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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O PORTÃO DOURADO / Paullina Simons
O PORTÃO DOURADO / Paullina Simons

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

Biblio VT

 

 

 

 

Alexander tinha esperanças quando voltou a Lazarevo.
Ele não tinha nada além disso. Literalmente: nem uma carta, nem uma única correspondência sequer, nem de Dasha, nem de Tatiana, que indicasse que ambas haviam chegado em segurança a Molotov. Ele tinha sérias dúvidas a respeito de Dasha, mas se até mesmo Slavin sobrevivera ao inverno, tudo era possível. Era a total ausência de cartas de Dasha que mais preocupava Alexander. Durante o tempo em que ela esteve em Leningrado, ela lhe escrevia constantemente. Agora, já haviam se passado janeiro e fevereiro sem que ele tivesse notícias.
Uma semana depois que as garotas se foram, Alexander dirigira um caminhão até Kobona, através do gelo, procurando por elas nas praias da cidade, entre os doentes e os refugiados. Não encontrou nada.
Em março, inquieto e abatido, Alexander escreveu uma carta a Dasha, em Molotov. Também enviou um telegrama ao Soviete local, perguntando se havia informações a respeito de alguma Daria ou Tatiana Metanova, só recebendo sua resposta em maio, e pelo correio comum. A carta recebida do Soviete de Molotov, de apenas uma linha, dizia não haver notícias nem de uma Daria, nem de uma Tatiana Metanova. Ele enviou uma nova mensagem, perguntando se o Soviete da vila de Lazarevo podia receber telegramas. O telegrama que recebeu no dia seguinte tinha apenas duas palavras: NÃO. PONTO.
Sempre que era dispensado, Alexander aproveitava para voltar à Quinta Soviet, entrando no prédio com a chave que Dasha havia lhe deixado. Ele limpava os quartos, varria o chão e passou a lavar as roupas de cama, assim que o conselho da cidade consertou o encanamento, em março. Instalou também novos vidros em um dos quartos. Encontrou um velho álbum de fotografias da família Metanova e começou a olhar para ele, até fechá-lo de repente, deixando-o de lado. Em que ele estava pensando? Era como olhar para uma família de fantasmas.
E era assim que Alexander se sentia. Ele via fantasmas por toda a parte.

 


 


Todas as vezes em que Alexander voltava a Leningrado, ia ao posto dos correios na avenida Nevsky para checar se havia alguma correspondência para os Metanovs. O velho funcionário já estava cansado de vê-lo por ali.

Na guarnição, Alexander sempre perguntava ao sargento responsável pelos correios do exército se havia algo dos Metanovs. O sargento responsável pelos correios do exército já estava cansado de vê-lo por ali.

Mas não havia nada para Alexander: sem cartas, sem telegramas e sem notícias. Em abril, o velho funcionário da avenida Nevsky morreu. Ninguém ficou sabendo da morte dele que, aliás, ficou ali, sentado em sua cadeira atrás do balcão, enquanto a correspondência permanecia espalhada pelo chão, pelo balcão, pelas caixas e pelos sacos ainda fechados.

Alexander fumou trinta cigarros enquanto revirava as cartas, à procura de alguma coisa. Nada.

Ele voltou ao lago Ladoga, continuou a proteger a Estrada da Vida, agora um rio, e esperou por sua dispensa, enxergando o fantasma de Tatiana em todo lugar.

Leningrado aos poucos escapava das garras da morte, e o conselho da cidade temia, com razão, que a proliferação de cadáveres pela cidade, os canos entupidos e o esgoto a céu aberto pudessem desencadear uma gigantesca epidemia quando o clima começasse a esquentar. O conselho resolveu dar início a uma investida agressiva na cidade. Todos aqueles que ainda estavam vivos e aptos ao trabalho foram convocados para limpar as ruas dos destroços, resultantes do bombardeio, e dos corpos. As tubulações danificadas foram consertadas, a eletricidade, restaurada. Os bondes e os trólebus voltaram a funcionar. Com as novas mudas de tulipas e repolhos germinando em frente à Catedral de Santo Isaac, Leningrado parecia renascida, temporariamente. Tania gostaria de ver as tulipas na frente da catedral, pensou Alexander. A ração diária destinada à população civil foi elevada para trezentos gramas de pão. Não porque houvesse mais farinha. Mas porque havia menos gente.

No início da guerra, em 22 de junho de 1941, o dia em que Alexander e Tatiana se conheceram, havia três milhões de civis em Leningrado. Quando os alemães deram início ao cerco à cidade, em 8 de setembro de 1941, havia 2,5 milhões.

Na primavera de 1942, apenas um milhão de pessoas permaneciam ali.

Outras quinhentas mil haviam sido evacuadas, até o momento, pela via congelada sobre o lago Ladoga. Essas pessoas eram deixadas em Kobona, e seu destino era incerto.

E o cerco não havia terminado.

Depois que a neve derreteu, Alexander foi responsável por explodir uma série de covas gigantescas no cemitério de Piskarev, onde foram eventualmente sepultados quase meio milhão de corpos, levados para lá em caminhões funerários. Piskarev era apenas um dos sete cemitérios de Leningrado, para os quais os corpos eram transportados como se fossem feixes de lenha.

E o cerco não havia terminado.

Cargas de alimentos, cortesia do programa norte-americano de lend-lease, aos poucos galgavam seus caminhos tortuosos até a cidade de Leningrado. Em alguns momentos durante a primavera, os habitantes de Leningrado receberam leite desidratado, sopa desidratada, ovos desidratados. Alexander mesmo pegou alguns destes itens, incluindo um livro de expressões em russo e inglês, comprado de um motorista de um dos caminhões das entregas, em Kobona. Tania iria gostar de um livro de expressões, ele pensou. Ela estava indo tão bem com seu inglês.

A avenida Nevsky foi reconstruída com fachadas falsas, cobrindo os buracos deixados pelas bombas alemãs, e Leningrado entrou devagar, suavemente e em silêncio no verão de 1942.

As bombas e os torpedos alemães continuavam a cair diariamente, sem sinal de trégua.

Janeiro, fevereiro, março, abril, maio.

Quantos meses mais Alexander aguentaria sem saber? Quantos meses mais sem notícias, sem uma palavra sequer, sem um suspiro? Quantos meses mais carregando a esperança em seu coração, mas admitindo para si mesmo que o inevitável e o inimaginável poderiam, sim, ter acontecido, provavelmente teriam acontecido e, finalmente, certamente teriam acontecido? Ele via a face da morte por toda a parte. No front, acima de tudo, mas via a morte sem esperanças nas ruas de Leningrado, também. Ele via corpos mutilados e outros, dilacerados. Via cadáveres congelados e famintos. Ele viu isso tudo. Mas, mesmo assim e apesar de tudo isso, Alexander ainda tinha esperanças.

2

Em junho, Dimitri foi visitá-lo na guarnição. Alexander ficou chocado, mas na esperança de que seu rosto não demonstrasse o choque. Dimitri parecia anos mais velho que ele, e não apenas meses. Ele coxeava de maneira notória, um pouco inclinado sobre o lado direito. Seu corpo parecia fatigado e magro, e seus dedos exibiam um tremor que Alexander nunca vira.

E, ao olhar para Dimitri, Alexander pensou: Se Dimitri sobreviveu, por que Dasha e Tania também não sobreviveram? Se ele conseguiu, por que não elas? Se eu consegui, por que elas não conseguiram?

– Meu único pé bom agora é o esquerdo – disse-lhe Dimitri. – Que imbecil da minha parte, você não acha? – acrescentou ele, sorrindo calorosamente para Alexander, que o convidou, de maneira relutante, a se sentar em um dos beliches. Ele tinha a esperança de que sua relação com Dimitri houvesse terminado. Mas pôde perceber que não tivera essa sorte.

Estavam sozinhos, e Dimitri tinha um brilho solícito no olhar que não chamou a atenção de Alexander.

– Finalmente – disse Dimitri com alegria –, não vou ter que encarar um combate de verdade outra vez. E prefiro que seja assim.

– Muito bom – comentou Alexander. – É o que você queria. Trabalhar na retaguarda.

– E que retaguarda – grunhiu Dimitri. – Você sabia que, em primeiro lugar, eles me puseram na evacuação de Kobona?...

– Kobona!

– Sim – disse Dimitri, afastando-se lentamente. – Por quê? Kobona tem algum significado especial além dos caminhões do lend-lease1 que passam por lá?

– Eu não sabia que você tinha trabalhado em Kobona – respondeu Alexander, observando Dimitri.

– Nós ficamos um pouco sem contato.

– Você voltou em janeiro?

– Nem me lembro mais – disse Dimitri. – Isso foi há muito tempo.

– Dima! Eu ajudei Dasha e Tatiana e saírem do gelo... – disse Alexander, levantando-se e indo em direção ao amigo.

– Elas devem ter ficado muito agradecidas.

– Não sei se ficaram agradecidas. Por acaso você as viu?

– Você está me perguntando se vi duas moças entre milhares de pessoas evacuadas? – perguntou Dimitri, dando risadas.

– Não duas moças – retrucou Alexander com frieza. – Tania e Dasha. Você as teria reconhecido, não é mesmo?

– Alexander, eu teria...

– Você as viu? – tornou a perguntar Alexander erguendo a voz.

– Não, não as vi – respondeu Dimitri. – E pare de gritar. Mas devo dizer que... – acrescentou ele balançando a cabeça – ... colocar duas moças indefesas num caminhão para que fossem para... Para onde é que elas foram mesmo?

– Para algum lugar a leste – respondeu Alexander. Ele não estava disposto a contar a Dimitri para onde elas tinham sido levadas.

– Bem no interior do país? Eu não sei, Alexander, mas em que você estava pensando? – perguntou Dimitri, rindo. – Não consigo imaginar que você desejasse que elas morressem.

– Dimitri, do que você está falando? – irrompeu Alexander. – Que escolha eu tinha? Você não ouviu falar do que aconteceu em Leningrado no inverno passado? Do que ainda está acontecendo?

– Ouvi, sim. – Dimitri sorriu. – O coronel Stepanov não podia ter feito alguma coisa para ajudá-lo?

– Não, não podia – respondeu Alexander, que estava ficando aborrecido. – Ouça, eu preciso...

– Só estou dizendo, Alexander, que os evacuados que passaram por nós estavam todos à beira da morte. Eu sei que Dasha é de constituição forte, mas e Tania? Estou surpreso de que ela tenha conseguido sobreviver até você ajudá-la no gelo – acrescentou ele, dando de ombros. – Achei que ela fosse a primeira a... quero dizer, até eu tive distrofia. E a maioria das pessoas que passaram por Kobona estava doente e faminta. Então, foram forçadas a subir em outros caminhões para serem transportadas por sessenta quilômetros até os trens mais próximos, que não passavam de trens de gado. Não sei se é verdade – prosseguiu Dimitri, baixando a voz –, mas ouvi nos vinhedos que setenta por cento de todas as pessoas colocadas nos trens morreram de frio ou de doença. – Ele balançou a cabeça. – E você queria que Dasha e Tania passassem por isso? Que belo futuro marido é você! – finalizou ele, gargalhando.

Alexander cerrou os dentes.

– Ouça, estou feliz por ter saído de lá – disse Dimitri. – Eu não gostava muito de Kobona.

– Por quê? – perguntou Alexander. – Kobona era perigosa demais?

– Não, não é isso. Os caminhões ficavam detidos no gelo de Ladoga, pois os evacuados moviam-se devagar demais. Nós devíamos ajudá-los a subir nos caminhões. Mas eles não conseguiam andar. Estavam quase todos morrendo – respondeu Dimitri, encarando Alexander. – Só no mês passado, os alemães explodiram três dos caminhões parados no gelo – acrescentou ele com um suspiro. – Bela retaguarda. Por fim, pedi para ser transferido para os suprimentos.

Dando as costas para Dimitri, Alexander começou a dobrar suas roupas.

– Os suprimentos tampouco são o lugar mais seguro. – O que estou dizendo? Que ele vá para os malditos suprimentos, pensou ele. – Por outro lado – acrescentou –, os suprimentos devem ser um bom lugar para você. Você vai ser o cara que vende cigarros. Todo mundo vai amá-lo.

A distância entre o que havia entre eles antes e o que havia agora era grande demais. Nenhum barco, nenhuma ponte poderia cobri-la. Alexander ficou esperando que Dimitri saísse ou perguntasse sobre a família de Tatiana. Ele não fez nenhuma das duas coisas.

Por fim, Alexander não conseguiu mais aguentar a situação.

– Dima, você está interessado, ainda que de maneira muito remota, no que aconteceu com os Metanov? – perguntou ele.

– Acho que a mesma coisa que aconteceu na maior parte de Leningrado. Todo mundo morto, não é mesmo? – respondeu Dimitri, dando de ombros.

Ele poderia ter dito: Todo mundo foi fazer compras, não é mesmo?

Alexander baixou a cabeça.

– Isto é uma guerra, Alexander – disse Dimitri. – Só os mais fortes sobrevivem. Foi por isso que eu, por fim, tive que desistir de Tania. Eu não queria fazer isso, eu gostava dela e ainda gosto. Tenho boas lembranças dela, mas eu mal tinha forças para prosseguir. Eu não podia me preocupar com ela também, sem comida ou roupas quentes.

Como Tatiana sabia quem era Dimitri. Ele nunca se preocupou com ela, pensou Alexander, colocando as roupas no armário e evitando o olhar de Dimitri.

– Por falar em sobrevivência, Alexander, há algo que eu quero conversar com você – começou Dimitri a dizer.

Lá vinha coisa. Alexander sequer ergueu o olhar enquanto aguardava.

– Os americanos entraram na guerra... e isso é melhor para nós, não é mesmo?

– Claro. O lend-lease é uma grande ajuda – respondeu Alexander com um gesto de concordância.

– Não, não – disse Dimitri saltando da cama e numa voz excitada e ansiosa. – Não quero dizer para nós, quero dizer para você e eu. Para os nossos planos.

Levantando-se, Alexander encarou Dimitri.

– Não tenho visto muitos americanos por aqui – respondeu ele lentamente, fingindo não compreender.

– Sim – exclamou Dimitri –, mas eles estão por toda parte em Kobona! Estão transportando suprimentos, tanques e jipes por toda Murmansk e por toda a costa leste do lago Ladoga, até Petrozavodsk, até o polo de Lodeinoye. Há dezenas deles em Kobona.

– É mesmo? Dezenas?

– Talvez não. Mas são americanos! – disse Dimitri fazendo uma pausa. – Talvez eles possam nos ajudar.

– De que maneira? – perguntou Alexander com rispidez e aproximando-se de Dimitri.

Sorrindo e continuando a falar em voz baixa, Dimitri respondeu:

– De que maneira? Daquela maneira americana. Talvez você possa ir até Kobona...

– Ir até Kobona, Dima? Para quê? Com quem vou falar? Com os motoristas dos caminhões? Você acha que se um soldado soviético começar a falar com eles em inglês, eles só vão dizer “Oh, claro, venha conosco em nosso navio. Vamos levá-lo para a sua casa!”? – respondeu Alexander, fazendo uma pausa e dando uma tragada no cigarro. – E mesmo que, de alguma forma, isso fosse possível, como você sugere que tiremos você de lá? Mesmo se um estranho se dispusesse a arriscar o pescoço por mim devido ao que você entende como ajuda americana, como é que isso ajudaria você?

Surpreso, Dimitri respondeu com rapidez:

– Não estou dizendo que seja um bom plano. Mas é um começo.

– Dima, você está ferido. Olhe para você. – Alexander olhou-o de alto a baixo. – Você não está em condições de lutar, não está nem em condições de... correr. Temos que esquecer nossos planos.

– Do que você está falando? – disse Dimitri com voz exaltada. – Eu sei que você ainda quer...

– Dimitri! – exclamou Alexander. – Nossos planos envolviam combate contra as tropas da fronteira da NKVD2 e nos escondermos nos pântanos minados na Finlândia! Agora que você atirou no seu pé, como acha que isso vai ser possível?

Alexander ficou agradecido por Dimitri não ter dado uma resposta imediata. E se afastou.

– Concordo que a rota de Lisiy Nos é mais difícil, mas acho que temos uma boa chance de subornar os entregadores do lend-lease.

– Eles não são entregadores! – disse Alexander com raiva e fazendo uma pausa. – Esses homens são combatentes treinados e estiveram sujeitos a torpedos de submarinos todos os dias enquanto viajavam por dois mil quilômetros pelo Ártico e o norte da Rússia para trazer tushonka a você.

– Sim, e são esses mesmos homens que podem nos ajudar. E, Alexander... – disse ele se aproximando –, eu preciso de alguém que me ajude – acrescentou se aproximando ainda mais. – E logo. Não tenho a mínima intenção de morrer nesta maldita guerra. E você? – Ele fez uma pausa e voltou os olhos semicerrados para Alexander.

– Eu vou morrer se isso tiver que acontecer – respondeu Alexander sem se deixar pressionar.

Dimitri ficou observando-o. Alexander odiava ser observado. Ele acendeu um cigarro e olhou com frieza para Dimitri, que retrocedeu.

– Você ainda está com seu dinheiro? – perguntou Dimitri.

– Não.

– Você pode consegui-lo?

– Não sei – respondeu Alexander, pegando outro cigarro. A conversa estava terminada.

– Você ainda está com um cigarro apagado na boca – observou Dimitri secamente.

Alexander recebeu uma generosa licença de trinta dias. E pediu mais tempo a Stepanov. Conseguiu um pouco mais, de 15 de junho até 25 de julho.

– É tempo suficiente? – perguntou Stepanov sorrindo ligeiramente.

– Ou é tempo demais, senhor – respondeu Alexander –, ou não é suficiente.

– Capitão – disse Stepanov, acendendo um cigarro e oferecendo um a Alexander –, quando você voltar... – acrescentou suspirando – não poderemos mais ficar na guarnição. Você sabe o que aconteceu à nossa cidade. Não podemos passar mais um inverno como esse último. Isso simplesmente não pode acontecer – disse ele fazendo uma pausa. – Vamos ter que furar o cerco. Todos nós. Neste outono.

– Eu concordo, senhor.

– É mesmo, Alexander? Você viu o que aconteceu com nossos homens em Tikhvin e Mga no último inverno e nesta primavera?

– Sim, senhor.

– Você ouviu o que tem acontecido com nossos homens em Nevsky, do outro lado do rio, em Dubrovka?

– Sim, senhor – respondeu Alexander. Nevsky era um enclave do Exército Vermelho dentro das linhas inimigas, um lugar que os alemães usavam diariamente como treinamento de pontaria. Os soldados russos morriam ali numa média de 200 por dia.

Balançando a cabeça, Stepanov disse:

– Vamos cruzar o Neva em pontões. Temos uma artilharia limitada, da qual você faz parte. Temos rifles de um só disparo.

– Eu não, senhor. Eu tenho uma metralhadora Shpagin. E meu rifle é automático – disse Alexander sorrindo.

– Estou fazendo a coisa parecer séria – disse Stepanov também sorrindo e balançando a cabeça.

– É verdade, senhor.

– Capitão, não se assuste com a luta encarniçada, por mais desigual que ela possa parecer.

Erguendo os olhos para Stepanov e perfilando-se, Alexander disse:

– Senhor, quando foi que já demonstrei medo?

– Se tivéssemos mais homens como você, já teríamos ganhado esta guerra há muito tempo – respondeu Stepanov aproximando-se de Alexander e apertando-lhe a mão. – Pode ir. Faça uma boa viagem. Nada estará igual quando você voltar.

3

Enquanto cruzava a União Soviética, Alexander pensou: Se Dasha e Tânia estivessem vivas, elas não lhe teriam escrito?

A dúvida o atingiu como um disparo de artilharia.

Viajar mais de 2500 quilômetros rumo leste, cruzando o lago Ladoga, o rio Onega, o Sukhona e o Unzha em direção ao rio Kama e os Montes Urais, sem ter notícia nenhuma durante seis meses, durante meio ano, durante todos aqueles minutos escoados, sem ouvir um único som de sua boca, ou uma única palavra escrita por sua pena – tudo isso não havia sido uma loucura?

Sim, fora uma loucura.

Durante os quatro dias de sua viagem a Molotov, Alexander relembrou cada suspiro que dera ao lado dela. As lembranças ficavam a seiscentos quilômetros do Canal de Obvodnoy: vê-la em Kirov, sua barraca em Luga, tê-la carregado nas costas, o quarto do hospital, Santo Isaac, ela tomando sorvete ou, já quase sem vida, deitada no trenó que ele puxava. Seiscentos quilômetros o separavam da comida que ela distribuía para todos, de seus saltos no telhado debaixo dos aviões alemães. Havia algumas lembranças do inverno passado que Alexander queria esquecer, mas continuava a rememorar. Ela caminhando ao lado dele depois de enterrar a mãe. Ela imóvel diante de três rapazes com facas.

Duas imagens vinham-lhe sempre à mente, como um refrão incansável e frenético:

Tatiana usando um elmo e roupas estranhas, coberta de sangue, coberta de pedras, vigas, vidro e cadáveres, embora ela ainda estivesse quente e respirando.

E:

Tatiana na cama do hospital, nua sob suas mãos, gemendo sob sua boca.

Se alguém conseguisse sobreviver, não seria a moça que, toda manhã e durante quatro meses, levantava-se às seis e meia e marchava através da Leningrado moribunda para conseguir pão para sua família?

Mas, se ela sobreviveu, por que não lhe escrevera?

A moça que lhe beijou as mãos, que lhe serviu chá e que olhou para ele, sem respirar enquanto ele falava, com olhos que ele nunca tinha visto... Teria ela partido para sempre?

Seu coração também teria partido?

Por favor, Deus, Alexander orava, não permitas que ela continue a me amar, mas permite que ela viva.

Era-lhe difícil fazer essa oração, mas Alexander não conseguia se imaginar vivendo num mundo sem Tatiana.

Sem se lavar e mal alimentado, tendo passado quatro dias em cinco trens diferentes e quatro jipes militares, Alexander desceu em Molotov numa sexta-feira, dia 19 de junho de 1942. Ele chegou ao meio-dia e se sentou num banco de madeira perto da estação.

Alexander não conseguiu andar até Lazarevo.

Ele não suportava pensar que ela morrera em Kobona, saindo da cidade em colapso para morrer tão perto da salvação. Não lhe era possível aceitar isso.

E, pior, ele sabia que não conseguiria se encarar se descobrisse que ela não pudera se salvar. Não conseguia pensar em voltar... Voltar para o quê?

Alexander chegou a pensar em tomar o trem seguinte e voltar imediatamente. A coragem para prosseguir era muito maior que a coragem de que ele precisava para se pôr junto a um lançador de mísseis Kayush ou de uma metralhadora antiaérea Zenith no lago Ladoga, sabendo que qualquer um dos aviões da Luftwalle que voavam acima de sua cabeça poderia provocar sua morte instantânea.

Ele não tinha medo de morrer.

Tinha medo de que ela morresse. O espectro da morte dela tirou-lhe a coragem.

Se Tatiana estivesse morta, isso significava que Deus estava morto, e Alexander sabia que ele não sobreviveria nem mais um instante a uma guerra num universo governado pelo caos, e não pela intenção. Ele não viveria mais que o pobre e indefeso Grinkov, que havia sido fulminado por uma bala perdida quando batia em retirada para a retaguarda.

A guerra era o máximo do caos, um emaranhado triturador, destruidor de almas, que acabava por dilacerar os homens, deixando-os insepultos no chão frio. Não havia nada mais cosmicamente caótico que a guerra.

Mas Tatiana era a ordem. Ela era a matéria finita num espaço infinito. Tatiana era a porta-estandarte de uma bandeira de graça e valor que ela carregava com generosidade e perfeição em si mesma, a bandeira que Alexander havia seguido, em direção leste, durante 1600 quilômetros até o rio Kama, até os Urais, até Lazarevo.

Durante duas horas, Alexander ficou sentado no banco, numa Molotov sem calçamento, provinciana e arborizada com carvalhos.

Voltar era impossível.

Prosseguir era impensável.

Contudo, não havia outro lugar para ir.

Ele se persignou e se levantou, juntando seus pertences.

Quando Alexander finalmente caminhou em direção a Lazarevo, sem saber se Tatiana estava viva ou morta, sentiu-se um homem caminhando para sua própria execução.

4

Lazarevo ficava a dez quilômetros, depois de um espesso bosque de pinheiros.

No local não havia só pinheiros; era uma mistura de olmos, carvalhos, bétulas e pés de mirtilo, todos oferecendo suas agradáveis fragrâncias aos sentidos. Alexander avançava carregando a mochila, o rifle, a pistola e a munição, sua grande tenda e o cobertor, o capacete e um saco cheio de comida de Kobona. Ele conseguia ouvir o deslizar próximo do rio Kama através das árvores. Pensou em ir se lavar, mas àquela altura, precisava continuar avançando.

Apanhou alguns mirtilos dos arbustos mais baixos enquanto caminhava. Estava com fome. Estava um dia muito quente, muito ensolarado, e Alexander sentiu, repentinamente, uma esperança latejante. E caminhou mais depressa.

O bosque terminou, e, diante dele, estava uma estradinha de terra flanqueada, dos dois lados, por pequenas cabanas de madeira, gramados enfezados e velhas cercas caindo aos pedaços.

À esquerda, depois dos pinheiros e dos olmos, pôde vislumbrar o brilho do rio e, para além dele, depois de outro bosque volumoso e voluptuoso, os cumes arredondados e sempre cobertos de verde dos Montes Urais.

Inalou o ar profundamente. Será que Lazarevo cheirava a Tatiana? Sentiu cheiro de madeira queimada, de água fresca e de agulhas dos pinheiros. E de peixe. Alexander viu a chaminé de uma indústria de peixe nos limites da vila.

Avançou pela estrada, passando por uma mulher sentada num banco diante de sua casa. Ela olhou para ele; ele entendeu. Quantas vezes essas pessoas teriam visto um oficial do Exército Vemelho? A mulher se levantou e disse:

– Oh, não! Não é o Alexander, é?

Alexander não sabia o que responder.

– Ah, sim – disse ele por fim. – Eu sou Alexander. Estou procurando Tatiana e Dasha Metanova. A senhora sabe onde elas moram?

A mulher começou a chorar.

– Vou perguntar para outra pessoa – disse Alexander, olhando para ela.

A mulher correu atrás dele com passos miúdos.

– Espere, espere! – disse ela apontando para a estrada. – Às sextas-feiras, elas têm um círculo de costura na praça da vila. É só seguir em frente – acrescentou ela, balançando a cabeça e retrocedendo.

– Então, elas estão vivas? – perguntou Alexander com voz fraca, cheia de alívio.

A mulher não conseguiu responder. Cobrindo o rosto, ela correu para sua casa.

Ela disse elas? Elas significando... ele havia perguntado sobre duas irmãs; ela respondeu elas. Alexander diminuiu o passo, acendeu um cigarro e tomou um gole do cantil. Continuou a caminhar, mas parou antes de chegar à praça da vila, trinta metros à frente.

Ele não conseguia avançar. Ainda não.

Se elas estivessem vivas, então num instante ele teria problemas diferentes dos que imaginara, e achou que tivesse imaginado todos eles. Ele trataria desse como tratava de tudo, mas antes Alexander atravessou o jardim de alguém, desculpou-se rapidamente, abriu o portão de trás e saiu no caminho que passava por trás da praça. Ele quis contorná-la. Queria ver Tatiana por um instante, antes que ela o visse. Antes que Dasha aparecesse, ele queria, por um momento, ser capaz de olhar para Tatiana como desejava, sem se esconder.

Ele quis uma prova de Deus antes que Deus olhasse para o homem com Seus próprios olhos.

Os elmos se erguiam num dossel verde em torno da pequena praça. Um grupo de pessoas estava sentado embaixo das árvores junto a uma longa mesa de madeira. A maioria eram mulheres; na verdade, só havia um rapaz. Era um círculo de costura, pensou Alexander, aproximando-se da mesa para olhar melhor.

Uma cerca e um pé-de-lilás desajeitado impediram-lhe a visão. As flores tocaram-lhe o rosto e o nariz. Aspirando sua intensa fragrância, ele espreitou rapidamente. Não conseguiu ver Dasha em nenhum lugar. Viu quatro velhas sentadas ao redor da mesa, um rapaz, uma moça mais velha e Tatiana em pé.

A princípio, Alexander não conseguiu acreditar que fosse sua Tania. Piscou os olhos e tentou focar o olhar. Ela caminhava ao redor da mesa, gesticulando, apontando detalhes e inclinando-se sobre as costuras. A certa altura, ela se endireitou e enxugou a fronte. Estava usando um vestido de camponesa amarelo, de mangas curtas. Estava descalça, e suas pernas esguias estavam expostas até acima do joelho. Os braços nus estavam ligeiramente bronzeados. O cabelo loiro parecia queimado do sol e estava dividido em duas tranças aninhadas atrás das orelhas. Mesmo a distância, ele pôde ver as sardas de verão em seu nariz. Ela estava dolorosamente bela.

E viva.

Alexander fechou os olhos. Então, tornou a abri-los. Ela ainda estava lá, inclinada sobre o trabalho do rapaz. Ela disse alguma coisa, todos riram alto e Alexander observou o braço do rapaz tocar as costas de Tatiana. Ela sorriu. Seus dentes brancos brilharam como o resto de seu ser. Alexander não sabia o que fazer.

Que ela estava viva era uma coisa óbvia.

Então, por que não lhe escrevera?

E onde estava Dasha?

Alexander não conseguiu ficar mais tempo sob o pé-de-lilás.

Ele voltou para a rua principal, respirou profundamente, jogou fora o cigarro e caminhou em direção à praça, sem tirar os olhos das tranças dela. Seu coração pulsava acelerado contra o peito, como se ele estivesse indo para a batalha.

Tatiana ergueu os olhos, viu-o e cobriu o rosto com as mãos. Alexander viu que todos se levantaram e correram para ela, com as velhas exibindo uma inesperada agilidade e presteza. Ela as afastou, empurrou a mesa, empurrou o banco e correu para ele. Alexander ficou paralisado pela emoção. Ele queria sorrir, mas achou que, a qualquer momento, ia cair de joelhos e começar a chorar. Deixou cair tudo o que levava, inclusive o rifle. Meu Deus, pensou ele, num segundo eu vou senti-la. E foi então que sorriu.

Tatiana saltou em seus braços abertos, e Alexander, erguendo-a do chão com a força de seu abraço, não conseguia abraçá-la suficientemente forte, não conseguia absorver o suficiente dela. Ela colocou-lhe os braços em torno do pescoço, enterrando o rosto em seu queixo barbudo. Soluços secos agitaram todo seu corpo. Ela estava mais pesada que da última vez que ele a sentira ao erguê-la para colocá-la no caminhão do lago Ladoga. Ela, com suas botas, roupas, casacos e cobertas, não pesara tanto quanto agora.

Seu cheiro era incrível. Ela cheirava a sabonete, luz do sol e açúcar caramelizado.

Ela parecia incrível. Apertando-a contra ele, Alexander esfregou o rosto contra suas tranças, murmurando palavras sem sentido.

– Ora, vamos, Tatia. Por favor... – murmurou ele com voz quebrada.

– Oh, Alexander – disse Tatiana suavemente junto ao pescoço dele, enquanto lhe acariciava a parte posterior da cabeça. – Você está vivo. Graças a Deus.

– Oh, Tatiana – disse Alexander, apertando-a com mais força, como se isso fosse possível, com os braços envolvendo o corpo de verão da moça. – Você está viva. Graças a Deus – acrescentou ele, correndo as mãos do pescoço até as costas dela. Seu vestido era feito de um algodão muito fino. Quase dava para lhe sentir a pele através dele. Ela parecia muito macia.

Por fim, ele permitiu que os pés dela voltassem a tocar o chão. Tatiana ergueu os olhos para ele. Suas mãos permaneciam em torno da cintura fina da moça. Ele não conseguia largá-la. Ela sempre fora assim pequena, com os pés descalços diante dele?

– Eu gosto de sua barba – disse Tatiana, sorrindo timidamente e tocando-lhe o rosto.

– E eu adoro o seu cabelo – disse Alexander, puxando-lhe uma trança e sorrindo.

– Você é desajeitado...

Ele a examinou toda.

– E você é incrível – disse ele, sem conseguir tirar os olhos de seus lábios gloriosos, vívidos e ávidos. Eles tinham a cor dos tomates de julho.

Ele se inclinou para ela.

Com um suspiro profundo, Alexander se lembrou de Dasha. Ele parou de sorrir, soltou Tatiana e se afastou um pouco.

Ela franziu um pouco o cenho e olhou para ele.

– Onde está Dasha, Tania? – perguntou ele.

Ah, o que Alexander viu então passar pelos olhos dela... dor, tristeza, angústia e raiva – contra ele talvez –, tudo isso desaparecendo num piscar de olhos e, então, um véu gélido cobriu-lhe os olhos.

Alexander observou que algo em Tatiana se fechava para ele. Ela o olhou com frieza e, embora suas mãos ainda tremessem, sua voz soou baixa, porém firme:

– Dasha morreu, Alexander. Sinto muito.

– Oh, Tania. Eu sinto muito – disse ele, estendendo as mãos para tocá-la, mas ela se afastou dele. Ela não se afastou dele apenas. Ela cambaleou para longe dele.

– O que foi? – perguntou ele perplexo. – O que foi?

– Alexander, eu realmente sinto muito quanto a Dasha – disse Tatiana incapaz de sustentar o olhar dele. – Você veio de tão longe...

– Do que você está...

Mas antes que tivesse a chance de prosseguir ou Tatiana a de responder, os outros membros do círculo de costura os cercaram.

– Tanechka? – disse uma mulher pequena e gorducha, com olhos redondos. – Quem é este? É o Alexander da Dasha?

– Sim, este é o Alexander da Dasha – respondeu Tatiana. E, olhando para ele, acrescentou: – Alexander, esta é Naira Mikhailovna.

Naira começou a chorar.

– Oh, pobre de você – disse ela, sem se limitar a apertar a mão de Alexander, mas também o abraçando.

– Pobre de mim? – disse Alexander, olhando para Tatiana.

– Naira, por favor – disse Tatiana, afastando-se mais dela.

– Ele sabia? – sussurrou Naira a Tatiana enquanto fungava.

– Ele não sabia. Mas agora sabe – replicou Tatiana, provocando um gemido contido em Naira.

Tatiana fez outras apresentações.

– Alexander, este é Vova, o neto de Naira, e esta é Zoe, a irmã de Vova.

Vova era exatamente o tipo de garoto robusto em que Alexander odiava pensar. Rosto redondo, olhos redondos, boca redonda: uma versão de cabelos escuros de sua avó pequena e compacta. Vova apertou a mão de Alexander.

Zoe, uma aldeã corpulenta e de cabelos negros, abraçou-o roçando seus grandes seios contra a túnica do uniforme dele. Ela segurou a mão de Alexander entre as dela.

– Temos muito prazer em conhecê-lo, Alexander. Ouvimos falar muitas coisas a seu respeito.

– Tudo – acrescentou uma mulher radiosa, de cabelo encaracolado, que Tatiana apresentou como Axinya, a irmã mais velha de Naira. – Ouvimos tudo a seu respeito – disse Axinya com voz forte e enérgica, também abraçando Alexander.

Então, mais duas mulheres avançaram. Ambas eram grisalhas e frágeis. Uma delas tinha uma doença que a fazia tremer. Suas mãos tremiam, sua cabeça tremia, sua boca tremia quando ela falava. Seu nome era Raisa. O nome de sua mãe era Dusia, que era mais alta e mais encorpada que a filha e usava uma grande cruz de prata sobre o vestido escuro. Dusia fez o sinal da cruz sobre Alexander e disse:

– Deus vai tomar conta de você. Não se preocupe.

Alexander quis dizer a Dusia que ter encontrado Tatiana viva fazia com que ele não se preocupasse com mais nada, mas antes que ele pudesse dizer uma só uma palavra, Axinya perguntou a Alexander como ele estava se sentindo, ao que se seguiu uma segunda rodada de abraços e de lágrimas.

– Estou me sentindo bem – disse Alexander. – Na verdade, não há motivo para choro.

Ele poderia ter dito isso em inglês, pois os aldeões continuaram a chorar.

Alexander olhou para Tatiana com perplexidade. Além de se conservar a distância, Vova estava ao lado dela.

– Você está... oh, não consigo, não consigo, simplesmente não consigo – chorou Naira.

– Então, não diga nada, Naira Mikhailovna – disse Tatiana com suavidade. – Ele está bem. Olhe. Ele vai ficar bem.

– Tania tem razão – disse Alexander. – Mesmo.

– Oh, meu caro rapaz – disse Naira, agarrando-lhe a manga. – Você veio de tão longe. Deve estar exausto.

Até cinco minutos antes, ele não estava. Alexander olhou para Tatiana e disse: – Estou com um pouco de fome – e sorriu.

Ela não lhe devolveu o sorriso ao dizer: – Claro. Vamos comer.

Nada estava fazendo sentido para um Alexander cansado e faminto, que, de repente, descobriu-se perdendo a paciência.

– Com licença – disse ele –, soltando-se de Axinya, que estava em pé diante dele, e abrindo caminho entre o mar de pessoas para se aproximar de Tatiana. – Podemos conversar um instante?

Tatiana afastou-se dele, virando o rosto.

– Venha, vou lhe preparar o jantar – disse ela.

– Será que podemos... disse Alexander, descobrindo que estava com dificuldade para pronunciar as palavras – ... conversar só um instante, Tania?

– É claro, Alexander – disse Naira. – Vamos conversar. Venha, querido, venha até nossa casa – acrescentou ela. – Este deve ser o pior dia de sua vida.

Alexander não sabia o que pensar desse dia.

– Vamos tomar conta de você – prosseguiu Naira. – Nossa Tania é uma excelente cozinheira.

A Tania deles?

– Eu sei – disse Alexander.

– Você vai comer e beber. Nós vamos conversar. Conversar bastante. Vamos lhe contar tudo. Quanto tempo você vai ficar aqui?

– Não sei – respondeu Alexander, não mais tentando buscar o olhar de Tatiana.

Começaram a andar, e, em meio a toda aquela comoção, esqueceram a costura.

– Ah, sim – disse Tatiana inexpressivamente, e voltou até a mesa.

Alexander a seguiu. Zoe o acompanhou, mas ele disse: – Zoe, preciso de um instante a sós com Tania. – E, sem esperar pela resposta, apressou-se para alcançar Tatiana.

– O que está havendo com você? – perguntou ele.

– Nada.

– Tania!

– O quê?

– Fale comigo.

– Como foi sua viagem até aqui?

– Não é isso o que quero dizer. Foi boa. Por que você não me escreveu?

– Alexander – respondeu ela –, por que você não me escreveu?

Tomado de surpresa, ele respondeu:

– Eu não sabia que você estava viva.

– Eu também não sabia que você estava vivo – replicou ela, quase com calma, como se só ele não conseguisse enxergar através do véu. Debaixo dele havia uma tempestade da qual ela não o estava deixando se aproximar.

– Você devia ter me escrito contando que havia conseguido chegar aqui com segurança – disse Alexander. – Lembra?

– Não – respondeu Tatiana enfaticamente. – Dasha devia ter escrito a você para lhe contar. Lembra? Mas ela morreu. Portanto, não pôde fazê-lo.

Enquanto falava, ela foi recolhendo o material de costura: as agulhas, o fio, as contas, os botões e os moldes de papel, colocando tudo numa cesta.

– Sinto muito pela Dasha. Muito mesmo. Por favor – disse Alexander, tocando-lhe as costas.

Tatiana afastou-se dele e deixou as lágrimas caírem.

– Eu também.

– O que aconteceu com ela? Ela conseguiu sair de Kobona?

– Eu consegui – disse Tatiana com calma. – Ela não. Ela morreu na manhã em que chegamos lá.

– Oh, meu Deus.

Eles não se olharam e se mantiveram em silêncio.

Arrastar Dasha pela encosta até Ladoga, implorando-lhe que continuasse a caminhar, enquanto a própria Tania mal conseguia ficar em pé, mas empurrando a irmã para frente, querendo que ela vivesse.

– Sinto muito, Tatia – sussurrou Alexander.

– Ver você – disse Tatiana – traz tudo de volta, não é mesmo? As feridas ainda estão abertas.

Então, ergueu os olhos e olhou para ele. E Alexander viu as feridas.

Lentamente, caminharam de volta até os outros.

Vova deu um tapa no ombro de Alexander e perguntou:

– Como está indo a guerra?

– Vai bem, obrigado.

– Ouvimos dizer que os nossos rapazes não estão se saindo tão bem. Os alemães estão perto de Stalingrado.

– Sim – disse Alexander –, os alemães são muito fortes.

Vova tornou a dar um tapa no ombro de Alexander.

– Estou vendo que eles mantêm vocês em forma para a guerra. Eu vou me alistar. Faço dezessete no mês que vem.

– Tenho certeza de que o Exército Vermelho vai fazer de você um homem – disse Alexander, tentando parecer mais animado.

Ele ficou observando Tatiana carregar a cesta de costura.

– Quer que eu a carregue? – perguntou-lhe Alexander.

– Não, tudo bem. Você já está carregando suas coisas.

– Eu lhe trouxe uma coisa.

– Para mim? – disse Tatiana, sem olhar para ele.

O que estava acontecendo?

– Tania?... – disse ele de forma interrogativa.

– Alexander – disse Naira –, amanhã é nosso dia de ir aos banya. Dá para esperar até lá?

– Não. Hoje à noite vou me lavar no rio.

– Tem certeza de que não dá para esperar mais um dia? – perguntou Naira.

Ele confirmou com um aceno de cabeça.

– Viajei de trem durante quatro dias. Não vejo água há muito tempo.

– Quatro dias! – exclamou Raisa, balançando a cabeça. – O homem viajou quatro dias de trem!

– Sim – disse Naira, enxugando o rosto –, e para quê? Para quê? Oh, que desgraça é essa guerra, que destruição, que tragédia.

As outras mulheres fungaram em concordância.

Alexander ouviu um pequeno gemido escapar de Tania. Ele queria que ela olhasse para ele. Queria olhá-la no rosto. Queria que ela lhe contasse o que havia de errado. Queria tocar seus braços nus. Queria tanto tocá-la que... mas suas mãos estavam ocupadas com suas coisas.

– Tania... – sussurrou ele, inclinando-se bastante sobre ela, quase lhe tocando o cabelo com a boca.

Ele ouviu a moça interromper a respiração antes de se afastar dele.

Um pouco frustrado, ele se recompôs, observando que Vova não saía do lado de Tatiana, e que ela tampouco parecia se afastar dele.

Desceram a rua. Das pequenas casas da vila, os vizinhos acorriam em filas desordenadas, alguns balançando a cabeça, outros apontando, outros com os olhos umedecidos. Muitos o saudavam. Uma mulher de meia-idade se aproximou e deu um abraço caloroso em Alexander.

– Você nos deixa orgulhosos – disse um velho.

Por que Alexander achou que ele não se referia a seus esforços de guerra?

– A maneira pela qual você veio procurar sua Dasha – acrescentou o homem, apertando-lhe a mão. – Se precisar de alguma coisa, qualquer coisa, pode me procurar. Eu sou o Igor.

– Tania, por que parece que todo mundo me conhece aqui? – perguntou ele em voz baixa.

– Porque todos o conhecem – disse Tatiana com indiferença e o olhar distante. – Você é o capitão do Exército Vermelho que veio se casar com minha irmã. Todos sabem disso. Infelizmente, ela morreu. E eles também sabem disso. E todo mundo lamenta muito – acrescentou ela, com voz quase firme.

Soluços foram ouvidos, vindos de Dusia, à frente, e de Naira, que vinha atrás.

– Alexander – disse Naira –, lá em casa nós vamos lhe dar uma porção de vodca e vamos lhe contar tudo.

Nós? Ele olhou para Tatiana, na esperança de que nós não fosse mais que dois. Por que suspeitava de que seria?

– Tania, como você tem passado? – perguntou Alexander. – Como foi que...

– Ah, ela tem sido corajosa – interrompeu Vova, colocando o braço em torno de Tatiana. – Agora ela está melhor.

Alexander olhou para frente, com os olhos enuviados. O mal-estar dentro dele estava se multiplicando.

Foi nesse instante – quando ele cerrou os dentes e virou o rosto – que Tatiana se afastou de Vova e veio até Alexander, tocando-lhe o braço.

– Você deve estar exausto, não? – disse ela com suavidade, olhando-o no rosto. – Quatro dias viajando de trem. Você comeu hoje?

– De manhã – respondeu ele, sem olhar para ela.

Tatiana fez um movimento de cabeça.

– Você vai se sentir melhor depois de se lavar e de se alimentar – disse ela sorrindo. – E se barbear – acrescentou apertando-lhe o braço.

Ele se sentiu melhor e lhe devolveu o sorriso. Ia ter de falar com ela sobre Vova. Alexander via coisas não resolvidas nos olhos de Tatiana. A última vez que ele teve tempo ou energia para resolver alguma coisa foi na catedral de Santo Isaac. Um momento sozinho com ela e as coisas melhorariam, mas primeiro ele tinha de falar com ela sobre Vova.

– Alexander – disse Axinya –, nós arrancamos a nossa Tanechka das garras da morte.

Ouviu-se um alarido geral. Alexander olhou para Tatiana caminhando ao lado dele e sentiu um calor líquido percorrê-lo.

– Por favor, deixe-me carregar isso – disse ele.

Ela estava para lhe entregar a cesta de costura, quando Vova a interceptou e disse:

– Eu a levo.

– Tania – perguntou Alexander –, será que você, por acaso, encontrou Dimitri em Kobona?

Naira virou-se rapidamente para Alexander e sibilou, com os olhos suplicantes:

– Psiu! Nós nunca conversamos sobre Dimitri.

– Aquele safado! – exclamou Axinya.

– Axinya, por favor! – disse Naira, voltando-se para Alexander e balançando a cabeça. – Mas ela tem razão, ele é um safado.

Alexander virou-se para todos com os olhos escancarados.

– Tania – disse ele –, devo entender que você realmente encontrou Dimitri em Kobona?

– Mmm – respondeu ela, sem dizer mais nada.

Alexander balançou a cabeça. Ele era um safado.

À sua esquerda, Zoe se inclinou e disse num sussurro conspiratório:

– Outro motivo para não falarmos sobre Dimitri é porque nosso Vovka arrumou uma grande coisa para Tania.

Afastando-se de Zoe e se aproximando de Tatiana, Alexander murmurou:

– É verdade?

A casa de Naira, no final da vila, na direção do rio, era branca, de madeira e quadrada. E pequena.

– Vocês todos moram aqui? – perguntou Alexander, olhando para Tatiana, que caminhava na frente.

– Não, não – disse Naira –, só nós e a nossa Tania. Vova e Zoe moram com a mãe no outro lado de Lazarevo. O pai deles foi morto na Ucrânia no verão passado.

– Babushka – disse Zoe –, acho que não vai haver lugar em sua casa para o Alexander.

Alexander olhou para a casa. Parecia que Zoe estava certa. No jardim da frente, havia duas cabras e três galinhas num cercado de arame. Parecia que havia bastante espaço para eles.

Seguindo Tatiana até o interior da casa, Alexander subiu dois degraus de madeira e entrou numa varanda espaçosa e fechada por vidro, com duas pequenas camas num dos lados e uma longa mesa de madeira retangular do outro. Atravessando a varanda, deteve-se na entrada de uma sala escura, no meio da qual havia um fogão a lenha acesso.

Ocupando quase toda a parte traseira da sala, o fogão tinha longa fornalha de ferro e três compartimentos, dos quais o do centro era para a queima de madeira, e os outros dois funcionavam como fornos. A chaminé erguia-se à esquerda. Acima do fogão havia uma superfície plana coberta por colchas e travesseiros. Em muitas casas de vilarejos da União Soviética, o topo do fogão era frequentemente usado como cama. Depois que o fogo se apagava lá embaixo, a parte de cima ficava bem aquecida.

Diante do fogão, havia uma mesa alta para a preparação dos alimentos, e, nos fundos, havia uma máquina de costura numa bancada e um baú negro. À direita havia duas portas, que Alexander imaginou serem as dos quartos. Tatiana estava a seu lado.

– Deixe-me adivinhar – ele lhe disse. – Você dorme ali?

– Sim – respondeu ela, sem erguer os olhos. – É confortável. Entre um instante – acrescentou ela, passando pela bancada ao lado do fogão.

– Espere, espere – disse Naira atrás deles. – Zoechka tem razão. Nós não temos mesmo muito espaço.

– Tudo bem, eu tenho minha barraca – disse Alexander, seguindo Tatiana.

– Não, nada de barraca – disse Naira. – Por que você não fica com Vova e Zoe? Eles têm lugar para você; têm um belo quarto em que você pode ficar. Com uma cama de verdade e tudo o mais.

– Não – disse Alexander, virando-se para Naira. – Mas muito obrigado.

– Tanechka, você não acha que seria mais confortável para ele? Ele podia...

– Naira Mikhailovna – disse Tatiana –, ele já disse que não.

– Nós sabemos – disse Axinya, atravessando a varanda. – Mas não seria mais...

– Não – repetiu Alexander. – Vou dormir na minha barraca bem aí fora. Vou ficar bem.

Tatiana fez-lhe um aceno para que se aproximasse. Ele não conseguiu chegar perto dela com rapidez.

Os dois ficaram sozinhos o tempo suficiente para ela dizer:

– Durma aqui, acima do fogão. É bem quente.

Ele conseguiu controlar a voz quando perguntou:

– E você, onde vai dormir?

O rosto dela ficou vermelho, e ele não conseguiu evitar: explodiu numa gargalhada e beijou-lhe o rosto. O que a deixou ainda mais vermelha.

– Tania – disse ele –, você é uma moça muito engraçada.

Ela se afastou até quase chegar à varanda.

Sorrindo para ela, ele disse:

– Ouça, eu vou...

– Vai ficar com Zoe e Vova? – perguntou Naira, entrando na sala. – É uma boa ideia. Eu sabia que a nossa Tanechka ia convencê-lo. Ela consegue fazer até o demônio mudar de ideia. Zoe!

– Não! – exclamou Tatiana.

Alexander teve vontade de beijá-la.

– Naira Mikhailovna, ele não vai – disse Tatiana. – Ele não veio de tão longe para ficar com Vova e Zoe. Ele vai ficar aqui. E vai dormir lá em cima.

– Oh, disse Naira, com a respiração curta.

– E você?

Será que ela conseguiria não corar? Não, não conseguiria.

– Eu vou dormir na varanda.

– Tania, se ele está faminto, por que você não muda a roupa de sua cama para que ele durma em lençóis limpos?

– Vou fazer isso, respondeu Tatiana.

– Não ouse tocar neles – sussurrou Alexander.

Dizendo que ia buscar toalhas limpas para Alexander, Naira desapareceu em seu quarto.

Um se virou para o outro instantaneamente. Ela não conseguia encará-lo, mas estava virada para ele e perto dele, e... será que ela o estava cheirando?

– Eu vou me lavar e já volto – disse Alexander sorrindo. Ele não sabia o que fazer com as mãos. Queria segurar as dela. – Não saia daqui.

– Vou ficar bem aqui. Você precisa de sabonete?

– Eu tenho o suficiente – respondeu ele balançando a cabeça.

– Estou certa de que tem. Mas olhe o que mais eu tenho – disse ela, tirando um pequeno frasco de xampu de sua gaveta. – Achei isto em Molotov. Custou-me vinte rublos – acrescentou, entregando-lhe o frasco. – Xampu de verdade para o seu cabelo.

– Você gastou vinte rublos num vidro de xampu? – perguntou ele, fingindo indignação, tirando-lhe o frasco das mãos e apertando-lhe os dedos.

– Melhor que duzentos e cinquenta rublos por uma xícara de farinha – replicou ela, retirando os dedos rapidamente e tentando mudar de assunto.

– Esses vinte eram parte dos meus rublos?

– Sim – respondeu ela calmamente. – Os rublos que estavam dentro de seu livro vieram a calhar. Obrigada – acrescentou ela, sem olhar para ele. – Obrigada por tudo.

– Estou contente por eles terem sido úteis, e não precisa agradecer. Não precisa agradecer nada – disse ele, sem conseguir tirar os olhos dela. – Tatiasha, você está tão loira.

– É o sol – respondeu ela dando de ombros casualmente.

– E tão sardenta...

– O sol.

– E tão...

– Deixe-me lhe mostrar o rio.

– Espere. Veja o que eu trouxe para você – disse ele, abaixando-se junto de sua mala e mostrando-lhe muitas latas de tushonka, um pouco de café, um grande saco de cubos de açúcar, sal, cigarros e garrafas de vodca. – E eu lhe trouxe mais um livro inglês-russo. Você tem praticado seu inglês?

– Não, não tenho – respondeu Tatiana. – Não tenho tempo. Não acredito que você tenha carregado tudo isso. Deve ter sido um grande peso. Mas obrigada. Vamos lá para fora – acrescentou ela, depois de uma pausa.

Pegando uma toalha de Naira, eles atravessaram a varanda e desceram os degraus de volta ao jardim. Alexander procurou ficar o mais perto possível de Tatiana, sem que seu corpo chegasse a tocá-la. Ele sabia que seis pares de olhos estavam fixos neles lá da varanda. Tatiana apontou para alguma coisa, mas ele nem olhou para onde ela estava apontando. Ele estava olhando para suas sobrancelhas loiras. E desejou tocá-las com os dedos.

Desejou tocar a moça com os dedos.

Segurando a respiração, ele tocou uma pequena cicatriz abaixo da sobrancelha onde ela tinha sido ferida durante a briga com o pai.

– Quase desapareceu – disse ele em voz baixa. – Quase nem dá para ver.

– Se você não consegue vê-la – disse Tatiana com suavidade –, por que a está tocando? – acrescentou sem olhar para ele. – Alexander – prosseguiu ela –, dá para você olhar para onde estou apontando? É bem em meio aos pinheiros. Quer olhar, por favor? Do outro lado da estrada, há um caminho entre as árvores. Desça uns cem metros até a clareira. Eu lavo roupa lá. Você não vai deixar de achar. O Kama é um rio grande.

– Eu vou me perder, com certeza – disse Alexander, inclinando-se sobre o ouvido dela e baixando a voz. – Venha me mostrar.

– A Tania tem que fazer o jantar – disse Zoe, aproximando-se deles. – Por que eu não lhe mostro o caminho?

– Sim – disse Tatiana recuando. – Por que Zoe não lhe mostra o caminho? Eu tenho que começar a cozinhar se quisermos comer mais tarde.

– Não, Zoe – disse Alexander. – Com licença – acrescentou, puxando Tatiana. – Venha comigo até o rio – repetiu ele. – Você vai poder me dizer o que a está aborrecendo, e eu vou...

– Agora não, Alexander – sussurrou Tatiana. – Agora não.

Suspirando, ele soltou-lhe a mão e se afastou sozinho. Quando voltou, limpo e barbeado, vestindo seu uniforme classe B, percebeu que Zoe estava descaradamente interessada nele. Alexander não ficou surpreso. Numa vila sem rapazes, ele podia ser zarolho e sem nenhum dente que Zoe se mostraria interessada. Tatiana era outra história. Ela evitava obstinadamente olhá-lo nos olhos. Inclinada sobre o fogão e as frigideiras, ela disse:

– Você se barbeou.

– Como é que você sabe? – perguntou ele, olhando-lhe as costas e os quadris, enquanto ela se inclinava em seu vestido amarelo. Sua cintura se afinava acima dos quadris redondos como a lua, e a parte de trás das coxas nuas podia ser vista abaixo da barra curta. Ele pulsava internamente.

– Tania, esta vida de aldeia combina com você – disse Alexander depois de alguns minutos.

Erguendo-se, ela estava prestes a caminhar até a varanda quando ele agarrou-lhe a mão e levou-a a seu rosto.

– Você gosta mais dele liso? – perguntou ele, passando as costas da mão dela contra o rosto e, então, beijou-lhe os dedos.

Ela puxou a mão com suavidade.

– Não vi muitos de vocês limpos e barbeados – murmurou ela. – De qualquer jeito está bom. Eu estou cheirando a cebola, Alexander. Não quero estragar sua limpeza. Você está tão bonito e... limpo – acrescentou ela, limpando a garganta e afastando o olhar.

– Tatia – disse ele, sem soltar-lhe a mão enfarinhada –, sou eu. Qual é o problema?

Ela ergueu o olhar para ele e piscou; ele viu mágoa em seus olhos, mágoa, calor e tristeza, mas, acima de tudo, mágoa, e começou a dizer: – O que...

– Alexander, querido, venha ficar aqui conosco. Deixe a Tania terminar o jantar. Venha tomar uma bebida.

Ela foi para a varanda. Naira deu-lhe uma dose de vodca. Balançando a cabeça, Alexander disse:

– Não vou beber sem Tatiana. Tania! Venha aqui.

– Ela vai beber a próxima conosco.

– Não – disse ele. – Ela vai beber a primeira conosco. Tania, venha aqui.

Ela se aproximou, cheirando levemente a batatas e cebolas, colocando-se ao lado dele.

– A nossa Tanechka nunca bebe – disse Naira.

– Vou beber à saúde de Alexander – retrucou Tatiana.

Alexander entregou-lhe seu copo de vodca, tocando-lhe os dedos. Naira serviu-lhe outro copo. Os dois ergueram os copos.

– Ao Alexander – disse Tatiana, com a voz embargada. Seus olhos estavam cheios de lágrimas.

– Ao Alexander – responderam os outros. – E a Dasha.

– E a Dasha – disse Alexander calmamente.

Todos beberam, e Tatiana voltou para o fogão.

Uma dezena de aldeões apareceu antes do jantar, todos desejosos de conhecer Alexander, todos trazendo pequenos presentes. Uma mulher trouxe um ovo. Um velho trouxe um anzol de pesca. Outro homem, uma linha de pescar. Uma garota trouxe algumas balas duras. Todos lhe apertaram a mão, alguns se inclinavam e uma mulher chegou a ficar de joelhos, persignando-se e beijando o copo que ele segurava. Alexander ficou emocionado e exausto. E pegou um cigarro.

– Por que não vamos lá para fora? A nossa Tania não gosta que se fume dentro de casa.

Alexander praguejou em voz baixa, guardando o cigarro. Aguentar Vova se ocupando do bem-estar de Tania era demais. Mas antes que ele pudesse dizer outra palavra, sentiu a mão de Tatiana em seu ombro e viu seu rosto bem diante dele, enquanto ela colocava um cinzeiro em cima da mesa.

– Fume, Alexander, fume – disse ela.

– Mas, Tania, a fumaça a incomoda. É por isso que nós saímos.

– Eu sei disso, Vova – respondeu Tatiana. – Mas Alexander não veio de tão longe para fumar fora de casa. Ele vai fumar onde quiser.

– Eu não preciso fumar – disse Alexander balançando a cabeça. Ele queria a mão dela em seu ombro, e o rosto dela novamente diante dele. – Tania, você precisa de ajuda? – acrescentou ele.

– Sim, você pode se levantar e comer minha comida. É hora do jantar.

As quatro damas sentaram-se a um lado da longa mesa, que era flanqueada por dois bancos.

– Normalmente, Tatiana senta-se à cabeceira. Para que possa se levantar e buscar a comida, sabe? – disse Zoe sorrindo.

– Ah, eu sei – disse Alexander. – Vou me sentar ao lado dela.

– Normalmente, eu me sento ao lado dela – disse Vova.

Dando de ombros e sem interesse em competir com Vova, Alexander olhou para Tatiana e ergueu as sobrancelhas.

Ela enxugou as mãos numa toalha e disse:

– E se eu me sentar entre Alexander e Vova?

– Ótimo – disse Zoe. – E eu vou me sentar do outro lado de Alexander.

– Ótimo – disse Alexander.

Tatiana havia feito uma salada de pepinos e tomates, e cozinhado algumas batatas com cebolas e tushonka. Ela abriu um pote de cogumelos marinados. Havia pão branco, um pouco de manteiga, leite, queijo e alguns ovos cozidos.

– O que posso lhe servir, Shu?... – perguntou Tatiana, deslizando para o lado dele. – Você quer salada?

– Quero, por favor.

– E um pouco de cogumelo? – perguntou ela se levantando.

– Sim, por favor.

Tatiana colocou comida no prato dele, permanecendo a seu lado. A única razão para Alexander deixar que ela prosseguisse sem se servir ele mesmo era porque a perna desnuda da moça roçava-lhe as calças, e seus quadris se pressionavam contra seu cotovelo. Ele faria com que ela o servisse uma segunda e uma terceira vez para mantê-la junto dele. Sua vontade era de enlaçar a cintura dela. Em vez disso, pegou o garfo.

– Sim, por favor, um pouco de batata também. É o suficiente. Um pouco de pão. Está ótimo. Sim, manteiga também.

Alexander achou que ela se sentaria, mas isso não aconteceu: ela andava em volta da mesa e servia a comida para as senhoras mais velhas.

E, então, ela serviu Vova. O coração de Alexander deu um aperto quando viu que ela servia Vova com uma familiaridade informal. Vova agradeceu a ela, que sorriu levemente, olhando-o diretamente no rosto.

Para o Vova ela olhava. Para o Vova ela sorria. Pelo amor de Deus, pensou Alexander. A única coisa que o impediu de se sentir pior com a situação foi que nos olhos de Tania ele nada viu de especial com relação a Vova.

Por fim, ela se sentou.

– Tania – disse ele –, fico feliz por ver comida diante de você novamente.

– Eu também – respondeu ela.

Os cômodos eram tão escuros que ele não conseguia vê-la muito bem, mas pôde ver o sangue pingando de sua boca quando ela cortou pão preto para ele, para Dasha e, por fim, para ela mesma. Agora ela estava comendo pão branco com manteiga e ovos.

– Muito melhor, Tatia – sussurrou ele. – Graças a Deus.

– Sim – disse ela, numa voz quase inaudível. – Graças a você.

O cotovelo impertinente de Zoe tocava, de maneira intermitente e proposital, o de Alexander. Zoe jogava muito bem o jogo. Alexander ficou imaginando se Tatiana o havia notado.

Afastando-se de Zoe, Alexander se aproximou mais de Tatiana.

– Só para lhe dar um pouco mais de espaço, Zoe – disse ele com um sorriso indiferente.

– Sim, mas veja só – disse Naira, que estava sentada diante deles –, agora a pobre Tanechka ficou espremida.

– Eu estou bem – disse Tatiana. Sob a mesa, a perna dela roçava a dele. Ele colocou sua perna contra a dela imediatamente.

– Então – disse Alexander, comendo com apetite –, será que eu já bebi o suficiente para você me contar o que lhe aconteceu?

Lágrimas. Não de Tatiana, mas das quatro mulheres.

– Oh, Alexander! Achamos que você ainda não bebeu o suficiente para ouvir tudo.

– Posso ouvir um pouco.

– Tania não gosta que a gente fale nisso – disse Naira –, mas, Tanechka, pelo Alexander, podemos contar a ele o que aconteceu?

– Sim, para o Alexander podem, contem-lhe o que aconteceu – respondeu Tatiana com um suspiro.

– Eu quero que Tania me conte o que aconteceu – disse Alexander. – Você quer mais vodca?

– Não – respondeu ela, servindo mais um pouco a ele. – Na verdade, Alexander, não há muito para contar. Como eu lhe disse, nós chegamos a Kobona. Dasha morreu. Eu vim para cá e fiquei doente por uns tempos...

– Ela quase morreu, isso sim! – exclamou Naira.

– Naira Mikhailovna, por favor – disse Tatiana. – E fiquei um pouco doente.

– Doente? – berrou Axinya. – Alexander, essa menina chegou aqui em janeiro e ficou à beira da morte até março. O que ela não tinha? Ela tinha escorbuto...

– Ela estava pondo sangue! – disse Dusia. – Como o nosso antigo Tsarevitch Alexos. Exatamente como ele. Sangrando sem parar.

– Isso é escorbuto – disse Alexander com delicadeza.

– O Tsarevich não tinha escorbuto – disse Tatiana. – Ele tinha hemofilia.

– Você esqueceu que ela teve pneumonia dupla? – disse Axinya. – Os dois pulmões dela ficaram tomados!

– Axinya, por favor – disse Tatiana. – Foi só um pulmão.

– Foi a pneumonia que quase a matou. Ela não conseguia respirar – disse Naira, estendendo a mão por sobre a mesa para que Tatiana a tocasse.

– Não foi a pneumonia que quase a matou! – exclamou Axinya. – Foi a tuberculose. Naira, você é tão esquecida. Não lembra que ela cuspiu sangue durante semanas?

– Oh, meu Deus, Tania – sussurrou Alexander.

– Alexander, eu estou bem. De verdade – disse Tatiana. – Eu tive uma tuberculose branda. Elas a curaram antes que eu fosse para o hospital. O médico disse que logo eu estaria tão bem quanto antes. O médico disse que no ano seguinte a tuberculose teria ido embora.

– E você ia me deixar fumar aqui dentro.

– E daí? – disse ela. – Você sempre fuma dentro de casa. Estou acostumada com isso.

– E daí? – berrou Axinya. – Tania, você ficou no isolamento por um mês. Nós ficávamos com ela, Alexander, enquanto ela ficava deitada, tossindo, cuspindo sangue...

– Por que você não conta a ele como contraiu tuberculose? – disse Naira em voz alta.

Alexander sentiu que Tatiana estremeceu a seu lado.

– Mais tarde eu conto isso a ele.

– Quando é mais tarde? – sussurrou Alexander com o canto da boca.

Ela não lhe deu resposta.

– Tania! – exclamou Axinya. – Conte a Alexander o que você teve que passar para chegar aqui. Conte a ele.

– Conte-me, Tania – disse ele, olhando para ela com compaixão. A comida que ela fizera estava tão boa; caso contrário, ele teria perdido o apetite.

Como se custasse um grande esforço, Tatiana disse:

– Olhe, eu e centenas de outras pessoas fomos empilhados em caminhões e levado até o trem, perto de Volkhov...

– Conte-lhe sobre o trem!

– Não era o melhor dos trens. Havia gente demais...

– Conte-lhe quantas pessoas!

– Eu não sei quantas – disse Tatiana. – Nós éramos...

– O que acontecia com as pessoas que morriam nos trens? – disse Dusia, persignando-se.

– Oh, eram simplesmente jogadas fora. Para abrir espaço.

– Havia mais espaço quando eles chegaram ao rio Volga – disse Naira, fungando.

– Alexander – exclamou Axinya –, a ponte ferroviária que cruzava o Volga tinha sido explodida, e o trem não podia passar. Todos os evacuados, inclusive a nossa Tanechka, foram informados de que teriam que atravessar o gelo a pé, mesmo na lamentável condição em que estavam. O que você acha disso?

Alexander piscou várias vezes. Ele não tirava os olhos do rosto divertido e, ao mesmo tempo, ligeiramente devastado, de Tatiana.

– Quantas pessoas conseguiram fazer a travessia, Tania? Quantas pessoas morreram no gelo? Conte a ele.

– Eu não sei, Axinya. Eu não fiquei contando...

– Ninguém – disse Dusia. – Tenho certeza de que ninguém sobreviveu.

– Bem, Tania sobreviveu – disse Alexander, com o cotovelo pressionando o braço de Tatiana, a perna pressionando a dela.

– E outras pessoas sobreviveram – disse Tatiana. – Não muitas – acrescentou ela, baixando a voz.

– Tania, conte a ele – exclamou Axinya – quantos quilômetros você teve que andar, tuberculosa, no meio da neve, do frio extremo, até chegar à próxima estação, pois não havia caminhões suficientes para carregar todos os doentes e os esfaimados até o trem. Conte-lhe quantos – acrescentou ela, arregalando os olhos. – Acho que foram uns quinze!

– Não, querida – corrigiu Tatiana. – Talvez uns três. E o frio não era extremo. Só estava frio.

– Eles lhe deram alguma coisa para comer? – Perguntou Axinya. – Não!

– Sim – disse Tatiana. – Eu recebi um pouco de comida.

– Tania! – exclamou Axinya. – Conte-lhe sobre o trem, conte-lhe como não havia lugar para você deitar, como você ficou três dias em pé, de Volkhov até o Volga!

– Eu viajei em pé por três dias – disse Tatiana, espetando a comida com o garfo. – De Volkhov até o Volga.

Enxugando os olhos, Dusia disse:

– Depois de cruzar o Volga, morreram tantas pessoas que Tatiana conseguiu um lugar no trem para se deitar, não é mesmo, Tania? Ela se deitou...

– E nunca mais se levantou! – completou Axinya.

– Meu bem – disse Tatiana –, eu acabei me levantando – completou ela, balançando a cabeça.

– Não – disse Axinya. – Eu não estou exagerando. Você não se levantou. O maquinista perguntou para onde você estava indo, e ele não conseguia acordá-la para lhe perguntar...

– Mas ele acabou me acordando.

– Acabou mesmo! – exclamou Axinya. – Mas ele pensou que você estava morta.

– Ela desceu do trem em Molotov – acrescentou Raisa – e perguntou qual era a distância até Lazarevo, e quando ouviu dizer que eram dez quilômetros, ela...

As quatro mulheres puseram-se a chorar.

– Lamento que você tenha que ouvir tudo isso – disse Tatiana a Alexander.

O rapaz parou de comer. Colocando-lhe a mão nas costas, ele começou a afagá-la com carinho. Quando viu que ela não se afastava, não se esquivava e não corava, deixou a mão pousada nela por um longo tempo. Então, tornou a pegar o garfo.

– Alexander, você sabe o que ela fez quando ouviu que Lazarevo ficava a dez quilômetros de Molotov?

– Deixe-me adivinhar – disse Alexander sorrindo. – Ela desmaiou.

– Isso mesmo! Como você soube? – perguntou Axinya, estudando-o.

– Eu desmaio o tempo todo – disse Tatiana. – Sou uma fracote.

– Depois que ela saiu do isolamento, ficávamos sentadas ao lado da cama dela no hospital, segurando a máscara de oxigênio no rosto dela para ajudá-la a respirar. Quando a avó dela morreu... – prosseguiu ela enxugando o rosto.

O garfo caiu da mão de Alexander. Involuntariamente. Em silêncio, ele ficou sentando olhando para o prato, incapaz de virar a cabeça até para Tatiana. Foi ela que se virou para ele, olhando-o com ternura e tristeza.

– Onde está aquela vodca, Tania? – perguntou Alexander. – Está na cara que eu não tomei o suficiente.

Ela o serviu e encheu um copinho para ela; então, eles ergueram os copos, batendo-os ligeiramente, e ficaram um olhando para o outro, os rostos cheios de Leningrado, da Quinta Soviet, da família dela e da família dele, do lago Ladoga e da noite.

– Coragem, Shura – sussurrou Tatiana.

Ele não conseguiu responder. Em vez disso, engoliu a vodca.

As outras pessoas à mesa ficaram quietas até Alexander perguntar:

– Como foi que ela morreu?

– De disenteria – respondeu Naira, limpando o nariz. – Em dezembro do ano passado – acrescentou ela, inclinando-se para frente. – Pessoalmente, acho que depois que ela perdeu o avô de Tania, ela não quis continuar vivendo. Sei que Tania concorda comigo – completou ela, olhando para Tatiana.

Tania concordou com um movimento de cabeça.

– Ela quis morrer. Ela não podia viver sem ele.

Naira tornou a pôr vodca no copo de Alexander.

– Quando Anna estava para morrer, ela me disse: “Naira, eu gostaria que você pudesse conhecer todas as minhas netas, mas você, provavelmente, nunca vai ver nossa pequena Tania. Ela nunca vai conseguir chegar aqui. Ela é tão fraquinha”.

– Anna – comentou Alexander, tragando a vodca – nunca soube avaliar bem suas netas.

– Ela nos disse – prosseguiu Naira –: “Se minhas netas vierem, assegure-se de que elas fiquem bem. Conserve a minha casa para elas...”.

– Casa? – perguntou Alexander, animando-se instantaneamente. – Que casa?

– Oh, eles tinham uma izba...

– Onde fica essa izba?

– Bem no início do bosque. Junto ao rio. Tania pode mostrá-la a você. Quando Tania melhorou e veio aqui para Lazarevo, ela quis morar nessa casa. E sozinha – completou Naira, escancarando os olhos de maneira significativa.

– O que ela estava pensando? – questionou Alexander.

Com o olhar radiante, todas as mulheres concordaram em voz alta, rindo e bufando em uníssono.

Naira disse:

– Nenhuma neta de nossa Anna ia morar sozinha. Que loucura era essa? Quem é que mora sozinho? Nós dissemos que ela era parte de nossa família. Seu amado Deda era primo por afinidade de meu primeiro marido. Você vai morar conosco. Aqui é muito melhor para você. E é, não é mesmo, Tanechka?

– É, Naira Mikhailovna – disse Tatiana, servindo mais batatas a Alexander. – Você ainda está com fome?

– Para dizer a verdade, nem sei mais como estou – disse Alexander –, mas, com certeza, vou continuar comendo.

– Nossa Tania agora está melhor, mas ela precisa se cuidar – disse Naira. – Ela ainda vai a Molotov todo mês fazer exames. A tuberculose pode voltar a qualquer momento. É por isso que todos nós fumamos lá fora...

– Sem nenhum problema – disse Vova, colocando o braço sobre os ombros de Tatiana. Alexander tinha que conversar com Tatiana a respeito de Vova, e logo.

– Alexander – disse Axinya –, você não faz ideia de como ela estava magra quando chegou aqui...

– Eu faço uma certa ideia – disse Alexander. – Não é mesmo, Tania?

– Faz mesmo, Shura – sussurrou ela.

– Ela estava pele e osso – disse Dusia. – O próprio Cristo quase não conseguiu salvá-la.

– Ainda bem que não vivemos numa fazenda coletiva como nossa prima Yulia, não é mesmo, Naira? – disse Axinya. – Yulia mora em Kulay, perto de Archangelsk e, apesar de ter setenta e cinco anos, trabalha no campo o dia inteiro, mas o kolkhoz leva a comida dela embora. Aqui eles só levam o nosso peixe, mas nós podemos trocar nossos ovos e o leite de cabra por manteiga, queijo ou até farinha branca.

– Pobre Yulia – disse Naira fungando. – Mas olhe só para a nossa Tanechka.

Axinya sorriu, olhou afetuosamente para Tatiana e disse:

– Nós engordamos você, não é mesmo, meu bem? Ovo todos os dias. Leite. Manteiga. Nós a engordamos bem, você não acha, Alexander?

– Hmm – disse Alexander escorregando a mão sob a mesa e apertando ligeiramente a coxa de Tatiana.

– Ela parece um pãozinho quente – acrescentou Axinya.

– Um pãozinho quente? – repetiu Alexander, sorrindo de modo malicioso e se voltando para Tatiana, que estava completamente vermelha. Seu vestido curto não conseguia cobrir-lhe as coxas. A mão dele acariciou a coxa dela sob a mesa durante o jantar, na frente de seis estranhos. Alexander teve de retirar a mão. Teve de retirá-la. Ele ficou sem respiração, bem como sem sua discrição e autocontrole.

– Alexander, quer mais um pouco? – perguntou Tatiana, levantando-se e pegando a frigideira. Suas mãos estavam trêmulas. – Ainda sobrou muito – acrescentou ela, sorrindo para ele e respirando pela boca entreaberta. – Muito – disse ela, com o rosto vermelho.

– Acho que prefiro uma bebida – disse Alexander, incapaz de olhar para ela.

– Alexander – disse Axinya –, queremos que você saiba que não estávamos contentes com Tanechka. Queremos que você saiba que estávamos do seu lado.

– Tania, o que você fez para aborrecer estas mulheres tão simpáticas? – disse Alexander.

Por que Tania parou de sorrir e olhou para Axinya?

Naira, a boca cheia de batata frita, disse:

– Nós dissemos a ela para escrever a você e lhe contar o que aconteceu com Dasha, para que você não tivesse que viajar tanto na esperança de se casar com seu antigo amor e ficar decepcionado. Nós lhe dissemos. Evite-lhe essa viagem até o meio do país. Escreva para ele e lhe conte a verdade.

– E ela se recusou! – exclamou Axinya.

Alexander, com o fogo no coração continuando a arder, mas com a ânsia também ardendo nele, encarou Tatiana.

– Por que ela se recusou, Axinya? – perguntou ele.

– Ela não quis dizer. Mas deixe-me dizer que a ideia de que você viesse aqui à procura de Dasha estava nos matando. Não conseguíamos falar de nenhuma outra coisa.

– De nenhuma outra coisa, Alexander – disse Tatiana. – Mais bebida?

– Se você tivesse me escrito, talvez elas parassem de falar – disse ele, de maneira menos amigável. – E, sim, mais bebida.

Ela lhe serviu a bebida tão depressa que quase entornou o copo.

A cabeça de Alexander estava enuviada.

– Nós lemos todas as cartas de Dasha para Anna – disse Naira. – A maneira pela qual ela sonhava com você – acrescentou ela balançando a cabeça. – Para ela, você era um cavaleiro armado.

Ele engoliu a vodca do copo em dois goles.

– Tania, nós lhe dissemos para escrever para ele! – exclamou Dusia. – Mas a nossa Tania, às vezes, pode ser muito teimosa.

– Às vezes? – disse Alexander, tirando o copo da mão de Tatiana e dando conta também da vodca que ela tomava.

– Eu disse que ela podia fazer isso, que ela podia escrever aquela carta – disse Dusia se persignando. – Mas ela disse que não. Que nem com a ajuda de Deus conseguiria fazer isso. Alexander – acrescentou ela, olhando para Tatiana com desaprovação –, nós tínhamos esperanças de que Deus poupasse você do sofrimento e o deixasse morrer no front.

Alexander ergueu as sobrancelhas.

– Vocês tinham esperança de que eu morresse no front?

– Tania e eu rezávamos pela sua alma todos os dias – disse Dusia. – Nós não queríamos que você sofresse.

– Muito obrigado, acho – disse Alexander. – Tania, você rezava pela minha morte todos os dias?

– Claro que não, Alexander – respondeu ela com tranquilidade, incapaz de soar fria, incapaz de soar insincera, incapaz de mentir, de olhar para ele, de tocá-lo. Incapaz. O que se instalara dentro dela tornava-a incapaz de lidar com ele. Alexander olhou em torno da mesa lotada.

– Oh, Alexander! – exclamou Axinya – Que carta você escreveu para Dasha! Você é um poeta. Era tão cheia de amor! Quando lemos que nada iria impedi-lo de vir para se casar com ela neste verão, você nos encheu de emoção.

– Sim, Alexander – disse Tatiana. – Você se lembra dessa carta poética?

De repente, quando ele a olhou diretamente no rosto...

Ele a examinou. Estava começando a sentir seus pensamentos desfocados.

– Sim – disse ele. Ele havia escrito essa carta para deixar Dasha tranquila. Ele não queria que Tatiana encarasse a irmã sozinha. – Você devia ter me escrito, Tania – acrescentou ele com reprovação. – E me contado sobre Dasha.

Erguendo-se, Tatiana começou a tirar a mesa.

– Não tem importância – disse Alexander, dando de ombros. – Talvez Tania estivesse ocupada demais. Quem tem tempo para escrever hoje em dia? Especialmente morando numa vila. Existem os círculos de costura, a comida para fazer...

– Que tal o jantar, Alexander? – perguntou ela, pegando-lhe o prato. – Você gostou?

Coisas demais para dizer.

Lugar nenhum para dizê-las.

Exatamente como antes.

– Gostei, obrigado. Mais bebida?

– Não – disse ela secamente. – Não, obrigada.

– Alexander, o que você vai fazer agora? Vai voltar? – perguntou Vova.

Tatiana tornou a respirar fundo. Alexander suspendeu sua respiração por um instante.

– Eu não sei – respondeu ele.

– Você pode ficar o tempo que quiser – afirmou Naira. – Adoramos saber que você gosta de estar em família. Você podia ser o marido de Dasha; é assim que nós o vemos.

– Mas ele não é – disse Zoe com determinação e insinuação, colocando a mão no braço de Alexander e sorrindo. – Não se preocupe, Alexander. Nós vamos distraí-lo por aqui. De quanto tempo é a sua licença?

– Um mês.

– Zoe – disse Tatiana –, como vai seu bom amigo Stepan? Você vai encontrá-lo mais tarde?

Zoe tirou o braço de Alexander, que, sorrindo divertido, olhou para Tatiana. Então, ela não ignorou totalmente a atitude de Zoe, pensou ele.

Ela estava tirando a mesa. Alexander olhou ao redor. Ninguém mais se mexeu. Nem Zoe ou Vova. Quando ele começou a se levantar, Tatiana perguntou-lhe:

– Aonde você vai? Pode fumar à mesa.

– Vou ajudar você com a louça.

– Não, não, não! – berrou um coro de vozes. – O que você está pensando? Não, Tatiana faz isso.

– Eu sei que faz – disse Alexander. – Mas eu não quero que ela faça isso sozinha.

– Por quê? – perguntou Naira com genuína surpresa.

– Honestamente, Alexander – disse Tatiana –, você não veio de tão longe para lavar a louça.

Alexander tornou a se sentar, virou-se para Zoe e disse:

– Admito que estou um pouco cansado. Será que você não poderia ajudá-la? – perguntou ele, sem sorrir para ela. Zoe pareceu gostar disso, dando-lhe um sorriso largo, tão grande quanto seus seios, e levantou-se relutante para ajudar.

Tatiana fez chá e serviu uma xícara primeiro para Alexander e, em seguida, para as quatro mulheres; por último, serviu Vova, Zoe e a ela mesma. Trouxe um pote de geleia de mirtilo e já estava se preparando para se sentar junto a Alexander quando Vova disse:

– Tanechka, antes de se sentar, você poderia me servir outra xícara de chá?

Com as pernas ainda acomodadas no banco, Tatiana estava pegando a xícara de Vova quando Alexander agarrou-lhe o pulso. A xícara tremeu sobre o pires.

– Sabe de uma coisa, Vova? – disse Alexander, baixando a mão de Tatiana sobre a mesa. – A chaleira de água está no fogão, o bule de chá está à direita, bem à sua frente. Sente-se, Tania. Você já fez demais. Vova pode se servir sozinho.

Tatiana se sentou.

Todos os que estavam à mesa olharam para Alexander.

Vova se levantou e foi se servir de chá.

Finalmente, chegou a hora de Zoe e Vova irem para casa. Para Alexander, o tempo não passava com rapidez suficiente, até Vova dizer:

– Tania? Você pode ir até lá fora comigo?

Sem tomar conhecimento de Alexander, Tatiana saiu com Vova. Alexander fingiu estar ouvindo Zoe e Naira, mas ficou observando Tatiana lá fora.

Ele gostaria de ter tomado menos vodca. Ele precisava mesmo conversar com Tania. Quando ela voltou, Alexander quis que ela olhasse para ele.

Ela não olhou.

– Alexander – disse Zoe –, você quer sair para fumar e dar uma volta?

– Não.

– Amanhã alguns de nós vamos nadar lá no olho-d’água. Você quer vir?

– Vamos ver – disse ele sem prometer nada e sem erguer os olhos. Logo ela saiu.

– Tania – venha se sentar – disse Alexander. – Sente-se ao meu lado.

– Vou sentar. Você quer mais alguma coisa?

– Quero. Que você se sente.

– Que tal outra bebida? Temos um pouco de conhaque.

– Não, obrigado.

– Que tal...

– Tania. Sente-se.

Ela se sentou cuidadosamente no banco ao lado dele. Ele se aproximou mais dela.

– Você deve estar muito cansada – disse ele com gentileza. – Quer ir lá fora comigo? Eu preciso fumar.

Antes que Tatiana pudesse responder, Naira disse:

– Vou lhe dizer uma coisa, Alexander, foi muito difícil para a nossa Tania no começo.

Tatiana se levantou com um suspiro e desapareceu num dos quartos.

– Ela não quer que a gente fale nisso – disse Axinya em voz baixa.

– Claro que não – concordou Alexander. Ele também não queria.

– Ela estava em péssimas condições. Parecia um fantasma – prosseguiram as mulheres veladamente, todas voltando a cabeça para ele, os olhos cheios de lágrimas. Ele até poderia se deixar entreter por elas se não o estivessem impedindo de trocar duas palavras a sós com quem queria.

– Não – disse Naira –, mas você consegue imaginar alguém que perde toda sua...

– Consigo, sim – interrompeu Alexander. Ele não queria falar desse assunto com aquelas mulheres. Ele se levantou, pronto a pedir licença e ir atrás de Tatiana.

– Alexander, isso não é nem metade da história – sussurrou Naira. – Tania não quer que a gente fale sobre o que aconteceu em Kobona. Nós não queríamos falar na sua frente, mas...

– Ah, mas aquele Dimitri é um grande safado! – tornou a exclamar Axinya.

Alexander tornou a se sentar, dizendo:

– Me contem tudo rapidamente.

Tatiana voltou, batendo a porta.

– Sinto muito, Tanechka – disse Axinya –, mas eu gostaria de dar umas cacetadas naquele homem.

– Por favor, pare de falar de Kobona – disse Tatiana.

– Que Dimitri se dane – disse Dusia. – Algum dia ele vai tomar um tombo, e ninguém vai estar lá para ajudá-lo.

Revirando os olhos, Tatiana tornou a sair, batendo outra vez a porta.

– Acho que aquele safado partiu o coração dela – disse Axinya. – Acho que ela o amava.

Alexander estava achando difícil parecer controlado.

– De jeito nenhum – disse Dusia balançando a cabeça com veemência. – Ele nunca a enganaria, nem por um segundo. Nossa Tania enxerga através das pessoas desde o princípio.

– Isso é uma verdade, não é mesmo, Dusia? – disse Alexander.

– Ainda achamos – disse Axinya baixando a voz – que a história é outra, talvez alguma coisa envolvendo amor.

– Não uma coisa envolvendo amor – disse Alexander, escancarando os olhos.

– Você acha isso, Axinya – disse Naira balançando a cabeça. – Mas eu digo que não. Eu discordo. A garota tinha perdido todos. Ela estava arrasada. Não havia nenhum amor envolvido.

– Acho que havia – disse Axinya com firmeza.

– Você está enganada – disse Naira.

– Ah, é? Então por que ela vai sempre ao correio para ver se há carta para ela? – perguntou Axinya em triunfo. Não sobrou ninguém da família dela. De quem ela está esperando carta?

– Boa pergunta – disse Alexander. Ele estava para fazer alguma coisa? Não conseguia lembrar. O dia tinha sido muito longo. Nesse exato momento, ele não conseguia se lembrar da última coisa que havia dito.

– E você notou – disse Axinya – que, durante o círculo de costura na praça, ela sempre escolhe um lugar para sentar de onde possa ver a estrada.

– Sim, sim! – concordaram as três outras mulheres. – Sim, ela faz mesmo isso. Ela observa a estrada obsessivamente, como se estivesse esperando alguém.

Alexander ergueu o olhar. Tatiana estava atrás das mulheres mais velhas, fitando-o com seus olhos expressivos e eternos.

– Você está bem, Tatiasha? – perguntou ele com a voz cheia de emoção. – Você está esperando alguém.

– Não estou mais – respondeu ela com emoção, a voz tão embargada quanto a dele.

– Está vendo? – disse Naira com satisfação. – Eu disse que não havia amor nessa história!

Tatiana sentou-se ao lado de Alexander.

– Tanechka – disse Naira –, você não se importa que tenhamos falado de você, não é mesmo? Você sabe que você é a coisa mais interessante que aconteceu em Lazarevo nos últimos anos. Vova, com certeza, pensa assim – acrescentou ela rindo. E, virando-se para Alexander, disse: – Sabia que meu neto tem uma grande queda pela irmãzinha de Dasha?

Sem dizer uma palavra, Alexander piscou para Tatiana. Ele teria dito alguma coisa se tivesse encontrado o que dizer.

Tudo o que Alexander queria eram dois segundos, talvez um segundo consciente com Tatiana – será que isso era pedir muito? Talvez consciente estivesse fora de questão, mas por que estaria fora de questão colocar as mãos em algum lugar de seu corpo restaurado, alimentado e quente?

Ele saiu para fumar e se lavar. Quando voltou, quis tirar as roupas e as botas. Em vez disso, ouviu uma constante torrente de “Tanechka, querida, você me traz meu remédio?”, “Tanechka, meu amor, você pode vir arrumar minhas cobertas?”, “Tanechka, queridinha, você me traz um copo de água?”.

– Tania, querida – disse ele tirando as botas. Em seguida, pousou a cabeça na mesa e adormeceu instantaneamente. Acordou ao ser levemente sacudido por um toque suave. Estava escuro.

– Vamos, Shura – sussurrava a voz dela. Tatiana estava tentando fazê-lo se levantar. – Vamos, você consegue se levantar? Por favor, acorde e vá se deitar, por favor.

Ele se apoiou no fogão, subiu para o leito quente lá em cima e adormeceu de uniforme. Em meio à sua semiconsciência, sentiu que ela tirava suas botas, desabotoava a única, desafivelava o cinto, retirando-o dos passadores. Ele sentiu seus lábios suaves tocarem-lhe os olhos, o rosto e a testa. Sentiu como finas plumas sobre o rosto. Devia ser o cabelo dela. Quis acordar, mas era impossível.

5

Na manhã seguinte, Alexander abriu os olhos e olhou para o relógio. Era tarde: oito horas da manhã. Olhou ao redor em busca de Tatiana. Ela não estava em nenhum lugar, mas ele estava coberto com a colcha dela, com a cabeça no travesseiro dela. Sorrindo, deitou-se de barriga e pressionou o rosto contra o travesseiro. Tinha cheiro de sabonete, de ar puro e dela.

Ele saiu. Era uma ensolarada manhã rural, cheia do chilrear de pássaros; o ar estava tão tranquilo quanto um tempo de paz; as flores das cerejeiras e os lilases enchiam o pátio com seu perfume doce. Os lilases deixaram Alexander particularmente feliz – o Campo de Marte ficava cheio de lilases no final da primavera. Ele conseguia sentir o perfume das flores lá nas barracas. Era um de seus perfumes favoritos, os lilases do Campo de Marte. Não o seu perfume favorito; esse era o do hálito vivo de Tatiana quando ela beijou-lhe o rosto inconsciente na noite passada. Os lilases não podiam competir com aquele perfume.

A casa estava quieta. Depois de se lavar rapidamente, Alexander saiu à procura dela, encontrando-a na estrada, voltando para casa carregando dois baldes cheios de leite quente de vaca. Alexander soube que estava quente, pois colocou os dedos no balde. O brilhante cabelo loiro-branco de Tatiana estava solto, e ela usava uma saia azul e uma justa blusa branca que lhe descia acima do umbigo, expondo-lhe o ventre. Os contornos arredondados de seus seios eram claramente visíveis. Seu rosto exibia um adorável tom róseo. O coração de Alexander parou de bater no peito quando a viu. Ele pegou os baldes de leite das mãos dela. Caminharam por um minuto em silêncio. Ele se sentiu perdendo o fôlego.

– Suponho que, depois disto, você vá buscar água no poço – disse ele.

– Vou buscar? – disse Tatiana – E com que você se barbeou esta manhã?

– Quem se barbeou?

– Você escovou os dentes? – perguntou ela, sorrindo ligeiramente.

– Escovei – disse ele, rindo. – Sim, com a água que você tirou do poço. Tania, depois do café da manhã – disse ele baixando a voz rouca – , eu queria que você me mostrasse a casa de seus avós. Fica longe?

– Não fica muito longe – disse ela, com um olhar inescrutável.

Alexander não estava acostumado com Tatiana se mostrando inescrutável. Sua tarefa era torná-la escrutável. Ele sorriu.

– Por que você quer vê-la? Está toda fechada a cadeado.

– Traga a chave. Onde você dormiu?

– No sofá da varanda – respondeu ela. – Você ficou confortável? Achei que não fosse ficar. Mas eu não podia acordá-lo sem um motivo...

– Você tentou? – perguntou Alexander num tom proposital.

– Quase precisei atirar para cima com seu revólver para fazê-lo subir acima do fogão.

– Tania, não atire pra cima – disse Alexander. – A bala vai descer. – Lembrando-se dos lábios dela em seu rosto, ele acrescentou: – Você tirou minhas meias e o cinto. Você devia ter dado o passo seguinte – acrescentou rindo.

– Não consegui erguer você – disse Tatiana, corando. – Como você se sente esta manhã? Depois de toda aquela vodca?

– Eu me sinto ótimo. E você?

– Hmm – Foi o que ela respondeu, examinando-o de modo sub-reptício. – Você tem outras roupas para usar além dos seus uniformes?

– Não.

– Eu vou lavar a sua túnica hoje – disse ela. – Mas se você está planejando ficar mais um pouco, tenho umas roupas civis para você.

– Você quer que eu fique um pouco mais?

– Claro – disse Tatiana com voz controlada. – Você veio de tão longe. Não faz sentido voltar logo.

– Tania – disse Alexander, aproximando-se dela e tocando-a com delicadeza –, agora que estou outra vez lúcido, me fale de Dimitri.

– Não – disse ela. – Não posso. Eu quero, mas...

– Tania... Você sabia que eu o vi duas semanas atrás, e ele não me disse que viu você em Kobona.

– O que ele disse?

– Nada. Eu perguntei se ele tinha visto você ou Dasha, e ele disse que não, que não viu vocês.

– Mas é claro que ele nos viu, a mim e à Dasha – disse Tatiana, olhando para frente e com voz fraca.

Um pouco do leite caiu no chão.

Enquanto caminhavam, Alexander contou-lhe sobre Leningrado, sobre Hitler e suas baixas. Contou-lhe sobre os vegetais sendo cultivados por toda a cidade.

– Tania – disse ele –, eles plantaram repolho e batatas até diante da Santo Isaac. E tulipas amarelas – acrescentou ele sorrindo. – O que você acha disso?

– Acho ótimo – disse ela num tom que não expressava nenhuma ligação anterior com Santo Isaac. Inescrutável.

Alexander não queria que ela se sentisse triste naquela manhã. Haveria coisas demais a serem ultrapassadas por eles para que ele conseguisse que ela desse outro sorriso matinal?

– De quanto é o racionamento agora? – perguntou Tatiana com o olhar no chão.

– Trezentos gramas para os dependentes. Seiscentos para os trabalhadores. Mas logo vai haver pão branco. O conselho prometeu pão branco para este verão.

– Bem, com certeza, é mais fácil alimentar um milhão de pessoas do que três milhões.

– Agora menos de um milhão. As pessoas estão sendo evacuadas em barcaças pelo lago – informou ele, e mudou de assunto. – Aqui em Lazarevo estou vendo bastante pão – acrescentou ele, olhando para ela. – Bastante de tudo aqui em...

– Todo mundo foi enterrado?

– Eu mesmo supervisionei a escavação de covas no cemitério Piskarev – disse ele com um suspiro imperceptível.

– Escavação?

Ela não perdia nenhum detalhe.

– Nós usamos minas militares para abrir...

– Valas comuns? – completou ela.

– Tania... por favor.

– Você tem razão, não vamos falar disso. Oh, olhe, chegamos em casa – disse ela correndo na frente.

Desapontado por terem chegado, Alexander correu para alcançá-la.

– Você pode me mostrar aquelas roupas? Eu gostaria de usar alguma outra coisa.

Já no interior da casa, ela puxou seu baú de perto do fogão e estava prestes a abri-lo quando a voz de Dusia soou de um dos quartos.

– Tanechka? É você?

– Boa dia, querida – disse Naira, saindo do quarto. – Não senti cheiro de café esta manhã. Eu acordei, querida, porque não senti cheiro do café.

– Eu vou fazê-lo agora, Naira Mikhailovna.

– Quando você tiver um minuto, querida – disse Raisa, também saindo de seu quarto –, será que você pode me ajudar a ir lá fora?

– É claro – disse Tatiana, começando a fechar o baú. – Eu lhe mostro mais tarde – sussurrou ela a Alexander.

– Não, Tatiana – disse Alexander com impaciência –, você vai me mostrar agora.

– Alexander, eu não posso agora – disse ela, empurrando o baú contra a parede. – Raisa não consegue ir ao banheiro sozinha. Você viu como ela treme? Mas você pode ficar por cinco minutos, não é mesmo?

Será que ele não tinha sido suficientemente paciente?

– Posso ficar sentado por mais tempo que isso – disse ele. – A noite passada fiquei sentado o tempo todo com você e os seus novos amigos.

Ela mordeu o lábio.

– Tudo bem, tudo bem – disse ele com um suspiro. – Você tem um pilão?

Alexander não conseguiu evitar; ele estava por demais animado e atraído por ela para ficar aborrecido por muito tempo. Tentando soar ainda um pouco sério, ele perguntou:

– Você gostaria que eu moesse o café para você?

– Sim, obrigada – respondeu Tatiana. Ela não estava brincando. – Isso vai ser de grande ajuda. Vou buscar o coador também – acrescentou, fazendo uma pausa. – Você poderia acender o fogo, por favor? Para que eu possa preparar o café da manhã?

– Claro, Tania.

Tatiana levou Raisa até o banheiro e, então, deu-lhe o seu remédio.

Depois vestiu Dusia.

Arrumou todas as camas e, então, fritou alguns ovos com batata.

Alexander ficou observando tudo. Enquanto ele estava sentado no banco fora da casa e fumando, Tatiana veio até ele com uma xícara de café na mão e perguntou:

– Como você gosta?

Alexander piscou os olhos, olhou para ela em pé diante dele, de um frescor de lavanda, jovem e viva.

– Gosto do quê?

– Do café.

– Gosto do café – disse Alexander – com creme espesso e quente, além de bastante açúcar. Pegue o creme diretamente do balde, Tatiana, bem do topo. Mas quente. E bastante – acrescentou ele depois de uma pausa.

A xícara tremeu nas mãos dela.

Escrutável.

Foi tudo o que Alexander pôde fazer para não rir alto, para não agarrá-la, para não puxá-la para ele.

Depois do café da manhã, ele a ajudou a tirar a mesa e lavar a louça.

As mãos dela estavam imersas numa panela cheia de água com sabão quando Alexander, tendo-a observado um instante, colocou as mãos na água e procurou a dela.

– O que você está fazendo? – perguntou ela com voz rouca.

– O quê? – disse ele inocentemente. – Estou ajudando você a lavar a louça.

– Acho que você não é um bom ajudante – disse Tatiana, mas não tirou as mãos da panela. E, enquanto Alexander observava-lhe o rosto, ele finalmente viu alguma se dissolver em sua parede de dor. Ele lhe acariciou os dedos, encantado bela penugem loira de seus braços e nas sobrancelhas.

– Acho que a louça vai ficar bem limpa – disse ele –, olhando para as quatro mulheres sentadas ao sol da manhã e conversando a alguns metros deles. Na água quente e ensaboada, Alexander acariciou os dedos de Tatiana um a um, da base até a ponta, e com os polegares circundou as palmas das mãos escorregadias da moça, enquanto Tatiana se erguia, mal conseguindo respirar com os lábios entreabertos, os olhos brilhando.

– Tatia – disse ele baixinho –, suas sardas são tão pronunciadas. E – acrescentou ele – muito...

Axinya veio até Tania, beliscando-lhe o traseiro.

– Nossa Tanechka é sardenta como se tivesse sido beijada pelo sol.

Diabos. Alexander não podia nem sussurrar para ela sem que elas ouvissem. Mas quando Axinya se voltou, Alexander inclinou-se e, com suavidade, beijou as sardas de Tatiana. Ele deixou que ela desvencilhasse os dedos dele e se afastasse, com as mãos molhadas. Sem secar as próprias mãos, ele a seguiu.

– Agora é uma boa hora para você me mostrar aquelas roupas?

Entrando na casa e abrindo o baú, Tatiana tirou uma grande camisa de algodão branco de mangas curtas, uma camisa tricotada, uma camisa de linho creme e três pares de calças de elástico feitas de linho descorado. Também tirou dois coletes e calções de elástico.

– Para ir nadar – disse ela. – O que você acha?

– Acho ótimo – disse ele, sorrindo. – Onde você os conseguiu?

– Eu os fiz.

– Você os fez?

– Mamãe me ensinou a costurar. Não foi difícil. Difícil foi lembrar o seu tamanho – disse ela dando de ombros.

– Acho que você lembrava muito bem – disse Alexander lentamente. – Tania, você... fez roupas para mim.

– Eu não tinha certeza se você vinha, mas se viesse, queria que tivesse alguma coisa confortável para usar.

– O linho é caro – disse ele, muito satisfeito.

– Havia bastante dinheiro no seu livro de Pushkin – disse ela. – Eu comprei algumas coisas para todos.

Ah, estava menos satisfeito. – Inclusive para Vova?

Tatiana, sentindo-se culpada, desviou o olhar.

– Entendo – disse Alexander, jogando as roupas no baú. – Você comprou coisas para Vova com o meu dinheiro?

– Só um pouco de vodca e cigar...

– Tatiana! – disse Alexander, respirando fundo. – Aqui não. Deixe eu me trocar – disse ele, afastando-se dela. – Eu já vou.

Ela saiu enquanto ele colocava as calças e a camisa de algodão branco, que ficou ligeiramente apertada no peito, mas que, fora isso, serviu-lhe bem.

Quando Alexander saiu da casa, as velhas comentaram como ele estava bonito. Tatiana estava colocando roupas num cesto.

– Eu devia tê-la feito um pouquinho maior. Você está bonito – disse ela, abaixando os olhos. – Nunca vi você muitas vezes com roupas de civil.

Alexander olhou ao redor. Aquele era seu segundo dia com ela, e eles ainda continuavam cercados por quatro velhas cacarejantes, com ele ainda sem entender o que a incomodava, todas as coisas que o incomodavam e, ainda menos, a ampla aura loira da moça.

– Você me viu em trajes civis uma vez – disse ele. – Em Peterhof. Acho que você esqueceu Peterhof. Venha – acrescentou ele estendendo-lhe a mão –, vamos dar uma volta.

Tatiana virou-se para ele, mas não lhe pegou a mão. Ele teve que se abaixar e tomar-lhe a mão. Ficar tão próximo dela deixou-o um pouco inconsequente.

– Quero que você me mostre onde fica o rio – disse ele.

– Você sabe onde fica o rio – replicou ela. – Você esteve lá ontem – acrescentou desvencilhando-se da mão dele. – Shura, eu não posso ir mesmo. Tenho que pendurar a roupa que lavei ontem e lavar a de hoje.

– Não. Vamos – disse ele, puxando-a para junto dele.

– Não.

– Sim.

– Shura, não, por favor!

Alexander deteve-se. Que diabos era aquilo na voz dela? Que som era aquele? Não era de raiva. Era de... medo? Ele olhou-a no rosto.

– O que há de errado com você? – perguntou ele.

Ela estava perturbada, com as mãos trêmulas. Não conseguia olhar para ele. Soltando-lhe a mão, ele olhou-a no rosto, erguendo-o para ele.

– O que...

– Shura, por favor – sussurrou Tatiana, tentando desviar os olhos dele e, então, Alexander viu e soube.

Soltando-a, ele se afastou e sorriu.

– Tania – disse ele, com voz suave –, quero que você me mostre a casa de seus avós. Quero que você me mostre o rio. Um campo, uma droga de pedra, pouco me importa. Quero que você me leve para dois metros quadrados de espaço onde não haja ninguém ao nosso redor, para podermos conversar. Está entendendo? É só isso. Nós precisamos conversar, e eu não estou conversando, não estou fazendo nada, diante de seus novos amigos – acrescentou ele, fazendo uma pausa e desfazendo o sorriso. – Certo?

Corando profundamente, ela não ergueu os olhos.

– Tudo bem – disse ela, e ele a puxou pela mão.

– Tanechka – disse Naira –, aonde você vai?

– Vamos apanhar mirtilos para a torta de hoje à noite – gritou Tatiana.

– Mas, Tanechka, e as roupas? – berrou Raisa. – Você vai voltar ao meio-dia para me dar o remédio?

– Quando estaremos de volta, Alexander?

– Quando você estiver bem, Tatiana – disse ele. – Diga isso a ela. “Quando Alexander me deixar bem, nós voltaremos.”

– Não acho que você vai conseguir me deixar bem, Alexander – disse Tatiana, com frieza na voz.

Ele se afastava da casa com velocidade deliberada.

– Espere, tenho que...

– Não.

– Só mais um... – disse ela, tentando se desvencilhar. Mas ele não permitia. Ela tornou a tentar.

Alexander não a soltou.

– Tania, você não vai conseguir – disse ele, olhando para ela e apertando-lhe a mão com mais força. – Você pode me vencer em muitas coisas, mas não num confronto físico. Graças a Deus. Pois, então, eu estaria realmente com problemas.

– Mas, Tania – berrou Naira atrás deles –, Vova logo virá procurá-la! A que horas digo a ele que você vai voltar?

Tania olhou para Alexander, que lhe devolveu o olhar com frieza, dando de ombros com indiferença e dizendo:

– Sou eu ou a roupa. Você vai ter que decidir. Sei que a escolha é difícil. Sou eu ou Vova – acrescentou ele, soltando-lhe a mão. – Essa escolha também é difícil? – perguntou, achando que já aturara o suficiente.

Os dois haviam parado de caminhar e estavam se encarando, com a distância de um metro entre eles. Alexander cruzou os braços sobre o peito.

– O que vai ser, Tania? A escolha é sua.

– Vou voltar logo – gritou Tatiana para Naira. – Diga-lhe que eu o vejo mais tarde.

Com um suspiro, ela fez sinal para que Alexander se aproximasse. Ele estava andando rápido demais, e ela não conseguia acompanhá-lo.

– Por que tão rápido?

O destempero estava começando a arder em Alexander, como o chiado de uma granada antipessoal antes de explodir. Ele respirou profundamente para se acalmar, para fazer com que o pino voltasse a seu orifício.

– Vou lhe dizer uma coisa agora mesmo – disse ele. – Se você não quer confusão, vai dizer para o Vova que a deixe em paz.

Como ela não respondesse, Alexander parou de andar e puxou-a para ele.

– Você me ouviu? – disse ele erguendo a voz. – Ou talvez você prefira me dizer que eu a deixe em paz? Porque você pode fazer isso agora mesmo, Tatiana.

Sem erguer os olhos e sem tentar se afastar dele, Tatiana disse com tranquilidade:

– Lamento quanto ao Vova. Não se aborreça. Você sabe perfeitamente que eu só não quero ferir os sentimentos dele.

– Sim – disse Alexander intencionalmente –, os sentimentos de qualquer um, menos os meus.

– Não, Alexander – disse Tatiana, desta vez olhando para ele com um olhar severo de reprovação. – Acima de tudo, não quero ferir os seus sentimentos.

– Que diabos isso quer dizer? – disse ele, sem soltá-la e apertando-lhe o braço. – De uma forma ou de outra, ele vai ter que deixar você em paz... e para sempre se quisermos acertar as coisas entre nós.

Depois que ele soltou lentamente o braço dela, Tatiana disse:

– Não sei por que você se preocupa com ele...

– Tania, se não tenho nada com que me preocupar, me prove isso. Mas eu não jogo mais esse jogo. Não aqui. Não em Lazarevo. Não vou fazer isso aqui, na frente de estranhos, entende? Não vou me precaver contra os sentimentos de Vova como fiz com os de Dasha. Ou você diz a ele, o que seria o melhor, ou eu digo, o que seria o pior.

Como Tatiana, mordendo o lábio fechado, nada dissesse, Alexander prosseguiu:

– Eu não quero brigar com ele. E não quero fingir para a Zoe, quando ela fica esfregando os peitos em mim. Não vou fazer isso só para garantir a paz nesta casa.

Isso fez com que Tatiana erguesse o olhar.

– Zoe fica fazendo o quê? – perguntou ela. – Vova não fica esfregando nada em mim – acrescentou ela num murmúrio e balançando a cabeça.

– Não mesmo? – perguntou Alexander se aproximando bastante dela e fazendo uma pausa. Sua respiração se acelerou. A de Tatiana se acelerou. E, muito de leve, Alexander se encostou em Tatiana. – Você vai dizer a ele que a deixe em paz, está me ouvindo?

– Estou – disse ela timidamente. Ele a soltou e eles continuaram a caminhar. – Mas, francamente, acho que Vova é o menor de nossos problemas.

– Para onde estamos indo? – perguntou Alexander, caminhando mais rápido pela estrada da vila.

– Pensei que você quisesse conhecer a casa de meus avós.

Alexander respirou normalmente e riu sem muita vontade.

– O que é engraçado? – perguntou Tatiana, que não parecia estar com vontade de rir. Alexander tampouco estava.

– Não achei que fosse possível – disse ele, sacudindo a cabeça. – Não achei, depois do que vi na Quinta Soviet, mas, de alguma forma você conseguiu.

– Consegui fazer o quê? – perguntou Tatiana, agora com voz firme.

– Explique-me como... – disse ele com rispidez – como você conseguiu localizar e se cercar de pessoas ainda mais necessitadas que sua família?

– Não fale da minha família assim, certo?

– Por que todo mundo fica se juntando à sua volta, por quê? Você pode me explicar isso?

– Não para você.

– Por que você submerge assim na vida dessas pessoas?

– Não vou discutir isso com você. Você está sendo injusto.

– Você tem um único instante para você nessa maldita casa? – exclamou Alexander. – Um instante?

– Nem um instante! – retorquiu Tatiana. – Graças a Deus.

Eles caminharam num silêncio ressentido pelo resto do trajeto, através da vila, passando pela banya e pelo Soviete da vila, pela minúscula cabana que dizia “Biblioteca” e um pequeno edifício com uma cruz dourada no topo de uma cúpula branca.

Entraram no bosque e desceram o caminho que levava ao Kama. Por fim, chegaram a uma ampla clareira ligeiramente inclina e cercada por altos pinheiros e grupos de brancas bétulas reclinadas. Chorões e álamos emolduravam a corrente brilhante do rio.

Do lado esquerdo da clareira, sob os pinheiros, erguia-se uma izba fechada por tábuas, uma cabana de madeira. Havia uma pequena cobertura na lateral que servia como depósito de madeira, mas não havia ali uma única tora.

– É este o lugar? – perguntou Alexander, dando a volta ao redor da cabana com trinta passos longos. – Não é muito grande.

– Eles eram só dois – disse Tatiana, caminhando com ele ao redor da cabana com cinquenta pequenos passos.

– Mas eles estavam esperando três netos. Onde eles se acomodariam?

– Nós teríamos dado um jeito – disse Tatiana. – Como é que nos acomodamos na casa de Naira?

– Extremamente apertados – afirmou Alexander, pegando sua mochila. Tirou dela a pá de abrir trincheira e começou a quebrar as tábuas pregadas às janelas.

– O que você está fazendo?

– Quero olhar lá dentro.

Alexander ficou olhando-a caminhar até a margem arenosa do rio, sentar-se e tirar as sandálias. Ele acendeu um cigarro e continuou a quebrar as tábuas.

– Você trouxe a chave do cadeado? – perguntou a ela. Mas não ouviu nenhuma resposta. Aborrecido, ele se aproximou e disse em voz alta: – Tatiana, estou falando com você. Eu perguntei se você trouxe a chave do cadeado.

– E eu lhe respondi – retrucou ela, sem olhá-lo. – Eu disse que não.

– Ótimo – disse ele, tirando a pistola semiautomática da cintura e puxando a culatra. – Se você não trouxe a chave, vou abrir o maldito cadeado com um tiro.

– Espere, espere – disse ela, com impaciência e tirando um cordão do pescoço em que a chave estava pendurada. – Aqui está! Não atire! – acrescentou ela se virando. – Você não está na guerra, sabia? Não precisa carregar essa arma para todos os lugares.

– Ah, preciso, sim – disse ele, começando a se afastar e olhando para trás, para o seu cabelo loiro, para suas costas expostas à altura da cintura, para seus ombros. Alexander colocou a chave do cadeado no bolso da calça e, segurando a arma numa das mãos e o pé de cabra na outra, entrou na água de botas, ficou diante dela com os pés separados e disse com voz determinada:

– Muito bem, vamos ter essa conversa.

– Ter que conversa? – perguntou ela, ainda sentada, mas se afastando ligeiramente com um movimento dos quadris.

– Ter que conversa? – exclamou ele. – Por que você está aborrecida? O que foi que eu fiz ou não fiz? O que fiz de mais ou de menos? Diga-me. Diga-me agora.

– Por que você está falando comigo desse jeito? – perguntou Tatiana, pondo-se em pé. – Você não tem nenhum direito de ficar zangado comigo.

– Você não tem nenhum direito de ficar zangado comigo! – repetiu ele em voz alta. – Tania, nós estamos perdendo o nosso precioso tempo. E você está errada; eu tenho todo o direito de estar zangado com você. Mas ao contrário de você, eu sou grato por estar vivo e feliz demais por vê-la para estar zangado com você.

– Eu tenho mais motivos para estar chateada com você – disse Tatiana. – E estou grata por você estar vivo – prosseguiu ela, sem conseguir olhá-lo enquanto falava. – Estou feliz por ver você.

– Para mim, é difícil constatar isso, devido à espessura da parede que você ergueu entre nós – disse ele. Sem resposta dela, ele prosseguiu: – Você entende que eu vim até Lazarevo sem ter notícias suas durante seis meses? – Ele ergueu a voz. – Nem uma vez em seis meses! Eu deveria achar que vocês duas estavam mortas, não é mesmo?

– Não sei o que você achou, Alexander – disse Tatiana, olhando para além dele, em direção ao rio.

– Vou lhe dizer o que eu achei, Tatiana. Caso não tenha ficado claro. Durante seis meses, eu não soube se você estava viva ou morta, porque você não se preocupava em pegar uma maldita caneta!

– Eu não sabia que você queria que eu lhe escrevesse – disse Tatiana, pegando dois seixos e atirando-os na água.

– Você não sabia? – repetiu ele. Será que ela estava fazendo pouco dele? – Do que você está falando? Alô, Tatiana. Eu sou Alexander. Nós não nos conhecemos antes? Você não sabia que eu queria saber se você estava bem, ou, talvez, que Dasha havia morrido?

Ele a viu recuando de suas palavras e dele.

– Não vou falar da Dasha com você! – disse ela se afastando.

Ele a seguiu e disse:


– Se não vai falar comigo, vai falar com quem? Com Vova, talvez?

– Melhor com ele que com você.

– Oh, isso é encantador – retrucou Alexander, que ainda estava tentando ser racional. Mas se ela continuasse a dizer coisas como aquela, a razão o abandonaria por completo.

– Olhe, eu não lhe escrevi – disse Tatiana – porque achei que Dimitri lhe contaria. Ele prometeu que faria isso. Então, tive a certeza de que você sabia.

Alguma coisa não dita continuou nela, mas o nervosismo de Alexander não permitiu que ele chegasse até ela.

– Você achou que Dimitri me contaria? – repetiu Alexander com descrença.

– Achei – respondeu ela, desafiante.

– Por que você mesma não me escreveu? – gritou ele, aproximando-se e inclinando-se sobre ela. – Quatro mil rublos, Tatiana, você não achou que eu merecesse a droga de uma carta sua? Você achou que meus quatro mil rubros não lhe comprariam uma caneta para me escrever e não apenas a vodca e os cigarros para o seu amante da vila!

– Baixe suas armas! – retrucou ela. – Não ouse se aproximar de mim com essas coisas nas mãos!

Jogando a arma e a pá de abrir trincheiras para longe, ele se achegou a ela, o que a fez se afastar, e ele tornar a se aproximar, sem tocá-la, embora ela tornasse a se afastar.

– O que está acontecendo, Tania? – perguntou ele. – Eu a estou incomodando? Chegando perto demais? – acrescentou, fazendo uma pausa e se inclinando para perto do rosto dela. – Estou assustando você? – disse ainda, de maneira sarcástica.

– Está, está – disse ela. – E está.

Alexander pegou um punhado de seixos e atirou-os com força na água. Durante um minuto, talvez dois, talvez três, nenhum dos dois falou, segurando a respiração. Ele esperou que ela dissesse alguma coisa e, como ela não dissesse nada, Alexander tentou novamente atraí-la para aquilo que eles sentiam quando eram só eles dois em Kirov, em Luga e Santo Isaac.

– Tania, quando você me viu chegar aqui... – disse ele, com a voz perdendo intensidade. – Você ficou tão contente.

– O que traiu a minha alegria? – perguntou ela. – Foi o meu choro?

– Foi – disse ele. – Eu achei que você estivesse chorando de felicidade.

– Você já viu isso muitas vezes, Alexander – retrucou Tatiana, e por um instante, apenas por um instante, ele ficou imaginando se havia um duplo sentido por trás das palavras dela, mas ele estava confuso demais para pensar com clareza.

– O que foi que eu disse? – perguntou ele.

– Não sei. O que foi que você disse?

– Nós temos mesmo que ficar neste jogo de adivinhação? – disse ele exasperado. – Será que você não pode apenas me contar?

Sem resposta, Alexander disse num suspiro:

– Tudo o que eu perguntei foi onde estava Dasha.

Tatiana quase se dobrou sobre si mesma.

– Tania, se você fica triste só porque estou fazendo você se lembrar de coisas que queria esquecer, então vamos combinar de...

– Se fosse só isso...

– Espere! – disse ele em voz alta e erguendo as mãos. – E se for isso. Mas se há alguma outra coisa... – e se deteve. O rosto dela parecia tão transtornado. Abaixando a voz e tornando a se acalmar, ele abriu as mãos em direção a ela, olhando-a com a intensidade de tudo que sentia por ela.

– Ouça – disse ele. – Que tal isto? Eu a perdoo por não ter me escrito, se você me perdoar pelo que a está incomodando. É só uma coisa que a está incomodando – acrescentou ele sorrindo.

– Alexander, tantas coisas me incomodam que eu nem sei por onde começar.

Ele percebeu que ela realmente não sabia. E, o tempo todo, a mágoa estava expressa nos olhos dela.

Foram os olhos de Tatiana que fizeram Alexander reagir com relação àquele momento: eram os mesmos olhos que tinha visto na calçada da Quinta Soviet quando ela gritou-lhe que podia perdoá-lo por seu rosto indiferente, mas não por seu coração indiferente. Eles não haviam superado aquilo? Para ela, ele usava o coração como uma medalha no peito; todas essas mentiras não haviam ficado para trás?

Quanto haveria para além daquela calçada da Quinta Soviet?

Alexander percebeu que só a morte estava para além dela. Eles nunca tinham acertado aquela diferença. E todas as coisas que a precederam. E todas as coisas que se seguiram a ela. E em meio a essas coisas havia Dasha, que Tatiana tinha tentado salvar e não conseguira. Que Alexander tinha tentado salvar e não conseguira.

– Tania, tudo isso é porque Dasha e eu estávamos planejando nos casar?

Ela não respondeu.

Sim.

– É tudo por causa da carta que eu escrevi a Dasha?

Ela não respondeu.

Sim.

– Foi alguma outra coisa?

– Alexander – disse Tatiana balançando a cabeça –, como você faz tudo parecer simples. Tudo tão trivial. Todos os meus sentimentos foram reduzidos ao seu desdenhoso “tudo isso”.

– Não estou sendo desdenhoso – disse ele, com surpresa. – Não é nada trivial. Nada simples, mas ficou tudo no passado...

– Não! – exclamou ela. – Está tudo aqui, agora mesmo, em torno de mim e também dentro de mim! Agora eu vivo aqui. E aqui – prosseguiu ela erguendo a voz ainda mais – eles estavam esperando que você viesse se casar com minha irmã! E não estou me referindo apenas às velhas, mas a todas as pessoas da vila. Desde que eu vim morar aqui, é tudo o que tenho ouvido, e não apenas todos os dias, mas em todos os jantares, todos os almoços, todos os círculos de costura. Dasha e Alexander. Dasha e Alexander. Pobre Dasha, pobre Alexander – acrescentou ela estremecendo. – Isso lhe parece o passado?

Alexander tentou raciocinar com ela.

– E isso é culpa minha?

– Ah, talvez tenham sido eles que pediram a Dasha que se casasse com você?

– Eu já lhe disse que eu não pedi que ela se casasse comigo...

– Não faça esse joguinho comigo, Alexander, não brinque comigo! Você disse a ela que se casariam neste verão.

– E por que eu fiz isso? – inquiriu ele, contundente.

– Ah, pare com isso! Em Santo Isaac nós concordamos em nos manter afastados um do outro. Só que você não conseguiu ficar longe de mim e, então, planejou se casar com minha irmã.

– Ele deixou você sozinha depois disso, não foi? – disse Alexander com seriedade.

– Ele teria me deixado sozinha se você também nunca tivesse voltado para o apartamento! – gritou ela.

– Qual dos dois você teria preferido?

Ela parou de se mexer por um instante.

– Você está realmente me perguntando – disse ela, arquejante e com os olhos escancarados – o que eu teria preferido? Você está, com toda a honestidade, me perguntando se eu teria preferido que você se casasse com minha irmã a não tornar mais a vê-lo?

– Sim, em Santo Isaac você estava pronta a me implorar que eu não me afastasse de você. Então, não me venha com histórias. Agora é fácil dizer, depois que as coisas passaram.

– Ah, então é isso... fácil? – disse Tatiana, andando pela clareira em círculos furiosos que quase se transformaram em giros. Com seus passos largos, Alexander andava ao lado dela, mas ela o estava deixando tonto.

– Pare de andar! – gritou ele. Ela parou. – Estou entendendo: você define as regras e depois não gosta que eu jogue segundo elas. Bem, viva assim.

– Eu estou vivendo assim – retorquiu Tatiana. – Cada maldito dia desde quando eu conheci você.

– Ah, é este o confronto que você quer? – gritou Alexander. – Este confronto? Este você não vai vencer, pois desta vez a culpa...

– Não quero ouvir mais nada!

– É claro que não quer!

Com a respiração pesada, Tatiana disse:

– Você disse a Dasha que se casaria com ela; ela contou à minha avó, minha avó contou à vila. Você escreveu uma carta a ela dizendo que viria se casar com ela. As palavras têm significado, sabia? – inqueriu ela e ficou quieta por um instante. – Até as palavras que você não quer que tenham significado.

Por que ele achou que agora ela não estava se referindo a Dasha?

– Se isso a incomodou tanto – disse ele –, por que você não me escreveu uma carta dizendo “Sabe de uma coisa, Alexander, Dasha não conseguiu sobreviver, mas eu estou aqui”. Eu teria vindo antes. E não teria vivido os seis meses que vivi sem saber se você tinha sobrevivido!

– Depois da carta que você escreveu a ela – disse Tatiana incrédula –, você acha que eu lhe escreveria pedindo que viesse para cá? Acha que depois daquela carta eu lhe pediria alguma coisa. Eu seria uma idiota se fizesse isso, não é mesmo? Uma idiota ou... – e não completou a frase.

– Ou o quê? – perguntou ele.

– Ou uma criança – respondeu ela, sem olhar para ele.

– Oh, Tania... – Alexander respirou fundo.

– Esses jogos que vocês adultos jogam – disse ela, afastando-se dele. Essas mentiras... e você é bom nelas – prosseguiu, abaixando a cabeça. – Tudo isso é demais para mim.

Nesse instante, tudo o que Alexander desejava era tocá-la. Seus lábios, sua raiva, seu rosto... ele queria tocá-la por inteiro.

– Tania... – sussurrou ele, segurando-lhe as mãos. – Do que você está falando? Que jogos, que mentiras?

– Por que você veio aqui, por quê? – perguntou ela com frieza.

Ele se sentiu quase se afogando com suas palavras. E perguntou-lhe:

– Como é que você consegue me perguntar isso?

– Como? Porque a última coisa que você escreveu foi que estava vindo se casar com Dasha. O quanto você a amava. Como ela era a mulher perfeita para você. A única mulher para você. Eu li essa carta. Foi o que você escreveu. Porque uma das últimas coisas que ouvi você dizer no lago Ladoga foi que você nunca...

– Tatiana! – gritou Alexander. – De que diabos você está falando? Você esqueceu que me fez prometer mentir até o fim? Você me fez prometer. Até novembro eu ainda estava dizendo para contarmos a verdade. Mas você? Só mentiras, mentiras, mentiras. Shura, case-se com ela, mas me prometa que não vai magoá-la. Você se lembra?

– Lembro, e você fez isso admiravelmente bem – disse Tatiana acidamente. – Mas você tinha que ser tão convincente?

– Você sabe que eu não tive a intenção – disse Alexander, correndo a mão pelo cabelo.

– A que parte você se refere? – perguntou ela em voz alta, aproximando-se e o encarando com raiva e sem medo. – À parte sobre se casar com Dasha? À parte da promessa de amá-la? A qual parte de todas essas mentiras você se refere quando diz que não teve a intenção?

– Ah, pelo amor de Deus – exclamou ele. – Que resposta você queria que eu desse a ela enquanto ela morria nos seus braços?

– A única resposta que você podia dar – replicou ela. – A única resposta que você tinha a intenção de dar, vivendo uma vida de mentiras.

– Nós dois vivíamos essa vida de mentiras, Tatiana... por sua causa! – gritou ele, com desejos de arrancar os cabelos dela. – Mas você sabe que eu não queria dizer o que disse.

– Eu pensei que não quisesse – disse Tatiana. – Eu tinha esperança de que você não quisesse. Mas dá para você entender que foi a única coisa que eu ouvi o tempo inteiro que passei no trem para Molotov, durante toda a travessia do Volga congelado e durante os dois meses que passei no hospital, lutando para conseguir respirar? Dá para entender isso?

Ela estava lutando para poder respirar naquele momento, enquanto Alexander permanecia em pé, observando-a e sentindo um remorso insuportável.

– Eu não teria me importado – prosseguiu Tatiana. – Eu lhe disse que eu não precisava de muito, eu não precisava de muito conforto – disse ela, tornando a cerrar os punhos. E havia mágoa em seus olhos. – Mas eu preciso de um pouquinho – prosseguiu ela, com a voz insegura. – Preciso de um pouquinho para mim; depois disso, você poderia ter dito o que precisava dizer para Dasha, o que você necessariamente tinha que dizer! Eu queria seus olhos sobre mim durante um segundo para que eu soubesse que eu era alguma coisa, para que eu pudesse ter um pouco de esperança. Mas não... – continuou ela. – Você me tratou como sempre tratava... como se eu não estivesse lá.

– Eu não a trato como se você não estivesse lá – disse Alexander, ficando pálido devido à sua confusão. – Do que você está falando? Eu escondia você de todo mundo. Não é a mesma coisa.

– Ah, fazia muita diferença para uma moça como eu – disse Tatiana. – Mas se você consegue esconder seu coração tão bem, até dos meus olhos, talvez você possa escondê-lo também para Dasha... do mesmo jeito. E talvez para Marina e para Zoe, para toda garota com que você já esteve. Talvez seja isso que vocês, homens feitos, fazem... quando estão sozinhos conosco, olham-nos de um modo e, então, nos ignoram abertamente em público, como se nós não significássemos absolutamente nada – disse ela, olhando para o chão.

– Você está louca? – perguntou Alexander. – Está esquecendo que a única que não via a verdade era sua irmã, que estava cega. Marina viu tudo em cinco minutos – disse ele, fazendo uma pausa. – Pensando melhor, as duas únicas pessoas que parecem não ter visto a verdade são sua irmã e você, Tatiana.

– Que verdade? – perguntou ela se afastando dele, com os punhos ainda tremendo. – Eu não teria conseguido mentir tão bem. Mas você é homem. Você conseguiu. Você me negou com suas últimas palavras, e me negou também em seu derradeiro olhar. E, por um instante, isso quase pareceu certo. Como você poderia ter se preocupado comigo? Eu pensei. Quem poderia se preocupar com alguma coisa depois que Leningrado... – Tatiana fez uma pausa, ofegando. – Mas eu ainda queria tanto acreditar em você! Então, quando recebemos sua carta para Dasha, eu a abri na esperança de estar errada, rezando para que pudesse haver uma palavra para mim – acrescentou ela erguendo a voz. – Uma única palavra, uma única sílaba que eu pudesse considerar minha, uma coisa de que precisava desesperadamente para me mostrar que toda minha vida não tinha sido uma completa mentira! – e se interrompeu. – Uma única palavra! – gritou ela, batendo no peito de Alexander com os dois punhos. – Só uma palavra, Alexander.

Ele tentou lembrar o que havia escrito. Não conseguiu. Mas foram os olhos condoídos de Tatiana que ele desejou ardentemente acalmar. Tomou-a nos braços, lutando com ele, agarrando-se a ele e, então, chorando.

– Tania, por favor, você sabia que eu estava agoniado...

Mas ela estava tão nervosa e volátil que se desvencilhou dos braços deles e gritou:

– Eu sabia? Como é que eu poderia saber?

– Agora você deve saber – disse Alexander, aproximando-se dela. – É aí que está o seu problema.

– Bem, e qual é o seu problema? – gritou ela, se afastando.

– Meu problema – disse ele, também gritando – é que eu fiquei com os meus braços ao redor de você, com todo meu coração e meus olhos, na carroceria daquele caminhão de Ladoga, implorando a você que se salvasse para mim!

– Como é que eu vou saber que você não pediu a toda moça que atravessou sua Estrada da Vida, olhando-a nos olhos, para que se salvasse para você?

– Ah, meu Deus, Tatiana.

– Eu não sei – disse ela com voz entrecortada – nada do que você sabe. Não sei como representar, como jogar jogos, como mentir, ou qualquer outra coisa – acrescentou ela, baixando a cabeça. – Em particular, você me mostrou uma coisa e, de repente, planejou casar-se com minha irmã. Em Ladoga você disse a ela que nunca sentiu nada por mim, disse a ela que amava somente a ela. Você nem olhou para mim quando me deixou encarar a morte e nem me mandou uma única linha. Como é que você espera que alguém como eu saiba qual é a verdade sem a sua ajuda? Tudo o que eu soube em minha vida foram as suas malditas mentiras!

– Tatiana! – exclamou ele. – Você se esqueceu de Santo Isaac?

– Quantas outras garotas foram lá para vê-lo, Alexander?

– Você se esqueceu de Luga?

– Eu era só uma moça angustiada – disse ela com amargura. – O próprio Dimitri me contou como você gostava de ajudar as moças.

Alexander estava a ponto de perder completamente o controle.

– O que você acha que eu estava fazendo quando ia à Quinta Soviet sempre que podia, levando comida para todos vocês? – exclamou ele. – Para quem você acha que eu estava fazendo isso?

– Eu nunca disse que você não sentia pena de mim, Alexander!

– Pena? – exclamou ele. – Por favor... pena?

– Isso mesmo – disse Tatiana, colocando os braços sobre o peito.

– Sabe de uma coisa? – disse ele, quase na frente dela. – Pena é bom demais para você. Esse é o preço que você paga por viver sua vida como uma mentira. Você não gosta muito da sua vida, gosta?

– Não, eu a detesto – disse Tatiana, altiva e sem se afastar um único centímetro. – E sabendo que eu a detesto, por que diabos você veio até aqui? Só para me torturar mais um pouco?

– Eu vim porque não sabia que Dasha havia morrido! – gritou ele. – Você não se deu o trabalho de me escrever!

– Então você veio se casar com Dasha – disse Tatiana com voz calma. – Por que não disse isso logo?

Rosnando desalentado, Alexander cerrou os punhos e se afastou rapidamente dela.

– Você não consegue controlar todas as suas mentiras, não é mesmo?

– Tatiana, você está completamente enganada – retrucou ele. – Eu lhe disse, desde o dia em que nos conhecemos, que devíamos levar uma vida às claras, e não aquele tipo de vida. Eu disse para escolhermos uma vida diferente. Eu lhe disse isso desde o começo. Vamos lhes contar a verdade e viver com as consequências. Foi você que disse não. Eu não gostei. Mas eu disse que estava tudo bem.

– Não! Você não disse que estava tudo bem, Alexander. Se tivesse tido, não teria começado a ir a Kirov todos os dias contra a minha vontade.

– Contra a sua vontade? – disse ele, confuso.

Tatiana balançou a cabeça, olhando para ele.

– Você é incrível. Você, Alexander Barrington, acha que é capaz de virar qualquer cabeça, com seu rifle, sua altura e seu tipo de vida? Você acha que só porque eu, uma menina de dezessete anos, abri os olhos e a boca em admiração por você, como se eu não tivesse visto nada igual antes, você tinha o direito de pedir que minha irmã se casasse com você? Você achou que, por eu ser tão jovem, isso não iria me magoar? Você achou que eu não precisava de nada de você, enquanto você só ficava tirando coisas de mim...

– Eu não acho que você não precise de nada de mim, e eu não fiquei só tirando coisas de você – disse Alexander entre os dentes cerrados.

– Você tirou tudo, menos isso! – gritou ela. – E você não merece isso!

– Eu podia ter tirado isso também – silvou ele, aproximando-se dela.

– Isso mesmo – disse ela furiosamente e o empurrando. – Pois você não me feriu o suficiente.

– Pare de me empurrar!

– Pare de me ameaçar! Fique longe de mim.

– Nada disto estaria acontecendo – disse ele, enquanto se afastava – se você tivesse me ouvido no começo. Mas não! Vamos contar a eles, eu lhe dizia.

– E eu contei a você – disse Tatiana com veemência – que minha irmã era mais importante para mim que uma necessidade sua que eu não conseguia entender. Ela era mais importante para mim que uma necessidade minha que eu tampouco conseguia entender. Tudo que eu queria era que você respeitasse os meus desejos. Mas você... Você continuou a me procurar e, pouco a pouco, você me magoou. Como se não bastasse, você me procurou no hospital e me magoou mais um pouco. Não satisfeito, você me levou até o telhado de Santo Isaac e acabou comigo...

– Eu não acabei com você – disse ele.

– Acabou com o meu coração para sempre – prosseguiu Tatiana, com todo o corpo tenso. – E você sabia disso. E quando conseguiu e me teve, foi quando você me mostrou o quanto eu realmente representava para você, planejando se casar com minha irmã!

– Bem, o que você acha? – gritou Alexander. – O que você acha que acontece quando você não consegue lutar desde o início por alguma coisa que deseja. O que você acha que acontece quando você abre mão das pessoas que deseja? Eis o que acontece! Elas dão continuidade a suas vidas, casam-se, têm filhos. Você quis viver aquela mentira!

– Não me diga que eu quis viver aquela mentira! Eu estava vivendo a única verdade que conhecia. Eu tinha uma família que eu não queria sacrificar por você! Foi por isso que eu lutei.

Sentindo seus pés fraquejarem, Alexander não conseguia acreditar nas palavras que vinham dela.

– Essa era a sua única verdade, Tatiana?

Ela piscou e abaixou os olhos.

– Não – disse ela. – Você me procurou e eu não o mandei embora para suficientemente longe. Como eu pude? Eu estava... – interrompeu-se exausta. – Eu estava naquela situação com os olhos abertos, e meus olhos eram só para você. Eu achava que você fosse mais sensível, mas vi que não era nada mais sensível e, mesmo assim, continuei com você, sabendo que eu ficaria ao seu lado e acreditaria em você. Eu lhe daria tudo o que você precisasse, desejando só um mínimo de volta para mim – acrescentou ela, sem conseguir mais encará-lo com firmeza. – Que você me dirigisse um olhar no final de sua declaração de amor a outra pessoa – disse Tatiana – teria sido suficiente para mim. Uma palavra dirigida a mim em sua carta de amor para outra pessoa, e isso teria sido suficiente para mim. Mas você não sentia nada por mim para saber que eu precisava de tão pouco...

– Tatiana! – gritou-lhe ele no rosto. – Você pode me acusar de qualquer coisa, mas não ouse me dizer que eu não sentia nada por você! Nem mesmo finja para si mesma que pode dizer uma mentira e proferi-la como verdade. Tudo que eu já fiz com a droga da minha vida desde o dia em que a conheci foi pelo que eu sentia por você; então, se continuar a me dizer essas bobagens, juro por Deus...

– Eu não vou fazer isso – disse ela com voz fraca, mas já era tarde demais.

Alexander agarrou-a e a sacudiu. Tatiana sentiu-se tão vulnerável, tão suave nos braços dele. Totalmente derrotado por sua raiva, seu remorso e seu desejo, ele a empurrou para longe, praguejou, apanhou suas coisas do chão e subiu a colina, correndo.

6

Tatiana correu atrás dele, gritando:

– Shura, por favor, pare! Por favor!

Mas ela não conseguiu alcançá-lo. Alexander sumiu no meio do bosque. Ela correu para casa. As coisas dele ainda estavam lá, mas ele não estava.

– O que aconteceu, Tanechka? – perguntou Naira, carregando uma cesta de tomates.

– Nada – respondeu Tatiana, ofegante. E pegou a cesta de Naira.

– Onde está Alexander?

– Ainda está na casa velha – disse ela. – Tirando as tábuas das janelas.

– Espero que ele as pregue de volta – disse Dusia, erguendo os olhos da Bíblia – depois que terminar. Mas por que ele está fazendo isso?

– Não sei – disse Tatiana, afastando-se para que elas não lhe vissem o rosto.

– Você precisa do seu remédio, Raisa?

– Sim, por favor.

Tatiana deu o remédio para o tremor de Raisa, um remédio que não adiantava nada, e então dobrou os lençóis que havia lavado no dia anterior; então... com medo que ele viesse pegar suas coisas e partir –, ela escondeu sua tenda e seu rifle no barracão atrás da casa. Depois desceu até o rio e lavou todos os seus uniformes na tábua de lavar.

Alexander ainda não voltara.

Tatiana foi com o capacete dele até o bosque e o encheu de mirtilos. Voltando para casa, fez uma torta e uma compôte de mirtilos, que era uma bebida espessa feita com a fruta.

Alexander ainda não voltara.

Tatiana foi apanhar alguns peixes e fez ukha, uma sopa de peixe, para o jantar. Certa vez ele dissera que gostava muito de ukha.

Alexander ainda não voltara.

Tatiana descascou algumas batatas, ralou-as e fez panquecas de batata.

Vova veio lhe perguntar se ela não queria ir nadar. Ela disse que não e pegou algodão para fazer uma camiseta maior para Alexander.

Ele ainda não voltara.

Por que ele simplesmente não ficara para acabar a discussão entre eles? Ela não ia a lugar nenhum; ia ficar até o fim. Por que ele não pôde fazer a mesma coisa? Ela sentiu um vazio e um medo na boca do estômago. Bem, ela não ia deixar que ele fosse embora até eles terem terminado o que começaram. Não lhe importava se ele perdesse a calma.

Agora eram seis horas e estava na hora de ir à banya. Ela lhe deixou um bilhete. Querido Shura, se você estiver com fome, por favor, coma a sopa e as panquecas. Estamos na casa de banho. Se preferir, espere por nós e comeremos juntos. Deixei uma camisa nova em sua cama. Espero que ela fique melhor em você. Tania.

Na casa de banho, pensando nele, ela se esfregou até adquirir um tom rosado, brilhando.

Zoe perguntou-lhe se Alexander ia se sentar com eles junto ao fogo naquela noite.

– Eu não sei – disse Tatiana. – Você devia perguntar a ele.

– Ele é uma delícia – comentou Zoe, balançando seus enormes seios. – Você acha que ele está muito triste por causa da Dasha?

– Acho.

– Talvez ele precise de um pouco de consolo – completou Zoe, sorrindo.

Tatiana olhou Zoe diretamente no rosto. Como se Zoe tivesse ideia do consolo de que Alexander necessitava.

– Não entendo o que você quer dizer – disse ela friamente.

– Não, eu sei que não. Mas não faz mal – disse Zoe, rindo e indo se trocar.

Tatiana se secou e se vestiu, escovando o cabelo úmido e deixando-o tombar sobre os ombros. Colocou um vestido de algodão de motivos azuis que havia feito; era fino e sem mangas, com as costas semiabertas e uma barra curta. Quando saíram da casa de banho, Alexander estava esperando por elas lá fora. Tatiana deteve seu olhar aliviado sobre ele por um instante e, então, incapaz de desvendar a expressão dele, olhou para longe.

– Aí esta ele! – disse Naira.

– Onde você esteve o dia inteiro? – perguntou Dusia. – Como estão as janelas da casa?

– Janelas? De que casa? – perguntou ele asperamente.

– A casa de Vasili Metanov. Tania disse que você estava removendo as tábuas das janelas.

– Oh – disse ele, sem tirar os olhos escuros de Tatiana. Ela estava ao lado de Raisa, na esperança de se esconder atrás da agitação da amiga.

– Você está com fome? Já comeu? – perguntou-lhe Tatiana com voz fraca. Ela não conseguia falar mais alto.

Ele balançou a cabeça em silêncio.

Todos começaram a voltar para casa. Axinya pegou o braço de Alexander. Zoe colou-se do outro lado dele, tomou-lhe o outro braço e perguntou se Alexander gostaria de se sentar junto ao fogo.

– Não – respondeu ele, desvencilhando-se de Zoe e se aproximando de Tatiana. Inclinou-se para ela, perguntou: – O que você fez com as minhas coisas?

– Eu as escondi – sussurrou ela, com o coração palpitando. Ela queria colocar a mão nele, mas ficou com medo de que ele ficasse nervoso, e eles começassem a brigar na frente de todo mundo.

– Tania faz uma excelente sopa de peixe, Alexander – disse Naira. – Você gosta de sopa de peixe?

– E a torta de mirtilo dela é do outro mundo. Estou com tanta fome – tagarelou Dusia.

– Por quê? – sussurrou Alexander.

– Por que o quê? – perguntou Dusia.

– Não tem importância – disse Alexander, afastando-se delas todas.

Quando chegaram a casa, Tatiana começou a arrumar a mesa. Ela olhou para a cama para ver se ele tinha lido o bilhete e pegado a camisa. O bilhete não estava lá. A camisa estava onde ela a havia deixado.

Alexander entrou. As quatro mulheres ficaram na varanda.

– Onde estão as minhas coisas? – perguntou ele.

– Shura...

– Pare com isso – retorquiu ele asperamente. – Dê-me as minhas coisas para eu ir embora.

– Alexander, dá para você vir aqui? – perguntou Naira enfiando a cabeça na sala. – Nós precisamos de sua ajuda para abrir esta garrafa de vodca. A tampa parece estar presa.

Ele foi para a varanda. As mãos de Tatiana tremiam tanto quanto as de Raisa. Ela deixou cair um dos pratos. O prato de metal tiniu quando atingiu o chão de madeira.

Vova chegou. A varanda se encheu de risadas.

Alexander entrou e abriu a boca para falar. Tatiana se colocou atrás dele. Vova ficou à porta.

– Tanyusha, você precisa de ajuda? Posso levar alguma coisa para a mesa para você?

– Isso mesmo, Tanyusha – disse Alexander com ironia –, Vova pode levar alguma coisa para você.

– Não, obrigada. Você pode nos dar um minuto, por favor?

– Vamos lá – disse Vova para Alexander, que não se movera. – Você a ouviu. Ela quer um minuto.

– Sim – disse Alexander, sem se virar. – Um minuto comigo.

Relutantemente, Vova saiu da sala.

– Onde estão as minhas coisas?

– Shura, por que você vai embora?

– Por quê? Não há lugar para mim aqui. Você deixou isso bastante claro. Nem iria estranhar se você já até tivesse feito minhas malas, do jeito que você está se sentindo. Não precisam me dizer as coisas duas vezes, Tania.

Os lábios delas tremiam.

– Fique e jante conosco.

– Não.

– Por favor, Shura – disse ela com voz entrecortada. – Eu lhe fiz panquecas de batata – acrescentou, avançando para ele.

– Não – disse ele, piscando os olhos.

– Você não pode ir embora. Nós não terminamos nossa conversa.

– Ah, terminamos sim.

– O que eu posso dizer para melhorar as coisas?

– Você já disse tudo com bastante clareza. Agora seria bom dizer adeus.

A mesa posta os separava. Tatiana deu a volta para ficar ao lado dele.

– Shura – disse ela tranquilamente –, por favor, deixe-me tocar em você.

– Não – disse ele, se afastando.

Naira colocou a cabeça pela porta aberta.

– O jantar está pronto?

– Quase, Naira Mikhailovna – disse Tatiana.

– Achei que você não fosse partir antes de dar um jeito em mim – disse ela com a voz fraca. – Dê um jeito em mim, Shura.

– Você mesma disse que eu não tenho capacidade suficiente para consertar o que está errado dentro de você. Bem, você acabou me convencendo. Agora, onde estão as minhas coisas?

– Shura...

Aproximando-se dela, Alexander disse entre os dentes:

– O que você quer, Tania? Quer fazer uma cena?

– Não – disse ela, fazendo um esforço enorme para não chorar.

O rosto dele ficou perto do dela.

– Uma cena em voz alta e feia, como aquelas a que você está acostumada.

– Não – sussurrou ela, sem olhar para ele.

– Só me dê as minhas coisas, e eu vou sair quietinho. Você não vai ter que dar nenhuma explicação às suas amigas e ao seu apaixonado.

Como ela não se movesse, Alexander elevou a voz:

– Agora!

Embaraçada e nervosa, Tatiana levou-o até o barracão atrás da casa, sem que os outros os vissem.

– Aonde você vai, Tanechka? Logo nós vamos comer...

– Eu já volto! – gritou Tatiana, com os ombros trêmulos. Quando chegaram atrás da casa, ela tentou pegar a mão de Alexander, mas ele afastou brutalmente o braço dela. Ela cambaleou, mas não se afastou. Colocando-se na frente dele rapidamente, envolveu-lhe a cintura com os braços. Ele tentou se desvencilhar.

– Por favor, não vá embora – disse ela, olhando para ele com olhos suplicantes. – Por favor. Eu lhe imploro. Não quero que você vá embora. Esperei por você cada minuto de cada dia desde que saí do hospital. Por favor – acrescentou, pousando a testa no peito dele.

Alexander não dizia nada. Tatiana não erguia os olhos. As mãos dele continuaram pousadas nos braços nus da moça.

Abraçando-o com firmeza, Tatiana disse:

– Meu Deus, Alexander! Como você pode ser tão insensível? Você não percebe por que eu não lhe escrevi?

– De jeito nenhum. Por quê?

Ela inalou o cheiro dele, com o rosto ainda pousado em seu peito.

– Eu tinha medo de que, se eu lhe contasse sobre a Dasha, você nunca viesse a Lazarevo.

Ela gostaria de ser mais forte e olhar para ele, mas não queria mais vê-lo zangado. Tomando-lhe a mão, ela a colocou em seu rosto e, quando o calor dele lhe deu coragem, ela o olhou.

– Leningrado quase acabou com nós todos. Eu achei que se você não soubesse o que acontecera a ela e eu viesse para cá, eu recuperaria a saúde, como no verão passado, talvez o seu sentimento por mim voltasse...

– Voltasse? – repetiu Alexander com voz rouca. – O que você está pensando? – acrescentou, com a mão no rosto dela. A outra mão, contudo, se aninhava nas costas dela, os dedos abertos, apertando-a, movendo-se sobre sua carne, pressionando-a contra ele. – Você não percebe... – começou ele a dizer, mas se interrompeu. Ele não conseguiu dizer mais nada. Ela sentiu isso. E ele não precisava dizer mais nada. Ela também sentiu isso.

– Tatia – disse, por fim, Alexander –, eu vou conseguir o seu perdão. Eu vou pôr tudo em ordem. Vou agir direito com você, mas você tem que permitir que eu faça isso. Você não pode se fechar para mim assim... não pode.

– Sinto muito – disse Tatiana. – Por favor, entenda – acrescentou ela abraçando-o com mais força. – Foram mentiras demais para mim, dúvidas demais.

– Olhe para mim.

Ela ergueu os olhos para ele.

– Tania – disse Alexander com os braços em torno dela –, que dúvidas? Eu estou aqui apenas por você.

– Então, por favor, fique – disse ela. – Fique por mim.

Respirando com dificuldade, Alexander inclinou a cabeça para ela, e ela lhe deu o cabelo molhado para beijar. Os lábios dele ali permaneceram por alguns minutos, e então ele disse:

– O que é isso sobre o lago Ladoga?

– Shura – disse Tatiana –, a casa está cheia de gente.

As pontas dos dedos dele continuavam a pressionar as omoplatas nuas da moça de maneira tão enfática que a estavam deixando lânguida.

– Erga o rosto para mim agora.

Ela ergueu o rosto imediatamente.

– Tania, dá para a gente jantar, por favor? – a voz de Naira, vinda da varanda, soou faminta e irritada. – Está tudo queimando!

Alexander beijou-a com tanta fúria que, por um instante, Tatiana se manteve em pé somente porque os braços dele a sustentaram.

– O que ela está fazendo lá? Estamos todos morrendo de fome. Tatiana!

Eles se separaram e, sem saber como o fez, ela tirou as coisas dele do barracão e entrou na casa.

Tatiana serviu a sopa primeiro para Alexander, colocando o prato bem diante dele e passando-lhe uma colher. Em seguida, serviu os outros, enquanto Alexander aguardava que ela se sentasse antes de tomar a primeira colherada.

– Então, Alexander – disse Vova –, o que faz um capitão no Exército Vermelho?

– Bem, não sei o que faz um capitão no Exército Vermelho. Sei o que eu faço.

– Alexander, você quer mais peixe? – perguntou Tatiana.

– Quero sim, por favor.

– O que você faz? – perguntou Vova.

– Sim, conte-nos, Alexander – disse Axinya. – A vila está ardendo de curiosidade.

– Eu lido com armamento pesado, numa brigada de ataque. Sabem o que é isso?

Todos balançaram a cabeça em negativa, menos Tatiana.

– Eu comando uma companhia de homens armados. Nós damos suporte extra para os que portam rifles – disse Alexander enquanto tomava a sopa. – Pelo menos, é o que esperam que façamos.

– O que é suporte extra? – perguntou Vova. – Tanques?

– Isso mesmo, tanques. Veículos blindados. Tania, ainda temos panquecas? Também operamos metralhadoras antiaéreas chamadas Zenith, bem como morteiros e outras artilharias de campo. Canhões, morteiros, metralhadoras pesadas. Eu opero um Kayusha, um lançador de mísseis.

– Impressionante – disse Vova. – Então, é a melhor tarefa. Menos perigosa que o rifle frontovik?

– Mais perigosa que qualquer outra coisa. Quem você acha que os alemães tentam desmantelar em primeiro lugar: um cara com uma Nagant manual ou eu, com um morteiro que os fustiga com quinze bombas por minuto?

– Você quer mais um pouco, Alexander? – perguntou Tatiana.

– Não, Tatiasha... – respondeu ele. – Estou satisfeito, Tania, obrigado.

– Alexander – disse Zoe –, ouvimos dizer que Stalingrado está para cair.

– Se Stalingrado cair, nós perdemos a guerra – disse Alexander. – Um pouco mais de vodca?

Tatiana serviu-lhe uma dose.

– Alexander – disse Dusia –, quantos homens estamos preparados para perder em Stalingrado a fim de deter Hitler?

– Quantos forem necessários.

Ela se persignou.

– Moscou – disse Vova, vermelho e excitado – foi um verdadeiro banho de sangue.

Tatiana ouviu Alexander suspender a respiração. Oh, não, pensou ela. Nada de cenas, por favor.

– Vova – disse Alexander, inclinando-se diante de Tatiana, que se encostou mais nele, a fim de olhar Vova de frente –, você sabe o que é um banho de sangue? Moscou tinha oitocentos mil homens antes do começo da batalha pela capital em outubro. Você sabe quantos sobraram depois de terem conseguido deter Hitler? Noventa mil. Você sabe quantos homens foram mortos nos primeiros seis meses de guerra? Quantos rapazes foram mortos antes de Tania deixar Leningrado? Quatro milhões – disse ele em voz alta. – Um desses rapazes podia ter sido você, Vova. Então, não chame a coisa de banho de sangue, como se fosse um jogo.

Todos ficaram em silêncio ao redor da mesa. Tatiana, aninhada em Alexander, perguntou:

– Você quer mais uma bebida?

– Não – disse ele. – Eu já parei.

– Bem, então eu vou tirar...

Alexander colocou o braço embaixo da mesa e pôs a mão na perna de Tatiana, balançando a cabeça de leve e fazendo com que ela não saísse do lugar.

Tatiana permaneceu em seu lugar. Alexander não tirou a mão de sua perna. A princípio, o vestido de algodão se interpôs entre a mão dele e a coxa da moça, mas Alexander obviamente não estava satisfeito com isso, pois subiu o vestido, o suficiente para tocar-lhe diretamente a coxa. A pontada no estômago de Tatiana se intensificou.

– Tanechka – disse Naira –, você não vai tirar a mesa, querida? Estamos loucos para comer sua torta. E tomar chá.

A mão de Alexander apertou-a com mais força e se moveu para mais perto do seu quadril. Em exatamente mais um segundo Tatiana estaria gemendo bem na mesa do jantar, diante de quatro mulheres de idade.

– Tatiana fez uma comida maravilhosa para nós – disse Alexander. – Ela se suplantou. E está cansada. Por que não lhe damos um descanso? Zoe, Vova... talvez vocês pudessem tirar a mesa.

– Mas, Alexander – disse Naira –, você não entende...

– Entendo perfeitamente bem – disse Alexander, sem tirar a mão da perna de Tatiana.

– Shura – disse Tatiana com voz rouca e segurando a ponta da mesa com os dedos –, Shura, por favor.

A mão de Alexander apertou a coxa dela com mais força. As mãos dela seguraram a mesa com mais força.

– Não, Tania – disse ele. – Não. É o mínimo que eles podem fazer. Você não acha, Naira Mikhailovna? – acrescentou ele, olhando para Naira.

– Eu achava – disse Naira – que Tanechka gostasse de executar as pequenas tarefas que lhe cabem.

– Sim – concordou Dusia. – Achamos que isso lhe traz prazer.

– Dusia – disse Alexander com um aceno de cabeça –, isso lhe traz prazer. A próxima coisa que ela vai fazer é se abaixar e lavar-lhes os pés. Mas você não acha que os discípulos, de vez em quando, precisam servir o vinho a Jesus?

– O que Jesus tem a ver com isso? – disse Dusia, gaguejando.

Alexander apertou ainda mais a coxa de Tatiana, que abriu a boca e...

– Tudo bem – disse Dusia com rispidez –, nós vamos tirar a mesa.

Dando-lhe um leve tapinha, a mão de Alexander se afastou de Tatiana.

Tatiana respirou fundo. Depois de alguns momentos, seus dedos conseguiram soltar-se da mesa. Ela não conseguiu olhar para Alexander nem para nenhuma das outras pessoas.

– Zoe, Vova, obrigado – disse Alexander, rindo para Tatiana, que permanecia imóvel. – Eu vou fumar – disse ele. Tatiana nem conseguiu notá-lo.

Depois que ele saiu, as velhas inclinaram-se para Tatiana e começaram a falar em voz baixa.

– Tania, ele é muito agressivo – disse Naira.

– O problema é que Deus está ausente do Exército Vermelho – disse Dusia. – A guerra o endureceu, eu lhes digo. Endureceu.

– Sim, mas vejam – disse Axinya – como ele protege a nossa Tanechka. É adorável.

Tatiana olhava para elas sem compreender. O que é que elas estavam dizendo? Do que estavam falando? O que tinha acabado de acontecer?

– Tania, você ouviu o que dissemos?

Ela se levantou. Seu único defensor no mundo, seu rifle de guarda, seu brigadeiro teria seu apoio incondicional.

– Alexander não ficou endurecido, Dusia. Ele está completamente certo. Eu não devia estar fazendo tudo nesta casa.

Todos tomaram chá com torta de mirtilo, que estava tão boa que logo não sobrou nenhum pedaço. Depois que as velhas saíram para fumar, Zoe, apertando o braço de Alexander e, sorrindo timidamente, perguntou mais uma vez se ele queria se sentar junto ao fogo. Alexander afastou o braço e disse não mais uma vez.

Tatiana queria que Zoe fosse embora.

– Ora, vamos – disse Zoe. – Até a Tania vai. Com Vova – acrescentou ela enfaticamente.

– Ela não vai mais – sussurrou Alexander, olhando para Tatiana, que estava adoçando seu chá.

– Tania, conte a Alexander aquela piada ótima que você contou na semana passada. Não, era tão horrível que nós quase morremos de rir – disse Vova.

– Acho que já ouvi todas as piadas ótimas de Tania – disse Alexander. Havia alguma coisa de dolorosamente familiar e reconfortante no toque de seu braço forte enquanto estavam sentados um ao lado do outro que Tatiana sentiu necessidade de encostar a cabeça nele. Mas não fez isso.

– Conte-lhe a piada, Tania.

– Acho que não devo.

– Vamos lá! Ele vai morrer de rir – disse Vova, fazendo cócegas em Tatiana.

– Vova, pare – disse Tatiana, olhando para Alexander, que bebia seu chá atentamente, nem nada dizer.

– Não vou contar nada – disse Tatiana, repentinamente desconcertada. Ela sabia que Alexander não ficaria contente com a piada. Ela não queria desagradá-lo, nem por um único e estúpido momento.

– Não, não – disse Alexander voltando-se para ela e pousando a xícara de chá. – Eu adoro as suas piadas – acrescentou ele sorrindo. – Eu quero ouvir.

Suspirando e olhando para a mesa, Tatiana começou:

– Chapayev e Petka estão lutando na Espanha. Chapayev diz para Petka: “Por que as pessoas estão gritando? A quem eles estão saudando?” “Ah, a uma tal de Dolores Ebanulli”, responde Petka. “Bem, e o que ela está berrando?”, pergunta Chapayev. Petka responde: “Ela está gritando ‘é melhor fazer em pé que de joelhos’”.

Vova e Zoe riram estrepitosamente.

Alexander permaneceu imóvel em seu lugar, tambolirando em sua xícara de chá.

– É esse o tipo de piada que vocês contam quando estão sentados junto ao fogo no sábado à noite?

Tatiana não respondeu e nem olhou para ele. Ela sabia que ele não ia gostar da piada.

– Tania, nós vamos lá hoje, não vamos? – perguntou Vova, tocando-a de leve.

– Não, Vova, hoje não.

– O que você está dizendo? Nós sempre vamos.

Antes que Tatiana tivesse a chance de dizer alguma coisa, Alexander, com as mãos ainda ao redor da xícara, olhou para Vova e disse:

– Ela disse que hoje não. Quantas vezes mais ela vai ter que dizer até você ouvir? Zoe, quantas vezes mais eu vou ter que dizer até você ouvir?

Vova e Zoe olharam para Alexander e para Tatiana.

– O que está acontecendo? – perguntou Vova com voz confusa.

– Vão vocês – disse Alexander. – Vocês dois. Vão para a fogueira. E rápido.

Vova abriu a boca para falar, mas Alexander levantou-se da mesa, olhou para Vova e disse calma e lentamente:

– Eu disse vão. – Numa voz que não deixava lugar réplica. Ele não ouviu nenhuma. Vova e Zoe saíram.

Tatiana, surpresa, balançou a cabeça, olhando para a mesa.

Alexander inclinou-se para ela e disse com voz rouca:

– Gostou? – E beijou-a na testa, saindo para fumar.

Depois de arrumar sua cama na varanda, Tatiana ajudou as velhas a se deitarem. Quando terminou, Alexander ainda estava sentado no banco do exterior da casa. Os grilos estavam barulhentos naquela noite. Tatiana ouviu, a distância, o uivo de um coiote e o piar murmurado de uma coruja. E foi lavar os pratos da sobremesa.

– Tania, pare de trabalhar e venha aqui.

Com as mãos ainda molhadas, ela caminhou nervosamente até ele. O aperto inquieto na boca do estômago não parava de se manifestar, apesar do jantar, dos pratos, das velhas, da louça ou de qualquer outra coisa.

– Chegue mais perto – disse Alexander, observando-a durante alguns segundos. Ele jogou o cigarro no chão e lhe pôs as mãos nas cadeiras, trazendo-a para o meio de suas pernas aberta.

Tatiana mal conseguia ficar em pé.

Abraçando-a, Alexander ergueu o olhar por um momento e, então, pressionou a cabeça contra suas costelas, abaixo dos seios.

Tatiana, sem saber o que fazer com as mãos, colocou-as cuidadosamente na cabeça de Alexander. O cabelo dele era curto e espesso, liso e seco. Tatiana gostou de tocá-lo. Ela fechou os olhos, tentando respirar normalmente.

– Você está bem? – perguntou ela num sussurro.

– Estou sim – respondeu Alexander. – Tatia, em vez de pensar só em você, será que você não pensou nem uma vez em mim? Você não podia ter pensado em mim por cinco segundos e no que eu passei durante seis meses?

– Eu podia sim. Sinto muito – disse ela.

– Se você tivesse feito isso, pensar em mim durante cinco segundos, e me escrito, você receberia de volta cartas que aplacariam cada um de seus temores. E você teria tranquilizado os meus.

– Eu sei. Sinto muito.

– Eu achei, sinceramente, que só poderia haver duas explicações para o seu silêncio. Uma é que você podia estar morta. A outra – e ele fez uma pausa –, que você tivesse encontrado outra pessoa. Eu nunca achei que nenhuma das mentiras que contei pudesse tê-la impressionado tanto. Eu achei que você tivesse a capacidade de ver a verdade de maneira clara.

– Que eu tinha essa capacidade? – disse Tatiana suavemente, acariciando sua cabeça. – E a sua capacidade? – acrescentou ela, pensando em como poderia ter encontrado outra pessoa. – Honestamente.

– Do que Axinya chamou você? De pãozinho quente? – perguntou ele, acariciando sua testa de um lado para outro.

Tatiana mal conseguia respirar.

– Isso mesmo – murmurou ela. – Um pãozinho quente.

As mãos de Alexander apertaram-lhe as cadeiras ainda mais.

– Um pãozinho quente – murmurou ele.

Muito, muito de leve, Tatiana tocou-lhe os cabelos com os dedos trêmulos. Sua respiração era tão curta que não estava levando ar para os pulmões.

– Isto é apertado demais, até para os padrões da Quinta Soviet – disse Alexander por fim.

– O quê? – sussurrou ela, tentando não perturbar a noite. – Nós? Ou esta casa?

– Nós? – disse ele com surpresa e olhando para ela. – Não. Esta casa.

Tatiana tremeu.

– Com frio?

Ela confirmou com um aceno de cabeça, na esperança de que ele não lhe tocasse a pele ardente.

– Quer entrar?

Com relutância, Tatiana tornou a confirmar com um aceno de cabeça. Tudo o que ela queria era que as mãos dele permanecessem nela, apertando-lhe os quadris, apertando-lhe a cintura, em torno de suas costas, em torno de suas pernas, em qualquer lugar, em qualquer lugar, mas com força e permanentemente.

Alexander ergueu a cabeça para olhá-la. Abrindo a boca, ela estava prestes a inclinar-se...

De repente, Tatiana ouviu o ruído de Naira Mikhailovna na varanda. Alexander baixou as mãos e a cabeça. Contra sua vontade, ela se afastou dele, enquanto Naira descia os degraus murmurando:

– Esqueci-me de ir uma última vez.

– Tanechka, o que você está fazendo? – peguntou Naira encarando Tatiana por um instante. – Vá se preparar para dormir, querida. Já é tarde, e você sabe como levantamos cedo.

– Já vou, Naira Mikhailovna.

Quando Naira dobrou o canto da casa, Tatiana permitiu que seu olhar pousasse em Alexander, que a olhava com tristeza. Ela também encolheu os ombros, demonstrando tristeza. Os dois entraram. Tatiana ficou pensando onde iria se trocar. Alexander não tinha essas reservas. Ele tirou a camisa bem diante dela, conservando as calças de linho, com que tencionava se deitar. Tatiana nunca tinha visto Alexander sem o uniforme, a camisa e as ceroulas; ela nunca tinha visto Alexander nu. Ele era muito musculoso. Será que ela ia conseguir tornar a respirar normalmente? Ela achou que não.

Ela não conseguia tirar o vestido e pôr a camisola de dormir. Por fim, decidiu não tirar o vestido.

– Boa noite – disse ela, diminuindo o lampião de querosene. Alexander não respondeu.

– Boa noite – disse Naira, caminhando pela casa em direção a seu quarto.

Tatiana disse um boa-noite. Alexander não emitiu nenhum som.

Ainda com o vestido, Tatiana estava debaixo do cobertor no sofá da varada, quando ouviu a voz profunda de Alexander chamando-a lá de dentro.

– Tatia.

Ela se levantou e se pôs timidamente no batente da porta.

– Venha cá – disse Alexander, com a voz baixa oscilando.

Tudo o que ela queria era ir até ele. Mas tinha muito medo. E contornou a mesa.

– Suba no fogão – disse-lhe Alexander.

Tatiana subiu, ficando com o rosto próximo a ele e, antes que ele tivesse a chance de sussurrar ou abrir a boca, ela o beijou, agarrando-lhe a cabeça com as mãos.

– Venha aqui – disse ele ao parar para respirar. Ela sentiu que ele estava tentando erguê-la.

– Oh, Shura, não posso... Vai ser um escândalo... – disse ela, sem conseguir parar de beijá-lo.

– Tania, não estou nem aí se publicarem no jornal da manhã. Agora suba aqui comigo.

Ele a puxou pelo braço e quando ela subiu, agarrou-a com os braços e as pernas, com seu enorme corpo engolindo-a enquanto se beijavam desesperadamente.

– Meu Deus, Tatia – sussurrou Alexander. – Meu Deus, senti tanto a sua falta.

– Eu também – replicou ela, com os lábios abertos, as mãos nas costas dele. – Tanto – acrescentou, enquanto ele, por um instante, parou para beijá-la e se aproximou ainda mais dela, envolvendo-a como se ele fosse um ninho. Tatiana não conseguia acreditar como era maravilhoso tocar as costas nuas de Alexander, bem como seus rijos ombros e braços.

Ele a esmagava contra ele, os lábios exigindo mais, as mãos insistentes por todo o corpo dela. Ele só tinha duas mãos. Então, por que elas estavam por toda parte ao mesmo tempo? Ela estava encerrada nele, incapaz de manter os olhos abertos, mas tudo o que queria era vê-lo, não perder um segundo dele. Erguendo seu vestido até a cintura, Alexander tocou-lhe a perna. Involuntariamente, suas pernas se separaram ligeiramente, e Tatiana soltou um gemido contra os lábios dele.

– Oh, Tania – sussurrou Alexander sorrindo –, pode gemer, mas não muito alto. Espere, não tão alto.

As pernas dela se afastaram mais um pouco. A mão dele acariciava a parte interna de sua coxa.

– Não – gemeu ela. – Pare, por favor.

– Tania, suas coxas... – murmurou Alexander, passando-lhe a língua nos lábios e com as mãos subindo pelo corpo dela.

Tatiana tentou se desvencilhar dele, mas não havia lugar para fugir.

– Shura – sussurrou ela. – Por favor. Pare.

– Não consigo – disse ele. – O sono delas é pesado?

– Não, de jeito nenhum – sussurrou ela. – Elas acordam com o som de um grilo na casa. Elas saem umas cinco vezes para ir lá fora. Por favor. Não consigo ficar quieta. Você teria que me sufocar para me fazer ficar quieta.

Os dois continuaram a sussurrar, boca contra boca.

– Pare – sussurrava ela. – Pare – insistia, mas eles não conseguiam parar.

Com relutância, as mãos de Alexander afastaram-se da perna dela, pousando em sua barriga nua, debaixo do vestido.

– Gosto desse vestido – sussurrou ele.

– Você não está com a mão no vestido.

– Não mesmo? Está tão gostoso. Macio. Tire o vestido.

– Não – disse ela, empurrando-o de leve.

Os dois ficaram relativamente quietos por alguns minutos, enquanto recuperavam o fôlego.

Os dedos de Alexander voltaram a acariciar sua perna.

– Pare de acariciar minha perna – sussurrou Tatiana, palpitando das coxas ao umbigo. – Pare de me tocar.

– Não consigo. Esperei demais por você – disse ele, curvando-se sobre ela e pressionando-lhe os lábios contra o pescoço. – Você não me quer, Tania? – sussurrou ele. – Diga que você não me quer – acrescentou, com as mãos tirando-lhe o vestido pelos ombros. – Tire-o.

– Por favor – gemeu ela. – Shura, vamos, eu não consigo ficar quieta. Você tem que parar.

Mas ele não queria parar. O vestido saiu por um dos braços e, depois, pelo outro. Alexander tomou-lhe a mão e a colocou sobre seu peito.

– Tania, está sentindo o meu coração? Você não quer se deitar em cima do meu peito? – implorou ele. – Seus seios nus contra o meu peito, seu coração junto ao meu. Veja, só por um segundo. Depois pode pôr o vestido de volta.

Tatiana ficou olhando para ele silenciosamente no escuro, para seus flamejantes olhos de bronze, para sua boca úmida. Como dizer não a Alexander. Ela ergueu os braços. Alexander puxou-lhe o vestido por sobre a cabeça. Ela ia cobrir os seios com as mãos, mas as dele a impediram.

– Mantenha as mãos para baixo.

– Venha, deite-se em cima de mim – disse ele, deitando-se com as costas para baixo.

– Você não quer ficar em cima de mim? – perguntou Tatiana com suavidade.

– Não, se você quiser que eu pare – disse Alexander, puxando-a para ele.

Gemendo, Tatiana deitou-se cuidadosamente sobre o peito dele.

– Oh, Tania – disse Alexander com intensidade, os braços em torno dela. – Você está sentindo?

– Estou – murmurou ela, com o coração prestes a explodir.

As mãos dele desceram-lhe até os quadris, acariciando-a através de sua calcinha, descendo-a um pouco e acariciando seu traseiro nu. Puxando-a para cima, Alexander afagou seus seios.

– Sonhei com seus lindos seios por um ano – disse ele, sorrindo e respirando pela boca entreaberta. Tatiana quis lhe contar que tinha sonhado com suas mãos belas e inquietas em seus mamilos durante um ano, mas não conseguiu falar. O que ela queria era se inclinar sobre ele e colocar-lhe o mamilo na boca. Mas era tímida demais para fazer isso. Tudo o que conseguiu fazer foi ficar observando-lhe o rosto e palpitando. Alexander fechou os olhos.

– Tatia, por favor, fique quieta. Não consigo esperar mais – disse ele, acariciando seus mamilos. Ela gemeu tão alto que ele parou, mas não por muito tempo. Afastando-a, Alexander deitou-a de costas. – Como você é bonita – sussurrou ele, depois sugando seus mamilos por um instante. As mãos de Tatiana estavam agarradas ao lençol. Uma das mãos de Alexander pousou na sua boca, e a outra, na coxa. – Tania – disse ele –, você acha que eu estou com fome?

– Hmm – disse ela contra a palma da mão de Alxander.

– Não estou com fome – sussurrou ele. – Eu estou faminto. Fique me observando. Agora, não faça nenhum ruído – disse ele, subindo sobre ela. – Tania, meu Deus... vou cobrir sua boca assim e você vai apertar meus braços assim, e vou... assim...

Tatiana deu um grito tão alto que Alexander se deteve, tornou a deitar-se na cama, pôs o braço sobre o rosto e resmungou.

Ficaram um ao lado do outro, tocando-se apenas com as pernas, as dela nuas, as dele ainda nas calças. Seu braço continuou sobre o rosto. Com relutância, Tatiana tornou a pôr o vestido.

– Eu vou morrer – sussurrou ele para ela. – Morrer, Tatiana.

Você vai morrer?, pensou ela, começando a se achegar à borda para descer. Alexander a deteve.

– Aonde você vai? Durma comigo.

– Não, Shura.

– O quê? – disse ele sorrindo e ainda ofegante. – Você não confia em mim?

– Nem por um segundo – E devolveu-lhe o sorriso.

– Prometo que vou me comportar.

– Não, elas vão sair. E vão ver.

– Ver o quê? O que elas vão fazer? – perguntou ele, sem soltá-la dos braços. – Tatia, bem aqui – sussurrou ele, batendo no peito. – Como você fez em Luga. Lembra? Você me chamou para ficar perto de você. Bem, agora eu estou pedindo para você ficar perto de mim.

Tatiana aconchegou-se contra ele e pôs a cabeça na dobra de seu braço. Alexander puxou as cobertas sobre eles e a abraçou. Ela colocou-lhe a mão no seu peito nu e liso, sentindo o rápido pulsar de seu coração.

– Shura, querido...

– Eu vou ficar bem – disse ele, mas num tom de voz que dava a entender o contrário.

– Como em Luga – disse ela, esfregando seu peito de leve.

– Talvez um pouco mais embaixo? – Tatiana se deteve. – Estou só brincando, só brincando – disse ele rapidamente. – Adoro o toque do seu cabelo em mim – sussurrou Alexander, acariciando cabeça dela e beijando-lhe a fronte. Adoro todas as partes de você em mim.

– Não, Shura, por favor – murmurou Tatiana, beijando-lhe o peito e fechando os olhos. Ela sentiu o reconforto infinito de estar nos braços dele. Os dedos dele acariciavam sua cabeça, forçando-a a fechar os olhos. – Isso é bom – murmurou ela.

Minutos se passaram. Minutos ou...

Talvez segundos.

Momentos.

Um piscar de olhos.

– Tania – disse Alexander –, você está com sono?

– Não – respondeu ela, e eles olharam um para o outro e sorriram. Ela abriu a boca para beijá-lo, mas ele balançou a cabeça e disse:

– Não. Mantenha seus lábios longe, se quer que eu fique longe.

Tatiana beijou-o no ombro e o tocou, enquanto ele a tocava.

– Shura – sussurrou ela. – Estou tão feliz que você tenha vindo me ver.

– Eu sei. Eu também.

Ela esfregou os lábios contra a pele dele.

– Tania – sussurrou Alexander –, você quer conversar?

– Quero – respondeu ela.

– Conte-me. Comece do começo. Não pare até terminar.

Tatiana começou do começo, mas não conseguiu ir além do trenó no buraco do gelo do lago.

Alexander tampouco conseguiu ouvir.

Então, ela adormeceu e acordou com o cantar do galo.

7

– Meu Deus – disse ela, tentando se libertar dele. – Deixe-me ir. Preciso ir. Depressa.

Alexander dormia profundamente e não se moveu. Ela havia observado isso nele. Ele dormia bem. Ela conseguiu se desvencilhar de seus braços e saltou para o lado do fogão.

Tatiana colocou um vestido limpo e correu para pegar água do poço, ordenhar a cabra e trocar o leite da cabra por leite de vaca. Quando voltou, Alexander já estava acordado e se barbeando.

– Bom dia – disse-lhe ele, sorrindo.

– Bom dia – respondeu ela, tímida demais para olhar para ele. – Deixe-me ajudá-lo. – Ela se sentou numa cadeira diante dele e segurou um pequeno espelho quebrado contra o peito enquanto ele se barbeava. Ele se cortava a todo instante, como se a navalha que estava usando não estivesse afiada. – Desse jeito você vai se cortar com essa coisa – comentou Tatiana. – O que eles lhe fornecem no exército? Talvez fosse melhor você tornar a deixar a barba crescer.

– Não é a navalha – disse ele. – Ela está bem afiada.

– Então, o que é?

– Nada, nada.

Ela notou que ele estava olhando-lhe os seios.

– Alexander... – disse ela, baixando o espelho.

– Ah, agora que é dia, de repente eu voltei a ser Alexander? – disse ele.

Tatiana não conseguiu olhar para ele, mas tampouco conseguiu deixar de sorrir. Ela se sentia tão feliz naquela manhã que praticamente fugiu de volta pra casa trazendo os dois baldes de leite.

Alexander fez café. Ele serviu-lhe uma xícara, e os dois se sentaram em silêncio fora da casa naquela manhã fresca, sorvendo o líquido quente, com seus corpos se tocando de leve.

– É uma linda manhã – disse ela tranquilamente.

– É uma manhã gloriosa – disse ele radiante e virando-se para ela.

Naira chamou-a, e Tatiana foi cuidar de suas tarefas domésticas, enquanto Alexander recolhia suas coisas.

– O que você está fazendo? – perguntou ela, com um toque de ansiedade quando ele saiu da casa.

– Nós vamos embora daqui – disse ele. – Agora mesmo.

– Nós vamos? – disse ela com um sorriso iluminando seu rosto.

– Sim.

– Eu não posso. Tenho que lavar a roupa. E preparar o café da manhã.

– Tania, é exatamente esse o problema. Eu tenho que ir antes de você lavar a roupa. Tenho que ir antes do café da manhã – disse Alexander olhando para ela.

– Olhe – disse ela, afastando-se –, ajude-me. Eu termino tudo bem depressa se você me ajudar.

– Depois você vai embora comigo?

– Sim – disse ela, de maneira quase inaudível. Mas Alexander sorriu para ela. E ela soube que ele tinha ouvido.

Ela preparou ovos com batatas para todos. Alexander engoliu a comida e disse:

– Vamos cuidar da roupa.

Rapidamente, ele carregou a cesta de roupas para o rio. Tatiana levava a tábua de lavar e o sabão. Ela mal conseguia acompanhá-lo.

– Então, desde quando você conta piadas picantes diante de todo um grupo de gente jovem? – perguntou Alexander.

– Shura, foi só uma piada boba – respondeu Tatiana, balançando a cabeça. – Eu não me dei conta de que você ia ficar aborrecido com ela.

– Eu fiquei, sim. É por isso que você não queria contá-la na minha frente.

– Eu não queria aborrecê-lo – disse ela, correndo para se colocar ao lado dele.

– Por que eu ficaria aborrecido? Eu já fiquei aborrecido com as suas outras piadas?

Tatiana ficou em silêncio antes de responder, pois queria descobrir o que obviamente ainda o estava aborrecendo. A piada era imprópria? Era pesada? Foi por ela ter contado a piada a Vova? A estranhos que Alexander não conhecia? Por não ser do feitio dela? Por não combinar com o que ele conhecia dela? Sim, decidiu-se Tatiana. Foi a última vez. Ele voltara ao assunto agora porque estava preocupado com alguma coisa. Ela nada disse até chegarem ao rio.

– Eu mal sabia o que a piada queria dizer – disse ela.

– Mas agora você sabe o que ela quer dizer? – disse ele, olhando para ela.

A-rá, pensou Tatiana. Ele está preocupado comigo. Ela não respondeu, descendo até a água e olhando a tábua de lavar e o sabão.

Alexander ficou observando-a enquanto fumava.

– Como é que você evita que o seu vestido branco fique molhado.

– A barra fica um pouco molhada. O que foi? – perguntou ela, corando. – O que você está olhando?

– O vestido inteiro não fica molhado? – perguntou ele, rindo.

– Bem, não. Eu não entro na água até o pescoço para lavar a roupa.

Jogando fora o cigarro e tirando a camisa e as botas, Alexander disse:

– Deixe-me fazer isso. Passe-me as roupas, certo?

Havia algo de muito carinhoso e incompreensível nele, um capitão do Exército Vermelho, entrando no fundo do Kama, sem camisa, os grandes braços cheios de sabão e imersos num trabalho feminino, enquanto Tatiana se mantinha seca e lhe passava as roupas sujas. Na verdade, ela achou tudo tão divertido que quando o viu mergulhar uma fronha no rio e se inclinar para pegá-la, ficou na ponta dos pés e lhe deu um empurrão. Alexander caiu na água.

Quando ele subiu, Tatiana ria tão forte que ela demorou alguns segundos para correr para a margem fugindo dele. Alexander a alcançou com três passadas.

– Está lhe faltando equilíbrio, grandão – disse Tatiana rindo. – E se eu fosse um nazista?

Sem nada responder, ele a carregou até o rio.

– Ponha-me no chão agora mesmo – disse ela. – Estou usando um vestido bom.

– Está mesmo – disse ele, atirando-a na água.

Ela emergiu, ensopada.

– Olhe só o que você fez – disse ela, jogando água nele. – Agora não tenho nada seco para voltar.

Alexander tomou-a nos braços e a beijou, erguendo-a no ar. Tatiana sentiu que os dois pendiam para trás, cada vez mais para trás, e os dois caíram na água. Quando subiram para tomar ar, com todo o decoro descartado, Tatiana saltou sobre ele para forçá-lo a cair na água de novo, mas seu peso não foi suficiente para fazer isso. Ele a pegou e segurou-lhe a cabeça durante alguns segundos embaixo da água, enquanto ela agarrava-lhe a perna.

– Você desiste? – perguntou ele, puxando-lhe a cabeça para fora.

– Nunca! – ganiu ela, e ele tornou a afundá-la.

– Você desiste?

– Nunca!

Alexander tornou a afundá-la.

Depois da quarta vez, completamente sem fôlego, ela disse:

– Espere, as roupas, as roupas!

As roupas – roupas de baixo, fronhas – estavam todas deslizando alegremente pela água.

Alexander foi atrás delas. Pingando água e rindo, Tatiana voltou para a margem.

Ele saiu da água, jogou as roupas no chão e foi até ela.

– O que foi? – disse ela, intrigada por sua expressão. – O que foi?

– Olhe só você – disse ele, excitado. – Olhe os seus mamilos, olhe o seu corpo nesse vestido. Ponha.

– Ponha as pernas em torno de mim – disse ele, erguendo-a.

– O que você quer dizer com isso? – perguntou ela, passando-lhe os braços em torno do pescoço e o beijando.

– Quero dizer que você vai abrir as pernas e me envolver com elas – explicou ele, segurando-a com uma das mãos sob seu traseiro e colocando sua perna em torno da cintura dele com a outra mão. – Assim.

– Shura, eu... ponha-me no chão.

– Não.

Seus lábios úmidos não se separavam.

Quando abriram os olhos, Alexander teve de colocá-la no chão, pois seis mulheres da vila estavam na clareira, com seus cestos de roupa, olhando para eles com uma expressão de perplexidade e francamente desaprovando o que viam.

– Nós já íamos sair – murmurou Tatiana, enquanto Alexander colocava alguma coisa molhada sobre seus ombros para cobrir-lhe o vestido transparente. Ela nunca usava sutiã, nem tinha um, e pela primeira vez na vida se deu conta de seus mamilos saltados e que podiam ser vistos através da roupa. Era como se, de repente, ela se visse pelos olhos de Alexander.

– Bem, isto amanhã vai estar na boca de todo mundo de Lazarevo – disse ela. – Não podia ter sido mais humilhante.

– Eu diria que sim – disse Alexander, inclinando-se sobre ela. – Elas podiam ter chegado três minutos depois.

Corando completamente, Tatiana não respondeu. Rindo, ele pôs o braço em torno dela.

Quando chegaram a casa, Tatiana de vestido molhado e Alexander de calças molhadas e mais nada, as velhas ficaram horrorizadas.

– A água levou a roupas – explicou Tatiana, embora de maneira, como ela pressentiu, insatisfatória. – Tivemos que mergulhar para recuperá-las.

– Bem, nunca ouvi dizer que tal coisa pudesse acontecer – murmurou Dusia, persignando-se. – Nunca em toda minha vida.

Alexander desapareceu dentro da casa, voltando cinco minutos depois usando as calças cáqui de seu uniforme do exército, as botas negras e a camiseta sem mangas que Tatiana tinha feito para ele. Ela olhou para ele através dos lençóis que estava pendurando a esmo. Alexander estava de cócoras no chão, mexendo em sua mochila. Ela ficou observando-o de perfil, os braços musculosos nus, o corpo de soldado, seu cabelo negro espetado e molhado, um cigarro no canto da boca. Tatiana sentiu faltar-lhe o fôlego: ele estava tão bonito. Alexander voltou a cabeça para ela e sorriu.

– Eu tenho um vestido seco para você – disse ele, tirando da mochila seu vestido branco com rosas vermelhas. E contou-lhe como o tinha salvado da Quinta Soviet.

– Acho que não me serve mais – disse ela, muito comovida. – Mas vou experimentá-lo um dia desses.

– Ótimo – disse Alexander, tornando a guardá-lo na mochila. – Você pode usá-lo para mim outro dia – acrescentou ele, pegando o rifle e todas as suas coisas. – Você não precisa de nada. Você já acabou aqui. Vamos embora.

– Vamos para onde?

– Para longe daqui – respondeu ele, baixando a voz. – Onde não seremos interrompidos e estaremos sozinhos.

Um olhou para o outro.

– Pegue dinheiro – disse ele.

– Achei que você disse que não precisávamos de nada.

– E traga seu passaporte. Podemos ir para Molotov.

A imensa excitação de Tatiana pareceu vencer todo sentimento de culpa quando disse às quatro senhoras que ia sair.

– Você volta para o jantar? – perguntou Naira.

Jogando o rifle nas costas e pegando Tatiana pela mão, Alexander disse:

– Provavelmente, não.

– Mas, Tania, nosso círculo de costura é hoje às três.

– Sim... – disse Alexander. – Tania hoje não vai estar presente. Mas que as senhoras tenham um grande encontro.

Os dois correram até o rio. Tatiana sequer olhou para trás.

– Aonde vamos?

– À casa de seus avós.

– Por que lá? Está uma bagunça.

– Nós vamos dar um jeito.

– E nós tivemos uma tremenda discussão lá ainda ontem.

– Não – disse ele, olhando para ela. – Você sabe o que tivemos lá ontem?

Tatiana sabia. Ela não lhe deu resposta, mas apertou-lhe a mão com mais força.

Quando chegaram à clareira, Tatiana entrou na izba, que estava vazia, porém impecável. Era uma cabana de um único cômodo, com quatro longas janelas e uma grande fornalha no centro, que ocupava metade do lugar. Não havia nenhuma mobília, mas o chão de madeira havia sido lavado, as janelas estavam limpas e até as cortinas perfeitamente brancas haviam sido lavas e secadas, não mais exalando cheiro de mofo. Tatiana olhou para fora. Alexander estava de joelhos, enterrando uma estaca de barraca no chão. Ele estava de costas para ela. Ela pôs a mão no coração. Acalme-se, acalme-se, disse para si mesma.

Saindo da cabana, ela recolheu um feixe de galhos caso ele desejasse fazer fogo.

Tatiana estava paralisada de medo e amor, andando pelas margens arenosas do rio Kama, cheias de agulhas de pinheiro, à luz do sol de meio-dia de junho.

Tirou as sandálias e pôs os pés na água fria. Não conseguiu se aproximar de Alexander naquele momento, mas talvez mais tarde eles pudessem ir nadar. “Cuidado!”, ouviu Tatiana atrás dela. Alexander correu para a água e mergulhou, usando apenas a roupa de baixo do exército.

– Tania, quer vir nadar? – gritou ele.

O coração dela disparou, mas a moça balançou a cabeça.

– Estou vendo que você nada muito bem – disse ela, observando-o nadar de costas.

– Eu sei nadar – disse ele, erguendo o rosto da água e olhando para ela. – Venha, vamos apostar uma corrida – acrescentou ele rindo. – Debaixo da água. Até a outra margem.

Se ela não estivesse tão nervosa, teria devolvido o sorriso e, então, aceitado o desafio.

Alexander saiu do rio, puxando o cabelo molhado para trás. Seu peito nu, seus braços nus e suas pernas nuas brilhavam. Ele estava rindo. Para Tatiana ele parecia estar brilhando de dentro para fora. Ela não conseguia desviar o olhar daquele corpo perfeito e magnífico. Sua cueca molhada estava grudada nele...

Não, ela não ia conseguir.

– A água está boa – disse Alexander, achegando-se a ela. – Vamos lá, vamos nadar.

Tatiana balançou a cabeça, afastando-se um pouco com suas pernas inseguras até a beira da clareira, ela começou a apanhar alguns mirtilos dos arbustos mais baixos. Por favor, acalme-se, repetia ela para si mesma. Por favor.

– Tatia – disse ele em voz baixa bem ao lado dela, e ela se voltou. Ele estava se enxugando. Ela estendeu-lhe alguns mirtilos; ele os pegou, mas não largou a mão dela, fazendo-a sentar-se na grama com gentileza. – Minha doçura, sente-se um instante.

Tatiana sentou-se na grama, e Alexander se ajoelhou diante dela. Inclinando para frente, beijou-lhe os lábios com suavidade. Tatiana tocou-lhe os braços. Ela mal conseguia respirar.

– Tatia... Tatiasha – disse ele, com voz rouca, tomando-lhe as mãos e beijando-as, beijando-lhe os pulsos e a parte interna dos braços.

– Sim? – disse ela, também rouca.

– Estamos juntos e sozinhos.

– Eu sei – respondeu ela, reprimindo um gemido.

– Agora temos privacidade.

– Hmm.

– Privacidade, Tania! – disse Alexander com intensidade. – Pela primeira vez na vida, você e eu temos uma verdadeira privacidade. Nós a tivemos ontem. E a temos hoje.

Ela não conseguiu suportar a emoção nos olhos dele, cor de crème brûlée. Ela baixou o olhar.

– Olhe para mim.

– Não posso – sussurrou ela.

– Você está com medo? – perguntou Alexander envolvendo o pequeno rosto de Tatiana com suas mãos enormes.

– Aterrorizada.

– Não. Por favor, não tenha medo de mim – disse ele, beijando-a intensamente nos lábios, de maneira tão profunda, tão completa, tão amorosa, que pareceu a Tatiana que a dolorosa pontada em seu estômago o fez se abrir e flamejar. Ela se inclinou, fisicamente incapaz de continuar sentada ereta.

– Tatiasha – disse ele –, por que você é tão bonita? Por quê?

– Eu estou um trapo – disse ela. – Olhe só para você.

Ele a abraçou.

– Meu Deus, que bênção – disse ele, afastando-a e tomando-lhe as mãos. – Tania, você é o meu milagre, você sabe disso, não é mesmo? Você me foi mandada por Deus para me dar fé. – E fez uma pausa. – Ele mandou você para me redimir, me confortar, me curar... e é isso que tem acontecido até agora – acrescentou com um sorriso. – Eu mal estou conseguindo me controlar neste momento, eu quero tanto fazer amor com você... – E neste ponto ele se deteve. – Sei que você está com medo. Eu nunca a machucaria. Você quer ir para a minha tenda comigo?

– Quero – respondeu Tatiana, em voz baixa, porém audível.

Alexander a carregou em seus braços até a tenda, pousando-a em seu cobertor e fechando a entrada da tenda atrás dele. O interior dela era pequeno e escuro, com apenas um mínimo de luz do sol infiltrando-se pelas frestas abertas.

– Eu gostaria de ter levado você para dentro da casa agradável e limpa – disse ele sorrindo –, mas não temos colchas, nem travesseiros, só o chão de madeira e um tampo duro de fogão.

– Mmm – murmurou Tatiana. – A tenda está bom – acrescentou ela, pois tanto fazia estar ali ou no chão de mármore do palácio Peterhof.

Alexander começou a puxá-la para ele, mas tudo o que ela queria era ficar deitada diante dele. Como ele fazia aquilo?

– Shura – sussurrou ela.

– Sim – disse ele, também sussurrando e a beijando no pescoço.

Mas ele não estava... não estava fazendo mais nada, como se estivesse esperando, pensando ou...

Alexander afastou-se dela, e ela percebeu, pela reserva em seus olhos, que algo o estava perturbando.

– O que foi?

– Você me disse tantas coisas desagradáveis ontem... – respondeu ele, sem olhar para ela. – Não que eu não merecesse todas elas...

– Você não merece todas elas – disse ela, sorrindo. – O que foi?

Ele respirou fundo.

– Peça – disse ela, sabendo o que ele queria dela.

Os olhos dele permaneciam abaixados.

– Levante a cabeça – disse Tatiana sacudindo-lhe a cabeça. – Olhe para mim – acrescentou ela, ajoelhando-se diante dele, segurando-lhe o rosto entre as mãos e beijando-lhe os lábios. – Alexander, a resposta é sim... sim... é claro que eu me guardei para você. Eu pertenço a você. O que você imaginou?

– Oh, Tania – disse ele, feliz, aliviado e com os olhos excitados olhando para ela. Por um momento, ele ficou em silêncio. – Você não tem ideia... do que isso significa para mim...

– Shh! – sussurrou ela. Ela sabia.

– Você tinha razão – disse ele, emocionado e fechando os olhos. – Eu não mereço o que você me oferece.

– Se não for você, quem poderá merecer? – disse Tatiana, abraçando-o. – Onde estão suas mãos? Eu as quero.

– Minhas mãos? – disse ele, beijando-a ardentemente. – Erga os braços – disse ele, tirando-lhe o vestido leve. Então, deitou-a no cobertor, ajoelhou-se ao seu lado, vagando por seu rosto e pescoço com os lábios famintos, percorrendo seu corpo com os dedos famintos.

– Agora eu quero você completamente nua diante de mim, tudo bem? – sussurrou ele.

– Tudo bem.

Ele tirou-lhe as calcinhas de algodão, e Tatiana olhou para o rapaz. Ambos estavam tomados por uma fraqueza. Olhando para ela, ele murmurou:

– Não, não consigo me segurar... – e colou o rosto contra os seios dela. – Seu coração está parecendo um canhão... – disse ele, lambendo os mamilos dela. – Não tenha medo.

– Tudo bem – sussurrou Tatiana, com as mãos no cabelo molhado do rapaz.

– Diga você o que quer que eu faça – sussurrou Alexander curvando-se sobre ela –, e eu farei. Irei tão devagar quanto você precisar. O que você quer?

Tatiana não conseguiu responder. Ela desejava pedir que lhe desse alívio imediato àquele fogo, mas não conseguia. Tinha que confiar em Alexander.

– Veja só você, minha doçura, seus mamilos molhados e eretos, implorando-me que os sugue – ele sussurrou enquanto pressionava a barriga de Tatiana na altura do estômago.

– Sugue-os – murmurou Tatiana num gemido.

Ele os sugou.

– Sim. Gema, gema o mais alto que quiser. Ninguém vai ouvir você além de mim. E eu viajei mil e seiscentos quilômetros para ouvi-la. Então, gema, Tania – disse ele, com a língua e os dentes devorando seus seios, enquanto ela arqueava as costas, o peito e as cadeiras para ele.

Deitando-se de lado, Alexander passava-lhe as mãos entre as coxas.

– Espere, espere – disse ela, tentando manter as pernas juntas.

– Não, abra-as – disse Alexander, separando-lhe as pernas. Com os dedos, ele percorria sua coxa. – Shh – murmurou ele, envolvendo o pescoço dela com o braço livre. – Tania, você está tremendo – disse ele tocando-a com os dedos. O corpo dela se contraiu. A respiração de Alexander ficou suspensa. A respiração de Tatiana ficou suspensa. – Você está sentindo como eu acaricio você com delicadeza – sussurrou ele, pousando os lábios em seu rosto. – Você... seu corpo é todo loiro.

As mãos dela estavam aninhadas na altura do estômago, sob os braços dele. Os olhos de Tatiana estavam cerrados.

– Está sentindo isso, Tatia?

Ela deu um gemido.

Alexander girava a mão em pequenos círculos por todo o corpo dela.

– Você é tão incrível... – sussurrou ele.

As mãos dela o apertaram com mais força.

– Quer que eu pare? – disse ele num gemido ligeiro e a acariciando com um pouco mais de firmeza.

– Não!

– Tania, você está me sentindo contra os seus quadris?

– Hum. Achei que fosse seu rifle.

– O que você quiser está bom para mim – disse ele, com seu hálito quente contra o pescoço dela. Arqueado sobre ela, ele sugava-lhe os mamilos, enquanto a acariciava...

Em círculos, em círculos...

E ela gemia e gemia...

E...

Ele afastou os dedos, a boca e todo seu corpo.

– Não, não, não. Não pare – murmurou Tatiana em pânico, abrindo os olhos. Ela começava a sentir que a tensão palpitante de sua carne estava começando a se transformar em combustão, e, quando ele parou, ela começou a tremer de maneira tão descontrolada que Alexander precisou ficar deitado em cima dela um pouco para acalmá-la, apertando a testa contra a dela.

– Shh, está tudo bem – disse ele, detendo-se por um segundo e se afastando dela. – Diga-me o que você quer que eu faça.

– Eu não sei – disse Tatiana insegura. – O que mais você quer fazer?

– Tudo bem, então – disse ele balançando a cabeça. Em seguida, Alexander baixou o calção e se ajoelhou diante dela.

Quando Tatiana o viu, ergueu-se imediatamente.

– Oh, meu Deus, Alexander – murmurou ela com incredulidade e se afastando.

– Está tudo bem – disse ele, com um sorriso largo. – Aonde você vai? – Suas mãos seguraram-lhe as pernas.

– Não – disse ela, balançando a cabeça e olhando para ele com surpresa. – Não, não. Por favor.

– De alguma forma, e em Sua infinita sabedoria – disse Alexander –, Deus garantiu que tudo funcione como deve.

– Shura, não pode ser. Eu nunca...

– Confie em mim – disse Alexander, olhando-a com desejo. – Vai dar tudo certo. Não consigo esperar um segundo sequer, nem mais um segundo – disse ele, deitando-a de frente para ele. – Eu preciso estar dentro de você agora mesmo.

– Ah, meu Deus. Não, Shura.

– Sim, Tania, sim. Diga para mim. Sim, Shura.

– Oh, meu Deus. Sim, Shura.

Alexander ficou sobre ela, apoiando-se nos braços.

– Tania – disse ele apaixonadamente, como se não conseguisse acreditar nele mesmo –, você está nua debaixo de mim!

– Alexander, você está nu e em cima de mim – disse ela, ainda tremendo e sentindo que ele se esfregava contra ela.

Os dois se beijaram.

– Não consigo acreditar – disse ele, com a respiração curta. – Nunca pensei que este dia chegaria – acrescentou ele. – Mas eu não conseguia imaginar minha vida sem isto. Você viva, debaixo de mim. Tania, toque-me. Ponha suas mãos em mim.

Instantaneamente, ela desceu a mão e o tocou.

– Está sentindo como estou enrijecido – sussurrou ele – ... por você?

– Meu Deus, é verdade – disse ela incrédula. Vê-lo tinha sido um choque profundo para ela. Senti-lo era demais. – É impossível – murmurou ela, tocando-o com delicadeza. – Você vai me matar.

– Vou – disse Alexander. – Deixe eu fazer isso. Abra as pernas.

Ela o obedeceu.

– Não, mais – disse Alexander beijando-a e sussurrando. – Abra-se para mim, Tania. Vamos... abra-se para mim.

Tania o obedeceu. Ela continuava a acariciá-lo.

– Agora, você está pronta?

– Não.

– Está sim, você está pronta. Me solte – disse ele, sorrindo. – Segure-se no meu pescoço. Segure com força.

Lentamente, Alexander se colocou dentro dela, pouco a pouco, pouco a pouco. Tania agarrava-se nos braços dele, no lençol, nas costas dele, em seus cabelos.

– Espere, espere, por favor...

Ele esperou o quanto pôde. Tania se sentia como havia imaginado... que estava sendo rasgada. Mas alguma outra coisa também.

Um apetite imoderado por Alexander.

– Tudo bem. Estou dentro de você – disse ele por fim, beijando-a e respirando profundamente. – Estou dentro de você, Tatiasha.

Ela gemeu com suavidade, as mãos em torno do pescoço dele. – Você está mesmo dentro de mim?

– Sim – disse ele, retirando-se ligeiramente. – Sinta.

– Não acredito – disse ela descendo a mão – que você tenha... entrado assim.

– Só um pouco, mas é verdade – sussurrou Alexander, sorrindo e beijando-a. Então, tomou fôlego. E pousou os lábios sobre ela. – É como se o próprio Deus unisse nossas carnes – prosseguiu ele, tomando fôlego – ... você e eu juntos, dizendo “eles serão um só”.

Tatiana ficou deitada, imóvel. Alexander também estava muito quieto, os lábios contra a fronte dela. O que mais aconteceria? O corpo de Tatiana estava dolorido. Mas não havia alívio possível. As mãos dela trouxeram-no para mais perto. Ela olhou para o rosto vermelho de Alexander.

– Então é assim? É só isso?

– Não exatamente – disse Alexander, e fez uma breve pausa. Então, inalou o hálito da moça. – Foi só... Tania, nós esperávamos tão desesperadamente por isto... – sussurrou ele em sua boca – e esse momento nunca tornará a acontecer. E não quero deixar que ele vá embora – acrescentou ele, olhando para ela.

– Tudo bem – sussurrou ela palpitante, empurrando os quadris para mais perto dele.

Mais um instante.

– Você está pronta? – perguntou ele, afastando-se lentamente dela. Tatiana cerrou os dentes, mas um gemido escapou por entre seus dentes cerrados.

– Espere, espere – disse ela.

Lentamente ele se afastou um pouco e tornou a pressionar o corpo para a frente.

– Espere...

Alexander afastou-se completamente e tornou a se projetar totalmente para frente, e Tatiana, perplexa, quase gritou, mas estava com medo demais de que ele parasse se achasse que ela estava sentindo dor. Ela o ouviu gemer e, mais devagar, retirar-se completamente para tornar a se projetar completamente. Gemendo, ela agarrou-lhe os braços.

– Oh, Shura – murmurou ela, incapaz de respirar.

– Eu sei. Procure se segurar em mim.

Com menos lentidão. Com menos delicadeza.

Tatiana sentiu-se febril devido à dor, devido ao fogo.

– Estou machucando você?

– Não – disse Tatiana pausadamente, atordoada e perdida.

– Vou fazer o mais devagar que eu puder.

– Oh, Shura – disse ela. Respirar, respirar, estou sem ar...

Breve pausa ofegante.

– Tania... Meu Deus, eu fui feito para você, não é mesmo? – sussurrou Alexander com ardor. – Feito para você, para sempre.

Cada vez mais acelerado.

Sem fala, Tatiana agarrou-se a ele, a boca aberta num grito mudo.

– Você quer que eu pare?

– Não.

Alexander parou.

– Espere – disse ele, com a cabeça contra o rosto de Tatiana. – Aguente firme – sussurrou ele, ficando imóvel por mais um instante e respirando pela boca apenas entreaberta – Oh, Tania... – e, de repente, começou a ir para frente e para trás dentro dela tão rápido que Tatiana pensou que fosse morrer, gritando assustada, com dor e segurando a cabeça dele enterrada em seu pescoço.

Um momento sem respirar.

E outro.

E mais outro.

O coração estava disparado, a garganta seca, os lábios umedecidos e a respiração voltava lentamente, bem como o som, a sensação e o odor.

E os olhos dela estavam abertos.

Piscando.

Alexander pulsou, detendo-se gradativamente. Então, respirou aliviado e ficou sobre ela por alguns minutos ofegantes.

As mãos dela continuavam a agarrá-lo.

Um formigamento permaneceu no local onde ele estivera. Tatiana sentiu-se triste. Ela o queria dentro dela novamente. Tudo lhe parecera excessivo e absoluto.

Erguendo-se, Alexander soprou a testa e o peito molhados de Tatiana.

– Você está bem? Eu a machuquei? – sussurrou ele com ternura, beijando-lhe as sardas. – Tania, querida, diga-me se você está bem.

Ela não conseguia responder. Os lábios dele sobre seu rosto eram quentes demais.

– Eu estou bem – respondeu Tatiana, por fim, sorrindo timidamente e o apertando contra ela. – Você está bem?

– Estou fantasticamente bem – disse Alexander, deitando-se ao seu lado e com os dedos descendo por toda a extensão do corpo dela, do rosto às canelas, e tornando a subir lentamente. – Nunca estive melhor – acrescentou, com um sorriso radiante, tão cheio de felicidade que Tatiana teve vontade de chorar. Ela apertou o rosto contra o dele. Os dois ficaram sem falar.

A mão dele parou de se movimentar e pousou nos quadris de Tatiana.

– Você esteve surpreendentemente mais tranquila do que eu previra – disse ele.

– Hmm, eu estava tentando não desmaiar – disse Tatiana, o que o fez rir.

– Eu achei que você estivesse fazendo isso.

Ela virou-se para ficar de frente com ele.

– Shura, foi?...

Alexander beijou-lhe os olhos.

– Tania – sussurrou ele –, estar dentro de você, penetrar em você... foi mágico. Você sabe que foi.

– Como você achou que seria? – perguntou ela, cutucando-o com o cotovelo.

– Foi melhor que qualquer coisa que minha patética imaginação poderia evocar.

– Você imaginou isto?

– Digamos que sim – respondeu ele, abraçando-a. – Esqueça. Diga o que você esperava – pediu, ele sorrindo, beijando-a e rindo com gosto. – Não, eu vou estourar de rir – disse ele. – Conte-me tudo. Você imaginou isto? – acrescentou ele com voz rouca.

– Não – disse ela, aninhando-se contra ele outra vez. Isto, com certeza, não. Seus dedos flutuaram da garganta de Alexander até seu abdômen. Tudo o que ela queria era permissão para tornar a tocá-lo. – Por que você está me olhando assim? O que você quer saber?

– O que você estava esperando.

– Na verdade, eu não sei – respondeu Tatiana, depois de pensar um pouco.

– Ora, vamos. Você deve ter esperado alguma coisa.

– Mmm. Não isto.

– O que, então?

Tatiana se sentia muito constrangida e gostaria que Alexander não a olhasse com aquela adoração desejosa.

– Eu tinha um irmão, Shura – disse ela. – Eu sei como vocês todos se parecem. Aparentemente quietos... mas lá embaixo... hmm – Tatiana procurava uma palavra adequada – ... indecifráveis.

Alexander explodiu numa gargalhada.

– Mas eu nunca tinha visto um...

– E é decifrável?

– Hmm. Por que você está rindo desse jeito?

– O que mais?

– Acho que eu pensava – disse Tatiana, depois de uma pausa – que essa coisa imperturbável fosse... não sei... uma coisa – e começou a tossir. – Vamos dizer apenas que o movimento também foi uma surpresa para mim.

Alexander a agarrou, beijando-a com felicidade.

– Você é uma moça muito engraçada. O que é que eu vou fazer com você?

Tatiana ficou deitada em silêncio, olhando para ele, com a dor em seu interior ainda persistente. Ela estava fascinada pelo corpo dele. E deixou os dedos tocaram seu abdômen de leve. – E agora? – perguntou ela, fazendo uma pausa. – Nós... acabamos?

– Você quer que esteja acabado?

– Não – disse ela de imediato.

– Tatiana – disse Alexander, com a voz carregada de emoção. – Eu amo você.

Ela fechou os olhos.

– Obrigada – disse num sussurro.

– Não me diga isso – disse ele, erguendo o rosto dela. – Nunca ouvi você me dizer isso antes.

Não podia ser verdade, pensou Tatiana. Eu senti isso a cada minuto desde que nós conhecemos. Transbordando em mim.

– Eu amo você, Alexander.

– Obrigado – sussurrou ele, olhando para ela. – Diga outra vez.

– Eu amo você – repetiu ela, abraçando-o. – Amo tanto que perco a respiração, meu homem admirável – prosseguiu ela, sorrindo para ele com afeição. – Mas, sabe, eu também nunca ouvi você me dizer isso.

– Eu disse, sim, Tatiana – retrucou Alexander. – Você já me ouviu lhe dizer isso.

Um momento de silêncio aconteceu.

Ela não falava, respirava ou piscava.

– Sabe como eu sei? – perguntou ele num sussurro.

– Como? – disse ela com voz quase inaudível.

– Porque você se levantou daquele trenó...

Outro momento de silêncio aconteceu.

Na segunda vez que fizeram amor, a dor foi menor.

Na terceira vez, Tatiana sentiu uma sensação de estar flutuando, um momento incandescente de um prazer tão intenso, mesclado de uma dor difusa que foi tomada de surpresa. E deu um grito.

– Meu Deus, não pare. Por favor... – ela gritava e gemia.

– Não? – disse Alexander, detendo seus movimentos.

– O que você está fazendo – perguntou ela, abrindo a boca e os olhos, olhando para ele. – Eu disse para não parar.

– Eu quero ouvir você gemer outra vez – murmurou ele. – Quero ouvir você me pedindo para não parar num gemido.

– Por favor... – sussurrou ela, apertando os quadris contra ele, as mãos ao redor de seu pescoço.

– Não, Shura, não? Ou sim, Shura, sim?

– Sim, Shura, sim – disse Tatiana, fechando os olhos. – Eu lhe imploro... não pare.

Alexander movia-se para trás e para frente penetrando nela mais fundo e mais devagar. Ela gritava.

– Assim?

Ela não conseguia falar.

– Ou...

Cada vez mais rápido. Ela gritava.

– Assim?

Ela não conseguia falar.

– Tania... está gostoso?

– Muito gostoso.

– Como você quer que eu faça?

– De qualquer modo – respondeu ela, com as mãos tensas agarradas a ele.

– Gema para mim, Tania – sussurrou Alexander, alterando o ritmo e a velocidade. – Mais... gema para mim.

– Não pare, Shura... – disse ela, sem forças para resistir.

– Não vou parar, Tania.

Ele não parou e então... Tatiana sentiu todo seu corpo entesar-se e explodir num fogo convulsivo e, em seguida, numa lava líquida. Levou certo tempo até ela conseguir parar de gemer e tremer contra Alexander.

– O que foi isso? – disse ela, por fim, ainda arquejante.

– Isso foi a minha Tania descobrindo como é fantástico fazer amor. Isso foi... alívio – sussurrou ele, pressionando o rosto contra o dela.

Tatiana o apertou contra ela, virando o rosto e murmurando entre lágrimas de felicidade:

– Oh, meu Deus, Alexander...

– Há quanto tempo estamos aqui?

– Não sei. Há minutos?

– Onde está seu relógio “infalível”?

– Eu não o trouxe. Queria que o tempo parasse de passar – disse Alexander – piscando o fechando os olhos.

– Tania, você está dormindo?

– Não. Meus olhos estão fechados. Estou me sentindo muito relaxada.

– Tania, você diz a verdade se eu lhe perguntar uma coisa?

– É claro – respondeu ela, sorrindo. Seus olhos ainda estavam fechados.

– Você já tinha tocado num homem? Tocado num homem?

– Shura, do que você está falando? – perguntou ela, abrindo os olhos e rindo baixinho. – Além de meu irmão, quando éramos crianças, eu nunca tinha visto um homem antes.

Tatiana estava aninhada nos braços dele, com os dedos tocando-lhe o queixo, o pescoço e o pomo de adão. Ela apertou com o indicador a artéria que pulsava vivamente perto da garganta dele. Ela se ergueu um pouco e beijou a artéria, deixando que sua boca ficasse sobre ela, sentindo-a pulsar contra seus lábios. Por que ele é tão querido? pensou ela. E por que o cheiro dele é tão bom?

– E aqueles bandos de jovens bestas que perseguiam você em Luga? Nenhum deles?

– Nenhum deles o quê?

– Você tocou em algum deles? – perguntou Alexander.

– Shura, por que você é tão esquisito? – respondeu ela, balançando a cabeça. – Não!

– Talvez por baixo da roupa?

– O quê? – disse ela, sem tirar a boca do pescoço dele. – É claro que não. – E fez uma pausa. – O que é que você está querendo que eu diga?

– Que coisas você conheceu antes de mim.

– Mas eu tive vida antes de Alexander? – disse Tatiana, provocativa.

– Você é que tem que dizer.

– Tudo bem. O que mais você quer saber?

– Quem já tinha visto seu corpo nu? Além de sua família. E não quando você tinha sete anos e brincava de acrobacia.

Era isso que ele queria? A verdade completa? Ela tinha tido tanto medo de lhe contar. Será que ele gostaria de ouvir?

– Shura, o primeiro homem que me viu parcialmente nua foi você em Luga.

– É verdade mesmo? – exclamou ele, afastando-se um pouco para olhá-la nos olhos.

Ela confirmou com um movimento de cabeça, tornando a roçar a boca contra o pescoço dele.

– É verdade.

– Alguém já tocou em você?

– Tocou em mim?

– Apalpou seus peitos... – disse ele, com os dedos procurando por ela.

– Shura, por favor. É claro que não.

Com a boca contra a artéria de Alexander, ela sentiu o coração do rapaz se acelerar. Tatiana sorriu. Ela lhe contaria tudo naquele instante se esse fosse o desejo dele.

– Você se lembra do bosque em Luga?

– Como eu poderia esquecer? – disse ele com a voz rouca. – Foi o beijo mais doce de toda minha vida.

– Alexander... – sussurrou Tatiana com os lábios no pescoço dele –, foi o meu primeiro beijo.

Ele balançou a cabeça e virou-se para o lado, olhado para Tania com um olhar cético, como se o que ela estava dizendo não fosse a verdade total. Tatiana virou-se de lado para encará-lo.

– O que foi? – perguntou ela, sorrindo. – Você está me deixando sem jeito. O que foi?

– Não me diga que...

– Tudo bem, não digo nada.

– Diga, por favor.

– Eu já lhe disse.

– Quando eu beijei você em Luga... – disse Alexander em voz baixa, os olhos estupefatos sem piscar.

– Sim?

– Diga-me.

– Shura... – disse ela, pressionando o corpo contra o dele. – O que você quer? Você quer que eu diga a verdade ou outra coisa?

– Eu não acredito em você – disse ele, balançando a cabeça. – Eu simplesmente não acredito em você.

– Tudo bem – disse Tatiana, deitando-se de costas e pondo as mãos sob a cabeça.

– Acho que você só está me dizendo isso porque acha que é o que eu quero ouvir – disse ele, inclinando-se sobre ela e passando-lhe os dedos por seus seios e ventre. As mãos dele não paravam de correr sobre ela. Elas nunca paravam de se mexer.

– É isso que você quer ouvir?

Alexander não respondeu de imediato.

– Eu não sei. Não. Sim, que Deus me ajude – disse ele com dificuldade. – Mas eu quero mais um pouco da verdade.

– Você já tem a verdade – disse ela, dando-lhe alegres tapinhas nas costas. – Em toda minha vida só fui tocada por você – acrescentou, sorrindo.

Mas Alexander não estava sorrindo.

– Como pode ser isso? – perguntou ele, com os olhos de bronze encarando-a de frente.

– Eu não sei como pode ser – disse ela. – Apenas é.

– O que você fez? Saiu diretamente do ventre de sua mãe para os meus braços?

– Quase isso – disse Tatiana, rindo. E, olhando-o nos olhos, acrescentou: – Alexander, eu amo você. Está entendendo? Eu nunca quis beijar ninguém antes de você. Eu queria tanto que você me beijasse em Luga que eu não sabia o que fazer. Não sabia como lhe dizer. Fiquei acordada a metade da noite, tentando achar um jeito de fazer você me beijar. No final, já no bosque, eu não ia desistir. “Se eu não conseguir fazer com que o meu Alexander me beije”, pensei eu, “não tenho esperança de que qualquer outra pessoa me beije”.

O rosto dele estava sobre o dela.

– O que você está fazendo comigo? – sussurrou ele com intensidade. – Você precisa parar com isso agora mesmo. O que você está fazendo comigo?

– O que você está fazendo comigo? – disse ela, apertando-lhe as costas com as pontas dos dedos.

Quando Alexander fez amor com ela, seus lábios não abandonaram os dela e, em seu clímax apaixonado, que ela mal conseguiu ouvir, Tatiana quase tinha a certeza de que ele gemera, como se estivesse se impedindo de chorar. Ele sussurrara em sua boca:

– Não sei como vou sobreviver sem você, Tatiana.

– Querida – murmurou Alexander, com o corpo sobre o dela –, abra os olhos. Você está bem?

Tatiana não respondeu. Ela estava ouvindo a adorável cadência da voz dele.

– Tania... – sussurrou ele, com os dedos trêmulos circundando seu rosto, a garganta e o topo do peito –, você tem a pele de um recém-nascido – disse ele. – Você sabia disso?

– Bem, eu não – murmurou ela.

– Você tem pele de recém-nascido, um hálito doce e seu cabelo é como seda caindo de sua cabeça – disse ele, ajoelhando-se sobre ela e lhe sugando o mamilo suavemente. – Você é completamente divina.

Ouvindo-o enlevada, ela segurou a cabeça dele entre as mãos. Ele parou de falar e ergueu o rosto para ela. Havia lágrimas em seus olhos.

– Por favor, me perdoe, Tatiana – disse Alexander –, por ter machucado seu coração perfeito com o meu rosto frio e indiferente. Meu coração sempre esteve transbordante de você e nunca foi indiferente. Você não merecia nada do que recebeu, do que teve que suportar. Nada de nada. Nem de sua irmã, nem de Leningrado e, com certeza, nem de mim. Você não imagina o que me custou não olhar para você pela última vez antes de fechar o encerado daquele caminhão. Eu sabia que, se olhasse, tudo estaria terminado. Eu não teria sido capaz de disfarçar meu rosto de você ou de Dasha. Eu não teria sido capaz de manter a promessa que fizera à sua irmã. Não foi que eu não tivesse olhado para você. Eu não pude olhar para você. Eu ofereci tanto a você quando estivemos sozinhos. Eu tinha a esperança de que isso a faria sobreviver.

– E fez, Shura – disse Tatiana, também com lágrimas nos olhos. – Eu estou aqui. E vai fazer no futuro – acrescentou ela, apertando a cabeça contra o peito dele. – Lamento ter duvidado de você. Mas agora meu coração está leve.

Alexander beijou-a entre os seios.

– Você me curou – disse Tatiana sorrindo.

Murmurando e suspirando, Tatiana se pôs alegremente debaixo de Alexander, tendo sido mais uma vez amada e aliviada, e aliviada...

– Oh, e eu achava que a amava antes disto.

Os lábios dele pressionaram-lhe a fronte.

– Isto acrescenta toda uma nova dimensão ao nosso amor, não é mesmo? – disse ele, sem tirar as mãos do corpo dela. Nenhuma das partes dele abandonava o corpo dela. Ele a abraçava e se movia, ainda dentro dela.

Voltando o rosto para ele, um sorriso veio aos lábios da moça, um sorriso de juventude e êxtase.

– Alexander – disse Tatiana –, você é o meu primeiro amor, sabia?

Ele apertou-lhe as nádegas, apertou o corpo contra o dela, lambeu as lágrimas do seu rosto e fez um sinal de concordância com a cabeça.

– Eu sabia disso.

– Oh?!

– Tatia, eu sabia disso antes mesmo que você soubesse – disse ele, rindo. – Antes de você finalmente descobrir a palavra para descrever o que você estava sentindo, eu sabia essa palavra desde o começo. De que outra forma você poderia ter sido tão recatada e sincera?

– Sincera?

– Sim.

– Eu era assim tão óbvia?

– Sim – respondeu Alexander com um sorriso. – Sua incapacidade de olhar para mim em público, apesar de sua total devoção ao meu rosto quando estávamos juntos... como agora – disse ele, beijando-a. – Seu embaraço diante das menores coisas... Eu sequer podia colocar minha mão em você no bonde sem que você corasse... seus dedos em mim quando eu lhe contava sobre a América... seu sorriso, seu sorriso, Tania, quando você saiu de Kirov para me encontrar – acrescentou Alexander, balançando a cabeça como para afastar essa lembrança. – Que prisão você montou para mim com esse seu primeiro amor!


Ela o abraçou com mais força e disse, fingindo impertinência:

– Ah, então você acreditou na parte do primeiro amor, mas está tendo problema com a do primeiro beijo? Que tipo de moça você pensa que eu sou?

– Uma moça maravilhosa – sussurrou ele.

– Você está pronto para continuar?

– Tania... – disse Alexander, balançando a cabeça e sorrindo com descrença. – O que você tem?

– Shura, estou desejando você demais? – perguntou ela, rindo e acariciando o abdômen dele com as mãos.

– Não. Mas você vai me matar.

Tatiana esteja querendo algo ardentemente, mas sua timidez não achava uma maneira de pedir-lhe. Tranquila e cuidadosamente, ela tocou-lhe o estômago e limpou a garganta.

– Querido? Posso ficar em cima de você?

– Claro – disse Alexander, sorrindo e abrindo os braços. – Venha se deitar em cima de mim.

Ela se deitou em cima dele e, suavemente, começou a beijá-lo com a boca úmida.

– Shura... – sussurrou ela –, você gosta disto?

– Mmm.

Os lábios delas pousavam sobre seu rosto, garganta e peito.

– Sabe o que a sua pele parece? – sussurrou ela. – O creme que eu adoro. Cremoso, liso. Todo seu corpo é da cor do caramelo, como meu crème brûlée, mas você não é frio como o sorvete, você é quente – prosseguiu ela, passando os lábios de um lado para outro contra o peito dele.

– Então... sou melhor que sorvete?

– Sim – disse ela, sorrindo e movendo os lábios. – Gosto mais de você que de sorvete.

Depois de beijá-lo com ardor, ela sugou-lhe a língua com toda a suavidade.

– Você gosta disto? – perguntou ela num sussurro.

Um gemido foi a confirmação dele.

– Shura, querido – perguntou ela timidamente – ... há algum outro lugar em que você gostaria que eu fizesse isso?

Afastando-a, ele a encarou. Quieta e provocante, Tatiana observava o rosto incrédulo de Alexander.

– Acho – disse Alexander lentamente – que existe um lugar em que gostaria que você fizesse isso, sim.

Ela lhe devolveu o sorriso, tentando esconder a excitação.

– Você só tem que me dizer o que fazer, certo?

– Certo.

Tatiana beijou o peito de Alexander, escutou seu coração, abaixou-se e colocou a cabeça sobre seu abdômen. Descendo ainda mais, ela roçou o cabelo loiro nele e, então, roçou os seios contra ele, já o sentindo excitado debaixo dela. Beijou a coluna de pelos negros que descia de seu umbigo e pôs os lábios contra ele.

Ajoelhando-se entre as pernas de Alexander, Tatiana segurou-o com as duas mãos. Ele era extraordinário.

– E agora...

– Agora me coloque em sua boca – disse ele, observando-a.

Sua respiração quase parou e ela sussurrou:

– Tudo? – E colocou na boca o que conseguiu.

– Agora movimente a boca para cima e para baixo.

– Assim?

Fez-se uma pausa intensa.

– Sim.

– Ou...

– Sim, isso também é bom.

Tatiana sentiu-o entumecido entre seus lábios ardentes e dedos que o acariciavam. Quando Alexander agarrou os cabelos dela, ela se deteve por um momento, olhando-o no rosto.

– Oh, sim – murmurou ela, sofregamente o colocando na boca e gemendo.

– Você está indo muito bem, Tatia – sussurrou ele. – Continue e não pare.

Ela parou. Ele abriu os olhos.

– Eu quero ouvir você gemer para eu não parar – disse Tatiana, sorrindo.

Alexander levantou parte do corpo para beijar-lhe a boca molhada.

– Por favor, não pare.

Então, com suavidade, empurrou e puxou-lhe a cabeça, caindo de costas no lençol.

Um pouco antes do final, ele afastou a cabeça dela e disse:

– Tania, eu não vou me segurar.

– Não se segure – sussurrou Tatiana. – Faça na minha boca.

Em seguida, ela se aninhou no peito dele. Olhando-a maravilhado, Alexander disse:

– Decidi que gostei muito.

– Eu também – disse ela, com suavidade.

Por um longo tempo, ela ficou deitada junto dele, sentindo seus ternos dedos acariciando-a.

– Por que passamos dois dias brigando, quando poderíamos ter feito isto? – perguntou ela.

– Aquilo não foi briga, Tatiasha – replicou Alexander, acariciando seu cabelo. – Aquilo foram estímulos preliminares.

Os dois se beijaram.

– Desculpe-me, mais uma vez – sussurrou Tatiana.

– Eu também peço desculpas – respondeu ele, também sussurrando.

Então, Tatiana ficou em silêncio.

– O que foi – perguntou ele. – Em que você está pensando?

Como ele me conhece tão bem?, pensou ela. Tudo o que eu tenho que fazer é piscar, e ele sabe o que estou pensando, se estou preocupada ou ansiosa. Ela respirou fundo e perguntou em voz baixa:

– Shura... você já teve muitas garotas?

– Não, meu rosto de anjo – respondeu Alexander com paixão e a acariciando. – Não tive muitas garotas.

Com as lágrimas se formando na base da garganta, ela perguntou:

– Você amou Dasha?

Ele ficou um silêncio um instante.

– Tania, não faça nisso.

Ela também se calou.

– Eu não sei que resposta você quer que eu lhe dê – disse Alexander. – Eu lhe darei a resposta que você quiser.

– Diga-me somente a verdade.

– Não, eu não amei Dasha – disse Alexander. – Eu me importava com ela. Nós tivemos algumas bons momentos.

– Bons de que forma?

– Bons – disse ele.

– A verdade.

– Apenas bons – repetiu ele, tocando-lhe um mamilo. – Você ainda não se deu conta de que Dasha não era o meu tipo?

– O que você vai dizer de mim para a sua próxima garota?

– Vou dizer que você tinha seios perfeitos – respondeu ele, rindo.

– Pare com isso.

– Que você tinha seios jovens, empertigados e incríveis, com mamilos enormes, sensíveis e cor de cereja... – acrescentou ele, subindo sobre ela e erguendo suas pernas com os braços. – E lábios dignos dos deuses, e olhos dignos de reis. Eu vou dizer – sussurrou Alexander com ardor, penetrando-a e gemendo – que nada se parece com você neste mundo.

– Que horas você acha que são?

– Não sei – respondeu ele, sonolento. – Quase noite.

– Eu não quero voltar para elas.

– E quem vai voltar? – disse Alexander. – Nós não vamos sair daqui. – E, fazendo uma pausa, acrescentou: – Nunca mais.

– Não vamos?

– Experimente sair daqui.

Antes que a noite caísse, saíram da tenda, e Tatiana sentou-se num lençol, com a túnica do uniforme de Alexander jogada nos ombros, enquanto ele acendia uma fogueira com gravetos e galhos secos que ela havia apanhado mais cedo. O fogo começou a arder em cinco minutos.

– Você fez uma boa fogueira, Shura – disse Tatiana com tranquilidade.

– Obrigado – disse ele, pegando duas latas de tushonka, um pouco de pão seco e água.

– Olhe só o que mais eu tenho – disse ele, mostrando um pedaço de papel alumínio com alguns quadrados de chocolate.

– Uau! – exclamou Tatiana, olhando para ele maravilhada, mas sem se ater ao chocolate.

Os dois comeram.

– Nós vamos dormir na tenda? – perguntou Tatiana.

– Se você quiser, posso fazer fogo dentro da casa. – Ele sorriu. – Você viu como eu a limpei para você?

– Vi. E quando você fez isso?

– Ontem, depois da nossa briga. O que você acha que eu fiquei fazendo a tarde inteira?

– Depois da nossa briga? Mas antes de voltar e me pedir que lhe devolvesse suas coisas para ir embora? – exclamou ela, ainda mais surpresa.

– Foi.

Tatiana apertou-lhe as costelas.

– Você só queria falar comigo outra vez...

– Não diga isso – sussurrou Alexander. – Ou aqui mesmo, e agora mesmo, vou tornar a fazer amor com você, e você não vai sobreviver.

E ela, efetivamente, quase não sobreviveu.

Diante do fogo, nos braços dele, Tatiana começou a chorar, a cabeça encostada no peito de Alexander.

– Tania, por que você está chorando?

– Oh, Shura.

– Por favor, não chore.

– Tudo bem. Eu sinto saudade de minha irmã.

– Eu sei.

– Você acha que nós a tratamos bem? Nós fomos bons para ela?

– Nós fizemos o que pudemos. Você fez o melhor que podia. Você acha que nós pedimos isso? Partir o coração dos outros, ferir os sentimentos dos outros, apaixonar-se assim? Eu lutei contra meus sentimentos. Eu queria amar sua irmã, que Deus a tenha. Mas percebi que isso era impossível.

Afastando-se dele e virando-se para o fogo, com o Kama por trás da fogueira e a lua cheia acima dela, Tatiana disse:

– Por ela, eu tentei não amar você.

– Mas era impossível.

– Sim. – confirmou ela, para então perguntar, em tom inseguro: – Shura... você está... apaixonado por mim?

– Olhe para mim – pediu Alexander. Ela obedeceu. – Tatia, eu adoro você. Estou loucamente apaixonado por você. Quero que você se case comigo.

– O quê?

– Sim, Tatiana, você quer se casar comigo? Quer ser minha esposa? – Pausa. – Não chore. – Pausa. – Você não me respondeu.

– Sim, Alexander. Vou me casar com você... Vou ser sua esposa.

– Por que você está chorando agora?

8

Na manhã seguinte, ao alvorecer, Tatiana cambaleou até a água, mal conseguindo andar. Ela se sentia exaurida.

Alexander a seguiu. O Kama estava frio. Os dois estavam nus.

– Eu trouxe sabonete – disse ele.

– Puxa vida!

Alexander lavou todo o corpo dela.

– Com este sabonete, eu te lavo – murmurou ele, sonolento. – Eu te lavo dos horrores que te acometeram; eu te lavo de teus pesadelos... Lavo teus braços, tuas pernas, teu coração amoroso e teu ventre que produz a vida...

– Me dê esse sabonete – disse Tatiana. – Vou lavar você.

– Espere, como é mesmo? O que Deus disse a Moisés?...

– Não faço a menor ideia.

– Não terá medo do terror à noite, nem da flecha que voa durante o dia... – Alexander interrompeu-se. – Não me lembro do resto. Pelo menos em Russo. Alguma coisa a respeito de dez mil caindo pela tua destra. Preciso procurar na minha Bíblia para mostrar a você. Acho que você vai gostar. Mas você entendeu o que eu quis dizer.

– Entendi, sim – disse Tatiana. – Não vou ter medo – acrescentou ela, olhando para ele. – Como é que eu vou ter medo agora? – sussurrou ela. – Olhe só o que eu ganhei. Me dê esse sabão – repetiu ela.

– Não posso me levantar – murmurou Alexander. – Estou acabado.

Empunhando o sabonete, as mãos dela desceram. – Não totalmente acabado.

Ele caiu de costas na água.

– Cansado, com certeza – disse Tatiana, caindo em cima dele. – Mas não acabado.

Tatiana estava agarrada a Alexander na fria água do Kama, os pés sem tocar o fundo, os braços em torno do pescoço dele.

– Veja o sol se erguendo sobre as montanhas. É lindo, não é mesmo? – murmurou ela. Ele permanecia em pé na água.

Ela percebeu que ele estava indiferente ao sol nascente, segurando-a contra ele com uma das mãos e tocando-lhe o rosto com a outra.

– Encontrei meu verdadeiro amor nas margens do rio Kama – sussurrou Alexander, olhando para ela.

– Encontrei meu verdadeiro amor em Ulitsa Saltykov-Schedrin, quando estava sentada num banco e tomando sorvete.

– Você não me encontrou. Você nem estava olhando para mim. Eu encontrei você.

Longa pausa.

– Alexander, você estava me procurando?

– Minha vida inteira.

* * *

– Shura, como podemos ser tão ligados? Como pudemos ter esta conexão? Desde o começo.

– Nós não somos tão ligados.

– Não?

– Não. Nós não temos uma conexão.

– Não?

– Não. Nós temos uma comunhão.

Alexander fez uma fogueira em meio à manhã nublada na margem do rio, que corria em silêncio. Tirou um pouco de pão e água da mochila para comerem. Depois ele fumou.

– Nós realmente não viemos preparados – disse Tatiana. – Eu gostaria de ter uma xícara. Uma colher. Alguns pratos. Café – acrescentou ela, sorrindo.

– Não sei quanto a você – disse Alexander –, mas eu trouxe tudo que eu precisava.

Ela corou.

– Não, não, não faça isso – disse ele, as mãos sobre ela. – Nós nunca vamos sair daqui.

– Não vamos mais sair daqui?

– Vá se vestir. Nós vamos a Molotov.

– Vamos? – A noite passada foi só um sonho? O que ele disse a ela sob o luar e as estrelas? – Para quê? – perguntou ela, prendendo a respiração.

– Precisamos comprar algumas coisas.

– Que coisas?

– Cobertores, travesseiros. Caldeirões, panelas, pratos. Xícaras. Um cesto de roupas. Comida. Alianças.

– Alianças?

– Alianças, sim. Para pormos nos dedos.

9

Foram caminhando lentamente em direção a Molotov. De braços dados. A luz do sol filtrava-se por sobre os pinheiros.

– Shura, eu andei praticando o meu inglês.

– É mesmo? Você me disse que não tinha tempo. Vendo a vida que você levava, acreditei em você.

Tatiana limpou a garganta e disse em inglês:

– Alexander Barrington, I want forever love in you.

Puxando-a para ele, Alexander riu e replicou em inglês:

– Yes, me, too – e fez uma pausa, fitando-a.

– O que foi? – perguntou ela, erguendo os olhos para ele.

– Você está andando devagar. Você está bem?

– Eu estou bem – respondeu ela, corando. Ela não estava bem. – Por quê?

Alexander sorriu e lhe perguntou com voz rouca:

– Quer que eu a carregue um pouco no colo?

– Quero – respondeu Tatiana, com o rosto em brasa. – Mas, desta vez, nos seus braços.

– Algum dia – disse Alexander, erguendo-a –, você vai ter que me explicar por que tomou o ônibus número 136 para cruzar Leningrado até o terminal de ônibus.

– Algum dia – disse ela, beliscando-o –, você vai ter que me explicar por que me seguiu.

– Uma o quê? – perguntou Tatiana incrédula, descendo do colo dele e caminhando a seu lado.

– Uma igreja. Temos que achar uma.

– Para quê?

Alexander pareceu surpreso com as perguntas dela.

– Onde você acha que vai se casar?

– Como todo mundo na União Soviética – respondeu Tatiana, depois de refletir um pouco –, no cartório de registros.

– Para que isso? – disse ele, rindo. – Por que não voltamos no tempo e continuamos como estávamos?

– É uma ideia – murmurou Tatiana. A referência a uma igreja a perturbou.

Alexander tomou-lhe a mão e não disse nada.

– Por que uma igreja, Shura?

– Tania – disse Alexander, olhando para a estrada diante deles –, com quem você quer que esse contrato de casamento seja feito? Com a União Soviética? Ou com Deus?

Ela não deu resposta.

– Em que você acredita, Tatiana? – perguntou ele.

– Em você – respondeu ela.

– Bem, eu acredito em Deus e em você. Nós vamos nos casar numa igreja.

Eles encontraram uma pequena igreja ortodoxa russa perto do centro da cidade, a de São Serafim. Lá dentro, o padre ficou estudando os dois.

– Mais um casamento de guerra. Hmm – disse ele, depois que Alexander lhe disse o que queriam. Então, ele olhou para Tatiana. – Você tem idade para se casar?

– Vou fazer dezoito amanhã – disse ela, com uma voz de menina.

– Vocês têm testemunhas? Têm alianças? Já registraram o casamento no cartório?

– Não temos nada disso – disse Tatiana, puxando Alexander pelo braço, mas ele se soltou dela e perguntou ao padre onde poderiam comprar alianças.

– Comprar? – perguntou o padre com surpresa. Seu nome era padre Mikhail. Ele alto e calvo, com penetrantes olhos azuis e uma longa barba cinzenta. – Comprar alianças? Bem... em lugar nenhum, é claro. Temos um joalheiro na cidade, mas ele não tem ouro nenhum.

– Onde fica esse joalheiro?

– Filho, posso lhe perguntar por que vocês querem se casar numa igreja? Vão ao cartório de registros. Como todo mundo. Eles vão lhes dar um certificado em trinta segundos. Acho que vocês podem usar o oficial de justiça como testemunha.

Tatiana continuava em pé ao lado de Alexander, que, depois de dar um suspiro profundo, disse:

– De onde eu venho, o casamento é uma cerimônia pública e sagrada. Só vamos fazer isso uma vez e, então, gostaríamos de fazer a coisa certa.

Nós?, pensou Tatiana. Ela não conseguia entender seus receios.

O padre Mikhail sorriu.

– Tudo bem, filho – disse ele com sinceridade. – Vou ficar feliz em casar dois jovens começando a vida. Volte amanhã com alianças e testemunhas. Venham às três. Eu vou casá-los.

Quando desciam os degraus da igreja, Tatiana disse, de maneira casual:

– Bem. Não temos as alianças. – E deu um pequeno suspiro de...

– Vamos ter – disse Alexander, tirando quatro dentes de ouro de sua mochila. – Isto deve dar para duas alianças.

Tatiana olhou para os dentes, estupefata.

– Dasha os deu para mim. Não faça essa cara de horrorizada.

Mas ela estava, ela estava horrorizada.

– Nós vamos fazer nossas alianças com os dentes que Dasha roubou de seus pacientes?

– Você tem uma ideia melhor?

– Talvez devamos esperar.

– Esperar o quê?

Tatiana não tinha resposta para essa pergunta. Realmente, esperar o quê? Com o coração pesado, ela desceu a rua com Alexander.

O joalheiro morava numa casa pequena e trabalhava fora. Ele olhou para os dentes, olhou para Alexander e Tatiana, dizendo-lhes que poderia fazer as alianças com aquilo... pelo preço de mais dois dentes de ouro.

Alexander disse que não tinha mais dois dentes de ouro, mas que tinha uma garrafa de vodca. O joalheiro, grunhindo uma recusa, devolveu os quatro dentes a Alexander, que deu um suspiro profundo e tirou mais dois dentes da mochila.

Alexander perguntou se havia algum lugar em Molotov em que pudessem comprar coisas para a casa.

– Eles, provavelmente, vão pedir dentes de ouro por um cobertor, Shura – sussurrou Tatiana. O joalheiro apresentou-os a Sofia, sua esposa enorme, que lhes vendeu colchas, travesseiros e lençóis por 200 rublos.

– Duzentos rublos! – exclamou Tatiana. – Eu fiz dez tanques e cinco mil lança-chamas, e não gastei tudo isso.

– Sim, mas eu – disse Alexander – explodi dez tanques e usei até cinco mil lança-chamas e ganhei duzentos rublos por isso. Nunca pense no dinheiro. Limite-se a gastá-lo no que for necessário.

Também compraram um caldeirão, uma panela, uma chaleira, alguns pratos, utensílios e xícaras, bem como uma bola de futebol. Alexander também conseguiu arrancar dois baldes de metal de Sofia.

– Para que isso? – perguntou Tatiana, olhando para os dois baldes de metal, um encaixado no outro.

– Você vai ver – disse ele sorrindo. – Uma surpresa para o seu aniversário.

– Como vamos carregar isso tudo até em casa?

Beijando-lhe o nariz, Alexander disse com alegria:

– Quando você está comigo, nada me faz frente... vou cuidar de tudo.

Sofia vendeu-lhes dois quilos de tabaco, mas não pôde ajuda-los quanto à comida. Então, indicou-lhes uma barraca onde puderam comprar maçãs, tomates e pepinos, além de pão e manteiga, e com uma das latas de tushonka tiveram um festim no almoço em cima de um lençol num local isolado nos arredores da cidade, perto do Kama.

– O que me surpreende – disse Tatiana, partindo o pão – é que você me deu o livro de Pushkin no meu aniversário do ano passado?

– É mesmo?

– Como você conseguiu os rublos que estavam nele? – perguntou ela, servindo a Alexander uma xícara cheia de kvas, uma bebida feita de pão.

– Os rublos já estavam no livro quando eu o dei a você.

Ela olhou para Alexander pensativamente.

– É mesmo? – disse ela.

– É claro.

– Mas você mal me conhecia. Por que você me daria um livro cheio de dinheiro?

Ela queria que ele lhe contasse sobre o dinheiro que encontrara no livro. Mas ele não disse nada. Tatia sabia de uma coisa com relação a Alexander: a menos que ele quisesse, não diria uma palavra sobre nenhum assunto.

Tatiana ficou olhando para ele. Ela o queria.

– O que foi?

– Nada, nada – disse ela, desviando o olhar.

Aproximando-se dela sobre o lençol, Alexander tirou-lhe a bebida e o pão das mãos, sorrindo, e disse a ela.

– Também vou lhe ensinar isto: quando você quiser alguma coisa de mim e se sentir muito acanhada para pedir, pisque três vezes rapidamente.

10

Passaram a noite na tenda dele, junto ao rio. Depois de nadar, caíram num sono profundo durante horas, antes do sol se pôr às onze da noite, e dormiram durante quinze horas diretas.

Já tarde pela manhã, deixaram todas as compras no bosque, antes de voltarem à cidade para se casar.

Tatiana pôs seu vestido branco com rosas vermelhas.

– Eu lhe disse que agora eu estava muito grande para este vestido – lembrou ela, sorrindo para Alexander, que estava deitado no lençol a observando. Ela se ajoelhou, voltando-lhe as costas. – Dá para você me fazer um laço, por favor? Não muito apertado. Não como antes, no ônibus. – Ele não se mexeu atrás dela. Ela olhou para ele. – O que foi?

– Meu Deus, você usando esse vestido – disse Alexander, com os dedos nos cordões de renda pressionando-lhe as costas nuas. Ele fez o laço para ela, beijando-lhe as omoplatas e lhe dizendo que ela estava tão bonita que o padre ia querer se casar com ela. Ela soltou o cabelo e o deixou tombar, penteando-o para trás das orelhas. Alexander pôs seu uniforme de gala e o quepe. Batendo-lhe continência, ele perguntou: – O que você acha?

Timidamente, ela lhe devolveu a continência, dizendo:

– Acho que você é o homem mais bonito que eu já vi.

Beijando-o, sua voz ficou embargada de amor, e ele disse, com alegria estampada no rosto:

– E em duas horas, eu vou ser o marido mais bonito que você já viu. Feliz aniversário, minha noiva-menina de dezoito anos.

Tatiana o abraçou, dizendo:

– Não acredito que vamos nos casar no meu aniversário.

– Assim, você nunca vai me esquecer – disse ele, também a abraçando.

– Ah, sim, pois é muito provável que seja assim – disse Tatiana tocando-o delicadamente. – Quem conseguiria esquecer você, Alexander?

O juiz atrás da pequena bancada numa das salas do cartório de registros perguntou-lhes com indiferença se os dois gozavam de saúde mental e se estavam assumindo o compromisso de livre e espontânea vontade; então, carimbou seus passaportes.

– E você queria se casar diante dele – sussurrou Alexander, enquanto saíam.

Tatiana estava em silêncio. Ela não tinha muita certeza quanto à parte da “perfeita saúde mental”.

– Alexander – disse ela –, mas agora nossos passaportes domésticos estão carimbados: “Casada, 23 de junho de 1942”. O meu tem o seu nome. O seu tem o meu nome.

– Sim.

– Alexander, e quanto a Dimi...

– Shh – disse ele, pondo dois dedos sobre seus lábios. – É isso que nós vamos fazer? Deixar aquele safado nos deter?

– Não – concordou ela.

– Estou me lixando para ele. Nem mencione o nome dele, entendeu?

Tatiana entendeu.

– Mas não temos testemunhas – disse ela.

– Vamos arrumar algumas.

– Nós podíamos voltar e pedir a Naira Mikhailovna e as outras que fossem testemunhas.

– Sua intenção é estragar completamente este dia ou é se casar comigo?

Tatiana não respondeu.

Pondo o braço sobre ela, Alexander disse:

– Não se preocupe. Vou arrumar umas testemunhas perfeitamente boas para nós.

Alexander ofereceu uma garrafa de vodca ao joalheiro e sua esposa Sofia para irem com eles até a igreja durante meia hora. O casal aquiesceu prontamente, e Sofia até se lembrou de levar uma câmera fotográfica.

– Vocês dois são especiais – disse Sofia, enquanto desciam a rua até a igreja de São Serafim. – Vocês devem estar realmente querendo se casar para passarem por toda essa confusão – acrescentou ela franzindo o cenho para Tatiana com suspeita. – Você não está de barriga, está?

– Está sim – disse Alexander imperturbável, afastando Tatiana. – Já está aparecendo? – perguntou, dando-lhe um tapinha na barriga. – Na verdade, este vai ser o nosso terceiro filho – acrescentou com um sorriso largo. – Mas o primeiro que não vai ser bastardo.

Desceram a rua mais depressa, e Tatia, com o rosto vermelho, puxou os pelos do braço de Alexander.

– Por que você fez isso?

– O quê? – perguntou ele, rindo. – Deixá-la sem jeito o caminho todo?

– Isso mesmo – disse ela, tentando não sorrir.

– Tatia, foi porque eu não quero que eles saibam nada sobre nós. Não quero revelar o mais ínfimo detalhe de você ou de mim a ninguém. Não a estranhos, não àquelas velhas com quem você morava. Para ninguém. Isto não tem nada a ver com eles. Só com você e eu. E com Deus – acrescentou.

Tatiana ficou ao lado de Alexander. O padre não estava na igreja ainda.

– Ele não vai vir – sussurrou ela, olhando ao redor. O joalheiro e Sofia ficaram no fundo da pequena igreja, perto da porta, segurando a garrafa de vodca.

– Ele virá.

– Um de nós não tem que ser batizado? – quis saber Tatiana.

– Eu tenho – respondeu ele. – Sou católico, graças à minha previdente mãe italiana. E eu não batizei você ontem no Kama?

Ela enrubesceu.

– Essa é a minha garota – sussurrou ele. – Aguente firme. Estamos quase lá.

Alexander ficou olhando para o altar, sem desviar os olhos, a cabeça erguida e a boca fechada. Ele ficou quieto e esperou.

Tatiana pensou que era tudo um sonho.

Um pesadelo do qual ela não conseguia acordar. Mas não era o seu pesadelo. Era o de Dasha.

Como Tatiana podia se casar com o Alexander de Dasha? Na semana anterior ainda, ela não teria imaginado que isso fosse possível. Ela não conseguia evitar: sentia-se como se estivesse em uma vida que não tivesse sido feita para ela.

– Shura, uma certa integridade eu tenho – disse Tatiana em voz baixa. – Desejei o namorado de minha irmã tempo suficiente para esperar que ela morresse e eu pudesse reclamá-lo para mim.

– Tania, em que você está pensando? Onde você está? – perguntou ele surpreso, voltando-se um pouco para ela. – Eu nunca fui de Dasha. Eu sempre fui seu – disse ele, tomando-lhe a mão.

– Até quando furamos o bloqueio?

– Especialmente nessa época. O pouco que eu tinha foi todo para você. Você é que era de todo mundo. Mas eu era apenas seu.

Alexander e Tatiana tinham tido um amor impossível. De repente, o casamento. Uma proclamação para o mundo, uma bandeira. Eles se conheceram, se apaixonaram e agora estavam se casando. Como sempre se esperou que fosse. Como se a traição, a dissimulação, a guerra, a fome, a morte – e não apenas a morte, mas a morte de todos os que ela amava – tivessem sido o namoro entre eles.

A frágil determinação de Tatiana estava enfraquecendo a cada segundo.

Tinha havido outras vidas e os corações de outras pessoas, corações profundos e tolerantes. Tinha havido o seu Pasha, que perdera a vida antes mesmo de ela ter começado, e Mamãe, que tentara com força ir-se após a morte do filho favorito. Tinha havido Papai, debaixo de uma nuvem de culpa movida a álcool que nenhuma guerra poderia curar, e tinha havido Marina, lamentando a morte da própria mãe, com saudade de sua casa, incapaz de encontrar um pequeno espaço para ela em seus quartos apertados.

Tinha havido a Babushka Maya, pintando sua vida, meio na esperança de que seu primeiro amor voltasse. Tinha havido seu Deda, morrendo longe da família, e Babushka, morrendo porque não havia sentido em resistir à guerra sem o marido.

E havia Dasha.

Se as coisas eram como deviam ser, por que a morte de Dasha parecia tão anormal, por que ela parecia romper a ordem das coisas do universo?

Será que Alexander estava certo e Tatiana, errada? Ela deveria ser culpada, com sua integridade equivocada, seu compromisso inexplicável com a irmã? Tatiana deveria ter deixado Alexander dizer a Dasha Eu prefiro a Tania.

Desde o primeiro dia, Tatiana deveria ter dito a Dasha Eu o quero para mim.

Será que isso teria sido a coisa certa?

Revelar a verdade, em vez de se esconder atrás de seus medos?

Não, pensou Tatiana, enquanto esperavam o padre. Não. Ele era demais para mim na época. Eu fiquei totalmente encantada por ele, pois tinha dezesseis anos de idade. Era mais certo, portanto, que Dasha ficasse com ele. Na aparência, ela parecia adequada para ele, e não eu.

Meu lugar era o jardim da infância, era a Camarada Perlodskaa, que me beijava todos os dias e me carregava no colo. Eu era certa para o Deda, pois quando ele dizia, Tania, você tem que ser deste jeito, eu dizia, sim, eu vou ser desse jeito.

– Egoísta! – exclamou ela em meio à igreja. Alexander olhou para ela. – Egoísta, até onde pôde ser – repetiu ela, balançando a cabeça. – Dasha está morta, e eu continuo avançando. Eu avanço com cautela, cuidando para não contrariar os avanços de Vova, as ilusões de Naira com relação a mim ou o fato de Dusia acreditar que eu vou à igreja. Eu avanço, mas digo, espere, garanta apenas que meu amor por você não vai interferir no círculo de costura das três.

– Tatiana, eu garanto – disse Alexander, com a luz de seus olhos deixando de tremular por um instante – que seu amor por mim vai interferir em tudo.

Ela olhou para ele, tão alto ao lado dela. Tatiana ainda se sentia deprimida. Alexander ainda era demais para ela. Agora mais que nunca.

– Shura – sussurrou ela.

– Sim, Tatia?

– Você tem certeza disto tudo? Tem certeza? Você não precisa fazer isto por mim.

– Mas estou fazendo – disse ele sorrindo e se inclinando para ela. – Como marido, eu terei certos... direitos inalienáveis a que ninguém pode se opor.

– Estou falando sério.

– Nunca tive tanta certeza de uma coisa – disse ele, beijando-lhe a mão.

Tatiana sabia: se Alexander tivesse contado a verdade a Dasha desde o começo, ele teria tido que seguir seu próprio caminho. Então, ele nunca poderia ter feito parte da vida Tatiana naquele apartamento insípido com todas aquelas grandes traições e mágoas. Tatiana o teria perdido, e Dasha também. Ela poderia ter continuado a morar com a irmã, sabendo que Dasha – com seus seios, cabelos, e grandeza de coração – não era suficiente para o homem que amava. A divisão que o conhecimento desavisado poderia ter provocado na família de Tatiana não seria vencida, nem a ponte da afeição entre irmãs.

Não, Tatiana não poderia tê-lo reclamado para ela. Ela sabia disso. Mas havia uma coisa: ela não havia reclamado por Alexander. Agora ela o estava reclamando. Ela não estava indo a um armazém do amor e dizendo: acho que ele é meu, eu o levo. Ele fará isso. Tatiana não andou em seu trenó a fim de obter a posse do coração dele.

Foi Alexander que veio até ela, quando estava apenas absorta por sua vida pequena e solitária, mostrando a ela que o que excede a vida em tamanho era possível. Foi Alexander que atravessou a rua e disse: Eu sou seu.

Alexander foi o homem.

Ao olhar para ele, Tatiana viu que o rapaz esperava pacientemente, confiante, íntegro e perfeito. O sol infiltrava-se pelos vitrais da igreja. Ela aspirou o ar com um leve aroma de incenso há muito queimado. Dusia a fizera conhecer a igreja em Lazarevo, e toda noite, depois do jantar, Tatiana ia até lá voluntariamente, pronta para rezar como Dusia a havia ensinado, pronta para ser acompanhada por sua imensa tristeza e sua dúvida implacável.

Quando Tatiana era criança em Luga, seu amado Deda, ao vê-la deprimida certo verão, incapaz de se decidir para que lado ir, disse a ela: “Faça três perguntas a si mesma, Tatiana Metanova, e você vai saber quem você é. Pergunte: Em que você acredita? O que você espera? Mas, o que é mais importante, pergunte O que você ama?”.

Ela olhou para Alexander.

– Do que você chamou aquilo, Shura? – perguntou ela calmamente. – Na nossa primeira noite, você disse que você e eu temos uma coisa que você chamou de...

– A força da vida – respondeu ele.

Eu sei quem eu sou, pensou ela, segurando a mão dele e se voltando para o altar. Eu sou Tatiana. E eu acredito, tenho esperança e vou amar Alexander por toda a vida.

– Vocês estão prontos, filhos? – perguntou o padre Mikhail, caminhando pela igreja. – Eu os fiz esperar muito?

Ele tomou seu lugar diante do altar. O joalheiro e Sofia ficaram por perto. Tatiana achou que eles já tinham dado conta da garrafa de vodca.

– Hoje é seu aniversário – disse o padre Mikhail, sorrindo para Tatiana. – Que belo presente para você, não é mesmo?

Ela apertou a mão de Alexander.

– Às vezes, sinto que meus poderes são limitados pela ausência de Deus nas vidas dos homens durante este tempo de provação – começou o padre Mikhail. – Mas Deus ainda está presente em minha igreja, e eu posso ver que Ele está presente em vocês. Estou feliz que vocês tenham vindo até a mim, meus filhos. Sua união é desígnio de Deus para sua alegria mútua, para o apoio e o conforto que vocês oferecem um ao outro na prosperidade e na adversidade, para a procriação. Quero orientá-los adequadamente no caminho da vida. Vocês estão prontos para assumir um compromisso mútuo?

– Estamos – disseram os dois.

– O elo e o contrato do casamento foram estabelecidos por Deus na criação. O próprio Cristo louvou este tipo de vida com seu primeiro milagre, nas bodas de Caná da Galileia. O casamento é símbolo do mistério da união entre Cristo e Sua igreja. Vocês entendem que o que Deus uniu nenhum homem pode separar?

– Entendemos – disseram eles.

– Vocês estão com as alianças?

– Estamos.

– Deus misericordioso – prosseguiu o padre Mikhail, segurando a cruz acima da cabeça do casal –, volvei vossos olhos para este homem e a esta mulher, que vivem num mundo pelo qual Vosso Filho ofereceu a vida. Fazei com que a vida deles seja um símbolo do amor de Cristo por este mundo pecador e dissoluto. Defendei este homem e esta mulher de todos os seus inimigos. Conduzi-os à paz. Deixai que seu amor mútuo seja um selo em seus corações, um manto sobre seus ombros e uma cruz sobre suas testas. Abençoai-os no trabalho e na amizade, no sono e na vigília, na alegria e na tristeza, na vida e na morte.

Lágrimas rolaram pelo rosto de Tatiana. Ela desejou que Alexander não as notasse. O padre Mikhail, sem dúvida, as tinha visto.

Voltando-se para Tatiana e tomando-lhe as mãos, Alexander sorriu, observando a felicidade irrestrita da moça.

Lá fora, nos degraus da igreja, ele a ergueu do chão e girou no ar, beijando-a enlevadamente. O joalheiro e Sofia aplaudiram com apatia, já descendo os degraus em direção à rua.

– Não a abrace com tanta força. Você vai esmagar a criança que está dentro dela – disse Sofia a Alexander, enquanto se virava e erguia sua câmera. – Oh, esperem. Segurem. Deixem-me tirar uma foto dos recém-casados.

E bateu a foto.

Duas vezes.

– Venham me ver na semana que vem. Talvez eu tenha papel para revelá-las – disse ela, abanando a mão para eles.

– Então, você ainda acha que o juiz do cartório de registro deveria ter nos casado? – perguntou Alexander, rindo. – Ele, com sua filosofia matrimonial da “mente esclarecida”?

– Você tinha razão – respondeu Tatiana, balançando a cabeça. – Isto foi perfeito. Como você soube que seria assim?

– Porque você e eu fomos unidos por Deus – replicou Alexander. – Esta foi nossa forma de agradecer a Ele.

– Você sabia – disse Tatiana rindo – que demorou menos tempo nos casar que fazer amor pela primeira vez?

– Muito menos – disse Alexander, girando-a no ar. – Além disso, casar é a parte fácil. Como fazer amor. Difícil foi convencer você a fazer amor comigo. Difícil foi convencer você a se casar comigo...

– Sinto muito. Eu estava muito nervosa.

– Eu sei – disse ele, ainda sem colocá-la no chão. Achei que as chances fossem de vinte para oitenta de que você aceitasse.

– Só vinte?

– Vinte para oitenta.

– Você precisa ter mais confiança em mim, meu marido – disse Tatiana, beijando-lhe os lábios.

11

Voltaram para casa pela estrada do bosque, levando as compras nas costas. Alexander carregava praticamente tudo. Tatiana carregava os dois travesseiros.

– Nós devíamos ter ido à casa de Naira Mikhailovna – disse ela. – Eles devem estar loucos de preocupação.

– Lá vai você, pensando nas outras pessoas – disse ele, com um tom de ligeira irritação. – Em outras pessoas, e não em mim. Você quer voltar para aquela casa no dia de nosso casamento? Na nossa noite de núpcias?

Alexander tinha razão. Por que ela sempre fazia aquilo? Em que ela estava pensando? Ela não gostava de magoar as pessoas, era só isso. E contou isso a ele.

– Eu sei. Mas está tudo bem. Você não pode fazer com que todo mundo se sinta bem. Eu lhe garanto. Comece comigo. Me alimente. Cuide de mim. Me ame. Então, nós vamos nos ocupar de Naira Mikhailovna.

Ela caminhava lentamente ao lado dele.

– Tatiasha, se você quiser, nós podemos visitá-los amanhã. Tudo bem? – disse Alexander, suspirando.

Chegaram à cabana na clareira por volta das seis da tarde. Havia um bilhete na porta, deixado por Naira Mikhailovna. Ele dizia: Tania, onde está você? Estamos tremendamente preocupados. N.M.

Alexander arrancou o bilhete da porta.

– Nós não vamos entrar? – perguntou ela.

– Sim, mas... – disse ele, sorrindo. – Só um minuto, eu tenho que fazer uma coisa antes de entrarmos.

– O quê?

– Espere um pouco e você vai ver.

Alexander pegou as compras, os travesseiros, as pesadas colchas e desapareceu dentro da casa. Enquanto Tatiana o esperava, fez sanduíches com manteiga, tushonka e queijo. Ele continuava lá dentro.

Tatiana começou a andar pela clareira em pequenos círculos, dançando ao som de uma melodia em sua cabeça. “Algum dia, vamos nos encontrar em Lvov, meu amor e eu”. Ela viu seu vestido rodopiando e, sorrindo, começou a girar cada vez mais rápido, com um prazer extravagante, observando as rosas flutuarem no ar sob suas mãos. Quando olhou para a casa, Alexander estava à porta da cabana, com os olhos encantados sobre ela.

– Olhe – disse ela, sorrindo e apontando. – Fiz um sanduíche para você. Você não está com fome?

Alexander confirmou com um movimento de cabeça e caminhou para ela. Ela correu em direção a ele, e, atirando-lhe os braços no pescoço, sussurrou:

– Nem consigo acreditar que estamos casados, Shura.

Erguendo-a nos braços, carregou-a até a porta.

– Tania, na América nós temos um costume. O novo marido carrega a esposa pelo umbral de sua nova casa.

Ela beijou-lhe o rosto. Ele era mais bonito que o sol da manhã.

Alexander a levou para dentro da casa e empurrou a porta com o pé para fechá-la atrás deles. Lá dentro estava escuro como um sonho. Eles precisavam de um lampião a querosene. Haviam se esquecido de comprar um. No dia seguinte, teriam que comprá-lo em Lazarevo.

– E agora? – disse ela, esfregando o rosto contra o dele. – Estou vendo que você arrumou a cama. Muito bom – acrescentou ela, percebendo que a barba dele crescera desde a manhã.

– Eu faço o que posso – disse ele. Carregando-a para a cama que arrumara para eles acima do fogão, subiu nela e a deitou, abrindo-lhe as pernas, colocando-se entre elas e aninhando a cabeça em seu peito. E ergueu seu vestido.

Tudo o que Tatiana queria fazer era observá-lo, mas o desejo mantinha-lhe os olhos fechados.

– Você não vem para a cama? – perguntou ela.

– Ainda não – disse ele. – Fique deitada. Assim – acrescentou, tirando-lhe a calcinha e trazendo os quadris de Tania para perto de seu rosto.

Por um instante, tudo que Tatiana ouviu foi a rápida respiração de Alexander. Tateando pra baixo, ela tocou-lhe a cabeça.

– Shura? – disse ela.

Os olhos, as mãos e a respiração dele sobre ela a estavam enfraquecendo. Seus dedos a tocaram.

– Tudo isso que está embaixo de seu vestido branco com rosas... – sussurrou Alexander. – Olhe só... – acrescentou, beijando-a com suavidade. – Tania, você é uma garota adorável.

Ela sentiu seus lábios quentes e molhados sobre ela. O cabelo e a barba dele roçaram o interior de suas coxas. Era demais. O fogo e o desfalecimento foram quase instantâneos.

Ela ainda estava tremendo na cama, quando Alexander subiu para o lado dela, pousando a mão suava sobre seu baixo ventre que tremia.

– Meu Deus, Alexander – disse ela sem fôlego. – O que você está fazendo comigo?

– Você é incrível.

– Eu sou? – murmurou Tatiana, empurrando-o para baixo. – Por favor?... Outra vez? – disse ela, olhando pra ele e fechando os olhos quando o viu sorrir. – O que foi? – perguntou ela, também rindo. – Ao contrário de você, eu não preciso de um intervalo de descanso.

– Tatia... você é tão loira... eu já lhe disse o quanto amo isso?

Ela gemeu com um suspiro; a boca e a língua do marido eram tão ternas, extremamente excitantes.

– Oh, Shura...

– Sim?

Tatiana não conseguiu pedir que ele parasse um pouco, incapaz de controlar sua exaltação.

– O que você pensou da primeira vez que me viu usando este vestido?

– O que eu pensei?

Ela confirmou com um gemido.

– Eu pensei... você está me ouvindo?

– Oh, sim...

– Eu pensei...

– Oh, Shura...

– Se existe um Deus... que Ele, por favor, um dia me deixe fazer amor com essa garota, quando ele estiver usando aquele vestido.

– Oh...

– Tatiasha... não é bom saber que Deus existe?

– Oh, sim, Shura, sim...

– Alexander – suspirou ela, deitando-se de lado, os olhos semicerrados, a boca seca, incapaz de mandar uma quantidade decente de ar para os pulmões. – Eu preciso que você me diga, neste minuto, que já me mostrou tudo o que existe. Pois estou quase acabada.

– Posso surpreendê-la? – perguntou Alexander, sorrindo.

– Não! Diga-me que não sobrou nada – disse ela, observando o olhar dele.

Fazendo-a deitar-se de costas, Alexander colocou-se sobre ela. – Mais nada? – perguntou ele, beijando-a ardorosamente e afastando-lhe as pernas. – Eu ainda nem comecei, entende? – sussurrou ele. – Até agora eu fui devagar com você.

– Você foi devagar comigo? – repetiu ela incrédula, gritando quando ele a penetrou, agarrando-se a ele, gemendo sob seu peso, com seu interior tornando a arder.

– Não está sendo demais? Você está me amassando como se...

– Sim, é demais... Tania... – a boca de Alexander estava nos ombros dela, em seu pescoço, em seus lábios. – É nossa noite de núpcias. Cuidado comigo... não vai sobrar nada de você. Só vai ficar o vestido.

– Promete isso, Shura? – sussurrou ela.

– Na América – disse ele, pegando-lhe a mão e tocando na aliança –, quando duas pessoas jovens se casam, elas trocam juras. Você sabe quais são?

Tatiana mal estava ouvindo. Ela estivera pensando na América. Queria perguntar a Alexander se havia aldeias na América, aldeias com cabanas nas margens dos rios. Se, na América, não havia guerra, nem fome e nem Dimitri.

– Você está ouvindo? O padre diz: “Você, Alexander, aceita esta mulher como sua esposa legítima e constante?”

– Legítima e amante?

– Também isso – disse ele, rindo. – Não, legítima e constante. E, então, nós pronunciamos nossos votos. Você quer que eu lhe diga quais são?

– Quais são eles? – perguntou, levando os dedos dele à boca.

– Você tem que repetir depois de mim.

– Repetir depois de mim.

– Eu, Tatiana Metanova, aceito este homem como meu esposo...

– Eu, Tatiana Metanova, aceito este grande homem como meu esposo – repetiu ela, beijando-lhe o polegar, o indicador e o médio. Ele tinha dedos admiráveis.

– Para juntos vivermos nos laços do matrimônio...

– Para juntos vivermos nos laços do matrimônio – repetiu ela, beijando-lhe o dedo em que ele usava a aliança.

– Prometo amá-lo, confortá-lo, honrá-lo e preservá-lo...

– Prometo amá-lo, confortá-lo, honrá-lo e preservá-lo – disse ela, beijando a aliança no dedo dele. Beijando seu dedo mínimo.

– E obedecê-lo.

– E obedecê-lo – repetiu Tatiana, sorrindo e revirando os olhos.

– E, abrindo mão de todas as outras coisas, ser fiel a ele até que a morte nos separe...

– E, ignorando todos os outros – repetiu ela, beijando a palma da mão dele e com ela limpado as lágrimas que corriam pelo seu rosto –, ser fiel a ele até que a morte nos separe.

– Eu, Alexander Barrington, aceito esta mulher como minha esposa.

– Não, Shura – disse ela, sentando-se sobre ele e roçando os seios contra seu peito.

– Para juntos vivermos nos laços do matrimônio...

Ela beijou-lhe o meio de seu peito.

– Prometo amá-la ... – sua voz ficou embargada – ... amá-la, confortá-la, honrá-la e preservá-la...

Pressionando o rosto dela contra seu peito e ouvindo o ritmo iâmbico de seu coração, Alexander prosseguiu:

– E, ignorando todas as outras, ser fiel a ela até...

– Não, Shura – disse ela, cobrindo-lhe o peito de lágrimas. – Por favor.

– Há coisas piores que a morte – retrucou ele, com as mãos acima da cabeça.

O coração de Tatiana ficou pesado e apertado. Lembrando-a do cadáver da mãe estendido sobre sua costura. Lembrando as últimas palavras de Marina, dizendo até o fim: Eu não quero morrer... sem sentir, pelo menos uma vez, o que você sente. Lembrando a risada Dasha enquanto trançava o jovem cabelo, coisa que já parecia ter acontecido há uma geração.

– Há? O que, por exemplo?

Ele não respondeu.

Mas, de qualquer modo, ela entendeu e disse:

– Eu preferia uma vida ruim na União Soviética a uma boa morte. E você?

– Se fosse uma vida com você, então eu também ia preferi-la.

– Além disso, eu nunca vi uma boa morte – disse Tatiana balançando a cabeça encostada no peito dele.

– Você já viu, sim. O que Dasha lhe disse antes de morrer?

Ela pressionou o corpo contra ele. Queria estar dentro dele, queria tocar seu coração magnânimo.

– Ela disse que eu era uma boa irmã.

As mãos de Alexander puxaram-lhe a cabeça com suavidade.

– Você foi uma boa irmã. Ela partiu tranquila. Ela teve uma boa morte – acrescentou ele, depois de uma pausa.

– O que você vai me dizer, Alexander Barrington, quando me deixar sozinha no mundo? – perguntou Tatiana num sussurro, beijando-lhe a pele sobre o coração. – Deixe que eu saiba, deixe que eu ouça o que você vai dizer.

Alexander a fez deitar-se na cama, inclinando-se sobre ela.

– Tania – sussurrou ele –, aqui em Lazarevo não existe morte. Nem guerra, nem comunismo. Só existe você e só existo eu, a única vida que existe – acrescentou ele, sorrindo. A vida de casados. Vamos tratar de vivê-la – concluiu, pulando da cama. – Venha comigo até lá fora.

– Tudo bem – disse ela.

– Ponha o vestido – disse ele, vestindo as calças do exército. – Só o vestido.

– Aonde vamos? – perguntou ela sorrindo e descendo da cama.

– Nós vamos dançar.

– Dançar?

– Isso mesmo. Todo dia de casamento tem que ter dança.

Ele a levou até a clareira fria. Tatina ouviu o murmúrio do rio, os pinheiros estalando e sentiu o cheiro das pinhas.

– Olhe só aquela lua, Tatia... – disse Alexander, apontando para o vale distante, entre os Montes Urais.

– Estou olhando – disse ela, com os olhos nele. – Mas não temos música – acrescentou, em pé diante dele e com as mãos nas dele.

– Debaixo de um luar de núpcias, uma dança com minha esposa com seu vestido de noiva... – disse Alexander, puxando-a para ele.

Os dois dançaram na clareira, debaixo de uma lua avermelhada que se erguia em meio a um halo.

Ele cantou:

Ah, como dançamos

na noite em que nos casamos...

Achamos que nosso amor era verdadeiro,

embora nem uma palavra fosse

dita...

Ele cantou em inglês.

Tatiana entendeu quase tudo.

– Shura, querido – disse ela –, você tem uma boa voz. Eu conhecia essa música. Em russo, nós a chamamos de “Danúbio Azul”.

– Eu a prefiro em inglês – disse Alexander.

– Eu também – disse ela, encostando-se no peito nu do marido e olhando para ele. – Você precisa me ensinar a cantá-la, para que eu possa cantar com você.

– Venha, Tatiasha – sussurrou ele, tomando-lhe a mão.

Naquela noite não dormiram. Seus sanduíches ficaram intactos no chão perto das árvores onde ela havia se sentado e os preparado.

Alexander.

Alexander.

Alexander.

Seus anos de dacha, seu barco, seu lago Ilmen, onde ela um dia fora rainha, mergulharam para sempre na fenda da infância perdida, enquanto Tatiana, com reverência trêmula, entregava-se a Alexander, que, ora voraz ora tenro, brindava-lhe a carne faminta com milagres com os quais ela nunca sonhara... como que invadida pela levedura imorredoura de Alexander... Tudo o que é terreno... as emoções, a angústia.... a paixão... tinham se transmutado em coisas celeste.

12

Na manhã sonolenta, Tatiana sentou-se no travesseiro diante de um rio de cristal azul, ninando a cabeça de Alexander em suas mãos.

– Querido – sussurrou ela –, vamos nadar?

– Eu iria – replicou Alexander, com a cabeça no colo dela –, se eu conseguisse mexer o corpo.

Depois de dormirem algumas horas e nadarem outras tantas, vestiram-se e foram à casa de Naira.

As mulheres estavam lá dentro, na varanda, tomando chá e tagarelando.

– Elas estão falando de nós – disse Tatiana a ele, dando um passo para trás.

– Espere só até lhes darmos algo para realmente fazerem mexericos – disse Alexander, fazendo-a avançar e agarrando-lhe o traseiro.

As mulheres estavam zangadas com Tatiana. Dusia chorava e rezava. Raisa tremia mais que o normal. Naira olhou para Alexander com reprovação. Axinya teve um estremecimento de excitação, como se não conseguisse esperar para contar tudo a suas amigas no fim da tarde.

– Onde você esteve? Não tínhamos ideia do que podia ter lhe acontecido. Achamos que você tinha sido morta – disse Naira.

– Tania, conte para eles. Você foi morta? – disse Alexander, tentando não rir.

As mulheres, inclusive Tatiana, olharam todas para ele, que as cumprimentou e saiu para se barbear. Tatiana achou que ele estava parecendo um pirata, com sua barba negra começando a crescer. O que fazer? Fingir? Confessar? Era preciso dar explicações. Será que ela conseguiria aguentar? Será que conseguiria explicar a essas mulheres bem intencionadas o que lhe acontecera na vida? Elas acreditavam que o mundo delas com ela era uma coisa, e agora ela estava para lhes dizer que não era. Apenas alguns dias antes, elas ficaram agitadas ao saber que Alexander havia viajado 1600 quilômetros para se casar com sua noiva, supostamente desolado, e, de repente, isto. Não parecia uma coisa muito boa para ela, nem para ele.

– Tatiana, você quer nos dizer, por favor, onde esteve?

– Em lugar nenhum, Naira Mikhailovna. Nós fomos a Molotov. Compramos alguma coisa, comida, um pouco de... Nós...

O que ela iria dizer?

– Onde você dormiu? Você está fora há três dias. Honestamente, não tínhamos ideia do que aconteceu com você.

Alexander estava subindo a escada, em direção à varanda, e foi dizendo sem cerimônia:

– Você contou a ela que nos casamos?

A maior parte do oxigênio da varanda foi sugado pelos pulmões das quatro velhas que, coletivamente, disseram “Ahhhhhh!”.

Tatiana esfregou os olhos e balançou a cabeça. Era melhor deixar a coisa com ele. Sentou-se numa cadeira perto do sofá e deu um suspiro.

– Estou morrendo de fome – disse ele, entrando na varanda. – Tatia, há alguma coisa para comer? – perguntou ele, voltando com um pedaço de pão, que se pôs a mastigar. Então, sentou-se perto de Dusia no sofá, pôs o braço em torno dela e disse: – Senhoras, vocês adoram recém-casados nas pequenas vilas, não é mesmo? Talvez possamos dar uma pequena festa – e sorriu.

– Alexander – disse Naira, perdendo a compostura e de maneira sucinta –, eu não sei se você notou, mas ficamos chateadas. Tristes e chateadas.

– Casados! – exclamou Axinya.

– O que você quer dizer com casados? – exclamou Dusia, fazendo o sinal da cruz. – Não a minha Tanechka. A minha Tanechka é pura...

– Tania? Por favor, vamos comer – disse Alexander, tossindo ruidosamente e se levantando.

– Shura, espere.

– Tatiana Georgievna – disse Dusia –, diga-me que não é verdade. Diga-me que ele está só brincando. Que é só uma piada, que ele está só tentando dar cabo de quatro velhotas antes da hora.

– Não acho que ele esteja brincando, Dusia – disse Naira Mikhailovna.

– Dusia, por favor, não fique aborrecida – disse Tatiana, balançando a cabeça para Alexander.

– Espere um pouco – interrompeu Alexander, virando-se para Dusia, que estava sentada ao lado dele. – Por que você ficaria aborrecida? Nós estamos casados, Dusia. É uma coisa boa.

– Boa? – gritou ela. – Tania, e quanto a Deus?

– E quanto a sua irmã? – perguntou Naira de modo contundente.

– E quanto ao decoro, à propriedade? – perguntou Axinya com voz esganiçada, como se o decoro e a propriedade fossem as duas últimas coisas que ela desejasse ali em Lazarevo.

– Tania, a memória de sua irmã ainda está fresca – disse Raisa, balançando a cabeça.

– Alexander – disse Naira secamente –, nós pensamos que você tivesse vindo para se casar com Dasha, que Deus a tenha.

Bastou olhar para Alexander para Tatiana perceber que ele estava perdendo a paciência.

– Olhem, olhem, deixem-me explicar... – disse ela rapidamente. Mas era tarde demais.

– Não, deixe que eu explique – disse Alexander, levantando-se. – Eu vim a Lazarevo por causa de Tatiana. Vim para me casar com ela. Não temos mais nada a fazer aqui. Tania, vamos embora. Eu levo seu baú. Depois voltaremos para pegar a máquina de costura.

– Pegar o baú dela? Não, ela não vai sair daqui – gritou Naira.

– Ela não precisa ir embora!

– Senhoras – disse Alexander, com o braço ao redor do pescoço de Tatiana –, nós somos recém-casados. Vocês vão realmente nos querer em sua casa? – acrescentou ele, franzindo o cenho.

Naira engasgou. Dusia persignou-se. Raisa tremeu e Axynia bateu as mãos como se estivesse contente.

– Shh – sussurrou Tatiana, apertando o braço de Alexander. – Por favor. Vá lá para fora. Deixe-me conversar com elas um minuto. Tudo bem?

– Eu quero ir embora.

– Já vamos. Agora, saia.

– Não sei por que você precisa ir embora – disse Naira. – Vocês podem ficar com o meu quarto. Eu durmo no fogão.

Antes que Tatiana pudesse detê-lo, Alexander inclinou-se para frente e disse:

– Naira Mikhailovna, acredite em mim, você não quer que fiquemos em sua casa... Ai!

– Alexander! Vá lá para fora. Por favor – disse Tatiana, afagando-lhe o braço onde o havia beliscado. – Olhe, a cabana vai ser melhor para nós – disse ela, voltando-se para Naira. Ela quis dizer “mais privativa”, mas sabia que elas não compreenderiam. – Se vocês precisarem de alguma coisa avisem-nos. Alexander quer consertar sua cerca. Avisem também se quiserem que a gente venha jantar.

– Tanechka, nós estamos tão preocupadas com você – disse Naira. – Logo você, casada com um soldado!

Dusia murmurou o nome de Cristo.

– Eu não sei nada a respeito dele – prosseguiu Naira. – Nós achávamos que você queria alguma coisa melhor para você. Mais do seu nível.

– Estou começando a suspeitar – disse Axinya, sorrindo – que é exatamente isso que ela arrumou.

– Não se preocupe comigo – disse Tatiana. – Com ele, estou a salvo.

– É claro que queremos que você venha jantar – disse Naira. – Nós amamos você.

– Que Deus a poupe dos horrores do leito nupcial – disse Dusia.

– Obrigada – disse Tatiana, com o rosto impassível e olhando para Alexander lá fora.

Alexander estava com as costas inclinadas.

Ele estava carregando seu pesado baú, de modo que estava bastante indefeso, o que a deixava satisfeita, pois podia gritar com ele.

– Por que você não me deixa resolver as coisas à minha moda, por quê? – disse ela.

– Porque a sua maneira de resolver as coisas implicariam ordenhar a vaca durante horas, lavar as roupas delas, costurar outras roupas novas e Deus sabe lá mais o quê!

– Eu não consigo entender – disse ela. – Eu achei que, depois de nos casarmos, você ia se acalmar um pouco, ser menos protetor, menos... você sabe. Esse jeito americano que o faz se destacar como uma cravelha preta numa caixa de pregos brancos.

– Você não entende nada – disse Alexander, rindo e arfando um pouco. – Por que você acha isso?

– Porque estamos casados.

– Para acabar com suas ilusões, vou avisando desde já que tudo o que você já viu vai se multiplicar por cem, agora que você é minha mulher. Tudo.

– Tudo?

– Sim. Proteção. Posse. Ciúme. Tudo. Multiplicado por cem. Essa é a natureza da besta. Não quis lhe contar antes, pois achei que isso pudesse assustá-la.

– Pudesse?

– Isso mesmo. Você não pode anular o casamento – disse Alexander, olhando para ela com os olhos em chamas. – Não depois de ele ter sido tão... completamente consumado.

Sequer conseguiram chegar em casa. Ele levou o baú para baixo dos pinheiros e se sentou nele. Tatiana ficou em cima dele.

– Não faça muito barulho aqui no bosque – disse ele, trazendo-a contra ele e a beijando.

Depois, Alexander comentou:

– Isso é como pedir que você esconda suas sardas por um dia, não é mesmo?

As quatro mulheres foram visitá-los em casa no final da tarde. Alexander e Tatiana estavam jogando futebol. Na verdade, Tatiana tinha acabado de jogar a bola para longe dele e, gritando, tentava alcançá-la, enquanto ele, por trás, tentava chutar a bola por baixo dela. Ele a ergueu do chão e a estava apertando contra ele, enquanto ela gritava. Tudo o que ele estava usando eram suas ceroulas e ela, sua roupa de baixo e a camiseta dele.

Desconcertada, Tatiana ficou na frente de Alexander, tentando esconder o corpo quase nu do marido dos quatro pares de olhos esbugalhados. Ele ficou atrás dela, os braços em seus ombros e Tatiana o ouviu dizer:

– Diga a elas... Não, esqueça, eu digo – e antes que ela pudesse emitir um único som, ele se adiantou, caminhou até elas, duas vezes a altura delas, quase nu e inflexível, dizendo: – Senhoras, no futuro, acho que vocês vão preferir que a gente vá visitá-las.

– Shura – murmurou Tatiana –, vá se vestir.

– O futebol provavelmente seja a coisa mais simples que vocês vão ver – disse Alexander às mulheres estupefatas, antes de entrar na casa. Ao voltar, devidamente coberto, ele disse a Tatiana que ia à vila comprar algumas coisas de que eles precisavam, como gelo e um machado.

– Que combinação estranha – observou ela. – Onde você vai achar gelo?

– Onde enlatam peixe. Eles têm uma geladeira para o peixe, não é mesmo?

– O machado?

– Do Igor, aquele homem bom – gritou Alexander, avançando pela clareira e jogando-lhe um beijo.

– Volte logo – gritou ela, olhando pra ele.

Naira Mikhailovna desculpou-se apressadamente. Dusia murmurava uma oração. Raisa tremia. Axinya sorriu para Tatiana, que as convidou para um pedaço de kvas.

– Entrem. Vejam como Alexander deixou a casa toda limpa. E, vejam, ele consertou a porta. Lembram que a dobradiça de cima estava quebrada?

As quatro mulheres ficaram olhando, em busca de um lugar para se sentar.

– Tanechka – disse Naira, toda nervosa –, não há nenhuma mobília aqui.

Axinya deu um gritinho.

Dusia benzeu-se.

– Eu sei, Naira Mikhailovna. Não precisamos de muito – disseTatiana, olhando para o chão. – Temos algumas coisas, temos meu baú. Alexander disse que vai fazer um banco. Vou buscar minha bancada com a máquina de costura... nós vamos ficar bem.

– Mas como...

– Oh, Naira – disse Axinya –, deixe a moça em paz, por favor.

Dusia olhou para os lençóis enrugados no topo do fogão. Uma Tatiana um tanto nervosa deu um sorriso. Alexander estava certo. Era melhor ir visitá-las. E perguntou quando poderiam ir jantar lá.

– Venham hoje de noite, é claro. Vamos comemorar. Olhe, vocês não vão conseguir comer aqui de jeito nenhum. Não há lugar para sentar ou cozinhar. Vocês vão morrer de fome. Venham toda noite. Isso não é pedir demais, é?

– Sim, é pedir demais – disse Alexander quando voltou sem o gelo (“amanhã”, prometeu ele), mas com um machado, um martelo, pregos, uma serra, uma plaina de madeira e um fogão Primus a querosene. – Não me casei com você para ir lá toda noite – continuou ele. – Você as convidou para entrar? Muito corajosa a minha esposa. Você, pelo menos, arrumou a cama antes de elas entrarem? – perguntou ele, rindo mais forte.

Tatiana estava sentada na parte baixa do gelado fogão a carvão, balançando a cabeça.

– Você é impossível!

– Eu sou impossível? Eu não vou jantar lá, pode esquecer. Por que você não as convida para virem aqui para um vaudeville pós-jantar?

– Vaudeville?

– Esquece – disse ele, deixando cair as compras no chão, num dos cantos da cabana. – Convide-as para a hora do entretenimento. Vá em frente. Enquanto fazemos amor, elas podem ficar rodeando o fogão, cacarejando de satisfação. Naira vai dizer: “Tss, tss, tss. Eu falei para ela ficar com o meu Vova. Eu sei que ele é capaz de fazer melhor que isso”. Raisa vai querer dizer: “Puxa, puxa, mas ela está sendo sacudida demais”. Dusia vai dizer: “Jesus amado, eu Lhe pedi que a poupasse dos horrores do leito nupcial!”. E Axinya vai dizer:...

– “Esperem até eu contar a toda a vila os horrores que ele comete” – disse Tatiana.

Alexander riu e os dois foram nadar no rio.

Tatiana se aninhou dentro da cabana, arrumando suas coisas, limpando e arrumando a cama. Ela se aprontou para ir à casa de Naira e ficou sentada junto ao fogão de ferro, esperando que a água fervesse no pequeno Primus para que pudesse fazer chá quando Alexander entrasse. Ele tirou o calção molhado e se aproximou dela. Ela ergueu os olhos, com o coração suspirando diante da visão dele.

– O que foi? – perguntou ele, tocando-a com a perna.

– Nada – respondeu ela, dirigindo rapidamente o olhar de volta para a chaleira. Mas ele tornou a tocá-la, ela desejou muito olhar para ele. Ela queria tanto sentir o sabor dele.

Superando sua timidez, Tatiana ajoelhou-se nas largas tábuas do assoalho diante de Alexander e o tomou entre as mãos ternas.

– Todos os homens são assim bonitos – suspirou ela com satisfação – ou é só você?

– Oh, só eu – respondeu Alexander rindo. – Todos os outros homens são repulsivos – acrescentou, erguendo-a do chão. – Fica difícil com você ajoelhada na madeira.

– Na América as pessoas têm carpete?

– De parede a parede.

– Dê-me um travesseiro, Shura – sussurrou Tatiana.

Acabaram indo à casa de Naira para o jantar. Tatiana cozinhou enquanto Alexander consertava a cerca quebrada. Vova e Zoe também foram, ostensivamente perturbados pela mão torta do destino que havia permitido que sua pequena, discreta e inocente Tatiana se casasse com um soldado do Exército Vermelho.

Tatiana percebeu que todos a estavam observando, bem como cada um dos movimentos e interações de Alexander. Assim, quando ela serviu Alexander e ficou em pé junto dele enquanto ele olhava para ela, ela não conseguiu baixar o olhar para ele, o corpo trêmulo devido às lembranças. Ela temia que todos à mesa percebessem instantaneamente o que lhe ocorria como lembrança.

Depois do jantar, Alexander não pediu que ninguém a ajudasse. Ele mesmo a ajudou e quando os outros saíram, debruçado sobre a pia, ele puxou-a em sua direção pelo queixo e disse:

– Tatiana, não afaste o rosto de mim outra vez. Porque agora você é minha, e toda vez que eu olhar para você, preciso constatar que você é minha em seus olhos.

Tatiana olhou para ele e sentiu que o adorava.

– Eu estou com você – sussurrou ele, beijando-a. Suas mãos se entrelaçaram na água quente e cheia de sabão.

13

Na tranquila tarde do dia seguinte, um Alexander sem camisa e descalço estava agachado e ocupado com duas tigelas de metal, enquanto Tatiana dançava com passos miúdos atrás dele, saltando e perguntando o que ele estava fazendo. Ocorreu a ela que não gostava de surpresas. Gostava das coisas diretas. Por fim, ele se levantou, tomou-a pelos ombros e a afastou, pedindo-lhe que fosse cozinhar alguma coisa, ler, praticar inglês – alguma coisa, qualquer coisa, para não perturbá-lo durante os vinte minutos seguintes.

Tatiana não conseguiu. Parou de saltar, mas caminhou na ponta dos pés perto dele, inclinando-se por cima de suas costas para ver o que ele estava fazendo.

Alexander colocou leite, creme espesso, açúcar e ovos na tigela de metal menor e misturou os ingredientes ligeiramente.

Ela levantou a blusa e roçou os seios nas costas nuas do marido.

– Hmmm – disse ele. – Mas o que eu preciso, neste momento, é de uma xícara de mirtilos.

Tatiana trouxe-lhe o que pedira, satisfeita por poder ajudar. Depois de encher a tigela grande com gelo e sal de rocha, Alexander pôs a tigela de metal menor dentro da grande e com uma longa colher de pau começou a mexer a mistura de leite e açúcar.

– O que você está fazendo? Quando vai me contar?

– Logo você vai saber.

– Quando? Quero saber agora.

– Você é impossível. Você vai saber em trinta minutos. Dá para esperar trinta minutos?

– Trinta minutos? O que vamos fazer durante trinta minutos? – perguntou ela, pulando sem parar.

– Você é demais – disse ele, rindo. – Olhe, eu preciso misturar isto aqui. Volte em trinta minutos.

Tatiana andou pela clareira em círculos, sempre o observando. Ela estava delirantemente feliz. Estava numa felicidade tão grande que nenhuma palavra poderia descrevê-la.

– Shura, você está me vendo? Olhe! – disse ela, fazendo um movimento acrobático e, então, equilibrando-se sobre uma das mãos.

– Sim, minha doçura – respondeu ele. – Estou olhando

Trinta minutos depois, Alexander a chamou.

Tatiana veio num salto e olhou para a mistura espessa e azulada que estava na tigela.

– O que é isto?

– Experimente – disse ele, entregando-lhe uma colher.

– Sorvete? – perguntou ela incrédula, depois de experimentar.

– Sorvete – confirmou ele, rindo.

– Você me fez sorvete?

– Sim. Feliz aniversário. Agora, por que você está chorando? Tome o sorvete antes que derreta.

Tatiana sentou-se no chão com a tigela entre as pernas, tomou o sorvete e chorou. Alexander abriu as mãos num movimento de incompreensão perplexa e foi se lavar.

– Eu guardei sorvete para você. Tome um pouquinho – disse Tatiana, lacrimosa, quando ele voltou.

– Não. Pode tomar tudo – disse ele.

– É muito para mim. Eu tomei metade. Tome o resto. Caso contrário, o que vamos fazer com ele?

– Eu estava pensando – disse Alexander, ajoelhando-se ao lado dela – em despir você, espalhar sorvete por todo o seu corpo e lambê-lo.

– Parece um desperdício de um bom sorvete – disse Tatiana com a voz embargada, deixando cair a colher.

Mas deixou de pensar assim quando ele terminou o que tinha pensando em fazer.

Em seguida, foram nadar; depois, ele se sentou para fumar.

– Tatia, faça acrobacias nua.

– O quê? Aqui? Não, não é um bom lugar.

– Se não for aqui, onde vai ser? Vá em frente, até cair no rio.

Tatiana levantou-se, sorrindo e brilhando em sua nudez, ergueu os braços e disse:

– Você está pronto?

Então, começou uma série de duas, três, quatro, cinco, seis, sete alegres cambalhotas até cair no Kama.

– Como é que eu me saí? – perguntou ela da água.

– Espetacular – respondeu ele, sentando-se no chão para fumar e observá-la.

14

Mesmo sem relógio, Alexander, ainda com cabeça de militar, era o primeiro a acordar no início da manhã azulada, saindo para se lavar e fumar, enquanto Tatiana esperava por ele sonolenta, tão enrolada em si mesma que parecia um pãozinho quente recém-saído do forno. Quando pulava na cama, ele imediatamente apertava seu corpo gelado contra o dela. Ela gritava e fingia se afastar.

– Por favor, não! Isso é impiedoso. Espero que, no exército, você seja punido por isso. Aposto que você nunca fez isso a Marazov.

– E eu aposto que você tem razão – replicou ele. – Mas eu não tenho direitos inalienáveis sobre Marazov. Você é minha mulher. Agora, vire-se para mim.

– Me solte que eu me viro.

– Tania... – sussurrou Alexander, continuando a se pressionar contra ela. – Não precisa se virar para mim. Mas não vou soltar você até eu enjoar. Até você ter me aquecido de dentro para fora e de fora para dentro.

Depois que fizeram amor, Tatiana preparou o café da manhã de Alexander. Doze panquecas de batata. E, então, sentou-se no cobertor ao lado dele no frescor do amanhecer, com cada dia luminoso mais quente que o anterior. E ficou observando-o.

– O que foi?

– Nada – respondeu ela, sorrindo. – Você está sempre com fome. Como conseguiu sobreviver ao último inverno?

– Como eu sobrevivi ao último inverno? – Ela deu a ele o resto das panquecas que estava comendo. Ele protestou, mas não por muito tempo, quando ela ficou bem perto dele e o alimentou, incapaz de desviar o olhar de seu rosto. Ela se sentia lânguida diante dele. – O que foi, Tatia? – perguntou Alexander baixinho, antes de pegar o último bocado do garfo na mão dela. Ele sorriu. – Será que eu fiz alguma coisa que você gostou? Corando e balançando a cabeça uma vez, ela emitiu um pequeno som de excitação e o beijou no queijo com a barba por fazer.

– Vamos, meu marido – murmurou ela –, vamos que eu vou barbeá-lo – murmurou ela.

– Eu lhe contei que Axinya se ofereceu para acender o banya amanhã cedo – disse ela – se quisermos tomar um banho quente, e ficar guardando a porta para não deixar que ninguém entre?

– Hmm. Você me contou – replicou Alexander. – Eu gosto da Axinya, mas você sabe que ela vai ficar à porta para nos escutar.

– Então, você vai ter que fazer menos barulho, não é? – disse Tatiana, enxugando seu queixo escanhoado.

– Eu vou ter que fazer menos barulho?

Ela corou, e ele sorriu.

– O que nós vamos fazer hoje? – perguntou Tatiana quando terminou a outra face e a secou. – Podíamos ir colher mirtilos mais tarde para eu poder fazer uma torta.

– Podemos. Mas primeiro vou arrastar aquela tora até a água para que tenhamos um lugar para sentar e escovar os dentes. Depois, vou construir uma mesa para limparmos o peixe – acrescentou Alexander. – Você vai para o seu bendito círculo de costura. Para as quatro mulheres. E eu não vou ficar contente.

– Eu volto em duas horas – disse ela.

– Aí eu fico contente.

– Sua obrigação é ficar contente.

– Eu só tenho uma obrigação aqui em Lazarevo – disse Alexander, tomando-a pela cintura. – Fazer amor com minha esposa.

Tatiana quase deu um gemido alto.

– Estou ouvindo um falatório e nada de...

– How is my English?– perguntou Tatiana a Alexander.

– It’s good – respondeu Alexander. A manhã já estava no fim. Os dois caminhavam por um denso bosque decíduo às margens do rio, a alguns quilômetros de casa, com dois baldes para colher os mirtilos, e tinham combinado que só conversariam em inglês, mas Tatiana quebrou o acordo e perguntou em russo:

– Acho que estou lendo muito melhor que falo. John Stuart Mill agora é apenas ilegível, em vez de ininteligível.

Alexander sorriu.

– Essa é uma bela distinção – disse ele, colhendo dois cogumelos. – Tania, estes são comestíveis?

– São – respondeu Tatiana, tirando-os de suas mãos e atirando-os no chão –, mas só vamos comê-los uma vez.

Alexander riu.

– Tenho que ensiná-lo a apanhar cogumelos, Shura. Você não pode simplesmente arrancá-los do chão desse jeito.

– E eu tenho que ensinar você a falar inglês, Tania – disse Alexander em inglês.

Tatiana prosseguiu em inglês:

– This is my new husband, Alexander Barrington.

– And this is my young wife, Tatiana Metanova – replicou Alexander, com um sorriso de prazer, beijando-lhe o topo de seus cabelos em tranças e dizendo novamente em russo: – Tatiana, agora diga as outras palavras que eu lhe ensinei.

Ela ficou da cor de um tomate.

– No – afirmou ela com firmeza. – I am not saying them.

– Please.

– No. Look for blueberries.

Ela percebeu que Alexander não estava nem um pouco interessado nos mirtilos.

– What about later? Will you say them later? – perguntou ele.

– Not now, not later – replicou Tatiana bravamente, mas sem olhar para ele.

– Later – prosseguiu Alexander em inglês e puxando-a para ele –, I will insist that you please me by using your English-speaking tongue in bed with me.

– It is good I am not understand what you say to me – disse Tatiana lutando ligeiramente com ele.

– I will show you what I mean – disse Alexander, pondo o balde no chão.

– Later, later – concordou ela. – Now, pick up your backet. Collect blueberries.

– All right – disse ele, sem soltá-la. E o certo é bucket. Vamos lá, Tania. Diga as outras palavras – prosseguiu ele abraçando-a. – Sua timidez me é afrodisíaca. Diga-as.

– All right – disse Tatiana, sem fôlego nenhum. – Pick up your bucket. Let us go house. I will practice love with you.

– Make love to you, Tania – disse Alexander rindo. – Make love to you.

Era uma tarde de verão brilhante e calma. Alexander estava cortando uma árvore em toras pequenas. Tatiana estava ao seu lado.

– O que foi?

Ela o estava empurrando.

– O que foi? Você parece a minha sombra. Deixe-me acabar isto. Tenho que fazer um banco para podermos sentar e comer.

– Quer brincar de alguma coisa?

– Não. Tenho que terminar isto.

– Podemos brincar de Alexander diz – disse ela, sorrindo de maneira convidativa.

– Mais tarde.

– O quê?

– Que tal esconde-esconde de guerra?

– Mais tarde.

– O que foi? Está com medo de perder outra vez, capitão? – perguntou ela rindo?

– Oh, você...

– Você quer... dar cambalhotas.

Alexander olhou pra ela. Ela corou e disse:

– Quero dizer cambalhotas de verdade. Brincar na água. Quero ficar na palma de sua mão e que você me erga acima de sua cabeça...

– Só se, depois, eu puder jogar você na água.

– Nunca ouvi isso dito assim antes, mas tudo bem, estamos combinados.

– Nós vamos fazer tudo isso, e duas vezes – disse Alexander rindo e sem largar a serra –, mas primeiro tenho que terminar de serrar esta bendita madeira.

Tatiana ficou em silêncio por um segundo.

– Você quer me mostrar como vocês fazem flexões no exército – disse ela, fazendo uma pausa. – Cinquenta de uma vez?

– Só se você me oferecer um incentivo.

– Tudo bem. Agora?

– Você é demais. Mais tarde.

Ela tornou a ficar em silêncio.

– Você quer tirar um jogo de braço?

– Jogo de braço? – disse Alexander, com um sorriso incrédulo. Você deve estar brincando, não é mesmo?

– Vamos lá, grandão, do que você está com medo? – disse ela fazendo-lhe cócegas.

– Pare.

– Cocó, cocó, cocó – cacarejou Tatiana, continuando a lhe fazer cócegas.

– Desisto – disse ele, pousando a serra, mas ela já estava no meio da clareira, correndo e gritando. Ele correu atrás dela também gritando. – É melhor que eu não alcance você!

Ao chegar ao bosque, ela se deixou alcançar alegremente. Girando com ela e resfolegando, ele disse:

– Você está proibida de me fazer cócegas quando estou com uma serra na mão!

– Mas, Shura – disse Tatiana rindo –, você está sempre com alguma coisa na mão. Se não é uma serra, é um cigarro, ou um machado, ou...

Ele a agarrou pelo traseiro.

– Sim, ou...

Então, ele agarrou-lhe os seios.

– Está vendo o que eu quero dizer? – disse ela, também resfolegando. – Lute comigo no chão – acrescentou ela, e fez uma pausa. – Como você quiser – prosseguiu, sem conseguir respirar quando ele a abraçou. Ou ele desconhecia a própria forma ou tinha medo de não ser capaz de apertá-la suficientemente junto dele. Tatiana desejou que fosse a primeira causa.

– Estou aqui, Shura, estou aqui – disse ela ofegante e dando-lhe tapinhas. – Agora venha para cá.

Ele a soltou, e ela ficou em pé diante dele um instante.

– Muito bem – disse Alexander, rindo. – Você me tirou do meu trabalho. E agora? Flexões, cambalhotas ou o quê?

Eles ficaram em pé sem se mover. Os olhos de Tatiana piscavam. Os olhos de Alexander piscavam. Ela se moveu para a esquerda, para a direita...

Mas dessa vez ele foi mais rápido.

– Você precisa ser mais rápida que isso – disse ele, agarrando-a e a pondo, de costas, no chão. – Quer tentar de novo? – perguntou Alexander. Ela se moveu para a direita, pra a esquerda... mas não rápido o suficiente. – Quer tentar de novo?

Ela ficou em pé sem se mexer, virou para a esquerda e se pôs à direita dele antes mesmo que ele tivesse tempo de levantar.

Dando um gritinho, Tatiana jogou-se nos braços dele quando ele correu para ela e, então, abraçando-o e beijando-o no rosto, ela disse:

– Vamos fazer uma coisa. Deixe-me vendá-lo. Vou girar você e, então, você vai cambalear pela clareira para me encontrar. E pare de me fazer cócegas – acrescentou ela, rindo.

– Estou cansado de você ficar me vendando – replicou Alexander, continuando a lhe fazer cócegas. Que tal se eu vendar você, dar-lhe comida e você me dizer o que estou pondo em sua boca.

Tatiana já estava rindo antes que ele terminasse.

– O que foi? – perguntou Alexander olhando para ela inocentemente.

– Shura! – exclamou ela. – Que tal se antes de você me vendar, eu lhe disser o que você vai pôr na minha boca?

Alexander riu, carregando-a para casa.

– Tudo bem – disse ele, colocando as mãos debaixo do vestido dela e a acariciando. – Mas só se você disser o que eu estou pondo na sua boca... em inglês.

– Shura?

– Sim?

– Me solte. Eu vou me esconder. Você tem que me achar.

– Por que eu tenho que achá-la? Você já está aqui – disse ele, acariciando seu traseiro.

– Shura, você está me apertando demais. Não consigo me mover.

– Eu sei. Não quero que você vá a nenhum lugar.

– Que tipo de brincadeira é esta?

– A mesma brincadeira que tivemos o dia todo.

– Que é...

– Levantar-se, fazer amor. Lavar-se, fazer amor. Cozinhar, comer, fazer amor. Nadar, fazer amor. Jogar futebol, jogar dominó, brincar de cabra-cega, fazer amor.

– Sim, mas cá estamos nós, prontos para fazer amor outra vez. Onde está a graça disso?

15

Depois de terem acordado cedo, apanhado algumas trutas e nadado, Tatiana estava agachada junto ao fogão, mostrando a Alexander como fazer massa de panqueca. Ela não sabia o que estava acontecendo com ele, mas o marido não estava prestando atenção.

– Shura! Eu não vou continuar a lhe ensinar como fazer panqueca. Você se recusa a aprender!

– Eu sou homem. Sou fisicamente incapaz de aprender a cozinhar para mim – disse ele, sentado no chão de madeira muito próximo dela enquanto Tatiana misturava o leite gordo e morno, a farinha e o açúcar.

– Mas você me fez sorvete.

– Porque foi para você. Eu disse, cozinhar para mim.

– Shura!

– O quê?

– Por que você está olhando para mim, e não para a massa?

Ele estava esparramado no chão, olhando para ela com um olhar doce.

– Não consigo tirar meus olhos de você – disse ele calmamente –, pois acho profundamente excitante você cozinhar para mim com tamanho desembaraço. Tudo o que eu quiser. Não consigo tirar os olhos de você – prosseguiu ele, menos tranquilo – pois não estou mais com fome de panqueca.

– Pare de olhar para mim – disse Tatiana, tentando se acalmar. – O que você vai fazer quando estiver sozinho na floresta e precisar comer?

– Eu tenho que aprender a fazer massa? Vou comer casca de árvore, frutinhas, cogumelos.

– Faça um favor a você mesmo: não coma cogumelos – disse Tatiana. – Quer olhar, por favor.

– E daí? – disse ele, afastando o olhar dela e olhando dentro da tigela. – Leite, farinha, açúcar? É só isso? Está bom assim? Posso olhar para você outra vez?

– Ei! – exclamou ela, girando a colher de pau e respingando um pouco de massa no rosto dele. – Olhe, eu disse.

Balançando a cabeça com descrença, Alexander enfiou a mão da massa e jogou um pouco dela no rosto de Tatiana.

– Com quem você acha que está lidando aqui?

– Eu não sei – replicou ela lentamente, tirando a massa dos olhos e continuando a mexer. – Mas acho que você não sabe com quem você está lidando. – E antes que ele pudesse se mexer, Tatiana despejou a tigela toda em cima dele, deu um pulo e correu para fora.

Quando ele a alcançou na clareira, a massa pingava do corpo de Alexander. Levantando-a do chão, colocou o corpanzil sobre ela, dentro dela, fechando-lhe a boca para que ela não risse, mas ela não conseguia parar, sentindo um prazer e um desejo desesperados. Todo o corpo de Tatiana tremia com sua risada, o que fazia com que o marido se lembrasse de como ela tremia de prazer, pois ele já se preparava para a etapa seguinte, e ela continuava a rir. Trêmulos e ofegantes, os peitos grudentos de massa, um se lançava sobre o outro como creme espesso e açúcar derretido, lambendo-se, grudentos e escorregadios. Então, Alexander, saciado e alegre, perguntou:

– Se não fritarmos as panquecas, comendo-as cruas, isso ainda vale como café da manhã?

– Tenho quase certeza que sim – respondeu Tatiana, arfando.

O sol está a pino no céu. Alexander estava limpando as trutas na pequena mesa que havia construído. Estava usando sua faca do exército para tirar a pele dos peixes e cortar as cabeças. Tatiana estava ao seu lado, com um saco para colocar o que era descartado, e uma panela de água para o peixe limpo. Ela ia fazer sopa de peixe com batatas. Eles só tinham uma faca que cortava, e Alexander era muito hábil em seu manejo.

– Desde que você não tenha que cozinhar o alimento que apanha, nunca vai morrer de fome, não é mesmo, Shura? – disse Tatiana, observando-o com admiração.

– Tania, se eu tivesse que cozinhar, faria este peixe na fogueira que acendi – disse Alexander, olhando para ela. – O que foi?

– Alexander, você pesca, acende fogueiras, faz a mobília, briga, corta madeira. Existe alguma coisa que você não saiba fazer? – observou Tatiana, corando enquanto falava.

– Você é que sabe – retrucou Alexander, inclinando-se sobre ela e beijando-a intensamente, não parando até ela gemer sob seus lábios. – Não seja tão deliciosa – sussurrou ele.

– Preciso parar de ficar vermelha – murmurou ela, limpando a garganta.

– Por favor, não faça isso. Ah, existe uma coisa que eu não sei fazer. Não sei fazer panqueca – disse ele, sorrindo para ela.

– Quando é que vamos a Molotov para buscar as fotos do nosso casamento no joalheiro?

– Ele vai querer nossas alianças para entregar aquelas fotos, tenho certeza.

Tatiana olhou para ele, beijando-lhe o braço e pressionando o rosto contra ele.

– Nós temos querose suficiente para o Primus?

– Temos, sim. Por quê?

– Depois que eu puser a ukha, podemos sair um pouquinho? – perguntou ela, respirando profundamente. – Shura?... A Dusia me pediu para ajudá-la na igreja – prosseguiu ela, olhando para Alexander. – Posso ir? Não me sinto bem por não ter estado lá com frequência...

– Você já esteve lá demais – disse ele, parando de rir.

– Eu achei que fosse a sua sombra.

– Só quando você passa tempo demais por lá – suspirou Alexander. – O que ela quer desta vez?

– Uma das janelas quebrou – respondeu Tatiana, aliviada. – Ela achou que você poderia consertá-la. É seu único vitral.

– Oh, ela precisa de mim desta vez.

– Eu vou com você. Ela disse que vai lhe dar um pouco de vodca pelo trabalho.

– Diga a ela para deixar você em paz, e vai ficar tudo certo.

– Vamos – disse Tatiana, depois de ter saído por um instante e retornado com um cigarro e um isqueiro –, abra a boca.

– Como você fala – disse Alexander, abrindo a boca. Ela ficou observando-o dar algumas tragadas. Então, sem saber o que fazer com o cigarro, cheirou-o, levou-o à boca, deu uma tragada e começou a tossir imediatamente. Alexander correu para tirar-lhe o cigarro, deu três ou quatro tragadas profundas e disse: – Já acabei. E não torne a pô-lo na boca. Eu ouvi você respirando esta noite... seus pulmões estavam em luta.

– Não foi a tuberculose – disse ela, apagando o cigarro. – Foi você me apertando – e afastou o olhar.

Olhando para ela, Alexander nada disse.

Na igreja, Tatiana ajudou Alexander a segurar o pequeno vitral. Ela ficou numa escadinha enquanto ele calafetava as bordas do vitral com uma mistura grudenta de água, pó de cal e argila.

– Shura?

– Hmm.

– Posso fazer uma pergunta hipotética?

– Não.

– O que nós teríamos feito se Dasha ainda estivesse viva? Você já pensou nisso?

– Não.

– Bem, eu já – disse Tatiana depois de uma pausa. – Às vezes.

– Quando é que você pensa nisso?

– Agora, por exemplo.

Como ele não disse nada, Tatiana insistiu:

– Você consegue pensar nisso? O que nós teríamos feito?

– Eu não quero pensar nisso.

– Pense.

– Por que você gosta de se torturar? – perguntou Alexander depois de um suspiro. – Você acha que a vida foi boa demais com você?

– A vida foi – disse ela lentamente e olhando para ele – boa demais para mim.

– Segure o vitral firme – disse ele. – É o único vitral de Dusia. Acho que ela não vai perdoá-la se você o quebrar. Está pesado demais para você?

– Não, tudo bem. Deixe eu me aproximar mais da moldura.

– Só mais um minuto. Estou quase acabando.

Tatiana subiu um degrau da escada, desequilibrou-se e caiu, soltando o vitral que saiu da moldura, mas foi pego por Alexander, que o pousou no chão e foi ajudar Tatiana a se levantar. Ela tremia, mas não estava machucada. Só tinha um arranhão na parte interna do tornozelo. Mas franziu a testa para o marido.

– O que foi? – perguntou Alexander. – Gostou dos meus reflexos. Agora, Dusia vai rezar pela minha vida todos os dias – prosseguiu ele, tentando tirar-lhe o pó das roupas, mas só conseguindo deixá-la mais suja. – Olhe só as minhas mãos. Eu vou ficar cimentado em você se não tomar cuidado – disse ele, sorrindo e beijando-lhe a omoplata. Mas Tatiana continuava a olhar para ele com o cenho franzido.

– O que foi?

– Adorei seus reflexos – disse ela. – Você agiu depressa. Bom trabalho. Eu só queria observar que, dada a escolha entre o vitral e sua esposa, você preferiu o vitral, agindo admiravelmente rápido.

Rindo, Alexander ajudou Tatiana a voltar para a escada, ficando em pé no chão atrás dela. Ela não a tocou com as mãos sujas, mas mordeu de leve seu traseiro por sobre o vestido. – Eu não preferi o vitral – disse ele. – Você já estava no chão.

– Eu não vi seus lendários reflexos me segurarem quando eu estava caindo como um foguete.

– Oh? E o que teria lhe acontecido se aquele vitral caísse em cima de você? – perguntou ele. – Então, você não ia ficar muito contente comigo.

– Não estou contente com você agora – disse ela, mas já estava sorrindo, e ele tornou a lhe morder o traseiro, voltando-se para o vitral a fim de acabar a vedação.

Por fim, o vitral estava solidamente no lugar. Dusia, que estava dentro da igreja, agradeceu muito a Alexander, chegando a beijá-lo e lhe dizendo que ele não era um homem mau.

Alexander inclinou ligeiramente a cabeça, virando-se para Tatiana.

– O que foi que eu lhe disse?

Tatiana puxou-o pela camisa.

– Vamos embora, seu homem “não mau” – disse ela. – Vamos embora. Vou lavar você.

Voltaram para casa caminhando pelo bosque rescendendo a seiva. Em casa, Tatiana foi buscar sabonete e toalhas.

– Tania, dá para você me alimentar primeiro?

– Shura, você não pode comer coberto de sujeira do jeito que está.

– Fique observando – disse ele. – Eu sei como funciona essa coisa de se lavar. Só vou comer daqui a duas horas, e eu estou morrendo de fome agora. Ponha a sopa numa tigela, pegue uma colher e me alimente.

– Bem, se você não quer gastar duas horas... – murmurou Tatiana, com o fogo em sua boca do estômago se manifestando.

– Primeiro me alimente, Tatia. Depois ralhe comigo – disse Alexander, erguendo as sobrancelhas e com os olhos aquecendo-a como o fogo. Com o coração pleno de felicidade, Tatiana acedeu e, enquanto o alimentava, retomou sua pergunta.

– Você não respondeu minha pergunta hipotética.

– Felizmente, eu a esqueci.

– Sobre Dasha.

– Ah, isso – disse ele, mastigando e engolindo uma porção de batata e peixe. – Acho que você sabe qual é a resposta – acrescentou ele, num tom sério.

– Eu sei?

– É claro. Você sabe que, se ela estivesse viva, teria que me casar com ela, como havia prometido, e você teria que dormir com o bom e velho Vova.

– Shura!

– Que foi?

– Não vou mais falar sobre isso se você não me levar a sério – disse ela, empurrando-lhe a perna.

– Que bom. Posso tomar mais sopa?

Depois do almoço, quando estavam na água e ele esfregava as mãos enquanto Tatiana lhe esfregava as costas, Alexander disse:

– Eu nunca teria me casado com Dasha se você ainda estivesse viva. Você sabe disso. Minha verdade teria que ser revelada aqui em Lazarevo. E a sua?

Tatiana não respondeu.

Estavam sentados na margem do rio. Alexander pegou o vidro de xampu e virou Tatiana de costas para ele para lavar seu o cabelo. Correndo os dedos pelas madeixas cheias de xampu, ele disse:

– Você sente falta dela.

Ela confirmou com um movimento de cabeça.

– Fico imaginando o que teria sido ficar aqui em Lazarevo se ela tivesse sobrevivido. Sinto saudade de minha família – disse ela, encostando-se nele e fazendo uma pausa com a voz entrecortada. – Como você deve ter sentido saudade de seu pai e de sua mãe.

– Não tive tempo de sentir saudade deles – disse Alexander. – Eu estive ocupado demais, lidando com a droga de minha vida – acrescentou ele, virando a cabeça dela para lhe enxaguar o cabelo. Mas Tatiana sabia a verdade.

– Sabe, às vezes eu sinto uma coisa engraçada por Pasha.

– Que tipo de coisa?

– Não sei – disse ela, levantando-se e tirando o sabão da mão dele. – Um trem explodiu, nenhum corpo foi resgatado. Como se o desconhecimento do que acontece torne a morte dele menos real.

– Você está dizendo – replicou Alexander, levantando-se e a levando mais para o fundo do rio – que só acredita se vir as pessoas que você ama morrerem?

– Mais ou menos isso. Faz algum sentido?

– Nenhum – disse Alexander. – Não vi minha mãe morrer. Não vi meu pai morrer. Mas, ainda assim, eles estão mortos.

– Eu sei – disse ela, ensaboando-o de maneira confortadora. – Mas Pasha é meu irmão gêmeo. Ele é como a metade de mim. Se ele está morto, como estou eu? – indagou ela, ensaboando os seios e esfregando os mamilos cheios de espuma contra o peito dele.

– Eu posso responder a essa pergunta. Você está bem viva – disse Alexander. – Vou lhe dizer uma coisa: você quer jogar este jogo hipotético? Eu topo. E tenho uma pergunta para você – prosseguiu ele, tirando-lhe o sabonete das mãos e jogando-o na margem. Suponhamos que Dasha ainda estivesse viva, e que você e eu ainda não estivéssemos casados – Alexander se deteve para trazer Tatiana para junto dele – e eu tivesse feito amor com você em pé... – completou ele, detendo-se para respirar – assim – disse ele. Os dois gemeram. – Aqui, no nosso rio Kama... Diga-me, minha esposa que está tão viva, o que você teria feito? Você teria me deixado ir embora, depois de conhecer... – Ela soltou um grito – ... isto?

Como se Tatiana pudesse responder “Não quero mais brincar disso”, ela deu um gemido, envolvendo frouxamente a cintura dele com as pernas, os braços firmemente agarrados em seu pescoço.

– Ótimo – disse Alexander.

Depois de tudo, Tatiana se deixou cair na água rasa, sentando sobre uma pedra arredondada que se erguia do rio, e Alexander ficou diante dela, com a parte posterior da cabeça contra seu peito. Ficaram murmurando e olhando para o Kama e as montanhas, quando Tatiana notou que Alexander havia ficado mais quieto. Ele adormecera, as pernas esticadas no gentil regaço do rio, a parte superior do corpo pressionada contra ela. Sorrindo e o segurando contra seu corpo, Tatiana beijou-lhe suavemente a testa adormecida, deixando que os lábios ficassem pousados em seu cabelo molhado.

Piscando os olhos repetidamente, ela ficou sentada um longo tempo sem se mover, até que, por fim, mergulhou no hálito da tarde, um hálito de seiva, água doce e flores de cerejeira das proximidades. De grama, folhas velhas, areia, terra, de Alexander. Então, ela murmurou:

– Era uma vez um homem, um príncipe brilhante, que reinava entre camponeses e era adorado por uma delicada donzela. Ela foi para a terra dos lilases e do leite, esperando impacientemente seu príncipe, que por fim chegou e lhe entregou o sol. Eles não tinham nenhum lugar para o qual correr, mas tudo do que correr; não tinham refúgio nem salvação; não tinham mais que seu minúsculo reino, em que viviam apenas duas pessoas: o amo e a ama, além de dois escravos. – Antes de prosseguir, Tatiana fez uma pausa para respirar e abraçou Alexander. – Cada dia glorioso era um milagre de Deus. E eles sabiam disso. Então, o príncipe teve que partir, mas estava tudo bem, pois a donzela... – e Tatiana se deteve. Ela achou que o ouviu segurar a respiração. – Shura?

– Não pare – murmurou ele. – Estou interessado em saber o que acontece em seguida. Por que estava tudo bem? O que a donzela vai fazer?

– Como eu estava indo até então?

– Nada mal. Minha parte favorita era alguma coisa sobre um amo?...

Tatiana beijou-lhe o rosto.

– Vou deixar minha opinião final para quando a história terminar – disse Alexander, esfregando a parte posterior da cabeça contra o peito dela. – Diga-me por que estava tudo bem.

– Estava tudo bem – prosseguiu Tatiana, tentando pensar rápido – porque a donzela ficou esperando pacientemente que ele voltasse.

– Bem, isso é um conto de fadas. E?

– E ele voltou.

– E?

– Tem que haver um e depois disso? E... eles viveram felizes para sempre.

– Onde? – perguntou Alexander, depois de um longo minuto de silêncio.

Tatiana ficou olhando para os Montes Urais e não deu resposta.

– Não foi uma má história, Tania – resmungou Alexander, levantando-se e virando-se para ela.

– Não foi ruim? Por que você não tenta contar uma?

– Eu não sou muito de inventar histórias.

– Sim, você prefere destruir as coisas. Vá em frente, tente.

– Muito bem – disse ele, sentando-se com as pernas cruzadas. Jogou água no rosto dele e no dela, e começou. – Vamos ver... Era uma vez uma linda donzela – e olhou para ela. – Uma donzela como não havia outra igual. E um cavaleiro mercenário e renegado teve a sorte de ser amado por ela – e se deteve sorrindo. – Cada vez mais.

Tatiana cutucou-o com o pé, mas seu sorriso de satisfação era, sem dúvida, maior que o dele.

– O cavaleiro partiu para defender o reino contra os saqueadores – e fez uma pausa. – E não voltou – e ficou quieto, olhando para ela, que desviou o olhar para a margem do rio. – A donzela esperou o cavaleiro por um período conveniente...

– Quanto tempo seria isso?

– Não sei. Quarenta anos?

– Seja razoável – disse Tatiana, beliscando-lhe a perna.

– Ai! – gemeu ele. – Mas, por fim, ela não pôde mais esperar e acedeu ao senhor da propriedade local.

– Depois de quarenta anos, quem haveria de querê-la?

Alexander tornou a olhar para Tatiana.

– Mas, vejam que surpresa! O cavaleiro retornou e encontrou sua donzela administrando a propriedade e dormindo com outra pessoa...

– Como o Eugênio Oneguin, de Pushkin – disse Tatiana.

– Ah, mas ao contrário de Oneguin, este cavaleiro sentiu-se como um idiota, desafiou o rival para um duelo, lutou pela honra da donzela, no estado em que estava, e perdeu. Então, ele foi arrastado e esquartejado bem diante dos olhos dela, que se cobriu levemente com seu lenço de seda, que lembrava vagamente a terra de lilases em que outrora eles viveram. Então, deu de ombros e saiu impassível para tomar chá – concluiu Alexander, rindo. – Isso é que é história!

– Isso mesmo – disse Tatiana, levantando-se e caminhando até a cabana. – Uma história estúpida.

Enquanto ela se preparava para sair, Alexander sentou-se e fumou um cigarro. – Por que você sempre tem que ir a esse estúpido círculo de costura?

– Não é sempre. E é apenas por uma hora – respondeu Tatiana, sorrindo e passando os braços em torno dele. – Você consegue esperar uma hora, não é verdade, capitão? – sussurrou ela com a voz rouca.

– Mmm – disse ele, segurando-o com um dos braços. O cigarro estava na outra mão. – Elas não podem passar sem você, pelo amor de Deus?

Ela beijou-lhe a testa úmida.

– Shura, você já notou como tem ficado mais quente nos últimos dias?

– Notei. Você não pode ficar costurando aqui? Eu trouxe sua máquina de costura, seu gabinete. Fiz um banquinho para você. Vejo você costurando; um dia desses, você estava costurando aquelas roupas escuras. O que era aquilo?

– Nada, só uma coisa boba.

– Muito bem, pois continue a costurar alguma coisa boba aqui mesmo.

– Eu as estou ensinando a pescar, Alexander.

– O quê?

– Dê um peixe a um homem, e ele vai comer um dia – disse Tatiana. – Ensine-o a pescar, e ele vai comer a vida inteira.

– Tudo bem. Eu vou com você – disse Alexander, balançando a cabeça e suspirando.

– Pode parar. A igreja é uma coisa, mas nenhum soldado, marido meu, vai para o círculo de costura. Isso vai efeminá-lo. Além disso, você já sabe pescar. Fique em casa. Brinque com seu rifle ou com qualquer outra coisa. Eu volto em uma hora. Quer alguma coisa deliciosa para comer antes de eu sair?

– Quero, e sei exatamente o que é – disse ele, deitando-a no cobertor sobre a grama. O sol ardia acima de suas cabeças.

– Shura, eu vou chegar atrasada.

– Diga a elas que seu marido estava morrendo de fome, e você teve que alimentá-lo.

16

– O que você guarda nestas coisas, grandão? – perguntou Tatiana numa tarde seca de verão, enquanto se sentava no cobertor na clareira, com a mochila dele e a pasta de mapas entre as pernas, tirando delas todas as coisas, uma a uma. Tatiana estava com sede. Estava fazendo muito calor em Lazarevo. Quente pela manhã, escaldante à tarde e muito quente à noite, sob a lua nova. Eles dormiam nus debaixo de lençóis finos, com as janelas abertas. Nadavam constantemente. Mesmo assim, estavam sempre com calor.

Alexander estava serrando duas toras longas no sentido do comprimento.

– Nada de interessante – disse ele, de costas para ela.

Tatiana foi tirando as coisas de Alexander: a semiautomática, caneta e papel, um baralho, papel para enrolar cigarro, dois livros, duas caixas de munição, sua faca do exército, todos os mapas e duas granadas de mão.

Ela ficou imediatamente interessada nos mapas, mas antes que tivesse chance de abri-los, Alexander atravessou a clareira na direção dela, a serra na mão, um cigarro na boca e tirou-lhe as granadas.

– Vou lhe perguntar uma coisa – disse ele. – Por que não se deve brincar com explosivos?

– Tudo bem – disse ela, ficando em pé. – Você me ensinou a atirar com a P-38; agora você pode me ensinar a atirar com o rifle? – pediu ela, olhando para os mapas sobre o cobertor. – Quantos tiros em seguida ele dá?

– Trinta e cinco – respondeu Alexander, tirando uma tragada do cigarro.

– Você podia me ensinar a atirar com seu morteiro, mas você não tem um na mochila – disse ela, sorrindo.

– Não – disse ele rindo –, eu não carrego meu morteiro na mochila.

– Mas carrega todos os seus mapas – disse Tatiana, tornando a olhar para eles.

– E daí?

– Shura, eu gostaria que você não lidasse com armamento pesado – disse Tatiana, abraçando-o. – O coronel Stepanov não pode colocar você como mensageiro ou algo assim? Você não pode dizer a ele que acabou de se casar com uma boa moça que não consegue viver sem seu soldado?

– Tudo bem, vou fazer isso – disse ele.

Tatiana o levou pela mão até o interior da casa, tirando-lhe a serra e a jogando no chão.

– Eu ainda não acabei – disse ele, apontando para as toras.

– E daí? Você não é meu marido?

– Sou? E daí?

– Eu também não tenho direitos inalienáveis?

Tatiana estava sentada nua em cima de Alexander, pressionando as palmas das mãos contra o peito dele.

– Como é que aquela coisa funciona?

– Aquilo o quê?

– O morteiro. Você não contou a Vova que operava um morteiro? Como é que ele funciona?

– O morteiro é uma das coisas com que eu opero. O que você deseja saber?

– Ele tem um cano curto como o de um canhão, ou o cano é longo?

– Tem um cano longo.

– Entendo. E o que é que se faz com esse cano longo?

– Aponta-se num ângulo de quarenta e cinco graus. A parte de trás desce, atinge o pino de disparo, a carga propelente explode e...

– Eu sei o que acontece depois. A bomba voa a setecentos metros por segundo.

– Algo assim.

– Vamos ver se entendi mesmo. Um cano longo. Faz-se pontaria. O morteiro baixa. Atira. Buum.

– Sabia que você ia entender.

– Mais uma vez. Cano longo. Para cima. Cai. Fogo. Buum. Eu aprendo depressa.

– Isso é verdade.

– Shura?

– Mmm?

– Por que o cano do morteiro tem que ser tão longo?

– Para melhorar a velocidade da boca. Você sabe o que é isso?

– Tenho uma ideia.

Tornando a sair de casa, Tatiana bebeu um pouco de água e foi direto aos mapas em relevo de Alexander. Ele voltou às suas toras. Agora ela estava com mais calor ainda. Ela precisava mergulhar o corpo no Kama. Fascinada, Tatiana estudou os mapas.

– Shura, por que todos os seus mapas se referem apenas à Escandinávia? Olhe, este é da Finlândia, um é da Suécia e o outro entre do mar do Norte, entre a Noruega e a Inglaterra. Por quê?

– São apenas mapas de campanha.

– Mas por que da Escandinávia? – insistiu ela, olhando para ele. – Nós não estamos em guerra com a Escandinávia, estamos?

– Estamos lutando na Finlândia.

– Oh, e este aqui é um mapa do Istmo de Carélia.

– E daí?

– Você não lutou no Istmo de Carélia, perto de Vyborg, no inverno de 1940?

Alexander se aproximou dela e se deitou de barriga para baixo, beijando-lhe os ombros. – Lutei, sim.

Tatiana ficou quieta um instante.

– No início da guerra, no ano passado, você não enviou Dimitri em várias missões de reconhecimento ao Istmo de Carélia, até Lisiy Nos?

– Você alguma vez esquece o que eu lhe digo? – perguntou ele, tirando os mapas dela.

– Nem uma palavra – replicou ela.

– Gostaria que você tivesse me dito isso antes.

– Por que todos esses mapas? – tornou ela a perguntar;

– É apenas a Finlândia, Tania – replicou Alexander, ficando em pé e a levantando do chão. – Você está com calor?

– E a Suécia, Shura. Estou com calor, sim.

– Um pouco da Suécia – disse ele, soprando-lhe a testa e o pescoço.

– E da Noruega e da Inglaterra, Shura – acrescentou ela, apoiando-se nele e fechando os olhos. – Seu hálito está quente.

– O que você quer saber?

– A Suécia é neutra na guerra que está acontecendo, não é mesmo? – perguntou ela.

Alexander a levou para dentro da casa.

– É. A Suécia está tentando se manter neutra na guerra. Mais alguma coisa?

– Não sei – disse Tatiana, sorrindo e com a garganta seca. – O que mais você tem?

– Você já viu tudo o que eu tenho – disse Alexander, colocando-a na cama. – O que você quer? – perguntou ele, sorrindo. O que eu posso fazer por você?

– Hmm – ronronou ela, com as mãos o acariciando e sentindo as gotas de suor por todo seu corpo. – Você pode fazer aquilo que nos fez atingir o prazer juntos?

– Tudo bem, Tatiasha – respondeu Alexander, curvando-se sobre ela. – Eu faço aquilo que nos fez chegar ao prazer juntos.

Ressecados e cobertos de suor, afastaram-se. Sem respirar, deitaram de costas, resfolegando, e, então, olharam um para o outro e sorriram de felicidade.

Alexander foi buscar uma bebida para eles e, depois de algum tempo, quando Tatiana pôde respirar normalmente outra vez, ela pediu-lhe delicadamente que lhe contasse como ele recebeu sua primeira medalha de bravura.

Durante alguns minutos, Alexander ficou em silêncio. Tatiana esperou. Uma brisa penetrou através da cortina, mas também era quente. O corpo de Alexander estava molhado. O corpo de Tatiana estava molhado. Eles precisavam do rio Kama para refrescá-los. Mas Tatiana não sairia da cama antes de ouvir o que acontecera em Carélia.

– Não foi grande coisa – disse ele, por fim, dando de ombros. Sua voz soou inalterada. – Nós tínhamos lutado nos pântanos perto do golfo, de Lisiy Nos até praticamente Vyborg. Empurramos os finlandeses de volta à cidade, mas, então, ficamos atolados nos pântanos em meio ao bosque. Os finlandeses estavam muito bem entrincheirados e tinham munição e suprimentos. Nós estávamos na lama e não tínhamos nada. Na terrível batalha perto de Vyborg, perdemos mais de dois terços dos nossos homens. Fomos forçados a nos deter e bater em retirada – prosseguiu ele, fazendo uma pausa. – Foi realmente estúpido. Isso foi em março, dias antes do armistício do dia 13, e ali estávamos nós, perdendo centenas de homens sem nenhum motivo. Eu estava na divisão dos rifles nessa época. Só tínhamos um rifle de culatra simples conosco – prosseguiu ele, sorrindo. – E um ou dois morteiros.

Tatiana devolveu-lhe o sorriso e colocou a mão no peito dele.

– Meu pelotão tinha trinta homens quando começamos. No final de dois dias, eu só tinha quatro deles. Quatro mais eu. Quando voltamos dos pântanos para o posto em Lisiy Nos, soubemos que um dos homens deixados nos pântanos perto da linha de defesa em Vyborg era Yuri, o filho mais novo do coronel Stepanov. Ele tinha dezoito anos e havia acabado de entrar no exército – disse Alexander, fazendo uma pausa.

Fez uma pausa ou parou?

Com a mão no peito dele, Tatiana ficou esperando. Ela sentiu que o coração dele se acelerou. Então, Alexander afastou a mão dela de seu coração. Tatiana não tornou a colocá-la ali.

– Então... – prosseguiu ele – eu voltei, passei algumas horas procurando por ele e acabei por encontrá-lo ainda vivo, embora ferido. Nós o trouxemos de volta ao acampamento – disse ele, apertando os lábios. – Ele não conseguiu sobreviver – continuou ele, sem olhar para Tatiana.

Mas ela estava olhando para ele.

– Oh, não.

– Por Yuri Stepanov eu recebi minha medalha de bravura.

Os ossos do rosto de Alexander estavam tensos, os olhos, sem expressão alguma. Tatiana sabia: ele os estava deixando sem expressão.

Ela tornou a pôr a mão suavemente no peito dele e ficou observando Alexander repassar sua vida.

– O coronel ficou agradecido por você levar seu filho de volta?

– Ficou – disse Alexander com voz inexpressiva. – O coronel Stepanov tem sido muito bom para mim. Ele me transferiu da divisão de infantaria para a motorizada. E quando se tornou comandante da guarnição de Leningrado, ele me levou com ele.

Tatiana estava muito, muito quieta. Ela mal respirava. Ela não queria saber mais. Ela não queria perguntar. Mas não pôde deixar de perguntar.

– Você não voltou aos pântanos sozinho – disse ela por fim, com um suspiro profundo. – Quem você levou com você.

– Dimitri – replicou Alexander com cuidado.

Demorou certo tempo até Tatiana tornar a falar.

– Eu não sabia que ele estava no seu pelotão.

– Ele não estava. Eu perguntei a ele se queria me acompanhar na missão, e ele disse que sim.

– Por quê?

– Por que o quê?

– Por que ele disse sim? – perguntou Tatiana. – Acho difícil acreditar que Dimitri partisse para uma missão perigosa, perto das linhas inimigas, para encontrar um soldado ferido.

Alexander não respondeu durante alguns segundos.

– Bem, ele foi comigo.

– Deixe-me entender. Você e Dimitri foram para os pântanos sozinhos para resgatar Yuri Stepanov? – disse Tatiana, procurando manter a voz calma. Ela não conseguia disfarçar tão bem quanto Alexander. Sua voz estava trêmula.

– Fomos.

– Você tinha esperança de encontrá-lo? – perguntou ela, com uma voz compadecida.

– Bem, não sei – disse Alexander. – Você está querendo uma resposta específica, Tatia? Alguma coisa que eu não esteja lhe contando?

Tatiana fez uma pausa, tentando não engolir saliva.

– Existe alguma coisa que você não esteja me contando?

Ele ficou olhando para o teto, e não para ela.

– Eu já lhe contei. Nós fomos até lá, procuramos por duas horas. E o encontramos. E o trouxemos de volta. É só isso.

– Foi assim que Dimitri foi promovido a soldado de primeira classe?

– Foi.

Em silêncio, com os dedos, Tatiana desenhou círculos grandes, pequenos e médios na cabeça e no peito de Alexander.

– Shura?

– Ah, não.

– Depois do armistício de 1940, Vyborg ficou na fronteira da União Soviética com a Finlândia, certo?

– Certo.

– A que distância de Helsinque fica Vyborg?

Alexander ficou em silêncio.

– Não sei.

– No mapa não parece longe – disse Tatiana, depois de morder o lábio.

– É só um mapa. Nos mapas nada parece longe – disse ele com impaciência. – Talvez uns trezentos quilômetros.

– Entendo. A que distância...

– Tania.

– O quê? A que distância de Estocolmo fica Helsinque?

– Ah, pelo amor de Deus! Estocolmo? – Mas Alexander ainda não estava olhando para Tatiana. – Talvez uns quinhentos quilômetros. Mas pelo mar. Entre as duas cidades ficam o Báltico e o golfo de Bótnia.

– Sim, o golfo e o mar – disse Tatiana. – Eu tenho mais uma pergunta.

– Qual? – disse ele, num tom nada satisfeito.

– Onde fica a fronteira hoje em dia?

Alexander não respondeu.

– Os finlandeses foram de Vyborg para Lisiy Nos, certo? Para onde você mandou Dimitri, no ano passado, em missão de reconhecimento?

– Tatiana, qual é o objetivo de suas perguntas? – perguntou ele abruptamente. – Já chega.

Ela se ergueu de repente começou a se afastar, começando a descer da clareira. Alexander pegou-a pelo braço.

– Aonde você vai?

– A lugar nenhum – disse ela. – Já acabamos, certo? Vou me refrescar e depois tenho que começar o jantar.

– Venha cá.

– Não, eu tenho que...

– Venha cá.

Tatiana fechou os olhos. Alexander tinha aquela voz. Tinha aquela voz, aqueles olhos, aquelas mãos, aquela boca. Tinha aquilo tudo.

Ela foi até ele.

– Em que você está pensando? – perguntou ela, deitando-a a seu lado e a acariciando. – O que você está me perguntando?

– Nada. Eu estou só pensando.

– Você me perguntou sobre a minha medalha, eu lhe contei. Me perguntou sobre as fronteiras, eu lhe contei. Me perguntou sobre Lisiy Nos, eu lhe contei. Agora, pare de pensar nisso tudo – disse ele, tomando com delicadeza o mamilo da esposa com o polegar e o indicador. Alexander beijou-a. Eles ainda estavam suados, ressecados, com sede e com calor. – Você ainda tem mais alguma pergunta? Ou já acabou?

– Não sei.

Ele tornou a beijá-la, por mais tempo, com mais calor, com mais profundidade, beijou-a com ternura, sem pressa.

– Eu devo estar acabada – sussurrou ela. Mas ele a beijou até que a chama líquida dissolvesse sua pele. E ele sabia disso. Tudo que fazia para ela era feito até dissolvê-la. Ela ficava indefesa diante dele. E ele sabia disso. Com a boca ainda sobre a dela, Alexander afastou-lhe as coxas e deslizou dois dedos para dentro dela... puxou-os... tornou a deslizá-los para dentro... – Acho que agora estou acabada – sussurrou Tatiana.

17

Passaram-se mais alguns escaldantes dias de verão. Tatiana estava novamente dando cambalhotas.

– O que você está fazendo agora? – perguntou ela. – Você já fez um banco. Pare de fazer coisas. Vamos nadar. Nadar! Vamos lá, até o Kama anda quente nestes dias. Vamos mergulhar, e eu vou tentar ficar embaixo da água mais tempo que você.

Alexander estava dentro da casa, para onde acabara de levar as duas toras em que estivera trabalhando, cada uma delas com cerca de um metro de altura. Elas alcançavam um pouco abaixo de suas cadeiras.

– Mais tarde. Eu preciso fazer isto.

– O que você está fazendo? – repetiu Tatiana.

– Espere e você vai ver.

– Por que você simplesmente não me conta?

– Um balcão.

– Para quê? Nós precisamos é de uma mesa – disse ela, voltando a dar cambalhotas. – Nós comemos com o prato no colo. Por que você não faz uma mesa. Melhor ainda, venha nadar comigo – acrescentou ela, puxando-o.

– Talvez mais tarde. Tem alguma coisa para beber? Meu Deus, que calor!

Tatiana saiu e voltou instantaneamente com água e um pepino cortado.

– Você quer um cigarro?

– Quero.

Ela lhe trouxe um cigarro.

– Shura, nós não precisamos de um balcão. Precisamos de uma mesa.

– Vou fazer uma mesa alta. Ou vamos usar isto como um banco alto.

– Por que você não o faz mais baixo?

– Espere para ver. Tatia, alguém já lhe disse que a paciência é uma virtude?

– Já! – disse ela com impaciência. – Me diga o que você está fazendo.

Alexander a levou para fora da casa.

– Você pode me trazer um pedaço de pão? Estou com fome. Por favor?

– Tudo bem – disse ela. – Vou ter que ir à casa da Naira. Nós estamos sem pão.

– Certo. Vá até a Naira. Mas volte logo.

Ela voltou logo com pão, manteiga, ovos e repolho.

– Shura! Vou fazer uma torta de repolho hoje à noite.

– Mal posso esperar. Mas eu estou morrendo de fome agora.

– Você está sempre morrendo de fome. Não consigo manter você alimentado – disse ela, sorrindo. – Você está com calor? Tire a camisa.

– Muito calor.

– Você já acabou? – perguntou Tatiana, com o rosto resplandecendo.

– Quase. Eu ainda o estou aplainando.

– Aplainando? – perguntou Tatiana, depois de se aproximar do banco, olhando para o objeto e para ele.

– Deixando-o mais liso. Não queremos ficar cheios de farpas.

– É mesmo? – disse ela surpresa. – Shura, sabe o que a Dusia me disse?

– Não, docinho. O que a Dusia lhe disse?

– Que este é o verão mais quente em Lazarevo em setenta e cinco anos, desde 1867! Desde que ela tinha quatro anos de idade.

– É mesmo? – disse Alexander. Tatiana passou-lhe um frasco de água. Ele bebeu tudo de um trago e pediu mais. Ela deixou o frasco novamente cheio no balcão, perto dele, enquanto ele continuava a aplainar o tampo.

– Não entendo – disse Tatiana, enquanto o observava. – Ele chega nas minhas costelas. Por que você o fez tão alto?

– Venha cá – disse Alexander, balançando a cabeça e pousando a plaina. Então, foi lavar as mãos e o rosto no balde de água. – Venha cá. Eu a ajudo a subir.

Ele a colocou em cima do balcão e ficou em pé diante dela.

– E então? O que você acha?

– Acho alto – disse Tatiana, olhando para ele. Os olhos dele estavam tranquilos, e os lábios, felizes. – Mas eu não tenho medo de altura. – E fez uma pausa. – E meu rosto fica quase na altura do seu rosto. Gosto disso. Chegue mais perto, soldado.

Alexander abriu as pernas dela e se pôs entre elas. Por um instante, com os olhos quase no mesmo nível, eles ficaram se olhando. Então, se beijaram. Ele correu as mãos por baixo do vestido dela até atingir as coxas e as cadeiras. Ela não estava usando roupa de baixo.

– Hmm – disse ele, brincando com ela e desatando o cordão de seu calção. – Diga-me, Tatiasha – murmurou Alexander, instalando-se dentro dela e puxando-a contra ele. – Cheguei perto o suficiente?

– Acho que sim – respondeu ela, com a voz falha e agarrando o balcão.

Puxando as cadeiras dela em sua direção, Alexander movimentou-se para frente e para trás. Então, baixou o vestido dela até a cintura, curvou-se e sugou seus mamilos.

– Quero seus mamilos molhados contra o meu peito – disse ele. – Agarre o meu pescoço.

Ela não conseguia.

– Agarre o meu pescoço, Tania – disse ele, aumentando seu ritmo. – Você ainda acha que o balcão é alto demais?

Ela não conseguiu responder.

– Foi o que eu pensei – murmurou Alexander, pressionando-a contra ele, acariciando seu corpo nu com as mãos ávidas. – De repente... parece ser a altura certa... não é, minha esposa impaciente, não é...

Logo depois, quando Alexander estava em pé diante dela, arfando e coberto de suor, Tatiana, também arfando e coberta de suor, beijou-lhe o pescoço molhado e perguntou:

– Me diga uma coisa: você o construiu apenas para isto?

– Bem, não – respondeu Alexander, bebendo um longo gole de uma garrafa e despejando o resto da água sobre o rosto e os seios dela. – Podemos pôr batatas em cima dele.

– Mas não temos batatas – disse Tatiana, rindo.

– É uma pena.

– Shura, você tinha razão, este balcão tem a altura perfeita. Eu finalmente tenho um lugar para preparar a massa para minhas tortas – disse Tatiana, sorrindo para ele, com as mãos cheias de farinha. A massa tinha finalmente crescido, e ela estava se preparando para lhes fazer uma torta de repolho.

Alexander estava sentado no topo do balcão, balançando as pernas para trás e para frente.

– Tatiana, não tente mudar de assunto! Você está me dizendo, com toda franqueza – disse ele –, que Pedro, O Grande, não deveria ter construído Leningrado e, assim, modernizado a Rússia?

– Eu não estou dizendo isso – replicou Tatiana. – Cuidado, você está ponto a perna na minha farinha. Pushkin é que diz isso. O nosso Pushkin estava indeciso quando escreveu “O Cavaleiro de Bronze”.

– Quanto tempo essa torta vai demorar para ficar pronta? – perguntou Alexander sem se mexer do lugar um único centímetro. Ele jogou um pouco de farinha no rosto de Tatiana. – E Pushkin não estava indeciso quanto a essa questão. O que ele afirma em “O Cavaleiro de Bronze” é que a Rússia precisava entrar no Mundo Novo, mesmo que fosse aos pontapés e aos gritos.

– Pushkin achava – disse Tatiana – que o preço pago pela construção de Leningrado não foi justo. E não comece com essa brincadeira – acrescentou ela, jogando um punhado de farinha em Alexander. – Você sabe que vai perder – observou, sorrindo. – A torta vai estar pronta em quarenta e cinco minutos.

– Sim, depois disso você a coloca no forno – disse Alexander, tirando a farinha do rosto e balançando as pernas com mais forças, sem tirar os olhos de Tatiana.

– Veja o que Pushkin escreveu: Não foi assim que tu, um ídolo altaneiro, endurecido pelas divergências, com determinação férrea, elevaste a Rússia até seu fado? Fado, Tania. Destino. Não se pode lutar contra o destino.

– Shura, dá para você se afastar um pouco? – disse Tatiana, pegando um rolo para enrolar a massa. – Pushkin também escreveu: Os generais do imperador acorreram para salvar o povo, que, desatento e com medo, estava se afogando onde habitava. Medo, Alexander, afogamento! Foi isso o que eu quis dizer com ambivalência. As pessoas não queriam ser salvas ou modernizadas, segundo o que escreveu Pushkin.

– Mas, Tania – disse Alexander sem se mover, com a coxa deliberadamente batendo no rolo de madeira –, hoje existe uma cidade onde antes não havia nada. Existe uma civilização onde antes havia pântanos!

– Pare de bater nas coisas! Diga isso ao Eugênio de Pushkin. Ele ficou louco. Diga isso à Parasha de Pushkin. Ela se afogou.

– Eugênio era um fraco. Parasha era uma fraca. Não vejo nenhuma estátua construída em homenagem a eles – disse ele, continuando a bater as pernas.

– Talvez – disse Tatiana. – Mas, mas não se pode negar que Pushkin era ambivalente. Ele perguntava se o custo, em termos humanos, de se construir Leningrado não fora alto demais.

– Existe um sim na negação – disse Alexander com firmeza. – Não acho que ele seja ambivalente de jeito nenhum. Essa torta vai ter recheio ou você vai assar só a massa no forno?

Tatiana parou de enrolar a massa e ficou quieta, olhando para ele.

– Shura, como é que você pode dizer isso?

– Como posso dizer o quê? Não estou vendo o recheio.

– Vá me buscar a frigideira no fogão – disse ela, batendo de leve na perna dele com o rolo. – Como é que você pode dizer que ele não era ambivalente? – continuou ela, observando Alexander. – Veja o que Pushkin escreve. Puxa, é o tema de todo seu poema – e começou a recitar, depois de tomar fôlego:

E ao pálido encanto do luar

Cavalga bem no alto do animal nervoso,

A mão estendida em meio ao clamor que ecoa,

O Cavaleiro de Bronze em ação.

– Pushkin não termina seu poema como começou – prosseguiu Tatiana depois de respirar fundo –, com os belos parapeitos de granito e as cúpulas douradas de Lenigrado, as noites brancas e o Jardim de Verão – disse ela. Seu coração bateu com força ao mencionar o Jardim de Verão. Tatiana sorriu para Alexander, que lhe devolveu o sorriso. – Pushkin termina o poema – prosseguiu ela –, contando-nos que sim, Leningrado foi construída, mas a estátua de Pedro, O Grande, adquiriu vida, como num pesadelo, para perseguir Eugênio, nosso pobre diabo, por toda a eternidade pelas belas ruas de Leningrado:

E por toda aquela longa noite, qualquer que fosse

A rua em que o pobre diabo entrasse,

Lá estava, com seu poderoso tropel,

O Cavaleiro de Bronze desperto.

Tatiana teve um leve estremecimento. Por que ela tremeu? Estava tão quente. Alexander estava segurando a panela de ferro diante dela.

– Tania, será que você consegue discutir comigo e colocar o recheio na massa ao mesmo tempo? Ou eu vou ter que concordar com você para que você possa fazer o jantar?

– Shura, esse é o preço de Leningrado! Parasha morta e afogada. Eugênio perseguido pelo Cavaleiro de Bronze pela eternidade – disse Tatiana, enquanto colocava o recheio com uma colher na massa da torta e começava a fechar os lados da forma. – Acho que Parasha teria gostado de ter sua vida. E que Eugênio, com certeza, não queria ter pagado seu erro com sua sanidade. Ele teria preferido viver num pântano.

Alexander voltou a se encarapitar no balcão, com as pernas bem abertas. – Ali jazia nu meu infeliz valete, e ali, por caridade, enterraram o frio cadáver numa vala comum – recitou ele, dando de ombros casualmente. – Ou isso. Eu digo que Eugênio é um preço justo a pagar por um mundo livre.

– Eugênio também é um preço justo – perguntou Tatiana, tranquilamente, depois de ter pensado um segundo em silêncio e olhando para ele – para se criar “o socialismo num país”?

– Ora, vamos lá! – exclamou Alexander. – Com certeza, você não está equiparando Pedro, O Grande, a Stálin!

– Responda.

– Aos pontapés e aos gritos – disse Alexander, pulando do balcão –, mas entrando em um mundo livre! E não entrar, aos pontapés e gritos, na escravidão. Trata-se de uma diferença vital, essencial e crucial. É diferente entre morrer por Hitler e morrer para detê-lo.

– Mas morrendo de qualquer forma, não é, Shura? – disse Tatiana, aproximando-se dele. – Morrendo de qualquer forma.

– Eu também vou morrer logo se não for alimentado – murmurou Alexander.

– Ela agora vai para o forno – disse Tatiana, pondo a torta para assar e ajoelhando-se para lavar as mãos e o rosto no balde. A cabana ficava quente demais com o forno aceso. De nada ajudavam as portas e as janelas abertas. – Nós temos quarenta e cinco minutos – avisou ela, levantando-se e olhando para Alexander. – O que você quer fazer? Não, espere. Esqueça que eu disse isso. Meu Deus, tudo bem, mas podemos primeiro limpar o balcão. Olhe, eu estou ficando coberta de farinha. Você gosta disso, não é mesmo? Oh, Shura, você é insaciável. Não podemos fazer isso o tempo todo... Oh, Shura, não podemos... Oh, Shura... Oh...

– Sei que você vai discordar – disse Tatiana a Alexander enquanto os dois se sentavam fora da cabana à última luz do dia e sob uma lua crescente cor de cera, comendo a torta de repolho e cebola, com salada de tomate e pão preto com manteiga. – Sei que você acha que morrer por Hitler e morrer por Stálin são a mesma coisa.

– Acho, sim – disse Alexander, engolindo um bocado de torta –, mas morrer para deter Hitler, não é? Eu sou aliado dos Estados Unidos. Estou lutando do lado dos americanos. Eu assumo essa luta – acrescentou ele com determinação.

– Acho que não assou o tempo suficiente – disse Tatiana tranquilamente, olhando para o interior de sua torta de repolho.

– São nove da noite. Eu a teria comido crua quatro horas atrás.

Sem desejar que a discussão prosseguisse, pois ela achava que estava certa, Tatiana retomou a conversa anterior:

– Mas voltando a Pushkin. A Rússia, representada por Eugênio, não queria ser modernizada. Pedro, O Grande, poderia muito bem tê-la deixado como estava.

– Muito bem? – exclamou Alexander. – Não havia Rússia nenhuma! Enquanto o resto da Europa estava entrando na era do Iluminismo, a Rússia ainda estava na Idade das Trevas. Depois de Pedro construir Leningrado, repentinamente havia a língua, a cultura e a educação francesas, bem como as viagens. Havia uma economia de mercado, uma classe média emergente, uma aristocracia sofisticada. Eram as famílias felizes de que escreveu Tolstói3. Ele nunca poderia ter escrito seus livros se não fosse o que Pedro, O Grande, construíra cem anos antes dele. O sacrifício de Eugênio e Parasha significa que uma melhor ordem do mundo prevalecia. – Ele fez uma pausa. – Que a luz triunfou sobre a treva.

– Bem, sim... – disse Tatiana – é fácil para você falar a respeito do sacrifício deles. Você não está sendo perseguido por um bloco de bronze.

– Veja a coisa por outro ângulo – sugeriu Alexander, comendo pão. – O que estamos comendo no jantar desta noite, jantar que se transformou em ceia tardia? Torta de repolho. Pão. Por quê? Você sabe por quê?

– Não entendo... – gaguejou ela.

– Seja paciente e você vai entender num minuto. Estamos comendo comida de coelho porque você não quis se levantar às cinco da manhã. Eu disse que tínhamos que sair àquela hora se quiséssemos pegar alguma truta. Caso contrário, o peixe iria embora. Você me ouviu?

– Às vezes, eu ouço... – grunhiu ela.

– Sim – disse ele, movendo a cabeça. – E nos dias em que você ouve, nós comemos peixe. Eu estava certo? Claro. Com certeza, é terrível levantar tão cedo. Mas depois comemos comida de verdade – continuou Alexander, comendo sua torta alegremente. – E é esse o meu ponto: todas as coisas dignas de mérito exigem grande sacrifício e valem a pena. É assim que me sinto sobre Leningrado. Valeu a pena.

– Stálin? – perguntou Tatiana depois de uma pausa.

– Não! Não, não e não! – disse ele, pousando o prato no cobertor. – Eu falei de coisas grandes, que valem a pena ter. O sacrifício pela ordem mundial de Stálin não é apenas execrável, é sem sentido. E se eu tivesse feito você se levantar, se eu lhe tivesse dito que você não tinha escolha, que você tinha que se levantar, os olhos sonolentos e exausta, e sair no frio, não para ir pegar peixes, mas cogumelos? E não apenas cogumelos, mas o tipo de cogumelos que eu escolho, os venenosos. Eu fico colhendo os que queimam o seu fígado ao simples contato, com a morte se seguindo em dois ou três minutos? Diga-me, você gostaria de se levantar para ir apanhá-los? – concluiu ele, rindo.

– Eu não quero me levantar agora – murmurou Tatiana, apontando para o prato dele. – Como a sua comida. Não é peixe...

Ele pegou o prato.

– É a maravilhosa torta da Tania – disse Alexander, com a boca cheia e piscando alegremente para Tatiana. – Existem batalhas que, por mais que você não deseje lutá-las, você tem que travar. Elas merecem que se dê a vida por elas.

– Eu fico imaginando... – disse ela, olhando para longe.

– Venha cá – disse Alexander, engolindo a comida e pousando o prato.

Tatiana se aninhou junto dele no cobertor.

– Não vamos mais falar disso – disse ela, dando-lhe um abraço apertado.

– Por favor, não vamos – disse Alexander. – Vamos mergulhar no Kama noturno.

Na manhã seguinte, Tatiana começou a gritar dentro da cabana. Seus gritos chegaram a Alexander correndo através dos pinheiros, acima do som que fazia seu machado cortando a madeira. Ele deixou cair o machado e correu para a casa, encontrando-a encarapitada no balcão alto. Suas pernas estavam dobradas, alcançando-lhe o pescoço.

– O que foi? – exclamou ele, ofegante.

– Shura, um rato passou pelo meu pé quando eu estava cozinhando.

Alexander olhou para os ovos no fogão, para o pequeno bule de café borbulhante no fogareiro Primus, para os tomates já nos pratos deles e, então, para Tatiana, elevada a um metro do chão. Sua boca, de maneira relutante, acabou por abrir-se numa risada contagiante.

– O que você está... – foi dizendo ele, tentando parar de rir –... fazendo aí em cima?

– Eu lhe disse! – berrou ela. – Um rato correu e passou o... – prosseguiu ela, tremendo – ... o rabo na minha perna. Você pode dar um jeito nele?

– Sim, mas o que você fazendo aí em cima?

– Me escondendo do rato, é lógico! – berrou ela, franzindo o cenho e olhando para ele com tristeza. – Você vai ficar aí parado ou vai pegá-lo?

Alexander foi até o balcão e a ergueu. Tatiana agarrou-lhe o pescoço, mas não pôs os pés no chão. Ele a abraçou, a beijou, tornou a beijá-la com enorme afeição e disse:

– Tatiana, sua bobinha, os ratos sobem nas coisas, sabia?

– Não, não sobem.

– Eu vi ratos subindo na estaca da barraca do comandante na Finlândia, numa tentativa de pegar um pouco de comida que estava bem no topo.

– E o que essa comida estava fazendo lá?

– Nós a pusemos lá.

– Para quê?

– Para ver se os ratos conseguiam subir.

– Bem, você não vai tomar café da manhã, nem café simples, nem me ver nesta casa até esse rato ir embora.

Depois de levá-la para fora, Alexander voltou para buscar os pratos do café da manhã. Eles comeram no banco, lado a lado.

– Tania, você tem... medo de rato? – perguntou ele, olhando para ela com incredulidade.

– Tenho. Você o matou?

– E como você gostaria que eu fizesse isso? Você nunca me disse que tinha medo de rato.

– Você nunca perguntou. Como eu gostaria que você o matasse? Você é capitão do Exército Vermelho, pelo amor de Deus! O que é que eles ensinam lá?

– Como matar seres humanos. E não ratos.

– Bem, atire uma granada nele – disse ela, mal tocando na comida. – Use o seu rifle. Eu não sei. Mas faça alguma coisa.

Alexander balançou a cabeça.

– Você estava nas ruas de Leningrado quando os alemães lançaram bombas de quinhentos quilos que arrancavam braços e pernas das mulheres à sua frente na fila, você enfrentou sem medo os canibais, saltou de um trem em movimento para encontrar seu irmão, mas tem medo de rato.

– É isso mesmo – disse Tatiana, desafiadora.

– Não faz nenhum sentido – disse Alexander. – Se uma pessoa é corajosa diante de grandes coisas...

– Você está errado. Mais uma vez. Acabou com as perguntas? Quer perguntar mais alguma coisa? Ou acrescentar alguma coisa?

– Só uma coisa – disse Alexander, com o rosto sério. – Parece – prosseguiu ele lentamente e com voz calma – que achamos três usos para aquele balcão alto demais que eu fiz ontem. – E explodiu numa gargalhada.

– Vá em frente, ria – disse Tatiana. – Vá em frente. Eu estou aqui para divertir você. – Ela piscou.

Pondo seu prato no banco, Alexander tirou o prato das mãos dela e a puxou para ele, para que ficasse em pé entre suas pernas. Ela obedeceu com relutância.

– Tania, você tem ideia de como é engraçada? – perguntou ele, beijando-a no rosto e olhando para ela. – Eu adoro você.

– Se você me adorasse mesmo – disse ela, tentando, sem sucesso, se desvencilhar dos braços dele –, não ficaria aí sentado flertando calmamente comigo, quando podia estar bancando o militar naquela cabana.

– Só para lembrar – disse Alexander, levantando-se –, não se chama mais flerte quando já se fez amor com a garota em questão.

Depois que Alexander entrou, uma sorridente Tatiana sentou-se no banco e terminou de comer. Mais alguns minutos e ele saiu da casa segurando o rifle numa das mãos, a pistola na outra e o punhal de uma baioneta entre os dentes. O rato morto balançava na ponta da baioneta.

– Como eu me saí? – disse ele pelo canto da boca.

Tatiana não conseguiu fazer uma cara séria.

– Muito bem, muito bem – disse ela, rindo demais. – Você não precisava trazer o espólio de guerra.

– Ah, mas eu sei que você não acreditaria que a rato estava morto, a menos que o visse com os próprios olhos.

– Quer parar de falar mal de mim na minha frente? Shura, eu vou acreditar no que você disser – disse Tatiana. – Agora, saia daqui com essa coisa.

– Uma última pergunta.

– Oh, não – disse Tatiana, cobrindo o rosto e tentando não rir.

– Você acha que este rato morto vale o preço de um... rato assassinado?

– Quer fazer o favor de sair?

Tatiana ficou ouvindo sua risada barulhenta indo ao bosque e voltando.

18

Os dois estavam sentados na pedra e pescando. Ou melhor, estavam tentando pescar. Tatiana segurava a linha de pescar na água, mas Alexander havia pousado a sua e estava deitado na pedra, esfregando suas costas nuas. Desde que ela costurara um novo vestido azul de algodão, aberto do pescoço até a base das costas, Alexander parecia incapaz de se concentrar nas pequenas tarefas diante dele, como caçar e apanhar coisas. Ele não queria que ela usasse outra coisa, mas também não conseguia fazer mais nada.

– Shura, por favor. Ainda não pegamos nada. Não quero que Naira Mikhailovna fique brava por você não ter pescado nenhum peixe para ela.

– Humm. Pois é nisso mesmo que estou pensando neste momento: Naira Mikhailovna. Eu lhe disse que deveríamos ter levantado às cinco.

Ela começou:

– Houve um tempo do qual nossas memórias conservam frescos e próximos de nós os horrores... Eu preferia...

– Leia. Eu vou caçar e colher coisas – disse Alexander, beijando-lhe as costas. – Baixe a linha. Eu não consigo pegá-la.

– Já são quase seis da tarde, e não temos nada para o jantar!

– Vamos – disse ele, tirando-lhe a linha de pescar das mãos. Desde quando você me recusa? – perguntou, Alexander, deitando-se. – Tire o vestido e sente em cima de mim. – Depois de gemer de leve, ele fez uma pausa e prosseguiu: – Não, assim não. Vire-se e fique olhando para o rio, com o rosto longe de mim.

– Longe de você?

– Sim – disse Alexander, fechando os olhos. – Quero ver suas costas com você em cima de mim.

Depois, enquanto ela ainda estava olhando para o rio, uma Tatiana relaxada, recolhida e perplexa disse de maneira quase inaudível:

– Talvez eu pudesse continuar pescando. Afinal, estou olhando para a direção certa.

Tocando-lhe a base das costas com suavidade, Alexander não disse nada.

– Você quer me beijar? – perguntou ela, afastando-se dele.

– Quero – disse ele de olhos fechados, mas sem se mexer. – Quantos dias ainda faltam, Tatiana? – perguntou ele, com voz soturna.

– Não sei – sussurrou Tatiana, desviando rapidamente o olhar para o Kama, retomando sua linha de pescar e olhando para a água. – Não estou contando o tempo.

Então, Tatiana ouviu a voz de Alexander atrás dela.

– Por que eu não leio para você agora? Ah, aqui. Aqui está uma passagem de que você vai gostar:

Casar-se? E por que não?

É claro que não vai ser fácil velejar.

Mas e daí? Eu sou jovem e forte,

Contente com o trabalho duro e prolongado.

Logo, se não for amanhã, vou construir para nós

Um simples ninho para o nosso repouso...

E manter...


Ele fez uma pausa. Tatiana sabia que o nome da mulher do poema de Pushkin era Parasha. Ela esperou, os olhos ardendo devido à dor que sentia no coração. Alexander retomou a leitura, agora com voz mais baixa:

E manter Tatiana livre da tristeza,

E num ano ou dois, quem sabe,

Eu terei uma posição confortável,

E será missão de Tatiana

Criar e cuidar de nossos filhos... sim,

Assim nós viveremos e para sempre

Seremos como um, até que a morte nos separe

E os nossos netos nos ponham para descansar...

Ele se deteve. Tatiana ouviu-o fechar o livro.

– Gostou disso?

– Continue a ler, soldado – disse ela, com as mãos trêmulas segurando a linha de pescar. – Continue a ler com entusiasmo.

– Não – disse Alexander atrás dela. Tatiana não se voltou para olhá-lo. Em vez disso, olhando para o lânguido rio, ela prosseguiu de memória:

Assim era o devaneio dele. Mas ele,

Naquela noite, desejava tristemente que o vento

Cessasse seu gemido dolente, que a chuva

Batesse menos loucamente na janela...

Alexander e Tatiana só voltaram a falar depois que voltaram à cabana.

Depois de retornar da casa de Naira, já bem tarde naquela noite, Alexander acendeu o fogo. Tatiana fez chá, e eles se sentaram, ela numa posição de lótus, com ele a seu lado. Ela achou que ele estava muito quieto, mais quieto que de costume.

– Shura – disse ela baixinho –, venha aqui. Ponha sua cabeça em cima de mim. Como você sempre faz.

Ele se deitou com a cabeça no colo dela. Delicada e ternamente, cheia de uma aflição dolorosa, Tatiana tocou-lhe o rosto.

– O que está havendo, soldado? – sussurrou ela, inclinando-se para sentir o cheiro dele. Chá e cigarro. Ela aninhou a cabeça dele entre as coxas e a barriga, beijando-lhe os olhos. – O que o está preocupando?

– Nada – respondeu ele. E não disse mais nada.

Tatiana deu um suspiro.

– Quer ouvir uma piada?

– Desde que não seja aquela que você contou ao Vova.

– Alguns paraquedistas foram ao fabricante de paraquedas. “Ei”, perguntaram eles, “seus paraquedas são bons?” “Bem”, respondeu ele, “nunca tive nenhuma queixa”.

Alexander quase riu.

– Muito engraçado, Tania – disse ele, afastando-se dela num salto e tomando-lhe a xícara. – Eu vou fumar.

– Fume aqui. Deixe as xícaras. Eu cuido delas mais tarde.

– Eu não quero que você cuide delas mais tarde – disse ele. – Por que você sempre faz isso?

Ela mordeu o lábio.

– E por que você sempre tem que servir o Vova? – disse ele, antes de se afastar. – O que foi? Ele tem as mãos quebradas? Não pode se servir sozinho?

– Shura, eu sirvo todo mundo. E você primeiro – completou ela suavemente, depois de uma pausa.

– O que pareceria se eu servisse todo mundo menos ele? – perguntou ela, olhando para Alexander.

– Não quero nem saber, Tania. Só preciso que você não faça mais isso.

Ela não respondeu. Será que ele estava aborrecido com ela?

Tatiana continuou sentada diante da chama bruxuleante, com as pernas cruzadas. Estava escuro, com exceção do círculo ao redor da fogueira e a lua crescente cor de cera. No ar, sentia-se o cheiro de água doce, de madeira queimada e da noite. Ela sabia que Alexander estava sentado no banco junto à casa, um pouco atrás dela, e que ele a estava observando. Ele estava começando a fazer isso cada vez com mais frequência. E fumava. E fumava.

Ela se voltou para ele. Alexander a estava observando e fumando. Erguendo-se, Tatiana foi até ele e deteve-se junto de suas pernas.

– Shura... – perguntou ela timidamente, pisando-lhe os pés –, você quer entrar?

Ele balançou cabeça.

– Vá você. Vou ficar sentado aqui um pouco, esperando a fogueira apagar.

Tatiana olhou para ele, examinou-o, procurou seus olhos, os lábios, as mãos ligeiramente trêmulas. Tornando a morder o lábio, ela não se mexeu.

– Vá você – repetiu Alexander.

Indo para mais perto dele, ela afastou-lhe as pernas e ajoelhou-se no chão diante dele. Sua respiração rasa tornou-se mais rápida. Olhando para o rosto dele e massageando suas pernas, Tatiana disse:

– O que eu amo?

Alexander não respondeu.

– O que você ama? – perguntou ela, tornando a tocá-lo.

– Sua boca suave em mim – disse ele com voz pastosa.

– Mmm – disse ela, abrindo-lhe os cordões da calça. – Está escuro demais? Ou você consegue enxergar?

– Eu consigo enxergar – disse ele, segurando-lhe a cabeça quando ela começou a se ocupar dele.

– Shura?

– Mmm?

– Eu amo você.

19

Alexander estava no bosque escuro recolhendo gravetos. Tatiana o chamou, mas ele não respondeu. Ela queria vê-lo antes de sair correndo para a casa de Naira. Em cima do banco, ela deixou-lhe um prato com batatas fritas, dois tomates e um pepino. Quando ele voltava do bosque, estava sempre com fome. Perto do prato, ela deixou uma xícara de chá preto adoçado e, a seu lado, um cigarro e um isqueiro.

O engraçado marido de Tatiana havia perdido o interesse por coisas engraçadas. Ele só se interessava por fumar e cortar madeira. Era tudo o que agora fazia. Fumava sozinho, cortava lenha para ele. Eles continuavam, ocasionalmente, a acordar antes da aurora e ir pescar quando o Kama estava plácido como vidro, o ar nevoento e azul. Iam silenciosos e sonolentos até sua pedra junto à margem do rio, bem ao lado de sua clareira. Alexander, é claro, tinha razão. Era a melhor hora para pescar. Eles pescavam meia dúzia de trutas em quatro ou cinco minutos. Ele as deixavam vivas numa cesta numa rede que pendia de um ramo de álamo e ficava mergulhada no rio. Então, ele fumava, enquanto Tatiana escovava os dentes e voltava para a cama.

Depois de fumar e nadar, Alexander voltava para a cama, e Tatiana, como sempre, o recebia, depois de ter esperado por ele, procurando ouvir seus ruídos, e rezado por ele. Ela ficava imoderadamente excitada por ele. Ele a possuía. Do modo que Alexander desejasse oferecer-lhe sua notável coroa, Tatiana a aceitava, ainda que fosse debaixo do gelo da aurora.

Contudo, se antes Alexander sentia enorme prazer em tocá-la com seus membros gelados, ultimamente ele começara a tocá-la como se ela fosse de um calor escaldante, como se ele queimasse nela. Ele era atraído por esse fogo, não conseguindo evitar tocá-la, mas agora ele a tocava como se soubesse que as queimaduras que ia infligir a si mesmo deixariam cicatrizes pelo resto da vida, se antes elas não o matassem.

O que havia acontecido com o Shura que costumava persegui-la, agarrá-la, derrubá-la no chão, lambendo-a e lhe fazendo cócegas? O que acontecera com o Shura que precisava fazer amor com ela em plena luz do dia para que pudesse vê-la? Onde estava ele, o homem que ria, o homem que fazia piadas, o homem impetuoso, o homem descuidado? Gradativamente, ele parecia ter se afogado e ressuscitado como o Alexander que pouco mais fazia além de fumar, cortar lenha e observá-la.

Às vezes, quando Tatiana dormia profundamente, toda aconchegada nele, confortável e em paz, era repentinamente despertada no meio da noite por Alexander. Ela não se movia nem o reconhecia. Ela sentia que ele estava acordado, incapaz de respirar, sufocando-a, sugando sua respiração. Ela ouvia sua respiração entrecortada, sentia seus lábios roçando-lhe o cabelo e desejava que nunca mais fosse capaz de respirar.

Tatiana estava descascando tomates, enquanto as lágrimas desciam-lhe pelo rosto.

– Vai a algum lugar? – ela o ouviu dizer atrás dela.

Alexander era um soldado bastante astuto. Ela enxugou os olhos rapidamente, limpou a garganta e disse:

– Aguente um pouco. Estou quase terminando.

A luz estava quase se extinguindo; talvez ele não visse seu rosto molhado.

Voltando o rosto para ele e sorrindo, viu que ele estava perspirando e coberto de farpas de madeira.

– Você andou apanhando mais gravetos? – perguntou ela, com o coração começando a disparar. – De quanta madeira eu vou precisar? – prosseguiu ela, colocando-se junto dele. – Mmm... você está com um cheiro delicioso – murmurou ela, perdendo a respiração devido ao cheiro e à visão dele.

– Por que o seu rosto está todo vermelho?

– Eu andei cortando cebola para as batatas. Você sabe como é cebola.

– Só estou vendo um prato. Eu perguntei se você vai a algum lugar – insistiu ele, sem sorrir.

– É claro que não – disse Tatiana, limpando a garganta.

– Eu vou me lavar.

– Não se preocupe com isso – disse ela, indo descalça até Alexander e se sentindo vulnerável e excitada. – Eu sempre me sinto tão pequena quando você está de botas – sussurrou ela, olhando para ele.

O corpo de Alexander a deixava imóvel. Sua mão esquerda segurou a cabeça dela, a direita, seu traseiro. O corpo dele estava sobre ela, dentro dela, em torno dela e acima dela. Ela não conseguia se movimentar sem que ele permitisse. Totalmente submissa a ele, Tatiana sentia Alexander em cada investida em seu amor por ela, lutando em meio à necessidade dela. Então, ela entendeu: Alexander conhecia muito bem sua própria força.

Debaixo dele, Tatiana pressionou os lábios contra a clavícula dele.

– Oh, Shura... eu preciso tanto de você – disse ela, lutando para não chorar.

– Eu estou aqui. Sinta-me – disse ele, num estalido de voz.

– Estou sentindo, soldado – sussurrou ela. – Estou sentindo.

Logo Tatiana sentiu a onda abrasadora começar a inundá-la e mordeu o lábio para conter os gemidos. Mas ela sabia que Alexander se deu conta disso, pois ele a abraçou de maneira tensa, depois parou de se mover e se afastou. Está começando, pensou Tatiana, abrindo as mãos e pedindo por ele. Está começando e vai durar a noite toda, até ele, por fim, gentil e machucado, rítmico e enfraquecido, despejar sua raiva e sua ansiedade em mim, até ficar exausto, e eu também, até nós dois não conseguirmos fugir de seu doloroso pesar.

Era noite. Tatiana estava olhando, sem piscar, para Alexander deitado de bruços, o rosto virado para ela, os olhos fechados. Ela estava ao lado dele em silêncio, ouvindo sua respiração, tentando perceber se ele estava dormindo. Ela achou que não. A cada quatro respiradas, Alexander tremia, como se estivesse pensando. Tatiana não queria que ele pensasse. Lentamente, ela desenhou pequenos círculos nas costas dele com os dedos. Alexander murmurou alguma coisa e virou o rosto para o outro lado.

Do que ele precisa?, pensou ela. O que eu posso lhe oferecer?

– Você quer uma massagem? – perguntou ela, beijando-lhe o alto do braço e correndo a palma da mão por seus ombros rijos. Ela o apertou. – Você me ouviu?

Ele se virou para ela, abrindo um olho.

– Você sabe fazer massagem?

– Sei – disse ela, sorrindo. Ele estava só de cueca. Ela se colocou em cima dele.

– Tania, o que é que você entende de massagem?

– O que você quer dizer com isso? – disse ela, de maneira provocativa e beliscando seu o traseiro. – Eu já fiz muita massagem.

– Fez mesmo?

Ela sabia que isso lhe chamaria a atenção.

– Fiz, sim. Pronto? Lá vai o trenzinho – começou Tatiana, com a ponta dos dedos traçando duas longas paralelas descendo-lhe a espinha, movendo-se do pescoço, até o elástico de sua cueca.

– Corre o trem, corre o trem – disse ela, traçando pequenas linhas perpendiculares nas costas dele. – E aí vai o trem atrasado... – e traçou uma linha descendente em zigue-zague. – E vai derramar todo o melado – brincou ela, fazendo-lhe cócegas nas costas.

Alexander riu, segurando a cabeça com as mãos.

Tatiana sentiu ganas de beijá-lo. Mas isso não fazia parte do jogo.

– As galinhas vêm para ciscar – disse ela, cotucando-o com os dedos.

– Os gansos vêm para beliscar – prosseguiu ela, beliscando-o por toda parte.

– O que isso quer dizer?

– As crianças vêm para pisar! – disse Tatiana, batendo-lhe nas costas com as palmas das mãos.

– Ei – disse ele. – Por que você está me batendo.

– Os ladrões vêm para salgar, apimentar e comer – guinchou ela, fazendo-lhe cócegas. Ele se contorceu todo. Adoro quando ele sente cócegas, pensou Tatiana com prazer. Ela não conseguiu resistir e mordeu suas costas. Ele estava todo alegre debaixo dela, contorcendo-se com cócegas. Quando ela o mordeu, ele ronronou.

– Aí vem Dedushka, ele vem colher grãos – disse Tatiana, tocando em Alexander com os dedos. – Aí vem o zelador do zoológico.

– Oh, não. O zelador do zoológico não – disse Alexander.

– Ele se senta e começa a escrever – disse Tatiana, desenhando uma mesa e uma cadeira. Também desenhou linhas embaralhadas nas costas de Alexander.

– Por favor, deixe minha filha entrar no zoológico e, por favor, colha todo o grão. Ele escreve um ponto final... coloca um carimbo... – prosseguiu ela, dando um leve tapa em Alexander.

– Trrrr – fez ela, tocando-lhe as costelas. Ele deu um pulo, ela riu.

– Hora de pôr no correio! – Tatiana puxou o elástico da cueca dele. Ela abaixou um pouco a cueca e acariciou seu traseiro.

Alexander ficou sem se mover.

– Já acabou? – perguntou ele com voz abafada.

Rindo, Tatiana deitou-se em cima dele.

– Acabou – disse ela, beijando-o entre os ombros. – Você gostou? – Ela adorou sentir as costas nuas dele sob seu corpo, como se fosse uma cama firme. Ele me carregou nas costas, pensou ela. Carregou-me por nove quilômetros, eu e o rifle dele. Tatiana roçou o queixo contra a omoplata bastante queimado de sol de Alexander. Um mês exposto ao sol quente. Ela piscou.

– Hmm. Interessante. Esse foi algum tipo de massagem russa?

Tatiana contou-lhe que ela e as crianças de Luga faziam essa massagem umas nos outras vinte vezes por dia, cada vez mais forte e mais sensível. Ela não mencionou que ela e Dasha também a faziam incansavelmente uma na outra.

Alexander saiu de baixo de Tatiana.

– Minha vez – disse ele.

– Oh, não! – gritou ela. – É melhor você ficar bonzinho.

– Vire-se.

Tatiana virou-se, ainda vestida.

– Espere. Levante, levante. Tire esse vestido – disse ele, ajudando-a a tirá-lo.

Tatiana deitou-se de bruços diante de Alexander, o cabelo amarrado com fitas brancas nas laterais da cabeça, o pescoço exposto, as costas expostas, a pele lisa, cor de creme, de cetim. Ela tinha sardas nos ombros devido ao sol, mas o restante de seu corpo era de marfim. Inclinando-se sobre ela, Alexander traçou uma linha da omoplata até o pescoço com sua língua. Ele puxou as fitas do cabelo dela. Sua respiração era curta.

– Espere, vamos tirar isso também – disse ele, puxando sua calcinha de seda azul.

Tatiana ergueu o quadril.

– Shura – disse ela –, como você vai fazer a parte do elástico no final se você tirar minha calcinha?

Atordoado, como sempre, à vista das cadeiras delas movendo-se para cima, Alexander tomou na boca a pele perto do seu ombro.

– Como não temos um trem carregando grãos ou ursos pisando nas suas costas, talvez possamos imaginar o elástico da sua calcinha também? – disse ele, vendo que ela sorria de olhos fechados. Com uma das mãos, tirou a cueca.

Enquanto ele continuava a beijá-la entre as omoplatas, ela gemia baixinho, dizendo:

– Você não está observando as regras do jogo.

– Muito bem, tudo certo agora? – perguntou ele. Apoiando-se nos joelhos, ele montou sobre ela e começou.

– Corre o trem, corre o trem – disse Tatiana, tentando ajudá-lo.

Alexander traçou duas linhas, do pescoço dela até suas nádegas.

– Isso é bom – disse Tatiana –, mas você não precisa descer tanto.

– Não? – disse ele, sem tirar as mãos de suas nádegas.

– Não – repetiu ela, mas com mais rapidez.

– As galinhas... – disse Alexander. – O que é mesmo que elas fazem?

– Elas ciscam – disse ela.

Alexander cutucou-a suavemente com os dedos. Então, abanou-a da espinha às costelas. As mãos se colocaram em torno dos seios dela.

– E os gansos? – perguntou ele, acariciando-a.

– Eles beliscam – respondeu ela. Suavemente, ele começou a apertar-lhe os mamilos. – Shura, você vai ter que fazer melhor que isso – disse Tatiana, erguendo ligeiramente os seios da cama. Ele apertou-lhe os mamilos com menos gentileza. – Mmmm – murmurou ela.

– Os ladrões vêm para... – disse Alexander, afastando-se dela, abrindo-lhe as pernas e se ajoelhando entre elas. – Eles vêm para salgar – disse ele, puxando-lhe os quadris em sua direção. – Eles apimentam – prosseguiu ele, deslizando totalmente para dentro dela. Tatiana deu um grito, agarrando o lençol com as duas mãos. – E eles comem... uma vez... outra vez... e outra vez... – disse ele, sem se deter, dobrando-se sobre ela, pressionando a palma da mão contra as costas dela e a deslizando até seus brilhantes cabelos dourados. Então, fechou os olhos e se aprumou, com as mãos apertando-lhe os quadris como um torno.

– Isso foi algum tipo – murmurou Tatiana, depois – de massagem americana? Pois, definitivamente, não estava nas regras.

Ele riu, mas seus olhos continuavam fechados.

– Você sabe muito bem que eu nunca mais vou sentir a mesma sensação com relação àquele jogo – disse ela.

– Ótimo – disse Alexander. – Como você não sente a mesma sensação quando brinca de piques?

– Sim, e você estragou esse também – murmurou ela.

Alexander inclinou-se para ela e a abraçou por trás, ainda dentro dela, sentindo-se incapaz de trazê-la perto o suficiente dele.

20

Tarde da noite, Tania e Shura estavam jogando pôquer do tipo em que se tira uma peça de roupa ao perder. Tania, Tania, Tania. Que desafia a morte. Que confirma a vida. Que fabrica estrelas. Indomável. Ridiculamente bonita, Tania odiava perder. E estava perdendo deslavadamente no pôquer. Alexander precisava se concentrar nas cartas, e não nela.

Tendo acabado de perder a blusa, sua esposa queixosa estava meio erguida, apoiando-se no braço, enquanto Alexander estava ajoelhado e se inclinando para frente, sugando-lhe os mamilos demoradamente. Eles estavam na clareira, diante da fogueira debaixo da lua crescente cor de cera.

– Leve-me para dentro – sussurrou ela.

– Só depois de você perder outra mão – disse ele, mas não conseguiu se afastar dela. – Olhe para mim, Tania. Fico sem chão quando estou com você...

– Você não está totalmente sem chão – disse ela, agarrando-o e caindo de costas no cobertor. – E eu não vou perder outra mão.

As coisas não corriam bem no pôquer para Tatiana, mas iam muito bem para Alexander. Ela só tinha a calcinha para tirar. Minha calcinha e minha aliança – observou ela. – Acho que posso vencer em duas tentativas.

– Se você tirar essa aliança, não precisa tornar a colocá-la nunca mais – disse Alexander enquanto dava as cartas.

Ele ficou observando-a examinar a mão. Alexander mal conseguia prestar atenção na dele. Junto ao fogo, o rosto poético de Tatiana estava concentrado nas cartas que ela mantinha diante do peito para cobrir-se dos olhos xeretas do marido. Alexander queria que ela descesse as cartas. Ele tomou fôlego. Logo ele estaria com ela.

– How do you say... hit me. – perguntou ela em inglês e sorrindo. – Twice.

Ela se concentrou. De repente, seu rosto se iluminou. Seus olhos brilharam. Voltou-os para ele e disse em russo:

– Tudo bem, aumento a aposta em dois copeques.

– Eu dobro os seus dois – disse Alexander, tentando ficar sério. – Vamos, Tatia – acrescentou, sorrindo. – Mostre-me o que você tem.

– A-rá! – disse ela, baixando um full house4 e olhando para ele com os olhos brilhando.

– A-rá, nada – disse Alexander, baixando suas cartas. Ele tinha quatro reis.

– O quê? – Ela franziu o cenho.

– Eu ganhei. Quatro reis – disse ele, apontando para a calcinha dela. – Vamos lá... tire-a.

– O que você quer dizer com isso?

– Quatro cartas do mesmo tipo suplantam um full house.

– Ah, como você é mentiroso – disse ela, enfurecida, jogando as cartas em cima dele e cobrindo os seios com as mãos.

Ele afastou as mãos dela.

– Isto aqui não é Luga. Eu os vi – disse ele, rindo. – Eu já...

– Até que enfim – disse ela, tornando a se cobrir – eu entendi por que você sempre ganha. Você rouba.

Alexander não conseguia parar de rir. Nem conseguia mais embaralhar as cartas.

– Quantas vezes tenho que explicar, Camarada Lembro-me-de-tudo-
-que-você-me-diz? – disse ele, avançando e puxando-lhe a calcinha. – Regra é regra. Fora com ela.

Tatiana afastou-se dele no cobertor.

– Sim, regra fraudulenta – afirmou ela desafiadora. – Vamos jogar de novo.

Vamos jogar de novo, mas você vai jogar nua. Pois você perdeu esta partida.

– Shura! No outro dia mesmo você disse a Naira Mikhalovna que o seu full house batia as quatro cartas do mesmo naipe dela. Você é o maior dos ladrões. Não vou jogar mais se você roubar.

– Tania, no outro dia, Naira Mikhailovna tinha três cartas iguais, e não quatro, e eu tinha um straight5, e um straight bate três cartas do mesmo naipe – disse Alexander, olhando para ela e rindo com gosto. – Eu não preciso roubar para vencer você no pôquer. No dominó, sim. Mas não no pôquer.

– Se não precisa roubar, então por que rouba? – perguntou Tatiana.

– Aí é que está – disse Alexander, pousando as cartas. – A sua calcinha vai baixar, de um jeito ou de outro. Eu venci e ponto final.

– Trapaceou e ponto final – ela contrapôs.

Alexander estava usando suas calças do exército. Estava nu da cintura para cima. As mãos de Tatiana ainda estavam sobre seus seios, mas seus lábios estavam úmidos e ligeiramente abertos, e seus olhos vagavam pelo torso nu do marido.

– Tania – disse ele, olhando diretamente para ela –, você quer que eu siga às regras à risca?

– Quero – disse ela, levantando-se num salto. – Quero ver você fazer isso.

Alexander gostou de espírito de luta da esposa. Ele só demorou alguns segundos para saltar do cobertor e ir atrás dela, mas Tania não se deteria por nada. Quando ele se levantou e correu, ela já estava no Kama.

Alexander parou na beira da água.

– Você está maluca! – gritou ele.

– Estou mesmo, e a sua trapaça no pôquer foi para me fazer tirar a roupa! – berrou ela do meio do rio.

Alexander cruzou os braços sobre o peito.

– Eu preciso mesmo trapacear no pôquer para tirar a sua roupa? Eu não consigo mantê-la em você.

– Ora, seu...

– Saia – disse ele, rindo, mas sem conseguir vê-la. Ela era uma forma escura no rio. – Vamos, saia daí.

– Entre e me pegue se você é tão esperto.

– Sou esperto, mas não sou louco. Não vou entrar no rio de noite. Venha.

Ele a ouviu cacarejar como uma galinha.

– Ótimo – disse Alexander, virando e se afastando da margem. Ele voltou para a fogueira, apanhou as cartas, os cigarros e as xícaras de chá. Levou tudo, inclusive o cobertor, para dentro da casa e, então, voltou. A clareira estava quieta. O rio também estava quieto. Agora, à noite, o ar estava mais frio.

– Tania! – chamou ele.

Nada.

– Tania – chamou ele mais alto.

Nada.

Alexander caminhou rapidamente até o rio. Ele não conseguia ver nada. A lua estava pálida; as estrelas não se refletiam na água.

– Tatiana! – gritou ele com força.

Silêncio.

De repente, Alexander se lembrou da suave corrente do meio do rio Kama, as pedras que às vezes eles atiravam nela, os pedaços de madeira que nela flutuavam. O pânico e a adrenalina o atingiram.

– Tania! – berrou ele. – Isso não é nada engraçado! – disse ele, procurando ouvir um barulho na água, uma respiração, um ruído.

Nada.

Ele correu para a água sem tirar as calças.

– Você não vai querer nem chegar perto de mim se isso for mais uma de suas brincadeiras.

Nada.

Alexander nadou contra a corrente, gritando por ela.

– Tania!

Ele olhou para a margem.

E lá estava ela...

Em pé, já seca, usando uma saia longa, enxugando o cabelo e o observando. Ele não conseguia ver a expressão dela porque a fogueira estava atrás dela, mas, quando ela falou, ele notou que havia um belo sorriso em seu rosto.

– Achei que você não queria entrar no Kama de calças, não é mesmo, seu grande trapaceiro.

Ele ficou sem fala. Aliviado, mas sem fala.

Saindo rápido da água, Alexander se aproximou dela tão depressa que ela se afastou, tropeçou e caiu no chão, olhando para ele, com o sorriso se evaporando.

Ele ficou em pé diante dela alguns segundos, resfolegando e balançando a cabeça.

– Tatiana, você é impossível – disse ele, oferecendo-lhe a mão para levantá-la. Mas não olhou para ela quando a soltou e, escorrendo água, foi para a cabana.

– Foi só uma brincadeira... – ele a ouviu dizer atrás dele!

– Nada engraçada, por sinal!

– Alguém não sabe encarar uma pequena brincadeira – murmurou ela.

– E eu acharia engraçado se você se afogasse? – gritou ele, virando-se para encará-la. – Que parte você pensa que eu acharia particularmente engraçada? – continuou ele, agarrando-a, soltando-a e entrando em casa.

Alexander a ouviu atrás dele e, então, já estava em frente a ele. Encarando-o com ansiedade, ela sussurrou:

– Shura... – Então, tomou-lhe a mão e a colocou sob sua saia. Ela havia tirado a calcinha. Alexander segurou a respiração. Ela era impossível. A mão dele ficou entre as coxas dela. – Eu esperava que você entrasse na água e me salvasse – disse Tatiana contritamente, sentindo-o, desabotoando suas calças. – Você esqueceu a parte em que o cavaleiro resgata a frágil donzela.

– Frágil? – disse Alexander, acariciando-a com os dedos e puxando-a para mais perto. – Você deve estar pensando em outra pessoa. E você esqueceu que sua única função como donzela é fazer amor com o cavaleiro, e não aterrorizá-lo.

– Eu não quis aterrorizar o cavaleiro – murmurou ela quando Alexander a ergueu e a colocou na cama. Ela abriu os braços para ele.

À luz bruxuleante do lampião de querosene, Alexander olhou para sua Tatiana nua na cama, deitada, ansiando por tê-lo, aberta para ele, gemendo por ele. Fizeram amor durante um longo tempo, e ele sabia que ela quase não aguentava, tendo se queimado demais naquela onda de entusiasmo. Tania era tudo em que ele conseguia pensar. Tania. Ele colocou as mãos nos dedos dos pés dela, subiu pelas pernas, entre suas coxas abertas, suavemente, para que ela não se agitasse, indo até o ventre, até o peito, virando-a de um lado para outro, pressionando a palma contra os seios e, então, lentamente movendo a mão em torno de seu pescoço.

– O que foi, Alexander? O quê, querido? – sussurrou ela.

Alexander não respondeu. Sua mão permaneceu na garganta dela.

– Eu estou aqui, soldado – disse Tatiana, colocando a mão sobre a dele. – Sinta-me.

– Estou sentindo, Tania – sussurrou Alexander, curvando-se sobre ela. – Estou sentindo.

– Por favor, me possua – gemeu ela. – Venha... por favor, me possua como você quiser... me possua como eu gosto... vá em frente... mas como eu gosto, Shura...

Ele a possuiu como ela gostava e, então, quando estavam quentes sob as cobertas, exaustos, murmurantes, grudados e saturados um do outro, prontos para dormir, Alexander abriu a boca para falar, e Tatiana disse:

– Shura, eu sei de tudo. Eu entendo tudo. Eu sinto tudo. Não diga nada.

Eles estavam envoltos num abraço apertado, seus corpos nus não apenas pressionados um contra o outro, mas num transe, tentando um processo de Bessemer de fundição, em que pudessem ser transformados em liga e unidos pelo calor, com sua felicidade refrescante e dolorosa talvez, por fim, temperada.

Alexander não se sentia temperado. Sentia-se como se estivesse sendo diariamente soprado da areia para se transformar em vidro ainda quente.

 

 

 


C   O   N   T   I   N   U   A