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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O RETORNO DO REI - P.2 / J. R. R. Tolkien
O RETORNO DO REI - P.2 / J. R. R. Tolkien

 

 

                                                                                                                                                

  

 

 

 

 

 

A MONTANHA DA PERDIÇÃO

Sam colocou a capa esfarrapada de orc sob a cabeça do mestre, cobrindo-se com o manto cinzento de Lórien; enquanto isso acontecia, seus pensamentos fugiram para aquele belo lugar, e para os elfos, esperando que o tecido feito por aquelas mãos pudesse ter alguma virtude de mantê-los escondidos superando qualquer esperança naquele deserto de medo. Ouviu as brigas e os gritos diminuindo, enquanto as tropas avançavam através da Boca Ferrada. Parecia que na confusão e na mistura de várias companhias pão haviam dado pela falta deles, pelo menos não por enquanto. Sam tomou um gole de água, mas forçou Frodo a beber, e, quando seu mestre tinha melhorado um pouco, deu-lhe um naco inteiro do precioso pão de viagem e o fez comer. Então, exaustos demais até para sentirem muito medo, os dois se esticaram no chão. Dormiram um pouco, num sono sobressaltado, pois o suor esfriava-lhes os corpos, as pedras machucavam e eles tremiam. Lá do norte, da direção do Portão Negro através de Cirith Gorgor, vinha sussurrando junto ao chão uma aragem tênue e fria.

 

 

 

 

Pela manhã uma luz cinzenta apareceu de novo, pois nas altas regiões o Vento Oeste ainda soprava; mas lá embaixo nas pedras, atrás das fronteiras da Terra Negra, o ar parecia quase morto, frio e ao mesmo tempo sufocante. A terra ao redor era desolada, plana e pardacenta. Nada se movia agora nas estradas próximas, mas Sam temia os olhos vigilantes na muralha da Boca Ferrada, a menos de duzentos metros ao norte. No sudeste, distante como uma sombra escura e vertical, assomava a Montanha. Despejava fumaça, e, enquanto a porção que subia mais alto se distanciava para o leste, grandes nuvens pesadas flutuavam descendo pelas suas encostas e se espalhavam sobre a terra. A algumas milhas ao nordeste, os pés das Montanhas Cinzentas eram como sombrios fantasmas cor de cinza, atrás dos quais as nevoentas montanhas do norte erguiam-se como uma fileira de nuvens pouco mais escuras que o céu baixo.

Sam tentava adivinhar as distâncias e decidir que caminho deveriam tomar.

— Parecem no mínimo cinquenta milhas — murmurou ele desanimado, fitando a montanha ameaçadora —, e o que leva um dia vai levar uma semana com o Sr. Frodo nas condições em que está. Balançou a cabeça, e, enquanto calculava, um novo pensamento escuro cresceu em sua mente. A esperança morrera por muito tempo em seu forte coração, e até agora ele Sempre conseguira pensar um pouco na volta para casa. Mas a amarga verdade chegara até ele por fim: na melhor das hipóteses, a provisão que tinham os levaria até seu objetivo, e, quando a tarefa estivesse cumprida, então eles acabariam sozinhos, sem casa e sem comida no meio de um terrível deserto. Não poderia haver volta. "Então esse era o trabalho que eu senti que precisava desempenhar quando parti", pensou Sam: "ajudar o Sr. Frodo até o último passo e depois morrer junto com ele? Bem, se esse era o trabalho, é melhor que eu o faça. Mas eu gostaria imensamente de rever Beirágua, e Rosinha Villa e seus irmãos, e o Feitor e Calêndula e todos eles. Não posso conceber a idéia de que Gandalf tenha enviado o Sr. Frodo nessa missão se não houvesse nenhum fiozinho de esperança de ele voltar algum dia. As coisas todas deram errado quando ele caiu em Moria. Gostaria que aquilo não tivesse acontecido. Ele teria feito algo."

Mas no momento em que a esperança morria em Sam, ou parecia morrer, ela se transformou em uma nova força. O rosto simples do hobbit ficou austero, quase cruel, no momento em que sua disposição se endureceu, e ele sentiu um frêmito percorrer-lhe pernas e braços, como se tivesse se transformado em alguma criatura de pedra e aço, que não poderia ser subjugada nem pelo desespero, nem pelo cansaço, nem por milhas infindáveis de terra desolada. Com um novo senso de responsabilidade, trouxe os olhos de volta para a terra que o rodeava, estudando o próximo movimento. Quando a luz aumentou um pouco ele viu, para a sua surpresa, que o que a certa distância parecera uma planície ampla e disforme era na realidade uma região irregular e esboroada. De fato, toda a superfície das planícies de Gorgoroth estava salpicada de grandes buracos, como se, quando ela ainda era uma região coberta de lama mole, tivesse sido atingida por uma chuva de raios e pedras arrojadas por enormes fundas. Os buracos maiores eram contornados por bordas de rocha quebrada, e largas fissuras corriam deles em todas as direções. Era uma região onde seria possível se esgueirarem de esconderijo em esconderijo, sem que ninguém os visse, exceto os olhos mais atentos: possível pelo menos para quem fosse forte e não precisasse ter pressa. Para os famintos e exaustos, que tinham muito a andar antes que a vida lhes faltasse, o lugar tinha uma aparência maligna. Pensando em todas essas coisas Sam voltou para o seu mestre. Não foi preciso acordá-lo. Frodo estava deitado de costas, com os olhos abertos, fitando o céu cheio de nuvens.

— Bem, Sr. Frodo — disse Sam — estive dando uma olhada por aqui, e pensando um pouco. Não há alma viva nas estradas, e é melhor nos mexermos enquanto ainda há uma chance. O senhor consegue?

— Consigo — disse Frodo. — Preciso conseguir.

Partiram mais uma vez, esgueirando-se de concavidade em concavidade, correndo atrás da proteção que conseguiam encontrar. mas sempre se movendo uma linha oblíqua na direção dos pés da cordilheira norte. Mas, à medida que avançavam, a estrada que ficava mais ao leste os seguia, até desaparecer, abraçando as fraldas das montanhas, entrando numa muralha de sombra negra bem adiante. Nem homens nem orcs se moviam agora ao longo de seus trechos planos e cinzentos, pois o Senhor do Escuro quase completara o movimento de suas forças, e mesmo na fortaleza de seu próprio reino ele buscava o sigilo da noite, temendo os ventos do mundo que haviam se virado contra ele, rasgando seus véus, e preocupado com notícias de arrojados espiões que tinham atravessado suas fronteiras.

Os hobbits haviam caminhado algumas milhas difíceis quando pararam. Frodo parecia quase exausto. Sam percebeu que ele não conseguiria avançar muito daquele modo, arrastando-se, agachando-se, por vezes tomando um caminho duvidoso com muito vagar, por vezes se apressando numa corrida aos trambolhões.

— Vou voltar para a estrada enquanto ainda perdura a luz, Sr. Frodo — disse ele. — Confiemos na sorte mais uma vez! Ela quase nos abandonou da última vez, mas foi só quase. Um passo firme por mais algumas milhas, e depois descansamos.

Ele estava assumindo um risco muito maior do que imaginava, mas Frodo estava por demais ocupado com seu fardo e com a luta em sua mente para discutir, e quase desesperado demais para se preocupar. Subiram até a estrada, e avançaram com dificuldade, descendo o caminho cruel que conduzia à própria Torre Escura. Mas a sorte os acompanhou, e pelo resto daquele dia eles não encontraram nada vivo ou em movimento; quando a noite caiu, desapareceram dentro da escuridão de Mordor.

Toda a terra parecia se preparar agora para a chegada de uma tempestade: pois os Capitães do Oeste tinham passado pela Encruzilhada e ateado fogo nos campos mortais de Imlad Morgul. Assim continuou a viagem desesperada, enquanto o Anel ia para o sul e as bandeiras dos reis cavalgavam para o norte. Para os hobbits, cada dia, cada milha, era mais amargo que o anterior, pois sua força diminuía e a terra se tornava mais maligna. Não encontraram inimigos durante o dia. As vezes, durante a noite, quando se escondiam ou cochilavam inquietos em algum esconderijo á margem da estrada, escutavam gritos e o ruido de muitos pés, ou a passagem veloz de algum cavalo conduzido impiedosamente. Mas muito pior que todos esses perigos era a ameaça cada vez mais próxima que incidia sobre eles enquanto avançavam: a ameaça terrível do Poder que esperava, concentrado em pensamentos profundos e numa malícia sempre vigilante, atrás do véu escuro que protegia seu Trono. Chegava cada vez mais perto, assomando mais negra, como o avanço de uma muralha de noite na última extremidade do mundo. Finalmente chegou um anoitecer terrível; no momento em que os Capitães do Oeste se aproximavam do fim das terras viventes, os dois andarilhos depararam com uma hora de desespero cego. Já haviam se passado quatro dias desde que tinham fugido dos orcs, mas o tempo se estendia atrás deles como um sonho cada vez mais escuro. Durante todo esse último dia, Frodo não dissera uma palavra, mas caminhara meio curvado, sempre tropeçando, como se seus olhos não enxergassem mais o caminho diante de seus pés. Sam achava que em meio a todas as dores ele suportava a pior, o peso crescente do Anel, um fardo sobre o corpo e um tormento para a mente. Ansioso, Sam notara como a mão esquerda do mestre sempre se levantava, como se para desviar um golpe, ou para proteger seus olhos contrai dos do terrível Olho que procurava penetrá-los. E algumas vezes a mão direita se dirigia ao peito, agarrando, e depois devagar, quando o controle era recuperado, a mão se afastava outra vez. Agora, quando o negrume da noite retornara, Frodo sentou-se, com a cabeça entre os joelhos, os braços soltos, as mãos caídas no chão e crispando-se levemente. Sam o observou, até que a noite cobriu ambos e os ocultou um do outro. Não conseguia mais encontrar palavra alguma para dizer, e voltou-se para os próprios pensamentos sombrios. Quanto a ele, embora estivesse exausto e sob uma sombra de medo, ainda lhe restava alguma força. O lembas tinha uma virtude sem a qual os dois teriam há muito tempo se deitado á espera da morte. Não satisfazia o desejo, e algumas vezes a mente de Sam se enchia com lembranças de comida, e o desejo de um simples pão e carnes. E, apesar disso, aquele pão-de-viagem dos elfos tinha um poder que aumentava à medida que os viajantes confiavam apenas nele, sem misturá-lo a outras comidas. Alimentava a disposição, e dava forças para resistir; e para dominar os tendões e os membros, uma capacidade que ia além da medida dos mortais. Mas agora uma nova decisão precisava ser tomada. Não podiam mais seguir por aquela estrada, pois ela prosseguia rumo ao leste e entrava na grande Sombra, e a Montanha já assomava á direita, quase na direção do sul, e eles precisavam rumar para lá Mas diante dela ainda se estendia uma ampla região de terra fumegante, desolada, coberta de cinzas.

— Água, água! — murmurou Sam. — Privara-se de beber, e em sua boca ressecada a língua parecia grossa e inchada. Apesar de todo o cuidado, agora lhes sobrava muito pouco, cerca de metade de sua garrafa, e talvez houvesse ainda dias à frente. Tudo teria terminado há muito tempo se eles não tivessem se arriscado pela estrada dos orcs. Pois, a longos intervalos na estrada, cisternas haviam sido construídas para o uso de tropas enviadas com urgência através das regiões secas. Numa delas Sam encontrara um resto de água salobra, emporcalhada pelos orcs, mas que ainda serviu para o seu caso extremo. Mas isso já fora há um dia. Não havia esperanças de encontrarem mais.

Por fim, exausto pela preocupação, Sam cochilou, deixando o amanhã para quando o amanhã chegasse; não podia fazer mais nada. Sonho e vigília se misturaram num sono sobressaltado. Sam via luzes como olhos que exultavam numa satisfação maligna, e formas escuras a espreita; ouvia ruídos de animais selvagens ou os gritos aterrorizantes de seres torturados; acordava então para ver o mundo todo escuro e apenas um negrume vazio ao redor. Apenas uma vez, quando se levantou e olhou alucinado á sua volta, pareceu-lhe que, embora estivesse acordado, ainda podia ver luzes pálidas como olhos, mas logo elas piscaram e desapareceram.

A noite odiosa passou devagar e relutante. A luz do dia seguinte era fraca, pois ali, à medida que a Montanha se aproximava, o ar era sempre tenebroso, enquanto vindos da Torre Escura insinuavam-se os véus de Sombra que Sauron tecia ao redor de si. Frodo estava deitado de costas, imóvel. Sam parou ao lado dele, relutando em falar, e ao mesmo tempo sabendo que a palavra agora era sua: precisava animar a vontade do mestre para mais um esforço. Por fim, abaixando-se e acariciando a testa de Frodo, falou-lhe ao ouvido.

— Acorde, Mestre! — disse ele. — É hora de partirmos de novo.

Como se despertado de repente por uma campainha, Frodo acordou apressado e levantou-se, olhando para o sul; mas, quando seus olhos contemplaram a Montanha e o deserto, ele fraquejou de novo.

— Não consigo, Sam — disse ele. — É um peso tão grande para carregar, tão grande.

Sam já sabia antes de falar que seria em vão, e que tais palavras poderiam causar mais mal que bem, mas em sua pena não conseguiu se manter calado.

— Então deixe-me carregá-lo um pouco para o senhor, Mestre — disse ele. — O senhor sabe que eu faria isso, de bom grado, enquanto me restassem forças.

Uma luz selvagem se acendeu nos olhos de Frodo.

— Afaste-se! Não me toque! — gritou ele. — Ele é meu, estou dizendo. Saia daqui! — Sua mão procurou o punho da espada. Mas então, de súbito, sua voz se alterou de novo. — Não, não, Sam — disse ele com tristeza. — Mas você precisa me entender. O fardo é meu, e ninguém mais pode carregá-lo. Agora é tarde demais, Sam, meu querido. Você não pode me ajudar dessa forma outra vez. Agora estou quase totalmente dominado pela força dele. Não conseguiria me desfazer dele, e se você tentasse tomá-lo eu enlouqueceria.

Sam concordou com a cabeça.

— Eu compreendo — disse ele. — Mas estive pensando, Sr. Frodo, há outras coisas das quais podemos nos privar. Por que não tornar o fardo um pouco mais leve? Estamos indo para lá agora, o mais direto possível. — Apontou para a Montanha. — Não adianta levarmos coisa alguma sem termos certeza de que precisaremos dela.

Frodo olhou de novo na direção da Montanha.

— Não — disse ele —, não vamos precisar de muita coisa naquela estrada. E no fim não precisaremos de nada. — Pegando o escudo de orc, jogou-o fora, e o capacete foi em seguida. Então, despindo a capa cinzenta, desafivelou o cinto pesado e o deixou cair no chão, juntamente com a espada na bainha. Rasgou os trapos da capa preta, jogando-os fora também.

— Pronto, não serei mais um orc — exclamou ele — e não carregarei mais arma alguma, fina ou feia. Que eles me peguem, se quiserem.

Sam fez a mesma coisa, e deixou de lado sua roupa de orc; tirou também todas as coisas de sua mochila. De certa forma, apegara-se a cada uma delas, mesmo que fosse apenas por tê-las carregado até agora com tanto esforço. O mais dificil foi se separar de seu equipamento de cozinha. Lágrimas minaram-lhe nos olhos quando pensou em jogá-lo fora.

— O senhor se lembra daquela porção de coelho, Sr. Frodo? — disse ele. — E do nosso lugar sob o abrigo quente do barranco na terra do Capitão Faramir, no dia em que vi um olifante?

— Não, receio que não, Sam — disse Frodo. — Pelo menos, sei que essas coisas aconteceram, mas não consigo vê-las em minha mente. Nem sentir o gosto de comida, nem a sensação da água, nem ouvir o som do vento. nem me lembrar de árvore ou grama ou flor, nenhuma imagem de lua ou estrela me resta. Estou nu no escuro, Sam, e nenhum véu se coloca entre mim e a roda de fogo. Começo a vê-la até com os olhos despertos, e todo o resto desaparece.

Sam se aproximou e beijou-lhe a mão.

— Então, quanto mais cedo nos livrarmos dela, mais cedo descansaremos — disse ele com hesitação, sem encontrar palavras melhores. — Falar não vai melhorar nada — murmurou ele consigo mesmo, enquanto reunia todas as coisas que os dois haviam separado para jogar fora. Não estava disposto a deixá-las jazendo desprotegidas no deserto, para que quaisquer olhos as vissem. — Fedegoso pegou aquela camisa de orc, ao que parece, e não vai juntar nenhuma espada a ela. Suas mãos já são más o suficiente quando vazias. E ele não vai emporcalhar minhas panelas! — Com isso ele carregou todo o equipamento até uma das fissuras que recortavam a paisagem e jogou-as lá dentro. A batida das preciosas panelas caindo no escuro soou como um dobre fúnebre em seu coração. Voltou para perto de Frodo, e de sua corda élfica cortou um pequeno pedaço para servir de cinto ao mestre, e amarrou a capa cinzenta firmemente em volta de sua cintura. Enrolou a sobra cuidadosamente, tornando a guardá-la. Junto com a corda guardou apenas o que restava do pão de viagem e a garrafa de água; Ferroada ainda pendia-lhe do cinto, e escondidos bolso da túnica próximo ao peito estavam o frasco de Galadriel e a pequena caixa que ela lhe dera.

Agora, por fim, viraram o rosto para a Montanha e partiram, sem mais pensarem em se esconder, concentrando o cansaço e a vontade fraquejante apenas na única tarefa de prosseguir. Naquele dia desolado e escuro, poucos seres poderiam tê-los espionado, mesmo naquela terra de vigilância, a não ser que estivessem bem próximos.

De todos os escravos do Senhor do Escuro, apenas os nazgúl poderiam tê-lo advertido do perigo, pequeno mas indomável, que se esgueirava para dentro do próprio coração de seu vigiado reino. Mas os nazgúl com suas asas negras estavam longe em outra missão. Estavam reunidos num ponto distante, cobrindo de sombras a marcha dos Capitães do Oeste, e para lá também o pensamento da Torre Escura se dirigia.

Naquele dia, Sam teve a impressão de que seu mestre encontrara alguma força nova, mais do que se poderia explicar pela pequena diminuição do peso que tinham de carregar. Nas primeiras marchas, os dois avançaram mais e com maior velocidade do que ele esperara. A terra era acidentada e hostil, e apesar disso eles fizeram muito progresso, e a Montanha se aproximava cada vez mais. Mas, quando o dia foi terminando e precocemente a luz fraca começou a se apagar, Frodo se abaixou de novo e começou a cambalear, como se o esforço renovado tivesse exaurido as forças que lhe restavam. Na última parada, ele foi ao chão e disse:

— Estou com sede, Sam — e não falou mais nada.

Sam lhe deu um gole de água; agora só restava mais um gole. Ele mesmo ficou sem, e agora, quando mais uma vez a noite de Mordor se fechava sobre eles, atravessando todos os seus pensamentos lhe chegava a lembrança de água, e cada riacho ou rio ou fonte que vira na vida, sob as sombras verdes de salgueiros ou faiscando ao sol, dançava e se encrespava para seu tormento atrás da cegueira de seus olhos. Sentia a lama fresca nos pés que chapinhavam no lago em Beirágua, com Jolly Villa, Tom e Nibs, e a irmã deles, Rosinha. — Mas isso foi há anos – suspirou ele. — E num lugar muito longe. O caminho de volta, se houver algum, passa pela Montanha. Não conseguiu dormir, e discutia consigo mesmo. — Bem, vamos agora, fizemos melhor do que você esperava — disse ele com firmeza. — Pelo menos começamos bem. Calculo que tenhamos vencido metade da distância antes de pararmos. Mais um dia e terminaremos. — E então parou. — Não seja tolo, Sam Gamgi — chegou-lhe uma resposta na sua própria voz. — Ele não conseguirá prosseguir mais um dia desse jeito, se é que vai conseguir se mover. E você não pode continuar por muito tempo dando-lhe toda a água e a maior parte da comida.

— Ainda posso caminhar um longo trecho, e é o que vou fazer.

— Para onde?

— Para a Montanha, é claro.

— Mas e depois, Sam Gamgi, e depois? Quando você chegar lá, o que vai fazer? Ele não vai ser capaz de fazer coisa alguma por si mesmo. Para sua decepção, Sam percebeu que não tinha uma resposta para isso. Não tinha nenhuma idéia clara. Frodo não lhe dissera muito sobre sua missão, e Sam só sabia vagamente que o Anel precisava de alguma forma ser atirado ao fogo. — As Fendas da Perdição — murmurou ele, com o velho nome surgindo em sua mente. — Bem, se o Mestre sabe como encontrá-las, eu não sei.

— Aí está! — veio a resposta. — É tudo inútil. Ele mesmo o disse. Você é o tolo, continuando a ter esperanças e se esforçando. Vocês poderiam ter-se deitado e dormido juntos há muitos dias, se você não tivesse sido tão teimoso. Mas vai morrer do mesmo jeito, ou em condições piores. É melhor se deitar e desistir de tudo. Nunca vai chegar ao topo, de qualquer forma.

— Vou chegar lá, mesmo que deixe tudo, exceto meus ossos, para trás — disse Sam. — E eu mesmo vou carregar o Sr. Frodo, mesmo que isso arrebente minhas costas e meu coração. Então, pare de discutir!

Nesse momento, Sam sentiu um tremor no chão sob seus pés, e ouviu ou sentiu um retumbar profundo e remoto, como o de um trovão aprisionado na terra. Acendeu-se uma chama breve e rubra, que faiscou sob as nuvens e se extinguiu. A Montanha também dormia um sono inquieto.

Chegou a última etapa da viagem para Orodruin, que foi um tormento maior do que Sam jamais sonhara poder suportar. Sentia dores, e sua boca estava tão ressecada que ele não conseguia sequer engolir um bocado de comida. Tudo continuava escuro, não apenas por causa da fumaça da Montanha: parecia haver uma tempestade se aproximando, e na distância a sudeste havia um faiscar de relâmpagos sob os céus negros. Pior de tudo, o ar estava cheio de vapores; respirar era difícil e doloroso, e os dois foram dominados por uma tontura, de modo que cambaleavam e freqüentemente caíam. E mesmo assim sua força de vontade não cedeu, e eles avançavam com esforço.

A Montanha espreitava cada vez mais de perto até que, se eles levantassem as cabeças pesadas, ela encheria toda a sua visão, assomando vasta diante deles: uma enorme massa de cinza e lava e pedra queimada, da qual um cone de lados íngremes se erguia até as nuvens. Antes que terminasse o crepúsculo que durara todo um dia, e a verdadeira noite chegasse, eles já tinham chegado aos arrastões e tropeções aos próprios pés da Montanha.

Ofegante, Frodo se jogou no chão. Sam sentou-se ao lado dele. Para a sua surpresa, sentiu-se cansado, mas mais leve, e sua cabeça pareceu desanuviar-se de novo. Já nenhum debate perturbava-lhe a mente. Ele agora conhecia todos os argumentos do desespero e não estava disposto a lhes dar ouvidos. Deixara de sentir necessidade ou vontade de dormir, e só desejava ficar acordado, vigiando. Sabia que todos os perigos e riscos convergiam agora para um mesmo ponto. O dia seguinte seria um dia decisivo, o dia do esforço ou do desastre final, do último arranque. Mas quando chegaria? A noite parecia infinita e atemporal, minuto após minuto caindo morto, sem se somar à passagem das horas, sem trazer qualquer mudança. Sam começou a se perguntar se uma segunda escuridão não começara, impedindo o reaparecimento de qualquer outro dia. Por fim tateou procurando a mão de Frodo. Estava fria e trêmula. Seu mestre estava tiritando.

— Não deveria ter deixado meu cobertor para trás — murmurou Sam; e deitando-se tentou confortar Frodo com os braços e o corpo. Então o sono o arrebatou, e a luz apagada do último dia de sua Demanda os encontrou lado a lado. O vento amainara no dia anterior ao se deslocar do oeste, e agora vinha do norte e começava a aumentar; lentamente a luz do sol invisível se infiltrava nas sombras onde estavam deitados os hobbits.

— Agora vamos! Agora, para o último arranque! — disse Sam, esforçando-se para se levantar. Inclinou-se sobre Frodo, despertando-o com delicadeza. Frodo resmungou, mas com um grande esforço de vontade levantou-se vacilante; em seguida caiu sobre os joelhos outra vez. Ergueu os olhos com dificuldade até as escuras encostas da Montanha da Perdição que assomava acima dele, e então penosamente começou a avançar arrastando-se com pés e mãos.

Sam olhou para ele e chorou em seu intimo, mas nenhuma lágrima chegou-lhe aos olhos secos e ardidos.

— Eu disse que o carregaria, mesmo que arrebentasse as costas — murmurou ele —, e é isso que vou fazer!

— Venha, Sr. Frodo! — gritou ele. — Não posso carregar a coisa em seu lugar, mas posso carregá-lo junto com ela. Então vamos subir! Venha, Sr. Frodo, meu querido! Sam vai lhe dar uma carona. É só dizer para onde ir, e ele irá.

Assim que Frodo agarrou-se às suas costas, deixando os braços com folga ao redor do seu pescoço, e prendendo as pernas com firmeza sob seus braços, Sam levantou-se com dificuldade; então, para seu espanto, sentiu que o fardo era leve. Temera mal ter forças para carregar apenas o mestre, e além disso esperara precisar dividir o terrível peso do maldito Anel. Mas não foi assim. Talvez porque Frodo estivesse tão exausto por suas longas dores, pelo ferimento de faca, e pelo ferrão venenoso, além da tristeza do medo e de tanto tempo vagando sem um lar, ou talvez porque algum dom de força final lhe fora concedido, Sam levantou Frodo tão facilmente como se estivesse carregando de cavalinho uma criança hobbit, em alguma brincadeira nos prados ou campos de feno do Condado. Respirou fundo e partiu.

Tinham atingido o pé da Montanha pelo seu flanco norte, um pouco a oeste; ali suas grandes encostas cinzentas, embora irregulares, não eram íngremes. Frodo nada dizia, e assim Sam avançava lutando da melhor maneira possível, sem ter qualquer outro guia a não ser sua própria disposição de escalar até a maior altura que conseguisse, antes que sua força cedesse e sua vontade fosse destruída. Lutava e seguia em frente, subindo e subindo, tomando um ou outro caminho para suavizar a subida, várias vezes tropeçando para a frente e por fim arrastando-se como um caramujo que carrega um fardo pesado nas costas. Quando sua vontade não pôde levá-lo mais adiante, e suas pernas fraquejaram, parou e deitou o mestre no chão suavemente.

Frodo abriu os olhos e respirou fundo. Era mais fácil respirar lá em cima, sobre os vapores pestilentos que se enrolavam e flutuavam mais embaixo.

— Obrigado, Sam — disse ele num sussurro falho. — Quanto caminho ainda resta?

— Não sei — disse Sam , porque não sei para onde estamos indo.

Olhou para trás, e depois para cima; ficou espantado ao ver a distância que percorrera naquele último esforço. A Montanha, erguendo-se ominosa e solitária, parecera maior do que na verdade era. Sam via agora que era menos alta do que os altos passadiços dos Ephel Dúath, que ele e Frodo haviam escalado. As encostas confusas e irregulares de sua enorme base subiam cerca de novecentos metros acima da planície, e acima destas subia por cerca de metade dessa altura o grande cone central, como um vasto forno ou chaminé coroado por uma cratera denteada. Mas Sam já estava quase a meio caminho da base, e a planície de Gorgoroth aparecia escura lá embaixo, envolta em fumaça e sombra. Ao olhar para cima Sam poderia ter dado um grito, se sua garganta ressecada lhe permitisse, pois, em meio ás corcovas e encostas desiguais acima, ele viu claramente uma trilha ou estrada. Subia do oeste como um cinturão, e ziguezagueava ao redor da Montanha como uma cobra até que, antes de sumir de vista, atingia o pé do cone no lado leste.

Sam não conseguia ver o caminho imediatamente acima dele, na sua parte mais baixa, pois uma encosta íngreme subia de onde estava; mas ele calculava que, se conseguisse lutar e subir só um pouco mais, os dois atingiriam a trilha. Um fulgor de esperança retornou-lhe ao coração. Ainda podiam conquistar a Montanha.

— Que coisa, deve ter sido colocada lá de propósito! — disse ele para si mesmo. — Se não estivesse lá, eu teria de dizer que fui derrotado no final.

A trilha não fora colocada lá para os propósitos de Sam. Ele não sabia, mas estava olhando para a Estrada de Sauron, que ia de Barad-dûr até os Sammath Naur, as Câmaras de Fogo. Saindo do enorme portão oeste da Torre Escura, a estrada passava sobre um abismo profundo através de uma ampla ponte de ferro e depois, entrando na planície, continuava por cerca de uma légua entre duas fendas fumegantes, e assim atingia um longo passadiço inclinado que conduzia até a encosta leste da Montanha. Depois, fazendo uma curva e contornando toda a circunferência de sul a norte, ela finalmente subia, alta no cone superior, mas ainda longe do topo cheio de vapores, até uma entrada escura que dava para o leste, diretamente na direção da janela do Olho na fortaleza de Sauron, envolta em sombra. Frequentemente bloqueada ou destruída por tumultos nos fornos da Montanha, essa estrada era sempre consertada e limpa pelo trabalho de incontáveis orcs.

Sam respirou fundo. Havia uma trilha, mas como subir a encosta para chegar até ela ele não sabia. Primeiro precisava aliviar a dor nas costas. Estirou-se ao lado de Frodo por um tempo. Nenhum dos dois dizia palavra. Devagar a luz aumentou. De repente, acometeu-o um senso de urgência que ele não entendia. Era quase como se Sam tivesse sido chamado: "Agora, agora, ou será tarde demais!" Apoiou-se e se levantou. Frodo também parecia ter ouvido o chamado. Num esforço se pôs de joelhos.

— Vou rastejar, Sam — disse ele ofegante.

Assim, passo a passo, como pequenos insetos cinzentos, eles se arrastaram encosta acima. Chegaram á trilha e descobriram que era larga, pavimentada com cascalho fragmentado e cinza batida. Frodo subiu até ela e então, como se movido por alguma compulsão, virou lentamente o rosto para o leste. Distantes pairavam as sombras de Sauron mas rasgadas por alguma rajada de vento vinda do mundo, ou quem sabe impelidas por algum intenso abalo interior, as nuvens que tudo cobriam rodopiaram, e por um momento se afastaram; então ele viu, erguendo-se negros, mais negros e escuros que as vastas sombras em meio às quais estavam, os cruéis pináculos e a corôa de ferro da torre mais alta de Barad-dôr. Durante um momento fugaz, como se emitida de alguma grande janela incomensuravelmente alta, cortou o céu ao norte uma chama vermelha, o faiscar de um olho penetrante; depois as sombras se adensaram de novo e a terrível visão foi removida. O Olho não estava voltado para eles: olhava para o norte, onde os Capitães do Oeste estavam encurralados, e para lá voltava agora toda a sua maldade, enquanto o poder se movia para desferir seu golpe mortal; mas Frodo, diante daquela rápida visão, sentiu-se como alguém golpeado mortalmente. Sua mão procurou a corrente em volta do pescoço.

Sam se ajoelhou ao lado dele. Fraco, quase inaudível, ele ouviu o sussurro de Frodo:

— Me ajude, Sam! Me ajude! Segure minha mão! Não posso detê-la. — Sam tomou as mãos do mestre e as uniu, palma com palma, beijando-as; depois as segurou delicadamente entre as suas. De súbito lhe ocorreu o pensamento: "Ele nos achou! Está tudo acabado, ou logo estará! Agora, Sam Gamgi, este é o fim de todos os fins."

Mais uma vez levantou Frodo e puxou as mãos dele até o próprio peito, deixando que as pernas do mestre ficassem pendentes. Depois abaixou a cabeça e se esforçou ao longo da estrada que subia. Não era um caminho tão fácil como parecera a princípio. Por sorte, os fogos que se derramaram nos grandes abalos quando Sam estava sobre Cirith Ungol tinham descido principalmente pela encosta sul e pela oeste, e a estrada deste lado não estava bloqueada. Mesmo assim, em vários pontos tinha desmoronado ou era atravessada por largas fendas. Depois de escalar por algum tempo em direção ao leste, a estrada se inclinava sobre si mesma num ângulo fechado e rumava para o oeste por um trecho. Ali, naquela curva, a estrada era um corte fundo através de um velho rochedo desgastado pelo tempo, outrora vomitado dos fornos da Montanha. Ofegando sob sua carga, Sam fez a curva, e no momento em que o fazia, pelo canto do olho, viu de relance alguma coisa caindo do rochedo, como um pequeno pedaço de pedra preta que se tivesse desprendido no momento em que ele passava.

Um peso súbito o golpeou e ele caiu para a frente, raspando as costas das mãos que ainda seguravam as do mestre. Então percebeu o que acontecera, pois acima dele, enquanto estava no chão, ouviu uma voz odiada.

— Messstre malvado! — chiou a voz. — Messstre malvado nos engana; engana Sméagol, gollum Não deve ir por ali. Não deve machucar o Precioso! Dê ele para Sméagol, ssim, dê ele para nóss!

Num repelão Sam levantou-se. Imediatamente puxou a espada, mas nada pôde fazer. Gollum e Frodo estavam atracados. Gollum, furioso, estraçalhava a roupa de Frodo, tentando agarrar a corrente e o Anel. Essa era provavelmente a única coisa que teria despertado as brasas agonizantes do coração e da vontade de Frodo: um ataque, uma tentativa de arrancar-lhe o tesouro à força. Ele lutou com uma fúria súbita que assombrou Sam, e também Gollum. Mesmo assim as coisas poderiam ter acontecido de forma muito diferente, se Gollum não estivesse mudado; mas os misteriosos caminhos, aterrorizantes e solitários, que ele trilhara, sem comida e sem água, movido por um desejo devorador e um medo terrível, haviam deixado nele marcas atrozes. Gollum era agora uma criatura magra, faminta, desfigurada, feita apenas de ossos e pele esticada e embranquecida. Uma luz selvagem queimava em seus olhos, mas sua malícia já não estava associada à antiga força que tinha nas mãos. Frodo se desvencilhou dele, jogando-o de lado, e levantou-se tremendo.

— Largue-me! Largue-me! — disse ele ofegante, com a mão agarrada ao peito, de modo que debaixo da proteção de sua camisa de couro segurava o Anel. — Largue-me, sua coisa rastejante, e saia de meu caminho! Seu tempo chegou ao fim. Agora você não pode me trair ou me matar.

Então, de repente, como antes sob as bordas das Emyn Muil, Sam viu aqueles dois rivais de uma outra maneira. Uma figura humilhada, que mal passava da sombra de um ser vivo, uma criatura agora completamente arruinada e derrotada, e mesmo assim cheia de ira e de um desejo hediondo; e diante dela erguia-se austero, imune agora à compaixão, um vulto vestido de branco, mas que segurava em seu peito uma roda de fogo. Do fogo falava uma voz imperiosa.

— Vá embora, e não me perturbe mais! Se voltar a me tocar de novo, você mesmo será jogado dentro do Fogo da Perdição.

A figura humilhada recuou, o terror enchendo-lhe os olhos, que ao mesmo tempo piscavam num desejo insaciável. Então a visão passou e Sam viu Frodo de pé, com a mão no peito, respirando em grandes haustos, e Gollum aos pés dele, apoiado nos joelhos, com as largas mãos achatadas contra o chão.

— Cuidado! — gritou Sam. — Ele vai pular! — Deu um passo à frente, brandindo a espada. — Rápido, Mestre! — disse ele ofegando. — Siga em frente! Siga em frente! Não há tempo a perder Eu cuido dele. Siga em frente!

Frodo olhou para ele como se olha para alguém que está distante.

— Sim, preciso continuar — disse ele. — Adeus, Sam! Chegamos ao fim. Sobre a Montanha da Perdição, a perdição cairá. Adeus! — Virou-se e partiu, caminhando devagar, mas ereto, subindo a trilha inclinada.

— Agora! — disse Sam. — Finalmente vou cuidar de você! — Saltou á frente, com a espada na mão, pronto para a luta. Mas Gollum não pulou. Caiu no chão estatelado, choramingando.

— Não mate nóss — chorava ele. — Não machuque nóss com aço cruel e mau! Deixe nós viver, é sim, viver um pouco mais. Perdidos, perdidos! Estamos perdidos. E quando o Precioso se for vamos morrer, é sim, morrer na poeira ssuja. — Levantou um pouco das cinzas da trilha com os dedos longos e descarnados. — Sssuja! – chiou ele.

A mão de Sam vacilou. Sua mente fervia com o ódio e com a lembrança do mal. Seria justo matar essa criatura traiçoeira, assassina, justo e muitas vezes merecido; além disso parecia a única coisa segura a fazer Mas no fundo de seu coração havia algo que o impedia: ele não podia atacar aquela coisa caída na poeira, abandonada, arruinada, absolutamente desgraçada. Ele mesmo, embora apenas por pouco tempo, tinha carregado o Anel, e agora adivinhava vagamente a agonia da mente e do corpo murchos de Gollum, escravizados por aquele Anel, incapazes de algum dia encontrarem outra vez paz ou alívio na vida. Mas Sam não tinha palavras para explicar o que sentia.

— Oh, maldita seja, sua criatura nojenta! — disse ele. — Vá embora! Fora daqui! Não confio em você, não enquanto ainda possa chutá-lo; mas fora daqui! Ou eu vou machucá-lo, vou sim, com aço cruel e mau.

Gollum ficou de quatro, recuou vários passos e então virou-se, e, no momento em que Sam fazia menção de chutá-lo, fugiu descendo pela trilha. Sam não lhe deu mais atenção. De repente se lembrou de seu mestre. Ergueu os olhos para a trilha e não conseguiu vê-lo. Na maior velocidade possível, foi subindo a estrada. Se tivesse olhado para trás, poderia ter visto Gollum se virar outra vez não muito abaixo, e, depois, vir com um brilho alucinado nos olhos, rápido mas com cautela, arrastar-se atrás dele uma sombra furtiva em meio ás pedras.

A trilha continuava subindo. Logo fazia outra curva e num último trecho ao leste entrava num corte ao longo da face do cone e chegava á porta escura na encosta da Montanha, a porta das Sammath Naur. Distante, agora erguendo-se em direção ao sul, o sol, perfurando a fumaça e a névoa, queimava ominoso, um disco vermelho opaco e ofuscado; mas toda Mordor jazia ao redor da Montanha como uma terra morta, silenciosa, envolta em sombras, aguardando algum golpe terrível.

Sam atingiu a boca escancarada e espiou lá dentro. Estava escuro e quente, e um ribombar profundo agitava o ar.

— Frodo! Mestre! — chamou ele.

Não houve resposta. Por um momento ficou ali parado, seu coração batendo com temores alucinados, e então mergulhou na escuridão. Uma sombra o seguiu.

Num primeiro momento, não conseguiu ver nada. Em sua extrema necessidade, puxou mais uma vez o frasco de Galadriel, mas ele estava pálido e frio em sua mão trêmula, e não jogava luz alguma naquela escuridão sufocante. Sam chegara ao coração do reino de Sauron, e ás forjas de seu antigo poder, as maiores da Terra-média; ali todos os outros poderes eram subjugados. Temeroso, ele deu alguns passos incertos no escuro, e então, de repente, veio um clarão vermelho que se ergueu nos ares, e atingiu o alto teto negro. Então Sam viu que estava numa longa caverna ou túnel que fora cavado dentro do cone fumegante da Montanha. Mas, apenas um pouco adiante, seu chão e as paredes dos dois lados se abriam numa grande fissura, da qual saia o clarão vermelho, que ora se erguia e ora se extinguia na escuridão; e todo o tempo, lá embaixo, havia um rumor e uma agitação como de grandes máquinas pulsando e trabalhando.

A luz irrompeu outra vez, e lá, na borda da fissura, na própria Fenda da Perdição, estava Frodo, negro contra o clarão, tenso, ereto, mas imóvel como se tivesse sido transformado em pedra.

— Mestre! — gritou Sam.

Então Frodo se mexeu e falou com uma voz clara, na realidade com uma voz mais clara e poderosa do que Sam jamais o ouvira usar, e que se erguia acima da pulsação e dos abalos da Montanha da Perdição, retumbando no teto e nas paredes.

— Cheguei — disse ele. — Mas agora minha escolha é não fazer o que vim aqui para fazer. Não vou realizar este feito. O Anel é meu! — E de repente, colocando-o no dedo, desapareceu da visão de Sam. Sam abriu a boca assombrado, mas não pôde gritar, pois naquele momento muitas coisas aconteceram.

Alguma coisa golpeou-o violentamente pelas costas, suas pernas ficaram presas por baixo e ele foi jogado de lado, batendo a cabeça contra o chão de pedra; uma sombra escura pulou sobre ele. Sam ficou deitado e imóvel, e por um tempo tudo ficou escuro.

E lá bem distante, no momento em que Frodo colocou o Anel e o reivindicou para si mesmo, exatamente ali, nas Sammath Naur, o próprio coração de seu reino, o poder de Barad-dûr sofreu um abalo, e a Torre tremeu dos alicerces até o topo orgulhoso e cruel. De repente o Senhor do Escuro percebeu a presença do hobbit, e seu Olho, penetrando todas as sombras, atravessou a planície na direção da porta que ele fizera; e a magnitude de sua própria loucura revelou-se a ele num clarão cegante, e todas as estratégias de seus inimigos foram finalmente desnudadas diante de seus olhos. Então sua ira incandesceu-se numa chama devoradora, mas seu medo ergueu-se como uma vasta fumaça para sufocá-lo. Pois ele sabia do perigo mortal que estava correndo, e percebia o fio pelo qual estava agora pendurado seu destino. De todas as suas estratégias e teias de medo e traição, de todos os seus estratagemas e guerras sua mente se libertou, e todo o seu reino foi atravessado por um tremor, seus escravos vacilaram, seus exércitos pararam e seus capitães, subitamente sem liderança, desprovidos de vontade, hesitaram e se desesperaram. Pois foram esquecidos. Toda a mente e o propósito do Poder que os controlava concentravam-se agora com uma força arrasadora na Montanha. A um chamado seu, rodopiando com um grito lancinante, numa última corrida desesperada voaram, mais rápidos que os ventos, os nazgúl, os Espectros do Anel, e com uma tempestade de asas arremessaram-se em direção ao sul para a Montanha da Perdição.

Sam levantou-se. Estava zonzo, e o sangue que jorrava de sua cabeça pingava-lhe sobre os olhos. Avançou tateando e então viu uma cena estranha e terrível.

Gollum, na beira do abismo, lutava como um ser ensandecido contra um inimigo invisível. Tombava para a frente e para trás, algumas vezes chegando tão perto da borda que quase caía lá dentro, outras recuando, caindo ao chão, levantando-se e caindo de novo. Durante todo o tempo chiava, mas não dizia palavra alguma.

Os fogos embaixo despertaram irados, o clarão vermelho incandesceu-se, e toda a caverna ficou repleta de luminosidade e calor.

De repente Sam viu as longas mãos de Gollum se erguerem até a boca; suas presas brancas brilharam, e se fecharam numa mordida. Frodo deu um grito, e lá estava ele, caído de joelhos, na beira do abismo. Mas Gollum, dançando como um louco, erguia o anel, com um dedo ainda enfiado no circulo, que agora brilhava como se realmente fosse feito de fogo vivo.

— Precioso, precioso, precioso! — gritava Gollum. — Meu Precioso! Ó, meu Precioso! — E assim, no momento em que erguia os olhos para se regozijar com sua presa, deu um passo grande demais, tropeçou, vacilou por um momento na beirada, e então com um grito agudo caiu. Das profundezas chegou seu último gemido, Precioso, e então ele se foi.

Houve um rugido e uma grande confusão de sons. Labaredas se alçavam e lambiam o teto. A pulsação cresceu num grande tumulto, e a montanha tremeu. Sam correu até Frodo, e levantando-o carregou-o até a porta. E ali, na soleira escura das Sammath Naur, bem acima das planícies de Mordor, tal estupefação e terror sobrevieram que ele ficou parado, esquecido de todo o resto, imóvel como alguém que foi transformado em pedra. Teve uma visão rápida de nuvens rodopiando, e no meio delas torres e ameias, altas como colinas, fundadas sobre um poderoso trono de montanha acima de abismos incomensuráveis; grandes pátios e calabouços, prisões sem olhos, íngremes como penhascos, e portões escancarados feitos de ferro e pedra adamantina: e então tudo acabou. Torres caíram e montanhas deslizaram; paredes desmoronaram e derreteram, esboroando-se; enormes espirais de fumaça e jatos de vapor subiam, subiam e se espalhavam, até formarem um teto semelhante a uma onda ameaçadora, e sua crista alucinada se crispou e veio descendo e cobrindo tudo, espumando sobre a terra. E então, por fim, através das milhas da planície chegou um ribombo, crescendo até se tornar um estrondo e um rugido ensurdecedores; a terra tremeu, a planície arfou, abriu-se em brechas e o Orodruín cambalcou. Chamas se lançavam de seu topo fendido. Os céus explodiram em trovão, cortados por relâmpagos. Como chicotes açoitando caiu uma torrente de chuva negra. E no coração da tempestade, com um grito que atravessava todos os outros sons, rasgando as nuvens, os nazgúl vieram, caindo como raios em chamas, como se estivessem presos na destruição da montanha e do céu, e no fogo estalaram, murcharam e se apagaram.

Bem, este é o fim, Sam Gamgi disse uma voz ao seu lado. E ali estava Frodo, pálido e exausto, e apesar disso era Frodo novamente; agora em seus olhos só havia paz; nem luta de vontade, nem loucura, nem qualquer temor. Seu fardo fora levado. Ali estava o querido mestre dos doces dias no Condado.

— Mestre! — gritou Sam, caindo de joelhos. Em meio a toda aquela ruína do mundo, naquele momento ele só sentiu alegria, uma grande alegria.

O fardo se fora. Seu mestre se salvara; voltara a si de novo, estava livre. E então Sam viu a mão mutilada, sangrando.

— Sua pobre mão! — disse ele. E não tenho nada que sirva como atadura, ou que possa confortá-la. Eu preferiria dar-lhe uma das minhas mãos inteira. Mas agora ele se foi, e está além de qualquer alcance. Ele se foi para sempre.

— Sim — disse Frodo. Mas você se lembra das palavras de Gandalf: Até mesmo Gollum pode ter ainda algo afazer? Se não fosse por ele, Sam, eu não poderia ter destruido o Anel. A Demanda teria sido em vão, no fim de tanta amargura. Então vamos perdoá-lo! Pois a Demanda está terminada, e com sucesso, e tudo está acabado. Estou contente por tê-lo comigo. Aqui, no fim de todas as coisas, Sam.

 

O CAMPO DE CORMALLEN

Por todos os flancos das colinas atacavam os exércitos de Mordor. Os Capitães do Oeste soçobravam num mar crescente. O sol brilhava rubro, e sob as asas dos nazgúl as sombras de morte caiam escuras cobrindo a terra. Aragorn, sob a sua bandeira, estava silencioso e austero, como alguém perdido em pensamentos de coisas distantes ou há muito passadas; mas seus olhos reluziam como estrelas que ficam mais brilhantes à medida que a noite se aprofunda. No topo da colina estava Gandalf, branco e impassível, e nenhuma sombra o cobria. O ataque de Mordor explodiu como uma onda contra as colinas sitiadas, vozes rugindo como vagas em meio à destruição e ao entrechoque das armas.

Como se a seus olhos fosse concedida uma visão súbita, Gandalf se mexeu; voltou-se, olhando para o norte, onde os céus estavam pálidos e limpos. Então levantou as mãos e bradou numa voz que retumbou acima de todo o alarido: As Águias estão chegando! E muitas vozes responderam, gritando: As Águias estão chegando! As Águias estão chegando! Os exércitos de Mordor olharam para cima, sem saber o que aquele sinal podia significar. Lá vinha Gwaihir, o Senhor dos Ventos, e Landroval, seu irmão, as maiores de todas as Águias do Norte, e os mais poderosos descendentes do velho Thorondor, que construíra seus ninhos nos picos inacessíveis das Montanhas Circundantes quando a Terra-média era jovem. Atrás deles vinham em longas e velozes fileiras todos os seus vassalos das montanhas do norte, cada vez mais rápidos num vento crescente. Caíram direto sobre os nazgúl, descendo dos altos ares num súbito mergulho, e o ruflar de suas amplas asas passou como uma rajada de vento. Mas os nazgúl se viraram e fugiram, sumindo dentro das sombras de Mordor, respondendo a um chamado súbito e terrível vindo da Torre Escura; e naquele momento todos os exércitos de Mordor estremeceram, a dúvida oprimiu-lhes os corações, seu riso falhou, suas mãos tremeram e suas pernas bambearam. O Poder que os fazia avançar e os enchia de ódio e fúria estava vacilando, sua vontade afastava-se deles; agora, olhando nos olhos do inimigo, eles viam uma luz fatal, e sentiam medo. Todos os Capitães do Oeste clamaram em altos brados, pois seus corações se encheram de uma nova esperança em meio à escuridão. Das colinas sitiadas avançaram contra os inimigos vacilantes os soldados de Gondor, os Cavaleiros de Rohan, os dúnedain do norte, companhias em fileiras cerradas penetrando a turba com estocadas de lanças enfurecidas. Mas Gandalf ergueu os braços e chamou mais uma vez numa voz límpida:

— Parem, homens do oeste! Parem e esperem! Esta é a hora da condenação.

E, no momento em que falava, a terra tremeu sob seus pés. Então, subindo depressa, bem acima das Torres do Portão Negro, muito mais alta que montanhas, uma vasta escuridão irrompeu nos céus, coruscando fogo. E a terra gemeu e estremeceu. As Torres dos Dentes balançaram, cambalearam e caíram; a poderosa fortificação desmoronou, o Portão Negro se desfez em ruínas; e de longe, às vezes fraco, às vezes crescendo, outras ainda subindo até as nuvens, vinha um retumbar como o de tambores, um rugido, um ruído longo e turbulento de destruição.

— O reino de Sauron está terminado! — disse Gandalf. — O Portador do Anel cumpriu sua Demanda. — E, quando os Capitães olharam para o sul na direção da Terra de Mordor, tiveram a impressão de que, negro contra a cortina de nuvens, erguia-se um enorme vulto de sombra, impenetrável, coroado de relâmpagos, enchendo todo o céu. Enorme, levantava-se sobre o mundo, e estendia na direção deles uma grande mão ameaçadora, terrível mas impotente: pois no momento em que se debruçava sobre eles um forte vento o arrebatou, e o vulto foi completamente varrido para longe, e passou; e então um silêncio caiu.

Os Capitães curvaram as cabeças; e, quando as ergueram de novo, eis que os inimigos estavam fugindo e o poder de Mordor se dispersava como poeira no vento. Como formigas que vagam sem destino e sem propósito, para depois morrerem exauridas, quando a morte golpeia o ser inchado e incubante que habita o formigueiro e a todas mantém sob controle, da mesma maneira as criaturas de Sauron, orcs ou trolls ou animais escravizados por encantamento, corriam de um lado para o outro sem rumo; alguns se matavam ou se jogavam em abismos, ou ainda fugiam gemendo para se esconderem em buracos e lugares escuros e sem luz, distantes de qualquer esperança.

Mas os homens de Rhún e Harad, orientais e sulistas, viram a destruição de sua guerra e a grande majestade e glória dos Capitães do Oeste. E aqueles que havia mais tempo estavam mais envolvidos na servidão maligna, odiando o oeste, e contudo eram homens altivos e corajosos, por sua vez se ajuntaram numa resistência desesperada. Mas a maioria deles fugiu como pôde para o leste; alguns ainda jogaram suas armas ao chão e imploraram clemência.

Gandalf então, deixando todos esses assuntos de batalha e comando para Aragorn e para os outros senhores, subiu até o topo da colina e chamou; desceu até ele a grande águia, Gwaihir, o Senhor dos Ventos.

— Você me carregou duas vezes, Gwaihir, meu amigo — disse Gandalf. — Mais uma terceira e estaremos quites, se você estiver disposto. Você verá que não serei um fardo muito maior do que quando você me levou de Zirakzigil, onde minha vida antiga se consumiu no fogo.

— Eu o carregaria — disse Gwaihir — para onde quisesse, mesmo que você fosse feito de pedra.

— Então venha, e permita que seu irmão nos acompanhe, e mais alguém de seu povo que seja velocíssimo! Pois necessitamos de uma velocidade maior do que a de qualquer vento, superior a das asas dos nazgúl.

— O Vento Norte está soprando, mas vamos ultrapassá-lo — disse Gwaihír. E, erguendo Gandalf, alçou num vôo rápido rumo ao sul, e com ele foram Landroval e Meneldor, jovem e veloz. Passaram sobre Udún e Gorgoroth e viram toda a terra em ruína e tumulto embaixo deles, e adiante a Montanha da Perdição incandescente, derramando seu fogo.

— Estou feliz em tê-lo aqui comigo — disse Frodo. — Aqui, no fim de todas as coisas, Sam.

— Sim, estou com o senhor, Mestre — disse Sam, pousando delicadamente a mão ferida de Frodo sobre o peito. — E o senhor está comigo. E a viagem está terminada. Mas depois de ter vindo até aqui não quero desistir dela ainda. Não é do meu feitio, de certa forma, se o senhor me entende.

— Talvez não, Sam — disse Frodo —; mas é do feitio de todas as coisas que existem no mundo. As esperanças fracassam. Um fim chega. Agora só temos de esperar um pouco. Estamos perdidos na ruína e na destruição, e não há como escapar.

— Bem, Mestre, poderíamos pelo menos nos afastar deste lugar perigoso, desta Fenda da Perdição, se esse é o nome. Não poderíamos? Vamos, Sr. Frodo, pelo menos vamos descer a trilha!

— Muito bem, Sam. Se você quer ir, eu vou — disse Frodo; e os dois se levantaram e foram descendo lentamente a estrada sinuosa; no momento em que atingiam os pés da Montanha em convulsão, uma grande nuvem de fumaça e vapor foi expelida pelas Sammath Naur e a face do cone se abriu numa grande fenda, e um enorme vômito de fogo rolou numa cascata lenta e tonitruante descendo a encosta leste.

Frodo e Sam não conseguiam avançar. As últimas forças de suas mentes e corpos se extinguiam rapidamente. Tinham chegado a um montículo baixo de cinzas que se formara ao pé da Montanha; de lá não havia mais como escapar. Agora o montículo se transformara numa ilha, que não duraria muito em meio ao tormento do Orodruin.

Por toda a volta a terra se abria, e de fossos e poços profundos a fumaça e o vapor subiam. Atrás deles a Montanha tinha convulsões. Grandes brechas se abriam em seus flancos.

Lentos rios de fogo desciam as encostas na direção deles. Logo seriam engolidos. Caía uma chuva de cinza quente. Agora estavam parados, e Sam, ainda segurando a mão do mestre, a acariciava. Suspirou.

— Fizemos parte de uma grande história, Sr. Frodo, não foi mesmo? — disse ele. — Gostaria de poder ouvir alguém contando! O senhor acha que eles vão dizer: Agora vem a história de Frodo dos Nove Dedos e o Anel da Perdição? E então todo mundo fará silêncio, como fizemos quando em Valfenda nos contaram a história de Beren-Maneta e a Grande Jóia. Gostaria de poder escutar! E fico imaginando como a história contínua, depois da nossa parte. Mas no momento em que dizia isso, para afastar o medo até o último instante, seus olhos vagaram para o norte, perscrutando o olho do vento, para onde o céu distante estava claro, enquanto o vento frio, transformando-se numa rajada, varria para longe a escuridão e a ruína das nuvens.

E foi assim que Gwaihír os viu com seus olhos penetrantes, enquanto descia em meio ao forte vento, e desafiando o grande perigo dos céus fazia rondas no ar: dois pequenos vultos escuros, abandonados, de mãos dadas, sobre uma pequena colina, enquanto o mundo tremia embaixo delas, e arfava, e rios de fogo se aproximavam.

E, no mesmo momento em que os encontrou e desceu num mergulho, viu-os cair, exaustos, ou sufocados pela fumaça e pelo calor, ou finalmente derrubados pelo desespero, escondendo os olhos da morte. Estavam deitados lado a lado, e Gwaihir veio voando baixo, seguido por Landroval e Meneldor, o veloz; e num sonho, sem saber o que lhes estava acontecendo, os caminhantes foram erguidos e carregados para longe da escuridão e do fogo.

Quando Sam acordou, viu que estava deitado em alguma cama macia, mas sobre ele balançavam suavemente grandes ramos de faia, e através das folhas jovens o sol reluzia, verde e dourado. Todo o ar estava repleto de uma fragrância suave e adocicada. Lembrou-se daquele cheiro: a fragrância de Ithilien.

— Graças! — cismou ele. — Por quanto tempo estive dormindo? — Pois o cheiro o carregara de volta ao dia em que ele acendera sua pequena fogueira sob o barranco ensolarado, e por um momento tudo o que se passara depois se apagou da memória consciente. Espreguiçou-se e respirou fundo. — Puxa, que sonho eu tive! — murmurou ele. — Estou feliz por ter acordado! — Sentou-se e então viu que Frodo estava deitado ao lado, dormindo tranquilo, com uma mão atrás da cabeça, e a outra descansando sobre a coberta. Era a mão direita e faltava-lhe o terceiro dedo. Uma lembrança completa inundou-lhe a mente, e Sam gritou: — Não foi um sonho! Então, onde estamos?

E uma voz suave falou atrás dele:

— Na terra de Ithilien, sob a proteção do Rei; e ele aguarda vocês. — Dizendo isso, Gandalf se postou diante deles, vestido de branco, sua barba agora reluzindo como neve pura no piscar da luz do sol por entre as folhas. — Bem, Mestre Samwise, como se sente? — perguntou ele.

Mas Sam caiu deitado de novo e ficou olhando de boca aberta; por um momento, dividido entre o espanto e uma grande alegria, não conseguiu responder. Por fim disse ofegante:

— Gandalf Pensei que estava morto! Mas depois pensei que eu mesmo estava morto. Será que todas as coisas tristes vão acabar se desfazendo? O que aconteceu com o mundo?

— Uma grande Sombra partiu — disse Gandalf, e depois riu, e o som de sua risada era como música, ou como água correndo numa terra ressequida; ouvindo aquilo, Sam percebeu que perdera a conta dos dias em que não ouvira um riso, o puro som do contentamento. Chegava-lhe aos ouvidos como o eco de todas as alegrias que já conhecera. Mas ele mesmo explodiu em lágrimas. Depois, como a chuva suave passa com um vento de primavera, e o sol volta a brilhar mais forte, suas lágrimas cessaram, e o riso foi aflorando, e rindo ele saltou da cama.

— Como me sinto? — gritou ele. — Bem, não sei dizer. Eu me sinto, eu me sinto — acenou com as mãos nos ares —, sinto-me como a primavera depois do inverno, com sol nas folhas, e como trombetas e harpas e todas as músicas que jamais ouvi! — Parou e olhou para seu mestre. — Mas como está o Sr. Frodo? Não é uma pena o que aconteceu com a mão dele? Mas espero que quanto ao resto esteja tudo bem. Ele passou por dias cruéis.

— Sim, quanto ao resto tudo está bem comigo — disse Frodo, sentando-se e por sua vez rindo também. — Adormeci de novo esperando você, Sam, seu dorminhoco. Já estava acordado bem cedo hoje, e agora deve ser perto do meio-dia.

— Meio-dia? — disse Sam, tentando calcular. — Meio-dia de que dia? — O décimo quarto do Ano Novo — disse Gandalf—; ou, se você preferir, o oitavo dia de abril no Registro do Condado. Mas em Gondor o Ano Novo sempre começará no dia vinte e cinco de março, quando Sauron caiu, e quando vocês foram salvos do fogo e trazidos ao Rei. Ele cuidou de vocês, agora os aguarda. Vão comer e beber com ele. Quando estiverem prontos, vou conduzi-los à sua presença.

 

  1. Havia trinta dias em março (ou Louvoso) no calendário do Condado.

 

— O Rei? — disse Sam. — Que Rei, e quem é ele?

— O Rei de Gondor, e Senhor das Terras do Oeste — disse Gandalf—; e ele voltou a tomar posse de todo o seu antigo reino. Logo partirá para a coroação, mas está aguardando vocês.

— O que vamos vestir? — disse Sam —; pois tudo o que conseguia ver eram as roupas velhas e rasgadas com as quais tinham viajado, que estavam dobradas no chão ao lado das camas.

— As roupas que usaram quando estavam indo para Mordor — disse Gandalf. — Até mesmo os farrapos de orc que você usou na terra negra, Frodo, serão preservados. Nenhuma seda ou linho, nem qualquer armadura ou escudo poderiam ser mais honrosos. Mas depois vou arranjar outras roupas, talvez. Então estendeu as mãos para os dois, e eles viram que uma delas brilhava com uma luz.

— O que você tem aí? — gritou Frodo. — Será...

— Sim, eu trouxe seus dois tesouros. Estavam com Sam quando vocês foram resgatados. Os presentes da Senhora Galadriel: seu cristal, Frodo, e sua caixa, Sam.

Vão ficar felizes em guardá-los a salvo outra vez.

Depois de se lavarem, vestirem a roupa e comerem uma refeição leve, os hobbits seguiram Gandalf. Saíram do bosque de faias onde haviam repousado, e passaram para um extenso gramado verde, que reluzia ao sol, margeado por imponentes árvores de folhas escuras, cobertas de flores escarlate. No fundo ouvia-se o som de água caindo, e um rio corria á frente deles entre margens floridas, até chegar a um bosque aos pés do gramado onde prosseguia sob um arco de árvores, através das quais se podia ver a água tremeluzindo na distância.

Chegando à entrada do bosque, ficaram surpresos ao verem cavaleiros em armaduras brilhantes e altivos guardas vestidos de prata e negro, que os saudaram com honras e lhes fizeram reverências. E então um deles tocou uma longa trombeta, e eles continuaram avançando pelo corredor de árvores ao lado do rio cantante. Assim chegaram a um lugar amplo e verde, além do qual havia um rio largo coberto de uma névoa prateada, da qual emergia uma longa ilha arborizada, com muitos navios atracados em sua costa. Mas no campo onde agora entravam havia um grande exército em formação, e suas fileiras e companhias brilhavam ao sol. E, quando os hobbits se aproximaram, espadas foram desembainhadas, lanças se agitaram, cornetas e trombetas cantaram, e os homens gritavam em muitas vozes e em muitas línguas:

 

                "Vida longa aos Pequenos! Louvai-os com grande louvor!

                Cuio i Pheriain anann!Aglar"ni Pheríannath!

                Louvai-os com grande louvor, Frodo e Samwise!

                Daur a Berhael, Conin en Annún! Eglerio!

                Louvai-os!

                Eglerio!

                leita te. laita te!Andave laituvalmetl

                Louvai-os!

                Cormacolindor, a laita tórien na!

                Louvai-os! Os Portadores do Anel, louvai-os com grande louvor!"

 

E assim, com o sangue quente a corar-lhes as faces e os olhos brilhando de surpresa, Frodo e Sam avançaram e viram que em meio ao exército clamante estavam três altos assentos feitos de turfa verde. Atrás do assento á direita pairava, branco sobre verde, um grande cavalo correndo solto; à esquerda havia uma bandeira, prata sobre azul, um navio com proa em cisne vagando sobre o mar; mas atrás do trono mais alto, que ficava bem ao centro, um grande estandarte se abria na brisa, e nele uma árvore branca floria sobre um campo de sable, sob uma corôa reluzente e sete estrelas brilhantes. Sentado no trono estava um homem vestido de malha metálica, com uma grande espada sobre os joelhos; mas em sua cabeça não havia elmo.

Quando os hobbits se aproximaram, ele se levantou. E então o reconheceram, mesmo mudado como estava, tão altivo e com uma expressão alegre no rosto, majestoso, senhor de homens, de cabelos escuros e olhos cinzentos.

Frodo correu ao encontro dele, e Sam foi logo atrás.

— Ora, ora, mas isso corôa tudo! — disse ele. — Passolargo, ou então ainda estou sonhando!

— Sim, Sam, Passolargo — disse Aragorn. — Estamos muito longe de Bri, onde você não gostou da minha aparência, não é mesmo? Todos nós estamos muito longe, mas a sua estrada foi a mais escura.

E então, para a surpresa e completo assombro de Sam, ele curvou os joelhos diante deles; depois tomando-os pela mão, Frodo à direita e Sam á esquerda, conduziu-os até o trono e, fazendo-os sentar, virou-se para os homens e capitães que assistiam a tudo e, numa voz que ecoou por todo o exército, gritou:

— Louvai-os com grande louvor!

E depois que o grito alegre cresceu e foi diminuindo de novo, completando de uma vez por todas a satisfação de Sam e enchendo-o de pura alegria, um menestrel de Gondor deu um passo à frente, ajoelhou-se e pediu permissão para cantar. E eis que disse ele:

— Vejam, senhores, cavaleiros e homens de honra imaculada, reis e príncipes e belo povo de Gondor, Cavaleiros de Rohan e vós, filhos de Elrond, e dúnedain do norte, elfo e anão e valentes do Condado, e todas as pessoas livres do oeste, ouçam agora a minha balada. Pois vou cantar para todos sobre Frodo dos Nove Dedos e o Anel da Perdição.

E, quando Sam ouviu aquilo, riu alto por puro deleite; levantando-se, gritou:

— Ó grande glória e esplendor! E todos os meus desejos se realizaram! – E então chorou.

E todo o exército riu e chorou, e no meio desta alegria e destas lágrimas a voz límpida do menestrel se ergueu como prata e ouro, e todos os homens silenciaram.

E ele cantou, alternando a língua do elfos e a do oeste, até que seus corações, feridos por doces palavras, transbordaram, numa alegria que se assemelhava a espadas, e eles passaram em pensamentos para regiões onde dor e prazer fluem juntos, e as lágrimas são o próprio vinho da felicidade.

Por fim, quando o sol do meio-dia foi caindo e as sombras das árvores se alongaram, o menestrel terminou.

— Louvai-os com grande louvor! — disse ele ajoelhando-se.

E então Aragorn se levantou, e depois dele todo o exército, e eles passaram para pavilhões já preparados, onde iriam comer, beber e se alegrar enquanto durasse o dia.

Frodo e Sam foram conduzidos em separado para uma tenda, onde despiram suas vestes velhas, que apesar disso foram dobradas e guardadas com honra; roupas limpas de linho foram-lhes trazidas. Então veio Gandalf tendo nos braços, para a surpresa de Frodo, a espada, a capa élfica e o casaco de mithril que lhe foram tomados em Mordor. Para Sam ele trouxe um casaco de malha dourada, e a capa élfica completamente curada dos ferimentos e manchas que sofrera; depois colocou diante deles duas espadas.

— Não desejo espada alguma — disse Frodo.

— Pelo menos esta noite você deve usar uma — disse Gandalf.

Então Frodo pegou a pequena espada que pertencera a Sam, e fora colocada ao seu lado em Cirith Ungol.

— Ferroada eu dei a você, Sam — disse ele.

— Não, mestre! O Sr. Bilbo a deu ao senhor, e ela combina com o casaco prateado dele; ele não gostaria que ninguém mais a usasse agora.

Frodo concordou, e Gandalf, como se fosse o escudeiro dos hobbits, ajoelhou-se e cingiu-lhes os cintos com as espadas; depois, levantando-se, colocou diademas de prata em suas cabeças. E, quando estavam paramentados, foram para o grande banquete; sentaram-se á mesa do Rei com Gandalf, o Rei Éomer de Rohan, o Príncipe Imrahil e todos os principais capitães, além de Gimli e Legolas. Mas quando, depois do Silêncio de Cerimônia, o vinho foi trazido, entraram dois escudeiros para servir os reis; pelo menos assim pareciam: um estava vestindo a prata e o negro dos guardas de Minas Tirith, e o outro trajava branco e verde. Mas Sam ficou curioso, pensando o que dois meninos tão jovens estariam fazendo em meio a um exército de homens poderosos. Então, de repente, quando os dois se aproximaram e ele os pôde ver melhor, exclamou:

— Ora, ora, olhe, Sr. Frodo! Olhe aqui! Veja, se não é o Sr. Pippin. Quero dizer, o Sr. Peregrin Túk, e o Sr. Merry! Como cresceram! Vejam só! Aposto que há mais histórias a contar além da nossa.

— É isso mesmo — disse Pippin virando-se para ele. — E vamos começar a conta-las assim que este banquete terminar. No meio tempo vocês podem tentar com Gandalf. Ele já não é mais tão reservado como antes, embora nos últimos tempos esteja mais rindo do que falando. Por enquanto Merry e eu estamos ocupados. Somos cavaleiros da Cidade e de Rohan, como espero que você tenha observado.

Finalmente terminou o alegre dia, e, quando o sol se foi e a lua redonda subiu devagar acima das névoas do Anduin, tremeluzindo através das folhas farfalhantes, Frodo e Sam se sentaram sob árvores sussurrantes em meio à fragrância da bela Ithilien; foram noite adentro conversando com Merry, Pippin e Gandalf, e depois de um tempo Legolas e Gimli juntaram-se a eles. Então Frodo e Sam souberam grande parte do que acontecera à Comitiva depois do rompimento da sociedade, naquele dia maligno no Parth Galen, perto da Cachoeira de Rauros; mesmo assim, havia sempre mais a perguntar, e mais a contar.

Orcs, árvores falantes, léguas de relva, cavaleiros galopantes, cavernas cintilantes, torres brancas e palácios dourados, e batalhas, altos navios navegando, todas essas coisas passaram diante da mente de Sam até que ele ficou confuso. Mas, em meio a todas essas surpresas, ele sempre retornava ao assombro que sentira ao ver o tamanho de Merry e Pippin. Fez então com que cada um deles ficasse de pé e medisse sua altura com ele e com Frodo, cada um de costas para o outro. Coçou a cabeça.

— Não posso entender isso nessa idade! — disse ele. — Mas é isto mesmo: os senhores estão quase oito centímetros mais altos do que deveriam estar, ou eu sou um anão.

— Isso certamente você não é — disse Gimli. — Mas o que foi que eu disse? Os mortais não podem ficar bebendo bebida de ent e esperar apenas o mesmo efeito de uma caneca de cerveja.

— Bebida de ent? — disse Sam. — Lá vêm vocês com os ents de novo mas não consigo entender o que eles são. Acho que vai levar semanas até que tenhamos esclarecido todas essas coisas!

— Sem dúvida, semanas — disse Pippin. — E depois Frodo terá de ser trancado numa torre de Minas Tirith para escrever toda a história. Caso contrário vai esquecer metade dela, e o pobre e velho Bilbo ficará terrivelmente desapontado.

Por fim Gandalf se levantou.

— As mãos do rei são mãos que curam, queridos amigos — disse ele. — Mas vocês chegaram á beira da própria morte, antes que ele os resgatasse, usando todo o seu poder, e enviando-os para o doce esquecimento do sono. E, embora vocês tenham realmente dormido longa e tranquilamente, ainda assim é hora de dormirem outra vez.

— E não apenas para Frodo e Sam — disse Gimli —, mas você também, Pippin. Eu te amo, mesmo que seja apenas por causa de todos os sofrimentos que me custou, dos quais nunca me esquecerei. Muito menos esquecerei o momento em que o encontrei na colina da última batalha. Se não fosse por mim, Gimli, o anão, você se teria perdido naquela hora. Mas pelo menos agora eu conheço a aparência do pé de um hobbit, mesmo que seja a única coisa visível sob um monte de cadáveres. E, quando retirei a grande carcaça de cima de você, tinha certeza de que estava morto. Teria apostado minha barba. E só faz um dia que você se levantou pela primeira vez, completamente recuperado. Para a cama, já. E eu vou também.

— E eu — disse Legolas — vou andar na floresta desta bela terra, o que para mim é descanso suficiente. Em dias vindouros, se meu senhor élfico permitir, alguns de meu povo vão se mudar para cá; quando vierem será uma alegria completa, por um tempo. Por um tempo: um mês, uma vida, cem anos dos homens. Mas o Anduin está perto, e o Anduin leva até o Mar. Para o Mar!

 

                Para o Mar, para o Mar! As gaivotas vão gritando,

                O vento está fluindo, branca espuma levantando.

                A oeste, oestembora, redondo o sol vai indo.

                Barco cinza, barco cinza, o chamado estás ouvindo

                Das vozes de meu povo, dos que não vejo mais?

                Vou deixar vou deixar os bosques maternais;

                nossos anos já vão indo, nossos dias terminando.

                Amplas águas vou cruzar, sozinho navegando.

                Na Praia Derradeira longas ondas vão quebrando,

                Naquela Ilha Perdida doces vozes vão clamando,

                Em Eresséa, em Casadelfos que mortal não viu presente,

                Onde as folhas jamais caem: lá meu povo eternamente.

 

E, quando ficou sabendo que no cerco de Gondor houvera um grande número desses animais, mas que eles haviam sido abatidos, considerou o fato uma triste perda.

— Bem, não se pode estar em todos os lugares ao mesmo tempo, eu acho — disse ele. — Mas eu perdi muita coisa, ao que parece.

Enquanto isso o exército se preparava para o retorno a Minas Tirith. Os que estavam exaustos descansaram, os feridos foram curados. Pois alguns tinham trabalhado e lutado muito com os últimos orientais e sulistas, até que todos foram subjugados. E, por último, retornaram aqueles que tinham penetrado em Mordor e destruído as fortalezas ao norte daquela região.

Mas por fim, quando o mês de maio se aproximava, os Capitães do Oeste partiram de novo; foram de navio com todos os seus homens, e navegaram de Cair Andros pelo Anduin até Osgiliath, e lá permaneceram por mais um dia; no dia seguinte chegaram aos campos verdes do Pelennor e viram outra vez as torres brancas sob a alta Mindolluin, a Cidade dos Homens de Gondor, última lembrança do Ponente, que atravessara a escuridão e o fogo para atingir um novo dia. E lá, no meio dos campos, eles montaram seus pavilhões e aguardaram a chegada da manhã, pois era Véspera de Maio, e o Rei entraria pelos seus portões com o nascer do sol. E assim, cantando, Legolas saiu, descendo a colina.

Então os outros também saíram, e Frodo e Sam foram dormir. Pela manhã acordaram outra vez em meio à paz e á esperança; passaram muitos dias em Ithilien. Pois o Campo de Cormallen, onde o exército estava agora acampado, ficava perto de Henneth Annún, e o rio que corria de sua cachoeira podia ser ouvido na noite, quando passava descendo através de seu portão de pedra, e atravessava os prados floridos, dirigindo-se para a correnteza do Anduin perto da Ilha de Cair Andros. Os hobbits andavam de um lugar para o outro, visitando outra vez os lugares pelos quais já tinham passado, e Sam sempre alimentava a esperança de ver, em alguma sombra ou clareira secreta da floresta, talvez num momento fugaz, o grande Olifante.

 

O REGENTE E O REI

Sobre a cidade de Gondor pairava dúvida e grande medo. O bom tempo e o sol claro haviam parecido apenas um arremedo aos olhos de homens cujos dias continham poucas esperanças, e que esperavam a cada manhã notícias de destruição. O senhor daquele povo estava morto e queimado, morto jazia o Rei de Rohan em sua Cidadela, e o novo rei, que chegara até eles durante a noite, partira outra vez para uma guerra contra forças por demais escuras e terríveis para que qualquer poder ou coragem pudessem vencê-las. E nenhuma noticia chegava. Depois que o exército partiu do Vale Morgul e tomou a estrada que conduzia ao norte, sob a sombra das montanhas, nenhum mensageiro retornara, nem tampouco houvera qualquer boato sobre o que estava se passando no leste.

Apenas dois dias após a partida dos Capitães, a Senhora Éowyn ordenou às aias que a assistiam que trouxessem suas roupas, e não se mostrou disposta a que a contradissessem: levantou-se da cama. E, quando a tinham vestido e colocado seu braço numa tipóía de linho, ela se dirigiu ao Diretor das Casas de Cura.

— Senhor — disse ela —, estou muito ansiosa, e não posso ficar mais tempo nesse repouso indolente.

— Senhora — respondeu ele —, ainda não está curada, e foi— me ordenado que lhe dispensasse cuidados especiais. Deveria repousar em sua cama por mais sete dias, ou pelo menos foi o que me recomendaram. Peço que retorne.

— Estou curada — disse ela —, pelo menos meu corpo está, a não ser apenas por meu braço esquerdo, e este está repousando. Mas vou adoecer de novo, se não houver nada que eu possa fazer. Não há noticias da guerra? As aias não me dizem nada.

— Não há notícias — disse o Diretor —, exceto a de que os Senhores cavalgaram para o Vale Morgul, e os homens dizem que o novo capitão que veio do norte os lidera. Ele é um grande senhor, e um curador; e a mim me parece estranho que uma mão que cura deva também brandir uma espada. Não é o que acontece em Gondor atualmente, embora outrora tenha sido assim, se as velhas histórias são verdadeiras. Mas por longos anos nós, os curadores, só estamos procurando remendar os rasgos feitos pelos espadachins. Apesar disso, ainda teríamos muito a fazer sem eles: o mundo já está cheio de feridas e infortúnios mesmo sem guerras para multiplicá-los.

— Só é necessário um inimigo para preparar uma guerra, e não dois, Mestre Diretor — respondeu Éowyn —, e aqueles que não têm espadas ainda podem morrer por meio delas. O senhor gostaria que o povo de Gondor ficasse apenas ajuntando ervas, quando o Senhor do Escuro ajunta exércitos? E não é sempre bom estar com o corpo curado. Nem é sempre mau morrer em combate, mesmo com um sofrimento amargo. Se me fosse permitido, nesta hora escura eu teria escolhido a segunda opção.

O Diretor olhou para ela. Era altiva, os olhos brilhavam no rosto branco, sua mão crispou-se no momento em que se virou e olhou pela janela que se abria para o leste. Ele suspirou e balançou a cabeça. Depois de uma pausa, ela se virou para ele outra vez.

— Não há nada a fazer? — disse ela. — Quem está no comando desta Cidade?

— Não sei bem ao certo — respondeu ele. — Essas coisas não são responsabilidade minha. Há um marechal comandando os Cavaleiros de Rohan, e o Senhor Húrin, pelo que ouvi dizer, lidera os homens de Gondor. Mas o Senhor Faramir é por direito o Regente da Cidade.

— Onde posso encontrá-lo?

— Nesta casa, senhora. Ele foi seriamente ferido, mas agora já está a caminho da recuperação. Mas eu não sei...

— Pode me levar até ele? Então saberá.

O Senhor Faramir caminhava solitário no jardim das Casas de Cura; o sol o aquecia, e ele sentia a vida correr renovada em suas veias; mas seu coração estava pesaroso, e ele olhava por sobre as muralhas na direção do leste. Ao chegar, o Diretor pronunciou seu nome, e ele se virou e viu a Senhora Éowyn de Rohan; ficou penalizado, pois viu que ela estava ferida, e seus olhos argutos perceberam a tristeza e a aflição que ela sentia.

— Meu senhor — disse o Diretor —, aqui está a Senhora Éowyn de Rohan. Ela cavalgou ao lado do rei e foi seriamente ferida, e agora está sob minha guarda. Mas ela não está satisfeita, e deseja falar com o Regente da Cidade.

— Não o entenda mal, senhor — disse Éowyn. — Não é a falta de cuidados que me entristece. Nenhuma casa poderia ser melhor para aqueles que desejam se curar. Mas não posso ficar indolente, ociosa, aprisionada. Na batalha, corri na direção da morte. Mas não morri, e a batalha ainda perdura.

A um aceno de Faramir, o Diretor fez uma reverência e saiu.

— O que gostaria que eu fizesse, senhora? — perguntou Faramir. — Também eu sou um prisioneiro dos curadores. — Olhou para ela, e, sendo um homem profundamente suscetível à pena, teve a impressão de que a beleza de Éowyn, combinada com a tristeza que ela sentia,poderiam partir-lhe o coração. E ela, olhando para ele, viu a grave ternura em seus olhos, e mesmo assim soube, pois fora criada entre homens guerreiros, que ali estava alguém a quem nenhum Cavaleiro de Rohan poderia superar em batalha.

— O que deseja? — disse ele outra vez. — Farei o que estiver ao meu alcance.

— Gostaria que ordenasse a esse Diretor que me desse permissão para partir — disse ela; mas, embora suas palavras ainda fossem cheias de orgulho, seu coração vacilou, e pela primeira vez ela duvidou de si mesma. Pensou que aquele homem, ao mesmo tempo austero e gentil, poderia considerá-la apenas geniosa, como uma criança que não tem a firmeza mental para executar uma tarefa enfadonha até o fim.

— Eu mesmo estou sob a guarda do Diretor — respondeu Faramir. — E também ainda não assumi minha função na Cidade. Mas, se já tivesse feito isso, ainda assim ouviria o conselho dele, e não o desautorizaria em assuntos de sua alçada, a não ser em caso de extrema necessidade.

— Mas não desejo ser curada — disse ela. — Desejo cavalgar para a guerra como meu irmão Éomer ou, melhor ainda, como o Rei Théoden, pois ele morreu, alcançando tanto a honra como a paz.

— É tarde demais, senhora, para seguir os Capitães, mesmo que lhe restassem forças — disse Faramir. — Mas a morte em batalha pode ainda nos atingir a todos, quer a desejemos ou não. Estará mais bem preparada para enfrentá-la à sua própria maneira, se fizer como o Diretor ordenou enquanto ainda há tempo. A senhora e eu, ambos devemos suportar com paciência as horas de espera.

Éowyn não respondeu, mas observando-a Faramir teve a impressão de que algo nela amoleceu, como se uma forte geada estivesse cedendo ao primeiro leve presságio de primavera. Uma lágrima surgiu em seus olhos e caiu-lhe pelas faces como uma gota cintilante de chuva. Sua cabeça altiva abaixou-se um pouco.

Então, num tom suave, como se estivesse mais falando consigo própria do que com ele, ela disse:

— Mas os curadores querem que eu fique de repouso por mais sete dias. E minha janela não dá para o leste. — Sua voz agora era a de uma donzela jovem e triste.

Faramir sorriu, embora seu coração estivesse cheio de pena. — Sua janela não dá para o leste? — disse ele. — Isso pode ser solucionado.

Nesse ponto darei ordens ao Diretor. Se ficar nesta casa sob nossos cuidados, senhora, e guardar seu repouso, então poderá caminhar neste jardim ao sol quando bem quiser; e poderá olhar para o leste, para onde todas as nossas esperanças se dirigiram. E aqui poderá me encontrar, caminhando e esperando, e também olhando para o leste. Suavizaria minha preocupação, se estivesse disposta a conversar comigo, ou às vezes caminhasse em minha companhia.

Então ela levantou a cabeça e olhou nos olhos dele de novo; um rubor tingiu-lhe o rosto pálido. — Como eu poderia suavizar sua preocupação, meu senhor? — disse ela. — Eu não desejo conversar com homens vivos.

— Aceitaria uma resposta direta? — disse ele.

— Sim.

— Então, Éowyn de Rohan, digo-lhe que é linda. Nos vales de nossas colinas há flores belas e cintilantes, e donzelas ainda mais bonitas; mas até agora não vi em Gondor flores ou mulheres tão encantadoras, nem tão cheias de tristeza. Pode ser que restem apenas alguns dias antes que a escuridão caia sobre nosso mundo, e quando chegar espero enfrentá-la com firmeza; mas aliviaria meu coração se, enquanto o sol ainda brilha, eu ainda pudesse vê-la. Pois nós dois passamos sob as asas da Sombra, e a mesma mão nos trouxe de volta.

— Não eu, infelizmente, senhor — disse ela. — A Sombra ainda paira sobre mim. Não me olhe em busca de cura! Sou uma escudeira e minhas mãos não são delicadas.

Mas pelo menos lhe agradeço por isso, por não precisar ficar em meu quarto. Vou caminhar ao ar livre pela graça do Regente da Cidade. — Então ela lhe fez um gesto cortês e voltou para a casa. Mas Faramir, por um longo tempo, caminhou sozinho no jardim, e seu olhar agora se voltava mais para a casa que para as muralhas ao leste.

Quando retornou ao seu quarto, mandou chamar o Diretor, e ouviu tudo o que este pôde lhe contar sobre a Senhora de Rohan.

— Não duvido, senhor — disse o Diretor —, de que teria mais informações se procurasse o Pequeno que está conosco; pois ele esteve cavalgando junto com o rei, e ao final com a Senhora, pelo que dizem.

E assim Merry foi enviado a Faramir, e enquanto o dia durou eles conversaram longamente, e Faramir soube de muita coisa, mais até do que Merry colocou em palavras; agora ele julgava entender algo da tristeza e da inquietação de Éowyn de Rohan. E no belo inicio de noite Faramir e Merry caminharam no jardim, mas ela não veio.

Mas pela manhã, quando Faramir veio das Casas, ele a viu sobre as muralhas, vestida toda de branco, reluzindo ao sol. E ele a chamou, e ela desceu, e os dois ficaram caminhando na relva ou sentados juntos sob uma árvore verde, por vezes em silêncio, por vezes conversando. E a cada dia que se seguiu fizeram a mesma coisa. E o Diretor, olhando de sua janela, alegrou-se em seu coração, pois era um curador, e sua preocupação ficou menos pesada; e era certo que, por mais pesado que fossem o temor e os maus presságios nos corações dos homens naqueles dias, mesmo assim esses dois pacientes sob seus cuidados prosperavam e cresciam em força a cada dia.

Assim chegou o quinto dia desde que a Senhora Éowyn encontrou-se com Faramir pela primeira vez; e os dois estavam juntos mais uma vez, olhando por sobre as muralhas da Cidade. Ainda nenhuma notícia chegara, e todos os corações estavam anuviados. Os dias também já não eram claros. Estava frio. Um vento que se erguera durante a noite soprava agora do norte, cortante, e aumentava cada vez mais; mas as terras ao redor pareciam cinzentas e desoladas.

Trajavam roupas quentes e capas pesadas, e sobre tudo a Senhora Éowyn vestia um grande manto azul, da cor profunda de uma noite de verão, adomado com estrelas prateadas na barra e no pescoço. Faramir mandara buscar esse manto para agasalhá-la; achou que ela parecia bela e verdadeiramente majestosa ao lado dele. O manto fora confeccionado para a sua mãe, Finduilas de Amroth, que morrera precocemente, e era para ele apenas uma lembrança de encanto em dias distantes e de sua primeira tristeza: e esse manto lhe parecia uma roupa adequada á beleza e á tristeza de Éowyn.

Mas agora ela tremia sob o manto estrelado, e olhava para o norte, através das terras cinzentas que a rodeavam, dentro do olho do vento frio onde, distante, o céu estava firme e claro.

— O que está procurando, Éowyn? — perguntou Faramir.

— O Portão Negro não fica naquela direção? — disse ela. — E ele não deve ter agora chegado lá? Já faz sete dias que partiu

— Sete dias — disse Faramir. — Mas não me leve a mal, se eu lhe disser: esses dias me trouxeram ao mesmo tempo uma alegria e um sofrimento que jamais pensei conhecer. Alegria em vê-la; mas sofrimento, porque agora o medo e a dúvida destes tempos malignos realmente ficaram muito escuros. Éowyn, agora eu não gostaria que este mundo acabasse, ou que eu perdesse tão depressa o que encontrei.

— Perder o que encontrou, senhor? — respondeu ela; mas olhou para ele com um ar grave, e seus olhos eram doces. — Não consigo pensar no que tenha encontrado nestes dias que pudesse perder. Mas venha, meu amigo, não vamos falar nisso! Não vamos falar nada! Estou à beira de um abismo maligno, e está totalmente escuro diante de meus pés, mas se há alguma luz atrás de mim não posso dizer. Pois ainda não posso me virar. Aguardo algum golpe do destino.

— Sim, nós dois aguardamos o golpe do destino — disse Faramir. E não disseram mais nada, e tiveram a impressão, ali sobre a muralha onde estavam, de que o vento cessou, e a luz diminuiu e o sol foi ofuscado, e todos os sons na Cidade ou nas regiões ao redor silenciaram: nem vento, nem voz, nem canto de pássaro, nem farfalhar de folhas, nem sequer a própria respiração de ambos podia-se ouvir; a própria batida de seus corações cessou. O tempo parou.

E, enquanto ficaram assim, suas mãos se encontraram e se entrelaçaram, sem que eles se dessem conta disso. Continuavam á espera sem saber do quê. Então, de repente, tiveram a impressão de que, acima das cordilheiras das distantes montanhas, uma outra vasta montanha de escuridão se ergueu, assomando como uma onda que engoliria o mundo, e em volta dela faiscavam relâmpagos; então um tremor percorreu a terra, e eles sentiram as muralhas da Cidade estremecendo. Um som como um suspiro subiu de todas as terras ao redor, e de repente seus corações começaram de novo a bater.

— Isso me faz lembrar de Númenor — disse Faramir, surpreso ao ouvir o som da própria voz.

— De Númenor? — perguntou Éowyn.

— Sim — disse Faramir —, da terra do Ponente que soçobrou. e da grande onda escura subindo acima das terras verdes e cobrindo as colinas, e avançando, uma escuridão inescapável. Eu sempre sonho com isso.

— Então você acha que a Escuridão está chegando? — disse Éowyn. — A Escuridão Inescapável? — E de repente ela se aproximou mais dele.

— Não — disse Faramir, olhando no rosto dela. — Foi apenas uma imagem em minha cabeça. Não sei o que está acontecendo. A razão de minha mente consciente me diz que um grande mal aconteceu e que estamos no fim dos dias. Mas meu coração diz o contrário, e todos os meus membros estão leves, e uma esperança e uma alegria que nenhuma razão pode negar se apoderam de mim. Éowyn, Éowyn, Senhora Branca de Rohan, nesta hora não acredito que qualquer escuridão possa perdurar! — Abaixou-se e beijou-lhe a testa.

E assim ficaram sobre as muralhas da Cidade de Gondor, e um vento forte subiu e soprou, e seus cabelos, negros e dourados, esvoaçaram e se misturaram no ar. E a Sombra partiu, e o sol foi descoberto, e a luz jorrou; e as águas do Anduin brilharam como prata, e em todas as casas da Cidade homens cantavam devido à alegria que lhes inundava os corações, vinda de uma fonte que eles não conheciam.

E, antes que o sol tivesse descido do meio-dia, do leste chegou voando uma grande Águia, trazendo notícias dos Senhores do Oeste que superavam qualquer esperança, exclamando:

 

        Cantai, ó povo da Torre de Anor,

        que o Reino de Sauron para sempre acabou,

        e a Torre Escura enfim ruiu.

 

        Cantai e jubilai, ó povo da Torre da Guarda,

        que vossa vigília não foi em vão,

        e o Portão Negro foi quebrado,

        e vosso Rei já pôde passar em marcha triunfal.

 

        Cantai e alegrai-vos, vós todos, filhos do oeste,

        que vosso Rei há de      voltar outra vez,

        e ele habitará entre vós todos os dias de vossa vida.

 

        E a Árvore que havia secado renovada será,

        e será plantada nos lugares altos,

        e a Cidade será abençoada.

 

        Cantai todos, ó povo!

 

E o povo cantou em todos os caminhos da Cidade.

Os dias que se seguiram foram dourados, e a primavera e o verão festejaram juntos nos campos de Gondor. E agora chegavam noticias, trazidas de Cair Andros por velozes cavaleiros, sobre tudo o que se passara, e a Cidade se preparava para a chegada do Rei. Merry foi convocado e partiu com as carroças que levaram suprimentos até Osgiliath, prosseguindo de lá para Cair Andros de navio; mas Faramir não foi, pois agora, estando recuperado, reassumira sua função e a Regência, embora por pouco tempo, e seu dever era preparar tudo para alguém que iria substitui-lo.

E Éowyn não foi, embora seu irmão lhe tivesse enviado um recado, pedindo que ela fosse até o campo de Cormallen. E Faramir se surpreendeu com isso, mas a via raras vezes, ocupado com muitos assuntos; ela ainda estava nas Casas de Cura, e caminhava sozinha no jardim, e seu rosto empalidecera de novo, e parecia que em toda a Cidade ela era a única pessoa triste e doente. O Diretor das Casas ficou preocupado, e falou com Faramir.

Então Faramir foi procurá-la, e mais uma vez os dois ficaram sobre as muralhas juntos, e ele lhe disse:

— Éowyn, por que você continua aqui, e não vai aos festejos em Cormallen além de Cair Andros, onde seu irmão a aguarda?

E ela disse:

— Você não sabe?

Mas ele respondeu:

— Pode haver dois motivos, mas qual é o verdadeiro eu não sei.

E ela disse:

— Não quero brincar com enigmas. Fale mais claramente!

— Então, se é esse o seu desejo, senhora — disse ele —: você não vai porque apenas seu irmão a chamou, e contemplar o Senhor Aragorn, herdeiro de Elendil, em seu triunfo não lhe traria felicidade alguma. Ou então porque eu não vou, e você deseja ficar perto de mim. E talvez seja por esses dois motivos, e você não está conseguindo escolher entre eles. Éowyn, você não me ama, ou não deseja me amar"?

— Desejava ser amada por outro, respondeu ela. — Mas não quero a comiseração de nenhum.

— Isso eu sei — disse ele. — Você desejava ter o amor do Senhor Aragorn. Porque ele era nobre e pujante, e você queria ter renome e glória e ser elevada bem acima das coisas mesquinhas que se arrastam sobre a terra. E, como um grande capitão pode parecer admirável para um jovem soldado, assim ele lhe pareceu. Pois é o que ele é, um senhor entre homens, o maior que existe atualmente. Mas, quando lhe ofereceu apenas compreensão e pena, então você não desejou mais nada, exceto uma morte corajosa em batalha. Olhe para mim, Éowyn!

E Éowyn olhou para Faramir firme e longamente; Faramir disse:

— Não despreze a comiseração oferecida por um coração gentil, Éowyn! Mas eu não lhe ofereço minha comiseração. Pois você é uma senhora nobre e valorosa, e obteve um renome que não deverá ser esquecido; e você é uma senhora bela, considero eu, e sua beleza está acima até do que a língua dos elfos pode descrever. E eu a amo. Já senti pena de sua tristeza. Mas agora, mesmo que você não sentisse tristeza alguma, nem medo, e não lhe faltasse nada; fosse você a bem-aventurada Rainha de Gondor, ainda assim eu a amaria. Éowyn, você não me ama?

Naquele momento o coração de Éowyn mudou, ou então finalmente ela percebeu a mudança. E de repente seu inverno passou e o sol brilhou para ela.

— Estou em Minas Anor, a Torre do Sol — disse ela —; e eis que a Sombra partiu! Não serei mais uma escudeira, nem competirei com os grandes Cavaleiros, e deixarei de me regozijar apenas com canções de matança. Serei uma curadora, e amarei todas as coisas que crescem e não são estéreis. — Outra vez olhou para Faramir.

— Não desejo mais ser uma rainha — disse ela.

Então Faramir sorriu com alegria.

— Assim está bem — disse ele —; pois eu não sou um rei. E mesmo assim me casarei com a Senhora Branca de Rohan, se ela assim o desejar. E, se ela quiser, então atravessaremos o Rio e em dias mais felizes iremos morar na bela Ithilien, e lá faremos um jardim. Todas as coisas crescerão ali com alegria, se a Senhora Branca vier.

— Então devo deixar meu próprio povo, homem de Gondor? — disse ela. — E você gostaria que seu povo orgulhoso dissesse a seu respeito: "Lá vai um senhor que domou uma intrépida escudeira do norte! Não havia uma mulher da raça de Númenor para ele escolher?"

— Gostaria — disse Faramir. E tomando-a nos braços beijou-a sob o céu ensolarado, sem se preocupar se estavam sobre a muralha, num ponto alto, à vista de muitas pessoas. E realmente muitos viram os dois e a luz que brilhava ao redor deles quando desceram das muralhas e foram de mãos dadas até as Casas de Cura.

E ao Diretor das Casas Faramir disse:

— Aqui está a Senhora Éowyn de Rohan, e agora ela está curada.

E o Diretor disse:

— Então eu a dispenso de meus cuidados e digo-lhe adeus, desejando-lhe que jamais volte a ter qualquer doença ou sofrimento. Recomendo-a aos cuidados do Regente da Cidade, até que seu irmão retorne.

Mas Éowyn disse:

— Apesar de agora eu ter permissão para partir, gostaria de ficar. Pois esta Casa se tornou para mim a mais feliz de todas as moradias. — E lá permaneceu até a chegada do Rei Éomer.

Agora todas as coisas estavam prontas na Cidade, e havia um grande afluxo de pessoas, pois as notícias tinham se espalhado por todos os cantos de Gondor, de Min-Rimmon até Pinnath Gelin e as distantes costas marítimas; todos os que puderam se apressaram em direção á Cidade. E a Cidade se encheu de novo de mulheres e lindas crianças que retornaram para seus lares carregadas de flores; e de Dol Amroth vieram os melhores harpistas de toda a região, e havia também tocadores de violas, de flautas e de cornetas de prata, e cantores de voz límpida vieram dos vales de Lebennin.

Por fim chegou o dia em que das muralhas podiam-se ver os pavilhões montados no campo, e durante toda a noite as luzes arderam, enquanto os homens aguardavam a aurora. E quando o sol surgiu na manhã clara sobre as montanhas do leste, nas quais não pairava mais sombra alguma, todos os sinos repicaram, e as bandeiras se abriram tremulando ao vento; sobre a Torre Branca da Cidadela o estandarte dos Regentes, prata brilhante como neve ao sol, não trazendo emblema ou insígnia, foi hasteado sobre Gondor pela última vez.

Agora os Capitães do Oeste conduziam seu exército em direção à Cidade, e o povo os via avançar fileira após fileira, faiscando e reluzindo ao nascer do sol, ondulando como prata. E assim eles chegaram diante do Pórtico e pararam a duzentos metros das muralhas. Até aquele momento, os portões ainda não haviam sido reconstruídos, e uma estacada fora construída atravessando a entrada da Cidade, e lá estavam homens armados vestindo prata e negro, erguendo longas espadas. À frente da estacada estavam o Regente Faramir e Húrin, o Guardião das Chaves, juntamente com outros capitães de Gondor; a Senhora Éowyn de Rohan com o Marechal Ellhelm e muitos de seus cavaleiros; e dos dois lados do Portão havia uma grande multidão de gente bonita vestida de muitas cores e levando guirlandas de flores.

Havia agora um amplo espaço diante das muralhas de Minas Tirith rodeado pelos soldados e cavaleiros de Gondor e de Rohan, como também por todo o povo da Cidade e de todas as partes da região. Um silêncio caiu sobre todos quando do exército avançaram os dúnedain em prata e cinza; e à frente veio, caminhando devagar, o Senhor Aragorn. Estava vestindo uma malha metálica preta com um cinto prateado, e usava um longo manto completamente branco, preso ao pescoço por uma jóia verde que brilhava ao longe; mas em sua cabeça não havia nada, exceto uma estrela sobre a testa, presa por um fino filete de prata. Com ele vinham Éomer de Rohan, o Príncipe Imrahil e Gandalf, todo vestido de branco, além de quatro pequenas figuras que a muitos causaram surpresa.

— Não, prima! Eles não são meninos — disse Ioreth à sua parente de Imloth Melui, que estava ao seu lado. — Aqueles são Periain, vindos da distante terra dos Pequenos, onde são príncipes de grande renome, pelo que se conta. Eu sei, pois cuidei de um deles nas Casas. São pequenos, mas valorosos. Veja bem, prima, um deles foi para a Terra Negra acompanhado apenas de seu escudeiro, e lutou sozinho contra o Senhor do Escuro, e arcou fogo à Torre dele, acredite se puder. Pelo menos é isso o que se conta na Cidade. Deve ser o que caminha com o nosso Pedra Élfica. São amigos íntimos, ouvi dizer. Agora, ele é um prodígio, o Senhor Pedra Élfica: não muito gentil em sua fala, note bem, mas tem um coração de ouro, como se diz por aí; e ele tem as mãos que curam. "As mãos do rei são as mãos de um curador", disse eu; e foi assim que se descobriu tudo. E Mithrandir me disse: "Ioreth, os homens se lembrarão por muito tempo de suas palavras", e...

Mas Ioreth não pôde continuar instruindo sua parente do interior, pois uma única trombeta soou, e fez-se silêncio profundo. Então vieram do Portão Faramir e Húrin das Chaves, desacompanhados de outros, exceto por quatro homens que caminhavam atrás deles usando altos elmos e vestindo a armadura da Cidadela, carregando um grande cofre negro de lebethron, adornado de prata.

Faramir foi ao encontro de Aragorn no meio de todos ali reunidos, e ajoelhou-se, dizendo: — O último Regente de Gondor pede permissão para entregar seu oficio.

— E estendeu um bastão branco; mas Aragorn o tomou e o devolveu, dizendo:

— Tal oficio não está terminado, e deverá ser teu e de teus herdeiros enquanto durar minha linhagem. Desempenha agora o teu oficio!

Então Faramir levantou-se e falou numa voz límpida:

— Homens de Gondor, ouçam agora o Regente deste Reino! Vejam! Finalmente chegou alguém para reivindicar o trono. Aqui está Aragorn, filho de Arathorn, chefe dos dúnedain de Amor, Capitão do Exército do Oeste, portador da Estrela do Norte, possuidor da Espada Reforjada, vitorioso em batalha, cujas mãos trazem a cura, o Pedra Élfica, Elessar da linhagem de Valandil, filho de Isildur, filho de Elendil de Númenor. Deve ele ser rei e entrar na Cidade para ali morar?

E todo o exército e todo o povo gritaram sim a uma só voz.

E Ioreth disse à sua parente:

— Isso é apenas uma cerimônia de nossa Cidade, prima; pois ele já entrou, como eu estava lhe dizendo, e ele me disse... — então mais uma vez ela foi obrigada a se calar, pois Faramir falou outra vez.

— Homens de Gondor, os mestres na tradição dizem que, conforme o costume antigo, o rei deveria receber a corôa de seu pai antes que este morresse; e, se isso não fosse possível, então ele deveria ir sozinho e tomá-la das mãos de seu pai no túmulo onde foi depositado. Mas uma vez que as coisas devem ser feitas agora de modo diferente, usando a autoridade do Regente, eu hoje trouxe até aqui de Rath Dinen a corôa de Earnur, o último rei, cujos dias transcorreram no tempo de nossos remotos antepassados.

Então os guardas deram um passo à frente, e Faramir abriu o cofre, e ergueu uma corôa antiga. Tinha o formato dos elmos dos Guardas da Cidadela, mas era mais alta, e toda branca, e as asas dos dois lados eram feitas de pérolas e prata, a semelhança de asas de uma ave marítima, pois era o emblema dos reis que vieram pelo Mar; no aro da corôa reluziam sete pedras, e na ponta uma única jóia, cuja luz subia como uma chama.

Então Aragorn pegou a corôa e a ergueu, dizendo:

— Et Lârelio Endorenna utúlien. Sinome maruvan ar HiLdinyar tenn Ambar-metta!

E essas foram as palavras que Elendil disse quando chegou do Mar nas asas do vento: "Do Grande Mar vim para a Terra-média. Neste lugar vou morar, e também meus herdeiros, até o fim do mundo."

Então, para a surpresa de muitos, Aragorn não colocou a corôa sobre a própria cabeça, mas devolveu-a a Faramir, dizendo:

— Pelo trabalho e pelo valor de muitos, tomo posse do que é meu por herança. Em sinal disto gostaria que o Portador do Anel trouxesse a corôa até mim, e que Mithrandir a colocasse sobre minha cabeça, se assim desejar; pois foi ele o promotor de tudo o que foi realizado, e esta vitória lhe pertence.

Então Frodo veio à frente e tomou a corôa de Faramir e levou-a para Gandalf; Aragorn ajoelhou-se, e Gandalf colocou-lhe a corôa Branca sobre a cabeça, dizendo:

— Agora chegaram os dias do Rei, e que sejam bem-aventurados enquanto perdurarem os tronos dos Valar!

Mas quando Aragorn se levantou todos os que estavam presentes o contemplaram em silêncio, pois tiveram a impressão de que ele lhes estava sendo revelado pela primeira vez. Alto como os antigos reis dos mares, ele se ergueu acima de todos os que estavam perto; parecia velho em dias, mas na flor da virilidade; e a sabedoria ornava-lhe a fronte, e havia força e cura em suas mãos, e uma aura de luz o envolvia.

— Eis o rei!

E nesse momento todas as trombetas soaram, o Rei Elessar avançou chegando até a barreira, e Húrin das Chaves a afastou; em meio à música de harpas, violas e flautas, e do canto de vozes límpidas, o Rei passou pelas ruas cobertas de flores, chegando á Cidadela, e a adentrou; a bandeira da Arvore e das Estrelas foi desfraldada sobre o torreão mais alto, e iniciou-se o reinado do rei Elessar, do qual falaram muitas canções.

Em seu tempo a Cidade ficou mais bonita do que jamais fora, até mesmo mais do que nos dias de suas primeiras glórias; e encheu-se de árvores e fontes, e seus portões eram confeccionados em mithril e aço, e suas ruas eram pavimentadas de mármore branco, e o Povo da Montanha trabalhava nela, e o Povo da Floresta alegrava-se em visitá-la; tudo foi sanado e melhorado, e as casas se encheram de homens e mulheres e do riso das crianças; nenhuma janela ficou fechada e nenhum pátio vazio; e após o término da Terceira Era do mundo, entrando na nova era, a Cidade ainda preservava a lembrança e a glória dos anos passados.

Nos dias seguintes á sua coroação, o Rei sentou-se em seu trono no Palácio dos Reis e pronunciou seus julgamentos. Embaixadas vieram de muitas terras e povos, do leste e do sul e das fronteiras da Floresta das Trevas, e da Terra Parda no oeste. E o rei perdoou os orientais que se haviam rendido e os mandou embora em liberdade, e fez as pazes com o povo de Harad; os escravos de Mordor ele libertou, dando-lhes todas as terras ao redor do Lago Núrnen, para que lhes pertencessem. E foram trazidas à sua presença muitas pessoas, para que recebessem seu elogio e recompensa por seu valor; por último o capitão da Guarda lhe trouxe Beregond, para que fosse julgado.

E o Rei disse a ele:

— Beregond, através de sua espada o sangue se espalhou nos Fanos, onde isso não é permitido. Além disso, você abandonou seu posto sem a permissão do Senhor ou do Capitão. Por essas coisas, antigamente, a pena era a morte. Portanto agora vou pronunciar sua sentença.

— Toda a pena fica remitida devido ao seu valor em batalha, e mais ainda porque tudo o que fez foi por amor ao Senhor Faramir. Não obstante, você deve deixar a Guarda da Cidadela, e deve sair da Cidade de Minas Tirith.

Então o sangue sumiu do rosto de Beregond, que recebeu um golpe no coração e baixou a cabeça. Mas o Rei disse:

— Deve ser assim, pois você foi designado para a Companhia Branca, a Guarda de Faramir, Príncipe de Ithilien, e você será capitão dele e irá viver em Emyn Arnen com honra e paz, no serviço daquele por quem você arriscou tudo, para salvá-lo da morte.

E então Beregond, percebendo a justiça e a clemência do Rei, ficou feliz, e ajoelhando-se beijou-lhe a mão, e partiu alegre e satisfeito. E Aragorn deu a Faramir Ithilien, para que fosse seu principado, e pediu que ele morasse nas colinas de Emyn Arnen, à vista da Cidade.

— Pois — disse ele — Minas Ithil, no Vale Morgul, deverá ser completamente destruída, e, embora em tempos vindouros ela possa ser purificada, nenhum homem deverá morar lá antes que se passem muitos e longos anos.

E por último Aragorn cumprimentou Éomer de Rohan, e os dois se abraçaram e Aragorn disse:

— Entre nós não pode haver palavras de dar ou receber, nem de recompensa, pois somos irmãos. Foi uma hora feliz aquela na qual Eorl veio cavalgando do norte, e nunca uma aliança de povos foi mais abençoada, de modo que nenhum dos dois nunca faltou ao outro, e nem faltará. Agora, como você sabe, deitamos Théoden, o Renomado, num túmulo nos Fanos, e lá ele deverá jazer para sempre entre os Reis de Gondor, se esse for o seu desejo. Ou, se você quiser, iremos a Rohan e o levaremos de volta, para que descanse com seu próprio povo.

E Éomer respondeu:

— Desde o dia em que você surgiu diante de mim da verde relva das colinas afeiçoei-me a você, e essa afeição nunca irá se extinguir. Mas agora preciso partir por um tempo para o meu próprio reino, onde há muito a sanar e pôr em ordem. Mas, quanto ao Tombado, quando tudo estiver resolvido, retornaremos para buscá-lo; mas deixemos que durma aqui por um tempo.

E Éowyn disse a Faramir:

— Agora devo ir para minha própria terra, para contemplá-la mais uma vez, e ajudar meu irmão em seu trabalho; mas, quando aquele a quem amei tanto tempo como a um pai for depositado em seu descanso final, retornarei.

Assim se passaram os dias alegres, e no oitavo dia de maio os Cavaleiros de Rohan aprontaram-se e partiram cavalgando pela Estrada Norte, e com eles foram os Filhos de Elrond. Ao longo de toda a estrada se enfileiravam pessoas para homenageá-los e aplaudi-los, desde o Portão da Cidade até os Campos do Pelennor. Então, todos os outros que moravam longe voltaram para seus lares cheios de alegria; mas na Cidade trabalharam muitos voluntários de mãos dispostas, reconstruindo e renovando e removendo todas as cicatrizes da guerra e a lembrança da escuridão.

Os hobbits ainda permaneceram em Minas Tirith, com Legolas e Gimli, pois Aragorn relutava diante da idéia da dissolução da sociedade.

— Por fim todas essas coisas devem terminar — dizia ele —, mas eu gostaria que vocês esperassem um pouco mais: pois o fim dos feitos dos quais vocês participaram ainda não chegou. Aproxima-se um dia pelo qual esperei durante todos os anos de minha maioridade, e quando chegar eu gostaria de ter meus amigos por perto. — Mas sobre tal dia ele não estava disposto a dizer mais nada.

Durante esse tempo, os Companheiros do Anel moraram juntos numa bela casa com Gandalf, e eles iam e vinham com toda a liberdade. E Frodo disse a Gandalf:

— Você sabe que dia é esse sobre o qual Aragorn fala? Pois estamos felizes aqui, e não quero partir; mas os dias estão passando, e Bilbo está à espera, e o Condado é o meu lar.

— Quanto a Bilbo — disse Gandalf. —, ele está aguardando o mesmo dia, e sabe o que o prende aqui. Quanto á passagem dos dias, estamos apenas em maio, e o alto verão ainda nem chegou, e, embora todas as coisas possam parecer mudadas, como se uma era do mundo tivesse passado, ainda assim para as árvores e a relva faz menos de um ano que você partiu.

— Pippin — disse Frodo —, você não tinha dito que Gandalf estava menos reservado que antigamente? Quando você disse isso, ele estava cansado devido aos seus trabalhos, eu acho. Agora está voltando á antiga forma.

E Gandalf disse:

— Muitas pessoas gostam de saber de antemão o que vai ser servido à mesa, mas aqueles que trabalharam preparando o banquete gostam de manter o segredo, pois a surpresa faz com que os elogios soem mais alto. E o próprio Aragorn aguarda um sinal.

Chegou um dia em que Gandalf desapareceu, e os Companheiros ficaram se perguntando o que estaria acontecendo. Mas Gandalf levou Aragorn para fora da Cidade durante a noite, e o conduziu até os pés da encosta sul do Monte Mindolluin, e lá os dois encontraram uma trilha feita em eras passadas, e que poucos agora ousavam pisar. Pois ela conduzia montanha acima, para um local alto e sagrado aonde apenas os antigos reis costumavam ir. E eles subiram por caminhos íngremes, até chegarem a um campo elevado, perto da neve que cobria os picos, que se debruçava sobre o precipício ao fundo da Cidade. Postados lá eles observaram as terras, pois a manhã chegara; e eles viram as torres da Cidade bem abaixo deles como lápis brancos tocados pela luz do sol, e todo o Vale do Anduin era como um jardim, e uma névoa dourada velava as Montanhas da Sombra. De um lado, a visão atingia as cinzentas Emyn Muil, e o brilho de Rauros era como uma estrela a faiscar na distância; do outro lado viram o Rio como uma fita estendida até Pelargir, e mais além havia a luz na borda do céu que evocava o Mar.

E Gandalf disse:

— Este é o seu reino, e o coração do reino maior que haverá. A Terceira Era do mundo está terminada, e a nova era começou; é sua tarefa ordenar o início e preservar o que pode ser preservado. Pois, embora muito tenha sido salvo, muita coisa deve agora morrer, e o poder dos Três Anéis também terminou. E todas as terras que você está vendo, e aquelas que ficam em torno delas, deverão ser moradias de homens. Chegou o tempo do Domínio dos Homens, e a Gente Antiga deverá desaparecer ou partir.

— Sei muito bem disso, caro amigo — disse Aragorn —, mas ainda gostaria de contar com seus conselhos.

— Não por muito tempo agora — disse Gandalf. — A Terceira Era foi a minha. Eu era o Inimigo de Sauron e meu trabalho está terminado. Partirei em breve. E o fardo deverá ser carregado por você e pelo seu povo.

— Mas eu morrerei — disse Aragorn. — Pois sou um homem mortal, e, embora seja o que sou e da raça pura do oeste, devendo ter uma vida mais longa que os outros homens, ela vai durar pouco tempo; e, depois que aqueles que agora estão nos ventres das mulheres nascerem e estiverem velhos, eu também ficarei velho. E quem então deverá governar Gondor e aqueles que consideram esta Cidade a sua rainha, se meu desejo não for satisfeito? A Árvore no Pátio da Fonte ainda está seca e estéril. Quando terei um sinal de que um dia será de outro modo?

— Desvie seu rosto do mundo verde, e olhe para onde tudo parece desolado e frio! — disse Gandalf.

Então Aragorn se virou, e havia uma ladeira de pedra atrás dele, que descia da orla da neve; e, quando olhou, percebeu que ali, solitária, em meio à desolação, estava uma coisa viva. E ele subiu até ela, e viu que exatamente da orla da neve nascia uma muda de árvore que não ultrapassava noventa centímetros em altura. Já Já exibia jovens folhas longas e belas, escuras na face superior e prateadas por baixo, e sobre sua esbelta copa carregava um pequeno cacho de flores, cujas pétalas brancas brilhavam como a neve iluminada pelo sol.

Então Aragorn exclamou:

— Yé! utúvienyes! Encontrei-a! Veja! Aqui está uma descendente da Mais Velha das Arvores. Mas como veio parar aqui? Pois ela mesma não tem mais de sete anos de idade.

E Gandalf, aproximando-se, olhou para a pequena árvore e disse:

— Realmente, esta é uma muda da linhagem de Nimloth, a bela, e esta foi uma semente de Galathilion, que nasceu do fruto de Telperion dos muitos nomes, a Mais Velha das Árvores. Quem poderá dizer como ela veio parar aqui na hora marcada? Mas este é um antigo local sagrado, e, antes que os reis caíssem ou a Arvore secasse no pátio, um fruto deve ter sido plantado aqui. Pois comenta-se que, embora o fruto da Árvore raramente fique maduro, mesmo assim a vida que existe dentro dele pode dormir através de muitos e muitos anos, e ninguém pode predizer o tempo em que despertará. Lembre-se disso. Pois, se algum dia um fruto amadurecer, ele deve ser plantado, para evitar que a linhagem desapareça do mundo. Aqui ele foi colocado, escondido nas montanhas, da mesma forma que a raça de Elendil ficou escondida nos ermos do norte. E apesar disso a linhagem de Nimloth é muito mais antiga do que a sua, Rei Elessar.

Aragorn encostou delicadamente sua mão á muda de árvore e ai percebeu, surpreso, que ela se prendia muito de leve á terra; retirou-a sem feri-la, e levou-a de volta à Cidadela. Então a árvore seca foi arrancada, mas com reverência; não a queimaram, mas a deitaram para que descansasse no silêncio de Rath Dinen. E Aragorn plantou a nova árvore no pátio perto da fonte, e ela começou a crescer rápida e alegremente; e, quando chegou o mês de junho, ficou carregada de flores.

— O sinal foi dado — disse Aragorn —, e o dia não está distante.

E ele colocou vigias sobre as muralhas.

Era o dia anterior ao Solstício de Verão quando chegaram à Cidade mensageiros de Amon Din, dizendo que havia uma comitiva de belas pessoas que vinham cavalgando do norte, e que se aproximavam agora das muralhas do Pelennor. E o rei disse: — Finalmente chegaram. Que toda a Cidade se prepare!

Exatamente na Véspera do Solstício de Verão, quando o céu estava da cor da safira e estrelas brancas se abriam no leste, enquanto o oeste ainda estava dourado e o ar era fresco e fragrante os cavaleiros desceram a Estrada Norte até os Portões de Minas Tirith. Na frente cavalgavam Elrohir e Elladan com a bandeira de prata, e depois vinham Glorfindel e Erestor e todos os membros da Casa de Valfenda, e depois deles a Senhora Galadriel e Celeborn, Senhor de Lothlórien, montando cavalos brancos e com eles muita gente bonita de sua terra, usando mantos cinzentos e pedras brancas nos cabelos; por último vinha Mestre Elrond, poderoso entre elfos e homens, carregando o cetro de Annúminas, e ao seu lado, montando um palafrem cinzento, vinha Arwen, sua filha, Estrela Vespertina de seu povo.

E Frodo, quando a viu chegar brilhando á noitinha, com estrelas na testa e uma doce fragrância a envolvê-la, foi tocado por um profundo sentimento de admiração, e disse a Gandalf: — Finalmente entendo por que esperamos! Este é o término. Agora não só os dias serão amados, mas as noites também serão belas e bem-aventuradas e todo o medo que existe nelas se extinguirá.

Então o Rei deu boas-vindas aos convidados, que apearam das montarias; Elrond entregou o cetro, e colocou a mão da filha na mão do Rei, e juntos eles subiram para a Cidade Alta, e todas as estrelas floriram no céu. E Aragorn, o rei Elessar, casou-se com Arwen Undómiel na Cidade dos Reis no dia do Solstício de Verão, e cumpriu-se a história de seus árduos trabalhos e de sua longa espera.

 

MUITAS DESPEDIDAS

Quando terminaram os dias de festejos, finalmente os Companheiros pensaram em retornar para seus lares. E Frodo dirigiu-se ao Rei, que estava sentado com a Rainha Arwen perto da fonte: ela ia cantando uma canção de Valinor, enquanto a Arvore crescia e florescia. Alegraram-se com a visita de Frodo, levantando-se para cumprimentá-lo, e Aragorn disse:

— Sei o que vem me dizer, Frodo: você deseja retornar para casa. Bem, caríssimo amigo, a árvore cresce melhor na terra em que nasceu, mas para você sempre haverá boas-vindas em todas as terras do oeste. E, embora o seu povo tenha pouca fama nas lendas dos grandes, agora terá mais renome do que muitos grandes reinos que não existem mais.

— É verdade que desejo retornar ao Condado — disse Frodo. — Mas primeiro preciso ir a Valfenda. Pois, se alguma coisa pode estar faltando em dias tão abençoados, essa coisa é justamente a presença de Bilbo; fiquei triste quando vi que entre todos os da casa de Elrond ele não viera.

— Surpreende-se com isso, Portador do Anel? — disse Arwen. — Pois você conhece o poder da coisa que agora foi destruída, e sabe que tudo o que foi realizado por aquele poder agora está morrendo. Mas o seu parente a possuiu por mais tempo que você. Agora está avançado em anos, de acordo com a sua espécie, e ele o aguarda, pois não deverá mais fazer qualquer viagem longa, exceto uma.

— Então peço permissão para partir em breve — disse Frodo.

— Iremos em sete dias — disse Aragorn. — Pois vamos acompanhá-lo ao longo de um bom trecho da estrada, na verdade até Rohan. Daqui a três dias Éomer retornará para levar Théoden de volta, para que ele descanse na Terra dos Cavaleiros, e nós o acompanharemos em honra do Tombado. Mas agora, antes de você partir, confirmarei as palavras que Faramir lhe disse, e você estará livre para sempre do reino de Gondor, como também todos os seus companheiros. E se houver algum presente que eu possa lhes oferecer, que esteja à altura de seus feitos, vocês o terão; mas poderão levar qualquer coisa que desejem, e deverão cavalgar com todas as honras e pompas dos príncipes desta terra.

Mas a Rainha Arwen disse:

— Vou lhe dar um presente. Pois sou a filha de Elrond. Não vou acompanhar meu pai quando ele partir para os Portos, pois a minha escolha é a mesma de Lúthien, e como ela eu também escolhi tanto o doce como o amargo. Mas você irá em meu lugar, Portador do Anel, quando a hora chegar, se você assim quiser. Se seus ferimentos ainda lhe doerem e a lembrança do fardo for pesada, então você poderá permanecer no oeste até que todas as feridas e todo o cansaço estejam curados. Mas use isto agora, em memória de Pedra Élfica e Estrela Vespertina, cujas vidas se entrelaçaram com a sua.

E ela pegou uma pedra branca semelhante a uma estrela que estava sobre o seu peito, pendurada numa corrente de prata, e a colocou em volta do pescoço de Frodo. — Quando a lembrança do medo e da escuridão o incomodar — disse ela —, isso lhe trará ajuda.

Em três dias, conforme dissera o rei, Éomer de Rohan chegou cavalgando á Cidade, e com ele veio um éored dos mais belos cavaleiros daquela terra. Foram-lhes dadas as boas-vindas, e, quando todos estavam sentados á mesa em Merethrond, o Grande Salão de Banquetes, ele contemplou a beleza das senhoras presentes e se encheu de admiração. E antes que fosse descansar, mandou chamar Gimli, o anão, e lhe disse:

— Gimli, filho de Glóin, seu machado está pronto?

— Não, senhor — disse Gimli —, mas posso providenciar isso rapidamente, se for necessário.

— Cabe a você decidir — disse Éomer. — Pois entre nós ainda há certas palavras precipitadas a respeito da Senhora da Floresta Dourada. E agora eu a vi com meus próprios olhos.

— Bem, senhor — disse Gimli —, e o que me diz então?

— Infelizmente — disse Éomer —, não vou dizer que ela é a senhora mais bela que existe.

— Então preciso ir buscar meu machado — disse Gimli.

— Mas primeiro faço uma ressalva — disse Éomer. — Se eu a tivesse visto em outra companhia, eu teria dito tudo o que você deseja. Mas agora coloco a Rainha Arwen Estrela Vespertina em primeiro lugar, e de minha parte estou pronto a lutar com qualquer um que queira me desmentir. Devo mandar buscar minha espada?

Então Gimli fez uma grande reverência.

— Não, de minha parte está desculpado, senhor — disse ele. — Você escolheu a Tarde, mas meu amor destina-se á Manhã. E meu coração pressente que logo ela vai desaparecer para sempre.

Finalmente chegou o dia da partida, e uma comitiva numerosa e bela se preparava para deixar a Cidade rumo ao norte. Então os reis de Gondor e de Rohan foram até os Fanos e chegaram aos túmulos na Rath Dinen, e levaram embora o Rei Théoden sobre um grande esquife dourado, passando pela Cidade em silêncio. Então colocaram o esquife sobre uma grande carruagem que foi acompanhada por um cortejo de Cavaleiros de Rohan, com a bandeira à frente; Merry, sendo o escudeiro de Théoden, foi na carruagem com as armas do rei.

Para os outros Companheiros foram trazidos cavalos de acordo com a sua estatura; Frodo e Samwise cavalgaram ao lado de Aragorn, Gandalf montou Scadufax, e Pippin acompanhou os cavaleiros de Gondor; Legolas e Gimli, como sempre, foram juntos montados em Arod.

Nessa comitiva foram também a Rainha Arwen, Celeborn e Galadriel com todo o seu povo, Elrond com seus filhos, assim como os príncipes de Doí Amroth e de lthilien, e muitos capitães e cavaleiros. Nunca um rei da Terra dos Cavaleiros teve tal cortejo como o que acompanhava agora Théoden, filho de Thengel, para a sua terra natal.

Sem pressa e com tranquilidade eles entraram em Anórien e chegaram à Floresta Cinzenta sob o Amon Din, e lá ouviram um som de tambores batendo nas colinas, embora não se pudesse ver nenhum ser vivo. Então Aragorn mandou que tocassem as trombetas, e os arautos gritaram:

— Eis que o Rei Elessar chegou! A Floresta de Drúadan ele doa a Ghânburí-ghân e a seu povo, para que seja deles para sempre, e a partir de hoje nenhum homem pode entrar nela sem sua permissão!

Então os tambores retumbaram alto, e depois silenciaram.

Por fim, depois de quinze dias de viagem, a carruagem do Rei Théoden atravessou os campos verdes de Rohan e chegou a Edoras, e lá todos descansaram. O Palácio Dourado foi adornado com belas tapeçarias e ficou repleto de luz, e ali celebrou-se o banquete mais pomposo desde os dias de sua construção. Após três dias os homens da Terra dos Cavaleiros prepararam o funeral de Théoden, que foi colocado numa casa de pedra com suas armas e muitos outros objetos belos que possuíra, e sobre ela foi erigido um grande túmulo, coberto de turfa verde e sempre-em-mentes brancas. Agora havia oito jazigos no lado leste do Campo dos Túmulos.

Então os Cavaleiros da Casa do Rei, montados em cavalos brancos, cavalgaram ao redor do túmulo e cantaram juntos uma canção sobre Théoden, filho de Thengel, feita pelo menestrel Gléowine, que nunca mais compôs canção alguma. As vozes lentas dos Cavaleiros tocaram os corações até mesmo daqueles que não conheciam a língua daquele povo; mas a letra da canção trouxe uma luz aos olhos dos habitantes da Terra dos Cavaleiros quando ouviram mais uma vez, na distância, o trovão dos cascos do norte e a voz de Eorl elevando-se mais alto que o som da batalha no Campo de Celebrant, e a história dos reis prosseguiu retumbante, e a corneta de Helm ecoou alto nas montanhas, até que a Escuridão sobreveio e o Rei Théoden ergueu-se e cavalgou através da Sombra na direção do fogo, e morreu em esplendor, no momento em que o sol, retornando depois que morrera toda a esperança, brilhava sobre o Mindolluin pela manhã.

Trocando a dúvida, trocando o dúbio pelo dia raiando, veio cantando ao sol, espada a brandir Esperança reacesa, em esperança partindo; sobre a morte, sobre o medo, sobre a ruína erguido, além da perda, além da vida, para a glória subindo.

Mas Merry parou aos pés do verde túmulo e chorou; ao final da canção ele se ergueu gritando:

— Rei Théoden, Rei Théoden! Adeus! Como um pai o senhor foi para mim, por um curto período. Adeus!

Quando o funeral terminou, o choro das mulheres foi silenciando e Théoden foi deixado finalmente sozinho em seu túmulo, as pessoas se reuniram no Palácio Dourado para o grande banquete, pondo a tristeza de lado; pois Théoden vivera muitos anos e falecera gozando de uma honra que não era menor que a de nenhum de seus antepassados. E quando chegou a hora em que, segundo o hábito da Terra dos Cavaleiros, deveriam beber à memória dos reis, Éowyn, a Senhora de Rohan, ergueu-se dourada como o sol e branca como a neve, e entregou uma taça cheia a Éomer.

Então um menestrel e mestre na tradição levantou-se e pronunciou todos os nomes dos Senhores da Terra dos Cavaleiros, em ordem: Eorl, o Jovem; Brego, construtor do Palácio; Aldor, irmão do desafortunado Baldor; Fréa, Fréawine, Goldwine, Déor e Gram; Helm, que se escondeu no Abismo de Helm quando a Terra dos Cavaleiros foi invadida; assim terminaram os nove túmulos do lado oeste, pois naquele tempo a linhagem foi interrompida, e depois vieram os túmulos do lado leste: Fréalaf, filho da irmã de Helm; Léofa, Walda, Folca, Folcwine, Fengel, Thengel, e por último Théoden. E, quando foi pronunciado o nome de Théoden, Éomer esvaziou a taça. Então Éowyn pediu aos que serviam que enchessem as taças e todos os reunidos ali se levantaram e beberam à saúde do novo rei, gritando:

— Salve, Éomer, Rei da Terra dos Cavaleiros!

Por fim, quando o banquete terminou, Éomer levantou-se e disse:

— Este é o banquete do funeral do Rei Théoden; mas antes de partirmos falarei de coisas alegres, pois ele não se importaria se eu fizesse isso, uma vez que sempre foi um pai para Éowyn, minha irmã. Ouçam então, meus convidados, bela gente de muitos reinos, nunca antes aqui reunidos neste salão! Faramir, Regente de Gondor e Príncipe de Ithilien, pede que Éowyn, Senhora de Rohan, seja sua esposa, e ela concorda de bom grado. Portanto eles ficarão noivos diante de todos vocês.

E Faramir e Éowyn deram um passo á frente e se deram as mãos; e todos beberam à saúde de ambos e se alegraram.

— Desse modo — disse Éomer —, a amizade entre Gondor e a Terra dos Cavaleiros fica ligada por um novo elo, e mais ainda me alegro.

— Você não é nem um pouco mesquinho, Éomer — disse Aragorn oferecendo assim a Gondor a coisa mais bela de seu reino!

Então Éowyn olhou nos olhos de Aragorn e disse:

— Deseje-me felicidades, meu soberano e curador!

E ele respondeu:

— Desejei-te felicidades desde a primeira vez em que te vi. Cura meu coração ver-te agora completamente feliz.

Quando terminou o banquete, aqueles que deveriam partir despediram-se do Rei Éomer. Aragorn e seus cavaleiros, e o povo de Lórien e de Valfenda, se aprontaram para cavalgar; mas Faramir e Imrahil permaneceram em Edoras, e Arwen Estrela Vespertina também ficou, e disse adeus a seus irmãos. Ninguém viu o último encontro dela com seu pai, Elrond, pois eles subiram até as colinas e lá conversaram longamente; triste foi a separação, que deveria perdurar além do fim do mundo.

Por fim, antes que os convidados saíssem, Éomer e Éowyn aproximaram-se de Merry, dizendo:

— Adeus agora, Meriadoc do Condado e Holdwine da Terra dos Cavaleiros! Parta ao encontro da felicidade, e volte logo, pois será sempre bem-vindo!

E Éomer disse:

— Pelos seus feitos nos campos de Mundburg, os Reis de antigamente tê-lo-iam coberto de tantos presentes que uma carroça não poderia carregar; e apesar disso você diz que não aceita nada, a não ser as armas que lhe foram dadas. Isso vou tolerar, pois na verdade não tenho nada de valor para lhe oferecer; mas minha irmã implora que aceite esta pequena prenda, como uma lembrança de Dernhelm e das cornetas da Terra dos Cavaleiros na chegada da manhã.

Então Éowyn entregou a Merry uma corneta antiga, pequena mas habilidosamente confeccionada em fina prata e com um tiracolo verde; nela os artesãos tinham desenhado velozes cavaleiros, numa fileira que a contornava da extremidade até a boca, e gravaram também runas de grande virtude.

— Esta corneta é uma herança de nossa família — disse Éowyn. — Foi feita pelos anões, e veio do tesouro de Scatha, o Verme. Eorl, o Jovem, trouxe-a do norte. Aquele que a tocar numa hora de necessidade plantará o medo no coração de seus inimigos, e alegria nos corações dos amigos, que irão ouvi-lo e virão até ele.

Então Merry aceitou a corneta, pois não poderia recusá-la, e beijou a mão de Éowyn; e eles o abraçaram, e assim se separaram naquela ocasião.

Quando os convidados estavam prontos, beberam a taça de partida, e com muitos elogios e gestos de amizade partiram, chegando finalmente ao Abismo de Helm, onde descansaram por dois dias. Então Legolas pagou a promessa que fizera a Gimli, e ambos foram até as Cavernas Cintilantes; quando voltaram o elfo ficou em silêncio, dizendo apenas que Gimli era o único que podia encontrar palavras adequadas para descrevê-las.

— E nunca antes um anão cantou vitória sobre um elfo numa competição de palavras — disse ele. — Agora então vamos até Fangorn, onde acertaremos a contagem!

Da Garganta do Abismo cavalgaram até Isengard, e viram como os ents haviam-se ocupado. Todo o circulo de pedra fora derrubado e removido, e a terra dentro dele fora transformada num jardim cheio de pomares e árvores, atravessado por um rio; mas no meio de tudo havia um lago de águas límpidas, e dele surgia a Torre de Orthanc, alta e impenetrável, e sua rocha negra se espelhava no lago.

Por um tempo os viajantes sentaram-se no local onde os antigos portões de Isengard ficavam; agora havia duas árvores altas como sentinelas no início de uma trilha margeada de árvores que conduzia até Orthanc; todos olharam maravilhados para o trabalho feito, mas não se via qualquer ser vivo próximo ou distante.

De repente ouviram uma voz chamando hum-hom, hum-hom; e lá vinha Barbárvore descendo a trilha a largas passadas para cumprimentá-los, com Tronquesperto ao seu lado.

— Bem-vindos ao Jardinárvore de Orthanc! — disse ele. — Eu sabia que vocês deviam chegar, mas estava trabalhando lá em cima no vale; ainda há muito por fazer. Mas vocês também não ficaram ociosos lá no sul e no leste, pelo que ouvi dizer; e tudo o que ouvi é bom, muito bom. — Então Barbárvore louvou todos os feitos deles, dos quais parecia ter pleno conhecimento; quando finalmente terminou, olhou longamente para Gandalf.

— Bem, agora vamos! — disse ele. — Você se mostrou o mais poderoso, e todos os seus trabalhos foram bem sucedidos. Aonde estaria indo agora? E por que veio até aqui?

— Para ver como vai o seu trabalho, meu amigo — disse Gandalf —, e para agradecer-lhe por toda a ajuda em tudo o que foi realizado.

— Hum, bem, isso é justo — disse Barbárvore. — Pois com certeza os ents fizeram a sua parte. E não apenas tomando conta daquele, hum, daquele maldito assassino de árvores que morava aqui. Pois houve uma grande invasão daqueles, burórum, daqueles olhos-malignos-mãos-pretas-pernas-arqueadas-coração-de-pedra-dedos-de-garra,barriga-nojenta-sedento-de-sangue-morimaite-sincahonda, hum, bem, como vocês são pessoas apressadas e o nome inteiro deles é comprido como anos de tormento, aqueles vermes dos orcs; e eles atravessaram o Rio, e desceram do norte e da região que circunda toda a floresta de Laurelindórenan, na qual não conseguiram entrar, graças aos Grandes que estão lá. — Curvou-se diante do Senhor e da Senhora de Lórien.

— E essas mesmas criaturas fedorentas ficaram mais que surpresas que antes, embora isso também se possa dizer de pessoas melhores. E nem tantos se lembrarão de nós, pois não muitos escaparam vivos, e o Rio ficou com a maioria deles. Mas foi bom para vocês, pois, se eles não nos encontrassem, então o rei da terra verde não teria chegado muito longe, e, se tivesse, não haveria um lar para onde pudesse retornar.

— Sabemos muito bem disso — disse Aragorn —, e seus feitos nunca serão esquecidos em Minas Tirith ou em Edoras.

— Nunca é uma palavra longa demais até mesmo para mim — disse Barbárvore. — Não enquanto seus remos perdurarem, você quer dizer; mas realmente eles terão de ser bem longos para que pareçam longos aos ents.

— A Nova Era começa — disse Gandalf —, e nesta era pode muito bem acontecer de os remos dos homens durarem mais que você, Fangorn, meu amigo. Mas agora me diga: e a tarefa que lhe designei? Como está Saruman? Ainda não está cansado de Orthanc? Pois na minha opinião ele não vai achar que vocês melhoraram a vista de suas janelas.

Barbárvore dirigiu um longo olhar a Gandalf, que Merry considerou quase maroto.

— Ah! — disse ele. — Achei mesmo que chegaria a esse ponto. Cansado de Orthanc? — Muito cansado, finalmente; mas não ficou tão cansado de sua torre como de minha voz. Hum! Obriguei-o a escutar algumas histórias compridas, ou pelo menos o que pode ser considerado comprido em sua língua.

— Então por que ele ficou escutando? Você entrou em Orthanc? — perguntou Gandalf.

— Hum, não, não entrei em Orthanc! — disse Barbárvore. — Mas ele veio até a janela e escutou, pois não podia conseguir noticias de nenhum outro modo, e, embora odiando as noticias, estava ansioso por consegui-las; e cuidei para que ele escutasse todas. Mas eu acrescentei muitas coisas às noticias sobre as quais julguei que ele devia pensar. Ele ficou muito cansado. Sempre tinha pressa. Essa foi a sua ruína.

— Observo, meu bom Fangorn — disse Gandalf —, que com muito cuidado você diz morava, tinha, foi. E o que me diz sobre o que é? Ele está morto?

— Não, morto não, pelo que sei — disse Barbárvore. — Mas ele partiu. Sim, partiu há sete dias. Deixei-o partir. Pouco restava dele quando saiu rastejando, e, quanto àquela criatura-verme que o acompanha, não passava de uma sombra pálida. Agora, não me diga, Gandalf, que eu prometi mantê-lo a salvo, pois eu sei disso. Mas as coisas mudaram desde então. E eu o mantive aqui até que ele estivesse impossibilitado, impossibilitado de fazer qualquer mal. Você deve saber que acima de tudo eu odeio prender coisas vivas, e me recuso a manter presas até mesmo criaturas como essa, a não ser que a necessidade seja extrema. Uma cobra sem presas pode rastejar para onde quiser.

— Você pode estar certo disse Gandalf —; mas a esta cobra ainda restava uma presa, eu acho. Ele tinha o veneno de sua voz, e julgo que persuadiu você, até mesmo você, Barbárvore, conhecendo o ponto fraco de seu coração. Bem, ele se foi, e não há mais nada a dizer. Mas agora a Torre de Orthanc volta para o Rei, a quem pertence. Embora talvez ele não precise dela.

— Isso veremos mais tarde — disse Aragorn. — Mas darei aos ents todo este vale para que o usem como quiserem, contanto que mantenham vigilância sobre Orthanc e cuidem para que ninguém entre nela sem minha autorização.

— A Torre está trancada — disse Barbárvore. — Obriguei Saruman a trancá-la e me entregar as chaves. Estão com Tronquesperto.

Tronquesperto curvou-se como uma árvore que se dobra ao vento, e entregou a Aragorn duas grandes chaves negras de formato intrincado, unidas por um anel de aço.

— Agora, agradeço-lhes mais uma vez — disse Aragorn —, e desejo-lhes boa sorte. Que sua floresta cresça outra vez em paz. Quando este vale estiver cheio, haverá espaço de sobra a oeste das montanhas, onde outrora vocês caminharam.

O rosto de Barbárvore se entristeceu. — As florestas podem crescer — disse ele. — Os bosques podem se espalhar. Mas não os ents. Não existem entinhos.

— Mas agora talvez haja mais esperança em sua procura — disse Aragorn. — Terras que estiveram por muito tempo fechadas ficarão abertas para vocês na direção do leste.

Mas Barbárvore balançou a cabeça e disse: — É muito longe. E nestes dias existem muitos homens. Mas estou esquecendo meus modos! Vocês não querem ficar aqui para descansar um pouco? E quem sabe haja alguém que fique satisfeito em atravessar a Floresta de Fangorn e assim encurtar seu caminho para casa? — Olhou para Celeborn e Galadriel.

Mas todos, exceto Legolas, disseram que precisavam agora despedir-se e partir para o sul ou para o oeste.

— Venha, Gimli – disse Legolas. — Agora, com a permissão de Fangorn, visitarei os recônditos da Floresta Ent e verei árvores que não existem em nenhum outro lugar da Terra-média. Você virá comigo, mantendo a sua palavra; e assim viajaremos juntos para nossas próprias terras, na Floresta das Trevas e mais além. — Com isso Gimli concordou, embora sem muita satisfação, ao que pareceu.

— Aqui, então, finalmente, chegamos ao fim da Sociedade do Anel — disse Aragorn. — Mas espero que em breve vocês retornem á minha terra com a ajuda que prometeram.

— Viremos, se nossos senhores assim o permitirem — disse Gimli. — Bem, adeus, meus hobbits! Agora vocês devem ir para suas casas a salvo, e eu não ficarei acordado temendo os perigos que possam correr. Mandaremos noticias quando for possível, e alguns de nós poderão se encontrar de vez em quando; mas temo que nunca mais estaremos todos reunidos.

Então Barbárvore disse adeus a cada um deles, e curvou-se três vezes, devagar e com grande reverência, diante de Galadriel e Celeborn.

— Faz muito, muito tempo que não nos encontramos junto a árvore ou pedra, A vanimar, vanimálion nostari! — disse ele. — É triste que nos encontremos só agora, no final. Pois o mundo está mudando: sinto isso na água, sinto isso na terra, e farejo no ar. Não acho que nos encontraremos de novo.

E Celeborn disse:

— Eu não sei, Mais velho. — Mas Galadriel falou:

— Não na Terra-média, não até que as terras que jazem sob as ondas se ergam de novo. Então, nos prados de salgueiros de Tasarinan podemos nos encontrar na primavera. Adeus!

Por último Merry e Pippin disseram adeus ao velho ent, e ele ficou mais descontraído quando olhou para eles.

— Bem, meu povo alegre — disse ele —, não vão beber mais um gole comigo antes de partirem?

— Claro que vamos — disseram eles, e Barbárvore os levou de lado, entrando em uma das sombras das árvores, e eles viram que ali fora colocado um grande jarro de pedra. Barbárvore encheu três tigelas e eles beberam, vendo os estranhos olhos do ent observando-os por sobre a borda de sua tigela.

— Cuidado, cuidado! — disse ele. — Pois vocês já cresceram desde que os vi pela última vez. — E os dois riram e esvaziaram suas tigelas.

— Bem, adeus! — disse ele. — E não se esqueçam de me avisar se em sua terra ouvirem qualquer noticia sobre as entesposas. — Então acenou as mãos grandes para toda a comitiva e sumiu por entre as arvores.

Os viajantes cavalgavam agora com mais velocidade, e se dirigiam para o Desfiladeiro de Rohan, e Aragorn finalmente despediu-se deles, perto do local onde Pippin havia olhado na Pedra de Orthanc. Os hobbits se entristeceram com a separação, pois Aragorn nunca lhes faltara, e sempre fora o seu guia através de muitos perigos.

— Gostaria que houvesse uma pedra onde pudéssemos ver todos os nossos amigos — disse Pippin — e que fosse possível conversar com eles a distância!

— Agora só resta uma que você poderia usar — respondeu Aragorn —; pois você não desejaria ver o que a Pedra de Minas Tirith pode lhe mostrar. Mas o palantír de Orthanc será guardado pelo Rei, para que ele possa ver o que se passa em seu reino, e o que os servidores estão fazendo. Pois não se esqueça, Peregrin Túk, de que você é um cavaleiro de Gondor, e eu não o dispenso do serviço. Agora você parte de licença, mas posso voltar a chamá-lo. E lembrem-se, queridos amigos do Condado, que meu reino também abrange o norte, e irei até lá um dia.

Então Aragorn despediu-se de Celeborn e Galadriel, e a Senhora lhe disse:

— Pedra Élfica, através da escuridão você conquistou a esperança, e agora possui tudo o que deseja. Use bem os seus dias!

Mas Celeborn disse:

— Parente, adeus! Que seu destino seja diferente do meu, e seu tesouro permaneça com você até o fim.

Com essas palavras despediram-se, na hora do pôr-do-sol; quando, depois de um tempo, eles se viraram e olharam para trás, viram o Rei do Oeste sentado sobre o seu cavalo com os cavaleiros ao redor; e o sol poente reluzia sobre eles e fazia com que seus arreios brilhassem como ouro vermelho, e o manto branco de Aragorn transformou-se numa chama. Então Aragorn pegou a pedra verde e a ergueu, e um fogo verde emanou de sua mão.

Logo a comitiva reduzida, seguindo o Isen, dirigiu-se para o oeste e cavalgou através do Desfiladeiro, entrando nas terras desertas mais além; depois rumaram para o norte, e passaram pelas fronteiras da Terra Parda. Os habitantes de lá fugiram e se esconderam, pois tinham medo do Povo Élfico, embora na realidade poucos elfos tivessem chegado àquele lugar; mas os viajantes não lhes deram atenção, pois ainda formavam uma grande comitiva e estavam providos de tudo do que necessitavam; continuaram o seu caminho tranquilamente, montando tendas quando bem queriam.

No sexto dia após se separarem do Rei, viajaram através de uma floresta descendo das colinas aos pés das Montanhas Sombrias, que agora assomavam à sua direita.

Quando saíram para o espaço aberto de novo ao pôr-do-sol, alcançaram um velho apoiado num cajado, vestindo farrapos cinzentos e de um branco sujo, e atrás dele vinha um outro mendigo, arrastando-se e choramingando.

— Bem, Saruman! — disse Gandalf. — Aonde vai indo?

— E o que isso lhe interessa? — respondeu ele. — Quer ainda comandar meus passos, e não está satisfeito com minha ruína?

— Você conhece as respostas — disse Gandalf —: não e não. Mas de qualquer forma o tempo de meus trabalhos se aproxima de um fim. O Rei tomou para si o fardo. Se você tivesse esperado em Orthanc, poderia tê-lo visto, e ele teria demonstrado sua sabedoria e clemência.

— Isso é ainda mais um motivo para eu ter partido antes — disse Saruman —, pois não desejo dele nenhuma das duas coisas. Na verdade, se você deseja uma resposta para a sua primeira pergunta, estou procurando um caminho para fora deste reino.

— Então mais uma vez você está indo pelo caminho errado — disse Gandalf —, e não vejo esperança em sua viagem. Mas você vai desprezar nossa ajuda? Pois é isso que estamos oferecendo a você.

— A mim? — disse Saruman. — Não, por favor não me sorriam! Prefiro as suas carrancas. E, quanto à Senhora aqui, não confio nela: ela sempre me odiou, e tramou a seu favor. Não duvido de que o tenha trazido por este caminho para ter o prazer de tripudiar sobre a minha pobreza. Se soubesse da sua perseguição, eu lhes teria negado este prazer.

— Saruman — disse Galadriel —, temos outras missões e outras preocupações que nos parecem mais urgentes do que ficar caçando você. Ao invés disso, diga que você foi alcançado pela boa sorte, pois agora lhe oferecemos uma última oportunidade.

— Se for realmente a última, fico contente — disse Saruman —; pois me será poupado o trabalho de recusá-la mais uma vez. Todas as minhas esperanças estão arruinadas, mas eu não partilharia das suas. Se é que têm alguma.

Por um momento seus olhos se acenderam. — Vão embora! — disse ele.

— Não passei longos anos estudando esses assuntos para nada. Vocês se destruíram e sabem disso. E vai me trazer algum consolo, enquanto vago sem rumo, pensar que vocês derrubaram a sua única casa quando destruíram a minha. E, agora, que navio poderá levá-los através de um mar tão vasto? — zombou ele. — Será um navio cinza, e cheio de fantasmas. — Ele riu, mas sua voz era rouca e hedionda.

— Levante-se, idiota! — gritou ele para o outro mendigo, que se sentara no chão; bateu nele com o cajado. — Meia-volta! Se essas pessoas gentis estão indo pelo nosso caminho, então vamos tomar um outro. Em frente, ou não vai ter nem uma casca de pão para o jantar.

O mendigo se levantou e foi se arrastando e choramingando:

— Pobre velho Gríma! Pobre velho Gríma! Sempre espancado e amaldiçoado. Como o odeio! Gostaria de poder abandoná-lo!

— Então faça isso! — disse Gandalf.

Mas Língua de Cobra apenas desfechou um golpe de seus olhos turvos e aterrorizados em Gandalf, e então apertou o passo atrás de Saruman. Quando o par miserável passou pela comitiva, aproximaram-se dos hobbits, e Saruman parou para fitá-los; mas eles o contemplaram com pena.

— Então vocês também vieram para tripudiar sobre minha desgraça, não é, meus moleques? — disse ele. — Não se preocupam com as necessidades de um mendigo, não é mesmo? Pois vocês têm tudo o que desejam, comida, e belas roupas, e o melhor fumo para seus cachimbos. É sim, eu sei! Sei de onde a erva vem. Vocês não dariam um bocado para um mendigo, dariam?

— Eu daria, se tivesse — disse Frodo.

— Você pode ficar com o que me resta — disse Merry —, se esperar um pouquinho. — Desceu do cavalo e procurou no alforje de sua sela. Então entregou a Saruman uma bolsa de couro. — Leve o que temos — disse ele. — Esse fumo você conhece bem; veio dos escombros de Isengard.

— Meu, meu, é sim, e comprado a preços altíssimos! — gritou Saruman, agarrando a bolsa. — Isto é apenas uma reparação simbólica; pois vocês levaram muito mais, eu aposto. Apesar disso, um mendigo deve ficar agradecido, mesmo que um ladrão lhe devolva apenas uma parte do que lhe pertencia. Bem, vai ser bem feito para vocês quando chegarem em casa, se encontrarem na Quarta Sul as coisas piores do que desejariam. Que sua terra fique muito tempo sem fumo!

— Obrigado — disse Merry. — Nesse caso, quero de volta minha bolsa, que não é sua, e viajou muitas léguas comigo. Embrulhe o fumo num trapo seu.

— Um ladrão merece o outro — disse Saruman, dando as costas para Merry, e chutando Língua de Cobra; depois afastou-se em direção á floresta.

— Bem, gostei disso! — disse Pippin. — Ladrão, essa é boa! E de que vamos acusá-lo por nos ter aprisionado, machucado e arrastado através das mãos de orcs por toda Rohan"?

— Ah! — disse Sam. — E ele disse comprado. Fico pensando como. E não gostei daquilo que ele disse sobre a Quarta Sul. Já é tempo de retornarmos.

— Com certeza — disse Frodo. — Mas não podemos ir mais rápido, se queremos ver Bilbo. Vou primeiro a Valfenda, aconteça o que acontecer.

— Sim, acho melhor você fazer isso — disse Gandalf — Mas sinto por Saruman! Acho que não se pode conseguir mais nada dele. Está completamente murcho. Mesmo assim, não tenho certeza de que Barbárvore esteja com a razão: imagino que ele ainda poderia fazer alguma maldade, de um modo mais mesquinho.

No dia seguinte entraram na parte norte da Terra Parda, onde nenhum homem morava agora, embora fosse um lugar verde e agradável.

Setembro chegou com dias dourados e noites de prata, e eles cavalgaram tranquilos até atingirem o rio Cisnefrota, e encontraram o antigo vau, a leste das cachoeiras onde as águas desciam abruptamente para as terras baixas. Muito mais a oeste, envoltos pela névoa, ficavam os pântanos e ilhotas através dos quais esse rio seguia até juntar-se ao Rio Cinzento: lá inúmeros cisnes moravam em meio aos juncos.

Assim entraram em Eregion, e finalmente surgiu uma manhã bonita, tremeluzindo sobre névoas cintilantes; olhando do acampamento que haviam feito numa colina baixa, os viajantes viram no leste o sol tocando três picos que se lançavam ao céu em meio a nuvens flutuantes: Caradhras, Celebdil e Fanuidhol. Estavam próximos dos Portões de Moria.

Detiveram-se ali por sete dias, pois aproximava-se o momento de uma nova despedida contra a qual eles relutavam. Logo Celeborn, Galadriel e seu povo rumariam para o leste, passando assim pelo Passo do Chifre Vermelho e descendo a Escada do Riacho Escuro e atingindo o Veio de Prata, prosseguindo para sua própria terra.

Até aquele ponto, haviam viajado pelos caminhos do oeste, pois tinham muitos assuntos a tratar com Elrond e Gandalf e ali ainda demoraram bastante conversando com seus amigos. Várias vezes, muito depois de os hobbits já estarem dormindo, eles se sentavam juntos sob as estrelas, rememorando as eras passadas e todas as suas alegrias e trabalhos no mundo, ou discutindo assuntos a respeito dos dias vindouros. Se por acaso algum viajante tivesse passado, pouco teria visto ou ouvido, ficando com a impressão de que vira apenas vultos cinzentos esculpidos na pedra, monumentos em memória de coisas esquecidas, agora perdidas em terras despovoadas. Pois eles não se mexiam nem usavam as bocas para falar; olhavam de uma mente para a outra, e apenas seus olhos brilhantes se agitavam e se acendiam, enquanto trocavam pensamentos.

Por fim tudo foi dito, e eles se separaram outra vez por um tempo, até que chegasse a hora de os Três Anéis desaparecerem. Sumindo depressa dentro das pedras e sombras, o povo de mantos cinzentos de Lórien cavalgou na direção das montanhas, e aqueles que estavam indo para Valfenda se sentaram na colina e ficaram olhando, até que da névoa que se adensava surgiu um clarão, e eles não viram mais nada. Frodo sabia que Galadriel erguera o seu anel em sinal de adeus.

Sam voltou-se e suspirou:

— Gostaria de estar voltando para Lórien!

Finalmente numa noite, atravessando as altas charnecas, de repente, como sempre parecia aos viajantes, depararam com o profundo vale de Valfenda e viram lá embaixo lamparinas brilhando na casa de Elrond. Desceram, atravessaram a ponte e chegaram às portas; toda a casa estava cheia de luz e música, celebrando a alegria da volta de Elrond.

Primeiro de tudo, antes de comerem ou se banharem, antes mesmo de tirarem suas capas, os hobbits foram procurar Bilbo. Encontraram-no sozinho em seu pequeno quarto, abarrotado de papéis, penas e lápis. Mas Bilbo estava sentado numa cadeira diante de um pequeno fogo reluzente. Parecia muito velho, mas tranquilo, e sonolento.

Abriu os olhos e olhou para cima no momento em que os hobbits entraram.

— Olá! Olá! — disse ele. — Então vocês voltaram? E além disso amanhã é meu aniversário. Que esperteza a de vocês! Sabem, vou completar cento e vinte e nove anos. E dentro de mais um ano, se eu for poupado, chegarei à idade do Velho Túk. Gostaria de derrotá-lo, mas isso vamos ver.

Depois da comemoração do aniversário de Bilbo, os quatro hobbits permaneceram em Valfenda por mais alguns dias, sentando-se longamente na companhia do velho amigo, que agora passava a maior parte do tempo em seu quarto, exceto na hora das refeições. Para estas ele ainda era geralmente muito pontual, e raras vezes deixava de acordar em tempo para participar delas. Sentados ao redor do fogo, cada um deles contou tudo o que conseguia lembrar sobre suas viagens e aventuras. No inicio, Bilbo fingia tomar algumas notas, mas frequentemente adormecia; quando acordava, dizia:

— Que esplêndido! Mas onde estávamos? — Então eles continuavam a história do ponto onde ele começara a cabecear.

A única parte que realmente pareceu despertá-lo e segurar-lhe a atenção foi o relato sobre a coroação e o casamento de Aragorn.

— É claro que eu fui convidado para as bodas — disse ele. — E as aguardei durante um longo tempo. Mas, de alguma forma, quando chegou a hora, achei que tinha muitas coisas para fazer aqui, e fazer as malas é um incômodo tão grande!

Após quase uma quinzena, Frodo olhou através de sua janela e viu que geara durante a noite, e as teias de aranha pareciam redes brancas.

Então, de repente, percebeu que deveria partir e dizer adeus a Bilbo. O clima ainda era bom e ameno, após um dos mais adoráveis verões de que se tinha memória; mas chegara outubro e logo começaria a chover e ventar outra vez. E ainda havia um longo caminho a percorrer. Mas não foi exatamente pensar no clima que o agitou.

Ele teve um sentimento de que era hora de voltar para o Condado. Sam sentia a mesma coisa.

Apenas uma noite antes, ele dissera:

— Bem, Sr. Frodo, estivemos em muitos lugares e vimos muitas coisas, mas não acho que encontramos um lugar melhor do que este. Há um pouco de tudo aqui, se o senhor me entende: do Condado e da Floresta, de Gondor e das casas dos reis, das estalagens e prados, tudo misturado. Mesmo assim, de alguma forma, sinto que devemos partir em breve. Para falar a verdade, estou preocupado com o meu feitor.

— Sim, um pouco de tudo, Sam, exceto o Mar — respondera Frodo, depois repetiu para si mesmo: — Exceto o Mar.

Naquele dia Frodo falou com Elrond, e ficou acertado que deveriam partir na manhã seguinte. Para a alegria deles, Gandalf disse:

— Acho que vou também. Pelo menos até Bri. Quero ver Carrapicho.

Quando chegou a noite, foram dizer adeus a Bilbo.

— Bem, se vocês precisam ir, não há mais nada a fazer — disse ele. — Lamento. Vou sentir a falta de vocês. É bom saber que estão por perto. Mas agora estou ficando com sono. — Então deu a Frodo seu casaco de mithril e Ferroada, esquecendo-se de que já tinha feito isso antes; deu também três livros de histórias que com sua letra comprida e fina escrevera em diferentes ocasiões, em cujos dorsos vermelhos se lia: Traduções do Élfico, por B.B.

Para Sam deu um pequeno saco com ouro.

— Quase a última gota que sobrou da safra de Smaug — disse ele. — Pode vir a ser útil, se você pensa em se casar, Sam. — Sam enrubesceu.

— Não tenho nada mais para lhes oferecer, jovens companheiros — disse ele para Merry e Pippin —, exceto bons conselhos. — E, quando lhes havia dado uma bela amostra deles, acrescentou um último ítem, à moda do Condado: — Não permitam que suas cabeças fiquem grandes demais para os seus chapéus! Mas, se vocês não pararem logo de crescer, vão achar os chapéus e as roupas caros.

— Mas, se você quer superar o Velho Túk — disse Pippin —, não vejo por que não devamos tentar superar o Urratouro.

Bilbo riu, e tirou de um bolso dois belos cachimbos com embocaduras de madrepérola e adornados com prata trabalhada.

— Pensem em mim quando estiverem fumando! — disse ele. — Os elfos os fizeram para mim, mas agora deixei de fumar. — E então de repente ele cabeceou e adormeceu por uns momentos; quando acordou de novo, disse:

— Agora, onde estávamos? Sim, é claro, dando presentes. E isso me faz lembrar: O que aconteceu com o meu anel, Frodo, que você levou embora?

— Eu o perdi, Bilbo querido — disse Frodo. — Livrei-me dele, você sabe.

— Que pena! — disse Bilbo. — Gostaria de vê-lo mais uma vez. Mas não, que tolo eu sou! Foi por isso que você foi, não é? Para se livrar dele? Mas é tudo tão complicado, pois tantas outras coisas parecem ter-se misturado com isso: os afazeres de Aragorn, o Conselho Branco e Gondor, e os Cavaleiros, os sulistas, os olifantes — você realmente viu um, Sam? — e cavernas e torres e árvores douradas e sei lá mais o quê.

— Evidentemente eu voltei de minha viagem por uma estrada direta demais. Acho que Gandalf poderia ter me mostrado mais lugares. Mas nesse caso o leilão teria terminado antes do meu retorno, e eu teria mais problemas do que tive. De qualquer forma, agora é muito tarde, e eu realmente acho bem mais confortável ficar aqui sentado ouvindo falar sobre tudo. O fogo aqui é acolhedor, e a comida muito boa, e há elfos quando você quiser vê-los. Quem precisa de mais?

 

        A Estrada em frente vai seguindo

        Deixando a porta onde começa.

        Agora longe já vai indo,

        Que a sigam outros, nada impeça!

        Que partam para a sua jornada,

        Porque meus pés irão ficar

        No albergue em luz no fim da Estrada;

        Quero dormir e descansar

 

E, quando Bilbo murmurou as últimas palavras, sua cabeça caiu sobre o peito e ele adormeceu profundamente.

A noite se adensou na sala, e a luz do fogo brilhou mais forte; os hobbits observaram Bilbo dormindo e viram que seu rosto sorria. Por um tempo ficaram sentados em silêncio; depois, Sam, olhando ao redor da sala para as sombras tremendo nas paredes, disse baixinho:

— Não acho. Sr. Frodo. que ele tenha escrito muito enquanto estivemos fora. Agora nunca vai escrever nossa história.

Bilbo então abriu um olho, quase como se tivesse ouvido. Então despertou.                 — Vocês entendem, estou ficando tão sonolento — disse ele. — E, quando tenho tempo para escrever, só gosto mesmo é de escrever poesia. Fico pensando, Frodo, meu caro companheiro, se você não se importaria muito em organizar as coisas antes de partir. Recolha todos os meus papéis e anotações, e meu diário também, e leve-os com você, se quiser. Você entende, eu não tive muito tempo para selecionar e organizar e tudo mais. Peça que Sam o ajude, e, quando vocês tiverem organizado a coisa toda, voltem, e eu dou uma examinada rápida em tudo. Não serei muito exigente.

— Claro que vou fazer isso — disse Frodo. — E é claro que voltarei logo: não haverá mais nenhum perigo. Agora existe um rei de verdade, e logo ele vai deixar as estradas em ordem.

— Obrigado, meu caro companheiro! — disse Bilbo. — Esse realmente é um grande alívio para minha cabeça. — E dizendo isso ele adormeceu profundamente outra vez.

No dia seguinte Gandalf e os hobbits se despediram de Bilbo em seu quarto, pois estava frio lá fora; depois disseram adeus a Elrond e às pessoas de sua casa.

Quando Frodo parou na soleira da porta, Elrond lhe desejou uma boa viagem e o abençoou, dizendo:

— Eu acho, Frodo, que talvez você não precise voltar, a não ser que venha muito em breve. Por volta desta época do ano, quando as folhas estão douradas e ainda não caíram, procure Bilbo nos bosques do Condado. Eu estarei com ele.

Ninguém mais ouviu essas palavras, e Frodo as guardou consigo.

 

A CAMINHO DE CASA

Finalmente os hobbits voltavam seus rostos na direção de casa.

Estavam agora ansiosos por ver de novo o Condado, mas no início cavalgaram devagar, pois Frodo sentira-se mal. Quando chegaram ao Vau do Bruinen ele parou, relutando em atravessar a água; os outros notaram que por um tempo seus olhos pareciam alheios a eles e às coisas ao redor. Durante todo aquele dia, Frodo ficou em silêncio. Era o dia seis de outubro.

— Você está sentindo dores, Frodo? — perguntou Gandalf numa voz baixa, cavalgando ao seu lado.

— Bem, estou — disse Frodo. — É meu ombro. O ferimento dói, e a lembrança da escuridão pesa sobre mim. Está fazendo um ano hoje.

— É Lamentável, mas há certos ferimentos que não podem ser totalmente curados — disse Gandalf.

— Temo que esse possa ser o meu caso — disse Frodo. — Não existe um retorno de verdade. Embora eu possa voltar, o Condado não será o mesmo, pois eu não serei o mesmo. Fui ferido por faca, ferrão e dente, sem falar no fardo que carreguei por tanto tempo. Quando poderei descansar?

Gandalf não respondeu.

Ao fim do dia seguinte a dor e a inquietação tinham passado, e Frodo estava alegre de novo, alegre como se não se lembrasse da escuridão do dia anterior.

Depois daquilo, a viagem transcorreu bem, e os dias se passaram depressa; eles cavalgavam com tranquilidade, e frequentemente se demoravam nos belos bosques onde as folhas estavam vermelhas e amarelas ao sol do outono. Por fim atingiram o Topo do Vento; a noite se aproximava, e a sombra da colina deitava-se escura sobre a estrada. Então Frodo pediu aos outros que se apressassem e, negando-se a olhar na direção da colina, atravessou sua sombra com a cabeça curvada e cobrindo-se com a capa. Naquela noite o tempo mudou, e do oeste chegou um vento carregado de chuva, que soprou ruidoso e frio, fazendo as folhas amarelas rodopiarem no ar como pássaros.

Quando chegaram à Floresta Chet os galhos já estavam quase nus, e uma grande cortina de chuva os impedia de ver a Colina Bri.

Foi assim que, quase ao final de uma noite bravia e molhada dos últimos dias de outubro, os cinco viajantes subiram a estrada íngreme e chegaram ao Portão Sul de Bri. Estava bem trancado, e a chuva batia-lhes nos rostos; no céu escuro nuvens baixas passavam correndo, e eles se sentiram um pouco frustrados, pois esperavam uma recepção mais calorosa.

Depois de muito chamarem, o porteiro saiu, e eles viram que ele trazia na mão um grande porrete. Fitou-os com medo e desconfiança, mas quando viu que Gandalf estava ali e que seus companheiros eram hobbits, apesar das estranhas vestes, alegrou-se e deu-lhes as boas-vindas.

— Entrem! — disse ele, destrancando o portão. — Não vão ficar esperando notícias aqui fora, no frio e na chuva, nesta noite tumultuada. Mas não há dúvida de que o velho Cevado vai lhes dar as boas-vindas no Pônei, e lá vocês poderão ouvir tudo o que há para ouvir.

— E lá vocês vão ouvir tudo o que vamos contar, ou mais até — disse Gandalf rindo. — Como está Harry?

O porteiro fez uma careta. — Foi embora — disse ele. — Mas é melhor perguntarem ao Cevado. Boa noite!

— Boa noite para você! — disseram eles passando pelo portão; notaram então que atrás da cerca-viva, ao lado da estrada, fora construído um barraco comprido, de onde vários homens saíram para observá-los por sobre a cerca. Quando se aproximaram da casa de Bill Samambaia, viram que a cerca-viva estava danificada e abandonada, e todas as janelas estavam lacradas com tábuas.

— Será que você o matou com aquela maçã, Sam? — disse Pippin.

— Não sou tão otimista, Sr. Pippin — disse Sam. — Mas gostaria de saber o que aconteceu àquele pobre pônei. Pensei nele muitas vezes, e nos lobos uivando e tudo mais.

Por fim chegaram ao Pônei Saltitante, que pelo menos externamente parecia o mesmo; havia luzes por trás das cortinas vermelhas nas janelas inferiores. Tocaram a campainha, e Nob veio atender a porta, abrindo apenas uma fresta e espiando por ela; quando os viu parados sob a lamparina, soltou um grito de surpresa.

— Senhor Carrapicho! Mestre! — gritou ele. — Eles voltaram!

— Ah, é, voltaram é? Já vou lhes dar uma lição — veio a voz de Carrapicho, que saiu correndo, com um bastão na mão. Mas, quando viu quem eram, parou de repente, e a expressão carregada em seu rosto transformou-se em surpresa e alegria.

— Nob, seu miolo mole idiota! — gritou ele. — Você não consegue chamar os velhos amigos pelo nome? Não devia ficar me assustando desse jeito, nos tempos de hoje. Bem, bem! E de onde vocês vêm vindo? Jamais esperava ver qualquer um de vocês de novo, não esperava mesmo: indo para as Terras Ermas com o tal de Passolargo, e com todos aqueles Homens Negros á solta. Mas estou muito feliz em vê-los outra vez, sobretudo Gandalf Entrem! Entrem! Os mesmos quartos de antes? Estão desocupados. Na verdade, a maioria dos quartos estão desocupados nos últimos tempos, e isso não vou esconder de vocês, pois logo verão com seus próprios olhos. E vou ver o que se pode fazer a respeito da ceia, o mais rápido possível; atualmente estou com falta de empregados. Ei, Nob, seu lesma! Diga ao Bob! Ah, mas estou esquecendo, Bob se foi: agora ele vai embora para casa quando anoitece. Bem, leve os pôneis dos hóspedes para os estábulos, Nob! E não duvido de que você mesmo vai levar o seu cavalo, Gandalf Um belo animal, como eu disse a primeira vez que pus os olhos nele. Bem, entrem! Fiquem à vontade!

O Sr. Carrapicho não mudara absolutamente seu modo de falar, e ainda parecia continuar no mesmo corre-corre de sempre. Apesar disso, quase não se via ninguém, e tudo estava quieto; da sala de estar chegava o murmúrio baixo de no máximo duas ou três vozes. O rosto do proprietário, visto a menor distância e sob a luz de duas velas que ele acendera para iluminar-lhes o caminho, parecia bastante enrugado e marcado pela preocupação.

Conduziu-os pelo corredor até a sala que tinham usado naquela estranha noite mais de um ano atrás, e eles o seguiram um pouco ansiosos, pois parecia claro para todos que o velho Cevado estava enfrentando algum problema sério. As coisas não eram como antes. Mas não disseram nada e esperaram.

Como já adivinhavam, o Sr. Carrapicho veio até a sala após a ceia para ver se tudo estivera a contento. E realmente estivera: nenhuma mudança para pior ocorrera, pelo menos em se tratando da cerveja ou da comida d'O Pônei.

— Não vou me atrever a sugerir que venham até a sala de estar esta noite — disse Carrapicho. — Vocês devem estar cansados, e de qualquer modo não há muita gente hoje. Mas, se puderem me conceder meia hora antes de irem dormir, eu gostaria imensamente de conversar um pouco com vocês, uma conversa só entre nós.

— É exatamente o que estamos querendo também — disse Gandalf. Não estamos cansados. Fizemos uma viagem tranquila. Estávamos molhados, com frio e fome, mas tudo isso você resolveu. Venha, sente-se! E, se tiver um pouco de fumo, ficaremos agradecidos.

— Bem, se tivessem pedido qualquer outra coisa, eu teria ficado mais contente — disse Carrapicho. — Essa é justamente uma coisa que anda escassa por aqui, uma vez que só temos o fumo que cultivamos, e isso não é suficiente. Não se consegue nem um pouco do Condado atualmente. Mas vou ver o que posso fazer.

Quando voltou trouxe-lhes fumo suficiente para um ou dois dias, um rolo de folhas inteiras.

— Borda do Sul — disse ele —, é o melhor que temos; mas não se compara ao fumo da Quarta Sul, como eu sempre digo, embora eu esteja sempre a favor de Bri na maioria das coisas, sem querer ofendê-los.

Acomodaram-no numa grande poltrona perto do fogo, e Gandalf sentou-se do outro lado da lareira, ficando os hobbits em cadeiras baixas entre os dois; então conversaram por várias meias horas, e trocaram todas as notícias que o Sr. Carrapicho quiz ouvir ou dar. A maioria das coisas que os viajantes tinham a dizer simplesmente causavam surpresa e desconcerto no anfitrião, que nem podia imaginá-las; as novidades provocavam poucos comentários além de um "Não diga!", que o Sr. Carrapicho frequentemente repetia num desafio á evidência dos seus próprios ouvidos.

— Não diga!, Sr. Bolseiro, ou será que devo chamá-lo de Sr. Monteiro? Estou ficando tão confuso. Não diga, Mestre Gandalf! Nunca imaginei! Quem teria pensado numa coisa dessas nos dias de hoje! Mas ele também disse muita coisa a seu respeito. As coisas não iam nada bem, dizia. O negócio não estava nem satisfatório, estava para lá de ruim. — Ninguém de Fora se aproxima de Bri — disse ele. — E as pessoas daqui ficam a maior parte do tempo em casa, com as portas cerradas. Isso tudo por causa daqueles forasteiros e vagabundos que começaram a chegar pelo Caminho Verde no ano passado, como vocês devem se lembrar; mais deles vieram depois. Alguns não passavam de pobres coitados fugindo de problemas, mas a maior parte era de homens maus, ladrões traiçoeiros. E houve confusão bem aqui em Bri, coisa séria. É sim, tivemos um combate de verdade, e algumas pessoas foram assassinadas, assassinadas! Vocês acreditam?

— Acredito sim — disse Gandalf. — Quantas?

— Três e duas — disse Carrapicho, referindo-se às pessoas grandes e às pequenas. — O pobre Mat Urzal, e Rowlie Macieira e o pequeno Tom Espinheiro, do outro lado da Colina; e Willie Ladeira, lá de cima, e um dos Monteiros de Estrado: todos bons camaradas, dos quais sentimos a falta. E Harry Barba-de-Bode, que costumava ficar no Portão Oeste, junto com aquele Bill Samambaia, os dois passaram para o lado dos forasteiros, e foram embora com eles; e acredito que foram esses dois que deixaram os outros entrar. No dia da luta, quero dizer. E isso foi depois que nós lhes mostramos o caminho da rua e os expulsamos: antes do final do ano, foi sim; e a luta foi no inicio do Ano Novo, depois da forte nevasca.

— E agora se transformaram em ladrões, e moram fora, escondidos nas florestas além de Archet, e nas terras selvagens ao norte. Eu digo que até parece coisa dos maus tempos de antigamente que as histórias contam. A estrada não é segura e ninguém se afasta muito; as pessoas se fecham cedo em suas casas. Temos de manter vigias ao redor de toda a cerca e colocamos um monte de homens sobre os portões á noite.

— Bem, ninguém nos incomodou — disse Pippin —, e nós viemos devagar, sem manter vigilância. Pensamos ter deixado os problemas para trás.

— Ah, não deixaram mesmo, mestre, e é uma grande lástima — disse Carrapicho. — Mas não me admira que os deixaram em paz. Não atacariam pessoas armadas, com espadas, capacetes, escudos e tudo mais. Pensariam duas vezes, sem dúvida. E devo dizer que fiquei um pouco surpreso quando os vi.

Os hobbits então perceberam de repente que as pessoas os tinham olhado assustadas não tanto pela surpresa de sua volta, mas pelas estranhas vestes que usavam. Eles mesmos tinham-se acostumado tanto à guerra e a cavalgarem em comitivas bem ordenadas que se tinham esquecido de que a malha brilhante aparecendo por baixo de suas capas, os capacetes de Gondor e da Terra dos Cavaleiros, e as belas insígnias em seus escudos pareceriam esquisitas em sua própria terra.

O mesmo valia para Gandalf, que agora cavalgava em seu altivo cavalo cinzento, todo vestido de branco com um grande manto azul e prateado cobrindo o corpo, trazendo consigo a longa espada Glamdring.

Gandalf riu. — Bem, bem — disse ele —; se eles têm medo de apenas cinco de nós, então encontramos inimigos piores em nossas viagens. Mas de qualquer modo vão deixá-los em paz durante a noite, enquanto ficarmos aqui.

— E por quanto tempo ficarão? — perguntou Carrapicho. — Não vou negar que ficaríamos felizes em tê-los aqui por um tempo. Você pode entender, não estamos acostumados a esse tipo de problema, e os guardiões foram todos embora, pelo que me dizem. Acho que só agora entendemos direito o que eles faziam por nós. Pois houve coisa pior que ladrões por aqui. Lobos ficaram uivando ao redor das cercas no inverno passado. E há vultos escuros nas florestas, seres terríveis que fazem o sangue congelar só de se pensar neles. Foi tudo muito perturbador, se vocês me entendem.

— Acho que foi — disse Gandalf. -Houve perturbação em toda parte ultimamente, muita perturbação. Mas alegre-se, Cevado! Você esteve à beira de problemas muito sérios, e fico feliz em saber que não se envolveu mais neles. Mas tempos melhores estão chegando. Talvez melhores do que qualquer tempo que você possa recordar. Os guardiões retornaram. Voltamos com eles. E há um rei de novo, Cevado. Logo ele estará pensando neste lugar.

— Então o Caminho Verde se abrirá de novo, e os mensageiros dele virão para o norte, e haverá idas e vindas, e os seres malignos serão expulsos das terras ermas. Na verdade, com o tempo não haverá mais terras ermas, e haverá gente e campo onde antes só havia desertos.

O Sr. Carrapicho balançou a cabeça.

— Se houver algumas pessoas decentes e respeitáveis na estrada, isso não trará mal algum — disse ele. — Mas não queremos mais gentalha e rufiões. Não queremos forasteiros em Bri, e nem perto de Bri. Queremos ficar em paz. Não quero uma multidão de forasteiros acampando aqui e se acomodando ali e rasgando a terra virgem.

— Vocês vão ficar em paz, Cevado — disse Gandalf. — Há espaço suficiente para vários reinos entre o Isen e o rio Cinzento, ou ao longo da margem sul do Brandevin, sem que ninguém precise morar num raio de muitos dias de cavalgada de Bri. E muita gente costumava morar lá no norte, a cem milhas ou mais daqui, na outra extremidade do Caminho Verde: nas Colinas Norte, ou junto ao lago Vesperturvo.

— Lá em cima, perto do Fosso dos Mortos? — perguntou Carrapicho, cada vez mais incrédulo. — Dizem que aquele lugar é assombrado. Só um ladrão iria para lá.

— Os guardiões vão lá — disse Gandalf. — Fosso dos Mortos, você diz. Assim foi chamado por muitos anos; mas o nome verdadeiro, Cevado, é Fornost Brain, Cidadela do Norte dos Reis. E o rei irá até lá algum dia, e então vocês verão belas pessoas passando por aqui.

— Bem, isso soa melhor, devo admitir — disse Carrapicho. — E será bom para os negócios, sem dúvida. Contanto que ele deixe Bri em paz.

— Ele vai deixar sim — disse Gandalf. — O rei conhece Bri, e ama este lugar.

— Ele conhece mesmo? — disse Carrapicho com uma expressão intrigada. — Embora não tenha certeza, não vejo por que ele deveria conhecer, sentado em seu trono em seu grande castelo, a centenas de milhas de distância. E bebendo vinho numa taça de ouro, não me espantaria. Que significa O Pônei para ele, ou canecas de cerveja? Não que a minha cerveja não seja boa, Gandalf Tem sido de rara qualidade desde que você veio, no outono do ano passado, e disse uma palavra boa sobre ela. E isso tem sido um consolo em meio a tantos problemas, devo admitir.

— Ah! — disse Sam. — Mas ele diz que a sua cerveja sempre foi boa.

— Ele diz?

— Claro que diz. Ele é Passolargo. O chefe dos guardiões. Isso ainda não entrou em sua cabeça?

Entrou finalmente, e o rosto de Carrapicho transformou-se em espanto puro. Os olhos no seu rosto largo ficaram redondos, e sua boca escancarada.

— Passolargo! — exclamou ele, quando recuperou o fôlego. — Ele de corôa e tudo mais com uma taça de ouro! Pois bem, aonde vamos chegar?

— A tempos melhores, para Bri de qualquer modo — disse Gandalf

— Espero que sim, com certeza — disse Carrapicho. — Bem, esta foi a melhor conversa que tive em muito e muito tempo. E não vou negar que vou dormir mais tranquilo esta noite, com o coração mais leve. Vocês me deram muita coisa em que pensar, mas vou deixar isso para amanhã. Vou dormir, e não tenho dúvida de que vocês ficarão felizes em fazer o mesmo. Ei, Nob! — chamou ele, indo até a porta. — Nob, seu lesma!

— Agora! — disse ele consigo mesmo, batendo na testa. — Agora, de que isso me faz lembrar?

— Não de outra carta que o senhor esqueceu, Sr. Carrapicho, espero eu disse Merry.

— Ora, ora, Sr. Brandebuque, não fique me fazendo lembrar disso! Mas olhe só, o senhor interrompeu meu pensamento. Onde eu estava? Nob, estábulos, ah!, é isso. Tenho uma coisa que pertence a vocês. Lembram-se de Bill Samambaia, e do roubo dos cavalos? O pônei que vocês compraram dele, bem, ele está aqui. Voltou por conta própria. Mas onde esteve sabem melhor que eu. Estava desgrenhado como um cachorro velho e magro como um varal de roupa, mas estava vivo. Nob cuidou dele.

— O quê? O meu Bill? — gritou Sam. — Bem, eu nasci com sorte, não importa o que o meu Feitor tenha a dizer. Mais um desejo que se torna realidade! Onde está ele? — Sam recusou-se a ir dormir antes de visitar Bill em seu estábulo.

Os viajantes ficaram em Bri durante todo o dia seguinte, e o Sr. Carrapicho não pôde reclamar de seu negócio, pelo menos naquela noite. A curiosidade superou todos os temores, e sua casa ficou lotada. De noite, por delicadeza, os hobbits ficaram um tempo na sala de estar, e responderam a muitas perguntas. Como as memórias de Bri eram boas, perguntaram muitas vezes a Frodo se ele havia escrito seu livro.

— Ainda não — respondia ele. — Estou indo para casa agora, para colocar minhas anotações em ordem. — Prometeu escrever sobre os estranhos eventos de Bri, e dessa forma dar um pouco de interesse a um livro que parecia destinado a tratar principalmente dos remotos e secundários assuntos "lá do sul".

Então um dos mais novos pediu uma canção. Mas fez-se um silêncio de morte, e ele se encolheu sob olhares de censura, e o pedido não se repetiu. Evidentemente não se desejava qualquer incidente estranho na sala de estar outra vez.

Nenhum problema de dia, nem qualquer som durante a noite, incomodaram a paz de Bri enquanto os viajantes permaneceram lá; mas na manhã seguinte eles se levantaram cedo, pois o tempo ainda estava chuvoso e eles desejavam chegar ao Condado antes do cair da noite, e a cavalgada era longa. Toda a gente de Bri saiu às portas para vê-los partir, e sentiam uma alegria que havia mais de um ano não provavam; aqueles que não tinham visto antes os forasteiros com toda a sua indumentária ficaram boquiabertos à presença deles: diante de Gandalf com sua barba branca, e da luz que parecia emanar dele, como se seu manto azul fosse apenas uma nuvem cobrindo a luz do sol; e diante dos quatro hobbits, que pareciam cavaleiros errantes saídos de histórias quase esquecidas. Mesmo aqueles que tinham rido da conversa sobre o Rei começaram a achar que poderia haver alguma verdade nela.

— Bem, boa sorte em sua estrada, e boa sorte em sua volta para casa! — disse o Sr. Carrapicho. — Deveria tê-los avisado antes de que também lá nem tudo vai bem, se o que ouvimos dizer for verdade. Coisas estranhas acontecendo, dizem por ai. Mas uma coisa puxa a outra, e eu estava cheio de meus próprios problemas. Mas, se me desculpam o atrevimento, vocês voltaram mudados de suas viagens, e agora parecem pessoas que podem lidar com problemas complicados. Não duvido de que logo vão colocar tudo em ordem. Boa sorte para vocês! E quanto mais vezes voltarem, mais eu ficarei satisfeito.

Lhe desejaram boa sorte e partiram, passando pelo Portão Oeste, e avançando na direção do Condado. Bill, o pônei, foi com eles, e como antes carregando um monte de bagagens; mas trotava ao lado de Sam e parecia todo contente.

— Pergunto-me o que o velho Cevado estava querendo insinuar — disse Frodo.

— Posso adivinhar alguma coisa — disse Sam num tom tristonho. — O que eu vi no Espelho: árvores cortadas e tudo mais, e meu velho feitor expulso da Rua. Deveria ter apressado minha volta para casa.

— É alguma coisa está errada com a Quarta Sul, evidentemente — disse Merry. — Há uma escassez geral de erva-de-fumo.

— O que quer que seja — disse Pippin —, Lotho deve estar por trás disso: podem ter certeza.

— Por trás, mas não no comando — disse Gandalf. — Vocês se esqueceram de Saruman. Ele começou a se interessar pelo Condado antes que Mordor o fizesse.

— Bem, temos você conosco — disse Merry. — Assim tudo será logo esclarecido.

— Estou com vocês agora — disse Gandalf—, mas logo não estarei. Não vou até o Condado. Vocês mesmos devem cuidar dos problemas de lá, foi para isso que foram treinados. Ainda não entenderam? Meu tempo acabou: deixou de ser a minha tarefa colocar as coisas em ordem, ou ajudar as pessoas a fazerem isso. E quanto a vocês, meus caros amigos, não precisarão de ajuda. Agora estão crescidos. Na verdade cresceram muito, e estão entre os grandes, e agora deixei de temer por qualquer um de voces.

— Mas, se querem saber, vou tomar outro rumo logo. Vou ter uma longa conversa com Bombadil: uma conversa que nunca tive em todo o meu tempo. Ele é um criador de limo, e eu tenho sido uma pedra fadada a rolar. Mas meus dias de rolar estão terminando, e agora teremos muito a dizer um ao outro.

— Bem como sempre, pode ter certeza — disse Gandalf. — Bastante despreocupado. eu diria, não muito interessado em qualquer coisa que fizemos ou vimos, a não ser talvez em nossas visitas aos ents. Talvez mais tarde haja tempo para irem visitá-lo. Mas, se eu fosse vocês, iria depressa para casa, ou não chegarão à Ponte do Brandevin antes que os portões se fechem.

— Mas não há nenhum portão — disse Merry. — Não na Estrada; você sabe muito bem disso. É claro que existe o Portão da Terra dos Buques, mas eles me deixarão entrar a qualquer hora.

— Não havia nenhum portão, você quer dizer — disse Gandalf. — Acho que agora vocês vão encontrar alguns. E podem ter mais problemas do que esperam, até mesmo no Portão da Terra dos Buques. Mas vão se sair bem. Adeus, caros amigos! Não pela última vez, ainda não. Adeus!

Guiou Scadufax para fora da estrada, e o grande cavalo saltou sobre o fosso verde que a margeava; então, a um grito de Gandalf, ele partiu, correndo na direção das Colinas dos Túmulos como o vento que vem do norte.

— Bem, aqui estamos, apenas os quatro que partimos juntos — disse Merry. — Deixamos os outros para trás, um a um. Parece quase um sonho que foi se desmanchando devagar.

— Não para mim — disse Frodo. — Para mim é como adormecer de novo.

Em pouco tempo chegaram ao ponto da Estrada Leste onde se haviam despedido de Bombadil, e tinham esperanças e quase uma certeza de vê-lo outra vez ali parado, esperando para cumprimentá-los quando passassem. Mas não se via sinal dele, e havia uma névoa cinzenta ao sul, encobrindo as Colinas dos Túmulos, e um véu espesso por sobre a Floresta Velha lá adiante.

Pararam e Frodo olhou para o sul pensativo.

— Gostaria muito de rever o velho camarada — disse ele. — Como será que está passando?

 

O EXPURGO DO CONDADO

A noite já caíra quando, molhados e exaustos, os viajantes finalmente atingiram o Brandevin, encontrando o caminho bloqueado. Em cada extremidade da Ponte havia um grande portão cheio de pontas; do outro lado do rio via-se que algumas novas casas haviam sido construídas: com dois andares e janelas retas e estreitas, sem adornos e mal iluminadas, tudo muito sombrio e nada parecido com o Condado.

Bateram com força no portão externo e chamaram, mas no início não houve resposta; depois, para a surpresa deles, alguém tocou uma corneta, e as luzes nas janelas se apagaram. Uma voz gritou no escuro:

— Quem é? Fora daqui! Vocês não podem entrar. Não estão lendo a placa: Proibido entrar entre o pôr-do-sol e a aurora?

— É claro que não estamos lendo placa alguma no escuro — gritou Sam em resposta. — E, se hobbits do Condado devem ficar de fora na chuva numa noite destas, vou derrubar sua placa assim que a encontrar.

Então uma janela bateu, e uma multidão de hobbits com lamparinas irrompeu da casa á esquerda. Abriram o portão do lado oposto, e alguns vieram atravessando a ponte. Ao verem os viajantes, ficaram amedrontados.

— Venha cá! — disse Merry, reconhecendo um dos hobbits. — Se você não me conhece, Hob Guarda-cerca, deveria conhecer. Sou Merry Brandebuque, e gostaria de saber o que está acontecendo, e o que um habitante da Terra dos Buques como você está fazendo aqui. Você costumava ficar no Portão da Sebe!

— Céus! É o Sr. Merry, com certeza, e todo vestido para um combate! — disse o velho Hob. — Ora, disseram que estava morto! Perdido na Floresta Velha, de acordo com a opinião geral. Fico feliz em vê-lo vivo, afinal de contas!

— Então pare de me olhar através das barras com esse jeito embasbacado e abra o portão! — disse Merry.

— Lamento, Sr. Merry, mas são as ordens.

— Ordens de quem?

— Do Chefe, lá em cima em Bolsão.

— Chefe? Chefe? Quer dizer o Sr. Lotho? — perguntou Frodo.

— Acho que sim, Sr. Bolseiro; mas atualmente só podemos dizer "O Chefe".

— É mesmo? — disse Frodo. — Bem, pelo menos me alegro por ele ter abandonado o sobrenome "Bolseiro". Mas evidentemente já era hora de a família cuidar dele e colocá-lo em seu devido lugar.

Um silêncio tomou conta dos hobbits do outro lado do portão. — Não é nada bom falar desse jeito — disse um deles.

— Ele vai ficar sabendo disso. E, se fizerem tanto barulho assim, vão acabar acordando o Grande Homem do Chefe.

— Vamos acordá-lo de uma forma que irá surpreendê-lo – disse Merry. Se você está querendo dizer que o seu precioso Chefe andou contratando rufiões das terras ermas, então já era tempo de termos voltado. — Saltou do pônei e, lendo a placa na luz das lamparinas, arrancou-a e a jogou por sobre o portão. Os hobbits recuaram, sem fazer menção de abrir. — Vamos, Pippin! — disse Merry. — Bastam dois de nós.

Merry e Pippin treparam no portão, e os hobbits fugiram correndo. Uma outra corneta soou. Da casa maior à direita, um vulto grande e imponente apareceu contra a luz que vinha da porta.

— O que está acontecendo? — rosnou ele vindo para fora. — Arrombamento de portão? Sumam daqui, ou vou torcer seus pescocinhos nojentos! — Então ele parou, pois percebeu o brilho de espadas.

— Bill Samambaia! — disse Merry —, se você não abrir esse portão em dez segundos, vai se arrepender. — Vou consertar você a ferro, se não obedecer. E, depois de abrir os portões, você vai passar por eles para nunca mais voltar. Você é um rufião, um ladrão de estrada. Bill Samambaia hesitou e depois arrastou-se até o portão para destrancá-lo. — Dê-me a chave! — disse Merry. Mas o rufião atirou-a contra a cabeça do hobbit e correu para a escuridão. Quando passou pelos pôneis, um deles desferiu-lhe um coice, atingindo-o em plena corrida. Bill sumiu gritando dentro da noite, e nunca mais se ouviu falar dele.

— Bom trabalho, Bill — disse Sam, dirigindo-se ao pônei.

— É o fim de seu Grande Homem — disse Merry. — Mais tarde cuidaremos do Chefe. Enquanto isso, queremos pouso para a noite, e, como parece que vocês derrubaram a Estalagem da Ponte e construíram essa coisa feia no lugar, vão ter de nos acomodar.

— Lamento, Sr. Merry — disse Hob —, mas isso não é permitido.

— Não é permitido o quê?

— Acolher pessoas de improviso, e consumir mais comida que o permitido, e tudo isso — disse Hob.

— Qual é o problema aqui? — disse Merry. — O ano foi ruim, ou qualquer coisa do tipo? Pensei que tinha sido um bom verão, com uma colheita farta.

— Bem, não, o ano foi bastante bom — disse Hob. — Produzimos um monte de alimentos, mas não sabemos exatamente o que é feito deles. Acho que são todos esses "coletores" e "distribuidores", andando por aí contando e medindo e levando para estocar. Mais coletam do que distribuem, e a maior parte dos alimentos não aparece nunca mais.

— Tenham dó! — disse Pippin bocejando. — Isso tudo é enfadonho demais para mim esta noite. Temos comida em nossas mochilas. É só nos darem um quarto em que possamos descansar. Será bem melhor do que muitos lugares que já vi.

Os hobbits no portão ainda pareciam constrangidos; com certeza uma ou outra regra havia sido quebrada; mas não havia como discutir com quatro viajantes tão imponentes, totalmente armados, ainda por cima sendo dois deles tão extraordinariamente grandes e fortes. Frodo ordenou que fechassem os portões outra vez. De qualquer forma parecia sensato manter vigilância, enquanto os rufiões estivessem à solta. Então os quatro companheiros entraram na guarita dos hobbits e se acomodaram como puderam. Era um lugar vazio e feio, com uma lareira pequena e pobre, que não dava bom fogo. Nos cômodos superiores havia pequenas fileiras de camas duras, e em cada parede via-se um quadro com uma lista de Regras. Pippin arrancou-os todos. Não havia cerveja e a comida era escassa, mas, com a que os viajantes trouxeram e partilharam, todos fizeram uma bela refeição; Pippin quebrou a Regra 4, colocando no fogo a maior parte da quota de lenha reservada para o dia seguinte.

— Bem, e agora, que tal um cachimbo, enquanto vocês nos contam o que tem acontecido aqui no Condado? — disse ele.

— Atualmente não temos erva-de-fumo — disse Hob —; ou pelo menos há só para os homens do Chefe. Parece que todo o estoque foi embora. Ouvimos dizer que carroças carregadas de fumo saídas da Quarta Sul passaram descendo a estrada velha, atravessando o caminho do Vau Sam. Isso teria sido no final do ano passado, depois que vocês partiram. Mas antes houve carregamentos partindo em segredo, em quantidades menores. Aquele Lotho...

— Cale essa boca, Hob Guarda-cerca! — gritaram vários dos outros. — Você sabe que esse tipo de conversa não é permitido. O Chefe vai ficar sabendo, e todos nós estaremos numa enrascada.

— Ele não ficaria sabendo de nada, se alguns de vocês não fossem delatores — retorquiu Hob enfurecido.

— Tudo bem, tudo bem! — disse Sam. — Já basta. Não quero ouvir mais nada. Sem boas-vindas, sem cerveja, sem fumo, e ao invés disso um monte de regras e conversa de orc. Esperava poder descansar, mas estou vendo que há muito trabalho e muito problema à frente. Vamos dormir e esquecer tudo até amanhã.

O novo "Chefe" evidentemente tinha meios de conseguir noticias. Da Ponte até Bolsão eram bem umas quarenta milhas, mas alguém fez a viagem correndo. E logo Frodo e seus amigos ficaram sabendo disso.

Eles não tinham nenhum plano definido, mas haviam pensado vagamente em prímeiro deçcer até Criconcavo, para descançarem um pouco por lá. Mas agora, vendo como estavam as coisas, decidiram ir direto para a Vila dos Hobbits. Assim, no dia seguinte, partiram pela Estrada e avançaram depressa, quase sem paradas.

O vento diminuíra e o céu estava cinzento. O lugar parecia bastante triste e abandonado, mas afinal de contas era primeiro de novembro, o último suspiro do outono.

Mesmo assim, parecia haver uma quantidade incomum de queimadas, e desprendia-se fumaça de vários pontos ao redor do caminho. Formava-se uma grande nuvem que subia lá longe na direção da Ponta do Bosque.

Quando caiu a noite, eles estavam próximos de Sapântano, uma aldeia à margem direita da Estrada, a cerca de vinte e duas milhas da Ponte. Ali pretendiam passar a noite; O Tronco Flutuante de Sapântano era uma boa estalagem. Mas, quando atingiram a extremidade leste da aldeia, encontraram uma barreira com uma enorme placa dizendo ESTRADA BLOQUEADA, e atrás dela se via um grande bando de Condestáveis com bastões nas mãos e penas nos chapéus, de aparência ao mesmo tempo arrogante e meio amedrontada.

— Que significa tudo isso? — disse Frodo, sentindo-se inclinado a rir.

— É isso mesmo, Sr. Bolseiro — disse o chefe dos Condestáveis, um hobbit de duas penas —, vocês estão presos por Arrombamento de Portão, por Destruição dos Quadros de Regras e por Ataque aos Guardas do Portão, e por Invasão, e por Dormir nos Prédios do Condado sem Permissão, e por Suborno de Guardas por Meio de Comida.

— E o que mais? — perguntou Frodo.

— Isso já basta por enquanto — disse o Chefe dos Condestáveis.

— Posso acrescentar mais algumas infrações, se quiserem — disse Sam.

— Xingamento de seu Chefe, Desejo de Esbofetear sua Cara Espinhenta, e Achar que Vocês Condestáveis são uns Bobalhões.

— Calma agora, Senhor, já basta. São ordens do Chefe que vocês nos acompanhem em silêncio. Vamos levá-los até Beirágua e entregá-los aos Homens do Chefe; e, quando ele estiver cuidando do seu caso, terão oportunidade de falar. Mas, se eu fosse vocês, falaria o mínimo possível, a menos que queiram ficar nos Tocadeados mais que o necessário.

Para o desapontamento dos Condestáveis, Frodo e todos os seus companheiros explodiram em riso.

— Não seja absurdo! — disse Frodo. — Eu vou aonde quiser, e quando bem quiser. Por acaso estou indo para Bolsão a negócios, mas, se vocês insistem em ir também, isso é da sua conta.

— Muito bem, Sr. Bolseiro — disse o líder, empurrando de lado a barreira. — Mas não se esqueça de que os prendi.

— Não vou me esquecer — disse Frodo. — Nunca. Mas posso perdoá-los. Contudo, não vou viajar mais hoje e, se vocês gentilmente me escoltarem até O Tronco Flutuante, ficarei agradecido.

— Não posso fazer isso, Sr. Bolseiro. A estalagem está fechada. Há uma casa de Condestáveis do outro lado da aldeia.

— Está bem — disse Frodo. — Vá na frente.

Sam estivera examinando todos os Condestáveis, e encontrou um seu conhecido entre eles.

— Ei, venha cá, Robin Covapequena! — chamou ele. — Quero trocar umas palavras com você.

Lançando um olhar humilde para o líder, que parecia irado mas não ousou interferir, o Condestável Covapequena atrasou o passo e aproximou-se de Sam, que desceu de seu pônei.

— Olhe aqui, Robin, seu Galinho! — disse Sam. — Você cresceu na Vila dos Hobbits, e deveria ter mais juízo, em vez de ficar tocaiando o Sr. Frodo e tudo mais. E o que significa isso de a estalagem estar fechada?

— Estão todas fechadas — disse Robin. — O Chefe não tolera cerveja. Pelo menos foi assim que tudo começou. Mas agora calculo que são os Homens dele que ficam com toda a cerveja. E ele também não tolera pessoas indo de um lado para o outro. Nesse caso, se elas quiserem ou precisarem, têm de ir até a casa dos Condestáveis para se explicar.

— Você deveria ter vergonha de estar metido num absurdo destes — disse Sam. — Você mesmo costumava gostar do interior de uma estalagem mais que do seu exterior. Você sempre dava uma passadinha por lá, mesmo quando estava trabalhando.

— E ainda continuaria fazendo a mesma coisa, se pudesse. Mas não seja duro comigo. O que posso fazer? Você sabe o motivo de eu ter-me transformado num Condestável há sete anos, antes que tudo isto começasse. Isso me permitia passear pelo lugar, e conhecer pessoas, e ouvir notícias, além de saber onde estava a boa cerveja. Mas agora é diferente.

— Mas você pode desistir. Deixe de ser Condestável, se o trabalho já não merece respeito — disse Sam.

— Não nos é permitido — disse Robin.

— Se eu ouvir não é permitido com mais frequência, vou ficar com raiva.

— Não posso dizer que lamentaria ver a cena — disse Robin, abaixando a voz. — Se todos nós ficássemos com raiva juntos, alguma coisa se poderia fazer. Mas são estes Homens, Sam, os Homens do Chefe. Ele os manda para todos os lugares, e, se algum de nós pequenos se levanta e exige nossos direitos, eles o arrastam para os Tocadeados. Levaram primeiro o velho Bolão e o Prefeito Will Pealvo, e depois levaram muitos mais. Ultimamente a situação está pior. Agora frequentemente nos espancam.

— Então por que vocês executam o trabalho no lugar deles? — disse Sam com raiva. — Quem os mandou para Sapântano?

— Ninguém mandou. Ficamos aqui na grande casa dos Condestáveis. Agora formamos a Primeira Tropa da Quarta Leste. Ao todo há centenas de Condestáveis, e eles querem mais, com todas essas novas regras. A maioria está contra a vontade, mas não todos. Ate mesmo no Condado há alguns que gostam de se meter na vida dos outros, e de falar arrotando importância. E tem coisa pior: alguns espionam para o Chefe e seus Homens.

— Ah! Então foi assim que vocês ficaram sabendo a nosso respeito, é?

— Isso mesmo. Agora não nos permitem enviar noticias pelo velho serviço de Postagem Rápida, mas eles o usam, e mantêm mensageiros especiais em pontos diferentes. Um deles veio de Fosso Branco ontem à noite com uma "mensagem secreta", e um outro a levou daqui. E chegou uma mensagem em resposta esta tarde, dizendo que vocês deviam ser presos e levados para Beirágua, e não direto para os Tocadeados. Está claro que o Chefe quer vê-los imediatamente.

— Não estará tão ansioso depois que o Sr. Frodo tiver acabado com ele — disse Sam.

A casa dos Condestáveis em Sapântano era ruim como a casa da Ponte. Era térrea, mas tinha as mesmas janelas estreitas, e fora construída com horríveis tijolos claros, muito mal assentados. O interior era úmido e melancólico, e a ceia foi servida numa mesa comprida e sem toalha que não era esfregada havia semanas. A comida não merecia aparato melhor. Os viajantes ficaram satisfeitos em deixar o lugar. Eram cerca de dezoito milhas até Beirágua, e eles partiram às dez horas da manhã.

Teriam partido antes, se não fosse tão visível a irritação do líder diante do atraso. O vento oeste virara para o norte, e agora estava ficando mais frio, mas a chuva se fora.

Estava bem cômica a cavalgada que partiu da aldeia, embora as poucas pessoas que saíram para observar as "fantasias" dos viajantes não parecessem bem certas de que o riso era permitido. Uma dúzia de Condestáveis foram designados para a escolta dos "prisioneiros", mas Merry fez com que fossem marchando à frente, enquanto Frodo e seus amigos cavalgavam atrás. Merry, Pippin e Sam iam tranquilos, rindo, conversando e cantando. enquanto os Condestáveis iam pisando duro, tentando parecer severos e importantes. Frodo, entretanto, ficou em silêncio, parecendo bastante triste e pensativo.

A última pessoa pela qual passaram foi um velhinho corpulento que aparava uma cerca-viva.

— Ei, ei — zombou ele. — Quem prendeu quem?

Dois dos Condestáveis imediatamente deixaram a comitiva e foram na direção dele.

— Líder! — disse Merry. — Mande seus rapazes de volta aos seus lugares imediatamente, se não quiser que eu cuide deles!

Os dois hobbits, a uma palavra ríspida do líder, voltaram cabisbaixos.

— Agora avancem — disse Merry, e depois disso os viajantes cuidaram para manter os pôneis num passo rápido, obrigando os Condestáveis a avançarem na maior velocidade que podiam. O sol apareceu, e, apesar do vento frio, eles logo começaram a bufar e suar. A altura da Pedra das Três Quartas, eles desistiram. Tinham percorrido quase catorze milhas com apenas uma parada ao meio-dia. Já eram três da tarde. Os Condestáveis estavam famintos, com os pés inchados, e não aguentavam mais aquele ritmo.

— Bem, sigam-nos no seu próprio passo! — disse Merry. — Nós vamos avançar.

— Até à vista, Galinho! — disse Sam. — Vou esperá-lo do lado de fora do Dragão Verde, se você não esqueceu onde fica a estalagem. Não fique perdendo tempo pelo caminho!

— Vocês estão infringindo a ordem de prisão, é isso que estão fazendo — disse o líder numa voz pesarosa — e eu não posso ser responsável por isto.

— Ainda vamos infringir muitas ordens, e não estamos pedindo que se responsabilize — disse Pippin. — Boa sorte a todos!

Os viajantes avançaram trotando, e, quando o sol começou a descer na direção das Colinas Brancas, lá longe no horizonte ocidental, eles chegaram a Beirágua, pelo caminho do amplo lago, e foi ali que tiveram o primeiro choque realmente doloroso. Esta era a terra de Sam e Frodo, e os dois agora percebiam que se preocupavam mais com ela do que com qualquer outro lugar do mundo. Muitas das casas que conheciam estavam faltando. Algumas pareciam ter sido incendiadas. As belas e antigas tocas de hobbits enfileiradas na margem do lado norte do Lago estavam abandonadas, e seus pequenos jardins, que costumavam descer verdejantes até a beira da água, estavam cheios de mato. Pior ainda, havia toda uma fileira das casas novas e feias, ao longo de toda a Beira do Lago, onde a Estrada da Vila dos Hobbits passava próxima à margem. Antes houvera uma avenida de árvores naquele ponto.

Agora não restava uma sequer. E, olhando frustrados estrada acima, na direção de Bolsão, eles viram a distância uma alta chaminé feita de tijolos. Derramava fumaça preta no ar da noite.

Sam ficou fora de si.

— Estou indo direto para lá, Sr. Frodo! — gritou ele. — Vou ver o que está acontecendo. Quero encontrar meu velho.

— Primeiro precisamos saber em que estamos nos metendo, Sam — disse Merry. — Calculo que o "Chefe" deve ter uma gangue de rufiões a postos. É melhor encontrarmos alguém que nos conte como estão as coisas por aqui.

Mas na aldeia de Beirágua todas as casas e tocas estavam fechadas, e ninguém os cumprimentou. Surpreenderam-se com isso, mas logo descobriram o motivo. Quando chegaram ao Dragão Verde, a última casa da Vila dos Hobbits, agora sem vida e com as janelas quebradas, ficaram perturbados ao verem meia dúzia de homens grandes e mal encarados, descansando contra a parede da estalagem; eram vesgos e amarelentos.

— Como aquele amigo de Bill Samambaia em Bri — disse Sam.

— Como muitos que vi em Isengard, murmurou Merry.

Os rufiões seguravam bastões nas mãos e traziam cornetas presas aos cintos, mas não portavam qualquer outro tipo de arma, pelo que se podia ver. A medida que os viajantes foram subindo, eles deixaram a parede vindo na direção da estrada, bloqueando o caminho.

— Aonde pensam que vão? — disse um deles, o maior e de aparência mais maligna. — Não há mais estrada para vocês. E onde estão aqueles inúteis Condestáveis?

— Estão vindo devagar disse Merry. — Com os pés um pouco inchados, talvez. Prometemos esperá-los aqui.

— Droga!, que foi que eu disse? — disse o rufião para os companheiros. — Eu disse ao Charcote que não adiantava confiar naqueles pequenos idiotas. Devíamos ter mandado alguns de nossos rapazes.

— E que diferença teria feito? — disse Merry. Não estamos acostumados a salteadores por estas bandas, mas sabemos como lidar com eles.

— Salteadores, é? — disse o homem. Então esse é o seu tom? É melhor mudá-lo, ou nós o mudaremos por você. Vocês pequenos estão ficando muito petulantes. Não confiem demais na bondade do Patrão. Agora Charcote chegou, e ele fará o que Charcote mandar.

— E quais serão as ordens dele? disse Frodo calmamente.

— Esta região precisa despertar e pôr as coisas no lugar — disse o rufião e Charcote vai se encarregar disso; e vai ser duro, se for obrigado. Vocês precisam de um Patrão mais forte. E terão um antes do fim do ano, se houver mais algum problema. Então vão aprender algumas coisas, seus pequenos ratos.

— De fato, fico feliz em saber de seus planos disse Frodo. — Estou indo visitar o Sr. Lotho, e talvez ele também se interesse em tomar conhecimento deles.

O rufião riu.

— Lotho! Ele sabe de tudo. Não se preocupe. Ele fará o que Charcote mandar. Porque, se um Patrão causa problema, podemos substitui-lo, entendeu? E, se pessoas pequenas tentam se meter onde não são desejadas, podemos afastá-las de qualquer confusão, entendeu?

— Entendi sim — disse Frodo. — Em primeiro lugar, percebo que vocês estão atrasados no tempo, e não sabem das novidades por aqui. Muita coisa aconteceu desde que vocês partiram do sul. Seu tempo acabou, como também o tempo de todos os outros rufiões. A Torre Escura caiu, e agora há um Rei em Gondor. E Isengard foi destruída, e o seu precioso mestre é um mendigo no deserto. Passei por ele na estrada. Agora os mensageiros do Rei é que virão subindo pelo Caminho Verde, e não os valentões de Isengard.

O homem o fitou e sorriu. Um mendigo no deserto! zombou ele. — É mesmo? Continyue a se gabar, continnue meu pavãozinho. Mas isso não vai nos impedir de viver nesta terrinha farta, onde vocês já tiveram vida mansa por tempo suficiente. E — disse ele com um gesto de desprezo para Frodo — aqui para os mensageiros do Rei! Quando deparar com um, talvez perceba a presença dele.

Aquilo foi demais para Pippin. Seus pensamentos voltaram ao Campo de Cormallen, e ali estava um vagabundo vesgo chamando o Portador do Anel de "pavãozinho".

Jogou para trás a capa, ergueu sua espada num lampejo, e as cores da prata e do sable de Gondor reluziram nele quando avançou.

— Eu sou um mensageiro do Rei — disse ele. — Você está falando com o amigo do Rei, e um dos mais renomados em todas as terras do oeste. Você é um rufião idiota. Ajoelhe-se aqui na estrada e peça perdão, ou enfio esta assassina de troll em você!

A espada reluziu ao sol poente. Merry e Sam também puxaram suas espadas e se aproximaram para ajudar Pippin, mas Frodo não se mexeu. Os rufiões recuaram.

O trabalho deles era assustar os camponeses de Bri e intimidar hobbíts confusos. Hobbits destemidos com espadas brilhantes e rostos severos eram uma grande surpresa.

E havia um tom nas vozes dos recém chegados que eles nunca tinham ouvido antes, e que os fez gelar de medo.

— Fora daqui! — disse Merry. E, se perturbarem esta aldeia de novo, vão se arrepender. — Os três hobbits avançaram, e então os rufiões se viraram e correram, fugindo pela Estrada da Vila dos Hobbits; mas não deixaram de tocar as cornetas enquanto corriam.

— Bem, acho que nosso retorno não foi nem um pouco precoce disse Merry.

— Nem um dia. Talvez seja tarde demais, pelo menos para salvar Lotho — disse Frodo. — Tolo miserável, mas lamento por ele.

— Salvar Lotho? O que está querendo dizer? — disse Pippin. — Eu diria destruí-lo.

— Acho que você não está entendendo o que se passa, Pippin — disse Frodo. — Lotho nunca quis que as coisas chegassem a este ponto. Sempre foi um idiota malvado, mas agora foi pego. Os rufiões estão por cima, recolhendo, roubando, ameaçando, manipulando ou destruindo as coisas como bem desejam, em nome dele. E nem sequer em nome dele por muito mais tempo. Agora ele é um prisioneiro em Bolsão, eu acho, e deve estar bem amedrontado. Devemos tentar resgatá-lo.

— Bem, estou abismado! — disse Pippin. — De todos os finais para nossa viagem, este é o último que eu imaginaria: lutar com semi-orcs e rufiões no próprio Condado... para resgatar Lotho Pústula!

— Lutar? disse Frodo. — Bem, pode ser que cheguemos a isso. Mas lembrem-se: não deve haver matança de hobbits, nem mesmo se eles passarem para o outro lado. Quero dizer os que passarem realmente, e não os que estão apenas obedecendo ordens dos rufiões sob ameaça. Jamais um hobbit matou outro de propósito no Condado. E isso não deve começar agora. E ninguém deve ser morto se eu puder evitar. Mantenha a calma e controle as mãos até o último minuto possível.

— Mas, se houver muitos desses rufiões — disse Merry —, com certeza isso vai significar luta. Você não vai resgatar Lotho, ou o Condado, apenas ficando chocado e triste, meu querido Frodo.

— Não — disse Pippin. — Não será tão fácil assustá-los da próxima vez. Eles foram pegos de surpresa. Você ouviu as cornetas soando? Evidentemente há outros rufiões aqui por perto. Ficarão muito mais valentes quando estiverem num grupo maior. Devemos pensar em nos proteger em algum lugar durante a noite. Afinal de contas, somos apenas quatro, mesmo estando armados.

— Tenho uma idéia — disse Sam. — Vamos até a casa do velho Tom Villa, lá no fim da Alameda Sul! Ele sempre foi um sujeito corajoso. E ele tem um monte de rapazes que são todos amigos meus.

— Não! — disse Merry. — Não adianta "nos protegermos". É só isso que as pessoas têm feito, e exatamente o que os rufiões querem. Vão simplesmente nos atacar em grupo, nos encurralar, e então nos expulsar, ou nos queimar lá dentro. Não, precisamos fazer alguma coisa imediatamente.

— Fazer o quê? — disse Pippin.

— Sublevar o Condado! — disse Merry. — Agora! Acordar nosso povo! Eles odeiam tudo isso, você pode ver: todos eles, com a exceção de um ou dois velhacos, e alguns tolos que querem ser importantes, mas que de modo algum entendem o que realmente está acontecendo. Mas o povo do Condado tem estado tão acomodado há tanto tempo que não sabe o que fazer. Entretanto só precisam de uma fagulha para se incendiarem. Os Homens do Chefe devem saber disso. Vão tentar nos pisotear e nos apagar rápido. Temos muito pouco tempo.

— Sam, você pode dar uma corrida até a fazenda do Villa, se quiser. Ele é a pessoa mais importante por aqui, e a mais corajosa. Vamos! Vou tocar a corneta de Rohan, e fazê-los todos ouvir uma música que nunca ouviram antes.

Voltaram para o centro da aldeia. De lá Sam desviou seu caminho e galopou descendo a ladeira que levava até a propriedade de Villa. Não tinha ido muito longe quando ouviu um toque de corneta súbito e cristalino subindo pelos ares, ecoando longe, sobre colinas e campos. Tão imperioso era aquele chamado que o próprio Sam quase se virou e correu de volta. O pônei recuou e relinchou.

— Vamos, rapaz! Para a frente! — gritou ele. Logo voltaremos.

Depois ele ouviu Merry mudar de tom, e logo subiu o Chamado de corneta da terra dos Bosques, agitando o ar.

— Acordem! Acordem! Faca, Fogo, Fúria! Acordem! Fogo, Fúria! Acordem!

Atrás de si Sam ouviu uma confusão de vozes e um grande estrondo de portas batendo. A sua frente surgiram luzes no crepúsculo; cães latiram, passos se aproximaram correndo. Antes que Sam chegasse ao fim da ladeira, já lá estava o Fazendeiro Villa com três de seus rapazes, o Jovem Tom, Jolly e Nick, correndo na direção dele.

Empunhavam machados e estavam bloqueando o caminho.

— Não! Não é um dos rufiões — Sam ouviu-o dizer. — Pelo tamanho é um hobbit, mas com uma roupa muito esquisita. Ei! — gritou ele. — Quem é você, e o que é todo esse barulho?

— É Sam, Sam Gamgi. Eu voltei.

Villa aproximou-se e olhou em seu rosto à luz do crepúsculo. — Bem! — exclamou ele. — A voz é a mesma, e o seu rosto não está pior do que era, Sam. Mas eu não o reconheceria na rua, vestido assim. Ao que parece, você andou por terras estrangeiras. Temíamos que estivesse morto.

— Isso eu não estou! — disse Sam. — Nem o Sr. Frodo. Ele está aqui com os seus amigos. E o barulho é por causa disso. Estão sublevando o Condado. Vamos expulsar esses rufiões, e o Chefe deles também. Estamos começando agora.

— Bom, bom! — exclamou Villa. — Finalmente começou! Estou louco por uma confusão desde o começo do ano, mas as pessoas daqui não queriam ajudar. E eu tinha de pensar na mulher e em Rosinha. Esses rufiões não respeitam nada. Mas venham agora, rapazes! Beirágua está se insurgindo. Precisamos participar disso!

— E a Sra. Villa e Rosinha? — disse Sam. — Ainda não é seguro deixá-las sozinhas.

— O meu Nibs está com elas. Você pode ir ajudá-lo, se quiser — disse Villa com um sorriso. Depois correu na direção da aldeia junto com os filhos.

Sam correu para a casa. Ao lado da grande porta redonda, no topo da escada que vinha do largo pátio, estavam a Sra. Villa e Rosinha; Nibs estava na frente delas, agarrando um garfo de feno.

— Sou eu! — gritou Sam trotando no pônei —, Sam Gamgi! Não tente me cutucar, Nibs. De qualquer modo, estou vestindo uma malha metálica.

Desceu do pônei e subiu a escada. Os três o observavam em silêncio.

— Boa noite, Sra. Villa! — disse ele. — Oi, Rosinha!

— Oi, Sam! disse Rosinha. — Por onde esteve? Disseram que estava morto, mas eu estive à sua espera desde a primavera. Você não teve pressa, não é verdade?

— Talvez não — disse Sam envergonhado. Mas agora estou com pressa. Vamos atacar os rufiões, e preciso voltar para junto do Sr. Frodo. Mas pensei em vir para ver como a Sra. Villa está passando. E você também, Rosinha.

— Estamos bem, obrigada — disse a Sra. Villa. — Ou deveríamos estar, se não fosse por esses rufiões ladros.

— Bem, então vá andando! — disse Rosinha. — Se você esteve cuidando do Sr. Frodo todo esse tempo, por que quereria abandoná-lo logo que as coisas ficam perigosas?

Aquilo foi demais para Sam. Ou ele ficava uma semana respondendo, ou não respondia nada. Virou-se e montou no pônei. Mas, no momento em que ia partir, Rosinha desceu correndo a escada.

— Eu acho que você está muito bem, Sam— disse ela. — Agora vá! Mas cuide-se e volte direto para cá assim que tiver resolvido o problema dos rufiões!

Quando Sam retornou, encontrou toda a aldeia agitada. Além de vários rapazes mais jovens, já mais de uma centena de hobbits robustos estavam reunidos, com machados, pesados martelos, longas facas e grossos bastões; além disso, alguns levavam arcos de caça. Muitos outros estavam chegando das fazendas distantes.

Algumas pessoas da aldeia tinham acendido uma grande fogueira, só para deixar a coisa toda mais emocionante, e também porque isso era proibido pelo Chefe.

O fogo queimava forte enquanto se aproximava a noite. Outros, por ordem de Merry, estavam erguendo barreiras através da estrada nas duas extremidades da aldeia.

Quando os Condestáveis atingiram o lado mais baixo, ficaram aturdidos; mas, assim que viram como estavam as coisas, a maioria deles tirou as penas e juntou-se à revolta. Os outros se retiraram furtivamente.

Sam encontrou Frodo e seus amigos perto do fogo, conversando com o velho Tom Villa, enquanto uma multidão admirada de Beirágua se juntava ao redor para observá-los.

— Bem, qual é o próximo passo? — perguntou Villa.

— Não posso dizer até que saiba mais — disse Frodo. — Quantos são esses rufiões?

— Isso é dificil dizer — disse Villa. — Eles andam por aí, indo e vindo. Algumas vezes há cinquenta deles naqueles barracões lá em cima, no caminho da Vila dos Hobbits; mas eles saem e ficam perambulando, roubando ou recolhendo, como eles dizem. Ainda assim, é raro haver menos que vinte em volta do Patrão, como eles o chamam. Ele está em Bolsão, ou estava; mas agora não sai da propriedade. Ninguém o vê, na verdade, há uma ou duas semanas; mas os homens não deixam ninguém chegar perto.

— A Vila dos Hobbits não é o único lugar onde eles ficam, é? — disse Pippin.

— Não, e isso é que é o pior — disse Villa. — Há um bom grupo lá no sul, no Vale Comprido e perto do Vau Sam, ouvi dizer; e mais alguns rondando na Ponta do Bosque; e eles têm barracões em Encruzada. E além disso há os Tocadeados, como os chamam: os velhos túneis de estocagem em Grã Cava, transformados em prisões para aqueles que os enfrentam. Mesmo assim, calculo que não haja mais que trezentos ao todo, e talvez até menos. Podemos dominá-los, se ficarmos juntos.

— Eles têm armas? — perguntou Merry.

— Chicotes, facas e bastões, o suficiente para o trabalho sujo que fazem: é tudo o que exibiram até agora — disse Villa. — Mas arrisco dizer que eles têm outros equipamentos, se for preciso lutar. De qualquer forma, alguns têm arcos. Atingiram um ou dois de nosso pessoal.

— Aí está, Frodo! — disse Merry. — Eu sabia que íamos ter de lutar. Bem, foram eles que começaram a matança.

— Não exatamente — disse Villa. — Pelo menos, não foram eles que começaram a atirar. Os Túks começaram tudo. Compreenda, Sr. Peregrin, o seu pai nunca se entendeu com esse Lotho, desde o inicio: disse que, se alguém ia bancar o chefe a essa altura das coisas, essa pessoa deveria ser o Thain do Condado e não um arrivista qualquer. E, quando Lotho mandou seus homens, não conseguiram fazê-lo mudar de idéia. Os Túks são sortudos, têm aquelas tocas profundas nas Colinas Verdes, os Grandes Smials e tudo mais; e os rufiões não conseguem atacá-los, e eles não permitem a entrada dos rufiões nas terras deles. Quando entram, os Túks os caçam. Atiraram em três por saque e roubo. Depois disso os rufiões ficaram mais cruéis. E montaram uma vigilância cerrada na Terra dos Túks. Ninguém entra ou sai de lá.

— Bom para os Túks! — exclamou Pippin. — Mas alguém vai entrar lá de novo, agora. Estou indo para os Smials. Alguém quer ir comigo para Tuqueburgo?

Pippin partiu acompanhado de meia dúzia de rapazes montados em pôneis.

— Até breve! — gritou ele. — São só catorze milhas mais ou menos, indo pelos campos. Vou trazer-lhes um exército de Túks pela manhã. — Merry fez soar a corneta, enquanto eles iam entrando na noite que se adensava. O povo aplaudia.

— Mesmo assim — disse Frodo a todos que estavam próximos — , eu não quero matança nenhuma, nem mesmo dos rufiões, a não ser que seja necessário para impedir que eles machuquem os hobbits.

— Está certo! — disse Merry. — Mas vamos ter uma visita da gangue da Vila dos Hobbits a qualquer momento, eu acho, eles não estão vindo só para conversar. Vamos tentar lidar com eles sem desordem, mas devemos estar preparados para o pior. E eu tenho um plano.

— Muito bem — disse Frodo. — Você prepara tudo.

Naquela mesma hora alguns hobbits, que tinham sido mandados para a Vila, chegaram correndo. — Eles estão chegando! — disseram eles. — Vinte ou mais. Mas dois desviaram para o oeste através do campo.

— Para Encruzada, sem dúvida disse Villa — a fim de engrossar a gangue. Bem, são quinze milhas de ida, e mais quinze de volta. Não precisamos nos preocupar com eles por enquanto.

Merry apressou-se dando ordens. Villa evacuou a rua, mandando todos para dentro de casa, com exceção dos hobbits mais velhos que tinham armas de algum tipo.

Não precisaram esperar muito. Logo já ouviam vozes gritando, e depois a batida de pés pesados no chão. De repente um esquadrão inteiro dos rufiões veio pela estrada.

Viram a barreira e começaram a rir. Não imaginavam existir qualquer coisa naquele lugarzinho que pudesse fazer frente a um grupo de vinte rufiões.

Os hobbits abriram a barreira e se puseram de lado. — Obrigado! — zombaram os homens.

— Agora vão correndo para suas casas e durmam, antes que sejam chicoteados.

— Então avançaram em marcha ao longo da rua, gritando: — Apaguem essas luzes! Entrem e fiquem em casa, ou vamos prender cinquenta de vocês nos Tocadeados por um ano. Entrem! O Patrão está perdendo a paciência.

Ninguém deu atenção àquelas ordens; mas, quando os rufiões passaram, os hobbits fecharam o caminho atrás deles e os seguiram. Quando os homens se aproximaram da fogueira, depararam com Villa ali sozinho. esquentando as mãos.

— Quem é você, e o que pensa que está fazendo? — disse o líder dos rufiões.

Vílla olhou lentamente para ele.

— Eu ia lhe perguntar exatamente isso — disse ele. — Esta não é a sua terra, e ninguém quer vocês aqui.

— Bem, de qualquer forma alguém quer você — disse o líder.

— Nós o queremos. Agarrem-no, rapazes! Tocadeado para ele, e podem aplicar-lhe um lembrete para que fique quieto!

Os homens deram um passo à frente e pararam de súbito. Ergueu-se um rugido de vozes ao redor deles, e de repente os rufiões perceberam que Villa não estava sozinho, muito pelo contrário. Estavam cercados. No escuro, no limiar da luz do fogo, havia um circulo de hobbits que surgiram das sombras. Havia quase duzentos deles, cada um segurando algum tipo de arma.

Merry deu um passo á frente.

— Já nos encontramos antes — disse ele ao líder—, e eu o avisei para não voltar aqui. Estou avisando de novo: vocês estão sob a luz e cercados por arqueiros. Se tocarem um dedo neste fazendeiro, ou em qualquer pessoa, serão imediatamente atingidos. Coloquem no chão qualquer arma que tiverem.

O líder olhou em volta. Estava encurralado. Mas não sentiu medo, não agora, com vinte de seus homens na retaguarda. Sabia muito pouco sobre os hobbits para entender o perigo que estava correndo. Numa atitude tola, resolveu lutar. Julgou que seria fácil romper a barreira.

— Para cima deles, rapazes! — gritou ele. — Vamos lá!

Com uma faca comprida na mão esquerda e um bastão na outra, ele avançou para o circulo, tentando correr de volta para a Vila dos Hobbits.

Ensaiou um golpe na direção de Merry, que lhe barrava o caminho. Caiu morto com quatro flechas enfiadas no corpo.

Isso bastou para os outros, que se renderam. As armas foram-lhes tomadas e eles amarrados; fizeram-nos marchar para um barracão vazio construído por eles mesmos, e ali tiveram as mãos e pés atados, e ficaram trancados sob vigia. O líder morto foi arrastado dali e enterrado.

— Até que foi fácil demais, afinal de contas, não foi? — disse Villa. — Eu disse que poderíamos dominá-los. Mas precisávamos de uma convocação. Vocês vieram na hora exata, Sr. Merry.

— Ainda há mais o que fazer — disse Merry. — Se o senhor está certo em seus cálculos, ainda não lidamos nem com um décimo deles. Mas agora está escuro. Acho que o próximo golpe pode esperar até amanhã. Depois devemos visitar o Chefe.

— Por que não agora? — disse Sam. — Não passa muito das seis horas. E eu queria ver o meu velho. O senhor sabe o que aconteceu com ele, Sr. Villa?

— Ele não está muito bem, nem muito mal, Sam — disse o fazendeiro. — Eles escavaram toda a rua do Bolsinho, e isso foi um duro golpe para ele. Agora está em uma das casas novas que os Homens do Chefe costumavam construir, no tempo em que faziam alguma coisa além de incendiar e roubar: não mais que uma milha além do fim de Beirágua. Mas ele ás vezes vem me visitar, quando tem uma oportunidade, e eu vejo que está mais bem alimentado que alguns desses pobres coitados. Tudo contra As Regras, é claro. Eu o teria acolhido em casa, mas isso não era permitido.

— Muito obrigado mesmo, Sr. Villa; nunca me esquecerei disso — disse Sam. — Mas quero vê-lo. Aquele Patrão e o tal de Charcote, do qual eles falaram, podem fazer alguma maldade lá em cima antes que amanheça.

— Está bem, Sam — disse Villa. — Escolha um ou dois rapazes e vá buscá-lo; traga-o para minha casa. Não será preciso chegar perto do antigo vilarejo dos hobbits do outro lado do Água. Meu Jolly vai lhe mostrar o caminho.

Sam partiu. Merry designou vigias para ocuparem postos de observação ao redor da aldeia, e guardas para tomarem conta das barreiras durante a noite. Então ele e Frodo foram para a casa de Villa. Sentaram-se com a familia na cozinha aconchegante, e os Víllas fizeram algumas perguntas educadas sobre a viagem deles, mas mal ouviram as respostas: estavam muito mais preocupados com os acontecimentos no Condado.

— Tudo começou com Pústula, como o chamamos — disse o Sr. Algodão —; e começou assim que vocês partiram, Sr. Frodo. Ele tinha idéias esquisitas, o Pústula. Parece que queria ter tudo para si mesmo, e depois ficar dando ordens para os outros. Logo descobrimos que ele já possuía uma propriedade maior do que precisava, e estava sempre agarrando mais, embora onde ele conseguia o dinheiro continuasse sendo um mistério: moinhos e maltarias, estalagens, fazendas, plantações de fumo. Já tinha comprado o moinho do Ruivão antes de vir para Bolsão, ao que parece.

— É claro que começou com uma propriedade na Quarta Sul que herdou do pai; e parece que andou vendendo uma grande porção do melhor fumo, e despachando tudo em segredo por um ou dois anos. Mas no fim do ano passado ele começou a mandar grandes quantidades de mercadorias, não só fumo. As coisas começaram a faltar, o que se agravou com a chegada do inverno. As pessoas ficavam com raiva, mas ele tinha o que responder. Um monte de homens, a maioria rufiões, chegaram com grandes carroças, alguns para levar as mercadorias para o sul, e outros para ficar. Mais e mais chegavam. E antes que nos déssemos conta foram-se instalando aqui e acolá em todo o Condado, e estavam derrubando árvores e cavando e construindo para si barracões e casas a seu bel-prazer. No inicio, as mercadorias e o prejuízo eram pagos por Pústula; mas logo eles começaram a mandar e desmandar, levando o que queriam.

— Depois houve um pouco de problemas, mas não o suficiente. O Velho Will, o Prefeito, foi até Bolsão para protestar, mas nunca chegou lá. Os rufiões botaram as mãos nele e o levaram, trancando-o numa toca em Grã Cava, onde ele está até agora. E depois disso, logo depois do Ano Novo, não havia mais Prefeito, e o Pústula autodenominou-se Condestável Chefe, ou apenas Chefe, e fez o que quis; e se alguém ficasse "petulante", como diziam eles, ia para junto de Will. Assim as coisas foram de mal a pior. Não havia mais fumo, exceto para os homens, e o Chefe não tolerava cerveja, a não ser para seus homens, e fechou todas as estalagens; e, fora as regras. tudo foi escasseando cada vez mais, a não ser que alguém conseguisse esconder um pouco do que tinha quando os rufiões passavam recolhendo mercadorias "para uma distribuição justa": o que significava que eles ficavam com tudo e nós com nada, com exceção das sobras que se podiam conseguir nas casas dos Condestáveis, se você conseguisse comê-las. Tudo muito ruim. Mas desde a vinda de Charcote tem sido pura desgraça.

— Quem é esse Charcote"? — perguntou Merry. — Ouvi um dos rufiões falar nele.

— O maior rufião de todos, ao que parece — respondeu Villa. — Foi por volta da última colheita, talvez no fim de setembro, que ouvimos falar dele pela primeira vez. Nunca o vimos, mas ele está lá em Bolsão. E agora é o verdadeiro Chefe, eu acho. Todos os rufiões fazem o que ele manda, e o que ele manda é principalmente cortar, queimar e destruir; agora começaram a matar. O que fazem já não tem mais objetivo nenhum, por pior que seja. Derrubam árvores e as deixam no chão, queimam casas e não constroem outras.

— Veja, por exemplo, o moinho do Ruivão. Pústula o derrubou assim que chegou a Bolsão. Então trouxe um monte de homens imundos para construir um maior, cheio de rodas e geringonças esquisitas. Só aquele idiota do Ted ficou satisfeito com aquilo, e trabalha lá limpando rodas para os homens, onde seu pai era o Moleiro e proprietário. A idéia do Pústula era moer mais e mais depressa, ou pelo menos era isso o que dizia. Ele tem outros moinhos como esse. Mas você precisa conseguir grãos antes de moê-los, e para o novo moinho não havia maior quantidade do que já havia para o antigo. Mas desde que Charcote chegou eles não moem mais trigo nenhum.

Ficam só martelando e soltando uma fumaça e um cheiro ruim, e não há paz na Vila dos Hobbits nem durante a noite. E eles despejam sujeira de propósito; emporcalharam toda a parte baixa do Água, e a sujeira está chegando ao Brandevin. Se pretendem transformar o Condado num deserto, estão no caminho certo. Não acho que o idiota do Pústula esteja por trás de tudo isto. É o Charcote, estou dizendo.

— É isso mesmo! — acrescentou o Jovem Tom. — Olhe, eles até levaram a velha mãe do Pústula, a Lobélia, e ele gostava dela, mesmo que ninguém mais gostasse.

Algumas pessoas da Vila dos Hobbits viram. Ela ia descendo a ladeira com a velha sombrinha. Uns rufiões estavam subindo com uma carroça grande.

— "Aonde vão indo?", diz ela.

— "Para Bolsão", dizem eles.

— "Para quê?", diz ela.

— "Levantar uns barracões para o Charcote", dizem eles.

— "Quem disse que vocês podem?", diz ela.

— "Charcote", dizem eles. "Então saia da estrada, bruxa velha!"

— "Vão ver o Charcote, seus ladrões sujos!", diz ela, e parte com a sombrinha para cima do líder, quase duas vezes maior que ela. Então eles a levaram.

Arrastaram ela para os Tocadeados, naquela idade. Levaram outros de quem sentimos mais falta, mas não se pode negar que ela mostrou mais valentia que muitos.

No meio dessa conversa chegou Sam num atropelo, trazendo o Feitor.

— Boa noite, Sr. Bolseiro! — disse ele. Fico realmente feliz em vê-lo de volta. Mas tenho contas a ajustar com o senhor, por assim dizer, se me permite a ousadia. O senhor nunca deveria ter vendido Bolsão, como eu sempre disse. Foi aí que toda a confusão começou. E enquanto o senhor esteve perambulando por terras estrangeiras, caçando homens negros montanha acima, pelo que diz o meu Sam, embora não explique muito bem para quê, eles foram lá e escavaram a rua do Bolsinho e arruinaram minhas batatas!

— Sinto muito, Sr. Gamgi — disse Frodo. — Mas agora eu voltei, e vou fazer o possível para consertar as coisas.

— Bem, o senhor não poderia ter falado mais bonito — disse o Feitor. — O Sr. Frodo Bolseiro é um cavalheiro de verdade, como eu sempre disse, não importa o que se possa pensar de outros que levam o mesmo nome, se me desculpa. E espero que o meu Sam tenha se comportado a contento.

— Perfeitamente a contento, Sr. Gamgi — disse Frodo. — Na verdade, se o senhor me acredita, ele é uma das pessoas mais famosas em todas as terras, e estão fazendo canções sobre seus feitos, desde aqui até o Mar e além do Grande Rio. — Sam corou, mas ficou agradecido a Frodo, pois os olhos de Rosinha estavam brilhando, e ela sorria para ele.

— É muito dificil acreditar — disse o Feitor —, embora eu possa perceber que ele andou se misturando a gente estranha. Que aconteceu com o colete dele? Não posso suportar esse roupão de ferro, seja ele elegante ou não.

A gente da casa do Fazendeiro Villa e todos os seus hóspedes acordaram cedo no dia seguinte. Não se ouvira nada durante a noite, mas certamente mais problemas viriam antes do final do dia.

— Até parece que não sobrou nenhum baderneiro lá em Bolsão — disse Villa. — Mas a gangue de Encruzada virá a qualquer hora.

Depois do desjejum chegou um mensageiro da Terra dos Túks. Estava animado.

— O Thain sublevou toda a nossa terra — disse ele — e a noticia está se espalhando feito fogo por todos os lados. Os rufiões que estavam vigiando nossa terra fugiram para o sul, os que escaparam vivos. O Thain foi atrás deles, sustar o avanço da grande gangue por aquele caminho; mas enviou para cá o Sr. Peregrin, com todos os outros de que pôde dispor.

A próxima notícia não foi tão boa. Merry, que estivera fora toda a noite, chegou cavalgando por volta das dez horas.

— Há um bando enorme a umas quatro milhas daqui — disse ele. — Estão vindo pela estrada de Encruzada, mas muitos rufiões perdidos se juntaram a eles. Deve haver perto de uma centena, e eles estão ateando fogo em tudo enquanto avançam. Malditos!

— Ah! Aqueles bandidos não param para conversar; matam se puderem — disse o Sr. Villa. — Se os Túks não chegarem antes, é melhor nos escondermos e atirarmos antes de perguntar. Será preciso alguma luta antes que tudo isto esteja terminado, Sr. Frodo.

Mas os Túks chegaram antes. Logo vieram marchando, uma centena de hobbits fortes, de Tuqueburgo e das Colinas Verdes, com Pippin à frente.

Agora Merry tinha um número suficiente de hobbits robustos para dar conta dos rufiões. Batedores reportaram que eles continuavam juntos. Sabiam que o interior se rebelara contra eles, e estava claro que pretendiam sufocar a rebelião de forma cruel na sua origem, em Beirágua. Mas, embora pudessem ter cara de malvados, não parecia haver um líder entre eles que entendesse de guerra. Avançavam sem qualquer precaução. Merry fez seus planos depressa.

Os rufiões chegaram pisando firme ao longo da Estrada Leste, e sem parar tomaram o caminho de Beirágua, que ia subindo por um trecho entre altos barrancos cobertos de cercas-vivas baixas. Fazendo uma curva a cerca de uns duzentos metros da estrada principal, encontraram uma forte barreira, feita de velhas carroças tombadas. Isso os fez parar. No mesmo momento, perceberam que as cercas-vivas, dos dois lados, logo acima de suas cabeças, estavam cheias de hobbits enfileirados.

Atrás deles outros hobbits agora empurravam mais algumas carroças que tinham sido escondidas num campo, e assim bloquearam o caminho de volta.

Uma voz dirigiu-se a eles de cima.

— Bem, vocês caíram numa armadilha — disse Merry. — O mesmo aconteceu com seus companheiros da Vila dos Hobbits, e um deles está morto e os outros presos. Coloquem as armas no chão! Depois recuem vinte passos e sentem-se. Qualquer um que tentar fugir será alvejado.

Mas desta vez não foi tão fácil dominar os rufiões. Alguns deles obedeceram, mas foram imediatamente hostilizados por seus companheiros.

Cerca de vinte tentaram voltar e atacaram as carroças. Seis foram atingidos, mas outros romperam a barreira, matando dois hobbits, e depois se espalharam pelo campo na direção da Ponta do Bosque. Mais dois caíram enquanto corriam. Merry fez soar um poderoso toque de corneta, e ao longe se ouviram toques em resposta.

— Não vão muito longe — disse Pippin. — Todo aquele campo está agora cheio de caçadores nossos.

Atrás, os homens presos no caminho estreito, que ainda somavam cerca de oitenta, tentaram trepar na barreira e nos barrancos, e os hobbits foram obrigados a atirar em muitos ou golpeá-los com machados. Mas muitos dos mais fortes e desesperados saíram pelo lado oeste, e atacaram seus inimigos ferozmente, pensando agora mais em matar do que em escapar. Muitos hobbits tombaram e o resto estava vacilando quando Merry e Pippin, que estavam no lado leste, vieram na direção dos rufiões e os atacaram. O próprio Merry matou o líder, um brutamontes vesgo que parecia um orc grande. Então recuou suas forças e prendeu os últimos homens num largo círculo de arqueiros.

Por fim tudo terminou. Quase setenta rufiões jaziam mortos no campo, e uns doze foram presos. Dezenove hobbits morreram, e uns trinta estavam feridos. Os rufiões mortos foram colocados em carroças e puxados para um velho poço de areia nas proximidades, e ali foram enterrados: no Poço da Batalha, como ficou sendo chamado.

Os hobbits caídos foram colocados juntos num túmulo na encosta da colina, onde mais tarde erigiu-se uma grande pedra com um jardim em volta. Assim terminou a Batalha de Beirágua, em 1419, a última batalha travada no Condado, e a única desde a dos Campos Verdes, em 1147, que ocorrera lá em cima, na Quarta Norte. Em consequência disso, embora felizmente tenha custado muito poucas vidas, a batalha tem um capítulo próprio no Livro Vermelho, e os nomes de todos os que participaram dela formaram uma Lista que os historiadores do Condado sabiam de cor. O considerável aumento da fama e da riqueza dos Villas vem dessa época, mas no topo da Lista, em todos os relatos, estão os nomes dos Capitães Meriadoc e Peregrin.

Frodo participara da batalha, mas sem sacar a espada, e sua principal tarefa fora impedir que os hobbits, em sua ira pela perda dos entes queridos, matassem aqueles inimigos que tinham deposto as armas. Depois que a luta terminou, e as tarefas ulteriores foram organizadas, Merry, Pippin e Sam juntaram-se a ele, e foram de volta para a casa dos Villas. Almoçaram tarde, e então Frodo disse com um suspiro: — Bem, suponho que agora devemos cuidar do "Chefe".

— É sim, quanto mais cedo melhor — disse Merry. — E não seja bonzinho demais! Ele é o responsável pela vinda desses rufiões, e por todo o mal que eles praticaram. O Fazendeiro Villa escolheu uma escolta de uns vinte hobbits robustos. — Pois nós apenas supomos que não haja mais nenhum rufião em Bolsão — disse ele. — Não temos certeza. — Depois eles partiram a pé. Frodo, Sam, Merry e Pippin foram na frente.

Foi uma das horas mais tristes da vida deles. A grande chaminé se erguia á frente, e, quando se aproximavam da antiga aldeia do outro lado do Água, através de fileiras de novas casas miseráveis ao longo dos dois lados da estrada, viram o novo moinho em toda a sua feiúra carrancuda e suja: um grande prédio de tijolos montado sobre o rio, que era emporcalhado por uma descarga fétida e fumegante. Ao longo da Estrada de Beirágua todas as árvores tinham sido derrubadas.

Quando atravessaram a ponte e ergueram os olhos na direção da Colina, ficaram boquiabertos. Nem mesmo a visão que Sam tivera no Espelho pudera prepará-lo para aquela cena. A Granja Velha no lado leste tinha sido derrubada, e em seu lugar viam-se fileiras de barracões cobertos de piche.

Todas as castanheiras tinham-se ido. Os barrancos e cercas-vivas estavam destruídos. Grandes carroças estavam paradas em desalinho num campo batido e sem grama.

A rua do Bolsinho se transformara num enorme buraco cheio de cascalho e areia. Lá em cima não se via Bolsão, devido a um amontoado de barracões enormes.

— Eles cortaram! — gritou Sam. — Cortaram a Arvore da Festa! — disse ele apontando para o local onde estivera a árvore sob a qual Bilbo fizera o Discurso de Despedida. Estava morta, caída no campo com os galhos cortados. Como se isso fosse a gota d'água, Sam rompeu em pranto.

Um riso pôs um fim às suas lágrimas. Havia um hobbit grosseiro recostado contra o muro baixo do pátio do moinho. Tinha o rosto encardido e as mãos pretas.

— Não está gostando, Sam? — zombou ele. — Mas você sempre foi um molenga. Pensei que tivesse ido embora em algum daqueles navios sobre os quais costumava tagarelar, navegando, navegando. E por que quis voltar? Agora temos trabalho a fazer no Condado.

— Estou vendo — disse Sam. — Não há tempo para se lavar, mas há tempo para ficar escorando muros. Mas olhe aqui, Mestre Ruivão, tenho contas a acertar nesta aldeia, e não queira aumentá-las com essa zombaria, ou sua bolsa será pequena demais para o acerto.

Ted Ruivão cuspiu por sobre o muro.

— Não me faça rir! — disse ele. — Você não pode pôr as mãos em mim. Sou amigo do Patrão. E ele quem vai pôr as mãos em você, se eu tiver de escutar mais alguma de suas asneiras.

— Não gaste mais palavras com esse tolo, Sam! — disse Frodo. — Espero que não haja muitos outros hobbits que ficaram assim. Seria pior do que todo o prejuízo causado pelos homens.

— Você é sujo e insolente, Ruivão — disse Merry. — E também está errado em seus cálculos. Estamos exatamente subindo a Colina para tirar de lá o seu estimado Patrão. Já cuidamos dos homens dele.

Ted perdeu o fôlego, pois naquele momento viu pela primeira vez a escolta que, a um sinal de Merry, marchava agora atravessando a ponte.

Recuando de volta para o moinho, ele correu segurando uma corneta que fazia soar forte.

— Economize o seu fôlego! — disse Merry rindo. — Tenho uma melhor.

— Então, erguendo sua corneta de prata, soprou-a, e um tom claro retumbou por sobre a Colina, e das tocas e barracões e casas miseráveis da Vila responderam os hobbits, que saíram numa enxurrada, e com aplausos e gritos fortes seguiram a comitiva, subindo a estrada de Bolsão.

No topo da ladeira a comitiva parou, e Frodo e seus amigos continuaram avançando; chegaram por fim ao lugar outrora amado. O jardim estava cheio de cabanas e barracões, alguns tão próximos às antigas janelas da face oeste que bloqueavam toda a luz. Havia pilhas de entulho por toda a parte. A porta estava arranhada, a corrente da campainha solta, e a campainha não tocava. Bater na porta não adiantou nada. Por fim eles empurraram a porta, que cedeu. Entraram. O lugar fedia e estava cheio de sujeira e bagunça: parecia abandonado havia algum tempo.

— Onde estará escondido aquele desgraçado do Lotho? — disse Merry.

Eles tinham procurado em cada sala sem encontrar qualquer ser vivo, exceto ratos e camundongos.

— Vamos chamar os outros para uma busca nos barracões?

— Isto é pior que Mordor! — disse Sam. — De certa maneira muito pior. A gente sente na própria pele, como se diz; porque aqui é nossa casa, e ficamos lembrando de como era antes de ser toda destruída.

— Sim, isto aqui é Mordor — disse Frodo. — Apenas um de seus trabalhos. Saruman esteve fazendo o trabalho de Mordor todo o tempo, mesmo quando julgava estar trabalhando para si mesmo. E o mesmo vale para aqueles que Saruman enganou, como Lotho.

Merry olhou ao redor, frustrado e enojado.

— Vamos sair daqui! — disse ele. — Se tivesse sabido todo o mal feito por Saruman, eu lhe teria enfiado minha bolsa de fumo goela abaixo.

— Sem dúvida, sem dúvida! Mas você não sabia, e assim posso dar-lhe as boas-vindas em seu retorno para casa. — Ali, parado ao pé da porta, estava Saruman em pessoa, com uma aparência bem-alimentada e satisfeita; seus olhos reluziam com malícia e deleite.

Frodo teve um súbito lampejo.

— Charcote! — gritou ele.

Saruman riu.

— Então vocês ouviram o nome, não é? Todo o meu povo costumava me chamar assim em Isengard, eu acho. Um sinal de afeição, possivelmente. Mas é evidente que não esperavam me ver aqui.

— Eu não esperava — disse Frodo. — Mas poderia ter adivinhado. Uma maldadezinha, num estilo mais mesquinho: Gandalf me advertiu de que você era capaz disso.

— Bem capaz — disse Saruman — e posso ir além de uma maldadezinha. Vocês me fizeram rir, seus senhorinhos-hobbits, cavalgando em companhia de todas aquelas grandes pessoas, tão seguros e tão satisfeitos consigo mesmos.

Pensaram que se tinham saido muito bem da coisa toda, e agora podiam apenas cavalgar tranquilamente para casa e passar um tempo calmo no campo. A casa de Saruman podia estar toda em pedaços, e ele podia ser expulso, mas ninguém poderia tocar na de vocês. Ah, não! Gandalf cuidaria de seus interesses.

Saruman riu de novo.

— Não ele! Quando seus instrumentos já desempenharam a tarefa por ele designada, Gandalf os abandona. Mas vocês precisam ficar pendurados nele, vagabundeando e conversando, e cavalgando o dobro da distância que precisavam cavalgar. "Bem", pensei eu, "se são assim tão tolos, vou chegar na frente deles para lhes dar uma lição. O mal com o mal se paga." Teria sido uma lição mais dura, se vocês me tivessem dado um pouco mais de tempo e de homens. Mesmo assim já fiz tanta coisa que vocês terão dificuldade para consertar ou desfazer durante suas vidas. E será agradável pensar nisso, contrabalançando minhas perdas.

 

1 Provavelmente o nome é de origem orc: charkú, “velho”.

 

— Bem, se é com isso que você fica satisfeito — disse Frodo —, tenho pena de você. Será uma satisfação apenas na memória, receio eu. Saia já daqui e não volte nunca mais!

Os hobbits das aldeias tinham visto Saruman sair de uma das barracas, e imediatamente vieram se amontoar em frente à porta de Bolsão.

Quando ouviram a ordem de Frodo, murmuraram raivosos:

— Não o deixe escapar! Mate-o! Ele é um bandido, um assassino. Mate-o!

Saruman olhou em volta, encarando aqueles rostos hostis, e sorriu.

— Matá-lo! — zombou ele. — Matem-no, se julgam que estão em número suficiente, meus bravos hobbits! — Empertigou-se e fitou-os com seus olhos escuros e sombrios. — Mas não pensem que porque perdi todas as minhas posses perdi também todo o meu poder! Qualquer um que me atacar será amaldiçoado. E, se meu sangue manchar o Condado, este lugar fenecerá e nunca mais poderá ser curado.

Os hobbits recuaram. Mas Frodo disse:

— Não acreditem nele. Não lhe resta nenhum poder, exceto a voz, que ainda pode intimidá-los e enganá-los, se permitirem.

Mas não permitirei que ele seja morto. É inútil retribuir vingança com mais vingança: não vai sanar nada. Vá, Saruman, pelo caminho mais rápido!

— Língua! Língua! — chamou Saruman, e de uma cabana próxima saiu Língua de Cobra, arrastando-se quase como um cão. — Para a estrada de novo, Língua! — disse Saruman. — Esses gentis camaradas e senhorinhos estão nos expulsando de novo. Venha! Saruman virou-se para partir, e Língua de Cobra arrastou-se atrás dele. Mas, no momento em que Saruman passou perto de Frodo, uma faca brilhou em sua mão, e houve um golpe rápido. A lâmina foi repelida pela malha metálica sob a roupa e se partiu. Uns doze hobbits, liderados por Sam, saltaram à frente com um grito, jogando o bandido no chão. Sam sacou a espada.

— Não, Sam! — disse Frodo. — Não o mate, apesar de tudo. Pois ele não me feriu. E, de qualquer forma, não quero que ele seja morto desse jeito traiçoeiro.

Saruman já foi grande, de uma espécie nobre contra a qual não deveríamos ousar levantar nossas mãos. Caiu, e sua cura está além de nosso alcance; mas ainda assim prefiro poupá-lo, na esperança de que possa encontrá-la.

Saruman ficou de pé, e olhou para Frodo. Havia uma expressão estranha em seus olhos, um misto de surpresa, respeito e ódio.

— Você cresceu, Pequeno — disse ele. Sim, você cresceu muito. É sábio e cruel. Roubou a doçura de minha vingança, e agora parto amargurado, em divida para com a sua clemência. Odeio você e sua demência! Bem, vou embora e não o incomodarei mais. Mas não espere de mim que lhe deseje saúde e vida longa. Não terá nenhuma das duas coisas. Mas isso não será por obra minha. Estou apenas prevendo.

Afastou-se e os hobbits abriram alas para ele passar; mas os nós de seus dedos iam ficando brancos enquanto as mãos agarravam as armas.

Língua de Cobra hesitou, e depois seguiu seu mestre.

— Língua de Cobra! — chamou Frodo. — Você não precisa segui-lo. Não conheço mal algum que me tenha feito. Pode ter descanso e comida aqui por um tempo, até estar mais forte para seguir seus próprios caminhos.

Língua de Cobra parou e olhou para trás, meio propenso a ficar.

Saruman virou-se:

— Mal algum? — grasnou ele. — Ah, não! Mesmo quando ele escapa furtivamente durante a noite, é só para apreciar as estrelas. Mas ouvi alguém perguntar onde o pobre Lotho está escondido? Você sabe, não é mesmo, Língua? Vai contar a eles? Língua de Cobra se encolheu e choramingou:

— Não, não!

— Então conto eu — disse Saruman. — Língua matou o seu Chefe, pobre criatura, o seu bom Patrãozínho. Não é verdade, Língua? Apunhalou-o enquanto dormia, acho. Enterrou-o, espero; embora Língua tenha estado com muita fome ultimamente. Não, Língua não é bonzinho de verdade. É melhor que o deixem para mim.

Uma faisca de ódio alucinado brilhou nos olhos vermelhos de Língua de Cobra.

— Você me mandou fazer isso, você me obrigou — chiou ele.

Saruman riu.

— Você sempre faz o que Charcote manda, não é, Língua? Bem, agora ele diz: em frente! — Chutou Língua de Cobra no rosto no momento em que este rastejava, virou-se e partiu. Mas nesse instante algo se partiu: de súbito Língua de Cobra se levantou, sacando uma faca escondida e então, rosnando como um cachorro, saltou sobre as costas de Saruman, puxou-lhe a cabeça para trás, cortou-lhe a garganta e com um grito correu descendo a ladeira. Antes que Frodo pudesse se recuperar ou dizer alguma coisa, três arcos hobbits zuniram e Língua de Cobra caiu morto.

Frodo olhou para o corpo com pena e terror, pois enquanto olhava pareceu que de repente longos anos de morte se revelavam nele, e o corpo encolheu, e o rosto enrugado transformou-se em trapos de pele sobre um crânio hediondo.

Erguendo a barra da capa suja que estava caída ao lado dele, Frodo o cobriu, e deu-lhe as costas.

— E este é o fim dessa criatura — disse Sam. — Um fim terrível, que eu gostaria de não precisar ter assistido; mas foi melhor termo-nos livrado dele.

— E esse é o fim do fim da Guerra, eu espero — disse Merry.

— Espero que sim — disse Frodo suspirando. — O último golpe. E pensar que esse golpe deveria ser desferido aqui, bem na porta de Bolsão! Entre todas as minhas esperanças e medos, nunca imaginei isso.

— Não vou chamar isso de fim, antes de termos limpado toda a sujeira — disse Sam melancólico. — E isso exigirá um bocado de tempo e trabalho. Para o assombro dos circunstantes, ao redor do corpo de Saruman formou-se uma névoa cinzenta que, subindo lentamente a uma grande altura qual a fumaça de uma fogueira, pairou sobre a Colina como um vulto pálido e amortalhado.

Por um momento vacilou, olhando para o Oeste; mas do oeste veio um vento frio, e o vulto se curvou, e com um suspiro dissolveu-se em nada.

 

OS PORTOS CINZENTOS

Certamente a limpeza exigiu um bocado de trabalho, mas levou menos tempo do que Sam receara. No dia após a Batalha, Frodo cavalgou até Grã Cava e libertou os prisioneiros dos Tocadeados. Um dos primeiros que encontraram foi o pobre Fredegar Bolger, que de gorducho não tinha mais nada. Fora levado para lá quando os rufiões expulsaram um grupo de rebeldes, que ele liderava, de seus esconderijos lá em cima nas Tocas dos Texugos, perto das colinas de Scary.

— Afinal de contas, teria sido melhor para você se nos tivesse acompanhado, pobre Fredegar! — disse Pippin, no momento em que o carregaram para fora, pois Fatty estava fraco demais para caminhar.

Ele abriu um olho e cavalheirescamente tentou sorrir.

— Quem é esse jovem gigante com esse vozeirão? — sussurrou ele. — Não pode ser o pequeno Pippin! Que tamanho de chapéu você usa agora?

Depois encontraram Lobélia. Pobrezinha, estava muito envelhecida e magra quando a resgataram de uma cela estreita e escura. Ela insistiu em sair mancando sem a ajuda de ninguém; teve uma recepção tão calorosa, e as pessoas tanto aplaudiram e gritaram quando ela apareceu, apoiada no braço de Frodo, porém sem deixar cair a sombrinha, que ela ficou muito emocionada, e foi embora aos prantos. Nunca antes fora uma pessoa querida. Mas ficou arrasada com a notícia do assassinato de Lotho, e recusou-se a voltar para Bolsão. Devolveu a propriedade a Frodo, e foi viver com os seus parentes, os Justa-correias de Tocadura. Na primavera seguinte, quando a pobre criatura morreu — afinal de contas, já contava com mais de cem anos — Frodo ficou surpreso e muito comovido: ela deixara todo o restante do dinheiro dela e de Lotho para que ele o usasse ajudando os hobbits que ficaram desabrigados devido às adversidades.

Assim terminou a rixa.

O velho Will Pealvo ficou mais tempo nos Tocadeados que qualquer tira, e, embora talvez tenha sido menos maltratado do que alguns, precisou de uma superalimentação antes que parecesse prefeito de novo. Por esse motivo Frodo concordou em ficar como seu Substituto, até que o Sr. Pealvo estivesse em forma outra vez. A única coisa que Frodo fez como Prefeito Substituto foi reduzir os Condestáveis á sua função e número adequado. A tarefa de caçar os últimos remanescentes dos rufiões ficou a cargo de Merry e Pippin, que logo a concluíram. As gangues do sul, depois de ouvirem a noticia da Batalha de Beirágua, fugiram dali e ofereceram pouca resistência ao Thain. Antes do fim do ano os poucos sobreviventes foram confinados na floresta, e os que se renderam foram levados para além da fronteira.

Enquanto isso, o trabalho de reconstrução prosseguia a passos largos, e Sam ficou muito ocupado. Os hobbits sabem trabalhar como abelhas quando precisam e têm vontade. Agora havia milhares de mãos dispostas de todas as idades, desde as pequenas e ágeis dos meninos e meninas hobbits, até as calejadas dos velhos e velhas. Às vésperas do Jule já não restava de pé um só tijolo das novas casas dos Condestáveis, ou de qualquer prédio que os "Homens de Charcote" tivessem construído; mas os tijolos foram usados para consertar muitas tocas velhas, para deixá-las mais secas e aconchegantes. Encontraram-se grandes estoques de mercadorias, comida e cerveja, que haviam sido escondidos pelos rufiões em barracões, celeiros e tocas abandonadas, e especialmente nos túneis em Grã Cava, e nas velhas minas em Scary; assim, aquele Jule foi bem mais alegre do que qualquer um pudera esperar.

Uma das primeiras tarefas na Vila dos Hobbits, antes mesmo da remoção do novo moinho, foi a limpeza da Colina e de Bolsão, além da restauração da rua do Bolsinho. A frente do novo poço de areia foi toda nivelada e transformada num grande jardim cercado, e novas escavações foram abertas na face sul, avançando para dentro da Colina; foram revestidas com tijolos. O Feitor voltou à Toca Número Três, e dizia frequentemente, sem se importar com quem estivesse ouvindo:

— Vento ruim é aquele que não sopra a favor de ninguém, como eu sempre digo. E Bem está o que acaba Melhor!

Houve alguma discussão a respeito do nome que se devia dar à nova rua. Pensou-se em Jardins da Batalha e em Smials Melhores. Mas depois de um tempo, ao modo sensato dos hobbits, escolheu-se simplesmente rua Nova. Chamá-la de Passagem do Charcote foi apenas uma piada das pessoas de Beirágua.

As árvores representaram a pior perda e o maior prejuízo, pois por uma ordem de Charcote foram derrubadas a torto e a direito por todos os cantos do Condado; Sam lamentava isso mais que qualquer outra coisa. Em primeiro lugar, essa ferida demoraria a cicatrizar, e apenas seus bisnetos. pensava ele, veriam o Condado como deveria ser de repente, num belo dia, pois ele estivera por demais ocupado durante semanas para poder pensar em suas aventuras, Sam se lembrou do presente de Galadriel.

Trouxe a caixa e a mostrou para os outros Viajantes (pois assim eles eram chamados agora por todo o mundo), e pediu o seu conselho.

— Fiquei pensando quando você se lembraria dela — disse Frodo. Abra a caixa!

Estava cheia de uma terra cinzenta, fina e macia, e no meio havia uma semente, como uma pequena castanha com casca prateada. — O que eu faço com isto? — perguntou Sam.

— Jogue para o alto num dia de brisa e deixe que ela faça seu próprio trabalho — disse Pippin.

— Que trabalho? — disse Sam.

— Escolha um lugar como viveiro, e veja o que acontece com as plantas lá dentro — disse Merry.

— Mas tenho certeza de que a Senhora não gostaria que eu guardasse a semente só para o meu jardim, depois que tanta gente sofreu — disse Sam.

— Use toda a habilidade e todo o conhecimento que tem, Sam — disse Frodo —, e use o presente para facilitar seu trabalho e melhorá-lo. E use-o com parcimônia. Não há muito aqui, e eu acho que cada grão tem o seu valor.

Assim Sam plantou mudas em todos os lugares onde árvores especialmente belas ou amadas haviam sido destruídas, e colocou um grão da preciosa terra no chão, junto à raiz de cada uma delas. Percorreu todo o Condado em seu trabalho, mas deu atenção especial á Vila dos Hobbits e a Beirágua e ninguém o culpou por isso. No fim, descobriu que ainda lhe sobrara um pouco da terra; então foi até a Pedra das Três Quartas, que fica praticamente no centro do Condado, e a jogou no ar com suas bênçãos. A pequena castanha prateada ele plantou no Campo da Festa, no local da antiga árvore, e ficou imaginando o que nasceria dela. Durante todo o inverno, foi o mais paciente possível, e tentava conter o impulso constante de dar uma volta para ver se alguma coisa estava acontecendo.

A primavera superou suas mais absurdas esperanças. As árvores começaram a brotar e a crescer, como se o tempo estivesse com pressa e quisesse que um ano valesse por vinte. No Campo da Festa uma bela e jovem mudinha apareceu: tinha o tronco prateado e folhas compridas, e em abril explodiu em ouro. Era de fato um mallorn, e a maravilha da vizinhança. Nos anos seguintes, á medida que foi crescendo em graça e beleza, ficou conhecido em toda parte, e vinha gente de lugares distantes para vê-lo: o único mallorn a oeste das Montanhas e a leste do Mar, e um dos mais bonitos do mundo.

Tudo somado, o ano de 1420 no Condado foi maravilhoso. Não apenas por um sol deslumbrante e uma chuva deliciosa, em períodos adequados e na medida perfeita; parecia haver algo mais: um ar de pujança e crescimento, e um brilho de beleza superior àquele dos verões mortais que reluzem e passam sobre esta Terra-média. Todas as crianças nascidas ou concebidas naquele ano, e houve muitas, eram lindas e fortes, e a maioria delas tinha belos cabelos dourados que antes eram raros entre os hobbits. Havia uma tal abundância de frutas que os pequenos hobbits quase se banhavam em morangos com creme; e mais tarde eles se sentavam nos prados sob as ameixeiras e comiam até fazerem pilhas de caroços que pareciam pequenas pirâmides, ou os crânios amontoados por um conquistador; depois as crianças partiam para outras aventuras. E ninguém ficava doente, e todo mundo estava feliz, exceto os que tinham de aparar a grama.

Na Quarta Sul as vinhas ficaram carregadas, e a produção de "fumo" foi assombrosa; e por todo canto havia tanto trigo que na Colheita todos os celeiros ficaram abarrotados. A cevada da Quarta Norte foi tão boa que a cerveja produzida com o malte de 1420 foi lembrada por muito tempo, e ficou proverbial. De fato, uma geração mais tarde, nalguma estalagem ainda se podia observar algum velho que, depois de uma boa e merecida cerveja, colocava a caneca na mesa e dizia com um suspiro: "Ah! Essa foi como uma 1420!"

No inicio, Sam ficou na casa dos Villas com Frodo, mas, quando a rua Nova ficou pronta, foi morar com o Feitor. Além de todos os seus outros trabalhos, ele estava ocupado na supervisão da limpeza e reforma de Bolsão; mas ele sempre viajava pelo Condado para acompanhar o trabalho nas florestas. Por isso, ele não estava em casa em março, e não ficou sabendo que Frodo adoeceu. No dia treze daquele mês o Fazendeiro Villa encontrou Frodo de cama; agarrava uma pedra branca pendurada em uma corrente em seu pescoço, e parecia estar numa espécie de sonho.

— Foi-se para sempre — dizia ele —, e agora tudo está escuro e vazio.

Mas o acesso passou e, quando Sam voltou no dia vinte e cinco, Frodo estava recuperado, e não disse nada sobre o que lhe acontecera.

Enquanto isso Bolsão ficou em ordem, e Merry e Pippin vieram de Cricôncavo trazendo toda a mobilia e os equipamentos antigos, de forma que a velha toca logo ficou com a aparência que sempre tivera.

Quando tudo estava pronto, Frodo disse:

— Quando é que você vai se mudar para cá e morar comigo, Sam?

Sam parecia um pouco desconcertado.

— Não precisa vir já, se não quiser — disse Frodo. — Mas você sabe que o Feitor mora aqui perto, e será muito bem cuidado pela Viúva Rumble.

— Não é isso, Sr. Frodo — disse Sam, corando muito.

— Bem, o que é então?

— É Rosinha, Rosa Villa — disse Sam. — Parece que em nada lhe agradava a minha viagem para o exterior, pobre menina; mas, como eu não havia dito nada sobre isso, ela não pôde se manifestar. E eu não comentei porque primeiro precisava fazer o trabalho. Mas agora comentei, e ela diz: "Bem, você desperdiçou um ano, então por que esperar mais?" “Desperdicei?", digo eu. "Não chamaria isso de desperdiçar." Mas, mesmo assim, entendo o que ela quer dizer; sinto-me dividido ao meio, como se diz.

— Entendo — disse Frodo —, você quer se casar, e ao mesmo tempo quer viver comigo em Bolsão? Mas, meu querido Sam, isso é fácil! Case-se o mais depressa possível, e então mude para cá com Rosinha. Há lugar suficiente em Bolsão para a maior família que você possa desejar.

E assim ficou acertado. Sam Gamgi casou-se com Rosa Villa na primavera de 1420 (que ficou famosa por seus casamentos), e os dois vieram morar em Bolsão.

E, se Sam se julgava uma pessoa de sorte, Frodo sabia que tinha mais sorte ainda, pois não havia um hobbit no Condado que fosse tratado com tanto cuidado. Quando os trabalhos de reforma estavam todos planejados e em andamento, ele se retirou para uma vida tranquila, escrevendo muito e examinando todas as suas anotações. Demitiu-se do cargo de prefeito Substituto durante a Feira Livre do Solstício de Verão, e o bom e velho Will Pealvo continuou presidindo Banquetes por mais sete anos.

Merry e Pippin viveram juntos por algum tempo em Cricôncavo, e havia muito vaivém entre a Terra dos Buques e Bolsão. Os dois jovens Viajantes faziam grande figura no Condado com suas canções e histórias e seus atavios refinados e suas festas maravilhosas. As pessoas diziam que eram "nobres", dando à palavra um significado totalmente positivo, pois alegrava a todos os corações vê-los passar cavalgando, com suas malhas metálicas brilhantes e seus escudos esplêndidos, rindo e cantando canções de lugares distantes; e, se agora eram grandes e magníficos, nos outros pontos não haviam mudado nada, exceto pelo fato de que falavam mais bonito e estavam mais joviais e alegres do que nunca.

Frodo e Sam, entretanto, voltaram às suas roupas habituais, mas quando era necessário ambos usavam longas capas cinzentas de tecido fino, presas ao pescoço com belos broches; e o Sr. Frodo sempre usava uma jóia branca numa corrente, que frequentemente tocava com os dedos.

Agora todas as coisas corriam bem, com esperança de sempre melhorarem; Sam estava tão ocupado e satisfeito como um hobbit poderia desejar. Para ele, nada estragou aquele ano, a não ser uma vaga preocupação com seu mestre. Frodo foi se retirando em silêncio de todas as atividades do Condado, e Sam sofria ao ver como ele era pouco homenageado em sua própria terra. Poucas pessoas sabiam ou se interessavam em saber sobre seus feitos e aventuras— a admiração delas recaia quase exclusivamente sobre o Sr. Meriadoc e o Sr. Peregrin e (sem que Sam o soubesse) sobre ele mesmo. Além disso, no outono, apareceu uma sombra de problemas antigos.

Numa noite Sam saiu do estúdio e encontrou seu mestre com uma aparência bastante estranha. Estava muito pálido, e seus olhos pareciam ver coisas distantes.

— Qual é o problema, Sr. Frodo? — perguntou Sam.

— Estou ferido — respondeu ele — estou ferido; isso nunca vai sarar.

Mas então ele se levantou e o mal-estar passou, e no outro dia ele estava normal de novo. Foi só depois que Sam se lembrou da data de seis de outubro. Dois anos antes, naquele dia, estava escuro no vale sob o Topo do Vento.

O tempo passou, e veio 1421. Frodo adoeceu outra vez em março, mas com um grande esforço escondeu a doença, pois Sam tinha outras coisas em que pensar. O primeiro filho de Sam e Rosinha nasceu no dia vinte e cinco de março, uma data que chamou a atenção de Sara.

— Bem, Sr. Frodo — disse ele. — Estou num dilema. Rosa e eu tínhamos resolvido dar à criança o nome de Frodo, com a sua permissão; mas não nasceu um menino, nasceu uma menina. Mas é a menina mais bonita que alguém poderia esperar, mais parecida com Rosa do que comigo, ainda bem. Então não sabemos o que fazer.

— Bem, Sam — disse Frodo. — O que há de errado com os velhos costumes? Escolha um nome de flor como Rosa. Metade das meninas do Condado têm esse tipo de nome, e o que poderia ser melhor?

— Acho que o senhor tem razão, Sr. Frodo — disse Sam. — Ouvi alguns nomes bonitos em minhas viagens, mas acho que eles são meio grandes demais para o dia-a-dia, como se diz. O Feitor me disse: "Escolha um nome pequeno, para não precisar diminuí-lo antes de usá-lo." Mas, se é para ser um nome de flor, não me incomodo com o tamanho: deve ser uma flor bonita porque, o senhor entende, eu acho que ela é muito bonita, e vai ficar ainda mais bonita.

Frodo pensou um instante.

— Bem, Sam, que tal elanor, a estrela-do-sol, você se lembra da florzinha no gramado de Lothlórien?

— O senhor está certo de novo, Sr. Frodo! — disse Sam deliciado.

— Era isso o que eu queria.

A pequena Elanor estava com quase seis meses, e 1421 já atingira o outono, quando Frodo pediu que Sam fosse ao seu estúdio.

— Na quinta-feira será o Aniversário de Bilbo, Sam — disse ele. — E ele vai ultrapassar o Velho Túk. Vai completar cento e trinta e um anos!

— É isso mesmo! — disse Sam. — Ele é um prodígio!

— Bem, Sam — disse Frodo. — Quero que você fale com a Rosa e veja se ela pode dispensá-lo, para que eu e você possamos sair juntos. Você não pode se ausentar por muito tempo agora, é claro — disse ele um pouco ansioso.

— Bem, acho que não, Sr. Frodo.

— Claro que não. Mas não se preocupe. Você pode me acompanhar no começo da viagem. Diga a Rosa que você não vai ficar fora muito tempo. não mais que quinze dias, e que voltará são e salvo.

— Gostaria de poder acompanhá-lo até Valfenda, Sr. Frodo, e ver o Sr. Bilbo — disse Sam. — E apesar disso o único lugar onde realmente quero estar é aqui. Estou dividido em dois.

— Pobre Sam! Receio que é assim que vai se sentir — disse Frodo. — Mas vai se curar. Você nasceu para ser sólido e inteiro, e será.

Nos dois dias seguintes Frodo examinou seus papéis e seus escritos com Sam, e entregou-lhe as chaves. Havia um grande livro com capa de couro vermelha e lisa; suas páginas grandes estavam agora quase totalmente preenchidas. No inicio, havia várias folhas cobertas com a caligrafia fina e trêmula de Bilbo; mas a maioria estava escrita com a letra firme e corrida de Frodo. Estava dividido em capítulos, mas o Capítulo Oitenta estava inacabado, e depois dele havia algumas folhas em branco. A página de rosto trazia vários títulos, riscados um após o outro, assim:

 

Meu Diário. Minha Viagem Inesperada. Lá e de Volta Outra Vez. E o

Que Aconteceu Depois.

Aventuras de Cinco Hobbits. A História do Grande Anel, compilada

por Bilbo Bolseiro a partir de suas próprias observações e dos relatos de

seus amigos. O

que fizemos na Guerra do Anel.

 

        Aqui terminava a letra de Bilbo e Frodo havia escrito:

 

A QUEDA

DO

SENHOR DOS ANÉIS

EO

RETORNO DO REI

 

(segundo as Pessoas Pequenas; contendo as memórias de Bilbo e Frodo do Condado, suplementadas pelos relatos de seus amigos e pelos ensinamentos dos Sábios)

Juntamente com excertos de Livros da Tradição traduzidos por Bilbo em Valfenda.

 

— Ora, ora, o senhor praticamente terminou o livro, Sr. Frodo! — exclamou Sam. — Bem, o senhor trabalhou com afinco, devo dizer.

— Eu quase terminei, Sam — disse Frodo. — As últimas páginas são para você.

No dia vinte e um de setembro eles partiram juntos, Frodo no pônei que o trouxera desde Minas Tirith, e que agora se chamava Passolargo, e Sam em seu adorado Bill. Era uma manhã bela e dourada, e Sam não perguntou para onde iam: achava que podia adivinhar.

Pegaram a Estrada de Tronco através das colinas e foram na direção da Ponta do Bosque, e deixaram que os pôneis avançassem tranquilos. Acamparam nas Colinas Verdes, e no dia vinte e dois de setembro desceram suavemente até o inicio das árvores, enquanto a tarde terminava.

— Ora, ora, aquela não é exatamente a árvore atrás da qual o senhor se escondeu quando o Cavaleiro Negro apareceu pela primeira vez, Sr. Frodo? — disse Sam apontando para a esquerda. — Agora parece um sonho!

Já anoitecera e as estrelas estavam faiscando no céu do leste quando eles passaram pelo carvalho apodrecido, viraram-se e desceram a colina entre os arbustos de aveleiras. Sam estava quieto, perdido em recordações. De repente percebeu que Frodo estava cantando baixinho consigo mesmo, cantando a velha canção de caminhar, mas a letra não era a mesma.

 

        Talvez me espere noutra esquina

        Porta secreta ou nova sina;

        Embora sempre vão passando

        Virá enfim o dia quando

        Sendas secretas seguirei

        Sem sol, sem lua eu partirei.

 

E como que em resposta, lá debaixo, subindo a estrada que vinha do vale, vozes cantaram:

 

        A! Elbereth Gilthoniel! silivren penna minel

        o menel aglar elenath, Gilthoniel, A! Elbereth!

        Lembramos sim nós que moramos,

        Aqui distantes, na floresta, Que brilho ao

        Mar a Estrela empresta.

 

Frodo e Sam pararam e sentaram-se em silêncio na sombra fresca, até que viram uma luz fraca no momento em que os viajantes vieram na direção deles, estava Gildor e muitos outros belos elfos; para a surpresa de Sam, também vinham a cavalo Elrond e Galadriel. Elrond estava com um manto cinza e tinha uma estrela sobre a testa; trazia na mão uma harpa de prata e no dedo um anel de ouro com uma grande pedra azul, Vilya, o mais poderoso dos Três. Mas Galadriel montava um palafrêm branco e vinha toda vestida de um branco reluzente, como as nuvens em torno da lua; pois parecia que ela mesma emanava uma luz suave. Em seu dedo estava Nenya, o anel feito de mithril, que exibia uma única pedra branca faiscante como uma gélida estrela.

Avançando lentamente logo atrás, num pequeno pônei cinzento, cabeceando de sono ao que parecia, vinha Bilbo em pessoa.

Elrond os saudou com graça e gravidade, e Galadriel sorriu para eles.

— Bem, Mestre Samwise — disse ela. — Ouvi dizer e vejo agora que você usou bem o meu presente. Agora mais que nunca o Condado será abençoado e amado. — Sam se curvou, sem saber o que dizer. Esquecera-se de como a Senhora era bela.

Então Bilbo acordou e abriu os olhos.

— Olá, Frodo! disse ele. — Bem, hoje ultrapassei o Velho Túk. Então fica tudo certo. E agora acho que estou pronto para fazer uma outra viagem. Você vem?

— Sim, eu vou — disse Frodo. — Os Portadores dos Anéis devem ir juntos.

— Aonde o senhor vai, Mestre? — exclamou Sam, embora finalmente percebesse o que estava se passando.

— Para os Portos, Sam — disse Frodo.

— E eu não posso ir.

— Não, Sam. Pelo menos não por enquanto, não além dos Portos. Embora você também tenha sido um Portador do Anel, mesmo que por pouco tempo. O seu tempo pode chegar. Não fique muito triste, Sam. Você não pode sempre ficar dividido em dois. Terá de ser um e inteiro, por muitos anos. Ainda tem muito para desfrutar, para ser e para fazer.

— Mas — disse Sam, com as lágrimas brotando em seus olhos achei que o senhor também ia desfrutar o Condado, por muitos e muitos anos, depois de tudo o que fez.

— Eu também já pensei desse modo. Mas meu ferimento foi muito profundo, Sam. Tentei salvar o Condado, e ele foi salvo, mas não para mim. Muitas vezes precisa ser assim, Sam, quando as coisas correm perigo: alguém tem de desistir delas, perdê-las, para que outros possam tê-las. Mas você é meu herdeiro: tudo o que tive e poderia ter tido lhe deixo. E também você tem Rosa e Elanor; e o menino Frodo virá, e a menina Rosinha; e Merry, Cachinhos Dourados e Pippin, e talvez ainda outros mais que eu não consigo ver. Suas mãos e suas atenções serão necessárias em todo lugar. Você será o Prefeito, é claro, enquanto quiser ser, e o jardineiro mais famoso da história; e você lerá coisas no Livro Vermelho, e manterá viva a memória da era que se passou; assim as pessoas se lembrarão do Grande Perigo e amarão mais ainda sua terra querida. E isso o manterá tão ocupado e feliz quanto alguém pode estar, enquanto prosseguir a sua parte da História.

— Venha agora, cavalgue comigo!

Então Elrond e Galadriel foram-se cavalgando, pois a Terceira Era estava terminada, e os Dias dos Anéis eram passados, chegando o fim da história e das canções daquele tempo. Com eles foram muitos elfos da Alta Linhagem que não queriam mais permanecer na Terra-média; entre eles, cheios de uma tristeza que apesar disso era abençoada e sem amargura, foram Sam, Frodo e Bilbo, com os elfos felizes em prestar-lhes homenagem.

Embora tenham cavalgado através do território do Condado durante toda a noite, ninguém os viu passar, a não ser as criaturas selvagens, ou algum andarilho aqui ou acolá, que viu um brilho rápido sob as árvores, ou uma luz e uma sombra correndo pela grama á medida que a lua rumava para o oeste. E quando tinham deixado o Condado, contornando a borda sul das Colinas Brancas, chegaram às Colinas Distantes, e às Torres, e contemplaram o Mar ao longe; e assim finalmente desceram até Mithlond, para os Portos Cinzentos, no longo estuário de Lún.

Quando chegaram aos portões, Cirdan, o Armador, aproximou-se para cumprimentá-los. Era muito alto e tinha uma barba muito comprida, os cabelos grisalhos e um rosto velho, a não ser pelos olhos que eram brilhantes como as estrelas; olhou para eles e fez uma reverência, dizendo depois:

— Já está tudo pronto.

Então Cirdan os conduziu até os portos, e lá havia um navio branco ancorado; no cais, ao lado de um grande cavalo cinzento, via-se um vulto vestido todo de branco á espera deles. No momento em que o vulto se virou e veio ao encontro da comitiva, Frodo viu que Gandalf agora usava abertamente em sua mão o Terceiro Anel, Narya, o Grande, que ostentava uma pedra rubra como o fogo. Então aqueles que estavam de partida se alegraram, pois souberam que Gandalf também embarcaria no navio junto com eles.

Mas Sam agora tinha o coração triste, e a impressão de que, se a despedida seria amarga, mais amargo ainda seria o retorno solitário pela longa estrada de volta para casa. Mas no momento em que estavam lá, os elfos já embarcando, e tudo preparado para a partida, surgiram cavalgando numa grande velocidade Merry e Pippin.

E em meio às lágrimas Pippin riu.

— Você já tentou escapar de nós uma vez e fracassou, Frodo – disse ele.

— Desta vez você quase conseguiu, mas fracassou de novo. Mas agora não foi Sam quem deu com a língua nos dentes, mas o próprio Gandalf

— É sim — disse Gandalf —; pois será melhor cavalgar para casa com dois amigos do que sozinho. Bem, aqui finalmente, caros amigos, nas praias do Mar, chega o fim de nossa sociedade na Terra-média. Vão em paz! Não pedirei que não chorem, pois nem todas as lágrimas são um mal.

Então Frodo beijou Merry e Pippin, e por último Sam; depois embarcou; as velas foram içadas, o vento soprou e lentamente o navio se afastou ao longo do estuário comprido e cinzento; e a luz do frasco de Galadriel que Frodo carregava faiscou e se perdeu. E o navio avançou para o Alto Mar e prosseguiu para o oeste, até que por fim, numa noite de chuva, Frodo sentiu uma doce fragrância no ar e ouviu o som de um canto chegando pela água. E então teve a mesma impressão que tivera no sonho na casa de Bombadil; a cortina cinzenta de chuva se transformou num cristal prateado e se afastou, e Frodo avistou praias brancas e atrás delas uma terra vasta e verde sob o sol que subia depressa.

Mas para Sam, que permanecera no Porto, a noite se aprofundou na escuridão; e enquanto contemplava o mar cinzento ele via apenas uma sombra sobre as águas, que logo se perdeu no oeste. Sam continuou ali ainda um bom tempo, ouvindo apenas o suspiro e o murmúrio das ondas nas praias da Terra-média, e o som delas penetrava fundo em seu coração. Ao lado dele estavam Merry e Pippin, em silêncio.

Por fim os três companheiros se voltaram, e sem olhar para trás mais nem uma vez sequer foram lentamente em direção de casa; não trocaram palavra até chegarem de volta ao Condado, mas cada um sentia um grande consolo na companhia dos amigos, naquela longa estrada cinzenta.

Finalmente atravessaram as colinas e pegaram a Estrada Leste, e depois Merry e Pippin se dirigiram para a Terra dos Buques, e já estavam de novo cantando quando se despediram. Mas Sam tomou o caminho de Beirágua, e assim subiu outra vez a Colina, quando o dia terminava mais uma vez. E ele prosseguiu, e havia uma luz amarela, e fogo lá dentro; a refeição da noite estava pronta, como ele esperava. Rosa o recebeu, levou-o até a sua cadeira, colocando a pequena Elanor no colo do pai.

Sam respirou fundo.

— É, aqui estou de volta — disse ele.

 

ANAIS DOS REIS E GOVERNANTES

Quanto às fontes da maior parte do conteúdo dos próximos Apêndices, especialmente do A até o D, ver nota no final do Prólogo. A Seção A III, O Povo de Dúrin, origina-se provavelmente de Gimli, o anão, que manteve sua amizade com Peregrin e Meriadoc, e visitou-os muitas vezes em Gondor e em Rohan.

As lendas, histórias e estudos que se encontram nas fontes são muito extensos. Destes, apenas seleções, muitas vezes bastante resumidas, são apresentadas aqui. Seu principal propósito é esclarecer a Guerra do Anel e suas origens, e preencher várias lacunas da história principal. As antigas lendas da Primeira Era, nas quais residia o principal interesse de Bilbo, são tratadas muito brevemente, uma vez que dizem respeito aos antepassados de Elrond e aos reis e lideres númenorianos.

Excertos genuínos de anais e histórias mais longas estão colocados entre aspas. Inserções posteriores aparecem entre colchetes. As notas entre aspas podem ser encontradas nas fontes. Outras são do editor (1).

 

As datas fornecidas são as da Terceira Era, a não ser que venham acompanhadas das siglas S.E. (Segunda Era) ou Q.E. (Quarta Era).

Considera-se que a Terceira Era terminou quando os Três Anéis desapareceram em setembro de 3021 mas, para efeito dos registros de Gondor, o Ano 1 Q.E. começou no dia 25 de março de 3021. Nas listas, as datas após os nomes dos reis e governantes são as de suas mortes, se apenas uma data é fornecida. O sinal t indica uma morte prematura, em batalha ou não, embora nem sempre sejam incluídos anais sobre o evento.

 

OS REIS NÚMENORIANOS

Feanor foi o maior dos eldar no campo das artes e dos estudos, mas também O mais orgulhoso e obstinado. Foi ele quem trabalhou as Três Jóias, as Silmarill, e as encheu com o fulgor das Duas Árvores, Telperion e Laurelin (2), que davam luz à terra dos valar.

 

  1. Referências por volume e página dizem respeito a esta edição de O Senhor dos Anéis; referências a The Hobbit baseiam-se na 3ª edição inglesa, encadernada em tecido.
  2. na Terra-média não restou nenhuma imagem de Laurelin, a Dourada.

 

As Jóias eram cobiçadas por Morgoth, o Inimigo, que as roubou e, depois de destruir as Árvores, levou-as para a Terra-média e as escondeu em sua grande fortaleza de Thangorodrim3. Contra a vontade dos valar, Feanor abandonou o Reino Abençoado e exilou-se na Terra-média, conduzindo uma grande parte de seu povo, pois em seu orgulho pretendia recuperar as Jóias, tomando-as de Morgoth à força. Seguiu-se então a guerra sem esperança dos eldar e dos edain contra Thangorodrim, na qual eles foram por fim completamente derrotados. Os edain (Atani) eram três povos cujos membros eram homens que, chegando primeiro ao oeste da Terra-média e às praias do Grande Mar, tornaram-se aliados dos eldar contra o Inimigo.

Houve três uniões entre os eldar e os edain: Lúthien e Beren, Idril e Tuor, Arwen e Aragorn. Através do último reunificaram-se ramos dos meio-elfos, separados havia muito tempo, e sua linhagem foi restaurada.

Lúthien Tinúviel era filha do rei Thingol Capa-Cinzenta, de Doriath, da Primeira Era, mas sua mãe era melian, do povo dos valar.

Beren era filho de Barahir, da Primeira Casa dos edain. Juntos eles arrancaram uma silmaril da Coroa de Ferro de Morgoth4. Lúthien tornou-se mortal e os elfos a perderam. Dior era seu filho.

Elwing era filha deste, e guardou em seu poder a silmaril.

Idril Celebrindal era filha de Turgon, rei da cidade oculta de Gondolin5. Tuor era filho de Huor, da Casa de Hador, a Terceira Casa dos edain, e a mais renomada nas guerras contra Morgoth. Eãrendil era filho deles.

Eãrendil casou-se com Elwing, e com o poder da silmaril passou pelas Sombras6 e chegou ao Extremo Oeste, e falando como um embaixador tanto dos elfos como dos homens obteve a ajuda através da qual Morgoth foi derrotado. Eãrendil foi proibido de retornar para as terras mortais, e seu navio levando a silmoril zarpou pelos céus navegando como uma estrela, e como sinal de esperança para os habitantes da Terra-média, oprimidos pelo Grande Inimigo ou por seus servidores Apenas as silmarilli preservavam a antiga luz emanada pelas Duas Arvores de Valinor antes que Morgoth as envenenasse; mas as outras duas se perderam no final da Primeira Era.

Narra-se essa história completa, e muito mais a respeito de elfos e homens, no Silmarillion.

Os filhos de Eiirendil eram Elros e Elrond, os Peredhil, ou meio-elfos. Somente neles a linhagem dos heróicos lideres dos edain da Primeira Era foi preservada; da mesma forma, após a queda de Gil-galad8, a linhagem dos altos-elfos reis só ficou representada na Terra-média por seus descendentes.

No final da Primeira Era os valar impuseram uma escolha irrevogável aos meio-elfos, ou seja, eles deveriam decidir a que raça pertenceriam. Elrond escolheu ser do Povo Élfico, e transformou-se num mestre da sabedoria. Portanto, a ele foi concedida a mesma graça recebida pelos altos-elfos que ainda permaneciam na Terra-média que, quando por fim estivessem cansados das terras mortais, eles poderiam tomar um navio e partir dos Portos Cinzentos para o Extremo Oeste; essa graça perdurou depois da mudança do mundo. Mas para os filhos de Elrond também foi indicada uma escolha: passar com o pai dos círculos do mundo ou, se permanecessem, tornarem-se mortais e morrerem na Terra-média. Em consequência disso, para Elrond, todas as possibilidades da Guerra do Anel estavam carregadas de tristeza9.

Elros escolheu ser do povo dos homens e permanecer com os edain; mas foilhe concedido um grande tempo de vida, muitas vezes maior que o dos homens inferiores.

Como recompensa por seus sofrimentos na causa contra Morgoth, os valar, Guardiões do Mundo, concederam aos edain uma terra para morarem, retirada dos perigos da Terra-média. A maioria deles, portanto, cruzou o Mar, e guiados pela Estrela de Eãrendil chegaram à grande Ilha de Elenna, no extremo oeste das Terras Mortais. Ali eles fundaram o reino de Númenor.

Havia uma alta montanha no centro da ilha, chamada Meneltarma, e de seu topo os que enxergavam longe podiam divisar a torre branca do porto dos eldar em Eressea. De lá os eldar vieram para se juntar aos edain, enriquecendo-os com conhecimento e muitas dádivas; mas aos númenorianos foi imposta uma ordem, a "Interdição dos Valar": ficavam proibidos de navegar para o oeste, além do campo de visão de suas próprias praias, e também de pôr os pés nas Terras Imortais. Pois embora lhes tivesse sido concedida uma grande longevidade, no inicio três vezes maior que a dos homens inferiores, eles deviam permanecer mortais, uma vez que aos valar foi permitido tomar deles a Dádiva dos Homens (ou a Destruição dos Homens, como foi posteriormente denominada).

Elros foi o primeiro rei de Númenor, e depois ficou conhecido pelo nome meioálfico de Tar-Minyatur. Seus descendentes tiveram vida longa, mas eram mortais.

Mais tarde, quando se tornaram poderosos, lamentaram a escolha de seu ancestral, desejando a imortalidade dentro da vida do mundo, o que era destino dos eldar, e murmurando contra a Interdição. Assim começaram a rebelião que, sob o comando maligno de Sauron, culminou com a Queda de Númenor e a ruina do antigo reino, como se conta no Akallabêth.

Estes são os nomes dos reis e das rainhas de Númenor: Elros Tar-Minyatur, Vardamir, Tar-Amandil, Tar-Elendil, Tar-Meneldur, Tar-Aldarion, Tar-Ancalimé (a primeira rainha governante), Tar-Anàrion, Tar-Súrion, Tar-Telperién (a segunda rainha), Tar-Minastir, Tar-Ciryatan, Tar-Atanamir, o Grande, Tar-Ancalimon, Tar-Telemmaité, Tar-Vanimeldé (a terceira rainha), Tar-Alcarin, Tar-Calmacil.

Depois de Calmacil, os reis ocuparam o trono assumindo nomes da língua númenoriana (ou Adúnaid): Ar-Adúnakhôr, Ar-Zimrathón, Ar-Sakalthôr, Ar-Gimilzôr, Ar-Inziladûn. Inziladûn arrependeu-se dos procedimentos dos reis e mudou seu nome para Tar-Palantir, "que Enxerga Longe". Sua filha deveria ser a quarta rainha, Tar-Miriel, mas o sobrinho do rei usurpou o trono e tornou-se Ar-Pharazôn, o Dourado, último rei dos númenonanos.

Nos dias de Tar-Elendil, os primeiros navios dos númenorianos retornaram para a Terra-média. Seu primeiro descendente foi uma filha, Silmarién. O primeiro filho dela foi Valandil, o primeiro dos senhores de Andúnié, na costa oeste, famoso por sua amizade com os eldar. Dele descenderam Amandil, o último senhor, e Elendil, o Alto.

O sexto rei deixou apenas um descendente, uma filha. Ela tornou-se a primeira rainha; pois foi nessa época que se promulgou uma lei da casa real, segundo a qual o descendente mais velho do rei, fosse ele homem ou mulher, deveria assumir o trono.

O reino de Númenor perdurou até o fim da Segunda Era, sempre crescendo em poder e esplendor; e até meados dessa Era, os númenorianos cresceram também em sabedoria e felicidade. O primeiro sinal da sombra que cairia sobre eles apareceu nos dias de Tar-Minastir, décimo primeiro rei. Foi ele quem mandou um grande exército em auxilio de Gil-galad. Ele amava os eldar, mas os invejava. Os númenorianos agora tinham-se transformado em grandes marinheiros, explorando todos os mares ao leste, e começaram a desejar o oeste e as águas proibidas; quanto mais feliz era a vida deles, mais começavam a ansiar pela imortalidade dos eldar.

Além disso, depois de Minastir, os reis se tornaram ávidos por riqueza e poder. No inicio, os númenorianos tinham vindo para a Terra-média como professores e amigos dos homens inferiores afligidos por Sauron; agora seus portos haviam-se transformado em fortalezas, mantendo amplas regiões costeiras sob seu comando. Atanamir e seus sucessores cobravam altos tributos, e os navios dos númenorianos retornavam carregados de espólios.

Foi Tar-Atanamir quem primeiro falou abertamente contra a Interdição e declarou que a vida dos eldar era dele por direito. Assim a sombra se adensou, e pensar na morte fez com que o coração do povo ficasse pesado e oprimido. Então os númenonanos se dividiram: de um lado ficaram os reis e aqueles que os seguiram, indispostos com os eldar e os valar; do outro lado estavam os poucos que chamavam a si próprios de Fiéis. Estes moravam principalmente na parte oeste do Reino.

Os reis e seus seguidores pouco a pouco deixaram de usar as línguas eldarin, e por fim o vigésimo rei assumiu seu nome real na forma númenoriana, chamando-se de Ar-Adúnakhõr, "Senhor do Oeste". Esse ato pareceu de mau agouro para os Fiéis, pois até então esse titulo só fora concedido aos valar, ou ao próprio Antigo Rei10.

E de fato Ar-Adúnakhõr começou a perseguir os Fiéis e a punir aqueles que usavam abertamente as línguas élficas; os eldar cessaram de vir a Númenor.

Não obstante, o poder e a riqueza dos númenorianos continuavam a crescer; mas sua longevidade diminuía à medida que aumentava seu medo da morte, e a felicidade os abandonou. Tar-Palantir tentou reparar o mal, mas era tarde demais, e houve rebelião e contenda em Númenor. Quando ele morreu, seu sobrinho, líder da rebelião, apossou-se do trono e tornou-se Ar-Pharazôn. Ar-Pharazõn, o Dourado, foi o mais arrogante e poderoso de todos os reis, e desejava nada menos do que governar o mundo.

Ele resolveu desafiar Sauron, o Grande, pela supremacia da Terra-média, e por fim ele mesmo partiu num navio com uma grande esquadra, aportando em Umbar.

Tão grandes eram o poder e o esplendor dos númenorianos que os próprios servidores de Sauron o abandonaram; Sauron se humilhou, prestando honras e implorando perdão.

Então Ar-Pharazôn, na loucura de seu orgulho, levou-o como prisioneiro para Númenor. Não demorou muito para que Sauron enfeitiçasse o rei e se tornasse mestre de seu conselho; logo arrebatou o coração de todos os númenorianos, exceto aqueles que ainda eram Fiéis, de volta para a escuridão.

E Sauron mentiu para o rei, declarando que a vida eterna seria daquele que possuísse as Terras Imortais, e que a Interdição fora imposta apenas para evitar que os reis dos homens sobrepujassem os valar. "Mas grandes reis tomam o que lhes cabe de direito", dizia ele.

Por fim Ar-Pharazôn deu ouvidos ao seu conselho, pois sentia seus dias se esvairem e estava estupefato pelo medo da Morte. Preparou então o maior armamento que o mundo já vira, e, quando tudo estava pronto, mandou soarem as trombetas e fez-se à vela; e assim quebrou a Interdição dos valar, insurgindo-se em guerra para arrancar a vida eterna aos senhores do oeste. Mas, quando Ar-Pharâzon colocou os pés nas praias de Aman, o Reino Abençoado, os valar rejeitaram a sua função de Guardiões e invocaram o Um, e o mundo mudou. Númenor foi derrubada e engolida pelo Mar; as Terras Imortais11 foram removidas para sempre dos círculos do mundo. Assim terminou a glória de Númenor.

Os últimos líderes dos Fiéis, Elendil e seus filhos, escaparam da Queda com nove navios, levando uma muda de Nimloth, e as Sete Pedras-videntes (dádivas que receberam dos eldar)"; foram carregados nas asas de uma grande tempestade e jogados nas praias da Terra-média. Ali estabeleceram no noroeste os reinos númenorianos do exílio, Amor e Gondor12. Elendil tornou-se o Alto Rei e morava no norte, em Annúminas; o governo do sul foi entregue a seus filhos, Isildur e Anánon. Ali eles fundaram Osgiliath, entre Minas Ithil e Minas Anor13, não muito longe das fronteiras de Mordor. Acreditavam que pelo menos uma coisa boa resultara da ruína, que Sauron também perecera.

Mas não foi assim. Sauron foi realmente apanhado pela destruição de Númenor, e assim a forma corpórea na qual por tanto tempo caminhara pereceu; mas ele fugiu de volta para a Terra-média, um espírito de ódio transportado por um vento escuro. Foi incapaz de assumir outra vez uma forma que fosse agradável aos homens, mas tornou-se negro e hediondo, e seu poder depois disso só se impôs pelo terror. Ele voltou a Mordor e se escondeu lá por um tempo, em silêncio.

Mas sua ira foi grande quando ficou sabendo que Elendil, a quem mais odiava, havia escapado de suas garras, e estava agora organizando um reino nas suas fronteiras.

Portanto, depois de um tempo, ele declarou guerra contra os Exilados, antes que estes criassem raízes. Orodrnin explodiu outra vez em chamas, e em Gondor recebeu um novo nome, Amon Amarth, Montanha da Perdição. Mas Sauron atacou cedo demais, antes que seu próprio poder fosse reconstruído, enquanto o poder de Gil-galad tinha aumentado em sua ausência; e, na Ultima Aliança que foi feita contra ele, Sauron foi derrotado e o Um Anel lhe foi tomado14. Assim terminou a Segunda Era.

 

Os Reinos no Exílio

A Linhagem do Norte

Herdeiros de Isildur

 

Amor Elendil t3441 SE., Isildur t2, Valandil 24915, Eldacar 339, Arantar 435, Tarcil 515, Tarondor 602, Valandur t652, Elendur 777, Eãrendur 861.

Arthedain. Amlaith de Fornost"6 (filho mais velho de Eãrendur) 946; Beleg 1029, Maílor 1110, Celepharn 1191, Celebrindor 1272, Malvegil 134916, Argeleb 1 t1356, Arveleg 11409, Araphor 1589, Argeleb 111670, Arvegil 1743, Arveleg 111813, Araval 1891, Araphant 1964, Arvedui Ultimo Rei t1975. Fim do Reino do Norte.

Lideres. Aranarth (filho mais velho de Arvedui) 2106, Arahael 2177, Aranuir 2247, Aravir 2319, Aragorn 1 t2327, Araglas 2455, Arahad 1 2523, Aragost 2588.

Aravorn 2654, Arahad II 2719, Arassuil 2784, Arathorn 1 t2848, Argonui 2912, Arador t2930, Arathorn II t2933, Aragorn 11120 Q.E.

 

A Linhagem do Sul

Herdeiros de Anárion

 

Reis de Gondor Elendil (Isildur e) Anárion 13440 SE., Meneldil, filho de Anárion, 158, Cemendur 238, Eàrendil 324, Anardil 411, Ostoher 492, Rómendacil 1 (Tarostar) t54 1, Turambar 667, Atanatar 1 748, Siriondil 830. Aqui seguiram-se os quatro "Reis-navegantes":

Tarannon Falastur 913. Foi o primeiro rei sem prole, e quem o sucedeu foi o filho de seu irmão, Tarciryan. Eãrnil 17 t936, Ciryandil tlOlS, Hyarmendacil (Ciryaher) 1149. Gondor agora atingia o auge de seu poder.

 

  1. Ele era o quarto filho de Isildur, nascido em Imíadris. Seus irmãos foram mortos nos Campos de Lis.
  2. Após Eãrendur, os reis deixaram de assumir nomes na forma do alto-élfico.
  3. Após Malvegil, os reis de Fomost mais uma vez reivindicaram o governo de toda Amor, e assumiram nomes com o prefixo ar(a) em sinal disso.

 

Atanatar II Alcarin, 16o Glorioso", 1226, Narmacil 11294. Foi o segundo rei sem prole e quem o sucedeu foi seu irmão mais novo. Calmacil 1304, Minalcar (regente 1240-1304), coroado como Rómendacil II em 1304, morto em 1366, Valacar.

Em sua época o primeiro desastre de Gondor começou, a Contenda das Famílias.

Eldacar, filho de Valacar (primeiramente chamado Vinitharya), deposto em 1437 Castamir, o Usurpador, t 1447. Eldacar, reentronizado, morreu em 1490.

Aldamir (segundo filho de Eldacar) t 1540, Hyarmendacil II (Vinyarion) 1621, Minardil t1634, Telemnar t1636. Telenmar e todos os seus filhos pereceram na peste; foi sucedido por seu sobrinho, o filho de Minastan, segundo filho de Minardil. Tarondor 1798, Telumebtar Umbardacil 1850, Narmacil II t1856, Calimehtar 1936, Ondober t 1944. Ondober e seus dois filhos foram mortos no campo de batalha. Depois de um ano, em 1945, a coroa foi passada ao general vitorioso Eãrnil, descendente de Telumehtar Umbardacil, Eãrnil II 2043, Earnur t2050. Aqui a linhagem dos reis foi interrompida, até ser restaurada por ElessarTelcontar em 3019. O reino passou então a ser governado pelos regentes.

 

Regentes de Gondor A Casa de Húrin; Pelendur 1998. Governou por um ano depois da queda de Ondoher, e aconselhou Gondor a rejeitar a reivindicação ao trono feita por Arvedui. Vorondil, o Caçador, 202915. Mardil Voronwé, "o Constante", o primeiro dos regentes governantes. Seus sucessores deixaram de usar nomes nas formas do alto-élfico.

Regentes governantes. Mardil 2080, Eradan 2116, Herion 2148, Belegorn 2204, Húrin 1 2244, Túrin 1 2278, Hador 2395, Barahir 2412, Dior 2435, Denethor 1 2477, Boromir 2489, Cirion 2567. Nessa época os rohirrim vieram para Calenardhon.

Halías 2605, Húrin II 2628, Belecthor 1 2655, Orodreth 2685, Ecthelion 1 2698, Egalmoth 2743, Beren 2763, Beregon 2811, Belecthor II 2872, Thorondir 2882, Túrin II 2914, Turgon 2953, Echtelion II 2984, Denethor II. Foi o último dos regentes governantes, e foi sucedido por seu segundo filho Faramir, senhor de Emyn Arnen, regente do rei Elessar, 82 Q.E.

 

Eriador, Amor e os Herdeiros de Isildur

 

Eriador era antigamente o nome de todas as terras entre as Montanhas Sombrias e as Montanhas Azuis; ao sul a região fazia divisa com o rio Cinzento e o Glanduin, que deságua nele acima de Tharbad.

Em seu apogeu, Arnor incluía toda Eriador, com exceção das regiões além de e as terras a leste do rio Cinzento e do Ruidoságua, nas quais ficavam Val-fenda e Azevim.

 

  1. O gado branco selvagem que ainda se podia encontrar peno do Mar de Rhún, pelo que contam as lendas, descendia do Gado de Araw, o caçador dos valar, o único dos valar que frequentemente vinha para a Terra-média nos Dias Antigos. Oromê é o seu nome emalto-élfico.

 

Além de Lún as terras eram élficas, verdes e tranquilas, nunca visitadas por homem algum; mas os anões moravam, e ainda moram, no lado leste das Montanhas Azuis, especialmente nas regiões ao sul do golfo de Lún, onde eles têm minas ainda produtivas. Por esse motivo, eles tinham o costume de ir para o leste pela Grande Estrada, como haviam feito por longos anos, antes que chegássemos ao Condado. Nos Portos Cinzentos morava Cirdan, o Armador, e alguns dizem que ele ainda mora lá, até que o Último Navio zarpe em direção ao oeste. Nos dias dos reis, a maioria dos altos-elfos que ainda permaneciam na Terra-média moravam com Círdan ou nas regiões litorâneas de Lindon. Se alguns ainda restam atualmente, eles são poucos." O Reino do Norte e os dúnedain

Após Elendil e Isíldur houve oito altos reis de Arnor. Depois de Eãrendur, devido a dissensões entre seus filhos, o reino foi dividido em três: Arthedain, Rhudaur e Cardolan. Arthedain ficava no noroeste e incluída a região entre o Brandevin e Lún, e também as terras ao norte da Grande Estrada, até as Colinas do Vento.

Rhudaur ficava no nordeste, entre a Charneca Etten, as Colinas do Vento e as Montanhas Sombrias, mas incluia também o Ângulo entre o Fontegris e o Ruidoságua. Cardolan ficava no sul, sendo suas fronteiras o Baranduin, o rio Cinzento e a Grande Estrada.

Em Arthedain a linhagem de Isildur foi mantida e continuada, mas logo desapareceu em Cardolan e Rhudaur. Sempre havia desavenças entre os reinos, o que apressou o decréscimo dos dúnedain. O principal ponto de disputa era a possessão das Colinas do Vento e das terras a oeste, na direção de Bri. Tanto Rbudaur quanto Cardolan desejavam possuir Amon Súl (o Topo do Vento), que ficava nas fronteiras de seus reinos; pois a Torre de Amon Súl possuía o mais importante palantír do norte, e os dois outros estavam em poder de Artbedain.

"Foi no início do reinado de Malvegil de Arthedain que o mal chegou a Amor. Pois naquele tempo o reino de Angmar surgiu no norte além da Charneca Etten.

Suas terras compreendiam os dois lados das Montanhas, e ali estavam reunidos muitos homens maus, e orcs, e outras criaturas cruéis. [O Senhor daquelas terras era conhecido como o Rei dos Bruxos, mas só depois se soube que na verdade ele era o chefe dos Espectros do Anel, que vieram ao norte com o propósito de destruir os dúnedain de Amor, alimentando esperanças em sua desunião, enquanto Gondor era forte.]"

Nos dias de Argeleb, filho de Malvegil, uma vez que não restava nenhum descendente de Isildur nos outros reinos, os reis de Arthedain mais uma vez reivindicaram o poder sobre toda Amor. Rhudaur opôs-se á reivindicação. Ali os dúnedain eram poucos, e o poder fora tomado por um senhor maligno dos homens das Colinas, que tinha uma aliança secreta com Angmar. Argeleb portanto fortificou as Colinas do Vento (19), mas foi morto em combate contra Rhudaur e Angmar.

Arveleg, filho de Argeleb, com a ajuda de Cardolan e Lindon, expulsou seus inimigos das Colinas, e por muitos anos Arthedain e Cardolan mantiveram sob seu comando uma fronteira ao longo das Colinas do Vento, da Grande Estrada, e do baixo Fontegrís. Conta-se que nessa época Valfenda ficou sitiada.

Um grande exército chegou de Angmar em 1409, e atravessando o rio entrou em Cardolan, cercando o Topo do Vento. Os dúnedain foram derrotados e Arveleg foi morto. A Torre de Amon 561 foi incendiada e completamente destruída; mas o palantír foi salvo e levado de volta na retirada para Fornost; Rhudaur foi ocupada por homens maus, súditos de Angmar20, e os dúnedain que permaneceram ali foram mortos ou fugiram para o oeste. Cardolan foi saqueada. Araphor, filho de Arveleg, ainda não se tornara adulto, mas era valente, e com a ajuda de Cirdan expulsou o inimigo de Fornost e das Colinas do Norte. Alguns dos Fiéis que restaram entre os dúnedain de Cardolan também resistiram em Tyrn Gorthad (as Colinas dos Túmulos), ou procuraram refúgio na Floresta mais além.

Conta-se que Angmar ficou por um tempo controlada pelo povo élfico vindo de Lindon, e também de Valfenda, pois Elrond trouxe ajuda vindo de Lórien pelas Montanhas. Foi no tempo dele que os Grados que moravam no Ângulo (entre o Fontegris e o Ruidoságua) fugiram para o oeste e para o sul, devido às guerras e ao terror de Angmar, e também porque a região e o clima de Eriador, especialmente no leste, pioraram e se tornaram hostis. Alguns retornaram para as Terras Ermas, e passaram a morar nos Campos de Lis, transformando-se num povo ribeirinho de pescadores.

Nos dias de Argeleb II a peste chegou a Eriador pelo sudeste, e a maioria do povo de Cardolan pereceu, especialmente em Minhiriath. Os hobbits e a maioria dos outros povos sofreram muito, mas a peste abrandou à medida que foi se alastrando para o norte, e as partes setentrionais de Arthedain foram pouco afetadas. Foi nessa época que os dúnedain de Cardolan se extinguiram, e espíritos malignos de Angmar e Rhudaur invadiram os túmulos abandonados para ali morar.

"Conta-se que os túmulos de Tyrn Gorthad, como eram antigamente chamadas as Colinas dos Túmulos, são muito antigos e muitos foram construídos nos dias do mundo antigo da Primeira Era pelos antepassados dos edain, antes que atravessassem as Montanhas Azuis chegando à região de Beleriand, da qual apenas sobrevive Lindon atualmente. Portanto essas colinas foram reverenciadas pelos dúnedain após seu retorno, e ali muitos de seus senhores e reis foram enterrados.

[Dizem alguns que o túmulo no qual o Portador do Anel foi aprisionado fora o túmulo do último principe de Cardolan, que pereceu na guerra de 1409.]"

"Em 1974, o poder de Angmar cresceu de novo, e o Rei dos Bruxos desceu até Arthedain antes do final do inverno. Ele dominou Fornost, e expulsou a maioria dos dunedain restantes sobre o Lún; entre estes estavam os filhos do rei.

Mas o rei Arvediii resistiu nas Colinas do Norte o máximo possível, e depois fugiu para o norte com alguns membros de sua guarda; escaparam devido á rapidez de seus cavalos.

 

"Por um tempo Arvedui se escondeu nos túneis das antigas minas dos anões, próximas ao extremo oposto das Montanhas, mas por fim foi levado pela fome a procurar o auxílio dos lossoth, os Homens das Neves de Forochel21. Alguns destes ele encontrou acampados na praia; mas eles não se dispuseram a ajudar o rei, pois ele não tinha nada para lhes oferecer, exceto algumas jóias às quais os Homens das Neves não davam valor; e os lossoth tinham medo do Rei dos Bruxos, que (segundo eles) podia produzir gelo ou desmanchá-lo conforme bem quisesse. Mas em parte por pena do rei esquálido, e em parte por temerem suas armas, ofereceram-lhe um pouco de comida, e construiram-lhe abrigos de neve. Ali Arvedui foi forçado a aguardar, na esperança de alguma ajuda que viesse do sul, pois seus cavalos tinham perecido.

"Quando Círdan ficou sabendo por intermédio de Aranarth, filho de Arvedui, sobre a fuga do rei para o norte, imediatamente zarpou para Forochel em sua procura.

O navio por fim chegou lá após muitos dias, devido a ventos contrários, e os marinheiros viram de longe a pequena fogueira que os homens perdidos conseguiam manter acesa, alimentando-a com lenha trazida pela maré. Mas o inverno demorou para soltar suas garras naquele ano, e, embora a época fosse março, o gelo estava apenas começando a se quebrar, e se estendia mar adentro.

"Quando os Homens das Neves viram o navio, ficaram assustados e receosos, pois nunca tinham visto uma embarcação daquelas antes; mas agora tinham ficado mais amigáveis, e levaram o rei e aqueles de sua comitiva que haviam sobrevivido através do gelo em suas carroças deslizantes, até onde foi possível arriscar. Dessa forma um barco do navio pôde alcançá-los.

"Mas os Homens das Neves estavam inquietos, pois diziam que farejavam perigo no vento. E o chefe dos lossoth disse a Arvedui: — Não monte no monstro do mar!

Se as tiverem, os homens do mar poderão nos trazer comida e outras coisas de que necessitamos, e vocês podem permanecer aqui até que o Rei dos Bruxos vá para casa.

Pois no verão o poder dele míngua, mas agora seu hálito é mortal, e seu braço frio é comprido.

"Mas Arvedui não seguiu o conselho. Agradeceu ao chefe dos lossoth e na despedida deu-lhe seu anel, dizendo: — Este é um objeto que vale muito mais do que você possa imaginar. Simplesmente por ser antigo. Não tem poder algum, exceto a estima que lhe dedicam os membros de minha casa. Não vai ajudá-lo em nada, mas, se seu povo tiver qualquer necessidade, meus parentes podem resgatá-lo em troca de um grande estoque de tudo o que vocês desejarem22.

"Apesar disso, por acaso ou devido a algum poder de previsão, o conselho dos lossoth tinha valor; pois o navio ainda não tinha alcançado o alto-mar quando uma grande tempestade de vento se ergueu, e chegou do norte com uma nevasca que não permitia enxergar nada; o navio foi arrastado de volta na direção do gelo, que se empilhou ate cobri-lo por completo. Até os marinheiros de Cirdan ficaram sem ação, e durante a noite o gelo rompeu o casco, e o navio afundou.

 

  1. Este é um povo estranho e hostil, remanescente dos forodwaith, homens de tempos muito distantes, acostumados ao frio rigoroso do reino de Morgoth.

De fato, esse clima persiste ainda na região, embora se situe a pouco mais de cem léguas ao norte do Condado. Os lossoth constroem suas casas na neve, e conta-se que eles podem correr no gelo com os pés apoiados em ossos, e têm carroças sem rodas. Em sua maioria vivem, inacessíveis aos seus inimigos, no grande Cabo de Forochel, que isola a noroeste a imensa baia que leva o mesmo nome; mas eles frequentemente acampam nas praias do sul da baia, aos pés das Montanhas.

  1. Dessa forma foi salvo o anel da Casa de Isíldur, já que depois ele foi resgatado pelos dúnedain. Conta-se que era nada menos que o anel que Felagungo de Nargothrond deu a Barabir, e que Beren recuperou correndo grandes riscos.

 

Assim pereceu Arvedui Último Rei, e com ele os palantíri foram sepultados no mar23. Passou muito tempo antes que os Homens das Neves tivessem noticias do naufrágio de Forochel."

O povo do Condado sobreviveu, embora tenha sofrido as consequências da guerra, tendo a maioria da população fugido para se esconder. Enviaram em auxílio do rei alguns arqueiros que nunca retornaram; outros também foram para a batalha na qual o reino de Angmar foi derrotado (sobre a qual encontram-se mais detalhes nos anais do sul). Posteriormente, com a paz que sobreveio, o povo do Condado governou a si mesmo e prosperou. Escolheram um Thain para ocupar o lugar do rei, e ficaram satisfeitos; apesar disso, durante muito tempo muitos ainda esperavam o retorno do rei. Mas por fim essa esperança foi esquecida, permanecendo apenas na frase Quando retornar o rei, usada no sentido de algo bom que não se podia alcançar, ou de algum mal que não se pudesse corrigir. O primeiro Thain do Condado foi um tal de Bucca do Pântano, de quem os Velhobuques afirmavam descender.

Tornou-se Thain em 379 de nosso registro (1979).

 

Após Arvedui o Reino do Norte terminou, pois os dúnedain agora eram poucos e todos os povos de Eriador diminuíram. Apesar disso, a linhagem dos reis foi continuada pelos líderes dos dúnedain, dos quais Aranarth, filho de Arvedui, foi o primeiro. Arahael, seu filho, foi criado em Valfenda, assim como todos os filhos de líderes depois dele; ali também foram guardadas as heranças de sua casa: o anel de Barahir, os fragmentos de Narsil, a estrela de Elendil e o cetro de Annúminas24.

 

  1. Estas eram as Pedras de Annúminas e Amon Súl. A única pedra que restou no norte era a que estava na Torre sobre Emyn Beraid, que dá para o Golfo de Lún.

Ela foi guardada pelos elfos, e, embora nunca tenhamos sabido, permaneceu lá, até que Cirdan a colocou a bordo do navio de Elrond quando ele partiu. Mas conta-se que era diferente das outras e não estava em acordo com elas; a pedra só olhava para o mar. Elendil a colocou lá para que pudesse olhar para trás com uma "visão direta", e ver Eresséa no oeste desaparecido; mas os mares encurvados lá embaixo cobriam Númenor para sempre.

  1. Conta-nos o Rei que o cetro era o piincipal símbolo de realeza em Númenor; o mesmo acontecia em Amor, cujos reis não usavam coroa, mas traziam na testa uma única pedra, chamada Elendilnijr, Estrela de Elendil, presa por um filete de prata. Falando em uma coroa , Bilbo sem dúvida estava se referindo a Gondor; ao que parece, ele se inteirou dos assuntos concernentes á linhagem de Aragorn. Comenta-se que o cetro de Númenor desapareceu com Ar-Pharazôn. O de Annúminas era o bastão de prata dos Senhores de Andúnié, e talvez seja atualmente o mais antigo trabalho feito por homens Preservado na Terra-média. Já tinha mais de cinco mil anos quando Elrond o entregou a Aragorn. A coroa de Gondor derivou do formato de um capacete de guerra númenoriano. De fato, no inicio era apenas um elmo sem adornos; e comenta-se que foi o elmo usado por Isildur na Batalha de Dagorlad (pois o elmo de Anárion foi esmagado pela pedra desferida por Barad-dûr que o matou). Mas nos dias de Atanatar Alcarin esse elmo foi substituído por um outro adornado de jóias, que foi usado na coroação de Aragorn.

 

Quando o reino terminou, os dúnedain entraram nas sombras e transformaram-se num povo incógnito e errante, e seus feitos e trabalhos raramente eram cantados ou registrados. Atualmente pouco se lembra deles, desde que Elrond partiu. Embora seres malignos tenham começado a atacar ou invadir secretamente Eriador, antes mesmo que a Paz Vigilante terminasse, a maioria dos líderes viveu uma longa vida até atingir a velhice. Conta-se que Aragorn 1 foi morto por lobos, que depois disso continuaram a ser um perigo em Eriador, e ainda não desapareceram por completo. Nos dias de Arahad 1, os orcs, que, como se soube depois, havia muito tempo vinham ocupando em segredo fortalezas nas Montanhas Sombrias, a fim de bloquear todas as passagens que davam acesso a Eriador, de repente se revelaram.

Em 2509 Celebrían, esposa de Elrond, estava viajando para Lórien quando foi capturada no Passo do Chifre Vermelho; sua comitiva se dispersou devido ao súbito ataque dos orcs e ela foi presa e sequestrada. Elladan e Elrohir a seguiram e resgataram, porém só depois que ela fora atormentada e recebera um ferimento envenenado25. Celebrían foi trazida de volta a Imíadris, e, embora Elrond tivesse curado seu corpo, ela perdeu todo o prazer de estar na Terra-média, e no ano seguinte dirigiu-se aos Portos e atravessou o Mar. Mais tarde, nos dias de Arassuíl, os orcs, mais uma vez multiplicando-se nas Montanhas Sombrias, começaram a devastar as terras, e os dúnedain e os filhos de Elrond lutaram contra eles. Foi nessa época que um grande bando chegou ao oeste e invadiu o Condado, e foi rechaçado por Bandobras Túk.26

Houve quinze líderes antes do nascimento do décimo sexto e último deles. Aragorn II, que voltou a ser rei de Gondor e Amor. "Nós o chamamos de Nosso Rei, e quando ele vem para o norte para visitar sua casa restaurada em Annúminas, e permanece um tempo na região do lago Vesperturvo, todos no Condado ficam felizes.

Mas ele não entra nesta terra, e segue as próprias leis que criou, segundo as quais ninguém das Pessoas Grandes deve atravessar as fronteiras. Mas ele frequentemente cavalga com muita gente bonita até a Grande Ponte, e ali recebe os amigos e qualquer outra pessoa que deseje vê-lo; alguns o acompanham e hospedam-se em sua casa por quanto tempo quiserem. O Thain Peregrin já esteve lá muitas vezes, e também Mestre Samwise, o Prefeito. Sua filha, Elanor, a Bela, é uma da aias da Rainha Estrela Vespertina."

Era motivo de orgulho e admiração da Linhagem do Norte o fato de que, embora seu poder tivesse desaparecido e seu povo diminuído, através das muitas gerações a sucessão de pai para filho não fora interrompida. Além disso, embora a longevidade dos dúnedain estivesse sempre diminuindo na Terra-média, depois do desaparecimento de seus reis o decréscimo foi mais acelerado em Gondor, e muitos dos líderes do norte ainda atingiam o dobro da idade dos homens, e ultrapassavam em muitos anos mesmo os mais velhos dentre nós. De fato, Aragorn viveu até os cento e noventa anos, mais que qualquer outro de sua linhagem desde o rei Arvegíl; mas em Aragorn Elessar a dignidade dos reis de antigamente foi reconquistada.

 

Gondor e os Herdeiros de Anárion

Houve trinta e um reis em Gondor depois de Anárion, que foi morto diante de Bat-ad-dUr. Embora a guerra nunca cessasse em suas fronteiras, durante mais de mil anos os dúnedain do sul cresceram em riqueza e poder, em terra e mar, até o reinado de Atanatar II, que era chamado de Alcarin, o Glorioso.

Apesar disso, os sinais da decadência já tinham começado a aparecer; os homens nobres do sul casavam-se tarde, e tinham poucos filhos. O primeiro rei sem prole foi Falastur, e o segundo Narmacil 1, o filho de Atanatar Alcarin.

Foi Ostoher, o sétimo rei, quem reconstruiu Minas Anor, onde posteriormente os reis passaram a morar no verão, preferindo aquele local a Osgíiiath. Em sua época, Gondor foi pela primeira vez atacada pelos homens bárbaros vindos do leste. Mas Tarostar, seu filho, derrotou-os e os expulsou, assumindo o nome de Rómendacil: "Vencedor do Leste". Entretanto, ele foi morto depois numa batalha travada contra novas hordas de orientaís. Turambar, seu filho, vingou-o, e conquistou um grande território na região leste.

Com Tarannon, o décimo segundo rei, começou a linhagem dos Reis-navegantes, que construíram esquadras e estenderam o poder de Gondor ao longo da costa a oeste e ao sul da Foz do Anduin. Para comemorar suas vitórias como Capitão dos Exércitos, Tarannon assumiu a coroa com o nome de Falastur, "Senhor das Costas".

Eãrnil 1, seu sobrinho, que o sucedeu, reformou o antigo porto de Pelargír e construiu uma grande esquadra. Sitiou Umbar por terra e mar, conquistando e transformando o lugar num grande porto e numa fortaleza do poder de Gondor27. Mas Eãrnil não sobreviveu muito tempo ao próprio triunfo.

Perdeu-se, juntamente com muitos navios e homens, numa grande tempestade na costa de Umbar.

Círyandil, seu filho, continuou com a construção de navios, mas os homens de Harad, chefiados pelos senhores que haviam sido expulsos de Umbar, insurgíram-se com muita força contra aquela fortaleza, e Ciryandil caiu na batalha em Haradwaith.

Por muitos anos Umbar foi atacada, mas não podia ser tomada devido ao poder marítimo de Gondor. Ciryaher, filho de Ciryandíi, esperou a hora certa, e por fim, quando tinha reunido forças, desceu do norte por mar e por terra e, atravessando o rio Harnen, seus exércitos derrotaram completamente os homens de Harad, e seus reis foram obrigados a reconhecer a soberania de Gondor (1050).

Ciryaher assumiu então o nome de Hyarmendacil, "Vencedor do Sul".

Nenhum inimigo ousou contestar o poder de Hyarmendacíl durante o resto de seu longo reinado. Ele foi rei por cento e trinta e quatro anos, sendo o seu o segundo reinado mais longo de toda a Linhagem de Anárion.

 

  1. Tanto o grande cabo como o porto de Umbar, todo bloqueado por terras, foram propriedade númenoriana desde os Dias Antigos, mas tratava-se de uma fortaleza dos homens do Rei, que posteriormente foram chamados de númenorianos negros, corrompidos por Sauron, e que Odiavam acima de tudo os seguidores de Elendil. Depois da queda de Sauron, sua raça minguou depressa, ou misturou-se com a dos homens da Terra-média, mas eles herdaram com a mesma intensidade o ódio por Gondor. Umbar, portanto, só foi tomada a um alto custo.

 

Em sua época Gondor atingiu o apogeu de seu poder. O reino se estendeu ao norte até Celehrant e as fronteiras sudoeste da Floresta das Trevas; a oeste até o rio Cinzento; a leste abarcou o Mar Interno de Rhún; ao sul chegou até o rio Harnen, e dali prolongou-se pela costa até a peninsula e o porto de Umbar. Os homens dos Vales do Anduín reconheceram sua autoridade, e os reis de Harad prestaram honras a Gondor, e seus filhos viveram como reféns na corte do Rei. Mordor estava em abandono, mas era vigiada pela grande fortaleza que guardava as entradas.

Assim terminou a linhagem dos Reis-navegantes. Atanatar Aicarin, filho de Hyarmendacíl, viveu com grande esplendor, tanto que os homens diziam que em Gondor pedras preciosas são pedregulhos para as crianças brincarem. Mas Atanatar gostava de vida mansa e não fez nada para manter o poder que herdara, e seus dois filhos tinham temperamento semelhante. O declínio de Gondor já havia começado antes de sua morte, e sem dúvida era observado pelos inimigos. A vigilância sobre Mordor foi negligenciada. Não obstante, foi só nos dias de Valacar que o primeiro grande mal se abateu sobre Gondor: a guerra civil da Contenda das Famílias, na qual houve grande perda e destruição, que nunca foram totalmente reparadas.

Minalcar, filho de Caimacil, era um homem muito vigoroso, e em 1240 Narmacil, para se livrar de todas as suas preocupações, nomeou-o Regente. Depois disso ele governou Gondor em nome dos reis até suceder o pai. Sua maior preocupaçao eram os homens do norte.

Estes últimos tinham crescido muito durante a paz trazida pelo poder de Gondor. Os reis se mostravam favoráveis a eles, já que eram entre os homens inferiores os parentes mais próximos dos dúnedain (descendendo, em sua maioria, daqueles povos que originaram os antigos edain); a eles foram concedidas grandes extensões de terra além do Anduín, ao sul da Grande Floresta Verde, para que se constituíssem numa defesa contra os homens do leste. Isso deveu-se ao fato de que, no passado os ataques dos orientais tinham vindo principalmente através da planície que fica entre o Mar Interno e as Montanhas de Cinza.

Nos dias de Narmacil 1, os ataques começaram de novo, embora a princípio com pouca força; mas o regente ficou sabendo que os homens do norte nem sempre permaneciam fiéis a Gondor, e alguns poderiam juntar forças com os orientaís, levados pela ganância por espólios ou pelo desejo de alimentar rixas entre seus príncipes. Mínalcar, portanto, liderou em 1248 um grande exército, e entre Rhovanion e o Mar Interno derrotou uma grande força dos orientais e destruiu todos os seus acampamentos e povoados a leste do Mar. Assumiu então o nome de Rómendacil.

Ao retornar, Rómendacil fortificou a margem oeste do Anduín até a foz do Límciaro, proibindo qualquer forasteiro de descer o rio além das Emyn Muíl. Foi ele quem construiu os pilares dos Argonath e a entrada para Nen Hithoei.

Mas, já que precisava de homens e queria fortalecer os laços entre Gondor e os homens do norte, tomou a seu serviço muitos destes, dando a alguns altos postos em seus exércitos.

Rómendacíl mostrava uma preferência por Vidugavia, que o ajudara durante a guerra. Ele se autodenomínava Rei de Rhovanion, e de fato era o mais poderoso dos príncipes do norte, embora seu reino ficasse entre a Floresta Verde e o rio Celduin (28). Em 1250, Rómendacil mandou seu filho Valacar como embaixador para morar um tempo com Vidugavia e se familiarizar com a língua, os costumes e as politicas dos homens do norte. Mas Valacar excedeu em muito os desígnios de seu pai. Tornou-se um apaixonado pelas terras e pelo povo do norte, e casou-se com Vidumavi, filha de Vidugavia. Demorou alguns anos para retornar. Desse casamento originou-se depois a guerra da Contenda das Famílias.

"Pois os nobres de Gondor não viam com bons olhos a presença dos homens do norte entre eles; nunca se ouvira falar antes de um herdeiro da coroa, ou qualquer filho do rei, que se tivesse casado com alguém de uma raça inferior e estranha. Já havia rebelião nas províncias do sul quando o rei Valacar ficou velho. Sua rainha fora uma senhora bela e nobre, mas de vida curta, conforme era o destino dos homens inferiores, e os dúnedain temiam que com os seus descendentes acontecesse o mesmo e que eles perdessem a majestade dos reis dos homens. Além disso, não estavam dispostos a aceitar como seu senhor o filho dela que, apesar de agora se chamar Eldacar, nascera em terras estrangeiras e em sua infância se chamara Vinitharya, um nome do povo de sua mãe.

"Portanto, quando Eldacar sucedeu o pai, houve guerra em Gondor.

Mas não foi fácil afastar Eldacar de sua herança. A linhagem de Gondor ele acrescentara o espírito destemido dos homens do norte. Era belo e corajoso, e não mostrava sinais de envelhecer mais depressa que seu pai. Quando os aliados, chefiados pelos descendentes dos reis, insurgiram-se contra ele, opôs-se a eles até o esgotamento de suas forças. Por fim foi cercado em Osgiliath, mas resistiu por muito tempo, até que a fome e os exércitos mais numerosos dos rebeldes o expulsaram, deixando a cidade em chamas. Naquele cerco e naquele incêndio, a Torre da Cúpula de Osgiliath foi destruida, e o palatír se perdeu nas águas.

"Mas Eldacar enganou seus inimigos; veio para o norte, juntando-se aos seus parentes em Rhovaníon. Muitos ali se juntaram a ele, tanto dentre os homens do norte a serviço de Gondor quanto dentre os dúnedain das regiões setentrionais do reino. Muitos dos dúnedaín tinham aprendido a estimá-lo, e muitos outros vieram a odiar o usurpador. Este era Castamir, neto de Calimehtar, irmão mais novo de Rómendacíl II. Além de ser um dos parentes mais próximos da coroa, ele era entre os rebeldes o que tinha o maior número de seguidores, pois era o Capitão dos Navios, sendo apoiado pelo povo do litoral e dos grandes portos de Pelargir e Umbar.

"Não fazia muito tempo que Castamír fora entronizado, e já se mostrava arrogante e mesquinho. Era um homem cruel, como já demonstrara na tomada de Osgiliath.

Fez com que Ornendil, filho de Eldacar, que foi capturado, fosse morto; e a matança e a destruição perpetradas na cidade sob suas ordens em muito excederam as necessidades da guerra. Isso foi lembrado em Minas Anor e em Ithílien, onde a estima por Castamir diminuiu ainda mais quando ficou visível que ele pouco se importava com a terra, pensando apenas nas esquadras, e quando propós que o trono do rei fosse levado para Pelargir.

"Dessa forma, seu reinado contava com apenas dez anos quando Eldacar, agarrando a sua oportunidade, saiu do norte com um grande exército, e muitos outros homens de Calenardhon, Anórien e Ithilien juntaram-se a ele. Houve uma grande batalha em Lebennin e nas Travessias do Erui, na qual grande parte do melhor sangue de Gondor foi derramado.

 

  1. Rio Corrente.

 

O próprio Eldacar matou Castamir em combate vingando assim a morte de Ornendil; mas os filhos de Castamir escaparam, e com outros de sua família e muita gente das esquadras resistiram por muito tempo em Pelargir.

"Quando tinham reunido ali toda a força que conseguiram (pois Eldacar não tinha frota para atacá-los pelo mar), eles partiram em seus navios, e se estabeleceram em Umbar. Ali criaram um refúgio para todos os inimigos do rei, e um governo independente da coroa. Umbar permaneceu em guerra contra Gondor durante muitas vidas de homens, sendo uma ameaça para a sua região litorânea e para todo o tráfego marítimo. Nunca mais foi completamente dominada até os dias de Elessar; e a região de Gondor do Sul tornou-se objeto de disputa entre os Corsários e os Reis."

"Gondor lamentou a perda de Umbar, não apenas porque o reino ficou menor no sul e seu controle sobre os homens de Harad enfraqueceu, mas também porque ali Ar-Pharazôn, o Dourado, último rei de Númenor, desembarcara e humilhara o poder de Sauron. Embora grandes males tivessem acontecido posteriormente, mesmo os seguidores de Elendil lembravam com orgulho a chegada do grande exército de Ar-Pharazôn, saindo das profundezas do Mar; e no ponto mais alto do promontório que ficava acima do Porto eles tinham erguido um grande pilar branco à guisa de monumento.

Em seu topo havia um globo de cristal que captava os raios do Sol e da Lua e brilhava como uma estrela luminosa que se podia avistar, quando o tempo estava bom, mesmo da costa de Gondor ou do mar ocidental, a grande distância. O monumento permaneceu ali até que, depois da segunda ascensão de Sauron, que agora se aproximava, Umbar caiu sob a dominação de seus servidores. e o memorial da humilhação que ele sofrera foi derrubado."

Depois do retorno de Eldacar, o sangue da casa real e de outras casas dos dúnedain misturou-se mais ao sangue dos homens inferiores.

Muitos foram mortos na Contenda das Famílias, e Eldacar via com bons olhos os homens do norte, que o ajudaram a recuperar a coroa; por esses motivos, ao povo de Gondor juntou-se um grande número de gente vinda de Rhovanion.

No princípio, essa miscigenação não apressou o declínio dos dúnedain como se temera; mas mesmo assim o declínio continuou, pouco a pouco, como já acontecia antes. Pois sem dúvida sua razão era acima de tudo a própria Terra-média, além da lenta retirada das dádivas dos númenorianos após a queda da Terra da Estrela. Eldacar viveu até os duzentos e trinta e cinco anos, e foi rei por cinquenta e oito, dos quais dez foram passados no exílio.

O segundo e maior mal abateu-se sobre Gondor no reinado de Telemnar, o vigésimo sexto rei, cujo pai, Minardil, filho de Eldacar, fora morto em Pelargir pelos Corsários de Umbar (estes foram comandados por Angamaitê e Sangabyando, os bisnetos de Castamir). Logo depois uma peste mortal chegou trazida por ventos escuros do leste. O rei e todos os seus filhos morreram, assim como muita gente do povo de Gondor, especialmente os moradores de Osgiliath. Então, devido ao cansaço e à escassez de homens, a vigilância sobre as fronteiras de Mordor cessou, e as rortalezas que guardavam as entradas ficaram desguarnecidas.

Mais tarde percebeu-se que essas coisas aconteceram ao mesmo tempo em que a Sombra se adensava na Floresta Verde, e muitos seres malignos reapareceram, sinais da ascensão de Sauron. É bem verdade que os inimigos de Gondor também sofreram, caso contrário poderiam tê-la derrotado em sua fraqueza; mas Sauron podia esperar, e pode muito bem ser que a abertura de Mordor fosse o que ele mais queria.

Quando o rei Telemnar morreu, as Arvores Brancas de Minas Anor também murcharam e morreram. Mas Tarondor, seu sobrinho e sucessor, replantou uma muda na na Cidadela. Foi ele também quem transferiu a casa real definitivamente para Minas Mor, pois Osgiliath estava agora parcialmente abandonada, e começava a cair em ruínas.

Poucos dos que haviam fugido da peste para Ithilien ou para os vales do leste estavam dispostos a retornar.

Tarondor, assumindo o trono em sua juventude, teve o reinado mais longo de todos os reis de Gondor, mas pouco pode realizar além do reordenamento interno de seu reino e da lenta formação de suas forças. Mas Telumehtar, seu filho, lembrando-se da morte de Minardil, e sentindo-se incomodado pela insolência dos Corsários, que atacavam sua região costeira chegando até Anfalas, reuniu suas forças e em 1810 tomou Umbar de assalto. Nessa guerra os últimos descendentes de Castamir pereceram, e Umbar ficou outra vez sob o controle dos reis por um tempo. Telumehtar acrescentou ao seu nome o titulo de Umbardacil. Mas, com os novos males que logo se abateram sobre Gondor, Umbar foi novamente perdida, caindo nas mãos dos homens de Harad.

O terceiro mal foi a invasão dos Carroceiros, que consumiram as forças já minguadas de Gondor em guerras que duraram quase cem anos. Os Carroceiros eram um povo, ou uma confederação de muitos povos, que vinha do leste; eram mais fortes e estavam mais bem armados do que qualquer outro exército que aparecera antes.

Viajavam em grandes carroças, e seus lideres lutavam em carruagens.

Incitados pelos emissários de Sauron, como se percebeu depois, eles atacaram Gondor de súbito, corei Narmacil II foi morto num combate contra eles além do Anduin, em 1856. O povo de Rhovanion do leste e do sul foi escravizado, e as fronteiras de Gondor foram naquela época recuadas para o Anduin e as Emyn Muil (considera-se que nessa época os Espectros do Anel reentraram em Mordor).

Calimebtar, filho de Narmacil II, ajudado por uma revolta em Rhovanion, vingou seu pai com uma grande vitória sobre os orientais em Dagorlad em 1899, e por um tempo o perigo ficou afastado. Foi durante o reinado de Araphant, no norte, e de Ondoher, filho de Calimehtar, no sul, que os dois reinos passaram a fazer planos juntos, após um longo período de estranhamento e silêncio. Perceberam finalmente que um único poder e uma única vontade estavam, de vários pontos diferentes, dirigindo os ataques contra os sobreviventes de Númenor. Foi nessa época que Arvediii, herdeiro de Araphant, casou-se com Fíriel, filha de Ondoher (1940). Mas nenhum dos reinos conseguiu enviar auxílio ao outro, pois Angmar renovara seu ataque contra Arthedain ao mesmo tempo em que os Carroceiros reapareceram com grandes exércitos.

Muitos dos Carroceiros agora tinham penetrado no sul de Mordor e feito aliança com homens de Khand e Harad Próximo; e, nesse grande ataque do norte e do sul, Gondor quase chegou à ruína. Em 1944, o rei Ondober e seus dois filhos, Artamir e Faramir, caíram em batalha ao norte do Morannon, e o inimigo invadiu Itillien. Mas Eãmil, Capitão do Exército do Sul, obteve uma grande vitória em Ithílien do Sul e destruiu o exército de Harad que tinha cruzado o rio Poros.

Avançando rapidamente para o norte, ele arrebanhou todo o restante do Exército do Norte, que batia em retirada, e atacou o principal acampamento dos Carroceiros, enquanto estes se divertiam num banquete, na crença de que Gondor fora derrotada e de que nada restava para saquear. Eãrnil tomou de assalto o acampamento e ateou fogo às carroças, expulsando o inimigo de Ithilien em meio a um grande tumulto. Boa parte daqueles que fugiram de sua perseguição pereceram nos Pântanos Mortos.

"Por ocasião da morte de Ondober e seus filhos, Arvedui, do Reino do Norte, reivindicou a coroa de Gondor, como descendente direto de Isildur, e como marido de Fíriel, a única filha sobrevivente de Ondoher. A reivindicação foi rejeitada. Nisto, Pelendur, o regente do rei Ondoher, desempenhou o principal papel.

"O Conselho de Gondor respondeu: — A coroa e a realeza de Gondor pertencem unicamente aos herdeiros de Meneldil, filho de Anárion, a quem Isildur entregou este reino. Em Gondor essa herança só é considerada através de filhos homens, e não ouvimos falar que a lei em Amor seja diferente.

"A isso Arvedui respondeu: — Elendil teve dois filhos, dos quais Isildur era o mais velho e herdeiro. Sabemos que o nome de Elendil está até hoje no topo da linhagem dos reis de Gondor, já que ele foi reconhecido como alto rei de todas as terras dos dúnedain. Enquanto Elendil ainda vivia, o governo conjunto do sul ficou a cargo de seus filhos; mas, quando ele morreu, Isildur partiu para tomar posse do alto trono de seu pai, deixando o governo do sul, de forma semelhante, para o filho de seu irmão. Ele não abdicou do trono em Gondor, nem pretendia que o reino de Elendil ficasse dividido para sempre.

Além disso, na antiga Númenor, o cetro era passado ao descendente mais velho do rei, fosse homem ou mulher. É verdade que a lei não foi observada nas terras do exílio, sempre atribuladas pelas guerras; mas esta era a lei de nosso povo, à qual nos referimos agora, tendo em vista que os filhos de Ondoher morreram sem deixar prole29.

"A isso Gondor não respondeu. A coroa foi reivindicada por Eãrnil, o capitão vitorioso, e a ele foi concedida com a aprovação de todos os dúnedain de Gondor, uma vez que ele fazia parte da casa real. Era filbo de Siriondil, filho de Calimmacil, filho de Arciryas, irmão de Narmacil II. Arvedui não insistiu em sua reivindicação, pois não tinha nem poder e nem vontade de se opor á escolha dos dúnedain de Gondor; apesar disso, a reivindicação nunca foi esquecida por seus descendentes, mesmo quando seu reino já tinha desaparecido. Pois aproximava-se então a hora em que o reino do Norte chegaria ao fim.

 

  1. Essa lei foi feita em Númenor (como nos contou o Rei) quando Tar-Aldarion, o sexto rei, deixou apenas um descendente, uma filha. Ela se tornou a primeira rainha governante, TarAncalimé. Mas a lei era diferente antes de sua época. Tar-Elendil, o quarto rei, foi sucedido por seu filho Tar-Meneldur, embora sua filha Silmarien fosse a mais velha. Entretanto, foi de Silmarien que Elendil descendeu.

"Arvedui foi de fato o último rei, como diz seu próprio nome.

Conta-se que esse nome foi-lhe dado assim que nasceu por Malbeíh, o Vidente, que disse ao seu pai: — Deve chamá-lo de Arvedui, pois ele será o último em Arthedain. Contudo, uma escolha deverá ser feita pelos dúnedain, e, se eles optarem pelo que parece menos promissor, então seu filho mudará de nome e tornar-se-á rei de um grande reino. Caso contrario, muita tristeza e muitas vidas de homens se passarão até que os dúnedain se levantem e se unam outra vez.

"Em Gondor também apenas um rei sucedeu a Eãrnil. Pode ser que, se a coroa e ocetro se tivessem unido, a soberania fosse mantida e muito mal teria sido evitado.

Mas Eãrnií era um homem sábio, e não era arrogante, mesmo que, na opinião dos homens de Gondor, o reino de Arthedain parecesse uma coisa insignificante, apesar de toda a nobreza da linhagem de seus senhores.

"Ele enviou mensagens para Arvedui anunciando que recebia a coroa de Gondor, de acordo com as leis e as necessidades do Reino do Sul, "mas não me esqueço da lealdade de Amor, nem nego nosso parentesco, e também não desejo que os reinos de Elendil fiquem distantes. Enviar-lhe-ei ajuda quando for necessário, dentro de minhas possibilidades".

"Entretanto, passou-se muito tempo até que Eärnil se sentisse suficientemente seguro para realizar o que prometera. O rei Araphant continuava a se defender dos ataques de Angmar com forças cada vez mais reduzidas e Arvedui, quando o sucedeu, continuou procedendo do mesmo modo; mas finalmente, no outono de 1973, chegaram mensagens a Gondor dizendo que Arthedain estava em grandes dificuldades, e que o Rei dos Bruxos estava preparando um último golpe contra aquele reino. Então Eãrnil enviou seu filho Eãrnur para o norte com uma esquadra, o mais rápido possível, e com a maior força de que pôde dispor. Tarde demais. Antes que Eãrnur chegasse aos portos de Lindon, o Rei dos Bruxos tinha conquistado Arthedain e Arvedui tinha perecido.

"Mas quando Eãrnur chegou aos Portos Cinzentos houve grande alegria e surpresa tanto entre os elfos como entre os homens. Seus navios eram tão numerosos e de tão grande calado que foi dificil encontrar onde pudessem atracar, embora tanto o Harlond quanto o Forlond também estivessem totalmente ocupados; dos navios desembarcou um exército poderoso, com munição e provisões para uma guerra de grandes reis. Pelo menos assim pareceu ao povo do norte, embora essa fosse apenas uma pequena fração do poder de Gondor. Acima de tudo, os cavalos foram elogiados, pois muitos deles vinham dos Vales do Anduin, montados por cavaleiros altos e belos, e altivos príncipes de Rhovanion.

"Então Cirdan convocou todos os que estavam dispostos a segui-lo, de Lindon Ou de Amor, e quando tudo estava pronto o exército atravessou Lún e marchou em direção ao norte, para desafiar o Rei dos Bruxos de Angmar. Diz-se que na época este morava em Fornost, lugar que enchera de gente maligna, usurpando a casa e o governo dos reis. Em seu orgulho, ele não aguardou o ataque dos inimigos em sua fortaleza, mas saiu ao encontro deles, com a intenção de varrê-los, como já fizera com outros, para dentro do golfo de Lún.

"Mas o Exército do Oeste atacou-o saindo das Colinas do Vesperturvo, e houve uma grande batalha na planície que fica entre Nenuial e as Colinas do None As forças de Angmarjá estavam cedendo e se retirando na direção de Foruost quando o principal grupo dos cavaleiros que contornara as colinas desceu do norte, dispersando-as em meio a um grande tumulto. Então o Rei dos Bruxos, com tudo o que conseguiu reunir de sua ruína, fugiu para o norte, em busca de Angmar, sua própria terra. Antes que pudesse alcançar o abrigo de Carn Dúm, foi alcançado pela cavalaria de Gondor, liderada por Eãrnur. Ao mesmo tempo, uma força sob o comando de Glorfindel, o Senhor Élfico, saiu de Valfenda. Assim Angmar foi completamente derrotada, não restando nenhum homem ou orc daquele reino a oeste das Montanhas.

"Mas conta-se que, de repente, quando tudo estava perdido, o Rei dos Bruxos apareceu em pessoa, vestido de negro, com uma máscara preta e montado num cavalo também negro. O medo dominou todos os que o contemplaram, mas ele escolheu o Capitão de Gondor para descarregar todo o seu ódio, e com um grito terrível cavalgou direto contra ele. Earnur ter-lhe-ia feito frente, mas seu cavalo não suportou o ataque, desviou e levou-o para longe antes que Eãrnur pudesse dominá-lo.

"Então o Rei dos Bruxos riu, e ninguém que ouviu aquilo jamais esqueceu o horror daquele grito. Mas Glorfindel então avançou em seu cavalo branco, e, em meio ao seu riso, o Rei dos Bruxos virou-se e fugiu para dentro das sombras. Pois a noite caiu sobre o campo de batalha, ele desapareceu, e ninguém viu para onde foi.

"Nesse momento Fârnur retornou cavalgando; mas Glorfindel, olhando em direção á escuridão que se adensava, disse: — Não o persigam!

Ele não retornará para esta terra. Muito distante ainda está sua destruição, e ele não cairá pela mão de um homem. Essas palavras muitos guardaram na memória; mas Eãrnur estava zangado, desejando apenas vingar sua desgraça.

"Assim terminou o reino maligno de Angmar, e dessa forma Eãrnur, Capitão de Gondor, atraiu sobre si o mais intenso ódio do Rei dos Bruxos; mas muitos anos ainda se passariam antes que isso fosse revelado."

Foi assim que, durante o reinado do rei Fârnil, como posteriormente ficou claro, o Rei dos Bruxos, escapando do norte, foi para Mordor, e lá reuniu os outros Espectros do Anel, de quem era o líder. Mas foi só em 2000 que eles saíram de Mordor pela Passagem de Cirith Ungol e fecharam cerco sobre Minas Ithil, que tomaram em 2002, roubando da torre o palantir. Não foram expulsos enquanto durou a Terceira Era; Minas Ithil transformou-se num lugar de terror e ganhou um novo nome, Minas Morgul. Grande parte das pessoas que ainda permaneciam em Ithilien abandonaram o lugar.

Eärnur parecia-se com o pai na coragem, mas não na sabedoria. Era um homem de corpo vigoroso e sangue quente; mas não queria se casar, pois seu único prazer residia na luta, ou no exercício com armas. Sua destreza era tanta que ninguém em Gondor podia fazer-lhe frente naqueles esportes de armas com os quais ele se deliciava, mais parecendo um campeão do que um capitão ou rei, e conservando seu vigor e habilidade até uma idade mais avançada do que era normal na época.

Quando Eärnur recebeu a coroa em 2043, o rei de Minas Morgul o desafiou para um combate homem a homem, escarnecendo-se dele, dizendo que Eärnur não ousara fazer-lhe frente em batalha no norte. Daquela vez Mardil, o Regente, conteve a ira do rei. Minas Anor, que se tornara a principal cidade do reino desde os dias do rei Teleniflar, sendo a residência dos reis, recebeu então um novo nome, Minas Tiritll, como a cidade sempre alerta contra o mal de Morgul.

Eärnur detivera a coroa por apenas sete anos quando o Senhor de Morgul repetiu seu desafio, caçoando do rei e dizendo que ao coração fraco de sua juventude de ele agora acrescentara a fraqueza da idade. Então Mardil não pôde mais contê-lo, e Eärnur cavalgou com uma pequena comitiva de cavaleiros até o portão de Minas Morgul. Jamais se ouviu falar outra vez de alguém daquela comitiva.

Acreditou-se em Gondor que o traiçoeiro inimigo prendera o rei, e que ele tinha morrido sofrendo torturas em Minas Morgul; mas, uma vez que não havia testemunhas de sua morte, Mardil, o Bom Regente, governou Gondor em seu nome por muitos anos.

Agora os descendentes dos reis tinham rareado. Seu número diminuira muito durante a Contenda das Famílias visto que, desde aquela época, os reis se haviam tornado ciumentos e vigiavam de perto os parentes próximos.

Frequentemente aqueles sobre quem recaiu alguma suspeita fugiram para Umbar e ali se juntaram aos rebeldes, enquanto outros haviam renunciado à sua linhagem, casando-se com mulheres que não tinham sangue númenoriano.

Foi assim que não se encontrou nenhum pretendente à coroa que fosse de pura estirpe, ou cuja reivindicação todos aceitassem; além disso, todos temiam a lembrança da Contenda das Famílias, sabendo que, se uma dissensão desse tipo acontecesse de novo, certamente Gondor pereceria. Portanto, embora os anos se alongassem, o regente continuou a governar Gondor, e a coroa de Elendil ficou jazendo no colo do rei Eärnil nas Casas dos Mortos, onde Eãrnur a deixara.

 

Os regentes

A Casa dos Regentes se chamava Casa de Húrin, pois eles descendiam do regente do rei Minardil (1621-34), Húrin de Emyn Arnen, um homem de nobre estirpe númenoriana.

Depois de sua época, os reis sempre escolheram seus regentes entre os descendentes dele, e após a época de Pelendur a regência tornou-se hereditária como a realeza, passando de pai para filho ou para o parente mais próximo.

De fato, cada novo regente assumia seu posto prestando o juramento de "segurar o bastão e governar em nome do rei, até o seu retorno". Mas logo essas palavras passaram a ter um sentido apenas ritual, e pouca atenção se dava a elas, pois Os regentes exerciam todo o poder dos reis. Apesar disso, muitos em Gondor acreditavam que um rei realmente voltaria em alguma época futura, e alguns relembravam a antiga linhagem do norte, que, pelo que se dizia, ainda continuava a viver nas sombras.

Mas contra tais pensamentos os regentes governantes fechavam seus corações.

Não obstante, os regentes nunca tomaram assento no antigo trono, e não usavam coroa ou cetro. Tinham um bastão branco apenas como símbolo de seu posto; sua bandeira era branca e sem insígnias, ao passo que a bandeira real fora sable, exibindo uma árvore branca em flor sob sete estrelas.

Após Mardil Voronwë, que foi reconhecido como o primeiro da linhagem sucederam-se vinte e quatro regentes governantes em Gondor, até a época de Denethor II, o vigésimo sexto e último. Os primeiros tempos foram tranquilos, Pois aqueles eram os dias da Paz Vigilante, durante a qual Sauron recuou ante o Poder do Conselho Branco, e os Espectros do Anel permaneceram escondidos no Vale Morgul.

Mas, a partir da época de Denethor I, a paz nunca mais reinou completamente, e, mesmo quando em Gondor não havia grande ou declarada guerra, suas fronteiras estavam sob ameaça constante.

Nos últimos anos de Denethor 1, a raça dos uruks, orcs negros de grande força, pela primeira vez apareceu, vinda de Mordor, e em 2475 eles atravessaram Ithilien e tomaram Osgiliath. Boromir, filho de Denethor (cujo nome seria dado mais tarde a Boromir dos Nove Caminhantes), derrotou-os e reconquistou Ithilien; mas no fim Osgiliath ficou arruinada, e sua grande ponte de pedra foi destruida.

Depois disso ninguém morou lá. Boromir foi um grande capitão, temido até mesmo pelo Rei dos Bruxos. Era nobre e de rosto belo, um homem de corpo e vontade fortes, mas sofreu um ferimento de Morgul naquela guerra, e isso encurtou sua vida; ficou mirrado pela dor e morreu doze anos após o pai.

Depois dele veio o longo dominio de Cirion. Esse regente era vigilante e cauteloso, mas o poderio de Gondor diminuira, e a ele restava pouco mais do que defender suas fronteiras, enquanto seus inimigos (ou o poder que os movia) preparavam golpes que ele não podia evitar. Os Corsários saquearam seu litoral, mas era no norte que residia o maior perigo. Nas amplas terras de Rhovanion, entre a Floresta das Trevas e o rio Corrente, agora morava um povo cruel, totalmente dominado pela sombra de Doí Guldur. Frequentemente eles atacavam pela floresta, até que o vale do Anduin ao sul do Rio de Lis ficou em grande parte abandonado. A esses balchoth somavam-se constantemente outros, de raças semelhantes, que chegavam do leste, enquanto o povo de Calenardhon diminuía. Cirion teve de esforçar-se ao máximo para manter a fronteira do Anduin.

"Prevendo o ataque, Cirion pediu auxílio ao norte, mas foi tarde demais; naquele ano (2510), os balchoth, tendo construído muitos navios e jangadas grandes nas margens orientais do Anduin, atacaram maciçamente pelo rio e dispersaram os defensores. Um exército que subia do sul foi interceptado e empurrado para o norte pelo Limclaro, e ali foi subitamente atacado por uma horda de orcs das Montanhas e forçado a retirar-se na direção do Anduin. Então do norte chegou uma ajuda quando já não restava qualquer esperança, e as cornetas dos rohirrim se fizeram ouvir pela primeira vez em Gondor. Eorl, o Jovem, veio com seus cavaleiros e expulsou o inimigo, perseguindo os balchoth até a morte através dos campos de Calenardhon. Cirion concedeu que Eorl morasse naquela região, e este prestou a Cirion o Juramento de Eorl, garantindo assisténcia aos senhores de Gondor em casos de necessidade ou de solicitação."

Nos dias de Beren, o décimo nono regente, um perigo ainda maior abateu-se sobre Gondor. Três grandes frotas, preparadas por longo tempo, vieram de Umbar e de Harad, e atacaram as costas de Gondor com muita violência; o inimigo desembarcou em vários lugares, chegando a alcançar ao norte a foz do Isen. Ao mesmo tempo, os rohirrim foram atacados pelo leste e pelo oeste, sua terra foi devastada e o povo foi forçado a se refugiar nos vales das Montanhas Brancas. Naquele ano o Inverno Longo começou com frio e grandes nevascas vindas do norte e do leste, prolongando-se por quase cinco meses. Helm de Rohan e seus dois filhos pereceram naquela guerra; houve miséria e morte tanto em Eriador como em Rohan.

Mas em Gondor, ao sul das montanhas, as coisas não correram tão mal, e antes da chegada da primavera Beregond, filho de Beren, tinha derrotado os invasores. Imediatamente enviou auxílio a Rohan. Ele foi o maior capitão que surgiu em Gondor depois de Boromir; quando sucedeu o pai (2763), Gondor começou a recuperar suas forças. Mas Rohan demorou mais para se refazer dos ferimentos que sofrera. Foi por esse motivo que Beren recebeu Saruman e entregou-lhe as chaves de Orthanc; a partir daquele ano (2759), Saruman passou a morar em Isengard.

Foi na época de Beregond que a Guerra entre anões e orcs foi travada nas Montanhas Sombrias (2793-9), da qual apenas rumores chegaram ao sul, até que os orcs, fugindo de Nanduhirion, tentaram atravessar Rohan e se estabelecer nas Montanhas Brancas. Houve luta por muitos anos nos vales antes que o perigo terminasse.

Quando morreu Belecthor II, o vigésimo primeiro regente, a Árvore Branca também morreu em Minas Tirith, mas foi deixada de pé "até o retorno do rei", pois não se conseguiu achar uma muda.

Nos dias de Túrin II, os inimigos de Gondor começaram a se mover novamente; Sauron crescera de novo em poder e o dia de seu levante se aproximava. Todo o povo de Ithilien, com exceção dos mais corajosos, abandonou a região e estabeleceu-se no oeste, do outro lado do Anduin, pois a região estava infestada de orcs de Mordor. Foi Túrin quem construiu para seus soldados refúgios secretos em Ithilien, dos quais Henneth Annún foi o mais guarnecido e o que ficou por maior tempo protegido.

Ele também fortificou outra vez a ilha de Cair Andros30 para defender Anórien. Mas seu maior perigo residia no sul, onde os haradrim tinham ocupado Gondor do Sul, e houve muita luta ao longo do Poros. Quando Ithilien foi invadida por grandes exércitos, o rei Folcwine de Rohan cumpriu o Juramento de Eorl e pagou sua dívida pela ajuda trazida por Beregond, enviando muitos homens a Gondor. Com seu auxílio, Gondor teve uma vitória no cruzamento do Poros; mas ambos os filhos de Folcwine morreram em combate.

Os Cavaleiros os enterraram à moda de seu povo, e eles foram colocados em um único túmulo, pois eram irmãos gêmeos. Por muito tempo ali permaneceu o túmulo, Haudh in Gwanur, erguendo-se sobre a margem do rio, e os inimigos de Gondor temiam passar por ele.

Turgon sucedeu Túrin, mas de sua época lembra-se principalmente que, dois anos antes de sua morte, Sauron levantou-se outra vez, declarando-se abertamente; adentrou outra vez em Mordor, longamente preparada para ele. Então Barad-dúr foi erguida mais uma vez, e a Montanha da Perdição explodiu em chamas; o restante do Povo de Ithilien fugiu para longe. Quando Turgon morreu, Saruman tomou Isengard Como propriedade sua, e a fortificou.

 

  1. Esse nome significa Navio da Espuma Longa, pois a ilha tinha o formato de um grande navio com uma proa alta apontando para o norte, contra a qual a espuma branca do Anduin se quebrava sobre rochas pontiagudas.

 

"Ecthelion II, filho de Turgon, era um homem de sabedoria. Com o poder que lhe restava, começou a fortalecer seu reino contra o ataque de Mordor. Encorajou todos os homens de valor, de perto ou de longe, a entrarem para seu exército, e àqueles que provaram ser dignos de confiança garantiu posição e recompensa. Em grande parte do que realizou teve a ajuda de um grande capitão, a quem estimava acima de todos. Chamavam-no Thorongil, Águia da Estrela, pois ele era rápido e tinha olhos sagazes, e usava uma estrela de prata sobre a capa. Mas ninguém sabia seu nome verdadeiro, nem onde nascera. Para encontrar-se com Ecthelion veio de Rohan, onde servira ao rei Thengel, mas não era um dos rohirrim. Era um grande líder de homens, por terra e por mar, mas partiu para as sombras de onde viera, antes que os dias de Ecthelion tivessem findado.

"Thorongil frequentemente aconselhava Ecthelion, dizendo que o exército dos rebeldes de Umbar representava grande perigo para Gondor, e uma ameaça que poderia ser mortal para os feudos do sul, se Sauron partisse para a guerra declarada. Finalmente obteve permissão do regente e reuniu uma pequena esquadra, e deslocou-se para Umbar inesperadamente durante a noite, e lá incendiou grande parte dos navios dos Corsários. Ele mesmo derrotou o Capitão do Porto numa batalha travada no cais, e em seguida sua frota bateu em retirada com poucas perdas. Mas quando retornou a Pelargir, para a tristeza e o espanto dos homens, recusou-se a voltar para Minas Tirith, onde grandes homenagens o aguardavam.

"Enviou uma mensagem de adeus a Ecthelion, dizendo: — Outras tarefas me chamam, senhor, e muito tempo e muitos perigos deverão passar antes que eu volte outra vez para Gondor, se esse for o meu destino. — Embora ninguém pudesse imaginar quais tarefas seriam essas, nem que chamado ele recebera, sabia-se para onde fora. Pois ele tomou um barco e atravessou o Anduin, dizendo ali adeus aos seus companheiros; prosseguiu sozinho, e quando foi visto pela última vez seu rosto olhava na direção das Montanhas da Sombra.

Houve consternação na Cidade pela partida de Thorongil, considerada por todos uma grande perda; menos para Denethor, filho de Ecthelion, um homem agora maduro para a regência, na qual sucedeu o pai por ocasião de sua morte, quatro anos depois.

"Denethor II era um homem orgulhoso, alto, valente, e mais majestoso que qualquer outro homem que aparecera em Gondor por muitas vidas de homens; também era sábio, enxergava longe, além de ser versado nas tradições. De fato era semelhante a Thorongil como se fosse um parente próximo, e apesar disso sempre ficava em posição inferior ao estranho nos corações dos homens e na estima de seu pai. Na época muitos pensaram que Thorongil tinha partido antes que seu rival se tornasse senhor, embora o próprio Thorongil jamais tivesse competido com Denethor, nem se considerasse algo mais que um servidor de seu pai. E em um ponto apenas os dois aconselhavam o regente de maneira diversa: Thorongil frequentemente advertia Ecthelion a não depositar confiança em Saruman, o Branco, de Isengard, mas em vez disso preferir os conselhos de Gandalf, o Cinzento. Mas havia pouca amizade entre Denethor e Gandalf depois da época de Ecthelion, o Peregrino Cinzento era menos bem-vindo em Minas Tirith. Portanto, mais tarde, quando tudo ficou claro, muitos acreditaram que Denethor, que tinha uma mente mais perspicaz e enxergava mais longe que os homens de seu tempo, descobrira quem na verdade era aquele forasteiro de nome Thorongil, e suspeitara que ele e Mithrandir pretendiam suplantá-lo.

"Quando Denethor tornou-se regente (2984), mostrou-se um governante dominador, tomando para si o controle de todas as coisas.

Falava pouco. Ouvia conselhos e depois seguia sua própria cabeça. Casara-se tarde (2976), tomando como esposa Finduilas, filha de Adrahil, de Doí Amroth. Ela era uma senhora de grande beleza e coração bondoso, mas faleceu antes que se tivessem passado doze anos.

Denethor a amava, á sua maneira, mais que qualquer outra pessoa, exceto, talvez, pelo mais velho dos dois filhos que ela lhe dera. Mas tinha-se a impressão de que ela murchava na cidade guardada, como uma flor que, nascida nos vales próximos ao mar, é transplantada para um rochedo árido. A sombra do leste a enchia de terror, e ela sempre voltava seus olhos para o sul, na direção do saudoso mar.

"Depois da morte da esposa, Denethor tornou-se mais austero e calado do que antes, e ficava sentado sozinho em sua torre por muito tempo, perdido em pensamentos, prevendo que o ataque de Mordor viria durante sua regência.

Posteriormente acreditou-se que, precisando de conhecimento, mas sendo orgulhoso e confiando em sua própria força de vontade, ele ousou olhar no palantir da Torre Branca. Nenhum dos regentes ousara fazer tal coisa, nem mesmo os reis Farnil e Eãrnur, após a queda de Minas Ithil, quando o palantír de Isildur caiu nas mãos do Inimigo; pois a Pedra de Minas Tirith era o palantír de Anárion, o que mais se acordava com aquele que Sauron possuia.

"Foi dessa forma que Denethor adquiriu seu grande conhecimento sobre as coisas que se passavam em seu reino, e muito além de suas fronteiras, o que causava o espanto dos homens; mas pagara um alto preço por esse conhecimento, ficando velho antes do tempo, devido à sua disputa com a vontade de Sauron. Assim o orgulho cresceu em Denethor junto com o desespero, até que ele viu em todos os feitos de sua época apenas um combate homem a homem entre o Senhor da Torre Branca e o Senhor de Barad-dúr, e passou a desconfiar de todos os outros que resistiam a Sauron, a não ser que servissem unicamente a ele próprio.

"Assim foi-se aproximando a época da Guerra do Anel, e os filhos de Denethor tornaram-se adultos. Boromir cinco anos mais velho, amado por seu pai, era parecido com ele nas feições e no orgulho, mas em pouca coisa mais. Pelo contrário, era um homem que se assemelhava ao rei Eãrnur de antigamente, recusando-se a se casar e divertindo-se principalmente com armas; forte e destemido, preocupava-se pouco com os estudos da tradição, exceto as histórias de antigas batalhas. Faramir, o mais novo, tinha uma aparência semelhante á do irmão, mas uma mente diferente. Decifrava os corações dos homens com a mesma perspicácia do pai, mas o que lia lhe causava antes pena do que desprezo. Tinha modos gentis e era um amante da tradição e da música; portanto, muitos daquela época o julgavam menos corajoso que o irmão.

Mas isso não era verdade, a não ser pelo fato de que ele não buscava glória no perigo sem razão de ser. Acolheu Gandalf todas as vezes em que este visitou a Cidade, e aprendeu tudo o que pôde da sabedoria do mago; nesse e em muitos outros pontos desagradou a seu pai.

"Apesar disso, entre os irmãos havia um grande amor, como sempre acontecera desde a infancia, quando Boromir ajudava e protegia Faramir.

Nenhum ciúme e nenhuma rivalidade surgira entre os dois desde aquela época, pela preferência do pai ou pelo elogio dos homens. Faramir não achava possível que qualquer um em Gondor conseguisse rivalizar com Boromir, herdeiro de Denethor, Capitão da Torre Branca, e Boromir pensava do mesmo modo. No entanto, o teste provou o contrário. Mas sobre tudo o que aconteceu aos três na Guerra do Anel muito se conta em outro lugar. E depois da Guerra os dias dos regentes governantes chegaram ao fim, pois o herdeiro de Isildur e Anárion retornou, o governo dos reis foi restabelecido, e a bandeira da Árvore Branca foi mais uma vez desfraldada sobre a Torre de Ecthelion."

 

Aqui Segue-se uma Parte da História

de Aragorn e Arwen

"Arador era o avô do rei. Seu filho Arathorn pediu em casamento Gilraen, a Bela, filha de Dírhael, que por sua vez era um descendente de Aranarth. A esse casamento Dírhael se opunha, pois Gilraen era jovem e ainda não atingira a idade na qual as mulheres dos dúnedain estavam acostumadas a se casar.

Além do mais — dizia ele —, Arathorn é um homem austero e já adulto, e será líder antes do que se espera; apesar disso, meu coração pressente que sua vida será curta.

"Mas Ivorwen, sua esposa, que também tinha poderes de previsão, respondeu: — Maior razão para a pressa! Os dias estão ficando escuros e trazem a tempestade, e grandes coisas acontecerão. Se esses dois se casarem agora, pode ser que a esperança nasça para o nosso povo; mas, se demorarem, a esperança não virá enquanto durar esta era.

"E aconteceu que, apenas um ano após o casamento de Arathorn e Gilrean, Arador foi capturado e morto por trolls das colinas nos Morros Frios, ao norte de Valfenda; Arathorn portanto tornou-se líder dos dúnedain. No ano seguinte Gilraen lhe deu um filho, a quem foi dado o nome de Aragorn. Mas Aragorn tinha apenas dois anos quando Arathorn saiu cavalgando num ataque contra os orcs, acompanhado dos filhos de Elrond, e foi abatido por uma flecha-orc que lhe perfurou o olho, e dessa forma ele realmente viveu pouco para alguém de sua raça, tendo apenas sessenta anos quando tombou.

"Então Aragorn, sendo agora o herdeiro de Isildur, foi levado com a mãe para morar na casa de Elrond, que assumiu o lugar de seu pai e veio a amá-lo como se fosse seu próprio filho. Mas ele era chamado de Estel, que significa "Esperança", e seu verdadeiro nome e linhagem foram guardados em segredo por ordem de Elrond; os Sábios sabiam que o Inimigo estava procurando descobrir quem era o Herdeiro de Isildur, caso restasse algum na terra.

"Mas, quando Estel tinha apenas vinte anos de idade, aconteceu que um dia retornava a Valfenda depois de ter realizado grandes feitos na companhia dos filhos de Elrond; Elrond olhou para ele e ficou satisfeito, pois viu que era belo e nobre, e precocemente atingiria a idade adulta, embora ainda fosse crescer no corpo e na mente. Naquele dia, portanto, Elrond o chamou por seu verdadeiro nome, e revelou-lhe quem era, e o nome de seu pai; entregou-lhe então os legados de sua casa.

— Aqui está o anel de Barahir — disse ele —, o sinal de nosso antigo parentesco; e aqui também estão os fragmentos de Narsil. Com eles você ainda poderá realizar grandes feitos, pois eu prevejo que sua vida será mais longa que a da maioria dos homens, a não ser que o mal o acometa ou que você falhe no teste. Mas o teste será longo e dificil. O Cetro de Annúminas eu reterei, pois você ainda deve fazer por merecê-lo.

"No dia seguinte, na hora do pôr-do-sol, Aragorn caminhava sozinho na floresta; seu coração estava leve e ele cantava, pois sentia-se cheio de esperanças e o mundo era belo. E de repente, no momento em que cantava, viu uma donzela caminhando num gramado por entre os troncos brancos das bétulas; parou então assustado, pensando que se tinha perdido num sonho, ou então que recebera a dádiva dos menestréis-élficos, capazes de fazer com que as coisas por eles cantadas apareçam diante dos olhos de quem os escuta.

"Na verdade Aragorn estivera cantando uma parte da Balada de Lúthien, que conta sobre o encontro de Lúthien e Beren na Floresta de Neldoreth. E eis que Lúthien estava ali, caminhando diante de seus olhos em Valfenda, vestindo um manto prata e azul, bela como o crepúsculo em Casadelfos; seus cabelos escuros esvoaçavam num vento repentino, e sua fronte estava cingida com pedras que pareciam estrelas.

"Por um momento Aragorn observou em silêncio, mas, temendo que ela fugisse e nunca mais aparecesse, chamou-a, gritando, Tinúviel, Tinúviel!, da mesma forma que Beren fizera nos Dias Antigos, muito tempo atrás.

"Então a donzela virou-se para ele e sorriu, dizendo: — Quem é você? E por que me chama por esse nome?

"E ele respondeu: — Porque achei que você fosse realmente Lúthien Tinúviel, sobre quem eu estava cantando. Mas, se você não for ela, então você caminha na imagem dela.

Muitos já disseram isso — respondeu ela num tom grave. — Mas o nome dela não é o meu. Embora talvez nossos destinos não sejam diferentes. Mas quem é você?

— Estel era meu nome — disse ele —, mas sou Aragorn, filho de Arathorn, Herdeiro de Isildur, Senhor dos Dúnedain. — Mas no momento em que falava ele sentiu que sua alta linhagem, que lhe trouxera alegria ao coração, valia agora pouca coisa, e não era nada em comparação á dignidade e beleza dela.

"Mas ela riu com alegria, e disse: — Então somos parentes distantes. Pois eu sou Arwen, filha de Elrond, e também me chamo Undómiel.

— Frequentemente se observa — disse Aragorn — que em tempos perigosos os homens escondem seu principal tesouro. Mas mesmo assim surpreendo-me com Elrond e com seus irmãos, pois, embora tenha vivido nesta casa desde a infancia, nunca ouvi falar de você. Como será que nunca nos encontramos antes? Com certeza seu pai não a trancou junto com seu tesouro?

— Não — disse ela, erguendo os olhos para as Montanhas que assomavam no leste. — Morei um tempo na terra dos parentes de minha mãe, em Lothlórien. Faz pouco tempo que retornei para visitar meu pai outra vez. Já faz muitos anos que não caminho em Imíadris.

"Então Aragorn ficou surpreso, pois ela não parecia mais velha do que ele, que por sua vez ainda não vivera muito mais que vinte anos na Terra-média. Mas Arwen olhou em seus olhos e disse: — Não fique admirado! Os filhos de Elrond têm a vida dos eldar.

"Então Aragorn ficou consternado, pois viu nos olhos dela a luz élfica e a sabedoria de muitos dias; mas daquela hora em diante amou Arwen Undómiel, filha de Elrond.

"Nos dias que se seguiram, Aragorn ficou calado, e sua mãe percebeu que algo estranho lhe acontecera; por fim ele cedeu às perguntas dela e contou-lhe sobre o encontro na meia-luz do bosque.

Meu filho — disse Gilraen —, sua ambição é grande, mesmo para um descendente de muitos reis. Pois esta senhora é a mais bela e a mais nobre que agora pisa sobre a terra. E não é adequado que os mortais se casem com alguém do povo élfico.

Mesmo assim, nós temos algum parentesco — disse Aragorn —, se for verdadeira a história que me foi contada sobre meus antepassados.

— É verdade — disse Gilraen — mas isso foi há muito tempo e numa outra era deste mundo, antes que nossa raça fosse diminuída.

Portanto sinto-me receosa, pois sem a boa vontade do mestre Elrond os herdeiros de Isildur logo chegarão ao fim. Mas não julgo que você consiga a boa vontade de Elrond nesse assunto.

— Então amargos serão meus dias, e eu caminharei nas terras ermas sozinho disse Aragorn.

— Esse realmente será o seu destino — disse Gilraen, mas, embora ela tivesse um pouco do poder de previsão de seu povo, não lhe disse mais nada sobre o seu pressentimento, nem comentou com ninguém sobre o que o filho lhe dissera.

Mas Elrond via muitas coisas e decifrava muitos corações. Um dia, antes do final do ano, ele chamou Aragorn ao seu aposento e disse: — Aragorn, filho de Arathorn, Senhor dos Dúnedain, ouça-me! Um grande destino o aguarda: elevar-se acima de todos os seus antepassados desde os dias de Elendil, ou então cair na escuridão com tudo o que resta de sua estirpe. Muitos anos de provações estendem-se diante de você. Você não deve ter uma esposa, nem assumir compromisso com qualquer mulher, até que seu tempo chegue e que você seja considerado digno disso.

"Então Aragorn ficou perturbado, e disse: — Será que minha mãe mencionou algo sobre esse assunto?

— Não, não mencionou nada — disse Elrond. — Seus próprios olhos o traíram. Mas não estou falando apenas de minha filha. Você ainda não deve comprometerse com a filha de homem algum. Mas quanto a Arwen, a Bela, Senhora de Imíadris e de Lórien, Estrela Vespertina de seu povo, ela é de uma linhagem superior á sua, e já viveu neste mundo tanto tempo que para ela você não passa de um tenro broto ao lado de uma bétula jovem de muitos verões. Ela está muito acima de você. E também acho provável que ela pense assim. Mas mesmo se não fosse o caso, e o coração dela se voltasse na direção do seu, eu ainda me sentiria triste por causa do destino que nos foi imposto.

"Que destino é esse? — perguntou Aragorn.

— Que, enquanto eu permanecer aqui, ela viverá com a juventude dos eldar — i.espondeu Elrond —, e quando eu partir ela irá comigo, se assim escolher.

— Estou vendo — disse Aragorn — que fixei meus olhos num tesouro não menos precioso que o de Thingol, desejado outrora por Beren. Este é meu destino.

— Então, de súbito, o poder de previsão de seu povo aflorou-lhe na mente, e ele disse: — Mas veja, mestre Elrond! Os anos de sua permanência estão chegando ao fim, e a escolha logo deverá ser imposta aos seus filhos, a escolha de se separarem ou do senhor ou da Terra-média.

— É verdade — disse Elrond. — Logo, pelos nossos cálculos, embora muitos anos dos homens ainda devam se passar. Mas não haverá escolha para Arwen, minha amada filha, a não ser que você, Aragorn, filho de Arathorn, se coloque entre nós e faça com que um de nós dois, você ou eu, sofra uma separação amarga, que ultrapassará o fim do mundo. Você ainda não compreende o que deseja de mim. — Elrond suspirou e depois de um tempo, olhando gravemente para o jovem, disse outra vez: — Os anos trarão o que devem trazer. Não vamos falar mais nisso até que muitos se tenham passado. Os dias estão escurecendo, e muito está por vir.

"Então Aragorn despediu-se carinhosamente de Elrond, e no dia seguinte disse adeus à mãe, e ás pessoas da casa de Elrond e a Arwcn, partindo para os ermos.

Por quase trinta anos trabalhou na causa contra Sauron, e tornou-se amigo de Gandalf, o Sábio, do qual ganhou muita sabedoria. Com ele fez muitas viagens perigosas, mas enquanto os anos se passavam viajava sozinho com mais frequência.

Seus caminhos eram longos e dificeis, e ele assumiu uma aparência rústica, a não ser quando casualmente sorria; mesmo assim os homens o consideravam digno de honra, como um rei no exílio, nos momentos em que ele não escondia sua verdadeira aparência. Pois ele circulava sob muitos disfarces, e obteve fama sob muitos nomes.

Cavalgou com o exército dos rohirrim, lutou para o Senhor de Condor por terra e mar e depois, na hora da vitória, desapareceu para não ser mais visto pelos homens do oeste, e viajou pelo distante leste e pelas profundezas do sul, explorando os corações dos homens, bons e maus, e revelando os planos e estratégias dos servidores de Sauron.

"Assim acabou se tornando o mais resistente dos homens vivos, habilidoso em seus oficios e erudito nas suas tradições, e apesar disso era mais do que eles; pois tinha a sabedoria dos elfos, e havia uma luz em seus olhos que, quando se acendia, poucos podiam suportar. Seu rosto era triste e austero por causa do destino que lhe fora imposto, e apesar disso a esperança sempre morou nas profundezas de seu coração, do qual a alegria ás vezes jorrava como uma fonte que jorra de uma rocha.

"Veio a acontecer que, aos quarenta e nove anos de idade, Aragorn estava retornando de perigos nos escuros confins de Mordor, onde Sauron passara a morar de novo, ocupando-se do mal. Vinha cansado e desejava voltar a Valfenda para descansar um pouco, antes de viajar para terras distantes; em seu caminho passou pelas fronteiras de Lórien e foi recebido na terra oculta pela Senhora Galadriel.

"Ele não sabia, mas Arwen Undómiel também estava lá, passando outra temporada com os parentes da mãe. Mudara pouco, pois os anos mortais haviam passado por ela sem deixar marcas; mas seu rosto estava mais sério, e raramente se ouvia seu riso. Mas Aragorn crescera, atingindo a plenitude no corpo e na mente, e Galadriel pediu que tirasse suas vestes gastas pela viagem e o vestiu em prata e branco, com um manto de cinza-élfico, colocando uma pedra brilhante sobre sua testa. Então sua aparência ficou superior à de qualquer homem, e ele mais parecia um Senhor Élfico das Ilhas do Oeste. E foi assim que Arwen o contemplou pela primeira vez após a longa separação; e enquanto ele veio caminhando ao encontro dela sob as árvores de Caras Galadhon, que estavam carregadas de flores douradas, ela fez sua escolha e selou seu destino.

"Então por um tempo os dois passearam juntos nas clareiras de Lothlórien, até que chegou a hora de ele partir. E, na tardinha do Solstício de Verão, Aragorn, filho de Arathorn, e Arwen, filha de Elrond, foram até a bela colina Cerin Amroth, no centro daquele lugar, e andaram descalços sobre a relva sempre verde, com elanor e niphredil ao redor de seus pés. E ali, sobre aquela colina, olharam para o leste, na direção da Sombra, e para o oeste, na direção do Crepúsculo, e comprometeram-se um com o outro e sentiram-se felizes.

E Arwen disse:

— Escura é a Sombra, e mesmo assim meu coração se alegra; pois você, Estel, estará entre os grandes cuja coragem irá destruí-la.

Mas Aragorn respondeu: Infelizmente não posso prever esse fato, e o modo como virá a acontecer está oculto para mim. Mas com sua esperança hei de esperar. E rejeito a Sombra com todas as minhas forças. Mas da mesma forma, senhora, o Crepúsculo não é para mim; pois sou mortal, e se você ficar ao meu lado, Estrela Vespertina, deverá também renunciar ao Crepúsculo.

"Ela então ficou imóvel como uma árvore branca, olhando para o oeste; por fim, disse:

— Vou ficar ao seu lado, Dúnadan, e dar as costas para o Crepúsculo.

Apesar disso, lá fica a terra de meu povo, e a antiga casa de toda a minha família.

— Ela amava o pai intensamente.

"Quando Elrond ficou sabendo da escolha da filha, ficou em silêncio, embora seu coração se tivesse entristecido, percebendo que o destino tanto tempo temido não era nada fácil de suportar. Mas, quando Aragorn chegou outra vez a Valfenda, chamou-o á parte e lhe disse: Meu filho, aproximam-se os anos em que a esperança vai desaparecer, e além deles pouco está claro para mim. E agora uma sombra paira entre nós. Talvez assim tenha sido prescrito, que por minha perda o poder dos reis dos homens possa ser restaurado. Portanto, embora o ame, digo-lhe isto: Arwen Undómiel não diminuirá a dádiva de sua vida por uma causa menor. Ela não será a noiva de ninguém que não seja o rei de Condor e de Amor. Para mim, até mesmo nossa vitória só poderá trazer tristeza e separação mas para você poderá trazer esperança de alegria por um tempo. É uma pena, meu filho! Receio que para Arwen o destino dos homens possa ser dificil no final.

"Assim ficou acertado entre Elrond e Aragorn, e eles não falaram mais desse assunto; mas Aragorn partiu outra vez na direção do perigo e do trabalho árduo.

E enquanto o mundo escurecia e o medo caía sobre a Terra-média, á medida que o poder de Sauron crescia e Barad-dúr se erguia cada vez mais alta e forte, Arwen permaneceu em Valfenda, e, quando Aragorn estava fora, de longe ela cuidava dele em pensamento; e na esperança fez para ele um estandarte grande e majestoso, digno de ser exibido apenas por alguém que reivindicasse o trono dos númenorsanos e a herança de Elendil.

"Depois de alguns anos, Gilraen despediu-se de Elrond e retornou para o seio de seu próprio povo em Eriador, e viveu sozinha; raras vezes viu o filho de novo, pois ele passava muitos anos em terras distantes. Mas uma vez, quando Aragorn tinha retornado do norte, ele foi vê-la, e ela lhe disse antes de sua partida:

— Esta é a nossa última despedida, Estel, meu filho. Estou envelhecida pela preocupação, mesmo para uma pessoa pertencente á raça dos homens inferiores; e, agora que se aproxima, não posso enfrentar a escuridão de nosso tempo, adensando-se sobre a Terra-média. Deixarei este lugar em breve.

"Aragorn tentou consolá-la, dizendo: — Apesar disso, ainda pode haver uma luz além da escuridão; se for assim, eu gostaria que a senhora a visse e se alegrasse.

"Mas ela respondeu apenas com este linnod: Onen i-Estel Edain, ú-chebin estel anim (31), e Aragorn foi-se embora com o coração pesado. Gilraen morreu antes da primavera seguinte.

"Assim se aproximaram os anos da Guerra do Anel, sobre a qual se conta mais em outro lugar: sobre como se revelou o meio inesperado pelo qual Sauron poderia ser derrotado, e sobre como uma esperança além de qualquer esperança foi concretizada. E aconteceu que na hora da derrota Aragorn surgiu do mar e desfraldou o estandarte de Arwen na batalha dos Campos de Pelennor, e naquele dia foi pela primeira vez aclamado como rei. E por fim, quando tudo estava consumado, ele assumiu a herança de seus antepassados e recebeu a coroa de Condor e o cetro de Amor; e no Solstício de Verão do ano da Queda de Sauron ele tomou a mão de Arwen Undómiel, e os dois se casaram na cidade dos reis.

"A Terceira Era terminou em vitória e esperança; apesar disso, melancólica entre as tristezas daquela Era foi a despedida de Arwen e Elrond, pois os dois foram separados pelo Mar e por um destino que ultrapassava o fim do mundo. Quando o Grande Anel foi desfeito, e os Três foram despojados de seu poder, Elrond por fim ficou cansado e abandonou a Terra-média, para nunca mais voltar.

Arwen tornou-se uma mulher mortal, mas apesar disso não era seu destino morrer até perder tudo o que ganhara.

"Como rainha dos elfos e dos homens, ela viveu com Aragorn por cento e vinte anos em grande glória e felicidade; mas por fim ele sentiu a aproximação da velhice e sabia que seu tempo de vida estava se esgotando, por mais longo que pudesse ter sido. Então Aragorn disse a Arwen:

— Finalmente, Senhora Estrela Vespertina, belíssima neste mundo, e muitíssano amada, meu mundo está se acabando. Eis que acumulamos e gastamos, e agora a hora do pagamento se aproxima!

 

  1. "Dei Esperança aos dúnedain, não guardei nenhuma esperança para mim.

 

"Arwen sabia o que ele pretendia, tendo previsto tudo muito tempo antes; não obstante, foi derrotada pela tristeza: Então iria, meu senhor, antes de seu tempo, abandonar seu povo, que vive graças ao seu comando? — disse ela.

Não antes de meu tempo — respondeu ele. — Pois, se não for agora, deverei ir em breve, á força. E Eldarion, nosso filho, é um homem maduro para o trono.

"Então, dirigindo-se para a Casa dos Reis, na rua Silenciosa, Aragorn deitou-se no longo leito que lhe fora preparado. Ali disse adeus a Eldarion, e entregou-lhe nas mãos a coroa alada de Gondor e o cetro de Amor; depois todos o deixaram, com exceção de Arwen, que ficou sozinha ao lado do leito. E, com toda a sua sabedoria e nobreza, ela não pôde evitar de implorar que ele ficasse ainda por mais um tempo. Ainda não estava cansada de seus dias, e assim provou o gosto amargo da mortalidade que assumira para si.

— Senhora Undómiel — disse Aragorn —, a hora é realmente dificil, mas ela foi feita no mesmo dia em que nos encontramos sob as bétulas brancas no jardim de Elrond, por onde agora ninguém caminha. E sobre a colina de Cerin Amroth, quando rejeitamos tanto a Sombra como o Crepúsculo, foi este o destino que aceitamos. Aconselhe-se consigo mesma, minha amada, e pergunte-se se realmente gostaria que eu esperasse até mirrar e cair de meu alto trono, sem virilidade e sem razão. Não, senhora, sou o último dos númenorianos, e o último rei dos Dias Antigos; a mim foi concedida não apenas uma longevidade três vezes maior que a dos homens da Terra-média, mas também a graça de ir quando quisesse, devolvendo a dádiva. Agora, portanto, vou dormir. Não lhe direi palavras de consolo, pois não há consolo para uma dor assim nos círculos do mundo. A escolha suprema se coloca diante de você: arrepender-se e ir para os Portos, levando para o oeste a lembrança dos dias que passamos juntos, que lá serão sempre verdes, embora não passem de uma lembrança, ou então conformar-se com o Destino dos homens.

— Não, querido senhor — disse ela. — Essa escolha há muito não existe mais. Agora não há um navio que pudesse me levar para lá, e devo de fato me conformar com o Destino dos homens, quer queira quer não: a perda e o silêncio. Mas digolhe, Rei dos Númenorianos, só agora entendo a história de seu povo e de sua queda. Desprezei-os como tolos miseráveis, mas por fim sinto pena deles. Pois, se realmente esta for, como dizem os eldar, a dádiva do Um concedida aos homens, é uma dádiva amarga de receber.

— Assim parece disse ele. — Mas não nos deixemos derrotar no último teste, nós que há muito tempo renunciamos á Sombra e ao Anel. Devemos partir com tristeza, mas não com desespero. Veja! Não estamos para sempre presos aos círculos do mundo, e além deles há mais do que lembrança. Adeus! Estel, Estel! — gritou ela, e nesse momento, na hora em que tomou sua mão e a beijou, Aragoro adormeceu. Então revelou-se nele uma grande beleza, tanto que todos os que vieram depois para vê-lo olhavam-no admirados, pois viam que a graça de sua juventude, a coragem de sua virilidade, a sabedoria e a majestade de sua velhice estavam mescladas em seu rosto. E por muito tempo ficou ali deitado, uma imagem do esplendor dos Reis dos Homens, numa glória que não se apagou antes da destruição do mundo.

"Mas, quando Arwen saiu da Casa, a luz de seus olhos se apagara, e seu povo teve a impressão de que ela se tornara fria e cinzenta como o cair de uma noite de inverno, que chega sem uma estrela. Então ela disse adeus a Eldarion e às filhas, e a todos aqueles a quem amava; partiu da cidade de Minas Tirith e passou para a terra de Lóríen; e viveu lá sozinha, sob as árvores que iam murchando, até que o inverno chegou. Galadriel tinha-se ido, Celeborn também, e a terra estava em silêncio.

"Então, por fim, quando as folhas de maílom estavam caindo, mas a primavera ainda não chegara32, ela se deitou para descansar sobre Cerin Amroth, e lá está seu túmulo verde, até que o mundo se altere, e todos os dias de sua vida sejam completamente esquecidos por homens que vierem depois, e elanor e niphredil não mais floresçam a leste do Mar.

"Aqui termina esta história, como nos chegou do sul; e com a passagem da Estrela Vespertina nada mais se lê neste livro sobre os dias de outrora."

 

A CASA DE EORL

"Eorl, o Jovem, era o senhor dos homens de Éothéod. Essa região ficava perto das nascentes do Anduin, entre as cadeias mais distantes das Montanhas Sombrias e as partes mais setentrionais da Floresta das Trevas. Os éothéod haviam-se mudado para aquelas paragens nos dias do rei Eãrnil II, tendo vindo das terras nos vales do Anduin, entre o Carrock e o Rio de Lis, e eram originariamente parentes proximos dos beornings e dos homens das orlas ocidentais da floresta. Os antepassados de Eorl afirmavam ser descendentes dos reis de Rhovanion, cujo reino ficava além da Floresta das Trevas antes das invasões dos Carroceiros, e dessa forma consideravam-se parentes dos reis de Gondor que descendiam de Eldacar. Davam preferência às planícies e deliciavam-se com cavalos e com todas as proezas da equitação, mas naqueles dias havia muitos homens nos vales centrais do Anduin, e além disso a sombra de Doí Guldur se alongava; portanto, quando tomaram conhecimento da derrota do Rei dos Bruxos, procuraram mais espaço no norte, e expulsaram os remanescentes do povo de Angmar do lado leste das Montanhas. Mas nos dias de Léod, pai de Eorl, seu povo se tornara numeroso, ficando de certa forma mais uma vez comprimido na terra que era seu lar.

"No ano dois mil quinhentos e dez da Terceira Era, um novo perigo ameaçou Gondor. Um grande exército de bárbaros do nordeste se espalhou em Rhovanion e, descendo das Terras Castanhas, atravessou o Anduin em jangadas. Ao mesmo tempo, por acaso ou por estratégia, os orcs (que naquela época, antes de sua guerra contra os anões, formavam um poderoso exército) desceram das Montanhas. Os invasores assolaram Calenardhon, e Cirion, regente de Gondor, pediu a ajuda do norte; havia uma antiga amizade entre os homens do Vale do Anduin e o povo de Gondor. Mas no Vale do Rio os homens agora eram poucos e estavam espalhados, e demoraram para prestar o auxílio possível. Por fim Eorl recebeu noticias sobre a dificul dade de Gondor e, embora parecesse muito tarde, partiu com um grande exército de cavaleiros.

"Assim chegou à batalha do Campo de Celebrant, pois esse era o nome da terra verde que ficava entre o Veio de Prata e o Limclaro. Ali o exército do norte de Gondor corria perigo. Derrotados no Descampado e isolados do sul, seus homens tinham sido forçados a atravessar o Limclaro, e foram subitamente atacados pelo exército dos orcs que os empurrava na direção do Anduin. Não havia mais esperanças quando, inesperadamente, os Cavaleiros surgiram do norte e investiram contra a retaguarda do inimigo. Então as chances da batalha se inverteram, e o inimigo foi expulso através do Limclaro com muitas baixas. Eorl conduziu seus homens numa perseguição, e tão grande era o medo que precedia os cavaleiros do norte que os invasores do Descampado também ficaram em pânico, e foram perseguidos pelos homens de Eorl através das planícies de Calenardhon.

"O povo daquela região se tornara pouco numeroso desde a Peste, e os que restaram tinham sido mortos pelos selvagens orientais. Cirion, portanto, como recompensa pela ajuda recebida, doou a região de Calenardhon que fica entre o Anduin e o Isen a Eorl e seu povo; estes mandaram buscar no norte suas esposas, filhos e pertences, assentando-se naquela região. Deram-lhe um novo nome, Terra dos Cavaleiros, e passaram a se autodenominar eorlingas; mas em Gondor sua terra era chamada Rohan, e seu povo os rohirrim (ou seja, Senhores dos Cavalos). Assim Eorl se tomou o primeiro rei da Terra dos Cavaleiros, e escolheu para morar uma colina verde á frente dos pés das Montanhas Brancas, que formavam a fronteira sul de sua terra.

Ali os rohirrim passaram a viver como homens livres, seguindo seu próprio rei e suas próprias leis, mas em aliança perpétua com Gondor.

"Muitos senhores e guerreiros, e muitas mulheres belas e corajosas, são mencionados nas canções de Rohan que ainda evocam o norte.

Frumgar, dizem eles, era o nome do líder que conduziu seu povo para Éothéod. Sobre seu filho, Fram, contam que matou Scatha, o grande dragão de Ered Mithrin, deixando aquela terra livre dos grandes-vermes. Dessa forma Fram adquiriu grandes riquezas, mas entrou em desentendimento com os anões, que reivindicavam o tesouro de Scatha. Fram não se mostrou disposto a lhes entregar uma única moeda, e em vez disso enviou-lhes um colar com os dentes de Scatha, acompanhado dos dizeres: "Jóias como estas não têm similar em seus tesouros, pois são dificeis de se conseguir." Alguns dizem que os anões mataram Fram por tal insulto. Não havia grande estima entre os éothéod e os anões.

"Léod era o nome do pai de Eorl. Era domador de cavalos selvagens, pois na época havia muitos naquela região. Capturou um potro branco, que logo se transformou num cavalo forte, belo e altivo. Ninguém podia dominá-lo. Quando Léod tentou montá-lo, o animal carregou-o para longe, e por fim jogou-o ao chão; a cabeça de Léod bateu contra uma pedra, e assim ele morreu. Contava com apenas quarenta e dois anos de idade, e seu filho era um rapaz de dezesseis.

"Eorl jurou que vingaria o pai. Por muito tempo caçou o cavalo, e por fim o avistou; seus companheiros esperavam que ele fosse tentar se aproximar e matá-lo com uma flechada. Mas, quando se aproximaram, Eorl pôs-se de pé e chamou o animal em voz alta:

— Venha cá, Ruína do Homem, e receba um novo nome!

Para a surpresa de todos, o cavalo olhou na direção de Eorl, aproximou-se a parou ao lado dele. Eorl disse:

— Eu o nomeio Felaróf. Você amava sua liberdade, e não o culpo por isso.

Mas agora você me deve uma grande compensação, e deverá entregar sua liberdade a mim até o fim de sua vida.

"Então Eorl o montou, e Felarôf se submeteu; Eorl conduziu-o para casa sem rédea ou freio, e depois disso sempre o montou dessa forma. O cavalo entendia tudo o que os homens diziam, embora não permitisse que ninguém, exceto Eorl, o montasse. Foi montado em Felaróf que Eorl cavalgou para o Campo de Celebrant, pois aquele cavalo provou ter uma vida longa como a dos homens, o mesmo sucedendo com seus descendentes. Estes eram os mearas, que não carregavam ninguém, a não ser o rei da Terra dos Cavaleiros ou seus filhos, até a época de Scadufax. A seu respeito os homens diziam que Béma (a quem os eldar chamavam de Oromé) teria trazido o pai deles do oeste, além do Mar.

"Dos reis da Terra dos Cavaleiros entre Eorl e Théoden fala-se muito em HeIm Mão-de-Martelo. Era um homem austero, de grande força.

Havia naquele tempo um homem chamado Freca, que afirmava ser descendente do rei Fréawine, embora tivesse, afirmavam os homens, muito sangue da Terra Parda, e os cabelos escuros. Ficou rico e poderoso, possuindo amplas terras dos dois lados do Adorn33. Perto da nascente desse rio, construiu para si uma fortaleza, dando pouca atenção ao rei. HeIm não confiava nele, mas o convocava para seus conselhos; Freca vinha quando queria.

"Para participar de um desses conselhos, Freca chegou cavalgando acompanhado de muitos homens, e pediu a mão da filha de HeIm para seu filho Wulf. Mas Helm disse:

— Você cresceu desde que esteve aqui pela última vez; principalmente em gordura, eu acho —; os homens riram disso, pois Freca tinha uma barriga volumosa.

"Então Freca ficou furioso e insultou o rei, dizendo por fim:

— Reis velhos que recusam o bastão que lhes é oferecido podem cair de joelhos. — HeIm respondeu:

— Venha! O casamento de seu filho é uma ninharia. HeIm e Freca podem cuidar disso mais tarde. Enquando isso, o rei e seu conselho têm assuntos importantes a tratar.

"Quando terminou o conselho, Helm levantou-se e colocou as mãos enormes sobre os ombros de Freca, dizendo:

— O rei não permite gritarias em sua casa, mas os homens são mais livres lá fora — forçou então Freca a andar á sua frente, saindo de Edoras e entrando no campo. Aos homens de Freca que se aproximavam, ele disse:

— Fora daqui! Não precisamos de ouvintes! Vamos tratar de um assunto particular. Vão conversar com meus homens. — E eles olharam e viram que os homens e amigos do rei estavam em número muito maior que eles, e recuaram.

— Agora, terrapardense — disse o rei — você só tem de lidar com Helm, sozinho e desarmado. Mas você já disse muito, e é minha vez de falar. Freca, sua loucura cresceu com sua barriga. Você fala em um bastão! Se Helm não aprecia um bastão torto que lhe é jogado, ele o quebra. Assim! — Com essas palavras, deu um murro em Freca com tal força que ele caiu zonzo para trás, e morreu logo em seguida.

 

  1. Este rio vem do oeste das Ered Nimrais e desemboca no tsen.

 

"Helm então declarou que o filho de Freca e seus parentes próximos eram inimigos do rei, e eles fugiram, pois imediatamente Helm enviou muitos cavaleiros para as fronteiras ocidentais."

Quatro anos mais tarde (2758), grandes problemas sobrevieram a Rohan, e nenhum auxílio pôde ser enviado de Gondor, pois três esquadras dos Corsários atacaram aquele reino e havia guerra ao longo de todo o litoral. Ao mesmo tempo, Rohan foi mais uma vez invadida pelo leste, e os homens da Terra Parda, percebendo sua oportunidade, atravessaram o Isen e desceram de Isengard. Ficou-se logo sabendo que Wulf era o seu líder. Formavam um grande exército, pois juntaram-se a ele os inimigos de Gondor que desembarcaram na foz do Lefnui e na do Isen.

Os rohirrim foram derrotados e sua terra foi assolada; os que não foram mortos ou escravizados fugiram para os vales das montanhas. Helm foi expulso das Travessias do Isen com grandes perdas, refugiando-se no Forte da Trombeta e no precipício que ficava mais atrás (que depois ficou conhecido como Abismo de Helm). Ali ficou sitiado. Wulf tomou Edoras e sentou-se em Meduseld, intitulando-se rei. Ali Haleth, filho de Helm, foi o último a morrer, defendendo as portas.

"Logo em seguida começou o Inverno Longo, e Rohan ficou coberta de neve por quase cinco meses (de novembro a março, 2758-9). Tanto os rohirrim como seus inimigos sofreram enormemente com o frio, e com a escassez que se prolongou por mais tempo.

No Abismo de Helm houve muita fome depois do Iule; sentindo-se desesperado, contra o conselho do rei, Háma, seu filho mais novo, conduziu um grupo de homens numa surtida com a intenção de saquear as provisões do inimigo, mas todos se perderam na neve. HeIm tornou-se feroz e sombrio devido á penúria e á tristeza, e apenas o terror que causava já valia muitos homens na defesa do Forte.

Ele saía sozinho, vestido de branco, e se esgueirava como um troll-de-neve pelos acampamentos inimigos, matando muitos homens com as próprias mãos.

Acreditava-se que, se ele não levava arma alguma, nenhuma arma poderia feri-lo. Os terrapardenses diziam que, se ele não conseguisse encontrar comida, devorava homens. A história sobreviveu por muito tempo na Terra Parda. Helm tinha uma grande trombeta, e logo notou-se que antes de investir contra o inimigo ele emitia um clangor que ecoava no Abismo; então um pavor tão profundo dominava seus inimigos que, em vez de se reunirem para prendê-lo ou matá-lo, eles fugiam Garganta abaixo.

"Uma noite os homens ouviram a trombeta tocar, mas Helm não retornou. Na manhã seguinte surgiu um raio de sol, o primeiro depois de muitos dias, e eles viram um vulto branco parado, imóvel sobre o Dique, sozinho, pois nenhum dos terrapardenses ousava se aproximar. Ali estava Helm, morto como pedra, mas ainda ereto. Mesmo assim dizia-se que a trombeta ainda foi ouvida algumas vezes no Abismo e que o espectro de Helm caminhava em meio aos inimigos de Rohan, matando os homens de medo.

"Logo depois o inverno cedeu. Então Fréaláf, filho de Hild, a irmã de Helm, desceu do Templo da Colina, para o qual muitos haviam fugido, e com uma pequena comitiva de homens desesperados surpreendeu Wulf em Meduseld e o matou, reconquistando Edoras. Houve grandes enchentes depois da neve, e o vale do Entágua transformou-se num enorme charco. Os invasores do leste morreram ou se retiraram, e finalmente chegou ajuda de Gondor, pelas estradas a leste e a oeste das montanhas. Antes do término do ano (2759), os terrapardenses foram expulsos, até mesmo de Isengard; então Fréaláf tornou-se rei.

"Helm foi trazido do Forte da Trombeta e colocado no nono túmulo.

Sempre depois disso, a branca simbelmynë cresceu ali espessa, de modo que o túmulo parecia estar coberto de neve. Quando Fréaláf morreu, iniciou-se uma outra fileira de túmulos."

O povo dos rohirrim foi dramaticamente reduzido pela guerra, pela miséria e pela perda do gado e dos cavalos, e foi bom que mais nenhum grande perigo voltasse a ameaçá-los por muitos anos, pois foi só na época do rei Folcwine que eles recuperaram a antiga força.

Foi durante a cerimônia de coroação de Fréaláf que Saruman apareceu, trazendo presentes, e elogiando muito a coragem dos rohirrim.

Foi bem recebido por todos.

Logo em seguida ele passou a morar em Isengard. Para isso, Beren, regente de Gondor, lhe deu permissão, pois Gondor ainda afirmava que Isengard era uma fortaleza de seu reino, não pertencendo a Rohan. Beren também permitiu que Saraman guardasse as chaves de Orthanc. Aquela torre nunca fora invadida ou danificada por qualquer inimigo.

Dessa forma Saruman começou a se comportar como um senhor de homens, pois no inicio vigiava Isengard como um tenente do regente e um guardião da torre. Mas Fréaláf estava tão satisfeito quanto Beren em relação a isso, considerando que Isengard estava nas mãos de um amigo forte. Um amigo foi o que Saruman pareceu ser por muito tempo, e talvez no inicio fosse um amigo sincero. Apesar disso, posteriormente restaram poucas dúvidas nas mentes dos homens de que Saruman foi para Isengard na esperança de ainda encontrar ali a Pedra, e com o propósito de construir um poder para si próprio. Com certeza, depois do último Conselho Branco (2953), seus designios com relação a Rohan, embora ele os escondesse, eram malignos.

Então ele tomou Isengard como se fosse propriedade sua, e começou a transformá-la num lugar de força e medo, como se pretendesse rivalizar com Barad-dúr. Conquistou amigos e servidores entre todos aqueles que odiavam Gondor e Rohan, fossem eles homens ou outras criaturas mais malignas.

 

Os Reis da Terra dos Cavaleiros

Primeira Linhagem

Ano (nota 34)

 

2485-2545 1. Eorl, o Jovem. Era assim chamado porque sucedeu o pai ainda na juventude e permaneceu loiro e corado até o fim de sua vida. Esta foi encurtada por um novo ataque dos orientais. Eorl morreu em combate no Descampado, e o primeiro túmulo foi erigido. Felaróf também foi colocado ali.

 

  1. As datas são dadas de acordo com o Registro de Gondor (Terceira Era). As que estão na margem referem-se ao nascimento e à morte.

 

25 12-70 2. Brego. Expulsou o inimigo do Descampado, e Rohan não voltou a ser atacada por muitos anos. Em 2569 ele terminou o grande palácio de Meduseld.

Durante o banquete de inauguração, seu filho, Baldor, jurou que iria trilhar "as Sendas dos Mortos", e nunca mais retornou35. Brego morreu de tristeza no ano seguinte.

2544-2645 3. Aldor o Velho. Era o segundo filho de Brego. Tornou-se conhecido como oVelho", já que viveu até uma idade avançada, e foi rei por 75 anos. Em sua época, os rohirrim aumentaram em número, e expulsaram ou subjugaram os últimos terrapardenses que restavam a leste do Isen. O Vale Harg e outros vales foram povoados. Sobre os três reis seguintes há poucas informações, pois em sua época Rohan prosperou e teve paz.

2570-2659 4. Erda. Varão mais velho, mas o quarto descendente de Aldor; já estava velho quando se tornou rei.

2594-2680 5. Fréawine.

26 19-99 6. Goldwine.

2644-2718 7. Déor Em sua época os terrapardenses atacaram várias vezes através do Isen. Em 2710 ocuparam o círculo abandonado de Isengard, e não foi possível expulsá-los.

2668-2741 8. Gram.

2691-2759 9. Heim Mão-de-Martelo. No final de seu reino, Rohan sofreu grandes perdas, devido a invasões e ao Inverno Longo. HeIm pereceu, bem como seus filhos Háma e Haleth. Fréaláf, filho da irmã de Helm, tornou-se rei.

 

Segunda Linhagem

2726-98 10. Fréaláf,filho de Hild. Em sua época Saruman chegou a Isengard, de onde os terrapardenses tinham sido expulsos. Os rohirrim no inicio lucraram com a amizade dele, nos dias de miséria e fraqueza que se seguiram.

2752-2842 11. Brytta. Seu povo o chamava de Léofa, pois era amado por todos; era generoso e ajudava a todos os necessitados. Em sua época houve uma guerra contra os orcs, que, expulsos do norte, procuraram refugio nas Montanhas Brancas36. Por ocasião de sua morte, pensou-se que todos os orcs tinham sido expulsos, mas não era assim.

2780-2851 12. Walda. Foi rei por apenas nove anos. Foi morto com todos os seus companheiros quando foram capturados numa cilada por orcs, ao cruzarem as passagens das montanhas, vindos do Templo da Colina.

2804-64 13. Folca. Foi um grande caçador, mas jurou não perseguir qualquer animal selvagem enquanto restasse um orc em Rohan. Quando a última fortaleza-orc foi encontrada e destruída, ele partiu para caçar o grande javali de Everholt na Floresta Firien. Matou o javali mas morreu devido aos graves ferimentos que este lhe causou.

2830-2903 14. Folcwine. Quando se tornou rei, os rohirrim haviam recuperado sua força. Ele reconquistou a fronteira ocidental (entre o Adorn e o Isen) que os terrapardenses tinham ocupado. Rohan recebera um grande auxilio de Gondor nos dias funestos. Quando, portanto, ele ficou sabendo que os haradrím estavam atacando Gondor com grandes exércitos, enviou muitos homens em auxílio ao regente.

Desejava conduzi-los em pessoa, mas foi dissuadido, e seus filhos gêmeos, Folcred e Fastred (nascidos em 2858), foram em seu lugar. Caíram lado a lado na batalha de Ithílien (2885). Túrin II, de Gondor, enviou a Folcwine uma grande compensação em ouro.

2870-2953 15. Fengel. Era o terceiro filho e quarto descendente de Folcwíne. Não é lembrado com elogios. Era ávido por comida e ouro, e não se entendia com seus marechais ou com seus filhos. Thengel, seu terceiro descendente e único varão, deixou Rohan quando se tornou adulto e viveu um longo tempo em Gondor, conquistando respeito a serviço de Turgon.

2905-80 16. Thengel. Só se casou bem tarde, mas em 2943 tomou como esposa Morwen, de Lossamach, em Gondor, embora ela fosse dezessete anos mais jovem. Ela lhe deu três filhos em Gondor, dos quais Théoden, o segundo, era o único varão. Quando Fengel morreu, os rohírrim o convocaram, e ele retornou a contragosto. Mas mostrou-se um rei bondoso e sábio, embora a língua de Gondor fosse falada em sua casa, e nem todos os homens apreciassem esse fato. Morwen lhe deu mais duas filhas em Rohan, e a última, Théodwyn, era a mais bela, embora tivesse nascido tarde (2963), a filha da velhice do rei. Seu irmão a amava muito. Foi logo depois do retorno de Thengel que Saruman se declarou Senhor de Isengard e começou a causar problemas a Rohan, invadindo suas fronteiras e apoiando seus inimigos.

2948-30 19 17. Théoden. É chamado Théoden Ednew na tradição de Rohan, pois começou a decair devido aos feitiços de Saruman; mas foi curado por Gandalf, e no último ano de sua vida levantou-se e conduziu seus homens para a vitória no Forte da Trombeta, e logo em seguida para os Campos de Pelennor, a maior batalha da Era. Caiu diante dos portões de Mundburg. Por um tempo descansou na terra onde nascera, entre os reis mortos de Gondor, mas foi trazido de volta e colocado no oitavo túmulo de sua linhagem em Edoras. Depois iniciou-se uma nova linhagem.

 

Terceira Linhagem

Em 2989, Théodwyn casou-se com Éomund, do Folde Oriental, o mais importante Marechal da Terra dos Cavaleiros. Seu filho Éomer nasceu em 2991, e sua filha Éowyn em 2995. Naquela época Sauron se insurgira de novo, e a sombra de Mordor se estendia na direção de Rohan. Orcs começaram a atacar as regiões orientais e a matar ou roubar cavalos. Outros desceram também das Montanhas Sombrias, muitos deles sendo grandes uruks a serviço de Saruman, embora muito tempo se passasse antes que alguém suspeitasse disso. A principal tarefa de Eomund estava nas fronteiras orientais; ele amava muito os cavalos, e odiava os orcs. Se chegassem noticias sobre um ataque, ele muitas vezes investia contra eles tomado pelo ódio, sem cautela e com poucos homens. Foi assim que ele foi morto em 3002, pois estava perseguindo um pequeno bando até as fronteiras dos Emyn Muil, e lá foi surpreendido por um grande exército que estava á espera escondido nas rochas.

Não muito depois Théodwyn ficou doente e morreu, para a grande tristeza do rei, que acolheu em sua casa os filhos dela, chamando-os de filho e filha. Théoden tinha apenas um filho, Théodred, que na época contava com vinte e quatro anos; a rainha Elfhild morrera no parto, e Théoden não voltou a se casar.

Eomer e Eowyn cresceram em Edoras e viram a sombra escura cair sobre o palácio de Théoden. Eomer era como seus antepassados, mas Éowyn era esguia e alta, tendo uma graça e uma altivez herdadas do sul, de Morwen de Lossarnach, a quem os rohirrim haviam chamado Brilho do Aço.

2991 QE. 63 (3084) Éomer Éadig. Ainda jovem tornou-se Marechal da Terra dos Cavaleiros (3017), tendo-lhe sido confiada a tarefa que anteriormente fora do pai nas fronteiras orientaís. Na Guerra do Anel, Théodred caiu em combate contra Saruman nas Travessias do Isen. Portanto, antes de morrer nos Campos de Pelennor, Théoden nomeou Eomer seu herdeiro e chamou-o de rei. Naquele dia Eowyn também ganhou renome, pois lutou na batalha, cavalgando disfarçada; posteriormente ficou conhecida na Terra dos Cavaleiros como a Senhora do Braço do Escudo37.

Éomer tornou-se um grande rei, e, sendo jovem quando sucedeu Théoden, reinou por sessenta e cinco anos, mais tempo que todos os reis dos rohirrim exceto Aldor, o Velho. Na Guerra do Anel, tornou-se amigo do rei Elessar, e de Imrahil, de Doí Amroth; e com frequêncía cavalgava até Gondor. No último ano da Terceira Era casou-se com Lothíriel filha de Imrahil. Seu filho, Elfwine, o Belo, o sucedeu no trono.

 

  1. Isso se deve ao fato de que o seu braço que carregava o escudo foi quebrado pela maça do Rei dos Bruxos; mas este ficou reduzido a nada, e assim se cumpriram as palavras ditas por Glorfindel ao rei Eãmur muito tempo antes, de que o Rei dos Bruxos não cairia pela mão de um homem. Pois conta-se nas canções da Terra dos Cavaleiros que, nesse feito, Éowyn teve a ajuda do escudeiro de Théoden, que também não era um homem, mas um Pequeno, vindo de uma terra distante, embora tenha sido homenageado por Eomer, que lhe deu o nome de Holdwine.

(Esse Holdwine não era ninguém menos que Meriadoc, o Magnifico, Senhor da Terra dos Buques.)

 

Na época de Éomer, os homens da Terra dos Cavaleiros que desejavam paz a tiveram, e o povo cresceu nos vales e nas planícies, e seus cavalos se multiplicaram.

Em Gondor reinava agora o rei Elessar, que também governava Amor. Em todas as terras daqueles reinos de outrora ele era rei, exceto em Rohan, pois renovou a dádiva de Ciríon para com Éomer, e Éomer prestou outra vez o Juramento de Eorl.

Com frequência o cumpriu, pois, embora Sauron tivesse desaparecido, os ódios e maldades semeados por ele não haviam morrido, e o Rei do Oeste teve de subjugar muitos inimigos antes que a Arvore Branca pudesse crescer em paz. E, para onde quer que o rei Elessar conduzisse uma guerra, o rei Eomer o acompanhava; e além do Mar de Rhún e nos distantes campos do sul o trovão da cavalaria dos rohírrim foi ouvido, e o Cavalo Branco sobre Verde tremulou em muitos ventos até Éomer ficar velho.

 

O POVO DE DURJN

A respeito da origem dos anões histórias estranhas são contadas tanto pelos eldar quanto pelos próprios anões, mas, uma vez que essas coisas se situam longe no passado, pouco se fala sobre elas aqui. Durin é o nome que os anões usavam para o mais velho dos Sete País de sua raça, e o ancestral de todos os reis dos Barbaslongas (38). Ele dormiu sozinho até que, nas profundezas do tempo e no despertar de seu povo, veio para Azanulbízar, e fez sua morada nas cavernas acima do Kheledzâram, na parte leste das Montanhas Sombrias, onde depois se situaram as Minas de Moria, celebradas nas canções.

Ali viveu por tanto tempo que ficou conhecido em toda parte como Durin, o Imortal. Apesar disso, acabou por morrer antes que os Dias Antigos se tivessem passado, e seu túmulo ficou em Khazad-dúm; mas sua linhagem sempre continuou, e cinco vezes nasceu em sua Casa um herdeiro tão parecido com seu Ancestral que recebia o nome de Durín. Na verdade, os anões achavam que era o Imortal que retornava, pois eles tinham muitas histórias e crenças estranhas a respeito de si e de seu destino no mundo.

Depois do final da Primeira Era, o poder e a riqueza de Khazad-dúm cresceram, pois a casa foi enriquecida por muitas pessoas, muita tradição e muitos oficios quando as antigas cidades de Nogrod e Belegost, nas Montanhas Azuis, foram arruinadas na destruição de Thangorodrím. O poder de Moria resistiu através dos Anos Escuros e do domínio de Sauron, pois, embora Eregíon tivesse sido destruída e os portões de Moria fechados, os salões de Khazad-dúm eram por demais profundos e fortes e repletos de um povo demasiado numeroso e valente para que Sauron pudesse conquistá-los de fora. Assim sua riqueza permaneceu por muito tempo intacta, embora seu povo começasse a diminuir.

Aconteceu que, no meio da Terceira Era, mais uma vez Durin era o rei dos anões, sendo o sexto que levava aquele nome. O poder de Sauron, servidor de Morgoth, estava então crescendo no mundo, embora a Sombra na Floresta que olhava na direção de Moria ainda não fosse conhecida pelo que era. Todos os seres malignos se agitavam.

Naquela época os anões faziam escavações profundas, vasculhando Barazínbar em busca de mithril, o metal de preço inestimável que a cada ano ficava mais díficíl de conseguir39. Assim eles despertaram de seu sono40 uma criatura de terror que, fugindo de Thangorodrim, se escondera nos alicerces da terra desde a chegada do Exército do Oeste: um balrog de Morgoth. Durin foi morto por ele, e no ano seguinte Náin 1, seu filho; então o esplendor de Moria desapareceu, e seu povo foi destruído ou fugiu para longe.

A maioria dos que escaparam seguiram para o norte, e Thráín 1, filho de Náin, veio para Erebor, a Montanha Solitária, próxima ás bordas orientais da Floresta das Trevas; ali iniciou novos trabalhos, e tornou-se Rei-sob-a-Montanha.

Em Erebor encontrou uma jóia, a Pedra Arken, Coração da Montanha41. Mas Thorin 1, seu filho, mudou-se e penetrou no norte distante, chegando até as Montanhas Cinzentas, onde agora se reunia a maioria do povo de Durin, pois essas montanhas eram ricas e pouco exploradas. Mas havia dragões nas regiões ermas mais além, e depois de muitos anos eles ficaram fortes outra vez e se multiplicaram, e abriram guerra contra os anões, saqueando suas minas. Por fim, Dáin 1, juntamente com Frór, seu segundo filho, foi morto ás portas de seu palácio por um grande dragão-frio.

Não muito depois, a maioria do Povo de Durin abandonou as Montanhas Cinzentas. Grór, filho de Dáin, foi embora com muitos seguidores para as Colinas de Ferro.

Mas Thrór, o herdeiro de Dáin, juntamente com Borin, o irmão de seu pai, e o restante do povo retornaram para Erebor. Thrór trouxe de volta para o Grande Palácio de Thráin a Pedra Arken, e ele e seu povo prosperaram e ficaram ricos, tendo a amizade de todos os homens que moravam nas redondezas. Pois não só eles faziam objetos de extrema beleza e singularidade, como também armas e armaduras de grande valor, e havia um intenso comércio de minério entre eles e seus parentes das Colinas de Ferro. Dessa forma, os homens do norte, que viviam entre o Celduin (o rio Corrente) e o Carnen (Rubrágua), tornaram-se fortes e expulsaram os inimigos do leste; e os anões viviam com fartura, e havia banquetes e música nos Salões de Erebot42.

Assim, rumores sobre a riqueza de Erebor se espalharam e atingiram os ouvidos dos dragões, e por fim Smaug, o Dourado, o maior de todos os dragões de seu tempo, ergueu-se e, sem avisar, investiu contra o rei Thrór, descendo em chamas na Montanha.

Não demorou muito para que todo aquele reino fosse destruido, e a cidade de Vaíle, que ficava nas imediações, ficou abandonada e em ruínas; mas Smaug entrou no Grande Salão e deitou-se ali sobre um leito de ouro.

 

  1. Ou a libertaram da prisão; pode muito bem ser que a criatura já tivesse sido despertada pela malícia de Sauron.

 

Muita gente do povo de Thrór escapou do saque e do incêndio, e por último, saindo dos corredores por uma porta secreta, vieram o próprio Thrór e seu filho Thráín II. Dirigiram-se para o sul com sua familia43, começando uma longa peregrinação sem destino. Com eles também foi uma pequena comitiva de parentes e seguidores fiéis.

Anos depois, Thrór, agora velho, pobre e desesperado, deu ao filho Thráin o único grande tesouro que ainda possuía, o último dos Sete Anéis, e então partiu com apenas um companheiro, de nome Nár. Na despedida ele disse a Thráin sobre o Anel: ainda pode acabar sendo o alicerce de uma nova fortuna para voce, embora isso possa parecer improvável. Mas o Anel precisa de ouro para gerar ouro.

— O senhor não estaria pensando em voltar para Erebor, estaria? — disse Thráin.

— Não na minha idade — disse Thrór. Nossa vingança contra Smaug eu a transmito para você e seus filhos. Mas estou cansado da pobreza e do desprezo dos homens. Vou para ver o que posso encontrar. — Ele não disse para onde. Estava um pouco perturbado talvez pela idade e pela tristeza, e por longos anos pensando no esplendor da Moria da época de seus antepassados; ou talvez o Anel estivesse voltando-se para o mal agora que seu mestre despertara, conduzindo Thrór para a loucura e a destruição. Da Terra Parda, onde agora estava morando, ele foi para o norte com Nár, e eles atravessaram a Passagem do Chifre Vermelho e entraram em Azanulbizar.

Quando Thrór chegou a Moria, encontrou o Portão aberto. Nár implorou que tivesse cuidado, mas ele não deu ouvidos ao companheiro, e entrou destemido como um herdeiro que retorna. Mas não voltou. Nár ficou ali perto, escondido, por muitos dias. Um dia ouviu um grito alto e o toque de uma corneta, e um corpo foi jogado através da escada. Temendo que fosse Thrór, ele começou a se aproximar com cuidado, mas então veio uma voz de dentro do portão:

— Venha cá, barbadinho! Podemos vê-lo. Mas não precisa ficar com medo hoje. Precisamos de você como mensageiro.

Então Nár subiu e descobriu que realmente se tratava do corpo de Thrór, mas a cabeça estava decepada e com o rosto para baixo. Assim que se ajoelhou, ouviu risadas de orcs vindas das sombras, e a voz disse:

Se os mendigos não esperam na porta, e entram sorrateiramente tentando roubar, isso é o que fazemos com eles. Se qualquer um de seu povo meter sua barba suja aqui outra vez, vai ter o mesmo fim. Vá e diga isso a eles! Mas, se a família dele quiser saber quem é o rei por aqui atualmente, o nome está escrito no rosto dele. Eu escrevi. Eu o matei! Eu sou o mestre!

Então Nár virou a cabeça e viu marcado na testa de Thrór em runas dos anões, para que ele pudesse ler, o nome AZOG. O nome ficou marcado no seu coração e nos corações de todos os anões depois disso. Nár abaixou-se para pegar a cabeça, mas a voz de Azog (44) disse:

 

  1. Entre os quais estavam os filhos de Thrãin ti: Thorin (Escudo de Carvalho), Frerin e Dis. Thorin na época era um jovem pela contagem dos anões. Depois ficou-se sabendo que haviam escapado mais pessoas do Povo-sob-a-Montanha do que a principio se imaginara; mas a maioria deles dirigiu-se para as Colinas de Ferro.
  2. Azog era o pai de Bolg.

 

— Largue isso! Fora daqui! Aqui está a sua paga, mendigo-barbudo. — Uma pequena bolsa lhe foi atirada. Continha algumas moedas de pouco valor.

Chorando, Nár fugiu pelo Veio de Prata; mas olhou mais uma vez para trás e viu que alguns orcs tinham saido pelo portão e estavam despedaçando o corpo e jogando aspartes para os corvos negros.

Foi essa a história que Nár trouxe de volta aThráín, e, quando este já tinha chorado e arrancado muitos fios de sua barba, ficou em silêncio. Ficou sete dias sentado sem dizer palavra. Então levantou-se e disse: — Isso é intolerável! — Foi assim que começou a Guerra entre os anões e os orcs, que foi longa e mortal, travada em sua maior parte nos lugares profundos embaixo da terra.

Thráin imediatamente enviou mensageiros levando a história para o norte, o leste e o oeste, mas demorou três anos para que os anões concentrassem suas forças.

O Povo de Durin reuniu todo o seu exército, que se juntou a grandes forças enviadas das Casas de outros Pais. Tal desonra para com o herdeiro do Mais Velho de sua raça os encheu de ira. Quando tudo estava pronto, eles atacaram e saquearam cada uma das fortalezas dos orcs que conseguiram, do Gundabad até o Rio de Lis. Ambos os lados foram implacáveis, e houve morte e feitos cruéis de dia e de noite. Mas os anões conquistaram a vitória por sua força, por suas armas incomparáveis e pelo fogo de sua ira, caçando Azog em cada caverna sob a montanha.

Por fim, os orcs que fugiam deles reuniram-se em Moria, e o Exército dos anões que os perseguia chegou a Azanulbizar. Este era um grande vale que ficava entre os braços das montanhas ao redor do lago de Kheled-zâram, e que fora uma parte antiga do reino de Khazad-dúm. Quando os anões viram o portão de suas antigas moradias sobre a encosta da colina, emitiram um forte grito que eeoou no vale feito trovão. Mas um grande exército de inimigos estava disposto nas encostas acima deles, e dos portões derramou-se uma multidão de orcs que haviam sido reservados por Azog para uma necessidade extrema.

No inicio, a sorte estava contra os anões, pois era um dia escuro de inverno. sem sol, e os orcs, que não vacilaram, estavam em número maior que seus inimigos, e ocupavam o terreno mais alto. Assim começou a Batalha de Azanulbizar (ou Nanduhiron, na Língua Élfica), cuja lembrança ainda faz com que os orcs tremam e os anões chorem. O primeiro ataque da vanguarda liderado por Thráin foi rechaçado com baixas, e Thráin foi obrigado a se retirar para uma floresta de grandes árvores que na época ainda vicejava, não muito distante do Kheled-zâram. Ali Frerin, seu filho, caiu, e Fundín, seu parente, além de vários outros, juntamente com Thráin e Thorin, ficaram feridos45. Em outro ponto, a batalha avançava e recuava com grande matança, até que finalmente o povo das Colinas de Ferro virou o jogo.

 

  1. Conta-se que o escudo de Thorin foi partido, e ele o jogou fora. Cortou então com seu machado um ramo de um carvalho e o segurava com a mão esquerda para se proteger dos golpes dos inimigos, ou para brandi-lo como um porrete. Dessa forma, ganhou seu nome (Thorin Escudo de Carvalho).

 

Chegando depois ao campo, com força total, os guerreiros de Náin, filho de Grór, protegidos com malhas metálicas, perseguiram os orcs até o limiar de Moria, gritando "Azog! Azog!", enquanto derrubavam com suas picaretas todos os que barravam seu caminho.

Então Náin parou diante do Portão e gritou numa voz poderosa: — Azog! Se estiver aí dentro, saía! Ou será que o jogo no vale está duro demais?

Então Azog saiu, um grande orc com uma enorme cabeça coberta de ferro, e mesmo assim ágil e forte. Junto saíram muitos como ele, os lutadores de sua guarda, e, à medida que avançaram contra a tropa de anões, Azog virou-se para Náin, dizendo:

— O quê? Mais um mendigo em minha porta? Será que vou precisar marcá-lo também? — Com isso avançou contra Náin e eles lutaram. Mas Náin estava meio cego pela ira, e também muito cansado da batalha, enquanto Azog estava descansado, era cruel e cheio de astúcia. Logo Náin desferiu um grande golpe com toda a força que lhe restava, mas Azog pulou de lado e chutou a perna de Náín, de modo que a picareta se estílhaçou contra a pedra onde o orc estivera, enquanto Náín caiu para a frente. Então Azog, com um golpe rápido, atingiu-lhe o pescoço. O colarinho de metal resistiu á lâmina, mas o golpe foi tão pesado que o pescoço de Náin foi quebrado e ele caiu.

Então Azog riu, ergueu a cabeça e soltou um grande grito de triunfo. Mas o grito morreu-lhe na garganta, pois ele viu que todo o seu exército no vale fugia em debandada, e os anões iam de um lado e do outro matando como bem queriam, e os que conseguiam escapar deles estavam fugindo para o sul, correndo e guinchando.

Perto de onde estava, todos os soldados de sua guarda jaziam mortos. Azog virou-se e fugiu na direção do Portão.

Subindo os degraus atrás dele veio um anão com um machado vermelho. Era Dáin Pé-de-Ferro, filho de Náín. Pegou Azog bem diante da porta, e ali o matou e decepou-lhe a cabeça. Isso foi considerado um grande feito, pois Dáin na época era apenas um rapazola para os padrões dos anões. Mas ainda havia uma vida longa e muitas batalhas diante dele, até que velho, mas náo curvado, ele acabasse por cair na Guerra do Anel. Todavia, mesmo sendo corajoso e cheio de ira como estava, conta-se que, quando desceu os degraus do Portão, seu rosto estava cinzento, como o de alguém que acabou de passar por um grande medo.

Quando por fim a batalha foi vencida, os anões que restavam reuniram-se em Azanulbizar. Pegaram a cabeça de Azog e meteram-lhe na boca a bolsa com o dinheiro de pouco valor, e então a fincaram numa estaca. Mas naquela noite não houve banquete nem cantoria, pois o número de mortos ultrapassava o cálculo de sua tristeza.

Não mais da metade deles, conta-se, ainda conseguia ficar de pé ou ter esperanças de cura.

Não obstante, pela manhã, Thráin estava diante deles. Um de seus olhos fora cegado para sempre, e ele mancava devido a um ferimento na perna, mas mesmo assim disse:

— Muito bem! Conquistamos a vitória! Khazad-dúm é nossa!

Mas eles responderam:

— Você pode ser herdeiro de Durin, mas mesmo com um olho você deveria enxergar com mais clareza. Lutamos nesta batalha por vingança, e nos vingamos. Mas esta vingança não é doce. Se isto for uma vitória, então nossas mãos são muito pequenas para segurá-la.

E os que não faziam parte do Povo de Durin disseram:

— Khazad-dúm não era a casa de nossos Pais. O que representa para nós, além de uma esperança de conseguirmos tesouros? Mas agora, se devemos voltar sem as recompensas e as compensações que nos são devidas, quanto mais cedo voltarmos para nossas próprias terras melhor será.

Então Thráin virou-se para Dáin e disse:

— Mas, com certeza, meus próprios parentes não vão me abandonar?

— Não — disse Dáin. — Você é o pai de nosso Povo, e derramamos nosso sangue por você, e estamos dispostos a fazê-lo de novo. Mas não vamos entrar em Khazad-dúm. Você não vai entrar em Khazad-dúm. Somente eu olhei através da sombra do Portão. Além da sombra ainda o espera a Ruína de Durin. O mundo deve mudar, e algum outro poder que não é o nosso deverá vir antes que o Povo de Durin entre de novo em Moria.

Foi assim que, depois de Azanulbizar, os anões dispersaram-se mais uma vez. Mas antes disso, com grande esforço, despojaram todos os seus mortos, para evitar que os orcs viessem e conseguissem ali um estoque de armas e cotas de malha. Conta-se que cada anão que saiu do campo de batalha vinha vergado sob um grande peso.

Então construiram muitas piras e cremaram todos os corpos de seu povo.

Houve grande derrubada de árvores no vale, que depois disso ficou para sempre deserto, e de Lóríen foi possível avistar a fumaça da cremação46.

Quando as horrendas fogueiras estavam em cinzas, os aliados foram embora para suas próprias terras, e Dáin Pé-de-Ferro conduziu o povo de seu pai de volta para as Colinas de Ferro. Então, parando ao lado da grande estaca, Thráin disse a Thorin Escudo de Carvalho:

— Alguém poderia pensar que esta cabeça foi comprada a um alto preço! Pelo menos demos o nosso reino por ela. Você voltará comigo para a bigorna? Ou prefere mendigar pão em portas orgulhosas?

— Para a bigorna — respondeu Thorin. — Pelo menos o martelo manterá os braços fortes, até que possam outra vez empunhar armas mais afiadas.

Então Thráin e Thorín, com o restante de seus seguidores (entre os quais estavam Balin e Glóin), voltaram para a Terra Parda, e logo após mudaram-se para Eriador, até que por fim fizeram um lar no exílio, na parte leste das Ered Luin, além de Lún. A maioria dos objetos que forjaram naquela época era de ferro, mas eles prosperaram de certa maneira, e seu povo lentamente cresceu47. Mas, como Thrór dissera, o Anel precisava de ouro para gerar ouro, e eles tinham pouco ou quase nada daquele metal e de outros metais preciosos.

 

  1. Foi triste para os anões dispensar aos seus mortos tal tratamento, que era contra os seus hábitos; mas fazer os túmulos que estavam acostumados a construir (uma vez que eles depositam seus mortos na rocha, e não na terra) levaria muitos anos. Portanto, os anões recorreram ao fogo, preferindo isto a expor seu povo a animais, aves ou orcs carntceíros. Mas aqueles que caíram em Azanulbizar eram homenageados na lembrança, e até hoje um anão se refere com orgulho a um de seus antepassados: "ele foi um anão cremado", e isso é o suficiente.
  2. Eles tinham muito poucas mulheres. Dis, filha de Thráin, estava lá. Era a mãe de Fili e Kili, que nasceram nos Ered Luin. Thorin não era casado.

 

Sobre esse Anel pode-se dizer algo aqui. Os anões do Povo de Dum acreditavam que ele era o primeiro dos Sete que foram forjados, e dizem que ele foi dado ao rei de Khazad-dúm, Dum III, pelos próprios ferreiros élficos, e não por Sauron, embora sem dúvida o poder maligno deste estivesse no Anel, já que ele ajudara na forja de todos os Sete. Mas os possuidores do Anel não o exibiam nem comentavam sobre ele, e raramente o entregavam antes de estarem ás portas da morte, de modo que os outros não sabiam ao certo onde estava guardado. Alguns pensavam que tinha ficado em Khazaddúm, nas tumbas secretas dos reis, se é que estas não tivessem sido descobertas e saqueadas; mas entre o povo do Herdeiro de Durin acreditava-se (erroneamente) que Thrór o estava usando quando retornou temerariamente para lá.

O que então teria acontecido a ele não sabiam. O Anel não foi encontrado junto ao corpo de Azog45.

Não obstante, pode muito bem ser, como acreditam atualmente os anões, que Sauron, por suas artes, tenha descoberto quem estava com o Anel, o último a continuar livre, e que os estranhos infortúnios sofridos pelos herdeiros de Dum se tenham devido em grande parte á malícia dele. Pois os anões se revelaram indomáveis atravês desse meio. O único poder que o Anel tinha sobre eles era o de inflamar seus corações com uma avidez por ouro e objetos preciosos, de modo que, se eles não tivessem essas coisas, achavam que todas as outras não traziam lucro algum, e eles se enchiam de ira e de desejo de vingança contra todos os que os privavam de tais coisas.

Mas, desde o início, os anões eram feitos de uma fibra que os fazia resistir firmemente a qualquer dominação. Embora pudessem ser mortos ou destruidos, não podiam ser reduzidos a sombras escravizadas por outra vontade; e pelo mesmo motivo suas vidas não eram afetadas por qualquer Anel, não sendo prolongadas ou encurtadas por causa dele. Isso fazia com que Sauron odiasse ainda mais os seus possuidores, e desejasse despojá-los.

Portanto, foi talvez em parte pela malícia do Anel que Thráín, depois de alguns anos, foi ficando inquieto e insatisfeito. O desejo de ouro não saia de sua cabeça. Por fim, quando não conseguia mais contê-lo, voltou sua mente para Erebor, e decidiu retornar para lá. Não mencionou a Thórin nada do que estava em seu coração, mas com Balin e Dwalin e alguns outros levantou-se, disse adeus e partiu.

Pouco se sabe do que se passou com ele depois. Agora parece possível que, assim que se distanciou com poucos companheiros, ele foi perseguido pelos emissários de Sauron. Lobos o caçaram, orcs prepararam-lhe emboscadas, pássaros malignos encheram suas trilhas de sombras, e, quanto mais ele avançava a duras penas para o norte, mais numerosos eram os infortúnios que se lhe opunham. Chegou uma noite escura na qual ele e seus companheiros vagaram na região além do Anduin, foram forçados a se abrigar nas fronteiras da Floresta das Trevas devido a uma chuva negra. Pela manhã Thráín não foi encontrado no acampamento, e seus companheiros o chamaram em vão. Procuraram-no por muitos dias, até que por fim, sem mais esperanças, partiram ao encontro de Thorin. Só depois de muito tempo se soube que Thráin fora capturado e levado para os poços de Doí Guldur. Ali foi torturado e o Anel lhe foi tomado. E lá acabou por morrer.

Assim Thorin Escudo de Carvalho tornou-se o Herdeiro de Dum, mas um herdeiro sem esperança. Quando Thráin desapareceu, ele tinha noventa e cinco anos, e era um grande anão de porte altivo, mas parecia satisfeito em permanecer em Eriador. Ali trabalhou e negociou por muito tempo, ganhando toda a riqueza possível; seu povo aumentou devido á chegada de muita gente errante do Povo de Dum que ouvia falar de sua morada no oeste e vinha até ele. Agora tinham belos palácios nas montanhas, e estoques de mercadorias, e seus dias não pareciam tão díficeis, embora suas canções sempre mencionassem a distante Montanha Solitária.

Os anos se alongaram. As cinzas no coração de Thorin se aqueceram de novo enquanto ele pensava nas iniquídades sofridas por sua Casa e na herança que recebera: a tarefa de vingar-se do Dragão. Pensava em armas e exércitos e alianças, enquanto seu grande martelo ressoava na forja; mas os exércitos estavam dispersos e as alianças rompidas e os machados de seu povo eram poucos; e um enorme ódio sem esperança queimava em seu coração enquanto ele malhava o ferro vermelho na bigorna.

Mas por fim ocorreu um encontro casual entre Thorin e Gandalf que mudou toda a sorte da Casa de Durin, além de conduzir a fins outros e mais importantes.

Uma vez49, Thorin retornava para o oeste de uma viagem, quando passou uma noite em Bri. Ali também estava Gandalf. Ia para o Condado, lugar que não visitara já havia vinte anos. Sentia-se cansado, e desejava repousar ali por um tempo.

No meio de muitas preocupações, sua mente se concentrava no estado perigoso do norte, pois ele já sabia na época que Sauron estava planejando uma guerra e pretendia, assim que se sentisse forte o suficiente, atacar Valfenda.

Mas agora, para opor resistência contra qualquer tentativa do leste de reconquistar as terras de Angmar e as passagens do norte nas montanhas, só havia os anões das Colinas de Ferro. E além destas ficava a desolação do Dragão. Sauron poderia utilizar-se do Dragão com um efeito terrível. Como então seria possível destruir Smaug49

Foi no momento em que Gandalf estava sentado ponderando sobre essas coisas que Thorin parou diante dele e disse:

— Mestre Gandalf, conheço-o apenas de vista, mas agora ficaria feliz em conversar com você. Pois ultimamente tenho pensado em você com frequência, como se me fosse ordenado que o procurasse. De fato teria feito isso, se soubesse onde encontrá-lo.

Gandalf olhou para ele surpreso.

— Isso é estranho, Thorin Escudo de Carvalho — disse ele. — Pois também estive pensando em você, e, embora esteja a caminho do Condado, tinha em mente que este também é o caminho para os seus palácios.

— Chame-os assim, se desejar — disse Thorín. — São apenas pobres acomodações no exílio. Mas você seria bem-vindo lá, se quisesse nos visitar. Pois dizem que você é sábio e conhece melhor do que qualquer um o que acontece no mundo; há muitas coisas que me preocupam e ficaria feliz em me aconselhar com voce.

— Eu irei — disse Gandalf —, pois desconfio que temos pelo menos um problema em comum. O Dragão de Erebor me preocupa, e não acho que será esquecido pelo neto de Thrór.

 

  1. 15 de março de 2941.

 

Conta-se em outro lugar sobre as consequências desse encontro: sobre o estranho plano feito por Gandalf para ajudar Thorin, e sobre como Thorin e seus companheiros partiram do Condado em busca da Montanha Solitária, o que resultou em grandes feitos imprevistos. Aqui são relembradas apenas as coisas que se referem diretamente ao Povo de Durin.

O Dragão foi morto por Bard, de Esgaroth, mas houve uma batalha em Vaíle. Pois os orcs atacaram Erebor assim que ficaram sabendo do retorno dos anões, e eram liderados por Bolg, filho daquele Azog que Dáin matara em sua juventude. Naquela primeira batalha de Vaíle, Thorin Escudo de Carvalho foi mortalmente ferido; morreu e foi enterrado num túmulo sob a Montanha, com a Pedra Arken sobre o peito. Ali também caíram Fíli e Kili, os filhos de sua irmã. Mas Dáin Pé-de-Ferro, seu primo, que viera das Colinas de Ferro em seu auxilio e que também era seu herdeiro por direito, tornou-se o rei Dáin II, e o Reino-sob-a-Montanha foi restaurado, exatamente como Gandalf desejava. Dáin mostrou ser um grande e sábio rei, e os anões prosperaram e se fortaleceram outra vez em sua época.

No fim do verão do mesmo ano (2941), Gandalf conseguira por fim convencer Saruman e o Conselho Branco a atacarem Dol Guldur, e Sauron se retirou, indo para Mordor, onde poderia estar a salvo, segundo pensava, de todos os seus inimigos. Foi assim que, quando a Guerra por fim chegou, o principal ataque foi dirigido para o sul; mas mesmo assim, com sua mão direita estendida, Sauron poderia ter feito grande mal ao norte, se o rei Daín e o rei Brand não lhe tivessem impedido o caminho.

Foi isso o que Gandalf disse a Frodo e Gimli, quando ficaram morando por um tempo em Minas Tirith. Não fazia muito tempo que tinham chegado a Gondor notícias de eventos distantes.

— Senti pela morte de Thorín — disse Gandalf —, e agora ficamos sabendo que Dáin morreu, lutando em Vaíle mais uma vez, ao mesmo tempo em que lutávamos aqui. Consideraria esta uma enorme perda, se não fosse um grande prodígio o fato de que, em sua idade avançada, ele ainda conseguisse brandir seu machado com a força com que dizem que o fez, de pé sobre o corpo do rei Brand diante do Portão de Erebor até o cair da escuridão.

— Mas, apesar disso, as coisas poderiam ter sido muito diferentes, e muito piores. Quando vocês pensam na grande Batalha do Pelennor, não devem se esquecer das batalhas de Vaíle e da coragem do Povo de Durin. Pensem no que poderia ter acontecido. Fogo de Dragão e espadas cruéis em Eriador, noite em Valfenda. Poderia não haver rainha em Gondor. Poderíamos agora ter esperanças de retornar da vitória para encontrar apenas cinzas e ruínas. Mas isso foi evitado — porque eu encontrei Thorin Escudo de Carvalho certa noite no início da primavera em Bri. Um encontro casual, como se diz na Terra-média.

Dis era filha de Thráin II. É a única mulher-anã mencionada nessas histórias. Gimli contou que há poucas anãs, provavelmente não mais que um terço de todo o povo. Raramente elas deixam seus lares, a não ser que haja grande necessidade. São tão semelhantes aos anões na voz e na aparência, e nas roupas que usam quando precisam viajar, que olhos e ouvidos dos outros povos não conseguem distíngui-los. Isso deu origem entre os homens á tola crença de que não há anãs, e os anões "nascem da pedra".

A Linhagem dos anões de Erebor, como foi desenhada por Gimil, filho de Glóin, para o rei Elessar.

 

Fundação de Erebor, 1999.

Dáin I morto por um dragão, 2589.

Retorno a Erebor, 2590.

Erebor saqueada, 2770.

Assassinato de Trór, 2790.

Concentração os Anões, 2790-3.

Guerra entre anões e orcs, 2793-9.

Batalha de Nanduhirion, 2799.

Thráin parte sem destino, 2841.

Morte de Thráin e perda de seu Anel, 2850.

Batalha dos Cinco Exércitos e morte de Thorin II, 2941.

Balin vai para Moria, 2898.

 

— Os nomes daqueles que foram considerados reis do Povo de Durin, no exílio ou não, estão marcados deste modo. Dos outros companheiros de Thorin Escudo de Carvalho na tomada para Erebor, Ori, Nori e Dori também eram da Casa de Durin, e parentes mais remotos de Thorin; Bifur, Bofo e Bombur descendiam dos anões de Moria mas não eram da linhagem de Durin.

É por causa do reduzido número de mulheres entre eles que a espécie dos anões se multiplica lentamente, e fica ameaçada quando eles não têm uma moradia segura.

Pois os anões só se casam uma vez na vida, e são ciumentos, como em todos os seus direitos. O número de anões-varões que se casam é na verdade menos de um terço. Pois nem todas as mulheres se casam: algumas não desejam maridos, outras desejam algum que não podem conseguir e portanto não aceitam outro. Quanto aos homens, muitos também não desejam o casamento, concentrando-se em seus oficios.

Gimli, filho de Glóin, é famoso, pois foi um dos Nove Caminhantes que partiram com o Anel, e ficou na companhia do rei Elessar durante toda a Guerra. Foi chamado de Amigo-dos-elfos devido ao grande amor nascido entre ele e Legolas, filho do rei Thranduil, e por causa de sua reverência pela Senhora Galadriel.

Depois da queda de Sauron, Gimli trouxe para o sul uma parte do povo dos anões de Erebor, e tornou-se Senhor das Cavernas Cintilantes. Ele e seu povo realizaram grandes trabalhos em Gondor e em Rohan. Para Minas Tirith forjaram portões de mithril e aço, substituindo aqueles que foram destruidos pelo Rei dos Bruxos. Legolas, seu amigo, também trouxe para o sul alguns elfos da Floresta Verde, e eles moraram em Ithilien, que se tornou outra vez o lugar mais belo de todas as Terras do Oeste.

Mas, quando o rei Elessar entregou sua vida, Legolas seguiu por fim o desejo de seu coração, e navegou atravessando o Mar.

 

Segue-se aqui uma das últimas notas do Livro Vermelho

 

Ouvimos dizer que Legolas levou consigo Gimli, filho de Glóin, por causa de sua grande amizade, maior do que qualquer uma que já houve entre um elfo e um anão. Se isto for verdade, então é realmente estranho: que um anão estivesse disposto a deixar a Terra-média por qualquer amor, e que os eldar o recebessem, ou que os Senhores do Oeste permitissem tal coisa. Mas conta-se que Gimli partiu também movido pelo desejo de rever a beleza de Galadriel; pode ser que ela, sendo poderosa entre os eldar, tenha conseguido tal graça para ele. Não se pode dizer mais nada sobre esse assunto.

 

O CONTO DOS ANOS

A Primeira Era terminou com a Grande Batalha, na qual o Exército de Valínor destruiu Thangorodrim1 e derrotou Morgoth. Então a maior parte dos noldor retornou para o Extremo Oeste2 e passou a morar em Eressêa, perto de Valínor, e muitos dos sindar também atravessaram o Mar.

A Segunda Era terminou com a primeira derrota de Sauron, servidor de Morgoth, e com a tomada do Um Anel.

A Terceira Era chegou ao fim com a Guerra do Anel; entretanto, só se considera que a Quarta Era teve início com a partida de Mestre Elrond, quando chegou a época do domínio dos homens e do declínio de todos os outros "povos falantes" na Terra-média3.

Na Quarta Era, todas as eras anteriores eram frequentemente chamadas de Dias Antigos, mas esse nome fica mais adequado se for aplicado somente aos dias anteriores ao banímento de Morgoth. As histórias dessa época não estão registradas aqui.

 

A Segunda Era

Estes foram os tempos sombrios para os homens da Terra-média mas os anos de glória de Númenor. Sobre eventos na Terra-média os registros são raros e breves, e as datas são frequentemente duvidosas.

No início dessa era, muitos dos altos elfos ainda permaneciam. A maioria deles morava em Lindon, a oeste das Ered Luín; mas antes da construção de Baraddor muitos dos sindar foram para o leste, e alguns estabeleceram reinos nas florestas distantes, onde a maior parte do povo se compunha de elfos da Floresta. Thranduil, rei no norte da Grande Floresta Verde, era um destes. Em Lindon, a norte de Lún, morava Gil-galad, o último herdeiro dos reis dos noldor no exílio. Era reconhecido como alto rei dos elfos do oeste. Em Lindon, ao sul de Lún, morou por um tempo Celeborn, parente de Thíngol; sua mulher era Galadriel, a maior das mulheres élficas.

Ela era irmã de Finrod Felagund, Amigo-dos-Homens, outrora rei de Nargothrond, que deu sua vida para salvar Beren, filho de Barahir.

Posteriormente, alguns dos noldor foram para Eregion, no lado ocidental das Montanhas Sombrias, próximo ao Portão Oeste de Moria. Fizeram isto porque souberara que se descobrira mithril em Mona4. Os noldor eram grandes artesãos e menos hostis aos anôes do que os sindar; mas a amizade que cresceu entre o povo de Durio e os ferreiros élficos de Eregion foi a mais estreita que já houve entre as duas raças. Celebrimbor era Senhor de Eregion e o maior dos artesàos; era descendente de Fêanor.

 

Ano

1 Fundação dos Portos Cinzentos e de Lindon.

32 Os edain chegam a Númenor.

  1. 40 Muitos anões, deixando suas antigas cidades nas Ered Luin, vão para Moria aumentando a população local.

442 Morte de Elros Tar-Minyatur.

  1. 500 Sauron começa outra vez a agitar-se na Terra-média.

548 Nasce Silmariên em Númenor.

600 Os primeiros navios dos númenorianos aparecem próximos ao litoral. 750 Fundação de Eregion, pelos noldor.

  1. 1000 Sauron, alarmado com o crescimento do poder dos númenorianos, escolhe Mordor como o local para transformar numa fortaleza. Começa a construção de Barad-dúr.

1075 Tar-Ancalimê torna-se a primeira rainha governante de Númenor.

1200 Sauron tenta seduzir os eldar. Gil-galad se recusa a fazer acordo com ele, mas os ferreiros de Eregion passam para o seu lado. Os númenorianos começam a construir portos permanentes.

  1. 1500 Os ferreiros élficos, orientados por Sauron, alcançam o apogeu de sua habilidade. Começam a forja dos Anéis de Poder.
  2. 1590 São completados os Três Anéis em Eregion.
  3. 1600 Sauron forja o Um Anel em Orodruin. Finaliza a construção de Baraddúr. Celebrimbor percebe as intenções de Sauron.

1693 Começa a guerra entre os elfos e Sauron. Os Três Anéis são escondidos.

1695 As forças de Sauron invadem Eriador. Gil-galad envia Elrond para Eregion.

1697 Eregion é devastada. Morte de Celebrimbor. Os portões de Moria são fechados. Elrond retira-se com os remanescentes dos noldor e funda o refúgio de Imíadris.

1699 Sauron invade Eriador.

1700 Tar-Minastir envia uma grande esquadra de Númenor para Lindon. Sauron é derrotado.

1701 Sauron é expulso de Eriador. As Terras do Oeste têm paz por um longo

tempo.

  1. 1800 Por volta dessa época os númenorianos começam a estabelecer dominios nas costas. Sauron estende seu poder na direção do leste. A sombra cai sobre Númenor.

2251 Tar-Atanamir toma o cetro. Começa a rebelião e a divisão dos númenorianos. Por volta dessa época os nazgúl ou Espectros do Anel, escravos dos Nove Anéis, aparecem pela primeira vez.

2280 Umbar se transforma numa grande fortaleza de Númenor.

2350 Pelargir é construído. Torna-se o principal porto dos númenorianos Fiéis.

2899 Ar-Adûnakhôr toma o cetro.

3175 Arrependimento de Tar-Palantir. Guerra civil em Númenor.

3255 Ar-Pharazôn, o Dourado, toma o cetro.

3261 Ar-Pharazôn zarpa e aporta em Umbar.

3262 Sauron é levado para Númenor como prisioneiro; 3262-

3310 Sauron seduz o rei e corrompe os númenorianos.

3310 Ar-Pharazôn inicia a construção do Grande Armamento.

3319 Ar-Pharazõn ataca Valinor. Queda de Númenor. Elendil e seus filhos escapam.

3320 Fundação dos Reinos no Exílio: Amor e Gondor. As Pedras são divididas. Sauron retorna a Mordor.

3429 Sauron ataca Gondor, toma Minas Ithil e queima a Árvore Branca. Isildur escapa pelo Anduin e vai ao encontro de Elendil no norte. Anárion defen de Minas Anor e Osgiliath.

3430 Forma-se a Última Aliança entre elfos e homens.

3431 Gil-galad e Elendil marcham para o leste na direção de Imíadris.

3434 O exército da Aliança atravessa as Montanhas Sombrias. Batalha de Dagorlad e derrota de Sauron. Começa o cerco de Barad-dúr.

3440 Anárion é assassinado.

3441 Sauron derrubado por Elendil e Gil-galad, que morrem. Isildur toma o Um Anel. Sauron desaparece e os Espectros do Anel entram nas sombras. Termina a Segunda Era.

 

A Terceira Era

Estes foram os últimos anos dos eldar. Viveram em paz por um longo tempo, controlando os Três Anéis, enquanto Sauron dormia e o Um Anel estava perdido; mas não tentaram nada de novo, vivendo de recordações do passado. Os anões se esconderam em lugares profundos, guardando seus tesouros; mas, quando o mal começou a se manifestar de novo e os dragões reapareceram, seus antigos tesouros foram saqueados um a um, e eles se transformaram num povo errante. Por muito tempo Moria permaneceu um lugar seguro, mas a população diminuía até que muitos de seus vastos salões se tornaram escuros e vazios. A sabedoria e a longevidade dos númenorianos também foram minguando, à medida que eles se miscigenaram com homens inferiores.

Quando cerca de mil anos haviam passado, e a primeira sombra cobriu a Grande Floresta Verde, os istari ou magos apareceram na Terra-média. Posteriormente comentou-se que eles tinham vindo do Extremo Oeste e eram mensageiros enviados para fazer frente ao poder de Sauron, e para unir todos aqueles que tinham vontade de resistir a ele; mas os magos estavam proibidos de enfrentar o poder dele com o seu poder, ou de procurar dominar os elfos ou os homens usando de força ou medo.

Portanto vieram na forma de homens, embora nunca fossem jovens e envelhecessem vagarosamente, e detinham muitos poderes na mente e nas mãos. Revelavam seus verdadeiros nomes a poucos5, mas usavam os nomes que lhes eram dados. Os dois maiores dessa ordem (da qual se diz que era composta de cinco) eram chamados pelos eldar de Curunir, "o Homem Habilidoso", e Mithrandir, "o Peregrino Cinzento", mas os homens do norte chamavam-nos respectivamente de Saruman e Gandalf. Curunir viajava frequentemente para o leste, mas por fim passou a morar em Isengard. Mithrandir tinha uma amizade mais estreita com os eldar, e vagava principalmente no oeste, nunca fixando uma residência permanente.

Ao longo de toda a Terceira Era, a guarda dos Três Anéis só era conhecida daqueles que os possuiam. Mas finalmente se ficou sabendo que no início eles estiveram sob a posse dos três maiores entre os eldar: Gil-galad, Galadriel e Círdan. Gil-galad, antes de morrer, entregou seu anel a Elrond; Cirdan mais tarde entregou o seu a Mithrandir. Cirdan enxergava mais longe e mais fundo que qualquer outro na Terra-média, e assim recebeu Mithrandir nos Portos Cinzentos, sabendo de onde ele viera e para onde retornaria.

— Tome este anel, Mestre — disse ele —, pois seus trabalhos serão árduos; mas ele irá ajudá-lo na cansativa missão que você tomou para si.

Pois este é o Anel de Fogo, e com ele você poderá reacender corações num mundo que se esfria. Mas, quanto a mim, meu coração está com o Mar, e vou morar nas praias cinzentas até que zarpe o último navio. Vou aguardar voce.

 

Ano

1 Fundação dos Portos Cinzentos e de Lindon.

2 Isildur planta uma muda da Arvore Branca em Minas Anor. Entrega o Reino do Sul para Meneldil. Desastre dos Campos de Lis; Isildur e seus três filhos mais velhos são mortos.

3 Ohtar traz os fragmentos de Narsil a Imíadris.

10 Valandil torna-se rei de Amor.

109 Elrond casa-se com Celebrían, filha de Celeborn.

130 Nascem Elladan e Elrobir, filhos de Elrond.

241 Nasce Arwen Undómiel.

420 O rei Ostoher reconstrói Minas Anor.

490 Primeira invasão dos orientais.

500 Rómendacil 1 derrota os orientais.

541 Rómendacil é morto em batalha.

830 Falastur começa a linhagem dos reis navegantes de Gondor.

861 Morte de Eãrendur e divisão de Amor.

933 O rei Eãrnil 1 conquista Umbar, que se transforma numa fortaleza de Gondor.

936 Eãrnil se perde no mar.

1015 O rei Ciryandil é morto no cerco de Umbar.

1050 Hyarmendacíl conquista Harad. Gondor alcança o apogeu de seu poder. Por volta dessa época uma sombra cai sobre a Floresta Verde, e os homens começam a chamá-la de Floresta das Trevas. Os Periannath são mencionados pela primeira vez nos registros, com a chegada dos Péspeludos a Eriador.

  1. 1100 Os sábios (os istari e os principais eldar) descobrem que um poder maligno construiu uma fortaleza em Doí Guldur. Há desconfiança de que se trata de um dos nazgúl.

1149 Começa o Reinado de Atanatar Alcarin.

  1. 1150 Os Cascalvas chegam a Eriador. Os Grados chegam pelo Passo do Chifre Vermelho e mudam-se para o Ângulo, ou para a Terra Parda.
  2. 1300 Seres malignos começam a se multiplicar outra vez. Os orcs proliferam

nas Montanhas Sombrias e atacam os anões. Os nazgúl reaparecem. O chefe deles vem ao norte para Angmar. Os Periannath migram para o oeste; muitos se fixam em Bri.

1356 Orei Argeleb í é morto em batalha contra Rhudaur. Por volta dessa época

os Grados deixam o Angulo e alguns deles retornam para as Terras Ermas.

1409 O Rei dos Bruxos de Angmar invade Amor. O rei Arveleg I é morto.

Fornost e Tyrn Gorthad são defendidos. A Torre de Amon Súl é destruida.

1432 Morre o rei Valacar de Gondor e começa a guerra civil e a Contenda das Famílias.

1437 Incêndio de Osgiliath e extravio dopalantír. Eldacar foge para Rhovanion; seu filho Omendil é assassinado.

1447 Eldacar retorna e expulsa o usurpador Castamir. Batalha das Travessias de Frui. Cerco de Pelargir.

1448 Rebeldes escapam e sitiam Umbar.

1540 Rei Aldamir morto na guerra contra Harad e os Corsários de Umbar.

1551 Hyarmendacil II derrota os homens de Harad.

1601 Muitos Periannath migram de Bri, e Argeleb II lhes doa terras além do Baranduin.

 

  1. 1630 Juntam-se a eles os Grados, vindos da Terra Parda.

1634 Os Corsários assolam Pelargir e matam o rei Minardil.

1636 A Grande Peste devasta Gondor. Morte do rei Telemnar e de seus filhos. A Árvore Branca morre em Minas Anor. A peste se alastra para o norte e para o oeste, e muitas partes de Eríador ficam desoladas. Além do Baranduin os Periannath sobrevivem, mas sofrem grandes perdas.

1640 Orei Tarondor remove a Casa Real para Minas Anor e planta uma muda da Árvore Branca. Osgiliath começa a cair em ruínas. Mordor fica desguarnecida.

1810 O rei Telumehtar Umbardacil reconquista Umbar e expulsa os Corsários.

1851 Começam os ataques dos Carroceiros contra Gondor.

1856 Gondor perde seus territórios orientais e Narmacil II cai em batalha.

1899 O rei Calimehtar derrota os Carroceiros em Dagorlad.

1900 Calimehtar constrói a Torre Branca em Minas Anor.

1940 Gondor e Amor renovam suas relações e formam uma aliança. Arvedui casa-se com Firiel, filha de Ondoher de Gondor.

1944 Ondoher cai em batalha. Eãmil derrota o inimigo em Ithilicn do Sul. Vence então a Batalha do Acampamento e expulsa os Carroceiros para os Pântanos Mortos. Arveduí reivindica a coroa de Gondor.

1945 Fárnil II recebe a coroa.

1974 Fim do Reino do Norte. O Rei dos Bruxos invade Arthedain e toma Fornost.

1975 Arvedui morre afogado na Baía de Forochel. Ospalantiri de Annúminas e de Amon Súl são perdidos. Farnur traz uma frota para Lindon. O Rei dos Bruxos é derrotado na Batalha de Fornost e perseguido até a Charneca Etten. Desaparece do norte.

1976 Aranarth recebe o titulo de Líder dos Dúnedain. As heranças de Amor são confiadas à custódia de Elrond.

1977 Frumgar conduz os éothéod para o norte.

1979 Bucca do Pântano torna-se o primeiro Thain do Condado.

1980 O Rei dos Bruxos vem para Mordor e ali reúne os nazgúl. Um balrog aparece em Moria e mata Durin VI.

1981 Assassinado Náin 1. Os anões fogem de Moria. Muitos dos elfos da Floresta de Lórien fogem para o sul. Desaparecem Amroth e Nimrodel.

1999 Thráín 1 vem para Erebor e funda um Reino de Anões "sob-a-Montanha".

2000 Os nazgúl saem de Mordor e sitiam Minas Ithil.

2002 Queda de Minas Ithil, posteriormente conhecida como Minas Morgul. O palantir é capturado.

2043 Eãrnur torna-se rei de Gondor. É desafiado pelo Rei dos Bruxos.

2050 O desafio é repetido. Eãrnur cavalga para Minas Morgul e desaparece. Mardil torna-se o primeiro regente governante.

2060 Cresce o poder de Doí Guldur. Os sábios temem que possa ser Sauron manifestando-se de novo.

2063 Gandalf vai para Doí Guldur. Sauron se retira e se esconde no leste. Começa a Paz Vigilante. Os nazgúl permanecem quietos em Minas Morgul.

2210 Thorin 1 deixa Erebor e vai para o norte rumo às Montanhas Cinzentas, onde a maior parte dos remanescentes do Povo de Durin está agora reunida.

2340 Isumbras 1 toma-se o décimo terceiro Thain, e o primeiro da linhagem dos Túks. Os Velhobuques ocupam a Terra dos Buques.

2460 Termina a Paz Vigilante. Sauron retorna a Doí Guldur com maior força.

2463 Forma-se o Conselho Branco. Por volta dessa época, Déagol, o Grado, encontra o Um Anel e é morto por Sméagol.

2470 Por volta dessa época, Sméagol-Gollum se esconde nas Montanhas Sombrias.

2475 Renova-se o ataque a Gondor. Osgiliath finalmente é arruinada e sua ponte pedra destruída.

  1. 2480 Orcs começam a construir fortalezas secretas nas Montanhas Sombrias, com o intuito de barrar todas as passagens para Eriador. Sauron começa a povoar Moria com suas criaturas.

2509 Celebrian, viajando para Lónien, é vitima de uma emboscada no Passo do Chifre Vermelho e sofre um ferimento envenenado.

2510 Celebrian parte para além-Mar. Orcs e orientais assolam Calenardhon. Eorl, o Jovem, obtém a vitória do Campo de Celebrant. Os rohirrím se estabelecem em Calenardhon.

2545 Eorl cai em batalha no Descampado.

2569 Brego, filho de Eorl, termina o Palácio Dourado.

2570 Baldor, filho de Brego, entra pela Porta Proibida e desaparece. Por vol ta dessa época, dragões voltam a aparecer no extremo norte e começam a atormentar os anões.

2589 Dáin i é morto por um dragão.

2590 Thrór retorna para Erebor. Grór, seu irmão, vai para as Colinas de Ferro.

  1. 2670 Tobold planta "erva-de-fumo" na Quarta Sul.

2683 Isengrim II toma-se o décimo Thain e começa a escavação dos Grandes Smlals.

2698 Ecthelion II reconstrói a Torre Branca em Minas Tirith.

2740 Orcs voltam a invadir Eriador.

2747 Bandobras Túk derrota um bando de orcs na Quarta Norte.

2758 Rohan atacada pelo leste e pelo oeste é invadida. Gondor atacada por esquadras dos Corsários. Heim de Rohan refugia-se no Abismo de Heim. Wulf sitia Edoras.

2758-9 Segue-se o Inverno Longo. Grande sofrimen-to e perdas de vidas em Eriador e em Rohan. Gandalf vem em socorro do povo do Condado.

2759 Morte de Heim. Fréaláf expulsa Wulf e começa a segunda linhagem de reis da Terra dos Cavaleiros. Saruman fixa residência em Isengard.

2770 Smaug, o dragão, desce sobre Erebor. Vaile é destruída. Thrór escapa com Thráin II e Thonin II.

2790 Thrór morto por um orc em Moria. Os anões se reúnem para uma guerra de vingança. Nascimento de Gerontius, mais tarde conhecido como Velho Túk.

2793 Começa a Guerra entre orcs e anoes.

2799 Batalha de Nanduhinion diante do Portão Leste de Moria. Dáin Pé-de-Ferro retorna para as Colinas de Ferro. Thráin II e seu filho Thonin vagam na direção do oeste. Assentam-se no sul das Ered Luin, além do Condado (2802).

2800-64 Orcs do norte perturbam Rohan. Rei Walda morto por eles (2861).

2841 Thráín II parte para revisitar Erebor, mas é perseguido pelos servidores de Sauron.

2845 Thráin, o anão, é aprisionado em Doí Guldur; o último dos Sete Anéis lhe é tomado.

2850 Gandalf entra mais uma vez em Doí Guldur, e descobre que o mestre ali é realmente Sauron, que está reunindo todos os Anéis e procurando notícias do Um e do Herdeiro de Isildur. Gandalf encontra Thráin e recebe a chave de Erebor. Thráin morre em Doí Guldur.

2851 O Conselho Branco se reúne. Gandalf insiste num ataque contra Dol Guldur. Saruman prevalece6. Saruman começa a vasculhar perto dos Campos de Lis.

2852 Morre Belecthor II, de Gondor. A Árvore Branca morre e não se encontra mais nenhuma muda. A Arvore Morta é deixada de pé.

2885 Insuflados por emissários de Sauron, os haradrim atravessam o Poros e atacam Gondor. Os filhos de Folcwine de Rohan são mortos a serviço de Gondor.

2890 Nasce Bilbo, no Condado.

 

  1. Posteriormente ficou claro que Saruman começara então a desejar o Um Anel para si próprio, e esperava que ele pudesse se revelar, procurando seu mestre, se Sauron fosse deixado em paz por um tempo.

 

2901 A maior parte dos habitantes que restam em Ithilien a abandonam devido aos ataques os uruks de Mordor. E construído o refúgio secreto de Henneth Annún.

2907 Nasce Gilraen, mãe de Aragorn II.

2911 O Inverno Mortal. O Baranduin e outros rios ficam congelados. Lobos brancos invadem Eriador pelo norte.

2912 Grandes enchentes devastam Enedwaith e Minhiriath. Tharbad fica arruinada e deserta.

2920 Morre o Velho Túk.

2929 Arathorn, filho de Arador dos dúnedaín, casa-se com Gilraen.

2930 Arador morto por trolls. Nasce Denethor II, filho de Ecthelion II, em Minas Tirith.

2931 Aragorn II, filho de Arathorn, nasce no dia primeiro de março.

2933 Arathorn II é morto. Gilraen leva Aragorn para Imíadris. Elrond o recebe como um filho adotivo e lhe dá o nome de Estel (Esperança); seus antepassados não lhe são revelados.

2939 Saruman descobre que os servidores de Sauron estão vasculhando o Andum, perto dos Campos de Lis, e que Sauron, portanto, já sabe do fim de Isildur. Saruman fica alarmado, mas não conta nada ao Conselho.

2941 Thonn Escudo de Carvalho e Gandalf visitam Bilbo no Condado. Bilbo encontra Sméagol-Gollum e acha o Anel. O Conselho Branco se reúne; Saruman concorda em atacar Doí Guldur,já que agora quer impedir que Sauron vasculhe o Rio. Sauron, já tendo feito seus planos, abandona Dol Guldur. Batalha dos Cinco Exércitos em Valle. Morte de Thorin II. Bard de Esgaroth mata Smaug. Dáin, das Colinas de Ferro, torna-se Rei-sob-a-Montanha (Dáin II).

2942 Bilbo retorna para o Condado com o Anel. Sauron retorna em segredo para Mordor.

2944 Bard reconstrói Vaíle e torna-se rei. Gollum deixa as Montanhas e começa sua procura pelo "ladrão" do Anel.

2948 Nasce Théoden, filho de Thengel, rei de Rohan.

2949 Gandalf e Balin visitam Bilbo no Condado.

2950 Nasce Finduilas, filha de Adrabil de Doí Amroth.

2951 Sauron declara-se abertamente e concentra seu poder em Mordor. Come ça a reconstrução de Barad-dúr. Gollum volta-se na direção de Mordor. Sauron envia três dos nazgúl para que reocuperem Dol Guldur. Elrond revela a "Estel" seu verdadeiro nome e linhagem, e lhe entrega os fragmentos de Narsil. Arwen, recém-chegada de Lórien, encontra Aragorn na floresta de Imíadris. Aragorn parte para as Terras Ermas.

2953 Última reunião do Conselho Branco. Debatem sobre os Anéis. Saruman finge que descobriu que o Um Anel desceu pelo Anduin na direção do Mar. Saruman se retira para Isengard, que toma como sua e fortifica. Sentindo ciúme e medo de Gandalf, coloca espiões para vigiar todos os seus movimentos, e percebe o seu interesse pelo Condado. Logo começa a manter agentes em Bri e na Quarta Sul.

2954 A Montanha da Perdição volta a explodir em chamas. Os últimos habitantes de Ithilien fogem pelo Anduín.

2956 Aragorn encontra Gandalf e começa a amizade entre os dois.

2957-80 Aragorn empreende as longas jornadas de sua vida errante. Sob o disfarce de Thorongil, serve tanto a Thengel de Rohan como a Ecthelíon II de Gondor.

2968 Nasce Frodo.

2976 Denethor casa-se com Finduilas, de Doí Amroth.

2977 Bain, filho de Bard, torna-se rei de Vaíle.

2978 Nasce Boromir, filho de Denethor II.

2980 Aragorn entra em Lórien e lá encontra outra vez Arwen Undómiel. Aragorn lhe dá o Anel de Barahir e eles se comprometem sobre a colina de Cem Amroth. Por volta dessa época Gollum chega aos confins de Mordor e trava conhecimento com Laracna. Théoden torna-se rei de Rohan.

2983 Nasce Faramir, filho de Denethor. Nasce Samwíse.

2984 Morre Ecthelion II. Denethor II torna-se regente de Gondor.

2988 Morre precocemente Finduilas.

2989 Balin deixa Erebor e entra em Moria.

2991 Nasce Éomer, filho de Éomund, em Rohan.

2994 Balin morre e a colónia dos anões é destruida.

2995 Nasce Éowyn, irmã de Eomer.

  1. 3000 A sombra de Mordor se expande. Saruman se arrisca a usar o palantir de Orthanc, mas é iludido por Sauron, que tem a Pedra de Ithíl. Saruman trai o Conselho. Seus espiões reportam que o Condado está sendo fortemente protegido pelos guardiões.

3001 Festa de Despedida de Bilbo. Gandalf suspeita que o anel dele é o Um Anel. A vigilância do Condado é redobrada. Gandalf procura noticias de Gollum e pede a ajuda de Aragorn.

3002 Bílbo torna-se um hóspede de Elrond, e passa a morar em Valfenda.

3004 Gandalf visita Frodo no Condado, e continua fazendo o mesmo em intervalos durante os quatro anos seguintes.

3007 Brand, filho de Bain, torna-se rei de Vaíle. Morre Gilraen.

3008 No outono, Gandalf faz sua última visita a Frodo.

3009 Gandalf e Aragorn retomam, de tempo em tempo, sua caça a Gollum durante os oito anos seguintes, procurando nos vales do Anduin, na Floresta das Trevas, em Rhovanion e indo até os confins de Mordor. Em algum período durante esses anos o próprio Gollum se aventurou a entrar em Mordor e foi capturado por Sauron. Elrond manda buscar Arwen e ela retorna para Imíadris; as Montanhas e toda a região oriental estão ficando perigosas.

3017 Gollum é libertado em Mordor. É capturado por Aragorn nos Pântanos Mortos e trazido para Thranduil, na Floresta das Trevas. Gandalf visita Minas Tirith e lê o pergaminho de Isíldur.

 

OS GRANDES ANOS

3018

Abril

Ano

12 Gandalf chega á Vila dos Hobbits.

 

Junho

20 Sauron ataca Osgiliath. Por volta da mesma época, Thranduil é

atacado e Gollum escapa.

 

Julho

4 Boromir parte de Minas Tirith.

10 Gandalf aprisionado em Orthanc.

 

Agosto

Desaparecem todos os rastros de Gollum. Considera-se que, por volta dessa época, sendo caçado tanto pelos elfos quanto pelos servidores de Sauron, ele se tenha refugiado em Moria, mas, quando finalmente descobriu o caminho para o Portão Oeste, ele não conseguiu sair.

 

Setembro

18 Gandalf escapa de Orthanc nas primeiras horas do dia. Os Cavaleiros Negros atravessam os Vaus do Isen.

19 Gandalf vai para Edoras como um mendigo, e sua entrada não é permitida.

20 Gandalf consegue entrar em Edoras. Théoden ordena que parta: "Escolha qualquer cavalo, mas parta antes do fim do dia de amanhã!"

21 Gandalf encontra Scadufax, mas o cavalo não permite que ele se aproxime. Gandalf persegue Scadufax por um longo trecho através dos campos.

22 Os Cavaleiros Negros chegam ao Vau Saro ao cair da noite e afugentam os guardiões. Gandalf alcança Scadufax.

23 Quatro Cavaleiros entram no Condado antes da aurora. Os outros perseguem os guardiões na direção do leste e depois retornam para vigiar o Caminho Verde. Um Cavaleiro Negro chega à Vila dos Hobbits ao cair da noite. Frodo deixa Bolsão. Gandalf tendo domado Scadufax, parte de Rohan.

24 Gandalf atravessa o Isen.

26 A Floresta Velha. Frodo encontra Bombadíl.

27 Gandalf atravessa o rio Cinzento. Segunda noite com Bombadil.

28 Os hobbits são capturados por uma Criatura Tumular. Gandalf chega ao Vau Sam.

29 Frodo chega a Bri de noite. Gandalf visita o Feitor.

30 Cricôncavo e a Estalagem em Bri são atacadas nas primeiras horas do dia. Frodo deixa Bri. Gandalf dirige-se para Cricôncavo e chega a Bri ao anoitecer.

 

Outubro

1 Gandalf deixa Bri.

3 Gandalf é atacado durante a noite no Topo do Vento.

6 O acampamento sob o Topo do Vento é atacado durante a noite. Frodo é ferido.

9 Glorfindel deixa Valfenda.

11 Glorfindel expulsa os Cavaleiros da Ponte de Mitheithel.

13 Frodo atravessa a ponte.

18 Glorfindel encontra Frodo ao cair da tarde. Gandalf chega a Valfenda.

20 Fuga através do Vau do Bruinen.

24 Frodo recupera-se e acorda. Boromir chega a Valfenda de noite.

25 Conselho de Elrond.

 

Dezembro

25 A Comitiva do Anel deixa Valfenda ao cair da noite.

 

3019

Janeiro

8 A Comitiva chega a Azevim.

11,12 Neve sobre Caradhras.

13 Ataque de lobos nas primeiras horas do dia. A Comitiva atinge o Portão Leste de Moria ao cair da noite. Gollum começa a seguir os rastros do Portador do Anel.

14 Noite no Salão Vinte e Um.

15 A Ponte de Khazad-dúm e queda de Gandalf. A Comitiva chega a Nimrodel tarde da noite.

17 A Comitiva chega a Caras Galadhon no inicio da noite

23 Gandalf persegue o balrog até o pico de Zirak-zigil.

25 Gandalf derruba o balrog e morre. Seu corpo jaz no pico.

 

Fevereiro

14 O Espelho de Galadriel. Gandalf volta à vida e jaz em um transe.

16 Adeus a Lórien. Gollum, escondido na margem ocidental, observa a partida.

17 Gwaihir transporta Gandalf até Lórien.

23 Os barcos são atacados de noite perto do Saro Gebir.

25 A Comitiva passa pelos Argonath e acampa no Parth Galen. Primeira Batalha dos Vaus do Isen; Théodred, filho de Théoden, é morto.

26 Rompimento da Sociedade do Anel. Morte de Boromir; sua corneta é ouvida em Minas Tirith. Meriadoc e Peregrin são capturados. Frodo e Samwise penetram a parte leste das Emyn Muil. Aragorn parte em perseguição aos orcs no início da noite. Éomer fica sabendo da descida do bando de orcs das Emyn Muil.

27 Aragorn atinge o penhasco oeste ao nascer do dia. Éomer, contra as ordens de Théoden, parte do Folde Oriental por volta da meia-noite em perseguição aos orcs.

28 Éomer alcança os orcs nas bordas da Floresta de Fangorn.

29 Meriadoc e Pippin escapam e encontram Barbárvore. Os rohirrim atacam ao nascer do dia e destroem os orcs. Frodo desce das Emyn Muil e encontra Gollum. Faramir vê o barco funerário de Boromir.

30 Começa o Entebate. Éomer, retornando de Edoras, encontra Aragorn.

 

Março

1 Frodo começa a atravessar os Pântanos Mortos ao nascer do dia. Continua o Entebate. Aragorn encontra Gandalf, o Branco. Eles partem para Edoras. Faramir deixa Minas Tirith e vai para Ithilien numa missão.

2 Frodo chega ao fim dos Pântanos. Gandalf chega a Edoras e cura Théoden. Os rohirrim cavalgam para o oeste e avançam contra Saruman. Segunda Batalha dos Vaus do Isen. Erkenbrand derrotado. Termina o Entebate durante a tarde. Os ents marcham na direção de Isengard, chegando lá de noite.

3 Théoden se retira para o Abismo de Helm. Começa a Batalha do Forte da Trombeta. Os ents completam a destruição de Isengard.

4 Théoden e Gandalf partem do Abismo de Helm na direção de Isengard. Frodo atinge os morros de lava nas fronteiras da Desolação do Morannon.

5 Théoden chega a Isengard ao meio-dia. Parlamentação com Saruman em Orthanc. Um nazgúl alado sobrevoa o acampamento em Doí Baran. Gandalf parte com Peregrin para Minas Tirith. Frodo se esconde perto do Morannon, e parte na hora do crepúsculo.

6 Aragorn alcançado pelos dúnedain nas primeiras horas do dia. Théoden parte do Forte da Trombeta para o Vale Harg. Aragorn parte mais tarde.

7 Frodo é levado por Faramir para Henneth Annún. Aragorn chega ao Templo da Colina ao cair da noite.

8 Aragorn toma as "Sendas dos Mortos" ao nascer do dia; chega a Erech á meia-noite. Frodo parte de Henneth Annún.

9 Gandalf chega a Minas Tirith. Faramir parte de Henneth Annún. Aragorn parte de Erech e chega a Calembel. No crepúsculo Frodo atinge a Estrada de Morgul. Théoden chega ao Templo da Colina. A Escuridâo de Mordor começa a se espalhar.

10 O Dia sem Aurora. A Concentração das Tropas de Rohan: os rohirrim partem do Templo da Colina. Faramir resgatado por Gandalf do lado de fora dos Portões da Cidade. Aragorn atravessa o Ringló. Um exército do Morannon toma Cair Andros e invade Anórien. Frodo atravessa a Encruzilhada e assiste à partida do Exército de Morgul.

11 Gollum visita Laracna, mas, vendo Frodo adormecido, quase se arrepende. Denethor manda Faramir para Osgiliath. Aragorn chega a Linhir e entra em Lebennin. Rohan Oriental é invadida pelo norte. Primeiro ataque contra Lórien.

12 Gollum leva Frodo para a Toca de Laracna. Faramir se retira para os Fortes do Passadiço. Théoden acampa sob Minrimmon. Aragorn acossa os inimigos na direção de Pelargir. Os ents derrotam os invasores de Rohan.

13 Frodo capturado pelos orcs de Cirith Ungol. Os Campos de Pelennor são invadidos. Faramir é ferido. Aragorn chega a Pelargir e captura a esquadra. Théoden na Floresta Drúadan.

14 Samwise encontra Frodo na Torre. Minas Tirith é cercada. Os rohirrim, conduzidos pelos homens selvagens, chegam á Floresta Cinzenta.

15 Nas primeiras horas do dia, o Rei dos Bruxos destrói os Portões da Cidade. Denethor crema-se numa pira. As cornetas dos rohirrim são ouvidas ao cantar do galo. Batalha dos Campos de Peleonor. Théoden é morto. Aragorn levanta o estandarte de Arwen. Frodo e Samwise escapam e começam sua viagem para o norte ao longo do Morgai. Batalha sob as árvores da Floresta das Trevas; Thranduil repele as forças de Doí Guldur. Segundo ataque contra Lórien.

16 Debate dos comandantes. Frodo, do Morgai, observa a Montanha da Perdição por sobre o acampamento.

17 Batalha de Vaíle. Caem o rei Brand corei Dáin Pé-de-Ferro. Muitos anões e homens refugiam-se em Erebor e são cercados. Shagrat leva a capa, a cota de malha e a espada de Frodo para Barad-dúr.

18 O Exército do Oeste parte em marcha de Minas Tirith. Frodo se aproxima da Boca Ferrada; é alcançado por orcs na estrada que vai de Durthang para Udún.

19 O Exército chega ao Vale Morgul. Frodo e Samwise escapam e começam sua jomada ao longo da estrada que conduz a Barad-dúr.

22 O crepúsculo terrível. Frodo e Samwise abandonam a estrada e dirigem-se para a Montanha da Perdição pelo sul. Terceiro ataque contra Lórien.

23 O Exército deixa Ithilien. Aragorn dispensa os covardes. Frodo e Samwise livram-se de suas armas e indumentárias.

24 Frodo e Samwise fazem sua última jornada para os pés da Montanha da Perdição. O Exército acampa na Desolação do Morannon.

25 O Exército é cercado nas Colinas de Lava. Frodo e Samwise chegam ás Sammath Naur. Gollum agarra o Anel e cai nas Fendas da Perdição. Queda de Barad-dúr e desaparecimento de Sauron.

Depois da queda da Torre Escura e do desaparecimento de Sauron, a Sombra foi retirada de todos os corações dos que se opunham a ele, mas o medo e o desespero tomaram seus servidores e aliados. Três vezes Lórien fora atacada por Dol Guldur, mas, além da coragem dos elfos daquela região, o poder que lá morava era forte demais para ser derrotado por quem quer que fosse, a não ser que o próprio Sauron atacasse Lórien. Embora as orlas da bela floresta tenham sido seriamente danificadas, os ataques foram repelidos; quando Sauron desapareceu, Celebom avançou e conduziu o exército de Lórien pelo Anduin em muitos barcos. Tomaram Dol Guldur, e Galadriel derrubou suas muralhas e pôs a descoberto suas cavidades; a floresta foi purificada.

No norte também houvera guerra e maldade. O reino de Thranduil foi invadido, e houve uma longa batalha sob as árvores e uma grande devastação causada pelo fogo; mas no fim Thranduil conquistou a vitória. E, no dia do Ano Novo dos elfos, Celebom e Thranduil encontraram-se no meio da floresta; deram então um novo nome à Floresta das Trevas, Eryn Las galen , A Floresta das Folhas Verdes.

Thranduil tomou toda a região norte até as montanhas que nascem na floresta como seu reino; Celebom tomou toda a floresta do sul abaixo dos Estreitos, dando-lhe o nome de Lórien Oriental; toda a ampla floresta intermediária foi doada aos beornings e aos homens da Floresta. Mas, após a passagem de Galadriel, dentro de alguns anos Celeborn ficou cansado de seu reino e foi para Imíadris morar com os filhos de Elrond.

Na Floresta Verde os elfos da Floresta não foram mais molestados, mas em Lórien melancolicamente sobreviveram apenas alguns do antigo povo, e já não havia mais luz ou música em Caras Galadon.

Ao mesmo tempo em que grandes exércitos cercavam Minas Tirith, um exército dos aliados de Sauron, que por muito tempo ameaçara as fronteiras do rei Brand, atravessou o rio Camen, e Brand foi expulso de volta para Vaíle. Ali teve o auxílio dos anões de Erebor, e houve uma grande batalha aos pés da Montanha. Durou três dias, e no final o rei Brand e o rei Dáin Pé-de-Ferro foram ambos mortos, ficando a vitória para os orientais. Mas eles não puderam tomar o Portão, e muitos, tanto homens quanto anões, refugiraram-se em Erebor, onde resistiram a um cerco.

Quando chegou a notícia das grandes vitórias no sul, o exército do norte de Sauron se encheu de desânimo; os sitiados irromperam e os expulsaram, e uma parte deles fugiu para o leste e deixou de molestar Vaíle. Então Bard II, filho de Brand, tornou-se rei de Vaíle; Thorin III, Elmo de Pedra, filho de Dáin, tornou-se rei-sob-amontanha.

Ambos enviaram embaixadores para a cerimônia de coroação do rei Elessar, e seus

reinos permaneceram, enquanto duraram, amigos de Gondor, ficando sob a coroa e sob a proteção do Rei do Oeste.

 

OS DIAS MAIS IMPORTANTES

DA QUEDA DE BARAD-DÚR ATÉ O FINAL

DA TERCEIRA ERA (7)

3019 1419 R.C.

27 de março. Bard III e Thorin II, Elmo de Pedra, expulsam o inimigo de Vaíle. 28 Celebom atravessa o Anduin; começa a destruição de Doí Guldur.

  1. Os dias e meses são dados de acordo com o Calendário do Condado.

6 de abril. Encontro de Celebom e Thranduil.

8 Os Portadores do Anel são homenageados no Campo de Cormallen.

1 de maio. Coroação do rei Elessar. Elrond e Arwen partem de Valfenda.

8 Éomer e Éowyn partem de Rohan com os filhos de Elrond.

20 Elrond e Arwen chegam a Lórien.

27 A Comitiva de Arwen deixa Lórien.

14 de junho. Os filhos de Elrond encontram a comitiva e levam Arwen a Edoras.

16 Eles partem para Gondor.

25 O rei Elessar encontra a muda da Árvore Branca.

1 Lite. Arwen chega à Cidade.

Dia do Meio do Ano. Casamento de Elessar e Arwen.

18 de julho. Eomer retorna a Minas Tirith.

19 Parte a comitiva do funeral do rei Théoden.

7 de agosto. A comitiva chega a Edoras.

10 Funeral do rei Théoden.

14 Os hóspedes se despedem do rei Éomer.

18 Chegam ao Abismo de HeIm.

22 Chegam a Isengard; despedem-se do Rei do Oeste ao pôr-do-sol.

28 Alcançam Saruman; Saruman dirige-se para o Condado.

6 de setembro. Eles param ao avistarem as Montanhas de Moria.

13 Celeborn e Galadriel partem, os outros vão para Valfenda.

21 Retorno a Valfenda.

22 Centésimo vigésimo novo aniversário de Bilbo. Saruman chega ao Condado.

5 de outubro. Gandalf e os hobbits partem de Valfenda.

6 Atravessam o Vau do Bruinen; Frodo sente pela primeira vez a dor retornar. 28 Chegam a Bri ao cair da noite.

30 Deixam Bri. Os "Viajantes" atingem a Ponte do Brandevin durante a noite.

10de novembro. São presos em Sapántano.

2 Chegam a Beirágua e sublevam o povo do Condado.

3 Batalha de Beirágua, e Desaparecimento de Saruman. Fim da Guerra do Anel.

 

3020 1420 R.C.: O Grande Ano de Fartura

13 de março. Frodo adoece (no aniversário de seu envenenamento por Laracna).

6 de abril. O pé de mallorn floresce no Campo da Festa.

1? de maio. Samwise casa-se com Rosa.

Dia do Meio do Ano. Frodo demite-se do cargo de prefeito, e Will Pealvo reassume.

22 de setembro. Centésimo trigésimo aniversário de Bilbo.

6 de outubro. Frodo adoece outra vez.

 

3021 1421 R.C.: O Ultimo Ano da Terceira Era

13 de março. Frodo adoece de novo.

25 Nascimento de Elanor, a Bela8, filha de Samwise. Neste dia começou a Quarta Era, segundo o Registro de Gondor.

 

  1. Ela ficou conhecida como "a Bela" por causa de sua beleza; muitos diziam que ela mais parecia uma donzela élfica que uma hobbit. Tinha cabelos dourados, o que outrora era raro no Condado; mas duas outras filhas de Samwise também eram loiras, assim como muitas outras crianças nascidas nessa época.

 

21 de setembro. Frodo e Samwise partem da Vila dos Hobbits.

22 Encontram a Última Cavalgada dos Guardiões dos Anéis em Ponta do Bosque.

29 Chegam aos Portos Cinzentos. Frodo e Bilbo partem através do Mar com os Três Guardiões. Fim da Terceira Era.

6 de outubro. Samwise retorna a Bolsão.

 

ACONTECIMENTOS ULTERIORES RELACIONADOS AOS MEMBROS DA SOCIEDADE DO ANEL

R.C. 1422

Com o início deste ano começa a Quarta Era na contagem de anos do Condado; mas se deu continuidade à numeração dos anos do Registro do Condado.

 

1427 Will Pealvo demite-se. Samwise é eleito Prefeito do Condado. Peregrin Túk casa-se com Diamantina, de Frincha Longa. O rei Elessar promulga um edito proibindo que os homens entrem no Condado, o qual se torna uma Terra Livre sob a proteção do Cetro do Norte.

1430 Nasce Faramir, filho de Peregrin.

1431 Nasce Cachinhos Dourados, filha de Samwise.

1432 Meriadoc, chamado de O Magnífico, torna-se Senhor da Terra dos Buques. Grandes presentes lhe são enviados pelo rei Éomer e pela senhora Éowyn de Ithilien.

1434 Peregrin se torna "O Túk" e Thain. Orei Elessar nomeia o Thain, o Senhor e o Prefeito como Conselheiros do Reino do Norte. Mestre Samwise é eleito prefeito pela segunda vez.

1436 O rei Elessar viaja para o norte e mora por um tempo ao lado do lago Vesperturvo. Chega à Ponte do Brandevin, e ali saúda seus amigos. Outorga a Estrela dos Dúnedain ao Mestre Samwise, e Elanor torna-se dama-dehonra da senhora Arwen.

1441 Mestre Samwise torna-se prefeito pela terceira vez.

1442 Mestre Samwise, sua mulher e Elanor vão para Gondor e lá passam um ano. Mestre Tolman Villa atua como prefeito interino.

1448 Mestre Samwise torna-se prefeito pela quarta vez.

1451 Elanor, a Bela, casa-se com Fastred de Ilhaverde, nas Colinas Distantes.

1452 O Marco Ocidental, das Colinas Distantes até as Colinas das Torres (Emyn Beraid)9, é anexado ao Condado mediante uma doação do rei. Muitos hobbits mudam-se para lá.

1454 Nasce Elfostan Lindofilho, filho de Fastred e Elanor

1455 Mestre Samwise torna-se prefeito pela quinta vez. Mediante um pedido seu, o Thain nomeia Fastred Diretor do Marco Ocidental. Fastred e Elanor passam a morar em Sob-as-Torres, nas Colinas das Torres, onde seus descendentes, os Lindofilhos das Torres, moraram por muitas gerações.

1463 Faramir Túk casa-se com Cachinhos Dourados, filha de Samwise.

1469 Mestre Samwise torna-se prefeito pela sétima e última vez, estando em

1476, no final de seu mandato, com noventa e seis anos de idade.

1482 Morte da senhora Rosa, mulher de Mestre Samwise, no Dia do Meio do Ano. Em 22 de setembro, Mestre Samwise parte de Bolsão. Vai para as Colinas das Torres e é visto pela última vez por Elanor, a quem dá o Livro Vermelho, que posteriormente foi guardado pelos Lindofilhos. Entre eles mantém-se a crença, que se iniciou com Elanor, segundo a qual Samwise passou pelas Torres, chegou aos Portos Cinzentos e atravessou o Mar, sendo o último dos Portadores do Anel.

1484 Na primavera deste ano chegou à Terra dos Buques uma mensagem de Rohan dizendo que o rei Éomer desejava ver Mestre Holdwine mais uma vez. Meriadoc estava então velho (102), mais ainda forte. Aconselhou-se com seu amigo, o Thain, e logo em seguida ambos transmitiram bens e oficios aos seus filhos e partiram através do Vau Sam, e não foram mais vistos no Condado. Conta-se que Mestre Meriadoc foi a Edoras e esteve com o rei Éomer antes da morte deste, no outono. Então ele e o Thain Peregrin foram para Gondor, onde passaram os poucos anos que lhes restavam, até morrerem e serem enterrados na Rath Dinen, entre os grandes de Gondor.

1541 Neste ano, em primeiro de março, finalmente se deu o Passamento do rei Elessar. Conta-se que os leitos de Meriadoc e Peregrin foram colocados junto ao leito do grande rei. Então Legolas construiu um navio cinzento em Ithilien, desceu navegando pelo Anduin, e depois através do Mar; com ele, conta-se, foi Gimli, o anão. E, quando aquele navio desapareceu, terminou a Sociedade do Anel na Terra-média.

 

 

                                                                                                    J. R. R. Tolkien

 

 

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