vénus. Emma pressionou o ventre contra o antebraço de Southwaite, com vigor, obtendo um alívio fugaz daquele contacto intenso.
Nesse momento, uma explosão de ardor provocou-lhe uma centena de minúsculos estremecimentos, que percorreram o seu corpo, tirando-lhe o fôlego. O conde pressionou
mais, até que Emma se contorceu contra ele, sem qualquer vergonha. Um prazer rico e profundo atravessou-a repetidamente, atordoando-a cada vez mais.
A mão de Southwaite deslizou para a frente, numa longa carícia, que originou um grito de êxtase na mente de Emma. Em seguida, ela sentiu outro toque íntimo, e outro
ainda. Cada um lhe provocava sensações mais intensas. Cada um a afastava mais de qualquer pensamento, exceto de uma ânsia interminável e frenética.
Darius movimentou-se sobre ela, colocando-se entre as coxas de Emma. Com o seu peso apoiado num dos braços, premido contra a cabeceira da chaise longue, o conde
entrou lentamente no interior de Emma. A respiração dela tornou-se extremamente irregular, ao mesmo tempo que uma sucessão de impactos irrompia por entre o prazer.
A intimidade rude do ato aturdiu-a. Uma consciência austera da sua própria vulnerabilidade teimava em persistir. Mesmo assim, Emma aceitou a força masculina que
a possuía.
Southwaite mexeu-se. Dentro da dor, e não obstante a sua permanência, o prazer regressou. Não era igual ao que sentira anteriormente. Não era desesperado e louco,
mas sim pungente e profundo. Sendo mais do que meramente física, a nova sensação invadiu a totalidade do seu ser, corpo e alma, enquanto se agarrava ao conde, observando
as inúmeras luzes minúsculas que dançavam nos cristais do lustre.
CAPÍTULO 20
Emma acordou nua, no meio de um salão de baile vasto e resplandecente, sob um lustre enorme. O choque da situação em que se encontrava fez com que dominasse rapidamente
os seus sentidos.
Analisou o que acontecera, surpreendida com a sua própria audácia.
Poderia ter aceitado, com relativa tranquilidade, a crueza da sua nudez e da realidade daquela manhã, se não estivesse também aninhada contra um Lord Southwaite
totalmente despido.
Emma permaneceu deitada, em silêncio, tentando não se mover, enquanto a sua mente assimilava o quão vulgar aquela manhã parecia, com a exceção da presente situação.
Tentou conciliar, vigorosamente, a proximidade chocante existente entre os dois com a normalidade absoluta de tudo o resto.
Emma fechou os olhos novamente, conseguindo reviver um pouco do encantamento da noite anterior. O problema residia em não poder manter os olhos fechados durante
todo o dia, não era verdade?
Viu a sua roupa numa pilha sobre o chão, mesmo ao lado dela. Com muito cuidado, libertou um dos braços. Se conseguisse alcançar o seu vestido, a camisa de Darius,
ou qualquer outra coisa, poderia cobrir-se parcialmente, pelo menos. Ou, melhor ainda, cobri-lo a ele.
Emma estendeu o braço, com uma cautela extrema para não se mexer em demasia, e alcançou a ponta do seu vestido. Arrastou-o depois, bem devagar, em direção à chaise
longue e...
A pele de um peito masculino tonificado pressionou o ombro de Emma. Southwaite inclinou-se sobre ela, pegou no vestido e colocou-o por cima das ancas de ambos. Isso
resolvia a pior parte da situação, mas ainda deixava os seios de Emma completamente expostos.
Darius deitou-se de lado, apoiando a cabeça numa das mãos, e observou-a. Emma olhou na direção do rosto do conde e conseguiu vislumbrar a sua expressão. Não podia
evitar pensar que Southwaite parecia indagar-se como havia acabado ali, com ela, de todas as mulheres existentes no mundo.
– Os serventes... – disse Emma, imaginando uma pobre criada a encontrá-los daquela maneira.
– Não entrarão aqui – respondeu o conde. – Isto é, não o farão, se quiserem continuar vivos.
Emma olhou em redor, examinando o gigantesco salão de baile. A cama que ocupavam, posicionada ao centro da divisão, parecia agora diminuída pelas proporções exageradas
do salão. Emma observou o seu reflexo, num dos espelhos. Em seguida, avistou outra réplica de si própria, e mais outra. Para onde quer que olhasse, apenas via os
seus seios, refletidos repetidamente.
Southwaite beijou-lhe o rosto, como se a quisesse tranquilizar. Emma respirou fundo e conseguiu não olhar para os espelhos, de todo.
– Provavelmente está a pensar que, na noite passada, fomos bastante imprudentes – disse ela.
– Não, de modo algum. Estou a pensar que me sinto grato pelo facto de a Emma ter sido imprudente, durante a noite passada.
– Oh, graças a Deus. Odiaria chegar à conclusão de que o havia levado a fazer coisas das quais poderia arrepender-se mais tarde.
Darius sorriu, perante a ironia da declaração, mas replicou de uma forma muito estranha, inclinando a cabeça para baixo, a fim de beijar um dos seios de Emma.
– Também estou a pensar que parece tão linda à luz da aurora como parecia ontem, à luz das velas.
– Vai ser difícil acusá-lo de me ter seduzido impiedosamente, se continuar a elogiar-me assim.
– É isso que lhe ocupa a mente, neste instante? A minha atitude impiedosa?
– Ainda não sei quais são os meus sentimentos acerca do que aconteceu, Southwaite. Tudo isto é demasiado novo para mim e, de momento, bastante surpreendente. Talvez
consiga perceber melhor o que penso sobre o assunto quando não estiver nua, sob o lustre de um salão de baile.
– Está a dizer que devo permitir que se vista?
– Penso que seria sensato. Não concorda?
– Não estou com vontade de ser sensato.
Emma sentiu-se tentada a perguntar qual era então a vontade do conde, mas adivinhou a resposta, pela maneira como Darius a observava. Gostaria que a ideia não a
excitasse tanto, embora aquelas sensações ajudassem a aproximar mais a noite e a manhã, que deixaram de parecer duas fatias provenientes de mundos e vidas distintos.
Southwaite esticou-se de novo sobre o corpo de Emma, cobrindo-a, enquanto tentava alcançar as calças. Em seguida, sentou-se e, de alguma forma, conseguiu vesti-las.
Emma aproveitou a oportunidade para compor o seu vestido, de modo a ficar mais tapada.
– Dê-me as suas vestes interiores e poderei ajudá-la a vestir-se, se o desejar – sugeriu o conde.
– Seria melhor que regressasse a Londres envergando alguma roupa destinada a uso externo, não concorda?
– Na minha opinião, seria melhor que a Emma não regressasse a Londres, de todo, durante o dia de hoje.
Darius sentou-se na beira da chaise longue e procurou organizar as peças de vestuário, examinando as pertencentes a Emma com uma expressão um pouco confusa.
– Já percebi que retirá-las é mais fácil do que vesti-las – comentou o conde.
– Eu mesma tratarei do assunto. Consigo vestir-me em poucos minutos.
– Não, nem pensar. Fui eu que a coloquei no presente estado, por isso também serei eu a tirá-la dele.
Agora venha para aqui e permaneça em pé. Chegaremos, certamente, a uma solução.
Southwaite convenceu Emma a erguer-se. Mais uma vez, ela ficou imóvel à frente do conde, exatamente como sucedera na noite anterior. Porém, naquele momento, não
existiam sombras que a obscurecessem, nem luzes dançantes que a suavizassem. O mesmo se aplicava a Darius. O conde continuava sentado, ainda seminu. O seu peito
e os seus ombros estavam imediatamente abaixo do queixo de Emma. Agia como se os acontecimentos da noite anterior tornassem aquele cenário normal.
Talvez isso fosse verdade para Darius, mas Emma mantinha-se desajeitadamente ciente de que estava completamente exposta. Agarrava o vestido contra o corpo, tentado
cobri-lo, enquanto o conde manipulava espalhafatosamente as suas vestes interiores. Quando estas já se encontravam desembaraçadas e prontas para serem vestidas,
Southwaite dirigiu a sua atenção novamente para Emma, notando a consternação que ela sentia.
Sorrindo para si mesmo, puxou delicadamente o vestido, de modo a afastá-lo do corpo nu.
– Renda-se agora, Emma. Não me está a dar coisa alguma que eu já não tenha possuído antes.
O vestido escorregou para longe de Emma, deixando-a totalmente nua perante o olhar do conde, sob a luz matinal. E também perante o seu próprio olhar. Os espelhos
que revestiam as paredes do salão refletiam o seu corpo sem qualquer misericórdia, vezes sem conta. O rosto de Emma aqueceu. O mesmo ocorreu com o resto do seu corpo.
– Não se sinta envergonhada. Parece ainda mais bela esta manhã do que na noite passada.
Darius pousou as mãos nas ancas de Emma, puxando-a para junto de si. Então, dedicou-se a um dos seios, beijando suavemente um lado, depois o outro e finalmente a
extremidade.
Emma agitou-se violentamente, como se os prazeres da noite anterior não tivessem cessado, mas tão-somente acalmado, durante o período de repouso. Southwaite olhou
para ela, vendo e reconhecendo aquela reação, tão seguramente como se Emma a tivesse descrito. Luzes provocadoras invadiram os olhos do conde. De forma cuidadosa,
mas impiedosa, Darius cerrou os dentes sobre o mamilo tenso.
Um choque sensual atravessou o corpo de Emma, numa trajetória descendente, com rapidez e vigor. Ela não esperara reagir tão intensamente àquelas brincadeiras amorosas
preliminares. Darius usou a língua, de uma forma perversa, para tornar a reação ainda mais intensa. Emma agarrou-se aos ombros do conde, a fim de não perder o equilíbrio,
enquanto as suas pernas se transformavam em algo líquido.
Southwaite aproximou-se, deixando uma das mãos na anca de Emma, de modo a conseguir imobilizá
la. A outra aventurou-se entre as pernas dela. Emma tentou afastar-se, recuando.
– Sei que está dorida. Não irei magoá-la – murmurou o conde, não permitindo que ela fugisse.
Darius não acariciou a zona ligeiramente dorida, que ainda sentia o eco da sua plenitude. Em vez disso, procurou outro ponto tremendamente sensível e começou a torturá-la,
com toques destinados ao enlouquecimento de Emma.
Ela já não se preocupava com o facto de estar nua. Apertando os ombros do conde, perdeu toda a noção do seu corpo, com exceção do local que Southwaite estimulava,
excitando-a profundamente. Sem qualquer pudor, arqueou-se, para que os seus seios atraíssem mais atenções, e gemeu quando o conde passou repetidamente a língua pelos
mamilos eretos.
Os prazeres sucessivos percorriam-na, reunindo-se no lugar acariciado por Darius. As sensações tornaram-se urgentes e necessárias, com uma rapidez assustadora. A
mais primitiva fome depressa dominou a consciência de Emma, originando uma ânsia extrema e fazendo as lágrimas começarem a cair.
Desta vez, não sentiu qualquer dor que interferisse na euforia. Não houve qualquer choque que a trouxesse de volta ao mundo real. O abandono erótico despertou dentro
de Emma, como uma tempestade.
O prazer tornou-se frenético, tenso e desesperado. As sensações intensificaram-se progressivamente, até que Emma sentiu necessidade de gritar, para implorar algum
alívio.
Então, Emma gritou realmente, num estado de choque maravilhado, quando uma amálgama de sensações explodiu, gloriosamente, no seu interior. Ao mesmo tempo que isso
sucedia, Southwaite aumentou a proximidade entre os dois, segurando-a contra o seu corpo, e enterrou o rosto nos seios de Emma, enquanto os seus braços a envolviam
com força. Emma abriu os olhos e viu-se nos grandes espelhos, nua e selvagem, como uma mulher em delírio, abraçando a cabeça escura de Darius, ao mesmo tempo que
se rendia ao êxtase.
Enquanto Darius tomava café, na sala de estar matinal, franziu a testa, ao ler uma carta, que havia sido trazida por um mensageiro, de manhã cedo. Não tinha outra
alternativa que não fosse aceitar o apelo que nela constava. Contudo, naquele dia em particular, Southwaite não queria ter de percorrer toda a região, a cavalo,
por uma questão de dever. O conde gostaria de continuar exatamente onde se encontrava.
Emma vestira-se e voltara para o seu quarto. Darius presumia que ela estaria a lavar-se e a vestir-se de novo. Com certeza, desceria em breve.
Tinha muitas coisas para lhe dizer e para lhe perguntar. Sobre a Fairbourne’s. Sobre o encontro com Tarrington. Sobre a noite anterior. Contudo, na presente situação,
a maior parte das declarações e dúvidas teriam de esperar por outro dia. Se a relação entre os dois avançasse como o conde esperava, algumas poderiam não ser articuladas,
de todo.
Emma entrou na sala, envergando um vestido preto simples e transportando na mão um chapéu negro.
Southwaite teria preferido que ela usasse outra cor, mas talvez essa fosse a voz da sua consciência, tentando fingir que a noite anterior havia sido diferente do
que fora na realidade. Afinal de contas, Mrs.
Norriston provavelmente só dispusera de vestuário negro para colocar na mala de Emma.
O conde ordenou ao criado que servisse o pequeno-almoço a Emma. Os diversos elementos estavam dispostos sobre um armário cuja porção central se projetava, ligeiramente,
para fora. Emma comeu com apetite. Darius preparara-se para enfrentar de novo o constrangimento do amanhecer, quando ela descesse, mas possivelmente a repetição
da entrega sexual tornara o dia menos estranho.
– Devia iniciar a minha jornada de regresso a Londres – disse Emma. – Por favor, peça que digam a Mr. Dillon para preparar a minha carruagem.
– Penso que devia permanecer aqui mais um dia. Esta tarde tenho de me reunir com uma pessoa. Se a menina aguardar, poderemos regressar à cidade juntos, amanhã.
– Se vai estar ocupado durante a tarde, não vejo qual seria a finalidade de prolongar a minha estadia.
Fora uma afirmação de Miss Fairbourne, mas Emma emergiu imediatamente e percebeu o erro daquela lógica.
– Oh – proferiu ela, olhando para o conde e corando. – Como gostaria de ser astuta e sofisticada, Southwaite, para conseguir debater frivolamente as suas intenções,
recorrendo a duplos sentidos espirituosos.
– A sua franqueza habitual agrada-me mais.
– Folgo em sabê-lo, porque é a única ferramenta à minha disposição, presentemente.
Emma olhou para Darius, de uma maneira muito direta, que sempre o atraíra. Porém, naquele momento, também evocou memórias vívidas do espanto dela, na véspera, e
da forma como o olhar de Emma gerara uma intimidade que dominara todo o salão de baile.
– Proporcionou-me uma noite linda e comovente, assim como uma manhã incrível – disse Emma. – No entanto, seria insensato repetirmos o que aconteceu.
Não hesitou, nem vacilou, ao proferir tal rejeição. Nem sequer piscou os olhos.
Southwaite reagiu mal à sinceridade, mas conseguiu engolir a sensação de ter sido insultado. Afinal, ele pedira franqueza, não pedira?
Segundo lhe parecia, a mente de Emma havia-os julgado duramente, a ela própria e ao conde, durante o período em que estivera no quarto, a lavar-se e a vestir-se.
Imaginou-a a ponderar tudo o que ocorrera, colocando o prazer num dos pratos de uma balança e empilhando todos os potenciais problemas no outro prato.
Emma rendera-se a Darius na noite anterior, mas não para sempre. Com os diabos, aparentemente nem sequer conseguira subjugá-la durante um dia inteiro.
Isso significava que, naquele instante, Southwaite tinha de escolher entre duas opções. Ou dispensava os criados, com o fito de a persuadir com mais prazer, ali
mesmo na sala de estar matinal, ou teria de lhe dizer imediatamente algumas das coisas que deviam ser ditas.
O conde ergueu-se e estendeu a mão na direção de Emma.
– Proponho que nos desloquemos ao exterior, para um passeio, com o intuito de lhe explicar o meu raciocínio sobre o que é e o que não é sensato.
A expressão severa de Southwaite surpreendeu Emma. Teria o conde assumido que ela estaria tão deslumbrada com os acontecimentos recentes que se derreteria perante
qualquer insinuação de que Darius desejava prolongar o encontro ardente?
Emma não era indiferente ao interesse revelado pelo conde, nem insensível à maneira como Southwaite a observava. A familiaridade da sua atitude mantinha o sangue
de Emma a ferver com os vestígios do calor daquela manhã. Também não era presunçosa a ponto de pensar que merecia a atenção recebida.
Após refletir sobre o assunto, ficara impressionada por não ter acordado sozinha, no salão de baile, com a mala pronta e a aguardar do lado de fora da porta.
Contudo, Southwaite não podia realmente esperar que tivessem um caso amoroso. O conde certamente sabia que o risco era demasiado elevado para ela. Além disso, Emma
não podia considerar a oferta, por razões que se prendiam com a sua própria situação. Estas últimas eram o verdadeiro motivo da sua recusa, admitiu tristemente.
Enquanto se lavava, no quarto, Emma conseguira finalmente libertar-se do torpor sensual que a envolvia. Reconhecera então a impossibilidade de ser a amante de um
homem a quem teria de ocultar segredos, de uma natureza até potencialmente criminosa.
Àquela hora do dia, o terraço usufruía da sombra de um grande olmo, que pairava sobre as suas cabeças. O perímetro dos jardins, localizados na parte de trás da casa,
delimitava uma grande extensão de relva, salpicada por outras árvores e arbustos. Ouvia-se o som de um ribeiro a correr.
Darius pegou nas mãos de Emma e puxou-a para um abraço. O contacto comoveu-a ainda mais.
Subitamente, Emma pensou que o conde poderia não estar a ser honesto. Poderia estar somente a tentar seduzi-la de novo, para conseguir o que queria. Emma quase desejava
que ele o fizesse. Então, poderia sucumbir durante mais uma noite e mais uma manhã, vivendo algum tempo num lugar mágico, onde não existiam deveres, nem segredos.
– Emma, estava certa, esta manhã. Eu seduzia de forma impiedosa. E não estou arrependido, de modo algum. Contudo, a Emma era inocente e não posso sequer alegar que
pensava o contrário. Por isso...
– Não estou segura de que a palavra inocente se possa aplicar a uma mulher da minha idade. No entanto, eu era virgem. Isso é verdade. Agora, já não sou. Ainda não
lamentei a alteração do meu estado e não creio que a lamente mais tarde.
– Um cavalheiro que compromete a virtude de uma dama é...
– Está a sentir-se culpado? É disso que se trata? Bem, não sou uma dama, por isso deve ficar dispensado de seguir as regras que a sua classe utiliza para lidar com
estes assuntos. Não é verdade?
Para um homem que estava a ser confrontado com uma lógica que o favorecia, Southwaite parecia exasperado.
– Maldição, Emma, estou a tentar... Se parasse de me interromper... – balbuciou o conde, respirando fundo. – Não irei tratá-la de uma forma diferente, devido à discrepância
existente entre os nossos estatutos sociais, embora a Emma continue a assumir que o farei. Iremos casar-nos e fá-lo-emos muito em breve.
Aquela respiração profunda despertou a memória de Emma. Lembrava-lhe algo. Ah, sim, Mr.
Nightingale, quando se preparava para proferir diversas falsidades, com o propósito de se tornar o proprietário da Fairbourne’s.
Southwaite não queria gerir a Fairbourne’s, embora fosse possível que não se importasse de controlar totalmente o futuro da leiloeira. Mas aquela proposta não estava
relacionada com isso. Porém, tal como Mr. Nightingale, o conde pedira-a em casamento pelas razões erradas.
Emma não respondeu de imediato. Permitiu a si própria a experiência de sentir uma agitação profunda, causada pela emoção intensa que a preencheu ao ouvir o pedido,
apesar das motivações subjacentes a este. Deixou que uma série de breves fantasias voassem através da sua mente, nas quais era a condessa de Southwaite.
Infelizmente, outras imagens apareceram de seguida, retratando a reação do conde, ao confirmar que o pai da sua esposa havia cooperado com contrabandistas. O silêncio
gélido de Southwaite, ao descobrir que Emma continuara os negócios ilícitos mesmo debaixo do seu nariz. A ira de Darius, quando o irmão de Emma regressasse e revelasse
que o pai de ambos não fora coagido, de todo, tendo usado a leiloeira para encobrir transações ilegais durante vários anos.
Emma colocou de parte esses cenários mais tristes e concentrou-se no rosto que tinha diante de si.
Encarou-o com um olhar forte e profundo, para que conseguisse nunca esquecer a aparência de Southwaite, naquele preciso momento, e a forma como o conde a fizera
sentir-se tudo menos comum, mesmo que estivesse somente a adotar a atitude correta, como todos os cavalheiros eram ensinados a fazer.
– Sinto-me obviamente honrada. Ou, melhor dizendo, não ouso sentir-me honrada – explicou Emma. – No entanto, sei que o senhor conde não quer casar-se comigo. Não
sou uma escolha apropriada. Ambos sabemos que essa é a verdade.
– Não concordo consigo, de todo. Será uma escolha apropriada, se eu o afirmar.
O conde acreditava realmente no que dizia. Por vezes, a presunção de Darius conseguia ser bastante adorável.
– Não posso aceitar. Pondero que já conhece a maior parte dos motivos subjacentes à minha recusa.
Emma libertou-se do abraço. Uma sensação inesperadamente profunda de desilusão e dor invadiu o seu coração. Avisava-a de que iria, efetivamente, pagar caro por aquela
paixão, mas não de uma maneira pela qual o mundo revelaria compadecimento.
Espantado pela reação, Southwaite afastou-se um pouco e parou para a observar. De seguida, continuou a afastar-se.
– Em determinadas ocasiões, a menina consegue ser verdadeiramente impossível.
– Gosto de pensar que sou pragmática, não impossível.
– Como pode ser pragmático optar por gerar um escândalo, em vez de se casar com um conde? É uma atitude tão pouco pragmática que coloca em causa a sua sanidade mental.
– Não haverá qualquer escândalo. Ninguém descobrirá o que aconteceu. A sua famosa discrição assegurará o sigilo necessário. Por isso, não existe razão alguma para
se sentir obrigado a aceitar as consequências desagradáveis e fazer a coisa certa.
– É muito compreensiva. Diria mesmo estranhamente compreensiva. Se não a tivesse visto a gemer de prazer, há apenas algumas horas, poderia sentir-me ofendido pelo
seu raciocínio pragmático.
Emma estava a fazer tudo o que podia para manter a conversa num tom civilizado, mas o conde simplesmente não iria permitir que fosse bem-sucedida.
– O que é estranho é a sua insistência em provocar uma discussão sobre este tema, quando, claramente, devia estar a regozijar-se pelo facto de ter escapado por pouco.
Algo percorreu o corpo de Southwaite, fazendo com que um calor pungente surgisse nos seus olhos.
– Se não aceita a minha proposta de casamento, então aceite ser minha amante, Emma.
Ah, restava aquela opção. Emma era uma escolha apropriada para um caso amoroso.
– Por favor, não se sinta insultado, mas... não creio que seja boa ideia. Pode estar seguro de que a minha decisão não reflete qualquer desagrado relativamente à
sua... destreza amorosa.
As pálpebras do conde baixaram.
– Fico sinceramente aliviado por ouvi-la proferir tais palavras. A sua boa opinião é extremamente importante para mim. Posso perguntar qual é então a verdadeira
causa da sua decisão? Talvez haja alguma área problemática, na qual eu possa melhorar o meu desempenho.
– Não precisa de ser sarcástico. Julguei que gostaria de saber que a minha rejeição não se devia a esse... género de problemas. Se eu fosse um homem, gostaria. De
resto, existem muitas áreas nas quais poderia melhorar o seu desempenho. Tal como sucede com todos nós. Contudo, a minha decisão deve-se principalmente à constatação
de que as suas tentativas para me seduzir, começando com o «Equívoco Escandaloso», nunca fizeram qualquer sentido.
– Quem disse que tais coisas fazem sentido? Com os diabos, se fizessem sentido, ou tivessem de fazer sentido, eu...
– Você nunca me teria beijado, quanto mais feito amor comigo. Não, não se recuse a proferir uma verdade que já conheço. Tenho a certeza de que não sou um exemplo
típico das mulheres que teve como amantes no passado e raramente conversamos sem discutirmos. É por esse motivo que as suas tentativas de sedução têm sido, bem,
suspeitas.
– Com que então suspeitas.
– Sim, suspeitas. Teria de ser estúpida para não me questionar acerca de possíveis segundas intenções da sua parte.
– Não ataque as minhas intenções, somente porque a menina pensa que é uma mulher comum, Emma.
Oh, pelo amor de Deus.
– Falarei com franqueza, uma vez que o seu orgulho não permitirá que ouça tudo o que for menos...
– Céus. Na minha opinião, já tem sido bastante franca – vociferou Southwaite, fixando os seus olhos furiosos em Emma, de forma sombria. – Ótimo, então explique as
minhas intenções, que parece conhecer muito melhor do que eu próprio.
– Penso que tentou utilizar os seus poderes sedutores para me manipular, de modo a que eu seguisse a sua vontade, no que diz respeito ao destino da Fairbourne’s.
Se algo semelhante a um verdadeiro desejo motivou, eventualmente, as suas ações, sinto-me lisonjeada. Porém, gostaria que a noite de ontem permanecesse uma memória
querida e prefiro evitar questionar-me sobre as suas intenções, de futuro. Por essa razão, por causa das discussões frequentes e... de tudo o resto, não creio que
fosse sensata a existência de qualquer género de ligação íntima entre nós.
O conde observava os olhos de Emma, de uma forma profunda e direta.
– Prefiro ir para o inferno a ter de me contentar com uma memória querida e nada mais.
Emma reparou que Darius não contestara uma única palavra do que ela dissera.
– Então, temo que vá para o inferno, Lord Southwaite. Agora, por favor, peça que tragam a minha carruagem. Preciso de regressar a Londres. Tenho um leilão para preparar.
*
Aquela mulher era extraordinariamente exasperante. Enlouquecedora. Irritante como o demónio...
Darius libertava a raiva que sentia, enquanto galopava ao longo da costa.
Será que Emma esperava verdadeiramente que ele desistisse? Depois de tudo o que acontecera?
« Não quer realmente casar-se comigo». Com os diabos, nenhum homem queria casar-se, mas a maioria acabava por fazê-lo. Não porque desejavam o casamento, mas sim
porque desejavam uma mulher. Alguns casamentos ocorriam quando um homem seduzia uma mulher. Nessa situação, casar-se era a atitude correta. Emma sabia-o, raios,
mas agia como se as regras não se aplicassem a ela própria.
Também ignorara a convenção de que uma mulher, tendo sido seduzida, devia supostamente permanecer seduzida, especialmente se fosse a sua primeira vez com um homem.
Emma presumira que Southwaite ficaria aliviado ao ouvir a sua recusa. E, até certo ponto, isso sucedera. Mas não completamente, o que era estranho. Ainda assim,
nada daquilo vinha ao caso, caramba.
« Não sou uma escolha apropriada.» Não, realmente não era. Porém, se o conde estava disposto a ignorar os aspetos problemáticos da condição de Emma, incluindo o
potencial escândalo que pairava sobre a memória de Maurice, por que razão se sentia ela obrigada a ser «pragmática»?
Maldição. De qualquer maneira, Emma Fairbourne não era uma mulher que se preocupasse com o facto de não ser uma escolha apropriada, se estivesse interessada na oferta.
Ambas as rejeições se deviam provavelmente a «tudo o resto». Emma sabia das suspeitas de Darius em relação a possíveis negócios entre Maurice e os contrabandistas.
A própria Emma também podia estar envolvida nas atividades ilegais. Bem, naquele dia, Southwaite iria tratar de uma parte do «tudo o resto».
Muito em breve, lidaria com as questões remanescentes.
Com a cabeça ainda a latejar e após muito praguejar, o conde seguiu um caminho costeiro, situado a norte da propriedade rural dos Fairbourne, no local onde este
mergulhava em direção ao mar. Antes de o caminho nivelar de novo, Southwaite guiou o cavalo para a direita e seguiu por uma vereda pedregosa, que realizava um trajeto
mais íngreme até à costa. Quando faltavam cerca de cinquenta metros para atingir o oceano, Darius desmontou e amarrou o cavalo a uma árvore, que possuía uma forma
irregular e esquelética. Em seguida, percorreu uma saliência rochosa estreita. Quase como por magia, uma das sombras profundas existentes na falésia transformou-se
na entrada de uma gruta.
Tarrington preguiçava, encostado ao rebordo da entrada. Afiava calmamente uma faca bastante grande contra uma pedra. Ao ouvir os passos de Southwaite, olhou para
cima.
– Ainda bem que veio – disse o contrabandista. – Não quero ter de continuar a alimentá-los, durante mais uma noite.
– É claro que vim. Por que razão não o faria?
– Pensei que talvez ainda estivesse ocupado a proteger aquela senhora – disse, abrindo um sorriso. – Dizer que o seu rosto parecia sombrio, quando nos encontrámos
ontem, é ser eufemista. Não que pareça mais amigável hoje.
– Ficaria muito mais amigável se me dissesse qual foi o tema da conversa que teve lugar na taberna.
Tarrington abanou a cabeça.
– Dei-lhe a minha palavra de honra, como cavalheiro. Prometi-lhe que não o contaria a pessoa alguma.
– Não é um cavalheiro. Logo, pode contar-me o que pretendo saber.
– Dei-lhe a minha palavra de honra, como criminoso, então.
Darius calculou que um criminoso também poderia ser persuadido a falar. Trataria disso mais tarde.
Naquele preciso momento, iria certificar-se de que pelo menos uma coisa ficava bem clara.
– Aconselho-o a não interagir mais com Miss Fairbourne. Se eu descobrir que se encontrou novamente com ela, que lhe está a fornecer consignações especiais, ou que
lhe está a encaminhar outros da sua laia com esse propósito, terá de responder perante a minha pessoa.
Tarrington riu-se. Guardou a faca e fez um gesto para que Southwaite o seguisse.
– Venha conhecer os nossos «convidados». Detetámos a chegada iminente deles, com o auxílio do luar.
Então, aguardámos escondidos na costa e capturámo-los, quando desembarcaram. Tudo aconteceu não muito longe daqui, mais a sul.
Darius seguiu-o até às profundezas da caverna. Pararam num sítio em que uma fogueira ardia, proporcionando alguma luz. Cinco homens estavam sentados contra a parede
rochosa. Na sua maioria, encontravam-se bem vestidos, até mesmo com elegância. Todos exibiam expressões de desdém. Alguns dos homens de Tarrington vagueavam pelo
local, com as pistolas prontas para a ação, na eventualidade de os «convidados» decidirem fugir.
– São imigrantes – disse Darius a Tarrington. – Não precisava de me ter chamado, de todo.
– São, efetivamente. Cada um com a sua bolsa cheia de ouro e joias, e a maioria trazendo também um saco repleto de artigos com valor monetário, ou sentimental. É
impressionante como conseguem arranjar dois punhados de bens que valem centenas de libras, por vezes até milhares.
– Deixe-os ir. Com as bolsas e os sacos que traziam. Onde está a tripulação?
– Fugiu, quando tentávamos manter os imigrantes juntos... – revelou Tarrington, encolhendo os ombros.
– Eram apenas indivíduos pagos para realizar a tarefa, nada mais. Não existe qualquer perigo da parte deles, por isso não considero que tenha sido um percalço relevante.
Raios. Duvidava que tivessem realmente fugido. Tarrington devia conhecê-los e deixara-os escapar.
– Onde estão as mercadorias que a tripulação trouxe?
Tarrington coçou a orelha.
– Mercadorias? Encontrámos muito poucas. Nada que merecesse a sua atenção. Tão poucas que estranhei. Normalmente, são o motivo para a realização da travessia. Os
imigrantes franceses costumam ser somente lastro. É curioso que transportassem tão poucos artigos para venda – disse, apontando por cima do seu próprio ombro. –
Aquele indivíduo poderá conseguir explicar essa situação insólita. Ele é a razão pela qual o quis chamar.
Darius olhou para o homem, que se sentara ligeiramente afastado dos outros. Parecia envergar peças de vestuário mais rudes e as suas vestes aparentavam ter sido
confecionadas quando ele era menos robusto.
– Porque pensa que ele tem algo para me contar?
– Não trouxe quase nada. Nem ouro, nem um retrato em miniatura da sua querida mãe. Apenas algumas roupas, que não parecem ser de tão boa qualidade como as que traz
agora vestidas. Também fala inglês melhor do que os outros refugiados. Pensei que poderia desejar conversar com ele, antes de o libertarmos.
Darius examinou o homem, que se recusava a reconhecer ser alvo de interesse. Tratava-se de um jovem, em boa forma física. Os seus olhos escuros funcionavam como
portas de ferro, que lhe protegiam os pensamentos. Um soldado? Possivelmente. Se fosse um espião, nunca o admitiria naquele momento.
– Creio que está certo, Tarrington. Como provavelmente tem razão, será preferível que também mantenha os outros sob a sua guarda. Vigie atentamente aquele sujeito.
Voltarei, quando souber o que fazer com todos eles.
Darius percorreu a distância que o separava do seu cavalo, praguejando novamente. Maldição.
Poderiam passar vários dias até ser capaz de seguir o percurso de Emma, em direção a Londres.
CAPÍTULO 21
Quando Emma chegou a casa, as suas emoções tinham entorpecido, a ponto de se tornarem apenas melancolia. Até mesmo a visita à Fairbourne’s, realizada no dia seguinte,
foi incapaz de a animar.
Na segunda manhã após o seu regresso, ao entrar nas instalações da leiloeira, foi saudada por Obediah, com o anúncio de que Herr Werner escrevera, dizendo que decidira
consignar a coleção do conde à Fairbourne’s. Emma fingiu mais alegria do que realmente sentia, ao ouvir a boa notícia.
Tentava culpar-se por aquele estado de espírito tristonho, bem como pela sua prontidão chocante para ser seduzida. Contudo, a culpa teimava em não ficar do seu lado.
Emma não conseguia sentir arrependimento suficiente para apoiar os seus esforços no sentido de se castigar. Muito pelo contrário.
Nos momentos menos convenientes, algumas memórias deslizavam-lhe para o interior da mente.
Lembrava-se de toques e sensações, dos olhos de Southwaite à luz das velas, do seu próprio corpo nu, permanecendo de pé, já de madrugada. À noite, enquanto tentava
adormecer, pensamentos sobre aqueles momentos mágicos dominavam-na por completo e o seu corpo agitava-se de novo, como se Emma tivesse voltado ao salão de baile
e pudesse sentir o conde nos seus braços.
No terceiro dia, recebeu uma carta, mas esta não fora escrita por Darius. Foi entregue ao amanhecer, por um rapaz novo, que ganhara um penny como recompensa por
bater à porta. O pulso de Emma acelerou assim que tocou na carta. Abriu-a, rasgando o papel, e começou a chorar, quando reconheceu a caligrafia familiar que preenchia
as poucas linhas.
Emma, Disseram-me que exige provas de que estou vivo. Conhecendo-a como conheço, não me surpreende que faça exigências ao próprio diabo.
Se tivesse a liberdade de escolher, não escreveria esta missiva. Preferiria que presumisse a minha morte. Os meus raptores parecem divertidos com a afirmação que
acabei de escrever. Sim, a carta está a ser lida, por isso não posso revelar onde me encontro. Também me disseram que devia avisá-la para não contar a pessoa alguma
que lhe escrevi.
Será melhor para si esquecer que leu estas linhas, querida Emma. Estou aqui devido às minhas próprias ambições fracassadas. Não quero que o seu futuro seja igualmente
arruinado.
Mantenho-a no meu coração. Saber que está protegida é o meu único conforto. Permaneça em segurança, por mim.
Robert Era tão típico do irmão tentar afastá-la do perigo, com recurso a avisos e revoltar-se contra os planos que a enredavam presentemente. É claro que Emma não
podia obedecer-lhe. Nunca seria capaz de o esquecer, simplesmente. Agora que sabia que o seu coração não mentira durante os últimos dois anos, tinha de comprar a
liberdade de Robert.
Pediu que lhe preparassem a carruagem, para que Mr. Dillon a levasse até à casa onde Cassandra residia. A amiga percebeu imediatamente que algo importante acontecera.
Obrigou Emma a sentar-se e quis saber o motivo daquele entusiasmo eufórico.
Felizmente, Emma tinha uma novidade que iria satisfazer a amiga, mesmo não sendo a notícia verdadeiramente importante.
– Herr Werner aceitou consignar a coleção do conde à Fairbourne’s – explicou. – Quero que me ajude a planear a pré-apresentação das obras. Pretendo que seja a mais
majestosa de sempre.
– Tenho a certeza de que Miss Fairbourne não está envolvida nas operações que nos interessam – declarou Darius. – Porém, não posso garantir o mesmo relativamente
a Marielle Lyon.
Darius relatava aos companheiros, laconicamente, o fruto dos seus esforços, enquanto fumava um charuto, na sua biblioteca. Ambury anuiu sabiamente e arriscou um
leve sorriso conhecedor.
– É um alívio sabê-lo.
– Como assim? – perguntou Kendale, enquanto o seu olhar penetrante se fixava alternadamente nos seus dois amigos.
Ambury soprou algum fumo na direção do teto.
– Esperamos não descobrir problemas dessa natureza que envolvam cidadãos ingleses, correto?
– Não tencionei questionar como poderia ser um alívio, mas sim como pode Southwaite estar seguro de que Miss Fairbourne não participa em atividades menos recomendáveis.
Darius não afirmara que Emma não participava em atividades menos recomendáveis.
– Perguntei ao Tarrington se tinha algum motivo para pensar que Miss Fairbourne deveria ser vigiada.
Respondeu-me que ela já não visitava a costa há um ano e que não existem provas de que esteja envolvida com espiões, ou em trocas de informação.
Fora tudo o que conseguira extrair de Tarrington, ao abordar mais uma vez o assunto, antes de abandonar o Kent. Emma fizera com que Tarrington prometesse não divulgar
a conversa que haviam tido.
O maldito contrabandista insistira em manter a sua palavra de honra, até mesmo quando o conde lhe oferecera um suborno.
– Oh sim, obviamente, se o rei dos contrabandistas garante que ela está inocente, quem sou eu para suspeitar dela? – ironizou Kendale.
– Daqui para a frente, tem de se afastar – disse Darius, com firmeza. – Deixará de vigiá-la e de pedir que outros o façam.
– Não a vigiei. Esse seria supostamente o seu dever, embora os resultados estejam à vista.
– Maldição, Kendale! Estou a tentar dizer-lhe para não assumir novamente o dever em questão. Volte a sua atenção para outro lugar.
Ambury ergueu uma sobrancelha, ao ouvir o tom de voz do amigo, mas guardou para si próprio a réplica espirituosa que lhe surgiu na mente.
– O que fez com o barco que foi intercetado por Tarrington?
– Ficou na posse dele. Trouxe o espião comigo, quando regressei a Londres. Atualmente, é um dos convidados do Ministério da Administração Interna – explicou Darius.
– Ele pode não ser um espião – retorquiu Ambury.
– O barco continha muito pouca mercadoria valiosa. Alguns barris de brandy, para fingir que fazia a viagem por razões comerciais. Transportava mais quatro refugiados,
que neste momento estão bastante consternados por também serem hóspedes do Ministério. Quanto ao homem em questão, não trazia qualquer artigo pessoal. Foi isso que
despertou as suspeitas do Tarrington. Quem fugiria de casa, talvez para nunca mais voltar, e não agarraria, pelo menos, um bem com valor monetário ou sentimental?
– Devia ter simplesmente enforcado o sujeito – replicou Kendale.
– Ainda temos um governo, Kendale. Essa é a instituição que possui a autoridade necessária para enforcar pessoas, não um grupo de aristocratas zelosos – argumentou
Ambury, falando num tom despreocupado. Quem o conhecesse, no entanto, detetaria as notas contundentes de desaprovação na sua voz. – A sua sede de sangue contra os
franceses é o motivo pelo qual não permitimos que faça coisa alguma sozinho. Nenhum de nós aprecia a ideia de ser julgado por homicídio.
A expressão «sede de sangue» acalmou Kendale, aparentemente. Durante alguns instantes, pareceu mesmo sentir-se envergonhado com o sermão.
Ambury tornou-se de novo extremamente amável e cortês.
– Foi conveniente que se encontrasse na costa, Southwaite. Poupou-me uma viagem.
Sim, muito conveniente para a missão que tinham em mãos. Bastante inconveniente para os objetivos pessoais que o haviam levado à costa, originalmente.
Não vira Emma desde que a carruagem dos Fairbourne abandonara a sua casa. O regresso do conde fora adiado durante dois dias, enquanto organizava o transporte dos
passageiros do barco. Quando, finalmente, chegara a Londres, no dia anterior, folheara a sua correspondência procurando em vão a caligrafia simples de Emma, numa
carta.
O que esperara que ela escrevesse? Que tinha cometido um erro? Que, obviamente, consideraria a hipótese de se casarem? Fora um pedido de casamento feito por obrigação.
Para além de «tudo o resto», Emma não era mulher para aceitar as obrigações que um casamento daquele tipo, por sua vez, implicaria.
– Todo este dever faz com que me sinta velho – refletiu Ambury, enquanto se servia de um pouco de vinho.
Olhou para o decantador e ergueu uma sobrancelha na direção de Darius.
– É francês. Da sua adega, presumo – disse Ambury, gracejando.
Kendale observou o seu próprio copo.
– É muito velho, tal como você se sente.
– Temos de fazer algo divertido, antes que nos esqueçamos de como nos divertirmos – comentou Ambury. – Talvez devêssemos ir todos ao baile de Penthurst. Foram convidados?
Revela alguma ousadia da parte dele.
– Raios, foi extraordinariamente ousado – disse Kendale.
Darius fora convidado. A carta estava à sua espera, quando regressara à cidade. Não era claro se Penthurst a enviara como uma tentativa de reaproximação ou como
um capricho perverso e sardónico. A segunda alternativa não era improvável, de todo.
– Penso que devemos ir – continuou Ambury. – Trataremos de si, Kendale. Se o colocarmos num traje formal e o ensinarmos a sorrir, deverá ficar apresentável, pelo
menos. Apresentá-lo-ei a algumas jovens senhoras, que, segundo os rumores, o consideram atraente, de uma forma um tanto bárbara.
– Não estou à procura de uma esposa.
– Nem elas estão à procura de marido, pois já possuem um.
Desataram todos a rir. No entanto, recordações do seu próprio salão de baile encheram a mente de Darius. Lembrou-se da mulher que nunca dançara numa divisão como
aquela, mas cujos olhos, corpo e abraço sensual, o tinham encantado, sob o grande lustre.
– Aí vem ele – sussurrou Cassandra, com entusiasmo. – Não posso acreditar que fomos bem-sucedidas nos nossos esforços, Emma.
Emma também não conseguia acreditar. Contudo, a prova inequívoca do sucesso de ambas entrava, naquele preciso momento, pela porta da leiloeira. Herr Ludwig Werner,
envergando o seu casaco adornado e adotando um porte militar, caminhou em direção ao grupo que o esperava e fez uma vénia.
Obediah respondeu com uma inclinação ainda mais pronunciada.
– Sentimo-nos extremamente honrados por ter decidido confiar à Fairbourne’s a tarefa de vender a coleção do conde. Não iremos desapontá-lo.
Herr Werner ergueu a mão, fazendo um gesto que, aparentemente, se destinava a pessoas invisíveis. Um pequeno exército de criados começou a transportar quadros para
o interior do edifício.
Emma humedeceu os lábios e aproximou-se de Obediah.
– Ticiano – murmurou ela, ao mesmo tempo que assistiam à passagem de uma grande cena mitológica.
– Que Ticiano magnífico – exclamou Obediah, em voz alta.
Herr Werner sorriu, de uma forma indulgente.
– Giovanni Bellini – sussurrou Emma, quando uma pequena tela a óleo desfilou diante dos seus olhos.
– Os ornamentos da cabeça permitem saber que reproduz um Doge de Veneza.
– Ah, Bellini! – referiu Obediah, unindo as mãos, com regozijo. – Creio que estou perante o melhor retrato que já vi, pintado por ele. Trata-se de um doge, não é
verdade, Herr Werner?
– Rembrandt, mas de autoria questionável – murmurou Emma, quando uma cena do Velho Testamento seguiu o trajeto percorrido pelas restantes obras, a uma velocidade
ligeiramente excessiva.
Obediah parou os criados que a transportavam e olhou gravemente para o quadro. Em seguida, acenou, para que prosseguissem. Desse modo, Herr Werner não ficaria surpreendido
se o atribuíssem a um autor menos ilustre.
E assim continuou Emma, durante meia hora, enquanto vinte e cinco quadros transitavam para o interior das instalações, sofrendo uma primeira inspeção rápida, antes
de serem encostados às paredes do salão de exposições. Quando todas as pinturas já haviam sido deslocadas, entraram três soldados.
– Tenho a certeza de que não se importarão que alguns dos guardas do conde fiquem aqui, até as obras serem encaminhadas para os novos proprietários – disse Herr
Werner. – Não se deve deixar tesouros como estes sem qualquer proteção.
Obediah pareceu ficar totalmente perplexo. Emma introduziu-se entre os dois.
– Era previsível que tomasse este tipo de precauções, Herr Werner. Penso que um deles deveria permanecer do lado de fora da porta, para anunciar aos potenciais ladrões
que uma espada os aguarda, caso tentem furtar os bens aqui expostos.
Herr Werner anuiu, aprovando a sugestão de Emma, e disse algo aos guardas, em alemão. Um deles recuou até à porta, a fim de ocupar o seu posto.
Emma regressou para junto de Cassandra.
– Muito perspicaz – comentou Cassandra. – Aquele uniforme a guardar a porta da Fairbourne’s será mais intrigante do que todos os anúncios e convites que você poderia
imaginar.
– Foi exatamente o que pensei.
Estando a entrega concluída, Emma esperava que Herr Werner abandonasse a leiloeira. Ela e Cassandra precisavam de terminar o planeamento da grandiosa pré-apresentação.
Também queria analisar os quadros recém-chegados com muito mais atenção.
Em vez disso, Herr Werner começou a estudar as paredes, assim como as pinturas nelas penduradas.
– Estou confuso – disse ele a Obediah. – Onde estão as obras pertencentes a Lord Southwaite?
Obediah fez um sorriso amarelo, mas olhou de soslaio para Emma, desesperadamente.
– As obras pertencentes a Lord Southwaite... Sim... isto é, estão...
– Considerava que, por esta altura, já se encontrariam expostas. Terei, porventura, percebido mal a data em que o conde planeava trazê-las.
– Hum... sim, creio que poderá ter...
– Tem comunicado com o nosso estimado colecionador, Herr Werner? – perguntou Emma.
O representante do conde franziu a testa e continuou a observar as paredes.
– Southwaite escreveu-me, afirmando que pretendia consignar quatro pinturas de grande interesse. O
facto de um homem como ele estar disposto a ser vosso cliente, obviamente tranquilizou-me – proferiu, olhando por cima do seu próprio ombro, para Obediah, e sorrindo
com malícia. – O nosso acordo especial, relativamente à comissão, também contribuiu para a minha decisão.
– Recentemente, adicionámos um Rafael ao catálogo do leilão. Não veio da coleção do conde de Southwaite, mas sim do património de um estimado cavalheiro, que exige
anonimato – explicou Emma. – É uma obra extraordinária, digna de aparecer na companhia das que acabou de trazer. Gostaria de a ver?
Aquela referência a um Rafael impressionou adequadamente Herr Werner. O agente de Alexis estava prestes a falar, quando algo atraiu a sua atenção. Virou-se, abruptamente,
na direção da porta e exibiu um enorme sorriso.
– Ah, aqui está o conde de Southwaite. Escrevi-lhe para o informar de que iria trazer os quadros hoje, considerando que os poderia querer apreciar primeiro – declarou
Herr Werner.
Southwaite entrou na divisão ostentando a postura arrogante típica da aristocracia. Cumprimentou Herr Werner de uma maneira ligeiramente condescendente, como era
expectável. Fez uma vénia formal, dirigida a Emma e Cassandra. Em seguida, voltou-se para Obediah.
– Mr. Riggles, as pinturas que mencionei anteriormente estão a ser retiradas de uma carroça, no exterior do edifício. Creio que deverá existir um canto onde possam
ser penduradas, mesmo com a coleção impressionante do conde a preencher as suas paredes.
Obediah não demonstrou a surpresa que sentia, mas Emma conseguiu lê-la bastante bem no seu olhar.
Aquela era a primeira vez que Obediah ouvira falar de quaisquer consignações da parte de Southwaite.
Naquele momento, Herr Werner só tinha olhos para o nobre.
– Pretende leiloar obras mais recentes, segundo me recordo de ter lido na sua carta, Lord Southwaite – disse, esfregando as mãos. – Então, teremos uma boa mistura.
Não iremos competir um com o outro.
Os dois homens conversaram, enquanto as tais obras recentes eram transportadas para dentro das instalações. Um Watteau, que Southwaite adquirira num leilão da Fairbourne’s,
chegou em primeiro lugar.
Foi seguido por um Gillot e um primitivo italiano, dotado de grande encanto, cujo autor Emma não conseguiu identificar. Finalmente, apareceu uma cena veneziana,
enorme e bela, da autoria de Guardi, carregada por três homens.
Obediah deslizou para junto de Emma.
– Lord Southwaite mencionou-lhe algo sobre estes quadros?
– Nem uma palavra.
Emma perguntou a si mesma quando é que Darius teria escrito a Herr Werner, informando-o das suas intenções. Aparentemente, fora antes da viagem ao Kent.
Southwaite nunca concordara com a realização daquele leilão. Ainda queria que o negócio fosse vendido. Atualmente, Emma sabia que Darius até suspeitava do envolvimento
da Fairbourne’s em atividades criminosas. Porém, ele dera um passo no sentido de garantir que receberiam a coleção de Alexis.
Herr Werner aproximou-se de Emma, a fim de se despedir. Depois, com um floreado, abandonou o edifício a marchar. Southwaite voltou a sua atenção para as pinturas
do conde estrangeiro.
– Vou preparar os documentos relativos à consignação das suas obras, senhor conde – referiu Obediah a Southwaite. – Devem estar prontos num quarto de hora, se quiser
aguardar, ou poderei levá-los até à sua casa, se preferir.
– Esperarei aqui.
Darius ergueu o Bellini, de modo a conseguir observá-lo melhor.
Cassandra atraiu a atenção de Emma. Inclinou a cabeça na direção de Southwaite e revirou os olhos.
Em seguida, afastou-se e sentou-se numa cadeira próxima da entrada, começando a namoriscar os guardas.
Emma acercou-se de Southwaite. Após o que acontecera entre os dois, não poderia culpá-lo se a ignorasse, ou se a afastasse, da maneira como dispensaria uma criada.
Darius aparentava ser capaz de escolher qualquer uma das opções. Emma conhecia-o tão bem, que, por vezes, se esquecia de quão severo ele podia parecer e de como
o seu rosto e a sua postura eram marcados pelas prerrogativas do seu nascimento e da sua educação.
– Trata-se de um retrato impressionante – comentou Emma, referindo-se ao Bellini que Southwaite segurava.
– É incrível. A claridade da luz torna-o muito realista.
– Quiçá o senhor conde o compre, no leilão.
– Quiçá o faça – comentou Darius, pousando o quadro e virando-se para encarar Emma, com uma expressão extremamente calma. – Quando terá lugar o evento?
– Dentro de dez dias. Os convites para a pré-apresentação foram enviados esta manhã. Será realizada na noite anterior à venda dos bens.
A carta de Robert fizera com que a execução célere do leilão se transformasse num imperativo. Na véspera, os dedos de Emma quase haviam sangrado, devido aos inúmeros
convites que escrevera.
– A coleção do conde é melhor do que esperava – observou Southwaite. – Devem conseguir obter uma receita bastante razoável.
– A sua ajuda tornou-o possível. Estou-lhe muito grata.
Darius encolheu os ombros.
– Com a exceção do Guardi, já me havia cansado deles.
– Não me refiro às suas pinturas, mas sim à sua correspondência com Herr Werner.
Southwaite percorreu, lentamente, a parede, retomando a observação dos quadros que se encontravam alinhados junto ao pavimento.
– Bem, a menina estava determinada a avançar com a iniciativa. Ponderei então que, havendo a necessidade de o evento ocorrer, a Fairbourne’s deveria, pelo menos,
fazer boa figura.
Obviamente. Afinal de contas, Darius investira na empresa. Era claro o seu desejo de que a Fairbourne’s realizasse um bom leilão, para que o valor do negócio não
sofresse qualquer decréscimo.
Emma caminhava ao lado de Southwaite, admirando a coleção, orgulhosa perante a elevada qualidade da futura exibição e aliviada por ter uma boa hipótese de conseguir
angariar o montante necessário para resgatar Robert.
– Está muito impassível, Emma – comentou Darius. – Não tem algo mais que me queira transmitir, para além de informações sobre o leilão?
– Perdoe-me. Desconheço a etiqueta aplicável nestas circunstâncias. Não consigo imaginar o que as mulheres e os homens deveriam dizer uns aos outros em situações
como esta.
– No seu caso, poderia dizer que, após ter refletido sobre o assunto, percebeu que só uma mulher louca recusaria um pedido de casamento feito por um conde.
Emma ponderara que Southwaite jamais voltaria a mencionar a rejeição. Afinal, o orgulho de Darius ainda estava ferido.
– Foi uma atitude louca, não foi?
– Extremamente estúpida.
– Mas também sensata, infelizmente.
Emma não gostava de ser forçada a dizer novamente aquilo. Ficou ressentida pelo facto de Southwaite lhe exigir que o fizesse.
– Não concordo consigo. Contudo, neste momento, a situação é conveniente, pois torna o que estou prestes a dizer mais fácil de abordar.
– De que é que se trata?
O olhar de Darius varreu o salão de exposições, para, em seguida, pousar em Emma.
– Quantos lotes deste leilão serão compostos por obras pertencentes a «estimados cavalheiros» que exigem discrição?
Emma engoliu em seco.
– Não muitos.
– Faça com que o número se reduza para zero.
– Isso poderá não ser possível.
– Faça com que o seja. Devolva o que não puder associar a um nome. Tem de ir tudo embora. Ainda hoje.
– O proprietário dos desenhos insistirá em manter o anonimato. Também existe uma pintura que terá de permanecer aqui, mesmo que tudo o resto seja devolvido. O senhor
conde ainda não a viu. É uma obra de Rafael. Inexplicavelmente, espalhou-se o rumor de que haverá um no leilão.
– Ai sim, não me diga? As coisas que sucedem inexplicavelmente.
– Não desistirei de vender esse quadro. Prometo-lhe que o histórico de proprietários está devidamente registado.
– Pode leiloar o Rafael, assim como os desenhos, mas tem de obedecer às minhas instruções relativamente aos restantes artigos de origem questionável. Compreende
o que lhe digo, Emma? O
Guardi, por si só, substituirá o que poderia ter ganhado através da venda dos bens devolvidos.
Emma anuiu, não por estar segura de que o Guardi compensaria as perdas sofridas, mas porque não conseguia evocar a coragem necessária para recusar a oferta. Southwaite
esforçara-se para tomar todas as providências, de modo a que Emma não tivesse de vender mercadorias ilegais. Ela dificilmente poderia anunciar que o iria fazer,
de qualquer forma, mesmo que uma parte de si quisesse confessá-lo a Darius, a fim de provar que não se rendera mais do que havia pensado, no salão de baile.
No entanto, isso não era verdade. A magnitude da sua submissão tornara-se óbvia, agora que estava novamente com Southwaite. A proximidade existente entre os dois
afetava o corpo e o coração de Emma.
Com um olhar e uma palavra, Darius poderia lançar o seu feitiço. Emma odiava ter de admitir que possuía muito poucas defesas contra o encantamento em questão.
Southwaite pegou na mão dela e inclinou-se para a frente, numa vénia de despedida. O seu hálito quente fez cócegas na pele de Emma, provocando múltiplos tremores,
que ascenderam pelo braço da vítima.
Os lábios de Darius tocaram, durante um breve instante, naquela pele arrepiada.
Emma olhou em redor, temendo que alguém pudesse ver o ardor profundo que aquecia o seu rosto, assim como o resto do seu ser. Cassandra ainda estava sentada junto
da porta. Naquele momento, os dois guardas encontravam-se perto dela, rindo alegremente.
Mais uma vez, os lábios de Southwaite pressionaram a mão de Emma. O conde observou-a fixamente, exibindo um triunfo bem visível nos seus olhos escuros. Darius detetara
aquele ardor, mesmo que mais ninguém o tivesse feito. Encontrava-se tudo ali, a consciência de que Emma estava longe de ser imune aos seus encantos e o poder que
a rendição dela lhe dera. Southwaite não parecia ser um homem que tinha aceitado uma rejeição, mas, para dizer a verdade, ele avisara-a de que não o iria fazer.
Um outro beijo e, em seguida, afastou-se.
Cassandra também recebeu uma vénia. Após o conde ter abandonado o edifício, correu para o lugar onde Emma permanecia em pé, olhando para a amiga com um entusiasmo
repleto de curiosidade.
– Precisamos de concluir o planeamento da pré-apresentação – disse Emma, caminhando na direção do armazém. – Temos de decidir que comida e que bebidas providenciaremos
aos convidados.
Cassandra seguiu-a.
– Que surpresa, o facto de Southwaite ter trazido aqueles quadros.
– Sim, foi muito surpreendente.
– Penso que este será o melhor leilão do ano.
– As suas joias não poderiam ter um público mais favorável à obtenção de bons resultados.
Emma afastou o rolo de desenhos, que havia conseguido através de Marielle Lyon e, em seguida, colocou uma folha de papel sobre a secretária.
– A que devemos recorrer, para alimentar os nossos clientes?
– Será preferível discutirmos as bebidas, em primeiro lugar. São o elemento mais caro. Ponche?
– Ponche seria uma boa ideia, mas...
Emma levantou-se e passou por entre as mesas, dirigindo-se a um canto distante, onde uma lona cobria um monte, com a forma de um grande bloco.
Southwaite ordenara que ela devolvesse tudo o que não possuísse um proprietário identificável.
Porém, Emma não sabia como devolver os bens transportados na carroça misteriosa. Nem iria fazê-lo.
Necessitava de angariar uma boa quantia naquele leilão. Herr Werner exigira que praticassem uma comissão muito mais baixa do que a habitual e Emma também prometera
dinheiro a Marielle e a Cassandra. Contudo, iria certificar-se de que os livros, os objetos de prata, a seda e as rendas tivessem um proprietário, para que a sua
desobediência não fosse explícita.
Quanto ao resto das mercadorias ilícitas, ponderou que poderia sempre atirá-las ao rio. Ou...
– A Fairbourne’s possui algumas caixas de vinho velho, que foram guardadas aqui, Cassandra. Talvez devêssemos servi-lo na pré-apresentação.
Tateou sob a lona, até que a sua mão sentiu o gargalo de uma garrafa. Puxou-a para fora e voltou para a secretária, segurando o objeto numa posição elevada, durante
o tortuoso percurso de retorno.
– Sirva o ponche, mas ofereça também o vinho, sem dúvida, se tiver quantidade suficiente para o fazer.
– Não se preocupe com isso, possuo bastantes caixas.
Foi rapidamente até ao escritório, onde arranjou um saca-rolhas.
– Tem alguma experiência na utilização deste dispositivo? – perguntou ela a Cassandra, após ter regressado ao armazém.
Sem qualquer demora, Cassandra dedicou-se à tarefa de abrir a garrafa.
– Ouvi dizer que o Southwaite esteve novamente no Kent. Precisamente na mesma altura que você se encontrava lá.
– Não me diga.
– Viu-o?
– O Kent é uma região grande. Para além disso, não frequentamos os mesmos círculos sociais. Era pouco provável que nos cruzássemos.
– Não é uma região assim tão grande.
Cassandra teve de usar toda a força que tinha, a fim de conseguir remover a rolha de cortiça.
– Ele beijou-lhe a mão, ao abandonar a leiloeira.
– Southwaite pode ser extremamente galante, quando quer.
– Pareceu-me um beijo longo. Muito longo. Diria mesmo prolongado.
– Que disparate! Não conseguiu sequer vê-lo, do local onde se encontrava.
– No entanto, consegui ver que você corou. A sua reação foi bastante evidente para mim. Tal como foi o olhar que Southwaite lhe dirigiu, antes de sair do edifício.
– Agora, está a ser conflituosa – replicou Emma, limpando duas taças de prata, incluídas num dos lotes do leilão. – Vamos provar o vinho, para termos a certeza de
que é digno de ser bebido pelos meus convidados.
Provaram o líquido alcoólico. Cassandra ergueu as sobrancelhas, sentindo-se impressionada.
– Trata-se de um clarete excelente, bem envelhecido.
Emma desfrutou imensamente, ao beber a sua taça.
– Não parece ter sofrido qualquer alteração, nem ter azedado.
Cassandra encheu mais uma vez as duas taças.
– Creio que será recomendável você levar uma garrafa para casa, dando instruções a Maitland para que a decante, a fim de confirmar que o vinho se encontra em boas
condições. Após ter respirado, deverá possuir um sabor ainda melhor. No entanto, sugiro que experimentemos um pouco mais, para garantirmos que as nossas impressões
iniciais se mantêm inalteradas.
As impressões de Emma melhoraram com a segunda taça. Esta aqueceu-a e trouxe-lhe a paz suave que o vinho conseguia transmitir.
– Emma, perdoe-me por lhe colocar esta questão, mas, se não o fizer, rebentarei. Foi um pouco marota?
– perguntou Cassandra, entre tragos. – Com Southwaite, quero dizer.
– Não, não fui marota, Cassandra.
– Oh, que alívio – disse Cassandra, pressionando, com a palma da mão, a zona onde estava o seu coração. – Hoje, quando os vi juntos, surgiu na minha mente uma ideia
bastante inesperada – proferiu ela, rindo-se da sua própria reflexão disparatada. – Fico feliz por ter interpretado erradamente a situação.
Emma segurou a taça com ambas as mãos, olhando para Cassandra por cima do seu rebordo.
– É verdade que interpretou erradamente a situação. Não fui um pouco marota. Fui extremamente malcomportada.
Os olhos de Cassandra arregalaram-se, chocados com a resposta, para depois se estreitarem firmemente. A amiga examinou Emma com uma atenção redobrada.
– Quando diz ter sido extremamente malcomportada, quer dizer extremamente malcomportada de acordo com os seus padrões, que são invulgarmente exigentes e, logo, a
expressão em causa poderá significar apenas bastante marota, ou quer dizer extremamente malcomportada segundo os padrões da sociedade em geral?
– Quero dizer extremamente malcomportada de acordo com vários padrões, incluindo os seus.
– Emma, está a confidenciar que Southwaite comprometeu a sua virtude?
Emma anuiu, bebeu o vinho contido na sua taça e aguardou as felicitações de Cassandra.
– Oh, céus – murmurou Cassandra, atordoada.
– Pensei que iria aprovar o que aconteceu. Incentivou-me a praticar com ele.
– Somente as artes da sedução, Emma. Incentivei-a a praticar com ele somente as artes da sedução.
Nessa mesma tarde, às seis horas, Emma ainda permanecia na Fairbourne’s. Excetuando a presença dos guardas, encontrava-se sozinha.
Cassandra saíra em estado de choque. Emma recusara-se a divulgar os pormenores do seu encontro amoroso com Southwaite, mas Cassandra adivinhara o suficiente para
perceber exatamente o quão malcomportada Emma havia sido. Após Cassandra ter jurado que manteria um sigilo absoluto, Emma também lhe revelara o pedido de casamento,
mas somente porque a amiga ficara indignada com o comportamento de Southwaite, chamando-lhe patife.
Cassandra entendera por que motivo Emma não podia aceitar a oferta. Pelo menos, alegara compreender a atitude da amiga. Se pensasse que faltava clareza às motivações
subjacentes, era porque não as conhecia todas.
Emma observou a garrafa de vinho que ambas tinham partilhado. Se não leiloasse o vinho, nem os restantes bens da carroça, poderia afirmar que não fizera coisa alguma
errada? E teria Southwaite providenciado igualmente um bálsamo para a consciência de Emma, ao fornecer as pinturas como compensação das perdas em comissões, seguindo
ela as ordens dele? Seria bastante bom não ter de trair a confiança de Darius, transacionando mercadorias ilegais mesmo debaixo do seu nariz, através de um negócio
no qual o conde integrava uma parceria problemática.
Se não chegassem, secretamente, mais carroças, se Emma conquistasse o prémio com um favor que não comprometesse a Fairbourne’s, nem Southwaite, e se conseguisse
terminar tudo aquilo numa semana, talvez...
A segunda taça de vinho fizera com que Emma ficasse alegre, mas o seu efeito estava a desaparecer rapidamente. Todos os «ses» pareciam disparatados, quando os revia
agora na sua mente. Eram as vozes de uma mulher que se agarrava à esperança de poder sair ilesa daquele jogo. Contudo, Emma não acreditava realmente nisso. A sua
índole e a sua honra ficariam manchadas para sempre, mesmo que mais ninguém o soubesse.
Emma saiu para o salão de exposições. Os dois guardas continuavam de pé, nos seus postos e o terceiro permanecia no exterior do edifício. Talvez aguardassem que
Emma abandonasse o local, para poderem, finalmente, sentar-se.
No lugar onde haviam sido pousados contra a parede, os quadros estavam voltados para Emma. Teria muito trabalho pela frente, na semana seguinte. Estaria bastante
ocupada. Talvez demasiado atarefada para pensar em Southwaite.
A porta principal abriu-se. Os guardas cercaram imediatamente a ombreira. Um homem, envergando um casaco mal ajustado e usando um chapéu de abas planas, entrou na
leiloeira. O guarda que fora colocado no posto externo agarrou-o pelo colarinho e começou a puxá-lo para trás, em direção à rua.
– Deixem-no entrar – ordenou Emma. – Veio até cá para se reunir comigo.
O guarda libertou o visitante. O homem que Emma encontrara pela primeira vez na Catedral de São Paulo aproximou-se dela, caminhando com a cabeça inclinada, para
conseguir observar as pinturas penduradas na zona mais alta da parede.
– Já perguntara a mim mesma como poderia encontrá-lo novamente – disse Emma. – Terei o pagamento, em breve, mas desconheço o procedimento que devo adotar para o
entregar.
– É p’ra isso que sirvo. P’ra fazer entregas e outros servicinhos assim, d’um lado p’ró outro. Estou aqui p’ra explicar como vai fazer, já qu’o seu pai parece não
lhe ter dito como eram as coisas.
– Espero que não esteja a querer dizer que, supostamente, lhe devo entregar o dinheiro a si.
O homem recuou, ofendido.
– Não gostei da maneira como diss’isso. Vai fazer, exatamente, o que vou dizer-lhe, quando for a altura d’entregar o dinheiro.
– Então, diga ao seu patrão que pretendo resgatar o prémio de imediato.
– Conta ficar assim tão rica, tão rápido? – indagou o homem, empurrando o chapéu para trás e observando os quadros, maravilhado. – Estas pinturas toscas valem assim
tanto? Deve ser por isso que os guardas aqui estão.
– Sim, é precisamente por isso. Como tal, pode transmitir as minhas intenções a quem o enviou. Diga-lhe que estarei à espera de ser informada sobre os planos dele,
relativamente à receção do pagamento e à entrega do prémio. O leilão terá lugar dentro de dez dias. Quero resolver este assunto dois dias após a realização do evento.
O homem virou-se para Emma com a testa franzida, perplexo perante o discurso da sua interlocutora.
– Será que não m’ouviu dizer-lhe, da última vez, p’ra ter cuidado com essa língua afiada? Vou contar o que quer ao patrão, mas com mais simpatia, p’ra ele não levar
a mal as suas palavras.
– Comunique-as como preferir, desde que sejam veiculadas com a clareza necessária para permitir uma interpretação correta. Agora tenho de fechar o edifício e aqueles
guardas parecem estar a ponderar que seria divertido espancá-lo. Assim sendo, creio que, provavelmente, você devia abandonar este local.
O homem saiu com bastante celeridade, contornando os guardas o melhor que podia, ao mesmo tempo que os mantinha debaixo de olho. Emma aguardou até a porta se fechar.
Em seguida, correu em direção à entrada e abriu uma fresta na porta, de modo a conseguir espreitar o que se passava no exterior.
Viu o seu visitante a descer a rua, com um passo descontraído. Despediu-se dos guardas e dirigiu-se, rapidamente, para a carruagem que a esperava. Após entrar nesta
última, abriu o painel situado atrás do cocheiro.
– Mr. Dillon, consegue ver aquele homem, que acabou de sair da leiloeira, a caminhar ali à frente?
Será possível segui-lo, mantendo alguma distância, para que ele não suspeite que estamos no seu encalço?
– Posso tentar, Miss Fairbourne.
– Então tente, por favor. Gostaria de saber para onde ele vai.
Avançaram a um ritmo muito lento. Emma resistiu ao impulso de se empoleirar à janela, a fim de manter o homem no seu campo de visão.
Durante bastante tempo, observou os edifícios da Strand, até que começou a ver panoramas indicativos de que percorriam a City. Pareceu-lhe que se dirigiam para norte,
mas era difícil distinguir os pontos cardeais nas ruas sinuosas das áreas mais antigas de Londres. Emma também notou a alteração da luz, à medida que a tarde avançava
em direção à noite.
Deviam ter progredido vagarosamente durante quase duas horas, quando a carruagem parou por completo.
– Receio tê-lo perdido, Miss Fairbourne. O homem virou para esta rua e depois desapareceu. Pode ter entrado numa das casas – disse Mr. Dillon.
Finalmente, Emma encostou a cabeça à janela e olhou para fora. Mr. Dillon observava as habitações que os rodeavam, enquanto permanecia no seu assento segurando as
rédeas.
– Tem a certeza de que ele veio até aqui? – perguntou Emma, estudando as casas.
– Sim, tenho a certeza. É claro que ele pode ter suspeitado que estava a ser seguido. Nesse caso, pode ter fugido, através de um jardim, para uma rua adjacente.
Emma supôs que era possível. No entanto, gostaria de encontrar algo, numa daquelas residências, que indicasse que ele lá tinha entrado. Eram casas vulgares, estreitas
e altas, com um aspeto que lhe era familiar. As pessoas que andavam pela rua possuíam uma aparência semelhante a muitas outras que vagueavam pela City. Não eram
pobres, mas também estavam longe de ter uma situação económica confortável.
– Desta vez, a rua não está tão cheia – comentou Mr. Dillon. – Até mesmo as pessoas que andam na vadiagem necessitam de comer alguma coisa a esta hora.
Emma olhou para o cocheiro.
– Desta vez? Já esteve aqui antes?
– Não aqui, exatamente. Na rua que fica a seguir a esta. Lembra-se? A casa com a porta azul, à qual a levei... é mesmo ali, na próxima rua.
Não era de admirar que aquela zona lhe parecesse familiar. Emma estava a menos de duzentos metros do estúdio onde Marielle Lyon produzia as suas gravuras.
CAPÍTULO 22
Várias tochas ardiam em ambos os lados da Albemarle Street, iluminando as carruagens que se encontravam alinhadas, de modo a poderem descarregar os seus ocupantes.
No interior da Fairbourne’s, Obediah Riggles preparava-se para assumir, simultaneamente, o papel de leiloeiro e de gerente do salão de exposições.
Emma tranquilizara-o vezes sem conta, assegurando-lhe que seria excecionalmente bom na nova função. Contudo, uma pré-apresentação como aquela não era a noite ideal
para descobrir se tinha razão.
Emma esperava que a presença de Herr Werner, que não era demasiado orgulhoso para fazer um pouco de publicidade aos quadros do conde Alexis, evitasse que Obediah
fosse atropelado por questões às quais não conseguiria responder.
A alta sociedade começou a entrar na leiloeira. Primeiro, gota a gota, e, em seguida, formando uma corrente contínua. As damas usavam turbantes artísticos e envergavam
vestidos de noite, estreitos e diáfanos. Caminhavam de braço dado com cavalheiros vestidos de uma forma mais variada. Entre os homens mais velhos, ainda era possível
avistar algumas perucas, bem como umas quantas sobrecasacas coloridas. Os mais jovens ostentavam cores suaves e o corte de cabelo curto associado ao classicismo
romano, promovido, naquela época, por sentimentos republicanos.
Emma usava um vestido tingido com uma tonalidade de lavanda desbotada e mangas compridas. Não colocara qualquer joia, nem pena ornamental. A pré-apresentação não
era um evento social para ela.
Como tal, o luto não proibia a sua presença. No entanto, Emma procurara parecer apropriadamente discreta.
Cassandra não fora tão comedida. As suas joias eram uma das principais componentes do leilão. Trazia uma das mais magníficas ao pescoço. Os vermelhos e os azuis
do seu novo turbante envolviam-lhe o cabelo escuro, formando um conjunto que era acentuado pelo contraste com uma enorme pena branca.
Cassandra mantinha-se perto do expositor que continha as restantes joias, apreciando, com presunção, o modo como as matriarcas da alta sociedade se viam forçadas
a reconhecer a sua presença, a fim de poderem observar os bens cobiçados.
Emma avistou um grande ajuntamento de pessoas do lado de fora da porta. Um homem, pertencente ao ajuntamento, entrou primeiro. Alto, moreno e extraordinariamente
belo, segurou a porta, enquanto os elementos do grupo entravam no salão. Partilhou sorrisos e risadas com o alegre bando, ao mesmo tempo que os encaminhava em direção
às paredes. Em seguida, virou-se e fez sinal a um dos funcionários para que trouxesse vinho.
Abandonando o grupo tão facilmente como se juntara a este, aproximou-se de Emma fazendo uma vénia.
– Miss Fairbourne. Aparenta estar verdadeiramente triunfante esta noite.
– Que simpático da sua parte elogiar-me, Mr. Nightingale.
Ele voltou então a sua atenção para o mosaico de quadros.
– São obras tão boas como as que o seu pai costumava obter – comentou, inclinando a cabeça, enquanto que continuava a observar a parede. – No entanto, Mr. Riggles
está a ter algumas dificuldades.
Acabei de o ouvir a descrever o pequeno retrato como sendo da autoria de Gentile Bellini, e não de Giovanni.
– É um erro compreensível.
– Não perante uma multidão como esta. Creio que a menina precisa desesperadamente de uma pessoa experiente, que assuma a gerência do salão de exposições, durante
a pré-apresentação.
O orgulho dava a Emma vontade de discordar. Não desejava que Mr. Nightingale estivesse certo sobre coisa alguma, especialmente sobre o que lhe dissera após o último
leilão.
Emma procurou Obediah. Viu-o cercado por clientes. Um colecionador extremamente respeitado apontava para o Ticiano, enquanto falava. Obediah tentava, corajosamente,
ostentar a aparência de uma pessoa confiante e perita no assunto abordado, mas Emma conseguia divisar o desalento presente nos seus olhos.
– Dois guinéus – ofereceu Emma. – Pela sua presença esta noite e durante o leilão. Contudo, tenha em atenção que, embora possa necessitar de um gerente para lidar
com esta multidão, não preciso de um marido, Mr. Nightingale. Espero que o seu regresso signifique que o senhor compreendeu a diferença entre as duas funções.
Mr. Nightingale riu-se, como se Emma tivesse contado uma piada muito engraçada. Parecia ter esquecido o pedido de casamento que lhe fizera anteriormente.
O gerente virou-se e deu as boas-vindas a uma viscondessa abastada, que sempre fora uma das suas aves raras favoritas. As lisonjas fluíram, como açúcar derretido,
em ambas as direções. Porém, Emma perdeu, repentinamente, todo o interesse por aquela exibição. Um colecionador extremamente ilustre acabara de entrar no edifício,
monopolizando toda a sua atenção.
O coração de Emma subiu-lhe até à garganta, para depois permanecer nesse local, bloqueando-lhe a respiração. Desde o início da noite, Emma aguardava a chegada de
Southwaite. Apercebeu-se de que ansiara vê-lo novamente, durante toda a semana. O entusiasmo que a enlouquecera naquele dia não se devera somente à realização da
festa de pré-apresentação.
Darius não viera sozinho. Fazia-se acompanhar por dois cavalheiros. Um deles era o homem belo e de olhos azuis que Emma contemplara no leilão anterior. O outro,
também lhe parecia familiar, mas Emma não conseguia lembrar-se de onde o tinha visto.
Cassandra abandonou o seu posto, perto das joias, para se aproximar de Emma, apressadamente.
– Tem de ser muito encantadora para Southwaite, Emma, independentemente da sua opinião acerca do comportamento escandaloso que ele teve em relação a si. O conde
trouxe dois amigos, elevando a categoria da festa ao fazê-lo.
– Quem são eles?
– Aquele que possui uma aparência amigável é o visconde Ambury, herdeiro do conde de Highburton.
O que aparenta ser mais carrancudo e desagradável é o visconde Kendale.
Subitamente, Cassandra ficou em pânico e virou-se de costas para o trio.
– Oh, céus. Ele está a vir para aqui. Seja corajosa, Emma – disse, olhando por cima do seu próprio ombro. – Oh, céus – repetiu, afastando-se rapidamente.
Oh, céus. Fora o que Cassandra dissera após ter descoberto o que acontecera no salão de baile.
Dissera-o três vezes. Oh, céus. Oh, céus. Oh, céus.
Southwaite deslocava-se em direção a Emma. Avançava lentamente. O seu nome estava incluído no catálogo, como proprietário de algumas das obras consignadas. Era um
dos atores que participavam naquele espetáculo, mesmo que o ausente conde Von Kardstadt tivesse arrebatado o papel principal.
Todos queriam conversar com Darius.
A cada passo de Southwaite, uma expectativa deliciosa exercia um maior domínio sobre Emma. Oh, céus.
– Espero não ser ignorado desta vez – disse Darius, quando, finalmente, a saudou.
– Nunca ignoro clientes que consignem quatro pinturas magníficas.
– Então, só ignora sócios que revelem um interesse legítimo pelas suas atividades.
– Apenas os sócios que desejem interferir nas minhas atividades – disse Emma, observando a multidão que enchia o salão de exposições. – Esta poderá ser a melhor
festa de pré-apresentação que a Fairbourne’s já realizou. A coleção do conde ajudou, assim como o guarda que permaneceu no exterior do edifício, durante toda a semana,
mas creio que muitos dos agradecimentos deverão ser dirigidos a si.
Presumo que contribuiu para esta afluência, incentivando os seus pares a comparecerem. Estou certa?
– Poderei ter mencionado o leilão, ao conversar com algumas pessoas, mas a curiosidade sobre o que se passava aqui adquiriu a vida própria.
Southwaite aceitou um copo de vinho, entregue por um dos criados que ofereciam bebidas aos convidados. Bebeu um pouco e ergueu uma sobrancelha, apreciativamente.
Em seguida, olhou de soslaio para a esquerda.
– Vejo que Mr. Nightingale voltou.
– Somente para nos auxiliar esta noite. Ele chegou quando era já evidente que o número de convidados iria atingir as centenas. O pobre Obediah não parecia conseguir
dar conta do recado. Por isso, contratei Mr. Nightingale de imediato.
– Não tem de me explicar os motivos das suas ações.
Parecendo estar a ouvir a conversa, embora tal fosse impossível, Mr. Nightingale olhou na direção do par, atraindo a atenção de Southwaite. Então, acenou com a cabeça,
como se estivesse a responder a uma pergunta inaudível.
– Aquele aceno foi estranho. Southwaite, porventura disse a Mr. Nightingale para vir até cá esta noite?
– inquiriu Emma.
– Poderei ter-lhe sugerido que aparecesse e implorasse um pouco.
– Preferia que tivesse falado comigo primeiro. Mr. Nightingale deixou o seu cargo por uma razão e...
– Oh, que bom. Uma discussão. Tenho sentido saudades dos nossos debates – ironizou Darius, pegando no braço de Emma e guiando-a até à porta que dava acesso ao terraço.
– Mas não aqui, Emma. Discrição, lembra-se? Venha comigo.
Emma devia ter reiterado a impossibilidade de sair dali, bem como a necessidade da sua presença no salão de exposições. Mas as palpitações que sentia no peito derrotaram
qualquer objeção desse género.
Permitiu que Darius a conduzisse para o exterior, entrando ambos no jardim.
Não estavam sozinhos. Alguns clientes passeavam pelos caminhos, apanhando um pouco de ar fresco, e o som de conversas invadia a noite. Contudo, a luz das lanternas
do terraço não conseguia alcançar vários espaços existentes entre os canteiros. Nesses locais, a escuridão oferecia alguma privacidade.
– Iria necessitar da colaboração de Nightingale, se quisesse ser bem-sucedida esta noite. Como era demasiado orgulhosa para pedir que o chamassem, inventei uma estratégia
diferente – explicou Southwaite.
– Não lhe pedi que inventasse uma...
– Não precisava que me pedisse coisa alguma, Emma. Sou um investidor, lembra-se? Um sócio. Os meus próprios interesses financeiros neste leilão autorizam-me a inventar
novas estratégias, sempre que tal me parecer uma boa opção.
As palavras de Darius rasgaram a excitação pateta que ela sentira até àquele momento. Entraram na cabeça de Emma e deixaram-se simplesmente lá ficar, na sua plenitude,
com todas as suas implicações.
Emma deteve-se e olhou para o conde. Quase rebentou a rir, devido ao seu próprio espanto. No entanto, ao mesmo tempo, um desânimo profundo matou essa alegria, deixando
o espírito de Emma apenas cansado e abatido.
« Os meus próprios interesses.» Southwaite não se referia somente às quatro pinturas que consignara.
« Sou um investidor.»
Emma não podia acreditar que havia sido tão estúpida.
Em todos os seus planos e cálculos, quando estimara as receitas do leilão e subtraíra os honorários devidos aos agentes e aos proprietários originais, Emma não tivera
em conta o custo maior e mais óbvio.
Ele.
Na contabilidade do seu pai, não estavam registados pagamentos ao sócio, mas existiam muitas transações sem qualquer nome associado. Emma devia ter assumido que
algumas se referiam a dinheiro entregue a Southwaite. Se um homem investia num negócio, obviamente esperava obter algum retorno.
Southwaite iria receber metade da soma que a Fairbourne’s arrecadasse com o leilão. Mais de metade, uma vez que Emma nunca lhe dera a parte que lhe era devida dos
lucros do leilão anterior.
Um raio de luz deslocou-se na escuridão, quando Darius pousou o copo num banco de pedra. Emma desejou não ter servido o vinho naquela noite. Poderia tê-lo vendido,
de alguma forma, mesmo que não o fizesse no leilão. Poderia ter conseguido uma boa quantia, pois a qualidade da bebida impressionara tanto Cassandra como o conde.
– Ficou subitamente preocupada, Emma.
– Esforço-me para aceitar o conceito de que o senhor conde estava certo, ao prever que precisaríamos de Mr. Nightingale para a pré-apresentação. Meia hora após as
portas terem sido abertas, o Obediah já era um homem em apuros, no meio daquela multidão.
– Então, perdoa-me? – perguntou Darius, em tom de provocação, o que significava que não necessitava verdadeiramente do perdão de Emma.
– O senhor conde é um dos proprietários da Fairbourne’s. Não posso sequer reclamar os direitos desse estatuto para mim própria. Logo, não me cabe a mim perdoá-lo.
A mente de Emma continuava a percorrer, apressadamente, diversos valores e comissões prováveis.
Tinha a certeza de que não possuiria três milhares de libras, após ter pago a Southwaite a sua parte dos lucros. No entanto, poderia conseguir as mil e quinhentas
libras. Só teria de aceitar fazer o tal favor.
Darius puxou-a para as sombras formadas atrás de alguns arbustos. Os braços do conde envolveram-na. Todos os pensamentos sobre leilões e números desapareceram da
cabeça de Emma.
– Não sou apenas um proprietário e um investidor, Emma. Fui seu amante. Esqueceu-se assim tão rapidamente do que sucedeu entre nós?
A testa de Southwaite tocou na dela. Em seguida, os lábios do conde roçaram na boca de Emma.
– Preciso de lhe recordar?
– Não necessito que me reavive as memórias de acontecimentos passados. Contudo, presentemente, já não é meu amante.
Aquilo precisava de ser esclarecido, por muito doloroso que fosse dizê-lo. Southwaite estava a fingir que tinham chegado a um acordo, quando ela não concordara com
coisa alguma. Muito pelo contrário.
Porém, falar com franqueza era muito mais difícil, quando o coração e o sangue lhe pediam para dizer algo diferente do que a mente decretava.
Emma sentiu os lábios de Darius a sorrirem contra a sua boca.
– Meu Deus, como você parece formidável, Emma. Se as palavras ganhassem este tipo de batalhas, seria sempre a vencedora. Eu devia recuar imediatamente, mas tenho
alguma dificuldade em fazê-lo quando os meus braços estão repletos de um calor feminino adorável e gracioso.
O raciocínio do conde tinha alguma lógica. No entanto, Emma sentia-se extremamente bem nos braços de Southwaite. Aquele envolvimento era amigável, seguro e agradavelmente
excitante. Esta última qualidade provocava vibrações suaves no interior de Emma.
– Estou somente a provar que consigo resistir aos seus encantos.
– Esta não me parece a melhor maneira de o provar.
Para o demonstrar, inequivocamente, a si mesma e ao conde, Emma colocou a palma das mãos no peito de Darius e, lentamente, empurrou-o, afastando-se do seu abraço.
Foi mais complicado do que pensara.
As vibrações não gostaram da separação, de todo. O mesmo aconteceu com o coração de Emma, que sofreu, desiludido e resignado.
Southwaite libertou-a. Partilharam alguns instantes constrangedores em que olharam um para o outro, no meio da escuridão, em silêncio. Emma perguntou-se se o conde
estaria a ponderar exatamente quão forte seria a sua resistência, caso fosse mais agressivo. Emma também refletia sobre essa questão.
– Tenho de voltar para a festa – disse, numa tentativa de evitar descobrir a dimensão exata da sua fraqueza.
Saíram do local onde haviam estado, por trás dos arbustos, e caminharam em direção ao salão de exposições.
Após Emma ter subido para o terraço, parou de andar e inclinou a cabeça.
– Que estranho. Subitamente, o ambiente ficou muito silencioso lá dentro.
O salão de exposições poderia ser uma igreja, tal era o sossego que reinava. Emma reparou que, naquele preciso momento, estavam completamente sozinhos no terraço.
Os clientes que tinham andado a passear, haviam abandonado o jardim.
Um som doce e melancólico serpenteou pela janela aberta, fugindo para o exterior. Cresceu, até formar uma melodia extremamente parecida com o grito de um coração
humano. Alguém tocava violino, dentro do salão.
– É o meu amigo, o visconde Ambury – sussurrou Southwaite. – Raramente toca na presença de outras pessoas. Talvez uma ou duas vezes por ano. Nunca se sabe se, ou
quando, o fará. No entanto, todos os que o ouviram defendem que está à altura dos melhores artistas que atuam nas salas de concertos.
Não podiam entrar na divisão sem perturbar o espetáculo, por isso escutaram-no a partir do terraço. A música tocou Emma profundamente. Abalou progressivamente a
sua compostura, até que não conseguiu resistir mais à forma como a comovia. As notas pareciam tornar-se parte da brisa, formando uma teia de sentimentos que unia
Emma ao homem que se encontrava ao seu lado.
Ela fechou os olhos, para que somente a música afetasse os seus sentidos. Sabia que Southwaite fizera o mesmo. Permaneceram ali, rodeados pela noite, enquanto a
melodia falava com as suas almas. Emma sentiu o modo como partilhavam aquele momento, tão seguramente como sentira o calor do conde, quando este a abraçara.
Não era uma peça longa. O silêncio manteve-se durante alguns momentos, após a atuação ter findado.
Em seguida, os louvores ecoaram pelo salão de exposições. Emma abriu os olhos e apercebeu-se de que a sua mão era segurada por Darius.
– Tecnicamente, ele está ao nível dos melhores profissionais. Nunca falha uma nota.
A voz de Southwaite soou áspera. O conde tossiu um pouco, com o intuito de a aclarar.
– Não foi somente a perícia técnica que produziu o som que ouvimos. É um músico magnífico, em todos os sentidos.
– É essa a opinião generalizada das mulheres. Os homens não reparam tanto nos efeitos emocionais da interpretação.
Assim que o par regressou à festa, Cassandra aproximou-se de Emma, puxando-a para longe de Darius.
– Que triunfo, Emma. Amanhã, entrará em todas as conversas. Por que motivo não me contou que planeava este entretenimento, quando expressei alguma preocupação pelo
facto de não ter contratado músicos suficientes?
– Não guardei qualquer segredo. Estou tão surpreendida como você. Talvez o Ambury tenha considerado que a coleção do conde Alexis merecia uma homenagem especial.
Emma procurou os olhos azuis na multidão e dirigiu-se na direção de Ambury, para lhe expressar a sua gratidão.
Darius provavelmente pressionara o amigo, no sentido de realizar aquela pequena exibição artística.
Tal como Cassandra, Southwaite pressentira que a atuação seria o tema de todas as conversas, no dia seguinte. E isso significava que o próprio leilão circularia
igualmente pelos lábios de todos.
Southwaite estava a garantir o sucesso da Fairbourne’s, de todas as formas possíveis. Quando tudo tivesse acabado, Emma teria organizado e gerido um dos leilões
mais ilustres da história da leiloeira.
Seria um triunfo para recordar durante o resto da sua vida.
Porém, não podia ignorar que as motivações de Southwaite estavam longe de ser pura bondade. O
conde podia estar a dar-lhe uma grande vitória e uma memória maravilhosa, por pretender ainda garantir que não houvesse outras do mesmo género, no futuro.
CAPÍTULO 23
Darius observou os movimentos dos dois homens que retiravam cuidadosamente o Ticiano da parede, passando-o, de seguida, a outros dois trabalhadores. Quando o quadro
se encontrava já pousado no chão, Mr. Nightingale avançou, com a sua agenda. Depois de a consultar, escreveu o nome do comprador nas costas da obra.
– Deixem-no aqui – instruiu. – É demasiado grande para as mesas de trabalho. Acondicioná-lo-emos diretamente no lugar onde se encontra, para ser depois transportado
– ordenou, apontando posteriormente para o Guardi. – Tratem daquele a seguir. Também terá de permanecer no salão.
Darius deixou Mr. Nightingale a terminar mais uma tarefa que, claramente, realizava bastante bem, e entrou no escritório.
Viu Herr Werner sentado, com a testa franzida. A expressão exibida pelo representante do conde estava provavelmente relacionada com a presença de Emma na cadeira
de Maurice Fairbourne. Ela escrevia, furiosamente, numa folha de papel, consultando várias vezes as suas notas relativas ao leilão.
– Lord Southwaite – disse Herr Werner, levantando-se, de súbito. – Graças a Deus que ainda está aqui.
Esta senhora...
Gesticulou, de um modo agitado, na direção de Emma.
– Miss Fairbourne é anormalmente perspicaz, no que diz respeito a números, Herr Werner – assegurou Darius. – Tenho a certeza de que constatará que os cálculos por
ela realizados são claros e precisos, quando os verificar.
Herr Werner olhou para o seu catálogo. Parecia ter ficado tranquilizado pelas garantias de Southwaite.
Emma continuou a escrevinhar. Por fim, recostou-se na cadeira.
– Herr Werner, a maior parte do dinheiro pago pelas obras chegará amanhã. Será entregue por vários solicitadores e outros agentes dos nossos clientes. Não esperamos
que os compradores tragam consigo tais quantias, quando participam nos nossos leilões – referiu, apontando para uma volumosa pilha de notas. – No entanto, algumas
pessoas, que adquiriram artigos de menor valor, pagaram de imediato. Os desenhos, por exemplo, e a maioria da prata. De momento, esta é a soma disponível. Assim,
dar-lhe-ei hoje somente uma parte do que lhe é devido, pelas transações desta noite. Corresponderá à percentagem combinada sobre o preço de venda dos artigos que
já foram pagos.
Werner não gostou daquela lógica. Como havia consignado muito poucos artigos de valor reduzido, a verba que lhe entregariam seria mínima.
Emma mostrou-lhe os cálculos que fizera e ele examinou as colunas de números.
– O resto chegará amanhã, conforme diz?
– Dentro de dois dias, o mais tardar.
– E se alguém não pagar?
– Não receberá a obra. A Fairbourne’s não fornece qualquer tipo de crédito. Não é verdade, Lord Southwaite?
– É verdade. Pode estar seguro disso, Herr Werner. A Fairbourne’s sempre foi extremamente rigorosa em relação aos pagamentos. Até mesmo quando faz negócios com um
cliente como eu.
Emma contou três montes de notas e entregou a Herr Werner o menor.
– Deixarei os guardas aqui, até estar tudo resolvido – disse ele, em jeito de despedida.
Após a partida de Herr Werner, Emma soltou um suspiro profundo e fechou os olhos. Parecia distante e exausta. Aquelas semanas haviam sido árduas para ela. Darius
sabia que, durante os últimos quatro dias, Emma quase se mudara para a leiloeira, enquanto preparava a pré-apresentação e o leilão.
– Merece os meus parabéns, Emma. O leilão de hoje fará com que a Fairbourne’s permaneça na memória do público durante muito tempo.
Emma abriu os olhos. Já não possuía uma aparência distante, nem cansada. Esboçava um amplo sorriso.
– Foi bom, não foi?
– Muito bom. Impressionante. Correu tão bem como uma ópera perfeitamente ensaiada.
– Viu a multidão que se reuniu? Não tínhamos cadeiras suficientes. Mr. Nightingale informou-me que contou mais de trezentas pessoas presentes – comentou Emma, corando
em seguida, devido ao entusiasmo que sentia. – E as licitações! Cassandra está absolutamente deliciada com o que conseguiu obter pelas joias. Os desenhos foram vendidos
por um valor muito mais elevado do que eu esperava. E não posso acreditar que o duque de Penthurst pagou tanto pelo seu Guardi. Essa foi a maior surpresa do dia.
– O duque sempre o admirou.
Fora a surpresa do dia para Darius, isso era certo. Esperava que Penthurst não o tivesse comprado por nostalgia de tempos melhores entre os dois. Haviam estado juntos
em Veneza, durante as suas viagens pela Europa. A pintura de Guardi, que retratava a Praça de São Marcos, continha impressões matizadas dessa experiência.
– Felizmente, a ânsia de adquirir o Guardi fez com que negligenciasse o Rafael.
– Sinto-me feliz por o Rafael ir para si, Southwaite. O homem que o consignou ficará muito contente, quando souber que a obra terá um lar tão digno.
Ainda a sorrir, e inquieta na sua felicidade, Emma ergueu-se da cadeira. Apontou na direção de um dos montes de notas.
– Isto é seu – disse ela, agarrando no outro e começando a arrumá-lo no interior da sua bolsa.
Southwaite olhou para a pilha que restava. Em seguida, pegou nas contas que Emma dera a Herr Werner.
– Este registo não é claro, relativamente à descrição dos custos.
– Com certeza que é – proferiu Emma, contornando depois a secretária e apontando para os números existentes no papel. – Veja aqui. Este é o total do leilão, mas
estas entradas aqui em baixo dizem respeito às verbas recebidas hoje. Estes são os custos e pagamentos da Fairbourne’s, e estes...
– Não compreendo a necessidade de algumas destas despesas. As somas são extremamente elevadas – retorquiu ele, dobrando o papel. – Nestas contas, há muito para ser
discutido, Emma.
Ela gemeu, de uma forma audível.
– Sentar-me-ei e explicar-lhe-ei cada linha, mas não agora, por favor. Quero guardar o dinheiro na minha casa, num local seguro e, em seguida, desejo celebrar o
quão brilhante fui hoje.
– Não deve fazer qualquer uma dessas atividades sozinha. Já tratou dos assuntos que tinha a tratar aqui? Pode deixar o resto das tarefas para o Nightingale e o Riggles?
Ainda bem. Vou pedir que tragam a minha carruagem.
Southwaite conduziu Emma até ao exterior da leiloeira, com uma falta de cerimónia surpreendente.
Após alguns instantes, Emma viu-se na carruagem do conde, com a bolsa abaulada sobre o seu colo.
Darius subiu para o veículo e sentou-se à frente dela. Emma colou o rosto à janela.
– Mr. Dillon...
– Acabei de lhe dar instruções para regressar à sua casa. Garanto-lhe que será encaminhada para o mesmo destino, assim que resolvermos os assuntos que temos pendentes.
Southwaite ainda estava curioso em relação à contabilidade. Emma sabia porquê. Só não queria iniciar uma batalha de astúcia com o conde sobre aquele assunto, naquele
momento.
– O que há para resolver? Calculei tudo partindo do pressuposto de que o senhor conde receberia metade dos lucros – disse, estendendo as mãos. – Está tudo feito.
Darius olhou para a bolsa dela. Emma havia lá colocado tanto dinheiro que nem sequer conseguia fechá-la devidamente. Parecia um frango após a engorda.
– A menina planeava realizar o percurso até à sua casa, com essa quantidade de dinheiro, tendo como escolta apenas o seu cocheiro?
– Mr. Dillon é perfeitamente capaz de me proteger. Para além disso, nas ruas de Londres não existem ladrões a cavalo, prontos para atacarem viajantes incautos.
– Calculo que transporte na sua bolsa pelo menos mil libras. Um funcionário da casa de leilões poderia ter instruído um amigo para a aguardar à saída. Se fosse esse
o caso, a sua bolsa estaria bem longe daqui, ainda antes de Mr. Dillon ter tido a possibilidade de descer sequer do seu posto.
– Isso nunca aconteceria.
– Agora já não acontecerá, decerto, porque estou aqui.
Era muito atencioso da parte de Southwaite oferecer-lhe proteção, mas Emma suspeitava que o seu fascínio pela bolsa não estava relacionado com possíveis ataques
de ladrões. O conde notara que a altura do monte de notas arrebatado por Emma superava consideravelmente a do seu próprio monte. Era isso que o intrigava. Darius
questionava-se sobre a identidade dos destinatários do dinheiro extra. Talvez até acreditasse que o valor em questão incluía pagamentos relativos à consignação de
mercadorias contrabandeadas. Se assim fosse, estaria certo.
Emma concluiu que seria melhor contar-lhe, de imediato, que devia vinte por cento a Marielle Lyon e dez por cento a Cassandra. Também o informaria acerca da decisão
de adiar o pagamento referente ao leilão anterior até receber todo o dinheiro angariado neste último leilão. Todos esses esclarecimentos poderiam conseguir evitar
que o conde investigasse, com excessiva profundidade, o que mais estaria dentro da bolsa, e porquê.
– Podemos ir até ao parque apanhar um pouco de ar fresco. Explicar-lhe-ei a contabilidade, enquanto passeamos – sugeriu Emma.
– Não creio que o parque seja um lugar adequado para resolvermos os nossos assuntos.
Emma inclinou-se na direção de Southwaite e murmurou: – Falarei muito baixinho, como estou a falar agora, e ninguém saberá que a nossa conversa é sobre algo tão
terrível como dinheiro.
– Temos um leilão bem-sucedido para comemorar, Emma, e não o podemos fazer no parque. Será preferível irmos para a minha residência, onde poderemos desfrutar de
um ambiente discreto e confortável, enquanto nos felicitamos mutuamente.
Emma olhou para o conde. Darius devolveu-lhe o olhar.
– Southwaite, está a ser manhoso? Isto é uma tentativa de me deixar sozinha consigo?
– Absolutamente, mas não tem coisa alguma a recear. A sua resistência formidável deverá protegê-la das minhas investidas, se a sedução entrar na minha mente – argumentou
o conde, enquanto sorria. – Contudo, hoje não possuo quaisquer segundas intenções suspeitas. Ambiciono apenas brindar à sua saúde e louvá-la, como merece.
Emma avistou a fachada da casa de Southwaite com alguma apreensão. Da última vez que entrara numa das propriedades do conde, acabara nua, no meio de um salão de
baile.
Porém, desta vez, Darius alegava que não tinha quaisquer segundas intenções. Nem sequer tentara beijá-la na carruagem.
Southwaite conduziu-a até à biblioteca, uma divisão vasta e confortável, localizada no segundo piso, com vista para um jardim lateral verdadeiramente encantador.
Uma mulher de cabelos escuros encontrava-se sentada perto das janelas, a ler um livro. Não se dignou a erguer o olhar da página, quando Emma e o conde entraram.
Southwaite pediu licença e foi ter com ela. Disse-lhe algumas palavras e a mulher olhou na direção de Emma. Com o rosto inexpressivo e os olhos tão opacos como uma
porta de ferro, ela levantou-se e acompanhou-o no caminho de regresso ao sítio onde Emma ficara.
Southwaite apresentou-a como sendo a sua irmã, Lydia. A semelhança derivada dos laços familiares era óbvia no cabelo escuro e, mais ainda, na forma dos olhos. No
entanto, enquanto os de Southwaite normalmente mostravam um reflexo do seu «eu» interior, os de Lydia revelavam... praticamente nada.
– Lydia, poderia ter a bondade de fazer companhia a Miss Fairbourne? Preciso de dar instruções ao mordomo para encontrar o melhor champanhe guardado na cave. Devo
demorar pouco tempo a completar a minha missão.
Lydia anuiu. Southwaite abandonou a biblioteca.
Emma e Lydia sentaram-se em dois divãs, posicionados um à frente do outro. Emma sorriu. Lydia não o fez. Reinava o silêncio. Lydia observava Emma, sem tentar fazer
mais do que o irmão lhe havia solicitado.
– O dia está agradável, não está? – perguntou Emma.
– Extremamente agradável – respondeu Lydia.
Mais silêncio.
– Esta biblioteca é muito bonita.
– Gosto bastante dela.
Emma fez mais algumas tentativas. Por cada uma, recebeu uma resposta lacónica, assim como a ausência de qualquer esforço da parte de Lydia.
– Penso que o seu irmão assumiu que você não se importaria de ter alguma companhia – disse Emma, por fim. – Ele estava equivocado, não estava?
– Não me importo de ter companhia. Simplesmente, não aprecio conversas inúteis. Falo muito pouco, porque é mais educado do que falar a maior parte do tempo.
– Duvido que o que tenha para dizer possa ser menos educado do que não conversar, de todo.
As sobrancelhas de Lydia ergueram-se. Os seus olhos adquiririam profundidade, como se uma alma tivesse acabado de lhe invadir o corpo.
– Geralmente, não ouso partilhar os meus pensamentos porque estes quase nunca são suficientemente apropriados para um discurso cortês.
– O mesmo acontece com os meus. Isso não me impede de falar. Acredito que uma conversa franca pode, frequentemente, evitar interpretações erradas e tempo perdido.
Lydia pareceu considerar aquela declaração divertida. Pequenas luzes dançaram nos seus olhos.
– Posso falar sinceramente e dizer-lhe o que estou a pensar? Tem de me prometer que não contará nada ao meu irmão.
– Prometo.
Lydia olhou, de soslaio, para a porta, como se esperasse que Southwaite entrasse a qualquer momento na divisão, voando, e a castigasse pela inconfidência.
– Estou a perguntar a mim mesma se ele a trouxe até aqui com o propósito de a seduzir.
Emma não sabia se a melhor opção seria parecer chocada, ou pouco impressionada. Só queria desenredar-se da presente situação. Acreditava nas virtudes de falar com
franqueza, mas não sobre aquele tema em particular.
– É claro que não. O seu irmão tenciona somente discutir alguns assuntos de negócios comigo.
Lydia franziu a testa. Mexeu, distraidamente, no tecido branco do vestido, ao mesmo tempo que contemplava o colo.
– Que dececionante. Tinha alguma esperança de que ele a seduzisse, ainda hoje. A referência ao champanhe... – disse ela, encolhendo os ombros.
– Quer dizer que o seu irmão faz isso muitas vezes? Traz mulheres para casa, com o intuito de as seduzir?
– Oh, não. Nunca. Ele dedica-se a essas atividades noutros locais. Eu moro aqui e ele jamais me escandalizaria dessa maneira.
– Então, tendo em conta o historial dele, devo concluir que, presentemente, estou segura, certo?
– Presumo que sim. Que chatice – proferiu Lydia, levantando os olhos. – Suponho que está fora de questão uma inversão dos papéis, isto é, ser você a seduzi-lo?
– Tal como o seu irmão, não desejo escandalizá-la.
– Não me importo. É verdade. Tenho vinte e dois anos e, atualmente, quase nunca me sinto escandalizada, muito menos devido aos casos amorosos do meu irmão.
Mais silêncio. Fora uma conversa inusitada. Emma teve alguma dificuldade em engolir a sua curiosidade sobre quão insólito o diálogo havia sido, exatamente.
– Por que razão pensou que ele acalentava esse tipo de intenções? – perguntou Emma.
– O meu irmão tem revelado demasiado interesse pela sua casa de leilões. O investimento dele no estabelecimento em questão foi um capricho de colecionador. Como
um rapaz que compra um brinquedo.
Agora, a sociedade tornou-se problemática. Ele sente a obrigação de conversar comigo, sempre que partilhamos uma refeição. Recentemente, tenho ouvido bastantes menções
a uma Miss Fairbourne. Supus que o meu irmão nutria um fascínio por si e, sendo homem, faria o que os homens costumam fazer, quando estão fascinados por uma mulher.
– Sinto-me lisonjeada por ele ter falado tão bem de mim à própria irmã.
– Oh, não. Ele não fez isso. De modo algum. Nunca se referiu à maravilhosa Miss Fairbourne. Era mais a irritante Miss Fairbourne e a exasperante Miss Fairbourne.
– Não me diga.
Emma não conseguiu evitar começar a rir. Lydia também se riu.
– O meu irmão ficou tão espantado com a sua recusa em seguir a vontade dele, no que dizia respeito ao futuro da empresa, que quase me apaixonei por si – confidenciou
Lydia, soltando algumas risadinhas. – «Aquela mulher é impossível de aturar» – imitou, reproduzindo a voz de Southwaite bastante bem. – «Seria mais fácil negociar
com uma dezena de homens.»
Emma divertiu-se imenso com a imitação feita por Lydia. Teve de enxugar várias lágrimas, que caíam dos seus olhos.
– Se o seu irmão era tão crítico em relação a mim, por que motivo pensou que ele poderia querer seduzir-me?
– Por causa dos quadros. Quando ele mandou tirá-los da parede, há alguns dias, para os colocar à venda no seu leilão, pensei que talvez o meu irmão admirasse a exasperante
Miss Fairbourne e a quisesse impressionar. Por isso, fiz alguns planos, partindo do pressuposto que, após o leilão, ele iria seduzi-la – explicou, fazendo uma careta.
– Porém, vejo que foi tudo em vão.
– Sinto muito. Espero que os seus planos possam ser reorganizados.
Lydia abanou a cabeça.
– Não creio que seja possível. Estou condenada a uma vida de festas aborrecidas, repletas de pessoas enfadonhas. O meu irmão nunca permite que eu seja amiga de criaturas
interessantes.
Nesse momento, a porta abriu-se e o conde reapareceu. Lydia lançou a Emma um último olhar vivo e conspiratório. Em seguida, voltou a colocar a sua máscara de indiferença.
Darius parou, durante alguns instantes, do lado de fora da porta que dava acesso à biblioteca. Os sons que provinham do interior da divisão detiveram-no a meio de
um passo, quando a sua mão já estava pousada sobre o trinco.
Risos. Ecos de alegria feminina. As gargalhadas de Emma eram sinceras e ruidosas. Contudo, conseguia ouvir algumas risadas mais suaves e delicadas, que flutuavam
pelo ar, misturando-se com o riso sonoro de Miss Fairbourne.
Resistiu ao impulso de entrar na biblioteca. Há muito tempo que não escutava, nem observava, Lydia a rir. Até mesmo os seus sorrisos eram pouco entusiastas e, na
melhor das hipóteses, consistiam em reações privadas a reflexões pessoais. Na pior das hipóteses, eram a atuação calculada de uma atriz, que se via forçada a desempenhar
um papel pelo qual não nutria qualquer simpatia.
Os sons esmoreceram. Southwaite esperou um pouco, tentando não interromper um momento de que a sua irmã poderia estar a desfrutar. Conseguia ouvir o zumbido distante
de uma conversa, mas os roncos alegres e as gargalhadas estrondosas, audíveis através da porta, haviam cessado.
Quando Darius entrou na divisão, ainda eram visíveis, nos olhos de Emma, alguns sinais de diversão.
Lydia, pelo contrário, não exibia vestígios do humor recentemente expressado. Nem de qualquer outra emoção. Como sempre.
Encantava-o que a irmã tivesse experienciado momentos secretos de alegria, na companhia de Emma.
Como tal, tencionava certificar-se de que ambas passariam algum tempo juntas, no futuro. Mas não naquele dia.
– Miss Fairbourne, poderá dar-me licença, durante mais alguns minutos? Necessito de falar com a minha irmã.
Emma manteve a bolsa bem recheada no seu colo, enquanto Lydia se despedia.
Darius conduziu a irmã até ao exterior da biblioteca. Lydia encarou-o com uma expressão vazia.
– A tia Hortense escreveu-me – explicou Southwaite. – Afirma que a temporada a deixou completamente esgotada. As dores de cabeça regressaram. Deseja sair de Londres,
a fim de passar um curto período de recuperação no campo. Pediu-me para ficar em Crownhill durante alguns dias.
– Presumo que a brisa marítima poderá ajudá-la.
– Também solicitou que você a acompanhasse. Como tem expressado o desejo de visitar o Kent, pensei que poderia querer aceitar o convite.
– Será horrível estar lá com ela. Quando fiz a sugestão de levar uma acompanhante comigo, referia-me a alguém com uma idade mais próxima da minha. A tia Hortense
irá tratar-me como uma criança. Vai querer saber o que estou a fazer a cada minuto do dia.
Essa era exatamente a razão pela qual a tia Hortense seria a acompanhante ideal.
– Pelo menos, ela deixá-la-á passear a cavalo. Não será tão mau como uma estadia no campo com a tia Amelia.
– É verdade – disse Lydia, encolhendo os ombros, de uma maneira indiferente. – Terei pela frente uma jornada aborrecida, mas, ao menos, enfrentarei uma nova forma
de aborrecimento. Creio que vou aceitar o convite.
– Ela tenciona iniciar o trajeto logo de madrugada. Diga à sua criada para fazer as malas. Pedirei que lhe tragam a carruagem. Poderá passar esta noite na casa da
tia Hortense. Assim, amanhã, não haverá qualquer atraso na partida.
– Sim, faz todo o sentido. Tem a certeza de que não é necessária a minha presença aqui, para o ajudar a lidar com Miss Fairbourne?
– Ajudar-me?
– Sei que a considera uma pessoa extremamente desagradável.
– Conseguirei dar conta do recado, de uma forma ou de outra.
– É muito corajoso da sua parte, tendo em conta que ela o irrita tanto. Sendo assim, vou arrumar as minhas malas. Dê instruções para que a carruagem esteja pronta
e parada lá fora daqui a meia hora.
Lydia afastou-se, a fim de tratar dos preparativos necessários. Darius deu algumas ordens relativas à carruagem e, em seguida, regressou à biblioteca. O champanhe
já havia chegado. O conde sentou-se ao lado de Emma, no divã, e entregou-lhe um copo.
– A sua irmã voltará, para se juntar a nós? – questionou Emma, lançando um olhar esperançoso na direção da porta.
– A Lydia está ocupada com outros assuntos.
– Tenho muita pena que assim seja. Gosto dela.
– Futuramente, incentivá-la-ei a visitar a sua casa. Agora, brindemos ao seu...
– Se a Lydia me visitar, deverei concluir que o senhor conde me considera aborrecida? A sua irmã informou-me de que o senhor conde só permite que ela seja amiga
de pessoas desinteressantes.
Darius ficou bastante espantado com o facto de Lydia ter feito uma confidência sobre aquele assunto, num período de tempo tão breve. Porém, teria ficado igualmente
admirado se o tema houvesse sido qualquer outro.
– É verdade que desencorajei algumas amizades da minha irmã, mas não a restringi ao convívio com pessoas desinteressantes. Ela é que se restringiu a si mesma. Não
faz visitas. Não revela qualquer género de emoção. A Lydia é... – Southwaite fez uma pausa, erguendo as mãos. – Confesso que ela é um motivo de preocupação para
mim. Um verdadeiro enigma.
Emma bebeu um pouco de champanhe.
– Talvez esteja a esconder alguma coisa.
– O que poderia desejar manter em segredo? E se, realmente, tivesse algo a esconder, por que razão a esconderia de mim? Afinal de contas, sou o irmão dela.
– Existem mais de dez anos de diferença entre os dois. A Lydia provavelmente não o recorda como um cúmplice das suas aventuras infantis. Poderá vê-lo mais como um
pai. Era o que eu faria, se estivesse numa situação idêntica.
Pareceu-lhe uma noção ridícula. Porém, na realidade, não era assim tão inverosímil, admitiu Darius, no momento seguinte.
– Este champanhe é muito bom – comentou Emma. – Suponho que deve ser bastante antigo.
– Tem alguns anos. Agora, quanto ao nosso brinde...
– Antes de elogiar a minha vitória, preciso de lhe explicar alguns pormenores – disse ela. – O senhor conde estava certo. Existem despesas consideráveis, que afetarão
o lucro real da Fairbourne’s. Neste momento, tenho comigo o dinheiro necessário para realizar alguns dos pagamentos. Esse é o motivo pelo qual a minha pilha de notas
parece ser muito maior do que a sua.
Southwaite não queria conversar sobre o assunto, naquele momento. No entanto, Emma decidira que era uma boa altura para o abordar. O conde desconfiava que isso significava
que não iria ouvir toda a história.
– Que tipo de despesas?
– Comissões. Por exemplo, recorri a uma pessoa para encontrar os desenhos. Agora terei de lhe pagar vinte por cento.
– Ofereceu a alguém vinte por cento, somente para conseguir obter esses lotes? Trata-se de um negócio desastroso.
Southwaite não se preocupava com a espessura final do seu monte de notas. Contudo, cederem aquela percentagem das receitas levaria, certamente, ao encerramento da
Fairbourne’s em menos de um ano.
– Foi uma medida necessária. Não é uma prática que tencione perpetuar. Ora, no caso da coleção do conde, por exemplo, paguei somente dez por cento.
– Essa percentagem é sobre o valor das licitações finais, ou sobre a comissão paga à Fairbourne’s pelo proprietário original dos artigos?
– Da comissão, é claro.
Emma riu-se, como se a pergunta tivesse sido demasiado estúpida para conseguir encará-la seriamente.
Então, franziu ligeiramente a testa.
– Estou segura de que foi essa a proposta que fiz à Cassandra. Ela sabe como funcionam os leilões.
Nunca interpretaria erradamente a minha oferta – disse, franzindo ainda mais a testa. – Sim, tenho a certeza de que a Cassandra sabe que são dez por cento da comissão
e não das licitações finais.
Darius levantou-se e caminhou até às janelas que davam para a frente da casa. Lá em baixo, a carruagem aguardava.
– Espero que tenha razão, relativamente à sua amiga, ou restará muito pouco das receitas de hoje.
O chapéu de Lydia tornou-se visível quando a jovem saiu do edifício. Um criado içou a mala de pele e arrumou-a na carruagem, enquanto outro auxiliava a irmã de Southwaite
a subir para o veículo. Antes de a sua cabeça desaparecer no interior da carruagem, olhou para trás, na direção da casa.
A expressão de Lydia surpreendeu-o. Parecia feliz. Aparentemente, preferia uma tia enfadonha, no Kent, a um irmão tedioso, em Londres.
A carruagem movimentou-se, transportando Lydia para outro lugar. Nesse instante, Darius sentiu-se suficientemente livre para conseguir apreciar a privacidade da
noite que se aproximava. Olhou, por cima do seu próprio ombro, para Emma.
Ela continuava de cenho franzido. Os sulcos estavam mais profundos. Refletia intensamente sobre algo.
Parecia desesperadamente preocupada.
– Estou seguro de que Lady Cassandra não tem a ilusão de vir a receber a totalidade da quantia arrecadada pela leiloeira através da venda dos quadros, Emma – assegurou
o conde, regressando para junto dela. – Esse só seria o caso, se ela recebesse dez por cento da receita total.
– Gostaria de me sentir tão confiante como o senhor conde. Agora que a hipótese foi sugerida, não consigo parar de vasculhar a minha memória, tentando recordar exatamente
o que dissemos uma à outra sobre o assunto em questão.
– Se Cassandra entendeu mal a sua proposta, certificar-me-ei de que a menina não sofrerá quaisquer perdas ocasionadas por uma falta de discernimento alheia.
Emma voltou a sua atenção para Southwaite.
– Tenho a certeza de que a situação não chegará a esse ponto. De qualquer modo, pensei que devia explicar-lhe a existência das comissões, uma vez que notou rapidamente
que as despesas da empresa eram excessivamente elevadas. Há mais alguma coisa que considere suspeita? Algo que necessite que eu lhe explique melhor?
Suspeito era um adjetivo estranho para Emma usar naquele contexto. Infelizmente, também descrevia, com exatidão, o que Darius pensava sobre as contas da Fairbourne’s.
Em concordância com as instruções do conde, não tinham sido vendidos lotes consignados por cavalheiros anónimos discretos, com a exceção dos desenhos e do Rafael.
Em vez disso, houvera bastante prata, assim como sedas e rendas sumptuosas, incluídas em lotes associados ao nome de Emma, que ela consignara por conta própria.
Southwaite desconfiava que Emma obedecera, literalmente, às suas ordens, mas não seguira o espírito destas.
O conde concluiu que, se a sua interpretação rápida da contabilidade preliminar estivesse correta, os lucros provenientes da venda dos lotes pertencentes a Emma
faziam parte do recheio da bolsa anafada.
Se a questionasse sobre os lotes que consignara, qual seria a resposta de Emma? Que eram bens da família, que decidira converter em dinheiro? Southwaite jamais conseguiria
refutar uma afirmação desse género, mesmo que estivesse completamente seguro da sua falsidade. Como já acontecera várias vezes, desde que se tinham conhecido, o
conde não desejava acusá-la abertamente. Existiam poucos motivos para o fazer, enquanto não pudesse provar as suas suspeitas. Emma nunca sucumbiria simplesmente
à pressão, confessando tudo o que fizera. O conde também se apercebeu de que não queria, verdadeiramente, obter uma confissão. Se a venda de mercadorias ilícitas
se tornasse um facto, em vez de uma suspeita, a conjuntura seria profundamente alterada.
Ainda assim, Darius devia sentir-se mais preocupado com os lotes misteriosos do que estava naquele preciso momento. Contudo, Emma parecia tão linda e vulnerável,
sentada ao seu lado. O cinzento pálido do vestido que escolhera para o dia do leilão favorecia o seu cabelo e realçava a subtil tonalidade rosa presente nas suas
bochechas.
A tentativa de a confrontar, relativamente à origem das sedas, podia esperar. Talvez eternamente. O
total das receitas angariadas mediante a venda dos lotes em questão não era muito elevado. Para além do mais, no futuro, Emma não se envolveria novamente naquele
tipo de negócios. Southwaite certificar-se-ia disso.
O conde apoiou as mãos na parte de trás do divã e inclinou-se sobre o ombro de Emma, para lhe retirar o copo de champanhe da mão. A fragrância ténue, que ela aplicara
de manhã, provocou o nariz do conde.
A pele do pescoço e do rosto de Emma, tão próxima da de Southwaite, atraía-o com a promessa de uma suavidade aveludada.
– Pode explicar-me o resto dos detalhes quando apresentar a contabilidade final, Emma. Hoje temos de resolver um assunto completamente diferente.
CAPÍTULO 24
Não podia alegar que Southwaite não a avisara. Foi isso que Emma pensou, ao mesmo tempo que se voltava para encarar o homem que continuava atrás do divã.
O olhar de Emma subiu pela sobrecasaca, até chegar ao rosto do conde. Esperava ver humor nos seus olhos, o que indicaria que aquilo era apenas mais uma provocação.
A expressão de Darius fez com que Emma tivesse alguma dificuldade em respirar. Era evidente que, pelo menos, um dos dois não tinha qualquer dúvida sobre o que aconteceria
de seguida.
– A Lydia... – tentou Emma.
– Foi-se embora. Para a casa de uma tia que solicitou a companhia dela numa viagem.
Emma não conseguiu controlar as consequências da proximidade de Southwaite. O desejo do conde parecia comunicar diretamente com o dela, incentivando-o a acordar
e a desfrutar de si mesmo. As reações de Emma surgiram rapidamente, sem qualquer misericórdia.
Emma virou-se para o outro lado e fechou os olhos, tentando encontrar a sua sensatez no meio daquelas sensações deliciosas e insidiosas. A sensualidade intensa que
experimentava tinha efeitos simultaneamente fascinantes e terríveis. A simples expectativa do prazer originava-lhe diversos arrepios e pulsações em partes do corpo
cuja existência Emma normalmente ignorava.
Mesmo assim, Emma sabia que era má ideia ceder à tentação. Nada tinha realmente mudado, desde que abandonara o Kent. Deveria reiterar os seus motivos para rejeitar
a oferta do conde. Estes permaneciam inalterados, quer Darius procurasse uma esposa quer desejasse uma amante.
Também existiam outras razões que permaneciam de pé. Emma gostaria de lhe poder explicar todas elas. Queria comportar-se como a pessoa sincera que sempre afirmara
ser. Se lhe contasse tudo, incluindo os possíveis desfechos menos agradáveis, Southwaite perderia, de imediato, o interesse que tinha por ela.
O conde contornou o divã e sentou-se ao lado de Emma. Com dedos extremamente cuidadosos, virou aquele rosto encantador para si. Ia beijá-la. Emma sabia, nas profundezas
da sua alma, que, após esse beijo, não o impediria de fazer o que quer que fosse.
Devia falar naquele instante, se quisesse reivindicar que o que ocorrera ali não havia sido uma rendição instantânea. As palavras formaram-se no interior da sua
cabeça, mas os lábios de Darius ocuparam os seus. As frases desencorajadoras quebraram-se, dispersando-se sob a forma de múltiplos sons não proferidos.
Permaneceu calada. Não disse uma única palavra de objeção. Não fez qualquer esforço para resistir.
Southwaite abraçou-a e o beijo tornou-se mais profundo, fazendo com que o desejo se libertasse e percorresse todo o corpo de Emma. Nesse momento, ela teve de admitir
que não queria desperdiçar aquela hipótese de se sentir extraordinária, mais uma vez.
Darius não era demasiado bom para seduzir Emma novamente. No entanto, sentiu-se contente por não ter de o fazer.
Emma participou no beijo e no abraço, tanto quanto lhe era possível. O conde ficou satisfeito ao verificar aquela nova manifestação de franqueza. A parte de Southwaite
que ainda era capaz de pensar imaginou-a, dentro de pouco tempo, mais experiente e menos ingénua, exigindo a paixão como a desejava, em vez de esperar pelos seus
avanços.
Finalmente, a língua de Emma também se aventurou em território desconhecido, numa tentativa ousada que intensificou abruptamente a excitação sexual de Darius. O
corpo do conde reagiu como se tivesse passado fome durante anos, apesar de ter decorrido somente uma quinzena. A imaginação de Southwaite começou a explorar o corpo
de Emma, como o seu próprio corpo só exploraria daí a vários dias, ou semanas.
Darius segurou um dos seios de Emma. Beijou a massa volumosa e insuportavelmente macia, ao longo do rebordo superior do vestido. A respiração de Emma acelerou, transformando-se
numa sucessão de inspirações involuntárias, despoletadas pelas carícias que o conde fazia à intumescência suave. Os dedos de Southwaite procuraram o mamilo e começaram
a acariciá-lo. Gemidos cada vez mais frenéticos e ansiosos saíram da boca de Emma, acompanhando arquejos de prazer.
Com os lábios entreabertos e os olhos a brilhar, Emma observou a mão de Darius, vendo o que ele fazia ao seu peito. O facto de Emma estar consciente da sua própria
sensualidade fez com que o ardor do conde aumentasse ainda mais.
Emma lambeu os lábios, como se pretendesse falar. Southwaite pressionou a sua boca contra o pescoço dela, logo abaixo da orelha, para que o aroma de Emma o envolvesse.
– O que se passa? – perguntou o conde. – Não gosta do que estou a fazer?
– Sim, gosto. É... verdadeiramente sublime. Mas... pode fazer de novo o que fez da última vez?
A impaciência de Emma surpreendeu-o. Darius ergueu-se, trazendo-a consigo, agarrada ao seu braço.
– Aqui não. Venha comigo.
Southwaite deu a mão a Emma e encaminhou-a para fora da biblioteca, em direção ao átrio. Em seguida, começaram a subir as escadas, apressadamente. Várias portas
fecharam-se suavemente, quando se aproximaram delas. Os criados sabiam que, por agora, deviam manter-se afastados do patrão.
A maldita escadaria parecia nunca mais ter fim. O conde olhou para trás. A visão de Emma empolgou-o tanto que, impulsivamente, decidiu encostá-la contra a parede.
Beijou-a e mordeu-lhe a boca e o pescoço, ao mesmo tempo que a cingia com firmeza.
– Certamente não aqui – disse Emma, com alguma dificuldade.
As mãos de Southwaite procuraram os seios e as coxas dela. O conde mal ouviu o que Emma dizia.
Pressionava-a, para conseguir senti-la e conhecê-la.
Darius queria deixar Emma completamente indefesa e tão repleta de prazer que as lágrimas começassem a cair-lhe pelo rosto. Queria possuí-la naquele preciso momento.
Queria... O conde agarrou a mão de Emma. Arrastou-a durante o resto da subida que conduzia ao piso onde se situavam os seus aposentos. Com o sangue a arder e a mente
cada vez mais sombria, levou Emma para o interior do seu quarto. Puxou-a para junto de si, beijando-a com um sentimento de posse triunfante.
Quando Darius soltou Emma, ela caiu de costas sobre a cama. O conde contemplou a surpresa ofegante da sua vítima, enquanto despia a indumentária que o cobria.
Os sentidos de Emma mal conseguiram acalmar-se, após Southwaite a ter incluído no turbilhão que o assolava. Imagens, sons e emoções fragmentavam-se em mil pedaços,
formando uma mistura confusa, dentro da turbulência sensual.
Beijos, primeiro doces, depois dominadores... gotas de prazer submersas por um rio de ânsias, a correr sem parar... escadas, uma parede, um corpo tonificado e duas
mãos devastadoras... uma divisão com livros e cadeiras, depois outra, com uma cama envolta em brancos e azuis... um beijo, um beijo assustador, que não pedia a sua
rendição, mas que a reclamava, como se Emma não tivesse qualquer poder de escolha.
Flutuou sozinha, descendo lentamente. Atravessou o ar pesado, repleto de odores sensuais. A saia levantou-se-lhe, devido a uma brisa. Os seus braços estendidos estavam
vazios. Caiu até as suas costas baterem no colchão. Uma coberta azul estendia-se sob um dossel enfeitado com cortinas cuja tonalidade lembrava uma safira.
Os sentidos de Emma recuperaram um pouco. O suficiente para ela tomar consciência do que acontecia. Olhou em redor, tirando partido da luminosidade do crepúsculo,
que ainda banhava o quarto.
Southwaite estava perto dos seus pés, alto, forte e elegante. A sobrecasaca do conde deslizou para longe da cama. Em seguida, o mesmo sucedeu com o colete e o lenço.
Cada movimento era uma provocação, um desafio e um aviso. Darius parecia estar a descartar as suas boas maneiras juntamente com as vestes que despia. Nas profundezas
da sua alma, Emma sentiu uma emoção primitiva. Sabia que, em breve, não restaria qualquer vestígio de etiqueta no comportamento do conde.
De repente, Southwaite ficou nu. Sob a luz cinzenta, que inundava a divisão, o seu corpo assemelhava-se a uma escultura de mármore. A estátua viva mexeu-se, até
ficar genufletida, apoiando-se num só joelho, ao lado de Emma. O corpo e a cabeça do conde eram suportados pelos braços tensos que a flanqueavam. Durante um momento
de lucidez, Emma observou-o, com admiração. A face, os ombros fortes e a intensidade que o desejo imprimia aos olhos escuros. Então, Darius aproximou-se dela, tomando-a
nos braços e subjugando-a completamente. Emma voltou a perder a capacidade de raciocinar.
Southwaite acariciou Emma, como se ela tivesse cedido totalmente ao poder da paixão, confiando-lhe o seu corpo, a sua privacidade e todo o seu ser. O conde despoletou
um prazer insuportável, que se tornou uma autêntica tortura. Emma começou a odiar as roupas que formavam uma barreira entre ela própria e o corpo que enlaçava. Quando
Darius a beijou no peito, o tecido existente entre ambos causou-lhe uma verdadeira agonia.
Southwaite posicionou-se de modo a conseguir virá-la. Emma abraçou o colchão, permitindo ao conde começar a desapertar-lhe o vestido. Cada pequeno afrouxamento originava
um tremor, tão forte e preciso como uma seta, que atingia o seu âmago. As roupas de Emma desapareceram a uma velocidade surpreendente. Evaporaram-se misteriosamente,
enquanto ela permanecia colada a Darius, obedecendo às instruções verbais e às carícias do conde, que o ajudavam a libertá-la das amarras têxteis.
Finalmente, Emma ficou livre. Chocantemente livre. O prazer e a loucura não atenuaram o deslumbramento que sentiu quando os seus corpos se tocaram. A proximidade
impressionou-a profundamente, tal como sucedera no salão de baile.
Southwaite afagou os mamilos de Emma, que ficaram intumescidos e eretos. A língua do conde brincou com um deles, aumentando ainda mais a intensidade da reação. Cada
contacto, cada expiração, fazia com que um choque extraordinariamente delicioso atravessasse o corpo de Emma.
– Prometi-lhe mais, não é verdade? – observou Darius. – Como da última vez, foi o que me pediu.
Emma estava demasiado excitada para demonstrar timidez ou vergonha. Assentiu com a cabeça. A simples expectativa do que ia acontecer aumentou a sua sensibilidade.
Southwaite afastou-se.
– Então venha cá.
Estendeu-lhe a mão e reajustou a posição dos dois, de modo a ficar sentado, com as costas contra a cabeceira da cama, enquanto Emma permanecia de frente para ele,
com os joelhos a flanquearem as suas ancas e as nádegas a pressionarem as suas coxas. Emma sentia-o debaixo de si. Sentia a base do falo de Darius confortavelmente
encaixada na sua zona íntima, estimulando o ponto que o conde utilizara para a desinibir, naquela madrugada fascinante.
Southwaite podia agora acariciá-la livremente, ao mesmo tempo que a beijava. Também conseguia provocar e excitar ambos os seus seios. O conde não mostrou qualquer
misericórdia. Emma adorou cada momento. Fechou os olhos e deixou que o prazer intenso se acumulasse. As sensações de deleite espalharam-se-lhe pelo corpo, acabando
por dominar todo o seu ser.
Darius sabia exatamente o que fazer para tornar a experiência ainda melhor, ainda mais enlouquecedora. Emma balançou-se, de modo a obter algum alívio. Quando o fez,
a sua barriga começou a friccionar o topo do pénis do conde, no local onde este se erguia, entre ambos. Finalmente, Southwaite pegou na mão de Emma, colocando-a
sobre o órgão ereto, para que ela também pudesse dar-lhe prazer.
Em breve, Emma gemia. As lágrimas surgiram. Sentia-se impaciente e prestes a desintegrar-se. Os limites daquele desespero começaram a preocupá-la. Southwaite ergueu
as ancas de Emma, a fim de poder usar a sua boca para estimular os seios dela, mas isso só tornou a situação ainda mais agonizante.
Emma agarrou-se aos ombros do conde, inclinando a cabeça para trás. A sua mente implorava por mais, por algo, por tudo.
Darius tocou no ponto onde Emma sentia as pulsações sensuais. Um choque de prazer atingiu cada centímetro do corpo dela. Seguiu-se outro toque subtil, e depois mais
outro. A essência de Emma ascendia em direção a um lugar assustador.
Southwaite colocou as mãos de Emma na cabeceira da cama.
– Segure-se aqui, assim. Vou beijá-la de uma forma especial.
Emma anuiu, demasiado atordoada para se preocupar com o que Darius lhe fazia, ou mesmo para ouvir o que ele lhe dizia. Naquele momento, uma silenciosa súplica por
mais era o seu único pensamento. Não reagiu quando Southwaite se inclinou para baixo, nem quando ele lhe abriu as pernas e lhe baixou as ancas. Emma não compreendeu
o que Darius estava a fazer até um frémito extraordinariamente diabólico substituir as sensações provocadas pela mão do conde.
Emma pensou que ia desmaiar, devido à vibração sensual. Apesar de ser extremamente intenso, o tremor originou um estado de choque lúcido, que durou alguns instantes.
Emma olhou para baixo e percebeu o que estava a acontecer.
Aquele momento confuso de racionalidade não conseguiria sobreviver ao que viria a seguir.
Southwaite fez-lhe algo que despoletou um grito. Outra sensação, demasiado íntima para ser credível, deixou Emma a gemer com deleite. Então, o desejo insistente
e crescente espalhou-se, até ser tudo o que existia, tudo o que ela era. Emma agarrou-se à cama, enquanto o prazer a empurrava para o pico extático da paixão.
Emma atravessou a barreira, atingindo o clímax. Sentiu-se a pairar, suspensa no ar, durante um período longo e incrível de pura sensação. Em seguida, o próprio desejo
quebrou-se, causando um grito de prazer, que a dominou, de corpo e alma.
Apercebeu-se de que estava escarranchada sobre Darius, quando a sua própria voz e os seus pensamentos voltaram a conseguir falar. O conde entrou nela, dilatando-a,
preenchendo-a e possuindo-a, mais uma vez. Emma ainda não tinha vontade, nem força, nem mesmo uma consciência plena do seu corpo. Os vestígios do seu autodomínio
não ofereciam qualquer proteção contra os efeitos da intimidade inquestionável de ser envolvida por aqueles braços e por aquele corpo sob tensão, enquanto Southwaite
a penetrava com força e profundamente.
Devia insistir para que preparassem, de imediato, a carruagem de Southwaite, para a transportarem de regresso a casa.
Decorreu uma eternidade até essa ideia bastante sensata surgir na mente de Emma. Um período de tempo demasiado longo para Darius levar a sério a exigência, caso
esta fosse feita.
Emma estava sentada no meio do leito desordenado, iluminada pelo brilho de cinquenta velas.
Southwaite acendera-as, quando, finalmente, se levantara da cama. Tremeluziam como cinquenta pontos de exclamação, que não precisavam de qualquer frase para comunicar
o seu significado. Ardiam sobre suportes e eram suficientemente longas para durarem toda a noite.
Os sons que provinham de uma divisão adjacente indicavam que uma refeição estava a ser disposta.
Emma olhou para o robe de seda que a cobria, recentemente disponibilizado por Darius. Devido ao seu estado, muito próximo da nudez, jantariam na privacidade do quarto
de vestir do conde. Emma não havia objetado esse plano, nem as suas implicações, relativamente às horas que se seguiriam.
Após os acontecimentos do salão de baile, Emma conseguira readquirir mais facilmente o controlo sobre as suas próprias decisões. Apesar da magia e do fascínio, fora
capaz de abandonar a casa de Southwaite, não fora? Presentemente, não conseguia reunir a força necessária para o fazer. Talvez porque a madrugada, que reduziria
a cinzas o sonho sensual da noite, ainda não tinha chegado.
Saltando para fora da cama, Emma agarrou o seu vestido, caído no chão, dobrou-o e colocou-o sobre uma cadeira. Não queria parecer uma maltrapilha, quando deixasse
aquela casa. Também teria de ser cuidadosa, no que diz respeito à demora da sua saída. Tinha tarefas a realizar, que eram extremamente importantes. Não se atrevia
a permitir que uma fraqueza do seu coração as adiasse.
Procurou a bolsa anafada. Esta permanecera na posse de Emma, quando Darius a arrastara até ao quarto. Porém, naquele momento, Emma não conseguia vê-la em lado algum.
Ajoelhou-se, para examinar a área que ficava sob as cadeiras e o restante mobiliário. Amaldiçoou-se por ter sido tão descuidada.
Permitir a si própria um pouco de sedução, numa tentativa de obter prazer, era aceitável. Contudo, perder completamente a noção do seu dever era indesculpável, mesmo
que fosse por amor.
Subitamente, Emma ficou paralisada, ajoelhada no chão, com uma das mãos inserida no espaço existente por baixo da cama, onde estivera a tatear, tentando sentir a
seda e a renda da bolsa. A sua mente chamara às suas emoções amor, sem que Emma tivesse escolhido conscientemente a palavra. Não tinha o direito de pensar sobre
aquela paixão nesses termos. Southwaite fora gentil e fizera o pedido de casamento exigido pela sociedade, mas Emma não tinha qualquer motivo para deixar que o seu
coração alimentasse tais sentimentos.
Manteve-se ajoelhada e sentou-se sobre os pés, enquanto tentava perceber o que se passava dentro do seu próprio coração. Pela primeira vez na sua vida, não foi uma
tarefa fácil. Uma emoção estranha fazia tudo o que podia para lhe bloquear a reflexão. A voz interior de Emma avisou-a de que as ilusões e as mentiras tinham o seu
devido lugar nas interações entre homens e mulheres. A honestidade só lhe traria dor.
A tentativa de descortinar os pensamentos e sentimentos de Southwaite causou-lhe uma angústia assustadora. Por essa razão, Emma colocou-a de parte. Nunca conseguiria
saber realmente o que sucedia no interior do conde. Seria ridículo atribuir quaisquer motivações, ou emoções, a Darius. Emma podia e iria recusar-se a esperar algo
da paixão existente entre ambos. Não iria culpá-lo por sentir menos afeto do que ela.
A sinceridade consigo mesma era tudo o que Emma podia esperar alcançar. Uma vez evocada, não decorreu muito tempo até que Emma enfrentasse a verdade, na sua plenitude.
Tinha-se habituado à atenção de Southwaite, assim como à agitação que o conde conseguia provocar através da sua simples presença. Emma deleitara-se com as novas
sensações que Darius despertara nela. No entanto, não podia afirmar que as suas verdadeiras emoções eram muito sofisticadas. Ainda estava ali, não estava? No quarto
de Southwaite, agora que a noite caíra, aceitando permanecer com o conde, enquanto fosse possível, sem o dizer?
Desta vez, seria mais difícil deixá-lo. Terrivelmente difícil. Esse simples pensamento abalou a compostura de Emma.
– O que está a fazer, Emma?
A pergunta de Southwaite arrancou-a do devaneio a que se entregara. Emma olhou na direção do conde, que se encontrava em pé, junto da porta que dava acesso ao quarto
de vestir. O roupão que Darius usava, feito de brocado castanho, fazia-o parecer simultaneamente dissoluto e exótico.
– Não consigo encontrar a minha bolsa.
O conde aproximou-se e ajudou-a a levantar-se.
– Tenho a certeza de que a encontraremos mais tarde. Não pode ter ido parar a um lugar muito distante.
Está aqui algures, entre os lençóis e as roupas. Venha comer alguma coisa.
Os serventes tinham posto uma mesa no enorme quarto de vestir. Vários artigos de prata e de porcelana fina decoravam a toalha e os guardanapos de excelente qualidade.
Duas poltronas confortáveis haviam sido colocadas de frente uma para a outra. A comida já estava servida, não havendo um único criado à vista.
Emma ficou maravilhada com o elevado grau de discrição patente em todo o processo. Também sentiu alguma admiração pela forma como tudo havia sido habilmente organizado.
Até mesmo a refeição presente no seu prato, carne de aves e molho, acompanhados por uma compota de fruta quente, não perderia excessivamente as suas propriedades,
caso o conde se distraísse com outras atividades, antes de jantar.
Talvez aquela perfeição fosse uma consequência de terem existido, no passado, muitas ocasiões para praticarem. Lydia podia estar errada em relação aos locais onde
o irmão seduzia as amantes. Como podia sequer saber quem Darius trazia até ao seu quarto, para depois expulsar, durante a madrugada?
Um espigão de ciúme atravessou Emma, quando teve esse pensamento. Ela riu-se, tentando descartar a reação como simplesmente ridícula. Mesmo assim, a sensação desagradável
que surgira no seu interior persistiu durante mais algum tempo.
Southwaite deitou um pouco de champanhe nos copos.
– Finalmente podemos fazer o brinde que lhe prometi, ao seu triunfo, no leilão de hoje.
Emma quase disse uma piada, sobre a possibilidade de o champanhe que bebiam ter sido contrabandeado, mas mordeu a língua a tempo. O impulso serviu apenas para lhe
recordar a forma como desobedecera ao conde, relativamente ao destino dos lotes suspeitos. Para ganhar o prémio, Emma poderia ter de o fazer novamente.
– É lamentável que Cassandra não esteja aqui – comentou Emma. – Penso que também deve estar a comemorar. Vai receber mais do que esperava, pela venda das joias.
O seu amigo Ambury foi muito agressivo, quando licitou pelos brincos de safira e diamante.
– Tentei impedi-lo, mas ele não me deu ouvidos.
– Talvez queira oferecê-los a uma senhora especial.
– Se assim for, espero que a senhora em questão esteja disposta a alimentá-lo durante algum tempo. O
pai do Ambury sempre cedeu ao filho um rendimento bastante limitado. Por essa razão, o Ambury costuma ter dificuldade em pagar indulgências desse género, mesmo que
se destinem a senhoras especiais.
– Estou confiante de que o Ambury pagará os bens que adquiriu no leilão. Não gostaria de ter de dizer a Cassandra que...
– Se ele não o fizer, pagarei a quantia em falta – disse Southwaite, erguendo o seu copo. – A olhos simultaneamente conhecedores e belos, a uma mente das mais extraordinárias
e exasperantes, e a um corpo totalmente cativante e deli...
– Ora essa, estou-lhe muito grata! – interrompeu Emma, rapidamente.
Darius riu-se.
– Perdoe-me, mas pensei que preferia conversas francas.
O rosto de Emma há muito que já estava quente. Naquele momento, começou a arder ainda mais.
– Decidi que existem algumas coisas que não devem ser ditas.
– Isso é uma complicação inesperada. Como posso saber a que coisas se refere?
Emma observou o conde, com os olhos semicerrados.
– Creio que já sabe a resposta a essa pergunta.
Southwaite pareceu estar prestes a provocá-la de novo. Contudo, em vez disso, começou a comer.
– Tenho pensado sobre os seus olhos. Com afeto, é claro, mas também me apercebi do conhecimento que possuem, transmitido por Maurice. A Emma deve ter visto mais
obras de arte a passarem pelas portas da Fairbourne’s, ao longo dos anos, do que eu vi na minha grande viagem pela Europa. É normal que tenha aprendido bastante
ao observar os negócios do seu pai.
– Não via apenas as obras que eram consignadas à leiloeira – explicou Emma. – Por vezes, solicitavam ao meu pai que visitasse as propriedades de aristocratas, para
fazer estimativas do valor de certos bens.
Quando viajávamos juntos para qualquer lugar, o meu pai fazia questão em nos levar, a mim e ao meu irmão, a visitar as coleções privadas que se situavam ao longo
do nosso percurso. Os outros viajantes costumavam pedir para verem os jardins das grandes casas senhoriais. No entanto, o pedido do meu pai era diferente. Falava
com a governanta, para que deixasse os seus filhos observarem as obras de arte.
Existem algumas raridades incríveis escondidas nas coleções particulares inglesas.
– Então, o seu irmão beneficiou de uma educação idêntica à sua. Suponho que ele possuía um nível de conhecimentos semelhante ao que a Emma possui.
Possuía. Darius referira-se ao irmão de Emma usando um tempo verbal passado. Somente ela e o pai nunca o haviam feito.
Emma queria corrigir o conde. Queria explicar-lhe que não era uma mulher louca, que se recusava a aceitar a verdade sobre o destino de Robert. Lutou contra um impulso
inesperadamente forte de revelar a Southwaite que recebera uma carta, cujo conteúdo confirmava a sua crença, e que Robert regressaria a casa, em breve.
O desejo de partilhar o que sabia com Darius, assim como a ponderação de todos os aspetos envolvidos, imobilizaram-na, durante um período de tempo relativamente
longo. Se o conde considerou a reação de Emma visível, ou digna de nota, não o mencionou. Continuou a saborear a sua refeição, parecendo não notar que Emma havia
parado de comer a dela.
– As coleções particulares inglesas são bastante boas, mas, ainda assim, não deixará de ficar impressionada, quando visitar o Continente e constatar a abundância
de tesouros que lá existe – disse Southwaite. – Pode entrar-se numa igreja obscura e humilde, e encontrar uma obra de um mestre antigo, capaz de rivalizar com as
melhores que temos em Inglaterra.
– Foi isso que fez, durante a sua grande viagem pela Europa? Visitar igrejas obscuras, com o fito de procurar obras de mestres antigos? Pensava que os jovens usavam
esses meses para seduzirem mulheres de má reputação e beberem vinho em quantidades excessivas.
– Confesso que desperdicei os meses que passei no Continente, exatamente como o resto dos jovens ingleses. É por isso que preciso de repetir a viagem. Aí está um
pensamento interessante... quando esta guerra infernal tiver acabado, viajará comigo e visitaremos todos os locais relevantes. Durante os dias, aconselhar-me-á,
enquanto adquiro uma coleção de arte ao nível da de Arundel19. Durante as noites, ensinar-lhe-ei tudo o que sei sobre a partilha do prazer.
Southwaite estava a provocá-la novamente. Era o mais provável. Emma não podia afirmar com toda a certeza qual era o estado de espírito do conde. Não se atrevia a
levá-lo a sério. Porém, fantasias das cidades e dos monumentos distantes teimavam em invadir-lhe a mente. A mulher que dera demasiado àquele homem queria acreditar
que ele também desejava que a fantasia se tornasse realidade. Ou, pelo menos, que o desejava naquela noite.
Darius pegou na mão de Emma e ergueu os dedos suaves em direção a um beijo.
– Não está interessada? É uma viagem excessivamente escandalosa para o seu gosto? – questionou o conde, levantando-se e guiando Emma, para que fizesse o mesmo. –
Então as minhas aulas terão de ser dadas aqui mesmo.
*
Assim que entraram no quarto, Emma puxou a mão, tentando libertá-la. Com a testa franzida, subiu para a cama e começou a remexer os lençóis e a coberta. Em seguida,
virou as almofadas ao contrário.
– Tem de estar aqui, algures – murmurou.
Emma procurava, novamente, a sua bolsa. Southwaite deitou-se de lado e deixou que ela realizasse a busca. A expressão de Emma, um pouco preocupada e muito determinada,
recordou-lhe que, frequentemente, os pensamentos privados daquela mulher incluíam considerações profundas, que se recusava a partilhar com ele.
Darius observara sinais dessas reflexões secretas em alguns dos momentos que haviam passado no quarto de vestir. Ponderações, que iam para além dos jogos de prazer,
tinham criado pequenas chamas na região mais recôndita dos olhos de Emma. Ela andara extremamente atarefada durante as últimas semanas e devia ser aliviada das suas
preocupações acerca da Fairbourne’s e do futuro, mesmo que somente por aquela noite, se tal alguma vez fosse possível.
O conde teve uma noção efémera de que o conteúdo daquela bolsa tinha uma importância maior para Emma do que ele calculara. Mas essa ideia não permaneceu durante
muito tempo na sua mente, porque o potencial erótico da posição assumida por Emma não podia ser ignorado.
Subitamente, Emma ficou imóvel, de gatas e, por sua vez, observou o conde. Aproximou-se dele, gatinhando, e inseriu uma das mãos sob as dobras do lençol, no local
onde Southwaite permanecia estirado. Puxou, com força, e ergueu a bolsa gorda no ar.
– Estava deitado sobre ela – acusou Emma.
– Pois estava.
Southwaite estendeu um dos braços e segurou a parte de trás da cabeça de Emma, puxando-a para a frente, com o intuito de a beijar.
– Não se mexa.
O conde tirou a bolsa da mão de Emma, virou-se e pendurou-a pelos cordões, numa protuberância existente aos pés da cama.
– Agora poderá encontrá-la, quando precisar dela.
Emma começou a sentar-se.
– Não. Fique como está.
Emma pareceu confusa. Darius colocou um dos braços sob o corpo dela, de modo a conseguir desapertar o roupão que a cobria. A peça de vestuário abriu-se, formando
pregas sedosas que pendiam desde as costas de Emma, oferecendo meros vislumbres do seu corpo. Posicionando o braço entre as mãos e os joelhos de Emma, debaixo da
seda, Southwaite esfregou suavemente as extremidades dos seios, que estavam pendurados, à sua disposição.
Emma fechou os olhos e o prazer transformou-a. Parecia sempre extraordinariamente bela, quando estava excitada. O conde conseguia ver como ela se concentrava nas
sensações e como reagia, de uma forma subtil, a tudo o que ele lhe fazia.
Darius deslocou as suas carícias para a coxa de Emma. Quando a mão do conde começou a subir pela superfície interna suave, originou uma tensão sensual esmagadora,
provocando fortes contrações, que atravessaram o corpo dela. Os lábios de Emma afastaram-se e a língua ficou situada entre ambos. A ponta carnuda era visível, contra
os dentes do maxilar superior, à medida que Emma tentava controlar-se.
A mão de Southwaite subiu ainda mais, para recordar a Emma que, naquele momento, ela não podia conter o que sentia. A sua própria excitação sexual tornou-o cruel.
O conde afagou Emma até a conduzir à beira do precipício, momento em que os sussurros ofegantes dela culminaram em gemidos por mais e súplicas por socorro.
Nesse instante, uma fome primitiva apoderou-se de Darius. O conde ajoelhou-se e colocou-se atrás de Emma, despindo o roupão que envergava. Emma olhou por cima do
seu próprio ombro, com as pálpebras quase cerradas. Os seus olhos revelavam confusão, no meio do brilho causado pelo torpor da paixão.
– Permaneça tal como está – ordenou o conde. – É assim que a quero. Mostrar-lhe-ei o que fazer.
Southwaite ergueu a seda que fluía sobre as ancas de Emma. Fê-lo lentamente, numa provocação dirigida a si próprio. O falo do conde dilatou ainda mais. Tornava-se
maior e mais duro, com cada centímetro adicional exposto pela remoção do tecido. A ação também afetou Emma, de tal modo que a sua postura vacilou. O conde exerceu
pressão nas costas de Emma, fazendo com que ela baixasse os ombros, até os braços e a cabeça ficarem pousados no lençol.
A nova posição causou a subida das ancas de Emma. Darius destapou-as completamente, deixando a seda deslizar-lhe pelas costas nuas. Em resposta, as nádegas de Emma
ergueram-se ainda mais, adquirindo uma forma redonda, extremamente erótica. Quanto mais o conde acariciava aqueles montes suaves, mais Emma se inclinava, num convite
ao seu toque e às suas investidas. Southwaite torturou-se, até não conseguir aguentar mais. O seu desejo crescia sem parar, ao mesmo tempo que o aroma de Emma lhe
preenchia a mente e os gritos dela ressoavam nos seus ouvidos. O conde adiou a penetração, até não se atrever a prolongar mais a espera, a fim de aumentar a intensidade
das sensações que viriam a seguir.
Finalmente, chegara o momento em que Darius não podia continuar a recusar o prazer supremo. Emma sibilou o seu consentimento, assim que sentiu a primeira pressão
junto aos lábios da sua vulva. Em seguida, assentiu mais uma vez, num gemido ruidoso, quando o conde a penetrou profundamente. Ao recuar, a perfeição da sensação
e a intensidade criada pelo aconchego delicioso do corpo de Emma quase levaram o conde a perder o controlo sobre si mesmo.
Após isso acontecer, Darius conteve-se muito pouco. Perdeu a consciência da maior parte do mundo real, com a exceção do corpo aveludado que o recebia, da maneira
como as nádegas de Emma se levantavam, oferecendo-se às suas investidas, e dos gritos femininos desesperados, ecoando pela noite dentro, até o clímax de Emma os
transformar num brado de êxtase.
– O que pensa que ela está a esconder?
A pergunta de Southwaite fora proferida em voz baixa, no meio da escuridão, como se o conde soubesse que Emma não estava a dormir. Permaneciam deitados onde tinham
caído, formando uma mistura confusa de membros e corpos cansados, excessivamente saciados para se mexerem. Emma experimentara um certo estado de torpor, mas nunca
perdera a consciência da presença de Darius.
– Quem?
– A minha irmã. Disse que ela provavelmente estava a esconder algo.
A hipótese mais plausível era um homem. Possivelmente um amante. Emma imaginou o conde a ficar irado com a possibilidade de um patife qualquer ter ousado seduzir
a sua irmã. Dadas as circunstâncias, seria extraordinariamente cómico e extremamente triste.
– Presumo que seja algo que a Lydia pensa que o Darius não aprovaria. Talvez outra amiga como a Cassandra.
– Talvez seja um homem que não obteria a minha aprovação – refutou ele.
A sua tentativa de iludir o conde fora em vão.
– Nesse caso, não aproveitaria ela todas as oportunidades sociais que surgissem, em vez de as evitar?
É impossível que se encontre com um homem pouco apropriado, se nunca sair de casa.
A menos que Lydia o conduzisse, sub-repticiamente, até aos aposentos dela e o alimentasse com carne de aves e champanhe, no seu quarto de vestir. Emma duvidava que
a irmã de Southwaite corresse um risco dessa dimensão, ou que os criados colaborassem, mas tinha de admitir a sua ignorância relativamente aos costumes da alta sociedade.
Aquele tipo de jogos amorosos até podia ser uma prática rotineira entre a aristocracia.
– Pondero que tenha razão – anuiu o conde, sonolento. – Ainda assim, é uma possibilidade que devo ter em conta.
Darius reajustou a posição de ambos, de modo a ficarem abraçados. A respiração do conde adquiriu uma satisfação profunda, típica das pessoas que estão a adormecer.
Emma deleitou-se com o contentamento terno que os unia. Foi uma indulgência breve, mas profunda, que não pôde negar a si mesma. Tentou mentir a si própria, afirmando
que aquela doçura poderia subsistir. Pelo menos, até a manhã chegar, se ela deixasse. Contudo, Emma sabia que não devia permanecer ali durante tanto tempo.
Reprimindo uma tristeza crescente, Emma tentou levantar o braço de Southwaite, que a envolvia.
– Tenho de ir embora.
– Dei instruções ao meu criado pessoal para bater à porta do quarto, quando fossem seis da manhã.
Tirá-la-ei daqui discretamente e regressará à sua casa sem ser vista.
– Não é a discrição, mas sim o dever, que me obriga a ir embora agora mesmo. Tenho tarefas a cumprir de manhã cedo. Não quero chegar a casa e ter de sair novamente,
logo de seguida.
O braço que a prendia não se mexeu. Porém, o outro braço do conde movimentou-se. Darius apoiou a cabeça na mão e observou Emma.
– Esses deveres distraem-na frequentemente, Emma. Consigo perceber isso nos seus olhos. Até mesmo durante esta noite comemorativa, Miss Fairbourne perdeu-se, por
vezes, numa reflexão profunda. Muito mais profunda do que seria expectável, se considerarmos que os seus deveres atuais estão terminados e as suas responsabilidades
presentes serão de fácil cumprimento.
Southwaite falara num tom especulativo, chegando mesmo a revelar alguma preocupação. Não houve qualquer acusação, mas Emma temeu, novamente, que o conde tivesse
adivinhado muito mais do que ela percebera.
Sentiu-se grata pelo facto de a maioria das velas esguias já ter ardido por completo. Duvidava que fosse capaz de esconder a surpresa que sentia, sob o escrutínio
penetrante de Darius.
– Precisa da minha ajuda para realizar algum desses deveres, Emma? Afinal de contas, somos sócios.
E, de qualquer modo, não poderia recusar-lhe auxílio.
A oferta tocou-a profundamente. Southwaite suspeitava de algo. Agora, Emma sabia-o. Porém, Darius estava a oferecer a sua assistência, numa tentativa de resolver
a situação. A voz e a influência de um conde poderiam contribuir muito mais do que as de qualquer outra pessoa para a resolução da maior parte dos problemas comuns.
Southwaite podia ter feito aquela oferta devido a um sentimento efémero, ou mesmo por obrigação, mas, independentemente das motivações subjacentes, articulara-a.
Emma recordaria para sempre que ele a considerara suficientemente importante para o fazer.
Pela segunda vez naquela noite, o impulso de lhe contar tudo quase tomou conta de Emma. O medo impediu-a de avançar. O medo e também o amor. Emma não desejava enredá-lo
em algo que ela própria não compreendia totalmente. Mesmo que conseguisse assegurar o regresso de Robert, poderiam surgir revelações embaraçosas a respeito do seu
pai e do seu irmão. E, presentemente, também estava envolvida. Não podia pedir a Darius que fechasse os olhos em relação a assuntos de natureza criminal, ou esperar
que ele o fizesse, por iniciativa própria.
Emma tentou que a sua voz soasse descontraída e até mesmo um pouco trocista. Esticou-se, para o beijar.
– Agradeço a sua oferta generosa, Southwaite. No entanto, a única coisa que viu foi a apreensão da filha de um comerciante relativamente à entrega do dinheiro que
se encontra sob a sua guarda. Um negócio inacabado é um grande fardo para pessoas como nós. Deixarei de me sentir preocupada assim que tiver dispersado o conteúdo
da minha bolsa e efetuado os pagamentos associados ao leilão.
O braço que segurava Emma ficou tenso e contraiu-se ligeiramente. Mas, logo de seguida, Darius ergueu-o, libertando-a.
– Pode ir, se tem de o fazer. Darei ordens para que a minha carruagem a leve de volta a casa.
19 Referência a Thomas Howard, conde de Arundel, conhecido por ter reunido, ao longo da sua vida, uma gigantesca coleção de obras de arte. (N. do T.)

 

 


CONTINUA