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Series & Trilogias Literarias
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IMPRENSA
A. influência da televisão tornara-se tão poderosa que tinham planejado tudo de modo a veicular a notícia no telejornal matutino. Era assim que a realidade era definida, mudada, anunciada. Com toda certeza, um novo dia nascera. O espectador não foi deixado com a menor dúvida. Havia uma nova bandeira pendurada atrás do apresentador, um campo verde, a cor do Islã, com duas pequenas estrelas douradas. Ele iniciou uma invocação do Corão, e em seguida passou aos assuntos políticos. Havia um país novo. Ele se chamava a União Republicana do Islã. Consistiria nas antigas nações de Irã e Iraque. A nação nova seria guiada pelos princípios islâmicos de paz e fraternidade. Um parlamento eleito seria formado. As eleições seriam realizadas até o final do ano, prometeu. Nesse ínterim haveria um governo revolucionário composto de figuras políticas de ambos os países, em proporção com a população, o que concedia ao Irã a mão do chicote, o anunciador não disse; não era preciso.
Não havia motivo, ele prosseguiu, para que qualquer outro país temesse a URI. A nova nação proclamava sua boa vontade para com todas as nações islâmicas, e para todas as nações que tinham relações amigáveis com os dois segmentos, antes divididos da nova pátria. O fato dessa declaração ser contraditória sob muitos aspectos não foi explorado. As outras nações do Golfo, todas islâmicas, não tinham realmente mantido relações amigáveis com nenhum dos dois associados. A eliminação das fábricas de armas iraquianas não seria interrompida, de modo que a comunidade internacional não tivesse nenhuma dúvida sobre suas intenções pacíficas. Os prisioneiros políticos seriam libertados imediatamente...
— E agora eles terão espaço para os novos — observou o major Sabah em PALM BOWL. — Então aconteceu.
Ele não precisava telefonar para ninguém. O sinal de TV estava sendo visto por todo Golfo, e em cada sala com um televisor o único rosto alegre era aquele na tela... até a CNN mudar para mostrar manifestações espontâneas nas várias mesquitas, onde as pessoas faziam suas preces matinais e saíam às ruas para demonstrar sua felicidade.
— Olá, ali — disse Jack.
Ele estivera lendo as pastas deixadas por Martin, sabendo que receberia o telefonema a qualquer momento. Mais uma vez, sofria da enxaqueca que parecia adquirir simplesmente entrando no Salão Oval. Era surpreendente que os sauditas tivessem demorado tanto a autorizar que seu príncipe ministro sem pasta telefonasse. Talvez só quisessem que tudo aquilo desaparecesse com um desejo, uma característica que não era exatamente exclusiva daquela parte do mundo.
— Sim — confirmou Ryan. — Estou assistindo à TV agora.
No fundo da tela, como as legendas para deficientes auditivos, havia uma caixa de diálogo digitada por especialistas de informações na Agência de Segurança Nacional. A retórica era um pouco floreada, mas o conteúdo era claro para todos na sala. Adler, Vasco e Goodley tinham vindo assim que os sinais haviam chegado, libertando Ryan da leitura, mas não da enxaqueca.
— Isto é muito perturbador, ainda que não surpreenda — disse o príncipe pela linha codificada.
— Não havia como impedir. Eu sei como isso lhe parece, alteza — disse o presidente em tom impaciente. Ele poderia ter tomado café, mas tinha planos de ter um pouco de sono esta noite.
— Colocaremos nosso Exército em estado de prontidão.
— Há algo que possamos fazer? — perguntou Ryan.
— Por enquanto, apenas saber se o seu apoio mudou.
— Não mudou. Eu já lhe disse antes. Nosso compromisso de segurança para com o reino permanece o mesmo. Se quiser que façamos alguma coisa para demonstrar isso, estamos preparados para tomar medidas razoáveis e apropriadas. Você...
— Não, presidente, não tenho nenhum pedido formal por ora.
Isso foi dito num tom que fez os olhos de Jack levantarem-se do fone para seus visitantes.
— Nesse caso, posso sugerir que providencie para alguns dos seus homens discutirem opções com alguns dos meus?
— É preciso ser feito com discrição. Meu governo não deseja inflamar a situação.
— Faremos o que for possível. Você pode começar falando com o almirante Jackson... ele é J-3 no...
— Sim, presidente, eu o conheci na Sala Leste. Mandarei nosso pessoal do nível de trabalho contatá-lo ainda hoje.
— Certo. Se precisar de mim, Ali, sempre estarei do outro lado do telefone.
— Obrigado, Jack. Espero que durma bem. Você irá precisar. Todos precisaremos. E a linha ficou muda. Ryan apertou o botão de desligar para ter certeza. — Opiniões?
— Ali quer que façamos alguma coisa, mas o rei ainda não decidiu — disse Adler.
— Eles tentarão estabelecer contatos com a URI. — Vasco introduziu-se na conversa. — Seu primeiro instinto será iniciar um diálogo, tentar fazer alguns negócios. Os sauditas tomarão a liderança. Acho que o Kuwait e o resto dos Estados menores irão ajudá-los a lidar com os contatos, mas saberemos disso em breve, provavelmente através do... de canais oficiais.
— Temos um bom embaixador no Kuwait? — perguntou o presidente.
— Will Bach — disse Adler, assentindo enfaticamente. — Diplomata de carreira. Bom homem. Não é realmente criativo, mas conhece bem a linguagem e a cultura, e tem montes de amigos em sua família real. Entende de comércio.
É eficiente como mediador entre nossos empresários e o governo deles.
Vasco prosseguiu: — Tem um bom chefe de missão interino ajudando-o, e todos os adidos são espiões. Bons espiões.
— Certo, Bert. — Ryan tirou os óculos de leitura, esfregou os olhos. — Diga o que vai acontecer em seguida.
— Toda a área sul do Golfo está se borrando nas calças. Esta é a realização do seu pior pesadelo.
Ryan assentiu e voltou seu olhar para Ben Goodley.
— Ben, quero a avaliação da CIA de quais são as intenções da URI, e quero que telefone para Robby e veja que tipo de opções nós temos. Ponha Tony Bretano no circuito. Ele quis ser secretário da Defesa, e eu quero que ele comece a pensar sobre a parte do trabalho fora da alçada administrativa.
— O pessoal em Langley está mais perdido do que cego em tiroteio — informou Adler. — Não é culpa deles, mas é como estão.
O que significava que sua avaliação apresentaria uma variedade de opções potenciais, desde guerra nuclear — o Irã poderia possuir armas nucleares — até o Apocalipse, e três ou quatro opções entre essas duas, cada qual com sua justificativa teórica. Dessa forma, como de praxe, o presidente teria a chance de escolher a errada, e isso não seria culpa de ninguém além dele próprio.
— Sim, eu sei. Scott, veja se podemos estabelecer alguns contatos com a URI, também.
— Oferecer o ramo de oliveira?
— Você entendeu — concordou o presidente. — Todos acham que eles precisam de tempo para se consolidar antes de tentarem fazer qualquer coisa radical?
A consideração do presidente foi recebida com meneios de cabeça, mas não por todos.
— Presidente? — manifestou-se Vasco.
— Sim, Bert... a propósito, boa estimativa. Você não estava exatamente certo quanto ao momento, mas raios me partam se não estava certo o bastante.
— Obrigado, presidente. Sobre a questão da consolidação, isso diz respeito a pessoas, certo?
— Claro. — Ryan e os outros assentaram.
Consolidar um governo significava um pouco mais do que fazer as pessoas se acostumarem ao sistema e aceitá-lo.
— Senhor, veja o número de pessoas no Iraque que precisam acostumar-se a este novo governo e compare esse número à população dos Estados do Golfo. É um grande imito em termos de distância e território, mas não em termos de população — disse Vasco, lembrando-lhes que embora a Arábia Saudita fosse maior que toda a América a leste do Mississippi, tinha menos pessoas que a área metropolitana da Filadélfia.
— Eles vão fazer alguma coisa imediatamente — objetou Adler.
— Talvez. Isso depende do que você quer dizer com imediatamente, secretário.
— O Irã está envolvido com muitos problemas internos — começou a dizer Goodley. Vasco, que começava a gostar da atenção e do acesso fácil ao presidente, decidiu testar o terreno.
— Não subestime a dimensão religiosa — alertou. — Esse é um fator unificador que poderia apagar ou pelo menos suprimir os problemas internos. A bandeira deles diz isso. O nome do país diz isso. No mundo inteiro, as pessoas gostam de vencedores. Daryaei parece muito um vencedor agora, não parece? E mais uma coisa.
— Qual, Bert? — indagou Adler.
— Repararam na bandeira? As duas estrelas são muito pequenas — disse Vasco, pensativo.
— E daí? — esse era Goodley.
Ryan olhou para a TV e para o anunciador. A bandeira ainda estava ali atrás dele e...
— E daí que há espaço de sobra para outras.
Era o momento com o qual ele havia sonhado, mas a culminação de um sonho sempre é melhor que sua contemplação, porque as ovações eram reais, alcançando seus ouvidos vindas do lado de fora, não de dentro. Mahmoud Haji Daryaei chegara de avião antes do amanhecer, e com o nascer do sol adentrara a mesquita central e removera os sapatos, lavara as mãos e os antebraços, porque um homem devia aparecer limpo diante de seu Deus. Humildemente, ouvira o cântico do minarete, convocando os fiéis à oração; desta vez as pessoas não se viraram em suas camas para gozar de mais algumas horas de sono. Desta vez cruzaram vários quarteirões até a mesquita num gesto de devoção que comoveu o visitante. Daryaei não ocupou um lugar especial. A emoção devastadora do momento provocou lágrimas, que desceram por suas faces morenas e enrugadas. Daryaei cumprira a primeira de suas tarefas. Satisfizera os desejos do Profeta Maomé. Restaurara uma medida de unidade à Fé, o primeiro passo em sua cruzada santa. Imbuído do sentimento reverente que acompanhava a conclusão das orações matinais, Daryaei se levantou e caminhou para a rua; ali foi reconhecido. Para pânico de seus seguranças, caminhou pela rua, retribuindo as saudações. Inicialmente estupidificadas, as pessoas finalmente ficaram extasiadas em ver o ex-inimigo de seu país caminhando entre eles corno um convidado.
Não havia câmeras para registrar isso. Não foi um momento poluído por publicidade, e embora houvesse perigo, Daryaei aceitou-o. O que estava fazendo iria ensinar-lhe muita coisa. Iria ensinar-lhe sobre o poder de sua Fé, e a fé renovada dessas pessoas, e iria dizer-lhe se Alá abençoava ou não sua cruzada, porque Daryaei era na verdade um homem humilde, fazendo o que precisava fazer, não para si, mas para seu Deus. Por que outro motivo — perguntava-se com frequência — teria escolhido uma vida de perigos e negações? Logo o tráfego na calçada tornou-se uma multidão, e a multidão tornou-se uma turba. Pessoas a quem jamais vira designaram-se seus guardiães, forçando uma trilha para ele através dos corpos e das ovações. As pernas envelhecidas de Daryaei moveram-se lentamente enquanto seus olhos escuros, agora serenos, corriam para a esquerda c para a direita, atentos para o menor sinal de perigo, mas encontrando apenas regozijo que refletia o seu. Olhou e gesticulou para a multidão como um avô saudaria sua prole — não sorrindo, mas aceitando com uma expressão plácida o amor e o respeito dos netos, seus olhos benignos prometendo um grande futuro. Afinal, grandes feitos precisavam ser acompanhados por feitos ainda maiores, e o momento era propício.
— E então, que tipo de homem é ele? — perguntou Astro de Cinema.
Seu voo para Frankfurt fora seguido de um para Atenas, e de lá para Beirute, e de lá para Teerã. Ele conhecia Daryaei apenas de reputação.
— Ele conhece o poder — respondeu Badrayn, ouvindo as manifestações lá fora. A paz tem alguma coisa, imaginou. A guerra Irã-Iraque durara quase uma década.
Crianças foram mandadas para a morte. Foguetes devastaram cidades de ambos os países. O custo humano jamais poderia ser avaliado completamente, e embora a guerra tivesse terminado anos antes, agora chegava realmente ao fim — uma coisa mais do coração que da lei, talvez. Ou talvez uma coisa da lei de Deus, que era diferente da lei do homem. A euforia resultante era algo que ele mesmo já sentira. Mas não mais. Agora ele sabia que sentimentos como esses eram armas de governo, coisas a ser usadas. Até pouco tempo as pessoas lá fora questionavam a sabedoria do líder do Irã e o ridicularizavam; agora estavam idolatrando-o, e isso continuaria por... quanto tempo? Essa era a questão, c era por causa disso que momentos assim precisavam ser usados apropriadamente. E Daryaei sabia de tudo isso.
— E então, o que você aprendeu? — perguntou Badrayn, desligando-se do ruído dos fiéis.
— As coisas mais interessantes que aprendi foi assistindo televisão. O presidente Ryan está indo bem, mas com dificuldades. Seu governo ainda não é plenamente funcional. A casa inferior de seu parlamento ainda precisa ser substituída; as eleições só começarão no mês que vem. Ryan é popular. Os americanos adoram fazer pesquisas — explicou. —Eles telefonam para pessoas e fazem perguntas. Questionam apenas alguns milhares de pessoas, frequentemente nem tantos, e a partir daí reportam uns aos outros o que todo mundo pensa.
— O resultado? — perguntou Badrayn.
— Uma ampla maioria aprova o que ele está fazendo. Mas ele não está fazendo nada além de seguir em frente. Ele ainda nem escolheu um vice-presidente.
Badrayn sabia disso, mas não o motivo.
— Por quê? Astro de Cinema abriu um sorriso.
— Também já me fiz essa pergunta. Esse tipo de coisa precisa ser aprovada pelo parlamento inteiro, e o parlamento ainda não foi completamente restabelecido. E não “era por algum tempo. Além do mais, há o problema com o ex-vice, aquele tal Kealty, que afirma que ele é o presidente... e que Ryan não é competente para governar. O sistema jurídico americano não tem uma forma eficaz de lidar com a traição.
— E se fôssemos capazes de matar Ryan...? Astro de Cinema balançou a cabeça.
— Muito difícil. Passei uma tarde inteira caminhando por Washington. A segurança do palácio é muito restrita. Ele não é aberto a turnês públicas. A rua em frente ao prédio está fechada. Fiquei sentado num banco por uma hora fingindo ler o jornal, atento para sinais em torno do lugar. Há atiradores a postos com fuzis em todos os prédios. Acho que teríamos uma chance em uma de suas viagens oficiais, mas isso exigiria planejamento extensivo, e não dispomos do tempo necessário. Portanto, nos resta apenas uma opção.
— Seus filhos — concluiu Badrayn.
Meu Deus, quase não os vejo mais, pensou Jack. Ele acabara de sair do elevador, acompanhado por Jeff Raman, e olhou as horas. Passava da meia-noite. Merda. Conseguira sentar-se para um jantar apressado com eles e Cathy antes de descer correndo para suas leituras e reuniões, e agora... todos estavam dormindo.
O corredor do andar de cima era um lugar solitário, amplo demais para a intimidade de uma casa de verdade. Ele viu três agentes a postos, como diziam, e o oficial militar com a Bola de Futebol cheia com seus códigos nucleares.
Estava tudo silencioso por causa da hora da noite, e a impressão geral era mais de uma imensa casa funerária do que de um lugar onde morava uma família.
Nada desarrumado, sem brinquedos espalhados no tapete, sem copos vazios diante da TV. Limpo demais, arrumado demais, frio demais. Sempre havia alguém por perto. Raman trocou olhares com os outros agentes, cujos acenos de cabeça significavam Muito bem, tudo normal . Ninguém armado por perto, pensou Ryan. Ótimo.
Os dormitórios ficavam muito afastados uns dos outros. Ele dobrou à esquerda, seguindo primeiro até o quarto de Katie. Abrindo a porta, viu sua caçula, recentemente graduada do berço para a cama, deitada de lado, um ursinho de pelúcia marrom a fazer-lhe companhia. Ainda usava macacões com meias embutidas. Jack podia lembrar quando Sally usava o mesmo tipo de roupa, e como as crianças ficam engraçadinhas daquele jeito, parecendo pequenos embrulhos. Mas Sally agora sonhava com o dia em que compraria coisas na Victoria s Secret, e o pequeno Jack — estava começando a objetar contra esse título — agora insistia em bermudas de pugilista porque eram a nova moda para meninos de sua idade, e elas tinham de ser usadas abaixo da cintura, porque o charme estava no risco de caírem. Bem, Jack ainda tinha uma criança pequena. Aproximou-se da cama, ficou parado ali por um minuto, apenas olhando para Katie e desfrutando silenciosamente de sua condição paternal.
Olhou em volta e viu que aquele quarto também estava sobrenaturalmente limpo. Tudo estava em seu lugar. Não havia um único objeto esquecido no chão. As roupas de Katie para o dia seguinte estavam dispostas cuidadosamente num criado-mudo. Até mesmo as meias brancas estavam dobradas ao lado dos tênis miniatura com personagens de desenho animado. Essa era uma forma adequada para uma criança viver? Parecia com os filmes de Shirley Temple que os pais de Jack viam quando eles eram crianças — um cotidiano de classe rica que fazia os espectadores se perguntarem: Será que há pessoas que realmente vivem assim?
Não pessoas de verdade, apenas a realeza, e a família do homem sentenciado à presidência. Jack sorriu, balançou a cabeça e saiu do quarto. O agente Raman fechou a porta para ele, não deixando que POTUS fizesse nem mesmo isso. Jack tinha certeza de que cm algum outro lugar no prédio um painel eletrônico estava mostrando que a porta fora aberta e fechada, e os sensores diagnosticavam que alguém entrara no quarto; provavelmente alguém devia ter perguntado pelo rádio usado pelo pessoal do Serviço Secreto se ESPADACHIM estava com CHOCALHO.
Balançou a cabeça no quarto de Sally. Sua filha mais velha também estava dormindo, certamente sonhando com aquele garoto de sua turma — Kenny ou algo assim, não era? Alguém que era gato . Miraculosamente, o assoalho do Pequeno Jack estava poluído pela presença de uma revista em quadrinhos, mas sua camisa branca estava prensada e dobrada em outro criado-mudo, e alguém engraxara seus sapatos.
Outro dia que foi para o inferno, pensou o presidente. Virou-se para seu guarda-costas.
— Noite, Jeff.
— Boa noite, senhor — disse o agente Raman diante da porta. Fechou-a e olhou pura a esquerda e para a direita na direção dos outros agentes da Segurança Presidencial. Roçou a mão direita na pistola de serviço debaixo do paletó, e seus olhos sorriram de uma forma particular, sabendo o que ele poderia ter feito com tanta facilidade. Ele não recebera uma resposta à sua mensagem. Bem, seu contato estava sendo cuidadoso, como fie também deveria ser. Esta noite Aref Raman estava incumbido da supervisão da segurança presidencial. Subiu o corredor acenando com a cabeça para outros agentes em seus postos. Fez uma pergunta inócua e desceu de elevador até o Pavimento do Estado. Saiu para pegar um pouco de ar, espreguiçar-se e olhar para os guardas a postos no perímetro. Ali também estava tudo calmo. Havia alguns manifestantes no Lafayette Park, do outro lado da rua, abraçados a esta hora da noite, muitos deles fumando — exatamente o quê ele não sabia, mas tinha suspeitas. Talvez haxixe?, perguntou-se com um sorriso enigmático. Isso não seria irônico? Além disso, havia apenas os sons de tráfego, uma sirene distante a leste, e vigias parados em seus postos, tentando permanecer em alerta falando de basquete, hóquei ou beisebol, olhos inquietos voltados em todas as direções, procurando por perigos nas sombras da cidade. Estão procurando no lugar errado, pensou Raman, retornando para o posto de comando.
— É possível sequestrá-los?
— Os dois mais velhos não. Inconveniente demais, difícil demais. Mas a mais nova, sim, é possível. Mas seria perigoso e caro — alertou Astro de Cinema.
Badrayn assentiu. Isso significava escolher pessoas especialmente confiáveis. Daryaei dispunha de pessoas assim. Isso ficara óbvio depois do que acontecera no Iraque. Durante alguns minutos, olhou para os diagramas em silêncio enquanto seu convidado permanecia ao lado da janela. A manifestação continuava. Agora estavam gritando morte a América! A multidão e o animador que a organizara tinham longa experiência com mantra em particular. O espião despertou-o de seu devaneio.
Qual exatamente é a missão, Ali? — indagou Astro de Cinema.
— A missão estratégica seria impedir a América de interferir conosco. — Badrayn virou-se para ele. Conosco agora significava o que Daryaei quisesse que significasse.
Todos os nove, constatou Moudi. Ele mesmo fez os testes com os anticorpos. Chegou a fazer cada teste três vezes, e todos os resultados foram positivos. Cada um deles estava infectado. Por questões de segurança, receberiam drogas e ouviriam que tudo estava bem... e tudo realmente estaria bem para eles até que ficasse determinado que a doença fora transmitida em sua virulência plena, não atenuada pela reprodução no grupo anterior de hospedeiros. A maioria estava dopada com morfina para permanecerem calmos e sonolentos. Vinte e duas vítimas, contando com a irmã Maria Magdalena.
Imaginou se Jean Baptiste ainda estava orando por ele no Paraíso e balançou a cabeça.
A pequena Sohaila, recordou MacGregor, um pouco surpreso com a conexão, tinha um sistema imunológico poderoso, mais do que a maioria dos adultos. Todos os pais sabiam que as crianças podem cair vítimas de uma doença e uma febre alta numa questão de horas, mas desconheciam o motivo. O motivo era simplesmente que as crianças, à medida que cresciam, eram expostas a todos os tipos de doenças pela primeira vez. Sempre que um vírus atacava uma criança, seu sistema imunológico contra-atacava, gerando anticorpos que derrotariam esse inimigo em particular (sarampo, caxumba e todo o resto) sempre que ele reaparecesse. Em quase todos os casos a primeira vitória acontecia rapidamente, que era o motivo pelo qual uma criança podia estar ardendo em febre num dia e brincando do lado de fora no dia seguinte, outra característica da infância que deixava os pais assustados no começo, irritados depois. As doenças conhecidas como infantis eram aquelas derivadas na infância. Um adulto exposto a elas pela primeira vez corria um perigo muito maior — a caxumba podia deixar um homem saudável impotente; a catapora, um mero incômodo da infância, podia matar adultos; muitos adultos morriam de sarampo. Por quê? Porque apesar de toda a sua fragilidade aparente, a criança humana era um dos organismos mais fortes que existiam. As vacinas para as doenças infantis tinham sido desenvolvidas não para salvar muitas crianças, mas as poucas que por algum motivo — provavelmente genético, mas isso estava sendo investigado — eram anormalmente vulneráveis. Até mesmo a pólio, uma doença neuromuscular devastadora, causava dano permanente apenas a uma fração de suas vítimas; mas a maioria dessas vítimas eram crianças, e os adultos protegiam as crianças com uma ferocidade usualmente associada ao reino animal. Essa era uma associação apropriada, porque a psique humana era programada para ser solícita para com as crianças — motivo pelo qual tanto esforço científico fora devotado às doenças infantis com o passar dos anos... Para onde esta linha de pensamento está me conduzindo?, perguntou-se o médico. Seu cérebro tinha a mania de perambular, como se passeando numa biblioteca de pensamentos, buscando pela referência certa, pela conexão adequada... Saleh viera do Iraque.
Sohaila também viera do Iraque. : Saleh tinha Ebola.
Sohaila exibia sintomas de gripe, ou intoxicação alimentar ou... Mas o Ebola inicialmente apresentava-se como uma gripe...
— Meu Deus — sussurrou MacGregor. Levantou-se de sua mesa e suas notas e caminhou até o quarto da menina. Durante o percurso pegou uma seringa e alguns tubos de vácuo. MacGregor ouviu as queixas usuais das crianças quanto a agulhas, mas ele tinha mão boa, e tudo acabou antes mesmo que ela começasse a chorar, problema que ele deixou a cargo de sua mãe, que passara a noite no quarto da filha.
Por que não fiz este teste antes?, reprimiu-se o jovem médico. Merda.
— Oficialmente, eles não estão aqui — disse o funcionário do Ministério das Relações Exteriores ao funcionário do Departamento de Saúde. — Qual é exatamente o problema?
— Ele parece ter o vírus do Ebola.
Isso conquistou a atenção do outro homem. Ele piscou rapidamente os olhos e se inclinou sobre a mesa.
— Tem certeza?
— Absoluta — confirmou o médico sudanês com um aceno. — Vi os dados dos exames. O médico trabalhando é Ian MacGregor, um dos visitantes britânicos. Ele é um excelente profissional.
— Alguém já foi avisado?
— Não. — O médico balançou a cabeça enfaticamente. — Não há motivo para causar pânico. O paciente está inteiramente isolado. A equipe do hospital sabe o que faz. Nosso dever é fazer as notificações apropriadas à Organização Mundial de Saúde, informá-los sobre o caso e...
— Tem certeza que não corremos o risco de uma epidemia?
— Nenhum risco. Como eu disse, já tomamos medidas completas de isolamento. O Ebola é uma doença perigosa, mas sabemos como lidar com ela — respondeu confiante o médico.
— Então por que você quer notificar a OMS?
— Em casos como esse a OMS envia uma equipe para supervisionar a situação, aconselhar sobre os procedimentos e examinar a fonte focal da infecção, de modo a...
— Esse tal Saleh não pegou a doença aqui, pegou?
— Certamente não. Se tivéssemos esse problema aqui eu ficaria sabendo imediatamente — assegurou ao seu anfitrião.
— Não há perigo de disseminar a doença e ele a trouxe com ele; portanto não há nenhum risco à saúde pública de nosso país, correto?
— Correto.
— Entendo.
O funcionário do Ministério das Relações Exteriores virou-se para olhar pela janela. A presença de ex-oficiais do Iraque no Sudão ainda era um segredo, e era do interesse de seu país que continuasse dessa forma. Manter segredos significava não deixar ninguém saber de nada. Ele se virou e disse ao funcionário do Departamento de Saúde: — Você não irá notificar a Organização Mundial de Saúde. Se a presença desse iraquiano em nosso país for divulgada, será um constrangimento diplomático para nós — Isso vai ser um problema. O Dr. MacGregor é jovem, idealista...
— Você dirá a ele. Se MacGregor objetar, mandarei alguém falar com ele — disse o funcionário público, uma sobrancelha levantada. — Esse tipo de aviso, quando transmitido apropriadamente, raramente deixa de surtir o efeito desejado.
— Como quiser.
— Esse tal Saleh vai sobreviver?
— Provavelmente não. O índice de mortalidade é aproximadamente de oito a cada dez, e os sintomas dele estão avançando rapidamente.
— Alguma pista de como ele contraiu a doença?
— Nenhuma. Ele nega ter estado na África antes, mas pessoas como ele nem sempre falam a verdade. Posso falar com ele e tentar descobrir mais alguma coisa.
— Isso seria útil.
Presidente aposta em conservadores para a suprema corte, dizia a manchete. A equipe da Casa Branca jamais dorme, embora esse privilégio ocasionalmente seja concedido ao POTUS. Exemplares de diversos jornais chegavam à Casa Branca enquanto o resto da cidade estava adormecido, e funcionários liam os jornais de cabo a rabo em busca de assuntos de interesse específico para o governo. Essas matérias seriam recortadas, grampeadas em blocos e xerocadas para Early Bird, uma publicação informal que permitia aos poderosos descobrir o que estava acontecendo — ou pelo menos o que a imprensa achava que estava acontecendo, o que às vezes era verdade, às vezes era falso... e quase sempre era um pouco das duas coisas.
— Alguém está batendo com a língua nos dentes — disse um deles, usando uma faca X-Acto para cortar a matéria do Washington Post.
— É o que parece. E a notícia se espalhou — concordou seu amigo no Times.
Um documento interno do Departamento de Justiça lista os juízes que estão sendo considerados pela administração Ryan para possível nomeação às nove vagas na Suprema Corte.
Cada um dos juristas listados é um juiz veterano da Corte de Apelação. A lista é uma seleção de indivíduos altamente conservadores. A relação inclui um único nomeado judicial das administrações Fowler e Durling.
Geralmente nomeações desse tipo são submetidas primeiro a um comitê da Ordem dos Advogados, mas neste caso a lista foi preparada internamente por funcionários de carreira do Departamento de Justiça, supervisionados por Patrick J. Martin, promotor e chefe da Divisão Criminal.
— A imprensa não gostou.
— Acha que é ruim? Dê uma olhada neste editorial. Meu amigo, eles reagiram rápido desta vez!
Nunca tinham feito nada com tanta dedicação. A missão exigia jornadas de trabalho de dezesseis horas, pouca cerveja à noite, refeições rápidas e apenas um rádio por entretenimento. Naquele momento o rádio estava tocando bem alto. Eles estavam fervendo chumbo. O equipamento era o mesmo usado por bombeiros hidráulicos: um tanque de propano com um bico de gás no topo, como um foguete investido sendo testado estaticamente. Em cima do bico de gás ficava uma panela de metal cheia com chumbo mantido em estado líquido pela chama. Uma concha era mergulhada na panela para colher o chumbo derretido, que então era vertido em moldes de bala. As balas eram calibre .58, granulação 505, feitas para fuzis de carregamento frontal, muito parecidas com os que os Montanheses originais usavam na década de 20. Essas tinham sido compradas por catálogos. Havia dez moldes, com quatro cavidades por molde.
Até aqui as coisas estão correndo bem, especialmente no que diz respeito à segurança, pensou Ernie Brown. Fertilizante não era uma substância controlada.
Óleo diesel também não. O mesmo com chumbo, e cada compra fora feita em mais de um lugar, de modo que não houvesse nenhuma compra única grande a ponto de suscitar comentários. Era um trabalho que consumia muito tempo; mas, como Pete comentara, Jim Bridger não viera para o oeste de helicóptero.
Não, ele viajara longamente no dorso de um cavalo certo com um ou dois cavalos de carga, percorrendo cerca de 25 ou trinta quilômetros por dia, pegando seus castores um por vez, fazendo tudo da forma mais difícil, ocasionalmente cruzando com outro da sua estirpe, com quem negociava bebida ou tabaco. Portanto, o que estavam fazendo seguia a tradição de sua raça. Isso era importante.
O ritmo de trabalho era perfeito. Neste momento, Pete estava manejando uma concha. No espaço de tempo que Pete levou para verter o chumbo no primeiro conjunto de moldes e verter no último, o primeiro conjunto enrijeceu o bastante para ser mergulhado na água e aberto — a ferramenta de duas peças funcionava como um alicate — libertando os projéteis minúsculos já plenamente formados e sólidos. Os projéteis jogados num tambor de combustível vazio, e os moldes substituídos em seus suportes. Ernie coletou o chumbo derramado e colocou-o de volta na panela para que nada fosse desperdiçado.
A única parte complicada tinha sido conseguir um caminhão de cimento, mas a pesquisa nos classificados locais revelara um leilão oferecido por uma empreiteira saindo do ramo; por meros 21 mil dólares haviam adquirido um veículo de três anos Idade com uma carroceria de caminhão Mack, apenas 113.566 quilômetros rodados e em ótimas condições de uso. Tinham trazido o caminhão à noite, claro. O veículo estava estacionado no celeiro, parado a seis metros de distância, seus faróis como um par de olhos.
O trabalho era repetitivo, mas mesmo isso era útil. Na parede do celeiro estava pendura um mapa do centro de Washington; enquanto mexia o chumbo, Ernie estudava-o, cérebro combinando a imagem plana no papel com sua própria imagem mental.
Conhecia todas as distâncias, e distância era o fator básico. O Serviço Secreto considerava-se muito esperto. Eles tinham fechado a Pennsylvania Avenue com o propósito manter as bombas afastadas da casa do presidente.
Ora, eles não eram tão espertos assim. Tinham deixado de pensar numa coisinha.
— Mas eu preciso — argumentou MacGregor. — Nós temos a obrigação.
— Você não irá — disse-lhe o funcionário público do Departamento de Saúde. — Não é necessário. O Paciente Zero trouxe a doença com ele. Você já iniciou procedimentos de contenção adequados. A equipe está fazendo seu trabalho; você os treinou bem, Ian — acrescentou o funcionário para atenuar o calor do momento. — Seria inconveniente para o meu país se essa notícia se espalhasse. Conversei sobre isso com o Ministério das Relações Exteriores, e a notícia não vai se espalhar. Fui claro?
— Mas...
— Se você insistir com isso, teremos de pedir que deixe o país.
MacGregor enrubesceu. Tinha pele pálida e seu rosto demonstrava com facilidade seu estado emocional. Tudo que esse filho da puta precisava fazer era dar um telefonema, e um policial — ou pelo menos o tipo de gente que recebia esse nome aqui, pessoas muito menos civilizadas e amigáveis que aquelas que MacGregor conhecera em Edimburgo visitaria a sua casa para mandá-lo pegar suas coisas e acompanhá-lo até o aeroporto. Isso acontecera antes a um londrino que dera uma aula um pouco dura demais a um funcionário do governo sobre os riscos da AIDS. E se MacGregor partisse, deixaria para trás pacientes; essa era sua vulnerabilidade, como o funcionário público sabia, e como MacGregor sabia que ele sabia. Jovem e dedicado, MacGregor cuidava de seus pacientes como um médico deveria, e não conseguiria deixá-los aos cuidados de outro com facilidade, não aqui, não quando havia tão poucos médicos competentes para cuidar de tantos pacientes.
— Como está o paciente Saleh?
— Duvido que sobreviva.
— Isso é uma infelicidade, mas não pode ser evitado. Temos alguma ideia de como esse homem foi exposto à doença?
O homem mais jovem enrubesceu de novo.
— Não, e o caso é justamente esse!
— Falarei pessoalmente com ele.
Uma sacanagem fazer isso a três metros de distância, pensou MacGregor.
Mas ele tinha outras coisas com que se preocupar.
O resultado do exame com anticorpos que fizera com Sohaila também fora positivo. Mas a menininha estava melhorando. Sua temperatura caíra mais um grau. A hemorragia parará. MacGregor refizera alguns exames. A função hepática da paciente Sohaila estava quase normal. Tinha certeza de que a menina sobreviveria. De algum modo, ela fora exposta ao Ebola, e de algum modo o derrotara. Porém, sem saber como ela fora exposta, só podia tentar adivinhar como ela conseguira resistir ao vírus. Parte dele presumia que Sohaila e Saleh tinham sido expostos da mesma forma, mas a outra parte achava improvável. Por mais formidável que fosse o sistema imunológico de uma criança, não era tão mais poderoso que o de um adulto, e Saleh não tinha problemas de saúde anteriores. Mas o adulto estava morrendo enquanto a criança iria sobreviver. Por quê?
Que outros fatores tinham entrado nos dois casos? Haveria uma epidemia de Ebola no Iraque? Nunca houve uma, e num país populoso como aquele... O Iraque não tinha um programa de guerra biológica? Será que tinham tido uma epidemia e acobertado? Mas, não, o governo daquele país estava caótico. Foi o que ele leu no serviço de notícias da SkyNews, que recebia em seu apartamento. E, nessas circunstâncias, segredos de tal natureza não podiam ser mantidos. O pânico era inevitável.
MacGregor era um médico, não um detetive. Os médicos que poderiam fazer as duas coisas trabalhavam para a Organização Mundial de Saúde, no Instituto Pasteur em Paris, e no CDC nos EUA. Não que eles fossem muito mais brilhantes que ele, mas tinham formação e treinamento diferentes.
Sohaila. Ele precisava cuidar de seu caso, continuar verificando o sangue.
Será que ela ainda podia infectar outros? MacGregor precisava checar a literatura a esse respeito. Tudo que sabia com certeza era que um sistema imunológico estava perdendo e outro estava ganhando. Se quisesse descobrir qualquer coisa, precisaria permanecer do caso. Talvez mais tarde conseguisse divulgar a notícia, mas precisava permanecer aqui se quisesse realizar qualquer coisa.
Além disso, antes de dizer a qualquer um, MacGregor enviara as amostras para o Pasteur e o CDC. Esse burocrata petulante não sabia disso, e os telefonemas, se chegassem, viriam para este hospital e para MacGregor. Ele podia divulgar a notícia. Ele podia dizer-lhes qual era a situação política. Ele podia fazer perguntas e responder a outras. Ele precisava se submeter.
— Como quiser, doutor — disse MacGregor ao funcionário público. — Você terá de seguir os procedimentos necessários, é claro.
31
Ondas e Trepidações
O dia da decisão havia chegado. A entrevista prometida seria esta manhã, e mais uma vez o presidente Ryan percorreu o calvário da maquiagem e do fixador de cabelo.
— Pelo menos devíamos ter uma cadeira de barbeiro apropriada — observou Jack enquanto a Sra. Abbot fazia seu trabalho. Um dia antes, Jack ficara sabendo que o barbeiro presidencial vinha ao Salão Oval e fazia o trabalho dele na cadeira giratória do presidente. Isso deve causar calafrios no pessoal do Serviço Secreto, pensou Jack. Imagine, deixar um homem aproximar tesouras e uma navalha a um centímetro da carótida do presidente.
— Certo, Arnie, como procedo com o Sr. Donner?
— Em primeiro lugar, ele fará qualquer pergunta que quiser. Isso significa que você terá de pensar nas respostas.
— Vou tentar, Arnie — observou Ryan franzindo o cenho.
— Enfatize o fato de que você é um cidadão, não um político. Isso não vai fazer muita diferença para Donner, mas fará para as pessoas que assistirem a entrevista esta noite — aconselhou van Damm. — Espere um pouco sobre a questão da Suprema Corte.
— Quem vazou isso? — inquiriu Ryan.
— Jamais saberemos, e tentar descobrir apenas faria você parecer Nixon.
— Por que é que não importa o que eu faça, sempre terá alguém que... merda. — Ryan suspirou enquanto Mary Abbot terminava com seu cabelo. — Eu disse isso a George Winston, não disse?
— Você está aprendendo. Se ajudar alguma senhora a atravessar a rua, uma feminista dirá que você foi condescendente. Se você não ajudá-la, as associações de defesa dos direitos dos idosos dirão que você é insensível às necessidades da terceira idade. O mesmo acontecerá com qualquer outro grupo de interesse com o qual se envolver. Todos elas têm interesses, Jack, e esses interesses são mais importantes para eles do que você é. A ideia é ofender o menor número possível de pessoas. Isso é diferente de não ofender ninguém.
Tentar isso ofende todo mundo — explicou o chefe de gabinete.
Ryan arregalou os olhos.
— Já sei! Vou dizer uma coisa que deixe todo mundo puto... e então todos irão me amar.
Arnie não estava de bom humor:
— Qualquer piada que você diga irá emputecer alguém. Por quê? Porque o humor é sempre cruel com alguém, e algumas pessoas nem têm senso de humor.
— Em outras palavras, lá fora há pessoas que querem ficar putas com alguma coisa, c eu sou o alvo mais atraente que elas têm.
— Você está aprendendo — observou o chefe de gabinete com um sorriso melancólico. Arnie estava preocupado com essa entrevista.
— Temos navios de pré-posicionamento em Diego Garcia — explicou Jackson, tocando o ponto apropriado no mapa.
— Quantos há? — indagou Bretano.
— Acabamos de reconfigurar a TOE... “
— Que é isso? — perguntou o secretário de Defesa.
— Tabela de Organização e Equipamento — explicou o general Michael Moore. Moore era o chefe de gabinete do Exército. Ele comandara uma brigada da Primeira Divisão Blindada na Guerra do Golfo.
— Possuímos armamento suficiente para um pouco mais que uma brigada, uma brigada pesada de tamanho total, mais todos os perecíveis necessários para um mês de operações de combate. Somadas a isso, temos algumas unidades na Arábia Saudita. O equipamento é quase todo novo: tanques de batalha MlA2, Bradleys, sistemas de lançamentos múltiplos de foguetes. Receberemos os novos equipamentos de artilharia daqui a três meses. — Fez uma pausa.
Acrescentou: — Os sauditas nos têm ajudado muito com relação às verbas.
Tecnicamente, parte do equipamento pertence a eles, sendo supostamente material de reserva do Exército saudita, mas nós o usamos. Tudo que precisamos dizer é enviar homens nossos até a Arábia Saudita para pegar o equipamento em seus armazéns.
— Se eles pedirem ajuda, quem mandaremos primeiro?
— Depende — respondeu Jackson. — Provavelmente a primeira seria um regimento de cavalaria blindada. Numa emergência real, enviaríamos o pessoal do 10° RCB no deserto de Neguev. Isso pode ser feito até mesmo num só dia.
Para exercícios, o 3º RCB do Texas ou o 2º da Louisiana.
— Secretário, um RCB é uma formação bem equilibrada do tamanho de uma brigada. Ele pode cuidar de si mesmo, e todos pensarão duas vezes antes de atacá-la — explicou Mickey Moore, acrescentando: — Porém, antes que possam estabelecer-se para uma estada prolongada, precisarão de um batalhão de suporte de combate; tropas de suprimentos e reparos.
— Ainda temos um porta-aviões no oceano Índico; ele está agora em Diego com o resto do grupo de batalha para conceder uma licença às tripulações — disse Jackson.
O que acabara de cobrir aquele atol com marinheiros. O lugar não era grande coisa, mas pelo menos eles poderiam tomar uma ou duas cervejas, esticar as pernas e jogar bola. Jackson prosseguiu: — Como parte de nosso compromisso para com a segurança israelense, também temos em Neguev uma esquadrilha de F-15... na verdade, uma esquadrilha quase completa. Ela e o 10° RCB são muito boas. Sua missão contínua é treinar o IDF, o que os mantém bem ocupados.
— Soldados adoram treinar, secretário. Eles preferem fazer isso a qualquer outra coisa — acrescentou o general Moore.
— Preciso sair e ver um pouco dessas coisas — observou Bretano. — Assim que tiver a verba nas mãos, começaremos a trabalhar nisso. O que temos parece pouco, cavalheiros.
— E é, senhor— concordou Jackson. — Não é o suficiente para travar uma guerra, mas provavelmente o bastante para deter uma, se a situação chegar a esse ponto.
— Haverá outra guerra no Golfo Pérsico? — perguntou Tom Donner.
— Não vejo motivo para esperar isso — replicou o presidente.
A parte difícil era controlar a voz. A resposta foi cautelosa, mas suas palavras precisavam soar positivas e reconfortantes. Essa era outra forma de mentir, embora dizer a verdade pudesse mudar a equação. Tal era a natureza de um jogo tão falso e artificial que se tornou uma espécie de realidade internacional. Dizer o que não era verdade para servir a verdade. Churchill disse uma vez: Em tempos de guerra, a verdade é tão preciosa quanto a necessidade de um guarda-costas de mentiras. Mas e em tempos de paz?
— Mas nossas relações com o Irã e o Iraque não vêm sendo amigáveis há algum tempo.
— Isso são águas passadas, Tom. Ninguém pode mudar o passado, mas podemos aprender com ele. Não há motivo para animosidade entre a América e os países naquela região. Por que deveríamos ser inimigos? — indagou retoricamente.
— Então conversaremos com a União Republicana do Islã? — perguntou Donner.
— Sempre estamos dispostos a conversar com as pessoas, especialmente no interesse de estimular relações de amizade. O Golfo Pérsico é uma região de grande importância para o mundo inteiro. É do interesse de todos que essa região permaneça pacífica e estável. Já houve guerra demais. O Irã e o Iraque lutaram por... quanto tempo? Oito anos. O custo humano para os dois países foi imenso. Depois aconteceram todos aqueles conflitos entre Israel e seus vizinhos. Já basta. Agora temos uma nova nação nascendo. Esse novo país tem muito trabalho a fazer; seus cidadãos têm necessidades, e felizmente eles também possuem os recursos para atender a essas necessidades. Nós lhes desejamos todo o bem. Se pudermos ajudá-los, o faremos. A América sempre esteve disposta a estender a mão da amizade.
Houve uma breve pausa, que provavelmente denotou um comercial. A entrevista seria transmitida à noite, às 21 horas. Donner virou-se para seu colega mais velho, John Plumber, que assumiu o segmento seguinte.
— Então, como o senhor se sente como presidente? — perguntou Plumber.
Ryan inclinou a cabeça e sorriu.
— Sempre digo para mim mesmo que não fui eleito, fui sentenciado.
Honestamente? As horas são longas, o trabalho é árduo, muito mais árduo do que eu imaginava. Mas tenho tido muita sorte. Arnie van Damm é um gênio em organização. A equipe aqui da Casa Branca é simplesmente esplêndida. Tenho recebido milhares de cartas de apoio de pessoas de fora de Washington, e gostaria de aproveitar esta oportunidade para agradecer a essas pessoas, e dizer a elas como isso realmente ajuda.
— Sr. Ryan... — Jack supôs que seu título de doutor não contava mais. — Que coisas o senhor pretende experimentar e mudar?
— John, isso depende do que você quer dizer com mudar . Minha missão principal é manter a operação governamental. Portanto, o que estou tentando fazer não é mudar nem restaurar . Ainda não temos um Congresso... não até o Congresso ser restabelecido. Tentei escolher pessoas boas para ocupar os departamentos principais do gabinete. O trabalho dessas pessoas é gerir seus departamentos com eficiência.
— George Winston, o seu secretário do Tesouro, tem sido criticado por seu desejo abrupto de mudar o código federal de impostos — disse Plumber.
— Tudo que posso dizer é que apoio plenamente o secretário Winston. A legislação do imposto de renda é complicada demais, o que é uma coisa fundamentalmente injusta. O que ele pretende fazer é atingir uma neutralidade absoluta em relação ao volume de renda de cada contribuinte. No fim, o governo sairá lucrando, devido à economia administrativa em outras áreas.
— Mas tem havido muitos comentários adversos sobre a natureza regressiva... Ryan levantou a mão.
— Espere um minuto, John. Um dos problemas nesta cidade é que as pessoas vêm o mundo numa linguagem distorcida. Cobrar a mesma coisa de todo mundo não é uma atitude regressiva. Essa palavra significa dar um passo para trás, cobrar mais do pobre que do rico. Nós não vamos fazer isso. Ao empregar essa palavra de forma incorreta, você está desorientando as pessoas.
— Mas essa é a forma como as pessoas vêm descrevendo o sistema de impostos há anos. — E há anos Plumber não tinha sua gramática criticada.
— Isso não torna a expressão correta — frisou Jack. — Em todo caso, como sempre digo, não sou um político. Sei falar apenas de forma direta e clara.
Cobrar a todo mundo o mesmo imposto se enquadra na definição de justo no dicionário. Ora, John, você sabe como se faz esse jogo. Você e Tom ganham muito dinheiro... muito mais do que eu... e todos os anos contratam os serviços de um advogado e de um contador. Você deve possuir investimentos que são planejados para reduzir seus pagamentos de impostos, correto? Como essas exceções surgem? Fácil: alguns lobistas convenceram o Congresso a mudar a lei um pouquinho. Por quê? Porque pessoas ricas pagaram-lhes para fazer isso.
E qual é a consequência disso? A consequência é que o sistema supostamente progressivo é manipulado de forma tal que a política de cobrar impostos mais altos dos ricos acaba não sendo levada a cabo, porque seus advogados e contadores lhes ensinam o que fazer para derrotar o sistema. Os advogados e contadores fazem isso com honorários. Em suma: a história de que os ricos pagam impostos mais altos é mentira. Os políticos sabem tudo isso quando aprovam as leis. Ryan fez uma pequena pausa e prosseguiu: — Vê para onde tudo isso está nos levando? Para lugar nenhum, John. Tudo isso está nos levando para lugar nenhum. É tudo um grande jogo, só isso.
Apenas um grande jogo que desperdiça tempo, desorienta o público e derrama rios de dinheiro nos bolsos de pessoas que manipulam o sistema... e de onde esse dinheiro vem? Dos cidadãos, das pessoas que pagam para tudo acontecer.
George Winston anuncia que deseja mudar o sistema, e o que acontece? As pessoas que jogam o jogo e manipulam no sistema usam as mesmas palavras desorientadoras para passar a impressão de que o que estamos fazendo é injusto. Essa gente de dentro constitui o grupo de interesse especial mais perigoso e pernicioso que existe.
— E você não gosta disso — disse John, sorrindo.
— Em todos os empregos que já tive, corretor de ações, professor de história, em tudo mais que fiz, sempre tive de dizer a verdade, da melhor forma que podia. Não vou parar de fazer isso agora. Talvez algumas coisas precisem mudar. Vou lhe dizer qual é uma delas: Cedo ou tarde, cada pai e mãe na América diz aos seus filhos que a política é um negócio sujo, um negócio cruel, um negócio obsceno. O seu pai lhe disse isso. O meu pai me disse isso... e aceitamos esse fato como se ele fizesse sentido, como se fosse normal, certo, apropriado. Mas ele não é. Durante anos aceitamos o fato de que a política... espere, vamos definir os termos, certo? O sistema político é a forma como governamos o país, baixamos leis que todos temos de seguir, cobramos impostos. Essas são coisas importantes, não são? Mas ao mesmo tempo permitimos a entrada de pessoas nesse sistema que não convidaríamos para nossas casas, pessoas em quem não confiaríamos como babás dos nossos filhos.
Isso não lhe parece um pouco esquisito, John?
Permitimos a entrada em nosso sistema político de pessoas que distorcem rotineiramente os fatos, que distorcem as leis para agradar aos mecenas que lhes deram dinheiro de campanha.
Algumas dessas pessoas mentem descaradamente. E nós aceitamos isso. Vocês da mídia aceitam isso. Não aceitariam esse tipo de comportamento em sua profissão, aceitariam? Ou na medicina, na ciência, no ramo empresarial, na polícia.
O presidente prosseguiu, inclinando-se para a frente, falando com paixão pela primeira vez: — Tem alguma coisa errada aqui. Estamos falando do nosso país, e os padrões de comportamento que exigimos dos nossos representantes não deviam ser inferiores... eles deviam ser superiores. Devíamos exigir inteligência e integridade. É por causa disso que venho fazendo discursos pelo país, John. Sou um independente registrado. Não tenho filiação partidária. Não tenho interesses pessoais, exceto a intenção de fazer as coisas funcionarem para todos. Fiz um juramento a esse respeito, e levo meus juramentos a sério. Bem, aprendi que isso incomoda as pessoas, e sinto muito sobre isso, mas não irei comprometer minhas crenças para acomodar cada grupo especial com um exército de lobistas pagos. Estou aqui para servir a todos, não para servir às pessoas que fazem mais barulho e oferecem mais dinheiro.
Plumber não demonstrou prazer pela explosão do presidente.
— Certo, presidente. E qual é a sua opinião sobre os direitos civis?
— No que me diz respeito, a Constituição não distingue cores. A discriminação contra pessoas devido à sua aparência, a forma como falam, a igreja que frequentam e o país de onde seus ancestrais vieram, contradiz as leis de nosso país. Essas leis precisam ser obedecidas. Todos devem ser iguais aos olhos da lei, aqueles que a obedecem e aqueles que a infringem. No segundo caso, essas pessoas terão de se preocupar com o Departamento de Justiça.
— Isso não é idealista?
— Qual é o problema com o idealismo? — perguntou Ryan. — Ao mesmo tempo, que tal um pouco de bom senso de vez em quando? Em vez de um monte de gente cavando vantagens para si próprios ou para qualquer pequeno grupo que representam, por que todos não trabalhamos juntos? Não somos todos americanos antes de qualquer outra coisa? Por que não podemos nos esforçar um pouco mais para trabalharmos juntos e encontrarmos uma solução para os problemas? Este país não foi planejado para ter cada grupo na garganta do outro.
— Algumas pessoas diriam que essa foi a forma que encontramos para garantir que cada pessoa fosse tratada com justiça — observou Plumber.
— E ao longo do caminho corrompemos o sistema político.
Eles tiveram de fazer uma pausa para que a equipe de gravação trocasse as fitas das câmeras. Jack fitou a porta que dava para o escritório do secretariado, ansiando por um cigarro. Esfregou as mãos, tentando parecer relaxado, mas embora tivesse tido a oportunidade de dizer coisas que vinha sufocando havia anos, a chance de fazer agora apenas deixara-o mais tenso.
— As câmeras estão desligadas — disse Tom Donner, recostando-se um pouco em na cadeira. — O senhor realmente acha que pode realizar qualquer uma das coisas que prometeu?
— Se eu não tentar, o que isso faz de mim? — Jack suspirou. — O governo está uma bagunça. Todos sabemos disso. Se ninguém tentar consertá-lo, ele apenas irá piorar.
Nesse momento, Donner quase sentiu simpatia pelo entrevistado. A sinceridade de Jack era patente, assim como o fato de que o jornalista quase conseguia ouvir o coração do presidente batendo. Mas Donner não se deixou seduzir. Não que Ryan fosse mau sujeito. Ele apenas estava fora do seu meio, exatamente como todos diziam. Kealty estava certo, e porque ele estava certo, Donner precisava fazer o seu dever.
— Pronto — disse o produtor. Donner voltou a assumir a entrevista.
— Falemos sobre a Suprema Corte... Foi reportado que o senhor está no momento analisando uma lista de possíveis juízes para submeterão Senado.
— Sim, estou — replicou Ryan.
— Que pode nos dizer a respeito deles?
— Instruí o Departamento de Justiça a me mandar uma lista de juízes de corte de apelações com muita experiência. Isso foi feito. Estou olhando a lista agora.
— Que está procurando exatamente? — foi a pergunta seguinte de Donner.
— Estou procurando bons juízes. A Suprema Corte é a principal protetora da Constituição de nosso país. Precisamos de pessoas que compreendam essa responsabilidade, e que irão interpretar as leis com justiça.
— Conservadores?
— Tom, a Constituição diz que o poder legislativo faz a lei, que o poder executivo aplica a lei, e que o poder judiciário explica a lei. Isso é chamado de sistema de equilíbrio.
— Mas historicamente a Suprema Corte tem sido uma força importante para as mudanças em nosso país — lembrou Donner.
— E nem todas essas mudanças foram boas. Dred Scott começou a Guerra Civil. Plessy contra Ferguson foi uma desgraça que fez nosso país recuar setenta anos. Por favor, você precisa lembrar que, no que diz respeito à lei, eu sou um leigo...
— É por esse motivo que geralmente as nomeações judiciais são submetidas à aprovação da Ordem Americana dos Advogados. O senhor submeterá sua lista a eles?
— Não. — Ryan balançou a cabeça. — Em primeiro lugar, todos esses juízes já transpuseram essa barreira para chegar aonde estão. Em segundo, a Ordem também é um grupo de interesse, não é? Eles têm o direito de cuidar dos interesses de seus membros, mas a Suprema Corte é o corpo do governo que decide a lei para todos, e a Ordem dos Advogados é a organização de pessoas que usa a lei para ganhar dinheiro. Não há um conflito de interesses no fato de o grupo que faz uso da lei selecionar as pessoas que definem a lei? Em qualquer outro campo isso seria um conflito, não seria?
— Nem todos verão dessa forma.
— Sim, e a Ordem tem um escritório grande aqui em Washington, cheio de lobistas — concordou o presidente. — Tom, meu trabalho não é servir a grupos de interesse. Meu trabalho é preservar, proteger e defender a Constituição com o máximo de minha competência. Para ajudar-me nisso, estou procurando encontrar pessoas que pensem da mesma forma que eu, que concordem comigo que o juramento significa exatamente o que diz, sem cartas passadas por debaixo da mesa.
Donner virou-se.
— John?
— O senhor trabalhou muitos anos na CIA — disse Plumber.
— Sim, eu trabalhei muitos anos na CIA — concordou Jack.
— Fazendo o quê? — perguntou Plumber.
— Trabalhei principalmente no Diretório de Informações, analisando dados que chegavam de diversas fontes, tentando descobrir o que eles significavam, e em seguida passando-os para outros. Mais tarde chefiei o Diretório de Informações, e então, na administração do presidente Fowler, tornei-me diretor interino. Depois disso, como sabem, tornei-me conselheiro de segurança nacional para o presidente Durling — respondeu Jack, tentando guiar a conversa para a frente em vez de para trás.
— Em sua carreira, o senhor chegou a fazer trabalho de campo? — perguntou Plumber.
— Bem, prestei aconselhamento à equipe de negociações de controle de armas, compareci a muitas conferências — respondeu o presidente.
— Sr. Ryan, há relatos de que o senhor fez mais que isso, tendo participado de operações que resultaram nas mortes de... bem, de cidadãos soviéticos.
Jack hesitou por um momento, tempo suficiente para que os espectadores pudessem perceber que aquela fora uma pergunta delicada .
— John, há muitos anos é um princípio de nosso governo jamais comentar operações que digam respeito à segurança nacional. Não vou mudar esse princípio.
— O povo americano tem o direito e a necessidade de saber que tipo de homem está sentado neste gabinete — insistiu Plumber.
— Esta administração jamais discutirá assuntos de segurança nacional.
Quanto a que tipo de pessoa sou, esse é o propósito desta entrevista. Nossa nação precisa manter alguns segredos. Vocês também, John — disse Ryan com os olhos nivelados com os do comentarista. — Se você revelar fontes, está fora do ramo. Se a América fizer a mesma coisa, pessoas sairão machucadas.
— Mas...
— O assunto está terminado, John. Nossos serviços de informação operam sob supervisão do Congresso. Sempre apoiei essa lei, e continuarei a fazê-lo. É tudo que tenho a dizer sobre o assunto.
Ryan percebeu que os dois repórteres ficaram nitidamente abalados, mas refletiu que parte da gravação não constaria da edição final da entrevista a ser exibida à noite.
Badrayn precisava selecionar trinta pessoas. Número ou dedicação não representavam uma dificuldade, mas inteligência sim. Ele tinha os contatos. Se havia fartura de alguma coisa no Oriente Médio, era de terroristas, homens como ele mesmo, ainda que um pouco mais jovens, que haviam dedicado suas vidas à Causa, apenas para vê-la murchar diante de seus olhos. E isso apenas tornava sua raiva e dedicação piores... ou melhores, dependendo do ponto de vista. Depois de refletir um pouco, concluiu que precisava de apenas vinte indivíduos inteligentes. O resto precisava consistir apenas em indivíduos dedicados, com um ou dois supervisores inteligentes. Todos teriam de seguir ordens. Todos teriam de estar dispostos a morrer, ou pelo menos a correr esse risco. Bem, isso também não representaria um problema. A Hezbollah ainda tinha um suprimento de pessoas dispostas a amarrar explosivos em seus corpos, e havia outros.
O combate suicida fazia parte da tradição da região — uma tradição que Maomé provavelmente não teria aprovado, mas Badrayn não era particularmente religioso, e as operações terroristas eram o seu negócio.
Historicamente, os árabes não haviam sido os soldados mais inteligentes do mundo. Nômades durante a maior parte de sua história, os árabes tinham como tradição militar o ataque repentino e violento, mais tarde enriquecido com táticas de guerrilha, e não a batalha estratégica, que era, na verdade, uma invenção dos gregos passada para os romanos e daí para todas as civilizações ocidentais. As tropas orientais frequentemente empregavam o serviço voluntário de pessoas dispostas a morrer por sua missão; na tradição viking essas pessoas eram chamadas de furiosos, e no Japão tinham constituído pelotões especiais de ataque também conhecidos como kamikases. Entre os árabes, os soldados suicidas manejavam gloriosamente suas espadas até terem abatido o máximo de inimigos para serem seus servos no Paraíso. Isso era particularmente verdadeiro numa jihad, ou guerra santa, cujo objetivo era atender aos interesses da Fé. Em última análise, isso provava que o Islã, como qualquer religião, podia ser corrompido por seus seguidores. No momento, significava que Badrayn dispunha de pessoas que fariam o que ele lhes ordenasse. As instruções viriam de Daryaei, que também lhes diria que a missão era um serviço de jihad, e que, portanto, lhes valeria chaves individuais para uma vida gloriosa depois da morte.
Badrayn tinha sua lista. Deu três telefonemas. As mensagens foram repetidas através de uma longa cadeia de ligações telefônicas, e no Líbano, e em muitos outros lugares, pessoas começaram a fazer planos de viagem.
— E então, como nos saímos, treinador? — perguntou Jack com um sorriso.
— O gelo ficou bem fino, mas acho que você não se molhou — disse Arnie van Damm com visível alívio. — Você atacou com muita força os grupos de interesse.
— Não é certo atacar interesses especiais? Merda, todo mundo faz isso!
— Depende de quais grupos e quais interesses, presidente. Todos eles têm porta-vozes, e alguns podem parecer a madre Teresa num dia de bom humor... imediatamente antes de lacerar a sua garganta com uma faca. — O chefe de gabinete fez uma pausa. — Mesmo assim você se saiu muito bem. Não disse nada que poderão usar com muito veneno de volta contra você. Veremos esta noite como ficou a edição final, e o que Donner e Plumber dirão no fim. Os últimos minutos são os que contam mais.
Os tubos chegaram a Atlanta num recipiente de alta segurança chamado caixa de chapéu devido ao seu formato. Tratava-se de um dispositivo altamente sofisticado, desenhado para conter materiais de grande periculosidade com segurança absoluta, sendo selado com lacres múltiplos e capaz de resistir a impactos violentos. A caixa estava coberta com rótulos de aviso de perigo biológico e foi tratada com grande respeito por todos, inclusive os dois carteiros que a entregaram às 9:14.
A caixa de chapéu foi levada para um laboratório de segurança, onde a parte externa foi checada em busca de danos, espargida com um desinfetante químico muito poderoso e finalmente aberta sob procedimentos de contaminação rigorosos. Os documentos de acompanhamento explicavam por que isso era necessário. Suspeitava-se que os dois tubos de sangue continham vírus causadores de febre hemorrágica. Isso poderia significar qualquer uma entre as muitas doenças desse tipo nativas da África — o continente de origem indicado —, e todas deviam ser evitadas. Um técnico manipulou o recipiente numa caixa de proteção com luvas embutidas; examinou-o em busca de vazamentos, e, mesmo não encontrando nenhum, espargiu-o com mais spray desinfetante. O sangue seria testado com anticorpos e comparado com outras amostras. A documentação seguiu para o escritório do Dr. Lorenz no Departamento de Patogenia.
— É o Gus, Alex — ouviu o Dr. Lorenz dizer ao telefone.
— Ainda não conseguiu pescar?
— Talvez este fim de semana. Um sujeito da neurocirurgia tem um barco, e finalmente estamos com tudo em ordem na casa. — O Dr. Alexandre olhava pela janela de seu escritório no leste de Baltimore. Podia ver o porto, que conduzia à baía de Chesapeake, e lá devia haver peixes.
— Como estão as coisas aí? — perguntou Gus, enquanto sua secretária chegava com um envelope.
— Só estou checando a epidemia no Zaire. Alguma coisa nova?
— Nenhuma, graças a Deus. O período crítico já passou. Esta acabou rápido. Estávamos muito... — Lorenz calou-se ao abrir a pasta e correr os olhos pela folha de rosto. — Espere um instante. Cartum? — murmurou para si mesmo.
Alexandre aguardou pacientemente. Lorenz era um leitor lento e cuidados.
O homem idoso, parecia-se muito com Ralph Forster no tocante a realizar as coisas sem pressão, que era uma das coisas que fazia dele um cientista experimental brilhante. Lorenz raramente dava um passo em falso. Examinava com muito cuidado o terreno antes de usá-lo.
— Acabamos de receber duas amostras de Cartum. A folha de rosto é assinada por um Dr. MacGregor, do Hospital Inglês em Cartum. Dois pacientes, homem adulto e menina de quatro anos, possivelmente com febre hemorrágica. As amostras estão agora no laboratório.
— Cartum? Sudão?
— É isso que diz aqui — confirmou Gus.
— Um bocado distante do Congo.
— Aviões, Alex, aviões — observou Lorenz. Se há uma coisa que assusta os epidemiologistas é o voo aéreo internacional. A folha de rosto não dizia muita coisa, mas havia um telefone e números de fax. — Muito bem, precisamos fazer os testes e ver o que descobrimos.
— E quanto às amostras anteriores?
— Terminamos o mapeamento ontem. Ebola Zaire, subtipo Mayinga, idênticos até o último aminoácido às amostras do 176.
— A cepa transmitida pelo ar — murmurou Alexandre. — Aquela que matou George Westphal.
— Isso nunca foi comprovado, Alex — recordou-o Lorenz.
— George era cuidadoso, Gus. Você sabe disso. Você o treinou. — Pierre Alexandre esfregou os olhos. Dores de cabeça. Ele precisava de uma nova lâmpada de mesa. — Mantenha-me informado do resultado dos testes com essas amostras, certo?
— Claro. Eu não me preocuparia muito. O Sudão é um ambiente difícil para esse vírus. Quente, seco, muito sol. O vírus não resistiria dois minutos em ambiente aberto em todo caso, deixe-me falar com meu chefe de laboratório.
Verei se posso examinar pessoalmente ao microscópio hoje à tarde... não, é mais provável amanhã de manhã, eu tenho uma reunião de departamento daqui a uma hora.
— Sim, e eu preciso comer qualquer coisa. Falo com você amanhã, Gus.
Alexandre — ele ainda pensava em si mesmo mais como coronel do que como professor — colocou o telefone no gancho e caminhou até o refeitório. Ficou satisfeito em encontrar novamente Cathy Ryan na fila de comida, juntamente com seu guarda-costas.
— Oi, professora.
— Como vai a pesquisa?— perguntou Cathy com um sorriso.
— Mesma coisa, mesma coisa. Preciso de uma consulta, doutora — disse ele, selecionando um sanduíche no balcão.
— Não entendo de vírus. — Mas ela tivera muitos pacientes aidéticos cujo problema visual era secundário ao seu problema principal. — Qual é o problema?
— Dores de cabeça — disse enquanto se dirigia ao caixa.
— Oh? — Cathy virou-se e tirou os óculos do rosto de Alexandre. Segurou-os contra a luz. — Devia experimentar limpá-los de vez em quando. Está com cerca de duas dioptrias a menos, mais um astigmatismo muito forte. Quando foi a última vez que conferiu a sua receita?
Cathy devolveu os óculos com uma olhada final na sujeira acumulada em torno das lentes, já sabendo a resposta à sua pergunta.
— Oh, há uns três...
— Anos. Você devia se cuidar melhor. Mande sua secretária ligar para a minha e farei um exame. Almoça conosco?
Escolheram uma mesa perto da janela, com Roy Altman a reboque, olhando ao redor enquanto os outros membros da segurança presidencial faziam o mesmo. Barra limpa.
— Sabe, você poderia ser um bom candidato para a nossa nova técnica de laser. Podemos mudar a forma da sua córnea até deixá-la em 20-20 — disse Cathy. Ela havia ajudado a montar esse programa, também.
— É seguro? — perguntou desconfiado o professor Alexandre.
— Os únicos procedimentos inseguros que faço são na minha cozinha — replicou a professora Ryan, soerguendo uma sobrancelha.
— Sim, senhora — disse Alex com um sorriso sem jeito.
— Que há de novo do seu lado da casa?
Estava tudo na edição. Bem, quase tudo na edição, pensou Tom Donner, digitando no computador de seu escritório. Depois da exibição da entrevista ele entraria com seu próprio comentário, explicando e esclarecendo o que Ryan quisera dizer com seu discurso aparentemente sincero... aparentemente sincero?
A expressão saltara sozinha de sua mente, surpreendendo o jornalista. Donner estava no ramo havia alguns anos e antes de sua promoção para âncora da emissora trabalhara em Washington. Entrevistara todos eles e conhecia-os bem.
Seu Rolodex estava repleto de cartões com cada nome e número importante na cidade. Como qualquer bom repórter, ele tinha conexões. Podia pegar o telefone e ligar para qualquer um, porque em Washington as regras para lidar com a imprensa eram elegantemente simples: ou você era uma fonte ou um alvo. Se não fizesse o jogo dos jornalistas, eles rapidamente encontrariam um inimigo seu que faria. Em outros contextos, o termo técnico era chantagem .
Os instintos de Donner diziam-lhe que ele jamais encontrara ninguém como o presidente Ryan antes, pelo menos não na vida pública... mas seria isso verdade? A pose de homem comum remontava pelo menos aos tempos de Júlio César. Era sempre um estratagema, uma forma de fazer os eleitores pensarem que o homem era realmente um deles. Mas ele nunca era. Pessoas normais não chegam tão longe assim em nenhum campo. Ryan subira na CIA fazendo política interna exatamente como todo mundo... tinha de ter feito. Fizera inimigos e aliados, como todo mundo fazia, e mexera os pauzinhos para subir.
E quanto às informações confidenciais que obtivera sobre a carreira de Ryan na CIA... deveria usá-las? Não no especial. Talvez no noticiário, que conteria uma chamada para convidar as pessoas a assistir ao especial em vez de seu seriado favorito.
Donner sabia que precisava tomar cuidado. Não se pisa no calo de um presidente apenas pela diversão... bem, isso não era verdade. Pisar no calo de um presidente era o melhor tipo de diversão, mas havia regras sobre como fazer isso. A sua informação precisava ser muito sólida. Isso significava fontes múltiplas, e tinham de ser boas fontes. Donner teria de encaminhá-las a um executivo superior em sua empresa de notícias, e eles discutiriam por um bom tempo se a matéria devia ser veiculada, mas no fim ela iria ao ar de qualquer jeito.
Homem comum. Mas um homem comum não trabalhava para a CIA nem operava como um espião de campo, não é verdade? Com toda certeza do mundo, Ryan era o primeiro espião a ocupar o Salão Oval... isso era bom?
Havia muito espaços em branco na vida de Ryan. O incidente em Londres.
Ele matara os terroristas que haviam atacado sua casa... ele matara pelo menos um deles lá também. Esta história incrível sobre o roubo de um submarino soviético, durante a qual, dizia sua fonte, ele matara um marinheiro russo. As outras coisas. Era esse o tipo de pessoa cujo o povo americano queria na Casa Branca?
E ainda assim ele tentava fazer-se passar por um... homem comum. Bom senso. Isto é o que a lei diz. Levo meus juramentos a sério.
É uma mentira, pensou Donner. Tem de ser uma mentira.
Você é um filho da puta esperto, Ryan, pensou o âncora.
E se ele fosse um filho da puta esperto, e se isso fosse mesmo uma mentira? Mudar o sistema de impostos. Mudanças na Suprema Corte.
Mudanças em nome da eficiência, atividades do secretário Bretano na Defesa... merda.
O próximo salto de imaginação seria que a CIA e Ryan tinham um papel na colisão Capitólio... não, isso era loucura demais. Ryan era um oportunista.
Todos eles eram, mas as pessoas que Donner entrevistara em sua vida profissional, desde seu primeiro emprego na emissora afiliada em Des Moines, onde seu trabalho mandara um diretor de repartição pública para a cadeia, e fizera-o ser notado pelos executivos da emissora. Figuras políticas. Donner já fizera reportagens sobre todos os tipos de notícias, de avalanches guerras, mas eram os políticos a quem estudava, como profissão-hobby.
Eram todos iguais, verdade. Lugar certo, hora certa, e sempre tinham interesses pessoais. Se havia uma coisa que aprendera, era isso. Donner olhou pela janela e levantou seu telefone com uma das mãos enquanto folheava o Rolodex com a outra.
— Ed, é o Tom. Quero saber se essas fontes são realmente boas e se posso encontrar-me com elas rápido.
Ele não pôde ouvir o sorriso do outro lado da linha. ; Sohaila estava sentada na cama agora. Situações como essa proporcionavam um alívio que jamais deixava de pasmar o jovem médico. A medicina era a mais exigente das profissões, ou pelo menos era o que MacGregor acreditava. Todos os dias, em maior ou menor grau, ele jogava dados com a morte. Não pensava em si mesmo como um soldado, um guerreiro em combate, pelo menos em termos conscientes, porque a morte era um inimigo que jamais se revelava... mas sempre estava presente. Cada paciente que tratava tinha aquele inimigo dentro de si, ou pairando sobre ele, e seu trabalho como médico era descobrir o esconderijo, atraí-la para fora e destruí-la. Depois você via a vitória no rosto do paciente, e saboreava cada um desses momentos.
Sohaila ainda não estava bem, mas isso passaria. Estava agora em dieta de líquidos, e não estava vomitando. Ainda se sentia fraca, mas seu corpo não ficaria mais debilitado. Sua temperatura estava baixa. Todos os sinais vitais estavam estabilizados ou voltando ao normal. Isto era uma vitória. A Morte não conquistaria esta criança. No curso normal dos eventos, ela cresceria, brincaria, casaria e teria suas próprias crianças.
Mas era uma vitória pela qual MacGregor não poderia realmente assumir crédito, pelo menos não integralmente. O cuidado que dispensara à criança fora apenas de apoio, não de cura. Ajudara? Provavelmente, disse o médico a si mesmo. Não era possível saber onde ficava a linha entre o que teria acontecido sem interferência externa e a diferença que ele havia feito. A medicina seria muito mais fácil se seus praticantes possuíssem essa capacidade de discernimento, mas ainda não era assim e provavelmente jamais seria. Se ele não tivesse tratado a menina... bem, neste clima, apenas o calor a teria matado, ou decerto a desidratação, ou talvez alguma infecção oportunista secundária. As pessoas muitas vezes morriam não devido à mazela principal, mas a alguma outra coisa que se aproveitava do enfraquecimento geral do corpo. Sendo assim... ele aceitaria os louros por esta vitória, que era ainda mais agradável por ter sido a vida de uma menininha bonita e encantadora que em breve reaprenderia a sorrir. MacGregor tomou seu pulso, desfrutando o toque da paciente como sempre fazia, e o contato remoto com um coração que prosseguiria batendo dali a uma semana. E enquanto observava, a menina adormeceu. Gentilmente, o médico recolocou a mão na cama e se virou.
— Sua filha vai se recuperar completamente — disse aos pais, confirmando suas esperanças e esmagando os temores com seis palavras calmas e um sorriso caloroso.
A mãe soluçou como se tivesse sido socada, sua boca aberta, lágrimas explodindo de seus olhos enquanto ela cobria o rosto com as mãos. O pai recebeu a notícia no que julgava ser uma forma mais máscula, mantendo o rosto impassível... mas não os olhos, que relaxaram e se voltaram para o teto aliviados. Então, segurou a mão do médico e seus olhos escuros desceram para fitar os de MacGregor.
— Não vou esquecer — disse o general.
Então chegou a hora de ver Saleh, algo que ele adiara conscientemente.
MacGregor deixou o quarto e caminhou pelo corredor. Lá fora colocou um tipo diferente de roupa. Ao entrar no quarto viu um derrotado. O homem estava amarrado à cama. A doença penetrara seu cérebro. A demência era outro sintoma do Ebola, um sintoma misericordioso. Os olhos de Saleh estavam vazios e fitavam o teto. A enfermeira estendeu ao médico o prontuário. Notícias ruins do começo ao fim. MacGregor correu os olhos por ela, franziu a testa e escreveu um pedido para aumentar a dosagem de morfina no soro. Neste caso, cuidado e apoio não fazia a menor diferença. Uma vitória, uma perda. Se ele tivesse tido uma escolha de qual deveria ser o vencedor e qual o perdedor, seria exatamente assim que escreveria a história; Saleh era adulto e tivera uma vida mais ou menos longa. Essa vida duraria mais cinco dias no máximo, e MacGregor não podia fazer nada para salvá-la, apenas algumas coisas para tornar sua passagem final menos dolorosa para o paciente... e para a equipe.
Depois de cinco minutos, deixou o quarto, despiu a roupa protetora e caminhou até seu escritório, rosto congelado numa expressão pensativa.
De onde a doença viera? Por que uma vítima sobrevivera e a outra morrera? O que ele não sabia que precisava saber? O médico serviu-se de uma xícara de chá e tentou recordar os elementos da vitória e da derrota para encontrar a informação que tinha decidido as duas questões. Mesma doença, mesmo tempo. Dois resultados diferentes. Por quê?
32
Reprises
Eu não posso dar-lhe isto, e não posso deixar que faça nenhuma cópia, mas posso permitir que dê uma olhada. — Ele estendeu a foto. Usava uma luva fina, e já dera uma para Donner. Digitais, explicara em tom calmo.
— Isso é o que penso que é?
Era uma fotografia em preto-e-branco, em papel lustroso, 20 x 25cm, mas não havia nenhum selo de sigilo nela, pelo menos não na frente. Donner não a virou.
— Você realmente não quer saber, quer? — Era uma pergunta e um aviso.
— Acho que não — respondeu Donner, entendendo a mensagem. Ele não sabia como a Lei da Informação — 18 U.S.C. §793E — interagia com seus direitos da Primeira Emenda, mas se ele não sabia que a foto era sigilosa, então não precisava descobrir.
— A embarcação é um submarino soviético armado com mísseis nucleares, e esse no passadiço é Jack Ryan. Você vai notar que ele está usando um uniforme da Marinha. Foi uma operação da CIA, realizada em cooperação com a Marinha. Vou lhe contar o que descobrimos sobre a missão. — O homem estendeu uma lente de aumento para que o jornalista se certificasse de que as identificações eram positivas. — Nós enganamos os soviéticos, fazendo com que eles pensassem que o submarino explodiu e afundou a meio caminho entre a Flórida e Bermudas. Provavelmente ainda acreditam nisso.
— E onde está agora? — indagou Donner.
— Eles o afundaram um ano depois, perto de Porto Rico — explicou o oficial da CIA.
— Por que lá?
— Águas atlânticas profundas próximas ao território americano, a cerca de cinco milhas de profundidade; ninguém jamais achará o submarino, e ninguém pode nem mesmo procurar sem que tenhamos conhecimento.
— Isso foi em... eu lembro! — disse Donner. — Os russos fizeram um grande exercício de guerra e nós entramos em prontidão. E eles chegaram a perder um submarino, não foi?
— Dois. — Outra foto saiu da pasta. — Está vendo o dano na proa do submarino? Nas proximidades das Carolinas, o Outubro Vermelho investiu contra outro submarino russo e o afundou. Ele ainda está lá. A Marinha não recuperou esse, mas enviou robôs que saquearam várias coisas úteis na carcaça.
Foi encoberto como atividade de resgate no primeiro, aquele que afundou devido a um acidente com o reator. Os russos jamais descobriram o que aconteceu com o segundo Alfa.
— E essas informações nunca vazaram?
Isso era impressionante para um homem que passara anos extraindo fatos do governo, como um dentista trabalhando a boca de um paciente medroso.
— Ryan sabe encobrir as coisas. — Outra foto. — Isto é um saco de corpo. A pessoa dentro dele era um tripulante russo. Ryan o matou; atirou nele com sua pistola. Foi assim que conseguiu sua primeira Estrela no serviço de informações. Acho que decidiu que não podíamos correr o risco de que o tripulante contasse... bem, não é muito difícil imaginar, é?
— Assassinato?
— Não. — O homem da CIA não estava querendo chegar tão longe. — A história oficial é que aconteceu um tiroteio de verdade, em que outras pessoas também saíram feridas. E isso que dizem os documentos no arquivo, mas...
— Sim. Mas faz a gente pensar, não é? — disse Donner, fitando as fotos. — Há alguma chance de essas fotos terem sido forjadas?
— Há a possibilidade — admitiu o homem da CIA. — Mas não foram. A outra pessoa na foto: almirante Dan Foster. Ele era chefe de Operações Navais na época. Este aqui é o comandante Bartolomeo Mancuso. Na época comandava o USS Dallas. Foi transferido para o Outubro Vermelho para mediar a deserção de... A propósito, ele ainda está em serviço. Agora é almirante. Ele comanda todos os submarinos no Pacífico. E esse é o comandante Marko Aleksandrovich Ramius, da Marinha soviética. Todos ainda estão vivos. Ramius vive agora em Jacksonville, Flórida. Trabalha na base naval em Mayport sob o nome Mark Ramsey. Contrato de consultoria — explicou. — A rotina de sempre. Ganha um belo estipêndio do governo, mas Deus sabe que ele merece.
Donner anotou os detalhes e reconheceu um dos rostos. Com toda certeza aquilo não era forjado. Também havia regras para isso. Um jornalista que descobre que mentiram para ele tem muita chance de conseguir fazer o mentiroso cair nas garras da lei; pior, ele pode tornar o mentiroso um alvo, e a mídia era sempre mais impiedosa do que qualquer promotor do Departamento de Justiça. Afinal de contas, o sistema jurídico estava restrito à lei.
— Certo — disse o jornalista. O primeiro conjunto de fotos retornou para sua pasta. Outra pasta apareceu, e dela saiu uma fotografia.
— Reconhece este homem?
— Ele era... espere um minuto. Gera-alguma coisa. Ele era...
— Nikolay Gerasimov. Foi diretor da antiga KGB.
— Morreu num desastre de avião em...
Outra foto saiu da pasta. O indivíduo era mais velho, mais grisalho, e parecendo bem mais próspero.
— Esta foto foi tirada há dois anos em Winchester, Virgínia. Ryan foi até Moscou, disfarçado como consultor técnico para os debates da START. Ele ajudou Gerasimov a desertar. Ninguém sabe exatamente como. A esposa e a filha de Gerasimov também conseguiram fugir. A operação foi conduzida diretamente do gabinete do juiz Moore. Ryan trabalhou muito dessa forma. Ele nunca fez realmente parte do sistema. Ryan sabe... olhe, para ser justo com o homem, ele é um puta espião. Tudo indica que ele trabalhou diretamente para Jim Greer como parte do DII, não do DO. Um disfarce dentro de um disfarce.
Ryan jamais cometeu um erro operacional de que eu tenha conhecimento, e isso é uma tremenda ficha. Não são muitos profissionais do ramo que podem se vangloriar disso, mas um dos motivos é que ele é um filho da puta cruel. Eficaz, mas cruel. Ele passava por cima de toda burocracia sempre que queria. Ryan sempre faz as coisas do modo dele, segundo sua própria cabeça, e se você cruza com seu caminho... bem, para manter a operação em segredo, um oficial russo foi enterrado junto com o Outubro Vermelho, e a tripulação inteira de um Alfa foi morta ao largo das Carolinas. Não tem nada nos arquivos, mas os arquivos estão com um monte de espaços em branco. Por exemplo, não consta dos arquivos como a esposa e a filha de Gerasimov fugiram da Rússia. Tudo que sei são rumores, e bem vagos.
— Porra, queria saber disso tudo algumas horas atrás.
— Ele enrolou você, não enrolou? — Essa pergunta veio de Ed Kealty através de um telefone viva-voz.
— Conheço o problema — disse o oficial da CIA. — Ryan é escorregadio.
Escorregadio mesmo. Ele patinou através da CIA como Dorothy Hamill em Innsbruck; fez isso durante anos. O Congresso o ama. Por quê? Ele parece o sujeito mais honesto do mundo. Só que ele matou pessoas.
O nome do homem da CIA era Paul Webb. Era oficial sênior no Diretório de Informações, mas não importante o suficiente para impedir que sua unidade inteira acabasse na lista de dispensas. Webb achava que deveria ser DDI agora, e teria conseguido se Ryan não tivesse puxado tanto o saco de James Greer. E assim sua carreira terminara num cargo burocrático na CIA, e agora isso estava sendo tirado dele. Ele tinha sua aposentadoria. Ninguém poderia roubar-lhe isso; bem, se descobrissem que contrabandeara esses arquivos para fora de Langley, estaria encrencado até o pescoço... ou talvez não. Que realmente acontecia com alcaguetes, afinal? A mídia os protegia muito bem, e ele tinha muito tempo de serviço, e... ele não gostava de ser parte de um programa de cortes de efetivo. Em outra época, embora não o admitisse para si mesmo, sua raiva o teria levado a entrar em contato com... não, isso não. Não com um inimigo. Mas a mídia não era um inimigo, era? Ele disse a si mesmo que a mídia era amiga, apesar de uma carreira inteira pensando o contrário.
— Você foi enrolado, Tom — repetiu Kealty pela linha telefônica. — Bem-vindo ao clube. Nem eu sei de todas as coisas que esse sujeito é capaz. Paul, conte a ele sobre a Colômbia.
— Não consegui encontrar nenhum arquivo a esse respeito — admitiu Webb.
— Bem, deve estar nos arquivos especiais, aqueles com selos de tempo.
Provavelmente só pode ser aberto em 2050, no mínimo. Ninguém pode ver esses arquivos.
— Como isso acontece? — questionou Donner. — Já ouvi falar disso, mas nunca consegui confirmar...
— Como eles mantêm essas coisas fora dos livros de História? É um acordo que precisa passar pelo Congresso, uma parte não escrita do processo de supervisão. A Agência procura o Congresso com um probleminha, requisita tratamento especial, e se o Congresso concorda, os arquivos vão para o cofre especial... droga, até onde sei, todos podem ter sido rasgados e enviados para reciclagem. Mas posso lhe dar alguns fatos verificáveis — concluiu Webb.
— Estou ouvindo — replicou Donner. E seu gravador também.
— Como você acha que os colombianos desmantelaram o cartel de drogas de Medellin? — indagou Webb, cativando ainda mais a atenção de Donner. Isso não era tão difícil; essa gente achava que sabia tudo sobre intriga, pensou Webb com um sorriso benevolente.
— Bem, parece que aconteceu algum tipo de conflito interno, umas duas bombas explodiram e...
— Bombas da CIA. De alguma forma, não tenho certeza de como iniciamos aquele conflito de facções. O que sei é o seguinte: Ryan desceu até a Colômbia O mentor de Ryan em Langley era James Greer; eles eram como pai e filho. Mas quando James morreu, Ryan não compareceu ao funeral, e ele não estava em casa e nem afastado a serviço da CIA; acabara de retornar de uma conferência da OTAN na Bélgica. Mas Ryan simplesmente sumiu do mapa, como fez um monte de vezes. Logo depois o conselheiro de Segurança Nacional do presidente, Jim Cutter, foi atropelado acidentalmente por um ônibus no centro de Washington na G.W., certo? Ele não olhou? Ele simplesmente passou correndo na frente do ônibus? Foi isso que o FBI disse, mas o homem que cuidou do caso foi Murray, e que emprego ele tem agora? Diretor do FBI, certo? Por acaso, ele e Ryan são amigos há mais de dez anos. Murray era o homem especial de Emil Jacobs. Quando o FBI precisou de alguma coisa feita na moita, chamaram Murray. Além disso, ele foi adido jurídico em Londres; esse é um posto perfeito para um espião, e permite muitos contatos com os serviços de informação ingleses. Murray é um sujeito com muita influência e conexões. E ele escolheu Pat Martin para aconselhar Ryan nas nomeações à Suprema Corte. O quadro está ficando claro?
— Espere um minuto. Eu conheço Dan Murray. Ele é um sujeito grosso, mas é um cara honesto e...
— Tudo indica que esteve na Colômbia com Ryan. Ele sumiu do mapa ao mesmo tempo que Ryan. Veja bem, não esqueça que eu não tenho o arquivo dessa operação, certo! Não posso provar nada disso. Veja a sequencia de eventos. O diretor Jacobs e todos os outros foram mortos; logo depois que explodimos bombas na Colômbia, e um monte de homens do cartel das drogas foi conversar com Deus... mas muitos inocentes morreram também. Essa é uma desvantagem em usar bombas. Lembra do comentário de Bob Raywler a esse respeito? Depois das explosões, que aconteceu? Ryan desapareceu. Murray também. Acho que eles desceram para finalizar a operação antes que ela escapasse totalmente ao controle... e depois Cutter morreu num momento muito conveniente. Cutter não tinha coragem de sujar as mãos; ele provavelmente sabia disso, e as pessoas ficaram com medo que ele desse com a língua nos dentes porque não tinha colhões. Mas Ryan tinha, com toda certeza... e ainda tem. Murray... bem, você mata o diretor do FBI e emputece uma organização muito perigosa, e não posso dizer que desaprovo isso. Aqueles desgraçados de Medellín abusaram muito, e fizeram isso num ano de eleição; Ryan era o homem certo para acabar com a raça deles e alguém lhe deu uma licença de caça. E talvez as coisas tenham fugido um pouco ao controle... isso acontece... e assim ele desceu até a Colômbia para encerrar a operação. Com sucesso — enfatizou Webb. — Na verdade, a operação inteira foi um sucesso. O cartel foi desmantelado...
— E outro ocupou seu lugar — objetou Donner.
Webb assentiu com o sorriso típico de quem conhece segredos.
— Verdade, e o novo cartel não matou oficiais americanos, matou? Alguém explicou para eles quais eram as regras. Repito: não direi que o que Ryan fez foi errado, exceto por uma coisinha.
— Qual? — perguntou Donner, desapontando Webb, embora ele agora estivesse completamente enfeitiçado pela história.
— Quando você destaca forças militares para um outro país, e mata pessoas, isso é chamado um ato de guerra. Mas, novamente, Ryan foi escorregadio. O rapaz fez algumas jogadas muito bonitas. Jim Greer treinou-o bem. Você poderia mergulhar Ryan num tanque de esterco e ele continuaria cheirando a perfume.
— Então, qual é a sua birra com ele?
— Você finalmente perguntou — comentou Webb. — Jack Ryan provavelmente é o melhor operador de informação que tivemos em trinta anos, o melhor desde Allen Dulles, talvez o melhor desde Bill Donovan. Outubro Vermelho foi um golpe de mestre. Tirar o diretor da KGB da URSS foi ainda melhor. A coisa na Colômbia... bem, eles puxaram o rabo do tigre e esqueceram que o tigre tem garras afiadas. Tudo bem, Tom — condescendeu Webb. — Ryan é um tremendo espião, mas ele precisa de alguém para dizer-lhe o que é a lei.
— Um homem como esse jamais seria eleito — observou Kealty, esforçando-se para dizer o mínimo possível. A cinco quilômetros dali seu chefe de gabinete quase arrancou-lhe o telefone das mãos; eles já estavam conseguindo passar a mensagem. Felizmente, o comentário não atrapalhou o discurso de Webb.
— Ele fez um trabalho fenomenal na Agência. Ele foi até um bom consultor para Roger Durling, mas isso não é o mesmo que ser presidente. Sim, ele o enrolou, Sr. Donner Talvez tenha enrolado Durling... provavelmente não, mas quem pode dizer? Mas esse homem está reconstruindo a porra do governo todo, e está reconstruindo à sua imagem e semelhança, caso não tenha notado. Ele só indicou pessoas com quem trabalhou, entre elas pessoas com quem está envolvido há muito tempo, ou que foram selecionadas por seus associados.
Murray gerindo o FBI. Você quer Dan Murray no comando da agência policial mais poderosa dos Estados Unidos? Você quer essas duas pessoas escolhendo a Suprema Corte? Para onde ele irá nos levar? — Webb fez uma pausa, suspirou. — Odeio fazer isso. Ele foi colega meu em Langley, mas não é adequado para a presidência. Tenho um compromisso para com o meu país, e meu país não é Jack Ryan. — Webb recolheu as fotos e enfiou-as de volta em suas pastas. — Preciso devolver isso. Se alguém descobrir o que fiz... veja só o fim que teve Jim Cutter.
— Obrigado — disse Donner.
Agora Donner tinha algumas decisões para tomar. Seu relógio dizia que eram três e meia. Precisava tomar essas decisões bem rápido. Bem, o dilema não seria excruciante. Só havia uma coisa mais furiosa do que uma mulher traída. Um jornalista que ficava sabendo que tinha sido enrolado.
Todos os nove estavam morrendo. O processo levaria de cinco a oito dias, mas todos estavam condenados e sabiam disso. Seus rostos fitavam as câmeras de teto; não nutriam mais ilusões. Suas execuções seriam mais cruéis do que as sentenças que teriam recebido de qualquer tribunal. Ou pelo menos era o que pensavam. Esse grupo prometia ser mais perigoso que o primeiro — detinham mais conhecimento sobre o que estava acontecendo — e como resultado estavam tendo seus movimentos mais contidos. Os médicos do Exército tinham encontrado uma forma de impedir que seus pacientes se debatessem durante o processo — um movimento de braço no momento errado poderia fazer um dos soldados enfiar a agulha no corpo errado; assim, enquanto um homem tirava a amostra de sangue, o outro mantinha uma faca encostada na garganta do paciente . Apesar de saberem que estavam condenados, eles eram criminosos e covardes, e portanto não mediriam esforços para protelar suas mortes. Não era uma técnica médica humanista, mas ninguém no prédio estava praticando medicina humanista. Moudi observou o processo por alguns minutos e deixou a sala de monitoração.
Estiveram extremamente pessimistas em muitos aspectos, e um deles era a quantidade necessária de vírus. No tanque de cultura, o Ebola consumira os rins de macaco com uma voracidade que causara arrepios até mesmo no diretor.
Embora fundamentalmente em nível molecular, era como ver formigas atacando uma fruta, vindo de lugar algum e cobrindo-a rapidamente, enegrecendo-a com seus corpos Assim era com o vírus Ebola; embora fosse pequeno demais para ser visto, havia literalmente trilhões deles comendo o tecido que lhes fora oferecido como alimento. O fígado havia sido de uma cor agora era de outra, e não era preciso ser médico para saber que palavras não conseguiriam descrever o quanto o conteúdo da câmara era odioso. Moudi sentiu o sangue gelar só de olhar para aquela sopa horrenda. Havia litros dela agora. O Volume crescia cada vez mais, porque estavam acrescentando sangue humano retirado banco de sangue central em Teerã.
O diretor estava examinando uma amostra no microscópio eletrônico, comparando a outra. Enquanto se aproximava, Moudi pode ver os selos com datas em cada uma das amostras. Uma delas era de Jean Baptiste. A outra era recém-chegada, de um paciente no segundo grupo de nove.
— São idênticas, Moudi — disse ele, virando quando o homem mais jovem se aproximou.
Isso não era tão previsível quanto um leigo poderia pensar. Um dos problemas com os vírus era que, mal estando vivos, eram realmente inadequados para reprodução. A cadeia de RNA carecia de uma função de edição para assegurar que cada geração seguira plenamente os passos da predecessora. Era uma fraqueza séria do Ebola, e de muitos outros organismos similares. Cedo ou tarde cada epidemia de Ebola se dispersava, e este era um dos motivos. O vírus em si, mal adaptado ao hospedeiro humano, tornava-se menos virulento. E era isso que o tornava a arma biológica ideal. O vírus iria matar. O vírus iria se disseminar. Então morreria antes de se espalhar demais. O quanto ele se disseminaria dependia da distribuição inicial. O Ebola era a um só tempo horrivelmente letal e também limitado em termos de tempo.
— Portanto, teremos pelo menos três gerações de estabilidade — observou Moudi.
— E por extrapolação, provavelmente sete para nove.
Por mais pervertida que fosse sua visão da ciência, o diretor do projeto era um conservador em questões técnicas. Moudi teria dito nove para onze. Era melhor que o diretor estivesse certo, admitiu Moudi para si mesmo, virando-se.
Numa mesa ao fundo havia vinte latas. Eram parecidas com aquelas usadas para infectar o primeiro grupo de criminosos, mas ligeiramente modificadas, estando camufladas como o tamanho econômico de um creme de barbear europeu muito popular. (Na verdade, os proprietários da companhia eram americanos, o que parecera engraçado a todos os envolvidos ao projeto.) Elas haviam sido compradas em vinte cidades diferentes em cinco países diferentes, conforme demonstravam os números de série marcados em seus fundos côncavos. Aqui, na Casa dos Macacos, as latas haviam sido esvaziadas e desmontadas cuidadosamente para sofrer modificações. Cada uma continha meio litro de solução de sopa, acrescida de um propulsor de gás neutro (nitrogênio, que não reagiria quimicamente com a sopa e não provocaria combustão) e uma pequena quantidade de fluido refrigerante. Outra parte da equipe já testara o sistema de entrega. O Ebola não sofreria nenhuma degradação durante mais de nove horas. Depois disso, com a perda da refrigeração, as partículas do vírus começariam a morrer numa função linear.
Em 9-1-8 horas, menos de 10% das partículas estariam mortas... mas essas, disse Moudi a si mesmo, seriam as mais fracas, e provavelmente aquelas com menos chance de causar doenças. Em 9+16 horas, 15% estariam mortas. Depois disso, segundo os experimentos haviam revelado, a cada oito horas — por alguma razão os números pareciam coincidir com terços de dias — um adicional de 5% morreria. Portanto...
Era muito simples. Os viajantes voariam para Teerã. Tempo de voo para Londres, sete horas. Tempo de voo para Paris, trinta minutos a menos. Tempo de voo para Frankfurt, menos ainda. A maioria desses fatores era a hora do dia, aprendera Moudi. As três cidades ofereciam uma abundância de voos de conexão. As bagagens não seriam checadas porque os viajantes estariam seguindo para outro país, as inspeções alfandegárias seriam dispensadas, e portanto ninguém notaria as latas de creme de barbear anormalmente frio Aproximadamente na hora em que o fluido refrigerante estivesse perdendo o efeito, • viajantes estariam em suas poltronas na primeira classe, subindo para altura de cruzem, rumo às cidades de destino. Mais uma vez o transporte aéreo internacional serviria perfeitamente a seus propósitos. Haveria voos diretos da Europa para Nova York, Washington, Boston, Filadélfia, Chicago, San Francisco, Los Angeles, Atlanta, Dallas, Orlando, e voos de conexão regulares para Las Vegas e Atlantic City — na verdade para todas as cidades principais dos EUA. Todos os viajantes voariam de primeira classe, para mais rápido receberem suas bagagens e passar pela alfândega. Teriam reservas em bons hotéis e passagens de retorno para partir de aeroportos diferentes. Do momento zero até o momento da entrega não transcorreriam mais de 24 horas, e portanto 80% do Ebola liberado estaria ativo. Depois disso, tudo seria aleatório, tudo estaria nas mãos de Alá... não! Moudi balançou a cabeça. Ele não era o diretor.
Ele não associaria este projeto à vontade de seu Deus. Qualquer que fosse a vontade de seu Deus, e por mais benéfico que o projeto fosse ao seu país — que agora estava renascendo numa nova nação —, Moudi não macularia suas crenças religiosas dizendo ou mesmo pensando isso.
Muito simples? Tinha sido fácil no começo, mas agora... era como uma espécie de legado. A irmã Jean Baptiste, que já fora incinerada, não deixara crianças para trás, como deveria fazer toda mulher. Em vez disso, o corpo da freira deixara uma doença como seu legado físico, e isso era um ato tão maligno que certamente ofenderia Alá. Mas a irmã Jean Baptiste deixara outra coisa também, um legado verdadeiro. Moudi já odiara todos s ocidentais, considerando-os infiéis. Aprendera na escola sobre os Cruzados, e como esses pretensos soldados do profeta Jesus haviam massacrado muçulmanos, como Hitler massacrara judeus; desse conhecimento, Moudi extraíra a lição de que todos os cristãos eram inferiores às pessoas de sua Fé, e que era fácil odiar essa gente, fácil considerá-las uma mácula no mundo. Mas aquela pobre mulher...
Que era o Ocidente e que era o cristianismo? Os criminosos do século XI, ou uma mulher virtuosa do século XX que negara todos os desejos humanos que ela deveria sentir... e por quê? Para servir aos doentes, para ensinar sua fé.
Sempre humilde, sempre respeitosa. Ela jamais quebrara seus votos de pobreza, castidade e obediência — Moudi tinha certeza disso —, e embora esses votos essas crenças pudessem ter sido falsos, não tinham sido tão falsos. Ele aprendera com ela a mesma coisa que o Profeta aprendera. Havia apenas um Deus. Havia apenas um livro. Ela servira a ambos com um coração puro, por mais desorientadas que pudessem ser suas crenças religiosas.
Não apenas a irmã Jean Baptiste, lembrou a si mesmo. A irmã Maria Magdalena também. E ela fora assassinada — e por quê? Por lealdade à sua fé, aos seus votos, à sua amiga; coisas aprovadas pelo Corão.
Teria sido muito mais fácil para ele se trabalhasse apenas com negros africanos. Ele abominava suas crenças religiosas; muitos eram pagãos em atos e palavras, ignorantes do Deus único. Moudi seria capaz de não sentir nenhuma piedade pelos africanos, assim ...... não tivera antes com os cristãos... até conhecer Jean Baptiste e Maria Magdalena.
Porquê? Por que isso acontecera?
Infelizmente para Moudi, era tarde demais para fazer essas perguntas. Não adiantava chorar sobre leite derramado. Caminhou até o canto mais distante da sala e serviu-se de café. Estava acordado havia mais de um dia, e com a fadiga vinham as dúvidas, e ele esperava que a bebida pudesse afastá-las até que conseguisse dormir um pouco e, com o descanso, reencontrar talvez a paz.
— Você só pode estar de brincadeira! — rosnou Arnie ao telefone. A voz de Tom Donner estava no tom mais apologético possível.
— Talvez tenham sido os detectores de metal na saída. A fita foi danificada.
Ainda é possível ver e ouvir as imagens, mas há um pouco de ruído na trilha de áudio. Não está em qualidade para transmissão. O resto do programa todo está pronto, mas não podemos usar a entrevista.
— E então? — indagou van Damm — E então, temos um problema, Arnie. O segmento deve ir ao ar às nove da noite.
— E então, que quer que eu faça?
— Ryan está em condições de refazer a entrevista ao vivo? — perguntou o âncora. O chefe de gabinete do presidente quase deu uma resposta malcriada.
Se esta fosse a semana da avaliação de níveis de audiência — durante a qual as emissoras fazem tudo que podem para atrair público e assim poder aumentar o preço dos comerciais — ele teria acusado Donner de ter feito isso deliberadamente. Não, essa era uma linha que nem mesmo ele poderia cruzar.
Lidar com a imprensa nesse nível era como ser Clyde Beatty no picadeiro, armado com uma cadeira sem fundo e um revólver de festim, domando grandes felinos para a plateia, mantendo sua autoridade o tempo todo, mas sabendo que os felinos só precisavam ter sorte uma vez. Em vez disso, ofereceu silêncio, forçando Donner a fazer o movimento seguinte.
— Arnie, serão as mesmas perguntas. Quantas vezes damos ao presidente a chance de ensaiar suas falas? E ele se saiu muito bem hoje de manhã. John concorda comigo.
— Não podem regravar? — inquiriu van Damm.
— Arnie, eu entro no ar em quarenta minutos, e preciso trabalhar até as sete e meia Eu teria trinta minutos para correr até a Casa Branca, preparar tudo, gravar e trazer: fita para cá. Acha que eu conseguiria fazer tudo isso até as nove? Quer me emprestar um dos seus helicópteros? — Fez uma pausa. — Olhe só, vamos fazer o seguinte: direi no m que estragamos a fita, e que o Patrão fez a gentileza de concordar em aparecer ao vivi conosco. Se isso não é um puta trabalho profissional, não sei mais o que é.
As luzes de alarme de Arnold van Damm estavam todas piscando. A boa notícia era que Jack saíra-se muito bem de manhã. Não fora perfeito, mas saíra-se bem, especial mente em termos de demonstrar sinceridade. Mesmo quando teve de responder a perguntas controvertidas, fizera-o demonstrando que acreditava no que dizia. Ryan encarava suas instruções com seriedade, e aprendia rápido. Não parecera tão relaxado quanto poderia, mas isso não era problemático. Ryan não era um político — ele mesmo disse; isso duas ou três vezes —, e portanto podia parecer tenso. Grupos focais em sete cidades diferentes disseram gostar de Jack porque agia como um deles. Ryan não sabia que Arnie e a equipe política estavam fazendo uma pesquisa de popularidade.
Esse programa era tão confidencial quanto uma operação da CIA, mas Arnie justificava-o para si mesmo como uma checagem de realidade em como o presidente poderia transmitir melhor suas ideias e imagem para governar melhor — e nenhum presidente soubera de todas as coisas feitas em seu nome. A pesquisa constatara que Ryan parecia presidencial — não de forma normal, mas da sua própria forma, e isso, todos os grupos focais tinham concordado, também era bom. E ser entrevistado ao vivo... sim, isso seria uma demonstração de segurança, e faria muito mais gente mudar de canal para a NBC, e Arnie queria que as pessoas conhecessem Ryan melhor.
— Muito bem, Tom, um sim provisório. Mas terei de perguntar a ele.
— Faça isso rápido, por favor — replicou Donner. — Se ele cancelar, teremos de alterar toda a programação da rede para esta noite, e isso pode significar o meu na reta!
— Ligo de volta em cinco minutos — prometeu van Damm. Ele desligou o botão no fone e saiu correndo da sala, deixando o aparelho sobre sua mesa.
— Indo ver o Patrão — disse van Damm aos agentes do Serviço Secreto no corredor leste-oeste. Seu ritmo de caminhada disse-lhes para saltar da sua frente antes que seus olhos.
— Sim? — disse Ryan. Não era comum sua porta abrir sem aviso.
— Temos que refazer a entrevista. Jack balançou a cabeça, surpreso.
— Por quê? Esqueci meu zíper aberto?
— Mary sempre checa isso. A fita foi perdida e não há tempo de regravar.
Assim, Donner me pediu para perguntar a você se poderia fazer ao vivo às nove da noite. Mesmas perguntas e tudo mais... ei, espere um pouco — disse Arnie, pensando rápido. — Que tal colocarmos sua esposa no ar também?
— Não sei se é uma boa ideia, Arnie...
— Na verdade, tudo que ela precisa fazer é ficar sentada e sorrir. Isso vai passar uma imagem positiva pata as pessoas lá fora. Jack, de vez em quando ela precisa agir como primeira-dama. Esta seria uma tarefa fácil. Talvez possamos trazer as crianças no...
— Não. Meus filhos ficam longe do olho público, ponto final. Cathy e eu já conversamos sobre isso.
— Mas...
— Não, Arnie, não agora, não amanhã, não no futuro. Não. — A voz de Ryan soou definitiva quanto uma sentença de morte o chefe de gabinete imaginou que não poderia convencer Ryan a fazer tudo. Isso mandaria um pouco de tempo, mas ele acabaria conseguindo. Você não pode pertence ao povo se não permite que ele veja seus filhos, mas agora não era momento de pressioná-lo a respeito.
— Vai pedir a Cathy? Ryan suspirou e assentiu.
— Vou.
— Muito bem. Direi a Donner que ela talvez apareça, mas que não temos certeza dos seus compromissos médicos. Isso lhe dará algo em que pensar. E também vai tirar um pouco a pressão sobre você. Esse é o trabalho principal da primeira-dama, — Quer dizer isso a ela, Arnie? Lembre, ela é uma cirurgia. É boa com facas.
Van Damm soltou uma gargalhada.
— Vou lhe dizer o que ela é. É uma mulher e tanto, e é mais durona que qualquer um de nós. — E aconselhou: — Pergunte com jeitinho.
— Vou perguntar. — Imediatamente antes do jantar, pensou Jack.
— Certo, ele vai fazer. mas quer pedir que a esposa se junte a nós, também.
— Por quê?
— Por que não? — perguntou Arnie. — Ainda não está certo. Ela não voltou do trabalho — acrescentou, e foi uma frase que fez os jornalistas sorrirem.
— Certo, Arnie, obrigado. Te devo uma. Donner desligou o viva-voz.
— Está ciente de que acaba de mentir para o presidente dos Estados Unidos?
— comentou John Plumber, muito sério.
Plumber era um profissional mais velho que Donner. Não pertencia exatamente à geração de Edward R. Murrow, mas estava com quase setenta anos. Havia sido adolescente durante a Segunda Guerra Mundial, mas fora à Coréia como um jornalista jovem, e trabalhara como correspondente estrangeiro em Londres, Paris, Bonn e, finalmente, Moscou. Plumber fora chutado de Moscou, e sua posição política um pouco esquerdista nunca chegou a despertar simpatia na União Soviética. Contudo, mais que isso, embora não fosse da geração de Murrow, crescera ouvindo o imortal correspondente da CBS, e ainda podia fechar os olhos e ouvir a voz grave que, de algum modo, transmitia o mesmo tom de autoridade de um padre. Talvez fosse porque Ed começara no rádio, quando a voz de um jornalista ditava seu sucesso na profissão. Ele certamente conhecia melhor linguagem que a maioria de seus contemporâneos, e infinitamente mais que os repórteres e redatores semianalfabetos da geração atual. Plumber era uma espécie de erudito autodidata, um estudante devotado de literatura elisabetana, e tentava tecer seus textos e comentários espontâneos com a mesma elegância do mestre que ele apenas assistira e ouvira, mas jamais realmente chegara a conhecer. Acima de tudo, as pessoas haviam respeitado Ed Murrow devido à sua honra, lembrou John Plumber a si mesmo. Ed Murrow era tão implacável quanto qualquer um dos jornalistas investigativos que atualmente eram formados em massa pelas faculdades, mas sempre se sabia que Ed Murrow era justo. E sabia-se que ele não quebrava as regras. Plumber pertencia à geração que acreditava que sua profissão devia ter regras, sendo uma delas jamais contar mentiras. Podia-se distorcer, moldar, adaptar a verdade para obter uma informação de alguém — isso era diferente —, mas jamais se poderia dizer a alguém uma coisa que fosse deliberada e definitivamente falsa. Isso incomodou John Plumber. Ed jamais teria feito isso. Nem em sonho.
— John, ele nos enrolou.
— Essa é a sua opinião.
— A informação que obtive... bem, que você acha?
Haviam sido duas horas frenéticas para toda a equipe de pesquisa da emissora, obtendo informações tão tênues que mesmo duas ou três delas, somadas, não significavam muita coisa. Mas todos os dados disponíveis tinham sido verificados, e era isso que importava. : — Não estou seguro, Tom. — Plumber esfregou os olhos. — Ryan é um peixe fora d’água? Sim, ele é. Mas está se esforçando? Definitivamente. Ele é honesto? Acho que sim. Bem, tão honesto quanto qualquer um deles pode ser — acrescentou.
— Então vamos lhe dar uma chance de provar isso.
Plumber não disse nada. Visões de índices de audiência, e talvez até de um prêmio Emmy, dançavam nos olhos de seu colega mais novo como ovos de chocolate nos olhos de um menino durante a Páscoa. Em todo caso, Donner era o âncora e Plumber o comentarista, e Tom era influente no escritório principal de Nova York, que um dia já fora povoado por homens de sua geração, mas agora era ocupado inteiramente por pessoas da idade de Donner, mais empresários que jornalistas, que perseguiam os índices de audiência como os cruzados procuravam o Santo Graal. Bem, Ryan gostava de empresários, não gostava?
— Acho que sim.
O helicóptero pousou na pista do Gramado Sul. O chefe de tripulação abriu a porta e saltou. Com um sorriso, ajudou a primeira-dama a descer. Sua porção da Segurança Presidencial seguiu-a, subindo a ladeira suave na direção da entrada sul, e então o elevador. Ali, Roy Altman apertou o botão para ela; a primeira-dama também não linha permissão de fazer isso.
— CIRURGIÃ está no elevador, seguindo para a residência — reportou o agente Raman do pavimento térreo.
— Entendido — confirmou Andréa Price do andar de cima Price já mandara algumas pessoas da Segurança Técnica checarem todos os detectores de metal pelos quais a equipe da NBC passara na saída. O chefe da Segurança Técnica comentou que ocasionalmente eles ficavam um pouco desregulados, e que as fitas de formato Tlohi usadas pelas emissoras podiam ser danificadas com facilidade... mas que ele não acreditava nisso. Talvez um surto de energia, sugerira Price. Sem chance, replicara o técnico, lembrando-a de que seu pessoal checava continuamente a Casa Branca. Andréa pensou em conversar sobre isso com o chefe de gabinete, mas acabou concluindo que era inútil. Os jornalistas que se danassem. Entre todos com quem precisavam lidar, os jornalistas eram os maiores pés no saco.
— Oi, Andréa — cumprimentou Cathy, passando rápido por ela.
— Olá, Dra. Ryan. O jantar já está quase pronto.
— Obrigada — replicou CIRURGIA a caminho do quarto. Parou na entrada, vendo que havia um vestido e joias em seu criado-mudo. Franzindo a testa, tirou os sapatos e vestiu roupas informais para jantar, perguntando-se, como sempre, se havia câmeras escondidas para registrar o evento.
O cozinheiro da Casa Branca, George Butler, era de longe muito melhor que ela conhecia até mesmo havia aperfeiçoado a salada de espinafre de Cathy, acrescentando uma pitada de alecrim ao molho que ela vinha aperfeiçoando havia anos. Cathy e ele batiam papo pelo menos uma vez por semana e, de sua parte, ele a ensinou como usar os instrumentos profissionais da cozinha da Casa Branca. De vez em quando, Cathy imaginava se seria uma boa cozinheira caso não tivesse optado pela medicina. Por temer passar a impressão de querer paparicar a primeira-dama, o chefe não dissera a Cathy que ela tinha um dom para a coisa — afinal de contas, CIRURGIÃ era uma cirurgiã. Com o tempo, ele aprendera as preferências da família e descobrira que cozinhar para uma criança era muito divertido, especialmente quando ela ocasionalmente descia com seu guarda-costas imenso em busca de petiscos. Don Russell e ela comiam leite com biscoitos caseiros pelo menos duas vezes por semana. CHOCALHO tinha se tornado o bibelô dos empregados da Casa Branca.
— Mamãe! — disse Katie Ryan quando Cathy passou pela porta.
— Oi, meu bem.
CHOCALHO recebeu o primeiro abraço e beijo. POTUS ficou em segundo. As crianças mais velhas resistiram, como sempre.
— Jack, por que deixaram roupas arrumadas para mim?
— Vamos aparecer na TV esta noite — replicou ESPADACHIM, cauteloso.
— Por quê?
— A fita que usaram para gravar a entrevista desta manhã deu defeito, e querem que eu apareça ao vivo às nove. Se você estiver disposta, gostaria que me fizesse companhia.
— Para responder o quê?
— Mais ou menos o que você esperaria a meu respeito.
— E então, como devo fazer? Entrar na sala com uma bandeja de biscoitos?
— Os biscoitos de George são mais gostosos! — acrescentou CHOCALHO à conversa. As outras crianças riram. Aquilo suavizou um pouco a tensão.
— Você não precisará fazer se não quiser, mas Arnie acha que seria uma boa ideia.
— Fantástico — observou Cathy.
Ela inclinou a cabeça enquanto olhava para o marido. De vez em quando, Cathy se perguntava onde ficavam as cordas, aquelas que Arnie usava para manipular seu marido,
Bondarenko estava trabalhando tarde — ou cedo, dependendo do ponto de vista. Estava à sua mesa havia vinte horas, e desde que fora promovido a general descobrira que a vida de coronel era bem melhor. Como coronel ele costumava fazer cooper, c até mesmo conseguia dormir com sua esposa quase todas as noites. Agora... bem, ele sempre aspirara a alcançar um posto superior.
Sempre tivera a ambição. Afinal, por que outro motivo um oficial do Corpo de Sinaleiros teria ido às montanhas do Afeganistão com o Spetznaz? Reconhecido por seu talento, ele quase estacionara no posto de coronel, por ter trabalhado como adido pessoal de outro coronel que se revelara um espião — fato que ainda o perturbava. Misha Filitov, um espião do Ocidente? Aquilo abalara sua fé cm muitas coisas, a maior de todas, a fé em sua pátria — mas então o país morrera.
A União Soviética que o criara e uniformizara havia morrido numa noite fria de dezembro, para ser substituída por algo menor e mais... confortável de servir.
Era mais fácil amar a Mãe Rússia do que a um grande império poliglota. Agora era como se seus filhos adotivo tivessem todos ido embora, e apenas os filhos legítimos houvessem permanecido. E os remanescentes formavam uma família mais feliz.
E mais pobre. Por que não percebera isso antes? O Exército de seu país fora o maior e mais impressionante do mundo, ou pelo menos ele assim pensara, com suas grandes massas de homens e armas, e sua história orgulhosa de destruir os invasores alemães na guerra mais brutal da História. Mas esse Exército morrera no Afeganistão, bem se não exatamente assim, ao menos perdera sua alma e confiança. Mas os EUA se recuperaram, um processo que seu país ainda precisava iniciar.
Todo aquele dinheiro jogado fora. Desperdiçado nas províncias que haviam partido, os filhos ingratos que a União sustentara por gerações. Agora eles tinham ido embora, levando muita riqueza com eles, e em alguns casos juntando-se a outras famílias para, no futuro, assim ele temia, retornarem como inimigos. Exatamente como filhos adotivos Ingratos.
Golovko tinha razão. Se esse perigo precisava ser detido, teria de ser feito logo. Mas como? Lidar com alguns bandidos chechenos já tinha sido muito difícil.
Ele era agora chefe de Operações. Dali a cinco anos, seria general-comandante. Bondarenko não nutria ilusões a esse respeito. Ele era o melhor oficial em sua faixa etária, o seu desempenho em campo de batalha conquistara-lhe atenção nos altos escalões. Além disso, o projeto no qual estava trabalhando também contribuiria para isso. Ele poderia terminar esse trabalho bem em tempo para a Rússia amargar sua derrota final. Ou talvez não. Em cinco anos, recebendo os fundos adequados e carta branca para reestruturar a doutrina e o treinamento, conseguiria converter o Exército russo na força que sempre deveria ter sido. Usaria desavergonhadamente o modelo americano, assim como os americanos tinham usado sem hesitação sua doutrina tática na Guerra do Golfo. Mas, para isso acontecesse, precisaria de alguns anos de paz relativa. Se suas forças fossem encurraladas em becos sem saída ao longo da periferia sul, Bondarenko não teria tempo ou fundos para salvar o Exército.
Então, o que ele deveria fazer? Ele era o chefe de operações. Tinha a obrigação de saber. Era seu trabalho saber. Só que não sabia. O Turcomenistão havia sido o primeiro. Se ele não o detivesse aqui, jamais o deteria. No lado esquerdo de sua mesa estava uma lista das divisões e brigadas disponíveis, com seus supostos estados de prontidão. do lado direito havia um mapa. Os dois não combinavam.
A senhora tem um cabelo tão bonito! — comentou Mary Abbot.
— Não fiz cirurgia hoje — explicou Cathy. — A touca sempre o deixa horrível.
— Há quanto tempo usa o mesmo corte?
— Desde que casamos.
— Não mudou nunca? — Isso surpreendeu a Sra. Abbot. Cathy apenas balançou a cabeça. Achava que se parecia com a atriz Susannah York — ou pelo menos havia gostado da aparência de York num filme que vira na época da faculdade. E o mesmo valia para Jack. Ele jamais mudara seu corte de cabelo, a não ser quando não tinha tempo de cortar, outro aspecto de sua vida do qual a Casa Branca se encarregava agora, a cada duas semanas. Eles administravam a vida de Jack muito melhor do que ela. Simplesmente marcavam as coisas em vez de perguntar antes, como Cathy sempre fizera. Um sistema muito mais eficaz, disse a primeira-dama a si mesma.
Ela estava mais nervosa do que deixava transparecer, mais ainda do que em seu primeiro dia na escola de medicina, mais ainda do que em sua primeira cirurgia, quando tivera de fechar os olhos e gritar por dentro para fazer as mãos pararem de tremer. Mas pelo menos tinham lhe dado ouvidos, e ela lhes dera ouvidos, também. Certo, pensou Cathy. Esta é a solução. Isto é uma cirurgia.
Sou uma cirurgiã, e cirurgiãs estão sempre no controle.
— Acho que já está bom — anunciou a Sra. Abbot.
— Obrigada. Gosta de trabalhar com Jack? ..
O sorriso da experiência.
— Ele detesta maquiagem. Mas a maioria dos homens é assim — condescendeu. — Tenho um segredo para você — disse Cathy. — Eu também não gosto.
— Não passei muita — observou Mary prontamente. — A sua pele não precisa. — A observação de mulher para mulher fez a Dra. Ryan sorrir.
— Obrigada.
— Posso dar uma sugestão?
— Claro.
— Deixe o cabelo crescer mais dois centímetros, talvez quatro. Isso complementaria melhor a forma do seu rosto.
— É isso que Elaine diz. Ela é minha cabeleireira em Baltimore. Tentei uma vez. As toucas cirúrgicas deixam meu cabelo todo quebradiço.
— Podemos fazer toucas maiores para você. Tentamos cuidar bem das nossas primeiras-damas.
— Oh! — E por que não pensei nisso?, perguntou-se Cathy. Não podia ser mais caro do que levá-la de helicóptero para o trabalho... — Obrigada!
— Venha comigo.
A Sra. Abott conduziu FLOTUS até o Salão Oval.
Surpreendentemente, Cathy estivera no Salão Oval somente duas vezes antes, e apenas numa das ocasiões para ver Jack. Sentiu-se estranha; seu quarto de dormir ficava apenas a 13 metros do trabalho do marido. Considerou a escrivaninha antiquada, mas, comparado ao seu escritório no Hopkins, o ambiente era amplo, mesmo agora com as câmaras e holofotes da equipe de TV
montados. Sobre a cornija de lareira ficava aquela que o Serviço Secreto denominava a planta mais fotografada do mundo. A mobília era formal demais para ser confortável, e o tapete com o selo presidencial bordado era completamente deselegante. Mas aquele não era um escritório normal para uma pessoa normal.
— Oi, meu bem. —Jack beijou-a e conduziu as apresentações. — Estes são Tom Donner e John Plumber.
— Olá. — Cathy sorriu. — Eu costumava ouvir vocês dois enquanto fazia o jantar — Não nos ouve mais? — perguntou Plumber com um sorriso.
— Não temos TV na sala de jantar lá em cima, e não me deixam fazer o jantar.
— O seu marido não a ajuda? — perguntou Donner.
— Jack na cozinha? Bem, ele não é nada mal na churrasqueira, mas a cozinha é o meu território.
Cathy sentou-se, fitando os jornalistas. Não era fácil. As luzes de TV já estavam lidadas. Ela fez um esforço extra. Cathy simpatizou com Plumber.
Donner estava escondendo alguma coisa. Perceber isso a fez piscar, e seu rosto mudou para a expressão de médica. Sentiu um desejo repentino de dizer alguma coisa a Jack, mas não havia...
— Um minuto — comunicou o produtor.
Andréa Price, como sempre, estava na sala, parada no vão da porta para a sala de secretariado, e a porta atrás de Cathy estava aberta para o corredor. Jeff Raman estava lá. Ele era outra figura estranha, pensou Cathy; o problema com a Casa Branca era que todo mundo tratava você como se fosse Júlio César ou algo assim. Era difícil demais ser amigável com as pessoas. Sempre parecia haver alguma coisa no caminho. Jack e Cathy não estavam acostumados a ter criados. Subalternos sim, mas não criados. Cathy era popular com suas enfermeiras e técnicos no Hopkins por tratá-los como os profissionais que eram, e estava tentando fazer a mesma coisa na Casa Branca. Porém, aqui essa atitude não funcionava da mesma forma, o que sempre lhe causava certo desconforto.
— Quinze segundos! — Já estamos nos divertindo? — sussurrou Jack.
Por que você simplesmente não permaneceu na Merril Lynch?, quase perguntou Cathy em voz alta. Ele agora seria vice-presidente... mas não. Ele jamais teria sido feliz lá. Jack precisava fazer seu trabalho da mesma forma que ela precisava curar os olhos das pessoas. Nesse sentido eram muito parecidos.
— Boa noite — disse Donner à câmera atrás dos Ryan. — Estamos no Salão Oval para conversar com o presidente e a primeira-dama. Como disse ao NBC
Nightly News, um problema técnico danificou a fita que gravamos hoje. O presidente fez a gentileza de permitir que voltássemos para conversar ao vivo. — Ele virou a cabeça. — E agradecemos ao senhor por isso.
— É um prazer vê-lo de novo, Tom — disse Jack, confortavelmente. Ele estava fazendo melhor em ocultar seus pensamentos.
— Também temos conosco a Sra. Ryan...
— Por favor — disse Cathy, também sorrindo. — Dra. Ryan. Me esforcei muito pura isso.
— Sim, senhora — disse Donner com um charme que fez Cathy preferir estar fazendo uma cirurgia de emergência na hora do almoço. — Vocês dois são doutores, certo?
— Sim, Sr. Donner. Jack em história, eu em oftalmologia.
— E a senhora é um cirurgiã de talento reconhecido, ganhadora do Lasker Public Service Award — observou Donner, empregando seu charme de âncora.
— Sim. Trabalho em pesquisa médica há mais de 15 anos. No Johns Hopkins somos todos clínicos e pesquisadores. Trabalho com um grupo poderoso de pessoas, e, realmente, o Prêmio Lasker é mais um tributo a eles do que a mim. Há quinze anos, o professor Bernard encorajou-me a pesquisar formas de utilizar o laser para corrigir diversos problemas oftalmológicos. Considerei a ideia interessante, e desde então trabalho nesse campo, além de minha prática cirúrgica habitual.
— A senhora realmente ganha mais que o seu marido? — perguntou Donner com um sorriso para as câmeras.
— Muito mais — confirmou com um risinho.
— Sempre disse que Cathy era o cérebro do casal — prosseguiu Jack, acariciando a mão da esposa. — Ela também é modesta demais para dizer que é uma das melhores do mundo no que faz.
— E então, a senhora gosta de ser primeira-dama?
— Preciso responder? — Um sorriso encantador. Então ficou séria. — A forma como chegamos aqui... isso não era uma coisa que desejássemos, mas acho que é muito parecido com o que faço no hospital. Às vezes recebo um caso de acidente, e a pessoa não escolheu ser ferida, e nos esforçamos para consertar o que está errado. Jack nunca deu as costas para um problema ou um desafio em toda sua vida. Então chegou a hora dos negócios.
— Presidente, como é o seu trabalho?
— Bem, as horas são um pouco longas demais. Trabalho para o governo há muito tempo, mas jamais compreendi o quanto este cargo exige de quem o ocupa. Fui abençoado com uma equipe muito competente, e nosso governo possui milhares de trabalhadores dedicados. Isso ajuda muito.
— Da forma como o senhor vê, qual é o seu trabalho? — indagou John Plumber.
— O juramento diz preservar, proteger e defender a Constituição dos Estados Unidos — replicou Ryan. — Estamos trabalhando para restaurar o governo. Agora temos o Senado plenamente restabelecido. Vários estados estão em processo eleitoral no momento, o que significa que em breve teremos um novo Congresso. Já tenho quase todos os postos do gabinete preenchidos... quanto a Saúde e Educação, ainda temos os secretários interinos fazendo um bom trabalho.
— Falamos esta manhã sobre os eventos no Golfo Pérsico. Na sua opinião, quais são os problemas representados por esses eventos? — Era Plumber novamente. Ryan estava se saindo bem, estando muito mais relaxado; Plumber viu a expressão nos olhos da esposa dele. Ela era esperta mesmo.
— Os Estados Unidos não querem nada além de paz e estabilidade naquela região Temos total intenção em estabelecer relações com a nova União Republicana do Islã. Já houve conflitos demais nessa e em outras regiões do mundo. Gostaria de pensar que já deixamos isso para trás. Depois de gerações de atritos, fizemos paz com os russos; paz verdadeira, não apenas a ausência da guerra. Quero construir a partir daí. Talvez o mundo nunca tenha conhecido a paz completa, mas isso não é motivo para que não possamos fazê-la. John, percorremos um caminho muito longo nos últimos vinte anos. Temos muito ainda por fazer, mas estamos partindo de um bom começo.
— Voltaremos depois do intervalo — disse Donner para as câmeras. Ele podia ver que Ryan estava completamente à vontade. Excelente.
Um servente entrou pela porta dos fundos com copos d água. Todos tomaram um gole durante os dois primeiros comerciais.
— Você está realmente detestando isto, não é? — perguntou Donner a Cathy.
— Enquanto eu continuar fazendo meu trabalho, poderei conviver com praticamente qualquer coisa, mas estou preocupada com as crianças. Depois que tudo isto acabar, elas voltarão a ser crianças normais. Nós não as criamos para conviver com toda essa agitação.
Voltaram a ficar calados pelo restante do intervalo.
— Estamos de volta ao Salão Oval com o presidente e a primeira-dama — anunciou. — Presidente, e quanto às mudanças que o senhor está fazendo?
— Tom, meu trabalho não é mudar. É restaurar. Ao longo do caminho “tentaremos fazer algumas coisas. Tentei selecionar meu gabinete tendo em vista fazer o governo funcionar com mais eficiência. Como você sabe, trabalho para o governo há um bom tempo; durante minha carreira vi muitos exemplos de ineficácia. Os cidadãos pagam muito dinheiro em impostos, e nós temos para com eles o dever de gastar seu dinheiro com sabedoria... e eficiência. Pedi aos meus assessores que examinassem todos os departamentos executivos visando a fazer o mesmo trabalho por um custo menor.
— Muitos presidentes disseram isso.
— Este está falando sério — disse Ryan, solene.
— Mas o seu primeiro ato presidencial foi um ataque ao sistema de impostos — observou Donner.
— Não um ataque, Tom. Uma mudança . George Winston tem todo meu apoio. A legislação do imposto de renda que temos hoje é completamente injusta... injusta sob muitos aspectos. Para início de conversa, as pessoas são incapazes de entendê-la. Isso significa que elas precisam contratar profissionais para explicar-lhes o sistema de impostos é difícil entender o sentido das pessoas pagarem um bom dinheiro para contadora explicar-lhes como a lei tira a maior parte de seu dinheiro... especialmente quando o governo escreve as leis.
Por que fazer leis que as pessoas são incapazes de compreender? Por que fazer leis tão complicadas?
— indagou Ryan — Mas o objetivo da sua administração é tornar o sistema regressivo, não progressivo.
— Já falamos sobre isso — replicou o presidente, e Donner percebeu que o tinha na palma da mão. Uma das principais fraquezas de Ryan era o fato de não gostar de se repetir, literalmente não era um político. Políticos adoram se repetir.
Cobrar a todo mundo a mesma quantia é completamente injusto. Fazer isso de uma maneira que todos possam entender realmente irá economizar dinheiro para as pessoas. As mudanças de impostos que estamos propondo visam a atingir uma neutralidade em relação ao volume de renda dos contribuintes.
Ninguém receberá vantagens especiais.
— Mas isso significa que os ricos serão beneficiados imensamente.
— Isso é verdade, também eliminaremos todas as vantagens que os lobistas dos ricos introduziram no sistema. No fim, acabarão pagando a mesma coisa, ou mais provavelmente, um pouco mais do que já pagam. O secretário Winston estudou a questão com muito cuidado, e confio em seu julgamento.
— Senhor, é difícil entender como uma redução de trinta por cento irá fazê-los pagar mais. Isso é matemática de primeiro grau.
— Pergunte ao seu contador — sorriu Ryan. — Ou, a propósito, dê uma olhada nas suas próprias devoluções do imposto de renda, e entenderá. Sabe, Tom, eu já fui contador... passei na prova antes de ingressar nos fuzileiros... e eu não consigo entender a maldita legislação. O governo não atende ao interesse do público fazendo coisas que o povo não entende. Isso já foi feito demais. Vou mudar um pouco esse quadro.
Bingo. A esquerda de Donner, John Plumber franziu a testa, preocupado. O diretor de VT selecionou a imagem de modo a deixar isso de fora; no lugar, captou o sorriso vitorioso de Donner.
— Estou feliz por pensar dessa fôrma, presidente, porque há muitas coisas que o povo americano gostaria de saber sobre operações do governo. A maior parte do trabalho que o senhor prestou ao governo foi na CIA.
— Tom, isso é verdade, mas como lhe falei hoje de manhã, nunca um presidente falou sobre as atividades dos serviços nacionais de informação. Há um bom motivo para isso. — Ryan ainda estava tranquilo, sem perceber a porta que acabara de abrir.
— Mas, presidente, o senhor esteve envolvido pessoalmente em numerosas atividades de informação que colaboraram significativamente para o fim da Guerra Fria. Por exemplo, a deserção do submarino de mísseis soviético Outubro Vermelho. O senhor desempenhou um papel fundamental nesse incidente, não é verdade?
O diretor de VT, previamente avisado sobre o momento da pergunta, selecionou a imagem da câmera em close do rosto de Ryan bem a tempo de ver seus olhos se arregalarem até o tamanho de maçanetas de porta. Ele realmente não era tão bom assim em controlar suas emoções.
— Tom, eu...
— Os espectadores deviam saber que o senhor desempenhou um papel decisivo numa das maiores missões de espionagem de todos os tempos. Nós nos apoderamos de um submarino de mísseis balísticos russo, não é verdade?
— Não comentarei essa história.
A essa altura, a maquiagem de Ryan não podia ocultar sua aparência pálida. Cathy virou-se para olhar o marido, tendo sentido sua mão pousada na dela ficar fria como gelo.
— E então, menos de dois anos depois, o senhor possibilitou a deserção do chefe da KGB russa.
Jack conseguiu finalmente controlar o rosto, mas sua voz saiu rouca.
— Tom, isto precisa parar. Você está fazendo especulações infundadas.
— Presidente, esse indivíduo, Nikolay Gerasimov, que pertenceu à KGB, vive hoje com a família na Virgínia. O comandante do submarino russo vive na Flórida. Isso não é uma história . — Ele sorriu. — O senhor sabe disso. Não entendo a sua reticência. O senhor desempenhou um papel fundamental em levar ao mundo à paz sobre a qual falou há alguns minutos.
— Tom, vamos deixar uma coisa clara. Jamais discutirei operações sigilosas do governo americano em nenhum fórum público. Ponto final.
— Mas o povo americano tem o direito de saber que tipo de homem está sentado neste gabinete.
A mesma coisa dita 11 horas atrás por John Plumber, que estremeceu ao se ouvir dito dessa maneira, mas que não poderia opor-se ao seu colega em público.
— Tom, servi ao meu país com o máximo de minha competência durante muitos mios, mas assim como você não pode revelar suas fontes, as nossas agências de informações não podem divulgar muitas das coisas que elas fazem, devido ao risco de que pessoas de verdade acabem mortas.
— Mas, presidente, o senhor fez isso. O senhor matou pessoas.
— Sim, eu matei, e mais de um presidente foi soldado ou...
— Espere um minuto — interrompeu Cathy, com os olhos brilhando de raiva.
— Quero dizer uma coisa. Jack juntou-se à CIA depois que nossa família foi atacada por terroristas. Se ele não tivesse feito essas coisas naquela época, nenhum de nós estaria vivo. Eu estava grávida de nosso filho, e eles tentaram matar a mim e a minha filha em meu carro em Anápolis e...
— Perdão, Sra. Ryan, mas precisamos fazer uma pausa agora.
— Isto precisa parar, Tom. Precisa parar agora — disse Ryan num tom agressivo. Quando pessoas falam abertamente sobre operações de campo, pessoas de verdade podem ser mortas. Você entende isso?
As luzes da câmera estavam apagadas, mas as fitas ainda rodavam.
— Presidente, as pessoas têm o direito de saber, e meu trabalho é reportar os fatos. Menti sobre alguma coisa?
— Sabe que não posso nem mesmo comentar isso — disse Ryan, tendo quase rosnando uma resposta precisa. Calma, Jack, lembrou a si mesmo. Um presidente não pode ser nervoso, com toda certeza não na TV ao vivo. Merda, Marko jamais cooperaria com... ou iria? Ele era lituano, e talvez gostasse da ideia de se tornar herói nacional, embora Jack achasse que poderia convencê-lo que era melhor ficar calado. Ryan desgraçara homem, ameaçara-o com morte pelas mãos de seus próprios compatriotas — mas isso tudo importava para um homem como ele — e despira-o de todo seu poder. Gerasimov goro desfrutava de uma vida muito mais confortável do que poderia sonhar na União Soviética, que ele tentara manter e governar, mas não era o tipo de homem que gostava mais de conforto que de poder. Gerasimov aspirara ao tipo de posição que o próprio Ryan possuía agora, e teria se sentido muito confortável neste escritório ou em qualquer outro como ele. Mas aqueles que aspiravam ao poder eram frequentemente os que o utilizavam mal, o que o distinguia de Jack em mais uma forma. Não que isso importasse no momento. Gerasimov falaria. Com toda certeza. E eles sabiam onde ele estava. Então, o que eu sei?
— Estamos de volta ao Salão Oval com o presidente e a Sra. Ryan — proclamou Donner para qualquer um que porventura tivesse esquecido.
— Presidente, o senhor é um especialista em segurança nacional e política externa — disse Plumber antes que seu colega pudesse falar. — Mas nosso país está enfrentando outros problemas além desses. O senhor agora precisa restabelecer a Suprema Corte. Como pretende fazer isso?
— Pedi ao Departamento de Justiça que me enviasse uma lista de políticos experientes das cortes de apelação federais. No momento estou examinando essa lista, e espero fazer minhas indicações ao Senado nas próximas duas semanas.
— Normalmente a Ordem Americana de Advogados assiste o governo na seleção de juízes, mas isso evidentemente não está sendo feito neste caso. Posso perguntar por que, senhor?
— Tom, todos os juízes da lista já passaram por esse processo, e todos ocuparam a bancada da corte de apelação por um mínimo de dez anos.
— A lista foi compilada por promotores? — inquiriu Donner.
— Foi compilada por profissionais experientes no Departamento de Justiça. O líder do grupo de busca é Patrick Martin, que acaba de assumir a Divisão Criminal. Ele foi assistido por outros oficiais do Departamento de Justiça, como o chefe da Divisão de Direitos Civis, por exemplo.
— Mas todos eles são promotores públicos, ou pessoas cujo trabalho é promover acusações. Quem sugeriu o Sr. Martin?
— É verdade que não conheço pessoalmente o Departamento de Justiça tão bem. O diretor interino do FBI, Murray, recomendou-me o Sr. Martin. Ele fez um bom trabalho supervisionando a investigação da colisão do Boeing com o Capitólio, e pedi-lhe que compilasse a lista para mim.
— E o senhor e o Sr. Murray são amigos há muito tempo.
— Somos sim — assentiu Ryan.
— O Sr. Murray o acompanhou em outra daquelas operações de espionagem, não é verdade?
— Perdão? — perguntou Jack.
— A operação da CIA na Colômbia, quando o senhor exerceu um papel fundamental no rompimento do cartel de Medellín.
— Tom, vou dizer-lhe uma coisa pela última vez: não discutirei operações sigilosas do governo, sejam verdadeiras ou inventadas... jamais. Estou sendo claro?
— Presidente, essa operação resultou na morte do almirante James Cutter — prosseguiu Donner, uma expressão de tristeza sincera no rosto. — Estão aflorando muitas histórias sobre a carreira do senhor na CIA. Essas histórias em breve serão de conhecimento público, e queremos realmente que o senhor tenha a chance de expor o seu lado da questão o mais depressa possível. O senhor não foi eleito para este cargo, e nunca foi examinado da forma como os candidatos políticos geralmente são. O povo americano quer saber que tipo de pessoa ocupa esta posição, senhor.
— Tom, as atividades dos serviços de informação configuram um mundo secreto. Precisa ser assim. Nosso governo precisa fazer muitas coisas. Nem todas podem ser discutidas abertamente. Todo mundo tem segredos. Todos os espectadores lá fora têm. Vocês dois têm. No caso do governo, manter esses segredos é vitalmente importante para o bem estar do nosso país, e além disso, a propósito, para a segurança dos milhares de pessoas que fazem o trabalho do nosso país. Houve um tempo em que a mídia respeitava essa regra, especialmente em tempos de guerra, mas também em outros tempos. Queria que ainda fosse assim.
— Mas e quando, presidente, o segredo age contra nossos interesses nacionais?
— É por esse motivo que temos uma lei que estipula o direito do Congresso supervisionar operações dos serviços nacionais de informação. Se houvesse apenas o poder executivo tomando essas decisões, sim, você teria motivos para se preocupar. Mas o processo não é esse. O Congresso também examina o que fazemos. Eu mesmo já me reportei ao Congresso em muitos desses assuntos.
— Houve uma operação secreta na Colômbia? O senhor participou dela? Daniel Murray acompanhou o senhor até lá depois da morte de Emil Jacobs, então diretor do...
— Não tenho nada a dizer a esse respeito ou sobre qualquer uma das outras história que você trouxer à tona.
E houve mais uma pausa para os comerciais.
— Por que você está fazendo isso? — Para surpresa de todos, a pergunta veio de Cathy.
— Sra. Ryan...
— Dra. Ryan — disse prontamente.
— Perdoe-me, Dra. Ryan, essas alegações precisam ser discutidas.
— Já passamos por isso antes. Uma vez pessoas tentaram acabar com nosso casamento... e o que essas pessoas disseram também eram mentiras e...
— Cathy — disse Jack em tom calmo. Ela voltou a cabeça para ele.
— Eu conheço essa, Jack, lembra? — sussurrou. — Não, você não conhece. Não realmente.
— Esse é o problema — disse Tom Donner. — Essas histórias continuarão a ser reveladas. As pessoas querem saber. As pessoas têm o direito de saber.
Se o mundo fosse justo, pensou Ryan, ele teria se levantado, jogado o microfone em Donner, e pedido que ele deixasse sua casa, mas isso não era possível, e aqui estava ele, poderoso, aprisionado pelas circunstâncias como um criminoso numa sala de interrogatório. Então as luzes da câmera foram reacesas.
— Presidente, sei que este é um assunto difícil para o senhor.
— Tom, está certo, vou dizer uma coisa. Como parte do meu serviço com a CIA, realmente precisei servir meu país de formas que não poderão ser reveladas por um muito longo, mas em nenhum momento violei a lei, e cada uma dessas atividades reportada integralmente aos membros apropriados do Congresso. Deixe-me dizer nino ingressei na CIA. Eu não queria. Era um professor. Lecionava História na Academia Naval em Anápolis, tive tempo de escrever alguns livros de História, e gostei de fazer isso, também então eu e minha família fomos atacados por um grupo de terroristas. Houve tentativas sérias em nos matar... a todos nós. Você sabe disso. Deu na mídia inteira o que aconteceu. Decidi então que meu lugar era na Agência. Por quê? Para proteger outros contra esse mesmo tipo de perigo. Jamais gostei muito disso, mas esse foi o trabalho que decidi fazer. Agora estou aqui, e vocês sabem de uma coisa? Também não gosto muito deste trabalho. Não gosto da pressão. Não gosto da responsabilidade. Ninguém devia deter tanto poder. Mas estou aqui, e prestei um juramento de dar o melhor de mim. É o que estou fazendo.
— Mas, presidente, o senhor é a primeira pessoa neste gabinete que nunca foi uma figura política. As suas visões em muitas questões jamais foram moldadas pela opinião pública, e o que é perturbador é que, para muitas pessoas, o senhor parece estar recorrendo a homens que também jamais estiveram na vida pública. O perigo, conforme essas pessoas veem, é que possuímos um pequeno grupo de pessoas que carecem de experiência política mas que ditarão os rumos da política em nosso país por algum tempo. Como responde a essa preocupação?
— Tom, nem mesmo ouvi falar dessa preocupação em qualquer parte.
— O senhor tem sido criticado por passar tempo demais neste gabinete e não o suficiente entre as pessoas. O problema poderia ser esse? — Agora que tinha fincado o gancho, Donner podia dar-se ao luxo de parecer piedoso.
— Infelizmente tenho muito trabalho para fazer, e é aqui que faço o trabalho. Quanto à equipe que reuni, por onde posso começar? — perguntou Jack. Ao lado dele, Cathy estava resfolegando de raiva. Agora sua mão estava fria dentro da dele. — O secretário de Estado, Scott Adler, um oficial de carreira em relações exteriores, filho de um sobrevivente do Holocausto. Conheço Scott há anos. Ele é o melhor homem que conheço para gerir o Estado. Tesouro, George Winston, um homem que subiu na vida sozinho. Ele foi fundamental no salvamento de nosso sistema financeiro durante o conflito com o Japão; ele possui o respeito da comunidade financeira, e é um verdadeiro pensador. Defesa, Anthony Bretano, é um engenheiro altamente bem-sucedido e empresário que já está fazendo reformas necessárias no Pentágono. FBI, Dan Murray, policial de carreira, e muito bom. Sabe o que estou fazendo com minhas escolhas, Tom? Estou escolhendo profissionais, pessoas que conhecem o trabalho porque já o fizeram, não tipos políticos que apenas falam a respeito. Se você acha que estou errado, bem, sinto muito, mas já encontrei meu caminho dentro do governo e tenho mais fé nesses profissionais do que em todas as figuras políticas que conheci. E sim, a propósito, qual é a diferença entre minha abordagem e a de um político que seleciona pessoas de suas relações... ou, pior, que seleciona pessoas das relações daqueles que contribuíram para sua campanha política? Alguns diriam que a diferença é que as pessoas comuns selecionadas para altos cargos políticos possuem muito mais experiência. Eu não diria isso, e trabalhei para pessoas assim durante anos. Todas as nomeações que fiz foram pessoas cujas habilidades profissionais conheço. Além disso, um presidente supostamente tem o direito, com o consentimento dos deputados eleitos pelo povo, de escolher as pessoas com quem ele pode trabalhar.
— Mas com tanto a ser feito, como espera ser bem-sucedido sem uma orientação política experiente? Esta é uma cidade política.
— Talvez seja esse o problema — replicou Ryan. — Talvez o processo político que todos estudamos durante os anos atrapalhe mais do que ajude. Tom, eu não pedi este emprego, certo? Quando Roger pediu que fosse vice-presidente, a ideia era que eu servisse pelo mandato remanescente e depois deixasse de vez o serviço público. Eu queria voltar a lecionar. Mas então aconteceu aquele incidente terrível, e aqui estou. Não sou um político. Jamais quis ser um, e até onde me diz respeito, não sou um político agora. Sou o melhor homem para este trabalho? Provavelmente não. Contudo, sou o presidente dos Estados Unidos, tenho um trabalho a fazer, e vou fazê-lo com o máximo de minhas habilidades. É tudo que posso fazer.
— E essa é a última palavra. Obrigado, presidente.
Jack mal esperou as luzes da câmera apagarem uma última vez antes de soltar o microfone da lapela e levantar-se. Os dois jornalistas não disseram uma só palavra. Cathy fitou-os.
— Por que fizeram isso?
— Isso o quê? — replicou Donner.
— Por que pessoas como vocês sempre atacam pessoas como nós? Que fizemos para merecê-lo? Meu marido é o homem mais honrado que conheço.
— Tudo que fizemos foi fazer perguntas.
— Não me venha com essa! A forma como você fez as perguntas e as questões que escolheu, a forma como deu as respostas antes que ele tivesse uma chance de dizer qualquer coisa!
Nenhum dos jornalistas respondeu. Os Ryan saíram da sala sem dizer mais nada. Arnie entrou.
— Muito bem. Quem armou esta arapuca? Eles o fisgaram como um peixe — comentou Holbrook. Eles tinham feito uma pausa em seu trabalho, e era sempre bom conhecer o inimigo.
— Este sujeito é assustador — pensou Ernie Brown em voz alta.
— Pelo menos com os políticos você sempre sabe que eles são pilantras. Esse sujeito meu Deus, ele vai tentar... estamos falando sobre um Estado militarista, Pete.
Era um pensamento realmente assustador para o Montanhês. Ele sempre considerou políticos a pior coisa em toda a criação, mas de repente percebeu que eles não eram. Os políticos faziam o jogo do poder porque gostavam dele, porque gostavam da vida de controlar as pessoas e assim se sentirem grandes. Ryan era pior. Ele achava que era certo.
— Puta que pariu — resmungou. — A corte que ele quer nomear.
— Eles o fizeram parecer um idiota, Ernie.
— Não, não fizeram. Você não entendeu? Os jornalistas estavam jogando o jogo.
33
Ecos
Os editoriais foram matéria de primeira página em todos os grandes jornais. Os jornais com mais recursos chegaram até mesmo a estampar fotos da casa de Marko Ramius — aparentemente ele estava viajando no momento — e da residência da família Gerasimov. Gerasimov estava em casa, mas um guarda de segurança conseguiu afastar os repórteres, depois de ter a sua própria foto batida algumas centenas de vezes.
Donner chegou ao trabalho muito cedo, e realmente era o mais surpreso com tudo aquilo. Plumber entrou em seu escritório cinco minutos depois, segurando a primeira página do New York Times.
— Então quem enrolou quem, Tom?
— O que você...
— Houve um pequeno vazamento — observou acidamente Plumber. — Suponho que depois que você saiu da reunião, o pessoal de Kealty fez outro pequeno kaffeeklatsch. Mas você enganou todo mundo, não é mesmo? Se um dia alguém ficar sabendo que a fita não...
— Ninguém ficará sabendo — disse Donner. — E toda essa cobertura apenas faz nossa entrevista parecer melhor.
— Melhor para quem? — perguntou Plumber ao sair pela porta. Também era cedo para ele, e seu primeiro pensamento irrelevante do dia foi que Ed Murrow jamais usaria fixador de cabelo.
O Dr. Gus Lorenz terminou mais cedo sua reunião matutina com a equipe.
A primavera estava chegando cedo em Atlanta. As flores desabrochavam, e logo o ar estaria cheio das fragrâncias famosas dessa cidade do sul. O ar também estaria cheio de pólen, pensou Gus, e seus seios nasais ficariam obstruídos, mas era uma troca justa por viver numa cidade vibrante mas graciosa. Terminada a reunião, vestiu seu jaleco branco e seguiu para seu reinado particular no Centers for Disease Control and Prevention. CDC (o P
jamais fora acrescentado ao acrônimo) era uma das joias da coroa do governo, uma agência de elite que era um dos principais centros de pesquisa médica do mundo — e muitos diriam que era o mais importante. Por esse motivo, o centro em Atlanta atraía os melhores da profissão. Alguns permaneciam. Alguns saíam para ensinar nas faculdades de medicina da nação, mas todos eram marcados para sempre como gente do CDC, como outros podiam gabar-se de ter servido à Marinha, e pela mesma razão. Eles eram as primeiras pessoas que seu país mandava para regiões problemáticas. Eles eram primeiros a combater doenças, em vez de inimigos armados, e isso gerava um espírito de corpo que frequentemente mantinha na instituição os melhores profissionais do ramo, apesar dos salários baixos pagos pelo governo.
— Bom dia, Melissa — disse Lorenz à sua assistente-chefe de laboratório.
Ela tinha mestrado e estava terminando seu doutorado em biologia molecular na Universidade Emory, depois do qual receberia uma promoção considerável.
Bom dia, doutor. Nosso amigo está de volta — acrescentou. Mesmo? espécime estava no microscópio. Lorenz sentou-se, tirando a gravata com o cuidado de sempre. Checou a papelada para identificar a amostra apropriada contra o registro que ele tinha em sua mesa: 98-3-063A. Sim, os números combinavam.
Então era só uma questão de focar a amostra... e ali estava ele, o Cajado de Pastor.
— Tem razão. O outro já está no microscópio?
— Sim, doutor. A tela do computador dividiu-se em duas seções verticais, e na nova estava um espécime de 1976. Não eram completamente idênticos. A curva indo da cadeia de RNA aparentemente jamais era a mesma duas vezes, como flocos neve sempre assumem padrões infinitos, mas isso não importava.
O que importavam eram os filamentos de proteína no alto, e aqueles eram...
— Cepa Mayinga. — Ele pronunciou as palavras com naturalidade.
— Concordo — disse Melissa por detrás dele. Ela se inclinou para digitar no teclado, baixando o -063B. — Esses foram muito mais difíceis de isolar, mas...
— Sim, novamente idênticos. Este é o da criança?
— Uma menininha, sim.
Médicos falavam com vozes frias. Uma pessoa era capaz de ficar exposta à tristeza durante certo tempo, antes que o mecanismo de defesa da mente fosse acionado. Amostras se tornassem apenas amostras, separadas das pessoas que as haviam doado.
— Certo, preciso dar alguns telefonemas.
Os Dois grupos estavam sendo mantidos separados por motivos óbvios, e na verdade nenhum dos dois tinha conhecimento da existência do outro.
Badrayn falou para um de vinte. Astro de Cinema falou com o segundo grupo, composto por nove integrantes. Houve similaridades de preparativos para ambos os grupos. O Irã era uma nação, com os recursos de uma nação-Estado.
Seu Ministério das Relações Exteriores tinha um escritório de passaporte, e seu Tesouro tinha um departamento de impressão não. Ambos permitiam a impressão de passaportes para qualquer número de pessoas, duplicação de selos de entrada e saída. Na verdade, esses documentos poderiam preparados em qualquer número de lugares, a maioria ilegalmente, mas esta fonte tinha uma qualidade um pouco maior sem o risco de revelar o local de origem, unicamente, a mais importante das duas missões era aquela que apresentaria menos riscos físicos aos seus integrantes — bem, dependendo do ponto de vista.
Badrayn podia ver as expressões em seus rostos. A própria ideia do que estavam fazendo era o tipo de coisa que arrepiava a pele de uma pessoa, embora no caso dessas pessoas fosse meramente mais um exemplo dos caprichos da natureza humana. O trabalho, Badrayn dissera-lhes, era simples. Entrar.
Entregar. Sair. Ele enfatizou que estariam completamente seguros, contanto que procedessem exatamente conforme as instruções. Não haveria contatos no outro lado. Eles não precisavam de nenhum. Na verdade, operar sem contatos apenas tornava a situação mais segura. Cada um deles dispunha de uma variedade de histórias de cobertura, e os parâmetros da missão tornavam irrelevante se mais de um no grupo escolhessem a mesma história. O que realmente importava era que as histórias poderiam ser apresentadas de forma plausível, e assim cada viajante escolheria um campo de atividade comercial no qual detivesse algum conhecimento. Praticamente todos possuíam formação universitária, e aqueles que não possuíam poderiam falar sobre compras de algum tipo de máquina que conhecessem melhor que os fiscais da alfândega.
O grupo de Astro de Cinema era de longe o mais confortável com sua missão. Ele supunha que a razão fosse uma falha na cultura de seu povo. Este grupo era mais jovem e menos experiente, e os jovens conheciam menos da vida, e portanto menos da morte. Eram motivados pela paixão, por uma tradição de sacrifício, por seus ódios e demônios. Essa motivação anuviava seu julgamento numa forma que agradava aos mestres, que sempre se sentiam à vontade para usar esses ódios e paixões, juntamente com as pessoas que os portavam. Fotografias foram mostradas, juntamente com mapas e diagramas, e o grupo aproximou-se para ver melhor os detalhes. Nenhum deles fez qualquer comentário sobre a natureza do alvo. Vida e morte eram questionadas apenas por aqueles que não conheciam as respostas definitivas — ou os que pensavam conhecer, mesmo que não conhecessem — e isso era melhor para todos, realmente. Com uma resposta para a Grande Questão fixada em suas mentes, as menos importantes nem sequer lhes ocorreria. Astro de Cinema não nutria essas ilusões. Ele fazia as perguntas dentro de sua própria mente, mas jamais as respondia. Para ele, a Grande Pergunta tornara-se outra coisa. Para ele, tudo era um ato político, não uma questão de religião, e uma pessoa não media seu destino pela política. Ao menos não voluntariamente. Ele olhou para seus rostos, sabendo que estavam fazendo exatamente isso, mas sem perceber. Eram realmente o melhor tipo de pessoas para a missão. Achavam que sabiam de tudo, mas na verdade sabiam muito pouco, apenas as tarefas físicas.
Astro de Cinema sentia-se como um assassino, mas isso era uma coisa que ele já fizera antes, ao menos indiretamente. Fazer de forma direta era perigoso, e esta prometia ser sua missão mais perigosa em anos.
Como era notável o fato de que não percebessem nada disso. Cada um deles via-se como a pedra no estilingue de Alá, sem refletir que essas pedras eram, por sua própria natureza, arremessadas para longe. Ou talvez não. Talvez eles tivessem sorte, e para essa eventualidade concedeu-lhes os melhores dados que pôde reunir, e esses dados eram muito bons. A melhor hora seria à tarde, imediatamente antes das pessoas saírem para o trabalho, de modo a usar melhor as rodovias engarrafadas para confundir seus perseguidores. Astro de Cinema disse-lhes que ele mesmo agiria novamente em campo, para facilitar sua fuga.
Caso ela venha a acontecer, foi o que não lhes disse.
— Certo, Arnie, que está acontecendo? — perguntou Ryan.
Felizmente Cathy não tinha cirurgias marcadas para hoje. Ela passara a noite inteira acordada, furiosa, e não estava em bom estado mental para seu trabalho. Ele não estava se sentindo muito melhor, mas não havia motivo para descontar em seu chefe de Gabinete.
— Bem, com toda certeza há um alcaguete lá na CIA, ou talvez no Capitólio, alguém que conhece um pouco das coisas que você fez.
— No caso da Colômbia, os únicos que sabiam eram Fellows e Trent. E eles também sabiam que Murray não estava lá... não exatamente, pelo menos. O resto da operação foi trancada a sete chaves.
— Que aconteceu realmente?
A necessidade de saber aplicava-se agora a Arnie. O presidente gesticulou e falou no um adolescente com um problema falava ao pai.
— Houve duas operações, Showboat e Reciprocity. Uma delas envolveu colocar tropas na Colômbia. A ideia era interceptar os voos que transportavam drogas. Então aeronaves deram na água...
— Quê?
— Foram derrubadas. Pela Força Aérea... bem, algumas foram interceptadas, e suas tripulações presas e julgadas discretamente. Algumas outras coisas aconteceram, e então Jacobs foi morto, e Reciprocity foi posta em prática. Começamos a bombardear. As coisas fugiram um pouco ao controle.
Alguns civis foram mortos, e a coisa ia começou a ruir.
— O quanto você sabia sobre tudo isso? — perguntou van Damm.
— Eu não sabia porcaria nenhuma até quase o final do jogo. Jim Greer estava morto na época, e eu cuidava do trabalho dele, mas a responsabilidade das operações era principalmente da OTAN. Deixaram-me à margem de tudo até depois que as bombas começaram a cair. Estava na Bélgica quando aquilo aconteceu. Vi pela TV, acredita? Era quem estava realmente conduzindo a operação. Ele convenceu o juiz Moore e Ritter a começarem a operação, e depois tentou encerrá-la. Foi aí que as coisas encrencaram. Cutter tentou eliminar os soldados; a ideia era fazer com que todos desparecessem. Eu descobri. Entrei no cofre de registros pessoais de Ritter. Assim parti para a Colômbia com a equipe de resgate, e conseguimos retirar a maior parte dos soldados. Nada muito divertido — comentou Ryan. — Houve tiroteios, e operei uma das metralhadoras no helicóptero. Um tripulante, um sargento chamado Buck Zimmer, foi morto durante o resgate e tenho cuidado de sua família desde então. Algum tempo depois, Liz Elint descobriu sobre isso e tentou usar essa informação contra mim.
— Há mais alguma coisa — disse Arnie calmamente.
— Oh, sim. Eu tinha de reportar as operações para o Comitê de Seleção, mas não quis prejudicar o governo. Assim falei com Trent e Fellows, e vim para cá ver o presidente. Conversamos durante algum tempo. Depois que saí da sala, Sam e Al conversaram um pouco com ele. Não sei exatamente qual foi o acordo a que chegaram, mas...
— Mas ele entregou a eleição. Ele despediu seu cabo eleitoral e a campanha inteira foi pelo ralo. Meu Deus, Jack, que foi que você fez? — inquiriu Arnie.
Seu rosto estava pálido agora, mas por questões políticas. E o tempo todo van Damm pensara que havia conduzido uma campanha brilhante e bem-sucedida para Bob Fowler, derrotando um presidente em exercício muito popular. Mas o que realmente havia acontecido fora um acordo? E ele nunca descobrira?
Ryan fechou os olhos. Ainda não tinha se recuperado de uma noite infernal.
— Terminei uma operação que era tecnicamente legal, mas que forçava os limites. Terminei da forma mais discreta possível. Os colombianos jamais descobriram. Achei que tinha impedido outro Watergate, domesticamente... e um tremendo incidente internacional. Sam e Al abafaram tudo, os registros foram selados para só ser abertos depois que todos nós tivéssemos morrido.
Quem vazou essas informações deve ter ouvido rumores e feito algumas boas deduções. O que eu fiz? Acho que obedeci à lei da melhor forma que pude.
Não, Arnie, eu não quebrei a lei. Segui as regras. Não foi fácil, mas foi o que fiz. — Os olhos abriram.
— Por que simplesmente não reportou o que aconteceu ao Congresso e...
— Pense para trás — disse o presidente. — Isso não era apenas a única coisa, certo? Foi durante a dissolução da Europa Oriental, quando a União Soviética ainda representava uma certa ameaça, e algumas coisas realmente grandes estavam acontecendo. Se o nosso governo caísse nessa época o resultado poderia ter sido uma confusão dos diabos. A América não teria conseguido... nós não teríamos ajudado a Europa a se acalmar se estivéssemos atolados num escândalo doméstico. E eu era o sujeito que precisava dar o grito de alerta e tomar uma atitude, na base do agora ou nunca, senão aqueles soldados seriam mortos. Pense um pouco na arapuca em que me meti.
Depois de uma pausa, o presidente continuou: — Arnie, eu não poderia buscar o aconselhamento de ninguém, entende? O almirante Greer estava morto. Moore e Ritter estavam comprometidos. O presidente estava envolvido demais; naquele momento pensei que ele estivesse conduzindo o espetáculo através de Cutter... Ele não estava; foi manipulado por aquele político filho da puta. Eu não sabia para onde ir, e assim recorri à ajuda do FBI. Não podia confiar em ninguém além de Dan Murray e Bill Shaw, e um dos nossos em Langley no lado operacional. Você sabia que Bill era doutor em leis? Pois bem, ele me ajudou com a parte jurídica, e Murray me ajudou com a parte operacional. Eles conduziram uma investigação sobre Cutter. Foi uma operação com nome em código. Acho que a chamaram de Odisseia, estavam prestes a procurar um magistrado para fazer uma acusação de conspiração criminosa, mas Cutter se matou. Havia um agente do FBI 45 metros atrás dele quando pulou na frente do ônibus. Você o conheceu: Pat O’Day. Ninguém quebrou a lei em nenhum momento, exceto Cutter. As operações em si se enquadravam na Constituição... pelo menos foi isso que Shaw disse.
— Mas politicamente...
— Sim, até eu não sou tão ignorante. Então aqui estou, Arnie. Eu não infringi a lei. Servi aos interesses de meu país da melhor forma que pude sob as circunstâncias, e veja o bem que isso me fez.
— Merda. Como foi que Bob Fowler nunca ficou sabendo?
— Foi uma decisão de Sam e Al. Eles acharam que isso teria envenenado a presidência de Fowler. Além disso, não sei realmente o que os dois disseram ao presidente. Nunca quis saber, nunca descobri, e tudo que tenho é especulação... especulação muito boa — admitiu Ryan. — Mas só isso.
— Jack, não é sempre que fico sem ter o que dizer.
— Diga assim mesmo — ordenou o presidente.
— A coisa virá a conhecimento público. A mídia sabe agora o suficiente para juntar algumas peças, e isso forçará o Congresso a iniciar uma investigação. E quanto ao outro caso?
— E tudo verdade — revelou Ryan. — Sim, pusemos as mãos no Outubro Vermelho, sim, eu mesmo tirei Gerasimov da URSS. Ideia minha, operação minha. Quase fui morto. Mas se não tivéssemos feito isso, Gerasimov teria realizado um golpe para derrubar Andrey Narmonov... e então haveria ainda um Pacto de Varsóvia, e os maus e velhos tempos jamais teriam acabado. Assim, comprometemos o canalha e ele não teve muita escolha além de embarcar no avião. Ele ainda está puto, apesar de tudo que fizemos para que ele ficasse bem aqui. Mas, pelo que sei, sua esposa e filha gostam muito de viver na América.
— Você matou alguém? — perguntou Arnie.
— Em Moscou, não. Mas no submarino... ele estava tentando autodestruir o submarino. Matou um dos oficiais do navio e deixou dois outros bem feridos, mas eu causei sua morte... e tenho pesadelos com isso há anos.
Em outra realidade, pensou van Damm, seu presidente seria um herói. Mas realidade e a política tinham pouco em comum. Ele notou que Ryan não havia recontado sua história — Bob Fowler e o lançamento nuclear abortado. O chefe de gabinete estava por perto nessa época, e ficou sabendo de tudo três dias depois. J. Robert Fowler quase tivera um lapso ao perceber como ele havia sido salvo de um genocídio em escala hitlerista. Havia em “Os miseráveis” de Hugo uma frase que tocara Van Damm profundamente ao lê-la num livro no segundo grau: Quão maligno pode ser o bem. Aqui estava outro exemplo. Ryan servira a seu país com bravura e muito mais de uma vez, mas nenhuma das coisas que ele fizera sobreviveria ao escrutínio público. Inteligência, amor à pátria e coragem tinham conduzido a uma série de eventos que qualquer um poderia transformar num grande escândalo. E Ed Kealty sabia exatamente como fazer isso.
— Como podemos tentar controlar tudo isso? — indagou o presidente.
— Que mais preciso saber?
— Os arquivos sobre o Outubro Vermelho e Gerasimov estão em Langley.
A coisa colombiana, bem, você sabe o que precisa saber. Nem tenho certeza se tenho o direito legal de abrir os registros. Por outro lado, você quer desestabilizar a Rússia? Isso dará conta do recado.
O Outubro Vermelho, pensou Golovko e levantou os olhos para o teto de seu escritório.
— Ivan, seu bastardo esperto. Zvo ivoyu mahtl. A praga foi proferida em admiração silenciosa. Desde o primeiro momento em que se encontrara com Ryan, ele o subestimara, e mesmo com todos os contatos posteriores, diretos e indiretos, jamais deixaria de subestimá-lo. Então havia sido assim que ele comprometera Gerasimov! E ao fazer isso, salvara a Rússia, talvez... mas um país deve ser salvo por dentro, não por fora. Alguns segredos devem ser mantidos para sempre, porque protegem a todos igualmente. Esse era um desses segredos. Ele embaraçaria os dois países agora.
Para os russos, era a perda de um bem nacional valioso através de alta traição... pior ainda, alguma coisa que seus órgãos de informação não haviam descoberto, o que era incrível. Mas as histórias de cobertura haviam sido muito boas, e a perda de dois submarinos na mesma operação tornara esse um assunto que a Marinha Soviética desejava esquecer... e assim eles não tinham analisado profundamente a história de cobertura.
Sergey Nikolayevitch conhecia a segunda parte melhor que a primeira. Ryan havia sufocado um golpe de Estado. Golovko supunha que Ryan poderia ter-lhe dito facilmente o que estava acontecendo e deixado o assunto a cargo dos órgãos internos da União Soviética... mas não. Os serviços nacionais de informação voltavam tudo para sua vantagem, e Ryan teria sido um louco se não tivesse feito isso neste caso. Gerasimov devia ter cantado como um canário — ele conhecia o aforismo ocidental — e falado tudo que sabia. Ames, por exemplo, certamente devia ter sido identificado dessa forma, e Ames havia sido um diamante virtual para a KGB.
E você sempre se disse que Ivan Emmetovich era um amador talentoso, disse Golovko.
Mas mesmo sua admiração profissional era temperada. A Rússia em breve precisaria de ajuda. Como ela poderia pedir essa ajuda a alguém que, conforme logo seria sabido por todos, manipulara a política interna como um titereiro?
Essa conclusão valeu outra praga, mas nenhum sentimento de admiração.
As rotas marítimas públicas são livres para a passagem de todos, e assim a Marinha não pôde fazer nada além de impedir que o barco de cruzeiro se aproximasse de mais da Doca Oitenta. Logo outro se juntou ao primeiro, e mais outro, até que um total de 11 câmeras estavam apontando para a doca, agora vazia com a partida da maior parte dos submarinos americanos. Também não estava lá outro submarino, não americano, que fora abrigado ali por algum tempo, ou pelo menos era o que diziam os boatos.
Era possível acessar os registros do pessoal da Marinha atrás de computador, e servia quem estivesse fazendo exatamente isso agora, procurando por ex-tripulantes do S N.N Dallas. Um telefonema no começo da manhã para o Comando de Submarinos do Pacífico a respeito do período que trabalhara como oficial comandante do Dallas não chegou mais longe que seu oficial de relações públicas, que era bem versado em declarações inócuas. Hoje ele teria um dia dos diabos. E outros também.
— Ron Jones falando.
— Quem fala é Tom Donner, da NBC News.
— Legal — disse Jones timidamente. — Mas eu assisto à CNN.
— Bem, talvez você queira assistir ao nosso programa esta noite. Gostaria de falar com você sobre...
— Li o Times hoje de manhã. Eles entregam aqui. Sem comentários — acrescentou.
— Mas...
— Mas, sim, eu trabalhei em submarinos, e eles nos chamavam de o Serviço Silencioso. Além disso, foi há muito tempo. Estou fora do ramo agora. Casado, com filhos, entende?
— Você era oficial de sonar a bordo do USS Dallas quando...
— Sr. Donner, assinei um acordo de segredo quando deixei a Marinha. Não falo sobre as coisas que fazíamos, certo?
Esse era seu primeiro encontro com um jornalista, e estava sendo exatamente como sempre lhe disseram que seria.
— Então tudo que você precisa fazer é nos dizer que aquilo não aconteceu nunca.
— O que não aconteceu nunca? — perguntou Jones.
— A deserção de um submarino russo chamado Outubro Vermelho.
— Sabe qual foi a coisa mais louca que ouvi quando era oficial de sonar?
— Qual?
— Elvis — Ele desligou. E discou para Pearl Harbor.
Os caminhões de TV seguiram através de Winchester, Virgínia, como os exercitou da Guerra Civil que haviam trocado a posse da cidade mais de quarenta vezes.
Ele realmente não era dono da casa. O mesmo também podia ser dito da CIA. O lugar estava no nome de uma corporação jornalística, por sua vez de propriedade de uma fundação cujos diretores eram obscuros, mas como a propriedade de terrenos nos EUA sempre devia ser registrada, e como o mesmo era válido para todas as empresas e fundações, essas informações seriam descobertas em menos de dois dias, apesar do selo que mandava os funcionários dos tribunais serem criativamente incompetência para encontrar os documentos.
Os repórteres que apareceram tinham fotos e material gravado de Nikolay Gerasimov.
Câmeras com lentes compridas foram montadas em tripés e voltadas para as janelas, a duzentos metros de distância. Diante das câmeras passavam ocasionalmente alguns seguranças que dariam um belo toque à matéria: CIA TRATA ESPIÃO RUSSO UM REI VISITANTE.
Os seguranças na casa estavam ligando para Langley a fim de pedir instruções, o pessoal no gabinete de assuntos públicos da CIA — que era uma instituição estrangeira não tinha a menor ideia de como proceder nesse caso, além de recorrer à velha fórmula de que aquela era uma propriedade particular (os advogados da CIA estavam checando se isso era ou não legalmente correto sob as circunstâncias), e que, portanto, os repórteres não podiam invadi-la.
Fazia anos que ele não ria tanto. Claro, houvera de vez em quando um momento agradável, mas isto era algo tão especial que ele jamais considerara sua possibilidade. Ele sempre pensara em si mesmo como um especialista em Estados Unidos. Gerasimov conduzira inúmeras operações de espionagem contra o Inimigo Principal, como os Estados Unidos já tinham sido chamados no país inexistente ao qual ele servira. Mas admitiu para si mesmo que era preciso vir e viver nos EUA durante alguns anos para compreender o quanto o país era incompreensível, que nada fazia sentido, que literalmente qualquer coisa podia acontecer, e que quanto mais louca fosse uma coisa, mais provável ela parecia. Nenhuma imaginação era suficiente para predizer o que aconteceria num dia, muito menos em um ano. E aqui estava a prova.
Pobre Ryan, pensou, parado ao lado da janela e bebericando seu café. Em seu país — para ele seria sempre a União Soviética — aquilo jamais aconteceria.
Alguns guardas uniformizados e um olhar ameaçador teriam desestimulado as pessoas, e se apenas o olhar não adiantasse, então haveria outras opções. Mas não na América, onde a mídia tinha toda a liberdade de um lobo nas florestas siberianas — ele quase riu ao pensar isso. Na América, os lobos eram uma espécie protegida. Esses idiotas não sabiam que lobos matavam pessoas?
— Talvez eles acabem indo embora — disse Maria, aparecendo ao seu lado.
— Acho que não.
— Então devemos ficar aqui dentro até eles desistirem — disse a mulher, aterrorizada com os últimos acontecimentos.
Ele balançou a cabeça.
— Não, Maria.
— Mas e se nos mandarem de volta?
— Não farão isso. Não podem. Não se faz isso com desertores. É uma regra — explicou. — Nunca mandamos de volta Philby, Burgess ou MacLean... aqueles alcoólatras e degenerados. Não, nós os protegemos, compramos bebidas para eles, deixamos que praticassem suas perversões, porque essa é a regra.
Ele terminou de tomar seu café. Caminhou de volta até a cozinha para colocar a xícara e o pires no lava-louças. Olhou para ele com a testa franzida.
Seu apartamento em Moscou e sua casa de campo em Monte Lenin — que provavelmente mudara de nome desde sua partida — não tinham aparelhos como esse. Ele tinha criados para fazer essas coisas. Não mais. Nos EUA a conveniência era uma substituta para o poder, o conforto um paliativo para o status.
Criados. Tudo aquilo poderia ter sido dele. O status, os servos, o poder. A União Soviética poderia ser ainda uma grande nação, respeitada e admirada por todo o mundo. Ele seria secretário-geral do Partido Comunista na União Soviética. Poderia ter iniciado as reformas necessárias para extirpar a corrupção e colocar o país em movimento. Provavelmente teria estabelecido relações cordiais com o Ocidente e feito a paz, mas uma paz de iguais, não um colapso absoluto. Jamais fora um ideólogo, afinal, embora o pobre velho Alexandrov pensasse assim, porque Gerasimov sempre fora um homem do Partido — o que mais você poderia ser num Estado de partido único? Especialmente quando sabe que o destino o selecionou para o poder? Mas, não. O destino o traíra, na pessoa de John Patrick Ryan, numa noite fria e nevada em Moscou, numa garagem de bondes. E agora ele tinha conforto e segurança. Sua filha usaria em breve com o que os americanos chamavam de dinheiro velho, e outros países chamavam de nobreza, e o que ele chamava de zangões inúteis — o motivo que levou o Partido Comunista a ganhar sua revolução. Sua mulher estava satisfeita com suas bugigangas e seu pequeno círculo de amigos. Mas a raiva de Gerasimov jamais esmoreceria.
Ryan furtara-lhe seu destino, o prazer puro do poder e da responsabilidade, de ser o arbitro da trilha de sua nação. Então o próprio Ryan fora conduzido a esse mesmo destino, e o imbecil não sabia como usá-lo. A verdadeira desgraça era ter sido trazido por uma pessoa assim. Bem, havia ainda uma coisa que ele podia fazer. Gerasimov entrou no aposento que conduzia aos fundos, selecionou um casaco de couro e saiu. Ponderou por Um momento. Sim, ele acenderia um cigarro e simplesmente percorreria a trilha até o lugar onde estavam reunidos, a quatrocentos metros de distância. Durante o percurso deliberaria como tecer seus comentários, e sua gratidão para com o presidente Ryan.
Ele nunca havia parado de estudar a América, e suas observações sobre o comportamento da mídia seriam muito úteis.
Acordei você, comandante? — indagou Jones. Eram cerca de quatro da manhã em Pearl Harbor.
— Não exatamente. Sabe, meu assessor de imprensa é uma mulher, e ela está grávida. Espero que essa merda toda não a coloque em trabalho de parto prematuro.
O contra-almirante (agora vice-almirante nomeado) Mancuso estava à sua mesa. Polindo suas instruções, seu telefone não teria tocado sem um bom motivo. Um velho companheiro de barco era um desses motivos.
— Me ligaram da NBC, perguntando sobre um trabalhinho que fizemos no Atlântico — E o que você disse?
— O que você acha, comandante? Porra nenhuma. — Além da honra da situação, havia também o fato de que Jones fizera a maior parte de seu trabalho com a Marinha. ... Mas...
— Sim, mas alguém vai falar. O Today Show está exibindo imagens ao vivo de Norfolk, Doca Oitenta. Pode imaginar o que eles estão dizendo.
Mancuso pensou em ligar o televisor de seu escritório, mas era cedo demais para o noticiário matutino da NBC. Lembrou da CNN, ligou o aparelho e sintonizou nesse canal. Estavam falando sobre esportes, mas o começo da hora seguinte estava chegando.
— Depois vão perguntar sobre o outro trabalho que fizemos, aquele envolvendo o desertor.
— Linha aberta, Dr. Jones — alertou o comandante. ; — Não disse onde, comandante. É só uma coisa para você pensar.
— Sim — concordou Mancuso.
— Talvez você possa me dizer uma coisa.
— Que coisa, Ron?
— Por que tanto alvoroço? É claro que não vou abrir a boca e você também não, mas alguém irá, com toda certeza. É uma história de marinheiro boa demais para não ser contada. Mas por que tanto alvoroço, Bart? Não fizemos a coisa certa?
— Acho que sim — replicou o almirante. — Mas acho que as pessoas simplesmente gostam de uma história.
— Sabe de uma coisa? Espero que Ryan concorra na próxima eleição. Vou votar nele. Incrível aquilo que ele fez, incriminando o chefe da KGB e então...
— Ron!
— Só estou repetindo o que eles disseram na TV, certo? Não tenho nenhum conhecimento de tudo aquilo. — Merda, pensou Jones, que puta história de marinheiro. E é tudo verdade.
No outro lado da linha a vinheta do Breaking News apareceu no televisor de Mancuso.
— Sim, sou Nikolay Gerasimov — disse o rosto nas telas do mundo inteiro.
Havia pelo menos vinte jornalistas aglomerados no outro lado da cerca de pedra, e a parte difícil era ouvir uma das perguntas gritadas.
— É verdade que o senhor foi...
— O senhor esteve...
— O senhor veio...
— É verdade que...
— Silêncio, por favor. — Gerasimov levantou a mão. Demorou 15 segundos até ficar satisfeito. — Sim, já fui diretor da KGB. O seu presidente Ryan induziu-me a desertar, e desde então vivo nos EUA, junto com minha família.
— Como o senhor desertou? — gritou um jornalista.
— Você precisa compreender que o mundo da espionagem é cruel. O Sr.
Ryan pratica muito bem o jogo. Na época havia um conflito de forças. A CIA opunha-se à minha facção em favor da facção de Andrey Illych Narmonov.
Assim, o Sr. Ryan foi até Moscou como consultor das negociações do START.
Ele alegou que queria passar-me informações para fazer a reunião acontecer.
Estou falando claro? — Gerasimov decidira acentuar o sotaque para parecer mais crível para as câmeras e os microfones. — Na verdade, podem dizer que ele me acuou com a acusação de que eu estava para cometer um ato de... como se diz?
Um ato de traição. Não era verdade, mas funcionou. Assim, decidi vir para a América com minha família. Vim de avião. Minha família veio de submarino.
— Como? Submarino?
— Sim, foi o submarino Dalas. — Fez uma pausa e abriu um sorriso malicioso. Porque estão sendo tão duros com o presidente Ryan? Ele serviu bem ao seu país. É um espião-mestre — disse Gerasimov em tom de admiração.
— Bem, lá vai a história.
Bob Holtzman emudeceu seu televisor e se virou para seu editor.
— Desculpe, Bob. — O editor passou-lhe de volta o texto.
O material seria publicado dali a três dias. Holtzman fizera um trabalho admirável reunindo informações e depois dedicara-se a integrar todos os dados num quadro coeso e elogioso do homem cujo escritório ficava apenas a cinco quarteirões do seu. Era tudo uma questão de direcionamento, uma das palavras preferidas em Washington. Alguém invertera o direcionamento. Depois que a história inicial era divulgada, era impossível, mesmo para um jornalista experiente como Holtzman, mudar o direcionamento. Especialmente se seu próprio jornal não o apoiava.
— Bob, a sua visão deste caso é diferente da minha — disse o editor com uma pitada de constrangimento. — O que que tem se esse sujeito é um espião?
Certo, pegar o submarino foi uma coisa. Guerra Fria e tudo mais. Mas interferir com a política interna da União Soviética... isso não é muito perto de um ato de guerra?
— Esse não foi o xis da questão. Ele estava tentando tirar um agente, codinome Cardeal. Gerasimov e Aleksandrov estavam usando esse caso de espionagem para derrubar Narmonov e sufocar as reformas que ele planejava iniciar.
— Bem, Ryan pode dizer isso o dia inteiro, se quiser. Não é o que as pessoas irão concluir. Espião-mestre ? Exatamente o que precisamos para governar o país, hein?
— Ryan não é isso, porra! — xingou Holtzman. — Ele é um cara direito...
— E sabe atirar direito também. Ele matou pelo menos três pessoas. Matou, Bob! O que é que deu em Roger Durling para pensar que esse era o sujeito certo para a vice-presidência? Ed Kealty não é flor que se cheire, mas ele pelo menos...
— Pelo menos ele sabe como nos manipular, Ben. Kealty manipulou aquele âncora pira fazer exatamente o que ele queria, e depois fez todos nós seguirmos o mesmo ponto de vista sobre os fatos, o ponto de vista dele.
— Mas... — Ben Saddler não tinha mais nada para dizer a essa altura. — Mas é factual, não é?
— Isso não é o mesmo que verdade, e você sabe disso, Ben.
— Será preciso analisar tudo isso a fundo. Ryan parece o tipo de sujeito que age limpo e sem refletir em tudo o que faz. Quero descobrir agora tudo sobre essa missão na Colômbia. Acha que pode fazer isso? Os seus contatos no FBI são muito bons. Mas preciso dizer uma coisa: estou preocupado com sua objetividade neste caso.
— Você não tem escolha, Ben. Se não quer ficar atrás da concorrência, terá de me lixar escrever do meu jeito. Mas é claro que, se quiser, poderá reescrever tudo que publicar — acrescentou Holtzman, deixando seu editor vermelho de raiva. A vida da imprensa também podia ser cruel.
— A matéria é sua, Bob. Apenas me prometa que irá entregá-la. Alguém quebrou a lei, e Ryan foi o homem que acobertou tudo e saiu cheirando como uma rosa. Eu quero os fatos. — Saddler se levantou. — Tenho um editorial para escrever.
Daryaei mal Podia ACREDITAR. O momento não poderia ter sido melhor.
Faltavam poucos dias para alcançar seu objetivo seguinte, e seu alvo estava prestes a descer ao abismo inteiramente sem a sua ajuda. Com a sua ajuda, é claro, a queda seria ainda mais rápida.
— Isso é o que parece ser?
— Tudo indica que sim — replicou Badrayn. — Posso fazer uma pesquisa rápida e falar com o senhor amanhã de manhã.
— Será mesmo possível? — persistiu o aiatolá.
— Lembra do que lhe falei sobre leões e hienas? Na América isso é um esporte nacional. Não é um truque. Eles não fazem esse tipo de truque. Mesmo assim, deixe-me pesquisar. Tenho meus métodos.
— Falamo-nos amanhã de manhã, então.
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Tinha muito trabalho a fazer. De volta ao escritório, Badrayn ativou seu computador pessoal. Era equipado com um modem de alta velocidade de uma linha dedicada de fibra ótica que seguia até uma embaixada do Irã — agora URI — no Paquistão. Dali outra linha seguia até Londres, onde ele podia conectar-se com a rede mundial de computadores sem deixar um único rastro. O que já tinha sido um exercício muito simples para as agências policiais — o que eram as instituições de contrainformação e contraterrorismo, afinal de contas — hoje era virtualmente impossível. Literalmente milhões de pessoas podiam acessar todas as informações obtidas pela humanidade, e mais rápido do que uma pessoa podia ir de carro até a biblioteca mais próxima. Badrayn começou acessando as homepages de imprensa, os jornais principais, do Times de Los Angeles até o Times em Londres, com Washington e Nova York no meio.
Todos jornais principais apresentavam a mesma matéria básica — mais curta na rede do que nas edições impressas, na verdade —, embora o comentário editorial diferisse um pouco de uma publicação para outra. As matérias apresentavam datas vagas, e ele teve de se lembrar que a mera repetição do conteúdo não garantia precisão, mas elas pareciam reais, Badrayn sabia que Ryan havia sido agente do serviço nacional de informações, e sabia que os ingleses, os russos e os israelenses o respeitavam. Essas histórias explicavam tanto a respeito. Mas também o inquietaram, fato que teria surpreendido seu mestre. Ryan era inicialmente um adversário mais formidável do que Daryaei predissera. Ele sabia como tomar ações decisivas em circunstâncias complicadas, e pessoas assim não deviam ser subestimadas.
Contudo, Ryan estava fora de seu elemento agora, e isso ficava evidente na cobertura da imprensa. Quando mudou de uma homepage para outra, viu um editorial recentíssimo. Se exigia um inquérito do Congresso sobre as atividades de Ryan na CIA. Uma declaração do governo colombiano pedia em termos diplomáticos uma explicação das alegações — e isso iniciaria outra tempestade de fogo. Como Ryan iria responder às acusações ou exigências? Uma questão aberta, julgou Badrayn. Ele era um curinga. Isso era perturbador. Ele imprimiu os artigos e editoriais mais importantes para uso posterior, e então prosseguiu com sua pesquisa.
Havia uma homepage dedicada a convenções e espetáculos comerciais nos EUA. Provavelmente para o uso de agências de viagens, pensou. Bem, o propósito era mais ou menos esse. Então seria apenas uma questão de selecioná-los por cidade. Isso lhe dizia a identidade dos centros de convenção, que geralmente eram grandes prédios parecidos com celeiros. Cada um deles tinha também uma homepage, para divulgar suas capacidades. Muitos mostravam diagramas e mapas de viagem. Todos conferiam números de telefone e fax. Ele os coletou até ter 24, alguns a mais, só por precaução. Ele não podia mandar um de seus viajantes para uma convenção de roupas íntimas femininas, por exemplo, embora... ele riu para si mesmo. As feiras de moda e tecidos seriam dedicadas à estação de inverno, embora o verão ainda não tivesse chegado nem mesmo ao Irã. Feiras de automóveis. Essas percorriam os Estados Unidos à medida que diversos fabricantes de carros e caminhões mostravam seu produtos como um circo itinerante... o que era ainda melhor.
Um circo, pensou, e entrou em outra homepage. Não, ainda faltavam algumas semanas para que o início da temporada circense. Uma pena. Uma pena mesmo, resmungou Badrayn. Os grandes circos não viajavam em trens particulares? Maldição. Mas nada podia ser feito quando a hora não era adequada. A feira de automóveis teria de servir.
E todas as outras.
Todos os membros do grupo dois estavam agora fatalmente doentes, e era hora de pôr fim ao seu sofrimento. Era mais uma questão de eficácia que de misericórdia. Não havia motivo em arriscar as vidas dos médicos militares tratando pessoas condenadas à morte pela lei e pela ciência e, assim como o primeiro grupo, estes foram despachados com injeções generosas de Dilaudid, enquanto Moudi assistia pelos monitores de TV. O alívio dos médicos era visível, mesmo através das roupas protetoras plásticas. Em apenas alguns minutos todas as cobaias estavam mortas. O mesmo procedimento que antes seria realizado. O médico congratulou-se por terem trabalhado bem e que nenhum funcionário tivesse sido infectado. Isso se devia principalmente à sua implacabilidade. Outros lugares — hospitais de verdade — não teriam a mesma sorte, e já estariam lamentando a perda de colegas.
Era uma estranha verdade absoluta da vida que o arrependimento chegava apenas quando já era tarde demais. Agora ele não podia mudar o que estava por vir mais do que poderia reverter a rotação da Terra.
Quando os médicos começaram a colocar os corpos infectados nas maças, ele se virou. Não precisava ver aquilo de novo. Moudi caminhou até o laboratório.
Outro conjunto de técnicos provavelmente estava agora colocando a sopa nos recipientes conhecidos como frascos. Eles tinham mil vezes mais do que precisavam para as operações, mas a natureza do exercício era tal que ficava realmente mais fácil fazer muito mais do que era preciso e, conforme o diretor explicara, não era possível saber se seria preciso mais. Os frascos eram todos feitos de aço inoxidável, na verdade uma liga especial que não perdia sua força no frio extremo. Cada recipiente tinha capacidade para 750 mililitros. Depois de selada, cada garrafa seria borrifada com um químico cáustico para garantir que a parte externa estivesse limpa. Em seguida, seria colocada num carrinho e levada até a sala refrigerada no porão do prédio, onde seria imersa em nitrogênio líquido. As partículas do vírus Ebola poderiam permanecer ali durante décadas, frias demais para morrer, completamente inertes, aguardando a exposição seguinte ao calor e unidade, e uma chance de reproduzir e matar.
Um dos frascos permanecia no laboratório, repousando num recipiente criogênico menor, com cerca do tamanho de um tambor de gasolina mas um pouco menor, com um mostrador exibindo a temperatura interna. Ele sentia um certo alívio em saber que o drama logo estaria terminado. Moudi fitou parado na porta, observando os funcionários menos graduados fazer seu trabalho.
Provavelmente eles se sentiam da mesma forma. Logo, os vinte frascos de spray seriam enchidos e removidos do prédio, e cada centímetro quadrado do local seria limpo rigorosamente, e tudo voltaria a ficar seguro. O diretor passaria a maior parte do tempo em seu escritório e Moudi... bem, ele não poderia reaparecer na OMS, poderia? Afinal de contas, ele havia morrido naquela queda de avião na costa líbia. Alguém teria de gerar uma nova identidade e um passaporte para ele antes que pudesse viajar, considerando que ele viesse a viajar novamente. Ou talvez, como medida de segurança... não, nem mesmo o diretor era tão cruel, era?
— Alô, quero falar com o Dr. Ian MacGregor.
— Quem está falando, por favor?
— Dr. Lorenz, do CDC de Atlanta.
— Aguarde um pouco, por favor.
Gus precisou esperar dois minutos, contados por seu relógio, tempo suficiente para acender seu cachimbo e abrir uma janela. Os médicos mais jovens geralmente o recriminariam por seu hábito, mas ele não inalava, e aquilo o ajudava a pensar...
— Dr. MacGregor falando — disse uma voz jovem.
— Aqui é Gus Lorenz, de Atlanta.
— Oh! Como vai o senhor, professor?
— Como estão indo seus pacientes? — perguntou Lorenz a sete fusos horários de meia. Ele gostou da voz de MacGregor, claramente trabalhando até um pouco tarde os bons faziam muito isso.
— O paciente homem não está indo nada bem, temo dizer. Mas a criança está se recuperando.
— E mesmo? Bem, examinamos os espécimes que enviou. Ambos continham o vírus Ebola, subcepa Mayinga.
— Tem certeza absoluta? — perguntou o homem mais jovem.
— Total, doutor. Fiz os testes pessoalmente.
— Temia isso. Enviei outro conjunto de amostras para Paris, mas ainda não deram o resultado.
— Preciso saber algumas coisas. — Do seu lado da linha, Lorenz estava com um bloco aberto. — Fale-me a respeito de seus pacientes.
— Há um problema com isso, professor Lorenz — precisou dizer MacGregor.
Ele não sabia se a linha estava grampeada, mas num país como o Sudão, era algo a se considerar. Por outro lado, ele precisava dizer alguma coisa, e assim começou a comentar os fatos que podia revelar.
— Eu a vi na TV ontem à noite — disse o Dr. Alexandre.
Ele decidira encontrar-se com Cathy Ryan no almoço novamente por esse motivo. Ele simpatizara muito com ela. Quem esperaria que uma cortadora de olhos e jóquei de laser (para Alex, essas eram mais especialidades mecânicas do que a medicina verdadeira que ele praticava — mesmo essa profissão tinha suas rivalidades, e ele se sentia o mesmo em relação a todas as especialidades cirúrgicas) nutrisse um interesse por genética? Além disso, ela provavelmente precisava de uma voz amiga.
— Gentil da sua parte — replicou Caroline Ryan, baixando os olhos para sua salada de galinha enquanto ocupava a cadeira. Alexandre percebeu que o guarda-costas pareceu ficar tenso.
— Você pareceu bem.
— Acha mesmo? — Ela levantou os olhos, dizendo em tom controlado: — Quis arrancar a cara dele.
— Bem, não deu para perceber isso. Você apoiou muito o seu marido. Os espectadores puderam perceber também que é inteligente.
— O que é que os jornalistas têm? Quero dizer, por que... Alex sorriu.
— Doutora, quando um cachorro urina num hidrante, ele não está cometendo vandalismo. Está apenas sendo um cachorro.
Roy Altman quase engasgou com sua bebida.
— Nenhum de nós queria isso, sabia? — disse Cathy, ainda triste a ponto de não perceber a piada.
O professor Alexandre levantou as mãos, fingindo render-se.
— Já estive lá, já fiz isso, madame. Ei, eu nunca quis me alistar no Exército.
Eles me recrutaram na faculdade de medicina. Acabei me afinando, cheguei a coronel e tudo mais. Descobri que o Exército era um campo interessante para manter o cérebro ocupado. E paga as contas.
— Eu nem sequer sou paga por este abuso! — objetou Cathy, não obstante com um sorriso.
— E seu marido não ganha tanto assim — acrescentou Alex.
— Jamais ganhou. As vezes me pergunto por que ele simplesmente não trabalha de graça e devolve os cheques só para mostrar que ele vale mais do que lhe pagam.
— Acha que ele teria sido um bom médico? Os olhos de Cathy reluziram.
— Já lhe disse isso. Jack teria sido um bom cirurgião, acho... não, talvez alguma outra coisa, como a sua área. Ele sempre gostou de ficar xeretando as coisas até descobrir algo.
— E de dizer o que pensa.
Isso quase causou uma gargalhada.
— Sempre!
— Bem, sabe de uma coisa? Ele passa a impressão de ser um bom sujeito.
Nunca o conheci, mas gostei do que vi. Com toda certeza do mundo, ele não é um político, e tal vez ter um apolítico lá em cima de vez em quando não seja ruim. Quer relaxar um pouco, doutora? Qual é a pior coisa que pode acontecer?
Ele deixar o trabalho, voltar para aquilo que ele gosta de fazer... lecionar, acho, pelo que ele disse... e você ainda será uma doutora com um Lasker na parede.
— Não sei se isso é a pior coisa que pode acontecer...
— Você tem o Sr. Altman aqui para garantir isso, não é? — Alexandre olhou para ele. — Imagino que você é grande o bastante para ficar no caminho da bala.
— O agente do Serviço Secreto não respondeu, mas seu olhar para Alex dispensou explicações. Sim, ele pararia uma para sua protegida. — Vocês não podem falar sobre esse tipo de coisa, podem?
— Sim, senhor, nós podemos, se nos perguntarem. — Altman quisera dizer isso o dia inteiro. Ele também assistira ao especial na TV e, como costumava acontecer, os agentes da segurança presidencial falaram um pouco sobre meter uma azeitona na cabeça do jornalista em questão. O pessoal do Serviço Secreto também tinha uma vida de fantasia. — Dra. Ryan, gostamos muito da sua família, e não estou dizendo isso só para ser educado, certo? Nem sempre gostamos dos nossos protegidos. Mas gostamos de todos vocês.
— Ei, Cathy. — Era o reitor James, passando com um sorriso e um aceno.
— Oi, Dave.
Então ela acenou para alguns amigos da faculdade. Então ela não estava tão sozinha quanto pensava.
— E aí, Cathy, você é casada com James Bond ou o quê?
Num contexto diferente, a pergunta teria feito Cathy subir nas tamancas, mas os olhos de Alexandre estavam piscando para ela.
— Sei um pouco sobre essas coisas. Recebi algumas informações quando o presidente Durling pediu a Jack que fosse vice-presidente, mas não posso...
Ele levantou a mão.
— Eu sei. Tenho permissão para assuntos sigilosos porque ainda apareço em Forte Detrick de vez em quando.
— Não é como no cinema. Você não faz aquele tipo de coisa, toma uma bebida, beija a garota e sai no seu carrão. Ele costumava ter pesadelos e eu... bem, eu costumava abraçá-lo enquanto ele dormia e isso geralmente o acalmava. E quando ele acordava, fingia que quilo não tinha acontecido. Sei de algumas coisas, não de tudo. Ano passado, quando estávamos em Moscou, conheci um russo que disse que já tinha colocado um revólver na cabeça de Jack... — Altman virou a cabeça ao ouvir isso. — Mas ele disse que era um tipo de brincadeira, e depois disse que a arma não estava carregada. Depois fomos jantar juntos, como se fôssemos velhos amigos, e eu conheci a esposa dele... uma pediatra, acredita? Ela é médica e o seu marido é o chefe da informação russa e...
— Isso realmente parece incrível — concordou o Dr. Alexandre com uma sobrancelha erguida, e então uma gargalhada de verdade surgiu do outro lado da mesa.
— É tudo loucura — concluiu Cathy.
— Quer saber o que é mesmo loucura? Temos dois casos de Ebola reportados no Sudão.
Agora que ele conseguira levantar o humor de Cathy, podia conversar sobre seus problemas.
— Lugar estranho para esse vírus aparecer. Os portadores vieram do Zaire?
— Gus Lorenz está averiguando. Estou esperando que ele me telefone de volta — reportou o professor Alexandre. — Não pode ser uma epidemia local.
— Por que não? — indagou Altman.
— O pior ambiente possível — explicou Cathy, finalmente tocando em seu almoço.
— Quente, seco, muito sol direto. Os raios ultravioleta matam o vírus.
— Como um lança-chamas — concordou Alex. — E não há nenhuma floresta onde um animal hospedeiro possa viver.
— Apenas dois casos? — perguntou Cathy com a boca cheia de salada.
Pelo menos consegui fazê-la comer, pensou Alexandre. Sim, ainda sabia lidar com mulheres, mesmo num refeitório. Ele assentiu.
— Homem adulto e uma garotinha. É tudo que sei por enquanto. Gus deve fazer os testes hoje. Já deve ter feito.
— Droga, esse é um vírus infernal. E vocês ainda não descobriram o hospedeiro.
— Procuramos há vinte anos — confirmou Alex. — Jamais foi encontrado um único animal doente... bem, o hospedeiro não estaria doente, mas você me entendeu.
— Como um caso criminal, hein? — perguntou Altman. — Procurando provas física ;
— Bem parecido — concordou Alex. — Só que estamos fazendo uma busca por um país inteiro, e nunca soubemos exatamente o que estamos procurando.
Don Russell observou as camas dobráveis serem retiradas. Depois do almoço — hoje fora sanduíches de queijo e presunto no pão integral, copos de leite e uma maçã —, todas as crianças desciam para seu cochilo da tarde. Uma ideia maravilhosa, todos os adultos pensavam. A Sra. Daggett era uma organizadora soberba, e todas as crianças conheciam a rotina. As camas vinham do almoxarifado, e as crianças conheciam seus espaços. CHOCALHO estava se dando otimamente com a jovem Megan O’Day. Ambas costumavam vestir roupas da Oshkosh Bogosh decoradas com flores ou coelhinho — pelo menos um terço das crianças usava as roupas dessas marca, que era muito popular. A única parte árdua era levar as crianças até os banheiros para que não acontecessem acidentes durante seus cochilos. Alguns aconteciam de qualquer jeito, mas crianças são crianças. O procedimento todo levava 15 minutos, menos do que antes porque agora dois de seus agentes ajudavam. Então todas as crianças deitavam em suas caminhas, com seus cobertores e ursinhos, e a luz era apagada. A Sra. Daggett e seus ajudantes encontravam cadeiras para sentar, livros para ler.
— CHOCALHO está dormindo — disse Russell, saindo para tomar um pouco de ar fresco.
— Tudo bem aqui — comunicou a equipe móvel, posicionada na casa do outro lado da rua. Seu Chevy Suburban estava estacionado na garagem da família. Havia três agentes na casa; dois em vigília, sentados perto da janela que dava para a Giant Steps. Provavelmente jogando cartas, sempre uma boa forma de pássaro tempo. A cada 15 minutos não muito regularmente, para o caso de alguém estar observando —, Russell ou outro membro da equipe contornava o terreno. As câmeras de TV mantinham registro do tráfego na Ritchie Highway.
Um dos agentes internos estava sempre posicionado para cobrir as portas de entrada e saída da creche. No momento era Marcella Hilton; jovem e bonita, sempre estava com sua bolsa a tiracolo. Uma bolsa especial de um tipo feito para policiais femininas, tinha um bolso interno no qual estavam alojados sua automática SigSauer 9 mm e dois pentes de balas sobressalentes. Ela estava deixando o cabelo crescer para alguma coisa próxima ao coração hippie (ele tivera de contar-lhe o que era um hippie) para acentuar seu disfarce .
A situação ainda não agradava a Russell. O acesso ao lugar era fácil demais, e ficava muito próximo da rodovia com seu volume intenso de tráfego.
Além disso, havia um estacionamento perto, um local perfeito para bandidos hipotéticos ficarem de tocaia. Pelo menos tinham conseguido espantar os jornalistas. Nesse aspecto, CIRURGIÃ fora curta e grossa. Depois de algumas matérias sobre Katie Ryan e suas amigas, ela batera o pé. Agora os jornalistas visitantes que ligavam ouviam uma ordem, firme mas polida, de que mantivessem distância. Aqueles que vinham, mesmo assim precisavam conversar com Russell, cujo comportamento de vovô era reservado às crianças da creche Giant Steps. Com os adultos ele era tremendamente intimidante, em geral usando seus óculos escuros do Serviço Secreto, para parecer mais com Schwarzenegger, que era mais baixo do que ele em quase oito centímetros.
Mas sua subsegurança presidencial fora reduzida para seis membros. Três diretamente no local, três do outro lado da rua. O segundo trio usava armas de ombro, submetralhadoras Uzi e uma M-16 com mira telescópica. Em outra locação, seis seriam mais do que o suficiente, mas não nesta, julgava Russell.
Infelizmente, mais gente que isso e a creche parecer um campo militar, e o presidente Ryan já tinha problemas de sobra.
Quais são as novas, Gus? — perguntou Alexandre, de volta ao seu escritório antes de iniciar as rondas da tarde. Um de seus pacientes com AIDS tivera complicações. Alex tentava pensar no que fazer a respeito.
— Identidade confirmada. Ebola Mayinga, igual aos dois casos no Zaire. O homem não vai sobreviver, mas a criança está se recuperando muito bem.
— Mesmo? Muito bom. Qual é a diferença entre os dois casos?
— Não tenho certeza, Alex — replicou Lorenz. — Não tenho muita informação sobre os pacientes, apenas seus primeiros nomes, Saleh para o homem e Sohaila para a menina, idades e coisas assim.
— Nomes árabes, certo?
Mas o Sudão era um país islâmico.
— Acho que sim.
— Seria útil saber as diferenças entre os dois casos.
— Falei isso ao médico que está cuidando dos casos. Seu nome é Ian MacGregor, e ele parece muito bom. Universidade de Edimburgo, acho que ele disse. Em todo caso, ele não conhece muitas diferenças entre os dois casos.
Nenhum dos dois tem ideia alguma sobre como se expôs. Eles apareceram no hospital mais ou menos ao mesmo tempo, aproximadamente nas mesmas condições. Os sintomas iniciais indicavam uma gripe e ou enjoo de viagem. : — Então de onde vieram? — cortou Alexandre.
— Perguntei isso. Ele respondeu que não podia dizer.
— Como vieram?
— Também perguntei. Ele disse que também não podia dizer, mas que não havia conexão aparente entre os dois casos.
O tom de Lorenz indicava que ele havia pensado no assunto. Os dois homens sabiam que o motivo para o silêncio do médico só podia ser político.
Esse era um problema sério na África, especialmente com AIDS.
— Nada mais no Zaire?
— Nada — confirmou Gus. — Aquela epidemia acabou. É de fundir a cuca, Alex. A mesma doença aparece em dois lugares diferentes, a uma distância de três mil quilômetros, dois casos em cada lugar, dois mortos, um morrendo, outro aparentemente se recuperando. MacGregor iniciou medidas apropriadas de contenção em seu hospital, e parece que entende do riscado.
Gus quase pôde ouvir Alexandre dando de ombros do outro lado da linha.
O comentário do homem do Serviço Secreto durante o almoço acertara bem na mosca, pensou Alexandre. Era mais trabalho de detetive do que medicina, e isto não fazia o menor sentido, como um tipo de caso de assassinatos em série sem pistas. Divertido num livro, mas não na vida real.
— Certo, o que nós sabemos?
— Sabemos que a cepa Mayinga está viva e atuante. A inspeção visual é idêntica. Estamos procedendo a algumas análises nas proteínas e sequencias, mas algo me diz que tudo vai conferir perfeitamente.
— Puta merda, Gus. Qual será o hospedeiro? Se pelo menos descobríssemos isso!
— Obrigado pela observação, doutor.
Gus estava incomodado — enraivecido — da mesma maneira e pelo mesmo motivo. Mas era uma velha história para os dois. Bem, pensou o homem mais velho, levara alguns milhares de anos para que a malária fosse descoberta. Eles estavam pesquisando o Ebola havia apenas 25 anos. O vírus devia estar à solta havia pelo menos esse tempo, aparecendo e desaparecendo, exatamente como um assassino em série de história policial. Mas o Ebola não tinha um cérebro, não tinha uma estratégia, nem mesmo se movia por conta própria. Era superadaptável a alguma coisa muito pequena e extremamente estreita. Mas eles não sabiam exatamente o quê.
— E o tipo de coisa que leva um homem a beber, não é? — comentou Gus.
— Também gostaria de uma boa dose de bourbon agora — concordou Alexandre. — Mas tenho pacientes para ver.
— Está gostando de fazer rondas clínicas, Alex? — Lorenz também sentia falta disso.
— É bom ser um médico de verdade novamente. Só queria que meus pacientes tivessem um pouco mais de esperança. Mas são os ossos do ofício, não é verdade?
— Se quiser, passo por fax para você a análise estrutural das amostras. A boa notícia é que os casos parecem muito bem contidos — repetiu Lorenz.
— Eu gostaria. A gente se fala depois, Gus.
Alexandre desligou. Muito bem contidos? Foi isso que pensamos antes... Mas então seus pensamentos mudaram, porque era preciso. Paciente branco, 34 anos, gay. Como poderemos estabilizar suas condições? Pegou o prontuário e saiu do escritório.
— Quer dizer que sou o cara errado para ajudar com as seleções para a Suprema Corte? — perguntou Pat Martin.
— Não se sinta tão mal — respondeu Arnie. — Somos todos os caras errados para qualquer coisa.
— Exceto você — comentou o presidente com um sorriso.
— Todos cometemos erros de julgamento — admitiu van Damm. — Eu poderia ter saltado do barco junto com Bob Fowler, mas Roger disse que precisava de mim para manter a loja funcionando, e...
— Sim — disse Ryan, assentindo. — Foi assim que cheguei aqui também. E então, Sr. Martin?
— Nada disso infringiu nenhuma lei.
Ele tinha passado as últimas três horas examinando os arquivos da CIA e o resumo ditado por Jack sobre as operações na Colômbia. Agora uma das secretárias de Ryan, Ellen Sumter, sabia sobre algumas coisas extremamente confidenciais — mas ela era uma secretária presidencial e além disso, Jack só revelara absolutamente o necessário.
— Pelo menos da sua parte, presidente — prosseguiu Martin. — Ritter e Moore poderiam ser acusados de haver deixado de prestar um relatório completo de suas atividades ao Congresso, mas sua defesa teria sido de que o presidente em exercício dissera-lhes para agir dessa forma, e as orientações de Operações Especiais e Perigosas anexadas ao estatuto de supervisão conferiam-lhes uma defesa razoável. Suponho que eu poderia indiciá-los, mas não iria querer ser o promotor nesse caso. — Fez uma pausa. — Eles estavam tentando ajudar a atenuar o problema das drogas, e a maioria dos jurados não iria condená-los por fazer isso, especialmente considerando que o resultado foi a dissolução parcial do cartel de Medellín. O problema real nessa situação é o ângulo de relações internacionais. Os colombianos ficarão putos, senhor, e estarão cobertos de motivos. Havia artigos em leis e tratados internacionais que se aplicavam à atividade, mas não sou bom o bastante nesse campo para oferecer uma opinião. Do ponto de vista doméstico, é a Constituição, a lei suprema do país. O presidente é o comandante-em-chefe. O presidente decide o que é ou o que não é bom para os interesses da segurança nacional. Isso faz parte de seus poderes executivos. Portanto, o presidente pode adotar qualquer ação que julgue apropriada para proteger esses interesses. É isso que significa poder executivo. A contenção desse poder, além das violações estatutárias que se aplicam principalmente dentro do país, é encontrada nas checagens e equilíbrios exercidos pelo Congresso. Eles podem negar fundos para impedir alguma coisa, mas é tudo que podem fazer. Mesmo a Resolução de Poderes de Guerra é escrita de forma a permitir que o presidente aja primeiro antes que o Congresso tente detê-lo. Entende? A Constituição é flexível nas questões realmente importantes. Ela é designada para pessoas racionais realizarem coisas de uma forma racional. Em tese, os deputados eleitos sabem o que o povo quer, e agem de acordo, novamente, dentro dos limites da razão.
E os homens que escreveram a Constituição?, pensou Ryan. Eles eram políticos ou alguma outra coisa?
— E o resto? — perguntou o chefe de gabinete.
— As operações da CIA? Não chegam nem perto de algum tipo de violação, mas também constituem um problema político. Essa é uma opinião pessoal.
Não esqueça, presidente: já dirigi investigações de atividades de inteligência, e elas eram trabalhos belíssimos. Mas a mídia vai deitar e rolar — alertou.
Arnie pensou que esse era um bom começo. Seu terceiro presidente não precisaria se preocupar em ir para a cadeia. A questão política vinha depois disso, que era, para ele, uma espécie de primeira vez.
— Audições abertas ou fechadas? — inquiriu van Damm.
— Isso é político. A questão principal aqui é o lado internacional. É melhor discutir isso com Estado. A propósito, estou encostado na parede, eticamente falando. Se vier a descobrir uma possível violação sua em qualquer um dos três casos, estarei impossibilitado em discuti-la com você. A minha desculpa será dizer que você, presidente, pediu minha opinião sobre possíveis violações criminosas de terceiros, a cujos inquéritos eu devo, na condição de funcionário do governo, responder como parte de meus deveres.
— Sabe, eu apreciaria muito se todos ao meu redor não falassem como advogados o tempo todo — observou Ryan, irritado. — Estou com problemas reais nas mãos. Um novo país no Oriente Médio que não gosta de nós, os chineses arranjando problemas no mar por motivos que não entendo, e ainda não tenho um Congresso.
— Esse é um problema e tanto — disse-lhe Arnie. Mais uma vez.
— Eu sei ler. — Ryan gesticulou para a pilha de recortes de jornal sobre sua mesa. Acabara de descobrir que a imprensa enviara-lhe rascunhos de editoriais negativos que seriam publicados no dia seguinte. Quanta gentileza. — Estou começando a achar que a CIA era o País das Maravilhas. Certo, a Suprema Corte. Já li metade da lista. Todos são boas pessoas. Apresentarei minha seleção na próxima semana.
— A Ordem dos Advogados vai subir nas tamancas — comentou Arnie.
— Que se danem. Não posso demonstrar fraqueza. Tive uma bela lição sobre isso ontem à noite. — Depois de uma pausa, o presidente perguntou: — O que Kealty vai fazer?
— A única coisa que pode fazer: enfraquecer você politicamente, ameaçá-lo com um escândalo, forçá-lo a renunciar. — Arnie levantou a mão de novo. — Não estou dizendo que isso faz sentido.
— Quase porra nenhuma nesta cidade faz sentido, Arnie. É por causa disso que não vou desistir.
Obviamente, um elemento crucial na consolidação do novo país era seu exército. As antigas divisões da Guarda Republicana manteriam sua identidade.
Seriam necessários alguns ajustes na cúpula. As execuções das semanas anteriores não tinham expurgado totalmente os elementos indesejáveis, mas no interesse das boas relações, as eliminações dariam lugar a aposentadorias. As instruções demissionárias não podiam ter sido mais diretas: Caia fora do Exército e desapareça. Era um aviso a ser levado em consideração. Os oficiais demitidos invariavelmente assentiam submissos, gratos pela chance de permanecer vivos.
Essas unidades haviam sobrevivido à Guerra do Golfo — pelo menos a maior parte de seus membros, e o choque de seu tratamento nas mãos dos americanos fora suavizado depois por campanhas bem-sucedidas, nas quais haviam esmagado rebeliões civis. Isso devolvera-lhes parte de sua audácia e muito de sua gabolice. Seu equipamento, que fora reposto de estoques e através de outros meios, em breve também seria aumentado.
Os comboios saíram do Irã, seguiram a rodovia de Abada e atravessaram postos de fronteira já desmantelados. Moveram-se na calada da noite, com um mínimo de tráfego de rádio, mas isso não fazia diferença para os satélites.
— Três divisões bastante pesadas — foi a análise instantânea do, o I-TAC
(Centro Analítico de Informação e Ameaça do Exército), um prédio sem janelas localizado no quartel-general da Marinha em Washington. A mesma conclusão foi rapidamente obtida na DIA e na CIA. Uma nova Ordem de Batalha para o novo país já estava em andamento, e embora ainda não estivesse completa, os primeiros cálculos mostravam que a URI possuía mais que o dobro do poderio militar de todos os outros Estados do Golfo combinados. A situação provavelmente pareceria mais desanimadora quando todos os outros fatores fossem avaliados.
— Queria saber para onde estão indo exatamente — disse em voz alta o oficial de plantão enquanto as fitas eram rebobinadas.
— A base religiosa do Iraque sempre foi xiita, senhor — recordou ao coronel um especialista de área.
— E eles estão perto dos nossos amigos.
— Exato.
Mahmoud Haji Daryaei tinha muito em que pensar, e ele geralmente tentava fazer isso dentro, e não fora, de uma mesquita. Neste caso a mesquita era uma das mais antigas da antiga nação do Iraque, perto de Ur, a cidade mais antiga do mundo. Homem de seu Deus e Fé, Daryaei era também um homem de uma realidade histórica e política que dizia a si mesmo que tudo convergia para um todo unificado que definia a forma do mundo, e que tudo precisava ser considerado. Era fácil em momentos de fraqueza ou entusiasmo (ambos eram a mesma coisa em sua mente) dizer a si mesmo que certas coisas estavam escritas por Alá com sua própria mão imortal. Contudo, a circunspecção era também uma virtude ensinada pelo Corão, e o aiatolá sabia conseguir alcançar isso caminhando pelo terreno externo de um lugar sagrado, geralmente um jardim, como o desta mesquita.
A civilização começara aqui. A civilização paga, para ser mais exato, mas todas as coisas precisavam começar em algum lugar, e os homens que construíram esta cidade não tinham culpa de ter feito isso cinco mil anos antes de Deus revelar-se plenamente. Os fiéis que construíram esta mesquita e seu jardim já eram esclarecidos.
A mesquita estava ruindo. O aiatolá abaixou-se para pegar um pedaço de tijolo que caíra do muro. Azul, a cor da cidade antiga, um tom entre o azul-celeste e o azul-marinho. Esses tijolos tinham sido confeccionados pelos artesãos locais com o mesmo tom e textura por mais de cinquenta séculos, adotados alternadamente para templos, estátuas pagãs, palácios de reis e agora uma mesquita. Se alguém derrubasse um dos prédios mais novos e cavasse dez metros na terra provavelmente encontraria uma outra mesquita com mais de três mil anos, e as duas seriam indistinguíveis. Nesse sentido, este lugar possuía um senso de continuidade sem par em qualquer outro lugar do mundo. Havia uma sensação de paz aqui, especialmente em meio ao frio de uma noite sem nuvens, quando Daryaei caminhava sozinho aqui, e mesmo seus guarda-costas estavam fora de vista, cientes do estado de espírito de seu líder Uma lua minguante estava alta no céu, e isso enfatizava a miríade de estrelas que lhe faziam companhia. A oeste ficava a antiga Ur, um dia uma grande cidade, e decerto ainda uma visão digna, com seus muros de pedra monumentais e seus zigurates altíssimos dedicados aos deuses falsos que as pessoas aqui haviam adorado. Caravanas haviam entrado e saído por seus portões fortificados, trazendo tudo, de grãos a escravos. A terra circundante devia ser verde, com campos de plantio em vez de mera areia, e o ar vivo com o tagarelar dos mercadores. A história do próprio Éden provavelmente começara não muito longe daqui, em algum lugar nos vales paralelos do Tigre e Eufrates que desaguavam no Golfo Pérsico. Sim, se a humanidade era toda uma única árvore vasta, então as raízes mais antigas estavam bem aqui, virtualmente no centro do país que ele acabara de criar.
O aiatolá tinha certeza de que os antigos deviam possuir o mesmo senso de centralidade. Aqui estamos nós, deviam ter pensado, e lá fora estavam... eles, a denominação universal àqueles que não faziam parte da comunidade de um indivíduo. Eles eram perigosos. No começo eles deviam ter sido viajantes nômades para quem a ideia de uma cidade era incompreensível. Como alguém poderia permanecer em um só lugar e viver? A grama dos bodes e carneiros não acabava? Por outro lado, que lugar fantástico para pilhar, devem ter pensado.
Era por causa disso que muros de defesa haviam brotado em torno da cidade, enfatizando a dicotomia de nós e eles, os civilizados e os incivilizados.
E ainda era assim hoje. Os Fiéis, os Infiéis. Mesmo dentro da primeira categoria havia diferenças. Ele parou no centro de uma nação que era também o centro da Fé, pelo menos em termos geológicos, pois o Islã espalhara-se para oeste e leste. O centro verdadeiro de sua religião jazia na direção para a qual sempre rezavam, o sudeste, em Meca, lar da pedra Caaba, onde o Profeta ensinara.
A civilização começara em Ur e se disseminara, lenta e inexoravelmente.
Em meio às ondas do tempo, a cidade prosperara e caíra devido aos seus falsos deuses e à carência de uma única ideia centralizadora, algo essencial para a civilização.
A continuidade deste lugar dizia-lhe muito a respeito do seu povo. Era quase possível ouvir suas vozes, e eles não eram diferentes do próprio aiatolá.
Nas noites silenciosas haviam erguido os olhos para o mesmo céu e contemplado a beleza das mesmas estrelas. Os melhores entre eles haviam escutado o silêncio, exatamente como ele fazia agora, e o usado como uma base para seus pensamentos mais íntimos, para considerar as Grandes Questões e encontrar suas respostas da melhor forma possível. Mas tinham encontrado respostas erradas, e por esse motivo os muros haviam caído, juntamente com todas as civilizações daqui... menos uma.
E assim, sua missão era restaurar, disse Daryaei às estrelas. Assim como sua religião era a revelação final, sua cultura floresceria a partir daqui, rio abaixo a partir do Éden original. Sim, ele ergueria sua cidade aqui. Meca permaneceria uma cidade santa, abençoada e pura, não comercializada, não poluída. Aqui havia espaço para prédios administrativos. Um novo começo aconteceria no local do começo mais antigo, e uma grande nação floresceria.
Mas antes...
Daryaei olhou para sua mão velha e enrugada, marcada por torturas e perseguições, mas ainda a mão de homem e a serva de sua mente, uma ferramenta imperfeita, assim como ele próprio era uma ferramenta imperfeita de seu Deus. Não obstante, era ferramenta fiel, capaz de açoitar, capaz de curar.
As duas coisas eram necessárias. Ele sabia o Corão inteiro de cor — sua religião encorajava a decorar o livro sagrado inteiro — e, mais que isso, era um teólogo que podia citar um verso para cada propósito. Desses versos, alguns eram contraditórios, admitiu para si mesmo, mas a Vontade de Alá importava mais que Suas palavras. Suas palavras frequentemente aplicavam-se a um contexto específico. Matar era mau, e a lei do Corão era bem dura nesse aspecto. Matar em defesa da Fé não era mau. Ocasionalmente a diferença entre os dois atos era obscura, e para isso o indivíduo teria de ter Alá como seu guia. Alá desejara que os Fiéis ficassem debaixo de um só teto espiritual, e embora muitos tivessem tentado conseguir isso mediante razão e exemplo, os homens eram fracos e alguns precisavam ser ensinados com menos misericórdia que outros — e talvez as diferenças entre sunitas e xotas pudessem ser resolvidas pela paz e pelo amor, com sua mão estendida num sinal de amizade e os dois lados aceitando respeitosamente as visões do outro — Daryaei estava disposto a chegar a esse extremo em sua cruzada —, mas primeiro precisaria estabelecer as condições adequadas. Além do horizonte do Islã havia outros inimigos; embora também merecessem a Misericórdia de Deus, eles não a desfrutariam enquanto estivessem ferindo a Fé verdadeira. Para essas pessoas, a mão de Daryaei seguraria o chicote. Não havia como evitar.
Como eles feriam a Fé, poluindo-a com seu dinheiro e ideias alienígenas, roubando-lhes seu petróleo, levando as crianças para ser educadas segundo suas tradições corruptas. Procuravam limitar a Fé mesmo quando faziam negócios com aqueles que diziam ser Fiéis. Eles iriam resistir aos seus esforços de unificar o Islã. Chamariam isso de economia, política ou alguma outra coisa, mas eles realmente sabiam que um Islã unificado significaria sua apostasia e poder. Eles eram o pior tipo de inimigos, porque diziam ser os e disfarçavam suas intenções bem o bastante para serem vistos como tais. Para que todo o Islã se unificasse, eles teriam de ser quebrados.
Daryaei realmente não tinha escolha. Viera para cá ficar sozinho para pensar, para perguntar silenciosamente a Deus se haveria outro meio. Mas o pedaço de tijolo azul falara-lhe de tudo que havia acontecido, do tempo que havia passado, das civilizações que tinham deixado para trás apenas memórias imperfeitas e ruínas. Daryaei contava com as ideias e a fé dos quais todos os antigos tinham carecido. Era apenas uma questão de aplicar essas ideias, guiadas pela mesma Vontade que colocara as estrelas no céu. Seu Deus usara dilúvios e desgraças como ferramentas da Fé. O próprio Maomé travara guerras. E assim, relutante, o aiatolá disse a si próprio que faria o mesmo.
35
Conceito Operacional
Quando forças militares se movem, outras forças observam com interesse, embora o que façam a respeito dependa inteiramente da intenção de seus líderes. O movimento de forças iranianas para o Iraque foi inteiramente administrativo. Os tanques e outros veículos blindados foram transportados em trailers, enquanto os caminhões chegaram com suas próprias rodas. Houve os problemas usuais. Algumas unidades tomaram rumos errados, para embaraço de seus oficiais e a fúria dos superiores, mas logo cada uma das três divisões tinha encontrado um novo lar, em cada caso compartilhado com uma divisão da mesma espécie que pertencera ao antigo Iraque. A redução traumática do Exército iraquiano possibilitara espaço de sobra para os novos ocupantes das bases. Assim que chegavam, os soldados eram integrados em unidades, e os grupos iniciaram exercícios de guerra tendo uns aos outros como oponentes.
Isso também gerou as dificuldades costumeiras de linguagem e cultura, mas ambos os lados empregavam as mesmas armas e doutrinas, e os oficiais esforçaram-se pela integração. Tudo isso também foi observado através de satélites.
— Quantos?
— Digamos que são três formações de unidades — disse o oficial de instruções ao almirante Jackson. — Uma ou duas divisões blindadas, e duas fortemente mecanizadas. São um pouco leves em artilharia, mas têm todo o material necessário. Localizamos um punhado de veículos de comando e controle correndo pelo deserto, provavelmente realizando simulações de movimento de unidades para um CPX. — CPX era a sigla para Exercício de Comando e Posto, um jogo de guerra para profissionais.
— Mais alguma coisa? — perguntou Robby.
— Os campos de artilharia pesada desta base, a oeste de Abu Sukayr, estão sendo escavados e limpos, e a base aérea logo ao norte de Nejef tem alguns novos MiGs e Sukhois, mas seus motores estão frios.
— Operação de avaliação? — perguntou Tony Bretano.
— Senhor, podemos chamar isso de qualquer coisa — replicou o coronel. — País novo integrando seus soldados. Haverá muita atividade de familiarização.
Estamos surpresos em ver como as unidades estão bem integradas. Ocorrerão dificuldades administrativas, mas isso será um boa tática do lado psicológico.
Desta forma eles agirão como se fosse realmente um só país.
— Nada ameaçador?
— Nada terrivelmente ameaçador. Não por enquanto.
— Com que rapidez essas corporações podem se mover até a fronteira saudita? — perguntou Jackson, para ter certeza de que seu chefe entendera o quadro.
— Depois que estiverem plenamente abastecidas e treinadas? Algo entre 48
e 72 horas. Poderíamos fazer isso na metade do tempo, mas tivemos um treinamento melhor.
— Composição de forças?
— Total de três corporações. Estamos falando de seis divisões pesadas, um pouco mais de quinhentos tanques de batalha, mais de 250 veículos de combate de infantaria, e até seiscentos canhões... ainda não avaliamos totalmente a facção vermelha, almirante. É assim que chamamos a artilharia, secretário — explicou o coronel. — Logisticamente, estão seguindo o antigo modelo soviético.
— Que significa isso?
— Sustentam a estratégia em suas divisões. Também fazemos isso, mas conservamos formações separadas para manter nossas forças de manobra em movimento.
— A maior parte do contingente é composta por reservistas — disse Jackson ao secretário. — O modelo soviético possibilita uma força de manobra mais integrada, mas apenas por curto prazo. Eles não podem sustentar operações por tanto tempo quanto nós, em termos de tempo ou distância.
— O almirante está correto, senhor — prosseguiu o oficial de instrução. — Em 1990, quando os iraquianos atacaram o Kuwait, eles foram até onde seu rabo logístico permitiu. Eles precisaram parar para reabastecimento.
— Isso é parte da história. Conte-lhe a outra parte — ordenou Jackson.
— Depois de uma pausa entre 12 a 24 horas, eles estariam preparados para mover-se novamente. O motivo para não terem feito isso foi político.
— Isso sempre me intrigou. Eles poderiam ter tomado os campos petrolíferos sauditas?
— Facilmente — disse o coronel. — Ele deve ter pensado muito sobre isso nos meses seguintes — acrescentou o oficial sem simpatia.
— Então temos uma ameaça em vista? — perguntou Bretano.
Ele estava fazendo perguntas simples e ouvindo as respostas com atenção.
Jackson gostava disso. Ele sabia o que não sabia, e não se sentia constrangido em aprender.
— Sim, senhor. Essas três corporações representam uma força de ataque potencial que se iguala em poder à usada por Hussein. Havia outras unidades envolvidas na Guerra do Golfo, mas elas eram apenas forças de ocupação. Este é o punho deles — disse o coronel, cutucando o mapa com sua vareta.
— Mas ainda está em seu bolso. Quanto tempo levará para que isso mude?
— Alguns meses no mínimo para fazer direito, secretário. Depende principalmente de suas intenções políticas gerais. Todas essas unidades são treinadas individualmente segundo os padrões locais. Integrar as equipes de suas formações será seu maior desafio.
— Explique — ordenou Bretano.
— Senhor, acho que poderíamos chamar isso de gerenciamento de equipe.
Todo mundo precisa conhecer todo mundo para que possam comunicar-se apropriadamente, e começar a pensar da mesma forma.
— Talvez seja mais fácil pensar neles como um time de futebol, senhor — acrescentou Robby, estendendo o exemplo. — Um treinador não pode apenas juntar 11 caras c esperar que eles joguem bem. O treinador precisa fazer com que todos sigam o mesmo livro de regras, e que cada um saiba o que os outros são capazes de fazer.
O secretário de defesa assentiu.
— Então não é com o equipamento que devemos nos preocupar. É com as pessoas. —— Exatamente, senhor — disse o coronel. — Posso ensinar ao senhor como dirigir um tanque em alguns minutos, mas levará algum tempo antes que eu permita que conduza um em minha brigada.
— É por causa disso que vocês adoram quando um novo secretário aparece — comentou Bretano, um sorriso sardônico nos lábios.
— A maioria deles aprende bem depressa.
— E então? O que conto ao presidente?
Os navios da República Popular da China e de Taiwan estavam mantendo suas respectivas distâncias, como se uma linha invisível tivesse sido desenhada de norte a sul ao longo do estreito de Formosa. Os navios de Taiwan acompanhavam os da China, colocando-se entre eles e sua ilha. Regras formais haviam sido estabelecidas, e até agora nenhuma delas fora violada.
Isso parecia bom para o comandante do USS Pasadena, cujos grupos de sonar e rastreamento tentavam manter registro das posições de ambos os lados, o tempo inteiro torcendo para que uma guerra não estourasse com eles no meio.
Serem mortos por engano seria um fim inglório.
— Torpedo na água, marcação dois-sete-quatro!
A informação veio do compartimento de sonar. Cabeças se viraram imediatamente.
— Mantenham a calma — ordenou o comandante. — Sonar, leme, preciso saber mais sobre isso! — Esse comentário não soou calmo.
— Mesma marcação que o contato Sierra Quarenta e Dois, um destróier classe Luda II, senhor, provavelmente lançado dele.
— Quarenta e Dois está em marcação dois-sete-quatro, alcance de trinta mil jardas — gritou um suboficial no grupo de rastreamento.
— Parece um dos novos torpedos teleguiados deles, senhor, seis hélices, movendo em alta velocidade, curso mudando de norte para sul, aspecto lateral definido.
— Muito bem — disse o comandante, procurando aparentar o máximo de calma que conseguia fingir.
— Pode ter como alvo o Sierra-Quinze, senhor.
Esse contato era um velho submarino classe Ming, uma cópia chinesa do velho classe Romeu russo, uma lata velha cujo desenho datava da década de 50
e que ia tona quando requeria recarregamento de baterias.
— Ele está em marcação dois-seis-um, alcance semelhante. — A informação veio do oficial da equipe de rastreamento. O superior à sua esquerda assentiu de acordo.
O comandante fechou os olhos e permitiu-se um suspiro. Ele ouvira histórias sobre os Bons e Velhos Tempos da Guerra Fria, quando homens como Bart Mancuso tinham seguido para o norte e adentrado o mar de Barents, e de vez em quando apanhados no meio de um exercício de tiro da Marinha soviética — talvez confundidos com alvos de treino. Hoje, sentados em seus escritórios, esses homens brincavam, dizendo que esses incidentes tinham sido ótimas oportunidades para avaliar o quanto o arsenal soviético era realmente bom. Agora ele sabia o que esses homens haviam sentido. Felizmente, seu psicólogo pessoal estava a uns meros seis metros de distância, quando muito...
— Transiente, transiente, transiente mecânico marcação dois-seis-um, parece um gerador de ruído, provavelmente liberado pelo contato Sierra-Quinze. A marcação do torpedo está agora em dois-seis-sete, velocidade estimada quatro-quatro nós, marcação prossegue mudando de norte para sul — reportou o sonar em seguida. — Esperem... outro torpedo na água em curso dois-cinco-cinco!
— Nenhum contato nesse curso, senhor, poderia ser um lançamento de helicóptero — comunicou o chefe.
Quando retornarmos a Pearl terei uma história de mar para contar a Mancuso, pensou o comandante.
— Mesma assinatura acústica, senhor, outro teleguiado, seguindo para norte.
O alvo pode ser também o Sierra-Quinze.
— Encurralaram o pobre infeliz — comentou o oficial de rastreamento.
— É um convés escuro, não é? — perguntou repentinamente o comandante.
Às vezes era fácil perder o rastro.
— Claro que é, senhor — disse novamente o oficial de rastreamento.
— Nós os vimos fazer operações noturnas com helicópteros esta semana?
— Não, senhor. Informações diz que eles não gostam de decolar de seus destróieres à noite.
— Isso acaba de mudar, não é mesmo? Vamos ver. Levante o mastro de vigilância eletrônica.
— Levantando o mastro de vigilância eletrônica, senhor. — Um marinheiro puxou a alavanca apropriada e a antena sensora finíssima subiu por propulsão hidráulica. O Pasadena estava navegando em profundidade de periscópio, seu longo rabo sonar estendido atrás dele enquanto o submarino permanecia naquilo que eles esperavam ser a linha divisória entre as duas frotas inimigas.
Era o lugar mais seguro para estar até que um tiroteio de verdade começasse.
— Procurando por...
— Consegui, senhor. Um emissor de banda-Ku em curso dois-cinco-quatro, tipo de aeronave, índice de frequência e repetição de pulso semelhante ao novo modelo francês. Uau, um monte de radares virando, senhor. Vamos levar algum tempo para classificá-los.
— Helicópteros franceses Dauphin em algumas de suas fragatas, senhor — observou o oficial de rastreamento.
— Estão fazendo operações noturnas — enfatizou o comandante. Isso era inesperado. Helicópteros eram caros, e lançá-los de destróieres à noite era sempre arriscado. A Marinha chinesa estava treinando para fazer alguma coisa.
As coisas podiam ficar escorregadias em Washington. A capital da nação invariavelmente entrava em pânico com o relato de um único floco de neve, apesar do conhecimento de que uma nevasca poderia fazer pouco mais do que encher os buracos das ruas caso as pessoas varressem corretamente as calçadas.
Mas havia outra forma de as coisas ficarem escorregadias. Assim como os soldados seguiam bandeiras para um campo de batalha, os burocratas de Washington seguiam líderes ou ideologias. Contudo, perto do topo a situação ficava diferente. Um burocrata de nível inferior para médio podia ficar simplesmente sentado em seu posto e ignorar a identidade de seu secretário de departamento, mas quanto mais alto o burocrata chegava, mais se aproximava de algo semelhante a tomar decisões e fazer política. Nesses postos, um burocrata realmente precisava fazer coisas, ou mandar que outros as fizessem; com isso, o burocrata passava a conhecer quem estava acima dele, e, à medida que subia a conhecer o ocupante do Salão Oval na Casa Branca. O acesso ao topo significava um tipo de poder, e prestígio, e uma foto autografada na parede para dizer aos visitantes do burocrata o quanto ele era importante. Contudo, se alguma coisa acontecesse com a outra pessoa na foto, a foto e seu autógrafo tornavam-se deméritos em vez de trunfos. Os homens de dentro eram sempre bem-vindos à presidência. O risco máximo residia na mudança para um homem de fora, uma perspectiva nada atraente para aqueles que tinham dedicado muito tempo e esforço para chegar onde estavam.
A defesa mais evidente, claro, era estar conectado ao sistema, ter um círculo de amigos e associados que incluísse pessoas de todas as partes do espectro político. O burocrata precisava ser conhecido por um número grande o bastante de gente de dentro para que, a despeito do que acontecesse lá no alto, houvesse sempre uma plataforma logo abaixo, urna espécie de rede de segurança. A rede ficava perto o bastante do topo para que os burocratas pudessem subir sem o risco de cair. Com cuidado, aqueles nas posições mais altas gozavam também de sua proteção, sempre capazes de deslizar para dentro e para fora dos postos apropriados, para dentro e para fora de gabinetes não muito distantes — geralmente separados por menos de um quilômetro e meio — para aguardar a oportunidade seguinte, e assim, embora, permanecendo conectados, de modo a reter o acesso, e também alugar esse acesso àqueles que precisavam. Nesse sentido, nada mudara desde da corte faraônica na antiga cidade de Tebas, às margens do Nilo, onde conhecer um nobre que tinha acesso ao faraó concedia um poder que se traduzia em dinheiro e na alegria para ser importante a ponto de atirar com seu arco e poder ficar com a caça.
Mas em Washington, assim como em Tebas, estar perto demais da corte do líder errado significava que você corria o risco de tornar-se um pária, especialmente quando o faraó não fazia o jogo do sistema.
E o presidente não fazia. Era como se um estrangeiro houvesse usurpado o trono. Não era necessariamente um homem mau, mas um homem diferente que não se misturava às pessoas do sistema. Os burocratas haviam esperado pacientemente que ele viesse — como faziam todos os presidentes — conversar com eles, desfrutar sua sabedoria e conselhos, conceder acesso e obtê-lo em troca, como os cortesãos faziam há séculos. Eles cuidavam das coisas para um chefe atarefado, procurando garantir que o sistema permanecesse inalterado; afinal todos concordavam que o sistema estava certo, e gostavam de servi-lo e ser servidos por ele.
Mas o velho sistema não apenas tinha sido destruído, como também ignorado, e isso irritava profundamente seus milhares de membros. Eles promoviam seus coquetéis e falavam sobre o novo presidente enquanto tomavam Perrier e comiam patê, sorrindo tolerantemente para suas novas ideias e esperando pelo momento em que ele veria a luz. Mas já se passara um bom tempo desde aquela noite terrível, e o presidente ainda não aparecera. As pessoas conectadas ainda trabalhando dentro do sistema, como nomeados da administração Fowler-Durling, vinham às festas e reportavam que não entendiam o que estava acontecendo. Os lobistas tentavam marcar reuniões através do gabinete do presidente, e ouviam que ele estava extremamente ocupado, que não tinha tempo.
Não tinha tempo?
Não tinha tempo para eles?
Era como se o faraó tivesse mandado que todos os nobres e cortesãos fossem para casa e estendessem suas propriedades nas duas direções ao longo do rio. Isso não era divertido: viver nas províncias... com os plebeus?
Pior, o novo Senado, ou uma grande parte dele, estava seguindo o exemplo do presidente. Pior ainda: muitos dos novos senadores, se não a maioria, estavam sendo curtos e grossos com os conectados. Corria o boato de que um novo senador de Indiana tinha sobre sua mesa um cronômetro de cozinha que ajustava para meros cinco minutos para os lobistas — e para nenhum segundo para as pessoas que quisessem falar sobre as ideias absurdas em reescrever a legislação do imposto de renda. Pior de tudo, ele não tivera nem mesmo a cortesia de mandar sua secretária executiva negar pedidos de reunião. Ele tivera a petulância de dizer ao chefe de uma firma jurídica muito influente em Washington — um homem que quisera apenas educar o recém-chegado de Peoria — que ele não daria ouvidos a essas pessoas, jamais. Disse isso na cara do homem. Em outro contexto, poderia ter sido uma história divertida. Pessoas assim costumavam vir a Washington envoltas num lustre de pureza que servia apenas para justificar seus verdadeiros objetivos, e na maioria das vezes tais objetivos não tardavam a se revelar.
Mas esse não era o caso. A história tinha se espalhado. Inicialmente fora reportada com ironia nos jornais da capital, repercutira em Indianápolis como alguma coisa genuinamente nova e decididamente Hoosier, e voltara a se disseminar por Washington através de duas ou três agências de notícias. Este novo senador conversara com alguns de seus novos colegas e convertera alguns. Não muitos, mas o suficiente para causar certa preocupação entre os conectados. O suficiente para conquistar-lhe a diretoria de uma subcomissão poderosa, púlpito perigosamente alto para alguém como ele, principalmente considerando sua queda para o dramático e seu fraseado eficaz, ainda que rude, que os jornalistas adoravam citar. Ate mesmo os repórteres ligados ao sistema gostavam de reportar coisas genuinamente novas — que era a definição dos furos de reportagem, coisas que haviam passado despercebidas pelos seus colegas.
Nas festas, os conectados brincavam dizendo que aquilo era como os bambolês; uma moda passageira, algo divertido de ver, mas que logo desapareceria. Mas essas pessoas não tardavam a ficar preocupadas. Logo, o sorriso tolerante em seus rostos congelava no meio de uma piada e elas se perguntavam se algo genuinamente novo estava acontecendo.
Mas jamais acontecia algo genuinamente novo aqui. Todos sabiam disso. O sistema tinha regras, e as regras precisavam ser obedecidas.
Mesmo assim, alguns conectados confessavam-se preocupados em suas festas em Georgetown. Eles tinham casas caras para pagar, filhos para educar, status para manter. Todos tinham vindo de algum outro lugar, e não queriam voltar para lá.
Era simplesmente ultrajante. Como os recém-chegados esperavam descobrir o que precisavam fazer sem lobistas conectados para guiá-los e educá-los — e eles não representavam pessoas, também? Não eram pagos para fazer exatamente isso? Eles não tinham dito aos senadores eleitos... pior, esses novatos nem tinham sido eleitos, tinham sido nomeados, muitos por governadores que, em seu desejo de ser reeleitos, haviam se curvado aos apelos do presidente Ryan em seu discurso apaixonado mas absolutamente irreal. Era como se uma nova religião tivesse nascido.
Nas festas em Chevy Chase, muitos deles transpiravam suas preocupações com as novas leis que esses senadores iriam aprovar. Esses novatos poderiam realmente aprovar leis sem ser ajudados. E essa era uma ideia genuinamente nova e, justamente por isso, assustadora. Mas só se você acreditasse nela.
E havia também a perspectiva da corrida ao plenário da Câmara, que em breve começaria por todo o país, as eleições especiais necessárias para repovoar a Casa do Povo, como todos gostavam de chamar o lugar. Ali era a Disneylândia dos lobistas: um número imenso de reuniões concentradas num complexo de prédios conveniente, com 435 legisladores e suas equipes num espaço de meros oito mil hectares. Os dados das pesquisas reportados nos jornais locais agora estavam chocando a mídia nacional. Entre os candidatos havia pessoas que jamais tinham concorrido em nenhuma eleição: executivos, líderes comunitários que jamais se ligaram ao sistema, advogados, pastores, até mesmo alguns médicos. Alguns poderiam vencer com seus discursos neopopulistas sobre apoiar o presidente a restaurar a América — frase que se tornara muito citada. Mas a América não tinha morrido, diziam a si mesmas as pessoas ligadas ao sistema. Elas ainda estavam lá, não estavam?
Era tudo culpa de Ryan, que jamais fora um deles. Ele até mesmo dissera, mais de uma vez, que não gostava de ser presidente!
Não gostava?
Como qualquer homem — qualquer pessoa, como diziam os ligados ao sistema nesta nova era de iluminação — não gostaria de ter a capacidade de fazer tanta coisa, de prestar tantos favores, de ser paparicado como os reis de outrora?
Não gostava?
Então ele não pertencia ao meio.
Eles sabiam como lidar com isso. Alguém já iniciara o processo.
Vazamentos haviam acontecido. E os responsáveis por esses vazamentos tinham sido pessoas com menos interesses em jogo. Estar ligado ao sistema ainda era importante, porque o sistema possuía muitas vozes e ainda havia ouvidos dispostos a escutar. Não seria necessário engendrar um plano de conspiração. O processo aconteceria naturalmente, ou tão naturalmente quanto qualquer coisa acontecia nesta cidade. Na verdade, já tinha começado.
Para Badrayn, novamente, era hora de trabalhar em seu computador. O tempo, logo percebeu, seria um fator determinante nesta missão. Geralmente era assim, mas o motivo desta vez era novo. O tempo de viagem precisaria ser minimizado em vez de programado de modo a se encaixar com um prazo ou um encontro. O fator limitador era o fato de que o Irã ainda era uma espécie de país fora da lei com um número restrito de opções de viagens aéreas.
Os voos com horários convenientes eram extremamente limitados: O voo 534 da KLM para Amsterdam partia logo depois da 1:00 da manhã, e chegava à Holanda às 6:10 da manhã, depois de uma escala.
O voo sem escalas 601 da Lufthansa partia às 2:55 e chegava a Frankfurt às 5:50.
O voo 774 da Austrian Airlines partia às 3:40 da manhã e chegava a Viena sem escalas às 6:00.
O voo 165 da Air France partia às 5:25 da manhã e chegava no Charles de Gaulle às 9:00.
O voo 102 da British Airways partia às 6:00, fazia uma escala e chegava à Heathrow às 12:45.
O voo 516 da Aeroflot partia às 3:00 para Moscou, chegava lá às 7:10.
Havia apenas um voo sem escalas para Roma, nenhum voo direto para Atenas, nem um só voo sem escalas para Beirute! Ele poderia mandar seus homens fazer escala em Dubai; incrivelmente, a Emirates Airlines tinha um voo de Teerã para seu próprio centro internacional, e o Kuwait também, mas não seria uma boa ideia usá-los.
Apenas alguns voos para usar, todos monitorados arduamente por agências de informação estrangeiras. Se essas agências eram competentes — e ele precisava presumir que fossem —, teriam colocado agentes a bordo dos voos ou instruído as tripulações sobre que procurar e como reportar o que achassem enquanto a aeronave ainda estivesse no ar Portanto, o tempo não era o único problema.
Os homens que selecionara eram bons. A maior parte bem-educados, sabendo comi se vestir respeitavelmente, como conduzir uma conversa ou pelo menos como evitar falai com alguém sem ser grosseiro — nos voos internacionais, a atitude mais fácil era fingir dormir, e na maior parte das vezes nem mesmo era preciso fingir. Mas bastava apenas um erro para que as consequências fossem sérias. Ele lhes dissera isso, e todos tinham ouvido com atenção.
Badrayn nunca fora incumbido de uma missão como essa, e o desafio intelectual era empolgante. Apenas um punhado de voos internacionais realmente utilizáveis, e aquele para Moscou nem era tão atraente. As cidades de entrada, como Londres, Frankfurt, j Paris, Viena e Amsterdam teriam de servir— e havia apenas um voo para elas por dia. A boa notícia era que todos os cinco ofereciam uma ampla variedade de conexões através de aviões americanos e de outros países. Assim um grupo pegaria o 601 para Frankfurt, e lá alguns se dispersariam através de Bruxelas (Sabena para o JFK em Nova York) e Paris (Air France para o Dulles em Washington; Delta para Atlanta; American Airlines para Orlando; United para Chicago) através de voos de conexão com horários adequados, enquanto outros pegariam a Lufthansa para Los Angeles. A British Airways era a companhia com maior número de opções de voos. Um deles pegaria o voo 3 do Concorde para Nova York. O único truque era fazê-los chegar lá através da primeira série de voos. Depois disso, todo o sistema de viagens aéreas internacionais daria conta da dispersão.
Ainda assim, vinte pessoas, vinte erros possíveis. Segurança operacional era sempre um fator de preocupação. Ele passara metade de sua vida tentando burlar os israelenses, e embora a continuidade de sua vida fosse um testemunho de seu sucesso — ou da ausência de fracasso absoluto, o que era uma estimativa mais honesta —, os obstáculos que precisara transpor quase o haviam enlouquecido mais de uma vez. Mas tudo bem. Pelo menos ele já decidira os voos. No dia seguinte, passaria as instruções ao grupo. Olhou as horas. Não faltava muito para o começo da missão.
Nem todas as pessoas de dentro estavam concordando entre si. Cada grupo tem seus cínicos e rebeldes. A situação despertou muita raiva entre os conectados ao sistema. Quando frustrados por outros membros numa de suas empreitadas, os conectados frequentemente assumiam uma visão filosófica da questão — era possível vingar-se depois, e ainda assim manter a amizade. Mas isso nem sempre acontecia. O que era especialmente verdadeiro em relação aos membros da mídia, que eram a um só tempo conectados e não conectados. Eles eram conectados, no sentido de que tinham suas próprias relações profissionais e de amizade com pessoas de dentro e de fora do governo em Washington; e iriam recorrer a essas pessoas em busca de informações e sugestões, e histórias sobre seus inimigos. Por outro lado, não eram conectados no sentido de que possuíam seus próprios interesses, o que tornava as coisas mais fáceis para um lado do espectro político de que para o outro. Eram dignos de confiança? Não exatamente. Alguns até tinham princípios.
— Arnie, precisamos conversar.
— Acho que devemos — concordou van Damm, reconhecendo a voz que chegara através de sua linha direta.
— Esta noite?
— Claro. Onde?
— Sua casa.
O secretário de Estado dedicou alguns segundos para considerar a questão.
— Certo. Por que não?
A delegação chegou bem a tempo para as orações matutinas. As duas partes trocaram saudações cordiais e modestas, e então os três entraram na mesquita e executaram seu ritual diário. Geralmente todos estariam se sentindo purificados por suas devoções ao caminhar de volta para o jardim. Mas não desta vez. Todo seu tempo de prática na ocultação de emoções permitia-lhes evitar manifestações de tensão, mas até mesmo isso dizia muito aos três, especialmente a um deles.
— Obrigado por nos receber — o príncipe Ali bin Sheik foi o primeiro a dizer. Ele não acrescentou que isso demorara muito.
— Estou feliz por recebê-los em paz — replicou Daryaei. — Foi conveniente rezarmos juntos.
O aiatolá conduziu-os até uma mesa preparada por seus seguranças. Ali foi servido café, a variedade forte e amarga apreciada no Oriente Médio.
— Que Deus abençoe este encontro — disse Daryaei. — Como lhes posso ser útil?
— Estamos aqui para discutir os últimos acontecimentos — observou o príncipe depois de tomar um gole de café.
Os olhos de Ali fixaram-se nos de Daryaei. Seu colega do Kuwait, Mohammed Adman Sabah, o ministro das Relações Exteriores de seu país, permaneceu em silêncio por um momento.
— Que deseja saber? — indagou Daryaei.
— Suas intenções — respondeu Ali, sem rodeios.
O líder espiritual da União das Repúblicas Islâmicas suspirou.
— Há muito trabalho a ser feito. Depois de todos aqueles anos de guerra e sofrimento, de todas aquelas vidas perdidas em tantas causas, de tanta destruição. Vejam esta mesquita. — Gesticulou em volta, chamando a atenção para o estado do prédio. — Ela simboliza tudo isso, não acha?
— Houve muitos motivos para sofrimento — concordou Ali.
— Minhas intenções? Restaurar. Este povo infeliz já sofreu demais. Tantos sacrifícios... para quê? As ambições mundanas de um homem sem Deus. Toda essa injustiça chegou aos ouvidos de Alá, e Alá atendeu aos pedidos deste povo. E agora, talvez, possamos ser apenas um povo próspero e religioso. — Ainda que não tenha sido proferido, o novamente pairou no fim da frase.
— Essa é uma missão para muitos anos — observou o ministro das Relações Exteriores do Kuwait.
— Com toda certeza — reconheceu Daryaei. — Mas agora que o embargo foi suspenso, possuímos recursos suficientes para realizar essa missão. E nós o faremos. Este país conhecerá um novo começo.
— Em paz — acrescentou Ali.
— Em paz, com toda certeza — concordou Daryaei, muito sério.
— Podemos lhes ser úteis? Afinal, a caridade é um dos pilares de nossa fé — observou o ministro Sabah. Um aceno de cabeça.
— A sua gentileza é recebida com gratidão, Mohammed Adman. É bom que sejamos guiados por nossa fé em vez de pelas influências mundanas que tão lamentavelmente devastaram esta região nos últimos anos. Mas por enquanto, como podem ver, a missão que temos pela frente é tão vasta que mal podemos começar a determinar que coisas precisam ser feitas, e em que ordem. Talvez mais adiante possamos conversar novamente. Não tinha sido exatamente uma rejeição à ajuda, mas a URI não parecia interessada em fazer negócios, exatamente o que o príncipe Ali temera. Ali sugeriu: — Na próxima reunião da OPEP, poderemos discutir a reestruturação das cotas de produção para que vocês possam desfrutar com mais justiça da renda que coletamos de nossos clientes.
— Isso seria muito útil — concordou Daryaei. — Não pedimos tanto. Apenas um pequeno ajuste será bem-vindo.
— Então temos um acordo nesse tocante? — perguntou Sabah.
— Decerto. Essa é uma questão técnica que podemos delegar aos nossos respectivos funcionários.
Os dois visitantes assentiram, reconhecendo silenciosamente que a distribuição das cotas de produção petrolífera era um assunto muito delicado.
Se todos os países produzissem demais, o preço mundial cairia, e todos iriam sofrer. Em contrapartida, se a produção fosse restringida, o preço subiria, prejudicando as economias dos clientes, que teriam de reduzir suas compras e com isso os lucros cairiam. O equilíbrio adequado — difícil de ser alcançado, como todas as questões econômicas — era o assunto anual das negociações entre os países, cada qual com seu próprio modelo econômico, e o motivo para uma quantidade considerável de discórdias dentro da associação quase totalmente composta por muçulmanos.
— Há alguma mensagem que o senhor queira transmitir ao nosso governo?
— foi pergunta seguinte de Sabah.
— Desejamos apenas a paz, paz para que possamos alcançar nosso objetivo de restaurar nossas sociedades numa só, como Alá sempre quis. Vocês não têm motivos para nos temer.
— E então, que acha?
Outro rodízio de treinamento havia sido completado. Alguns oficiais israelenses estavam presentes na revisão final de operações, sendo pelo menos um deles um espião. O coronel Sean Magruder era um homem da Divisão Blindada, mas num senso real todo alto oficial era um consumidor de informações, disposto a comprar em qualquer fonte.
— Acho que os sauditas estão muito nervosos, juntamente com todos os seus vizinhos.
— E você? — perguntou Magruder. Inconscientemente, adotara o modo informal e direto de tratamento comum no país, especialmente entre seus militares.
Avi ben Jakob, ainda titularmente um oficial militar — ele estava usando um uniforme agora —, era chefe interino do Mossad. Ele se perguntou até que ponto poderia chegar, mas, com seu título, essa decisão lhe cabia.
— Não estamos satisfeitos com os acontecimentos — admitiu.
— Historicamente, Israel possui uma relação de trabalho com o Irã, mesmo depois da queda do xá — observou o coronel Magruder. — Isso remonta aos tempos do Império Persa. Acredito que seu festival de Purim resulta desse período. Os pilotos da força aérea israelense realizaram missões para os iraquianos durante a guerra Irã-Iraque e...
— Tínhamos um grande número de judeus lá no Irã, e era nossa intenção retirá-los — acrescentou Jakob rapidamente.
— E as negociações de armas em troca de reféns em que Reagan se envolveu foram mediadas por vocês, provavelmente pela sua agência — acresceu Magruder, apenas para mostrar que também sabia fazer o jogo.
— Está muito bem informado.
— É o meu trabalho, pelo menos parte dele. Senhor, não estou fazendo julgamentos de valor aqui. Tirar os seus do Irã naquela época foi uma questão de negócios, como costumamos dizer lá em casa. E todos os países precisam fazer negócios. Estou apenas perguntando o que acha da URI.
— Achamos que Daryaei é o homem mais perigoso do planeta.
Magruder lembrou do documento somente para os seus olhos que lera no começo do dia sobre a movimentação das tropas iranianas rumo ao Iraque.
— Concordo.
Ele aprendera a gostar dos israelenses. Nem sempre fora assim. Durante anos, o Exército dos Estados Unidos, juntamente com os outros ramos do serviço, nutrira uma antipatia cordial pelo Estado judeu. O motivo principal fora a arrogância adotada pelos oficiais desse pequeno país. Mas os israelenses tiveram uma lição de humildade no Líbano, e aprenderam a respeitar os militares americanos como observadores na Guerra do Golfo. Depois de meses dizendo aos oficiais americanos que eles precisavam de aconselhamento sobre como combater no ar e em terra, os israelenses tinham passado a pedir, polidamente, para observar alguns treinamentos americanos porque possivelmente havia algumas coisinhas que valeria a pena aprender.
A chegada do Regimento Buffalo na base de Neguev mudara mais algumas coisas. A tragédia dos EUA no Vietnã dissolvera outro tipo de arrogância, e depois disso nascera um novo tipo de profissionalismo. Sob as ordens de Marion Diggs, primeiro comandante do renascido 10º RCB, algumas lições duras tinham sido aprendidas, e embora Magruder estivesse continuando essa tradição, as tropas israelenses estavam aprendendo, exatamente como os americanos tinham feito em Forte Irwin. Depois das reclamações iniciais e de quase terem saído literalmente no tapa, o bom senso reinara. Até mesmo Benny Eitan, comandante da Sétima Divisão Blindada israelense, que cuspira fogo depois da primeira série de derrotas e conseguira terminar seu rodízio de treinamento com dois empates, acabara agradecendo aos americanos pelas lições e prometendo dar-lhes uma boa sova quando voltasse no ano seguinte.
No computador central no prédio local de Guerra nas Estrelas, um modelo matemático complexo dizia que o desempenho do Exército israelense melhorara em 40% em apenas alguns anos. Agora que tinham um motivo para ser novamente arrogantes, os oficiais israelenses estavam demonstrando uma humildade desconcertante e um desejo quase implacável em aprender — sinais eternos de soldados realmente profissionais.
E agora um de seus espiões principais não estava falando sobre como suas forças poderiam lidar com qualquer coisa que o mundo islâmico jogasse contra o seu país. Isso valeria um relatório de contato com Washington, pensou Magruder.
O jato comercial que fora perdido no Mediterrâneo não podia mais deixar o país. Até mesmo usá-lo para transportar os generais iraquianos ao Sudão fora um erro, mas um erro necessário. Agora que a operação estava em pleno andamento, o jato tornara-se o transporte pessoal de Daryaei, e muito útil, porque seu tempo era curto, e seu novo país era grande. Duas horas depois de ver seus visitantes sunitas partirem, ele estava de volta a Teerã.
— E então?
Badrayn dispôs seus papéis na mesa, mostrando cidades, rotas e horários.
Era tudo mera mecânica. Daryaei correu os olhos pelos planos, e embora parecessem imensamente complexos, isso não era problema para ele. O aiatolá já vira mapas antes. Levantou os olhos para receber a explicação de que precisava acompanhar a papelada.
— Nossa preocupação primordial é o tempo — disse Badrayn. — Queremos que cada viajante alcance seu destino não mais de trinta horas depois de sua partida. Este aqui, por exemplo, deixa Teerã às seis da tarde e chega a Nova York às duas da manhã, hora de Teerã, tempo total de 12 horas. A feira à qual irá comparecer será no Jacob Javits Center, em Nova York. A abertura será às dez da manhã. Este aqui parte às 2:55 da manhã e chega a Los Angeles vinte e três horas depois — começo da tarde, hora local. A feira à qual vai comparecer ficará aberta o dia inteiro. Esse é o percurso mais longo em termos de distância e tempo, e ainda assim seu pacote será mais de 85 por cento eficaz.
— E quanto à segurança?
— Todos foram instruídos plenamente. Selecionei pessoas inteligentes e educadas. Tudo que precisam fazer é viajar com tranquilidade. Mesmo assim, há um pouco de risco. Operar com 12 ao mesmo tempo é arriscado, mas essas foram as suas ordens.
— E quanto ao outro grupo?
— Eles partirão dois dias depois através de arranjos similares — reportou Badrayn. — Essa missão é muito mais perigosa.
— Estou ciente disso. Essas pessoas são fiéis?
— São. — Badrayn assentiu, sabendo que a pergunta realmente formulada era se eram idiotas. — Mas estou preocupado com os riscos políticos.
— Por quê ? — A observação não surpreendeu Daryaei, mas ele queria saber o motivo.
— Há o problema óbvio de que seja descoberto quem os enviou, embora seus documentos de viagem tenham sido bem preparados e as medidas usuais de segurança tenham sido aplicadas. Mas minha maior preocupação é com o contexto político americano. Um evento infeliz para um estadista muitas vezes pode criar simpatia por ele, e dessa imparia pode vir apoio político.
— De fato! Isso não faz com que ele pareça fraco? — Era demais para engolir.
— Em nosso contexto, sim, mas não necessariamente no deles.
Daryaei considerou isso e comparou com as outras análises que ele havia encomendado e revisado.
— Já estive com Ryan. Ele é fraco. Ele não lida eficazmente com suas dificuldades políticas. Ele ainda não possui um governo verdadeiro para apoiá-lo. Entre a primeira missão e a segunda, nós iremos quebrá-lo... ou pelo menos iremos distraí-lo por tempo suficiente para que ele alcance nosso objetivo seguinte. Realizado isso, a América se tornará irrelevante.
— É melhor apenas a primeira missão — aconselhou Badrayn.
— Precisamos abalar seu povo. Se o que você disse sobre o governo deles é verdade, nós lhes causaremos um dano que jamais conheceram. Abalaremos o líder, abalaremos sua confiança, abalaremos a confiança do povo nele.
Badrayn precisava responder cuidadosamente a isso. O aiatolá era um Homem Sagrado com uma Missão Sagrada. Ele não aceitava bem as críticas.
Mas havia mais um outro fator sobre o qual não tinha conhecimento. Daryaei era uma pessoa mais afeita a desejos que a ação considerada... não, isso não era justo; afinal, ele conseguira anexar um outro país de forma aparentemente pacífica. Mas o sacerdote estava entusiasmado demais com o fato de que o governo americano ainda se achava vulnerável porque seu Congresso ainda não fora reconstituído plenamente, processo que acabara de começar.
— O melhor é simplesmente matarmos Ryan, se conseguirmos. Um ataque às crianças irá inflamá-los. Os americanos são muito sentimentais para com os pequenos.
— A segunda missão transcorrerá depois que a primeira seja bem-sucedida?
— inquiriu Daryaei. — Sim, é verdade.
— Então isso será suficiente — disse ele, voltando a olhar para os preparativos de viagens, e deixando Badrayn sozinho com seus pensamentos.
Existe um terceiro elemento. Tem de existir.
— Ele diz que suas intenções são pacíficas.
— Hitler disse o mesmo, Ali — lembrou o presidente ao seu amigo.
Ryan conferiu as horas. Já passava da meia-noite na Arábia Saudita. Ali voara de volta e conferenciara com seu governo antes de telefonar para Washington, como era c esperado.
— Você sabe sobre o movimento de tropas — disse o presidente.
— Sim, nosso pessoal já comunicou isso aos nossos militares hoje cedo.
Levará algum tempo antes que estejam preparados para fazer alguma ameaça.
Essas coisas demandam tempo. Lembre-se de que já usei uniforme.
— Verdade, foi isso também que eles me disseram. — Ryan fez uma pausa. — Certo, o que o reino propõe?
— Observaremos atentamente. Nossos militares estão treinando. Temos sua promessa de apoio. Estamos preocupados, mas não muito.
— Poderíamos programar alguns exercícios conjuntos — ofereceu Jack.
— Isso apenas inflamaria a situação — replicou o príncipe. A ausência de convicção total em sua voz não era acidental. Devia ter proposto isso pessoalmente ao seu governo e recebera uma resposta negativa.
— Bem, acho que você teve um dia longo. Diga-me, como está a aparência de Daryaei? Não vejo o sujeito desde que você nos apresentou.
— Parece estar com boa saúde. Parece cansado, mas ele tem tido dias bem agitados.
— Compreendo completamente isso. Ali?
— Sim, Jack?
O presidente permaneceu calado por um instante, lembrando a si mesmo que ele era leigo em barganhas diplomáticas.
— O quanto devo ficar preocupado com tudo isto?
— O que o seu pessoal está lhe dizendo? — replicou o príncipe.
— Mais ou menos o mesmo que você, mas não todos. Precisamos manter este canal aberto, meu amigo.
— Compreendo, presidente. Adeus, por enquanto.
Foi uma conclusão insatisfatória para uma ligação insatisfatória. Ryan repôs o telefone no gancho e olhou em torno para o seu escritório vazio. Ali não estava dizendo o que queria porque a posição de seu governo era diferente daquilo que ele achava que deveria ser. O mesmo acontecera muitas vezes com Jack, e as mesmas regras haviam se aplicado. Ali precisava ser leal a esse governo — afinal, ele era constituído principalmente por sua própria família.
Mas ele se permitira um deslize, e o príncipe era esperto demais para cometer esse tipo de erro. Provavelmente teria sido mais fácil antes, quando Ryan não era presidente e ambos podiam conversar sem a preocupação de fazer política a cada palavra. Agora Jack era a América para aqueles além fronteiras, e os funcionários governamentais podiam falar com ele apenas dessa forma, em vez de recordar-lhe que também era um homem com pensamentos próprios que precisava explorar opções antes de decidir. Talvez, se eles não tivessem se falado por telefone, pensou Jack. Talvez cara a cara teria sido melhor. Mas até mesmo os presidentes eram limitados pelo tempo e pelo espaço.
36
Viajantes
O voo 534 da KLM deixou o portão na hora certa, à 1:10 da manhã. A aeronave estava lotada — a essa hora, cheia de pessoas sonolentas que caminharam trôpegas até suas poltronas, apertaram os cintos de segurança e aceitaram travesseiros e lençóis. Os viajantes mais experientes esperaram pelo som do trem de pouso sendo retraído, e só então empurraram suas poltronas o mais para trás que conseguiram e fecharam os olhos na esperança de um passeio suave e algo semelhante a sono de verdade.
Cinco dos homens de Badrayn estavam a bordo; dois na primeira classe, três na classe executiva. Todos tinham malas no bagageiro e uma bolsa de viagem enfiada debaixo da poltrona da frente. Todos sofriam de uma pequena crise de nervos e, para amenizá-la, tomariam uma bebida — numa hora dessas, não ligavam para as proibições religiosas —, mas a aeronave havia pousado num aeroporto islâmico e não serviria álcool até depois de abandonar o espaço aéreo da União Republicana Islâmica. Assim, os homens procuraram aceitar as circunstâncias e relaxar da melhor forma possível. Haviam sido plenamente instruídos e preparados adequadamente. Tinham chegado ao aeroporto como viajantes comuns, e submetido suas bolsas de viagem para inspeção por raios X
por agentes de segurança tão cuidadosos quanto seus colegas ocidentais; na verdade, ainda mais cuidadosos, considerando que os voos eram mais escassos e a paranoia local relativamente maior. Mesmo assim, os raios X haviam descoberto apenas um conjunto de barbear, juntamente com jornais, livros e outros objetos inofensivos.
Eram todos homens de instrução, entre os quais vários que cursaram a Universidade Americana de Beirute, alguns para obter diplomas, outros simplesmente para aprender sobre o inimigo. Estavam todos bem-vestidos, seus casacos estavam dependurados nos miniarmários ao longo da aeronave. Dentro de quarenta minutos todos estavam dormindo, juntamente com o restante dos passageiros.
— E então, que acha dessa história toda? — indagou van Damm.
Holtzman balançou sua bebida, observando os cubos de gelo circularem no copo.
— Sob circunstâncias diferentes, diria que é uma conspiração, mas não é.
Para um sujeito que diz estar tentando apenas juntar os cacos, Jack está fazendo um monte de coisas novas e malucas.
— Malucas é um termo um pouco forte, Bob.
— Para eles não é. Todo mundo está dizendo ele não é um de nós, e estão reagindo fortemente às suas iniciativas. Até você precisa admitir que as ideias de Jack sobre o imposto de renda são um pouco alienígenas, mas essa é a desculpa pelo que está acontecendo... pelo menos, uma das desculpas. O jogo é o mesmo de sempre. Alguns vazamentos e a forma como são apresentados é que determina como o jogo é feito.
Arnie teve de assentir. Era como sujar estradas. Se alguém jogava todo o lixo na cesta apropriada, o percurso pela estrada era rápido e seguro. Se esse mesmo alguém jogava as coisas pela janela de um veículo em movimento, então era preciso parar o carro e gastar horas catando tudo. O outro lado agora jogava lixo caoticamente, e o presidente estava tendo de dedicar seu tempo limitado a fazer coisas inúteis e improdutivas em vez do trabalho real de correr pela estrada. A comparação era feia, mas eficaz. Muitas vezes a política é menos sobre fazer trabalho construtivo do que espalhar lixo para que outros limpem.
— Quem vazou?
O jornalista encolheu os ombros.
— Tudo que se pode fazer é especular. Alguém na CIA, talvez alguém que está sendo aposentado compulsoriamente. Precisa admitir que fortalecer o lado espião da casa parece uma atitude de Neandertal. Como estão os cortes no Diretório de Informações?
— Mais do que o suficiente para compensar pelos novos agentes de campo.
A ideia é fazer uma economia financeira geral, obter informações melhores, atingir um desempenho mais eficiente, esse tipo de coisa — disse Damm. E acrescentou: — Eu não digo o presidente como gerir a parte de informação.
Nesse setor ele é um especialista.
— Sei disso. Estava com minha matéria quase pronta para ser publicada. Já ia ligar para você e pedir uma entrevista com ele quando jogaram a merda no ventilador.
— Mesmo? E qual...
— Qual era o meu ângulo? Ele é o filho da puta mais contraditório nesta cidade. Em alguns aspectos ele é brilhante... mas em outros? Dizer que é um cordeirinho entre os lobos é uma gentileza.
— Que é isso?
— Gosto do cara — admitiu Holtzman. — Com toda certeza do mundo, ele é honesto. Não relativamente honesto; honesto de verdade. Eu ia contar as coisas de forma bastante realistas. Quer saber o que me deixou puto? — Parou para tomar um gole ao bourbon, hesitou antes de prosseguir e então falou, sem dissimular a raiva. — Alguém no Post vazou a minha matéria, provavelmente para Ed Kealty. Depois Kealty deve ter arrumado um alcaguete para Donner e Plumber.
— E eles usaram a sua matéria para enforcar Ryan?
— Na maior parte — admitiu Holtzman.
Van Damm quase gargalhou. Ele segurou um comentário o máximo que pôde, mas era delicioso demais para resistir: — Bem-vindo a Washington, Bob.
— Sabe, alguns de nós realmente encaram seriamente a ética profissional — redarguiu o jornalista. — Era uma boa matéria. Foi um tremendo trabalho de pesquisa. Consegui minha fonte na CIA. Bem, na verdade tenho várias fontes lá, mas consegui uma nova para isto, alguém que realmente sabe do que está falando. Peguei o que ele me deu e depois chequei cada informação, escrevi a matéria com o que eu sabia e com o que eu achava, tomando o máximo de cuidado para explicar a diferença nos momentos mais delicados — assegurou ao seu anfitrião. — E sabe de uma coisa? Acabei passando uma imagem excelente de Ryan. Certo, de vez em quando ele distorceu as regras, mas, até onde sei, o homem nunca infringiu a lei. Se tivermos uma grande crise, ele é o cara que eu vou querer no Salão Oval. Mas algum filho da puta pegou minha matéria, minhas informações de minhas fontes e pintou e bordou com elas. Não gosto disso, Arnie. Eu também tenho uma imagem pública para preservar, e meu jornal também, e alguém fodeu com os nossos direitos. — Ele pousou a bebida.
— Ei, sei o que você pensa sobre mim e a minha...
— Não, você não sabe — interrompeu van Damm.
— Mas você sempre...
— Sou o chefe de gabinete, Bob. Eu preciso ser leal ao meu patrão, e tenho de puxar a brasa para a minha sardinha. Mas se você acha que não respeito a imprensa, não é tão esperto quanto se julga. Nem sempre somos amigos. Às vezes somos inimigos, mas precisamos de vocês tanto quanto precisam da gente. Pelo amor de Deus, se eu não o respeitasse, acha que estaria bebendo com você?
Era uma trapaça elegante ou uma declaração sincera, pensou Holtzman, e Arnie era um jogador habilidoso demais para que pudesse saber a diferença imediatamente. O mais sensato era terminar a bebida, o que ele fez. Uma pena que seu anfitrião preferisse bebida barata para combinar com suas camisas L. L.
Bean. Arnie também não sabia se vestir. Ou isso talvez fosse uma parte proposital de sua mística. O jogo político era tão intrincado quanto um cruzamento entre metafísica clássica e ciência experimental. Nunca era possível saber tudo, e com frequência descobrir uma parte negava-lhe a capacidade de descobrir outra parte igualmente importante. Mas era por causa disso que esse era o melhor jogo da cidade.
— Certo, Arnie, aceitarei isso.
— Bom para você — disse van Damm com um sorriso e encheu novamente o copo. — E então, por que me ligou?
— É quase constrangedor. — Outra pausa. — Não vou participar do linchamento de um homem inocente.
— Você já fez isso antes — objetou Arnie.
— Talvez, mas todos eram políticos, e todos sabiam no que estavam se metendo. Certo, se prefere outra analogia, não vou abusar de uma criança. Ryan merece uma chance justa.
— E você está puto da vida por ter perdido sua matéria e o Pulitzer que...
— Já tenho dois — recordou-lhe Holtzman. Se não fossem eles, o editor de Holtzman teria tomado a matéria de suas mãos; a política interna do Washington Post era tão intrincada quanto a que imperava nos meandros políticos.
— E daí?
— Daí que preciso saber sobre a Colômbia. Preciso saber sobre Jimmy Cutter e como ele morreu.
— Meu Deus, Bob, você não sabe o que o nosso embaixador passou lá embaixo hoje.
— O espanhol é uma linguagem rica em insultos. — Um sorriso de repórter.
— A história não pode ser contada, Bob. Simplesmente não pode.
— A história será contada. É apenas uma questão de quem irá contá-la, e isso determinará como ela será contada. Arnie, sei o bastante para escrever alguma coisa, está entendendo?
Como frequentemente acontecia em Washington em momentos como esse, todos estavam encurralados pelas circunstâncias. Holtzman tinha uma matéria para escrever. Fazê-la da forma certa talvez ressuscitasse a matéria original, para colocá-lo entre os concorrentes para outro Pulitzer — isso ainda era importante para ele, apesar da negação anterior, e Arnie sabia disso. E dizer à pessoa que vazara sua história para Ed Kealty que devia deixar o Post antes que ele descobrisse seu nome e acabasse com sua carreira com alguns sussurros nos ouvidos das pessoas certas. Arnie estava encurralado por seu dever em proteger seu presidente, e a única forma de fazer isso era violando a lei e a confiança do presidente. Devia haver uma forma mais fácil de ganhar a vida, pensou o chefe de gabinete. Ele obrigaria Holtzman a esperar por sua decisão, mas isso seria meramente teatral, e os dois homens já haviam superado essa fase.
— Nada de anotações, nada de gravações.
— Por baixo do pano. Irei me referir a você como alto funcionário . Não usarei nem mesmo o termo alto funcionário da administração — prometeu Bob.
— E posso lhe indicar com quem confirmar a história.
— Eles sabem de tudo?
— Ainda mais do que eu — disse van Damm. — Merda, só agora fiquei sabendo da parte mais importante.
Bob ergueu uma sobrancelha.
— Isso é bom, e as mesmas regras se aplicarão para eles. Quem realmente sabe sobre tudo isso?
— Nem mesmo o presidente sabe tudo. Não tenho certeza se há alguém que saiba de tudo.
Holtzman tomou outro gole. Seria o seu último. Como um médico numa sala de operação, ele não acreditava em misturar álcool e trabalho.
O voo 534 aterrissou em Istambul às 2:55 da manhã, hora local, depois de um percurso de 1.270 milhas e três horas e cinquenta minutos. Os passageiros estavam acordados mas ainda grogues de sono, tendo sido despertados pela tripulação trinta minutos antes e recebido, numa série de línguas, instruções de colocar suas poltronas na posição vertical. O pouso foi macio, e alguns levantaram os biombos plásticos das janelas para ver que estavam realmente no solo numa extensão de terra anônima com luzes brancas de pouso e luzes de taxiamento azuis, exatamente como era em todas as partes do mundo. Os passageiros que iriam desembarcar levantaram-se na hora apropriada para sair para a madrugada turca. O restante empurrou novamente as poltronas para trás com a intenção de tirar um cochilo adicional durante a parada de 45 minutos, antes que a aeronave decolasse novamente às 3:40 da manhã para a segunda parte da viagem.
O Lufthansa 601 era um Airbus 310 de fabricação europeia, praticamente igual ao Boeing da KLM em termos de tamanho e capacidade. Este também tinha cinco passageiros a bordo, e deixara seu portão às 2:55 para o voo sem escalas até Frankfurt. A decolagem foi rotineira em todos os detalhes.
— É uma história e tanto, Arnie.
— Se é. Eu não sabia as partes mais importantes até esta semana.
— O quanto você tem certeza sobre tudo isso? — perguntou Holtzman.
— Todas as peças se encaixam. — Ele encolheu os ombros. — Não posso dizer que gostei de saber disso. Acho que teríamos vencido a eleição de qualquer modo, mas, Deus do céu, o sujeito desistiu. Ele jogou a toalha no meio de uma eleição presidencial, mas quer saber de uma coisa? Isso pode ter sido o ato de maior coragem e generosidade política do século. Eu não achava que ele fosse capaz disso.
— Fowler sabe?
— Eu não lhe contei. Talvez devesse.
— Espere um minuto. Lembra de quando Liz Elliot plantou uma matéria em mim sobre Ryan e como...
— Sim, tudo se encaixa. Jack foi pessoalmente até a Colômbia tirar os soldados de lá. O homem ao lado dele no helicóptero foi morto, e ele cuida da família dele desde então. Liz pagou por isso. Ela morreu na noite que a bomba explodiu em Denver.
— E Jack realmente fez... Sabe, essa foi uma história que nunca ficou clara.
Fowler perdeu a cabeça e quase lançou um míssil no Irã... Alguém deteve o míssil. Foi Ryan, não foi? — Holtzman baixou os olhos para sua bebida e decidiu tomar outro gole. — Como?
— Ele entrou na Linha Quente — disse Arnie. — Cortou o presidente e conversou diretamente com Narmonov, e o persuadiu a repensar um pouco a situação. Fowler deu um chilique e mandou o Serviço Secreto prender Ryan, mas quando chegaram ao Pentágono, as coisas já estavam calmas. A jogada de Ryan funcionou, graças a Deus.
Holtzman levou mais ou menos um minuto para absorver isso, mas novamente a história se encaixou com os fragmentos que ele conhecia. Fowler havia renunciado dois dias depois, um homem perturbado mas honrado, que sabia que seu direito moral de governar o país morrera com a ordem de lançar uma arma nuclear contra uma cidade inocente. E Ryan também fora abalado pelo evento, o bastante para deixar o serviço do governo imediatamente, até Roger Durling conseguir convencê-lo a voltar.
— Ryan quebrou todas as regras que existem. Até parece que ele gosta de fazer isso. Mas não é justo dizer isso, é?
— Se ele não tivesse quebrado essas regras, talvez não estivéssemos aqui. — O secretário de Estado serviu-se de mais uma dose. Holtzman fez um sinal de que não queria. — Está entendendo o que falei sobre a história, Bob? Se você contar tudo, o país pode sair ferido.
— Mas então por que Fowler recomendou Ryan a Roger Durling? — perguntou o jornalista. — Ele não suportava o cara e...
— O motivo é que, apesar de todas as suas falhas, e ele tem muitas, Bob Fowler é um político honesto. Não, ele não gosta de Ryan pessoalmente, talvez seja uma questão de química, não sei, mas Ryan salvou-o e ele disse a Roger... como foi mesmo? Esse é um bom homem numa tempestade. Foi isso — recordou Arnie.
— É uma pena que ele não entenda de política.
— Ele aprende rápido. Pode surpreender você.
— Ele vai acabar com o governo se tiver chance. Eu não posso... Olhe, eu gosto do cara pessoalmente, mas suas políticas...
— Sempre que penso que consegui prever o que fará, Ryan me surpreende.
E então preciso me lembrar que ele não tem compromissos políticos — disse van Damm. — Ele apenas está fazendo o trabalho. Eu lhe dou documentos para ler, e ele age a partir do que aprende neles. Ele escuta o que as pessoas lhe dizem; faz boas perguntas e sempre ouve as respostas... mas toma suas próprias decisões, e parece ter uma noção cristalina do que é certo e do que é errado. Bob, ele surpreende a mim E confesso que às vezes não entendo o que se passa na cabeça dele.
— Um verdadeiro forasteiro — observou Holtzman calmamente.
— Mas... — O chefe de gabinete assentiu.
— Sim. Mas. Mas ele está sendo analisado como se fosse um político profissional com compromissos ocultos. E estão aplicando nele os mesmos truques que usam nos políticos profissionais, só que ele não é um.
— Assim, a chave para entender esse cara é que não há a menor pista para entendê-lo... filho da puta — concluiu Bob. — Ele odeia o trabalho, não é?
— A maior parte do tempo. Devia tê-lo visto quando estava discursando no Meio-Oeste. Naquele momento ele gostou. Todas aquelas pessoas o amando, e ele as amando de volta... e isso deixou-o morto de medo. Você disse que não há nenhuma pista para entendê-lo? Concordo. É como dizem no golfe, o mais difícil é fazer uma bola reta, certo? Todo mundo está procurando por curvas.
Não há nenhuma.
Holtzman resfolegou.
— Então, qual é o ângulo se não há um ângulo?
— Bob, estou apenas tentando controlar a mídia, lembra? Não estou nem aí para como você vai reportar isso, contanto que o faça com fidelidade aos fatos... Sabe como é o que vocês deviam fazer.
Isso era demais para o jornalista engolir. Ele estava em Washington desde o início de sua vida profissional.
— E todo político devia gostar de Ryan. Mas eles não gostam.
— Este aqui gosta — retrucou Arnie.
— Como devo dizer isso aos meus leitores? Quem vai acreditar?
— Isso não é um problema? — perguntou Arnie com um suspiro. — Estou na política desde que me entendo por gente, e pensei que sabia de tudo. Merda, eu sei tudo. Sou um dos melhores operadores que já apareceu, todo mundo sabe disso, e de repente esse plebeu cai no Salão Oval e diz que o rei está nu, e ele tem razão, e ninguém sabe o que fazer além de dizer que ele não está nu. O sistema não está pronto para isto. O sistema só está pronto para si mesmo.
— E o sistema destruirá todos que disserem o contrário — observou Holtzman, enquanto pensava: Se Hans Christian Andersen tivesse ambientado à Roupa Nova do Rei em Washington, o garoto que disse a verdade em voz alta teria sido morto no ato pelos políticos profissionais.
— O sistema vai tentar — concordou Arnie.
— E qual deve ser o nosso posicionamento?
— Foi você que disse que não quer participar do linchamento de um homem inocente, não foi?
— Mas o que podemos fazer?
— Talvez falar sobre a turba descontrolada ou sobre a corte corrupta do rei — sugeriu Arnie.
O seguinte a decolar foi o 774 da Austrian Airlines. O procedimento agora estava rotineiro, e tudo se enquadrava perfeitamente dentro dos parâmetros técnicos. As latas de creme de barba tinham sido enchidas quarenta minutos antes da decolagem. A proximidade da Casa de Macacos com o aeroporto ajudara, assim como a hora do dia, e pessoas correndo nos últimos cem metros até o portão não era uma visão incomum em nenhuma parte do mundo, especialmente para voos como esse. A sopa tinha sido injetada no fundo da lata por uma válvula plástica invisível ao exame por raios X. O nitrogênio fora injetado pelo topo até um compartimento separado isolado no centro de cada lata. O processo era limpo e seguro. Por uma questão de segurança extra, mas desnecessária, as latas tinham sido espargidas com spray desinfetante; isso era apenas para deixar os viajantes felizes. As latas, obviamente, estavam muito frias, embora não a ponto de se tornarem perigosas. Quando o nitrogênio líquido derretesse, ele passaria através de uma válvula de pressão para a atmosfera ambiente, onde simplesmente se misturaria com o ar. Embora o nitrogênio fosse um elemento importante em explosivos, por si só ele era absolutamente inerte, limpo e inodoro. Também não reagiria quimicamente com o conteúdo das latas, e desse modo a válvula de liberação de pressão retinha uma quantidade precisa de gás aquecedor como um acionador para a sopa quando o momento chegasse.
O envasamento fora realizado por médicos militares com roupas protetoras.
Os médicos tinham se recusado a trabalhar sem as roupas de proteção, e como ordenar-lhes o contrário os teria deixado nervosos e lerdos, o diretor fora indulgente. Dois grupos de cinco latas ainda não tinham sido preparadas.
Moudi lembrou que as latas poderiam ter sido preparadas ao mesmo tempo, mas eles não estavam correndo riscos desnecessários, pensamento que o fez parar de repente. Nenhum risco desnecessário? Claro.
Daryaei não conseguira dormir naquela noite, o que era incomum para ele.
Embora a cada ano ele sentisse menos necessidade de sono, adormecer nunca fora problema para ele. Numa noite realmente calma, se os ventos estivessem corretos, ele escutava os aviões induzindo seus motores ao rugido de decolagem — um som distante, parecido com o de uma cachoeira, ou talvez um terremoto.
Algum som fundamental da natureza, distante e pressagiador. E agora ele se surpreendeu ouvindo esse som, e se perguntou se o havia imaginado.
Agira depressa demais? Era um velho num país onde muitos morriam jovens. Lembrou das doenças de sua juventude. Depois aprendera suas causas científicas, principalmente água e falta de higiene; afinal o Irã fora um país subdesenvolvido durante a maior parte de sua vida, a despeito de sua longa história de civilização e poder. Então fora ressuscitado pelo petróleo e pelas riquezas incomensuráveis que tinham vindo com ele. Mohammad Reza Pahlavi cometera o erro de agir muito depressa e fazer inimigos demais. Na era sombria do Irã, como em qualquer outra época, o poder material jazia nas mãos dos sacerdotes islâmicos, e na pressa em libertar a nação da pobreza, ele pisara em muitos calos, fizera inimigos entre pessoas cujo poder era espiritual e por quem o povo procurou quando suas vidas se tornaram caóticas devido às mudanças.
Mesmo assim, o xá quase fora bem-sucedido, mas não completamente, e não completamente era uma maldição terrível no mundo gerado para aqueles destinados à grandeza.
O que será que se passara pela mente do homem? Assim como estava acontecendo com Daryaei agora, o xá envelheceu, e com a velhice veio a doença do câncer. No fim, ele assistiu ao trabalho de uma vida evaporar numa questão de semanas e seus associados serem executados, dor acentuada pela traição de seus amigos americanos. Teria pensado que fora longe demais... ou não fora suficientemente longe? Daryaei não sabia, e agora que teria gostado de saber, enquanto escutava os sons distantes de cachoeiras na calada da noite persa.
Agir rápido demais era um erro terrível, que os jovens aprendiam e os velhos conheciam; mas não agir rápido o bastante, não ir longe o bastante, não ser forte o bastante... era isso que realmente impedia os destinados à grandeza de atingir seus objetivos. Quão deve ter sido amargo morrer na cama, desprovido do sono necessário para poder pensar claramente, e amaldiçoando a si mesmo pelas chances perdidas.
Talvez ele soubesse o que o xá pensara, admitiu Daryaei para si mesmo.
Seu próprio país estava movendo-se novamente. Mesmo isolado como estava, ele percebia os sinais. Isso transparecia como uma diferença sutil no vestuário, especialmente nas roupas das mulheres. Não muito, não o suficiente para seus fiéis as castigarem, porque mesmo os fiéis tinham suavizado sua devoção, e havia áreas cinzentas às quais as pessoas podiam aventurar-se para ver o que aconteceria. Sim, o povo ainda acreditava no Islã, e sim, ainda acreditava nele.
Mas realmente o Corão Sagrado não era tão rígido, e sua nação era rica, e para se ficar mais rico era preciso fazer negócios. Como o país poderia tornar-se um campeão da fé se não se tornasse mais rico? Os jovens mais brilhantes do Irã viajavam para ser educados no exterior; seu país não possuía escolas tão boas quanto as dos infiéis ocidentais. E a maioria deles retornava, educados nas habilidades das quais seu país precisava. Mas também voltavam com outras coisas, invisíveis. Voltavam com dúvidas, dilemas e lembranças de uma vida livre numa sociedade diferente, onde os prazeres da carne eram disponíveis aos fracos, e todos os homens eram fracos. E se tudo que Khomeini e ele haviam conquistado tivesse sido a prorrogação do que o xá iniciara? As pessoas que tinham voltado para o Islã em reação a Pahlavi estavam agora trocando a religião pela promessa de liberdade. Eles não sabiam ? Eles não viam? Eles podiam ter todos os ornamentos do poder e todas as bênçãos daquilo que as pessoas chamavam civilização e ainda assim permanecerem fiéis, ainda possuírem a âncora espiritual — sem a qual tudo era nada.
Mas para ter tudo isso, seu país precisava ser mais do que era, e assim Daryaei não podia dar-se ao luxo de ser não completamente. Daryaei precisava realizar as coisas que provariam que estivera certo o tempo todo, que a fé descomprometida era a verdadeira raiz do poder.
O assassinato do líder iraquiano, a desgraça que caíra sobre a América... essas coisas precisavam ser um sinal, não é mesmo? Ele as estudara cuidadosamente. Agora Iraque e Irã eram um só, e esse fora o objetivo da cruzada durante décadas — e virtualmente ao mesmo tempo, a América fora aleijada. Não era só Badrayn que estava lhe dizendo essas coisas. Ele tinha seus próprios especialistas em EUA que conheciam os funcionamentos do governo desse país. Ele conhecia Ryan de um único encontro importante, vira seus olhos, escutara as palavras ousadas mas ocas. Portanto, conhecia a medida do homem que era seu maior adversário. Ele sabia que Ryan não tinha — e, segundo as leis de seu país, não podia ter —, nomeado um substituto para si próprio; assim, ele dispunha apenas deste momento, e se não agisse agora, teria de se conformar com a maldição de ser não completamente.
Não, ele não seria lembrado como outro Mohammad Pahlavi. Ainda que não cobiçasse os ornamentos do poder, iria conferir poder ao seu país. Antes de sua morte lideraria todo o Islã. Em um mês ele teria o petróleo do Golfo Pérsico e as chaves para Meca, poder material e espiritual. Dali sua influência se expandiria em todas as direções. Em poucos anos seu país seria uma superpotência em todos os aspectos, e ele deixaria para seus sucessores um legado como o mundo não conhecia desde Alexandre, mas com a segurança adicional de ter sido fundado segundo as palavras de Deus. Para alcançar esse objetivo, para unir o Islã, para cumprir a vontade de Alá e as palavras do Profeta Maomé, ele faria o que fosse necessário, e se isso significasse agir depressa, então agiria depressa. No todo, o processo era simples: três passos simples, sendo que o terceiro e mais difícil já estava estabelecido e nada podia detê-lo, mesmo se todos os planos de Badrayn falhassem completamente.
Estou agindo depressa demais?, perguntou-se Daryaei pela última vez.
Não. Ele estava agindo com decisão, com a surpresa ao seu lado, com cálculo, com audácia. Era isso que a História iria dizer.
— É difícil voar à noite? — perguntou Jack.
— Com certeza, para eles é sim — replicou Robby. Ele gostava de reunir-se assim com o presidente, tarde da noite no Salão Oval, com uma bebida. — Eles sempre foram mais parcimoniosos com equipamento do que com pessoas.
Helicópteros — franceses neste caso, mesmo modelo da Guarda Costeira — custam muito dinheiro, nós não os temos visto usá-los tanto durante a noite. A operação que eles estão conduzindo aposta fortemente em manobras submarinas. Assim, eles talvez estejam pensando em lidar com aqueles submarinos holandeses que os chineses compraram ano passado. Também temos visto muitas operações em conjunto com sua força aérea.
— Conclusão?
— Estão treinando para alguma coisa. — O diretor de operações do Pentágono fechou seu caderno de anotações. — Senhor, nós...
Ryan olhou-o sobre os novos óculos de leitura que acabara de ganhar de Cathy.
— Robby, se não começar a me chamar de Jack quando estivermos sozinhos, darei uma ordem executiva para rebaixá-lo a alferes.
— Não estamos sozinhos — objetou o almirante Jackson, apontando com a cabeça para a agente Price.
— Andréa não conta... oh, merda, quero dizer... — Ryan ficou ruborizado.
— Ele tem razão, almirante, eu não conto — disse Andréa, conseguindo por pouco conter a risada. — Presidente, há semanas que espero o senhor dizer isso.
Jack baixou os olhos para a mesa e balançou a cabeça.
— Isto não é modo de um homem viver. Agora meu melhor amigo me chama de senhor, e estou sendo indelicado com uma dama.
— Jack, você é o meu comandante-em-chefe — observou Robby, achando graça do desconforto do amigo. — E sou apenas um pobre marinheiro.
Primeiras coisas primeiro, pensou o presidente.
— Agente Price?
— Sim, presidente?
— Sirva-se de uma bebida e sente.
— Senhor, estou de serviço, e os regulamentos...
— Então faça uma bebida fraca, mas esta é uma ordem presidencial. Faça!
Ela realmente hesitou, mas então decidiu que POTUS tinha algum motivo.
Price serviu-se de boa dose de uísque num dos copos antiquados e adicionou gelo e muita água mineral Evian. Então sentou-se ao lado do J-3. A esposa dele, Sissy, estava no andar superior com a família Ryan.
— Vamos ser práticos, pessoal. O presidente precisa relaxar, e para mim é mais fácil fazer isso se não houver damas de pé e se um amigo meu puder me chamar pelo nome de Vez em quando. Concordam com isso?
— — Concordo, concordo — disse Robby, ainda sorrindo mas percebendo a lógica e o desespero do momento. — Sim, Jack, todos estamos relaxados agora, e vamos nos divertir. — Ele olhou para Price. — Você está aqui para atirar em mim caso eu me comporte mal, não é?
— Bem na cabeça — confirmou.
— Pessoalmente, prefiro mísseis. São mais seguros — acrescentou.
— Você se saiu bem num tiroteio certa noite. Ou pelo menos foi o que o Patrão disse. A propósito, obrigada.
— Pelo quê?
— Por tê-lo mantido vivo. Nós gostamos de cuidar do Patrão, apesar de ele estar ficando íntimo demais de seus guarda-costas.
Jack colocou gelo em sua bebida enquanto os dois relaxavam no outro sofá.
Que coisa incrível, pensou. Pela primeira vez havia uma atmosfera de relaxamento genuíno no escritório, a ponto de duas pessoas estarem fazendo piadas sobre ele, bem na sua frente, como se fosse um ser humano, e não um POTUS.
— Gosto muito mais assim. — O presidente levantou os olhos de sua bebida e fitou o amigo. — Robby, esta garota já testemunhou mais coisas do que nós dois juntos, já ouviu todo tipo de coisa. Ela tem mestrado, é esperta, mas devo tratá-la como se fosse um gorila.
— Que é isso? Sou apenas uma atleta com um joelho ruim, por isso tenho a postura de gorila.
— E eu ainda não sei que diabos devo ser. Andréa?
— Sim, presidente? —Jack sabia que fazer Andréa chamá-lo pelo nome seria um objetivo impossível.
— Sobra a China. Que você acha?
— Acho que não sou especialista, mas como o senhor perguntou, devo dizer que não sei.
— Você é suficientemente especializada — Robby observou com um grunhido. — Todos os cavalos e todos os homens do rei também não sabem muita coisa. Os submarinos adicionais estão chegando — comunicou ao presidente. — Mancuso os quer na linha norte-sul entre os dois navios.
Concordei com isso e o secretário assinou embaixo.
— Como Bretano está se saindo?
— Ele sabe o que ele não sabe, Jack. Ele nos dá ouvidos na parte operacional, faz boas perguntas e ouve ainda mais. Ele quer começar a entrar em campo a partir da semana que vem, para ver os meninos trabalhando e se educar. Suas habilidades administrativas são extraordinárias, mas ele está brandindo um machado enorme. Já vi o seu plano provisório para reduzir a burocracia. Epa! — concluiu Jackson, levantando os olhos.
— Você não concorda com isso? — indagou Jack.
— Claro que sim. Isso tinha de ter acontecido já há uns cinquenta anos. Srta.
Price, sou um operador — explicou. — Gosto de vestir jaquetas de aviador de couro e sentir o cheiro do combustível dos jatos. Mas nós que ficamos na linha de fogo sempre temos um burocrata grudado no nosso calcanhar como um cachorro. Bretano adora engenheiros e gente que faz coisas, mas ao longo do caminho ele aprendeu a odiar burocratas e contadores. Meu tipo de sujeito.
— Voltemos à China — orientou Ryan.
— Certo, ainda temos aeronaves de coleta eletrônica de informações operando em Kadena. Estamos captando comunicações rotineiras de treinamento. Não sabemos quais são as intenções da China. A CIA não está descobrindo muita coisa. O que o pessoal do SIGINT está descobrindo é irrelevante. O Departamento de Estado diz que o governo deles está dizendo Por que tanto escarcéu? . E só. A Marinha de Taiwan é grande o bastante para lidar com a ameaça, se chegar a haver uma, a não ser que sejam pegos de surpresa. Isso não vai acontecer. Eles são espertos e fazem suas próprias operações de treinamento. Mas por enquanto é só isso: muito som e fúria, mas nada ameaçador.
— O Golfo?
— Bem, estamos ouvindo de nosso pessoal em Israel que eles estão se mantendo alerta, mas seu serviço de informações não está descobrindo muita coisa importante. As fontes que eles tinham lá provavelmente estavam com os generais que fugiram para o Sudão... provavelmente adidos. Recebi um fax de Sean Magruder...
— Quem é esse? — indagou Jack.
— Um coronel do Exército, chefe do 10° RCB no Neguev. Eu o conheci ano passado. Eis um sujeito a quem precisamos dar ouvidos. Nosso bom companheiro Avi ben Jakob descreveu Daryaei como o homem mais perigoso do mundo . Magruder julgou que isso era uma consideração importante o bastante para passá-la adiante.
— E...?
— E precisamos ficar de olho. Provavelmente é excesso de cautela da nossa parte, mas Daryaei possui ambições imperiais. Os sauditas estão jogando errado. Devíamos mandar gente para lá agora, não muitos, mas o bastante para mostrar ao outro lado que uníamos no jogo.
— Conversei com Ali sobre isso. O governo dele não quer atiçar problemas.
— Sinal errado — comentou Jackson.
— Concordo — assentiu POTUS. — Vamos trabalhar nisso.
— Qual é o estado do Exército saudita? — perguntou Andréa.
— Não é tão bom quanto poderia ser. Depois da Guerra do Golfo virou moda juntar-se à Guarda Nacional deles, e eles compram equipamentos como se estivessem escolhendo Mercedes numa concessionária. Durante algum tempo eles mesmos treinaram seus soldados, mas depois descobriram que o difícil era manter as tropas. Assim, contrataram gente para fazer isso para eles.
Mais ou menos como nobres e cavaleiros nos tempo medievais. Só que isso não dá bem certo — avaliou Jackson. — E agora não se encontram no melhor de sua forma. Oh, claro, eles correm com seus tanques, e manejam seus armamentos. É divertido usar o canhão do tanque Ml, e eles fazem muito isso. O problema é que não estão treinando em unidades. Cavaleiros e nobres. Sua tradição é homens a cavalo correndo atrás de outros homens a cavalo... um para um, como nos filmes. A guerra não é assim. A guerra é um time enorme trabalhando afinado. Sua cultura e história opõem-se a esse modelo, e eles não tiveram a chance de aprender. Em resumo: Não são tão bons quanto pensam. Se a URI reunir seu exército e rumar para o sul, os sauditas poderão estar em desvantagem bélica e certamente numérica.
— Como podemos corrigir isso? — perguntou Ryan.
— Para começar, mande alguns dos nossos para lá e traga alguns dos deles para cá, para o Centro Nacional de Treinamento, para um curso bastante duro e bem real. Conversei sobre isso com Mary Diggs no Centro Nacional de Treinamento...
— Mary?
— General Marion Diggs. Mary é um apelido que ele tem há tempos — disse Robby a Price. — Gostaria de trazer um batalhão pesado saudita para cá e fazer o OpFour dar-lhe uma boa sova durante algumas semanas para eles entenderem a mensagem. É assim que os nossos aprendem. É assim que os israelenses aprenderam. E é assim que os sauditas vão aprender, com toda certeza com muito mais facilidade do que numa guerra de verdade. Diggs concorda com isso, em número e grau. Dê-nos dois ou três anos, talvez menos se montarmos um local de treinamento adequado na Arábia Saudita, e podermos colocar o exército deles em forma. O único problema é a política — acrescentou.
POTUS assentiu.
— Sim, isso vai deixar os israelenses nervosos, e os sauditas sempre se preocupam em ter um Exército forte demais, por motivos domésticos.
— Você poderia contar-lhes a história dos três porquinhos. O lobo mau acaba de se mudar para a casa ao lado, e é melhor eles abrirem os olhos antes que o lobo comece a soprar e soprar.
— Concordo, Robby. Mandarei Adler e Vasco pensarem no assunto.
Ryan olhou seu relógio. Outro dia de 15 horas. Um último drinque teria sido agradável, mas àquela altura ele teria sorte se conseguisse tirar seis horas de sono, e não queria acordar com uma dor de cabeça maior do que a necessária. Ele largou a bebida, levantou-se e gesticulou para que os outros dois o acompanhassem pela rampa e através da porta.
— ESPADACHIM seguindo para a residência — disse Andréa por seu microfone. Um minuto depois, estavam no elevador e subindo.
— Procure não aparentar que você bebeu — comentou Jack para sua agente principal.
— Que vamos fazer com você? — perguntou Andréa para o teto enquanto as portas abriam.
Jack saiu primeiro, deixando os outros dois para trás enquanto tirava o paletó. Odiava vestir terno e gravata o tempo todo.
— Bem, agora você sabe — disse Robby à agente do Serviço Secreto. Ela se virou para fitar-lhe os olhos.
— Sim. — Na verdade ela sabia há um bom tempo, mas ela continuava aprendendo mais e mais sobre ESPADACHIM.
— Tome conta dele bem, Price. Quando ele conseguir fugir deste lugar, vou querer meu amigo de volta.
O capricho do vento fez o voo da Lufthansa chegar atrasado ao terminal de Frankfurt, Alemanha. Para os viajantes foi como um túnel invertido. A saída do jato era a parte estreita, e ao entrar no salão todos se espreguiçaram, checando os monitores de vídeo para seus portões. As transferências variavam de uma a três horas, e sua bagagem seria transportada automaticamente de uma aeronave para a outra. Apesar de todas as reclamações sobre os carregadores de bagagens de aeroporto, 99,9% de acerto é uma nota excelente na maioria das atividades humanas; e os alemães eram conhecidos por sua eficácia. Não estavam preocupados com os postos aduaneiros, porque nenhum deles passaria mais tempo na Europa do que o necessário. Evitaram cuidadosamente contato visual, mesmo quando três deles entraram numa lanchonete, e todos optaram por café descafeinado. Dois entraram nos banheiros masculinos pelos motivos usuais, e então olharam-se no espelho para checar o rosto. Todos tinham se barbeado antes de partir, mas um deles, de barba particularmente cerrada, viu que seu queixo já estava escurecendo. Será que devia se barbear? Não é uma boa ideia, pensou, sorrindo para o espelho. Pôs sua bolsa de viagem no ombro e seguiu até a sala de espera da primeira classe para aguardar o voo para Dallas — Fort Worth.
— Dia longo? — perguntou Jack, depois que todos tinham ido para casa e apenas o grupo usual de guardas patrulhava o jardim.
— Sim. Rondas amanhã com Bernie. Mesmos procedimentos no dia seguinte. — Cathy colocara seu baby doll, tão cansada quanto o marido.
— Nenhuma novidade?
— Não na minha praia. Almocei com Pierre Alexandre. Ele é um novo professor associado trabalhando para Ralph Forster. É ex-militar, um bocado esperto.
— Doenças infecciosas? — Jack recordava vagamente de ter conhecido o sujeito cm algum lugar. — AIDS e coisas do tipo?
— É.
— Coisa horrível — observou Ryan, indo para a cama.
— Eles acabaram de se esquivar de um tiro. Houve uma miniepidemia de Ebola no Zaire — disse Cathy, acomodando-se ao seu lado. — Duas mortes.
Depois, mais dois casos apareceram no Sudão, mas não parece estar se espalhando.
— A doença é tão ruim quanto dizem? — perguntou Jack, desligando a luz.
— Mortalidade de oitenta por cento... é bem ruim. — Ela ajustou os lençóis e se moveu na direção dele. — Mas vamos mudar de assunto. Sissy disse que fará um concerto daqui a duas semanas no Kennedy Center. Quinta de Beethoven, com regência de Fritz Bayerlein, acredita? Acha que podemos conseguir entradas?
Jack pôde sentir o sorriso da esposa na escuridão.
— Acho que conheço o dono do teatro. Verei o que posso fazer. Mais um dia terminou.
— Nos vemos pela manhã, Jeff.
Price seguiu para a direita na direção de seu carro. Raman seguiu pela esquerda até o seu.
Este trabalho poderia enlouquecer uma pessoa, disse Raman para seus botões. A mecânica da coisa, as horas, o tempo todo passando observando e observando e não falando nada — mas estando preparado.
Hum. Por que ele deveria reclamar disso? Era a história da sua vida adulta.
Dirigiu para o norte, esperou a segurança abrir o portão e rumou para nordeste.
As ruas vazias possibilitaram um percurso rápido. Quando chegou à sua casa, já sentia o estresse de trabalhar na segurança presidencial da Casa Branca começando a desaparecer.
Destrancou a porta, desligou o sistema de segurança, pegou a correspondência que fora entregue pela ranhura na porta e correu os olhos pelos envelopes. Uma conta, e o resto cartas comerciais oferecendo-lhe a chance de uma vida de comprar coisas que ele não precisava. Pendurou o casaco, removeu a pistola e o coldre do cinto e caminhou até a cozinha. A luz da secretária eletrônica estava piscando. Havia uma mensagem.
— Sr. Sloan — disse a gravação digital para ele com uma voz que era familiar, embora só a tivesse escutado uma vez antes. — Quem fala é Alahad. O seu tapete acaba de chegar, e está pronto para a entrega.
37
Entregas
A América estava adormecida quando eles subiram a bordo de seus voos em Amsterdam, Londres, Viena e Paris. Desta vez não havia dois na mesma aeronave, e eles estavam dispostos de modo a impedir que o mesmo inspetor alfandegário tivesse a chance de abrir dois conjuntos de barbear e encontrar a mesma marca de creme e pensar no assunto, por mais improvável que isso pudesse ser. O risco real fora colocar tantos homens nos mesmos voos para fora de Teerã, mas eles tinham sido bem instruídos sobre como se comportar.
Embora a sempre vigilante polícia alemã, por exemplo, pudesse notar uma série de homens do Oriente Médio reunidos depois de chegar no mesmo voo, os aeroportos sempre foram lugares anônimos cheios de pessoas vagueando, frequentemente cansadas e quase sempre desorientadas; assim, um viajante solitário e desorientado parecia exatamente com qualquer outro.
O primeiro a embarcar num voo transatlântico entrou no 747 da Singapore Airlines no Schiphol International Airport de Amsterdam. Codificado como SQ26, o avião de Cruzeiro começou a se movimentar às 8:30 da manhã, decolou na hora marcada e tomou um rumo que o levou até a fronteira sudeste da Groenlândia. O voo duraria menos de oito horas. O viajante estava numa poltrona de janela na primeira classe, que ele inclinara toda para trás. Ainda não eram nem três da manhã na cidade para a qual estava indo, e preferiu dormir assistindo a um filme, juntamente com a maioria das outras pessoas no nariz da aeronave. Ele tinha seu itinerário de cabeça, e se a memória falhasse, devido à confusão ocasionada pela viagem de longa distância, ainda tinha suas ordens para lembrá-lo do que faria em seguida. Por enquanto, bastava dormir, e ele virou a cabeça para o travesseiro, acalmado pelo sibilar do ar passando por trás das janelas duplas.
Ao seu redor, no ar, havia outros voos, com outros viajantes seguindo para Boston, Filadélfia, Washington-Dulles, Atlanta, Orlando, Dallas — Fort Worth, Chicago, San Francisco, Miami e Los Angeles, as dez principais cidades de entrada nos EUA. Cada uma dessas cidades estava abrigando agora uma feira ou uma convenção de alguma espécie. Dez outras cidades, Baltimore, Pittsburgh, St. Louis, Nashville, Atlantic City, Las Vegas, Seattle, Phoenix, Houston e Nova Orleans, também estavam abrigando eventos, e cada um deles ficava a um voo breve — em dois casos, a um percurso de carro — de um aeroporto de entrada no país.
O viajante no SQ26 pensou sobre isso enquanto adormecia. O conjunto de barbear estava em sua bolsa de viagem, enfiada sob a poltrona à sua frente, cuidadosamente isolado e embalado, e ele estava tomando o máximo de cuidado para que seus pés não tocassem a bolsa de viagem, e muito menos a chutassem.
Era quase meio-dia em Teerã. Astro de Cinema observou seu grupo praticar tiro. Era realmente uma formalidade, planejada mais para levantar o moral do que qualquer outra coisa. Todos sabiam como atirar, tendo aprendido e praticado no vale de Bekaa, e embora essas não fossem as mesmas armas que eles teriam na América, isso não fazia diferença. Uma arma era uma arma, e alvos eram alvos, e eles sabiam a respeito de ambos. Eles não podiam simular tudo, é claro, mas todos eles sabiam dirigir, e passavam horas por dia olhando para diagramas e modelos. Eles agiriam no final da tarde, quando os pais viessem pegar seus filhos para levá-los para casa, quando os guarda-costas estariam cansados e entediados de um dia observando as crianças fazer peraltices. Astro de Cinema obtivera descrições de muitos dos carros habituais, e alguns eram modelos comuns que poderiam alugar. A oposição era tão treinada e experiente quanto eles precisavam ser, mas não eram super-homens.
Alguns até eram mulheres, e a despeito de todo seu conhecimento do Ocidente, Astro de Cinema jamais poderia considerar as mulheres adversárias sérias, com armas ou não. Mas sua maior vantagem tática era que a equipe estava disposta a empregar força mortal com total liberdade. Com mais de vinte crianças pequenas por perto, mais os funcionários da escola, e provavelmente alguns pais também, a oposição estaria se sentindo imensamente contida. Portanto, a parte inicial da missão era a mais fácil. A parte difícil seria escapar — se a situação viesse a permitir isso. Ele precisava dizer à sua equipe que eles voltariam para casa, e que havia um plano. Mas na verdade isso não importava, e em seus corações todos sabiam.
Todos estavam dispostos a se tornar mártires na jihad não anunciada; se não fizessem isso, jamais se juntariam ao Hezbollah. Também estavam dispostos a considerar as vítimas como sacrifícios. Mas isso era apenas um rótulo conveniente. A religião na verdade não era nada mais do que uma fachada para o que eles faziam e o que eles eram. Um verdadeiro estudioso de sua religião teria ficado horrorizado com o seu propósito, mas o Islã tinha muitos adeptos, e entre eles estavam muitos que escolhiam ler as escrituras em formas não convencionais, e estes também tinham seus seguidores. O que Alá pensaria sobre suas ações não era algo que considerassem profundamente, e Astro de Cinema nem se dava ao trabalho de pensar. Para ele, tudo era negócio, uma declaração política, um desafio profissional, mais uma tarefa para ocupar seus dias. Talvez fosse também um passo na direção de um objetivo maior, a conquista que significaria uma vida de conforto, e talvez um pouco de poder pessoal e estabilidade — mas em seu coração ele também não acreditava nisso.
No começo, sim, havia pensado que Israel poderia ser derrotado, que os judeus poderiam ser varridos da face da Terra, mas essas crenças de sua juventude já se haviam esvanecido havia muito tempo. Para ele, tudo agora era um processo, e esta era apenas mais uma tarefa. A substância da tarefa não importava rei mente tanto, importava? perguntou-se, observando os rostos entusiasmados dos membros da equipe acertando seus alvos. Oh, para eles parecia importar. Mas ele era menos inocente.
Para o inspetor Patrick O’Day, o dia começou às cinco e meia da manhã, despertado por um radiorrelógio. Em seguida, foi ao banheiro para as funções usuais de cometo do dia e uma olhada no espelho. Por fim, seguiu até a cozinha para fazer café. Era a parte calma do dia. A maioria das pessoas (as sensatas) ainda não estavam acordadas. Não havia trânsito nas ruas. Até os pássaros ainda estavam pousados em seus poleiros. Ao sair para pegar os jornais, pôde sentir o silêncio e se perguntar por que o mundo não era sempre assim. O alvorecer insinuava-se através das árvores a leste, embora a estrelas mais fortes ainda estivessem reluzindo. Não havia nenhuma luz acesa no restante das casas do condomínio. Merda. Será que ele era o único que precisava trabalhar em horas tão obscenas?
Novamente dentro de casa, passou dez minutos correndo os olhos pelas notícias das edições matutinas do Post e do Sun. Gostava de ficar a par das notícias, especialmente os casos criminais. Na condição de inspetor itinerante trabalhando diretamente para o gabinete do diretor, ele nunca sabia quando seria enviado para um novo caso, o que podia significar chamar uma babá. Isso era tão frequente que às vezes pensava em contratar os serviços de uma babá de tempo integral. Ele podia pagar — o prêmio do seguro pela morte de sua esposa na queda do avião realmente dera-lhe uma certa dose de independência financeira. As circunstâncias haviam parecido completamente blasfemas, mas tinham-lhe oferecido o dinheiro e ele aceitara, a conselho de seu advogado. Mas uma babá? Não. Isso significaria uma mulher, e Megan pensaria nela como mamãe, e ele não podia permitir isso. Assim, cumpria seus expedientes e se negava uma vida normal, de modo a poder ser pai e mãe da garotinha. E nenhum urso cinzento seria mais zeloso de um filhote. Talvez Megan não soubesse a diferença. Todas as crianças adquiriam um elo profundo com as mães, mas talvez elas pudessem adquirir a mesma ligação com seus pais.
Quando as outras crianças lhe perguntavam sobre sua mãe, ela explicava que mamãe havia ido para o céu mais cedo... e aquele ali é o meu papai! Quaisquer que fossem as circunstâncias psicológicas, a proximidade dos dois, que parecia tão natural a Megan — que mal tivera a chance de experimentar outra coisa —, era algo que ocasionalmente provocava lágrimas nos olhos de seu pai. O amor de uma criança sempre é incondicional, principalmente quando ele só pode ser direcionado a uma pessoa. O inspetor O’Day as vezes se sentia grato por não trabalhar num caso de sequestro há anos. Se ele tivesse de trabalhar num hoje...
Tomou um gole de café e admitiu para si mesmo que acabaria arrumando uma desculpa para recusar a missão. Sempre havia uma forma. Ele trabalhara em casos desse tipo quando era um agente jovem. Sequestro por dinheiro era uma modalidade raríssima hoje em dia; todos sabiam que esse era um jogo impossível de vencer, já que todo o poder do FBI mergulhava sobre esses casos como a ira de Deus. Mas hoje, depois de tantos anos sem trabalhar num caso dessa natureza, ele compreendeu o quanto esses crimes eram odiosos. Era preciso ser pai, era preciso conhecer a ação de bracinhos em torno de seu pescoço para compreender a magnitude de tamanha violação. Quando um agente trabalhava num caso de sequestro, seu sangue virava gelo; ele não desligava suas emoções, mas tentava contê-las o máximo de tempo possível, de preferência até a libertação do refém. Ele lembrava que seu primeiro supervisor de esquadrão, Dominic DiNapoli — era o sujeito mais durão deste lado da família Gambino — era gozado pelos colegas por ter chorado como um bebê ao entregar um refém vivo de volta aos pais. Apenas agora ele compreendia como aquilo fora apenas mais um sinal dos nervos de aço de Dom. Sim. E aquele bandido jamais sairia da Penitenciária Federal de Atlanta.
Então chegou a hora de acordar Megan. Ela estava enroscada na cama, vestindo seu macacão, o azul com a estampa de Gasparzinho, o Fantasminha Camarada. Ela estava ficando grande demais para ele. Os dedões estavam empurrando os pés de plástico. Incrível como as crianças cresciam rápido. Ele cocou o nariz da menina, e ela abriu os olhos.
— Papai!
Megan se sentou e então empertigou-se para dar-lhe um beijo. Pat se perguntou como as crianças conseguiam acordar com um sorriso. Nenhum adulto fazia isso. E seu dia também começou com uma viagem ao banheiro. Ele notou com prazer que as calcinhas da menina estavam secas. Megan estava se esforçando para dormir a noite inteira — fora muito difícil no começo —, mas esse parecia um motivo de orgulho muito estranho. Ele começou a se barbear, um evento diário que deixava sua filha absolutamente fascinada. Depois de acabar, abaixou-se para que ela passasse a mão no rosto dele e dissesse: — Está bom!
Naquela manhã a refeição foi farinha de aveia com banana picada e um copo de suco de maçã, enquanto Megan assistia ao Disney Channel no televisor da cozinha e papai retornava para seu jornal. Megan levou sozinha sua tigela e seu copo até a máquina de lavar pratos, tarefa muito séria que ela estava aprendendo a dominar. A parte difícil era colocar a tigela corretamente dentro da máquina. Megan ainda estava aprendendo isso. Era mais difícil que amarrar os próprios sapatos, que tinham fechos de Velcro. A Sra. Daggett dissera-lhe que Megan era uma criança brilhante, mais um motivo para ele explodir de orgulho, o que em seguida sempre dava lugar à tristeza, porque isso fazia-o lembrar da esposa. Pat dizia a si mesmo que podia ver o rosto de Deborah no da menina, mas a parte honesta do agente ocasionalmente questionava se isso não era mais um desejo que um fato. Pelo menos ela parecia ter o cérebro da mãe.
Será que era sua expressão inteligente que ele via?
O passeio na caminhonete foi rotineiro. O sol agora brilhava no céu, mas o tráfego ainda estava tranquilo. Megan estava em sua poltrona de segurança, como sempre olhando embasbacada para os outros carros.
A chegada também foi rotineira. Havia um agente trabalhando na 7-Eleven, claro, mais a equipe avançada na creche Giant Steps. Bem, ninguém jamais raptaria a menininha dele. Nas situações mais sérias, a rivalidade entre o FBI e o Serviço Secreto desaparecia, exceto por uma ou outra piadinha ocasional. Ele estava feliz por estarem ali, e eles não se importavam em deixar esse homem armado entrar. Assim que ele abriu a porta, Megan correu imediatamente para abraçar a Sra. Daggett e colocar seu cobertor no armário. Assim, seu dia de brincar e aprender estava começando.
— Oi, Pat — cumprimentou o agente na porta.
— Bom dia, Norm.
Os dois permitiram-se um bocejo de começo de manhã.
— O seu horário é tão infernal quanto o meu — disse o agente especial Jeffers. Jeffers era um dos agentes no rodízio da subsegurança presidencial de CHOCALHO. Esta manhã estava trabalhando como parte da equipe avançada.
— Como vai sua esposa?
— Mais seis semanas e teremos de começar a procurar um lugar como este.
Ela é tão boa quanto parece?
— A Sra. Daggett? Pergunte ao presidente — brincou O’Day. — Os Ryan mandam todos os filhos para cá.
— Isso é bom sinal — concordou o agente do Serviço Secreto. — Como é que vai 0 caso Kealty?
— Alguém no Estado está mentindo. É isso que os caras da OPR pensam. — Encolheu os ombros. — Ninguém sabe com certeza quem é o mentiroso. Os dados do polígrafo foram inúteis. O seu pessoal descobriu alguma coisa?
— Sabe, é engraçado. Ele dispensa muito os seus seguranças. Disse a eles que não gostaria de colocá-los numa posição em que tivessem de...
— Entendi. — Pat meneou a cabeça. — E eles têm colaborado com vocês?
— Eles não têm escolha. Ele anda se encontrando com pessoas, mas não temos certeza de com quem, e não temos permissão de descobrir o que ele está fazendo contra ESPADACHIM. — Balançou a cabeça. — Você não adora o nosso trabalho?
— Eu gosto de Ryan — comentou Pat, os olhos vasculhando a área, procurando por problemas. Era automático, quase como respirar.
— Nós adoramos o cara — concordou Norm. — Achamos que ele vai se safar dessa. Kealty é cheio de merda. Ei, eu trabalhei na segurança dele quando ele era o vice, lembra? Eu tinha de ficar a postos do lado de fora enquanto ele estava fodendo alguma dona. Era parte do trabalho — concluiu amargamente.
Os dois agentes federais trocaram um olhar. Esta era uma história interna, para ser discutida apenas dentro da comunidade da polícia federal, e embora o Serviço Secreto fosse pago para proteger seus patrões e manter todos os segredos, isso não significava que precisavam gostar do que faziam.
— Acho que tem razão. E aqui, tudo está tranquilo?
— Russell quer mais três pessoas, mas não acho que ele irá conseguir. Porra, já temos três bons agentes lá dentro, e três de plantão na casa ao lado. — Ele não estava revelando nada; O’Day já tinha deduzido tudo aquilo.
— E...
— Sim, do outro lado da rua. Russell parece entender do riscado.
— Vovô é o melhor — garantiu Norm. — Puxa, ele treinou metade das pessoas no Serviço, e você precisa vê-lo atirar. Com as duas mãos.
O’ Day sorriu.
— Todo mundo me fala isso. Um dia vou ter de convidá-lo para uma competição amigável.
Um sorriso.
— Andréa me disse. Ela... bem, ela olhou sua ficha no FBI...
— Quê?
— Ei, Pat, é só trabalho. Nós checamos todo mundo. Temos um protegido aqui todos os dias, certo? — Norm prosseguiu. — Além disso, ela quis ver seu cartão de armas de fogo. Ouvi dizer que você é um atirador muito decente, mas estou lhe dizendo, você precisa competir com o Russell. E quando fizer isso traga bastante dinheiro, tá?
— É isso que faz um cavalo correr, Sr. Jeffers.
O Day adorava esses desafios, e ainda não havia perdido um.
— Pode apostara sua bunda branca, Sr. O’Day — disse Jeffers. Ele levantou a cabeça e tocou seu fone auricular. Olhou o relógio. — Acabaram de entrar em movimento. CHOCALHO está vindo. Nossa menina e a sua são companheiras inseparáveis.
— Ela parece uma garotinha e tanto.
— Todos são boas crianças. Às vezes dão alguns problemas, mas é para isso que servem as crianças. SOMBRA vai dar um bocado de dor de cabeça quando começar a sair com rapazes.
— Não quero ouvir isso! Jeffers deu uma boa gargalhada.
—— Sim, estou torcendo para o nosso ser um garoto. Meu pai... ele é capitão de polícia em Atlanta... diz que as filhas são as punições de Deus por você ter nascido homem. Você vive com medo que elas encontrem alguém como você quando tinha dezessete anos.
— Chega! Deixe-me ir ao trabalho e lidar com alguns criminosos. — Deu um tapinha no ombro de Jeffers.
— Ela estará aqui quando você voltar, Pat.
Como de costume, O Day parou para tomar café na Ritchie Highway, em vez de seguir para o sul até a Rota 50. Tinha de admitir que os rapazes do Serviço sabiam o que estavam fazendo. Mas havia pelo menos um aspecto da segurança presidencial com o qual o FBI estava lidando. Ele teria de falar com o pessoal da OPR esta manhã. Informalmente, claro.
Um morreu, a outra foi para casa, e mais ou menos ao mesmo tempo.
Aquela tinha sido a primeira morte de MacGregor pelo vírus do Ebola. Ele já vira muitas outras, falhas cardíacas nas quais o processo de ressuscitação havia falhado, ferimentos, câncer, ou apenas idade avançada. Na maioria das vezes os médicos não estavam presentes e o trabalho sobrava para as enfermeiras. Mas dessa vez ele estava lá. No fim, o homem encontrara não exatamente a paz, mas a exaustão. O corpo de Saleh havia lutado o melhor que pudera, sua força conseguira apenas estender a luta e a dor, como um soldado numa batalha impossível. Mas sua força finalmente fora sobrepujada, e ele começara a esperar a chegada da morte. O zumbido de alarme no monitor cardíaco parou, e não havia mais nada a fazer além de desligá-lo. Não haveria tentativas de reviver este paciente. Os tubos intravenosos foram removidos, e as agulhas colocadas cuidadosamente num recipiente de plástico. Literalmente, tudo que fora tocado pelo paciente seria queimado. Isso não era tão extraordinário. As vítimas de AIDS e de algumas formas de hepatite eram tratadas também como objetos de contaminação mortal. No caso do Ebola, queimar os corpos era preferível — e além disso, o governo insistira. Assim, mais uma batalha estava perdida.
MacGregor sentiu-se aliviado, um pouco para sua vergonha, enquanto despia a roupa protetora pela última vez. Lavou-se cuidadosamente e foi ver Sohaila. Ainda estava fraca, mas pronta para partir e completar sua recuperação. Os exames mais recentes haviam mostrado o sangue repleto de anticorpos. De algum modo, seu sistema combatera o inimigo e passara no teste. Não havia mais nenhum vírus ativo nela. Ela podia ser abraçada. Em outro país teria sido mantida para exames adicionais, e doado uma boa quantidade de sangue para estudos intensivos de laboratório, mas novamente o governo local dissera que essas coisas não aconteceriam, que ela teria de receber alta no primeiro minuto em que isso fosse seguro. MacGregor argumentara contra, mas agora estava certo de que não haveria mais complicações. O próprio médico levantou a menina e colocou-a na cadeira de rodas.
— Quando estiver se sentindo melhor, você poderá vir me ver? — perguntou com um sorriso caloroso.
Ela assentiu. Uma criança inteligente. Seu inglês era bom. Uma criança bonita, com um sorriso encantador a despeito de sua fadiga, feliz por ir para casa.
— Doutor? — Era o pai dela. Ele devia ter um passado militar, a julgar pela forma como andava empertigado. O que ele estava tentando dizer transpareceu em seu rosto antes mesmo que pudesse pensar nas palavras.
— Fiz muito pouco. A sua filha é jovem e forte, e foi isso que a salvou.
— Mesmo assim, não esquecerei desta dívida.
Um aperto de mão firme, e MacGregor lembrou da frase de Kipling sobre o Ocidente e o Oriente. Fosse esse homem quem fosse — o médico tinha suas suspeitas —, que guardava semelhanças com todos os outros homens.
— Ela ficará fraca por mais uma ou duas noites. Deixe-a comer o que quiser, e é melhor deixá-la dormir o máximo que puder.
— Será como o senhor mandar — prometeu o pai de Sohaila.
— Vocês têm meu número, daqui e de casa. Liguem, se tiverem alguma dúvida.
— E se o senhor tiver qualquer dificuldade, com o governo, por exemplo, por favor nos conte.
A medida da gratidão do homem transpareceu em sua voz. Qualquer que fosse o valor dessa promessa, MacGregor sabia que tinha uma espécie de protetor. Não faria mal, decidiu, acompanhá-los até a porta. Dali retornou ao seu escritório.
— Então tudo está estabilizado — disse o funcionário público depois de ouvir o relatório do médico.
— Correto.
— Os funcionários já foram checados?
— Sim, e refaremos os exames amanhã, para ter certeza. As duas salas de pacientes serão desinfetadas completamente hoje. Todos os Itens contaminados serão queimados imediatamente.
— O corpo?
— Já foi ensacado para ser queimado, conforme suas ordens.
— Excelente, Dr. MacGregor, agiu muito bem. Agradeço por isso. Agora podemos esquecer que este incidente infeliz aconteceu.
— Mas como será que o Ebola chegou aqui? — perguntou MacGregor em tom pensativo, que era o máximo que podia fazer.
O funcionário público não sabia, e falou com confiança: — Isso não diz respeito nem a você nem a mim. E não acontecerá de novo.
Disso tenho certeza.
— Tudo bem — disse o médico.
Depois de mais algumas palavras, MacGregor desligou o telefone e fitou a parede. Mais um fax para o CDC, decidiu. O governo não podia se opor a isso.
Ele tinha de contar-lhes que a epidemia estava terminada. E isso também era um alívio. Seria bom voltar a praticar medicina normal, enfrentando doenças que poderia derrotar.
O Kuwait acabou sendo bem mais realista que a Arábia Saudita em sua avaliação sobre a substância da reunião, talvez porque o governo fosse na verdade um negócio de família, e sua propriedade ficasse situada num bairro muito perigoso. Adler entregou a transcrição. O presidente correu os olhos pelo texto.
— Em outras palavras, o que ele disse foi: Caiam fora!
— Exato — concordou o secretário de Estado.
— Ou o ministro das Relações Exteriores Sabah cortou toda a parte política, ou o que ele ouviu o assustou. Aposto na hipótese número dois — decidiu Bert Vasco.
— Ben? — perguntou Jack.
O Dr. Goodley balançou a cabeça.
— Talvez estejamos com um problema nas mãos.
— Talvez ? — perguntou Vasco. — Isto vai muito além de talvez .
— Certo, Bert, você é o campeão em prognósticos para o Golfo Pérsico — observou o presidente. — Que tal mais uma previsão?
— A cultura deles é baseada na barganha. Eles possuem rituais verbais complicados para reuniões importantes. Oi, como vai? pode levar uma hora. Se vamos acreditar que esse tipo de coisas não ocorreu, sua ausência passa uma mensagem clara. Você descobriu a mensagem, presidente: Caiam fora.
Embora fosse interessante, pensou Vasco, que tivessem começado o encontro rezando juntos. Talvez esse fosse um sinal que significasse alguma coisa para os sauditas e não para os kuwaitianos? Mesmo ele não conhecia todos os aspectos da cultura local.
— Então por que os sauditas estão tentando se manter tão calmos?
— Você não me disse que o príncipe Ali lhe passou outra impressão? Ryan assentiu.
— Isso mesmo. Prossiga.
— O reino é um pouco esquizofrênico. Eles gostam da gente, e confiam em nós como parceiros estratégicos. Por outro lado, também não gostam de nós e desconfiam de nossa cultura. Eles são muito mais conservadores que nós naquilo que chamamos questões sociais. Por exemplo, quando nosso Exército esteve lá em 91, eles pediram aos capelães que removessem a insígnia religiosa de seus uniformes, e quando viram mulheres guiando carros e carregando armas, ficaram malucos. Assim, por um lado eles dependem de nós para garantirmos sua segurança... o Príncipe Ali sempre lhe pergunta sobre isso, certo?... mas por outro se preocupam que baguncemos seu país enquanto o protegemos. O problema sempre retorna para a religião. Eles provavelmente prefeririam fazer um acordo com Daryaei do que em nos convidar novamente para guardarmos sua fronteira. Assim, seu governo fará o máximo para impedir que isso aconteça. Quanto ao Kuwait, a história é diferente. Se nós pedirmos permissão para fazer um exercício de tropas em seu território, eles dirão sim rapidinho, mesmo se os sauditas lhes pedirem que não o façam. Daryaei sabe disso, e ele não pode se mover tão rápido. Se ele começar a se mover para o sul...
— A Agência irá nos avisar — disse Goodley com confiança. — Sabemos o que estamos procurando, e ele não são sofisticados o bastante para ocultar isso.
— Se colocarmos tropas no Kuwait agora, isso será considerado um ato de agressão — alertou Adler. — Talvez seja melhor nos encontrarmos primeiro com Daryaei e sondá-lo.
— É bom darmos o sinal certo para ele — observou Vasco.
— Oh, não cometeremos esse erro, e acho que ele sabe que a situação dos países do Golfo é um assunto de prioridade máxima para nós. Nada de sinais enganosos desta vez.
A embaixadora April Glaspie fora acusada de passar um sinal enganoso para Saddam Hussein no verão de 1990 — mas ela havia negado o relato de Hussein, e ele não era uma fonte de informação realmente confiável. Talvez tivesse sido uma nuance linguística. Contudo, o mais provável era que ele tivesse escutado exatamente o que queria ouvir e não exatamente o que havia sido dito, hábito compartilhado frequentemente por chefes de Estado e crianças.
— Quanto tempo levará para fazer os preparativos? — perguntou o presidente.
— Será rápido — replicou o secretário de Estado.
— Faça — ordenou Ryan. — Velocidade máxima. Ben?
— Sim, senhor?
— Já conversei com Robby Jackson. Estabeleça com ele um plano para destacar Uma força de segurança modesta para lá rapidamente. O suficiente para mostrar que estamos interessados, mas não exagerado demais para provocá-los. Vamos também telefonar para o Kuwait e dizer a eles que estamos aqui caso precisem de nossa ajuda, e que nós podemos deslocar forças para seu país, se desejarem. Quem está preparado para isso?
— A 24ª Mecanizada, Forte Stewart, Geórgia. Já chequei — disse Goodley, orgulhoso de si. — Sua segunda brigada está em estado de alerta agora. Há também uma Brigada do 82° em Forte Bragg. Com o equipamento estocado no Kuwait, podemos estar prontos para o que der e vier em 48 horas. Também aconselho aumentar o estado de prontidão das naus de pré-posicionamento marítimo em Diego Garcia. Podemos fazer isso discretamente.
— Belo trabalho, Ben. Ligue para o secretário de Defesa e diga-lhe que quero isso feito... de mansinho.
— Sim, presidente.
— Direi a Daryaei que estamos oferecendo a mão da ajuda para a União Republicana Islâmica — disse Adler. — Direi também que temos um compromisso com a paz e a estabilidade naquela região, e que isso significa integridade territorial. Estou louco para saber o que ele vai dizer.
Olhos voltaram-se para Bert Vasco, que estava começando a amaldiçoar seu novo status de gênio de plantão.
— Talvez ele só tenha desejado balançar a sua jaula. Não acho que ele queira balançar a nossa.
— Essa é a primeira vez que você fica em cima do muro — observou Ryan.
— Não tenho informações suficientes — replicou Vasco. — Não acho que ele queira estabelecer um conflito conosco. Isso já aconteceu uma vez, e o resultado para eles foi negativo. Sim, ele não gosta dos sauditas nem de nenhum dos outros Estados. Mas, não, ele não quer nos enfrentar. Talvez ele pudesse acabar com todos eles. Essa é uma questão militar, e sou apenas um especialista de área. Mas acredito que ele não o fará, não com a gente no jogo, e ele sabe disso. Há pressão política no Kuwait e no reino, claro. Fora isso, não vejo muito motivo para nos preocuparmos.
— Ainda — acresceu o presidente.
— Sim, senhor. Ainda — concordou Vasco.
— E estou me apoiando em você com muita força, Bert?
— Não tem problema, presidente. Pelo menos o senhor me escuta. Não custaria nada gerarmos uma SNIE sobre as capacidades e intenções da URI.
Preciso de acesso mais amplo ao que for gerado pela comunidade de informação.
Jack virou-se.
— Ben, a SNIE está ordenada. Bert está na equipe com acesso pleno, por ordem minha. Sabem de uma coisa, rapazes? — acrescentou o presidente com um sorriso, procurando dissolver a tensão da reunião. — Dar ordens pode ser divertido! Estamos com um problema potencial, mas ainda não é um chute no saco, correto? — Acenos de cabeça. — Muito bem. Obrigado, cavalheiros.
Ficaremos com os olhos bem abertos.
O voo 26 da Singapore Airlines pousou cinco minutos depois, chegando ao terminal às 10:25 da manhã. Os passageiros da primeira classe, tendo desfrutado de poltronas mais amplas e macias, agora gozavam de acesso mais rápido à série de torturas burocráticas às quais os EUA submetem seus visitantes. O viajante recuperou sua mala na esteira rolante e com a bolsa de viagem pendurada no outro ombro, entrou o Special National Intelligencc Eatimate: Estimativa Especial do Serviço Nacional de Informação. (N. do T.) numa fila segurando o visto de entrada, que nada declarava de interessante para o governo dos Estados Unidos. A verdade não os teria agradado, — Olá — disse o inspetor, pegando o visto e olhando-o. Em seguida, pediu o passaporte. Parecia um passaporte velho, suas páginas cobertas por selos de entrada e saída. Ele achou uma página vazia e preparou-se para fazer uma nova marca. — O propósito de sua visita aos Estados Unidos?
— Negócios — respondeu o viajante. — Estou aqui para comparecer à feira automobilística no Javits Center.
— Sei. — O inspetor mal ouviu a resposta. O selo foi colocado e o visitante seguiu para outra fila. Ali suas bagagens foram submetidas a raios X em vez de abertas. — Algo a declarar?
— Não — as respostas simples eram as melhores. Outro inspetor olhou para a imagem da mala no monitor e não viu nada interessante. O inspetor fez um gesto para que o viajante seguisse em frente. O viajante pegou suas malas na esteira e caminhou até o ponto de táxi.
Surpreendente, pensou, encontrando um local em outra fila, chegou a um táxi em menos de cinco minutos. Sua primeira preocupação, ser flagrado na alfândega, pertencia ao passado. Quanto à preocupação seguinte, precisava evitar entrar num táxi que porventura tivesse sido selecionado para ele. Para impedir isso, atrapalhou-se com as malas e deixou uma mulher embarcar em seu lugar. Entrou no táxi seguinte. Acomodou-se em sua poltrona e agiu como se estivesse olhando em torno, quando na verdade estava procurando ver se algum carro o estava seguindo até a cidade. O tráfego antes do almoço estava tão denso que isso mal parecia possível, principalmente considerando que ele estava num dos milhares de veículos amarelos entrando e saindo do tráfego como gado num estouro de boiada. A única má notícia foi que seu hotel ficava distante do centro de convenções, de modo que ele precisaria pegar outro táxi.
Bem, isso não poderia ser evitado, e, de qualquer modo, ele precisaria registrar-se primeiro.
Mais trinta minutos e estava no hotel, subindo no elevador para o sexto andar, um mensageiro atencioso carregando sua mala enquanto continuava segurando a bolsa de viagem. Deu uma gorjeta de dois dólares ao mensageiro — ele fora instruído sobre a gorjeta; era melhor dar uma gorjeta modesta do que ser lembrado como alguém que dava gorjetas gordas demais ou simplesmente não dava. O mensageiro aceitou o dinheiro com gratidão, mas não muita. Com suas tarefas de entrada completadas, o viajante retirou seus ternos e camisas, também removendo objetos diversos da bolsa de viagem. O conjunto de barbear ele deixou, usando o fornecido pelo hotel para fazer a barba depois de um banho rápido. Apesar da tensão, estava surpreso com o quanto se sentia bem.
Ele lutava em missão há... quanto tempo? Vinte e duas horas? Alguma coisa assim. Mas ele dormira bastante, e não ficava ansioso em viajar de avião, como acontecia com muitos. Requisitou almoço ao serviço de quarto. Depois vestiu-se e, colocando a bolsa de viagem a tiracolo, desceu e pegou um táxi para o Javits Center. A feira automobilística, pensou que sempre gostara de carros.
Atrás dele em tempo e espaço, mais 19 outros ainda estavam no ar. Alguns estavam apenas pousando primeiro em Boston, então mais em Nova York, e um em Dulles para passarem também pela alfândega, testando seu conhecimento e sua sorte contra o Grande Satã, ou qualquer outra alcunha que Daryaei usasse para se referir ao seu inimigo coletivo. Satã, afinal de contas, tinha grandes poderes e era merecedor de respeito. Satã podia fitar os olhos de um homem e ver seus pensamentos, quase como o próprio Alá. Não, esses americanos eram funcionários, e apenas constituiriam perigo se percebessem alguma coisa.
— Vocês precisam aprender a ler as pessoas — disse Clark a eles. Era uma boa turma. Ao contrário das pessoas numa escola convencional, todos queriam aprender. Isso quase o levava de volta aos bons e velhos tempos aqui na Fazenda, no auge da Guerra Fria, quando todos queriam ser como James Bond e realmente acreditavam um pouco que poderiam, apesar de tudo que seus instrutores diziam. A maioria de seus colegas de classe tinha se formado recentemente, sendo bem educados pelo livro, mas não ainda pela vida. A maioria aprendera bem. Alguns não haviam aprendido, e uma nota baixa no campo podia significar mais do que uma marca vermelha num livro azul. Sua decisão em ingressar nesse mundo havia sido menos dramática do que era mostrado nos filmes; apenas a percepção de que era hora para uma mudança de carreira. Clark tinha esperanças mais elevadas para este grupo. Talvez eles não fossem formados em História em Dartmouth ou Brown, mas tinham estudado alguma coisa, em algum lugar, e depois haviam aprendido mais nas ruas de algumas cidades grandes. Talvez eles até soubessem que tudo que tinham aprendido seria importante para eles algum dia.
— Eles mentirão para nós? Os nossos agentes, quero dizer?
— Sr. Stone, você é de Pittsburgh, não é?
— Sim, senhor.
— Você trabalhou com informantes nas ruas. Eles mentiram para você?
— Algumas vezes — admitiu Stone.
— Aí está a sua resposta. Eles mentirão sobre sua importância, sobre o perigo em que estão envolvidos. Eles mentirão sobre praticamente tudo, dependendo de como estiverem se sentindo no dia. Vocês precisam conhecê-los e a seus estados de espírito. Stone, você percebia quando os seus informantes contavam histórias de pescador?
— Na maioria das vezes.
— Como você sabia? — perguntou Clark.
— Sempre que eles pareciam saber um pouco demais, sempre que a coisa não se encaixava...
— Sabem de uma coisa? — observou o instrutor com um sorriso. — Vocês são tão espertos que às vezes me pergunto o que estou fazendo aqui. Tudo se resume a conhecer as pessoas. Em suas carreiras na CIA, vocês sempre irão esbarrar em pessoas que acham que podem descobrir tudo lá de cima: o satélite sabe tudo e conta tudo. Não é exatamente assim. — Clark fez uma pausa antes de prosseguir: — Os satélites podem ser enganados, e isso é mais fácil de fazer do que as pessoas gostam de admitir. As pessoas também têm fraquezas, e uma delas é o ego. Entendam: não há nada mais eficiente que fitá-los em seus olhos.
Mas a coisa boa sobre agentes de campo é que até mesmo suas mentiras revelarão um pouco da verdade para vocês. Exemplo: Moscou, Kutuzovkiy Prospyekt, 1983. Esse agente nós tiramos de lá, e ele virá aqui semana que vem conversar com vocês. Ele passou uns maus bocados com seu chefe e...
Chavez apareceu na porta dos fundos e levantou um formulário de mensagem telefônica. Clark terminou a lição apressado e entregou a classe aos cuidados de seu assistente.
— O que é, Ding? — perguntou John.
— Mary Pat nos quer lá em D.C. rapidinho. Alguma coisa sobre uma SNIE.
— A União Republicana Islâmica, aposto.
— Nem vale a pena pedir esclarecimentos, Sr. C. — comentou Chavez. — Querem que cheguemos a tempo para o jantar. Quer que eu dirija?
Havia quatro naus de pré-posicionamento marítimo em Diego Garcia.
Eram embarcações relativamente novas, construídas sob encomenda para funcionar como garagens flutuantes para veículos militares. Um terço era composto por tanques, artilharia móveis e veículos blindados; o restante eram os trens, que eram veículos abastecidos com tudo, desde munições até ração e água. As naus eram pintadas em cinza, mas com frisos coloridos em torno de seus fumeiros, para designá-las como pertencentes à Frota da Reserva de Defesa. Eram tripuladas por marinheiros mercantes cujo trabalho era fazer sua manutenção. Isso não era muito difícil. Ocasionalmente eles desligavam os imensos motores diesel e velejavam por algumas horas, apenas para verificar se tudo estava funcionando. Esta noite eles receberam uma nova mensagem para aumentar seu estado de alerta.
Uma a uma, as tripulações da sala de motores desceram e acionaram os motores. Quantidades de combustível foram checadas com os registros escritos, testes foram feitos para assegurar que a embarcação estava preparada para navegar— motivo pelo qual eram mantidas com tanto carinho. Testar os motores não era anormal. Testa-los ao mesmo tempo era, e a coleção motores monstruosos gerou um campo térmico que seria evidente a detectores infravermelhos, especialmente à noite.
A informação chegou a Sergey Golovko trinta minutos depois de sua detecção e, como todos os chefes de informação no mundo inteiro, ele reuniu uma equipe de especialistas para discutir o assunto.
— Onde está o grupo de porta-aviões americano? — perguntou em primeiro lugar. Os EUA adoram espalhá-los pelos oceanos do mundo.
— Deixaram o atol ontem. Rumaram para leste.
— Afastando-se do Golfo Pérsico?
— Correto. Eles têm exercício marcado com a Austrália. Chamam de COPA SUL. Não temos informações que sugiram que o exercício está sendo cancelado.
— Então por que exercitam navios-transporte de tropas? O analista gesticulou.
— Poderia ser um exercício, mas a agitação no golfo sugere que não é.
— Nada em Washington? — indagou Golovko.
— Nosso amigo Ryan continua a navegar em mar bravio — reportou o chefe da seção política. — Vai mal.
— Ele sobreviverá?
— Nosso embaixador acredita que sim, e o residente concorda, mas nenhum deles acha que Ryan está firme no comando. É a confusão clássica. A América sempre se orgulhou de realizar com suavidade as transições de poder governamental, mas suas leis não preveem eventos como os que vimos. Ele não pode agir contra seu inimigo político...
— O que Kealty está fazendo é alta traição contra o Estado — observou Golovko. Na Rússia, a pena para traição sempre fora severa. Até mesmo uma simples citação tinha o poder de baixar a temperatura de uma sala.
— Não segundo a lei americana. Mas os meus peritos jurídicos disseram que a questão está tão confusa que não haverá um vencedor evidente. Nesse caso, Ryan permanecerá em comando devido à sua posição: ele chegou lá primeiro.
Golovko meneou a cabeça, mas sua expressão definitivamente não era feliz. O caso do Outubro Vermelho e as atividades de Gerasimov jamais deveriam ter alcançado o conhecimento público. Ele e seu governo sabiam sobre Gerasimov, mas apenas suspeitavam sobre o Outubro Vermelho. Na questão do submarino, a segurança americana fora soberba; então essa fora a carta que Ryan jogara para fazer Kolya desertar. Só podia ser. Visto agora, fazia todo sentido. Uma jogada e tanto. Exceto por uma coisa: isso tinha se tornado de conhecimento público também na Rússia, e ele agora estava proibido de contatar Ryan diretamente até que fosse determinada a conduta diplomática. A América estava fazendo alguma coisa. Ele não sabia ainda que coisa era essa, e em vez de telefonar para perguntar, e talvez até obter uma resposta honesta, teria de esperar que seus agentes de campo a discernissem por conta própria. O problema residia no dano causado ao governo americano, e no próprio hábito de Ryan, aprendido na CIA, de trabalhar com um número restrito de pessoas em vez de conduzir toda a burocracia como se fosse uma orquestra sinfônica. O instinto dizia-lhe que Ryan cooperaria; ele confiaria em seus ex-inimigos para agirem em interesse coletivo. Contudo, uma coisa o traidor Kealty havia conseguido — quem mais teria contado essas histórias à imprensa americana? — criar um impasse político. Política!
A política já fora o centro da vida de Golovko. Membro do partido desde os 18 anos, estudara Lenin e Marx com todo o fervor de um estudante de teologia. Embora com o tempo esse fervor tenha mudado para outra coisa, aquelas teorias lógicas mas inocentes moldaram sua vida adulta, até o momento em que evaporaram, deixando-lhe, pelo menos, uma profissão na qual se destacava. Ele fora capaz de racionalizar sua antiga antipatia com a América em termos históricos: duas grandes potências, duas grandes alianças. Duas filosofias diferentes atuando num uníssono perverso para criar o último grande conflito do mundo. O orgulho nacional ainda desejava que sua nação tivesse vencido, mas a Rodina não, e era assim. A parte importante da Guerra Fria estava acabada, e com ela o confronto mortal entre a América e o seu país.
Agora eles podiam reconhecer seus interesses comuns, e ocasionalmente agir em cooperação. Isso já havia acontecido. Ivan Emmetovich Ryan procurara-o para pedir-lhe ajuda no conflito americano com o Japão e juntos os dois países haviam alcançado um objetivo vital... uma coisa ainda secreta. Por que diabos, pensou Golovko, o traidor Kealty não revelara esse segredo em vez dos outros?
Mas, não, agora o seu país estava constrangido, e embora essa notícia tivesse dado à mídia recém-libertada um dia cheio quanto o que os americanos haviam tido — ou ainda mais —, ele estava incapacitado de dar um simples telefonema.
Aqueles navios estavam girando seus motores por algum motivo. Ryan estava fazendo algo ou pensando em fazer, e em vez de simplesmente perguntar, ele teria de ser novamente um espião, trabalhando contra outro espião em vez de trabalhar com um aliado. Bem, ele não tinha escolha.
— Forme um grupo especial de estudo para o Golfo Pérsico. Junte tudo que tivermos o mais depressa possível. A América terá de reagir de alguma forma à situação em desenvolvimento. Em primeiro lugar, precisamos determinar o que está acontecendo. Em segundo lugar, o que a América provavelmente sabe. Em terceiro, o que a América fará. Aquele general, G.I. Bondarenko... envolva-o nisto. Ele acaba de passar algum tempo entre os militares americanos.
— Imediatamente, camarada diretor — replicou seu subalterno imediato, retirando-se para cumprir as ordens. Pelo menos isso não tinha mudado!
As condições, pensou, eram excelentes. Nem quente demais, nem frio demais. O Javits Center ficava perto do rio, e isso gerava uma umidade local relativamente alta, o que também era muito bom. Ele estaria num ambiente fechado, e portanto não teria de se preocupar com a radiação ultravioleta danificando o conteúdo de seu recipiente. Quanto ao resto, a teoria do que estava fazendo não era do seu interesse; ele fora instruído brevemente sobre o assunto e iria fazer exatamente o que lhe fora ordenado. Se ia funcionar ou não... bem, isso estava nas mãos de Alá, não estava? O viajante saiu de seu táxi e entrou. -Jamais vira um prédio tão espaçoso, e sentiu certa desorientação depois de pegar seu crachá de visitante e o programa, que mostrava um mapa do interior. No programa havia um índice com a localização de todas as exibições. Com um sorriso matreiro decidiu que duas horas para cumprir seu objetivo e passaria algum tempo olhando os carros, exatamente como todo mundo.
Havia muitos deles, reluzentes como joias, alguns em plataformas giratórias para ser apreciados por quem tivesse preguiça de caminhar ao seu redor; muitos com mulheres seminuas ao lado, gesticulando para os espectadores como se estivessem convidando-os a ter relações sexuais com elas. Embora o que estivesse sendo realmente exposto fossem os automóveis, algumas mulheres eram promissoras, pensou o viajante, observando Olhou os rostos enquanto procurava disfarçar o interesse. Intelectualmente, ele sabia que a América fazia milhões de carros, e em quase todas as formas e cores. Parecia um desperdício imenso — o que era um carro, afinal, se não um método de mover pessoas de um lugar para o outro? E uma vez que com o uso eles ficavam danificados e sujos, esta exibição era uma mentira, mostrando-os como seriam por menos tempo do que o comprador levaria para chegar à sua casa — mesmo nos EUA, como ele vira no percurso desde do hotel.
Mesmo assim, foi uma experiência agradável. Ele havia imaginado a feira como um lugar de compras, mas este não era o tipo de lugar que ele associava ao processo, não um beco repleto de lojas pequenas operadas por mercadores para os quais barganhar era tão importante quanto respirar. Não, na América era diferente. Aqui prostituíam mulheres para vender coisas por um preço predeterminado. Não que ele fosse pessoalmente contra esse tipo de uso das mulheres; o viajante não era casado e tinha os desejos carnais usuais, mas proclamar isso desta forma ofendia o recato de sua cultura, e embora ele nunca desviasse os olhos das mulheres paradas ao lado dos carros, estava satisfeito por nenhuma delas pertencer à sua parte do mundo.
Todas as marcas e modelos. O Cadillac tinha um estande imenso na seção da General Motors. A Ford tinha outra área particular para todos os seus produtos. Ele atravessou a seção da Chrysler, e seguiu até os fabricantes estrangeiros. Logo percebeu que a seção japonesa estava sendo evitada, indubitavelmente como resultado do conflito americano com esse país — embora muitos dos modelos ostentassem cartazes proclamando FEITO NA AMÉRICA POR AMERICANOS!, em letras de três metros para ser lidas pelos poucos que se dessem ao trabalho. Toyota, Nissan e as outras marcas japonesas teriam um ano ruim, até mesmo a Cressida, a despeito de onde seus modelos fossem montados. Era possível prever isso pela falta de pessoas na área e, ao perceber, seu interesse em carros asiáticos morreu. Não, decidiu o viajante, não nesta região.
Os carros europeus estavam lucrando com a desgraça do Japão, percebeu o viajante. A Mercedes, em particular, estava atraindo uma multidão, especialmente um modelo novo de seu carro esportivo mais caro, pintado num preto profundo e lustroso que refletia as luzes do teto como um pedaço de céu limpo do deserto. Ao longo do caminho, o viajante recebeu dos representantes de cada marca um livreto ilustrado. Enfiou os livretos em sua bolsa de viagem para dar a entender que era exatamente como todos os outros visitantes.
Encontrou uma praça de alimentação e comprou algo para comer, um cachorro-quente, e ele não se preocupou se a salsicha era de porco ou não; a América não era um país islâmico, afinal de contas, e ali ele não precisava se preocupar com essas coisas. Ele passou boa parte do tempo observando os veículos para todos os tipos de terreno, perguntando-se se eles sobreviveriam às estradas primitivas do Líbano e do Irã, e decidindo que provavelmente iriam. Um deles era baseado num tipo militar que ele já vira, e se tivesse de fazer uma escolha, teria sido por aquele, amplo e poderoso. Pegou todo o pacote publicitário para esse e apoiou-se num poste para ler. Carros esportivos eram para afetados. Este tinha substância. Que pena que ele jamais teria um. Verificou as horas. Começo da noite. Mais visitantes estavam chegando, vindo de seus trabalhos para passar a noite alimentando suas fantasias. Perfeito.
Ao longo do caminho ele notara o sistema de ar-condicionado. O ideal seria alojar a sua lata no próprio sistema, mas também tinha sido instruído sobre isso. A epidemia de doença dos Legionários que houvera anos atrás na Filadélfia ensinara aos americanos sobre a necessidade de manter esses sistemas limpos; eles costumavam usar cloro para tratar a água condensada que umedecia o ar circulante, e o cloro mataria o vírus com a mesma precisão que uma bala mataria um homem. Procurando pelo livreto colorido, notou os respiradouros circulares enormes. Ar frio descia dos respiradouros e se espalhava invisível pelo assoalho. Ao ser aquecido pelos corpos na sala, o ar quente subiria de volta para os retornos e através do sistema para resinar — e ser um pouco desinfetado. Portanto, ele precisava escolher um local onde o fluxo de ar seria seu aliado, não seu inimigo. Pensou sobre isso, parado como um comprador de carro interessado. Começou a caminhar mais, passando debaixo de alguns respiradouros, sentindo a brisa suave e fria cm sua pele, avaliando uma e outra e procurando um lugar adequado para deixar sua lata. O local era muito importante. O período de borrifo duraria cerca de 15 segundos. Haveria um som sibilante — provavelmente perdido em meio ao ruído do prédio apinhado de gente — e uma névoa. A névoa ficaria invisível em apenas alguns segundos; o material dispersado era muito pequeno, e sendo tão denso quanto o ar circundante, se tornaria parte da atmosfera ambiente e se espalharia aleatoriamente por pelo menos trinta minutos, talvez mais, dependendo da eficácia dos sistemas ambientais no centro. Ele queria expor o máximo de pessoas possível. Consciente desses parâmetros, voltou a caminhar.
Ajudava o fato de que, por mais vasta que fosse, a feira automobilística não preenchia todo o Javits Center. Cada exibição era construída de partes pré-fabricadas como as de um prédio comercial, e por trás de muitas delas havia faixas amplas de pano, como bandeiras verticais, cujo único propósito era quebrar a linha de visão para as porções vazias do prédio. Elas eram facilmente acessíveis, percebeu o viajante. Não havia cercas de proteção. Era possível passar por trás dessas faixas e contornar uma exibição. Ele viu algumas pessoas realizando pequenas reuniões ali, e alguns funcionários de manutenção em trânsito, e mais ninguém. Os funcionários de manutenção eram um problema potencial.
Seria inútil se a lata fosse recolhida antes de borrifar seu conteúdo. Mas essas pessoas estariam em rotinas regulares, não estariam? Era apenas uma questão de discernir os padrões de seu movimento. Claro. Assim, pensou, onde seria o melhor local? A feira permaneceria aberta ainda por muitas horas. Ele queria escolher um lugar e momento perfeitos, mas fora instruído para não se preocupar muito com isso. Seguiu o conselho ao pé da letra. Era melhor agir de forma segura. Era essa sua missão básica.
A entrada principal é... ali. Pessoas entravam e saíam através do mesmo lado do prédio. As saídas de emergência ficavam em toda parte, todas elas marcadas apropriadamente, mas com alarmes sonoros nelas. Na entrada havia uma fileira de respiradouros de ar-condicionado formando uma espécie de barreira térmica, e os retornos ficavam principalmente no centro do salão de exibição. Assim, o fluxo de ar era designado para se mover para dentro a partir da periferia... e todos precisavam entrar e sair da mesma forma — como fazer isso funcionar ao seu favor? Havia uma fileira de salas de descanso ao lado, com tráfego regular de entrada e saída — perigoso demais; alguém poderia ver a lata, pegá-la e jogá-la numa lata de lixo. Caminhou até o outro lado, folheando seu programa enquanto fazia isso, esbarrando em pessoas e se vendo novamente na beira do setor da General Motors. Depois dela ficavam as seções da Mercedes e da BMW, todas no caminho para os retornos, e ali havia um monte de gente em todas as três áreas; além de tudo, o fluxo de ar para baixo escoaria por parte da entrada saída. As bandeiras verdes bloqueavam a visão da parede, mas havia espaço debaixo delas, área aberta... parcialmente ocultas da vista. Aquele era o lugar. Prosseguiu caminhando, checando o relógio e então o programa para saber os horários das demonstrações. O programa ele enfiou na bolsa de viagem, enquanto sua outra mão corria o zíper do conjunto de barbear.
Circulou mais uma vez, procurando por outro lugar semelhante. Achou um, mas não era tão bom quanto o primeiro. Verificou uma última vez para ver se alguém o seguia. Não, ninguém sabia que ele estava ali, e ele não anunciaria sua presença ou sua missão com uma rajada de tiros de AK-47 ou com a explosão de uma granada. Havia mais de uma forma de ser um terrorista, e ele lamentou por não ter descoberto esta antes. Como ele teria gostado de alojar uma lata como esta num teatro em Jerusalém... mas, não, o momento para isso viria mais tarde, talvez, depois que o maior inimigo de sua cultura estivesse aleijado. Agora ele olhou para os rostos, esses americanos que odiavam tanto a ele e ao seu povo. Vagando em todas as direções, como gado, sem nenhum propósito definido. E então chegou o momento.
O viajante agachou-se atrás de uma exibição, extraiu a lata e deitou-a ao seu lado no piso de concreto. Estava munida de pesos para rolar até a posição apropriada, e, deitada de lado, seria mais difícil de ser vista. Feito isso, pressionou o marcador de tempo mecânico simples e se afastou, caminhando de volta para a área de exibição, dobrando à esquerda para deixar o prédio. Estava num táxi em cinco minutos, voltando para o hotel. Antes de chegar ao seu destino, o marcador de tempo liberou a válvula, e por 15 segundos a lata esvaziou seu conteúdo no ar. O ruído se perdeu em meio à cacofonia da multidão. A nuvem de vapor dispersou-se antes de poder ser vista.
Em Atlanta, era a feira de barcos de corrida. Cerca de metade das pessoas ali estava considerando seriamente comprar um barco, neste ano ou em algum outro. O restante estava apenas sonhando. Que sonhem, pensou este viajante ao sair.
Em Orlando, eram veículos recreativos. Ali foi particularmente fácil. Um viajante olhou por baixo de um Winnebago, como se para checar o chassi, fez a lata rolar ali e partiu.
No McCormick Center de Chicago, eram utensílios domésticos, um salão vasto, repleto de todos os tipos de mobílias e dispositivos, e de mulheres que os cobiçavam.
Em Houston, era uma das maiores feiras de cavalos dos EUA. Muitos deles eram árabes, como o viajante ficou surpreso em notar, e sussurrou uma oração para que a doença não ferisse essa criatura nobre, tão amada por Alá.
Em Phoenix era equipamento de golfe, um jogo do qual o viajante não conhecia nada, embora tivesse quilos de folhetos a respeito que poderia ler na viagem de volta. Encontrou uma sacola de golfe vazia, com um forro de plástico duro que ocultaria a lata, acionou o marcador de tempo e jogou-a dentro.
Em San Francisco, eram computadores, a feira mais apinhada de todas.
Havia mais de vinte mil pessoas no Moscone Convention Center, tantas que este viajante temeu não conseguir chegar ao pátio externo antes de a lata liberar seu conteúdo. Mas ele o fez, caminhando a passos largos até seu hotel, a quatro quarteirões dali, satisfeito por haver terminado seu trabalho.
A Loja de tapetes estava fechando quando Aref Raman entrou. O Sr.
Alahad trancou a porta da frente e desligou as luzes.
— Minhas instruções?
— Você não fará nada sem ordens diretas, mas é importante saber se será capaz de completar sua missão.
— Isso não é evidente? — indagou Raman com irritação. — Por que você acha...
— Tenho minhas instruções — disse Alahad em tom gentil.
— Sou capaz. Estou pronto — assegurou o assassino ao intermediário. A decisão fora tomada muitos anos antes, mas era agradável proferi-la em voz alta, para outra pessoa, aqui, agora.
— Saberá no momento apropriado. Isso será em breve.
— A situação política...
— Estamos cientes disso, e temos confiança em sua devoção. Vá em paz, Aref. Coisas grandes estão acontecendo. Não sei que coisas são essas, apenas que elas estão acontecendo, e que, no momento certo, o seu ato será a pincelada final da jihad sagrada. Mahmoud Haji manda suas saudações e suas preces.
— Obrigado.
Raman inclinou a cabeça em agradecimento à bênção distante mas poderosa. Havia muito tempo que ele não ouvia a voz do homem através de nada além de um televisor, e sempre que isso acontecia precisava afastar-se, para que os outros não vissem sua reação.
— Tem sido difícil para você — disse Alahad.
— Tem sido — assentiu Raman.
— Estará acabado em breve, meu jovem amigo. Venha até os fundos comigo. Tem tempo?
— Tenho.
— É hora de orarmos.
38
O Momento da Graça
— Não sou um especialista de área — objetou Clark. Ele já estivera no Irã.
Ed Foley já tinha uma resposta para isso: — Você já esteve lá, e acho que é você quem diz que não há substituto para mãos sujas e bom faro.
— Hoje mesmo ele estava falando isso para os garotos na Fazenda — reportou Ding com um olhar matreiro. — Bem, hoje foi sobre ler pessoas olhando em seus olhos, mas não é a mesma coisa. Bom olho, bom faro, bons sentidos.
Ele não tinha ido ao Irã, e eles não mandariam o Sr. C. sozinho, mandariam?
— Você vai, John — disse Mary Pat Foley, e como ela era a DDO, sua palavra era lei. — O secretário Adler deverá ir para lá muito em breve. Quero que você e Ding vão como observadores. Mantenham-no vivo, e sintam o cheiro do lugar. Quero que leiam como está a atmosfera nas ruas. E só isso.
Apenas um reconhecimento ligeiro.
Era o tipo de coisa que geralmente se fazia assistindo ao material da CNN, mas Mary Pat queria que um agente experiente tomasse o pulso do lugar.
Se havia uma maldição em ser um bom agente de treinamento, era que quando as pessoas que você treinava eram promovidas, elas lembravam de suas lições — e pior, de quem as ensinara. Clark lembrava de ambos os Foleys em suas turmas na Fazenda. Desde o começo ela tinha sido o cowboy — certo, a cowgirl — da dupla, com instintos brilhantes, habilidades fabulosas em cultura russa, e o tipo de dom para ler pessoas com mais profundidade que um psiquiatra... mas um pouco fraca no quesito cautela, confiando um pouco demais em sua carinha de bebê e em sua imitação de loura burra para mantê-la em segurança. Ed carecia de sua paixão, mas tinha a habilidade de formular o Grande Quadro, de fazer previsões quase sempre acertadas. Nenhum dos dois chegava perto da perfeição. Juntos eram uma obra de arte, e John se orgulhava de tê-los ensinado ao seu modo. Pelo menos na maior parte do tempo.
— Certo. Não temos nenhum recurso lá?
— Nada útil. Adler quer fitar Daryaei nos olhos e dizer-lhe quais são as regras. Vocês ficarão hospedados na embaixada francesa. A viagem é secreta.
VC-2 para Paris, transporte francês a partir dali. A intenção é entrar e sair depressa — explicou Mary Pat. — Mas quero que vocês passem uma ou duas horas caminhando por lá, apenas para sentir como estão as coisas, ver o preço do pão, como as pessoas se vestem... vocês conhecem a rotina.
— E teremos passaportes diplomáticos, para que ninguém nos incomode — acrescentou John. — Sim, já ouvi essa antes. Assim como todo mundo na embaixada em 1979, lembram?
— Adler é o secretário de Estado — recordou-o Ed.
— Acho que eles sabem disso — disse John. Também sabem que ele é judeu, não acrescentou.
O voo para Barstow, Califórnia, foi como os exercícios sempre começavam. Ônibus e caminhões subiram nos aviões, e as tropas desceram pelo percurso curto até a única estrada para o Centro Nacional de Treinamento. O general Diggs e o coronel Hamm observaram tudo de seu helicóptero estacionado enquanto os soldados formavam. Este grupo vinha da Guarda Nacional da Carolina do Norte, uma brigada reforçada. Não era sempre que a Guarda vinha a Forte Irwin, e esta supostamente seria especial. Como durante anos o estado elegera todos os principais senadores e deputados — bem, ao menos até recentemente —, os homens da Carolina recebiam os equipamentos melhores e mais modernos, e haviam tido uma brigada designada para uma das divisões blindadas do Exército. Com toda certeza, eles marchavam como soldados, e havia mais de um ano vinham sendo preparados por seus oficiais para este rodízio de treinamento. Tinham conseguido até mesmo colocar as mãos em combustível adicional, graças ao qual haviam treinado por algumas semanas extras. Agora os oficiais estavam formando seus homens em filas regulares antes de colocá-los no transporte, e a uma distância de quatrocentos metros, Diggs e Hamm puderam ver seus oficiais conversando com seus homens sob o barulho de uma aeronave pousando.
— Parecem orgulhosos, chefe — observou Hamm.
Ouviram um som distante, como uma companhia de tanques dizendo ao seu comandante que estavam prontos para chutar alguns traseiros. Uma equipe de jornalistas estava presente para imortalizar o evento para a TV local.
— Eles são orgulhosos — disse o general. — Soldados devem ser orgulhosos, coronel.
— Só está faltando uma coisa, senhor.
— E o que é, Al?
— Béééééééééé! — exprimiu o coronel Hamm em torno de seu charuto. — Ovelhas para o matadouro. — Os dois oficiais trocaram um olhar. A primeira missão do OpFor era tirar esse orgulho. A Divisão Blindada Corcel Negro jamais perdera um mero conflito simulado para alguma coisa que não fosse uma formação regular — e isso foram muito poucas vezes — E Hamm não planejava começar este mês. Dois batalhões de tanques Abrams, mais um de Bradleys, outro de artilharia, uma companhia de cavalaria e um batalhão de apoio de combate contra seus três esquadrões de Força de Oposição. Não era justo com os visitantes.
Estavam quase acabando. O trabalho mais irritante de todos era misturar o AmFo, que acabou se revelando um belo exercício muscular para os Montanheses. As proporções apropriadas do fertilizante (que era principalmente um composto químico baseado,em amônia) e o óleo diesel haviam sido aprendidas num livro. Ocorreu aos dois homens como era engraçado que as plantas gostassem de comer um explosivo tão mortal. O propulsor usado em cartuchos de artilharia também era baseado em amônia, e certa vez, na Alemanha depois da Primeira Guerra Mundial, uma fábrica de fertilizantes químicos para plantas explodira, levando junto a aldeia vizinha. A adição de óleo diesel era em parte para prover um elemento adicional de energia química, mas principalmente para funcionar como agente umedecedor, possibilitando à onda de choque interna propagar-se melhor dentro da massa de explosivo e apressar a detonação. Usaram um tubo grande para a mistura, e um remo, como o de uma canoa, para mexer a massa até que ela adquirisse a consistência apropriada (também haviam aprendido isso num livro). O resultado era uma grande bolha de gosma parecida com lama que se formava em formas semelhantes a tijolos. Esses eles levantavam com as próprias mãos.
Era sujo, fedorento e um pouco perigoso dentro do tambor do caminhão de cimento. Eles se revezavam em turnos para encher o tambor. A portinhola de acesso, projetada para admitir cimento semilíquido, tinha pouco mais de noventa centímetros de diâmetro. Holbrook adaptara um ventilador para soprar ar fresco para o interior do tambor, — porque a fumaça da mistura fresca de AmFo era desagradável e possivelmente perigosa — causava-lhe dores de cabeça, o que era mau sinal. Haviam trabalhado nisso por mais i de uma semana, mas quando o último tijolo foi alojado com os outros, o tambor estava cheio até três quartos de sua capacidade, o necessário para seus propósitos.
Cada camada fora disposta de forma um pouco regular, e os espaços vazios foram preenchidos com uma mistura que era mais líquida e tinha de ser transportada com balde, de modo que o corpo circular do tambor ficou tão cheio quanto seria possível com apenas dois homens solitários trabalhando. Se fosse possível ver através do aço, o resultado do trabalho pareceria um gráfico em forma de pizza, a parte não preenchida uma forma em “V” voltada para cima.
— Acho que com isso acabamos, Pete — decretou Ernie Brown. — Temos mais uns 45 quilos, mas...
— Nenhum lugar para colocar — concordou Holbrook, saindo do tambor.
Desceu a escada e os dois saíram para sentar no jardim e pegar um pouco de ar fresco. — . Puta que pariu, estou feliz por ter acabado essa parte!
— Pode repetir isso.
Brown enxugou o rosto e respirou fundo. Estava com a cabeça doendo tanto que teve a impressão de que seu rosto ia cair. Ficariam ali fora por um bom tempo, até expulsarem aquela fumaça maldita dos pulmões.
— Isso deve fazer muito mal para a gente — avaliou Pete.
— Com toda certeza vai fazer mal para alguém. Boa ideia as balas — acrescentou. Lá dentro havia oito tambores de óleo cheios delas, o que provavelmente era exagero, mas era melhor sobrar do que faltar.
— De que vale um bom sundae sem castanhas por cima? — perguntou Holbrook.
— Babaca! — disse Brown, rindo tão alto que quase caiu da cadeira. — Meu Deus, como minha cabeça dói!
A aprovação para a cooperação francesa no encontro chegou de Quai d Orsay com uma velocidade notável. A França tinha interesses diplomáticos com cada país fronteiriço ao Golfo, interesses que abrangiam relações comerciais que iam de tanques de guerra a remédios. Ao serem destacadas para a Guerra do Golfo, as tropas francesas viram-se enfrentando produtos franceses, mas esse tipo de coisa não era tão incomum. A aprovação da missão foi comunicada por telefone ao embaixador americano às nove da manhã; este passou um telex para Foggy Bottom em menos de cinco minutos, de onde foi levado ao secretário Adler enquanto ele ainda estava em sua cama. Os militares tinham feito outras notificações, sendo a primeira de todas para a 89ª Esquadrilha Militar na Base Aérea de Andrews.
Tirar o secretário de Estado da cidade com discrição nunca era a mais fácil das tarefas. As pessoas notavam quando políticos tão importantes se ausentavam, e isso certamente dava uma boa matéria de primeira página. Adler iria consultar-se com aliados europeus a respeito de várias questões. Os franceses eram muito mais competentes no controle de sua imprensa, tarefa que era, antes de mais nada, uma questão de escolher bem o momento de agir.
— Sim? — disse Clark, atendendo ao telefone em Marriott, perto de Langley.
— Será hoje — disse a voz.
Uma piscadela. Um meneio de cabeça.
— Ótimo. Certo, já fiz as malas.
Então rolou na cama para dormir mais um pouco. Pelo menos esta missão não exigiria uma reunião de instrução. Ficar de olho em Adler, dar um passeio, voltar para casa. Não havia realmente motivo para se preocupar demais com segurança. Se os iranianos — URIanos era uma expressão com a qual ainda não se habituara — quisessem fazer alguma coisa, dois homens com pistolas não seriam capazes de conseguir muita coisa além de entregar suas armas sem usá-las; além disso, a polícia local ou a segurança iraniana manteria as pessoas hostis afastadas. Ele estaria lá apenas por uma questão burocrática, porque isso era o tipo de coisa que se fazia.
— Estamos indo? — indagou Chavez da outra cama.
— Isso.
— Bueno.
Daryaei olhou seu relógio de mesa, subtraindo oito, nove e 11 horas, e se perguntando se algo saíra errado. O arrependimento era a maldição das pessoas em sua posição. Você tomava suas decisões e agia, e apenas depois disso se preocupava realmente, apesar de todo o planejamento investido. Não havia uma estrada dourada para o sucesso. Você adorava correr riscos, um fato nunca apreciado por aqueles que apenas pensavam em ser chefes de Estado.
Não, nada dera errado. Ele tinha recebido o embaixador francês, um infiel muito agradável que ralava a língua local com tamanha perfeição que Daryaei imaginou como se sairia lendo a poesia de seu país. E um homem cortês e reverente, que apresentara o pedido como se estivesse arranjando um casamento de aliança entre famílias, seu sorriso esperançoso também conduzindo os desejos de seu governo. Os americanos não teriam feito o pedido se não nutrissem certa cautela quanto ao povo e a missão do povo de Badrayn. Num caso como aquele, o encontro se daria em território neutro — a Suíça era sempre uma possibilidade — para contato informal mas direto. Neste caso, eles enviariam seu próprio ministro das Relações Exteriores para o local que consideravam um país inimigo... e um judeu ainda por cima! Contato amigável, troca amigável de visões, ofertas amigáveis de relações amigáveis, garantiu o francês. Ele certamente estava torcendo para que tudo corresse bem, e assim a França seria lembrada como a nação que fomentou uma nova amizade — bem, talvez um relacionamento de trabalho —, e se algo corresse mal, então seriam lembrados como o país que tentara promovera paz. Se Daryaei tivesse conhecimentos sobre balé, decerto teria usado essa arte como uma metáfora visual para o processo.
Que se danem os franceses, pensou. Se seu chefe guerreiro Martel não tivesse detido Abd-ar-Rahman em Poitiers, em 732, todo o mundo poderia ser... mas nem mesmo Alá podia mudar a História. Rahman perdera aquela baralha porque ele e seus homens haviam ficado gananciosos, afastando-se da pureza da Fé. Expostos às riquezas do Ocidente, tinham parado de lutar e começado a saquear, e dado às forças de Martel a chance de se reorganizar e contra-atacar.
Sim, essa era a lição para ser lembrada. Sempre havia tempo para saques.
Primeiro era preciso vencer a batalha. Primeiro era preciso destruir as forças do inimigo, e depois pegar o que se quisesse.
Saiu de seu escritório para a sala contígua. Na parede havia um mapa de seu novo país e seus vizinhos, e uma poltrona confortável da qual ele podia vê-lo. Olhar mapas induzia um erro comum. As distâncias eram trancadas. Tudo parecia perto demais, principalmente depois de tanto tempo desperdiçado de sua vida. Tudo parecia ao seu alcance. Nada poderia dar errado agora. Não com tudo tão perto.
Partir era muito mais fácil do que chegar. Como a maioria dos países ocidentais, os EUA preocupavam-se muito mais com aquilo que as pessoas poderiam estar trazendo do que com o que poderiam estar levando. E isso era sensato, pensou o primeiro viajante, enquanto seu passaporte era processado no JFK. Eram 7:05 da manhã, e o voo da Air France, um Concorde supersônico, estava à sua espera para levá-lo para casa Ele estava com uma coleção imensa de livretos sobre carros, e uma história inventada com cuidado para o caso de alguém perguntar sobre eles, mas seu disfarce não foi desafiado, nem mesmo examinado. Ele estava partindo, e isso era bom. O passaporte foi devidamente selado. Os agentes alfandegários nem mesmo perguntaram-lhe por que ele chegara num dia e partira no seguinte. Viagens de negócios são viagens de negócios. Além disso, era bem cedo, e nada importante acontecia antes das dez.
Na sala de espera da primeira classe da Air France serviram café, mas o viajante não aceitou. Apenas agora seu corpo começava a tremer.
Surpreendente como tudo fora tão fácil. Ao instruí-los sobre a missão, Badrayn dissera-lhes que seria tranquila, mas o viajante não acreditara, acostumado a lidar com a segurança israelense e sua miríade de soldados e armas. Toda a tensão que sentira — uma sensação de estar amarrado com uma corda —estava passando agora. Na noite anterior dormira mal no hotel; agora subiria no avião e dormiria durante toda a viagem. Quando retornasse a Teerã, riria e pediria a Badrayn outra missão como aquela. Ao passar pelo bufê, viu uma garrafa de champanhe e decidiu servir-se de uma taça. A bebida fazia-o espirrar e era proibida por sua religião, mas era a forma ocidental de celebrar, e ele tinha realmente um motivo para isso. Vinte minutos depois, seu voo foi anunciado e ele seguiu o corredor de embarque com os outros passageiros. Agora sua única preocupação era a desorientação causada pela diferença do fuso horário. O avião decolaria às oito da manhã e chegaria a Paris às 5:45 da tarde! Do café da manhã para o jantar sem nenhuma refeição no meio do dia. Bem, esse era o milagre das viagens modernas.
Dirigiram separadamente para Andrews, Adler em seu carro oficial, Clark e Chavez no carro pessoal desse último, e enquanto o secretário de Estado era autorizado a cruzar o portão, os agentes da CIA tiveram de mostrar suas identificações, o que pelo menos valeu-lhes uma continência do soldado da aeronáutica.
— Você realmente não gosta do lugar, não é? — perguntou o oficial menos graduado.
— Bem, Domingo, na época em que você estava andando de bicicleta com rodinhas, eu estava em Teerã com um disfarce muito fraco, vendo compatriotas sendo conduzidos vendados pelas ruas por um bando de garotos malucos com armas apontadas para eles, enquanto uma multidão gritava Morte à América .
Durante algum tempo, achei que eles iam ser encostados num paredão e fuzilados. Eu conhecia o chefe da estação. Merda, eu o reconheci. Ele passou por uns maus bocados.
Clark lembrou da sensação de estar parado a apenas 45 metros dos reféns, incapaz de fazer qualquer coisa...
— O que você estava fazendo?
— Na primeira vez, um reconhecimento rápido para a CIA. Na segunda, fui parte da missão de resgate que deu com os burros n água em Deserto Um. Na época todos dissemos que tínhamos dado azar, mas aquela operação realmente me assustou. Provavelmente foi melhor que tenha fracassado — concluiu John. — Pelo menos nós os tiramos vivos no fim.
— Então é isso. Lembranças ruins. Não gostou do lugar? Clark encolheu os ombros.
— Na verdade não. Nunca entendi aquela gente. Os sauditas eu entendo.
Gosto um bocado deles. Depois que você quebra o gelo, eles se tornam amigos seus para sempre. Algumas das regras são um pouco estranhas para nós, mas isso não é problema. É um pouco parecido com os velhos filmes, senso de honra e tudo mais, e muita hospitalidade, Em suma, tive muitas experiências boas lá. Mas não do outro lado do Golfo. Minha única recordação boa é de quando saí daquele lugar.
Ding estacionou seu carro. Os dois homens retiraram suas malas enquanto uma sargento vinha recebê-los.
— Indo para Paris, sargento — disse Clark, mostrando de novo a identificação.
— Cavalheiros, podem me acompanhar?
Ela gesticulou na direção do terminal VIP. O prédio baixo, de um só andar, tinha sido esvaziado. Scott Adler estava num dos sofás, lendo alguns jornais.
— Secretário?
Adler levantou os olhos.
— Deixe-me adivinhar, este é Clark, e este é Chavez.
— O senhor teria futuro no ramo da espionagem — disse John, sorrindo.
Trocaram apertos de mão.
— Bom dia, senhor — disse Chavez.
— Foley disse que com vocês minha vida estará em boas mãos — disse o secretário de Defesa.
— Exagero dele. — Clark caminhou alguns metros para pegar um croissant.
Seria tensão?, perguntou John a si mesmo. Ed e Mary Pat estavam certos. Esta seria uma operação de rotina, apenas entrar e sair. Oi, como vai você, coma merda e morra, tchau-tchau. E ele já estivera em situações bem piores do que Teerã em 1979-80 — não muitas, mas algumas. Olhou para o pão. Alguma coisa fizera aflorar aquela velha sensação, o arrepio em sua pele como se alguma coisa estivesse soprando seus pelos, a sensação que lhe dizia para olhar com atenção onde pisa.
— Ele também me disse que vocês estão na equipe da SNIE, e que devo ouvir o que têm a dizer—prosseguiu Adler. Ele, pelo menos, parecia relaxado, percebeu Clark.
— Os Foley e eu já nos conhecemos há um bom tempo — explicou John.
— Já esteve lá antes?
— Sim, secretário. — Clark acrescentou uma explicação de dois minutos que fez o secretário assentir, pensativo.
— Eu também. Fui um dos que os canadenses tiraram de fininho. Tinha chegado apenas uma semana antes. Estava caçando um apartamento quando eles tomaram a embaixada. Perdi toda a diversão — concluiu o secretário de Estado e acrescentou: — Graças a Deus.
— Então conhece um pouco o país? Adler balançou a cabeça.
— Não realmente. Algumas palavras da linguagem. Fui até lá para aprender sobre o lugar, mas não funcionou e fui colocado em outras áreas. Mas quero ouvir mais sobre sua experiência.
— Farei o que puder — disse-lhe John.
Um comandante jovem chegou para dizer que o voo já estava pronto. Um sargento pegou as bagagens de Adler.
Os oficiais da CIA carregaram suas próprias bagagens. Além de duas mudas de roupa, levavam seus coldres laterais —John preferia sua Smith & Wesson; Ding gostava da Beretta .40 — e câmeras compactas. Não dava para prever quando você veria algo útil.
Bob Holtzman tinha muita coisa em que pensar enquanto estava sentado sozinho em seu escritório. Era um ambiente clássico de trabalho para um jornalista: paredes de vidro, que possibilitavam o mínimo de privacidade acústica e também que ele visse o que acontecia na redação. Tudo de que realmente precisava era um cigarro, mas não era mais permitido fumar no Post, o que teria feito Ben Hecht morrer de rir.
Alguém tinha ajeitado as coisas para Tom Donner e John Plumber. Esse alguém só podia ser Kealty. A visão de Holtzman sobre Kealty era a exata imagem espelhada de seus sentimentos por Ryan. Considerava as ideias políticas de Kealty muito boas, progressistas e sensatas. Era apenas o homem em si que não prestava. Em outra época, sua galinhagem teria sido ignorada.
Washington era cheia de mulheres que sentiam pelo poder a mesma atração que as abelhas tinham pelo mel — ou que as moscas tinham por outra coisa. Essas mulheres deixavam-se ser usadas. A maioria saía de seus casos com os políticos mais tristes e sábias; na era do aborto fácil, as consequências mais permanentes pertenciam ao passado. Os políticos eram tão encantadores por natureza que a maioria das mulheres ia embora com um sorriso, sem perceber que tinham sido usadas. Mas algumas saíam magoadas, e Kealty magoara muitas. Uma mulher até mesmo se suicidara. A mulher de Bob, Libby Holtzman, trabalhara nessa matéria, apenas para vê-la ser perdida em meio à algazarra durante o breve conflito com o Japão, e nesse ínterim a imprensa decidira coletivamente que aquilo era notícia velha, e Kealty fora reabilitado na memória de todos. Até mesmo os grupos feministas tinham olhado para seu comportamento pessoal e, ao compará-lo com suas visões políticas, decidiram que elas pesavam mais na balança. As pessoas precisam ter alguns princípios, não precisam?
Mas esta era Washington.
Kealty havia contatado Donner e Plumber, e isso devia ter acontecido entre a entrevista pela manhã e a transmissão ao vivo à noite. E isso significava...
— Puta merda — praguejou Holtzman quando a lampadazinha acendeu sobre sua cabeça. Isso era notícia! Melhor ainda, era uma notícia que seu editor ia amar.
Donner dissera ao vivo na TV que a fita com a gravação que tinham feito fora danificada. Só podia ser mentira. Um jornalista que mentia diretamente para o público. Não havia muitas regras no mundo do jornalismo, e a maioria delas eram coisas amorfas que podiam ser deturpadas nu evitadas. Mas não essa. A mídia impressa e a eletrônica não se davam muito bem. Competiam pela mesma audiência, e a mais jovem das duas estava vencendo. Apenas a mais jovem?, perguntou-se Holtzman. A TV também era a mais atraente, e talvez uma imagem valesse por mil palavras, mas não quando os enquadramentos eram escolhidos tendo em vista mais o entretenimento que a informação. A TV era a mulher para a qual você olhava. A imprensa era a mulher com quem você casava e tinha filhos.
Mas como provar?
O que podia ser mais apetitoso? Ele poderia destruir aquele pavão, com seus ternos bem feitos, seu cabelo engomado. Ele poderia lançar uma sombra sobre todos os telejornais, e isso aumentaria a circulação! Ele poderia classificar tudo isso como uma cerimônia religiosa no altar da Integridade Jornalística. Arruinar carreiras fazia parte do negócio.
Ele jamais arruinara um colega jornalista, mas sentiu um prazer antecipado com o pensamento de expulsar esse aí do clube.
Mas e quanto a Plumber? Holtzman conhecia Plumber e o respeitava.
Plumber chegara à TV numa época diferente, quando a indústria estava tentando adquirir respeitabilidade, e contratava jornalistas tendo como base suas reputações profissionais, e não sua aparência de astro de cinema. Plumber tinha de saber. E ele provavelmente não ia gostar.
Ryan não tinha como não ver o embaixador colombiano. Era um diplomata de carreira vindo da aristocracia, vestido imaculadamente para encontrar-se com o chefe de Estado americano. O aperto de mão foi forte e cordial. Os galanteios usuais foram trocados diante do fotógrafo oficial e então chegou a hora de conversarem sobre negócios.
— Sr. Presidente — começou, formal —, fui instruído pelo meu governo a inquiri-lo sobre algumas alegações incomuns em sua mídia de massa.
Jack assentiu.
— Que vocês desejam saber?
— Foi reportado que há alguns anos o governo dos Estados Unidos pode ter invadido o meu país.
— Permita-me dizer que a minha administração não defenderá essa atitude sob nenhuma circunstância. Nisso o senhor tem a minha palavra pessoal, e confio no senhor para transmiti-la ao seu governo.
Ryan decidiu servir café ao homem. Ele aprendera que esses pequenos gestos pessoais eram poderosíssimos em acordos diplomáticos, por motivos que ele não conseguia compreender, mas estava disposto a aceitá-los quando funcionavam para ele. Funcionou desta vez, também, e quebrou a tensão do momento.
— Obrigado — disse o embaixador, levantando sua xícara.
— Acredito que é até mesmo café colombiano — disse o presidente.
— Infelizmente, não é o nosso produto de exportação mais famoso — admitiu Pedro Ochoa.
— Não os culpo por isso — disse Jack ao seu visitante.
— Oh?
— Sr. Embaixador, estou ciente de que seu país tem pagado um preço amargo pelos maus hábitos da América. Enquanto eu estava na CIA, precisava examinar todos os tipos de informações concernentes ao tráfico de drogas e os seus efeitos em sua parte do mundo. Não tomei parte na deflagração de nenhuma atividade imprópria em seu país, mas, sim, examinei muitos dados.
Estou ciente dos policiais que vêm sendo mortos... meu próprio pai foi policial, como o senhor sabe... e os juízes, e os jornalistas. Sei que a Colômbia vem trabalhando com mais fervor do que qualquer outro país em sua região para gerar um governo verdadeiramente democrático, e direi mais, senhor. Sinto vergonha de algumas coisas que têm sido ditas nesta cidade sobre o seu país. O problema das drogas não começa na Colômbia, no Equador ou no Peru. O problema das drogas começa aqui, e vocês são tão vítimas quanto nós... na verdade mais. E dinheiro americano que está envenenando o seu país. Não são vocês que estão nos ferindo. Somos nós que estamos ferindo vocês.
Ochoa esperara muitas coisas desta reunião, mas não isto. Pousou a xícara, e sua visão periférica subitamente reportou que estavam sozinhos na sala. Os guarda-costas haviam se retirado. Não havia nem mesmo um assistente fazendo anotações. Mais que isso, Ryan acabara de admitir que as histórias eram verdadeiras — pelo menos em parte.
— Presidente, não é sempre que temos ouvido palavras como essas do seu país — disse ele, num inglês aprendido em casa e polido em Princeton.
— Está ouvindo agora, senhor. — Dois pares de olhos cruzaram-se sobre a mesa. — Não criticarei o seu país, a não ser que o senhor mereça, e na base do que sei, essa crítica não é merecida. Diminuir o tráfico de drogas significa, acima de tudo, atacar a demanda, e essa será uma prioridade desta administração. No momento estamos esboçando uma legislação para punir os usuários de drogas, não apenas aqueles que as vendem. Quando o Congresso for devidamente restabelecido, pressionarei com força a aprovação dessa legislação. Também quero estabelecer um grupo de trabalho informal, composto de membros do meu governo e do seu, para discutirmos a melhor forma de ajudá-los na sua parte do problema; mas sempre com respeito absoluto por sua integridade nacional. A América nem sempre foi uma boa vizinha para vocês. Não posso mudar o passado, mas posso tentar mudar o futuro. Diga-me, o seu presidente aceitaria um convite para que possamos discutir o assunto pessoalmente? — Quero colocar fim nessa loucura de uma voz por todas.
— Acredito que ele veria favoravelmente um convite como esse, com a devida consideração para com o tempo e os outros deveres, é claro. — O que significava, com toda certeza que ele irá querer!
— Sim, senhor, eu mesmo estou aprendendo o quanto um trabalho como esse pode exigir de uma pessoa — disse Jack, acrescentando com um sorriso: — Talvez ele possa me dar alguns conselhos.
— Menos do que o senhor pensa — replicou o embaixador Ochoa.
Ochoa estava imaginando como explicaria este encontro ao seu governo.
Claramente, a oferta de um acordo estava na mesa. Ryan estava oferecendo o que só poderia ser visto na América do Sul como um elaborado pedido de desculpas por algo que jamais admitiria ter feito, e cuja revelação total prejudicaria todos os envolvidos. E, ainda assim, isto não estava sendo feito por questões políticas, estava? Estava?
— Presidente, quanto à sua proposta de legislação... o que o senhor pretende conseguir com ela?
— Estamos estudando isso agora. A maior parte das pessoas, acredito, usa drogas porque são divertidas; elas proporcionam fuga da realidade, ou como queira descrever a razão. De qualquer modo, proporcionam algum tipo de diversão pessoal. Nossas pesquisas sugerem que pelo menos metade das drogas que circulam no país são compradas por pessoas com propósitos recreativos, e não por indivíduos realmente viciados. Acho que podemos fazer com que o uso de drogas deixe de ser divertido. Como fazer isso?Através de algum tipo de punição por qualquer nível de posse ou intoxicação. Obviamente, não possuímos em nossas prisões espaço para todos os usuários de drogas, mas temos muitas ruas que precisam de limpeza. Para usuários com propósitos recreativos que sejam réus primários, trinta dias limpando as ruas e coletando o lixo de uma área economicamente atrasada, vestindo roupas chamativas. Isso, claro, tirará a maior parte da diversão de usar drogas. O senhor é católico, certo?
— Sou sim. Como o senhor. Ryan sorriu.
— Então já sentiu vergonha. Nós a conhecemos na escola, não é? Este projeto de lei é um ponto de partida, é tudo que temos no momento. As questões administrativas ainda precisam ser examinadas. A Justiça também está examinando algumas questões constitucionais, mas essas parecem ser menos problemáticas do que eu esperava. Quero que isto se torne lei até o final do ano.
Tenho três filhos, e o problema de drogas neste país me assusta muito no nível pessoal. Esta não é uma resposta perfeita ao problema. As pessoas realmente viciadas precisam de algum tipo de ajuda profissional, e agora estamos estudando programas locais de diversos estados em busca de coisas que funcionem de verdade... mas se pudermos eliminar o uso recreativo, isso significará o fim de pelo menos metade do negócio, e de onde eu venho, metade é um bom começo.
— Observaremos esse processo com grande interesse — prometeu o embaixador Ochoa.
Cortar a renda dos traficantes pela metade reduziria sua capacidade de comprar proteção, e ajudaria seu governo a fazer aquilo que ele vinha tentando com tanto afinco, porque o poder monetário do tráfico de drogas era um câncer político no corpo de seu país.
— Lamento as circunstâncias que ocasionaram este encontro, mas estou feliz por termos tido uma chance de discutir estas questões. Obrigado por ser tão direto, embaixador. Quero que o senhor saiba que sempre serei aberto a qualquer intercâmbio de visões. Acima de tudo, quero que o senhor e o seu governo saibam que tenho um grande respeito pela lei, e que esse respeito não se limita às fronteiras de minha nação. Não importa o que porventura tenha acontecido no passado; proponho um novo começo, e sustentarei minhas palavras com ação.
Os dois se levantaram. Ryan segurou novamente a mão do embaixador e conduziu-o até o pátio. Ali ficaram alguns minutos no Jardim Rosa diante de algumas câmeras de TV. O gabinete de imprensa da Casa Branca emitiria um press release sobre um encontro amigável entre os dois. As imagens seriam veiculadas nos telejornais para provar que o relato não era mentiroso.
— A primavera promete ser bonita — comentou Ochoa, reparando o céu limpo e a brisa quente.
— Mas os verões aqui podem ser muito desagradáveis. Diga-me, como é lá em Bogotá?
— Está fazendo calor agora. Nunca é quente demais, mas o sol pode ser inclemente. Este é um belo jardim. Minha esposa adora flores. Ela vai se tornar famosa — disse o embaixador. — Ela desenvolveu sua própria variedade nova de rosa. De algum modo, ela cruzou as variedades amarela e rosa e produziu uma flor de tom quase dourado.
— Como ela a batizou? — Todo o conhecimento de Ryan sobre rosas se restringia à necessidade de se tomar cuidado com os cabos, caules, ou como fosse chamada a parte espinhenta. Mas as câmeras estavam gravando.
— Em inglês, ela se chamaria Exibição da Alvorada . Ao que parece, já usaram todos os bons nomes de rosas — comentou Ochoa, um sorriso amigável.
— Será que poderíamos ter algumas neste jardim?
— Maria ficaria imensamente honrada, presidente.
— Então temos mais de um acordo, señor. — Outro aperto de mão.
Ochoa também conhecia o jogo. Para as câmeras, seu rosto latino resplandeceu no mais amigável dos sorrisos diplomáticos, mas o aperto de mão também teve calor genuíno.
— Exibição da Alvorada... para um dia realmente novo para todos nós, presidente.
— Tem a minha palavra.
Então saíram. Ryan caminhou de volta para a Ala Oeste. Arnie o estava esperando. Era amplamente conhecido, mas pouco admitido, que o Salão Oval tivesse, ocultos, mais microfones que um estúdio de gravação.
— Você está aprendendo. Está realmente aprendendo — observou o chefe de gabinete.
— Essa foi fácil, Arnie. Estamos fodendo essa gente há muito tempo. Tudo que precisei fazer foi dizer a verdade. Quero essa legislação em vigor o mais rápido possível. Quando o projeto de lei estará pronto?
— Dentro de umas duas semanas. Vai causar muito rebuliço — alertou.
— Não me importo — replicou o presidente. — Que tal tentar alguma coisa que surta resultados em vez de gastar todo o dinheiro em atitudes inúteis? Experimentamos derrubar aviões. Experimentamos assassinato. Experimentamos interdição. Experimentamos.... perseguir os traficantes. Exaurimos todas as possibilidades, e elas não funcionaram porque há muito dinheiro envolvido para que as pessoas desistam dele. Que tal irmos à raiz do problema para variar?
— Apenas estou dizendo que será difícil.
— E que coisa útil não é? — indagou Ryan, voltando para seu escritório. Em vez da porta direta pelo corredor, passou pela sala de secretariado. — Ellen? — disse o presidente, gesticulando para o Salão Oval.
— Estou corrompendo o senhor? — perguntou a Sra. Sumter, trazendo seus cigarros, sob os sorrisos mal disfarçados das outras damas na sala.
— Cathy poderia achar que sim, mas não vamos contar-lhe, vamos?
Na santidade de seu escritório, o presidente dos Estados Unidos acendeu um esquálido cigarro de mulher, celebrando com um vício o ataque a outro e, a propósito, o fato de ter neutralizado um terremoto diplomático.
Estranhamente, os últimos viajantes deixaram a América pelo aeroporto internacional de St. Paul, em Minneapolis, através de voos da Northwest e da KLM. Badrayn ainda suaria por muitas horas. No interesse da segurança, nenhum viajante recebera um número de telefone para ligar e proclamar seu sucesso, alertar sobre o fracasso, ou entregá-lo a seus captores, associando-o assim à URI com algo mais que suas próprias palavras. Em vez disso, Badrayn colocara homens a postos em todos os aeroportos de retorno com voos marcados. Quando os viajantes saltavam de seus voos na Europa e eram reconhecidos visualmente, então telefonemas eram feitos através de circuitos intrincados, a partir de aparelhos públicos, usando cartões telefônicos previamente pagos e anônimos.
O retorno bem-sucedido dos viajantes a Teerã iniciaria a operação seguinte. Sentado num escritório nessa cidade, Badrayn não tinha mais nada a fazer senão olhar para o relógio e ficar preocupado. Estava conectado à Internet através de seu computador; vinha lendo as páginas de notícias sem encontrar nada relevante. Nada estaria certo até que todos os viajantes tivessem retornado e feito seus relatórios individuais. E nem mesmo então, realmente. Levaria três ou quatro horas, talvez cinco, até que as linhas de e-mail do CDC começassem a gritar. Só então ele saberia.
39
O Momento da Confrontação
O voo sobre o lago foi agradável. O VC-20B era mais um miniavião de passageiros do que um jato comercial, e os tripulantes da Força Aérea, que para Clark pareciam ter idade suficiente apenas para tirar carteira de motorista, conduziram a aeronave com suavidade. O avião começou sua descida até a escuridão densa da noite europeia, finalmente aterrissando num campo de pouso militar a oeste de Paris.
Não houve uma cerimônia de chegada propriamente dita, mas Adler era um oficial de posto ministerial e precisava ser recebido, mesmo numa missão secreta. Neste caso, um oficial de alto nível — ainda que civil —, caminhou até a aeronave até os motores pararem. Adler reconheceu-o enquanto as escadas desciam.
— Claude!
— Scott. Congratulações sobre sua promoção, meu velho amigo! Em respeito aos costumes americanos, não foram trocados beijos.
Clark e Chavez olharam em torno, atentos para o menor sinal de perigo, mas tudo que viram foram militares franceses, ou talvez policiais — não era possível dizer daquela distância —, parados num círculo, com armas em evidência. Os europeus tinham um gosto por mostrar pessoas com metralhadoras, mesmo nas grandes cidades. E provavelmente surtia um efeito salutar sobre os assaltantes de rua, pensou John, que parecia um pouco excessivo. Em todo caso, não esperavam perigos especiais na França, e de fato não houve nenhum. Adler e seu amigo entraram num veículo oficial. Clark e Chavez entraram no carro de escolta. A tripulação de voo retirou-se em licença especial, o que, em linguagem da Força Aérea, significava uma folga para confraternizar com seus colegas franceses.
— Ficaremos na sala de espera durante alguns minutos, aguardando o avião ser preparado — explicou um coronel da Força Aérea francesa. — Vocês querem se refrescar?
— Merci, mon commandont — respondeu Ding. Sim, pensou, os franceses sabem fazer você se sentir seguro.
— Obrigado por nos ajudar a preparar isto — disse Adler ao amigo. Ambos haviam trabalhado juntos como funcionários do corpo diplomático, uma vez em Moscou e em Pretória. Ambos eram especializados em acordos delicados.
— Não foi nada, Scott.
De fato não havia sido, mas diplomatas falam como diplomatas, mesmo quando não precisam ser. Claude já o ajudara a superar um divórcio de uma forma tipicamente francesa, o tempo todo falando como se ambos estivessem fazendo negociações. Era quase uma piada entre os dois.
— Nosso embaixador reporta que ele será receptivo ao tipo certo de abordagem.
— E qual seria ela? — perguntou o secretário de Estado ao seu colega.
Chegaram ao que parecia ser o clube de oficiais da base, e um minuto depois estavam numa sala de jantar privada, com uma garrafa de Beaujolais sobre a mesa. — O que você acha de tudo isto, Claude? O que Daryaei quer?
O encolher de ombros era tão característico do jeito de ser francês quanto o vinho, que Claude serviu. Fizeram um brinde, e o vinho estava soberbo mesmo para os padrões do serviço diplomático francês. Então chegou a hora de trabalho.
— Não temos certeza. Temos pensado muito a respeito da morte do premiê turcomeno.
— Não ficaram preocupados com a morte de...
— Acho que ninguém tem dúvidas a respeito disso, Scott, mas também já era tempo disso acontecer, não concorda?
— Não exatamente. — Outro gole. — Claude, você ainda é a maior autoridade em vinhos que conheço. No que está pensando?
— Provavelmente em muitas coisas. Seus problemas domésticos... vocês americanos não se preocupam com eles tanto quanto deveriam. O povo de Daryaei está inquieto, um pouco menos agora que ele conquistou o Iraque, mas o problema ainda existe. Acreditamos que ele precisa consolidar-se antes de fazer qualquer outra coisa. Também achamos que o processo pode não render frutos. Estamos esperançosos, Scott. Estamos esperançosos de que os aspectos extremos do regime ficarão moderados com o tempo, provavelmente não muito tempo. É preciso. Não estamos mais no século VIII, nem mesmo naquela parte do mundo.
Adler dedicou alguns segundos a considerar isso. Meneou a cabeça, pensativo.
— Espero que vocês tenham razão. O sujeito sempre me meteu medo.
— Todos os homens são mortais. Ele está com 72 anos e trabalha demais.
Em todo caso, precisamos ficar de olho nele, não precisamos? Se ele se mover, então nós nos moveremos juntos, como no passado. Nós e os sauditas também conversamos sobre isso. Eles estão preocupados, mas não desesperados. Nossa avaliação é a mesma. Aconselhamos vocês a manter o autocontrole.
Claude pode ter razão, ponderou Adler. Daryaei estava velho, e consolidar o governo sobre um país recém-adquirido não era exatamente uma tarefa trivial.
Mais do que isso, a forma mais fácil de derrotar um país hostil, se você tivesse paciência, era ser gentil com os desgraçados. Um pequeno tratado comercial, alguns jornalistas, um pouco de CNN, e alguns filmes de censura livre; coisas assim podiam fazer maravilhas. Se você tivesse paciência. Havia muitos jovens iranianos em universidades americanas. Esse podia ser o modo mais eficaz que a América tinha para mudar a URI. O problema era que Daryaei também devia ter ciência disso. E aqui estava ele, Scott Adler, secretário de Estado, um posto que jamais almejara, e muito menos acreditara poder alcançar, e era sua obrigado saber o que fazer em seguida. Mas ele tinha conhecimentos em história da diplomacia suficientes para saber por onde começar.
— Ouvirei o que ele tem a dizer, Claude, e não estamos querendo fazer novos inimigos. Acho que você sabe disso.
— D’accord. — Ele encheu novamente a taça de Adler. — Infelizmente, você não encontrará nada parecido com isto lá em Teerã.
— E dois é o meu limite quando estou trabalhando.
— A sua equipe de voo é excelente — assegurou-lhe Claude. — Eles costumam conduzir nossos ministros.
— Quando a hospitalidade de vocês deixou a desejar?
Para Clark e Chavez foi uma água mineral Perrier, mais barata de comprar aqui do que nos EUA, imaginaram ambos, embora os limões provavelmente não fossem.
— E então, como estão as coisas em Washington? — perguntou um colega francês, aparentemente apenas para matar tempo.
— Muito esquisitas. Você sabe, é impressionante como o país está calmo.
Talvez perder um bando de gente do governo ajude — disse John, procurando se esquivar do assunto.
— E toda essa conversa sobre o presidente e suas aventuras?
— Boa parte me soa como coisa de cinema — disse Ding, seu rosto o retrato da honestidade.
— Roubar um submarino russo? Sozinho? Puta que pariu — disse Clark com um sorriso. — Queria saber quem inventou isso.
— Mas e quanto ao chefe de informação russo? — objetou seu anfitrião. — É ele mesmo. O homem apareceu na televisão.
— Sim... bem, aposto que nós lhe pagamos uma tonelada de grana para passar para o nosso lado.
— Deve estar pensando em escrever um livro e enriquecer ainda mais — disse Chavez. Ei, mon ami, somos apenas abelhas-operárias, certo?
Não colou. Clark olhou para os olhos de seu inquisidor e eles apenas piscaram. O homem era do DGSE, e ele conhecia um espião quando via um.
— Então tome cuidado com o néctar que encontrarão onde estão indo, meu jovem amigo. Talvez seja... doce demais.
Era como o começo de um jogo de cartas. Ele estava embaralhando.
Provavelmente queria apenas uma partida, e totalmente amigável, mas essa partida precisaria ser jogada.
— O que você quer dizer?
— O homem com quem vocês vão se encontrar... ele é perigoso. Tem a aparência de saber o que não sabemos.
— Já trabalhou no país? — perguntou John.
— Já viajei pelo país, sim.
— E? — este foi Chavez. .
— E nunca os entendi.
— Sim — concordou Clark. — Entendo o que você está dizendo.
— Homem interessante, o seu presidente — disse novamente o francês, os olhos brilhando com a curiosidade característica de um agente.
John fitou bem seu olhos e decidiu agradecer ao homem por seu aviso, de profissional para profissional.
— Sim, ele é. É um de nós — assegurou Clark.
— E todas essas histórias divertidas?
— Não posso dizer — falou com um sorriso. Claro que são verdade. Você acha que eles têm inteligência suficiente para inventar esse tipo de coisa?
Os dois homens estavam pensando na mesma coisa, e ambos sabiam disso, embora nenhum dos dois pudesse falar em voz alta: Uma pena que não possamos passar uma noite comendo e trocando histórias. Mas não podia ser feito.
— Na volta eu vou pagar uma bebida.
— Na volta, vou aceitar.
Ding ficou calado, assistindo. O velho sacana ainda tinha o jogo correndo nas veias, e ainda havia lições a aprender com ele.
— É bom ter você como amigo — disse Ding cinco minutos mais tarde, a caminho do avião francês.
— Melhor que um amigo, um profissional. É bom dar ouvidos a gente como ele, Domingo.
Ninguém jamais disse que governar era fácil, mesmo para aqueles que invocavam a palavra de Deus para praticamente tudo. A decepção, mesmo de Daryaei, que, de uma forma ou outra, governava o Irã havia quase vinte anos, residia em todas as papeladas burocráticas que alcançavam sua mesa e roubavam seu tempo. Ele nunca admitira que aquilo era inteiramente culpa sua.
Ele via suas leis como justas, embora fossem consideradas duras por outros. A maioria das violações dessas leis exigia morte para o criminoso, e mesmo pequenos erros administrativos da parte de burocratas podiam acabar com uma carreira — e o nível de misericórdia dependia, obviamente, da magnitude do erro. Um burocrata que dizia não a tudo, sempre afirmando que a lei era clara num aspecto, fosse ela ou não, raramente se envolvia em problemas. Um burocrata que se curvava à vontade do governo nas menores atividades cotidianas fortalecia o poder de Daryaei. As decisões eram tomadas com facilidade e não causavam transtornos ao árbitro em questão.
Mas a vida real não era tão simples. As questões práticas de comércio, por exemplo — desde o preço do melão até a problemática do barulho nas imediações das mesquitas — requeriam uma certa dose de julgamento, porque o Corão Sagrado não previra todos os problemas, assim como a lei civil também não. Mas julgar qualquer coisa era arriscado, porque qualquer interpretação de qualquer lei poderia incorrer num erro teológico, e aquele era um país no qual a apostasia era crime capital. E assim os burocratas de nível inferior, quando diante da necessidade de dizer sim a um pedido, tendiam a chutar o problema para cima, o que concedia a um funcionário de alto nível a chance de dizer não, o que lhes era muito fácil depois de toda uma carreira fazendo isso, com um pouco mais de autoridade, um pouco mais de responsabilidade, e muito mais a perder caso um superior discordasse nas raras ocasiões quando ele dizia um sim . Tudo isso significava que os problemas continuavam sendo chutados pirâmide acima. Entre Daryaei e a burocracia havia um conselho de líderes religiosos (ele fora um membro deles no governo de Khomeini), e um parlamento titular, e funcionários públicos experientes, mas, para a decepção do líder da URI, o princípio se mantinha, e ele era obrigado a lidar com questões tão importantes quanto as horas comerciais nos mercados, o preço da gasolina e as provas ocasionais de mulheres para ingresso nas escolas. A expressão azeda que ele adotiva para essas questões triviais apenas tornava seus subalternos mais obsequiosos ao apresentar seus prós e contras, o que concedia uma dose adicional de gravidade ao absurdo, enquanto eles procuravam angariar simpatia por ser rígidos (opondo-se a tudo que estava na mesa) ou sendo práticos (apoiando essas coisas). Obter a simpatia de Daryaei em o maior jogo político da cidade, e ele inevitavelmente via-se amarrado como um inseto numa teia de aranha ao ponderar sobre cada pequena questão, enquanto precisava de todo o tempo possível para dedicar-se às causas realmente importantes. A parte surpreendente de tudo isso era que ele jamais entendia por que seu povo não podia tomar alguma iniciativa, embora costumasse ocasionalmente destruir pessoas por tomarem alguma.
E era nisso que estava pensando ao pousar em Bagdá para encontrar-se com alguns líderes religiosos locais. A questão do dia era qual mesquita necessitando de consertos seria reparada primeiro. Era sabido que Mahmoud Haji era uma de suas favoritas para orar, outra por sua beleza arquitetônica, e uma terceira por seu grande significado histórico, enquanto a gente da cidade amava outra — e não seria uma boa ideia, politicamente, proceder à manutenção dessa primeiro, para melhor assegurar a estabilidade política da região? Depois disso vinha o problema do direito das mulheres em dirigir carros (o regime iraquiano anterior fora extremamente liberal nesse sentido!), o que era reprovável, mas era difícil retirar um direito já adquirido, e o que fazer nos casos das mulheres que não tinham homens (viúvas, por exemplo) para conduzi-las, nem dinheiro para contratar um motorista? O governo deveria cuidar de suas necessidades? Algumas — médicas e professoras, por exemplo — eram importantes para a sociedade local. Por outro Ilido, como o Irã e o Iraque eram agora uma nação única, a lei precisava ser a mesma, e como conceder ou negar um direito às mulheres iraquianas ? Havia sido por causa dessas questões importantes e mais algumas que embarcara bem cedo para Bagdá.
Sentado em seu jato particular, olhou para sua agenda e sentiu vontade de gritar, mas era um homem paciente demais para isso, ou pelo menos foi o que disse a si mesmo. Afinal de contas, tinha preparativos importantes para fazer.
Na manhã seguinte encontraria o judeu que era ministro das Relações Exteriores dos Estados Unidos. Sua expressão, enquanto olhava os documentos, assustou até mesmo a tripulação de voo, embora Mahmoud Haji não notasse isso, e mesmo se tivesse notado, não entenderia o motivo.
Por que as pessoas não podem tomar um pouco de iniciativa?
O jato era um Dassault Falcon 900B, com cerca de nove anos de uso, semelhante em tipo básico e função ao VC-20B da Força Aérea americana. A tripulação era liderada por dois oficiais da Força Aérea francesa, ambos muito graduados para este avião; havia também duas aeromoças, ambas extremamente encantadoras. Para Clark, pelo menos uma era espiã do DSGE. Ele gostava dos franceses, especialmente dos seus serviços de informação. Por mais problemática que a França pudesse ser como aliada, quando os franceses agiam no mundo negro, sabiam trabalhar muito acima da média. Felizmente, no caso em questão, aeronaves são ruidosas e difíceis de ser grampeadas com escutas eletrônicas. Isso talvez explicasse por que uma das aeromoças aparecia a cada 15 minutos para perguntar se precisavam de alguma coisa.
— Nada especial que precisemos saber? — indagou John depois de recusar com um sorriso mais um oferecimento das aeromoças.
— Na verdade não — replicou Adler. — Queremos sentir como é o sujeito, o que ele está pretendendo fazer. Meu amigo Claude, aquele lá em Paris, disse que essas coisas não são tão ruins quanto parecem, e seus argumentos pareceram sólidos. Meu trabalho será basicamente entregar a mensagem usual.
— Seja um bom menino — disse Chavez com um sorriso. O secretário de Estado sorriu.
— Alguma coisa mais diplomática, mas sim. Qual é a sua formação, Sr.
Chavez? Clark gostou dessa: — Você não vai querer saber de onde vim.
— Acabo de terminar minha tese de mestrado — disse orgulhoso o jovem espião. — Recebo o canudo em junho.
— Por onde?
— George Mason University. Sou orientando da professora Alpher. Isso aguçou o interesse de Adler.
— Mesmo? Ela já trabalhou para mim. Qual é o tema da tese?
— É chamado Um Estudo em Sabedoria Convencional: Manobras Diplomáticas Errôneas na Europa da Virada do Século .
— Os alemães e os ingleses? Ding assentiu.
— Principalmente, e em especial as corridas navais.
— Sua conclusão?
— As pessoas não reconheciam a diferença entre objetivos táticos e estratégicos. Os caras que achavam estar pensando no futuro estavam pensando no agora . Como confundiam política com governo, acabaram numa guerra que derrubou toda a ordem europeia, deixando nada mais que tecido cicatrizado em seu lugar.
Ouvindo esse breve discurso, Clark pensou o quanto era notável a forma como a voz de Ding mudava quando ele falava sobre seu trabalho de escola.
— E você é também um SPO? — perguntou o secretário de Estado, com certo grau de incredibilidade.
Um sorriso bem latino reapareceu.
— Já fui. Desculpe se não pareço um gorila, senhor.
— Então por que Ed Foley colocou vocês dois como meus guarda-costas?
— A culpa é minha — disse Clark. — Eles querem que a gente dê uma volta por lá e sinta o cheiro da situação.
— Sua culpa? — indagou Scott.
— Fui o oficial de treinamento deles há muito, muito tempo — explicou John, e isso mudou inteiramente a face da conversa.
— Vocês são os caras que tiraram o Koga! São os caras que...
— Sim, estivemos lá — confirmou Chavez. O secretário de Estado provavelmente tinha autorização para essas informações. — Diversão a granel.
O secretário de Estado disse a si mesmo que devia ficar ofendido por ter dois espiões de campo com ele. Como o mais jovem dissera, eles não pareciam gorilas. Agora, quanto a ter feito mestrado na George Mason...
— Vocês também são os caras que reportaram a respeito de Brett Hanson no caso de Goto. Aquilo foi um bom trabalho. Na verdade, um trabalho excelente.
— Ele tinha se perguntado o que aqueles dois estavam fazendo numa equipe SNIE para a situação da URI. Agora sabia.
— Mas ninguém ouviu — comentou Chavez. Aquilo tinha sido um fator decisivo na guerra com o Japão, e causado maus bocados para os dois naquele país. Mas também lhes dera algumas informações reais sobre como a diplomacia e o governo não tinham mudado muito desde 1905. Foi um vento fétido que deixou a todos atordoados.
— Vou ouvir— prometeu Adler. — Me contem depois como foi o seu passeio, tá?
— Com toda certeza. Acho que o senhor inclusive precisará saber — observou John, uma sobrancelha levantada.
Adler virou-se e gesticulou para uma das aeromoças, a morena bonita que Clark apostava ser espiã. Ela era charmosa pra diabo, e de uma beleza estonteante, mas parecia um pouco desajeitada demais na cabine para parecer uma aeromoça de tempo integral.
— Sim, monsieur ministro?
— Quanto tempo até aterrissarmos?
— Quatro horas.
— Certo. Pode nos arranjar um baralho e uma garrafa de vinho?
— Certamente. — Virou-se e caminhou até a cozinha.
— Não podemos beber em serviço, senhor — disse Chavez.
— Estarão fora de serviço até pousarmos — disse-lhes Adler. — E gosto de jogar cartas antes de uma dessas sessões. É bom para os nervos. E então, cavalheiros, que tal um joguinho amigável?
— Bem, secretário, se o senhor insiste... — replicou John. — Pode ser pôquer?
Todos sabiam onde estava a linha. Nenhuma comunicação tinha sido trocada, pelo menos não entre Pequim e Taipé, mas a linha era conhecida e até mesmo entendida; gente de uniforme tende a ser prática e observadora. As aeronaves da República Popular da China nunca se aproximavam mais do que dez milhas náuticas (15 quilômetros) de uma certa linha norte-sul, e as aeronaves de Taiwan, reconhecendo esse fato, mantinham a mesma distância do mesmo pedaço invisível de longitude. As pessoas em cada lado da linha podiam fazer tudo que lhes aprouvesse, parecer tão agressivas quanto desejassem, gastar toda munição que pudessem pagar, e isso sem trocar uma única mensagem tática de rádio com o outro lado. Era tudo no interesse da estabilidade. Brincar com armas carregadas era sempre perigoso, tanto para nações-Estado quanto para crianças, e embora as crianças pudessem ser disciplinadas com certa facilidade, as nações-Estado eram crescidinhas demais para isso.
Os EUA agora tinham quatro submarinos no estreito de Formosa. Esses estavam estacionados na — sob — a linha invisível, que era o lugar mais seguro no qual estar. Outro conjunto de três naves estava agora na extremidade norte da passagem, um cruzador, o USS Port Royal, juntamente com os destróieres The Sullivans e Chandler. Todos eram naves dotadas com mísseis terra-ar, equipadas com um total de 250 mísseis SM2-MR. Normalmente sua função era proteger porta-aviões de ataques aéreos, mas seu porta-aviões estava em Pearl Harbor sofrendo substituição de motores. Os Port Royal e The Sullivans — o nome de uma família de marinheiros mortos na mesma nau em 1942 — eram ambos navios Aegis com radares SPY poderosos, que agora estavam vasculhando atividade aérea enquanto os submarinos cuidavam do restante. O Chandler tinha uma equipe especial ELINT a bordo para manter registro de transmissões vocais por rádio. Como tiras fazendo uma batida, não estavam lá exatamente para interferir nos exercícios de ninguém, e sim para lembrar as pessoas de que a Lei estava por perto e que, enquanto estivessem ali, as coisas não fugiriam ao controle. Pelo menos era essa a ideia. E se alguém objetasse contra a presença de navios americanos, seu país diria que os mares estavam livres para a passagem inocente de todos, e eles não estavam no caminho de ninguém, estavam? O fato de que faziam realmente parte do plano de outra pessoa não estava claro para ninguém. E o que aconteceu em seguida confundiu quase todos.
Era alvorada no ar, embora ainda não na superfície, quando quatro caças da China saíram do continente, rumando para leste. Cinco minutos depois, foram seguidos por mais quatro caças. Essa rotina foi acompanhada pelos navios americanos no alcance extremo de seus radares. Designaram-se números de rastreamento aos caças, e o sistema de computador acompanhou seu progresso para a satisfação dos homens e oficiais no CIC de Port Royal. Até então eles não mudaram de curso. Então, um tenente levantou um telefone e apertou um botão.
— Sim? — atendeu uma voz grogue.
— Comandante, Combate. Temos uma esquadrilha de aeronaves chinesas, provavelmente caças, prestes a cruzar a linha, azimute dois-um-zero, altitude 4.500 metros, curso zero-nove-zero, velocidade oitocentos quilômetros. Há uma esquadrilha de mais quatro caças alguns minutos atrás.
— Estou indo.
O comandante, parcialmente vestido, chegou ao centro de informações de combate dois minutos depois, não a tempo de ver os caças chineses violarem as regras, mas a tempo de ouvir um terceiro-sargento reportar alguma coisa: — Nova trilha, quatro ou mais caças rumando para oeste.
Para os propósitos da conveniência, o computador fora instruído a designar símbolos de inimigos para os caças da China e símbolos de amigos para os caças de Taiwan. (Ocasionalmente havia também algumas aeronaves americanas no ar, mas essas eram coletoras eletrônicas de informações e estavam fora da linha de fogo.) Neste ponto, havia duas esquadrilhas convergentes de quatro caças cada, a cerca de cinquenta quilômetros de distância uma da outra, mas com uma velocidade de aproximação de mais de 1.600 quilômetros por hora. O radar também estava rastreando seis aviões de passageiros comerciais, todos a leste da linha, cuidando de suas próprias vidas enquanto contornavam as áreas de exercícios .
— Força Seis está alterando curso — reportou um marinheiro. Esta era a primeira esquadrilha vinda do continente, e enquanto o comandante observava, o vetor de velocidade apontou para a direção sul. Enquanto isso, a esquadrilha vinda de Taiwan aproximava-se da esquadrilha chinesa.
— Iluminadores acendendo — disse o chefe no painel de medidas de vigilância eletrônica. — Os caças de Taiwan estão iluminando a Força Seis. Seus radares parecem estar no modo de rastreamento.
Talvez seja por isso que mudaram o curso, pensou o comandante.
— Será que se perderam? — conjeturou o oficial do CIC.
— Ainda está escuro. Talvez tenham apenas ido longe demais.
Eles não sabiam que tipo de equipamento de navegação os caças chineses possuíam, e pilotar um avião de um só lugar sobre o mar à noite não era uma tarefa precisa.
— Mais radares aéreos acendendo, direção leste, provavelmente a Força Sete — disse o chefe de medidas de vigilância eletrônica. Esta era a segunda esquadrilha, que vinha do continente.
— Alguma atividade eletrônica na Força Seis? — perguntou o oficial de CIC.
— Negativo, senhor.
Esses caças haviam continuado sua manobra e agora seguiam para oeste, de volta para a linha, com os F-16s de Taiwan em seu encalço. Foi nesse ponto que a situação mudou.
— Força Sete está virando. Curso agora é zero-nove-sete.
— Isso os coloca nos F-16s... e eles estão iluminando... — observou o tenente, com O primeiro sinal de preocupação na voz. — Força Sete está iluminando os F-16. Radares em modo de rastreamento.
Em seguida os F-16 de Taiwan também alteraram curso. Iriam ter um bocado de trabalho. Os caças de Taiwan eram mais novos, feitos nos EUA e conduzidos por pilotos de elite; consistiam em cerca de um terço da força de ataque aéreo, e estavam cobrindo e respondendo bem às manobras de seus primos do continente. Deixando a Força Seis para retornar, eles necessariamente ficaram mais interessados no voo de escolta, ainda rumando para leste. A velocidade de aproximação era ainda de alguns milhares de quilômetros por hora, e ambos os lados estavam com seus radares de marcação de mísseis funcionando, apontados uns para os outros. Isso era reconhecido internacionalmente como um ato inamistoso, um ato a ser evitado pelo simples motivo de que era o equivalente aéreo a mirar um fuzil na cabeça de alguém.
— Oh-oh — disse o terceiro-sargento no painel de medidas de vigilância eletrônica. — Senhor, os radares da Força Sete acabam de mudar para modo de rastreamento.
Em vez de apenas vasculhar por alvos, os sistemas aéreos agora estavam operando na forma usada para guiar mísseis ar-ar. O que tinha sido apenas inamistoso por alguns segundos agora era francamente hostil.
Os F-16s dividiram-se em dois pares — elementos — e começaram a manobrar livremente. Os caças chineses fizeram o mesmo. A esquadrilha original de quatro aeronaves, Força Seis, não estava além da linha, seguindo para oeste no que parecia uma linha direta para o seu aeroporto.
— Oh, acho que sei o que está acontecendo aqui, senhor, olhe agora...
Um pontinho piscante apareceu na tela, deixando um dos F-16s de Taiwan...
— Puta merda! — disse um marinheiro. — Temos um míssil no ar...
— Correção: dois — disse seu chefe.
Um par de mísseis AIM-120 made in America agora estavam tomando rotas separadas para alvos separados.
— Acharam que era um ataque. Meu Deus — disse o comandante, voltando-se para o oficial de comunicação. — Chame o Comando do Pacífico. Agora!
Não demorou muito. Um dos caças vindos do continente sumiu na tela.
Alertado, o outro fez uma manobra evasiva e desviou-se do míssil no último segundo.
Então ele voltou. O caça chinês que estava mais ao sul também manobrou, e Força Seis virou radicalmente para o norte, seus radares de iluminação agora acesos. Dez segundos mais tarde, mais seis mísseis estavam no ar, rastreando alvos.
— Temos uma batalha nas mãos! — disse o chefe da vigília. O comandante pegou o telefone: — Passadiço, combate, quartéis-generais!
Em seguida, pegou o microfone TBS, contatando os comandantes de suas duas naves, ambas a 16 quilômetros de distância, a oeste e a leste, enquanto o alarme começava a soar no USS Port Royal.
— Estou com ele — reportou o The Sullivans. Esse destróier estava à sua popa.
— Eu também — anunciou o Chandler. Esse estava mais próximo da nação-ilha, mas obtendo a imagem de radar a partir dos navios Aegis através de conexões de dados.
— Foi abatido! — Mais um caça chinês foi atingido e caiu rumo à superfície ainda serena e escura. Cinco segundos depois, um F-16 morreu. Mais tripulantes chegaram ao CIC, assumindo seus postos de combate.
— Comandante, Força Seis está apenas tentando simular...
— Sim, estou vendo isso agora, mas temos um trem descarrilado nas mãos.
E então, previsivelmente, um míssil ficou descontrolado. Eram tão pequenos que os radares dos Aegis estavam com dificuldade para rastreá-los, mas um técnico ampliou a força, jogando seis milhões de watts de energia RF
na área de exercício. Isso deixou a imagem mais clara.
— Merda! — disse um chefe, apontando para a tela tática principal. — Comandante! Olhe ali!
Ele entendeu imediatamente. Alguém tinha perdido o que era provavelmente um míssil infravermelho, e o alvo mais quente na região era um Airbus 310 da Air China, com duas imensas turbinas CF6 da General Electric — os mesmos motores básicos que impulsionavam todos os três vasos de guerra americanos —, que pareciam o sol para seu único olho vermelho.
— Chefe Albertson, coloque-o de prontidão — gritou o contramestre.
— Air China Seis-Seis-Seis, aqui fala um navio de guerra americano. Vocês são alvo de um míssil se aproximando do noroeste. Repito: manobrem imediatamente. Vocês estão sendo seguidos por um míssil vindo do noroeste!
— Como? Como?
Mas o avião começou a se mover, virando para a esquerda e descendo. Não que isso importasse.
O vetor de velocidade do míssil nunca se afastou do alvo. Havia uma esperança de que o combustível do míssil acabasse a uma pequena distância do avião de passageiros, mas ele estava se movendo a mach 3, e o voo da Air China já estava perdendo velocidade, iniciando a aproximação de seu campo de pouso. Ao baixar o nariz, o piloto apenas facilitou as coisas para o míssil.
— É um avião grande — disse o comandante.
— Apenas dois motores, senhor — comentou o oficial de armamento.
— Acertaram — comunicou um oficial de radar.
— Faça-o descer, companheiro, faça-o descer. Oh, porra — disse o comandante, querendo dar as costas para o que estava vendo. Na tela, o ponto do 310 triplicou em tamanho e piscou o código de emergência.
— Ele está emitindo Mayday, senhor — disse um oficial de rádio. — O voo triplo seis da Air China está emitindo Mayday... danos no motor e na asa... possível incêndio a bordo.
— A apenas oitenta quilômetros do destino — disse um chefe. — Ele está angulando para uma aproximação direta até Taipé.
— Comandante, todos os postos comunicam que estão ocupados e prontos. Todo o navio está em Condição Um — disse o contramestre.
— Muito bem. — Os olhos do comandante estavam fixos no centro das três telas de radar. O conflito de caças, percebeu, havia acabado logo depois de começar, com três aviões derrubados, outro possivelmente danificado, e ambos os lados recuando para lamber suas feridas e tentar descobrir que diabo havia acontecido. Do lado de Taiwan, outra esquadrilha de caças estava no ar formando-se perto de sua costa.
— Comandante — era o painel de medidas de vigilância eletrônica. — Parece que o radar em cada navio acaba de acender. Fontes de toda parte. Estamos classificando os agora.
Mas o comandante sabia que isso não importava. O que importava era que agora, de acordo com sua tela, aquele Airbus 310 estava reduzindo a velocidade e descendo.
— Operações do Comando do Pacífico, senhor — comunicou o chefe de rádio.
— Aqui é Port Royal — disse o comandante, levantando o fone para o link de rádio para o satélite. — Acabamos de ter uma pequena batalha aérea aqui... e um míssil se descontrolou e parece ter atingido um avião de passageiros indo de Hong Kong para Taipé. O avião ainda está no ar, mas parece com problemas.
Temos dois MiGs da República Popular da China e um de Taiwan derrubados, e talvez mais um F-16 danificado.
— Quem começou? — indagou o oficial de vigília.
— Achamos que os pilotos de Taiwan dispararam o primeiro míssil. Pode ter sido um acidente. — Explicou depois de alguns segundos. — Transmitirei nosso registro de radar assim que for possível.
— Muito bem. Obrigado, comandante. Passarei a informação para o chefe.
Por favor, nos mantenha informados.
— Faremos isso. — O contramestre desligou o link de rádio e se virou para o oficial de observação. — Grave uma fita da batalha para transmitirmos para Pearl.
— Sim, senhor.
O Air China 666 ainda estava se dirigindo à costa, mas o radar mostrava que a aeronave estava oscilante em seu curso para Taipé. A equipe da ELINT
em Chandler agora estava ouvindo nos circuitos de rádio. Inglês é a linguagem internacional da aviação, e o piloto em comando do avião de passageiros ferido estava falando com rapidez e clareza, requerendo procedimentos de emergência, enquanto ele e o copiloto lutavam contra os controles. Apenas eles conheciam a magnitude do problema. Todos os outros eram apenas espectadores, torcendo para que o avião aguentasse mais 15 minutos.
Desta vez as notícias subiram rápido pelos canais. O nexo de comunicações foi o gabinete do almirante David Seaton, na colina de frente para Pearl Harbor. O oficial de vigília mais experiente apertou os botões em seu fone para chamar o comandante, que imediatamente mandou-o emitir uma mensagem de nível CRITICO para Washington. Em seguida, Seaton ordenou uma mensagem de alerta para os sete navios de guerra americanos na área — principalmente os submarinos. Depois foram enviadas mensagens para os americanos que estavam observando o exercício nos vários postos militares de Taiwan; essas levariam algum tempo para ser recebidas. Ainda não havia uma embaixada americana em Taipé, e portanto nenhum adido ou agente da CIA poderia correr até o aeroporto e ver se o avião tinha pousado em segurança ou não. A essa altura, não havia nada a fazer a não ser aguardar as perguntas que começariam a chegar de Washington, perguntas que ele ainda não estava em condições de responder.
— Sim? — disse Ryan, atendendo.
— Dr. Goodley para o senhor, presidente.
— Certo. Coloque-o na linha. — Pausa. — O que é, Ben?
— Problema em Taiwan, presidente. Pode ser coisa séria.
O conselheiro de segurança nacional prosseguiu a explicação, contando o que sabia. Não demorou muito tempo.
No todo, foi um exercício de comunicações impressionante. O Airbus ainda estava no ar, e o presidente dos Estados Unidos sabia que havia um problema... e nada mais.
— Certo. Mantenha-me informado. — Ryan baixou os olhos para a mesa que estava prestes a deixar. — Mas que merda... — Que grandes prazeres conferiam o poder da presidência. Agora ele tinha conhecimento virtualmente instantâneo de algo sobre o que ele não podia fazer nada. Haveria americanos no avião?
Que estava acontecendo?
Podia ter sido pior. Daryaei retornou ao avião depois de ter estado em Bagdá por menos de quatro horas, lidando com problemas ainda mais banais que de costume, e obtendo alguma satisfação com o medo que causara em alguns corações por terem-no incomodado com coisas tão triviais. A acidez no estômago do aiatolá contribuiu para uma expressão ainda mais ácida quando subiu a bordo, encontrou seu lugar e acenou para o comissário, ordenando a tripulação a decolar — o tipo de movimento com o pulso que muitos confundiam com o gesto cortem-lhes as cabeças. Trinta segundos depois, as escadas foram recolhidas e os motores começaram a funcionar.
— Onde você aprendeu este jogo? — perguntou Adler.
— Na Marinha, secretário — respondeu Clark, colhendo as apostas. Ganhara dez dólares até agora, mas a questão não era dinheiro. Era o princípio da coisa.
Ele acabara de aliviar o secretário de Estado em duas pratas.
— Pensei que marinheiros fossem maus jogadores.
— É isso que algumas pessoas dizem. — Clark sorriu enquanto empilhava as moedas de vinte e cinco cents.
— Fique de olho nas mãos dele — aconselhou Chavez.
— Eu estou de olho nas mãos dele — garantiu o secretário.
A aeromoça pediu licença e serviu o restante do vinho. Os dois homens não chegaram nem mesmo a beber duas taças cheias, apenas o bastante para passar o tempo.
— Desculpe, quanto tempo falta? — perguntou o secretário.
— Menos de uma hora, monsieur ministro.
— Obrigado. — Adler sorriu para a moça enquanto ela recuava.
— Rei bate, secretário — disse-lhe Clark.
Chavez checou suas cartas. Par de cincos. Bom começo. Jogou uma moeda no centro da mesa, ao lado da de Adler.
O Airbus 310 de fabricação europeia perdera seu motor direito para o míssil, mas não fora apenas esse o estrago. O míssil guiado por calor chegara pelo lado direito e colidira com a lateral da enorme turbina da GE, com fragmentos da explosão dilacerando o revestimento metálico da asa de bombordo. Alguns fragmentos da asa rasgaram um tanque de combustível — felizmente quase vazio — que deixou um rastro de óleo em chamas, para o pânico daqueles que olharam por suas janelas e viram. Mas essa não foi a parte assustadora. O fogo atrás da aeronave não podia ferir ninguém, e o tanque de combustível rompido não explodiu, como teria acontecido se a colisão tivesse acontecido alguns minutos antes. A notícia realmente ruim foi o dano causado ao trem de pouso da aeronave.
Na cabine de comando, a tripulação de voo de dois homens era tão experiente quanto a de qualquer avião de passageiros internacional. O Airbus podia voar muito bem, obrigado, apenas com um motor, e o motor esquerdo estava ileso, agora funcionando a força plena enquanto o copiloto desligava o lado direito da aeronave e acionava os controles manuais dos avançados sistemas de supressão de incêndio. Numa questão de segundos, os alarmes de alerta de incêndio ficaram silenciosos e o copiloto começou novamente a respirar.
— Dano no elevador do trem de pouso — reportou em seguida o piloto, operando os controles e descobrindo que o Airbus não estava reagindo como deveria.
Mas o problema também não era com a tripulação. O Airbus na verdade voava através de software de computador, um programa executivo imenso que colhia seus dados diretamente da estrutura externa da nave, bem como dos movimentos dos controles dos pilotos, analisando-os, e então dizia aos mecanismos de aterrissagem o que fazer em seguida. Danos de batalha não tinham sido previstos pelos engenheiros do software no projeto da aeronave. O programa notou a perda traumática do motor e decidiu que ocorrera uma explosão, o que lhe fora ensinado a pensar. Os computadores de bordo avaliaram o dano da aeronave, quais mecanismos de aterrissagem funcionavam e com que competência, e ajustaram-se à situação.
— Trinta e dois quilômetros — reportou o copiloto, enquanto o Airbus posicionava-se em seu vetor de penetração direta. O piloto ajustou o manche e os computadores — a aeronave tinha sete — decidiram que isto estava correto e reduziram a força do motor. Tendo queimado a maior parte de seu combustível, o avião estava leve. Eles tinham todo o poder de motor que precisavam. A altitude estava baixa o bastante para que a despressurizarão não constituísse um problema. Eles podiam guiar a aeronave. Eles talvez saíssem andando desta, decidiram. Um caça prestativo apareceu para acompanhar o avião de passageiros, verificar o dano e tentar contatá-los por rádio, apenas para ouvirem, num mandarim muito irado, uma ordem de saírem do caminho.
O piloto do caça pôde ver o revestimento do Airbus descarnar, e tentou reportar isso, mas foi ignorado. Ele recuou seu F-5E para observar, mantendo-se em contato com a nave o tempo todo.
— Dezesseis quilômetros.
A velocidade estava agora abaixo de duzentos nós, e eles tentaram abaixar flapes, mas aqueles no lado direito não se estenderam adequadamente; sentindo isso, os computadores também não os estenderam do lado esquerdo. O pouso seria extremamente rápido. Ambos os pilotos franziram a testa, praguejaram e seguiram em frente.
— Trem de pouso — ordenou o piloto. O copiloto acionou os controles e as rodas baixaram... e ficaram na posição adequada, o que valeu um suspiro de alívio da parte dos dois pilotos. Eles não tinham como saber que ambas as rodas do lado direito estavam danificadas.
Avistaram o campo de pouso. Ambos viram os pisca-piscas do equipamento de emergência enquanto cruzavam a divisão de perímetro. O Airbus manobrou para aterrissar. A velocidade normal seria de cerca de 135
nós. Eles desceriam a 195. O piloto sabia que iria precisar de cada metro de espaço disponível, e tocou o solo apenas duzentos metros depois da ponta da pista.
O Airbus bateu forte e começou a correr pela pista, mas não por muito tempo. Os pneus danificados no lado direito duraram cerca de três segundos antes de ambos perderem pressão, e um segundo depois disso a armação de metal começou a cavar uma vala no concreto. Pilotos e computadores tentaram manter um curso reto para o avião; não funcionou. O 310 virou para a direita. O trem de pouso esquerdo partiu com um ruído de tiro de canhão e o jato arrastou a barriga na pista. Por um segundo, pareceu que a nave rodopiaria no gramado, mas a ponta de uma asa bateu no chão e o avião começou a capotar. A fuselagem se partiu em três seções desiguais. Uma língua de fogo se projetou quando a asa esquerda foi desalojada — piedosamente, a parte dianteira da fuselagem soltou-se inteira, assim como a seção traseira, mas o centro parou quase instantaneamente no meio do combustível em chamas, e todos os esforços dos bombeiros não puderam mudar isso. Mais tarde ficaria determinado que 127 pessoas haviam morrido asfixiadas rapidamente. Outras 104 escaparam com ferimentos de gravidade variada, inclusive a tripulação. As imagens de TV seriam transmitidas via satélite na hora seguinte, e um incidente internacional seria agora notícia em todo o mundo.
Clark sentiu um leve arrepio quando seu avião tocou o solo. Olhando pela janela, pensou perceber certa familiaridade, mas admitiu que provavelmente era imaginária; afinal todos os aeroportos internacionais se parecem muito no escuro. Adiante, os aviadores franceses seguiam direcionamentos, manobrando, por uma questão de segurança, até o terminal da Força Aérea, instruídos a seguir outro jato comercial que pousara um minuto antes deles.
— Bem, chegamos — comentou Ding com um bocejo. Estava usando dois relógios, um para a hora local e outro para Washington, e a partir deles tentou decidir que horas seu corpo achava ser. Então, olhou pela janela com toda a curiosidade de um turista e sofreu a decepção usual. A paisagem que estava vendo podia muito bem ser a de Denver.
— Com licença — disse a aeromoça morena. — Fomos instruídos a permanecer no avião enquanto o outro estiver sendo atendido.
Que são mais alguns minutos?, pensou o secretário Adler, tão cansado quanto os outros. Chavez olhou pela janela.
— É aquele ali. Deve ter chegado na nossa frente.
— Pode desligar as luzes da cabine? — pediu Clark à aeromoça. Então apontou para o seu parceiro.
— Por que...
Clark cortou o secretário de Estado com um gesto. A aeromoça fez como lhe foi dito. Ding entendeu sua deixa e tirou a câmera da mala.
— O que está vendo? — perguntou Adler em tom mais baixo enquanto as luzes apagavam.
— Há um Gulfstream parado bem na nossa frente — respondeu John, que agora estava olhando pelo visor da câmera. — Não há muitos deles por aí, e este está indo para um terminal de segurança. Quero descobrir quem veio nele.
Espiões tinham de ser espiões, e Adler sabia disso. Ele não objetou.
Diplomatas colhiam também informações, e saber quem tinha acesso a esse meio de transporte oficial tão caro podia dizer-lhes alguma coisa sobre quem realmente estava dando as cartas no governo da União Republicana Islâmica.
Em poucos segundos, exatamente enquanto suas próprias rodas paravam, um cortejo de carros subiu pela rampa do terminal da Força Aérea iraniana — ou melhor, URIana — até o Gulfstream.
— É alguém importante — deduziu Ding.
— Qual é o filme?
— De 1200 ASA, Sr. C — respondeu Chavez, selecionando o conjunto de teleobjetiva. A aeronave inteira coube no enquadramento. Ele não podia aproximar mais. Começou a bater fotos enquanto a escada era descida.
— Oh — Adler foi o primeiro a dizer. — Bem, isso é bem uma surpresa.
— É Daryaei, não é? — acrescentou Clark.
— É o nosso amigo — confirmou o secretário de Estado.
Ao ouvir isto, Chavez bateu dez fotos rápidas, mostrando o homem sair para ser recebido por alguns colegas, que o abraçaram como um tio que não viam havia muito tempo. Em seguida, conduziram-no até o carro. Os veículos saíram. Chavez bateu mais algumas fotos e depois guardou a câmera de volta na bolsa. Esperaram mais cinco minutos antes de receberem permissão para desembarcar.
— Posso saber que horas são? — perguntou Adler, caminhando até a porta.
— Provavelmente não — decidiu Clark. — Aposto que temos algumas horas de tempo morto antes do encontro.
No sopé das escadas estava o embaixador francês, com um segurança óbvio, e mais dez nativos. Seguiriam até a embaixada francesa em dois carros, com dois veículos iranianos liderando e mais dois seguindo a procissão semioficial. Adler foi com o embaixador no primeiro veículo. Clark e Chavez seguiram no segundo. Havia um motorista e outro homem no banco da frente.
Ambos deviam ser espiões.
— Bem-vindos a Teerã, amigos — disse o homem armado com uma espingarda.
— Merci — replicou Ding, com um bocejo.
— Desculpe fazer vocês acordarem tão cedo — acrescentou Clark. Esse provavelmente era o chefe de estação. As pessoas com quem ele e Ding haviam conversado em Paris tinham ligado antes para comunicar que eles provavelmente não eram os tipos de segurança usados normalmente pelo Departamento de Estado.
O francês confirmou isso.
— Soube que não é a primeira vez que vem aqui.
— Há quanto tempo estão aqui? — perguntou John.
— Dois anos. O carro é seguro — acrescentou, querendo dizer que provavelmente não havia escutas eletrônicas.
— Temos uma mensagem para você de Washington — disse o embaixador a Adler no carro da frente. Então reportou o que sabia sobre o incidente com o Airbus em Taipé. — Acho que terá um bocado de trabalho ao voltar para casa.
— Oh, meu Deus! — observou o secretário. — Exatamente o que precisamos.
Alguma reação?
— Nada que eu saiba. Mas isso mudará em algumas horas. O seu encontro com o aiatolá Daryaei será às dez e meia. Portanto, é melhor dormir um pouco.
Seu voo de volta para Paris será logo depois do almoço. Nós lhe daremos toda a assistência que precisar.
— Obrigado, embaixador. — Adler estava cansado demais para dizer muito mais que isso.
— Alguma ideia sobre o que aconteceu? — perguntou Chavez no carro de trás.
— Sabemos apenas o que nos foi dito pelo governo de vocês.
Evidentemente ocorreu um pequeno combate no estreito de Taiwan, e um míssil atingiu um alvo não intencional.
— Baixas? — foi a pergunta seguinte de Clark.
— Desconhecidas no momento — disse o chefe da estação local da DGSE.
— É meio difícil um avião de passageiros ser atingido sem ninguém morrer — disse Ding, fechando os olhos, ansioso por chegar à embaixada e deitar numa cama macia.
As mesmas notícias foram passadas Daryaei exatamente no mesmo momento. Ele surpreendeu seu colega sacerdote ao ouvir sem esboçar nenhuma reação visível. Mahmoud Haji não comentou isso. Havia muito tempo ele decidira que pessoas que não sabem muito não podiam interferir demais.
A hospitalidade francesa não foi maculada nem mesmo por seu transplante para um local que não podia ser mais diferente do que a Cidade-Luz. Dentro do complexo, três soldados uniformizados coletaram as malas dos americanos, enquanto outro homem usando algum tipo de uniforme conduziu-os aos seus aposentos. As camas estavam postas e havia garrafas de água em baldes de gelo nas mesinhas de cabeceira. Chavez checou novamente seus relógios, resmungou qualquer coisa e tombou na cama. Para Clark, o sono chegou com mais dificuldade. A última vez que ele vira o interior de uma embaixada nesta cidade... o que era isso? questionou a si próprio. O que o incomodava tanto?
O almirante Jackson conduziu o relatório, que contou com uma gravação em vídeo. — Esta é a transmissão recebida do Port Royal. Temos uma fita semelhante com imagens recebidas do The Sullivans. Como não há realmente diferença, usaremos apenas — disse aos outros na Sala de Situação. Começou a mover seu indicador de madeira na enorme tela de TV. — Esta é uma esquadrilha de quatro caças, provavelmente Jianjiji Hongzhaji-7; nós os chamamos de B-7 pela razão óbvia. Dois motores e dois lugares, desempenho e capacidades semelhantes às de um velho Phantom F-4. A esquadrilha saiu do continente e chegou um pouco longe demais. Há uma terra de ninguém bem neste lugar que nenhum dos lados violara até hoje. Aqui está outra esquadrilha, provavelmente o mesmo tipo de aviões e...
— Tem tanta certeza? — indagou Ben Goodley.
— Identificamos a aeronave por seu desempenho e emissões de radar. Um radar não pode identificar diretamente uma aeronave pelo tipo — explicou Robby. — E preciso deduzir os tipos pelo que eles fazem, ou a partir das assinaturas eletrônicas de seu equipamento, certo? Em todo caso, o grupo líder seguiu para leste e atravessou a linha invisível aqui. — O indicador se moveu. — Aqui uma esquadrilha de quatro F-16s de Taiwan com todos os sinos e apitos.
Eles viram que o grupo líder da República Popular da China chegou longe demais e traçaram um curso de interceptação até eles. Então o grupo virou de volta para oeste. Logo depois, mais ou menos... agora, o grupo de trás ligou seus radares, mas em vez de rastrear seu próprio grupo líder, eles apontaram mísseis para os F-16s — O que você está dizendo, Rob? — perguntou o presidente.
— Exatamente o que parece. O grupo líder estava estimulando um ataque ao alvorecer ao continente, e o grupo de trás estava ali para defender o ataque estimulado. Na superfície, tudo isso parece um exercício de treinamento bem comum. Porém, o grupo de trás atingiu as pessoas erradas, e quando alteraram seus radares para o modo de ataque, um dos pilotos de Taiwan deve ter achado que estava sob ataque e disparou um míssil. Então o companheiro ao seu lado fez o mesmo. Zap! Bem aqui, um B-7 é atingido, mas este aqui, por uma tremenda sorte, se esquiva do outro míssil e dispara um, ele também. Este F-16
cai mas o piloto tenta escapar para lutar outro dia; veja, aqui o piloto é ejetado, e achamos que ele sobreviveu. Mas este elemento dispara quatro mísseis, e um deles atinge este avião de passageiros. Este deve ter sido o propósito o tempo inteiro. Nós checamos o alcance; o míssil voou três quilômetros além do que achamos que poderia. Quando o avião de passageiros foi atingido, todos os caças já tinham retornado, os caras da República Popular da China porque provavelmente estavam sem combustível, e os caras de Taiwan porque estavam sem mísseis. De qualquer modo, os dois lados tiveram um desempenho bem desgracioso.
— Está dizendo que foi tudo um erro? — Esta pergunta veio de Tony Bretano. — Com toda certeza sim. Com exceção de uma coisinha...
— Por que transportar mísseis ativados num exercício? — disse Ryan.
— Quase, Sr. presidente. Os pilotos de Taiwan, claro, estavam carregando brancos porque viam o exercício da China como uma ameaça...
— Brancos? — Foi Bretano novamente.
— Perdão, secretário. Os mísseis de verdade são brancos. Os mísseis de exercício: são pintados de azul. A questão é: por que os pilotos da China estavam carregando mísseis termoguiados? Geralmente, em situações como essas, não fazemos isso, porque é impossível desligar esses mísseis; depois que são lançados, eles ficam totalmente por conta própria. Chamamos isso de dispare e esqueça . Uma outra coisa. Todos os mísseis que dispararam nos F-16
eram guiados por radar. Este aqui, o que atingiu o avião de passageiros, parece ser o único míssil guiado por calor que foi lançado. Não gosto do cheiro disto.
— Ato deliberado? — perguntou Jack em tom calmo.
— Essa é uma possibilidade, presidente. O show inteiro parece um acidente, caso clássico. Uns dois pilotos de caça ficam nervosos com alguma coisa, acontece um auê, algumas pessoas morrem e nós nunca conseguiremos provar que não foi assim. Porém, se vocês olharem para este elemento de dois caças, verão que eles parecem estar mirando no avião comercial o tempo inteiro... a não ser que o tenham confundido com um caça de Taiwan, mas não engulo isso...
— Por quê?
— Ele estava na rota errada o tempo todo — respondeu o almirante Jackson.
— Talvez tenha sido excitação de piloto novato — propôs o secretário Bretano.
— Por que não mirar em alguém que está rumando na sua direção em vez de em alguém que está indo para o outro lado? Secretário, sou piloto de caça. Não engulo isso. Se me vejo numa situação de combate inesperada, a primeira coisa que faço é identificar as ameaças a mim e atirar nelas bem entre os olhos.
— Quantas mortes? — inquiriu Jack, sombrio. Ben Goodley respondeu essa: — Os relatos indicam mais de cem. Há sobreviventes, mas eles ainda não têm nenhum tipo de contagem. E provavelmente havia alguns americanos a bordo. Muitas transações comerciais são realizadas entre Hong Kong e Taiwan.
— Opções?
— Antes de fazermos qualquer coisa, presidente, precisamos saber se algum dos nossos está envolvido. Temos apenas um porta-aviões nas proximidades, o grupo de batalha Eisenhower a caminho da Austrália para COPA SUL. Mas é sensato prever que movê-lo para lá não ajudaria exatamente a melhorar a situação entre Pequim e Taipé.
— Precisaremos fazer algum tipo de declaração para a imprensa — disse Arnie ao presidente.
— Primeiro temos de saber se perdemos cidadãos americanos — disse Ryan.
— Se perdemos... bem, o que faremos? Exigiremos uma explicação?
— Eles dirão que foi um engano — repetiu Jackson. — Talvez até mesmo digam que Taiwan atirou primeiro e depois neguem toda sua responsabilidade.
— Mas não vão convencer você, não é, Robby?
— Não, Jack... perdão, presidente, eles não vão me convencer. Quero reexaminar as fitas com algumas pessoas. Talvez eu esteja errado... mas acho que não. Pilotos de caça, são pilotos de caça. Um piloto de caça só atira em alguém que está fugindo em vez de no ataca que está se aproximando, se ele tiver ordens para isso.
— Que tal mover o grupo Ike para o norte? — cogitou Bretano.
— Traga-me planos de contingência para fazer isso — requereu o presidente.
— Isso deixará o oceano Índico a descoberto, senhor — lembrou Jackson. — O Cari Vinson está agora a caminho de casa, para Norfolk. O John Stennis e o Enterprise ainda estão em Pearl, e não temos um porta-aviões disponível no Pacífico. Estamos sem porta-aviões naquela metade do mundo. Na melhor das hipóteses, precisaremos de um mês para movermos outro da frota do Atlântico.
Ryan voltou-se para Ed Foley.
— Quais são as chances da situação pegar fogo?
— O governo de Taiwan vai ficar muito irritado com isto. Houve disparos e pessoas foram mortas. Um avião comercial deles foi derrubado. Os governos costumam ficar muito indignados quando isso acontece — observou o diretor da CIA. — É possível.
— Intenções? — perguntou Goodley ao diretor da CIA.
— Se o almirante estiver correto... a propósito, até agora também não estou engolindo essa história —acrescentou Ed Foley em benefício de Robby. — Então temos algo em andamento, mas não sei que algo é esse. É melhor para todos que isso tenha sido apenas um acidente. Não posso dizer que gosto da ideia de tirar o porta-aviões do oceano Indico com a situação que está se desenvolvendo no Golfo Pérsico.
— Qual é a pior coisa que pode acontecer entre China e Taiwan? — indagou Bretano, aborrecido por precisar fazer essa pergunta. Ainda era novo demais neste trabalho para ser tão eficaz quanto seu presidente precisava.
— Sr. Secretário, a República Popular da China possui mísseis com ogivas nucleares suficientes para transformar Formosa num cinzeiro, mas não temos motivos para acreditar que Taiwan também os tenha e...
— Aproximadamente vinte — interrompeu Foley. — E esses F-16s podem levar uns dois deles até Pequim, se quiserem. Eles não podem destruir a China, mas vinte armas termonucleares farão sua economia regredir em pelo menos dez anos, talvez vinte. A China não quer que isso aconteça. Eles não são loucos, almirante. Vamos prever um desenrolar convencional, certo?
— Muito bem, senhor. A China não possui a capacidade para invadir Taiwan. Eles carecem dos recursos anfíbios necessários para mover um grande número de tropas para um assalto de entrada forçada. Portanto, o que acontecerá se a situação pegar fogo? O cenário mais provável é uma batalha aeronaval sangrenta, mas isso leva a apenas uma resolução, considerando que nenhum dos lados pode acabar com o outro. Isso também significa uma guerra numa das rotas comerciais mais importantes do mundo, com todos os tipos de consequências diplomáticas adversas para todos os jogadores. Não posso ver o propósito de fazer isso intencionalmente. E destrutivo demais para ser uma política proposital... acho. — Deu de ombros. Não fazia sentido, mas um ataque proposital a um avião de passageiros inofensivo... e ele acabara de dizer à sua plateia, isso provavelmente tinha sido deliberado.
— E temos relações comerciais com ambos — comentou o presidente. — Queremos impedir isso, não queremos? Temo que seja preciso mover aquele porta-aviões, Robby. Vamos analisar algumas opções e depois vamos tentar descobrir que diabos a China está pretendendo.
Clark acordou primeiro, sentindo-se miserável. Mas não podia dar-se a esse luxo sob as circunstâncias. Dez minutos mais tarde, ele estava barbeado, vestido e caminhando até a porta, deixando Chavez na cama. Ding não falava mesmo a linguagem do lugar.
— Caminhada matutina? — perguntou o homem que os trouxera do aeroporto.
— Bem que gostaria de esticar as pernas — admitiu John. — E quem você é?
— Marcel Lefèvre.
— Chefe de Estação? — perguntou John abruptamente.
— Na verdade, sou o adido comercial — respondeu o francês, significando sim. — Importa-se se eu for com você?
— Nem um pouco — respondeu Clark, surpreendendo seu colega enquanto ambos caminhavam até a porta. — Vamos dar um passeio. Há algum mercado aqui perto?
— Sim, vou mostrar.
Dez minutos depois, estavam numa rua comercial. Duas sombras iranianas estavam 5 metros atrás deles, e sem a menor discrição, embora não fizessem nada além de observar.
Os sons trouxeram tudo de volta. O farsi de Clark não era muito impressionante, especialmente porque fazia 15 anos desde que o praticara pela última vez. Embora seu farsi não fosse muito bom, seu entendimento revelou-se quase perfeito assim que começou a ouvir as conversas e barganhas enquanto os dois ocidentais passavam por barracas nos dois lados da rua.
— Como está o preço da comida?
— Bem alto — respondeu Lefevre. — Especialmente com todos os suprimentos enviados para o Iraque. As pessoas têm reclamado um pouco disso.
Depois de alguns minutos de contemplação, John percebeu que alguma coisa estava faltando. Ao passar por meio quarteirão de barracas de comida, eles estavam agora em outra área — ouro, sempre um artigo popular nesta parte do mundo. As pessoas estavam comprando e vendendo. Mas faltava o entusiasmo do qual ele lembrava. Ele olhou pura as barracas enquanto passava, tentando imaginar o que estava faltando.
— Procurando alguma coisa para a sua mulher? — perguntou Lefevre. Clark tentou um sorriso, mas não convenceu.
— Oh, nunca se sabe. O aniversário está perto. Parou para olhar um colar.
— De onde você é? — perguntou o comerciante, em inglês.
— América — respondeu John, também em sua língua. O homem tinha percebido sua nacionalidade imediatamente, talvez devido às suas roupas, e aproveitado a oportunidade de falar nessa língua.
— Não vemos muitos americanos aqui.
— É uma pena. Quando era mais jovem, andava muito por esta região.
Era realmente um colar muito bonito. Checando a etiqueta com o preço e fazendo um cálculo mental, John percebeu que o custo estava incrivelmente razoável. E ele tinha um aniversário se aproximando.
— Talvez algum dia isso mude — disse o ourives.
— Há muitas diferenças entre o seu país e o meu — observou John, um tom triste na voz.
Sim, ele podia pagar, e como sempre estava carregando dinheiro mais que o suficiente, uma coisa boa com a moeda americana era ela ser aceita quase em toda parte.
— As coisas mudam — disse o homem.
— As coisas já mudaram — concordou John. Ele olhou para um colar ligeiramente mais caro. Não havia o menor problema em pegá-los; se tinha uma coisa que os países islâmicos sabiam fazer era desencorajar ladrões. — Há tão pouca gente sorrindo aqui, e esta é uma rua comercial.
— Há homens seguindo você.
— Mesmo? Bem, não estou infringindo nenhuma lei, estou? — perguntou Clark, denotando alguma preocupação.
— Não, não está. — Mas o homem estava nervoso.
— Este — disse John, segurando-o para o ourives.
— Como vai pagar?
— Dólares americanos. Tudo bem?
— Sim. O preço é novecentos dos seus dólares.
John precisou reunir todo seu controle para não demonstrar surpresa.
Mesmo numa loja de atacado em Nova York, esse colar valeria pelo menos o triplo, e embora ele não estivesse preparado para gastar isso, barganhar fazia parte da diversão de comprar nestas paragens. Ele havia calculado que poderia convencer o homem a baixar talvez até 150 dólares, o que ainda seria uma tremenda pechincha. Teria ouvido direito?
— Novecentos?
Um dedo enfático apontou direto para o coração de John.
— Oitocentos, nem um dólar a menos... está querendo me arruinar? — perguntou em voz alta.
— Você sabe barganhar — disse Clark, adotando uma postura defensiva por causa dos observadores, que agora estavam se aproximando.
— Você é um infiel! Espera caridade? Este é um belo colar, e espero que o dê à sua honrada esposa e não a uma vagabunda qualquer!
Clark concluiu que colocara o homem em perigo. Pegou sua carteira, tirou as notas e deu-as ao ourives.
— Está pagando demais. Não sou ladrão! — disse o ourives, devolvendo uma das notas.
Setecentos dólares por isto?
— Desculpe, não quis insultá-lo — disse John, guardando o colar, que o homem praticamente jogou para ele, sem sequer embrulhá-lo.
— Nem todos somos bárbaros — disse o comerciante em voz alta, abruptamente dando as costas para Clark. Ele e Lefevre caminharam até o fim da rua e dobraram à direita. Caminharam rápido demais, forçando suas sombras a apertar o passo.
— Mas que merda foi essa? — perguntou o agente da CIA. Não esperara que nada assim acontecesse.
— Sim. O entusiasmo pelo regime caiu um pouco. O que você viu é representativo. Aquilo foi benfeito, monsieur Clark. Há quanto tempo na agência?
— O suficiente para que não goste de ser tão surpreendido. Acredito que a palavra apropriada no seu idioma é merde.
— E então, isso é para a sua esposa?
John assentiu.
— Sim. Ele terá problemas?
— Dificilmente — disse Lefevre. — Ele pode ter perdido dinheiro na troca, Clark. Um gesto interessante, não foi?
— Vamos voltar. Tenho um secretário de gabinete para acordar. Estavam de volta em 15 minutos. John seguiu direto até seu quarto.
— Como está o tempo lá fora, Sr. C?
Clark meteu a mão no bolso e jogou alguma coisa através do quarto.
Chavez observou
— Nossa, é pesado — avaliou Chavez.
— Quanto acha que custou, Domingo?
— Parece ouro 21 quilates, também tem o peso certo... duas mil verdinhas.
— Acreditaria em setecentas?
— Você é parente do cara, John? — perguntou Chavez com uma risada.
Parou de rir e disse: — Achei que eles não gostavam de nós aqui.
— As coisas mudam — disse John em voz baixa, citando o ourives.
Foi muito ruim? — perguntou Cathy.
— Aqui diz 104 sobreviventes, alguns bem feridos. Noventa mortos confirmados e a confirmar cerca de trinta; as partes corporais ainda não foram identificadas — disse Jack, lendo o despacho que acabara de ser trazido ao seu quarto pelo agente Raman. Dezesseis americanos na categoria dos sobreviventes. Cinco mortos. Nove ainda não identificados e presumivelmente mortos. Deus, havia quarenta cidadãos chineses a bordo — Ele balançou a cabeça.
— Mas por que eles... por que não se afinam?
— Por que fazem tanto escarcéu? Eles fazem, e isso é um fato, meu bem.
Eles rosnam e arranham uns aos outros como gatos de beco, mas também precisam um do outro.
— Que faremos? — perguntou sua esposa.
— Não sei ainda. Estamos segurando o release para a imprensa até amanhã de manhã, quando teremos mais informações. Merda, como é que vou dormir numa noite como essa — perguntou o presidente dos Estados Unidos. — Temos 14 americanos mortos a meio mundo daqui. Meu dever é protegê-los, não é?
Meu dever não é deixar que matem americanos.
— Pessoas morrem todos os dias — lembrou a primeira-dama. Não devido a mísseis ar-ar.
Ryan colocou o despacho em sua mesinha de cabeceira e desligou a luz, perguntando-se quando o sono chegaria, imaginando como estaria indo o encontro em Teerã.
Começou com apertos de mão. Um funcionário do Ministério das Relações Exteriores encontrou-os em frente ao prédio. O embaixador francês fez as apresentações e foram encaminhados rapidamente para dentro, de modo a evitar a cobertura de câmera de TV, embora nenhuma parecesse em evidência na rua.
Clark e Chavez desempenharam seus papéis, mantendo-se perto de seu protegido, mas não perto demais, olhando em torno com ares tensos, como era esperado que fizessem.
— Eu o recebo em paz — disse Daryaei, levantando-se de sua cadeira para receber o convidado. Ele falou através de um intérprete. Era um estratagema comum nesses encontros. Possibilitava uma precisão maior nas comunicações; além disso, caso alguma coisa desse errado, podia-se atribuir o erro ao intérprete, o que concedia uma saída conveniente a ambos os lados. — Que as bênçãos de Alá estejam sobre nós.
— O senhor foi muito gentil em conceder esta reunião tão rapidamente — disse Adler, acomodando-se em sua cadeira.
— Você veio de longe. Sua viagem foi agradável? — perguntou Daryaei, cordialmente. O ritual inteiro seria cordial. Ou pelo menos o começo.
— Não aconteceu nada relevante — disse Adler, esforçando-se para não bocejar ou demonstrar fadiga. Três xícaras de café europeu forte haviam ajudado, embora seu estômago agora estivesse um pouco embrulhado.
Diplomatas em reuniões sérias deviam agir exatamente como cirurgiões numa sala de operações, e ele tinha muita prática em não deixar suas emoções transparecerem, com estômago embrulhado ou não.
— Sinto não podermos mostrar-lhe mais de nossa cidade. Há muita história e beleza aqui.
Os dois homens esperaram que as palavras fossem traduzidas. O intérprete simultâneo era um homem na casa dos trinta, de expressão muito séria e, conforme Adler percebeu, possivelmente amedrontado pela presença de Daryaei. Provavelmente era um funcionário do ministério, vestido num terno não muito bem-passado, mas o aiatolá estava de robe, enfatizando sua identidade nacional e sacerdotal. Mahmoud Haji era sério, mas não hostil em comportamento; estranhamente, parecia completamente carente de curiosidade.
— Talvez em minha próxima visita.
Um menear de cabeça amistoso.
— Sim. — Isso foi dito em inglês, lembrando a Adler que o homem compreendia a linguagem de seu visitante. Nada daquilo era incomum em forma, percebeu o secretário de Estado.
— Faz muito tempo desde o último contato direto entre o seu país e o meu, decerto não neste nível — disse Adler.
— E verdade, mas apreciamos esses contatos. Como posso lhe ser útil, secretário Adler?
— Se não lhe for inconveniente, gostaria de discutir a estabilidade nesta região.
— Estabilidade? — perguntou Daryaei, todo inocência. — O que o senhor quer dizer?
— O estabelecimento da União Republicana Islâmica gerou o maior país desta região. Isso é motivo de preocupação para alguns.
— Eu diria que aperfeiçoamos nossa estabilidade. Não era o regime iraquiano a influência desestabilizadora? Não foi o Iraque que iniciou duas guerras? Não fizemos nada assim.
— Isso é verdade — concordou Adler.
— O Islã é uma religião de paz e irmandade — prosseguiu Daryaei, falando como o professor que fora durante anos.
Mas provavelmente uma religião rigorosa, com sacerdotes com ferro por baixo de suas vozes aveludadas, pensou Adler.
— Isso também é verdade, mas no mundo dos homens as regras da religião nem sempre são seguidas por aqueles que se dizem religiosos — comentou o americano.
— Outros países não aceitam a regra de Deus como nós aceitamos. Apenas no reconhecimento de quais esperanças podem ser nutridas pelos homens é que podemos encontrar a paz e a justiça. Isso significa mais do que dizer as palavras. É preciso também viver as palavras.
E obrigado pela aula de catecismo, pensou Adler, assentando respeitosamente. Então por que diabos você apoia o Hezbollah?
— Meu país não quer mais do que paz nesta região. Nesta região e no mundo inteiro — disse Adler.
— E essa também é a vontade de Alá, conforme nos foi revelada pelo Profeta. Ele está se mantendo fiel ao roteiro, percebeu Adler. Há muito tempo, o presidente Jimmy Carter enviara um emissário até o chefe deste homem, Khomeini, em seu exílio na França. O xá estava com problemas políticos até o pescoço naquela época, e a voz da oposição estava se fazendo ouvir. Depois da reunião, o emissário voltou para casa e disse o presidente que Khomeini era um santo. Carter aceitou o relatório como a mais pura verdade e providenciou a remoção de Mohammad Reza Pahlavi, permitindo que o santo tomasse seu lugar.
Opa.
A administração seguinte lidou com o mesmo homem e não conseguiu nada além de um escândalo e um vexame perante os olhos do mundo.
Ai!
Esses eram erros que Adler estava determinado a não repetir.
— Também faz parte dos princípios de minha nação honrar as fronteiras internacionais. O respeito pela integridade territorial é o sine qua non da estabilidade regional e — Secretário Adler, todos os homens são irmãos, e esta é a vontade de Alá.
Irmãos podem brigar de vez em quando, mas fazer guerra é um insulto a Deus.
Em todo caso, acho o subtexto de seus comentários um pouco perturbador. O senhor parece sugerir tenhamos intenções hostis em relação aos nossos vizinhos. Como pode dizer uma coisa dessas?
— Perdoe-me, acho que fui mal entendido. Não fiz essas insinuações. Vim apenas discutir preocupações mútuas.
— O seu país, seus associados e aliados dependem desta região para sua saúde econômica. Não pretendemos prejudicar a sua economia. Vocês precisam de nosso petróleo. Nós precisamos das coisas que o petróleo pode comprar. A nossa cultura é baseada no comércio. O senhor sabe disso. A nossa cultura também e islâmica, e sinto muita mágoa em ver que o Ocidente não parece apreciar a substância de nossa Fé. Não somos bárbaros, a despeito do que os seus amigos judeus possam dizer. Na verdade, não temos nenhuma desavença religiosa com os judeus. Seu patriarca, Abraão, veio desta região. Eles foram os primeiros a proclamar o Deus verdadeiro, e realmente deve haver paz entre nós.
— Fico muito satisfeito em ouvir essas palavras. Como poderemos chegar a essa paz? — perguntou Adler, imaginando quando fora a última vez que alguém tentara derrubar uma oliveira inteira na sua cabeça.
— Com o tempo, e com diálogo. Talvez seja melhor estabelecermos contatos diretos. Além de pessoas de fé, eles também são um povo de tradição comercial.
Adler tentou imaginar o que ele quis dizer com isso. Contatos diretos com Israel. Isso era uma oferta ou uma propina para o governo americano?
— E quanto aos seus vizinhos islâmicos?
— Temos a Fé em comum. Temos o petróleo em comum. Temos uma cultura em comum. Sob muitos aspectos, já somos um só.
Clark, Chavez e o embaixador estavam do lado de fora, sentados em silêncio. Depois de terem sido servidos os refrescos usuais, os funcionários os ignoraram. Os seguranças estavam parados bem perto, sem olhar diretamente para os visitantes, mas também sem olhar em outra direção. Para Chavez isso era uma chance de conhecer novas pessoas. Reparou que o ambiente era antiquado, envelhecido, como se o prédio não tivesse mudado muito desde a saída do governo anterior — muito tempo atrás, lembrou a si mesmo. Não que os objetos estivessem caindo aos pedaços; apenas não eram modernos. Contudo, havia uma tensão verdadeira neste lugar. Podia senti-la no ar. Um funcionário público americano teria olhado para ele com curiosidade. As seis pessoas nesta sala não estavam fazendo isso. Por quê?
Clark esperara por isso. Ser ignorado não o surpreendia. Ele e Ding estavam aqui como oficiais de segurança, e não passavam de mobília, nada que valesse a pena observar. As pessoas aqui deviam ser adidos veteranos, fiéis ao seu patrão porque tinham de sê-lo. Graças a ele, tinham uma medida de poder.
Esses visitantes iriam ratificar esse poder no sentido internacional ou ameaçá-lo, e embora isso fosse importante para seu bem-estar individual, eles não poderiam afetá-los mais do que o clima poderia fazer, e assim estavam simplesmente desconsiderando a presença dos visitantes, com exceção dos seguranças, que eram treinados para ver qualquer um como uma ameaça, mesmo que o protocolo não lhes permitisse demonstrar um grau elevado de intimidação física.
Para o embaixador aquilo era apenas mais um exercício em diplomacia, conversas em palavras cuidadosamente escolhidas para demonstrar pouco por um lado e deslindar muito pelo outro. Ele podia adivinhar o que estava sendo dito pelos dois lados. Ele podia até mesmo adivinhar o sentido real das palavras. Era sua verdade que os interessava. O que Daryaei havia planejado? O embaixador e seu país desejavam a paz na região; ele e seus colegas haviam pedido a Adler que tentasse interceder pela paz, embora não conseguissem imaginar como ela poderia ser concretizada. Homem interessante, esse Daryaei.
Um homem de Deus que certamente havia assassinado o presidente iraquiano. Um homem de paz e justiça que governava seu país com punho de ferro. Homem de misericórdia que claramente despertava terror em seus auxiliares pessoais. Bastava olharem torno para ver isso. Um Richelieu moderno do Oriente Médio? Esse era um pensamento novo, pensou o francês, divertindo-se por trás de seu rosto impassível. Ele contaria essa ideia ao seu ministério hoje mesmo. E lá dentro com ele, naquele exato momento, estava um ministro americano novato. Ele não esquecia o fato de que Adler tinha uma boa reputarão como diplomata de carreira, mas era bom o bastante para esta tarefa?
— Por que estamos discutindo isso? Por que devo ter ambições territoriais?
— indagou Daryaei, quase cortesmente, mas telegrafando sua irritação. — Meu povo deseja apenas a paz. Já houve muita luta aqui. Durante minha vida inteira estudei e ensinei a Fé, e agora, finalmente, nos dias finais de minha vida, a paz existe.
— Esse é o nosso único desejo para esta região, exceto talvez o restabelecimento de nossa amizade com o seu país.
— Poderemos conversar mais a esse respeito. Agradeço ao seu país por não ter se oposto à remoção do embargo comercial contra a antiga nação do Iraque.
Talvez seja um começo. Ao mesmo tempo, preferiríamos que a América não interferisse nos assuntos internos de nossos vizinhos.
— Temos um compromisso para com a integridade de Israel — lembrou Adler.
— Falando ao pé da letra, Israel não é uma nação vizinha — replicou Daryaei. — Mas se Israel puder ser deixado em paz, talvez também possamos viver em paz.
O sujeito era bom, pensou Adler. Ele não estava revelando muito, apenas negando tudo. Ele não fez declarações políticas além das promessas usuais de intenção pacífica, todo chefe de Estado fazia isso, embora não fossem muitos os que invocassem com tanta frequência o nome de Deus. Paz. Paz. Paz.
Só que Adler não acreditara nem por um segundo no que ele dissera sobre Israel. Se ele tivesse intenções pacíficas, teria dito isso primeiro a Jerusalém, para tê-los ao seu lado e negociar com Washington. Israel fora o intermediário na negociação desastrosa de armas em troca de reféns, e também tinham sido prejudicados.
— Espero que exista uma fundação sobre a qual possamos edificar.
— Se o seu país tratar o meu país com respeito, então poderemos conversar.
Depois poderemos discutir um aprimoramento nas relações.
— Direi isso ao meu presidente.
— O seu país também sofreu recentemente muita tristeza. Espero que ele tenha a força para sarar os ferimentos de sua nação.
— Obrigado.
Ambos se levantaram. Apertos de mão foram trocados de novo, e Daryaei conduziu Adler até a porta.
Clark notou a forma como os funcionários puseram-se de pé. Daryaei conduziu Adler até a saída, apertou sua mão uma vez mais, e permitiu que o homem partisse com sua escolta. Dois minutos depois, estavam em seus carros oficiais e diretamente a caminho do aeroporto.
— Como será que foi? — perguntou John a ninguém em particular.
Todos estavam pensando a mesma coisa, mas não disseram uma só palavra. Trinta minutos depois, auxiliados por sua escolta oficial, os carros estavam de volta ao Mehrabad International, dirigindo-se até a seção da Força Aérea das instalações, onde seu jato francês os esperava.
Era preciso haver também uma cerimônia de partida. O embaixador francês conversou com Adler durante vários minutos, o tempo inteiro segurando sua mão num cumprimento prolongado de adeus. Com ampla segurança URI-ana, não havia nada que Clark e Chavez pudessem fazer além de olhar em torno, que era supostamente sua função. Avistaram seis aviões de guerra sendo conservados por técnicos de manutenção. Os mecânicos entravam e saíam de um hangar amplo que, com toda certeza, fora construído pelo xá.
Ding olhou para seu interior e ninguém se opôs a isso. Havia outro avião lá, e este parecia meio desmontado. Um motor estava pousado num carrinho, sob os cuidados de outra equipe de manutenção.
— Engradados de galinha, acredita? — comentou Chavez.
— Do que está falando? — disse Clark, olhando na outra direção.
— Veja você mesmo, Sr. C.
John se virou. Empilhados na parede mais distante do hangar havia gaiolas de arame, aproximadamente do tamanho usado para transportar aves de abate.
Centenas delas. Coisa engraçada de se ver numa base da Força Aérea, pensou.
Do outro lado do aeroporto, Astro de Cinema observava o último de sua equipe embarcar num voo para Viena. Olhando em torno para a vista ampla do aeroporto, deu com os olhos nos jatos particulares do lado mais distante, com algumas pessoas e carros rodeando um deles. Perguntou-se o que seria aquilo.
Provavelmente alguma função do governo. O importante era que tudo estava correndo conforme ele havia planejado. O voo da Austrian Airlines passou pelo portão na hora, e iria decolar imediatamente depois do jato comercial, ou o que ele fosse. Então, Astro de Cinema caminhou para outro portão para embarcar em seu próprio voo.
40
Declarações
A maioria dos americanos acordou para descobrir o que seu presidente já sabia. Onze cidadãos americanos estavam mortos, com mais três aguardando confirmação, num desastre de avião no outro lado do mundo. Alertada por uma fonte no terminal, uma equipe da TV local chegara ao aeroporto bem a tempo.
A gravação mostrava pouco mais que uma bola de fogo distante subindo ao céu, seguida por algumas imagens mais próximas que também eram tão típicas que poderiam ter sido realizadas em qualquer lugar. Dez caminhões de bombeiros cercaram os escombros em chamas, cobrindo-os com espuma e água, ambas as coisas tardias demais para salvar alguém. Ambulâncias corriam pela pista. Algumas pessoas, obviamente sobreviventes, vagueavam chocadas e desorientadas. Outras, rostos enegrecidos, cambaleavam até os braços de membros da equipe de resgate. Havia esposas sem maridos, pais sem crianças, e o tipo de caos que sempre parecia dramático mas que jamais oferecia nada em termos de informação, mesmo que gritasse por algum tipo de ação.
O governo de Taiwan emitiu uma declaração furiosa sobre pirataria aérea, requisitando em seguida uma reunião emergencial do Conselho de Segurança da ONU. Pequim emitiu também uma declaração alguns minutos depois, expressando que sua aeronave, num exercício pacífico de treinamento, havia sido atacada inteiramente sem explicação, em seguida retornara fogo em autodefesa. Pequim negou qualquer envolvimento nos danos ao avião, e atribuiu a culpa do episódio inteiro à sua província rebelde.
— E então, o que mais descobrimos? — questionou Ryan ao almirante Jackson às uma e meia.
— Analisamos ambas as fitas por cerca de duas horas. Pedi a colaboração de alguns pilotos de caça com quem trabalhei e a dois rapazes da Força Aérea, e chegamos a uma conclusão. Em primeiro lugar, os comunas amarelos...
— Não devemos chamá-los assim, Robby — observou o presidente.
— É um velho hábito. Desculpe. Os cavalheiros da República Popular da China... eles sabiam que tínhamos navios lá. A assinatura eletrônica de um navio Aegis é como o monte St. Helens com sua altitude, certo? E as capacidades dessas naus não são exatamente um segredo. Elas estão em serviço há mais de vinte anos. Assim, eles sabiam que estávamos observando, e sabiam que estávamos vendo tudo. É bom ter isso em mente.
— Continue — disse Jack ao amigo.
— Em segundo lugar, temos uma equipe de espiões no Chandler, ouvindo as conversas por rádio. Traduzimos as transmissões vocais dos pilotos chineses.
Vou citar uma. Esta foi trinta segundos depois do começo do confronto: Está na mira, está na mira, vou disparar. Certo, o azimute dessa transmissão é precisamente o mesmo que o do lançamento do termoguiado contra o avião.
Em terceiro lugar, cada piloto com quem falei disse o mesmo que eu: por que disparar contra um avião de passageiros no limite de alcance do seu míssil quando você tem caças bem na sua cara? Jack, tem algo de podre aqui. Bem podre.
Infelizmente, não podemos provar que a transmissão veio do caça que disparou o míssil contra o Airbus, mas é a minha opinião, e a dos meus colegas do outro lado do rio, que esse foi um ato deliberado. Eles tentaram abater aquele avião de passageiros de propósito.
O diretor de operações do Pentágono concluiu: — Temos sorte de alguém ter saído vivo.
— Almirante, o senhor poderia levar isso a um tribunal?—indagou Arnie van Damm.
— Senhor, não sou um advogado. Sou um piloto. Não ganho a vida provando coisas, mas digo e repito: há uma chance de cem contra um de que eu esteja errado.
— Mas não posso dizer isso diante das câmeras — comentou Ryan, checando as horas. Ele seria maquiado dali a alguns minutos. — Se fizeram isso de propósito...
— Não sei Jack.
— Droga, Robby, eu ouvi o que você disse da primeira vez! — replicou Ryan. Fez uma pausa para respirar. — Não posso acusar uma nação soberana de um ato de guerra sem nenhuma prova. Vamos em frente. Certo, eles fizeram de propósito. E fizeram com o conhecimento de que nós iríamos saber. O que isso significa?
A equipe de segurança nacional de Jack tivera uma noite muito longa.
Goodley se encarregou da resposta: — E difícil dizer, presidente.
— Estão preparando uma ofensiva contra Taiwan? — perguntou o presidente.
— Eles não podem — disse Jackson, sucumbindo ao seu gênio de comandante-em-chefe. — Eles não dispõem da capacidade física para invadir.
Não há nenhum sinal de atividade incomum em suas forças terrestres nessa área, apenas aquilo que eles vêm fazendo no noroeste e que tem irritado tanto os russos. Assim, segundo o ponto de vista militar, a resposta é não.
— Invasão aérea? — perguntou Ed Foley. Robby balançou a cabeça.
— Eles não dispõem da capacidade aérea para isso e, mesmo se tentarem, Taiwan possui recursos de defesa aérea suficientes para transformar o ataque numa temporada de caça aos patos. Eles poderiam realizar uma batalha aeronaval como a que lhes mencionei ontem à noite, mas isso lhes custaria navios e aviões... a fim de quê? — perguntou o J-3.
— Então eles derrubaram um avião para testar a nós — teorizou POTUS.
— Isso também não faz sentido.
— Se você disser eu em vez de nós, há uma boa chance — disse o diretor da CIA em tom neutro.
— Que é isso, diretor? — objetou Goodley. — Havia duzentas pessoas naquele avião, e eles deviam achar que todas morreriam.
— Não sejamos tão ingênuos, Ben — observou Foley, tolerante. — Eles não nutrem o mesmo sentimentalismo que nós pela vida humana, certo?
— Sim, mas... Ryan interrompeu.
— Muito bem, contenham-se. Achamos que foi um ato deliberado, mas não temos nenhuma prova positiva, e não temos a menor ideia de qual pode ter sido o propósito... e nós não temos, não posso chamar isso de um ato deliberado, posso? — Os homens assentiram. — Certo. Agora, em 15 minutos terei de descer até a Sala de Imprensa e ler esta declaração. Depois os jornalistas farão perguntas, e as únicas respostas que posso lhes dar são mentiras.
— Isso resume tudo, presidente — confirmou van Damm.
— Bem, isso não é fantástico? E Pequim irá saber, ou pelo menos suspeitar, que estou mentindo.
— É possível, mas não temos certeza disso — observou Ed Foley.
— Não sei mentir direito — disse-lhes Ryan.
— Aprenda agora — aconselhou o chefe de gabinete. — E rápido.
Não houve conversas no voo de Teerã para Paris. Adler estava numa poltrona confortável no fundo, com um bloco no colo, e passou a viagem inteira escrevendo, usando sua memória treinada para reconstruir a conversa; depois acrescentou uma série de observações pessoais sobre tudo, desde a aparência de Daryaei até a bagunça em sua mesa. Depois, passou uma hora examinando as anotações e começou a fazer comentários políticos. No processo, gastou meia dúzia de lápis. A escala em Paris durou cerca de uma hora, o bastante para Adler passar um pouco mais de tempo com Claude e seus guarda-costas saírem para uma bebida rápida. Depois estavam novamente a bordo de seu VC-2015 da Força Aérea americana.
— Como foi? — perguntou John.
Adler precisou lembrar a si mesmo que Clark estava na equipe de SNIE, não sendo apenas um espião armado.
— Antes disso, o que você descobriu no seu passeio?
O agente da CIA meteu a mão no bolso e tirou um colar de ouro. Deu-o ao secretário.
— Isso significa que estamos noivos? — perguntou Adler, com uma risadinha de surpresa.
Clark gesticulou na direção do parceiro.
— Não, senhor. Ele é comprometido.
Agora que estavam no alto, o tripulante da cabine a cargo do painel de comunicações ligou o equipamento. O fax começou a cuspir papel imediatamente.
— ... foram confirmadas as mortes de 11 americanos. Outros três cidadãos americanos estão desaparecidos. Quatro dos sobreviventes americanos estão feridos e sendo tratados em hospitais locais. Isso conclui minha declaração de abertura — disse-lhes o presidente.
— Presidente! — clamaram trinta vozes em uníssono.
— Um de cada vez, por favor. — Jack apontou para uma mulher na fileira da frente.
— Pequim alega que Taiwan disparou primeiro. Podemos confirmar isso?
— Estamos examinando algumas informações, mas esse tipo de investigação demanda algum tempo. Como ainda não temos informações definitivas, não creio que seja apropriado tentar forçar qualquer conclusão.
— Mas os dois lados trocaram tiros, não trocaram? — foi a pergunta adicional da jornalista.
— Sim, parece que foi o que aconteceu.
— Então sabemos de quem foi o míssil que atingiu o Airbus?
— Como eu disse, ainda estamos examinando as informações. — Seja sucinto, Jack, disse a si mesmo. E isso não era mentira, era? — Sim? — apontou para outro repórter.
— Presidente, considerando o número de cidadãos americanos mortos, que ação o senhor tomará para garantir que isso não voltará a acontecer?
Pelo menos essa ele poderia responder honestamente.
— Estamos examinando nossas opções. Além disso, não tenho nada a dizer, exceto que pedimos às duas Chinas que recuassem e ponderassem sobre suas ações. A perda de uma vida inocente não interessa a nenhum país. Os exercícios militares naquela região estão acontecendo há algum tempo, e a tensão resultante não auxilia a estabilidade da região.
— Então, o senhor está pedindo aos dois países que suspendam seus exercícios?
— Sim, estamos pensando em pedir que reconsiderem isso.
— Presidente — disse John Plumber —, esta é a sua primeira crise política externa e...
Ryan olhou para o velho jornalista e quis comentar que sua primeira crise doméstica tinha sido causada por ele, mas ninguém pode se dar ao luxo de fazer inimigos na imprensa, e só era possível fazer amigos nesse grupo se eles gostassem de você — o que era altamente improvável, conforme começava a admitir.
— Sr. Plumber, antes de fazer qualquer coisa, uma pessoa precisa apurar os fatos. Estamos trabalhando nisso com o maior afinco possível. Estive esta manhã com minha equipe de segurança nacional e...
— Mas não com o secretário Adler — comentou Plumber. Bom jornalista que era, Plumber checara os carros oficiais no estacionamento. — Por que ele não esteve aqui?
— Ele chegará mais tarde hoje — esquivou-se Ryan.
— Onde está agora? — persistiu Plumber. Ryan apenas balançou a cabeça.
— Podemos nos limitar a apenas um tópico? É um pouco cedo demais para responder a muitas perguntas, e como o senhor mesmo disse, tenho uma situação grave a resolver, Sr. Plumber.
— E ele é o seu principal consultor político, senhor. Onde ele está agora?
— Pergunta seguinte — disse o presidente. Ele recebeu o que merecia de Barry, da CNN: — Sr. presidente, um momento atrás o senhor disse as duas Chinas. Senhor, isso indica uma mudança em nossa política para com a China? E se indica...
Em Pequim era pouco depois das oito da noite, e tudo estava bem. Ele podia ver isso na TV. Como era estranho ver uma figura política tão carente de charme e habilidade lidando com situações delicadas, especialmente um americano. Zhang Han San acendeu um cigarro e se congratulou. Conseguira novamente. Ele incorrera num certo risco ao ordenar o exercício, mais particularmente as recentes manobras aéreas, porém os aviadores de Taiwan tinham sido induzidos a atirar primeiro, exatamente como esperava que fizessem, e agora havia uma crise que ele poderia controlar com precisão e findar a qualquer momento, simplesmente chamando suas próprias forças de volta às bases. Ele forçaria os EUA a reagir não por ação, mas por inação — e então outra pessoa tomaria a liderança em provocar seu novo presidente. Ele não fazia a menor ideia do que Daryaei tinha em mente. Uma tentativa de assassinato, talvez ? Outra coisa? Tudo que tinha a fazer era assistir, como estava fazendo agora, e ceifar a colheita quando a oportunidade se apresentasse, e isso decerto aconteceria. A América não poderia continuar com sorte eternamente. Não com esse jovem imbecil na Casa Branca.
— Barry, um país chama a si mesmo República Popular da China, e o outro chama a si mesmo República da China. Eu preciso chamá-los de alguma coisa, não é? — perguntou Ryan. Droga, será que fiz merda de novo?
— Sim, presidente, mas...
— Mas nós provavelmente temos 14 cidadãos americanos mortos, e este não é o momento para nos preocuparmos com semântica. — Pronto, engula isso.
— Que vamos fazer? — perguntou uma voz feminina.
— Primeiro tentaremos descobrir o que aconteceu. Depois começaremos a pensar em reações.
— Mas por que ainda não sabemos?
— Porque por mais que gostássemos de poder saber tudo que acontece no mundo a cada instante, isso é simplesmente impossível.
— É por causa disso que a sua administração está aumentando radicalmente o tamanho da CIA?
— Como eu disse antes, não discutimos questões de informação, jamais.
— Presidente, há relatos publicados de que...
— Há relatos publicados de que discos voadores pousam aqui regularmente — disparou Ryan de volta. — Você também acredita nisso?
A sala ficou realmente silenciosa por um momento. Não era todo dia que um presidente perdia a compostura. Eles adoravam isso.
— Senhoras e senhores, lamento o fato de não poder responder a todas as perguntas conforme vocês gostariam. Na verdade, eu mesmo estou fazendo algumas dessas perguntas, mas respostas corretas demandam tempo. Se preciso esperar pelas informações, vocês também precisam — disse o presidente, tentando colocar sua entrevista coletiva de volta nos trilhos.
— Presidente, um homem que parece muito com o antigo diretor da KGB soviética apareceu ao vivo na televisão e...
O repórter parou ao ver o rosto de Ryan enrubescer sob a maquiagem. Ele esperou outra explosão, mas ela não aconteceu. Os nós dos dedos do presidente ficaram brancos como marfim na tribuna, e ele respirou fundo.
— Por favor, prossiga com a sua pergunta, Sam.
— E esse cavalheiro disse que é quem ele é. Agora, senhor, o gato saiu do saco e acho que minha pergunta é legítima.
— Ainda não ouvi uma pergunta, Sam.
— Esse homem é quem ele diz ser?
— Você não precisa de mim para dizer isso.
— Presidente, esse evento, essa... operação possui grande ressonância internacional. Em algum ponto, as operações de espionagem, por mais cuidadosas que possam ser, exercem um efeito sério em nossas relações exteriores. É por causa disso que o povo americano quer saber mais a respeito dessas operações.
— Sam, vou dizer pela última vez: jamais irei discutir assuntos de informação. Estou aqui esta manhã para informar nossos cidadãos sobre um incidente trágico, e até agora inexplicado, no qual mais de cem pessoas, entre elas 14 cidadãos americanos, perderam a vida. Este governo fará tudo ao seu alcance para determinar o que aconteceu e depois decidir por um curso de ação apropriado.
— Muito bem, presidente. Nós temos uma política de uma China ou de duas Chinas?
— Não fizemos alterações.
— Esse incidente poderá resultar numa mudança?
— Não farei especulações sobre uma questão importante como essa. E agora, com sua permissão, preciso retornar ao trabalho.
— Obrigado, presidente! — ouviu Jack em seu caminho até a porta. Logo depois da esquina havia um armário bem escondido. POTUS socou-o com sua mão com força bastante para estremecer algumas das Uzis em seu interior.
— Merda! — imprecou durante o percurso de 45 metros até seu gabinete.
— Presidente?
Ryan girou nos calcanhares. Era Robby, segurando sua valise. Parecia estranho que um aviador estivesse carregando uma dessas.
— Devo-lhe uma desculpa — disse Jack, antes de Robby poder dizer qualquer outra coisa. — Sinto muito ter perdido a cabeça.
O almirante Jackson deu um tapinha no braço do amigo.
— Da próxima vez que jogarmos golfe, será por um dólar por buraco, e se você ficar puto, desconte em mim e não neles, certo? — disse Robby. — Já vi você subindo pelas paredes, homem. Procure se conter. Um comandante só pode ficar puto na frente das tropas de mentirinha, não de verdade. Isso faz parte do que chamamos técnica de liderança. Gritar com subalternos é outro papo. Sou um subalterno. Grite comigo.
— Sim, eu sei. Mantenha-me informado e...
— Jack?
— Sim, Rob?
— Você está indo muito bem, apenas fique frio.
— O meu dever não é deixar que matem americanos, Robby. Não é para isso que estou aqui — disse Ryan, cerrando novamente os punhos.
— Merdas acontecem, presidente. Você está se iludindo se acha que pode impedir que elas aconteçam. E não preciso lhe dizer isso. Você não é Deus, Jack, mas é um homem muito bom fazendo um trabalho muito bom. Teremos mais informações para você assim que as obtivermos.
— Quando as coisas se acalmarem, que tal mais uma partida de golfe?
— Estou às ordens.
Os dois amigos se apertaram as mãos. Não era suficiente para nenhum dos dois naquele momento, mas teria de bastar. Jackson seguiu até a porta, e Ryan virou-se na direção de seu escritório.
— Sra. Sumter! — disse ao entrar. Um cigarrinho cairia bem.
— Como está a situação, secretário? — perguntou Chavez.
O fax de três páginas transmitido através do canal de segurança de satélite disse-lhe tudo que o presidente declarara. Adler deixaria os dois lerem.
— Eu não sei — admitiu Adler. — Chavez, sabe aquela tese sobre a qual me contou?
— O que tem ela, senhor?
— Devia ter esperado para escrevê-la. Agora você sabe como é aqui em cima. Lembra do jogo de queimado? É a mesma coisa, só que não é de uma bola de borracha que precisamos nos esquivar.
O secretário de Estado enfiou as anotações em sua valise e acenou para o sargento da Força Aérea que estava cuidando deles. Ele não era tão agradável de olhar quanto a aeromoça francesa.
— Sim, senhor?
— Claude deixou-nos alguma coisa?
— Duas garrafas do Vale do Loire — replicou o sargento com um sorriso.
— Quer abrir uma delas e pegar alguns cálices?
— Cartas? — perguntou John Clark.
— Não. Acho que vou tomar um ou dois cálices, e depois tentar dormir um pouco. Parece que terei de fazer outra viagem em breve — disse-lhes o secretário de Estado.
— Pequim. — Nenhuma surpresa, pensou John.
— Não será para a Filadélfia — disse Scott enquanto chegavam à garrafa e os cálices. Trinta minutos depois, os três homens empurraram suas poltronas para trás. O sargento fechou as persianas para eles.
Desta vez Clark conseguiu dormir um pouco, mas Chavez não. Havia uma certa verdade no que Adler lhe dissera. Sua tese havia atacado com selvageria os estadistas da virada do século por sua incapacidade em ver para além dos problemas imediatos. Agora Ding tinha uma noção um pouco diferente. Era difícil distinguir um problema tático imediato de um problema realmente estratégico se você precisava esquivar-se de uma bala por minuto; os livros de História não podiam transmitir completamente a atmosfera, o sentimento dos tempos que eles deviam reportar. Não totalmente. Os livros também conferiam a impressão errada das pessoas. O secretário Adler, agora roncando em sua poltrona reclinável, era um diplomata de carreira e conquistara a confiança e o respeito do presidente — um homem que ele mesmo respeitava profundamente.
Ele não era estúpido. Não era corrupto. Mas era apenas um homem, e homens cometem erros... e grandes homens cometem grandes erros. Algum dia um historiador escreveria sobre esta viagem que eles tinham acabado de fazer, mas será que esse historiador realmente saberia o que aconteceu — e, não sabendo, como ele comentaria o que havia acontecido?
“O que estava acontecendo?” perguntou-se Ding. O Irã se anima, invade o Iraque e inicia um novo país, e exatamente enquanto os EUA estão tentando lidar com isso, acontece alguma outra coisa. Um evento menor no esquema das coisas, talvez — mas nunca se pode ter certeza disso até que tudo esteja terminado, não é mesmo? Como era possível saber? Era sempre esse o problema. Através dos séculos os estadistas haviam cometido erros porque quando você está no meio das coisas, não pode recuar um passo e analisar tudo com um certo distanciamento. Para isso eles eram pagos, mas era um trabalho muito difícil, não? Ele acabara de terminar sua tese de mestrado, ganharia seu canudo no final do ano e então seria proclamado oficialmente um perito em relações internacionais. Mas sabia que isso era mentira, pensou Ding recostando-se em sua poltrona. Veio-lhe à mente uma observação casual que fizera certa vez em outro voo longo. Com muita frequência, relações internacionais resumiam-se simplesmente a um país fodendo o outro. Domingo Chavez, brevemente um mestre em relações internacionais, sorriu com o pensamento. Mas não era muito engraçado. Não quando pessoas eram mortas.
Especialmente não quando ele e o Sr. C. estavam na linha de frente como abelhas-operárias. Alguma coisa estava acontecendo no Oriente Médio.
Alguma outra coisa acontecendo com a China... duas nações separadas por 6.400 quilômetros, não era isso? Os dois eventos podiam estar relacionados? E se estivessem? Mas como era possível saber? Os historiadores presumiam que as pessoas podiam saber se fossem espertas o bastante. Mas os historiadores nunca tinham estado na pele dos homens que faziam a História.
— Não foi sua melhor atuação — disse Plumber, bebericando seu chá gelado.
— Doze horas, nem mesmo isso, seria o suficiente para apurar algum evento do outro lado do mundo — sugeriu Holtzman.
Era um típico restaurante de Washington, pseudofrancês com cordões engraçadinhos adornando o cardápio de pratos caríssimos de qualidade medíocre — mas ambos estavam almoçando por conta dos patrões.
— Ele devia saber se virar melhor — observou Plumber.
— Está reclamando que ele não sabe mentir direito?
— Essa é uma das coisas que os presidentes precisam fazer...
— Mas quando o pegarmos mentindo... — Holtzman não precisou continuar.
— Quem disse que o trabalho dele era fácil?
— Às vezes me pergunto se nosso trabalho deve ser mesmo tornar o dele mais difícil. Mas Plumber não mordeu a isca.
— Onde será que Adler está? — pensou em voz alta o correspondente da NBC.
— Essa foi uma boa pergunta esta manhã — reconheceu o jornalista do Post, levantando seu corpo. — Tenho alguém pesquisando isso.
— Nós também. Tudo que Ryan precisava ter dito era que estava se preparando para um encontro com o embaixador da República Popular da China. Isso teria coberto a questão muito bem.
— Mas teria sido uma mentira.
— Teria sido a maneira certa, Bob. O jogo é esse. O governo tenta fazer as coisas em segredo, e nós tentamos descobrir. Ryan gosta demais de segredinhos.
— Mas quando o queimarmos por causa disso, estaremos agindo no interesse de quem?
— Que quer dizer?
— Ora, vamos, John. Kealty vazou tudo aquilo para você. Não preciso ser engenheiro de foguetes para deduzir. Todo mundo sabe disso. — Bob pegou sua salada.
— Aquilo tudo é verdade, não é?
— É sim — admitiu Holtzman. — E há muito mais.
— Mesmo?
Isso atraiu a atenção de John Plumber. Holtzman pertencia a uma geração mais nova que a do jornalista televisivo, mas a uma geração mais velha que a nova classe de repórteres — que consideravam Plumber um dinossauro, ainda que assistissem aos seus seminários na faculdade de jornalismo da Columbia.
— É mesmo — assegurou-lhe Bob.
— Como...?
— Como coisas sobre as quais não posso escrever — repetiu Holtzman. — Pelo menos não por um longo tempo. John, faço parte dessa história há anos.
Conheço o oficial da CIA que tirou a mulher e a filha de Gerasimov da Rússia.
Nós fizemos um trato. Em alguns anos ele me dirá como aquilo foi feito. A história do submarino é verdadeira...
— Eu sei. Vi uma fotografia de Ryan no barco. Por que ele não quer deixar isso vir a tona está acima da minha compreensão.
— Ele não infringe as regras. Ninguém nunca lhe explicou que não há problema em fazer isso...
— Ele precisa tomar mais lições com Arnie...
— O que não é o caso de Ed.
— Kealty conhece o jogo.
— Sim, John, ele conhece. Talvez um pouco bem demais. Sabe, há uma coisa que nunca pude descobrir — comentou Bob Holtzman.
— O que é?
— E sobre o jogo no qual estamos. Devemos ser espectadores, árbitros ou jogadores?
— Bob, nosso trabalho é reportar a verdade aos nossos leitores... bem, espectadores, no meu caso.
— E de quem são os fatos, John? — perguntou Holtzman.
— Um presidente Jack Ryan nervoso e zangado... —Jack pegou o controle remoto e emudeceu o repórter da CNN que lhe fizera a pergunta sobre a China.
— Zangado sim, nervoso n...
— Também sim — disse van Damm. — Você meteu os pés pelas mãos na pergunta sobre a China, e também sobre o paradeiro de Adler. A propósito, onde ele está?
O presidente checou seu relógio.
— Ele deve chegar ao aeroporto de Andrews em cerca de noventa minutos.
Deve estar sobre o Canadá agora, acho. Vem direto para cá, e então provavelmente partirá novamente para a China. Mas que diabo eles estão planejando?
— Não faço a mínima ideia — reconheceu o chefe de gabinete. — Mas é por isso que você tem uma equipe de segurança nacional.
— Sei tanto quanto eles, e não sei porra nenhuma — desabafou Jack, recostando-se na poltrona. — Nós precisamos aumentar nosso contingente nos serviços de inteligência. O presidente não pode ficar preso aqui o tempo todo sem saber o que está acontecendo. Não posso tomar decisões sem informações, e tudo que temos agora são palpites... exceto pelo que Robby nos disse. Aquilo é assustador, mas também não parece fazer sentido, porque não se encaixa com mais nada.
— Precisa aprender a esperar, presidente. Mesmo que a imprensa não esteja disposta a esperar, você deve estar. Além disso, precisa aprender a se concentrar no que pode fazer e em quando pode fazer. — Arnie fez uma pausa breve e prosseguiu: — Agora, temos a primeira série de eleições para a Câmara na semana que vem. Precisamos marcar excursões para você fazer discursos. Se quer as pessoas certas no Congresso, precisa sair e arregaçar as mangas.
Mandei Callie fazer alguns discursos.
— Qual é o enfoque?
— Política de impostos, aperfeiçoamento administrativo, todos os seus favoritos. Teremos os rascunhos para você amanhã pela manhã. É hora de passar mais algum tempo entre as pessoas. Deixe que elas o amem um pouco, e poderá amá-las de volta um pouco mais. — O chefe de gabinete permitiu-se um olhar sardônico. — Eu lhe avisei. Você não pode ficar preso aqui dentro, e os rádios do avião funcionam bem.
— Uma mudança de cenário seria bem-vinda — admitiu POTUS.
— Sabe o que seria realmente bom agora?
— O quê?
Arnie abriu um sorriso.
— Um desastre natural. Isso lhe daria a chance de voar até lá e parecer presidencial, encontrar pessoas, consolá-las e prometer-lhes auxílio governamental...
— Vire essa boca pra lá! — gritou Ryan, tão alto que as secretárias ouviram-no através da espessa porta.
Arnie suspirou.
— Você precisa aprender uma piada, Jack. Coloque esse seu gênio numa caixa e deixe-o bem trancado. Só quis emputecer você por diversão. Estou do seu lado, lembra?
Arnie voltou para seu escritório, deixando o presidente sozinho de novo.
Mas uma lição em Presidência 101. Jack perguntou-se quando elas iriam parar. Cedo ou tarde ele teria de agir presidencialmente, não teria? Mas ainda não estava nem perto disso. Arnie não dissera exatamente isso, e Robby também não, mas eles não precisavam. Ele ainda não fazia parte. Estava dando o melhor de si, mas seu melhor não era suficiente — ainda, sua mente acrescentou. Ainda? Talvez nunca. Uma coisa por vez, pensou. O que todo pai dizia a todo filho, exceto que eles nunca avisavam você que uma coisa por vez era um luxo fora do alcance de algumas pessoas. Quatorze americanos mortos num conflito numa ilha a 12 mil quilômetros de distância, possivelmente mortos de propósito, em nome de um objetivo que ele não conseguia nem imaginar. E agora devia colocar esse assunto de lado e cuidar de outras coisas, como uma viagem para encontrar-se pessoalmente com pessoas que devia preservar, proteger e defender, ainda que não conseguisse entender por que falhara em fazer isso com 14 delas. Do que uma pessoa precisava ser capaz neste emprego? Desligar-se de cidadãos mortos e cuidar de outras coisas? Era preciso ser um psicopata para conseguir isso, não era? Bem, não. Outras pessoas conseguiam isso: médicos, soldados, policiais. E agora ele. E controlar seu gênio, conter sua frustração e se concentrar em alguma nutra coisa durante o resto de seu dia.
Astro de cinema olhou para o mar. Seis quilômetros abaixo, estimou. Ao norte podia ver um iceberg na superfície azul-acinzentada, brilhando ao sol.
Não era notável? Apesar de voar com frequência, ele nunca tinha visto um daqueles. Para alguém da sua parte do mundo, o mar era uma coisa estranha.
Como um deserto, era impossível viver nele, embora de uma forma diferente.
Impressionante como parecia com o deserto em tudo, menos na cor, a superfície agitando-se em linhas quase regulares, exatamente como as dunas, mas não convidativas. Apesar de sua aparência — que muito o envaidecia; ele gostava dos sorrisos que recebia das aeromoças, por exemplo —, quase que lhe era convidativo. O mundo odiava-o e aos seus iguais, e mesmo aqueles que faziam uso de seus serviços preferiam mantê-lo a certa distância, como um cachorro violento mas ocasionalmente útil. Sorriu, olhando para baixo. Cães não eram animais queridos em sua cultura. E assim aqui estava ele, em mais um avião, sozinho, com seu pessoal em outras aeronaves em grupos de três, dirigindo-se para um lugar ao qual decisivamente não eram bem-vindos, enviados de um lugar onde eram apenas um pouco mais queridos.
O sucesso o brindaria... com o quê? Agentes dos serviços de informação iriam procurar identificá-lo e persegui-lo, mas os israelenses faziam isso há anos e ele ainda estava vivo. Por que motivo ele estava fazendo isso?
perguntou-se Astro de Cinema. Era um pouco tarde. Se ele cancelasse a missão, não seria bem-vindo em parte alguma. Supunha-se que estivesse lutando por Alá. Jihad. Uma guerra santa. Era um termo religioso para um ato militar-religioso, significando proteger a Fé, mas ele não acreditava realmente mais nisso, e era vagamente assustador não ter nenhum país, nenhum lar e... nenhuma fé? Será que ainda tinha isso? perguntou a si mesmo, admitindo em seguida que se precisava perguntar era porque não tinha mais fé. Ele e os seus iguais, ao menos aqueles que sobreviviam, tornavam-se autômatos, robôs habilidosos — computadores da era moderna. Máquinas que faziam coisas sob ordens de terceiros, sendo descartados quando conveniente, e sob a superfície do mar o deserto jamais mudava. Ainda assim, ele não tinha escolha.
Talvez as pessoas que o haviam mandado na missão saíssem vencedoras, e ele receberia algum tipo de recompensa. Continuou dizendo a si mesmo que, afinal de contas, embora não houvesse nada em sua experiência de vida que sustentasse a crença — e se ele tinha perdido sua fé em Deus, então como ele poderia permanecer fiel a uma profissão que enojava até mesmo seus empregadores?
Crianças. Ele nunca fora casado, jamais tivera um filho, não um que soubesse. As mulheres que ele tivera, talvez... mas não, elas eram mulheres da vida, e seu treinamento religioso o ensinara a desprezá-las mesmo enquanto fazia uso de seus corpos, e se elas davam cria, então essas crianças também eram desprezíveis. Como era possível que um homem perseguisse uma ideia durante toda sua vida e então percebesse que aqui estava ele, olhando para a mais inóspita das cenas — um lugar onde nem ele nem qualquer outro homem poderia sobreviver — e se sentindo mais em casa do que em qualquer outra parte? E assim ele colaboraria no assassinato de crianças. Infiéis, expressões políticas, coisas. Mas elas não eram nada disso. Nessa idade, eram inocentes de qualquer culpa; seus corpos ainda não tinham se formado, suas mentes ainda não haviam aprendido a natureza do bem e do mal.
Astro de Cinema disse a si mesmo que esse pensamento ocorrera-lhe antes, que dúvidas eram normais para homens em missões difíceis, e que em cada uma das outras vezes as pusera de lado e seguira em frente. Se o mundo havia mudado, então talvez... Mas as únicas mudanças que haviam ocorrido eram contrárias à cruzada de toda sua vida, e em todas as vezes que matara o fizera na esperança de um dia conquistar alguma coisa. Para onde essa trilha levava? Se havia um Deus e havia uma Fé, e havia uma Lei, então... Bem, ele tinha de acreditar em alguma coisa. Olhou as horas. Mais quatro horas. Ele tinha uma missão. Precisava acreditar nisso.
Chegaram de carro em vez de helicóptero. Helicópteros eram visíveis demais, e desta forma talvez ninguém fosse notar. Para acobertar ainda mais as coisas, os carros entraram pelo portão da Ala Leste. Adler, Clark e Chavez entraram na Casa Branca da mesma forma que Jack fizera em sua primeira noite, conduzidos pelos agentes do Serviço Secreto, e conseguiram chegar sem ser vistos pela imprensa. O Salão Oval estava um pouco apertado. Goodley e os Foleys estavam lá também, juntamente com Arnie, é claro.
— Muito desorientado com o fuso horário, Scott? — perguntou Jack primeiro, encontrando-o na porta.
— Se é terça-feira, devo estar em Washington — replicou o secretário de Estado.
— Não é terça — observou Goodley, sem sacar a piada.
— Então acho que estou mais desorientado do que pensava.
Adler sentou-se e tirou suas anotações. Um taifeiro da Marinha chegou com café, o combustível de Washington. Todos os recém-chegados da URI tomaram uma xícara.
— Conte-nos sobre Daryaei — comandou Ryan.
— Parece saudável. Um pouco cansado — avaliou Adler. — Sua mesa está bastante limpa. Fala em tom calmo, mas nunca foi de levantar a voz em público, ao que eu saiba. Curiosamente, chegou à cidade mais ou menos ao mesmo tempo que nós.
— Oh? — exprimiu Ed Foley, levantando os olhos de suas próprias anotações.
— Sim, ele chegou num jato comercial, um Gulfstream — reportou Clark. — Ding bateu algumas fotos.
— Bem, faz sentido o fato de ele estar viajando um pouco — observou POTUS. Estranhamente, Ryan podia identificar-se com os problemas de Daryaei. Eles não eram tão diferentes dos seus, embora os métodos do iraniano não pudessem ser mais diferentes.
— Seus auxiliares o temem — acrescentou Chavez impulsivamente. — Parece uma coisa saída de um velho filme sobre nazistas da Segunda Guerra Mundial.
A equipe na antessala dele estava com os nervos à flor da pele. Se alguém gritasse buu eles bateriam com a cabeça no teto.
— Concordo — disse Adler, que não estava irritado com a interrupção. — Seu comportamento comigo pareceu-me ao estilo do mundo antigo: muita calma, muitos sermões, esse tipo de coisa. O fato é que ele não disse nada realmente significativo; o que talvez seja bom, talvez seja mau. Ele está disposto a manter contato conosco. Disse que deseja a paz para todos. Até insinuou um certo nível de boa vontade para com Israel. Durante boa parte do encontro me deu lições sobre como ele e sua religião são pacíficos. Enfatizou o valor do petróleo e dos relacionamentos comerciais resultantes para todas as nações envolvidas. Negou qualquer ambição territorial. Não pareceu surpreendido em nenhum momento.
— Certo — disse o presidente. — E quanto à linguagem corporal?
— Parece muito confiante, muito seguro. Gosta de onde está agora.
— Não tinha como não gostar — disse Ed Foley. Adler assentiu.
— Concordo. Se eu tivesse de descrevê-lo numa palavra seria sereno .
— Quando o encontrei, alguns anos atrás, ele era agressivo, hostil, procurando por inimigos, esse tipo de coisa — recordou Ryan.
— Não demonstrou nada disso hoje. — O secretário de Estado parou e se perguntou se ainda era o mesmo dia. Provavelmente, decidiu. — Como eu disse, sereno. Mas na volta, o Sr. Clark aqui me mostrou uma coisa.
— O quê? — perguntou Goodley.
— Ele ativou o detector de metais. —John pegou o colar e deu-o ao presidente.
— Fez algumas compras?
— Bem, todo mundo queria que eu desse uma volta — recordou à sua plateia. — Que lugar poderia ser melhor do que um mercado?
Clark descreveu o incidente com o ourives, enquanto POTUS examinava o colar.
— Se ele vende essas coisas por setecentas pratas, talvez devêssemos todos pegar seu endereço. Incidente isolado, John?
— O chefe do posto francês estava andando comigo. Ele disse que o cara era bem representativo.
— Então? — perguntou van Damm.
— Então talvez Daryaei não tenha tanto motivo para estar tão sereno — sugeriu Scott Adler.
— Pessoas como ele nem sempre sabem o que os plebeus estão pensando — considerou o chefe de gabinete.
— Foi isso que derrubou o xá — disse Ed Foley. — E Daryaei foi uma das pessoas que fizeram isso acontecer. Não acredito que ele tenha esquecido essa lição... e sabemos que ele ainda está eliminando quem mija fora do penico. — O diretor da CIA se virou para olhar seu agente de campo. — Bom trabalho, John.
— Lefevre, o espião francês, me disse duas vezes que não costumamos compreender bem a atmosfera das ruas de lá — prosseguiu Clark. — Talvez ele estivesse me provocando, mas acho que não.
— Sabemos que há descontentes. Sempre há — disse Ben Goodley.
— Mas não sabemos o quanto eles estão descontentes. — Era Adler novamente. — No todo, acho que temos um homem que quer projetar serenidade por um motivo. Seus últimos meses foram gratificantes. Ele derrotou um grande inimigo. Ele possui alguns problemas internos cuja magnitude precisamos avaliar. Ele está indo e voltando do Iraque... vimos isso. Está com uma aparência cansada. Sua equipe está tensa. Eu diria que no momento está com problemas até o pescoço. Certo, me disse como quer a paz. Eu quase engoli. Acho que ele precisa de tempo para consolidar. Clark viu que o preço da comida está alto. Aquele é um país inerentemente rico, e Daryaei pode acalmar a situação transformando seu sucesso político em sucesso econômico o mais rápido possível. Colocar comida nas mesas não vai ferir ninguém. Por enquanto, ele precisa olhar para dentro em vez de para fora.
Portanto acho que é possível que tenhamos uma sombra de possibilidade aqui — concluiu o secretário de Estado.
— Estender a mão aberta da amizade? — indagou Arnie.
— Acho que podemos manter os contatos calmos e informais por enquanto.
Posso escolher alguém para cuidar das reuniões. E depois veremos o que acontece.
O presidente assentiu.
— Bom trabalho, Scott. Agora acho melhor você se preparar para ir à China.
— Quando parto? — inquiriu o secretário de Estado, uma expressão dolorida no rosto.
— Terá um avião maior desta vez — prometeu-lhe o presidente.
41
Hienas
Astro de Cinema sentiu o trem de pouso tocando a pista do Aeroporto Internacional de Dulles. A sensação física não pôs fim exatamente às suas dúvidas, mas anunciou que era hora de colocá-las de lado. Ele vivia num mundo prático. A rotina de entrada foi, novamente, rotina.
— De volta tão cedo? — indagou o oficial de imigração, olhando a última entrada em seu passaporte.
— Ja, doch — replicou Astro de Cinema em sua identidade alemã. — Acho que vou comprar um apartamento aqui.
— Os preços em Washington estão salgados — reportou o homem, carimbando novamente o livreco. — Tenha um bom dia, senhor.
— Obrigado.
Na verdade, não tinha nada a temer. Não estava carregando nada ilegal, exceto o que tinha na cabeça, e sabia que os serviços de informação americanos virtualmente não tinham causado nenhum dano substancial a um grupo terrorista, mas esta viagem era diferente, ainda que só ele soubesse. Ingressou sozinho na fila para o terminal. Como antes, ninguém veio recebê-lo. Tinham um encontro marcado ao qual ele seria o último a chegar. Ele era mais valioso que os outros membros da equipe. Voltou a alugar um carro e novamente dirigiu até Washington, olhando seu espelho, tomando a saída errada deliberadamente e observando para ver se alguém o seguia enquanto ele revertia a direção para retornar à estrada apropriada. Uma vez mais, como antes, não houve problemas. Se houvesse alguém atrás dele, a cobertura seria tão sofisticada que ele não teria a menor chance de sobrevivência. Ele sabia como funcionava: carros múltiplos, até um ou dois helicópteros, mas tal investimento de tempo e dinheiro só acontecia se a oposição soubesse quase tudo — levava tempo para organizar e isso só podia significar penetração profunda em seu grupo da parte da CIA. Os israelenses eram capazes de coisas assim, ou pelo menos era o que todos no movimento terrorista temiam, mas com o passar dos anos um processo darwiniano brutal pusera fim às vidas de todos os descuidados; o Mossad israelense nunca empalidecera ao ver sangue islâmico, e se ele tivesse sido descoberto por essa agência, já estaria morto. Ou pelo menos foi o que disse a si próprio, ainda observando o espelho retrovisor porque era assim que ele permanecia vivo.
Por outro lado, achava engraçado que esta missão não teria sido possível sem os israelenses. Existiam grupos terroristas islâmicos nos EUA, mas eram todos amadores. Eram excessivamente religiosos. Faziam reuniões nos lugares errados. Conversavam entre si. Podiam ser vistos, apontados e identificados positivamente como sendo diferentes dos outros peixes em seu mar adotado. E depois se perguntavam como tinham sido pegos. Imbecis, pensou Astro de Cinema. Mas eles serviam ao seu propósito. Ficando visíveis, atraíam atenção, e o FBI americano tinha recursos limitados. Por mais formidáveis que fossem os serviços de informação, eram também instituições humanas, e os humanos universalmente martelavam os pregos que sobressaíam.
Israel ensinara-lhe isso. Antes da queda do xá, seu próprio serviço secreto, a Savak, recebera treinamento do Mossad israelense, e nem todos os membros da Savak tinham sido executados com a chegada do novo regime islâmico. As técnicas que haviam aprendido também foram ensinadas a homens como Astro de Cinema, e a verdade era que essas técnicas eram muito simples de ser aprendidas. Quanto mais importante a missão, mais cautela ela exigia. Se você queria evitar ser visto, precisava desaparecer na paisagem. Num país pagão, não demonstre que você é religioso. Num país cristão ou judeu, não seja muçulmano. Numa nação que tenha aprendido a desconfiar de pessoas do Oriente Médio, seja de outro lugar qualquer... ou melhor ainda, ocasionalmente, reconheça suas raízes. Sim, eu vim de lá, mas sou cristão, ou bahaíta, ou curdo, ou armênio, e eles perseguiram cruelmente minha família, e assim vim para os EUA, a terra das oportunidades, para viver a liberdade verdadeira. Se você seguisse essas regras simples, as oportunidades seriam muito reais, porque os EUA facilitavam tudo. Este país recebia estrangeiros com uma generosidade que recordava a Astro de Cinema a rígida lei da hospitalidade de sua cultura.
Aqui estava ele no campo do inimigo, e suas dúvidas esvaneceram enquanto a empolgação acelerava seu ritmo cardíaco e lhe acendia um sorriso no rosto. Ele era o melhor no que fazia. Os israelenses, por quem fora treinado por tabela, jamais haviam chegado perto dele; e se eram incapazes de capturá-lo, os americanos também seriam. Tudo que precisava fazer era agir com cautela.
Em cada equipe de três havia um homem como ele, não tão experiente quanto Astro de Cinema, mas quase. Capaz de alugar um carro e dirigir em segurança. Apto a agir de forma educada e amistosa com todos que encontrasse.
Se um policial tentasse detê-lo, ele saberia ser contrito e apologético, perguntando o que fizera errado e depois pedindo orientação, porque as pessoas lembravam com mais clareza de quem havia sido hostil com elas. Apto a declarar ser médico, engenheiro ou qualquer outra coisa respeitável. Era fácil se você agia cautelosamente.
Astro de Cinema alcançou seu primeiro destino, um hotel de nível médio nas cercanias de Annapolis, e se registrou sob seu nome de disfarce, Dieter Kolb. Os americanos eram muito burros. Até sua polícia achava que todos os muçulmanos eram árabes, nunca lembrando que o Irã era um país ariano — a mesma identidade étnica que Hitler clamara para sua nação. Entrou em seu quarto e checou as horas. Se tudo corresse de acordo com os planos, eles se encontrariam dali a duas horas. Para ter certeza, discou para os números 0-800
para saber as linhas aéreas apropriadas — e perguntou sobre o horário de chegada dos voos. Todos chegariam na hora. Poderia haver algum problema com a alfândega, ou tráfego ruim, mas o plano dava margem para isso. Era um plano cauteloso.
Já estavam na estrada para sua próxima parada, que era Atlantic City, Nova Jersey, onde havia um enorme centro de convenções. Os vários modelos novos e conceituais de automóveis estavam embrulhados em plástico para proteger sua pintura, a maioria em trailers convencionais, mas alguns em trailers cobertos como aqueles usados por equipes de corrida. Um dos representantes do fabricante estava lendo os comentários escritos à mão que sua companhia solicitara às pessoas que haviam parado para ver seus produtos. O homem esfregou os olhos. Maldita dor de cabeça, maldita coriza. Torceu para não estar ficando doente. Também sentia-se dolorido. Era isso que você ganhava por passar o dia inteiro sob o respiradouro do ar-condicionado.
O telegrama oficial não foi inesperado. O secretário de Estado americano requeria uma consulta oficial com seu governo para discutir assuntos de interesse mútuo. Zhang sabia que não havia como evitar isso, e era melhor recebê-lo de forma amigável, protestando inocência — e inquirindo delicadamente se o presidente americano havia se enganado ou alterado uma antiga política americana durante sua entrevista coletiva à imprensa. Este aspecto da questão ajudaria a nivelar o diálogo com Adler. O americano provavelmente iria oferecer-se como intermediário entre Pequim e Taipé, na esperança de acalmar a situação. Isso seria útil.
Por enquanto, os exercícios continuavam, embora com um respeito maior pelo espaço neutro entre os dois conjuntos de forças. A atmosfera ainda estava quente, mas esfriando. A República Popular da China, seu embaixador já explicara em Washington, não tinha feito nada errado, não havia disparado o primeiro tiro, e não tinha interesse em iniciar hostilidades. O problema era com a província rebelde, e se a América simplesmente colaborasse para a solução óbvia do problema — havia uma China —, então o assunto seria resolvido, e rápido.
Mas os EUA há muito mantinham uma política que não fazia sentido para nenhum dos países envolvidos, querendo ser amistosa com Pequim e Taipé, tratando a segunda como a nação inferior que ela era, mas não se mostrando disposta a aceitar a conclusão lógica. Em vez disso, diziam que sim, havia apenas uma China, mas essa China única não tinha o direito de forçar seu governo à outra China, que, segundo a política oficial americana, não existia realmente. Essa era a consistência americana. Seria um grande prazer dizer isso ao secretário Adler.
— A República Popular da China tem o prazer de receber o secretário Adler no interesse da paz e da estabilidade regional. Ora, não é gentil da parte deles?
— disse Ryan, ainda em seu gabinete às nove da noite, imaginando que canal de TV seus filhos estariam assistindo sem ele. Devolveu a mensagem a Adler.
— Tem realmente certeza de que eles fizeram isso? — perguntou o secretário de Estado ao almirante Jackson.
— Se eu tiver de explicar isso mais uma vez, a fita vai acabar gasta.
— Sabe, às vezes as pessoas simplesmente fazem merda.
— Senhor, esta não foi uma dessas vezes — disse Robby, imaginando se ele teria de exibir a fita de vídeo novamente. — E eles já estão fazendo os exercícios de treinamento há um bom tempo.
— Oh? — exprimiu Ryan.
— Já se exercitaram tanto que seu equipamento deve estar começando a ficar gasto. Eles não são muito bons em manutenção, não tanto quanto nós.
Além disso, estão gastando um bocado de combustível. Este é o maior tempo que já os vimos permanecer no mar. Por que estão gastando suas coisas? Para mim, esse pequeno combate foi uma desculpa para voltarem para casa dizendo que marcaram um ponto.
— Estão tentando salvar o orgulho nacional — sugeriu Adler.
— Bom, depois disso eles reduziram o ritmo das operações. Não estão se aproximando da linha que mostrei a vocês. Os chineses de Taiwan estão totalmente alertas agora. Droga, talvez seja isso — opinou o J-3. — Você não ataca um inimigo emputecido. Primeiro você deixa que ele relaxe um pouco.
— Rob, você falou que um ataque de verdade não é possível — disse Ryan.
— Jack, na ausência de conhecimento de suas intenções, preciso julgar por capacidades. Eles podem realizar um conflito de grandes proporções no estreito, e provavelmente sairão vitoriosos se o fizerem. Talvez isso coloque pressão política suficiente em Taiwan para forçar algum tipo de grande concessão. Eles mataram pessoas — recordou Jackson aos outros dois. — Claro, o valor que eles depositam na vida humana não é o mesmo que o nosso, mas quando você mata pessoas você cruza outra linha invisível — e eles sabem como nós nos sentimos sobre isso.
— Mova o porta-aviões até lá — disse Adler.
— Por que, Scott?
— Presidente, isso me dá uma carta para jogar na mesa. Isso demonstra que estamos encarando o assunto seriamente. Conforme o almirante Jackson acaba de nos dizer, nós encaramos seriamente a perda de vidas, e eles terão de aceitar o fato de que não queremos e não iremos permitir que isso se repita.
— E se eles pressionarem do mesmo jeito? E se houver outro acidente que possa nos envolver?
— Presidente, essas são operações de guerra, e esse é o meu negócio.
Estacionaríamos o Ike na costa leste da ilha. Eles não poderão atingi-lo por acidente ali. Eles teriam de atravessar três cinturões de defesa para fazê-lo: a defesa de Taiwan no estreito, depois a ilha em si, e então a muralha que o comandante do grupo de batalha colocará. Eu também poderia colocar um Aegis na parte inferior do estreito para dar-nos cobertura completa de radar da passagem inteira. Isso, claro, se o senhor nos ordenar a mover o Ike. Qual seria a vantagem disso para Taiwan? Bem, quatro esquadrões de caças, mais cobertura aérea de radar. Isso fará com que se sintam mais — O que me permitirá jogar melhor — concluiu o secretário.
— Mas isso deixa o Índico descoberto. Faz muito tempo desde a última vez que fizemos isso. — Robby insistia em bater nessa tecla, notaram os outros dois.
— Não há mais nada lá? — indagou Jack. Percebeu que deveria ter averiguado isso antes.
— Um cruzador, Anzio, dois destróieres, duas fragatas: um grupo de reabastecimento baseado em Diego Garcia. Nunca deixamos Diego desprotegido por naus de guerra, não com as Naus de Pré-posicionamento lá.
Temos também um submarino classe 688 na área. E o bastante para fazer diferença, mas não o suficiente para projetar poder. Secretário Adler, o senhor entende o que um porta-aviões significa.
O secretário de Estado meneou a cabeça.
— As pessoas os levam a sério. E por causa disso que acho que precisamos de um na China.
— Ele tem um bom argumento, Rob. Onde o Ike está agora?
— Entre a Austrália e Sumatra. Deve estar se aproximando do estreito de Sunda. A COPA SUL de exercícios simulará um ataque indiano em sua costa noroeste. Se movermos o Ike agora, ele poderá ir até Formosa em quatro dias mais algumas horas.
— Coloque-a em movimento, Rob, com velocidade máxima.
— Sim, senhor — respondeu Jackson, dúvidas ainda visíveis no rosto.
Gesticulou para o telefone e, recebendo um aceno de cabeça, ligou para o Centro Nacional de Comando Militar.
— Aqui fala o almirante Jackson com ordens da autoridade nacional de comando. Execute GREYHOUND GLUE. Reconheça isso, coronel. — Robby ouviu e assentiu. — Muito bem, obrigado. — Então se virou para o seu presidente. — Certo, Ike se voltará para o norte em cerca de dez minutos e se moverá rapidamente para Taiwan.
— Tão rápido? — Adler permitiu-se mostrar-se impressionado.
— O milagre das comunicações modernas, e nós já tínhamos transmitido ordens de alerta ao almirante Dubro. Esta não será uma manobra sigilosa. O grupo de batalha trafegará por diversas rotas, e o público ficará ciente — alertou.
— Um pouco de cobertura da imprensa não fará mal — avaliou Adler. —Já fizemos isso antes.
— Bem, está aí sua carta para jogar em Pequim e Taipé — disse Ryan, tendo exercido mais uma ordem executiva, mas distantemente preocupado com o fato de Robby não estar satisfeito com ela. O que realmente dificultava a situação era o combustível. Um grupo de reabastecimento de frota teria de ser movido também, para encher os tanques das naus de escolta não-nucleares do Eisenhower.
— Você dirá o que sabemos sobre o combate? Adler balançou a cabeça.
— Não, definitivamente não. Será mais perturbador para eles se acharem que não sabemos.
— Oh? — Isso veio de um presidente um pouco surpreso.
— Então poderei decidir quando iremos descobrir isso, chefe, e quando isso acontecer, terei outra carta para jogar. Dessa forma, poderei transformar isso num trunfo. — Virou-se. — Almirante, não superestime a inteligência do seu inimigo. Diplomatas como eu não dominam tanto os aspectos técnicos do que vocês fazem. Isso também se aplica às pessoas em países diferentes. Elas desconhecem muitas de nossas capacidades.
— Essas pessoas têm espiões para mantê-las informadas — objetou Jackson.
— Acha que elas sempre escutam? Nós escutamos?
O J-3 piscou ao ouvir essa lição e arquivou-a mentalmente para futura referência.
Aconteceu num grande shopping center, uma invenção americana que parecia planejada para operações sigilosas, com suas diversas passagens de acesso, pessoas apressadas e anonimato quase perfeito. O primeiro contato não foi realmente um encontro. Não foi estabelecido nada mais do que contato visual, e isso a uma distância de menos de dez metros, enquanto os grupos passavam uns pelos outros. Em vez do contato direto, cada um dos subgrupos procedeu a uma contagem e confirmou visualmente as identidades. Em seguida, cada subgrupo checou os outros para verificar se eles não estavam sendo seguidos. Feito isso, todos retornaram para seus quartos de hotel. O encontro verdadeiro teria lugar no dia seguinte.
Astro de Cinema estava satisfeito. A audácia desse ato fora muito empolgante. Essa não era a missão relativamente simples de levar um idiota-bomba — mártir heroico, corrigiu a si mesmo —, para Israel, e a beleza disso era que se um dos subgrupos tivesse sido identificado, o inimigo não poderia dar-se ao luxo de ignorá-lo. Era possível orçar a oposição a mostrar a mão, e era melhor fazer isso num momento em que nenhum dos seus membros tivesse feito nada além de entrar no país com documentos de viagem falsos.
As dúvidas que se danassem, disse a si mesmo o líder de operação. Esta era a beleza pura de entrar no covil do leão, e era isso que o mantinha no ramo do terrorismo. E para que estava no covil do leão? Ele sorriu para os carros enquanto atravessava o estacionamento. Para pegar seus filhotes.
— E então, que você está fazendo? — perguntou Cathy no escuro.
— Scott parte para a China amanhã de manhã — respondeu Jack, deitado ao lado da esposa. As pessoas diziam que o presidente dos Estados Unidos era o homem mais poderoso do mundo, mas no fim do dia o exercício desse poder decerto parecia exauri-lo. Nem mesmo seu período em Langley, que exigia uma viagem de carro longa por dia, o havia cansado do jeito que este trabalho fazia.
— Para dizer o quê?
— Procurar acalmá-los, aplacar a situação.
— Tem mesmo certeza de que eles agiram deliberadamente?
— Sim. Robby tem certeza absoluta, quase como você com um diagnóstico — confirmou seu marido, olhando para o teto.
— E estamos negociando com eles? — indagou CIRURGIA.
— Precisamos.
— Mas...
— Querida, de vez em quando... droga, a maior parte do tempo, uma nação-Estado comete assassinato e sai impune. Meu dever é pensar no quadro geral, nas questões mais importantes, em coisas assim.
— Isso é horroroso — sentenciou Cathy.
— Sim, tenho certeza de que é. Este jogo precisa ser realizado segundo suas próprias regras. Se você fez droga, mais pessoas sofrem. Você não pode falar com uma nação-Estado do jeito como fala com um criminoso. Há milhares de americanos lá, executivos e outros. Se eu me exceder, coisas ruins poderão acontecer com eles, e então a situação se tornará ainda pior — explicou-lhe POTUS.
— O que pode ser pior do que matar pessoas? — indagou sua esposa-médica.
Jack não tinha uma resposta. Aceitara o fato de que não tinha todas as respostas para os jornalistas nas entrevistas coletivas, para as pessoas lá fora, ou mesmo para seus próprios assessores, ocasionalmente. Agora ele não tinha uma resposta nem mesmo para uma pergunta simples e lógica de sua esposa. O Homem mais poderoso do mundo?
— Claro.
Com esse pensamento, outro dia terminou na Pennsylvania Avenue 1600.
Até mesmo as pessoas importantes ficavam descuidadas, uma eventualidade facilitada por um pouco de criatividade da parte das pessoas mais cuidadosas. O Gabinete Nacional de Reconhecimento estava tentando manter vigília sobre dois lugares. Cada passagem dos satélites de reconhecimento sobre o Oriente Médio e agora o estreito de Formosa resultava numa quantidade imensa de fotos transmitidas para computadores, literalmente milhares de imagens que especialistas em interpretações de fotos precisavam examinar em seu novo prédio nas proximidades do Aeroporto de Dulles. Era apenas mais uma tarefa que não podia ser feita por computador. O estado de prontidão dos militares da URI tinha se tornado o fator de prioridade máxima para o governo americano, como parte da estimativa nacional especial de informação, ou SNIE, agora em preparação sob ordens da Casa Branca. Isso significava que a atenção inteira da equipe voltava-se nesse sentido e que, para cuidar dos outros assuntos, a maioria das pessoas estava trabalhando fora do expediente. Essas pessoas examinavam continuamente as fotos recebidas da China. Se a República Popular da China estava realmente prestes a fazer uma investida militar, então isso transpareceria sob muitos aspectos. As tropas do Exército de Libertação estariam treinando e mantendo seu equipamento, ou carregando seus tanques em trens e com isso as áreas de estacionamento pareceriam diferentes.
Os aviões estariam com armas penduradas em suas asas. Essas eram coisas que uma ligação por satélite revelaria. Dedicava-se mais cuidado a localizar navios no mar — isso era bem mais difícil, porque eles não ficavam em localizações fixas. A América ainda tinha três satélites-espiões no espaço, cada um deles fazendo duas passagens por dia sobre áreas de interesse, e essas passagens eram bem espaçadas de modo a proporcionar maior variedade de informações. Isso deixava os técnicos bem satisfeitos. Eles tinham uma alimentação contínua de dados com os quais firmar suas estimativas e assim prestar seu dever para com o presidente e o país.
Mas eles não podiam observar tudo em toda parte, e um lugar que não vigiavam era Bombaim, quartel-general oriental da Marinha indiana. As órbitas dos satélites KH-11 americanos eram bem definidas, assim como seus horários.
Logo depois que o satélite mais novo varria a área — com o segundo mais novo no outro lado do mundo —, vinha uma lacuna de quatro horas, que terminaria com a passagem do mais velho e menos confiável do trio. Felizmente, isso também coincidia com a maré alta.
Dois porta-aviões e suas escoltas, que haviam acabado de ser reparados, adentraram águas internacionais. Estariam conduzindo exercícios de treinamento no mar Arábico, caso alguém os notasse e perguntasse o que estavam fazendo.
Merda. O representante da Cobra acordou, sentindo-se um tanto febril.
Demorou alguns segundos até se orientar. Motel diferente, cidade diferente, iluminação de teto diferente. Correu os dedos atabalhoadamente até o comutador e pôs os óculos, franzindo os olhos para protegê-los da luz desconfortável, e procurou sua bolsa de viagem. Sim. Conjunto de barbear.
Levou-o até o banheiro, tirou o papel de proteção do copo e encheu-o com água. Abriu a tampa, à prova de crianças, da garrafa de aspirinas, colocou dois comprimidos na mão e engoliu-os com a água. Não devia ter tomado tantas cervejas no jantar, disse o representante de vendas para si mesmo, mas havia fechado um negócio bem decente com alguns golfistas profissionais, e cerveja sempre era um lubrificante apreciado pelos adeptos desse esporte. Ele se sentiria melhor pela manhã. Ex-profissional de turismo que não tinha sido bom o bastante para prosperar na área, era agora um representante de vendas muitíssimo bem-sucedido. Mas que diabo, pensou, voltando para a cama. Hoje sua rotina era mais tranquila, ele estava ganhando um dinheiro bem decente, e ainda podia jogar num campo de golfe diferente a cada semana, para melhor demonstrar os utensílios que vendia. Torceu para que a aspirina surtisse efeito.
Tinha um café de negócios marcado para as 8:30.
STORM TRACK E PALM BOWL estavam conectados por um cabo de comunicações de fibra ótica, para melhor compartilhar informações. Outro exercício de treinamento estava em andamento no antigo Iraque e este não era um CPX. As três corporações pesadas de unidades iranianas e iraquianas integradas estavam no campo. Rádios de localização de direção indicavam que as corporações estavam afastadas das fronteiras da Arábia Saudita e do Kuwait, e assim não se atribuíam riscos especiais a suas atividades, in:is as tropas ELINT estavam ouvindo atentamente para avaliar o nível de habilidade dos comandantes que movimentavam agora tanques e veículos de infantaria através das planícies amplas e secas do sudeste de Bagdá.
— Boas notícias, major — disse o tenente americano, segurando um telex.
Para variar, o SNIE da URI gerara alguma coisa positiva.
A trezentos quilômetros ao noroeste do Kuwait, num ponto a oito quilômetros ao sul do terraço — na verdade uma duna feita pelo homem — que marcava a fronteira entre o Reino e a URI, parou um caminhão. A tripulação desceu, anexou a extensão para a rampa de lançamento e disparou seu autômato Predator. Mas autômato era um termo obsoleto. Esta miniaeronave era um UAV (Unmanned Aerial Vehicle: veiculo aéreo não pilotado. (N. do T.), um espião azul e cinza, propelido por foguete. Levou cerca de vinte minutos para anexar as asas, correr o programa de diagnóstico da parte eletrônica, acionar o motor. Então ele foi lançado, o zumbido incômodo de seu motor diminuindo rapidamente enquanto subia até sua altitude de operação e rumava para o norte.
Produto de três décadas de pesquisa, o Predator era quase invisível, sendo difícil de detectar por radar devido ao seu tamanho pequeno, a inclusão de material absorvente de radar em seu projeto, e o fato de que sua velocidade de operação ser tão lenta que quando os modernos computadores de controle de radar conseguiam captá-lo, classificavam-no como um pássaro e o apagavam da tela do operador. A pintura cobrindo o casco era o mesmo produto supressor de infravermelho usado atualmente pela Marinha. Era feio e grudento a qualquer coisa que o tocasse — os técnicos precisavam espanar a areia de seu bebê o tempo todo —, mas isso era compensado pelo fato de que a cor imiscuía-se extremamente bem com a do céu. Armado apenas com uma câmera de TV, este subiu até uma altura de dezesseis mil quilômetros, e voou para norte sob o controle de outra equipe em STORM TRACK, para ficar de olho nos exercícios da URI. Tecnicamente, tratava-se de uma violação da soberania do novo país, mas um quilo de explosivos no UAV garantiria que se caísse no lugar errado, ninguém ficaria sabendo o que ele tinha sido. Uma antena direcional transmitia a captação da câmera para receptores no reino.
A conexão de fibra ótica retransmitiu o mesmo sinal para PALM BOWL, e quando uma mulher alistada na USAF ligou o monitor da sala, depararam com uma paisagem quase indiscernível enquanto os operadores do Predator guiavam-no ao seu destino.
— Será bom ver se eles sabem o que estão fazendo — observou o tenente para o major Sabah.
— Melhor se virmos que eles não estão fazendo nada — replicou pensativamente o oficial kuwaitiano.
Outros membros de sua família estavam cada vez mais preocupados. Já bastava, pensou o major, que o exército de seu país estivesse colocando-se discretamente num estado elevado de prontidão. Como os sauditas, os kuwaitianos que tinham adquirido entusiasticamente os melhores equipamentos que seu país pequeno mas rico podia pagar, consideravam que a manutenção dos tanques era uma tarefa para homens inferiores. Porém, ao contrário de seus primos sauditas, tinham experiência em estar no lado inferior de uma conquista.
Muitos deles haviam perdido familiares, e uma memória longa era característica comum nesta parte do mundo. Por essa razão, eles treinavam com vontade. O major Sabah sabia que não estavam nem próximos do nível dos americanos que os haviam ensinado, ou dos israelenses, que os tratavam com um desprezo distante. Seus compatriotas tinham, em primeiro lugar, aprendido como atirar.
Eles haviam queimado pelo menos um tubo de canhão por tanque na pura alegria de aprender essa habilidade, e usaram projéteis de verdade. Capazes agora de atingir seus alvos, sua tarefa atual era aprender a manobrar e lutarem movimento. Novamente, eles não podiam fazer isso bem, ainda não, mas estavam aprendendo. A crise em desenvolvimento enfatizava seu treino, e neste exato momento seus compatriotas estavam deixando seus postos nos setores bancário e comercial para montar veículos. Uma equipe de consultores americanos iria levá-los novamente para o campo, dar-lhes um problema de batalha, e observar seu desempenho. Embora doesse ao major o fato de que seus compatriotas, muitos deles parentes seus, não estivessem preparados, era fonte de orgulho saber que estavam se esforçando de verdade. Contudo, por mais brilhante que fosse, nunca ocorreu ao major o quanto seu exército estava próximo do modelo israelense: cidadãos aprendendo a lutar depois de terem aprendido, a duras penas, que não o sabiam.
— ESPADACHIM está acordado — ouviu Andréa Price em seu fone de ouvido. Eles estavam na cozinha, a comandante da segurança presidencial com os chefes das subseguranças, parados e bebericando café em torno de uma das mesinhas de metal usadas para preparar comida. — Roy?
— Outro dia rotineiro — disse o agente especial Altman. — Ela tem três cirurgias marcadas para esta manhã, depois uma palestra para alguns médicos espanhóis à tarde. São da Universidade de Barcelona. Dez médicos, oito homens, duas mulheres. Checamos os nomes com a polícia espanhola. Todos estão limpos. Nenhuma ameaça especial reportada contra CIRURGIÃ. Tudo indica que será mais um dia normal no trabalho.
— Mike? — falou para o agente especial Michael Brennan, protetor principal do Pequeno Jack.
— Bem, BAIXINHO tem uma prova de biologia no primeiro período de hoje e treino de beisebol depois da escola. É bom com a luva, mas precisa de ajuda com sua tacada — acrescentou o agente. — Fora isso, a mesma, mesma rotina.
— Wendy?
A agente especial Gwendolyn Merritt era a protetora principal de Sally Ryan.
— Prova de química para SOMBRA no terceiro período de hoje. Está ficando muito interessada em Kenny. Bom garoto, precisa cortar o cabelo e pôr uma gravata nova. Ela está pensando em ingressar na equipe feminina de lacrasse.
Algumas testas franziram com a revelação. Como se protege alguém sendo caçada por adolescentes com bastões?
— Quais são mesmo os antecedentes familiares de Kenny? — indagou Price.
Nem mesmo ela podia lembrar de tudo.
— O pai e a mãe são advogados. Cuidam principalmente de impostos.
— SOMBRA precisa melhorar seu gosto — observou Brennan para a diversão geral de todos à mesa. Ele era o piadista do grupo. — Há uma ameaça potencial nisso, Wendy.
— Hein? Qual?
— Se POTUS conseguir passar as novas leis de impostos, os pais do garoto vão ficar na merda.
Andréa Price riscou mais um item em sua lista matutina.
— Don?
— A rotina de hoje é a mesma de sempre, Introdução ao Desenho com Lápis Cera. Ainda não estou satisfeito com a organização, Andréa. Quero mais gente. Mais um dentro, e mais dois para vigiarem no lado sul — anunciou Don Russell. — Estamos expostos demais. Não temos profundidade defensiva suficiente. O perímetro externo é essencialmente o único, e não estou confortável com isso.
— CIRURGIÃ não quer que lotemos o lugar com gente armada. Você tem a si mesmo e a dois agentes do lado de dentro, três para apoio imediato, e um agente de vigilância do outro lado da estrada — recordou-o Price.
— Andréa, quero mais três. Estamos expostos demais lá — repetiu Russell.
Sua voz estava racional e profissional, como sempre. — A Primeira Família precisa ouvir-nos em questões profissionais.
— Que tal eu passar lá amanhã e dar uma olhada na situação novamente? — indagou Price. — Se eu concordar, falarei com o Patrão.
— Perfeito — assentiu o agente especial Russell.
— Mais algum problema com a Sra. Walker?
— Sheila tentou um abaixo-assinado com os outros pais da Giant Steps. Ela quer tirar CHOCALHO de lá, esse tipo de coisa. Mas, ao que parece, a Sra.
Daggett é conhecida como encrenqueira e mais da metade dos pais conhece os Ryan e gostam deles. Assim, ela não está conseguindo muita coisa. Mas você sabe qual é mesmo o meu maior problema?
— Qual, Don? Ele sorriu.
— A idade das crianças. Às vezes dou as costas para as crianças, elas se movem e quando me viro novamente não consigo dizer quem é CHOCALHO.
Você sabe que há dois tipos de cortes de cabelo para as menininhas, e metade das mães acha que Oshkosh é a única marca de roupas de criança.
— Don, isso é coisa de mulher — observou Wendy Merritt. — Se a primeira-caçula usa, tem de ser moda.
— Provavelmente a mesma coisa com o cabelo — acrescentou Andréa. — A propósito, esqueci de dizer. Pat O’Day quer um pequeno duelo com você — disse ao membro mais velho da segurança presidencial.
— O cara do FBI? — Os olhos de Russell acenderam. — Onde? Quando?
Diga-lhe para levar dinheiro, Andréa.
Ocorreu a Russell que ele merecia um pouco de diversão. Ele não perdia uma competição de tiro havia sete anos — o mesmo tempo em que não ficava resfriado.
— Estamos todos acertados? — perguntou Price aos seus agentes principais.
— Como vai o Patrão? — perguntou Altman.
— Ele anda bem ocupado. Tem dormido pouco.
— Quer que eu converse com CIRURGIÃ sobre isso? Ela costuma ficar de olho nele — disse Roy.
— Bem...
— Eu sei como. Puxa, Dra. Ryan, o Patrão anda se sentindo bem? Ele me pareceu um pouco cansado esta manhã... — sugeriu Altman.
Os quatro agentes trocaram olhares. Proteção presidencial era seu dever mais delicado. Este presidente ouvia a esposa tanto como se fosse um marido normal. Então por que não tornar CIRURGIÃ uma aliada? Os quatro assentiram imediatamente.
— Vai fundo — disse-lhe Price.
— Filho duma puta — imprecou o coronel Hamm em seu comando.
— Surpreendeu você, não foi? — perguntou delicadamente o general Diggs.
— Eles têm um espião infiltrado? — quis saber o comandante da Divisão Corcel Negro.
— Não, mas me pegaram de surpresa, Al. Eles não deixaram ninguém saber que tinham treinamento com IVIS. Bem, eu descobri ontem à noite.
— Um bom sujeito, senhor.
— A surpresa funciona nos dois sentidos, coronel — recordou-o Diggs.
— Mas como eles conseguiram fundos para isso?
— Seus senadores são muito bons, acho.
As unidades visitantes não traziam seu equipamento próprio para Forte Irwin, pelo motivo óbvio de que era caro demais transportá-lo. Em vez disso utilizavam veículos disponíveis na base, e esses eram topo de linha. Todos eles eram dotados de IVIS (Inter-Vehicular Informutiun Syitem: sistema de informação interna em veiculo. (N. do T.), uma conexão de dados em campo de batalha que projetava dados numa tela de computador dentro dos tanques. Era algo com que o 11º RCB dotara seus veículos (os verdadeiros, não os inimigos simulados) havia apenas seis meses. Aparentemente, um sistema simples para trocar dados — suas peças eram inclusive modulares, o que facilitava o reparo imediato quando algo quebrava —, oferecia à tripulação uma visão abrangente do campo de batalha, e, em poucos segundos, convertia informações de reconhecimento obtidas a duras penas em conhecimento geral. Os dados sobre um combate em desenvolvimento não se limitavam mais a um comandante atarefado. Agora os sargentos sabiam tudo que o coronel sabia, e o conhecimento ainda era a mercadoria mais valiosa conhecida pelo homem. Os operadores de tanque da Guarda da Carolina estavam plenamente treinados cm seu uso. Assim como os soldados da Corcel Negro, mas seus falsos veículos do OpFor soviético não o tinham.
— Coronel, agora sabemos o quanto o sistema é realmente bom. Ele derrotou o senhor. O conflito simulado havia sido sangrento. Hamm e seu oficial de operações haviam entrado uma emboscada diabólica, mas os Guerreiros de Fim de semana detectaram-na, evitaram-na e entraram numa batalha de manobra que pegara o OpFor inclinando-se na direção errada. Um contra-ataque ousado de um de seus comandantes de esquadrão quase salvara o dia, e aniquilara metade da Força Azul, mas não fora o suficiente. O primeiro conflito noturno fora vencido pelos mocinhos, e os soldados estavam comemorando como se tivessem acabado de jogar uma partida de basquete.
— Farei mais bonito da próxima vez — prometeu Hamm.
— A humildade faz bem à alma — disse Marion Diggs, apreciando o nascer do sol.
— A morte faz mal ao corpo, senhor — recordou-o o coronel.
— Baaaaaaaaa — disse Diggs, sorrindo enquanto caminhava ao seu Hummer particular. Até Al Hamm precisava de uma lição de vez em quando.
Puseram mãos à obra. Astro de Cinema cuidou de alugar os carros. Ele tinha identidades duplicadas, o suficiente para alugar quatro veículos, três carros de quatro portas e uma caminhonete U-Haul. Os carros de passeio foram selecionados para ser confundidos com os usados pelos pais que tinham crianças na creche. A caminhonete era para sua fuga — uma eventualidade que ele agora considerava provável e não meramente possível. Seus homens eram mais espertos do que ele previra. Ao passar por seu objetivo nos carros alugados, eles não viraram suas cabeças para fitar, mas permitiram que sua visão periférica abarcasse a cena. Já detinham o conhecimento exato a partir do modelo que haviam construído, baseados nos dados das fotografias de seu líder.
Passar pelo local concedeu-lhes uma visão melhor, tridimensional, e conferiu mais substância à sua imagem mental, e à sua confiança crescente. Com essa tarefa terminada, dirigiram para oeste, passaram pela Rota 50 e prosseguiram até uma casa de fazenda solitária no condado de Anne Arundel. A casa era propriedade de um homem que seus vizinhos pensavam ser um judeu nascido na Síria que vivia na área havia onze anos. Na verdade, ele era um agente adormecido. Nos últimos anos ele comprara discretamente armas e munições.
Todas as compras haviam sido legais e realizadas antes das restrições que a lei impusera a alguma dessas armas. Ele poderia ter escapado delas, de qualquer modo. Em seu casaco, Astro de Cinema tinha passagens de avião sob um nome e passaporte diferentes. Este era o ponto final de encontro. Eles trariam a criança para cá. Em seguida, seis deles deixariam prontamente o país, todos em voos separados, e os três remanescentes entrariam no carro particular do dono da casa e seguiriam para outra locação predeterminada, para aguardar o desenrolar da situação. A América era um país vasto, com muitas estradas. Os telefones celulares eram difíceis de ser rastreados. Eles dariam um trabalho infernal aos seus perseguidores, pensou Astro de Cinema. Ele sabia o que fazer, se a situação chegasse a esse ponto. A equipe com a criança teria um telefone celular. Ele teria dois, um para fazer chamadas rápidas para o governo americano, outro para ligar para os amigos. Eles exigiriam muito pela vida da criança, o bastante para jogar este país no caos. Talvez a criança até mesmo chegasse a ser libertada viva. Ele não tinha certeza disso, mas supunha que era possível.
42
Predator Caça
A CIA tem seu próprio laboratório fotográfico, é claro. O filme com as fotografias batidas pela janela do avião pelo agente de campo Domingo Chavez foi rotulado de uma maneira um pouco diferente daquela usada pelas lojas comerciais, e em seguida processado em equipamento padrão. Então o tratamento de rotina parou. O filme de 1200 ASA era muito granulado, produzindo fotos de qualidade ruim, e não era possível dar isso ao pessoal do sétimo andar. Os funcionários do laboratório fotográfico tinham conhecimento da importância daquelas fotos, e sabiam que a melhor forma de evitar ser despedido, neste ou em qualquer outro negócio, era sendo indispensável. Assim o rolo de filme entrou num sistema de aprimoramento computadorizado. Levou três minutos por quadro para converter as imagens em alguma coisa que parecesse ter sido tirada por um profissional com uma Hasselblad sob condições de estúdio. Menos de uma hora depois da chegada do filme, o técnico produziu uma série de fotos lustrosas 20x25, que identificava positivamente o passageiro do avião como Mahmoud Haji Daryaei, e proporcionava uma visão tão limpa e dramática de sua aeronave que o fabricante poderia tê-la usado num anúncio publicitário. O filme foi colocado num envelope e mandado para um cofre. As fotos foram armazenadas em forma digital em fita, sua identidade precisa — data, hora do dia, localização, fotografia, assunto — também foi codificada num registro computadorizado para remissão recíproca. Isso era o procedimento padrão. O técnico havia muito parará de dar atenção ao que revelava, embora ele ainda visse ocasionalmente alguém conhecido numa posição que jamais alcançaria a tela de TV... mas não este sujeito. Pelo que ouvira falar de Daryaei, o homem provavelmente não tinha muito interesse por meninos ou meninas, e a expressão amarga em seu rosto parecia confirmar isso.
Mas que diabo, ele tinha bom gosto para aviões, um G-IV, aparentemente.
Estranho, o código na cauda não era um registro suíço...?
Quando as fotos chegaram ao sétimo andar, um conjunto completo também foi destinado a um tipo diferente de análise. Um médico iria examiná-las cuidadosamente. Algumas doenças deixavam traços visíveis, e a CIA sempre ficava atenta para a saúde dos líderes estrangeiros.
— ... o secretário Adler partirá esta manhã para Pequim — disse Ryan zeles.
Arnie dissera zele que, por muito desagradáveis que fossem essas declarações à imprensa, ser visto na TV fazendo coisas presidenciais era bom para ele politicamente — e isso, Arnie sempre acrescentava, significava ser mais eficaz em seu trabalho. O presidente também lembrava de sempre ouvir de sua mãe o quanto era importante ir ao dentista duas vezes por ano, e assim como o cheiro antisséptico dos consultórios dentários assustava as crianças, ele também passara a odiar a umidade desta sala. As paredes vazavam, algumas das janelas estavam quebradas, e esta parte da Ala Oeste da Casa Branca era tão limpa e bem mantida quanto um armário de aluno de segundo grau, algo que os cidadãos não podiam perceber apenas assistindo pela TV. Embora a área ficasse apenas a alguns metros de seu próprio escritório, ninguém realmente dava muita importância a arrumar as coisas aqui. Jornalistas eram tão grossos que manter o lugar mais arrumado não faria diferença, assim afirmavam os funcionários da Casa Branca. E os jornalistas realmente não pareciam se importar com isso.
— Presidente, há mais alguma informação a respeito do acidente com o avião de passageiros?
— Foi anunciado que a contagem de corpos está completa. Os gravadores de registro de voo foram recuperados e...
— Teremos acesso às informações da caixa preta?
Porque chamavam de caixa preta quando ela era laranja? Jack sempre se perguntava isso, mas nunca chegava a uma resposta sensata.
— Já requisitamos o acesso, e o governo da República da China prometeu cooperação completa. Eles não precisam fazer isso. O avião está registrado nesse país, e a aeronave foi fabricada na Europa. Mas eles estão sendo prestativos. Reconhecemos e agradecemos por isso. Devo acrescentar que nenhum dos americanos sobreviventes se encontra em risco; alguns dos ferimentos são graves, mas não há risco de vida.
— Quem derrubou o avião? — perguntou outro jornalista.
— Ainda estamos analisando os dados e...
— Presidente, a Marinha tem dois navios classe Aegis nas imediações da China. O senhor deve ter uma boa ideia do que aconteceu.
Esse jornalista fizera seu trabalho de casa.
— Realmente não posso comentar mais nada. O secretário Adler discutirá o incidente com as partes envolvidas. Acima de tudo, queremos garantir que não haverá mais nenhuma perda de vida.
— Presidente, uma adicional: o senhor deve saber mais do que está dizendo.
Morreram 14 americanos nesse incidente. O povo americano tem o direito de saber o motivo.
O diabo era que o homem tinha razão. O diabo também era que Ryan precisava evadir-se:
— Realmente ainda não sabemos exatamente o que aconteceu. Não poderei fazer uma declaração definitiva até que saibamos.
O que era filosoficamente verdadeiro, afinal de contas. Ele sabia quem havia recebido o disparo. Não sabia o motivo. No dia anterior, Adler fora bem convincente em seus motivos para manter o assunto em segredo.
— O Sr. Adler retornou de algum lugar ontem. Por que isso é um segredo?
Era Plumber novamente, insistindo em sua pergunta do dia anterior. Vou matar Arnie por me expor desta forma o tempo todo.
— John, o secretário estava envolvido em consultas importantes. É tudo que tenho a dizer sobre o assunto.
— Ele estava no Oriente Médio, não estava?
— Próxima pergunta?
— Senhor, o Pentágono anunciou que o porta-aviões Eisenhower está se movendo para o mar do Sul da China. O senhor ordenou isso?
— Sim. Acreditamos que a situação merece toda nossa atenção. Temos interesses vitais nessa região. Devo frisar que não estamos tomando partido nesta disputa, mas iremos cuidar de nossos interesses.
— Mover um porta-aviões para lá irá esfriar ou aquecer a tensão?
— Obviamente, não estamos tentando piorar as coisas. Estamos tentando melhorá-las. É no interesse das duas partes darmos um passo para trás e pensarmos no que eles estão fazendo. Vidas foram perdidas — recordou-lhes o presidente. — Algumas dessas vidas eram americanas. Portanto, nosso interesse no assunto é direto. O motivo para termos um governo e um Exército é para cuidarmos dos interesses americanos e proteger as vidas de nossos cidadãos. As forças navais seguindo para essa região irão observar o que está acontecendo e conduzir operações de treinamento rotineiras. É só.
Zhang Han San olhou novamente as horas e comentou para si próprio que ela estava sendo uma bela forma de terminar seu dia de trabalho: a visão do presidente americano fazendo exatamente o que ele queria. Agora a China cumprira suas obrigações para com aquele bárbaro Daryaei. O oceano Índico estava desprovido de uma grande presença naval americana pela primeira vez em vinte anos. O ministro das Relações Exteriores dos EUA iria agora voar para Pequim, e os comentários habituais seriam trocados. Ele veria que concessões poderia obter dos EUA e de Taiwan. Talvez algumas concessões bastantes boas, pensou, graças aos problemas que os EUA certamente enfrentariam em outra parte...
Adler estava em seu escritório. Suas malas estavam prontas e em seu carro oficial, que o levaria até a Casa Branca para pegar um helicóptero até o aeroporto internacional de Andrews após um aperto de mão presidencial e um breve discurso de despedida que seria leve como mingau de aveia. A saída mais dramática pareceria bem na TV, faria sua missão parecer uma questão importante, e causaria rugas adicionais cm suas roupas — mas a tripulação da Força Aérea tinha uma tábua de passar a bordo do avião.
— O que sabemos? — perguntou o subsecretário Rutledge.
— O míssil estava a bordo de um caça da República Popular da China. Isso é absolutamente positivo, a julgar pelas fitas de radar da Marinha. Não fazemos a menor ideia do motivo, embora o almirante Jackson seja muito positivo em dizer que não foi acidente.
— Como foi em Teerã? — inquiriu outro secretário-assistente.
— Equívoco. Colocarei o encontro por escrito no avião e enviarei por fax para vocês — disse Adler.
Ele também estava pressionado pelo tempo, e não tivera o suficiente para refletir sobre seu encontro com Daryaei.
— Precisaremos disso, se quisermos ser úteis na SNIE — frisou Rutledge.
Ele realmente queria esse documento. Com ele, Ed Kealty poderia provar que Ryan estava aplicando novamente seus velhos truques, dando uma de agente secreto, e até instigando Scott Adler a fazer o mesmo. A chave para destruir a legitimidade política de Ryan estava lá fora, em algum lugar. Ele estava se esquivando bem dos golpes, e sabendo contra-atacar, sem dúvida alguma graças ao seu treinador Arnie van Damm, mas sua gafe no dia anterior a respeito da política para com a China causara rebuliço no prédio. Como muitas pessoas no Estado, ele queria que Taiwan simplesmente desaparecesse, possibilitando à América manter relações normais com a mais nova superpotência do planeta.
— Uma coisa por vez, Cliff.
A reunião voltou a abordar a questão da China. Por consentimento mútuo, ficou decidido que o problema da URI deveria ser esquecido durante os próximos dias.
— A Casa Branca decidiu alguma mudança na política para com a China? — indagou Rutledge.
Adler balançou a cabeça.
— Não. O presidente está apenas tentando falar sobre a situação... e sim, eu sei, ele não devia ter chamado a República da China de China, mas talvez isso tenha balançado um pouco o pessoal lá de Pequim, e não estou descontente de todo com isso. Eles precisam aprender a não matar americanos. Cruzamos uma linha aqui, pessoal. Uma das coisas que tenho a fazer é deixar que eles percebam que encaramos seriamente essa linha.
— Acidentes acontecem — observou alguém.
— A Marinha diz que não foi acidente.
— Convenhamos, secretário — resmungou Rutledge. — Por que diabos eles fariam isso de propósito?
— O nosso trabalho é descobrir. O almirante Jackson colocou muito bem o seu ponto de vista. Se você é um tira na rua e tem um assaltante armado à sua frente, atiraria numa velhinha do outro lado do quarteirão?
— Por acidente, claro — persistiu Rutledge.
— Cliff, há acidentes e acidentes. Este matou americanos, e caso alguém nesta casa tenha esquecido, devemos encarar isso seriamente.
Não estavam acostumados a esse tipo de reprimenda. Que bicho havia mordido Adler, afinal? O trabalho no Departamento de Estado era manter a paz, para impedir conflitos que matavam pessoas aos milhares. Acidentes eram acidentes. Eram lamentáveis, mas aconteciam, como câncer e ataques cardíacos. Supunha-se que o Estado devia lidar com o quadro geral.
— Obrigado, presidente.
Ryan deixou o pódio, tendo mais uma vez sobrevivido às pedradas e flechadas da mídia. Olhou as horas. Droga. Ele perdera a hora de se despedir das crianças indo para a escola — de novo — e também não dera um beijo de despedida em Cathy. Onde está escrito na Constituição que o presidente não era um ser humano?
Ao chegar ao seu escritório, Ryan correu os olhos pela folha com seu cronograma diário impresso. Dali a uma hora, o bota-fora de Adler. Às dez da manhã, reunião com Winston sobre os detalhes de suas mudanças administrativas no Tesouro. Arnie e Callie às 11 sobre seus discursos na semana seguinte. Almoço com Tony Bretano. Um encontro depois do almoço com... quem? Os Mighty Ducks de Anaheim? Ryan balançou a cabeça. Ah, sim. Eles tinham vencido a Stanley Cup, e esta seria uma oportunidade de divulgação para eles e para ele. Precisava ter uma conversinha com Arnie sobre essas baboseiras políticas. Hum! Devia manter Ed Foley para fazer isso, pensou Jack com um sorriso. Ele era fanático por hóquei...
— Você está atrasado — disse Don Russell enquanto Pat O’Day deixava Megan. O inspetor do FBI passou por ele, viu o casaco e o cobertor de Megan e retornou.
— Faltou energia ontem à noite e desligou meu radiorrelógio — explicou.
— Grande dia planejado. Pat meneou a cabeça.
— Dia burocrático. Preciso terminar algumas coisas... você conhece a rotina. Ambos conheciam. Era essencialmente editar e indexar relatórios, uma função de secretariado que em casos sensíveis frequentemente era realizada, a contragosto, por agentes armados.
— Ouvi dizer que você está querendo um duelozinho — disse Russell.
— Disseram que você é danado de bom.
— Com justiça, acho — gabou-se o agente do Serviço Secreto.
— Sim, eu também mantenho os tiros dentro das linhas.
— Usa o SigSauer?
O agente do FBI balançou a cabeça.
— Smith 10767 inoxidável.
— Dez milímetros.
— Faz um buraco maior — comentou O Day.
— Nove sempre bastou para mim — reportou Russell. Então ambos riram.
— Você é bom de taco, também? — perguntou o agente do FBI.
— Não desde o segundo grau, Pat. Vamos combinar a aposta?
— Precisa ser sério — considerou O Day.
— Caso de Samuel Adams? — sugeriu Russell.
— Uma aposta honrada, senhor — concordou o inspetor.
— Que tal em Beltsville? — Esse era o local da Academia do Serviço Secreto. — A galeria externa. Ambientes fechados sempre são muito artificiais.
— Disputa padrão de combate?
— Há anos não disparo em alvos. Não espero que um dos meus agentes seja atacado por um pontinho preto.
— Amanhã? — Parecia uma boa diversão de sábado.
— Provavelmente é um pouco perto demais. Posso verificar. Saberei esta tarde.
— Don, temos um acordo. E que vença o melhor. Apertaram-se as mãos.
— O melhor vencerá, Pat. Ele sempre vence.
Ambos sabiam quem seria esse homem, embora um deles tivesse de estar errado. Ambos também sabiam que o outro seria um bom sujeito para ter na sua retaguarda, e que a cerveja teria um ótimo gosto, qualquer que fosse o resultado da contenda.
As armas não eram totalmente automáticas. Um bom armeiro poderia tê-las alterado, mas esse não era o caso do agente adormecido. Astro de Cinema e o seu grupo não se importaram muito com isso. Eram atiradores bem treinados e sabiam que as armas totalmente automáticas eram boas apenas para três pentes de balas, caso o atirador não tivesse os braços de um gorila — depois disso, a arma escoiceava e você fazia buracos no céu e não no alvo, que poderia começar a atirar em resposta. Não haveria tempo nem espaço para um segundo pente de balas, mas eles estavam familiarizados com o tipo de arma, a versão chinesa da AK-47 soviética, por sua vez um aperfeiçoamento de uma pistola alemã da década de 40. A arma utilizava pentes de 7.62mm. Os pentes acolhiam trinta balas cada um. Os membros da equipe usaram fita flexível para duplicar os pentes, inserindo-os e ejetando-os para certificar-se de que todos encaixavam apropriadamente. Com essa tarefa completada, retomaram seu exame do objetivo. Cada um conhecia seu lugar e sua tarefa. Cada um conhecia também os riscos envolvidos, mas não se deixavam abater por eles. Astro de Cinema sabia que aqueles homens estavam envolvidos apenas na natureza da missão. Eram tão desumanizados por seus anos de atividade dentro da comunidade terrorista que, embora para a maioria esta fosse sua primeira missão real, pensavam única e exclusivamente em provar sua coragem. Como fariam isso era o que menos importava.
— Eles vão tentar negociar um monte de coisas — disse Adler.
— Acha? — perguntou Jack.
— Pode apostar. Nação mais favorecida, disputas de copyright... tudo que você possa imaginar.
O presidente franziu a testa. Parecia obsceno colocar a proteção de copyright para os CDs de Barbra Streisand ao lado do homicídio de tantas pessoas, mas...
— Sim, Jack. Eles simplesmente não pensam sobre essas coisas da mesma forma que nós.
— Lendo minha mente?
— Sou um diplomata, lembra? Acha que só ouço o que as pessoas dizem em voz alta? Droga, se eu fizesse isso, nunca fecharia uma só negociação. É como jogar um longo jogo de cartas com apostas baixas, sempre tedioso e tenso.
— Tenho pensado no custo das vidas...
— Eu também — replicou com um aceno de cabeça o secretário de Estado. — Você não pode pensar muito nisso. No contexto deles, isso é sinal de fraqueza.
Mas você também não pode esquecer.
Esse comentário fez seu comandante-em-chefe levantar-se abruptamente.
— Por que temos sempre de respeitar o contexto cultural deles? Por que eles nunca parecem respeitar o nosso? — inquiriu POTUS.
— Sempre foi assim no Estado.
— Isso não responde à pergunta — asseverou Jack.
— Presidente, se abordarmos essa questão com muita insistência, estaremos nos oferecendo como reféns. O outro lado sempre saberá que poderão pendurar algumas vidas sobre nós e usá-las para nos pressionar. Isso lhes concederá uma vantagem.
— Apenas se permitirmos. Os chineses precisam de nós tanto quanto precisamos deles... mais, com o excedente comercial. Tirar vidas é uma forma de jogar duro. Podemos jogar duro também. Sempre me perguntei por que não o fazemos.
O secretário de Estado ajustou os óculos.
— Senhor, não discordo disso, mas é preciso pensar nessa questão com muito cuidado, e não dispomos de tempo para fazê-lo agora. Você está falando sobre uma mudança doutrinai na política americana. Não podemos entrar de cabeça numa coisa tão grande.
— Quando você retornar, vamos tirar um fim de semana com mais alguns outros para considerarmos nossas opções. Não gosto do que temos feito num sentido moral, e não gosto porque isso nos torna previsíveis demais.
— Como assim?
— Jogar segundo um determinado conjunto de regras é bom, contanto que todos sigam as mesmas regras. Mas seguir um conjunto de regras conhecido quando o adversário não fez isso apenas nos torna um alvo fácil — especulou Ryan. — Por outro lado, se o adversário quebrar as regras e fizermos o mesmo em seguida, talvez de uma forma diferente, mas ainda assim quebrando as regras, estaremos dando-lhes algo com que pensar. Com os seus amigos você quer ser previsível; com os inimigos, quer que saibam que se mexerem com você sairão machucados. A parte que devemos tornar imprevisível é o quanto eles sairão machucados.
— O que o senhor está dizendo não é de todo sem mérito, presidente. Parece um bom assunto para um fim de semana em Camp David. — Ambos pararam de falar quando o helicóptero pousou no heliporto. — Meu motorista chegou. Está com a sua declaração?
— Sim, e tão dramática quanto a previsão do tempo num dia ensolarado.
— É assim que o jogo é feito, Jack — disse o secretário de Estado.
Adler refletiu que Ryan estava ouvindo muito essa música. Não era de admirar que estivesse começando a ficar irritado com ela.
— Nunca participei de um jogo no qual eles não tenham mudado as regras em algum momento. No beisebol eles designam um batedor quando precisam anuviar as coisas — comentou casualmente POTUS.
Designar um batedor, pensou o secretário de Estado a caminho da porta.
Grande escolha de palavras...
Quinze minutos depois, Ryan observou o helicóptero decolar. Ele apertara a mão de seu secretário para as câmeras, fizera um comentário breve para as câmeras, parecendo sério mas animado para as câmeras. Talvez a C-SPAN tivesse coberto o evento ao vivo, mas ninguém mais o fizera. Se aquele fosse um dos dias mortos para notícias — como costumavam ser as sextas-feiras em Washington —, o evento teria um minuto ou dois nos telejornais noturnos. Mas era mais provável que não. Sexta-feira era o dia em que a mídia eletrônica resumia os eventos da semana, reconhecia alguma pessoa ou outra por ter feito uma coisa ou outra, e colocava matérias mais leves no ar.
— Presidente! — Jack virou-se para ver NEGOCIANTE, seu secretário do Tesouro, chegando alguns minutos mais cedo.
— Oi, George.
— Sabe aquele túnel entre aqui e o meu prédio?
— Que tem ele?
— Dei uma olhada hoje de manhã. Está uma tremenda bagunça. Você tem alguma coisa contra mandar limpá-lo? — perguntou Winston.
— George, essa é uma função do Serviço Secreto, e você é o dono deles, lembra?
— Sim, eu sei, mas como o túnel vem até a sua casa, pensei em pedir sua opinião. Certo, vou mandar dar um jeito nele. Pode ser uma boa alternativa nos dias de chuva.
— Como está indo o plano de impostos? — indagou Ryan, a caminho da porta. Um agente abriu e a segurou para que ele passasse. Esse tipo de coisa ainda incomodava Jack. Um homem precisava fazer algumas coisas sozinho.
— Os modelos de computador estarão prontos. Eu realmente quero tudo previsto: neutralidade em relação ao volume de renda, mais facilidade para os pequenos, mais justiça para os grandes. E meu pessoal está pesquisando a fundo a questão da economia administrativa. Meu Deus, Jack, eu estava errado sobre isso!
— Que você quer dizer? — Dobraram a esquina para o Salão Oval.
— Pensei que eu era a única pessoa que pagava alto para se esquivar do imposto de renda. Todo mundo faz isso. É uma indústria imensa. Muita gente vai ficar sem trabalho...
— E devo ficar feliz com isso?
— Todos vão achar trabalho honesto, exceto os advogados, talvez. E faremos os contribuintes economizarem alguns bilhões de dólares dando-lhes um formulário de imposto de renda que eles possam entender com matemática de primeiro grau. Presidente, o governo não insiste que as pessoas comprem chicotes para seus cavalos, insiste?
Ryan mandou sua secretária chamar Arnie. Ele queria um pouco de orientação política nas ramificações do plano de George.
— Sim, almirante?
— O senhor pediu um relatório sobre o grupo Eisenhower — disse Jackson, caminhando até o mapa de parede e consultando uma tira de papel. — Eles estão bem aqui, operando a uma boa velocidade. — O bip de Robby começou a vibrar em seu bolso. Pegou-o e olhou o número. Levantou as sobrancelhas. — Senhor, eu posso...?
— Tudo bem — disse o secretário Bretano.
Jackson pegou o telefone do outro lado da sala, discando cinco dígitos.
— Aqui fala J-3... oh? Onde eles estão? Então vamos descobrir, não vamos, comandante? Correto. Colocou o fone de volta. — Esse foi o NMCC. O NRO reporta que a Marinha indiana está desaparecida... seus dois porta-aviões, quero dizer.
— Que significa isso, almirante?
Robby caminhou de volta até o mapa e correu a mão ao longo da parte azul a oeste do subcontinente indiano.
— Trinta e seis horas desde a última vez que checamos. Acho que leva três horas para deixar o porto entrar em formação... vinte nós vezes 33 é 660 milhas náuticas, seiscentos e setenta milhas terrestres... estão entre seu porto e o cume da África. — Ele se virou. — Secretário, eles têm dois porta-aviões, nove escoltas e um grupo de reabastecimento desaparecido de seus estaleiros. Os navios-tanques significam que eles planejam ficar fora algum tempo. Não temos nenhuma informação dos serviços secretos a esse respeito. — Como sempre, não acrescentou Robby.
— Então, onde estão exatamente?
— Esse é o caso. Não sabemos. Temos algumas aeronaves Orion P-3
baseadas em Diego Garcia. Eles vão lançar algumas para fazer reconhecimento.
Podemos designar alguns recursos de satélites para a função também.
Precisamos contar isto ao Estado. Talvez a embaixada possa descobrir alguma coisa.
— Justo. Direi ao presidente em alguns minutos. Mais algum motivo de preocupação?
— Talvez eles estejam apenas fazendo um teste depois de completar reparos; nós balançamos a gaiola deles com força há um tempo, lembra?
— Mas agora os únicos dois porta-aviões no oceano Índico são de outra nação?
— Precisamente, senhor.
— E nosso porta-aviões mais próximo está navegando na direção errada.
Mas pelo menos o secretário de Defesa estava entendendo.
Adler estava num antigo Força Aérea Um, uma versão velha mas sólida do venerável 707-320B. Sua comitiva oficial consistia em oito pessoas, assistidos por cinco comissários da Força Aérea. Olhou seu relógio de pulso, calculou o tempo de viagem — teriam de parar para reabastecer na Força Aérea de Elmendorf no Alasca —, e decidiu que dormiria um pouco para compensar sua última desorientação de fuso horário. Que pena, pensou, que o governo não tivesse um programa de recompensa por milhagem. Se tivesse, ele viajaria de graça para o resto da vida. Por ora, pegou suas anotações sobre Teerã e começou a examiná-las novamente. Fechou os olhos, tentando recordar detalhes adicionais enquanto revivia a experiência desde sua chegada em Mehrabad até a saída, cada episódio. De cinco em cinco minutos, abria os olhos, folheava suas notas e rabiscava alguns comentários à margem. Com sorte, ele poderia datilografar e enviá-los por fax seguro para a equipe de SNIE em Washington.
— Ding, talvez haja outra carreira à sua espera — observou Mary Pat enquanto examinava a foto através de uma lente ampliadora. Em seguida, sua voz soou desapontada. — Ele parece saudável.
— Será que ser tão filho da puta aumenta a longevidade? — indagou Clark.
— Até agora tem funcionado para você, Sr. C. — brincou Chavez.
— Vou ter que ouvir isso pelos próximos trinta anos.
— Mas pense só nos belos netos que você tem, jefe. E bilíngues.
— Podemos voltar ao trabalho? — sugeriu a Sra. Foley, tarde de sexta-feira ou não.
Não é nada divertido passar mal num avião. Tentou imaginar se tinha sido alguma coisa que comera, ou talvez algum vírus que pegara em San Francisco na feira de informática, com toda aquela gente amontoada. O executivo era um viajante experiente, e o estojo de primeiros socorros pessoal estava sempre ao seu lado. Nele, em meio a lâminas de barbear e coisas do gênero, encontrou um pouco de Tylenol. Engoliu duas cápsulas com uma taça de vinho e decidiu que tentaria dormir um pouco. Com sorte, estaria se sentindo melhor quando seu voo chegasse a Newark. Com toda certeza, não queria dirigir para casa sentindo-se daquele jeito. Empurrou a poltrona para trás até o fim, desligou a luz, fechou os olhos.
Chegou o momento. Os carros alugados afastaram-se da casa da fazenda.
Cada motorista conhecia a rota de ida e volta até o objetivo. Em seus veículos não havia mapas ou outros materiais escritos além de fotos de sua presa. Se algum deles sentia-se perturbado em sequestrar uma criança pequena, não demonstrava. Suas armas estavam carregadas e guardadas em segurança, cada qual numa maleta própria pousada no assoalho, coberta por um pano. Todos usavam ternos de modo que, se um carro de polícia passasse por eles, os tiras veriam apenas três homens bem arrumados, provavelmente executivos em seus carros particulares. A equipe considerava essa última parte divertida. Astro de Cinema era um aficionado por boa aparência, provavelmente, todos pensaram, devido à sua própria vaidade.
A chegada dos Mighty Ducks não causou nenhuma sensação na agente Price. Ela já vira tudo aquilo antes. Os homens mais poderosos entravam neste palácio e se tornavam crianças dentro dele. O que para ela e seus colegas era apenas parte do cenário, as pinturas e coisas do gênero, para outros eram os adornos do poder supremo. E em certo aspecto, admitiu Price para si mesma, eles estavam certos e ela estava errada. Qualquer coisa podia se tornar rotina depois de uma certa dose de repetição, mas os visitantes, vendo tudo pela primeira vez, talvez vissem as coisas com mais clareza. O processo ajudava nesse sentido, enquanto eles passavam por detectores de metal sob os olhos vigilantes dos membros da divisão uniformizada. Fizeram uma excursão rápida enquanto o presidente e o secretário de Defesa terminavam sua reunião, que estava passando da hora. Os jogadores de hóquei, trazendo presentes para o presidente — os adesivos e flâmulas usuais, mais um suéter do time com o nome de Jack Ryan nele (na verdade, tinham suéteres personalizados para a família inteira) —, passaram pela porta da Entrada Leste, olhos perscrutando as decorações nas paredes pintadas de branco daquele que era, para Andréa, seu ambiente de trabalho; para eles, um local especial e poderoso. Um dualismo interessante, pensou, caminhando até Jeff Raman.
— Estou saindo para checar a segurança de CHOCALHO.
— Soube que Don está um pouco preocupado. Algo que eu precise saber?
Ela balançou a cabeça.
— POTUS não está planejando nada especial. Callie Weston virá mais tarde. Eles alteraram o horário dela. Fora isso, só rotina.
— Ótimo — disse Raman.
— Aqui é Price — disse ela em seu microfone. — Mostre-me em trânsito até CHOCALHO.
— Entendido — replicou o comandante de posto.
A chefe da Segurança Presidencial seguiu o caminho pelo qual os Mighty Ducks haviam chegado, e virou à esquerda até seu carro pessoal, um Ford Crown Victoria. O veículo parecia comum, mas não era. Debaixo do capo havia o maior motor padrão feito pela Ford. O veículo era provido de dois telefones celulares e um par de rádios de segurança. Os pneus tinham discos de metal embutidos, de modo que ainda que um deles esvaziasse, o carro continuaria andando. Como todos os membros da Segurança Presidencial, ela fizera o curso de direção evasiva do Serviço Secreto em Beltsville — era algo que todos eles adoravam. E em sua bolsa havia uma SigSauer 9mm automática, juntamente com dois pentes de balas de reserva, mais seu batom e cartões de crédito.
Price era uma mulher de aparência bastante comum. Não era bonita como Helen D Augustino... a lembrança a fez suspirar. Andréa e Daga tinham sido íntimas. Daga apoiara-a durante um divórcio e arrumara alguns encontros com rapazes. Boa amiga, boa agente, morta com todos os outros naquela noite no Capitólio. Daga — ninguém no Serviço a chamava de Helen — fora abençoada com uma silhueta mediterrânea que ficava à beira do voluptuoso, e isso sempre lhe proporcionava um bom disfarce. Ela simplesmente não parecia uma tira.
Adida, secretária ou amante do presidente, talvez... mas Andréa era mais comum, e assim ela adotava os óculos escuros usados pela maioria dos agentes na segurança presidencial. Ela era extremamente prática, e talvez um pouco tensa demais. Haviam dito isso a seu respeito uma vez, na época em que era uma novidade mulheres se alistarem e portarem armas. O sistema já superara isso. Agora ela era um dos rapazes, ao ponto de que ela ria das piadas e contava algumas também. Na noite da catástrofe no Capitólio, colocar ESPADACHIM e sua família em segurança valera-lhe uma promoção imediata. Andréa sabia que devia muito a Ryan. Ele a promovera porque gostava da forma como ela fazia as coisas. Andréa jamais teria chegado a chefe da Segurança Presidencial tão rapidamente se não fosse a decisão instantânea de Ryan. Sim, ela tinha a perícia necessária. Sim, ela conhecia muito bem os membros da Segurança Presidencial. Sim, ela amava realmente o trabalho. Mas ela era jovem para a responsabilidade e mulher. Contudo, POTUS não parecia se importar com nenhuma das duas coisas e não a escolhera porque ela era mulher e porque isso pareceria bom ao eleitorado.
Ele fizera isso porque ela fizera bem seu serviço durante um momento difícil. Isso legitimava sua promoção e tornava ESPADACHIM uma pessoa especial. Ele até mesmo pedia sua opinião sobre coisas. Isso era único.
Ela não tinha marido. Não tinha filhos, provavelmente jamais teria. Andréa Price não era uma das mulheres que decidem abandonar a feminilidade para perseguir uma carreira. Ela queria tudo, mas não conseguira fazer isso. Sua carreira era importante — ela não podia pensar em nada mais vital ao seu país do que aquilo que fazia —, e a boa notícia era que a carreira exigia tanto que Andréa mal tinha tempo de pensar no que estava perdendo... um homem bom com quem compartilhar sua cama, uma vozinha chamando-a de mãe. Mas quando dirigia sozinha, Andréa pensava nisso. Como agora, subindo a New York Avenue.
— Não somos tão liberadas assim, não é mesmo? — perguntou ao para-brisa.
Mas o Serviço não lhe pagava para ser liberada. O Serviço lhe pagava para cuidar da Primeira Família. Quanto à sua personalidade e vida, era para isso que existiam as horas de folga, embora as obrigações não lhe permitissem muitas.
O inspetor O’Day já estava na Rota 50. Sexta-feira era o melhor dia. Já fizera todas as obrigações da semana. Sua gravata e seu terno estavam pousados no assento ao seu lado, e ele estava novamente com sua jaqueta de couro e seu boné da sorte do John Deere, sem o qual ele jamais consideraria jogar golfe ou caçar. Neste fim de semana tinha uma tonelada de coisas para fazer em casa.
Megan ajudaria com muitas delas. De algum modo ele sabia. Pat não entendia completamente. Talvez fosse instinto. Talvez ela apenas respondesse à devoção do pai. Qualquer que fosse o motivo, ambos eram inseparáveis. Em casa, ela só saía do seu lado para dormir, e só depois de um grande abraço e um beijo, seus bracinhos apertando o pescoço do pai. O Day riu sozinho.
— Que sujeito durão eu sou.
Russell supunha que era seu instinto de avô. Todos esses diabinhos. Eles estavam brincando lá fora agora, cada um com seu casaco, metade deles usando os capuzes, porque crianças gostam disso por alguma razão. Estavam brincando para valer. CHOCALHO estava na caixa de areia, juntamente com a filhinha de O’Day, com quem tanto se parecia, e um menininho — o filho dos Walker, o garotinho daquela chata do Volvo. A agente Hilton estava lá fora também, supervisionando. Estranhamente, eles podiam relaxar mais aqui fora. O playground ficava no lado norte do prédio da Giant Steps, sob a visão direta da equipe de apoio do outro lado da rua. O terceiro membro da equipe estava lá dentro ao telefone. Ela geralmente trabalhava na sala dos fundos, onde ficavam os monitores de TV. As crianças a conheciam como tia Anne.
Frágil demais, disse Russell para seus botões, enquanto observava as criancinhas divertindo-se da forma mais pura possível. No caso mais extremo, alguém poderia passar pela Ritchie Highway e metralhar o lugar. Tentar convencer os Ryan a não mandar Katie para cá fora perda de tempo e, claro, eles queriam que sua caçula fosse uma menina normal. Mas...
Mas tudo aquilo era loucura, não era? Toda a vida profissional de Russell orbitara cm torno do conhecimento de que havia pessoas que odiavam o presidente e todos à sua volta. Algumas dessas pessoas eram loucas. Algumas eram outra coisa. Ele estudara a psicologia disso. Precisara estudar, porque aprender sobre essas pessoas ajudava a prever o que procurar, mas isso não era o mesmo que entendê-las. Essas eram crianças. Até mesmo a porra da Máfia não machucava crianças. Às vezes, ele invejava o FBI por sua autoridade em perseguir sequestradores. Resgatar uma criança e prender o criminoso nesse tipo de caso devia ser um momento doce, embora parte dele questionasse o quanto seria difícil trazer esse tipo de meliante vivo, em vez de mandá-lo ouvir seus direitos de Miranda da boca de Deus. Esse pensamento aleatório provocou um sorriso. Ou talvez o que realmente acontecia fosse ainda melhor. Os sequestradores passavam maus bocados na prisão. Até mesmo assaltantes empedernidos não tinham estômago para quem abusava de crianças, e assim esse tipo de meliante precisava aprender um novo tipo de recrearão nas prisões federais: sobrevivência.
— Russell, posto de comando — disse seu fone auricular.
— Russell falando.
— Price está vindo para cá conforme você requisitou — comunicou o agente especial Norm Jeffers da casa do outro lado da rua. — Diz que chegará em quarenta minutos.
— Certo. Obrigado.
— Vejo que o menino dos Walker está prosseguindo seus estudos em engenharia — prosseguiu a voz.
— Sim. Talvez ele vá fazer pontes em seguida — concordou Don.
O menino, que era mais novo que as duas garotas, estava edificando o segundo nível de seu castelo de areia, para a absoluta admiração de Katie Ryan e Megan O Day.
— Espero que o senhor goste, presidente — disse o capitão de equipe.
Ryan deu uma gargalhada gostosa e mostrou o suéter sobre o corpo para as câmeras. A equipe se reuniu em torno dele para a tomada.
— Meu diretor da CIA é um grande fã de hóquei — disse Jack.
— Mesmo? — comentou Bob Albertsen. Era um defensor bastante musculoso, o terror de seus adversários, mas agora estava dócil como um gatinho.
— Sim, ele tem um garoto que é muito bom; jogou no campeonato juvenil na Rússia.
— Então ele deve ter futuro. Que escola ele frequenta?
— Não tenho certeza de quais são as faculdades que eles estão cogitando.
Acho que disseram alguma coisa sobre Eddie querer fazer engenharia.
Jack pensou no quanto aquilo era agradável; conversar de vez em quando sobre coisas normais, como uma pessoa normal, com outras pessoas normais.
— Diga-lhes para mandar o garoto para Rensselaer. Há uma boa escola técnica lá em Albany.
— Por que lá?
— Aqueles malditos CDFs ganham o campeonato universitário quase todos os anos, Frequentei o Minnesota, e eles puxaram nosso tapete duas vezes seguidas. Mande-me o nome do garoto e enviarei algumas coisas para ele. Para o pai dele também, se não houver problema, presidente.
— Farei isso — prometeu o presidente. A menos de dois metros de distância, o agente Raman ouviu a conversa e assentiu.
O’Day chegou exatamente quando as crianças estavam correndo de volta da hora do banheiro. Estacionou sua caminhonete a diesel atrás de quatro veículos. Observou os agentes do Serviço trocarem de posição. Russell apareceu na porta da frente, seu posto regular para quando as crianças estavam dentro do prédio.
— E então, temos uma competição amanhã? Russell balançou a cabeça.
— Perto demais. Duas semanas a partir de amanhã. Duas da tarde. Isso vai lhe dar chance para treinar.
— Até parece que você não vai fazer isso — disse O’Day, passando por ele para entrar.
Ele viu Megan entrar no banheiro das meninas sem ver seu pai na sala.
Melhor assim. Encostou-se do lado de fora da porta para surpreendê-la quando saísse.
Astro de cinema também estava em sua posição de vigília no estacionamento da escola a nordeste. As árvores estavam começando a ficar cheias, percebeu. Ele podia ver, mas sua visão estava um pouco obstruída.
Ainda assim, as coisas pareciam normais, e desse ponto em diante, tudo estava nas mãos de Alá, disse a si mesmo, surpreso por ter usado a expressão religiosa para um ato decisivamente diabólico. Enquanto observava, o Carro 1 virou à direita logo ao norte da creche. Ele desceria a rua até o fim, mudaria de direção e retornaria.
O Carro 2 era um carro de passeio, um Lincoln branco, gêmeo de um pertencente a uma família com uma criança aqui. Essa família consistia em dois médicos, embora nenhum dos terroristas soubesse disso. Imediatamente atrás vinha um Chrysler vermelho cujo gêmeo pertencia à esposa, grávida novamente, de um contador. Sob os olhos vigilante de Astro de Cinema, os dois carros ocuparam vagas uma de frente para a outra, o mais próximas da rodovia que o estacionamento permitia.
Price chegaria logo. Russell percebeu a chegada dos carros, pensando em seus argumentos para o chefe da segurança presidencial. O sol da tarde se refletia no para-brisa, impedindo-o de ver mais do que a silhueta dos motoristas. Ambos os carros estavam chegando mais cedo, mas como era sexta... as placas...?
Seus olhos estreitaram levemente enquanto ele balançava a cabeça, perguntando-se por que ele não tinha...
Alguma outra pessoa tinha. Jeffers levantou seus binóculos, vistoriando os carros como parte de seus deveres de vigilância. Ele nem sabia que tinha memória fotográfica.
Lembrar coisas era tão natural para ele quanto respirar. Ele pensava que todo mundo era assim.
— Espere, espere, tem alguma coisa errada aqui. Eles não são... — Ele levantou o microfone do rádio. — Russell, aqueles não são os nossos carros!
Foi quase a tempo.
Em um movimento contínuo em câmera lenta, dois motoristas abriram as portas de seus carros e puseram as pernas para fora enquanto pegavam as armas nos bancos da frente. Pelas portas traseiras de ambos os veículos, saíram duas duplas de homens, também armados.
A Mão direita de Russell moveu-se para trás e para baixo, alcançando sua automática. Com a mão direita, levantou o microfone em seu colarinho.
— Arma! — gritou.
Dentro do prédio, o inspetor O’Day escutou alguma coisa mas não teve certeza do quê. Olhava na direção errada para ver a agente Marcella Hilton dar as costas para uma criança com quem estivera conversando e enfiar a mão na bolsa com sua arma.
Foi a mais simples das palavras codificadas. Um instante depois, Don ouviu a mesma palavra repetida em seu fone auricular enquanto Norm Jeffers gritava-a do posto de comando. A mão do agente negro apertou outro botão, ativando uma conexão de rádio com Washington. SANDSTORM SANDSTORM SANDSTORM!
Como a maioria dos tiras de carreira, o agente especial Don Russell jamais disparara sua pistola sentindo raiva, e anos de treinamento tornavam cada ação automática como a gravidade. A primeira coisa que vira tinha sido a parte frontal de um fuzil automático classe AK-47. Com isso, como se um comutador tivesse sido acionado, Russell transformou-se de tira vigilante num sistema operacional de arma de fogo. Sua SigSauer estava exposta agora. A mão esquerda estava correndo para encontrar a direita no cabo da arma, enquanto o resto do corpo caía sobre um joelho para abaixar seu perfil e conceder-lhe maior controle. O homem com o fuzil daria o primeiro tiro, mas a bala passaria por cima, reportou a mente de Russell. Três tiros fizeram isso, passando sobre a sua cabeça e se alojando na moldura da porta enquanto um estrondo em staccato inundava a cena. Enquanto isso acontecia, Russell nivelou sua visão com o rosto atrás da arma. Pressionou o gatilho; a 13 metros de distância, acertou uma bala precisamente no olho esquerdo do atirador.
Lá dentro, os instintos de O’Day estavam apenas começando a soar um alarme quando Megan emergiu do banheiro, lutando com as fivelas de seu macacão da marca Oshkosh. Apenas então a agente conhecida pelas crianças como Tia Anne veio correndo da sala dos fundos, pegou sua pistola com as duas mãos e apontou para Mia.
— Deus! — teve tempo de exclamar o inspetor do FBI quando Tia Anne passou correndo por ele, derrubando-o com o ombro tal qual um zagueiro de futebol americano. O’Day caiu no chão aos pés da filha, sua cabeça batendo na parede no processo.
Do outro lado da rua, dois agentes saíram correndo da porta da frente da residência, ambos empunhando submetralhadoras Uzi enquanto Jeffers permanecia dentro, cuidando das comunicações. Ele já tinha passado a palavra de emergência para o quartel-general. Em seguida, ativou a linha direta com o Quartel da Polícia Estadual de Maryland no Rowe Boulevard, em Annapolis.
Houve barulho e confusão, mas os agentes tinham sido bem treinados. A função de Jeffers era garantir que a palavra se espalhasse, e depois ir apoiar os dois outros membros de sua equipe, que já estavam atravessando o quintal da casa...
Não tiveram a menor chance. A 45 metros dali, os atacantes do Carro 1
derrubaram os dois a tiros. Jeffers observou-os cair enquanto dava a notícia à polícia estadual. Não tinha tempo de sentir-se chocado. Assim que a recepção foi confirmada, Jeffers empunhou seu fuzil M-16, destravou-o e correu para a porta.
Russell trocou tiros. Outro atacante cometeu o erro de parar e fazer mira.
Nem mesmo chegou a atirar. Dois tiros rápidos explodiram-lhe a cabeça como um melão. O agente não estava pensando, sentindo, nem fazendo nada além de atender aos alvos assim que os identificava. Os tiros inimigos ainda zuniam acima de sua cabeça. Ouviu um grito. Sua mente reportou que era Marcella Hilton, e sentiu alguma coisa pesada cair sobre suas costas e derrubá-lo. Deus Todo-Poderoso! Tinha sido Marcella. Seu corpo — a alguma coisa — estava sobre suas pernas; enquanto rolava para livrar-se do estorvo, surgiram quatro homens em seu campo visual, avançando contra ele, agora com uma noção precisa de onde ele estava. Russell disparou um tiro que acertou bem no coração de um deles. O homem arregalou os olhos com o choque do impacto, até que um segundo tiro pegou-o no rosto. Estava acontecendo como Russell sempre havia sonhado. A arma estava fazendo todo o trabalho. Sua visão periférica acusou movimento à sua esquerda — um grupo de apoio, talvez. Não.
Era um carro, e vinha atravessando o playground na direção deles. Não era o Suburban, mas algum outro veículo. Ele mal pôde discerni-lo enquanto sua pistola concentrava-se em outro atirador, mas esse homem caiu, atingido três vezes por Anne Pemberton no pórtico atrás dele. Viu que restavam dois — apenas dois, ele tinha uma chance —, mas então Annie tomou um no peito e caiu para frente. Russell estava sozinho, completamente sozinho agora, apenas ele entre CHOCALHO e esses desgraçados.
Don Russell rolou para a direita, procurando evitar os tiros no chão à sua esquerda; disparou enquanto seu corpo girava, escapando por pouco de duas balas. O pente de balas de sua Sig chegou ao fim. Tinha outro preparado.
Instantaneamente ejetou o pente vazio e enfiou um cheio, mas isso demandou tempo, e ele sentiu uma bala penetrar na parte inferior de suas costas. O impacto veio como um chute que estremeceu seu corpo, enquanto seu polegar direito largava o cão da arma e outra bala acertava-o no ombro esquerdo, abrindo um caminho por seu tronco até emergir da perna esquerda. Deu mais um tiro, mas não conseguiu levantar a arma alto o bastante. Atingiu alguém no joelho um segundo antes de uma saraivada de tiros baixar seu rosto ao chão.
O’Day tentava levantar-se quando dois homens atravessaram a porta, ambos armados com AKs. Olhou em torno para a sala, agora repleta de crianças estarrecidas, silenciosas. O silêncio pareceu pairar no ambiente por um longo momento, então deu lutar aos gritos estridentes das crianças. Um dos homens estava com a perna ensanguentada, e rangia os dentes de dor e raiva.
Lá fora, os três homens do Carro 1 analisavam a carnificina. Ao saltar do carro, viram que quatro homens estavam mortos, mas tinham dado cabo do grupo de cobertura e...
Súbito, o primeiro a sair pela porta direita caiu de bruços. Os outros dois viraram-se para ver um negro de camisa branca com um fuzil cinza.
— Coma merda e morra!
A memória de Norman Jeffers sobre aquele momento seria cheia de lacunas. Ele jamais lembraria de ter dito essa frase enquanto mudava para o alvo seguinte e acertava uma rajada de três tiros em sua cabeça. O terceiro homem da equipe que matara seus dois amigos agachou-se atrás da parte frontal de seu carro, mas o veículo encontrava-se encalhado no meio ao playground, com ar aberto à esquerda e direita.
— Vamos, Charlie, levante e diga oi — murmurou o agente...
...e foi exatamente o que Charlie fez, girando sua arma para atirar em resposta ao guarda-costas sobrevivente. Mas não foi bastante rápido. Olhos arregalados e fixos como o de uma coruja, Jeffers viu o esguicho de sangue enquanto o alvo desaparecia.
— Norm!
Era Paula Michaels, a agente de vigilância do período da tarde na 7-Eleven do outro lado da rua. Chegou empunhando sua pistola com as duas mãos.
Jeffers apoiou-se sobre um joelho atrás do carro cujos ocupantes acabara de matar. Paula juntou-se a ele, e com o cessar repentino de atividade, ambos os agentes começaram a resfolegar, corações batendo furiosamente, cabeças latejando de dor.
— Tem uma contagem? — perguntou a agente.
— Pelo menos um conseguiu entrar...
— Dois. Vi dois. Um deles levou um tiro na perna. Oh, meu Deus, Don, Anne, Marcella...
— Segura as pontas, Paula. Temos crianças lá dentro. Merda!
Então não daria certo, afinal de contas, pensou Astro de Cinema. Merda, praguejou em silêncio. Dissera-lhes que havia três pessoas dentro da casa ao norte. Por que não tinham esperado para matar a terceira? A esta altura, poderiam estar longe daqui com criança! Muito bem. Balançou a cabeça para afugentar os pensamentos. Nunca tinha esperado que a missão lograsse êxito.
Ele alertara Badrayn sobre isso... e escolhera mim homens de acordo. Agora tudo que ele tinha a fazer era observar para certificar-se... de quê? Eles iriam matar a criança? Eles tinham planejado isso. Mas poderiam não cumprir seu dever antes que morressem.
Price estivera a quatro quilômetros e meio da creche quando o chamado de emergência chegara pelo rádio. Em menos de dois segundos, tinha pisado fundo no acelerador e corrido através do tráfego, lâmpada giratória alojada no teto, sirene uivando. Ao virar para o norte para a Ritchie Highway, pôde ver os carros bloqueando a estrada. Imediatamente, manobrou para a esquerda sobre o canteiro lateral, o carro ameaçando derrapar enquanto subia o leve aclive.
Chegou alguns segundos antes da primeira radiopatrulha oliva-e-preto da Polícia Estadual de Maryland.
— Price, é você?
— Quem quer saber? — replicou.
— Norm Jeffers. Acho que temos dois elementos lá dentro. Perdemos cinco agentes. Michaels está comigo agora. Estou mandando-a contornar até os fundos.
— Chego num segundo.
— Cuidado onde pisa, Andréa — alertou Jeffers.
O’Day balançou a cabeça. Seus ouvidos ainda zumbiam; a cabeça doía devido ao choque com a parede. Estava com a filha a seu lado, protegida por seu corpo dos dois — terroristas — que agora estavam apontando suas armas para a esquerda e para direita pela sala enquanto as crianças gritavam. A Sra.
Daggett movia-se lentamente, parada entre eles e suas crianças, instintivamente levantando as mãos ao alto. A sua volta, todas as crianças estavam acocoradas.
Algumas chamavam por suas mães, e, por mais estranho que pudesse parecer, nenhuma pelos pais. E muitas tinham molhado as calças.
— Presidente? — disse Raman, pressionando o fone auricular. Que merda estava acontecendo?
O CÓDIGO SANDSTORM pelas conexões de rádio alcançara num átimo as subseguranças de SOMBRA e BAIXINHO, na St. Mary. Os agentes parados nos corredores diante das salas de aula dos filhos dos Ryan arrombaram as portas, armas em punho, e arrastaram seus protegidos até o corredor. Perguntas foram formuladas, nenhuma respondida, enquanto a subsegurança seguia o plano prévio para um evento como esse. As duas crianças entraram no mesmo Chevy Suburban, que seguiu não para a estrada, mas até um prédio comercial voltado para o campo de atletismo. Uma entrada e uma saída do lugar, e uma equipe de emboscada pode estar lá agora, seus membros disfarçados sabe lá Deus como. Em Washington, um helicóptero dos Fuzileiros decolou para voar até a escola e retirar os filhos dos Ryan. O segundo Suburban assumiu posição no campo, a 150 metros de onde estavam as crianças. A turma que estivera fazendo ginástica do lado de fora foi espantada dali, e agentes posicionaram-se atrás de seus veículos blindados com Kevlar, armas pesadas à mostra, procurando alvos.
— Doutora!
Cathy Ryan levantou os olhos de sua escrivaninha. Roy jamais chamara-a assim antes. Também nunca sacara o revólver em sua presença, ciente de sua aversão por armas. A reação de Cathy provavelmente foi instintiva. O rosto da médica ficou branco como seu jaleco.
— É Jack ou...
— É Katie. É tudo que sei, doutora. Por favor, venha comigo agora.
— Não! De novo não! De novo não!
Altman envolveu CIRURGIÃ com o braço para conduzi-la ao corredor.
Mais quatro agentes estavam lá, armas em punho, expressões preocupadas. Os seguranças do hospital saíram do caminho, embora policiais de Baltimore estivessem formando um perímetro externo, todos tentando lembrar de olhar para fora em busca de uma possível ameaça, e não para dentro, para uma mãe cuja filhinha estava em perigo.
Ryan esticou o braço, espalmou a mão na parede do escritório, olhou para baixo e mordeu o lábio por um segundo antes de dizer: — Conte-me o que sabe, Jeff.
— Há dois elementos no prédio. Don Russell está morto, assim como quatro outros agentes, senhor, mas estamos com a situação sobre controle, certo?
Deixe-nos fazer o trabalho — disse o agente Raman, tocando o braço estendido para ajudar o presidente a se empertigar.
— Por que meus filhos, Jeff? Sou eu que eles querem. Se alguém está com raiva, só pode ser de mim. Me diga por que gente assim vai atrás de crianças.
— É um ato odioso, presidente. Um ato odioso perante os olhos de Deus e do homem — disse Raman, enquanto mais três agentes entravam no Salão Oval.
O que ele estava fazendo agora?, perguntou-se o assassino. Que diabos ele estava fazendo? Por que ele havia dito isso}
Estavam conversando numa linguagem que ele não compreendia. O’Day permaneceu abaixado, sentado no chão com sua menininha, segurando-a no colo com ambos os braços e tentando parecer o mais inofensivo que podia.
Deus, durante anos e anos de treinara para coisas assim — mas nunca para estar dentro, nunca para estar na cena do crime enquanto o crime acontecia. Do lado de fora, você sabia o que fazer. Ele sabia exatamente o que estava acontecendo.
Se ainda restava alguém do Serviço Secreto — com sorte, provavelmente mais de um. Alguém tinha disparado três ou quatro rajadas com um M-16 — O Day conhecia o ruído característico dessa arma. Mais nenhum bandido havia entrado. Sua mente acrescentou esses fatos. Muito bem: havia mocinhos do lado fora. Primeiro, eles estabeleceriam um perímetro para garantir que ninguém fosse sair ou entrar. Em seguida eles chamariam... quem? O Serviço provavelmente tinha sua própria equipe SWAT, mas também estaria por perto a equipe de resgate a reféns do FBI, com seus próprios helicópteros para chegar até aqui. Como se tivessem lido seus pensamentos, um ruído de helicóptero fez-se ouvir.
— Aqui é soldado três, estamos orbitando a área agora — anunciou uma voz pelo rádio. — Quem está no comando aí embaixo?
— Aqui é a agente especial Price, Serviço Secreto dos Estados Unidos. Por quanto tempo ficará conosco, Soldado? — perguntou por um rádio da polícia estadual.
— Temos combustível para noventa minutos, e então outro helicóptero irá nos substituir. Olhando para baixo agora, agente Price — reportou o piloto. — Tenho um indivíduo a oeste. Parece uma mulher atrás de uma árvore morta, observando a cena. Uma das suas?
— Michaels? É Price — disse Andréa por seu próprio sistema de rádio. — Acene para o helicóptero.
— Acenou para nós — reportou prontamente Soldado.
— Certo, é da minha equipe. Está cobrindo os fundos.
— Certo. Não temos movimento em torno do prédio, e não há mais ninguém num raio de noventa metros. Continuaremos orbitando e observando até segunda ordem sua.
— Obrigada. Desligo.
O VH-60 dos fuzileiros pousou no campo de atletismo. Sally e o Pequeno Jack foram praticamente jogados a bordo, e o coronel Goodman decolou imediatamente, rumando para leste na direção da água, que, conforme a Guarda Costeira dissera-lhe alguns momentos antes, estava livre de aeronaves desconhecidas. Subiu com o Black Hawk, rumando para norte sobre a água. A sua esquerda podia ver a silhueta de um helicóptero policial de fabricação francesa, orbitando alguns quilômetros ao norte de Annapolis. Não foi preciso mais que isso para esclarecer a situação. Por detrás de olhos calmos, Goodman desejou ter um par de esquadrões de fuzileiros navais para deixar naquele local.
Já ouvira falar que molestadores de crianças sofriam um bocado nas prisões, mas isso não seria a metade do que lhes aconteceria se caíssem nas garras dos fuzileiros. Seu devaneio terminou aí. Nem mesmo olhou para trás para ver como as outras duas crianças estavam. Ele tinha uma aeronave para pilotar. Sua função era essa. Precisava confiar em que os outros fariam as suas.
Estavam olhando pelas janelas agora. Estavam sendo cuidadosos. O ferido mantinha-se encostado na parede; parecia ter sido aleijado no joelho. Sirenes anunciaram a chegada de carros de polícia. Certo, provavelmente o perímetro estava se formando agora. A Sra. Daggett e suas três ajudantes estavam mantendo as crianças num único grupo no canto, enquanto os dois elementos trocavam palavras. A boa notícia era que eles não estavam se saindo tão bem.
Um deles estava sempre perscrutando a sala, apontando o cano da arma ao seu redor, mas eles não haviam...
Um deles enfiou a mão no bolso da camisa e tirou uma foto. Disse alguma outra coisa na língua que falava, qualquer que ela fosse. Em seguida baixou as persianas. Merda. Isso impediria que os atiradores com fuzis providos de miras telescópicas vissem o interior da sala. Eram espertos o bastante para saber que os atiradores talvez não hesitassem em acertá-los. Poucas das crianças aqui eram altas o bastante para olhar para fora e...
O homem com a foto levantou-a novamente e caminhou até as crianças.
Apontou.
— Aquela ali.
Por mais estranho que parecesse, foi apenas nesse momento que viram O’Day na sala. O homem do joelho mutilado piscou e mirou o AK nele. O inspetor soltou a filha e levantou os braços.
— Muita gente já saiu machucada, colega — disse ele.
Não precisou de muito esforço para fazer sua voz tremer. Ele também havia cometido um erro, segurando Megan daquela forma. Aquele pústula poderia atirar nela para acertarem mim, apercebeu-se, o pensamento causando-lhe uma onda repentina de náusea. Lenta, cuidadosamente, levantou a menina e tirou-a de seu colo, colocando-a no chão à sua esquerda.
— Não! — Era a voz de Marlene Daggett.
— Traga-a para mim! — insistiu o homem.
Faça isso, faça isso, pensou O’Day. Economize sua resistência para quando ela puder fazer diferença. Isso não mudará nada neste momento. Mas ela não podia ouvir seus pensamentos.
— Traga-a! — repetiu o atirador.
— Não!
O homem acertou Marlene Daggett no peito a uma distância de noventa centímetros.
— Que foi isso? — perguntou Price quase instantaneamente.
Havia ambulâncias chegando pela Ritchie Highway agora, suas sirenes ululando diferentemente dos gritos monótonos das radiopatrulhas. À sua esquerda, policiais tentavam esvaziar a estrada, banindo o tráfego da área, esfregando as mãos nos coldres, desejando que pudessem estar lá dentro para ajudar. Seus gestos zangados transpareciam seu estado mental aos motoristas intrigados.
Mais perto da Giant Steps, as pessoas nas imediações ouviram uma nova onda de gritos. Criancinhas aterrorizadas. E tudo que podiam fazer era presumir a causa.
A jaqueta de couro subia quando ele estava sentado daquela forma. Se alguém estivesse atrás dele, veria o coldre na parte posterior de sua cintura. E o inspetor sabia disso. Curiosamente, ele jamais vira um assassinato antes. Já investigara muitos homicídios, mas ver um... uma senhora que trabalhava com crianças. O choque em seu rosto era tão real quanto o de qualquer homem que visse uma vida esvair... uma vida inocente, acrescentou sem palavras. Ele não tinha escolha.
Quando olhou novamente para Marlene Daggett, quis poder dizer-lhe que seus assassinos não deixariam este prédio vivos.
Era miraculoso que nenhuma das crianças ainda tivesse sido ferida. O tiroteio havia sido selvagem. Conjeturou que, se Tia Anne não o tivesse derrubado, ele estaria agora morto ao lado da filha. Havia buracos na parede, e as balas que as tinham causado haviam varado o espaço em que ele estivera um ou dois segundos antes. Baixou os olhos por um segundo. Viu suas mãos tremendo. Elas sabiam o que tinham a fazer. Conheciam sua não compreendiam por que não a estavam fazendo, por que a mente que as co mandava ainda não lhes dera permissão para agir. Mas as mãos tinham de ter paciência. Este era um trabalho para a mente.
O sujeito levantou Katie Ryan pelo braço, torcendo-o. A menina gritou.
O’Day lembrou o que o supervisor de seu primeiro caso de sequestro — Dom DiNapoli, um sujeito grande e durão — havia dito ao devolver a criança à família: Nunca esqueça, todos eles são nossos filhos.
Eles poderiam muito bem ter selecionado Megan — as duas eram muito parecidas —, e esse pensamento cruzou de uma mente para outra quando o homem segurando CHOCALHO olhou novamente para a foto e voltou-se para Pat O’Day.
— Quem é você? — exigiu saber o homem, enquanto seu parceiro gemia, sentindo cada vez mais dor.
— C-como assim? — perguntou o inspetor em tom nervoso. Pareça idiota e assustado.
— De quem é essa menina? — Apontou para Megan.
— Ela é minha, certo? Não sei de quem é aquela — mentiu o agente do FBI.
— Ela é a que nós queremos. É a filha do presidente, não é?
— Como é que vou saber? Quem costuma pegar Megan é minha mulher, e não eu. Faça o que tem a fazer e vá embora, tá?
— Vocês aí dentro — ribombou uma voz de mulher, vindo lá de fora. — Aqui é o Serviço Secreto dos Estados Unidos. Queremos que saiam. Não serão machucados se obedecerem. Não têm para onde ir. Venham para onde possamos ver vocês e não sairão feridos.
— Esse é um bom conselho, homem — disse-lhe Pat. — Ninguém vai conseguir fugir daqui, sabia?
— Você sabe de quem é essa menina? Ela é a filha do seu presidente Ryan!
Eles não ousarão atirar em mim! — proclamou o elemento.
Seu inglês era muito bom, avaliou O’Day enquanto assentia.
— E quanto a todas essas outras crianças, cara? Essa aí é a única que você quer, a única que importa. Ei, por que você não deixa algumas saírem, hein?
O homem tinha razão, em parte. O pessoal do Serviço Secreto não atiraria num alvo por temer que houvesse mais alguém aqui, e realmente havia um, com o fuzil apontado para o peito de Pat. E eles eram espertos o bastante para nunca estar a menos de um metro e meio do outro. Atirar neles exigiria dois movimentos separados.
O que realmente assustava O’Day era a forma casual, reflexiva, como ele matara Marlene Daggett. Esses homens simplesmente não se importavam com ninguém. Era impossível prever os movimentos desse tipo de criminoso. Era possível falar com eles para acalmá-los, distraí-los, mas só havia realmente uma forma de lidar com eles.
— Se lhes dermos crianças, eles nos darão um carro, certo?
— Ei, acho que isso funcionaria. Acho uma ótima. Só quero estar com a minha em casa esta noite, entende?
— Sim, você cuida bem da sua filha. Sente ali.
— Sem problemas.
Ele relaxou as mãos, aproximando-as do peito, direto no topo do zíper de sua jaqueta. Se abaixasse um pouco o zíper, a jaqueta ficaria mais folgada, ocultando a arma.
— Atenção — disse a voz novamente. — Queremos conversar.
Cathy Ryan juntou-se às crianças no helicóptero. Os agentes exibiam expressões tristes. Sally e Jack estavam saindo do choque inicial; estavam chorando agora, olhando para a mãe em busca de conforto. O Black Hawk subiu novamente ao céu, rumando para sudeste até Washington, escoltado por um gêmeo. Cathy percebeu que o piloto não estava tomando a rota usual, mas estava indo diretamente para oeste, afastando-se de onde Katie estava. Foi nesse momento que CIRURGIÃ caiu nos braços dos filhos.
— O’Day está lá dentro — disse-lhe Jeffers.
— Tem certeza, Norm?
— Aquela é a caminhonete dele. Eu o vi entrar imediatamente antes da confusão começar.
— Merda! — praguejou Price. — Aquele tiro que ouvimos... devem ter matado o coitado.
— É — assentiu Jeffers.
O Presidente estava na sala de situação, o melhor local para se manter informado de tudo. Talvez ele devesse estar em outro lugar, mas não conseguiria encarar seu escritório, e não era presidente o bastante para fingir que...
— Jack?
Era Robby Jackson. Ele caminhou até onde seu presidente estava em pé, mas eles eram muito mais amigos que isso. Abraçaram-se.
— Já vimos essa história antes, homem. E daquela vez funcionou, lembra?
— Temos as placas dos carros no estacionamento. São alugados. Estamos investigando agora — disse Raman, um fone no ouvido. — Talvez consigamos obter algum tipo de identificação.
Quão idiotas eles são? perguntou-se O’Day. Deviam ser estúpidos pra cacete pensando que teriam alguma chance de sair dali... mas se não nutriam essa esperança, então não tinham nada a perder... não tinham porra nenhuma a perder... e não pareciam ter escrúpulos em matar. Pat lembrava que isso havia acontecido antes, em Israel. Não lembrava o nome ou a data, mas alguns terroristas tinha pegado um bando de crianças e as fuzilado antes que os comandos pudessem...
Ele tinha táticas para cada situação possível, ou assim pensava, e teria dito isso há menos de vinte minutos, mas tendo sua filha ao lado...
— Eles são todos nossos filhos. Disse-lhe novamente a voz de Dom.
O assassino que não estava ferido segurava Katie Ryan pelo antebraço. Agora a menina estava apenas gemendo, exausta de tanto gritar, quase dependurada da mão do terrorista parado de pé ao lado do comparsa ferido.
Segurava o AK com a mão direita. Se estivesse usando uma pistola, o terrorista poderia manter a arma encostada na cabeça da menina, mas o AK era comprido demais para isso. Lentamente, o inspetor O’Day baixou a mão, abrindo o zíper em sua jaqueta.
Começaram a falar entre si novamente. O ferido estava sofrendo consideravelmente. Inicialmente, o fluxo de adrenalina bloqueara a dor, mas agora a situação estava um pouco mais calma, e com a liberação da tensão vinha também o mecanismo bloqueador de dor que protegia o corpo em períodos de grande estresse. Ele estava dizendo alguma coisa, mas Pat não conseguia entender. O outro rosnou uma resposta, gesticulando para a porta, falando com paixão e frustração. A parte assustadora seria quando eles chegassem a uma decisão. Eles poderiam simplesmente atirar nas crianças. As pessoas lá fora provavelmente invadiriam o prédio se ouvissem mais de um ou dois tiros. Eles poderiam ser rápidos o bastante para salvar algumas das crianças, mas...
Ele começou a pensar neles como Ferido e Ileso. Estavam emputecidos mas confusos, excitados mas indecisos, querendo viver mas chegando à conclusão de que não poderiam...
— Ei, rapazes — disse Pat, levantando os braços e movendo-os para distraí-los do zíper aberto. — Posso dizer uma coisa?
— O quê? — inquiriu Ferido, enquanto Ileso observava.
— Todas essas crianças que vocês têm aqui, são muitas para cobrir, certo? — perguntou, balançando enfaticamente para expressar bem sua ideia. — Que tal eu e minha filhinha sairmos com algumas das outras? Talvez isso facilite as coisas para vocês.
Isso gerou mais algumas palavras sem sentido para O’Day. A ideia realmente parecia atraente a Ileso, ou pelo menos assim pareceu a O’Day.
— Atenção, aqui é o Serviço Secreto! — clamou novamente a voz.
Parece a voz de Price, pensou o agente do FBI. Ileso estava olhando para a porta, e sua linguagem corporal o fazia inclinar-se nessa direção, e para chegar nela ele teria de passar na frente de Ferido.
— Ei, pessoal, deixem alguns de nós sair, tá? — apelou O’Day. — Talvez eu possa dizer-lhes que lhe deem um carro ou alguma coisa assim.
Ferido meneou o fuzil na direção do inspetor.
— De pé! — comandou.
— Certo, certo. Fica frio, tá?
O’Day se levantou lentamente, mantendo a mão afastada do corpo. Será que veriam o coldre se ele se virasse? O pessoal do Serviço Secreto vira-o na primeira vez que O’Day entrara ali, e se ele fizesse besteira, então Megan... não havia retorno. Simplesmente não havia.
— Diga a eles, diga a eles para nos dar um carro ou mataremos esta aqui e todas as outras!
— Deixe-me levar minha menininha.
— Não! — asseverou Ferido.
Ileso disse alguma coisa em sua língua nativa, baixando a cabeça para olhar para Ferido, sua arma ainda apontada para o chão enquanto a de Ferido apontava para o peito de O Day.
— Ei, o que vocês têm a perder?
Foi como se Ileso tivesse dito a mesma coisa a seu amigo ferido. Ileso puxou o braço de Katie Ryan. Katie gritou novamente enquanto Ileso atravessava a sala empurrando-a à sua frente, bloqueando o campo de visão de Ferido no processo. O’Day levara vinte minutos para conseguir isso. Agora tinha um segundo para ver se iria funcionar.
O procedimento de O’Day foi o mesmo que havia sido empregado por Don Russell. Sua mão direita correu para trás, enfiou-se atrás da jaqueta e puxou a pistola enquanto ele abaixava, apoiando-se num joelho. No momento que o alvo afastou-se do corpo de Ileso, a Smith 1076 disparou dois tiros perfeitos; ambas as cápsulas de aço inoxidável voaram ao ar enquanto Ferido tornava-se Morto.
Os olhos de Ileso se arregalaram de surpresa, enquanto os gritos das crianças recomeçaram.
— LARGA!—gritou O’Day para ele.
A primeira reação de Ileso foi puxar novamente o braço de Katie Ryan. Ao mesmo tempo a arma começou a levantar, como se fosse um revólver, mas o AK era pesado demais para ser usado dessa forma. O’Day o queria vivo, mas não havia tempo para correr riscos. Seu indicador direito apertou o gatilho, e apertou de novo. O corpo caiu para trás, deixando atrás dele uma sombra vermelha nas paredes brancas da creche Giant Steps.
O inspetor Patrick O’Day saltou através da sala. Chutou um fuzil, em seguida o outro, para longe das mãos dos donos mortos. Examinou cuidadosamente cada corpo, e apesar de todos os anos de aprendizado e prática, ainda causou-lhe surpresa o fato de tudo haver funcionado. Só então seu coração voltou a bater, ou pelo menos assim pareceu, enquanto um vácuo enchia seu peito. Seu corpo cambaleou por um momento. Relaxou os músculos e ajoelhou-se ao lado do corpo de Katie Ryan, CHOCALHO para o Serviço Secreto, e outra coisa para as pessoas que ele acabara de matar.
— Está bem, querida? — perguntou. Ela não respondeu. Estava segurando o braço e chorando, mas não havia sangue nela. — Vamos — disse ele num tom gentil, abraçou uma filha que agora seria, para sempre, parcialmente dele. Em seguida pegou sua Megan e caminhou até a porta.
— Tiros no prédio! — disse uma voz no alto-falante de mesa. Ryan sentiu um arrepio. As outras pessoas na Sala de Situação estremeceram.
— Pareceu uma pistola. Eles têm pistolas? — perguntou outra voz no mesmo circuito de rádio.
— Puta que pariu, vejam só aquilo!
— Quem é aquele?
“— TÔ SAINDO! — gritou uma voz. — Tô saindo!
— Não atirem! — gritou Price pelo alto-falante. As armas continuaram mirando para a porta, mas as mãos relaxaram um pouco.
— Virgem Maria! — exclamou Jeffers, levantando e correndo para juntar-se a O’Day na porta.
— Os dois elementos mortos. A Sra. Daggett, também — disse O’Day. — Tudo limpo, Norm. Tudo limpo.
— Deixe-me...
— Não! — gritou Katie Ryan.
Ele teve de sair do caminho. Pat baixou os olhos para ver as roupas ensanguentadas de três agentes de sua agência rival. Havia pelo menos dez cápsulas de balas em volta do corpo de Don Russell, e um pente de balas vazio.
Adiante havia quatro criminosos mortos. Enquanto caminhava até o perímetro, viu que dois dos criminosos haviam morrido com tiros na cabeça. Parou perto de sua caminhonete. Seus joelhos estavam um pouco fracos agora. Baixou as meninas e sentou-se no capo. Uma agente feminina aproximou-se. Pat tirou a Smith de seu bolso e entregou à agente sem realmente olhar.
— Está ferido? — Era Andréa Price.
Ele balançou a cabeça; levou um momento para falar de novo.
— Devo começar a tremer a qualquer minuto.
A agente olhou para suas duas menininhas. Um policial levantou Katie Ryan, mas Megan se recusou a sair do lado do pai, Foi então que ele apertou a filha contra o peito, e os dois começaram a chorar.
— CHOCALHO está salva! — ouviu Price dizer. — CHOCALHO está salva e ilesa!
Price olhou em torno. Os agentes de apoio do Serviço Secreto ainda não haviam chegado, e a maioria dos policiais na cena pertenciam à Polícia Estadual de Maryland, com seus uniformes caqui. Dez deles formaram um anel em volta de CHOCALHO, protegendo-a como um tesouro.
Jeffers juntou-se de novo a eles. O’Day nunca conseguia aceitar a forma como o tempo mudava em momentos como esse. Quando ele levantou o rosto, as crianças estavam saindo pela porta lateral. Os paramédicos tomaram a área, indo primeiro até as crianças.
— Aqui — disse o agente negro, dando-lhe um lenço.
— Obrigado, Norm. — O’Day limpou os olhos, assoou o nariz e se levantou.
— Desculpem por aquilo, pessoal.
— Está tudo bem, Pat. Você...
— Teria sido melhor se eu tivesse pegado o último vivo, mas não consegui... não podia correr o risco. — Ele já era capaz de ficar em pé agora, enquanto segurava Megan pela mão. — Oh, merda — acrescentou.
— Acho que devíamos tirar você daqui — observou Andréa. — Podemos proceder ao interrogatório em algum lugar melhor que este.
— Estou com sede — disse O’Day em seguida. Balançou novamente a cabeça. — Nunca esperei isto, Andréa. Crianças por perto. Não devia ser assim, não é? — Por que estou falando tanto?, perguntou-se o inspetor.
— Que é isso, Pat? Você se saiu muito bem.
— Espere um minuto.
O inspetor do FBI esfregou o rosto com duas mãos grandes, respirou fundo e olhou em torno. Deus, que bagunça. Três mortos apenas deste lado do playground. Isso devia ter sido obra de Jeffers, com sua M-16. Nada mau. Mas havia mais uma coisa que ele precisava fazer. Ao lado de cada carro havia um corpo, cada um com um tiro na cabeça. Mais um, um tiro no peito e um na cabeça. Quanto ao quarto, ele não teve certeza de quem o teria pegado.
Provavelmente uma das garotas. A balística determinaria qual. O’Day caminhou de volta até a porta da frente, até o corpo do agente especial Donald Russell. Ali ele se virou para olhar o estacionamento. Ele já vira muitas cenas de crimes. Ele conhecia os sinais, sabia como deduzir as coisas. Havia sido sem aviso. Se Don havia sido alertado, talvez tivesse sido apenas alguns segundos antes, não mais que isso; mesmo assim enfrentara seis elementos armados e pegara três. O inspetor Patrick O’Day ajoelhou-se ao lado do corpo. Removeu o revólver Sig da mão de Russell, deu-o a Price. Segurou a mão de Don na sua pelo que pareceu um tempo longo.
— Nos vemos por aí, campeão — sussurrou O’Day, soltando a mão alguns segundos depois. Hora de ir embora.
43
Toque de Retirada
A. Academia Naval era o local conveniente mais próximo para pousar um helicóptero dos fuzileiros. A parte difícil era encontrar membros disponíveis do Serviço Secreto para viajar com CHOCALHO. Andréa Price, agente superior na cena do crime e também chefe da segurança presidencial, precisava permanecer na Giant Steps; assim, membros do Serviço em tráfego para Annapolis foram desviados de seu curso, encontraram com os policiais estaduais na Academia e assumiram a custódia de Katie. Graças a isso, os primeiros oficiais federais a chegar à cena do crime foram agentes do FBI do pequeno escritório de Annapolis, um satélite da Divisão de Campo de Baltimore. Receberiam as ordens necessárias de Price, mas por enquanto seus deveres eram autoexplicativos. Mais agentes do FBI estavam a caminho.
O’Day atravessou a rua até a casa que fora o local do posto de comando de Norm Jeffers. A proprietária, uma avó, venceu seu choque para fazer café. Um gravador foi montado, e o inspetor do FBI desfiou uma narrativa ininterrupta, não mais do que um relato com muitas voltas, que era a melhor maneira de captar informação recente. Mais tarde, a fita seria tocada para O’Day, que acrescentaria fatos adicionais. De onde estava sentado, O’Day podia ver pela janela. Equipes de ambulância aguardavam para recolher os corpos. Mas primeiro os fotógrafos precisavam registrar o evento para a posteridade.
Não podiam saber que Astro de Cinema ainda estava observando tudo, juntamente com o que era agora uma equipe de centenas de pessoas, estudantes e professores da faculdade local, mais outros que haviam presumido a natureza do evento e resolveram olhar. Mas Astro de Cinema já vira o suficiente.
Caminhou até seu carro, cortando caminho através da multidão até o estacionamento. Dali dirigiu para norte pela Ritchie Highway.
— Ei, eu lhe dei uma chance. Mandei que ele largasse a arma — disse O’Day. — Gritei tão alto que estou bobo por você não ter ouvido, Price. Mas a arma começou a se mover e eu não estava com cabeça para correr riscos, sabia?
As mãos de O’Day estavam firmes agora. O período de choque imediato havia passado. Outros viriam depois.
— Alguma ideia de quem eles eram? — inquiriu Price, depois que O’Day terminou seu primeiro relato.
— Estavam falando uma língua estrangeira, mas não sei qual. Não era alemão ou russo; fora isso, não sei nada. Línguas estrangeiras sempre parecem línguas estrangeiras. Não reconheci palavras nem frases. O inglês deles era muito bom. Tinham algum sotaque, mas também não sei qual. A aparência física era mediterrânea. Talvez do Oriente Médio. Talvez de algum outro lugar.
Absolutamente implacáveis. Ele abateu a Sra. Daggett sem piscar, sem demonstrar nenhuma emoção... não, isso está errado. Ele estava emputecido, com muita raiva mesmo. Não hesitou nem um segundo. Bang, ela estava morta.
Não pude fazer nada — prosseguiu o inspetor. — O outro estava com a arma apontada para mim, e a coisa aconteceu tão rápido que não tive tempo para reagir.
— Pat, você foi fantástico — disse Andréa, segurando sua mão.
O helicóptero pousou no heliporto da Casa Branca, logo ao sul da entrada no térreo. Mais uma vez, um anel de agentes armados estava em evidência, enquanto Ryan corria até a aeronave enquanto as hélices ainda giravam, e ninguém tentou detê-lo. Um tripulante dos fuzileiros num uniforme de voo verde abriu a porta e saiu, o que permitiu aos agentes no helicóptero carregarem CHOCALHO para fora até o pai.
Jack tomou-a no colo como o bebê que ela já não era, mas que sempre seria em sua mente, e subiu a rampa até a casa, onde o restante da Primeira Família aguardava sob proteção. Câmeras de TV registraram o evento, embora nenhum repórter tenha conseguido chegar a menos de 13 metros do presidente.
Os membros da segurança presidencial estavam com sede de sangue; pela primeira vez, na memória dos jornalistas que frequentavam a Casa Branca, aqueles homens e mulheres pareciam realmente perigosos.
— Mamãe!
Katie contorceu-se nos braços do pai, esticando as mãos para a mãe, que tirou-a de Jack imediatamente. Sally e Pequeno Jack juntaram-se aos dois, deixando o pai de pé sozinho. Isso não durou muito tempo.
— Como você está? — perguntou Arnie van Damm, placidez na voz.
— Melhor agora, acho. — Seu rosto ainda estava pálido, seu corpo mole, mas ainda capaz de manter-se de pé. — Sabemos mais alguma coisa?
— Olhe, em primeiro lugar, que tal tirarmos todos vocês daqui? Vamos para Camp David. Lá poderão relaxar. A segurança aérea será intensa. Lá é um bom lugar para esfriar a cabeça.
Ryan pensou nisso. A família ainda não conhecia Camp David, e o próprio Jack só estivera lá duas vezes, mais recentemente num dia horrível de janeiro, vários anos atrás.
— Arnie, não temos roupas nem...
— Providenciaremos — assegurou-lhe o chefe de gabinete. O presidente assentiu.
— Então ajeite tudo. — E acrescentou: — Rápido.
Enquanto Cathy subia com as crianças, Jack saiu novamente e seguiu para a Ala Oeste. Dois minutos depois, estava de volta na Sala de Situação. O clima ali estava melhor. O choque inicial e o medo haviam sumido, substituídos por uma determinação silenciosa.
— Muito bem — disse Ryan. — O que sabemos?
— É o senhor, presidente? —. Era a voz de Dan Murray no alto-falante montado na mesa.
— Fale comigo, Dan — comandou ESPADACHIM.
— Tínhamos um homem lá dentro. Um dos meus. O senhor o conhece. Pat O’Day, um dos meus inspetores itinerantes. A filha dele... Megan, acho... também frequenta a creche. Ele esperou os elementos baixarem a guarda e eliminou os dois. O pessoal do Serviço Secreto matou os outros. A contagem total é de nove, dois mortos por Pat e o restante pelo pessoal de Andréa.
Morreram cinco agentes do Serviço, mais a Sra. Daggett. Graças a Deus, nenhuma criança foi ferida. Price está interrogando Pat agora, Tenho cerca de dez agentes na cena auxiliando a investigação. Muitos membros do Serviço estão a caminho do local.
— Quem está conduzindo a investigação? — indagou POTUS.
— Duas agências. Um ataque ao senhor ou a qualquer membro da Primeira Família fica sob a jurisdição do Serviço Secreto. Terrorismo é nosso campo.
Neste caso, pretendo conceder a liderança ao Serviço Secreto e prover toda a assistência possível — prometeu Murray. — Não haverá disputas territoriais neste caso, palavra de honra. Já contatei a Justiça. Martin designará um advogado para coordenar a investigação criminal. — O diretor do FBI acrescentou: — Jack?
— Sim, Dan?
— Ajude a sua família. Nós sabemos fazer a nossa parte. Eu sei que você é o presidente, mas nos próximos dois dias, seja apenas um homem comum, tá?
— Bom conselho, Jack — observou o almirante Jackson.
Todos os amigos de Ryan estavam dizendo a mesma coisa. Provavelmente estavam certos.
— Jeff? — disse o presidente ao agente Raman.
— Sim, senhor?
— Tire-nos desta maldita cidade.
— Sim, presidente. Raman saiu da sala.
— Robby, que tal você e Sissy virem também? Deixarei um helicóptero à espera de vocês aqui.
— O que quiser, companheiro.
— Certo. Dan — disse Ryan ao alto-falante. — Estamos indo para Camp David. Mantenha-me informado.
— Faremos isso — prometeu o diretor do FBI.
Eles souberam pelo rádio. Brown e Holbrook estavam seguindo para o norte pela Rota 287 até a Interestadual 90-Leste. O caminhão de cimento movia-se como um porco; pesado como estava, acelerava devagar e também era difícil de frear. Talvez ele fosse mais fácil de dirigir pela interestadual. Mas pelo menos o caminhão tinha um rádio decente.
— Merda! — disse Brown, ajustando o dial.
— Crianças. — Holbrook balançou a cabeça. — Temos de providenciar para que não haja crianças por perto, Ernie.
— Acho que podemos cuidar disso, Pete. Isso se conseguirmos chegar com este trambolho até lá.
— Quanto tempo vai levar? Um grunhido.
— Cinco dias.
Badrayn percebeu que Daryaei aceitou bem as notícias, especialmente o feto de que todos estavam mortos.
— Perdoe-me por dizer isso, mas avisei ao senhor que...
— Eu sei, me lembro — reconheceu Mahmoud Haji. — O sucesso desta missão jamais foi necessário. A situação não é crítica... contanto que os preparativos de segurança tenham sido providenciados adequadamente. — Com isso, o sacerdote fitou seu convidado.
— Todos tinham documentos de viagem falsos. Nenhuma deles tinha ficha criminal em qualquer parte do mundo... pelo menos até onde sei. Nenhum deles tinha qualquer coisa que o ligasse ao seu país. Se algum deles tivesse sido pego vivo, haveria uma chance, e eu o avisei sobre esse risco. Mas parece que nenhum sobreviveu.
O aiatolá assentiu, proferindo o epitáfio dos homens: — Sim, eles foram fiéis.
Fiéis a quê?, questionou-se Badrayn silenciosamente. Líderes políticos religiosos não eram exatamente raros nesta parte do mundo, mas esse tipo de argumento acabava cansando. Agora, supostamente, todos os nove estavam no Paraíso. Tentou imaginar se Daryaei acreditava realmente nisso. Provavelmente sim. Talvez acreditasse com a mesma sinceridade que cria em sua capacidade de falar com a voz do próprio Deus. Ou pelo menos dissera tanto isso a si mesmo, que acabara acreditando. Badrayn sabia que qualquer um podia fazer isso. Depois de repetir a mesma ideia para si próprio — fosse o motivo política, vingança ou cobiça: qualquer uma das motivações básicas —, ela se tornava fé, tão pura em propósito quanto as palavras do próprio Profeta. Daryaei tinha 72
anos, uma vida longa de abnegação, sempre se concentrando em alguma coisa fora de si mesmo, prosseguindo uma jornada que começara em sua juventude com destino a um objetivo sagrado. Percorrera um longo caminho, e estava próximo de seu destino. Agora o objetivo podia ser visto tão claramente que o propósito em si poderia ser esquecido, não podia? Essa era a armadilha para todos os homens, pensou Badrayn, concluindo que ao menos ele era sensato.
Para ele, tudo aquilo era apenas negócio. Negócio desprovido de ilusões e hipocrisia.
— E o resto? — perguntou Daryaei, depois de uma oração pelas almas dos nove homens.
— Saberemos até segunda-feira, talvez. Com certeza até quarta — respondeu Ali.
— E a segurança para isso.
— Perfeita.
Nessa parte, Badrayn estava absolutamente confiante. Todos os viajantes haviam retornado em segurança, e reportado que haviam cumprido suas missões à risca. As evidências físicas que haviam deixado para trás — apenas as latas de spray — seriam coletadas como lixo. A praga apareceria, e jamais haveria qualquer indício de como chegara aos Estados Unidos. E assim, o que aparentemente falhara hoje não havia sido um fracasso de modo algum. Esse tal Ryan, aliviado como devia estar com o resgate de sua caçula, era agora um homem enfraquecido, assim como os EUA eram uma nação enfraquecida. E Daryaei tinha um plano. Um bom plano, considerou Badrayn, e por sua ajuda em implementá-lo, sua vida mudaria para sempre. Seus dias como terrorista internacional pertenciam ao passado. Ele iria ter alguma posição no governo da URI expandida — segurança ou informação, provavelmente, com um escritório confortável e um salário bom, capaz de finalmente gozar de paz e segurança.
Daryaei tinha seu sonho, e talvez até o alcançasse. Para Badrayn, o sonho estava ainda mais próximo, e ele agora não precisava fazer mais nada para concretizá-lo Nove homens haviam morrido para possibilitar esse sonho. Azar deles. Será que estavam mesmo no Paraíso por seu martírio? Talvez Alá fosse mesmo tão misericordioso, o bastante para perdoar qualquer ato praticado em Seu nome. Talvez.
Isso realmente não importava.
Tentaram fazer a partida parecer normal. As crianças mudaram de roupa.
Malas foram feitas e seriam enviadas num voo posterior. A segurança parecia mais cerrada que de praxe, mas não ostensivamente. Isso era apenas aparência.
No topo do prédio do Tesouro a leste e do antigo prédio do Executivo a oeste, agentes do Serviço Secreto que geralmente ficavam agachados estavam de pé, mostrando seus corpos inteiros enquanto vasculhavam a área com binóculos.
Ao lado de cada um havia um homem armado com fuzil. Oito agentes estavam ao sul do perímetro da Casa Branca, examinando os transeuntes habituais ou que tinham vindo depois de ouvir as notícias. A maioria provavelmente viera porque se importava em algum grau, talvez até mesmo para oferecer uma prece pela segurança dos Ryan. Os agentes observavam a multidão em busca daqueles que poderiam ter algum outro propósito. Mas desta vez, como em todas as outras, não viram nada incomum Jack colocou o cinto de segurança, e o resto de sua família fez o mesmo.
Os motores sobre suas cabeças começaram a ganir, e as hélices puseram-se a girar. Dentro com eles estava o agente Raman e outro guarda, mais o chefe dos fuzileiros. O helicóptero VH-3 vibrou, e então alçou voo, subindo rapidamente rumo ao vento oriental, primeiro seguindo na direção do OEOB, depois para sul, depois nordeste, num percurso de voo planejado para confundir alguém que estivesse lá embaixo com um míssil terra-ar. As condições de iluminação eram boas o bastante para que uma pessoa como essa provavelmente fosse localizada — são necessários alguns segundos para realizar um lançamento bem-sucedido —, e, em todo caso, o helicóptero estava equipado com a versão mais nova do sistema de supressão de infravermelho Black Hole, que fazia do Marine One um alvo difícil. O piloto — era novamente o coronel Hank Goodman — sabia tudo isso e tomara as medi das de proteção adequadas, mas fez o máximo de esforço para esquecer que estavam em segurança.
Estava silencioso no fundo da aeronave. O presidente Ryan tinha seus pensamentos. A esposa tinha os dela. As crianças olhavam pela janela, afinal voar de helicóptero era um dos passeios mais emocionantes conhecidos pelo homem. Até mesmo a pequena Katie contorcia-se em seu assento para olhar para baixo, sua tarde horrenda suprimida pela maravilha do momento. Jack virou-se, e vendo isso, decidiu que o tempo de atenção curto das crianças era tanto uma bênção quanto uma maldição. Ele próprio estava com as mãos tremendo um pouco agora. Se por medo ou raiva, não sabia dizer. Cathy simplesmente parecia desolada, seu rosto iluminado pelos raios dourados do pôr do sol. A conversa dos dois à noite não seria agradável.
Um carro do Serviço Secreto recolhera Cecília Jackson em sua casa em Forte Myers.
O almirante Jackson e sua esposa embarcaram num VH-60 de reserva, juntamente com algumas bagagens de mão, e malas mais substanciais para a família Ryan. Não havia câmeras para registrar isso. O presidente e a Primeira Família haviam partido, e as câmeras com eles. Os entendidos da mídia agora estavam juntando suas informações para os noticiários noturnos, tentando encontrar um significado maior nos eventos do dia, chegando a conclusões antes dos agentes federais que só agora estavam permitindo que as equipes das ambulâncias recolhessem os 13 cadáveres na cena do crime. As luzes piscantes dos carros de polícia pareciam dramáticas enquanto as equipes de TV
preparavam-se para fazer transmissões ao vivo, um deles do ponto exato do qual Astro de Cinema observara a operação fracassada.
Ele se havia preparado para essa eventualidade, claro. Dirigiu rumo norte pela Ritchie Highway — o tráfego não estava tão ruim, considerando que a polícia ainda bloqueava a estrada na altura da Giant Steps — e no aeroporto internacional de Baltimore-Washington ele até teve tempo de tomar o 767 da British Airways para Heathrow. Nada de primeira classe desta vez. O avião tinha apenas classe executiva. Ele não estava sorrindo. Queria que o sequestro tivesse logrado êxito, embora desde o começo estivesse com tudo planejado pura este fracasso. Para Astro de Cinema a missão não havia fracassado. Ele ainda estava vivo, e escapando de novo. Aqui estava ele, decolando. Logo estaria em outro país, e ali desapareceria completamente enquanto a polícia americana estaria tentando estabelecer se houvera outro membro da conspiração criminosa. Ele decidiu tomar alguns cálices de vinho. Isso o ajudaria a dormir depois de um dia muito estressante. A lembrança de que isso contrariava sua religião o fez sorrir. Que aspecto da vida não contrariava sua religião?
O pôr do sol chegou depressa. Quando começaram a circularem Camp David, o solo era uma sombra ondulante pontuada pelas luzes estacionárias das casas particulares e as luzes em movimento dos automóveis. O helicóptero baixou devagar, parou a quarenta metros sobre o solo e desceu verticalmente para um pouso suave. Havia algumas lâmpadas ao fundo da quadra de aterrissagem. Quando o chefe da tripulação abriu a porta, Raman e o outro agente saltaram primeiro. O presidente soltou o cinto de segurança e caminhou até a porta. Parou logo atrás da tripulação. Cutucou o ombro do piloto.
— Obrigado, coronel.
— O senhor tem muitos amigos, presidente. Estaremos aqui quando precisar — disse Goodman ao seu comandante-em-chefe.
Jack assentiu, desceu os degraus e, depois das luzes, viu as silhuetas espectrais de fuzileiros navais em trajes de camuflagem.
— Bem-vindo a Camp David, senhor. — Era o capitão dos Fuzileiros.
Jack virou-se para ajudar Cathy a descer. Sally desceu com Katie. O Pequeno Jack saiu por último. Nesse momento, Ryan percebeu que seu filho já estava quase tão alto quanto a mãe. O Serviço Secreto logo teria de arrumar outro apelido para seu filho.
Cathy olhou em volta, tensa. O capitão percebeu.
— Senhora, há sessenta fuzileiros navais aqui — assegurou-lhe. Ele não precisou acrescentar o motivo para estarem ali. Não precisava dizer à Primeira Família o quanto estavam alertas.
— Onde? — perguntou o Pequeno Jack, olhando em torno e não vendo nada.
— Experimente isto. — O capitão deu ao garoto seus óculos de visão noturna PVS-7. BAIXINHO segurou-os sobre os olhos.
— Maneiro! — Ele esticou o braço, apontando para aqueles que podia ver.
Então abaixou os óculos e os fuzileiros ficaram invisíveis novamente.
— Eles são ótimos para procurar cervos, e há um urso que perambula pelas imediações. Nós o chamamos de Zé Colmeia.
Congratulando-se por ter conseguido acalmá-los, o capitão Larry Overton, USMC, conduziu-os na direção dos HMMWV que iriam transportá-los até o quartel-general. Zé Colmeia, ele explicaria mais tarde, usava um colar de rádio de modo a não surpreender ninguém, e muito menos a um fuzileiro com um rifle carregado.
As acomodações de Camp David pareciam rústicas, e realmente não chegavam nem aos pés do luxo na Casa Branca, mas podiam ser descritas como o tipo de esconderijo que um milionário teria em Aspen. Na verdade, os aposentos presidenciais eram conhecidos oficialmente como o Chalé de Aspen.
Mantido pelo Destacamento Naval de Superfície, Thurmont (Maryland), e guardado por uma pequena companhia de fuzileiros escolhidos a dedo, o complexo era uma localização tão segura quanto qualquer coisa a uma distância de 150 quilômetros de Washington poderia ser. Havia fuzileiros no chalé presidencial para recebê-los, e dentro havia marinheiros para guiar cada um deles a um quarto particular. Lá fora havia mais 12 chalés adicionais, e o quanto mais próximo você estivesse do Chalé de Aspen, mais importante você era.
— O que vamos comer no jantar? — inquiriu Jack Júnior.
— Qualquer coisa que você quiser — respondeu um taifeiro dos fuzileiros.
Jack virou-se para Cathy. Ela assentiu. Esta seria uma noite coma-o-que-quiser.
O presidente tirou o paletó e a gravata. Um servente apareceu para coletá-las.
— A comida aqui é excelente, senhor — prometeu.
— Isso é um fato, senhor — confirmou o chefe. — Temos um acordo com alguns moradores. Tudo fresco, direto da fazenda. Posso trazer algo para beberem? — perguntou — Isso me parece um grande plano, chefe. Cathy?
— Vinho branco? — perguntou, o estresse finalmente se esvaindo dela.
— Temos uma bela adega, senhora. Que tal um chardonnay Chateau Ste.
Michelle? E uma safra de 1991, e tão boa quanto um chardonnay pode ser.
— Você é um chefe naval? — indagou POTUS.
— Sim, senhor. Costumava cuidar de almirantes, mas fui promovido, e se me permite a falta de modéstia, senhor, conheço os meus vinhos.
Ryan levantou dois dedos. O chefe assentiu e se retirou.
— Isto é insano — disse Cathy depois que ele saiu.
— Concordo.
Enquanto esperavam pelas bebidas, as duas crianças maiores concordaram com uma pizza. Katie quis hambúrguer e fritas. Ouviram o zumbido de outro helicóptero descendo na quadra. Cathy está certa, pensou seu marido. Isto é insano.
A porta abriu novamente, e o chefe retornou com duas garrafas e um balde de prata. Outro servente chegou com os cálices.
— Chefe, são apenas dois cálices.
— Sim, presidente, mas temos mais dois convidados chegando, almirante e Sra. Jackson. A Sra. Jackson também gosta de um bom vinho, senhor.
Ele estourou a rolha e a deu a CIRURGIÃ. Ela assentiu.
— Não tem um buquê magnífico?
O chefe encheu a taça da primeira-dama, e mais uma, para o presidente.
Então se retirou.
— Sempre ouvi dizer que a Marinha tinha gente assim, mas nunca acreditei.
— Oh, Jack. — Cathy virou-se. As crianças estavam assistindo TV, as três sentadas no chão, até Sally, que tentava tornar-se uma dama elegante. Elas estavam se recolhendo ao que lhes era familiar, enquanto os pais faziam o que os pais sempre fazem: encarar a realidade para poder melhor proteger os filhos do mundo.
Cathy balançou a cabeça.
— Nunca estará bem, Jack. Nunca estará bem de novo. Roy me disse.
Enquanto vivermos haverá guarda-costas conosco. Para qualquer parte que formos, precisaremos de proteção. Para sempre — disse ela, servindo-se de vinho e bebericando-o, não tão zangada quanto conformada, não tão aturdida quanto ciente de uma situação com a qual jamais sonhara. Os ornamentos do poder às vezes eram sedutores. Um helicóptero para trabalhar. Pessoas para cuidar de suas roupas, ficar com as crianças, prover-lhe qualquer comida que quisesse, levá-la a qualquer parte, sempre o caminho mais curto para qualquer lugar.
Mas a que preço? Nada de mais. Apenas de vez em quando alguém tentaria matar um dos seus filhos. Não haveria como fugir disso. Era como se ela tivesse recebido um diagnóstico de câncer, do seio, dos ovários, alguma outra coisa. Por mais horrível que parecesse, teria de fazer o que fosse preciso.
Chorar não ajudaria, embora CIRURGIÃ tivesse certeza de que ainda verteria muitas lágrimas. Gritar com Jack não ajudaria e ela não era mesmo dada a gritos. Além disso, não era culpa de Jack, era? Ela simplesmente tinha de usar o impulso do golpe, como os pacientes do Hopkins faziam quando os mandavam para o Departamento de Oncologia — oh, por favor, não se preocupe. Eles são os melhores entre os melhores, e os tempos mudaram, eles realmente sabem o que estão fazendo agora. Seus colegas no Departamento de Oncologia eram os melhores. E agora tinham um belo prédio. Mas quem queria realmente ir para lá?
E assim Cathy sabia que ela e Jack tinham uma espécie de casa, com serviçais magníficos. E alguns deles eram especialistas em vinhos, pensou enquanto tomava mais um gole de sua taça. Mas quem realmente quer ir para lá?
Tantos agentes tinham sido designados para o caso que eles ainda não sabiam o que fazer. Não tinham informações suficientes para gerar ordens, mas isso estava mudando depressa. A maioria dos terroristas mortos fora fotografada — dois deles, acertados pelas costas pelo M-16 de Norm Jeffers, não tinham rostos para ser fotografados —, e todos os corpos tiveram suas digitais tiradas. As amostras de sangue seriam levadas para exames de DNA caso isso mais tarde se tornasse útil — uma possibilidade, porque a identidade poderia ser confirmada por uma equivalência genética com parentes próximos. Por enquanto teriam de se contentar com as fotos. Antes de mais nada, elas foram transmitidas para o Mossad. O consenso era que os terroristas haviam sido islâmicos, e os israelenses tinham os melhores dados sobre eles. A CIA cuidou do contato inicial, sendo sucedida pelo FBI. Avi ben Jakob prometeu, de imediato, cooperação plena.
Todos os corpos foram levados a Annapolis para exame. Isso era exigido por lei, mesmo em casos nos quais a causa da morte era óbvia como num terremoto. A condição pré-morte de cada corpo seria estabelecida. Além disso, seria realizado um exame de doping completo para verificar se estiveram drogados.
As roupas de cada terrorista foram removidas para exame completo pelo laboratório do FBI em Washington. Antes de mais nada, estabeleceu-se os nomes das marcas para determinar o país de origem. Isso e a condição geral determinariam a época da compra, o que poderia ser importante. Mais do que isso, os técnicos — que estavam agora trabalhando depois do expediente numa noite de sexta —, usariam fita adesiva comum para coletar fibras soltas, e especialmente partículas de pólen, o que poderia determinar muitas coisas, porque algumas plantas cresciam apenas em determinadas regiões do mundo.
Os resultados desses testes poderiam demorar semanas, mas, num caso como esse, não havia limite de tempo ou recursos. O FBI dispunha de uma grande variedade de especialistas em ciência para consultar.
As placas dos carros tinham sido comunicadas antes mesmo do tiroteio entre O’Day e os dois últimos terroristas; já havia agentes nas locadoras de carros checando os registros informatizados.
Na Giant Steps, os adultos sobreviventes estavam sendo interrogados.
Quase todos confirmaram o relato de O’Day. Alguns dos detalhes não batiam, mas isso era esperado Nenhuma das mulheres jovens havia reconhecido a linguagem falada pelos terroristas. As crianças foram submetidas a interrogatórios muito mais gentis, sempre sentadas no colo de um dos pais.
Dois dos pais eram nativos do Oriente Médio, e inicialmente acreditava-se que as crianças conhecessem um pouco de línguas estrangeiras, mas isso logo se revelou uma falsa esperança.
Todas as armas foram recolhidas, seus números de série checados com um banco de dados computadorizado. A data de fabricação foi constatada facilmente; os registros dos fabricantes checados para ver em quais distribuidores foram compradas, e a partir daí que loja as tinham vendido. Essa trilha revelou-se fria. As armas eram antigas, apesar de seu estado perfeito, que fora estabelecido por inspeção visual dos tambores e mecanismos. Elas não pareciam ter sofrido nenhum tipo de desgaste. Antes mesmo que os agentes tivessem o nome do comprador, essa informação foi passada cadeia de comando acima.
— Droga, como queria que Bill estivesse aqui — desabafou Murray em voz alta. Pela primeira vez em sua carreira estava se sentindo inadequado a uma tarefa.
Seus chefes de divisão estavam dispostos em torno de sua mesa de conferências. Desde o começo ficara acertado que sua investigação seria um trabalho conjunto das divisões Criminal e de Contrainformação Estrangeira, auxiliadas, como de praxe, pela Divisão Laboratorial. As coisas estavam acontecendo tão rápido que não havia ainda um oficial do Serviço Secreto para juntar-se a eles.
— Algum comentário?
— Dan, quem comprou essas armas está no país há muito tempo — disse o homem da Contrainformação.
— Agente adormecido — assentiu Murray.
— Pat não identificou sua linguagem. Provavelmente teria reconhecido uma linguagem europeia. Só pode ter sido o Oriente Médio — disse o representante da Divisão Criminal. Não havia uma riqueza de informações disponíveis, mas até o FBI precisava virar-se com o que tinha. — Bem, Europa Oriental, de qualquer modo. Suponha que tenhamos de considerar os países balcânicos.
Os outros à mesa concordaram, relutantes.
— Qual é a idade das armas? — indagou o diretor do FBI.
— Onze anos. Muito antes da proibição — respondeu o representante da Divisão Criminal. — Elas não tinham sido usadas até hoje. Eram virgens, Dan.
— Alguém estabeleceu uma rede da qual não tínhamos conhecimento.
Alguém muito paciente. Quem quer que tenha sido o comprador, acho que descobriremos que ele usava uma identidade falsa, e que já voou do poleiro. É um trabalho clássico de espionagem, Dan — prosseguiu o da Contrainformação, colocando em palavras o que todos estavam pensando. — Estamos falando sobre profissionais.
— Isso é um pouco especulativo — objetou o diretor.
— Quando foi a última vez que errei, Danny? — perguntou o diretor-assistente.
— Não ultimamente. Prossiga.
— Talvez o pessoal do laboratório possa desenvolver algum bom trabalho forense.
— Apontou com a cabeça para o diretor-assistente da Divisão Laboratorial.
— Mas mesmo assim o resultado que obtivermos poderá não ser bom o bastante para levar a um tribunal, a não ser que, por um golpe de sorte, consigamos chegar ao comprador ou a outras pessoas que possam estar envolvidas nesta missão.
— Registros de voo e passaportes — disse o representante da Divisão Criminal. — Das últimas duas semanas, para começar. Procurar registros repetidos. Alguém deve ter feito o reconhecimento do objetivo. Precisa ter sido desde que Ryan tornou-se presidente. Isso é um começo.
O que ele não acrescentou é que havia cerca de dez milhões de registros para checar. Mas esse era o ganha-pão dos tiras.
— Deus, espero que você esteja errado sobre haver um adormecido — disse Murray, depois de um momento de reflexão.
— Eu também, Dan — replicou o homem da Contrainformação. — Mas não estou. Precisaremos identificar sua casa ou ponto de reunião, interrogar os vizinhos, checar os registros imobiliários para obtermos um nome de cobertura e prosseguirmos a partir daí. Ele provavelmente já foi embora, mas essa não é a parte assustadora, é? Ele esteve aqui pelo menos durante 11 anos. Ele trabalhou e foi pago. Ele aprendeu coisas. Mesmo assim ele manteve sua fé durante todo o tempo até agora, quando ajudou a completar essa missão. Durante todo esse tempo ele ainda acreditava o bastante para ajudar a matar crianças.
— Ele não deve ser o único — concluiu Murray em tom sombrio.
— Acho que não.
— Pode vir comigo, por favor?
— Já vi você antes, mas...
— Jeff Raman, senhor.
O almirante apertou a mão do agente.
— Robby Jackson. O agente sorriu.
— Eu sei, senhor.
Foi uma caminhada agradável, mas que teria sido melhor sem a presença tão evidente de homens armados. O ar de montanha estava frio e limpo, céu pontilhado de estrelas.
— Como ele está? — perguntou Robby ao agente.
— Teve um dia duro. Muita gente boa está morta.
— E alguns sujeitos maus, também.
Jackson seria sempre um piloto de caça, para quem infligir morte fazia parte de suas atribuições profissionais. Seguiram até os aposentos presidenciais.
Robby e Sissy ficaram estarrecidos com a cena. Não tendo filhos — um problema de Cecília não permitira, apesar de todos os esforços —, eles não entendiam completamente como eram as crianças. Os eventos mais horrorosos, se seguidos por um abraço dos pais e outros sinais de segurança, geralmente eram esquecidos depressa. O mundo, em especial para Katie, retomara sua forma original. Mas haveria pesadelos, também, e eles durariam semanas, talvez mais, até que as memórias tivessem esvanecido. Abraços foram trocados, e então, também como de costume, marido conversou com marido e esposa com esposa. Robby serviu-se de um cálice de vinho e acompanhou Jack até o pátio.
— Como está você, Jack? — segundo um acordo silencioso, aqui e agora Ryan não era o presidente.
— O choque chega e vai — admitiu. — Isso já aconteceu antes. Os sacanas não podiam simplesmente vir até mim. Não, senhor, eles tinham de procurar um alvo mais frágil. Aqueles filhos da puta! — praguejou Jack.
Jackson bebericou seu vinho. Não havia muita coisa a ser dita agora, mas isso iria mudar.
— E a primeira vez que venho aqui — disse Robby, apenas para dizer alguma coisa.
— Minha primeira vez foi... você acreditaria que enterramos um cara aqui?
— comentou Jack, lembrando. — Ele era um coronel russo, um agente que tínhamos no Ministério da Defesa deles. Um puta soldado, herói da União Soviética, três ou quatro vezes, acho. Nós o enterramos com seu uniforme e todas as suas condecorações. Eu mesmo li as citações. Foi na época que tiramos o Gerasimov.
— O chefe da KGB. Então isso era verdade, hein?
— Era — assentiu Ryan. — E você sabe sobre a Colômbia, sobre o submarino.
Como acha que aqueles jornalistas descobriram?
Robby quase gargalhou alto, mas conseguiu conter-se, dando um risinho.
— Deus, e eu pensei que minha carreira fosse atribulada.
— Você foi voluntário para a sua — observou Jack.
— Você também, meu amigo.
— Acha? — Ryan entrou no chalé para encher novamente o cálice. Voltou com os óculos de visão noturna e ligou-os para observar as cercanias. — Não fui voluntário para ter minha família guardada por uma companhia de fuzileiros.
Há três deles logo ali, com seus uniformes, capacetes e fuzis... e por quê?
Porque há gente no mundo que quer nos matar. Por quê? Porque...
— Vou dizer-lhe por quê. Porque você é melhor do que eles, Jack. Você defende coisas boas. Porque você tem colhões, e não foge por qualquer motivo — disse Robby para o amigo. — Não me venha com esse papo de ai, meu Deus, tá? Eu sei quem você é. Sou um piloto de caça porque escolhi isso. Você está onde está porque também escolheu isso. Ninguém nunca lhe disse que seria fácil, tá?
— Mas..
— Mas o cacete, presidente. Há gente lá fora que não gosta de você? Tudo bem. Apenas descubra como encontrá-los, e então peça àqueles fuzileiros ali para darem conta do recado. Você sabe o que eles irão dizer. Você pode ser odiado por alguns, mas é amado e respeitado por muitos mais. Escute bem o que digo: não há uma só pessoa nas forças armadas do nosso país que não esteja disposta a esmagar qualquer um que se meta com Você e a sua família. Não é só o que você é, é quem você é, certo?
E quem eu sou?, perguntou-se ESPADACHIM. No momento, uma de suas fraquezas estava se manifestando.
— Vamos.
Ryan caminhou até oeste. Ele tinha acabado de ver um clarão e, trinta segundos depois, no canto de outro chalé, encontrou um cozinheiro naval fumando um cigarro. Presidente ou não, ele não seria muito orgulhoso de si esta noite.
— Olá.
— Meu Deus! — exclamou o marinheiro, levando um susto e deixando seu cigarro cair no chão. — Quero dizer... olá, presidente.
— Errado na primeira tentativa, certo na segunda. Tem um cigarro? — perguntou POTUS, completamente desavergonhado, conforme Robby Jackson notou.
— É claro, senhor.
O cozinheiro tirou um do maço e o acendeu.
— Marinheiro, se a primeira-dama vir você fazendo isso novamente, ela mandará que os fuzileiros o executem — alertou Jackson.
— Almirante Jackson! — Essas palavras fizeram o rapaz tremer novamente.
— Acho que os fuzileiros trabalham para mim. — E voltando-se para o cozinheiro: — E então, esse jantar sai ou não sai?
— Senhor, a pizza está sendo cortada agora. Eu mesmo fiz a massa, senhor.
Eles vão gostar — prometeu.
— Descansar. Obrigado pelo cigarro.
— Quando quiser, senhor.
Ryan acenou para ele e se afastou com o amigo.
— Eu precisava disso — admitiu Jack, um pouco envergonhado, enquanto dava uma tragada longa.
— Se eu tivesse um lugar como este, eu o usaria muito. É quase como estar no mar — prosseguiu Jack. — As vezes pode sair para o convés à noite e ficar apreciando o mar e as estrelas. Os prazeres mais simples que existem.
— É difícil se desligar de tudo, não é? Mesmo quando você comunga com o mar e as estrelas, não se desliga realmente.
— Não — admitiu o almirante. — Isso facilita um pouco mais pensar, torna a atmosfera um pouco menos intensa, mas você está certo. Os problemas não desaparecem.
Exatamente como estava acontecendo agora.
— Tony disse que perdemos de vista a Marinha indiana.
— Ambos os porta-aviões no mar, com escoltas e petroleiros. Estamos procurando por eles.
— E se houver uma conexão? — perguntou Ryan.
— Com o quê?
— Os chineses arrumam confusão num lugar, a Marinha indiana vai ao mar novamente, e isso me dá a impressão... será que estou ficando paranoico? — perguntou ESPADACHIM.
— Deve estar. Talvez os indianos tenham terminado seus reparos e resolvido mostrar-nos que nós não lhes ensinamos uma lição tão grande assim.
Quanto à coisa da China, bem, já aconteceu antes. Não vai dar em nada, especialmente depois que Mike Dubro chegar lá. Eu conheço Mike. Ele mandará caças decolarem pare xeretar a região. O atentado contra Katie? É cedo demais para dizer, e esse não é o meu campo. Você tem Murray e os outros para pensar nisso. Em todo caso, eles fracassaram, não é mesmo? A sua família está ali dentro, assistindo televisão, e vai levar um bom tempo até outra pessoa tentar algo assim.
Era uma noite cheia em todas as partes do mundo. Em Tel Aviv, onde agora passavam das quatro da manhã, Avi ben Jakob convocou seus maiores especialistas em terrorismo. Juntos analisaram as fotos transmitidas de Washington e compararam-nas com suas próprias fotografias de vigilância que haviam sido batidas através dos anos no Líbano e em outros lugares. O problema era que muitas dessas fotos mostravam jovens barbados — o método mais simples que um homem tinha para se disfarçar —, e as fotos não podiam ser julgadas por sua qualidade. As imagens transmitidas pelos americanos também não eram trabalhos profissionais.
— Alguma coisa útil? — indagou o diretor do Mossad.
Olhos voltaram-se para um dos especialistas do Mossad, Sarah Peled, uma mulher na casa dos quarenta. Às suas costas, chamavam-na de bruxa. Tinha um dom especial para identificar pessoas a partir de fotografias, e revelava-se certa num pouco mais da metade dos casos em que outros oficiais treinados do serviço de informação haviam levantado as mãos aos céus em frustração.
— Este. — Ela deslizou duas fotos sobre a mesa. — Esta é uma combinação definitiva.
Ben Jakob olhou para as duas fotos lado a lado... e não viu nada que confirmasse a opinião da mulher. Perguntara-lhe várias vezes em que ela se baseava em seus julgamentos. Como Sarah sempre dizia que eram os olhos, Avi observou novamente, comparando ou olhos nas duas fotos. Tudo que viu foram olhos. Virou a foto israelense. A data impressa no verso dizia que o homem era suspeito de afiliação ao Hezbollah, nome desconhecido, cerca de vinte anos na foto deles, que era datada de seis anos antes.
— Algum outro, Sarah? — perguntou o diretor.
— Não, nenhum outro.
— Qual é o seu grau de certeza neste aqui? — inquiriu um dos oficiais da contrainformação, olhando para as fotos e, como Avi, não vendo nada.
— Cem por cento, Benny. Eu disse definitiva, não disse? — Sarah sempre era mal-humorada, especialmente com homens descrentes às quatro da manhã.
— Até onde iremos com isso? — perguntou outro membro da equipe.
— Ryan é um amigo do nosso país, e presidente dos Estados Unidos. Iremos até onde for possível. Quero inquéritos. Todos os contatos: Líbano, Síria, Iraque e Irã. Todos.
Porcos! — disse Bondarenko, correndo uma mão pelos cabelos. Ele já tirara a gravata havia muito tempo. Seu relógio dizia-lhe que era sábado, mas ele não sabia que dia era aquele.
— Sim — concordou Golovko.
— Uma operação negra... uma operação molhada, não era assim que vocês chamavam? — indagou o general.
— Molhada e incompetente — disse irritado o diretor da RVS. — Mas Ivan Emmetovich teve sorte, camarada general. Desta vez.
— Talvez — concedeu Gennady Iosefovich., — Discorda?
— Os terroristas subestimaram seus oponentes. Você recordará que recentemente passei algum tempo com o Exército americano. Seu treinamento não tem par no mundo, e o treinamento da guarda presidencial americana só pode ser igualmente rigoroso. Por que essa gente vive subestimando os americanos?
Sergey Nikolayevitch reconheceu que essa era uma boa pergunta, e fez um sinal com a cabeça para o chefe de operações prosseguir.
— A América costuma sofrer de uma carência de direcionamento político.
Isso não é o mesmo que incompetência. Sabe com que parecem? Com um cachorro violento mantido por uma correia curta — e como ele não pode partir a correia, as pessoas se iludem dizendo que não podem temê-lo, mas dentro do perímetro permitido pela correia ele é invencível, e uma correia, camarada diretor, é uma condição temporária. Você conhece esse Ryan.
— Muito bem — concordou Golovko.
— E? As histórias na imprensa deles, são verdadeiras?
— Todas elas.
— Sergey Nikolayevitch, vou lhe dizer o que acho. Se você considera Ryan um adversário formidável, e que ele tem aquele cão violento na correia, eu não correria o risco de ofendê-lo. E atacar uma criança? Uma criança dele? — O general balançou a cabeça.
Era isso, percebeu Golovko. Ambos estavam cansados, mas aquele era um momento de clareza. Ele passara tempo demais lendo os relatórios políticos de Washington, de sua própria embaixada, e diretamente a partir da mídia americana. Todos eles diziam que Ivan Emmetovich... era essa a chave? Desde o começo ele chamara Ryan assim, pensando em homenagear o homem com a versão russa de seu nome. E isso era uma honra na visão de Golovko...
— Você está pensando o mesmo que eu, da? — perguntou o general, olhando o rosto do homem e gesticulando para que ele falasse.
— Alguém fez um cálculo...
— E não foi um cálculo preciso. Acho que precisamos descobrir quem fez isso. Acho que um ataque sistemático aos interesses americanos, uma tentativa de enfraquecer a América, camarada diretor, é realmente um ataque aos nossos interesses. Por que a China está fazendo aquilo, hein? Por que eles forçaram a América a alterar seus posicionamentos navais? Ao mesmo tempo que as forças americanas estão sendo forçadas, ocorre um ataque contra o coração do líder americano. Isto não é coincidência. Agora podemos ficar de lado e não fazer nada mais além de observar, ou...
— Não há nada que possamos fazer, e com as revelações na imprensa americana...
— Camarada diretor — interrompeu Bondarenko. — Durante setenta anos, nosso país confundiu teoria política com fatos objetivos, e esse foi nosso erro como nação. Estamos enfrentando condições objetivas aqui — prosseguiu, empregando uma frase estimada pelas forças armadas soviéticas, uma reação, talvez, às suas três gerações de equívocos políticos. — Vejo padrões de uma operação inteligente, uma operação coordenada, mas uma com um erro fatal, e esse erro é uma avaliação errônea do presidente americano. Discorda?
Golovko ponderou alguns segundos sobre isso, percebendo também que Bondarenko devia estar vendo alguma coisa real... mas será que os americanos estavam vendo? Era muito mais difícil ver alguma coisa de dentro do que de fora. Uma operação coordenada? De volta a Ryan, disse a si próprio.
— Não. Eu mesmo já cometi esse erro. Ryan aparenta muito menos do que é. Os sinais estão todos lá, mas as pessoas não veem.
— Quando estive na América, o general Diggs me contou a história do ataque dos terroristas à casa de Ryan. Ele pegou em armas e os derrotou, agindo com coragem e decisão. Pelo que você diz, aparentemente ele também é altamente eficaz como oficial de informação. Sua única falha, se é que podemos chamá-la assim, é que ele não é exatamente um político, e os políticos sempre veem isso como uma fraqueza. Talvez seja — concedeu Bondarenko. — Mas se isso for uma operação hostil contra a América, então suas fraquezas políticas são muito menos importantes do que seus outros dons.
— E...?
— Vamos ajudar o homem — disse o general. — É sempre melhor estarmos do lado vencedor, e se não o ajudarmos, então estaremos do outro. Ninguém atacará a América diretamente. Não temos tanta sorte assim, camarada diretor.
Ele estava quase certo.
44
Incubação
Ryan acordou ao amanhecer, perguntando-se porquê. O silêncio. Quase parecia sua casa na baía. Empertigou-se para ouvir o tráfego ou os outros sons.
Não escutou nada. Foi difícil sair da cama. Cathy decidira trazer Katie para dormir com ele, e estava ela em seu pijaminha rosa, parecendo angelical como todas as crianças pequenas ainda bebês nessa idade, apesar do que os outros pudessem dizer. Ele teve de sorrir, em seguida, foi ao banheiro. Roupas comuns estavam penduradas no armário; vestiu-as, mais um par de chinelos e um suéter. Saiu.
O ar estava frio, com resíduos de orvalho congelado nas plantas; o céu estava claro Nada mau. Robby tinha razão. Este não era um lugar ruim para frequentar. Colocava uma distância entre ele e as outras coisas, e ele precisava disso agora.
— Bom dia, senhor. — Era o capitão Overton.
— Não é um trabalho ruim, é?
O jovem oficial assentiu.
— Cuidamos da segurança. A Marinha cuida das petúnias. É uma divisão justa de trabalho, presidente. Até o pessoal do Serviço Secreto pode dormir aqui, senhor.
Ryan olhou em volta e viu por quê. Havia dois fuzileiros navais cercando o chalé, e mais três num raio de 45 metros. E aqueles eram apenas os que ele conseguia ver.
— Deseja alguma coisa, presidente?
— Café será um bom começo.
— Siga-me, senhor.
— Atenção no convés! — gritou um marinheiro alguns segundos depois, quando Ryan entrou no refeitório.
— Descansar — ordenou o presidente. — Pensei que este era o retiro presidencial, não um campo de treinamento.
Ryan escolheu um lugar à mesa usada pela equipe. Café apareceu como num passe de mágica. Então, mais mágica aconteceu.
— Bom dia, presidente.
— Oi, Andréa. Quando você chegou?
— Por volta das duas, de helicóptero — explicou.
— Conseguiu dormir?
— Cerca de quatro horas.
Ryan tomou um gole de café. Café da Marinha ainda era café da Marinha.
— E?
— A investigação está em andamento. A equipe está reunida. Todo mundo tem um lugar à mesa.
Ela estendeu uma pasta, que Ryan leria antes de seu jornal matutino. O condado de Anne Arundel, a Polícia Estadual de Maryland, o Serviço Secreto, o FBI, a ATF e todas as agências de informação estavam trabalhando no caso.
Tentavam identificar os terroristas, mas os dois cujos documentos já tinham sido checados revelaram-se não pessoas. Seus documentos eram falsos, provavelmente de origem europeia. Grande surpresa. Qualquer criminoso europeu competente, quanto mais uma organização terrorista, podia gerar passaportes falsos. Ele levantou os olhos para Andréa.
— E quanto aos agentes que perdemos? Um suspiro, um encolher de ombros.
— Todos eles tinham famílias.
— Vamos providenciar para que eu as encontre. Acha que devo me encontrar com todas as famílias ao mesmo tempo ou com cada uma isoladamente?
— A escolha é sua, senhor — disse-lhe Price.
— Não. Precisa ser o que for melhor para eles. Eles são a sua gente, Andréa.
Cuide disso para mim, certo? Devo-lhes a vida da minha filha, e preciso fazer o que for justo pura com eles — disse POTUS solenemente, lembrando por que estava neste lugar silencioso e pacífico. — E presumo que suas necessidades serão atendidas apropriadamente. Consiga-me os detalhes sobre isso: seguros, pensões, tudo isso, certo? Quero acompanhar de perto.
— Sim, senhor.
— Já sabemos alguma coisa importante?
— Não realmente. As arcadas dentárias dos terroristas autopsiados definitivamente não eram americanas. Isso é tudo por enquanto.
Ryan folheou os documentos que tinha. Uma conclusão preliminar saltou da página sobre ele: — Onze anos?
— Sim, senhor.
— Então isso foi uma operação grande para alguém... uma nação.
— É uma possibilidade.
— Quem mais teria os recursos? — indagou, e Price lembrou que seu presidente tinha sido agente de informação por um longo tempo.
O agente Raman aproximou-se e sentou. Ele ouvira essa observação, e trocou um olhar com Price.
O telefone de parede tocou. O capitão Overton caminhou até ele.
— Sim? — Ele ouviu durante alguns minutos, então se virou.
— Presidente, é a Sra. Foley na CIA.
O presidente caminhou para atender ao telefonema.
— Sim, Mary Pat.
— Senhor, recebemos um telefonema de Moscou há alguns minutos. Nosso amigo Golovko perguntou se pode ser de alguma ajuda. Recomendo um sim a isso.
— Concordo. Mais alguma coisa?
— Avi ben Jakob quer conversar com você hoje mais tarde. Apenas para os seus ouvidos — disse-lhe a DDO.
— Daqui a mais ou menos uma hora. Deixe-me acordar primeiro.
— Sim, senhor... Jack?
— Sim, MP?
— Graças a Deus sobre Katie — disse Mary Pat, de mãe para pai, e então, apenas como profissional: — Se pudermos descobrir quem fez isso, nós iremos.
— Eu sei que você é a melhor que temos — ouviu a Sra. Foley. — Estamos bem agora.
— Bom. Ed e eu estaremos aqui o dia inteiro — disse Mary Pat antes de desligar.
— Como ele parece? — perguntou Clark.
— Ele vai superar, John.
Chavez esfregou a mão na barba por fazer. Os três, mais alguns outros, haviam passado a noite revendo tudo que a CIA tinha sobre grupos terroristas.
— Temos de fazer alguma coisa sobre isto, pessoal. Isto é um ato de guerra.
— Sua voz estava agora desprovida de sotaque, como tendia a ser quando ele falava sério, invocando sua educação em vez de suas origens de Los Angeles.
— Não sabemos muita coisa. Que droga — disse a DDO. — Não sabemos nada ainda.
— É uma pena que não tenhamos pegado um deles vivo. — A observação, para a surpresa dos outros dois, veio de Clark.
— Ele provavelmente não teve muita chance de colocar algemas no cara — replicou Ding.
— É verdade.
Clark levantou o conjunto de fotos criminais que fora trazido do FBI logo depois da meia-noite. Como ele trabalhara no Oriente Médio, esperara-se que reconhecesse um dos rostos. Mas não reconhecera ninguém. O máximo que sabia era que, quem quer que fosse o safado do FBI que estivera lá dentro, atirava como ninguém. Sujeito de sorte: estava lá dentro, teve uma chance e soubera quando agir.
— Alguém soube aproveitar a oportunidade — disse John.
— Isso é um fato — Mary Pat concordou automaticamente, mas então todos pensaram a respeito.
A questão agora não era o quanto a chance fora boa, e sim como a chance fora percebida por quem havia jogado os dados. Os nove terroristas tinham sido suicidas, certamente marcados para a morte como os fanáticos do Hezbollah que haviam andado pelas ruas de Israel com roupas confeccionadas por DuPont — essa era uma piada da CIA sobre a situação, embora o fato de que os explosivos plásticos provavelmente tinham vindo da fabrica Skoda na antiga Tchecoslováquia. Bombas não-tão-inteligentes era a outra alcunha interna. Será que eles realmente acreditavam que poderiam sair vivos dali? O problema com alguns dos fanáticos era que eles não sabiam avaliar as coisas muito bem... talvez nem se importassem.
Esse também era o problema daqueles que os haviam enviado. Esta missão tinha sido diferente, afinal de contas. Em geral os terroristas gabavam-se abertamente do que faziam, por mais odiosos que fossem seus atos. O pessoal da CIA e das outras agências haviam esperado durante 15 horas que alguém assumisse o atentado. Mas isso não aconteceu, e se não havia acontecido até agora, era porque não queriam que ninguém soubesse. Mas isso era uma ilusão.
Os terroristas sempre proclamavam seus atos, mas nem sempre apreciavam que os agentes de polícia descobrissem suas intenções.
Já com as nações-Estado a história era outra, ou pelo menos assim parecia.
Certo, o vendedor das armas não soubera nada que pudesse identificar o ponto de origem dos terroristas... ou pelo menos era o que alguns podiam pensar. Mas Mary Pat não nutria essas ilusões. O FBI era melhor do que bom, bom o bastante para que o Serviço Secreto estivesse deixando cuidar de toda a parte forense. E portanto era possível que o indivíduo ou instituição que havia iniciado a missão pudesse realmente esperar que a história acabasse se revelando. Eles provavelmente sabiam disso, e mesmo assim deram prosseguimento ao plano. Se esta linha de especulação era legítima, então...
— Parte de alguma outra coisa? — perguntou Clark. — Não um ato isolado.
Parte de um plano maior.
— Talvez — observou Mary Pat.
— Se é assim, a coisa é grande. — Chavez concluiu para eles. — Talvez tenha sido por isso que os russos telefonaram para a gente.
— Tão grande... tão grande que mesmo se deslindarmos tudo, quando conseguirmos não fará a menor diferença.
— Isso é muito grande, Mary Pat — disse Clark. — Que poderia ser...?
— Alguma coisa permanente, alguma coisa que não poderemos mudar depois de ter acontecido — presumiu Domingo. O tempo que passara na George Mason University não fora desperdiçado.
A Sra. Foley desejou que seu marido estivesse ali para ajudá-la, mas Ed estava em reunião com Murray naquele exato momento.
Sábados de primavera costumam ser dias de rotina tediosa mas agradável, mas em pouco mais de duzentas casas pouco estava sendo feito. Jardins não estavam sendo plantados. Carros não estavam sendo lavados. Liquidações não estavam sendo frequentadas. lojas de tinta jaziam fechadas. Isso tudo sem contar com os funcionários públicos e jornalistas trabalhando na grande matéria da semana. A maioria das pessoas acamadas com gripe eram homens. Trinta deles estavam em quartos de hotel. Vários até mesmo tentaram trabalhar, comparecendo às feiras nas novas cidades, enxugando rostos, assoando narizes e torcendo para que a aspirina ou o Tylenol surtisse efeito logo. Do último grupo, a maioria retornou aos quartos de hotel para relaxar; não havia sentido em lidar adoentados com clientes, havia? Em absolutamente nenhum dos casos procurou-se assistência médica. Aquilo devia ser o vírus da gripe de inverno primavera; cedo ou tarde, todo mundo acabaria infeccionado por ele. Eles não estavam tão doentes afinal, não é mesmo?
A cobertura da imprensa sobre o incidente na Giant Steps foi inteiramente previsível, começando com fotos tiradas a cerca de 45 metros de distância, e as mesmas palavras repetidas por todos os correspondentes, seguidas pelas mesmas palavras proferidas por especialistas em terrorismo e ou outros campos.
Uma das emissoras levou o espectador de volta aos tempos de Abraham Lincoln por nenhum outro motivo além daquele ser um sábado, um dia muito estéril em notícias. Toda a cobertura apontava para o Oriente Médio, embora até então as agências de investigação tivessem declinado de fazer qualquer comentário sobre o evento, exceto para citar a interferência heroica de um agente do FBI e a batalha travada pelos agentes do Serviço Secreto que agiam como guarda-costas da pequena Katie Ryan. Palavras como heroicos, dedicados, e determinados eram ostentadas com grande frequência, levando à conclusão dramática .
Alguma coisa simplesmente saíra errado, e Badrayn tinha certeza disso, embora ele não pudesse ter certeza até que seu colega voltasse para Teerã de Londres, através de Bruxelas e Viena, com diversos documentos de viagem diferentes.
— O presidente e sua família estão no retiro presidencial em Camp David para recuperar-se do choque desse evento terrível, acontecido bem ao norte da pacífica Annapolis, em Maryland — concluiu o repórter. — Este é...
— Retiro? — perguntou Daryaei.
— Significa muitas coisas na língua deles, entre elas, fugir — respondeu Badrayn, principalmente porque tinha certeza de que era isso que seu empregador queria ouvir.
— Se ele acha que pode fugir de mim, está muito enganado — observou o sacerdote com um sorriso sombrio, sua discrição derrotada pelo ânimo do momento.
Badrayn não reagiu à revelação. Foi fácil fazer isso, porque nesse instante estava olhando para o televisor e não para seu anfitrião, mas as coisas nunca lhe pareceram mais claras. Não havia tanto risco envolvido, afinal de contas.
Mahmoud Haji linha uma forma de matar esse homem, talvez a qualquer momento que quisesse, e a situação toda estava sendo orquestrada. Será que ele realmente poderia fazer isso?
Os IVIS dificultaram a vida na OpFor. Mas não muito. O coronel Hamm e a Divisão Corcel Negro haviam vencido essa, mas o que apenas um ano antes teria sido um massacre de proporções cósmicas — Forte Irwin ficava na Califórnia, e algumas peculiaridades linguísticas eram inevitáveis —, fora uma vitória suada. Guerra dizia respeito a informação. Essa era sempre a lição do Centro Nacional de Treinamento: Encontre o inimigo. Não deixe o inimigo encontrar você. Reconhecimento. Reconhecimento. Reconhecimento. O sistema IVIS, operado por pessoas competentes, enviava as informações para qualquer pessoa com tamanha rapidez que os soldados estavam voltando-se para a direção certa mesmo antes das ordens chegarem. Isso praticamente anulara uma manobra da parte do OpFor, que teria sido digna de Erwin Rommel em seu melhor dia. Enquanto observava a gravação em velocidade acelerada do exercício na tela grande da Sala Guerra nas Estrelas, Hamm viu o quanto tinham chegado perto. Se uma daquelas companhias de tanques da Força Azul tivesse se movido apenas cinco minutos depois, ele teria perdido esta, também.
O Centro Nacional de Treinamento decerto perderia sua utilidade se os Mocinhos vencessem regularmente.
— Aquela foi uma manobra magnífica, Hamm — admitiu o coronel da Guarda da Carolina, enfiando a mão no bolso para pegar um charuto e o oferecendo a Hamm. — Mas amanhã nós vamos te dar um belo chute na bunda.
Normalmente, ele teria sorrido e dito Claro que vocês vão. Mas o filho da puta poderia simplesmente assentir em concordância, e isso tiraria um bocado da diversão da vida de Hamm. O coronel do 11º RCB teria agora de pensar em formas de burlar o IVIS. Era algo que ele já começara a pensar, e que tinha sido tópico de algumas discussões sobre cervejas com seu oficial de operações, mas até aqui eles tinham apenas concordado que aquilo não seria moleza, e provavelmente precisaria envolver veículos chamarizes... como Rommel usara.
Ele teria de obter fundos para isso. Saiu para fumar seu charuto. Havia sido uma vitória honrosa. Encontrou o coronel da guarda lá fora.
— Para um homem da guarda, você é danado de bom — precisou admitir Hamm. Ele jamais dissera uma coisa dessas para uma formação de guarda antes. Ele raramente dizia isso para qualquer um. Exceto por um erro de destacamento, o plano da Força Azul havia sido uma obra de arte.
— Obrigado por dizer isso, coronel. O IVIS foi uma surpresa rude, não foi?
— Pode repetir isso.
— Meu pessoal o adorou. Muitos deles usaram suas horas de folga para brincar com os simuladores. Diabos, estou surpreso por você ter nos vencido.
— A sua reserva estava próxima demais — disse-lhe Hamm. — Vocês pensavam saber o que explorar. Ao invés disso, eu os peguei fora de posição para reagir ao meu Contra-ataque.
Aquilo não era uma revelação. O observador controlador sênior deixara essa lição dura para o comandante de tanques momentaneamente arrependido.
— Tentarei lembrar disso. Soube das notícias?
— Sim, e aquilo foi sacanagem — pensou Hamm em voz alta.
— Criancinhas. Será que concedem medalhas no Serviço Secreto?
— Eles têm alguma coisa assim, imagino. Posso pensar em coisas piores pelas quais morrer.
E era a isso que tudo se resumia. Aqueles cinco agentes haviam morrido fazendo seu trabalho, correndo ao som das armas. Eles podiam ter cometido alguns erros, mas às Vezes não se tinha escolha nesses assuntos. Todo soldado sabia disso.
— Deus guarde suas almas corajosas — disse o homem, soando como Robert Edward Lee Isso engatilhou alguma coisa em Hamm.
— Qual é a história de vocês? Você, coronel Eddington, você não... o que diabo faz na vida real?
O homem estava com mais de cinquenta anos, muito velho para um oficial em comando de uma brigada, mesmo na guarda.
— Sou professor de História Militar na Universidade da Carolina do Norte.
Qual é a história? Esta brigada devia ser a substituta da 24ª Mecanizada em 1991, e viemos para cá fazer exercícios. Nunca fomos enviados para a guerra.
Eu era oficial de rastreamento naquela época, Hamm. Nós queríamos ir. Nossos padrões regimentais remontam à Revolução. Isso doeu em nosso orgulho.
Esperamos voltar aqui por quase dez anos, rapaz, e esta caixa de IVIS deu-nos uma bela chance. — Ele era um homem alto e magro, e quando se virou, estava olhando para baixo na direção do oficial regular. — Faremos uso dessa oportunidade, filho. Conheço a teoria. Tenho lido e estudado há mais de trinta anos, e meus homens não vão rolar e morrer para você, está ouvindo? — concluiu Nicholas Eddington, com o sotaque que tendia a adotar quando irritado.
— Especialmente não para ianques?
— Com toda certeza! — Então foi o momento para uma gargalhada. Nick Eddington era professor, com uma certa inclinação para o dramático. Sua voz suavizou. — Eu sei, se não tivéssemos IVIS, vocês iriam nos matar...
— Tecnologia não é mesmo uma coisa maravilhosa?
— Ela quase nos torna seus iguais, e os seus homens são os melhores. Todo mundo sabe disso — concedeu Eddington, num belo gesto de paz.
— Com as horas que trabalhamos, é bem difícil tomar uma cerveja no clube quando a gente realmente precisa. Posso oferecer-lhe uma na minha casa, senhor?
— Mostre o caminho, coronel Hamm.
— Qual é a sua área de especialidade? — perguntou CORCEL NEGRO SEIS no percurso até seu carro.
— Minha dissertação foi sobre a arte operacional de Nathan Bedford Forrest.
— Mesmo? Também sempre fui um admirador de Buford.
— Ele só teve alguns dias, foram dias bons. Ele poderia ter vencido a guerra para Lincoln em Gettysburg.
— As carabinas Spencer concederam à sua tropa superioridade técnica — teorizou Hamm. — As pessoas esquecem desse fator.
— Escolher o melhor território não machucou, e as Spencer ajudaram, mas o que ele fez de melhor foi lembrar sua missão — replicou Eddington.
— Ao contrário de Stuart. Jeb definitivamente teve um dia ruim. Suponho que ele merecia um.
Hamm abriu a porta do carro para o seu colega. Eles tinham algumas horas antes de se prepararem para o exercício seguinte, e Hamm era um estudante sério de História, especialmente da cavalaria. Esse seria um café da manhã interessante: cerveja, ovos, Guerra Civil.
Esbarraram um no outro no estacionamento da 7-Eleven, que no momento estava faturando alto vendendo café e roscas.
— Oi, John — disse Holtzman, olhando para a cena do crime do outro lado da rua.
— Oi, Bob — reconheceu Plumber com um aceno. A área estava fervilhando de câmeras, fotográficas e de TV, registrando a cena para a posteridade.
— Está de pé cedo demais para um sábado... e para um homem de TV — comentou o jornalista do Post com um sorriso amistoso. — Que acha disso?
— Foi realmente uma coisa terrível. — Plumber já tinha sido avô várias vezes.
— Será que foi Ma-alot, aquele em Israel, lá em... quando mesmo? Em 1975, algo assim? — Todos esses incidentes terroristas eram muito parecidos uns com os outros.
Holtzman também não tinha certeza.
— Acho que sim. Mandei alguém checar lá no escritório.
— Terroristas dão boas matérias, mas, Deus do Céu, passaríamos bem melhor sem eles.
A cena do crime estava quase intacta. Os corpos haviam sumido. As autópsias já deviam ter sido finalizadas a essa altura. Mas tudo mais estava como antes, ou quase. Os carros permaneciam lá, e enquanto os jornalistas observavam, os especialistas em balística esticavam fios para simular tiros em manequins trazidos de uma loja de departamentos da localidade, tentando recriar cada detalhe. O atirador escondido do Serviço Secreto era um negro, Norman Jeffers, um dos heróis do dia; agora estava demonstrando como ele viera da casa do outro lado da rua. Lá dentro estava o inspetor Patrick O’Day.
Alguns agentes simulavam os movimentos dos terroristas. Um homem jazia no chão ao lado da porta da frente, apontando em todas as direções com um revólver de brinquedo de plástico vermelho. Nas investigações criminais, os ensaios com roupa sempre aconteciam depois da peça.
— O nome dele era Don Russell? — indagou Plumber.
— Um dos caras mais antigos no Serviço Secreto — confirmou Holtzman.
— Merda. — Plumber balançou a cabeça. — Horatius na ponte, como alguma coisa de um filme. Heroico não é uma palavra que usemos com frequência, é?
— Não. Essa é uma coisa na qual não devíamos mais acreditar, não é mesmo? Somos homens maduros. Para nós, todos têm um lado podre, não é? — Holtzman terminou seu café e jogou a xícara plástica na lata de lixo. — Imagine, abrir mão de sua vida para proteger os filhos de outra pessoa.
Alguns jornalistas falaram sobre o evento empregando termos de faroeste.
Duelo em Creche City dissera algum repórter, ganhando o prêmio de mau gosto da noite, e valendo à estação algumas centenas de telefonemas irritados, que confirmaram que a emissora tinha uma audiência sólida no horário noturno.
Ninguém ficara mais irado com isso do que Plumber, conforme Bob Holtzman notou. Ele ainda achava que esse negócio de notícias ainda devia significar alguma coisa.
— Alguma notícia de Ryan? — perguntou Bob.
— Só um comentário para a imprensa. Callie Weston escreveu, e Arnie o leu. Não posso culpá-lo por se afastar com a família. Ele merece uma colher de chá de alguém, John.
— Bob, eu me lembro de quando...
— Sim, eu sei. Me pegaram de jeito. Elizabeth Elliot passou-me uma informação sobre Ryan quando ele era diretor suplente da CIA. — Virou-se para encarar o colega mais velho. — Era tudo mentira. Pedi-lhe desculpas pessoalmente. Sabe o que foi realmente aquilo tudo?
— Não — admitiu Plumber.
— A missão colombiana. Ele estava lá. Durante a missão, algumas pessoas foram mortas. Uma delas um sargento da Força Aérea. Ryan cuida da família do sargento. Ele está bancando a faculdade de todos, do próprio bolso.
— Você nunca publicou isso — objetou o repórter de TV.
— Não, eu não publiquei. A família... bem, eles não são figuras públicas, são? Quando descobri, aquilo era notícia velha. Simplesmente não considerei publicável.
Essa última palavra era uma das chaves para entender a profissão daqueles dois homens. Eram os homens de notícia que decidiam o que devia chegar ao olho do público e o que não devia, e escolher o que devia ser publicado e o que não devia; eram eles que controlavam as notícias e decidiam o que, exatamente, o público tinha direito de saber. E exercendo seu poder de escolha, podiam fazer ou derrubar qualquer pessoa, porque nem toda história começava grande o bastante para ser notada, especialmente as políticas.
— Talvez você estivesse errado. Holtzman deu de ombros.
— Talvez eu estivesse, mas não esperava que Ryan se tornasse presidente mais do que você. Ele fez uma coisa honrada... droga. Muito mais do que honrada. John, há coisas sobre a história colombiana que não podem ver a luz do dia. Acho que sei de tudo agora, mas não posso escrever. Isso iria ferir o país e não ajudaria ninguém.
— O que Ryan fez, Bob?
— Ele impediu um incidente internacional. Ele fez com que o culpado fosse punido de uma forma ou de outra...
— Jim Cutter? — perguntou Plumber, ainda se perguntando do que Ryan era capaz.
— Não. Aquilo foi realmente um suicídio. Sabe o inspetor O’Day, o cara do FBI que estava bem ali do outro lado da rua?
— Que tem ele?
— Ele estava seguindo Cutter. Ele o viu se jogar na frente do ônibus.
— Tem certeza?
— Toda certeza do mundo. Ryan não sabe que sei de tudo isso. Tenho algumas fontes muito boas, e tudo se encaixa com os fatos conhecidos. Ou é tudo verdade ou é a mentira mais inteligente com a qual já deparei. Sabe o que temos na Casa Branca, John?
— O quê?
— Um homem honesto. Não relativamente honesto, não ainda não flagrado . Honesto. Acho que ele nunca cometeu uma desonestidade na vida.
— Ele ainda é um cordeirinho no bosque — replicou Plumber, com certa agressividade. Estava começando a sentir uma dor na consciência.
— Talvez seja. Mas quem disse que somos lobos? Não, isso não é direito.
Nosso dever é correr atrás dos desonestos, mas estamos fazendo isso há tanto tempo que esquecemos que há algumas pessoas no governo que são honestas. — Ele olhou novamente para o colega. — E assim jogamos uns contra os outros para conseguir nossas matérias... e ao longo do caminho também nos tornamos corruptos. Que podemos fazer a esse respeito, John?
— Sei o que você está pedindo. A resposta é não.
— Numa era de valores relativos, é bom encontrar um absoluto, Sr.
Plumber. Ainda que seja o errado — acrescentou Holtzman, obtendo a reação que planejara.
— Bob, você é bom. Muito bom, na verdade, mas não vai conseguir me enrolar, entendeu? — disse o comentarista, conseguindo esboçar um sorriso. Era uma tentativa profissional e ele tinha de admirar isso. Holtzman era uma reminiscência dos dias que Plumber recordava com tanta saudade.
— E se eu puder provar que tenho razão?
— Então por que você não escreve a matéria? — questionou Plumber.
Nenhum jornalista de verdade poderia dar as costas a isso.
— Eu não a publiquei. Nunca disse que não a escrevi — Bob corrigiu seu amigo.
— O seu editor despediria você se...
— E você? Nunca deixou de publicar alguma coisa, mesmo quando dispunha de todas as informações necessárias?
Plumber esquivou-se dessa: — Você falou sobre provas.
— Falei. Mas essa história não pode chegar aos ouvidos de ninguém.
— Como posso confiar em você?
— Como eu posso confiar em você, John? O que colocamos em primeiro lugar? Espalhar notícias, certo? E quanto ao país, e quanto às pessoas? Quando a responsabilidade profissional termina e a responsabilidade pública começa?
Não publiquei essa matéria porque uma família perdeu um pai. Ele deixou uma esposa grávida. O governo não podia reconhecer o que havia acontecido, e assim Jack Ryan se prontificou a fazer a coisa certa. Ele o fez com dinheiro do próprio bolso. Jamais quis que alguém descobrisse a esse respeito. E então, o que eu devia fazer? Expor a família? Para quê, John? Para espalhar uma história que não apenas prejudicaria um país, como também uma determinada família?
Isso poderia colocar em risco a educação das crianças. Há muitas outras notícias que podemos cobrir. Mas escute o que digo, John: você prejudicou um homem inocente, e o seu amigo com o sorriso grande teve de mentir para o público para fazer isso. Não devíamos nos preocupar com isso.
— Então por que você não escreve sobre isso? Holtzman fê-lo esperar alguns segundos pela resposta.
— Estou disposto a lhe dar a chance de consertar as coisas. Esse é o motivo.
Você estava lá, também. Mas preciso ter a sua palavra, John. Aceitarei sua palavra.
Havia outras coisas além disso. Tinha de haver. Para Plumber, era uma questão de dois insultos profissionais. Em primeiro lugar, o fato de que ele havia sido enrolado por um associado mais jovem na NBC, da geração mais jovem que achava que jornalismo era a forma como você parecia diante de uma câmera. Em segundo lugar, o fato de que ele também tinha sido enrolado por Ed Kealty, usado... para prejudicar um homem inocente? No mínimo, ele tinha a obrigação de descobrir. Se não o fizesse, teria de passar um bom tempo evitando olhar no espelho.
O comentarista de TV pegou o minigravador de Holtzman de sua mão e apertou o botão de gravar.
— Aqui é John Plumber, hoje é sábado, sete e meia da manhã, e estamos em frente à creche Giant Steps. Robert Holtzman e eu vamos sair agora daqui e seguir para outro lugar. Dei minha palavra de que aquilo que iremos investigar permanecerá absolutamente confidencial entre nós. Esta gravação é um registro permanente desse compromisso da minha parte. John Plumber — concluiu —, NBC News. — Desligou o gravador e, depois de um segundo, ligou de novo. — Entretanto, se Bob agir de má-fé para comigo, nosso acordo estará encerrado.
— Isso é justo — concluiu Holtzman, removendo a fita do gravador e colocando-a no bolso.
A promessa não tinha validade legal. Mesmo se tivesse sido um acordo contratual, a Primeira Emenda provavelmente iria negá-lo, mas era a palavra de um homem, e os dois jornalistas sabiam que isso manteria seu valor, mesmo na era moderna. A caminho do carro de Bob, Plumber falou com seu produtor de externa.
— Voltaremos daqui a mais ou menos uma hora.
O predador estava circulando um pouco abaixo de três mil metros. Para propósitos de conveniência, as três corporações da URI foram identificadas como I, II e III pelos oficiais de informação em STORM TRACK e PALM BOWL. O UAV estava agora circulando a Corporação I, uma divisão armada da Guarda Republicana Iraquiana reconstituída e uma divisão semelhante do antigo Exército iraniano. Eram chamados Os Imortais, em homenagem à guarda pessoal de Xerxes. A configuração era convencional. As formações regimentais estavam na disposição clássica duas na frente uma atrás, uma espécie de triângulo, com a terceira constituindo a divisão reserva. As duas divisões estavam lado a lado. Contudo, a frente estava surpreendentemente estreita, com cada divisão cobrindo meros trinta quilômetros de espaço linear, e apenas uma brecha de cinco quilômetros entre as duas.
Eles estavam treinando com afinco. A cada grupo de quilômetros havia alvos, silhuetas em madeira de tanques. Quando eram avistados, atirava-se neles. O Predator não podia precisar a qualidade da artilharia, embora a maioria dos alvos tivessem sido derrubados depois que a primeira fileira de veículos passou. Os veículos eram principalmente de origem russa soviética. Os pesados eram tanques de batalha T-72 e T-80, fabricados nas grandes fabricas de Chelyabinsk. Os veículos de infantaria eram BMP. As táticas também eram soviéticas. Isso era evidente pela forma como eles se moviam. As subunidades eram mantidas sob controle. As grandes formações moviam-se com precisão geométrica, como máquinas de colheita num trigal do Kansas, cavando o terreno em linhas regulares.
— Puxa, já vi esse filme — observou o sargento na estação Kuwait da ELINT.
— Sim? — perguntou o major Sabah.
— Os russos... bem, os soviéticos, costumavam fazer filmes sobre isso, senhor.
— Como você compararia os dois? — E isso, pensou o especialista em informação, era uma pergunta muito boa.
— Não são muito diferentes, major. — Ele apontou para a metade inferior da tela. — Está vendo aqui? O comandante da companhia tem tudo alinhado, distância e intervalos apropriados. Antes, o Predator estava sobre a tropa de reconhecimento, e isso também estava igualzinho aos livros. Já leu sobre táticas soviéticas, major Sabah?
— Apenas sobre as adaptações iraquianas — admitiu o embaixador do Kuwait.
— Bem, é muito parecido. Consistia em atacar forte e rápido; saltar sobre o inimigo sem lhe dar muita chance de reagir; manter os soldados sob controle.
Para eles tudo se resumia a matemática.
— E qual é o nível de treinamento deles?
— Nada mau, senhor.
— Elliot manteve vigilância sobre Ryan, bem dali. — Holtzman apontou enquanto aproximava o carro da 7-Eleven.
— Ela mandou que o seguissem?
— Liz odiava-o até a alma. Eu nunca... bem, acho que descobri o motivo.
Ela realmente pegava no pé de Ryan. Talvez tenha sido alguma coisa que aconteceu antes de Bob Fowler ser eleito. O suficiente para ela vazar uma história para magoar a família dele. Gentil, hem?
Plumber não ficou tão impressionado.
— Washington é assim.
— Verdade, mas e quanto a usar recursos oficiais do governo para uma vingança pessoal? Essa pode ser a verdadeira Washington, também, mas isso é contra a lei.
Ele parou o carro e fez um gesto para Plumber saltar.
Dentro da lanchonete encontraram sua pequena proprietária e algumas crianças de origem asiática estocando as prateleiras nesta manhã de sábado.
— Olá — disse Carol Zimmer. — Ela reconheceu Holtzman de suas visitas anteriores para comprar pão e leite — e para conhecer a loja. Ela não tinha a menor ideia de que ele era jornalista. Ela apontou. — Você na TV!
— Sim, sou eu — admitiu o comentarista com um sorriso.
O filho mais velho — seu crachá dizia que ele era Laurence — apareceu com uma expressão menos amistosa.
— Posso ajudá-lo em alguma coisa, senhor? — Sua voz era desprovida de sotaque, seus olhos eram brilhantes e desconfiados.
— Gostaria de falar com você, se for possível — disse Plumber, educadamente.
— A respeito de quê, senhor?
— Você conhece o presidente, não é?
— As máquinas de café ficam ali, senhor. Pode ver onde estão os doughnuts.
O jovem deu-lhes as costas. Plumber imaginou que ele deveria ter herdado a altura do pai, e parecia ter boa instrução.
— Espere um minuto! — disse Plumber. Laurence virou-se.
— Por quê? Temos um negócio para cuidar. Com sua licença.
— Larry, seja gentil com o homem.
— Mãe, eu lhe disse o que ele fez, lembra?
Quando Laurence olhou de volta para os jornalistas, seus olhos contaram a história. Eles causaram em Plumber uma dor que ele não sentia havia anos.
— Desculpe. Por favor — disse o comentarista. — Quero apenas falar com você. Não trouxe nenhuma câmera.
— Você está agora na faculdade de medicina, Laurence? — perguntou Holtzman.
— Como sabe disso? Quem é você, afinal?
— Laurence! — objetou a mãe.
— Espere um minuto, por favor. — Plumber levantou as mãos. — Tudo que quero é conversar. Nada de câmeras, nem gravadores. Tudo ficará entre nós.
— Oh, claro. Você nos dá a sua palavra?
— Laurence!
— Mãe, deixe que eu cuido disso! — asseverou o estudante, e então desculpou-se imediatamente. — Desculpe, mãe, mas a senhora não sabe a respeito do que é isto.
— Estou apenas tentando descobrir...
— Eu vi o que o fez, Sr. Plumber. Ninguém lhe disse? Quando você cospe no presidente, está cuspindo no meu pai, também! Agora, por que não compra o que precisa e cai fora?
O jovem deu-lhes as costas novamente.
— Eu não sabia — protestou John. — Se fiz alguma coisa errada, então por que não me conta a respeito? Você tem a minha palavra de que não farei nada que prejudique a você ou à sua família. Mas se eu fiz alguma coisa errada, por favor me diga.
— Por que atacou o Sr. Ryan? — perguntou Carol Zimmer. — Ele é um homem bom. Ele cuida nós. Ele...
— Mãe, por favor. Essas pessoas não se importam com isso! — Laurence precisou voltar para cuidar da situação. Sua mãe era inocente demais.
— Laurence, meu nome é Bob Holtzman. Sou do Washington Post. Sei a respeito de sua família há vários anos. Nunca publiquei a história porque não queria invadir a privacidade de vocês. Sei o que o presidente Ryan está fazendo por vocês. Quero que John ouça da sua boca. Isso não vai se tornar informação pública. Se eu quisesse, eu mesmo teria feito.
— Por que devo confiar em vocês? — questionou Laurence Zimmer. — Vocês são jornalistas!
Esse comentário atravessou Plumber com força e violência suficientes para causar-lhe dor física. Sua profissão havia afundado tanto?
— Está estudando para ser médico? — perguntou Plumber, começando do começo.
— Segundo ano em Georgetown. Tenho um irmão que está para se formar no MIT e uma irmã que acaba de ingressar na Universidade da Virgínia.
— Isso é caro. Caro demais para o quanto vocês ganham com este negócio.
Eu sei. Eu precisei educar os meus filhos.
— Todos trabalhamos aqui. Trabalho nos fins de semana.
— Você está estudando para ser médico. Essa é uma profissão honrada — disse Plumber. — E quando cometem erros, tentam aprender com eles. Eu também, Laurence.
— O senhor sabe mesmo lidar com as palavras, Sr. Plumber. Mas muita gente faz isso.
— O presidente ajuda, não ajuda?
— Se eu lhe contar alguma coisa entre nós significa que vocês não poderão publicar?
— Na verdade, entre nós nem sempre significa isso — admitiu Plumber. — Mas eu lhe prometo, aqui e agora, que jamais usarei essas informações de nenhuma forma. Se faltar com minha palavra, você terá pessoas a quem poderá recorrer e arruinar minha carreira. As pessoas no meu ramo têm muita liberdade... talvez liberdade demais, mas não podemos mentir.
E esse era o xis da questão, não era?
Laurence olhou para a mãe. Seu inglês ruim não denotava uma mente fraca. Ela assentiu para ele.
— Ele estava com papai quando ele foi morto — reportou o jovem. — Ele prometeu a papai que cuidaria da gente. Ele faz isso, e sim, ele paga escolas e coisas assim. Ele e os seus amigos na CIA.
— Eles tiveram problemas aqui com alguns baderneiros — acrescentou Holtzman. — Um sujeito de Langley que conheço veio até aqui e...
— Ele não devia ter feito aquilo! — objetou Laurence. — O Sr. Clar... bem, ele não devia ter feito.
— Por que você não ingressou na Johns Hopkins? — perguntou Holtzman.
— Eles me aceitaram — disse Laurence, num tom de voz ainda hostil. — Desta forma fica mais fácil eu chegar na faculdade, e posso ajudar aqui na loja.
A Dra. Ryan não sabia no começo, mas quando ela descobriu, bem, outra irmã começa na universidade neste outono. Preparatório de medicina, como eu.
— Mas por que...? — a voz de Plumber descarrilou.
— Porque esse é o tipo de sujeito que ele é, e você o sacaneou.
— Laurence!
Durante mais ou menos 15 segundos, Plumber não falou nada. Virou-se para a senhora atrás do balcão.
— Sra. Zimmer, muito obrigado pelo seu tempo. Nada disso será repetido.
Eu prometo. — Virou-se. — Boa sorte com os seus estudos, Laurence. Obrigado por me contar, Não irei incomodá-lo mais.
Os dois jornalistas saíram, seguindo direto até o Lexus de Holtzman.
Por que eu deveria confiar em vocês? Vocês são repórteres. As palavras rudes de um estudante, talvez, mas mesmo assim profundamente dolorosas.
Principalmente porque Plumber sabia que merecera ouvi-la.
— O que mais? — perguntou.
— Até onde sei, eles nem mesmo conhecem as circunstâncias da morte de Buck Zimmer, apenas que deu a vida por sua pátria. Evidentemente, Carol estava grávida da caçula quando ele morreu. Liz Elliot tentou obter uma história sobre como Ryan estava pulando a cerca e que o bebê era dele. Fui arrastado pelo vácuo.
Plumber respirou profundamente.
— Sim. Eu também.
— Assim, o que vai fazer a respeito, John? Plumber olhou para Bob.
— Quero confirmar algumas coisas.
— O rapaz no MIT se chama Peter. Análise de sistemas. Acho que o nome da moça indo para Charlottesville é Alisha. Não sei o nome da que está terminando o segundo grau, mas posso verificar. Tenho dados sobre a compra do negócio da família. E uma microempresa. Todos os registros apontam para os integrantes da missão colombiana. Ryan compra presentes de Natal para eles todos os anos. Cathy também. Não sei como eles irão lidar com isso agora.
Provavelmente muito bem. — Holtzman soltou uma risadinha. — Ele sabe guardar segredos.
— E o cara da CIA que...
— Eu o conheço. Nada de nomes. Ele descobriu que alguns marginais estavam importunando Carol. Ele bateu um papinho com eles. A polícia tem arquivos. Eu já os vi — disse Holtzman. — Ele é um cara interessante. Foi ele quem tirou a esposa e a filha de Gerasimov da União Soviética. Carol o adora.
Ele também é o sujeito que resgatou Koga. Um agente e tanto.
— Dê-me um dia. Um dia — pediu Plumber.
— Completamente justo.
O percurso de volta pela Ritchie Highway transcorreu sem mais nenhuma palavra.
— Dra. Ryan?
Era o capitão Overton, enfiando a cabeça pelo vão da porta.
— O que é? — perguntou Cathy, levantando os olhos de um artigo de jornal.
— Senhora, há uma coisa acontecendo que as crianças podem gostar de ver, com a sua permissão. Todos vocês, se quiserem.
Dois minutos depois, estavam todos na traseira de um Hummer, seguindo para a floresta, perto da cerca. O veículo parou a sessenta metros de distância.
O capitão e um recruta conduziram-nos pelo resto do caminho, durante 15 metros.
— Fique quietinha — disse o recruta a CHOCALHO. Ele segurou binóculos na frente dos olhos da menina.
— Maneiro! — considerou Jack Júnior.
— Ela vai sentir medo da gente? — perguntou Sally.
— Não, ninguém caça cervos aqui, e eles estão acostumados aos veículos — explicou Overton. — Aquela é Elvira, a segunda mais velha aqui.
Ela dera à luz apenas alguns minutos antes. Elvira estava se levantando agora, lambendo o gamo recém-nascido cujos olhos estavam confusos com o mundo novo ao seu redor.
— Bambi! — observou Katie Ryan, especialista como era nesse filme da Disney. Mas ainda não era possível saber o sexo do filhote, que, alguns minutos depois, esforçava-se para se manter sobre suas pernas frágeis.
— Certo. Katie?
— Sim? — perguntou Katie, sem desgrudar os olhos do filhote.
— Você precisa dar-lhe um nome — disse o capitão Overton à criança. Era uma tradição deles.
— Tia Marlene — disse CHOCALHO sem hesitação.
C O N T I N U A
30
IMPRENSA
A. influência da televisão tornara-se tão poderosa que tinham planejado tudo de modo a veicular a notícia no telejornal matutino. Era assim que a realidade era definida, mudada, anunciada. Com toda certeza, um novo dia nascera. O espectador não foi deixado com a menor dúvida. Havia uma nova bandeira pendurada atrás do apresentador, um campo verde, a cor do Islã, com duas pequenas estrelas douradas. Ele iniciou uma invocação do Corão, e em seguida passou aos assuntos políticos. Havia um país novo. Ele se chamava a União Republicana do Islã. Consistiria nas antigas nações de Irã e Iraque. A nação nova seria guiada pelos princípios islâmicos de paz e fraternidade. Um parlamento eleito seria formado. As eleições seriam realizadas até o final do ano, prometeu. Nesse ínterim haveria um governo revolucionário composto de figuras políticas de ambos os países, em proporção com a população, o que concedia ao Irã a mão do chicote, o anunciador não disse; não era preciso.
Não havia motivo, ele prosseguiu, para que qualquer outro país temesse a URI. A nova nação proclamava sua boa vontade para com todas as nações islâmicas, e para todas as nações que tinham relações amigáveis com os dois segmentos, antes divididos da nova pátria. O fato dessa declaração ser contraditória sob muitos aspectos não foi explorado. As outras nações do Golfo, todas islâmicas, não tinham realmente mantido relações amigáveis com nenhum dos dois associados. A eliminação das fábricas de armas iraquianas não seria interrompida, de modo que a comunidade internacional não tivesse nenhuma dúvida sobre suas intenções pacíficas. Os prisioneiros políticos seriam libertados imediatamente...
— E agora eles terão espaço para os novos — observou o major Sabah em PALM BOWL. — Então aconteceu.
Ele não precisava telefonar para ninguém. O sinal de TV estava sendo visto por todo Golfo, e em cada sala com um televisor o único rosto alegre era aquele na tela... até a CNN mudar para mostrar manifestações espontâneas nas várias mesquitas, onde as pessoas faziam suas preces matinais e saíam às ruas para demonstrar sua felicidade.
— Olá, ali — disse Jack.
Ele estivera lendo as pastas deixadas por Martin, sabendo que receberia o telefonema a qualquer momento. Mais uma vez, sofria da enxaqueca que parecia adquirir simplesmente entrando no Salão Oval. Era surpreendente que os sauditas tivessem demorado tanto a autorizar que seu príncipe ministro sem pasta telefonasse. Talvez só quisessem que tudo aquilo desaparecesse com um desejo, uma característica que não era exatamente exclusiva daquela parte do mundo.
— Sim — confirmou Ryan. — Estou assistindo à TV agora.
No fundo da tela, como as legendas para deficientes auditivos, havia uma caixa de diálogo digitada por especialistas de informações na Agência de Segurança Nacional. A retórica era um pouco floreada, mas o conteúdo era claro para todos na sala. Adler, Vasco e Goodley tinham vindo assim que os sinais haviam chegado, libertando Ryan da leitura, mas não da enxaqueca.
— Isto é muito perturbador, ainda que não surpreenda — disse o príncipe pela linha codificada.
— Não havia como impedir. Eu sei como isso lhe parece, alteza — disse o presidente em tom impaciente. Ele poderia ter tomado café, mas tinha planos de ter um pouco de sono esta noite.
— Colocaremos nosso Exército em estado de prontidão.
— Há algo que possamos fazer? — perguntou Ryan.
— Por enquanto, apenas saber se o seu apoio mudou.
— Não mudou. Eu já lhe disse antes. Nosso compromisso de segurança para com o reino permanece o mesmo. Se quiser que façamos alguma coisa para demonstrar isso, estamos preparados para tomar medidas razoáveis e apropriadas. Você...
— Não, presidente, não tenho nenhum pedido formal por ora.
Isso foi dito num tom que fez os olhos de Jack levantarem-se do fone para seus visitantes.
— Nesse caso, posso sugerir que providencie para alguns dos seus homens discutirem opções com alguns dos meus?
— É preciso ser feito com discrição. Meu governo não deseja inflamar a situação.
— Faremos o que for possível. Você pode começar falando com o almirante Jackson... ele é J-3 no...
— Sim, presidente, eu o conheci na Sala Leste. Mandarei nosso pessoal do nível de trabalho contatá-lo ainda hoje.
— Certo. Se precisar de mim, Ali, sempre estarei do outro lado do telefone.
— Obrigado, Jack. Espero que durma bem. Você irá precisar. Todos precisaremos. E a linha ficou muda. Ryan apertou o botão de desligar para ter certeza. — Opiniões?
— Ali quer que façamos alguma coisa, mas o rei ainda não decidiu — disse Adler.
— Eles tentarão estabelecer contatos com a URI. — Vasco introduziu-se na conversa. — Seu primeiro instinto será iniciar um diálogo, tentar fazer alguns negócios. Os sauditas tomarão a liderança. Acho que o Kuwait e o resto dos Estados menores irão ajudá-los a lidar com os contatos, mas saberemos disso em breve, provavelmente através do... de canais oficiais.
— Temos um bom embaixador no Kuwait? — perguntou o presidente.
— Will Bach — disse Adler, assentindo enfaticamente. — Diplomata de carreira. Bom homem. Não é realmente criativo, mas conhece bem a linguagem e a cultura, e tem montes de amigos em sua família real. Entende de comércio.
É eficiente como mediador entre nossos empresários e o governo deles.
Vasco prosseguiu: — Tem um bom chefe de missão interino ajudando-o, e todos os adidos são espiões. Bons espiões.
— Certo, Bert. — Ryan tirou os óculos de leitura, esfregou os olhos. — Diga o que vai acontecer em seguida.
— Toda a área sul do Golfo está se borrando nas calças. Esta é a realização do seu pior pesadelo.
Ryan assentiu e voltou seu olhar para Ben Goodley.
— Ben, quero a avaliação da CIA de quais são as intenções da URI, e quero que telefone para Robby e veja que tipo de opções nós temos. Ponha Tony Bretano no circuito. Ele quis ser secretário da Defesa, e eu quero que ele comece a pensar sobre a parte do trabalho fora da alçada administrativa.
— O pessoal em Langley está mais perdido do que cego em tiroteio — informou Adler. — Não é culpa deles, mas é como estão.
O que significava que sua avaliação apresentaria uma variedade de opções potenciais, desde guerra nuclear — o Irã poderia possuir armas nucleares — até o Apocalipse, e três ou quatro opções entre essas duas, cada qual com sua justificativa teórica. Dessa forma, como de praxe, o presidente teria a chance de escolher a errada, e isso não seria culpa de ninguém além dele próprio.
— Sim, eu sei. Scott, veja se podemos estabelecer alguns contatos com a URI, também.
— Oferecer o ramo de oliveira?
— Você entendeu — concordou o presidente. — Todos acham que eles precisam de tempo para se consolidar antes de tentarem fazer qualquer coisa radical?
A consideração do presidente foi recebida com meneios de cabeça, mas não por todos.
— Presidente? — manifestou-se Vasco.
— Sim, Bert... a propósito, boa estimativa. Você não estava exatamente certo quanto ao momento, mas raios me partam se não estava certo o bastante.
— Obrigado, presidente. Sobre a questão da consolidação, isso diz respeito a pessoas, certo?
— Claro. — Ryan e os outros assentaram.
Consolidar um governo significava um pouco mais do que fazer as pessoas se acostumarem ao sistema e aceitá-lo.
— Senhor, veja o número de pessoas no Iraque que precisam acostumar-se a este novo governo e compare esse número à população dos Estados do Golfo. É um grande imito em termos de distância e território, mas não em termos de população — disse Vasco, lembrando-lhes que embora a Arábia Saudita fosse maior que toda a América a leste do Mississippi, tinha menos pessoas que a área metropolitana da Filadélfia.
— Eles vão fazer alguma coisa imediatamente — objetou Adler.
— Talvez. Isso depende do que você quer dizer com imediatamente, secretário.
— O Irã está envolvido com muitos problemas internos — começou a dizer Goodley. Vasco, que começava a gostar da atenção e do acesso fácil ao presidente, decidiu testar o terreno.
— Não subestime a dimensão religiosa — alertou. — Esse é um fator unificador que poderia apagar ou pelo menos suprimir os problemas internos. A bandeira deles diz isso. O nome do país diz isso. No mundo inteiro, as pessoas gostam de vencedores. Daryaei parece muito um vencedor agora, não parece? E mais uma coisa.
— Qual, Bert? — indagou Adler.
— Repararam na bandeira? As duas estrelas são muito pequenas — disse Vasco, pensativo.
— E daí? — esse era Goodley.
Ryan olhou para a TV e para o anunciador. A bandeira ainda estava ali atrás dele e...
— E daí que há espaço de sobra para outras.
Era o momento com o qual ele havia sonhado, mas a culminação de um sonho sempre é melhor que sua contemplação, porque as ovações eram reais, alcançando seus ouvidos vindas do lado de fora, não de dentro. Mahmoud Haji Daryaei chegara de avião antes do amanhecer, e com o nascer do sol adentrara a mesquita central e removera os sapatos, lavara as mãos e os antebraços, porque um homem devia aparecer limpo diante de seu Deus. Humildemente, ouvira o cântico do minarete, convocando os fiéis à oração; desta vez as pessoas não se viraram em suas camas para gozar de mais algumas horas de sono. Desta vez cruzaram vários quarteirões até a mesquita num gesto de devoção que comoveu o visitante. Daryaei não ocupou um lugar especial. A emoção devastadora do momento provocou lágrimas, que desceram por suas faces morenas e enrugadas. Daryaei cumprira a primeira de suas tarefas. Satisfizera os desejos do Profeta Maomé. Restaurara uma medida de unidade à Fé, o primeiro passo em sua cruzada santa. Imbuído do sentimento reverente que acompanhava a conclusão das orações matinais, Daryaei se levantou e caminhou para a rua; ali foi reconhecido. Para pânico de seus seguranças, caminhou pela rua, retribuindo as saudações. Inicialmente estupidificadas, as pessoas finalmente ficaram extasiadas em ver o ex-inimigo de seu país caminhando entre eles corno um convidado.
Não havia câmeras para registrar isso. Não foi um momento poluído por publicidade, e embora houvesse perigo, Daryaei aceitou-o. O que estava fazendo iria ensinar-lhe muita coisa. Iria ensinar-lhe sobre o poder de sua Fé, e a fé renovada dessas pessoas, e iria dizer-lhe se Alá abençoava ou não sua cruzada, porque Daryaei era na verdade um homem humilde, fazendo o que precisava fazer, não para si, mas para seu Deus. Por que outro motivo — perguntava-se com frequência — teria escolhido uma vida de perigos e negações? Logo o tráfego na calçada tornou-se uma multidão, e a multidão tornou-se uma turba. Pessoas a quem jamais vira designaram-se seus guardiães, forçando uma trilha para ele através dos corpos e das ovações. As pernas envelhecidas de Daryaei moveram-se lentamente enquanto seus olhos escuros, agora serenos, corriam para a esquerda c para a direita, atentos para o menor sinal de perigo, mas encontrando apenas regozijo que refletia o seu. Olhou e gesticulou para a multidão como um avô saudaria sua prole — não sorrindo, mas aceitando com uma expressão plácida o amor e o respeito dos netos, seus olhos benignos prometendo um grande futuro. Afinal, grandes feitos precisavam ser acompanhados por feitos ainda maiores, e o momento era propício.
— E então, que tipo de homem é ele? — perguntou Astro de Cinema.
Seu voo para Frankfurt fora seguido de um para Atenas, e de lá para Beirute, e de lá para Teerã. Ele conhecia Daryaei apenas de reputação.
— Ele conhece o poder — respondeu Badrayn, ouvindo as manifestações lá fora. A paz tem alguma coisa, imaginou. A guerra Irã-Iraque durara quase uma década.
Crianças foram mandadas para a morte. Foguetes devastaram cidades de ambos os países. O custo humano jamais poderia ser avaliado completamente, e embora a guerra tivesse terminado anos antes, agora chegava realmente ao fim — uma coisa mais do coração que da lei, talvez. Ou talvez uma coisa da lei de Deus, que era diferente da lei do homem. A euforia resultante era algo que ele mesmo já sentira. Mas não mais. Agora ele sabia que sentimentos como esses eram armas de governo, coisas a ser usadas. Até pouco tempo as pessoas lá fora questionavam a sabedoria do líder do Irã e o ridicularizavam; agora estavam idolatrando-o, e isso continuaria por... quanto tempo? Essa era a questão, c era por causa disso que momentos assim precisavam ser usados apropriadamente. E Daryaei sabia de tudo isso.
— E então, o que você aprendeu? — perguntou Badrayn, desligando-se do ruído dos fiéis.
— As coisas mais interessantes que aprendi foi assistindo televisão. O presidente Ryan está indo bem, mas com dificuldades. Seu governo ainda não é plenamente funcional. A casa inferior de seu parlamento ainda precisa ser substituída; as eleições só começarão no mês que vem. Ryan é popular. Os americanos adoram fazer pesquisas — explicou. —Eles telefonam para pessoas e fazem perguntas. Questionam apenas alguns milhares de pessoas, frequentemente nem tantos, e a partir daí reportam uns aos outros o que todo mundo pensa.
— O resultado? — perguntou Badrayn.
— Uma ampla maioria aprova o que ele está fazendo. Mas ele não está fazendo nada além de seguir em frente. Ele ainda nem escolheu um vice-presidente.
Badrayn sabia disso, mas não o motivo.
— Por quê? Astro de Cinema abriu um sorriso.
— Também já me fiz essa pergunta. Esse tipo de coisa precisa ser aprovada pelo parlamento inteiro, e o parlamento ainda não foi completamente restabelecido. E não “era por algum tempo. Além do mais, há o problema com o ex-vice, aquele tal Kealty, que afirma que ele é o presidente... e que Ryan não é competente para governar. O sistema jurídico americano não tem uma forma eficaz de lidar com a traição.
— E se fôssemos capazes de matar Ryan...? Astro de Cinema balançou a cabeça.
— Muito difícil. Passei uma tarde inteira caminhando por Washington. A segurança do palácio é muito restrita. Ele não é aberto a turnês públicas. A rua em frente ao prédio está fechada. Fiquei sentado num banco por uma hora fingindo ler o jornal, atento para sinais em torno do lugar. Há atiradores a postos com fuzis em todos os prédios. Acho que teríamos uma chance em uma de suas viagens oficiais, mas isso exigiria planejamento extensivo, e não dispomos do tempo necessário. Portanto, nos resta apenas uma opção.
— Seus filhos — concluiu Badrayn.
Meu Deus, quase não os vejo mais, pensou Jack. Ele acabara de sair do elevador, acompanhado por Jeff Raman, e olhou as horas. Passava da meia-noite. Merda. Conseguira sentar-se para um jantar apressado com eles e Cathy antes de descer correndo para suas leituras e reuniões, e agora... todos estavam dormindo.
O corredor do andar de cima era um lugar solitário, amplo demais para a intimidade de uma casa de verdade. Ele viu três agentes a postos, como diziam, e o oficial militar com a Bola de Futebol cheia com seus códigos nucleares.
Estava tudo silencioso por causa da hora da noite, e a impressão geral era mais de uma imensa casa funerária do que de um lugar onde morava uma família.
Nada desarrumado, sem brinquedos espalhados no tapete, sem copos vazios diante da TV. Limpo demais, arrumado demais, frio demais. Sempre havia alguém por perto. Raman trocou olhares com os outros agentes, cujos acenos de cabeça significavam Muito bem, tudo normal . Ninguém armado por perto, pensou Ryan. Ótimo.
Os dormitórios ficavam muito afastados uns dos outros. Ele dobrou à esquerda, seguindo primeiro até o quarto de Katie. Abrindo a porta, viu sua caçula, recentemente graduada do berço para a cama, deitada de lado, um ursinho de pelúcia marrom a fazer-lhe companhia. Ainda usava macacões com meias embutidas. Jack podia lembrar quando Sally usava o mesmo tipo de roupa, e como as crianças ficam engraçadinhas daquele jeito, parecendo pequenos embrulhos. Mas Sally agora sonhava com o dia em que compraria coisas na Victoria s Secret, e o pequeno Jack — estava começando a objetar contra esse título — agora insistia em bermudas de pugilista porque eram a nova moda para meninos de sua idade, e elas tinham de ser usadas abaixo da cintura, porque o charme estava no risco de caírem. Bem, Jack ainda tinha uma criança pequena. Aproximou-se da cama, ficou parado ali por um minuto, apenas olhando para Katie e desfrutando silenciosamente de sua condição paternal.
Olhou em volta e viu que aquele quarto também estava sobrenaturalmente limpo. Tudo estava em seu lugar. Não havia um único objeto esquecido no chão. As roupas de Katie para o dia seguinte estavam dispostas cuidadosamente num criado-mudo. Até mesmo as meias brancas estavam dobradas ao lado dos tênis miniatura com personagens de desenho animado. Essa era uma forma adequada para uma criança viver? Parecia com os filmes de Shirley Temple que os pais de Jack viam quando eles eram crianças — um cotidiano de classe rica que fazia os espectadores se perguntarem: Será que há pessoas que realmente vivem assim?
Não pessoas de verdade, apenas a realeza, e a família do homem sentenciado à presidência. Jack sorriu, balançou a cabeça e saiu do quarto. O agente Raman fechou a porta para ele, não deixando que POTUS fizesse nem mesmo isso. Jack tinha certeza de que cm algum outro lugar no prédio um painel eletrônico estava mostrando que a porta fora aberta e fechada, e os sensores diagnosticavam que alguém entrara no quarto; provavelmente alguém devia ter perguntado pelo rádio usado pelo pessoal do Serviço Secreto se ESPADACHIM estava com CHOCALHO.
Balançou a cabeça no quarto de Sally. Sua filha mais velha também estava dormindo, certamente sonhando com aquele garoto de sua turma — Kenny ou algo assim, não era? Alguém que era gato . Miraculosamente, o assoalho do Pequeno Jack estava poluído pela presença de uma revista em quadrinhos, mas sua camisa branca estava prensada e dobrada em outro criado-mudo, e alguém engraxara seus sapatos.
Outro dia que foi para o inferno, pensou o presidente. Virou-se para seu guarda-costas.
— Noite, Jeff.
— Boa noite, senhor — disse o agente Raman diante da porta. Fechou-a e olhou pura a esquerda e para a direita na direção dos outros agentes da Segurança Presidencial. Roçou a mão direita na pistola de serviço debaixo do paletó, e seus olhos sorriram de uma forma particular, sabendo o que ele poderia ter feito com tanta facilidade. Ele não recebera uma resposta à sua mensagem. Bem, seu contato estava sendo cuidadoso, como fie também deveria ser. Esta noite Aref Raman estava incumbido da supervisão da segurança presidencial. Subiu o corredor acenando com a cabeça para outros agentes em seus postos. Fez uma pergunta inócua e desceu de elevador até o Pavimento do Estado. Saiu para pegar um pouco de ar, espreguiçar-se e olhar para os guardas a postos no perímetro. Ali também estava tudo calmo. Havia alguns manifestantes no Lafayette Park, do outro lado da rua, abraçados a esta hora da noite, muitos deles fumando — exatamente o quê ele não sabia, mas tinha suspeitas. Talvez haxixe?, perguntou-se com um sorriso enigmático. Isso não seria irônico? Além disso, havia apenas os sons de tráfego, uma sirene distante a leste, e vigias parados em seus postos, tentando permanecer em alerta falando de basquete, hóquei ou beisebol, olhos inquietos voltados em todas as direções, procurando por perigos nas sombras da cidade. Estão procurando no lugar errado, pensou Raman, retornando para o posto de comando.
— É possível sequestrá-los?
— Os dois mais velhos não. Inconveniente demais, difícil demais. Mas a mais nova, sim, é possível. Mas seria perigoso e caro — alertou Astro de Cinema.
Badrayn assentiu. Isso significava escolher pessoas especialmente confiáveis. Daryaei dispunha de pessoas assim. Isso ficara óbvio depois do que acontecera no Iraque. Durante alguns minutos, olhou para os diagramas em silêncio enquanto seu convidado permanecia ao lado da janela. A manifestação continuava. Agora estavam gritando morte a América! A multidão e o animador que a organizara tinham longa experiência com mantra em particular. O espião despertou-o de seu devaneio.
Qual exatamente é a missão, Ali? — indagou Astro de Cinema.
— A missão estratégica seria impedir a América de interferir conosco. — Badrayn virou-se para ele. Conosco agora significava o que Daryaei quisesse que significasse.
Todos os nove, constatou Moudi. Ele mesmo fez os testes com os anticorpos. Chegou a fazer cada teste três vezes, e todos os resultados foram positivos. Cada um deles estava infectado. Por questões de segurança, receberiam drogas e ouviriam que tudo estava bem... e tudo realmente estaria bem para eles até que ficasse determinado que a doença fora transmitida em sua virulência plena, não atenuada pela reprodução no grupo anterior de hospedeiros. A maioria estava dopada com morfina para permanecerem calmos e sonolentos. Vinte e duas vítimas, contando com a irmã Maria Magdalena.
Imaginou se Jean Baptiste ainda estava orando por ele no Paraíso e balançou a cabeça.
A pequena Sohaila, recordou MacGregor, um pouco surpreso com a conexão, tinha um sistema imunológico poderoso, mais do que a maioria dos adultos. Todos os pais sabiam que as crianças podem cair vítimas de uma doença e uma febre alta numa questão de horas, mas desconheciam o motivo. O motivo era simplesmente que as crianças, à medida que cresciam, eram expostas a todos os tipos de doenças pela primeira vez. Sempre que um vírus atacava uma criança, seu sistema imunológico contra-atacava, gerando anticorpos que derrotariam esse inimigo em particular (sarampo, caxumba e todo o resto) sempre que ele reaparecesse. Em quase todos os casos a primeira vitória acontecia rapidamente, que era o motivo pelo qual uma criança podia estar ardendo em febre num dia e brincando do lado de fora no dia seguinte, outra característica da infância que deixava os pais assustados no começo, irritados depois. As doenças conhecidas como infantis eram aquelas derivadas na infância. Um adulto exposto a elas pela primeira vez corria um perigo muito maior — a caxumba podia deixar um homem saudável impotente; a catapora, um mero incômodo da infância, podia matar adultos; muitos adultos morriam de sarampo. Por quê? Porque apesar de toda a sua fragilidade aparente, a criança humana era um dos organismos mais fortes que existiam. As vacinas para as doenças infantis tinham sido desenvolvidas não para salvar muitas crianças, mas as poucas que por algum motivo — provavelmente genético, mas isso estava sendo investigado — eram anormalmente vulneráveis. Até mesmo a pólio, uma doença neuromuscular devastadora, causava dano permanente apenas a uma fração de suas vítimas; mas a maioria dessas vítimas eram crianças, e os adultos protegiam as crianças com uma ferocidade usualmente associada ao reino animal. Essa era uma associação apropriada, porque a psique humana era programada para ser solícita para com as crianças — motivo pelo qual tanto esforço científico fora devotado às doenças infantis com o passar dos anos... Para onde esta linha de pensamento está me conduzindo?, perguntou-se o médico. Seu cérebro tinha a mania de perambular, como se passeando numa biblioteca de pensamentos, buscando pela referência certa, pela conexão adequada... Saleh viera do Iraque.
Sohaila também viera do Iraque. : Saleh tinha Ebola.
Sohaila exibia sintomas de gripe, ou intoxicação alimentar ou... Mas o Ebola inicialmente apresentava-se como uma gripe...
— Meu Deus — sussurrou MacGregor. Levantou-se de sua mesa e suas notas e caminhou até o quarto da menina. Durante o percurso pegou uma seringa e alguns tubos de vácuo. MacGregor ouviu as queixas usuais das crianças quanto a agulhas, mas ele tinha mão boa, e tudo acabou antes mesmo que ela começasse a chorar, problema que ele deixou a cargo de sua mãe, que passara a noite no quarto da filha.
Por que não fiz este teste antes?, reprimiu-se o jovem médico. Merda.
— Oficialmente, eles não estão aqui — disse o funcionário do Ministério das Relações Exteriores ao funcionário do Departamento de Saúde. — Qual é exatamente o problema?
— Ele parece ter o vírus do Ebola.
Isso conquistou a atenção do outro homem. Ele piscou rapidamente os olhos e se inclinou sobre a mesa.
— Tem certeza?
— Absoluta — confirmou o médico sudanês com um aceno. — Vi os dados dos exames. O médico trabalhando é Ian MacGregor, um dos visitantes britânicos. Ele é um excelente profissional.
— Alguém já foi avisado?
— Não. — O médico balançou a cabeça enfaticamente. — Não há motivo para causar pânico. O paciente está inteiramente isolado. A equipe do hospital sabe o que faz. Nosso dever é fazer as notificações apropriadas à Organização Mundial de Saúde, informá-los sobre o caso e...
— Tem certeza que não corremos o risco de uma epidemia?
— Nenhum risco. Como eu disse, já tomamos medidas completas de isolamento. O Ebola é uma doença perigosa, mas sabemos como lidar com ela — respondeu confiante o médico.
— Então por que você quer notificar a OMS?
— Em casos como esse a OMS envia uma equipe para supervisionar a situação, aconselhar sobre os procedimentos e examinar a fonte focal da infecção, de modo a...
— Esse tal Saleh não pegou a doença aqui, pegou?
— Certamente não. Se tivéssemos esse problema aqui eu ficaria sabendo imediatamente — assegurou ao seu anfitrião.
— Não há perigo de disseminar a doença e ele a trouxe com ele; portanto não há nenhum risco à saúde pública de nosso país, correto?
— Correto.
— Entendo.
O funcionário do Ministério das Relações Exteriores virou-se para olhar pela janela. A presença de ex-oficiais do Iraque no Sudão ainda era um segredo, e era do interesse de seu país que continuasse dessa forma. Manter segredos significava não deixar ninguém saber de nada. Ele se virou e disse ao funcionário do Departamento de Saúde: — Você não irá notificar a Organização Mundial de Saúde. Se a presença desse iraquiano em nosso país for divulgada, será um constrangimento diplomático para nós — Isso vai ser um problema. O Dr. MacGregor é jovem, idealista...
— Você dirá a ele. Se MacGregor objetar, mandarei alguém falar com ele — disse o funcionário público, uma sobrancelha levantada. — Esse tipo de aviso, quando transmitido apropriadamente, raramente deixa de surtir o efeito desejado.
— Como quiser.
— Esse tal Saleh vai sobreviver?
— Provavelmente não. O índice de mortalidade é aproximadamente de oito a cada dez, e os sintomas dele estão avançando rapidamente.
— Alguma pista de como ele contraiu a doença?
— Nenhuma. Ele nega ter estado na África antes, mas pessoas como ele nem sempre falam a verdade. Posso falar com ele e tentar descobrir mais alguma coisa.
— Isso seria útil.
Presidente aposta em conservadores para a suprema corte, dizia a manchete. A equipe da Casa Branca jamais dorme, embora esse privilégio ocasionalmente seja concedido ao POTUS. Exemplares de diversos jornais chegavam à Casa Branca enquanto o resto da cidade estava adormecido, e funcionários liam os jornais de cabo a rabo em busca de assuntos de interesse específico para o governo. Essas matérias seriam recortadas, grampeadas em blocos e xerocadas para Early Bird, uma publicação informal que permitia aos poderosos descobrir o que estava acontecendo — ou pelo menos o que a imprensa achava que estava acontecendo, o que às vezes era verdade, às vezes era falso... e quase sempre era um pouco das duas coisas.
— Alguém está batendo com a língua nos dentes — disse um deles, usando uma faca X-Acto para cortar a matéria do Washington Post.
— É o que parece. E a notícia se espalhou — concordou seu amigo no Times.
Um documento interno do Departamento de Justiça lista os juízes que estão sendo considerados pela administração Ryan para possível nomeação às nove vagas na Suprema Corte.
Cada um dos juristas listados é um juiz veterano da Corte de Apelação. A lista é uma seleção de indivíduos altamente conservadores. A relação inclui um único nomeado judicial das administrações Fowler e Durling.
Geralmente nomeações desse tipo são submetidas primeiro a um comitê da Ordem dos Advogados, mas neste caso a lista foi preparada internamente por funcionários de carreira do Departamento de Justiça, supervisionados por Patrick J. Martin, promotor e chefe da Divisão Criminal.
— A imprensa não gostou.
— Acha que é ruim? Dê uma olhada neste editorial. Meu amigo, eles reagiram rápido desta vez!
Nunca tinham feito nada com tanta dedicação. A missão exigia jornadas de trabalho de dezesseis horas, pouca cerveja à noite, refeições rápidas e apenas um rádio por entretenimento. Naquele momento o rádio estava tocando bem alto. Eles estavam fervendo chumbo. O equipamento era o mesmo usado por bombeiros hidráulicos: um tanque de propano com um bico de gás no topo, como um foguete investido sendo testado estaticamente. Em cima do bico de gás ficava uma panela de metal cheia com chumbo mantido em estado líquido pela chama. Uma concha era mergulhada na panela para colher o chumbo derretido, que então era vertido em moldes de bala. As balas eram calibre .58, granulação 505, feitas para fuzis de carregamento frontal, muito parecidas com os que os Montanheses originais usavam na década de 20. Essas tinham sido compradas por catálogos. Havia dez moldes, com quatro cavidades por molde.
Até aqui as coisas estão correndo bem, especialmente no que diz respeito à segurança, pensou Ernie Brown. Fertilizante não era uma substância controlada.
Óleo diesel também não. O mesmo com chumbo, e cada compra fora feita em mais de um lugar, de modo que não houvesse nenhuma compra única grande a ponto de suscitar comentários. Era um trabalho que consumia muito tempo; mas, como Pete comentara, Jim Bridger não viera para o oeste de helicóptero.
Não, ele viajara longamente no dorso de um cavalo certo com um ou dois cavalos de carga, percorrendo cerca de 25 ou trinta quilômetros por dia, pegando seus castores um por vez, fazendo tudo da forma mais difícil, ocasionalmente cruzando com outro da sua estirpe, com quem negociava bebida ou tabaco. Portanto, o que estavam fazendo seguia a tradição de sua raça. Isso era importante.
O ritmo de trabalho era perfeito. Neste momento, Pete estava manejando uma concha. No espaço de tempo que Pete levou para verter o chumbo no primeiro conjunto de moldes e verter no último, o primeiro conjunto enrijeceu o bastante para ser mergulhado na água e aberto — a ferramenta de duas peças funcionava como um alicate — libertando os projéteis minúsculos já plenamente formados e sólidos. Os projéteis jogados num tambor de combustível vazio, e os moldes substituídos em seus suportes. Ernie coletou o chumbo derramado e colocou-o de volta na panela para que nada fosse desperdiçado.
A única parte complicada tinha sido conseguir um caminhão de cimento, mas a pesquisa nos classificados locais revelara um leilão oferecido por uma empreiteira saindo do ramo; por meros 21 mil dólares haviam adquirido um veículo de três anos Idade com uma carroceria de caminhão Mack, apenas 113.566 quilômetros rodados e em ótimas condições de uso. Tinham trazido o caminhão à noite, claro. O veículo estava estacionado no celeiro, parado a seis metros de distância, seus faróis como um par de olhos.
O trabalho era repetitivo, mas mesmo isso era útil. Na parede do celeiro estava pendura um mapa do centro de Washington; enquanto mexia o chumbo, Ernie estudava-o, cérebro combinando a imagem plana no papel com sua própria imagem mental.
Conhecia todas as distâncias, e distância era o fator básico. O Serviço Secreto considerava-se muito esperto. Eles tinham fechado a Pennsylvania Avenue com o propósito manter as bombas afastadas da casa do presidente.
Ora, eles não eram tão espertos assim. Tinham deixado de pensar numa coisinha.
— Mas eu preciso — argumentou MacGregor. — Nós temos a obrigação.
— Você não irá — disse-lhe o funcionário público do Departamento de Saúde. — Não é necessário. O Paciente Zero trouxe a doença com ele. Você já iniciou procedimentos de contenção adequados. A equipe está fazendo seu trabalho; você os treinou bem, Ian — acrescentou o funcionário para atenuar o calor do momento. — Seria inconveniente para o meu país se essa notícia se espalhasse. Conversei sobre isso com o Ministério das Relações Exteriores, e a notícia não vai se espalhar. Fui claro?
— Mas...
— Se você insistir com isso, teremos de pedir que deixe o país.
MacGregor enrubesceu. Tinha pele pálida e seu rosto demonstrava com facilidade seu estado emocional. Tudo que esse filho da puta precisava fazer era dar um telefonema, e um policial — ou pelo menos o tipo de gente que recebia esse nome aqui, pessoas muito menos civilizadas e amigáveis que aquelas que MacGregor conhecera em Edimburgo visitaria a sua casa para mandá-lo pegar suas coisas e acompanhá-lo até o aeroporto. Isso acontecera antes a um londrino que dera uma aula um pouco dura demais a um funcionário do governo sobre os riscos da AIDS. E se MacGregor partisse, deixaria para trás pacientes; essa era sua vulnerabilidade, como o funcionário público sabia, e como MacGregor sabia que ele sabia. Jovem e dedicado, MacGregor cuidava de seus pacientes como um médico deveria, e não conseguiria deixá-los aos cuidados de outro com facilidade, não aqui, não quando havia tão poucos médicos competentes para cuidar de tantos pacientes.
— Como está o paciente Saleh?
— Duvido que sobreviva.
— Isso é uma infelicidade, mas não pode ser evitado. Temos alguma ideia de como esse homem foi exposto à doença?
O homem mais jovem enrubesceu de novo.
— Não, e o caso é justamente esse!
— Falarei pessoalmente com ele.
Uma sacanagem fazer isso a três metros de distância, pensou MacGregor.
Mas ele tinha outras coisas com que se preocupar.
O resultado do exame com anticorpos que fizera com Sohaila também fora positivo. Mas a menininha estava melhorando. Sua temperatura caíra mais um grau. A hemorragia parará. MacGregor refizera alguns exames. A função hepática da paciente Sohaila estava quase normal. Tinha certeza de que a menina sobreviveria. De algum modo, ela fora exposta ao Ebola, e de algum modo o derrotara. Porém, sem saber como ela fora exposta, só podia tentar adivinhar como ela conseguira resistir ao vírus. Parte dele presumia que Sohaila e Saleh tinham sido expostos da mesma forma, mas a outra parte achava improvável. Por mais formidável que fosse o sistema imunológico de uma criança, não era tão mais poderoso que o de um adulto, e Saleh não tinha problemas de saúde anteriores. Mas o adulto estava morrendo enquanto a criança iria sobreviver. Por quê?
Que outros fatores tinham entrado nos dois casos? Haveria uma epidemia de Ebola no Iraque? Nunca houve uma, e num país populoso como aquele... O Iraque não tinha um programa de guerra biológica? Será que tinham tido uma epidemia e acobertado? Mas, não, o governo daquele país estava caótico. Foi o que ele leu no serviço de notícias da SkyNews, que recebia em seu apartamento. E, nessas circunstâncias, segredos de tal natureza não podiam ser mantidos. O pânico era inevitável.
MacGregor era um médico, não um detetive. Os médicos que poderiam fazer as duas coisas trabalhavam para a Organização Mundial de Saúde, no Instituto Pasteur em Paris, e no CDC nos EUA. Não que eles fossem muito mais brilhantes que ele, mas tinham formação e treinamento diferentes.
Sohaila. Ele precisava cuidar de seu caso, continuar verificando o sangue.
Será que ela ainda podia infectar outros? MacGregor precisava checar a literatura a esse respeito. Tudo que sabia com certeza era que um sistema imunológico estava perdendo e outro estava ganhando. Se quisesse descobrir qualquer coisa, precisaria permanecer do caso. Talvez mais tarde conseguisse divulgar a notícia, mas precisava permanecer aqui se quisesse realizar qualquer coisa.
Além disso, antes de dizer a qualquer um, MacGregor enviara as amostras para o Pasteur e o CDC. Esse burocrata petulante não sabia disso, e os telefonemas, se chegassem, viriam para este hospital e para MacGregor. Ele podia divulgar a notícia. Ele podia dizer-lhes qual era a situação política. Ele podia fazer perguntas e responder a outras. Ele precisava se submeter.
— Como quiser, doutor — disse MacGregor ao funcionário público. — Você terá de seguir os procedimentos necessários, é claro.
31
Ondas e Trepidações
O dia da decisão havia chegado. A entrevista prometida seria esta manhã, e mais uma vez o presidente Ryan percorreu o calvário da maquiagem e do fixador de cabelo.
— Pelo menos devíamos ter uma cadeira de barbeiro apropriada — observou Jack enquanto a Sra. Abbot fazia seu trabalho. Um dia antes, Jack ficara sabendo que o barbeiro presidencial vinha ao Salão Oval e fazia o trabalho dele na cadeira giratória do presidente. Isso deve causar calafrios no pessoal do Serviço Secreto, pensou Jack. Imagine, deixar um homem aproximar tesouras e uma navalha a um centímetro da carótida do presidente.
— Certo, Arnie, como procedo com o Sr. Donner?
— Em primeiro lugar, ele fará qualquer pergunta que quiser. Isso significa que você terá de pensar nas respostas.
— Vou tentar, Arnie — observou Ryan franzindo o cenho.
— Enfatize o fato de que você é um cidadão, não um político. Isso não vai fazer muita diferença para Donner, mas fará para as pessoas que assistirem a entrevista esta noite — aconselhou van Damm. — Espere um pouco sobre a questão da Suprema Corte.
— Quem vazou isso? — inquiriu Ryan.
— Jamais saberemos, e tentar descobrir apenas faria você parecer Nixon.
— Por que é que não importa o que eu faça, sempre terá alguém que... merda. — Ryan suspirou enquanto Mary Abbot terminava com seu cabelo. — Eu disse isso a George Winston, não disse?
— Você está aprendendo. Se ajudar alguma senhora a atravessar a rua, uma feminista dirá que você foi condescendente. Se você não ajudá-la, as associações de defesa dos direitos dos idosos dirão que você é insensível às necessidades da terceira idade. O mesmo acontecerá com qualquer outro grupo de interesse com o qual se envolver. Todos elas têm interesses, Jack, e esses interesses são mais importantes para eles do que você é. A ideia é ofender o menor número possível de pessoas. Isso é diferente de não ofender ninguém.
Tentar isso ofende todo mundo — explicou o chefe de gabinete.
Ryan arregalou os olhos.
— Já sei! Vou dizer uma coisa que deixe todo mundo puto... e então todos irão me amar.
Arnie não estava de bom humor:
— Qualquer piada que você diga irá emputecer alguém. Por quê? Porque o humor é sempre cruel com alguém, e algumas pessoas nem têm senso de humor.
— Em outras palavras, lá fora há pessoas que querem ficar putas com alguma coisa, c eu sou o alvo mais atraente que elas têm.
— Você está aprendendo — observou o chefe de gabinete com um sorriso melancólico. Arnie estava preocupado com essa entrevista.
— Temos navios de pré-posicionamento em Diego Garcia — explicou Jackson, tocando o ponto apropriado no mapa.
— Quantos há? — indagou Bretano.
— Acabamos de reconfigurar a TOE... “
— Que é isso? — perguntou o secretário de Defesa.
— Tabela de Organização e Equipamento — explicou o general Michael Moore. Moore era o chefe de gabinete do Exército. Ele comandara uma brigada da Primeira Divisão Blindada na Guerra do Golfo.
— Possuímos armamento suficiente para um pouco mais que uma brigada, uma brigada pesada de tamanho total, mais todos os perecíveis necessários para um mês de operações de combate. Somadas a isso, temos algumas unidades na Arábia Saudita. O equipamento é quase todo novo: tanques de batalha MlA2, Bradleys, sistemas de lançamentos múltiplos de foguetes. Receberemos os novos equipamentos de artilharia daqui a três meses. — Fez uma pausa.
Acrescentou: — Os sauditas nos têm ajudado muito com relação às verbas.
Tecnicamente, parte do equipamento pertence a eles, sendo supostamente material de reserva do Exército saudita, mas nós o usamos. Tudo que precisamos dizer é enviar homens nossos até a Arábia Saudita para pegar o equipamento em seus armazéns.
— Se eles pedirem ajuda, quem mandaremos primeiro?
— Depende — respondeu Jackson. — Provavelmente a primeira seria um regimento de cavalaria blindada. Numa emergência real, enviaríamos o pessoal do 10° RCB no deserto de Neguev. Isso pode ser feito até mesmo num só dia.
Para exercícios, o 3º RCB do Texas ou o 2º da Louisiana.
— Secretário, um RCB é uma formação bem equilibrada do tamanho de uma brigada. Ele pode cuidar de si mesmo, e todos pensarão duas vezes antes de atacá-la — explicou Mickey Moore, acrescentando: — Porém, antes que possam estabelecer-se para uma estada prolongada, precisarão de um batalhão de suporte de combate; tropas de suprimentos e reparos.
— Ainda temos um porta-aviões no oceano Índico; ele está agora em Diego com o resto do grupo de batalha para conceder uma licença às tripulações — disse Jackson.
O que acabara de cobrir aquele atol com marinheiros. O lugar não era grande coisa, mas pelo menos eles poderiam tomar uma ou duas cervejas, esticar as pernas e jogar bola. Jackson prosseguiu: — Como parte de nosso compromisso para com a segurança israelense, também temos em Neguev uma esquadrilha de F-15... na verdade, uma esquadrilha quase completa. Ela e o 10° RCB são muito boas. Sua missão contínua é treinar o IDF, o que os mantém bem ocupados.
— Soldados adoram treinar, secretário. Eles preferem fazer isso a qualquer outra coisa — acrescentou o general Moore.
— Preciso sair e ver um pouco dessas coisas — observou Bretano. — Assim que tiver a verba nas mãos, começaremos a trabalhar nisso. O que temos parece pouco, cavalheiros.
— E é, senhor— concordou Jackson. — Não é o suficiente para travar uma guerra, mas provavelmente o bastante para deter uma, se a situação chegar a esse ponto.
— Haverá outra guerra no Golfo Pérsico? — perguntou Tom Donner.
— Não vejo motivo para esperar isso — replicou o presidente.
A parte difícil era controlar a voz. A resposta foi cautelosa, mas suas palavras precisavam soar positivas e reconfortantes. Essa era outra forma de mentir, embora dizer a verdade pudesse mudar a equação. Tal era a natureza de um jogo tão falso e artificial que se tornou uma espécie de realidade internacional. Dizer o que não era verdade para servir a verdade. Churchill disse uma vez: Em tempos de guerra, a verdade é tão preciosa quanto a necessidade de um guarda-costas de mentiras. Mas e em tempos de paz?
— Mas nossas relações com o Irã e o Iraque não vêm sendo amigáveis há algum tempo.
— Isso são águas passadas, Tom. Ninguém pode mudar o passado, mas podemos aprender com ele. Não há motivo para animosidade entre a América e os países naquela região. Por que deveríamos ser inimigos? — indagou retoricamente.
— Então conversaremos com a União Republicana do Islã? — perguntou Donner.
— Sempre estamos dispostos a conversar com as pessoas, especialmente no interesse de estimular relações de amizade. O Golfo Pérsico é uma região de grande importância para o mundo inteiro. É do interesse de todos que essa região permaneça pacífica e estável. Já houve guerra demais. O Irã e o Iraque lutaram por... quanto tempo? Oito anos. O custo humano para os dois países foi imenso. Depois aconteceram todos aqueles conflitos entre Israel e seus vizinhos. Já basta. Agora temos uma nova nação nascendo. Esse novo país tem muito trabalho a fazer; seus cidadãos têm necessidades, e felizmente eles também possuem os recursos para atender a essas necessidades. Nós lhes desejamos todo o bem. Se pudermos ajudá-los, o faremos. A América sempre esteve disposta a estender a mão da amizade.
Houve uma breve pausa, que provavelmente denotou um comercial. A entrevista seria transmitida à noite, às 21 horas. Donner virou-se para seu colega mais velho, John Plumber, que assumiu o segmento seguinte.
— Então, como o senhor se sente como presidente? — perguntou Plumber.
Ryan inclinou a cabeça e sorriu.
— Sempre digo para mim mesmo que não fui eleito, fui sentenciado.
Honestamente? As horas são longas, o trabalho é árduo, muito mais árduo do que eu imaginava. Mas tenho tido muita sorte. Arnie van Damm é um gênio em organização. A equipe aqui da Casa Branca é simplesmente esplêndida. Tenho recebido milhares de cartas de apoio de pessoas de fora de Washington, e gostaria de aproveitar esta oportunidade para agradecer a essas pessoas, e dizer a elas como isso realmente ajuda.
— Sr. Ryan... — Jack supôs que seu título de doutor não contava mais. — Que coisas o senhor pretende experimentar e mudar?
— John, isso depende do que você quer dizer com mudar . Minha missão principal é manter a operação governamental. Portanto, o que estou tentando fazer não é mudar nem restaurar . Ainda não temos um Congresso... não até o Congresso ser restabelecido. Tentei escolher pessoas boas para ocupar os departamentos principais do gabinete. O trabalho dessas pessoas é gerir seus departamentos com eficiência.
— George Winston, o seu secretário do Tesouro, tem sido criticado por seu desejo abrupto de mudar o código federal de impostos — disse Plumber.
— Tudo que posso dizer é que apoio plenamente o secretário Winston. A legislação do imposto de renda é complicada demais, o que é uma coisa fundamentalmente injusta. O que ele pretende fazer é atingir uma neutralidade absoluta em relação ao volume de renda de cada contribuinte. No fim, o governo sairá lucrando, devido à economia administrativa em outras áreas.
— Mas tem havido muitos comentários adversos sobre a natureza regressiva... Ryan levantou a mão.
— Espere um minuto, John. Um dos problemas nesta cidade é que as pessoas vêm o mundo numa linguagem distorcida. Cobrar a mesma coisa de todo mundo não é uma atitude regressiva. Essa palavra significa dar um passo para trás, cobrar mais do pobre que do rico. Nós não vamos fazer isso. Ao empregar essa palavra de forma incorreta, você está desorientando as pessoas.
— Mas essa é a forma como as pessoas vêm descrevendo o sistema de impostos há anos. — E há anos Plumber não tinha sua gramática criticada.
— Isso não torna a expressão correta — frisou Jack. — Em todo caso, como sempre digo, não sou um político. Sei falar apenas de forma direta e clara.
Cobrar a todo mundo o mesmo imposto se enquadra na definição de justo no dicionário. Ora, John, você sabe como se faz esse jogo. Você e Tom ganham muito dinheiro... muito mais do que eu... e todos os anos contratam os serviços de um advogado e de um contador. Você deve possuir investimentos que são planejados para reduzir seus pagamentos de impostos, correto? Como essas exceções surgem? Fácil: alguns lobistas convenceram o Congresso a mudar a lei um pouquinho. Por quê? Porque pessoas ricas pagaram-lhes para fazer isso.
E qual é a consequência disso? A consequência é que o sistema supostamente progressivo é manipulado de forma tal que a política de cobrar impostos mais altos dos ricos acaba não sendo levada a cabo, porque seus advogados e contadores lhes ensinam o que fazer para derrotar o sistema. Os advogados e contadores fazem isso com honorários. Em suma: a história de que os ricos pagam impostos mais altos é mentira. Os políticos sabem tudo isso quando aprovam as leis. Ryan fez uma pequena pausa e prosseguiu: — Vê para onde tudo isso está nos levando? Para lugar nenhum, John. Tudo isso está nos levando para lugar nenhum. É tudo um grande jogo, só isso.
Apenas um grande jogo que desperdiça tempo, desorienta o público e derrama rios de dinheiro nos bolsos de pessoas que manipulam o sistema... e de onde esse dinheiro vem? Dos cidadãos, das pessoas que pagam para tudo acontecer.
George Winston anuncia que deseja mudar o sistema, e o que acontece? As pessoas que jogam o jogo e manipulam no sistema usam as mesmas palavras desorientadoras para passar a impressão de que o que estamos fazendo é injusto. Essa gente de dentro constitui o grupo de interesse especial mais perigoso e pernicioso que existe.
— E você não gosta disso — disse John, sorrindo.
— Em todos os empregos que já tive, corretor de ações, professor de história, em tudo mais que fiz, sempre tive de dizer a verdade, da melhor forma que podia. Não vou parar de fazer isso agora. Talvez algumas coisas precisem mudar. Vou lhe dizer qual é uma delas: Cedo ou tarde, cada pai e mãe na América diz aos seus filhos que a política é um negócio sujo, um negócio cruel, um negócio obsceno. O seu pai lhe disse isso. O meu pai me disse isso... e aceitamos esse fato como se ele fizesse sentido, como se fosse normal, certo, apropriado. Mas ele não é. Durante anos aceitamos o fato de que a política... espere, vamos definir os termos, certo? O sistema político é a forma como governamos o país, baixamos leis que todos temos de seguir, cobramos impostos. Essas são coisas importantes, não são? Mas ao mesmo tempo permitimos a entrada de pessoas nesse sistema que não convidaríamos para nossas casas, pessoas em quem não confiaríamos como babás dos nossos filhos.
Isso não lhe parece um pouco esquisito, John?
Permitimos a entrada em nosso sistema político de pessoas que distorcem rotineiramente os fatos, que distorcem as leis para agradar aos mecenas que lhes deram dinheiro de campanha.
Algumas dessas pessoas mentem descaradamente. E nós aceitamos isso. Vocês da mídia aceitam isso. Não aceitariam esse tipo de comportamento em sua profissão, aceitariam? Ou na medicina, na ciência, no ramo empresarial, na polícia.
O presidente prosseguiu, inclinando-se para a frente, falando com paixão pela primeira vez: — Tem alguma coisa errada aqui. Estamos falando do nosso país, e os padrões de comportamento que exigimos dos nossos representantes não deviam ser inferiores... eles deviam ser superiores. Devíamos exigir inteligência e integridade. É por causa disso que venho fazendo discursos pelo país, John. Sou um independente registrado. Não tenho filiação partidária. Não tenho interesses pessoais, exceto a intenção de fazer as coisas funcionarem para todos. Fiz um juramento a esse respeito, e levo meus juramentos a sério. Bem, aprendi que isso incomoda as pessoas, e sinto muito sobre isso, mas não irei comprometer minhas crenças para acomodar cada grupo especial com um exército de lobistas pagos. Estou aqui para servir a todos, não para servir às pessoas que fazem mais barulho e oferecem mais dinheiro.
Plumber não demonstrou prazer pela explosão do presidente.
— Certo, presidente. E qual é a sua opinião sobre os direitos civis?
— No que me diz respeito, a Constituição não distingue cores. A discriminação contra pessoas devido à sua aparência, a forma como falam, a igreja que frequentam e o país de onde seus ancestrais vieram, contradiz as leis de nosso país. Essas leis precisam ser obedecidas. Todos devem ser iguais aos olhos da lei, aqueles que a obedecem e aqueles que a infringem. No segundo caso, essas pessoas terão de se preocupar com o Departamento de Justiça.
— Isso não é idealista?
— Qual é o problema com o idealismo? — perguntou Ryan. — Ao mesmo tempo, que tal um pouco de bom senso de vez em quando? Em vez de um monte de gente cavando vantagens para si próprios ou para qualquer pequeno grupo que representam, por que todos não trabalhamos juntos? Não somos todos americanos antes de qualquer outra coisa? Por que não podemos nos esforçar um pouco mais para trabalharmos juntos e encontrarmos uma solução para os problemas? Este país não foi planejado para ter cada grupo na garganta do outro.
— Algumas pessoas diriam que essa foi a forma que encontramos para garantir que cada pessoa fosse tratada com justiça — observou Plumber.
— E ao longo do caminho corrompemos o sistema político.
Eles tiveram de fazer uma pausa para que a equipe de gravação trocasse as fitas das câmeras. Jack fitou a porta que dava para o escritório do secretariado, ansiando por um cigarro. Esfregou as mãos, tentando parecer relaxado, mas embora tivesse tido a oportunidade de dizer coisas que vinha sufocando havia anos, a chance de fazer agora apenas deixara-o mais tenso.
— As câmeras estão desligadas — disse Tom Donner, recostando-se um pouco em na cadeira. — O senhor realmente acha que pode realizar qualquer uma das coisas que prometeu?
— Se eu não tentar, o que isso faz de mim? — Jack suspirou. — O governo está uma bagunça. Todos sabemos disso. Se ninguém tentar consertá-lo, ele apenas irá piorar.
Nesse momento, Donner quase sentiu simpatia pelo entrevistado. A sinceridade de Jack era patente, assim como o fato de que o jornalista quase conseguia ouvir o coração do presidente batendo. Mas Donner não se deixou seduzir. Não que Ryan fosse mau sujeito. Ele apenas estava fora do seu meio, exatamente como todos diziam. Kealty estava certo, e porque ele estava certo, Donner precisava fazer o seu dever.
— Pronto — disse o produtor. Donner voltou a assumir a entrevista.
— Falemos sobre a Suprema Corte... Foi reportado que o senhor está no momento analisando uma lista de possíveis juízes para submeterão Senado.
— Sim, estou — replicou Ryan.
— Que pode nos dizer a respeito deles?
— Instruí o Departamento de Justiça a me mandar uma lista de juízes de corte de apelações com muita experiência. Isso foi feito. Estou olhando a lista agora.
— Que está procurando exatamente? — foi a pergunta seguinte de Donner.
— Estou procurando bons juízes. A Suprema Corte é a principal protetora da Constituição de nosso país. Precisamos de pessoas que compreendam essa responsabilidade, e que irão interpretar as leis com justiça.
— Conservadores?
— Tom, a Constituição diz que o poder legislativo faz a lei, que o poder executivo aplica a lei, e que o poder judiciário explica a lei. Isso é chamado de sistema de equilíbrio.
— Mas historicamente a Suprema Corte tem sido uma força importante para as mudanças em nosso país — lembrou Donner.
— E nem todas essas mudanças foram boas. Dred Scott começou a Guerra Civil. Plessy contra Ferguson foi uma desgraça que fez nosso país recuar setenta anos. Por favor, você precisa lembrar que, no que diz respeito à lei, eu sou um leigo...
— É por esse motivo que geralmente as nomeações judiciais são submetidas à aprovação da Ordem Americana dos Advogados. O senhor submeterá sua lista a eles?
— Não. — Ryan balançou a cabeça. — Em primeiro lugar, todos esses juízes já transpuseram essa barreira para chegar aonde estão. Em segundo, a Ordem também é um grupo de interesse, não é? Eles têm o direito de cuidar dos interesses de seus membros, mas a Suprema Corte é o corpo do governo que decide a lei para todos, e a Ordem dos Advogados é a organização de pessoas que usa a lei para ganhar dinheiro. Não há um conflito de interesses no fato de o grupo que faz uso da lei selecionar as pessoas que definem a lei? Em qualquer outro campo isso seria um conflito, não seria?
— Nem todos verão dessa forma.
— Sim, e a Ordem tem um escritório grande aqui em Washington, cheio de lobistas — concordou o presidente. — Tom, meu trabalho não é servir a grupos de interesse. Meu trabalho é preservar, proteger e defender a Constituição com o máximo de minha competência. Para ajudar-me nisso, estou procurando encontrar pessoas que pensem da mesma forma que eu, que concordem comigo que o juramento significa exatamente o que diz, sem cartas passadas por debaixo da mesa.
Donner virou-se.
— John?
— O senhor trabalhou muitos anos na CIA — disse Plumber.
— Sim, eu trabalhei muitos anos na CIA — concordou Jack.
— Fazendo o quê? — perguntou Plumber.
— Trabalhei principalmente no Diretório de Informações, analisando dados que chegavam de diversas fontes, tentando descobrir o que eles significavam, e em seguida passando-os para outros. Mais tarde chefiei o Diretório de Informações, e então, na administração do presidente Fowler, tornei-me diretor interino. Depois disso, como sabem, tornei-me conselheiro de segurança nacional para o presidente Durling — respondeu Jack, tentando guiar a conversa para a frente em vez de para trás.
— Em sua carreira, o senhor chegou a fazer trabalho de campo? — perguntou Plumber.
— Bem, prestei aconselhamento à equipe de negociações de controle de armas, compareci a muitas conferências — respondeu o presidente.
— Sr. Ryan, há relatos de que o senhor fez mais que isso, tendo participado de operações que resultaram nas mortes de... bem, de cidadãos soviéticos.
Jack hesitou por um momento, tempo suficiente para que os espectadores pudessem perceber que aquela fora uma pergunta delicada .
— John, há muitos anos é um princípio de nosso governo jamais comentar operações que digam respeito à segurança nacional. Não vou mudar esse princípio.
— O povo americano tem o direito e a necessidade de saber que tipo de homem está sentado neste gabinete — insistiu Plumber.
— Esta administração jamais discutirá assuntos de segurança nacional.
Quanto a que tipo de pessoa sou, esse é o propósito desta entrevista. Nossa nação precisa manter alguns segredos. Vocês também, John — disse Ryan com os olhos nivelados com os do comentarista. — Se você revelar fontes, está fora do ramo. Se a América fizer a mesma coisa, pessoas sairão machucadas.
— Mas...
— O assunto está terminado, John. Nossos serviços de informação operam sob supervisão do Congresso. Sempre apoiei essa lei, e continuarei a fazê-lo. É tudo que tenho a dizer sobre o assunto.
Ryan percebeu que os dois repórteres ficaram nitidamente abalados, mas refletiu que parte da gravação não constaria da edição final da entrevista a ser exibida à noite.
Badrayn precisava selecionar trinta pessoas. Número ou dedicação não representavam uma dificuldade, mas inteligência sim. Ele tinha os contatos. Se havia fartura de alguma coisa no Oriente Médio, era de terroristas, homens como ele mesmo, ainda que um pouco mais jovens, que haviam dedicado suas vidas à Causa, apenas para vê-la murchar diante de seus olhos. E isso apenas tornava sua raiva e dedicação piores... ou melhores, dependendo do ponto de vista. Depois de refletir um pouco, concluiu que precisava de apenas vinte indivíduos inteligentes. O resto precisava consistir apenas em indivíduos dedicados, com um ou dois supervisores inteligentes. Todos teriam de seguir ordens. Todos teriam de estar dispostos a morrer, ou pelo menos a correr esse risco. Bem, isso também não representaria um problema. A Hezbollah ainda tinha um suprimento de pessoas dispostas a amarrar explosivos em seus corpos, e havia outros.
O combate suicida fazia parte da tradição da região — uma tradição que Maomé provavelmente não teria aprovado, mas Badrayn não era particularmente religioso, e as operações terroristas eram o seu negócio.
Historicamente, os árabes não haviam sido os soldados mais inteligentes do mundo. Nômades durante a maior parte de sua história, os árabes tinham como tradição militar o ataque repentino e violento, mais tarde enriquecido com táticas de guerrilha, e não a batalha estratégica, que era, na verdade, uma invenção dos gregos passada para os romanos e daí para todas as civilizações ocidentais. As tropas orientais frequentemente empregavam o serviço voluntário de pessoas dispostas a morrer por sua missão; na tradição viking essas pessoas eram chamadas de furiosos, e no Japão tinham constituído pelotões especiais de ataque também conhecidos como kamikases. Entre os árabes, os soldados suicidas manejavam gloriosamente suas espadas até terem abatido o máximo de inimigos para serem seus servos no Paraíso. Isso era particularmente verdadeiro numa jihad, ou guerra santa, cujo objetivo era atender aos interesses da Fé. Em última análise, isso provava que o Islã, como qualquer religião, podia ser corrompido por seus seguidores. No momento, significava que Badrayn dispunha de pessoas que fariam o que ele lhes ordenasse. As instruções viriam de Daryaei, que também lhes diria que a missão era um serviço de jihad, e que, portanto, lhes valeria chaves individuais para uma vida gloriosa depois da morte.
Badrayn tinha sua lista. Deu três telefonemas. As mensagens foram repetidas através de uma longa cadeia de ligações telefônicas, e no Líbano, e em muitos outros lugares, pessoas começaram a fazer planos de viagem.
— E então, como nos saímos, treinador? — perguntou Jack com um sorriso.
— O gelo ficou bem fino, mas acho que você não se molhou — disse Arnie van Damm com visível alívio. — Você atacou com muita força os grupos de interesse.
— Não é certo atacar interesses especiais? Merda, todo mundo faz isso!
— Depende de quais grupos e quais interesses, presidente. Todos eles têm porta-vozes, e alguns podem parecer a madre Teresa num dia de bom humor... imediatamente antes de lacerar a sua garganta com uma faca. — O chefe de gabinete fez uma pausa. — Mesmo assim você se saiu muito bem. Não disse nada que poderão usar com muito veneno de volta contra você. Veremos esta noite como ficou a edição final, e o que Donner e Plumber dirão no fim. Os últimos minutos são os que contam mais.
Os tubos chegaram a Atlanta num recipiente de alta segurança chamado caixa de chapéu devido ao seu formato. Tratava-se de um dispositivo altamente sofisticado, desenhado para conter materiais de grande periculosidade com segurança absoluta, sendo selado com lacres múltiplos e capaz de resistir a impactos violentos. A caixa estava coberta com rótulos de aviso de perigo biológico e foi tratada com grande respeito por todos, inclusive os dois carteiros que a entregaram às 9:14.
A caixa de chapéu foi levada para um laboratório de segurança, onde a parte externa foi checada em busca de danos, espargida com um desinfetante químico muito poderoso e finalmente aberta sob procedimentos de contaminação rigorosos. Os documentos de acompanhamento explicavam por que isso era necessário. Suspeitava-se que os dois tubos de sangue continham vírus causadores de febre hemorrágica. Isso poderia significar qualquer uma entre as muitas doenças desse tipo nativas da África — o continente de origem indicado —, e todas deviam ser evitadas. Um técnico manipulou o recipiente numa caixa de proteção com luvas embutidas; examinou-o em busca de vazamentos, e, mesmo não encontrando nenhum, espargiu-o com mais spray desinfetante. O sangue seria testado com anticorpos e comparado com outras amostras. A documentação seguiu para o escritório do Dr. Lorenz no Departamento de Patogenia.
— É o Gus, Alex — ouviu o Dr. Lorenz dizer ao telefone.
— Ainda não conseguiu pescar?
— Talvez este fim de semana. Um sujeito da neurocirurgia tem um barco, e finalmente estamos com tudo em ordem na casa. — O Dr. Alexandre olhava pela janela de seu escritório no leste de Baltimore. Podia ver o porto, que conduzia à baía de Chesapeake, e lá devia haver peixes.
— Como estão as coisas aí? — perguntou Gus, enquanto sua secretária chegava com um envelope.
— Só estou checando a epidemia no Zaire. Alguma coisa nova?
— Nenhuma, graças a Deus. O período crítico já passou. Esta acabou rápido. Estávamos muito... — Lorenz calou-se ao abrir a pasta e correr os olhos pela folha de rosto. — Espere um instante. Cartum? — murmurou para si mesmo.
Alexandre aguardou pacientemente. Lorenz era um leitor lento e cuidados.
O homem idoso, parecia-se muito com Ralph Forster no tocante a realizar as coisas sem pressão, que era uma das coisas que fazia dele um cientista experimental brilhante. Lorenz raramente dava um passo em falso. Examinava com muito cuidado o terreno antes de usá-lo.
— Acabamos de receber duas amostras de Cartum. A folha de rosto é assinada por um Dr. MacGregor, do Hospital Inglês em Cartum. Dois pacientes, homem adulto e menina de quatro anos, possivelmente com febre hemorrágica. As amostras estão agora no laboratório.
— Cartum? Sudão?
— É isso que diz aqui — confirmou Gus.
— Um bocado distante do Congo.
— Aviões, Alex, aviões — observou Lorenz. Se há uma coisa que assusta os epidemiologistas é o voo aéreo internacional. A folha de rosto não dizia muita coisa, mas havia um telefone e números de fax. — Muito bem, precisamos fazer os testes e ver o que descobrimos.
— E quanto às amostras anteriores?
— Terminamos o mapeamento ontem. Ebola Zaire, subtipo Mayinga, idênticos até o último aminoácido às amostras do 176.
— A cepa transmitida pelo ar — murmurou Alexandre. — Aquela que matou George Westphal.
— Isso nunca foi comprovado, Alex — recordou-o Lorenz.
— George era cuidadoso, Gus. Você sabe disso. Você o treinou. — Pierre Alexandre esfregou os olhos. Dores de cabeça. Ele precisava de uma nova lâmpada de mesa. — Mantenha-me informado do resultado dos testes com essas amostras, certo?
— Claro. Eu não me preocuparia muito. O Sudão é um ambiente difícil para esse vírus. Quente, seco, muito sol. O vírus não resistiria dois minutos em ambiente aberto em todo caso, deixe-me falar com meu chefe de laboratório.
Verei se posso examinar pessoalmente ao microscópio hoje à tarde... não, é mais provável amanhã de manhã, eu tenho uma reunião de departamento daqui a uma hora.
— Sim, e eu preciso comer qualquer coisa. Falo com você amanhã, Gus.
Alexandre — ele ainda pensava em si mesmo mais como coronel do que como professor — colocou o telefone no gancho e caminhou até o refeitório. Ficou satisfeito em encontrar novamente Cathy Ryan na fila de comida, juntamente com seu guarda-costas.
— Oi, professora.
— Como vai a pesquisa?— perguntou Cathy com um sorriso.
— Mesma coisa, mesma coisa. Preciso de uma consulta, doutora — disse ele, selecionando um sanduíche no balcão.
— Não entendo de vírus. — Mas ela tivera muitos pacientes aidéticos cujo problema visual era secundário ao seu problema principal. — Qual é o problema?
— Dores de cabeça — disse enquanto se dirigia ao caixa.
— Oh? — Cathy virou-se e tirou os óculos do rosto de Alexandre. Segurou-os contra a luz. — Devia experimentar limpá-los de vez em quando. Está com cerca de duas dioptrias a menos, mais um astigmatismo muito forte. Quando foi a última vez que conferiu a sua receita?
Cathy devolveu os óculos com uma olhada final na sujeira acumulada em torno das lentes, já sabendo a resposta à sua pergunta.
— Oh, há uns três...
— Anos. Você devia se cuidar melhor. Mande sua secretária ligar para a minha e farei um exame. Almoça conosco?
Escolheram uma mesa perto da janela, com Roy Altman a reboque, olhando ao redor enquanto os outros membros da segurança presidencial faziam o mesmo. Barra limpa.
— Sabe, você poderia ser um bom candidato para a nossa nova técnica de laser. Podemos mudar a forma da sua córnea até deixá-la em 20-20 — disse Cathy. Ela havia ajudado a montar esse programa, também.
— É seguro? — perguntou desconfiado o professor Alexandre.
— Os únicos procedimentos inseguros que faço são na minha cozinha — replicou a professora Ryan, soerguendo uma sobrancelha.
— Sim, senhora — disse Alex com um sorriso sem jeito.
— Que há de novo do seu lado da casa?
Estava tudo na edição. Bem, quase tudo na edição, pensou Tom Donner, digitando no computador de seu escritório. Depois da exibição da entrevista ele entraria com seu próprio comentário, explicando e esclarecendo o que Ryan quisera dizer com seu discurso aparentemente sincero... aparentemente sincero?
A expressão saltara sozinha de sua mente, surpreendendo o jornalista. Donner estava no ramo havia alguns anos e antes de sua promoção para âncora da emissora trabalhara em Washington. Entrevistara todos eles e conhecia-os bem.
Seu Rolodex estava repleto de cartões com cada nome e número importante na cidade. Como qualquer bom repórter, ele tinha conexões. Podia pegar o telefone e ligar para qualquer um, porque em Washington as regras para lidar com a imprensa eram elegantemente simples: ou você era uma fonte ou um alvo. Se não fizesse o jogo dos jornalistas, eles rapidamente encontrariam um inimigo seu que faria. Em outros contextos, o termo técnico era chantagem .
Os instintos de Donner diziam-lhe que ele jamais encontrara ninguém como o presidente Ryan antes, pelo menos não na vida pública... mas seria isso verdade? A pose de homem comum remontava pelo menos aos tempos de Júlio César. Era sempre um estratagema, uma forma de fazer os eleitores pensarem que o homem era realmente um deles. Mas ele nunca era. Pessoas normais não chegam tão longe assim em nenhum campo. Ryan subira na CIA fazendo política interna exatamente como todo mundo... tinha de ter feito. Fizera inimigos e aliados, como todo mundo fazia, e mexera os pauzinhos para subir.
E quanto às informações confidenciais que obtivera sobre a carreira de Ryan na CIA... deveria usá-las? Não no especial. Talvez no noticiário, que conteria uma chamada para convidar as pessoas a assistir ao especial em vez de seu seriado favorito.
Donner sabia que precisava tomar cuidado. Não se pisa no calo de um presidente apenas pela diversão... bem, isso não era verdade. Pisar no calo de um presidente era o melhor tipo de diversão, mas havia regras sobre como fazer isso. A sua informação precisava ser muito sólida. Isso significava fontes múltiplas, e tinham de ser boas fontes. Donner teria de encaminhá-las a um executivo superior em sua empresa de notícias, e eles discutiriam por um bom tempo se a matéria devia ser veiculada, mas no fim ela iria ao ar de qualquer jeito.
Homem comum. Mas um homem comum não trabalhava para a CIA nem operava como um espião de campo, não é verdade? Com toda certeza do mundo, Ryan era o primeiro espião a ocupar o Salão Oval... isso era bom?
Havia muito espaços em branco na vida de Ryan. O incidente em Londres.
Ele matara os terroristas que haviam atacado sua casa... ele matara pelo menos um deles lá também. Esta história incrível sobre o roubo de um submarino soviético, durante a qual, dizia sua fonte, ele matara um marinheiro russo. As outras coisas. Era esse o tipo de pessoa cujo o povo americano queria na Casa Branca?
E ainda assim ele tentava fazer-se passar por um... homem comum. Bom senso. Isto é o que a lei diz. Levo meus juramentos a sério.
É uma mentira, pensou Donner. Tem de ser uma mentira.
Você é um filho da puta esperto, Ryan, pensou o âncora.
E se ele fosse um filho da puta esperto, e se isso fosse mesmo uma mentira? Mudar o sistema de impostos. Mudanças na Suprema Corte.
Mudanças em nome da eficiência, atividades do secretário Bretano na Defesa... merda.
O próximo salto de imaginação seria que a CIA e Ryan tinham um papel na colisão Capitólio... não, isso era loucura demais. Ryan era um oportunista.
Todos eles eram, mas as pessoas que Donner entrevistara em sua vida profissional, desde seu primeiro emprego na emissora afiliada em Des Moines, onde seu trabalho mandara um diretor de repartição pública para a cadeia, e fizera-o ser notado pelos executivos da emissora. Figuras políticas. Donner já fizera reportagens sobre todos os tipos de notícias, de avalanches guerras, mas eram os políticos a quem estudava, como profissão-hobby.
Eram todos iguais, verdade. Lugar certo, hora certa, e sempre tinham interesses pessoais. Se havia uma coisa que aprendera, era isso. Donner olhou pela janela e levantou seu telefone com uma das mãos enquanto folheava o Rolodex com a outra.
— Ed, é o Tom. Quero saber se essas fontes são realmente boas e se posso encontrar-me com elas rápido.
Ele não pôde ouvir o sorriso do outro lado da linha. ; Sohaila estava sentada na cama agora. Situações como essa proporcionavam um alívio que jamais deixava de pasmar o jovem médico. A medicina era a mais exigente das profissões, ou pelo menos era o que MacGregor acreditava. Todos os dias, em maior ou menor grau, ele jogava dados com a morte. Não pensava em si mesmo como um soldado, um guerreiro em combate, pelo menos em termos conscientes, porque a morte era um inimigo que jamais se revelava... mas sempre estava presente. Cada paciente que tratava tinha aquele inimigo dentro de si, ou pairando sobre ele, e seu trabalho como médico era descobrir o esconderijo, atraí-la para fora e destruí-la. Depois você via a vitória no rosto do paciente, e saboreava cada um desses momentos.
Sohaila ainda não estava bem, mas isso passaria. Estava agora em dieta de líquidos, e não estava vomitando. Ainda se sentia fraca, mas seu corpo não ficaria mais debilitado. Sua temperatura estava baixa. Todos os sinais vitais estavam estabilizados ou voltando ao normal. Isto era uma vitória. A Morte não conquistaria esta criança. No curso normal dos eventos, ela cresceria, brincaria, casaria e teria suas próprias crianças.
Mas era uma vitória pela qual MacGregor não poderia realmente assumir crédito, pelo menos não integralmente. O cuidado que dispensara à criança fora apenas de apoio, não de cura. Ajudara? Provavelmente, disse o médico a si mesmo. Não era possível saber onde ficava a linha entre o que teria acontecido sem interferência externa e a diferença que ele havia feito. A medicina seria muito mais fácil se seus praticantes possuíssem essa capacidade de discernimento, mas ainda não era assim e provavelmente jamais seria. Se ele não tivesse tratado a menina... bem, neste clima, apenas o calor a teria matado, ou decerto a desidratação, ou talvez alguma infecção oportunista secundária. As pessoas muitas vezes morriam não devido à mazela principal, mas a alguma outra coisa que se aproveitava do enfraquecimento geral do corpo. Sendo assim... ele aceitaria os louros por esta vitória, que era ainda mais agradável por ter sido a vida de uma menininha bonita e encantadora que em breve reaprenderia a sorrir. MacGregor tomou seu pulso, desfrutando o toque da paciente como sempre fazia, e o contato remoto com um coração que prosseguiria batendo dali a uma semana. E enquanto observava, a menina adormeceu. Gentilmente, o médico recolocou a mão na cama e se virou.
— Sua filha vai se recuperar completamente — disse aos pais, confirmando suas esperanças e esmagando os temores com seis palavras calmas e um sorriso caloroso.
A mãe soluçou como se tivesse sido socada, sua boca aberta, lágrimas explodindo de seus olhos enquanto ela cobria o rosto com as mãos. O pai recebeu a notícia no que julgava ser uma forma mais máscula, mantendo o rosto impassível... mas não os olhos, que relaxaram e se voltaram para o teto aliviados. Então, segurou a mão do médico e seus olhos escuros desceram para fitar os de MacGregor.
— Não vou esquecer — disse o general.
Então chegou a hora de ver Saleh, algo que ele adiara conscientemente.
MacGregor deixou o quarto e caminhou pelo corredor. Lá fora colocou um tipo diferente de roupa. Ao entrar no quarto viu um derrotado. O homem estava amarrado à cama. A doença penetrara seu cérebro. A demência era outro sintoma do Ebola, um sintoma misericordioso. Os olhos de Saleh estavam vazios e fitavam o teto. A enfermeira estendeu ao médico o prontuário. Notícias ruins do começo ao fim. MacGregor correu os olhos por ela, franziu a testa e escreveu um pedido para aumentar a dosagem de morfina no soro. Neste caso, cuidado e apoio não fazia a menor diferença. Uma vitória, uma perda. Se ele tivesse tido uma escolha de qual deveria ser o vencedor e qual o perdedor, seria exatamente assim que escreveria a história; Saleh era adulto e tivera uma vida mais ou menos longa. Essa vida duraria mais cinco dias no máximo, e MacGregor não podia fazer nada para salvá-la, apenas algumas coisas para tornar sua passagem final menos dolorosa para o paciente... e para a equipe.
Depois de cinco minutos, deixou o quarto, despiu a roupa protetora e caminhou até seu escritório, rosto congelado numa expressão pensativa.
De onde a doença viera? Por que uma vítima sobrevivera e a outra morrera? O que ele não sabia que precisava saber? O médico serviu-se de uma xícara de chá e tentou recordar os elementos da vitória e da derrota para encontrar a informação que tinha decidido as duas questões. Mesma doença, mesmo tempo. Dois resultados diferentes. Por quê?
32
Reprises
Eu não posso dar-lhe isto, e não posso deixar que faça nenhuma cópia, mas posso permitir que dê uma olhada. — Ele estendeu a foto. Usava uma luva fina, e já dera uma para Donner. Digitais, explicara em tom calmo.
— Isso é o que penso que é?
Era uma fotografia em preto-e-branco, em papel lustroso, 20 x 25cm, mas não havia nenhum selo de sigilo nela, pelo menos não na frente. Donner não a virou.
— Você realmente não quer saber, quer? — Era uma pergunta e um aviso.
— Acho que não — respondeu Donner, entendendo a mensagem. Ele não sabia como a Lei da Informação — 18 U.S.C. §793E — interagia com seus direitos da Primeira Emenda, mas se ele não sabia que a foto era sigilosa, então não precisava descobrir.
— A embarcação é um submarino soviético armado com mísseis nucleares, e esse no passadiço é Jack Ryan. Você vai notar que ele está usando um uniforme da Marinha. Foi uma operação da CIA, realizada em cooperação com a Marinha. Vou lhe contar o que descobrimos sobre a missão. — O homem estendeu uma lente de aumento para que o jornalista se certificasse de que as identificações eram positivas. — Nós enganamos os soviéticos, fazendo com que eles pensassem que o submarino explodiu e afundou a meio caminho entre a Flórida e Bermudas. Provavelmente ainda acreditam nisso.
— E onde está agora? — indagou Donner.
— Eles o afundaram um ano depois, perto de Porto Rico — explicou o oficial da CIA.
— Por que lá?
— Águas atlânticas profundas próximas ao território americano, a cerca de cinco milhas de profundidade; ninguém jamais achará o submarino, e ninguém pode nem mesmo procurar sem que tenhamos conhecimento.
— Isso foi em... eu lembro! — disse Donner. — Os russos fizeram um grande exercício de guerra e nós entramos em prontidão. E eles chegaram a perder um submarino, não foi?
— Dois. — Outra foto saiu da pasta. — Está vendo o dano na proa do submarino? Nas proximidades das Carolinas, o Outubro Vermelho investiu contra outro submarino russo e o afundou. Ele ainda está lá. A Marinha não recuperou esse, mas enviou robôs que saquearam várias coisas úteis na carcaça.
Foi encoberto como atividade de resgate no primeiro, aquele que afundou devido a um acidente com o reator. Os russos jamais descobriram o que aconteceu com o segundo Alfa.
— E essas informações nunca vazaram?
Isso era impressionante para um homem que passara anos extraindo fatos do governo, como um dentista trabalhando a boca de um paciente medroso.
— Ryan sabe encobrir as coisas. — Outra foto. — Isto é um saco de corpo. A pessoa dentro dele era um tripulante russo. Ryan o matou; atirou nele com sua pistola. Foi assim que conseguiu sua primeira Estrela no serviço de informações. Acho que decidiu que não podíamos correr o risco de que o tripulante contasse... bem, não é muito difícil imaginar, é?
— Assassinato?
— Não. — O homem da CIA não estava querendo chegar tão longe. — A história oficial é que aconteceu um tiroteio de verdade, em que outras pessoas também saíram feridas. E isso que dizem os documentos no arquivo, mas...
— Sim. Mas faz a gente pensar, não é? — disse Donner, fitando as fotos. — Há alguma chance de essas fotos terem sido forjadas?
— Há a possibilidade — admitiu o homem da CIA. — Mas não foram. A outra pessoa na foto: almirante Dan Foster. Ele era chefe de Operações Navais na época. Este aqui é o comandante Bartolomeo Mancuso. Na época comandava o USS Dallas. Foi transferido para o Outubro Vermelho para mediar a deserção de... A propósito, ele ainda está em serviço. Agora é almirante. Ele comanda todos os submarinos no Pacífico. E esse é o comandante Marko Aleksandrovich Ramius, da Marinha soviética. Todos ainda estão vivos. Ramius vive agora em Jacksonville, Flórida. Trabalha na base naval em Mayport sob o nome Mark Ramsey. Contrato de consultoria — explicou. — A rotina de sempre. Ganha um belo estipêndio do governo, mas Deus sabe que ele merece.
Donner anotou os detalhes e reconheceu um dos rostos. Com toda certeza aquilo não era forjado. Também havia regras para isso. Um jornalista que descobre que mentiram para ele tem muita chance de conseguir fazer o mentiroso cair nas garras da lei; pior, ele pode tornar o mentiroso um alvo, e a mídia era sempre mais impiedosa do que qualquer promotor do Departamento de Justiça. Afinal de contas, o sistema jurídico estava restrito à lei.
— Certo — disse o jornalista. O primeiro conjunto de fotos retornou para sua pasta. Outra pasta apareceu, e dela saiu uma fotografia.
— Reconhece este homem?
— Ele era... espere um minuto. Gera-alguma coisa. Ele era...
— Nikolay Gerasimov. Foi diretor da antiga KGB.
— Morreu num desastre de avião em...
Outra foto saiu da pasta. O indivíduo era mais velho, mais grisalho, e parecendo bem mais próspero.
— Esta foto foi tirada há dois anos em Winchester, Virgínia. Ryan foi até Moscou, disfarçado como consultor técnico para os debates da START. Ele ajudou Gerasimov a desertar. Ninguém sabe exatamente como. A esposa e a filha de Gerasimov também conseguiram fugir. A operação foi conduzida diretamente do gabinete do juiz Moore. Ryan trabalhou muito dessa forma. Ele nunca fez realmente parte do sistema. Ryan sabe... olhe, para ser justo com o homem, ele é um puta espião. Tudo indica que ele trabalhou diretamente para Jim Greer como parte do DII, não do DO. Um disfarce dentro de um disfarce.
Ryan jamais cometeu um erro operacional de que eu tenha conhecimento, e isso é uma tremenda ficha. Não são muitos profissionais do ramo que podem se vangloriar disso, mas um dos motivos é que ele é um filho da puta cruel. Eficaz, mas cruel. Ele passava por cima de toda burocracia sempre que queria. Ryan sempre faz as coisas do modo dele, segundo sua própria cabeça, e se você cruza com seu caminho... bem, para manter a operação em segredo, um oficial russo foi enterrado junto com o Outubro Vermelho, e a tripulação inteira de um Alfa foi morta ao largo das Carolinas. Não tem nada nos arquivos, mas os arquivos estão com um monte de espaços em branco. Por exemplo, não consta dos arquivos como a esposa e a filha de Gerasimov fugiram da Rússia. Tudo que sei são rumores, e bem vagos.
— Porra, queria saber disso tudo algumas horas atrás.
— Ele enrolou você, não enrolou? — Essa pergunta veio de Ed Kealty através de um telefone viva-voz.
— Conheço o problema — disse o oficial da CIA. — Ryan é escorregadio.
Escorregadio mesmo. Ele patinou através da CIA como Dorothy Hamill em Innsbruck; fez isso durante anos. O Congresso o ama. Por quê? Ele parece o sujeito mais honesto do mundo. Só que ele matou pessoas.
O nome do homem da CIA era Paul Webb. Era oficial sênior no Diretório de Informações, mas não importante o suficiente para impedir que sua unidade inteira acabasse na lista de dispensas. Webb achava que deveria ser DDI agora, e teria conseguido se Ryan não tivesse puxado tanto o saco de James Greer. E assim sua carreira terminara num cargo burocrático na CIA, e agora isso estava sendo tirado dele. Ele tinha sua aposentadoria. Ninguém poderia roubar-lhe isso; bem, se descobrissem que contrabandeara esses arquivos para fora de Langley, estaria encrencado até o pescoço... ou talvez não. Que realmente acontecia com alcaguetes, afinal? A mídia os protegia muito bem, e ele tinha muito tempo de serviço, e... ele não gostava de ser parte de um programa de cortes de efetivo. Em outra época, embora não o admitisse para si mesmo, sua raiva o teria levado a entrar em contato com... não, isso não. Não com um inimigo. Mas a mídia não era um inimigo, era? Ele disse a si mesmo que a mídia era amiga, apesar de uma carreira inteira pensando o contrário.
— Você foi enrolado, Tom — repetiu Kealty pela linha telefônica. — Bem-vindo ao clube. Nem eu sei de todas as coisas que esse sujeito é capaz. Paul, conte a ele sobre a Colômbia.
— Não consegui encontrar nenhum arquivo a esse respeito — admitiu Webb.
— Bem, deve estar nos arquivos especiais, aqueles com selos de tempo.
Provavelmente só pode ser aberto em 2050, no mínimo. Ninguém pode ver esses arquivos.
— Como isso acontece? — questionou Donner. — Já ouvi falar disso, mas nunca consegui confirmar...
— Como eles mantêm essas coisas fora dos livros de História? É um acordo que precisa passar pelo Congresso, uma parte não escrita do processo de supervisão. A Agência procura o Congresso com um probleminha, requisita tratamento especial, e se o Congresso concorda, os arquivos vão para o cofre especial... droga, até onde sei, todos podem ter sido rasgados e enviados para reciclagem. Mas posso lhe dar alguns fatos verificáveis — concluiu Webb.
— Estou ouvindo — replicou Donner. E seu gravador também.
— Como você acha que os colombianos desmantelaram o cartel de drogas de Medellin? — indagou Webb, cativando ainda mais a atenção de Donner. Isso não era tão difícil; essa gente achava que sabia tudo sobre intriga, pensou Webb com um sorriso benevolente.
— Bem, parece que aconteceu algum tipo de conflito interno, umas duas bombas explodiram e...
— Bombas da CIA. De alguma forma, não tenho certeza de como iniciamos aquele conflito de facções. O que sei é o seguinte: Ryan desceu até a Colômbia O mentor de Ryan em Langley era James Greer; eles eram como pai e filho. Mas quando James morreu, Ryan não compareceu ao funeral, e ele não estava em casa e nem afastado a serviço da CIA; acabara de retornar de uma conferência da OTAN na Bélgica. Mas Ryan simplesmente sumiu do mapa, como fez um monte de vezes. Logo depois o conselheiro de Segurança Nacional do presidente, Jim Cutter, foi atropelado acidentalmente por um ônibus no centro de Washington na G.W., certo? Ele não olhou? Ele simplesmente passou correndo na frente do ônibus? Foi isso que o FBI disse, mas o homem que cuidou do caso foi Murray, e que emprego ele tem agora? Diretor do FBI, certo? Por acaso, ele e Ryan são amigos há mais de dez anos. Murray era o homem especial de Emil Jacobs. Quando o FBI precisou de alguma coisa feita na moita, chamaram Murray. Além disso, ele foi adido jurídico em Londres; esse é um posto perfeito para um espião, e permite muitos contatos com os serviços de informação ingleses. Murray é um sujeito com muita influência e conexões. E ele escolheu Pat Martin para aconselhar Ryan nas nomeações à Suprema Corte. O quadro está ficando claro?
— Espere um minuto. Eu conheço Dan Murray. Ele é um sujeito grosso, mas é um cara honesto e...
— Tudo indica que esteve na Colômbia com Ryan. Ele sumiu do mapa ao mesmo tempo que Ryan. Veja bem, não esqueça que eu não tenho o arquivo dessa operação, certo! Não posso provar nada disso. Veja a sequencia de eventos. O diretor Jacobs e todos os outros foram mortos; logo depois que explodimos bombas na Colômbia, e um monte de homens do cartel das drogas foi conversar com Deus... mas muitos inocentes morreram também. Essa é uma desvantagem em usar bombas. Lembra do comentário de Bob Raywler a esse respeito? Depois das explosões, que aconteceu? Ryan desapareceu. Murray também. Acho que eles desceram para finalizar a operação antes que ela escapasse totalmente ao controle... e depois Cutter morreu num momento muito conveniente. Cutter não tinha coragem de sujar as mãos; ele provavelmente sabia disso, e as pessoas ficaram com medo que ele desse com a língua nos dentes porque não tinha colhões. Mas Ryan tinha, com toda certeza... e ainda tem. Murray... bem, você mata o diretor do FBI e emputece uma organização muito perigosa, e não posso dizer que desaprovo isso. Aqueles desgraçados de Medellín abusaram muito, e fizeram isso num ano de eleição; Ryan era o homem certo para acabar com a raça deles e alguém lhe deu uma licença de caça. E talvez as coisas tenham fugido um pouco ao controle... isso acontece... e assim ele desceu até a Colômbia para encerrar a operação. Com sucesso — enfatizou Webb. — Na verdade, a operação inteira foi um sucesso. O cartel foi desmantelado...
— E outro ocupou seu lugar — objetou Donner.
Webb assentiu com o sorriso típico de quem conhece segredos.
— Verdade, e o novo cartel não matou oficiais americanos, matou? Alguém explicou para eles quais eram as regras. Repito: não direi que o que Ryan fez foi errado, exceto por uma coisinha.
— Qual? — perguntou Donner, desapontando Webb, embora ele agora estivesse completamente enfeitiçado pela história.
— Quando você destaca forças militares para um outro país, e mata pessoas, isso é chamado um ato de guerra. Mas, novamente, Ryan foi escorregadio. O rapaz fez algumas jogadas muito bonitas. Jim Greer treinou-o bem. Você poderia mergulhar Ryan num tanque de esterco e ele continuaria cheirando a perfume.
— Então, qual é a sua birra com ele?
— Você finalmente perguntou — comentou Webb. — Jack Ryan provavelmente é o melhor operador de informação que tivemos em trinta anos, o melhor desde Allen Dulles, talvez o melhor desde Bill Donovan. Outubro Vermelho foi um golpe de mestre. Tirar o diretor da KGB da URSS foi ainda melhor. A coisa na Colômbia... bem, eles puxaram o rabo do tigre e esqueceram que o tigre tem garras afiadas. Tudo bem, Tom — condescendeu Webb. — Ryan é um tremendo espião, mas ele precisa de alguém para dizer-lhe o que é a lei.
— Um homem como esse jamais seria eleito — observou Kealty, esforçando-se para dizer o mínimo possível. A cinco quilômetros dali seu chefe de gabinete quase arrancou-lhe o telefone das mãos; eles já estavam conseguindo passar a mensagem. Felizmente, o comentário não atrapalhou o discurso de Webb.
— Ele fez um trabalho fenomenal na Agência. Ele foi até um bom consultor para Roger Durling, mas isso não é o mesmo que ser presidente. Sim, ele o enrolou, Sr. Donner Talvez tenha enrolado Durling... provavelmente não, mas quem pode dizer? Mas esse homem está reconstruindo a porra do governo todo, e está reconstruindo à sua imagem e semelhança, caso não tenha notado. Ele só indicou pessoas com quem trabalhou, entre elas pessoas com quem está envolvido há muito tempo, ou que foram selecionadas por seus associados.
Murray gerindo o FBI. Você quer Dan Murray no comando da agência policial mais poderosa dos Estados Unidos? Você quer essas duas pessoas escolhendo a Suprema Corte? Para onde ele irá nos levar? — Webb fez uma pausa, suspirou. — Odeio fazer isso. Ele foi colega meu em Langley, mas não é adequado para a presidência. Tenho um compromisso para com o meu país, e meu país não é Jack Ryan. — Webb recolheu as fotos e enfiou-as de volta em suas pastas. — Preciso devolver isso. Se alguém descobrir o que fiz... veja só o fim que teve Jim Cutter.
— Obrigado — disse Donner.
Agora Donner tinha algumas decisões para tomar. Seu relógio dizia que eram três e meia. Precisava tomar essas decisões bem rápido. Bem, o dilema não seria excruciante. Só havia uma coisa mais furiosa do que uma mulher traída. Um jornalista que ficava sabendo que tinha sido enrolado.
Todos os nove estavam morrendo. O processo levaria de cinco a oito dias, mas todos estavam condenados e sabiam disso. Seus rostos fitavam as câmeras de teto; não nutriam mais ilusões. Suas execuções seriam mais cruéis do que as sentenças que teriam recebido de qualquer tribunal. Ou pelo menos era o que pensavam. Esse grupo prometia ser mais perigoso que o primeiro — detinham mais conhecimento sobre o que estava acontecendo — e como resultado estavam tendo seus movimentos mais contidos. Os médicos do Exército tinham encontrado uma forma de impedir que seus pacientes se debatessem durante o processo — um movimento de braço no momento errado poderia fazer um dos soldados enfiar a agulha no corpo errado; assim, enquanto um homem tirava a amostra de sangue, o outro mantinha uma faca encostada na garganta do paciente . Apesar de saberem que estavam condenados, eles eram criminosos e covardes, e portanto não mediriam esforços para protelar suas mortes. Não era uma técnica médica humanista, mas ninguém no prédio estava praticando medicina humanista. Moudi observou o processo por alguns minutos e deixou a sala de monitoração.
Estiveram extremamente pessimistas em muitos aspectos, e um deles era a quantidade necessária de vírus. No tanque de cultura, o Ebola consumira os rins de macaco com uma voracidade que causara arrepios até mesmo no diretor.
Embora fundamentalmente em nível molecular, era como ver formigas atacando uma fruta, vindo de lugar algum e cobrindo-a rapidamente, enegrecendo-a com seus corpos Assim era com o vírus Ebola; embora fosse pequeno demais para ser visto, havia literalmente trilhões deles comendo o tecido que lhes fora oferecido como alimento. O fígado havia sido de uma cor agora era de outra, e não era preciso ser médico para saber que palavras não conseguiriam descrever o quanto o conteúdo da câmara era odioso. Moudi sentiu o sangue gelar só de olhar para aquela sopa horrenda. Havia litros dela agora. O Volume crescia cada vez mais, porque estavam acrescentando sangue humano retirado banco de sangue central em Teerã.
O diretor estava examinando uma amostra no microscópio eletrônico, comparando a outra. Enquanto se aproximava, Moudi pode ver os selos com datas em cada uma das amostras. Uma delas era de Jean Baptiste. A outra era recém-chegada, de um paciente no segundo grupo de nove.
— São idênticas, Moudi — disse ele, virando quando o homem mais jovem se aproximou.
Isso não era tão previsível quanto um leigo poderia pensar. Um dos problemas com os vírus era que, mal estando vivos, eram realmente inadequados para reprodução. A cadeia de RNA carecia de uma função de edição para assegurar que cada geração seguira plenamente os passos da predecessora. Era uma fraqueza séria do Ebola, e de muitos outros organismos similares. Cedo ou tarde cada epidemia de Ebola se dispersava, e este era um dos motivos. O vírus em si, mal adaptado ao hospedeiro humano, tornava-se menos virulento. E era isso que o tornava a arma biológica ideal. O vírus iria matar. O vírus iria se disseminar. Então morreria antes de se espalhar demais. O quanto ele se disseminaria dependia da distribuição inicial. O Ebola era a um só tempo horrivelmente letal e também limitado em termos de tempo.
— Portanto, teremos pelo menos três gerações de estabilidade — observou Moudi.
— E por extrapolação, provavelmente sete para nove.
Por mais pervertida que fosse sua visão da ciência, o diretor do projeto era um conservador em questões técnicas. Moudi teria dito nove para onze. Era melhor que o diretor estivesse certo, admitiu Moudi para si mesmo, virando-se.
Numa mesa ao fundo havia vinte latas. Eram parecidas com aquelas usadas para infectar o primeiro grupo de criminosos, mas ligeiramente modificadas, estando camufladas como o tamanho econômico de um creme de barbear europeu muito popular. (Na verdade, os proprietários da companhia eram americanos, o que parecera engraçado a todos os envolvidos ao projeto.) Elas haviam sido compradas em vinte cidades diferentes em cinco países diferentes, conforme demonstravam os números de série marcados em seus fundos côncavos. Aqui, na Casa dos Macacos, as latas haviam sido esvaziadas e desmontadas cuidadosamente para sofrer modificações. Cada uma continha meio litro de solução de sopa, acrescida de um propulsor de gás neutro (nitrogênio, que não reagiria quimicamente com a sopa e não provocaria combustão) e uma pequena quantidade de fluido refrigerante. Outra parte da equipe já testara o sistema de entrega. O Ebola não sofreria nenhuma degradação durante mais de nove horas. Depois disso, com a perda da refrigeração, as partículas do vírus começariam a morrer numa função linear.
Em 9-1-8 horas, menos de 10% das partículas estariam mortas... mas essas, disse Moudi a si mesmo, seriam as mais fracas, e provavelmente aquelas com menos chance de causar doenças. Em 9+16 horas, 15% estariam mortas. Depois disso, segundo os experimentos haviam revelado, a cada oito horas — por alguma razão os números pareciam coincidir com terços de dias — um adicional de 5% morreria. Portanto...
Era muito simples. Os viajantes voariam para Teerã. Tempo de voo para Londres, sete horas. Tempo de voo para Paris, trinta minutos a menos. Tempo de voo para Frankfurt, menos ainda. A maioria desses fatores era a hora do dia, aprendera Moudi. As três cidades ofereciam uma abundância de voos de conexão. As bagagens não seriam checadas porque os viajantes estariam seguindo para outro país, as inspeções alfandegárias seriam dispensadas, e portanto ninguém notaria as latas de creme de barbear anormalmente frio Aproximadamente na hora em que o fluido refrigerante estivesse perdendo o efeito, • viajantes estariam em suas poltronas na primeira classe, subindo para altura de cruzem, rumo às cidades de destino. Mais uma vez o transporte aéreo internacional serviria perfeitamente a seus propósitos. Haveria voos diretos da Europa para Nova York, Washington, Boston, Filadélfia, Chicago, San Francisco, Los Angeles, Atlanta, Dallas, Orlando, e voos de conexão regulares para Las Vegas e Atlantic City — na verdade para todas as cidades principais dos EUA. Todos os viajantes voariam de primeira classe, para mais rápido receberem suas bagagens e passar pela alfândega. Teriam reservas em bons hotéis e passagens de retorno para partir de aeroportos diferentes. Do momento zero até o momento da entrega não transcorreriam mais de 24 horas, e portanto 80% do Ebola liberado estaria ativo. Depois disso, tudo seria aleatório, tudo estaria nas mãos de Alá... não! Moudi balançou a cabeça. Ele não era o diretor.
Ele não associaria este projeto à vontade de seu Deus. Qualquer que fosse a vontade de seu Deus, e por mais benéfico que o projeto fosse ao seu país — que agora estava renascendo numa nova nação —, Moudi não macularia suas crenças religiosas dizendo ou mesmo pensando isso.
Muito simples? Tinha sido fácil no começo, mas agora... era como uma espécie de legado. A irmã Jean Baptiste, que já fora incinerada, não deixara crianças para trás, como deveria fazer toda mulher. Em vez disso, o corpo da freira deixara uma doença como seu legado físico, e isso era um ato tão maligno que certamente ofenderia Alá. Mas a irmã Jean Baptiste deixara outra coisa também, um legado verdadeiro. Moudi já odiara todos s ocidentais, considerando-os infiéis. Aprendera na escola sobre os Cruzados, e como esses pretensos soldados do profeta Jesus haviam massacrado muçulmanos, como Hitler massacrara judeus; desse conhecimento, Moudi extraíra a lição de que todos os cristãos eram inferiores às pessoas de sua Fé, e que era fácil odiar essa gente, fácil considerá-las uma mácula no mundo. Mas aquela pobre mulher...
Que era o Ocidente e que era o cristianismo? Os criminosos do século XI, ou uma mulher virtuosa do século XX que negara todos os desejos humanos que ela deveria sentir... e por quê? Para servir aos doentes, para ensinar sua fé.
Sempre humilde, sempre respeitosa. Ela jamais quebrara seus votos de pobreza, castidade e obediência — Moudi tinha certeza disso —, e embora esses votos essas crenças pudessem ter sido falsos, não tinham sido tão falsos. Ele aprendera com ela a mesma coisa que o Profeta aprendera. Havia apenas um Deus. Havia apenas um livro. Ela servira a ambos com um coração puro, por mais desorientadas que pudessem ser suas crenças religiosas.
Não apenas a irmã Jean Baptiste, lembrou a si mesmo. A irmã Maria Magdalena também. E ela fora assassinada — e por quê? Por lealdade à sua fé, aos seus votos, à sua amiga; coisas aprovadas pelo Corão.
Teria sido muito mais fácil para ele se trabalhasse apenas com negros africanos. Ele abominava suas crenças religiosas; muitos eram pagãos em atos e palavras, ignorantes do Deus único. Moudi seria capaz de não sentir nenhuma piedade pelos africanos, assim ...... não tivera antes com os cristãos... até conhecer Jean Baptiste e Maria Magdalena.
Porquê? Por que isso acontecera?
Infelizmente para Moudi, era tarde demais para fazer essas perguntas. Não adiantava chorar sobre leite derramado. Caminhou até o canto mais distante da sala e serviu-se de café. Estava acordado havia mais de um dia, e com a fadiga vinham as dúvidas, e ele esperava que a bebida pudesse afastá-las até que conseguisse dormir um pouco e, com o descanso, reencontrar talvez a paz.
— Você só pode estar de brincadeira! — rosnou Arnie ao telefone. A voz de Tom Donner estava no tom mais apologético possível.
— Talvez tenham sido os detectores de metal na saída. A fita foi danificada.
Ainda é possível ver e ouvir as imagens, mas há um pouco de ruído na trilha de áudio. Não está em qualidade para transmissão. O resto do programa todo está pronto, mas não podemos usar a entrevista.
— E então? — indagou van Damm — E então, temos um problema, Arnie. O segmento deve ir ao ar às nove da noite.
— E então, que quer que eu faça?
— Ryan está em condições de refazer a entrevista ao vivo? — perguntou o âncora. O chefe de gabinete do presidente quase deu uma resposta malcriada.
Se esta fosse a semana da avaliação de níveis de audiência — durante a qual as emissoras fazem tudo que podem para atrair público e assim poder aumentar o preço dos comerciais — ele teria acusado Donner de ter feito isso deliberadamente. Não, essa era uma linha que nem mesmo ele poderia cruzar.
Lidar com a imprensa nesse nível era como ser Clyde Beatty no picadeiro, armado com uma cadeira sem fundo e um revólver de festim, domando grandes felinos para a plateia, mantendo sua autoridade o tempo todo, mas sabendo que os felinos só precisavam ter sorte uma vez. Em vez disso, ofereceu silêncio, forçando Donner a fazer o movimento seguinte.
— Arnie, serão as mesmas perguntas. Quantas vezes damos ao presidente a chance de ensaiar suas falas? E ele se saiu muito bem hoje de manhã. John concorda comigo.
— Não podem regravar? — inquiriu van Damm.
— Arnie, eu entro no ar em quarenta minutos, e preciso trabalhar até as sete e meia Eu teria trinta minutos para correr até a Casa Branca, preparar tudo, gravar e trazer: fita para cá. Acha que eu conseguiria fazer tudo isso até as nove? Quer me emprestar um dos seus helicópteros? — Fez uma pausa. — Olhe só, vamos fazer o seguinte: direi no m que estragamos a fita, e que o Patrão fez a gentileza de concordar em aparecer ao vivi conosco. Se isso não é um puta trabalho profissional, não sei mais o que é.
As luzes de alarme de Arnold van Damm estavam todas piscando. A boa notícia era que Jack saíra-se muito bem de manhã. Não fora perfeito, mas saíra-se bem, especial mente em termos de demonstrar sinceridade. Mesmo quando teve de responder a perguntas controvertidas, fizera-o demonstrando que acreditava no que dizia. Ryan encarava suas instruções com seriedade, e aprendia rápido. Não parecera tão relaxado quanto poderia, mas isso não era problemático. Ryan não era um político — ele mesmo disse; isso duas ou três vezes —, e portanto podia parecer tenso. Grupos focais em sete cidades diferentes disseram gostar de Jack porque agia como um deles. Ryan não sabia que Arnie e a equipe política estavam fazendo uma pesquisa de popularidade.
Esse programa era tão confidencial quanto uma operação da CIA, mas Arnie justificava-o para si mesmo como uma checagem de realidade em como o presidente poderia transmitir melhor suas ideias e imagem para governar melhor — e nenhum presidente soubera de todas as coisas feitas em seu nome. A pesquisa constatara que Ryan parecia presidencial — não de forma normal, mas da sua própria forma, e isso, todos os grupos focais tinham concordado, também era bom. E ser entrevistado ao vivo... sim, isso seria uma demonstração de segurança, e faria muito mais gente mudar de canal para a NBC, e Arnie queria que as pessoas conhecessem Ryan melhor.
— Muito bem, Tom, um sim provisório. Mas terei de perguntar a ele.
— Faça isso rápido, por favor — replicou Donner. — Se ele cancelar, teremos de alterar toda a programação da rede para esta noite, e isso pode significar o meu na reta!
— Ligo de volta em cinco minutos — prometeu van Damm. Ele desligou o botão no fone e saiu correndo da sala, deixando o aparelho sobre sua mesa.
— Indo ver o Patrão — disse van Damm aos agentes do Serviço Secreto no corredor leste-oeste. Seu ritmo de caminhada disse-lhes para saltar da sua frente antes que seus olhos.
— Sim? — disse Ryan. Não era comum sua porta abrir sem aviso.
— Temos que refazer a entrevista. Jack balançou a cabeça, surpreso.
— Por quê? Esqueci meu zíper aberto?
— Mary sempre checa isso. A fita foi perdida e não há tempo de regravar.
Assim, Donner me pediu para perguntar a você se poderia fazer ao vivo às nove da noite. Mesmas perguntas e tudo mais... ei, espere um pouco — disse Arnie, pensando rápido. — Que tal colocarmos sua esposa no ar também?
— Não sei se é uma boa ideia, Arnie...
— Na verdade, tudo que ela precisa fazer é ficar sentada e sorrir. Isso vai passar uma imagem positiva pata as pessoas lá fora. Jack, de vez em quando ela precisa agir como primeira-dama. Esta seria uma tarefa fácil. Talvez possamos trazer as crianças no...
— Não. Meus filhos ficam longe do olho público, ponto final. Cathy e eu já conversamos sobre isso.
— Mas...
— Não, Arnie, não agora, não amanhã, não no futuro. Não. — A voz de Ryan soou definitiva quanto uma sentença de morte o chefe de gabinete imaginou que não poderia convencer Ryan a fazer tudo. Isso mandaria um pouco de tempo, mas ele acabaria conseguindo. Você não pode pertence ao povo se não permite que ele veja seus filhos, mas agora não era momento de pressioná-lo a respeito.
— Vai pedir a Cathy? Ryan suspirou e assentiu.
— Vou.
— Muito bem. Direi a Donner que ela talvez apareça, mas que não temos certeza dos seus compromissos médicos. Isso lhe dará algo em que pensar. E também vai tirar um pouco a pressão sobre você. Esse é o trabalho principal da primeira-dama, — Quer dizer isso a ela, Arnie? Lembre, ela é uma cirurgia. É boa com facas.
Van Damm soltou uma gargalhada.
— Vou lhe dizer o que ela é. É uma mulher e tanto, e é mais durona que qualquer um de nós. — E aconselhou: — Pergunte com jeitinho.
— Vou perguntar. — Imediatamente antes do jantar, pensou Jack.
— Certo, ele vai fazer. mas quer pedir que a esposa se junte a nós, também.
— Por quê?
— Por que não? — perguntou Arnie. — Ainda não está certo. Ela não voltou do trabalho — acrescentou, e foi uma frase que fez os jornalistas sorrirem.
— Certo, Arnie, obrigado. Te devo uma. Donner desligou o viva-voz.
— Está ciente de que acaba de mentir para o presidente dos Estados Unidos?
— comentou John Plumber, muito sério.
Plumber era um profissional mais velho que Donner. Não pertencia exatamente à geração de Edward R. Murrow, mas estava com quase setenta anos. Havia sido adolescente durante a Segunda Guerra Mundial, mas fora à Coréia como um jornalista jovem, e trabalhara como correspondente estrangeiro em Londres, Paris, Bonn e, finalmente, Moscou. Plumber fora chutado de Moscou, e sua posição política um pouco esquerdista nunca chegou a despertar simpatia na União Soviética. Contudo, mais que isso, embora não fosse da geração de Murrow, crescera ouvindo o imortal correspondente da CBS, e ainda podia fechar os olhos e ouvir a voz grave que, de algum modo, transmitia o mesmo tom de autoridade de um padre. Talvez fosse porque Ed começara no rádio, quando a voz de um jornalista ditava seu sucesso na profissão. Ele certamente conhecia melhor linguagem que a maioria de seus contemporâneos, e infinitamente mais que os repórteres e redatores semianalfabetos da geração atual. Plumber era uma espécie de erudito autodidata, um estudante devotado de literatura elisabetana, e tentava tecer seus textos e comentários espontâneos com a mesma elegância do mestre que ele apenas assistira e ouvira, mas jamais realmente chegara a conhecer. Acima de tudo, as pessoas haviam respeitado Ed Murrow devido à sua honra, lembrou John Plumber a si mesmo. Ed Murrow era tão implacável quanto qualquer um dos jornalistas investigativos que atualmente eram formados em massa pelas faculdades, mas sempre se sabia que Ed Murrow era justo. E sabia-se que ele não quebrava as regras. Plumber pertencia à geração que acreditava que sua profissão devia ter regras, sendo uma delas jamais contar mentiras. Podia-se distorcer, moldar, adaptar a verdade para obter uma informação de alguém — isso era diferente —, mas jamais se poderia dizer a alguém uma coisa que fosse deliberada e definitivamente falsa. Isso incomodou John Plumber. Ed jamais teria feito isso. Nem em sonho.
— John, ele nos enrolou.
— Essa é a sua opinião.
— A informação que obtive... bem, que você acha?
Haviam sido duas horas frenéticas para toda a equipe de pesquisa da emissora, obtendo informações tão tênues que mesmo duas ou três delas, somadas, não significavam muita coisa. Mas todos os dados disponíveis tinham sido verificados, e era isso que importava. : — Não estou seguro, Tom. — Plumber esfregou os olhos. — Ryan é um peixe fora d’água? Sim, ele é. Mas está se esforçando? Definitivamente. Ele é honesto? Acho que sim. Bem, tão honesto quanto qualquer um deles pode ser — acrescentou.
— Então vamos lhe dar uma chance de provar isso.
Plumber não disse nada. Visões de índices de audiência, e talvez até de um prêmio Emmy, dançavam nos olhos de seu colega mais novo como ovos de chocolate nos olhos de um menino durante a Páscoa. Em todo caso, Donner era o âncora e Plumber o comentarista, e Tom era influente no escritório principal de Nova York, que um dia já fora povoado por homens de sua geração, mas agora era ocupado inteiramente por pessoas da idade de Donner, mais empresários que jornalistas, que perseguiam os índices de audiência como os cruzados procuravam o Santo Graal. Bem, Ryan gostava de empresários, não gostava?
— Acho que sim.
O helicóptero pousou na pista do Gramado Sul. O chefe de tripulação abriu a porta e saltou. Com um sorriso, ajudou a primeira-dama a descer. Sua porção da Segurança Presidencial seguiu-a, subindo a ladeira suave na direção da entrada sul, e então o elevador. Ali, Roy Altman apertou o botão para ela; a primeira-dama também não linha permissão de fazer isso.
— CIRURGIÃ está no elevador, seguindo para a residência — reportou o agente Raman do pavimento térreo.
— Entendido — confirmou Andréa Price do andar de cima Price já mandara algumas pessoas da Segurança Técnica checarem todos os detectores de metal pelos quais a equipe da NBC passara na saída. O chefe da Segurança Técnica comentou que ocasionalmente eles ficavam um pouco desregulados, e que as fitas de formato Tlohi usadas pelas emissoras podiam ser danificadas com facilidade... mas que ele não acreditava nisso. Talvez um surto de energia, sugerira Price. Sem chance, replicara o técnico, lembrando-a de que seu pessoal checava continuamente a Casa Branca. Andréa pensou em conversar sobre isso com o chefe de gabinete, mas acabou concluindo que era inútil. Os jornalistas que se danassem. Entre todos com quem precisavam lidar, os jornalistas eram os maiores pés no saco.
— Oi, Andréa — cumprimentou Cathy, passando rápido por ela.
— Olá, Dra. Ryan. O jantar já está quase pronto.
— Obrigada — replicou CIRURGIA a caminho do quarto. Parou na entrada, vendo que havia um vestido e joias em seu criado-mudo. Franzindo a testa, tirou os sapatos e vestiu roupas informais para jantar, perguntando-se, como sempre, se havia câmeras escondidas para registrar o evento.
O cozinheiro da Casa Branca, George Butler, era de longe muito melhor que ela conhecia até mesmo havia aperfeiçoado a salada de espinafre de Cathy, acrescentando uma pitada de alecrim ao molho que ela vinha aperfeiçoando havia anos. Cathy e ele batiam papo pelo menos uma vez por semana e, de sua parte, ele a ensinou como usar os instrumentos profissionais da cozinha da Casa Branca. De vez em quando, Cathy imaginava se seria uma boa cozinheira caso não tivesse optado pela medicina. Por temer passar a impressão de querer paparicar a primeira-dama, o chefe não dissera a Cathy que ela tinha um dom para a coisa — afinal de contas, CIRURGIÃ era uma cirurgiã. Com o tempo, ele aprendera as preferências da família e descobrira que cozinhar para uma criança era muito divertido, especialmente quando ela ocasionalmente descia com seu guarda-costas imenso em busca de petiscos. Don Russell e ela comiam leite com biscoitos caseiros pelo menos duas vezes por semana. CHOCALHO tinha se tornado o bibelô dos empregados da Casa Branca.
— Mamãe! — disse Katie Ryan quando Cathy passou pela porta.
— Oi, meu bem.
CHOCALHO recebeu o primeiro abraço e beijo. POTUS ficou em segundo. As crianças mais velhas resistiram, como sempre.
— Jack, por que deixaram roupas arrumadas para mim?
— Vamos aparecer na TV esta noite — replicou ESPADACHIM, cauteloso.
— Por quê?
— A fita que usaram para gravar a entrevista desta manhã deu defeito, e querem que eu apareça ao vivo às nove. Se você estiver disposta, gostaria que me fizesse companhia.
— Para responder o quê?
— Mais ou menos o que você esperaria a meu respeito.
— E então, como devo fazer? Entrar na sala com uma bandeja de biscoitos?
— Os biscoitos de George são mais gostosos! — acrescentou CHOCALHO à conversa. As outras crianças riram. Aquilo suavizou um pouco a tensão.
— Você não precisará fazer se não quiser, mas Arnie acha que seria uma boa ideia.
— Fantástico — observou Cathy.
Ela inclinou a cabeça enquanto olhava para o marido. De vez em quando, Cathy se perguntava onde ficavam as cordas, aquelas que Arnie usava para manipular seu marido,
Bondarenko estava trabalhando tarde — ou cedo, dependendo do ponto de vista. Estava à sua mesa havia vinte horas, e desde que fora promovido a general descobrira que a vida de coronel era bem melhor. Como coronel ele costumava fazer cooper, c até mesmo conseguia dormir com sua esposa quase todas as noites. Agora... bem, ele sempre aspirara a alcançar um posto superior.
Sempre tivera a ambição. Afinal, por que outro motivo um oficial do Corpo de Sinaleiros teria ido às montanhas do Afeganistão com o Spetznaz? Reconhecido por seu talento, ele quase estacionara no posto de coronel, por ter trabalhado como adido pessoal de outro coronel que se revelara um espião — fato que ainda o perturbava. Misha Filitov, um espião do Ocidente? Aquilo abalara sua fé cm muitas coisas, a maior de todas, a fé em sua pátria — mas então o país morrera.
A União Soviética que o criara e uniformizara havia morrido numa noite fria de dezembro, para ser substituída por algo menor e mais... confortável de servir.
Era mais fácil amar a Mãe Rússia do que a um grande império poliglota. Agora era como se seus filhos adotivo tivessem todos ido embora, e apenas os filhos legítimos houvessem permanecido. E os remanescentes formavam uma família mais feliz.
E mais pobre. Por que não percebera isso antes? O Exército de seu país fora o maior e mais impressionante do mundo, ou pelo menos ele assim pensara, com suas grandes massas de homens e armas, e sua história orgulhosa de destruir os invasores alemães na guerra mais brutal da História. Mas esse Exército morrera no Afeganistão, bem se não exatamente assim, ao menos perdera sua alma e confiança. Mas os EUA se recuperaram, um processo que seu país ainda precisava iniciar.
Todo aquele dinheiro jogado fora. Desperdiçado nas províncias que haviam partido, os filhos ingratos que a União sustentara por gerações. Agora eles tinham ido embora, levando muita riqueza com eles, e em alguns casos juntando-se a outras famílias para, no futuro, assim ele temia, retornarem como inimigos. Exatamente como filhos adotivos Ingratos.
Golovko tinha razão. Se esse perigo precisava ser detido, teria de ser feito logo. Mas como? Lidar com alguns bandidos chechenos já tinha sido muito difícil.
Ele era agora chefe de Operações. Dali a cinco anos, seria general-comandante. Bondarenko não nutria ilusões a esse respeito. Ele era o melhor oficial em sua faixa etária, o seu desempenho em campo de batalha conquistara-lhe atenção nos altos escalões. Além disso, o projeto no qual estava trabalhando também contribuiria para isso. Ele poderia terminar esse trabalho bem em tempo para a Rússia amargar sua derrota final. Ou talvez não. Em cinco anos, recebendo os fundos adequados e carta branca para reestruturar a doutrina e o treinamento, conseguiria converter o Exército russo na força que sempre deveria ter sido. Usaria desavergonhadamente o modelo americano, assim como os americanos tinham usado sem hesitação sua doutrina tática na Guerra do Golfo. Mas, para isso acontecesse, precisaria de alguns anos de paz relativa. Se suas forças fossem encurraladas em becos sem saída ao longo da periferia sul, Bondarenko não teria tempo ou fundos para salvar o Exército.
Então, o que ele deveria fazer? Ele era o chefe de operações. Tinha a obrigação de saber. Era seu trabalho saber. Só que não sabia. O Turcomenistão havia sido o primeiro. Se ele não o detivesse aqui, jamais o deteria. No lado esquerdo de sua mesa estava uma lista das divisões e brigadas disponíveis, com seus supostos estados de prontidão. do lado direito havia um mapa. Os dois não combinavam.
A senhora tem um cabelo tão bonito! — comentou Mary Abbot.
— Não fiz cirurgia hoje — explicou Cathy. — A touca sempre o deixa horrível.
— Há quanto tempo usa o mesmo corte?
— Desde que casamos.
— Não mudou nunca? — Isso surpreendeu a Sra. Abbot. Cathy apenas balançou a cabeça. Achava que se parecia com a atriz Susannah York — ou pelo menos havia gostado da aparência de York num filme que vira na época da faculdade. E o mesmo valia para Jack. Ele jamais mudara seu corte de cabelo, a não ser quando não tinha tempo de cortar, outro aspecto de sua vida do qual a Casa Branca se encarregava agora, a cada duas semanas. Eles administravam a vida de Jack muito melhor do que ela. Simplesmente marcavam as coisas em vez de perguntar antes, como Cathy sempre fizera. Um sistema muito mais eficaz, disse a primeira-dama a si mesma.
Ela estava mais nervosa do que deixava transparecer, mais ainda do que em seu primeiro dia na escola de medicina, mais ainda do que em sua primeira cirurgia, quando tivera de fechar os olhos e gritar por dentro para fazer as mãos pararem de tremer. Mas pelo menos tinham lhe dado ouvidos, e ela lhes dera ouvidos, também. Certo, pensou Cathy. Esta é a solução. Isto é uma cirurgia.
Sou uma cirurgiã, e cirurgiãs estão sempre no controle.
— Acho que já está bom — anunciou a Sra. Abbot.
— Obrigada. Gosta de trabalhar com Jack? ..
O sorriso da experiência.
— Ele detesta maquiagem. Mas a maioria dos homens é assim — condescendeu. — Tenho um segredo para você — disse Cathy. — Eu também não gosto.
— Não passei muita — observou Mary prontamente. — A sua pele não precisa. — A observação de mulher para mulher fez a Dra. Ryan sorrir.
— Obrigada.
— Posso dar uma sugestão?
— Claro.
— Deixe o cabelo crescer mais dois centímetros, talvez quatro. Isso complementaria melhor a forma do seu rosto.
— É isso que Elaine diz. Ela é minha cabeleireira em Baltimore. Tentei uma vez. As toucas cirúrgicas deixam meu cabelo todo quebradiço.
— Podemos fazer toucas maiores para você. Tentamos cuidar bem das nossas primeiras-damas.
— Oh! — E por que não pensei nisso?, perguntou-se Cathy. Não podia ser mais caro do que levá-la de helicóptero para o trabalho... — Obrigada!
— Venha comigo.
A Sra. Abott conduziu FLOTUS até o Salão Oval.
Surpreendentemente, Cathy estivera no Salão Oval somente duas vezes antes, e apenas numa das ocasiões para ver Jack. Sentiu-se estranha; seu quarto de dormir ficava apenas a 13 metros do trabalho do marido. Considerou a escrivaninha antiquada, mas, comparado ao seu escritório no Hopkins, o ambiente era amplo, mesmo agora com as câmaras e holofotes da equipe de TV
montados. Sobre a cornija de lareira ficava aquela que o Serviço Secreto denominava a planta mais fotografada do mundo. A mobília era formal demais para ser confortável, e o tapete com o selo presidencial bordado era completamente deselegante. Mas aquele não era um escritório normal para uma pessoa normal.
— Oi, meu bem. —Jack beijou-a e conduziu as apresentações. — Estes são Tom Donner e John Plumber.
— Olá. — Cathy sorriu. — Eu costumava ouvir vocês dois enquanto fazia o jantar — Não nos ouve mais? — perguntou Plumber com um sorriso.
— Não temos TV na sala de jantar lá em cima, e não me deixam fazer o jantar.
— O seu marido não a ajuda? — perguntou Donner.
— Jack na cozinha? Bem, ele não é nada mal na churrasqueira, mas a cozinha é o meu território.
Cathy sentou-se, fitando os jornalistas. Não era fácil. As luzes de TV já estavam lidadas. Ela fez um esforço extra. Cathy simpatizou com Plumber.
Donner estava escondendo alguma coisa. Perceber isso a fez piscar, e seu rosto mudou para a expressão de médica. Sentiu um desejo repentino de dizer alguma coisa a Jack, mas não havia...
— Um minuto — comunicou o produtor.
Andréa Price, como sempre, estava na sala, parada no vão da porta para a sala de secretariado, e a porta atrás de Cathy estava aberta para o corredor. Jeff Raman estava lá. Ele era outra figura estranha, pensou Cathy; o problema com a Casa Branca era que todo mundo tratava você como se fosse Júlio César ou algo assim. Era difícil demais ser amigável com as pessoas. Sempre parecia haver alguma coisa no caminho. Jack e Cathy não estavam acostumados a ter criados. Subalternos sim, mas não criados. Cathy era popular com suas enfermeiras e técnicos no Hopkins por tratá-los como os profissionais que eram, e estava tentando fazer a mesma coisa na Casa Branca. Porém, aqui essa atitude não funcionava da mesma forma, o que sempre lhe causava certo desconforto.
— Quinze segundos! — Já estamos nos divertindo? — sussurrou Jack.
Por que você simplesmente não permaneceu na Merril Lynch?, quase perguntou Cathy em voz alta. Ele agora seria vice-presidente... mas não. Ele jamais teria sido feliz lá. Jack precisava fazer seu trabalho da mesma forma que ela precisava curar os olhos das pessoas. Nesse sentido eram muito parecidos.
— Boa noite — disse Donner à câmera atrás dos Ryan. — Estamos no Salão Oval para conversar com o presidente e a primeira-dama. Como disse ao NBC
Nightly News, um problema técnico danificou a fita que gravamos hoje. O presidente fez a gentileza de permitir que voltássemos para conversar ao vivo. — Ele virou a cabeça. — E agradecemos ao senhor por isso.
— É um prazer vê-lo de novo, Tom — disse Jack, confortavelmente. Ele estava fazendo melhor em ocultar seus pensamentos.
— Também temos conosco a Sra. Ryan...
— Por favor — disse Cathy, também sorrindo. — Dra. Ryan. Me esforcei muito pura isso.
— Sim, senhora — disse Donner com um charme que fez Cathy preferir estar fazendo uma cirurgia de emergência na hora do almoço. — Vocês dois são doutores, certo?
— Sim, Sr. Donner. Jack em história, eu em oftalmologia.
— E a senhora é um cirurgiã de talento reconhecido, ganhadora do Lasker Public Service Award — observou Donner, empregando seu charme de âncora.
— Sim. Trabalho em pesquisa médica há mais de 15 anos. No Johns Hopkins somos todos clínicos e pesquisadores. Trabalho com um grupo poderoso de pessoas, e, realmente, o Prêmio Lasker é mais um tributo a eles do que a mim. Há quinze anos, o professor Bernard encorajou-me a pesquisar formas de utilizar o laser para corrigir diversos problemas oftalmológicos. Considerei a ideia interessante, e desde então trabalho nesse campo, além de minha prática cirúrgica habitual.
— A senhora realmente ganha mais que o seu marido? — perguntou Donner com um sorriso para as câmeras.
— Muito mais — confirmou com um risinho.
— Sempre disse que Cathy era o cérebro do casal — prosseguiu Jack, acariciando a mão da esposa. — Ela também é modesta demais para dizer que é uma das melhores do mundo no que faz.
— E então, a senhora gosta de ser primeira-dama?
— Preciso responder? — Um sorriso encantador. Então ficou séria. — A forma como chegamos aqui... isso não era uma coisa que desejássemos, mas acho que é muito parecido com o que faço no hospital. Às vezes recebo um caso de acidente, e a pessoa não escolheu ser ferida, e nos esforçamos para consertar o que está errado. Jack nunca deu as costas para um problema ou um desafio em toda sua vida. Então chegou a hora dos negócios.
— Presidente, como é o seu trabalho?
— Bem, as horas são um pouco longas demais. Trabalho para o governo há muito tempo, mas jamais compreendi o quanto este cargo exige de quem o ocupa. Fui abençoado com uma equipe muito competente, e nosso governo possui milhares de trabalhadores dedicados. Isso ajuda muito.
— Da forma como o senhor vê, qual é o seu trabalho? — indagou John Plumber.
— O juramento diz preservar, proteger e defender a Constituição dos Estados Unidos — replicou Ryan. — Estamos trabalhando para restaurar o governo. Agora temos o Senado plenamente restabelecido. Vários estados estão em processo eleitoral no momento, o que significa que em breve teremos um novo Congresso. Já tenho quase todos os postos do gabinete preenchidos... quanto a Saúde e Educação, ainda temos os secretários interinos fazendo um bom trabalho.
— Falamos esta manhã sobre os eventos no Golfo Pérsico. Na sua opinião, quais são os problemas representados por esses eventos? — Era Plumber novamente. Ryan estava se saindo bem, estando muito mais relaxado; Plumber viu a expressão nos olhos da esposa dele. Ela era esperta mesmo.
— Os Estados Unidos não querem nada além de paz e estabilidade naquela região Temos total intenção em estabelecer relações com a nova União Republicana do Islã. Já houve conflitos demais nessa e em outras regiões do mundo. Gostaria de pensar que já deixamos isso para trás. Depois de gerações de atritos, fizemos paz com os russos; paz verdadeira, não apenas a ausência da guerra. Quero construir a partir daí. Talvez o mundo nunca tenha conhecido a paz completa, mas isso não é motivo para que não possamos fazê-la. John, percorremos um caminho muito longo nos últimos vinte anos. Temos muito ainda por fazer, mas estamos partindo de um bom começo.
— Voltaremos depois do intervalo — disse Donner para as câmeras. Ele podia ver que Ryan estava completamente à vontade. Excelente.
Um servente entrou pela porta dos fundos com copos d água. Todos tomaram um gole durante os dois primeiros comerciais.
— Você está realmente detestando isto, não é? — perguntou Donner a Cathy.
— Enquanto eu continuar fazendo meu trabalho, poderei conviver com praticamente qualquer coisa, mas estou preocupada com as crianças. Depois que tudo isto acabar, elas voltarão a ser crianças normais. Nós não as criamos para conviver com toda essa agitação.
Voltaram a ficar calados pelo restante do intervalo.
— Estamos de volta ao Salão Oval com o presidente e a primeira-dama — anunciou. — Presidente, e quanto às mudanças que o senhor está fazendo?
— Tom, meu trabalho não é mudar. É restaurar. Ao longo do caminho “tentaremos fazer algumas coisas. Tentei selecionar meu gabinete tendo em vista fazer o governo funcionar com mais eficiência. Como você sabe, trabalho para o governo há um bom tempo; durante minha carreira vi muitos exemplos de ineficácia. Os cidadãos pagam muito dinheiro em impostos, e nós temos para com eles o dever de gastar seu dinheiro com sabedoria... e eficiência. Pedi aos meus assessores que examinassem todos os departamentos executivos visando a fazer o mesmo trabalho por um custo menor.
— Muitos presidentes disseram isso.
— Este está falando sério — disse Ryan, solene.
— Mas o seu primeiro ato presidencial foi um ataque ao sistema de impostos — observou Donner.
— Não um ataque, Tom. Uma mudança . George Winston tem todo meu apoio. A legislação do imposto de renda que temos hoje é completamente injusta... injusta sob muitos aspectos. Para início de conversa, as pessoas são incapazes de entendê-la. Isso significa que elas precisam contratar profissionais para explicar-lhes o sistema de impostos é difícil entender o sentido das pessoas pagarem um bom dinheiro para contadora explicar-lhes como a lei tira a maior parte de seu dinheiro... especialmente quando o governo escreve as leis.
Por que fazer leis que as pessoas são incapazes de compreender? Por que fazer leis tão complicadas?
— indagou Ryan — Mas o objetivo da sua administração é tornar o sistema regressivo, não progressivo.
— Já falamos sobre isso — replicou o presidente, e Donner percebeu que o tinha na palma da mão. Uma das principais fraquezas de Ryan era o fato de não gostar de se repetir, literalmente não era um político. Políticos adoram se repetir.
Cobrar a todo mundo a mesma quantia é completamente injusto. Fazer isso de uma maneira que todos possam entender realmente irá economizar dinheiro para as pessoas. As mudanças de impostos que estamos propondo visam a atingir uma neutralidade em relação ao volume de renda dos contribuintes.
Ninguém receberá vantagens especiais.
— Mas isso significa que os ricos serão beneficiados imensamente.
— Isso é verdade, também eliminaremos todas as vantagens que os lobistas dos ricos introduziram no sistema. No fim, acabarão pagando a mesma coisa, ou mais provavelmente, um pouco mais do que já pagam. O secretário Winston estudou a questão com muito cuidado, e confio em seu julgamento.
— Senhor, é difícil entender como uma redução de trinta por cento irá fazê-los pagar mais. Isso é matemática de primeiro grau.
— Pergunte ao seu contador — sorriu Ryan. — Ou, a propósito, dê uma olhada nas suas próprias devoluções do imposto de renda, e entenderá. Sabe, Tom, eu já fui contador... passei na prova antes de ingressar nos fuzileiros... e eu não consigo entender a maldita legislação. O governo não atende ao interesse do público fazendo coisas que o povo não entende. Isso já foi feito demais. Vou mudar um pouco esse quadro.
Bingo. A esquerda de Donner, John Plumber franziu a testa, preocupado. O diretor de VT selecionou a imagem de modo a deixar isso de fora; no lugar, captou o sorriso vitorioso de Donner.
— Estou feliz por pensar dessa fôrma, presidente, porque há muitas coisas que o povo americano gostaria de saber sobre operações do governo. A maior parte do trabalho que o senhor prestou ao governo foi na CIA.
— Tom, isso é verdade, mas como lhe falei hoje de manhã, nunca um presidente falou sobre as atividades dos serviços nacionais de informação. Há um bom motivo para isso. — Ryan ainda estava tranquilo, sem perceber a porta que acabara de abrir.
— Mas, presidente, o senhor esteve envolvido pessoalmente em numerosas atividades de informação que colaboraram significativamente para o fim da Guerra Fria. Por exemplo, a deserção do submarino de mísseis soviético Outubro Vermelho. O senhor desempenhou um papel fundamental nesse incidente, não é verdade?
O diretor de VT, previamente avisado sobre o momento da pergunta, selecionou a imagem da câmera em close do rosto de Ryan bem a tempo de ver seus olhos se arregalarem até o tamanho de maçanetas de porta. Ele realmente não era tão bom assim em controlar suas emoções.
— Tom, eu...
— Os espectadores deviam saber que o senhor desempenhou um papel decisivo numa das maiores missões de espionagem de todos os tempos. Nós nos apoderamos de um submarino de mísseis balísticos russo, não é verdade?
— Não comentarei essa história.
A essa altura, a maquiagem de Ryan não podia ocultar sua aparência pálida. Cathy virou-se para olhar o marido, tendo sentido sua mão pousada na dela ficar fria como gelo.
— E então, menos de dois anos depois, o senhor possibilitou a deserção do chefe da KGB russa.
Jack conseguiu finalmente controlar o rosto, mas sua voz saiu rouca.
— Tom, isto precisa parar. Você está fazendo especulações infundadas.
— Presidente, esse indivíduo, Nikolay Gerasimov, que pertenceu à KGB, vive hoje com a família na Virgínia. O comandante do submarino russo vive na Flórida. Isso não é uma história . — Ele sorriu. — O senhor sabe disso. Não entendo a sua reticência. O senhor desempenhou um papel fundamental em levar ao mundo à paz sobre a qual falou há alguns minutos.
— Tom, vamos deixar uma coisa clara. Jamais discutirei operações sigilosas do governo americano em nenhum fórum público. Ponto final.
— Mas o povo americano tem o direito de saber que tipo de homem está sentado neste gabinete.
A mesma coisa dita 11 horas atrás por John Plumber, que estremeceu ao se ouvir dito dessa maneira, mas que não poderia opor-se ao seu colega em público.
— Tom, servi ao meu país com o máximo de minha competência durante muitos mios, mas assim como você não pode revelar suas fontes, as nossas agências de informações não podem divulgar muitas das coisas que elas fazem, devido ao risco de que pessoas de verdade acabem mortas.
— Mas, presidente, o senhor fez isso. O senhor matou pessoas.
— Sim, eu matei, e mais de um presidente foi soldado ou...
— Espere um minuto — interrompeu Cathy, com os olhos brilhando de raiva.
— Quero dizer uma coisa. Jack juntou-se à CIA depois que nossa família foi atacada por terroristas. Se ele não tivesse feito essas coisas naquela época, nenhum de nós estaria vivo. Eu estava grávida de nosso filho, e eles tentaram matar a mim e a minha filha em meu carro em Anápolis e...
— Perdão, Sra. Ryan, mas precisamos fazer uma pausa agora.
— Isto precisa parar, Tom. Precisa parar agora — disse Ryan num tom agressivo. Quando pessoas falam abertamente sobre operações de campo, pessoas de verdade podem ser mortas. Você entende isso?
As luzes da câmera estavam apagadas, mas as fitas ainda rodavam.
— Presidente, as pessoas têm o direito de saber, e meu trabalho é reportar os fatos. Menti sobre alguma coisa?
— Sabe que não posso nem mesmo comentar isso — disse Ryan, tendo quase rosnando uma resposta precisa. Calma, Jack, lembrou a si mesmo. Um presidente não pode ser nervoso, com toda certeza não na TV ao vivo. Merda, Marko jamais cooperaria com... ou iria? Ele era lituano, e talvez gostasse da ideia de se tornar herói nacional, embora Jack achasse que poderia convencê-lo que era melhor ficar calado. Ryan desgraçara homem, ameaçara-o com morte pelas mãos de seus próprios compatriotas — mas isso tudo importava para um homem como ele — e despira-o de todo seu poder. Gerasimov goro desfrutava de uma vida muito mais confortável do que poderia sonhar na União Soviética, que ele tentara manter e governar, mas não era o tipo de homem que gostava mais de conforto que de poder. Gerasimov aspirara ao tipo de posição que o próprio Ryan possuía agora, e teria se sentido muito confortável neste escritório ou em qualquer outro como ele. Mas aqueles que aspiravam ao poder eram frequentemente os que o utilizavam mal, o que o distinguia de Jack em mais uma forma. Não que isso importasse no momento. Gerasimov falaria. Com toda certeza. E eles sabiam onde ele estava. Então, o que eu sei?
— Estamos de volta ao Salão Oval com o presidente e a Sra. Ryan — proclamou Donner para qualquer um que porventura tivesse esquecido.
— Presidente, o senhor é um especialista em segurança nacional e política externa — disse Plumber antes que seu colega pudesse falar. — Mas nosso país está enfrentando outros problemas além desses. O senhor agora precisa restabelecer a Suprema Corte. Como pretende fazer isso?
— Pedi ao Departamento de Justiça que me enviasse uma lista de políticos experientes das cortes de apelação federais. No momento estou examinando essa lista, e espero fazer minhas indicações ao Senado nas próximas duas semanas.
— Normalmente a Ordem Americana de Advogados assiste o governo na seleção de juízes, mas isso evidentemente não está sendo feito neste caso. Posso perguntar por que, senhor?
— Tom, todos os juízes da lista já passaram por esse processo, e todos ocuparam a bancada da corte de apelação por um mínimo de dez anos.
— A lista foi compilada por promotores? — inquiriu Donner.
— Foi compilada por profissionais experientes no Departamento de Justiça. O líder do grupo de busca é Patrick Martin, que acaba de assumir a Divisão Criminal. Ele foi assistido por outros oficiais do Departamento de Justiça, como o chefe da Divisão de Direitos Civis, por exemplo.
— Mas todos eles são promotores públicos, ou pessoas cujo trabalho é promover acusações. Quem sugeriu o Sr. Martin?
— É verdade que não conheço pessoalmente o Departamento de Justiça tão bem. O diretor interino do FBI, Murray, recomendou-me o Sr. Martin. Ele fez um bom trabalho supervisionando a investigação da colisão do Boeing com o Capitólio, e pedi-lhe que compilasse a lista para mim.
— E o senhor e o Sr. Murray são amigos há muito tempo.
— Somos sim — assentiu Ryan.
— O Sr. Murray o acompanhou em outra daquelas operações de espionagem, não é verdade?
— Perdão? — perguntou Jack.
— A operação da CIA na Colômbia, quando o senhor exerceu um papel fundamental no rompimento do cartel de Medellín.
— Tom, vou dizer-lhe uma coisa pela última vez: não discutirei operações sigilosas do governo, sejam verdadeiras ou inventadas... jamais. Estou sendo claro?
— Presidente, essa operação resultou na morte do almirante James Cutter — prosseguiu Donner, uma expressão de tristeza sincera no rosto. — Estão aflorando muitas histórias sobre a carreira do senhor na CIA. Essas histórias em breve serão de conhecimento público, e queremos realmente que o senhor tenha a chance de expor o seu lado da questão o mais depressa possível. O senhor não foi eleito para este cargo, e nunca foi examinado da forma como os candidatos políticos geralmente são. O povo americano quer saber que tipo de pessoa ocupa esta posição, senhor.
— Tom, as atividades dos serviços de informação configuram um mundo secreto. Precisa ser assim. Nosso governo precisa fazer muitas coisas. Nem todas podem ser discutidas abertamente. Todo mundo tem segredos. Todos os espectadores lá fora têm. Vocês dois têm. No caso do governo, manter esses segredos é vitalmente importante para o bem estar do nosso país, e além disso, a propósito, para a segurança dos milhares de pessoas que fazem o trabalho do nosso país. Houve um tempo em que a mídia respeitava essa regra, especialmente em tempos de guerra, mas também em outros tempos. Queria que ainda fosse assim.
— Mas e quando, presidente, o segredo age contra nossos interesses nacionais?
— É por esse motivo que temos uma lei que estipula o direito do Congresso supervisionar operações dos serviços nacionais de informação. Se houvesse apenas o poder executivo tomando essas decisões, sim, você teria motivos para se preocupar. Mas o processo não é esse. O Congresso também examina o que fazemos. Eu mesmo já me reportei ao Congresso em muitos desses assuntos.
— Houve uma operação secreta na Colômbia? O senhor participou dela? Daniel Murray acompanhou o senhor até lá depois da morte de Emil Jacobs, então diretor do...
— Não tenho nada a dizer a esse respeito ou sobre qualquer uma das outras história que você trouxer à tona.
E houve mais uma pausa para os comerciais.
— Por que você está fazendo isso? — Para surpresa de todos, a pergunta veio de Cathy.
— Sra. Ryan...
— Dra. Ryan — disse prontamente.
— Perdoe-me, Dra. Ryan, essas alegações precisam ser discutidas.
— Já passamos por isso antes. Uma vez pessoas tentaram acabar com nosso casamento... e o que essas pessoas disseram também eram mentiras e...
— Cathy — disse Jack em tom calmo. Ela voltou a cabeça para ele.
— Eu conheço essa, Jack, lembra? — sussurrou. — Não, você não conhece. Não realmente.
— Esse é o problema — disse Tom Donner. — Essas histórias continuarão a ser reveladas. As pessoas querem saber. As pessoas têm o direito de saber.
Se o mundo fosse justo, pensou Ryan, ele teria se levantado, jogado o microfone em Donner, e pedido que ele deixasse sua casa, mas isso não era possível, e aqui estava ele, poderoso, aprisionado pelas circunstâncias como um criminoso numa sala de interrogatório. Então as luzes da câmera foram reacesas.
— Presidente, sei que este é um assunto difícil para o senhor.
— Tom, está certo, vou dizer uma coisa. Como parte do meu serviço com a CIA, realmente precisei servir meu país de formas que não poderão ser reveladas por um muito longo, mas em nenhum momento violei a lei, e cada uma dessas atividades reportada integralmente aos membros apropriados do Congresso. Deixe-me dizer nino ingressei na CIA. Eu não queria. Era um professor. Lecionava História na Academia Naval em Anápolis, tive tempo de escrever alguns livros de História, e gostei de fazer isso, também então eu e minha família fomos atacados por um grupo de terroristas. Houve tentativas sérias em nos matar... a todos nós. Você sabe disso. Deu na mídia inteira o que aconteceu. Decidi então que meu lugar era na Agência. Por quê? Para proteger outros contra esse mesmo tipo de perigo. Jamais gostei muito disso, mas esse foi o trabalho que decidi fazer. Agora estou aqui, e vocês sabem de uma coisa? Também não gosto muito deste trabalho. Não gosto da pressão. Não gosto da responsabilidade. Ninguém devia deter tanto poder. Mas estou aqui, e prestei um juramento de dar o melhor de mim. É o que estou fazendo.
— Mas, presidente, o senhor é a primeira pessoa neste gabinete que nunca foi uma figura política. As suas visões em muitas questões jamais foram moldadas pela opinião pública, e o que é perturbador é que, para muitas pessoas, o senhor parece estar recorrendo a homens que também jamais estiveram na vida pública. O perigo, conforme essas pessoas veem, é que possuímos um pequeno grupo de pessoas que carecem de experiência política mas que ditarão os rumos da política em nosso país por algum tempo. Como responde a essa preocupação?
— Tom, nem mesmo ouvi falar dessa preocupação em qualquer parte.
— O senhor tem sido criticado por passar tempo demais neste gabinete e não o suficiente entre as pessoas. O problema poderia ser esse? — Agora que tinha fincado o gancho, Donner podia dar-se ao luxo de parecer piedoso.
— Infelizmente tenho muito trabalho para fazer, e é aqui que faço o trabalho. Quanto à equipe que reuni, por onde posso começar? — perguntou Jack. Ao lado dele, Cathy estava resfolegando de raiva. Agora sua mão estava fria dentro da dele. — O secretário de Estado, Scott Adler, um oficial de carreira em relações exteriores, filho de um sobrevivente do Holocausto. Conheço Scott há anos. Ele é o melhor homem que conheço para gerir o Estado. Tesouro, George Winston, um homem que subiu na vida sozinho. Ele foi fundamental no salvamento de nosso sistema financeiro durante o conflito com o Japão; ele possui o respeito da comunidade financeira, e é um verdadeiro pensador. Defesa, Anthony Bretano, é um engenheiro altamente bem-sucedido e empresário que já está fazendo reformas necessárias no Pentágono. FBI, Dan Murray, policial de carreira, e muito bom. Sabe o que estou fazendo com minhas escolhas, Tom? Estou escolhendo profissionais, pessoas que conhecem o trabalho porque já o fizeram, não tipos políticos que apenas falam a respeito. Se você acha que estou errado, bem, sinto muito, mas já encontrei meu caminho dentro do governo e tenho mais fé nesses profissionais do que em todas as figuras políticas que conheci. E sim, a propósito, qual é a diferença entre minha abordagem e a de um político que seleciona pessoas de suas relações... ou, pior, que seleciona pessoas das relações daqueles que contribuíram para sua campanha política? Alguns diriam que a diferença é que as pessoas comuns selecionadas para altos cargos políticos possuem muito mais experiência. Eu não diria isso, e trabalhei para pessoas assim durante anos. Todas as nomeações que fiz foram pessoas cujas habilidades profissionais conheço. Além disso, um presidente supostamente tem o direito, com o consentimento dos deputados eleitos pelo povo, de escolher as pessoas com quem ele pode trabalhar.
— Mas com tanto a ser feito, como espera ser bem-sucedido sem uma orientação política experiente? Esta é uma cidade política.
— Talvez seja esse o problema — replicou Ryan. — Talvez o processo político que todos estudamos durante os anos atrapalhe mais do que ajude. Tom, eu não pedi este emprego, certo? Quando Roger pediu que fosse vice-presidente, a ideia era que eu servisse pelo mandato remanescente e depois deixasse de vez o serviço público. Eu queria voltar a lecionar. Mas então aconteceu aquele incidente terrível, e aqui estou. Não sou um político. Jamais quis ser um, e até onde me diz respeito, não sou um político agora. Sou o melhor homem para este trabalho? Provavelmente não. Contudo, sou o presidente dos Estados Unidos, tenho um trabalho a fazer, e vou fazê-lo com o máximo de minhas habilidades. É tudo que posso fazer.
— E essa é a última palavra. Obrigado, presidente.
Jack mal esperou as luzes da câmera apagarem uma última vez antes de soltar o microfone da lapela e levantar-se. Os dois jornalistas não disseram uma só palavra. Cathy fitou-os.
— Por que fizeram isso?
— Isso o quê? — replicou Donner.
— Por que pessoas como vocês sempre atacam pessoas como nós? Que fizemos para merecê-lo? Meu marido é o homem mais honrado que conheço.
— Tudo que fizemos foi fazer perguntas.
— Não me venha com essa! A forma como você fez as perguntas e as questões que escolheu, a forma como deu as respostas antes que ele tivesse uma chance de dizer qualquer coisa!
Nenhum dos jornalistas respondeu. Os Ryan saíram da sala sem dizer mais nada. Arnie entrou.
— Muito bem. Quem armou esta arapuca? Eles o fisgaram como um peixe — comentou Holbrook. Eles tinham feito uma pausa em seu trabalho, e era sempre bom conhecer o inimigo.
— Este sujeito é assustador — pensou Ernie Brown em voz alta.
— Pelo menos com os políticos você sempre sabe que eles são pilantras. Esse sujeito meu Deus, ele vai tentar... estamos falando sobre um Estado militarista, Pete.
Era um pensamento realmente assustador para o Montanhês. Ele sempre considerou políticos a pior coisa em toda a criação, mas de repente percebeu que eles não eram. Os políticos faziam o jogo do poder porque gostavam dele, porque gostavam da vida de controlar as pessoas e assim se sentirem grandes. Ryan era pior. Ele achava que era certo.
— Puta que pariu — resmungou. — A corte que ele quer nomear.
— Eles o fizeram parecer um idiota, Ernie.
— Não, não fizeram. Você não entendeu? Os jornalistas estavam jogando o jogo.
33
Ecos
Os editoriais foram matéria de primeira página em todos os grandes jornais. Os jornais com mais recursos chegaram até mesmo a estampar fotos da casa de Marko Ramius — aparentemente ele estava viajando no momento — e da residência da família Gerasimov. Gerasimov estava em casa, mas um guarda de segurança conseguiu afastar os repórteres, depois de ter a sua própria foto batida algumas centenas de vezes.
Donner chegou ao trabalho muito cedo, e realmente era o mais surpreso com tudo aquilo. Plumber entrou em seu escritório cinco minutos depois, segurando a primeira página do New York Times.
— Então quem enrolou quem, Tom?
— O que você...
— Houve um pequeno vazamento — observou acidamente Plumber. — Suponho que depois que você saiu da reunião, o pessoal de Kealty fez outro pequeno kaffeeklatsch. Mas você enganou todo mundo, não é mesmo? Se um dia alguém ficar sabendo que a fita não...
— Ninguém ficará sabendo — disse Donner. — E toda essa cobertura apenas faz nossa entrevista parecer melhor.
— Melhor para quem? — perguntou Plumber ao sair pela porta. Também era cedo para ele, e seu primeiro pensamento irrelevante do dia foi que Ed Murrow jamais usaria fixador de cabelo.
O Dr. Gus Lorenz terminou mais cedo sua reunião matutina com a equipe.
A primavera estava chegando cedo em Atlanta. As flores desabrochavam, e logo o ar estaria cheio das fragrâncias famosas dessa cidade do sul. O ar também estaria cheio de pólen, pensou Gus, e seus seios nasais ficariam obstruídos, mas era uma troca justa por viver numa cidade vibrante mas graciosa. Terminada a reunião, vestiu seu jaleco branco e seguiu para seu reinado particular no Centers for Disease Control and Prevention. CDC (o P
jamais fora acrescentado ao acrônimo) era uma das joias da coroa do governo, uma agência de elite que era um dos principais centros de pesquisa médica do mundo — e muitos diriam que era o mais importante. Por esse motivo, o centro em Atlanta atraía os melhores da profissão. Alguns permaneciam. Alguns saíam para ensinar nas faculdades de medicina da nação, mas todos eram marcados para sempre como gente do CDC, como outros podiam gabar-se de ter servido à Marinha, e pela mesma razão. Eles eram as primeiras pessoas que seu país mandava para regiões problemáticas. Eles eram primeiros a combater doenças, em vez de inimigos armados, e isso gerava um espírito de corpo que frequentemente mantinha na instituição os melhores profissionais do ramo, apesar dos salários baixos pagos pelo governo.
— Bom dia, Melissa — disse Lorenz à sua assistente-chefe de laboratório.
Ela tinha mestrado e estava terminando seu doutorado em biologia molecular na Universidade Emory, depois do qual receberia uma promoção considerável.
Bom dia, doutor. Nosso amigo está de volta — acrescentou. Mesmo? espécime estava no microscópio. Lorenz sentou-se, tirando a gravata com o cuidado de sempre. Checou a papelada para identificar a amostra apropriada contra o registro que ele tinha em sua mesa: 98-3-063A. Sim, os números combinavam.
Então era só uma questão de focar a amostra... e ali estava ele, o Cajado de Pastor.
— Tem razão. O outro já está no microscópio?
— Sim, doutor. A tela do computador dividiu-se em duas seções verticais, e na nova estava um espécime de 1976. Não eram completamente idênticos. A curva indo da cadeia de RNA aparentemente jamais era a mesma duas vezes, como flocos neve sempre assumem padrões infinitos, mas isso não importava.
O que importavam eram os filamentos de proteína no alto, e aqueles eram...
— Cepa Mayinga. — Ele pronunciou as palavras com naturalidade.
— Concordo — disse Melissa por detrás dele. Ela se inclinou para digitar no teclado, baixando o -063B. — Esses foram muito mais difíceis de isolar, mas...
— Sim, novamente idênticos. Este é o da criança?
— Uma menininha, sim.
Médicos falavam com vozes frias. Uma pessoa era capaz de ficar exposta à tristeza durante certo tempo, antes que o mecanismo de defesa da mente fosse acionado. Amostras se tornassem apenas amostras, separadas das pessoas que as haviam doado.
— Certo, preciso dar alguns telefonemas.
Os Dois grupos estavam sendo mantidos separados por motivos óbvios, e na verdade nenhum dos dois tinha conhecimento da existência do outro.
Badrayn falou para um de vinte. Astro de Cinema falou com o segundo grupo, composto por nove integrantes. Houve similaridades de preparativos para ambos os grupos. O Irã era uma nação, com os recursos de uma nação-Estado.
Seu Ministério das Relações Exteriores tinha um escritório de passaporte, e seu Tesouro tinha um departamento de impressão não. Ambos permitiam a impressão de passaportes para qualquer número de pessoas, duplicação de selos de entrada e saída. Na verdade, esses documentos poderiam preparados em qualquer número de lugares, a maioria ilegalmente, mas esta fonte tinha uma qualidade um pouco maior sem o risco de revelar o local de origem, unicamente, a mais importante das duas missões era aquela que apresentaria menos riscos físicos aos seus integrantes — bem, dependendo do ponto de vista.
Badrayn podia ver as expressões em seus rostos. A própria ideia do que estavam fazendo era o tipo de coisa que arrepiava a pele de uma pessoa, embora no caso dessas pessoas fosse meramente mais um exemplo dos caprichos da natureza humana. O trabalho, Badrayn dissera-lhes, era simples. Entrar.
Entregar. Sair. Ele enfatizou que estariam completamente seguros, contanto que procedessem exatamente conforme as instruções. Não haveria contatos no outro lado. Eles não precisavam de nenhum. Na verdade, operar sem contatos apenas tornava a situação mais segura. Cada um deles dispunha de uma variedade de histórias de cobertura, e os parâmetros da missão tornavam irrelevante se mais de um no grupo escolhessem a mesma história. O que realmente importava era que as histórias poderiam ser apresentadas de forma plausível, e assim cada viajante escolheria um campo de atividade comercial no qual detivesse algum conhecimento. Praticamente todos possuíam formação universitária, e aqueles que não possuíam poderiam falar sobre compras de algum tipo de máquina que conhecessem melhor que os fiscais da alfândega.
O grupo de Astro de Cinema era de longe o mais confortável com sua missão. Ele supunha que a razão fosse uma falha na cultura de seu povo. Este grupo era mais jovem e menos experiente, e os jovens conheciam menos da vida, e portanto menos da morte. Eram motivados pela paixão, por uma tradição de sacrifício, por seus ódios e demônios. Essa motivação anuviava seu julgamento numa forma que agradava aos mestres, que sempre se sentiam à vontade para usar esses ódios e paixões, juntamente com as pessoas que os portavam. Fotografias foram mostradas, juntamente com mapas e diagramas, e o grupo aproximou-se para ver melhor os detalhes. Nenhum deles fez qualquer comentário sobre a natureza do alvo. Vida e morte eram questionadas apenas por aqueles que não conheciam as respostas definitivas — ou os que pensavam conhecer, mesmo que não conhecessem — e isso era melhor para todos, realmente. Com uma resposta para a Grande Questão fixada em suas mentes, as menos importantes nem sequer lhes ocorreria. Astro de Cinema não nutria essas ilusões. Ele fazia as perguntas dentro de sua própria mente, mas jamais as respondia. Para ele, a Grande Pergunta tornara-se outra coisa. Para ele, tudo era um ato político, não uma questão de religião, e uma pessoa não media seu destino pela política. Ao menos não voluntariamente. Ele olhou para seus rostos, sabendo que estavam fazendo exatamente isso, mas sem perceber. Eram realmente o melhor tipo de pessoas para a missão. Achavam que sabiam de tudo, mas na verdade sabiam muito pouco, apenas as tarefas físicas.
Astro de Cinema sentia-se como um assassino, mas isso era uma coisa que ele já fizera antes, ao menos indiretamente. Fazer de forma direta era perigoso, e esta prometia ser sua missão mais perigosa em anos.
Como era notável o fato de que não percebessem nada disso. Cada um deles via-se como a pedra no estilingue de Alá, sem refletir que essas pedras eram, por sua própria natureza, arremessadas para longe. Ou talvez não. Talvez eles tivessem sorte, e para essa eventualidade concedeu-lhes os melhores dados que pôde reunir, e esses dados eram muito bons. A melhor hora seria à tarde, imediatamente antes das pessoas saírem para o trabalho, de modo a usar melhor as rodovias engarrafadas para confundir seus perseguidores. Astro de Cinema disse-lhes que ele mesmo agiria novamente em campo, para facilitar sua fuga.
Caso ela venha a acontecer, foi o que não lhes disse.
— Certo, Arnie, que está acontecendo? — perguntou Ryan.
Felizmente Cathy não tinha cirurgias marcadas para hoje. Ela passara a noite inteira acordada, furiosa, e não estava em bom estado mental para seu trabalho. Ele não estava se sentindo muito melhor, mas não havia motivo para descontar em seu chefe de Gabinete.
— Bem, com toda certeza há um alcaguete lá na CIA, ou talvez no Capitólio, alguém que conhece um pouco das coisas que você fez.
— No caso da Colômbia, os únicos que sabiam eram Fellows e Trent. E eles também sabiam que Murray não estava lá... não exatamente, pelo menos. O resto da operação foi trancada a sete chaves.
— Que aconteceu realmente?
A necessidade de saber aplicava-se agora a Arnie. O presidente gesticulou e falou no um adolescente com um problema falava ao pai.
— Houve duas operações, Showboat e Reciprocity. Uma delas envolveu colocar tropas na Colômbia. A ideia era interceptar os voos que transportavam drogas. Então aeronaves deram na água...
— Quê?
— Foram derrubadas. Pela Força Aérea... bem, algumas foram interceptadas, e suas tripulações presas e julgadas discretamente. Algumas outras coisas aconteceram, e então Jacobs foi morto, e Reciprocity foi posta em prática. Começamos a bombardear. As coisas fugiram um pouco ao controle.
Alguns civis foram mortos, e a coisa ia começou a ruir.
— O quanto você sabia sobre tudo isso? — perguntou van Damm.
— Eu não sabia porcaria nenhuma até quase o final do jogo. Jim Greer estava morto na época, e eu cuidava do trabalho dele, mas a responsabilidade das operações era principalmente da OTAN. Deixaram-me à margem de tudo até depois que as bombas começaram a cair. Estava na Bélgica quando aquilo aconteceu. Vi pela TV, acredita? Era quem estava realmente conduzindo a operação. Ele convenceu o juiz Moore e Ritter a começarem a operação, e depois tentou encerrá-la. Foi aí que as coisas encrencaram. Cutter tentou eliminar os soldados; a ideia era fazer com que todos desparecessem. Eu descobri. Entrei no cofre de registros pessoais de Ritter. Assim parti para a Colômbia com a equipe de resgate, e conseguimos retirar a maior parte dos soldados. Nada muito divertido — comentou Ryan. — Houve tiroteios, e operei uma das metralhadoras no helicóptero. Um tripulante, um sargento chamado Buck Zimmer, foi morto durante o resgate e tenho cuidado de sua família desde então. Algum tempo depois, Liz Elint descobriu sobre isso e tentou usar essa informação contra mim.
— Há mais alguma coisa — disse Arnie calmamente.
— Oh, sim. Eu tinha de reportar as operações para o Comitê de Seleção, mas não quis prejudicar o governo. Assim falei com Trent e Fellows, e vim para cá ver o presidente. Conversamos durante algum tempo. Depois que saí da sala, Sam e Al conversaram um pouco com ele. Não sei exatamente qual foi o acordo a que chegaram, mas...
— Mas ele entregou a eleição. Ele despediu seu cabo eleitoral e a campanha inteira foi pelo ralo. Meu Deus, Jack, que foi que você fez? — inquiriu Arnie.
Seu rosto estava pálido agora, mas por questões políticas. E o tempo todo van Damm pensara que havia conduzido uma campanha brilhante e bem-sucedida para Bob Fowler, derrotando um presidente em exercício muito popular. Mas o que realmente havia acontecido fora um acordo? E ele nunca descobrira?
Ryan fechou os olhos. Ainda não tinha se recuperado de uma noite infernal.
— Terminei uma operação que era tecnicamente legal, mas que forçava os limites. Terminei da forma mais discreta possível. Os colombianos jamais descobriram. Achei que tinha impedido outro Watergate, domesticamente... e um tremendo incidente internacional. Sam e Al abafaram tudo, os registros foram selados para só ser abertos depois que todos nós tivéssemos morrido.
Quem vazou essas informações deve ter ouvido rumores e feito algumas boas deduções. O que eu fiz? Acho que obedeci à lei da melhor forma que pude.
Não, Arnie, eu não quebrei a lei. Segui as regras. Não foi fácil, mas foi o que fiz. — Os olhos abriram.
— Por que simplesmente não reportou o que aconteceu ao Congresso e...
— Pense para trás — disse o presidente. — Isso não era apenas a única coisa, certo? Foi durante a dissolução da Europa Oriental, quando a União Soviética ainda representava uma certa ameaça, e algumas coisas realmente grandes estavam acontecendo. Se o nosso governo caísse nessa época o resultado poderia ter sido uma confusão dos diabos. A América não teria conseguido... nós não teríamos ajudado a Europa a se acalmar se estivéssemos atolados num escândalo doméstico. E eu era o sujeito que precisava dar o grito de alerta e tomar uma atitude, na base do agora ou nunca, senão aqueles soldados seriam mortos. Pense um pouco na arapuca em que me meti.
Depois de uma pausa, o presidente continuou: — Arnie, eu não poderia buscar o aconselhamento de ninguém, entende? O almirante Greer estava morto. Moore e Ritter estavam comprometidos. O presidente estava envolvido demais; naquele momento pensei que ele estivesse conduzindo o espetáculo através de Cutter... Ele não estava; foi manipulado por aquele político filho da puta. Eu não sabia para onde ir, e assim recorri à ajuda do FBI. Não podia confiar em ninguém além de Dan Murray e Bill Shaw, e um dos nossos em Langley no lado operacional. Você sabia que Bill era doutor em leis? Pois bem, ele me ajudou com a parte jurídica, e Murray me ajudou com a parte operacional. Eles conduziram uma investigação sobre Cutter. Foi uma operação com nome em código. Acho que a chamaram de Odisseia, estavam prestes a procurar um magistrado para fazer uma acusação de conspiração criminosa, mas Cutter se matou. Havia um agente do FBI 45 metros atrás dele quando pulou na frente do ônibus. Você o conheceu: Pat O’Day. Ninguém quebrou a lei em nenhum momento, exceto Cutter. As operações em si se enquadravam na Constituição... pelo menos foi isso que Shaw disse.
— Mas politicamente...
— Sim, até eu não sou tão ignorante. Então aqui estou, Arnie. Eu não infringi a lei. Servi aos interesses de meu país da melhor forma que pude sob as circunstâncias, e veja o bem que isso me fez.
— Merda. Como foi que Bob Fowler nunca ficou sabendo?
— Foi uma decisão de Sam e Al. Eles acharam que isso teria envenenado a presidência de Fowler. Além disso, não sei realmente o que os dois disseram ao presidente. Nunca quis saber, nunca descobri, e tudo que tenho é especulação... especulação muito boa — admitiu Ryan. — Mas só isso.
— Jack, não é sempre que fico sem ter o que dizer.
— Diga assim mesmo — ordenou o presidente.
— A coisa virá a conhecimento público. A mídia sabe agora o suficiente para juntar algumas peças, e isso forçará o Congresso a iniciar uma investigação. E quanto ao outro caso?
— E tudo verdade — revelou Ryan. — Sim, pusemos as mãos no Outubro Vermelho, sim, eu mesmo tirei Gerasimov da URSS. Ideia minha, operação minha. Quase fui morto. Mas se não tivéssemos feito isso, Gerasimov teria realizado um golpe para derrubar Andrey Narmonov... e então haveria ainda um Pacto de Varsóvia, e os maus e velhos tempos jamais teriam acabado. Assim, comprometemos o canalha e ele não teve muita escolha além de embarcar no avião. Ele ainda está puto, apesar de tudo que fizemos para que ele ficasse bem aqui. Mas, pelo que sei, sua esposa e filha gostam muito de viver na América.
— Você matou alguém? — perguntou Arnie.
— Em Moscou, não. Mas no submarino... ele estava tentando autodestruir o submarino. Matou um dos oficiais do navio e deixou dois outros bem feridos, mas eu causei sua morte... e tenho pesadelos com isso há anos.
Em outra realidade, pensou van Damm, seu presidente seria um herói. Mas realidade e a política tinham pouco em comum. Ele notou que Ryan não havia recontado sua história — Bob Fowler e o lançamento nuclear abortado. O chefe de gabinete estava por perto nessa época, e ficou sabendo de tudo três dias depois. J. Robert Fowler quase tivera um lapso ao perceber como ele havia sido salvo de um genocídio em escala hitlerista. Havia em “Os miseráveis” de Hugo uma frase que tocara Van Damm profundamente ao lê-la num livro no segundo grau: Quão maligno pode ser o bem. Aqui estava outro exemplo. Ryan servira a seu país com bravura e muito mais de uma vez, mas nenhuma das coisas que ele fizera sobreviveria ao escrutínio público. Inteligência, amor à pátria e coragem tinham conduzido a uma série de eventos que qualquer um poderia transformar num grande escândalo. E Ed Kealty sabia exatamente como fazer isso.
— Como podemos tentar controlar tudo isso? — indagou o presidente.
— Que mais preciso saber?
— Os arquivos sobre o Outubro Vermelho e Gerasimov estão em Langley.
A coisa colombiana, bem, você sabe o que precisa saber. Nem tenho certeza se tenho o direito legal de abrir os registros. Por outro lado, você quer desestabilizar a Rússia? Isso dará conta do recado.
O Outubro Vermelho, pensou Golovko e levantou os olhos para o teto de seu escritório.
— Ivan, seu bastardo esperto. Zvo ivoyu mahtl. A praga foi proferida em admiração silenciosa. Desde o primeiro momento em que se encontrara com Ryan, ele o subestimara, e mesmo com todos os contatos posteriores, diretos e indiretos, jamais deixaria de subestimá-lo. Então havia sido assim que ele comprometera Gerasimov! E ao fazer isso, salvara a Rússia, talvez... mas um país deve ser salvo por dentro, não por fora. Alguns segredos devem ser mantidos para sempre, porque protegem a todos igualmente. Esse era um desses segredos. Ele embaraçaria os dois países agora.
Para os russos, era a perda de um bem nacional valioso através de alta traição... pior ainda, alguma coisa que seus órgãos de informação não haviam descoberto, o que era incrível. Mas as histórias de cobertura haviam sido muito boas, e a perda de dois submarinos na mesma operação tornara esse um assunto que a Marinha Soviética desejava esquecer... e assim eles não tinham analisado profundamente a história de cobertura.
Sergey Nikolayevitch conhecia a segunda parte melhor que a primeira. Ryan havia sufocado um golpe de Estado. Golovko supunha que Ryan poderia ter-lhe dito facilmente o que estava acontecendo e deixado o assunto a cargo dos órgãos internos da União Soviética... mas não. Os serviços nacionais de informação voltavam tudo para sua vantagem, e Ryan teria sido um louco se não tivesse feito isso neste caso. Gerasimov devia ter cantado como um canário — ele conhecia o aforismo ocidental — e falado tudo que sabia. Ames, por exemplo, certamente devia ter sido identificado dessa forma, e Ames havia sido um diamante virtual para a KGB.
E você sempre se disse que Ivan Emmetovich era um amador talentoso, disse Golovko.
Mas mesmo sua admiração profissional era temperada. A Rússia em breve precisaria de ajuda. Como ela poderia pedir essa ajuda a alguém que, conforme logo seria sabido por todos, manipulara a política interna como um titereiro?
Essa conclusão valeu outra praga, mas nenhum sentimento de admiração.
As rotas marítimas públicas são livres para a passagem de todos, e assim a Marinha não pôde fazer nada além de impedir que o barco de cruzeiro se aproximasse de mais da Doca Oitenta. Logo outro se juntou ao primeiro, e mais outro, até que um total de 11 câmeras estavam apontando para a doca, agora vazia com a partida da maior parte dos submarinos americanos. Também não estava lá outro submarino, não americano, que fora abrigado ali por algum tempo, ou pelo menos era o que diziam os boatos.
Era possível acessar os registros do pessoal da Marinha atrás de computador, e servia quem estivesse fazendo exatamente isso agora, procurando por ex-tripulantes do S N.N Dallas. Um telefonema no começo da manhã para o Comando de Submarinos do Pacífico a respeito do período que trabalhara como oficial comandante do Dallas não chegou mais longe que seu oficial de relações públicas, que era bem versado em declarações inócuas. Hoje ele teria um dia dos diabos. E outros também.
— Ron Jones falando.
— Quem fala é Tom Donner, da NBC News.
— Legal — disse Jones timidamente. — Mas eu assisto à CNN.
— Bem, talvez você queira assistir ao nosso programa esta noite. Gostaria de falar com você sobre...
— Li o Times hoje de manhã. Eles entregam aqui. Sem comentários — acrescentou.
— Mas...
— Mas, sim, eu trabalhei em submarinos, e eles nos chamavam de o Serviço Silencioso. Além disso, foi há muito tempo. Estou fora do ramo agora. Casado, com filhos, entende?
— Você era oficial de sonar a bordo do USS Dallas quando...
— Sr. Donner, assinei um acordo de segredo quando deixei a Marinha. Não falo sobre as coisas que fazíamos, certo?
Esse era seu primeiro encontro com um jornalista, e estava sendo exatamente como sempre lhe disseram que seria.
— Então tudo que você precisa fazer é nos dizer que aquilo não aconteceu nunca.
— O que não aconteceu nunca? — perguntou Jones.
— A deserção de um submarino russo chamado Outubro Vermelho.
— Sabe qual foi a coisa mais louca que ouvi quando era oficial de sonar?
— Qual?
— Elvis — Ele desligou. E discou para Pearl Harbor.
Os caminhões de TV seguiram através de Winchester, Virgínia, como os exercitou da Guerra Civil que haviam trocado a posse da cidade mais de quarenta vezes.
Ele realmente não era dono da casa. O mesmo também podia ser dito da CIA. O lugar estava no nome de uma corporação jornalística, por sua vez de propriedade de uma fundação cujos diretores eram obscuros, mas como a propriedade de terrenos nos EUA sempre devia ser registrada, e como o mesmo era válido para todas as empresas e fundações, essas informações seriam descobertas em menos de dois dias, apesar do selo que mandava os funcionários dos tribunais serem criativamente incompetência para encontrar os documentos.
Os repórteres que apareceram tinham fotos e material gravado de Nikolay Gerasimov.
Câmeras com lentes compridas foram montadas em tripés e voltadas para as janelas, a duzentos metros de distância. Diante das câmeras passavam ocasionalmente alguns seguranças que dariam um belo toque à matéria: CIA TRATA ESPIÃO RUSSO UM REI VISITANTE.
Os seguranças na casa estavam ligando para Langley a fim de pedir instruções, o pessoal no gabinete de assuntos públicos da CIA — que era uma instituição estrangeira não tinha a menor ideia de como proceder nesse caso, além de recorrer à velha fórmula de que aquela era uma propriedade particular (os advogados da CIA estavam checando se isso era ou não legalmente correto sob as circunstâncias), e que, portanto, os repórteres não podiam invadi-la.
Fazia anos que ele não ria tanto. Claro, houvera de vez em quando um momento agradável, mas isto era algo tão especial que ele jamais considerara sua possibilidade. Ele sempre pensara em si mesmo como um especialista em Estados Unidos. Gerasimov conduzira inúmeras operações de espionagem contra o Inimigo Principal, como os Estados Unidos já tinham sido chamados no país inexistente ao qual ele servira. Mas admitiu para si mesmo que era preciso vir e viver nos EUA durante alguns anos para compreender o quanto o país era incompreensível, que nada fazia sentido, que literalmente qualquer coisa podia acontecer, e que quanto mais louca fosse uma coisa, mais provável ela parecia. Nenhuma imaginação era suficiente para predizer o que aconteceria num dia, muito menos em um ano. E aqui estava a prova.
Pobre Ryan, pensou, parado ao lado da janela e bebericando seu café. Em seu país — para ele seria sempre a União Soviética — aquilo jamais aconteceria.
Alguns guardas uniformizados e um olhar ameaçador teriam desestimulado as pessoas, e se apenas o olhar não adiantasse, então haveria outras opções. Mas não na América, onde a mídia tinha toda a liberdade de um lobo nas florestas siberianas — ele quase riu ao pensar isso. Na América, os lobos eram uma espécie protegida. Esses idiotas não sabiam que lobos matavam pessoas?
— Talvez eles acabem indo embora — disse Maria, aparecendo ao seu lado.
— Acho que não.
— Então devemos ficar aqui dentro até eles desistirem — disse a mulher, aterrorizada com os últimos acontecimentos.
Ele balançou a cabeça.
— Não, Maria.
— Mas e se nos mandarem de volta?
— Não farão isso. Não podem. Não se faz isso com desertores. É uma regra — explicou. — Nunca mandamos de volta Philby, Burgess ou MacLean... aqueles alcoólatras e degenerados. Não, nós os protegemos, compramos bebidas para eles, deixamos que praticassem suas perversões, porque essa é a regra.
Ele terminou de tomar seu café. Caminhou de volta até a cozinha para colocar a xícara e o pires no lava-louças. Olhou para ele com a testa franzida.
Seu apartamento em Moscou e sua casa de campo em Monte Lenin — que provavelmente mudara de nome desde sua partida — não tinham aparelhos como esse. Ele tinha criados para fazer essas coisas. Não mais. Nos EUA a conveniência era uma substituta para o poder, o conforto um paliativo para o status.
Criados. Tudo aquilo poderia ter sido dele. O status, os servos, o poder. A União Soviética poderia ser ainda uma grande nação, respeitada e admirada por todo o mundo. Ele seria secretário-geral do Partido Comunista na União Soviética. Poderia ter iniciado as reformas necessárias para extirpar a corrupção e colocar o país em movimento. Provavelmente teria estabelecido relações cordiais com o Ocidente e feito a paz, mas uma paz de iguais, não um colapso absoluto. Jamais fora um ideólogo, afinal, embora o pobre velho Alexandrov pensasse assim, porque Gerasimov sempre fora um homem do Partido — o que mais você poderia ser num Estado de partido único? Especialmente quando sabe que o destino o selecionou para o poder? Mas, não. O destino o traíra, na pessoa de John Patrick Ryan, numa noite fria e nevada em Moscou, numa garagem de bondes. E agora ele tinha conforto e segurança. Sua filha usaria em breve com o que os americanos chamavam de dinheiro velho, e outros países chamavam de nobreza, e o que ele chamava de zangões inúteis — o motivo que levou o Partido Comunista a ganhar sua revolução. Sua mulher estava satisfeita com suas bugigangas e seu pequeno círculo de amigos. Mas a raiva de Gerasimov jamais esmoreceria.
Ryan furtara-lhe seu destino, o prazer puro do poder e da responsabilidade, de ser o arbitro da trilha de sua nação. Então o próprio Ryan fora conduzido a esse mesmo destino, e o imbecil não sabia como usá-lo. A verdadeira desgraça era ter sido trazido por uma pessoa assim. Bem, havia ainda uma coisa que ele podia fazer. Gerasimov entrou no aposento que conduzia aos fundos, selecionou um casaco de couro e saiu. Ponderou por Um momento. Sim, ele acenderia um cigarro e simplesmente percorreria a trilha até o lugar onde estavam reunidos, a quatrocentos metros de distância. Durante o percurso deliberaria como tecer seus comentários, e sua gratidão para com o presidente Ryan.
Ele nunca havia parado de estudar a América, e suas observações sobre o comportamento da mídia seriam muito úteis.
Acordei você, comandante? — indagou Jones. Eram cerca de quatro da manhã em Pearl Harbor.
— Não exatamente. Sabe, meu assessor de imprensa é uma mulher, e ela está grávida. Espero que essa merda toda não a coloque em trabalho de parto prematuro.
O contra-almirante (agora vice-almirante nomeado) Mancuso estava à sua mesa. Polindo suas instruções, seu telefone não teria tocado sem um bom motivo. Um velho companheiro de barco era um desses motivos.
— Me ligaram da NBC, perguntando sobre um trabalhinho que fizemos no Atlântico — E o que você disse?
— O que você acha, comandante? Porra nenhuma. — Além da honra da situação, havia também o fato de que Jones fizera a maior parte de seu trabalho com a Marinha. ... Mas...
— Sim, mas alguém vai falar. O Today Show está exibindo imagens ao vivo de Norfolk, Doca Oitenta. Pode imaginar o que eles estão dizendo.
Mancuso pensou em ligar o televisor de seu escritório, mas era cedo demais para o noticiário matutino da NBC. Lembrou da CNN, ligou o aparelho e sintonizou nesse canal. Estavam falando sobre esportes, mas o começo da hora seguinte estava chegando.
— Depois vão perguntar sobre o outro trabalho que fizemos, aquele envolvendo o desertor.
— Linha aberta, Dr. Jones — alertou o comandante. ; — Não disse onde, comandante. É só uma coisa para você pensar.
— Sim — concordou Mancuso.
— Talvez você possa me dizer uma coisa.
— Que coisa, Ron?
— Por que tanto alvoroço? É claro que não vou abrir a boca e você também não, mas alguém irá, com toda certeza. É uma história de marinheiro boa demais para não ser contada. Mas por que tanto alvoroço, Bart? Não fizemos a coisa certa?
— Acho que sim — replicou o almirante. — Mas acho que as pessoas simplesmente gostam de uma história.
— Sabe de uma coisa? Espero que Ryan concorra na próxima eleição. Vou votar nele. Incrível aquilo que ele fez, incriminando o chefe da KGB e então...
— Ron!
— Só estou repetindo o que eles disseram na TV, certo? Não tenho nenhum conhecimento de tudo aquilo. — Merda, pensou Jones, que puta história de marinheiro. E é tudo verdade.
No outro lado da linha a vinheta do Breaking News apareceu no televisor de Mancuso.
— Sim, sou Nikolay Gerasimov — disse o rosto nas telas do mundo inteiro.
Havia pelo menos vinte jornalistas aglomerados no outro lado da cerca de pedra, e a parte difícil era ouvir uma das perguntas gritadas.
— É verdade que o senhor foi...
— O senhor esteve...
— O senhor veio...
— É verdade que...
— Silêncio, por favor. — Gerasimov levantou a mão. Demorou 15 segundos até ficar satisfeito. — Sim, já fui diretor da KGB. O seu presidente Ryan induziu-me a desertar, e desde então vivo nos EUA, junto com minha família.
— Como o senhor desertou? — gritou um jornalista.
— Você precisa compreender que o mundo da espionagem é cruel. O Sr.
Ryan pratica muito bem o jogo. Na época havia um conflito de forças. A CIA opunha-se à minha facção em favor da facção de Andrey Illych Narmonov.
Assim, o Sr. Ryan foi até Moscou como consultor das negociações do START.
Ele alegou que queria passar-me informações para fazer a reunião acontecer.
Estou falando claro? — Gerasimov decidira acentuar o sotaque para parecer mais crível para as câmeras e os microfones. — Na verdade, podem dizer que ele me acuou com a acusação de que eu estava para cometer um ato de... como se diz?
Um ato de traição. Não era verdade, mas funcionou. Assim, decidi vir para a América com minha família. Vim de avião. Minha família veio de submarino.
— Como? Submarino?
— Sim, foi o submarino Dalas. — Fez uma pausa e abriu um sorriso malicioso. Porque estão sendo tão duros com o presidente Ryan? Ele serviu bem ao seu país. É um espião-mestre — disse Gerasimov em tom de admiração.
— Bem, lá vai a história.
Bob Holtzman emudeceu seu televisor e se virou para seu editor.
— Desculpe, Bob. — O editor passou-lhe de volta o texto.
O material seria publicado dali a três dias. Holtzman fizera um trabalho admirável reunindo informações e depois dedicara-se a integrar todos os dados num quadro coeso e elogioso do homem cujo escritório ficava apenas a cinco quarteirões do seu. Era tudo uma questão de direcionamento, uma das palavras preferidas em Washington. Alguém invertera o direcionamento. Depois que a história inicial era divulgada, era impossível, mesmo para um jornalista experiente como Holtzman, mudar o direcionamento. Especialmente se seu próprio jornal não o apoiava.
— Bob, a sua visão deste caso é diferente da minha — disse o editor com uma pitada de constrangimento. — O que que tem se esse sujeito é um espião?
Certo, pegar o submarino foi uma coisa. Guerra Fria e tudo mais. Mas interferir com a política interna da União Soviética... isso não é muito perto de um ato de guerra?
— Esse não foi o xis da questão. Ele estava tentando tirar um agente, codinome Cardeal. Gerasimov e Aleksandrov estavam usando esse caso de espionagem para derrubar Narmonov e sufocar as reformas que ele planejava iniciar.
— Bem, Ryan pode dizer isso o dia inteiro, se quiser. Não é o que as pessoas irão concluir. Espião-mestre ? Exatamente o que precisamos para governar o país, hein?
— Ryan não é isso, porra! — xingou Holtzman. — Ele é um cara direito...
— E sabe atirar direito também. Ele matou pelo menos três pessoas. Matou, Bob! O que é que deu em Roger Durling para pensar que esse era o sujeito certo para a vice-presidência? Ed Kealty não é flor que se cheire, mas ele pelo menos...
— Pelo menos ele sabe como nos manipular, Ben. Kealty manipulou aquele âncora pira fazer exatamente o que ele queria, e depois fez todos nós seguirmos o mesmo ponto de vista sobre os fatos, o ponto de vista dele.
— Mas... — Ben Saddler não tinha mais nada para dizer a essa altura. — Mas é factual, não é?
— Isso não é o mesmo que verdade, e você sabe disso, Ben.
— Será preciso analisar tudo isso a fundo. Ryan parece o tipo de sujeito que age limpo e sem refletir em tudo o que faz. Quero descobrir agora tudo sobre essa missão na Colômbia. Acha que pode fazer isso? Os seus contatos no FBI são muito bons. Mas preciso dizer uma coisa: estou preocupado com sua objetividade neste caso.
— Você não tem escolha, Ben. Se não quer ficar atrás da concorrência, terá de me lixar escrever do meu jeito. Mas é claro que, se quiser, poderá reescrever tudo que publicar — acrescentou Holtzman, deixando seu editor vermelho de raiva. A vida da imprensa também podia ser cruel.
— A matéria é sua, Bob. Apenas me prometa que irá entregá-la. Alguém quebrou a lei, e Ryan foi o homem que acobertou tudo e saiu cheirando como uma rosa. Eu quero os fatos. — Saddler se levantou. — Tenho um editorial para escrever.
Daryaei mal Podia ACREDITAR. O momento não poderia ter sido melhor.
Faltavam poucos dias para alcançar seu objetivo seguinte, e seu alvo estava prestes a descer ao abismo inteiramente sem a sua ajuda. Com a sua ajuda, é claro, a queda seria ainda mais rápida.
— Isso é o que parece ser?
— Tudo indica que sim — replicou Badrayn. — Posso fazer uma pesquisa rápida e falar com o senhor amanhã de manhã.
— Será mesmo possível? — persistiu o aiatolá.
— Lembra do que lhe falei sobre leões e hienas? Na América isso é um esporte nacional. Não é um truque. Eles não fazem esse tipo de truque. Mesmo assim, deixe-me pesquisar. Tenho meus métodos.
— Falamo-nos amanhã de manhã, então.
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Tinha muito trabalho a fazer. De volta ao escritório, Badrayn ativou seu computador pessoal. Era equipado com um modem de alta velocidade de uma linha dedicada de fibra ótica que seguia até uma embaixada do Irã — agora URI — no Paquistão. Dali outra linha seguia até Londres, onde ele podia conectar-se com a rede mundial de computadores sem deixar um único rastro. O que já tinha sido um exercício muito simples para as agências policiais — o que eram as instituições de contrainformação e contraterrorismo, afinal de contas — hoje era virtualmente impossível. Literalmente milhões de pessoas podiam acessar todas as informações obtidas pela humanidade, e mais rápido do que uma pessoa podia ir de carro até a biblioteca mais próxima. Badrayn começou acessando as homepages de imprensa, os jornais principais, do Times de Los Angeles até o Times em Londres, com Washington e Nova York no meio.
Todos jornais principais apresentavam a mesma matéria básica — mais curta na rede do que nas edições impressas, na verdade —, embora o comentário editorial diferisse um pouco de uma publicação para outra. As matérias apresentavam datas vagas, e ele teve de se lembrar que a mera repetição do conteúdo não garantia precisão, mas elas pareciam reais, Badrayn sabia que Ryan havia sido agente do serviço nacional de informações, e sabia que os ingleses, os russos e os israelenses o respeitavam. Essas histórias explicavam tanto a respeito. Mas também o inquietaram, fato que teria surpreendido seu mestre. Ryan era inicialmente um adversário mais formidável do que Daryaei predissera. Ele sabia como tomar ações decisivas em circunstâncias complicadas, e pessoas assim não deviam ser subestimadas.
Contudo, Ryan estava fora de seu elemento agora, e isso ficava evidente na cobertura da imprensa. Quando mudou de uma homepage para outra, viu um editorial recentíssimo. Se exigia um inquérito do Congresso sobre as atividades de Ryan na CIA. Uma declaração do governo colombiano pedia em termos diplomáticos uma explicação das alegações — e isso iniciaria outra tempestade de fogo. Como Ryan iria responder às acusações ou exigências? Uma questão aberta, julgou Badrayn. Ele era um curinga. Isso era perturbador. Ele imprimiu os artigos e editoriais mais importantes para uso posterior, e então prosseguiu com sua pesquisa.
Havia uma homepage dedicada a convenções e espetáculos comerciais nos EUA. Provavelmente para o uso de agências de viagens, pensou. Bem, o propósito era mais ou menos esse. Então seria apenas uma questão de selecioná-los por cidade. Isso lhe dizia a identidade dos centros de convenção, que geralmente eram grandes prédios parecidos com celeiros. Cada um deles tinha também uma homepage, para divulgar suas capacidades. Muitos mostravam diagramas e mapas de viagem. Todos conferiam números de telefone e fax. Ele os coletou até ter 24, alguns a mais, só por precaução. Ele não podia mandar um de seus viajantes para uma convenção de roupas íntimas femininas, por exemplo, embora... ele riu para si mesmo. As feiras de moda e tecidos seriam dedicadas à estação de inverno, embora o verão ainda não tivesse chegado nem mesmo ao Irã. Feiras de automóveis. Essas percorriam os Estados Unidos à medida que diversos fabricantes de carros e caminhões mostravam seu produtos como um circo itinerante... o que era ainda melhor.
Um circo, pensou, e entrou em outra homepage. Não, ainda faltavam algumas semanas para que o início da temporada circense. Uma pena. Uma pena mesmo, resmungou Badrayn. Os grandes circos não viajavam em trens particulares? Maldição. Mas nada podia ser feito quando a hora não era adequada. A feira de automóveis teria de servir.
E todas as outras.
Todos os membros do grupo dois estavam agora fatalmente doentes, e era hora de pôr fim ao seu sofrimento. Era mais uma questão de eficácia que de misericórdia. Não havia motivo em arriscar as vidas dos médicos militares tratando pessoas condenadas à morte pela lei e pela ciência e, assim como o primeiro grupo, estes foram despachados com injeções generosas de Dilaudid, enquanto Moudi assistia pelos monitores de TV. O alívio dos médicos era visível, mesmo através das roupas protetoras plásticas. Em apenas alguns minutos todas as cobaias estavam mortas. O mesmo procedimento que antes seria realizado. O médico congratulou-se por terem trabalhado bem e que nenhum funcionário tivesse sido infectado. Isso se devia principalmente à sua implacabilidade. Outros lugares — hospitais de verdade — não teriam a mesma sorte, e já estariam lamentando a perda de colegas.
Era uma estranha verdade absoluta da vida que o arrependimento chegava apenas quando já era tarde demais. Agora ele não podia mudar o que estava por vir mais do que poderia reverter a rotação da Terra.
Quando os médicos começaram a colocar os corpos infectados nas maças, ele se virou. Não precisava ver aquilo de novo. Moudi caminhou até o laboratório.
Outro conjunto de técnicos provavelmente estava agora colocando a sopa nos recipientes conhecidos como frascos. Eles tinham mil vezes mais do que precisavam para as operações, mas a natureza do exercício era tal que ficava realmente mais fácil fazer muito mais do que era preciso e, conforme o diretor explicara, não era possível saber se seria preciso mais. Os frascos eram todos feitos de aço inoxidável, na verdade uma liga especial que não perdia sua força no frio extremo. Cada recipiente tinha capacidade para 750 mililitros. Depois de selada, cada garrafa seria borrifada com um químico cáustico para garantir que a parte externa estivesse limpa. Em seguida, seria colocada num carrinho e levada até a sala refrigerada no porão do prédio, onde seria imersa em nitrogênio líquido. As partículas do vírus Ebola poderiam permanecer ali durante décadas, frias demais para morrer, completamente inertes, aguardando a exposição seguinte ao calor e unidade, e uma chance de reproduzir e matar.
Um dos frascos permanecia no laboratório, repousando num recipiente criogênico menor, com cerca do tamanho de um tambor de gasolina mas um pouco menor, com um mostrador exibindo a temperatura interna. Ele sentia um certo alívio em saber que o drama logo estaria terminado. Moudi fitou parado na porta, observando os funcionários menos graduados fazer seu trabalho.
Provavelmente eles se sentiam da mesma forma. Logo, os vinte frascos de spray seriam enchidos e removidos do prédio, e cada centímetro quadrado do local seria limpo rigorosamente, e tudo voltaria a ficar seguro. O diretor passaria a maior parte do tempo em seu escritório e Moudi... bem, ele não poderia reaparecer na OMS, poderia? Afinal de contas, ele havia morrido naquela queda de avião na costa líbia. Alguém teria de gerar uma nova identidade e um passaporte para ele antes que pudesse viajar, considerando que ele viesse a viajar novamente. Ou talvez, como medida de segurança... não, nem mesmo o diretor era tão cruel, era?
— Alô, quero falar com o Dr. Ian MacGregor.
— Quem está falando, por favor?
— Dr. Lorenz, do CDC de Atlanta.
— Aguarde um pouco, por favor.
Gus precisou esperar dois minutos, contados por seu relógio, tempo suficiente para acender seu cachimbo e abrir uma janela. Os médicos mais jovens geralmente o recriminariam por seu hábito, mas ele não inalava, e aquilo o ajudava a pensar...
— Dr. MacGregor falando — disse uma voz jovem.
— Aqui é Gus Lorenz, de Atlanta.
— Oh! Como vai o senhor, professor?
— Como estão indo seus pacientes? — perguntou Lorenz a sete fusos horários de meia. Ele gostou da voz de MacGregor, claramente trabalhando até um pouco tarde os bons faziam muito isso.
— O paciente homem não está indo nada bem, temo dizer. Mas a criança está se recuperando.
— E mesmo? Bem, examinamos os espécimes que enviou. Ambos continham o vírus Ebola, subcepa Mayinga.
— Tem certeza absoluta? — perguntou o homem mais jovem.
— Total, doutor. Fiz os testes pessoalmente.
— Temia isso. Enviei outro conjunto de amostras para Paris, mas ainda não deram o resultado.
— Preciso saber algumas coisas. — Do seu lado da linha, Lorenz estava com um bloco aberto. — Fale-me a respeito de seus pacientes.
— Há um problema com isso, professor Lorenz — precisou dizer MacGregor.
Ele não sabia se a linha estava grampeada, mas num país como o Sudão, era algo a se considerar. Por outro lado, ele precisava dizer alguma coisa, e assim começou a comentar os fatos que podia revelar.
— Eu a vi na TV ontem à noite — disse o Dr. Alexandre.
Ele decidira encontrar-se com Cathy Ryan no almoço novamente por esse motivo. Ele simpatizara muito com ela. Quem esperaria que uma cortadora de olhos e jóquei de laser (para Alex, essas eram mais especialidades mecânicas do que a medicina verdadeira que ele praticava — mesmo essa profissão tinha suas rivalidades, e ele se sentia o mesmo em relação a todas as especialidades cirúrgicas) nutrisse um interesse por genética? Além disso, ela provavelmente precisava de uma voz amiga.
— Gentil da sua parte — replicou Caroline Ryan, baixando os olhos para sua salada de galinha enquanto ocupava a cadeira. Alexandre percebeu que o guarda-costas pareceu ficar tenso.
— Você pareceu bem.
— Acha mesmo? — Ela levantou os olhos, dizendo em tom controlado: — Quis arrancar a cara dele.
— Bem, não deu para perceber isso. Você apoiou muito o seu marido. Os espectadores puderam perceber também que é inteligente.
— O que é que os jornalistas têm? Quero dizer, por que... Alex sorriu.
— Doutora, quando um cachorro urina num hidrante, ele não está cometendo vandalismo. Está apenas sendo um cachorro.
Roy Altman quase engasgou com sua bebida.
— Nenhum de nós queria isso, sabia? — disse Cathy, ainda triste a ponto de não perceber a piada.
O professor Alexandre levantou as mãos, fingindo render-se.
— Já estive lá, já fiz isso, madame. Ei, eu nunca quis me alistar no Exército.
Eles me recrutaram na faculdade de medicina. Acabei me afinando, cheguei a coronel e tudo mais. Descobri que o Exército era um campo interessante para manter o cérebro ocupado. E paga as contas.
— Eu nem sequer sou paga por este abuso! — objetou Cathy, não obstante com um sorriso.
— E seu marido não ganha tanto assim — acrescentou Alex.
— Jamais ganhou. As vezes me pergunto por que ele simplesmente não trabalha de graça e devolve os cheques só para mostrar que ele vale mais do que lhe pagam.
— Acha que ele teria sido um bom médico? Os olhos de Cathy reluziram.
— Já lhe disse isso. Jack teria sido um bom cirurgião, acho... não, talvez alguma outra coisa, como a sua área. Ele sempre gostou de ficar xeretando as coisas até descobrir algo.
— E de dizer o que pensa.
Isso quase causou uma gargalhada.
— Sempre!
— Bem, sabe de uma coisa? Ele passa a impressão de ser um bom sujeito.
Nunca o conheci, mas gostei do que vi. Com toda certeza do mundo, ele não é um político, e tal vez ter um apolítico lá em cima de vez em quando não seja ruim. Quer relaxar um pouco, doutora? Qual é a pior coisa que pode acontecer?
Ele deixar o trabalho, voltar para aquilo que ele gosta de fazer... lecionar, acho, pelo que ele disse... e você ainda será uma doutora com um Lasker na parede.
— Não sei se isso é a pior coisa que pode acontecer...
— Você tem o Sr. Altman aqui para garantir isso, não é? — Alexandre olhou para ele. — Imagino que você é grande o bastante para ficar no caminho da bala.
— O agente do Serviço Secreto não respondeu, mas seu olhar para Alex dispensou explicações. Sim, ele pararia uma para sua protegida. — Vocês não podem falar sobre esse tipo de coisa, podem?
— Sim, senhor, nós podemos, se nos perguntarem. — Altman quisera dizer isso o dia inteiro. Ele também assistira ao especial na TV e, como costumava acontecer, os agentes da segurança presidencial falaram um pouco sobre meter uma azeitona na cabeça do jornalista em questão. O pessoal do Serviço Secreto também tinha uma vida de fantasia. — Dra. Ryan, gostamos muito da sua família, e não estou dizendo isso só para ser educado, certo? Nem sempre gostamos dos nossos protegidos. Mas gostamos de todos vocês.
— Ei, Cathy. — Era o reitor James, passando com um sorriso e um aceno.
— Oi, Dave.
Então ela acenou para alguns amigos da faculdade. Então ela não estava tão sozinha quanto pensava.
— E aí, Cathy, você é casada com James Bond ou o quê?
Num contexto diferente, a pergunta teria feito Cathy subir nas tamancas, mas os olhos de Alexandre estavam piscando para ela.
— Sei um pouco sobre essas coisas. Recebi algumas informações quando o presidente Durling pediu a Jack que fosse vice-presidente, mas não posso...
Ele levantou a mão.
— Eu sei. Tenho permissão para assuntos sigilosos porque ainda apareço em Forte Detrick de vez em quando.
— Não é como no cinema. Você não faz aquele tipo de coisa, toma uma bebida, beija a garota e sai no seu carrão. Ele costumava ter pesadelos e eu... bem, eu costumava abraçá-lo enquanto ele dormia e isso geralmente o acalmava. E quando ele acordava, fingia que quilo não tinha acontecido. Sei de algumas coisas, não de tudo. Ano passado, quando estávamos em Moscou, conheci um russo que disse que já tinha colocado um revólver na cabeça de Jack... — Altman virou a cabeça ao ouvir isso. — Mas ele disse que era um tipo de brincadeira, e depois disse que a arma não estava carregada. Depois fomos jantar juntos, como se fôssemos velhos amigos, e eu conheci a esposa dele... uma pediatra, acredita? Ela é médica e o seu marido é o chefe da informação russa e...
— Isso realmente parece incrível — concordou o Dr. Alexandre com uma sobrancelha erguida, e então uma gargalhada de verdade surgiu do outro lado da mesa.
— É tudo loucura — concluiu Cathy.
— Quer saber o que é mesmo loucura? Temos dois casos de Ebola reportados no Sudão.
Agora que ele conseguira levantar o humor de Cathy, podia conversar sobre seus problemas.
— Lugar estranho para esse vírus aparecer. Os portadores vieram do Zaire?
— Gus Lorenz está averiguando. Estou esperando que ele me telefone de volta — reportou o professor Alexandre. — Não pode ser uma epidemia local.
— Por que não? — indagou Altman.
— O pior ambiente possível — explicou Cathy, finalmente tocando em seu almoço.
— Quente, seco, muito sol direto. Os raios ultravioleta matam o vírus.
— Como um lança-chamas — concordou Alex. — E não há nenhuma floresta onde um animal hospedeiro possa viver.
— Apenas dois casos? — perguntou Cathy com a boca cheia de salada.
Pelo menos consegui fazê-la comer, pensou Alexandre. Sim, ainda sabia lidar com mulheres, mesmo num refeitório. Ele assentiu.
— Homem adulto e uma garotinha. É tudo que sei por enquanto. Gus deve fazer os testes hoje. Já deve ter feito.
— Droga, esse é um vírus infernal. E vocês ainda não descobriram o hospedeiro.
— Procuramos há vinte anos — confirmou Alex. — Jamais foi encontrado um único animal doente... bem, o hospedeiro não estaria doente, mas você me entendeu.
— Como um caso criminal, hein? — perguntou Altman. — Procurando provas física ;
— Bem parecido — concordou Alex. — Só que estamos fazendo uma busca por um país inteiro, e nunca soubemos exatamente o que estamos procurando.
Don Russell observou as camas dobráveis serem retiradas. Depois do almoço — hoje fora sanduíches de queijo e presunto no pão integral, copos de leite e uma maçã —, todas as crianças desciam para seu cochilo da tarde. Uma ideia maravilhosa, todos os adultos pensavam. A Sra. Daggett era uma organizadora soberba, e todas as crianças conheciam a rotina. As camas vinham do almoxarifado, e as crianças conheciam seus espaços. CHOCALHO estava se dando otimamente com a jovem Megan O’Day. Ambas costumavam vestir roupas da Oshkosh Bogosh decoradas com flores ou coelhinho — pelo menos um terço das crianças usava as roupas dessas marca, que era muito popular. A única parte árdua era levar as crianças até os banheiros para que não acontecessem acidentes durante seus cochilos. Alguns aconteciam de qualquer jeito, mas crianças são crianças. O procedimento todo levava 15 minutos, menos do que antes porque agora dois de seus agentes ajudavam. Então todas as crianças deitavam em suas caminhas, com seus cobertores e ursinhos, e a luz era apagada. A Sra. Daggett e seus ajudantes encontravam cadeiras para sentar, livros para ler.
— CHOCALHO está dormindo — disse Russell, saindo para tomar um pouco de ar fresco.
— Tudo bem aqui — comunicou a equipe móvel, posicionada na casa do outro lado da rua. Seu Chevy Suburban estava estacionado na garagem da família. Havia três agentes na casa; dois em vigília, sentados perto da janela que dava para a Giant Steps. Provavelmente jogando cartas, sempre uma boa forma de pássaro tempo. A cada 15 minutos não muito regularmente, para o caso de alguém estar observando —, Russell ou outro membro da equipe contornava o terreno. As câmeras de TV mantinham registro do tráfego na Ritchie Highway.
Um dos agentes internos estava sempre posicionado para cobrir as portas de entrada e saída da creche. No momento era Marcella Hilton; jovem e bonita, sempre estava com sua bolsa a tiracolo. Uma bolsa especial de um tipo feito para policiais femininas, tinha um bolso interno no qual estavam alojados sua automática SigSauer 9 mm e dois pentes de balas sobressalentes. Ela estava deixando o cabelo crescer para alguma coisa próxima ao coração hippie (ele tivera de contar-lhe o que era um hippie) para acentuar seu disfarce .
A situação ainda não agradava a Russell. O acesso ao lugar era fácil demais, e ficava muito próximo da rodovia com seu volume intenso de tráfego.
Além disso, havia um estacionamento perto, um local perfeito para bandidos hipotéticos ficarem de tocaia. Pelo menos tinham conseguido espantar os jornalistas. Nesse aspecto, CIRURGIÃ fora curta e grossa. Depois de algumas matérias sobre Katie Ryan e suas amigas, ela batera o pé. Agora os jornalistas visitantes que ligavam ouviam uma ordem, firme mas polida, de que mantivessem distância. Aqueles que vinham, mesmo assim precisavam conversar com Russell, cujo comportamento de vovô era reservado às crianças da creche Giant Steps. Com os adultos ele era tremendamente intimidante, em geral usando seus óculos escuros do Serviço Secreto, para parecer mais com Schwarzenegger, que era mais baixo do que ele em quase oito centímetros.
Mas sua subsegurança presidencial fora reduzida para seis membros. Três diretamente no local, três do outro lado da rua. O segundo trio usava armas de ombro, submetralhadoras Uzi e uma M-16 com mira telescópica. Em outra locação, seis seriam mais do que o suficiente, mas não nesta, julgava Russell.
Infelizmente, mais gente que isso e a creche parecer um campo militar, e o presidente Ryan já tinha problemas de sobra.
Quais são as novas, Gus? — perguntou Alexandre, de volta ao seu escritório antes de iniciar as rondas da tarde. Um de seus pacientes com AIDS tivera complicações. Alex tentava pensar no que fazer a respeito.
— Identidade confirmada. Ebola Mayinga, igual aos dois casos no Zaire. O homem não vai sobreviver, mas a criança está se recuperando muito bem.
— Mesmo? Muito bom. Qual é a diferença entre os dois casos?
— Não tenho certeza, Alex — replicou Lorenz. — Não tenho muita informação sobre os pacientes, apenas seus primeiros nomes, Saleh para o homem e Sohaila para a menina, idades e coisas assim.
— Nomes árabes, certo?
Mas o Sudão era um país islâmico.
— Acho que sim.
— Seria útil saber as diferenças entre os dois casos.
— Falei isso ao médico que está cuidando dos casos. Seu nome é Ian MacGregor, e ele parece muito bom. Universidade de Edimburgo, acho que ele disse. Em todo caso, ele não conhece muitas diferenças entre os dois casos.
Nenhum dos dois tem ideia alguma sobre como se expôs. Eles apareceram no hospital mais ou menos ao mesmo tempo, aproximadamente nas mesmas condições. Os sintomas iniciais indicavam uma gripe e ou enjoo de viagem. : — Então de onde vieram? — cortou Alexandre.
— Perguntei isso. Ele respondeu que não podia dizer.
— Como vieram?
— Também perguntei. Ele disse que também não podia dizer, mas que não havia conexão aparente entre os dois casos.
O tom de Lorenz indicava que ele havia pensado no assunto. Os dois homens sabiam que o motivo para o silêncio do médico só podia ser político.
Esse era um problema sério na África, especialmente com AIDS.
— Nada mais no Zaire?
— Nada — confirmou Gus. — Aquela epidemia acabou. É de fundir a cuca, Alex. A mesma doença aparece em dois lugares diferentes, a uma distância de três mil quilômetros, dois casos em cada lugar, dois mortos, um morrendo, outro aparentemente se recuperando. MacGregor iniciou medidas apropriadas de contenção em seu hospital, e parece que entende do riscado.
Gus quase pôde ouvir Alexandre dando de ombros do outro lado da linha.
O comentário do homem do Serviço Secreto durante o almoço acertara bem na mosca, pensou Alexandre. Era mais trabalho de detetive do que medicina, e isto não fazia o menor sentido, como um tipo de caso de assassinatos em série sem pistas. Divertido num livro, mas não na vida real.
— Certo, o que nós sabemos?
— Sabemos que a cepa Mayinga está viva e atuante. A inspeção visual é idêntica. Estamos procedendo a algumas análises nas proteínas e sequencias, mas algo me diz que tudo vai conferir perfeitamente.
— Puta merda, Gus. Qual será o hospedeiro? Se pelo menos descobríssemos isso!
— Obrigado pela observação, doutor.
Gus estava incomodado — enraivecido — da mesma maneira e pelo mesmo motivo. Mas era uma velha história para os dois. Bem, pensou o homem mais velho, levara alguns milhares de anos para que a malária fosse descoberta. Eles estavam pesquisando o Ebola havia apenas 25 anos. O vírus devia estar à solta havia pelo menos esse tempo, aparecendo e desaparecendo, exatamente como um assassino em série de história policial. Mas o Ebola não tinha um cérebro, não tinha uma estratégia, nem mesmo se movia por conta própria. Era superadaptável a alguma coisa muito pequena e extremamente estreita. Mas eles não sabiam exatamente o quê.
— E o tipo de coisa que leva um homem a beber, não é? — comentou Gus.
— Também gostaria de uma boa dose de bourbon agora — concordou Alexandre. — Mas tenho pacientes para ver.
— Está gostando de fazer rondas clínicas, Alex? — Lorenz também sentia falta disso.
— É bom ser um médico de verdade novamente. Só queria que meus pacientes tivessem um pouco mais de esperança. Mas são os ossos do ofício, não é verdade?
— Se quiser, passo por fax para você a análise estrutural das amostras. A boa notícia é que os casos parecem muito bem contidos — repetiu Lorenz.
— Eu gostaria. A gente se fala depois, Gus.
Alexandre desligou. Muito bem contidos? Foi isso que pensamos antes... Mas então seus pensamentos mudaram, porque era preciso. Paciente branco, 34 anos, gay. Como poderemos estabilizar suas condições? Pegou o prontuário e saiu do escritório.
— Quer dizer que sou o cara errado para ajudar com as seleções para a Suprema Corte? — perguntou Pat Martin.
— Não se sinta tão mal — respondeu Arnie. — Somos todos os caras errados para qualquer coisa.
— Exceto você — comentou o presidente com um sorriso.
— Todos cometemos erros de julgamento — admitiu van Damm. — Eu poderia ter saltado do barco junto com Bob Fowler, mas Roger disse que precisava de mim para manter a loja funcionando, e...
— Sim — disse Ryan, assentindo. — Foi assim que cheguei aqui também. E então, Sr. Martin?
— Nada disso infringiu nenhuma lei.
Ele tinha passado as últimas três horas examinando os arquivos da CIA e o resumo ditado por Jack sobre as operações na Colômbia. Agora uma das secretárias de Ryan, Ellen Sumter, sabia sobre algumas coisas extremamente confidenciais — mas ela era uma secretária presidencial e além disso, Jack só revelara absolutamente o necessário.
— Pelo menos da sua parte, presidente — prosseguiu Martin. — Ritter e Moore poderiam ser acusados de haver deixado de prestar um relatório completo de suas atividades ao Congresso, mas sua defesa teria sido de que o presidente em exercício dissera-lhes para agir dessa forma, e as orientações de Operações Especiais e Perigosas anexadas ao estatuto de supervisão conferiam-lhes uma defesa razoável. Suponho que eu poderia indiciá-los, mas não iria querer ser o promotor nesse caso. — Fez uma pausa. — Eles estavam tentando ajudar a atenuar o problema das drogas, e a maioria dos jurados não iria condená-los por fazer isso, especialmente considerando que o resultado foi a dissolução parcial do cartel de Medellín. O problema real nessa situação é o ângulo de relações internacionais. Os colombianos ficarão putos, senhor, e estarão cobertos de motivos. Havia artigos em leis e tratados internacionais que se aplicavam à atividade, mas não sou bom o bastante nesse campo para oferecer uma opinião. Do ponto de vista doméstico, é a Constituição, a lei suprema do país. O presidente é o comandante-em-chefe. O presidente decide o que é ou o que não é bom para os interesses da segurança nacional. Isso faz parte de seus poderes executivos. Portanto, o presidente pode adotar qualquer ação que julgue apropriada para proteger esses interesses. É isso que significa poder executivo. A contenção desse poder, além das violações estatutárias que se aplicam principalmente dentro do país, é encontrada nas checagens e equilíbrios exercidos pelo Congresso. Eles podem negar fundos para impedir alguma coisa, mas é tudo que podem fazer. Mesmo a Resolução de Poderes de Guerra é escrita de forma a permitir que o presidente aja primeiro antes que o Congresso tente detê-lo. Entende? A Constituição é flexível nas questões realmente importantes. Ela é designada para pessoas racionais realizarem coisas de uma forma racional. Em tese, os deputados eleitos sabem o que o povo quer, e agem de acordo, novamente, dentro dos limites da razão.
E os homens que escreveram a Constituição?, pensou Ryan. Eles eram políticos ou alguma outra coisa?
— E o resto? — perguntou o chefe de gabinete.
— As operações da CIA? Não chegam nem perto de algum tipo de violação, mas também constituem um problema político. Essa é uma opinião pessoal.
Não esqueça, presidente: já dirigi investigações de atividades de inteligência, e elas eram trabalhos belíssimos. Mas a mídia vai deitar e rolar — alertou.
Arnie pensou que esse era um bom começo. Seu terceiro presidente não precisaria se preocupar em ir para a cadeia. A questão política vinha depois disso, que era, para ele, uma espécie de primeira vez.
— Audições abertas ou fechadas? — inquiriu van Damm.
— Isso é político. A questão principal aqui é o lado internacional. É melhor discutir isso com Estado. A propósito, estou encostado na parede, eticamente falando. Se vier a descobrir uma possível violação sua em qualquer um dos três casos, estarei impossibilitado em discuti-la com você. A minha desculpa será dizer que você, presidente, pediu minha opinião sobre possíveis violações criminosas de terceiros, a cujos inquéritos eu devo, na condição de funcionário do governo, responder como parte de meus deveres.
— Sabe, eu apreciaria muito se todos ao meu redor não falassem como advogados o tempo todo — observou Ryan, irritado. — Estou com problemas reais nas mãos. Um novo país no Oriente Médio que não gosta de nós, os chineses arranjando problemas no mar por motivos que não entendo, e ainda não tenho um Congresso.
— Esse é um problema e tanto — disse-lhe Arnie. Mais uma vez.
— Eu sei ler. — Ryan gesticulou para a pilha de recortes de jornal sobre sua mesa. Acabara de descobrir que a imprensa enviara-lhe rascunhos de editoriais negativos que seriam publicados no dia seguinte. Quanta gentileza. — Estou começando a achar que a CIA era o País das Maravilhas. Certo, a Suprema Corte. Já li metade da lista. Todos são boas pessoas. Apresentarei minha seleção na próxima semana.
— A Ordem dos Advogados vai subir nas tamancas — comentou Arnie.
— Que se danem. Não posso demonstrar fraqueza. Tive uma bela lição sobre isso ontem à noite. — Depois de uma pausa, o presidente perguntou: — O que Kealty vai fazer?
— A única coisa que pode fazer: enfraquecer você politicamente, ameaçá-lo com um escândalo, forçá-lo a renunciar. — Arnie levantou a mão de novo. — Não estou dizendo que isso faz sentido.
— Quase porra nenhuma nesta cidade faz sentido, Arnie. É por causa disso que não vou desistir.
Obviamente, um elemento crucial na consolidação do novo país era seu exército. As antigas divisões da Guarda Republicana manteriam sua identidade.
Seriam necessários alguns ajustes na cúpula. As execuções das semanas anteriores não tinham expurgado totalmente os elementos indesejáveis, mas no interesse das boas relações, as eliminações dariam lugar a aposentadorias. As instruções demissionárias não podiam ter sido mais diretas: Caia fora do Exército e desapareça. Era um aviso a ser levado em consideração. Os oficiais demitidos invariavelmente assentiam submissos, gratos pela chance de permanecer vivos.
Essas unidades haviam sobrevivido à Guerra do Golfo — pelo menos a maior parte de seus membros, e o choque de seu tratamento nas mãos dos americanos fora suavizado depois por campanhas bem-sucedidas, nas quais haviam esmagado rebeliões civis. Isso devolvera-lhes parte de sua audácia e muito de sua gabolice. Seu equipamento, que fora reposto de estoques e através de outros meios, em breve também seria aumentado.
Os comboios saíram do Irã, seguiram a rodovia de Abada e atravessaram postos de fronteira já desmantelados. Moveram-se na calada da noite, com um mínimo de tráfego de rádio, mas isso não fazia diferença para os satélites.
— Três divisões bastante pesadas — foi a análise instantânea do, o I-TAC
(Centro Analítico de Informação e Ameaça do Exército), um prédio sem janelas localizado no quartel-general da Marinha em Washington. A mesma conclusão foi rapidamente obtida na DIA e na CIA. Uma nova Ordem de Batalha para o novo país já estava em andamento, e embora ainda não estivesse completa, os primeiros cálculos mostravam que a URI possuía mais que o dobro do poderio militar de todos os outros Estados do Golfo combinados. A situação provavelmente pareceria mais desanimadora quando todos os outros fatores fossem avaliados.
— Queria saber para onde estão indo exatamente — disse em voz alta o oficial de plantão enquanto as fitas eram rebobinadas.
— A base religiosa do Iraque sempre foi xiita, senhor — recordou ao coronel um especialista de área.
— E eles estão perto dos nossos amigos.
— Exato.
Mahmoud Haji Daryaei tinha muito em que pensar, e ele geralmente tentava fazer isso dentro, e não fora, de uma mesquita. Neste caso a mesquita era uma das mais antigas da antiga nação do Iraque, perto de Ur, a cidade mais antiga do mundo. Homem de seu Deus e Fé, Daryaei era também um homem de uma realidade histórica e política que dizia a si mesmo que tudo convergia para um todo unificado que definia a forma do mundo, e que tudo precisava ser considerado. Era fácil em momentos de fraqueza ou entusiasmo (ambos eram a mesma coisa em sua mente) dizer a si mesmo que certas coisas estavam escritas por Alá com sua própria mão imortal. Contudo, a circunspecção era também uma virtude ensinada pelo Corão, e o aiatolá sabia conseguir alcançar isso caminhando pelo terreno externo de um lugar sagrado, geralmente um jardim, como o desta mesquita.
A civilização começara aqui. A civilização paga, para ser mais exato, mas todas as coisas precisavam começar em algum lugar, e os homens que construíram esta cidade não tinham culpa de ter feito isso cinco mil anos antes de Deus revelar-se plenamente. Os fiéis que construíram esta mesquita e seu jardim já eram esclarecidos.
A mesquita estava ruindo. O aiatolá abaixou-se para pegar um pedaço de tijolo que caíra do muro. Azul, a cor da cidade antiga, um tom entre o azul-celeste e o azul-marinho. Esses tijolos tinham sido confeccionados pelos artesãos locais com o mesmo tom e textura por mais de cinquenta séculos, adotados alternadamente para templos, estátuas pagãs, palácios de reis e agora uma mesquita. Se alguém derrubasse um dos prédios mais novos e cavasse dez metros na terra provavelmente encontraria uma outra mesquita com mais de três mil anos, e as duas seriam indistinguíveis. Nesse sentido, este lugar possuía um senso de continuidade sem par em qualquer outro lugar do mundo. Havia uma sensação de paz aqui, especialmente em meio ao frio de uma noite sem nuvens, quando Daryaei caminhava sozinho aqui, e mesmo seus guarda-costas estavam fora de vista, cientes do estado de espírito de seu líder Uma lua minguante estava alta no céu, e isso enfatizava a miríade de estrelas que lhe faziam companhia. A oeste ficava a antiga Ur, um dia uma grande cidade, e decerto ainda uma visão digna, com seus muros de pedra monumentais e seus zigurates altíssimos dedicados aos deuses falsos que as pessoas aqui haviam adorado. Caravanas haviam entrado e saído por seus portões fortificados, trazendo tudo, de grãos a escravos. A terra circundante devia ser verde, com campos de plantio em vez de mera areia, e o ar vivo com o tagarelar dos mercadores. A história do próprio Éden provavelmente começara não muito longe daqui, em algum lugar nos vales paralelos do Tigre e Eufrates que desaguavam no Golfo Pérsico. Sim, se a humanidade era toda uma única árvore vasta, então as raízes mais antigas estavam bem aqui, virtualmente no centro do país que ele acabara de criar.
O aiatolá tinha certeza de que os antigos deviam possuir o mesmo senso de centralidade. Aqui estamos nós, deviam ter pensado, e lá fora estavam... eles, a denominação universal àqueles que não faziam parte da comunidade de um indivíduo. Eles eram perigosos. No começo eles deviam ter sido viajantes nômades para quem a ideia de uma cidade era incompreensível. Como alguém poderia permanecer em um só lugar e viver? A grama dos bodes e carneiros não acabava? Por outro lado, que lugar fantástico para pilhar, devem ter pensado.
Era por causa disso que muros de defesa haviam brotado em torno da cidade, enfatizando a dicotomia de nós e eles, os civilizados e os incivilizados.
E ainda era assim hoje. Os Fiéis, os Infiéis. Mesmo dentro da primeira categoria havia diferenças. Ele parou no centro de uma nação que era também o centro da Fé, pelo menos em termos geológicos, pois o Islã espalhara-se para oeste e leste. O centro verdadeiro de sua religião jazia na direção para a qual sempre rezavam, o sudeste, em Meca, lar da pedra Caaba, onde o Profeta ensinara.
A civilização começara em Ur e se disseminara, lenta e inexoravelmente.
Em meio às ondas do tempo, a cidade prosperara e caíra devido aos seus falsos deuses e à carência de uma única ideia centralizadora, algo essencial para a civilização.
A continuidade deste lugar dizia-lhe muito a respeito do seu povo. Era quase possível ouvir suas vozes, e eles não eram diferentes do próprio aiatolá.
Nas noites silenciosas haviam erguido os olhos para o mesmo céu e contemplado a beleza das mesmas estrelas. Os melhores entre eles haviam escutado o silêncio, exatamente como ele fazia agora, e o usado como uma base para seus pensamentos mais íntimos, para considerar as Grandes Questões e encontrar suas respostas da melhor forma possível. Mas tinham encontrado respostas erradas, e por esse motivo os muros haviam caído, juntamente com todas as civilizações daqui... menos uma.
E assim, sua missão era restaurar, disse Daryaei às estrelas. Assim como sua religião era a revelação final, sua cultura floresceria a partir daqui, rio abaixo a partir do Éden original. Sim, ele ergueria sua cidade aqui. Meca permaneceria uma cidade santa, abençoada e pura, não comercializada, não poluída. Aqui havia espaço para prédios administrativos. Um novo começo aconteceria no local do começo mais antigo, e uma grande nação floresceria.
Mas antes...
Daryaei olhou para sua mão velha e enrugada, marcada por torturas e perseguições, mas ainda a mão de homem e a serva de sua mente, uma ferramenta imperfeita, assim como ele próprio era uma ferramenta imperfeita de seu Deus. Não obstante, era ferramenta fiel, capaz de açoitar, capaz de curar.
As duas coisas eram necessárias. Ele sabia o Corão inteiro de cor — sua religião encorajava a decorar o livro sagrado inteiro — e, mais que isso, era um teólogo que podia citar um verso para cada propósito. Desses versos, alguns eram contraditórios, admitiu para si mesmo, mas a Vontade de Alá importava mais que Suas palavras. Suas palavras frequentemente aplicavam-se a um contexto específico. Matar era mau, e a lei do Corão era bem dura nesse aspecto. Matar em defesa da Fé não era mau. Ocasionalmente a diferença entre os dois atos era obscura, e para isso o indivíduo teria de ter Alá como seu guia. Alá desejara que os Fiéis ficassem debaixo de um só teto espiritual, e embora muitos tivessem tentado conseguir isso mediante razão e exemplo, os homens eram fracos e alguns precisavam ser ensinados com menos misericórdia que outros — e talvez as diferenças entre sunitas e xotas pudessem ser resolvidas pela paz e pelo amor, com sua mão estendida num sinal de amizade e os dois lados aceitando respeitosamente as visões do outro — Daryaei estava disposto a chegar a esse extremo em sua cruzada —, mas primeiro precisaria estabelecer as condições adequadas. Além do horizonte do Islã havia outros inimigos; embora também merecessem a Misericórdia de Deus, eles não a desfrutariam enquanto estivessem ferindo a Fé verdadeira. Para essas pessoas, a mão de Daryaei seguraria o chicote. Não havia como evitar.
Como eles feriam a Fé, poluindo-a com seu dinheiro e ideias alienígenas, roubando-lhes seu petróleo, levando as crianças para ser educadas segundo suas tradições corruptas. Procuravam limitar a Fé mesmo quando faziam negócios com aqueles que diziam ser Fiéis. Eles iriam resistir aos seus esforços de unificar o Islã. Chamariam isso de economia, política ou alguma outra coisa, mas eles realmente sabiam que um Islã unificado significaria sua apostasia e poder. Eles eram o pior tipo de inimigos, porque diziam ser os e disfarçavam suas intenções bem o bastante para serem vistos como tais. Para que todo o Islã se unificasse, eles teriam de ser quebrados.
Daryaei realmente não tinha escolha. Viera para cá ficar sozinho para pensar, para perguntar silenciosamente a Deus se haveria outro meio. Mas o pedaço de tijolo azul falara-lhe de tudo que havia acontecido, do tempo que havia passado, das civilizações que tinham deixado para trás apenas memórias imperfeitas e ruínas. Daryaei contava com as ideias e a fé dos quais todos os antigos tinham carecido. Era apenas uma questão de aplicar essas ideias, guiadas pela mesma Vontade que colocara as estrelas no céu. Seu Deus usara dilúvios e desgraças como ferramentas da Fé. O próprio Maomé travara guerras. E assim, relutante, o aiatolá disse a si próprio que faria o mesmo.
35
Conceito Operacional
Quando forças militares se movem, outras forças observam com interesse, embora o que façam a respeito dependa inteiramente da intenção de seus líderes. O movimento de forças iranianas para o Iraque foi inteiramente administrativo. Os tanques e outros veículos blindados foram transportados em trailers, enquanto os caminhões chegaram com suas próprias rodas. Houve os problemas usuais. Algumas unidades tomaram rumos errados, para embaraço de seus oficiais e a fúria dos superiores, mas logo cada uma das três divisões tinha encontrado um novo lar, em cada caso compartilhado com uma divisão da mesma espécie que pertencera ao antigo Iraque. A redução traumática do Exército iraquiano possibilitara espaço de sobra para os novos ocupantes das bases. Assim que chegavam, os soldados eram integrados em unidades, e os grupos iniciaram exercícios de guerra tendo uns aos outros como oponentes.
Isso também gerou as dificuldades costumeiras de linguagem e cultura, mas ambos os lados empregavam as mesmas armas e doutrinas, e os oficiais esforçaram-se pela integração. Tudo isso também foi observado através de satélites.
— Quantos?
— Digamos que são três formações de unidades — disse o oficial de instruções ao almirante Jackson. — Uma ou duas divisões blindadas, e duas fortemente mecanizadas. São um pouco leves em artilharia, mas têm todo o material necessário. Localizamos um punhado de veículos de comando e controle correndo pelo deserto, provavelmente realizando simulações de movimento de unidades para um CPX. — CPX era a sigla para Exercício de Comando e Posto, um jogo de guerra para profissionais.
— Mais alguma coisa? — perguntou Robby.
— Os campos de artilharia pesada desta base, a oeste de Abu Sukayr, estão sendo escavados e limpos, e a base aérea logo ao norte de Nejef tem alguns novos MiGs e Sukhois, mas seus motores estão frios.
— Operação de avaliação? — perguntou Tony Bretano.
— Senhor, podemos chamar isso de qualquer coisa — replicou o coronel. — País novo integrando seus soldados. Haverá muita atividade de familiarização.
Estamos surpresos em ver como as unidades estão bem integradas. Ocorrerão dificuldades administrativas, mas isso será um boa tática do lado psicológico.
Desta forma eles agirão como se fosse realmente um só país.
— Nada ameaçador?
— Nada terrivelmente ameaçador. Não por enquanto.
— Com que rapidez essas corporações podem se mover até a fronteira saudita? — perguntou Jackson, para ter certeza de que seu chefe entendera o quadro.
— Depois que estiverem plenamente abastecidas e treinadas? Algo entre 48
e 72 horas. Poderíamos fazer isso na metade do tempo, mas tivemos um treinamento melhor.
— Composição de forças?
— Total de três corporações. Estamos falando de seis divisões pesadas, um pouco mais de quinhentos tanques de batalha, mais de 250 veículos de combate de infantaria, e até seiscentos canhões... ainda não avaliamos totalmente a facção vermelha, almirante. É assim que chamamos a artilharia, secretário — explicou o coronel. — Logisticamente, estão seguindo o antigo modelo soviético.
— Que significa isso?
— Sustentam a estratégia em suas divisões. Também fazemos isso, mas conservamos formações separadas para manter nossas forças de manobra em movimento.
— A maior parte do contingente é composta por reservistas — disse Jackson ao secretário. — O modelo soviético possibilita uma força de manobra mais integrada, mas apenas por curto prazo. Eles não podem sustentar operações por tanto tempo quanto nós, em termos de tempo ou distância.
— O almirante está correto, senhor — prosseguiu o oficial de instrução. — Em 1990, quando os iraquianos atacaram o Kuwait, eles foram até onde seu rabo logístico permitiu. Eles precisaram parar para reabastecimento.
— Isso é parte da história. Conte-lhe a outra parte — ordenou Jackson.
— Depois de uma pausa entre 12 a 24 horas, eles estariam preparados para mover-se novamente. O motivo para não terem feito isso foi político.
— Isso sempre me intrigou. Eles poderiam ter tomado os campos petrolíferos sauditas?
— Facilmente — disse o coronel. — Ele deve ter pensado muito sobre isso nos meses seguintes — acrescentou o oficial sem simpatia.
— Então temos uma ameaça em vista? — perguntou Bretano.
Ele estava fazendo perguntas simples e ouvindo as respostas com atenção.
Jackson gostava disso. Ele sabia o que não sabia, e não se sentia constrangido em aprender.
— Sim, senhor. Essas três corporações representam uma força de ataque potencial que se iguala em poder à usada por Hussein. Havia outras unidades envolvidas na Guerra do Golfo, mas elas eram apenas forças de ocupação. Este é o punho deles — disse o coronel, cutucando o mapa com sua vareta.
— Mas ainda está em seu bolso. Quanto tempo levará para que isso mude?
— Alguns meses no mínimo para fazer direito, secretário. Depende principalmente de suas intenções políticas gerais. Todas essas unidades são treinadas individualmente segundo os padrões locais. Integrar as equipes de suas formações será seu maior desafio.
— Explique — ordenou Bretano.
— Senhor, acho que poderíamos chamar isso de gerenciamento de equipe.
Todo mundo precisa conhecer todo mundo para que possam comunicar-se apropriadamente, e começar a pensar da mesma forma.
— Talvez seja mais fácil pensar neles como um time de futebol, senhor — acrescentou Robby, estendendo o exemplo. — Um treinador não pode apenas juntar 11 caras c esperar que eles joguem bem. O treinador precisa fazer com que todos sigam o mesmo livro de regras, e que cada um saiba o que os outros são capazes de fazer.
O secretário de defesa assentiu.
— Então não é com o equipamento que devemos nos preocupar. É com as pessoas. —— Exatamente, senhor — disse o coronel. — Posso ensinar ao senhor como dirigir um tanque em alguns minutos, mas levará algum tempo antes que eu permita que conduza um em minha brigada.
— É por causa disso que vocês adoram quando um novo secretário aparece — comentou Bretano, um sorriso sardônico nos lábios.
— A maioria deles aprende bem depressa.
— E então? O que conto ao presidente?
Os navios da República Popular da China e de Taiwan estavam mantendo suas respectivas distâncias, como se uma linha invisível tivesse sido desenhada de norte a sul ao longo do estreito de Formosa. Os navios de Taiwan acompanhavam os da China, colocando-se entre eles e sua ilha. Regras formais haviam sido estabelecidas, e até agora nenhuma delas fora violada.
Isso parecia bom para o comandante do USS Pasadena, cujos grupos de sonar e rastreamento tentavam manter registro das posições de ambos os lados, o tempo inteiro torcendo para que uma guerra não estourasse com eles no meio.
Serem mortos por engano seria um fim inglório.
— Torpedo na água, marcação dois-sete-quatro!
A informação veio do compartimento de sonar. Cabeças se viraram imediatamente.
— Mantenham a calma — ordenou o comandante. — Sonar, leme, preciso saber mais sobre isso! — Esse comentário não soou calmo.
— Mesma marcação que o contato Sierra Quarenta e Dois, um destróier classe Luda II, senhor, provavelmente lançado dele.
— Quarenta e Dois está em marcação dois-sete-quatro, alcance de trinta mil jardas — gritou um suboficial no grupo de rastreamento.
— Parece um dos novos torpedos teleguiados deles, senhor, seis hélices, movendo em alta velocidade, curso mudando de norte para sul, aspecto lateral definido.
— Muito bem — disse o comandante, procurando aparentar o máximo de calma que conseguia fingir.
— Pode ter como alvo o Sierra-Quinze, senhor.
Esse contato era um velho submarino classe Ming, uma cópia chinesa do velho classe Romeu russo, uma lata velha cujo desenho datava da década de 50
e que ia tona quando requeria recarregamento de baterias.
— Ele está em marcação dois-seis-um, alcance semelhante. — A informação veio do oficial da equipe de rastreamento. O superior à sua esquerda assentiu de acordo.
O comandante fechou os olhos e permitiu-se um suspiro. Ele ouvira histórias sobre os Bons e Velhos Tempos da Guerra Fria, quando homens como Bart Mancuso tinham seguido para o norte e adentrado o mar de Barents, e de vez em quando apanhados no meio de um exercício de tiro da Marinha soviética — talvez confundidos com alvos de treino. Hoje, sentados em seus escritórios, esses homens brincavam, dizendo que esses incidentes tinham sido ótimas oportunidades para avaliar o quanto o arsenal soviético era realmente bom. Agora ele sabia o que esses homens haviam sentido. Felizmente, seu psicólogo pessoal estava a uns meros seis metros de distância, quando muito...
— Transiente, transiente, transiente mecânico marcação dois-seis-um, parece um gerador de ruído, provavelmente liberado pelo contato Sierra-Quinze. A marcação do torpedo está agora em dois-seis-sete, velocidade estimada quatro-quatro nós, marcação prossegue mudando de norte para sul — reportou o sonar em seguida. — Esperem... outro torpedo na água em curso dois-cinco-cinco!
— Nenhum contato nesse curso, senhor, poderia ser um lançamento de helicóptero — comunicou o chefe.
Quando retornarmos a Pearl terei uma história de mar para contar a Mancuso, pensou o comandante.
— Mesma assinatura acústica, senhor, outro teleguiado, seguindo para norte.
O alvo pode ser também o Sierra-Quinze.
— Encurralaram o pobre infeliz — comentou o oficial de rastreamento.
— É um convés escuro, não é? — perguntou repentinamente o comandante.
Às vezes era fácil perder o rastro.
— Claro que é, senhor — disse novamente o oficial de rastreamento.
— Nós os vimos fazer operações noturnas com helicópteros esta semana?
— Não, senhor. Informações diz que eles não gostam de decolar de seus destróieres à noite.
— Isso acaba de mudar, não é mesmo? Vamos ver. Levante o mastro de vigilância eletrônica.
— Levantando o mastro de vigilância eletrônica, senhor. — Um marinheiro puxou a alavanca apropriada e a antena sensora finíssima subiu por propulsão hidráulica. O Pasadena estava navegando em profundidade de periscópio, seu longo rabo sonar estendido atrás dele enquanto o submarino permanecia naquilo que eles esperavam ser a linha divisória entre as duas frotas inimigas.
Era o lugar mais seguro para estar até que um tiroteio de verdade começasse.
— Procurando por...
— Consegui, senhor. Um emissor de banda-Ku em curso dois-cinco-quatro, tipo de aeronave, índice de frequência e repetição de pulso semelhante ao novo modelo francês. Uau, um monte de radares virando, senhor. Vamos levar algum tempo para classificá-los.
— Helicópteros franceses Dauphin em algumas de suas fragatas, senhor — observou o oficial de rastreamento.
— Estão fazendo operações noturnas — enfatizou o comandante. Isso era inesperado. Helicópteros eram caros, e lançá-los de destróieres à noite era sempre arriscado. A Marinha chinesa estava treinando para fazer alguma coisa.
As coisas podiam ficar escorregadias em Washington. A capital da nação invariavelmente entrava em pânico com o relato de um único floco de neve, apesar do conhecimento de que uma nevasca poderia fazer pouco mais do que encher os buracos das ruas caso as pessoas varressem corretamente as calçadas.
Mas havia outra forma de as coisas ficarem escorregadias. Assim como os soldados seguiam bandeiras para um campo de batalha, os burocratas de Washington seguiam líderes ou ideologias. Contudo, perto do topo a situação ficava diferente. Um burocrata de nível inferior para médio podia ficar simplesmente sentado em seu posto e ignorar a identidade de seu secretário de departamento, mas quanto mais alto o burocrata chegava, mais se aproximava de algo semelhante a tomar decisões e fazer política. Nesses postos, um burocrata realmente precisava fazer coisas, ou mandar que outros as fizessem; com isso, o burocrata passava a conhecer quem estava acima dele, e, à medida que subia a conhecer o ocupante do Salão Oval na Casa Branca. O acesso ao topo significava um tipo de poder, e prestígio, e uma foto autografada na parede para dizer aos visitantes do burocrata o quanto ele era importante. Contudo, se alguma coisa acontecesse com a outra pessoa na foto, a foto e seu autógrafo tornavam-se deméritos em vez de trunfos. Os homens de dentro eram sempre bem-vindos à presidência. O risco máximo residia na mudança para um homem de fora, uma perspectiva nada atraente para aqueles que tinham dedicado muito tempo e esforço para chegar onde estavam.
A defesa mais evidente, claro, era estar conectado ao sistema, ter um círculo de amigos e associados que incluísse pessoas de todas as partes do espectro político. O burocrata precisava ser conhecido por um número grande o bastante de gente de dentro para que, a despeito do que acontecesse lá no alto, houvesse sempre uma plataforma logo abaixo, urna espécie de rede de segurança. A rede ficava perto o bastante do topo para que os burocratas pudessem subir sem o risco de cair. Com cuidado, aqueles nas posições mais altas gozavam também de sua proteção, sempre capazes de deslizar para dentro e para fora dos postos apropriados, para dentro e para fora de gabinetes não muito distantes — geralmente separados por menos de um quilômetro e meio — para aguardar a oportunidade seguinte, e assim, embora, permanecendo conectados, de modo a reter o acesso, e também alugar esse acesso àqueles que precisavam. Nesse sentido, nada mudara desde da corte faraônica na antiga cidade de Tebas, às margens do Nilo, onde conhecer um nobre que tinha acesso ao faraó concedia um poder que se traduzia em dinheiro e na alegria para ser importante a ponto de atirar com seu arco e poder ficar com a caça.
Mas em Washington, assim como em Tebas, estar perto demais da corte do líder errado significava que você corria o risco de tornar-se um pária, especialmente quando o faraó não fazia o jogo do sistema.
E o presidente não fazia. Era como se um estrangeiro houvesse usurpado o trono. Não era necessariamente um homem mau, mas um homem diferente que não se misturava às pessoas do sistema. Os burocratas haviam esperado pacientemente que ele viesse — como faziam todos os presidentes — conversar com eles, desfrutar sua sabedoria e conselhos, conceder acesso e obtê-lo em troca, como os cortesãos faziam há séculos. Eles cuidavam das coisas para um chefe atarefado, procurando garantir que o sistema permanecesse inalterado; afinal todos concordavam que o sistema estava certo, e gostavam de servi-lo e ser servidos por ele.
Mas o velho sistema não apenas tinha sido destruído, como também ignorado, e isso irritava profundamente seus milhares de membros. Eles promoviam seus coquetéis e falavam sobre o novo presidente enquanto tomavam Perrier e comiam patê, sorrindo tolerantemente para suas novas ideias e esperando pelo momento em que ele veria a luz. Mas já se passara um bom tempo desde aquela noite terrível, e o presidente ainda não aparecera. As pessoas conectadas ainda trabalhando dentro do sistema, como nomeados da administração Fowler-Durling, vinham às festas e reportavam que não entendiam o que estava acontecendo. Os lobistas tentavam marcar reuniões através do gabinete do presidente, e ouviam que ele estava extremamente ocupado, que não tinha tempo.
Não tinha tempo?
Não tinha tempo para eles?
Era como se o faraó tivesse mandado que todos os nobres e cortesãos fossem para casa e estendessem suas propriedades nas duas direções ao longo do rio. Isso não era divertido: viver nas províncias... com os plebeus?
Pior, o novo Senado, ou uma grande parte dele, estava seguindo o exemplo do presidente. Pior ainda: muitos dos novos senadores, se não a maioria, estavam sendo curtos e grossos com os conectados. Corria o boato de que um novo senador de Indiana tinha sobre sua mesa um cronômetro de cozinha que ajustava para meros cinco minutos para os lobistas — e para nenhum segundo para as pessoas que quisessem falar sobre as ideias absurdas em reescrever a legislação do imposto de renda. Pior de tudo, ele não tivera nem mesmo a cortesia de mandar sua secretária executiva negar pedidos de reunião. Ele tivera a petulância de dizer ao chefe de uma firma jurídica muito influente em Washington — um homem que quisera apenas educar o recém-chegado de Peoria — que ele não daria ouvidos a essas pessoas, jamais. Disse isso na cara do homem. Em outro contexto, poderia ter sido uma história divertida. Pessoas assim costumavam vir a Washington envoltas num lustre de pureza que servia apenas para justificar seus verdadeiros objetivos, e na maioria das vezes tais objetivos não tardavam a se revelar.
Mas esse não era o caso. A história tinha se espalhado. Inicialmente fora reportada com ironia nos jornais da capital, repercutira em Indianápolis como alguma coisa genuinamente nova e decididamente Hoosier, e voltara a se disseminar por Washington através de duas ou três agências de notícias. Este novo senador conversara com alguns de seus novos colegas e convertera alguns. Não muitos, mas o suficiente para causar certa preocupação entre os conectados. O suficiente para conquistar-lhe a diretoria de uma subcomissão poderosa, púlpito perigosamente alto para alguém como ele, principalmente considerando sua queda para o dramático e seu fraseado eficaz, ainda que rude, que os jornalistas adoravam citar. Ate mesmo os repórteres ligados ao sistema gostavam de reportar coisas genuinamente novas — que era a definição dos furos de reportagem, coisas que haviam passado despercebidas pelos seus colegas.
Nas festas, os conectados brincavam dizendo que aquilo era como os bambolês; uma moda passageira, algo divertido de ver, mas que logo desapareceria. Mas essas pessoas não tardavam a ficar preocupadas. Logo, o sorriso tolerante em seus rostos congelava no meio de uma piada e elas se perguntavam se algo genuinamente novo estava acontecendo.
Mas jamais acontecia algo genuinamente novo aqui. Todos sabiam disso. O sistema tinha regras, e as regras precisavam ser obedecidas.
Mesmo assim, alguns conectados confessavam-se preocupados em suas festas em Georgetown. Eles tinham casas caras para pagar, filhos para educar, status para manter. Todos tinham vindo de algum outro lugar, e não queriam voltar para lá.
Era simplesmente ultrajante. Como os recém-chegados esperavam descobrir o que precisavam fazer sem lobistas conectados para guiá-los e educá-los — e eles não representavam pessoas, também? Não eram pagos para fazer exatamente isso? Eles não tinham dito aos senadores eleitos... pior, esses novatos nem tinham sido eleitos, tinham sido nomeados, muitos por governadores que, em seu desejo de ser reeleitos, haviam se curvado aos apelos do presidente Ryan em seu discurso apaixonado mas absolutamente irreal. Era como se uma nova religião tivesse nascido.
Nas festas em Chevy Chase, muitos deles transpiravam suas preocupações com as novas leis que esses senadores iriam aprovar. Esses novatos poderiam realmente aprovar leis sem ser ajudados. E essa era uma ideia genuinamente nova e, justamente por isso, assustadora. Mas só se você acreditasse nela.
E havia também a perspectiva da corrida ao plenário da Câmara, que em breve começaria por todo o país, as eleições especiais necessárias para repovoar a Casa do Povo, como todos gostavam de chamar o lugar. Ali era a Disneylândia dos lobistas: um número imenso de reuniões concentradas num complexo de prédios conveniente, com 435 legisladores e suas equipes num espaço de meros oito mil hectares. Os dados das pesquisas reportados nos jornais locais agora estavam chocando a mídia nacional. Entre os candidatos havia pessoas que jamais tinham concorrido em nenhuma eleição: executivos, líderes comunitários que jamais se ligaram ao sistema, advogados, pastores, até mesmo alguns médicos. Alguns poderiam vencer com seus discursos neopopulistas sobre apoiar o presidente a restaurar a América — frase que se tornara muito citada. Mas a América não tinha morrido, diziam a si mesmas as pessoas ligadas ao sistema. Elas ainda estavam lá, não estavam?
Era tudo culpa de Ryan, que jamais fora um deles. Ele até mesmo dissera, mais de uma vez, que não gostava de ser presidente!
Não gostava?
Como qualquer homem — qualquer pessoa, como diziam os ligados ao sistema nesta nova era de iluminação — não gostaria de ter a capacidade de fazer tanta coisa, de prestar tantos favores, de ser paparicado como os reis de outrora?
Não gostava?
Então ele não pertencia ao meio.
Eles sabiam como lidar com isso. Alguém já iniciara o processo.
Vazamentos haviam acontecido. E os responsáveis por esses vazamentos tinham sido pessoas com menos interesses em jogo. Estar ligado ao sistema ainda era importante, porque o sistema possuía muitas vozes e ainda havia ouvidos dispostos a escutar. Não seria necessário engendrar um plano de conspiração. O processo aconteceria naturalmente, ou tão naturalmente quanto qualquer coisa acontecia nesta cidade. Na verdade, já tinha começado.
Para Badrayn, novamente, era hora de trabalhar em seu computador. O tempo, logo percebeu, seria um fator determinante nesta missão. Geralmente era assim, mas o motivo desta vez era novo. O tempo de viagem precisaria ser minimizado em vez de programado de modo a se encaixar com um prazo ou um encontro. O fator limitador era o fato de que o Irã ainda era uma espécie de país fora da lei com um número restrito de opções de viagens aéreas.
Os voos com horários convenientes eram extremamente limitados: O voo 534 da KLM para Amsterdam partia logo depois da 1:00 da manhã, e chegava à Holanda às 6:10 da manhã, depois de uma escala.
O voo sem escalas 601 da Lufthansa partia às 2:55 e chegava a Frankfurt às 5:50.
O voo 774 da Austrian Airlines partia às 3:40 da manhã e chegava a Viena sem escalas às 6:00.
O voo 165 da Air France partia às 5:25 da manhã e chegava no Charles de Gaulle às 9:00.
O voo 102 da British Airways partia às 6:00, fazia uma escala e chegava à Heathrow às 12:45.
O voo 516 da Aeroflot partia às 3:00 para Moscou, chegava lá às 7:10.
Havia apenas um voo sem escalas para Roma, nenhum voo direto para Atenas, nem um só voo sem escalas para Beirute! Ele poderia mandar seus homens fazer escala em Dubai; incrivelmente, a Emirates Airlines tinha um voo de Teerã para seu próprio centro internacional, e o Kuwait também, mas não seria uma boa ideia usá-los.
Apenas alguns voos para usar, todos monitorados arduamente por agências de informação estrangeiras. Se essas agências eram competentes — e ele precisava presumir que fossem —, teriam colocado agentes a bordo dos voos ou instruído as tripulações sobre que procurar e como reportar o que achassem enquanto a aeronave ainda estivesse no ar Portanto, o tempo não era o único problema.
Os homens que selecionara eram bons. A maior parte bem-educados, sabendo comi se vestir respeitavelmente, como conduzir uma conversa ou pelo menos como evitar falai com alguém sem ser grosseiro — nos voos internacionais, a atitude mais fácil era fingir dormir, e na maior parte das vezes nem mesmo era preciso fingir. Mas bastava apenas um erro para que as consequências fossem sérias. Ele lhes dissera isso, e todos tinham ouvido com atenção.
Badrayn nunca fora incumbido de uma missão como essa, e o desafio intelectual era empolgante. Apenas um punhado de voos internacionais realmente utilizáveis, e aquele para Moscou nem era tão atraente. As cidades de entrada, como Londres, Frankfurt, j Paris, Viena e Amsterdam teriam de servir— e havia apenas um voo para elas por dia. A boa notícia era que todos os cinco ofereciam uma ampla variedade de conexões através de aviões americanos e de outros países. Assim um grupo pegaria o 601 para Frankfurt, e lá alguns se dispersariam através de Bruxelas (Sabena para o JFK em Nova York) e Paris (Air France para o Dulles em Washington; Delta para Atlanta; American Airlines para Orlando; United para Chicago) através de voos de conexão com horários adequados, enquanto outros pegariam a Lufthansa para Los Angeles. A British Airways era a companhia com maior número de opções de voos. Um deles pegaria o voo 3 do Concorde para Nova York. O único truque era fazê-los chegar lá através da primeira série de voos. Depois disso, todo o sistema de viagens aéreas internacionais daria conta da dispersão.
Ainda assim, vinte pessoas, vinte erros possíveis. Segurança operacional era sempre um fator de preocupação. Ele passara metade de sua vida tentando burlar os israelenses, e embora a continuidade de sua vida fosse um testemunho de seu sucesso — ou da ausência de fracasso absoluto, o que era uma estimativa mais honesta —, os obstáculos que precisara transpor quase o haviam enlouquecido mais de uma vez. Mas tudo bem. Pelo menos ele já decidira os voos. No dia seguinte, passaria as instruções ao grupo. Olhou as horas. Não faltava muito para o começo da missão.
Nem todas as pessoas de dentro estavam concordando entre si. Cada grupo tem seus cínicos e rebeldes. A situação despertou muita raiva entre os conectados ao sistema. Quando frustrados por outros membros numa de suas empreitadas, os conectados frequentemente assumiam uma visão filosófica da questão — era possível vingar-se depois, e ainda assim manter a amizade. Mas isso nem sempre acontecia. O que era especialmente verdadeiro em relação aos membros da mídia, que eram a um só tempo conectados e não conectados. Eles eram conectados, no sentido de que tinham suas próprias relações profissionais e de amizade com pessoas de dentro e de fora do governo em Washington; e iriam recorrer a essas pessoas em busca de informações e sugestões, e histórias sobre seus inimigos. Por outro lado, não eram conectados no sentido de que possuíam seus próprios interesses, o que tornava as coisas mais fáceis para um lado do espectro político de que para o outro. Eram dignos de confiança? Não exatamente. Alguns até tinham princípios.
— Arnie, precisamos conversar.
— Acho que devemos — concordou van Damm, reconhecendo a voz que chegara através de sua linha direta.
— Esta noite?
— Claro. Onde?
— Sua casa.
O secretário de Estado dedicou alguns segundos para considerar a questão.
— Certo. Por que não?
A delegação chegou bem a tempo para as orações matutinas. As duas partes trocaram saudações cordiais e modestas, e então os três entraram na mesquita e executaram seu ritual diário. Geralmente todos estariam se sentindo purificados por suas devoções ao caminhar de volta para o jardim. Mas não desta vez. Todo seu tempo de prática na ocultação de emoções permitia-lhes evitar manifestações de tensão, mas até mesmo isso dizia muito aos três, especialmente a um deles.
— Obrigado por nos receber — o príncipe Ali bin Sheik foi o primeiro a dizer. Ele não acrescentou que isso demorara muito.
— Estou feliz por recebê-los em paz — replicou Daryaei. — Foi conveniente rezarmos juntos.
O aiatolá conduziu-os até uma mesa preparada por seus seguranças. Ali foi servido café, a variedade forte e amarga apreciada no Oriente Médio.
— Que Deus abençoe este encontro — disse Daryaei. — Como lhes posso ser útil?
— Estamos aqui para discutir os últimos acontecimentos — observou o príncipe depois de tomar um gole de café.
Os olhos de Ali fixaram-se nos de Daryaei. Seu colega do Kuwait, Mohammed Adman Sabah, o ministro das Relações Exteriores de seu país, permaneceu em silêncio por um momento.
— Que deseja saber? — indagou Daryaei.
— Suas intenções — respondeu Ali, sem rodeios.
O líder espiritual da União das Repúblicas Islâmicas suspirou.
— Há muito trabalho a ser feito. Depois de todos aqueles anos de guerra e sofrimento, de todas aquelas vidas perdidas em tantas causas, de tanta destruição. Vejam esta mesquita. — Gesticulou em volta, chamando a atenção para o estado do prédio. — Ela simboliza tudo isso, não acha?
— Houve muitos motivos para sofrimento — concordou Ali.
— Minhas intenções? Restaurar. Este povo infeliz já sofreu demais. Tantos sacrifícios... para quê? As ambições mundanas de um homem sem Deus. Toda essa injustiça chegou aos ouvidos de Alá, e Alá atendeu aos pedidos deste povo. E agora, talvez, possamos ser apenas um povo próspero e religioso. — Ainda que não tenha sido proferido, o novamente pairou no fim da frase.
— Essa é uma missão para muitos anos — observou o ministro das Relações Exteriores do Kuwait.
— Com toda certeza — reconheceu Daryaei. — Mas agora que o embargo foi suspenso, possuímos recursos suficientes para realizar essa missão. E nós o faremos. Este país conhecerá um novo começo.
— Em paz — acrescentou Ali.
— Em paz, com toda certeza — concordou Daryaei, muito sério.
— Podemos lhes ser úteis? Afinal, a caridade é um dos pilares de nossa fé — observou o ministro Sabah. Um aceno de cabeça.
— A sua gentileza é recebida com gratidão, Mohammed Adman. É bom que sejamos guiados por nossa fé em vez de pelas influências mundanas que tão lamentavelmente devastaram esta região nos últimos anos. Mas por enquanto, como podem ver, a missão que temos pela frente é tão vasta que mal podemos começar a determinar que coisas precisam ser feitas, e em que ordem. Talvez mais adiante possamos conversar novamente. Não tinha sido exatamente uma rejeição à ajuda, mas a URI não parecia interessada em fazer negócios, exatamente o que o príncipe Ali temera. Ali sugeriu: — Na próxima reunião da OPEP, poderemos discutir a reestruturação das cotas de produção para que vocês possam desfrutar com mais justiça da renda que coletamos de nossos clientes.
— Isso seria muito útil — concordou Daryaei. — Não pedimos tanto. Apenas um pequeno ajuste será bem-vindo.
— Então temos um acordo nesse tocante? — perguntou Sabah.
— Decerto. Essa é uma questão técnica que podemos delegar aos nossos respectivos funcionários.
Os dois visitantes assentiram, reconhecendo silenciosamente que a distribuição das cotas de produção petrolífera era um assunto muito delicado.
Se todos os países produzissem demais, o preço mundial cairia, e todos iriam sofrer. Em contrapartida, se a produção fosse restringida, o preço subiria, prejudicando as economias dos clientes, que teriam de reduzir suas compras e com isso os lucros cairiam. O equilíbrio adequado — difícil de ser alcançado, como todas as questões econômicas — era o assunto anual das negociações entre os países, cada qual com seu próprio modelo econômico, e o motivo para uma quantidade considerável de discórdias dentro da associação quase totalmente composta por muçulmanos.
— Há alguma mensagem que o senhor queira transmitir ao nosso governo?
— foi pergunta seguinte de Sabah.
— Desejamos apenas a paz, paz para que possamos alcançar nosso objetivo de restaurar nossas sociedades numa só, como Alá sempre quis. Vocês não têm motivos para nos temer.
— E então, que acha?
Outro rodízio de treinamento havia sido completado. Alguns oficiais israelenses estavam presentes na revisão final de operações, sendo pelo menos um deles um espião. O coronel Sean Magruder era um homem da Divisão Blindada, mas num senso real todo alto oficial era um consumidor de informações, disposto a comprar em qualquer fonte.
— Acho que os sauditas estão muito nervosos, juntamente com todos os seus vizinhos.
— E você? — perguntou Magruder. Inconscientemente, adotara o modo informal e direto de tratamento comum no país, especialmente entre seus militares.
Avi ben Jakob, ainda titularmente um oficial militar — ele estava usando um uniforme agora —, era chefe interino do Mossad. Ele se perguntou até que ponto poderia chegar, mas, com seu título, essa decisão lhe cabia.
— Não estamos satisfeitos com os acontecimentos — admitiu.
— Historicamente, Israel possui uma relação de trabalho com o Irã, mesmo depois da queda do xá — observou o coronel Magruder. — Isso remonta aos tempos do Império Persa. Acredito que seu festival de Purim resulta desse período. Os pilotos da força aérea israelense realizaram missões para os iraquianos durante a guerra Irã-Iraque e...
— Tínhamos um grande número de judeus lá no Irã, e era nossa intenção retirá-los — acrescentou Jakob rapidamente.
— E as negociações de armas em troca de reféns em que Reagan se envolveu foram mediadas por vocês, provavelmente pela sua agência — acresceu Magruder, apenas para mostrar que também sabia fazer o jogo.
— Está muito bem informado.
— É o meu trabalho, pelo menos parte dele. Senhor, não estou fazendo julgamentos de valor aqui. Tirar os seus do Irã naquela época foi uma questão de negócios, como costumamos dizer lá em casa. E todos os países precisam fazer negócios. Estou apenas perguntando o que acha da URI.
— Achamos que Daryaei é o homem mais perigoso do planeta.
Magruder lembrou do documento somente para os seus olhos que lera no começo do dia sobre a movimentação das tropas iranianas rumo ao Iraque.
— Concordo.
Ele aprendera a gostar dos israelenses. Nem sempre fora assim. Durante anos, o Exército dos Estados Unidos, juntamente com os outros ramos do serviço, nutrira uma antipatia cordial pelo Estado judeu. O motivo principal fora a arrogância adotada pelos oficiais desse pequeno país. Mas os israelenses tiveram uma lição de humildade no Líbano, e aprenderam a respeitar os militares americanos como observadores na Guerra do Golfo. Depois de meses dizendo aos oficiais americanos que eles precisavam de aconselhamento sobre como combater no ar e em terra, os israelenses tinham passado a pedir, polidamente, para observar alguns treinamentos americanos porque possivelmente havia algumas coisinhas que valeria a pena aprender.
A chegada do Regimento Buffalo na base de Neguev mudara mais algumas coisas. A tragédia dos EUA no Vietnã dissolvera outro tipo de arrogância, e depois disso nascera um novo tipo de profissionalismo. Sob as ordens de Marion Diggs, primeiro comandante do renascido 10º RCB, algumas lições duras tinham sido aprendidas, e embora Magruder estivesse continuando essa tradição, as tropas israelenses estavam aprendendo, exatamente como os americanos tinham feito em Forte Irwin. Depois das reclamações iniciais e de quase terem saído literalmente no tapa, o bom senso reinara. Até mesmo Benny Eitan, comandante da Sétima Divisão Blindada israelense, que cuspira fogo depois da primeira série de derrotas e conseguira terminar seu rodízio de treinamento com dois empates, acabara agradecendo aos americanos pelas lições e prometendo dar-lhes uma boa sova quando voltasse no ano seguinte.
No computador central no prédio local de Guerra nas Estrelas, um modelo matemático complexo dizia que o desempenho do Exército israelense melhorara em 40% em apenas alguns anos. Agora que tinham um motivo para ser novamente arrogantes, os oficiais israelenses estavam demonstrando uma humildade desconcertante e um desejo quase implacável em aprender — sinais eternos de soldados realmente profissionais.
E agora um de seus espiões principais não estava falando sobre como suas forças poderiam lidar com qualquer coisa que o mundo islâmico jogasse contra o seu país. Isso valeria um relatório de contato com Washington, pensou Magruder.
O jato comercial que fora perdido no Mediterrâneo não podia mais deixar o país. Até mesmo usá-lo para transportar os generais iraquianos ao Sudão fora um erro, mas um erro necessário. Agora que a operação estava em pleno andamento, o jato tornara-se o transporte pessoal de Daryaei, e muito útil, porque seu tempo era curto, e seu novo país era grande. Duas horas depois de ver seus visitantes sunitas partirem, ele estava de volta a Teerã.
— E então?
Badrayn dispôs seus papéis na mesa, mostrando cidades, rotas e horários.
Era tudo mera mecânica. Daryaei correu os olhos pelos planos, e embora parecessem imensamente complexos, isso não era problema para ele. O aiatolá já vira mapas antes. Levantou os olhos para receber a explicação de que precisava acompanhar a papelada.
— Nossa preocupação primordial é o tempo — disse Badrayn. — Queremos que cada viajante alcance seu destino não mais de trinta horas depois de sua partida. Este aqui, por exemplo, deixa Teerã às seis da tarde e chega a Nova York às duas da manhã, hora de Teerã, tempo total de 12 horas. A feira à qual irá comparecer será no Jacob Javits Center, em Nova York. A abertura será às dez da manhã. Este aqui parte às 2:55 da manhã e chega a Los Angeles vinte e três horas depois — começo da tarde, hora local. A feira à qual vai comparecer ficará aberta o dia inteiro. Esse é o percurso mais longo em termos de distância e tempo, e ainda assim seu pacote será mais de 85 por cento eficaz.
— E quanto à segurança?
— Todos foram instruídos plenamente. Selecionei pessoas inteligentes e educadas. Tudo que precisam fazer é viajar com tranquilidade. Mesmo assim, há um pouco de risco. Operar com 12 ao mesmo tempo é arriscado, mas essas foram as suas ordens.
— E quanto ao outro grupo?
— Eles partirão dois dias depois através de arranjos similares — reportou Badrayn. — Essa missão é muito mais perigosa.
— Estou ciente disso. Essas pessoas são fiéis?
— São. — Badrayn assentiu, sabendo que a pergunta realmente formulada era se eram idiotas. — Mas estou preocupado com os riscos políticos.
— Por quê ? — A observação não surpreendeu Daryaei, mas ele queria saber o motivo.
— Há o problema óbvio de que seja descoberto quem os enviou, embora seus documentos de viagem tenham sido bem preparados e as medidas usuais de segurança tenham sido aplicadas. Mas minha maior preocupação é com o contexto político americano. Um evento infeliz para um estadista muitas vezes pode criar simpatia por ele, e dessa imparia pode vir apoio político.
— De fato! Isso não faz com que ele pareça fraco? — Era demais para engolir.
— Em nosso contexto, sim, mas não necessariamente no deles.
Daryaei considerou isso e comparou com as outras análises que ele havia encomendado e revisado.
— Já estive com Ryan. Ele é fraco. Ele não lida eficazmente com suas dificuldades políticas. Ele ainda não possui um governo verdadeiro para apoiá-lo. Entre a primeira missão e a segunda, nós iremos quebrá-lo... ou pelo menos iremos distraí-lo por tempo suficiente para que ele alcance nosso objetivo seguinte. Realizado isso, a América se tornará irrelevante.
— É melhor apenas a primeira missão — aconselhou Badrayn.
— Precisamos abalar seu povo. Se o que você disse sobre o governo deles é verdade, nós lhes causaremos um dano que jamais conheceram. Abalaremos o líder, abalaremos sua confiança, abalaremos a confiança do povo nele.
Badrayn precisava responder cuidadosamente a isso. O aiatolá era um Homem Sagrado com uma Missão Sagrada. Ele não aceitava bem as críticas.
Mas havia mais um outro fator sobre o qual não tinha conhecimento. Daryaei era uma pessoa mais afeita a desejos que a ação considerada... não, isso não era justo; afinal, ele conseguira anexar um outro país de forma aparentemente pacífica. Mas o sacerdote estava entusiasmado demais com o fato de que o governo americano ainda se achava vulnerável porque seu Congresso ainda não fora reconstituído plenamente, processo que acabara de começar.
— O melhor é simplesmente matarmos Ryan, se conseguirmos. Um ataque às crianças irá inflamá-los. Os americanos são muito sentimentais para com os pequenos.
— A segunda missão transcorrerá depois que a primeira seja bem-sucedida?
— inquiriu Daryaei. — Sim, é verdade.
— Então isso será suficiente — disse ele, voltando a olhar para os preparativos de viagens, e deixando Badrayn sozinho com seus pensamentos.
Existe um terceiro elemento. Tem de existir.
— Ele diz que suas intenções são pacíficas.
— Hitler disse o mesmo, Ali — lembrou o presidente ao seu amigo.
Ryan conferiu as horas. Já passava da meia-noite na Arábia Saudita. Ali voara de volta e conferenciara com seu governo antes de telefonar para Washington, como era c esperado.
— Você sabe sobre o movimento de tropas — disse o presidente.
— Sim, nosso pessoal já comunicou isso aos nossos militares hoje cedo.
Levará algum tempo antes que estejam preparados para fazer alguma ameaça.
Essas coisas demandam tempo. Lembre-se de que já usei uniforme.
— Verdade, foi isso também que eles me disseram. — Ryan fez uma pausa. — Certo, o que o reino propõe?
— Observaremos atentamente. Nossos militares estão treinando. Temos sua promessa de apoio. Estamos preocupados, mas não muito.
— Poderíamos programar alguns exercícios conjuntos — ofereceu Jack.
— Isso apenas inflamaria a situação — replicou o príncipe. A ausência de convicção total em sua voz não era acidental. Devia ter proposto isso pessoalmente ao seu governo e recebera uma resposta negativa.
— Bem, acho que você teve um dia longo. Diga-me, como está a aparência de Daryaei? Não vejo o sujeito desde que você nos apresentou.
— Parece estar com boa saúde. Parece cansado, mas ele tem tido dias bem agitados.
— Compreendo completamente isso. Ali?
— Sim, Jack?
O presidente permaneceu calado por um instante, lembrando a si mesmo que ele era leigo em barganhas diplomáticas.
— O quanto devo ficar preocupado com tudo isto?
— O que o seu pessoal está lhe dizendo? — replicou o príncipe.
— Mais ou menos o mesmo que você, mas não todos. Precisamos manter este canal aberto, meu amigo.
— Compreendo, presidente. Adeus, por enquanto.
Foi uma conclusão insatisfatória para uma ligação insatisfatória. Ryan repôs o telefone no gancho e olhou em torno para o seu escritório vazio. Ali não estava dizendo o que queria porque a posição de seu governo era diferente daquilo que ele achava que deveria ser. O mesmo acontecera muitas vezes com Jack, e as mesmas regras haviam se aplicado. Ali precisava ser leal a esse governo — afinal, ele era constituído principalmente por sua própria família.
Mas ele se permitira um deslize, e o príncipe era esperto demais para cometer esse tipo de erro. Provavelmente teria sido mais fácil antes, quando Ryan não era presidente e ambos podiam conversar sem a preocupação de fazer política a cada palavra. Agora Jack era a América para aqueles além fronteiras, e os funcionários governamentais podiam falar com ele apenas dessa forma, em vez de recordar-lhe que também era um homem com pensamentos próprios que precisava explorar opções antes de decidir. Talvez, se eles não tivessem se falado por telefone, pensou Jack. Talvez cara a cara teria sido melhor. Mas até mesmo os presidentes eram limitados pelo tempo e pelo espaço.
36
Viajantes
O voo 534 da KLM deixou o portão na hora certa, à 1:10 da manhã. A aeronave estava lotada — a essa hora, cheia de pessoas sonolentas que caminharam trôpegas até suas poltronas, apertaram os cintos de segurança e aceitaram travesseiros e lençóis. Os viajantes mais experientes esperaram pelo som do trem de pouso sendo retraído, e só então empurraram suas poltronas o mais para trás que conseguiram e fecharam os olhos na esperança de um passeio suave e algo semelhante a sono de verdade.
Cinco dos homens de Badrayn estavam a bordo; dois na primeira classe, três na classe executiva. Todos tinham malas no bagageiro e uma bolsa de viagem enfiada debaixo da poltrona da frente. Todos sofriam de uma pequena crise de nervos e, para amenizá-la, tomariam uma bebida — numa hora dessas, não ligavam para as proibições religiosas —, mas a aeronave havia pousado num aeroporto islâmico e não serviria álcool até depois de abandonar o espaço aéreo da União Republicana Islâmica. Assim, os homens procuraram aceitar as circunstâncias e relaxar da melhor forma possível. Haviam sido plenamente instruídos e preparados adequadamente. Tinham chegado ao aeroporto como viajantes comuns, e submetido suas bolsas de viagem para inspeção por raios X
por agentes de segurança tão cuidadosos quanto seus colegas ocidentais; na verdade, ainda mais cuidadosos, considerando que os voos eram mais escassos e a paranoia local relativamente maior. Mesmo assim, os raios X haviam descoberto apenas um conjunto de barbear, juntamente com jornais, livros e outros objetos inofensivos.
Eram todos homens de instrução, entre os quais vários que cursaram a Universidade Americana de Beirute, alguns para obter diplomas, outros simplesmente para aprender sobre o inimigo. Estavam todos bem-vestidos, seus casacos estavam dependurados nos miniarmários ao longo da aeronave. Dentro de quarenta minutos todos estavam dormindo, juntamente com o restante dos passageiros.
— E então, que acha dessa história toda? — indagou van Damm.
Holtzman balançou sua bebida, observando os cubos de gelo circularem no copo.
— Sob circunstâncias diferentes, diria que é uma conspiração, mas não é.
Para um sujeito que diz estar tentando apenas juntar os cacos, Jack está fazendo um monte de coisas novas e malucas.
— Malucas é um termo um pouco forte, Bob.
— Para eles não é. Todo mundo está dizendo ele não é um de nós, e estão reagindo fortemente às suas iniciativas. Até você precisa admitir que as ideias de Jack sobre o imposto de renda são um pouco alienígenas, mas essa é a desculpa pelo que está acontecendo... pelo menos, uma das desculpas. O jogo é o mesmo de sempre. Alguns vazamentos e a forma como são apresentados é que determina como o jogo é feito.
Arnie teve de assentir. Era como sujar estradas. Se alguém jogava todo o lixo na cesta apropriada, o percurso pela estrada era rápido e seguro. Se esse mesmo alguém jogava as coisas pela janela de um veículo em movimento, então era preciso parar o carro e gastar horas catando tudo. O outro lado agora jogava lixo caoticamente, e o presidente estava tendo de dedicar seu tempo limitado a fazer coisas inúteis e improdutivas em vez do trabalho real de correr pela estrada. A comparação era feia, mas eficaz. Muitas vezes a política é menos sobre fazer trabalho construtivo do que espalhar lixo para que outros limpem.
— Quem vazou?
O jornalista encolheu os ombros.
— Tudo que se pode fazer é especular. Alguém na CIA, talvez alguém que está sendo aposentado compulsoriamente. Precisa admitir que fortalecer o lado espião da casa parece uma atitude de Neandertal. Como estão os cortes no Diretório de Informações?
— Mais do que o suficiente para compensar pelos novos agentes de campo.
A ideia é fazer uma economia financeira geral, obter informações melhores, atingir um desempenho mais eficiente, esse tipo de coisa — disse Damm. E acrescentou: — Eu não digo o presidente como gerir a parte de informação.
Nesse setor ele é um especialista.
— Sei disso. Estava com minha matéria quase pronta para ser publicada. Já ia ligar para você e pedir uma entrevista com ele quando jogaram a merda no ventilador.
— Mesmo? E qual...
— Qual era o meu ângulo? Ele é o filho da puta mais contraditório nesta cidade. Em alguns aspectos ele é brilhante... mas em outros? Dizer que é um cordeirinho entre os lobos é uma gentileza.
— Que é isso?
— Gosto do cara — admitiu Holtzman. — Com toda certeza do mundo, ele é honesto. Não relativamente honesto; honesto de verdade. Eu ia contar as coisas de forma bastante realistas. Quer saber o que me deixou puto? — Parou para tomar um gole ao bourbon, hesitou antes de prosseguir e então falou, sem dissimular a raiva. — Alguém no Post vazou a minha matéria, provavelmente para Ed Kealty. Depois Kealty deve ter arrumado um alcaguete para Donner e Plumber.
— E eles usaram a sua matéria para enforcar Ryan?
— Na maior parte — admitiu Holtzman.
Van Damm quase gargalhou. Ele segurou um comentário o máximo que pôde, mas era delicioso demais para resistir: — Bem-vindo a Washington, Bob.
— Sabe, alguns de nós realmente encaram seriamente a ética profissional — redarguiu o jornalista. — Era uma boa matéria. Foi um tremendo trabalho de pesquisa. Consegui minha fonte na CIA. Bem, na verdade tenho várias fontes lá, mas consegui uma nova para isto, alguém que realmente sabe do que está falando. Peguei o que ele me deu e depois chequei cada informação, escrevi a matéria com o que eu sabia e com o que eu achava, tomando o máximo de cuidado para explicar a diferença nos momentos mais delicados — assegurou ao seu anfitrião. — E sabe de uma coisa? Acabei passando uma imagem excelente de Ryan. Certo, de vez em quando ele distorceu as regras, mas, até onde sei, o homem nunca infringiu a lei. Se tivermos uma grande crise, ele é o cara que eu vou querer no Salão Oval. Mas algum filho da puta pegou minha matéria, minhas informações de minhas fontes e pintou e bordou com elas. Não gosto disso, Arnie. Eu também tenho uma imagem pública para preservar, e meu jornal também, e alguém fodeu com os nossos direitos. — Ele pousou a bebida.
— Ei, sei o que você pensa sobre mim e a minha...
— Não, você não sabe — interrompeu van Damm.
— Mas você sempre...
— Sou o chefe de gabinete, Bob. Eu preciso ser leal ao meu patrão, e tenho de puxar a brasa para a minha sardinha. Mas se você acha que não respeito a imprensa, não é tão esperto quanto se julga. Nem sempre somos amigos. Às vezes somos inimigos, mas precisamos de vocês tanto quanto precisam da gente. Pelo amor de Deus, se eu não o respeitasse, acha que estaria bebendo com você?
Era uma trapaça elegante ou uma declaração sincera, pensou Holtzman, e Arnie era um jogador habilidoso demais para que pudesse saber a diferença imediatamente. O mais sensato era terminar a bebida, o que ele fez. Uma pena que seu anfitrião preferisse bebida barata para combinar com suas camisas L. L.
Bean. Arnie também não sabia se vestir. Ou isso talvez fosse uma parte proposital de sua mística. O jogo político era tão intrincado quanto um cruzamento entre metafísica clássica e ciência experimental. Nunca era possível saber tudo, e com frequência descobrir uma parte negava-lhe a capacidade de descobrir outra parte igualmente importante. Mas era por causa disso que esse era o melhor jogo da cidade.
— Certo, Arnie, aceitarei isso.
— Bom para você — disse van Damm com um sorriso e encheu novamente o copo. — E então, por que me ligou?
— É quase constrangedor. — Outra pausa. — Não vou participar do linchamento de um homem inocente.
— Você já fez isso antes — objetou Arnie.
— Talvez, mas todos eram políticos, e todos sabiam no que estavam se metendo. Certo, se prefere outra analogia, não vou abusar de uma criança. Ryan merece uma chance justa.
— E você está puto da vida por ter perdido sua matéria e o Pulitzer que...
— Já tenho dois — recordou-lhe Holtzman. Se não fossem eles, o editor de Holtzman teria tomado a matéria de suas mãos; a política interna do Washington Post era tão intrincada quanto a que imperava nos meandros políticos.
— E daí?
— Daí que preciso saber sobre a Colômbia. Preciso saber sobre Jimmy Cutter e como ele morreu.
— Meu Deus, Bob, você não sabe o que o nosso embaixador passou lá embaixo hoje.
— O espanhol é uma linguagem rica em insultos. — Um sorriso de repórter.
— A história não pode ser contada, Bob. Simplesmente não pode.
— A história será contada. É apenas uma questão de quem irá contá-la, e isso determinará como ela será contada. Arnie, sei o bastante para escrever alguma coisa, está entendendo?
Como frequentemente acontecia em Washington em momentos como esse, todos estavam encurralados pelas circunstâncias. Holtzman tinha uma matéria para escrever. Fazê-la da forma certa talvez ressuscitasse a matéria original, para colocá-lo entre os concorrentes para outro Pulitzer — isso ainda era importante para ele, apesar da negação anterior, e Arnie sabia disso. E dizer à pessoa que vazara sua história para Ed Kealty que devia deixar o Post antes que ele descobrisse seu nome e acabasse com sua carreira com alguns sussurros nos ouvidos das pessoas certas. Arnie estava encurralado por seu dever em proteger seu presidente, e a única forma de fazer isso era violando a lei e a confiança do presidente. Devia haver uma forma mais fácil de ganhar a vida, pensou o chefe de gabinete. Ele obrigaria Holtzman a esperar por sua decisão, mas isso seria meramente teatral, e os dois homens já haviam superado essa fase.
— Nada de anotações, nada de gravações.
— Por baixo do pano. Irei me referir a você como alto funcionário . Não usarei nem mesmo o termo alto funcionário da administração — prometeu Bob.
— E posso lhe indicar com quem confirmar a história.
— Eles sabem de tudo?
— Ainda mais do que eu — disse van Damm. — Merda, só agora fiquei sabendo da parte mais importante.
Bob ergueu uma sobrancelha.
— Isso é bom, e as mesmas regras se aplicarão para eles. Quem realmente sabe sobre tudo isso?
— Nem mesmo o presidente sabe tudo. Não tenho certeza se há alguém que saiba de tudo.
Holtzman tomou outro gole. Seria o seu último. Como um médico numa sala de operação, ele não acreditava em misturar álcool e trabalho.
O voo 534 aterrissou em Istambul às 2:55 da manhã, hora local, depois de um percurso de 1.270 milhas e três horas e cinquenta minutos. Os passageiros estavam acordados mas ainda grogues de sono, tendo sido despertados pela tripulação trinta minutos antes e recebido, numa série de línguas, instruções de colocar suas poltronas na posição vertical. O pouso foi macio, e alguns levantaram os biombos plásticos das janelas para ver que estavam realmente no solo numa extensão de terra anônima com luzes brancas de pouso e luzes de taxiamento azuis, exatamente como era em todas as partes do mundo. Os passageiros que iriam desembarcar levantaram-se na hora apropriada para sair para a madrugada turca. O restante empurrou novamente as poltronas para trás com a intenção de tirar um cochilo adicional durante a parada de 45 minutos, antes que a aeronave decolasse novamente às 3:40 da manhã para a segunda parte da viagem.
O Lufthansa 601 era um Airbus 310 de fabricação europeia, praticamente igual ao Boeing da KLM em termos de tamanho e capacidade. Este também tinha cinco passageiros a bordo, e deixara seu portão às 2:55 para o voo sem escalas até Frankfurt. A decolagem foi rotineira em todos os detalhes.
— É uma história e tanto, Arnie.
— Se é. Eu não sabia as partes mais importantes até esta semana.
— O quanto você tem certeza sobre tudo isso? — perguntou Holtzman.
— Todas as peças se encaixam. — Ele encolheu os ombros. — Não posso dizer que gostei de saber disso. Acho que teríamos vencido a eleição de qualquer modo, mas, Deus do céu, o sujeito desistiu. Ele jogou a toalha no meio de uma eleição presidencial, mas quer saber de uma coisa? Isso pode ter sido o ato de maior coragem e generosidade política do século. Eu não achava que ele fosse capaz disso.
— Fowler sabe?
— Eu não lhe contei. Talvez devesse.
— Espere um minuto. Lembra de quando Liz Elliot plantou uma matéria em mim sobre Ryan e como...
— Sim, tudo se encaixa. Jack foi pessoalmente até a Colômbia tirar os soldados de lá. O homem ao lado dele no helicóptero foi morto, e ele cuida da família dele desde então. Liz pagou por isso. Ela morreu na noite que a bomba explodiu em Denver.
— E Jack realmente fez... Sabe, essa foi uma história que nunca ficou clara.
Fowler perdeu a cabeça e quase lançou um míssil no Irã... Alguém deteve o míssil. Foi Ryan, não foi? — Holtzman baixou os olhos para sua bebida e decidiu tomar outro gole. — Como?
— Ele entrou na Linha Quente — disse Arnie. — Cortou o presidente e conversou diretamente com Narmonov, e o persuadiu a repensar um pouco a situação. Fowler deu um chilique e mandou o Serviço Secreto prender Ryan, mas quando chegaram ao Pentágono, as coisas já estavam calmas. A jogada de Ryan funcionou, graças a Deus.
Holtzman levou mais ou menos um minuto para absorver isso, mas novamente a história se encaixou com os fragmentos que ele conhecia. Fowler havia renunciado dois dias depois, um homem perturbado mas honrado, que sabia que seu direito moral de governar o país morrera com a ordem de lançar uma arma nuclear contra uma cidade inocente. E Ryan também fora abalado pelo evento, o bastante para deixar o serviço do governo imediatamente, até Roger Durling conseguir convencê-lo a voltar.
— Ryan quebrou todas as regras que existem. Até parece que ele gosta de fazer isso. Mas não é justo dizer isso, é?
— Se ele não tivesse quebrado essas regras, talvez não estivéssemos aqui. — O secretário de Estado serviu-se de mais uma dose. Holtzman fez um sinal de que não queria. — Está entendendo o que falei sobre a história, Bob? Se você contar tudo, o país pode sair ferido.
— Mas então por que Fowler recomendou Ryan a Roger Durling? — perguntou o jornalista. — Ele não suportava o cara e...
— O motivo é que, apesar de todas as suas falhas, e ele tem muitas, Bob Fowler é um político honesto. Não, ele não gosta de Ryan pessoalmente, talvez seja uma questão de química, não sei, mas Ryan salvou-o e ele disse a Roger... como foi mesmo? Esse é um bom homem numa tempestade. Foi isso — recordou Arnie.
— É uma pena que ele não entenda de política.
— Ele aprende rápido. Pode surpreender você.
— Ele vai acabar com o governo se tiver chance. Eu não posso... Olhe, eu gosto do cara pessoalmente, mas suas políticas...
— Sempre que penso que consegui prever o que fará, Ryan me surpreende.
E então preciso me lembrar que ele não tem compromissos políticos — disse van Damm. — Ele apenas está fazendo o trabalho. Eu lhe dou documentos para ler, e ele age a partir do que aprende neles. Ele escuta o que as pessoas lhe dizem; faz boas perguntas e sempre ouve as respostas... mas toma suas próprias decisões, e parece ter uma noção cristalina do que é certo e do que é errado. Bob, ele surpreende a mim E confesso que às vezes não entendo o que se passa na cabeça dele.
— Um verdadeiro forasteiro — observou Holtzman calmamente.
— Mas... — O chefe de gabinete assentiu.
— Sim. Mas. Mas ele está sendo analisado como se fosse um político profissional com compromissos ocultos. E estão aplicando nele os mesmos truques que usam nos políticos profissionais, só que ele não é um.
— Assim, a chave para entender esse cara é que não há a menor pista para entendê-lo... filho da puta — concluiu Bob. — Ele odeia o trabalho, não é?
— A maior parte do tempo. Devia tê-lo visto quando estava discursando no Meio-Oeste. Naquele momento ele gostou. Todas aquelas pessoas o amando, e ele as amando de volta... e isso deixou-o morto de medo. Você disse que não há nenhuma pista para entendê-lo? Concordo. É como dizem no golfe, o mais difícil é fazer uma bola reta, certo? Todo mundo está procurando por curvas.
Não há nenhuma.
Holtzman resfolegou.
— Então, qual é o ângulo se não há um ângulo?
— Bob, estou apenas tentando controlar a mídia, lembra? Não estou nem aí para como você vai reportar isso, contanto que o faça com fidelidade aos fatos... Sabe como é o que vocês deviam fazer.
Isso era demais para o jornalista engolir. Ele estava em Washington desde o início de sua vida profissional.
— E todo político devia gostar de Ryan. Mas eles não gostam.
— Este aqui gosta — retrucou Arnie.
— Como devo dizer isso aos meus leitores? Quem vai acreditar?
— Isso não é um problema? — perguntou Arnie com um suspiro. — Estou na política desde que me entendo por gente, e pensei que sabia de tudo. Merda, eu sei tudo. Sou um dos melhores operadores que já apareceu, todo mundo sabe disso, e de repente esse plebeu cai no Salão Oval e diz que o rei está nu, e ele tem razão, e ninguém sabe o que fazer além de dizer que ele não está nu. O sistema não está pronto para isto. O sistema só está pronto para si mesmo.
— E o sistema destruirá todos que disserem o contrário — observou Holtzman, enquanto pensava: Se Hans Christian Andersen tivesse ambientado à Roupa Nova do Rei em Washington, o garoto que disse a verdade em voz alta teria sido morto no ato pelos políticos profissionais.
— O sistema vai tentar — concordou Arnie.
— E qual deve ser o nosso posicionamento?
— Foi você que disse que não quer participar do linchamento de um homem inocente, não foi?
— Mas o que podemos fazer?
— Talvez falar sobre a turba descontrolada ou sobre a corte corrupta do rei — sugeriu Arnie.
O seguinte a decolar foi o 774 da Austrian Airlines. O procedimento agora estava rotineiro, e tudo se enquadrava perfeitamente dentro dos parâmetros técnicos. As latas de creme de barba tinham sido enchidas quarenta minutos antes da decolagem. A proximidade da Casa de Macacos com o aeroporto ajudara, assim como a hora do dia, e pessoas correndo nos últimos cem metros até o portão não era uma visão incomum em nenhuma parte do mundo, especialmente para voos como esse. A sopa tinha sido injetada no fundo da lata por uma válvula plástica invisível ao exame por raios X. O nitrogênio fora injetado pelo topo até um compartimento separado isolado no centro de cada lata. O processo era limpo e seguro. Por uma questão de segurança extra, mas desnecessária, as latas tinham sido espargidas com spray desinfetante; isso era apenas para deixar os viajantes felizes. As latas, obviamente, estavam muito frias, embora não a ponto de se tornarem perigosas. Quando o nitrogênio líquido derretesse, ele passaria através de uma válvula de pressão para a atmosfera ambiente, onde simplesmente se misturaria com o ar. Embora o nitrogênio fosse um elemento importante em explosivos, por si só ele era absolutamente inerte, limpo e inodoro. Também não reagiria quimicamente com o conteúdo das latas, e desse modo a válvula de liberação de pressão retinha uma quantidade precisa de gás aquecedor como um acionador para a sopa quando o momento chegasse.
O envasamento fora realizado por médicos militares com roupas protetoras.
Os médicos tinham se recusado a trabalhar sem as roupas de proteção, e como ordenar-lhes o contrário os teria deixado nervosos e lerdos, o diretor fora indulgente. Dois grupos de cinco latas ainda não tinham sido preparadas.
Moudi lembrou que as latas poderiam ter sido preparadas ao mesmo tempo, mas eles não estavam correndo riscos desnecessários, pensamento que o fez parar de repente. Nenhum risco desnecessário? Claro.
Daryaei não conseguira dormir naquela noite, o que era incomum para ele.
Embora a cada ano ele sentisse menos necessidade de sono, adormecer nunca fora problema para ele. Numa noite realmente calma, se os ventos estivessem corretos, ele escutava os aviões induzindo seus motores ao rugido de decolagem — um som distante, parecido com o de uma cachoeira, ou talvez um terremoto.
Algum som fundamental da natureza, distante e pressagiador. E agora ele se surpreendeu ouvindo esse som, e se perguntou se o havia imaginado.
Agira depressa demais? Era um velho num país onde muitos morriam jovens. Lembrou das doenças de sua juventude. Depois aprendera suas causas científicas, principalmente água e falta de higiene; afinal o Irã fora um país subdesenvolvido durante a maior parte de sua vida, a despeito de sua longa história de civilização e poder. Então fora ressuscitado pelo petróleo e pelas riquezas incomensuráveis que tinham vindo com ele. Mohammad Reza Pahlavi cometera o erro de agir muito depressa e fazer inimigos demais. Na era sombria do Irã, como em qualquer outra época, o poder material jazia nas mãos dos sacerdotes islâmicos, e na pressa em libertar a nação da pobreza, ele pisara em muitos calos, fizera inimigos entre pessoas cujo poder era espiritual e por quem o povo procurou quando suas vidas se tornaram caóticas devido às mudanças.
Mesmo assim, o xá quase fora bem-sucedido, mas não completamente, e não completamente era uma maldição terrível no mundo gerado para aqueles destinados à grandeza.
O que será que se passara pela mente do homem? Assim como estava acontecendo com Daryaei agora, o xá envelheceu, e com a velhice veio a doença do câncer. No fim, ele assistiu ao trabalho de uma vida evaporar numa questão de semanas e seus associados serem executados, dor acentuada pela traição de seus amigos americanos. Teria pensado que fora longe demais... ou não fora suficientemente longe? Daryaei não sabia, e agora que teria gostado de saber, enquanto escutava os sons distantes de cachoeiras na calada da noite persa.
Agir rápido demais era um erro terrível, que os jovens aprendiam e os velhos conheciam; mas não agir rápido o bastante, não ir longe o bastante, não ser forte o bastante... era isso que realmente impedia os destinados à grandeza de atingir seus objetivos. Quão deve ter sido amargo morrer na cama, desprovido do sono necessário para poder pensar claramente, e amaldiçoando a si mesmo pelas chances perdidas.
Talvez ele soubesse o que o xá pensara, admitiu Daryaei para si mesmo.
Seu próprio país estava movendo-se novamente. Mesmo isolado como estava, ele percebia os sinais. Isso transparecia como uma diferença sutil no vestuário, especialmente nas roupas das mulheres. Não muito, não o suficiente para seus fiéis as castigarem, porque mesmo os fiéis tinham suavizado sua devoção, e havia áreas cinzentas às quais as pessoas podiam aventurar-se para ver o que aconteceria. Sim, o povo ainda acreditava no Islã, e sim, ainda acreditava nele.
Mas realmente o Corão Sagrado não era tão rígido, e sua nação era rica, e para se ficar mais rico era preciso fazer negócios. Como o país poderia tornar-se um campeão da fé se não se tornasse mais rico? Os jovens mais brilhantes do Irã viajavam para ser educados no exterior; seu país não possuía escolas tão boas quanto as dos infiéis ocidentais. E a maioria deles retornava, educados nas habilidades das quais seu país precisava. Mas também voltavam com outras coisas, invisíveis. Voltavam com dúvidas, dilemas e lembranças de uma vida livre numa sociedade diferente, onde os prazeres da carne eram disponíveis aos fracos, e todos os homens eram fracos. E se tudo que Khomeini e ele haviam conquistado tivesse sido a prorrogação do que o xá iniciara? As pessoas que tinham voltado para o Islã em reação a Pahlavi estavam agora trocando a religião pela promessa de liberdade. Eles não sabiam ? Eles não viam? Eles podiam ter todos os ornamentos do poder e todas as bênçãos daquilo que as pessoas chamavam civilização e ainda assim permanecerem fiéis, ainda possuírem a âncora espiritual — sem a qual tudo era nada.
Mas para ter tudo isso, seu país precisava ser mais do que era, e assim Daryaei não podia dar-se ao luxo de ser não completamente. Daryaei precisava realizar as coisas que provariam que estivera certo o tempo todo, que a fé descomprometida era a verdadeira raiz do poder.
O assassinato do líder iraquiano, a desgraça que caíra sobre a América... essas coisas precisavam ser um sinal, não é mesmo? Ele as estudara cuidadosamente. Agora Iraque e Irã eram um só, e esse fora o objetivo da cruzada durante décadas — e virtualmente ao mesmo tempo, a América fora aleijada. Não era só Badrayn que estava lhe dizendo essas coisas. Ele tinha seus próprios especialistas em EUA que conheciam os funcionamentos do governo desse país. Ele conhecia Ryan de um único encontro importante, vira seus olhos, escutara as palavras ousadas mas ocas. Portanto, conhecia a medida do homem que era seu maior adversário. Ele sabia que Ryan não tinha — e, segundo as leis de seu país, não podia ter —, nomeado um substituto para si próprio; assim, ele dispunha apenas deste momento, e se não agisse agora, teria de se conformar com a maldição de ser não completamente.
Não, ele não seria lembrado como outro Mohammad Pahlavi. Ainda que não cobiçasse os ornamentos do poder, iria conferir poder ao seu país. Antes de sua morte lideraria todo o Islã. Em um mês ele teria o petróleo do Golfo Pérsico e as chaves para Meca, poder material e espiritual. Dali sua influência se expandiria em todas as direções. Em poucos anos seu país seria uma superpotência em todos os aspectos, e ele deixaria para seus sucessores um legado como o mundo não conhecia desde Alexandre, mas com a segurança adicional de ter sido fundado segundo as palavras de Deus. Para alcançar esse objetivo, para unir o Islã, para cumprir a vontade de Alá e as palavras do Profeta Maomé, ele faria o que fosse necessário, e se isso significasse agir depressa, então agiria depressa. No todo, o processo era simples: três passos simples, sendo que o terceiro e mais difícil já estava estabelecido e nada podia detê-lo, mesmo se todos os planos de Badrayn falhassem completamente.
Estou agindo depressa demais?, perguntou-se Daryaei pela última vez.
Não. Ele estava agindo com decisão, com a surpresa ao seu lado, com cálculo, com audácia. Era isso que a História iria dizer.
— É difícil voar à noite? — perguntou Jack.
— Com certeza, para eles é sim — replicou Robby. Ele gostava de reunir-se assim com o presidente, tarde da noite no Salão Oval, com uma bebida. — Eles sempre foram mais parcimoniosos com equipamento do que com pessoas.
Helicópteros — franceses neste caso, mesmo modelo da Guarda Costeira — custam muito dinheiro, nós não os temos visto usá-los tanto durante a noite. A operação que eles estão conduzindo aposta fortemente em manobras submarinas. Assim, eles talvez estejam pensando em lidar com aqueles submarinos holandeses que os chineses compraram ano passado. Também temos visto muitas operações em conjunto com sua força aérea.
— Conclusão?
— Estão treinando para alguma coisa. — O diretor de operações do Pentágono fechou seu caderno de anotações. — Senhor, nós...
Ryan olhou-o sobre os novos óculos de leitura que acabara de ganhar de Cathy.
— Robby, se não começar a me chamar de Jack quando estivermos sozinhos, darei uma ordem executiva para rebaixá-lo a alferes.
— Não estamos sozinhos — objetou o almirante Jackson, apontando com a cabeça para a agente Price.
— Andréa não conta... oh, merda, quero dizer... — Ryan ficou ruborizado.
— Ele tem razão, almirante, eu não conto — disse Andréa, conseguindo por pouco conter a risada. — Presidente, há semanas que espero o senhor dizer isso.
Jack baixou os olhos para a mesa e balançou a cabeça.
— Isto não é modo de um homem viver. Agora meu melhor amigo me chama de senhor, e estou sendo indelicado com uma dama.
— Jack, você é o meu comandante-em-chefe — observou Robby, achando graça do desconforto do amigo. — E sou apenas um pobre marinheiro.
Primeiras coisas primeiro, pensou o presidente.
— Agente Price?
— Sim, presidente?
— Sirva-se de uma bebida e sente.
— Senhor, estou de serviço, e os regulamentos...
— Então faça uma bebida fraca, mas esta é uma ordem presidencial. Faça!
Ela realmente hesitou, mas então decidiu que POTUS tinha algum motivo.
Price serviu-se de boa dose de uísque num dos copos antiquados e adicionou gelo e muita água mineral Evian. Então sentou-se ao lado do J-3. A esposa dele, Sissy, estava no andar superior com a família Ryan.
— Vamos ser práticos, pessoal. O presidente precisa relaxar, e para mim é mais fácil fazer isso se não houver damas de pé e se um amigo meu puder me chamar pelo nome de Vez em quando. Concordam com isso?
— — Concordo, concordo — disse Robby, ainda sorrindo mas percebendo a lógica e o desespero do momento. — Sim, Jack, todos estamos relaxados agora, e vamos nos divertir. — Ele olhou para Price. — Você está aqui para atirar em mim caso eu me comporte mal, não é?
— Bem na cabeça — confirmou.
— Pessoalmente, prefiro mísseis. São mais seguros — acrescentou.
— Você se saiu bem num tiroteio certa noite. Ou pelo menos foi o que o Patrão disse. A propósito, obrigada.
— Pelo quê?
— Por tê-lo mantido vivo. Nós gostamos de cuidar do Patrão, apesar de ele estar ficando íntimo demais de seus guarda-costas.
Jack colocou gelo em sua bebida enquanto os dois relaxavam no outro sofá.
Que coisa incrível, pensou. Pela primeira vez havia uma atmosfera de relaxamento genuíno no escritório, a ponto de duas pessoas estarem fazendo piadas sobre ele, bem na sua frente, como se fosse um ser humano, e não um POTUS.
— Gosto muito mais assim. — O presidente levantou os olhos de sua bebida e fitou o amigo. — Robby, esta garota já testemunhou mais coisas do que nós dois juntos, já ouviu todo tipo de coisa. Ela tem mestrado, é esperta, mas devo tratá-la como se fosse um gorila.
— Que é isso? Sou apenas uma atleta com um joelho ruim, por isso tenho a postura de gorila.
— E eu ainda não sei que diabos devo ser. Andréa?
— Sim, presidente? —Jack sabia que fazer Andréa chamá-lo pelo nome seria um objetivo impossível.
— Sobra a China. Que você acha?
— Acho que não sou especialista, mas como o senhor perguntou, devo dizer que não sei.
— Você é suficientemente especializada — Robby observou com um grunhido. — Todos os cavalos e todos os homens do rei também não sabem muita coisa. Os submarinos adicionais estão chegando — comunicou ao presidente. — Mancuso os quer na linha norte-sul entre os dois navios.
Concordei com isso e o secretário assinou embaixo.
— Como Bretano está se saindo?
— Ele sabe o que ele não sabe, Jack. Ele nos dá ouvidos na parte operacional, faz boas perguntas e ouve ainda mais. Ele quer começar a entrar em campo a partir da semana que vem, para ver os meninos trabalhando e se educar. Suas habilidades administrativas são extraordinárias, mas ele está brandindo um machado enorme. Já vi o seu plano provisório para reduzir a burocracia. Epa! — concluiu Jackson, levantando os olhos.
— Você não concorda com isso? — indagou Jack.
— Claro que sim. Isso tinha de ter acontecido já há uns cinquenta anos. Srta.
Price, sou um operador — explicou. — Gosto de vestir jaquetas de aviador de couro e sentir o cheiro do combustível dos jatos. Mas nós que ficamos na linha de fogo sempre temos um burocrata grudado no nosso calcanhar como um cachorro. Bretano adora engenheiros e gente que faz coisas, mas ao longo do caminho ele aprendeu a odiar burocratas e contadores. Meu tipo de sujeito.
— Voltemos à China — orientou Ryan.
— Certo, ainda temos aeronaves de coleta eletrônica de informações operando em Kadena. Estamos captando comunicações rotineiras de treinamento. Não sabemos quais são as intenções da China. A CIA não está descobrindo muita coisa. O que o pessoal do SIGINT está descobrindo é irrelevante. O Departamento de Estado diz que o governo deles está dizendo Por que tanto escarcéu? . E só. A Marinha de Taiwan é grande o bastante para lidar com a ameaça, se chegar a haver uma, a não ser que sejam pegos de surpresa. Isso não vai acontecer. Eles são espertos e fazem suas próprias operações de treinamento. Mas por enquanto é só isso: muito som e fúria, mas nada ameaçador.
— O Golfo?
— Bem, estamos ouvindo de nosso pessoal em Israel que eles estão se mantendo alerta, mas seu serviço de informações não está descobrindo muita coisa importante. As fontes que eles tinham lá provavelmente estavam com os generais que fugiram para o Sudão... provavelmente adidos. Recebi um fax de Sean Magruder...
— Quem é esse? — indagou Jack.
— Um coronel do Exército, chefe do 10° RCB no Neguev. Eu o conheci ano passado. Eis um sujeito a quem precisamos dar ouvidos. Nosso bom companheiro Avi ben Jakob descreveu Daryaei como o homem mais perigoso do mundo . Magruder julgou que isso era uma consideração importante o bastante para passá-la adiante.
— E...?
— E precisamos ficar de olho. Provavelmente é excesso de cautela da nossa parte, mas Daryaei possui ambições imperiais. Os sauditas estão jogando errado. Devíamos mandar gente para lá agora, não muitos, mas o bastante para mostrar ao outro lado que uníamos no jogo.
— Conversei com Ali sobre isso. O governo dele não quer atiçar problemas.
— Sinal errado — comentou Jackson.
— Concordo — assentiu POTUS. — Vamos trabalhar nisso.
— Qual é o estado do Exército saudita? — perguntou Andréa.
— Não é tão bom quanto poderia ser. Depois da Guerra do Golfo virou moda juntar-se à Guarda Nacional deles, e eles compram equipamentos como se estivessem escolhendo Mercedes numa concessionária. Durante algum tempo eles mesmos treinaram seus soldados, mas depois descobriram que o difícil era manter as tropas. Assim, contrataram gente para fazer isso para eles.
Mais ou menos como nobres e cavaleiros nos tempo medievais. Só que isso não dá bem certo — avaliou Jackson. — E agora não se encontram no melhor de sua forma. Oh, claro, eles correm com seus tanques, e manejam seus armamentos. É divertido usar o canhão do tanque Ml, e eles fazem muito isso. O problema é que não estão treinando em unidades. Cavaleiros e nobres. Sua tradição é homens a cavalo correndo atrás de outros homens a cavalo... um para um, como nos filmes. A guerra não é assim. A guerra é um time enorme trabalhando afinado. Sua cultura e história opõem-se a esse modelo, e eles não tiveram a chance de aprender. Em resumo: Não são tão bons quanto pensam. Se a URI reunir seu exército e rumar para o sul, os sauditas poderão estar em desvantagem bélica e certamente numérica.
— Como podemos corrigir isso? — perguntou Ryan.
— Para começar, mande alguns dos nossos para lá e traga alguns dos deles para cá, para o Centro Nacional de Treinamento, para um curso bastante duro e bem real. Conversei sobre isso com Mary Diggs no Centro Nacional de Treinamento...
— Mary?
— General Marion Diggs. Mary é um apelido que ele tem há tempos — disse Robby a Price. — Gostaria de trazer um batalhão pesado saudita para cá e fazer o OpFour dar-lhe uma boa sova durante algumas semanas para eles entenderem a mensagem. É assim que os nossos aprendem. É assim que os israelenses aprenderam. E é assim que os sauditas vão aprender, com toda certeza com muito mais facilidade do que numa guerra de verdade. Diggs concorda com isso, em número e grau. Dê-nos dois ou três anos, talvez menos se montarmos um local de treinamento adequado na Arábia Saudita, e podermos colocar o exército deles em forma. O único problema é a política — acrescentou.
POTUS assentiu.
— Sim, isso vai deixar os israelenses nervosos, e os sauditas sempre se preocupam em ter um Exército forte demais, por motivos domésticos.
— Você poderia contar-lhes a história dos três porquinhos. O lobo mau acaba de se mudar para a casa ao lado, e é melhor eles abrirem os olhos antes que o lobo comece a soprar e soprar.
— Concordo, Robby. Mandarei Adler e Vasco pensarem no assunto.
Ryan olhou seu relógio. Outro dia de 15 horas. Um último drinque teria sido agradável, mas àquela altura ele teria sorte se conseguisse tirar seis horas de sono, e não queria acordar com uma dor de cabeça maior do que a necessária. Ele largou a bebida, levantou-se e gesticulou para que os outros dois o acompanhassem pela rampa e através da porta.
— ESPADACHIM seguindo para a residência — disse Andréa por seu microfone. Um minuto depois, estavam no elevador e subindo.
— Procure não aparentar que você bebeu — comentou Jack para sua agente principal.
— Que vamos fazer com você? — perguntou Andréa para o teto enquanto as portas abriam.
Jack saiu primeiro, deixando os outros dois para trás enquanto tirava o paletó. Odiava vestir terno e gravata o tempo todo.
— Bem, agora você sabe — disse Robby à agente do Serviço Secreto. Ela se virou para fitar-lhe os olhos.
— Sim. — Na verdade ela sabia há um bom tempo, mas ela continuava aprendendo mais e mais sobre ESPADACHIM.
— Tome conta dele bem, Price. Quando ele conseguir fugir deste lugar, vou querer meu amigo de volta.
O capricho do vento fez o voo da Lufthansa chegar atrasado ao terminal de Frankfurt, Alemanha. Para os viajantes foi como um túnel invertido. A saída do jato era a parte estreita, e ao entrar no salão todos se espreguiçaram, checando os monitores de vídeo para seus portões. As transferências variavam de uma a três horas, e sua bagagem seria transportada automaticamente de uma aeronave para a outra. Apesar de todas as reclamações sobre os carregadores de bagagens de aeroporto, 99,9% de acerto é uma nota excelente na maioria das atividades humanas; e os alemães eram conhecidos por sua eficácia. Não estavam preocupados com os postos aduaneiros, porque nenhum deles passaria mais tempo na Europa do que o necessário. Evitaram cuidadosamente contato visual, mesmo quando três deles entraram numa lanchonete, e todos optaram por café descafeinado. Dois entraram nos banheiros masculinos pelos motivos usuais, e então olharam-se no espelho para checar o rosto. Todos tinham se barbeado antes de partir, mas um deles, de barba particularmente cerrada, viu que seu queixo já estava escurecendo. Será que devia se barbear? Não é uma boa ideia, pensou, sorrindo para o espelho. Pôs sua bolsa de viagem no ombro e seguiu até a sala de espera da primeira classe para aguardar o voo para Dallas — Fort Worth.
— Dia longo? — perguntou Jack, depois que todos tinham ido para casa e apenas o grupo usual de guardas patrulhava o jardim.
— Sim. Rondas amanhã com Bernie. Mesmos procedimentos no dia seguinte. — Cathy colocara seu baby doll, tão cansada quanto o marido.
— Nenhuma novidade?
— Não na minha praia. Almocei com Pierre Alexandre. Ele é um novo professor associado trabalhando para Ralph Forster. É ex-militar, um bocado esperto.
— Doenças infecciosas? — Jack recordava vagamente de ter conhecido o sujeito cm algum lugar. — AIDS e coisas do tipo?
— É.
— Coisa horrível — observou Ryan, indo para a cama.
— Eles acabaram de se esquivar de um tiro. Houve uma miniepidemia de Ebola no Zaire — disse Cathy, acomodando-se ao seu lado. — Duas mortes.
Depois, mais dois casos apareceram no Sudão, mas não parece estar se espalhando.
— A doença é tão ruim quanto dizem? — perguntou Jack, desligando a luz.
— Mortalidade de oitenta por cento... é bem ruim. — Ela ajustou os lençóis e se moveu na direção dele. — Mas vamos mudar de assunto. Sissy disse que fará um concerto daqui a duas semanas no Kennedy Center. Quinta de Beethoven, com regência de Fritz Bayerlein, acredita? Acha que podemos conseguir entradas?
Jack pôde sentir o sorriso da esposa na escuridão.
— Acho que conheço o dono do teatro. Verei o que posso fazer. Mais um dia terminou.
— Nos vemos pela manhã, Jeff.
Price seguiu para a direita na direção de seu carro. Raman seguiu pela esquerda até o seu.
Este trabalho poderia enlouquecer uma pessoa, disse Raman para seus botões. A mecânica da coisa, as horas, o tempo todo passando observando e observando e não falando nada — mas estando preparado.
Hum. Por que ele deveria reclamar disso? Era a história da sua vida adulta.
Dirigiu para o norte, esperou a segurança abrir o portão e rumou para nordeste.
As ruas vazias possibilitaram um percurso rápido. Quando chegou à sua casa, já sentia o estresse de trabalhar na segurança presidencial da Casa Branca começando a desaparecer.
Destrancou a porta, desligou o sistema de segurança, pegou a correspondência que fora entregue pela ranhura na porta e correu os olhos pelos envelopes. Uma conta, e o resto cartas comerciais oferecendo-lhe a chance de uma vida de comprar coisas que ele não precisava. Pendurou o casaco, removeu a pistola e o coldre do cinto e caminhou até a cozinha. A luz da secretária eletrônica estava piscando. Havia uma mensagem.
— Sr. Sloan — disse a gravação digital para ele com uma voz que era familiar, embora só a tivesse escutado uma vez antes. — Quem fala é Alahad. O seu tapete acaba de chegar, e está pronto para a entrega.
37
Entregas
A América estava adormecida quando eles subiram a bordo de seus voos em Amsterdam, Londres, Viena e Paris. Desta vez não havia dois na mesma aeronave, e eles estavam dispostos de modo a impedir que o mesmo inspetor alfandegário tivesse a chance de abrir dois conjuntos de barbear e encontrar a mesma marca de creme e pensar no assunto, por mais improvável que isso pudesse ser. O risco real fora colocar tantos homens nos mesmos voos para fora de Teerã, mas eles tinham sido bem instruídos sobre como se comportar.
Embora a sempre vigilante polícia alemã, por exemplo, pudesse notar uma série de homens do Oriente Médio reunidos depois de chegar no mesmo voo, os aeroportos sempre foram lugares anônimos cheios de pessoas vagueando, frequentemente cansadas e quase sempre desorientadas; assim, um viajante solitário e desorientado parecia exatamente com qualquer outro.
O primeiro a embarcar num voo transatlântico entrou no 747 da Singapore Airlines no Schiphol International Airport de Amsterdam. Codificado como SQ26, o avião de Cruzeiro começou a se movimentar às 8:30 da manhã, decolou na hora marcada e tomou um rumo que o levou até a fronteira sudeste da Groenlândia. O voo duraria menos de oito horas. O viajante estava numa poltrona de janela na primeira classe, que ele inclinara toda para trás. Ainda não eram nem três da manhã na cidade para a qual estava indo, e preferiu dormir assistindo a um filme, juntamente com a maioria das outras pessoas no nariz da aeronave. Ele tinha seu itinerário de cabeça, e se a memória falhasse, devido à confusão ocasionada pela viagem de longa distância, ainda tinha suas ordens para lembrá-lo do que faria em seguida. Por enquanto, bastava dormir, e ele virou a cabeça para o travesseiro, acalmado pelo sibilar do ar passando por trás das janelas duplas.
Ao seu redor, no ar, havia outros voos, com outros viajantes seguindo para Boston, Filadélfia, Washington-Dulles, Atlanta, Orlando, Dallas — Fort Worth, Chicago, San Francisco, Miami e Los Angeles, as dez principais cidades de entrada nos EUA. Cada uma dessas cidades estava abrigando agora uma feira ou uma convenção de alguma espécie. Dez outras cidades, Baltimore, Pittsburgh, St. Louis, Nashville, Atlantic City, Las Vegas, Seattle, Phoenix, Houston e Nova Orleans, também estavam abrigando eventos, e cada um deles ficava a um voo breve — em dois casos, a um percurso de carro — de um aeroporto de entrada no país.
O viajante no SQ26 pensou sobre isso enquanto adormecia. O conjunto de barbear estava em sua bolsa de viagem, enfiada sob a poltrona à sua frente, cuidadosamente isolado e embalado, e ele estava tomando o máximo de cuidado para que seus pés não tocassem a bolsa de viagem, e muito menos a chutassem.
Era quase meio-dia em Teerã. Astro de Cinema observou seu grupo praticar tiro. Era realmente uma formalidade, planejada mais para levantar o moral do que qualquer outra coisa. Todos sabiam como atirar, tendo aprendido e praticado no vale de Bekaa, e embora essas não fossem as mesmas armas que eles teriam na América, isso não fazia diferença. Uma arma era uma arma, e alvos eram alvos, e eles sabiam a respeito de ambos. Eles não podiam simular tudo, é claro, mas todos eles sabiam dirigir, e passavam horas por dia olhando para diagramas e modelos. Eles agiriam no final da tarde, quando os pais viessem pegar seus filhos para levá-los para casa, quando os guarda-costas estariam cansados e entediados de um dia observando as crianças fazer peraltices. Astro de Cinema obtivera descrições de muitos dos carros habituais, e alguns eram modelos comuns que poderiam alugar. A oposição era tão treinada e experiente quanto eles precisavam ser, mas não eram super-homens.
Alguns até eram mulheres, e a despeito de todo seu conhecimento do Ocidente, Astro de Cinema jamais poderia considerar as mulheres adversárias sérias, com armas ou não. Mas sua maior vantagem tática era que a equipe estava disposta a empregar força mortal com total liberdade. Com mais de vinte crianças pequenas por perto, mais os funcionários da escola, e provavelmente alguns pais também, a oposição estaria se sentindo imensamente contida. Portanto, a parte inicial da missão era a mais fácil. A parte difícil seria escapar — se a situação viesse a permitir isso. Ele precisava dizer à sua equipe que eles voltariam para casa, e que havia um plano. Mas na verdade isso não importava, e em seus corações todos sabiam.
Todos estavam dispostos a se tornar mártires na jihad não anunciada; se não fizessem isso, jamais se juntariam ao Hezbollah. Também estavam dispostos a considerar as vítimas como sacrifícios. Mas isso era apenas um rótulo conveniente. A religião na verdade não era nada mais do que uma fachada para o que eles faziam e o que eles eram. Um verdadeiro estudioso de sua religião teria ficado horrorizado com o seu propósito, mas o Islã tinha muitos adeptos, e entre eles estavam muitos que escolhiam ler as escrituras em formas não convencionais, e estes também tinham seus seguidores. O que Alá pensaria sobre suas ações não era algo que considerassem profundamente, e Astro de Cinema nem se dava ao trabalho de pensar. Para ele, tudo era negócio, uma declaração política, um desafio profissional, mais uma tarefa para ocupar seus dias. Talvez fosse também um passo na direção de um objetivo maior, a conquista que significaria uma vida de conforto, e talvez um pouco de poder pessoal e estabilidade — mas em seu coração ele também não acreditava nisso.
No começo, sim, havia pensado que Israel poderia ser derrotado, que os judeus poderiam ser varridos da face da Terra, mas essas crenças de sua juventude já se haviam esvanecido havia muito tempo. Para ele, tudo agora era um processo, e esta era apenas mais uma tarefa. A substância da tarefa não importava rei mente tanto, importava? perguntou-se, observando os rostos entusiasmados dos membros da equipe acertando seus alvos. Oh, para eles parecia importar. Mas ele era menos inocente.
Para o inspetor Patrick O’Day, o dia começou às cinco e meia da manhã, despertado por um radiorrelógio. Em seguida, foi ao banheiro para as funções usuais de cometo do dia e uma olhada no espelho. Por fim, seguiu até a cozinha para fazer café. Era a parte calma do dia. A maioria das pessoas (as sensatas) ainda não estavam acordadas. Não havia trânsito nas ruas. Até os pássaros ainda estavam pousados em seus poleiros. Ao sair para pegar os jornais, pôde sentir o silêncio e se perguntar por que o mundo não era sempre assim. O alvorecer insinuava-se através das árvores a leste, embora a estrelas mais fortes ainda estivessem reluzindo. Não havia nenhuma luz acesa no restante das casas do condomínio. Merda. Será que ele era o único que precisava trabalhar em horas tão obscenas?
Novamente dentro de casa, passou dez minutos correndo os olhos pelas notícias das edições matutinas do Post e do Sun. Gostava de ficar a par das notícias, especialmente os casos criminais. Na condição de inspetor itinerante trabalhando diretamente para o gabinete do diretor, ele nunca sabia quando seria enviado para um novo caso, o que podia significar chamar uma babá. Isso era tão frequente que às vezes pensava em contratar os serviços de uma babá de tempo integral. Ele podia pagar — o prêmio do seguro pela morte de sua esposa na queda do avião realmente dera-lhe uma certa dose de independência financeira. As circunstâncias haviam parecido completamente blasfemas, mas tinham-lhe oferecido o dinheiro e ele aceitara, a conselho de seu advogado. Mas uma babá? Não. Isso significaria uma mulher, e Megan pensaria nela como mamãe, e ele não podia permitir isso. Assim, cumpria seus expedientes e se negava uma vida normal, de modo a poder ser pai e mãe da garotinha. E nenhum urso cinzento seria mais zeloso de um filhote. Talvez Megan não soubesse a diferença. Todas as crianças adquiriam um elo profundo com as mães, mas talvez elas pudessem adquirir a mesma ligação com seus pais.
Quando as outras crianças lhe perguntavam sobre sua mãe, ela explicava que mamãe havia ido para o céu mais cedo... e aquele ali é o meu papai! Quaisquer que fossem as circunstâncias psicológicas, a proximidade dos dois, que parecia tão natural a Megan — que mal tivera a chance de experimentar outra coisa —, era algo que ocasionalmente provocava lágrimas nos olhos de seu pai. O amor de uma criança sempre é incondicional, principalmente quando ele só pode ser direcionado a uma pessoa. O inspetor O’Day as vezes se sentia grato por não trabalhar num caso de sequestro há anos. Se ele tivesse de trabalhar num hoje...
Tomou um gole de café e admitiu para si mesmo que acabaria arrumando uma desculpa para recusar a missão. Sempre havia uma forma. Ele trabalhara em casos desse tipo quando era um agente jovem. Sequestro por dinheiro era uma modalidade raríssima hoje em dia; todos sabiam que esse era um jogo impossível de vencer, já que todo o poder do FBI mergulhava sobre esses casos como a ira de Deus. Mas hoje, depois de tantos anos sem trabalhar num caso dessa natureza, ele compreendeu o quanto esses crimes eram odiosos. Era preciso ser pai, era preciso conhecer a ação de bracinhos em torno de seu pescoço para compreender a magnitude de tamanha violação. Quando um agente trabalhava num caso de sequestro, seu sangue virava gelo; ele não desligava suas emoções, mas tentava contê-las o máximo de tempo possível, de preferência até a libertação do refém. Ele lembrava que seu primeiro supervisor de esquadrão, Dominic DiNapoli — era o sujeito mais durão deste lado da família Gambino — era gozado pelos colegas por ter chorado como um bebê ao entregar um refém vivo de volta aos pais. Apenas agora ele compreendia como aquilo fora apenas mais um sinal dos nervos de aço de Dom. Sim. E aquele bandido jamais sairia da Penitenciária Federal de Atlanta.
Então chegou a hora de acordar Megan. Ela estava enroscada na cama, vestindo seu macacão, o azul com a estampa de Gasparzinho, o Fantasminha Camarada. Ela estava ficando grande demais para ele. Os dedões estavam empurrando os pés de plástico. Incrível como as crianças cresciam rápido. Ele cocou o nariz da menina, e ela abriu os olhos.
— Papai!
Megan se sentou e então empertigou-se para dar-lhe um beijo. Pat se perguntou como as crianças conseguiam acordar com um sorriso. Nenhum adulto fazia isso. E seu dia também começou com uma viagem ao banheiro. Ele notou com prazer que as calcinhas da menina estavam secas. Megan estava se esforçando para dormir a noite inteira — fora muito difícil no começo —, mas esse parecia um motivo de orgulho muito estranho. Ele começou a se barbear, um evento diário que deixava sua filha absolutamente fascinada. Depois de acabar, abaixou-se para que ela passasse a mão no rosto dele e dissesse: — Está bom!
Naquela manhã a refeição foi farinha de aveia com banana picada e um copo de suco de maçã, enquanto Megan assistia ao Disney Channel no televisor da cozinha e papai retornava para seu jornal. Megan levou sozinha sua tigela e seu copo até a máquina de lavar pratos, tarefa muito séria que ela estava aprendendo a dominar. A parte difícil era colocar a tigela corretamente dentro da máquina. Megan ainda estava aprendendo isso. Era mais difícil que amarrar os próprios sapatos, que tinham fechos de Velcro. A Sra. Daggett dissera-lhe que Megan era uma criança brilhante, mais um motivo para ele explodir de orgulho, o que em seguida sempre dava lugar à tristeza, porque isso fazia-o lembrar da esposa. Pat dizia a si mesmo que podia ver o rosto de Deborah no da menina, mas a parte honesta do agente ocasionalmente questionava se isso não era mais um desejo que um fato. Pelo menos ela parecia ter o cérebro da mãe.
Será que era sua expressão inteligente que ele via?
O passeio na caminhonete foi rotineiro. O sol agora brilhava no céu, mas o tráfego ainda estava tranquilo. Megan estava em sua poltrona de segurança, como sempre olhando embasbacada para os outros carros.
A chegada também foi rotineira. Havia um agente trabalhando na 7-Eleven, claro, mais a equipe avançada na creche Giant Steps. Bem, ninguém jamais raptaria a menininha dele. Nas situações mais sérias, a rivalidade entre o FBI e o Serviço Secreto desaparecia, exceto por uma ou outra piadinha ocasional. Ele estava feliz por estarem ali, e eles não se importavam em deixar esse homem armado entrar. Assim que ele abriu a porta, Megan correu imediatamente para abraçar a Sra. Daggett e colocar seu cobertor no armário. Assim, seu dia de brincar e aprender estava começando.
— Oi, Pat — cumprimentou o agente na porta.
— Bom dia, Norm.
Os dois permitiram-se um bocejo de começo de manhã.
— O seu horário é tão infernal quanto o meu — disse o agente especial Jeffers. Jeffers era um dos agentes no rodízio da subsegurança presidencial de CHOCALHO. Esta manhã estava trabalhando como parte da equipe avançada.
— Como vai sua esposa?
— Mais seis semanas e teremos de começar a procurar um lugar como este.
Ela é tão boa quanto parece?
— A Sra. Daggett? Pergunte ao presidente — brincou O’Day. — Os Ryan mandam todos os filhos para cá.
— Isso é bom sinal — concordou o agente do Serviço Secreto. — Como é que vai 0 caso Kealty?
— Alguém no Estado está mentindo. É isso que os caras da OPR pensam. — Encolheu os ombros. — Ninguém sabe com certeza quem é o mentiroso. Os dados do polígrafo foram inúteis. O seu pessoal descobriu alguma coisa?
— Sabe, é engraçado. Ele dispensa muito os seus seguranças. Disse a eles que não gostaria de colocá-los numa posição em que tivessem de...
— Entendi. — Pat meneou a cabeça. — E eles têm colaborado com vocês?
— Eles não têm escolha. Ele anda se encontrando com pessoas, mas não temos certeza de com quem, e não temos permissão de descobrir o que ele está fazendo contra ESPADACHIM. — Balançou a cabeça. — Você não adora o nosso trabalho?
— Eu gosto de Ryan — comentou Pat, os olhos vasculhando a área, procurando por problemas. Era automático, quase como respirar.
— Nós adoramos o cara — concordou Norm. — Achamos que ele vai se safar dessa. Kealty é cheio de merda. Ei, eu trabalhei na segurança dele quando ele era o vice, lembra? Eu tinha de ficar a postos do lado de fora enquanto ele estava fodendo alguma dona. Era parte do trabalho — concluiu amargamente.
Os dois agentes federais trocaram um olhar. Esta era uma história interna, para ser discutida apenas dentro da comunidade da polícia federal, e embora o Serviço Secreto fosse pago para proteger seus patrões e manter todos os segredos, isso não significava que precisavam gostar do que faziam.
— Acho que tem razão. E aqui, tudo está tranquilo?
— Russell quer mais três pessoas, mas não acho que ele irá conseguir. Porra, já temos três bons agentes lá dentro, e três de plantão na casa ao lado. — Ele não estava revelando nada; O’Day já tinha deduzido tudo aquilo.
— E...
— Sim, do outro lado da rua. Russell parece entender do riscado.
— Vovô é o melhor — garantiu Norm. — Puxa, ele treinou metade das pessoas no Serviço, e você precisa vê-lo atirar. Com as duas mãos.
O’ Day sorriu.
— Todo mundo me fala isso. Um dia vou ter de convidá-lo para uma competição amigável.
Um sorriso.
— Andréa me disse. Ela... bem, ela olhou sua ficha no FBI...
— Quê?
— Ei, Pat, é só trabalho. Nós checamos todo mundo. Temos um protegido aqui todos os dias, certo? — Norm prosseguiu. — Além disso, ela quis ver seu cartão de armas de fogo. Ouvi dizer que você é um atirador muito decente, mas estou lhe dizendo, você precisa competir com o Russell. E quando fizer isso traga bastante dinheiro, tá?
— É isso que faz um cavalo correr, Sr. Jeffers.
O Day adorava esses desafios, e ainda não havia perdido um.
— Pode apostara sua bunda branca, Sr. O’Day — disse Jeffers. Ele levantou a cabeça e tocou seu fone auricular. Olhou o relógio. — Acabaram de entrar em movimento. CHOCALHO está vindo. Nossa menina e a sua são companheiras inseparáveis.
— Ela parece uma garotinha e tanto.
— Todos são boas crianças. Às vezes dão alguns problemas, mas é para isso que servem as crianças. SOMBRA vai dar um bocado de dor de cabeça quando começar a sair com rapazes.
— Não quero ouvir isso! Jeffers deu uma boa gargalhada.
—— Sim, estou torcendo para o nosso ser um garoto. Meu pai... ele é capitão de polícia em Atlanta... diz que as filhas são as punições de Deus por você ter nascido homem. Você vive com medo que elas encontrem alguém como você quando tinha dezessete anos.
— Chega! Deixe-me ir ao trabalho e lidar com alguns criminosos. — Deu um tapinha no ombro de Jeffers.
— Ela estará aqui quando você voltar, Pat.
Como de costume, O Day parou para tomar café na Ritchie Highway, em vez de seguir para o sul até a Rota 50. Tinha de admitir que os rapazes do Serviço sabiam o que estavam fazendo. Mas havia pelo menos um aspecto da segurança presidencial com o qual o FBI estava lidando. Ele teria de falar com o pessoal da OPR esta manhã. Informalmente, claro.
Um morreu, a outra foi para casa, e mais ou menos ao mesmo tempo.
Aquela tinha sido a primeira morte de MacGregor pelo vírus do Ebola. Ele já vira muitas outras, falhas cardíacas nas quais o processo de ressuscitação havia falhado, ferimentos, câncer, ou apenas idade avançada. Na maioria das vezes os médicos não estavam presentes e o trabalho sobrava para as enfermeiras. Mas dessa vez ele estava lá. No fim, o homem encontrara não exatamente a paz, mas a exaustão. O corpo de Saleh havia lutado o melhor que pudera, sua força conseguira apenas estender a luta e a dor, como um soldado numa batalha impossível. Mas sua força finalmente fora sobrepujada, e ele começara a esperar a chegada da morte. O zumbido de alarme no monitor cardíaco parou, e não havia mais nada a fazer além de desligá-lo. Não haveria tentativas de reviver este paciente. Os tubos intravenosos foram removidos, e as agulhas colocadas cuidadosamente num recipiente de plástico. Literalmente, tudo que fora tocado pelo paciente seria queimado. Isso não era tão extraordinário. As vítimas de AIDS e de algumas formas de hepatite eram tratadas também como objetos de contaminação mortal. No caso do Ebola, queimar os corpos era preferível — e além disso, o governo insistira. Assim, mais uma batalha estava perdida.
MacGregor sentiu-se aliviado, um pouco para sua vergonha, enquanto despia a roupa protetora pela última vez. Lavou-se cuidadosamente e foi ver Sohaila. Ainda estava fraca, mas pronta para partir e completar sua recuperação. Os exames mais recentes haviam mostrado o sangue repleto de anticorpos. De algum modo, seu sistema combatera o inimigo e passara no teste. Não havia mais nenhum vírus ativo nela. Ela podia ser abraçada. Em outro país teria sido mantida para exames adicionais, e doado uma boa quantidade de sangue para estudos intensivos de laboratório, mas novamente o governo local dissera que essas coisas não aconteceriam, que ela teria de receber alta no primeiro minuto em que isso fosse seguro. MacGregor argumentara contra, mas agora estava certo de que não haveria mais complicações. O próprio médico levantou a menina e colocou-a na cadeira de rodas.
— Quando estiver se sentindo melhor, você poderá vir me ver? — perguntou com um sorriso caloroso.
Ela assentiu. Uma criança inteligente. Seu inglês era bom. Uma criança bonita, com um sorriso encantador a despeito de sua fadiga, feliz por ir para casa.
— Doutor? — Era o pai dela. Ele devia ter um passado militar, a julgar pela forma como andava empertigado. O que ele estava tentando dizer transpareceu em seu rosto antes mesmo que pudesse pensar nas palavras.
— Fiz muito pouco. A sua filha é jovem e forte, e foi isso que a salvou.
— Mesmo assim, não esquecerei desta dívida.
Um aperto de mão firme, e MacGregor lembrou da frase de Kipling sobre o Ocidente e o Oriente. Fosse esse homem quem fosse — o médico tinha suas suspeitas —, que guardava semelhanças com todos os outros homens.
— Ela ficará fraca por mais uma ou duas noites. Deixe-a comer o que quiser, e é melhor deixá-la dormir o máximo que puder.
— Será como o senhor mandar — prometeu o pai de Sohaila.
— Vocês têm meu número, daqui e de casa. Liguem, se tiverem alguma dúvida.
— E se o senhor tiver qualquer dificuldade, com o governo, por exemplo, por favor nos conte.
A medida da gratidão do homem transpareceu em sua voz. Qualquer que fosse o valor dessa promessa, MacGregor sabia que tinha uma espécie de protetor. Não faria mal, decidiu, acompanhá-los até a porta. Dali retornou ao seu escritório.
— Então tudo está estabilizado — disse o funcionário público depois de ouvir o relatório do médico.
— Correto.
— Os funcionários já foram checados?
— Sim, e refaremos os exames amanhã, para ter certeza. As duas salas de pacientes serão desinfetadas completamente hoje. Todos os Itens contaminados serão queimados imediatamente.
— O corpo?
— Já foi ensacado para ser queimado, conforme suas ordens.
— Excelente, Dr. MacGregor, agiu muito bem. Agradeço por isso. Agora podemos esquecer que este incidente infeliz aconteceu.
— Mas como será que o Ebola chegou aqui? — perguntou MacGregor em tom pensativo, que era o máximo que podia fazer.
O funcionário público não sabia, e falou com confiança: — Isso não diz respeito nem a você nem a mim. E não acontecerá de novo.
Disso tenho certeza.
— Tudo bem — disse o médico.
Depois de mais algumas palavras, MacGregor desligou o telefone e fitou a parede. Mais um fax para o CDC, decidiu. O governo não podia se opor a isso.
Ele tinha de contar-lhes que a epidemia estava terminada. E isso também era um alívio. Seria bom voltar a praticar medicina normal, enfrentando doenças que poderia derrotar.
O Kuwait acabou sendo bem mais realista que a Arábia Saudita em sua avaliação sobre a substância da reunião, talvez porque o governo fosse na verdade um negócio de família, e sua propriedade ficasse situada num bairro muito perigoso. Adler entregou a transcrição. O presidente correu os olhos pelo texto.
— Em outras palavras, o que ele disse foi: Caiam fora!
— Exato — concordou o secretário de Estado.
— Ou o ministro das Relações Exteriores Sabah cortou toda a parte política, ou o que ele ouviu o assustou. Aposto na hipótese número dois — decidiu Bert Vasco.
— Ben? — perguntou Jack.
O Dr. Goodley balançou a cabeça.
— Talvez estejamos com um problema nas mãos.
— Talvez ? — perguntou Vasco. — Isto vai muito além de talvez .
— Certo, Bert, você é o campeão em prognósticos para o Golfo Pérsico — observou o presidente. — Que tal mais uma previsão?
— A cultura deles é baseada na barganha. Eles possuem rituais verbais complicados para reuniões importantes. Oi, como vai? pode levar uma hora. Se vamos acreditar que esse tipo de coisas não ocorreu, sua ausência passa uma mensagem clara. Você descobriu a mensagem, presidente: Caiam fora.
Embora fosse interessante, pensou Vasco, que tivessem começado o encontro rezando juntos. Talvez esse fosse um sinal que significasse alguma coisa para os sauditas e não para os kuwaitianos? Mesmo ele não conhecia todos os aspectos da cultura local.
— Então por que os sauditas estão tentando se manter tão calmos?
— Você não me disse que o príncipe Ali lhe passou outra impressão? Ryan assentiu.
— Isso mesmo. Prossiga.
— O reino é um pouco esquizofrênico. Eles gostam da gente, e confiam em nós como parceiros estratégicos. Por outro lado, também não gostam de nós e desconfiam de nossa cultura. Eles são muito mais conservadores que nós naquilo que chamamos questões sociais. Por exemplo, quando nosso Exército esteve lá em 91, eles pediram aos capelães que removessem a insígnia religiosa de seus uniformes, e quando viram mulheres guiando carros e carregando armas, ficaram malucos. Assim, por um lado eles dependem de nós para garantirmos sua segurança... o Príncipe Ali sempre lhe pergunta sobre isso, certo?... mas por outro se preocupam que baguncemos seu país enquanto o protegemos. O problema sempre retorna para a religião. Eles provavelmente prefeririam fazer um acordo com Daryaei do que em nos convidar novamente para guardarmos sua fronteira. Assim, seu governo fará o máximo para impedir que isso aconteça. Quanto ao Kuwait, a história é diferente. Se nós pedirmos permissão para fazer um exercício de tropas em seu território, eles dirão sim rapidinho, mesmo se os sauditas lhes pedirem que não o façam. Daryaei sabe disso, e ele não pode se mover tão rápido. Se ele começar a se mover para o sul...
— A Agência irá nos avisar — disse Goodley com confiança. — Sabemos o que estamos procurando, e ele não são sofisticados o bastante para ocultar isso.
— Se colocarmos tropas no Kuwait agora, isso será considerado um ato de agressão — alertou Adler. — Talvez seja melhor nos encontrarmos primeiro com Daryaei e sondá-lo.
— É bom darmos o sinal certo para ele — observou Vasco.
— Oh, não cometeremos esse erro, e acho que ele sabe que a situação dos países do Golfo é um assunto de prioridade máxima para nós. Nada de sinais enganosos desta vez.
A embaixadora April Glaspie fora acusada de passar um sinal enganoso para Saddam Hussein no verão de 1990 — mas ela havia negado o relato de Hussein, e ele não era uma fonte de informação realmente confiável. Talvez tivesse sido uma nuance linguística. Contudo, o mais provável era que ele tivesse escutado exatamente o que queria ouvir e não exatamente o que havia sido dito, hábito compartilhado frequentemente por chefes de Estado e crianças.
— Quanto tempo levará para fazer os preparativos? — perguntou o presidente.
— Será rápido — replicou o secretário de Estado.
— Faça — ordenou Ryan. — Velocidade máxima. Ben?
— Sim, senhor?
— Já conversei com Robby Jackson. Estabeleça com ele um plano para destacar Uma força de segurança modesta para lá rapidamente. O suficiente para mostrar que estamos interessados, mas não exagerado demais para provocá-los. Vamos também telefonar para o Kuwait e dizer a eles que estamos aqui caso precisem de nossa ajuda, e que nós podemos deslocar forças para seu país, se desejarem. Quem está preparado para isso?
— A 24ª Mecanizada, Forte Stewart, Geórgia. Já chequei — disse Goodley, orgulhoso de si. — Sua segunda brigada está em estado de alerta agora. Há também uma Brigada do 82° em Forte Bragg. Com o equipamento estocado no Kuwait, podemos estar prontos para o que der e vier em 48 horas. Também aconselho aumentar o estado de prontidão das naus de pré-posicionamento marítimo em Diego Garcia. Podemos fazer isso discretamente.
— Belo trabalho, Ben. Ligue para o secretário de Defesa e diga-lhe que quero isso feito... de mansinho.
— Sim, presidente.
— Direi a Daryaei que estamos oferecendo a mão da ajuda para a União Republicana Islâmica — disse Adler. — Direi também que temos um compromisso com a paz e a estabilidade naquela região, e que isso significa integridade territorial. Estou louco para saber o que ele vai dizer.
Olhos voltaram-se para Bert Vasco, que estava começando a amaldiçoar seu novo status de gênio de plantão.
— Talvez ele só tenha desejado balançar a sua jaula. Não acho que ele queira balançar a nossa.
— Essa é a primeira vez que você fica em cima do muro — observou Ryan.
— Não tenho informações suficientes — replicou Vasco. — Não acho que ele queira estabelecer um conflito conosco. Isso já aconteceu uma vez, e o resultado para eles foi negativo. Sim, ele não gosta dos sauditas nem de nenhum dos outros Estados. Mas, não, ele não quer nos enfrentar. Talvez ele pudesse acabar com todos eles. Essa é uma questão militar, e sou apenas um especialista de área. Mas acredito que ele não o fará, não com a gente no jogo, e ele sabe disso. Há pressão política no Kuwait e no reino, claro. Fora isso, não vejo muito motivo para nos preocuparmos.
— Ainda — acresceu o presidente.
— Sim, senhor. Ainda — concordou Vasco.
— E estou me apoiando em você com muita força, Bert?
— Não tem problema, presidente. Pelo menos o senhor me escuta. Não custaria nada gerarmos uma SNIE sobre as capacidades e intenções da URI.
Preciso de acesso mais amplo ao que for gerado pela comunidade de informação.
Jack virou-se.
— Ben, a SNIE está ordenada. Bert está na equipe com acesso pleno, por ordem minha. Sabem de uma coisa, rapazes? — acrescentou o presidente com um sorriso, procurando dissolver a tensão da reunião. — Dar ordens pode ser divertido! Estamos com um problema potencial, mas ainda não é um chute no saco, correto? — Acenos de cabeça. — Muito bem. Obrigado, cavalheiros.
Ficaremos com os olhos bem abertos.
O voo 26 da Singapore Airlines pousou cinco minutos depois, chegando ao terminal às 10:25 da manhã. Os passageiros da primeira classe, tendo desfrutado de poltronas mais amplas e macias, agora gozavam de acesso mais rápido à série de torturas burocráticas às quais os EUA submetem seus visitantes. O viajante recuperou sua mala na esteira rolante e com a bolsa de viagem pendurada no outro ombro, entrou o Special National Intelligencc Eatimate: Estimativa Especial do Serviço Nacional de Informação. (N. do T.) numa fila segurando o visto de entrada, que nada declarava de interessante para o governo dos Estados Unidos. A verdade não os teria agradado, — Olá — disse o inspetor, pegando o visto e olhando-o. Em seguida, pediu o passaporte. Parecia um passaporte velho, suas páginas cobertas por selos de entrada e saída. Ele achou uma página vazia e preparou-se para fazer uma nova marca. — O propósito de sua visita aos Estados Unidos?
— Negócios — respondeu o viajante. — Estou aqui para comparecer à feira automobilística no Javits Center.
— Sei. — O inspetor mal ouviu a resposta. O selo foi colocado e o visitante seguiu para outra fila. Ali suas bagagens foram submetidas a raios X em vez de abertas. — Algo a declarar?
— Não — as respostas simples eram as melhores. Outro inspetor olhou para a imagem da mala no monitor e não viu nada interessante. O inspetor fez um gesto para que o viajante seguisse em frente. O viajante pegou suas malas na esteira e caminhou até o ponto de táxi.
Surpreendente, pensou, encontrando um local em outra fila, chegou a um táxi em menos de cinco minutos. Sua primeira preocupação, ser flagrado na alfândega, pertencia ao passado. Quanto à preocupação seguinte, precisava evitar entrar num táxi que porventura tivesse sido selecionado para ele. Para impedir isso, atrapalhou-se com as malas e deixou uma mulher embarcar em seu lugar. Entrou no táxi seguinte. Acomodou-se em sua poltrona e agiu como se estivesse olhando em torno, quando na verdade estava procurando ver se algum carro o estava seguindo até a cidade. O tráfego antes do almoço estava tão denso que isso mal parecia possível, principalmente considerando que ele estava num dos milhares de veículos amarelos entrando e saindo do tráfego como gado num estouro de boiada. A única má notícia foi que seu hotel ficava distante do centro de convenções, de modo que ele precisaria pegar outro táxi.
Bem, isso não poderia ser evitado, e, de qualquer modo, ele precisaria registrar-se primeiro.
Mais trinta minutos e estava no hotel, subindo no elevador para o sexto andar, um mensageiro atencioso carregando sua mala enquanto continuava segurando a bolsa de viagem. Deu uma gorjeta de dois dólares ao mensageiro — ele fora instruído sobre a gorjeta; era melhor dar uma gorjeta modesta do que ser lembrado como alguém que dava gorjetas gordas demais ou simplesmente não dava. O mensageiro aceitou o dinheiro com gratidão, mas não muita. Com suas tarefas de entrada completadas, o viajante retirou seus ternos e camisas, também removendo objetos diversos da bolsa de viagem. O conjunto de barbear ele deixou, usando o fornecido pelo hotel para fazer a barba depois de um banho rápido. Apesar da tensão, estava surpreso com o quanto se sentia bem.
Ele lutava em missão há... quanto tempo? Vinte e duas horas? Alguma coisa assim. Mas ele dormira bastante, e não ficava ansioso em viajar de avião, como acontecia com muitos. Requisitou almoço ao serviço de quarto. Depois vestiu-se e, colocando a bolsa de viagem a tiracolo, desceu e pegou um táxi para o Javits Center. A feira automobilística, pensou que sempre gostara de carros.
Atrás dele em tempo e espaço, mais 19 outros ainda estavam no ar. Alguns estavam apenas pousando primeiro em Boston, então mais em Nova York, e um em Dulles para passarem também pela alfândega, testando seu conhecimento e sua sorte contra o Grande Satã, ou qualquer outra alcunha que Daryaei usasse para se referir ao seu inimigo coletivo. Satã, afinal de contas, tinha grandes poderes e era merecedor de respeito. Satã podia fitar os olhos de um homem e ver seus pensamentos, quase como o próprio Alá. Não, esses americanos eram funcionários, e apenas constituiriam perigo se percebessem alguma coisa.
— Vocês precisam aprender a ler as pessoas — disse Clark a eles. Era uma boa turma. Ao contrário das pessoas numa escola convencional, todos queriam aprender. Isso quase o levava de volta aos bons e velhos tempos aqui na Fazenda, no auge da Guerra Fria, quando todos queriam ser como James Bond e realmente acreditavam um pouco que poderiam, apesar de tudo que seus instrutores diziam. A maioria de seus colegas de classe tinha se formado recentemente, sendo bem educados pelo livro, mas não ainda pela vida. A maioria aprendera bem. Alguns não haviam aprendido, e uma nota baixa no campo podia significar mais do que uma marca vermelha num livro azul. Sua decisão em ingressar nesse mundo havia sido menos dramática do que era mostrado nos filmes; apenas a percepção de que era hora para uma mudança de carreira. Clark tinha esperanças mais elevadas para este grupo. Talvez eles não fossem formados em História em Dartmouth ou Brown, mas tinham estudado alguma coisa, em algum lugar, e depois haviam aprendido mais nas ruas de algumas cidades grandes. Talvez eles até soubessem que tudo que tinham aprendido seria importante para eles algum dia.
— Eles mentirão para nós? Os nossos agentes, quero dizer?
— Sr. Stone, você é de Pittsburgh, não é?
— Sim, senhor.
— Você trabalhou com informantes nas ruas. Eles mentiram para você?
— Algumas vezes — admitiu Stone.
— Aí está a sua resposta. Eles mentirão sobre sua importância, sobre o perigo em que estão envolvidos. Eles mentirão sobre praticamente tudo, dependendo de como estiverem se sentindo no dia. Vocês precisam conhecê-los e a seus estados de espírito. Stone, você percebia quando os seus informantes contavam histórias de pescador?
— Na maioria das vezes.
— Como você sabia? — perguntou Clark.
— Sempre que eles pareciam saber um pouco demais, sempre que a coisa não se encaixava...
— Sabem de uma coisa? — observou o instrutor com um sorriso. — Vocês são tão espertos que às vezes me pergunto o que estou fazendo aqui. Tudo se resume a conhecer as pessoas. Em suas carreiras na CIA, vocês sempre irão esbarrar em pessoas que acham que podem descobrir tudo lá de cima: o satélite sabe tudo e conta tudo. Não é exatamente assim. — Clark fez uma pausa antes de prosseguir: — Os satélites podem ser enganados, e isso é mais fácil de fazer do que as pessoas gostam de admitir. As pessoas também têm fraquezas, e uma delas é o ego. Entendam: não há nada mais eficiente que fitá-los em seus olhos.
Mas a coisa boa sobre agentes de campo é que até mesmo suas mentiras revelarão um pouco da verdade para vocês. Exemplo: Moscou, Kutuzovkiy Prospyekt, 1983. Esse agente nós tiramos de lá, e ele virá aqui semana que vem conversar com vocês. Ele passou uns maus bocados com seu chefe e...
Chavez apareceu na porta dos fundos e levantou um formulário de mensagem telefônica. Clark terminou a lição apressado e entregou a classe aos cuidados de seu assistente.
— O que é, Ding? — perguntou John.
— Mary Pat nos quer lá em D.C. rapidinho. Alguma coisa sobre uma SNIE.
— A União Republicana Islâmica, aposto.
— Nem vale a pena pedir esclarecimentos, Sr. C. — comentou Chavez. — Querem que cheguemos a tempo para o jantar. Quer que eu dirija?
Havia quatro naus de pré-posicionamento marítimo em Diego Garcia.
Eram embarcações relativamente novas, construídas sob encomenda para funcionar como garagens flutuantes para veículos militares. Um terço era composto por tanques, artilharia móveis e veículos blindados; o restante eram os trens, que eram veículos abastecidos com tudo, desde munições até ração e água. As naus eram pintadas em cinza, mas com frisos coloridos em torno de seus fumeiros, para designá-las como pertencentes à Frota da Reserva de Defesa. Eram tripuladas por marinheiros mercantes cujo trabalho era fazer sua manutenção. Isso não era muito difícil. Ocasionalmente eles desligavam os imensos motores diesel e velejavam por algumas horas, apenas para verificar se tudo estava funcionando. Esta noite eles receberam uma nova mensagem para aumentar seu estado de alerta.
Uma a uma, as tripulações da sala de motores desceram e acionaram os motores. Quantidades de combustível foram checadas com os registros escritos, testes foram feitos para assegurar que a embarcação estava preparada para navegar— motivo pelo qual eram mantidas com tanto carinho. Testar os motores não era anormal. Testa-los ao mesmo tempo era, e a coleção motores monstruosos gerou um campo térmico que seria evidente a detectores infravermelhos, especialmente à noite.
A informação chegou a Sergey Golovko trinta minutos depois de sua detecção e, como todos os chefes de informação no mundo inteiro, ele reuniu uma equipe de especialistas para discutir o assunto.
— Onde está o grupo de porta-aviões americano? — perguntou em primeiro lugar. Os EUA adoram espalhá-los pelos oceanos do mundo.
— Deixaram o atol ontem. Rumaram para leste.
— Afastando-se do Golfo Pérsico?
— Correto. Eles têm exercício marcado com a Austrália. Chamam de COPA SUL. Não temos informações que sugiram que o exercício está sendo cancelado.
— Então por que exercitam navios-transporte de tropas? O analista gesticulou.
— Poderia ser um exercício, mas a agitação no golfo sugere que não é.
— Nada em Washington? — indagou Golovko.
— Nosso amigo Ryan continua a navegar em mar bravio — reportou o chefe da seção política. — Vai mal.
— Ele sobreviverá?
— Nosso embaixador acredita que sim, e o residente concorda, mas nenhum deles acha que Ryan está firme no comando. É a confusão clássica. A América sempre se orgulhou de realizar com suavidade as transições de poder governamental, mas suas leis não preveem eventos como os que vimos. Ele não pode agir contra seu inimigo político...
— O que Kealty está fazendo é alta traição contra o Estado — observou Golovko. Na Rússia, a pena para traição sempre fora severa. Até mesmo uma simples citação tinha o poder de baixar a temperatura de uma sala.
— Não segundo a lei americana. Mas os meus peritos jurídicos disseram que a questão está tão confusa que não haverá um vencedor evidente. Nesse caso, Ryan permanecerá em comando devido à sua posição: ele chegou lá primeiro.
Golovko meneou a cabeça, mas sua expressão definitivamente não era feliz. O caso do Outubro Vermelho e as atividades de Gerasimov jamais deveriam ter alcançado o conhecimento público. Ele e seu governo sabiam sobre Gerasimov, mas apenas suspeitavam sobre o Outubro Vermelho. Na questão do submarino, a segurança americana fora soberba; então essa fora a carta que Ryan jogara para fazer Kolya desertar. Só podia ser. Visto agora, fazia todo sentido. Uma jogada e tanto. Exceto por uma coisa: isso tinha se tornado de conhecimento público também na Rússia, e ele agora estava proibido de contatar Ryan diretamente até que fosse determinada a conduta diplomática. A América estava fazendo alguma coisa. Ele não sabia ainda que coisa era essa, e em vez de telefonar para perguntar, e talvez até obter uma resposta honesta, teria de esperar que seus agentes de campo a discernissem por conta própria. O problema residia no dano causado ao governo americano, e no próprio hábito de Ryan, aprendido na CIA, de trabalhar com um número restrito de pessoas em vez de conduzir toda a burocracia como se fosse uma orquestra sinfônica. O instinto dizia-lhe que Ryan cooperaria; ele confiaria em seus ex-inimigos para agirem em interesse coletivo. Contudo, uma coisa o traidor Kealty havia conseguido — quem mais teria contado essas histórias à imprensa americana? — criar um impasse político. Política!
A política já fora o centro da vida de Golovko. Membro do partido desde os 18 anos, estudara Lenin e Marx com todo o fervor de um estudante de teologia. Embora com o tempo esse fervor tenha mudado para outra coisa, aquelas teorias lógicas mas inocentes moldaram sua vida adulta, até o momento em que evaporaram, deixando-lhe, pelo menos, uma profissão na qual se destacava. Ele fora capaz de racionalizar sua antiga antipatia com a América em termos históricos: duas grandes potências, duas grandes alianças. Duas filosofias diferentes atuando num uníssono perverso para criar o último grande conflito do mundo. O orgulho nacional ainda desejava que sua nação tivesse vencido, mas a Rodina não, e era assim. A parte importante da Guerra Fria estava acabada, e com ela o confronto mortal entre a América e o seu país.
Agora eles podiam reconhecer seus interesses comuns, e ocasionalmente agir em cooperação. Isso já havia acontecido. Ivan Emmetovich Ryan procurara-o para pedir-lhe ajuda no conflito americano com o Japão e juntos os dois países haviam alcançado um objetivo vital... uma coisa ainda secreta. Por que diabos, pensou Golovko, o traidor Kealty não revelara esse segredo em vez dos outros?
Mas, não, agora o seu país estava constrangido, e embora essa notícia tivesse dado à mídia recém-libertada um dia cheio quanto o que os americanos haviam tido — ou ainda mais —, ele estava incapacitado de dar um simples telefonema.
Aqueles navios estavam girando seus motores por algum motivo. Ryan estava fazendo algo ou pensando em fazer, e em vez de simplesmente perguntar, ele teria de ser novamente um espião, trabalhando contra outro espião em vez de trabalhar com um aliado. Bem, ele não tinha escolha.
— Forme um grupo especial de estudo para o Golfo Pérsico. Junte tudo que tivermos o mais depressa possível. A América terá de reagir de alguma forma à situação em desenvolvimento. Em primeiro lugar, precisamos determinar o que está acontecendo. Em segundo lugar, o que a América provavelmente sabe. Em terceiro, o que a América fará. Aquele general, G.I. Bondarenko... envolva-o nisto. Ele acaba de passar algum tempo entre os militares americanos.
— Imediatamente, camarada diretor — replicou seu subalterno imediato, retirando-se para cumprir as ordens. Pelo menos isso não tinha mudado!
As condições, pensou, eram excelentes. Nem quente demais, nem frio demais. O Javits Center ficava perto do rio, e isso gerava uma umidade local relativamente alta, o que também era muito bom. Ele estaria num ambiente fechado, e portanto não teria de se preocupar com a radiação ultravioleta danificando o conteúdo de seu recipiente. Quanto ao resto, a teoria do que estava fazendo não era do seu interesse; ele fora instruído brevemente sobre o assunto e iria fazer exatamente o que lhe fora ordenado. Se ia funcionar ou não... bem, isso estava nas mãos de Alá, não estava? O viajante saiu de seu táxi e entrou. -Jamais vira um prédio tão espaçoso, e sentiu certa desorientação depois de pegar seu crachá de visitante e o programa, que mostrava um mapa do interior. No programa havia um índice com a localização de todas as exibições. Com um sorriso matreiro decidiu que duas horas para cumprir seu objetivo e passaria algum tempo olhando os carros, exatamente como todo mundo.
Havia muitos deles, reluzentes como joias, alguns em plataformas giratórias para ser apreciados por quem tivesse preguiça de caminhar ao seu redor; muitos com mulheres seminuas ao lado, gesticulando para os espectadores como se estivessem convidando-os a ter relações sexuais com elas. Embora o que estivesse sendo realmente exposto fossem os automóveis, algumas mulheres eram promissoras, pensou o viajante, observando Olhou os rostos enquanto procurava disfarçar o interesse. Intelectualmente, ele sabia que a América fazia milhões de carros, e em quase todas as formas e cores. Parecia um desperdício imenso — o que era um carro, afinal, se não um método de mover pessoas de um lugar para o outro? E uma vez que com o uso eles ficavam danificados e sujos, esta exibição era uma mentira, mostrando-os como seriam por menos tempo do que o comprador levaria para chegar à sua casa — mesmo nos EUA, como ele vira no percurso desde do hotel.
Mesmo assim, foi uma experiência agradável. Ele havia imaginado a feira como um lugar de compras, mas este não era o tipo de lugar que ele associava ao processo, não um beco repleto de lojas pequenas operadas por mercadores para os quais barganhar era tão importante quanto respirar. Não, na América era diferente. Aqui prostituíam mulheres para vender coisas por um preço predeterminado. Não que ele fosse pessoalmente contra esse tipo de uso das mulheres; o viajante não era casado e tinha os desejos carnais usuais, mas proclamar isso desta forma ofendia o recato de sua cultura, e embora ele nunca desviasse os olhos das mulheres paradas ao lado dos carros, estava satisfeito por nenhuma delas pertencer à sua parte do mundo.
Todas as marcas e modelos. O Cadillac tinha um estande imenso na seção da General Motors. A Ford tinha outra área particular para todos os seus produtos. Ele atravessou a seção da Chrysler, e seguiu até os fabricantes estrangeiros. Logo percebeu que a seção japonesa estava sendo evitada, indubitavelmente como resultado do conflito americano com esse país — embora muitos dos modelos ostentassem cartazes proclamando FEITO NA AMÉRICA POR AMERICANOS!, em letras de três metros para ser lidas pelos poucos que se dessem ao trabalho. Toyota, Nissan e as outras marcas japonesas teriam um ano ruim, até mesmo a Cressida, a despeito de onde seus modelos fossem montados. Era possível prever isso pela falta de pessoas na área e, ao perceber, seu interesse em carros asiáticos morreu. Não, decidiu o viajante, não nesta região.
Os carros europeus estavam lucrando com a desgraça do Japão, percebeu o viajante. A Mercedes, em particular, estava atraindo uma multidão, especialmente um modelo novo de seu carro esportivo mais caro, pintado num preto profundo e lustroso que refletia as luzes do teto como um pedaço de céu limpo do deserto. Ao longo do caminho, o viajante recebeu dos representantes de cada marca um livreto ilustrado. Enfiou os livretos em sua bolsa de viagem para dar a entender que era exatamente como todos os outros visitantes.
Encontrou uma praça de alimentação e comprou algo para comer, um cachorro-quente, e ele não se preocupou se a salsicha era de porco ou não; a América não era um país islâmico, afinal de contas, e ali ele não precisava se preocupar com essas coisas. Ele passou boa parte do tempo observando os veículos para todos os tipos de terreno, perguntando-se se eles sobreviveriam às estradas primitivas do Líbano e do Irã, e decidindo que provavelmente iriam. Um deles era baseado num tipo militar que ele já vira, e se tivesse de fazer uma escolha, teria sido por aquele, amplo e poderoso. Pegou todo o pacote publicitário para esse e apoiou-se num poste para ler. Carros esportivos eram para afetados. Este tinha substância. Que pena que ele jamais teria um. Verificou as horas. Começo da noite. Mais visitantes estavam chegando, vindo de seus trabalhos para passar a noite alimentando suas fantasias. Perfeito.
Ao longo do caminho ele notara o sistema de ar-condicionado. O ideal seria alojar a sua lata no próprio sistema, mas também tinha sido instruído sobre isso. A epidemia de doença dos Legionários que houvera anos atrás na Filadélfia ensinara aos americanos sobre a necessidade de manter esses sistemas limpos; eles costumavam usar cloro para tratar a água condensada que umedecia o ar circulante, e o cloro mataria o vírus com a mesma precisão que uma bala mataria um homem. Procurando pelo livreto colorido, notou os respiradouros circulares enormes. Ar frio descia dos respiradouros e se espalhava invisível pelo assoalho. Ao ser aquecido pelos corpos na sala, o ar quente subiria de volta para os retornos e através do sistema para resinar — e ser um pouco desinfetado. Portanto, ele precisava escolher um local onde o fluxo de ar seria seu aliado, não seu inimigo. Pensou sobre isso, parado como um comprador de carro interessado. Começou a caminhar mais, passando debaixo de alguns respiradouros, sentindo a brisa suave e fria cm sua pele, avaliando uma e outra e procurando um lugar adequado para deixar sua lata. O local era muito importante. O período de borrifo duraria cerca de 15 segundos. Haveria um som sibilante — provavelmente perdido em meio ao ruído do prédio apinhado de gente — e uma névoa. A névoa ficaria invisível em apenas alguns segundos; o material dispersado era muito pequeno, e sendo tão denso quanto o ar circundante, se tornaria parte da atmosfera ambiente e se espalharia aleatoriamente por pelo menos trinta minutos, talvez mais, dependendo da eficácia dos sistemas ambientais no centro. Ele queria expor o máximo de pessoas possível. Consciente desses parâmetros, voltou a caminhar.
Ajudava o fato de que, por mais vasta que fosse, a feira automobilística não preenchia todo o Javits Center. Cada exibição era construída de partes pré-fabricadas como as de um prédio comercial, e por trás de muitas delas havia faixas amplas de pano, como bandeiras verticais, cujo único propósito era quebrar a linha de visão para as porções vazias do prédio. Elas eram facilmente acessíveis, percebeu o viajante. Não havia cercas de proteção. Era possível passar por trás dessas faixas e contornar uma exibição. Ele viu algumas pessoas realizando pequenas reuniões ali, e alguns funcionários de manutenção em trânsito, e mais ninguém. Os funcionários de manutenção eram um problema potencial.
Seria inútil se a lata fosse recolhida antes de borrifar seu conteúdo. Mas essas pessoas estariam em rotinas regulares, não estariam? Era apenas uma questão de discernir os padrões de seu movimento. Claro. Assim, pensou, onde seria o melhor local? A feira permaneceria aberta ainda por muitas horas. Ele queria escolher um lugar e momento perfeitos, mas fora instruído para não se preocupar muito com isso. Seguiu o conselho ao pé da letra. Era melhor agir de forma segura. Era essa sua missão básica.
A entrada principal é... ali. Pessoas entravam e saíam através do mesmo lado do prédio. As saídas de emergência ficavam em toda parte, todas elas marcadas apropriadamente, mas com alarmes sonoros nelas. Na entrada havia uma fileira de respiradouros de ar-condicionado formando uma espécie de barreira térmica, e os retornos ficavam principalmente no centro do salão de exibição. Assim, o fluxo de ar era designado para se mover para dentro a partir da periferia... e todos precisavam entrar e sair da mesma forma — como fazer isso funcionar ao seu favor? Havia uma fileira de salas de descanso ao lado, com tráfego regular de entrada e saída — perigoso demais; alguém poderia ver a lata, pegá-la e jogá-la numa lata de lixo. Caminhou até o outro lado, folheando seu programa enquanto fazia isso, esbarrando em pessoas e se vendo novamente na beira do setor da General Motors. Depois dela ficavam as seções da Mercedes e da BMW, todas no caminho para os retornos, e ali havia um monte de gente em todas as três áreas; além de tudo, o fluxo de ar para baixo escoaria por parte da entrada saída. As bandeiras verdes bloqueavam a visão da parede, mas havia espaço debaixo delas, área aberta... parcialmente ocultas da vista. Aquele era o lugar. Prosseguiu caminhando, checando o relógio e então o programa para saber os horários das demonstrações. O programa ele enfiou na bolsa de viagem, enquanto sua outra mão corria o zíper do conjunto de barbear.
Circulou mais uma vez, procurando por outro lugar semelhante. Achou um, mas não era tão bom quanto o primeiro. Verificou uma última vez para ver se alguém o seguia. Não, ninguém sabia que ele estava ali, e ele não anunciaria sua presença ou sua missão com uma rajada de tiros de AK-47 ou com a explosão de uma granada. Havia mais de uma forma de ser um terrorista, e ele lamentou por não ter descoberto esta antes. Como ele teria gostado de alojar uma lata como esta num teatro em Jerusalém... mas, não, o momento para isso viria mais tarde, talvez, depois que o maior inimigo de sua cultura estivesse aleijado. Agora ele olhou para os rostos, esses americanos que odiavam tanto a ele e ao seu povo. Vagando em todas as direções, como gado, sem nenhum propósito definido. E então chegou o momento.
O viajante agachou-se atrás de uma exibição, extraiu a lata e deitou-a ao seu lado no piso de concreto. Estava munida de pesos para rolar até a posição apropriada, e, deitada de lado, seria mais difícil de ser vista. Feito isso, pressionou o marcador de tempo mecânico simples e se afastou, caminhando de volta para a área de exibição, dobrando à esquerda para deixar o prédio. Estava num táxi em cinco minutos, voltando para o hotel. Antes de chegar ao seu destino, o marcador de tempo liberou a válvula, e por 15 segundos a lata esvaziou seu conteúdo no ar. O ruído se perdeu em meio à cacofonia da multidão. A nuvem de vapor dispersou-se antes de poder ser vista.
Em Atlanta, era a feira de barcos de corrida. Cerca de metade das pessoas ali estava considerando seriamente comprar um barco, neste ano ou em algum outro. O restante estava apenas sonhando. Que sonhem, pensou este viajante ao sair.
Em Orlando, eram veículos recreativos. Ali foi particularmente fácil. Um viajante olhou por baixo de um Winnebago, como se para checar o chassi, fez a lata rolar ali e partiu.
No McCormick Center de Chicago, eram utensílios domésticos, um salão vasto, repleto de todos os tipos de mobílias e dispositivos, e de mulheres que os cobiçavam.
Em Houston, era uma das maiores feiras de cavalos dos EUA. Muitos deles eram árabes, como o viajante ficou surpreso em notar, e sussurrou uma oração para que a doença não ferisse essa criatura nobre, tão amada por Alá.
Em Phoenix era equipamento de golfe, um jogo do qual o viajante não conhecia nada, embora tivesse quilos de folhetos a respeito que poderia ler na viagem de volta. Encontrou uma sacola de golfe vazia, com um forro de plástico duro que ocultaria a lata, acionou o marcador de tempo e jogou-a dentro.
Em San Francisco, eram computadores, a feira mais apinhada de todas.
Havia mais de vinte mil pessoas no Moscone Convention Center, tantas que este viajante temeu não conseguir chegar ao pátio externo antes de a lata liberar seu conteúdo. Mas ele o fez, caminhando a passos largos até seu hotel, a quatro quarteirões dali, satisfeito por haver terminado seu trabalho.
A Loja de tapetes estava fechando quando Aref Raman entrou. O Sr.
Alahad trancou a porta da frente e desligou as luzes.
— Minhas instruções?
— Você não fará nada sem ordens diretas, mas é importante saber se será capaz de completar sua missão.
— Isso não é evidente? — indagou Raman com irritação. — Por que você acha...
— Tenho minhas instruções — disse Alahad em tom gentil.
— Sou capaz. Estou pronto — assegurou o assassino ao intermediário. A decisão fora tomada muitos anos antes, mas era agradável proferi-la em voz alta, para outra pessoa, aqui, agora.
— Saberá no momento apropriado. Isso será em breve.
— A situação política...
— Estamos cientes disso, e temos confiança em sua devoção. Vá em paz, Aref. Coisas grandes estão acontecendo. Não sei que coisas são essas, apenas que elas estão acontecendo, e que, no momento certo, o seu ato será a pincelada final da jihad sagrada. Mahmoud Haji manda suas saudações e suas preces.
— Obrigado.
Raman inclinou a cabeça em agradecimento à bênção distante mas poderosa. Havia muito tempo que ele não ouvia a voz do homem através de nada além de um televisor, e sempre que isso acontecia precisava afastar-se, para que os outros não vissem sua reação.
— Tem sido difícil para você — disse Alahad.
— Tem sido — assentiu Raman.
— Estará acabado em breve, meu jovem amigo. Venha até os fundos comigo. Tem tempo?
— Tenho.
— É hora de orarmos.
38
O Momento da Graça
— Não sou um especialista de área — objetou Clark. Ele já estivera no Irã.
Ed Foley já tinha uma resposta para isso: — Você já esteve lá, e acho que é você quem diz que não há substituto para mãos sujas e bom faro.
— Hoje mesmo ele estava falando isso para os garotos na Fazenda — reportou Ding com um olhar matreiro. — Bem, hoje foi sobre ler pessoas olhando em seus olhos, mas não é a mesma coisa. Bom olho, bom faro, bons sentidos.
Ele não tinha ido ao Irã, e eles não mandariam o Sr. C. sozinho, mandariam?
— Você vai, John — disse Mary Pat Foley, e como ela era a DDO, sua palavra era lei. — O secretário Adler deverá ir para lá muito em breve. Quero que você e Ding vão como observadores. Mantenham-no vivo, e sintam o cheiro do lugar. Quero que leiam como está a atmosfera nas ruas. E só isso.
Apenas um reconhecimento ligeiro.
Era o tipo de coisa que geralmente se fazia assistindo ao material da CNN, mas Mary Pat queria que um agente experiente tomasse o pulso do lugar.
Se havia uma maldição em ser um bom agente de treinamento, era que quando as pessoas que você treinava eram promovidas, elas lembravam de suas lições — e pior, de quem as ensinara. Clark lembrava de ambos os Foleys em suas turmas na Fazenda. Desde o começo ela tinha sido o cowboy — certo, a cowgirl — da dupla, com instintos brilhantes, habilidades fabulosas em cultura russa, e o tipo de dom para ler pessoas com mais profundidade que um psiquiatra... mas um pouco fraca no quesito cautela, confiando um pouco demais em sua carinha de bebê e em sua imitação de loura burra para mantê-la em segurança. Ed carecia de sua paixão, mas tinha a habilidade de formular o Grande Quadro, de fazer previsões quase sempre acertadas. Nenhum dos dois chegava perto da perfeição. Juntos eram uma obra de arte, e John se orgulhava de tê-los ensinado ao seu modo. Pelo menos na maior parte do tempo.
— Certo. Não temos nenhum recurso lá?
— Nada útil. Adler quer fitar Daryaei nos olhos e dizer-lhe quais são as regras. Vocês ficarão hospedados na embaixada francesa. A viagem é secreta.
VC-2 para Paris, transporte francês a partir dali. A intenção é entrar e sair depressa — explicou Mary Pat. — Mas quero que vocês passem uma ou duas horas caminhando por lá, apenas para sentir como estão as coisas, ver o preço do pão, como as pessoas se vestem... vocês conhecem a rotina.
— E teremos passaportes diplomáticos, para que ninguém nos incomode — acrescentou John. — Sim, já ouvi essa antes. Assim como todo mundo na embaixada em 1979, lembram?
— Adler é o secretário de Estado — recordou-o Ed.
— Acho que eles sabem disso — disse John. Também sabem que ele é judeu, não acrescentou.
O voo para Barstow, Califórnia, foi como os exercícios sempre começavam. Ônibus e caminhões subiram nos aviões, e as tropas desceram pelo percurso curto até a única estrada para o Centro Nacional de Treinamento. O general Diggs e o coronel Hamm observaram tudo de seu helicóptero estacionado enquanto os soldados formavam. Este grupo vinha da Guarda Nacional da Carolina do Norte, uma brigada reforçada. Não era sempre que a Guarda vinha a Forte Irwin, e esta supostamente seria especial. Como durante anos o estado elegera todos os principais senadores e deputados — bem, ao menos até recentemente —, os homens da Carolina recebiam os equipamentos melhores e mais modernos, e haviam tido uma brigada designada para uma das divisões blindadas do Exército. Com toda certeza, eles marchavam como soldados, e havia mais de um ano vinham sendo preparados por seus oficiais para este rodízio de treinamento. Tinham conseguido até mesmo colocar as mãos em combustível adicional, graças ao qual haviam treinado por algumas semanas extras. Agora os oficiais estavam formando seus homens em filas regulares antes de colocá-los no transporte, e a uma distância de quatrocentos metros, Diggs e Hamm puderam ver seus oficiais conversando com seus homens sob o barulho de uma aeronave pousando.
— Parecem orgulhosos, chefe — observou Hamm.
Ouviram um som distante, como uma companhia de tanques dizendo ao seu comandante que estavam prontos para chutar alguns traseiros. Uma equipe de jornalistas estava presente para imortalizar o evento para a TV local.
— Eles são orgulhosos — disse o general. — Soldados devem ser orgulhosos, coronel.
— Só está faltando uma coisa, senhor.
— E o que é, Al?
— Béééééééééé! — exprimiu o coronel Hamm em torno de seu charuto. — Ovelhas para o matadouro. — Os dois oficiais trocaram um olhar. A primeira missão do OpFor era tirar esse orgulho. A Divisão Blindada Corcel Negro jamais perdera um mero conflito simulado para alguma coisa que não fosse uma formação regular — e isso foram muito poucas vezes — E Hamm não planejava começar este mês. Dois batalhões de tanques Abrams, mais um de Bradleys, outro de artilharia, uma companhia de cavalaria e um batalhão de apoio de combate contra seus três esquadrões de Força de Oposição. Não era justo com os visitantes.
Estavam quase acabando. O trabalho mais irritante de todos era misturar o AmFo, que acabou se revelando um belo exercício muscular para os Montanheses. As proporções apropriadas do fertilizante (que era principalmente um composto químico baseado,em amônia) e o óleo diesel haviam sido aprendidas num livro. Ocorreu aos dois homens como era engraçado que as plantas gostassem de comer um explosivo tão mortal. O propulsor usado em cartuchos de artilharia também era baseado em amônia, e certa vez, na Alemanha depois da Primeira Guerra Mundial, uma fábrica de fertilizantes químicos para plantas explodira, levando junto a aldeia vizinha. A adição de óleo diesel era em parte para prover um elemento adicional de energia química, mas principalmente para funcionar como agente umedecedor, possibilitando à onda de choque interna propagar-se melhor dentro da massa de explosivo e apressar a detonação. Usaram um tubo grande para a mistura, e um remo, como o de uma canoa, para mexer a massa até que ela adquirisse a consistência apropriada (também haviam aprendido isso num livro). O resultado era uma grande bolha de gosma parecida com lama que se formava em formas semelhantes a tijolos. Esses eles levantavam com as próprias mãos.
Era sujo, fedorento e um pouco perigoso dentro do tambor do caminhão de cimento. Eles se revezavam em turnos para encher o tambor. A portinhola de acesso, projetada para admitir cimento semilíquido, tinha pouco mais de noventa centímetros de diâmetro. Holbrook adaptara um ventilador para soprar ar fresco para o interior do tambor, — porque a fumaça da mistura fresca de AmFo era desagradável e possivelmente perigosa — causava-lhe dores de cabeça, o que era mau sinal. Haviam trabalhado nisso por mais i de uma semana, mas quando o último tijolo foi alojado com os outros, o tambor estava cheio até três quartos de sua capacidade, o necessário para seus propósitos.
Cada camada fora disposta de forma um pouco regular, e os espaços vazios foram preenchidos com uma mistura que era mais líquida e tinha de ser transportada com balde, de modo que o corpo circular do tambor ficou tão cheio quanto seria possível com apenas dois homens solitários trabalhando. Se fosse possível ver através do aço, o resultado do trabalho pareceria um gráfico em forma de pizza, a parte não preenchida uma forma em “V” voltada para cima.
— Acho que com isso acabamos, Pete — decretou Ernie Brown. — Temos mais uns 45 quilos, mas...
— Nenhum lugar para colocar — concordou Holbrook, saindo do tambor.
Desceu a escada e os dois saíram para sentar no jardim e pegar um pouco de ar fresco. — . Puta que pariu, estou feliz por ter acabado essa parte!
— Pode repetir isso.
Brown enxugou o rosto e respirou fundo. Estava com a cabeça doendo tanto que teve a impressão de que seu rosto ia cair. Ficariam ali fora por um bom tempo, até expulsarem aquela fumaça maldita dos pulmões.
— Isso deve fazer muito mal para a gente — avaliou Pete.
— Com toda certeza vai fazer mal para alguém. Boa ideia as balas — acrescentou. Lá dentro havia oito tambores de óleo cheios delas, o que provavelmente era exagero, mas era melhor sobrar do que faltar.
— De que vale um bom sundae sem castanhas por cima? — perguntou Holbrook.
— Babaca! — disse Brown, rindo tão alto que quase caiu da cadeira. — Meu Deus, como minha cabeça dói!
A aprovação para a cooperação francesa no encontro chegou de Quai d Orsay com uma velocidade notável. A França tinha interesses diplomáticos com cada país fronteiriço ao Golfo, interesses que abrangiam relações comerciais que iam de tanques de guerra a remédios. Ao serem destacadas para a Guerra do Golfo, as tropas francesas viram-se enfrentando produtos franceses, mas esse tipo de coisa não era tão incomum. A aprovação da missão foi comunicada por telefone ao embaixador americano às nove da manhã; este passou um telex para Foggy Bottom em menos de cinco minutos, de onde foi levado ao secretário Adler enquanto ele ainda estava em sua cama. Os militares tinham feito outras notificações, sendo a primeira de todas para a 89ª Esquadrilha Militar na Base Aérea de Andrews.
Tirar o secretário de Estado da cidade com discrição nunca era a mais fácil das tarefas. As pessoas notavam quando políticos tão importantes se ausentavam, e isso certamente dava uma boa matéria de primeira página. Adler iria consultar-se com aliados europeus a respeito de várias questões. Os franceses eram muito mais competentes no controle de sua imprensa, tarefa que era, antes de mais nada, uma questão de escolher bem o momento de agir.
— Sim? — disse Clark, atendendo ao telefone em Marriott, perto de Langley.
— Será hoje — disse a voz.
Uma piscadela. Um meneio de cabeça.
— Ótimo. Certo, já fiz as malas.
Então rolou na cama para dormir mais um pouco. Pelo menos esta missão não exigiria uma reunião de instrução. Ficar de olho em Adler, dar um passeio, voltar para casa. Não havia realmente motivo para se preocupar demais com segurança. Se os iranianos — URIanos era uma expressão com a qual ainda não se habituara — quisessem fazer alguma coisa, dois homens com pistolas não seriam capazes de conseguir muita coisa além de entregar suas armas sem usá-las; além disso, a polícia local ou a segurança iraniana manteria as pessoas hostis afastadas. Ele estaria lá apenas por uma questão burocrática, porque isso era o tipo de coisa que se fazia.
— Estamos indo? — indagou Chavez da outra cama.
— Isso.
— Bueno.
Daryaei olhou seu relógio de mesa, subtraindo oito, nove e 11 horas, e se perguntando se algo saíra errado. O arrependimento era a maldição das pessoas em sua posição. Você tomava suas decisões e agia, e apenas depois disso se preocupava realmente, apesar de todo o planejamento investido. Não havia uma estrada dourada para o sucesso. Você adorava correr riscos, um fato nunca apreciado por aqueles que apenas pensavam em ser chefes de Estado.
Não, nada dera errado. Ele tinha recebido o embaixador francês, um infiel muito agradável que ralava a língua local com tamanha perfeição que Daryaei imaginou como se sairia lendo a poesia de seu país. E um homem cortês e reverente, que apresentara o pedido como se estivesse arranjando um casamento de aliança entre famílias, seu sorriso esperançoso também conduzindo os desejos de seu governo. Os americanos não teriam feito o pedido se não nutrissem certa cautela quanto ao povo e a missão do povo de Badrayn. Num caso como aquele, o encontro se daria em território neutro — a Suíça era sempre uma possibilidade — para contato informal mas direto. Neste caso, eles enviariam seu próprio ministro das Relações Exteriores para o local que consideravam um país inimigo... e um judeu ainda por cima! Contato amigável, troca amigável de visões, ofertas amigáveis de relações amigáveis, garantiu o francês. Ele certamente estava torcendo para que tudo corresse bem, e assim a França seria lembrada como a nação que fomentou uma nova amizade — bem, talvez um relacionamento de trabalho —, e se algo corresse mal, então seriam lembrados como o país que tentara promovera paz. Se Daryaei tivesse conhecimentos sobre balé, decerto teria usado essa arte como uma metáfora visual para o processo.
Que se danem os franceses, pensou. Se seu chefe guerreiro Martel não tivesse detido Abd-ar-Rahman em Poitiers, em 732, todo o mundo poderia ser... mas nem mesmo Alá podia mudar a História. Rahman perdera aquela baralha porque ele e seus homens haviam ficado gananciosos, afastando-se da pureza da Fé. Expostos às riquezas do Ocidente, tinham parado de lutar e começado a saquear, e dado às forças de Martel a chance de se reorganizar e contra-atacar.
Sim, essa era a lição para ser lembrada. Sempre havia tempo para saques.
Primeiro era preciso vencer a batalha. Primeiro era preciso destruir as forças do inimigo, e depois pegar o que se quisesse.
Saiu de seu escritório para a sala contígua. Na parede havia um mapa de seu novo país e seus vizinhos, e uma poltrona confortável da qual ele podia vê-lo. Olhar mapas induzia um erro comum. As distâncias eram trancadas. Tudo parecia perto demais, principalmente depois de tanto tempo desperdiçado de sua vida. Tudo parecia ao seu alcance. Nada poderia dar errado agora. Não com tudo tão perto.
Partir era muito mais fácil do que chegar. Como a maioria dos países ocidentais, os EUA preocupavam-se muito mais com aquilo que as pessoas poderiam estar trazendo do que com o que poderiam estar levando. E isso era sensato, pensou o primeiro viajante, enquanto seu passaporte era processado no JFK. Eram 7:05 da manhã, e o voo da Air France, um Concorde supersônico, estava à sua espera para levá-lo para casa Ele estava com uma coleção imensa de livretos sobre carros, e uma história inventada com cuidado para o caso de alguém perguntar sobre eles, mas seu disfarce não foi desafiado, nem mesmo examinado. Ele estava partindo, e isso era bom. O passaporte foi devidamente selado. Os agentes alfandegários nem mesmo perguntaram-lhe por que ele chegara num dia e partira no seguinte. Viagens de negócios são viagens de negócios. Além disso, era bem cedo, e nada importante acontecia antes das dez.
Na sala de espera da primeira classe da Air France serviram café, mas o viajante não aceitou. Apenas agora seu corpo começava a tremer.
Surpreendente como tudo fora tão fácil. Ao instruí-los sobre a missão, Badrayn dissera-lhes que seria tranquila, mas o viajante não acreditara, acostumado a lidar com a segurança israelense e sua miríade de soldados e armas. Toda a tensão que sentira — uma sensação de estar amarrado com uma corda —estava passando agora. Na noite anterior dormira mal no hotel; agora subiria no avião e dormiria durante toda a viagem. Quando retornasse a Teerã, riria e pediria a Badrayn outra missão como aquela. Ao passar pelo bufê, viu uma garrafa de champanhe e decidiu servir-se de uma taça. A bebida fazia-o espirrar e era proibida por sua religião, mas era a forma ocidental de celebrar, e ele tinha realmente um motivo para isso. Vinte minutos depois, seu voo foi anunciado e ele seguiu o corredor de embarque com os outros passageiros. Agora sua única preocupação era a desorientação causada pela diferença do fuso horário. O avião decolaria às oito da manhã e chegaria a Paris às 5:45 da tarde! Do café da manhã para o jantar sem nenhuma refeição no meio do dia. Bem, esse era o milagre das viagens modernas.
Dirigiram separadamente para Andrews, Adler em seu carro oficial, Clark e Chavez no carro pessoal desse último, e enquanto o secretário de Estado era autorizado a cruzar o portão, os agentes da CIA tiveram de mostrar suas identificações, o que pelo menos valeu-lhes uma continência do soldado da aeronáutica.
— Você realmente não gosta do lugar, não é? — perguntou o oficial menos graduado.
— Bem, Domingo, na época em que você estava andando de bicicleta com rodinhas, eu estava em Teerã com um disfarce muito fraco, vendo compatriotas sendo conduzidos vendados pelas ruas por um bando de garotos malucos com armas apontadas para eles, enquanto uma multidão gritava Morte à América .
Durante algum tempo, achei que eles iam ser encostados num paredão e fuzilados. Eu conhecia o chefe da estação. Merda, eu o reconheci. Ele passou por uns maus bocados.
Clark lembrou da sensação de estar parado a apenas 45 metros dos reféns, incapaz de fazer qualquer coisa...
— O que você estava fazendo?
— Na primeira vez, um reconhecimento rápido para a CIA. Na segunda, fui parte da missão de resgate que deu com os burros n água em Deserto Um. Na época todos dissemos que tínhamos dado azar, mas aquela operação realmente me assustou. Provavelmente foi melhor que tenha fracassado — concluiu John. — Pelo menos nós os tiramos vivos no fim.
— Então é isso. Lembranças ruins. Não gostou do lugar? Clark encolheu os ombros.
— Na verdade não. Nunca entendi aquela gente. Os sauditas eu entendo.
Gosto um bocado deles. Depois que você quebra o gelo, eles se tornam amigos seus para sempre. Algumas das regras são um pouco estranhas para nós, mas isso não é problema. É um pouco parecido com os velhos filmes, senso de honra e tudo mais, e muita hospitalidade, Em suma, tive muitas experiências boas lá. Mas não do outro lado do Golfo. Minha única recordação boa é de quando saí daquele lugar.
Ding estacionou seu carro. Os dois homens retiraram suas malas enquanto uma sargento vinha recebê-los.
— Indo para Paris, sargento — disse Clark, mostrando de novo a identificação.
— Cavalheiros, podem me acompanhar?
Ela gesticulou na direção do terminal VIP. O prédio baixo, de um só andar, tinha sido esvaziado. Scott Adler estava num dos sofás, lendo alguns jornais.
— Secretário?
Adler levantou os olhos.
— Deixe-me adivinhar, este é Clark, e este é Chavez.
— O senhor teria futuro no ramo da espionagem — disse John, sorrindo.
Trocaram apertos de mão.
— Bom dia, senhor — disse Chavez.
— Foley disse que com vocês minha vida estará em boas mãos — disse o secretário de Defesa.
— Exagero dele. — Clark caminhou alguns metros para pegar um croissant.
Seria tensão?, perguntou John a si mesmo. Ed e Mary Pat estavam certos. Esta seria uma operação de rotina, apenas entrar e sair. Oi, como vai você, coma merda e morra, tchau-tchau. E ele já estivera em situações bem piores do que Teerã em 1979-80 — não muitas, mas algumas. Olhou para o pão. Alguma coisa fizera aflorar aquela velha sensação, o arrepio em sua pele como se alguma coisa estivesse soprando seus pelos, a sensação que lhe dizia para olhar com atenção onde pisa.
— Ele também me disse que vocês estão na equipe da SNIE, e que devo ouvir o que têm a dizer—prosseguiu Adler. Ele, pelo menos, parecia relaxado, percebeu Clark.
— Os Foley e eu já nos conhecemos há um bom tempo — explicou John.
— Já esteve lá antes?
— Sim, secretário. — Clark acrescentou uma explicação de dois minutos que fez o secretário assentir, pensativo.
— Eu também. Fui um dos que os canadenses tiraram de fininho. Tinha chegado apenas uma semana antes. Estava caçando um apartamento quando eles tomaram a embaixada. Perdi toda a diversão — concluiu o secretário de Estado e acrescentou: — Graças a Deus.
— Então conhece um pouco o país? Adler balançou a cabeça.
— Não realmente. Algumas palavras da linguagem. Fui até lá para aprender sobre o lugar, mas não funcionou e fui colocado em outras áreas. Mas quero ouvir mais sobre sua experiência.
— Farei o que puder — disse-lhe John.
Um comandante jovem chegou para dizer que o voo já estava pronto. Um sargento pegou as bagagens de Adler.
Os oficiais da CIA carregaram suas próprias bagagens. Além de duas mudas de roupa, levavam seus coldres laterais —John preferia sua Smith & Wesson; Ding gostava da Beretta .40 — e câmeras compactas. Não dava para prever quando você veria algo útil.
Bob Holtzman tinha muita coisa em que pensar enquanto estava sentado sozinho em seu escritório. Era um ambiente clássico de trabalho para um jornalista: paredes de vidro, que possibilitavam o mínimo de privacidade acústica e também que ele visse o que acontecia na redação. Tudo de que realmente precisava era um cigarro, mas não era mais permitido fumar no Post, o que teria feito Ben Hecht morrer de rir.
Alguém tinha ajeitado as coisas para Tom Donner e John Plumber. Esse alguém só podia ser Kealty. A visão de Holtzman sobre Kealty era a exata imagem espelhada de seus sentimentos por Ryan. Considerava as ideias políticas de Kealty muito boas, progressistas e sensatas. Era apenas o homem em si que não prestava. Em outra época, sua galinhagem teria sido ignorada.
Washington era cheia de mulheres que sentiam pelo poder a mesma atração que as abelhas tinham pelo mel — ou que as moscas tinham por outra coisa. Essas mulheres deixavam-se ser usadas. A maioria saía de seus casos com os políticos mais tristes e sábias; na era do aborto fácil, as consequências mais permanentes pertenciam ao passado. Os políticos eram tão encantadores por natureza que a maioria das mulheres ia embora com um sorriso, sem perceber que tinham sido usadas. Mas algumas saíam magoadas, e Kealty magoara muitas. Uma mulher até mesmo se suicidara. A mulher de Bob, Libby Holtzman, trabalhara nessa matéria, apenas para vê-la ser perdida em meio à algazarra durante o breve conflito com o Japão, e nesse ínterim a imprensa decidira coletivamente que aquilo era notícia velha, e Kealty fora reabilitado na memória de todos. Até mesmo os grupos feministas tinham olhado para seu comportamento pessoal e, ao compará-lo com suas visões políticas, decidiram que elas pesavam mais na balança. As pessoas precisam ter alguns princípios, não precisam?
Mas esta era Washington.
Kealty havia contatado Donner e Plumber, e isso devia ter acontecido entre a entrevista pela manhã e a transmissão ao vivo à noite. E isso significava...
— Puta merda — praguejou Holtzman quando a lampadazinha acendeu sobre sua cabeça. Isso era notícia! Melhor ainda, era uma notícia que seu editor ia amar.
Donner dissera ao vivo na TV que a fita com a gravação que tinham feito fora danificada. Só podia ser mentira. Um jornalista que mentia diretamente para o público. Não havia muitas regras no mundo do jornalismo, e a maioria delas eram coisas amorfas que podiam ser deturpadas nu evitadas. Mas não essa. A mídia impressa e a eletrônica não se davam muito bem. Competiam pela mesma audiência, e a mais jovem das duas estava vencendo. Apenas a mais jovem?, perguntou-se Holtzman. A TV também era a mais atraente, e talvez uma imagem valesse por mil palavras, mas não quando os enquadramentos eram escolhidos tendo em vista mais o entretenimento que a informação. A TV era a mulher para a qual você olhava. A imprensa era a mulher com quem você casava e tinha filhos.
Mas como provar?
O que podia ser mais apetitoso? Ele poderia destruir aquele pavão, com seus ternos bem feitos, seu cabelo engomado. Ele poderia lançar uma sombra sobre todos os telejornais, e isso aumentaria a circulação! Ele poderia classificar tudo isso como uma cerimônia religiosa no altar da Integridade Jornalística. Arruinar carreiras fazia parte do negócio.
Ele jamais arruinara um colega jornalista, mas sentiu um prazer antecipado com o pensamento de expulsar esse aí do clube.
Mas e quanto a Plumber? Holtzman conhecia Plumber e o respeitava.
Plumber chegara à TV numa época diferente, quando a indústria estava tentando adquirir respeitabilidade, e contratava jornalistas tendo como base suas reputações profissionais, e não sua aparência de astro de cinema. Plumber tinha de saber. E ele provavelmente não ia gostar.
Ryan não tinha como não ver o embaixador colombiano. Era um diplomata de carreira vindo da aristocracia, vestido imaculadamente para encontrar-se com o chefe de Estado americano. O aperto de mão foi forte e cordial. Os galanteios usuais foram trocados diante do fotógrafo oficial e então chegou a hora de conversarem sobre negócios.
— Sr. Presidente — começou, formal —, fui instruído pelo meu governo a inquiri-lo sobre algumas alegações incomuns em sua mídia de massa.
Jack assentiu.
— Que vocês desejam saber?
— Foi reportado que há alguns anos o governo dos Estados Unidos pode ter invadido o meu país.
— Permita-me dizer que a minha administração não defenderá essa atitude sob nenhuma circunstância. Nisso o senhor tem a minha palavra pessoal, e confio no senhor para transmiti-la ao seu governo.
Ryan decidiu servir café ao homem. Ele aprendera que esses pequenos gestos pessoais eram poderosíssimos em acordos diplomáticos, por motivos que ele não conseguia compreender, mas estava disposto a aceitá-los quando funcionavam para ele. Funcionou desta vez, também, e quebrou a tensão do momento.
— Obrigado — disse o embaixador, levantando sua xícara.
— Acredito que é até mesmo café colombiano — disse o presidente.
— Infelizmente, não é o nosso produto de exportação mais famoso — admitiu Pedro Ochoa.
— Não os culpo por isso — disse Jack ao seu visitante.
— Oh?
— Sr. Embaixador, estou ciente de que seu país tem pagado um preço amargo pelos maus hábitos da América. Enquanto eu estava na CIA, precisava examinar todos os tipos de informações concernentes ao tráfico de drogas e os seus efeitos em sua parte do mundo. Não tomei parte na deflagração de nenhuma atividade imprópria em seu país, mas, sim, examinei muitos dados.
Estou ciente dos policiais que vêm sendo mortos... meu próprio pai foi policial, como o senhor sabe... e os juízes, e os jornalistas. Sei que a Colômbia vem trabalhando com mais fervor do que qualquer outro país em sua região para gerar um governo verdadeiramente democrático, e direi mais, senhor. Sinto vergonha de algumas coisas que têm sido ditas nesta cidade sobre o seu país. O problema das drogas não começa na Colômbia, no Equador ou no Peru. O problema das drogas começa aqui, e vocês são tão vítimas quanto nós... na verdade mais. E dinheiro americano que está envenenando o seu país. Não são vocês que estão nos ferindo. Somos nós que estamos ferindo vocês.
Ochoa esperara muitas coisas desta reunião, mas não isto. Pousou a xícara, e sua visão periférica subitamente reportou que estavam sozinhos na sala. Os guarda-costas haviam se retirado. Não havia nem mesmo um assistente fazendo anotações. Mais que isso, Ryan acabara de admitir que as histórias eram verdadeiras — pelo menos em parte.
— Presidente, não é sempre que temos ouvido palavras como essas do seu país — disse ele, num inglês aprendido em casa e polido em Princeton.
— Está ouvindo agora, senhor. — Dois pares de olhos cruzaram-se sobre a mesa. — Não criticarei o seu país, a não ser que o senhor mereça, e na base do que sei, essa crítica não é merecida. Diminuir o tráfico de drogas significa, acima de tudo, atacar a demanda, e essa será uma prioridade desta administração. No momento estamos esboçando uma legislação para punir os usuários de drogas, não apenas aqueles que as vendem. Quando o Congresso for devidamente restabelecido, pressionarei com força a aprovação dessa legislação. Também quero estabelecer um grupo de trabalho informal, composto de membros do meu governo e do seu, para discutirmos a melhor forma de ajudá-los na sua parte do problema; mas sempre com respeito absoluto por sua integridade nacional. A América nem sempre foi uma boa vizinha para vocês. Não posso mudar o passado, mas posso tentar mudar o futuro. Diga-me, o seu presidente aceitaria um convite para que possamos discutir o assunto pessoalmente? — Quero colocar fim nessa loucura de uma voz por todas.
— Acredito que ele veria favoravelmente um convite como esse, com a devida consideração para com o tempo e os outros deveres, é claro. — O que significava, com toda certeza que ele irá querer!
— Sim, senhor, eu mesmo estou aprendendo o quanto um trabalho como esse pode exigir de uma pessoa — disse Jack, acrescentando com um sorriso: — Talvez ele possa me dar alguns conselhos.
— Menos do que o senhor pensa — replicou o embaixador Ochoa.
Ochoa estava imaginando como explicaria este encontro ao seu governo.
Claramente, a oferta de um acordo estava na mesa. Ryan estava oferecendo o que só poderia ser visto na América do Sul como um elaborado pedido de desculpas por algo que jamais admitiria ter feito, e cuja revelação total prejudicaria todos os envolvidos. E, ainda assim, isto não estava sendo feito por questões políticas, estava? Estava?
— Presidente, quanto à sua proposta de legislação... o que o senhor pretende conseguir com ela?
— Estamos estudando isso agora. A maior parte das pessoas, acredito, usa drogas porque são divertidas; elas proporcionam fuga da realidade, ou como queira descrever a razão. De qualquer modo, proporcionam algum tipo de diversão pessoal. Nossas pesquisas sugerem que pelo menos metade das drogas que circulam no país são compradas por pessoas com propósitos recreativos, e não por indivíduos realmente viciados. Acho que podemos fazer com que o uso de drogas deixe de ser divertido. Como fazer isso?Através de algum tipo de punição por qualquer nível de posse ou intoxicação. Obviamente, não possuímos em nossas prisões espaço para todos os usuários de drogas, mas temos muitas ruas que precisam de limpeza. Para usuários com propósitos recreativos que sejam réus primários, trinta dias limpando as ruas e coletando o lixo de uma área economicamente atrasada, vestindo roupas chamativas. Isso, claro, tirará a maior parte da diversão de usar drogas. O senhor é católico, certo?
— Sou sim. Como o senhor. Ryan sorriu.
— Então já sentiu vergonha. Nós a conhecemos na escola, não é? Este projeto de lei é um ponto de partida, é tudo que temos no momento. As questões administrativas ainda precisam ser examinadas. A Justiça também está examinando algumas questões constitucionais, mas essas parecem ser menos problemáticas do que eu esperava. Quero que isto se torne lei até o final do ano.
Tenho três filhos, e o problema de drogas neste país me assusta muito no nível pessoal. Esta não é uma resposta perfeita ao problema. As pessoas realmente viciadas precisam de algum tipo de ajuda profissional, e agora estamos estudando programas locais de diversos estados em busca de coisas que funcionem de verdade... mas se pudermos eliminar o uso recreativo, isso significará o fim de pelo menos metade do negócio, e de onde eu venho, metade é um bom começo.
— Observaremos esse processo com grande interesse — prometeu o embaixador Ochoa.
Cortar a renda dos traficantes pela metade reduziria sua capacidade de comprar proteção, e ajudaria seu governo a fazer aquilo que ele vinha tentando com tanto afinco, porque o poder monetário do tráfico de drogas era um câncer político no corpo de seu país.
— Lamento as circunstâncias que ocasionaram este encontro, mas estou feliz por termos tido uma chance de discutir estas questões. Obrigado por ser tão direto, embaixador. Quero que o senhor saiba que sempre serei aberto a qualquer intercâmbio de visões. Acima de tudo, quero que o senhor e o seu governo saibam que tenho um grande respeito pela lei, e que esse respeito não se limita às fronteiras de minha nação. Não importa o que porventura tenha acontecido no passado; proponho um novo começo, e sustentarei minhas palavras com ação.
Os dois se levantaram. Ryan segurou novamente a mão do embaixador e conduziu-o até o pátio. Ali ficaram alguns minutos no Jardim Rosa diante de algumas câmeras de TV. O gabinete de imprensa da Casa Branca emitiria um press release sobre um encontro amigável entre os dois. As imagens seriam veiculadas nos telejornais para provar que o relato não era mentiroso.
— A primavera promete ser bonita — comentou Ochoa, reparando o céu limpo e a brisa quente.
— Mas os verões aqui podem ser muito desagradáveis. Diga-me, como é lá em Bogotá?
— Está fazendo calor agora. Nunca é quente demais, mas o sol pode ser inclemente. Este é um belo jardim. Minha esposa adora flores. Ela vai se tornar famosa — disse o embaixador. — Ela desenvolveu sua própria variedade nova de rosa. De algum modo, ela cruzou as variedades amarela e rosa e produziu uma flor de tom quase dourado.
— Como ela a batizou? — Todo o conhecimento de Ryan sobre rosas se restringia à necessidade de se tomar cuidado com os cabos, caules, ou como fosse chamada a parte espinhenta. Mas as câmeras estavam gravando.
— Em inglês, ela se chamaria Exibição da Alvorada . Ao que parece, já usaram todos os bons nomes de rosas — comentou Ochoa, um sorriso amigável.
— Será que poderíamos ter algumas neste jardim?
— Maria ficaria imensamente honrada, presidente.
— Então temos mais de um acordo, señor. — Outro aperto de mão.
Ochoa também conhecia o jogo. Para as câmeras, seu rosto latino resplandeceu no mais amigável dos sorrisos diplomáticos, mas o aperto de mão também teve calor genuíno.
— Exibição da Alvorada... para um dia realmente novo para todos nós, presidente.
— Tem a minha palavra.
Então saíram. Ryan caminhou de volta para a Ala Oeste. Arnie o estava esperando. Era amplamente conhecido, mas pouco admitido, que o Salão Oval tivesse, ocultos, mais microfones que um estúdio de gravação.
— Você está aprendendo. Está realmente aprendendo — observou o chefe de gabinete.
— Essa foi fácil, Arnie. Estamos fodendo essa gente há muito tempo. Tudo que precisei fazer foi dizer a verdade. Quero essa legislação em vigor o mais rápido possível. Quando o projeto de lei estará pronto?
— Dentro de umas duas semanas. Vai causar muito rebuliço — alertou.
— Não me importo — replicou o presidente. — Que tal tentar alguma coisa que surta resultados em vez de gastar todo o dinheiro em atitudes inúteis? Experimentamos derrubar aviões. Experimentamos assassinato. Experimentamos interdição. Experimentamos.... perseguir os traficantes. Exaurimos todas as possibilidades, e elas não funcionaram porque há muito dinheiro envolvido para que as pessoas desistam dele. Que tal irmos à raiz do problema para variar?
— Apenas estou dizendo que será difícil.
— E que coisa útil não é? — indagou Ryan, voltando para seu escritório. Em vez da porta direta pelo corredor, passou pela sala de secretariado. — Ellen? — disse o presidente, gesticulando para o Salão Oval.
— Estou corrompendo o senhor? — perguntou a Sra. Sumter, trazendo seus cigarros, sob os sorrisos mal disfarçados das outras damas na sala.
— Cathy poderia achar que sim, mas não vamos contar-lhe, vamos?
Na santidade de seu escritório, o presidente dos Estados Unidos acendeu um esquálido cigarro de mulher, celebrando com um vício o ataque a outro e, a propósito, o fato de ter neutralizado um terremoto diplomático.
Estranhamente, os últimos viajantes deixaram a América pelo aeroporto internacional de St. Paul, em Minneapolis, através de voos da Northwest e da KLM. Badrayn ainda suaria por muitas horas. No interesse da segurança, nenhum viajante recebera um número de telefone para ligar e proclamar seu sucesso, alertar sobre o fracasso, ou entregá-lo a seus captores, associando-o assim à URI com algo mais que suas próprias palavras. Em vez disso, Badrayn colocara homens a postos em todos os aeroportos de retorno com voos marcados. Quando os viajantes saltavam de seus voos na Europa e eram reconhecidos visualmente, então telefonemas eram feitos através de circuitos intrincados, a partir de aparelhos públicos, usando cartões telefônicos previamente pagos e anônimos.
O retorno bem-sucedido dos viajantes a Teerã iniciaria a operação seguinte. Sentado num escritório nessa cidade, Badrayn não tinha mais nada a fazer senão olhar para o relógio e ficar preocupado. Estava conectado à Internet através de seu computador; vinha lendo as páginas de notícias sem encontrar nada relevante. Nada estaria certo até que todos os viajantes tivessem retornado e feito seus relatórios individuais. E nem mesmo então, realmente. Levaria três ou quatro horas, talvez cinco, até que as linhas de e-mail do CDC começassem a gritar. Só então ele saberia.
39
O Momento da Confrontação
O voo sobre o lago foi agradável. O VC-20B era mais um miniavião de passageiros do que um jato comercial, e os tripulantes da Força Aérea, que para Clark pareciam ter idade suficiente apenas para tirar carteira de motorista, conduziram a aeronave com suavidade. O avião começou sua descida até a escuridão densa da noite europeia, finalmente aterrissando num campo de pouso militar a oeste de Paris.
Não houve uma cerimônia de chegada propriamente dita, mas Adler era um oficial de posto ministerial e precisava ser recebido, mesmo numa missão secreta. Neste caso, um oficial de alto nível — ainda que civil —, caminhou até a aeronave até os motores pararem. Adler reconheceu-o enquanto as escadas desciam.
— Claude!
— Scott. Congratulações sobre sua promoção, meu velho amigo! Em respeito aos costumes americanos, não foram trocados beijos.
Clark e Chavez olharam em torno, atentos para o menor sinal de perigo, mas tudo que viram foram militares franceses, ou talvez policiais — não era possível dizer daquela distância —, parados num círculo, com armas em evidência. Os europeus tinham um gosto por mostrar pessoas com metralhadoras, mesmo nas grandes cidades. E provavelmente surtia um efeito salutar sobre os assaltantes de rua, pensou John, que parecia um pouco excessivo. Em todo caso, não esperavam perigos especiais na França, e de fato não houve nenhum. Adler e seu amigo entraram num veículo oficial. Clark e Chavez entraram no carro de escolta. A tripulação de voo retirou-se em licença especial, o que, em linguagem da Força Aérea, significava uma folga para confraternizar com seus colegas franceses.
— Ficaremos na sala de espera durante alguns minutos, aguardando o avião ser preparado — explicou um coronel da Força Aérea francesa. — Vocês querem se refrescar?
— Merci, mon commandont — respondeu Ding. Sim, pensou, os franceses sabem fazer você se sentir seguro.
— Obrigado por nos ajudar a preparar isto — disse Adler ao amigo. Ambos haviam trabalhado juntos como funcionários do corpo diplomático, uma vez em Moscou e em Pretória. Ambos eram especializados em acordos delicados.
— Não foi nada, Scott.
De fato não havia sido, mas diplomatas falam como diplomatas, mesmo quando não precisam ser. Claude já o ajudara a superar um divórcio de uma forma tipicamente francesa, o tempo todo falando como se ambos estivessem fazendo negociações. Era quase uma piada entre os dois.
— Nosso embaixador reporta que ele será receptivo ao tipo certo de abordagem.
— E qual seria ela? — perguntou o secretário de Estado ao seu colega.
Chegaram ao que parecia ser o clube de oficiais da base, e um minuto depois estavam numa sala de jantar privada, com uma garrafa de Beaujolais sobre a mesa. — O que você acha de tudo isto, Claude? O que Daryaei quer?
O encolher de ombros era tão característico do jeito de ser francês quanto o vinho, que Claude serviu. Fizeram um brinde, e o vinho estava soberbo mesmo para os padrões do serviço diplomático francês. Então chegou a hora de trabalho.
— Não temos certeza. Temos pensado muito a respeito da morte do premiê turcomeno.
— Não ficaram preocupados com a morte de...
— Acho que ninguém tem dúvidas a respeito disso, Scott, mas também já era tempo disso acontecer, não concorda?
— Não exatamente. — Outro gole. — Claude, você ainda é a maior autoridade em vinhos que conheço. No que está pensando?
— Provavelmente em muitas coisas. Seus problemas domésticos... vocês americanos não se preocupam com eles tanto quanto deveriam. O povo de Daryaei está inquieto, um pouco menos agora que ele conquistou o Iraque, mas o problema ainda existe. Acreditamos que ele precisa consolidar-se antes de fazer qualquer outra coisa. Também achamos que o processo pode não render frutos. Estamos esperançosos, Scott. Estamos esperançosos de que os aspectos extremos do regime ficarão moderados com o tempo, provavelmente não muito tempo. É preciso. Não estamos mais no século VIII, nem mesmo naquela parte do mundo.
Adler dedicou alguns segundos a considerar isso. Meneou a cabeça, pensativo.
— Espero que vocês tenham razão. O sujeito sempre me meteu medo.
— Todos os homens são mortais. Ele está com 72 anos e trabalha demais.
Em todo caso, precisamos ficar de olho nele, não precisamos? Se ele se mover, então nós nos moveremos juntos, como no passado. Nós e os sauditas também conversamos sobre isso. Eles estão preocupados, mas não desesperados. Nossa avaliação é a mesma. Aconselhamos vocês a manter o autocontrole.
Claude pode ter razão, ponderou Adler. Daryaei estava velho, e consolidar o governo sobre um país recém-adquirido não era exatamente uma tarefa trivial.
Mais do que isso, a forma mais fácil de derrotar um país hostil, se você tivesse paciência, era ser gentil com os desgraçados. Um pequeno tratado comercial, alguns jornalistas, um pouco de CNN, e alguns filmes de censura livre; coisas assim podiam fazer maravilhas. Se você tivesse paciência. Havia muitos jovens iranianos em universidades americanas. Esse podia ser o modo mais eficaz que a América tinha para mudar a URI. O problema era que Daryaei também devia ter ciência disso. E aqui estava ele, Scott Adler, secretário de Estado, um posto que jamais almejara, e muito menos acreditara poder alcançar, e era sua obrigado saber o que fazer em seguida. Mas ele tinha conhecimentos em história da diplomacia suficientes para saber por onde começar.
— Ouvirei o que ele tem a dizer, Claude, e não estamos querendo fazer novos inimigos. Acho que você sabe disso.
— D’accord. — Ele encheu novamente a taça de Adler. — Infelizmente, você não encontrará nada parecido com isto lá em Teerã.
— E dois é o meu limite quando estou trabalhando.
— A sua equipe de voo é excelente — assegurou-lhe Claude. — Eles costumam conduzir nossos ministros.
— Quando a hospitalidade de vocês deixou a desejar?
Para Clark e Chavez foi uma água mineral Perrier, mais barata de comprar aqui do que nos EUA, imaginaram ambos, embora os limões provavelmente não fossem.
— E então, como estão as coisas em Washington? — perguntou um colega francês, aparentemente apenas para matar tempo.
— Muito esquisitas. Você sabe, é impressionante como o país está calmo.
Talvez perder um bando de gente do governo ajude — disse John, procurando se esquivar do assunto.
— E toda essa conversa sobre o presidente e suas aventuras?
— Boa parte me soa como coisa de cinema — disse Ding, seu rosto o retrato da honestidade.
— Roubar um submarino russo? Sozinho? Puta que pariu — disse Clark com um sorriso. — Queria saber quem inventou isso.
— Mas e quanto ao chefe de informação russo? — objetou seu anfitrião. — É ele mesmo. O homem apareceu na televisão.
— Sim... bem, aposto que nós lhe pagamos uma tonelada de grana para passar para o nosso lado.
— Deve estar pensando em escrever um livro e enriquecer ainda mais — disse Chavez. Ei, mon ami, somos apenas abelhas-operárias, certo?
Não colou. Clark olhou para os olhos de seu inquisidor e eles apenas piscaram. O homem era do DGSE, e ele conhecia um espião quando via um.
— Então tome cuidado com o néctar que encontrarão onde estão indo, meu jovem amigo. Talvez seja... doce demais.
Era como o começo de um jogo de cartas. Ele estava embaralhando.
Provavelmente queria apenas uma partida, e totalmente amigável, mas essa partida precisaria ser jogada.
— O que você quer dizer?
— O homem com quem vocês vão se encontrar... ele é perigoso. Tem a aparência de saber o que não sabemos.
— Já trabalhou no país? — perguntou John.
— Já viajei pelo país, sim.
— E? — este foi Chavez. .
— E nunca os entendi.
— Sim — concordou Clark. — Entendo o que você está dizendo.
— Homem interessante, o seu presidente — disse novamente o francês, os olhos brilhando com a curiosidade característica de um agente.
John fitou bem seu olhos e decidiu agradecer ao homem por seu aviso, de profissional para profissional.
— Sim, ele é. É um de nós — assegurou Clark.
— E todas essas histórias divertidas?
— Não posso dizer — falou com um sorriso. Claro que são verdade. Você acha que eles têm inteligência suficiente para inventar esse tipo de coisa?
Os dois homens estavam pensando na mesma coisa, e ambos sabiam disso, embora nenhum dos dois pudesse falar em voz alta: Uma pena que não possamos passar uma noite comendo e trocando histórias. Mas não podia ser feito.
— Na volta eu vou pagar uma bebida.
— Na volta, vou aceitar.
Ding ficou calado, assistindo. O velho sacana ainda tinha o jogo correndo nas veias, e ainda havia lições a aprender com ele.
— É bom ter você como amigo — disse Ding cinco minutos mais tarde, a caminho do avião francês.
— Melhor que um amigo, um profissional. É bom dar ouvidos a gente como ele, Domingo.
Ninguém jamais disse que governar era fácil, mesmo para aqueles que invocavam a palavra de Deus para praticamente tudo. A decepção, mesmo de Daryaei, que, de uma forma ou outra, governava o Irã havia quase vinte anos, residia em todas as papeladas burocráticas que alcançavam sua mesa e roubavam seu tempo. Ele nunca admitira que aquilo era inteiramente culpa sua.
Ele via suas leis como justas, embora fossem consideradas duras por outros. A maioria das violações dessas leis exigia morte para o criminoso, e mesmo pequenos erros administrativos da parte de burocratas podiam acabar com uma carreira — e o nível de misericórdia dependia, obviamente, da magnitude do erro. Um burocrata que dizia não a tudo, sempre afirmando que a lei era clara num aspecto, fosse ela ou não, raramente se envolvia em problemas. Um burocrata que se curvava à vontade do governo nas menores atividades cotidianas fortalecia o poder de Daryaei. As decisões eram tomadas com facilidade e não causavam transtornos ao árbitro em questão.
Mas a vida real não era tão simples. As questões práticas de comércio, por exemplo — desde o preço do melão até a problemática do barulho nas imediações das mesquitas — requeriam uma certa dose de julgamento, porque o Corão Sagrado não previra todos os problemas, assim como a lei civil também não. Mas julgar qualquer coisa era arriscado, porque qualquer interpretação de qualquer lei poderia incorrer num erro teológico, e aquele era um país no qual a apostasia era crime capital. E assim os burocratas de nível inferior, quando diante da necessidade de dizer sim a um pedido, tendiam a chutar o problema para cima, o que concedia a um funcionário de alto nível a chance de dizer não, o que lhes era muito fácil depois de toda uma carreira fazendo isso, com um pouco mais de autoridade, um pouco mais de responsabilidade, e muito mais a perder caso um superior discordasse nas raras ocasiões quando ele dizia um sim . Tudo isso significava que os problemas continuavam sendo chutados pirâmide acima. Entre Daryaei e a burocracia havia um conselho de líderes religiosos (ele fora um membro deles no governo de Khomeini), e um parlamento titular, e funcionários públicos experientes, mas, para a decepção do líder da URI, o princípio se mantinha, e ele era obrigado a lidar com questões tão importantes quanto as horas comerciais nos mercados, o preço da gasolina e as provas ocasionais de mulheres para ingresso nas escolas. A expressão azeda que ele adotiva para essas questões triviais apenas tornava seus subalternos mais obsequiosos ao apresentar seus prós e contras, o que concedia uma dose adicional de gravidade ao absurdo, enquanto eles procuravam angariar simpatia por ser rígidos (opondo-se a tudo que estava na mesa) ou sendo práticos (apoiando essas coisas). Obter a simpatia de Daryaei em o maior jogo político da cidade, e ele inevitavelmente via-se amarrado como um inseto numa teia de aranha ao ponderar sobre cada pequena questão, enquanto precisava de todo o tempo possível para dedicar-se às causas realmente importantes. A parte surpreendente de tudo isso era que ele jamais entendia por que seu povo não podia tomar alguma iniciativa, embora costumasse ocasionalmente destruir pessoas por tomarem alguma.
E era nisso que estava pensando ao pousar em Bagdá para encontrar-se com alguns líderes religiosos locais. A questão do dia era qual mesquita necessitando de consertos seria reparada primeiro. Era sabido que Mahmoud Haji era uma de suas favoritas para orar, outra por sua beleza arquitetônica, e uma terceira por seu grande significado histórico, enquanto a gente da cidade amava outra — e não seria uma boa ideia, politicamente, proceder à manutenção dessa primeiro, para melhor assegurar a estabilidade política da região? Depois disso vinha o problema do direito das mulheres em dirigir carros (o regime iraquiano anterior fora extremamente liberal nesse sentido!), o que era reprovável, mas era difícil retirar um direito já adquirido, e o que fazer nos casos das mulheres que não tinham homens (viúvas, por exemplo) para conduzi-las, nem dinheiro para contratar um motorista? O governo deveria cuidar de suas necessidades? Algumas — médicas e professoras, por exemplo — eram importantes para a sociedade local. Por outro Ilido, como o Irã e o Iraque eram agora uma nação única, a lei precisava ser a mesma, e como conceder ou negar um direito às mulheres iraquianas ? Havia sido por causa dessas questões importantes e mais algumas que embarcara bem cedo para Bagdá.
Sentado em seu jato particular, olhou para sua agenda e sentiu vontade de gritar, mas era um homem paciente demais para isso, ou pelo menos foi o que disse a si mesmo. Afinal de contas, tinha preparativos importantes para fazer.
Na manhã seguinte encontraria o judeu que era ministro das Relações Exteriores dos Estados Unidos. Sua expressão, enquanto olhava os documentos, assustou até mesmo a tripulação de voo, embora Mahmoud Haji não notasse isso, e mesmo se tivesse notado, não entenderia o motivo.
Por que as pessoas não podem tomar um pouco de iniciativa?
O jato era um Dassault Falcon 900B, com cerca de nove anos de uso, semelhante em tipo básico e função ao VC-20B da Força Aérea americana. A tripulação era liderada por dois oficiais da Força Aérea francesa, ambos muito graduados para este avião; havia também duas aeromoças, ambas extremamente encantadoras. Para Clark, pelo menos uma era espiã do DSGE. Ele gostava dos franceses, especialmente dos seus serviços de informação. Por mais problemática que a França pudesse ser como aliada, quando os franceses agiam no mundo negro, sabiam trabalhar muito acima da média. Felizmente, no caso em questão, aeronaves são ruidosas e difíceis de ser grampeadas com escutas eletrônicas. Isso talvez explicasse por que uma das aeromoças aparecia a cada 15 minutos para perguntar se precisavam de alguma coisa.
— Nada especial que precisemos saber? — indagou John depois de recusar com um sorriso mais um oferecimento das aeromoças.
— Na verdade não — replicou Adler. — Queremos sentir como é o sujeito, o que ele está pretendendo fazer. Meu amigo Claude, aquele lá em Paris, disse que essas coisas não são tão ruins quanto parecem, e seus argumentos pareceram sólidos. Meu trabalho será basicamente entregar a mensagem usual.
— Seja um bom menino — disse Chavez com um sorriso. O secretário de Estado sorriu.
— Alguma coisa mais diplomática, mas sim. Qual é a sua formação, Sr.
Chavez? Clark gostou dessa: — Você não vai querer saber de onde vim.
— Acabo de terminar minha tese de mestrado — disse orgulhoso o jovem espião. — Recebo o canudo em junho.
— Por onde?
— George Mason University. Sou orientando da professora Alpher. Isso aguçou o interesse de Adler.
— Mesmo? Ela já trabalhou para mim. Qual é o tema da tese?
— É chamado Um Estudo em Sabedoria Convencional: Manobras Diplomáticas Errôneas na Europa da Virada do Século .
— Os alemães e os ingleses? Ding assentiu.
— Principalmente, e em especial as corridas navais.
— Sua conclusão?
— As pessoas não reconheciam a diferença entre objetivos táticos e estratégicos. Os caras que achavam estar pensando no futuro estavam pensando no agora . Como confundiam política com governo, acabaram numa guerra que derrubou toda a ordem europeia, deixando nada mais que tecido cicatrizado em seu lugar.
Ouvindo esse breve discurso, Clark pensou o quanto era notável a forma como a voz de Ding mudava quando ele falava sobre seu trabalho de escola.
— E você é também um SPO? — perguntou o secretário de Estado, com certo grau de incredibilidade.
Um sorriso bem latino reapareceu.
— Já fui. Desculpe se não pareço um gorila, senhor.
— Então por que Ed Foley colocou vocês dois como meus guarda-costas?
— A culpa é minha — disse Clark. — Eles querem que a gente dê uma volta por lá e sinta o cheiro da situação.
— Sua culpa? — indagou Scott.
— Fui o oficial de treinamento deles há muito, muito tempo — explicou John, e isso mudou inteiramente a face da conversa.
— Vocês são os caras que tiraram o Koga! São os caras que...
— Sim, estivemos lá — confirmou Chavez. O secretário de Estado provavelmente tinha autorização para essas informações. — Diversão a granel.
O secretário de Estado disse a si mesmo que devia ficar ofendido por ter dois espiões de campo com ele. Como o mais jovem dissera, eles não pareciam gorilas. Agora, quanto a ter feito mestrado na George Mason...
— Vocês também são os caras que reportaram a respeito de Brett Hanson no caso de Goto. Aquilo foi um bom trabalho. Na verdade, um trabalho excelente.
— Ele tinha se perguntado o que aqueles dois estavam fazendo numa equipe SNIE para a situação da URI. Agora sabia.
— Mas ninguém ouviu — comentou Chavez. Aquilo tinha sido um fator decisivo na guerra com o Japão, e causado maus bocados para os dois naquele país. Mas também lhes dera algumas informações reais sobre como a diplomacia e o governo não tinham mudado muito desde 1905. Foi um vento fétido que deixou a todos atordoados.
— Vou ouvir— prometeu Adler. — Me contem depois como foi o seu passeio, tá?
— Com toda certeza. Acho que o senhor inclusive precisará saber — observou John, uma sobrancelha levantada.
Adler virou-se e gesticulou para uma das aeromoças, a morena bonita que Clark apostava ser espiã. Ela era charmosa pra diabo, e de uma beleza estonteante, mas parecia um pouco desajeitada demais na cabine para parecer uma aeromoça de tempo integral.
— Sim, monsieur ministro?
— Quanto tempo até aterrissarmos?
— Quatro horas.
— Certo. Pode nos arranjar um baralho e uma garrafa de vinho?
— Certamente. — Virou-se e caminhou até a cozinha.
— Não podemos beber em serviço, senhor — disse Chavez.
— Estarão fora de serviço até pousarmos — disse-lhes Adler. — E gosto de jogar cartas antes de uma dessas sessões. É bom para os nervos. E então, cavalheiros, que tal um joguinho amigável?
— Bem, secretário, se o senhor insiste... — replicou John. — Pode ser pôquer?
Todos sabiam onde estava a linha. Nenhuma comunicação tinha sido trocada, pelo menos não entre Pequim e Taipé, mas a linha era conhecida e até mesmo entendida; gente de uniforme tende a ser prática e observadora. As aeronaves da República Popular da China nunca se aproximavam mais do que dez milhas náuticas (15 quilômetros) de uma certa linha norte-sul, e as aeronaves de Taiwan, reconhecendo esse fato, mantinham a mesma distância do mesmo pedaço invisível de longitude. As pessoas em cada lado da linha podiam fazer tudo que lhes aprouvesse, parecer tão agressivas quanto desejassem, gastar toda munição que pudessem pagar, e isso sem trocar uma única mensagem tática de rádio com o outro lado. Era tudo no interesse da estabilidade. Brincar com armas carregadas era sempre perigoso, tanto para nações-Estado quanto para crianças, e embora as crianças pudessem ser disciplinadas com certa facilidade, as nações-Estado eram crescidinhas demais para isso.
Os EUA agora tinham quatro submarinos no estreito de Formosa. Esses estavam estacionados na — sob — a linha invisível, que era o lugar mais seguro no qual estar. Outro conjunto de três naves estava agora na extremidade norte da passagem, um cruzador, o USS Port Royal, juntamente com os destróieres The Sullivans e Chandler. Todos eram naves dotadas com mísseis terra-ar, equipadas com um total de 250 mísseis SM2-MR. Normalmente sua função era proteger porta-aviões de ataques aéreos, mas seu porta-aviões estava em Pearl Harbor sofrendo substituição de motores. Os Port Royal e The Sullivans — o nome de uma família de marinheiros mortos na mesma nau em 1942 — eram ambos navios Aegis com radares SPY poderosos, que agora estavam vasculhando atividade aérea enquanto os submarinos cuidavam do restante. O Chandler tinha uma equipe especial ELINT a bordo para manter registro de transmissões vocais por rádio. Como tiras fazendo uma batida, não estavam lá exatamente para interferir nos exercícios de ninguém, e sim para lembrar as pessoas de que a Lei estava por perto e que, enquanto estivessem ali, as coisas não fugiriam ao controle. Pelo menos era essa a ideia. E se alguém objetasse contra a presença de navios americanos, seu país diria que os mares estavam livres para a passagem inocente de todos, e eles não estavam no caminho de ninguém, estavam? O fato de que faziam realmente parte do plano de outra pessoa não estava claro para ninguém. E o que aconteceu em seguida confundiu quase todos.
Era alvorada no ar, embora ainda não na superfície, quando quatro caças da China saíram do continente, rumando para leste. Cinco minutos depois, foram seguidos por mais quatro caças. Essa rotina foi acompanhada pelos navios americanos no alcance extremo de seus radares. Designaram-se números de rastreamento aos caças, e o sistema de computador acompanhou seu progresso para a satisfação dos homens e oficiais no CIC de Port Royal. Até então eles não mudaram de curso. Então, um tenente levantou um telefone e apertou um botão.
— Sim? — atendeu uma voz grogue.
— Comandante, Combate. Temos uma esquadrilha de aeronaves chinesas, provavelmente caças, prestes a cruzar a linha, azimute dois-um-zero, altitude 4.500 metros, curso zero-nove-zero, velocidade oitocentos quilômetros. Há uma esquadrilha de mais quatro caças alguns minutos atrás.
— Estou indo.
O comandante, parcialmente vestido, chegou ao centro de informações de combate dois minutos depois, não a tempo de ver os caças chineses violarem as regras, mas a tempo de ouvir um terceiro-sargento reportar alguma coisa: — Nova trilha, quatro ou mais caças rumando para oeste.
Para os propósitos da conveniência, o computador fora instruído a designar símbolos de inimigos para os caças da China e símbolos de amigos para os caças de Taiwan. (Ocasionalmente havia também algumas aeronaves americanas no ar, mas essas eram coletoras eletrônicas de informações e estavam fora da linha de fogo.) Neste ponto, havia duas esquadrilhas convergentes de quatro caças cada, a cerca de cinquenta quilômetros de distância uma da outra, mas com uma velocidade de aproximação de mais de 1.600 quilômetros por hora. O radar também estava rastreando seis aviões de passageiros comerciais, todos a leste da linha, cuidando de suas próprias vidas enquanto contornavam as áreas de exercícios .
— Força Seis está alterando curso — reportou um marinheiro. Esta era a primeira esquadrilha vinda do continente, e enquanto o comandante observava, o vetor de velocidade apontou para a direção sul. Enquanto isso, a esquadrilha vinda de Taiwan aproximava-se da esquadrilha chinesa.
— Iluminadores acendendo — disse o chefe no painel de medidas de vigilância eletrônica. — Os caças de Taiwan estão iluminando a Força Seis. Seus radares parecem estar no modo de rastreamento.
Talvez seja por isso que mudaram o curso, pensou o comandante.
— Será que se perderam? — conjeturou o oficial do CIC.
— Ainda está escuro. Talvez tenham apenas ido longe demais.
Eles não sabiam que tipo de equipamento de navegação os caças chineses possuíam, e pilotar um avião de um só lugar sobre o mar à noite não era uma tarefa precisa.
— Mais radares aéreos acendendo, direção leste, provavelmente a Força Sete — disse o chefe de medidas de vigilância eletrônica. Esta era a segunda esquadrilha, que vinha do continente.
— Alguma atividade eletrônica na Força Seis? — perguntou o oficial de CIC.
— Negativo, senhor.
Esses caças haviam continuado sua manobra e agora seguiam para oeste, de volta para a linha, com os F-16s de Taiwan em seu encalço. Foi nesse ponto que a situação mudou.
— Força Sete está virando. Curso agora é zero-nove-sete.
— Isso os coloca nos F-16s... e eles estão iluminando... — observou o tenente, com O primeiro sinal de preocupação na voz. — Força Sete está iluminando os F-16. Radares em modo de rastreamento.
Em seguida os F-16 de Taiwan também alteraram curso. Iriam ter um bocado de trabalho. Os caças de Taiwan eram mais novos, feitos nos EUA e conduzidos por pilotos de elite; consistiam em cerca de um terço da força de ataque aéreo, e estavam cobrindo e respondendo bem às manobras de seus primos do continente. Deixando a Força Seis para retornar, eles necessariamente ficaram mais interessados no voo de escolta, ainda rumando para leste. A velocidade de aproximação era ainda de alguns milhares de quilômetros por hora, e ambos os lados estavam com seus radares de marcação de mísseis funcionando, apontados uns para os outros. Isso era reconhecido internacionalmente como um ato inamistoso, um ato a ser evitado pelo simples motivo de que era o equivalente aéreo a mirar um fuzil na cabeça de alguém.
— Oh-oh — disse o terceiro-sargento no painel de medidas de vigilância eletrônica. — Senhor, os radares da Força Sete acabam de mudar para modo de rastreamento.
Em vez de apenas vasculhar por alvos, os sistemas aéreos agora estavam operando na forma usada para guiar mísseis ar-ar. O que tinha sido apenas inamistoso por alguns segundos agora era francamente hostil.
Os F-16s dividiram-se em dois pares — elementos — e começaram a manobrar livremente. Os caças chineses fizeram o mesmo. A esquadrilha original de quatro aeronaves, Força Seis, não estava além da linha, seguindo para oeste no que parecia uma linha direta para o seu aeroporto.
— Oh, acho que sei o que está acontecendo aqui, senhor, olhe agora...
Um pontinho piscante apareceu na tela, deixando um dos F-16s de Taiwan...
— Puta merda! — disse um marinheiro. — Temos um míssil no ar...
— Correção: dois — disse seu chefe.
Um par de mísseis AIM-120 made in America agora estavam tomando rotas separadas para alvos separados.
— Acharam que era um ataque. Meu Deus — disse o comandante, voltando-se para o oficial de comunicação. — Chame o Comando do Pacífico. Agora!
Não demorou muito. Um dos caças vindos do continente sumiu na tela.
Alertado, o outro fez uma manobra evasiva e desviou-se do míssil no último segundo.
Então ele voltou. O caça chinês que estava mais ao sul também manobrou, e Força Seis virou radicalmente para o norte, seus radares de iluminação agora acesos. Dez segundos mais tarde, mais seis mísseis estavam no ar, rastreando alvos.
— Temos uma batalha nas mãos! — disse o chefe da vigília. O comandante pegou o telefone: — Passadiço, combate, quartéis-generais!
Em seguida, pegou o microfone TBS, contatando os comandantes de suas duas naves, ambas a 16 quilômetros de distância, a oeste e a leste, enquanto o alarme começava a soar no USS Port Royal.
— Estou com ele — reportou o The Sullivans. Esse destróier estava à sua popa.
— Eu também — anunciou o Chandler. Esse estava mais próximo da nação-ilha, mas obtendo a imagem de radar a partir dos navios Aegis através de conexões de dados.
— Foi abatido! — Mais um caça chinês foi atingido e caiu rumo à superfície ainda serena e escura. Cinco segundos depois, um F-16 morreu. Mais tripulantes chegaram ao CIC, assumindo seus postos de combate.
— Comandante, Força Seis está apenas tentando simular...
— Sim, estou vendo isso agora, mas temos um trem descarrilado nas mãos.
E então, previsivelmente, um míssil ficou descontrolado. Eram tão pequenos que os radares dos Aegis estavam com dificuldade para rastreá-los, mas um técnico ampliou a força, jogando seis milhões de watts de energia RF
na área de exercício. Isso deixou a imagem mais clara.
— Merda! — disse um chefe, apontando para a tela tática principal. — Comandante! Olhe ali!
Ele entendeu imediatamente. Alguém tinha perdido o que era provavelmente um míssil infravermelho, e o alvo mais quente na região era um Airbus 310 da Air China, com duas imensas turbinas CF6 da General Electric — os mesmos motores básicos que impulsionavam todos os três vasos de guerra americanos —, que pareciam o sol para seu único olho vermelho.
— Chefe Albertson, coloque-o de prontidão — gritou o contramestre.
— Air China Seis-Seis-Seis, aqui fala um navio de guerra americano. Vocês são alvo de um míssil se aproximando do noroeste. Repito: manobrem imediatamente. Vocês estão sendo seguidos por um míssil vindo do noroeste!
— Como? Como?
Mas o avião começou a se mover, virando para a esquerda e descendo. Não que isso importasse.
O vetor de velocidade do míssil nunca se afastou do alvo. Havia uma esperança de que o combustível do míssil acabasse a uma pequena distância do avião de passageiros, mas ele estava se movendo a mach 3, e o voo da Air China já estava perdendo velocidade, iniciando a aproximação de seu campo de pouso. Ao baixar o nariz, o piloto apenas facilitou as coisas para o míssil.
— É um avião grande — disse o comandante.
— Apenas dois motores, senhor — comentou o oficial de armamento.
— Acertaram — comunicou um oficial de radar.
— Faça-o descer, companheiro, faça-o descer. Oh, porra — disse o comandante, querendo dar as costas para o que estava vendo. Na tela, o ponto do 310 triplicou em tamanho e piscou o código de emergência.
— Ele está emitindo Mayday, senhor — disse um oficial de rádio. — O voo triplo seis da Air China está emitindo Mayday... danos no motor e na asa... possível incêndio a bordo.
— A apenas oitenta quilômetros do destino — disse um chefe. — Ele está angulando para uma aproximação direta até Taipé.
— Comandante, todos os postos comunicam que estão ocupados e prontos. Todo o navio está em Condição Um — disse o contramestre.
— Muito bem. — Os olhos do comandante estavam fixos no centro das três telas de radar. O conflito de caças, percebeu, havia acabado logo depois de começar, com três aviões derrubados, outro possivelmente danificado, e ambos os lados recuando para lamber suas feridas e tentar descobrir que diabo havia acontecido. Do lado de Taiwan, outra esquadrilha de caças estava no ar formando-se perto de sua costa.
— Comandante — era o painel de medidas de vigilância eletrônica. — Parece que o radar em cada navio acaba de acender. Fontes de toda parte. Estamos classificando os agora.
Mas o comandante sabia que isso não importava. O que importava era que agora, de acordo com sua tela, aquele Airbus 310 estava reduzindo a velocidade e descendo.
— Operações do Comando do Pacífico, senhor — comunicou o chefe de rádio.
— Aqui é Port Royal — disse o comandante, levantando o fone para o link de rádio para o satélite. — Acabamos de ter uma pequena batalha aérea aqui... e um míssil se descontrolou e parece ter atingido um avião de passageiros indo de Hong Kong para Taipé. O avião ainda está no ar, mas parece com problemas.
Temos dois MiGs da República Popular da China e um de Taiwan derrubados, e talvez mais um F-16 danificado.
— Quem começou? — indagou o oficial de vigília.
— Achamos que os pilotos de Taiwan dispararam o primeiro míssil. Pode ter sido um acidente. — Explicou depois de alguns segundos. — Transmitirei nosso registro de radar assim que for possível.
— Muito bem. Obrigado, comandante. Passarei a informação para o chefe.
Por favor, nos mantenha informados.
— Faremos isso. — O contramestre desligou o link de rádio e se virou para o oficial de observação. — Grave uma fita da batalha para transmitirmos para Pearl.
— Sim, senhor.
O Air China 666 ainda estava se dirigindo à costa, mas o radar mostrava que a aeronave estava oscilante em seu curso para Taipé. A equipe da ELINT
em Chandler agora estava ouvindo nos circuitos de rádio. Inglês é a linguagem internacional da aviação, e o piloto em comando do avião de passageiros ferido estava falando com rapidez e clareza, requerendo procedimentos de emergência, enquanto ele e o copiloto lutavam contra os controles. Apenas eles conheciam a magnitude do problema. Todos os outros eram apenas espectadores, torcendo para que o avião aguentasse mais 15 minutos.
Desta vez as notícias subiram rápido pelos canais. O nexo de comunicações foi o gabinete do almirante David Seaton, na colina de frente para Pearl Harbor. O oficial de vigília mais experiente apertou os botões em seu fone para chamar o comandante, que imediatamente mandou-o emitir uma mensagem de nível CRITICO para Washington. Em seguida, Seaton ordenou uma mensagem de alerta para os sete navios de guerra americanos na área — principalmente os submarinos. Depois foram enviadas mensagens para os americanos que estavam observando o exercício nos vários postos militares de Taiwan; essas levariam algum tempo para ser recebidas. Ainda não havia uma embaixada americana em Taipé, e portanto nenhum adido ou agente da CIA poderia correr até o aeroporto e ver se o avião tinha pousado em segurança ou não. A essa altura, não havia nada a fazer a não ser aguardar as perguntas que começariam a chegar de Washington, perguntas que ele ainda não estava em condições de responder.
— Sim? — disse Ryan, atendendo.
— Dr. Goodley para o senhor, presidente.
— Certo. Coloque-o na linha. — Pausa. — O que é, Ben?
— Problema em Taiwan, presidente. Pode ser coisa séria.
O conselheiro de segurança nacional prosseguiu a explicação, contando o que sabia. Não demorou muito tempo.
No todo, foi um exercício de comunicações impressionante. O Airbus ainda estava no ar, e o presidente dos Estados Unidos sabia que havia um problema... e nada mais.
— Certo. Mantenha-me informado. — Ryan baixou os olhos para a mesa que estava prestes a deixar. — Mas que merda... — Que grandes prazeres conferiam o poder da presidência. Agora ele tinha conhecimento virtualmente instantâneo de algo sobre o que ele não podia fazer nada. Haveria americanos no avião?
Que estava acontecendo?
Podia ter sido pior. Daryaei retornou ao avião depois de ter estado em Bagdá por menos de quatro horas, lidando com problemas ainda mais banais que de costume, e obtendo alguma satisfação com o medo que causara em alguns corações por terem-no incomodado com coisas tão triviais. A acidez no estômago do aiatolá contribuiu para uma expressão ainda mais ácida quando subiu a bordo, encontrou seu lugar e acenou para o comissário, ordenando a tripulação a decolar — o tipo de movimento com o pulso que muitos confundiam com o gesto cortem-lhes as cabeças. Trinta segundos depois, as escadas foram recolhidas e os motores começaram a funcionar.
— Onde você aprendeu este jogo? — perguntou Adler.
— Na Marinha, secretário — respondeu Clark, colhendo as apostas. Ganhara dez dólares até agora, mas a questão não era dinheiro. Era o princípio da coisa.
Ele acabara de aliviar o secretário de Estado em duas pratas.
— Pensei que marinheiros fossem maus jogadores.
— É isso que algumas pessoas dizem. — Clark sorriu enquanto empilhava as moedas de vinte e cinco cents.
— Fique de olho nas mãos dele — aconselhou Chavez.
— Eu estou de olho nas mãos dele — garantiu o secretário.
A aeromoça pediu licença e serviu o restante do vinho. Os dois homens não chegaram nem mesmo a beber duas taças cheias, apenas o bastante para passar o tempo.
— Desculpe, quanto tempo falta? — perguntou o secretário.
— Menos de uma hora, monsieur ministro.
— Obrigado. — Adler sorriu para a moça enquanto ela recuava.
— Rei bate, secretário — disse-lhe Clark.
Chavez checou suas cartas. Par de cincos. Bom começo. Jogou uma moeda no centro da mesa, ao lado da de Adler.
O Airbus 310 de fabricação europeia perdera seu motor direito para o míssil, mas não fora apenas esse o estrago. O míssil guiado por calor chegara pelo lado direito e colidira com a lateral da enorme turbina da GE, com fragmentos da explosão dilacerando o revestimento metálico da asa de bombordo. Alguns fragmentos da asa rasgaram um tanque de combustível — felizmente quase vazio — que deixou um rastro de óleo em chamas, para o pânico daqueles que olharam por suas janelas e viram. Mas essa não foi a parte assustadora. O fogo atrás da aeronave não podia ferir ninguém, e o tanque de combustível rompido não explodiu, como teria acontecido se a colisão tivesse acontecido alguns minutos antes. A notícia realmente ruim foi o dano causado ao trem de pouso da aeronave.
Na cabine de comando, a tripulação de voo de dois homens era tão experiente quanto a de qualquer avião de passageiros internacional. O Airbus podia voar muito bem, obrigado, apenas com um motor, e o motor esquerdo estava ileso, agora funcionando a força plena enquanto o copiloto desligava o lado direito da aeronave e acionava os controles manuais dos avançados sistemas de supressão de incêndio. Numa questão de segundos, os alarmes de alerta de incêndio ficaram silenciosos e o copiloto começou novamente a respirar.
— Dano no elevador do trem de pouso — reportou em seguida o piloto, operando os controles e descobrindo que o Airbus não estava reagindo como deveria.
Mas o problema também não era com a tripulação. O Airbus na verdade voava através de software de computador, um programa executivo imenso que colhia seus dados diretamente da estrutura externa da nave, bem como dos movimentos dos controles dos pilotos, analisando-os, e então dizia aos mecanismos de aterrissagem o que fazer em seguida. Danos de batalha não tinham sido previstos pelos engenheiros do software no projeto da aeronave. O programa notou a perda traumática do motor e decidiu que ocorrera uma explosão, o que lhe fora ensinado a pensar. Os computadores de bordo avaliaram o dano da aeronave, quais mecanismos de aterrissagem funcionavam e com que competência, e ajustaram-se à situação.
— Trinta e dois quilômetros — reportou o copiloto, enquanto o Airbus posicionava-se em seu vetor de penetração direta. O piloto ajustou o manche e os computadores — a aeronave tinha sete — decidiram que isto estava correto e reduziram a força do motor. Tendo queimado a maior parte de seu combustível, o avião estava leve. Eles tinham todo o poder de motor que precisavam. A altitude estava baixa o bastante para que a despressurizarão não constituísse um problema. Eles podiam guiar a aeronave. Eles talvez saíssem andando desta, decidiram. Um caça prestativo apareceu para acompanhar o avião de passageiros, verificar o dano e tentar contatá-los por rádio, apenas para ouvirem, num mandarim muito irado, uma ordem de saírem do caminho.
O piloto do caça pôde ver o revestimento do Airbus descarnar, e tentou reportar isso, mas foi ignorado. Ele recuou seu F-5E para observar, mantendo-se em contato com a nave o tempo todo.
— Dezesseis quilômetros.
A velocidade estava agora abaixo de duzentos nós, e eles tentaram abaixar flapes, mas aqueles no lado direito não se estenderam adequadamente; sentindo isso, os computadores também não os estenderam do lado esquerdo. O pouso seria extremamente rápido. Ambos os pilotos franziram a testa, praguejaram e seguiram em frente.
— Trem de pouso — ordenou o piloto. O copiloto acionou os controles e as rodas baixaram... e ficaram na posição adequada, o que valeu um suspiro de alívio da parte dos dois pilotos. Eles não tinham como saber que ambas as rodas do lado direito estavam danificadas.
Avistaram o campo de pouso. Ambos viram os pisca-piscas do equipamento de emergência enquanto cruzavam a divisão de perímetro. O Airbus manobrou para aterrissar. A velocidade normal seria de cerca de 135
nós. Eles desceriam a 195. O piloto sabia que iria precisar de cada metro de espaço disponível, e tocou o solo apenas duzentos metros depois da ponta da pista.
O Airbus bateu forte e começou a correr pela pista, mas não por muito tempo. Os pneus danificados no lado direito duraram cerca de três segundos antes de ambos perderem pressão, e um segundo depois disso a armação de metal começou a cavar uma vala no concreto. Pilotos e computadores tentaram manter um curso reto para o avião; não funcionou. O 310 virou para a direita. O trem de pouso esquerdo partiu com um ruído de tiro de canhão e o jato arrastou a barriga na pista. Por um segundo, pareceu que a nave rodopiaria no gramado, mas a ponta de uma asa bateu no chão e o avião começou a capotar. A fuselagem se partiu em três seções desiguais. Uma língua de fogo se projetou quando a asa esquerda foi desalojada — piedosamente, a parte dianteira da fuselagem soltou-se inteira, assim como a seção traseira, mas o centro parou quase instantaneamente no meio do combustível em chamas, e todos os esforços dos bombeiros não puderam mudar isso. Mais tarde ficaria determinado que 127 pessoas haviam morrido asfixiadas rapidamente. Outras 104 escaparam com ferimentos de gravidade variada, inclusive a tripulação. As imagens de TV seriam transmitidas via satélite na hora seguinte, e um incidente internacional seria agora notícia em todo o mundo.
Clark sentiu um leve arrepio quando seu avião tocou o solo. Olhando pela janela, pensou perceber certa familiaridade, mas admitiu que provavelmente era imaginária; afinal todos os aeroportos internacionais se parecem muito no escuro. Adiante, os aviadores franceses seguiam direcionamentos, manobrando, por uma questão de segurança, até o terminal da Força Aérea, instruídos a seguir outro jato comercial que pousara um minuto antes deles.
— Bem, chegamos — comentou Ding com um bocejo. Estava usando dois relógios, um para a hora local e outro para Washington, e a partir deles tentou decidir que horas seu corpo achava ser. Então, olhou pela janela com toda a curiosidade de um turista e sofreu a decepção usual. A paisagem que estava vendo podia muito bem ser a de Denver.
— Com licença — disse a aeromoça morena. — Fomos instruídos a permanecer no avião enquanto o outro estiver sendo atendido.
Que são mais alguns minutos?, pensou o secretário Adler, tão cansado quanto os outros. Chavez olhou pela janela.
— É aquele ali. Deve ter chegado na nossa frente.
— Pode desligar as luzes da cabine? — pediu Clark à aeromoça. Então apontou para o seu parceiro.
— Por que...
Clark cortou o secretário de Estado com um gesto. A aeromoça fez como lhe foi dito. Ding entendeu sua deixa e tirou a câmera da mala.
— O que está vendo? — perguntou Adler em tom mais baixo enquanto as luzes apagavam.
— Há um Gulfstream parado bem na nossa frente — respondeu John, que agora estava olhando pelo visor da câmera. — Não há muitos deles por aí, e este está indo para um terminal de segurança. Quero descobrir quem veio nele.
Espiões tinham de ser espiões, e Adler sabia disso. Ele não objetou.
Diplomatas colhiam também informações, e saber quem tinha acesso a esse meio de transporte oficial tão caro podia dizer-lhes alguma coisa sobre quem realmente estava dando as cartas no governo da União Republicana Islâmica.
Em poucos segundos, exatamente enquanto suas próprias rodas paravam, um cortejo de carros subiu pela rampa do terminal da Força Aérea iraniana — ou melhor, URIana — até o Gulfstream.
— É alguém importante — deduziu Ding.
— Qual é o filme?
— De 1200 ASA, Sr. C — respondeu Chavez, selecionando o conjunto de teleobjetiva. A aeronave inteira coube no enquadramento. Ele não podia aproximar mais. Começou a bater fotos enquanto a escada era descida.
— Oh — Adler foi o primeiro a dizer. — Bem, isso é bem uma surpresa.
— É Daryaei, não é? — acrescentou Clark.
— É o nosso amigo — confirmou o secretário de Estado.
Ao ouvir isto, Chavez bateu dez fotos rápidas, mostrando o homem sair para ser recebido por alguns colegas, que o abraçaram como um tio que não viam havia muito tempo. Em seguida, conduziram-no até o carro. Os veículos saíram. Chavez bateu mais algumas fotos e depois guardou a câmera de volta na bolsa. Esperaram mais cinco minutos antes de receberem permissão para desembarcar.
— Posso saber que horas são? — perguntou Adler, caminhando até a porta.
— Provavelmente não — decidiu Clark. — Aposto que temos algumas horas de tempo morto antes do encontro.
No sopé das escadas estava o embaixador francês, com um segurança óbvio, e mais dez nativos. Seguiriam até a embaixada francesa em dois carros, com dois veículos iranianos liderando e mais dois seguindo a procissão semioficial. Adler foi com o embaixador no primeiro veículo. Clark e Chavez seguiram no segundo. Havia um motorista e outro homem no banco da frente.
Ambos deviam ser espiões.
— Bem-vindos a Teerã, amigos — disse o homem armado com uma espingarda.
— Merci — replicou Ding, com um bocejo.
— Desculpe fazer vocês acordarem tão cedo — acrescentou Clark. Esse provavelmente era o chefe de estação. As pessoas com quem ele e Ding haviam conversado em Paris tinham ligado antes para comunicar que eles provavelmente não eram os tipos de segurança usados normalmente pelo Departamento de Estado.
O francês confirmou isso.
— Soube que não é a primeira vez que vem aqui.
— Há quanto tempo estão aqui? — perguntou John.
— Dois anos. O carro é seguro — acrescentou, querendo dizer que provavelmente não havia escutas eletrônicas.
— Temos uma mensagem para você de Washington — disse o embaixador a Adler no carro da frente. Então reportou o que sabia sobre o incidente com o Airbus em Taipé. — Acho que terá um bocado de trabalho ao voltar para casa.
— Oh, meu Deus! — observou o secretário. — Exatamente o que precisamos.
Alguma reação?
— Nada que eu saiba. Mas isso mudará em algumas horas. O seu encontro com o aiatolá Daryaei será às dez e meia. Portanto, é melhor dormir um pouco.
Seu voo de volta para Paris será logo depois do almoço. Nós lhe daremos toda a assistência que precisar.
— Obrigado, embaixador. — Adler estava cansado demais para dizer muito mais que isso.
— Alguma ideia sobre o que aconteceu? — perguntou Chavez no carro de trás.
— Sabemos apenas o que nos foi dito pelo governo de vocês.
Evidentemente ocorreu um pequeno combate no estreito de Taiwan, e um míssil atingiu um alvo não intencional.
— Baixas? — foi a pergunta seguinte de Clark.
— Desconhecidas no momento — disse o chefe da estação local da DGSE.
— É meio difícil um avião de passageiros ser atingido sem ninguém morrer — disse Ding, fechando os olhos, ansioso por chegar à embaixada e deitar numa cama macia.
As mesmas notícias foram passadas Daryaei exatamente no mesmo momento. Ele surpreendeu seu colega sacerdote ao ouvir sem esboçar nenhuma reação visível. Mahmoud Haji não comentou isso. Havia muito tempo ele decidira que pessoas que não sabem muito não podiam interferir demais.
A hospitalidade francesa não foi maculada nem mesmo por seu transplante para um local que não podia ser mais diferente do que a Cidade-Luz. Dentro do complexo, três soldados uniformizados coletaram as malas dos americanos, enquanto outro homem usando algum tipo de uniforme conduziu-os aos seus aposentos. As camas estavam postas e havia garrafas de água em baldes de gelo nas mesinhas de cabeceira. Chavez checou novamente seus relógios, resmungou qualquer coisa e tombou na cama. Para Clark, o sono chegou com mais dificuldade. A última vez que ele vira o interior de uma embaixada nesta cidade... o que era isso? questionou a si próprio. O que o incomodava tanto?
O almirante Jackson conduziu o relatório, que contou com uma gravação em vídeo. — Esta é a transmissão recebida do Port Royal. Temos uma fita semelhante com imagens recebidas do The Sullivans. Como não há realmente diferença, usaremos apenas — disse aos outros na Sala de Situação. Começou a mover seu indicador de madeira na enorme tela de TV. — Esta é uma esquadrilha de quatro caças, provavelmente Jianjiji Hongzhaji-7; nós os chamamos de B-7 pela razão óbvia. Dois motores e dois lugares, desempenho e capacidades semelhantes às de um velho Phantom F-4. A esquadrilha saiu do continente e chegou um pouco longe demais. Há uma terra de ninguém bem neste lugar que nenhum dos lados violara até hoje. Aqui está outra esquadrilha, provavelmente o mesmo tipo de aviões e...
— Tem tanta certeza? — indagou Ben Goodley.
— Identificamos a aeronave por seu desempenho e emissões de radar. Um radar não pode identificar diretamente uma aeronave pelo tipo — explicou Robby. — E preciso deduzir os tipos pelo que eles fazem, ou a partir das assinaturas eletrônicas de seu equipamento, certo? Em todo caso, o grupo líder seguiu para leste e atravessou a linha invisível aqui. — O indicador se moveu. — Aqui uma esquadrilha de quatro F-16s de Taiwan com todos os sinos e apitos.
Eles viram que o grupo líder da República Popular da China chegou longe demais e traçaram um curso de interceptação até eles. Então o grupo virou de volta para oeste. Logo depois, mais ou menos... agora, o grupo de trás ligou seus radares, mas em vez de rastrear seu próprio grupo líder, eles apontaram mísseis para os F-16s — O que você está dizendo, Rob? — perguntou o presidente.
— Exatamente o que parece. O grupo líder estava estimulando um ataque ao alvorecer ao continente, e o grupo de trás estava ali para defender o ataque estimulado. Na superfície, tudo isso parece um exercício de treinamento bem comum. Porém, o grupo de trás atingiu as pessoas erradas, e quando alteraram seus radares para o modo de ataque, um dos pilotos de Taiwan deve ter achado que estava sob ataque e disparou um míssil. Então o companheiro ao seu lado fez o mesmo. Zap! Bem aqui, um B-7 é atingido, mas este aqui, por uma tremenda sorte, se esquiva do outro míssil e dispara um, ele também. Este F-16
cai mas o piloto tenta escapar para lutar outro dia; veja, aqui o piloto é ejetado, e achamos que ele sobreviveu. Mas este elemento dispara quatro mísseis, e um deles atinge este avião de passageiros. Este deve ter sido o propósito o tempo inteiro. Nós checamos o alcance; o míssil voou três quilômetros além do que achamos que poderia. Quando o avião de passageiros foi atingido, todos os caças já tinham retornado, os caras da República Popular da China porque provavelmente estavam sem combustível, e os caras de Taiwan porque estavam sem mísseis. De qualquer modo, os dois lados tiveram um desempenho bem desgracioso.
— Está dizendo que foi tudo um erro? — Esta pergunta veio de Tony Bretano. — Com toda certeza sim. Com exceção de uma coisinha...
— Por que transportar mísseis ativados num exercício? — disse Ryan.
— Quase, Sr. presidente. Os pilotos de Taiwan, claro, estavam carregando brancos porque viam o exercício da China como uma ameaça...
— Brancos? — Foi Bretano novamente.
— Perdão, secretário. Os mísseis de verdade são brancos. Os mísseis de exercício: são pintados de azul. A questão é: por que os pilotos da China estavam carregando mísseis termoguiados? Geralmente, em situações como essas, não fazemos isso, porque é impossível desligar esses mísseis; depois que são lançados, eles ficam totalmente por conta própria. Chamamos isso de dispare e esqueça . Uma outra coisa. Todos os mísseis que dispararam nos F-16
eram guiados por radar. Este aqui, o que atingiu o avião de passageiros, parece ser o único míssil guiado por calor que foi lançado. Não gosto do cheiro disto.
— Ato deliberado? — perguntou Jack em tom calmo.
— Essa é uma possibilidade, presidente. O show inteiro parece um acidente, caso clássico. Uns dois pilotos de caça ficam nervosos com alguma coisa, acontece um auê, algumas pessoas morrem e nós nunca conseguiremos provar que não foi assim. Porém, se vocês olharem para este elemento de dois caças, verão que eles parecem estar mirando no avião comercial o tempo inteiro... a não ser que o tenham confundido com um caça de Taiwan, mas não engulo isso...
— Por quê?
— Ele estava na rota errada o tempo todo — respondeu o almirante Jackson.
— Talvez tenha sido excitação de piloto novato — propôs o secretário Bretano.
— Por que não mirar em alguém que está rumando na sua direção em vez de em alguém que está indo para o outro lado? Secretário, sou piloto de caça. Não engulo isso. Se me vejo numa situação de combate inesperada, a primeira coisa que faço é identificar as ameaças a mim e atirar nelas bem entre os olhos.
— Quantas mortes? — inquiriu Jack, sombrio. Ben Goodley respondeu essa: — Os relatos indicam mais de cem. Há sobreviventes, mas eles ainda não têm nenhum tipo de contagem. E provavelmente havia alguns americanos a bordo. Muitas transações comerciais são realizadas entre Hong Kong e Taiwan.
— Opções?
— Antes de fazermos qualquer coisa, presidente, precisamos saber se algum dos nossos está envolvido. Temos apenas um porta-aviões nas proximidades, o grupo de batalha Eisenhower a caminho da Austrália para COPA SUL. Mas é sensato prever que movê-lo para lá não ajudaria exatamente a melhorar a situação entre Pequim e Taipé.
— Precisaremos fazer algum tipo de declaração para a imprensa — disse Arnie ao presidente.
— Primeiro temos de saber se perdemos cidadãos americanos — disse Ryan.
— Se perdemos... bem, o que faremos? Exigiremos uma explicação?
— Eles dirão que foi um engano — repetiu Jackson. — Talvez até mesmo digam que Taiwan atirou primeiro e depois neguem toda sua responsabilidade.
— Mas não vão convencer você, não é, Robby?
— Não, Jack... perdão, presidente, eles não vão me convencer. Quero reexaminar as fitas com algumas pessoas. Talvez eu esteja errado... mas acho que não. Pilotos de caça, são pilotos de caça. Um piloto de caça só atira em alguém que está fugindo em vez de no ataca que está se aproximando, se ele tiver ordens para isso.
— Que tal mover o grupo Ike para o norte? — cogitou Bretano.
— Traga-me planos de contingência para fazer isso — requereu o presidente.
— Isso deixará o oceano Índico a descoberto, senhor — lembrou Jackson. — O Cari Vinson está agora a caminho de casa, para Norfolk. O John Stennis e o Enterprise ainda estão em Pearl, e não temos um porta-aviões disponível no Pacífico. Estamos sem porta-aviões naquela metade do mundo. Na melhor das hipóteses, precisaremos de um mês para movermos outro da frota do Atlântico.
Ryan voltou-se para Ed Foley.
— Quais são as chances da situação pegar fogo?
— O governo de Taiwan vai ficar muito irritado com isto. Houve disparos e pessoas foram mortas. Um avião comercial deles foi derrubado. Os governos costumam ficar muito indignados quando isso acontece — observou o diretor da CIA. — É possível.
— Intenções? — perguntou Goodley ao diretor da CIA.
— Se o almirante estiver correto... a propósito, até agora também não estou engolindo essa história —acrescentou Ed Foley em benefício de Robby. — Então temos algo em andamento, mas não sei que algo é esse. É melhor para todos que isso tenha sido apenas um acidente. Não posso dizer que gosto da ideia de tirar o porta-aviões do oceano Indico com a situação que está se desenvolvendo no Golfo Pérsico.
— Qual é a pior coisa que pode acontecer entre China e Taiwan? — indagou Bretano, aborrecido por precisar fazer essa pergunta. Ainda era novo demais neste trabalho para ser tão eficaz quanto seu presidente precisava.
— Sr. Secretário, a República Popular da China possui mísseis com ogivas nucleares suficientes para transformar Formosa num cinzeiro, mas não temos motivos para acreditar que Taiwan também os tenha e...
— Aproximadamente vinte — interrompeu Foley. — E esses F-16s podem levar uns dois deles até Pequim, se quiserem. Eles não podem destruir a China, mas vinte armas termonucleares farão sua economia regredir em pelo menos dez anos, talvez vinte. A China não quer que isso aconteça. Eles não são loucos, almirante. Vamos prever um desenrolar convencional, certo?
— Muito bem, senhor. A China não possui a capacidade para invadir Taiwan. Eles carecem dos recursos anfíbios necessários para mover um grande número de tropas para um assalto de entrada forçada. Portanto, o que acontecerá se a situação pegar fogo? O cenário mais provável é uma batalha aeronaval sangrenta, mas isso leva a apenas uma resolução, considerando que nenhum dos lados pode acabar com o outro. Isso também significa uma guerra numa das rotas comerciais mais importantes do mundo, com todos os tipos de consequências diplomáticas adversas para todos os jogadores. Não posso ver o propósito de fazer isso intencionalmente. E destrutivo demais para ser uma política proposital... acho. — Deu de ombros. Não fazia sentido, mas um ataque proposital a um avião de passageiros inofensivo... e ele acabara de dizer à sua plateia, isso provavelmente tinha sido deliberado.
— E temos relações comerciais com ambos — comentou o presidente. — Queremos impedir isso, não queremos? Temo que seja preciso mover aquele porta-aviões, Robby. Vamos analisar algumas opções e depois vamos tentar descobrir que diabos a China está pretendendo.
Clark acordou primeiro, sentindo-se miserável. Mas não podia dar-se a esse luxo sob as circunstâncias. Dez minutos mais tarde, ele estava barbeado, vestido e caminhando até a porta, deixando Chavez na cama. Ding não falava mesmo a linguagem do lugar.
— Caminhada matutina? — perguntou o homem que os trouxera do aeroporto.
— Bem que gostaria de esticar as pernas — admitiu John. — E quem você é?
— Marcel Lefèvre.
— Chefe de Estação? — perguntou John abruptamente.
— Na verdade, sou o adido comercial — respondeu o francês, significando sim. — Importa-se se eu for com você?
— Nem um pouco — respondeu Clark, surpreendendo seu colega enquanto ambos caminhavam até a porta. — Vamos dar um passeio. Há algum mercado aqui perto?
— Sim, vou mostrar.
Dez minutos depois, estavam numa rua comercial. Duas sombras iranianas estavam 5 metros atrás deles, e sem a menor discrição, embora não fizessem nada além de observar.
Os sons trouxeram tudo de volta. O farsi de Clark não era muito impressionante, especialmente porque fazia 15 anos desde que o praticara pela última vez. Embora seu farsi não fosse muito bom, seu entendimento revelou-se quase perfeito assim que começou a ouvir as conversas e barganhas enquanto os dois ocidentais passavam por barracas nos dois lados da rua.
— Como está o preço da comida?
— Bem alto — respondeu Lefevre. — Especialmente com todos os suprimentos enviados para o Iraque. As pessoas têm reclamado um pouco disso.
Depois de alguns minutos de contemplação, John percebeu que alguma coisa estava faltando. Ao passar por meio quarteirão de barracas de comida, eles estavam agora em outra área — ouro, sempre um artigo popular nesta parte do mundo. As pessoas estavam comprando e vendendo. Mas faltava o entusiasmo do qual ele lembrava. Ele olhou pura as barracas enquanto passava, tentando imaginar o que estava faltando.
— Procurando alguma coisa para a sua mulher? — perguntou Lefevre. Clark tentou um sorriso, mas não convenceu.
— Oh, nunca se sabe. O aniversário está perto. Parou para olhar um colar.
— De onde você é? — perguntou o comerciante, em inglês.
— América — respondeu John, também em sua língua. O homem tinha percebido sua nacionalidade imediatamente, talvez devido às suas roupas, e aproveitado a oportunidade de falar nessa língua.
— Não vemos muitos americanos aqui.
— É uma pena. Quando era mais jovem, andava muito por esta região.
Era realmente um colar muito bonito. Checando a etiqueta com o preço e fazendo um cálculo mental, John percebeu que o custo estava incrivelmente razoável. E ele tinha um aniversário se aproximando.
— Talvez algum dia isso mude — disse o ourives.
— Há muitas diferenças entre o seu país e o meu — observou John, um tom triste na voz.
Sim, ele podia pagar, e como sempre estava carregando dinheiro mais que o suficiente, uma coisa boa com a moeda americana era ela ser aceita quase em toda parte.
— As coisas mudam — disse o homem.
— As coisas já mudaram — concordou John. Ele olhou para um colar ligeiramente mais caro. Não havia o menor problema em pegá-los; se tinha uma coisa que os países islâmicos sabiam fazer era desencorajar ladrões. — Há tão pouca gente sorrindo aqui, e esta é uma rua comercial.
— Há homens seguindo você.
— Mesmo? Bem, não estou infringindo nenhuma lei, estou? — perguntou Clark, denotando alguma preocupação.
— Não, não está. — Mas o homem estava nervoso.
— Este — disse John, segurando-o para o ourives.
— Como vai pagar?
— Dólares americanos. Tudo bem?
— Sim. O preço é novecentos dos seus dólares.
John precisou reunir todo seu controle para não demonstrar surpresa.
Mesmo numa loja de atacado em Nova York, esse colar valeria pelo menos o triplo, e embora ele não estivesse preparado para gastar isso, barganhar fazia parte da diversão de comprar nestas paragens. Ele havia calculado que poderia convencer o homem a baixar talvez até 150 dólares, o que ainda seria uma tremenda pechincha. Teria ouvido direito?
— Novecentos?
Um dedo enfático apontou direto para o coração de John.
— Oitocentos, nem um dólar a menos... está querendo me arruinar? — perguntou em voz alta.
— Você sabe barganhar — disse Clark, adotando uma postura defensiva por causa dos observadores, que agora estavam se aproximando.
— Você é um infiel! Espera caridade? Este é um belo colar, e espero que o dê à sua honrada esposa e não a uma vagabunda qualquer!
Clark concluiu que colocara o homem em perigo. Pegou sua carteira, tirou as notas e deu-as ao ourives.
— Está pagando demais. Não sou ladrão! — disse o ourives, devolvendo uma das notas.
Setecentos dólares por isto?
— Desculpe, não quis insultá-lo — disse John, guardando o colar, que o homem praticamente jogou para ele, sem sequer embrulhá-lo.
— Nem todos somos bárbaros — disse o comerciante em voz alta, abruptamente dando as costas para Clark. Ele e Lefevre caminharam até o fim da rua e dobraram à direita. Caminharam rápido demais, forçando suas sombras a apertar o passo.
— Mas que merda foi essa? — perguntou o agente da CIA. Não esperara que nada assim acontecesse.
— Sim. O entusiasmo pelo regime caiu um pouco. O que você viu é representativo. Aquilo foi benfeito, monsieur Clark. Há quanto tempo na agência?
— O suficiente para que não goste de ser tão surpreendido. Acredito que a palavra apropriada no seu idioma é merde.
— E então, isso é para a sua esposa?
John assentiu.
— Sim. Ele terá problemas?
— Dificilmente — disse Lefevre. — Ele pode ter perdido dinheiro na troca, Clark. Um gesto interessante, não foi?
— Vamos voltar. Tenho um secretário de gabinete para acordar. Estavam de volta em 15 minutos. John seguiu direto até seu quarto.
— Como está o tempo lá fora, Sr. C?
Clark meteu a mão no bolso e jogou alguma coisa através do quarto.
Chavez observou
— Nossa, é pesado — avaliou Chavez.
— Quanto acha que custou, Domingo?
— Parece ouro 21 quilates, também tem o peso certo... duas mil verdinhas.
— Acreditaria em setecentas?
— Você é parente do cara, John? — perguntou Chavez com uma risada.
Parou de rir e disse: — Achei que eles não gostavam de nós aqui.
— As coisas mudam — disse John em voz baixa, citando o ourives.
Foi muito ruim? — perguntou Cathy.
— Aqui diz 104 sobreviventes, alguns bem feridos. Noventa mortos confirmados e a confirmar cerca de trinta; as partes corporais ainda não foram identificadas — disse Jack, lendo o despacho que acabara de ser trazido ao seu quarto pelo agente Raman. Dezesseis americanos na categoria dos sobreviventes. Cinco mortos. Nove ainda não identificados e presumivelmente mortos. Deus, havia quarenta cidadãos chineses a bordo — Ele balançou a cabeça.
— Mas por que eles... por que não se afinam?
— Por que fazem tanto escarcéu? Eles fazem, e isso é um fato, meu bem.
Eles rosnam e arranham uns aos outros como gatos de beco, mas também precisam um do outro.
— Que faremos? — perguntou sua esposa.
— Não sei ainda. Estamos segurando o release para a imprensa até amanhã de manhã, quando teremos mais informações. Merda, como é que vou dormir numa noite como essa — perguntou o presidente dos Estados Unidos. — Temos 14 americanos mortos a meio mundo daqui. Meu dever é protegê-los, não é?
Meu dever não é deixar que matem americanos.
— Pessoas morrem todos os dias — lembrou a primeira-dama. Não devido a mísseis ar-ar.
Ryan colocou o despacho em sua mesinha de cabeceira e desligou a luz, perguntando-se quando o sono chegaria, imaginando como estaria indo o encontro em Teerã.
Começou com apertos de mão. Um funcionário do Ministério das Relações Exteriores encontrou-os em frente ao prédio. O embaixador francês fez as apresentações e foram encaminhados rapidamente para dentro, de modo a evitar a cobertura de câmera de TV, embora nenhuma parecesse em evidência na rua.
Clark e Chavez desempenharam seus papéis, mantendo-se perto de seu protegido, mas não perto demais, olhando em torno com ares tensos, como era esperado que fizessem.
— Eu o recebo em paz — disse Daryaei, levantando-se de sua cadeira para receber o convidado. Ele falou através de um intérprete. Era um estratagema comum nesses encontros. Possibilitava uma precisão maior nas comunicações; além disso, caso alguma coisa desse errado, podia-se atribuir o erro ao intérprete, o que concedia uma saída conveniente a ambos os lados. — Que as bênçãos de Alá estejam sobre nós.
— O senhor foi muito gentil em conceder esta reunião tão rapidamente — disse Adler, acomodando-se em sua cadeira.
— Você veio de longe. Sua viagem foi agradável? — perguntou Daryaei, cordialmente. O ritual inteiro seria cordial. Ou pelo menos o começo.
— Não aconteceu nada relevante — disse Adler, esforçando-se para não bocejar ou demonstrar fadiga. Três xícaras de café europeu forte haviam ajudado, embora seu estômago agora estivesse um pouco embrulhado.
Diplomatas em reuniões sérias deviam agir exatamente como cirurgiões numa sala de operações, e ele tinha muita prática em não deixar suas emoções transparecerem, com estômago embrulhado ou não.
— Sinto não podermos mostrar-lhe mais de nossa cidade. Há muita história e beleza aqui.
Os dois homens esperaram que as palavras fossem traduzidas. O intérprete simultâneo era um homem na casa dos trinta, de expressão muito séria e, conforme Adler percebeu, possivelmente amedrontado pela presença de Daryaei. Provavelmente era um funcionário do ministério, vestido num terno não muito bem-passado, mas o aiatolá estava de robe, enfatizando sua identidade nacional e sacerdotal. Mahmoud Haji era sério, mas não hostil em comportamento; estranhamente, parecia completamente carente de curiosidade.
— Talvez em minha próxima visita.
Um menear de cabeça amistoso.
— Sim. — Isso foi dito em inglês, lembrando a Adler que o homem compreendia a linguagem de seu visitante. Nada daquilo era incomum em forma, percebeu o secretário de Estado.
— Faz muito tempo desde o último contato direto entre o seu país e o meu, decerto não neste nível — disse Adler.
— E verdade, mas apreciamos esses contatos. Como posso lhe ser útil, secretário Adler?
— Se não lhe for inconveniente, gostaria de discutir a estabilidade nesta região.
— Estabilidade? — perguntou Daryaei, todo inocência. — O que o senhor quer dizer?
— O estabelecimento da União Republicana Islâmica gerou o maior país desta região. Isso é motivo de preocupação para alguns.
— Eu diria que aperfeiçoamos nossa estabilidade. Não era o regime iraquiano a influência desestabilizadora? Não foi o Iraque que iniciou duas guerras? Não fizemos nada assim.
— Isso é verdade — concordou Adler.
— O Islã é uma religião de paz e irmandade — prosseguiu Daryaei, falando como o professor que fora durante anos.
Mas provavelmente uma religião rigorosa, com sacerdotes com ferro por baixo de suas vozes aveludadas, pensou Adler.
— Isso também é verdade, mas no mundo dos homens as regras da religião nem sempre são seguidas por aqueles que se dizem religiosos — comentou o americano.
— Outros países não aceitam a regra de Deus como nós aceitamos. Apenas no reconhecimento de quais esperanças podem ser nutridas pelos homens é que podemos encontrar a paz e a justiça. Isso significa mais do que dizer as palavras. É preciso também viver as palavras.
E obrigado pela aula de catecismo, pensou Adler, assentando respeitosamente. Então por que diabos você apoia o Hezbollah?
— Meu país não quer mais do que paz nesta região. Nesta região e no mundo inteiro — disse Adler.
— E essa também é a vontade de Alá, conforme nos foi revelada pelo Profeta. Ele está se mantendo fiel ao roteiro, percebeu Adler. Há muito tempo, o presidente Jimmy Carter enviara um emissário até o chefe deste homem, Khomeini, em seu exílio na França. O xá estava com problemas políticos até o pescoço naquela época, e a voz da oposição estava se fazendo ouvir. Depois da reunião, o emissário voltou para casa e disse o presidente que Khomeini era um santo. Carter aceitou o relatório como a mais pura verdade e providenciou a remoção de Mohammad Reza Pahlavi, permitindo que o santo tomasse seu lugar.
Opa.
A administração seguinte lidou com o mesmo homem e não conseguiu nada além de um escândalo e um vexame perante os olhos do mundo.
Ai!
Esses eram erros que Adler estava determinado a não repetir.
— Também faz parte dos princípios de minha nação honrar as fronteiras internacionais. O respeito pela integridade territorial é o sine qua non da estabilidade regional e — Secretário Adler, todos os homens são irmãos, e esta é a vontade de Alá.
Irmãos podem brigar de vez em quando, mas fazer guerra é um insulto a Deus.
Em todo caso, acho o subtexto de seus comentários um pouco perturbador. O senhor parece sugerir tenhamos intenções hostis em relação aos nossos vizinhos. Como pode dizer uma coisa dessas?
— Perdoe-me, acho que fui mal entendido. Não fiz essas insinuações. Vim apenas discutir preocupações mútuas.
— O seu país, seus associados e aliados dependem desta região para sua saúde econômica. Não pretendemos prejudicar a sua economia. Vocês precisam de nosso petróleo. Nós precisamos das coisas que o petróleo pode comprar. A nossa cultura é baseada no comércio. O senhor sabe disso. A nossa cultura também e islâmica, e sinto muita mágoa em ver que o Ocidente não parece apreciar a substância de nossa Fé. Não somos bárbaros, a despeito do que os seus amigos judeus possam dizer. Na verdade, não temos nenhuma desavença religiosa com os judeus. Seu patriarca, Abraão, veio desta região. Eles foram os primeiros a proclamar o Deus verdadeiro, e realmente deve haver paz entre nós.
— Fico muito satisfeito em ouvir essas palavras. Como poderemos chegar a essa paz? — perguntou Adler, imaginando quando fora a última vez que alguém tentara derrubar uma oliveira inteira na sua cabeça.
— Com o tempo, e com diálogo. Talvez seja melhor estabelecermos contatos diretos. Além de pessoas de fé, eles também são um povo de tradição comercial.
Adler tentou imaginar o que ele quis dizer com isso. Contatos diretos com Israel. Isso era uma oferta ou uma propina para o governo americano?
— E quanto aos seus vizinhos islâmicos?
— Temos a Fé em comum. Temos o petróleo em comum. Temos uma cultura em comum. Sob muitos aspectos, já somos um só.
Clark, Chavez e o embaixador estavam do lado de fora, sentados em silêncio. Depois de terem sido servidos os refrescos usuais, os funcionários os ignoraram. Os seguranças estavam parados bem perto, sem olhar diretamente para os visitantes, mas também sem olhar em outra direção. Para Chavez isso era uma chance de conhecer novas pessoas. Reparou que o ambiente era antiquado, envelhecido, como se o prédio não tivesse mudado muito desde a saída do governo anterior — muito tempo atrás, lembrou a si mesmo. Não que os objetos estivessem caindo aos pedaços; apenas não eram modernos. Contudo, havia uma tensão verdadeira neste lugar. Podia senti-la no ar. Um funcionário público americano teria olhado para ele com curiosidade. As seis pessoas nesta sala não estavam fazendo isso. Por quê?
Clark esperara por isso. Ser ignorado não o surpreendia. Ele e Ding estavam aqui como oficiais de segurança, e não passavam de mobília, nada que valesse a pena observar. As pessoas aqui deviam ser adidos veteranos, fiéis ao seu patrão porque tinham de sê-lo. Graças a ele, tinham uma medida de poder.
Esses visitantes iriam ratificar esse poder no sentido internacional ou ameaçá-lo, e embora isso fosse importante para seu bem-estar individual, eles não poderiam afetá-los mais do que o clima poderia fazer, e assim estavam simplesmente desconsiderando a presença dos visitantes, com exceção dos seguranças, que eram treinados para ver qualquer um como uma ameaça, mesmo que o protocolo não lhes permitisse demonstrar um grau elevado de intimidação física.
Para o embaixador aquilo era apenas mais um exercício em diplomacia, conversas em palavras cuidadosamente escolhidas para demonstrar pouco por um lado e deslindar muito pelo outro. Ele podia adivinhar o que estava sendo dito pelos dois lados. Ele podia até mesmo adivinhar o sentido real das palavras. Era sua verdade que os interessava. O que Daryaei havia planejado? O embaixador e seu país desejavam a paz na região; ele e seus colegas haviam pedido a Adler que tentasse interceder pela paz, embora não conseguissem imaginar como ela poderia ser concretizada. Homem interessante, esse Daryaei.
Um homem de Deus que certamente havia assassinado o presidente iraquiano. Um homem de paz e justiça que governava seu país com punho de ferro. Homem de misericórdia que claramente despertava terror em seus auxiliares pessoais. Bastava olharem torno para ver isso. Um Richelieu moderno do Oriente Médio? Esse era um pensamento novo, pensou o francês, divertindo-se por trás de seu rosto impassível. Ele contaria essa ideia ao seu ministério hoje mesmo. E lá dentro com ele, naquele exato momento, estava um ministro americano novato. Ele não esquecia o fato de que Adler tinha uma boa reputarão como diplomata de carreira, mas era bom o bastante para esta tarefa?
— Por que estamos discutindo isso? Por que devo ter ambições territoriais?
— indagou Daryaei, quase cortesmente, mas telegrafando sua irritação. — Meu povo deseja apenas a paz. Já houve muita luta aqui. Durante minha vida inteira estudei e ensinei a Fé, e agora, finalmente, nos dias finais de minha vida, a paz existe.
— Esse é o nosso único desejo para esta região, exceto talvez o restabelecimento de nossa amizade com o seu país.
— Poderemos conversar mais a esse respeito. Agradeço ao seu país por não ter se oposto à remoção do embargo comercial contra a antiga nação do Iraque.
Talvez seja um começo. Ao mesmo tempo, preferiríamos que a América não interferisse nos assuntos internos de nossos vizinhos.
— Temos um compromisso para com a integridade de Israel — lembrou Adler.
— Falando ao pé da letra, Israel não é uma nação vizinha — replicou Daryaei. — Mas se Israel puder ser deixado em paz, talvez também possamos viver em paz.
O sujeito era bom, pensou Adler. Ele não estava revelando muito, apenas negando tudo. Ele não fez declarações políticas além das promessas usuais de intenção pacífica, todo chefe de Estado fazia isso, embora não fossem muitos os que invocassem com tanta frequência o nome de Deus. Paz. Paz. Paz.
Só que Adler não acreditara nem por um segundo no que ele dissera sobre Israel. Se ele tivesse intenções pacíficas, teria dito isso primeiro a Jerusalém, para tê-los ao seu lado e negociar com Washington. Israel fora o intermediário na negociação desastrosa de armas em troca de reféns, e também tinham sido prejudicados.
— Espero que exista uma fundação sobre a qual possamos edificar.
— Se o seu país tratar o meu país com respeito, então poderemos conversar.
Depois poderemos discutir um aprimoramento nas relações.
— Direi isso ao meu presidente.
— O seu país também sofreu recentemente muita tristeza. Espero que ele tenha a força para sarar os ferimentos de sua nação.
— Obrigado.
Ambos se levantaram. Apertos de mão foram trocados de novo, e Daryaei conduziu Adler até a porta.
Clark notou a forma como os funcionários puseram-se de pé. Daryaei conduziu Adler até a saída, apertou sua mão uma vez mais, e permitiu que o homem partisse com sua escolta. Dois minutos depois, estavam em seus carros oficiais e diretamente a caminho do aeroporto.
— Como será que foi? — perguntou John a ninguém em particular.
Todos estavam pensando a mesma coisa, mas não disseram uma só palavra. Trinta minutos depois, auxiliados por sua escolta oficial, os carros estavam de volta ao Mehrabad International, dirigindo-se até a seção da Força Aérea das instalações, onde seu jato francês os esperava.
Era preciso haver também uma cerimônia de partida. O embaixador francês conversou com Adler durante vários minutos, o tempo inteiro segurando sua mão num cumprimento prolongado de adeus. Com ampla segurança URI-ana, não havia nada que Clark e Chavez pudessem fazer além de olhar em torno, que era supostamente sua função. Avistaram seis aviões de guerra sendo conservados por técnicos de manutenção. Os mecânicos entravam e saíam de um hangar amplo que, com toda certeza, fora construído pelo xá.
Ding olhou para seu interior e ninguém se opôs a isso. Havia outro avião lá, e este parecia meio desmontado. Um motor estava pousado num carrinho, sob os cuidados de outra equipe de manutenção.
— Engradados de galinha, acredita? — comentou Chavez.
— Do que está falando? — disse Clark, olhando na outra direção.
— Veja você mesmo, Sr. C.
John se virou. Empilhados na parede mais distante do hangar havia gaiolas de arame, aproximadamente do tamanho usado para transportar aves de abate.
Centenas delas. Coisa engraçada de se ver numa base da Força Aérea, pensou.
Do outro lado do aeroporto, Astro de Cinema observava o último de sua equipe embarcar num voo para Viena. Olhando em torno para a vista ampla do aeroporto, deu com os olhos nos jatos particulares do lado mais distante, com algumas pessoas e carros rodeando um deles. Perguntou-se o que seria aquilo.
Provavelmente alguma função do governo. O importante era que tudo estava correndo conforme ele havia planejado. O voo da Austrian Airlines passou pelo portão na hora, e iria decolar imediatamente depois do jato comercial, ou o que ele fosse. Então, Astro de Cinema caminhou para outro portão para embarcar em seu próprio voo.
40
Declarações
A maioria dos americanos acordou para descobrir o que seu presidente já sabia. Onze cidadãos americanos estavam mortos, com mais três aguardando confirmação, num desastre de avião no outro lado do mundo. Alertada por uma fonte no terminal, uma equipe da TV local chegara ao aeroporto bem a tempo.
A gravação mostrava pouco mais que uma bola de fogo distante subindo ao céu, seguida por algumas imagens mais próximas que também eram tão típicas que poderiam ter sido realizadas em qualquer lugar. Dez caminhões de bombeiros cercaram os escombros em chamas, cobrindo-os com espuma e água, ambas as coisas tardias demais para salvar alguém. Ambulâncias corriam pela pista. Algumas pessoas, obviamente sobreviventes, vagueavam chocadas e desorientadas. Outras, rostos enegrecidos, cambaleavam até os braços de membros da equipe de resgate. Havia esposas sem maridos, pais sem crianças, e o tipo de caos que sempre parecia dramático mas que jamais oferecia nada em termos de informação, mesmo que gritasse por algum tipo de ação.
O governo de Taiwan emitiu uma declaração furiosa sobre pirataria aérea, requisitando em seguida uma reunião emergencial do Conselho de Segurança da ONU. Pequim emitiu também uma declaração alguns minutos depois, expressando que sua aeronave, num exercício pacífico de treinamento, havia sido atacada inteiramente sem explicação, em seguida retornara fogo em autodefesa. Pequim negou qualquer envolvimento nos danos ao avião, e atribuiu a culpa do episódio inteiro à sua província rebelde.
— E então, o que mais descobrimos? — questionou Ryan ao almirante Jackson às uma e meia.
— Analisamos ambas as fitas por cerca de duas horas. Pedi a colaboração de alguns pilotos de caça com quem trabalhei e a dois rapazes da Força Aérea, e chegamos a uma conclusão. Em primeiro lugar, os comunas amarelos...
— Não devemos chamá-los assim, Robby — observou o presidente.
— É um velho hábito. Desculpe. Os cavalheiros da República Popular da China... eles sabiam que tínhamos navios lá. A assinatura eletrônica de um navio Aegis é como o monte St. Helens com sua altitude, certo? E as capacidades dessas naus não são exatamente um segredo. Elas estão em serviço há mais de vinte anos. Assim, eles sabiam que estávamos observando, e sabiam que estávamos vendo tudo. É bom ter isso em mente.
— Continue — disse Jack ao amigo.
— Em segundo lugar, temos uma equipe de espiões no Chandler, ouvindo as conversas por rádio. Traduzimos as transmissões vocais dos pilotos chineses.
Vou citar uma. Esta foi trinta segundos depois do começo do confronto: Está na mira, está na mira, vou disparar. Certo, o azimute dessa transmissão é precisamente o mesmo que o do lançamento do termoguiado contra o avião.
Em terceiro lugar, cada piloto com quem falei disse o mesmo que eu: por que disparar contra um avião de passageiros no limite de alcance do seu míssil quando você tem caças bem na sua cara? Jack, tem algo de podre aqui. Bem podre.
Infelizmente, não podemos provar que a transmissão veio do caça que disparou o míssil contra o Airbus, mas é a minha opinião, e a dos meus colegas do outro lado do rio, que esse foi um ato deliberado. Eles tentaram abater aquele avião de passageiros de propósito.
O diretor de operações do Pentágono concluiu: — Temos sorte de alguém ter saído vivo.
— Almirante, o senhor poderia levar isso a um tribunal?—indagou Arnie van Damm.
— Senhor, não sou um advogado. Sou um piloto. Não ganho a vida provando coisas, mas digo e repito: há uma chance de cem contra um de que eu esteja errado.
— Mas não posso dizer isso diante das câmeras — comentou Ryan, checando as horas. Ele seria maquiado dali a alguns minutos. — Se fizeram isso de propósito...
— Não sei Jack.
— Droga, Robby, eu ouvi o que você disse da primeira vez! — replicou Ryan. Fez uma pausa para respirar. — Não posso acusar uma nação soberana de um ato de guerra sem nenhuma prova. Vamos em frente. Certo, eles fizeram de propósito. E fizeram com o conhecimento de que nós iríamos saber. O que isso significa?
A equipe de segurança nacional de Jack tivera uma noite muito longa.
Goodley se encarregou da resposta: — E difícil dizer, presidente.
— Estão preparando uma ofensiva contra Taiwan? — perguntou o presidente.
— Eles não podem — disse Jackson, sucumbindo ao seu gênio de comandante-em-chefe. — Eles não dispõem da capacidade física para invadir.
Não há nenhum sinal de atividade incomum em suas forças terrestres nessa área, apenas aquilo que eles vêm fazendo no noroeste e que tem irritado tanto os russos. Assim, segundo o ponto de vista militar, a resposta é não.
— Invasão aérea? — perguntou Ed Foley. Robby balançou a cabeça.
— Eles não dispõem da capacidade aérea para isso e, mesmo se tentarem, Taiwan possui recursos de defesa aérea suficientes para transformar o ataque numa temporada de caça aos patos. Eles poderiam realizar uma batalha aeronaval como a que lhes mencionei ontem à noite, mas isso lhes custaria navios e aviões... a fim de quê? — perguntou o J-3.
— Então eles derrubaram um avião para testar a nós — teorizou POTUS.
— Isso também não faz sentido.
— Se você disser eu em vez de nós, há uma boa chance — disse o diretor da CIA em tom neutro.
— Que é isso, diretor? — objetou Goodley. — Havia duzentas pessoas naquele avião, e eles deviam achar que todas morreriam.
— Não sejamos tão ingênuos, Ben — observou Foley, tolerante. — Eles não nutrem o mesmo sentimentalismo que nós pela vida humana, certo?
— Sim, mas... Ryan interrompeu.
— Muito bem, contenham-se. Achamos que foi um ato deliberado, mas não temos nenhuma prova positiva, e não temos a menor ideia de qual pode ter sido o propósito... e nós não temos, não posso chamar isso de um ato deliberado, posso? — Os homens assentiram. — Certo. Agora, em 15 minutos terei de descer até a Sala de Imprensa e ler esta declaração. Depois os jornalistas farão perguntas, e as únicas respostas que posso lhes dar são mentiras.
— Isso resume tudo, presidente — confirmou van Damm.
— Bem, isso não é fantástico? E Pequim irá saber, ou pelo menos suspeitar, que estou mentindo.
— É possível, mas não temos certeza disso — observou Ed Foley.
— Não sei mentir direito — disse-lhes Ryan.
— Aprenda agora — aconselhou o chefe de gabinete. — E rápido.
Não houve conversas no voo de Teerã para Paris. Adler estava numa poltrona confortável no fundo, com um bloco no colo, e passou a viagem inteira escrevendo, usando sua memória treinada para reconstruir a conversa; depois acrescentou uma série de observações pessoais sobre tudo, desde a aparência de Daryaei até a bagunça em sua mesa. Depois, passou uma hora examinando as anotações e começou a fazer comentários políticos. No processo, gastou meia dúzia de lápis. A escala em Paris durou cerca de uma hora, o bastante para Adler passar um pouco mais de tempo com Claude e seus guarda-costas saírem para uma bebida rápida. Depois estavam novamente a bordo de seu VC-2015 da Força Aérea americana.
— Como foi? — perguntou John.
Adler precisou lembrar a si mesmo que Clark estava na equipe de SNIE, não sendo apenas um espião armado.
— Antes disso, o que você descobriu no seu passeio?
O agente da CIA meteu a mão no bolso e tirou um colar de ouro. Deu-o ao secretário.
— Isso significa que estamos noivos? — perguntou Adler, com uma risadinha de surpresa.
Clark gesticulou na direção do parceiro.
— Não, senhor. Ele é comprometido.
Agora que estavam no alto, o tripulante da cabine a cargo do painel de comunicações ligou o equipamento. O fax começou a cuspir papel imediatamente.
— ... foram confirmadas as mortes de 11 americanos. Outros três cidadãos americanos estão desaparecidos. Quatro dos sobreviventes americanos estão feridos e sendo tratados em hospitais locais. Isso conclui minha declaração de abertura — disse-lhes o presidente.
— Presidente! — clamaram trinta vozes em uníssono.
— Um de cada vez, por favor. — Jack apontou para uma mulher na fileira da frente.
— Pequim alega que Taiwan disparou primeiro. Podemos confirmar isso?
— Estamos examinando algumas informações, mas esse tipo de investigação demanda algum tempo. Como ainda não temos informações definitivas, não creio que seja apropriado tentar forçar qualquer conclusão.
— Mas os dois lados trocaram tiros, não trocaram? — foi a pergunta adicional da jornalista.
— Sim, parece que foi o que aconteceu.
— Então sabemos de quem foi o míssil que atingiu o Airbus?
— Como eu disse, ainda estamos examinando as informações. — Seja sucinto, Jack, disse a si mesmo. E isso não era mentira, era? — Sim? — apontou para outro repórter.
— Presidente, considerando o número de cidadãos americanos mortos, que ação o senhor tomará para garantir que isso não voltará a acontecer?
Pelo menos essa ele poderia responder honestamente.
— Estamos examinando nossas opções. Além disso, não tenho nada a dizer, exceto que pedimos às duas Chinas que recuassem e ponderassem sobre suas ações. A perda de uma vida inocente não interessa a nenhum país. Os exercícios militares naquela região estão acontecendo há algum tempo, e a tensão resultante não auxilia a estabilidade da região.
— Então, o senhor está pedindo aos dois países que suspendam seus exercícios?
— Sim, estamos pensando em pedir que reconsiderem isso.
— Presidente — disse John Plumber —, esta é a sua primeira crise política externa e...
Ryan olhou para o velho jornalista e quis comentar que sua primeira crise doméstica tinha sido causada por ele, mas ninguém pode se dar ao luxo de fazer inimigos na imprensa, e só era possível fazer amigos nesse grupo se eles gostassem de você — o que era altamente improvável, conforme começava a admitir.
— Sr. Plumber, antes de fazer qualquer coisa, uma pessoa precisa apurar os fatos. Estamos trabalhando nisso com o maior afinco possível. Estive esta manhã com minha equipe de segurança nacional e...
— Mas não com o secretário Adler — comentou Plumber. Bom jornalista que era, Plumber checara os carros oficiais no estacionamento. — Por que ele não esteve aqui?
— Ele chegará mais tarde hoje — esquivou-se Ryan.
— Onde está agora? — persistiu Plumber. Ryan apenas balançou a cabeça.
— Podemos nos limitar a apenas um tópico? É um pouco cedo demais para responder a muitas perguntas, e como o senhor mesmo disse, tenho uma situação grave a resolver, Sr. Plumber.
— E ele é o seu principal consultor político, senhor. Onde ele está agora?
— Pergunta seguinte — disse o presidente. Ele recebeu o que merecia de Barry, da CNN: — Sr. presidente, um momento atrás o senhor disse as duas Chinas. Senhor, isso indica uma mudança em nossa política para com a China? E se indica...
Em Pequim era pouco depois das oito da noite, e tudo estava bem. Ele podia ver isso na TV. Como era estranho ver uma figura política tão carente de charme e habilidade lidando com situações delicadas, especialmente um americano. Zhang Han San acendeu um cigarro e se congratulou. Conseguira novamente. Ele incorrera num certo risco ao ordenar o exercício, mais particularmente as recentes manobras aéreas, porém os aviadores de Taiwan tinham sido induzidos a atirar primeiro, exatamente como esperava que fizessem, e agora havia uma crise que ele poderia controlar com precisão e findar a qualquer momento, simplesmente chamando suas próprias forças de volta às bases. Ele forçaria os EUA a reagir não por ação, mas por inação — e então outra pessoa tomaria a liderança em provocar seu novo presidente. Ele não fazia a menor ideia do que Daryaei tinha em mente. Uma tentativa de assassinato, talvez ? Outra coisa? Tudo que tinha a fazer era assistir, como estava fazendo agora, e ceifar a colheita quando a oportunidade se apresentasse, e isso decerto aconteceria. A América não poderia continuar com sorte eternamente. Não com esse jovem imbecil na Casa Branca.
— Barry, um país chama a si mesmo República Popular da China, e o outro chama a si mesmo República da China. Eu preciso chamá-los de alguma coisa, não é? — perguntou Ryan. Droga, será que fiz merda de novo?
— Sim, presidente, mas...
— Mas nós provavelmente temos 14 cidadãos americanos mortos, e este não é o momento para nos preocuparmos com semântica. — Pronto, engula isso.
— Que vamos fazer? — perguntou uma voz feminina.
— Primeiro tentaremos descobrir o que aconteceu. Depois começaremos a pensar em reações.
— Mas por que ainda não sabemos?
— Porque por mais que gostássemos de poder saber tudo que acontece no mundo a cada instante, isso é simplesmente impossível.
— É por causa disso que a sua administração está aumentando radicalmente o tamanho da CIA?
— Como eu disse antes, não discutimos questões de informação, jamais.
— Presidente, há relatos publicados de que...
— Há relatos publicados de que discos voadores pousam aqui regularmente — disparou Ryan de volta. — Você também acredita nisso?
A sala ficou realmente silenciosa por um momento. Não era todo dia que um presidente perdia a compostura. Eles adoravam isso.
— Senhoras e senhores, lamento o fato de não poder responder a todas as perguntas conforme vocês gostariam. Na verdade, eu mesmo estou fazendo algumas dessas perguntas, mas respostas corretas demandam tempo. Se preciso esperar pelas informações, vocês também precisam — disse o presidente, tentando colocar sua entrevista coletiva de volta nos trilhos.
— Presidente, um homem que parece muito com o antigo diretor da KGB soviética apareceu ao vivo na televisão e...
O repórter parou ao ver o rosto de Ryan enrubescer sob a maquiagem. Ele esperou outra explosão, mas ela não aconteceu. Os nós dos dedos do presidente ficaram brancos como marfim na tribuna, e ele respirou fundo.
— Por favor, prossiga com a sua pergunta, Sam.
— E esse cavalheiro disse que é quem ele é. Agora, senhor, o gato saiu do saco e acho que minha pergunta é legítima.
— Ainda não ouvi uma pergunta, Sam.
— Esse homem é quem ele diz ser?
— Você não precisa de mim para dizer isso.
— Presidente, esse evento, essa... operação possui grande ressonância internacional. Em algum ponto, as operações de espionagem, por mais cuidadosas que possam ser, exercem um efeito sério em nossas relações exteriores. É por causa disso que o povo americano quer saber mais a respeito dessas operações.
— Sam, vou dizer pela última vez: jamais irei discutir assuntos de informação. Estou aqui esta manhã para informar nossos cidadãos sobre um incidente trágico, e até agora inexplicado, no qual mais de cem pessoas, entre elas 14 cidadãos americanos, perderam a vida. Este governo fará tudo ao seu alcance para determinar o que aconteceu e depois decidir por um curso de ação apropriado.
— Muito bem, presidente. Nós temos uma política de uma China ou de duas Chinas?
— Não fizemos alterações.
— Esse incidente poderá resultar numa mudança?
— Não farei especulações sobre uma questão importante como essa. E agora, com sua permissão, preciso retornar ao trabalho.
— Obrigado, presidente! — ouviu Jack em seu caminho até a porta. Logo depois da esquina havia um armário bem escondido. POTUS socou-o com sua mão com força bastante para estremecer algumas das Uzis em seu interior.
— Merda! — imprecou durante o percurso de 45 metros até seu gabinete.
— Presidente?
Ryan girou nos calcanhares. Era Robby, segurando sua valise. Parecia estranho que um aviador estivesse carregando uma dessas.
— Devo-lhe uma desculpa — disse Jack, antes de Robby poder dizer qualquer outra coisa. — Sinto muito ter perdido a cabeça.
O almirante Jackson deu um tapinha no braço do amigo.
— Da próxima vez que jogarmos golfe, será por um dólar por buraco, e se você ficar puto, desconte em mim e não neles, certo? — disse Robby. — Já vi você subindo pelas paredes, homem. Procure se conter. Um comandante só pode ficar puto na frente das tropas de mentirinha, não de verdade. Isso faz parte do que chamamos técnica de liderança. Gritar com subalternos é outro papo. Sou um subalterno. Grite comigo.
— Sim, eu sei. Mantenha-me informado e...
— Jack?
— Sim, Rob?
— Você está indo muito bem, apenas fique frio.
— O meu dever não é deixar que matem americanos, Robby. Não é para isso que estou aqui — disse Ryan, cerrando novamente os punhos.
— Merdas acontecem, presidente. Você está se iludindo se acha que pode impedir que elas aconteçam. E não preciso lhe dizer isso. Você não é Deus, Jack, mas é um homem muito bom fazendo um trabalho muito bom. Teremos mais informações para você assim que as obtivermos.
— Quando as coisas se acalmarem, que tal mais uma partida de golfe?
— Estou às ordens.
Os dois amigos se apertaram as mãos. Não era suficiente para nenhum dos dois naquele momento, mas teria de bastar. Jackson seguiu até a porta, e Ryan virou-se na direção de seu escritório.
— Sra. Sumter! — disse ao entrar. Um cigarrinho cairia bem.
— Como está a situação, secretário? — perguntou Chavez.
O fax de três páginas transmitido através do canal de segurança de satélite disse-lhe tudo que o presidente declarara. Adler deixaria os dois lerem.
— Eu não sei — admitiu Adler. — Chavez, sabe aquela tese sobre a qual me contou?
— O que tem ela, senhor?
— Devia ter esperado para escrevê-la. Agora você sabe como é aqui em cima. Lembra do jogo de queimado? É a mesma coisa, só que não é de uma bola de borracha que precisamos nos esquivar.
O secretário de Estado enfiou as anotações em sua valise e acenou para o sargento da Força Aérea que estava cuidando deles. Ele não era tão agradável de olhar quanto a aeromoça francesa.
— Sim, senhor?
— Claude deixou-nos alguma coisa?
— Duas garrafas do Vale do Loire — replicou o sargento com um sorriso.
— Quer abrir uma delas e pegar alguns cálices?
— Cartas? — perguntou John Clark.
— Não. Acho que vou tomar um ou dois cálices, e depois tentar dormir um pouco. Parece que terei de fazer outra viagem em breve — disse-lhes o secretário de Estado.
— Pequim. — Nenhuma surpresa, pensou John.
— Não será para a Filadélfia — disse Scott enquanto chegavam à garrafa e os cálices. Trinta minutos depois, os três homens empurraram suas poltronas para trás. O sargento fechou as persianas para eles.
Desta vez Clark conseguiu dormir um pouco, mas Chavez não. Havia uma certa verdade no que Adler lhe dissera. Sua tese havia atacado com selvageria os estadistas da virada do século por sua incapacidade em ver para além dos problemas imediatos. Agora Ding tinha uma noção um pouco diferente. Era difícil distinguir um problema tático imediato de um problema realmente estratégico se você precisava esquivar-se de uma bala por minuto; os livros de História não podiam transmitir completamente a atmosfera, o sentimento dos tempos que eles deviam reportar. Não totalmente. Os livros também conferiam a impressão errada das pessoas. O secretário Adler, agora roncando em sua poltrona reclinável, era um diplomata de carreira e conquistara a confiança e o respeito do presidente — um homem que ele mesmo respeitava profundamente.
Ele não era estúpido. Não era corrupto. Mas era apenas um homem, e homens cometem erros... e grandes homens cometem grandes erros. Algum dia um historiador escreveria sobre esta viagem que eles tinham acabado de fazer, mas será que esse historiador realmente saberia o que aconteceu — e, não sabendo, como ele comentaria o que havia acontecido?
“O que estava acontecendo?” perguntou-se Ding. O Irã se anima, invade o Iraque e inicia um novo país, e exatamente enquanto os EUA estão tentando lidar com isso, acontece alguma outra coisa. Um evento menor no esquema das coisas, talvez — mas nunca se pode ter certeza disso até que tudo esteja terminado, não é mesmo? Como era possível saber? Era sempre esse o problema. Através dos séculos os estadistas haviam cometido erros porque quando você está no meio das coisas, não pode recuar um passo e analisar tudo com um certo distanciamento. Para isso eles eram pagos, mas era um trabalho muito difícil, não? Ele acabara de terminar sua tese de mestrado, ganharia seu canudo no final do ano e então seria proclamado oficialmente um perito em relações internacionais. Mas sabia que isso era mentira, pensou Ding recostando-se em sua poltrona. Veio-lhe à mente uma observação casual que fizera certa vez em outro voo longo. Com muita frequência, relações internacionais resumiam-se simplesmente a um país fodendo o outro. Domingo Chavez, brevemente um mestre em relações internacionais, sorriu com o pensamento. Mas não era muito engraçado. Não quando pessoas eram mortas.
Especialmente não quando ele e o Sr. C. estavam na linha de frente como abelhas-operárias. Alguma coisa estava acontecendo no Oriente Médio.
Alguma outra coisa acontecendo com a China... duas nações separadas por 6.400 quilômetros, não era isso? Os dois eventos podiam estar relacionados? E se estivessem? Mas como era possível saber? Os historiadores presumiam que as pessoas podiam saber se fossem espertas o bastante. Mas os historiadores nunca tinham estado na pele dos homens que faziam a História.
— Não foi sua melhor atuação — disse Plumber, bebericando seu chá gelado.
— Doze horas, nem mesmo isso, seria o suficiente para apurar algum evento do outro lado do mundo — sugeriu Holtzman.
Era um típico restaurante de Washington, pseudofrancês com cordões engraçadinhos adornando o cardápio de pratos caríssimos de qualidade medíocre — mas ambos estavam almoçando por conta dos patrões.
— Ele devia saber se virar melhor — observou Plumber.
— Está reclamando que ele não sabe mentir direito?
— Essa é uma das coisas que os presidentes precisam fazer...
— Mas quando o pegarmos mentindo... — Holtzman não precisou continuar.
— Quem disse que o trabalho dele era fácil?
— Às vezes me pergunto se nosso trabalho deve ser mesmo tornar o dele mais difícil. Mas Plumber não mordeu a isca.
— Onde será que Adler está? — pensou em voz alta o correspondente da NBC.
— Essa foi uma boa pergunta esta manhã — reconheceu o jornalista do Post, levantando seu corpo. — Tenho alguém pesquisando isso.
— Nós também. Tudo que Ryan precisava ter dito era que estava se preparando para um encontro com o embaixador da República Popular da China. Isso teria coberto a questão muito bem.
— Mas teria sido uma mentira.
— Teria sido a maneira certa, Bob. O jogo é esse. O governo tenta fazer as coisas em segredo, e nós tentamos descobrir. Ryan gosta demais de segredinhos.
— Mas quando o queimarmos por causa disso, estaremos agindo no interesse de quem?
— Que quer dizer?
— Ora, vamos, John. Kealty vazou tudo aquilo para você. Não preciso ser engenheiro de foguetes para deduzir. Todo mundo sabe disso. — Bob pegou sua salada.
— Aquilo tudo é verdade, não é?
— É sim — admitiu Holtzman. — E há muito mais.
— Mesmo?
Isso atraiu a atenção de John Plumber. Holtzman pertencia a uma geração mais nova que a do jornalista televisivo, mas a uma geração mais velha que a nova classe de repórteres — que consideravam Plumber um dinossauro, ainda que assistissem aos seus seminários na faculdade de jornalismo da Columbia.
— É mesmo — assegurou-lhe Bob.
— Como...?
— Como coisas sobre as quais não posso escrever — repetiu Holtzman. — Pelo menos não por um longo tempo. John, faço parte dessa história há anos.
Conheço o oficial da CIA que tirou a mulher e a filha de Gerasimov da Rússia.
Nós fizemos um trato. Em alguns anos ele me dirá como aquilo foi feito. A história do submarino é verdadeira...
— Eu sei. Vi uma fotografia de Ryan no barco. Por que ele não quer deixar isso vir a tona está acima da minha compreensão.
— Ele não infringe as regras. Ninguém nunca lhe explicou que não há problema em fazer isso...
— Ele precisa tomar mais lições com Arnie...
— O que não é o caso de Ed.
— Kealty conhece o jogo.
— Sim, John, ele conhece. Talvez um pouco bem demais. Sabe, há uma coisa que nunca pude descobrir — comentou Bob Holtzman.
— O que é?
— E sobre o jogo no qual estamos. Devemos ser espectadores, árbitros ou jogadores?
— Bob, nosso trabalho é reportar a verdade aos nossos leitores... bem, espectadores, no meu caso.
— E de quem são os fatos, John? — perguntou Holtzman.
— Um presidente Jack Ryan nervoso e zangado... —Jack pegou o controle remoto e emudeceu o repórter da CNN que lhe fizera a pergunta sobre a China.
— Zangado sim, nervoso n...
— Também sim — disse van Damm. — Você meteu os pés pelas mãos na pergunta sobre a China, e também sobre o paradeiro de Adler. A propósito, onde ele está?
O presidente checou seu relógio.
— Ele deve chegar ao aeroporto de Andrews em cerca de noventa minutos.
Deve estar sobre o Canadá agora, acho. Vem direto para cá, e então provavelmente partirá novamente para a China. Mas que diabo eles estão planejando?
— Não faço a mínima ideia — reconheceu o chefe de gabinete. — Mas é por isso que você tem uma equipe de segurança nacional.
— Sei tanto quanto eles, e não sei porra nenhuma — desabafou Jack, recostando-se na poltrona. — Nós precisamos aumentar nosso contingente nos serviços de inteligência. O presidente não pode ficar preso aqui o tempo todo sem saber o que está acontecendo. Não posso tomar decisões sem informações, e tudo que temos agora são palpites... exceto pelo que Robby nos disse. Aquilo é assustador, mas também não parece fazer sentido, porque não se encaixa com mais nada.
— Precisa aprender a esperar, presidente. Mesmo que a imprensa não esteja disposta a esperar, você deve estar. Além disso, precisa aprender a se concentrar no que pode fazer e em quando pode fazer. — Arnie fez uma pausa breve e prosseguiu: — Agora, temos a primeira série de eleições para a Câmara na semana que vem. Precisamos marcar excursões para você fazer discursos. Se quer as pessoas certas no Congresso, precisa sair e arregaçar as mangas.
Mandei Callie fazer alguns discursos.
— Qual é o enfoque?
— Política de impostos, aperfeiçoamento administrativo, todos os seus favoritos. Teremos os rascunhos para você amanhã pela manhã. É hora de passar mais algum tempo entre as pessoas. Deixe que elas o amem um pouco, e poderá amá-las de volta um pouco mais. — O chefe de gabinete permitiu-se um olhar sardônico. — Eu lhe avisei. Você não pode ficar preso aqui dentro, e os rádios do avião funcionam bem.
— Uma mudança de cenário seria bem-vinda — admitiu POTUS.
— Sabe o que seria realmente bom agora?
— O quê?
Arnie abriu um sorriso.
— Um desastre natural. Isso lhe daria a chance de voar até lá e parecer presidencial, encontrar pessoas, consolá-las e prometer-lhes auxílio governamental...
— Vire essa boca pra lá! — gritou Ryan, tão alto que as secretárias ouviram-no através da espessa porta.
Arnie suspirou.
— Você precisa aprender uma piada, Jack. Coloque esse seu gênio numa caixa e deixe-o bem trancado. Só quis emputecer você por diversão. Estou do seu lado, lembra?
Arnie voltou para seu escritório, deixando o presidente sozinho de novo.
Mas uma lição em Presidência 101. Jack perguntou-se quando elas iriam parar. Cedo ou tarde ele teria de agir presidencialmente, não teria? Mas ainda não estava nem perto disso. Arnie não dissera exatamente isso, e Robby também não, mas eles não precisavam. Ele ainda não fazia parte. Estava dando o melhor de si, mas seu melhor não era suficiente — ainda, sua mente acrescentou. Ainda? Talvez nunca. Uma coisa por vez, pensou. O que todo pai dizia a todo filho, exceto que eles nunca avisavam você que uma coisa por vez era um luxo fora do alcance de algumas pessoas. Quatorze americanos mortos num conflito numa ilha a 12 mil quilômetros de distância, possivelmente mortos de propósito, em nome de um objetivo que ele não conseguia nem imaginar. E agora devia colocar esse assunto de lado e cuidar de outras coisas, como uma viagem para encontrar-se pessoalmente com pessoas que devia preservar, proteger e defender, ainda que não conseguisse entender por que falhara em fazer isso com 14 delas. Do que uma pessoa precisava ser capaz neste emprego? Desligar-se de cidadãos mortos e cuidar de outras coisas? Era preciso ser um psicopata para conseguir isso, não era? Bem, não. Outras pessoas conseguiam isso: médicos, soldados, policiais. E agora ele. E controlar seu gênio, conter sua frustração e se concentrar em alguma nutra coisa durante o resto de seu dia.
Astro de cinema olhou para o mar. Seis quilômetros abaixo, estimou. Ao norte podia ver um iceberg na superfície azul-acinzentada, brilhando ao sol.
Não era notável? Apesar de voar com frequência, ele nunca tinha visto um daqueles. Para alguém da sua parte do mundo, o mar era uma coisa estranha.
Como um deserto, era impossível viver nele, embora de uma forma diferente.
Impressionante como parecia com o deserto em tudo, menos na cor, a superfície agitando-se em linhas quase regulares, exatamente como as dunas, mas não convidativas. Apesar de sua aparência — que muito o envaidecia; ele gostava dos sorrisos que recebia das aeromoças, por exemplo —, quase que lhe era convidativo. O mundo odiava-o e aos seus iguais, e mesmo aqueles que faziam uso de seus serviços preferiam mantê-lo a certa distância, como um cachorro violento mas ocasionalmente útil. Sorriu, olhando para baixo. Cães não eram animais queridos em sua cultura. E assim aqui estava ele, em mais um avião, sozinho, com seu pessoal em outras aeronaves em grupos de três, dirigindo-se para um lugar ao qual decisivamente não eram bem-vindos, enviados de um lugar onde eram apenas um pouco mais queridos.
O sucesso o brindaria... com o quê? Agentes dos serviços de informação iriam procurar identificá-lo e persegui-lo, mas os israelenses faziam isso há anos e ele ainda estava vivo. Por que motivo ele estava fazendo isso?
perguntou-se Astro de Cinema. Era um pouco tarde. Se ele cancelasse a missão, não seria bem-vindo em parte alguma. Supunha-se que estivesse lutando por Alá. Jihad. Uma guerra santa. Era um termo religioso para um ato militar-religioso, significando proteger a Fé, mas ele não acreditava realmente mais nisso, e era vagamente assustador não ter nenhum país, nenhum lar e... nenhuma fé? Será que ainda tinha isso? perguntou a si mesmo, admitindo em seguida que se precisava perguntar era porque não tinha mais fé. Ele e os seus iguais, ao menos aqueles que sobreviviam, tornavam-se autômatos, robôs habilidosos — computadores da era moderna. Máquinas que faziam coisas sob ordens de terceiros, sendo descartados quando conveniente, e sob a superfície do mar o deserto jamais mudava. Ainda assim, ele não tinha escolha.
Talvez as pessoas que o haviam mandado na missão saíssem vencedoras, e ele receberia algum tipo de recompensa. Continuou dizendo a si mesmo que, afinal de contas, embora não houvesse nada em sua experiência de vida que sustentasse a crença — e se ele tinha perdido sua fé em Deus, então como ele poderia permanecer fiel a uma profissão que enojava até mesmo seus empregadores?
Crianças. Ele nunca fora casado, jamais tivera um filho, não um que soubesse. As mulheres que ele tivera, talvez... mas não, elas eram mulheres da vida, e seu treinamento religioso o ensinara a desprezá-las mesmo enquanto fazia uso de seus corpos, e se elas davam cria, então essas crianças também eram desprezíveis. Como era possível que um homem perseguisse uma ideia durante toda sua vida e então percebesse que aqui estava ele, olhando para a mais inóspita das cenas — um lugar onde nem ele nem qualquer outro homem poderia sobreviver — e se sentindo mais em casa do que em qualquer outra parte? E assim ele colaboraria no assassinato de crianças. Infiéis, expressões políticas, coisas. Mas elas não eram nada disso. Nessa idade, eram inocentes de qualquer culpa; seus corpos ainda não tinham se formado, suas mentes ainda não haviam aprendido a natureza do bem e do mal.
Astro de Cinema disse a si mesmo que esse pensamento ocorrera-lhe antes, que dúvidas eram normais para homens em missões difíceis, e que em cada uma das outras vezes as pusera de lado e seguira em frente. Se o mundo havia mudado, então talvez... Mas as únicas mudanças que haviam ocorrido eram contrárias à cruzada de toda sua vida, e em todas as vezes que matara o fizera na esperança de um dia conquistar alguma coisa. Para onde essa trilha levava? Se havia um Deus e havia uma Fé, e havia uma Lei, então... Bem, ele tinha de acreditar em alguma coisa. Olhou as horas. Mais quatro horas. Ele tinha uma missão. Precisava acreditar nisso.
Chegaram de carro em vez de helicóptero. Helicópteros eram visíveis demais, e desta forma talvez ninguém fosse notar. Para acobertar ainda mais as coisas, os carros entraram pelo portão da Ala Leste. Adler, Clark e Chavez entraram na Casa Branca da mesma forma que Jack fizera em sua primeira noite, conduzidos pelos agentes do Serviço Secreto, e conseguiram chegar sem ser vistos pela imprensa. O Salão Oval estava um pouco apertado. Goodley e os Foleys estavam lá também, juntamente com Arnie, é claro.
— Muito desorientado com o fuso horário, Scott? — perguntou Jack primeiro, encontrando-o na porta.
— Se é terça-feira, devo estar em Washington — replicou o secretário de Estado.
— Não é terça — observou Goodley, sem sacar a piada.
— Então acho que estou mais desorientado do que pensava.
Adler sentou-se e tirou suas anotações. Um taifeiro da Marinha chegou com café, o combustível de Washington. Todos os recém-chegados da URI tomaram uma xícara.
— Conte-nos sobre Daryaei — comandou Ryan.
— Parece saudável. Um pouco cansado — avaliou Adler. — Sua mesa está bastante limpa. Fala em tom calmo, mas nunca foi de levantar a voz em público, ao que eu saiba. Curiosamente, chegou à cidade mais ou menos ao mesmo tempo que nós.
— Oh? — exprimiu Ed Foley, levantando os olhos de suas próprias anotações.
— Sim, ele chegou num jato comercial, um Gulfstream — reportou Clark. — Ding bateu algumas fotos.
— Bem, faz sentido o fato de ele estar viajando um pouco — observou POTUS. Estranhamente, Ryan podia identificar-se com os problemas de Daryaei. Eles não eram tão diferentes dos seus, embora os métodos do iraniano não pudessem ser mais diferentes.
— Seus auxiliares o temem — acrescentou Chavez impulsivamente. — Parece uma coisa saída de um velho filme sobre nazistas da Segunda Guerra Mundial.
A equipe na antessala dele estava com os nervos à flor da pele. Se alguém gritasse buu eles bateriam com a cabeça no teto.
— Concordo — disse Adler, que não estava irritado com a interrupção. — Seu comportamento comigo pareceu-me ao estilo do mundo antigo: muita calma, muitos sermões, esse tipo de coisa. O fato é que ele não disse nada realmente significativo; o que talvez seja bom, talvez seja mau. Ele está disposto a manter contato conosco. Disse que deseja a paz para todos. Até insinuou um certo nível de boa vontade para com Israel. Durante boa parte do encontro me deu lições sobre como ele e sua religião são pacíficos. Enfatizou o valor do petróleo e dos relacionamentos comerciais resultantes para todas as nações envolvidas. Negou qualquer ambição territorial. Não pareceu surpreendido em nenhum momento.
— Certo — disse o presidente. — E quanto à linguagem corporal?
— Parece muito confiante, muito seguro. Gosta de onde está agora.
— Não tinha como não gostar — disse Ed Foley. Adler assentiu.
— Concordo. Se eu tivesse de descrevê-lo numa palavra seria sereno .
— Quando o encontrei, alguns anos atrás, ele era agressivo, hostil, procurando por inimigos, esse tipo de coisa — recordou Ryan.
— Não demonstrou nada disso hoje. — O secretário de Estado parou e se perguntou se ainda era o mesmo dia. Provavelmente, decidiu. — Como eu disse, sereno. Mas na volta, o Sr. Clark aqui me mostrou uma coisa.
— O quê? — perguntou Goodley.
— Ele ativou o detector de metais. —John pegou o colar e deu-o ao presidente.
— Fez algumas compras?
— Bem, todo mundo queria que eu desse uma volta — recordou à sua plateia. — Que lugar poderia ser melhor do que um mercado?
Clark descreveu o incidente com o ourives, enquanto POTUS examinava o colar.
— Se ele vende essas coisas por setecentas pratas, talvez devêssemos todos pegar seu endereço. Incidente isolado, John?
— O chefe do posto francês estava andando comigo. Ele disse que o cara era bem representativo.
— Então? — perguntou van Damm.
— Então talvez Daryaei não tenha tanto motivo para estar tão sereno — sugeriu Scott Adler.
— Pessoas como ele nem sempre sabem o que os plebeus estão pensando — considerou o chefe de gabinete.
— Foi isso que derrubou o xá — disse Ed Foley. — E Daryaei foi uma das pessoas que fizeram isso acontecer. Não acredito que ele tenha esquecido essa lição... e sabemos que ele ainda está eliminando quem mija fora do penico. — O diretor da CIA se virou para olhar seu agente de campo. — Bom trabalho, John.
— Lefevre, o espião francês, me disse duas vezes que não costumamos compreender bem a atmosfera das ruas de lá — prosseguiu Clark. — Talvez ele estivesse me provocando, mas acho que não.
— Sabemos que há descontentes. Sempre há — disse Ben Goodley.
— Mas não sabemos o quanto eles estão descontentes. — Era Adler novamente. — No todo, acho que temos um homem que quer projetar serenidade por um motivo. Seus últimos meses foram gratificantes. Ele derrotou um grande inimigo. Ele possui alguns problemas internos cuja magnitude precisamos avaliar. Ele está indo e voltando do Iraque... vimos isso. Está com uma aparência cansada. Sua equipe está tensa. Eu diria que no momento está com problemas até o pescoço. Certo, me disse como quer a paz. Eu quase engoli. Acho que ele precisa de tempo para consolidar. Clark viu que o preço da comida está alto. Aquele é um país inerentemente rico, e Daryaei pode acalmar a situação transformando seu sucesso político em sucesso econômico o mais rápido possível. Colocar comida nas mesas não vai ferir ninguém. Por enquanto, ele precisa olhar para dentro em vez de para fora.
Portanto acho que é possível que tenhamos uma sombra de possibilidade aqui — concluiu o secretário de Estado.
— Estender a mão aberta da amizade? — indagou Arnie.
— Acho que podemos manter os contatos calmos e informais por enquanto.
Posso escolher alguém para cuidar das reuniões. E depois veremos o que acontece.
O presidente assentiu.
— Bom trabalho, Scott. Agora acho melhor você se preparar para ir à China.
— Quando parto? — inquiriu o secretário de Estado, uma expressão dolorida no rosto.
— Terá um avião maior desta vez — prometeu-lhe o presidente.
41
Hienas
Astro de Cinema sentiu o trem de pouso tocando a pista do Aeroporto Internacional de Dulles. A sensação física não pôs fim exatamente às suas dúvidas, mas anunciou que era hora de colocá-las de lado. Ele vivia num mundo prático. A rotina de entrada foi, novamente, rotina.
— De volta tão cedo? — indagou o oficial de imigração, olhando a última entrada em seu passaporte.
— Ja, doch — replicou Astro de Cinema em sua identidade alemã. — Acho que vou comprar um apartamento aqui.
— Os preços em Washington estão salgados — reportou o homem, carimbando novamente o livreco. — Tenha um bom dia, senhor.
— Obrigado.
Na verdade, não tinha nada a temer. Não estava carregando nada ilegal, exceto o que tinha na cabeça, e sabia que os serviços de informação americanos virtualmente não tinham causado nenhum dano substancial a um grupo terrorista, mas esta viagem era diferente, ainda que só ele soubesse. Ingressou sozinho na fila para o terminal. Como antes, ninguém veio recebê-lo. Tinham um encontro marcado ao qual ele seria o último a chegar. Ele era mais valioso que os outros membros da equipe. Voltou a alugar um carro e novamente dirigiu até Washington, olhando seu espelho, tomando a saída errada deliberadamente e observando para ver se alguém o seguia enquanto ele revertia a direção para retornar à estrada apropriada. Uma vez mais, como antes, não houve problemas. Se houvesse alguém atrás dele, a cobertura seria tão sofisticada que ele não teria a menor chance de sobrevivência. Ele sabia como funcionava: carros múltiplos, até um ou dois helicópteros, mas tal investimento de tempo e dinheiro só acontecia se a oposição soubesse quase tudo — levava tempo para organizar e isso só podia significar penetração profunda em seu grupo da parte da CIA. Os israelenses eram capazes de coisas assim, ou pelo menos era o que todos no movimento terrorista temiam, mas com o passar dos anos um processo darwiniano brutal pusera fim às vidas de todos os descuidados; o Mossad israelense nunca empalidecera ao ver sangue islâmico, e se ele tivesse sido descoberto por essa agência, já estaria morto. Ou pelo menos foi o que disse a si próprio, ainda observando o espelho retrovisor porque era assim que ele permanecia vivo.
Por outro lado, achava engraçado que esta missão não teria sido possível sem os israelenses. Existiam grupos terroristas islâmicos nos EUA, mas eram todos amadores. Eram excessivamente religiosos. Faziam reuniões nos lugares errados. Conversavam entre si. Podiam ser vistos, apontados e identificados positivamente como sendo diferentes dos outros peixes em seu mar adotado. E depois se perguntavam como tinham sido pegos. Imbecis, pensou Astro de Cinema. Mas eles serviam ao seu propósito. Ficando visíveis, atraíam atenção, e o FBI americano tinha recursos limitados. Por mais formidáveis que fossem os serviços de informação, eram também instituições humanas, e os humanos universalmente martelavam os pregos que sobressaíam.
Israel ensinara-lhe isso. Antes da queda do xá, seu próprio serviço secreto, a Savak, recebera treinamento do Mossad israelense, e nem todos os membros da Savak tinham sido executados com a chegada do novo regime islâmico. As técnicas que haviam aprendido também foram ensinadas a homens como Astro de Cinema, e a verdade era que essas técnicas eram muito simples de ser aprendidas. Quanto mais importante a missão, mais cautela ela exigia. Se você queria evitar ser visto, precisava desaparecer na paisagem. Num país pagão, não demonstre que você é religioso. Num país cristão ou judeu, não seja muçulmano. Numa nação que tenha aprendido a desconfiar de pessoas do Oriente Médio, seja de outro lugar qualquer... ou melhor ainda, ocasionalmente, reconheça suas raízes. Sim, eu vim de lá, mas sou cristão, ou bahaíta, ou curdo, ou armênio, e eles perseguiram cruelmente minha família, e assim vim para os EUA, a terra das oportunidades, para viver a liberdade verdadeira. Se você seguisse essas regras simples, as oportunidades seriam muito reais, porque os EUA facilitavam tudo. Este país recebia estrangeiros com uma generosidade que recordava a Astro de Cinema a rígida lei da hospitalidade de sua cultura.
Aqui estava ele no campo do inimigo, e suas dúvidas esvaneceram enquanto a empolgação acelerava seu ritmo cardíaco e lhe acendia um sorriso no rosto. Ele era o melhor no que fazia. Os israelenses, por quem fora treinado por tabela, jamais haviam chegado perto dele; e se eram incapazes de capturá-lo, os americanos também seriam. Tudo que precisava fazer era agir com cautela.
Em cada equipe de três havia um homem como ele, não tão experiente quanto Astro de Cinema, mas quase. Capaz de alugar um carro e dirigir em segurança. Apto a agir de forma educada e amistosa com todos que encontrasse.
Se um policial tentasse detê-lo, ele saberia ser contrito e apologético, perguntando o que fizera errado e depois pedindo orientação, porque as pessoas lembravam com mais clareza de quem havia sido hostil com elas. Apto a declarar ser médico, engenheiro ou qualquer outra coisa respeitável. Era fácil se você agia cautelosamente.
Astro de Cinema alcançou seu primeiro destino, um hotel de nível médio nas cercanias de Annapolis, e se registrou sob seu nome de disfarce, Dieter Kolb. Os americanos eram muito burros. Até sua polícia achava que todos os muçulmanos eram árabes, nunca lembrando que o Irã era um país ariano — a mesma identidade étnica que Hitler clamara para sua nação. Entrou em seu quarto e checou as horas. Se tudo corresse de acordo com os planos, eles se encontrariam dali a duas horas. Para ter certeza, discou para os números 0-800
para saber as linhas aéreas apropriadas — e perguntou sobre o horário de chegada dos voos. Todos chegariam na hora. Poderia haver algum problema com a alfândega, ou tráfego ruim, mas o plano dava margem para isso. Era um plano cauteloso.
Já estavam na estrada para sua próxima parada, que era Atlantic City, Nova Jersey, onde havia um enorme centro de convenções. Os vários modelos novos e conceituais de automóveis estavam embrulhados em plástico para proteger sua pintura, a maioria em trailers convencionais, mas alguns em trailers cobertos como aqueles usados por equipes de corrida. Um dos representantes do fabricante estava lendo os comentários escritos à mão que sua companhia solicitara às pessoas que haviam parado para ver seus produtos. O homem esfregou os olhos. Maldita dor de cabeça, maldita coriza. Torceu para não estar ficando doente. Também sentia-se dolorido. Era isso que você ganhava por passar o dia inteiro sob o respiradouro do ar-condicionado.
O telegrama oficial não foi inesperado. O secretário de Estado americano requeria uma consulta oficial com seu governo para discutir assuntos de interesse mútuo. Zhang sabia que não havia como evitar isso, e era melhor recebê-lo de forma amigável, protestando inocência — e inquirindo delicadamente se o presidente americano havia se enganado ou alterado uma antiga política americana durante sua entrevista coletiva à imprensa. Este aspecto da questão ajudaria a nivelar o diálogo com Adler. O americano provavelmente iria oferecer-se como intermediário entre Pequim e Taipé, na esperança de acalmar a situação. Isso seria útil.
Por enquanto, os exercícios continuavam, embora com um respeito maior pelo espaço neutro entre os dois conjuntos de forças. A atmosfera ainda estava quente, mas esfriando. A República Popular da China, seu embaixador já explicara em Washington, não tinha feito nada errado, não havia disparado o primeiro tiro, e não tinha interesse em iniciar hostilidades. O problema era com a província rebelde, e se a América simplesmente colaborasse para a solução óbvia do problema — havia uma China —, então o assunto seria resolvido, e rápido.
Mas os EUA há muito mantinham uma política que não fazia sentido para nenhum dos países envolvidos, querendo ser amistosa com Pequim e Taipé, tratando a segunda como a nação inferior que ela era, mas não se mostrando disposta a aceitar a conclusão lógica. Em vez disso, diziam que sim, havia apenas uma China, mas essa China única não tinha o direito de forçar seu governo à outra China, que, segundo a política oficial americana, não existia realmente. Essa era a consistência americana. Seria um grande prazer dizer isso ao secretário Adler.
— A República Popular da China tem o prazer de receber o secretário Adler no interesse da paz e da estabilidade regional. Ora, não é gentil da parte deles?
— disse Ryan, ainda em seu gabinete às nove da noite, imaginando que canal de TV seus filhos estariam assistindo sem ele. Devolveu a mensagem a Adler.
— Tem realmente certeza de que eles fizeram isso? — perguntou o secretário de Estado ao almirante Jackson.
— Se eu tiver de explicar isso mais uma vez, a fita vai acabar gasta.
— Sabe, às vezes as pessoas simplesmente fazem merda.
— Senhor, esta não foi uma dessas vezes — disse Robby, imaginando se ele teria de exibir a fita de vídeo novamente. — E eles já estão fazendo os exercícios de treinamento há um bom tempo.
— Oh? — exprimiu Ryan.
— Já se exercitaram tanto que seu equipamento deve estar começando a ficar gasto. Eles não são muito bons em manutenção, não tanto quanto nós.
Além disso, estão gastando um bocado de combustível. Este é o maior tempo que já os vimos permanecer no mar. Por que estão gastando suas coisas? Para mim, esse pequeno combate foi uma desculpa para voltarem para casa dizendo que marcaram um ponto.
— Estão tentando salvar o orgulho nacional — sugeriu Adler.
— Bom, depois disso eles reduziram o ritmo das operações. Não estão se aproximando da linha que mostrei a vocês. Os chineses de Taiwan estão totalmente alertas agora. Droga, talvez seja isso — opinou o J-3. — Você não ataca um inimigo emputecido. Primeiro você deixa que ele relaxe um pouco.
— Rob, você falou que um ataque de verdade não é possível — disse Ryan.
— Jack, na ausência de conhecimento de suas intenções, preciso julgar por capacidades. Eles podem realizar um conflito de grandes proporções no estreito, e provavelmente sairão vitoriosos se o fizerem. Talvez isso coloque pressão política suficiente em Taiwan para forçar algum tipo de grande concessão. Eles mataram pessoas — recordou Jackson aos outros dois. — Claro, o valor que eles depositam na vida humana não é o mesmo que o nosso, mas quando você mata pessoas você cruza outra linha invisível — e eles sabem como nós nos sentimos sobre isso.
— Mova o porta-aviões até lá — disse Adler.
— Por que, Scott?
— Presidente, isso me dá uma carta para jogar na mesa. Isso demonstra que estamos encarando o assunto seriamente. Conforme o almirante Jackson acaba de nos dizer, nós encaramos seriamente a perda de vidas, e eles terão de aceitar o fato de que não queremos e não iremos permitir que isso se repita.
— E se eles pressionarem do mesmo jeito? E se houver outro acidente que possa nos envolver?
— Presidente, essas são operações de guerra, e esse é o meu negócio.
Estacionaríamos o Ike na costa leste da ilha. Eles não poderão atingi-lo por acidente ali. Eles teriam de atravessar três cinturões de defesa para fazê-lo: a defesa de Taiwan no estreito, depois a ilha em si, e então a muralha que o comandante do grupo de batalha colocará. Eu também poderia colocar um Aegis na parte inferior do estreito para dar-nos cobertura completa de radar da passagem inteira. Isso, claro, se o senhor nos ordenar a mover o Ike. Qual seria a vantagem disso para Taiwan? Bem, quatro esquadrões de caças, mais cobertura aérea de radar. Isso fará com que se sintam mais — O que me permitirá jogar melhor — concluiu o secretário.
— Mas isso deixa o Índico descoberto. Faz muito tempo desde a última vez que fizemos isso. — Robby insistia em bater nessa tecla, notaram os outros dois.
— Não há mais nada lá? — indagou Jack. Percebeu que deveria ter averiguado isso antes.
— Um cruzador, Anzio, dois destróieres, duas fragatas: um grupo de reabastecimento baseado em Diego Garcia. Nunca deixamos Diego desprotegido por naus de guerra, não com as Naus de Pré-posicionamento lá.
Temos também um submarino classe 688 na área. E o bastante para fazer diferença, mas não o suficiente para projetar poder. Secretário Adler, o senhor entende o que um porta-aviões significa.
O secretário de Estado meneou a cabeça.
— As pessoas os levam a sério. E por causa disso que acho que precisamos de um na China.
— Ele tem um bom argumento, Rob. Onde o Ike está agora?
— Entre a Austrália e Sumatra. Deve estar se aproximando do estreito de Sunda. A COPA SUL de exercícios simulará um ataque indiano em sua costa noroeste. Se movermos o Ike agora, ele poderá ir até Formosa em quatro dias mais algumas horas.
— Coloque-a em movimento, Rob, com velocidade máxima.
— Sim, senhor — respondeu Jackson, dúvidas ainda visíveis no rosto.
Gesticulou para o telefone e, recebendo um aceno de cabeça, ligou para o Centro Nacional de Comando Militar.
— Aqui fala o almirante Jackson com ordens da autoridade nacional de comando. Execute GREYHOUND GLUE. Reconheça isso, coronel. — Robby ouviu e assentiu. — Muito bem, obrigado. — Então se virou para o seu presidente. — Certo, Ike se voltará para o norte em cerca de dez minutos e se moverá rapidamente para Taiwan.
— Tão rápido? — Adler permitiu-se mostrar-se impressionado.
— O milagre das comunicações modernas, e nós já tínhamos transmitido ordens de alerta ao almirante Dubro. Esta não será uma manobra sigilosa. O grupo de batalha trafegará por diversas rotas, e o público ficará ciente — alertou.
— Um pouco de cobertura da imprensa não fará mal — avaliou Adler. —Já fizemos isso antes.
— Bem, está aí sua carta para jogar em Pequim e Taipé — disse Ryan, tendo exercido mais uma ordem executiva, mas distantemente preocupado com o fato de Robby não estar satisfeito com ela. O que realmente dificultava a situação era o combustível. Um grupo de reabastecimento de frota teria de ser movido também, para encher os tanques das naus de escolta não-nucleares do Eisenhower.
— Você dirá o que sabemos sobre o combate? Adler balançou a cabeça.
— Não, definitivamente não. Será mais perturbador para eles se acharem que não sabemos.
— Oh? — Isso veio de um presidente um pouco surpreso.
— Então poderei decidir quando iremos descobrir isso, chefe, e quando isso acontecer, terei outra carta para jogar. Dessa forma, poderei transformar isso num trunfo. — Virou-se. — Almirante, não superestime a inteligência do seu inimigo. Diplomatas como eu não dominam tanto os aspectos técnicos do que vocês fazem. Isso também se aplica às pessoas em países diferentes. Elas desconhecem muitas de nossas capacidades.
— Essas pessoas têm espiões para mantê-las informadas — objetou Jackson.
— Acha que elas sempre escutam? Nós escutamos?
O J-3 piscou ao ouvir essa lição e arquivou-a mentalmente para futura referência.
Aconteceu num grande shopping center, uma invenção americana que parecia planejada para operações sigilosas, com suas diversas passagens de acesso, pessoas apressadas e anonimato quase perfeito. O primeiro contato não foi realmente um encontro. Não foi estabelecido nada mais do que contato visual, e isso a uma distância de menos de dez metros, enquanto os grupos passavam uns pelos outros. Em vez do contato direto, cada um dos subgrupos procedeu a uma contagem e confirmou visualmente as identidades. Em seguida, cada subgrupo checou os outros para verificar se eles não estavam sendo seguidos. Feito isso, todos retornaram para seus quartos de hotel. O encontro verdadeiro teria lugar no dia seguinte.
Astro de Cinema estava satisfeito. A audácia desse ato fora muito empolgante. Essa não era a missão relativamente simples de levar um idiota-bomba — mártir heroico, corrigiu a si mesmo —, para Israel, e a beleza disso era que se um dos subgrupos tivesse sido identificado, o inimigo não poderia dar-se ao luxo de ignorá-lo. Era possível orçar a oposição a mostrar a mão, e era melhor fazer isso num momento em que nenhum dos seus membros tivesse feito nada além de entrar no país com documentos de viagem falsos.
As dúvidas que se danassem, disse a si mesmo o líder de operação. Esta era a beleza pura de entrar no covil do leão, e era isso que o mantinha no ramo do terrorismo. E para que estava no covil do leão? Ele sorriu para os carros enquanto atravessava o estacionamento. Para pegar seus filhotes.
— E então, que você está fazendo? — perguntou Cathy no escuro.
— Scott parte para a China amanhã de manhã — respondeu Jack, deitado ao lado da esposa. As pessoas diziam que o presidente dos Estados Unidos era o homem mais poderoso do mundo, mas no fim do dia o exercício desse poder decerto parecia exauri-lo. Nem mesmo seu período em Langley, que exigia uma viagem de carro longa por dia, o havia cansado do jeito que este trabalho fazia.
— Para dizer o quê?
— Procurar acalmá-los, aplacar a situação.
— Tem mesmo certeza de que eles agiram deliberadamente?
— Sim. Robby tem certeza absoluta, quase como você com um diagnóstico — confirmou seu marido, olhando para o teto.
— E estamos negociando com eles? — indagou CIRURGIA.
— Precisamos.
— Mas...
— Querida, de vez em quando... droga, a maior parte do tempo, uma nação-Estado comete assassinato e sai impune. Meu dever é pensar no quadro geral, nas questões mais importantes, em coisas assim.
— Isso é horroroso — sentenciou Cathy.
— Sim, tenho certeza de que é. Este jogo precisa ser realizado segundo suas próprias regras. Se você fez droga, mais pessoas sofrem. Você não pode falar com uma nação-Estado do jeito como fala com um criminoso. Há milhares de americanos lá, executivos e outros. Se eu me exceder, coisas ruins poderão acontecer com eles, e então a situação se tornará ainda pior — explicou-lhe POTUS.
— O que pode ser pior do que matar pessoas? — indagou sua esposa-médica.
Jack não tinha uma resposta. Aceitara o fato de que não tinha todas as respostas para os jornalistas nas entrevistas coletivas, para as pessoas lá fora, ou mesmo para seus próprios assessores, ocasionalmente. Agora ele não tinha uma resposta nem mesmo para uma pergunta simples e lógica de sua esposa. O Homem mais poderoso do mundo?
— Claro.
Com esse pensamento, outro dia terminou na Pennsylvania Avenue 1600.
Até mesmo as pessoas importantes ficavam descuidadas, uma eventualidade facilitada por um pouco de criatividade da parte das pessoas mais cuidadosas. O Gabinete Nacional de Reconhecimento estava tentando manter vigília sobre dois lugares. Cada passagem dos satélites de reconhecimento sobre o Oriente Médio e agora o estreito de Formosa resultava numa quantidade imensa de fotos transmitidas para computadores, literalmente milhares de imagens que especialistas em interpretações de fotos precisavam examinar em seu novo prédio nas proximidades do Aeroporto de Dulles. Era apenas mais uma tarefa que não podia ser feita por computador. O estado de prontidão dos militares da URI tinha se tornado o fator de prioridade máxima para o governo americano, como parte da estimativa nacional especial de informação, ou SNIE, agora em preparação sob ordens da Casa Branca. Isso significava que a atenção inteira da equipe voltava-se nesse sentido e que, para cuidar dos outros assuntos, a maioria das pessoas estava trabalhando fora do expediente. Essas pessoas examinavam continuamente as fotos recebidas da China. Se a República Popular da China estava realmente prestes a fazer uma investida militar, então isso transpareceria sob muitos aspectos. As tropas do Exército de Libertação estariam treinando e mantendo seu equipamento, ou carregando seus tanques em trens e com isso as áreas de estacionamento pareceriam diferentes.
Os aviões estariam com armas penduradas em suas asas. Essas eram coisas que uma ligação por satélite revelaria. Dedicava-se mais cuidado a localizar navios no mar — isso era bem mais difícil, porque eles não ficavam em localizações fixas. A América ainda tinha três satélites-espiões no espaço, cada um deles fazendo duas passagens por dia sobre áreas de interesse, e essas passagens eram bem espaçadas de modo a proporcionar maior variedade de informações. Isso deixava os técnicos bem satisfeitos. Eles tinham uma alimentação contínua de dados com os quais firmar suas estimativas e assim prestar seu dever para com o presidente e o país.
Mas eles não podiam observar tudo em toda parte, e um lugar que não vigiavam era Bombaim, quartel-general oriental da Marinha indiana. As órbitas dos satélites KH-11 americanos eram bem definidas, assim como seus horários.
Logo depois que o satélite mais novo varria a área — com o segundo mais novo no outro lado do mundo —, vinha uma lacuna de quatro horas, que terminaria com a passagem do mais velho e menos confiável do trio. Felizmente, isso também coincidia com a maré alta.
Dois porta-aviões e suas escoltas, que haviam acabado de ser reparados, adentraram águas internacionais. Estariam conduzindo exercícios de treinamento no mar Arábico, caso alguém os notasse e perguntasse o que estavam fazendo.
Merda. O representante da Cobra acordou, sentindo-se um tanto febril.
Demorou alguns segundos até se orientar. Motel diferente, cidade diferente, iluminação de teto diferente. Correu os dedos atabalhoadamente até o comutador e pôs os óculos, franzindo os olhos para protegê-los da luz desconfortável, e procurou sua bolsa de viagem. Sim. Conjunto de barbear.
Levou-o até o banheiro, tirou o papel de proteção do copo e encheu-o com água. Abriu a tampa, à prova de crianças, da garrafa de aspirinas, colocou dois comprimidos na mão e engoliu-os com a água. Não devia ter tomado tantas cervejas no jantar, disse o representante de vendas para si mesmo, mas havia fechado um negócio bem decente com alguns golfistas profissionais, e cerveja sempre era um lubrificante apreciado pelos adeptos desse esporte. Ele se sentiria melhor pela manhã. Ex-profissional de turismo que não tinha sido bom o bastante para prosperar na área, era agora um representante de vendas muitíssimo bem-sucedido. Mas que diabo, pensou, voltando para a cama. Hoje sua rotina era mais tranquila, ele estava ganhando um dinheiro bem decente, e ainda podia jogar num campo de golfe diferente a cada semana, para melhor demonstrar os utensílios que vendia. Torceu para que a aspirina surtisse efeito.
Tinha um café de negócios marcado para as 8:30.
STORM TRACK E PALM BOWL estavam conectados por um cabo de comunicações de fibra ótica, para melhor compartilhar informações. Outro exercício de treinamento estava em andamento no antigo Iraque e este não era um CPX. As três corporações pesadas de unidades iranianas e iraquianas integradas estavam no campo. Rádios de localização de direção indicavam que as corporações estavam afastadas das fronteiras da Arábia Saudita e do Kuwait, e assim não se atribuíam riscos especiais a suas atividades, in:is as tropas ELINT estavam ouvindo atentamente para avaliar o nível de habilidade dos comandantes que movimentavam agora tanques e veículos de infantaria através das planícies amplas e secas do sudeste de Bagdá.
— Boas notícias, major — disse o tenente americano, segurando um telex.
Para variar, o SNIE da URI gerara alguma coisa positiva.
A trezentos quilômetros ao noroeste do Kuwait, num ponto a oito quilômetros ao sul do terraço — na verdade uma duna feita pelo homem — que marcava a fronteira entre o Reino e a URI, parou um caminhão. A tripulação desceu, anexou a extensão para a rampa de lançamento e disparou seu autômato Predator. Mas autômato era um termo obsoleto. Esta miniaeronave era um UAV (Unmanned Aerial Vehicle: veiculo aéreo não pilotado. (N. do T.), um espião azul e cinza, propelido por foguete. Levou cerca de vinte minutos para anexar as asas, correr o programa de diagnóstico da parte eletrônica, acionar o motor. Então ele foi lançado, o zumbido incômodo de seu motor diminuindo rapidamente enquanto subia até sua altitude de operação e rumava para o norte.
Produto de três décadas de pesquisa, o Predator era quase invisível, sendo difícil de detectar por radar devido ao seu tamanho pequeno, a inclusão de material absorvente de radar em seu projeto, e o fato de que sua velocidade de operação ser tão lenta que quando os modernos computadores de controle de radar conseguiam captá-lo, classificavam-no como um pássaro e o apagavam da tela do operador. A pintura cobrindo o casco era o mesmo produto supressor de infravermelho usado atualmente pela Marinha. Era feio e grudento a qualquer coisa que o tocasse — os técnicos precisavam espanar a areia de seu bebê o tempo todo —, mas isso era compensado pelo fato de que a cor imiscuía-se extremamente bem com a do céu. Armado apenas com uma câmera de TV, este subiu até uma altura de dezesseis mil quilômetros, e voou para norte sob o controle de outra equipe em STORM TRACK, para ficar de olho nos exercícios da URI. Tecnicamente, tratava-se de uma violação da soberania do novo país, mas um quilo de explosivos no UAV garantiria que se caísse no lugar errado, ninguém ficaria sabendo o que ele tinha sido. Uma antena direcional transmitia a captação da câmera para receptores no reino.
A conexão de fibra ótica retransmitiu o mesmo sinal para PALM BOWL, e quando uma mulher alistada na USAF ligou o monitor da sala, depararam com uma paisagem quase indiscernível enquanto os operadores do Predator guiavam-no ao seu destino.
— Será bom ver se eles sabem o que estão fazendo — observou o tenente para o major Sabah.
— Melhor se virmos que eles não estão fazendo nada — replicou pensativamente o oficial kuwaitiano.
Outros membros de sua família estavam cada vez mais preocupados. Já bastava, pensou o major, que o exército de seu país estivesse colocando-se discretamente num estado elevado de prontidão. Como os sauditas, os kuwaitianos que tinham adquirido entusiasticamente os melhores equipamentos que seu país pequeno mas rico podia pagar, consideravam que a manutenção dos tanques era uma tarefa para homens inferiores. Porém, ao contrário de seus primos sauditas, tinham experiência em estar no lado inferior de uma conquista.
Muitos deles haviam perdido familiares, e uma memória longa era característica comum nesta parte do mundo. Por essa razão, eles treinavam com vontade. O major Sabah sabia que não estavam nem próximos do nível dos americanos que os haviam ensinado, ou dos israelenses, que os tratavam com um desprezo distante. Seus compatriotas tinham, em primeiro lugar, aprendido como atirar.
Eles haviam queimado pelo menos um tubo de canhão por tanque na pura alegria de aprender essa habilidade, e usaram projéteis de verdade. Capazes agora de atingir seus alvos, sua tarefa atual era aprender a manobrar e lutarem movimento. Novamente, eles não podiam fazer isso bem, ainda não, mas estavam aprendendo. A crise em desenvolvimento enfatizava seu treino, e neste exato momento seus compatriotas estavam deixando seus postos nos setores bancário e comercial para montar veículos. Uma equipe de consultores americanos iria levá-los novamente para o campo, dar-lhes um problema de batalha, e observar seu desempenho. Embora doesse ao major o fato de que seus compatriotas, muitos deles parentes seus, não estivessem preparados, era fonte de orgulho saber que estavam se esforçando de verdade. Contudo, por mais brilhante que fosse, nunca ocorreu ao major o quanto seu exército estava próximo do modelo israelense: cidadãos aprendendo a lutar depois de terem aprendido, a duras penas, que não o sabiam.
— ESPADACHIM está acordado — ouviu Andréa Price em seu fone de ouvido. Eles estavam na cozinha, a comandante da segurança presidencial com os chefes das subseguranças, parados e bebericando café em torno de uma das mesinhas de metal usadas para preparar comida. — Roy?
— Outro dia rotineiro — disse o agente especial Altman. — Ela tem três cirurgias marcadas para esta manhã, depois uma palestra para alguns médicos espanhóis à tarde. São da Universidade de Barcelona. Dez médicos, oito homens, duas mulheres. Checamos os nomes com a polícia espanhola. Todos estão limpos. Nenhuma ameaça especial reportada contra CIRURGIÃ. Tudo indica que será mais um dia normal no trabalho.
— Mike? — falou para o agente especial Michael Brennan, protetor principal do Pequeno Jack.
— Bem, BAIXINHO tem uma prova de biologia no primeiro período de hoje e treino de beisebol depois da escola. É bom com a luva, mas precisa de ajuda com sua tacada — acrescentou o agente. — Fora isso, a mesma, mesma rotina.
— Wendy?
A agente especial Gwendolyn Merritt era a protetora principal de Sally Ryan.
— Prova de química para SOMBRA no terceiro período de hoje. Está ficando muito interessada em Kenny. Bom garoto, precisa cortar o cabelo e pôr uma gravata nova. Ela está pensando em ingressar na equipe feminina de lacrasse.
Algumas testas franziram com a revelação. Como se protege alguém sendo caçada por adolescentes com bastões?
— Quais são mesmo os antecedentes familiares de Kenny? — indagou Price.
Nem mesmo ela podia lembrar de tudo.
— O pai e a mãe são advogados. Cuidam principalmente de impostos.
— SOMBRA precisa melhorar seu gosto — observou Brennan para a diversão geral de todos à mesa. Ele era o piadista do grupo. — Há uma ameaça potencial nisso, Wendy.
— Hein? Qual?
— Se POTUS conseguir passar as novas leis de impostos, os pais do garoto vão ficar na merda.
Andréa Price riscou mais um item em sua lista matutina.
— Don?
— A rotina de hoje é a mesma de sempre, Introdução ao Desenho com Lápis Cera. Ainda não estou satisfeito com a organização, Andréa. Quero mais gente. Mais um dentro, e mais dois para vigiarem no lado sul — anunciou Don Russell. — Estamos expostos demais. Não temos profundidade defensiva suficiente. O perímetro externo é essencialmente o único, e não estou confortável com isso.
— CIRURGIÃ não quer que lotemos o lugar com gente armada. Você tem a si mesmo e a dois agentes do lado de dentro, três para apoio imediato, e um agente de vigilância do outro lado da estrada — recordou-o Price.
— Andréa, quero mais três. Estamos expostos demais lá — repetiu Russell.
Sua voz estava racional e profissional, como sempre. — A Primeira Família precisa ouvir-nos em questões profissionais.
— Que tal eu passar lá amanhã e dar uma olhada na situação novamente? — indagou Price. — Se eu concordar, falarei com o Patrão.
— Perfeito — assentiu o agente especial Russell.
— Mais algum problema com a Sra. Walker?
— Sheila tentou um abaixo-assinado com os outros pais da Giant Steps. Ela quer tirar CHOCALHO de lá, esse tipo de coisa. Mas, ao que parece, a Sra.
Daggett é conhecida como encrenqueira e mais da metade dos pais conhece os Ryan e gostam deles. Assim, ela não está conseguindo muita coisa. Mas você sabe qual é mesmo o meu maior problema?
— Qual, Don? Ele sorriu.
— A idade das crianças. Às vezes dou as costas para as crianças, elas se movem e quando me viro novamente não consigo dizer quem é CHOCALHO.
Você sabe que há dois tipos de cortes de cabelo para as menininhas, e metade das mães acha que Oshkosh é a única marca de roupas de criança.
— Don, isso é coisa de mulher — observou Wendy Merritt. — Se a primeira-caçula usa, tem de ser moda.
— Provavelmente a mesma coisa com o cabelo — acrescentou Andréa. — A propósito, esqueci de dizer. Pat O’Day quer um pequeno duelo com você — disse ao membro mais velho da segurança presidencial.
— O cara do FBI? — Os olhos de Russell acenderam. — Onde? Quando?
Diga-lhe para levar dinheiro, Andréa.
Ocorreu a Russell que ele merecia um pouco de diversão. Ele não perdia uma competição de tiro havia sete anos — o mesmo tempo em que não ficava resfriado.
— Estamos todos acertados? — perguntou Price aos seus agentes principais.
— Como vai o Patrão? — perguntou Altman.
— Ele anda bem ocupado. Tem dormido pouco.
— Quer que eu converse com CIRURGIÃ sobre isso? Ela costuma ficar de olho nele — disse Roy.
— Bem...
— Eu sei como. Puxa, Dra. Ryan, o Patrão anda se sentindo bem? Ele me pareceu um pouco cansado esta manhã... — sugeriu Altman.
Os quatro agentes trocaram olhares. Proteção presidencial era seu dever mais delicado. Este presidente ouvia a esposa tanto como se fosse um marido normal. Então por que não tornar CIRURGIÃ uma aliada? Os quatro assentiram imediatamente.
— Vai fundo — disse-lhe Price.
— Filho duma puta — imprecou o coronel Hamm em seu comando.
— Surpreendeu você, não foi? — perguntou delicadamente o general Diggs.
— Eles têm um espião infiltrado? — quis saber o comandante da Divisão Corcel Negro.
— Não, mas me pegaram de surpresa, Al. Eles não deixaram ninguém saber que tinham treinamento com IVIS. Bem, eu descobri ontem à noite.
— Um bom sujeito, senhor.
— A surpresa funciona nos dois sentidos, coronel — recordou-o Diggs.
— Mas como eles conseguiram fundos para isso?
— Seus senadores são muito bons, acho.
As unidades visitantes não traziam seu equipamento próprio para Forte Irwin, pelo motivo óbvio de que era caro demais transportá-lo. Em vez disso utilizavam veículos disponíveis na base, e esses eram topo de linha. Todos eles eram dotados de IVIS (Inter-Vehicular Informutiun Syitem: sistema de informação interna em veiculo. (N. do T.), uma conexão de dados em campo de batalha que projetava dados numa tela de computador dentro dos tanques. Era algo com que o 11º RCB dotara seus veículos (os verdadeiros, não os inimigos simulados) havia apenas seis meses. Aparentemente, um sistema simples para trocar dados — suas peças eram inclusive modulares, o que facilitava o reparo imediato quando algo quebrava —, oferecia à tripulação uma visão abrangente do campo de batalha, e, em poucos segundos, convertia informações de reconhecimento obtidas a duras penas em conhecimento geral. Os dados sobre um combate em desenvolvimento não se limitavam mais a um comandante atarefado. Agora os sargentos sabiam tudo que o coronel sabia, e o conhecimento ainda era a mercadoria mais valiosa conhecida pelo homem. Os operadores de tanque da Guarda da Carolina estavam plenamente treinados cm seu uso. Assim como os soldados da Corcel Negro, mas seus falsos veículos do OpFor soviético não o tinham.
— Coronel, agora sabemos o quanto o sistema é realmente bom. Ele derrotou o senhor. O conflito simulado havia sido sangrento. Hamm e seu oficial de operações haviam entrado uma emboscada diabólica, mas os Guerreiros de Fim de semana detectaram-na, evitaram-na e entraram numa batalha de manobra que pegara o OpFor inclinando-se na direção errada. Um contra-ataque ousado de um de seus comandantes de esquadrão quase salvara o dia, e aniquilara metade da Força Azul, mas não fora o suficiente. O primeiro conflito noturno fora vencido pelos mocinhos, e os soldados estavam comemorando como se tivessem acabado de jogar uma partida de basquete.
— Farei mais bonito da próxima vez — prometeu Hamm.
— A humildade faz bem à alma — disse Marion Diggs, apreciando o nascer do sol.
— A morte faz mal ao corpo, senhor — recordou-o o coronel.
— Baaaaaaaaa — disse Diggs, sorrindo enquanto caminhava ao seu Hummer particular. Até Al Hamm precisava de uma lição de vez em quando.
Puseram mãos à obra. Astro de Cinema cuidou de alugar os carros. Ele tinha identidades duplicadas, o suficiente para alugar quatro veículos, três carros de quatro portas e uma caminhonete U-Haul. Os carros de passeio foram selecionados para ser confundidos com os usados pelos pais que tinham crianças na creche. A caminhonete era para sua fuga — uma eventualidade que ele agora considerava provável e não meramente possível. Seus homens eram mais espertos do que ele previra. Ao passar por seu objetivo nos carros alugados, eles não viraram suas cabeças para fitar, mas permitiram que sua visão periférica abarcasse a cena. Já detinham o conhecimento exato a partir do modelo que haviam construído, baseados nos dados das fotografias de seu líder.
Passar pelo local concedeu-lhes uma visão melhor, tridimensional, e conferiu mais substância à sua imagem mental, e à sua confiança crescente. Com essa tarefa terminada, dirigiram para oeste, passaram pela Rota 50 e prosseguiram até uma casa de fazenda solitária no condado de Anne Arundel. A casa era propriedade de um homem que seus vizinhos pensavam ser um judeu nascido na Síria que vivia na área havia onze anos. Na verdade, ele era um agente adormecido. Nos últimos anos ele comprara discretamente armas e munições.
Todas as compras haviam sido legais e realizadas antes das restrições que a lei impusera a alguma dessas armas. Ele poderia ter escapado delas, de qualquer modo. Em seu casaco, Astro de Cinema tinha passagens de avião sob um nome e passaporte diferentes. Este era o ponto final de encontro. Eles trariam a criança para cá. Em seguida, seis deles deixariam prontamente o país, todos em voos separados, e os três remanescentes entrariam no carro particular do dono da casa e seguiriam para outra locação predeterminada, para aguardar o desenrolar da situação. A América era um país vasto, com muitas estradas. Os telefones celulares eram difíceis de ser rastreados. Eles dariam um trabalho infernal aos seus perseguidores, pensou Astro de Cinema. Ele sabia o que fazer, se a situação chegasse a esse ponto. A equipe com a criança teria um telefone celular. Ele teria dois, um para fazer chamadas rápidas para o governo americano, outro para ligar para os amigos. Eles exigiriam muito pela vida da criança, o bastante para jogar este país no caos. Talvez a criança até mesmo chegasse a ser libertada viva. Ele não tinha certeza disso, mas supunha que era possível.
42
Predator Caça
A CIA tem seu próprio laboratório fotográfico, é claro. O filme com as fotografias batidas pela janela do avião pelo agente de campo Domingo Chavez foi rotulado de uma maneira um pouco diferente daquela usada pelas lojas comerciais, e em seguida processado em equipamento padrão. Então o tratamento de rotina parou. O filme de 1200 ASA era muito granulado, produzindo fotos de qualidade ruim, e não era possível dar isso ao pessoal do sétimo andar. Os funcionários do laboratório fotográfico tinham conhecimento da importância daquelas fotos, e sabiam que a melhor forma de evitar ser despedido, neste ou em qualquer outro negócio, era sendo indispensável. Assim o rolo de filme entrou num sistema de aprimoramento computadorizado. Levou três minutos por quadro para converter as imagens em alguma coisa que parecesse ter sido tirada por um profissional com uma Hasselblad sob condições de estúdio. Menos de uma hora depois da chegada do filme, o técnico produziu uma série de fotos lustrosas 20x25, que identificava positivamente o passageiro do avião como Mahmoud Haji Daryaei, e proporcionava uma visão tão limpa e dramática de sua aeronave que o fabricante poderia tê-la usado num anúncio publicitário. O filme foi colocado num envelope e mandado para um cofre. As fotos foram armazenadas em forma digital em fita, sua identidade precisa — data, hora do dia, localização, fotografia, assunto — também foi codificada num registro computadorizado para remissão recíproca. Isso era o procedimento padrão. O técnico havia muito parará de dar atenção ao que revelava, embora ele ainda visse ocasionalmente alguém conhecido numa posição que jamais alcançaria a tela de TV... mas não este sujeito. Pelo que ouvira falar de Daryaei, o homem provavelmente não tinha muito interesse por meninos ou meninas, e a expressão amarga em seu rosto parecia confirmar isso.
Mas que diabo, ele tinha bom gosto para aviões, um G-IV, aparentemente.
Estranho, o código na cauda não era um registro suíço...?
Quando as fotos chegaram ao sétimo andar, um conjunto completo também foi destinado a um tipo diferente de análise. Um médico iria examiná-las cuidadosamente. Algumas doenças deixavam traços visíveis, e a CIA sempre ficava atenta para a saúde dos líderes estrangeiros.
— ... o secretário Adler partirá esta manhã para Pequim — disse Ryan zeles.
Arnie dissera zele que, por muito desagradáveis que fossem essas declarações à imprensa, ser visto na TV fazendo coisas presidenciais era bom para ele politicamente — e isso, Arnie sempre acrescentava, significava ser mais eficaz em seu trabalho. O presidente também lembrava de sempre ouvir de sua mãe o quanto era importante ir ao dentista duas vezes por ano, e assim como o cheiro antisséptico dos consultórios dentários assustava as crianças, ele também passara a odiar a umidade desta sala. As paredes vazavam, algumas das janelas estavam quebradas, e esta parte da Ala Oeste da Casa Branca era tão limpa e bem mantida quanto um armário de aluno de segundo grau, algo que os cidadãos não podiam perceber apenas assistindo pela TV. Embora a área ficasse apenas a alguns metros de seu próprio escritório, ninguém realmente dava muita importância a arrumar as coisas aqui. Jornalistas eram tão grossos que manter o lugar mais arrumado não faria diferença, assim afirmavam os funcionários da Casa Branca. E os jornalistas realmente não pareciam se importar com isso.
— Presidente, há mais alguma informação a respeito do acidente com o avião de passageiros?
— Foi anunciado que a contagem de corpos está completa. Os gravadores de registro de voo foram recuperados e...
— Teremos acesso às informações da caixa preta?
Porque chamavam de caixa preta quando ela era laranja? Jack sempre se perguntava isso, mas nunca chegava a uma resposta sensata.
— Já requisitamos o acesso, e o governo da República da China prometeu cooperação completa. Eles não precisam fazer isso. O avião está registrado nesse país, e a aeronave foi fabricada na Europa. Mas eles estão sendo prestativos. Reconhecemos e agradecemos por isso. Devo acrescentar que nenhum dos americanos sobreviventes se encontra em risco; alguns dos ferimentos são graves, mas não há risco de vida.
— Quem derrubou o avião? — perguntou outro jornalista.
— Ainda estamos analisando os dados e...
— Presidente, a Marinha tem dois navios classe Aegis nas imediações da China. O senhor deve ter uma boa ideia do que aconteceu.
Esse jornalista fizera seu trabalho de casa.
— Realmente não posso comentar mais nada. O secretário Adler discutirá o incidente com as partes envolvidas. Acima de tudo, queremos garantir que não haverá mais nenhuma perda de vida.
— Presidente, uma adicional: o senhor deve saber mais do que está dizendo.
Morreram 14 americanos nesse incidente. O povo americano tem o direito de saber o motivo.
O diabo era que o homem tinha razão. O diabo também era que Ryan precisava evadir-se:
— Realmente ainda não sabemos exatamente o que aconteceu. Não poderei fazer uma declaração definitiva até que saibamos.
O que era filosoficamente verdadeiro, afinal de contas. Ele sabia quem havia recebido o disparo. Não sabia o motivo. No dia anterior, Adler fora bem convincente em seus motivos para manter o assunto em segredo.
— O Sr. Adler retornou de algum lugar ontem. Por que isso é um segredo?
Era Plumber novamente, insistindo em sua pergunta do dia anterior. Vou matar Arnie por me expor desta forma o tempo todo.
— John, o secretário estava envolvido em consultas importantes. É tudo que tenho a dizer sobre o assunto.
— Ele estava no Oriente Médio, não estava?
— Próxima pergunta?
— Senhor, o Pentágono anunciou que o porta-aviões Eisenhower está se movendo para o mar do Sul da China. O senhor ordenou isso?
— Sim. Acreditamos que a situação merece toda nossa atenção. Temos interesses vitais nessa região. Devo frisar que não estamos tomando partido nesta disputa, mas iremos cuidar de nossos interesses.
— Mover um porta-aviões para lá irá esfriar ou aquecer a tensão?
— Obviamente, não estamos tentando piorar as coisas. Estamos tentando melhorá-las. É no interesse das duas partes darmos um passo para trás e pensarmos no que eles estão fazendo. Vidas foram perdidas — recordou-lhes o presidente. — Algumas dessas vidas eram americanas. Portanto, nosso interesse no assunto é direto. O motivo para termos um governo e um Exército é para cuidarmos dos interesses americanos e proteger as vidas de nossos cidadãos. As forças navais seguindo para essa região irão observar o que está acontecendo e conduzir operações de treinamento rotineiras. É só.
Zhang Han San olhou novamente as horas e comentou para si próprio que ela estava sendo uma bela forma de terminar seu dia de trabalho: a visão do presidente americano fazendo exatamente o que ele queria. Agora a China cumprira suas obrigações para com aquele bárbaro Daryaei. O oceano Índico estava desprovido de uma grande presença naval americana pela primeira vez em vinte anos. O ministro das Relações Exteriores dos EUA iria agora voar para Pequim, e os comentários habituais seriam trocados. Ele veria que concessões poderia obter dos EUA e de Taiwan. Talvez algumas concessões bastantes boas, pensou, graças aos problemas que os EUA certamente enfrentariam em outra parte...
Adler estava em seu escritório. Suas malas estavam prontas e em seu carro oficial, que o levaria até a Casa Branca para pegar um helicóptero até o aeroporto internacional de Andrews após um aperto de mão presidencial e um breve discurso de despedida que seria leve como mingau de aveia. A saída mais dramática pareceria bem na TV, faria sua missão parecer uma questão importante, e causaria rugas adicionais cm suas roupas — mas a tripulação da Força Aérea tinha uma tábua de passar a bordo do avião.
— O que sabemos? — perguntou o subsecretário Rutledge.
— O míssil estava a bordo de um caça da República Popular da China. Isso é absolutamente positivo, a julgar pelas fitas de radar da Marinha. Não fazemos a menor ideia do motivo, embora o almirante Jackson seja muito positivo em dizer que não foi acidente.
— Como foi em Teerã? — inquiriu outro secretário-assistente.
— Equívoco. Colocarei o encontro por escrito no avião e enviarei por fax para vocês — disse Adler.
Ele também estava pressionado pelo tempo, e não tivera o suficiente para refletir sobre seu encontro com Daryaei.
— Precisaremos disso, se quisermos ser úteis na SNIE — frisou Rutledge.
Ele realmente queria esse documento. Com ele, Ed Kealty poderia provar que Ryan estava aplicando novamente seus velhos truques, dando uma de agente secreto, e até instigando Scott Adler a fazer o mesmo. A chave para destruir a legitimidade política de Ryan estava lá fora, em algum lugar. Ele estava se esquivando bem dos golpes, e sabendo contra-atacar, sem dúvida alguma graças ao seu treinador Arnie van Damm, mas sua gafe no dia anterior a respeito da política para com a China causara rebuliço no prédio. Como muitas pessoas no Estado, ele queria que Taiwan simplesmente desaparecesse, possibilitando à América manter relações normais com a mais nova superpotência do planeta.
— Uma coisa por vez, Cliff.
A reunião voltou a abordar a questão da China. Por consentimento mútuo, ficou decidido que o problema da URI deveria ser esquecido durante os próximos dias.
— A Casa Branca decidiu alguma mudança na política para com a China? — indagou Rutledge.
Adler balançou a cabeça.
— Não. O presidente está apenas tentando falar sobre a situação... e sim, eu sei, ele não devia ter chamado a República da China de China, mas talvez isso tenha balançado um pouco o pessoal lá de Pequim, e não estou descontente de todo com isso. Eles precisam aprender a não matar americanos. Cruzamos uma linha aqui, pessoal. Uma das coisas que tenho a fazer é deixar que eles percebam que encaramos seriamente essa linha.
— Acidentes acontecem — observou alguém.
— A Marinha diz que não foi acidente.
— Convenhamos, secretário — resmungou Rutledge. — Por que diabos eles fariam isso de propósito?
— O nosso trabalho é descobrir. O almirante Jackson colocou muito bem o seu ponto de vista. Se você é um tira na rua e tem um assaltante armado à sua frente, atiraria numa velhinha do outro lado do quarteirão?
— Por acidente, claro — persistiu Rutledge.
— Cliff, há acidentes e acidentes. Este matou americanos, e caso alguém nesta casa tenha esquecido, devemos encarar isso seriamente.
Não estavam acostumados a esse tipo de reprimenda. Que bicho havia mordido Adler, afinal? O trabalho no Departamento de Estado era manter a paz, para impedir conflitos que matavam pessoas aos milhares. Acidentes eram acidentes. Eram lamentáveis, mas aconteciam, como câncer e ataques cardíacos. Supunha-se que o Estado devia lidar com o quadro geral.
— Obrigado, presidente.
Ryan deixou o pódio, tendo mais uma vez sobrevivido às pedradas e flechadas da mídia. Olhou as horas. Droga. Ele perdera a hora de se despedir das crianças indo para a escola — de novo — e também não dera um beijo de despedida em Cathy. Onde está escrito na Constituição que o presidente não era um ser humano?
Ao chegar ao seu escritório, Ryan correu os olhos pela folha com seu cronograma diário impresso. Dali a uma hora, o bota-fora de Adler. Às dez da manhã, reunião com Winston sobre os detalhes de suas mudanças administrativas no Tesouro. Arnie e Callie às 11 sobre seus discursos na semana seguinte. Almoço com Tony Bretano. Um encontro depois do almoço com... quem? Os Mighty Ducks de Anaheim? Ryan balançou a cabeça. Ah, sim. Eles tinham vencido a Stanley Cup, e esta seria uma oportunidade de divulgação para eles e para ele. Precisava ter uma conversinha com Arnie sobre essas baboseiras políticas. Hum! Devia manter Ed Foley para fazer isso, pensou Jack com um sorriso. Ele era fanático por hóquei...
— Você está atrasado — disse Don Russell enquanto Pat O’Day deixava Megan. O inspetor do FBI passou por ele, viu o casaco e o cobertor de Megan e retornou.
— Faltou energia ontem à noite e desligou meu radiorrelógio — explicou.
— Grande dia planejado. Pat meneou a cabeça.
— Dia burocrático. Preciso terminar algumas coisas... você conhece a rotina. Ambos conheciam. Era essencialmente editar e indexar relatórios, uma função de secretariado que em casos sensíveis frequentemente era realizada, a contragosto, por agentes armados.
— Ouvi dizer que você está querendo um duelozinho — disse Russell.
— Disseram que você é danado de bom.
— Com justiça, acho — gabou-se o agente do Serviço Secreto.
— Sim, eu também mantenho os tiros dentro das linhas.
— Usa o SigSauer?
O agente do FBI balançou a cabeça.
— Smith 10767 inoxidável.
— Dez milímetros.
— Faz um buraco maior — comentou O Day.
— Nove sempre bastou para mim — reportou Russell. Então ambos riram.
— Você é bom de taco, também? — perguntou o agente do FBI.
— Não desde o segundo grau, Pat. Vamos combinar a aposta?
— Precisa ser sério — considerou O Day.
— Caso de Samuel Adams? — sugeriu Russell.
— Uma aposta honrada, senhor — concordou o inspetor.
— Que tal em Beltsville? — Esse era o local da Academia do Serviço Secreto. — A galeria externa. Ambientes fechados sempre são muito artificiais.
— Disputa padrão de combate?
— Há anos não disparo em alvos. Não espero que um dos meus agentes seja atacado por um pontinho preto.
— Amanhã? — Parecia uma boa diversão de sábado.
— Provavelmente é um pouco perto demais. Posso verificar. Saberei esta tarde.
— Don, temos um acordo. E que vença o melhor. Apertaram-se as mãos.
— O melhor vencerá, Pat. Ele sempre vence.
Ambos sabiam quem seria esse homem, embora um deles tivesse de estar errado. Ambos também sabiam que o outro seria um bom sujeito para ter na sua retaguarda, e que a cerveja teria um ótimo gosto, qualquer que fosse o resultado da contenda.
As armas não eram totalmente automáticas. Um bom armeiro poderia tê-las alterado, mas esse não era o caso do agente adormecido. Astro de Cinema e o seu grupo não se importaram muito com isso. Eram atiradores bem treinados e sabiam que as armas totalmente automáticas eram boas apenas para três pentes de balas, caso o atirador não tivesse os braços de um gorila — depois disso, a arma escoiceava e você fazia buracos no céu e não no alvo, que poderia começar a atirar em resposta. Não haveria tempo nem espaço para um segundo pente de balas, mas eles estavam familiarizados com o tipo de arma, a versão chinesa da AK-47 soviética, por sua vez um aperfeiçoamento de uma pistola alemã da década de 40. A arma utilizava pentes de 7.62mm. Os pentes acolhiam trinta balas cada um. Os membros da equipe usaram fita flexível para duplicar os pentes, inserindo-os e ejetando-os para certificar-se de que todos encaixavam apropriadamente. Com essa tarefa completada, retomaram seu exame do objetivo. Cada um conhecia seu lugar e sua tarefa. Cada um conhecia também os riscos envolvidos, mas não se deixavam abater por eles. Astro de Cinema sabia que aqueles homens estavam envolvidos apenas na natureza da missão. Eram tão desumanizados por seus anos de atividade dentro da comunidade terrorista que, embora para a maioria esta fosse sua primeira missão real, pensavam única e exclusivamente em provar sua coragem. Como fariam isso era o que menos importava.
— Eles vão tentar negociar um monte de coisas — disse Adler.
— Acha? — perguntou Jack.
— Pode apostar. Nação mais favorecida, disputas de copyright... tudo que você possa imaginar.
O presidente franziu a testa. Parecia obsceno colocar a proteção de copyright para os CDs de Barbra Streisand ao lado do homicídio de tantas pessoas, mas...
— Sim, Jack. Eles simplesmente não pensam sobre essas coisas da mesma forma que nós.
— Lendo minha mente?
— Sou um diplomata, lembra? Acha que só ouço o que as pessoas dizem em voz alta? Droga, se eu fizesse isso, nunca fecharia uma só negociação. É como jogar um longo jogo de cartas com apostas baixas, sempre tedioso e tenso.
— Tenho pensado no custo das vidas...
— Eu também — replicou com um aceno de cabeça o secretário de Estado. — Você não pode pensar muito nisso. No contexto deles, isso é sinal de fraqueza.
Mas você também não pode esquecer.
Esse comentário fez seu comandante-em-chefe levantar-se abruptamente.
— Por que temos sempre de respeitar o contexto cultural deles? Por que eles nunca parecem respeitar o nosso? — inquiriu POTUS.
— Sempre foi assim no Estado.
— Isso não responde à pergunta — asseverou Jack.
— Presidente, se abordarmos essa questão com muita insistência, estaremos nos oferecendo como reféns. O outro lado sempre saberá que poderão pendurar algumas vidas sobre nós e usá-las para nos pressionar. Isso lhes concederá uma vantagem.
— Apenas se permitirmos. Os chineses precisam de nós tanto quanto precisamos deles... mais, com o excedente comercial. Tirar vidas é uma forma de jogar duro. Podemos jogar duro também. Sempre me perguntei por que não o fazemos.
O secretário de Estado ajustou os óculos.
— Senhor, não discordo disso, mas é preciso pensar nessa questão com muito cuidado, e não dispomos de tempo para fazê-lo agora. Você está falando sobre uma mudança doutrinai na política americana. Não podemos entrar de cabeça numa coisa tão grande.
— Quando você retornar, vamos tirar um fim de semana com mais alguns outros para considerarmos nossas opções. Não gosto do que temos feito num sentido moral, e não gosto porque isso nos torna previsíveis demais.
— Como assim?
— Jogar segundo um determinado conjunto de regras é bom, contanto que todos sigam as mesmas regras. Mas seguir um conjunto de regras conhecido quando o adversário não fez isso apenas nos torna um alvo fácil — especulou Ryan. — Por outro lado, se o adversário quebrar as regras e fizermos o mesmo em seguida, talvez de uma forma diferente, mas ainda assim quebrando as regras, estaremos dando-lhes algo com que pensar. Com os seus amigos você quer ser previsível; com os inimigos, quer que saibam que se mexerem com você sairão machucados. A parte que devemos tornar imprevisível é o quanto eles sairão machucados.
— O que o senhor está dizendo não é de todo sem mérito, presidente. Parece um bom assunto para um fim de semana em Camp David. — Ambos pararam de falar quando o helicóptero pousou no heliporto. — Meu motorista chegou. Está com a sua declaração?
— Sim, e tão dramática quanto a previsão do tempo num dia ensolarado.
— É assim que o jogo é feito, Jack — disse o secretário de Estado.
Adler refletiu que Ryan estava ouvindo muito essa música. Não era de admirar que estivesse começando a ficar irritado com ela.
— Nunca participei de um jogo no qual eles não tenham mudado as regras em algum momento. No beisebol eles designam um batedor quando precisam anuviar as coisas — comentou casualmente POTUS.
Designar um batedor, pensou o secretário de Estado a caminho da porta.
Grande escolha de palavras...
Quinze minutos depois, Ryan observou o helicóptero decolar. Ele apertara a mão de seu secretário para as câmeras, fizera um comentário breve para as câmeras, parecendo sério mas animado para as câmeras. Talvez a C-SPAN tivesse coberto o evento ao vivo, mas ninguém mais o fizera. Se aquele fosse um dos dias mortos para notícias — como costumavam ser as sextas-feiras em Washington —, o evento teria um minuto ou dois nos telejornais noturnos. Mas era mais provável que não. Sexta-feira era o dia em que a mídia eletrônica resumia os eventos da semana, reconhecia alguma pessoa ou outra por ter feito uma coisa ou outra, e colocava matérias mais leves no ar.
— Presidente! — Jack virou-se para ver NEGOCIANTE, seu secretário do Tesouro, chegando alguns minutos mais cedo.
— Oi, George.
— Sabe aquele túnel entre aqui e o meu prédio?
— Que tem ele?
— Dei uma olhada hoje de manhã. Está uma tremenda bagunça. Você tem alguma coisa contra mandar limpá-lo? — perguntou Winston.
— George, essa é uma função do Serviço Secreto, e você é o dono deles, lembra?
— Sim, eu sei, mas como o túnel vem até a sua casa, pensei em pedir sua opinião. Certo, vou mandar dar um jeito nele. Pode ser uma boa alternativa nos dias de chuva.
— Como está indo o plano de impostos? — indagou Ryan, a caminho da porta. Um agente abriu e a segurou para que ele passasse. Esse tipo de coisa ainda incomodava Jack. Um homem precisava fazer algumas coisas sozinho.
— Os modelos de computador estarão prontos. Eu realmente quero tudo previsto: neutralidade em relação ao volume de renda, mais facilidade para os pequenos, mais justiça para os grandes. E meu pessoal está pesquisando a fundo a questão da economia administrativa. Meu Deus, Jack, eu estava errado sobre isso!
— Que você quer dizer? — Dobraram a esquina para o Salão Oval.
— Pensei que eu era a única pessoa que pagava alto para se esquivar do imposto de renda. Todo mundo faz isso. É uma indústria imensa. Muita gente vai ficar sem trabalho...
— E devo ficar feliz com isso?
— Todos vão achar trabalho honesto, exceto os advogados, talvez. E faremos os contribuintes economizarem alguns bilhões de dólares dando-lhes um formulário de imposto de renda que eles possam entender com matemática de primeiro grau. Presidente, o governo não insiste que as pessoas comprem chicotes para seus cavalos, insiste?
Ryan mandou sua secretária chamar Arnie. Ele queria um pouco de orientação política nas ramificações do plano de George.
— Sim, almirante?
— O senhor pediu um relatório sobre o grupo Eisenhower — disse Jackson, caminhando até o mapa de parede e consultando uma tira de papel. — Eles estão bem aqui, operando a uma boa velocidade. — O bip de Robby começou a vibrar em seu bolso. Pegou-o e olhou o número. Levantou as sobrancelhas. — Senhor, eu posso...?
— Tudo bem — disse o secretário Bretano.
Jackson pegou o telefone do outro lado da sala, discando cinco dígitos.
— Aqui fala J-3... oh? Onde eles estão? Então vamos descobrir, não vamos, comandante? Correto. Colocou o fone de volta. — Esse foi o NMCC. O NRO reporta que a Marinha indiana está desaparecida... seus dois porta-aviões, quero dizer.
— Que significa isso, almirante?
Robby caminhou de volta até o mapa e correu a mão ao longo da parte azul a oeste do subcontinente indiano.
— Trinta e seis horas desde a última vez que checamos. Acho que leva três horas para deixar o porto entrar em formação... vinte nós vezes 33 é 660 milhas náuticas, seiscentos e setenta milhas terrestres... estão entre seu porto e o cume da África. — Ele se virou. — Secretário, eles têm dois porta-aviões, nove escoltas e um grupo de reabastecimento desaparecido de seus estaleiros. Os navios-tanques significam que eles planejam ficar fora algum tempo. Não temos nenhuma informação dos serviços secretos a esse respeito. — Como sempre, não acrescentou Robby.
— Então, onde estão exatamente?
— Esse é o caso. Não sabemos. Temos algumas aeronaves Orion P-3
baseadas em Diego Garcia. Eles vão lançar algumas para fazer reconhecimento.
Podemos designar alguns recursos de satélites para a função também.
Precisamos contar isto ao Estado. Talvez a embaixada possa descobrir alguma coisa.
— Justo. Direi ao presidente em alguns minutos. Mais algum motivo de preocupação?
— Talvez eles estejam apenas fazendo um teste depois de completar reparos; nós balançamos a gaiola deles com força há um tempo, lembra?
— Mas agora os únicos dois porta-aviões no oceano Índico são de outra nação?
— Precisamente, senhor.
— E nosso porta-aviões mais próximo está navegando na direção errada.
Mas pelo menos o secretário de Defesa estava entendendo.
Adler estava num antigo Força Aérea Um, uma versão velha mas sólida do venerável 707-320B. Sua comitiva oficial consistia em oito pessoas, assistidos por cinco comissários da Força Aérea. Olhou seu relógio de pulso, calculou o tempo de viagem — teriam de parar para reabastecer na Força Aérea de Elmendorf no Alasca —, e decidiu que dormiria um pouco para compensar sua última desorientação de fuso horário. Que pena, pensou, que o governo não tivesse um programa de recompensa por milhagem. Se tivesse, ele viajaria de graça para o resto da vida. Por ora, pegou suas anotações sobre Teerã e começou a examiná-las novamente. Fechou os olhos, tentando recordar detalhes adicionais enquanto revivia a experiência desde sua chegada em Mehrabad até a saída, cada episódio. De cinco em cinco minutos, abria os olhos, folheava suas notas e rabiscava alguns comentários à margem. Com sorte, ele poderia datilografar e enviá-los por fax seguro para a equipe de SNIE em Washington.
— Ding, talvez haja outra carreira à sua espera — observou Mary Pat enquanto examinava a foto através de uma lente ampliadora. Em seguida, sua voz soou desapontada. — Ele parece saudável.
— Será que ser tão filho da puta aumenta a longevidade? — indagou Clark.
— Até agora tem funcionado para você, Sr. C. — brincou Chavez.
— Vou ter que ouvir isso pelos próximos trinta anos.
— Mas pense só nos belos netos que você tem, jefe. E bilíngues.
— Podemos voltar ao trabalho? — sugeriu a Sra. Foley, tarde de sexta-feira ou não.
Não é nada divertido passar mal num avião. Tentou imaginar se tinha sido alguma coisa que comera, ou talvez algum vírus que pegara em San Francisco na feira de informática, com toda aquela gente amontoada. O executivo era um viajante experiente, e o estojo de primeiros socorros pessoal estava sempre ao seu lado. Nele, em meio a lâminas de barbear e coisas do gênero, encontrou um pouco de Tylenol. Engoliu duas cápsulas com uma taça de vinho e decidiu que tentaria dormir um pouco. Com sorte, estaria se sentindo melhor quando seu voo chegasse a Newark. Com toda certeza, não queria dirigir para casa sentindo-se daquele jeito. Empurrou a poltrona para trás até o fim, desligou a luz, fechou os olhos.
Chegou o momento. Os carros alugados afastaram-se da casa da fazenda.
Cada motorista conhecia a rota de ida e volta até o objetivo. Em seus veículos não havia mapas ou outros materiais escritos além de fotos de sua presa. Se algum deles sentia-se perturbado em sequestrar uma criança pequena, não demonstrava. Suas armas estavam carregadas e guardadas em segurança, cada qual numa maleta própria pousada no assoalho, coberta por um pano. Todos usavam ternos de modo que, se um carro de polícia passasse por eles, os tiras veriam apenas três homens bem arrumados, provavelmente executivos em seus carros particulares. A equipe considerava essa última parte divertida. Astro de Cinema era um aficionado por boa aparência, provavelmente, todos pensaram, devido à sua própria vaidade.
A chegada dos Mighty Ducks não causou nenhuma sensação na agente Price. Ela já vira tudo aquilo antes. Os homens mais poderosos entravam neste palácio e se tornavam crianças dentro dele. O que para ela e seus colegas era apenas parte do cenário, as pinturas e coisas do gênero, para outros eram os adornos do poder supremo. E em certo aspecto, admitiu Price para si mesma, eles estavam certos e ela estava errada. Qualquer coisa podia se tornar rotina depois de uma certa dose de repetição, mas os visitantes, vendo tudo pela primeira vez, talvez vissem as coisas com mais clareza. O processo ajudava nesse sentido, enquanto eles passavam por detectores de metal sob os olhos vigilantes dos membros da divisão uniformizada. Fizeram uma excursão rápida enquanto o presidente e o secretário de Defesa terminavam sua reunião, que estava passando da hora. Os jogadores de hóquei, trazendo presentes para o presidente — os adesivos e flâmulas usuais, mais um suéter do time com o nome de Jack Ryan nele (na verdade, tinham suéteres personalizados para a família inteira) —, passaram pela porta da Entrada Leste, olhos perscrutando as decorações nas paredes pintadas de branco daquele que era, para Andréa, seu ambiente de trabalho; para eles, um local especial e poderoso. Um dualismo interessante, pensou, caminhando até Jeff Raman.
— Estou saindo para checar a segurança de CHOCALHO.
— Soube que Don está um pouco preocupado. Algo que eu precise saber?
Ela balançou a cabeça.
— POTUS não está planejando nada especial. Callie Weston virá mais tarde. Eles alteraram o horário dela. Fora isso, só rotina.
— Ótimo — disse Raman.
— Aqui é Price — disse ela em seu microfone. — Mostre-me em trânsito até CHOCALHO.
— Entendido — replicou o comandante de posto.
A chefe da Segurança Presidencial seguiu o caminho pelo qual os Mighty Ducks haviam chegado, e virou à esquerda até seu carro pessoal, um Ford Crown Victoria. O veículo parecia comum, mas não era. Debaixo do capo havia o maior motor padrão feito pela Ford. O veículo era provido de dois telefones celulares e um par de rádios de segurança. Os pneus tinham discos de metal embutidos, de modo que ainda que um deles esvaziasse, o carro continuaria andando. Como todos os membros da Segurança Presidencial, ela fizera o curso de direção evasiva do Serviço Secreto em Beltsville — era algo que todos eles adoravam. E em sua bolsa havia uma SigSauer 9mm automática, juntamente com dois pentes de balas de reserva, mais seu batom e cartões de crédito.
Price era uma mulher de aparência bastante comum. Não era bonita como Helen D Augustino... a lembrança a fez suspirar. Andréa e Daga tinham sido íntimas. Daga apoiara-a durante um divórcio e arrumara alguns encontros com rapazes. Boa amiga, boa agente, morta com todos os outros naquela noite no Capitólio. Daga — ninguém no Serviço a chamava de Helen — fora abençoada com uma silhueta mediterrânea que ficava à beira do voluptuoso, e isso sempre lhe proporcionava um bom disfarce. Ela simplesmente não parecia uma tira.
Adida, secretária ou amante do presidente, talvez... mas Andréa era mais comum, e assim ela adotava os óculos escuros usados pela maioria dos agentes na segurança presidencial. Ela era extremamente prática, e talvez um pouco tensa demais. Haviam dito isso a seu respeito uma vez, na época em que era uma novidade mulheres se alistarem e portarem armas. O sistema já superara isso. Agora ela era um dos rapazes, ao ponto de que ela ria das piadas e contava algumas também. Na noite da catástrofe no Capitólio, colocar ESPADACHIM e sua família em segurança valera-lhe uma promoção imediata. Andréa sabia que devia muito a Ryan. Ele a promovera porque gostava da forma como ela fazia as coisas. Andréa jamais teria chegado a chefe da Segurança Presidencial tão rapidamente se não fosse a decisão instantânea de Ryan. Sim, ela tinha a perícia necessária. Sim, ela conhecia muito bem os membros da Segurança Presidencial. Sim, ela amava realmente o trabalho. Mas ela era jovem para a responsabilidade e mulher. Contudo, POTUS não parecia se importar com nenhuma das duas coisas e não a escolhera porque ela era mulher e porque isso pareceria bom ao eleitorado.
Ele fizera isso porque ela fizera bem seu serviço durante um momento difícil. Isso legitimava sua promoção e tornava ESPADACHIM uma pessoa especial. Ele até mesmo pedia sua opinião sobre coisas. Isso era único.
Ela não tinha marido. Não tinha filhos, provavelmente jamais teria. Andréa Price não era uma das mulheres que decidem abandonar a feminilidade para perseguir uma carreira. Ela queria tudo, mas não conseguira fazer isso. Sua carreira era importante — ela não podia pensar em nada mais vital ao seu país do que aquilo que fazia —, e a boa notícia era que a carreira exigia tanto que Andréa mal tinha tempo de pensar no que estava perdendo... um homem bom com quem compartilhar sua cama, uma vozinha chamando-a de mãe. Mas quando dirigia sozinha, Andréa pensava nisso. Como agora, subindo a New York Avenue.
— Não somos tão liberadas assim, não é mesmo? — perguntou ao para-brisa.
Mas o Serviço não lhe pagava para ser liberada. O Serviço lhe pagava para cuidar da Primeira Família. Quanto à sua personalidade e vida, era para isso que existiam as horas de folga, embora as obrigações não lhe permitissem muitas.
O inspetor O’Day já estava na Rota 50. Sexta-feira era o melhor dia. Já fizera todas as obrigações da semana. Sua gravata e seu terno estavam pousados no assento ao seu lado, e ele estava novamente com sua jaqueta de couro e seu boné da sorte do John Deere, sem o qual ele jamais consideraria jogar golfe ou caçar. Neste fim de semana tinha uma tonelada de coisas para fazer em casa.
Megan ajudaria com muitas delas. De algum modo ele sabia. Pat não entendia completamente. Talvez fosse instinto. Talvez ela apenas respondesse à devoção do pai. Qualquer que fosse o motivo, ambos eram inseparáveis. Em casa, ela só saía do seu lado para dormir, e só depois de um grande abraço e um beijo, seus bracinhos apertando o pescoço do pai. O Day riu sozinho.
— Que sujeito durão eu sou.
Russell supunha que era seu instinto de avô. Todos esses diabinhos. Eles estavam brincando lá fora agora, cada um com seu casaco, metade deles usando os capuzes, porque crianças gostam disso por alguma razão. Estavam brincando para valer. CHOCALHO estava na caixa de areia, juntamente com a filhinha de O’Day, com quem tanto se parecia, e um menininho — o filho dos Walker, o garotinho daquela chata do Volvo. A agente Hilton estava lá fora também, supervisionando. Estranhamente, eles podiam relaxar mais aqui fora. O playground ficava no lado norte do prédio da Giant Steps, sob a visão direta da equipe de apoio do outro lado da rua. O terceiro membro da equipe estava lá dentro ao telefone. Ela geralmente trabalhava na sala dos fundos, onde ficavam os monitores de TV. As crianças a conheciam como tia Anne.
Frágil demais, disse Russell para seus botões, enquanto observava as criancinhas divertindo-se da forma mais pura possível. No caso mais extremo, alguém poderia passar pela Ritchie Highway e metralhar o lugar. Tentar convencer os Ryan a não mandar Katie para cá fora perda de tempo e, claro, eles queriam que sua caçula fosse uma menina normal. Mas...
Mas tudo aquilo era loucura, não era? Toda a vida profissional de Russell orbitara cm torno do conhecimento de que havia pessoas que odiavam o presidente e todos à sua volta. Algumas dessas pessoas eram loucas. Algumas eram outra coisa. Ele estudara a psicologia disso. Precisara estudar, porque aprender sobre essas pessoas ajudava a prever o que procurar, mas isso não era o mesmo que entendê-las. Essas eram crianças. Até mesmo a porra da Máfia não machucava crianças. Às vezes, ele invejava o FBI por sua autoridade em perseguir sequestradores. Resgatar uma criança e prender o criminoso nesse tipo de caso devia ser um momento doce, embora parte dele questionasse o quanto seria difícil trazer esse tipo de meliante vivo, em vez de mandá-lo ouvir seus direitos de Miranda da boca de Deus. Esse pensamento aleatório provocou um sorriso. Ou talvez o que realmente acontecia fosse ainda melhor. Os sequestradores passavam maus bocados na prisão. Até mesmo assaltantes empedernidos não tinham estômago para quem abusava de crianças, e assim esse tipo de meliante precisava aprender um novo tipo de recrearão nas prisões federais: sobrevivência.
— Russell, posto de comando — disse seu fone auricular.
— Russell falando.
— Price está vindo para cá conforme você requisitou — comunicou o agente especial Norm Jeffers da casa do outro lado da rua. — Diz que chegará em quarenta minutos.
— Certo. Obrigado.
— Vejo que o menino dos Walker está prosseguindo seus estudos em engenharia — prosseguiu a voz.
— Sim. Talvez ele vá fazer pontes em seguida — concordou Don.
O menino, que era mais novo que as duas garotas, estava edificando o segundo nível de seu castelo de areia, para a absoluta admiração de Katie Ryan e Megan O Day.
— Espero que o senhor goste, presidente — disse o capitão de equipe.
Ryan deu uma gargalhada gostosa e mostrou o suéter sobre o corpo para as câmeras. A equipe se reuniu em torno dele para a tomada.
— Meu diretor da CIA é um grande fã de hóquei — disse Jack.
— Mesmo? — comentou Bob Albertsen. Era um defensor bastante musculoso, o terror de seus adversários, mas agora estava dócil como um gatinho.
— Sim, ele tem um garoto que é muito bom; jogou no campeonato juvenil na Rússia.
— Então ele deve ter futuro. Que escola ele frequenta?
— Não tenho certeza de quais são as faculdades que eles estão cogitando.
Acho que disseram alguma coisa sobre Eddie querer fazer engenharia.
Jack pensou no quanto aquilo era agradável; conversar de vez em quando sobre coisas normais, como uma pessoa normal, com outras pessoas normais.
— Diga-lhes para mandar o garoto para Rensselaer. Há uma boa escola técnica lá em Albany.
— Por que lá?
— Aqueles malditos CDFs ganham o campeonato universitário quase todos os anos, Frequentei o Minnesota, e eles puxaram nosso tapete duas vezes seguidas. Mande-me o nome do garoto e enviarei algumas coisas para ele. Para o pai dele também, se não houver problema, presidente.
— Farei isso — prometeu o presidente. A menos de dois metros de distância, o agente Raman ouviu a conversa e assentiu.
O’Day chegou exatamente quando as crianças estavam correndo de volta da hora do banheiro. Estacionou sua caminhonete a diesel atrás de quatro veículos. Observou os agentes do Serviço trocarem de posição. Russell apareceu na porta da frente, seu posto regular para quando as crianças estavam dentro do prédio.
— E então, temos uma competição amanhã? Russell balançou a cabeça.
— Perto demais. Duas semanas a partir de amanhã. Duas da tarde. Isso vai lhe dar chance para treinar.
— Até parece que você não vai fazer isso — disse O’Day, passando por ele para entrar.
Ele viu Megan entrar no banheiro das meninas sem ver seu pai na sala.
Melhor assim. Encostou-se do lado de fora da porta para surpreendê-la quando saísse.
Astro de cinema também estava em sua posição de vigília no estacionamento da escola a nordeste. As árvores estavam começando a ficar cheias, percebeu. Ele podia ver, mas sua visão estava um pouco obstruída.
Ainda assim, as coisas pareciam normais, e desse ponto em diante, tudo estava nas mãos de Alá, disse a si mesmo, surpreso por ter usado a expressão religiosa para um ato decisivamente diabólico. Enquanto observava, o Carro 1 virou à direita logo ao norte da creche. Ele desceria a rua até o fim, mudaria de direção e retornaria.
O Carro 2 era um carro de passeio, um Lincoln branco, gêmeo de um pertencente a uma família com uma criança aqui. Essa família consistia em dois médicos, embora nenhum dos terroristas soubesse disso. Imediatamente atrás vinha um Chrysler vermelho cujo gêmeo pertencia à esposa, grávida novamente, de um contador. Sob os olhos vigilante de Astro de Cinema, os dois carros ocuparam vagas uma de frente para a outra, o mais próximas da rodovia que o estacionamento permitia.
Price chegaria logo. Russell percebeu a chegada dos carros, pensando em seus argumentos para o chefe da segurança presidencial. O sol da tarde se refletia no para-brisa, impedindo-o de ver mais do que a silhueta dos motoristas. Ambos os carros estavam chegando mais cedo, mas como era sexta... as placas...?
Seus olhos estreitaram levemente enquanto ele balançava a cabeça, perguntando-se por que ele não tinha...
Alguma outra pessoa tinha. Jeffers levantou seus binóculos, vistoriando os carros como parte de seus deveres de vigilância. Ele nem sabia que tinha memória fotográfica.
Lembrar coisas era tão natural para ele quanto respirar. Ele pensava que todo mundo era assim.
— Espere, espere, tem alguma coisa errada aqui. Eles não são... — Ele levantou o microfone do rádio. — Russell, aqueles não são os nossos carros!
Foi quase a tempo.
Em um movimento contínuo em câmera lenta, dois motoristas abriram as portas de seus carros e puseram as pernas para fora enquanto pegavam as armas nos bancos da frente. Pelas portas traseiras de ambos os veículos, saíram duas duplas de homens, também armados.
A Mão direita de Russell moveu-se para trás e para baixo, alcançando sua automática. Com a mão direita, levantou o microfone em seu colarinho.
— Arma! — gritou.
Dentro do prédio, o inspetor O’Day escutou alguma coisa mas não teve certeza do quê. Olhava na direção errada para ver a agente Marcella Hilton dar as costas para uma criança com quem estivera conversando e enfiar a mão na bolsa com sua arma.
Foi a mais simples das palavras codificadas. Um instante depois, Don ouviu a mesma palavra repetida em seu fone auricular enquanto Norm Jeffers gritava-a do posto de comando. A mão do agente negro apertou outro botão, ativando uma conexão de rádio com Washington. SANDSTORM SANDSTORM SANDSTORM!
Como a maioria dos tiras de carreira, o agente especial Don Russell jamais disparara sua pistola sentindo raiva, e anos de treinamento tornavam cada ação automática como a gravidade. A primeira coisa que vira tinha sido a parte frontal de um fuzil automático classe AK-47. Com isso, como se um comutador tivesse sido acionado, Russell transformou-se de tira vigilante num sistema operacional de arma de fogo. Sua SigSauer estava exposta agora. A mão esquerda estava correndo para encontrar a direita no cabo da arma, enquanto o resto do corpo caía sobre um joelho para abaixar seu perfil e conceder-lhe maior controle. O homem com o fuzil daria o primeiro tiro, mas a bala passaria por cima, reportou a mente de Russell. Três tiros fizeram isso, passando sobre a sua cabeça e se alojando na moldura da porta enquanto um estrondo em staccato inundava a cena. Enquanto isso acontecia, Russell nivelou sua visão com o rosto atrás da arma. Pressionou o gatilho; a 13 metros de distância, acertou uma bala precisamente no olho esquerdo do atirador.
Lá dentro, os instintos de O’Day estavam apenas começando a soar um alarme quando Megan emergiu do banheiro, lutando com as fivelas de seu macacão da marca Oshkosh. Apenas então a agente conhecida pelas crianças como Tia Anne veio correndo da sala dos fundos, pegou sua pistola com as duas mãos e apontou para Mia.
— Deus! — teve tempo de exclamar o inspetor do FBI quando Tia Anne passou correndo por ele, derrubando-o com o ombro tal qual um zagueiro de futebol americano. O’Day caiu no chão aos pés da filha, sua cabeça batendo na parede no processo.
Do outro lado da rua, dois agentes saíram correndo da porta da frente da residência, ambos empunhando submetralhadoras Uzi enquanto Jeffers permanecia dentro, cuidando das comunicações. Ele já tinha passado a palavra de emergência para o quartel-general. Em seguida, ativou a linha direta com o Quartel da Polícia Estadual de Maryland no Rowe Boulevard, em Annapolis.
Houve barulho e confusão, mas os agentes tinham sido bem treinados. A função de Jeffers era garantir que a palavra se espalhasse, e depois ir apoiar os dois outros membros de sua equipe, que já estavam atravessando o quintal da casa...
Não tiveram a menor chance. A 45 metros dali, os atacantes do Carro 1
derrubaram os dois a tiros. Jeffers observou-os cair enquanto dava a notícia à polícia estadual. Não tinha tempo de sentir-se chocado. Assim que a recepção foi confirmada, Jeffers empunhou seu fuzil M-16, destravou-o e correu para a porta.
Russell trocou tiros. Outro atacante cometeu o erro de parar e fazer mira.
Nem mesmo chegou a atirar. Dois tiros rápidos explodiram-lhe a cabeça como um melão. O agente não estava pensando, sentindo, nem fazendo nada além de atender aos alvos assim que os identificava. Os tiros inimigos ainda zuniam acima de sua cabeça. Ouviu um grito. Sua mente reportou que era Marcella Hilton, e sentiu alguma coisa pesada cair sobre suas costas e derrubá-lo. Deus Todo-Poderoso! Tinha sido Marcella. Seu corpo — a alguma coisa — estava sobre suas pernas; enquanto rolava para livrar-se do estorvo, surgiram quatro homens em seu campo visual, avançando contra ele, agora com uma noção precisa de onde ele estava. Russell disparou um tiro que acertou bem no coração de um deles. O homem arregalou os olhos com o choque do impacto, até que um segundo tiro pegou-o no rosto. Estava acontecendo como Russell sempre havia sonhado. A arma estava fazendo todo o trabalho. Sua visão periférica acusou movimento à sua esquerda — um grupo de apoio, talvez. Não.
Era um carro, e vinha atravessando o playground na direção deles. Não era o Suburban, mas algum outro veículo. Ele mal pôde discerni-lo enquanto sua pistola concentrava-se em outro atirador, mas esse homem caiu, atingido três vezes por Anne Pemberton no pórtico atrás dele. Viu que restavam dois — apenas dois, ele tinha uma chance —, mas então Annie tomou um no peito e caiu para frente. Russell estava sozinho, completamente sozinho agora, apenas ele entre CHOCALHO e esses desgraçados.
Don Russell rolou para a direita, procurando evitar os tiros no chão à sua esquerda; disparou enquanto seu corpo girava, escapando por pouco de duas balas. O pente de balas de sua Sig chegou ao fim. Tinha outro preparado.
Instantaneamente ejetou o pente vazio e enfiou um cheio, mas isso demandou tempo, e ele sentiu uma bala penetrar na parte inferior de suas costas. O impacto veio como um chute que estremeceu seu corpo, enquanto seu polegar direito largava o cão da arma e outra bala acertava-o no ombro esquerdo, abrindo um caminho por seu tronco até emergir da perna esquerda. Deu mais um tiro, mas não conseguiu levantar a arma alto o bastante. Atingiu alguém no joelho um segundo antes de uma saraivada de tiros baixar seu rosto ao chão.
O’Day tentava levantar-se quando dois homens atravessaram a porta, ambos armados com AKs. Olhou em torno para a sala, agora repleta de crianças estarrecidas, silenciosas. O silêncio pareceu pairar no ambiente por um longo momento, então deu lutar aos gritos estridentes das crianças. Um dos homens estava com a perna ensanguentada, e rangia os dentes de dor e raiva.
Lá fora, os três homens do Carro 1 analisavam a carnificina. Ao saltar do carro, viram que quatro homens estavam mortos, mas tinham dado cabo do grupo de cobertura e...
Súbito, o primeiro a sair pela porta direita caiu de bruços. Os outros dois viraram-se para ver um negro de camisa branca com um fuzil cinza.
— Coma merda e morra!
A memória de Norman Jeffers sobre aquele momento seria cheia de lacunas. Ele jamais lembraria de ter dito essa frase enquanto mudava para o alvo seguinte e acertava uma rajada de três tiros em sua cabeça. O terceiro homem da equipe que matara seus dois amigos agachou-se atrás da parte frontal de seu carro, mas o veículo encontrava-se encalhado no meio ao playground, com ar aberto à esquerda e direita.
— Vamos, Charlie, levante e diga oi — murmurou o agente...
...e foi exatamente o que Charlie fez, girando sua arma para atirar em resposta ao guarda-costas sobrevivente. Mas não foi bastante rápido. Olhos arregalados e fixos como o de uma coruja, Jeffers viu o esguicho de sangue enquanto o alvo desaparecia.
— Norm!
Era Paula Michaels, a agente de vigilância do período da tarde na 7-Eleven do outro lado da rua. Chegou empunhando sua pistola com as duas mãos.
Jeffers apoiou-se sobre um joelho atrás do carro cujos ocupantes acabara de matar. Paula juntou-se a ele, e com o cessar repentino de atividade, ambos os agentes começaram a resfolegar, corações batendo furiosamente, cabeças latejando de dor.
— Tem uma contagem? — perguntou a agente.
— Pelo menos um conseguiu entrar...
— Dois. Vi dois. Um deles levou um tiro na perna. Oh, meu Deus, Don, Anne, Marcella...
— Segura as pontas, Paula. Temos crianças lá dentro. Merda!
Então não daria certo, afinal de contas, pensou Astro de Cinema. Merda, praguejou em silêncio. Dissera-lhes que havia três pessoas dentro da casa ao norte. Por que não tinham esperado para matar a terceira? A esta altura, poderiam estar longe daqui com criança! Muito bem. Balançou a cabeça para afugentar os pensamentos. Nunca tinha esperado que a missão lograsse êxito.
Ele alertara Badrayn sobre isso... e escolhera mim homens de acordo. Agora tudo que ele tinha a fazer era observar para certificar-se... de quê? Eles iriam matar a criança? Eles tinham planejado isso. Mas poderiam não cumprir seu dever antes que morressem.
Price estivera a quatro quilômetros e meio da creche quando o chamado de emergência chegara pelo rádio. Em menos de dois segundos, tinha pisado fundo no acelerador e corrido através do tráfego, lâmpada giratória alojada no teto, sirene uivando. Ao virar para o norte para a Ritchie Highway, pôde ver os carros bloqueando a estrada. Imediatamente, manobrou para a esquerda sobre o canteiro lateral, o carro ameaçando derrapar enquanto subia o leve aclive.
Chegou alguns segundos antes da primeira radiopatrulha oliva-e-preto da Polícia Estadual de Maryland.
— Price, é você?
— Quem quer saber? — replicou.
— Norm Jeffers. Acho que temos dois elementos lá dentro. Perdemos cinco agentes. Michaels está comigo agora. Estou mandando-a contornar até os fundos.
— Chego num segundo.
— Cuidado onde pisa, Andréa — alertou Jeffers.
O’Day balançou a cabeça. Seus ouvidos ainda zumbiam; a cabeça doía devido ao choque com a parede. Estava com a filha a seu lado, protegida por seu corpo dos dois — terroristas — que agora estavam apontando suas armas para a esquerda e para direita pela sala enquanto as crianças gritavam. A Sra.
Daggett movia-se lentamente, parada entre eles e suas crianças, instintivamente levantando as mãos ao alto. A sua volta, todas as crianças estavam acocoradas.
Algumas chamavam por suas mães, e, por mais estranho que pudesse parecer, nenhuma pelos pais. E muitas tinham molhado as calças.
— Presidente? — disse Raman, pressionando o fone auricular. Que merda estava acontecendo?
O CÓDIGO SANDSTORM pelas conexões de rádio alcançara num átimo as subseguranças de SOMBRA e BAIXINHO, na St. Mary. Os agentes parados nos corredores diante das salas de aula dos filhos dos Ryan arrombaram as portas, armas em punho, e arrastaram seus protegidos até o corredor. Perguntas foram formuladas, nenhuma respondida, enquanto a subsegurança seguia o plano prévio para um evento como esse. As duas crianças entraram no mesmo Chevy Suburban, que seguiu não para a estrada, mas até um prédio comercial voltado para o campo de atletismo. Uma entrada e uma saída do lugar, e uma equipe de emboscada pode estar lá agora, seus membros disfarçados sabe lá Deus como. Em Washington, um helicóptero dos Fuzileiros decolou para voar até a escola e retirar os filhos dos Ryan. O segundo Suburban assumiu posição no campo, a 150 metros de onde estavam as crianças. A turma que estivera fazendo ginástica do lado de fora foi espantada dali, e agentes posicionaram-se atrás de seus veículos blindados com Kevlar, armas pesadas à mostra, procurando alvos.
— Doutora!
Cathy Ryan levantou os olhos de sua escrivaninha. Roy jamais chamara-a assim antes. Também nunca sacara o revólver em sua presença, ciente de sua aversão por armas. A reação de Cathy provavelmente foi instintiva. O rosto da médica ficou branco como seu jaleco.
— É Jack ou...
— É Katie. É tudo que sei, doutora. Por favor, venha comigo agora.
— Não! De novo não! De novo não!
Altman envolveu CIRURGIÃ com o braço para conduzi-la ao corredor.
Mais quatro agentes estavam lá, armas em punho, expressões preocupadas. Os seguranças do hospital saíram do caminho, embora policiais de Baltimore estivessem formando um perímetro externo, todos tentando lembrar de olhar para fora em busca de uma possível ameaça, e não para dentro, para uma mãe cuja filhinha estava em perigo.
Ryan esticou o braço, espalmou a mão na parede do escritório, olhou para baixo e mordeu o lábio por um segundo antes de dizer: — Conte-me o que sabe, Jeff.
— Há dois elementos no prédio. Don Russell está morto, assim como quatro outros agentes, senhor, mas estamos com a situação sobre controle, certo?
Deixe-nos fazer o trabalho — disse o agente Raman, tocando o braço estendido para ajudar o presidente a se empertigar.
— Por que meus filhos, Jeff? Sou eu que eles querem. Se alguém está com raiva, só pode ser de mim. Me diga por que gente assim vai atrás de crianças.
— É um ato odioso, presidente. Um ato odioso perante os olhos de Deus e do homem — disse Raman, enquanto mais três agentes entravam no Salão Oval.
O que ele estava fazendo agora?, perguntou-se o assassino. Que diabos ele estava fazendo? Por que ele havia dito isso}
Estavam conversando numa linguagem que ele não compreendia. O’Day permaneceu abaixado, sentado no chão com sua menininha, segurando-a no colo com ambos os braços e tentando parecer o mais inofensivo que podia.
Deus, durante anos e anos de treinara para coisas assim — mas nunca para estar dentro, nunca para estar na cena do crime enquanto o crime acontecia. Do lado de fora, você sabia o que fazer. Ele sabia exatamente o que estava acontecendo.
Se ainda restava alguém do Serviço Secreto — com sorte, provavelmente mais de um. Alguém tinha disparado três ou quatro rajadas com um M-16 — O Day conhecia o ruído característico dessa arma. Mais nenhum bandido havia entrado. Sua mente acrescentou esses fatos. Muito bem: havia mocinhos do lado fora. Primeiro, eles estabeleceriam um perímetro para garantir que ninguém fosse sair ou entrar. Em seguida eles chamariam... quem? O Serviço provavelmente tinha sua própria equipe SWAT, mas também estaria por perto a equipe de resgate a reféns do FBI, com seus próprios helicópteros para chegar até aqui. Como se tivessem lido seus pensamentos, um ruído de helicóptero fez-se ouvir.
— Aqui é soldado três, estamos orbitando a área agora — anunciou uma voz pelo rádio. — Quem está no comando aí embaixo?
— Aqui é a agente especial Price, Serviço Secreto dos Estados Unidos. Por quanto tempo ficará conosco, Soldado? — perguntou por um rádio da polícia estadual.
— Temos combustível para noventa minutos, e então outro helicóptero irá nos substituir. Olhando para baixo agora, agente Price — reportou o piloto. — Tenho um indivíduo a oeste. Parece uma mulher atrás de uma árvore morta, observando a cena. Uma das suas?
— Michaels? É Price — disse Andréa por seu próprio sistema de rádio. — Acene para o helicóptero.
— Acenou para nós — reportou prontamente Soldado.
— Certo, é da minha equipe. Está cobrindo os fundos.
— Certo. Não temos movimento em torno do prédio, e não há mais ninguém num raio de noventa metros. Continuaremos orbitando e observando até segunda ordem sua.
— Obrigada. Desligo.
O VH-60 dos fuzileiros pousou no campo de atletismo. Sally e o Pequeno Jack foram praticamente jogados a bordo, e o coronel Goodman decolou imediatamente, rumando para leste na direção da água, que, conforme a Guarda Costeira dissera-lhe alguns momentos antes, estava livre de aeronaves desconhecidas. Subiu com o Black Hawk, rumando para norte sobre a água. A sua esquerda podia ver a silhueta de um helicóptero policial de fabricação francesa, orbitando alguns quilômetros ao norte de Annapolis. Não foi preciso mais que isso para esclarecer a situação. Por detrás de olhos calmos, Goodman desejou ter um par de esquadrões de fuzileiros navais para deixar naquele local.
Já ouvira falar que molestadores de crianças sofriam um bocado nas prisões, mas isso não seria a metade do que lhes aconteceria se caíssem nas garras dos fuzileiros. Seu devaneio terminou aí. Nem mesmo olhou para trás para ver como as outras duas crianças estavam. Ele tinha uma aeronave para pilotar. Sua função era essa. Precisava confiar em que os outros fariam as suas.
Estavam olhando pelas janelas agora. Estavam sendo cuidadosos. O ferido mantinha-se encostado na parede; parecia ter sido aleijado no joelho. Sirenes anunciaram a chegada de carros de polícia. Certo, provavelmente o perímetro estava se formando agora. A Sra. Daggett e suas três ajudantes estavam mantendo as crianças num único grupo no canto, enquanto os dois elementos trocavam palavras. A boa notícia era que eles não estavam se saindo tão bem.
Um deles estava sempre perscrutando a sala, apontando o cano da arma ao seu redor, mas eles não haviam...
Um deles enfiou a mão no bolso da camisa e tirou uma foto. Disse alguma outra coisa na língua que falava, qualquer que ela fosse. Em seguida baixou as persianas. Merda. Isso impediria que os atiradores com fuzis providos de miras telescópicas vissem o interior da sala. Eram espertos o bastante para saber que os atiradores talvez não hesitassem em acertá-los. Poucas das crianças aqui eram altas o bastante para olhar para fora e...
O homem com a foto levantou-a novamente e caminhou até as crianças.
Apontou.
— Aquela ali.
Por mais estranho que parecesse, foi apenas nesse momento que viram O’Day na sala. O homem do joelho mutilado piscou e mirou o AK nele. O inspetor soltou a filha e levantou os braços.
— Muita gente já saiu machucada, colega — disse ele.
Não precisou de muito esforço para fazer sua voz tremer. Ele também havia cometido um erro, segurando Megan daquela forma. Aquele pústula poderia atirar nela para acertarem mim, apercebeu-se, o pensamento causando-lhe uma onda repentina de náusea. Lenta, cuidadosamente, levantou a menina e tirou-a de seu colo, colocando-a no chão à sua esquerda.
— Não! — Era a voz de Marlene Daggett.
— Traga-a para mim! — insistiu o homem.
Faça isso, faça isso, pensou O’Day. Economize sua resistência para quando ela puder fazer diferença. Isso não mudará nada neste momento. Mas ela não podia ouvir seus pensamentos.
— Traga-a! — repetiu o atirador.
— Não!
O homem acertou Marlene Daggett no peito a uma distância de noventa centímetros.
— Que foi isso? — perguntou Price quase instantaneamente.
Havia ambulâncias chegando pela Ritchie Highway agora, suas sirenes ululando diferentemente dos gritos monótonos das radiopatrulhas. À sua esquerda, policiais tentavam esvaziar a estrada, banindo o tráfego da área, esfregando as mãos nos coldres, desejando que pudessem estar lá dentro para ajudar. Seus gestos zangados transpareciam seu estado mental aos motoristas intrigados.
Mais perto da Giant Steps, as pessoas nas imediações ouviram uma nova onda de gritos. Criancinhas aterrorizadas. E tudo que podiam fazer era presumir a causa.
A jaqueta de couro subia quando ele estava sentado daquela forma. Se alguém estivesse atrás dele, veria o coldre na parte posterior de sua cintura. E o inspetor sabia disso. Curiosamente, ele jamais vira um assassinato antes. Já investigara muitos homicídios, mas ver um... uma senhora que trabalhava com crianças. O choque em seu rosto era tão real quanto o de qualquer homem que visse uma vida esvair... uma vida inocente, acrescentou sem palavras. Ele não tinha escolha.
Quando olhou novamente para Marlene Daggett, quis poder dizer-lhe que seus assassinos não deixariam este prédio vivos.
Era miraculoso que nenhuma das crianças ainda tivesse sido ferida. O tiroteio havia sido selvagem. Conjeturou que, se Tia Anne não o tivesse derrubado, ele estaria agora morto ao lado da filha. Havia buracos na parede, e as balas que as tinham causado haviam varado o espaço em que ele estivera um ou dois segundos antes. Baixou os olhos por um segundo. Viu suas mãos tremendo. Elas sabiam o que tinham a fazer. Conheciam sua não compreendiam por que não a estavam fazendo, por que a mente que as co mandava ainda não lhes dera permissão para agir. Mas as mãos tinham de ter paciência. Este era um trabalho para a mente.
O sujeito levantou Katie Ryan pelo braço, torcendo-o. A menina gritou.
O’Day lembrou o que o supervisor de seu primeiro caso de sequestro — Dom DiNapoli, um sujeito grande e durão — havia dito ao devolver a criança à família: Nunca esqueça, todos eles são nossos filhos.
Eles poderiam muito bem ter selecionado Megan — as duas eram muito parecidas —, e esse pensamento cruzou de uma mente para outra quando o homem segurando CHOCALHO olhou novamente para a foto e voltou-se para Pat O’Day.
— Quem é você? — exigiu saber o homem, enquanto seu parceiro gemia, sentindo cada vez mais dor.
— C-como assim? — perguntou o inspetor em tom nervoso. Pareça idiota e assustado.
— De quem é essa menina? — Apontou para Megan.
— Ela é minha, certo? Não sei de quem é aquela — mentiu o agente do FBI.
— Ela é a que nós queremos. É a filha do presidente, não é?
— Como é que vou saber? Quem costuma pegar Megan é minha mulher, e não eu. Faça o que tem a fazer e vá embora, tá?
— Vocês aí dentro — ribombou uma voz de mulher, vindo lá de fora. — Aqui é o Serviço Secreto dos Estados Unidos. Queremos que saiam. Não serão machucados se obedecerem. Não têm para onde ir. Venham para onde possamos ver vocês e não sairão feridos.
— Esse é um bom conselho, homem — disse-lhe Pat. — Ninguém vai conseguir fugir daqui, sabia?
— Você sabe de quem é essa menina? Ela é a filha do seu presidente Ryan!
Eles não ousarão atirar em mim! — proclamou o elemento.
Seu inglês era muito bom, avaliou O’Day enquanto assentia.
— E quanto a todas essas outras crianças, cara? Essa aí é a única que você quer, a única que importa. Ei, por que você não deixa algumas saírem, hein?
O homem tinha razão, em parte. O pessoal do Serviço Secreto não atiraria num alvo por temer que houvesse mais alguém aqui, e realmente havia um, com o fuzil apontado para o peito de Pat. E eles eram espertos o bastante para nunca estar a menos de um metro e meio do outro. Atirar neles exigiria dois movimentos separados.
O que realmente assustava O’Day era a forma casual, reflexiva, como ele matara Marlene Daggett. Esses homens simplesmente não se importavam com ninguém. Era impossível prever os movimentos desse tipo de criminoso. Era possível falar com eles para acalmá-los, distraí-los, mas só havia realmente uma forma de lidar com eles.
— Se lhes dermos crianças, eles nos darão um carro, certo?
— Ei, acho que isso funcionaria. Acho uma ótima. Só quero estar com a minha em casa esta noite, entende?
— Sim, você cuida bem da sua filha. Sente ali.
— Sem problemas.
Ele relaxou as mãos, aproximando-as do peito, direto no topo do zíper de sua jaqueta. Se abaixasse um pouco o zíper, a jaqueta ficaria mais folgada, ocultando a arma.
— Atenção — disse a voz novamente. — Queremos conversar.
Cathy Ryan juntou-se às crianças no helicóptero. Os agentes exibiam expressões tristes. Sally e Jack estavam saindo do choque inicial; estavam chorando agora, olhando para a mãe em busca de conforto. O Black Hawk subiu novamente ao céu, rumando para sudeste até Washington, escoltado por um gêmeo. Cathy percebeu que o piloto não estava tomando a rota usual, mas estava indo diretamente para oeste, afastando-se de onde Katie estava. Foi nesse momento que CIRURGIÃ caiu nos braços dos filhos.
— O’Day está lá dentro — disse-lhe Jeffers.
— Tem certeza, Norm?
— Aquela é a caminhonete dele. Eu o vi entrar imediatamente antes da confusão começar.
— Merda! — praguejou Price. — Aquele tiro que ouvimos... devem ter matado o coitado.
— É — assentiu Jeffers.
O Presidente estava na sala de situação, o melhor local para se manter informado de tudo. Talvez ele devesse estar em outro lugar, mas não conseguiria encarar seu escritório, e não era presidente o bastante para fingir que...
— Jack?
Era Robby Jackson. Ele caminhou até onde seu presidente estava em pé, mas eles eram muito mais amigos que isso. Abraçaram-se.
— Já vimos essa história antes, homem. E daquela vez funcionou, lembra?
— Temos as placas dos carros no estacionamento. São alugados. Estamos investigando agora — disse Raman, um fone no ouvido. — Talvez consigamos obter algum tipo de identificação.
Quão idiotas eles são? perguntou-se O’Day. Deviam ser estúpidos pra cacete pensando que teriam alguma chance de sair dali... mas se não nutriam essa esperança, então não tinham nada a perder... não tinham porra nenhuma a perder... e não pareciam ter escrúpulos em matar. Pat lembrava que isso havia acontecido antes, em Israel. Não lembrava o nome ou a data, mas alguns terroristas tinha pegado um bando de crianças e as fuzilado antes que os comandos pudessem...
Ele tinha táticas para cada situação possível, ou assim pensava, e teria dito isso há menos de vinte minutos, mas tendo sua filha ao lado...
— Eles são todos nossos filhos. Disse-lhe novamente a voz de Dom.
O assassino que não estava ferido segurava Katie Ryan pelo antebraço. Agora a menina estava apenas gemendo, exausta de tanto gritar, quase dependurada da mão do terrorista parado de pé ao lado do comparsa ferido.
Segurava o AK com a mão direita. Se estivesse usando uma pistola, o terrorista poderia manter a arma encostada na cabeça da menina, mas o AK era comprido demais para isso. Lentamente, o inspetor O’Day baixou a mão, abrindo o zíper em sua jaqueta.
Começaram a falar entre si novamente. O ferido estava sofrendo consideravelmente. Inicialmente, o fluxo de adrenalina bloqueara a dor, mas agora a situação estava um pouco mais calma, e com a liberação da tensão vinha também o mecanismo bloqueador de dor que protegia o corpo em períodos de grande estresse. Ele estava dizendo alguma coisa, mas Pat não conseguia entender. O outro rosnou uma resposta, gesticulando para a porta, falando com paixão e frustração. A parte assustadora seria quando eles chegassem a uma decisão. Eles poderiam simplesmente atirar nas crianças. As pessoas lá fora provavelmente invadiriam o prédio se ouvissem mais de um ou dois tiros. Eles poderiam ser rápidos o bastante para salvar algumas das crianças, mas...
Ele começou a pensar neles como Ferido e Ileso. Estavam emputecidos mas confusos, excitados mas indecisos, querendo viver mas chegando à conclusão de que não poderiam...
— Ei, rapazes — disse Pat, levantando os braços e movendo-os para distraí-los do zíper aberto. — Posso dizer uma coisa?
— O quê? — inquiriu Ferido, enquanto Ileso observava.
— Todas essas crianças que vocês têm aqui, são muitas para cobrir, certo? — perguntou, balançando enfaticamente para expressar bem sua ideia. — Que tal eu e minha filhinha sairmos com algumas das outras? Talvez isso facilite as coisas para vocês.
Isso gerou mais algumas palavras sem sentido para O’Day. A ideia realmente parecia atraente a Ileso, ou pelo menos assim pareceu a O’Day.
— Atenção, aqui é o Serviço Secreto! — clamou novamente a voz.
Parece a voz de Price, pensou o agente do FBI. Ileso estava olhando para a porta, e sua linguagem corporal o fazia inclinar-se nessa direção, e para chegar nela ele teria de passar na frente de Ferido.
— Ei, pessoal, deixem alguns de nós sair, tá? — apelou O’Day. — Talvez eu possa dizer-lhes que lhe deem um carro ou alguma coisa assim.
Ferido meneou o fuzil na direção do inspetor.
— De pé! — comandou.
— Certo, certo. Fica frio, tá?
O’Day se levantou lentamente, mantendo a mão afastada do corpo. Será que veriam o coldre se ele se virasse? O pessoal do Serviço Secreto vira-o na primeira vez que O’Day entrara ali, e se ele fizesse besteira, então Megan... não havia retorno. Simplesmente não havia.
— Diga a eles, diga a eles para nos dar um carro ou mataremos esta aqui e todas as outras!
— Deixe-me levar minha menininha.
— Não! — asseverou Ferido.
Ileso disse alguma coisa em sua língua nativa, baixando a cabeça para olhar para Ferido, sua arma ainda apontada para o chão enquanto a de Ferido apontava para o peito de O Day.
— Ei, o que vocês têm a perder?
Foi como se Ileso tivesse dito a mesma coisa a seu amigo ferido. Ileso puxou o braço de Katie Ryan. Katie gritou novamente enquanto Ileso atravessava a sala empurrando-a à sua frente, bloqueando o campo de visão de Ferido no processo. O’Day levara vinte minutos para conseguir isso. Agora tinha um segundo para ver se iria funcionar.
O procedimento de O’Day foi o mesmo que havia sido empregado por Don Russell. Sua mão direita correu para trás, enfiou-se atrás da jaqueta e puxou a pistola enquanto ele abaixava, apoiando-se num joelho. No momento que o alvo afastou-se do corpo de Ileso, a Smith 1076 disparou dois tiros perfeitos; ambas as cápsulas de aço inoxidável voaram ao ar enquanto Ferido tornava-se Morto.
Os olhos de Ileso se arregalaram de surpresa, enquanto os gritos das crianças recomeçaram.
— LARGA!—gritou O’Day para ele.
A primeira reação de Ileso foi puxar novamente o braço de Katie Ryan. Ao mesmo tempo a arma começou a levantar, como se fosse um revólver, mas o AK era pesado demais para ser usado dessa forma. O’Day o queria vivo, mas não havia tempo para correr riscos. Seu indicador direito apertou o gatilho, e apertou de novo. O corpo caiu para trás, deixando atrás dele uma sombra vermelha nas paredes brancas da creche Giant Steps.
O inspetor Patrick O’Day saltou através da sala. Chutou um fuzil, em seguida o outro, para longe das mãos dos donos mortos. Examinou cuidadosamente cada corpo, e apesar de todos os anos de aprendizado e prática, ainda causou-lhe surpresa o fato de tudo haver funcionado. Só então seu coração voltou a bater, ou pelo menos assim pareceu, enquanto um vácuo enchia seu peito. Seu corpo cambaleou por um momento. Relaxou os músculos e ajoelhou-se ao lado do corpo de Katie Ryan, CHOCALHO para o Serviço Secreto, e outra coisa para as pessoas que ele acabara de matar.
— Está bem, querida? — perguntou. Ela não respondeu. Estava segurando o braço e chorando, mas não havia sangue nela. — Vamos — disse ele num tom gentil, abraçou uma filha que agora seria, para sempre, parcialmente dele. Em seguida pegou sua Megan e caminhou até a porta.
— Tiros no prédio! — disse uma voz no alto-falante de mesa. Ryan sentiu um arrepio. As outras pessoas na Sala de Situação estremeceram.
— Pareceu uma pistola. Eles têm pistolas? — perguntou outra voz no mesmo circuito de rádio.
— Puta que pariu, vejam só aquilo!
— Quem é aquele?
“— TÔ SAINDO! — gritou uma voz. — Tô saindo!
— Não atirem! — gritou Price pelo alto-falante. As armas continuaram mirando para a porta, mas as mãos relaxaram um pouco.
— Virgem Maria! — exclamou Jeffers, levantando e correndo para juntar-se a O’Day na porta.
— Os dois elementos mortos. A Sra. Daggett, também — disse O’Day. — Tudo limpo, Norm. Tudo limpo.
— Deixe-me...
— Não! — gritou Katie Ryan.
Ele teve de sair do caminho. Pat baixou os olhos para ver as roupas ensanguentadas de três agentes de sua agência rival. Havia pelo menos dez cápsulas de balas em volta do corpo de Don Russell, e um pente de balas vazio.
Adiante havia quatro criminosos mortos. Enquanto caminhava até o perímetro, viu que dois dos criminosos haviam morrido com tiros na cabeça. Parou perto de sua caminhonete. Seus joelhos estavam um pouco fracos agora. Baixou as meninas e sentou-se no capo. Uma agente feminina aproximou-se. Pat tirou a Smith de seu bolso e entregou à agente sem realmente olhar.
— Está ferido? — Era Andréa Price.
Ele balançou a cabeça; levou um momento para falar de novo.
— Devo começar a tremer a qualquer minuto.
A agente olhou para suas duas menininhas. Um policial levantou Katie Ryan, mas Megan se recusou a sair do lado do pai, Foi então que ele apertou a filha contra o peito, e os dois começaram a chorar.
— CHOCALHO está salva! — ouviu Price dizer. — CHOCALHO está salva e ilesa!
Price olhou em torno. Os agentes de apoio do Serviço Secreto ainda não haviam chegado, e a maioria dos policiais na cena pertenciam à Polícia Estadual de Maryland, com seus uniformes caqui. Dez deles formaram um anel em volta de CHOCALHO, protegendo-a como um tesouro.
Jeffers juntou-se de novo a eles. O’Day nunca conseguia aceitar a forma como o tempo mudava em momentos como esse. Quando ele levantou o rosto, as crianças estavam saindo pela porta lateral. Os paramédicos tomaram a área, indo primeiro até as crianças.
— Aqui — disse o agente negro, dando-lhe um lenço.
— Obrigado, Norm. — O’Day limpou os olhos, assoou o nariz e se levantou.
— Desculpem por aquilo, pessoal.
— Está tudo bem, Pat. Você...
— Teria sido melhor se eu tivesse pegado o último vivo, mas não consegui... não podia correr o risco. — Ele já era capaz de ficar em pé agora, enquanto segurava Megan pela mão. — Oh, merda — acrescentou.
— Acho que devíamos tirar você daqui — observou Andréa. — Podemos proceder ao interrogatório em algum lugar melhor que este.
— Estou com sede — disse O’Day em seguida. Balançou novamente a cabeça. — Nunca esperei isto, Andréa. Crianças por perto. Não devia ser assim, não é? — Por que estou falando tanto?, perguntou-se o inspetor.
— Que é isso, Pat? Você se saiu muito bem.
— Espere um minuto.
O inspetor do FBI esfregou o rosto com duas mãos grandes, respirou fundo e olhou em torno. Deus, que bagunça. Três mortos apenas deste lado do playground. Isso devia ter sido obra de Jeffers, com sua M-16. Nada mau. Mas havia mais uma coisa que ele precisava fazer. Ao lado de cada carro havia um corpo, cada um com um tiro na cabeça. Mais um, um tiro no peito e um na cabeça. Quanto ao quarto, ele não teve certeza de quem o teria pegado.
Provavelmente uma das garotas. A balística determinaria qual. O’Day caminhou de volta até a porta da frente, até o corpo do agente especial Donald Russell. Ali ele se virou para olhar o estacionamento. Ele já vira muitas cenas de crimes. Ele conhecia os sinais, sabia como deduzir as coisas. Havia sido sem aviso. Se Don havia sido alertado, talvez tivesse sido apenas alguns segundos antes, não mais que isso; mesmo assim enfrentara seis elementos armados e pegara três. O inspetor Patrick O’Day ajoelhou-se ao lado do corpo. Removeu o revólver Sig da mão de Russell, deu-o a Price. Segurou a mão de Don na sua pelo que pareceu um tempo longo.
— Nos vemos por aí, campeão — sussurrou O’Day, soltando a mão alguns segundos depois. Hora de ir embora.
43
Toque de Retirada
A. Academia Naval era o local conveniente mais próximo para pousar um helicóptero dos fuzileiros. A parte difícil era encontrar membros disponíveis do Serviço Secreto para viajar com CHOCALHO. Andréa Price, agente superior na cena do crime e também chefe da segurança presidencial, precisava permanecer na Giant Steps; assim, membros do Serviço em tráfego para Annapolis foram desviados de seu curso, encontraram com os policiais estaduais na Academia e assumiram a custódia de Katie. Graças a isso, os primeiros oficiais federais a chegar à cena do crime foram agentes do FBI do pequeno escritório de Annapolis, um satélite da Divisão de Campo de Baltimore. Receberiam as ordens necessárias de Price, mas por enquanto seus deveres eram autoexplicativos. Mais agentes do FBI estavam a caminho.
O’Day atravessou a rua até a casa que fora o local do posto de comando de Norm Jeffers. A proprietária, uma avó, venceu seu choque para fazer café. Um gravador foi montado, e o inspetor do FBI desfiou uma narrativa ininterrupta, não mais do que um relato com muitas voltas, que era a melhor maneira de captar informação recente. Mais tarde, a fita seria tocada para O’Day, que acrescentaria fatos adicionais. De onde estava sentado, O’Day podia ver pela janela. Equipes de ambulância aguardavam para recolher os corpos. Mas primeiro os fotógrafos precisavam registrar o evento para a posteridade.
Não podiam saber que Astro de Cinema ainda estava observando tudo, juntamente com o que era agora uma equipe de centenas de pessoas, estudantes e professores da faculdade local, mais outros que haviam presumido a natureza do evento e resolveram olhar. Mas Astro de Cinema já vira o suficiente.
Caminhou até seu carro, cortando caminho através da multidão até o estacionamento. Dali dirigiu para norte pela Ritchie Highway.
— Ei, eu lhe dei uma chance. Mandei que ele largasse a arma — disse O’Day. — Gritei tão alto que estou bobo por você não ter ouvido, Price. Mas a arma começou a se mover e eu não estava com cabeça para correr riscos, sabia?
As mãos de O’Day estavam firmes agora. O período de choque imediato havia passado. Outros viriam depois.
— Alguma ideia de quem eles eram? — inquiriu Price, depois que O’Day terminou seu primeiro relato.
— Estavam falando uma língua estrangeira, mas não sei qual. Não era alemão ou russo; fora isso, não sei nada. Línguas estrangeiras sempre parecem línguas estrangeiras. Não reconheci palavras nem frases. O inglês deles era muito bom. Tinham algum sotaque, mas também não sei qual. A aparência física era mediterrânea. Talvez do Oriente Médio. Talvez de algum outro lugar.
Absolutamente implacáveis. Ele abateu a Sra. Daggett sem piscar, sem demonstrar nenhuma emoção... não, isso está errado. Ele estava emputecido, com muita raiva mesmo. Não hesitou nem um segundo. Bang, ela estava morta.
Não pude fazer nada — prosseguiu o inspetor. — O outro estava com a arma apontada para mim, e a coisa aconteceu tão rápido que não tive tempo para reagir.
— Pat, você foi fantástico — disse Andréa, segurando sua mão.
O helicóptero pousou no heliporto da Casa Branca, logo ao sul da entrada no térreo. Mais uma vez, um anel de agentes armados estava em evidência, enquanto Ryan corria até a aeronave enquanto as hélices ainda giravam, e ninguém tentou detê-lo. Um tripulante dos fuzileiros num uniforme de voo verde abriu a porta e saiu, o que permitiu aos agentes no helicóptero carregarem CHOCALHO para fora até o pai.
Jack tomou-a no colo como o bebê que ela já não era, mas que sempre seria em sua mente, e subiu a rampa até a casa, onde o restante da Primeira Família aguardava sob proteção. Câmeras de TV registraram o evento, embora nenhum repórter tenha conseguido chegar a menos de 13 metros do presidente.
Os membros da segurança presidencial estavam com sede de sangue; pela primeira vez, na memória dos jornalistas que frequentavam a Casa Branca, aqueles homens e mulheres pareciam realmente perigosos.
— Mamãe!
Katie contorceu-se nos braços do pai, esticando as mãos para a mãe, que tirou-a de Jack imediatamente. Sally e Pequeno Jack juntaram-se aos dois, deixando o pai de pé sozinho. Isso não durou muito tempo.
— Como você está? — perguntou Arnie van Damm, placidez na voz.
— Melhor agora, acho. — Seu rosto ainda estava pálido, seu corpo mole, mas ainda capaz de manter-se de pé. — Sabemos mais alguma coisa?
— Olhe, em primeiro lugar, que tal tirarmos todos vocês daqui? Vamos para Camp David. Lá poderão relaxar. A segurança aérea será intensa. Lá é um bom lugar para esfriar a cabeça.
Ryan pensou nisso. A família ainda não conhecia Camp David, e o próprio Jack só estivera lá duas vezes, mais recentemente num dia horrível de janeiro, vários anos atrás.
— Arnie, não temos roupas nem...
— Providenciaremos — assegurou-lhe o chefe de gabinete. O presidente assentiu.
— Então ajeite tudo. — E acrescentou: — Rápido.
Enquanto Cathy subia com as crianças, Jack saiu novamente e seguiu para a Ala Oeste. Dois minutos depois, estava de volta na Sala de Situação. O clima ali estava melhor. O choque inicial e o medo haviam sumido, substituídos por uma determinação silenciosa.
— Muito bem — disse Ryan. — O que sabemos?
— É o senhor, presidente? —. Era a voz de Dan Murray no alto-falante montado na mesa.
— Fale comigo, Dan — comandou ESPADACHIM.
— Tínhamos um homem lá dentro. Um dos meus. O senhor o conhece. Pat O’Day, um dos meus inspetores itinerantes. A filha dele... Megan, acho... também frequenta a creche. Ele esperou os elementos baixarem a guarda e eliminou os dois. O pessoal do Serviço Secreto matou os outros. A contagem total é de nove, dois mortos por Pat e o restante pelo pessoal de Andréa.
Morreram cinco agentes do Serviço, mais a Sra. Daggett. Graças a Deus, nenhuma criança foi ferida. Price está interrogando Pat agora, Tenho cerca de dez agentes na cena auxiliando a investigação. Muitos membros do Serviço estão a caminho do local.
— Quem está conduzindo a investigação? — indagou POTUS.
— Duas agências. Um ataque ao senhor ou a qualquer membro da Primeira Família fica sob a jurisdição do Serviço Secreto. Terrorismo é nosso campo.
Neste caso, pretendo conceder a liderança ao Serviço Secreto e prover toda a assistência possível — prometeu Murray. — Não haverá disputas territoriais neste caso, palavra de honra. Já contatei a Justiça. Martin designará um advogado para coordenar a investigação criminal. — O diretor do FBI acrescentou: — Jack?
— Sim, Dan?
— Ajude a sua família. Nós sabemos fazer a nossa parte. Eu sei que você é o presidente, mas nos próximos dois dias, seja apenas um homem comum, tá?
— Bom conselho, Jack — observou o almirante Jackson.
Todos os amigos de Ryan estavam dizendo a mesma coisa. Provavelmente estavam certos.
— Jeff? — disse o presidente ao agente Raman.
— Sim, senhor?
— Tire-nos desta maldita cidade.
— Sim, presidente. Raman saiu da sala.
— Robby, que tal você e Sissy virem também? Deixarei um helicóptero à espera de vocês aqui.
— O que quiser, companheiro.
— Certo. Dan — disse Ryan ao alto-falante. — Estamos indo para Camp David. Mantenha-me informado.
— Faremos isso — prometeu o diretor do FBI.
Eles souberam pelo rádio. Brown e Holbrook estavam seguindo para o norte pela Rota 287 até a Interestadual 90-Leste. O caminhão de cimento movia-se como um porco; pesado como estava, acelerava devagar e também era difícil de frear. Talvez ele fosse mais fácil de dirigir pela interestadual. Mas pelo menos o caminhão tinha um rádio decente.
— Merda! — disse Brown, ajustando o dial.
— Crianças. — Holbrook balançou a cabeça. — Temos de providenciar para que não haja crianças por perto, Ernie.
— Acho que podemos cuidar disso, Pete. Isso se conseguirmos chegar com este trambolho até lá.
— Quanto tempo vai levar? Um grunhido.
— Cinco dias.
Badrayn percebeu que Daryaei aceitou bem as notícias, especialmente o feto de que todos estavam mortos.
— Perdoe-me por dizer isso, mas avisei ao senhor que...
— Eu sei, me lembro — reconheceu Mahmoud Haji. — O sucesso desta missão jamais foi necessário. A situação não é crítica... contanto que os preparativos de segurança tenham sido providenciados adequadamente. — Com isso, o sacerdote fitou seu convidado.
— Todos tinham documentos de viagem falsos. Nenhuma deles tinha ficha criminal em qualquer parte do mundo... pelo menos até onde sei. Nenhum deles tinha qualquer coisa que o ligasse ao seu país. Se algum deles tivesse sido pego vivo, haveria uma chance, e eu o avisei sobre esse risco. Mas parece que nenhum sobreviveu.
O aiatolá assentiu, proferindo o epitáfio dos homens: — Sim, eles foram fiéis.
Fiéis a quê?, questionou-se Badrayn silenciosamente. Líderes políticos religiosos não eram exatamente raros nesta parte do mundo, mas esse tipo de argumento acabava cansando. Agora, supostamente, todos os nove estavam no Paraíso. Tentou imaginar se Daryaei acreditava realmente nisso. Provavelmente sim. Talvez acreditasse com a mesma sinceridade que cria em sua capacidade de falar com a voz do próprio Deus. Ou pelo menos dissera tanto isso a si mesmo, que acabara acreditando. Badrayn sabia que qualquer um podia fazer isso. Depois de repetir a mesma ideia para si próprio — fosse o motivo política, vingança ou cobiça: qualquer uma das motivações básicas —, ela se tornava fé, tão pura em propósito quanto as palavras do próprio Profeta. Daryaei tinha 72
anos, uma vida longa de abnegação, sempre se concentrando em alguma coisa fora de si mesmo, prosseguindo uma jornada que começara em sua juventude com destino a um objetivo sagrado. Percorrera um longo caminho, e estava próximo de seu destino. Agora o objetivo podia ser visto tão claramente que o propósito em si poderia ser esquecido, não podia? Essa era a armadilha para todos os homens, pensou Badrayn, concluindo que ao menos ele era sensato.
Para ele, tudo aquilo era apenas negócio. Negócio desprovido de ilusões e hipocrisia.
— E o resto? — perguntou Daryaei, depois de uma oração pelas almas dos nove homens.
— Saberemos até segunda-feira, talvez. Com certeza até quarta — respondeu Ali.
— E a segurança para isso.
— Perfeita.
Nessa parte, Badrayn estava absolutamente confiante. Todos os viajantes haviam retornado em segurança, e reportado que haviam cumprido suas missões à risca. As evidências físicas que haviam deixado para trás — apenas as latas de spray — seriam coletadas como lixo. A praga apareceria, e jamais haveria qualquer indício de como chegara aos Estados Unidos. E assim, o que aparentemente falhara hoje não havia sido um fracasso de modo algum. Esse tal Ryan, aliviado como devia estar com o resgate de sua caçula, era agora um homem enfraquecido, assim como os EUA eram uma nação enfraquecida. E Daryaei tinha um plano. Um bom plano, considerou Badrayn, e por sua ajuda em implementá-lo, sua vida mudaria para sempre. Seus dias como terrorista internacional pertenciam ao passado. Ele iria ter alguma posição no governo da URI expandida — segurança ou informação, provavelmente, com um escritório confortável e um salário bom, capaz de finalmente gozar de paz e segurança.
Daryaei tinha seu sonho, e talvez até o alcançasse. Para Badrayn, o sonho estava ainda mais próximo, e ele agora não precisava fazer mais nada para concretizá-lo Nove homens haviam morrido para possibilitar esse sonho. Azar deles. Será que estavam mesmo no Paraíso por seu martírio? Talvez Alá fosse mesmo tão misericordioso, o bastante para perdoar qualquer ato praticado em Seu nome. Talvez.
Isso realmente não importava.
Tentaram fazer a partida parecer normal. As crianças mudaram de roupa.
Malas foram feitas e seriam enviadas num voo posterior. A segurança parecia mais cerrada que de praxe, mas não ostensivamente. Isso era apenas aparência.
No topo do prédio do Tesouro a leste e do antigo prédio do Executivo a oeste, agentes do Serviço Secreto que geralmente ficavam agachados estavam de pé, mostrando seus corpos inteiros enquanto vasculhavam a área com binóculos.
Ao lado de cada um havia um homem armado com fuzil. Oito agentes estavam ao sul do perímetro da Casa Branca, examinando os transeuntes habituais ou que tinham vindo depois de ouvir as notícias. A maioria provavelmente viera porque se importava em algum grau, talvez até mesmo para oferecer uma prece pela segurança dos Ryan. Os agentes observavam a multidão em busca daqueles que poderiam ter algum outro propósito. Mas desta vez, como em todas as outras, não viram nada incomum Jack colocou o cinto de segurança, e o resto de sua família fez o mesmo.
Os motores sobre suas cabeças começaram a ganir, e as hélices puseram-se a girar. Dentro com eles estava o agente Raman e outro guarda, mais o chefe dos fuzileiros. O helicóptero VH-3 vibrou, e então alçou voo, subindo rapidamente rumo ao vento oriental, primeiro seguindo na direção do OEOB, depois para sul, depois nordeste, num percurso de voo planejado para confundir alguém que estivesse lá embaixo com um míssil terra-ar. As condições de iluminação eram boas o bastante para que uma pessoa como essa provavelmente fosse localizada — são necessários alguns segundos para realizar um lançamento bem-sucedido —, e, em todo caso, o helicóptero estava equipado com a versão mais nova do sistema de supressão de infravermelho Black Hole, que fazia do Marine One um alvo difícil. O piloto — era novamente o coronel Hank Goodman — sabia tudo isso e tomara as medi das de proteção adequadas, mas fez o máximo de esforço para esquecer que estavam em segurança.
Estava silencioso no fundo da aeronave. O presidente Ryan tinha seus pensamentos. A esposa tinha os dela. As crianças olhavam pela janela, afinal voar de helicóptero era um dos passeios mais emocionantes conhecidos pelo homem. Até mesmo a pequena Katie contorcia-se em seu assento para olhar para baixo, sua tarde horrenda suprimida pela maravilha do momento. Jack virou-se, e vendo isso, decidiu que o tempo de atenção curto das crianças era tanto uma bênção quanto uma maldição. Ele próprio estava com as mãos tremendo um pouco agora. Se por medo ou raiva, não sabia dizer. Cathy simplesmente parecia desolada, seu rosto iluminado pelos raios dourados do pôr do sol. A conversa dos dois à noite não seria agradável.
Um carro do Serviço Secreto recolhera Cecília Jackson em sua casa em Forte Myers.
O almirante Jackson e sua esposa embarcaram num VH-60 de reserva, juntamente com algumas bagagens de mão, e malas mais substanciais para a família Ryan. Não havia câmeras para registrar isso. O presidente e a Primeira Família haviam partido, e as câmeras com eles. Os entendidos da mídia agora estavam juntando suas informações para os noticiários noturnos, tentando encontrar um significado maior nos eventos do dia, chegando a conclusões antes dos agentes federais que só agora estavam permitindo que as equipes das ambulâncias recolhessem os 13 cadáveres na cena do crime. As luzes piscantes dos carros de polícia pareciam dramáticas enquanto as equipes de TV
preparavam-se para fazer transmissões ao vivo, um deles do ponto exato do qual Astro de Cinema observara a operação fracassada.
Ele se havia preparado para essa eventualidade, claro. Dirigiu rumo norte pela Ritchie Highway — o tráfego não estava tão ruim, considerando que a polícia ainda bloqueava a estrada na altura da Giant Steps — e no aeroporto internacional de Baltimore-Washington ele até teve tempo de tomar o 767 da British Airways para Heathrow. Nada de primeira classe desta vez. O avião tinha apenas classe executiva. Ele não estava sorrindo. Queria que o sequestro tivesse logrado êxito, embora desde o começo estivesse com tudo planejado pura este fracasso. Para Astro de Cinema a missão não havia fracassado. Ele ainda estava vivo, e escapando de novo. Aqui estava ele, decolando. Logo estaria em outro país, e ali desapareceria completamente enquanto a polícia americana estaria tentando estabelecer se houvera outro membro da conspiração criminosa. Ele decidiu tomar alguns cálices de vinho. Isso o ajudaria a dormir depois de um dia muito estressante. A lembrança de que isso contrariava sua religião o fez sorrir. Que aspecto da vida não contrariava sua religião?
O pôr do sol chegou depressa. Quando começaram a circularem Camp David, o solo era uma sombra ondulante pontuada pelas luzes estacionárias das casas particulares e as luzes em movimento dos automóveis. O helicóptero baixou devagar, parou a quarenta metros sobre o solo e desceu verticalmente para um pouso suave. Havia algumas lâmpadas ao fundo da quadra de aterrissagem. Quando o chefe da tripulação abriu a porta, Raman e o outro agente saltaram primeiro. O presidente soltou o cinto de segurança e caminhou até a porta. Parou logo atrás da tripulação. Cutucou o ombro do piloto.
— Obrigado, coronel.
— O senhor tem muitos amigos, presidente. Estaremos aqui quando precisar — disse Goodman ao seu comandante-em-chefe.
Jack assentiu, desceu os degraus e, depois das luzes, viu as silhuetas espectrais de fuzileiros navais em trajes de camuflagem.
— Bem-vindo a Camp David, senhor. — Era o capitão dos Fuzileiros.
Jack virou-se para ajudar Cathy a descer. Sally desceu com Katie. O Pequeno Jack saiu por último. Nesse momento, Ryan percebeu que seu filho já estava quase tão alto quanto a mãe. O Serviço Secreto logo teria de arrumar outro apelido para seu filho.
Cathy olhou em volta, tensa. O capitão percebeu.
— Senhora, há sessenta fuzileiros navais aqui — assegurou-lhe. Ele não precisou acrescentar o motivo para estarem ali. Não precisava dizer à Primeira Família o quanto estavam alertas.
— Onde? — perguntou o Pequeno Jack, olhando em torno e não vendo nada.
— Experimente isto. — O capitão deu ao garoto seus óculos de visão noturna PVS-7. BAIXINHO segurou-os sobre os olhos.
— Maneiro! — Ele esticou o braço, apontando para aqueles que podia ver.
Então abaixou os óculos e os fuzileiros ficaram invisíveis novamente.
— Eles são ótimos para procurar cervos, e há um urso que perambula pelas imediações. Nós o chamamos de Zé Colmeia.
Congratulando-se por ter conseguido acalmá-los, o capitão Larry Overton, USMC, conduziu-os na direção dos HMMWV que iriam transportá-los até o quartel-general. Zé Colmeia, ele explicaria mais tarde, usava um colar de rádio de modo a não surpreender ninguém, e muito menos a um fuzileiro com um rifle carregado.
As acomodações de Camp David pareciam rústicas, e realmente não chegavam nem aos pés do luxo na Casa Branca, mas podiam ser descritas como o tipo de esconderijo que um milionário teria em Aspen. Na verdade, os aposentos presidenciais eram conhecidos oficialmente como o Chalé de Aspen.
Mantido pelo Destacamento Naval de Superfície, Thurmont (Maryland), e guardado por uma pequena companhia de fuzileiros escolhidos a dedo, o complexo era uma localização tão segura quanto qualquer coisa a uma distância de 150 quilômetros de Washington poderia ser. Havia fuzileiros no chalé presidencial para recebê-los, e dentro havia marinheiros para guiar cada um deles a um quarto particular. Lá fora havia mais 12 chalés adicionais, e o quanto mais próximo você estivesse do Chalé de Aspen, mais importante você era.
— O que vamos comer no jantar? — inquiriu Jack Júnior.
— Qualquer coisa que você quiser — respondeu um taifeiro dos fuzileiros.
Jack virou-se para Cathy. Ela assentiu. Esta seria uma noite coma-o-que-quiser.
O presidente tirou o paletó e a gravata. Um servente apareceu para coletá-las.
— A comida aqui é excelente, senhor — prometeu.
— Isso é um fato, senhor — confirmou o chefe. — Temos um acordo com alguns moradores. Tudo fresco, direto da fazenda. Posso trazer algo para beberem? — perguntou — Isso me parece um grande plano, chefe. Cathy?
— Vinho branco? — perguntou, o estresse finalmente se esvaindo dela.
— Temos uma bela adega, senhora. Que tal um chardonnay Chateau Ste.
Michelle? E uma safra de 1991, e tão boa quanto um chardonnay pode ser.
— Você é um chefe naval? — indagou POTUS.
— Sim, senhor. Costumava cuidar de almirantes, mas fui promovido, e se me permite a falta de modéstia, senhor, conheço os meus vinhos.
Ryan levantou dois dedos. O chefe assentiu e se retirou.
— Isto é insano — disse Cathy depois que ele saiu.
— Concordo.
Enquanto esperavam pelas bebidas, as duas crianças maiores concordaram com uma pizza. Katie quis hambúrguer e fritas. Ouviram o zumbido de outro helicóptero descendo na quadra. Cathy está certa, pensou seu marido. Isto é insano.
A porta abriu novamente, e o chefe retornou com duas garrafas e um balde de prata. Outro servente chegou com os cálices.
— Chefe, são apenas dois cálices.
— Sim, presidente, mas temos mais dois convidados chegando, almirante e Sra. Jackson. A Sra. Jackson também gosta de um bom vinho, senhor.
Ele estourou a rolha e a deu a CIRURGIÃ. Ela assentiu.
— Não tem um buquê magnífico?
O chefe encheu a taça da primeira-dama, e mais uma, para o presidente.
Então se retirou.
— Sempre ouvi dizer que a Marinha tinha gente assim, mas nunca acreditei.
— Oh, Jack. — Cathy virou-se. As crianças estavam assistindo TV, as três sentadas no chão, até Sally, que tentava tornar-se uma dama elegante. Elas estavam se recolhendo ao que lhes era familiar, enquanto os pais faziam o que os pais sempre fazem: encarar a realidade para poder melhor proteger os filhos do mundo.
Cathy balançou a cabeça.
— Nunca estará bem, Jack. Nunca estará bem de novo. Roy me disse.
Enquanto vivermos haverá guarda-costas conosco. Para qualquer parte que formos, precisaremos de proteção. Para sempre — disse ela, servindo-se de vinho e bebericando-o, não tão zangada quanto conformada, não tão aturdida quanto ciente de uma situação com a qual jamais sonhara. Os ornamentos do poder às vezes eram sedutores. Um helicóptero para trabalhar. Pessoas para cuidar de suas roupas, ficar com as crianças, prover-lhe qualquer comida que quisesse, levá-la a qualquer parte, sempre o caminho mais curto para qualquer lugar.
Mas a que preço? Nada de mais. Apenas de vez em quando alguém tentaria matar um dos seus filhos. Não haveria como fugir disso. Era como se ela tivesse recebido um diagnóstico de câncer, do seio, dos ovários, alguma outra coisa. Por mais horrível que parecesse, teria de fazer o que fosse preciso.
Chorar não ajudaria, embora CIRURGIÃ tivesse certeza de que ainda verteria muitas lágrimas. Gritar com Jack não ajudaria e ela não era mesmo dada a gritos. Além disso, não era culpa de Jack, era? Ela simplesmente tinha de usar o impulso do golpe, como os pacientes do Hopkins faziam quando os mandavam para o Departamento de Oncologia — oh, por favor, não se preocupe. Eles são os melhores entre os melhores, e os tempos mudaram, eles realmente sabem o que estão fazendo agora. Seus colegas no Departamento de Oncologia eram os melhores. E agora tinham um belo prédio. Mas quem queria realmente ir para lá?
E assim Cathy sabia que ela e Jack tinham uma espécie de casa, com serviçais magníficos. E alguns deles eram especialistas em vinhos, pensou enquanto tomava mais um gole de sua taça. Mas quem realmente quer ir para lá?
Tantos agentes tinham sido designados para o caso que eles ainda não sabiam o que fazer. Não tinham informações suficientes para gerar ordens, mas isso estava mudando depressa. A maioria dos terroristas mortos fora fotografada — dois deles, acertados pelas costas pelo M-16 de Norm Jeffers, não tinham rostos para ser fotografados —, e todos os corpos tiveram suas digitais tiradas. As amostras de sangue seriam levadas para exames de DNA caso isso mais tarde se tornasse útil — uma possibilidade, porque a identidade poderia ser confirmada por uma equivalência genética com parentes próximos. Por enquanto teriam de se contentar com as fotos. Antes de mais nada, elas foram transmitidas para o Mossad. O consenso era que os terroristas haviam sido islâmicos, e os israelenses tinham os melhores dados sobre eles. A CIA cuidou do contato inicial, sendo sucedida pelo FBI. Avi ben Jakob prometeu, de imediato, cooperação plena.
Todos os corpos foram levados a Annapolis para exame. Isso era exigido por lei, mesmo em casos nos quais a causa da morte era óbvia como num terremoto. A condição pré-morte de cada corpo seria estabelecida. Além disso, seria realizado um exame de doping completo para verificar se estiveram drogados.
As roupas de cada terrorista foram removidas para exame completo pelo laboratório do FBI em Washington. Antes de mais nada, estabeleceu-se os nomes das marcas para determinar o país de origem. Isso e a condição geral determinariam a época da compra, o que poderia ser importante. Mais do que isso, os técnicos — que estavam agora trabalhando depois do expediente numa noite de sexta —, usariam fita adesiva comum para coletar fibras soltas, e especialmente partículas de pólen, o que poderia determinar muitas coisas, porque algumas plantas cresciam apenas em determinadas regiões do mundo.
Os resultados desses testes poderiam demorar semanas, mas, num caso como esse, não havia limite de tempo ou recursos. O FBI dispunha de uma grande variedade de especialistas em ciência para consultar.
As placas dos carros tinham sido comunicadas antes mesmo do tiroteio entre O’Day e os dois últimos terroristas; já havia agentes nas locadoras de carros checando os registros informatizados.
Na Giant Steps, os adultos sobreviventes estavam sendo interrogados.
Quase todos confirmaram o relato de O’Day. Alguns dos detalhes não batiam, mas isso era esperado Nenhuma das mulheres jovens havia reconhecido a linguagem falada pelos terroristas. As crianças foram submetidas a interrogatórios muito mais gentis, sempre sentadas no colo de um dos pais.
Dois dos pais eram nativos do Oriente Médio, e inicialmente acreditava-se que as crianças conhecessem um pouco de línguas estrangeiras, mas isso logo se revelou uma falsa esperança.
Todas as armas foram recolhidas, seus números de série checados com um banco de dados computadorizado. A data de fabricação foi constatada facilmente; os registros dos fabricantes checados para ver em quais distribuidores foram compradas, e a partir daí que loja as tinham vendido. Essa trilha revelou-se fria. As armas eram antigas, apesar de seu estado perfeito, que fora estabelecido por inspeção visual dos tambores e mecanismos. Elas não pareciam ter sofrido nenhum tipo de desgaste. Antes mesmo que os agentes tivessem o nome do comprador, essa informação foi passada cadeia de comando acima.
— Droga, como queria que Bill estivesse aqui — desabafou Murray em voz alta. Pela primeira vez em sua carreira estava se sentindo inadequado a uma tarefa.
Seus chefes de divisão estavam dispostos em torno de sua mesa de conferências. Desde o começo ficara acertado que sua investigação seria um trabalho conjunto das divisões Criminal e de Contrainformação Estrangeira, auxiliadas, como de praxe, pela Divisão Laboratorial. As coisas estavam acontecendo tão rápido que não havia ainda um oficial do Serviço Secreto para juntar-se a eles.
— Algum comentário?
— Dan, quem comprou essas armas está no país há muito tempo — disse o homem da Contrainformação.
— Agente adormecido — assentiu Murray.
— Pat não identificou sua linguagem. Provavelmente teria reconhecido uma linguagem europeia. Só pode ter sido o Oriente Médio — disse o representante da Divisão Criminal. Não havia uma riqueza de informações disponíveis, mas até o FBI precisava virar-se com o que tinha. — Bem, Europa Oriental, de qualquer modo. Suponha que tenhamos de considerar os países balcânicos.
Os outros à mesa concordaram, relutantes.
— Qual é a idade das armas? — indagou o diretor do FBI.
— Onze anos. Muito antes da proibição — respondeu o representante da Divisão Criminal. — Elas não tinham sido usadas até hoje. Eram virgens, Dan.
— Alguém estabeleceu uma rede da qual não tínhamos conhecimento.
Alguém muito paciente. Quem quer que tenha sido o comprador, acho que descobriremos que ele usava uma identidade falsa, e que já voou do poleiro. É um trabalho clássico de espionagem, Dan — prosseguiu o da Contrainformação, colocando em palavras o que todos estavam pensando. — Estamos falando sobre profissionais.
— Isso é um pouco especulativo — objetou o diretor.
— Quando foi a última vez que errei, Danny? — perguntou o diretor-assistente.
— Não ultimamente. Prossiga.
— Talvez o pessoal do laboratório possa desenvolver algum bom trabalho forense.
— Apontou com a cabeça para o diretor-assistente da Divisão Laboratorial.
— Mas mesmo assim o resultado que obtivermos poderá não ser bom o bastante para levar a um tribunal, a não ser que, por um golpe de sorte, consigamos chegar ao comprador ou a outras pessoas que possam estar envolvidas nesta missão.
— Registros de voo e passaportes — disse o representante da Divisão Criminal. — Das últimas duas semanas, para começar. Procurar registros repetidos. Alguém deve ter feito o reconhecimento do objetivo. Precisa ter sido desde que Ryan tornou-se presidente. Isso é um começo.
O que ele não acrescentou é que havia cerca de dez milhões de registros para checar. Mas esse era o ganha-pão dos tiras.
— Deus, espero que você esteja errado sobre haver um adormecido — disse Murray, depois de um momento de reflexão.
— Eu também, Dan — replicou o homem da Contrainformação. — Mas não estou. Precisaremos identificar sua casa ou ponto de reunião, interrogar os vizinhos, checar os registros imobiliários para obtermos um nome de cobertura e prosseguirmos a partir daí. Ele provavelmente já foi embora, mas essa não é a parte assustadora, é? Ele esteve aqui pelo menos durante 11 anos. Ele trabalhou e foi pago. Ele aprendeu coisas. Mesmo assim ele manteve sua fé durante todo o tempo até agora, quando ajudou a completar essa missão. Durante todo esse tempo ele ainda acreditava o bastante para ajudar a matar crianças.
— Ele não deve ser o único — concluiu Murray em tom sombrio.
— Acho que não.
— Pode vir comigo, por favor?
— Já vi você antes, mas...
— Jeff Raman, senhor.
O almirante apertou a mão do agente.
— Robby Jackson. O agente sorriu.
— Eu sei, senhor.
Foi uma caminhada agradável, mas que teria sido melhor sem a presença tão evidente de homens armados. O ar de montanha estava frio e limpo, céu pontilhado de estrelas.
— Como ele está? — perguntou Robby ao agente.
— Teve um dia duro. Muita gente boa está morta.
— E alguns sujeitos maus, também.
Jackson seria sempre um piloto de caça, para quem infligir morte fazia parte de suas atribuições profissionais. Seguiram até os aposentos presidenciais.
Robby e Sissy ficaram estarrecidos com a cena. Não tendo filhos — um problema de Cecília não permitira, apesar de todos os esforços —, eles não entendiam completamente como eram as crianças. Os eventos mais horrorosos, se seguidos por um abraço dos pais e outros sinais de segurança, geralmente eram esquecidos depressa. O mundo, em especial para Katie, retomara sua forma original. Mas haveria pesadelos, também, e eles durariam semanas, talvez mais, até que as memórias tivessem esvanecido. Abraços foram trocados, e então, também como de costume, marido conversou com marido e esposa com esposa. Robby serviu-se de um cálice de vinho e acompanhou Jack até o pátio.
— Como está você, Jack? — segundo um acordo silencioso, aqui e agora Ryan não era o presidente.
— O choque chega e vai — admitiu. — Isso já aconteceu antes. Os sacanas não podiam simplesmente vir até mim. Não, senhor, eles tinham de procurar um alvo mais frágil. Aqueles filhos da puta! — praguejou Jack.
Jackson bebericou seu vinho. Não havia muita coisa a ser dita agora, mas isso iria mudar.
— E a primeira vez que venho aqui — disse Robby, apenas para dizer alguma coisa.
— Minha primeira vez foi... você acreditaria que enterramos um cara aqui?
— comentou Jack, lembrando. — Ele era um coronel russo, um agente que tínhamos no Ministério da Defesa deles. Um puta soldado, herói da União Soviética, três ou quatro vezes, acho. Nós o enterramos com seu uniforme e todas as suas condecorações. Eu mesmo li as citações. Foi na época que tiramos o Gerasimov.
— O chefe da KGB. Então isso era verdade, hein?
— Era — assentiu Ryan. — E você sabe sobre a Colômbia, sobre o submarino.
Como acha que aqueles jornalistas descobriram?
Robby quase gargalhou alto, mas conseguiu conter-se, dando um risinho.
— Deus, e eu pensei que minha carreira fosse atribulada.
— Você foi voluntário para a sua — observou Jack.
— Você também, meu amigo.
— Acha? — Ryan entrou no chalé para encher novamente o cálice. Voltou com os óculos de visão noturna e ligou-os para observar as cercanias. — Não fui voluntário para ter minha família guardada por uma companhia de fuzileiros.
Há três deles logo ali, com seus uniformes, capacetes e fuzis... e por quê?
Porque há gente no mundo que quer nos matar. Por quê? Porque...
— Vou dizer-lhe por quê. Porque você é melhor do que eles, Jack. Você defende coisas boas. Porque você tem colhões, e não foge por qualquer motivo — disse Robby para o amigo. — Não me venha com esse papo de ai, meu Deus, tá? Eu sei quem você é. Sou um piloto de caça porque escolhi isso. Você está onde está porque também escolheu isso. Ninguém nunca lhe disse que seria fácil, tá?
— Mas..
— Mas o cacete, presidente. Há gente lá fora que não gosta de você? Tudo bem. Apenas descubra como encontrá-los, e então peça àqueles fuzileiros ali para darem conta do recado. Você sabe o que eles irão dizer. Você pode ser odiado por alguns, mas é amado e respeitado por muitos mais. Escute bem o que digo: não há uma só pessoa nas forças armadas do nosso país que não esteja disposta a esmagar qualquer um que se meta com Você e a sua família. Não é só o que você é, é quem você é, certo?
E quem eu sou?, perguntou-se ESPADACHIM. No momento, uma de suas fraquezas estava se manifestando.
— Vamos.
Ryan caminhou até oeste. Ele tinha acabado de ver um clarão e, trinta segundos depois, no canto de outro chalé, encontrou um cozinheiro naval fumando um cigarro. Presidente ou não, ele não seria muito orgulhoso de si esta noite.
— Olá.
— Meu Deus! — exclamou o marinheiro, levando um susto e deixando seu cigarro cair no chão. — Quero dizer... olá, presidente.
— Errado na primeira tentativa, certo na segunda. Tem um cigarro? — perguntou POTUS, completamente desavergonhado, conforme Robby Jackson notou.
— É claro, senhor.
O cozinheiro tirou um do maço e o acendeu.
— Marinheiro, se a primeira-dama vir você fazendo isso novamente, ela mandará que os fuzileiros o executem — alertou Jackson.
— Almirante Jackson! — Essas palavras fizeram o rapaz tremer novamente.
— Acho que os fuzileiros trabalham para mim. — E voltando-se para o cozinheiro: — E então, esse jantar sai ou não sai?
— Senhor, a pizza está sendo cortada agora. Eu mesmo fiz a massa, senhor.
Eles vão gostar — prometeu.
— Descansar. Obrigado pelo cigarro.
— Quando quiser, senhor.
Ryan acenou para ele e se afastou com o amigo.
— Eu precisava disso — admitiu Jack, um pouco envergonhado, enquanto dava uma tragada longa.
— Se eu tivesse um lugar como este, eu o usaria muito. É quase como estar no mar — prosseguiu Jack. — As vezes pode sair para o convés à noite e ficar apreciando o mar e as estrelas. Os prazeres mais simples que existem.
— É difícil se desligar de tudo, não é? Mesmo quando você comunga com o mar e as estrelas, não se desliga realmente.
— Não — admitiu o almirante. — Isso facilita um pouco mais pensar, torna a atmosfera um pouco menos intensa, mas você está certo. Os problemas não desaparecem.
Exatamente como estava acontecendo agora.
— Tony disse que perdemos de vista a Marinha indiana.
— Ambos os porta-aviões no mar, com escoltas e petroleiros. Estamos procurando por eles.
— E se houver uma conexão? — perguntou Ryan.
— Com o quê?
— Os chineses arrumam confusão num lugar, a Marinha indiana vai ao mar novamente, e isso me dá a impressão... será que estou ficando paranoico? — perguntou ESPADACHIM.
— Deve estar. Talvez os indianos tenham terminado seus reparos e resolvido mostrar-nos que nós não lhes ensinamos uma lição tão grande assim.
Quanto à coisa da China, bem, já aconteceu antes. Não vai dar em nada, especialmente depois que Mike Dubro chegar lá. Eu conheço Mike. Ele mandará caças decolarem pare xeretar a região. O atentado contra Katie? É cedo demais para dizer, e esse não é o meu campo. Você tem Murray e os outros para pensar nisso. Em todo caso, eles fracassaram, não é mesmo? A sua família está ali dentro, assistindo televisão, e vai levar um bom tempo até outra pessoa tentar algo assim.
Era uma noite cheia em todas as partes do mundo. Em Tel Aviv, onde agora passavam das quatro da manhã, Avi ben Jakob convocou seus maiores especialistas em terrorismo. Juntos analisaram as fotos transmitidas de Washington e compararam-nas com suas próprias fotografias de vigilância que haviam sido batidas através dos anos no Líbano e em outros lugares. O problema era que muitas dessas fotos mostravam jovens barbados — o método mais simples que um homem tinha para se disfarçar —, e as fotos não podiam ser julgadas por sua qualidade. As imagens transmitidas pelos americanos também não eram trabalhos profissionais.
— Alguma coisa útil? — indagou o diretor do Mossad.
Olhos voltaram-se para um dos especialistas do Mossad, Sarah Peled, uma mulher na casa dos quarenta. Às suas costas, chamavam-na de bruxa. Tinha um dom especial para identificar pessoas a partir de fotografias, e revelava-se certa num pouco mais da metade dos casos em que outros oficiais treinados do serviço de informação haviam levantado as mãos aos céus em frustração.
— Este. — Ela deslizou duas fotos sobre a mesa. — Esta é uma combinação definitiva.
Ben Jakob olhou para as duas fotos lado a lado... e não viu nada que confirmasse a opinião da mulher. Perguntara-lhe várias vezes em que ela se baseava em seus julgamentos. Como Sarah sempre dizia que eram os olhos, Avi observou novamente, comparando ou olhos nas duas fotos. Tudo que viu foram olhos. Virou a foto israelense. A data impressa no verso dizia que o homem era suspeito de afiliação ao Hezbollah, nome desconhecido, cerca de vinte anos na foto deles, que era datada de seis anos antes.
— Algum outro, Sarah? — perguntou o diretor.
— Não, nenhum outro.
— Qual é o seu grau de certeza neste aqui? — inquiriu um dos oficiais da contrainformação, olhando para as fotos e, como Avi, não vendo nada.
— Cem por cento, Benny. Eu disse definitiva, não disse? — Sarah sempre era mal-humorada, especialmente com homens descrentes às quatro da manhã.
— Até onde iremos com isso? — perguntou outro membro da equipe.
— Ryan é um amigo do nosso país, e presidente dos Estados Unidos. Iremos até onde for possível. Quero inquéritos. Todos os contatos: Líbano, Síria, Iraque e Irã. Todos.
Porcos! — disse Bondarenko, correndo uma mão pelos cabelos. Ele já tirara a gravata havia muito tempo. Seu relógio dizia-lhe que era sábado, mas ele não sabia que dia era aquele.
— Sim — concordou Golovko.
— Uma operação negra... uma operação molhada, não era assim que vocês chamavam? — indagou o general.
— Molhada e incompetente — disse irritado o diretor da RVS. — Mas Ivan Emmetovich teve sorte, camarada general. Desta vez.
— Talvez — concedeu Gennady Iosefovich., — Discorda?
— Os terroristas subestimaram seus oponentes. Você recordará que recentemente passei algum tempo com o Exército americano. Seu treinamento não tem par no mundo, e o treinamento da guarda presidencial americana só pode ser igualmente rigoroso. Por que essa gente vive subestimando os americanos?
Sergey Nikolayevitch reconheceu que essa era uma boa pergunta, e fez um sinal com a cabeça para o chefe de operações prosseguir.
— A América costuma sofrer de uma carência de direcionamento político.
Isso não é o mesmo que incompetência. Sabe com que parecem? Com um cachorro violento mantido por uma correia curta — e como ele não pode partir a correia, as pessoas se iludem dizendo que não podem temê-lo, mas dentro do perímetro permitido pela correia ele é invencível, e uma correia, camarada diretor, é uma condição temporária. Você conhece esse Ryan.
— Muito bem — concordou Golovko.
— E? As histórias na imprensa deles, são verdadeiras?
— Todas elas.
— Sergey Nikolayevitch, vou lhe dizer o que acho. Se você considera Ryan um adversário formidável, e que ele tem aquele cão violento na correia, eu não correria o risco de ofendê-lo. E atacar uma criança? Uma criança dele? — O general balançou a cabeça.
Era isso, percebeu Golovko. Ambos estavam cansados, mas aquele era um momento de clareza. Ele passara tempo demais lendo os relatórios políticos de Washington, de sua própria embaixada, e diretamente a partir da mídia americana. Todos eles diziam que Ivan Emmetovich... era essa a chave? Desde o começo ele chamara Ryan assim, pensando em homenagear o homem com a versão russa de seu nome. E isso era uma honra na visão de Golovko...
— Você está pensando o mesmo que eu, da? — perguntou o general, olhando o rosto do homem e gesticulando para que ele falasse.
— Alguém fez um cálculo...
— E não foi um cálculo preciso. Acho que precisamos descobrir quem fez isso. Acho que um ataque sistemático aos interesses americanos, uma tentativa de enfraquecer a América, camarada diretor, é realmente um ataque aos nossos interesses. Por que a China está fazendo aquilo, hein? Por que eles forçaram a América a alterar seus posicionamentos navais? Ao mesmo tempo que as forças americanas estão sendo forçadas, ocorre um ataque contra o coração do líder americano. Isto não é coincidência. Agora podemos ficar de lado e não fazer nada mais além de observar, ou...
— Não há nada que possamos fazer, e com as revelações na imprensa americana...
— Camarada diretor — interrompeu Bondarenko. — Durante setenta anos, nosso país confundiu teoria política com fatos objetivos, e esse foi nosso erro como nação. Estamos enfrentando condições objetivas aqui — prosseguiu, empregando uma frase estimada pelas forças armadas soviéticas, uma reação, talvez, às suas três gerações de equívocos políticos. — Vejo padrões de uma operação inteligente, uma operação coordenada, mas uma com um erro fatal, e esse erro é uma avaliação errônea do presidente americano. Discorda?
Golovko ponderou alguns segundos sobre isso, percebendo também que Bondarenko devia estar vendo alguma coisa real... mas será que os americanos estavam vendo? Era muito mais difícil ver alguma coisa de dentro do que de fora. Uma operação coordenada? De volta a Ryan, disse a si próprio.
— Não. Eu mesmo já cometi esse erro. Ryan aparenta muito menos do que é. Os sinais estão todos lá, mas as pessoas não veem.
— Quando estive na América, o general Diggs me contou a história do ataque dos terroristas à casa de Ryan. Ele pegou em armas e os derrotou, agindo com coragem e decisão. Pelo que você diz, aparentemente ele também é altamente eficaz como oficial de informação. Sua única falha, se é que podemos chamá-la assim, é que ele não é exatamente um político, e os políticos sempre veem isso como uma fraqueza. Talvez seja — concedeu Bondarenko. — Mas se isso for uma operação hostil contra a América, então suas fraquezas políticas são muito menos importantes do que seus outros dons.
— E...?
— Vamos ajudar o homem — disse o general. — É sempre melhor estarmos do lado vencedor, e se não o ajudarmos, então estaremos do outro. Ninguém atacará a América diretamente. Não temos tanta sorte assim, camarada diretor.
Ele estava quase certo.
44
Incubação
Ryan acordou ao amanhecer, perguntando-se porquê. O silêncio. Quase parecia sua casa na baía. Empertigou-se para ouvir o tráfego ou os outros sons.
Não escutou nada. Foi difícil sair da cama. Cathy decidira trazer Katie para dormir com ele, e estava ela em seu pijaminha rosa, parecendo angelical como todas as crianças pequenas ainda bebês nessa idade, apesar do que os outros pudessem dizer. Ele teve de sorrir, em seguida, foi ao banheiro. Roupas comuns estavam penduradas no armário; vestiu-as, mais um par de chinelos e um suéter. Saiu.
O ar estava frio, com resíduos de orvalho congelado nas plantas; o céu estava claro Nada mau. Robby tinha razão. Este não era um lugar ruim para frequentar. Colocava uma distância entre ele e as outras coisas, e ele precisava disso agora.
— Bom dia, senhor. — Era o capitão Overton.
— Não é um trabalho ruim, é?
O jovem oficial assentiu.
— Cuidamos da segurança. A Marinha cuida das petúnias. É uma divisão justa de trabalho, presidente. Até o pessoal do Serviço Secreto pode dormir aqui, senhor.
Ryan olhou em volta e viu por quê. Havia dois fuzileiros navais cercando o chalé, e mais três num raio de 45 metros. E aqueles eram apenas os que ele conseguia ver.
— Deseja alguma coisa, presidente?
— Café será um bom começo.
— Siga-me, senhor.
— Atenção no convés! — gritou um marinheiro alguns segundos depois, quando Ryan entrou no refeitório.
— Descansar — ordenou o presidente. — Pensei que este era o retiro presidencial, não um campo de treinamento.
Ryan escolheu um lugar à mesa usada pela equipe. Café apareceu como num passe de mágica. Então, mais mágica aconteceu.
— Bom dia, presidente.
— Oi, Andréa. Quando você chegou?
— Por volta das duas, de helicóptero — explicou.
— Conseguiu dormir?
— Cerca de quatro horas.
Ryan tomou um gole de café. Café da Marinha ainda era café da Marinha.
— E?
— A investigação está em andamento. A equipe está reunida. Todo mundo tem um lugar à mesa.
Ela estendeu uma pasta, que Ryan leria antes de seu jornal matutino. O condado de Anne Arundel, a Polícia Estadual de Maryland, o Serviço Secreto, o FBI, a ATF e todas as agências de informação estavam trabalhando no caso.
Tentavam identificar os terroristas, mas os dois cujos documentos já tinham sido checados revelaram-se não pessoas. Seus documentos eram falsos, provavelmente de origem europeia. Grande surpresa. Qualquer criminoso europeu competente, quanto mais uma organização terrorista, podia gerar passaportes falsos. Ele levantou os olhos para Andréa.
— E quanto aos agentes que perdemos? Um suspiro, um encolher de ombros.
— Todos eles tinham famílias.
— Vamos providenciar para que eu as encontre. Acha que devo me encontrar com todas as famílias ao mesmo tempo ou com cada uma isoladamente?
— A escolha é sua, senhor — disse-lhe Price.
— Não. Precisa ser o que for melhor para eles. Eles são a sua gente, Andréa.
Cuide disso para mim, certo? Devo-lhes a vida da minha filha, e preciso fazer o que for justo pura com eles — disse POTUS solenemente, lembrando por que estava neste lugar silencioso e pacífico. — E presumo que suas necessidades serão atendidas apropriadamente. Consiga-me os detalhes sobre isso: seguros, pensões, tudo isso, certo? Quero acompanhar de perto.
— Sim, senhor.
— Já sabemos alguma coisa importante?
— Não realmente. As arcadas dentárias dos terroristas autopsiados definitivamente não eram americanas. Isso é tudo por enquanto.
Ryan folheou os documentos que tinha. Uma conclusão preliminar saltou da página sobre ele: — Onze anos?
— Sim, senhor.
— Então isso foi uma operação grande para alguém... uma nação.
— É uma possibilidade.
— Quem mais teria os recursos? — indagou, e Price lembrou que seu presidente tinha sido agente de informação por um longo tempo.
O agente Raman aproximou-se e sentou. Ele ouvira essa observação, e trocou um olhar com Price.
O telefone de parede tocou. O capitão Overton caminhou até ele.
— Sim? — Ele ouviu durante alguns minutos, então se virou.
— Presidente, é a Sra. Foley na CIA.
O presidente caminhou para atender ao telefonema.
— Sim, Mary Pat.
— Senhor, recebemos um telefonema de Moscou há alguns minutos. Nosso amigo Golovko perguntou se pode ser de alguma ajuda. Recomendo um sim a isso.
— Concordo. Mais alguma coisa?
— Avi ben Jakob quer conversar com você hoje mais tarde. Apenas para os seus ouvidos — disse-lhe a DDO.
— Daqui a mais ou menos uma hora. Deixe-me acordar primeiro.
— Sim, senhor... Jack?
— Sim, MP?
— Graças a Deus sobre Katie — disse Mary Pat, de mãe para pai, e então, apenas como profissional: — Se pudermos descobrir quem fez isso, nós iremos.
— Eu sei que você é a melhor que temos — ouviu a Sra. Foley. — Estamos bem agora.
— Bom. Ed e eu estaremos aqui o dia inteiro — disse Mary Pat antes de desligar.
— Como ele parece? — perguntou Clark.
— Ele vai superar, John.
Chavez esfregou a mão na barba por fazer. Os três, mais alguns outros, haviam passado a noite revendo tudo que a CIA tinha sobre grupos terroristas.
— Temos de fazer alguma coisa sobre isto, pessoal. Isto é um ato de guerra.
— Sua voz estava agora desprovida de sotaque, como tendia a ser quando ele falava sério, invocando sua educação em vez de suas origens de Los Angeles.
— Não sabemos muita coisa. Que droga — disse a DDO. — Não sabemos nada ainda.
— É uma pena que não tenhamos pegado um deles vivo. — A observação, para a surpresa dos outros dois, veio de Clark.
— Ele provavelmente não teve muita chance de colocar algemas no cara — replicou Ding.
— É verdade.
Clark levantou o conjunto de fotos criminais que fora trazido do FBI logo depois da meia-noite. Como ele trabalhara no Oriente Médio, esperara-se que reconhecesse um dos rostos. Mas não reconhecera ninguém. O máximo que sabia era que, quem quer que fosse o safado do FBI que estivera lá dentro, atirava como ninguém. Sujeito de sorte: estava lá dentro, teve uma chance e soubera quando agir.
— Alguém soube aproveitar a oportunidade — disse John.
— Isso é um fato — Mary Pat concordou automaticamente, mas então todos pensaram a respeito.
A questão agora não era o quanto a chance fora boa, e sim como a chance fora percebida por quem havia jogado os dados. Os nove terroristas tinham sido suicidas, certamente marcados para a morte como os fanáticos do Hezbollah que haviam andado pelas ruas de Israel com roupas confeccionadas por DuPont — essa era uma piada da CIA sobre a situação, embora o fato de que os explosivos plásticos provavelmente tinham vindo da fabrica Skoda na antiga Tchecoslováquia. Bombas não-tão-inteligentes era a outra alcunha interna. Será que eles realmente acreditavam que poderiam sair vivos dali? O problema com alguns dos fanáticos era que eles não sabiam avaliar as coisas muito bem... talvez nem se importassem.
Esse também era o problema daqueles que os haviam enviado. Esta missão tinha sido diferente, afinal de contas. Em geral os terroristas gabavam-se abertamente do que faziam, por mais odiosos que fossem seus atos. O pessoal da CIA e das outras agências haviam esperado durante 15 horas que alguém assumisse o atentado. Mas isso não aconteceu, e se não havia acontecido até agora, era porque não queriam que ninguém soubesse. Mas isso era uma ilusão.
Os terroristas sempre proclamavam seus atos, mas nem sempre apreciavam que os agentes de polícia descobrissem suas intenções.
Já com as nações-Estado a história era outra, ou pelo menos assim parecia.
Certo, o vendedor das armas não soubera nada que pudesse identificar o ponto de origem dos terroristas... ou pelo menos era o que alguns podiam pensar. Mas Mary Pat não nutria essas ilusões. O FBI era melhor do que bom, bom o bastante para que o Serviço Secreto estivesse deixando cuidar de toda a parte forense. E portanto era possível que o indivíduo ou instituição que havia iniciado a missão pudesse realmente esperar que a história acabasse se revelando. Eles provavelmente sabiam disso, e mesmo assim deram prosseguimento ao plano. Se esta linha de especulação era legítima, então...
— Parte de alguma outra coisa? — perguntou Clark. — Não um ato isolado.
Parte de um plano maior.
— Talvez — observou Mary Pat.
— Se é assim, a coisa é grande. — Chavez concluiu para eles. — Talvez tenha sido por isso que os russos telefonaram para a gente.
— Tão grande... tão grande que mesmo se deslindarmos tudo, quando conseguirmos não fará a menor diferença.
— Isso é muito grande, Mary Pat — disse Clark. — Que poderia ser...?
— Alguma coisa permanente, alguma coisa que não poderemos mudar depois de ter acontecido — presumiu Domingo. O tempo que passara na George Mason University não fora desperdiçado.
A Sra. Foley desejou que seu marido estivesse ali para ajudá-la, mas Ed estava em reunião com Murray naquele exato momento.
Sábados de primavera costumam ser dias de rotina tediosa mas agradável, mas em pouco mais de duzentas casas pouco estava sendo feito. Jardins não estavam sendo plantados. Carros não estavam sendo lavados. Liquidações não estavam sendo frequentadas. lojas de tinta jaziam fechadas. Isso tudo sem contar com os funcionários públicos e jornalistas trabalhando na grande matéria da semana. A maioria das pessoas acamadas com gripe eram homens. Trinta deles estavam em quartos de hotel. Vários até mesmo tentaram trabalhar, comparecendo às feiras nas novas cidades, enxugando rostos, assoando narizes e torcendo para que a aspirina ou o Tylenol surtisse efeito logo. Do último grupo, a maioria retornou aos quartos de hotel para relaxar; não havia sentido em lidar adoentados com clientes, havia? Em absolutamente nenhum dos casos procurou-se assistência médica. Aquilo devia ser o vírus da gripe de inverno primavera; cedo ou tarde, todo mundo acabaria infeccionado por ele. Eles não estavam tão doentes afinal, não é mesmo?
A cobertura da imprensa sobre o incidente na Giant Steps foi inteiramente previsível, começando com fotos tiradas a cerca de 45 metros de distância, e as mesmas palavras repetidas por todos os correspondentes, seguidas pelas mesmas palavras proferidas por especialistas em terrorismo e ou outros campos.
Uma das emissoras levou o espectador de volta aos tempos de Abraham Lincoln por nenhum outro motivo além daquele ser um sábado, um dia muito estéril em notícias. Toda a cobertura apontava para o Oriente Médio, embora até então as agências de investigação tivessem declinado de fazer qualquer comentário sobre o evento, exceto para citar a interferência heroica de um agente do FBI e a batalha travada pelos agentes do Serviço Secreto que agiam como guarda-costas da pequena Katie Ryan. Palavras como heroicos, dedicados, e determinados eram ostentadas com grande frequência, levando à conclusão dramática .
Alguma coisa simplesmente saíra errado, e Badrayn tinha certeza disso, embora ele não pudesse ter certeza até que seu colega voltasse para Teerã de Londres, através de Bruxelas e Viena, com diversos documentos de viagem diferentes.
— O presidente e sua família estão no retiro presidencial em Camp David para recuperar-se do choque desse evento terrível, acontecido bem ao norte da pacífica Annapolis, em Maryland — concluiu o repórter. — Este é...
— Retiro? — perguntou Daryaei.
— Significa muitas coisas na língua deles, entre elas, fugir — respondeu Badrayn, principalmente porque tinha certeza de que era isso que seu empregador queria ouvir.
— Se ele acha que pode fugir de mim, está muito enganado — observou o sacerdote com um sorriso sombrio, sua discrição derrotada pelo ânimo do momento.
Badrayn não reagiu à revelação. Foi fácil fazer isso, porque nesse instante estava olhando para o televisor e não para seu anfitrião, mas as coisas nunca lhe pareceram mais claras. Não havia tanto risco envolvido, afinal de contas.
Mahmoud Haji linha uma forma de matar esse homem, talvez a qualquer momento que quisesse, e a situação toda estava sendo orquestrada. Será que ele realmente poderia fazer isso?
Os IVIS dificultaram a vida na OpFor. Mas não muito. O coronel Hamm e a Divisão Corcel Negro haviam vencido essa, mas o que apenas um ano antes teria sido um massacre de proporções cósmicas — Forte Irwin ficava na Califórnia, e algumas peculiaridades linguísticas eram inevitáveis —, fora uma vitória suada. Guerra dizia respeito a informação. Essa era sempre a lição do Centro Nacional de Treinamento: Encontre o inimigo. Não deixe o inimigo encontrar você. Reconhecimento. Reconhecimento. Reconhecimento. O sistema IVIS, operado por pessoas competentes, enviava as informações para qualquer pessoa com tamanha rapidez que os soldados estavam voltando-se para a direção certa mesmo antes das ordens chegarem. Isso praticamente anulara uma manobra da parte do OpFor, que teria sido digna de Erwin Rommel em seu melhor dia. Enquanto observava a gravação em velocidade acelerada do exercício na tela grande da Sala Guerra nas Estrelas, Hamm viu o quanto tinham chegado perto. Se uma daquelas companhias de tanques da Força Azul tivesse se movido apenas cinco minutos depois, ele teria perdido esta, também.
O Centro Nacional de Treinamento decerto perderia sua utilidade se os Mocinhos vencessem regularmente.
— Aquela foi uma manobra magnífica, Hamm — admitiu o coronel da Guarda da Carolina, enfiando a mão no bolso para pegar um charuto e o oferecendo a Hamm. — Mas amanhã nós vamos te dar um belo chute na bunda.
Normalmente, ele teria sorrido e dito Claro que vocês vão. Mas o filho da puta poderia simplesmente assentir em concordância, e isso tiraria um bocado da diversão da vida de Hamm. O coronel do 11º RCB teria agora de pensar em formas de burlar o IVIS. Era algo que ele já começara a pensar, e que tinha sido tópico de algumas discussões sobre cervejas com seu oficial de operações, mas até aqui eles tinham apenas concordado que aquilo não seria moleza, e provavelmente precisaria envolver veículos chamarizes... como Rommel usara.
Ele teria de obter fundos para isso. Saiu para fumar seu charuto. Havia sido uma vitória honrosa. Encontrou o coronel da guarda lá fora.
— Para um homem da guarda, você é danado de bom — precisou admitir Hamm. Ele jamais dissera uma coisa dessas para uma formação de guarda antes. Ele raramente dizia isso para qualquer um. Exceto por um erro de destacamento, o plano da Força Azul havia sido uma obra de arte.
— Obrigado por dizer isso, coronel. O IVIS foi uma surpresa rude, não foi?
— Pode repetir isso.
— Meu pessoal o adorou. Muitos deles usaram suas horas de folga para brincar com os simuladores. Diabos, estou surpreso por você ter nos vencido.
— A sua reserva estava próxima demais — disse-lhe Hamm. — Vocês pensavam saber o que explorar. Ao invés disso, eu os peguei fora de posição para reagir ao meu Contra-ataque.
Aquilo não era uma revelação. O observador controlador sênior deixara essa lição dura para o comandante de tanques momentaneamente arrependido.
— Tentarei lembrar disso. Soube das notícias?
— Sim, e aquilo foi sacanagem — pensou Hamm em voz alta.
— Criancinhas. Será que concedem medalhas no Serviço Secreto?
— Eles têm alguma coisa assim, imagino. Posso pensar em coisas piores pelas quais morrer.
E era a isso que tudo se resumia. Aqueles cinco agentes haviam morrido fazendo seu trabalho, correndo ao som das armas. Eles podiam ter cometido alguns erros, mas às Vezes não se tinha escolha nesses assuntos. Todo soldado sabia disso.
— Deus guarde suas almas corajosas — disse o homem, soando como Robert Edward Lee Isso engatilhou alguma coisa em Hamm.
— Qual é a história de vocês? Você, coronel Eddington, você não... o que diabo faz na vida real?
O homem estava com mais de cinquenta anos, muito velho para um oficial em comando de uma brigada, mesmo na guarda.
— Sou professor de História Militar na Universidade da Carolina do Norte.
Qual é a história? Esta brigada devia ser a substituta da 24ª Mecanizada em 1991, e viemos para cá fazer exercícios. Nunca fomos enviados para a guerra.
Eu era oficial de rastreamento naquela época, Hamm. Nós queríamos ir. Nossos padrões regimentais remontam à Revolução. Isso doeu em nosso orgulho.
Esperamos voltar aqui por quase dez anos, rapaz, e esta caixa de IVIS deu-nos uma bela chance. — Ele era um homem alto e magro, e quando se virou, estava olhando para baixo na direção do oficial regular. — Faremos uso dessa oportunidade, filho. Conheço a teoria. Tenho lido e estudado há mais de trinta anos, e meus homens não vão rolar e morrer para você, está ouvindo? — concluiu Nicholas Eddington, com o sotaque que tendia a adotar quando irritado.
— Especialmente não para ianques?
— Com toda certeza! — Então foi o momento para uma gargalhada. Nick Eddington era professor, com uma certa inclinação para o dramático. Sua voz suavizou. — Eu sei, se não tivéssemos IVIS, vocês iriam nos matar...
— Tecnologia não é mesmo uma coisa maravilhosa?
— Ela quase nos torna seus iguais, e os seus homens são os melhores. Todo mundo sabe disso — concedeu Eddington, num belo gesto de paz.
— Com as horas que trabalhamos, é bem difícil tomar uma cerveja no clube quando a gente realmente precisa. Posso oferecer-lhe uma na minha casa, senhor?
— Mostre o caminho, coronel Hamm.
— Qual é a sua área de especialidade? — perguntou CORCEL NEGRO SEIS no percurso até seu carro.
— Minha dissertação foi sobre a arte operacional de Nathan Bedford Forrest.
— Mesmo? Também sempre fui um admirador de Buford.
— Ele só teve alguns dias, foram dias bons. Ele poderia ter vencido a guerra para Lincoln em Gettysburg.
— As carabinas Spencer concederam à sua tropa superioridade técnica — teorizou Hamm. — As pessoas esquecem desse fator.
— Escolher o melhor território não machucou, e as Spencer ajudaram, mas o que ele fez de melhor foi lembrar sua missão — replicou Eddington.
— Ao contrário de Stuart. Jeb definitivamente teve um dia ruim. Suponho que ele merecia um.
Hamm abriu a porta do carro para o seu colega. Eles tinham algumas horas antes de se prepararem para o exercício seguinte, e Hamm era um estudante sério de História, especialmente da cavalaria. Esse seria um café da manhã interessante: cerveja, ovos, Guerra Civil.
Esbarraram um no outro no estacionamento da 7-Eleven, que no momento estava faturando alto vendendo café e roscas.
— Oi, John — disse Holtzman, olhando para a cena do crime do outro lado da rua.
— Oi, Bob — reconheceu Plumber com um aceno. A área estava fervilhando de câmeras, fotográficas e de TV, registrando a cena para a posteridade.
— Está de pé cedo demais para um sábado... e para um homem de TV — comentou o jornalista do Post com um sorriso amistoso. — Que acha disso?
— Foi realmente uma coisa terrível. — Plumber já tinha sido avô várias vezes.
— Será que foi Ma-alot, aquele em Israel, lá em... quando mesmo? Em 1975, algo assim? — Todos esses incidentes terroristas eram muito parecidos uns com os outros.
Holtzman também não tinha certeza.
— Acho que sim. Mandei alguém checar lá no escritório.
— Terroristas dão boas matérias, mas, Deus do Céu, passaríamos bem melhor sem eles.
A cena do crime estava quase intacta. Os corpos haviam sumido. As autópsias já deviam ter sido finalizadas a essa altura. Mas tudo mais estava como antes, ou quase. Os carros permaneciam lá, e enquanto os jornalistas observavam, os especialistas em balística esticavam fios para simular tiros em manequins trazidos de uma loja de departamentos da localidade, tentando recriar cada detalhe. O atirador escondido do Serviço Secreto era um negro, Norman Jeffers, um dos heróis do dia; agora estava demonstrando como ele viera da casa do outro lado da rua. Lá dentro estava o inspetor Patrick O’Day.
Alguns agentes simulavam os movimentos dos terroristas. Um homem jazia no chão ao lado da porta da frente, apontando em todas as direções com um revólver de brinquedo de plástico vermelho. Nas investigações criminais, os ensaios com roupa sempre aconteciam depois da peça.
— O nome dele era Don Russell? — indagou Plumber.
— Um dos caras mais antigos no Serviço Secreto — confirmou Holtzman.
— Merda. — Plumber balançou a cabeça. — Horatius na ponte, como alguma coisa de um filme. Heroico não é uma palavra que usemos com frequência, é?
— Não. Essa é uma coisa na qual não devíamos mais acreditar, não é mesmo? Somos homens maduros. Para nós, todos têm um lado podre, não é? — Holtzman terminou seu café e jogou a xícara plástica na lata de lixo. — Imagine, abrir mão de sua vida para proteger os filhos de outra pessoa.
Alguns jornalistas falaram sobre o evento empregando termos de faroeste.
Duelo em Creche City dissera algum repórter, ganhando o prêmio de mau gosto da noite, e valendo à estação algumas centenas de telefonemas irritados, que confirmaram que a emissora tinha uma audiência sólida no horário noturno.
Ninguém ficara mais irado com isso do que Plumber, conforme Bob Holtzman notou. Ele ainda achava que esse negócio de notícias ainda devia significar alguma coisa.
— Alguma notícia de Ryan? — perguntou Bob.
— Só um comentário para a imprensa. Callie Weston escreveu, e Arnie o leu. Não posso culpá-lo por se afastar com a família. Ele merece uma colher de chá de alguém, John.
— Bob, eu me lembro de quando...
— Sim, eu sei. Me pegaram de jeito. Elizabeth Elliot passou-me uma informação sobre Ryan quando ele era diretor suplente da CIA. — Virou-se para encarar o colega mais velho. — Era tudo mentira. Pedi-lhe desculpas pessoalmente. Sabe o que foi realmente aquilo tudo?
— Não — admitiu Plumber.
— A missão colombiana. Ele estava lá. Durante a missão, algumas pessoas foram mortas. Uma delas um sargento da Força Aérea. Ryan cuida da família do sargento. Ele está bancando a faculdade de todos, do próprio bolso.
— Você nunca publicou isso — objetou o repórter de TV.
— Não, eu não publiquei. A família... bem, eles não são figuras públicas, são? Quando descobri, aquilo era notícia velha. Simplesmente não considerei publicável.
Essa última palavra era uma das chaves para entender a profissão daqueles dois homens. Eram os homens de notícia que decidiam o que devia chegar ao olho do público e o que não devia, e escolher o que devia ser publicado e o que não devia; eram eles que controlavam as notícias e decidiam o que, exatamente, o público tinha direito de saber. E exercendo seu poder de escolha, podiam fazer ou derrubar qualquer pessoa, porque nem toda história começava grande o bastante para ser notada, especialmente as políticas.
— Talvez você estivesse errado. Holtzman deu de ombros.
— Talvez eu estivesse, mas não esperava que Ryan se tornasse presidente mais do que você. Ele fez uma coisa honrada... droga. Muito mais do que honrada. John, há coisas sobre a história colombiana que não podem ver a luz do dia. Acho que sei de tudo agora, mas não posso escrever. Isso iria ferir o país e não ajudaria ninguém.
— O que Ryan fez, Bob?
— Ele impediu um incidente internacional. Ele fez com que o culpado fosse punido de uma forma ou de outra...
— Jim Cutter? — perguntou Plumber, ainda se perguntando do que Ryan era capaz.
— Não. Aquilo foi realmente um suicídio. Sabe o inspetor O’Day, o cara do FBI que estava bem ali do outro lado da rua?
— Que tem ele?
— Ele estava seguindo Cutter. Ele o viu se jogar na frente do ônibus.
— Tem certeza?
— Toda certeza do mundo. Ryan não sabe que sei de tudo isso. Tenho algumas fontes muito boas, e tudo se encaixa com os fatos conhecidos. Ou é tudo verdade ou é a mentira mais inteligente com a qual já deparei. Sabe o que temos na Casa Branca, John?
— O quê?
— Um homem honesto. Não relativamente honesto, não ainda não flagrado . Honesto. Acho que ele nunca cometeu uma desonestidade na vida.
— Ele ainda é um cordeirinho no bosque — replicou Plumber, com certa agressividade. Estava começando a sentir uma dor na consciência.
— Talvez seja. Mas quem disse que somos lobos? Não, isso não é direito.
Nosso dever é correr atrás dos desonestos, mas estamos fazendo isso há tanto tempo que esquecemos que há algumas pessoas no governo que são honestas. — Ele olhou novamente para o colega. — E assim jogamos uns contra os outros para conseguir nossas matérias... e ao longo do caminho também nos tornamos corruptos. Que podemos fazer a esse respeito, John?
— Sei o que você está pedindo. A resposta é não.
— Numa era de valores relativos, é bom encontrar um absoluto, Sr.
Plumber. Ainda que seja o errado — acrescentou Holtzman, obtendo a reação que planejara.
— Bob, você é bom. Muito bom, na verdade, mas não vai conseguir me enrolar, entendeu? — disse o comentarista, conseguindo esboçar um sorriso. Era uma tentativa profissional e ele tinha de admirar isso. Holtzman era uma reminiscência dos dias que Plumber recordava com tanta saudade.
— E se eu puder provar que tenho razão?
— Então por que você não escreve a matéria? — questionou Plumber.
Nenhum jornalista de verdade poderia dar as costas a isso.
— Eu não a publiquei. Nunca disse que não a escrevi — Bob corrigiu seu amigo.
— O seu editor despediria você se...
— E você? Nunca deixou de publicar alguma coisa, mesmo quando dispunha de todas as informações necessárias?
Plumber esquivou-se dessa: — Você falou sobre provas.
— Falei. Mas essa história não pode chegar aos ouvidos de ninguém.
— Como posso confiar em você?
— Como eu posso confiar em você, John? O que colocamos em primeiro lugar? Espalhar notícias, certo? E quanto ao país, e quanto às pessoas? Quando a responsabilidade profissional termina e a responsabilidade pública começa?
Não publiquei essa matéria porque uma família perdeu um pai. Ele deixou uma esposa grávida. O governo não podia reconhecer o que havia acontecido, e assim Jack Ryan se prontificou a fazer a coisa certa. Ele o fez com dinheiro do próprio bolso. Jamais quis que alguém descobrisse a esse respeito. E então, o que eu devia fazer? Expor a família? Para quê, John? Para espalhar uma história que não apenas prejudicaria um país, como também uma determinada família?
Isso poderia colocar em risco a educação das crianças. Há muitas outras notícias que podemos cobrir. Mas escute o que digo, John: você prejudicou um homem inocente, e o seu amigo com o sorriso grande teve de mentir para o público para fazer isso. Não devíamos nos preocupar com isso.
— Então por que você não escreve sobre isso? Holtzman fê-lo esperar alguns segundos pela resposta.
— Estou disposto a lhe dar a chance de consertar as coisas. Esse é o motivo.
Você estava lá, também. Mas preciso ter a sua palavra, John. Aceitarei sua palavra.
Havia outras coisas além disso. Tinha de haver. Para Plumber, era uma questão de dois insultos profissionais. Em primeiro lugar, o fato de que ele havia sido enrolado por um associado mais jovem na NBC, da geração mais jovem que achava que jornalismo era a forma como você parecia diante de uma câmera. Em segundo lugar, o fato de que ele também tinha sido enrolado por Ed Kealty, usado... para prejudicar um homem inocente? No mínimo, ele tinha a obrigação de descobrir. Se não o fizesse, teria de passar um bom tempo evitando olhar no espelho.
O comentarista de TV pegou o minigravador de Holtzman de sua mão e apertou o botão de gravar.
— Aqui é John Plumber, hoje é sábado, sete e meia da manhã, e estamos em frente à creche Giant Steps. Robert Holtzman e eu vamos sair agora daqui e seguir para outro lugar. Dei minha palavra de que aquilo que iremos investigar permanecerá absolutamente confidencial entre nós. Esta gravação é um registro permanente desse compromisso da minha parte. John Plumber — concluiu —, NBC News. — Desligou o gravador e, depois de um segundo, ligou de novo. — Entretanto, se Bob agir de má-fé para comigo, nosso acordo estará encerrado.
— Isso é justo — concluiu Holtzman, removendo a fita do gravador e colocando-a no bolso.
A promessa não tinha validade legal. Mesmo se tivesse sido um acordo contratual, a Primeira Emenda provavelmente iria negá-lo, mas era a palavra de um homem, e os dois jornalistas sabiam que isso manteria seu valor, mesmo na era moderna. A caminho do carro de Bob, Plumber falou com seu produtor de externa.
— Voltaremos daqui a mais ou menos uma hora.
O predador estava circulando um pouco abaixo de três mil metros. Para propósitos de conveniência, as três corporações da URI foram identificadas como I, II e III pelos oficiais de informação em STORM TRACK e PALM BOWL. O UAV estava agora circulando a Corporação I, uma divisão armada da Guarda Republicana Iraquiana reconstituída e uma divisão semelhante do antigo Exército iraniano. Eram chamados Os Imortais, em homenagem à guarda pessoal de Xerxes. A configuração era convencional. As formações regimentais estavam na disposição clássica duas na frente uma atrás, uma espécie de triângulo, com a terceira constituindo a divisão reserva. As duas divisões estavam lado a lado. Contudo, a frente estava surpreendentemente estreita, com cada divisão cobrindo meros trinta quilômetros de espaço linear, e apenas uma brecha de cinco quilômetros entre as duas.
Eles estavam treinando com afinco. A cada grupo de quilômetros havia alvos, silhuetas em madeira de tanques. Quando eram avistados, atirava-se neles. O Predator não podia precisar a qualidade da artilharia, embora a maioria dos alvos tivessem sido derrubados depois que a primeira fileira de veículos passou. Os veículos eram principalmente de origem russa soviética. Os pesados eram tanques de batalha T-72 e T-80, fabricados nas grandes fabricas de Chelyabinsk. Os veículos de infantaria eram BMP. As táticas também eram soviéticas. Isso era evidente pela forma como eles se moviam. As subunidades eram mantidas sob controle. As grandes formações moviam-se com precisão geométrica, como máquinas de colheita num trigal do Kansas, cavando o terreno em linhas regulares.
— Puxa, já vi esse filme — observou o sargento na estação Kuwait da ELINT.
— Sim? — perguntou o major Sabah.
— Os russos... bem, os soviéticos, costumavam fazer filmes sobre isso, senhor.
— Como você compararia os dois? — E isso, pensou o especialista em informação, era uma pergunta muito boa.
— Não são muito diferentes, major. — Ele apontou para a metade inferior da tela. — Está vendo aqui? O comandante da companhia tem tudo alinhado, distância e intervalos apropriados. Antes, o Predator estava sobre a tropa de reconhecimento, e isso também estava igualzinho aos livros. Já leu sobre táticas soviéticas, major Sabah?
— Apenas sobre as adaptações iraquianas — admitiu o embaixador do Kuwait.
— Bem, é muito parecido. Consistia em atacar forte e rápido; saltar sobre o inimigo sem lhe dar muita chance de reagir; manter os soldados sob controle.
Para eles tudo se resumia a matemática.
— E qual é o nível de treinamento deles?
— Nada mau, senhor.
— Elliot manteve vigilância sobre Ryan, bem dali. — Holtzman apontou enquanto aproximava o carro da 7-Eleven.
— Ela mandou que o seguissem?
— Liz odiava-o até a alma. Eu nunca... bem, acho que descobri o motivo.
Ela realmente pegava no pé de Ryan. Talvez tenha sido alguma coisa que aconteceu antes de Bob Fowler ser eleito. O suficiente para ela vazar uma história para magoar a família dele. Gentil, hem?
Plumber não ficou tão impressionado.
— Washington é assim.
— Verdade, mas e quanto a usar recursos oficiais do governo para uma vingança pessoal? Essa pode ser a verdadeira Washington, também, mas isso é contra a lei.
Ele parou o carro e fez um gesto para Plumber saltar.
Dentro da lanchonete encontraram sua pequena proprietária e algumas crianças de origem asiática estocando as prateleiras nesta manhã de sábado.
— Olá — disse Carol Zimmer. — Ela reconheceu Holtzman de suas visitas anteriores para comprar pão e leite — e para conhecer a loja. Ela não tinha a menor ideia de que ele era jornalista. Ela apontou. — Você na TV!
— Sim, sou eu — admitiu o comentarista com um sorriso.
O filho mais velho — seu crachá dizia que ele era Laurence — apareceu com uma expressão menos amistosa.
— Posso ajudá-lo em alguma coisa, senhor? — Sua voz era desprovida de sotaque, seus olhos eram brilhantes e desconfiados.
— Gostaria de falar com você, se for possível — disse Plumber, educadamente.
— A respeito de quê, senhor?
— Você conhece o presidente, não é?
— As máquinas de café ficam ali, senhor. Pode ver onde estão os doughnuts.
O jovem deu-lhes as costas. Plumber imaginou que ele deveria ter herdado a altura do pai, e parecia ter boa instrução.
— Espere um minuto! — disse Plumber. Laurence virou-se.
— Por quê? Temos um negócio para cuidar. Com sua licença.
— Larry, seja gentil com o homem.
— Mãe, eu lhe disse o que ele fez, lembra?
Quando Laurence olhou de volta para os jornalistas, seus olhos contaram a história. Eles causaram em Plumber uma dor que ele não sentia havia anos.
— Desculpe. Por favor — disse o comentarista. — Quero apenas falar com você. Não trouxe nenhuma câmera.
— Você está agora na faculdade de medicina, Laurence? — perguntou Holtzman.
— Como sabe disso? Quem é você, afinal?
— Laurence! — objetou a mãe.
— Espere um minuto, por favor. — Plumber levantou as mãos. — Tudo que quero é conversar. Nada de câmeras, nem gravadores. Tudo ficará entre nós.
— Oh, claro. Você nos dá a sua palavra?
— Laurence!
— Mãe, deixe que eu cuido disso! — asseverou o estudante, e então desculpou-se imediatamente. — Desculpe, mãe, mas a senhora não sabe a respeito do que é isto.
— Estou apenas tentando descobrir...
— Eu vi o que o fez, Sr. Plumber. Ninguém lhe disse? Quando você cospe no presidente, está cuspindo no meu pai, também! Agora, por que não compra o que precisa e cai fora?
O jovem deu-lhes as costas novamente.
— Eu não sabia — protestou John. — Se fiz alguma coisa errada, então por que não me conta a respeito? Você tem a minha palavra de que não farei nada que prejudique a você ou à sua família. Mas se eu fiz alguma coisa errada, por favor me diga.
— Por que atacou o Sr. Ryan? — perguntou Carol Zimmer. — Ele é um homem bom. Ele cuida nós. Ele...
— Mãe, por favor. Essas pessoas não se importam com isso! — Laurence precisou voltar para cuidar da situação. Sua mãe era inocente demais.
— Laurence, meu nome é Bob Holtzman. Sou do Washington Post. Sei a respeito de sua família há vários anos. Nunca publiquei a história porque não queria invadir a privacidade de vocês. Sei o que o presidente Ryan está fazendo por vocês. Quero que John ouça da sua boca. Isso não vai se tornar informação pública. Se eu quisesse, eu mesmo teria feito.
— Por que devo confiar em vocês? — questionou Laurence Zimmer. — Vocês são jornalistas!
Esse comentário atravessou Plumber com força e violência suficientes para causar-lhe dor física. Sua profissão havia afundado tanto?
— Está estudando para ser médico? — perguntou Plumber, começando do começo.
— Segundo ano em Georgetown. Tenho um irmão que está para se formar no MIT e uma irmã que acaba de ingressar na Universidade da Virgínia.
— Isso é caro. Caro demais para o quanto vocês ganham com este negócio.
Eu sei. Eu precisei educar os meus filhos.
— Todos trabalhamos aqui. Trabalho nos fins de semana.
— Você está estudando para ser médico. Essa é uma profissão honrada — disse Plumber. — E quando cometem erros, tentam aprender com eles. Eu também, Laurence.
— O senhor sabe mesmo lidar com as palavras, Sr. Plumber. Mas muita gente faz isso.
— O presidente ajuda, não ajuda?
— Se eu lhe contar alguma coisa entre nós significa que vocês não poderão publicar?
— Na verdade, entre nós nem sempre significa isso — admitiu Plumber. — Mas eu lhe prometo, aqui e agora, que jamais usarei essas informações de nenhuma forma. Se faltar com minha palavra, você terá pessoas a quem poderá recorrer e arruinar minha carreira. As pessoas no meu ramo têm muita liberdade... talvez liberdade demais, mas não podemos mentir.
E esse era o xis da questão, não era?
Laurence olhou para a mãe. Seu inglês ruim não denotava uma mente fraca. Ela assentiu para ele.
— Ele estava com papai quando ele foi morto — reportou o jovem. — Ele prometeu a papai que cuidaria da gente. Ele faz isso, e sim, ele paga escolas e coisas assim. Ele e os seus amigos na CIA.
— Eles tiveram problemas aqui com alguns baderneiros — acrescentou Holtzman. — Um sujeito de Langley que conheço veio até aqui e...
— Ele não devia ter feito aquilo! — objetou Laurence. — O Sr. Clar... bem, ele não devia ter feito.
— Por que você não ingressou na Johns Hopkins? — perguntou Holtzman.
— Eles me aceitaram — disse Laurence, num tom de voz ainda hostil. — Desta forma fica mais fácil eu chegar na faculdade, e posso ajudar aqui na loja.
A Dra. Ryan não sabia no começo, mas quando ela descobriu, bem, outra irmã começa na universidade neste outono. Preparatório de medicina, como eu.
— Mas por que...? — a voz de Plumber descarrilou.
— Porque esse é o tipo de sujeito que ele é, e você o sacaneou.
— Laurence!
Durante mais ou menos 15 segundos, Plumber não falou nada. Virou-se para a senhora atrás do balcão.
— Sra. Zimmer, muito obrigado pelo seu tempo. Nada disso será repetido.
Eu prometo. — Virou-se. — Boa sorte com os seus estudos, Laurence. Obrigado por me contar, Não irei incomodá-lo mais.
Os dois jornalistas saíram, seguindo direto até o Lexus de Holtzman.
Por que eu deveria confiar em vocês? Vocês são repórteres. As palavras rudes de um estudante, talvez, mas mesmo assim profundamente dolorosas.
Principalmente porque Plumber sabia que merecera ouvi-la.
— O que mais? — perguntou.
— Até onde sei, eles nem mesmo conhecem as circunstâncias da morte de Buck Zimmer, apenas que deu a vida por sua pátria. Evidentemente, Carol estava grávida da caçula quando ele morreu. Liz Elliot tentou obter uma história sobre como Ryan estava pulando a cerca e que o bebê era dele. Fui arrastado pelo vácuo.
Plumber respirou profundamente.
— Sim. Eu também.
— Assim, o que vai fazer a respeito, John? Plumber olhou para Bob.
— Quero confirmar algumas coisas.
— O rapaz no MIT se chama Peter. Análise de sistemas. Acho que o nome da moça indo para Charlottesville é Alisha. Não sei o nome da que está terminando o segundo grau, mas posso verificar. Tenho dados sobre a compra do negócio da família. E uma microempresa. Todos os registros apontam para os integrantes da missão colombiana. Ryan compra presentes de Natal para eles todos os anos. Cathy também. Não sei como eles irão lidar com isso agora.
Provavelmente muito bem. — Holtzman soltou uma risadinha. — Ele sabe guardar segredos.
— E o cara da CIA que...
— Eu o conheço. Nada de nomes. Ele descobriu que alguns marginais estavam importunando Carol. Ele bateu um papinho com eles. A polícia tem arquivos. Eu já os vi — disse Holtzman. — Ele é um cara interessante. Foi ele quem tirou a esposa e a filha de Gerasimov da União Soviética. Carol o adora.
Ele também é o sujeito que resgatou Koga. Um agente e tanto.
— Dê-me um dia. Um dia — pediu Plumber.
— Completamente justo.
O percurso de volta pela Ritchie Highway transcorreu sem mais nenhuma palavra.
— Dra. Ryan?
Era o capitão Overton, enfiando a cabeça pelo vão da porta.
— O que é? — perguntou Cathy, levantando os olhos de um artigo de jornal.
— Senhora, há uma coisa acontecendo que as crianças podem gostar de ver, com a sua permissão. Todos vocês, se quiserem.
Dois minutos depois, estavam todos na traseira de um Hummer, seguindo para a floresta, perto da cerca. O veículo parou a sessenta metros de distância.
O capitão e um recruta conduziram-nos pelo resto do caminho, durante 15 metros.
— Fique quietinha — disse o recruta a CHOCALHO. Ele segurou binóculos na frente dos olhos da menina.
— Maneiro! — considerou Jack Júnior.
— Ela vai sentir medo da gente? — perguntou Sally.
— Não, ninguém caça cervos aqui, e eles estão acostumados aos veículos — explicou Overton. — Aquela é Elvira, a segunda mais velha aqui.
Ela dera à luz apenas alguns minutos antes. Elvira estava se levantando agora, lambendo o gamo recém-nascido cujos olhos estavam confusos com o mundo novo ao seu redor.
— Bambi! — observou Katie Ryan, especialista como era nesse filme da Disney. Mas ainda não era possível saber o sexo do filhote, que, alguns minutos depois, esforçava-se para se manter sobre suas pernas frágeis.
— Certo. Katie?
— Sim? — perguntou Katie, sem desgrudar os olhos do filhote.
— Você precisa dar-lhe um nome — disse o capitão Overton à criança. Era uma tradição deles.
— Tia Marlene — disse CHOCALHO sem hesitação.