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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O PODER DA SEDUÇÃO / Olivia Gates
O PODER DA SEDUÇÃO / Olivia Gates

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio "SEBO"

 

 

 

 

   

Farah Beaumont não imagina que o futuro de Judar está suas mãos. Para garantir o direito ao trono de seu reino, o príncipe Shehab Aal Masood deve fazer dela sua noiva… de qualquer maneira. Nem que para isso tenha de esconder sua identidade e seduzi-la! Logo, porém ele descobre que Farah não é tão fira e materialista quanto pensava. E a sedução calculada de Shehab se transforma em uma paixão poderosa demais para controlar...

 

 

 

 

 

Estava acontecendo.

Shehab Hareth ben Essam Ed-Deen Aal Masood mal podia crer no que estava acontecendo.

Ya Ullah. Será que ele estava realmente em pé ali, no meio do salão cerimonial da cidadela de Bayt el Hekmah, que testemunhara todos os eventos reais importantes nos últimos 600 anos, vestido nos trajes cerimoniais que nun­ca pensara que fosse usar, os trajes negros da sucessão?

Sim. Estava realmente ali, assim como todos os mem­bros do Tribunal dos Anciãos, todos os membros da famí­lia real, todos os representantes das casas nobres. Todos os olhares estavam focados nele.

Ele bloqueava tudo, menos o irmão mais velho, Farooq, de pé ao seu lado, em seus próprios trajes cerimoniais, brancos, significando a transferência de poder, os olhos dourados lampejando sua tristeza, pedindo sua compre­ensão.

Shehab fechou os olhos uma vez, em reconhecimento e resposta. Tudo novamente explicado e sancionado pelo laço elementar que os unia desde seu nascimento.

Sim, Shehab compreendia. E aceitava. Farooq só esta­va fazendo isso porque era obrigado. Porque sabia que Shehab era capaz de carregar o fardo.

Então Farooq falou, a voz reverberando no salão gigan­tesco.

— O 'waleck badallan menni.

Eu lhe confio a sucessão em meu lugar.

Depois, o tio deles, o rei mal se agüentando no trono com o fardo de crises tanto físicas quanto políticas, trans­formou a intenção em realidade, numa voz devastada pela enfermidade e pelas preocupações.

— Wa ana ossaddek ala tanssebuk walley aahdi.

E eu o confirmo, nomeando-o meu herdeiro.

Shehab se curvou, apoiado em um joelho diante do ir­mão, estendendo as duas mãos, palmas para cima, para aceitar a espada da sucessão. No momento em que a arma pesada pousou em suas mãos, parecia que havia assumido o peso do mundo.

E havia. Havia assumido o peso do futuro de Judar.

Fechou os olhos, sentindo na carne o aço frio. Ya Ullah. Era real.

Dias antes, ele estivera cuidando de sua rnultibilionária empresa de TI, assegurando a posição de vanguarda de seu país na corrida tecnológica global. Dias atrás, o tro­no era um espectro inexistente, com um herdeiro em seu auge precedendo-o na linha de sucessão.

Então viera o hoje. Viera o agora.

Em lugar da liberdade para levar sua própria vida, surgia em seu futuro um poder inesperado. Uma responsabilida­de indescritível. E tudo isso exigira apenas dez palavras.

E agora ele era o príncipe herdeiro de Judar. O futuro rei de Judar.

Se restasse um Judar para ter um futuro rei. Se restasse um trono no qual sentar.

Já não se podia ter certeza de nenhum dos dois.

Não se ele não cumprisse os termos do pacto imposto pelos Aal Shalaans, a segunda tribo mais poderosa de Ju­dar, que formavam o grupo mais influente de Judar.

Não se ele não se casasse com uma mulher que nunca tinha visto.

 

                                         CAPÍTULO UM

Quente como o inferno, fria como a sepultura.

Shehab apertou os lábios, pensando nessa frase, exami­nando o mar de pessoas fantasiadas que transformavam o salão de baile num campo de batalha de excessos mate­riais e objetivos egoístas.

Ainda nenhum sinal da mulher a quem a frase se referia.

Quente como o inferno, fria como a sepultura.

Um homem tinha chegado a acrescentar: insaciável como a morte. Era uma senhora definição.

As descrições soavam como títulos. Como os que lhe pesavam desde que nascera. Sheik Aal Massod. Sua Alteza Real. E, agora, Sua Majestosa Eminência, o Príncipe Herdeiro.

Porém, segundo a opinião geral, os dela eram bem me­recidos.

E esperavam que ele se casasse com essa mulher.

Não. Não esperavam. Tinham certeza. Ele tinha de se casar com ela.

Retesou os músculos e rangeu os dentes.

Ya Ullah. Já devia estar conformado. Já fazia mais de um mês desde que soubera do destino a que teria de se submeter para salvaguardar o trono de Judar.

Às vezes, quase odiava Carmen.

Fora por causa do amor imenso de Farooq por sua es­posa que ele atirara o fardo para cima de Shehab.

Mesmo assim, Shehab teria suportado esse destino, que sempre considerara pior do que a morte, um casamento arranjado, se a noiva fosse alguém mais aceitável.

Mas Farah Beaumont, a filha ilegítima do rei Atef Aal Shalaan, rei de Zohayd, não era aceitável.

Não por ser ilegítima. E não por ter se recusado a reco­nhecer sua herança ou ser um instrumento de paz. Não era responsável por seu nascimento. E talvez fosse incapaz de lidar com as revelações sobre o passado e os problemas que isso lhe acarretaria no futuro.

Mas não fora por isso que Farah Beaumont, cuja mãe espertamente lhe dera um nome árabe popular no Ociden­te, rejeitara o pai e pudera se dar ao luxo de se recusar a ser princesa. A verdadeira razão é que a fazia tão repulsiva.

Tinha sido adotada pelo multimilionário francês com quem a mãe se casara. Depois, quando a fortuna dele fora perdida após sua morte, Farah lutara para voltar ao topo. Tinha chegado lá ao se tomar o braço direito e a amante do influente Bill Hanson, um homem casado e com idade bastante para ser seu avô.

De acordo com todos, Farah era uma mulher fria, pro­míscua e com sérios problemas psicológicos.

Também era crucial para a paz de uma região inteira, mas tinha se recusado abertamente a cumprir seu dever.

Agora, ele tinha seu próprio dever. Pulverizar a recusa dela.

Em vez de evitar muita atenção ao se vestir como um guerreiro tuaregue, Shehab estava atraindo todos os olha­res. Pelo menos mantinha o anonimato. Não podia se ar­riscar a ser reconhecido. Daí o baile de máscaras.

Ele exalou forte, liberando um pouco de tensão por trás do véu-turbante que cobria a cabeça e o rosto do nariz para baixo.

Evitava contato com todos que se aproximavam, pois estava ali, naquele baile que ele mesmo patrocinara, para atrair a atenção de uma única pessoa: Farah Beaumont. Agora, era só a maldita mulher aparecer. Subitamente, algo lhe fervilhou na nuca. Tenso, ele procurou a origem da perturbação. Vinha das enormes portas do salão, a uns 3m de distância. Ele se virou com indiferença.

No instante seguinte, tudo desacelerou. Seu corpo. Seu coração. Até o mundo, antes de desaparecer. Nada per­manecia senão a criatura emoldurada na entrada, envolta num vestido de todos os tons de verde, saída diretamente dos contos de fadas de seu reino. Uma pintura de fantasia que ganhara vida. Era... ela!

Ele pestanejou, como se saísse de uma hipnose. O que estava pensando? Claro que era ela. Ele tinha muitas fotos dela, inclusive abraçada com seu marido rico, alardeando a natureza do relacionamento deles. Conhecia a aparência dela nos mínimos detalhes.

Porém, a realidade superava de longe a imagem que as fotos haviam criado.

Nenhuma chegara nem perto de mostrar as centenas de tons daquele cabelo cor de bronze. Nenhuma havia sido fiel à riqueza cremosa daquela pele. Nenhuma mostrara a cor e a profundidade daqueles olhos. Mes­mo de longe, eles rivalizavam com os campos verdes e as praias esmeralda de sua ilha. E as feições dela não lembravam as de ninguém; tinham uma individualidade única.

Ele só podia descrevê-la como... de tirar o fôlego.

Pestanejou novamente. Em que está pensando, seu tolo? Ela é uma criatura egoísta e ambiciosa num corpo de sereia... que ela vende a quem der mais.

Ele a observou atravessando o salão, atraindo todos os olhares, mas ela própria não notando ninguém.

Sim, lá estava a célebre frieza.

No entanto... talvez não.

Não era orgulho que ele notava. Era algo que ele reco­nhecia muito bem. O desejo profundo de solidão, o hor­ror de ser o centro das atenções, sabendo que estava para sempre condenado a sê-lo...

Lá ia ele novamente. Atribuindo não só características humanas, mas profundamente pessoais, a uma mulher que não se importava de se eximir enquanto um reino próspe­ro se afundava no caos.

Chega. Era hora de botar as coisas em andamento.

Fez um sinal para os garçons.

Moveu-se para interceptá-la com passos largos e re­laxados que demonstravam sua intenção de passar por ela a caminho das portas envidraçadas que levavam ao terraço.

A cinco passos de onde se encontrariam, ele lançou um olhar abrangente, sem intenção de parar nela. No instante seguinte, suas intenções se dissiparam, juntamente com os pensamentos, e seu olhar se prendeu ao dela com a voracidade e a obstinação de tudo que havia de masculino nele.

E'lal jaheem! Aos diabos com isso! O que fazia, se des­viando do plano?

Seus olhos se prendiam aos dela, ignorando sua fúria ante tal perda de controle sem precedentes. Depois, no auge da frustração, ele viu. Refletido na profundidade da­queles olhos que pareciam jóias.

Percepção. Uma percepção espantada, como a dele, mas mais intensa por ela ter sido pega de surpresa.

Ele foi tomado por uma prazeirosa satisfação.

Então a Rainha do Gelo não era imune a ele, hein?

Com aquela reputação, temera que ela fosse a exceção, forçando-o a se esforçar para chamar e manter sua aten­ção. Parecia que ela simplesmente ainda não havia encon­trado um homem que fizesse jus a isso.

Mas agora o encontrara.

Então, talvez ela cedesse se descobrisse que era ele o seu pretendente, que trocaria um magnata bilionário por outro que podia lhe satisfazer todos os desejos na cama, coisa que seu amante idoso certamente não fazia.

Que idéia! Por mais magnífica que ela fosse como mu­lher, era imoral e sem coração. Ele só a manteria na cama tempo suficiente para ela conceber o vital herdeiro.

Baseado no que sabia sobre ela, ele presumia que sua recusa era por não querer perder sua total liberdade. Num casamento de Estado, ela seria monitorada o tempo todo. Um marido jovem, que a manteria na linha e na cama, tinha de ser evitado a qualquer custo.

Não. Revelar sua identidade a uma negociante tão im­piedosa quanto ele mesmo não daria certo.

Tinha de seguir seu plano original.

Seus olhos haviam permanecido fixos nos dela enquan­to pensava em tudo isso.

E agora ele tinha certeza. Nunca vira uma confissão tão evidente de desejo instantâneo nos olhos de uma mulher. Lutou para evitar que seu próprio desejo transparecesse nos olhos. Uma presunção ardente e triunfante cresceu nele ao vê-la estacar diante de sua aproximação.

Então, os dois cúmplices de Shehab colidiram com eles.

 

Farah Beaumont ardia de constrangimento. Todos os olhos no salão opulento e lotado tinham se virado à sua entrada, os sussurros se elevando acima da orquestra, como o sibilar de mil cobras.

Ela se sentia como se tivesse entrado numa cova de serpentes... Porém, havia se exposto a esse veneno ao concordar em passar por amante de Bill. Às vezes, os propósitos deles ao combinarem essa farsa não pareciam valer a pena. Mas só às vezes. Havia encontrado a paz desde que Bill se tornara seu escudo, e ela, o troco que ele dava à esposa adúltera. Seus predadores agora eram os fofoqueiros. Os sedutores e exploradores mantinham-se a distância. Onde ela esperava que permanecessem hoje, já que estava sozinha.

Maldito Bill, que insistira em que ela chegasse ao baile antes dele. Como se ele pudesse resolver a catástrofe ines­perada que se abatera sobre sua mais recente negociação multibilionária a tempo de se encontrar com ela.

Mas ele achara indispensável que ela o representasse. Deus o livrasse de ofender o anfitrião, um magnata miste­rioso do Oriente Médio que surgira de repente no cenário financeiro mundial. E, além disso, Bill estava louco para conhecer o sujeito. Estava convencido de que o magnata apareceria dessa vez.

Ela achava que não. Ele manipulava a imprensa e as altas rodas financeiras com maestria, e ainda preparava manobras que mudariam os rumos da economia de regi­ões inteiras. Farah achava que ele só apareceria depois de realizar completamente o que planejava. Talvez nem mesmo depois disso.

Um sábio. Quem, em seu juízo perfeito, desperdiçaria a bênção do anonimato? Que tipo de alma doente almejava tal exposição?

Ora! Ela estava na presença de cerca de duas mil de tais almas.

Isso ainda teria sido suportável se Bill não tivesse insis­tido que ela usasse aquela fantasia idiota.

Em alguém que só se sentia bem de calça comprida casual e saltos baixos, aquela roupa de Sherazade passava uma imagem inteiramente falsa.

Depois, ao dar os primeiros passos naquele mar de es­peculação, desejando que o chão a engolisse, um par de laseres a atingiu.

Certo. Alerta de exagero. Os tais laseres eram apenas olhos. Os olhos negros de um homem.

Mas não era exagero. Ela sentia que os olhos a queima­vam... Opa. Olhe para o outro lado, idiota!

Mas ela não conseguia se libertar do cativeiro daqueles olhos para ver o dono deles. Só teve uma impressão de dureza, poder, altura... e virilidade pura e absoluta.

Seu corpo ardia e o coração lhe martelava no peito.

Pelo amor de Deus! Ela nunca se sentia assim, nunca. Nem tinha pensamentos censuráveis.

Porém, agora, sua imaginação fervilhava com imagens de uma virilidade rija apertando-se contra ela, de uma respiração ardente queimando-lhe os lábios, o pescoço, e mais abaixo...

Seus músculos se contraíram, e o suor cobriu-lhe as mãos e os pés, escorrendo entre seus seios...

De repente, algo a atingiu no ombro, fazendo com que o seu corpo ficasse todo encharcado.

Ao parar de repente, o homem parara também. E dois garçons com bandejas carregadas de champanhe tinham colidido com eles.

Ela via, horrorizada, dúzias de taças se derramarem so­bre ela. Depois, as taças se espatifaram no chão.

A música obscurecia o barulho do cristal se quebrando, enquanto as pessoas à sua volta os olhavam, paralisadas. Então, a música cessou.

No silêncio repentino, houve uma explosão de descul­pas dos garçons e de perguntas de quem os cercava, com dúzias de mãos enxugando sua roupa.

Desorientada pela quantidade de pessoas que a cerca­vam, ela disse:

— Está tudo bem... obrigada... só... obrigada. — Suas palavras de nada adiantaram, e seis homens, in­clusive os garçons, insistiam em ajudá-la. Sentindo seu desconforto quando a multidão começar a beirar a fobia, ela se virou para a única presença que não invadia seu espaço pessoal. O homem. Dessa vez, o ardor de seu olhar era bem-vindo, um refúgio.

Compreendendo seu apelo mudo, ele se interpôs entre ela os que a ajudavam, afastando-os com o corpo e um gesto imperioso da mão, que os tirou rapidamente de seu campo de visão. Depois, ele se virou para ela.

Ela desviou os olhos dessa vez, sentindo o calor, que tinha sido amainado pelo choque e pelo champanhe, sur­gindo em seu rosto novamente.

Não podia estar corando. Não corava desde os 16. Mas estava.

Ótimo. Aquele homem estava ressuscitando nela toda a tolice que ela pensara ter enterrado com o pai... que des­cobrira não ser seu pai verdadeiro, embora continuasse a considerá-lo como tal. E a morte dele, fazia mais de dez anos, a forçara a amadurecer da noite para o dia...

Ora, quem ela estava enganando? Tinha amadurecido apenas em alguns aspectos. Tinha se tornado perita em erguer barreiras e abrir caminho à força nos confrontos que faziam parte da vida social.

Naquele momento, não havia barreira ou força que ser­visse, e ela estava ali, encharcada, corada e sentindo-se completamente tola.

Como em resposta a sua aflição, o homem lhe deu guardanapos e a protegeu de olhares curiosos enquanto ela se enxugava.

Quando ele julgou que ela havia feito o que era possí­vel, tomou-lhe os guardanapos da mão e os empilhou nas bandejas dos garçons, que ainda se desculpavam. Depois, num gesto gracioso que era, ao mesmo tempo, comando e cortesia, ele lhe fez sinal para que o precedesse na di­reção em que ele seguia antes de ela provocar a chuva de champanhe.

Ela não precisou de um segundo convite, apressando-se para as portas envidraçadas abertas.

Ao saírem para a noite, acordes de violinos os segui­ram através do imenso terraço. Perdida naqueles instantes cinematográficos, ela respirou aliviada. Tinha conseguido sair sem tropeçar nos malditos saltos altos e cair de cara no chão.

Ela o sentia dois passos atrás dela, sua aura aumentada, agora que não era diluída por outras pessoas.

Sentindo-se como uma garota de 10 anos que acabara de fazer papel de idiota diante da única pessoa que queria impressionar, ela disse, sem pensar:

— Puxa, isso era realmente necessário.

Um sorriso se entremeava na voz dele por trás do véu.

— O ar fresco da noite? Fugir dos admiradores solíci­tos demais?

Britânico. Seu sotaque. Muito educado, profundamente culto, cheio de classe e controle. E com uma inflexão que não era propriamente inglesa, mas complexa demais para identificar. Ele soava exatamente como parecia. Exótico, superior è temível.

Não que ela soubesse como ele se parecia. Depois da primeira olhadela, não tinha se arriscado a olhar de novo. Provavelmente só o olharia quando ele resolvesse voltar para sua acompanhante.

Homens como ele sempre tinham acompanhantes.

Ela suspirou.

— Na verdade, me referia ao banho de champanhe.

Droga. E ele saberia que ela não estava brincando. Ela devia calar a boca até ele se retirar. Tinha de se lembrar que era uma pária por um motivo. Nunca aprendera a arte da conversação, nem tinha uma nação das convenções so­ciais. Sempre que dizia abertamente o que pensava, granjeando críticas ou inimigos.

Torcendo as saias e tirando os sapatos para secá-los, ela sentia que confirmava a suspeita dele de ter trope­çado na palhaça da festa. E daí? O que lhe importava a opinião dele?

Subitamente, nada parecia importar, quando ruídos graves se fizeram ouvir, harmonizando com um violonce­lo, ambos masculinos, envolvendo-a numa onda de calor e... bem-estar?

Uau! Ele estava rindo. E não dela. Com ela. Percebia isso pela exuberância recíproca que crescia em si mesma.

Ela o sentiu se recostando na balaustrada e olhando-a, e tremeu com o divertimento que havia na voz dele.

— Então, gostou de se refrescar, mesmo ao preço de enfrentar o baile molhada, grudenta, num vestido arruina­do e descalça?

Ela deu um sorriso autodepreciativo.

— Do jeito que estava suando, esse seria o meu des­tino de qualquer jeito. Foi um alívio apressar o final inevitável.

— Posso indagar por que uma borboleta que parece tão calma estava suando baldes num salão de baile perfeita­mente refrigerado?

Borboleta? Com 1,65m de altura e pesando 63kg, ela não era propriamente uma borboleta. E com aspecto cal­mo? Será que ele a estava provocando?

Depois, abriu a boca.

— Você pertence a alguma espécie diferente? Perfeita­mente refrigerado? Não de acordo com o meu termostato. Entrei no salão e quase fui derrubada por milhares de pes­soas emitindo calor corporal e autoimportância, e depois você me deu aquele olhar e eu quase entrei em combustão espontânea...

Cale-se. Cale essa boca!

Isso era pior que sua franqueza habitual. Esse homem a perturbava. Desequilibrava.

Ela apertou os dentes, esperando a reação dele, espe­rando que ele caísse na gargalhada. Ou tirasse vantagem da sua confissão, passando-lhe uma cantada.

— Então, foi por isso que gostou do banho frio! — E agora viria o deboche ou a cantada. — Obrigado.

Como? Pelo quê ele agradecia?

Sua humilhação se evaporou enquanto ele continuava, com algo que já não era divertimento... seria espanto?... colorindo sua voz.

— Obrigado por me dar a deixa para lhe dizer como você alterou a minha temperatura quando fixou esses olhos em mim.

Então, ele a tocou, um polegar traçando uma pálpebra fechada, depois um dedo sob seu queixo, persuadindo-a a levantar o rosto.

Depois, ele disse asperamente:

— Faça-o de novo.

Ela ergueu os olhos sem querer. E o impacto foi ainda maior desta vez. Ao luar, o branco dos olhos dele brilha­vam como prata, e as íris, em contraste, pareciam um bu­raco negro que a sugava inteira.

Depois, ele começou a se desembaraçar do véu que obscurecia seu rosto com movimentos lentos, hipnóticos. Finalmente, ele parou, deixando as mãos caírem para os lados, parecendo tão perturbado quanto ela.

— Olhe para mim. Todo — ele sussurrou.

Seu pedido/comando desmanchou o encantamento que prendia os olhos dela aos seus, e ela obedeceu, fitando-o por inteiro, absorvendo tudo sobre ele com a mesma voraci­dade com que o vestido se havia embebido de champanhe.

E ele era magnífico. Mais do que isso.

Já fazia muito tempo que ela não acreditava que um dia encontraria o amor e a paixão numa pessoa feita para ela, e ela para ele. Mas, naquele momento, ela teve uma vaga, impossível, visão dessa pessoa. Aquele homem ultrapas­sava tudo que ela jamais imaginara.

Alto, moreno e bonito, é claro. Muito mais alto do que ela, com um corpo poderoso, que caberia com perfeição numa roupa de super-herói.

E era bonito além da conta. Ela não era dada à poesia. Seu forte eram os números e as finanças. Mas aquele ros­to, assimétrico e marcado pelas intempéries, era digno de sonetos e quadros em museus.

E, mais do que isso, era um homem cuja mente era tão afiada quanto as maçãs de seu rosto.

Tudo bem. Havia algo de errado com ela.

Seria possível ter absorvido as dúzias de taças de cham­panhe pela pele?

Ela disse, sem pensar:

— Meu Deus, como você é lindo.

Agora, era só esperar que ele sacudisse a cabeça e se afastasse, ou então aceitasse o convite que devia pensar que ela oferecia descaradamente.

Quando nada disso aconteceu, e ele apenas continuava a observá-la, ela finalmente explodiu.

— Faça como eu, está bem? Diga logo o que está pen­sando e siga o seu caminho.

 

Shehab a fitava. Isso era completamente inesperado.

Ela era... uma surpresa. Um choque.

A mulher que os relatos e as fotos pintavam em deta­lhes tão claros e cruéis não se encontrava ali. Esta mulher destruía todos os preconceitos dele com cada movimento que fazia, cada palavra que dizia. Era completamente diferente de tudo que ele imaginara.

Ou, então, era a melhor atriz do mundo.

Nada disso, porém, importava.

Anjo ou demônio, sua missão continuava a mesma.

Mas outra coisa tinha mudado.

Até pôr os olhos nela, tinha imaginado toda a aversão que sentiria por ela.

Agora, porém, o que ele considerara uma tarefa repug­nante parecia-lhe uma indulgência decadente. Agora, ele mal podia esperar para dar tudo de si para seduzi-la.

E capturá-la.

 

Ela estava indo embora.

Ele a fitara por tempo demais, e ela se cansara. Ou se zangou. Dizendo algo que parecia um palavrão, ela se abai­xou para pegar os sapatos. Segurando as saias com uma das mãos, ela pulou num pé só para se calçar. Assim que calçasse o outro pé, ele sabia que ela iria embora.

Ele se pôs no caminho dela, segurando seus pulsos levemente.

Tirou o sapato da sua mão e depois, prendendo o seu olhar, ele se abaixou diante dela e, guiando para cima a mão com que ela segurava as saias, num movimento lento, roçando a perna dela com camadas de tule e chiffon, levou-a até o meio da coxa.

Os joelhos dela se dobraram momentaneamente. Com outro toque leve, ele encostou as costas dela na balaustrada. Só então ele afastou o olhar, deixando-o seguir para baixo. Os dedos os seguiram, trilhando um caminho lento e suave sobre a firmeza de sua perna. Quando chegaram a seu pé descalço, eles pausaram por um longo momento. Depois se envolveram.

Ela ofegou com um som ardente e agudo.

Alguém ao fundo deu um grito lascivo. Ele mal o re­gistrou. Só conseguia se focar na respiração forçada dela, dele, abafando o barulho que vinha do salão. Ele mordeu os lábios para controlar a excitação crescente, saborean­do o primeiro contato verdadeiro, maravilhando-se com a delicadeza daquele pé.

Traçou cada dedo até as unhas perfeitas e sem esmalte, depois deu um empurrão persuasivo na perna dela, do­brou-lhe o joelho e levantou-lhe o pé até apoiá-lo no om­bro. Ela agora tremia, cada tremor fluindo para o corpo dele pelo contato.

Assim, ajoelhado diante dela, sentindo-a sob seu poder, ele resolveu que era hora de lhe responder.

— Quer saber o que eu estava pensando? Estava pen­sando que a palavra linda foi criada para você. Estava pensando que você é que pertence a uma espécie diferen­te. Você me envergonha.

— É mesmo? — ela perguntou. Depois, deu um salto. — Escute, eu... eu disse umas coisas embaraçosas... mais ainda do que as besteiras que geralmente saem da minha boca. Então... então desculpa, está bem? Esquece e... — O resto ficou abafado enquanto ela tentava soltar o pé.

Ele apenas abaixou-lhe o pé até a altura do coração e o apertou ali, bem de leve.

— Não se desculpe. Nunca se desculpe. Você não me entendeu. Você me envergonha com sua franqueza. E como eu poderia esquecer o que você disse? Quando não quero me esquecer nunca? Nunca conheci uma mulher, ou ninguém, mais deliciosamente sincera.

— Deliciosamente? Não quer dizer dolorosamente? Pelo menos, é doloroso para mim... ou mais ainda para mim desta vez...

Ele nunca tinha visto antes emoções invadindo tão visi­velmente uma pele perfeita assim. Observou o rubor se es­palhando ao luar. Seu próprio sangue invadiu-lhe a cabeça e a virilha. Ele ergueu o pé dela e lutou contra o impulso de beijá-lo, de sugar-lhe os dedos. Reprimiu o impulso e cal­çou-lhe o sapato novamente com os dedos trêmulos. Teve de se controlar para não se levantar e esmagar essa mulher deliciosa nos braços.

Contentou-se com um lábio roçado em sua perna, e de­pois deixou a saia dela cair sobre a pele cremosa, e colo­cou-lhe o pé no chão.

— Por que devo magoá-la, minha Cinderela? Você me fez um favor.

Ela cambaleou, e se agarrou nele com mais força.

— Favor?

Ele se ergueu lentamente, prolongando o momento, deixando-a sentir seu desejo reprimido, sem tocá-la.

— Enorme. Desde o momento cm que pus os olhos em você, fiquei imaginando como poderia me aproximar sem parecer predatório. Depois, imaginei se seria sensato dizer-lhe como gostei do banho de champanhe e da chance que isso me deu de estar com você. E procurava um jeito de lhe dizer como você me fez sentir sem ofendê-la nem assustá-la. E aqui está você, me dizendo que nenhuma manobra era necessária. Não quando o que sentimos é mútuo.

Ela sacudiu a cabeça.

— É mesmo? Mas... mas eu nem sei como me sinto.

Ele tocou numa mecha bronzeada perto do seio dela.

— Por que não descreve para mim?

— Eu... já lhe disse. Você... você me faz sentir confusa e desajeitada.

— E quente — ele completou, cada vez mais satisfeito.

— É, isso também... — Ela parou e gemeu. — Não sei por que estou lhe dizendo isso... fora a minha incontinência verbal... quando não se trata de negócios. — Ela parou de novo, depois continuou. — Isso é ridículo. Deve ser a lua cheia... ou o champanhe. Não sou tão socialmente in­competente.

Ele se aproximou mais, aproveitando sua vantagem.

— Isso não é social. Isso somos eu e você. A lua não tem nada a ver com essa magia entre nós, nem o cham­panhe.

— É. Talvez seja uma bebedeira só das borbulhas do champanhe.

Ele teve de rir.

— Bebedeira, claro! Você só está procurando uma ra­zão absurda, quando você mesma está aqui, uma visão de um conto de fadas que fica dizendo coisas espantosas.

— Uma visão? A palavra de que precisa é uma figura. E ele sentiu, espantado, que ela estava sendo sincera.

— Uma visão. Ainda mais potente por ser real. E você acha o mesmo de mim.

Ela concordou, sem hesitar. Depois, apertou os olhos e gemeu. Seria possível que esta persona, a que não tinha um pingo de astúcia feminina, fosse verdadeira?

Ela ecoou o ceticismo dele.

— Mas como isso pode ser verdadeiro? O que é isso, afinal?

— Você sabe o que é. Algo que você pensou que jamais experimentaria. Algo que eu certamente não acreditava que existisse. Atração imediata. Completa e absoluta.

Os olhos dela se encheram de assentimento e confusão.

De repente, seu olhar vacilante se libertou do dele.

Ele o arrastou de volta com um toque que não admitia resistência. Ela não ia dispensá-lo como fizera com o des­tino de duas nações.

Ele diminuiu a distância entre eles até estar quase pressionar seu corpo contra o dela. Insistiu.

— Não tente fugir da verdade. Aceite-a.

— Como posso? Nem sabemos o nome um do outro.

Ótimo. Ela havia abordado o assunto da troca de detalhes pessoais. Era hora de apresentá-la ao alterego que ele criara.

— Isso é fácil de consertar. — Ele puxou-lhe a mão e levou-a aos lábios.

— Meu nome é Shehab Aal Ajman. — Ele deu um beijo ardente no meio de sua palma. — Agora, basta você me dizer o seu nome, yaljameelati.

Ela arregalou os olhos ao puxar a mão.

— Isso é árabe?

— É... minha bela.

— Oh... oh! — Seus olhos se arregalaram ainda mais. — Você é ele? O sheik Shehab Aal Ajman? Mas não pode ser.

— Asseguro-lhe que posso. — Ele sorriu, satisfeito. — Então conhece o meu nome. Quer melhor prova de que isso é o destino?

 

A mente de Farah fervilhava. Mas, atônita ou não, essa afirmação incitou-a a contradizê-lo.

— Oh, não. Não tem nada a ver com o destino. Como eu poderia não saber do capitalista de risco que vem aba­lando o mundo financeiro? No meu trabalho, sei de todos que fazem ondas, e você tem feito tsunamis. Dê-me licen­ça enquanto eu luto com as minhas concepções errôneas. Tinha uma imagem na minha cabeça, que agora, diante da realidade, parece hilária.

— E qual foi a imagem que meu nome e minha reputa­ção criaram na sua imaginação?

— Uma figura repulsiva vestida como um beduíno, com uma voz nasal e aguda e um sotaque doloroso, rescendendo a almíscar...

Por favor, alguém me amordace e me dê um sedativo...

Mas, maravilha das maravilhas, em vez de parecer ofendido, Shehab parecia até mais divertido.

— Falou em trabalho. Você trabalha?

Ela ergueu uma sobrancelha, pronta para brigar.

— E. Trabalho. Na verdade, é praticamente só o que faço. E a razão por trás dessa incredulidade condescen­dente seria...?

— Vendo-a neste vestido digno da concubina principal do harém de um sultão, minha Sherazade, é difícil acredi­tar que você seja mais do que um bibelô mimado de um homem de sorte.

Ela se sentiu humilhada. Quando estava prestes a fa­zer uma réplica contundente, percebeu o que ele estava fazendo.

— Oh... você está... Oh! Está bem... touché — ela res­mungou. — Eu merecia isso.

O sorriso dele era indulgente.

— Merecia mesmo. — Enrolou uma mecha de cabelo dela em volta do dedo. — Então, que trabalho é esse que domina a vida desta sereia vibrante?

Ela fingiu olhar em volta.

— Sereia? Onde? Cara, este vestido está projetando uma imagem falsa. Longe de ser uma sereia, tenho um emprego que exige tudo, menos algo parecido com uma sereia. Sou a consultora financeira chefe da Global View Finance de Bill Hanson.

As sobrancelhas dele se ergueram ligeiramente. Estava impressionado? Não? O quê?

— Parece que acha a posição... deficiente. Por que continua?

Ela deu de ombros.

— Não sei fazer outra coisa. Meu pai, ah, adotivo, como vim a saber, habitava o mundo das altas finanças, e me criou para viver lá. Depois que ele morreu, era ain­da mais imperativo que eu seguisse os passos dele. Mas, quando eu tinha idade bastante para assumir a empresa dele, já não restava mais nada. Então, tenho sorte de ter conseguido essa posição. Nunca pensei se gosto ou não, só faço o melhor possível.

Algo lampejou nos olhos dele. Sumiu logo, mas ela se apressou a acrescentar:

— Escute. Aquilo que disse há pouco. Foi um monte de lixo preconceituoso. Então, me desculpe, não só por ter pensado assim, mas por ter falado...

Ele ergueu a mão para silenciá-la, roçando os dedos sensualmente em seus lábios.

— O que lhe falei sobre desculpar-se? Nunca, jamais, ya helweti.

Ela abaixou o olhar para aquela mão perfeita e forte, e imaginou-se afagando aqueles dedos, sugando-os. E, como se não bastasse seu toque, havia as palavras es­trangeiras...

Seu sangue fervilhou.

— Outro termo carinhoso?

Ótimo. Ela parecia um peixe pulando do aquário. Ele fez que sim, num gesto cheio de ardor e tentação.

— Meu doce. E você é incrivelmente doce, cada pa­lavra que diz. Estou louco para saber se é doce por intei­ro. — Ele de repente se endireitou e deixou-a senti-lo, embora só em leves toques, por todo o corpo. Parecia ser apenas o campo magnético dele que a mantinha de pé. — Mas ainda não me disse seu nome. Preciso sabê-lo! Preciso murmurá-lo contra os seus lábios, provar seu néctar, me drogar com ele como me drogo com você. Diga-me.

Ela tentou achar a voz, o nome, mas não conseguia. Não via nada senão os olhos dele, os lábios, e não queria nada senão que ele cumprisse sua promessa, que a sabore­asse, possuísse, devorasse.

Mas ele esperava, insistindo em saber seu nome antes de cumprir as promessas.

Ela arfou:

— Farah...

Ele respirou fundo.

— Farah. Um nome árabe. Isso é o destino. E seus pais Sabiam exatamente o que você seria. Alegria.

Ela sempre fizera pouco do significado de seu nome.

Fora alguns episódios de contentamento em companhia do pai ultraocupado, nunca sentira nada parecido com alegria.        

Riu tremulamente.

— Não de acordo com a minha mãe. Eu certamente não fui a alegria dela.

— Claro que foi. Como não seria?

— Para responder, preciso fazer referência ao que ela disse.

Ele franziu a testa.

— Ela realmente lhe disse que você não era a alegria dela? Que mãe diz isso a um filho?

— Uma mãe cuja vida foi mais complicada do que eu imaginava ser possível. Acho que eu lhe lembrava de meu verdadeiro pai. Não era uma fonte de pensamentos felizes.

Ele lhe tocou a face. Será que a mão dele estava em fogo? Ela apertou o rosto contra aquela palma, querendo se queimar. Depois, a mão foi para sua nuca, levantando-lhe a cabeça.

— Ela não tinha o direito de envenenar-lhe a vida, nem de virá-la contra seu pai biológico.

— Oh, ela nunca disse nada assim. É minha própria conclusão. Ela sempre foi melancólica e taciturna. Quan­do eu soube do meu pai verdadeiro, fez sentido. Ela o amava loucamente, parece, e nunca mais foi a mesma de­pois de perdê-lo.

Durante um longo momento, ele a fitou, o rosto uma máscara inexpressiva.

— Então, não sente nenhuma amargura quanto a ela? Ou quanto ao seu pai verdadeiro, por magoá-la, tornan­do-a menos perfeita e carinhosa do que você merecia ter?

— Não sou dada a amarguras. De que adianta?

— De fato. Então, não só uma sereia, mas uma sereia em seu juízo perfeito.

Ela riu. Juízo perfeito? Não depois de dar com os olhos nele.

— Seu pai verdadeiro ainda está vivo? Sabe quem ele é?

— Sim, para ambas as perguntas. Descobri faz um mês. E, devo dizer, foi como embarcar numa montanha russa.

— Pode explicar?

— Ah... prefiro mudar de assunto. Para mim, foi o mesmo que senti quando arranquei a pele numa cerca de arame farpado. — E não estava exagerando. Seu mundo caíra quando a mãe lhe revelara que François Beaumont não era seu pai. Depois, o pai recém-descoberto, o rei Atef de Zohayd, mostrara-se felicíssimo por descobri-la, ansioso para conhecê-la. Ela se vira gostando dele, curiosa por estar com ele. Tivera medo de estar traindo a memória do pai adotivo. Mas o rei Atef a convencera de que não estava. Depois, viera para conhecê-la e lançara-lhe outra bomba. Precisava que ela se casasse com um príncipe de um reino vizinho, como parte de um pacto político.

E ela percebera que fora tudo uma farsa. Ele era apenas outro homem fingindo emoções que não sentia, dizendo qualquer coisa que fosse preciso para convencê-la a con­cordar com os seus planos. Ela o repelira, e esperava que ele a deixasse em paz.

Shehab correu um dedo por seu braço, tirando-a de seus devaneios opressivos antes que ela derramasse lágri­mas de dor e culpa.

— Doeu tanto assim?

— Na verdade, arrancar a minha pele doeu menos.

Os olhos dele lampejaram.

— Como? Onde?

— Fala do ferimento? Ah, eu estava tentando passar de­baixo de uma cerca numa das fazendas do meu pai quando fiquei presa no arame farpado. Tinha 11 anos.

— Onde?

— Nas... nas costas. — Conseguiu não mencionar o outro, na nádega esquerda, quando lutava para se soltar.

— Mostre-me.

Não era um pedido. Era uma exigência que ela nem pensou em negar. Fechou os olhos e virou de costas.

E as mãos dele estavam nela. Afastando os cabelos que lhe caíam pelas costas, expondo o decote de trás do vestido.

As mãos dele roçaram sua pele em busca da cicatriz. Ela ficou muda, incapaz de dizer que não era ali. Nem precisava. Ele abaixou o zíper, e isso quase a fez desabar.

Ele passou dedos cálidos e experientes pela sua espinha até achar a cicatriz ligeiramente elevada acima do cóccix. Ela, então, desabou sobre a balaustrada, tomada pelas sensações. Ele traçou o contorno, e o tecido se alter­nando entre dormência e um fogo doloroso. Cada carícia provocava um raio de sensação pelo seu corpo.

— Ainda dói? — Os dedos subiam e desciam ao ritmo das palavras, mudando a direção da corrente elétrica que a percorria, até ela quase desmaiar. Ela só podia sacudir a cabeça. Tremer. — Diga-me que nunca mais vai se ma­chucar novamente. — Ele espalmou a cicatriz, num gesto que era mais perturbador do que a lascívia. Preocupação, proteção. O que apenas tinha sentido partindo do pai e de Bill. E partindo dele...

Sacudiu a cabeça novamente, e ouviu um ronco satis­feito no peito dele antes de ele fechar o zíper novamente. Depois, ele agarrou-lhe a cintura, virou-a para si e caiu sobre ela com sua aura e seu desejo.

E ela não conseguia se mexer. Não conseguia respirar. Ficou imóvel, esperando que ele a saboreasse pela pri­meira vez,

Mas ele não fez isso. Os lábios apenas se aproximaram do seu rosto afogueado para sussurrar:

— Ya ajmal makheloogah ra 'ayta 'há, ó, criatura mais bela que já vi, dance comigo.

Dançar? Dançar? Era só isso que ele queria?

Ela, porém, queria mais. Ele tinha razão. Ela nunca imaginara que pudesse sentir algo assim. Um desejo que a abalava, assustava, fazia-a ansiar por coisas que jamais quisera de outro homem. Coisas que odiaria vindas de outro homem.

Mas ele apenas a segurava frouxamente, guiando-a nos primeiros passos de uma valsa que vinha do salão. Enlouquecendo-a com contato suficiente para inflamá-la mais, porém não o suficiente para satisfazer a ânsia que a dominava a cada movimento.

Para sua surpresa, sentiu-se acompanhando os movimentos da dança. Abraçou-se àquele corpo de aço, apertando-se nele. Sentia que tudo terminaria ao final da dança. Ia se aproveitar ao máximo... agora. Shehab gemeu contra a testa dela:

— Você é o significado do seu nome. É assim que me sentiria com uma houriyah, uma das habitantes do céu que trazem alegria absoluta, em meus braços... — Ele a apertou mais fortemente. — Dançar com você é como dançar com a felicidade, com a paixão.

Ela riu, liberada, delirante. Não acreditava que fosse tudo isso que ele dizia, mas ele parecia achar que sim. Por que não, já que ela achava o mesmo dele? Era como ele dissera. Mágico. E ela não ia pensar, ia apenas se en­tregar.

Em algum momento, ela percebeu que a música tinha terminado e que eles não estavam mais dançando. Ele a levava para o jardim. E ela o seguia rindo, pronta para tudo.

Ele a levou para trás das árvores, segurou-a contra um tronco e tomou-lhe o rosto entre as mãos. Ela se sentiu dominada, e uma combustão espontânea já não parecia tão impossível.

No instante em que achou que ia se desmanchar em cinzas aos pés dele, ela gritou:

— Shehab...

E ele engoliu em seco, rosnando o dela ante seus lá­bios.

— Farah...

E foi como se uma comporta se abrisse. Ela pensava que nada poderia ser melhor do que o toque e o aroma dele. O sabor era... Queria se afogar nele. Estava se afo­gando. Em beijos que lhe mostravam a voracidade que queria dele. As mãos dele lhe percorriam o corpo sem pa­rar, até que ela se contorceu contra ele, gemendo, implo­rando, sem nem saber pelo que implorava.

— Shehab... por favor...

Os lábios dele se apertaram contra os seus novamente, a língua mergulhando fundo, chamuscando Farah de pra­zer, fazendo-a gemer e perder a razão.

A pressão crescia nos olhos dela, em seu peito, seu ín­timo. As mãos apertavam os braços dele, e ele finalmente abaixou-lhe o zíper, afastou as alças de seu vestido, liberando os seios túmidos.

Ela gemeu alto. De alívio, de excitação. Estava expos­ta, vulnerável. Enlouquecida.

— Por favor...

As mãos dela apertavam os seios juntos, para mitigar a ânsia, enquanto tudo dentro dela se intensificava, jorrava, precisando de alguma coisa, qualquer coisa, que ele fi­zesse com ela. Os dedos e língua e dentes dele explorando cada segredo seu, o corpo cobrindo-a toda, a virilidade dele preenchendo o vazio entre suas coxas, levando-a ao esquecimento...

Oh, Deus. No que ela estava pensando?

Queria que ele fizesse isso tudo com ela? Ali? Agora? O que havia de errado com ela? Depois, veio a revelação. Não havia nada de errado com ela.

 

Estava tudo errado.

Ele é que devia estar seduzindo.

Ele estava sempre no controle, aceitando ou recusando que lhe ofereciam à sua própria vontade.

Nenhuma mulher jamais o levara quase à loucura.

Mas, ao contemplar aqueles lábios inchados e olhos brilhantes, a perfeição dos seios fartos apertados juntos, oferecendo-se, ele não conseguia se lembrar de como aquilo tudo começara, ou por que não devia tomar aquilo pelo que seu corpo implorava, desse no que desse.

Tinha se enganado a respeito dela. Esta feiticeira im­previsível não se parecia nada com a megera endurecida que ele esperava.

E era ainda mais perigosa.

E isso não lhe importava. Nem o fato de ela ser a aman­te de outro homem, mas que, uma hora depois de conhecê-lo, implorasse-lhe que fizesse tudo com ela. Isso apenas o inflamava mais, a força do desejo dela...

Não. Não. Ele não podia dar com tanta facilidade o que ela queria.

Se desse, não passaria de uma aventura passageira para ela. Só podia ser assim que ela satisfazia os seus desejos sexuais insaciáveis. Embora fosse discreta. Os relatórios recebidos não tinham mencionado nenhum caso amoroso conhecido.

Mas ela se apertava contra ele, vibrando de paixão. Ele sentia o aroma de excitação dela, sentia aquela vibração em sua virilha. Certamente, tanto desejo não seria saciado facilmente. Ele poderia possuí-la naquele momento, é se­ria apenas o começo.

Não. Não podia se arriscar. Tinha de parar.

— Farah, espere. — Ela não o obedeceu. Ele tentou novamente, a voz num gemido áspero que ele mesmo não reconhecia. — Temos de parar... E, mais uma vez, a reação dela foi imprevisível. Foi como se ele tivesse lhe dado um tiro. Ela se afastou num salto, chocada, frustrada e envergonhada. Era a aflição que o perturbava. Uma aflição fingida, certamente.

Antes de ele poder dizer alguma coisa, ela falou:

— Você tem alguém lá dentro... ou em algum lugar, não tem? Eu devia ter perguntado. — Parou, olhando-o, furiosa. — Espere aí. Não sou culpada. Que tipo de canalha se lembra de seu compromisso com outra mulher logo antes de... Que tipo de cretino promíscuo inicia uma situação como esta quando... quando...

Ele apertou os ombros dela, não a deixou se livrar dele.

— Espere aí você. Não tenho ninguém à minha espera, nem aqui nem em lugar nenhum.

O lábio inferior dela tremeu.

— Verdade?

— Farah, vou dizer só uma vez. Não tenho, nem nunca tive, compromisso com qualquer mulher.

— O que provavelmente não diz nada de bom sobre você.

O comentário irônico dela o pegou de surpresa, e ele riu.

— Diz que sou livre para iniciar "uma situação como esta". — Ela resmungou algo. Ele franziu a testa.

— O que disse?

Ela deu de ombros, enrubescendo.

— Nada.

— Farah.

— Escute. Eu devia ter ficado calada e dado o fora daqui. Por favor, esqueça que me viu.

— Alfla 'nah, mil maldições, diga-me o que falou.

Ela suspirou.

— Eu disse: "É claro que é livre para iniciar uma situa­ção como esta. E para terminá-la. Para o inferno com sua companheira, afinal." Satisfeito agora?

Ele riu novamente.

— Enti majmoonah, weh ajeèbah... louca e incrível. — Ele a apertou contra a árvore, levantou-lhe a saia, sepa­rou suas pernas e a ergueu, colocando-a sobre uma ereção enorme e rija o bastante para ela. — Parece que quero terminar isto em qualquer lugar que não dentro de você? Ela arquejou quando a rigidez dele se apertou contra o seu cerne e abarcou-lhe os quadris com as pernas.

— Então... então, porquê...?

Ele espalmou-lhe as nádegas e disse asperamente:

— Por que parei? Por que já não estamos no meio do primeiro orgasmo de muitos?

Aquelas palavras a fizeram se contorcer sobre a ereção dele. Ele teria seu clímax e a levaria ao dela se apenas se insinuasse assim, por cima das roupas... Não. Pare!

Ele se desembaraçou das pernas dela, rilhou os dentes e se afastou do aroma e do desejo dela.

— Nem acredito que estou dizendo isso, mas estamos indo depressa demais. — Respirou fundo e lutou para se controlar. — Tudo isso é mágico e sem precedentes, e é por isso que não posso me arriscar a estragar tudo. Não posso apressá-la a uma intimidade, por mais que você queira, e depois provocar recriminações, vergonha ou ar­rependimento.

Virou-se para ela, já mais calmo, e a viu diminuída, o rosto tremendo de incerteza.

— Imploro-lhe, ya ameerati, vamos recomeçar mais devagar. Deixe-me vê-la novamente, muitas e muitas vezes.

— Oh, sim, sim.

Ele não pôde deixar de rir. Ela gritava de alegria, pu­lando para cima e para baixo. Isso não podia ser fingimen­to, podia?

Mas por que se importaria? Estava tudo correndo como queria.

Embora ele talvez devesse se sentir mal, se ela não fosse mesmo a criatura insensível que ele pretendia manipular...

Não. Não devia. Mesmo se ela não estivesse fingindo, só o que importava eram as escolhas dela. Ela falara so­bre a mágoa que o pai verdadeiro lhe causara. Mas nem ligava para a mágoa que causava ao pai, ou o mal que causava ao reino dele mesmo, Shehab. Ela só pensava no próprio conforto e conveniência e, no momento, no próprio prazer.

Bem, ele a faria esperar. Iria deixá-la louca de desejo. E, na hora certa, iria enredá-la. Então, se casaria com ela. Uma vez realizado o casamento, não interessaria o que ela pensasse. Ou quisesse.

Ela não era importante. Só Judar. Só o trono.

Resolvido, ele disse asperamente:

— Deixe-me levá-la para casa.

— Isso seria maravilhoso... — Parou e fez cara de de­cepção. — Esqueci. Vim de carro.

— Mando um dos meus motoristas pegar o seu carro. — Ele a puxou para seu lado, e sentiu-se excitado quan­do ela se aninhou nele como se fosse a parte dele que faltava. Atenção, ya rejjal, Essa bobageira é o que você diz a ela, não o que pensa. Respirou fundo. — Mas não pense que vou deixá-la à porta. Vou despi-la deste ves­tido arruinado, vou esperar que você tome uma ducha, vou botá-la na cama, massageá-la e dar-lhe um beijo de boa-noite...

Ela tremeu e se apertou mais contra ele, fazendo-o ima­ginar se ela já estava pronta para concordar com o casa­mento agora mesmo. Não. Se ela recusasse, seria o fim, e ele só contava com o desejo dela. E esse desejo tinha de ser realmente intenso para ela concordar com o casamento de acordo com a cultura dele. Um do qual nenhum tribu­nal poderia livrá-la se ela quisesse terminá-lo.

Ele abriria o jogo depois de enredá-la. De todas as maneiras.

Quando chegaram ao estacionamento, ele retirou a mão que estava dentro do decote dela a lhe espalmar o seio vo­razmente, e apertou o botão do aparelho sem fio que trazia no bolso. Saboreou novamente os lábios dela, pensando: a qualquer instante...

No momento em que Farah quase subia nele novamen­te, a noite que os cercava foi estilhaçada por uma dúzia de flashes.

 

Num instante, Farah estava protegida pelo poder e pelo entusiasmo de Shehab, feliz com a promessa da noite e de muitos dias e noites a seguir. No outro, ela desabava na realidade, com as figuras que se materializavam diante deles.

Ela percebeu o que eram. Paparazzi. Sentiu-se impotente e ultrajada com a ganância im­piedosa dos predadores que invadiram sua vida inúmeras vezes, poluíram sua imagem e destruíram sua paz. Não importava que ela praticamente lhes tivesse dado licença para isso, devido a seu acordo com Bill. Mesmo assim, isso sempre a deixava enjoada.

Agora, eles a pegavam num momento de felicidade descuidada, transformando sua descoberta de Shehab e de seu próprio íntimo desconhecido em evidência foto­gráfica, transformando a magia em algo desprezível e sórdido.

Mas antes de ela dar voz à aflição, Shehab lhe ofereceu o refúgio que ela nem pedira, girando-a, seu robe ondu­lando como a capa de um mágico, envolvendo-a no que parecia uma outra dimensão, em que nada existia senão o dueto do pulsar de seus corações, o dela, desordenado, o dele, firme e regular.

Então, outros ruídos invadiram sua percepção. Passos pesados, flashes e gritos. Ela se agarrou a ele, o coração na garganta, invadida, atacada.

Depois, ela já não tocava o chão, tomada pela força dele, o mundo se inclinando e, em seguida, correndo a passos rápidos e regulares.

De repente, um carro parou bruscamente a alguns me­tros deles. Uma limusine preta.

Meia dúzia de homens se materializou do nada, um abrindo a porta traseira do carro para eles, outros corren­do para ela e Shehab, colocando-se entre eles e a comoção que os seguia. Shehab entrou no veículo espaçoso ainda segurando-a nos braços. A porta se fechou e a limusine partiu imediatamente.

Shehab passou as mãos por todo o seu corpo, acalmando-a, acariciando as mãos dela, que doíam de agarrar-se nele.

— Acabou — ele murmurou. — Meus homens os deterão.

Ela o soltou e fechou bem os olhos. É, certo. Boa sorte com isso. Os paparazzi agora tinham conseguido o que queriam há dois anos: evidências de que ela era uma leviana promíscua que constantemente traía o seu velhinho rico. E, desta vez, ela fizera a vontade deles, saindo de uma festa toda desmazelada e subindo em um homem como uma gata no cio.

Porém, era pior do que isso. O que a magoava mais eram os homens dele. Do jeito que tinham aparecido ime­diatamente, deviam estar seguindo Shehab, invisíveis, o tempo todo, e, na certa, tinham visto tudo...

A humilhação a fez sair dos braços dele e desabar ao seu lado no luxuoso banco de couro.

Sentia-se mal emocionalmente, e tinha medo de pas­sar mal fisicamente. Deitou a cabeça no encosto, sentindo tudo rodar.

— Pode pedir ao motorista para parar, por favor?

Ele apertou um botão e deu uma ordem em árabe. De­pois, abriu um compartimento de onde tirou toalhas mo­lhadas e, com a maior suavidade, passou-as no rosto dela, no pescoço, nos braços e no alto dos seios.

Alguns momentos depois, ele parou e olhou para ela.

— Melhor?

Ah, não estava nada melhor. A princípio, ela fora acal­mada pelas carícias, mas depois elas tinham se transfor­mado em fogo, ardendo em nervos expostos. Seu ventre se contraía tão fortemente que era quase doloroso.

Como ele conseguia fazer isso com ela? Mesmo agora, quando estava morrendo de vergonha...

Ela concordou com a cabeça, sem falar. Senão, ela lhe diria a verdade exata. Já tinha lhe dito o bastante por uma noite.

Sorrindo, ele tentou puxá-la novamente para o colo. Ela resistiu, e ele apenas insistiu com carícias contínuas, roçando os lábios em sua testa.

— Deixe-me acalmá-la, yajarneelati. Você está realmen­te perturbada pelo aparecimento dos paparazzi, não está?

— Desenvolvi uma fobia deles — ela admitiu. Ele a apertou mais.

— Eles já a perseguiram antes?

 

Shehab recuou quando Farah não respondeu, e obser­vou seu rosto agitado. A reação dela parecia tão verdadeira que ele quase se arrependeu de ter organizado o incidente.

Tinha pensado no plano quando soubera que ela fora seguida por paparazzi quando se dirigia ao baile sem Bill Hanson, conforme ele planejara. Sabia que eles in­vadiriam o parque antes de ela sair, esperando flagrá-la numa infidelidade. Shehab não ia se arriscar a deixar que a fotografassem, não quando tinha de fazê-la sua princesa. Mas tinha resolvido se aproveitar da presença deles.

Tinha mandado seus homens se livrarem dos paparazzi, tomarem seu lugar e fingirem emboscá-los ao sinal dele. Tinha planejado pô-la numa situação comprome-tedora, para convencê-la de que sua ficha impecável, de nunca ter sido flagrada, havia acabado. Mas nem suas previsões mais otimistas tinham incluído a possibilidade de sair do baile com ela agarrada nele.

Esperava que ela o instasse a mandar seus homens atrás dos paparazzi para se assegurar de que não haveria evi­dências de sua indiscrição. Isso a deixaria mais enredada com ele.

Porém, a reação dela tinha sido completamente ines­perada.

Farah havia ficado apavorada, não enraivecida, e pare­cia tão perturbada, tão aflita, que ele quase lhe disse que não se preocupasse.

O que provava que ele não estava pensando com a cabeça.

No entanto, por que ela não exigira que ele consertasse a situação? Será que ela achava que ele faria isso de qual­quer jeito, para proteger a própria reputação?

Ela finalmente respondeu em voz trêmula.

— Eles me perseguem desde a morte de meu pai ado­tivo. — Continuou em voz embargada: — Sempre encon­tram um motivo para esse interesse doentio. Estou apavo­rada com a idéia de que eles descubram que fui adotada, ou, pior ainda, a identidade do meu pai biológico. Aí mes­mo é que não me deixarão em paz.

Ele sabia que devia mudar de assunto. Não podia arris­car que ela o relacionasse com a situação entre ela e o rei Atef. Mas teve de perguntar:

— Por causa do drama das descobertas? Ou a identidade do seu pai biológico criará uma sensação?

— Ambos. Só o fato de François Beaumont não ser meu pai lhes dá muito o que falar. Mas a identidade do meu pai biológico é realmente sensacional. Até eu mesma custo a acreditar.

Ele deu de ombros.

— Talvez eles estivessem atrás de mim.

— Mas ninguém sabia quem você era, a não ser eu...

Ele rilhou os dentes diante da reação que essa atitude tão simples e feminina lhe provocou. Diante da onda do que se parecia demais com vergonha.

Sua voz se tornou áspera de raiva desse sentimento idiota.

— É.

Ela agora prendia a respiração. Apreciando o privilégio que ele só dera a ela e a mais ninguém? Que fosse. Ape­lar para a vaidade era a melhor maneira de cativar uma mulher.

No momento em que estava certo de ter entendido a reação dela, ela franziu a testa.

— Percebeu como isso foi estúpido? Destruir seu ano­nimato com alguém que acabou de conhecer?

Isso era a última coisa que esperava ouvir dela.

Sem saber como reagir, ele ergueu as sobrancelhas.

— Porque confiei em você...

A cara franzida e o tom só ficaram mais cortantes.

— E que parte da sua anatomia tomou essa decisão mo­numental?

Exatamente o mesmo que ele pensava. Ele sacudiu a cabeça.

— Cheguei onde estou confiando nos meus instin­tos...

A ironia dessas palavras o fez se calar. Pois seus ins­tintos estavam mentindo. Mentiam desde que pusera os olhos nela.

Ela confundiu aquela pausa com assentimento.

— Viu o que quero dizer? Estava certo por confiar em mim, mas, e se estivesse enganado? Pior ainda, e se al­guém o ouviu lá no terraço?

Ele a fitou. Parecia até que ela se importava mesmo. Mas ele sabia que não.

— Ninguém me ouviu. E ninguém poderia me reco­nhecer. Meu rosto estava coberto dos olhos para baixo.

Ela riu ironicamente.

— E considera isso um disfarce? Acha que ninguém reconheceria os seus olhos? Para não falar no seu físico. Juntando os dois, qualquer pessoa o reconheceria.

Ele estava acostumado às lisonjas interesseiras das mu­lheres que o adulavam. Mas não via nada disso nos elo­gios dela, ditos num tom exasperado pela falta de cuidado dele. Ele quase a puxou para cima dele novamente, para mostrar que, a admiração era mútua.

E era esse provavelmente o intuito dela. Ou essa sus­peita seria tão absurda quanto lhe parecia?

Ainda mais confuso, ele suspirou.

— Estive no baile por mais de uma hora antes de você chegar. Ninguém me reconheceu.

— Então os paparazzi estavam atrás de mim — ela disse, desanimada. — É estranho, mas isso até me alivia. — De repente, ela endireitou o corpo e agarrou o braço dele. — Mas... as fotos. — Era agora, ele pensou, que viria a exigência atrasada. — Talvez tenham fotografado parte do seu rosto. Estou acostumada a ser perseguida, mas não vou suportar se, por estar comigo, você for ex­posto à maldade deles.

E? Onde estava a exigência para que ele desse um jeito nisso? Para o conforto e privacidade dele, naturalmente, e não dela?

Não veio exigência nenhuma. Em vez disso, lágrimas repentinas brilharam nos olhos dela, e ela disse com a voz sufocada:

— Lamento muito, Shehab.

E ele desistiu. Abaixou a cabeça com um gemido, calou a boca de Farah com a sua, a língua passando sobre aqueles lábios, sem poder esperar para mergulhar nela outra vez. Choramingando, ela abriu a boca para ele, subjugando-o com sua entrega, dando-lhe toda a permissão de que ele precisava.

O desejo atingiu o auge, ameaçando superar todas as considerações. Ele rompeu aquela união e olhou para o rosto dela.

— Não lamente nunca, yajameelati.

Então, cedeu novamente, encerrando sua própria manobra, dando-lhe o que ela não pedira, não lucrando nada.

— E também não se preocupe. Não tenha medo de nada quando eu estiver com você. Eu a defenderei de qualquer coisa. — E era verdade. Só porque isso era a chave para a proteção do trono de Judar, disse a si mesmo. — Meus homens vão se assegurar de que aqueles paparazzi não tenham nada para publicar.

— Quer dizer que eles...? Oh... oh. — Seus olhos se ar­regalaram, as lágrimas presas neles brilhando como jóias na semiescuridão. Depois, as lágrimas surgiram de novo, o desânimo substituindo a agitação. — Não que isso me console. Os paparazzi provavelmente viram muito menos do que os seus homens.

Ele demorou um instante para entender. Ela achava que os homens dele tinham visto todas as intimidades deles no jardim.

Indignado, ele rosnou:

— Acha que eu quase a possuiria se meus homens es­tivessem em volta?

Ela pestanejou, e duas lágrimas rolaram pelo rosto.

— Não estavam?

— B 'Ellahi... — Ele sorveu as lágrimas e a beijou no­vamente. — Claro que não. Eu os chamei no instante em que os paparazzi apareceram. — O que era o mais próxi­mo da verdade possível.

Dessa vez, ela desabou nos braços dele.

— Graças a Deus. Estava tão humilhada ao pensar em como tudo devia ter parecido a eles, embora parecesse magia para mim...

Era isso que a perturbava tanto? Pensar que outros ti­vessem assistido aos arroubos sexuais deles, maculando aqueles momentos de magia?

Já sem saber o que pensar, ele a apertou mais contra o peito. Ela se entregou a suas carícias por um instante, depois se afastou, encarando-o com aspecto de quem ia dizer algo desagradável a um estranho. Estava constran­gida, desajeitada, hesitante.

— Talvez tenhamos nos livrado deles, mas estarão à es­pera na minha casa. — Ela gemeu de repente. — Escute, me largue num hotel qualquer. Passarei a noite lá, então eles poderão me fotografar sozinha à vontade quando eu voltar ao trabalho.

Então, a manobra dele estava fracassando. Tinha de improvisar uma correção.

Tomou-lhe as mãos e levou-as aos lábios, com os olhos nos dela.

— Tenho uma idéia melhor. Ainda é cedo. Podemos despistá-los. Jante comigo.

Ela ofegou, consentindo. Então, ele falou com o mo­torista:

— Seeda. Para o aeroporto.

 

— O aeroporto?

Shehab sorriu para ela, lenta e sedutoramente.

— Vamos jantar a bordo do meu jato.

Ele a puxou para os seus braços e segurou-a frouxa­mente até o aeroporto, acariciando-a o tempo todo.

A limusine finalmente parou, Shehab saltou e deu a volta para abrir a porta do lado dela, e quase teve de car­regar seu corpo amolecido.

Ela olhou em volta, estonteada. Estava grata pelo apoio dele até a escada tipo avião presidencial que levava da pista ao interior do jato.

Farah já tinha estado em jatos antes, mas nenhum chegava aos pés do de Shehab. Seu pai tivera dois ja­tos pequenos. E Bill, multibilionário, tinha começado a vida sem um tostão, e até hoje não conseguia gastar nem um centavo a mais do que o necessário para satisfazer as necessidades em termos de função e conveniência. E estava claro que Shehab acreditava em atender a essas necessidades, mas sem economizar em busca de beleza e luxo.

Ele sorriu para ela.

— Passo grande parte de minha vida no ar, e às vezes tenho de concluir minhas conferências e receber meus convidados aqui.

Ela ergueu as sobrancelhas.

— Então tem de ter um palácio no céu, não é?

Ele ergueu uma sobrancelha.

— Estranha essa crítica vindo de alguém que vive no mundo das altas finanças.

— Oh, certamente não vivo nele. Dependendo do dia, eu banco a intérprete de tarô, a chata de plantão, a faxinei­ra e... ah... o cão-de-guarda do mundo das altas finanças.

Ele deu uma gargalhada.

— Ya Ullah, nunca vou conseguir adivinhar o que você vai dizer. — Ainda ria baixinho enquanto a levava pelo avião até uma escada em espiral que levava ao deque superior. — Então, considera este jato pretensioso? Dinheiro desperdiçado, que poderia ser gasto em causas meritórias?

Ela retorceu a boca.

— Acho ridículo qualquer artigo pessoal com preço do tamanho de um número de telefone.

— Não se for uma utilidade que me permite ganhar centenas de milhões de dólares a mais, dinheiro que posso lhe assegurar que utilizo para contribuir com muitas cau­sas meritórias.

Ela arregalou os olhos.

— Lembro-me agora. Muitos de seus interesses globais têm programas de auxílio muito eficientes. Quando inves­tiguei seu portfolio de investimentos, pensei: Esse cara está tentando estabelecer uma reputação de filantropo igual à do Bruce Wayne... — Parou quando ele gargalhou novamente. — Ainda bem que você é invulnerável aos tiros que saem da minha boca.

— Como Clark Kent, quer dizer? Muito lisonjeiro, ser comparado a dois super-heróis.

— De fato, mais cedo achei que você ficaria muito bem numa roupa de super-herói.

Ele beijou-a no rosto ruborizado.

— Quero ser um super-herói aos seus olhos, yajamé-elati.

Ele a encaminhou até um foyer elegante e por uma porta com senha digital, que se fechou automaticamente enquanto ele a levava até um dos sofás de couro, onde ela se sentou.

Ele se inclinou e roçou os lábios em sua testa.

— Ali — ele indicou com um gesto — é o lavabo. Aqueles botões acessam todas as funções e serviços. Peça o que quiser até eu voltar. — Endireitou-se e se virou. Antes de ela poder correr atrás dele pedindo que a levasse consigo, ele passou pela porta e acrescentou:

— Volto para você em alguns minutos.

Ela se derreou no sofá e fechou os olhos por um instan­te antes de se levantar e ir para o lavabo,

Quando saiu, encontrou-o à sua espera» e engoliu em seco. Ele tinha tirado a fantasia.

E não. Não estava nu. Vestia apenas uma camisa branca simples e uma calça preta.

Ele deu seu sorriso lento, sem dúvida notando seu efeito sobre ela, que só faltava babar. Depois, estendeu a mão para ela, num convite. Pareceu ser só pela vontade dele que ela percorreu o espaço que as separava, incapaz de parar de de­vorar com os olhos o que imaginara existir sob o robe dele.

A realidade superava muito a imaginação. Os cabelos ondulados e brilhantes acentuavam suas feições cinzeladas e tornavam seus olhos ainda mais hipnotizantes.

Ela quase gemeu ao passar os olhos por ele. A largura de seus ombros e peito e a força de seus braços apareciam mais, agora que estavam cobertos apenas por seda fina. G abdome era magro e rijo, a cintura estreita, assim como os quadris acima de coxas plenas de força e virilidade que se transformavam em pernas muito compridas.

Ele era mais do que magnífico.

— Venha sentar-se, Farah.

Ela se sentou no lugar que ele indicou. Antes de desa­bar. O modo como ele dizia seu nome, o modo como a olhava, como respirava, tudo era... demais.

Ele a acompanhou no sofá, afivelou o cinto de seguran­ça dela e dele próprio, depois se virou e apertou um botão. Os motores, que ela agora notou que estavam ligados já fazia algum tempo, se aceleraram, e o jato começou a se mover.

Mas ela nem conseguia sentir surpresa.

Não sentia nada, senão o sangue congelando nas veias.

Quando ele se virou, ela vislumbrou algo nos olhos dele, algo em seu rosto.

Uma malícia. Uma crueldade.

De repente, o gelo derreteu, e ela se viu em alerta.

Tinha entrado no avião com ele, o avião que agora de­colava para onde só ele sabia, alguém que ela havia conhe­cido fazia poucas horas, confiando absolutamente nele, acreditando que ele era quem dissera ser, e que escondia a identidade por razões particulares, e não sinistras.

E se ela houvesse estado enganada o tempo todo? E se aquele encontro significasse mais do que ela pensava?

Talvez ele a tivesse escolhido por algum motivo. Por ser filha de Francois Beaumont e braço direito de Bill Hanson, ela havia sido alvo de pessoas, especialmente ho­mens, cada um com seus próprios fins. E Shehab, se fosse quem dissera ser, poderia considerar Bill um rival, pode­ria ter organizado o baile todo como um meio de chegar a Bill. Talvez pensasse, como outros antes dele, que ela seria esse meio.

Por que não pensara nisso antes?

Espere... Espere... Ele tinha demonstrado interesse nela antes ou depois de ela dizer quem era?

Meu Deus... por que perguntar isso? A identidade dela não era nenhum segredo. Ele poderia ter ido ao baile sa­bendo tudo sobre ela. Ela havia lhe dado a melhor opor­tunidade para ficar sozinho com ela, para encantá-la. Ele não seria o primeiro homem, nem o último, que tentava seduzi-la para chegar até Bill.

Mas o vislumbre de crueldade que vira em seus olhos...

Oh, Deus... poderia ser pior. Ele podia ser um predador poderoso que gostava de seduzir mulheres e abusar de­las. Mas ela havia se atirado em sua armadilha com muita facilidade, privando-o da emoção da caçada, e então ele quisera esperar até tê-la inteiramente à sua mercê...

Ele lançou um olhar indecifrável para ela, que logo sentiu suas suspeitas se transformarem numa terrível rea­lidade.

Não importava o que ele era ou queria que fosse, nada do que acontecera antes fora verdadeiro. Nada havia sido para ela.

Como pudera imaginar que ele a queria? Ninguém ja­mais a quisera antes. Como pudera pensar que ele, logo ele, pudesse ser tomado de uma atração tão brutal quanto a dela por ele?

Sentiu-se completamente arrasada. Mas não podia su­cumbir agora. Tinha de ser muito cautelosa. Não podia demonstrar suas suspeitas. Na melhor das hipóteses, isso poderia forçá-lo a confessar, e torná-lo mais perigoso. Na pior, poderia enraivecê-lo, fazê-lo se revelar, fazê-lo...

Um braço musculoso passou pelo ombro dela, puxando-a para junto dele, e erguendo seu rosto até a altura de seus olhos, que ardiam de desejo novamente.

E ela não podia suportar isso. Todas as suas resoluções se dissiparam e ela disse, hesitante:

— Por favor, pare. Diga logo o que quer comigo e va­mos acabar com isso.

 

Shehab ficou tenso às palavras de Farah.

Só podiam significar uma coisa.

Ela havia percebido que ele a enganava.

Como desconfiara? Tinha certeza de não ter feito nada para se revelar. Então, o que era? Intuição? Ou ela fazia seu próprio jogo? Com que finalidade? Para botá-lo na defensiva, pronto para fazer qualquer coisa para negar sua acusação?

Mas ela tremia em seus braços. Os olhos marejados novamente, a respiração irregular. Não que ela parecesse perceber isso, nem o efeito que tinha sobre ele.

Ela seria uma atriz tão boa assim? Ele tinha um detetor infalível de insinceridade. E não sentia isso nela.

Não havia dúvidas de que a atitude de Farah o pe­gara desprevenido. Tinha de tomar o maior cuidado até entender o que estava acontecendo. Não podia perder terreno.

Para isso, não podia pressioná-la. Mesmo que o instin­to lhe dissesse que a tomasse nos braços e a beijasse até deixá-la atordoada de desejo novamente.

Afastou-se dela e pôs-se de pé. Lutou para ser o mais delicado possível.

— Farah, ya azeegati, minha querida, não estou enten­dendo nada. O que há de errado?

— Por favor, pare de representar — ela disse com voz embargada. — Suporto tudo, menos isso.

Ele estava perplexo. Ela sabia que ele representava. Mas não estava representando, não quanto a desejá-la. Então, o que ela percebia? Ela seria tão sensível a pon­to de perceber a finalidade básica dele por trás do desejo voraz?

Nada disso interessava. Tinha de distraí-la, acalmá-la novamente.

— Eu suporto tudo, menos a sua angústia — ele gemeu, sem saber se o que dizia era falso ou verdadeiro. — Fa­rah, B 'Ellahi, há poucos instantes você estava tão eufórica quanto eu por estarmos juntos, e agora... Arjooki... por fa­vor, diga-me o que está errado.

Ela levantou os olhos lacrimosos, atingindo-o com a força de um soco.

— Tudo. Eu vi.

Ele resistiu ao impacto da mágoa e da acusação dela, e gemeu de novo:

— Viu o quê?

— Seu rosto, seus olhos, cheios de... intenções, cruel­dade... Não sei. — Ela sacudiu a cabeça, os cabelos on­dulando em volta dos ombros trêmulos. — Mas você não está "eufórico" por estar comigo. Você não me quer... é como todos os outros. Nunca ninguém me quis por mim mesma. Ou... ou é até pior.

O quê ela teria visto? Um pensamento vago, quando ele comemorava prematuramente seu triunfo?

Tolo. Não devia sequer pensar nada disso antes de ter a assinatura dela em todos os documentos legais. A aflição dela, porém, parecia verdadeira. Então, qual era a origem da sua persona fria como o gelo, quente como o inferno? Ele percebia que ela podia ter sido perseguida por todos os motivos errados. Por esporte, ambição, competição, todas as formas de exploração. Será que o incidente fa­bricado por ele tinha perturbado tanto Farah que a fizera lembrar de todos os incidentes desagradáveis a que tinha sido exposta, fazendo-a suspeitar dele e da situação? Ou teria apenas aguçado seus sentidos nebulosos, fazendo-a sentir que ele estava atrás dela por razões que não eram ligadas à sua própria atração?

De repente, sentiu-se farto de tudo. Se ela não mereces­se a reputação que tinha, como tudo dava a parecer, se ela tivesse sido magoada antes pela perfídia dos homens, ele não devia magoá-la ainda mais.

Mas o que podia fazer agora? Confessar tudo? Se ele tives­se dito quem era desde o começo, teria mais chance de uma atitude favorável. Mas tinha achado tão necessário enganá-la que tinha perdido essa chance. Depois de tudo que acontece­ra entre eles, todas as mentiras dele, ela ficaria indignada, e talvez o rejeitasse sem esperança de reconciliação.

O que fazer, já que não podia abrir mão dela? Sequestrá-la? E depois? Mantê-la como refém? Forçá-la a se ca­sar com ele?

Não podia perder o controle da situação. E tinha apenas uma Saída.

Ela o acusara de não querê-la por si mesma. Isso ele podia contestar veementemente e parecer sincero. Por­que era.

— Está tão enganada que eu riria, se isso não fosse tão aflitivo. Eu quero você, Farah. Jamais quis nada, nem ninguém, como quero você. — Deu um passo para ela, e ela recuou. Ele recuou também, e parou. — Ya Ullah, está com medo de mim? — Ela fechou os olhos, inteiramente confusa. Ele continuou, áspero: — Estou pagando o preço por todos que tentaram se aproveitar de você? Mas, como você disse, é até pior. Duvido que você realmente tivesse medo de algum deles.

O rosto dela se contorceu com emoções tão claras que parecia que ela as gritava para ele. E predominava a hu­milhação.

As lágrimas, porém, tinham parado.

— Foi só que... vendo o avião decolar, aquela expressão em seu rosto... me assustei com minhas próprias especula­ções... — Ela pausou, com um olhar hesitante, vulnerável. — Você realmente me quer?

Ele enfiou os dedos nos cabelos, numa frustração que nem precisava fingir.

— Não sente em cada célula, flamejando em seus sen­tidos, o quanto eu a desejo?

Ela fez que sim, fez que não, completamente perplexa.

— Sinto, mas senti... algo mais profundo. Se você tem algum fim oculto, além de...

Ele queria jurar que não. Não podia. A mentira ficou engasgada na garganta. Mas ele tinha de eliminar as dúvidas dela. Seu único recurso era lançar mão das verdades que existiam entre as mentiras, e insistir nelas.

Sentou-se ao seu lado, pegou suas mãos geladas. Exer­ceu pressão bastante para implorar que não se afastasse, enquanto a deixava sentir que poderia se afastar, se qui­sesse, e os olhos dele acalmavam-na com toda a intensi­dade possível.

— Cada palavra que lhe disse sobre o quanto a desejo é verdade, Farah. E não suporto vê-la neste estado, saber que sou culpado por ele.

Ela sacudiu a cabeça novamente.

— Não foi você, fui eu.

— Fui eu. — Ele afastou uma mecha de cabelo do rosto dela. — Devia ter percebido como tudo era avassalador para você. E, em vez de lhe dar tempo para se acalmar, trouxe-a para meu avião, onde você se viu cer­cada por duas dúzias de homens desconhecidos e ar­mados. Depois, sem nem consultá-la, autorizei a deco­lagem. Você pensou que jantaríamos a bordo, mas em terra, não foi?

Os olhos dela diziam que ela simplesmente não pensa­rá. Ele acariciou o seu rosto, quase gemendo com aquela maciez.

— Você nem pensou no que aconteceria, e viu-se sendo afastada de seu mundo. Depois, eu piorei tudo, por inad­vertidamente começar a pensar numa negociação precária em que estou envolvido no momento, dando-lhe um vis­lumbre do negociante impiedoso que sou.

Ela mordeu os lábios, e finalmente disse tremulamente: — Pode dar ordens para aterrissarmos, por favor?

Todos os músculos dele se retesaram.

— Não acredita em mim.

— Acredito — ela protestou. Depois, fez uma carinha embaraçada adorável. — Só preciso estar em terra para cavar um buraco fundo o bastante para me engolir.

Ele soltou a respiração. Mas não iria abaixar a guarda. Tinha acabado de evitar uma catástrofe. Não podia permi­tir que surgisse outra.

Aproximou-se dela, ainda testando-a. Ela se derreteu contra ele, e ele respirou, aliviado.

— Não se sinta constrangida pelos seus temores, ya saherati. Tem todo direito de se preocupar, de supor. Na verdade, estou quase aborrecido com você por não ter sido mais exigente em seu exame do meu caráter e das minhas intenções antes de se colocar em meu poder assim. Mas acredito que não teria feito isso com mais ninguém; você sentiu instintivamente que tem mais poder sobre mim do que eu sobre você.

 

Farah fechou os olhos, querendo sumir.

Tinha estragado tudo. E ele a estava eximindo de culpa, assumindo, ele mesmo, a responsabilidade por tudo.

Ela, porém, não acreditava que ele não estivesse ofen­dido. Ela estava acostumada a ser caluniada por estranhos, pela opinião pública, mas, se alguém de quem ela gostas­se tirasse conclusões infundadas e ofensivas sobre ela, ela não perdoaria nem esqueceria tão depressa. Seria verdade que ele realmente a perdoara?

Abriu os olhos, e viu que ele ainda a fitava ansiosamente.

Tinha perdoado. E mais: sentia-se péssimo pelo papel que alegava ter tido na perturbação sem motivos dela. Ela apertou o rosto contra a mão dele.

— Por favor, pare de ser cavalheiresco e compreen­sivo, porque assim nenhum buraco vai ser fundo o bas­tante.

Ela teve vontade de gritar de alegria quando os lábios dele estremeceram.

— Vejo que estamos entrando num círculo vicioso. Que tal esquecermos tudo e continuarmos com a nossa noite encantada? — ele disse.

— Por que você quereria passar mais tempo com uma retardada que mais ou menos o acusou de ser uma fraude, ou até um criminoso?

— E eu poderia perguntar por que você quereria passar mais tempo com um grosseirão que nem lhe pediu per­missão antes de tirá-la do seu espaço aéreo nacional. Mas não vou perguntar. Concordamos em pensar o melhor dos atos e das motivações um do outro.

Ela o olhou ironicamente.

— Não concordei com nada, mas você está acostuma­do com isso, não é? Você anuncia as coisas e presume que todos concordam.

— Viu? — Os olhos dele se franziram. — Fiz isso no­vamente. Você revelou o meu maior defeito. Sou uma pes­soa muito intimidante.

Ela cedeu ao impulso e passou um dedo pelo rosto dele.

— Só muito? E é esse o seu maior defeito? Tem certeza de que não existem outros ainda maiores?

— Por mais que eu saiba que seria adorável tê-la exa­minando o meu caráter à procura de meus defeitos, temos assuntos mais urgentes no momento. Comida, por exem­plo. Não ficou com fome depois de tanta perturbação? Mandei meu chef preparar os pratos típicos do meu país de que mais gosto para você provar.

O jeito de ele dizer isso, e a voz apetitosa dele também, fizeram o estômago dela roncar.

Ele sorriu.

— Acho que recebi a minha resposta.

Apertou um botão. Momentos depois, ele abriu a por­ta para um desfile de garçons portando bandejas. Mesmo cobertas, o aroma que as travessas exalavam dava água na boca.

Ele se levantou e esticou a mão. Puxou-a de pé e le­vou-a para uma área de jantar com uma mesa posta para dois, com porcelanas finas, copos de cristal e talheres de prata.

Assim que o último garçom se retirou, Shehab levantou a tampa de uma travessa.

— Isto é matazeez — ele disse. — Cubos de vitela co­zidos em molho de tomate, com quiabo, berinjela e abobrinha. A coisa que parece ravióli é uma massa especial. Alguns consideram isso uma refeição completa, alguns comem com arroz ou khobez — concluiu.

— É este pão? — Ele fez que sim e, quando ela se in­clinou para cheirar melhor, o sorriso dele ficou tão quente quanto o prato que fervilhava nas chamas. — Quem diria que você entende tanto de comida?

— Não achou possível que eu soubesse cozinhar?

— Se souber, vou ter certeza de que você é uma alucinação.

Ele deu uma risadinha e apertou um botão, e uma ca­deira se afastou automaticamente da mesa num trilho. Ela se atirou na cadeira, gemendo.

— Não descreva mais nenhum prato. Só de olhar e cheirá-los já me dá vontade de comer, mas as suas descri­ções estão me deixando esfomeada. — Ele riu. Ela gemeu. Com aquele som. Com os aromas de comida misturados com o de virilidade.

Ele a serviu, mas, quando ela esticou a mão para pegar o talher, ele a impediu, e, encostando a cadeira na dela, pegou um garfo e começou a lhe dar comida na boca, acariciando-a o tempo todo com os olhos.

Ela comeu tudo num instante, exclamando com o gosto e a textura, participando do jogo de adivinhar os temperos indefiníveis, reconhecendo corretamente a canela e a noz-moscada. Aquele condimento muito diferente era algo de que ela nunca ouvira falar antes; semmaq, um condimento exclusivo da região de Shehab.

Em algum momento, ele começou a alternar garfadas entre ele e ela, e compartilhar a refeição com ele, desta maneira, ultrapassava até a intimidade daquele intervalo frenético no jardim.

Quando ele começou a lhe dar a sobremesa, ela gemeu.

— Tenho de perguntar sobre isso. Pode descrever a re­ceita, detalhe por detalhe.

Ele riu.

— Isto é maasoob. É khobez cortado em pedacinhos, frito e amassado com bananas e açúcar mascavo, caramelizado com manteiga. É polvilhado com páprica, açafrão, e as sementinhas gostosas, pretas, são hab el barakah; li­teralmente, sementes de bênção.

Ela gemeu novamente, engolindo a mistura saborosa.

— Bênção ou maldição? Meus quadris e minhas coxas já estão gritando que seja maldição.

— Eles, em si, já são uma bênção. Um pouco mais de­les seria uma bênção ainda maior.

— Oh, não. Lutei muito com o meu peso enquanto eu crescia, é não quero voltar àquilo.

— Queria que você provasse a riqueza dos sabores da minha cultura, mas, se esta perfeição é o resultado de tanto esforço, eu certamente não quero fazer nada para sabotá-la.

A garganta dela se apertou. Quando ela fazia um co­mentário assim no passado, ninguém a levava a sério.

Mas ele a compreendia. E aprovava. Ele era fenomenal.

E estava de pé, convidando-a a deixar a mesa.

Ele a levou de volta para o salão, onde se sentou numa poltrona diante dela. Ela o observava, obcecada com os detalhes.

Ele observou esse exame por um momento, depois dis­se subitamente:

— Pensei em outra coisa que acho que a alarmou. O ho­mem em quem confiava, que você desejava, era o homem em trajes de tuaregue. Ver-me nestas roupas a fez sentir que eu era outra pessoa.

Ela ergueu os olhos.

— Esse... traje de tuaregue é como você se veste no seu país?

— De jeito nenhum. Os tuaregues vivem no deserto norte-africano e não se misturam com ninguém. Não podem ser considerados árabes.

— Deus, devo parecer tão ignorante, presumindo que todos os árabes têm a mesma origem.

— Isso é bem compreensível. Lá em casa, muitos con­sideram todos os brancos "americanos".

— Tenho certeza de que as pessoas acima de um certo nível não pensam assim. Sou lamentavelmente ignorante sobre a sua parte do mundo.

— Eu a ensinarei. Tudo que quiser saber.

Ela tentou respirar.

— Está bem. Pode começar agora. O que você veste lá na sua terra?

— A maioria dos homens usa taub e ghotrah brancos, ou shmagh de xadrez vermelho e branco, com um pano de cabeça eggal preto. Usam um abaya preto no frio. Eu uso roupas modernas, a não ser em compromissos formais. Sinto decepcioná-la, mas nem sempre ando por aí vestido como se tivesse saído das Mil e uma noites.

— Isso realmente me decepciona. O que é estranho, pois jamais gostei muito desse tipo de roupa. Mas é que nunca tinha visto você vestido assim...

Que coisa! Parecia condenada a falar tudo que lhe dava na cabeça. Só esperava que isso não o irritasse.

Ele não parecia nem um pouco irritado enquanto seus olhos a devoravam.

— Ya gummari, tenho um grande guarda-roupa e vestirei tudo que você desejar. Aposto que vou adorar usar aquelas roupas complicadas quando você estiver me despindo, camada por camada. — Depois, ele sus­pirou. — Até lá, tenho de me conformar com fantasias e expectativas.

Ela se ruborizou.

Ele sacudiu a cabeça ao ver isso.

— Horas atrás, você estava pronta para me deixar fazer amor com você, e agora se ruboriza toda com uma insinu­ação levemente erótica?

— Você não ficaria constrangido se percebesse que quase fez uma coisa tão fora do habitual com um homem desconhecido, e que, se não fosse pelo poder dele, isso estaria estampado em todos os tablóides, para o mundo inteiro ver?

— Não acha que "fora do habitual" seria pouco para descrever qualquer coisa que eu fizesse com um homem desconhecido?

Ela o olhou, furiosa.

— Está rindo de mim. Ele sacudiu a cabeça.

— Com você.

Isso não a aplacou. O cérebro dela parecia ferver, e continuaria assim enquanto ele continuasse...

— ...me obrigando a fazer papel de tola.

 

Shehab a observava, cada vez mais confuso. Ela esta­va lhe dizendo que não costumava fazer sexo com estra­nhos? Não apreciava aventuras de uma só noite? Ou até mesmo de só alguns minutos, como tinha implorado a ele para ter?

Ela de repente ficou tensa.

— Desculpe ter dito isso em voz alta. Ninguém nos obriga a fazer nada que não queremos fazer. Eu mesma me fiz de tola, e fui flagrada. E tenho de enfrentar as con­seqüências mais cedo ou mais tarde. Então, quando ater­rissarmos, esqueça o que falei sobre o hotel. Tomo um táxi para casa e resolvo logo tudo.

Ele não conseguia compreender esta mulher, com suas reações imprevisíveis. O que era isso agora? Será que re­cobrava o juízo, visualizando danos possíveis causados pela ligação entre eles?

Será que ela chegara à conclusão de que não valia a pena se arriscar por ele? Estava querendo dar o fora nele?

— Você prometeu me ver muitas e muitas vezes.

— É. Isso foi antes de me lembrar que sou um ímã para os paparazzi.

Seria só uma desculpa para se livrar dele? Ou estaria com medo de envolvê-lo num escândalo?

— Está preocupada com a minha privacidade?

— Quem não tem privacidade nenhuma sabe como isso é importante. Nada vale o sacrifício do anonimato.

— Você vale. Isso e muito mais. Ela estremeceu.

— Não exagere, por favor. Você mal me conhece. Como sabe o que valho? E, do jeito que me comportei até agora, sei que qualquer homem acharia que não valho muito. Mas você, de todos os homens... Acredito que me deseja, mas eu detestaria dar uma olhadela na sua cabeça e ver o que realmente pensa de mim.

— Eu, de todos os homens? O que é tão diferente em mim?

— O que não é diferente? E você vem de uma cultura que glorifica a modéstia e a virtude femininas e é cruel para as mulheres que não seguem suas regras rígidas, e eu... eu...

— Você está se punindo por delitos inexistentes. Você me considera um degenerado por ter deixado nosso pri­meiro encontro tornar-se erótico tão depressa?

— Sabe que não. Foi você quem quis parar, quem se controlou, enquanto eu...

— Você estava numa situação desconhecida. — Ela concordou, de olhos baixos. — Eu também. Só parei por medo justamente desta situação, depois de seu sangue esfriar e você não conseguir defender seus atos para si mesma, fazendo-a se afastar de mim por vergonha do que considera um lapso.

— Não disse que era um lapso. Disse que não era ha­bitual. Tanto que não sei lidar com isso... não sei o que pensar...

— Bem, eu sei o que pensar. Acho que eu nunca soube que existia um desejo assim. Porém, é tão puro, tão pode­roso, que também não sei lidar com ele. A única coisa que me ocorreu foi ir mais devagar, saborear o desejo, sabo­rear você... Embora você esteja tornando isso impossível. Tudo que você diz, cada respiração sua, me faz querer despi-la e devorá-la. Ela corou mais.

— Tem certeza de que me ver novamente não vai pôr em perigo a sua privacidade? Sou superexposta e fre­qüentemente caluniada, e seria horrível se o veneno que inspiro na mídia se derramasse em sua vida. Não posso permitir isso.

Ele subitamente se sentiu enraivecido com as pessoas que causaram tanta perturbação na vida dela. Consigo mes­mo, por ter inventado o plano que a magoara tanto. Que poderia fazer com que a perdesse.

Ele saiu da poltrona e juntou-se a ela no sofá.

— Os paparazzi não podem me tocar. E vou convencê-los, todos, a esquecerem da sua existência.

Ela pestanejou e depois deu uma risadinha.

— Presumo que os seus métodos sejam mais rigorosos do que os permitidos por lei para obter esse resultado mi­lagroso...

— Não faria nada que eles não merecessem — ele rosnou.

— Sua cultura advoga o "olho por olho", não é? Ai... lá vou eu, metendo os pés pelas mãos.

— Nunca se preocupe com o que me diz. E realmente tem razão sobre a minha cultura e sobre mim quanto ao "olho por olho". Mas acho que o agressor é o culpado.

Ela ficou séria e suspirou.

— Meu Deus, isso é tentador. Mas, agora que conheço o tipo de poder que você tem, não posso usá-lo para os meus próprios fins. Com grande poder, vêm grandes responsabilidades. Eu me sentiria como se estivesse jogando uma bomba nuclear em alguém que me cuspiu na cara. Não. Deixe-os em paz. Vão se cansar de mim mais cedo ou mais tarde.

— Tem piedade de quem nunca lhe mostrou nenhuma? — Não acho que seja piedade. Apenas não posso parti­cipar da sujeira que eles propagam e, ao retaliar, só estaria envenenando mais o mundo.

Ele teve de se controlar para não pulverizar a reticên­cia dela, querendo que ela lhe desse carta branca para varrer aqueles abutres do caminho dela de uma vez por todas.

Resolveu que faria isso. Só usaria métodos menos rigo­rosos para honrar a vontade dela. E teve de dizer:

— Vou continuar na esperança de que você mude de idéia e me deixe lidar com eles à minha maneira. Enquan­to isso, não vão chegar perto de você. Não voltaremos à sua casa. E certamente não a levarei pára um hotel. Venha comigo, yajameelati.

Depois de um instante de espanto, ela gaguejou:

— Sei que lhe dei a impressão, droga, pedi que você... mas realmente estou perdendo o controle aqui, Shehab.

— Não estou lhe pedindo que vá para a minha casa para compartilhar a minha cama. Disse que iríamos devagar, e é o que faremos. Estou lhe oferecendo minha hospitalida­de e minha proteção enquanto você precisar.

— Oh, Deus, Shehab, não acho que...

— Que tal parar um pouco de pensar? Ela fechou bem os olhos.

— Mas é este o problema. Parei completamente de pensar desde que o conheci.

Ele abriu-lhe os olhos suavemente.

— E por que isso é tão ruim? As últimas horas foram uma montanha-russa. Use as próximas, em minha casa, para relaxar, aproveitar minha companhia, saborear-me, como pretendo saborear você.

— Mas tenho que... não sei o que tenho que fazer, está bem? Seja o que for, não posso fazer com você por perto. Preciso pensar hoje à noite, pensar sobre o que aconteceu entre nós, o jeito que eu... eu...

E emudeceu.

Ele a estava perdendo. Ela recuperava o juízo. Ele não podia permitir isso. Tinha de dar um jeito.

Tirou o celular do bolso e deu uma ordem dupla. A pri­meira parte era mais um de seus improvisos. A segunda, ele disse a ela:

— Mandei o avião aterrissar.

Ela fez que sim, sem olhar para ele. Ele colocou o celu­lar no sofá entre eles, cerrou os dentes e começou a con­tagem regressiva.

 

Um zumbido atravessou-a. Ela levou segundos para per­ceber que era o telefone dele vibrando.

Ele atendeu sem pressa, com os olhos nela.

Após os primeiros segundos, seus olhos se afastaram dela, e o rosto se fechou. O coração dela se contraiu. Más notícias? Pessoais?

Ele proferiu uma série de palavras em árabe antes de fechar o telefone. Ela o observou com o coração marte­lando, enquanto ele botava o telefone numa mesa diante deles com movimentos deliberados, como se para retardar uma reação a algo importante. E ruim.

Então, ele finalmente procurou os olhos dela, e seu co­ração saltou no peito.

— Uma coisa imprevista detonou a negociação que mencionei antes.

Ela o fitou, prendendo a respiração, desejando que ele explicasse.

Ele continuou:

— Não posso prever quanto tempo levarei para contro­lar os danos. Semanas. Meses, talvez.

— Oh. — Era só o que ela conseguia dizer.

O que poderia falar quando ele estava lhe dizendo que havia sido bom demais para continuar? Ele voltaria para casa, por semanas, talvez meses. E se esqueceria comple­tamente dela.

Tudo tinha terminado antes mesmo de começar.

 

— Então, isso é um adeus?

Farah ouviu uma voz pairando no ar. Era a dela.

Shehab afastou o olhar, o rosto agora uma máscara inexpressiva.

— Acho que é. — Depois de um momento de silêncio esmagador, ele acrescentou: — Eu teria pedido para vê-la depois de resolver a crise, mas acho que não tem por quê.

O coração dela se retorceu. Ela estava torcendo para que ele a contradissesse. Ele, porém, era sincero demais para mentir, até por polidez. Ele sabia que a esqueceria logo, e provavelmente achava que tinha escapado de uma boa.

Mas o que ela esperava? Seu comportamento talvez o tivesse intrigado a princípio, ou, pelo menos, divertido. Depois, porém, de sua franqueza e entrega se transfor­marem em agitação e acusação, depois de se comportar como uma virgem idiota, insegura e retardada, seguida da imagem da ninfomaníaca de algumas horas atrás... Isso tudo devia ser bastante desanimador para um homem so­fisticado e autoconfiante como ele.

Mas ele tinha sido muito paciente, tinha tentado acal­má-la e tolerado suas mudanças de humor, até o momento em que ela recusara sua oferta de santuário.

Ela queria se esconder até se acostumar com o que ele a fizera sentir, ou melhor, querer, fazer. Mas não havia re­cusado a oferta dele, só tinha adiado a aceitação até estar preparada.

Achava que estaria preparada no dia seguinte.

Agora, não haveria dia seguinte. Agora, ela não teria nada. Nada, senão lembranças daquele homem e daquela noite inacreditáveis. E as descobertas sobre si mesma. No passado, sua resignação com seu status quo, sua ignorân­cia sobre o que era capaz de sentir, assemelhavam-se à paz.

Como sempre, não havia nada que ela pudesse fazer. Ele ia desaparecer de sua vida para sempre.

Só podia dizer a ele como desejava ter aproveitado me­lhor o tempo precioso dele.

— Shehab, quero lhe dizer o quanto lamento tudo... — Ele ergueu a mão, cortando-a. — Está bem, você não quer ouvir, mas eu tenho de falar. Você me deu uma noite maravilhosa, que jamais será igualada na minha vida, e eu lhe retribuí com uma dor de cabeça.

Ele voltou os olhos para ela, a aspereza ali dirigida a ela, sem dúvida.

— Você foi incrivelmente franca até agora, então, por favor, não comece a fingir agora.

— Fingir?

— E, assumir a culpa pelos acontecimentos para ame­nizar o golpe. Não vou fingir que é uma decepção que posso aceitar, porque não é e não posso. Mas, por favor, não piore as coisas, pensando que precisa me aplacar ago­ra. Tem o direito de mudar de idéia a qualquer instante.

— Foi você quem mudou de ideia. — A voz dela tremia.

Ele se levantou de um salto.

— Não fiz nada disso.

— Mas disse que não havia razão para me procurar mais.

— Só porque você deixou bem claro que não quer me ver. E, já que parece horrorizada com o que deixou acon­tecer entre nós... Depois de suas dúvidas, não quero impor meu desejo onde ele não é bem-vindo. — Ele parou e a fitou enquanto ela o olhava, boquiaberta. Depois, no rosto rígido dele surgiu uma alegria lenta que parecia o sol sain­do por detrás de nuvens. — Não estava me dizendo que não queria mais me ver?

— Se dei a entender isso. Meus dons de comunicação se desintegraram completamente.

— Mas disse que queria ir para casa.

— Só queria ir para casa hoje. Esperava poder vê-lo novamente amanhã, quando estaria mais equilibrada e discreta.

E a tensão nos olhos dele, cm sua atitude, desapareceu, enquanto ele se debruçava até finalmente prendê-la entre os braços, e então abaixou a cabeça até seu hálito quei­mar-lhe a face, o queixo.

— Espero que nunca seja discreta. Você me cativa com a sua franqueza, alegra-me com a sua espontaneidade.

— Mesmo quando se transformam em paranóia franca e espontânea?

Ele ergueu o rosto.

— Suportaria qualquer coisa para tê-las. E faria qual­quer coisa para que você nunca se afastasse de mim, para jamais ver dor e dúvida em seus olhos novamente.

— Oh, nunca mais farei isso, e você não verá nem dor nem dúvida durante a hora inteirinha que ainda tenho em sua companhia.

Ele a segurou pelos ombros.

— Mas vou vê-la novamente. Quando essa crise acabar.

— É. Até parece.

Ele sentou-se a seu lado novamente, e virou-apara si.

— O que significa seu sarcasmo, ya jameelati?

— É que, em alguns meses, você provavelmente nem se lembrará mais de mim. Ele sacudiu a cabeça.

— Como pode subestimar assim seu efeito sobre mim? Pensar que vou esquecê-la? Esses meses longe de você serão como uma condenação. Vou contar cada minuto até poder voltar para você.

O coração de Farah saltou-lhe no peito.

— Oh, Shehab, sinto exatamente o mesmo. — Ela per­deu o ar diante da chama nos olhos dele. Acariciou-lhe o maxilar e tentou sorrir. — Mas se você voltar, tudo bem.

Ele apertou a mão sobre a dela, fazendo-a encaixar em seu rosto.

— Então, você é bem mais forte do que eu. Vou enlou­quecer de frustração, e provavelmente vou mandar para o inferno o problema que me obriga a deixá-la.

— Não vai, não. — Sua outra mão subiu, segurando-lhe o rosto numa tentativa de confortá-lo. — Tantas pessoas contam com você, e você vai resolver tudo num estalar de dedos, como sempre faz. E, enquanto você estiver longe, podemos nos telefonar, trocar e-mails, fazer videoconfe­rências...

— Tornando a saudade ainda mais insuportável.

Ela sentiu a verdade daquelas palavras, concordando tristemente.

— Já sinto saudades, e você ainda está aqui.

Então, ela estava nos braços dele, todas as partes ex­postas de seu corpo cobertas de beijos ardentes. Ela estre­meceu quando ele afastou os lábios.

— Uma coisa dessas acontece só uma vez na vida, e não posso desistir disso. Não posso deixá-la. Venha co­migo, ya Farah.

Ela estremeceu.

— Ir com você? Como?

Ele sorriu com o tom agudo da voz dela.

— Mandarei meus pilotos ganharem altitude novamen­te e traçaram uma rota para minha casa.

Ela se arrancou dos braços dele e fitou-o furiosamente.

— Agora está rindo de mim.

Ele se endireitou e tomou-lhe o rosto entre as mãos.

— Nunca falei tão sério, Farah. Venha comigo.

Ela desabou, incrédula. Ele lhe oferecia uma continu­ação, uma chance de estar com ele. Realmente com ele. Na casa dele...

— Como? E não ouse me descrever o plano de voo. Tem uma crise nas mãos...

— Deixe que eu me preocupe com isso. Ela mal o escutou, e continuou:

— E eu tenho trabalho...

A mão dele cobriu-lhe,a boca, delicada, inexorável, suspendendo todas as palavras, todos os pensamentos. Depois, ele ordenou:

— Tire férias.

Shehab viu a estupefação no rosto de Farah. Era com se ele tivesse proposto que ela voasse. Por conta própria.

— Não tiro férias — ela murmurou na mão dele.

Ele tinha relatórios dizendo que ela nunca faltava ao trabalho. Achava que o amante a mantinha em rédea cur­ta. Mas, agora, parecia que era ela que nunca havia pen­sado em tirar férias.

Ele acariciou-lhe o rosto.

— Nunca?

Ela parecia só ter percebido isso agora.

— Acho que nunca tinha nada a fazer em meu tempo livre, então nunca quis tirar férias.

— Não quer agora? Para estar comigo? — Os olhos dela lampejaram com tanto assentimento que ele gemeu.

— Se você vier comigo, vou viajar entre os locais onde preciso estar, e voltarei para você a cada minuto dispo­nível.

— Você realmente quer isso? Quer que eu vá para casa com você, de volta a... — Ela parou, quase ofegando. — Onde é que você mora, afinal?

— Moro numa ilha perto do litoral de Damhoor. — Ele não mencionou que o litoral mais próximo era o de Judar. Não queria que ela o associasse a seu país. E estava con­tando com a ignorância que ela já confessara. Ela nunca se dera ao trabalho de procurar no mapa o reino do pai biológico. Senão, teria visto que Zohayd era vizinho de Judar e de Dahmoor também. E isso talvez lhe provocasse desconforto. Porém, só sentia nela choque e indecisão. E sabia como acabar com isso.

Ele deixou os olhos pesarem de mágoa fingida.

— Você ainda não confia em mim, não é, Farah?

Isso provocou a resposta que ele já esperava.

Ela disse, veemente:

— Não. É que é uma oferta tão repentina, tão... tão grande, tão maravilhosa... E, depois de tudo que aconte­ceu esta noite, não só perdi o controle como também estou no ar... de todos os modos possíveis.

Ele sorriu para ela. Aquilo estava dando certo. Ele rea­lizaria sua previsão, saboreando-a à vontade.

Saboreou-a naquele instante...

— Diga sim, Farah.

Ela se derreteu nele, oferecendo-lhe os lábios para se­rem consumidos, o corpo todo dizendo sim por ela.

Quando ele se afastou para ela consentir verbalmente, ela arquejou.

— Mas ainda tenho de voltar para casa...

— Não, não tem, ya gummari.

— Preciso trocar de roupa, e preciso arrumar as malas. Só tenho comigo as minhas chaves. No momento, não sou ninguém, sem dinheiro, passaporte ou até uma escova de dentes...

Ele calou seus protestos comum beijo demorado.

— Isso é um sim?

Ela sibilou a palavra prazerosa de capitulação na boca de Shehab.

— Sim.

Ele se saciou por todo o tempo possível, depois se afas­tou, triunfante.

— Você pode trocar de roupa agora mesmo. Deixo mi­nha irmã usar o jato em suas viagens aos Estados Uni­dos, e ela deixa roupa a bordo. — Saboreou mais uma vez aqueles lábios rosados. — Vamos ver... O que falta? Uma escova de dentes. Logo você terá uma dúzia para escolher. Um novo passaporte estará à sua espera quando chegar­mos, assim como qualquer coisa que você queira ou pre­cise. Depois, podemos voar para Damhoor ou Bidalya, se precisar escolher alguma coisa.

— Mas não tenho dinheiro... ah, tudo bem. Nem acre­dito que me preocupei com isso. — Então, ela havia lem­brado que seria sua convidada, inteiramente subsidiada, era claro. — Levará alguns dias para emitirem novos cartões de crédito. — Era a isso que ela se referia? Não esperava que ele gastasse dinheiro com ela? De repente, ela arregalou os olhos.

— Como sou idiota! Estou falando em escovas de den­tes e cartões de crédito, e não estou providenciando minha licença do trabalho.

Ele lhe ofereceu o telefone.

— Faça isso.

Ela sacudiu a cabeça, endireitou-se e procurou a bolsa. Ele a pegou antes de se sentar diante dela. Ela pegou seu próprio telefone com dedos trêmulos e apertou o botão de discagem automática.

Em instantes, dizia:

— Bill, sou eu. Não, nenhum problema. — Pausou ao ouvir os resmungos rancorosos do outro lado. — Descul­pe acordá-lo. Cinco da manhã? — Ela lançou um olhar incrédulo para Shehab. — Eu... eu não percebi que era tão tarde. — Outra pausa. — É. Saí cedo do baile. Você nem foi, hein? Escute, Bill. Não vou trabalhar amanhã... quer dizer, hoje. Não, não estou doente. Desde quando falto quando estou doente? — Uma pausa mais prolongada.

— Bill, não estou tirando um dia de folga, estou tirando férias.

Ela parou, esperando que Bill falasse. Parecia que ele estava atônito demais para falar. Ela continuou:

— Não se preocupe. Está tudo em ordem, e é só me li­gar se quiser me perguntar alguma coisa, ou então mandar um e-mail.

Houve uma explosão do outro lado. Ela fez uma careta. Finalmente, ela o interrompeu.

— Concordo que lhe dei motivos para pensar que eu era um andróide, mas examine o meu contrato e verá que sou um ser humano com aqueles benefícios chatos cha­mados direitos humanos. E também tem a descrição das minhas obrigações, e ambos sabemos que servi acima e além delas.

Calou-se novamente, mas Bill já havia se acalmado.

— É, já é mais que hora. Ah, não sei por quanto tempo. — Olhou para Shehab. Ele sacudiu a cabeça. Levaria o tempo necessário para fazer dela uma noiva Aal Masood. Ela sorriu para ele com olhos vorazes antes de voltar a falar com Bill. Voltou a sorrir, dessa vez afetuosamente.

— E você, cuide-se. — Abaixou a voz e virou o rosto, sorrindo ao murmurar: — Também vou sentir falta de você.

Shehab sentiu como se tivesse levado uma bofetada no rosto.

E todos os preconceitos que tinha sobre ela voltaram, destruindo o encantamento dela, atirando Shehab de volta à dura realidade.

Lá estava ela, a mulher que lhe oferecera um caleidos­cópio de emoções nas últimas dez horas, sentada diante dele, seu futuro amante, conversando com o amante atual, mentindo para ele, para ambos, sem pestanejar.

Ela fechou o telefone e olhou para ele, cheia de alegria, parecendo uma garotinha que acabara de fazer uma travessura pela primeira vez na vida.

Ele lutou para não olhá-la agressivamente, para aces­sar o desejo que era independente de sua opinião sobre ela. Sentiu o desejo ficar mais violento, livre agora das cadeias da ternura, do freio da empatia, e lutou para não se levantar e se atirar sobre ela. Nem tinha idéia de como conseguiu apenas sorrir e abrir os braços para ela.

Ela se levantou e correu para se atirar neles, com seu vestido de conto de fadas, uma feminilidade avassaladora e um fingimento imperceptível. Uma coisa, porém, não era fingida.

Mal podia esperar por ele.

Ele a faria esperar. E, quando chegasse a hora, ele terminaria a espera. Iria saciar-se dela. Depois, quando ela tivesse cumprido sua finalidade, mesmo continuando a fraude do casamento, ele a descartaria. Sem nenhum remorso.

 

Shehab fazia coisas com Farah que ela nem sabia que podiam ser feitas.

Durante o voo inteiro ele provara a ela que não havia limite para as sensações que podia provocar nela.

Ele agora examinava sua mão enquanto conversavam. Passava as pontas dos dedos pela mão toda, acariciando-a e manipulando-a em todos os detalhes. Ela estava deitada, envolvida no vestido leve de algodão branco da irmã dele, encharcada pelo suor frio da estimulação, atormentada, hipersensível, e rezando que ele nunca parasse de expô-la à sua atenção e apreciação.

Subitamente, ela interrompeu o relato dele sobre o vi­zinho Damhoor.

— Eu não tinha idéia de que mãos poderiam ser zo­nas erógenas. — Começou a morder os lábios, parou e suspirou.

Eles haviam conversado sem parar durante as últimas 20h. Ele agora já sabia, com certeza, que o cérebro dela não tinha um sistema de filtragem para evitar que comen­tários inadequados jorrassem sem censura, e continuava assegurando-a de que a amava.

O sorriso dele deixou-a sem ar. Desde o momento em que aceitara o convite, ela sentira alguma mudança em Shehab. Como se ele antes estivesse se reprimindo, e ago­ra tivesse se soltado. Isso a preocupava.

Ela confiava nele, queria que ele sentisse tudo tão in­tensamente quanto ela. E a intensidade dele tinha tantos níveis e texturas que parecia um oceano profundo, em que ela podia mergulhar para sempre, explorando e experi­mentando, sem nunca sondá-lo.

— E eu não tinha idéia de que só segurar as suas mãos poderia despertar novas áreas erógenas tanto no meu cor­po quanto no meu cérebro. — Ela sentiu seu ardor au­mentar ainda mais com essa confissão. Já estava viciada no jeito como ele era franco quanto ao que sentia. Ele levou a mão dela aos lábios, deslizando a língua levemen­te em sua palma. Ela estava se contorcendo antes de ele se afastar.

— E, a propósito, chegamos.

Ela- se virou para olhar pela janela. Estavam descen­do, aproximando-se da ilha dele. Tinha a forma de um feijão irregular, e, à luz do sol, as praias que a cercavam brilhavam quase como prata, imaculadas, exceto por uns manguezais em algumas áreas. O jato agora sobrevoava uma ponta da ilha, bem acima de um enorme prédio bai­xo. Palmeiras e muitas espécies de vegetação desértica cercavam-no por três lados.

Ela virou-se para ele.

— É uma ilha de verdade. Ele sorriu maliciosamente.

— Era essa a idéia quando lhe disse que era uma ilha. Sabe, terra cercada de água por todos os lados.

Ela o cutucou, brincando.

— Não entendo muito de geografia, mas sei disso. Achei que fosse uma daquelas porçõezinhas de terra anunciadas na internet como ilhas particulares. Mas isto... uau! Qual o tamanho dela?

Sem ela saber por que, seu olhar desceu pelo corpo dele até chegar à protuberância na calça dele. Ela o desviou, e descobriu que o olhar dele tinha acompanhado o seu no passeio fascinado. Então, os olhos dele se ergueram, ardentes, desafiadores.

— O que você acha?

— Grande. — E não havia dúvida daquilo a que ela se referia. O rosto dela ardia de constrangimento.

Ele resolveu apiedar-se dela, fingindo que não falavam de seus dotes.

— Tem cerca de 380km2.

— Isso é mais do que as Malvinas todas juntas.

— Então entende de geografia.

— Só sei disso porque Bill recentemente expandiu seus interesses comerciais por lá.

Ele continuou sorrindo, mas agora parecia o sorriso congelado que ela via no vídeo ao apertar a pausa. E, mais uma vez, inquietou-se.

Isso tinha acontecido todas as vezes que ela mencio­nava Bill. Será que Shehab soubera que Bill tinha uma amante mais moça, e suspeitava de que fosse ela? Se fosse isso, ela morreria de vergonha.

Mas ele não era do tipo que deixava algo assim sem verificação. E Farah tinha certeza de que ele seria incapaz de se aproximar da mulher de outro homem, amante ou qualquer outra coisa.

Não. Ele não podia saber. Graças a Deus. E ela prefe­ria morrer a explicar como essa fraude, que ela pretendia terminar assim que visse Bill novamente, havia come­çado.

Então, o que significaria a imobilidade que o envolvia sempre que ela mencionava Bill?

Fosse o que fosse, ela não devia tentar analisar. Agora sabia que qualquer temor que sentia se originava nela, por não conseguir acreditar em sua própria sorte.

Olhava a terra se aproximando, e percebeu, subitamen­te, o que havia de errado nisso. Não tinha pensado...

— ...que aterrissaríamos aqui. Ele ergueu a sobrancelha.

— Pode explicar esse comentário a uma pessoa cuja língua nativa não é o inglês. Ela gemeu.

— Você teria de saber falar "farahês" para entender. É uma língua falada metade mentalmente, com a outra me­tade falada em voz alta, parecendo incoerente.

Ele franziu os olhos e acariciou o rosto dela.

— Não faz idéia de como estou ansioso para ser fluente em "farahês". Mas acho que começo a aprender. Não achou que íamos realmente aterrissar na ilha, não é?

— Você entendeu. Uau! Geralmente ninguém entende, nem quando tento explicar.

Ele franziu a testa.

— Não adianta explicar para mentes engessadas. Mas sou quase grato a esses infelizes. Eles a fazem me apreciar mais.

— Ufa... eu tinha uma imagem de uma ilhota, e pensava que aterrissaríamos num reino vizinho è depois iríamos para lá de barco ou helicóptero.

Eles aterrissavam enquanto ela falava.

Ela se levantou de um salto e gemeu enquanto tudo nela gemia também.

Ele a amparou, preocupado.

— Minhas juntas precisam de óleo depois de eu ficar sentada tanto tempo.

Ele acariciou-lhe o rosto suavemente.

— Da próxima vez, aceite o meu conselho. Se tivesse se deitado em um dos quartos, não estaria tão dolorida agora.

Assim que saíram do avião, foram recebidos por uma lufada de ar quente e seco que a fez arfar. Ele a segurou enquanto desciam para a pista.

Se ela pensava que ver Shehab ao luar tinha aumentado a sua aura mística, sua beleza, tinha se enganado. À luz impiedosa do sol da ilha, Shehab era... Não havia um úni­co adjetivo que o descrevesse. Nem uma dúzia.

Quando uma barba de doze horas faria a maioria dos homens parecer desleixada, nele só o fazia parecer mais com uma estátua de bronze. Tudo, os olhos e cabelos ne­gros, as feições cinzeladas, parecia ainda mais bonito ao brilho impiedoso do sol.

Antes de, mais uma vez, imaginar como alguém assim podia estar tão impressionado com ela quanto ela com ele, foi levada apressadamente para um helicóptero negro de um tipo que ela desconhecia.

Em instantes, ela estava afivelada no banco de passa­geiros, e ele estava no banco do piloto, e eles se afastavam do miniaeroporto num arco suave para sobrevoar o terre­no rochoso e arenoso da ilha quase virgem.

— Você sabe voar! — ela exclamou.

— Não, não sei. Não sei nem levitar por conta própria. Mas estou tratando disso.

Ela beliscou o braço dele, e ele jogou a cabeça para trás numa gargalhada. Ela estava ficando viciada no jeito , como ele brincava com ela. Ela brincou também.

— Bem, até conseguir isso, você me ensina a pilotar esta beleza?

— Ensino você a pilotar, yajameelati. Tudo. — Seus olhos ficaram pesados de promessas. — E de todas as maneiras.

Em dez minutos, aproximavam-se da mansão que ela vira do jato. Depois, estavam aterrissando num pátio pavimentado aninhado entre palmeiras.

Ele correu para ajudá-la a descer. Assim que saiu do helicóptero, ela cambaleou.

Ele a ergueu nos braços.

— O calor é demais para você? Ela deitou a cabeça no ombro dele.

— Agora, é. — Ele riu e caminhou a passos largos até a mansão, que parecia deserta. — Mas o que me pegou mesmo foi o ar puro. Sinto-me como um peixe fora d'água... longe da poluição e do monóxido de carbono. Ele riu novamente.

— Sereia, não peixe. Mas vou desintoxicá-la. Sua beleza merece só o melhor que esta terra tem a oferecer.

Surpreendida de novo pelos elogios dele, ela se agarrou a ele e observou a mansão.

Feita de arenito, e com cerca de 3.000m2, combinava a crueza do habitat natural, a riqueza da cultura e a grandeza da prosperidade. Tinha aspectos arquitetônicos da Ará­bia e da Ásia inteiras. Como seu dono, era uma mistura do melhor de todos os mundos. E, como ele, p efeito total era de tirar o fôlego.

Assim que ele subiu os degraus que levavam a um pátio de colunas, lacaios em trajes árabes se materializa­ram, correndo para abrir as gigantescas portas duplas de carvalho.

Ela pestanejou ao vê-los, enquanto Shehab se encami­nhava para o interior escurecido. Ela deveria ter imagi­nado que um lugar daquele tamanho tinha de ter dezenas de empregados. E ficariam invisíveis até Shehab precisar deles.

Perturbada por ter sido vista nos braços de Shehab, ela tentou se libertar. Mas ele apertou os braços e beijou-a na testa.

— Está exausta, ya jameelati. Deixe-me mimá-la.

Ela amoleceu em seus braços, rendeu-se aos cuidados dele. Ele tinha razão. Estava exausta. Eles tinham se co­nhecido havia trinta horas, e pareciam trinta dias caóticos. Semanas. Dentro de dez dessas horas, ela tomara uma de­cisão que ia mudar sua vida, mudar a ela mesma, para sempre.

Ao ser levada por ele pela mansão, ela mal percebeu todos os detalhes grandiosos. Registrou apenas extensões enormes de pisos de mármore cor de areia, e uma fonte imensa no centro de tudo. Ao passarem por ela, o barulho da água a abalou até os ossos.

Ele subiu por um lado de uma escadaria larga que se bifurcava para o andar superior, e entrou num corredor mais largo que o apartamento dela. Ainda segurando-a firme com um braço, ele abriu uma porta e entrou num quarto imenso. Dele?

Ela só teve uma impressão de pisos polidos, tetos al­tíssimos, paredes brancas e janelas cobertas de cortinas semiopacas cor de tijolo que transformavam o ambiente do quarto num sonho íntimo e caloroso.

A única coisa que viu detalhadamente foi a cama. Enor­me, coberta por lençóis brancos e uma colcha com um desenho árabe em tons de terra. Ele afastou as cobertas e deitou-a na cama.

Ela se agarrou a ele, gritou quando ele desabou em cima dela, seu peso, seu calor, seu poder reprimido apertando-a com a medida certa de domínio e consideração para deixá-la sentir o desejo dele, para fazê-la sentir-se acarinhada.

Ela se enrascou nele, e ele gemeu, apertou-se ainda mais contra ela, inundou-a com seu sabor, seu toque.

Depois daqueles momentos surreais no jardim, ela evitara visualizar o que realmente aconteceria entre eles. Não tinha precedentes na questão de intimidade, senão uma experiência terrível. Não podia prever nada, tinha até medo de fazer isso. Temia que a realidade sofresse em comparação com a fantasia.

Devia ter percebido. Ele era mágico. Melhor do que qualquer coisa que ela pudesse imaginar. Era o seu ideal. Aquele que ela acreditara que existia antes de a vida es­magar suas esperanças. Ele era único. E ela o queria. Todo ele. Agora. Agora.

Ele se desembaraçou de seus braços.

— Devagar... Disse que iríamos devagar.

— Mas eu não quero ir devagar. Nunca precisei... mas preciso de você...

— La, ya ghawyeti. — Ele prendeu as mãos inquie­tas dela, beijou-as e cruzou-as sobre seu coração. — Não, minha tentadora. Você está extenuada, e não é assim que quero que se sinta durante a nossa primeira vez. Tem de ser gloriosa, memorável. Então, vamos com calma. Como prometi. E cumpro minha palavra. Sempre. — Puxou as cobertas e as apertou em volta dela. Foi até as janelas e fechou o forro de blecaute debaixo das cortinas, mergu­lhando o quarto em escuridão. Voltou a ela, debruçou-se e apertou os lábios em sua boca com tanto carinho que seus olhos se encheram de lágrimas.

— Agora durma, ya hayatti. E sonhe comigo.

 

Seus sonhos jamais haviam sido assim.

Antes, seus sonhos eram insípidos, sem graça, logo esquecidos.

Agora, eram vibrantes, cheios de emoções, excitantes. Levavam-na a campos deliciosos, possíveis e impossíveis, onde ela voava ao lado de seu cavaleiro do deserto.

No momento, tornavam-se tangíveis.

O prazer a inundava através de carícias suaves e calo­rosas, apimentadas com um aroma masculino. Ela envol­veu seu sonho nos braços, segurou firme. Ele se expandiu, e se afastou com um ronronar preguiçoso.

— É incrível tê-la me devorando enquanto dorme, ya gnmmari, mas prefiro que faça isso acordada.

Em pânico, ela procurou segurá-lo e, alarmada, abriu os olhos. E algo bem melhor que qualquer sonho encheu-lhe os olhos. Shehab.

Ela gemeu seu nome.

— Shehab...

O sorriso dele, o ar indulgente, fizeram com que ela sentisse que ia se derreter na cama.

Ele fez cócegas em seu nariz com uma mecha de ca­belos.

— Está acordada agora, ou vamos ter outra sessão de falar dormindo?

— Adoro quando você me provoca... oh. — Ela saltou na cama, pulou por cima dele e para o chão. Ele também se pôs de pé, assustado.

— Banheiro — ela guinchou.

Ele riu e apontou para uma porta no extremo do quarto enorme. Ela se atirou para lá.

Debelada a urgência, ela agradeceu a oportunidade de se arrumar. Nunca havia acordado com outra pessoa, não iria interagir com ele antes de estar impecavelmente limpa.

Estava tão consciente da presença dele lá fora que nem reparou na opulência do banheiro, todo em mármore e ouro. Ficou ainda mais consciente de sua cara amassada de sono quando saiu do banheiro o encontrou, uma cria­tura saída dos contos árabes, recostado na cama, comas pernas cruzadas nos tornozelos. A única coisa que a tran­qüilizava era o fato de que ele a olhava como se olhasse para um banquete e estivesse faminto.

Aproximou-se, sentindo-se desajeitada, o coração to­mado de incerteza. E incredulidade.

Deus, estava mesmo ali. Do outro lado do mundo. E ele a esperava para se deitar com ela na cama, um ímã ine­xorável, e ela, um alfinete impotente. Isto estava mesmo acontecendo? Ela, Farah Beaumont, a eterna deslocada, sendo entendida e apreciada, desejada por este homem inacreditável?

Hesitou, ainda zonza. Ele abrira as cortinas, e luz pene­trara no quarto. Quantas horas tinha dormido?

Com uma das mãos, ele indicou o lugar a seu lado, e ela pulou para lá, aninhando-se nele como um gato.

— Era mesmo uma emergência — ele disse, a voz de barítono cheia de humor.

Ela riu.

— É, que coisa estranha! — Deu um salto repentino.

— Você não tem que ir trabalhar, cuidar da crise?

— Já fiz isso por hoje. Fui pela manhã. Estive em reu­niões e negociações durante seis horas.

— Como? Seis horas?! Como pode, hoje de manhã... — De repente, percebeu. — Meu Deus, quanto tempo dormi?

— Quer o intervalo em horas ou dias?

— Dias?! — Ela caiu nos braços dele novamente. — Pare de caçoar de mim e diga exatamente quanto tempo dormi.

— Dormiu exatamente 24 horas, 3 minutos e 43... 44 segundos.

Ela o cutucou, beijou, gemeu contra os lábios dele,, tudo ao mesmo tempo.                                                       s

— Foi culpa sua. Nunca dormi mais de seis horas.

Ele se rendeu a ela, as mãos irrequietas em suas costas, gemendo cada vez mais alto enquanto os lábios dela lhe tocavam o rosto todo.

— Declaro-me culpado. Arranquei-a de seu mundo, mantive-a acordada por um dia inteiro. Devia ter insistido que você dormisse.

Ela recuou, passando as mãos pelos ombros dele.

— Nunca poderia dormir enquanto você estava acorda­do. Mas você não foi derrubado pelas horas sem dormir, como eu. Até trabalhou o dia inteiro.

Ele passou a mão pelos cabelos dela.

— Durmo pouco por natureza. — Com os lábios bem juntos dos seus, ele murmurou: — Que tal montar?

Ela se afastou de olhos arregalados, com mil imagens explodindo na cabeça. Carne cinzelada, úmida de esforço, rija de excitação, debaixo dela, em volta dela, as mãos dele abarcando sua cintura, movendo-a para cima e para baixo...

— Hein?

Ele percebia tudo que lhe passava pela cabeça, com certeza. Em resposta, ele sorriu de leve, e a voz enrouquecida era a única indicação de que tinha sido afetado pelos pensamentos dela.

— Você monta? Cavalos? Oh. Oh

— Não desde adquiri aquela cicatriz. Mamãe teve um ataque e proibiu papai de me levar para o rancho.

— A última gota, hein? Então já tinha aprontado mui­to. Não se preocupe. Vou lhe dar minha égua mais dócil para montar. Mas, primeiro, algo para comer. Deve estar faminta.

E estava. Por ele. Mas ele não estava por ela? Achava que ele ainda não tinha feito amor com ela porque ela es­tava exausta. Mas ela agora estava refeita. Então, por que ele não...?

Ele a puxou para si, enterrou o rosto em seu pescoço, trazendo-a para entre as pernas, não deixando dúvidas sobre o tamanho de seu desejo, espantando-a mais uma vez com seu controle. Shehab gemeu quando ela se moveu de encontro a ele, tentando inconscientemente aliviar a tensão do desejo. A arremetida dele em reação a isso pa­recia involuntária, e ele rosnou dolorosamente antes de segurar-lhe as nádegas e apertá-la ainda mais contra sua rigidez, impedindo-a de se mexer e enlouquecendo a am­bos ainda mais.

A voz dele estava controlada quando ele murmurou:

— Vamos passar o resto do dia passeando pela ilha. O que não cobrirmos hoje, cobriremos nós dias a seguir. Temos todo o tempo do mundo.

Ele lera seus pensamentos novamente. E era essa a resposta dele. Demonstrando que estava faminto por ela, como seu corpo mostrava. Mas suas palavras eram claras.

Quando dissera que iriam devagar, não estava men­tindo.

E, de repente, isso a assustou.

Naquela noite, no jardim, ela estava disposta a tudo para se unir a ele. Quando ele oferecera lentidão, ela acei­tara, pois era melhor do que esperava.

Mesmo quando ele a convidara para sua casa, ela não esperava nada, senão a satisfação daquele desejo irrepri­mível que sentia por ele. Eufórica pelo fato de que um homem maravilhoso como ele existia e a desejava assim também. Jamais tivera a esperança de que o caso durasse muito tempo. Aceitara isso sem o menor ressentimento. Teria sido o bastante para sua vida inteira.

Mas, agora, ele lhe oferecia o que ela nunca esperara de homem algum tempo. E não apenas tempo para seduzi-Ia, mas tempo para saboreá-la, ela, não seu corpo. E agora ela compreendia.

E sabia o que o tempo faria.

O tempo destruiria a simplicidade da equação. Ela não ficaria satisfeita com apenas um relacionamento físico passageiro. Se ela conhecesse bem o homem que havia além da fachada do macho, talvez pensasse que poderia haver mais. E dessa mágoa não haveria volta.

Queria lhe implorar que não aumentasse o sentimento que já a dominava, abrindo caminho para a frustração, a desolação. Mas algo a impediu de confessar seus pensa­mentos, sua vulnerabilidade.

Tinha de tentar modificar o comportamento dele.

Deslizou pelo corpo dele, esfregando-se naquele aço rijo, saboreando seu pescoço, mordendo-lhe o lábio infe­rior, e gemeu um pedido.

— Podemos explorar amanhã. Hoje, só quero explorar você.

Ele calou a súplica, invadindo sua boca, esgotando-a até ela amolecer em seus braços.

— Você vai me explorar. E eu vou explorá-la, possuí-la, fazer tudo com você.

Depois, levantou-se da cama, ergueu-a nos braços e foi até o outro extremo do quarto, entrando num toucador lin­damente equipado.

Sentou-a num sofá diante de um espelho de parede in­teira antes de ir para os armários que tomavam outra pare­de. Dali, ele tirou roupas que pareciam réplicas dos trajes dele, e voltou para ela. Então, ajoelhou-se diante dela. Segurou um pé e depois o outro, tirou-lhe as sandálias e depois, como no jardim, apertou um pé contra o coração. Desta vez, quando seus lábios pairaram sobre sua carne desceram e fizeram contato.

Ela se arqueou num espasmo de emoção ao vê-lo, senti-lo, só de pensar nele beijando seus pés.

— Nunca esperei para satisfazer meus desejos, ya gal. bi. — A voz dele estava enrouquecida, tensa, enquanto ele arrastava a língua e os lábios sobre os seus pés, a barriga da perna, o interior das coxas. Ela estremeceu, implorando, quando ele se afastou e colocou as roupas no colo dela. — Mas posso esperar por você. Esperar até tudo es­tar perfeito.

 

Perfeito.

Farah olhava, furiosa, para a gravura de madeira pen­durada na entrada da estrebaria de Shehab. O termômetro marcava 45°C. À sombra. Seria a temperatura do ar, ou a dela?

Mesmo uma hora depois daquele episódio em seu quar­to, depois de uma refeição e uma ducha, e depois de vestir as roupas escolhidas por ele, ela ainda fervilhava.

Tudo que ele dizia e fazia a mantinha em fogo lento. Antes de deixá-la para resolver uns detalhes, ele insistira que ela entrasse na estrebaria e a beijara ardentemente.

Ela cambaleou lá para dentro, em busca de sombra, o sol era impiedoso, mesmo perto do ocaso, mas Shehab tinha o cuidado de protegê-la. Roupas leves e soltas, hidratação constante, e todas as partes expostas do corpo cobertas de protetor solar. Ela lhe garantiu que lidava bem com sol e calor. Ele insistia que ela não estava acostumada com isso. Era preciso aclimatá-la aos poucos. Não poderia ser cuidadoso demais com ela.

Ela achava que sim. Era cuidadoso demais com ela. E isso a deixava louca.

Empurrou os óculos escuros para a cabeça e, quando sua vista se ajustou, uma égua prateada surgiu da escu­ridão, esperando pacientemente no corredor, de sela e ré­deas. Olhava firmemente para Farah, e era uma beleza.

Farah conhecia puros-sangues árabes, e esta era um. Ela estava admirando a égua quando essa trotou em sua direção, com as orelhas para trás, as narinas dilatadas, resfolegando, ameaçando...

— Ablah.

Com a repreensão de Shehab, a égua parou imediata­mente, levantando as orelhas, parecendo constrangida. Farah virou-se para ele.

— Espero que esta não seja a sua égua mais dócil.

— Na verdade, é. — Ele sorriu maliciosamente. — Gosto dos meus cavalos fogosos.

— É, e parece treiná-los como cães de guarda também.

— Ela geralmente não vê estranhos. Provavelmente es­tava cautelosa.

Ela fez uma careta.

— Não me parecia cautelosa, e já não sei se quero revi­ver a minha experiência eqüestre.

Ele a olhou pensativamente, depois se virou para a égua.

— Ablah... ta'ee hena. — Ablah trotou até ele e ani­nhou o focinho em seu pescoço. Ele segurou o focinho dela e falou com ela em árabe. Ablah parecia envergo­nhada.

Farah estava incrédula.

— O que disse a ela?

— Que eu estava aborrecido porque ela não foi amável com você, que você é a mulher que almejo.

— E isso vai fazê-la mais amável? Ela está morrendo de ciúmes.

— É um cavalo, Farah.

— É uma égua, Shehab. Aposto que fêmeas de todas as espécies morrem por você por aqui.

Ele riu e beliscou sua bochecha suavemente.

— Posso lhe garantir que Ablah não vai tentar se livrar da concorrência. Mas, se você não se sentir à vontade, eu r monto nela e você vai em Barq. — Ele fez uma festinha no pescoço de outro cavalo que acabara de ser trazido por um cavalariço. — Ele está encantado com você.

Farah olhou para Barq, um magnífico garanhão negro que parecia bem mais dócil do que Ablah. Depois, olhou nos olhos da égua, que pareciam desafiá-la.

— Não, acho que vou me entender com Ablah. Ele sorriu com aprovação.

— Esta é ajameelati, sempre fazendo o inesperado.

— E, e vamos rezar para que eu não faça mesmo o inesperado e passe minhas férias engessada. A propósito, o que significa Ablah?

— "Formada com perfeição". Barq significa "relâm­pago".

Farah olhou para a égua magnífica e suspirou.

— E ela sabe disso. E, se o nome de Barq também o descreve, acho que fiz bem em resolver montar Ablah.

Ele a abraçou, levantando-lhe o rosto para o seu.

— Sabe que não proporia que você montasse qualquer dos dois se não tivesse certeza absoluta de sua segurança? — Ela assentiu com um sorriso de total confiança nele.

O sorriso dele se alargou e ele a ajudou a montar. Quando ela se sentou na sela, Ablah relinchou, aflita.

— Ora, pare com isso. Não sou nenhuma pluma, mas seu dono pesa muito mais do que eu.

Ablah bufou, sacudiu a cauda. Shehab riu do diálogo entre a mulher e a égua. Depois, inclinou-se para Ablah e murmurou em seu ouvido, com os olhos em Farah.

— Efaddebi.

Ablah ficou imóvel, olhando para frente como um sol­dado, obediente e firme.

Farah deu uma risadinha.

— Que foi isso? Uma palavra mágica? Os olhos dele brilharam.

— Comporte-se.

Ela quis gritar que estava-se comportando, que tinha desistido de insistir em sexo. Então, percebeu que ele es­tava apenas traduzindo.

Mas não. Ele também estava avisando a ela para não tentar encurtar o tempo que ele resolvera que passariam juntos sem intimidade sexual.

Antes de ela poder dizer alguma coisa, ele montou em Barq, abaixou os óculos escuros dela e colocou os dele, puxou as rédeas de Barq e deu um tapinha na anca de Ablah, e os dois cavalos se puseram em movimento.

 

No princípio, Shehab ficou bem perto de Farah, orien­tando e incentivando-a, até que, com um grito de alegria exuberante, ela começou a galopar, com o vento fazendo seus cabelos voarem como uma chama bronzeada.

E ele, mais uma vez, foi forçado a reconhecer que era um milagre. Ele estar ali, levando-a num tour pela ilha, em vez de estar na cama, fazendo sexo com ela. Levando-a para montar a cavalo, em vez de tê-la mon­tada nele.

E era o que ela queria, implorava.

O que lhe dava forças para resistir era que, ao prolon­gar a sedução, ele sentia o prazer da expectativa, da exci­tação cada vez maior.

A alegria dela o deixou eufórico, e ele gritou para ela:

— Você é uma amazona nata, ya saherati.

— Ablah é que é ótima. É ela que está fazendo tudo.

Daí em diante, conversaram e riram o tempo todo. Ele a levou num passeio completo pela ilha, e ela se mostrou interessada e impressionada. Depois, no ponto mais alto, de onde se descortinava os dois lados da ilha, eles pararam e ele a desmontou de Ablah e a levou para a manta debaixo de uma tenda que mandara erguer.

Sentou-se e tomou Farah no colo, atravessada nele, com as costas apoiadas no seu joelho, os seios contra o seu pei­to e as nádegas sobre sua excitação. Ele tomou os lábios que ela oferecia, mergulhou naquela doçura, e só se afas­tou quando a doçura virou tormento. Olhou aqueles olhos verdes, que rivalizavam com as águas do litoral de sua ilha. Ela era tão desejosa, tão generosa, tão confiante...

Não. Desejosa, sim. Generosa, não. Ela só queria to­mar. Ele nunca devia se esquecer disso.

Afastando os olhos do encantamento dela, ele conti­nuou a explicação.

— Daquele lado da ilha, a água é rasa por mais de 3km, até afundar aos poucos. Do outro lado, o chão afunda mais de 30m de repente. Sabe nadar?

— Não nado há mais de dez anos, mas eu era um peixinho quando papai era vivo... — Ela parou, mordendo os lábios.

Todas as vezes em que mencionava o pai adotivo, fica­va triste. Ele queria sondá-la, estava louco para ouvir sua versão do motivo que â fizera rejeitar tão veementemente o novo pai que o destino lhe enviara.

Mas não. À primeira falha, ela havia percebido que es­tava sendo manipulada. Ele não podia arriscar outro erro.

Puxou-a para mais perto, espalmou-lhe o seio.

— Então, é uma sereia de verdade. Eu sabia. — Con­seguiu distraí-la, e ela se derreteu nele, empurrando o seio na sua mão, para ele fazer o que quisesse. — É mais uma perfeição, ya aroosat bahri, minha sereia. A luz do dia, vou levá-la para o lado mais fundo, mergulhá-la nos recifes de coral. Ao luar, passearemos no raso, banhando-nos lá.

Ela estremeceu com as imagens evocadas, e ele prosse­guiu sua sobrecarga sensual.

Limpou as mãos, tirou uma bebida da cesta que provi­denciara, encheu um delicado copinho de cristal e o levou aos lábios dela.

Ela tomou um golinho e gemeu de prazer.

— Humm, o que é isto?

— O célebre café árabe. Para melhorar o efeito, coma isto...

Ela prontamente abriu a boca para receber a tâmara seca que ele lhe levava aos lábios, e gemeu com aque­la doçura caramelada. Depois de ela tomar três xícaras de café e comer meio pacote de tâmaras, ele começou a acariciar seus lábios, incentivando-a a lamber-lhe os dedos. Ela logo começou a sugá-los com força, e cada puxão ia direto pára a virilidade dele, onde Shehab qua­se sentia aqueles lábios fazendo a mesma coisa. Tirou os dedos da sua boca e segurou as mãos dela entre os joelhos, obrigando-a a ficar imóvel, senão ele explo­diria.

— Já disse para se comportar.

Aqueles olhos enevoados de excitação ficaram cons­trangidos com o rosnado dele. Ele apressou-se a acrescentar:

— Se você se comportar, levo-a para ver as flores e a grama que surgiram com as chuvas de algumas semanas atrás. Talvez vejamos gazelas.

Ela logo se animou.

— Gazelas? Existem gazelas aqui?

— Mais de 300, em liberdade — ele respondeu. Ela gritou, levantou-se e puxou por ele.

— Levante, levante. Vamos vê-las. Ai, que pena que não tenho uma câmera, nem mesmo o meu telefone.

Ele lhe deu o próprio telefone.

— Fotografe à vontade. Elas não fugirão. Estão acos­tumadas comigo e com os cavalos. Pode até alimentá-las, se quiser.

— Se quiser?— ela guinchou. — Se uma gazela comer na minha mão, morro, mas morro feliz.

— Mude isso para viver e viver feliz, que eu lhe asse­guro que alimentará gazelas hoje, ya gummari. Depois, vou levar algumas para a mansão, para você alimentá-las regularmente.

Ela quase o sufocou com muitos abraços apertados.

— Obrigada... obrigada... por me dar isso. — E, de­pois, abrindo os braços: — E tudo isto.

Ele a fitava. Esta mulher que estava extática por poder alimentar gazelas era mesmo real? Como podia coexistir com aquela que manipulava o amante idoso para concor­dar com essa aventura dela, e até pedir a ela que sentisse falta dele? E ela lhe garantira que sentiria, enquanto devo­rava Shehab com os olhos...

Deu um sorriso forçado, dizendo:

— Ainda não fiz nada, ya galbi. Quero lhe dar o mundo inteiro.

— Oh, Shehab, é maravilhoso ouvir isso, mas o que eu faria com o mundo inteiro? Prefiro as gazelas. — Com isso, ela gritou de alegria novamente e correu de volta para Ablah.

Ele estava determinado a nunca lhe dar o que queria na hora em que queria. Era o único jeito de evitar que ela vencesse a batalha que nem sabia que travavam.

Depois, ela se virou para ele, incandescente de excitação, num ímpeto que o dominava.

E ele desistiu, e obedeceu. Correu para ela.

 

— ...movendo as asas lenta e graciosamente, a arraia-jamanta voava pelas águas como uma grande ave alienígena.

As palavras de Shehab acariciavam-lhe a nuca enquan­to ele a ajudava a vestir a roupa de mergulho. Ela suspirou, absorvendo tudo. O calor e a presença dele, o movimento suave do iate, o calor do sol matinal, a pureza da brisa salgada. Era um mundo novo e incrível. Ele lhe contava todas as aventuras que tivera antes daquelas últimas duas semanas gloriosas, semanas que a fizeram se esquecer da vida na cidade e da solidão.

Hipnotizada, ela ouvia cada sílaba das histórias que ele contava.

— Tinha mais de 7m de largura, e parou bem na minha frente. Seus olhos enormes me fitaram por um momento, depois se moveu e foi embora. Eu tinha 9 anos e era o meu primeiro mergulho no recife de coral. E ver aquele monstro gentil me deu uma amostra da vida submarina que queria explorar. Mas levei mais de duas décadas para realizar o meu sonho de infância, quando finalmente tor­nei-me dono deste lugar.

— E é magnífico. Sou privilegiada de você querer compartilhar isso comigo.

E sentia-se mais do que privilegiada. Sentia-se aben­çoada.

Duas semanas antes, temia ser consumida pelas emo­ções. Mas isso também era glorioso. Não podia desejar mais. Pois, o que mais poderia haver? Isto era tudo. O homem que ultrapassava todos os seus sonhos esbanja­va pacientemente seus cuidados nela, enquanto o desejo aumentava. Da última vez em que ele recuara, ela havia chorado, e a aflição dele também era profunda.

Mas logo ele não recuaria mais, e ela seria dele. Já era. Seria dele para sempre. Não importava quanto tempo per­manecessem juntos. Ele a descobrira, tinha reconhecido e desenterrado tudo que jazia dormente e inútil dentro dela, e a fizera viver.

E, quando seus caminhos se separassem, ela ficaria fe­liz por ter tido isso.

Passou a mão pelo peito dele, também coberto pela roupa de mergulho.

— O que vai me mostrar hoje? — Ele a ensinava a mergulhar desde o segundo dia de sua chegada.

— Hoje vamos mergulhar mais fundo. Acho que você já está pronta.

— Oh, estou pronta.

E estava. Pronta para qualquer coisa com ele.

Depois de ele ajudá-la com o equipamento de mergu­lho, eles afundaram nas águas verdes luminosas. Ele lhe disse que a água agora era infinitamente mais bela por ser igual a seus olhos.

Pairando na profundeza verde-azulada, ela viu algo enor­me se movendo à distância. Agarrou o braço dele, assusta­da. Mas era apenas um cardume de peixes estriados. Ele a puxou para o meio do cardume. O coração dela martelava de excitação enquanto ele a abraçava e, juntos, nadavam no que parecia uma caverna de paredes móveis, e os peixes numerosos moviam-se como guiados por um cérebro só, transformando a fusão dos corpos dela e de Shehab numa dança de união que ela jamais sonhara existir.

Saíram do cardume e ele indicou, por gestos, que ela observasse. De repente, ele deu um chute na direção dos peixes, e o cardume formou uma bola compacta. No mo­mento em que ele a tocou, a bola explodiu.

Encantada com o espetáculo pirotécnico dos peixes, ela aplaudiu. Ele agradeceu num gesto teatral e apertou-a levemente a seu lado, subindo com ela devagar até um leque de coral fantasticamente colorido preso à parede do recife.

As pernas de Shehab e Farah se entrelaçavam, esfregando-se num sonho fluido que os envolvia.

Subitamente, ela viu, pairando atrás dele, um peixe-leão listrado de vermelho, amarelo e preto, as nadadeiras incrivelmente lindas, espinhos compridos eriçados e... venenosos.

Foi tomada de pânico enquanto o peixe se aproximava das costas de Shehab. Pulou em Shehab e girou-o, trocan­do de lugar com ele. No instante seguinte, uma dor lanci­nante a atingiu nas costas, como se tivesse sido penetrada por um ferro em brasa.

Seu grito borbulhou no regulador de ar.

 

Farah se lembrava do que acontecera depois da picada do peixe-leão como um sonho.

Sentia-se como se estivesse fora do corpo dominado pela dor, vendo Shehab pegá-la nos braços e impelir-se para a superfície, antes de levantá-la para o deque do iate, como se ela pesasse apenas alguns quilos.

Ficou deitada, em estado de choque, a agonia em brasa alojada no meio das costas dizendo-lhe que aquilo não era um sonho. Ela o viu arrancar o próprio equipamento freneticamente, e agarrar o dela. No momento em que ele lhe tirou os óculos e o bocal, suas lágrimas e soluços ir­romperam livremente.

As mãos dele tremiam enquanto ele a virava de lado para examinar seu ferimento.

Depois, ele puxou um walkie-talkie e gritou ordens em árabe.

Em seguida, ele a pegou nos braços e a levou para a sombra, deitando-a de lado num sofá antes de pegar um kit de primeiros socorros e tirar um tubo. Aplicou um gel delicadamente na picada. Ela gemeu com a sensação gelada perpassando a ardência. Ele a tranqüilizava com as mãos e a voz. Ela sentiu a área toda ficar dormente, e só conseguiu dizer:

— Obrigada.

— Obrigada? Ya Ullah, por que fez aquilo? — Ela o fi­tava. Ele estava zangado com ela? Será que ela ia morrer? — Disse-lhe que nunca se aproximasse de algo desconhe­cido, que olhasse sem tocar. Mas você quase atacou um peixe-leão, e ele revidou com tanta força que o espinho perfurou sua roupa de mergulho. — Calou-se, com o rosto alterado, os punhos fechados.

De longe, ela se ouviu gaguejando:

— Des... desculpe... mas sabia que era venenoso e ia picar você...

Ele ficou completamente imóvel, e o rosto perdeu toda a agitação e expressão. Ficou congelado. E os ouvidos dela trovejavam.

Depois, ela o viu se abaixando e carregando-a para o deque, onde ela percebeu que não era o sangue lhe trovejando nos ouvidos, mas um helicóptero que aterrissava no mar. Ele a prendeu na maça dentro do helicóptero e se ajoelhou ao seu lado.

O voo findou de repente, e ele correu para dentro da mansão com ela nos braços, levando-a para um lugar onde ela nunca estivera antes.

A sensação de sonho aumentou enquanto ele a levava para espaços que pareciam infinitos, envoltos em obscuridade e incenso, de uma simplicidade espartana carac­terizada por virilidade e poder. Deviam ser os aposentos dele. Seu olhar se prendeu à cama imensa, uma cama que almejava compartilhar com ele.

Ficou mais consciente quando luzes se acenderam, iluminando o espaço para onde ele se dirigia. Ficou bo­quiaberta vendo a câmara de pedra e mármore ligada a duas outras. Cada uma era cercada por arcos apoiados em colunas. A câmara do meio tinha uma abóbada altíssima ponteada por aberturas circulares envidraçadas, por onde raios de sol penetravam na meia-luz que permeava o lo­cal, vinda das janelas semiabertas que rodeavam as pare­des sob a abóbada.

Ele a. levou às pressas para a câmara à direita. Era decora­da com uma piscina rasa, retangular, ladrilhada de mármore preto e bege. Colocou-a cuidadosamente num banco de pedra antes de se afastar correndo. Regulou um mecanismo na pa­rede, correu de volta e pegou-a no colo novamente. Ela abriu olhos estonteados e o viu entrando na piscina. Ele se abaixou com ela na água. E ela gritou. A água estava fervendo.

Ele segurou os braços dela, apertou-lhe as costas contra o peito, e prendeu suas pernas com ás dele.

— Shh... shh... yagalbi, isto tem de ser feito.

— Você tem... que me ferver? — Ela se contorcia em seus braços, não suportando o calor escaldante. — E está se fervendo... também.

Ele apenas se deitou na água, submergindo com ela, depois apertou os membros em volta dela mais fortemente e murmurou:

— A temperatura da água é de apenas 45°C.

— Apenas? — ela choramingou, sentindo o desconfor­to depois de passado o choque inicial.

Ele a manteve submersa, as mãos e a voz muito suaves.

— Sei que é muito desconfortável, mas é pela picada. Ela bateu a cabeça contra o peito dele, sentindo-se su­focar.

— Mas não sinto mais dor.

— É o efeito do anestésico local, mas ele não é um tra­tamento para o veneno. Só o calor forte pode pará-lo.

— Então, não vou morrer? — ela perguntou, engasgada.

— Ya Ullah, pensou que o veneno fosse mortal? — Ela fez que sim, que não, que sim. Ele gemeu ao abraçá-la mais fortemente, enterrando o rosto em seu pescoço. — Mortal é a picada do peixe-pedra. Na do peixe-leão, o pior é a dor, que é insuportável. Mas o veneno não pode ser ignorado. Se não fosse neutralizado pelo calor, teria cir­culado pelo seu sangue até você começar a vomitar, antes de desmaiar por hipotensão.

— Eu estava começando a ficar enjoada... pensei que fosse sinal de... de...

Ele virou-lhe o rosto para o seu e interrompeu o res­to da fala com a boca, seu rosnado reverberando dentro dela.

Ela estava começando a ficar inconsciente quando ele afastou a boca da sua e saiu da água com ela.

— Basta. Mais calor e você desmaiaria de intermação.

Ela estremeceu quando o ar frio a atingiu. Ele a acon­chegou mais ao sair da piscina e andou até a câmara cen­tral. Ela ficou deitada, amolecida, nos braços dele, os olhos enevoados vendo uma plataforma elevada de már­more branquíssimo bem debaixo da abóbada fenestrada. Tudo parecia a continuação de um sonho.

Sua mente foi invadida por imagens de Shehab nu, dei­tado de barriga para baixo no mármore, com vapor giran­do em volta de seu corpo magnífico, os músculos brilhan­do, relaxando sob as mãos dela, todo seu para acariciar e mimar, provocar e saborear.

Ele a colocou na plataforma como se colocasse uma valiosa obra de arte num pedestal, e a imaginação dela voltou-se depressa para ele dispensando aqueles mimos todos e puxando-a para a sua carne lisa e quente, deixan­do-a sentir o que tinha provocado nele, e depois a deitan­do no mármore...

A fantasia desvaneceu quando sentiu a pele ardente encostar no mármore frio. Shehab debruçou-se sobre ela com um dos braços apoiando suas coxas, o outro em suas costas, o rosto corado, encharcado de suor, ansioso.

— Como se sente agora, ya galbil. Ela respondeu, com a língua seca:

— Com sede.

Ele soltou uma expressão em árabe e deitou-a comple­tamente antes de sair correndo. Ela virou a cabeça, que pa­recia cheia de água do mar, e o viu desaparecer no quarto. Reapareceu quase imediatamente, trazendo duas garrafas e dois copos. Encheu cada copo de uma garrafa diferente, pegou Farah nos braços novamente, levou o primeiro copo aos lábios dela, com os próprios lábios em sua testa.

— Beba, ya galbi.

Ela bebeu, e, com cada gole de água fresca, sentiu as células encherem-se de claridade e energia.

Depois do segundo copo de água, ele lhe deu a outra bebida. Ela provou, recuando diante do gosto azedo do primeiro gole, antes de provar completamente toda a com­plexidade dos sabores. Bebeu tudo, gemendo de prazer. Ao começar o segundo copo, perguntou:

— O que é isto?

— É um coquetel especial que faço, um que tomo de­pois de exercícios pesados.

— E espantoso. Um elixir. E sinto as costas novamen­te, então passou o efeito do anestésico. Já que consigo pensar com clareza, acho que a sua tentativa de fazer sopa de mim deu certo. — Recostou-se nele, acariciando-lhe o rosto amorosamente. — Estou ótima agora. Você me salvou.

Ele plantou um beijo na palma da mão dela.

— Só porque você me salvou.

— Mas não salvei. Afinal, não havia realmente perigo.

— Havia. Embora não seja fatal, a dor pode ser incapacitante, e o veneno desorienta. E você não sabia o grau do perigo quando tomou a picada em meu lugar. Ya Ullah, você fez isso, correu perigo por mim.

Ela lhe prendeu o rosto entre as mãos.

— Você teria feito o mesmo por mim. E antes eu do que você. Eu jamais teria conseguido tirá-lo da água. Acho que tomei a decisão certa.

Ele rangeu os dentes.

— E nunca mais fará uma coisa dessas novamente. Jure agora. Nunca correrá risco por ninguém nem por nada.

A intensidade dele a abalou. Já tinha aceitado que era inevitável amá-lo, mas não podia se render inteiramen­te a ele. Senão, não saberia como existir quando tudo terminasse.

Fugindo tanto do fervor dele quanto de seu próprio pensamento, ela fingiu frivolidade.

— Nunca juro. Papai me ensinou isso. E, depois, tudo está bem quando termina bem. Vamos nos concentrar em coisas mais importantes, está bem? Como o fato de que você tem o seu próprio banho turco de verdade. Isto é uma sala de vapor, não é?

Ele ergueu as sobrancelhas.

— O hararet, que significa calor. Está me distraindo, não está?

O sorriso dela era trêmulo e suplicante.

— Está funcionando?

O abraço dele passou de solícito a possessivo, o olhar, de aborrecido a devorador.

— Basta apenas você respirar, existir, para me distrair, para ser o meu único pensamento. Já não sabe disso?

Subitamente ela sentiu uma fisgada insuportável de desejo.

— Tudo que sei é que, quando eu. estava desorientada, só conseguia pensar que, apesar de o tempo que passamos juntos ter sido o melhor da minha vida, ainda me sentia incompleta, porque você não... nós não...

 

As palavras de Farah atravessaram Shehab como uma metralhadora... arrancando as barreiras que ele erguera para suspender seus pensamentos até saber que ela estava bem.

E a enormidade do que ela fizera o atingiu.

Ela havia se colocado entre ele e o perigo.

Ele jamais imaginara que um sacrifício com aquele pu­desse ser feito por alguém que não seus irmãos, Farooq e Kamal, ou seus seguranças, que ganhavam a vida servin­do de escudo. Jamais esperara que qualquer outra pessoa sacrificasse alguma coisa por ele. E justo Farah oferecer o sacrifício máximo, sua própria vida, era incompreensível para ele. E intolerável.

Ele a trouxera ali para seduzi-la. Tinha lutado a cada instante para se lembrar de que ela era um meio para um fim. Lutara para se convencer de que, por mais que a al­mejasse, e embora fosse mesmo se casar com ela, jamais haveria emoções envolvidas.

Mas, a cada momento, ele já não conseguia ligar a re­alidade da mulher que o encantava, que provocava nele todas as emoções que ele nem pensava ter, à imagem da mulher insensível e amoral que diziam que ela era. E de­pois, viera aquilo.

As lembranças o bombardeavam agora que ela esta­va fora de perigo e sem dor. De cada segundo aterrador, quando ela havia sofrido em seu lugar. De vê-la convul-sionando e gritando de dor, e quase o matando de medo. E, depois, a necessidade absoluta de levá-la para um lugar seguro, de absorver o medo e a agonia dela.

E, agora, ali estava ela, achando que não tinha feito nada de mais. E o pior de tudo, confessando que seu úni­co pesar, quando pensava que ia morrer, era que morreria sem ter experimentado a intimidade com ele.

Antes daquele momento, ele tinha começado a pensar que talvez não precisasse completar a sedução, e pudesse apenas realizar o casamento, deixando que ela resolvesse consumá-lo ou não. Assim, ela poderia ficar menos mago­ada com o fingimento dele.

Mas agora ele tinha sentido o horror da possibilidade de perdê-la a qualquer instante, e de perdê-la sem nunca ter experimentado o prazer.

Então, perdeu completamente o controle.

Enlouquecido, ele a apertou contra si, mel e vida e ren­dição incondicional em forma de mulher, inteiramente mulher. Estava ali para ser possuída. E ele a possuiria. Muitas e muitas vezes.

— Ana ella ensar — ele gemeu repetidamente na do­çura que ela oferecia com tamanha e enlouquecedora an­siedade, dizendo isso para si mesmo e para o destino que a pusera ali, uma tentação irresistível.

Ele levou os lábios ao decote dela. Ela apertou-lhe a ca­beça contra sua carne, imobilizando-o, e arfou:

— Se vai parar... por favor, pare agora.

Ele liberou suavemente a cabeça e correu os dentes pelo mel de seus seios, olhou nos olhos dela e viu que a aflição que se aproximava de mágoa era verdadeira.

Tudo nela era verdadeiro.

E ele gemeu, com tudo que também era verdadeiro em si mesmo.

— Só parava antes porque temia que a intimidade apressada demais nos dominasse, que outros prazeres não fossem descobertos sob seu efeito ofuscante. Mas não posso suportar você sentir tal perda devido às restrições que impus...

Ela se apoiou num cotovelo, com o outro braço rodean­do o pescoço dele, o rosto ansioso.

— E foi glorioso, Shehab. Experiências que nunca imaginei ter. Só fiquei gananciosa, pensando como seria ainda melhor se...

Ele a deitou suavemente na plataforma e se debruçou sobre ela, olhando vorazmente para seu rosto e seus seios, que tremiam de emoção.

— E tinha toda a razão. Ultrapassará todos os nossos sonhos. Vou adorá-la, marcá-la, transformar seu corpo num instrumento de êxtase para você e para mim. Você é minha para lhe dar prazer como eu quiser, não é?

Ela concordou febrilmente.

— Sim, sou sua... sua, Shehab.

Ele olhava para ela, para aquele rosto afogueado, os lábios rubros inchados pela paixão dele, implorando mais, fazendo-o perder a cabeça de uma vez por todas.

—Sim, Farah, você é minha, e farei tudo a você, para você, com você... — Abaixou as alças do maio dela, despindo-a lentamente ao ritmo de suas palavras, provocando um gemido a cada passo, substituindo o maio por seus lábios, língua e dentes, cobrindo-lhe a firmeza aveludada com sugadas e mordidelas, sabendo onde provocar,, onde sugar mais e devorar. Os gemidos dela se transformaram em gritos; depois uivos, e depois arquejos.

A pressão na virilha dele, o acúmulo de desejo, chega­va a níveis críticos. Ele temia que fosse como uma represa estourando no momento em que a possuísse. Não podia deixar que a primeira intimidade deles fosse menos que perfeita. E já não era mais só porque precisava tê-la em seu poder, Agora, a única realidade era que almejava o prazer dela muito mais do que o próprio.

Tirou completamente o maio dela. Depois se afastou, contemplando-a deitada ali diante dele, como um banque­te infindável. Madura, forte, feita sob medida para o gosto exigente dele, e mais. Sua fêmea. E ela estava morrendo por ele, assim como ele por ela, estremecendo com a força do desejo.

— Enti ar'oo memmakont atasawar... — Ele sentia a adoração em sua própria voz, e sabia que era real. Tudo que sentia era real.

Ela estendeu os braços, exigindo, suplicando, e ele a puxou para si, deitando-a sobre um braço, os seios uma oferenda erótica. Despejou paixão nos lábios dela, em seu rosto, apalpando-lhe um dos seios, procurando o bico ro­sado e rijo, apertando-o e acariciando-o antes de passar para o outro seio, cativando o mamilo excitado na boca.

Ela gritou. Com cada sugada, ela gritava novamente, estremecia. As mãos dele desceram para o abdome, fecha­ram-se sobre seu monte e pararam. Aquilo. Seu íntimo. Onde ele os uniria, Onde a invadiria, onde ela o prenderia. E ela o entregava a ele. Ele fechou os olhos e segurou com força a carne dela.

No instante em que ela gritava novamente, ele deslizou dois dedos entre suas dobras deliciosas e úmidas, separando-as e inebriando-se com o aroma da excitação dela, esta prova de seu desejo e dependência na forma de néctar. Estava pronta para ele.

Deslizou um dedo cuidadosamente para dentro dela, precisando saber se ela estava completamente pronta, e grunhiu de excitação. Pronta, mas... tão tensa. E ela se retesava, como se ele a tivesse machucado.

Então ainda não estava pronta para ele, mas estava pronta para o prazer. E quanto prazer ele lhe daria!

Acariciou-a, espalhando seu néctar antes de abrir cami­nho para o polegar achar o ponto em que os nervos dela convergiam. No instante em que o tocou, sentiu como se tivesse tocado o centro do sol, ouvindo-lhe os gritos de prazer, e ela saltou entre seus braços, despedaçando-se num orgasmo imediato.

Ele rugiu de prazer enquanto prolongava a liberação dela, mergulhando dois dedos dentro de sua carne, que se apertava, acariciando-a por dentro e por fora até ela soluçar na sua boca. Ele parou dentro dela, fazendo-a se soltar, mordiscando-lhe os mamilos, até sentir sua carne ondular em volta dos seus dedos, e então recomeçou as carícias, até o corpo dela se retesar, e ela começar a se debater novamente.

— Shehab, por favor... pre... preciso de você;

Em resposta, ele separou bem o seu cerne, abaixou-se e fez-lhe uma carícia prolongada com a língua. Ela se arqueou na plataforma.

— Por favor, Shehab... você... você...

Ele a subjugou com uma das mãos espalmada em seu abdome.

— Estou esfomeado por você — ele disse. — Dê-me tudo que tem.

Ela ainda tentou fechar as pernas, os olhos marejados e suplicantes. Seria tímida? Como, quando era tão expe­riente?

Mas nada do que lhe tinham dito importava. Seus ins­tintos lhe diziam que ela não era experiente, que nunca havia permitido esse privilégio a ninguém. Mas o daria e ele, o privilégio seria só dele, agora e sempre.

Ele invocou a sua posse.

— Você não é minha?

Ela concordou imediatamente.

Ele prendeu os antebraços sob os joelhos dela, pu­xou-a para frente até seus pés estarem apoiados na bei­ra da plataforma, com as coxas abertas. Afastou-se para olhá-la, Farah aberta e disposta para aceitar tudo dele. Ela o dominava com a sua entrega. O sangue lhe pulsa­va na cabeça e na ereção. Rilhou os dentes, ajoelhou-se diante dela, separando-lhe as pernas trêmulas, mãos e lábios e dentes devorando-a toda, antes de ele puxá-la mais para frente, até segurar-lhe as nádegas, trazendo seu cerne para ele. Ela apertou os punhos e retesou o corpo.

— Não seja tímida, ya hayti. Sente-se e veja-me adorá-la, dar-lhe prazer, apossar-me de todos os seus segredos. Prometa que me olhará nos olhos quando eu levá-la ao orgasmo desta vez.

Ela se contorceu, deu um soluço, e finalmente concor­dou, sentando-se.

Ele abriu bem o cerne dela e gemeu de lascívia.

— Nada ajmal ma ra 'ait wa ah 'sast, a coisa mais lin­da que já vi, que já senti. — Dominado, ele passou a língua em volta dos lábios íntimos dela, prendendo-os entre a boca, que sugava, e os dentes, que os massageavam, rodeando seu centro, subjugando-a suavemente enquanto ela saltava a cada sugada e mordidela e lambida, levando-a ao limite, ouvindo seu prazer explícito, sentindo-a inundada de calor, atirando-a para a realização. No momento antes de tudo explodir, ele soprou em sua carne túmida, trêmula, e parou de estimulá-la até Farah fervilhar e uivar. Colocou a mão sobre o coração dela, até sentir que começava a bater descompassado. Então, sua língua se atirou ao centro dela e ela gritou de êxta­se, o corpo se desmanchando numa reação em cadeia de convulsões. E ela o fitou nos olhos o tempo todo. Foi a experiência mais erótica, mais íntima, mais plena de toda a vida dele.

Agora ele a possuiria, e sua união com ela reinventa­ria os termos de erotismo, intimidade e plenitude. Rezava para que ela estivesse pronta agora.

Primeiro, excitá-la até o auge novamente.

Escorregou por cima do seu corpo molhado de suor, achatando-a contra o mármore, o corpo relaxado demons­trando a profundidade de sua satisfação.

Porém, assim que ele tocou os seus lábios, deixando-a provar o seu prazer nos dele, a respiração dela se agitou, seus quadris ondularam contra os dele, urgentes, insisten­tes. Ela estava tão excitada assim, tão depressa?

Ele se afastou para ter certeza, e ela puxou o calção de banho dele.

— Quero ver você, você todo... por favor.

Ele arrancou o calção. Ela caiu para trás, estendendo os braços, os olhos chorando com a sua súplica.

Ele subiu na plataforma, cobriu-a, sentiu a maciez dela acolhendo a sua rigidez. Ela abriu as pernas e, como ele tanto havia sonhado, as colocou em volta da cintura.

Depois, ele percebeu. A pele fria dela, seus estreme­cimentos.

Ya Ullah, depois de todos os choques por que passara o seu corpo, seu sistema de regulação de temperatura estava esgotado.

Ele se afastou dela, e ela gritou:

— Shehab...

Ele fez um gesto tranquilizador e correu para pegar um xale pestamal, cobrindo-a com ele.

Ela tentou agarrá-lo, e ele disse:

— Não vou a lugar algum, ya galbi. Volto num instante. Ele voltou logo, como prometeu, com o vapor já ondu­lando no ar.

Os olhos dela caíram sobre o pano em volta da cintura dele, que se abria a cada passo que ele dava, e cobria uma ereção que a enchia de excitação e medo.

Ela se deitou para trás, muda, a boca ressecada subita­mente cheia de água, o ceme se enrijecendo, tonta com os choques finais do que ele já havia feito com ela. Pronta para mais. Para qualquer coisa.

— Deixe-me aquecê-la, ya galbi. — Sua voz suave era como melado quente se derramando sobre ela, fazendo-a perceber o frio que a dominava. Mas o calor agora se es­palhava por ela, gerado pelo xale, pelo vapor. E ela quei­mava com o ardor das mãos dele passando por suas per­nas c coxas, massageando, trazendo de volta a circulação para os seus membros. Depois, ele a virou de barriga para baixo, puxou o xale para cobrir-lhe somente as pernas, deixando o resto exposto.

— Tjanenni, ya galbi... enlouquecedora — ele gemeu em seu ouvido, antes de espalhar beijos e sugadas em suas costas. Ela se contorceu com as novas sensações incríveis, tentou se virar, botar as mãos nele. Ele a manteve onde estava com uma das mãos na curva da cintura dela, antes de juntá-la à outra mão para acariciar-lhe as costas. Suas mãos confortavam-na, excitavam-na, incendiavam-na. Finalmente, ele separou as suas nádegas, massageou-as, abaixou-se para saborear e mordiscar a carne retesada, concentrando-se na cicatriz que não tinha visto antes. Na­quela posição, impotente, sem pode se mexer nem vê-lo, ela se contorcia com as sensações que a percorriam atra­vés dos dedos dele, dos lábios e da língua, bombardeando-lhe o ventre.

Depois, ele ficou por cima dela, apoiando-se nos joe­lhos e cotovelos, mas ainda cobrindo-a dos ombros até as coxas, marcando-a com seu poder e sua potência, antes de sugar forte no ponto de pulsação dela, elevando o nível daquela tortura. E, então, ele começou a falar.

— Já estou viciado no seu sabor. Quero ver você flui­da, quero que você mergulhe num precipício atrás do ou­tro, para poder saciar-me. Sabe como você soa no auge do prazer? Quero ouvir você gritando o meu nome o tem­po todo até atingir o clímax em volta de mim. Quero sen­tir os seus músculos aveludados, que apertaram os meus dedos, apertando-se em mim, espremendo de mim cada gota de prazer.

Ela tremia tanto que seus dentes estavam batendo. Es­tava se desfazendo de tanta estimulação.

— Shehab, não consigo respirar... meu coração... está martelando... não me atormente mais... por favor... possua-me.

 

Ouvi-la soluçar aquelas palavras, possua-me, levou Shehab à loucura.

— Umrek, yarohi, comande-me... — Separou seus cor­pos, saiu da plataforma, escorregou-a até a beirada, pren­deu-lhe as coxas trêmulas em volta de seus quadris, segu­rou os dela com uma das mãos enquanto a outra levava o seu membro para a entrada dela, deslizando a ponta no néctar dela, estimulando-a ainda mais é lubrificando-se, lutando com a vontade de mergulhar nela.

Quando ela começou a choramingar novamente, arqueando o corpo em busca de mais dele, para trazê-lo para dentro dela, ele se rendeu, curvou os quadris, mer­gulhou até metade do calor dela, cegado pela explosão de prazer.

Quando recuperou a visão, ele a viu com o corpo arqueado, a expressão do rosto dominada pelo choque. Aquele caminho aveludado tão apertado que o envol­via, mesmo na falta de uma barreira, parecia o de uma virgem. Não que ele tivesse experiência com virgens, mas elas deviam ser apertadas assim, inexperientes assim, incertas de como seria receber um amante den­tro de si.

E só podia acreditar no veredicto do seu corpo enterra­do no dela. Não só ela nunca tinha sido saboreada, como também sua experiência sexual era praticamente inexistente. E ele a machucara.

— Samheeni, ya rohi — ele arquejou. — Perdoe-me, eu deveria ter sido mais delicado.

— Não, não — ela gemeu, relaxando o corpo. — Nun­ca sonhei, nunca... — Seus dedos se enterraram nos ombros dele, puxando-o para baixo, forçando-o a se empurrar mais fundo, com um gemido ardente dela e um rosnado dele. Ele ouviu exultação misturada com a dor, e ficou aliviado.

Ela se debatia, nunca afastando os olhos dos dele, dei­xando-o ver cada sensação que a atravessava, a pele brilhando com o prazer crescente.

—É... maravilhoso... sentir você dentro de mim — ela arquejou, a voz enrouquecida de excitação, excitando-o cada vez mais. — Nunca soube que tanto prazer... existia...

— Aih, ya rohi, et 'matait — ele bramiu, já seguro. — Aproveite todo o prazer.

E ele olhou, admirado, enquanto ela aceitava cada vez mais dele, arqueando-se, oferecendo-se, entregando-se. Seus gritos se elevaram, suas mãos agarraram os cabelos dele, trazendo-lhe os lábios para os seus, para afogá-los em mais entrega, o cerne latejando em volta da invasão dele. Ela chegara ao auge tão depressa. Mas ele também. E isso não importava. Ele sucumbiria agora e continuaria pronto para lhe dar prazer muitas e muitas vezes. Ele se retirou, depois mergulhou, enterrando-se completamente dentro dela. E ela se despedaçou em volta dele. Ver e sentir o prazer dela fez suas sementes ferverem em sua virilha. Ele se empurrou contra o ventre dela, e os gritos dela se intensificaram, as convulsões chegaram ao auge, ar­rancando o orgasmo dele de profundezas que ele nem sabia que existiam. Dominado, convulsionado, ele jorrou dentro dela em jatos intermináveis, seus rugidos reverberando na câmara.

Finalmente sentiu-a derreter-se debaixo dele. Ele ainda latejava dentro dela, rijo e pronto.

Carregou-a para a cama. A cama onde passara as últi­mas duas semanas sem descanso, imaginando-a ali.

Agora ela estava deitada em cima dele, os olhos entor­pecidos de satisfação profunda.

Ela dormiu. Ele examinou todas as nuances de suas fei­ções e expressões, que revelavam a experiência sem pre­cedentes, a intimidade desconhecida, e quase teve pena quando ela despertou. Então, ela ergueu o corpo e deu-lhe um sorriso que o fez sentir que poderia voar. Por conta-própria.

— Da primeira vez que o vi... já senti o seu poder sobre mim. Mas nenhuma fantasia poderia ter feito justiça ao que você acabou de me fazer, acabou de me dar.

— Você me deu o mesmo, e mais — ele disse. Ela se encheu de alegria e o cobriu de beijos, e ele continuou: — Mas foi preciso que passássemos por tudo que passa­mos para atingir esse pináculo.

Ela concordou, e se ondulou sobre ele.

— Shehab, possua-me novamente, não me faça esperar.

— Você está dolorida. Não pode me receber novamente.

— Posso, sim. Quero sentir o seu peso em cima de mim, sentir você dentro de mim, dominando-me, até eu me completar.

Em resposta às suas súplicas, Shehab pulou da cama, tomou-a no colo e a carregou para o chuveiro.

— Todo prazer será dado para aquela que o deseja.

 

— Nunca ouvi falar em jogar xadrez tirando a roupa.

Diante desse comentário, dito em voz excitada, Shehab levantou o rosto abrasado pelas chamas da fogueira que ele alimentava, pelo sol poente e pela paixão que fervilha­va constantemente entre eles.

Tinham mergulhado novamente naquele dia, tinham tido uma outra sessão no hamman dele, tinham preparado uma refeição juntos e depois ele havia tratado de negó­cios, como fazia nas últimas três semanas.

Desde o dia em que a possuíra, quase nunca se afas­tava dela, e tinha terminado sua negociação ali mesmo. Ela estava extasiada, mas preocupada que ele estivesse sucumbindo à magia e negligenciando seu trabalho. Ele tinha garantido que o pior da crise tinha passado, que ago­ra estava dando os toques finais. Se tivesse de viajar, ele a levaria junto. Não podia separar-se dela agora. E nunca deixara o seu lado durante as noites e os dias passados na delícia cada vez maior de explorarem-se um ao outro.

Ele ensinou-a a voar de todos os jeitos, como prome­teu, reconhecendo francamente que ela, por sua vez, tinha ensinado a ele como realmente experimentar e curtir o voo. Disse que ela havia feito o mesmo em tudo o mais, tinha feito que ele sentisse com novos sentidos. E tinham compartilhado tudo, música, livros, filmes e tudo o mais. Ele se endireitou, vestido em mais um dos trajes sun­tuosos que prometeu usar para ela ter o prazer de vê-lo vestido assim, e, depois, ter o prazer ainda mais intenso de despi-lo dele.

Este era mais complicado, cm tons de preto e cinzento, com bordados de ouro, a abaya aberta ondulando-se com a brisa suave.

Aproximou-se dela, sentada sob a pequena tenda que ti­nham montado diante da fogueira. A tenda enorme que ele mandara montar mais cedo estava por trás dele.

Ele ficou em pé diante dela, passando a mão sob o seu rosto.

— Esse jogo existe, sim. Você é que levava uma vida protegida.

Ela adorava as brincadeiras provocantes dele, inteligentes e suaves. Ele sempre era fiel à sua promessa de rir com ela, e não dela.

Ela tremeu quando ele se acocorou diante dela. O tem­po estava quente e seco, e esfriaria durante a noite, quan­do então ele a envolveria em caxemira e no veludo do seu calor. Agora, aqueles arrepios eram causados pela emo­ção. Como o amava.

Esticou a mão trêmula para os cachos cor de ébano que escapavam por baixo do turbante dele, e também brincou.

— Enquanto você provou de tudo que a vida tem a oferecer?

Alarmada, viu que os olhos dele ficaram sérios.

— É isso que pensa? Que levei uma existência indis­criminada?

— Não, só quis dizer que você... que você... O olhar dele se suavizou.

— Não é absurdo pensar que alguém com a minha fortuna e o meu poder talvez não estabeleça limites. Mas posso lhe garantir que não tenho tendências excessivas ou imorais. Sou extremamente cuidadoso e exigente. Mas isso não significa que eu não saiba tudo sobre jo­gos em que se tira a roupa. Nunca senti atração por eles, mas agora, quando o jogo é entre nós dois, quando é você... — passou os olhos pelo corpo dela, totalmente coberto pelas camadas vaporosas de seu próprio traje complicado dourado e verde — ...acho que tirar a rou­pa é uma das atividades que mais valem a pena. — Ele se levantou e a ergueu nos braços, dirigindo-se à tenda principal.

— Então, foi por isso que nos vestimos nestes trajes complicados? Muitas camadas para despirmos?

Ele lhe deu um sorriso ardente e levantou o pano da entrada da tenda.

Era um lugar imenso, com o teto de lona que pendia de postes de madeira. O chão estava coberto por mara­vilhosos tapetes persas. Todo o resto, os divas baixos, as almofadas espalhadas, as mesas, era uma mistura de cores vibrantes, uma fusão de muitas influências étnicas.

E, no meio de tudo, havia um tabuleiro de xadrez de 6m de lado, com as peças feitas de teca e ébano, as mais altas, os reis, medindo cerca de 1,20m de altura.

Shehab pôs-se de pé no meio do tabuleiro e apertou-a suavemente.

— Que tal começarmos o jogo? Ela deitou a cabeça no ombro dele, aquiescendo. Ele a colocou de pé.

— Você começa.

Ela se arrepiou novamente com a paixão na voz dele, e afastou-se relutantemente. Moveu-se entre as peças, pas­sando as mãos por elas, com a mente pulando adiante para imagens de Shehab se despindo.

Era bom ela prestar atenção, jogar o melhor possível.

Empurrou seu peão para frente. Ele moveu o dele. Em cinco movimentos, ela havia tomado a primeira torre dele, e olhou para Shehab com expectativa.

— Tire seu gotrah.

— Você não entendeu. As regras são as seguintes: eu perco uma peça, você tira uma peça da minha roupa. Pode ser tão criativa, tão lenta quanto quiser. E eu tenho de ficar ali e suportar tudo em silêncio, mantendo imóveis as minhas mãos e todo o meu corpo. O mesmo vale para você, é claro. O vencedor tem o outro à sua total disposição durante uma semana.

Ela correu para ele, com as mãos ardendo de expectativa.

— Adoro as regras deste jogo.

— Na verdade, essas são as minhas regras. Ele deixou-a levantar a mão e tirar o seu turbante, gemeu e se retesou quando ela enterrou os dedos em seus cabelos bastos. Ela abaixou-lhe a cabeça para se dar ao luxo de enrolar mechas em volta dos dedos antes de finalmente puxar seus cabelos e trazer seus lábios aos dela, a língua deslizando sobre eles e penetrando na fonte de seu sabor. A respiração dele logo se agitou, e ele gemia sem parar, a rigidez contra a qual ela se apertava tomando a consistência de pedra, o corpo todo zunindo e estreme­cendo com a tensão de se reprimir.

Ele finalmente afastou os lábios, cambaleou para trás, com os olhos pesados de frustração.

— Aquela regra de tirar tudo é a mais tola que já fiz. Quase estourei uma artéria. — Sacudiu a cabeça, endirei­tou-se, moveu o bispo e tomou o cavalo dela. — Agora, vou à forra.

Ela ficou imóvel, clamando por qualquer coisa que ele escolhesse fazer com ela. Ele arrastou-a para o chão, abai­xou-se com ela, tirou-lhe as sandálias e a fez descobrir as mil zonas erógenas espalhadas em seus pés. Quando ela estava choramingando e começava a agarrá-lo, ele se afastou e observou o estado dela com satisfação.

— É mesmo um excelente jogo, afinal.

O jogo progrediu, com cada um ficando mais criativo, infligindo mais tormento sensual ao outro, até ela estar somente de calcinha de renda, e ele numa calça de cadarço no cós, sem nada por baixo. Então, Shehab moveu a sua rainha.

Veio por trás de Farah, tomou-a com um braço sob os seus seios excitados, e murmurou em seu ouvido:

— Shah matt.

O quê... ?

— São essas as palavras persas que se transformaram em xeque-mate. Shah, ou rei, mat, ou morreu. Você é mi­nha agora, para eu fazer o que me agradar.

Os joelhos dela bambearam com aquela voz profunda, com aquela paixão.

— Sou sua de qualquer jeito, caso você não tenha reparado. — Ela apertou as costas contra ele, sentiu-o quente, rijo e enorme, latejando-lhe no corpo. — Mas está enganado.

Livrou-se dos braços dele e cambaleou entre as peças imensas.

— Isso não é shah maít. Isso é apenas shah, ou o que quer que chamavam xeque originalmente. — As mãos trê­mulas dela moveram sua rainha. — Agora é o seu rei que está matt:

Ele fitou o movimento dela por alguns instantes, estupefato. Depois, caiu na gargalhada, uma risada estrepitosa que fez jorrar um rio de hormônios no corpo dela.

— Hada w'Üllah suheeh... por Deus, é verdade. Você me pegou desprevenido. Perdi a cabeça oficialmente. Ou melhor, você a roubou de mim.

— É uma questão de justiça, já que você roubou a mi­nha. E, agora, faça o que eu quiser.

Ele abriu os braços.

— Sempre. Qualquer coisa. E 'emorini. Comande-me.

Ela cambaleou contra ele, seu prêmio, inundada de ar­dor, virou-se e apertou as costas contra a largura do corpo dele, ficou na ponta dos pés e amassou as nádegas contra a ereção dele.

— Quero que você me possua sem esperar, sem me levar ao orgasmo primeiro. Hoje, quero vibrar em volta de você, e só em volta de você.

Algo reverberou no peito dele, violento e voraz, en­quanto ele a agarrava nos braços, correndo com ela para um compartimento nos fundos da tenda. Isolado atrás de uma cascata de cortinas adamascadas, havia um outro ambiente completamente sensual, com uma cama enor­me drapejada de ouro e cetim vermelho e flanqueada por painéis de bronze polidos, tendo ao lado uma mesinha de cobre brilhante, carregada de frutas e petiscos.

Ele a colocou de joelhos na cama, soltou o cadarço da calça, ficando completamente nu. Depois, enterrou-se em Farah de um golpe só.

A sensação repentina, ao ver-se distendida alem de sua capacidade, paralisou-a. Mas foi a imagem deles dois, re­fletida nos painéis de bronze, ele debruçado sobre ela, ela ajoelhada e empalada na ereção dele, que a fez se convulsionar num orgasmo imediato.

— Aih, vibre em volta de mim, dê-me tudo — ele rosnou, enquanto ela' se debatia debaixo dele, guinchando e se agarrando ao cetim sob os seus dedos: Ele acompanhou a crista da onda dela, apertando-a para baixo até ela mo­lhar o cetim com lágrimas e suor, manipulando os seus seios, seus mamilos, seu monte, abrindo o seu cerne mo­lhado e acariciando-a em todos os lugares menos no foco de suas sensações, até que a pressão dentro dela cresceu novamente, ameaçando implodi-la.

— Não posso... Shehab... não posso... demais...

— Pode. E vai. Tome o que quiser. Eu, incapaz de es­perar, completamente mergulhado em você, seu cativo, à sua mercê. Você é minha, recebendo-me todo, assim... — E tocou-lhe na cerviz.

Ela foi dominada pelas sensações, que lhe provocavam uma reação louca no cerne, nos pulmões.

— Sim... assim... por favor, não pare...

Mas ele parou, e saiu de dentro dela. Antes que ela pudesse protestar, ele a virou de frente e mergulhou nela novamente, deixando-a sentir a crueza da força que pode­ria pulverizar homens de duas vezes o tamanho dela, tornando-a lasciva, dominada, implorando por carinho. Ele ondulou os quadris, esticando-a em volta da invasão, os olhos deixando-a como um único nervo exposto.

— E'emorani, comande-me. Qual é a sua vontade?

— Chegue ao clímax comigo...

— Amrek, ya galbi. — E ele se enterrou dentro dela. Ela uivou, os prazeres que se juntavam em seu cerne sufocando-se em volta dele. Ela enterrou as unhas nas nádegas dele, querendo que ele a penetrasse até o coração. Foi o que ele fez, dando-lhe a violência que o epicentro de des­truição necessitava para ser liberado.

Ela sumiu num instante de desorientação, antes de as detonações irradiando da virilidade impulsionante dele arrasarem-na, prepararem-na para a próxima impulsão. Depois, ele a acompanhou nesse êxtase absoluto, rugindo sua liberação, seu orgasmo se juntando ao dela, aumentando-lhe o poder enquanto sua semente jorrava no ventre dela, queimando e apagando o fogo, tudo ao mesmo tempo.

Muito tempo depois, ainda rijo e latejando dentro dela, ele se apoiou nos braços.

— Espero que esteja satisfeita com a minha obediência.

— Mais satisfeita e eu me reverteria ao estado líquido.

Ele se mexeu dentro dela, provocando gemidos por parte de ambos.

— Mais satisfeito, e eu me transformaria em cinzas. O que deseja de mim a seguir?

Ela estava amolecida de prazer, mas sentia-se am­biciosa.

— Uma nadada. Depois, o churrasco. Depois, você me deixará possuí-lo.

 

Ele ouviu o bipe. Por um momento, isso não fez sen­tido. Deitado ali, abraçado com Farah, ainda rijo dentro dela, não podia sentir nada, riem pensar em nada, fora da­quela união,

O bipe se repetiu. Na terceira vez, ele percebeu o que era. Uma mensagem. No celular ao qual apenas três pes­soas tinham acesso. O rei e os dois irmãos de Shehab.

— O que está tocando? — Farah mexeu-se em cima dele, os músculos internos se ondulando em,volta da ereção dele.

Ele se enterrou mais fundo nela, sem poder sequer pen­sar em ter de deixá-la. O bipe continuou. Ele sabia que não cessaria até ele ler a mensagem. Sabia que não envia­riam uma se não fosse um assunto muito importante.

Odiou essa invasão na felicidade que ele compartilhava com Farah.

— É uma mensagem, de meu tio ou de um dos meus irmãos.

Ela levantou a cabeça. Ele gemeu ao ver que os olhos dela despertavam, alarmados.

— Acha que é urgente?

— Deve ser. Senão, não entrariam em contato comigo. Isso a fez afastar-se dele, e ambos gemeram com a dor da separação.

— Atenda, então.

Com um rosnado, ele pegou o telefone infernal.

A mensagem era de Farooq. Videoconferência. Agora.

Seu coração se apertou. O que seria?

— Vá tomar Uma ducha até eu voltar. Ou durma mais um pouco. A noite está apenas começando, e pretendo mantê-la acordada por quase toda ela.

— Oh, sim, por favor. — Ela se espalhou toda, con­vidativa, deliciosa. — Estarei aqui, esperando por você. Lembre-se, é a sua vez de ficar deitado, deixando-me explorá-lo e lhe dar prazer à minha vontade.

— Sou todo seu, ya hayatt. — Com mais um beijo, ele se retirou. Vestiu-se, rilhou os dentes e foi ver o que o aguardava.

No escritório, ligou o computador e as telas dos três monitores, ativando a videoconferência. Farooq e Kamal apareceram em duas delas.

Então, o rei estava incapaz de aparecer, indicando que os dias de Shehab como príncipe herdeiro estavam contados, e seus dias como rei de Judar cada vez mais próximos.

Os olhos de Farooq ainda tinham aquele ar apologético de quando atirara a sucessão no colo de Shehab. Shehab queria dizer ao irmão que ele lhe tinha feito um favor enorme, permitindo que ele conhecesse Farah e vivesse na expectativa de compartilhar uma vida inteira com ela.

Antes de ele dizer alguma coisa, Kamal falou:

— Já faz seis semanas, Shehab. Shehab voltou os olhos para o irmão taciturno, e en­controu aquele olhar inteligente e impiedoso.

— Aih, também senti saudades suas. Kamal ergueu uma sobrancelha.

— Não está amolecendo, está?

Shehab olhou para o irmão pensativamente. Kamal era o mais severo, o menos compadecido. Tinha seguidores, mas não tinha amigos e, exceto pela presença dos irmãos em sua vida, era um lobo solitário. Quanto a inimigos, embora tivesse muitos, nenhum deles ousava declarar sua inimizade.

Tinha se tornado áspero e impiedoso assim fazia uns poucos anos, depois de sua temporada nos Estados Uni­dos. Não revelou a ninguém o que lhe aconteceu lá, mas ' voltou revoltado e raivoso como um leão ferido.

Shehab finalmente perguntou:

— Qual é sua definição de "amolecer"? Kamal inclinou-se para frente.

— Levar seis semanas para fazer o que poderia ter feito em seis dias, em seis horas. Você estava com ela em seu jato e a caminho de sua ilha nesse espaço de tempo. Por que você não...

Shehab socou a mesa.

— Cale a boca, Kamal. Se não quer perder seus lindos dentes.

Kamal estreitou seus olhos de lobo e assobiou.

— Você não está amolecendo, já amoleceu.

— Ajudarei você a arrebentar os dentes dele mais tarde, Shehab. Mas precisamos saber o que está acontecendo.

Shehab virou os olhos para Farooq e ouviu um gritinho infantil. Mennah. A filhinha de 1 ano de Farooq, que tinha conquistado completamente o coração do tio.

Seu olhar procurou-a atrás de Farooq. Este entendeu imediatamente, levantou-se e voltou com a filhinha nos braços.

— Ya Ullah, ela fica mais linda a cada dia. Onde está Carmen? Ela está bem?

— Está no chuveiro, e está maravilhosa — respondeu Farooq, com os olhos ardendo de amor e paixão.

— Já saiu do chuveiro. E olhe só quem está falando.

Kamal suspirou de impaciência quando Carmen apare­ceu por trás de Farooq, abraçando o marido e a filha com entusiasmo antes de olhar para Shehab.

Shehab viu Farooq e Carmen trocarem um beijo ligei­ro, mas que dizia tudo sobre o relacionamento deles, na cama e fora dela. Ele agora conhecia os sinais, pois os compartilhava com Farah.

Carmen pegou Mennah e sorriu para Shehab e Kamal.

— É ótimo vê-los, mesmo à distância. Agora, diga adeus, Mennah. Seu pai e seus tios têm assuntos impor­tantes a discutir.

Assim que Carmen desapareceu, Kamal disse:

— Que bom vocês estarem desfrutando de uma vida familiar feliz, enquanto nossa região toda está à beira de uma guerra civil.

Farooq lançou um olhar furioso para Kamal, depois suspirou e virou-se para Shehab.

— Infelizmente, é verdade. Os Aal Shalaans estão fi­cando indóceis novamente. Estão exigindo provas de que a filha do rei Atef se casará com você, de que não estamos apenas acalmando-os até acharmos um jeito de evitar que a linhagem deles seja introduzida na nossa família real. Deram-nos mais duas semanas. Não sei, nem quero saber, o que está acontecendo por aí. Mas agora você precisa responder. Ela vai ou não vai casar-se com você?

Shehab fechou os olhos. Então, tinha chegado a hora. Tinha de pedir a ela. E ela estava realmente pronta para dizer sim a qualquer pedido seu.

Ele, porém, sentia que, assim que fizesse o pedido, ela logo descobriria a verdade. E não tinha conseguido enca­rar essa possibilidade.

Então, tinha fechado a porta ao mundo, tinha aprovei­tado tudo que podia com ela enquanto era possível.

Agora, o mundo desabava sobre ele, e ele tinha de se preparar para suportar o peso dele, a realidade dele. A inevitabilidade.

Sentindo-se inundado de amargura, ele disse aspera­mente:

— Ela se casará comigo.

 

Ele voltou para os seus aposentos, aproximando-se len­tamente da cama para saborear a imagem de Farah nua e envolta nos lençóis, um seio exposto, com o mamilo rígido só porque ele estava ali, as coxas apertadas sobre a dor da saciedade e o desejo renovado, que ele sabia que se acumulava no corpo dela, assim como no seu próprio.

Ficou de pé, olhando-a, e ela abriu os olhos e estendeu os braços, abrindo-se toda para a possessão dele.

Ele se rendeu, caiu em seus braços com um gemido doloroso. Ela o cobriu de beijos no rosto, no pescoço, nos ombros, c ele estremeceu, afastou-se. O olhar faminto dela transformou-se, aos poucos, em incerteza, e depois ansiedade.

— O que foi, querido? Algum problema na família?

Ele apertou o ombro dela, esquecendo tudo exceto o que se revolvia nele como veneno desde que a vira pela primeira vez.

— Só existe um problema. Uma coisa que preciso saber. Quando você for embora, vai voltar para o seu amante?

Ela caiu para trás na cama.

— C... como você...? — Engoliu em seco, apertou os olhos e ruborizou-se. Finalmente, abriu os olhos. — Foi sobre isso o telefonema? — ela perguntou. — Você man­dou me investigar?

— Precisava investigá-la, Farah? Depois de tudo que compartilhamos, você mesma não poderia ter me dito?

Ela se botou de joelhos, com os olhos cheios de água, suplicando.

— Devia, mas não conseguia. Estava tão grata por você não ter ouvido os boatos...

— Boatos? Está me dizendo que Bill Hanson não é seu amante?

— Meu Deus, não! Ele foi o único dos amigos do papai que ficou do nosso lado quando perdemos tudo. Ofereceu nos dar o que fosse preciso para nos recuperarmos, mas minha mãe confessou sua incompetência comercial, sa­bendo que perderia tudo que Bill nos desse, assim como perdeu a fortuna do papai. Então, pedi-lhe um emprego. Ele me ofereceu um com um salário enorme, e eu traba­lhava como uma escrava para fazer jus a cada centavo. Ele logo me promoveu ao posto de consultora pessoal dele, e analista. Quando eu o acusei de estar sendo caridoso, ele insistiu que eu era a pessoa ideal para o emprego, por ter sido treinada por papai, além de ele confiar inteiramente em mim. Os boatos começaram quando ele me promoveu, e Bill me pediu que deixasse as pessoas acreditarem neles. Isso seria bom para nós dois. Eu queria manter os preten­dentes à distância, e ele queria se vingar da mulher, que o trocou por um rapaz da idade do filho mais moço. Quando conheci você, não estava disposta a explicar, senti até medo de que você não acreditasse em mim.

Calou-se, olhando-o ansiosamente, procurando sua re­ação. Ele não demonstrava nada. Tinha se transformado em pedra.

Depois de ver que ela não tinha sido ativa sexualmente, procurou encontrar uma explicação de como uma mulher poderia manipular um homem como Hanson sem usar o corpo.

Porém, tinha achado todas as hipóteses impossíveis. Não ela. Não Farah. E agora, isso. Isso destruía todas as dúvidas. E tornava a falsidade dele ainda pior.

Porque ele acreditava nela. Ela apenas lhe dizia o que todos os seus instintos lhe disseram desde o princípio.

Mas ainda havia uma coisa. Agarrou-se a isso para fu­gir à sensação de culpa.

— Por que não queria pretendentes, uma mulher jovem e bonita como você?

— Pretendentes era o termo usado por Bill. Para mim, eram predadores. Eles me cercavam desde a morte do pa­pai; primeiro, pela minha herança, e, depois que me tomei o braço direito de Bill, pela minha posição.

— Foi por isso que você... — Ele engasgou com a per­gunta, bombardeado por lembranças.

— Foi por isso que eu o acusei de ter um motivo oculto na noite em que nos conhecemos? E a minha insegurança se manifestou. Sou tão idiota que até me passou pela cabeça que você tivesse algo em comum com aqueles homens mesquinhos que queriam se apro­ximar de Bill.

— Mas você com certeza sabia que, por si mesma, sem outros incentivos, era o bastante para enlouquecer qual­quer homem?

Ela o olhou incredulamente. —É, até parece!

— Como pode duvidar? Não vê o que faz comigo? O que tem feito desde que vi você pela primeira vez?

— Acho um milagre você me querer tanto quanto eu o quero. Mas, antes de você, eu não ligava para alguém me querer só por mim. Nunca mais quis ter um amante depois da minha única experiência, que me convenceu de que eu era incapaz de sentir prazer sexual.

Uma única experiência. Então, ele tinha razão. Suas primeiras intimidades verdadeiras, seu primeiro prazer, sua primeira entrega tinham sido nos braços dele.

Mas essa alegria cedeu terreno a todo o resto. O co­nhecimento de como seus preconceitos iniciais, embora confirmados por fotografias, tinham sido injustos. Ti­nham poluído seus pensamentos e suas emoções, tinham invadido os momentos preciosos com ela, momentos que ele não tinha apreciado plenamente, por acreditar em tudo aquilo sobre ela. E, agora, isso. E ele tinha de saber o res­to, tinha de saber tudo.

— Conte-me sobre essa experiência que a levou a for­mar uma opinião tão ridícula sobre si mesma.

Ela parecia querer se enfiar num buraco, mas endirei­tou os ombros e começou a falar.

— Eu tinha 19 anos e ainda estava tentando aceitar a morte do papai. Dan era um dos executivos do papai, e insistia em me convencer de que eu precisava de alguém, e esse alguém era ele. Ele sabia exatamente o que fazer, o que dizer para projetar a imagem de uma alma gêmea para uma garota imatura como eu. Estava pronto para fa­zer qualquer coisa para se agarrar a mim e à minha fortuna de meio bilhão de dólares. Conseguiu, e foi... — estreme­ceu, constrangida — foi horrível. Nem doeu, porque ele era... ah... — Ela afastou os dedos cerca de 10 cm, com o rosto em brasa. — Enfim, foi uma experiência desajeitada e desagradável. E ele me disse que tudo bem, algumas mulheres eram incapazes de sentir prazer sexual, mas ele continuaria tentando... tentando...

— Curá-la? — ele perguntou asperamente. Ela estremeceu.

— Algo assim. Parece que ele contava com a minha vergonha para poder me manobrar à vontade. Mas você me conhece. Sou incapaz de esconder o que sinto. En­tão, eu disse que, se não pudesse sentir prazer, para que me dar ao trabalho? Aí, um dia perguntei se não podí­amos ser apenas amigos. E ele explodiu. Dizendo que eu era uma idiota descerebrada, e que ele só aturou a minha inexperiência e o meu caráter odioso pelo meu dinheiro.

Shehab sentiu-se cheio de ódio. Mas ele próprio seria melhor do que aquele homem? Não tinha feito o mesmo com ela? Não a tinha manipulado para uma finalidade que não tinha a ver com ela? Exatamente conforme ela desconfiou?

Não. A causa dele era justa. E ele havia começado a manipulá-la sob a falsa impressão que tinha dela, a pior possível. E tinha lhe dado prazer, morreria antes de magoá-la. Enquanto aquele homem, que a enganara, tinha lhe deixado cicatrizes pelo resto da vida... Ele ficou de pé em cima da cama.

— Vou achar aquele miserável. E vou mandá-lo direto para o inferno.

Ela pestanejou, alarmada, depois riu nervosamente.

— Ora, Shehab, ele não merece todo esse machismo. Guarde para mim.

— Você não vai salvá-lo — ele berrou. — Ele roubou sua inocência quando nem a queria, e convenceu-a de que lhe faltava alguma coisa. E ele pagará, lentamente, por todos os seus crimes.

Ela soluçou e atirou-se às pernas dele, abraçando-as.

— Oh, Shehab, se queria me vingar, já vingou. Es­queça-o, ou vou ficar com medo de lhe contar qualquer coisa.

Ele abaixou os olhos para ela, lutando com suas emo­ções ao vê-la assim, a seus pés, as cobertas caídas em vol­ta dos quadris e expondo seu corpo numa pose saída de uma das suas fantasias eróticas mais profundas. Sentiu-se mais calmo ao passar os olhos pela cascata de cabelos que se derramava entre as suas coxas, os lábios dela quase enterrados em sua ereção.

Agüentou enquanto pôde, e depois cedeu, ajoelhando-se diante dela e puxando-a para si, para os seus lábios.

Ele retornou do beijo interminável, olhou-a ali, deitada em seus braços, os olhos entorpecidos, as mãos trêmulas afastando-lhe a abaya para expô-lo ao seu desejo.

Ela continuou falando ao empurrá-lo deitado de costas, para começar a exploração a que tinha direito.

— Mas o sujeito estava certo quanto a uma coisa. Re­almente experimentei intimidade física depois dele. — Shehab se retesou, e ela o tranqüilizou. — Não passei de beijos com homens bem apessoados. Mas nenhum deles me agradou. Então, soube que Dan tinha razão sobre a minha incapacidade sexual.

Ele deu um pulo na cama quando ela enterrou o rosto na sua ereção e inalou fundo, gemendo de prazer. Depois, ela levantou o olhar e o fitou diretamente nos olhos. E os olhos dela, Ya Ullah, lhe mostravam seu coração e sua alma.

E, então, ela falou:

— Mas agora vejo que não consigo sentir paixão física sem paixão emocional. E é por isso que você sempre será o único homem a me incendiar e a me dar prazer. Porque amo você.

Tudo parou.

Porque amo você.

Ele a fitava, paralisado pelo ataque de todas as emo­ções contraditórias que existiam. Ela o amava. Amava-o.

E estava ali, os lábios trêmulos se enterrando nele, os olhos brilhando, emocionados.

— Amei você à primeira vista, e me apaixono mais a cada minuto que passa desde então.

Era assim que um coração começava a se necrosar? Com emoções que geravam um calor perigoso, como um laser? Ele poderia ter sido tão abençoado com o amor desta mulher incomparável, com sua confiança absoluta... quando não merecia nada disso?

Mas não. Ele merecia. Pois ela havia enxergado, atra­vés da camada fina de manipulação, os sentimentos que tinham florescido por ela, descontrolados, irreprimíveis desde o começo, todos verdadeiros. Foi isso que a fizera se apaixonar por ele. Ela retribuía-lhe os sentimentos.

E, embora ele sentisse que merecia perdê-la como expiação por tê-la enganado, ainda não conseguia confessar tudo, já que não era apenas a vida dele que estava em jogo. Ele precisava estender a mão e tomar tudo que ela oferecia. E ela estava oferecendo tudo que tinha. E ele precisava de tudo para viver, para existir. Ele atiraria a própria carência aos seus pés.

Saiu da cama, puxou-a para a beira até tê-la sentada, depois se ajoelhou entre suas pernas. Queria despejar tudo. Mas não conseguia. Estava subjugado. Ela o sub­jugara. Deitou a cabeça nos joelhos dela, repetindo-lhe o nome como uma oração.

Ela gritou, tentou levantar a cabeça dele, os dedos tre­mendo em seus cabelos. Ele pôs a mão em cima da dela e apertou-a contra a cabeça, mostrando que queria ser ani­nhado no seu colo, que precisava ficar encostado ao seu coração, cercado por sua generosidade, abençoado por seu amor.

E sua generosa Farah aquiesceu, abraçando-o forte, derramando seu amor e suas lágrimas ardentes sobre o rosto e as mãos dele.

— Por favor — ela soluçou —, não me faça arrepen­der-me de ter lhe contado. Não sinta que me deve alguma coisa. Sei como você é honrado, e morreria se lhe causas­se algum mal-estar. Sabia o que estava fazendo, e jamais esperei nada em troca. Só estou feliz por ser normal, por ter encontrado você, um homem que merece todo o meu amor e toda a minha confiança. Quando tudo terminar, vou continuar sabendo que experimentei uma realização verdadeira. Que, uma vez na vida, tive o que meu nome afirma que sou. Alegria. Você me deu isso, e sempre valo­rizarei a lembrança de nosso tempo juntos.

Ele a fitava, horrorizado com o que tinha feito com ela. Talvez ela tivesse percebido os sentimentos dele subconscientemente, mas não acreditava que eles existissem. E, mesmo assim, ela não se protegera. Tinha lhe dado tudo de si, acreditando que não receberia nada em troca, con­vencida de que as migalhas que ele lhe dera até agora se­riam suficientes.

Ele apertou os lábios contra os dela.

— B'Ellahi, ya habibiti, er'ruhmuh... tenha piedade, meu amor. Ahebbeh, yafarah hayati, aabodek. Amo você, alegria de minha vida. Adoro você. Fui eu que me apai­xonei à primeira vista, que quis que tudo fosse perfeito para você, que quis lhe dar mais tempo para me conhecer enquanto eu rezava que você sentisse uma fração do que sinto por você. É dona do meu coração, por ser a primeira que o despertou. É dona do meu corpo e da minha alma. Mas diz que não espera nada de mim. Isso significa que não quer nada? Que não aceitará quando eu lhe oferecer tudo que sou? Não vai me completar, dar razão, textura è finalidade à minha vida? Não quer se casar comigo?

Farah ficou imóvel, os olhos cheios de lágrimas. Quan­do ele se calou, ela arquejou como se precisasse de ar. Depois, os poços de seus olhos se transformaram em rios, e o rosto se descontrolou com alegria e descrença. E, fi­nalmente, ela acreditou.

E ele estava nos braços dela, apertado contra seus seios, cercado pelo seu delírio e alegria e o seu amor absoluto. Ela soluçava de felicidade.

— Sim, sim. Serei sua mulher. Ficarei com você para sempre. Oh, Deus, você realmente me ama.

Ele se levantou num salto, espalhou-a na cama e veio por cima dela.

— Ana aashagek... eu... eu não tenho palavras. Não existe uma palavra em inglês que se aproxime do amor, da veneração, do desejo que sinto por você. Do que você significa para mim.

Ela se derreteu por baixo dele, subjugada.

— É demais... oh, meu querido, demais...

Ele consumiu seus arquejos, bebeu suas lágrimas;

— Nada será demais para você, tudo que tenho, ou faço, ou sinto, ou sou, é seu. Enti rohi, hayati... minha alma, minha vida...

Ela se arqueou embaixo dele, abrindo as pernas em volta dele, apertando-as no alto de suas costas.

— Por favor, meu amor, não agüento mais... possua-me agora, quando sei que é por amor desta vez.

Ele a acariciou, invadiu-a, e isso foi o bastante para que chegassem ao êxtase. Desta vez, quando jorrava no ventre dela, ele rugiu o seu amor. E ficou liberado, completo.

 

— Claro, sei que já faz seis semanas... — Farah mor­deu os lábios, afastando o telefone do ouvido diante da explosão de ira do outro lado. — Bill, acalme-se. — Ela elevou a voz, colocando o fone no ouvido novamente. — Prometo que vou fazer a análise hoje. — Ela pausou, e Shehab pegou-a nos braços e sentou-se num sofá com ela no colo, acarinhando e tranquilizando-a. Então, ela conti­nuou. — Está bem, Bill. Vou voltar assim que puder.

Desligou e olhou para Shehab apologeticamente.

Ele apenas rosnou:

— Não tem de receber ordens dele. Como minha mu­lher, você tem muito mais dinheiro do que ele.

Com uma expressão de felicidade, ela o repreendeu:

— Em primeiro lugar, não vou me casar com você pelo seu dinheiro ou poder. Em segundo lugar, não se trata de dinheiro. Bill é o único amigo que tenho, e pre­cisa de mim.

Ele se controlou e disse:

— Aceito e compreendo isso. Mas ele que não levante a voz para você novamente, ou sofrerá as conseqüências.

— Ora, é só o jeito dele. Papai era assim, também.

— Você sempre me impede de defendê-la, com essa compaixão excessiva. Mas, ao mesmo tempo, isso é uma das coisas que amo em você.

— Então vai providenciar a minha volta a Los Angeles? Shehab sentiu-se apavorado. Depois do encantamento das últimas seis semanas, temia qualquer mudança. Mas como poderia recusar?

— Acha que eu a deixaria voltar sem mim? Ela pulou nos braços dele, gritando de alegria.

— Vai comigo?

— Até o fim do mundo!

 

A viagem de volta foi o oposto da de ida. Passaram o tempo todo no quarto.

Mas, através de delírio sensual e da sobrecarga emo­cional, Shehab sentia a ansiedade e a necessidade de con­fessar tudo que escondia dela, tudo que o corroía.

Entretanto, olhando-a, sentindo sua adoração e felici­dade, não conseguia falar. Como poderia magoá-la, con­fessando tudo?

Foi só quando a viu entrando no seu local de trabalho que ele soube.

Não podia adiar mais.

Assim que a visse novamente, confessaria toda a ver­dade e imploraria perdão pela fraude que havia deixado de existir quase imediatamente.

E sua generosa Farah o perdoaria.

Ela se virou mais uma vez para soprar-lhe um beijo. Ele o pegou com ambas as mãos e o apertou à boca, antes de levá-lo para o coração.

Sim. Ele confessaria tudo e ela perdoaria e esqueceria.

Então, suas vidas realmente começariam.

 

Farah subiu até a sala de Bill, com um ar de felicidade absoluta.

Encontrou-o à escrivaninha, com a cabeça apoiada nas mãos.

Toda a alegria que borbulhava nela desde a declara­ção de Shehab cessou. Além de Shehab, Bill era a pessoa mais forte que conhecia. Ele jamais enfraquecera diante de qualquer golpe, profissional ou pessoal. Agora, parecia cansado, derrotado.

Correu para ele, e ele a olhou, magoado.

— Seu amante a trouxe de volta prontamente. Sabe quem ele é?

Ela se assustou com aquela aspereza. Então, ele sa­bia o motivo das suas férias. Mas por que a olhava tão furiosamente?

— Sim, claro que sei, mas...

O suspiro amargo dele interrompeu-a.

— Meu Deus, eu não estava preparado para isso, embora soubesse que algum dia você dormiria com alguém. E quem melhor, hein? Dormir com ele serve a muitos propósitos.

O desconforto de Farah transformou-se em perplexida­de. O que havia com Bill? Ele não fazia sentido. E ele continuou, cada vez mais sem sentido.

— Por que não confiou em mim? Embora esteja admi­rado por você, uma vez na vida, ter tomado uma atitude interesseira, eu teria compreendido. Teria até lhe ajudado.

— Agora chega. Vou chamar o médico. Você não está dizendo coisa com coisa.

Bill suspirou.

— Quem diria que você teria o bom senso de fazer um test-drive com o príncipe herdeiro de Judar antes de con­sentir em se casar com ele? Mas, pela sua expressão eufó­rica quando entrou aqui, parece que você achou a perícia sexual de Shehab Aal Masood... satisfatória.

O mundo parou. Tornou-se um vácuo.

Chocada e sem ar, ela disse:

— Pensa que Shehab é... — Deu uma risadinha histérica. — Mas entendo por quê. O nome do príncipe herdeiro tam­bém é Shehab, não é? Deve ser um nome popular. Mas o sobrenome de Shehab é Aal Ajman. Ele é o magnata que...

— Sei exatamente quem ele é. O magnata que pareceu surgir do nada três meses atrás. Aal Ajman é o nome da fa­mília da mãe. Aposto que ele não pensou que eu o inves­tigaria quando criou seu alterego... — Parou subitamen­te, levantando-se de um salto, com o rosto enraivecido quando compreendeu tudo. Ao mesmo tempo em que ela também compreendia. — Mas eu não era o alvo dele. Era você. Você recusou-se a se casar com ele, então decidiu tapeá-la... — Parou novamente, com uma expressão hor­rorizada. Ou seria apenas o reflexo da expressão dela?

Mas não havia horror dentro dela. Apenas destruição, aniquilação.

Shehab. Ele não era o homem que ela pensava conhecer profundamente. Era o príncipe com quem seu pai recém-descoberto disse que ela teria de se casar. O que ela recusa­ra imediatamente. Ele a tinha caçado para fazê-la mudar de idéia, fazê-la entregar-lhe o coração, a alma, a vida.

E ela até desconfiou da manipulação dele naquela pri­meira noite. Mas tinha sido ignorante demais para suspeitar da verdade, e estava ansiosa demais para aceitar a adulação dele.

Como ele devia ter odiado ser obrigado a fingir para ela, devia ter detestado cada segundo em sua companhia, devia estar impaciente para se livrar dela, depois de forçá-la a obedecer suas leis tribais.

De repente, ouviu a própria voz, que soava como a de um zumbi.

— Preciso de um favor, Bill. Quero o seu helicóptero. Bill estreitou os olhos.

— Ele está esperando por você lá embaixo. Você não quer vê-lo.

— Não. Nunca mais.

Ele fez que sim.

— Mas vai me dizer onde está. — Ela concordou lenta­mente. — E não vai fazer nenhum mal a si mesma...

Ela olhava através dos olhos secos de outra pessoa, imaginando por que ele se preocupava.

Como seria possível fazer mal a alguém que já havia sido destruída?

 

Shehab desistiu e entrou tempestuosamente no prédio, em busca de Farah. Já fazia três horas que ela estava lá. E, na última hora, não atendia o celular. Com ameaças, des­cobriu que ela havia partido do prédio num helicóptero. Saiu do prédio, tentando se acalmar. Mas nada que dizia a si mesmo funcionava. Então, finalmente, buscou o sinal de GPS do telefone dela.

Mesmo com todos os recursos a seu dispor, ele levou quatro horas para localizá-la e depois voar até lá. Era um hotel em Orange County.

E, depois de ver o passaporte diplomático dele e ouvir uma explicação sobre o problema, um funcionário da re­cepção disse-lhe onde encontrar Farah, e até lhe deu um cartão-chave extra.

Shehab caminhou para lá, e, quando sentiu o perfume dela no ar, seu coração martelou. E, a cada passo, suas dúvidas se intensificavam.

Por que ela estava ali? Por que não havia telefonado para ele?

Antes de botar o cartão na fechadura, resolveu bater à porta. Após um silêncio prolongado, ele ouviu passos arrastados se aproximando. Depois, a porta se abriu.

Uma estranha estava do outro lado.

Uma estranha exatamente igual a Farah.

 

Farah abriu a porta e deu com Shehab ali. E não sentiu nada. Nada. Estava tudo acabado.

— Habibati — ele gemeu, entrando e abraçando-a, com o rosto bonito fingindo emoção. — Por que está aqui? Foi para cá que Hanson a enviou? Para quê? — Quando ela não respondeu, saindo de seus braços para fechar a porta, e depois se virando para fitá-lo com os olhos de outra pes­soa, ele se aproximou como uma pantera, cuidando para não assustar a sua presa. — Hayati, qual é o problema?

Ele ainda não tinha entendido. Ou então tentava blefar. Devia achá-la uma idiota completa.

Mas algo terrível estava acontecendo. Vê-lo, sentir o seu aroma, sua presença, tudo penetrava nas camadas de entorpecimento. A anestesia geral estava se dissipando. E Farah começava a sentir a enormidade da traição dele.

Louca de dor. Sentia que se desintegrava a cada lem­brança humilhante das últimas seis semanas.

E ele a tomou nos braços novamente, estremeceu ao senti-la neles. Como se só o que importasse para ele fosse b fato de ela estar viva.

Ela visualizou uma saída: fingir ser a mulher que di­ziam que era. Egoísta e sem coração.

Soltou-se dos braços dele.

— Quero lhe agradecer.

— Por que, habibati?

Habibati. Meu amor. Seu amor. Quando não era nada para ele, apenas um meio para um fim. Ela não passava de uma peça de xadrez que ele manipulara com perícia, premeditação e indiferença desumanas.

Não podia permitir que ele continuasse rindo às suas custas.

Murmurou friamente:

— Você venceu onde os outros fracassaram. Foi meu único amante que Bill considerou uma ameaça verdadei­ra. Mas, afinal, foi o primeiro príncipe herdeiro com quem estive. Fiz o seu jogo porque também queria jogar. Mas Bill entrou em pânico. Chamou-me de volta para, final­mente, me pedir em casamento.

 

Antes de se dobrar de choque, Shehab percebeu. Farah tinha descoberto quem ele era e queria lhe dar uma lição. Agora, ela o estapearia por ter escondido a iden­tidade, iria recriminá-lo, enraivecida, e acabaria rindo do horror merecido por que ele passaria. E, então, ele a tomaria nos braços e deixaria que ela se vingasse dele como quisesse.

Ela, porém, não o estapeou, não o recriminou nem riu, apenas o olhava com aqueles olhos desconhecidos, e fa­lou novamente naquele tom insensível:

— Foi divertido enquanto durou, você é ótimo anfitrião e um amante bastante razoável, mas Bill é um partido me­lhor. Você é... exigente demais, sabe.

Ele não conseguia respirar. Não conseguiria enquanto ela não gritasse com ele, ou fizesse uma careta, como cos­tumava fazer. Mas ela não fez nada disso.

Passou por ele e abriu a porta.

— Bill está muito sensível quanto a você no momento. E tenho de agradá-lo até ele preparar o acordo pré-nupcial. Quem sabe a gente se vê mais tarde, quando estiver tudo resolvido. Isso, se eu não achar outro alguém.

Tudo que diziam dela. Ela estava admitindo tudo. E não estava brincando.

— Claro, se nos juntarmos novamente, vai ter de me perdoar se eu não bancar a idiota inocente e adoradora.

Pare. Pare. Mas ela continuou.

— Teria lhe oferecido um sexo de despedida, mas Bill vai chegar daqui a uma hora, e você não gosta de rapidinhas, então... — E, com um gesto, indicou a porta.

Ele não conseguia se mexer. A mulher que ele venerava não existia.

Ele, porém, não podia parecer fraco. Não importava ela ter destroçado seu coração e sua alma. O príncipe herdeiro de Judar não precisava disso para desempenhar seu papel de futuro rei. E ele a obrigaria a desempenhar o dela, de futura rainha.

— Acha que pode me dispensar. Interessante. Mais in­teressante ainda você pensar que as últimas seis semanas foram para você. O ego feminino realmente não tem limi­tes. Pode vir comigo agora, ou posso obrigar você e seu amante senil a se arrependerem amargamente. E, então, você fará o que quero de qualquer jeito.

 

Farah quase sorriu. Como tinha sido fácil forçá-lo a tirar a máscara e mostrar a cara. O sheik desalmado que usava e abusava das pessoas para os seus próprios fins.

Inclinou a cabeça.

— Está inebriado de poder, não é? Como faria isso? Estamos na América agora, não na sua ilha, nem no seu reino.

— Posso lhe dar uma lista? Começaria por arruinar Hanson. Depois, não daria a você nenhuma saída, e você voltaria rastejando para mim. E vou aceitá-la e me ca­sar com você, pelo bem do meu reino. Só suportei seu caráter odioso para manter o trono de Judar e a paz na região.

Isso confirmava tudo. Destruía a esperança de que, pelo menos uma hora, uma vez, tinha sido por ela, tinha sido verdadeira.

E, então, ela saiu correndo, desesperada.

Não chegou muito longe. Num instante, viu-se encur­ralada entre ele e os seus homens. E, como a presa que sabia que era, ficou parada, esperando-o.

Ele a levou para a limusine, impiedoso e repugnado. Ela ficou encostada à porta até chegarem ao jato dele.

Assim que estavam no ar, ela o fitou com olhos mortos.

— Então, desta vez está me seqüestrando de verdade. Ele fez um ruído desgostoso.

— Estou levando você para o seu pai. É a filha de um grande rei e a salvação de dois reinos. Tenho de ignorar seus defeitos e só considerar o bem que você fará, sim­plesmente por existir.

— Do que está falando?

— O rei Atef lhe disse. Pare de fingir.

— Não estou fingindo. Falei com ele poucas vezes. Quando me disse que eu teria de me casar com um prín­cipe como parte de um trato político, vi que ele só estava fingindo gostar de mim. Só queria me usar. Então, não prestei mais atenção ao que ele dizia, e pedi que me dei­xasse cm paz.

— E, pensando só em si mesma, recusou-se a se casar comigo. Foi isso a causa de tudo.

Ela o fitou, cada vez mais infeliz. Ele a olhou, furioso.

— Mas já que, infelizmente, você é a princesa de Zohayd e futura rainha de Judar, precisa saber. A minha família, os Àal Masoods, reina em Judar há mais de 600 anos. Mas nosso rei, o rei Zaher, não tem filhos para herdar o trono. E seus dois irmãos, um deles o meu pai, morreram, sobrando apenas seus sobrinhos. Com a linha direta de sucessão interrompida pela primeira vez em 600 anos, os Aal Shalaans sentiram que era a sua vez de ocupar o tro­no, e fizeram ameaças. Tudo parecia levar a uma guerra civil que também envolveria Zohayd, pois outro ramo da família Aal Shahaan reina ali.

— Então, Atef é um Aal Shalaan? — ela perguntou.

— Assim como você. Nem sabe o nome completo dele?

— Eu... não quis saber mais nada... — Sua atitude de­fensiva murchou sob o olhar impiedoso dele. — E o que aconteceu, então?

— Depois de negociações intensas, os Aal Shalaans de ambos os reinos decretaram que a única solução para evitar uma guerra civil terrível seria o futuro rei dos Aal Masood casar-se com a filha do patriarca de mais puro sangue da linhagem deles. Mas foi determinado que esse patriarca era o próprio rei Atef, que não tinha uma filha, Foi então que vimos que tínhamos caído numa armadilha preparada pelo meu primo Tareq, um renegado que quer ser o príncipe herdeiro. Depois, aconteceu um milagre: Atef descobriu que tinha uma filha na América. Agora, é minha responsabilidade, como príncipe herdeiro, salvar o trono de Judar.

Então, ele tinha um motivo legítimo para destruí-la. O destino da região inteira estava em jogo.

— O rei Atef devia ter insistido em me explicar...

— Ele certamente deve ter deixado claro a urgência da situação. Mas você, no seu egoísmo, não o escutou.

Ela ergueu aqueles olhos desconhecidos.

— Caso-me com você.

Algo terrível flamejou nos olhos dele.

— E, é claro, essa nobre decisão não tem nada a ver com o fato de que você não tem outra saída.

Ela deu de ombros.

— Você venceu. O que mais quer?

Ele abaixou os olhos, franzindo as sobrancelhas como se num espasmo de dor. Depois, seu olhar se levantou, hostil e raivoso, chocando-se com o dela.

— Quero você.

— Não quer, não.

Shehab ouviu a negação amortecida de Farah, e imagi­nou como ele suportaria tamanha agonia e desilusão.

Já sabia que teria de forçá-la a se casar com ele de qual­quer jeito.

Mas ela havia concordado sem mais nenhuma pressão. Como se estivesse concordando com uma amputação.

Lembrando-se do êxtase de quando ela concordou em se casar com ele da primeira vez, era devastador saber que, agora, aceitava o casamento como uma capitulação.

Mas o que tornava tudo mais insuportável era assumir isso, tanto para ele quanto para cia.

Ele se maldizia por sentir qualquer coisa, tudo, por ela, depois de ela ter destroçado seu coração, porém não havia fuga para ele. Jamais haveria.

— Sim, Farah, quero você.

Ela ficou agitada, alarmada.

— Mas você disse...

Ele se levantou de repente e pegou-a nos braços.

— Não interessa o que disse. Não interessa o que qual­quer um de nós dois quis ou planejou. A realidade é esta... — Sua boca esmagou a dela, e ela se convulsionou em seus braços, gritando, Ele mergulhou a língua na sua boca, invadindo-a com emoção descontrolada.

Foi para o quarto onde tinham se perdido um no outro fazia tão pouco tempo. Colocou-a na cama e atirou-se so­bre ela.

— Você me quer também. Nos meus braços, você se de­sintegrou em êxtase. Está tremendo agora com a necessidade de me ter dentro de você, dando-lhe a liberação que só eu sei lhe dar. Nem tente negar, porque sei. E, se é só isso que poderemos ter, então teremos. Tudo.

E ela se entregou. Arrastou a boca de volta para a dele, queimou-o com o ardor de suas mãos, que tremiam sobre o cinto dele. Ele rosnou de alívio, de agonia, e arrancou-lhe as roupas. Apenas desabotoou a própria camisa, liberou-se e deitou o peito sobre os seios dela, esfregando-a até levá-la ao frenesi, enquanto ela apertava as pernas em vol­ta dele, suplicando mudamente que ele a invadisse, e se unisse com ela.

Ele mergulhou nela.

E, ali mesmo, enterrado nela, sabendo que a próxima estocada os levaria ao clímax, ele ficou imóvel. Olhou nos olhos dela e viu. A alma que era a certa, a perfeita para ele, que veio para completá-lo.

Depois, ela se mexeu, possuindo-o como ele a possuía, os olhos nunca deixando os dele. E ele esqueceu a dor e o ódio, e foi invadido por tudo que sentia por ela. Ima­gens de uma criança com olhos de esmeralda e cabelos de cem cores o inundaram quando ele jorrou dentro dela, levando-a ao auge. O êxtase os sacudia, os prendia de tal forma que parecia que não sobreviveriam à intensidade do prazer e da agonia.

Quando ele sentia que o coração tinha parado de ba­ter, o clímax excruciante finalmente cessou, e o coração voltou a bater. Então, ela afastou os olhos, que já estavam amortecidos novamente. A loucura passou, e ele respirou novamente.

— Tudo que você disse era mentira. Ya Ullah, por que mentiu?

Ela se separou dele e foi, como um autômato, pegar um vestido e colocá-lo. Os olhos dela agora estavam vazios.

— Estou começando a perceber as implicações de sua posição de príncipe herdeiro de uma das nações petrolífe­ras mais poderosas do mundo. Você tem o poder de vida e morte sobre o seu povo, e quer ter o mesmo poder sobre mim.

Ele pulou da cama, fechando a calça.

— Eu não...

Ela o interrompeu asperamente.

— Você não se contenta em me ter onde quer, uma peça importante em seu jogo político e um corpo ansioso na sua cama. Quer tirar de mim a última gota de dignidade.

— B'Ellahi, Farah, pare. Não é isso que eu...

— Quer saber por que disse tudo aquilo? — ela o inter­rompeu. — Que tal saber que fui um meio para um fim? Ou querer sair da pior humilhação da minha vida com a ilusão de ter lhe dado o troco? Ou ter de forçá-lo a mostrar seu rosto verdadeiro para apagá-lo da mente e do coração e poder continuar a viver?

— Eu lhe imploro, ya habibati, deixe-me...

— E eu imploro a você que pare. Seu plano deu certo... então cumpra o seu dever e depois procure quem você desejar por ela mesma, e deixe-me em paz.

Ele tentou segurá-la.

— Não posso... Ela se afastou.

— Não pode enquanto eu não lhe der um herdeiro? E V.se eu lhe dissesse...

— Você tem de me escutar. O que disse, o que fiz, foi em reação às coisas horríveis que você falou. Você foi tão convincente que me esqueci de tudo. Mas, mesmo antes de você explicar, recordei cada instante...

— Eu também. Estou me lembrando agora de suas mãos, de seus lábios, de você dentro de mim. E vejo o que você realmente sentia a me ver contorcendo-me de desejo, e prazer, e esperança. Vejo você calculando quando me penetrar, como me fazer implorar, arquejar e me humilhar cada vez mais.

Ele saltou, cego, louco de agonia, querendo abraçá-la. Ela lutou violentamente, arrancou-se dele, soluçando tão forte que parecia se dilacerar.

— Como devo ter parecido patética aos seus olhos, acreditando em todas as suas mentiras, incendiando-me sem você nem tentar, contorcendo-me de prazer com ape­nas um toque seu. Como fui ridícula com minhas insegu­ranças e minha credulidade. Quanto você riu pelas minhas costas, Shehab? Quanto?

Ele caiu de joelhos diante dela, devastado, mudo, com as lágrimas dela chovendo nele, queimando-lhe a alma.

Finalmente, ele falou, com a voz embargada:

— Eu realmente a manipulei, mas só porque acreditei nas mentiras que me contaram sobre você. Mas, quando vi que eram mentiras, não podia arriscar a sua reação. Nunca menti sobre o que sentia por você. Ia confessar tudo hoje. Mas, ya Ullah, deixei para muito tarde.

Ela parou de chorar e seu rosto ficou inexpressivo.

— Foi tudo culpa minha. Fui irresponsável e autodestrutiva, e recebi o que merecia.

— Não, b'Ellahi, você vai acreditar em mim, vai acre­ditar que nada me importa senão você. Vou restaurar sua fé em mim. Vou passar a vida...

Ela ergueu a mão firme.

— Basta! Não importa se o seu penhor está intacto ou todo remendado. Vou cumprir minha finalidade.

 

O resto da viagem foi consumido pelas tentativas fe­bris de Shehab para se comunicar com ela.

Shehab sentiu seu desespero transformar-se em resigna­ção. Ela nunca mais confiaria nele ou o amaria novamente. E ele morreria sem a sua confiança. Sem o seu amor.

No caminho para o palácio real, ela esmagou-lhe o co­ração ao não resistir quando ele a abraçou, acariciou e beijou, jurando repetidamente o seu amor.

E ele soube, Ela se submeteria a ele, ao seu dever, ao domínio que ele tinha sobre os seus sentidos, e morreria lentamente. Já estava morrendo.

E, então, ele percebeu o que tinha de fazer. Desistiria dela. Completamente.

 

Estavam entrando na corte do rei Atef quando ele re­solveu falar. Começou, mas foi silenciado pelo arquejo dela.

Seu olhar acompanhou o dela e ele viu o rei Atef de pé entre duas mulheres, a irmã e uma mulher loura, alta e esbelta. Anna Beaumont, a mãe de Farah, Shehab ficou trepidante diante da expressão deles.

Ao se aproximarem, Anna olhou para Farah e disse um "sinto muito" silencioso.

Farah cambaleou e ele a abraçou fortemente.

O rei só tinha olhos para Farah. E deu a notícia devas­tadora.

— Farah... nem sei dizer o quanto lamento, mas tenho de lhe contar. Apesar de minha alegria por encontrá-la, agora sinto o coração despedaçado ao perdê-la. Você não é minha filha.

 

Farah fitava o homem que só tinha visto uma vez.

Ele lhe dizia que não era seu pai, afinal. Com olhos pesarosos, ele explicou.

— Precisei de provas de sua paternidade, e coletamos uma amostra de seu cabelo em sua residência. Os resulta­dos do DNA foram conclusivos.

Apesar de sua resistência inicial, Farah tinha se con­fortado com a idéia de que o rei era seu pai, até ele sur­preendê-la com o assunto do casamento arranjado. E, embora magoada e humilhada, sabia que não teria vida sem Shehab, e ansiava por se casar com ele por qualquer motivo, na esperança de que pelo menos uma fração de seus protestos fosse verdadeira. Que, um dia, o que tinha começado como um dever para ele se transformasse num relacionamento verdadeiro e satisfatório.

Agora, não tinha pai.

E Shehab não tinha o dever de se casar com ela.

Estava tudo acabado.

Ela fechou os olhos e rezou para a dor aniquilá-la.

Mas ainda tinha a esperança de que, agora que o rei não tinha filha, os dois reinos achassem outro jeito de formar uma aliança, e Shehab ficaria com ela mais um pouco.

O rei, porém, continuou.

— Mas a minha filha verdadeira apareceu. O que acon­teceu foi que a mãe dela, sua mãe, entregou-a para ser adotada. Depois, casou-se com François Beaumont e ado­tou você, uma criança de 2 anos, para substituir a filha que ela não se perdoava por ter abandonado.

Depois, olhou para a mulher a seu lado, que era clara­mente sua parenta.

— Foi minha irmã que adotou Aliyah e criou-a como minha sobrinha. Durante as recentes perturbações ela fi­nalmente se apresentou, e outro teste de DNA confirmou sua alegação. — O olhar de Atéf caiu sobre Farah, mais pesaroso do que nunca. — Lamento mais do que posso dizer, mas Aliyah é minha filha. E Shehab agora deve se casar com ela imediatamente.

Shehab. Ele a protegera com seu abraço o tempo todo. Só os golpes consecutivos tinham desviado sua atenção às reações dele diante dos acontecimentos chocantes.

Mas ela nunca havia lido no coração dele.

Ele insistia que seus sentimentos sempre haviam sido sinceros. Porém, ele levava muito a sério seu dever de se casar pelo trono. Talvez estivesse apenas tentando acal­má-la para melhorar o decurso do casamento que, segun­do Bill, seria para sempre.

Agora, era outro o nome da mulher com quem ele tinha de se casar.

Contanto que cumprisse o seu dever, importaria a ele qual a mulher que levava para a cama? Seria importante qual o corpo que se entregava a ele?

Ela cambaleou novamente, e os braços dele se afasta­ram, a única coisa que a mantinha inteira durante a tem­pestade que destruía a sua vida. E teve a resposta.

Não, ele não se importaria. Nunca se importou. Nada tinha sido para ela. Agora que não era mais a filha do rei Atef, Farah não importava mais.

Ela já não existia.

Teria existido algum dia?

Cambaleou, entorpecida, com os olhos fixos no rei. O homem não era seu pai. Nem Francois Beaumont. Ela não tinha pai.

— Não tem do que se desculpar — ela sussurrou. — Eu é que devia me desculpar pelo engano. Minha mãe de­via... minha mãe... que nem é minha mãe.

Foi o rei que se moveu para ela, segurando o braço de sua mãe.

— Não, minha filha... — Ela recuou, e ele percebeu a mágoa que a palavra "filha" lhe causava. — Não culpe a sua mãe. Precisa entender. Amei-a profundamente, mas tive de desistir dela, mesmo sabendo que estava grávida. Não podia reconhecer a criança, e disse-lhe que se livrasse dela. Arrependi-me imediatamente, mas pensava que ela havia interrompido a gravidez. Não soube dela por muitos anos. Então, tive um ataque cardíaco. Procurei sua mãe, descobri que a filha dela tinha exatamente a idade que a minha teria, e não duvidei, nem por um instante, que fosse minha. Só procurei provas concretas quando isso me foi exigido. Depois do resultado negativo, continuamos in­vestigando e descobrimos sua adoção. Finalmente, minha irmã confessou a verdade e eu trouxe sua mãe para cá para completar a história.

Ela virou os olhos para a mãe.

Mentira. Era tudo mentira. Desde o princípio. Tudo em que acreditara sobre a própria vida. Sobre a mãe e o pai. Sobre Shehab. Mesmo agora, tudo que lhe diziam talvez fosse mentira.

O rosto da mãe, lavado de lágrimas, implorava indul­gência.

Farah, desiludida e agoniada, nada tinha para lhe dar.

— Como pôde fazer isso comigo? Por que nos deixou acreditar nisso? Arrependeu-se de ter me adotado e queria me impingir para outra pessoa? Por quê? Nunca fui um peso para você. Só queria que você me amasse, ou, pelo menos, não sentisse rancor por mim. Achei que era por­que eu a lembrava do homem que amou e perdeu... mas o rancor era porque eu não era sua filha...

A mãe cambaleou até ela, agarrando-lhe o ombro.

— Não, Farah. Nunca senti rancor por você. Foi sempre o contrário. Quis adotá-la no instante em que a vi, só você, entre cem crianças. Depois, Deus me en­viou François, e ele moveu céus e terra para adotá-la. Concordou que você era nossa, e jamais deveria saber. Você sabe como ele a amava. Você era o mundo dele. Mas eu estava doente, Farah. E ele me apoiou, escon­dendo o fato de que eu estava em terapia, ou você seria tirada de nós.

— Terapia? Fazia terapia e nunca me disse?

— Não podia dizer. Era por sua causa. Tinha medo de perdê-la, e François me fez ver que eu a sufocava. Faço terapia desde que você tinha 6 anos, e luto constantemente para me controlar.

Farah riu amargamente.

— E conseguiu. Sempre pensei que eu fosse uma de­cepção para você, que você mal me suportava depois da morte do Papai.

Anna sacudiu a cabeça.

— Não, querida. Estava enlouquecendo depois da mor­te de François, e queria me agarrar a você com toda força. E sabia que você me deixaria dominar a sua vida e des­truí-la. E não podia fazer isso com você. Queria que você vivesse a sua vida.

— Então me deixou sozinha. Era isso que achava o me­lhor para mim?

— Não, querida, por favor. Entenda. Não havia meio termo para mim. Ou eu a sufocava ou desistia de você.

— Então desistiu. E agora não tenho mãe nenhuma.

— Não diga isso, querida. Eu sou sua mãe.

E Farah gritou:

— Não, não é. Se gostasse de mim, não teria feito isso comigo. Não sabe o que fez? Deixou que pensassem que eu era a peça vital para os seus planos, mandaram Shehab atrás de mim. Eu estava satisfeita com a minha vida, ape­sar da solidão. Aí, ele veio, e eu ousei sonhar, fiquei feliz, feliz de verdade, por algumas semanas. E, agora, acabou tudo.

Anna tentou abraçá-la, mas Farah estava cega, enlouque­cida, e fugiu até esbarrar numa coluna de mármore, onde se apoiou, ouvindo apenas o barulho horrível de seu próprio pranto. Depois, conscientizou-se da voz soluçante de Anna.

— Quando escondi a sua identidade, achei que estava lhe dando um novo pai para amar, e uma vida privilegiada. Não sabia onde estava minha filha biológica, nem quem era. Queria ajudar Atef e seu reino. Nunca pensei que pu­desse prejudicá-la. Oh, meu Deus, querida, perdoe-me...

Farah virou-se para enfrentar a mãe.

— Já conhece sua filha verdadeira? Anna sacudiu cabeça.

— Quando conhecer, nunca fale comigo sobre ela. Não posso nem ter uma imagem mental dela.

Foi dominada novamente pelos soluços, ao imaginar o corpo magnífico de Shehab entregue à adoração de uma mulher sem rosto, digna de casar-se com um rei, versada nas artes de seduzir e agradar seu homem.

E ele teria prazer com ela, derramaria sua semente onde ela se enraizaria, como tinha...

— Não posso suportar isso. — Mãos a tocaram quando ela gritou. Ela recuou, clamando: — Não me toquem.

As mãos se afastaram, e o mundo balançou, tudo au­mentando e se distorcendo, por dentro e por fora.

Finalmente, ouviu-se dizer asperamente:

— Quem são meus verdadeiros pais? Você sabe quem são?

Anna soluçou e sacudiu a cabeça. E Farah gemeu:

— Oh Deus... Não sou de ninguém.

 

Shehab tinha de fazer Farah parar. Tinha de estancar aquela agonia antes que isso matasse a ambos.

Mas, antes de poder correr para contê-la, ela estava se atirando para aporta, com os olhos jorrando lágrimas que pareciam tingidas de sangue.

Apavorado, ele agarrou os braços dela e examinou as lágrimas febrilmente, constatando, aliviado, que era só a sua imaginação exacerbada.

Ela sacudiu a cabeça e tentou se livrar dele, recusando-se a encontrar o seu olhar.

— Lamento... todo o tempo e esforço que desperdi­çou comigo. Mas agora você tem a mulher que vai re­solver todos os seus problemas, e nunca mais vai saber de mim...

Ele ajoelhou-se diante dela.

— Farah... piedade. Se não quer me matar, embora eu mereça qualquer coisa que faça comigo, eu lhe supli­co, pare. Pare de se atormentar. Nada disso, nenhum de nós, especialmente eu, vale nenhuma de suas lágrimas preciosas.

Ela o fitava, as lágrimas jorrando, enquanto encostava a mão trêmula no rosto dele. Depois, puxou-a, como se ele a tivesse queimado. Olhou a mão, estupefata. Estava molhada.

E ele percebeu que estava chorando também. Só tinha chorado quando a mãe morrera.

Agora chorava pela tristeza que causara à mulher que era a única coisa que queria na vida. A mulher que mere­cia ser valorizada por todos, que agora sentia que nunca tivera, nem nunca teria, ninguém.

— Não é verdade que você não é de ninguém. Você é minha. Como eu sou seu.

Tudo cessou. As lágrimas dela. Sua respiração. As ba­tidas do coração dele. Mas ele sabia que seria difícil con­vencê-la. Tinha de...

— Pare com isso imediatamente, Shehab. — Era o rei Atef, agitado, severo. — Farei tudo em meu poder para compensar Farah, mas você tem um dever.

Shehab apenas abraçou os quadris de Farah apertando-os quando ela oscilou, apoiando-a enquanto ele virava a cabeça para o rei.

— Sim, tenho um dever... — Virou o rosto novamente para ela. — Com a mulher que amo. Suplico-lhe, yafarah galbi, alegria do meu coração, case-se comigo.

Farah estremeceu nos braços dele, arquejou, misturan­do suas lágrimas às dele.

Ele a abraçou mais forte, enterrou o rosto em seus seios, implorando:

— Case-se comigo, deixe-me passar a vida enchendo a sua de segurança e realização. Só quero você, sem nenhum motivo senão desejo, amor por você, e só por você.

Ela passou as mãos sobre a cabeça dele, enquanto sur­gia uma crença hesitante em seu rosto expressivo.

— Sim, acredite em mim novamente, imploro-lhe, ya maboodati. É verdade, cada palavra e toque e juramento eram verdadeiros, e tudo para você.

Ela ainda sacudia a cabeça.

— Mas você não pode... não sou...

— E estou radiante que não seja. Só assim você acredi­tará que eu a quero por você mesma. Agora, você é apenas Farah. Mashoogati. Você terá certeza de que minha vida é toda sua, e de mais ninguém.

— Basta, Shehab — rugiu o rei Atef. — Não seja cruel, não insista em prometer o que não pode cumprir. Como o futuro rei de Judar...

— Como o futuro rei de Judar, tenho de pagar o preço de não me comprometer com Farah. — Shehab interrom­peu a ira do rei, pôs-se de pé, colando-se a Farah. — E, já que isso é impossível, então abdicarei com prazer.

 

Farah ficou paralisada. Ele queria abdicar. Por ela. Ele falava a verdade. Sentia o mesmo que ela. Ele a abraçou, enterrou o rosto ainda molhado de lágri­mas no seu pescoço.

Ela se agarrou a ele, tomando-lhe o rosto entre as mãos.

— Se está fazendo isso para que eu acredite em você, não precisa. Acredito cm você, meu amor. Mas não pode se afastar de seu dever.

— Posso... — ele beijou-lhe as mãos — e vou. Jogou a cabeça para trás e riu. — Sabe quem eu amo quase tanto quanto amo você? Kamal. Adoro tê-lo como irmão.

— Quer dizer...? Mas você... — Farah gaguejou, antes de declarar:

— Não posso deixá-lo fazer isso, não por mim. Talvez se arrependa de desistir de tanta coisa, e não posso...

— Desistir de você é que seria desistir da minha pró­pria vida. Kamal será o futuro rei. Provavelmente será melhor do que eu. Não tem compromisso, então casar-se com Aliyah será fácil para ele.

Quando ela continuou a protestar, ele colocou um dedo nos lábios dela.

— Nunca me arrependerei da minha decisão. Você é quem nasci para amar, é por você que meu coração pul­sa. Yafarah rohi, alegria de minha alma, você é a minha dona.

Ela se atirou para ele, cobrindo-lhe o rosto de beijos. Depois, ele se virou para os outros, que os observavam o tempo todo.

— Tudo vai dar certo — ele disse para o rei, que estava perturbado, mas resignado. — Kamal é um estadista me­lhor do que eu.

O rei protestou.

— Está deixando seu irmão, a força mais incontrolável da região, unir-se à minha filha, o ser mais volátil da região, e está me prometendo os melhores resultados? Se existe alguém que fará os Aal Shalaans se arrependerem de suas maquinações e os Aal Masoods lamentarem ter sucumbido a elas são aqueles dois.

Shehab riu, beijando a boca de Farah.

— Talvez sejam exatamente aquilo de que a região precisa.

— Não quis dizer aquilo que a região merece? — o rei debochou. Depois, aproximou-se, trazendo Anna e a irmã dele consigo.

— Minha filha, perdoe-me ter me oposto às juras de Shehab. Agora, sinto-me grato que Shehab tenha um irmão e possa fazê-la feliz. Guardo-a no coração, como espero estar no seu.

Farah abraçou-o, soluçando.

— Estará sempre no meu coração. E na minha vida? O rei abraçou-a.

— B'Ellahi, será um privilégio e uma honra, yü bnayti.

Shehab virou-se para Anna.

— E espero que você também se sinta feliz por me ter na sua, ya sayedati.

— Sim, sim, é claro — ela respondeu, olhando para Farah.

Shehab puxou Farah e murmurou em seu ouvido:

— Faça as pazes com a sua mãe, ya habibati, e ensine-a a amar, como ensinou a mim.

Olhando-o com amor e gratidão, ela abraçou a mãe.

Logo todos se encaminhavam para a sala particular do rei. Shehab viu que Farah encantava a todos.

Finalmente, ao sentir que o relacionamento mãe/filha estava bem encaminhado, Shehab encerrou o encontro.

— Agora, com licença. Preciso levar a minha noiva embora.

 

Uma hora depois, no quarto do jato, Farah virou-se em seus braços e sussurrou:

— Tudo isso está acontecendo mesmo? Tenho você? E finalmente tenho a minha mãe? E toda uma nova família?

Ele passou a mão amorosamente pelas suas costas.

— É o mínimo que você merece, malekat galbi.

— De agora em diante, vai traduzir essas palavras em árabe. Quero falar árabe o mais depressa possível.

Ele riu.

— Prometo ensinar-lhe tudo que quiser. Malekat galbi significa "soberana do meu coração".

Ela mordeu o lábio.

— Por falar em soberanos... logo haverá outro que regerá nossas vidas. Desconfiei, fiz o teste e... estou grávida.

Ele congelou. As palavras dela se atropelavam, alar­madas.

— Nunca usamos proteção. Sei que fui irresponsável, mas eu o amava, sabia que nunca amaria novamente, e achei que, se tivesse um filho seu, teria uma parte de você para sempre...

Ele esmagou a boca contra a dela, depois se afastou. Pela primeira vez na vida, não tinha palavras. Mas preci­sava encontrá-las.

Segurou-a no colo, escondendo-a em seu abraço, como se temesse que ela sumisse.

— E teria ido embora com o meu filho no ventre, sacrificando-se? Jure que nunca mais se sacrificará.

— Ter seu filho sozinha não seria nenhum sacrifício, e sim um milagre só meu. E certamente não jurarei tal coisa. Sacrificaria qualquer coisa por você. Assim como você fez um sacrifício enorme por mim. Ah... se tudo cor­rer bem com esse bebê, quero ter pelo menos mais um... bem... se você quiser...

— Não há nada que eu queira mais do que encher meu mundo com réplicas de você. Todas as vezes que nos unimos, desejei um filho feito de nosso amor e prazer.

Quando aterrissavam em Judar, ele disse:

— Bem-vinda ao seu novo lar, ya amerati... minha princesa.

Ela se virou para olhar pela janela.

— Isto parece um outro planeta. Ele riu, beijando-a.

— E vou lhe dar um casamento de outra época, de ou­tro reino. Uma reprodução das Mil e uma noites jamais vista antes.

Ela virou-se para ele, alarmada.

— Mas você sabe como sou desajeitada. Viu o papelão que fiz naquela festa. E morreria se o constrangesse diante do mundo inteiro.

— Bem, quanto a isso... — E ele confessou o que tramara.

Depois de ele ter sofrido, deliciado, o castigo, ela o olhou, preocupada.

— Mas um evento desses é difícil de planejar, e passa­ríamos semanas ocupados, sem quase nos vermos.

— Temos sorte, já que Carmen, a esposa de Farooq, é uma grande planejadora de eventos. Ela resolverá tudo com seu toque mágico. Você terá tudo, ya mashoogati, como prometi.

— Já tenho tudo... ah, como se diz habibati e mashoogati para homens?

Ele beijou uma de suas mãos.

— Habibi. — E a outra. — Mashoogi.

E ela beijou as mãos dele, com os olhos marejados.

— Já tenho tudo, ya habibi. Teviho você, ya mashoogi.

E demonstrou o seu amor. E ele, afogado nesse amor, e prazer e generosidade, agradeceu a Deus pela crise que os juntou. Por tudo que conspirou para aquela união.

E agora, o milagre desse amor ganharia uma nova vida...

 

 

                                                                             Olivia Gates

 

 

 

  

Leia também da autora...

 

Rodrigo Valderrama estava ao lado de Cybele quando ela sofreu um acidente e necessitava de cuidados médicos. Após levá-la para sua mansão, onde ela poderia ter uma recuperação bem-assistida, Rodrigo jurou cuidar da jovem viúva grávida sem jamais revelar o profundo amor que sempre sentira por ela.

Pois, apesar de ser um médico brilhante, temia não estar preparado para impedir que Cybele partisse, caso ela descobrisse a verdade sobre sua gravidez...

 

 

 

 

Ela abriu os olhos para outro mundo.

Um mundo cinzento, embaçado e granulado, como um canal de TV sem transmissão.

Mas ela não se importou.

Aquele mundo tinha um anjo zelando por ela.

E não um anjo qualquer. Um arcanjo... Isso se arcanjos fossem a personificação de beleza e poder, talhados em pedra e bronze e masculinidade pura.

A imagem dele flutuava na selva de luz e sombra, fa­zendo-a imaginar se aquilo era um sonho. Ou uma alucinação. Ou pior, provavelmente pior. Apesar da presença do anjo.

Ou por causa disso. Anjos não tomam conta de pessoas que não estão com algum problema sério, tomam?

Seria uma pena descobrir que ele era o anjo da morte. Por que fazê-lo tão perfeito se ele era apenas um extrator da força da vida? Ele era altamente qualificado. Tal exces­so era dispensável, se você perguntasse a ela. Ou talvez a extrema beleza dele fosse designada a tornar seus alvos desejosos de irem para onde ele os conduzia.

Ela estaria mais do que disposta. Se pudesse mover-se.

Não podia. A gravidade a oprimia, esmagando suas costas em algo que, de repente, parecia ser uma cama de espinhos. Todas as células de seu corpo começaram a contorcer-se, todas as terminações nervosas com impul­sos explosivos. Mas...

 

 

                                                                               

 

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