Irmandade da "Adaga Negra"
Capítulo QUARENTA E QUATRO
- Ele me disse que precisava de uma parka.
Na noite seguinte, quando a escuridão caiu sobre o Complexo e as persianas se levantaram, Selena olhou para trás e para frente entre as duas capas que Fritz
levou até ela. Uma era vermelha, a outra negra; ambas eram de lã e relativamente largas.
- Oh, sinto muito, senhora. - Virou-se para armário da sala que dava para a garagem. - Que tal um destes?
Desta vez, ele lhe ofereceu uma escolha entre um casaco de cintura larga que parecia ter sido feito de biscoitos e um muito mais largo. Ambos eram negros e tinham
pequenas etiquetas que diziam: PATAGONIA.
- É uma noite relativamente leve, - disse Fritz. - Talvez o mais curto dos dois?
- Sim, acho que tem razão.
Deslizando dentro da coisa, foi surpreendida pela luz e depois de puxar o casaco rapidamente para cima, procurou dentro dos bolsos.
- Isto é fantástico.
O mordomo sorriu. - Meu prazer. Luvas?
- Acho que vou manter minhas mãos aqui.
- Como quiser senhora.
Ao sair da cozinha, sentiu-se como se estivesse borbulhando. Trez se negou a dizer-lhe algo sobre onde iriam e o desconhecido era como um vinho embriagante,
fazia sua cabeça zumbir e seu corpo flutuar.
Ela vacilou diante da porta para a sala de jantar. Os sons, os cheiros do café da manhã eram óbvios e suaves, as vozes que conhecia bem, os cheiros que faziam
seu estômago rugir. E, no entanto, deu a volta e se dirigiu para a outra saída da cozinha, a que se abria de lado para uma grande escada.
Todo o mundo foi amável na noite anterior, todas as mulheres lhe deram atenção e um apoio incrível.
Não queria incomodá-los novamente e realmente não queria uma relação extra.
Sentia-se um pouco cansada e queria guardar todas suas forças para uma nova oportunidade.
Quando entrou no vestíbulo, viu Trez e Manny em pé e muito próximos do lado do mosaico de macieira no chão. Conversavam com atenção, cada um mais sério que o
outro.
Seu coração parou. O médico estava insistindo que ficasse em casa? Ou iria levá-la para a clínica pela primeira vez?
Olhou para trás e considerou suas opções. Não ficaria sob a terra, ainda que...
- Precisa cuidar dela. - Manny advertiu.
- Eu o farei. Juro pela vida do meu irmão.
Oh...
Manny tirou algo do bolso. Um tipo de chaveiro.
Pendurando-o na frente do rosto de Trez disse. - Ela nunca foi dirigida por ninguém mais.
- Então porque está entregando para mim?
- Por que você tem de ir com estilo. Está levando sua mulher para sair e não pode ser em uma BMW qualquer.
- Você é um esnobe com carros.
Selena franziu o cenho. Carro? Falavam sobre...
Trez deu a volta como se houvesse percebido seu cheiro no ar e no instante em que a viu, começou a sorrir. - Ei, pronta, minha rainha?
Caminhando através do vasto espaço, ela lhe devolveu o sorriso. Deixou o cabelo solto novamente, porque sabia pela forma que a olhava, brincava com ele e o acariciava,
que ele preferia assim.
O coque das Escolhidas supunha-se que poderia lhe dar um diabo de uma dor de cabeça depois de algumas horas.
Ficou na ponta dos pés, beijou-o na boca e logo ficou ao lado dele, encaixada perfeitamente sob seu braço. - Estou tão pronta.
Manny aplaudiu Trez e logo disse em voz baixa. - Nós acertamos.
- Obrigado, homem.
Logo o médico lhe piscou, caminhou para a cozinha e para todas as pessoas que ali estavam.
- O que significa isto? - Perguntou Selena quando Trez abriu a porta para o vestíbulo. - Isto de acertamos?
- Nada.
Inclinando-se para frente, abriu a segunda porta e o frio da noite entrou fazendo cócegas no nariz dela e colorindo as bochechas.
- Demais? - Perguntou.
- O que?
- Muito frio? Você estremeceu.
- Adoro.
- Bom, quero ir de cima abaixo.
Estacionado justo de frente as escadas de pedra estava um maravilhoso carro preto, com rodas negras e algum tipo coisa na parte da frente.
- Querida Virgem Escriba, o que é isto? - Disse.
- É um Porche 911 turbo.
- Oh meu...
Descendo, ela se aproximou da máquina, tirando a mão do bolso e passando os dedos de lado. Suave, brilhante, frio como o gelo.
- Mas tem um teto, não? - Disse.
- Tem alguns truques.
Ao abrir a porta, ela sentou-se do lado do passageiro. - É o novo bebê de Manny. Ele o conseguiu há algumas semanas e é o mesmo modelo e marca do seu último,
mas por dentro é diferente. Isto foi o que disse, em todo caso.
Por dentro cheirava a couro, o perfume do humano e o cheiro de Payne.
Trez sentou-se ao volante e fechou a porta. Quando virou uma chave, um grande grunhido se colocou em marcha, uma vibração sutil passou pelo interior.
- Olhe isto. - Ele apertou outro botão. - Para cima.
Como por magia, tudo o que estava sobre sua cabeça se afastou, retraindo-se em uma serie de dobras no compartimento traseiro.
- Pensei que quisesse ver as estrelas. - Ele sorriu e ligou o aquecedor. - Tem uma tela, então não precisa se preocupar com o vento.
Inclinando-se para trás, viu... O céu de veludo com suas luzes piscando.
Deixando escapar um grito de alegria, lançou os braços ao redor do pescoço dele e o puxou para lhe dar um beijo. - Isto é incrível!
Ele riu. - Não posso acreditar que nunca viu um conversível antes.
- Nunca ando de carro. A menos que esteja com você.
- Bom, coloque o cinto. Esta cadela vai voar.
Quando ele pisou no acelerador, o carro saltou para frente como um cavalo galopando e ela não pôde deixar de olhar o céu noturno e sorrir com tanta força que
suas bochechas doeram.
Inclusive com o mhis, estava bem rápido, disparando pela montanha até que chegaram a uma estrada na parte inferior. Virou à esquerda.
- Aonde vamos? - Perguntou enquanto ele pisava no acelerador novamente e ela era absorvida pelos contornos de seu assento quando o motor rugiu.
- Já verá. - Olhou. - Quente o suficiente?
- Perfeitamente sim!
Era forte e estimulante, um torvelinho de ar frio ao redor de sua cabeça, com o ar quente a seus pés, o carro rugindo e apoiando-se nas curvas da estrada. Antes
de perceber, seu coração estava acelerado e fazia seu estomago se contorcer, sentiu o octano em suas veias.
- Espero que seja uma longa viagem! - Gritou.
- O que?
- Esqueça!
Ela perdeu a conta dos minutos e dos quilômetros, mas pouco a pouco percebeu que a paisagem florestal aumentou, salpicada de casas humanas. Logo, havia lojas,
bairros com casas, um parque e muitos edifícios de apartamentos apareceram.
- Onde estamos? - Perguntou enquanto diminuía a velocidade para parar em um semáforo vermelho.
- Fora de Caldie.
- Vamos ao centro novamente?
- Não. - Ele sorriu. - Mas, estamos quase em nosso destino.
Um pequeno carro mais baixo e de cor amarela parou junto a eles e ela sentiu o condutor olhar para cima. Música pulsava dentro do outro carro e o motor estava
acelerado.
- Está tendo uma espécie de espasmo. - Perguntou. - Nos pés?
- Não, está acontecendo em outro lugar. - Trez murmurou.
Quando o semáforo ficou verde, o pequeno carro explodiu adiante, seus pneus gritando, um cheiro desagradável de queimado deixando seu rastro.
- O que foi tudo isso? - Perguntou.
- Espere.
Efetivamente, um carro com luzes azuis e brancas saiu de um estacionamento e foi em perseguição. Mas não atrás dela e Trez.
Trez negou com a cabeça. - O pequeno merda deveria saber que nunca deve fazer isto por esta rua. Além disso, está louco em andar com este carro. - Ele se aproximou
e lhe tocou. - Está pronta?
- Oh sim. - Olhou ao redor e não viu mais que algumas empresas unidas entre si por um teto comum e um estacionamento. - Chegamos?
- Quase.
Na realidade, era um pouco adiante, além das lojas com a palavra Outlet destacada. E logo apareceram algumas casinhas de madeira em uma pequena colina com...
Estacionamentos. Lotes vazios enormes para estacionar como os jardins do Santuário. Exceto do outro lado do carro. - O que é isto?
- Bem vinda à Storytown.
Selena se inclinou adiante. No outro extremo havia um sinal luminoso indicando a entrada, era alto e largo e desafiava a compreensão. Mas o que viria depois
disto? Era ainda mais surpreendente. Vastos mecanismos que alcançavam até o céu e se iluminavam como um arco-íris, todas as luzes intermitentes como se fossem brinquedos
feitos por gigantes.
Trez girou o carro de Manny por todo o asfalto e rugiu através da superfície, em direção à porta do lado esquerdo no que parecia ser uma zona de faturamento.
Quando parou ante uma entrada lateral, tiveram que esperar um momento antes que um homem com uniforme azul marinho soltasse algo e os deixasse passar.
- Ei Senhor Latimer.
Trez estendeu a mão e ofereceu a sua. - Pode me chamar Trez.
- Sou Ted. - Estreitaram a mão e o homem assentiu com a cabeça à Selena. - Iremos cuidar muito bem de vocês esta noite. Por aqui.
- Certo. Obrigado, homem.
- Sem problemas.
Quando ele pisou no acelerador, Selena se viu abrumada por todas as luzes de neon. - O que é este lugar. Isto é... Mágico.
- E é todo nosso. Não há ninguém mais aqui, apenas eu e você.
- Como é isto possível?
- Um dos meus garotos da segurança é irmão do chefe da segurança aqui. Conversaram com os proprietários e eles estão me fazendo um favor.
Quando encontraram um segundo guarda, Trez parou o carro e desligou o motor. - Gostou daquela louca viagem pelo centro ontem à noite, não?
- Oh sim, sim, muito.
Inclinou-se e a beijou. - Espere para ver, minha rainha.
iAm observava de uma torre alta de segurança no centro do parque de atrações quando Trez manobrou o Porche através da porta e parou no segundo ponto de segurança.
- Quer binóculos?
Olhou por cima do ombro para Big Rob. - Não. Estou bem.
O gorila da shAdoWs silvou enquanto colocava novamente o binóculo perto dos olhos. - Você tem olhos impressionantes para ver tão longe.
iAm encolheu os ombros e tomou outro gole de sua caneca térmica. Dentro, o café era forte e quente o suficiente para queimar a língua. Assim como gostava. Ele
não estava dormindo, mas, estava em coma esta manhã, quando seu irmão o acordou com esta ideia brilhante por volta das dez horas. O plano era louco, claro. Quem
demônios alugava todo um parque por três horas?
Especialmente quando a maldita coisa fechou na temporada anterior? Trez o fez. Bem assim.
E iAm ajudou o garoto a resolver tudo.
Fazer com que tudo isso acontecesse para Selena levou uma quantidade incrível de dinheiro e algumas ligações telefônicas que sinceramente foram difíceis. Mas,
graças à Big Rob que estava ali e o irmão dele, Jim, também conhecido como Jimbo e a esposa do proprietário que acabou de perder seu pai com câncer no verão anterior,
conseguiram preparar tudo: O pessoal foi chamado de suas folgas e as máquinas que estavam paradas foram ligadas novamente. Inclusive as tendas de comida estavam
funcionando... Graças aos garçons do Sal's.
A alegria no rosto de Selena e o orgulho de seu irmão, evidente inclusive dali da torre, fazia com que valesse a pena.
E sabe, era impossível desprezar os seres humanos esta noite. Pelo amor de Deus, os proprietários não guardaram o dinheiro deste aluguel, eles doaram à Sociedade
Americana de Câncer. Às vezes as pessoas surpreendem. Estes realmente o surpreenderam.
- Então, quem é ela? - Perguntou Big Rob. - Quero dizer, ouvi que ele tinha uma namorada, mas, não sabia que estava... Sabe, doente. Eles estão juntos há muito
tempo?
- O suficiente.
Houve um silêncio espesso. - Ele não vai voltar ao trabalho, não é?
- Não por um tempo.
- Vocês, rapazes vão nos vender?
- Não sei. Não chegamos tão longe.
iAm olhou para o relógio novamente. Oito e meia. Perfeitamente a tempo para sua saída programada para as onze e meia. O centro cirúrgico de luxo de Manny estava
estacionado no centro, a zona ainda estava fervendo pela festa do dia anterior, para mover a coisa, mas tinham um bom plano de contingência para Selena. Manny ainda
tinha uma velha ambulância normal e a coisa estava em estado de alerta, perto do parque de diversões esperando e o bom doutor e a médica estavam de prontidão.
- Posso entender porque ele não disse nada. - Big Rob murmurou enquanto deixava cair o binóculo. - E não é por nada, mas uau, ela parece estar em outro mundo.
- Ela também é uma boa pessoa.
- Ela sabe o que ele fez... Você sabe. Uma mulher de classe assim, quero dizer...
- Para ser honesto, acho que esta merda é a ultima coisa em sua mente.
- Sim. Claro. Quero dizer, sim.
iAm olhou para o rapaz. - Não se preocupe, está tudo bem. Pode ir para o clube.
O humano assentiu com a cabeça. - Eu devo ir.
À medida que o homem vacilava, iAm estendeu a palma. - E quanto aos planos futuros com os negócios, nós cuidaremos de todos, prometo. Não importa o que aconteça.
Big Rob estremeceu. - Obrigado homem. Mas, tenho de dizer, gostamos muito de trabalhar para você. Além disso, não sei se Silent Tom conseguiria passar por uma
entrevista. Quase o mataram há cinco anos, quando ajudou Trez.
- Sim, acho que disse menos de doze palavras pelo tempo que o conheço. Dirija com segurança.
- Obrigado. Ligue se precisar de algo.
Big Rob colocou o binóculo na mesa e parou um último momento, olhando para onde Trez e Selena caminhavam entre os carros bate-bate e uma lanchonete. Balançando
a cabeça, dirigiu-se para a saída e fechou a porta atrás de si quando se foi.
iAm olhou o relógio novamente.
Três horas.
E então o quê? Que demônios faria à respeito de maichen?
O que aconteceria se Trez e Selena precisassem dele... E estivesse fora se encontrando com esta mulher?
Jesus, depois de toda uma vida de celibato, era uma surpresa descobrir que fazia arranjos para se encontrar sozinho com um membro do sexo oposto. E não era para
conversar.
Não, ele não estava com ânimo para conversar.
Esfregando os olhos, imaginou a mulher envolta em todas aquelas túnicas de cor azul claro e a vontade de entrar sob elas o levava ao limite obsessivo. Diabos,
se não fosse pela exaustão, provavelmente teria passado todo o dia olhando o teto sobre sua cama pensando no que iria fazer com ela. Como sempre, foi dormir com
uma ereção e acordou com uma também.
Não fez nada a respeito. Masturbar-se, de alguma forma, parecia muito real.
E pela mesma razão, não disse nada à seu irmão sobre sua viagem ao s'Hisbe ou sobre a fêmea que conheceu ou o "encontro" que o marcou.
Comparado com o que Trez enfrentava, tudo era tão pequeno, como batatinhas. E havia também um mundo de sonhos em tudo isso, e se surpreendeu ao descobrir que
queria manter tudo no lugar.
Talvez porque deixava as coisas menos intimidantes?
Mas, vamos, ele não pensava que estava indo. Como poderia partir...?
Não, ele não iria. Pela primeira vez em sua vida, ele não pensava que poderia confiar em si mesmo para não ir diretamente para cima de uma pobre mulher, como
um animal. E inferno, ela provavelmente estava tendo segundos pensamentos, também. Encontrar-se com um homem desconhecido no meio do nada? Estaria louca por fazer
algo assim.
Sobre tudo porque ela tinha de saber o que estava na mente dele.
Não, disse a si mesmo. Nenhum deles iria aparecer na cabana à meia noite. Isto era o melhor para todos.
Realmente. Era.
Capítulo QUARENTA E CINCO
- Ele já está morto! Deuses, já morreu... Pare!
Não, Xcor pensou. Ele não iria parar.
Enquanto continuava a apunhalar o lesser, sangue negro espirrava em seu rosto, peito e antebraço. Sangue negro empoçou-se no asfalto frio do beco. Sangue negro
entrou nos olhos dele.
Ainda assim, continuou o ataque, seu ombro guiando a lâmina para diversos pontos, exceto o peito vazio, enquanto Zypher gritava, puxava-o, amaldiçoava-o.
Mas, foi tudo em vão. Enlouquecido, era uma besta descontrolada, sua mente flutuando acima do esforço, levando-o somente a matar, matar, matar...
O puxão que finalmente o fez largar a presa foi como um reboque de caminhão, força suficiente para separá-lo da carcaça mutilada e gosmenta.
Ele não gostou da realocação involuntária. Virando-se, golpeou o ar com a adaga, quase acertando a garganta de Zypher. O soldado recuou para fora de seu alcance,
ao mesmo tempo em que desembainhava sua própria arma, preparado para lutar.
Preso entre uma estocada e um recuo, Xcor arfou, com grandes nuvens de vapor saindo de sua boca. Ele havia saído da deserta casa de fazenda, sem nenhum deles,
rumando desenfreadamente para o palco do conflito, seminu e totalmente enlouquecido.
E havia sido para o bem de seus próprios soldados.
- Qual o seu problema?! - Zypher exclamou. - O que te aflige?
Xcor exibiu as presas - Me deixe em paz.
- Para poder se matar?
- Me deixe!
O eco de seu grito repercutiu acima e para fora do beco, as palavras ricocheteando entre as paredes de tijolo dos prédios, antes de sumirem na escuridão como
morcegos libertados de uma caverna.
O rosto de Zypher era pura fúria. - Eles têm armas, lembra? Ou a noite passada é uma lembrança muito vaga para você?
- Eles sempre tiveram armas!
- Não desse tipo!
Xcor baixou o olhar para o lesser. Mesmo quase desmembrado, ainda se movia, erguendo os braços em câmera lenta, pernas convulsionando em uma mistura de vísceras
e óleo preto.
Rosnando para a coisa, gritou, e então lhe deu a punhalada final. A claridade foi tão forte, que ele ficou cego pelo brilho, suas retinas reviraram com o reflexo.
Mas adaptou-se logo, cada piscada clareava a visão um pouco mais.
Ele precisava mais. Precisava encontrar mais... Precisava de outra coisa também.
- Me arrume uma prostituta. - Ele resmungou.
Zypher recuou - O que?
- Você ouviu. Me encontre uma. Traga-a para o chalé.
- Humana ou vampira?
- Tanto faz. Só certifique-se de pagar bem para que ela esteja disposta.
Ele esperava perguntas. Não houve nenhuma.
Zypher só inclinou a cabeça. - Como quiser.
Xcor afastou-se, preparado para caçar, lutar e matar. E, antes de correr, olhou por sobre o ombro. - Loira. Eu a quero loira. E deve ter cabelos longos.
- Eu sei a quem chamar.
Com um aceno, Xcor correu pelo beco, seus shitkickers trovejando sobre o asfalto irregular. Farejando a brisa, seu cérebro filtrou os cheiros de fumaça de diesel
misturado à restaurantes xexelentos, e mendigos humanos, sem teto e sem banho, misturado com peixes apodrecendo no rio.
Sua ira contra si próprio aguçava cada sentido que possuía...
- Ei, cara, quer um bagulho?
Parando seus passos, voltou-se e soube pelo cheiro que invadiu suas entranhas que não era um humano ali nas sombras.
O inimigo a quem buscava o havia encontrado, o lesser ainda não sabia com quem estava falando.
- Sim. - Disse ele - Eu gostaria de um bagulho.
- Filho da puta estrangeiro, - disse o lesser. - O que você quer?
- O que você tem?
- Só coisa boa. Heroína pura em pó, colombiana, não essa merda mexicana que...
Xcor não permitiu que o discurso de venda chegasse à uma conclusão. Com uma estocada cruel, se inclinou à frente lançando sua adaga em um arco, e atingiu o lesser
em cheio no rosto, na altura dos olhos. Instantaneamente, o morto-vivo ergueu as mãos, dobrando-se em dois, uivando de dor... E Xcor tirou vantagem disto, recuando
sua bota direita e chutando-lhe o crânio como se fosse uma bola de futebol, mandando o morto-vivo pelos ares até o outro lado do beco.
Saltando alto no ar, pousou sobre o lesser, rolou-o e prendeu suas mãos sobre a cabeça, com uma de suas mãos. O fedor era leite azedo e suor fétido, e o cheiro
adocicado reforçou seu instinto de matar.
A raiva que não vinha conseguindo conter desde que Layla tinha ido embora, voltou novamente. Colocando sua adaga no suporte, fez um punho com a mão dominante
e atingiu várias vezes o rosto pálido do lesser, até as feições praticamente se liquefazerem com os golpes, os ossos quebrarem, a mandíbula cair frouxa. A cada inalação
ele erguia o braço, a cada exalação, o punho descia, o ritmo regular de sua respiração guiava os golpes.
Era melhor Zypher arranjar tudo depressa.
Ele precisava foder até seu humor melhorar.
Sentada na beirada da cama, as mãos de Layla tremiam ao segurar o celular entre as mãos. Ela já havia lido a mensagem, e não só uma vez. De fato, vinha lendo
as palavras desde que havia acordado, ao anoitecer, com o som do celular vibrando na mesinha de cabeceira.
Não venha mais me ver. Eu jamais voltarei ao chalé ou à casa de fazenda de novo, ou consentirei estar em sua presença. Não tenho interesse em nada do que tem
a me oferecer.
Xcor deve ter ditado aquilo em seu iPhone. Ele jamais havia lhe enviado nada via mensagem de texto antes, e ela sempre suspeitara que ele não sabia ler ou escrever.
De todas as maneiras que ela havia imaginado o término da relação deles, de todas as maneiras que havia imaginado a separação deles, não era para ser assim.
Não por ela ter tirado a roupa dele e depois tê-lo obrigado a se alimentar dela.
- ... Olá?
Ela pulou, e o celular voou de suas mãos, caindo no tapete. Quando Qhuinn se aproximou para pegar a coisa, ela entrou em pânico e se levantou rápido da cama
para chegar lá primeiro. Ou tentou se levantar.
Com sua barriga, não conseguia se mover rápido, e ela prendeu a respiração quando ele se inclinou para pegar o celular.
- Você está bem? - Ele disse - Parece pálida.
Não olhe para ele. Não olhe para a tela...
- Oh, meu Deus, está chorando?
- Não. - Ela estendeu a mão - Não estou.
Me dê o celular, me dê...
Qhuinn veio até ela e ergueu seu rosto, - O que está havendo?
Quando o polegar dele acariciou sua bochecha, ele colocou o fodido celular no lugar dele, sobre a mesinha de cabeceira. Com a tela virada para baixo.
- Eu bati na porta e ninguém respondeu, - disse ele - Fiquei preocupado.
Com um tremor, ela fechou os olhos, seus nervos tensos ainda vibrando pelo seu quase flagrante. - Só estava lendo uma história triste online. Acho que estou
mais emotiva do que pensava.
Ele se sentou próximo dela. - Aconteceu merda demais nos últimos dias...
Antes que pudesse se conter, explodiu em prantos e encostou-se no amplo peito dele.
Enlaçando-a com braços fortes, ele abraçou-a gentilmente e deixou-a chorar, botar tudo para fora... E o fato de ele ter erroneamente assumido que as lágrimas
eram só porque estava grávida de gêmeos e com sobrecarga hormonal, a fez chorar ainda mais.
Ela chorou pelos meses e meses de mentiras e decepções; chorou por todas as idas àquele prado; por ela ter se esgueirado para fora e para dentro da casa; por
usar o carro que Qhuinn havia comprado para ela para fazer aquilo.
E mais do que tudo, chorou devido a uma sensação de perda tão poderosa, que era como se alguém houvesse morrido na sua frente e não houvesse nada que pudesse
ter feito para salvá-lo.
Imagens de Xcor golpeavam-na, das suas tentativas de fazer-se apresentável, tentando estar sempre limpo, mesmo recém-saído da batalha... Seu jeito no chuveiro,
delineado enquanto seu corpo gozava por trás da cortina... A derrota que havia pendido sua cabeça enquanto olhava para o fogo como se alguma parte vital de si próprio
estivesse exposta, sangrando, enfraquecendo-o, transformando-o.
Ela tentou dizer a si mesma que era melhor assim. Chega de vida dupla. Sem mais falsidade. Sem mais esconder o celular ou se preocupar se suas fugas seriam descobertas.
Chega de Xcor...
- Eu vou chamar a Dra. Jane. - Qhuinn disse, preocupado, enquanto ia até o telefone.
- O que? Não, eu estou...
- Seu peito está doendo muito?
- O que? - Disse ela, fungando - O que está...
Ele apontou para seu tórax. Baixando o olhar, viu que ela mesma havia agarrado a frente de sua camisola de flanela, o tecido suave jazia embolado entre seu punho
apertado.
Era a origem de suas lágrimas, ela pensou.
Vinham de seu coração.
- Honestamente, - ela sussurrou, - estou bem. Só tinha de botar para fora... Sinto muito.
A mão de Qhuinn parou sobre o telefone. E mesmo quando ele finalmente recolheu o braço, ela teve certeza que ele não estava convencido.
- Eu acho que preciso comer alguma coisa, - ela disse.
Era a última de suas preocupações, mas ele imediatamente entrou modo de solicitude, ligando para Fritz ao invés da médica, pedindo por uma variedade de comida.
A preocupação dele para com seu bem-estar, e toda sua atenção só a fez voltar a chorar.
Querida Virgem Escriba... Ela estava de luto, não estava?
Capítulo QUARENTA E SEIS
- Está bem, então entramos aqui.
Selena agarrou a mão que Trez ofereceu e andou até a beirada da primeira cápsula de uma fileira de seis. As pequenas gôndolas em formato de ervilha estavam montadas
em um par de trilhos e continham dois assentos lado a lado com uma barra de segurança que se erguia acima do capô pouco alto. Após Trez se juntar a ela, um operador
uniformizado lhes deu um aceno de um painel de controle do outro lado da plataforma.
- Isto vai por aquele caminho? - Ela perguntou, apontando para a montanha a frente. - Vamos subir ali?
Trez teve de pigarrear. Duas vezes - Ah, sim. Vamos.
- Oh, meu Deus, é tão alto!
- Eu, ah... É. É sim.
Ela virou-se para ele quando a barra de segurança desceu e travou-se sobre suas pernas. - Trez, sério, você vai odiar isto.
Houve um tranco e então começaram a se mover para frente no trilho, um sonzinho de chk-chk-chk foi emitido enquanto as rodas a giravam em velocidade crescente.
- Você, no entanto, vai amar. - Ele disse, beijando-a - Acho que é melhor se segurar.
Ao iniciarem uma subida quase vertical, suas costas pressionaram o assento acolchoado e suas mãos agarraram a barra de metal frio. Por um momento, ela desejou
ter pegado as luvas que haviam lhe oferecido antes de sair de casa, mas então, esqueceu todo o desconforto.
Mais alto, mais alto, mais alto... Impossivelmente alto.
Voltando-se para o lado, ela riu. - Oh, meu Deus, estamos subindo tanto!
E eles só estavam a meio caminho do topo.
O chk-chk-chk se tornou muito alto e os trancos, mais fortes, até ela sentir como se alguém empurrasse seus ombros. A brisa ficou cada vez mais fria e mais violenta
também, seu cabelo esvoaçava, a parka a desafiava a manter o seu tórax aquecido.
- A vista é incrível, - ela suspirou.
Não tão alto quanto eles estiveram na noite passada, mas sem chão entre ela e a toda aquela altura, sem painéis de vidro para impedir uma queda, nada além do
trilho e a crescente distância do chão, ela sentia-se flutuando.
E as luzes do parque eram magníficas. Brilhantes e multicoloridas, estavam lá embaixo por todos os lados em que ela olhava, acentuando os contornos de vários
dos brinquedos, refletindo nos espelhos e brilhando nos topos vermelhos e amarelos e azuis dos estandes e barraquinhas.
- É como se o céu estivesse invertido e as estrelas estivessem lá embaixo.
- É. Oh, uh-huh... É. Eu acho que chegamos ao topo... Oh, é. Uau. Uh-huh.
Abruptamente nivelaram e tudo silenciou, exceto o vento que golpeava seus ouvidos, a viagem se tornando suave e gentil ao fazerem uma curva fácil.
Um olhar rápido para o macho, e ela viu que, apesar de sua pele escura, estava pálido como um fantasma.
Ela soltou uma das mãos e cobriu a dele. - Trez, acho melhor nos mantermos no chão após isto, ok?
- Oh, não, tudo bem... Estou bem, estou legal.
Uh-huh. Certo. O maxilar dele estava tão fortemente cerrado que ela se preocupou com seus dentes de trás, e o pescoço estava enrijecido acima da gola da jaqueta
de couro. De fato, a única coisa que se movia no corpo inteiro dele era o joelho direito. Estava oscilando para cima e para baixo, para cima e para baixo, cima-baixo,
cima-baixo-cima-baixo-cima-baixo.
- Lá vamos nós, - murmurou ele. Como se preparando para levar um soco na cara.
Ela olhou para frente bem a tempo de não ver absolutamente nada a sua frente. Havia somente o ar aberto, como se os trilhos tivessem sumido.
- Onde estão...
Whoooooosh!
De repente eles estavam a uma velocidade suicida, sem peso e voando, lançados impetuosamente para baixo, baixo, baixo.
Selena riu como se estivesse louca, soltando as mãos e jogando os braços para cima. - Siiiiiiiim!
Tão veloz, o ar golpeava por entre seus cabelos, estapeava lhe o rosto, empurrava-a contra o assento; então bruscamente à direita, à esquerda, zum-zum-zum, subindo
outra subida gigante quando o chk-chk-chk voltou e então...
- Oh, meu Deus! - Trez berrou.
Para o alto e em volta, para que o mundo virasse e ficasse de ponta cabeça antes de se endireitar de novo. E outro looping e então um que os inclinou para o
lado.
Era como aquela volta para casa de novo, somente mais vívida e indomável e maravilhosa.
- Eu podia fazer isto para sempre! - Ela gritou quando outra sequência se aproximava. - Para sempre!
- Oh, Cristo, não de novo!
Quatro vezes.
Seguidas.
E por insistência de Trez.
Quando o pequeno carro dos horrores voltou novamente à plataforma, ele estava preparado para continuar a tortura.
Selena estava extasiada e fazia tudo valer a pena... Mesmo os loopings intestinais da montanha russa.
Que tornava suas próprias tripas uma bagunça efervescente.
- Vamos de novo, - ele disse, tentando abanar a bandeira. Mesmo que àquela altura alguém tivesse de remover cirurgicamente suas mãos da barra de segurança.
- Não, eu acho que já é suficiente.
- Está brincando? Eu adorei essa merda...
- Terminamos, - ela chamou o operador.
- Eu tirei fotos de vocês, - o macho humano disse, enquanto baixava a alavanca e um motor que não estava às vistas parou subitamente. - Estão sendo reveladas.
Está beeeeem, hora de sair. Sim.
- Trez?
Soltando seu agarre da barra, ele observou seu salvador de metal se erguer e se encaixar no lugar apropriado acima de suas cabeças. - É, estou saindo. - Agora
mesmo, - lá vou eu.
Quando Selena se levantou e se apoiou na barra em busca de equilíbrio, ele se sentia pronto a segui-la. Andar até ela, e até o operador. Pegar aquelas fotos
que ele nem sabia que alguém iria tirar.
Em vez disto, ele só permaneceu sentado, respirando com muita dificuldade. Mas, vamos lá, ele não era um marica. Forçando-se a ficar em pé, descobriu que suas
pernas estavam dormentes do meio da coxa para baixo, mas, em um cambalear confuso, de alguma forma, conseguiu sair do carrinho e foi para a plataforma sem passar
muita vergonha.
Apesar do fato de Selena ter de apoiá-lo não ter sido, exatamente, uma declaração de reafirmação de sua verticalidade.
- Oh, obrigada, - ele ouviu-a dizer ao operador. Então olhou para ele, - Ei, vamos até aquele banco olhar as fotos.
Antes que se desse conta, estava sentado em um pedaço de aço fundido, frio e gelado e olhando para as fotografias de Selena se divertindo e ele com a cara de
alguém com as bolas presas em um torno. Enquanto isto, a mão dela acariciava suas costas, correndo o couro da jaqueta em um círculo lento.
- Aqui está, senhora.
- Muito obrigada, - ela ofereceu-lhe algo. - Porque não toma isto?
Ele estava enjoado demais para responder de novo que estava tudo bem. Apenas aceitou o que ela oferecia, colocou na boca e obedeceu ao comando de beber.
- Oh, isto é bom. - Suspirou quando finalmente baixou a garrafa de refrigerante.
- Ginger Ale. A Dra. Jane indicou.
Cerca de dez minutos depois, ele conseguiu se concentrar apropriadamente no que, supostamente, estava olhando. - Você é tão linda, - disse ele, ao fitar a imagem
dos dois juntos.
- Não tenho certeza disto, mas te digo uma coisa, aquele foi o ponto alto da minha vida, bem ali. Como se sente?
Ele esfregou o dedão sobre a foto do rosto dela. - Você está tão viva. Olhe para você, seus olhos estão incríveis.
Uma a uma, ele estudou as fotografias. Haviam sido tiradas após a segunda subida, quando se tinha a sensação de falta de peso e o vento rugia e não se ficava
muito convencido de que aquela merda iria terminar bem quando chegasse ao fim.
Ele podia praticamente sentir a agitação percorrendo o corpo de Selena, a excitação, o prazer, a vibrante força vital transformando-a em um contido relâmpago
de alegria.
Já ele? Jamais se sentira tão pálido, sua pele escura sem cor como a merda...
Quem diria.
- Devíamos fazer um calendário destas, - ele anunciou, - metade delas, mais ou menos.
- Você parece bem melhor. Menos verde. Você estava meio verde.
- Eu encararia aquela filha da puta milhões de vez se você quisesse.
Ela se inclinou, virou o rosto dele para sua direção, e beijou-o - Você sabe o que acabou de provar?
- O que? Que mesmo verdadeiros machões precisam de saquinhos de vômito às vezes?
- Não. - Ela beijou-o de novo - Que é possível dizer "eu te amo" sem usar palavras.
O peito dele estufou. Ele não conseguiu evitar. - Veja só. Sou um Casanova... Quem diria.
Terminando seu Ginger Ale, ele jogou a garrafa vazia na lixeira que ficava a um metro e meio de distância e colocou as fotos no bolso interno de sua jaqueta.
Levantando-se, ele lhe ofereceu o braço. - O que acha de comer algo nutricionalmente deficiente, mas totalmente gostoso? Estamos falando de produtos químicos
de verdade e tudo totalmente ultra processado. O tipo de coisa que humanos geralmente gostam de comer, mas tem de tomar sal de frutas quando chega em casa?
- Soa delicioso. - Ela aceitou a oferta. - Estou ansiosa para ver o que servem aqui.
Trez acenou para o atendente, e então considerou que talvez fosse melhor fazer umas poses de fisiculturista só para retificar sua prejudicada imagem de macho.
A área de alimentação ficava atrás e à direita, e conforme eles contornavam a base daquela montanha-russa, ele olhou para cima, muito para cima, para a geringonça
de metal que mantinha os trilhos no ar. Cara, que bom ele não ter tido esta vista antes de subir lá.
Quanto mais pensava nisto, mais seu chilique ameaçava retornar, o suor inundava as palmas das mãos e a área acima do lábio superior, mas as boas novas vieram
na forma de distração do estande de cachorro-quente que estava aberto só para eles.
Aproximando-se do balcão, ele abraçou Selena bem forte, captando o aroma dela além do xampu e sabonete que ela usara antes de saírem da casa.
Uma fêmea humana de corpo roliço e sorriso simpático se aproximou, largando seu exemplar da revista People. - Em que posso servi-los?
- Deus do céu, tem tanta coisa. - Selena disse.
O cardápio era iluminado em painéis vermelhos com letras amarelas, oferecendo o tipo de coisa que certamente era deliciosa ao ser ingerida, mas que causaria
problemas ao ser digerida. Mas, como havia dito a ela, era para isto que existiam os antiácidos.
- O que vai pedir? - Ela perguntou.
- Vou de Especial Coney Island, - ele anunciou. - Com uma Coca-cola grande, muito gelo.
- É para já, - a atendente disse - Senhora, já sabe o que vai querer?
Selena franziu o cenho - Eu queria mesmo um hambúrguer. Mas, queria experimentar o cachorro-quente.
- Pode comer um pouco do meu.
- Ótimo. Eu quero um hambúrguer com queijo e batatas fritas.
- Sem problema. - A mulher apontou para outra seção do menu, - Quer alguma coisa nelas?
- Como é?
- Em suas batatas. Tipo chili, queijo, pimenta jalapeño... A lista está bem aqui.
Enquanto Selena considerava o segundo turno de suas opções, Trez aproveitou a oportunidade para estudar o deslumbrante perfil de sua rainha. Aqueles lábios dela
eram quase irresistíveis e quanto mais olhava para eles, mais o ardor residual de toda aquela descarga de adrenalina evoluía de luta ou voo para pura e inegável
luxúria.
Com um movimento discreto, ele precisou reposicionar seu órgão.
Mal podia esperar para levá-la para casa. Tirar a roupa dela.
Seus olhos desceram até os seios. A jaqueta Gucci que ela usava havia aderido sobre aquelas curvas que ele amava tanto...
- Trez?
- Huh?
- Você tem dinheiro? Eu não pensei em trazer human...
Ele interrompeu. - Você não vai pagar nada. - Tirando a carteira, ele disse à garota - Quanto?
- É por conta da casa.
- Deixe-me dar uma gorjeta então.
- Ah, está bem. Eu sei por que você está...
Trez adiantou-se, colocando cem dólares sobre a fórmica e empurrando-o adiante. - Pegue. Por ser tão gentil conosco.
Os olhos da mulher se arregalaram. - Tem certeza?
- Absoluta.
Primeiro, ele não queria deixá-la terminar o que estava falando e fazer Selena sentir-se como um caso de caridade. Segundo, a humana havia saído em uma noite
fria somente para algumas horas de trabalho. As festas de fim de ano se aproximavam. Sem dúvida ela aproveitaria aquele dinheirinho extra.
- Uau. Obrigada.
Quando a mulher se afastou para preparar os lanches, ele pôde sentir Selena olhando para ele com respeito, e aquilo o fez sentir-se todo estufado de novo na
região peitoral.
Por falar em seu cartão de macho, dane-se dar uma de Arnold. Do jeito que ela olhava para ele? Fazia-se sentir-se grande como uma montanha.
Alguns minutos depois, seguiram para uma mesa de piquenique pintada de azul berrante e sentaram-se lado a lado.
O ar estava frio, a comida, fumegando, os refrigerantes estavam espumantes e doces. Manusear os pães super-recheados era difícil, com ambos inclinando as cabeças
e usando guardanapos, mas até aquilo era um tipo de diversão. E a conversa, quando conseguiam mantê-la, era sobre o sabor e o tempero e a língua queimando... O passeio
de montanha-russa... O que iriam fazer em seguida... Se iam comer algodão-doce ou sorvetes com calda quente, de sobremesa.
Era magnificamente, belamente, ressonantemente normal.
E ao se sentar com sua fêmea e talvez limpar o canto da boca dela com seu guardanapo, ou dividir seu refrigerante com ela, ou rir quando ela sugerisse irem ao
carrossel em seguida, porque só ficava a meio metro do chão, ele banhou-se nas lembranças, até elas permearem sua mente, corpo e alma com um brilho que nunca havia
sentido antes.
Só por estar com ela. Sem fazer nada especial. No meio do parque de diversões.
Era um milagre.
Uma bênção indescritível.
Franzindo o cenho, percebeu que, não fosse pela realidade pairando nas proximidades deste momento perfeito, espiando-os por trás, como um tipo de sombra maligna...
Ele bem poderia estar passando este tempo com ela, com sua metade de cérebro preocupada com a abertura da shAdoWs, ou imaginando como andariam as coisas no s'Hisbe,
ou obcecado com o que quer que estivesse pinicando seu rabo àquela altura.
Ele jamais teria aproveitado isto, como um macho rico, de cujos bolsos os diamantes caíam simplesmente porque tinha toneladas deles em casa.
Raridade vinha de mãos dadas com a reverência.
- Eu podia me sentar aqui para sempre, - ele disse, enquanto engolia seu último pedaço - Este é o meu paraíso.
Selena olhou para ele e sorriu - O meu também.
Capítulo QUARENTA E SETE
Um pouco antes do primeiro civil chegar para sua audiência com o Rei, Paradise entregou uma pasta ao seu pai, com visível orgulho. - Eu organizei a agenda de
audiências. Penso que vai achar que facilitou as coisas para você e para o Rei.
Seu pai sorriu ao abrir a capa e viu as planilhas listando cada nome de civil, linhagem familiar, assunto corrente e qualquer histórico que Wrath precisasse
abordar.
- Isto é tão... Útil, - disse ele, ao percorrer as colunas com o dedo indicador.
- Eu achei que melhoraria o modo como as coisas estavam sendo feitas.
Ele olhou para cima - E melhorou.
- Em seguida, - ela pegou a segunda das muitas folhas de papel, - há um dossiê para cada assunto, bem mais detalhado.
Abalone fez uma careta ao revisar as anotações, e então folheou os relatórios. - Como descobriu tudo isto?
- Eu tenho minhas fontes, - ela sorriu. - Está bem, algumas informações eu peguei das páginas deles no Facebook, e outras coisas de alguns amigos.
- Isto é... Eu não sabia que ele havia emparelhado. - Seu pai entregou-lhe a pasta - Ele?
- Ano passado. Foi uma coisa discreta. - Paradise baixou a voz, mesmo estando sozinhos. - Houve comentários de que ela estava grávida.
- Ah, então agora ele quer validar o emparelhamento.
- Ela está quase dando à luz. Se eu fosse Wrath pouparia o pobre macho da indignidade de responder a muitas perguntas sobre a data real, e só lhe daria o respeito
que ele quer prover ao seu filho.
- Está tentando fazer o trabalho de seu pai? - A voz de Wrath exclamou.
Quando o Rei Cego em pessoa apareceu na arcada do salão, Paradise pulou. - Não foi minha intenção, oh, não, eu...
O Rei sorriu. - Estou impressionado com a sua linha de pensamento. Continue o bom trabalho, Paradise.
Com isto, ele e seu cão dourado atravessaram para a sala de jantar.
- Não consigo sentir meus pés, - ela murmurou.
Seu pai abraçou-a. - Você está superando todas as minhas expectativas.
Ela recuou e empurrou o cabelo para trás do ombro. - Estou gostando. De verdade.
- Você está me enchendo de orgulho.
Para esconder o seu rubor, ela sentou-se atrás do computador que já sentia como sendo seu. - Como estão as coisas em casa? Com...
- Bem. Estou muito bem, embora sinta sua falta.
- Eu podia voltar.
- Não, não, é melhor ficar aqui. - Ele enfiou a pasta embaixo do braço. - Você e Peyton se divertiram ontem?
- Ele saiu logo depois de você.
Abalone franziu o cenho. - Espero que não tenham brigado.
- Ele tem um jeito antiquado de ver as coisas.
- Ele vem de uma família tradicional.
Ela pegou uma das canetas Montblanc que havia encontrado na mesa. Batucando-a na palma da mão, puxou a saia azul marinho mais para o joelho. - Ah... Pai.
- Sim?
Respirando fundo, abriu a gaveta de cima e tirou o formulário de inscrição para o programa do Centro de Treinamento. - Pai, você me deixaria fazer algo assim?
Quando lhe entregou o papel e os olhos dele começaram a ler as palavras, ela se adiantou em completar: - Não estou dizendo que quero entrar em combate ou coisa
assim. É só que, eles estão aceitando fêmeas, e eu...
- Lutar? Isto é... Isto é para lutar.
- Eu sei. Mas, veja... - ela se levantou e apontou para uma parte no preâmbulo, - eles dizem que podem treinar fêmeas.
- Paradise.
Eeeee eis que o ponto de vista dele estava basicamente expresso na maneira que havia dito o nome dela: uma combinação de "fala sério" com "não parta meu coração".
- Você não foi feita para isto, - ele disse.
- Porque sou uma fêmea, certo? - Ela contrapôs amargamente. - O que significa, no máximo, trabalho de escritório... E somente até estar emparelhada.
- Isto é guerra. Você entende o que é na realidade? - Ele balançou o formulário. - Isto é morte pronta para acontecer. Não é um filme de Hollywood ou fantasia
romântica.
Ela ergueu o queixo - Eu sei disto.
- Sabe?
- Não sou tão ingênua quanto você acha. A família que perdeu nos ataques era meu sangue também, Pai. Meus amigos morreram. Eu sei o que é.
- Não, Paradise, não vou permitir. - Ele se abaixou e jogou o formulário no lixo. - Não é para você.
Sem mais uma palavra, ele se virou e saiu, de alguma forma conseguindo fechar a porta oculta na cara dela, mesmo que os painéis continuassem em seu bolsões nas
paredes.
Throe se materializou a cerca de oitocentos metros da casa para onde Abalone ia todas as noites.
O localizador GPS que Throe havia colocado no bolso externo do casaco de pele de camelo do macho, havia funcionado como um sonho. E a vizinhança abastada era
admirável.
Nada mal, nada mal mesmo.
Caminhando com passos casuais, analisou as casas enquanto seguia na direção aonde o sinal de seu celular o enviava. Na verdade, o termo apropriado para as residências
ali seria mansões. Estes lugares eram grandes demais para serem meras casas: vários andares, espaçosos, afastados da rua, todos com uma iluminação noturna dramática
enfatizando seus exteriores, como se os humanos ricos que morassem ali não aguentassem pensar que seus status pudessem ser ignorados durante as horas noturnas.
Enquanto prosseguia, teve de controlar a frustração. Sentia falta da luta, mais do que imaginara. De fato, a falta de derramamento de sangue, de qualquer tipo,
era uma chocante insatisfação. Quando se juntara ao Bando dos Bastardos, ficara horrorizado com toda aquela agressão e violência. Mas, após vários séculos, o clima
de guerra passara a ser o que considerava normal.
A mansão de pedra que vinha a seguir era afeminada, uma versão modernizada e melhorada da pilha medieval de rochas onde o Bando dos Bastardos morava no Antigo
Continente, e ele parou em frente, avaliando. Figuras se moviam dentro, atravessando janelas emolduradas por camadas pesadas de tecidos enquanto as luzes de dentro
iluminavam reflexos de ouro e prata na parede.
E, subitamente, não pensava mais no antigo covil de Xcor.
Ele se lembrava de onde viera, suas verdadeiras origens de privilégio e riqueza.
Na busca por vingar sua irmã, ele se vendera ao diabo. Agora, do outro lado da barganha, estava pobre, sozinho e sem nenhuma perspectiva.
A única coisa que o movia, era a sua ambição.
Pelo menos havia combustível suficiente para movê-lo pelos meses de inverno que chegariam.
Throe voltou a andar, o frio cortando através do casaco de couro que vestia, ainda manchado da matança que executara noites atrás.
Antes que tudo mudasse.
A casa que era o seu alvo apareceu à esquerda, do outro lado da rua. Era grande e histórica, uma mansão federal branca com estrutura óssea de verdadeira beleza,
cuja manutenção somente os muito abastados poderiam bancar em uma velha propriedade: Nada de tinta descascando ali. Sem arbustos altos demais. Sem telhados ou pórticos
danificados.
Ao contrário das outras, não havia como espiar para dentro.
As cortinas estavam todas fechadas e eram tão pesadas que não dava para ver nem luzes através delas. Não havia carros na entrada, mas esperou, escondendo-se
atrás de uns arbustos, então captou a visão de dois indivíduos se aproximando da porta da frente... Mesmo sem terem chegado à casa de nenhum jeito motorizado apropriado.
Porque eram vampiros que haviam se desmaterializado no lugar.
Dez minutos depois, teve outra visão. Quinze minutos depois daquilo, mais duas.
Eram discretos e nem todos usavam a porta da frente... Sem dúvidas, para evitar suspeita.
Throe verificou o celular, apesar de saber que a locação estava correta. Sim, Abalone estava ali.
Mantendo-se nas sombras, ficou um pouco mais, não por ter qualquer plano específico de invadir, pelo contrário, ainda tinha de formulá-lo. Sua ambição, por mais
forte que fosse, ainda não era um motor em funcionamento, ele tinha de reconhecer o terreno, descobrir fraquezas, definir estratégias.
Um carro virou a esquina e desceu a rua.
Quando passou pelo poste de luz do outro lado da rua, viu que era um Rolls Royce, preto com o típico capô claro da marca.
E lá estava ele, sem um automóvel.
De fato, sua falta de perspectivas era um problema.
Como ele ia arregimentar recursos? Perguntou-se. Como ia se sustentar enquanto construía alianças?
A resposta, quando veio, foi tão óbvia, que era como se o destino iluminasse um caminho em meio a escuridão para ele. Sim, pensou, aquele era o caminho...
Um momento depois, voltou às acomodações mais generosas de Abalone com um sorriso no rosto.
Capítulo QUARENTA E OITO
Em seu leito de hospital, Luchas entrava e saía da consciência, ondas de dor atravessavam seu corpo, deixando-o quase sem sentidos. Quando já não aguentava mais,
remexeu a mão que ainda tinha dedos. Encontrando a campainha para chamar ajuda, pressionou-a com o polegar até seu ouvido registrar um bip.
A porta foi aberta e a Dra. Jane entrou, - Luchas?
- Minha perna... - ele gemeu. - Dói.
Ela se aproximou, verificou os equipamentos, o acesso intravenoso e só Deus sabia mais o quê. - Eu vou te dar algo para a...
- A infecção... - balbuciou ele, virando a cabeça de um lado para outro. - Minha perna...
Seu plano havia sido definhar, mas, ao invés disto, parecia ter decidido se matar se enfiando em uma fogueira: primeiro com os pés, seguidos pelo seu tornozelo
quebrado e a panturrilha.
Em um jorro súbito de loucura, ele se sentou e começou a afastar os lençóis. A Dra. Jane segurou os seus ombros e tentou deitá-lo novamente, ao mesmo tempo,
em que alguém entrava no quarto. Qhuinn, era o seu irmão.
- Luchas, Luchas, pare...
Era Qhuinn, se aproximando, tentando prender suas mãos, e forçá-lo a deitar. Não era uma luta justa. Ele estava fraco, tão fraco... E então pôs-se a levitar,
uma súbita sensação de leveza substituindo a sensação de ardor que antes havia lá embaixo.
Olhando para o lado, viu Dra. Jane retirando uma seringa do tubo plástico transparente enfiado em seu braço.
O rosto de Qhuinn apareceu acima do seu, aqueles intensos olhos incompatíveis. - Luchas, relaxe. Estamos com você.
- Minha perna...
A droga executava a sua mágica, acalmando-o como se seu corpo tivesse sido afundado em uma banheira morna. A dor ainda estava lá; ele só não se importava mais
com ela.
- Está piorando, - ouviu-se dizendo. - A infecção... Achei que estaria morto a esta altura.
- Luchas...
Algo sobre a aparência do irmão foi registrada, algo sobre seu tom de voz, a tensão em sua boca e olhos.
- O quê? - Luchas disse - O quê?
Qhuinn olhou para a Dra. Jane como se esperasse pela proverbial cavalaria que viesse salvá-lo.
- Luchas, - disse o irmão - Eu precisava salvá-lo.
Salvá-lo? Mas, qual era o ponto disto tudo. Ele queria morrer. - O quê?
- Eu a autorizei amputar a perna. Para salvar sua vida.
Luchas ficou silencioso. Devia ter ouvido errado, a tradução apropriada do que fora falado deve ter sido atrapalhada pelos analgésicos que lhe deram.
- Era a única chance. Estávamos te perdendo.
- O que você fez comigo? - Disse ele lentamente - O que você...?
- Acalme-se.
Luchas elevou-se dos travesseiros, um indescritível horror fazendo todo o seu sangue sumir da cabeça. Olhando para a parte inferior de seu corpo, viu que os
lençóis finos revelavam os contornos da coxa, joelho, panturrilha e pé de sua perna esquerda... Mas, somente a coxa e joelho da direita.
Com um berro, procurou pelo que devia estar ali, puxando os lençóis, arrancando-os como se, de alguma forma, escondessem o que não estava mais lá.
- O que você fez? - Virou-se para o irmão, agarrando sua camiseta, puxando, apertando com os dedos que lhe restavam. - Que porra você fez?
- Você ia morrer.
- Porque eu queria! Como pôde?
Ele bateu em Qhuinn, o punho voando de forma ineficaz, a mão arruinada estapeando.
Qhuinn não se defendeu. Ele só permitiu que batesse... Não que o ataque tenha sido forte. E Luchas não durou muito. Logo sua energia se exauriu, e ele caiu de
volta no travesseiro, o peito magro arfando para cima e para baixo, sangue escorrendo de seu acesso intravenoso, os olhos entrando e saindo de foco.
E, ainda assim, o membro que não estava lá, doía.
- Saia, - disse ele de forma entorpecida. - Não quero te ver de novo.
Virando o rosto para a parede, ouviu uma conversa sussurrada, e então a porta se abriu e fechou suavemente.
- Como está seu nível de dor agora? - Dra. Jane perguntou.
- Por que ela dói...? - Murmurou ele. - Vocês a arrancaram.
Deus, agora estava ainda mais aleijado, mais uma parte do que ele havia sido, e havia tido, se perdera.
- É chamado dor do membro fantasma. Mas, a sensação é muito real.
- Foi você... Foi você quem a cortou?
- Sim.
- Então saia daqui também. Eu não autorizei...
- Você estava morrendo...
- Eu não quero ouvi-la. Saia.
Houve uma pausa, então ele detestou o modo como ela olhou para ele, cheia de gentileza, preocupação, cuidados.
- Com o tempo, Luchas, você vai se sentir melhor...
Ele virou a cabeça - Você me negou minha morte. Você mutilou o meu corpo como uma açougueira, sem minha permissão. Então, me desculpe se não tenho interesse
nenhum em nada do que tenha a me dizer.
A médica fechou os olhos brevemente. - Mandarei Ehlena aqui com alguma coisa para você comer.
- Não se preocupe. Você só adiou o inevitável. Eu mesmo vou terminar o serviço.
Luchas mexeu no acesso intravenoso enfiado em seu braço, puxando-o até a coisa sair, o líquido claro e sangue vermelho espirrando para todo canto...
Pessoas vieram correndo por cada porta que havia ali, correndo em pânico, agarrando-o, falando alto. Lutou contra elas, se contorcendo e empurrando, lutando
para se manter em pé, apesar da perna e pé perdidos.
Alguém deve ter lhe dado outra injeção, porque, de repente, seu corpo relaxou. Mesmo que o cérebro ordenasse todo tipo de movimento, nenhum membro correspondia.
Quando seus olhos reviraram, ele viu a imagem de Qhuinn parado na porta, seu corpo amplo, forte e saudável, boqueando o caminho.
Bem podia ser a porta para o Fade que o macho bloqueava.
- Eu odeio você! - Luchas gritou. - Eu te odeio!
De volta à casa de audiências do Rei, Rhage estava na sala de jantar, em pé com as costas apoiadas nas portas fechadas, os braços cruzados sobre o peito. A maior
parte da Irmandade estava na sala, atulhando o ar com energia cinética demais.
Wrath estava sentado em sua poltrona, as pernas cruzadas com o tornozelo sobre o joelho, a cabeça do cão em seu colo. - Ele está atrasado. Aquele filho da puta
está atrasado.
Rehv anuiu do local onde estava, na frente da lareira e esfregando as mãos, como se sentisse frio. - Ele virá.
- Tenho pessoas para ver.
Hollywood verificou o relógio de pulso. - Quer que eu vá buscá-lo? Posso jogar um laço de corda nele e arrastá-lo para cá pelo pau...
A campainha da porta soou com um toque, e V entreabriu a cortina da janela do outro lado. - Falando do diabo.
- Me deixem recebê-lo. - Rhage murmurou ao sair.
- Ele não está sozinho. - V rosnou.
- Nem eu.
Fechando a porta, atravessou o salão. - Paradise. - Quando a garota ergueu os olhos da mesa, ele sorriu para ela. - Vou fechar sua sala por um segundo. Me faz
um favor e fique aqui até eu te chamar?
Os olhos bonitos e grandes dela ficaram ainda maiores. - Está tudo bem?
- Sim, mas quero que fique aqui.
- Está bem. É claro.
Ele piscou para ela - Boa garota. E tranque a porta depois que eu sair, está bem?
- Claro.
Encostando a porta, ele esperou até ouvir a fechadura de bronze ser trancada pelo lado dela, e então foi até a porta da frente. Abrindo-a, deu um olhar de cima
abaixo em Assail. O cara era tão bem vestido quanto Butch, roupas de alfaiataria, tudo combinando, ajustando-se como se a merda houvesse sido desenhada em seu corpo.
Por trás dele, um par de caras idênticos estavam parados, lado a lado. O fato de que também usavam folgadas roupas pretas, duh.
Ele só podia imaginar o poder de fogo que havia escondido sob aqueles casacos.
- Pensei que viria sozinho, - disse ele.
- Seu Rei queria conhecer minha equipe. Aqui estão, meus primos.
Rhage se inclinou. - Esta não é sua equipe inteira, é?
- Posso te garantir que estes dois são os únicos que uso.
Rhage deu um passo para trás e indicou para entrarem no vestíbulo. - Preciso revistá-los.
- Estamos armados até os dentes.
- Não brinca.
Quando os três entraram um após o outro, Rhage apontou para uma imensa bandeja de prata na mesa, sob um espelho dourado. - Coloque-as ali. E certifiquem-se de
se livrarem de todas as armas. Se eu achar algo, vou ficar muito puto.
Clink... Clink... Clink... Clank... Clank...
Rhage não queria ficar impressionado, mas, tinha de lhes dar algum crédito. Belas armas e muitas lâminas afiadas.
- Você primeiro. - disse para um dos gêmeos.
O outro deu um passo à frente. - Comece por mim. Meu irmão é um pouco agitado.
- Com é? Será que não li o memorando onde te nomearam o chefe, saco de bosta? - Ele meneou a cabeça na direção do Sr. Impaciente para que se aproximasse e o
revistou. - Pronto, agora quer um pirulito por ter sido tão corajoso? Agora você, com a sua lista de exigências, venha aqui.
Ele despachou o número dois, e então se aproximou de Assail, que estivera assistindo ao show como uma cobra.
- Belo perfume. - Hollywood murmurou ao jogar os braços do cara para cima, e começar a apalpar um tórax surpreendentemente musculoso. - Onde conseguiu estes,
toma bomba?
- Você é sempre assim, rude? - Assail perguntou, em um tom enfastiado.
- Você é a segunda pessoa a me perguntar algo assim nas últimas quarenta e oito horas. - Ele chutou os chiques sapatos italianos do cara para afastar mais as
pernas. - Se tem um problema comigo, registre uma queixa no setor de departamento pessoal.
- Quanto profissionalismo.
Rhage endireitou-se após revistar a parte inferior do corpo do cara. - Para sua informação, Vishous, filho de Bloodletter é nosso chefe de RH. Ele prefere reclamações
feitas pessoalmente. Boa sorte com isto.
Terminado com os três, ele dirigiu-se até as portas fechadas da sala de audiências, sabendo que o seguiriam. Abrindo bem as portas, afastou-se para o lado e
viu os filhos da puta entrarem um atrás do outro.
- Assail. - Wrath resmungou. - Nos encontramos de novo.
- E desta vez, sem tiros, - o traficante respondeu.
- Por enquanto. - Um dos Irmãos murmurou.
Os olhos de Assail passaram pela multidão reunida. - Bela proteção você tem aqui.
Wrath deu de ombros. - Eu tinha a escolha de colecionar eles ou bibelôs de porcelana. Foi uma escolha difícil.
- A que devo a honra desta intimação de comparecimento?
- Rehv? Explique você, já que conhece o assunto.
O devorador de pecados se afastou da lareira e sorriu como se estivesse a ponto de devorar algo. - Temos motivos para acreditar que você esteja participando
do mercado de drogas em Caldwell.
Assail não hesitou. - Eu jamais escondi meus negócios.
- Já viu isto antes?
Quando Rehv jogou um pacote no ar, Assail pegou a coisa e analisou. - Heroína.
- O símbolo é seu, não é?
- Quem disse?
Rhage falou. - Encontramos alguns destes com um lesser no clube que por acaso pertence a um amigo nosso.
Wrath sorriu friamente ao abaixar a mão para acariciar o pelo dourado do seu cão-guia. - Então você pode ver como isto nos coloca em uma situação estranha. Você
está usando um inimigo para distribuir seu produto. Não está?
De novo, Assail não demonstrou qualquer reação. - E se estiver, qual o problema?
- Você está enchendo o bolso deles de grana.
- E...? Daí?
- Não seja fodidamente ingênuo. Com que porra você acha que irão gastá-lo?
- Noite passada, - Rhage disse, - nos metemos em um fogo cruzado entre o Bando dos Bastardos e alguns lessers. Adivinha o que os mortos-vivos estavam ostentando?
AK-47. É a arma com maior poder letal que já vimos nesta cidade desde os ataques.
Assail deu de ombros e ergueu as mãos. - E o que isto tem a ver comigo? Sou um homem de negócios...
Wrath endireitou-se na poltrona. - Seu negócio está pondo em risco a vida de meus garotos. E isto me tira do sério, imbecil. Então o seu negócio passa a ser
meu.
- Você não tem o direito de me impedir.
- Se vocês três não conseguirem sair daqui vivos, acho que será fim de jogo, não acha?
Em uníssono, cada irmão na sala sacou uma adaga. Rhage preparou-se para algum tipo de explosão, mas, Assail continuou tão frio quanto um pepino. Ele não se agitou,
não piscou, não tentou justificar. Talvez o filho da puta não tivesse sistema nervoso central.
- O que você achou que iria acontecer, - Wrath disse, - quando eu descobrisse? Achou que eu só ia deixar a porra desse conflito grande correr solto?
Houve um grande período de silêncio.
Finalmente, Assail baixou a cabeça. - Está bem. Eu vou parar negociar com eles.
As narinas de Wrath se expandiram como se avaliassem o aroma do macho. Um momento depois, disse, - Bom, agora dá a porra do fora daqui. Mas, saiba que se eu
encontrar qualquer merda destas em um lesser sequer, vou atrás de você e não vai ser para conversar.
Rhage franziu o cenho, mas quando Wrath indicou a saída, abriu a porta e observou os três saírem, irem até as armas misturadas na bandeja e sanarem sua deficiência
de ferro. Então, saíram pela porta e da propriedade.
- Ele mentiu. - Wrath disse, de forma sombria.
- Sabia que estava fácil demais. - Rhage murmurou. - Por que permitiu que fossem?
- Quero que vão atrás dele. - Wrath indicou Rhage e V. - Os dois. Se matarmos Assail agora, não encontramos o seu fornecedor e não temos como garantir que a
Sociedade Lessening perca todo o acesso ao produto. Siga aquele filho da puta, descubra onde ele consegue aquela merda, e então faça com que o inimigo não tenha
nada para vender em Caldwell. - O Rei inclinou-se para frente em sua cadeira. - E então, ponham uma bala no peito de cada um daqueles três.
- Sem problemas, meu senhor. - Rhage olhou para V, que acenou de volta. - Considere feito.
Capítulo QUARENTA E NOVE
Movendo-se rapidamente, mas não rápido demais, maichen percorreu os corredores vazios do palácio, em direção à câmara ritual da Rainha. De tempo em tempo, passava
por guardas, outras serviçais, mesmo um Prime ou dois. Ninguém prestou atenção alguma nela.
Porque estava escondida sob o disfarce de seu humilde álter ego.
Se qualquer um deles soubesse quem estava sob aquele manto azul pálido, seria uma grande comoção.
Ao invés disto, quando chegou ao seu destino, os guardas parados à esquerda e à direita mal olharam para ela. Eles estavam exaustos, no final de seus turnos,
e era por isto que aquele horário havia sido bem escolhido.
- Limpeza para a Rainha. - Disse ela, com uma reverência respeitosa.
Eles abriram a porta, e ela esgueirou-se para dentro.
O espaço sagrado era todo de mármore preto, do chão ao teto, e não havia nada que diminuísse o perturbador efeito de estar rodeada por toda aquela brilhante
escuridão: não havia tapetes, móveis, somente alguns armários embutidos no canto onde a comida era armazenada e substituída. A iluminação vinha de lamparinas com
chamas nos pavios, os óleos especiais sendo consumidos lançavam um brilho verde esbranquiçado.
Ela não olhou em volta. Ela há muito havia aprendido a não fazer isto.
Havia algo aterrorizante no quarto, especialmente se passasse um tempo considerável nele. Quanto mais se sentasse em seu confinamento, mais se perdia o senso
de orientação, até não ter mais certeza se as quatro paredes e tudo embaixo e acima havia desaparecido e você se localizava no meio de uma grande noite escura, suspensa
sem gravidade, em outra dimensão que não se sabia se jamais te libertaria.
Ela odiava aquele aposento.
Mas, havia sido compelida a ir ali.
Sua mãe, a Rainha, sentava-se no centro de tudo aquilo, virada para o norte, vestida de negro que cintilava e caía no chão à sua volta, cascateando desde sua
cabeça encoberta, para se unir com o mármore.
Até que parecesse que as pedras haviam se tornado líquidas e tentavam consumi-la.
Sua mãe estava imóvel, nem respirava.
Ela estava em plena meditação do luto.
Aquilo era bom.
maichen foi até o canto e abriu uma das portas do armário sem fazer nenhum ruído. Nenhuma das refeições que haviam sido deixadas ali mais cedo foi tocada. Outro
sinal positivo.
Em menos de uma hora, à meia-noite, o Sumo Sacerdote, AnsLai, se apresentaria ali junto com o Astrólogo Chefe e executariam rituais, onde fragmentos de meteoritos
seriam esmagados e consumidos em chás sagrados, como modo de comungar com as estrelas que determinavam tudo para os Sombras. Então haveria derramamento de sangue
e a cópula ritual. Após isto, a Rainha seria deixada novamente para se afastar das coisas terrenas, e encontrar consolo para seu sofrimento.
Sofrimento?
Era difícil acreditar que a fêmea realmente sentisse qualquer coisa por aqueles a quem dava à luz.
Agora, certa de que o ritual estava ainda em progresso, de fato, maichen recuou até a porta. Antes de atravessá-la, olhou para a mãe. Sua vida inteira, ela vira
a fêmea somente em ocasiões formais, quando maichen era trazida para ser exibida na corte cheia de nobres bem vestidos, mais como um vaso precioso ou obra de arte.
Preservada para aquelas exibições, que eram para o bem do Território, ela vivia em aposentos sagrados, cercada de guardas.
Ela jamais havia sido visitada pela fêmea que, imediatamente após o parto, havia a entregado para uma equipe especialmente treinada, naquela suíte de quartos
que era uma prisão.
Era assim a vida da Princesa do s'Hisbe.
Mas, ela havia encontrado um modo de fugir.
E andara vagando pelo palácio desde então, disfarçada de serviçal, uma sacerdote menor, mesmo um astrólogo.
maichen esgueirou-se e energicamente se afastou.
Nada como descobrir que s'Ex, o amante favorito da mãe, tinha um encontro com duas fêmeas humanas, quem ele, evidentemente, havia trazido escondidas, provavelmente
pela entrada traseira. maichen não tinha intenção de descobrir o segredo dele, mas ela havia descoberto que havia uma fresta no alto do muro, e aprendera que, caso
se desmaterializasse ali, poderia viajar pelo sistema de aquecimento e dutos de ar-condicionado.
Por um período, aquilo não passou de um jogo para passar o tempo, e não havia descoberto nada com sua espionagem. Mas, uma noite, aquilo mudara, quando, em sua
forma Sombra, ela havia olhado para baixo através de uma das frestas, e tivera sua primeira e única visão do ato sexual.
Embora... Bem, havia uma porção de partes de corpos.
Ela não tinha muita certeza do que tinha visto.
Ela deve ter feito algum barulho ou algo assim, porque s'Ex havia congelado e olhado para cima, encontrando seu olhar, mesmo enquanto as humanas continuavam
a se mover e se esfregar nele...
s'Ex viera à sua cela logo depois, e eles fecharam seu pequeno acordo. Em troca de não revelar o que havia visto e de não mais usar os sistema de ventilação,
seria permitido a ela sair dos aposentos, desde que ficasse dentro do palácio e sempre se disfarçasse.
A indiscrição de s'Ex bem podia lhe custar a vida: os Sombras acreditavam que o sexo era um ato sagrado. E a Rainha teria ficado furiosa de saber que certas
partes do corpo dela haviam sido, tecnicamente... Expostas... Às partes de corpos de humanas por conta dos deslizes de s'Ex.
Supostamente, aquele macho deveria ser somente dela. Todo mundo sabia daquilo.
E aquelas mulheres humanas? Era mais ou menos como estar com ovelhas naquela cama dele.
Conforme maichen caminhava, percorrendo corredores, seu estômago começou a revirar. Conforme ia crescendo, lhe havia sido concedida uma privacidade relativa,
de forma que ela podia mandar todos os atendentes para fora de seus aposentos... E ela havia exercitado este privilégio mais uma vez aquela noite: antes de ir verificar
se a mãe estava, de fato, em ritual de luto, havia dito às suas servas para saírem do quarto, já que estava exausta do estresse e desejava um pouco de privacidade
enquanto executava a sua parte do ritual.
Nenhuma delas havia questionado. E ninguém voltaria até o amanhecer. Seria fácil usar o sistema de tubulação para escapar para o mundo. Encontrar com o irmão
de seu destinado.
E...
Bem, ela não sabia o quê.
Estrelas do céu, ela ia mesmo fazer aquilo? Ela não estava exatamente certa de saber onde ficava a cabana que ele havia mencionado.
Não, isto era tolice. Estúpido. Descuidado...
Uma imagem de iAm em pé, nu à sua frente, transpassou-a. Quando seu corpo começou a se esquentar de dentro para fora, ela percebeu que, apesar de tudo o que
sua mente estava lhe dizendo, sua carne ia fazê-la ir.
Ela iria... Deus a ajudasse... Estava indo.
E lidaria com as consequências, quais pudessem ser, mais tarde.
Capítulo CINQUENTA
Trez precisava admitir: em se tratando de Storytown, ele só era bom nos brinquedos de criancinhas. Coisas como Xícaras Malucas, e o Rabo do Dragão, que eram
passeios em que não se elevavam do chão e mal causavam uma brisa no rosto, e a porra do carrossel, com sua música de elevador e aqueles cavalos e unicórnios de assento
duro, empalados, subindo e descendo.
Falando em empalação e movimentos repetitivos...
- Está pronta para ir para casa? - Ele perguntou.
Selena olhou para ele. - Estou. Foi tão divertido.
- Eu sei, certo? Melhor noite da minha vida.
Ela se inclinou para o corpo dele, dando-lhe um apertão. - Isto não é totalmente verdade. Achei que você ia enlouquecer naquela montanha-russa.
Ele parou. Virou-a para ele. Afastou o cabelo do rosto dela. - Eu estava com você. Então foi perfeito.
O beijo era para ser um daqueles gestos de "eu-venci-a-discussão", uma afirmação rápida de que estava certo no que dizia. Mas ele vinha desejando-a a noite inteira
e, antes de perceber, ele teve de erguê-la, os seios espremidos contra seu peito, os quadris agarrados por suas mãos, a língua acariciando a dela.
- Quer sair daqui? - Ele resmungou de novo.
- Sim, - ela disse, contra a boca dele.
Provavelmente já era mesmo hora, pensou, com uma rápida verificada no relógio. - É, já são onze e quinze.
Mesmo que seu pau estivesse ansioso para mandar ver, ele não quis perder a caminhada até onde o carro estava estacionado. Com o braço em volta dos ombros dela,
e os passos sincronizados, percorreram os caminhos de volta por todos os brinquedos onde andaram, passaram pela mesa azul de piquenique onde comeram o cachorro quente
e hambúrguer, pela barraquinha de algodão doce onde haviam comprado um cone grande açucarado azul, estilo cabelo da Marge Simpson, que ofereceram um ao outro, aos
pedaços.
- Faltou um bichinho de pelúcia... - disse ele.
- Comprar um? Oh, eu não preciso...
- Não, ganhar um para você. Tipo, em um estande de tiro ao alvo.
Ela lhe deu um olhar por sob as pálpebras. - Eu sei como pode se redimir. Lembra-se de comer aquele algodão doce?
- Sim...
- Sua língua pareceu muito jeitosa...
Enquanto todo tipo de imagens sagradas do corpo dela nu com as coxas separadas o atingiam, teve de se perguntar se não haveria um motel no caminho para casa.
- Deus, queria que fosse verão... - ele grunhiu.
- Oh?
- Daí eu poderia te levar para um canto escuro e baixar essas suas calças.
- Você poderia fazer isto agora, sabe.
Ele parou. - Está frio demais.
- Está? - Ela pegou as mãos dele e puxou-o - Olhe ali. Não há luzes. Estaremos abrigados.
Estariam mesmo, o Centro de Visitantes, cujas luzes estavam apagadas, pois o parque estava fechado e só abrira para eles, era uma instalação em forma de estrela,
com entradas múltiplas irradiando do corpo central, criando bolsões de escuridão densa e privativa.
- Ninguém vai ver, - ela sussurrou, contra a garganta dele.
Sem nenhuma luz exterior, o canto para o qual ela o levou estava preto como carvão, e o sexo dele despertou antes mesmo do cérebro. Virando-a para encará-lo,
beijou-a com força e pressionou-a contra a divisória pintada, as mãos explorando sob a parka e em busca dos seios. Seus mamilos ficaram eriçados ao beliscá-los por
cima do sutiã e blusa, provocando e acariciando-os enquanto enfiava as suas coxas entre as dela.
- Porra, eu quis fazer isto a noite toda. - Ele disse antes de tomar os lábios dela de novo.
Ela estava quente e fluida sob suas mãos e contra seu corpo, pronta, tão fodidamente pronta, assim como ele. Ele queria-a totalmente nua, havia algo fodidamente
excitante na ideia dela nua e ele totalmente vestido; além disto, seria capaz de tomar seus mamilos nos lábios. Mas, estava frio demais para isto e, além disto,
tinha em mente uma rapidinha naquele lugar escondido, desde que ninguém mais pudesse vê-la naquele estado, toda gloriosamente desnuda e gostosa como o inferno.
O macho vinculado nele poderia resolver despedaçar algum pobre Bom Samaritano humano com as presas.
Não exatamente o final romântico para a noite que ele tinha planejado.
Suas mãos desceram até a cintura das calças dela e rapidamente desabotoaram, baixaram o zíper e fizeram deslizar. Elas eram apropriadas para serem usadas com
botas, ainda bem, então uma das pernas deslizou pelo sapato dela, sem enroscar, como um sonho.
- Quer que eu tire as calcinhas? - Ela perguntou com a respiração pesada.
- Não, vou te foder com elas.
E assim fez. Ele agarrou o traseiro perfeito dela e suspendeu-a do chão, enroscando-a ao redor de seus quadris. Acariciou-a por trás, sentindo como estava pronta,
como estava quente, como estava desesperada.
Ele queria passar a noite toda ali. Ao invés disto, afastou a delicada peça de seda para o lado e...
- Oh, Deus, Selena... - ele sibilou.
Úmida e quente, apertada e vital, a penetração o abalou e o manteve firme ao mesmo tempo. Quando começou a se mover, segurou-a pelo traseiro e puxou-a para frente
e para trás. O cabelo dela estava em seu rosto; o aroma em seu nariz; ela era uma maré esmagadora na qual ele desejava se afogar.
Mais rápido. Mais forte.
Ela gozou primeiro e ele amou aquilo, os movimentos internos rítmicos ordenhando-o ainda mais. E, então, ele também se jogou na montanha-russa onde queria andar
por toda a eternidade, seu pau espasmando por dentro dela, o orgasmo levando-o a uma união de almas.
Ao acabarem, ele arfou contra ela até começar a se preocupar por estar sufocando-a. - Sinto muito.
- Mmmm. - Ela buscou sua boca, sugando seu lábio inferior e mordiscando-o - Mais.
Instantaneamente, ele ficou pronto de novo, mas, mesmo quando seu quadril já começava a ondular, teve de parar. - Em casa. - Ele grunhiu. - Precisamos fazer
isto em casa.
- Ainda preocupado com o frio? - Ela murmurou, correndo uma presa pela mandíbula até a jugular dele. - E aqui estou eu, me sentindo tão quente.
Trez gemeu e cambaleou nas botas. - Sou guloso. Quero mais acesso a você do que consigo aqui.
O riso dela foi como uma carícia sobre sua pele nua. - Então, definitivamente, me leve para sua cama.
Foi difícil ajudá-la a voltar a vestir aquelas calças. Particularmente ao se ajoelhar no chão e ficar cara a cara com o sexo dela.
Cerrando os dentes, de alguma forma, ele conseguiu vesti-la e guardar o próprio pau atrás do zíper sem dar uma de homem das cavernas para cima dela. Então saíram
apressados e deselegantemente das sombras, com cara de "não estou fazendo nada demais", antes de trazê-la de volta para o seu lado.
- Isto foi tão incrível, - ela sussurrou. - Ainda consigo senti-lo dentro de mim.
Trez começou a andar engraçado. Era isto ou quebrar um órgão que seria impossível engessar.
Ao chegarem ao carro, já estava calculando o tempo estimado exato de viagem até seu quarto, assumindo que ele fosse a duzentos e cinquenta quilômetros por hora.
Ei, era um Porsche, certo?
Abrindo a porta para ela, ele ajudou-a a sentar e fechou a porta, e então correu para o para o lado do motorista. No segundo em que sua bunda atingiu o assento,
ligou o motor.
- Oh! Frio! - Ela gritou.
O aquecimento estava ligado quando ele desligara tudo, e agora aquele sopro poderoso estava fazendo-os congelar. Ambos se inclinaram para frente, apertando vários
botões e alavancas...
Música explodiu pelo sistema de som do carro, graças à estação de rádio Sirius, e antes que ele pudesse desligar a coisa, começou a tocar a música "Hold You
Down", do DJ Khaled.
- Espere, - ele disse. - Não, deixe tocar.
Saiu do carro, e voltou novamente para o lado dela, abriu a porta e estendeu-lhe a mão. - Dance comigo.
- O que?
- Dance comigo, minha rainha.
Arrancando-a do assento, levou-a para frente do Porsche, para a luz dos faróis, puxando-a para bem perto. Juntos dançaram, os corpos se movendo lentamente com
os dedos entrelaçados, a batida transformando o estacionamento e a área aberta do parque de diversões em um salão de baile particular.
- Para sempre... - ele murmurou contra ela, cantando. - Eu te abraçarei...
Trez baixou a cabeça até pousá-la sobre o ombro dela, de modo que seu corpo muito maior estava todo em volta dela, envelopando-a, protegendo e amando-a.
Juntos, dançaram de um lado para outro, à luz dos faróis.
Da torre de segurança, iAm observou o irmão retirar novamente Selena do carro e levá-la para frente do veículo. Não havia como saber a música que estava tocando,
e também não importava. Só observar os dois juntos, se movendo como um só, ao som da música, abraçando-se tão fortemente, era suficiente.
iAm precisou esfregar os dois olhos para poder clarear a visão.
Era malditamente difícil olhar.
Virando-se para o outro lado, perambulou em volta do espaço apertado e pensou no quanto Trez devia ter odiado subir tão alto, com nada além da visão panorâmica
e a queda para o chão no que se concentrar. O macho sempre odiara altura, a ponto de ter sido um milagre conseguir convencê-lo a comprar um apartamento no décimo
oitavo andar do Commodore.
Ele estava observando a montanha-russa quando, alguns minutos depois, seu celular vibrou no bolso da jaqueta de couro. Ele tirou a coisa.
Hora de ir. Era só o que a mensagem dizia.
Quase imediatamente uma segunda chegou, de seu irmão: Muito obrigado.
Trez nunca escrevia palavras completas em mensagens de texto. Então, ele realmente devia estar sendo sincero.
iAm hesitou na resposta. Então mandou : Feliz em ajudar. Vj vc em casa.
Ia guardar a coisa no bolso de novo, quando hesitou, pensando em enviar um: Prcs rslvr umas coisas.
Era uma mensagem que já enviara um milhão de vezes nos últimos anos. E de fato, estava sendo sincero. Ia verificar o restaurante e os clubes, como estavam funcionando,
se alguém precisava de alguma coisa.
Era exatamente o que precisava fazer em seguida. E exatamente o que o impediria de ir àquela maldita cabana.
Hora de ir.
Sem ninguém mais ao redor para testemunhar o ato, ele estava livre para se desmaterializar para onde estacionara o BMW X que ele e o irmão dividiam. Um momento
depois, o Porsche foi liberado pelo portão lateral e ele o seguiu a uma distância discreta, pelo estacionamento vazio de dois acres... Assim como Manny, em uma ambulância
convencional.
Em todo o caminho de volta ao Complexo da Irmandade, iAm manteve em mente aquela imagem de seu irmão e Selena, os dois dançando na frente do carro, como um casal
de adolescentes.
Que pena estarem em um livro do John Green.
Quantas noites mais eles teriam, se perguntou.
Merda, ele se sentia mórbido pensando assim, mas havia um relógio correndo. Com cada hora que passava, era mais provável que Selena tivesse outro surto.
E, então, que porra ele ia fazer com o irmão?
Jesus Cristo, Trez ia ficar incontrolável.
Com pensamentos felizes como estes inundando sua mente, perdeu a noção do tempo, e antes de perceber ter cruzado qualquer distância, eles subiam a elevação coberta
de mhis até a mansão, Manny havia desviado, para entrar com a ambulância pela entrada dos fundos.
Com sorte, Selena jamais saberia das precauções que haviam tomado em relação à ela.
Teria sido broxante. Como poderia não ser?
iAm foi cuidadoso em manter distância ao se aproximarem da última curva em frente à mansão, dando à Trez tempo para levá-la para dentro. Quando finalmente entrou
no gramado, foi até a fonte e estacionou ao lado do GTO de Rhage.
Que não ia ficar lá fora muito tempo. O Irmão sempre o levava para garagem nos meses de inverno.
O Porsche de Manny estava na base da escada, com a capota erguida, a chave sem dúvida em vias de ser devolvida ao médico para que também pudesse levá-lo para
a garagem do Centro de Treinamento.
iAm desligou o BMW. Saiu e trancou mesmo sem ser necessário.
E ficou parado ali fora.
Olhando para o céu, viu a respiração que saía de sua boca se elevar e desaparecer. Aquela imagem de Trez e Selena dançando, era como um cão com os dentes fincados
em sua matéria cinzenta, a memória se recusava a esmaecer; e não era, ele estava envergonhado de admitir, só porque pensava em tudo o que o irmão estava arriscado
a perder, ou por ele se preocupar com como recolheria os pedaços do triste bastardo do chão quando as coisas terminassem mal.
Ao invés isto, ele se perguntava...
Merda, ele estava se perguntando qual seria a sensação. De abraçar uma fêmea junto a seu corpo. Ter o cheiro dela em seu nariz e as mãos dela em seu ombro, cintura,
quadril. Ele queria saber como era erguer o rosto dela para o seu e...
Okay, ele precisava parar com aquilo.
Porque nada daquilo iria acontecer com ele. Não agora. Não em meia hora, se fosse para aquela cabana. Não daqui uma semana ou um mês...
Como se fosse um sinal, a brisa gelada aumentou de intensidade. Como se o universo quisesse destacar todo o frio e solidão que ele enfrentava.
O som da porta do vestíbulo sendo aberta chamou sua atenção. Ele gostava de Manny, mas não precisava do cara saindo para manobrar o carro, encontrando-o ali.
Não era o bom médico.
Trez saía da casa. Descia os degraus correndo. Cruzava o gramado.
Merda.
iAm colocou a mão sobre o celular caso precisasse ligar... A quem porra fosse. - Ei, ela está...
Ele não chegou à parte do "bem".
Seu irmão o agarrou em um abraço de urso. - Muito obrigado por esta noite.
De início, iAm não soube como responder. Ele e seu irmão não se abraçavam com frequência.
- Eu fiquei tão feliz por você estar lá. Significou muito para mim.
iAm pigarreou - Eu, ah...
Trez apertou mais o abraço.
Cautelosamente, iAm colocou os braços ao redor de Trez. O movimento pareceu esquisito, mas, quando finalmente abraçou o cara em retorno, sentiu o irmão estremecer.
Sinto muito, cara ,ele disse, em sua mente. Eu não queria isto para você.
O vento frio continuava a soprar, e após um longo momento, eles se separaram.
Trez havia tirado a jaqueta, então enfiou as mãos nos bolsos das calças - Eu recebi sua mensagem. Me sinto mal de ter jogado tudo isto nas suas costas.
- Tudo bem.
- Não está, não.
- Trez, você precisa ficar ao lado dela e tomar conta de sua fêmea. Esta é a coisa mais importante. O resto é só conversa.
Aqueles olhos escuros se focaram em algo acima do ombro esquerdo de iAm. Ou talvez o que quer que estivesse acima de seu ouvido.
- Eu realmente não sei porque você está aqui fora, perdendo tempo comigo. - iAm murmurou.
- Você merece muito mais do que isto.
- Acontece que eu gosto do meu emprego no Sal's.
Seu irmão fitou-o fixamente. - Não é o que quero dizer, e você sabe.
iAm juntou-se ao clube de Enfiadores de Mãos nos Bolsos Anônimos. - Chega de falar. Volte para sua fêmea.
Trez era um teimoso filho da puta, capaz de atos tremendos de negação. Mas iAm, como sempre, convenceu-o.
O macho se virou, mas, andou somente metade do caminho até a entrada da mansão, antes de parar e olhar por sobre o ombro.
- Não desperdice sua vida inteira comigo, okay? - Trez balançou a cabeça. - Eu não valho a pena, e você merece muito mais do que isto.
iAm revirou os olhos. - Pare de pensar. Volte a andar.
- Pergunte a si mesmo o que será de você quando eu me for. Se for honesto, não acho que vá gostar da resposta mais do que eu gosto. E poupe-me dos seus "tudo-vai-ficar-bem".
Nenhum de nós é tão ingênuo.
- Por que está se distraindo com isto? Sério, Trez.
- Não é uma distração. É o tipo de merda que te come vivo quando se ama alguém.
Dito isto, Trez continuou a andar, subindo os degraus de pedra e desaparecendo através da porta do vestíbulo.
iAm fechou os olhos e se apoiou no SUV. Ele não precisava daquele pequeno monólogo do irmão na sua cabeça naquela hora. Ele realmente não precisava.
Capítulo CINQUENTA E UM
As mãos de Selena estavam rígidas.
Em pé, perto do balcão da cozinha da Irmandade, ela tentava abrir uma lata de Coca, e viu que seus dedos se recusavam a agarrar o lacre direito. Ao invés de
puxar a aba de metal para liberar, eles tropeçavam no topo.
Enquanto todos os tipos sinais de aviso soavam em sua cabeça, controlou o pânico, lembrando a si mesma que havia passado três horas no frio, sem luvas.
Fazendo alguns exercícios de abrir e fechar as mãos, ela soprou-as, então balançou os braços. Estalou os dedos. Tentou não começar a procurar por outros problemas
em outros lugares do corpo.
Pessoas com a sua doença ainda podiam ter início de hipotermia.
Ela encarou a lata de novo, seu coração trovejando enquanto observava a uma grande distância, ao tentar o lacre de novo. Ela olhou para suas mãos e dedos desapaixonadamente,
como se fizessem parte do braço de outra pessoa, se movessem pela ordem do cérebro de outra pessoa.
Crack! Fizz!
Ela exalou e teve de se apoiar no granito para se firmar.
- Você está bem?
Encobrindo o alívio, sorriu quando Trez entrou, vindo da sala de jantar. - Só estava pegando um refrigerante. Estou com sede.
- Como está o seu estômago?
- Muito bem. E o seu?
Quando ele se aproximou, ela teve a impressão de que ele também escondia alguma coisa. E foi um choque descobrir que, apesar de seu discurso de ser a grande
mantenedora da verdade após seu último Aprisionamento, ela queria que ele mantivesse o seu segredo, do mesmo modo que queria manter o dela: eles tiveram uma noite
tão maravilhosa; a última coisa que precisavam era arruiná-la com uma conversa pesada que só exporia problemas que não podiam ser resolvidos, e questões não iam
ser respondidas até que fosse tarde demais.
- O estômago está bem.
Ela forçou um sorriso. - Gostaria de subir?
- Seria ótimo.
Pegando o refrigerante, ela aceitou a mão que ele ofereceu a ela e saiu com ele pela sala de jantar e para o saguão. A casa estava essencialmente vazia, os
Irmãos no trabalho, Wrath atendendo aos civis, Beth, Marissa e Mary no Lugar Seguro, Bella de babá do P.W. e de Nalla lá em cima no novo berçário, os doggens cumprindo
suas funções.
Tudo aquilo ia continuar, ela pensou, quando se fosse. Todas as portas se abrindo e se fechando, cardápios seriam planejados e consumidos, pessoas viveriam
suas vidas.
Querida Virgem Escriba, ela queria ficar com eles. Ela não queria partir para o que bem poderia ser um nada absoluto, uma completa dissociação de quem ela era
e o que lhe importava agora e de como se sentia e o que pensava.
Desapareceria. Não restaria nada.
Ela havia sido treinada, na verdade, programada, para acreditar na vida após a morte, para servir à Mãe da Raça e aderir às tradições que nem estabelecera,
nem se voluntariara para seguir. E tudo aquilo, sem questionar.
Chegando agora, ao fim da vida, ela desejava ter questionado, desafiado e elevado a voz.
Tanto tempo desperdiçado.
Quando começou a subir as escadas com Trez, pegou-se imaginando por que, se existe um Fade e as pessoas continuavam lá em cima; por que então a Virgem Escriba
demandava que tudo na Terra fosse registrado no Santuário? Por que todos aqueles volumes e volumes de vidas vividas... Se após a morte as pessoas ainda existiam,
só que de forma diferente?
Era preciso preservar somente o que era perdido.
Seu coração começou a trovejar, um súbito terror a dominou...
- Oh, merda. - Trez suspirou.
Claramente ele leu sua mente. - Não sei o que estou pensando. Provavelmente besteira...
Ele estendeu a mão livre para o corrimão e oscilou.
- Trez! Qual o problema?
- Merda. Porra. - Ele olhava para ela, mas, seus olhos estavam fora de foco. - Pode me ajudar a chegar ao quarto? Não consigo ver...
- Querida Virgem Escriba, vou chamar a Dra. Jane!
- Não, não, é só uma enxaqueca, - ele endireitou-se com a ajuda dela. - Não tenho muito tempo. Tenho de subir para um quarto escuro e deitar.
- Vou chamar a Dra. Jane...
- Não, como já te disse, tive essas crises a vida toda. Eu sei o que está por vir. Vai ser o inferno por oito horas, mas não pode realmente me machucar.
Selena tentou apoiar o máximo do peso dele que conseguia, enquanto cambaleavam até o patamar do segundo andar e então seguiam para a porta que levava ao terceiro
andar. Seu corpo grande se movia com lentidão, e a certa altura, ele desistiu totalmente de tentar enxergar, aqueles olhos dele se fecharam.
De alguma forma, ela conseguiu levá-lo ao quarto e à própria cama.
- A escuridão vai ajudar, - ele disse, colocando o antebraço sobre o rosto. - Pode aproximar aquela lixeira?
Andando pelo quarto, ela apagou todas as luzes, exceto a do banheiro e certificou-se de que houvesse um recipiente perto da cama. - Quer que eu tire suas roupas?
- Okay. Sim.
Não era exatamente a experiência pela qual ela estivera ansiando, mas então, seu humor já estava arruinado mesmo antes daquilo. E quando ela cumpria a tarefa,
ela foi oh, tão cuidadosa com ele, ajudando-o com a jaqueta, então tirando as botas e meias e livrando-o das calças.
- Eu vou ficar de camiseta. Não tenho energia para tirar, - ele pegou a mão dela e a fez sentar-se ao seu lado. - Não é a maneira que eu imaginei terminar a
noite.
Ela beijou a palma da mão dele. - O que mais posso fazer por você?
- Só me deixe deitado aqui pelas próximas seis ou oito horas. E não se preocupe, como eu disse, tudo isto da dor de cabeça à náusea, é normal. Infelizmente.
- O que causa estas crises?
- Estresse.
- Quer que eu ligue para o iAm?
- Merda, não. Ele já tem muito problema na cabeça. Na verdade, acho que é por causa dele que fiquei assim.
- Tem algo errado com ele?
Quando Trez silenciou, ela quis pressionar, mas ele estava doente.
- Você não precisa ir, - ele disse.
- Não quero te perturbar.
- E não vai. - Ele esfregou sua mão com as dele, e os lábios, a única coisa que estava à mostra, abriu-se em um sorriso. - Amo suas mãos. Eu já te disse isto,
não? São tão suaves e macias... Dedos longos...
Um pouco mais tarde, ele exalou um gemido suave, sua boca contorcendo, o corpo tenso. E então, começou a engolir.
- Preciso que você saia, - ele murmurou. - Desculpe... Não quero que veja isto...
- Tem certeza...
- Por favor. Agora.
Era a última coisa que queria fazer, mas levantou-se. - Estou por perto, okay? Não vou sair da casa. Me chame se...
Ele se inclinou para o lado e buscou o balde. Pairando por sobre a coisa, abriu os olhos e fitou-a com um olhar esgotado. - Você precisa sair agora.
- Eu te amo, - ela disse, correndo para a porta. - Queria poder ajudar.
Ela não teve certeza se ele ouviu esta última parte, ao se esgueirar para fora, e bem quando fechou a porta, os sons dele vomitando a fizeram estremecer.
Por uma fração de segundo, pensou que podia acampar no corredor em frente à porta. Mas, então, enquanto debatia aonde iria se sentar no chão, percebeu que não
conseguia largar a maçaneta.
Sua mão havia congelado no bronze.
- É claro que não vou parar. Não seja burro.
Enquanto falava com seus primos na cozinha da casa de vidro, Assail estava em um péssimo humor, e afundava cada vez mais na ira diante do interrogatório de
Ehric.
- Mas o Rei...
- Não tem nenhum direito de interferir nas questões de comércio que concerne a humanos, - ele convenientemente evitava pensar ou comentar a questão sobre o
conflito de interesses. - E não tenho intenção nenhuma de obedecer àquela ordem dele.
- Então o que vai fazer?
- Ele vai nos vigiar. É o que eu faria se fosse ele. Quero que vocês dois avisem meu sócio. Nós suspenderemos as operações por um breve período e faremos um
reconhecimento.
- Está bem.
Após os dois saírem, ele ficou na cozinha de forma que, qualquer Irmão que estivesse vigiando a casa o tivesse em visão plena. Retirando o seu vidrinho de cocaína,
descobriu que estava, de novo, quase vazio, mas pelo menos havia o suficiente para um "tiro".
Quando terminou de inalar, dirigiu-se ao escritório do outro lado de sua casa. Ali também havia janelas de vidro, e ele acendeu a luminária da mesa para que
pudessem mantê-lo sob vigilância. Sentando-se, olhou para a pilha de papéis que produzira. Contas de investimento. Contas de corretagem. Grana nos Estados Unidos
e no estrangeiro.
Aumentando, aumentando, aumentando.
A fortuna ao seu dispor havia tido uma guinada há cerca de um mês, o dinheiro lavado nas Ilhas Cayman transferido para contas mais legais entre o Reino Unido
e Suíça.
Tanto dinheiro, e todo montante acumulando juros, dividendos e apreciação.
Quando começara no negócio das drogas, logo após chegar à América, vindo do Antigo Continente, há cerca de um ano, ele já vinha bem estabelecido até para seus
próprios padrões. Agora, havia o dobro daquele montante em suas várias contas.
Pegando uns papéis aleatoriamente, olhou para o relatório de fechamento de mês. O relatório diário que ficava em seu computador era ainda mais recente.
A despeito de sua riqueza, a ideia de Wrath estar se metendo em seus assuntos o enfurecia até a medula.
Mas, não por um motivo que ele pudesse admitir a qualquer um.
Sem isto... Ele não tinha nada.
O que havia começado como uma extensão de seus negócios europeus, havia crescido até se tornar a razão de seu viver, o único propósito que tinha na vida, o
único motivo que o fazia sair da cama ao anoitecer, se vestir e sair pela porta.
Para ser justo, ele sempre gostara de ganhar dinheiro.
Mas desde o último inverno...
Praguejando, ele se inclinou em sua poltrona de couro e colocou a cabeça entre as mãos. Então sem olhar, ele remexeu no bolso da jaqueta e pegou o celular.
Ele há muito, havia memorizado o número de Sola. Mas não tinha ligado. Não desde que ela se mudara com a avó, de Caldwell para Miami. Não desde que ela saíra
dali exatamente para fugir do tipo de vida criminosa que ele levava.
Em seu telefone, acionou o teclando digital numérico. Como havia feito tantas vezes antes, ele apertou a sequência de dez números, um após o outro, os dedos
seguindo o padrão conhecido.
Não, ele não tinha ligado. Mas, regularmente, fazia isto: dez dígitos que estavam longe de serem aleatórios para ele, discados em seu celular... E deletados
antes de apertar o botão verde.
Se o Rei tirasse seu modo de vida? Então, ele não teria porra nenhuma para fazer, exceto encarar o fato de que a única mulher que desejava, estava totalmente
fora de seu alcance.
Mulher. Não fêmea.
Ela era humana, não vampira. Inferno, ela nem mesmo sabia que vampiros existiam.
E aquele era o problema. Mesmo que ele parasse com o negócio das drogas? Não era como se pudesse ir até Miami, aparecer na frente da porta dela, e chegar tipo,
Ei! Vamos retomar de onde paramos!
Não ia acontecer... Porque cedo ou tarde, a espécie dele ia descobrir e então para onde eles iriam?
Por alguma razão, a imobilidade e silêncio de sua casa de vidro pesaram, lembrando-lhe exatamente quão sozinho ele estava, e ficaria se parasse com os negócios.
Inferno, seus primos não iam ficar contentes em vê-lo sentado por aí, lamentando a fêmea por quem não estavam apaixonados, ele os perderia também.
Deus, ele era bem patético, não era?
Resumindo, o que ele iria fazer?
Com a cocaína borbulhando em suas veias, seu cérebro fez uma matemática básica baseada em uma ideia totalmente absurda.
Que ainda assim, oferecia-lhe uma bela solução para tudo aquilo.
Endireitando-se em seu assento, franziu o cenho e olhou em volta da sala, seus olhos vagando enquanto seu cérebro desenvolvia o plano. Quando não achou mais
falhas, deletou os dígitos de Sola da tela de seu celular e discou para Ehric. Quando caiu no correio de voz, imaginou que eles ainda estariam desmaterializados.
Um segundo depois, seu celular tocou e ele atendeu, sem se importar em cumprimentar. - Já entregou o símbolo para ele?
A resposta de Ehric foi abafada pelo vento que soprava rio abaixo. - Acabamos de chegar.
- Espere por ele. Não revele sua posição.
Assail continuou com as instruções e, ao final de tudo, a resposta de Ehric foi perfeita, - Como quiser.
Assail encerrou a chamada e voltou a afundar-se na cadeira. Respirando fundo, praguejou. Aquilo ia dar um trabalho danado. Mas, era a única solução que parecia
haver.
Além disto, o fato de que isto o consumiria por um futuro considerável? Era exatamente o que queria. E se não funcionasse? Bem, então estaria morto e não se
importaria com mais nada.
Nem mesmo com a mulher por quem ansiava com cada centímetro do seu corpo e todo o seu coração bastardo e sombrio.
A mãe dela havia acertado com aquele nome dela.
Marisol havia mesmo lhe roubado a alma.
Capítulo CINQUENTA E DOIS
iAm não queria que as palavras de Trez o atingissem mais do que a brisa gelada, quando estava em pé no gramado. Ele planejara entrar, comer algo rápido e esquecer
que toda a interação ocorrera. Cuidar de seus negócios. Ir aos clubes e ao restaurante. Cuidar de papelada, assumir o controle, tomar algumas decisões concretas
e sólidas.
Ao invés, estava preso no saguão, olhando para cima, para o teto alto que havia sido pintado por algum grande artista. Ele achava que a intenção da pintura era
inspiradora: heróis em garanhões veneráveis, guerreando nas nuvens, guerreiros celestiais que eram bravos e fortes e estavam ao lado dos justos.
Mas, toda aquela glória não era o motivo de ele estar em modo de pausa.
O destino de Trez era um jogo de cartas, uma coisa delicada e complicada que teria de ser resolvido pelos dois. Cada movimento que iAm fizesse, teria de ser
cuidadoso, deliberado e calculado com o objetivo de sobrevivência.
A sobrevivência de seu irmão.
Ele era um virgem de centenas de anos por causa disto.
Inferno, ele não havia sequer olhado para uma fêmea, tipo, nunca.
Enquanto Trez fodia com elas nos clubes, ou assistindo pornô na TV, ou falando sobre o que havia feito em cima da mesa, no banco traseiro do carro, do lado de
fora da porra do estacionamento, iAm jamais teve interesse em nada daquilo.
Ele havia sido um fodido filho da puta.
Um filho da puta não fodido, melhor dizendo.
E sim, ele tentara a coisa toda pelo lado gay, imaginando que talvez, pudesse se sentir atraído por homens e machos.
Não.
O que o levava ao ponto de, se não fosse pelo fato de ter de lavá-las todas as noites, ele teria se perguntado se sequer tinha bolas.
"Pergunte a si mesmo o que será de você quando eu me for. Se for honesto, não acho que vai gostar da resposta, mais do que eu gosto."
Sem estar consciente de ter tomado uma decisão, iAm virou-se e atravessou o vestíbulo. Na varanda da frente da imensa mansão cinzenta, ele parou sob o vento...
... E saiu voando.
Em uma jornada rumo ao seu destino, pedaços do passado o atingiam: Trez escapando do palácio. iAm sendo mantido preso até prometer trazer o macho de volta...
Que era a última coisa que ele realmente tinha intenção de fazer. A caçada louca.
A cabana na Montanha Black Snake.
Quando iAm retomou forma, teve uma náusea momentânea ao pousar na estrutura envelhecida, com seu tapume áspero e irregular, suas telhas de cedro e aquela chaminé
de pedras que se erguiam do teto como um dente podre. Parecia... Exatamente igual. Bem, não exatamente igual, com as janelas diferentes, arbustos crescendo ou árvores
tendo caído ou crescido demais.
Não, por uma fração de segundo, não soube sequer se estava ali agora mesmo ou se tinha voltado ao passado.
Sacudindo-se, andou até a porta da frente. As dobradiças rangeram ao abrir a casa e, pelo menos ele estava melhor preparado para o que viu.
Precisamente o mesmo. Da disposição desleixada dos móveis, ao cheiro de fogo velho, aos esboços dependurados pelas paredes.
Ele fechou a porta atrás de si e circulou, as botas fazendo o assoalho nu estalar e gemer. Perto da lareira de pedra, encontrou um generoso suprimento de toras,
achou que os últimos caçadores que usaram o lugar tentaram ser bons cristãos e passaram a bênção adiante.
Suas mãos tremiam ao jogar toras na lareira e agulhas de pinheiro por baixo. Tirando o isqueiro que sempre trazia consigo após ter trabalhado com diversos fogões
temperamentais, acendeu a coisa, abanou, e avivou as chamas.
Disse a si mesmo que era perda de tempo e calor. Ela não viria. Não havia jeito de ela vir.
Ele só ficaria por ali por cerca de meia hora, bancando a testemunha para os pensamentos sombrios de seu cérebro que enveredavam em território perigoso, e então
apagaria o fogo e voltaria para Caldie.
Os clubes. Ele iria aos clubes primeiro, e então...
O som daquela porta rangendo ao se abrir deixou-o rígido.
O aroma da maichen invadiu o interior da sala.
Virando a cabeça em sua direção, ele ergueu os olhos. Lá na porta, estava ela em carne e osso, suas vestes revoando no vento gelado que soprava por trás.
Ela não passava de um fantasma... E sua vitalidade era comovente.
Quando ele olhou para ela, soube exatamente porque ambos tinham vindo.
Capítulo CINQUENTA E TRÊS
Selena andou lentamente pelo longo túnel que levava ao Centro de Treinamento. Um passo de cada vez, da base da escada curta que levava à passagem subterrânea
à porta que abria para o armário do escritório. Cada vez que tinha de digitar uma senha para atravessar alguma porta, esperava que a sua consciência a fizesse mudar
de ideia. A reviravolta ocorrer. A urgência de dar meia volta se manifestar.
Ao invés disto, acabou não só emergindo na área de trabalho de Tohr, mas, atravessando as portas de vidro e saindo para o corredor de concreto que ficava mais
além.
A clínica ficava cerca de vinte e sete metros abaixo, e havia uma coleção de portas anunciando todo tipo de destinos alternativos que se apresentavam: salas
de levantamento de peso, ginásio, vestiário.
Seus pés não pararam diante de nenhuma delas.
Não, eles a levaram direto ao único lugar que ela resolvera jamais retornar voluntariamente.
Sua batida foi suave, uma oportunidade para que não houvesse resposta ou por não haver ninguém lá (ponto!) ou por estarem ocupados ajudando a outra pessoa (triste,
mas também um alívio) ou tão imersos no trabalho que não a ouviram (o que era como deixar uma mensagem de voz para alguém com quem você nem queria mesmo falar).
Dra. Jane abriu a porta. E fez um recuo estilo uou-ei! - Selena, oi.
Ela ergueu a palma da mão, desajeitadamente - Oi.
Houve uma pausa. E então a médica disse, - Está aqui em visita social ou precisa...
- Você deve estar bem ocupada, certo.
- Na verdade, depois de trabalhar quase três dias diretos, eu só estava atualizando os prontuários médicos. - A fêmea lhe deu espaço - Entre, se quiser.
Selena se preparou, pisou na soleira. Tentou desesperadamente não olhar para a maca de exames.
Enquanto isto, a Dra. Jane se afastou e sentou-se em um banquinho rolante, ajeitou o jaleco e cruzou as pernas. O uniforme que usava por baixo era azul. Os Crocs
eram vermelhos.
Os olhos dela eram verde-floresta. E estavam muito sérios.
Selena começou a perambular, mas, para todo lugar que olhava, só o que via eram gabinetes de aço inox com portas de vidros com instrumentos de tortura dentro.
Aturdida, olhou para a porta para o corredor, que estava se fechando sozinha, lenta e silenciosamente.
Como a tampa de um caixão.
- Ei, - Dra. Jane disse, - eu estava mesmo a ponto de esticar as pernas. Quer vir comigo dar umas voltas no ginásio?
- Oh, Deus, sim. Obrigada.
As duas saíram juntas, passando várias portas e muitos, muitos metros de corredores. Ao chegarem ao destino, a Dra. Jane abriu a pesada porta de aço e ligou
as luzes do teto.
- Eu sei que é estranho, mas adoro este lugar. - Jane disse. - A madeira com esta bela cor amarelo-mel e tudo cheira a desinfetante cítrico. O que é meio doido
porque odeio produtos químicos no ar, ou nas coisas.
Quando a médica iniciou a caminhada em volta das quadras de basquete, Selena teve quase certeza que ela ia a passos lentos de propósito.
Elas seguiram pelo lado curto, embaixo da cesta, e para a curva à esquerda para ao longo das arquibancadas, antes de Selena dizer alguma coisa.
- Eu acho... - Lágrimas inundaram seus olhos e ela percebeu que estava morrendo de medo.
- Temos todo o tempo que precisar. - Dra. Jane disse, suavemente.
Selena limpou os dois olhos. - Tenho medo de falar sobre isto. Como se, caso eu falasse...
- Você está tendo algum sintoma?
Ela não conseguia falar. Mas, viu-se acenando - Eu acho... Sim.
Dra. Jane emitiu um som de mmm-hmmm - Quer me dizer quais?
Selena estendeu a mão, a que ficara congelada na maçaneta, e estendeu os dedos. Ao flexionar, abrindo e fechando, sua mente caiu em uma corrida desenfreada de
Será que pioraram? Será que melhoraram? Estão na mesma?
- Suas mãos? - Quando tudo o que ela fez foi anuir de novo, a Dra. Jane perguntou - Mais algum lugar?
Pelo menos desta vez ela conseguiu negar com a cabeça.
- Você se lembra, - a médica disse, - se quando um ataque veio antes, se teve algum prodromal?
- O que é isto?
- Algum tipo de sinal de alerta?
Selena esfregou os olhos de novo e limpou as mãos nas calças. Trez possuíra seu corpo não mais do que meia hora antes. Com uma onda de agonia, ela quis voltar
àquele momento, de volta ao tempo antes de sua doença se manifestar.
- Eu não sei. Não me lembro de jamais ter notado algo. Mas, antes... Eu costumava ignorá-lo o máximo que podia. Eu não queria pensar nisto. - Ela olhou para
a médica. - Eu sinto muito não ter voltado para vê-la, sabe, depois que eu...
Dra. Jane fez um gesto no ar. - Deus, garota, não se preocupe com isto. Não há regras e você tem de fazer o que sente que é certo. As pessoas precisam controlar
as próprias vidas.
- Há alguma coisa que pode fazer por mim? Qualquer coisa... Que eu devesse fazer?
A médica levou um tempo para responder. - Eu vou ser direta com você, está bem?
Ah, sim. Não havia nada a fazer. - Eu agradeceria.
- Nas últimas quarenta e oito horas, muitas pessoas procuraram uma solução. Manny contatou seus colegas humanos. Eu falei com Havers. Rehv foi ao território
Symphath... E recebi uma mensagem de texto de iAm dizendo que iria ao s'Hisbe.
- Nada?
- Havers só sabia de pacientes que enfrentam episódios isolados, artrites que afetam mãos ou joelhos, quadris ou ombros. Nada com sintomas sistêmicos tão severos
como os que você apresenta. Ele trata os pacientes com anti-inflamatórios e analgésicos, mesmo que tenha testado algumas drogas humanas, não teve nenhum resultado
relevante na prevenção ou cura. E nem os Symphaths ou os Sombras tinham conhecimento neste assunto.
Manutenção. Era o máximo que poderia esperar.
- Pode me dizer quanto tempo eu tenho?
Dra. Jane negou com a cabeça. - Posso analisar seus marcadores inflamatórios. Mas não tenho realmente nada com o que compará-los... E os ataques vêm rápido,
pelo que entendo. Isto sugere um surto súbito, como um terremoto.
Elas continuaram a circular o ginásio, descendo, descendo, descendo até o canto oposto, onde havia uma porta onde estava escrito: SALA DE EQUIPAMENTOS E PT.
- Acho que devíamos voltar para você verificar minhas... Sabe, - Selena circulou o ar próximo a ela com a mão, - coisas inflamatórias.
- Podemos, se quiser. Mas, acho que a coisa mais importante é fazer seja lá o que te deixe mais tranquila e calma.
- Está bem. Está certo.
Um momento depois, sentiu a Dra. Jane pegar sua mão e apertar. E ao encará-la, se surpreendeu ao ver emoção no rosto da médica. Essa tristeza austera, uma dor
que ia fundo.
Selena fez a outra fêmea parar. - Não é culpa sua.
Aqueles olhos verde-floresta fitaram a cavernosa extensão do ginásio, sem focar em nada - Eu só... Quero ajudar. Quero te proporcionar o restante de seus muitos,
muitos e muitos anos de vida. Quero que você viva. E o fato de não encontrar uma solução... Eu sinto tanto, Selena. Sinto tanto... E vou continuar lutando. Vou continuar
tentando, buscando...
Pareceu a coisa mais natural do mundo passar o braço ao redor da mulher e abraçar.
- Sinto muito. - Dra. Jane soluçou.
Mais tarde, Selena iria perceber...
... Que aquela era a primeira de suas despedidas.
maichen havia demorado para encontrar a cabana. A Montanha Black Snake havia sido fácil. Lado leste do pico também não havia sido um problema. E detectar o aroma
do fogo deveria ser simples, porque mesmo quando em forma molecular, seu olfato era forte e não havia nada mais claro do que fumaça em uma noite de outono. Ainda
assim, havia sido difícil. Ela havia viajado pelo ar, buscando, buscando...
Estava a ponto de virar e voltar, uma tristeza dolorida dominando-a por dentro... Mas então aquela fumaça havia se erguido pela brisa e ela havia disparado em
seu encalço, rastreando a força do aroma, focando em sua fonte.
E lá estava a cabana que ele havia mencionado.
Ela havia se aproximado como uma Sombra, permanecendo em sua forma de energia, sobrevoando o chão sujo, contornando a estrutura pequena e simples... Certificando-se
de que era, de fato, ele e somente ele.
Retomando forma, se aproximou da porta e bateu. Quando não houve resposta, ela abriu.
Ele estava perto da lareira, agachado, avivando as chamas.
Instantaneamente, o corpo grande levantou-se, e a luz tremeluzente criava uma aura detrás dele.
Quando ela entrou, o vento bateu a porta e a batida a assustou.
- Está frio aqui, - ele disse, rudemente, - estou tentando aquecer.
Vê-lo era suficiente para fazê-la esquecer-se de tudo o que a cercava. Ela podia estar em um deserto, no oceano, em uma calota polar e não teria registrado coisa
alguma.
- Aproxime-se, - ele acenou com a mão. - Do fogo.
O corpo dela obedeceu sem hesitação, só que foi até ele que ela andou, não para as chamas. E quando parou ao seu lado, ele se afastou como se não quisesse oprimi-la.
- Deixe-me arrumar um lugar para você se sentar.
Antes que ela pudesse dizer que não se incomodasse, ele foi até uma plataforma de dormir e puxou o acolchoado do topo com alguns cobertores. Com mãos firmes,
arrumou tudo e então voltou a se afastar.
O sexo que emanava dele era irresistível.
Por mais frio que estivesse tentando se mostrar, mais respeitoso que estivesse sendo, ela podia sentir a necessidade nele.
Sim, ela percebeu... De fato, era por isto que ela havia arriscado tanto para vir aqui.
Ela também o desejava. Mesmo que isto fosse criar uma crise. Mesmo que fosse irresponsável. Mesmo que não fizesse sentido.
Ela seguira as regras a vida inteira. Mas não havia responsabilidade ou dever que lhe fosse tão impossível resistir, e seu tempo de relativa liberdade estava
se esgotando.
Baixando-se para o sofá improvisado, ela cruzou as pernas sob seu manto pesado. - Por favor. Sente-se comigo.
- Tem certeza que quer que eu faça isto? - Ele se avolumou à sua frente, seu rosto sombrio absorvendo aquela luz lúdica.
- Sim, - ela sussurrou.
Ele ajoelhou-se, seus olhos semicerrados se movendo pelas vestes que a cobriam do topo da cabeça até a sola do pé.
- Você me deixará vê-la? - Disse ele, em voz profunda.
maichen engoliu em seco. Então ergueu as mãos para a malha que cobria seu rosto, mas, para segurar a máscara no lugar. - Tenho medo.
- Do que?
E se ele não gostasse do que visse?
- Eu já sei que você é linda, - disse ele, como se pudesse ler sua mente.
- Como?
Ele tocou o centro do peito amplo. - Eu te vejo aqui. Eu te conheço... Aqui. Você é muito bonita para mim, não importa sua aparência.
Profundamente consciente de tudo o que não lhe contara sobre si mesma, ela sussurrou, - Nós não conhecemos um ao outro.
- Isto importa para você?
- Não.
- Nem para mim. - Ele franziu o cenho e olhou para o fogo. - As últimas noites, com tudo o que aconteceu comigo e meu irmão... Foram uma revelação. Não quero
mais perder tempo. Quero viver a minha vida, ao invés de pairar pelo pesadelo da zona neutra dele, esperando o machado descer.
- Seu irmão... Ele jamais voltará ao Território? Dizem... Que ele se recusa a cumprir o seu dever, mesmo que a Rainha tenha decretado que após o luto...
Ela teve de parar. A ansiedade era grande demais.
Ela supostamente devia se emparelhar intocada.
E isto não ia acontecer.
Mas, o que o Consagrado poderia fazer a ela? Ambos estavam sendo forçados ao emparelhamento, e a tradição ditava que ele era essencialmente propriedade dela.
Um protesto dele será como uma cadeira discutindo com quem se senta sobre ela.
iAm negou com a cabeça. - Depois de Trez perder Selena, o jogo acaba... E francamente, aquela Princesa? Ela não vai querer o que vai sobrar dele, não a menos
que ela curta necrofilia. Ele vai estar morto, estando em vida, ou em um túmulo.
maichen baixou a cabeça. Ela jamais deixara de saber sobre o emparelhamento que a aguardava. Ele fizera parte da sua criação, a espera pelo Consagrado que havia
sido destinado pelas estrelas para ser seu companheiro procriador, e que com ele e através dele, ela asseguraria que a linhagem de sua mãe continuaria a governar
o s'Hisbe.
Predestinada. Escrito nas sagradas estrelas.
Ela havia aceitado o que era seu dever do mesmo jeito que aceitava tudo em sua vida, de sua casta à solidão, à perpétua sensação de que estava perdendo tanto,
embora não por sua própria escolha.
Ela pigarreou. - Eu imagino que a Princesa poderia libertá-lo, se pudesse. Ela não ia querer ninguém sofrendo, muito menos alguém que perdeu uma fêmea de valor.
- Você a conhece?
- Eu já a servi.
- Como ela é? - Antes que ela pudesse responder, ele ergueu a mão. - Na verdade, não preciso saber...
- Acho que ela diria que está tão presa na armadilha como seu irmão. Acho... Que ela também é uma prisioneira do destino.
Ele esfregou o rosto. - Isto realmente me faz odiá-la menos. Acho que nunca pensei em como tudo isso seria para ela.
- A ela foi revelado qual seria o seu destino, do mesmo modo que como a ele. Ela não teve nenhuma escolha nisto.
iAm solto um riso ríspido. - Talvez eles possam mandar a Rainha se foder. Se ambos se recusarem a jogar o jogo, pode ser que seja o fim. Não que isto impeça
meu irmão de perder sua amada.
- Mas, as estrelas revelaram os destinos deles.
Aquele olhar escuro voltou à ela. - Você crê nisto? Digo, acha realmente que o alinhamento de um punhado de planetas desinteressados, a um milhão de anos-luz
deveria ser usado como um mapa para a vida das pessoas? Eu não.
- É assim há gerações. - Ela disse, em voz fraca.
- Isto não o torna correto. De fato, torna tudo ainda mais ofensivo. Pense no quanto foi arruinado.
O peito de maichen se contraiu quando ele disse em voz alta as coisas que ela andara pensando desde que aprendera que, há muitos anos atrás, o macho com quem
ela iria emparelhar achara seu destino tão desagradável que fugira do Território sob ameaça de morte e sob punição de expulsão.
- Chega deste papo, - ele disse. - Não foi por isto que viemos. Foi?
Os olhos dela se cravaram nos dele sob a malha. - Não, não foi.
O olhar dele voltou para suas vestes, como se em sua mente, ele já estivesse despindo-a.
O coração dela começou a martelar de novo, as mãos começaram a suar. - Eu preciso que saiba que eu jamais... Eu não...
- Nem eu.
Ela recuou. Não pôde evitar. Ele era tão másculo, tão belo, tão...
- Mudou de ideia? - Ele interpelou. - Não é nada sexy, é?
- Como é possível? - Ela se espantou. - Você é tão phearsom.
Houve uma pausa. E então, sem aviso, ele jogou a cabeça para trás e riu. O som saiu tão inesperado e... Cativante... Que ela quase se afastou, surpresa, de novo.
Quando ele voltou a olhar para ela, sorriu pela primeira vez. E tirou-lhe o fôlego.
- Este foi o melhor elogio que eu já recebi.
Ela sentiu-se sorrir sob a malha... Mas, então, ele ficou sério de novo, e ela também.
Não haveria retorno, ela pensou. Se ela não saísse agora, antes de ele tirar seu capuz... Ela não sairia até tudo acabar.
As mãos de maichen se ergueram para sua máscara, sua decisão tomada.
Agarrando a barra da malha, começou a erguê-la. Ansiedade fazia seu coração falhar batidas, mas, ela não parou... Ela não pararia.
Os planetas não deveriam governar as escolhas dos vivos ou o legado dos mortos, ela pensou quando o ar mais frio atingiu sua garganta, sua mandíbula... Sua boca.
Ela estava escolhendo isto.
Ela escolhia ele.
Capítulo CINQUENTA E QUATRO
iAm sentia-se como se suspenso no tempo enquanto o rosto da maichen ia sendo revelado centímetro a centímetro. Os lábios dela eram cheios e profundamente vermelhos,
a pele suave e ligeiramente mais escura do que a dele, as maçãs do rosto altas e salientes...
Ele parou de conseguir formular qualquer pensamento quando os olhos dela se revelaram.
Olhos profundos e cílios espessos, eram de um brilhante verde iridescente. Mas, então, ela estava emocionada e aquele era um dos sinais disto, uma característica
dos olhares dos Sombras.
Talvez os dele estivessem assim também.
E então os cabelos. Profundamente ondulados, flutuavam de sua cabeça e caíam pelos ombros e as costas. Era tão longo que não dava para ver onde terminava.
Ela era, bem simplesmente, a coisa mais extraordinária que ele já havia visto.
Ela era tanto exótica, porque ele vivia entre humanos por tantos anos que perdera as feições de seu povo, quanto completamente normal, porque sua beleza e cores
eram naturais.
- É um crime você andar coberta, - ele sussurrou.
O rubor que subiu pelo pescoço dela fez as presas dele se alongarem, e as mãos se curvarem de necessidade de tocá-la.
- Verdade? - Ela suspirou.
- Juro pelo meu sangue.
Como se o olhar dele lhe desse coragem, ela afastou a malha, e continuou a se despir, liberando a fivela de bronze na clavícula e deixando a primeira camada
de tecido deslizar pelos seus ombros.
Ela era de constituição delicada, mas, também era toda fêmea, e por mais que ele tentasse não se apegar à aparência de seu corpo, seus olhos se recusavam a se
desviar.
Aquela veia pulsando na lateral do pescoço dela era um convite a uma mordida.
O volume de seus seios era uma súplica por um toque.
O aroma do sexo dela, um chamado a ser respondido.
iAm engoliu a imprecação que quis escapar de sua boca. Ela era demais, linda demais, vibrante demais. Seu coração estava pulsando e seu pau estava duro como
pedra dentro da calça.
Ele deveria ter tomado um drinque antes de ir para lá.
Ou seis.
- Você tem fome, - ela sussurrou.
- Sim.
- Você gostaria de tomar minha...
Ele não acreditava onde ela estava tentando chegar, - Sua veia?
- Se quiser.
Oh, fodido fosse ele, sim. - Eu imploraria por tal...
- Não precisa.
Ele esperava que ela lhe oferecesse o pulso, mas quando ela ergueu o queixo expondo a garganta, ele sentiu-se real e verdadeiramente muito estúpido.
iAm sabia que devia perguntar se ela tinha certeza, pressioná-la a repensar sua decisão. Tudo ia acontecer rápido demais se encostasse as presas nela.
Ao invés disto, ele gemeu, - Por favor, me diga seu nome.
- É maichen eu já lhe disse. É o único nome que sinto ser meu.
Ele cerrou os dentes. - maichen, preciso que saiba... Não acho que consigo parar. Se começar isso.
- Eu sei. É por isto que te quero em minha garganta. Sem retorno.
Os olhos dele reviraram e seu tórax ondulou. - Mas, você não tem um pai em sua casa? Alguém que se importará por você...
Ele sabia que os padrões eram diferentes para membros da classe dos serviçais, não se esperava virgindade das fêmeas, já que elas eram requisitadas para qualquer
serviço que lhe demandassem. Mas, ainda assim...
- Está certa disto? - Ele disse.
Sua ereção gritava para ele calar a porra da boca, mas, sua consciência ainda era mais forte do que aquela viagem alucinante.
- Estou.
Aqueles olhos iridescentes estavam firmes, fortes, certos.
Hora de parar de falar.
iAm tomou-a, inclinando-se para a frente, agarrou a nuca dela, curvando-a para trás, apertando-a nos braços e pousando a boca sobre sua carne. Ele jamais tomara
de uma fêmea deste jeito, e não mordeu de imediato. Ele estava subjugado pelo aroma dela, pela pele suave sob seus lábios ao estender a língua e lamber sua veia.
Ele queria acariciá-la mais, mas, quando as mãos dela seguraram seus ombros e ela se arqueou para ele, não pode esperar. Ele sibilou e perfurou sua pele.
À mordida, ela gritou, mas ao invés de empurrá-lo, puxou-o para ainda mais perto.
O sangue dela foi uma explosão em sua boca, gosto de vinho encorpado e promessa de uma intoxicação que começou a dominá-lo no instante em que ele engoliu. Sugando-a,
ele passou a mão pelo seu corpo, encontrando a curva da cintura e o contorno de seu quadril. Mais, ele tomou mais enquanto sua pelve convulsionava para frente, buscando
aquela junção vital dela que ainda estava coberta por camadas de tecido.
Zonzo e totalmente focado ao mesmo tempo, ele deitou-a e montou em seu corpo, como um animal selvagem protegendo sua presa. Mas, ele queria dar a ela também.
Movendo um de seus braços para cima, colocou o próprio pulso sobre a boca dela, esfregando-o em seus lábios.
Aceitando, ela tomou sua veia também, enquanto ele tomava a dela, completando um círculo que explodiu com o calor entre eles.
Antes de saber o que estava fazendo, ele começou a erguer o manto dela, puxando cada vez mais alto, a barra, as camadas, o peso. As coxas dela eram macias e
flexíveis, e se abriram para ele, dando acesso ao que ele queria mais.
Sem calcinhas. Sombras não as usavam.
Quando ele esfregou a mão sobre seu sexo, ela gemeu e sugou mais forte o que ele lhe provia, e ele queria que ela o drenasse até a secura. Mas, não o contrário.
Forçando-se a liberar a veia dela, ele lambeu os pontinhos feridos para fechá-los e então desceu os lábios, passando pela graciosidade de sua clavícula. Chegando
aos seios, ele pegou o topo do manto com as presas e rasgou, o tecido cedeu até...
- Oh, Doce Jesus, - ele arfou.
Os seios dela eram firmes e eretos, adornados com mamilos pequenos que ele não passou muito tempo olhando. Não, buscou-os com a boca, idolatrando-os enquanto
ela continuava a tomar de seu pulso.
E ainda assim, ele queria mais dela.
Bem quando ele estava faminto por baixar ainda mais a cabeça, mesmo sem ter ideia do que estava fazendo, ela liberou a veia dele e o libertou. Sem lhe dar chance
de selar as mordidas, ele subiu novamente e segurou com as mãos, os dois lados do que começara a rasgar.
Riiiiiiiiiiiiiiiiiiiiip.
Com aquilo, as vestes de baixo se abriram em duas e ela ficou nua na sua frente.
A pele escura banhada pela luz do fogo ondulava, e o corpo dela estava marcado com manchas vermelhas do sangue dele, e não é que aquilo o fazia querer colocar
outras coisas dele nela?
Para que todos soubessem que ela era dele.
Vagamente, no fundo de seu cérebro avariado, sentiu-se surpreso de que as histórias que ouvira e que assumira ser ficção, aqueles contos de machos se vinculando
à primeira vista, eram de fato, total e absolutamente verdade.
Ele havia visto o rosto dela há apenas alguns momentos, e agora tinha passado pelo buraco de minhoca, se perdido e se encontrado ao mesmo tempo, empanturrado
e faminto por mais, tudo ao mesmo tempo.
- Minha, - ele rosnou.
Nua diante dos olhos de seu amante, maichen havia esperado sentir-se autoconsciente ou envergonhada. Somente a fêmea que a banhava havia visto o que iAm estava
olhando.
Em vez disto?
Livrou-se dos mantos que envolviam suas mãos, e ergueu-as para oferecer os seios. - Seus, - ela ouviu-se dizer. Então, moveu-as para baixo e tocou o sexo exposto
- Seu.
O lábio superior dele se recolheu e ele emitiu um grunhido que era tanto reverente quanto um pouco malévolo.
Então ele tirou o casaco, a camisa. Os sapatos e calças.
A luz do fogo moveu-se sobre a pele dele, lançando sombras sobre o contorno dos músculos que marcavam os braços, peito e abdômen.
Sua ereção era enorme.
Estava tudo tão fora de controle, esta série extraordinária de eventos, e a culminação ainda estava por vir. O que aconteceria depois, ela se perguntou? Ela
fora nominalmente instruída sobre o ato sexual, em preparação para seu emparelhamento, o médico havia lhe dado algumas orientações anatômicas sobre como as coisas
iriam acontecer, e teve aquela vez quando flagrara s'Ex com aquelas humanas. Mas, nenhuma destas trocas estranhas havia feito nada para explicar como seria elétrico.
O quanto ela iria ansiar pela união. Como se sentiria desesperada.
Plantando as mãos nos dois lados de seu corpo, iAm suspendeu-se sobre o corpo dela e lentamente colou seus lábios nos dela. O contato foi leve e fugaz, deixando-a
faminta por mais, mas, então, ele gradualmente deitou-se sobre ela, seu peso impossivelmente erótico, seus contornos firmes marcando-a.
O sexo duro dele esfregando-se em seu núcleo.
Ela começou a se arquear sob ele, flexionando as pernas, buscando por algo que nem sabia o que era.
- Deixa comigo, - ele disse. - Eu cuido disto.
Mas, não cuidou. Ele só a beijou e tornou tudo pior, lentamente lambendo-a na boca, esfregando-se contra seus seios, a parte interna de suas coxas... Tudo sem
penetrá-la.
- Porque espera? - Ela gemeu.
- Preciso me certificar de que você esteja pronta, senão vai doer.
Os olhos dela se arregalaram - Não vai doer. Vai?
- Quanto você... Ah, sabe sobre...?
A boca dela começou a se mover e ela achou que estava falando, e ele estava anuindo, dizendo algo em resposta. Mas, ela não fazia ideia do que estava sendo dito
de nenhuma das partes.
Exceto que as mãos dele se moveram para baixo, para o meio deles, esfregando mais o sexo dela, explorando. O prazer que despertou nela foi como a luz do fogo,
quente e pelo corpo inteiro, levando-a a outro nível de consciência.
Então houve uma pressão em seu núcleo, mas, nada doloroso. Só um empurrão, um empurrão gentil que a fez ceder internamente.
Quando a mão dele reapareceu ao seu lado, ela percebeu que era a ereção dele penetrando-a, não os dedos.
Movendo o quadril para acomodá-lo melhor, ela tornou-se consciente de um choque comprimindo, uma barreira cedendo e, então, a união foi tão profunda que ela
sentiu como se ele estivesse penetrando-a com o corpo inteiro. Bom, tão bom... Ela se deleitou no quão próximo ele estava, seu contato pele a pele aquecendo-a por
dentro e por fora, uma vida inteira de proibição de toques sendo apagadas.
E, então, ele começou a se mover. Lento de início, com impulso crescente, ela foi transportada junto com ele em um prazer cintilante e crescente.
Acariciando as costas dele com as mãos, ela amou a sua virilidade, e o conhecimento de que este macho, em específico, era o primeiro a tomar seu corpo.
E então uma barreira se quebrou e tudo se tornou muito mais vívido, uma pressa urgente empurrando-a para cima, para aquele corpo dele.
Sua boca se abriu e ela gritou, mas, não de dor.
Ele gritou também, e houve uma pulsação dentro de seu núcleo.
Mas, não era o fim. Ele não parou. Ele continuou, bombeando contra ela, nela, sobre ela.
O médico não havia dito que seria tão bom.
Não mesmo.
Capítulo CINQUENTA E CINCO
Ele entrou em sua vida usando um boné de beisebol do Syracuse e calças jeans esburacadas.
Paradise estava em sua mesa, digitando coisas no sistema, preenchendo solicitações no e-mail, acomodando visitantes nas cadeiras, quando outro vento gelado atravessou
o salão. Àquela altura, ela já havia se acostumado às mudanças de temperatura, havia mais ar gelado, a cada vez que a porta da frente se abria e fechava com a chegada
de um novo visitante.
Então ela não olhou realmente para cima até sentir uma grande presença perto de sua mesa.
Quando ergueu o olhar, tinha um sorriso profissional no rosto, mas, prontamente perdeu a expressão.
A sua frente havia um macho de cerca de dois metros de altura, com ombros tão largos quanto uma porta, e um maxilar tão pronunciado quanto uma flecha. Ele tinha
um tipo de jaqueta, embora estivesse frio o bastante para um casaco apropriado, e sem luvas.
E então havia o boné laranja e aqueles jeans.
- Posso te ajudar? - Ela perguntou.
A aba daquele boné estava tão abaixada que ela não conseguia ver os olhos, mas podia sentir o seu impacto.
- Estou aqui para o programa de treinamento.
A voz dele era muito profunda e surpreendentemente baixa. Dada a forma física, ela teria esperado uma voz mais alta.
- O programa de treinamento?
- Para os soldados da Irmandade da Adaga Negra.
- Oh sim, eu sei, mas não é... Digo, não é aqui. Nesta casa.
Quando ele olhou em volta, ela tentou ver seus olhos. - Eu sei, - ele disse. - Quer dizer, preciso de um formulário de inscrição, e pensei que aqui poderia conseguir
um.
- Os formulários foram enviados por e-mail. Gostaria que eu te encaminhasse?
- Eu, ah... - Ele olhou em volta de novo. Enfiou as mãos nos bolsos daqueles jeans, - Você tem um formulário impresso?
- Eu posso te enviar a coisa toda agora mesmo... Qual seu endereço de e-mail?
Quando ele concentrou o olhar na parede atrás de sua cabeça, ela decidiu que seu cabelo era escuro. Escuro e muito curto.
- Eu não tenho um endereço de e-mail, - ele disse, suavemente.
Paradise piscou. - O hotmail é gratuito.
- Tudo bem, - o macho disse, recuando um passo. - Eu vou encontrar outro modo de conseguir um.
- Espere. - Ela abriu a gaveta da mesa. - Aqui. Leve o meu... Digo, este aqui.
Ele hesitou. Estendeu um braço longo. Aceitou o que ela havia tirado anteriormente da cesta de lixo.
- Obrigado. - Ele olhou para baixo e franziu o cenho, pelo menos ela pensou ter visto um franzir. - Este já está preenchido no topo?
Quando ele lhe devolveu, ela praguejou. - Desculpe. Eu... Deixa eu imprimir um novo.
Clicando no mouse, ela logou em seu e-mail, achou aquele que Peyton, o Imbecil, havia encaminhado, abriu o anexo e apertou imprimir.
Quando a máquina atrás da mesa acordou e começou a emitir ruídos, o macho depositou o formulário sobre sua mesa. - Você vai participar do programa?
Ótimo. Como se ela precisasse de mais um Sermão de um completo estranho.
Ela pegou o papel de volta. - Fêmeas são permitidas entrar, sabia. Está no e-mail. Nós podemos nos juntar...
- Eu acho que deviam. Mesmo que escolha não lutar, acho que fêmeas deviam ser treinadas, nunca se sabe quando ou sob qual circunstância será necessário se proteger.
É lógico.
Paradise só ergueu os olhos para ele - Eu... - ela pigarreou, - concordo com você.
Quando a impressora silenciou, ela virou a cadeira e pegou os papéis quentes do alto da HP. Não havia necessidade real de grampo ou clipes de papel, ou de qualquer
forma juntá-los, mas ela abriu outra gaveta e remexeu em seu conteúdo.
- Você pode entregá-lo aqui, - ela disse, ao entregar-lhe. - Depois de preencher, posso entregar aos Irmãos.
Ele dobrou o formulário uma vez e colocou por dentro do casaco. - Obrigado.
E então tirou o boné e fez uma reverência a ela.
Quando ele se endireitou, ela deu uma boa olhada nele, e arquivou-o na gaveta "Oh Meu Deus!" de sua mente.
Talvez fosse mais adequado "Oh Meu Fodido Deus!".
Os olhos dele eram de um perfeito azul celeste, profundos com sobrancelhas e cílios escuros. Seu rosto era fino, porque ele era um pouco magro demais, mas, aquilo
só evidenciava a estrutura óssea máscula. E a boca era...
Se ele não tivesse atraído sua atenção antes, ele meio que a deixaria de quatro agora.
Graças a Deus pela cadeira.
- Qual o seu nome? - Ela perguntou quando ele se virou para ir embora.
Ele colocou o boné de volta - Craeg.
Ela levantou-se e estendeu a mão. - Eu sou Paradise, - bem, você provavelmente já sabe disto, porque você viu que eu preenchi...
Ótimo, ela estava balbuciando.
- Prazer em conhecê-lo, Craeg, - ela disse, quando ele não fez nenhum movimento de se aproximar.
Ele anuiu uma vez, e então saiu, deixando-a de mão estendida.
Enrubescendo, ela voltou a se sentar, e percebeu que oooooh, cerca de cinco pessoas haviam testemunhado toda a conversa. E estavam agora folheando revistas People
e Time, tentando parecer ocupados. Um dos machos mais velhos até mesmo ergueu um Caldwell Courier Journal e cobriu o rosto.
Bem, ela podia brincar de parecer ocupada também.
Digitando bem ruidosamente em seu teclado, ela tentava disfarçar o rubor de corpo inteiro que a acometia.
Ela nunca o vira antes. Tipo, nunca. Talvez ele tenha acabado de chegar do Continente Antigo, só que, quais eram as chances disto? A grande maioria da população
estava em Caldwell há quanto tempo? Além disto, ele não tinha sotaque. Então ele devia ser... Bem, um estrangeiro, obviamente. Mas, tinha de ser membro da aristocracia
se ouvira falar do programa de treinamento, certo?
Olhando para a arcada pela qual ele saíra, ela se viu desejando que ele viesse entregar o formulário preenchido em mãos.
Quem seria ele...
- Paradise?
Ela pulou. E concentrou-se no pai, que aparecera do nada. - Sim? - Percebendo que sua voz soou perto do normal, e que ela supostamente estaria brava com ele,
ela pigarreou. - O que posso fazer pelo senhor?
Como se ele fosse somente outra pessoa com quem ela lidava.
- Eu só queria perguntar como você está?
Sua aparência não era agressiva. Pelo contrário, ele parecia preocupado... Maldição. Ela queria manter-se com raiva dele.
Ela suspirou. - Estou bem, Pai.
- Você está fazendo um trabalho maravilhoso. Verdade. Tudo está correndo tão bem. O Rei está tão satisfeito... E eu estou muito orgulhoso.
Vê, isto era bem a cara dele. Era impossível ficar puta quando era confrontada com este... Esta sinceridade, sua versão de um pedido de desculpas.
- Posso te trazer algo para comer ou beber?
- O senhor não é um doggen, Pai.
- Talvez precise de uma pausa?
- Não. - Ela revirou os olhos. Levantou-se. Foi na direção dele. - Você me deixa louca.
Ela lhe deu um abraço porque aquilo era o que ele estava querendo. Então ela recuou. - Oster, filho de Sanye é o próximo.
Quando ela indicou o cavalheiro em questão, e o civil ficou em pé, seu pai lhe deu um aperto na mão e então reassumiu seus deveres oficiais.
Seguindo seu exemplo, ela sentou-se de novo. Olhou para o computador à sua frente. E ainda sentiu-se engaiolada.
Mas, o que ia fazer? Mesmo que ele, tecnicamente, não pudesse impedi-la; ela era maior de idade, e não havia nenhuma especificação no formulário que dissesse
que uma fêmea deveria apresentar o consentimento de um macho mais velho para aprovar a inscrição, ela ainda assim, sentia-se paralisada.
Era difícil se rebelar contra seus pais quando só havia restado um.
E ele era tudo o que ela tinha no mundo.
Selena odiara quase tudo no exame, a coleta do sangue, o procedimento de radiografia. E sentia-se mal por isto. Não era como se a Dra. Jane estivesse sendo menos
do que perfeitamente gentil e muito paciente. Mas estar em um daqueles camisolões de hospital, sendo furada e cutucada, virada e fotografada, era como ter a contagem
regressiva de alguma espécie de detonação acontecendo bem na sua frente.
Além disto, ela odiava o antisséptico falso de limão que eles usavam em todo lugar.
E o fato de que estava com frio, mesmo depois de colocarem um cobertor sobre suas pernas.
E então havia aquela luz brilhante pendurada sobre sua cabeça.
Mas, na maior parte, não era o ambiente externo que era difícil de lidar. Era o grito interno que ela achava que tinha de dominar por força de vontade.
- Okay, acho que este é nosso último Raio-X, - a Dra. Jane disse, de sua mesa.
Na tela do computador, uma imagem fantasmagórica do joelho de Selena estava centralizada, mas, ela se recusava a olhar.
Ela tinha de ficar deitada até a Dra. Jane voltar e mover o braço do raio-X para fora do caminho. Então, se sentou, a médica pegou a placa sob sua perna e afastou-a.
- Então... Agora o que? - Selena perguntou.
Ela estava entorpecida. Com frio. Suada.
Mas, mais do que tudo, ela se sentia rígida. E não só nas mãos.
- Deixe-me avaliar atentamente estes raios-X com Manny. E então, volto para falar com você.
Selena baixou as pernas pela borda da maca e ficou em pé. Flexionou uma e então a outra, seu cérebro em uma espiral de Melhor? Pior? O mesmo?
- Quando? - Ela disse, rudemente.
- Porque não conversamos perto do alvorecer? Trez pode vir com você, se quiser...
O barulho veio de fora do quarto, e ambas olharam para a porta do outro lado. Quando o som se repetiu, a Dra. Jane correu, e Selena também.
No final das contas, ela não estava paralisada ainda, e parecia uma boa hora para se lembrar disto.
As duas correram pelo corredor e ouviram atentamente. O Centro de Treinamento estava silencioso, com os Irmãos se exercitando em campo, e não havia, felizmente,
ninguém ferido nos leitos.
O barulho veio de novo, e elas correram, avançando mais duas portas.
Dra. Jane abriu a porta.
A médica teve de se abaixar quando algo veio voando do quarto. Uma bandeja. Era uma bandeja de metal, e ela quicou no chão de concreto, como se a coisa estivesse
realmente feliz por se libertar de lá, e tentasse ficar a uma distância extra.
Lá dentro, Luchas estava descontrolado, na cama. Metade dele parecia estar amarrado, mas, uma mão e braço estavam livres e ele os usava para destruir qualquer
coisa que alcançasse. Bateu em alguns equipamentos de monitoramento com o pedestal do intravenoso, fez o mesmo com a mesinha rolante que tinha um tipo de comida
sobre ela, e agora agarrava a cabeceira da cama, como se tentasse destruí-la.
- Luchas. - Dra. Jane disse, com uma tranquilidade admirável. - O que está...
- Vai se foder!
Selena recuou. Ela estivera ali para alimentar o irmão de Qhuinn ao longo dos últimos meses, e ele sempre fora um perfeito cavalheiro.
- Luchas...
- Foda-se isto! - Ele soltou a cabeceira da cama e agarrou a mesinha de cabeceira, empurrando tão forte que a coisa desceu, as gavetas explodindo, como se fosse
sua forma de sangrar. - Vão se foder!
Dra. Jane recuou e murmurou. - Tenho de pegar um sedativo. Não entre lá.
Quando a médica saiu correndo, Selena ficou parada na soleira.
- Está olhando o que? - Ele gritou com ela. - Que porra você quer?
Havia uma mancha vermelha na cama. Os lençóis, de um lado, estavam um pouco mais do que metade baixados, manchados... Ele estava sangrando. De algum tipo de
ferimento...
- Sua perna, - sussurrou ela, ciente da infecção que o atacava. - Cuidado com sua perna...
- Eu queria morrer! - Ele cuspiu. - Eu estava tentando morrer!
O rosto dele era uma cópia retorcida das feições que ela conhecia bem, sua pele branca demais, tensa quase a ponto de se partir sobre a estrutura óssea que,
sem dúvida, era invejável antes de ter sido torturado pela Sociedade Lessening.
- Eles arrancaram minha perna para me salvar! - Ele afastou os lençóis. - Para me salvar!
O coto estava cuidadosamente enfaixado em camadas de gaze cirúrgica, mas, por baixo não parecia bem... O sangue escorria, manchando tudo.
Ele começou a arranhar o que restava e foi quando ela teve de se envolver.
Marchou pelo quarto, segurou as mãos agitadas e prendeu-as contra a cama, na altura da cabeça dele.
Luchas. Ficou. Maluco.
Gritou, se contorceu, praguejou.
Tudo o que ela fez foi balançar a cabeça e deixá-lo se esgotar... O que não levou muito tempo.
Quando ele parou de lutar, ela disse. - Você tem tanta sorte. Tanta maldita sorte.
Aquilo o fez se calar. Provavelmente do jeito que um confronto direto não teria feito.
- O que? - Ele berrou.
- Eu estou morrendo, - ela disse, sinceramente, - e se alguém tivesse de tirar parte de minha perna para me salvar? Para que eu pudesse continuar aqui com aqueles
que eu amo? Não pensaria duas vezes. Então sim, eu acho que você tem muita sorte.
Ele ainda respirava com dificuldade, mas, a tensão abandonou seu corpo. - Morrendo?
- Receio que sim, - ela o soltou e deu um passo para trás. - Não desperdice o tempo que tem. Eu sei que está ferido, e não duvido que esteja bravo agora. Mas,
pessoalmente, eu trocaria de lugar com você em um piscar de olhos.
A Dra. Jane voltou, e parou quando viu que o local não estava em chamas ou algo assim.
- Eu vou me vestir. - Selena disse, ao se dirigir à porta. - Estou com frio com esta camisola. Precisa de ajuda para limpar?
Dra. Jane olhou de um para outro, claramente se perguntando o que fora dito ou feito para mudar as coisas. - Ah, não, eu cuido disto.
- Está bem. - Selena anuiu para a médica e então olhou de volta para Luchas. - Cuide-se bem.
Ela sentia os olhos dele sobre si ao sair para o corredor. Continuou a senti-lo mesmo ao voltar para o consultório, para se vestir. Quando voltou a entrar no
túnel, ela começou a ficar paranóica de que fosse ter um ataque no meio do caminho até a casa principal, e ficaria ali esquecida sob as luzes fluorescentes. Ou talvez
acontecesse na escada para o saguão... Ou...
Okay, melhor parar com isto.
Ela tinha o bastante com o que se preocupar sem buscar mais problemas.
Capítulo CINQUENTA E SEIS
Ele não conseguia tirar os olhos dela.
Deitado nu em frente ao fogo que aquecia, o corpo de iAm estava entrelaçado ao de maichen, suas pernas enfiadas entre as dela, os quadris colados, os sexos próximos,
mas, não unidos. Ela estava com a cabeça pousada sobre o braço dobrado; a dele estava um pouco erguida.
- Quero te ver de novo. - Sussurrou ele.
Ele queria dizer o quanto precisava de mais um pouco daquele tempo especial, daquele refúgio completo contra toda aquela merda que não podia mudar, e não faria
diferença se estivesse em Caldwell. Estar ali era como se brevemente desse um passo para o lado, alterasse seu caminho, e pudesse respirar. Não era um desvio permanente
e não queria que fosse; de jeito nenhum abandonaria o irmão.
Mas, era suficiente para lhe dar um novo fôlego.
- É difícil eu conseguir sair de lá, - ela beijou as pontas dos dedos dele, - restam somente mais alguns dias enquanto ainda será fácil. Após o período de luto,
ficará muito mais difícil.
- Amanhã à noite, então. À meia-noite.
maichen anuiu. - Estarei aqui.
Ele olhou ao redor da cabana decrépita. - Não, venha para Caldwell. Me encontre na cidade.
Diante da hesitação dela, ele disse, - Eu tenho uma casa lá. É particular. Ninguém saberá... E poderei deixá-la mais confortável.
Ele a queria em uma cama. No chuveiro. Talvez em cima do balcão da cozinha.
Para persuadi-la, iAm abaixou a cabeça e tomou a boca dela, acariciando os lábios dela com seus próprios, lambendo-a toda por dentro. - Siga o sinal do meu sangue
e me encontrará.
O som que ela emitiu do fundo da garganta, foi todo rendição, e antes que se desse conta, ele a rolou de costas e montou-a de novo. O fato de que eles tinham
mesmo feito sexo, era tão monumental, que ele não podia nem pensar nisto enquanto estava com ela.
Era um marco muito grande.
Guiando-se para dentro dela, ele gemeu e abaixou a cabeça para o pescoço dela. Com grandes impulsos ondulantes, penetrou-a, encontrando um ritmo cada vez mais
intenso. Seu corpo sabia exatamente o que fazer, e foi um choque, chegar ao orgasmo e descobrir que estava feliz por ter esperado por esta fêmea em particular.
Também era loucura pensar que uma parte dele começava a planejar um jeito de libertá-la do s'Hisbe.
Então, agora ele tinha dois naquela lista.
As unhas dela se enterraram em suas costas e as coxas enlaçaram seu quadril, enquanto ela alcançava seu próprio clímax, os movimentos internos ordenhando-o e
desencadeando outro golpe agudo de prazer, ao gozar de novo.
Ao final, ele desabou sobre ela de novo.
- Desculpe, - ele murmurou, tentando juntar forças para fazer qualquer outra coisa além de respirar. - Pesado.
- Não, eu gosto de seu peso. - Ela acariciou lhe a pele. - Você é mesmo tão poderoso quanto aparenta.
- Não quero ir embora.
- Eu também não.
Eventualmente, ele se viu na terra da falta de escolhas. Primeiro, o fogo havia se apagado e estava ficando frio, mas, mais importante, ele não queria que ela
se metesse em problemas por ausentar-se de suas obrigações.
Pelo menos ele não teria de se preocupar sobre ela e o amanhecer que se aproximava.
Ele ficaria psicótico.
Afastando-se dela, deslizou para fora de seu sexo e percebeu, merda, ela estava recoberta por sua essência.
- Qual o problema? - Ela perguntou, aqueles olhos iridescentes olhando para cima, para ele.
- Devíamos limpá-la, - mas a maldita cabana não tinha água encanada. - Da próxima vez, faremos isto em Caldwell.
- Eu tomarei cuidado. Há uma fonte termal nos limites do Território. Posso me lavar lá.
- E suas roupas? - Quando estendeu o amontoado de tecido para ela, praguejou. A merda estava toda amarrotada. Rasgada. Coberta de poeira. - Maldição.
Ele devia ter pendurado as roupas dela. No que inferno estava pensando?
Levantando-se, ajudou-a a se vestir, arrumando as roupas que iam por baixo do manto, abotoando a camada de cima com a fivela de bronze, arrumando o capuz e malha
de cobertura facial.
- Deixa que eu faço isto, - ele disse, ao começar a cobrir os cabelos e rosto.
Ele odiou cobri-la, seu estômago se contorceu e a boca ficou seca: aquilo tornava o fato de ele estar enviando-a desprotegida de volta ao Território, ainda mais
evidente. E então ele deu um passo para trás e olhou para o que estivera tão bem composto e intocado quando ela chegou, e que agora era uma bagunça excitada.
Ele meio que sentiu como se tivesse tomado algo que não era dele para tomar, arruinando-a no processo.
- Eu deveria voltar com você, - ele disse. - Me certificar de que...
- Isso seria mais difícil para mim. Ficarei bem. Eu me tornei bem competente em me esconder depois de todos esses anos.
E assim não havia mais nada a ser dito, nenhuma combinação de palavras poderia ser dita para fazê-lo sentir-se melhor sobre nada daquilo.
Com uma súplica, iAm tomou o braço dela e acompanhou-a até a porta. - Tenha cuidado. Aquele é um local perigoso.
- Terei.
Quando ela ia fazer-lhe uma reverência, ele a impediu. - Não. Não faça isto. Somos iguais, você e eu.
Por um momento, ela só olhou para ele. Ele podia sentir o olhar dela através da malha que cobria os olhos. - Não somos, - ela disse. - Infelizmente, não somos.
Com isto, ela saiu pela porta e desapareceu antes que ele pudesse pará-la. E quando o ar gelado golpeou seu corpo nu, ele sentiu dor... E não do tipo física.
Após vestir-se novamente, certificou-se de que o fogo estava totalmente extinto e então saiu da cabana. Ao fechar as portas e se afastar, pensou que era completamente
bizarro como tanta coisa de sua vida havia acontecido naquele local aleatório: encontrar seu irmão, conhecer Rehv... E agora, esta noite.
Desmaterializando-se, ele retornou rapidamente à mansão da Irmandade, retomando forma no gramado. Ao olhar para a grande construção de pedra, com as gárgulas
góticas acima das torres, as janelas em formato de diamante, e todas as sombras que se amontoavam nos cantos, ele percebeu estar avaliando a segurança e sua posição
defensiva.
Então, sim, ele estava pensando em trazer maichen para cá.
Só que então, que tipo de vida ela teria? Ele ainda preocupava-se com Trez e Selena. E o que aconteceria se a única maneira de manter seu irmão livre do s'Hisbe
fosse desaparecer pelo mundo, sem jamais parar no mesmo lugar por muito tempo?
Ela viveria esta vida de fugitiva? E se o s'Hisbe a encontrasse com eles?
Ela seria morta em um piscar de olhos.
Era outra situação sem escapatória.
Bem o que ele precisava.
A bunda de Rhage estava dormente.
Mas, também, ele estava sentado em uma rocha, vigiando através da floresta a casa de vidro de Assail há quanto tempo? Horas. E tudo o que o cara fizera fora
atirar um punhado de documentos sobre a mesa.
Pelo menos o traficante tinha uma bela cadeira na qual se sentar.
Rhage conferiu o relógio. O amanhecer não tardaria. - Estamos perdendo tempo aqui, pessoal.
No momento em que estava prestes a pegar o celular, para ver como estava V no rastreio dos dois primos, o Irmão materializou-se ao seu lado, e o Range Rover
no qual a dupla de traficantes havia saído, apareceu na curva da casa.
- Aonde eles foram? - Rhage perguntou.
- Ao centro. Foram até uma casa de barcos no rio. Ninguém apareceu para encontrá-los, até onde vi. É totalmente possível que um deles tenha se desmaterializado
de lá por um curto período de tempo para ir para outro lugar. Não dá para saber.
Enquanto V esfregava os olhos como se estivessem cheios de areia, Rhage perguntou - Meu irmão, quando foi a última vez que dormiu?
V deixou o braço cair e se endireitou como se estivesse fazendo um difícil cálculo matemático - Foi... Ah... Eu digo, é... Foi...
Rhage olhou para a porta da garagem, que estava se fechando. - Eles estão recolhidos para o dia. Vamos sumir.
- O que Assail fez?
- Além de encher as fuças de cocaína?
- Ele não saiu, então.
- Nada. Além de brincar com seus papéis e fazer duas chamadas que não duraram trinta segundos cada, permaneceu sentado. - Ele deu um tapinha no ombro de V. -
Vamos pegá-los amanhã à noite.
V ainda praguejava ao saírem e viajarem para casa, através do frio ar da noite. Ao chegarem ao gramado à frente da mansão, viram iAm encarando a fachada da casa
como se esperasse que o Godzilla aparecesse para esmagar tudo com o pé e varrer tudo com o rabo.
- Ei cara, está bem? - Rhage perguntou.
iAm pulou. - Oh, merda!
Quando o vento mudou de direção e trouxe o aroma do macho, Rhage ergueu as sobrancelhas. O Sombra estava coberto do cheiro de uma fêmea; e não o tipo de aroma
que se compra em lojas.
Oh, o cara havia se dado bem.
Naquele tempo todo em que conhecia o cara, jamais vira iAm prestando nenhuma atenção particular às fêmeas. Ou aos machos. Pessoalmente, Rhage sempre pensara
que o pobre bastardo sofria da Síndrome de Phury: aquela condição onde um irmão estava tão fodido que o outro caía em um buraco negro tentando salvá-lo.
Infelizmente, não parecia que Trez sairia de sua queda livre tão logo. Mas, claramente, iAm havia resolvido parar de se foder.
Fodendo outra pessoa.
Bom para ele, Rhage pensou. Era hora de o macho ter um descanso.
- Então, - V disse, ao acender um cigarro enrolado a mão - Como foi a sua noite, Sombra?
Evidentemente, ele também havia sentido o cheiro.
- Boa. - iAm disse.
- Mm-hmm. - V exalou. - Fez alguma coisa interessante?
- Não. Vocês?
- Nada. - Rhage replicou quando os três começaram a se dirigir para o vestíbulo. - Só negócios, como sempre.
Na verdade, a noite com Assail havia sido extremamente frustrante, mas, mais que isto, ele estivera esperando notícias de Mary sobre a fêmea que havia sido levada
para a clínica de Havers em coma. Nada. Nenhuma notícia. Estaria ela viva? Morta?
Maldição, ele só encontrara aquela mahmen uma vez; na noite horrível em que resgataram ela e o filho daquele macho violento. Mas, a situação estava preocupando
sua Mary, pesando sobre ela; e isto significava que também estava em seu radar.
Além disto, sua shellan não vinha para casa há duas noites. E ele estava começando a ficar desesperado. Celulares não eram substitutos para o contato de verdade.
Pelo menos não o tipo de contato que necessitava dela.
Ao chegarem no vestíbulo, Rhage pôs a cara diante das lentes da câmera de segurança. Um segundo depois, a tranca foi liberada e eles entraram no saguão. A Última
Refeição estava se iniciando, os doggens ocupados traziam comida à sala de jantar, pessoas se juntavam na arcada, mais membros desciam as escadas.
iAm parecia prestes a escapar, seus olhos grudados no tapete vermelho que subia as escadas até o segundo andar, como se, em sua mente, ele já estivesse a meio
caminho de seu quarto. Fora das vistas.
Sem dúvida rapidamente indo para o chuveiro.
Mesmo que tivesse acabado de olhar para o celular e ver que a coisa estava em modo de vibração, Rhage pegou o celular de novo, e verificou de novo se havia perdido
alguma coisa...
Lassiter saiu da sala de jogos, os cabelos louros e pretos trançados em um cordão espesso que descia pelos peitorais. Ele tinha uma caixa Yoo-hoo em uma mão,
uma luva de Starbust na outra e havia tanto ouro no cara, que seu corpo parecia ter quilate próprio.
- Alguém mais assistiu Real Housewives of New Jersey?
Pessoas se viraram para encarar o cara.
- Como é que você permanece um convidado nesta casa? - Alguém perguntou. - Ainda não foi embora?
- Eu vou chamar um táxi para ele, - alguém mais murmurou. - Ou talvez a gente deva jogá-lo montanha abaixo.
- Tenho um lançador de batatas, - disse Butch. - O buraco é pequeno, mas podemos forçar um pouco que ele acaba entrando.
- Oh, não vou embora. - Lassiter sorriu. - Vamos lá, como se eu fosse perder toda essa comida grátis e a TV a cabo... Espere um minuto. - Aqueles brilhantes
olhos de cor estranha se estreitaram em iAm... E então ele gritou - Puta merda, você transou!
No silêncio congelado que se seguiu, Rhage bateu na própria cabeça. - Anjo, sua noção de tato é ainda pior do que a minha, camarada.
Capítulo CINQUENTA E SETE
- E então, o que tem em mente, Primeiro Conselheiro?
Abalone fez uma reverência quando Wrath se dirigiu a ele. - Obrigado, meu senhor. - Ao entrar na sala de audiências, fechou a porta deslizante atrás de si. -
Muito obrigado.
- Deve ser sério para você nos fechar aqui, - o Rei murmurou.
- Meu senhor... - ele pigarreou, - procuro servi-lo. De todas as maneiras.
- Isto eu já sei. Então o que há?
Não pela primeira vez, Abalone desejou poder olhar nos olhos do macho. Mas, talvez fosse melhor que aqueles óculos escuros escondessem tanto. Ele preferia manter
seu cólon sob controle.
Notou as presenças de Phury e Zsadist, assim como a realidade da hora. Eles não tinham mais do que cinco ou dez minutos antes de poderem retornar ao complexo
com Wrath. Mas, isto não podia esperar.
- Meu senhor, aprecio que tenha deixado Paradise ficar aqui. É muita generosidade de sua parte...
- Mas, quer que ela volte para casa e não gosta de ter Throe por lá.
Abalone fechou os olhos. - Sim, meu senhor. Ela é... A separação é mais difícil do que antecipei. E, por favor, saiba que não é que eu sinta que ela esteja em
perigo aqui. Ela provavelmente está mais segura do que...
- Eu te coloquei em uma situaçãozinha de merda, não foi? - Wrath interrompeu. - Não é justo pedir para que banque a babá de um imbecil qualquer como ele, às
custas de sua própria vida pessoal. Peço desculpas.
Abalone piscou. De todas as maneiras que achou que aquilo ocorreria, Wrath pedindo desculpas não estava nem perto de entrar na lista. - Meu senhor, por favor,
sou eu quem está falhando com o senhor...
- Quer que nos livremos dele?
Phury falou. - Rhage adoraria fazer isto.
- Meu senhor, o senhor é tão...
Wrath ignorou-o e focou nos guerreiros. - Então quais os planos? Vocês querem ir para lá agora com ele fazer a evacuação?
Os olhos de Zsadist mudaram de amarelo para preto. - Vamos acabar com ele...
- Espere, espere. - Abalone ergueu as mãos. - É melhor eu falar com ele primeiro.
Wrath meneou a cabeça. - Não sozinho, não vai. Você é valioso demais para mim. Diga a Paradise para ficar aqui mais uma noite enquanto limpamos tudo para vocês.
E foi assim que, mais ou menos dez minutos depois, ele acabou se desmaterializando para sua casa, flanqueado por um par dos guardas pessoais do Rei.
Quando retomou forma em frente às pesadas portas frontais estilo Tudor, olhou para as janelas brilhantes e se perguntou onde Throe estaria, o que estaria fazendo...
O que estava procurando. A criadagem havia dito que o macho tinha dormido o tempo todo naquela primeira noite, e que não parecia provável que acontecesse de novo.
Desta forma, Abalone havia tido o cuidado de trancar todas as portas antes de sair, e havia muitos doggens com olhos vigilantes por lá.
Alinhando os ombros, olhou para os Irmãos que estavam, um de cada lado seu, como um par de aparadores de livros de Sun Tzu.
- Eu gostaria de ser o primeiro a falar com ele.
Phury anuiu. - A casa é sua. Você é quem deve desconvidá-lo.
Abalone abriu a fechadura de cobre com a chave, e não sentiu nem um pouco do conforto habitual ao cruzar a soleira, nenhuma tranquilidade quando seu amado mordomo
se aproximou atravessando o saguão para tirar seu casaco.
- Mestre, - o doggen disse, com uma acentuada reverência. - Posso servir seus convidados na Última Refeição?
- Eles não vão ficar muito tempo. Onde está Throe, posso saber?
- Ele passou o dia em seu quarto. Eu tenho ido lá verificar... A porta permaneceu fechada e ele não desceu para as refeições. A única vez que bati, no início
da tarde, respondeu que estava descansando.
Abalone não hesitou. Subiu as escadas, mantendo a chave de cobre na mão. Ao chegar ao topo, continuou avançando, passando pelas portas até chegar ao segundo
melhor quarto de hóspedes.
Parecera uma honra não-merecida colocar o macho no melhor quarto de hóspedes, mesmo que Throe não soubesse disso.
- Throe, - Abalone disse, asperamente. - Preciso falar com você.
Diante da falta de resposta, ele bateu com força com o nó dos dedos na porta fechada...
A porta se abriu sozinha, revelando uma luz fraca no interior. Estava a ponto de entrar quando uma mão pesada segurou-o pelo ombro.
- Permita meu irmão, - Phury disse, gentilmente. - Não sabemos o que pode haver ai.
Z entrou com uma arma baixada contra a coxa. Um momento depois, após aqueles passos pesados percorrerem o quarto todo, ele disse, - Tudo limpo.
Abalone se apressou em entrar. De fato, o quarto estava vazio; a cama estava até arrumada. Não havia sinal de que qualquer pessoa sequer tivesse estado ali.
Exceto pela janela levemente aberta do outro lado do cômodo.
Na verdade, um dos painéis reforçados com malha de aço havia sido forçado e deixado entreaberto.
- Ele não era um prisioneiro aqui, - Abalone disse ao se aproximar e reposicionar a cobertura. - Por que fugir?
- A pergunta mais importante, - Phury disse, - seria: como podemos ter certeza de que ele realmente partiu? Esta é uma casa grande. Há muitos lugares para se
esconder...
- Talvez isto explique as coisas. - Z se aproximou da mesa no canto e pegou um envelope selado. - Tem seu nome escrito.
O Irmão trouxe a carta e entregou à Abalone.
Com mãos trêmulas, Abalone abriu o envelope e retirou uma única folha de papel que havia sido dobrada ao meio. O papel timbrado era o seu próprio, com a gravura
de uma casa no topo:
Caro Abalone, filho de Abalone,
Perdoe-me por não lhe agradecer pessoalmente. Sua hospitalidade foi muito apreciada, assim como sua generosidade. Em reconhecimento à posição difícil que minha
presença sem dúvida lhe colocou, buscarei abrigo em outra parte.
Espero ansiosamente que nossos caminhos voltem a se cruzar, primo meu.
Até lá, muito obrigado de novo por me abrir as portas de sua casa, e até lá, eu permaneço,
Seu parente de sangue,
Throe
- O que diz? - Phury perguntou.
Quando as persianas automáticas começaram a baixar para o período do dia, Abalone entregou-lhe a carta. - Nada importante. Eu concordo. Preciso fazer uma busca
na casa, mas temo que levará tempo demais para que possam retornar em segurança ao complexo.
- Então ficaremos aqui com você o dia todo. - Phury disse enquanto lia a carta. - Mas, até sabermos que você e sua equipe estão seguros? Não vamos sair daqui.
Z riu de modo tenso. - Acha que vamos querer voltar e dizer a Wrath que cortaram sua garganta porque não fizemos nosso trabalho? Não é o tipo de relatório que
eu iria querer fazer ao Rei.
Phury devolveu a carta e colocou a mão sobre o ombro de Abalone de novo. - E nos deixe fazer o trabalho sujo, é mais seguro para todo mundo. Onde fica seu quarto?
- No fim do corredor.
- Vamos, te levaremos lá e então vasculharemos os aposentos dos criados. Depois disto, vamos passar um pente fino nesta casa até saber que não ficou para trás
nada além desta carta.
Abalone anuiu. - Obrigado, senhores. Muito obrigado.
- Estou deliciada por você ter me procurado. E desculpe ter te deixado esperando.
Throe sorriu para a fêmea que se dirigia a ele e indicou o sofá confortável no qual estava sentado desde que havia chegado à propriedade. - Não foi difícil.
Estou aquecido e seco. Na verdade, você foi a anfitriã mais graciosa que poderia ser.
A fêmea aristocrata sorriu, exibindo dentes brancos como os diamantes que trazia no pescoço. Nos pulsos. Nos dedos e orelhas. Na residência modesta do zelador
de sua imensa propriedade, ela parecia uma modelo que se apresentara para a sessão de fotos errada.
- Meu companheiro está doente, - ela disse, em tom grave. - Tenho de cuidar dele.
Vestida daquele jeito, em um vestido curto em estampa de leopardo, era de se perguntar exatamente que tipo de necessidades o hellren dela teria.
Aquilo dificilmente era o tipo de coisa que uma shellan usaria para enfiar um velhote na cama.
Mais provavelmente, Throe pensou, ela se vestira daquele jeito para encontrá-lo.
- Sim, eu me recordo da doença dele. - Ele disse, suavemente. - Sinto muito.
- Isto me aflige também.
- Como poderia não afligir?
- Eu logo serei uma viúva.
Ao anuir em solene simpatia, deliberadamente permitiu que os olhos vagassem sobre ela, dos lisos cabelos escuros até os pés apetitosos.
Da última vez que tinham se encontrado, também havia sido aqui, mas havia muito menos roupas envolvidas; em ambos, além de seus companheiros Bastardos. Ela havia
se deitado diante da lareira, e ele e os soldados avançaram sobre sua pele nua, se alimentando e fodendo. Aquilo havia sido há cerca de um mês, a mais recente das
sessões que aconteceram pelo ano anterior em intervalos regulares.
- Será só você esta noite? - Ela perguntou, de um jeito rouco.
- Sim, e devo lhe dizer que dividimos nossos caminhos, Xcor e eu. Estou abandonando a luta dele.
- É mesmo? - Ela ronronou - E onde está ficando?
- No momento, estou procurando um local.
- Mesmo?
- Sim.
Ela se aproximou, cruzando a sala pequena para ficar ao alcance dele. - O amanhecer se aproxima.
Ele novamente vagueou o olhar pelo corpo dela - É mesmo. Bem, então acho melhor ir.
- Tão cedo? - Ela fez beicinho.
- É mais seguro. - Vagamente, ele correu as pontas dos dedos pelos quadris dela, pela barriga... Descendo para a junção das coxas. Pressionando através do vestido,
acariciou levemente seu sexo. - Assim, temo que seja melhor pararmos por aqui...
- Talvez você e eu possamos fazer um acordo, - ela disse.
- Oh? - Disse ele.
- Meu hellren é muito mais velho que eu. Ele é meu verdadeiro amor, é claro.
- É claro.
- Mas, por causa de sua idade avançada há algumas necessidades que ele não é mais capaz de atender regularmente.
- Acredito que você já conheça minhas habilidades neste quesito.
A fêmea sorriu de um jeito feroz. - Sim, conheço.
- E me parece justo que, se me oferecer pousada e refeições, você seja compensada da maneira que achar apropriada.
A fêmea colocou um de seus pés calçados em sapatos de salto agulha no braço do sofá e ergueu a barra do vestido até a cintura, expondo a ele, seu sexo nu. -
Talvez primeiro, você possa refrescar minha memória quanto à seus talentos.
Throe ronronou no fundo da garganta e se inclinou para ela, estendendo a língua para lamber em volta de sua fenda. Quando ela arremeteu o quadril na direção
dele e jogou a cabeça para trás, ele sugou o seu clitóris...
E então parou. Recostou-se no sofá. - Eu só tenho um problema.
- Sim? - Ela gemeu, endireitando novamente a cabeça.
- Não posso ficar aqui no chalé. Não se o Bando dos Bastardos vier te... Visitar. Certamente em uma propriedade tão grande, deve haver outras acomodações disponíveis?
Ela franziu o cenho. - Você é da linhagem de Bluerme, não?
- Sim. Pelo lado materno.
- Então você é um parente distante de meu hellren e, desta forma, seria rude de nossa parte não te oferecer abrigo. É claro, se for ficar na casa principal,
teremos de te arrumar roupas adequadas.
Throe sorriu para ela. Era um acordo perfeito.
Afinal, ela e seu marido haviam apoiado a guerra política contra Wrath, e de jeito nenhum estariam felizes com a debandada do Rei contra o Conselho.
Ele conseguira abrigo, além de uma base de operações.
- Isto seria aceitável, - ele disse, deslizando as mãos pelos quadris dela e puxando-a de volta para sua boca.
Contra o sexo dela, ele murmurou, - Agora, permita-me demonstrar minha gratidão pela sua generosidade.
Capítulo CINQUENTA E OITO
- Eu trabalho sozinha. - A prostituta dizia ao recolher as roupas. - Não tenho um cafetão. Se me quiser de novo, sabe onde me achar.
Xcor olhou para a área de estar do chalé, observando a fêmea se vestir com uma eficiência e rapidez que só perdia para a velocidade do som.
A loira partiu sem nenhuma despedida, tendo feito seu trabalho e recebido seu pagamento de dois mil dólares. Quando a porta se fechou atrás dela, ele ergueu
os olhos para o fogo que morria na lareira. Ele havia pagado para fodê-la de todas as formas e posições que quisesse e era exatamente o que havia feito. Repetidamente.
Ele havia também tomado de sua veia.
Pela qual teve de pagar os outros dois mil dólares.
Graças à sua audição aguçada, ouviu-a do lado de fora, caminhando por sobre as folhas. E então a voz atravessou as paredes finas da estrutura que ele havia comprado
para outra.
- É, estou saindo agora. É. Ele era feio, mas trepava como um animal...
Foi a última coisa que ouviu, então ela deve ter se desmaterializado.
Seu corpo ainda estava nu quando se sentou no chão diante da lareira, joelhos para cima, cotovelos apoiados, braços caídos. O suor esfriava em sua pele, as presas
ainda alongadas pela alimentação, o sexo flácido, encolhido e vermelho de tanta ação a que foi submetido.
O cheiro de tudo o que havia feito empesteava o ar, cada respiração em seu nariz era um lembrete das coisas que seu corpo havia feito.
E com quem.
Baixando a cabeça, esfregou seu cabelo comprido demais, vagamente pensando que devia cortá-lo.
Imagens rodopiavam em sua mente, ele virando a fêmea de quatro e comendo-a como um cão. Suas bolas haviam batido contra o sexo dela, enquanto fodia sua bunda
e ele havia gozado tantas vezes que, ao sair dela, havia a deixado pingando.
Ele havia tentado fazer tudo tão sujo quanto possível, e tinha até mesmo beijado a fêmea. Pelo corpo todo.
Ele queria macular cada pedaço de sua pele com a experiência. Mudar seu corpo. Alterar sua mente.
Apagar a lousa totalmente.
Ao invés disto, ao se sentar sozinho no chão duro, viu que havia feito o oposto. Layla era a única coisa em que conseguia pensar: seu rosto adorável e tímido,
aqueles olhos verdes tão inteligentes e gentis, o corpo do qual ele só havia tido impressões. A sessão com a prostituta havia somente diminuído a luz ao seu redor,
de forma que a iluminação oferecida por aquela a quem ele amava, brilhava ainda mais forte, no contraste.
Como estratégia, aquilo havia sido um fracasso total.
Então ele tinha de encontrar outra. Ou tentar isto de novo, sim, ele tentaria de novo com outra, ou com a mesma ou mais três ou quatro. O dinheiro era escasso,
mas Balthazar e Zypher eram tão sedutores que Xcor tinha certeza que podiam negociar em seu lugar.
E sempre havia o álcool para ajudá-lo.
E a guerra, que era uma excelente drenadora de energia.
O que não podia fazer era ceder à quase sufocante necessidade de telefonar para Layla para ouvir sua voz, e implorar para ela vê-lo apesar do que havia lhe dito.
Aquilo só seria mais uma morte para ele.
Bloodletter havia lhe ensinado que, parte da força era a eliminação da fraqueza, e vezes sem fim, com a repetida exposição àquela Escolhida, suas emoções o haviam
castrado: Ele estava fazendo escolhas e distraindo-se com coisas que comprometiam a integridade de seu guerreiro interior.
E de alguma forma, ela havia descoberto e lhe mostrara aquela verdade.
O conhecimento dela sobre tudo o que ele sacrificara por causa dela havia sido o que o despertara, e somente um tolo não perceberia o caminho que estava trilhando;
ele precisava alterar o destino do que ela se tornara para ele, desviar daquela situação insustentável com ela, proceder com entusiasmo de volta à clareza que uma
vez possuíra.
Senão o que seria o futuro deles? Mais encontros às escondidas aqui? Até que, eventualmente, um Irmão a seguisse devido a alguma pequena gafe que ela tivesse
dado ou alguma suspeita sobre a qual ela não tivesse consciência? Seus soldados e ele precisavam de um local seguro para descansar e se recuperar durante as horas
do dia, e ele não podia comprometer isto.
Onde ele estivera com a cabeça? Ao trazê-la aqui?
Ele e seus Bastardos não tinham dinheiro para se mudar de novo tão logo, o aluguel da propriedade era um fardo grande demais agora que Throe havia partido.
Pelo menos Xcor sentia que podia confiar nela. Ela tivera nove meses para delatar o local nos prados onde sempre se encontravam, e ele ainda sabia onde o Complexo
da Irmandade ficava. Era uma troca mútua... Se ela divulgasse este lugar, havia de saber que sua reação seria um ataque direto à mansão sagrada da Irmandade.
Onde, se as fofocas fossem reais, o primogênito do Rei dormia em seu berço.
Não, ela não diria nada...
Bing!
O som de seu celular tocando o fez virar a cabeça. O aparelho celular estava no chão perto da porta, no emaranhado de suas calças.
Pulou em pé e correu pelo espaço, suas mãos parecendo atrapalhadas ao remexer pelas camadas de tecido, e lutando contra o fecho do bolso, retirou o aparelho.
Ele não havia tido resposta nenhuma dela quanto à mensagem que havia convertido de voz para texto para lhe enviar.
Digitando uma senha de quatro dígitos no teclado numérico, desbloqueou o aparelho e vasculhou pelas mensagens de texto. Seu analfabetismo era tão grande que
tinha de usar um aplicativo conversor de texto-para-áudio para conseguir receber as mensagens de seus soldados e dela.
Mas, sabia o suficiente para ver que, o que recebera não era da Escolhida.
Ele afastou o celular sem ouvir o que era.
O fato de ter caminhado e parado em frente à porta de entrada, como se estivesse perdido, o emputeceu.
Ele não podia, não iria permitir que esta castração continuasse. Havia coisas demais em sua vida que eram mais destrutivas do que deixar uma fêmea que não era
dele, só para começar: sua mãe havia odiado sua aparência e o havia abandonado por causa de seu lábio leporino; ele havia suportado abusos inimagináveis no campo
de treinamento do Bloodletter; e então seguiram-se os séculos de depravação nesta guerra, seu ódio desenfreado pelo mundo o definia, o guiava.
Este assunto com Layla não iria derrotá-lo.
Forçando seus pés adiante, entrou no banheiro e ligou o chuveiro. O sangue que a puta havia lhe fornecido o provia de uma força física que ele não sentia desde...
Não, ele não podia mais pensar em Layla.
Ele tinha de esquecê-la. Desligar suas emoções.
Era como uma morte, disse a si mesmo. E as Destinos sabiam que ele conhecia isto bem demais, e conseguia lidar definitivamente com o conceito.
Entrando sob o jato de água gelada, pegou o sabonete e começou a lavar sua pele, mas, então parou.
Não, ele precisava manter o fedor em sua carne.
O propósito do banho era somente acordá-lo da letargia pós-alimentação que confundia seu cérebro. Depois disto, ia até seus soldados.
Era hora de voltar a focar e renovar seus esforços na guerra.
E reassumir o curso natural de sua vida.
CONTINUA
Capítulo QUARENTA E QUATRO
- Ele me disse que precisava de uma parka.
Na noite seguinte, quando a escuridão caiu sobre o Complexo e as persianas se levantaram, Selena olhou para trás e para frente entre as duas capas que Fritz
levou até ela. Uma era vermelha, a outra negra; ambas eram de lã e relativamente largas.
- Oh, sinto muito, senhora. - Virou-se para armário da sala que dava para a garagem. - Que tal um destes?
Desta vez, ele lhe ofereceu uma escolha entre um casaco de cintura larga que parecia ter sido feito de biscoitos e um muito mais largo. Ambos eram negros e tinham
pequenas etiquetas que diziam: PATAGONIA.
- É uma noite relativamente leve, - disse Fritz. - Talvez o mais curto dos dois?
- Sim, acho que tem razão.
Deslizando dentro da coisa, foi surpreendida pela luz e depois de puxar o casaco rapidamente para cima, procurou dentro dos bolsos.
- Isto é fantástico.
O mordomo sorriu. - Meu prazer. Luvas?
- Acho que vou manter minhas mãos aqui.
- Como quiser senhora.
Ao sair da cozinha, sentiu-se como se estivesse borbulhando. Trez se negou a dizer-lhe algo sobre onde iriam e o desconhecido era como um vinho embriagante,
fazia sua cabeça zumbir e seu corpo flutuar.
Ela vacilou diante da porta para a sala de jantar. Os sons, os cheiros do café da manhã eram óbvios e suaves, as vozes que conhecia bem, os cheiros que faziam
seu estômago rugir. E, no entanto, deu a volta e se dirigiu para a outra saída da cozinha, a que se abria de lado para uma grande escada.
Todo o mundo foi amável na noite anterior, todas as mulheres lhe deram atenção e um apoio incrível.
Não queria incomodá-los novamente e realmente não queria uma relação extra.
Sentia-se um pouco cansada e queria guardar todas suas forças para uma nova oportunidade.
Quando entrou no vestíbulo, viu Trez e Manny em pé e muito próximos do lado do mosaico de macieira no chão. Conversavam com atenção, cada um mais sério que o
outro.
Seu coração parou. O médico estava insistindo que ficasse em casa? Ou iria levá-la para a clínica pela primeira vez?
Olhou para trás e considerou suas opções. Não ficaria sob a terra, ainda que...
- Precisa cuidar dela. - Manny advertiu.
- Eu o farei. Juro pela vida do meu irmão.
Oh...
Manny tirou algo do bolso. Um tipo de chaveiro.
Pendurando-o na frente do rosto de Trez disse. - Ela nunca foi dirigida por ninguém mais.
- Então porque está entregando para mim?
- Por que você tem de ir com estilo. Está levando sua mulher para sair e não pode ser em uma BMW qualquer.
- Você é um esnobe com carros.
Selena franziu o cenho. Carro? Falavam sobre...
Trez deu a volta como se houvesse percebido seu cheiro no ar e no instante em que a viu, começou a sorrir. - Ei, pronta, minha rainha?
Caminhando através do vasto espaço, ela lhe devolveu o sorriso. Deixou o cabelo solto novamente, porque sabia pela forma que a olhava, brincava com ele e o acariciava,
que ele preferia assim.
O coque das Escolhidas supunha-se que poderia lhe dar um diabo de uma dor de cabeça depois de algumas horas.
Ficou na ponta dos pés, beijou-o na boca e logo ficou ao lado dele, encaixada perfeitamente sob seu braço. - Estou tão pronta.
Manny aplaudiu Trez e logo disse em voz baixa. - Nós acertamos.
- Obrigado, homem.
Logo o médico lhe piscou, caminhou para a cozinha e para todas as pessoas que ali estavam.
- O que significa isto? - Perguntou Selena quando Trez abriu a porta para o vestíbulo. - Isto de acertamos?
- Nada.
Inclinando-se para frente, abriu a segunda porta e o frio da noite entrou fazendo cócegas no nariz dela e colorindo as bochechas.
- Demais? - Perguntou.
- O que?
- Muito frio? Você estremeceu.
- Adoro.
- Bom, quero ir de cima abaixo.
Estacionado justo de frente as escadas de pedra estava um maravilhoso carro preto, com rodas negras e algum tipo coisa na parte da frente.
- Querida Virgem Escriba, o que é isto? - Disse.
- É um Porche 911 turbo.
- Oh meu...
Descendo, ela se aproximou da máquina, tirando a mão do bolso e passando os dedos de lado. Suave, brilhante, frio como o gelo.
- Mas tem um teto, não? - Disse.
- Tem alguns truques.
Ao abrir a porta, ela sentou-se do lado do passageiro. - É o novo bebê de Manny. Ele o conseguiu há algumas semanas e é o mesmo modelo e marca do seu último,
mas por dentro é diferente. Isto foi o que disse, em todo caso.
Por dentro cheirava a couro, o perfume do humano e o cheiro de Payne.
Trez sentou-se ao volante e fechou a porta. Quando virou uma chave, um grande grunhido se colocou em marcha, uma vibração sutil passou pelo interior.
- Olhe isto. - Ele apertou outro botão. - Para cima.
Como por magia, tudo o que estava sobre sua cabeça se afastou, retraindo-se em uma serie de dobras no compartimento traseiro.
- Pensei que quisesse ver as estrelas. - Ele sorriu e ligou o aquecedor. - Tem uma tela, então não precisa se preocupar com o vento.
Inclinando-se para trás, viu... O céu de veludo com suas luzes piscando.
Deixando escapar um grito de alegria, lançou os braços ao redor do pescoço dele e o puxou para lhe dar um beijo. - Isto é incrível!
Ele riu. - Não posso acreditar que nunca viu um conversível antes.
- Nunca ando de carro. A menos que esteja com você.
- Bom, coloque o cinto. Esta cadela vai voar.
Quando ele pisou no acelerador, o carro saltou para frente como um cavalo galopando e ela não pôde deixar de olhar o céu noturno e sorrir com tanta força que
suas bochechas doeram.
Inclusive com o mhis, estava bem rápido, disparando pela montanha até que chegaram a uma estrada na parte inferior. Virou à esquerda.
- Aonde vamos? - Perguntou enquanto ele pisava no acelerador novamente e ela era absorvida pelos contornos de seu assento quando o motor rugiu.
- Já verá. - Olhou. - Quente o suficiente?
- Perfeitamente sim!
Era forte e estimulante, um torvelinho de ar frio ao redor de sua cabeça, com o ar quente a seus pés, o carro rugindo e apoiando-se nas curvas da estrada. Antes
de perceber, seu coração estava acelerado e fazia seu estomago se contorcer, sentiu o octano em suas veias.
- Espero que seja uma longa viagem! - Gritou.
- O que?
- Esqueça!
Ela perdeu a conta dos minutos e dos quilômetros, mas pouco a pouco percebeu que a paisagem florestal aumentou, salpicada de casas humanas. Logo, havia lojas,
bairros com casas, um parque e muitos edifícios de apartamentos apareceram.
- Onde estamos? - Perguntou enquanto diminuía a velocidade para parar em um semáforo vermelho.
- Fora de Caldie.
- Vamos ao centro novamente?
- Não. - Ele sorriu. - Mas, estamos quase em nosso destino.
Um pequeno carro mais baixo e de cor amarela parou junto a eles e ela sentiu o condutor olhar para cima. Música pulsava dentro do outro carro e o motor estava
acelerado.
- Está tendo uma espécie de espasmo. - Perguntou. - Nos pés?
- Não, está acontecendo em outro lugar. - Trez murmurou.
Quando o semáforo ficou verde, o pequeno carro explodiu adiante, seus pneus gritando, um cheiro desagradável de queimado deixando seu rastro.
- O que foi tudo isso? - Perguntou.
- Espere.
Efetivamente, um carro com luzes azuis e brancas saiu de um estacionamento e foi em perseguição. Mas não atrás dela e Trez.
Trez negou com a cabeça. - O pequeno merda deveria saber que nunca deve fazer isto por esta rua. Além disso, está louco em andar com este carro. - Ele se aproximou
e lhe tocou. - Está pronta?
- Oh sim. - Olhou ao redor e não viu mais que algumas empresas unidas entre si por um teto comum e um estacionamento. - Chegamos?
- Quase.
Na realidade, era um pouco adiante, além das lojas com a palavra Outlet destacada. E logo apareceram algumas casinhas de madeira em uma pequena colina com...
Estacionamentos. Lotes vazios enormes para estacionar como os jardins do Santuário. Exceto do outro lado do carro. - O que é isto?
- Bem vinda à Storytown.
Selena se inclinou adiante. No outro extremo havia um sinal luminoso indicando a entrada, era alto e largo e desafiava a compreensão. Mas o que viria depois
disto? Era ainda mais surpreendente. Vastos mecanismos que alcançavam até o céu e se iluminavam como um arco-íris, todas as luzes intermitentes como se fossem brinquedos
feitos por gigantes.
Trez girou o carro de Manny por todo o asfalto e rugiu através da superfície, em direção à porta do lado esquerdo no que parecia ser uma zona de faturamento.
Quando parou ante uma entrada lateral, tiveram que esperar um momento antes que um homem com uniforme azul marinho soltasse algo e os deixasse passar.
- Ei Senhor Latimer.
Trez estendeu a mão e ofereceu a sua. - Pode me chamar Trez.
- Sou Ted. - Estreitaram a mão e o homem assentiu com a cabeça à Selena. - Iremos cuidar muito bem de vocês esta noite. Por aqui.
- Certo. Obrigado, homem.
- Sem problemas.
Quando ele pisou no acelerador, Selena se viu abrumada por todas as luzes de neon. - O que é este lugar. Isto é... Mágico.
- E é todo nosso. Não há ninguém mais aqui, apenas eu e você.
- Como é isto possível?
- Um dos meus garotos da segurança é irmão do chefe da segurança aqui. Conversaram com os proprietários e eles estão me fazendo um favor.
Quando encontraram um segundo guarda, Trez parou o carro e desligou o motor. - Gostou daquela louca viagem pelo centro ontem à noite, não?
- Oh sim, sim, muito.
Inclinou-se e a beijou. - Espere para ver, minha rainha.
iAm observava de uma torre alta de segurança no centro do parque de atrações quando Trez manobrou o Porche através da porta e parou no segundo ponto de segurança.
- Quer binóculos?
Olhou por cima do ombro para Big Rob. - Não. Estou bem.
O gorila da shAdoWs silvou enquanto colocava novamente o binóculo perto dos olhos. - Você tem olhos impressionantes para ver tão longe.
iAm encolheu os ombros e tomou outro gole de sua caneca térmica. Dentro, o café era forte e quente o suficiente para queimar a língua. Assim como gostava. Ele
não estava dormindo, mas, estava em coma esta manhã, quando seu irmão o acordou com esta ideia brilhante por volta das dez horas. O plano era louco, claro. Quem
demônios alugava todo um parque por três horas?
Especialmente quando a maldita coisa fechou na temporada anterior? Trez o fez. Bem assim.
E iAm ajudou o garoto a resolver tudo.
Fazer com que tudo isso acontecesse para Selena levou uma quantidade incrível de dinheiro e algumas ligações telefônicas que sinceramente foram difíceis. Mas,
graças à Big Rob que estava ali e o irmão dele, Jim, também conhecido como Jimbo e a esposa do proprietário que acabou de perder seu pai com câncer no verão anterior,
conseguiram preparar tudo: O pessoal foi chamado de suas folgas e as máquinas que estavam paradas foram ligadas novamente. Inclusive as tendas de comida estavam
funcionando... Graças aos garçons do Sal's.
A alegria no rosto de Selena e o orgulho de seu irmão, evidente inclusive dali da torre, fazia com que valesse a pena.
E sabe, era impossível desprezar os seres humanos esta noite. Pelo amor de Deus, os proprietários não guardaram o dinheiro deste aluguel, eles doaram à Sociedade
Americana de Câncer. Às vezes as pessoas surpreendem. Estes realmente o surpreenderam.
- Então, quem é ela? - Perguntou Big Rob. - Quero dizer, ouvi que ele tinha uma namorada, mas, não sabia que estava... Sabe, doente. Eles estão juntos há muito
tempo?
- O suficiente.
Houve um silêncio espesso. - Ele não vai voltar ao trabalho, não é?
- Não por um tempo.
- Vocês, rapazes vão nos vender?
- Não sei. Não chegamos tão longe.
iAm olhou para o relógio novamente. Oito e meia. Perfeitamente a tempo para sua saída programada para as onze e meia. O centro cirúrgico de luxo de Manny estava
estacionado no centro, a zona ainda estava fervendo pela festa do dia anterior, para mover a coisa, mas tinham um bom plano de contingência para Selena. Manny ainda
tinha uma velha ambulância normal e a coisa estava em estado de alerta, perto do parque de diversões esperando e o bom doutor e a médica estavam de prontidão.
- Posso entender porque ele não disse nada. - Big Rob murmurou enquanto deixava cair o binóculo. - E não é por nada, mas uau, ela parece estar em outro mundo.
- Ela também é uma boa pessoa.
- Ela sabe o que ele fez... Você sabe. Uma mulher de classe assim, quero dizer...
- Para ser honesto, acho que esta merda é a ultima coisa em sua mente.
- Sim. Claro. Quero dizer, sim.
iAm olhou para o rapaz. - Não se preocupe, está tudo bem. Pode ir para o clube.
O humano assentiu com a cabeça. - Eu devo ir.
À medida que o homem vacilava, iAm estendeu a palma. - E quanto aos planos futuros com os negócios, nós cuidaremos de todos, prometo. Não importa o que aconteça.
Big Rob estremeceu. - Obrigado homem. Mas, tenho de dizer, gostamos muito de trabalhar para você. Além disso, não sei se Silent Tom conseguiria passar por uma
entrevista. Quase o mataram há cinco anos, quando ajudou Trez.
- Sim, acho que disse menos de doze palavras pelo tempo que o conheço. Dirija com segurança.
- Obrigado. Ligue se precisar de algo.
Big Rob colocou o binóculo na mesa e parou um último momento, olhando para onde Trez e Selena caminhavam entre os carros bate-bate e uma lanchonete. Balançando
a cabeça, dirigiu-se para a saída e fechou a porta atrás de si quando se foi.
iAm olhou o relógio novamente.
Três horas.
E então o quê? Que demônios faria à respeito de maichen?
O que aconteceria se Trez e Selena precisassem dele... E estivesse fora se encontrando com esta mulher?
Jesus, depois de toda uma vida de celibato, era uma surpresa descobrir que fazia arranjos para se encontrar sozinho com um membro do sexo oposto. E não era para
conversar.
Não, ele não estava com ânimo para conversar.
Esfregando os olhos, imaginou a mulher envolta em todas aquelas túnicas de cor azul claro e a vontade de entrar sob elas o levava ao limite obsessivo. Diabos,
se não fosse pela exaustão, provavelmente teria passado todo o dia olhando o teto sobre sua cama pensando no que iria fazer com ela. Como sempre, foi dormir com
uma ereção e acordou com uma também.
Não fez nada a respeito. Masturbar-se, de alguma forma, parecia muito real.
E pela mesma razão, não disse nada à seu irmão sobre sua viagem ao s'Hisbe ou sobre a fêmea que conheceu ou o "encontro" que o marcou.
Comparado com o que Trez enfrentava, tudo era tão pequeno, como batatinhas. E havia também um mundo de sonhos em tudo isso, e se surpreendeu ao descobrir que
queria manter tudo no lugar.
Talvez porque deixava as coisas menos intimidantes?
Mas, vamos, ele não pensava que estava indo. Como poderia partir...?
Não, ele não iria. Pela primeira vez em sua vida, ele não pensava que poderia confiar em si mesmo para não ir diretamente para cima de uma pobre mulher, como
um animal. E inferno, ela provavelmente estava tendo segundos pensamentos, também. Encontrar-se com um homem desconhecido no meio do nada? Estaria louca por fazer
algo assim.
Sobre tudo porque ela tinha de saber o que estava na mente dele.
Não, disse a si mesmo. Nenhum deles iria aparecer na cabana à meia noite. Isto era o melhor para todos.
Realmente. Era.
Capítulo QUARENTA E CINCO
- Ele já está morto! Deuses, já morreu... Pare!
Não, Xcor pensou. Ele não iria parar.
Enquanto continuava a apunhalar o lesser, sangue negro espirrava em seu rosto, peito e antebraço. Sangue negro empoçou-se no asfalto frio do beco. Sangue negro
entrou nos olhos dele.
Ainda assim, continuou o ataque, seu ombro guiando a lâmina para diversos pontos, exceto o peito vazio, enquanto Zypher gritava, puxava-o, amaldiçoava-o.
Mas, foi tudo em vão. Enlouquecido, era uma besta descontrolada, sua mente flutuando acima do esforço, levando-o somente a matar, matar, matar...
O puxão que finalmente o fez largar a presa foi como um reboque de caminhão, força suficiente para separá-lo da carcaça mutilada e gosmenta.
Ele não gostou da realocação involuntária. Virando-se, golpeou o ar com a adaga, quase acertando a garganta de Zypher. O soldado recuou para fora de seu alcance,
ao mesmo tempo em que desembainhava sua própria arma, preparado para lutar.
Preso entre uma estocada e um recuo, Xcor arfou, com grandes nuvens de vapor saindo de sua boca. Ele havia saído da deserta casa de fazenda, sem nenhum deles,
rumando desenfreadamente para o palco do conflito, seminu e totalmente enlouquecido.
E havia sido para o bem de seus próprios soldados.
- Qual o seu problema?! - Zypher exclamou. - O que te aflige?
Xcor exibiu as presas - Me deixe em paz.
- Para poder se matar?
- Me deixe!
O eco de seu grito repercutiu acima e para fora do beco, as palavras ricocheteando entre as paredes de tijolo dos prédios, antes de sumirem na escuridão como
morcegos libertados de uma caverna.
O rosto de Zypher era pura fúria. - Eles têm armas, lembra? Ou a noite passada é uma lembrança muito vaga para você?
- Eles sempre tiveram armas!
- Não desse tipo!
Xcor baixou o olhar para o lesser. Mesmo quase desmembrado, ainda se movia, erguendo os braços em câmera lenta, pernas convulsionando em uma mistura de vísceras
e óleo preto.
Rosnando para a coisa, gritou, e então lhe deu a punhalada final. A claridade foi tão forte, que ele ficou cego pelo brilho, suas retinas reviraram com o reflexo.
Mas adaptou-se logo, cada piscada clareava a visão um pouco mais.
Ele precisava mais. Precisava encontrar mais... Precisava de outra coisa também.
- Me arrume uma prostituta. - Ele resmungou.
Zypher recuou - O que?
- Você ouviu. Me encontre uma. Traga-a para o chalé.
- Humana ou vampira?
- Tanto faz. Só certifique-se de pagar bem para que ela esteja disposta.
Ele esperava perguntas. Não houve nenhuma.
Zypher só inclinou a cabeça. - Como quiser.
Xcor afastou-se, preparado para caçar, lutar e matar. E, antes de correr, olhou por sobre o ombro. - Loira. Eu a quero loira. E deve ter cabelos longos.
- Eu sei a quem chamar.
Com um aceno, Xcor correu pelo beco, seus shitkickers trovejando sobre o asfalto irregular. Farejando a brisa, seu cérebro filtrou os cheiros de fumaça de diesel
misturado à restaurantes xexelentos, e mendigos humanos, sem teto e sem banho, misturado com peixes apodrecendo no rio.
Sua ira contra si próprio aguçava cada sentido que possuía...
- Ei, cara, quer um bagulho?
Parando seus passos, voltou-se e soube pelo cheiro que invadiu suas entranhas que não era um humano ali nas sombras.
O inimigo a quem buscava o havia encontrado, o lesser ainda não sabia com quem estava falando.
- Sim. - Disse ele - Eu gostaria de um bagulho.
- Filho da puta estrangeiro, - disse o lesser. - O que você quer?
- O que você tem?
- Só coisa boa. Heroína pura em pó, colombiana, não essa merda mexicana que...
Xcor não permitiu que o discurso de venda chegasse à uma conclusão. Com uma estocada cruel, se inclinou à frente lançando sua adaga em um arco, e atingiu o lesser
em cheio no rosto, na altura dos olhos. Instantaneamente, o morto-vivo ergueu as mãos, dobrando-se em dois, uivando de dor... E Xcor tirou vantagem disto, recuando
sua bota direita e chutando-lhe o crânio como se fosse uma bola de futebol, mandando o morto-vivo pelos ares até o outro lado do beco.
Saltando alto no ar, pousou sobre o lesser, rolou-o e prendeu suas mãos sobre a cabeça, com uma de suas mãos. O fedor era leite azedo e suor fétido, e o cheiro
adocicado reforçou seu instinto de matar.
A raiva que não vinha conseguindo conter desde que Layla tinha ido embora, voltou novamente. Colocando sua adaga no suporte, fez um punho com a mão dominante
e atingiu várias vezes o rosto pálido do lesser, até as feições praticamente se liquefazerem com os golpes, os ossos quebrarem, a mandíbula cair frouxa. A cada inalação
ele erguia o braço, a cada exalação, o punho descia, o ritmo regular de sua respiração guiava os golpes.
Era melhor Zypher arranjar tudo depressa.
Ele precisava foder até seu humor melhorar.
Sentada na beirada da cama, as mãos de Layla tremiam ao segurar o celular entre as mãos. Ela já havia lido a mensagem, e não só uma vez. De fato, vinha lendo
as palavras desde que havia acordado, ao anoitecer, com o som do celular vibrando na mesinha de cabeceira.
Não venha mais me ver. Eu jamais voltarei ao chalé ou à casa de fazenda de novo, ou consentirei estar em sua presença. Não tenho interesse em nada do que tem
a me oferecer.
Xcor deve ter ditado aquilo em seu iPhone. Ele jamais havia lhe enviado nada via mensagem de texto antes, e ela sempre suspeitara que ele não sabia ler ou escrever.
De todas as maneiras que ela havia imaginado o término da relação deles, de todas as maneiras que havia imaginado a separação deles, não era para ser assim.
Não por ela ter tirado a roupa dele e depois tê-lo obrigado a se alimentar dela.
- ... Olá?
Ela pulou, e o celular voou de suas mãos, caindo no tapete. Quando Qhuinn se aproximou para pegar a coisa, ela entrou em pânico e se levantou rápido da cama
para chegar lá primeiro. Ou tentou se levantar.
Com sua barriga, não conseguia se mover rápido, e ela prendeu a respiração quando ele se inclinou para pegar o celular.
- Você está bem? - Ele disse - Parece pálida.
Não olhe para ele. Não olhe para a tela...
- Oh, meu Deus, está chorando?
- Não. - Ela estendeu a mão - Não estou.
Me dê o celular, me dê...
Qhuinn veio até ela e ergueu seu rosto, - O que está havendo?
Quando o polegar dele acariciou sua bochecha, ele colocou o fodido celular no lugar dele, sobre a mesinha de cabeceira. Com a tela virada para baixo.
- Eu bati na porta e ninguém respondeu, - disse ele - Fiquei preocupado.
Com um tremor, ela fechou os olhos, seus nervos tensos ainda vibrando pelo seu quase flagrante. - Só estava lendo uma história triste online. Acho que estou
mais emotiva do que pensava.
Ele se sentou próximo dela. - Aconteceu merda demais nos últimos dias...
Antes que pudesse se conter, explodiu em prantos e encostou-se no amplo peito dele.
Enlaçando-a com braços fortes, ele abraçou-a gentilmente e deixou-a chorar, botar tudo para fora... E o fato de ele ter erroneamente assumido que as lágrimas
eram só porque estava grávida de gêmeos e com sobrecarga hormonal, a fez chorar ainda mais.
Ela chorou pelos meses e meses de mentiras e decepções; chorou por todas as idas àquele prado; por ela ter se esgueirado para fora e para dentro da casa; por
usar o carro que Qhuinn havia comprado para ela para fazer aquilo.
E mais do que tudo, chorou devido a uma sensação de perda tão poderosa, que era como se alguém houvesse morrido na sua frente e não houvesse nada que pudesse
ter feito para salvá-lo.
Imagens de Xcor golpeavam-na, das suas tentativas de fazer-se apresentável, tentando estar sempre limpo, mesmo recém-saído da batalha... Seu jeito no chuveiro,
delineado enquanto seu corpo gozava por trás da cortina... A derrota que havia pendido sua cabeça enquanto olhava para o fogo como se alguma parte vital de si próprio
estivesse exposta, sangrando, enfraquecendo-o, transformando-o.
Ela tentou dizer a si mesma que era melhor assim. Chega de vida dupla. Sem mais falsidade. Sem mais esconder o celular ou se preocupar se suas fugas seriam descobertas.
Chega de Xcor...
- Eu vou chamar a Dra. Jane. - Qhuinn disse, preocupado, enquanto ia até o telefone.
- O que? Não, eu estou...
- Seu peito está doendo muito?
- O que? - Disse ela, fungando - O que está...
Ele apontou para seu tórax. Baixando o olhar, viu que ela mesma havia agarrado a frente de sua camisola de flanela, o tecido suave jazia embolado entre seu punho
apertado.
Era a origem de suas lágrimas, ela pensou.
Vinham de seu coração.
- Honestamente, - ela sussurrou, - estou bem. Só tinha de botar para fora... Sinto muito.
A mão de Qhuinn parou sobre o telefone. E mesmo quando ele finalmente recolheu o braço, ela teve certeza que ele não estava convencido.
- Eu acho que preciso comer alguma coisa, - ela disse.
Era a última de suas preocupações, mas ele imediatamente entrou modo de solicitude, ligando para Fritz ao invés da médica, pedindo por uma variedade de comida.
A preocupação dele para com seu bem-estar, e toda sua atenção só a fez voltar a chorar.
Querida Virgem Escriba... Ela estava de luto, não estava?
Capítulo QUARENTA E SEIS
- Está bem, então entramos aqui.
Selena agarrou a mão que Trez ofereceu e andou até a beirada da primeira cápsula de uma fileira de seis. As pequenas gôndolas em formato de ervilha estavam montadas
em um par de trilhos e continham dois assentos lado a lado com uma barra de segurança que se erguia acima do capô pouco alto. Após Trez se juntar a ela, um operador
uniformizado lhes deu um aceno de um painel de controle do outro lado da plataforma.
- Isto vai por aquele caminho? - Ela perguntou, apontando para a montanha a frente. - Vamos subir ali?
Trez teve de pigarrear. Duas vezes - Ah, sim. Vamos.
- Oh, meu Deus, é tão alto!
- Eu, ah... É. É sim.
Ela virou-se para ele quando a barra de segurança desceu e travou-se sobre suas pernas. - Trez, sério, você vai odiar isto.
Houve um tranco e então começaram a se mover para frente no trilho, um sonzinho de chk-chk-chk foi emitido enquanto as rodas a giravam em velocidade crescente.
- Você, no entanto, vai amar. - Ele disse, beijando-a - Acho que é melhor se segurar.
Ao iniciarem uma subida quase vertical, suas costas pressionaram o assento acolchoado e suas mãos agarraram a barra de metal frio. Por um momento, ela desejou
ter pegado as luvas que haviam lhe oferecido antes de sair de casa, mas então, esqueceu todo o desconforto.
Mais alto, mais alto, mais alto... Impossivelmente alto.
Voltando-se para o lado, ela riu. - Oh, meu Deus, estamos subindo tanto!
E eles só estavam a meio caminho do topo.
O chk-chk-chk se tornou muito alto e os trancos, mais fortes, até ela sentir como se alguém empurrasse seus ombros. A brisa ficou cada vez mais fria e mais violenta
também, seu cabelo esvoaçava, a parka a desafiava a manter o seu tórax aquecido.
- A vista é incrível, - ela suspirou.
Não tão alto quanto eles estiveram na noite passada, mas sem chão entre ela e a toda aquela altura, sem painéis de vidro para impedir uma queda, nada além do
trilho e a crescente distância do chão, ela sentia-se flutuando.
E as luzes do parque eram magníficas. Brilhantes e multicoloridas, estavam lá embaixo por todos os lados em que ela olhava, acentuando os contornos de vários
dos brinquedos, refletindo nos espelhos e brilhando nos topos vermelhos e amarelos e azuis dos estandes e barraquinhas.
- É como se o céu estivesse invertido e as estrelas estivessem lá embaixo.
- É. Oh, uh-huh... É. Eu acho que chegamos ao topo... Oh, é. Uau. Uh-huh.
Abruptamente nivelaram e tudo silenciou, exceto o vento que golpeava seus ouvidos, a viagem se tornando suave e gentil ao fazerem uma curva fácil.
Um olhar rápido para o macho, e ela viu que, apesar de sua pele escura, estava pálido como um fantasma.
Ela soltou uma das mãos e cobriu a dele. - Trez, acho melhor nos mantermos no chão após isto, ok?
- Oh, não, tudo bem... Estou bem, estou legal.
Uh-huh. Certo. O maxilar dele estava tão fortemente cerrado que ela se preocupou com seus dentes de trás, e o pescoço estava enrijecido acima da gola da jaqueta
de couro. De fato, a única coisa que se movia no corpo inteiro dele era o joelho direito. Estava oscilando para cima e para baixo, para cima e para baixo, cima-baixo,
cima-baixo-cima-baixo-cima-baixo.
- Lá vamos nós, - murmurou ele. Como se preparando para levar um soco na cara.
Ela olhou para frente bem a tempo de não ver absolutamente nada a sua frente. Havia somente o ar aberto, como se os trilhos tivessem sumido.
- Onde estão...
Whoooooosh!
De repente eles estavam a uma velocidade suicida, sem peso e voando, lançados impetuosamente para baixo, baixo, baixo.
Selena riu como se estivesse louca, soltando as mãos e jogando os braços para cima. - Siiiiiiiim!
Tão veloz, o ar golpeava por entre seus cabelos, estapeava lhe o rosto, empurrava-a contra o assento; então bruscamente à direita, à esquerda, zum-zum-zum, subindo
outra subida gigante quando o chk-chk-chk voltou e então...
- Oh, meu Deus! - Trez berrou.
Para o alto e em volta, para que o mundo virasse e ficasse de ponta cabeça antes de se endireitar de novo. E outro looping e então um que os inclinou para o
lado.
Era como aquela volta para casa de novo, somente mais vívida e indomável e maravilhosa.
- Eu podia fazer isto para sempre! - Ela gritou quando outra sequência se aproximava. - Para sempre!
- Oh, Cristo, não de novo!
Quatro vezes.
Seguidas.
E por insistência de Trez.
Quando o pequeno carro dos horrores voltou novamente à plataforma, ele estava preparado para continuar a tortura.
Selena estava extasiada e fazia tudo valer a pena... Mesmo os loopings intestinais da montanha russa.
Que tornava suas próprias tripas uma bagunça efervescente.
- Vamos de novo, - ele disse, tentando abanar a bandeira. Mesmo que àquela altura alguém tivesse de remover cirurgicamente suas mãos da barra de segurança.
- Não, eu acho que já é suficiente.
- Está brincando? Eu adorei essa merda...
- Terminamos, - ela chamou o operador.
- Eu tirei fotos de vocês, - o macho humano disse, enquanto baixava a alavanca e um motor que não estava às vistas parou subitamente. - Estão sendo reveladas.
Está beeeeem, hora de sair. Sim.
- Trez?
Soltando seu agarre da barra, ele observou seu salvador de metal se erguer e se encaixar no lugar apropriado acima de suas cabeças. - É, estou saindo. - Agora
mesmo, - lá vou eu.
Quando Selena se levantou e se apoiou na barra em busca de equilíbrio, ele se sentia pronto a segui-la. Andar até ela, e até o operador. Pegar aquelas fotos
que ele nem sabia que alguém iria tirar.
Em vez disto, ele só permaneceu sentado, respirando com muita dificuldade. Mas, vamos lá, ele não era um marica. Forçando-se a ficar em pé, descobriu que suas
pernas estavam dormentes do meio da coxa para baixo, mas, em um cambalear confuso, de alguma forma, conseguiu sair do carrinho e foi para a plataforma sem passar
muita vergonha.
Apesar do fato de Selena ter de apoiá-lo não ter sido, exatamente, uma declaração de reafirmação de sua verticalidade.
- Oh, obrigada, - ele ouviu-a dizer ao operador. Então olhou para ele, - Ei, vamos até aquele banco olhar as fotos.
Antes que se desse conta, estava sentado em um pedaço de aço fundido, frio e gelado e olhando para as fotografias de Selena se divertindo e ele com a cara de
alguém com as bolas presas em um torno. Enquanto isto, a mão dela acariciava suas costas, correndo o couro da jaqueta em um círculo lento.
- Aqui está, senhora.
- Muito obrigada, - ela ofereceu-lhe algo. - Porque não toma isto?
Ele estava enjoado demais para responder de novo que estava tudo bem. Apenas aceitou o que ela oferecia, colocou na boca e obedeceu ao comando de beber.
- Oh, isto é bom. - Suspirou quando finalmente baixou a garrafa de refrigerante.
- Ginger Ale. A Dra. Jane indicou.
Cerca de dez minutos depois, ele conseguiu se concentrar apropriadamente no que, supostamente, estava olhando. - Você é tão linda, - disse ele, ao fitar a imagem
dos dois juntos.
- Não tenho certeza disto, mas te digo uma coisa, aquele foi o ponto alto da minha vida, bem ali. Como se sente?
Ele esfregou o dedão sobre a foto do rosto dela. - Você está tão viva. Olhe para você, seus olhos estão incríveis.
Uma a uma, ele estudou as fotografias. Haviam sido tiradas após a segunda subida, quando se tinha a sensação de falta de peso e o vento rugia e não se ficava
muito convencido de que aquela merda iria terminar bem quando chegasse ao fim.
Ele podia praticamente sentir a agitação percorrendo o corpo de Selena, a excitação, o prazer, a vibrante força vital transformando-a em um contido relâmpago
de alegria.
Já ele? Jamais se sentira tão pálido, sua pele escura sem cor como a merda...
Quem diria.
- Devíamos fazer um calendário destas, - ele anunciou, - metade delas, mais ou menos.
- Você parece bem melhor. Menos verde. Você estava meio verde.
- Eu encararia aquela filha da puta milhões de vez se você quisesse.
Ela se inclinou, virou o rosto dele para sua direção, e beijou-o - Você sabe o que acabou de provar?
- O que? Que mesmo verdadeiros machões precisam de saquinhos de vômito às vezes?
- Não. - Ela beijou-o de novo - Que é possível dizer "eu te amo" sem usar palavras.
O peito dele estufou. Ele não conseguiu evitar. - Veja só. Sou um Casanova... Quem diria.
Terminando seu Ginger Ale, ele jogou a garrafa vazia na lixeira que ficava a um metro e meio de distância e colocou as fotos no bolso interno de sua jaqueta.
Levantando-se, ele lhe ofereceu o braço. - O que acha de comer algo nutricionalmente deficiente, mas totalmente gostoso? Estamos falando de produtos químicos
de verdade e tudo totalmente ultra processado. O tipo de coisa que humanos geralmente gostam de comer, mas tem de tomar sal de frutas quando chega em casa?
- Soa delicioso. - Ela aceitou a oferta. - Estou ansiosa para ver o que servem aqui.
Trez acenou para o atendente, e então considerou que talvez fosse melhor fazer umas poses de fisiculturista só para retificar sua prejudicada imagem de macho.
A área de alimentação ficava atrás e à direita, e conforme eles contornavam a base daquela montanha-russa, ele olhou para cima, muito para cima, para a geringonça
de metal que mantinha os trilhos no ar. Cara, que bom ele não ter tido esta vista antes de subir lá.
Quanto mais pensava nisto, mais seu chilique ameaçava retornar, o suor inundava as palmas das mãos e a área acima do lábio superior, mas as boas novas vieram
na forma de distração do estande de cachorro-quente que estava aberto só para eles.
Aproximando-se do balcão, ele abraçou Selena bem forte, captando o aroma dela além do xampu e sabonete que ela usara antes de saírem da casa.
Uma fêmea humana de corpo roliço e sorriso simpático se aproximou, largando seu exemplar da revista People. - Em que posso servi-los?
- Deus do céu, tem tanta coisa. - Selena disse.
O cardápio era iluminado em painéis vermelhos com letras amarelas, oferecendo o tipo de coisa que certamente era deliciosa ao ser ingerida, mas que causaria
problemas ao ser digerida. Mas, como havia dito a ela, era para isto que existiam os antiácidos.
- O que vai pedir? - Ela perguntou.
- Vou de Especial Coney Island, - ele anunciou. - Com uma Coca-cola grande, muito gelo.
- É para já, - a atendente disse - Senhora, já sabe o que vai querer?
Selena franziu o cenho - Eu queria mesmo um hambúrguer. Mas, queria experimentar o cachorro-quente.
- Pode comer um pouco do meu.
- Ótimo. Eu quero um hambúrguer com queijo e batatas fritas.
- Sem problema. - A mulher apontou para outra seção do menu, - Quer alguma coisa nelas?
- Como é?
- Em suas batatas. Tipo chili, queijo, pimenta jalapeño... A lista está bem aqui.
Enquanto Selena considerava o segundo turno de suas opções, Trez aproveitou a oportunidade para estudar o deslumbrante perfil de sua rainha. Aqueles lábios dela
eram quase irresistíveis e quanto mais olhava para eles, mais o ardor residual de toda aquela descarga de adrenalina evoluía de luta ou voo para pura e inegável
luxúria.
Com um movimento discreto, ele precisou reposicionar seu órgão.
Mal podia esperar para levá-la para casa. Tirar a roupa dela.
Seus olhos desceram até os seios. A jaqueta Gucci que ela usava havia aderido sobre aquelas curvas que ele amava tanto...
- Trez?
- Huh?
- Você tem dinheiro? Eu não pensei em trazer human...
Ele interrompeu. - Você não vai pagar nada. - Tirando a carteira, ele disse à garota - Quanto?
- É por conta da casa.
- Deixe-me dar uma gorjeta então.
- Ah, está bem. Eu sei por que você está...
Trez adiantou-se, colocando cem dólares sobre a fórmica e empurrando-o adiante. - Pegue. Por ser tão gentil conosco.
Os olhos da mulher se arregalaram. - Tem certeza?
- Absoluta.
Primeiro, ele não queria deixá-la terminar o que estava falando e fazer Selena sentir-se como um caso de caridade. Segundo, a humana havia saído em uma noite
fria somente para algumas horas de trabalho. As festas de fim de ano se aproximavam. Sem dúvida ela aproveitaria aquele dinheirinho extra.
- Uau. Obrigada.
Quando a mulher se afastou para preparar os lanches, ele pôde sentir Selena olhando para ele com respeito, e aquilo o fez sentir-se todo estufado de novo na
região peitoral.
Por falar em seu cartão de macho, dane-se dar uma de Arnold. Do jeito que ela olhava para ele? Fazia-se sentir-se grande como uma montanha.
Alguns minutos depois, seguiram para uma mesa de piquenique pintada de azul berrante e sentaram-se lado a lado.
O ar estava frio, a comida, fumegando, os refrigerantes estavam espumantes e doces. Manusear os pães super-recheados era difícil, com ambos inclinando as cabeças
e usando guardanapos, mas até aquilo era um tipo de diversão. E a conversa, quando conseguiam mantê-la, era sobre o sabor e o tempero e a língua queimando... O passeio
de montanha-russa... O que iriam fazer em seguida... Se iam comer algodão-doce ou sorvetes com calda quente, de sobremesa.
Era magnificamente, belamente, ressonantemente normal.
E ao se sentar com sua fêmea e talvez limpar o canto da boca dela com seu guardanapo, ou dividir seu refrigerante com ela, ou rir quando ela sugerisse irem ao
carrossel em seguida, porque só ficava a meio metro do chão, ele banhou-se nas lembranças, até elas permearem sua mente, corpo e alma com um brilho que nunca havia
sentido antes.
Só por estar com ela. Sem fazer nada especial. No meio do parque de diversões.
Era um milagre.
Uma bênção indescritível.
Franzindo o cenho, percebeu que, não fosse pela realidade pairando nas proximidades deste momento perfeito, espiando-os por trás, como um tipo de sombra maligna...
Ele bem poderia estar passando este tempo com ela, com sua metade de cérebro preocupada com a abertura da shAdoWs, ou imaginando como andariam as coisas no s'Hisbe,
ou obcecado com o que quer que estivesse pinicando seu rabo àquela altura.
Ele jamais teria aproveitado isto, como um macho rico, de cujos bolsos os diamantes caíam simplesmente porque tinha toneladas deles em casa.
Raridade vinha de mãos dadas com a reverência.
- Eu podia me sentar aqui para sempre, - ele disse, enquanto engolia seu último pedaço - Este é o meu paraíso.
Selena olhou para ele e sorriu - O meu também.
Capítulo QUARENTA E SETE
Um pouco antes do primeiro civil chegar para sua audiência com o Rei, Paradise entregou uma pasta ao seu pai, com visível orgulho. - Eu organizei a agenda de
audiências. Penso que vai achar que facilitou as coisas para você e para o Rei.
Seu pai sorriu ao abrir a capa e viu as planilhas listando cada nome de civil, linhagem familiar, assunto corrente e qualquer histórico que Wrath precisasse
abordar.
- Isto é tão... Útil, - disse ele, ao percorrer as colunas com o dedo indicador.
- Eu achei que melhoraria o modo como as coisas estavam sendo feitas.
Ele olhou para cima - E melhorou.
- Em seguida, - ela pegou a segunda das muitas folhas de papel, - há um dossiê para cada assunto, bem mais detalhado.
Abalone fez uma careta ao revisar as anotações, e então folheou os relatórios. - Como descobriu tudo isto?
- Eu tenho minhas fontes, - ela sorriu. - Está bem, algumas informações eu peguei das páginas deles no Facebook, e outras coisas de alguns amigos.
- Isto é... Eu não sabia que ele havia emparelhado. - Seu pai entregou-lhe a pasta - Ele?
- Ano passado. Foi uma coisa discreta. - Paradise baixou a voz, mesmo estando sozinhos. - Houve comentários de que ela estava grávida.
- Ah, então agora ele quer validar o emparelhamento.
- Ela está quase dando à luz. Se eu fosse Wrath pouparia o pobre macho da indignidade de responder a muitas perguntas sobre a data real, e só lhe daria o respeito
que ele quer prover ao seu filho.
- Está tentando fazer o trabalho de seu pai? - A voz de Wrath exclamou.
Quando o Rei Cego em pessoa apareceu na arcada do salão, Paradise pulou. - Não foi minha intenção, oh, não, eu...
O Rei sorriu. - Estou impressionado com a sua linha de pensamento. Continue o bom trabalho, Paradise.
Com isto, ele e seu cão dourado atravessaram para a sala de jantar.
- Não consigo sentir meus pés, - ela murmurou.
Seu pai abraçou-a. - Você está superando todas as minhas expectativas.
Ela recuou e empurrou o cabelo para trás do ombro. - Estou gostando. De verdade.
- Você está me enchendo de orgulho.
Para esconder o seu rubor, ela sentou-se atrás do computador que já sentia como sendo seu. - Como estão as coisas em casa? Com...
- Bem. Estou muito bem, embora sinta sua falta.
- Eu podia voltar.
- Não, não, é melhor ficar aqui. - Ele enfiou a pasta embaixo do braço. - Você e Peyton se divertiram ontem?
- Ele saiu logo depois de você.
Abalone franziu o cenho. - Espero que não tenham brigado.
- Ele tem um jeito antiquado de ver as coisas.
- Ele vem de uma família tradicional.
Ela pegou uma das canetas Montblanc que havia encontrado na mesa. Batucando-a na palma da mão, puxou a saia azul marinho mais para o joelho. - Ah... Pai.
- Sim?
Respirando fundo, abriu a gaveta de cima e tirou o formulário de inscrição para o programa do Centro de Treinamento. - Pai, você me deixaria fazer algo assim?
Quando lhe entregou o papel e os olhos dele começaram a ler as palavras, ela se adiantou em completar: - Não estou dizendo que quero entrar em combate ou coisa
assim. É só que, eles estão aceitando fêmeas, e eu...
- Lutar? Isto é... Isto é para lutar.
- Eu sei. Mas, veja... - ela se levantou e apontou para uma parte no preâmbulo, - eles dizem que podem treinar fêmeas.
- Paradise.
Eeeee eis que o ponto de vista dele estava basicamente expresso na maneira que havia dito o nome dela: uma combinação de "fala sério" com "não parta meu coração".
- Você não foi feita para isto, - ele disse.
- Porque sou uma fêmea, certo? - Ela contrapôs amargamente. - O que significa, no máximo, trabalho de escritório... E somente até estar emparelhada.
- Isto é guerra. Você entende o que é na realidade? - Ele balançou o formulário. - Isto é morte pronta para acontecer. Não é um filme de Hollywood ou fantasia
romântica.
Ela ergueu o queixo - Eu sei disto.
- Sabe?
- Não sou tão ingênua quanto você acha. A família que perdeu nos ataques era meu sangue também, Pai. Meus amigos morreram. Eu sei o que é.
- Não, Paradise, não vou permitir. - Ele se abaixou e jogou o formulário no lixo. - Não é para você.
Sem mais uma palavra, ele se virou e saiu, de alguma forma conseguindo fechar a porta oculta na cara dela, mesmo que os painéis continuassem em seu bolsões nas
paredes.
Throe se materializou a cerca de oitocentos metros da casa para onde Abalone ia todas as noites.
O localizador GPS que Throe havia colocado no bolso externo do casaco de pele de camelo do macho, havia funcionado como um sonho. E a vizinhança abastada era
admirável.
Nada mal, nada mal mesmo.
Caminhando com passos casuais, analisou as casas enquanto seguia na direção aonde o sinal de seu celular o enviava. Na verdade, o termo apropriado para as residências
ali seria mansões. Estes lugares eram grandes demais para serem meras casas: vários andares, espaçosos, afastados da rua, todos com uma iluminação noturna dramática
enfatizando seus exteriores, como se os humanos ricos que morassem ali não aguentassem pensar que seus status pudessem ser ignorados durante as horas noturnas.
Enquanto prosseguia, teve de controlar a frustração. Sentia falta da luta, mais do que imaginara. De fato, a falta de derramamento de sangue, de qualquer tipo,
era uma chocante insatisfação. Quando se juntara ao Bando dos Bastardos, ficara horrorizado com toda aquela agressão e violência. Mas, após vários séculos, o clima
de guerra passara a ser o que considerava normal.
A mansão de pedra que vinha a seguir era afeminada, uma versão modernizada e melhorada da pilha medieval de rochas onde o Bando dos Bastardos morava no Antigo
Continente, e ele parou em frente, avaliando. Figuras se moviam dentro, atravessando janelas emolduradas por camadas pesadas de tecidos enquanto as luzes de dentro
iluminavam reflexos de ouro e prata na parede.
E, subitamente, não pensava mais no antigo covil de Xcor.
Ele se lembrava de onde viera, suas verdadeiras origens de privilégio e riqueza.
Na busca por vingar sua irmã, ele se vendera ao diabo. Agora, do outro lado da barganha, estava pobre, sozinho e sem nenhuma perspectiva.
A única coisa que o movia, era a sua ambição.
Pelo menos havia combustível suficiente para movê-lo pelos meses de inverno que chegariam.
Throe voltou a andar, o frio cortando através do casaco de couro que vestia, ainda manchado da matança que executara noites atrás.
Antes que tudo mudasse.
A casa que era o seu alvo apareceu à esquerda, do outro lado da rua. Era grande e histórica, uma mansão federal branca com estrutura óssea de verdadeira beleza,
cuja manutenção somente os muito abastados poderiam bancar em uma velha propriedade: Nada de tinta descascando ali. Sem arbustos altos demais. Sem telhados ou pórticos
danificados.
Ao contrário das outras, não havia como espiar para dentro.
As cortinas estavam todas fechadas e eram tão pesadas que não dava para ver nem luzes através delas. Não havia carros na entrada, mas esperou, escondendo-se
atrás de uns arbustos, então captou a visão de dois indivíduos se aproximando da porta da frente... Mesmo sem terem chegado à casa de nenhum jeito motorizado apropriado.
Porque eram vampiros que haviam se desmaterializado no lugar.
Dez minutos depois, teve outra visão. Quinze minutos depois daquilo, mais duas.
Eram discretos e nem todos usavam a porta da frente... Sem dúvidas, para evitar suspeita.
Throe verificou o celular, apesar de saber que a locação estava correta. Sim, Abalone estava ali.
Mantendo-se nas sombras, ficou um pouco mais, não por ter qualquer plano específico de invadir, pelo contrário, ainda tinha de formulá-lo. Sua ambição, por mais
forte que fosse, ainda não era um motor em funcionamento, ele tinha de reconhecer o terreno, descobrir fraquezas, definir estratégias.
Um carro virou a esquina e desceu a rua.
Quando passou pelo poste de luz do outro lado da rua, viu que era um Rolls Royce, preto com o típico capô claro da marca.
E lá estava ele, sem um automóvel.
De fato, sua falta de perspectivas era um problema.
Como ele ia arregimentar recursos? Perguntou-se. Como ia se sustentar enquanto construía alianças?
A resposta, quando veio, foi tão óbvia, que era como se o destino iluminasse um caminho em meio a escuridão para ele. Sim, pensou, aquele era o caminho...
Um momento depois, voltou às acomodações mais generosas de Abalone com um sorriso no rosto.
Capítulo QUARENTA E OITO
Em seu leito de hospital, Luchas entrava e saía da consciência, ondas de dor atravessavam seu corpo, deixando-o quase sem sentidos. Quando já não aguentava mais,
remexeu a mão que ainda tinha dedos. Encontrando a campainha para chamar ajuda, pressionou-a com o polegar até seu ouvido registrar um bip.
A porta foi aberta e a Dra. Jane entrou, - Luchas?
- Minha perna... - ele gemeu. - Dói.
Ela se aproximou, verificou os equipamentos, o acesso intravenoso e só Deus sabia mais o quê. - Eu vou te dar algo para a...
- A infecção... - balbuciou ele, virando a cabeça de um lado para outro. - Minha perna...
Seu plano havia sido definhar, mas, ao invés disto, parecia ter decidido se matar se enfiando em uma fogueira: primeiro com os pés, seguidos pelo seu tornozelo
quebrado e a panturrilha.
Em um jorro súbito de loucura, ele se sentou e começou a afastar os lençóis. A Dra. Jane segurou os seus ombros e tentou deitá-lo novamente, ao mesmo tempo,
em que alguém entrava no quarto. Qhuinn, era o seu irmão.
- Luchas, Luchas, pare...
Era Qhuinn, se aproximando, tentando prender suas mãos, e forçá-lo a deitar. Não era uma luta justa. Ele estava fraco, tão fraco... E então pôs-se a levitar,
uma súbita sensação de leveza substituindo a sensação de ardor que antes havia lá embaixo.
Olhando para o lado, viu Dra. Jane retirando uma seringa do tubo plástico transparente enfiado em seu braço.
O rosto de Qhuinn apareceu acima do seu, aqueles intensos olhos incompatíveis. - Luchas, relaxe. Estamos com você.
- Minha perna...
A droga executava a sua mágica, acalmando-o como se seu corpo tivesse sido afundado em uma banheira morna. A dor ainda estava lá; ele só não se importava mais
com ela.
- Está piorando, - ouviu-se dizendo. - A infecção... Achei que estaria morto a esta altura.
- Luchas...
Algo sobre a aparência do irmão foi registrada, algo sobre seu tom de voz, a tensão em sua boca e olhos.
- O quê? - Luchas disse - O quê?
Qhuinn olhou para a Dra. Jane como se esperasse pela proverbial cavalaria que viesse salvá-lo.
- Luchas, - disse o irmão - Eu precisava salvá-lo.
Salvá-lo? Mas, qual era o ponto disto tudo. Ele queria morrer. - O quê?
- Eu a autorizei amputar a perna. Para salvar sua vida.
Luchas ficou silencioso. Devia ter ouvido errado, a tradução apropriada do que fora falado deve ter sido atrapalhada pelos analgésicos que lhe deram.
- Era a única chance. Estávamos te perdendo.
- O que você fez comigo? - Disse ele lentamente - O que você...?
- Acalme-se.
Luchas elevou-se dos travesseiros, um indescritível horror fazendo todo o seu sangue sumir da cabeça. Olhando para a parte inferior de seu corpo, viu que os
lençóis finos revelavam os contornos da coxa, joelho, panturrilha e pé de sua perna esquerda... Mas, somente a coxa e joelho da direita.
Com um berro, procurou pelo que devia estar ali, puxando os lençóis, arrancando-os como se, de alguma forma, escondessem o que não estava mais lá.
- O que você fez? - Virou-se para o irmão, agarrando sua camiseta, puxando, apertando com os dedos que lhe restavam. - Que porra você fez?
- Você ia morrer.
- Porque eu queria! Como pôde?
Ele bateu em Qhuinn, o punho voando de forma ineficaz, a mão arruinada estapeando.
Qhuinn não se defendeu. Ele só permitiu que batesse... Não que o ataque tenha sido forte. E Luchas não durou muito. Logo sua energia se exauriu, e ele caiu de
volta no travesseiro, o peito magro arfando para cima e para baixo, sangue escorrendo de seu acesso intravenoso, os olhos entrando e saindo de foco.
E, ainda assim, o membro que não estava lá, doía.
- Saia, - disse ele de forma entorpecida. - Não quero te ver de novo.
Virando o rosto para a parede, ouviu uma conversa sussurrada, e então a porta se abriu e fechou suavemente.
- Como está seu nível de dor agora? - Dra. Jane perguntou.
- Por que ela dói...? - Murmurou ele. - Vocês a arrancaram.
Deus, agora estava ainda mais aleijado, mais uma parte do que ele havia sido, e havia tido, se perdera.
- É chamado dor do membro fantasma. Mas, a sensação é muito real.
- Foi você... Foi você quem a cortou?
- Sim.
- Então saia daqui também. Eu não autorizei...
- Você estava morrendo...
- Eu não quero ouvi-la. Saia.
Houve uma pausa, então ele detestou o modo como ela olhou para ele, cheia de gentileza, preocupação, cuidados.
- Com o tempo, Luchas, você vai se sentir melhor...
Ele virou a cabeça - Você me negou minha morte. Você mutilou o meu corpo como uma açougueira, sem minha permissão. Então, me desculpe se não tenho interesse
nenhum em nada do que tenha a me dizer.
A médica fechou os olhos brevemente. - Mandarei Ehlena aqui com alguma coisa para você comer.
- Não se preocupe. Você só adiou o inevitável. Eu mesmo vou terminar o serviço.
Luchas mexeu no acesso intravenoso enfiado em seu braço, puxando-o até a coisa sair, o líquido claro e sangue vermelho espirrando para todo canto...
Pessoas vieram correndo por cada porta que havia ali, correndo em pânico, agarrando-o, falando alto. Lutou contra elas, se contorcendo e empurrando, lutando
para se manter em pé, apesar da perna e pé perdidos.
Alguém deve ter lhe dado outra injeção, porque, de repente, seu corpo relaxou. Mesmo que o cérebro ordenasse todo tipo de movimento, nenhum membro correspondia.
Quando seus olhos reviraram, ele viu a imagem de Qhuinn parado na porta, seu corpo amplo, forte e saudável, boqueando o caminho.
Bem podia ser a porta para o Fade que o macho bloqueava.
- Eu odeio você! - Luchas gritou. - Eu te odeio!
De volta à casa de audiências do Rei, Rhage estava na sala de jantar, em pé com as costas apoiadas nas portas fechadas, os braços cruzados sobre o peito. A maior
parte da Irmandade estava na sala, atulhando o ar com energia cinética demais.
Wrath estava sentado em sua poltrona, as pernas cruzadas com o tornozelo sobre o joelho, a cabeça do cão em seu colo. - Ele está atrasado. Aquele filho da puta
está atrasado.
Rehv anuiu do local onde estava, na frente da lareira e esfregando as mãos, como se sentisse frio. - Ele virá.
- Tenho pessoas para ver.
Hollywood verificou o relógio de pulso. - Quer que eu vá buscá-lo? Posso jogar um laço de corda nele e arrastá-lo para cá pelo pau...
A campainha da porta soou com um toque, e V entreabriu a cortina da janela do outro lado. - Falando do diabo.
- Me deixem recebê-lo. - Rhage murmurou ao sair.
- Ele não está sozinho. - V rosnou.
- Nem eu.
Fechando a porta, atravessou o salão. - Paradise. - Quando a garota ergueu os olhos da mesa, ele sorriu para ela. - Vou fechar sua sala por um segundo. Me faz
um favor e fique aqui até eu te chamar?
Os olhos bonitos e grandes dela ficaram ainda maiores. - Está tudo bem?
- Sim, mas quero que fique aqui.
- Está bem. É claro.
Ele piscou para ela - Boa garota. E tranque a porta depois que eu sair, está bem?
- Claro.
Encostando a porta, ele esperou até ouvir a fechadura de bronze ser trancada pelo lado dela, e então foi até a porta da frente. Abrindo-a, deu um olhar de cima
abaixo em Assail. O cara era tão bem vestido quanto Butch, roupas de alfaiataria, tudo combinando, ajustando-se como se a merda houvesse sido desenhada em seu corpo.
Por trás dele, um par de caras idênticos estavam parados, lado a lado. O fato de que também usavam folgadas roupas pretas, duh.
Ele só podia imaginar o poder de fogo que havia escondido sob aqueles casacos.
- Pensei que viria sozinho, - disse ele.
- Seu Rei queria conhecer minha equipe. Aqui estão, meus primos.
Rhage se inclinou. - Esta não é sua equipe inteira, é?
- Posso te garantir que estes dois são os únicos que uso.
Rhage deu um passo para trás e indicou para entrarem no vestíbulo. - Preciso revistá-los.
- Estamos armados até os dentes.
- Não brinca.
Quando os três entraram um após o outro, Rhage apontou para uma imensa bandeja de prata na mesa, sob um espelho dourado. - Coloque-as ali. E certifiquem-se de
se livrarem de todas as armas. Se eu achar algo, vou ficar muito puto.
Clink... Clink... Clink... Clank... Clank...
Rhage não queria ficar impressionado, mas, tinha de lhes dar algum crédito. Belas armas e muitas lâminas afiadas.
- Você primeiro. - disse para um dos gêmeos.
O outro deu um passo à frente. - Comece por mim. Meu irmão é um pouco agitado.
- Com é? Será que não li o memorando onde te nomearam o chefe, saco de bosta? - Ele meneou a cabeça na direção do Sr. Impaciente para que se aproximasse e o
revistou. - Pronto, agora quer um pirulito por ter sido tão corajoso? Agora você, com a sua lista de exigências, venha aqui.
Ele despachou o número dois, e então se aproximou de Assail, que estivera assistindo ao show como uma cobra.
- Belo perfume. - Hollywood murmurou ao jogar os braços do cara para cima, e começar a apalpar um tórax surpreendentemente musculoso. - Onde conseguiu estes,
toma bomba?
- Você é sempre assim, rude? - Assail perguntou, em um tom enfastiado.
- Você é a segunda pessoa a me perguntar algo assim nas últimas quarenta e oito horas. - Ele chutou os chiques sapatos italianos do cara para afastar mais as
pernas. - Se tem um problema comigo, registre uma queixa no setor de departamento pessoal.
- Quanto profissionalismo.
Rhage endireitou-se após revistar a parte inferior do corpo do cara. - Para sua informação, Vishous, filho de Bloodletter é nosso chefe de RH. Ele prefere reclamações
feitas pessoalmente. Boa sorte com isto.
Terminado com os três, ele dirigiu-se até as portas fechadas da sala de audiências, sabendo que o seguiriam. Abrindo bem as portas, afastou-se para o lado e
viu os filhos da puta entrarem um atrás do outro.
- Assail. - Wrath resmungou. - Nos encontramos de novo.
- E desta vez, sem tiros, - o traficante respondeu.
- Por enquanto. - Um dos Irmãos murmurou.
Os olhos de Assail passaram pela multidão reunida. - Bela proteção você tem aqui.
Wrath deu de ombros. - Eu tinha a escolha de colecionar eles ou bibelôs de porcelana. Foi uma escolha difícil.
- A que devo a honra desta intimação de comparecimento?
- Rehv? Explique você, já que conhece o assunto.
O devorador de pecados se afastou da lareira e sorriu como se estivesse a ponto de devorar algo. - Temos motivos para acreditar que você esteja participando
do mercado de drogas em Caldwell.
Assail não hesitou. - Eu jamais escondi meus negócios.
- Já viu isto antes?
Quando Rehv jogou um pacote no ar, Assail pegou a coisa e analisou. - Heroína.
- O símbolo é seu, não é?
- Quem disse?
Rhage falou. - Encontramos alguns destes com um lesser no clube que por acaso pertence a um amigo nosso.
Wrath sorriu friamente ao abaixar a mão para acariciar o pelo dourado do seu cão-guia. - Então você pode ver como isto nos coloca em uma situação estranha. Você
está usando um inimigo para distribuir seu produto. Não está?
De novo, Assail não demonstrou qualquer reação. - E se estiver, qual o problema?
- Você está enchendo o bolso deles de grana.
- E...? Daí?
- Não seja fodidamente ingênuo. Com que porra você acha que irão gastá-lo?
- Noite passada, - Rhage disse, - nos metemos em um fogo cruzado entre o Bando dos Bastardos e alguns lessers. Adivinha o que os mortos-vivos estavam ostentando?
AK-47. É a arma com maior poder letal que já vimos nesta cidade desde os ataques.
Assail deu de ombros e ergueu as mãos. - E o que isto tem a ver comigo? Sou um homem de negócios...
Wrath endireitou-se na poltrona. - Seu negócio está pondo em risco a vida de meus garotos. E isto me tira do sério, imbecil. Então o seu negócio passa a ser
meu.
- Você não tem o direito de me impedir.
- Se vocês três não conseguirem sair daqui vivos, acho que será fim de jogo, não acha?
Em uníssono, cada irmão na sala sacou uma adaga. Rhage preparou-se para algum tipo de explosão, mas, Assail continuou tão frio quanto um pepino. Ele não se agitou,
não piscou, não tentou justificar. Talvez o filho da puta não tivesse sistema nervoso central.
- O que você achou que iria acontecer, - Wrath disse, - quando eu descobrisse? Achou que eu só ia deixar a porra desse conflito grande correr solto?
Houve um grande período de silêncio.
Finalmente, Assail baixou a cabeça. - Está bem. Eu vou parar negociar com eles.
As narinas de Wrath se expandiram como se avaliassem o aroma do macho. Um momento depois, disse, - Bom, agora dá a porra do fora daqui. Mas, saiba que se eu
encontrar qualquer merda destas em um lesser sequer, vou atrás de você e não vai ser para conversar.
Rhage franziu o cenho, mas quando Wrath indicou a saída, abriu a porta e observou os três saírem, irem até as armas misturadas na bandeja e sanarem sua deficiência
de ferro. Então, saíram pela porta e da propriedade.
- Ele mentiu. - Wrath disse, de forma sombria.
- Sabia que estava fácil demais. - Rhage murmurou. - Por que permitiu que fossem?
- Quero que vão atrás dele. - Wrath indicou Rhage e V. - Os dois. Se matarmos Assail agora, não encontramos o seu fornecedor e não temos como garantir que a
Sociedade Lessening perca todo o acesso ao produto. Siga aquele filho da puta, descubra onde ele consegue aquela merda, e então faça com que o inimigo não tenha
nada para vender em Caldwell. - O Rei inclinou-se para frente em sua cadeira. - E então, ponham uma bala no peito de cada um daqueles três.
- Sem problemas, meu senhor. - Rhage olhou para V, que acenou de volta. - Considere feito.
Capítulo QUARENTA E NOVE
Movendo-se rapidamente, mas não rápido demais, maichen percorreu os corredores vazios do palácio, em direção à câmara ritual da Rainha. De tempo em tempo, passava
por guardas, outras serviçais, mesmo um Prime ou dois. Ninguém prestou atenção alguma nela.
Porque estava escondida sob o disfarce de seu humilde álter ego.
Se qualquer um deles soubesse quem estava sob aquele manto azul pálido, seria uma grande comoção.
Ao invés disto, quando chegou ao seu destino, os guardas parados à esquerda e à direita mal olharam para ela. Eles estavam exaustos, no final de seus turnos,
e era por isto que aquele horário havia sido bem escolhido.
- Limpeza para a Rainha. - Disse ela, com uma reverência respeitosa.
Eles abriram a porta, e ela esgueirou-se para dentro.
O espaço sagrado era todo de mármore preto, do chão ao teto, e não havia nada que diminuísse o perturbador efeito de estar rodeada por toda aquela brilhante
escuridão: não havia tapetes, móveis, somente alguns armários embutidos no canto onde a comida era armazenada e substituída. A iluminação vinha de lamparinas com
chamas nos pavios, os óleos especiais sendo consumidos lançavam um brilho verde esbranquiçado.
Ela não olhou em volta. Ela há muito havia aprendido a não fazer isto.
Havia algo aterrorizante no quarto, especialmente se passasse um tempo considerável nele. Quanto mais se sentasse em seu confinamento, mais se perdia o senso
de orientação, até não ter mais certeza se as quatro paredes e tudo embaixo e acima havia desaparecido e você se localizava no meio de uma grande noite escura, suspensa
sem gravidade, em outra dimensão que não se sabia se jamais te libertaria.
Ela odiava aquele aposento.
Mas, havia sido compelida a ir ali.
Sua mãe, a Rainha, sentava-se no centro de tudo aquilo, virada para o norte, vestida de negro que cintilava e caía no chão à sua volta, cascateando desde sua
cabeça encoberta, para se unir com o mármore.
Até que parecesse que as pedras haviam se tornado líquidas e tentavam consumi-la.
Sua mãe estava imóvel, nem respirava.
Ela estava em plena meditação do luto.
Aquilo era bom.
maichen foi até o canto e abriu uma das portas do armário sem fazer nenhum ruído. Nenhuma das refeições que haviam sido deixadas ali mais cedo foi tocada. Outro
sinal positivo.
Em menos de uma hora, à meia-noite, o Sumo Sacerdote, AnsLai, se apresentaria ali junto com o Astrólogo Chefe e executariam rituais, onde fragmentos de meteoritos
seriam esmagados e consumidos em chás sagrados, como modo de comungar com as estrelas que determinavam tudo para os Sombras. Então haveria derramamento de sangue
e a cópula ritual. Após isto, a Rainha seria deixada novamente para se afastar das coisas terrenas, e encontrar consolo para seu sofrimento.
Sofrimento?
Era difícil acreditar que a fêmea realmente sentisse qualquer coisa por aqueles a quem dava à luz.
Agora, certa de que o ritual estava ainda em progresso, de fato, maichen recuou até a porta. Antes de atravessá-la, olhou para a mãe. Sua vida inteira, ela vira
a fêmea somente em ocasiões formais, quando maichen era trazida para ser exibida na corte cheia de nobres bem vestidos, mais como um vaso precioso ou obra de arte.
Preservada para aquelas exibições, que eram para o bem do Território, ela vivia em aposentos sagrados, cercada de guardas.
Ela jamais havia sido visitada pela fêmea que, imediatamente após o parto, havia a entregado para uma equipe especialmente treinada, naquela suíte de quartos
que era uma prisão.
Era assim a vida da Princesa do s'Hisbe.
Mas, ela havia encontrado um modo de fugir.
E andara vagando pelo palácio desde então, disfarçada de serviçal, uma sacerdote menor, mesmo um astrólogo.
maichen esgueirou-se e energicamente se afastou.
Nada como descobrir que s'Ex, o amante favorito da mãe, tinha um encontro com duas fêmeas humanas, quem ele, evidentemente, havia trazido escondidas, provavelmente
pela entrada traseira. maichen não tinha intenção de descobrir o segredo dele, mas ela havia descoberto que havia uma fresta no alto do muro, e aprendera que, caso
se desmaterializasse ali, poderia viajar pelo sistema de aquecimento e dutos de ar-condicionado.
Por um período, aquilo não passou de um jogo para passar o tempo, e não havia descoberto nada com sua espionagem. Mas, uma noite, aquilo mudara, quando, em sua
forma Sombra, ela havia olhado para baixo através de uma das frestas, e tivera sua primeira e única visão do ato sexual.
Embora... Bem, havia uma porção de partes de corpos.
Ela não tinha muita certeza do que tinha visto.
Ela deve ter feito algum barulho ou algo assim, porque s'Ex havia congelado e olhado para cima, encontrando seu olhar, mesmo enquanto as humanas continuavam
a se mover e se esfregar nele...
s'Ex viera à sua cela logo depois, e eles fecharam seu pequeno acordo. Em troca de não revelar o que havia visto e de não mais usar os sistema de ventilação,
seria permitido a ela sair dos aposentos, desde que ficasse dentro do palácio e sempre se disfarçasse.
A indiscrição de s'Ex bem podia lhe custar a vida: os Sombras acreditavam que o sexo era um ato sagrado. E a Rainha teria ficado furiosa de saber que certas
partes do corpo dela haviam sido, tecnicamente... Expostas... Às partes de corpos de humanas por conta dos deslizes de s'Ex.
Supostamente, aquele macho deveria ser somente dela. Todo mundo sabia daquilo.
E aquelas mulheres humanas? Era mais ou menos como estar com ovelhas naquela cama dele.
Conforme maichen caminhava, percorrendo corredores, seu estômago começou a revirar. Conforme ia crescendo, lhe havia sido concedida uma privacidade relativa,
de forma que ela podia mandar todos os atendentes para fora de seus aposentos... E ela havia exercitado este privilégio mais uma vez aquela noite: antes de ir verificar
se a mãe estava, de fato, em ritual de luto, havia dito às suas servas para saírem do quarto, já que estava exausta do estresse e desejava um pouco de privacidade
enquanto executava a sua parte do ritual.
Nenhuma delas havia questionado. E ninguém voltaria até o amanhecer. Seria fácil usar o sistema de tubulação para escapar para o mundo. Encontrar com o irmão
de seu destinado.
E...
Bem, ela não sabia o quê.
Estrelas do céu, ela ia mesmo fazer aquilo? Ela não estava exatamente certa de saber onde ficava a cabana que ele havia mencionado.
Não, isto era tolice. Estúpido. Descuidado...
Uma imagem de iAm em pé, nu à sua frente, transpassou-a. Quando seu corpo começou a se esquentar de dentro para fora, ela percebeu que, apesar de tudo o que
sua mente estava lhe dizendo, sua carne ia fazê-la ir.
Ela iria... Deus a ajudasse... Estava indo.
E lidaria com as consequências, quais pudessem ser, mais tarde.
Capítulo CINQUENTA
Trez precisava admitir: em se tratando de Storytown, ele só era bom nos brinquedos de criancinhas. Coisas como Xícaras Malucas, e o Rabo do Dragão, que eram
passeios em que não se elevavam do chão e mal causavam uma brisa no rosto, e a porra do carrossel, com sua música de elevador e aqueles cavalos e unicórnios de assento
duro, empalados, subindo e descendo.
Falando em empalação e movimentos repetitivos...
- Está pronta para ir para casa? - Ele perguntou.
Selena olhou para ele. - Estou. Foi tão divertido.
- Eu sei, certo? Melhor noite da minha vida.
Ela se inclinou para o corpo dele, dando-lhe um apertão. - Isto não é totalmente verdade. Achei que você ia enlouquecer naquela montanha-russa.
Ele parou. Virou-a para ele. Afastou o cabelo do rosto dela. - Eu estava com você. Então foi perfeito.
O beijo era para ser um daqueles gestos de "eu-venci-a-discussão", uma afirmação rápida de que estava certo no que dizia. Mas ele vinha desejando-a a noite inteira
e, antes de perceber, ele teve de erguê-la, os seios espremidos contra seu peito, os quadris agarrados por suas mãos, a língua acariciando a dela.
- Quer sair daqui? - Ele resmungou de novo.
- Sim, - ela disse, contra a boca dele.
Provavelmente já era mesmo hora, pensou, com uma rápida verificada no relógio. - É, já são onze e quinze.
Mesmo que seu pau estivesse ansioso para mandar ver, ele não quis perder a caminhada até onde o carro estava estacionado. Com o braço em volta dos ombros dela,
e os passos sincronizados, percorreram os caminhos de volta por todos os brinquedos onde andaram, passaram pela mesa azul de piquenique onde comeram o cachorro quente
e hambúrguer, pela barraquinha de algodão doce onde haviam comprado um cone grande açucarado azul, estilo cabelo da Marge Simpson, que ofereceram um ao outro, aos
pedaços.
- Faltou um bichinho de pelúcia... - disse ele.
- Comprar um? Oh, eu não preciso...
- Não, ganhar um para você. Tipo, em um estande de tiro ao alvo.
Ela lhe deu um olhar por sob as pálpebras. - Eu sei como pode se redimir. Lembra-se de comer aquele algodão doce?
- Sim...
- Sua língua pareceu muito jeitosa...
Enquanto todo tipo de imagens sagradas do corpo dela nu com as coxas separadas o atingiam, teve de se perguntar se não haveria um motel no caminho para casa.
- Deus, queria que fosse verão... - ele grunhiu.
- Oh?
- Daí eu poderia te levar para um canto escuro e baixar essas suas calças.
- Você poderia fazer isto agora, sabe.
Ele parou. - Está frio demais.
- Está? - Ela pegou as mãos dele e puxou-o - Olhe ali. Não há luzes. Estaremos abrigados.
Estariam mesmo, o Centro de Visitantes, cujas luzes estavam apagadas, pois o parque estava fechado e só abrira para eles, era uma instalação em forma de estrela,
com entradas múltiplas irradiando do corpo central, criando bolsões de escuridão densa e privativa.
- Ninguém vai ver, - ela sussurrou, contra a garganta dele.
Sem nenhuma luz exterior, o canto para o qual ela o levou estava preto como carvão, e o sexo dele despertou antes mesmo do cérebro. Virando-a para encará-lo,
beijou-a com força e pressionou-a contra a divisória pintada, as mãos explorando sob a parka e em busca dos seios. Seus mamilos ficaram eriçados ao beliscá-los por
cima do sutiã e blusa, provocando e acariciando-os enquanto enfiava as suas coxas entre as dela.
- Porra, eu quis fazer isto a noite toda. - Ele disse antes de tomar os lábios dela de novo.
Ela estava quente e fluida sob suas mãos e contra seu corpo, pronta, tão fodidamente pronta, assim como ele. Ele queria-a totalmente nua, havia algo fodidamente
excitante na ideia dela nua e ele totalmente vestido; além disto, seria capaz de tomar seus mamilos nos lábios. Mas, estava frio demais para isto e, além disto,
tinha em mente uma rapidinha naquele lugar escondido, desde que ninguém mais pudesse vê-la naquele estado, toda gloriosamente desnuda e gostosa como o inferno.
O macho vinculado nele poderia resolver despedaçar algum pobre Bom Samaritano humano com as presas.
Não exatamente o final romântico para a noite que ele tinha planejado.
Suas mãos desceram até a cintura das calças dela e rapidamente desabotoaram, baixaram o zíper e fizeram deslizar. Elas eram apropriadas para serem usadas com
botas, ainda bem, então uma das pernas deslizou pelo sapato dela, sem enroscar, como um sonho.
- Quer que eu tire as calcinhas? - Ela perguntou com a respiração pesada.
- Não, vou te foder com elas.
E assim fez. Ele agarrou o traseiro perfeito dela e suspendeu-a do chão, enroscando-a ao redor de seus quadris. Acariciou-a por trás, sentindo como estava pronta,
como estava quente, como estava desesperada.
Ele queria passar a noite toda ali. Ao invés disto, afastou a delicada peça de seda para o lado e...
- Oh, Deus, Selena... - ele sibilou.
Úmida e quente, apertada e vital, a penetração o abalou e o manteve firme ao mesmo tempo. Quando começou a se mover, segurou-a pelo traseiro e puxou-a para frente
e para trás. O cabelo dela estava em seu rosto; o aroma em seu nariz; ela era uma maré esmagadora na qual ele desejava se afogar.
Mais rápido. Mais forte.
Ela gozou primeiro e ele amou aquilo, os movimentos internos rítmicos ordenhando-o ainda mais. E, então, ele também se jogou na montanha-russa onde queria andar
por toda a eternidade, seu pau espasmando por dentro dela, o orgasmo levando-o a uma união de almas.
Ao acabarem, ele arfou contra ela até começar a se preocupar por estar sufocando-a. - Sinto muito.
- Mmmm. - Ela buscou sua boca, sugando seu lábio inferior e mordiscando-o - Mais.
Instantaneamente, ele ficou pronto de novo, mas, mesmo quando seu quadril já começava a ondular, teve de parar. - Em casa. - Ele grunhiu. - Precisamos fazer
isto em casa.
- Ainda preocupado com o frio? - Ela murmurou, correndo uma presa pela mandíbula até a jugular dele. - E aqui estou eu, me sentindo tão quente.
Trez gemeu e cambaleou nas botas. - Sou guloso. Quero mais acesso a você do que consigo aqui.
O riso dela foi como uma carícia sobre sua pele nua. - Então, definitivamente, me leve para sua cama.
Foi difícil ajudá-la a voltar a vestir aquelas calças. Particularmente ao se ajoelhar no chão e ficar cara a cara com o sexo dela.
Cerrando os dentes, de alguma forma, ele conseguiu vesti-la e guardar o próprio pau atrás do zíper sem dar uma de homem das cavernas para cima dela. Então saíram
apressados e deselegantemente das sombras, com cara de "não estou fazendo nada demais", antes de trazê-la de volta para o seu lado.
- Isto foi tão incrível, - ela sussurrou. - Ainda consigo senti-lo dentro de mim.
Trez começou a andar engraçado. Era isto ou quebrar um órgão que seria impossível engessar.
Ao chegarem ao carro, já estava calculando o tempo estimado exato de viagem até seu quarto, assumindo que ele fosse a duzentos e cinquenta quilômetros por hora.
Ei, era um Porsche, certo?
Abrindo a porta para ela, ele ajudou-a a sentar e fechou a porta, e então correu para o para o lado do motorista. No segundo em que sua bunda atingiu o assento,
ligou o motor.
- Oh! Frio! - Ela gritou.
O aquecimento estava ligado quando ele desligara tudo, e agora aquele sopro poderoso estava fazendo-os congelar. Ambos se inclinaram para frente, apertando vários
botões e alavancas...
Música explodiu pelo sistema de som do carro, graças à estação de rádio Sirius, e antes que ele pudesse desligar a coisa, começou a tocar a música "Hold You
Down", do DJ Khaled.
- Espere, - ele disse. - Não, deixe tocar.
Saiu do carro, e voltou novamente para o lado dela, abriu a porta e estendeu-lhe a mão. - Dance comigo.
- O que?
- Dance comigo, minha rainha.
Arrancando-a do assento, levou-a para frente do Porsche, para a luz dos faróis, puxando-a para bem perto. Juntos dançaram, os corpos se movendo lentamente com
os dedos entrelaçados, a batida transformando o estacionamento e a área aberta do parque de diversões em um salão de baile particular.
- Para sempre... - ele murmurou contra ela, cantando. - Eu te abraçarei...
Trez baixou a cabeça até pousá-la sobre o ombro dela, de modo que seu corpo muito maior estava todo em volta dela, envelopando-a, protegendo e amando-a.
Juntos, dançaram de um lado para outro, à luz dos faróis.
Da torre de segurança, iAm observou o irmão retirar novamente Selena do carro e levá-la para frente do veículo. Não havia como saber a música que estava tocando,
e também não importava. Só observar os dois juntos, se movendo como um só, ao som da música, abraçando-se tão fortemente, era suficiente.
iAm precisou esfregar os dois olhos para poder clarear a visão.
Era malditamente difícil olhar.
Virando-se para o outro lado, perambulou em volta do espaço apertado e pensou no quanto Trez devia ter odiado subir tão alto, com nada além da visão panorâmica
e a queda para o chão no que se concentrar. O macho sempre odiara altura, a ponto de ter sido um milagre conseguir convencê-lo a comprar um apartamento no décimo
oitavo andar do Commodore.
Ele estava observando a montanha-russa quando, alguns minutos depois, seu celular vibrou no bolso da jaqueta de couro. Ele tirou a coisa.
Hora de ir. Era só o que a mensagem dizia.
Quase imediatamente uma segunda chegou, de seu irmão: Muito obrigado.
Trez nunca escrevia palavras completas em mensagens de texto. Então, ele realmente devia estar sendo sincero.
iAm hesitou na resposta. Então mandou : Feliz em ajudar. Vj vc em casa.
Ia guardar a coisa no bolso de novo, quando hesitou, pensando em enviar um: Prcs rslvr umas coisas.
Era uma mensagem que já enviara um milhão de vezes nos últimos anos. E de fato, estava sendo sincero. Ia verificar o restaurante e os clubes, como estavam funcionando,
se alguém precisava de alguma coisa.
Era exatamente o que precisava fazer em seguida. E exatamente o que o impediria de ir àquela maldita cabana.
Hora de ir.
Sem ninguém mais ao redor para testemunhar o ato, ele estava livre para se desmaterializar para onde estacionara o BMW X que ele e o irmão dividiam. Um momento
depois, o Porsche foi liberado pelo portão lateral e ele o seguiu a uma distância discreta, pelo estacionamento vazio de dois acres... Assim como Manny, em uma ambulância
convencional.
Em todo o caminho de volta ao Complexo da Irmandade, iAm manteve em mente aquela imagem de seu irmão e Selena, os dois dançando na frente do carro, como um casal
de adolescentes.
Que pena estarem em um livro do John Green.
Quantas noites mais eles teriam, se perguntou.
Merda, ele se sentia mórbido pensando assim, mas havia um relógio correndo. Com cada hora que passava, era mais provável que Selena tivesse outro surto.
E, então, que porra ele ia fazer com o irmão?
Jesus Cristo, Trez ia ficar incontrolável.
Com pensamentos felizes como estes inundando sua mente, perdeu a noção do tempo, e antes de perceber ter cruzado qualquer distância, eles subiam a elevação coberta
de mhis até a mansão, Manny havia desviado, para entrar com a ambulância pela entrada dos fundos.
Com sorte, Selena jamais saberia das precauções que haviam tomado em relação à ela.
Teria sido broxante. Como poderia não ser?
iAm foi cuidadoso em manter distância ao se aproximarem da última curva em frente à mansão, dando à Trez tempo para levá-la para dentro. Quando finalmente entrou
no gramado, foi até a fonte e estacionou ao lado do GTO de Rhage.
Que não ia ficar lá fora muito tempo. O Irmão sempre o levava para garagem nos meses de inverno.
O Porsche de Manny estava na base da escada, com a capota erguida, a chave sem dúvida em vias de ser devolvida ao médico para que também pudesse levá-lo para
a garagem do Centro de Treinamento.
iAm desligou o BMW. Saiu e trancou mesmo sem ser necessário.
E ficou parado ali fora.
Olhando para o céu, viu a respiração que saía de sua boca se elevar e desaparecer. Aquela imagem de Trez e Selena dançando, era como um cão com os dentes fincados
em sua matéria cinzenta, a memória se recusava a esmaecer; e não era, ele estava envergonhado de admitir, só porque pensava em tudo o que o irmão estava arriscado
a perder, ou por ele se preocupar com como recolheria os pedaços do triste bastardo do chão quando as coisas terminassem mal.
Ao invés isto, ele se perguntava...
Merda, ele estava se perguntando qual seria a sensação. De abraçar uma fêmea junto a seu corpo. Ter o cheiro dela em seu nariz e as mãos dela em seu ombro, cintura,
quadril. Ele queria saber como era erguer o rosto dela para o seu e...
Okay, ele precisava parar com aquilo.
Porque nada daquilo iria acontecer com ele. Não agora. Não em meia hora, se fosse para aquela cabana. Não daqui uma semana ou um mês...
Como se fosse um sinal, a brisa gelada aumentou de intensidade. Como se o universo quisesse destacar todo o frio e solidão que ele enfrentava.
O som da porta do vestíbulo sendo aberta chamou sua atenção. Ele gostava de Manny, mas não precisava do cara saindo para manobrar o carro, encontrando-o ali.
Não era o bom médico.
Trez saía da casa. Descia os degraus correndo. Cruzava o gramado.
Merda.
iAm colocou a mão sobre o celular caso precisasse ligar... A quem porra fosse. - Ei, ela está...
Ele não chegou à parte do "bem".
Seu irmão o agarrou em um abraço de urso. - Muito obrigado por esta noite.
De início, iAm não soube como responder. Ele e seu irmão não se abraçavam com frequência.
- Eu fiquei tão feliz por você estar lá. Significou muito para mim.
iAm pigarreou - Eu, ah...
Trez apertou mais o abraço.
Cautelosamente, iAm colocou os braços ao redor de Trez. O movimento pareceu esquisito, mas, quando finalmente abraçou o cara em retorno, sentiu o irmão estremecer.
Sinto muito, cara ,ele disse, em sua mente. Eu não queria isto para você.
O vento frio continuava a soprar, e após um longo momento, eles se separaram.
Trez havia tirado a jaqueta, então enfiou as mãos nos bolsos das calças - Eu recebi sua mensagem. Me sinto mal de ter jogado tudo isto nas suas costas.
- Tudo bem.
- Não está, não.
- Trez, você precisa ficar ao lado dela e tomar conta de sua fêmea. Esta é a coisa mais importante. O resto é só conversa.
Aqueles olhos escuros se focaram em algo acima do ombro esquerdo de iAm. Ou talvez o que quer que estivesse acima de seu ouvido.
- Eu realmente não sei porque você está aqui fora, perdendo tempo comigo. - iAm murmurou.
- Você merece muito mais do que isto.
- Acontece que eu gosto do meu emprego no Sal's.
Seu irmão fitou-o fixamente. - Não é o que quero dizer, e você sabe.
iAm juntou-se ao clube de Enfiadores de Mãos nos Bolsos Anônimos. - Chega de falar. Volte para sua fêmea.
Trez era um teimoso filho da puta, capaz de atos tremendos de negação. Mas iAm, como sempre, convenceu-o.
O macho se virou, mas, andou somente metade do caminho até a entrada da mansão, antes de parar e olhar por sobre o ombro.
- Não desperdice sua vida inteira comigo, okay? - Trez balançou a cabeça. - Eu não valho a pena, e você merece muito mais do que isto.
iAm revirou os olhos. - Pare de pensar. Volte a andar.
- Pergunte a si mesmo o que será de você quando eu me for. Se for honesto, não acho que vá gostar da resposta mais do que eu gosto. E poupe-me dos seus "tudo-vai-ficar-bem".
Nenhum de nós é tão ingênuo.
- Por que está se distraindo com isto? Sério, Trez.
- Não é uma distração. É o tipo de merda que te come vivo quando se ama alguém.
Dito isto, Trez continuou a andar, subindo os degraus de pedra e desaparecendo através da porta do vestíbulo.
iAm fechou os olhos e se apoiou no SUV. Ele não precisava daquele pequeno monólogo do irmão na sua cabeça naquela hora. Ele realmente não precisava.
Capítulo CINQUENTA E UM
As mãos de Selena estavam rígidas.
Em pé, perto do balcão da cozinha da Irmandade, ela tentava abrir uma lata de Coca, e viu que seus dedos se recusavam a agarrar o lacre direito. Ao invés de
puxar a aba de metal para liberar, eles tropeçavam no topo.
Enquanto todos os tipos sinais de aviso soavam em sua cabeça, controlou o pânico, lembrando a si mesma que havia passado três horas no frio, sem luvas.
Fazendo alguns exercícios de abrir e fechar as mãos, ela soprou-as, então balançou os braços. Estalou os dedos. Tentou não começar a procurar por outros problemas
em outros lugares do corpo.
Pessoas com a sua doença ainda podiam ter início de hipotermia.
Ela encarou a lata de novo, seu coração trovejando enquanto observava a uma grande distância, ao tentar o lacre de novo. Ela olhou para suas mãos e dedos desapaixonadamente,
como se fizessem parte do braço de outra pessoa, se movessem pela ordem do cérebro de outra pessoa.
Crack! Fizz!
Ela exalou e teve de se apoiar no granito para se firmar.
- Você está bem?
Encobrindo o alívio, sorriu quando Trez entrou, vindo da sala de jantar. - Só estava pegando um refrigerante. Estou com sede.
- Como está o seu estômago?
- Muito bem. E o seu?
Quando ele se aproximou, ela teve a impressão de que ele também escondia alguma coisa. E foi um choque descobrir que, apesar de seu discurso de ser a grande
mantenedora da verdade após seu último Aprisionamento, ela queria que ele mantivesse o seu segredo, do mesmo modo que queria manter o dela: eles tiveram uma noite
tão maravilhosa; a última coisa que precisavam era arruiná-la com uma conversa pesada que só exporia problemas que não podiam ser resolvidos, e questões não iam
ser respondidas até que fosse tarde demais.
- O estômago está bem.
Ela forçou um sorriso. - Gostaria de subir?
- Seria ótimo.
Pegando o refrigerante, ela aceitou a mão que ele ofereceu a ela e saiu com ele pela sala de jantar e para o saguão. A casa estava essencialmente vazia, os
Irmãos no trabalho, Wrath atendendo aos civis, Beth, Marissa e Mary no Lugar Seguro, Bella de babá do P.W. e de Nalla lá em cima no novo berçário, os doggens cumprindo
suas funções.
Tudo aquilo ia continuar, ela pensou, quando se fosse. Todas as portas se abrindo e se fechando, cardápios seriam planejados e consumidos, pessoas viveriam
suas vidas.
Querida Virgem Escriba, ela queria ficar com eles. Ela não queria partir para o que bem poderia ser um nada absoluto, uma completa dissociação de quem ela era
e o que lhe importava agora e de como se sentia e o que pensava.
Desapareceria. Não restaria nada.
Ela havia sido treinada, na verdade, programada, para acreditar na vida após a morte, para servir à Mãe da Raça e aderir às tradições que nem estabelecera,
nem se voluntariara para seguir. E tudo aquilo, sem questionar.
Chegando agora, ao fim da vida, ela desejava ter questionado, desafiado e elevado a voz.
Tanto tempo desperdiçado.
Quando começou a subir as escadas com Trez, pegou-se imaginando por que, se existe um Fade e as pessoas continuavam lá em cima; por que então a Virgem Escriba
demandava que tudo na Terra fosse registrado no Santuário? Por que todos aqueles volumes e volumes de vidas vividas... Se após a morte as pessoas ainda existiam,
só que de forma diferente?
Era preciso preservar somente o que era perdido.
Seu coração começou a trovejar, um súbito terror a dominou...
- Oh, merda. - Trez suspirou.
Claramente ele leu sua mente. - Não sei o que estou pensando. Provavelmente besteira...
Ele estendeu a mão livre para o corrimão e oscilou.
- Trez! Qual o problema?
- Merda. Porra. - Ele olhava para ela, mas, seus olhos estavam fora de foco. - Pode me ajudar a chegar ao quarto? Não consigo ver...
- Querida Virgem Escriba, vou chamar a Dra. Jane!
- Não, não, é só uma enxaqueca, - ele endireitou-se com a ajuda dela. - Não tenho muito tempo. Tenho de subir para um quarto escuro e deitar.
- Vou chamar a Dra. Jane...
- Não, como já te disse, tive essas crises a vida toda. Eu sei o que está por vir. Vai ser o inferno por oito horas, mas não pode realmente me machucar.
Selena tentou apoiar o máximo do peso dele que conseguia, enquanto cambaleavam até o patamar do segundo andar e então seguiam para a porta que levava ao terceiro
andar. Seu corpo grande se movia com lentidão, e a certa altura, ele desistiu totalmente de tentar enxergar, aqueles olhos dele se fecharam.
De alguma forma, ela conseguiu levá-lo ao quarto e à própria cama.
- A escuridão vai ajudar, - ele disse, colocando o antebraço sobre o rosto. - Pode aproximar aquela lixeira?
Andando pelo quarto, ela apagou todas as luzes, exceto a do banheiro e certificou-se de que houvesse um recipiente perto da cama. - Quer que eu tire suas roupas?
- Okay. Sim.
Não era exatamente a experiência pela qual ela estivera ansiando, mas então, seu humor já estava arruinado mesmo antes daquilo. E quando ela cumpria a tarefa,
ela foi oh, tão cuidadosa com ele, ajudando-o com a jaqueta, então tirando as botas e meias e livrando-o das calças.
- Eu vou ficar de camiseta. Não tenho energia para tirar, - ele pegou a mão dela e a fez sentar-se ao seu lado. - Não é a maneira que eu imaginei terminar a
noite.
Ela beijou a palma da mão dele. - O que mais posso fazer por você?
- Só me deixe deitado aqui pelas próximas seis ou oito horas. E não se preocupe, como eu disse, tudo isto da dor de cabeça à náusea, é normal. Infelizmente.
- O que causa estas crises?
- Estresse.
- Quer que eu ligue para o iAm?
- Merda, não. Ele já tem muito problema na cabeça. Na verdade, acho que é por causa dele que fiquei assim.
- Tem algo errado com ele?
Quando Trez silenciou, ela quis pressionar, mas ele estava doente.
- Você não precisa ir, - ele disse.
- Não quero te perturbar.
- E não vai. - Ele esfregou sua mão com as dele, e os lábios, a única coisa que estava à mostra, abriu-se em um sorriso. - Amo suas mãos. Eu já te disse isto,
não? São tão suaves e macias... Dedos longos...
Um pouco mais tarde, ele exalou um gemido suave, sua boca contorcendo, o corpo tenso. E então, começou a engolir.
- Preciso que você saia, - ele murmurou. - Desculpe... Não quero que veja isto...
- Tem certeza...
- Por favor. Agora.
Era a última coisa que queria fazer, mas levantou-se. - Estou por perto, okay? Não vou sair da casa. Me chame se...
Ele se inclinou para o lado e buscou o balde. Pairando por sobre a coisa, abriu os olhos e fitou-a com um olhar esgotado. - Você precisa sair agora.
- Eu te amo, - ela disse, correndo para a porta. - Queria poder ajudar.
Ela não teve certeza se ele ouviu esta última parte, ao se esgueirar para fora, e bem quando fechou a porta, os sons dele vomitando a fizeram estremecer.
Por uma fração de segundo, pensou que podia acampar no corredor em frente à porta. Mas, então, enquanto debatia aonde iria se sentar no chão, percebeu que não
conseguia largar a maçaneta.
Sua mão havia congelado no bronze.
- É claro que não vou parar. Não seja burro.
Enquanto falava com seus primos na cozinha da casa de vidro, Assail estava em um péssimo humor, e afundava cada vez mais na ira diante do interrogatório de
Ehric.
- Mas o Rei...
- Não tem nenhum direito de interferir nas questões de comércio que concerne a humanos, - ele convenientemente evitava pensar ou comentar a questão sobre o
conflito de interesses. - E não tenho intenção nenhuma de obedecer àquela ordem dele.
- Então o que vai fazer?
- Ele vai nos vigiar. É o que eu faria se fosse ele. Quero que vocês dois avisem meu sócio. Nós suspenderemos as operações por um breve período e faremos um
reconhecimento.
- Está bem.
Após os dois saírem, ele ficou na cozinha de forma que, qualquer Irmão que estivesse vigiando a casa o tivesse em visão plena. Retirando o seu vidrinho de cocaína,
descobriu que estava, de novo, quase vazio, mas pelo menos havia o suficiente para um "tiro".
Quando terminou de inalar, dirigiu-se ao escritório do outro lado de sua casa. Ali também havia janelas de vidro, e ele acendeu a luminária da mesa para que
pudessem mantê-lo sob vigilância. Sentando-se, olhou para a pilha de papéis que produzira. Contas de investimento. Contas de corretagem. Grana nos Estados Unidos
e no estrangeiro.
Aumentando, aumentando, aumentando.
A fortuna ao seu dispor havia tido uma guinada há cerca de um mês, o dinheiro lavado nas Ilhas Cayman transferido para contas mais legais entre o Reino Unido
e Suíça.
Tanto dinheiro, e todo montante acumulando juros, dividendos e apreciação.
Quando começara no negócio das drogas, logo após chegar à América, vindo do Antigo Continente, há cerca de um ano, ele já vinha bem estabelecido até para seus
próprios padrões. Agora, havia o dobro daquele montante em suas várias contas.
Pegando uns papéis aleatoriamente, olhou para o relatório de fechamento de mês. O relatório diário que ficava em seu computador era ainda mais recente.
A despeito de sua riqueza, a ideia de Wrath estar se metendo em seus assuntos o enfurecia até a medula.
Mas, não por um motivo que ele pudesse admitir a qualquer um.
Sem isto... Ele não tinha nada.
O que havia começado como uma extensão de seus negócios europeus, havia crescido até se tornar a razão de seu viver, o único propósito que tinha na vida, o
único motivo que o fazia sair da cama ao anoitecer, se vestir e sair pela porta.
Para ser justo, ele sempre gostara de ganhar dinheiro.
Mas desde o último inverno...
Praguejando, ele se inclinou em sua poltrona de couro e colocou a cabeça entre as mãos. Então sem olhar, ele remexeu no bolso da jaqueta e pegou o celular.
Ele há muito, havia memorizado o número de Sola. Mas não tinha ligado. Não desde que ela se mudara com a avó, de Caldwell para Miami. Não desde que ela saíra
dali exatamente para fugir do tipo de vida criminosa que ele levava.
Em seu telefone, acionou o teclando digital numérico. Como havia feito tantas vezes antes, ele apertou a sequência de dez números, um após o outro, os dedos
seguindo o padrão conhecido.
Não, ele não tinha ligado. Mas, regularmente, fazia isto: dez dígitos que estavam longe de serem aleatórios para ele, discados em seu celular... E deletados
antes de apertar o botão verde.
Se o Rei tirasse seu modo de vida? Então, ele não teria porra nenhuma para fazer, exceto encarar o fato de que a única mulher que desejava, estava totalmente
fora de seu alcance.
Mulher. Não fêmea.
Ela era humana, não vampira. Inferno, ela nem mesmo sabia que vampiros existiam.
E aquele era o problema. Mesmo que ele parasse com o negócio das drogas? Não era como se pudesse ir até Miami, aparecer na frente da porta dela, e chegar tipo,
Ei! Vamos retomar de onde paramos!
Não ia acontecer... Porque cedo ou tarde, a espécie dele ia descobrir e então para onde eles iriam?
Por alguma razão, a imobilidade e silêncio de sua casa de vidro pesaram, lembrando-lhe exatamente quão sozinho ele estava, e ficaria se parasse com os negócios.
Inferno, seus primos não iam ficar contentes em vê-lo sentado por aí, lamentando a fêmea por quem não estavam apaixonados, ele os perderia também.
Deus, ele era bem patético, não era?
Resumindo, o que ele iria fazer?
Com a cocaína borbulhando em suas veias, seu cérebro fez uma matemática básica baseada em uma ideia totalmente absurda.
Que ainda assim, oferecia-lhe uma bela solução para tudo aquilo.
Endireitando-se em seu assento, franziu o cenho e olhou em volta da sala, seus olhos vagando enquanto seu cérebro desenvolvia o plano. Quando não achou mais
falhas, deletou os dígitos de Sola da tela de seu celular e discou para Ehric. Quando caiu no correio de voz, imaginou que eles ainda estariam desmaterializados.
Um segundo depois, seu celular tocou e ele atendeu, sem se importar em cumprimentar. - Já entregou o símbolo para ele?
A resposta de Ehric foi abafada pelo vento que soprava rio abaixo. - Acabamos de chegar.
- Espere por ele. Não revele sua posição.
Assail continuou com as instruções e, ao final de tudo, a resposta de Ehric foi perfeita, - Como quiser.
Assail encerrou a chamada e voltou a afundar-se na cadeira. Respirando fundo, praguejou. Aquilo ia dar um trabalho danado. Mas, era a única solução que parecia
haver.
Além disto, o fato de que isto o consumiria por um futuro considerável? Era exatamente o que queria. E se não funcionasse? Bem, então estaria morto e não se
importaria com mais nada.
Nem mesmo com a mulher por quem ansiava com cada centímetro do seu corpo e todo o seu coração bastardo e sombrio.
A mãe dela havia acertado com aquele nome dela.
Marisol havia mesmo lhe roubado a alma.
Capítulo CINQUENTA E DOIS
iAm não queria que as palavras de Trez o atingissem mais do que a brisa gelada, quando estava em pé no gramado. Ele planejara entrar, comer algo rápido e esquecer
que toda a interação ocorrera. Cuidar de seus negócios. Ir aos clubes e ao restaurante. Cuidar de papelada, assumir o controle, tomar algumas decisões concretas
e sólidas.
Ao invés, estava preso no saguão, olhando para cima, para o teto alto que havia sido pintado por algum grande artista. Ele achava que a intenção da pintura era
inspiradora: heróis em garanhões veneráveis, guerreando nas nuvens, guerreiros celestiais que eram bravos e fortes e estavam ao lado dos justos.
Mas, toda aquela glória não era o motivo de ele estar em modo de pausa.
O destino de Trez era um jogo de cartas, uma coisa delicada e complicada que teria de ser resolvido pelos dois. Cada movimento que iAm fizesse, teria de ser
cuidadoso, deliberado e calculado com o objetivo de sobrevivência.
A sobrevivência de seu irmão.
Ele era um virgem de centenas de anos por causa disto.
Inferno, ele não havia sequer olhado para uma fêmea, tipo, nunca.
Enquanto Trez fodia com elas nos clubes, ou assistindo pornô na TV, ou falando sobre o que havia feito em cima da mesa, no banco traseiro do carro, do lado de
fora da porra do estacionamento, iAm jamais teve interesse em nada daquilo.
Ele havia sido um fodido filho da puta.
Um filho da puta não fodido, melhor dizendo.
E sim, ele tentara a coisa toda pelo lado gay, imaginando que talvez, pudesse se sentir atraído por homens e machos.
Não.
O que o levava ao ponto de, se não fosse pelo fato de ter de lavá-las todas as noites, ele teria se perguntado se sequer tinha bolas.
"Pergunte a si mesmo o que será de você quando eu me for. Se for honesto, não acho que vai gostar da resposta, mais do que eu gosto."
Sem estar consciente de ter tomado uma decisão, iAm virou-se e atravessou o vestíbulo. Na varanda da frente da imensa mansão cinzenta, ele parou sob o vento...
... E saiu voando.
Em uma jornada rumo ao seu destino, pedaços do passado o atingiam: Trez escapando do palácio. iAm sendo mantido preso até prometer trazer o macho de volta...
Que era a última coisa que ele realmente tinha intenção de fazer. A caçada louca.
A cabana na Montanha Black Snake.
Quando iAm retomou forma, teve uma náusea momentânea ao pousar na estrutura envelhecida, com seu tapume áspero e irregular, suas telhas de cedro e aquela chaminé
de pedras que se erguiam do teto como um dente podre. Parecia... Exatamente igual. Bem, não exatamente igual, com as janelas diferentes, arbustos crescendo ou árvores
tendo caído ou crescido demais.
Não, por uma fração de segundo, não soube sequer se estava ali agora mesmo ou se tinha voltado ao passado.
Sacudindo-se, andou até a porta da frente. As dobradiças rangeram ao abrir a casa e, pelo menos ele estava melhor preparado para o que viu.
Precisamente o mesmo. Da disposição desleixada dos móveis, ao cheiro de fogo velho, aos esboços dependurados pelas paredes.
Ele fechou a porta atrás de si e circulou, as botas fazendo o assoalho nu estalar e gemer. Perto da lareira de pedra, encontrou um generoso suprimento de toras,
achou que os últimos caçadores que usaram o lugar tentaram ser bons cristãos e passaram a bênção adiante.
Suas mãos tremiam ao jogar toras na lareira e agulhas de pinheiro por baixo. Tirando o isqueiro que sempre trazia consigo após ter trabalhado com diversos fogões
temperamentais, acendeu a coisa, abanou, e avivou as chamas.
Disse a si mesmo que era perda de tempo e calor. Ela não viria. Não havia jeito de ela vir.
Ele só ficaria por ali por cerca de meia hora, bancando a testemunha para os pensamentos sombrios de seu cérebro que enveredavam em território perigoso, e então
apagaria o fogo e voltaria para Caldie.
Os clubes. Ele iria aos clubes primeiro, e então...
O som daquela porta rangendo ao se abrir deixou-o rígido.
O aroma da maichen invadiu o interior da sala.
Virando a cabeça em sua direção, ele ergueu os olhos. Lá na porta, estava ela em carne e osso, suas vestes revoando no vento gelado que soprava por trás.
Ela não passava de um fantasma... E sua vitalidade era comovente.
Quando ele olhou para ela, soube exatamente porque ambos tinham vindo.
Capítulo CINQUENTA E TRÊS
Selena andou lentamente pelo longo túnel que levava ao Centro de Treinamento. Um passo de cada vez, da base da escada curta que levava à passagem subterrânea
à porta que abria para o armário do escritório. Cada vez que tinha de digitar uma senha para atravessar alguma porta, esperava que a sua consciência a fizesse mudar
de ideia. A reviravolta ocorrer. A urgência de dar meia volta se manifestar.
Ao invés disto, acabou não só emergindo na área de trabalho de Tohr, mas, atravessando as portas de vidro e saindo para o corredor de concreto que ficava mais
além.
A clínica ficava cerca de vinte e sete metros abaixo, e havia uma coleção de portas anunciando todo tipo de destinos alternativos que se apresentavam: salas
de levantamento de peso, ginásio, vestiário.
Seus pés não pararam diante de nenhuma delas.
Não, eles a levaram direto ao único lugar que ela resolvera jamais retornar voluntariamente.
Sua batida foi suave, uma oportunidade para que não houvesse resposta ou por não haver ninguém lá (ponto!) ou por estarem ocupados ajudando a outra pessoa (triste,
mas também um alívio) ou tão imersos no trabalho que não a ouviram (o que era como deixar uma mensagem de voz para alguém com quem você nem queria mesmo falar).
Dra. Jane abriu a porta. E fez um recuo estilo uou-ei! - Selena, oi.
Ela ergueu a palma da mão, desajeitadamente - Oi.
Houve uma pausa. E então a médica disse, - Está aqui em visita social ou precisa...
- Você deve estar bem ocupada, certo.
- Na verdade, depois de trabalhar quase três dias diretos, eu só estava atualizando os prontuários médicos. - A fêmea lhe deu espaço - Entre, se quiser.
Selena se preparou, pisou na soleira. Tentou desesperadamente não olhar para a maca de exames.
Enquanto isto, a Dra. Jane se afastou e sentou-se em um banquinho rolante, ajeitou o jaleco e cruzou as pernas. O uniforme que usava por baixo era azul. Os Crocs
eram vermelhos.
Os olhos dela eram verde-floresta. E estavam muito sérios.
Selena começou a perambular, mas, para todo lugar que olhava, só o que via eram gabinetes de aço inox com portas de vidros com instrumentos de tortura dentro.
Aturdida, olhou para a porta para o corredor, que estava se fechando sozinha, lenta e silenciosamente.
Como a tampa de um caixão.
- Ei, - Dra. Jane disse, - eu estava mesmo a ponto de esticar as pernas. Quer vir comigo dar umas voltas no ginásio?
- Oh, Deus, sim. Obrigada.
As duas saíram juntas, passando várias portas e muitos, muitos metros de corredores. Ao chegarem ao destino, a Dra. Jane abriu a pesada porta de aço e ligou
as luzes do teto.
- Eu sei que é estranho, mas adoro este lugar. - Jane disse. - A madeira com esta bela cor amarelo-mel e tudo cheira a desinfetante cítrico. O que é meio doido
porque odeio produtos químicos no ar, ou nas coisas.
Quando a médica iniciou a caminhada em volta das quadras de basquete, Selena teve quase certeza que ela ia a passos lentos de propósito.
Elas seguiram pelo lado curto, embaixo da cesta, e para a curva à esquerda para ao longo das arquibancadas, antes de Selena dizer alguma coisa.
- Eu acho... - Lágrimas inundaram seus olhos e ela percebeu que estava morrendo de medo.
- Temos todo o tempo que precisar. - Dra. Jane disse, suavemente.
Selena limpou os dois olhos. - Tenho medo de falar sobre isto. Como se, caso eu falasse...
- Você está tendo algum sintoma?
Ela não conseguia falar. Mas, viu-se acenando - Eu acho... Sim.
Dra. Jane emitiu um som de mmm-hmmm - Quer me dizer quais?
Selena estendeu a mão, a que ficara congelada na maçaneta, e estendeu os dedos. Ao flexionar, abrindo e fechando, sua mente caiu em uma corrida desenfreada de
Será que pioraram? Será que melhoraram? Estão na mesma?
- Suas mãos? - Quando tudo o que ela fez foi anuir de novo, a Dra. Jane perguntou - Mais algum lugar?
Pelo menos desta vez ela conseguiu negar com a cabeça.
- Você se lembra, - a médica disse, - se quando um ataque veio antes, se teve algum prodromal?
- O que é isto?
- Algum tipo de sinal de alerta?
Selena esfregou os olhos de novo e limpou as mãos nas calças. Trez possuíra seu corpo não mais do que meia hora antes. Com uma onda de agonia, ela quis voltar
àquele momento, de volta ao tempo antes de sua doença se manifestar.
- Eu não sei. Não me lembro de jamais ter notado algo. Mas, antes... Eu costumava ignorá-lo o máximo que podia. Eu não queria pensar nisto. - Ela olhou para
a médica. - Eu sinto muito não ter voltado para vê-la, sabe, depois que eu...
Dra. Jane fez um gesto no ar. - Deus, garota, não se preocupe com isto. Não há regras e você tem de fazer o que sente que é certo. As pessoas precisam controlar
as próprias vidas.
- Há alguma coisa que pode fazer por mim? Qualquer coisa... Que eu devesse fazer?
A médica levou um tempo para responder. - Eu vou ser direta com você, está bem?
Ah, sim. Não havia nada a fazer. - Eu agradeceria.
- Nas últimas quarenta e oito horas, muitas pessoas procuraram uma solução. Manny contatou seus colegas humanos. Eu falei com Havers. Rehv foi ao território
Symphath... E recebi uma mensagem de texto de iAm dizendo que iria ao s'Hisbe.
- Nada?
- Havers só sabia de pacientes que enfrentam episódios isolados, artrites que afetam mãos ou joelhos, quadris ou ombros. Nada com sintomas sistêmicos tão severos
como os que você apresenta. Ele trata os pacientes com anti-inflamatórios e analgésicos, mesmo que tenha testado algumas drogas humanas, não teve nenhum resultado
relevante na prevenção ou cura. E nem os Symphaths ou os Sombras tinham conhecimento neste assunto.
Manutenção. Era o máximo que poderia esperar.
- Pode me dizer quanto tempo eu tenho?
Dra. Jane negou com a cabeça. - Posso analisar seus marcadores inflamatórios. Mas não tenho realmente nada com o que compará-los... E os ataques vêm rápido,
pelo que entendo. Isto sugere um surto súbito, como um terremoto.
Elas continuaram a circular o ginásio, descendo, descendo, descendo até o canto oposto, onde havia uma porta onde estava escrito: SALA DE EQUIPAMENTOS E PT.
- Acho que devíamos voltar para você verificar minhas... Sabe, - Selena circulou o ar próximo a ela com a mão, - coisas inflamatórias.
- Podemos, se quiser. Mas, acho que a coisa mais importante é fazer seja lá o que te deixe mais tranquila e calma.
- Está bem. Está certo.
Um momento depois, sentiu a Dra. Jane pegar sua mão e apertar. E ao encará-la, se surpreendeu ao ver emoção no rosto da médica. Essa tristeza austera, uma dor
que ia fundo.
Selena fez a outra fêmea parar. - Não é culpa sua.
Aqueles olhos verde-floresta fitaram a cavernosa extensão do ginásio, sem focar em nada - Eu só... Quero ajudar. Quero te proporcionar o restante de seus muitos,
muitos e muitos anos de vida. Quero que você viva. E o fato de não encontrar uma solução... Eu sinto tanto, Selena. Sinto tanto... E vou continuar lutando. Vou continuar
tentando, buscando...
Pareceu a coisa mais natural do mundo passar o braço ao redor da mulher e abraçar.
- Sinto muito. - Dra. Jane soluçou.
Mais tarde, Selena iria perceber...
... Que aquela era a primeira de suas despedidas.
maichen havia demorado para encontrar a cabana. A Montanha Black Snake havia sido fácil. Lado leste do pico também não havia sido um problema. E detectar o aroma
do fogo deveria ser simples, porque mesmo quando em forma molecular, seu olfato era forte e não havia nada mais claro do que fumaça em uma noite de outono. Ainda
assim, havia sido difícil. Ela havia viajado pelo ar, buscando, buscando...
Estava a ponto de virar e voltar, uma tristeza dolorida dominando-a por dentro... Mas então aquela fumaça havia se erguido pela brisa e ela havia disparado em
seu encalço, rastreando a força do aroma, focando em sua fonte.
E lá estava a cabana que ele havia mencionado.
Ela havia se aproximado como uma Sombra, permanecendo em sua forma de energia, sobrevoando o chão sujo, contornando a estrutura pequena e simples... Certificando-se
de que era, de fato, ele e somente ele.
Retomando forma, se aproximou da porta e bateu. Quando não houve resposta, ela abriu.
Ele estava perto da lareira, agachado, avivando as chamas.
Instantaneamente, o corpo grande levantou-se, e a luz tremeluzente criava uma aura detrás dele.
Quando ela entrou, o vento bateu a porta e a batida a assustou.
- Está frio aqui, - ele disse, rudemente, - estou tentando aquecer.
Vê-lo era suficiente para fazê-la esquecer-se de tudo o que a cercava. Ela podia estar em um deserto, no oceano, em uma calota polar e não teria registrado coisa
alguma.
- Aproxime-se, - ele acenou com a mão. - Do fogo.
O corpo dela obedeceu sem hesitação, só que foi até ele que ela andou, não para as chamas. E quando parou ao seu lado, ele se afastou como se não quisesse oprimi-la.
- Deixe-me arrumar um lugar para você se sentar.
Antes que ela pudesse dizer que não se incomodasse, ele foi até uma plataforma de dormir e puxou o acolchoado do topo com alguns cobertores. Com mãos firmes,
arrumou tudo e então voltou a se afastar.
O sexo que emanava dele era irresistível.
Por mais frio que estivesse tentando se mostrar, mais respeitoso que estivesse sendo, ela podia sentir a necessidade nele.
Sim, ela percebeu... De fato, era por isto que ela havia arriscado tanto para vir aqui.
Ela também o desejava. Mesmo que isto fosse criar uma crise. Mesmo que fosse irresponsável. Mesmo que não fizesse sentido.
Ela seguira as regras a vida inteira. Mas não havia responsabilidade ou dever que lhe fosse tão impossível resistir, e seu tempo de relativa liberdade estava
se esgotando.
Baixando-se para o sofá improvisado, ela cruzou as pernas sob seu manto pesado. - Por favor. Sente-se comigo.
- Tem certeza que quer que eu faça isto? - Ele se avolumou à sua frente, seu rosto sombrio absorvendo aquela luz lúdica.
- Sim, - ela sussurrou.
Ele ajoelhou-se, seus olhos semicerrados se movendo pelas vestes que a cobriam do topo da cabeça até a sola do pé.
- Você me deixará vê-la? - Disse ele, em voz profunda.
maichen engoliu em seco. Então ergueu as mãos para a malha que cobria seu rosto, mas, para segurar a máscara no lugar. - Tenho medo.
- Do que?
E se ele não gostasse do que visse?
- Eu já sei que você é linda, - disse ele, como se pudesse ler sua mente.
- Como?
Ele tocou o centro do peito amplo. - Eu te vejo aqui. Eu te conheço... Aqui. Você é muito bonita para mim, não importa sua aparência.
Profundamente consciente de tudo o que não lhe contara sobre si mesma, ela sussurrou, - Nós não conhecemos um ao outro.
- Isto importa para você?
- Não.
- Nem para mim. - Ele franziu o cenho e olhou para o fogo. - As últimas noites, com tudo o que aconteceu comigo e meu irmão... Foram uma revelação. Não quero
mais perder tempo. Quero viver a minha vida, ao invés de pairar pelo pesadelo da zona neutra dele, esperando o machado descer.
- Seu irmão... Ele jamais voltará ao Território? Dizem... Que ele se recusa a cumprir o seu dever, mesmo que a Rainha tenha decretado que após o luto...
Ela teve de parar. A ansiedade era grande demais.
Ela supostamente devia se emparelhar intocada.
E isto não ia acontecer.
Mas, o que o Consagrado poderia fazer a ela? Ambos estavam sendo forçados ao emparelhamento, e a tradição ditava que ele era essencialmente propriedade dela.
Um protesto dele será como uma cadeira discutindo com quem se senta sobre ela.
iAm negou com a cabeça. - Depois de Trez perder Selena, o jogo acaba... E francamente, aquela Princesa? Ela não vai querer o que vai sobrar dele, não a menos
que ela curta necrofilia. Ele vai estar morto, estando em vida, ou em um túmulo.
maichen baixou a cabeça. Ela jamais deixara de saber sobre o emparelhamento que a aguardava. Ele fizera parte da sua criação, a espera pelo Consagrado que havia
sido destinado pelas estrelas para ser seu companheiro procriador, e que com ele e através dele, ela asseguraria que a linhagem de sua mãe continuaria a governar
o s'Hisbe.
Predestinada. Escrito nas sagradas estrelas.
Ela havia aceitado o que era seu dever do mesmo jeito que aceitava tudo em sua vida, de sua casta à solidão, à perpétua sensação de que estava perdendo tanto,
embora não por sua própria escolha.
Ela pigarreou. - Eu imagino que a Princesa poderia libertá-lo, se pudesse. Ela não ia querer ninguém sofrendo, muito menos alguém que perdeu uma fêmea de valor.
- Você a conhece?
- Eu já a servi.
- Como ela é? - Antes que ela pudesse responder, ele ergueu a mão. - Na verdade, não preciso saber...
- Acho que ela diria que está tão presa na armadilha como seu irmão. Acho... Que ela também é uma prisioneira do destino.
Ele esfregou o rosto. - Isto realmente me faz odiá-la menos. Acho que nunca pensei em como tudo isso seria para ela.
- A ela foi revelado qual seria o seu destino, do mesmo modo que como a ele. Ela não teve nenhuma escolha nisto.
iAm solto um riso ríspido. - Talvez eles possam mandar a Rainha se foder. Se ambos se recusarem a jogar o jogo, pode ser que seja o fim. Não que isto impeça
meu irmão de perder sua amada.
- Mas, as estrelas revelaram os destinos deles.
Aquele olhar escuro voltou à ela. - Você crê nisto? Digo, acha realmente que o alinhamento de um punhado de planetas desinteressados, a um milhão de anos-luz
deveria ser usado como um mapa para a vida das pessoas? Eu não.
- É assim há gerações. - Ela disse, em voz fraca.
- Isto não o torna correto. De fato, torna tudo ainda mais ofensivo. Pense no quanto foi arruinado.
O peito de maichen se contraiu quando ele disse em voz alta as coisas que ela andara pensando desde que aprendera que, há muitos anos atrás, o macho com quem
ela iria emparelhar achara seu destino tão desagradável que fugira do Território sob ameaça de morte e sob punição de expulsão.
- Chega deste papo, - ele disse. - Não foi por isto que viemos. Foi?
Os olhos dela se cravaram nos dele sob a malha. - Não, não foi.
O olhar dele voltou para suas vestes, como se em sua mente, ele já estivesse despindo-a.
O coração dela começou a martelar de novo, as mãos começaram a suar. - Eu preciso que saiba que eu jamais... Eu não...
- Nem eu.
Ela recuou. Não pôde evitar. Ele era tão másculo, tão belo, tão...
- Mudou de ideia? - Ele interpelou. - Não é nada sexy, é?
- Como é possível? - Ela se espantou. - Você é tão phearsom.
Houve uma pausa. E então, sem aviso, ele jogou a cabeça para trás e riu. O som saiu tão inesperado e... Cativante... Que ela quase se afastou, surpresa, de novo.
Quando ele voltou a olhar para ela, sorriu pela primeira vez. E tirou-lhe o fôlego.
- Este foi o melhor elogio que eu já recebi.
Ela sentiu-se sorrir sob a malha... Mas, então, ele ficou sério de novo, e ela também.
Não haveria retorno, ela pensou. Se ela não saísse agora, antes de ele tirar seu capuz... Ela não sairia até tudo acabar.
As mãos de maichen se ergueram para sua máscara, sua decisão tomada.
Agarrando a barra da malha, começou a erguê-la. Ansiedade fazia seu coração falhar batidas, mas, ela não parou... Ela não pararia.
Os planetas não deveriam governar as escolhas dos vivos ou o legado dos mortos, ela pensou quando o ar mais frio atingiu sua garganta, sua mandíbula... Sua boca.
Ela estava escolhendo isto.
Ela escolhia ele.
Capítulo CINQUENTA E QUATRO
iAm sentia-se como se suspenso no tempo enquanto o rosto da maichen ia sendo revelado centímetro a centímetro. Os lábios dela eram cheios e profundamente vermelhos,
a pele suave e ligeiramente mais escura do que a dele, as maçãs do rosto altas e salientes...
Ele parou de conseguir formular qualquer pensamento quando os olhos dela se revelaram.
Olhos profundos e cílios espessos, eram de um brilhante verde iridescente. Mas, então, ela estava emocionada e aquele era um dos sinais disto, uma característica
dos olhares dos Sombras.
Talvez os dele estivessem assim também.
E então os cabelos. Profundamente ondulados, flutuavam de sua cabeça e caíam pelos ombros e as costas. Era tão longo que não dava para ver onde terminava.
Ela era, bem simplesmente, a coisa mais extraordinária que ele já havia visto.
Ela era tanto exótica, porque ele vivia entre humanos por tantos anos que perdera as feições de seu povo, quanto completamente normal, porque sua beleza e cores
eram naturais.
- É um crime você andar coberta, - ele sussurrou.
O rubor que subiu pelo pescoço dela fez as presas dele se alongarem, e as mãos se curvarem de necessidade de tocá-la.
- Verdade? - Ela suspirou.
- Juro pelo meu sangue.
Como se o olhar dele lhe desse coragem, ela afastou a malha, e continuou a se despir, liberando a fivela de bronze na clavícula e deixando a primeira camada
de tecido deslizar pelos seus ombros.
Ela era de constituição delicada, mas, também era toda fêmea, e por mais que ele tentasse não se apegar à aparência de seu corpo, seus olhos se recusavam a se
desviar.
Aquela veia pulsando na lateral do pescoço dela era um convite a uma mordida.
O volume de seus seios era uma súplica por um toque.
O aroma do sexo dela, um chamado a ser respondido.
iAm engoliu a imprecação que quis escapar de sua boca. Ela era demais, linda demais, vibrante demais. Seu coração estava pulsando e seu pau estava duro como
pedra dentro da calça.
Ele deveria ter tomado um drinque antes de ir para lá.
Ou seis.
- Você tem fome, - ela sussurrou.
- Sim.
- Você gostaria de tomar minha...
Ele não acreditava onde ela estava tentando chegar, - Sua veia?
- Se quiser.
Oh, fodido fosse ele, sim. - Eu imploraria por tal...
- Não precisa.
Ele esperava que ela lhe oferecesse o pulso, mas quando ela ergueu o queixo expondo a garganta, ele sentiu-se real e verdadeiramente muito estúpido.
iAm sabia que devia perguntar se ela tinha certeza, pressioná-la a repensar sua decisão. Tudo ia acontecer rápido demais se encostasse as presas nela.
Ao invés disto, ele gemeu, - Por favor, me diga seu nome.
- É maichen eu já lhe disse. É o único nome que sinto ser meu.
Ele cerrou os dentes. - maichen, preciso que saiba... Não acho que consigo parar. Se começar isso.
- Eu sei. É por isto que te quero em minha garganta. Sem retorno.
Os olhos dele reviraram e seu tórax ondulou. - Mas, você não tem um pai em sua casa? Alguém que se importará por você...
Ele sabia que os padrões eram diferentes para membros da classe dos serviçais, não se esperava virgindade das fêmeas, já que elas eram requisitadas para qualquer
serviço que lhe demandassem. Mas, ainda assim...
- Está certa disto? - Ele disse.
Sua ereção gritava para ele calar a porra da boca, mas, sua consciência ainda era mais forte do que aquela viagem alucinante.
- Estou.
Aqueles olhos iridescentes estavam firmes, fortes, certos.
Hora de parar de falar.
iAm tomou-a, inclinando-se para a frente, agarrou a nuca dela, curvando-a para trás, apertando-a nos braços e pousando a boca sobre sua carne. Ele jamais tomara
de uma fêmea deste jeito, e não mordeu de imediato. Ele estava subjugado pelo aroma dela, pela pele suave sob seus lábios ao estender a língua e lamber sua veia.
Ele queria acariciá-la mais, mas, quando as mãos dela seguraram seus ombros e ela se arqueou para ele, não pode esperar. Ele sibilou e perfurou sua pele.
À mordida, ela gritou, mas ao invés de empurrá-lo, puxou-o para ainda mais perto.
O sangue dela foi uma explosão em sua boca, gosto de vinho encorpado e promessa de uma intoxicação que começou a dominá-lo no instante em que ele engoliu. Sugando-a,
ele passou a mão pelo seu corpo, encontrando a curva da cintura e o contorno de seu quadril. Mais, ele tomou mais enquanto sua pelve convulsionava para frente, buscando
aquela junção vital dela que ainda estava coberta por camadas de tecido.
Zonzo e totalmente focado ao mesmo tempo, ele deitou-a e montou em seu corpo, como um animal selvagem protegendo sua presa. Mas, ele queria dar a ela também.
Movendo um de seus braços para cima, colocou o próprio pulso sobre a boca dela, esfregando-o em seus lábios.
Aceitando, ela tomou sua veia também, enquanto ele tomava a dela, completando um círculo que explodiu com o calor entre eles.
Antes de saber o que estava fazendo, ele começou a erguer o manto dela, puxando cada vez mais alto, a barra, as camadas, o peso. As coxas dela eram macias e
flexíveis, e se abriram para ele, dando acesso ao que ele queria mais.
Sem calcinhas. Sombras não as usavam.
Quando ele esfregou a mão sobre seu sexo, ela gemeu e sugou mais forte o que ele lhe provia, e ele queria que ela o drenasse até a secura. Mas, não o contrário.
Forçando-se a liberar a veia dela, ele lambeu os pontinhos feridos para fechá-los e então desceu os lábios, passando pela graciosidade de sua clavícula. Chegando
aos seios, ele pegou o topo do manto com as presas e rasgou, o tecido cedeu até...
- Oh, Doce Jesus, - ele arfou.
Os seios dela eram firmes e eretos, adornados com mamilos pequenos que ele não passou muito tempo olhando. Não, buscou-os com a boca, idolatrando-os enquanto
ela continuava a tomar de seu pulso.
E ainda assim, ele queria mais dela.
Bem quando ele estava faminto por baixar ainda mais a cabeça, mesmo sem ter ideia do que estava fazendo, ela liberou a veia dele e o libertou. Sem lhe dar chance
de selar as mordidas, ele subiu novamente e segurou com as mãos, os dois lados do que começara a rasgar.
Riiiiiiiiiiiiiiiiiiiiip.
Com aquilo, as vestes de baixo se abriram em duas e ela ficou nua na sua frente.
A pele escura banhada pela luz do fogo ondulava, e o corpo dela estava marcado com manchas vermelhas do sangue dele, e não é que aquilo o fazia querer colocar
outras coisas dele nela?
Para que todos soubessem que ela era dele.
Vagamente, no fundo de seu cérebro avariado, sentiu-se surpreso de que as histórias que ouvira e que assumira ser ficção, aqueles contos de machos se vinculando
à primeira vista, eram de fato, total e absolutamente verdade.
Ele havia visto o rosto dela há apenas alguns momentos, e agora tinha passado pelo buraco de minhoca, se perdido e se encontrado ao mesmo tempo, empanturrado
e faminto por mais, tudo ao mesmo tempo.
- Minha, - ele rosnou.
Nua diante dos olhos de seu amante, maichen havia esperado sentir-se autoconsciente ou envergonhada. Somente a fêmea que a banhava havia visto o que iAm estava
olhando.
Em vez disto?
Livrou-se dos mantos que envolviam suas mãos, e ergueu-as para oferecer os seios. - Seus, - ela ouviu-se dizer. Então, moveu-as para baixo e tocou o sexo exposto
- Seu.
O lábio superior dele se recolheu e ele emitiu um grunhido que era tanto reverente quanto um pouco malévolo.
Então ele tirou o casaco, a camisa. Os sapatos e calças.
A luz do fogo moveu-se sobre a pele dele, lançando sombras sobre o contorno dos músculos que marcavam os braços, peito e abdômen.
Sua ereção era enorme.
Estava tudo tão fora de controle, esta série extraordinária de eventos, e a culminação ainda estava por vir. O que aconteceria depois, ela se perguntou? Ela
fora nominalmente instruída sobre o ato sexual, em preparação para seu emparelhamento, o médico havia lhe dado algumas orientações anatômicas sobre como as coisas
iriam acontecer, e teve aquela vez quando flagrara s'Ex com aquelas humanas. Mas, nenhuma destas trocas estranhas havia feito nada para explicar como seria elétrico.
O quanto ela iria ansiar pela união. Como se sentiria desesperada.
Plantando as mãos nos dois lados de seu corpo, iAm suspendeu-se sobre o corpo dela e lentamente colou seus lábios nos dela. O contato foi leve e fugaz, deixando-a
faminta por mais, mas, então, ele gradualmente deitou-se sobre ela, seu peso impossivelmente erótico, seus contornos firmes marcando-a.
O sexo duro dele esfregando-se em seu núcleo.
Ela começou a se arquear sob ele, flexionando as pernas, buscando por algo que nem sabia o que era.
- Deixa comigo, - ele disse. - Eu cuido disto.
Mas, não cuidou. Ele só a beijou e tornou tudo pior, lentamente lambendo-a na boca, esfregando-se contra seus seios, a parte interna de suas coxas... Tudo sem
penetrá-la.
- Porque espera? - Ela gemeu.
- Preciso me certificar de que você esteja pronta, senão vai doer.
Os olhos dela se arregalaram - Não vai doer. Vai?
- Quanto você... Ah, sabe sobre...?
A boca dela começou a se mover e ela achou que estava falando, e ele estava anuindo, dizendo algo em resposta. Mas, ela não fazia ideia do que estava sendo dito
de nenhuma das partes.
Exceto que as mãos dele se moveram para baixo, para o meio deles, esfregando mais o sexo dela, explorando. O prazer que despertou nela foi como a luz do fogo,
quente e pelo corpo inteiro, levando-a a outro nível de consciência.
Então houve uma pressão em seu núcleo, mas, nada doloroso. Só um empurrão, um empurrão gentil que a fez ceder internamente.
Quando a mão dele reapareceu ao seu lado, ela percebeu que era a ereção dele penetrando-a, não os dedos.
Movendo o quadril para acomodá-lo melhor, ela tornou-se consciente de um choque comprimindo, uma barreira cedendo e, então, a união foi tão profunda que ela
sentiu como se ele estivesse penetrando-a com o corpo inteiro. Bom, tão bom... Ela se deleitou no quão próximo ele estava, seu contato pele a pele aquecendo-a por
dentro e por fora, uma vida inteira de proibição de toques sendo apagadas.
E, então, ele começou a se mover. Lento de início, com impulso crescente, ela foi transportada junto com ele em um prazer cintilante e crescente.
Acariciando as costas dele com as mãos, ela amou a sua virilidade, e o conhecimento de que este macho, em específico, era o primeiro a tomar seu corpo.
E então uma barreira se quebrou e tudo se tornou muito mais vívido, uma pressa urgente empurrando-a para cima, para aquele corpo dele.
Sua boca se abriu e ela gritou, mas, não de dor.
Ele gritou também, e houve uma pulsação dentro de seu núcleo.
Mas, não era o fim. Ele não parou. Ele continuou, bombeando contra ela, nela, sobre ela.
O médico não havia dito que seria tão bom.
Não mesmo.
Capítulo CINQUENTA E CINCO
Ele entrou em sua vida usando um boné de beisebol do Syracuse e calças jeans esburacadas.
Paradise estava em sua mesa, digitando coisas no sistema, preenchendo solicitações no e-mail, acomodando visitantes nas cadeiras, quando outro vento gelado atravessou
o salão. Àquela altura, ela já havia se acostumado às mudanças de temperatura, havia mais ar gelado, a cada vez que a porta da frente se abria e fechava com a chegada
de um novo visitante.
Então ela não olhou realmente para cima até sentir uma grande presença perto de sua mesa.
Quando ergueu o olhar, tinha um sorriso profissional no rosto, mas, prontamente perdeu a expressão.
A sua frente havia um macho de cerca de dois metros de altura, com ombros tão largos quanto uma porta, e um maxilar tão pronunciado quanto uma flecha. Ele tinha
um tipo de jaqueta, embora estivesse frio o bastante para um casaco apropriado, e sem luvas.
E então havia o boné laranja e aqueles jeans.
- Posso te ajudar? - Ela perguntou.
A aba daquele boné estava tão abaixada que ela não conseguia ver os olhos, mas podia sentir o seu impacto.
- Estou aqui para o programa de treinamento.
A voz dele era muito profunda e surpreendentemente baixa. Dada a forma física, ela teria esperado uma voz mais alta.
- O programa de treinamento?
- Para os soldados da Irmandade da Adaga Negra.
- Oh sim, eu sei, mas não é... Digo, não é aqui. Nesta casa.
Quando ele olhou em volta, ela tentou ver seus olhos. - Eu sei, - ele disse. - Quer dizer, preciso de um formulário de inscrição, e pensei que aqui poderia conseguir
um.
- Os formulários foram enviados por e-mail. Gostaria que eu te encaminhasse?
- Eu, ah... - Ele olhou em volta de novo. Enfiou as mãos nos bolsos daqueles jeans, - Você tem um formulário impresso?
- Eu posso te enviar a coisa toda agora mesmo... Qual seu endereço de e-mail?
Quando ele concentrou o olhar na parede atrás de sua cabeça, ela decidiu que seu cabelo era escuro. Escuro e muito curto.
- Eu não tenho um endereço de e-mail, - ele disse, suavemente.
Paradise piscou. - O hotmail é gratuito.
- Tudo bem, - o macho disse, recuando um passo. - Eu vou encontrar outro modo de conseguir um.
- Espere. - Ela abriu a gaveta da mesa. - Aqui. Leve o meu... Digo, este aqui.
Ele hesitou. Estendeu um braço longo. Aceitou o que ela havia tirado anteriormente da cesta de lixo.
- Obrigado. - Ele olhou para baixo e franziu o cenho, pelo menos ela pensou ter visto um franzir. - Este já está preenchido no topo?
Quando ele lhe devolveu, ela praguejou. - Desculpe. Eu... Deixa eu imprimir um novo.
Clicando no mouse, ela logou em seu e-mail, achou aquele que Peyton, o Imbecil, havia encaminhado, abriu o anexo e apertou imprimir.
Quando a máquina atrás da mesa acordou e começou a emitir ruídos, o macho depositou o formulário sobre sua mesa. - Você vai participar do programa?
Ótimo. Como se ela precisasse de mais um Sermão de um completo estranho.
Ela pegou o papel de volta. - Fêmeas são permitidas entrar, sabia. Está no e-mail. Nós podemos nos juntar...
- Eu acho que deviam. Mesmo que escolha não lutar, acho que fêmeas deviam ser treinadas, nunca se sabe quando ou sob qual circunstância será necessário se proteger.
É lógico.
Paradise só ergueu os olhos para ele - Eu... - ela pigarreou, - concordo com você.
Quando a impressora silenciou, ela virou a cadeira e pegou os papéis quentes do alto da HP. Não havia necessidade real de grampo ou clipes de papel, ou de qualquer
forma juntá-los, mas ela abriu outra gaveta e remexeu em seu conteúdo.
- Você pode entregá-lo aqui, - ela disse, ao entregar-lhe. - Depois de preencher, posso entregar aos Irmãos.
Ele dobrou o formulário uma vez e colocou por dentro do casaco. - Obrigado.
E então tirou o boné e fez uma reverência a ela.
Quando ele se endireitou, ela deu uma boa olhada nele, e arquivou-o na gaveta "Oh Meu Deus!" de sua mente.
Talvez fosse mais adequado "Oh Meu Fodido Deus!".
Os olhos dele eram de um perfeito azul celeste, profundos com sobrancelhas e cílios escuros. Seu rosto era fino, porque ele era um pouco magro demais, mas, aquilo
só evidenciava a estrutura óssea máscula. E a boca era...
Se ele não tivesse atraído sua atenção antes, ele meio que a deixaria de quatro agora.
Graças a Deus pela cadeira.
- Qual o seu nome? - Ela perguntou quando ele se virou para ir embora.
Ele colocou o boné de volta - Craeg.
Ela levantou-se e estendeu a mão. - Eu sou Paradise, - bem, você provavelmente já sabe disto, porque você viu que eu preenchi...
Ótimo, ela estava balbuciando.
- Prazer em conhecê-lo, Craeg, - ela disse, quando ele não fez nenhum movimento de se aproximar.
Ele anuiu uma vez, e então saiu, deixando-a de mão estendida.
Enrubescendo, ela voltou a se sentar, e percebeu que oooooh, cerca de cinco pessoas haviam testemunhado toda a conversa. E estavam agora folheando revistas People
e Time, tentando parecer ocupados. Um dos machos mais velhos até mesmo ergueu um Caldwell Courier Journal e cobriu o rosto.
Bem, ela podia brincar de parecer ocupada também.
Digitando bem ruidosamente em seu teclado, ela tentava disfarçar o rubor de corpo inteiro que a acometia.
Ela nunca o vira antes. Tipo, nunca. Talvez ele tenha acabado de chegar do Continente Antigo, só que, quais eram as chances disto? A grande maioria da população
estava em Caldwell há quanto tempo? Além disto, ele não tinha sotaque. Então ele devia ser... Bem, um estrangeiro, obviamente. Mas, tinha de ser membro da aristocracia
se ouvira falar do programa de treinamento, certo?
Olhando para a arcada pela qual ele saíra, ela se viu desejando que ele viesse entregar o formulário preenchido em mãos.
Quem seria ele...
- Paradise?
Ela pulou. E concentrou-se no pai, que aparecera do nada. - Sim? - Percebendo que sua voz soou perto do normal, e que ela supostamente estaria brava com ele,
ela pigarreou. - O que posso fazer pelo senhor?
Como se ele fosse somente outra pessoa com quem ela lidava.
- Eu só queria perguntar como você está?
Sua aparência não era agressiva. Pelo contrário, ele parecia preocupado... Maldição. Ela queria manter-se com raiva dele.
Ela suspirou. - Estou bem, Pai.
- Você está fazendo um trabalho maravilhoso. Verdade. Tudo está correndo tão bem. O Rei está tão satisfeito... E eu estou muito orgulhoso.
Vê, isto era bem a cara dele. Era impossível ficar puta quando era confrontada com este... Esta sinceridade, sua versão de um pedido de desculpas.
- Posso te trazer algo para comer ou beber?
- O senhor não é um doggen, Pai.
- Talvez precise de uma pausa?
- Não. - Ela revirou os olhos. Levantou-se. Foi na direção dele. - Você me deixa louca.
Ela lhe deu um abraço porque aquilo era o que ele estava querendo. Então ela recuou. - Oster, filho de Sanye é o próximo.
Quando ela indicou o cavalheiro em questão, e o civil ficou em pé, seu pai lhe deu um aperto na mão e então reassumiu seus deveres oficiais.
Seguindo seu exemplo, ela sentou-se de novo. Olhou para o computador à sua frente. E ainda sentiu-se engaiolada.
Mas, o que ia fazer? Mesmo que ele, tecnicamente, não pudesse impedi-la; ela era maior de idade, e não havia nenhuma especificação no formulário que dissesse
que uma fêmea deveria apresentar o consentimento de um macho mais velho para aprovar a inscrição, ela ainda assim, sentia-se paralisada.
Era difícil se rebelar contra seus pais quando só havia restado um.
E ele era tudo o que ela tinha no mundo.
Selena odiara quase tudo no exame, a coleta do sangue, o procedimento de radiografia. E sentia-se mal por isto. Não era como se a Dra. Jane estivesse sendo menos
do que perfeitamente gentil e muito paciente. Mas estar em um daqueles camisolões de hospital, sendo furada e cutucada, virada e fotografada, era como ter a contagem
regressiva de alguma espécie de detonação acontecendo bem na sua frente.
Além disto, ela odiava o antisséptico falso de limão que eles usavam em todo lugar.
E o fato de que estava com frio, mesmo depois de colocarem um cobertor sobre suas pernas.
E então havia aquela luz brilhante pendurada sobre sua cabeça.
Mas, na maior parte, não era o ambiente externo que era difícil de lidar. Era o grito interno que ela achava que tinha de dominar por força de vontade.
- Okay, acho que este é nosso último Raio-X, - a Dra. Jane disse, de sua mesa.
Na tela do computador, uma imagem fantasmagórica do joelho de Selena estava centralizada, mas, ela se recusava a olhar.
Ela tinha de ficar deitada até a Dra. Jane voltar e mover o braço do raio-X para fora do caminho. Então, se sentou, a médica pegou a placa sob sua perna e afastou-a.
- Então... Agora o que? - Selena perguntou.
Ela estava entorpecida. Com frio. Suada.
Mas, mais do que tudo, ela se sentia rígida. E não só nas mãos.
- Deixe-me avaliar atentamente estes raios-X com Manny. E então, volto para falar com você.
Selena baixou as pernas pela borda da maca e ficou em pé. Flexionou uma e então a outra, seu cérebro em uma espiral de Melhor? Pior? O mesmo?
- Quando? - Ela disse, rudemente.
- Porque não conversamos perto do alvorecer? Trez pode vir com você, se quiser...
O barulho veio de fora do quarto, e ambas olharam para a porta do outro lado. Quando o som se repetiu, a Dra. Jane correu, e Selena também.
No final das contas, ela não estava paralisada ainda, e parecia uma boa hora para se lembrar disto.
As duas correram pelo corredor e ouviram atentamente. O Centro de Treinamento estava silencioso, com os Irmãos se exercitando em campo, e não havia, felizmente,
ninguém ferido nos leitos.
O barulho veio de novo, e elas correram, avançando mais duas portas.
Dra. Jane abriu a porta.
A médica teve de se abaixar quando algo veio voando do quarto. Uma bandeja. Era uma bandeja de metal, e ela quicou no chão de concreto, como se a coisa estivesse
realmente feliz por se libertar de lá, e tentasse ficar a uma distância extra.
Lá dentro, Luchas estava descontrolado, na cama. Metade dele parecia estar amarrado, mas, uma mão e braço estavam livres e ele os usava para destruir qualquer
coisa que alcançasse. Bateu em alguns equipamentos de monitoramento com o pedestal do intravenoso, fez o mesmo com a mesinha rolante que tinha um tipo de comida
sobre ela, e agora agarrava a cabeceira da cama, como se tentasse destruí-la.
- Luchas. - Dra. Jane disse, com uma tranquilidade admirável. - O que está...
- Vai se foder!
Selena recuou. Ela estivera ali para alimentar o irmão de Qhuinn ao longo dos últimos meses, e ele sempre fora um perfeito cavalheiro.
- Luchas...
- Foda-se isto! - Ele soltou a cabeceira da cama e agarrou a mesinha de cabeceira, empurrando tão forte que a coisa desceu, as gavetas explodindo, como se fosse
sua forma de sangrar. - Vão se foder!
Dra. Jane recuou e murmurou. - Tenho de pegar um sedativo. Não entre lá.
Quando a médica saiu correndo, Selena ficou parada na soleira.
- Está olhando o que? - Ele gritou com ela. - Que porra você quer?
Havia uma mancha vermelha na cama. Os lençóis, de um lado, estavam um pouco mais do que metade baixados, manchados... Ele estava sangrando. De algum tipo de
ferimento...
- Sua perna, - sussurrou ela, ciente da infecção que o atacava. - Cuidado com sua perna...
- Eu queria morrer! - Ele cuspiu. - Eu estava tentando morrer!
O rosto dele era uma cópia retorcida das feições que ela conhecia bem, sua pele branca demais, tensa quase a ponto de se partir sobre a estrutura óssea que,
sem dúvida, era invejável antes de ter sido torturado pela Sociedade Lessening.
- Eles arrancaram minha perna para me salvar! - Ele afastou os lençóis. - Para me salvar!
O coto estava cuidadosamente enfaixado em camadas de gaze cirúrgica, mas, por baixo não parecia bem... O sangue escorria, manchando tudo.
Ele começou a arranhar o que restava e foi quando ela teve de se envolver.
Marchou pelo quarto, segurou as mãos agitadas e prendeu-as contra a cama, na altura da cabeça dele.
Luchas. Ficou. Maluco.
Gritou, se contorceu, praguejou.
Tudo o que ela fez foi balançar a cabeça e deixá-lo se esgotar... O que não levou muito tempo.
Quando ele parou de lutar, ela disse. - Você tem tanta sorte. Tanta maldita sorte.
Aquilo o fez se calar. Provavelmente do jeito que um confronto direto não teria feito.
- O que? - Ele berrou.
- Eu estou morrendo, - ela disse, sinceramente, - e se alguém tivesse de tirar parte de minha perna para me salvar? Para que eu pudesse continuar aqui com aqueles
que eu amo? Não pensaria duas vezes. Então sim, eu acho que você tem muita sorte.
Ele ainda respirava com dificuldade, mas, a tensão abandonou seu corpo. - Morrendo?
- Receio que sim, - ela o soltou e deu um passo para trás. - Não desperdice o tempo que tem. Eu sei que está ferido, e não duvido que esteja bravo agora. Mas,
pessoalmente, eu trocaria de lugar com você em um piscar de olhos.
A Dra. Jane voltou, e parou quando viu que o local não estava em chamas ou algo assim.
- Eu vou me vestir. - Selena disse, ao se dirigir à porta. - Estou com frio com esta camisola. Precisa de ajuda para limpar?
Dra. Jane olhou de um para outro, claramente se perguntando o que fora dito ou feito para mudar as coisas. - Ah, não, eu cuido disto.
- Está bem. - Selena anuiu para a médica e então olhou de volta para Luchas. - Cuide-se bem.
Ela sentia os olhos dele sobre si ao sair para o corredor. Continuou a senti-lo mesmo ao voltar para o consultório, para se vestir. Quando voltou a entrar no
túnel, ela começou a ficar paranóica de que fosse ter um ataque no meio do caminho até a casa principal, e ficaria ali esquecida sob as luzes fluorescentes. Ou talvez
acontecesse na escada para o saguão... Ou...
Okay, melhor parar com isto.
Ela tinha o bastante com o que se preocupar sem buscar mais problemas.
Capítulo CINQUENTA E SEIS
Ele não conseguia tirar os olhos dela.
Deitado nu em frente ao fogo que aquecia, o corpo de iAm estava entrelaçado ao de maichen, suas pernas enfiadas entre as dela, os quadris colados, os sexos próximos,
mas, não unidos. Ela estava com a cabeça pousada sobre o braço dobrado; a dele estava um pouco erguida.
- Quero te ver de novo. - Sussurrou ele.
Ele queria dizer o quanto precisava de mais um pouco daquele tempo especial, daquele refúgio completo contra toda aquela merda que não podia mudar, e não faria
diferença se estivesse em Caldwell. Estar ali era como se brevemente desse um passo para o lado, alterasse seu caminho, e pudesse respirar. Não era um desvio permanente
e não queria que fosse; de jeito nenhum abandonaria o irmão.
Mas, era suficiente para lhe dar um novo fôlego.
- É difícil eu conseguir sair de lá, - ela beijou as pontas dos dedos dele, - restam somente mais alguns dias enquanto ainda será fácil. Após o período de luto,
ficará muito mais difícil.
- Amanhã à noite, então. À meia-noite.
maichen anuiu. - Estarei aqui.
Ele olhou ao redor da cabana decrépita. - Não, venha para Caldwell. Me encontre na cidade.
Diante da hesitação dela, ele disse, - Eu tenho uma casa lá. É particular. Ninguém saberá... E poderei deixá-la mais confortável.
Ele a queria em uma cama. No chuveiro. Talvez em cima do balcão da cozinha.
Para persuadi-la, iAm abaixou a cabeça e tomou a boca dela, acariciando os lábios dela com seus próprios, lambendo-a toda por dentro. - Siga o sinal do meu sangue
e me encontrará.
O som que ela emitiu do fundo da garganta, foi todo rendição, e antes que se desse conta, ele a rolou de costas e montou-a de novo. O fato de que eles tinham
mesmo feito sexo, era tão monumental, que ele não podia nem pensar nisto enquanto estava com ela.
Era um marco muito grande.
Guiando-se para dentro dela, ele gemeu e abaixou a cabeça para o pescoço dela. Com grandes impulsos ondulantes, penetrou-a, encontrando um ritmo cada vez mais
intenso. Seu corpo sabia exatamente o que fazer, e foi um choque, chegar ao orgasmo e descobrir que estava feliz por ter esperado por esta fêmea em particular.
Também era loucura pensar que uma parte dele começava a planejar um jeito de libertá-la do s'Hisbe.
Então, agora ele tinha dois naquela lista.
As unhas dela se enterraram em suas costas e as coxas enlaçaram seu quadril, enquanto ela alcançava seu próprio clímax, os movimentos internos ordenhando-o e
desencadeando outro golpe agudo de prazer, ao gozar de novo.
Ao final, ele desabou sobre ela de novo.
- Desculpe, - ele murmurou, tentando juntar forças para fazer qualquer outra coisa além de respirar. - Pesado.
- Não, eu gosto de seu peso. - Ela acariciou lhe a pele. - Você é mesmo tão poderoso quanto aparenta.
- Não quero ir embora.
- Eu também não.
Eventualmente, ele se viu na terra da falta de escolhas. Primeiro, o fogo havia se apagado e estava ficando frio, mas, mais importante, ele não queria que ela
se metesse em problemas por ausentar-se de suas obrigações.
Pelo menos ele não teria de se preocupar sobre ela e o amanhecer que se aproximava.
Ele ficaria psicótico.
Afastando-se dela, deslizou para fora de seu sexo e percebeu, merda, ela estava recoberta por sua essência.
- Qual o problema? - Ela perguntou, aqueles olhos iridescentes olhando para cima, para ele.
- Devíamos limpá-la, - mas a maldita cabana não tinha água encanada. - Da próxima vez, faremos isto em Caldwell.
- Eu tomarei cuidado. Há uma fonte termal nos limites do Território. Posso me lavar lá.
- E suas roupas? - Quando estendeu o amontoado de tecido para ela, praguejou. A merda estava toda amarrotada. Rasgada. Coberta de poeira. - Maldição.
Ele devia ter pendurado as roupas dela. No que inferno estava pensando?
Levantando-se, ajudou-a a se vestir, arrumando as roupas que iam por baixo do manto, abotoando a camada de cima com a fivela de bronze, arrumando o capuz e malha
de cobertura facial.
- Deixa que eu faço isto, - ele disse, ao começar a cobrir os cabelos e rosto.
Ele odiou cobri-la, seu estômago se contorceu e a boca ficou seca: aquilo tornava o fato de ele estar enviando-a desprotegida de volta ao Território, ainda mais
evidente. E então ele deu um passo para trás e olhou para o que estivera tão bem composto e intocado quando ela chegou, e que agora era uma bagunça excitada.
Ele meio que sentiu como se tivesse tomado algo que não era dele para tomar, arruinando-a no processo.
- Eu deveria voltar com você, - ele disse. - Me certificar de que...
- Isso seria mais difícil para mim. Ficarei bem. Eu me tornei bem competente em me esconder depois de todos esses anos.
E assim não havia mais nada a ser dito, nenhuma combinação de palavras poderia ser dita para fazê-lo sentir-se melhor sobre nada daquilo.
Com uma súplica, iAm tomou o braço dela e acompanhou-a até a porta. - Tenha cuidado. Aquele é um local perigoso.
- Terei.
Quando ela ia fazer-lhe uma reverência, ele a impediu. - Não. Não faça isto. Somos iguais, você e eu.
Por um momento, ela só olhou para ele. Ele podia sentir o olhar dela através da malha que cobria os olhos. - Não somos, - ela disse. - Infelizmente, não somos.
Com isto, ela saiu pela porta e desapareceu antes que ele pudesse pará-la. E quando o ar gelado golpeou seu corpo nu, ele sentiu dor... E não do tipo física.
Após vestir-se novamente, certificou-se de que o fogo estava totalmente extinto e então saiu da cabana. Ao fechar as portas e se afastar, pensou que era completamente
bizarro como tanta coisa de sua vida havia acontecido naquele local aleatório: encontrar seu irmão, conhecer Rehv... E agora, esta noite.
Desmaterializando-se, ele retornou rapidamente à mansão da Irmandade, retomando forma no gramado. Ao olhar para a grande construção de pedra, com as gárgulas
góticas acima das torres, as janelas em formato de diamante, e todas as sombras que se amontoavam nos cantos, ele percebeu estar avaliando a segurança e sua posição
defensiva.
Então, sim, ele estava pensando em trazer maichen para cá.
Só que então, que tipo de vida ela teria? Ele ainda preocupava-se com Trez e Selena. E o que aconteceria se a única maneira de manter seu irmão livre do s'Hisbe
fosse desaparecer pelo mundo, sem jamais parar no mesmo lugar por muito tempo?
Ela viveria esta vida de fugitiva? E se o s'Hisbe a encontrasse com eles?
Ela seria morta em um piscar de olhos.
Era outra situação sem escapatória.
Bem o que ele precisava.
A bunda de Rhage estava dormente.
Mas, também, ele estava sentado em uma rocha, vigiando através da floresta a casa de vidro de Assail há quanto tempo? Horas. E tudo o que o cara fizera fora
atirar um punhado de documentos sobre a mesa.
Pelo menos o traficante tinha uma bela cadeira na qual se sentar.
Rhage conferiu o relógio. O amanhecer não tardaria. - Estamos perdendo tempo aqui, pessoal.
No momento em que estava prestes a pegar o celular, para ver como estava V no rastreio dos dois primos, o Irmão materializou-se ao seu lado, e o Range Rover
no qual a dupla de traficantes havia saído, apareceu na curva da casa.
- Aonde eles foram? - Rhage perguntou.
- Ao centro. Foram até uma casa de barcos no rio. Ninguém apareceu para encontrá-los, até onde vi. É totalmente possível que um deles tenha se desmaterializado
de lá por um curto período de tempo para ir para outro lugar. Não dá para saber.
Enquanto V esfregava os olhos como se estivessem cheios de areia, Rhage perguntou - Meu irmão, quando foi a última vez que dormiu?
V deixou o braço cair e se endireitou como se estivesse fazendo um difícil cálculo matemático - Foi... Ah... Eu digo, é... Foi...
Rhage olhou para a porta da garagem, que estava se fechando. - Eles estão recolhidos para o dia. Vamos sumir.
- O que Assail fez?
- Além de encher as fuças de cocaína?
- Ele não saiu, então.
- Nada. Além de brincar com seus papéis e fazer duas chamadas que não duraram trinta segundos cada, permaneceu sentado. - Ele deu um tapinha no ombro de V. -
Vamos pegá-los amanhã à noite.
V ainda praguejava ao saírem e viajarem para casa, através do frio ar da noite. Ao chegarem ao gramado à frente da mansão, viram iAm encarando a fachada da casa
como se esperasse que o Godzilla aparecesse para esmagar tudo com o pé e varrer tudo com o rabo.
- Ei cara, está bem? - Rhage perguntou.
iAm pulou. - Oh, merda!
Quando o vento mudou de direção e trouxe o aroma do macho, Rhage ergueu as sobrancelhas. O Sombra estava coberto do cheiro de uma fêmea; e não o tipo de aroma
que se compra em lojas.
Oh, o cara havia se dado bem.
Naquele tempo todo em que conhecia o cara, jamais vira iAm prestando nenhuma atenção particular às fêmeas. Ou aos machos. Pessoalmente, Rhage sempre pensara
que o pobre bastardo sofria da Síndrome de Phury: aquela condição onde um irmão estava tão fodido que o outro caía em um buraco negro tentando salvá-lo.
Infelizmente, não parecia que Trez sairia de sua queda livre tão logo. Mas, claramente, iAm havia resolvido parar de se foder.
Fodendo outra pessoa.
Bom para ele, Rhage pensou. Era hora de o macho ter um descanso.
- Então, - V disse, ao acender um cigarro enrolado a mão - Como foi a sua noite, Sombra?
Evidentemente, ele também havia sentido o cheiro.
- Boa. - iAm disse.
- Mm-hmm. - V exalou. - Fez alguma coisa interessante?
- Não. Vocês?
- Nada. - Rhage replicou quando os três começaram a se dirigir para o vestíbulo. - Só negócios, como sempre.
Na verdade, a noite com Assail havia sido extremamente frustrante, mas, mais que isto, ele estivera esperando notícias de Mary sobre a fêmea que havia sido levada
para a clínica de Havers em coma. Nada. Nenhuma notícia. Estaria ela viva? Morta?
Maldição, ele só encontrara aquela mahmen uma vez; na noite horrível em que resgataram ela e o filho daquele macho violento. Mas, a situação estava preocupando
sua Mary, pesando sobre ela; e isto significava que também estava em seu radar.
Além disto, sua shellan não vinha para casa há duas noites. E ele estava começando a ficar desesperado. Celulares não eram substitutos para o contato de verdade.
Pelo menos não o tipo de contato que necessitava dela.
Ao chegarem no vestíbulo, Rhage pôs a cara diante das lentes da câmera de segurança. Um segundo depois, a tranca foi liberada e eles entraram no saguão. A Última
Refeição estava se iniciando, os doggens ocupados traziam comida à sala de jantar, pessoas se juntavam na arcada, mais membros desciam as escadas.
iAm parecia prestes a escapar, seus olhos grudados no tapete vermelho que subia as escadas até o segundo andar, como se, em sua mente, ele já estivesse a meio
caminho de seu quarto. Fora das vistas.
Sem dúvida rapidamente indo para o chuveiro.
Mesmo que tivesse acabado de olhar para o celular e ver que a coisa estava em modo de vibração, Rhage pegou o celular de novo, e verificou de novo se havia perdido
alguma coisa...
Lassiter saiu da sala de jogos, os cabelos louros e pretos trançados em um cordão espesso que descia pelos peitorais. Ele tinha uma caixa Yoo-hoo em uma mão,
uma luva de Starbust na outra e havia tanto ouro no cara, que seu corpo parecia ter quilate próprio.
- Alguém mais assistiu Real Housewives of New Jersey?
Pessoas se viraram para encarar o cara.
- Como é que você permanece um convidado nesta casa? - Alguém perguntou. - Ainda não foi embora?
- Eu vou chamar um táxi para ele, - alguém mais murmurou. - Ou talvez a gente deva jogá-lo montanha abaixo.
- Tenho um lançador de batatas, - disse Butch. - O buraco é pequeno, mas podemos forçar um pouco que ele acaba entrando.
- Oh, não vou embora. - Lassiter sorriu. - Vamos lá, como se eu fosse perder toda essa comida grátis e a TV a cabo... Espere um minuto. - Aqueles brilhantes
olhos de cor estranha se estreitaram em iAm... E então ele gritou - Puta merda, você transou!
No silêncio congelado que se seguiu, Rhage bateu na própria cabeça. - Anjo, sua noção de tato é ainda pior do que a minha, camarada.
Capítulo CINQUENTA E SETE
- E então, o que tem em mente, Primeiro Conselheiro?
Abalone fez uma reverência quando Wrath se dirigiu a ele. - Obrigado, meu senhor. - Ao entrar na sala de audiências, fechou a porta deslizante atrás de si. -
Muito obrigado.
- Deve ser sério para você nos fechar aqui, - o Rei murmurou.
- Meu senhor... - ele pigarreou, - procuro servi-lo. De todas as maneiras.
- Isto eu já sei. Então o que há?
Não pela primeira vez, Abalone desejou poder olhar nos olhos do macho. Mas, talvez fosse melhor que aqueles óculos escuros escondessem tanto. Ele preferia manter
seu cólon sob controle.
Notou as presenças de Phury e Zsadist, assim como a realidade da hora. Eles não tinham mais do que cinco ou dez minutos antes de poderem retornar ao complexo
com Wrath. Mas, isto não podia esperar.
- Meu senhor, aprecio que tenha deixado Paradise ficar aqui. É muita generosidade de sua parte...
- Mas, quer que ela volte para casa e não gosta de ter Throe por lá.
Abalone fechou os olhos. - Sim, meu senhor. Ela é... A separação é mais difícil do que antecipei. E, por favor, saiba que não é que eu sinta que ela esteja em
perigo aqui. Ela provavelmente está mais segura do que...
- Eu te coloquei em uma situaçãozinha de merda, não foi? - Wrath interrompeu. - Não é justo pedir para que banque a babá de um imbecil qualquer como ele, às
custas de sua própria vida pessoal. Peço desculpas.
Abalone piscou. De todas as maneiras que achou que aquilo ocorreria, Wrath pedindo desculpas não estava nem perto de entrar na lista. - Meu senhor, por favor,
sou eu quem está falhando com o senhor...
- Quer que nos livremos dele?
Phury falou. - Rhage adoraria fazer isto.
- Meu senhor, o senhor é tão...
Wrath ignorou-o e focou nos guerreiros. - Então quais os planos? Vocês querem ir para lá agora com ele fazer a evacuação?
Os olhos de Zsadist mudaram de amarelo para preto. - Vamos acabar com ele...
- Espere, espere. - Abalone ergueu as mãos. - É melhor eu falar com ele primeiro.
Wrath meneou a cabeça. - Não sozinho, não vai. Você é valioso demais para mim. Diga a Paradise para ficar aqui mais uma noite enquanto limpamos tudo para vocês.
E foi assim que, mais ou menos dez minutos depois, ele acabou se desmaterializando para sua casa, flanqueado por um par dos guardas pessoais do Rei.
Quando retomou forma em frente às pesadas portas frontais estilo Tudor, olhou para as janelas brilhantes e se perguntou onde Throe estaria, o que estaria fazendo...
O que estava procurando. A criadagem havia dito que o macho tinha dormido o tempo todo naquela primeira noite, e que não parecia provável que acontecesse de novo.
Desta forma, Abalone havia tido o cuidado de trancar todas as portas antes de sair, e havia muitos doggens com olhos vigilantes por lá.
Alinhando os ombros, olhou para os Irmãos que estavam, um de cada lado seu, como um par de aparadores de livros de Sun Tzu.
- Eu gostaria de ser o primeiro a falar com ele.
Phury anuiu. - A casa é sua. Você é quem deve desconvidá-lo.
Abalone abriu a fechadura de cobre com a chave, e não sentiu nem um pouco do conforto habitual ao cruzar a soleira, nenhuma tranquilidade quando seu amado mordomo
se aproximou atravessando o saguão para tirar seu casaco.
- Mestre, - o doggen disse, com uma acentuada reverência. - Posso servir seus convidados na Última Refeição?
- Eles não vão ficar muito tempo. Onde está Throe, posso saber?
- Ele passou o dia em seu quarto. Eu tenho ido lá verificar... A porta permaneceu fechada e ele não desceu para as refeições. A única vez que bati, no início
da tarde, respondeu que estava descansando.
Abalone não hesitou. Subiu as escadas, mantendo a chave de cobre na mão. Ao chegar ao topo, continuou avançando, passando pelas portas até chegar ao segundo
melhor quarto de hóspedes.
Parecera uma honra não-merecida colocar o macho no melhor quarto de hóspedes, mesmo que Throe não soubesse disso.
- Throe, - Abalone disse, asperamente. - Preciso falar com você.
Diante da falta de resposta, ele bateu com força com o nó dos dedos na porta fechada...
A porta se abriu sozinha, revelando uma luz fraca no interior. Estava a ponto de entrar quando uma mão pesada segurou-o pelo ombro.
- Permita meu irmão, - Phury disse, gentilmente. - Não sabemos o que pode haver ai.
Z entrou com uma arma baixada contra a coxa. Um momento depois, após aqueles passos pesados percorrerem o quarto todo, ele disse, - Tudo limpo.
Abalone se apressou em entrar. De fato, o quarto estava vazio; a cama estava até arrumada. Não havia sinal de que qualquer pessoa sequer tivesse estado ali.
Exceto pela janela levemente aberta do outro lado do cômodo.
Na verdade, um dos painéis reforçados com malha de aço havia sido forçado e deixado entreaberto.
- Ele não era um prisioneiro aqui, - Abalone disse ao se aproximar e reposicionar a cobertura. - Por que fugir?
- A pergunta mais importante, - Phury disse, - seria: como podemos ter certeza de que ele realmente partiu? Esta é uma casa grande. Há muitos lugares para se
esconder...
- Talvez isto explique as coisas. - Z se aproximou da mesa no canto e pegou um envelope selado. - Tem seu nome escrito.
O Irmão trouxe a carta e entregou à Abalone.
Com mãos trêmulas, Abalone abriu o envelope e retirou uma única folha de papel que havia sido dobrada ao meio. O papel timbrado era o seu próprio, com a gravura
de uma casa no topo:
Caro Abalone, filho de Abalone,
Perdoe-me por não lhe agradecer pessoalmente. Sua hospitalidade foi muito apreciada, assim como sua generosidade. Em reconhecimento à posição difícil que minha
presença sem dúvida lhe colocou, buscarei abrigo em outra parte.
Espero ansiosamente que nossos caminhos voltem a se cruzar, primo meu.
Até lá, muito obrigado de novo por me abrir as portas de sua casa, e até lá, eu permaneço,
Seu parente de sangue,
Throe
- O que diz? - Phury perguntou.
Quando as persianas automáticas começaram a baixar para o período do dia, Abalone entregou-lhe a carta. - Nada importante. Eu concordo. Preciso fazer uma busca
na casa, mas temo que levará tempo demais para que possam retornar em segurança ao complexo.
- Então ficaremos aqui com você o dia todo. - Phury disse enquanto lia a carta. - Mas, até sabermos que você e sua equipe estão seguros? Não vamos sair daqui.
Z riu de modo tenso. - Acha que vamos querer voltar e dizer a Wrath que cortaram sua garganta porque não fizemos nosso trabalho? Não é o tipo de relatório que
eu iria querer fazer ao Rei.
Phury devolveu a carta e colocou a mão sobre o ombro de Abalone de novo. - E nos deixe fazer o trabalho sujo, é mais seguro para todo mundo. Onde fica seu quarto?
- No fim do corredor.
- Vamos, te levaremos lá e então vasculharemos os aposentos dos criados. Depois disto, vamos passar um pente fino nesta casa até saber que não ficou para trás
nada além desta carta.
Abalone anuiu. - Obrigado, senhores. Muito obrigado.
- Estou deliciada por você ter me procurado. E desculpe ter te deixado esperando.
Throe sorriu para a fêmea que se dirigia a ele e indicou o sofá confortável no qual estava sentado desde que havia chegado à propriedade. - Não foi difícil.
Estou aquecido e seco. Na verdade, você foi a anfitriã mais graciosa que poderia ser.
A fêmea aristocrata sorriu, exibindo dentes brancos como os diamantes que trazia no pescoço. Nos pulsos. Nos dedos e orelhas. Na residência modesta do zelador
de sua imensa propriedade, ela parecia uma modelo que se apresentara para a sessão de fotos errada.
- Meu companheiro está doente, - ela disse, em tom grave. - Tenho de cuidar dele.
Vestida daquele jeito, em um vestido curto em estampa de leopardo, era de se perguntar exatamente que tipo de necessidades o hellren dela teria.
Aquilo dificilmente era o tipo de coisa que uma shellan usaria para enfiar um velhote na cama.
Mais provavelmente, Throe pensou, ela se vestira daquele jeito para encontrá-lo.
- Sim, eu me recordo da doença dele. - Ele disse, suavemente. - Sinto muito.
- Isto me aflige também.
- Como poderia não afligir?
- Eu logo serei uma viúva.
Ao anuir em solene simpatia, deliberadamente permitiu que os olhos vagassem sobre ela, dos lisos cabelos escuros até os pés apetitosos.
Da última vez que tinham se encontrado, também havia sido aqui, mas havia muito menos roupas envolvidas; em ambos, além de seus companheiros Bastardos. Ela havia
se deitado diante da lareira, e ele e os soldados avançaram sobre sua pele nua, se alimentando e fodendo. Aquilo havia sido há cerca de um mês, a mais recente das
sessões que aconteceram pelo ano anterior em intervalos regulares.
- Será só você esta noite? - Ela perguntou, de um jeito rouco.
- Sim, e devo lhe dizer que dividimos nossos caminhos, Xcor e eu. Estou abandonando a luta dele.
- É mesmo? - Ela ronronou - E onde está ficando?
- No momento, estou procurando um local.
- Mesmo?
- Sim.
Ela se aproximou, cruzando a sala pequena para ficar ao alcance dele. - O amanhecer se aproxima.
Ele novamente vagueou o olhar pelo corpo dela - É mesmo. Bem, então acho melhor ir.
- Tão cedo? - Ela fez beicinho.
- É mais seguro. - Vagamente, ele correu as pontas dos dedos pelos quadris dela, pela barriga... Descendo para a junção das coxas. Pressionando através do vestido,
acariciou levemente seu sexo. - Assim, temo que seja melhor pararmos por aqui...
- Talvez você e eu possamos fazer um acordo, - ela disse.
- Oh? - Disse ele.
- Meu hellren é muito mais velho que eu. Ele é meu verdadeiro amor, é claro.
- É claro.
- Mas, por causa de sua idade avançada há algumas necessidades que ele não é mais capaz de atender regularmente.
- Acredito que você já conheça minhas habilidades neste quesito.
A fêmea sorriu de um jeito feroz. - Sim, conheço.
- E me parece justo que, se me oferecer pousada e refeições, você seja compensada da maneira que achar apropriada.
A fêmea colocou um de seus pés calçados em sapatos de salto agulha no braço do sofá e ergueu a barra do vestido até a cintura, expondo a ele, seu sexo nu. -
Talvez primeiro, você possa refrescar minha memória quanto à seus talentos.
Throe ronronou no fundo da garganta e se inclinou para ela, estendendo a língua para lamber em volta de sua fenda. Quando ela arremeteu o quadril na direção
dele e jogou a cabeça para trás, ele sugou o seu clitóris...
E então parou. Recostou-se no sofá. - Eu só tenho um problema.
- Sim? - Ela gemeu, endireitando novamente a cabeça.
- Não posso ficar aqui no chalé. Não se o Bando dos Bastardos vier te... Visitar. Certamente em uma propriedade tão grande, deve haver outras acomodações disponíveis?
Ela franziu o cenho. - Você é da linhagem de Bluerme, não?
- Sim. Pelo lado materno.
- Então você é um parente distante de meu hellren e, desta forma, seria rude de nossa parte não te oferecer abrigo. É claro, se for ficar na casa principal,
teremos de te arrumar roupas adequadas.
Throe sorriu para ela. Era um acordo perfeito.
Afinal, ela e seu marido haviam apoiado a guerra política contra Wrath, e de jeito nenhum estariam felizes com a debandada do Rei contra o Conselho.
Ele conseguira abrigo, além de uma base de operações.
- Isto seria aceitável, - ele disse, deslizando as mãos pelos quadris dela e puxando-a de volta para sua boca.
Contra o sexo dela, ele murmurou, - Agora, permita-me demonstrar minha gratidão pela sua generosidade.
Capítulo CINQUENTA E OITO
- Eu trabalho sozinha. - A prostituta dizia ao recolher as roupas. - Não tenho um cafetão. Se me quiser de novo, sabe onde me achar.
Xcor olhou para a área de estar do chalé, observando a fêmea se vestir com uma eficiência e rapidez que só perdia para a velocidade do som.
A loira partiu sem nenhuma despedida, tendo feito seu trabalho e recebido seu pagamento de dois mil dólares. Quando a porta se fechou atrás dela, ele ergueu
os olhos para o fogo que morria na lareira. Ele havia pagado para fodê-la de todas as formas e posições que quisesse e era exatamente o que havia feito. Repetidamente.
Ele havia também tomado de sua veia.
Pela qual teve de pagar os outros dois mil dólares.
Graças à sua audição aguçada, ouviu-a do lado de fora, caminhando por sobre as folhas. E então a voz atravessou as paredes finas da estrutura que ele havia comprado
para outra.
- É, estou saindo agora. É. Ele era feio, mas trepava como um animal...
Foi a última coisa que ouviu, então ela deve ter se desmaterializado.
Seu corpo ainda estava nu quando se sentou no chão diante da lareira, joelhos para cima, cotovelos apoiados, braços caídos. O suor esfriava em sua pele, as presas
ainda alongadas pela alimentação, o sexo flácido, encolhido e vermelho de tanta ação a que foi submetido.
O cheiro de tudo o que havia feito empesteava o ar, cada respiração em seu nariz era um lembrete das coisas que seu corpo havia feito.
E com quem.
Baixando a cabeça, esfregou seu cabelo comprido demais, vagamente pensando que devia cortá-lo.
Imagens rodopiavam em sua mente, ele virando a fêmea de quatro e comendo-a como um cão. Suas bolas haviam batido contra o sexo dela, enquanto fodia sua bunda
e ele havia gozado tantas vezes que, ao sair dela, havia a deixado pingando.
Ele havia tentado fazer tudo tão sujo quanto possível, e tinha até mesmo beijado a fêmea. Pelo corpo todo.
Ele queria macular cada pedaço de sua pele com a experiência. Mudar seu corpo. Alterar sua mente.
Apagar a lousa totalmente.
Ao invés disto, ao se sentar sozinho no chão duro, viu que havia feito o oposto. Layla era a única coisa em que conseguia pensar: seu rosto adorável e tímido,
aqueles olhos verdes tão inteligentes e gentis, o corpo do qual ele só havia tido impressões. A sessão com a prostituta havia somente diminuído a luz ao seu redor,
de forma que a iluminação oferecida por aquela a quem ele amava, brilhava ainda mais forte, no contraste.
Como estratégia, aquilo havia sido um fracasso total.
Então ele tinha de encontrar outra. Ou tentar isto de novo, sim, ele tentaria de novo com outra, ou com a mesma ou mais três ou quatro. O dinheiro era escasso,
mas Balthazar e Zypher eram tão sedutores que Xcor tinha certeza que podiam negociar em seu lugar.
E sempre havia o álcool para ajudá-lo.
E a guerra, que era uma excelente drenadora de energia.
O que não podia fazer era ceder à quase sufocante necessidade de telefonar para Layla para ouvir sua voz, e implorar para ela vê-lo apesar do que havia lhe dito.
Aquilo só seria mais uma morte para ele.
Bloodletter havia lhe ensinado que, parte da força era a eliminação da fraqueza, e vezes sem fim, com a repetida exposição àquela Escolhida, suas emoções o haviam
castrado: Ele estava fazendo escolhas e distraindo-se com coisas que comprometiam a integridade de seu guerreiro interior.
E de alguma forma, ela havia descoberto e lhe mostrara aquela verdade.
O conhecimento dela sobre tudo o que ele sacrificara por causa dela havia sido o que o despertara, e somente um tolo não perceberia o caminho que estava trilhando;
ele precisava alterar o destino do que ela se tornara para ele, desviar daquela situação insustentável com ela, proceder com entusiasmo de volta à clareza que uma
vez possuíra.
Senão o que seria o futuro deles? Mais encontros às escondidas aqui? Até que, eventualmente, um Irmão a seguisse devido a alguma pequena gafe que ela tivesse
dado ou alguma suspeita sobre a qual ela não tivesse consciência? Seus soldados e ele precisavam de um local seguro para descansar e se recuperar durante as horas
do dia, e ele não podia comprometer isto.
Onde ele estivera com a cabeça? Ao trazê-la aqui?
Ele e seus Bastardos não tinham dinheiro para se mudar de novo tão logo, o aluguel da propriedade era um fardo grande demais agora que Throe havia partido.
Pelo menos Xcor sentia que podia confiar nela. Ela tivera nove meses para delatar o local nos prados onde sempre se encontravam, e ele ainda sabia onde o Complexo
da Irmandade ficava. Era uma troca mútua... Se ela divulgasse este lugar, havia de saber que sua reação seria um ataque direto à mansão sagrada da Irmandade.
Onde, se as fofocas fossem reais, o primogênito do Rei dormia em seu berço.
Não, ela não diria nada...
Bing!
O som de seu celular tocando o fez virar a cabeça. O aparelho celular estava no chão perto da porta, no emaranhado de suas calças.
Pulou em pé e correu pelo espaço, suas mãos parecendo atrapalhadas ao remexer pelas camadas de tecido, e lutando contra o fecho do bolso, retirou o aparelho.
Ele não havia tido resposta nenhuma dela quanto à mensagem que havia convertido de voz para texto para lhe enviar.
Digitando uma senha de quatro dígitos no teclado numérico, desbloqueou o aparelho e vasculhou pelas mensagens de texto. Seu analfabetismo era tão grande que
tinha de usar um aplicativo conversor de texto-para-áudio para conseguir receber as mensagens de seus soldados e dela.
Mas, sabia o suficiente para ver que, o que recebera não era da Escolhida.
Ele afastou o celular sem ouvir o que era.
O fato de ter caminhado e parado em frente à porta de entrada, como se estivesse perdido, o emputeceu.
Ele não podia, não iria permitir que esta castração continuasse. Havia coisas demais em sua vida que eram mais destrutivas do que deixar uma fêmea que não era
dele, só para começar: sua mãe havia odiado sua aparência e o havia abandonado por causa de seu lábio leporino; ele havia suportado abusos inimagináveis no campo
de treinamento do Bloodletter; e então seguiram-se os séculos de depravação nesta guerra, seu ódio desenfreado pelo mundo o definia, o guiava.
Este assunto com Layla não iria derrotá-lo.
Forçando seus pés adiante, entrou no banheiro e ligou o chuveiro. O sangue que a puta havia lhe fornecido o provia de uma força física que ele não sentia desde...
Não, ele não podia mais pensar em Layla.
Ele tinha de esquecê-la. Desligar suas emoções.
Era como uma morte, disse a si mesmo. E as Destinos sabiam que ele conhecia isto bem demais, e conseguia lidar definitivamente com o conceito.
Entrando sob o jato de água gelada, pegou o sabonete e começou a lavar sua pele, mas, então parou.
Não, ele precisava manter o fedor em sua carne.
O propósito do banho era somente acordá-lo da letargia pós-alimentação que confundia seu cérebro. Depois disto, ia até seus soldados.
Era hora de voltar a focar e renovar seus esforços na guerra.
E reassumir o curso natural de sua vida.
CONTINUA
Capítulo QUARENTA E QUATRO
- Ele me disse que precisava de uma parka.
Na noite seguinte, quando a escuridão caiu sobre o Complexo e as persianas se levantaram, Selena olhou para trás e para frente entre as duas capas que Fritz
levou até ela. Uma era vermelha, a outra negra; ambas eram de lã e relativamente largas.
- Oh, sinto muito, senhora. - Virou-se para armário da sala que dava para a garagem. - Que tal um destes?
Desta vez, ele lhe ofereceu uma escolha entre um casaco de cintura larga que parecia ter sido feito de biscoitos e um muito mais largo. Ambos eram negros e tinham
pequenas etiquetas que diziam: PATAGONIA.
- É uma noite relativamente leve, - disse Fritz. - Talvez o mais curto dos dois?
- Sim, acho que tem razão.
Deslizando dentro da coisa, foi surpreendida pela luz e depois de puxar o casaco rapidamente para cima, procurou dentro dos bolsos.
- Isto é fantástico.
O mordomo sorriu. - Meu prazer. Luvas?
- Acho que vou manter minhas mãos aqui.
- Como quiser senhora.
Ao sair da cozinha, sentiu-se como se estivesse borbulhando. Trez se negou a dizer-lhe algo sobre onde iriam e o desconhecido era como um vinho embriagante,
fazia sua cabeça zumbir e seu corpo flutuar.
Ela vacilou diante da porta para a sala de jantar. Os sons, os cheiros do café da manhã eram óbvios e suaves, as vozes que conhecia bem, os cheiros que faziam
seu estômago rugir. E, no entanto, deu a volta e se dirigiu para a outra saída da cozinha, a que se abria de lado para uma grande escada.
Todo o mundo foi amável na noite anterior, todas as mulheres lhe deram atenção e um apoio incrível.
Não queria incomodá-los novamente e realmente não queria uma relação extra.
Sentia-se um pouco cansada e queria guardar todas suas forças para uma nova oportunidade.
Quando entrou no vestíbulo, viu Trez e Manny em pé e muito próximos do lado do mosaico de macieira no chão. Conversavam com atenção, cada um mais sério que o
outro.
Seu coração parou. O médico estava insistindo que ficasse em casa? Ou iria levá-la para a clínica pela primeira vez?
Olhou para trás e considerou suas opções. Não ficaria sob a terra, ainda que...
- Precisa cuidar dela. - Manny advertiu.
- Eu o farei. Juro pela vida do meu irmão.
Oh...
Manny tirou algo do bolso. Um tipo de chaveiro.
Pendurando-o na frente do rosto de Trez disse. - Ela nunca foi dirigida por ninguém mais.
- Então porque está entregando para mim?
- Por que você tem de ir com estilo. Está levando sua mulher para sair e não pode ser em uma BMW qualquer.
- Você é um esnobe com carros.
Selena franziu o cenho. Carro? Falavam sobre...
Trez deu a volta como se houvesse percebido seu cheiro no ar e no instante em que a viu, começou a sorrir. - Ei, pronta, minha rainha?
Caminhando através do vasto espaço, ela lhe devolveu o sorriso. Deixou o cabelo solto novamente, porque sabia pela forma que a olhava, brincava com ele e o acariciava,
que ele preferia assim.
O coque das Escolhidas supunha-se que poderia lhe dar um diabo de uma dor de cabeça depois de algumas horas.
Ficou na ponta dos pés, beijou-o na boca e logo ficou ao lado dele, encaixada perfeitamente sob seu braço. - Estou tão pronta.
Manny aplaudiu Trez e logo disse em voz baixa. - Nós acertamos.
- Obrigado, homem.
Logo o médico lhe piscou, caminhou para a cozinha e para todas as pessoas que ali estavam.
- O que significa isto? - Perguntou Selena quando Trez abriu a porta para o vestíbulo. - Isto de acertamos?
- Nada.
Inclinando-se para frente, abriu a segunda porta e o frio da noite entrou fazendo cócegas no nariz dela e colorindo as bochechas.
- Demais? - Perguntou.
- O que?
- Muito frio? Você estremeceu.
- Adoro.
- Bom, quero ir de cima abaixo.
Estacionado justo de frente as escadas de pedra estava um maravilhoso carro preto, com rodas negras e algum tipo coisa na parte da frente.
- Querida Virgem Escriba, o que é isto? - Disse.
- É um Porche 911 turbo.
- Oh meu...
Descendo, ela se aproximou da máquina, tirando a mão do bolso e passando os dedos de lado. Suave, brilhante, frio como o gelo.
- Mas tem um teto, não? - Disse.
- Tem alguns truques.
Ao abrir a porta, ela sentou-se do lado do passageiro. - É o novo bebê de Manny. Ele o conseguiu há algumas semanas e é o mesmo modelo e marca do seu último,
mas por dentro é diferente. Isto foi o que disse, em todo caso.
Por dentro cheirava a couro, o perfume do humano e o cheiro de Payne.
Trez sentou-se ao volante e fechou a porta. Quando virou uma chave, um grande grunhido se colocou em marcha, uma vibração sutil passou pelo interior.
- Olhe isto. - Ele apertou outro botão. - Para cima.
Como por magia, tudo o que estava sobre sua cabeça se afastou, retraindo-se em uma serie de dobras no compartimento traseiro.
- Pensei que quisesse ver as estrelas. - Ele sorriu e ligou o aquecedor. - Tem uma tela, então não precisa se preocupar com o vento.
Inclinando-se para trás, viu... O céu de veludo com suas luzes piscando.
Deixando escapar um grito de alegria, lançou os braços ao redor do pescoço dele e o puxou para lhe dar um beijo. - Isto é incrível!
Ele riu. - Não posso acreditar que nunca viu um conversível antes.
- Nunca ando de carro. A menos que esteja com você.
- Bom, coloque o cinto. Esta cadela vai voar.
Quando ele pisou no acelerador, o carro saltou para frente como um cavalo galopando e ela não pôde deixar de olhar o céu noturno e sorrir com tanta força que
suas bochechas doeram.
Inclusive com o mhis, estava bem rápido, disparando pela montanha até que chegaram a uma estrada na parte inferior. Virou à esquerda.
- Aonde vamos? - Perguntou enquanto ele pisava no acelerador novamente e ela era absorvida pelos contornos de seu assento quando o motor rugiu.
- Já verá. - Olhou. - Quente o suficiente?
- Perfeitamente sim!
Era forte e estimulante, um torvelinho de ar frio ao redor de sua cabeça, com o ar quente a seus pés, o carro rugindo e apoiando-se nas curvas da estrada. Antes
de perceber, seu coração estava acelerado e fazia seu estomago se contorcer, sentiu o octano em suas veias.
- Espero que seja uma longa viagem! - Gritou.
- O que?
- Esqueça!
Ela perdeu a conta dos minutos e dos quilômetros, mas pouco a pouco percebeu que a paisagem florestal aumentou, salpicada de casas humanas. Logo, havia lojas,
bairros com casas, um parque e muitos edifícios de apartamentos apareceram.
- Onde estamos? - Perguntou enquanto diminuía a velocidade para parar em um semáforo vermelho.
- Fora de Caldie.
- Vamos ao centro novamente?
- Não. - Ele sorriu. - Mas, estamos quase em nosso destino.
Um pequeno carro mais baixo e de cor amarela parou junto a eles e ela sentiu o condutor olhar para cima. Música pulsava dentro do outro carro e o motor estava
acelerado.
- Está tendo uma espécie de espasmo. - Perguntou. - Nos pés?
- Não, está acontecendo em outro lugar. - Trez murmurou.
Quando o semáforo ficou verde, o pequeno carro explodiu adiante, seus pneus gritando, um cheiro desagradável de queimado deixando seu rastro.
- O que foi tudo isso? - Perguntou.
- Espere.
Efetivamente, um carro com luzes azuis e brancas saiu de um estacionamento e foi em perseguição. Mas não atrás dela e Trez.
Trez negou com a cabeça. - O pequeno merda deveria saber que nunca deve fazer isto por esta rua. Além disso, está louco em andar com este carro. - Ele se aproximou
e lhe tocou. - Está pronta?
- Oh sim. - Olhou ao redor e não viu mais que algumas empresas unidas entre si por um teto comum e um estacionamento. - Chegamos?
- Quase.
Na realidade, era um pouco adiante, além das lojas com a palavra Outlet destacada. E logo apareceram algumas casinhas de madeira em uma pequena colina com...
Estacionamentos. Lotes vazios enormes para estacionar como os jardins do Santuário. Exceto do outro lado do carro. - O que é isto?
- Bem vinda à Storytown.
Selena se inclinou adiante. No outro extremo havia um sinal luminoso indicando a entrada, era alto e largo e desafiava a compreensão. Mas o que viria depois
disto? Era ainda mais surpreendente. Vastos mecanismos que alcançavam até o céu e se iluminavam como um arco-íris, todas as luzes intermitentes como se fossem brinquedos
feitos por gigantes.
Trez girou o carro de Manny por todo o asfalto e rugiu através da superfície, em direção à porta do lado esquerdo no que parecia ser uma zona de faturamento.
Quando parou ante uma entrada lateral, tiveram que esperar um momento antes que um homem com uniforme azul marinho soltasse algo e os deixasse passar.
- Ei Senhor Latimer.
Trez estendeu a mão e ofereceu a sua. - Pode me chamar Trez.
- Sou Ted. - Estreitaram a mão e o homem assentiu com a cabeça à Selena. - Iremos cuidar muito bem de vocês esta noite. Por aqui.
- Certo. Obrigado, homem.
- Sem problemas.
Quando ele pisou no acelerador, Selena se viu abrumada por todas as luzes de neon. - O que é este lugar. Isto é... Mágico.
- E é todo nosso. Não há ninguém mais aqui, apenas eu e você.
- Como é isto possível?
- Um dos meus garotos da segurança é irmão do chefe da segurança aqui. Conversaram com os proprietários e eles estão me fazendo um favor.
Quando encontraram um segundo guarda, Trez parou o carro e desligou o motor. - Gostou daquela louca viagem pelo centro ontem à noite, não?
- Oh sim, sim, muito.
Inclinou-se e a beijou. - Espere para ver, minha rainha.
iAm observava de uma torre alta de segurança no centro do parque de atrações quando Trez manobrou o Porche através da porta e parou no segundo ponto de segurança.
- Quer binóculos?
Olhou por cima do ombro para Big Rob. - Não. Estou bem.
O gorila da shAdoWs silvou enquanto colocava novamente o binóculo perto dos olhos. - Você tem olhos impressionantes para ver tão longe.
iAm encolheu os ombros e tomou outro gole de sua caneca térmica. Dentro, o café era forte e quente o suficiente para queimar a língua. Assim como gostava. Ele
não estava dormindo, mas, estava em coma esta manhã, quando seu irmão o acordou com esta ideia brilhante por volta das dez horas. O plano era louco, claro. Quem
demônios alugava todo um parque por três horas?
Especialmente quando a maldita coisa fechou na temporada anterior? Trez o fez. Bem assim.
E iAm ajudou o garoto a resolver tudo.
Fazer com que tudo isso acontecesse para Selena levou uma quantidade incrível de dinheiro e algumas ligações telefônicas que sinceramente foram difíceis. Mas,
graças à Big Rob que estava ali e o irmão dele, Jim, também conhecido como Jimbo e a esposa do proprietário que acabou de perder seu pai com câncer no verão anterior,
conseguiram preparar tudo: O pessoal foi chamado de suas folgas e as máquinas que estavam paradas foram ligadas novamente. Inclusive as tendas de comida estavam
funcionando... Graças aos garçons do Sal's.
A alegria no rosto de Selena e o orgulho de seu irmão, evidente inclusive dali da torre, fazia com que valesse a pena.
E sabe, era impossível desprezar os seres humanos esta noite. Pelo amor de Deus, os proprietários não guardaram o dinheiro deste aluguel, eles doaram à Sociedade
Americana de Câncer. Às vezes as pessoas surpreendem. Estes realmente o surpreenderam.
- Então, quem é ela? - Perguntou Big Rob. - Quero dizer, ouvi que ele tinha uma namorada, mas, não sabia que estava... Sabe, doente. Eles estão juntos há muito
tempo?
- O suficiente.
Houve um silêncio espesso. - Ele não vai voltar ao trabalho, não é?
- Não por um tempo.
- Vocês, rapazes vão nos vender?
- Não sei. Não chegamos tão longe.
iAm olhou para o relógio novamente. Oito e meia. Perfeitamente a tempo para sua saída programada para as onze e meia. O centro cirúrgico de luxo de Manny estava
estacionado no centro, a zona ainda estava fervendo pela festa do dia anterior, para mover a coisa, mas tinham um bom plano de contingência para Selena. Manny ainda
tinha uma velha ambulância normal e a coisa estava em estado de alerta, perto do parque de diversões esperando e o bom doutor e a médica estavam de prontidão.
- Posso entender porque ele não disse nada. - Big Rob murmurou enquanto deixava cair o binóculo. - E não é por nada, mas uau, ela parece estar em outro mundo.
- Ela também é uma boa pessoa.
- Ela sabe o que ele fez... Você sabe. Uma mulher de classe assim, quero dizer...
- Para ser honesto, acho que esta merda é a ultima coisa em sua mente.
- Sim. Claro. Quero dizer, sim.
iAm olhou para o rapaz. - Não se preocupe, está tudo bem. Pode ir para o clube.
O humano assentiu com a cabeça. - Eu devo ir.
À medida que o homem vacilava, iAm estendeu a palma. - E quanto aos planos futuros com os negócios, nós cuidaremos de todos, prometo. Não importa o que aconteça.
Big Rob estremeceu. - Obrigado homem. Mas, tenho de dizer, gostamos muito de trabalhar para você. Além disso, não sei se Silent Tom conseguiria passar por uma
entrevista. Quase o mataram há cinco anos, quando ajudou Trez.
- Sim, acho que disse menos de doze palavras pelo tempo que o conheço. Dirija com segurança.
- Obrigado. Ligue se precisar de algo.
Big Rob colocou o binóculo na mesa e parou um último momento, olhando para onde Trez e Selena caminhavam entre os carros bate-bate e uma lanchonete. Balançando
a cabeça, dirigiu-se para a saída e fechou a porta atrás de si quando se foi.
iAm olhou o relógio novamente.
Três horas.
E então o quê? Que demônios faria à respeito de maichen?
O que aconteceria se Trez e Selena precisassem dele... E estivesse fora se encontrando com esta mulher?
Jesus, depois de toda uma vida de celibato, era uma surpresa descobrir que fazia arranjos para se encontrar sozinho com um membro do sexo oposto. E não era para
conversar.
Não, ele não estava com ânimo para conversar.
Esfregando os olhos, imaginou a mulher envolta em todas aquelas túnicas de cor azul claro e a vontade de entrar sob elas o levava ao limite obsessivo. Diabos,
se não fosse pela exaustão, provavelmente teria passado todo o dia olhando o teto sobre sua cama pensando no que iria fazer com ela. Como sempre, foi dormir com
uma ereção e acordou com uma também.
Não fez nada a respeito. Masturbar-se, de alguma forma, parecia muito real.
E pela mesma razão, não disse nada à seu irmão sobre sua viagem ao s'Hisbe ou sobre a fêmea que conheceu ou o "encontro" que o marcou.
Comparado com o que Trez enfrentava, tudo era tão pequeno, como batatinhas. E havia também um mundo de sonhos em tudo isso, e se surpreendeu ao descobrir que
queria manter tudo no lugar.
Talvez porque deixava as coisas menos intimidantes?
Mas, vamos, ele não pensava que estava indo. Como poderia partir...?
Não, ele não iria. Pela primeira vez em sua vida, ele não pensava que poderia confiar em si mesmo para não ir diretamente para cima de uma pobre mulher, como
um animal. E inferno, ela provavelmente estava tendo segundos pensamentos, também. Encontrar-se com um homem desconhecido no meio do nada? Estaria louca por fazer
algo assim.
Sobre tudo porque ela tinha de saber o que estava na mente dele.
Não, disse a si mesmo. Nenhum deles iria aparecer na cabana à meia noite. Isto era o melhor para todos.
Realmente. Era.
Capítulo QUARENTA E CINCO
- Ele já está morto! Deuses, já morreu... Pare!
Não, Xcor pensou. Ele não iria parar.
Enquanto continuava a apunhalar o lesser, sangue negro espirrava em seu rosto, peito e antebraço. Sangue negro empoçou-se no asfalto frio do beco. Sangue negro
entrou nos olhos dele.
Ainda assim, continuou o ataque, seu ombro guiando a lâmina para diversos pontos, exceto o peito vazio, enquanto Zypher gritava, puxava-o, amaldiçoava-o.
Mas, foi tudo em vão. Enlouquecido, era uma besta descontrolada, sua mente flutuando acima do esforço, levando-o somente a matar, matar, matar...
O puxão que finalmente o fez largar a presa foi como um reboque de caminhão, força suficiente para separá-lo da carcaça mutilada e gosmenta.
Ele não gostou da realocação involuntária. Virando-se, golpeou o ar com a adaga, quase acertando a garganta de Zypher. O soldado recuou para fora de seu alcance,
ao mesmo tempo em que desembainhava sua própria arma, preparado para lutar.
Preso entre uma estocada e um recuo, Xcor arfou, com grandes nuvens de vapor saindo de sua boca. Ele havia saído da deserta casa de fazenda, sem nenhum deles,
rumando desenfreadamente para o palco do conflito, seminu e totalmente enlouquecido.
E havia sido para o bem de seus próprios soldados.
- Qual o seu problema?! - Zypher exclamou. - O que te aflige?
Xcor exibiu as presas - Me deixe em paz.
- Para poder se matar?
- Me deixe!
O eco de seu grito repercutiu acima e para fora do beco, as palavras ricocheteando entre as paredes de tijolo dos prédios, antes de sumirem na escuridão como
morcegos libertados de uma caverna.
O rosto de Zypher era pura fúria. - Eles têm armas, lembra? Ou a noite passada é uma lembrança muito vaga para você?
- Eles sempre tiveram armas!
- Não desse tipo!
Xcor baixou o olhar para o lesser. Mesmo quase desmembrado, ainda se movia, erguendo os braços em câmera lenta, pernas convulsionando em uma mistura de vísceras
e óleo preto.
Rosnando para a coisa, gritou, e então lhe deu a punhalada final. A claridade foi tão forte, que ele ficou cego pelo brilho, suas retinas reviraram com o reflexo.
Mas adaptou-se logo, cada piscada clareava a visão um pouco mais.
Ele precisava mais. Precisava encontrar mais... Precisava de outra coisa também.
- Me arrume uma prostituta. - Ele resmungou.
Zypher recuou - O que?
- Você ouviu. Me encontre uma. Traga-a para o chalé.
- Humana ou vampira?
- Tanto faz. Só certifique-se de pagar bem para que ela esteja disposta.
Ele esperava perguntas. Não houve nenhuma.
Zypher só inclinou a cabeça. - Como quiser.
Xcor afastou-se, preparado para caçar, lutar e matar. E, antes de correr, olhou por sobre o ombro. - Loira. Eu a quero loira. E deve ter cabelos longos.
- Eu sei a quem chamar.
Com um aceno, Xcor correu pelo beco, seus shitkickers trovejando sobre o asfalto irregular. Farejando a brisa, seu cérebro filtrou os cheiros de fumaça de diesel
misturado à restaurantes xexelentos, e mendigos humanos, sem teto e sem banho, misturado com peixes apodrecendo no rio.
Sua ira contra si próprio aguçava cada sentido que possuía...
- Ei, cara, quer um bagulho?
Parando seus passos, voltou-se e soube pelo cheiro que invadiu suas entranhas que não era um humano ali nas sombras.
O inimigo a quem buscava o havia encontrado, o lesser ainda não sabia com quem estava falando.
- Sim. - Disse ele - Eu gostaria de um bagulho.
- Filho da puta estrangeiro, - disse o lesser. - O que você quer?
- O que você tem?
- Só coisa boa. Heroína pura em pó, colombiana, não essa merda mexicana que...
Xcor não permitiu que o discurso de venda chegasse à uma conclusão. Com uma estocada cruel, se inclinou à frente lançando sua adaga em um arco, e atingiu o lesser
em cheio no rosto, na altura dos olhos. Instantaneamente, o morto-vivo ergueu as mãos, dobrando-se em dois, uivando de dor... E Xcor tirou vantagem disto, recuando
sua bota direita e chutando-lhe o crânio como se fosse uma bola de futebol, mandando o morto-vivo pelos ares até o outro lado do beco.
Saltando alto no ar, pousou sobre o lesser, rolou-o e prendeu suas mãos sobre a cabeça, com uma de suas mãos. O fedor era leite azedo e suor fétido, e o cheiro
adocicado reforçou seu instinto de matar.
A raiva que não vinha conseguindo conter desde que Layla tinha ido embora, voltou novamente. Colocando sua adaga no suporte, fez um punho com a mão dominante
e atingiu várias vezes o rosto pálido do lesser, até as feições praticamente se liquefazerem com os golpes, os ossos quebrarem, a mandíbula cair frouxa. A cada inalação
ele erguia o braço, a cada exalação, o punho descia, o ritmo regular de sua respiração guiava os golpes.
Era melhor Zypher arranjar tudo depressa.
Ele precisava foder até seu humor melhorar.
Sentada na beirada da cama, as mãos de Layla tremiam ao segurar o celular entre as mãos. Ela já havia lido a mensagem, e não só uma vez. De fato, vinha lendo
as palavras desde que havia acordado, ao anoitecer, com o som do celular vibrando na mesinha de cabeceira.
Não venha mais me ver. Eu jamais voltarei ao chalé ou à casa de fazenda de novo, ou consentirei estar em sua presença. Não tenho interesse em nada do que tem
a me oferecer.
Xcor deve ter ditado aquilo em seu iPhone. Ele jamais havia lhe enviado nada via mensagem de texto antes, e ela sempre suspeitara que ele não sabia ler ou escrever.
De todas as maneiras que ela havia imaginado o término da relação deles, de todas as maneiras que havia imaginado a separação deles, não era para ser assim.
Não por ela ter tirado a roupa dele e depois tê-lo obrigado a se alimentar dela.
- ... Olá?
Ela pulou, e o celular voou de suas mãos, caindo no tapete. Quando Qhuinn se aproximou para pegar a coisa, ela entrou em pânico e se levantou rápido da cama
para chegar lá primeiro. Ou tentou se levantar.
Com sua barriga, não conseguia se mover rápido, e ela prendeu a respiração quando ele se inclinou para pegar o celular.
- Você está bem? - Ele disse - Parece pálida.
Não olhe para ele. Não olhe para a tela...
- Oh, meu Deus, está chorando?
- Não. - Ela estendeu a mão - Não estou.
Me dê o celular, me dê...
Qhuinn veio até ela e ergueu seu rosto, - O que está havendo?
Quando o polegar dele acariciou sua bochecha, ele colocou o fodido celular no lugar dele, sobre a mesinha de cabeceira. Com a tela virada para baixo.
- Eu bati na porta e ninguém respondeu, - disse ele - Fiquei preocupado.
Com um tremor, ela fechou os olhos, seus nervos tensos ainda vibrando pelo seu quase flagrante. - Só estava lendo uma história triste online. Acho que estou
mais emotiva do que pensava.
Ele se sentou próximo dela. - Aconteceu merda demais nos últimos dias...
Antes que pudesse se conter, explodiu em prantos e encostou-se no amplo peito dele.
Enlaçando-a com braços fortes, ele abraçou-a gentilmente e deixou-a chorar, botar tudo para fora... E o fato de ele ter erroneamente assumido que as lágrimas
eram só porque estava grávida de gêmeos e com sobrecarga hormonal, a fez chorar ainda mais.
Ela chorou pelos meses e meses de mentiras e decepções; chorou por todas as idas àquele prado; por ela ter se esgueirado para fora e para dentro da casa; por
usar o carro que Qhuinn havia comprado para ela para fazer aquilo.
E mais do que tudo, chorou devido a uma sensação de perda tão poderosa, que era como se alguém houvesse morrido na sua frente e não houvesse nada que pudesse
ter feito para salvá-lo.
Imagens de Xcor golpeavam-na, das suas tentativas de fazer-se apresentável, tentando estar sempre limpo, mesmo recém-saído da batalha... Seu jeito no chuveiro,
delineado enquanto seu corpo gozava por trás da cortina... A derrota que havia pendido sua cabeça enquanto olhava para o fogo como se alguma parte vital de si próprio
estivesse exposta, sangrando, enfraquecendo-o, transformando-o.
Ela tentou dizer a si mesma que era melhor assim. Chega de vida dupla. Sem mais falsidade. Sem mais esconder o celular ou se preocupar se suas fugas seriam descobertas.
Chega de Xcor...
- Eu vou chamar a Dra. Jane. - Qhuinn disse, preocupado, enquanto ia até o telefone.
- O que? Não, eu estou...
- Seu peito está doendo muito?
- O que? - Disse ela, fungando - O que está...
Ele apontou para seu tórax. Baixando o olhar, viu que ela mesma havia agarrado a frente de sua camisola de flanela, o tecido suave jazia embolado entre seu punho
apertado.
Era a origem de suas lágrimas, ela pensou.
Vinham de seu coração.
- Honestamente, - ela sussurrou, - estou bem. Só tinha de botar para fora... Sinto muito.
A mão de Qhuinn parou sobre o telefone. E mesmo quando ele finalmente recolheu o braço, ela teve certeza que ele não estava convencido.
- Eu acho que preciso comer alguma coisa, - ela disse.
Era a última de suas preocupações, mas ele imediatamente entrou modo de solicitude, ligando para Fritz ao invés da médica, pedindo por uma variedade de comida.
A preocupação dele para com seu bem-estar, e toda sua atenção só a fez voltar a chorar.
Querida Virgem Escriba... Ela estava de luto, não estava?
Capítulo QUARENTA E SEIS
- Está bem, então entramos aqui.
Selena agarrou a mão que Trez ofereceu e andou até a beirada da primeira cápsula de uma fileira de seis. As pequenas gôndolas em formato de ervilha estavam montadas
em um par de trilhos e continham dois assentos lado a lado com uma barra de segurança que se erguia acima do capô pouco alto. Após Trez se juntar a ela, um operador
uniformizado lhes deu um aceno de um painel de controle do outro lado da plataforma.
- Isto vai por aquele caminho? - Ela perguntou, apontando para a montanha a frente. - Vamos subir ali?
Trez teve de pigarrear. Duas vezes - Ah, sim. Vamos.
- Oh, meu Deus, é tão alto!
- Eu, ah... É. É sim.
Ela virou-se para ele quando a barra de segurança desceu e travou-se sobre suas pernas. - Trez, sério, você vai odiar isto.
Houve um tranco e então começaram a se mover para frente no trilho, um sonzinho de chk-chk-chk foi emitido enquanto as rodas a giravam em velocidade crescente.
- Você, no entanto, vai amar. - Ele disse, beijando-a - Acho que é melhor se segurar.
Ao iniciarem uma subida quase vertical, suas costas pressionaram o assento acolchoado e suas mãos agarraram a barra de metal frio. Por um momento, ela desejou
ter pegado as luvas que haviam lhe oferecido antes de sair de casa, mas então, esqueceu todo o desconforto.
Mais alto, mais alto, mais alto... Impossivelmente alto.
Voltando-se para o lado, ela riu. - Oh, meu Deus, estamos subindo tanto!
E eles só estavam a meio caminho do topo.
O chk-chk-chk se tornou muito alto e os trancos, mais fortes, até ela sentir como se alguém empurrasse seus ombros. A brisa ficou cada vez mais fria e mais violenta
também, seu cabelo esvoaçava, a parka a desafiava a manter o seu tórax aquecido.
- A vista é incrível, - ela suspirou.
Não tão alto quanto eles estiveram na noite passada, mas sem chão entre ela e a toda aquela altura, sem painéis de vidro para impedir uma queda, nada além do
trilho e a crescente distância do chão, ela sentia-se flutuando.
E as luzes do parque eram magníficas. Brilhantes e multicoloridas, estavam lá embaixo por todos os lados em que ela olhava, acentuando os contornos de vários
dos brinquedos, refletindo nos espelhos e brilhando nos topos vermelhos e amarelos e azuis dos estandes e barraquinhas.
- É como se o céu estivesse invertido e as estrelas estivessem lá embaixo.
- É. Oh, uh-huh... É. Eu acho que chegamos ao topo... Oh, é. Uau. Uh-huh.
Abruptamente nivelaram e tudo silenciou, exceto o vento que golpeava seus ouvidos, a viagem se tornando suave e gentil ao fazerem uma curva fácil.
Um olhar rápido para o macho, e ela viu que, apesar de sua pele escura, estava pálido como um fantasma.
Ela soltou uma das mãos e cobriu a dele. - Trez, acho melhor nos mantermos no chão após isto, ok?
- Oh, não, tudo bem... Estou bem, estou legal.
Uh-huh. Certo. O maxilar dele estava tão fortemente cerrado que ela se preocupou com seus dentes de trás, e o pescoço estava enrijecido acima da gola da jaqueta
de couro. De fato, a única coisa que se movia no corpo inteiro dele era o joelho direito. Estava oscilando para cima e para baixo, para cima e para baixo, cima-baixo,
cima-baixo-cima-baixo-cima-baixo.
- Lá vamos nós, - murmurou ele. Como se preparando para levar um soco na cara.
Ela olhou para frente bem a tempo de não ver absolutamente nada a sua frente. Havia somente o ar aberto, como se os trilhos tivessem sumido.
- Onde estão...
Whoooooosh!
De repente eles estavam a uma velocidade suicida, sem peso e voando, lançados impetuosamente para baixo, baixo, baixo.
Selena riu como se estivesse louca, soltando as mãos e jogando os braços para cima. - Siiiiiiiim!
Tão veloz, o ar golpeava por entre seus cabelos, estapeava lhe o rosto, empurrava-a contra o assento; então bruscamente à direita, à esquerda, zum-zum-zum, subindo
outra subida gigante quando o chk-chk-chk voltou e então...
- Oh, meu Deus! - Trez berrou.
Para o alto e em volta, para que o mundo virasse e ficasse de ponta cabeça antes de se endireitar de novo. E outro looping e então um que os inclinou para o
lado.
Era como aquela volta para casa de novo, somente mais vívida e indomável e maravilhosa.
- Eu podia fazer isto para sempre! - Ela gritou quando outra sequência se aproximava. - Para sempre!
- Oh, Cristo, não de novo!
Quatro vezes.
Seguidas.
E por insistência de Trez.
Quando o pequeno carro dos horrores voltou novamente à plataforma, ele estava preparado para continuar a tortura.
Selena estava extasiada e fazia tudo valer a pena... Mesmo os loopings intestinais da montanha russa.
Que tornava suas próprias tripas uma bagunça efervescente.
- Vamos de novo, - ele disse, tentando abanar a bandeira. Mesmo que àquela altura alguém tivesse de remover cirurgicamente suas mãos da barra de segurança.
- Não, eu acho que já é suficiente.
- Está brincando? Eu adorei essa merda...
- Terminamos, - ela chamou o operador.
- Eu tirei fotos de vocês, - o macho humano disse, enquanto baixava a alavanca e um motor que não estava às vistas parou subitamente. - Estão sendo reveladas.
Está beeeeem, hora de sair. Sim.
- Trez?
Soltando seu agarre da barra, ele observou seu salvador de metal se erguer e se encaixar no lugar apropriado acima de suas cabeças. - É, estou saindo. - Agora
mesmo, - lá vou eu.
Quando Selena se levantou e se apoiou na barra em busca de equilíbrio, ele se sentia pronto a segui-la. Andar até ela, e até o operador. Pegar aquelas fotos
que ele nem sabia que alguém iria tirar.
Em vez disto, ele só permaneceu sentado, respirando com muita dificuldade. Mas, vamos lá, ele não era um marica. Forçando-se a ficar em pé, descobriu que suas
pernas estavam dormentes do meio da coxa para baixo, mas, em um cambalear confuso, de alguma forma, conseguiu sair do carrinho e foi para a plataforma sem passar
muita vergonha.
Apesar do fato de Selena ter de apoiá-lo não ter sido, exatamente, uma declaração de reafirmação de sua verticalidade.
- Oh, obrigada, - ele ouviu-a dizer ao operador. Então olhou para ele, - Ei, vamos até aquele banco olhar as fotos.
Antes que se desse conta, estava sentado em um pedaço de aço fundido, frio e gelado e olhando para as fotografias de Selena se divertindo e ele com a cara de
alguém com as bolas presas em um torno. Enquanto isto, a mão dela acariciava suas costas, correndo o couro da jaqueta em um círculo lento.
- Aqui está, senhora.
- Muito obrigada, - ela ofereceu-lhe algo. - Porque não toma isto?
Ele estava enjoado demais para responder de novo que estava tudo bem. Apenas aceitou o que ela oferecia, colocou na boca e obedeceu ao comando de beber.
- Oh, isto é bom. - Suspirou quando finalmente baixou a garrafa de refrigerante.
- Ginger Ale. A Dra. Jane indicou.
Cerca de dez minutos depois, ele conseguiu se concentrar apropriadamente no que, supostamente, estava olhando. - Você é tão linda, - disse ele, ao fitar a imagem
dos dois juntos.
- Não tenho certeza disto, mas te digo uma coisa, aquele foi o ponto alto da minha vida, bem ali. Como se sente?
Ele esfregou o dedão sobre a foto do rosto dela. - Você está tão viva. Olhe para você, seus olhos estão incríveis.
Uma a uma, ele estudou as fotografias. Haviam sido tiradas após a segunda subida, quando se tinha a sensação de falta de peso e o vento rugia e não se ficava
muito convencido de que aquela merda iria terminar bem quando chegasse ao fim.
Ele podia praticamente sentir a agitação percorrendo o corpo de Selena, a excitação, o prazer, a vibrante força vital transformando-a em um contido relâmpago
de alegria.
Já ele? Jamais se sentira tão pálido, sua pele escura sem cor como a merda...
Quem diria.
- Devíamos fazer um calendário destas, - ele anunciou, - metade delas, mais ou menos.
- Você parece bem melhor. Menos verde. Você estava meio verde.
- Eu encararia aquela filha da puta milhões de vez se você quisesse.
Ela se inclinou, virou o rosto dele para sua direção, e beijou-o - Você sabe o que acabou de provar?
- O que? Que mesmo verdadeiros machões precisam de saquinhos de vômito às vezes?
- Não. - Ela beijou-o de novo - Que é possível dizer "eu te amo" sem usar palavras.
O peito dele estufou. Ele não conseguiu evitar. - Veja só. Sou um Casanova... Quem diria.
Terminando seu Ginger Ale, ele jogou a garrafa vazia na lixeira que ficava a um metro e meio de distância e colocou as fotos no bolso interno de sua jaqueta.
Levantando-se, ele lhe ofereceu o braço. - O que acha de comer algo nutricionalmente deficiente, mas totalmente gostoso? Estamos falando de produtos químicos
de verdade e tudo totalmente ultra processado. O tipo de coisa que humanos geralmente gostam de comer, mas tem de tomar sal de frutas quando chega em casa?
- Soa delicioso. - Ela aceitou a oferta. - Estou ansiosa para ver o que servem aqui.
Trez acenou para o atendente, e então considerou que talvez fosse melhor fazer umas poses de fisiculturista só para retificar sua prejudicada imagem de macho.
A área de alimentação ficava atrás e à direita, e conforme eles contornavam a base daquela montanha-russa, ele olhou para cima, muito para cima, para a geringonça
de metal que mantinha os trilhos no ar. Cara, que bom ele não ter tido esta vista antes de subir lá.
Quanto mais pensava nisto, mais seu chilique ameaçava retornar, o suor inundava as palmas das mãos e a área acima do lábio superior, mas as boas novas vieram
na forma de distração do estande de cachorro-quente que estava aberto só para eles.
Aproximando-se do balcão, ele abraçou Selena bem forte, captando o aroma dela além do xampu e sabonete que ela usara antes de saírem da casa.
Uma fêmea humana de corpo roliço e sorriso simpático se aproximou, largando seu exemplar da revista People. - Em que posso servi-los?
- Deus do céu, tem tanta coisa. - Selena disse.
O cardápio era iluminado em painéis vermelhos com letras amarelas, oferecendo o tipo de coisa que certamente era deliciosa ao ser ingerida, mas que causaria
problemas ao ser digerida. Mas, como havia dito a ela, era para isto que existiam os antiácidos.
- O que vai pedir? - Ela perguntou.
- Vou de Especial Coney Island, - ele anunciou. - Com uma Coca-cola grande, muito gelo.
- É para já, - a atendente disse - Senhora, já sabe o que vai querer?
Selena franziu o cenho - Eu queria mesmo um hambúrguer. Mas, queria experimentar o cachorro-quente.
- Pode comer um pouco do meu.
- Ótimo. Eu quero um hambúrguer com queijo e batatas fritas.
- Sem problema. - A mulher apontou para outra seção do menu, - Quer alguma coisa nelas?
- Como é?
- Em suas batatas. Tipo chili, queijo, pimenta jalapeño... A lista está bem aqui.
Enquanto Selena considerava o segundo turno de suas opções, Trez aproveitou a oportunidade para estudar o deslumbrante perfil de sua rainha. Aqueles lábios dela
eram quase irresistíveis e quanto mais olhava para eles, mais o ardor residual de toda aquela descarga de adrenalina evoluía de luta ou voo para pura e inegável
luxúria.
Com um movimento discreto, ele precisou reposicionar seu órgão.
Mal podia esperar para levá-la para casa. Tirar a roupa dela.
Seus olhos desceram até os seios. A jaqueta Gucci que ela usava havia aderido sobre aquelas curvas que ele amava tanto...
- Trez?
- Huh?
- Você tem dinheiro? Eu não pensei em trazer human...
Ele interrompeu. - Você não vai pagar nada. - Tirando a carteira, ele disse à garota - Quanto?
- É por conta da casa.
- Deixe-me dar uma gorjeta então.
- Ah, está bem. Eu sei por que você está...
Trez adiantou-se, colocando cem dólares sobre a fórmica e empurrando-o adiante. - Pegue. Por ser tão gentil conosco.
Os olhos da mulher se arregalaram. - Tem certeza?
- Absoluta.
Primeiro, ele não queria deixá-la terminar o que estava falando e fazer Selena sentir-se como um caso de caridade. Segundo, a humana havia saído em uma noite
fria somente para algumas horas de trabalho. As festas de fim de ano se aproximavam. Sem dúvida ela aproveitaria aquele dinheirinho extra.
- Uau. Obrigada.
Quando a mulher se afastou para preparar os lanches, ele pôde sentir Selena olhando para ele com respeito, e aquilo o fez sentir-se todo estufado de novo na
região peitoral.
Por falar em seu cartão de macho, dane-se dar uma de Arnold. Do jeito que ela olhava para ele? Fazia-se sentir-se grande como uma montanha.
Alguns minutos depois, seguiram para uma mesa de piquenique pintada de azul berrante e sentaram-se lado a lado.
O ar estava frio, a comida, fumegando, os refrigerantes estavam espumantes e doces. Manusear os pães super-recheados era difícil, com ambos inclinando as cabeças
e usando guardanapos, mas até aquilo era um tipo de diversão. E a conversa, quando conseguiam mantê-la, era sobre o sabor e o tempero e a língua queimando... O passeio
de montanha-russa... O que iriam fazer em seguida... Se iam comer algodão-doce ou sorvetes com calda quente, de sobremesa.
Era magnificamente, belamente, ressonantemente normal.
E ao se sentar com sua fêmea e talvez limpar o canto da boca dela com seu guardanapo, ou dividir seu refrigerante com ela, ou rir quando ela sugerisse irem ao
carrossel em seguida, porque só ficava a meio metro do chão, ele banhou-se nas lembranças, até elas permearem sua mente, corpo e alma com um brilho que nunca havia
sentido antes.
Só por estar com ela. Sem fazer nada especial. No meio do parque de diversões.
Era um milagre.
Uma bênção indescritível.
Franzindo o cenho, percebeu que, não fosse pela realidade pairando nas proximidades deste momento perfeito, espiando-os por trás, como um tipo de sombra maligna...
Ele bem poderia estar passando este tempo com ela, com sua metade de cérebro preocupada com a abertura da shAdoWs, ou imaginando como andariam as coisas no s'Hisbe,
ou obcecado com o que quer que estivesse pinicando seu rabo àquela altura.
Ele jamais teria aproveitado isto, como um macho rico, de cujos bolsos os diamantes caíam simplesmente porque tinha toneladas deles em casa.
Raridade vinha de mãos dadas com a reverência.
- Eu podia me sentar aqui para sempre, - ele disse, enquanto engolia seu último pedaço - Este é o meu paraíso.
Selena olhou para ele e sorriu - O meu também.
Capítulo QUARENTA E SETE
Um pouco antes do primeiro civil chegar para sua audiência com o Rei, Paradise entregou uma pasta ao seu pai, com visível orgulho. - Eu organizei a agenda de
audiências. Penso que vai achar que facilitou as coisas para você e para o Rei.
Seu pai sorriu ao abrir a capa e viu as planilhas listando cada nome de civil, linhagem familiar, assunto corrente e qualquer histórico que Wrath precisasse
abordar.
- Isto é tão... Útil, - disse ele, ao percorrer as colunas com o dedo indicador.
- Eu achei que melhoraria o modo como as coisas estavam sendo feitas.
Ele olhou para cima - E melhorou.
- Em seguida, - ela pegou a segunda das muitas folhas de papel, - há um dossiê para cada assunto, bem mais detalhado.
Abalone fez uma careta ao revisar as anotações, e então folheou os relatórios. - Como descobriu tudo isto?
- Eu tenho minhas fontes, - ela sorriu. - Está bem, algumas informações eu peguei das páginas deles no Facebook, e outras coisas de alguns amigos.
- Isto é... Eu não sabia que ele havia emparelhado. - Seu pai entregou-lhe a pasta - Ele?
- Ano passado. Foi uma coisa discreta. - Paradise baixou a voz, mesmo estando sozinhos. - Houve comentários de que ela estava grávida.
- Ah, então agora ele quer validar o emparelhamento.
- Ela está quase dando à luz. Se eu fosse Wrath pouparia o pobre macho da indignidade de responder a muitas perguntas sobre a data real, e só lhe daria o respeito
que ele quer prover ao seu filho.
- Está tentando fazer o trabalho de seu pai? - A voz de Wrath exclamou.
Quando o Rei Cego em pessoa apareceu na arcada do salão, Paradise pulou. - Não foi minha intenção, oh, não, eu...
O Rei sorriu. - Estou impressionado com a sua linha de pensamento. Continue o bom trabalho, Paradise.
Com isto, ele e seu cão dourado atravessaram para a sala de jantar.
- Não consigo sentir meus pés, - ela murmurou.
Seu pai abraçou-a. - Você está superando todas as minhas expectativas.
Ela recuou e empurrou o cabelo para trás do ombro. - Estou gostando. De verdade.
- Você está me enchendo de orgulho.
Para esconder o seu rubor, ela sentou-se atrás do computador que já sentia como sendo seu. - Como estão as coisas em casa? Com...
- Bem. Estou muito bem, embora sinta sua falta.
- Eu podia voltar.
- Não, não, é melhor ficar aqui. - Ele enfiou a pasta embaixo do braço. - Você e Peyton se divertiram ontem?
- Ele saiu logo depois de você.
Abalone franziu o cenho. - Espero que não tenham brigado.
- Ele tem um jeito antiquado de ver as coisas.
- Ele vem de uma família tradicional.
Ela pegou uma das canetas Montblanc que havia encontrado na mesa. Batucando-a na palma da mão, puxou a saia azul marinho mais para o joelho. - Ah... Pai.
- Sim?
Respirando fundo, abriu a gaveta de cima e tirou o formulário de inscrição para o programa do Centro de Treinamento. - Pai, você me deixaria fazer algo assim?
Quando lhe entregou o papel e os olhos dele começaram a ler as palavras, ela se adiantou em completar: - Não estou dizendo que quero entrar em combate ou coisa
assim. É só que, eles estão aceitando fêmeas, e eu...
- Lutar? Isto é... Isto é para lutar.
- Eu sei. Mas, veja... - ela se levantou e apontou para uma parte no preâmbulo, - eles dizem que podem treinar fêmeas.
- Paradise.
Eeeee eis que o ponto de vista dele estava basicamente expresso na maneira que havia dito o nome dela: uma combinação de "fala sério" com "não parta meu coração".
- Você não foi feita para isto, - ele disse.
- Porque sou uma fêmea, certo? - Ela contrapôs amargamente. - O que significa, no máximo, trabalho de escritório... E somente até estar emparelhada.
- Isto é guerra. Você entende o que é na realidade? - Ele balançou o formulário. - Isto é morte pronta para acontecer. Não é um filme de Hollywood ou fantasia
romântica.
Ela ergueu o queixo - Eu sei disto.
- Sabe?
- Não sou tão ingênua quanto você acha. A família que perdeu nos ataques era meu sangue também, Pai. Meus amigos morreram. Eu sei o que é.
- Não, Paradise, não vou permitir. - Ele se abaixou e jogou o formulário no lixo. - Não é para você.
Sem mais uma palavra, ele se virou e saiu, de alguma forma conseguindo fechar a porta oculta na cara dela, mesmo que os painéis continuassem em seu bolsões nas
paredes.
Throe se materializou a cerca de oitocentos metros da casa para onde Abalone ia todas as noites.
O localizador GPS que Throe havia colocado no bolso externo do casaco de pele de camelo do macho, havia funcionado como um sonho. E a vizinhança abastada era
admirável.
Nada mal, nada mal mesmo.
Caminhando com passos casuais, analisou as casas enquanto seguia na direção aonde o sinal de seu celular o enviava. Na verdade, o termo apropriado para as residências
ali seria mansões. Estes lugares eram grandes demais para serem meras casas: vários andares, espaçosos, afastados da rua, todos com uma iluminação noturna dramática
enfatizando seus exteriores, como se os humanos ricos que morassem ali não aguentassem pensar que seus status pudessem ser ignorados durante as horas noturnas.
Enquanto prosseguia, teve de controlar a frustração. Sentia falta da luta, mais do que imaginara. De fato, a falta de derramamento de sangue, de qualquer tipo,
era uma chocante insatisfação. Quando se juntara ao Bando dos Bastardos, ficara horrorizado com toda aquela agressão e violência. Mas, após vários séculos, o clima
de guerra passara a ser o que considerava normal.
A mansão de pedra que vinha a seguir era afeminada, uma versão modernizada e melhorada da pilha medieval de rochas onde o Bando dos Bastardos morava no Antigo
Continente, e ele parou em frente, avaliando. Figuras se moviam dentro, atravessando janelas emolduradas por camadas pesadas de tecidos enquanto as luzes de dentro
iluminavam reflexos de ouro e prata na parede.
E, subitamente, não pensava mais no antigo covil de Xcor.
Ele se lembrava de onde viera, suas verdadeiras origens de privilégio e riqueza.
Na busca por vingar sua irmã, ele se vendera ao diabo. Agora, do outro lado da barganha, estava pobre, sozinho e sem nenhuma perspectiva.
A única coisa que o movia, era a sua ambição.
Pelo menos havia combustível suficiente para movê-lo pelos meses de inverno que chegariam.
Throe voltou a andar, o frio cortando através do casaco de couro que vestia, ainda manchado da matança que executara noites atrás.
Antes que tudo mudasse.
A casa que era o seu alvo apareceu à esquerda, do outro lado da rua. Era grande e histórica, uma mansão federal branca com estrutura óssea de verdadeira beleza,
cuja manutenção somente os muito abastados poderiam bancar em uma velha propriedade: Nada de tinta descascando ali. Sem arbustos altos demais. Sem telhados ou pórticos
danificados.
Ao contrário das outras, não havia como espiar para dentro.
As cortinas estavam todas fechadas e eram tão pesadas que não dava para ver nem luzes através delas. Não havia carros na entrada, mas esperou, escondendo-se
atrás de uns arbustos, então captou a visão de dois indivíduos se aproximando da porta da frente... Mesmo sem terem chegado à casa de nenhum jeito motorizado apropriado.
Porque eram vampiros que haviam se desmaterializado no lugar.
Dez minutos depois, teve outra visão. Quinze minutos depois daquilo, mais duas.
Eram discretos e nem todos usavam a porta da frente... Sem dúvidas, para evitar suspeita.
Throe verificou o celular, apesar de saber que a locação estava correta. Sim, Abalone estava ali.
Mantendo-se nas sombras, ficou um pouco mais, não por ter qualquer plano específico de invadir, pelo contrário, ainda tinha de formulá-lo. Sua ambição, por mais
forte que fosse, ainda não era um motor em funcionamento, ele tinha de reconhecer o terreno, descobrir fraquezas, definir estratégias.
Um carro virou a esquina e desceu a rua.
Quando passou pelo poste de luz do outro lado da rua, viu que era um Rolls Royce, preto com o típico capô claro da marca.
E lá estava ele, sem um automóvel.
De fato, sua falta de perspectivas era um problema.
Como ele ia arregimentar recursos? Perguntou-se. Como ia se sustentar enquanto construía alianças?
A resposta, quando veio, foi tão óbvia, que era como se o destino iluminasse um caminho em meio a escuridão para ele. Sim, pensou, aquele era o caminho...
Um momento depois, voltou às acomodações mais generosas de Abalone com um sorriso no rosto.
Capítulo QUARENTA E OITO
Em seu leito de hospital, Luchas entrava e saía da consciência, ondas de dor atravessavam seu corpo, deixando-o quase sem sentidos. Quando já não aguentava mais,
remexeu a mão que ainda tinha dedos. Encontrando a campainha para chamar ajuda, pressionou-a com o polegar até seu ouvido registrar um bip.
A porta foi aberta e a Dra. Jane entrou, - Luchas?
- Minha perna... - ele gemeu. - Dói.
Ela se aproximou, verificou os equipamentos, o acesso intravenoso e só Deus sabia mais o quê. - Eu vou te dar algo para a...
- A infecção... - balbuciou ele, virando a cabeça de um lado para outro. - Minha perna...
Seu plano havia sido definhar, mas, ao invés disto, parecia ter decidido se matar se enfiando em uma fogueira: primeiro com os pés, seguidos pelo seu tornozelo
quebrado e a panturrilha.
Em um jorro súbito de loucura, ele se sentou e começou a afastar os lençóis. A Dra. Jane segurou os seus ombros e tentou deitá-lo novamente, ao mesmo tempo,
em que alguém entrava no quarto. Qhuinn, era o seu irmão.
- Luchas, Luchas, pare...
Era Qhuinn, se aproximando, tentando prender suas mãos, e forçá-lo a deitar. Não era uma luta justa. Ele estava fraco, tão fraco... E então pôs-se a levitar,
uma súbita sensação de leveza substituindo a sensação de ardor que antes havia lá embaixo.
Olhando para o lado, viu Dra. Jane retirando uma seringa do tubo plástico transparente enfiado em seu braço.
O rosto de Qhuinn apareceu acima do seu, aqueles intensos olhos incompatíveis. - Luchas, relaxe. Estamos com você.
- Minha perna...
A droga executava a sua mágica, acalmando-o como se seu corpo tivesse sido afundado em uma banheira morna. A dor ainda estava lá; ele só não se importava mais
com ela.
- Está piorando, - ouviu-se dizendo. - A infecção... Achei que estaria morto a esta altura.
- Luchas...
Algo sobre a aparência do irmão foi registrada, algo sobre seu tom de voz, a tensão em sua boca e olhos.
- O quê? - Luchas disse - O quê?
Qhuinn olhou para a Dra. Jane como se esperasse pela proverbial cavalaria que viesse salvá-lo.
- Luchas, - disse o irmão - Eu precisava salvá-lo.
Salvá-lo? Mas, qual era o ponto disto tudo. Ele queria morrer. - O quê?
- Eu a autorizei amputar a perna. Para salvar sua vida.
Luchas ficou silencioso. Devia ter ouvido errado, a tradução apropriada do que fora falado deve ter sido atrapalhada pelos analgésicos que lhe deram.
- Era a única chance. Estávamos te perdendo.
- O que você fez comigo? - Disse ele lentamente - O que você...?
- Acalme-se.
Luchas elevou-se dos travesseiros, um indescritível horror fazendo todo o seu sangue sumir da cabeça. Olhando para a parte inferior de seu corpo, viu que os
lençóis finos revelavam os contornos da coxa, joelho, panturrilha e pé de sua perna esquerda... Mas, somente a coxa e joelho da direita.
Com um berro, procurou pelo que devia estar ali, puxando os lençóis, arrancando-os como se, de alguma forma, escondessem o que não estava mais lá.
- O que você fez? - Virou-se para o irmão, agarrando sua camiseta, puxando, apertando com os dedos que lhe restavam. - Que porra você fez?
- Você ia morrer.
- Porque eu queria! Como pôde?
Ele bateu em Qhuinn, o punho voando de forma ineficaz, a mão arruinada estapeando.
Qhuinn não se defendeu. Ele só permitiu que batesse... Não que o ataque tenha sido forte. E Luchas não durou muito. Logo sua energia se exauriu, e ele caiu de
volta no travesseiro, o peito magro arfando para cima e para baixo, sangue escorrendo de seu acesso intravenoso, os olhos entrando e saindo de foco.
E, ainda assim, o membro que não estava lá, doía.
- Saia, - disse ele de forma entorpecida. - Não quero te ver de novo.
Virando o rosto para a parede, ouviu uma conversa sussurrada, e então a porta se abriu e fechou suavemente.
- Como está seu nível de dor agora? - Dra. Jane perguntou.
- Por que ela dói...? - Murmurou ele. - Vocês a arrancaram.
Deus, agora estava ainda mais aleijado, mais uma parte do que ele havia sido, e havia tido, se perdera.
- É chamado dor do membro fantasma. Mas, a sensação é muito real.
- Foi você... Foi você quem a cortou?
- Sim.
- Então saia daqui também. Eu não autorizei...
- Você estava morrendo...
- Eu não quero ouvi-la. Saia.
Houve uma pausa, então ele detestou o modo como ela olhou para ele, cheia de gentileza, preocupação, cuidados.
- Com o tempo, Luchas, você vai se sentir melhor...
Ele virou a cabeça - Você me negou minha morte. Você mutilou o meu corpo como uma açougueira, sem minha permissão. Então, me desculpe se não tenho interesse
nenhum em nada do que tenha a me dizer.
A médica fechou os olhos brevemente. - Mandarei Ehlena aqui com alguma coisa para você comer.
- Não se preocupe. Você só adiou o inevitável. Eu mesmo vou terminar o serviço.
Luchas mexeu no acesso intravenoso enfiado em seu braço, puxando-o até a coisa sair, o líquido claro e sangue vermelho espirrando para todo canto...
Pessoas vieram correndo por cada porta que havia ali, correndo em pânico, agarrando-o, falando alto. Lutou contra elas, se contorcendo e empurrando, lutando
para se manter em pé, apesar da perna e pé perdidos.
Alguém deve ter lhe dado outra injeção, porque, de repente, seu corpo relaxou. Mesmo que o cérebro ordenasse todo tipo de movimento, nenhum membro correspondia.
Quando seus olhos reviraram, ele viu a imagem de Qhuinn parado na porta, seu corpo amplo, forte e saudável, boqueando o caminho.
Bem podia ser a porta para o Fade que o macho bloqueava.
- Eu odeio você! - Luchas gritou. - Eu te odeio!
De volta à casa de audiências do Rei, Rhage estava na sala de jantar, em pé com as costas apoiadas nas portas fechadas, os braços cruzados sobre o peito. A maior
parte da Irmandade estava na sala, atulhando o ar com energia cinética demais.
Wrath estava sentado em sua poltrona, as pernas cruzadas com o tornozelo sobre o joelho, a cabeça do cão em seu colo. - Ele está atrasado. Aquele filho da puta
está atrasado.
Rehv anuiu do local onde estava, na frente da lareira e esfregando as mãos, como se sentisse frio. - Ele virá.
- Tenho pessoas para ver.
Hollywood verificou o relógio de pulso. - Quer que eu vá buscá-lo? Posso jogar um laço de corda nele e arrastá-lo para cá pelo pau...
A campainha da porta soou com um toque, e V entreabriu a cortina da janela do outro lado. - Falando do diabo.
- Me deixem recebê-lo. - Rhage murmurou ao sair.
- Ele não está sozinho. - V rosnou.
- Nem eu.
Fechando a porta, atravessou o salão. - Paradise. - Quando a garota ergueu os olhos da mesa, ele sorriu para ela. - Vou fechar sua sala por um segundo. Me faz
um favor e fique aqui até eu te chamar?
Os olhos bonitos e grandes dela ficaram ainda maiores. - Está tudo bem?
- Sim, mas quero que fique aqui.
- Está bem. É claro.
Ele piscou para ela - Boa garota. E tranque a porta depois que eu sair, está bem?
- Claro.
Encostando a porta, ele esperou até ouvir a fechadura de bronze ser trancada pelo lado dela, e então foi até a porta da frente. Abrindo-a, deu um olhar de cima
abaixo em Assail. O cara era tão bem vestido quanto Butch, roupas de alfaiataria, tudo combinando, ajustando-se como se a merda houvesse sido desenhada em seu corpo.
Por trás dele, um par de caras idênticos estavam parados, lado a lado. O fato de que também usavam folgadas roupas pretas, duh.
Ele só podia imaginar o poder de fogo que havia escondido sob aqueles casacos.
- Pensei que viria sozinho, - disse ele.
- Seu Rei queria conhecer minha equipe. Aqui estão, meus primos.
Rhage se inclinou. - Esta não é sua equipe inteira, é?
- Posso te garantir que estes dois são os únicos que uso.
Rhage deu um passo para trás e indicou para entrarem no vestíbulo. - Preciso revistá-los.
- Estamos armados até os dentes.
- Não brinca.
Quando os três entraram um após o outro, Rhage apontou para uma imensa bandeja de prata na mesa, sob um espelho dourado. - Coloque-as ali. E certifiquem-se de
se livrarem de todas as armas. Se eu achar algo, vou ficar muito puto.
Clink... Clink... Clink... Clank... Clank...
Rhage não queria ficar impressionado, mas, tinha de lhes dar algum crédito. Belas armas e muitas lâminas afiadas.
- Você primeiro. - disse para um dos gêmeos.
O outro deu um passo à frente. - Comece por mim. Meu irmão é um pouco agitado.
- Com é? Será que não li o memorando onde te nomearam o chefe, saco de bosta? - Ele meneou a cabeça na direção do Sr. Impaciente para que se aproximasse e o
revistou. - Pronto, agora quer um pirulito por ter sido tão corajoso? Agora você, com a sua lista de exigências, venha aqui.
Ele despachou o número dois, e então se aproximou de Assail, que estivera assistindo ao show como uma cobra.
- Belo perfume. - Hollywood murmurou ao jogar os braços do cara para cima, e começar a apalpar um tórax surpreendentemente musculoso. - Onde conseguiu estes,
toma bomba?
- Você é sempre assim, rude? - Assail perguntou, em um tom enfastiado.
- Você é a segunda pessoa a me perguntar algo assim nas últimas quarenta e oito horas. - Ele chutou os chiques sapatos italianos do cara para afastar mais as
pernas. - Se tem um problema comigo, registre uma queixa no setor de departamento pessoal.
- Quanto profissionalismo.
Rhage endireitou-se após revistar a parte inferior do corpo do cara. - Para sua informação, Vishous, filho de Bloodletter é nosso chefe de RH. Ele prefere reclamações
feitas pessoalmente. Boa sorte com isto.
Terminado com os três, ele dirigiu-se até as portas fechadas da sala de audiências, sabendo que o seguiriam. Abrindo bem as portas, afastou-se para o lado e
viu os filhos da puta entrarem um atrás do outro.
- Assail. - Wrath resmungou. - Nos encontramos de novo.
- E desta vez, sem tiros, - o traficante respondeu.
- Por enquanto. - Um dos Irmãos murmurou.
Os olhos de Assail passaram pela multidão reunida. - Bela proteção você tem aqui.
Wrath deu de ombros. - Eu tinha a escolha de colecionar eles ou bibelôs de porcelana. Foi uma escolha difícil.
- A que devo a honra desta intimação de comparecimento?
- Rehv? Explique você, já que conhece o assunto.
O devorador de pecados se afastou da lareira e sorriu como se estivesse a ponto de devorar algo. - Temos motivos para acreditar que você esteja participando
do mercado de drogas em Caldwell.
Assail não hesitou. - Eu jamais escondi meus negócios.
- Já viu isto antes?
Quando Rehv jogou um pacote no ar, Assail pegou a coisa e analisou. - Heroína.
- O símbolo é seu, não é?
- Quem disse?
Rhage falou. - Encontramos alguns destes com um lesser no clube que por acaso pertence a um amigo nosso.
Wrath sorriu friamente ao abaixar a mão para acariciar o pelo dourado do seu cão-guia. - Então você pode ver como isto nos coloca em uma situação estranha. Você
está usando um inimigo para distribuir seu produto. Não está?
De novo, Assail não demonstrou qualquer reação. - E se estiver, qual o problema?
- Você está enchendo o bolso deles de grana.
- E...? Daí?
- Não seja fodidamente ingênuo. Com que porra você acha que irão gastá-lo?
- Noite passada, - Rhage disse, - nos metemos em um fogo cruzado entre o Bando dos Bastardos e alguns lessers. Adivinha o que os mortos-vivos estavam ostentando?
AK-47. É a arma com maior poder letal que já vimos nesta cidade desde os ataques.
Assail deu de ombros e ergueu as mãos. - E o que isto tem a ver comigo? Sou um homem de negócios...
Wrath endireitou-se na poltrona. - Seu negócio está pondo em risco a vida de meus garotos. E isto me tira do sério, imbecil. Então o seu negócio passa a ser
meu.
- Você não tem o direito de me impedir.
- Se vocês três não conseguirem sair daqui vivos, acho que será fim de jogo, não acha?
Em uníssono, cada irmão na sala sacou uma adaga. Rhage preparou-se para algum tipo de explosão, mas, Assail continuou tão frio quanto um pepino. Ele não se agitou,
não piscou, não tentou justificar. Talvez o filho da puta não tivesse sistema nervoso central.
- O que você achou que iria acontecer, - Wrath disse, - quando eu descobrisse? Achou que eu só ia deixar a porra desse conflito grande correr solto?
Houve um grande período de silêncio.
Finalmente, Assail baixou a cabeça. - Está bem. Eu vou parar negociar com eles.
As narinas de Wrath se expandiram como se avaliassem o aroma do macho. Um momento depois, disse, - Bom, agora dá a porra do fora daqui. Mas, saiba que se eu
encontrar qualquer merda destas em um lesser sequer, vou atrás de você e não vai ser para conversar.
Rhage franziu o cenho, mas quando Wrath indicou a saída, abriu a porta e observou os três saírem, irem até as armas misturadas na bandeja e sanarem sua deficiência
de ferro. Então, saíram pela porta e da propriedade.
- Ele mentiu. - Wrath disse, de forma sombria.
- Sabia que estava fácil demais. - Rhage murmurou. - Por que permitiu que fossem?
- Quero que vão atrás dele. - Wrath indicou Rhage e V. - Os dois. Se matarmos Assail agora, não encontramos o seu fornecedor e não temos como garantir que a
Sociedade Lessening perca todo o acesso ao produto. Siga aquele filho da puta, descubra onde ele consegue aquela merda, e então faça com que o inimigo não tenha
nada para vender em Caldwell. - O Rei inclinou-se para frente em sua cadeira. - E então, ponham uma bala no peito de cada um daqueles três.
- Sem problemas, meu senhor. - Rhage olhou para V, que acenou de volta. - Considere feito.
Capítulo QUARENTA E NOVE
Movendo-se rapidamente, mas não rápido demais, maichen percorreu os corredores vazios do palácio, em direção à câmara ritual da Rainha. De tempo em tempo, passava
por guardas, outras serviçais, mesmo um Prime ou dois. Ninguém prestou atenção alguma nela.
Porque estava escondida sob o disfarce de seu humilde álter ego.
Se qualquer um deles soubesse quem estava sob aquele manto azul pálido, seria uma grande comoção.
Ao invés disto, quando chegou ao seu destino, os guardas parados à esquerda e à direita mal olharam para ela. Eles estavam exaustos, no final de seus turnos,
e era por isto que aquele horário havia sido bem escolhido.
- Limpeza para a Rainha. - Disse ela, com uma reverência respeitosa.
Eles abriram a porta, e ela esgueirou-se para dentro.
O espaço sagrado era todo de mármore preto, do chão ao teto, e não havia nada que diminuísse o perturbador efeito de estar rodeada por toda aquela brilhante
escuridão: não havia tapetes, móveis, somente alguns armários embutidos no canto onde a comida era armazenada e substituída. A iluminação vinha de lamparinas com
chamas nos pavios, os óleos especiais sendo consumidos lançavam um brilho verde esbranquiçado.
Ela não olhou em volta. Ela há muito havia aprendido a não fazer isto.
Havia algo aterrorizante no quarto, especialmente se passasse um tempo considerável nele. Quanto mais se sentasse em seu confinamento, mais se perdia o senso
de orientação, até não ter mais certeza se as quatro paredes e tudo embaixo e acima havia desaparecido e você se localizava no meio de uma grande noite escura, suspensa
sem gravidade, em outra dimensão que não se sabia se jamais te libertaria.
Ela odiava aquele aposento.
Mas, havia sido compelida a ir ali.
Sua mãe, a Rainha, sentava-se no centro de tudo aquilo, virada para o norte, vestida de negro que cintilava e caía no chão à sua volta, cascateando desde sua
cabeça encoberta, para se unir com o mármore.
Até que parecesse que as pedras haviam se tornado líquidas e tentavam consumi-la.
Sua mãe estava imóvel, nem respirava.
Ela estava em plena meditação do luto.
Aquilo era bom.
maichen foi até o canto e abriu uma das portas do armário sem fazer nenhum ruído. Nenhuma das refeições que haviam sido deixadas ali mais cedo foi tocada. Outro
sinal positivo.
Em menos de uma hora, à meia-noite, o Sumo Sacerdote, AnsLai, se apresentaria ali junto com o Astrólogo Chefe e executariam rituais, onde fragmentos de meteoritos
seriam esmagados e consumidos em chás sagrados, como modo de comungar com as estrelas que determinavam tudo para os Sombras. Então haveria derramamento de sangue
e a cópula ritual. Após isto, a Rainha seria deixada novamente para se afastar das coisas terrenas, e encontrar consolo para seu sofrimento.
Sofrimento?
Era difícil acreditar que a fêmea realmente sentisse qualquer coisa por aqueles a quem dava à luz.
Agora, certa de que o ritual estava ainda em progresso, de fato, maichen recuou até a porta. Antes de atravessá-la, olhou para a mãe. Sua vida inteira, ela vira
a fêmea somente em ocasiões formais, quando maichen era trazida para ser exibida na corte cheia de nobres bem vestidos, mais como um vaso precioso ou obra de arte.
Preservada para aquelas exibições, que eram para o bem do Território, ela vivia em aposentos sagrados, cercada de guardas.
Ela jamais havia sido visitada pela fêmea que, imediatamente após o parto, havia a entregado para uma equipe especialmente treinada, naquela suíte de quartos
que era uma prisão.
Era assim a vida da Princesa do s'Hisbe.
Mas, ela havia encontrado um modo de fugir.
E andara vagando pelo palácio desde então, disfarçada de serviçal, uma sacerdote menor, mesmo um astrólogo.
maichen esgueirou-se e energicamente se afastou.
Nada como descobrir que s'Ex, o amante favorito da mãe, tinha um encontro com duas fêmeas humanas, quem ele, evidentemente, havia trazido escondidas, provavelmente
pela entrada traseira. maichen não tinha intenção de descobrir o segredo dele, mas ela havia descoberto que havia uma fresta no alto do muro, e aprendera que, caso
se desmaterializasse ali, poderia viajar pelo sistema de aquecimento e dutos de ar-condicionado.
Por um período, aquilo não passou de um jogo para passar o tempo, e não havia descoberto nada com sua espionagem. Mas, uma noite, aquilo mudara, quando, em sua
forma Sombra, ela havia olhado para baixo através de uma das frestas, e tivera sua primeira e única visão do ato sexual.
Embora... Bem, havia uma porção de partes de corpos.
Ela não tinha muita certeza do que tinha visto.
Ela deve ter feito algum barulho ou algo assim, porque s'Ex havia congelado e olhado para cima, encontrando seu olhar, mesmo enquanto as humanas continuavam
a se mover e se esfregar nele...
s'Ex viera à sua cela logo depois, e eles fecharam seu pequeno acordo. Em troca de não revelar o que havia visto e de não mais usar os sistema de ventilação,
seria permitido a ela sair dos aposentos, desde que ficasse dentro do palácio e sempre se disfarçasse.
A indiscrição de s'Ex bem podia lhe custar a vida: os Sombras acreditavam que o sexo era um ato sagrado. E a Rainha teria ficado furiosa de saber que certas
partes do corpo dela haviam sido, tecnicamente... Expostas... Às partes de corpos de humanas por conta dos deslizes de s'Ex.
Supostamente, aquele macho deveria ser somente dela. Todo mundo sabia daquilo.
E aquelas mulheres humanas? Era mais ou menos como estar com ovelhas naquela cama dele.
Conforme maichen caminhava, percorrendo corredores, seu estômago começou a revirar. Conforme ia crescendo, lhe havia sido concedida uma privacidade relativa,
de forma que ela podia mandar todos os atendentes para fora de seus aposentos... E ela havia exercitado este privilégio mais uma vez aquela noite: antes de ir verificar
se a mãe estava, de fato, em ritual de luto, havia dito às suas servas para saírem do quarto, já que estava exausta do estresse e desejava um pouco de privacidade
enquanto executava a sua parte do ritual.
Nenhuma delas havia questionado. E ninguém voltaria até o amanhecer. Seria fácil usar o sistema de tubulação para escapar para o mundo. Encontrar com o irmão
de seu destinado.
E...
Bem, ela não sabia o quê.
Estrelas do céu, ela ia mesmo fazer aquilo? Ela não estava exatamente certa de saber onde ficava a cabana que ele havia mencionado.
Não, isto era tolice. Estúpido. Descuidado...
Uma imagem de iAm em pé, nu à sua frente, transpassou-a. Quando seu corpo começou a se esquentar de dentro para fora, ela percebeu que, apesar de tudo o que
sua mente estava lhe dizendo, sua carne ia fazê-la ir.
Ela iria... Deus a ajudasse... Estava indo.
E lidaria com as consequências, quais pudessem ser, mais tarde.
Capítulo CINQUENTA
Trez precisava admitir: em se tratando de Storytown, ele só era bom nos brinquedos de criancinhas. Coisas como Xícaras Malucas, e o Rabo do Dragão, que eram
passeios em que não se elevavam do chão e mal causavam uma brisa no rosto, e a porra do carrossel, com sua música de elevador e aqueles cavalos e unicórnios de assento
duro, empalados, subindo e descendo.
Falando em empalação e movimentos repetitivos...
- Está pronta para ir para casa? - Ele perguntou.
Selena olhou para ele. - Estou. Foi tão divertido.
- Eu sei, certo? Melhor noite da minha vida.
Ela se inclinou para o corpo dele, dando-lhe um apertão. - Isto não é totalmente verdade. Achei que você ia enlouquecer naquela montanha-russa.
Ele parou. Virou-a para ele. Afastou o cabelo do rosto dela. - Eu estava com você. Então foi perfeito.
O beijo era para ser um daqueles gestos de "eu-venci-a-discussão", uma afirmação rápida de que estava certo no que dizia. Mas ele vinha desejando-a a noite inteira
e, antes de perceber, ele teve de erguê-la, os seios espremidos contra seu peito, os quadris agarrados por suas mãos, a língua acariciando a dela.
- Quer sair daqui? - Ele resmungou de novo.
- Sim, - ela disse, contra a boca dele.
Provavelmente já era mesmo hora, pensou, com uma rápida verificada no relógio. - É, já são onze e quinze.
Mesmo que seu pau estivesse ansioso para mandar ver, ele não quis perder a caminhada até onde o carro estava estacionado. Com o braço em volta dos ombros dela,
e os passos sincronizados, percorreram os caminhos de volta por todos os brinquedos onde andaram, passaram pela mesa azul de piquenique onde comeram o cachorro quente
e hambúrguer, pela barraquinha de algodão doce onde haviam comprado um cone grande açucarado azul, estilo cabelo da Marge Simpson, que ofereceram um ao outro, aos
pedaços.
- Faltou um bichinho de pelúcia... - disse ele.
- Comprar um? Oh, eu não preciso...
- Não, ganhar um para você. Tipo, em um estande de tiro ao alvo.
Ela lhe deu um olhar por sob as pálpebras. - Eu sei como pode se redimir. Lembra-se de comer aquele algodão doce?
- Sim...
- Sua língua pareceu muito jeitosa...
Enquanto todo tipo de imagens sagradas do corpo dela nu com as coxas separadas o atingiam, teve de se perguntar se não haveria um motel no caminho para casa.
- Deus, queria que fosse verão... - ele grunhiu.
- Oh?
- Daí eu poderia te levar para um canto escuro e baixar essas suas calças.
- Você poderia fazer isto agora, sabe.
Ele parou. - Está frio demais.
- Está? - Ela pegou as mãos dele e puxou-o - Olhe ali. Não há luzes. Estaremos abrigados.
Estariam mesmo, o Centro de Visitantes, cujas luzes estavam apagadas, pois o parque estava fechado e só abrira para eles, era uma instalação em forma de estrela,
com entradas múltiplas irradiando do corpo central, criando bolsões de escuridão densa e privativa.
- Ninguém vai ver, - ela sussurrou, contra a garganta dele.
Sem nenhuma luz exterior, o canto para o qual ela o levou estava preto como carvão, e o sexo dele despertou antes mesmo do cérebro. Virando-a para encará-lo,
beijou-a com força e pressionou-a contra a divisória pintada, as mãos explorando sob a parka e em busca dos seios. Seus mamilos ficaram eriçados ao beliscá-los por
cima do sutiã e blusa, provocando e acariciando-os enquanto enfiava as suas coxas entre as dela.
- Porra, eu quis fazer isto a noite toda. - Ele disse antes de tomar os lábios dela de novo.
Ela estava quente e fluida sob suas mãos e contra seu corpo, pronta, tão fodidamente pronta, assim como ele. Ele queria-a totalmente nua, havia algo fodidamente
excitante na ideia dela nua e ele totalmente vestido; além disto, seria capaz de tomar seus mamilos nos lábios. Mas, estava frio demais para isto e, além disto,
tinha em mente uma rapidinha naquele lugar escondido, desde que ninguém mais pudesse vê-la naquele estado, toda gloriosamente desnuda e gostosa como o inferno.
O macho vinculado nele poderia resolver despedaçar algum pobre Bom Samaritano humano com as presas.
Não exatamente o final romântico para a noite que ele tinha planejado.
Suas mãos desceram até a cintura das calças dela e rapidamente desabotoaram, baixaram o zíper e fizeram deslizar. Elas eram apropriadas para serem usadas com
botas, ainda bem, então uma das pernas deslizou pelo sapato dela, sem enroscar, como um sonho.
- Quer que eu tire as calcinhas? - Ela perguntou com a respiração pesada.
- Não, vou te foder com elas.
E assim fez. Ele agarrou o traseiro perfeito dela e suspendeu-a do chão, enroscando-a ao redor de seus quadris. Acariciou-a por trás, sentindo como estava pronta,
como estava quente, como estava desesperada.
Ele queria passar a noite toda ali. Ao invés disto, afastou a delicada peça de seda para o lado e...
- Oh, Deus, Selena... - ele sibilou.
Úmida e quente, apertada e vital, a penetração o abalou e o manteve firme ao mesmo tempo. Quando começou a se mover, segurou-a pelo traseiro e puxou-a para frente
e para trás. O cabelo dela estava em seu rosto; o aroma em seu nariz; ela era uma maré esmagadora na qual ele desejava se afogar.
Mais rápido. Mais forte.
Ela gozou primeiro e ele amou aquilo, os movimentos internos rítmicos ordenhando-o ainda mais. E, então, ele também se jogou na montanha-russa onde queria andar
por toda a eternidade, seu pau espasmando por dentro dela, o orgasmo levando-o a uma união de almas.
Ao acabarem, ele arfou contra ela até começar a se preocupar por estar sufocando-a. - Sinto muito.
- Mmmm. - Ela buscou sua boca, sugando seu lábio inferior e mordiscando-o - Mais.
Instantaneamente, ele ficou pronto de novo, mas, mesmo quando seu quadril já começava a ondular, teve de parar. - Em casa. - Ele grunhiu. - Precisamos fazer
isto em casa.
- Ainda preocupado com o frio? - Ela murmurou, correndo uma presa pela mandíbula até a jugular dele. - E aqui estou eu, me sentindo tão quente.
Trez gemeu e cambaleou nas botas. - Sou guloso. Quero mais acesso a você do que consigo aqui.
O riso dela foi como uma carícia sobre sua pele nua. - Então, definitivamente, me leve para sua cama.
Foi difícil ajudá-la a voltar a vestir aquelas calças. Particularmente ao se ajoelhar no chão e ficar cara a cara com o sexo dela.
Cerrando os dentes, de alguma forma, ele conseguiu vesti-la e guardar o próprio pau atrás do zíper sem dar uma de homem das cavernas para cima dela. Então saíram
apressados e deselegantemente das sombras, com cara de "não estou fazendo nada demais", antes de trazê-la de volta para o seu lado.
- Isto foi tão incrível, - ela sussurrou. - Ainda consigo senti-lo dentro de mim.
Trez começou a andar engraçado. Era isto ou quebrar um órgão que seria impossível engessar.
Ao chegarem ao carro, já estava calculando o tempo estimado exato de viagem até seu quarto, assumindo que ele fosse a duzentos e cinquenta quilômetros por hora.
Ei, era um Porsche, certo?
Abrindo a porta para ela, ele ajudou-a a sentar e fechou a porta, e então correu para o para o lado do motorista. No segundo em que sua bunda atingiu o assento,
ligou o motor.
- Oh! Frio! - Ela gritou.
O aquecimento estava ligado quando ele desligara tudo, e agora aquele sopro poderoso estava fazendo-os congelar. Ambos se inclinaram para frente, apertando vários
botões e alavancas...
Música explodiu pelo sistema de som do carro, graças à estação de rádio Sirius, e antes que ele pudesse desligar a coisa, começou a tocar a música "Hold You
Down", do DJ Khaled.
- Espere, - ele disse. - Não, deixe tocar.
Saiu do carro, e voltou novamente para o lado dela, abriu a porta e estendeu-lhe a mão. - Dance comigo.
- O que?
- Dance comigo, minha rainha.
Arrancando-a do assento, levou-a para frente do Porsche, para a luz dos faróis, puxando-a para bem perto. Juntos dançaram, os corpos se movendo lentamente com
os dedos entrelaçados, a batida transformando o estacionamento e a área aberta do parque de diversões em um salão de baile particular.
- Para sempre... - ele murmurou contra ela, cantando. - Eu te abraçarei...
Trez baixou a cabeça até pousá-la sobre o ombro dela, de modo que seu corpo muito maior estava todo em volta dela, envelopando-a, protegendo e amando-a.
Juntos, dançaram de um lado para outro, à luz dos faróis.
Da torre de segurança, iAm observou o irmão retirar novamente Selena do carro e levá-la para frente do veículo. Não havia como saber a música que estava tocando,
e também não importava. Só observar os dois juntos, se movendo como um só, ao som da música, abraçando-se tão fortemente, era suficiente.
iAm precisou esfregar os dois olhos para poder clarear a visão.
Era malditamente difícil olhar.
Virando-se para o outro lado, perambulou em volta do espaço apertado e pensou no quanto Trez devia ter odiado subir tão alto, com nada além da visão panorâmica
e a queda para o chão no que se concentrar. O macho sempre odiara altura, a ponto de ter sido um milagre conseguir convencê-lo a comprar um apartamento no décimo
oitavo andar do Commodore.
Ele estava observando a montanha-russa quando, alguns minutos depois, seu celular vibrou no bolso da jaqueta de couro. Ele tirou a coisa.
Hora de ir. Era só o que a mensagem dizia.
Quase imediatamente uma segunda chegou, de seu irmão: Muito obrigado.
Trez nunca escrevia palavras completas em mensagens de texto. Então, ele realmente devia estar sendo sincero.
iAm hesitou na resposta. Então mandou : Feliz em ajudar. Vj vc em casa.
Ia guardar a coisa no bolso de novo, quando hesitou, pensando em enviar um: Prcs rslvr umas coisas.
Era uma mensagem que já enviara um milhão de vezes nos últimos anos. E de fato, estava sendo sincero. Ia verificar o restaurante e os clubes, como estavam funcionando,
se alguém precisava de alguma coisa.
Era exatamente o que precisava fazer em seguida. E exatamente o que o impediria de ir àquela maldita cabana.
Hora de ir.
Sem ninguém mais ao redor para testemunhar o ato, ele estava livre para se desmaterializar para onde estacionara o BMW X que ele e o irmão dividiam. Um momento
depois, o Porsche foi liberado pelo portão lateral e ele o seguiu a uma distância discreta, pelo estacionamento vazio de dois acres... Assim como Manny, em uma ambulância
convencional.
Em todo o caminho de volta ao Complexo da Irmandade, iAm manteve em mente aquela imagem de seu irmão e Selena, os dois dançando na frente do carro, como um casal
de adolescentes.
Que pena estarem em um livro do John Green.
Quantas noites mais eles teriam, se perguntou.
Merda, ele se sentia mórbido pensando assim, mas havia um relógio correndo. Com cada hora que passava, era mais provável que Selena tivesse outro surto.
E, então, que porra ele ia fazer com o irmão?
Jesus Cristo, Trez ia ficar incontrolável.
Com pensamentos felizes como estes inundando sua mente, perdeu a noção do tempo, e antes de perceber ter cruzado qualquer distância, eles subiam a elevação coberta
de mhis até a mansão, Manny havia desviado, para entrar com a ambulância pela entrada dos fundos.
Com sorte, Selena jamais saberia das precauções que haviam tomado em relação à ela.
Teria sido broxante. Como poderia não ser?
iAm foi cuidadoso em manter distância ao se aproximarem da última curva em frente à mansão, dando à Trez tempo para levá-la para dentro. Quando finalmente entrou
no gramado, foi até a fonte e estacionou ao lado do GTO de Rhage.
Que não ia ficar lá fora muito tempo. O Irmão sempre o levava para garagem nos meses de inverno.
O Porsche de Manny estava na base da escada, com a capota erguida, a chave sem dúvida em vias de ser devolvida ao médico para que também pudesse levá-lo para
a garagem do Centro de Treinamento.
iAm desligou o BMW. Saiu e trancou mesmo sem ser necessário.
E ficou parado ali fora.
Olhando para o céu, viu a respiração que saía de sua boca se elevar e desaparecer. Aquela imagem de Trez e Selena dançando, era como um cão com os dentes fincados
em sua matéria cinzenta, a memória se recusava a esmaecer; e não era, ele estava envergonhado de admitir, só porque pensava em tudo o que o irmão estava arriscado
a perder, ou por ele se preocupar com como recolheria os pedaços do triste bastardo do chão quando as coisas terminassem mal.
Ao invés isto, ele se perguntava...
Merda, ele estava se perguntando qual seria a sensação. De abraçar uma fêmea junto a seu corpo. Ter o cheiro dela em seu nariz e as mãos dela em seu ombro, cintura,
quadril. Ele queria saber como era erguer o rosto dela para o seu e...
Okay, ele precisava parar com aquilo.
Porque nada daquilo iria acontecer com ele. Não agora. Não em meia hora, se fosse para aquela cabana. Não daqui uma semana ou um mês...
Como se fosse um sinal, a brisa gelada aumentou de intensidade. Como se o universo quisesse destacar todo o frio e solidão que ele enfrentava.
O som da porta do vestíbulo sendo aberta chamou sua atenção. Ele gostava de Manny, mas não precisava do cara saindo para manobrar o carro, encontrando-o ali.
Não era o bom médico.
Trez saía da casa. Descia os degraus correndo. Cruzava o gramado.
Merda.
iAm colocou a mão sobre o celular caso precisasse ligar... A quem porra fosse. - Ei, ela está...
Ele não chegou à parte do "bem".
Seu irmão o agarrou em um abraço de urso. - Muito obrigado por esta noite.
De início, iAm não soube como responder. Ele e seu irmão não se abraçavam com frequência.
- Eu fiquei tão feliz por você estar lá. Significou muito para mim.
iAm pigarreou - Eu, ah...
Trez apertou mais o abraço.
Cautelosamente, iAm colocou os braços ao redor de Trez. O movimento pareceu esquisito, mas, quando finalmente abraçou o cara em retorno, sentiu o irmão estremecer.
Sinto muito, cara ,ele disse, em sua mente. Eu não queria isto para você.
O vento frio continuava a soprar, e após um longo momento, eles se separaram.
Trez havia tirado a jaqueta, então enfiou as mãos nos bolsos das calças - Eu recebi sua mensagem. Me sinto mal de ter jogado tudo isto nas suas costas.
- Tudo bem.
- Não está, não.
- Trez, você precisa ficar ao lado dela e tomar conta de sua fêmea. Esta é a coisa mais importante. O resto é só conversa.
Aqueles olhos escuros se focaram em algo acima do ombro esquerdo de iAm. Ou talvez o que quer que estivesse acima de seu ouvido.
- Eu realmente não sei porque você está aqui fora, perdendo tempo comigo. - iAm murmurou.
- Você merece muito mais do que isto.
- Acontece que eu gosto do meu emprego no Sal's.
Seu irmão fitou-o fixamente. - Não é o que quero dizer, e você sabe.
iAm juntou-se ao clube de Enfiadores de Mãos nos Bolsos Anônimos. - Chega de falar. Volte para sua fêmea.
Trez era um teimoso filho da puta, capaz de atos tremendos de negação. Mas iAm, como sempre, convenceu-o.
O macho se virou, mas, andou somente metade do caminho até a entrada da mansão, antes de parar e olhar por sobre o ombro.
- Não desperdice sua vida inteira comigo, okay? - Trez balançou a cabeça. - Eu não valho a pena, e você merece muito mais do que isto.
iAm revirou os olhos. - Pare de pensar. Volte a andar.
- Pergunte a si mesmo o que será de você quando eu me for. Se for honesto, não acho que vá gostar da resposta mais do que eu gosto. E poupe-me dos seus "tudo-vai-ficar-bem".
Nenhum de nós é tão ingênuo.
- Por que está se distraindo com isto? Sério, Trez.
- Não é uma distração. É o tipo de merda que te come vivo quando se ama alguém.
Dito isto, Trez continuou a andar, subindo os degraus de pedra e desaparecendo através da porta do vestíbulo.
iAm fechou os olhos e se apoiou no SUV. Ele não precisava daquele pequeno monólogo do irmão na sua cabeça naquela hora. Ele realmente não precisava.
Capítulo CINQUENTA E UM
As mãos de Selena estavam rígidas.
Em pé, perto do balcão da cozinha da Irmandade, ela tentava abrir uma lata de Coca, e viu que seus dedos se recusavam a agarrar o lacre direito. Ao invés de
puxar a aba de metal para liberar, eles tropeçavam no topo.
Enquanto todos os tipos sinais de aviso soavam em sua cabeça, controlou o pânico, lembrando a si mesma que havia passado três horas no frio, sem luvas.
Fazendo alguns exercícios de abrir e fechar as mãos, ela soprou-as, então balançou os braços. Estalou os dedos. Tentou não começar a procurar por outros problemas
em outros lugares do corpo.
Pessoas com a sua doença ainda podiam ter início de hipotermia.
Ela encarou a lata de novo, seu coração trovejando enquanto observava a uma grande distância, ao tentar o lacre de novo. Ela olhou para suas mãos e dedos desapaixonadamente,
como se fizessem parte do braço de outra pessoa, se movessem pela ordem do cérebro de outra pessoa.
Crack! Fizz!
Ela exalou e teve de se apoiar no granito para se firmar.
- Você está bem?
Encobrindo o alívio, sorriu quando Trez entrou, vindo da sala de jantar. - Só estava pegando um refrigerante. Estou com sede.
- Como está o seu estômago?
- Muito bem. E o seu?
Quando ele se aproximou, ela teve a impressão de que ele também escondia alguma coisa. E foi um choque descobrir que, apesar de seu discurso de ser a grande
mantenedora da verdade após seu último Aprisionamento, ela queria que ele mantivesse o seu segredo, do mesmo modo que queria manter o dela: eles tiveram uma noite
tão maravilhosa; a última coisa que precisavam era arruiná-la com uma conversa pesada que só exporia problemas que não podiam ser resolvidos, e questões não iam
ser respondidas até que fosse tarde demais.
- O estômago está bem.
Ela forçou um sorriso. - Gostaria de subir?
- Seria ótimo.
Pegando o refrigerante, ela aceitou a mão que ele ofereceu a ela e saiu com ele pela sala de jantar e para o saguão. A casa estava essencialmente vazia, os
Irmãos no trabalho, Wrath atendendo aos civis, Beth, Marissa e Mary no Lugar Seguro, Bella de babá do P.W. e de Nalla lá em cima no novo berçário, os doggens cumprindo
suas funções.
Tudo aquilo ia continuar, ela pensou, quando se fosse. Todas as portas se abrindo e se fechando, cardápios seriam planejados e consumidos, pessoas viveriam
suas vidas.
Querida Virgem Escriba, ela queria ficar com eles. Ela não queria partir para o que bem poderia ser um nada absoluto, uma completa dissociação de quem ela era
e o que lhe importava agora e de como se sentia e o que pensava.
Desapareceria. Não restaria nada.
Ela havia sido treinada, na verdade, programada, para acreditar na vida após a morte, para servir à Mãe da Raça e aderir às tradições que nem estabelecera,
nem se voluntariara para seguir. E tudo aquilo, sem questionar.
Chegando agora, ao fim da vida, ela desejava ter questionado, desafiado e elevado a voz.
Tanto tempo desperdiçado.
Quando começou a subir as escadas com Trez, pegou-se imaginando por que, se existe um Fade e as pessoas continuavam lá em cima; por que então a Virgem Escriba
demandava que tudo na Terra fosse registrado no Santuário? Por que todos aqueles volumes e volumes de vidas vividas... Se após a morte as pessoas ainda existiam,
só que de forma diferente?
Era preciso preservar somente o que era perdido.
Seu coração começou a trovejar, um súbito terror a dominou...
- Oh, merda. - Trez suspirou.
Claramente ele leu sua mente. - Não sei o que estou pensando. Provavelmente besteira...
Ele estendeu a mão livre para o corrimão e oscilou.
- Trez! Qual o problema?
- Merda. Porra. - Ele olhava para ela, mas, seus olhos estavam fora de foco. - Pode me ajudar a chegar ao quarto? Não consigo ver...
- Querida Virgem Escriba, vou chamar a Dra. Jane!
- Não, não, é só uma enxaqueca, - ele endireitou-se com a ajuda dela. - Não tenho muito tempo. Tenho de subir para um quarto escuro e deitar.
- Vou chamar a Dra. Jane...
- Não, como já te disse, tive essas crises a vida toda. Eu sei o que está por vir. Vai ser o inferno por oito horas, mas não pode realmente me machucar.
Selena tentou apoiar o máximo do peso dele que conseguia, enquanto cambaleavam até o patamar do segundo andar e então seguiam para a porta que levava ao terceiro
andar. Seu corpo grande se movia com lentidão, e a certa altura, ele desistiu totalmente de tentar enxergar, aqueles olhos dele se fecharam.
De alguma forma, ela conseguiu levá-lo ao quarto e à própria cama.
- A escuridão vai ajudar, - ele disse, colocando o antebraço sobre o rosto. - Pode aproximar aquela lixeira?
Andando pelo quarto, ela apagou todas as luzes, exceto a do banheiro e certificou-se de que houvesse um recipiente perto da cama. - Quer que eu tire suas roupas?
- Okay. Sim.
Não era exatamente a experiência pela qual ela estivera ansiando, mas então, seu humor já estava arruinado mesmo antes daquilo. E quando ela cumpria a tarefa,
ela foi oh, tão cuidadosa com ele, ajudando-o com a jaqueta, então tirando as botas e meias e livrando-o das calças.
- Eu vou ficar de camiseta. Não tenho energia para tirar, - ele pegou a mão dela e a fez sentar-se ao seu lado. - Não é a maneira que eu imaginei terminar a
noite.
Ela beijou a palma da mão dele. - O que mais posso fazer por você?
- Só me deixe deitado aqui pelas próximas seis ou oito horas. E não se preocupe, como eu disse, tudo isto da dor de cabeça à náusea, é normal. Infelizmente.
- O que causa estas crises?
- Estresse.
- Quer que eu ligue para o iAm?
- Merda, não. Ele já tem muito problema na cabeça. Na verdade, acho que é por causa dele que fiquei assim.
- Tem algo errado com ele?
Quando Trez silenciou, ela quis pressionar, mas ele estava doente.
- Você não precisa ir, - ele disse.
- Não quero te perturbar.
- E não vai. - Ele esfregou sua mão com as dele, e os lábios, a única coisa que estava à mostra, abriu-se em um sorriso. - Amo suas mãos. Eu já te disse isto,
não? São tão suaves e macias... Dedos longos...
Um pouco mais tarde, ele exalou um gemido suave, sua boca contorcendo, o corpo tenso. E então, começou a engolir.
- Preciso que você saia, - ele murmurou. - Desculpe... Não quero que veja isto...
- Tem certeza...
- Por favor. Agora.
Era a última coisa que queria fazer, mas levantou-se. - Estou por perto, okay? Não vou sair da casa. Me chame se...
Ele se inclinou para o lado e buscou o balde. Pairando por sobre a coisa, abriu os olhos e fitou-a com um olhar esgotado. - Você precisa sair agora.
- Eu te amo, - ela disse, correndo para a porta. - Queria poder ajudar.
Ela não teve certeza se ele ouviu esta última parte, ao se esgueirar para fora, e bem quando fechou a porta, os sons dele vomitando a fizeram estremecer.
Por uma fração de segundo, pensou que podia acampar no corredor em frente à porta. Mas, então, enquanto debatia aonde iria se sentar no chão, percebeu que não
conseguia largar a maçaneta.
Sua mão havia congelado no bronze.
- É claro que não vou parar. Não seja burro.
Enquanto falava com seus primos na cozinha da casa de vidro, Assail estava em um péssimo humor, e afundava cada vez mais na ira diante do interrogatório de
Ehric.
- Mas o Rei...
- Não tem nenhum direito de interferir nas questões de comércio que concerne a humanos, - ele convenientemente evitava pensar ou comentar a questão sobre o
conflito de interesses. - E não tenho intenção nenhuma de obedecer àquela ordem dele.
- Então o que vai fazer?
- Ele vai nos vigiar. É o que eu faria se fosse ele. Quero que vocês dois avisem meu sócio. Nós suspenderemos as operações por um breve período e faremos um
reconhecimento.
- Está bem.
Após os dois saírem, ele ficou na cozinha de forma que, qualquer Irmão que estivesse vigiando a casa o tivesse em visão plena. Retirando o seu vidrinho de cocaína,
descobriu que estava, de novo, quase vazio, mas pelo menos havia o suficiente para um "tiro".
Quando terminou de inalar, dirigiu-se ao escritório do outro lado de sua casa. Ali também havia janelas de vidro, e ele acendeu a luminária da mesa para que
pudessem mantê-lo sob vigilância. Sentando-se, olhou para a pilha de papéis que produzira. Contas de investimento. Contas de corretagem. Grana nos Estados Unidos
e no estrangeiro.
Aumentando, aumentando, aumentando.
A fortuna ao seu dispor havia tido uma guinada há cerca de um mês, o dinheiro lavado nas Ilhas Cayman transferido para contas mais legais entre o Reino Unido
e Suíça.
Tanto dinheiro, e todo montante acumulando juros, dividendos e apreciação.
Quando começara no negócio das drogas, logo após chegar à América, vindo do Antigo Continente, há cerca de um ano, ele já vinha bem estabelecido até para seus
próprios padrões. Agora, havia o dobro daquele montante em suas várias contas.
Pegando uns papéis aleatoriamente, olhou para o relatório de fechamento de mês. O relatório diário que ficava em seu computador era ainda mais recente.
A despeito de sua riqueza, a ideia de Wrath estar se metendo em seus assuntos o enfurecia até a medula.
Mas, não por um motivo que ele pudesse admitir a qualquer um.
Sem isto... Ele não tinha nada.
O que havia começado como uma extensão de seus negócios europeus, havia crescido até se tornar a razão de seu viver, o único propósito que tinha na vida, o
único motivo que o fazia sair da cama ao anoitecer, se vestir e sair pela porta.
Para ser justo, ele sempre gostara de ganhar dinheiro.
Mas desde o último inverno...
Praguejando, ele se inclinou em sua poltrona de couro e colocou a cabeça entre as mãos. Então sem olhar, ele remexeu no bolso da jaqueta e pegou o celular.
Ele há muito, havia memorizado o número de Sola. Mas não tinha ligado. Não desde que ela se mudara com a avó, de Caldwell para Miami. Não desde que ela saíra
dali exatamente para fugir do tipo de vida criminosa que ele levava.
Em seu telefone, acionou o teclando digital numérico. Como havia feito tantas vezes antes, ele apertou a sequência de dez números, um após o outro, os dedos
seguindo o padrão conhecido.
Não, ele não tinha ligado. Mas, regularmente, fazia isto: dez dígitos que estavam longe de serem aleatórios para ele, discados em seu celular... E deletados
antes de apertar o botão verde.
Se o Rei tirasse seu modo de vida? Então, ele não teria porra nenhuma para fazer, exceto encarar o fato de que a única mulher que desejava, estava totalmente
fora de seu alcance.
Mulher. Não fêmea.
Ela era humana, não vampira. Inferno, ela nem mesmo sabia que vampiros existiam.
E aquele era o problema. Mesmo que ele parasse com o negócio das drogas? Não era como se pudesse ir até Miami, aparecer na frente da porta dela, e chegar tipo,
Ei! Vamos retomar de onde paramos!
Não ia acontecer... Porque cedo ou tarde, a espécie dele ia descobrir e então para onde eles iriam?
Por alguma razão, a imobilidade e silêncio de sua casa de vidro pesaram, lembrando-lhe exatamente quão sozinho ele estava, e ficaria se parasse com os negócios.
Inferno, seus primos não iam ficar contentes em vê-lo sentado por aí, lamentando a fêmea por quem não estavam apaixonados, ele os perderia também.
Deus, ele era bem patético, não era?
Resumindo, o que ele iria fazer?
Com a cocaína borbulhando em suas veias, seu cérebro fez uma matemática básica baseada em uma ideia totalmente absurda.
Que ainda assim, oferecia-lhe uma bela solução para tudo aquilo.
Endireitando-se em seu assento, franziu o cenho e olhou em volta da sala, seus olhos vagando enquanto seu cérebro desenvolvia o plano. Quando não achou mais
falhas, deletou os dígitos de Sola da tela de seu celular e discou para Ehric. Quando caiu no correio de voz, imaginou que eles ainda estariam desmaterializados.
Um segundo depois, seu celular tocou e ele atendeu, sem se importar em cumprimentar. - Já entregou o símbolo para ele?
A resposta de Ehric foi abafada pelo vento que soprava rio abaixo. - Acabamos de chegar.
- Espere por ele. Não revele sua posição.
Assail continuou com as instruções e, ao final de tudo, a resposta de Ehric foi perfeita, - Como quiser.
Assail encerrou a chamada e voltou a afundar-se na cadeira. Respirando fundo, praguejou. Aquilo ia dar um trabalho danado. Mas, era a única solução que parecia
haver.
Além disto, o fato de que isto o consumiria por um futuro considerável? Era exatamente o que queria. E se não funcionasse? Bem, então estaria morto e não se
importaria com mais nada.
Nem mesmo com a mulher por quem ansiava com cada centímetro do seu corpo e todo o seu coração bastardo e sombrio.
A mãe dela havia acertado com aquele nome dela.
Marisol havia mesmo lhe roubado a alma.
Capítulo CINQUENTA E DOIS
iAm não queria que as palavras de Trez o atingissem mais do que a brisa gelada, quando estava em pé no gramado. Ele planejara entrar, comer algo rápido e esquecer
que toda a interação ocorrera. Cuidar de seus negócios. Ir aos clubes e ao restaurante. Cuidar de papelada, assumir o controle, tomar algumas decisões concretas
e sólidas.
Ao invés, estava preso no saguão, olhando para cima, para o teto alto que havia sido pintado por algum grande artista. Ele achava que a intenção da pintura era
inspiradora: heróis em garanhões veneráveis, guerreando nas nuvens, guerreiros celestiais que eram bravos e fortes e estavam ao lado dos justos.
Mas, toda aquela glória não era o motivo de ele estar em modo de pausa.
O destino de Trez era um jogo de cartas, uma coisa delicada e complicada que teria de ser resolvido pelos dois. Cada movimento que iAm fizesse, teria de ser
cuidadoso, deliberado e calculado com o objetivo de sobrevivência.
A sobrevivência de seu irmão.
Ele era um virgem de centenas de anos por causa disto.
Inferno, ele não havia sequer olhado para uma fêmea, tipo, nunca.
Enquanto Trez fodia com elas nos clubes, ou assistindo pornô na TV, ou falando sobre o que havia feito em cima da mesa, no banco traseiro do carro, do lado de
fora da porra do estacionamento, iAm jamais teve interesse em nada daquilo.
Ele havia sido um fodido filho da puta.
Um filho da puta não fodido, melhor dizendo.
E sim, ele tentara a coisa toda pelo lado gay, imaginando que talvez, pudesse se sentir atraído por homens e machos.
Não.
O que o levava ao ponto de, se não fosse pelo fato de ter de lavá-las todas as noites, ele teria se perguntado se sequer tinha bolas.
"Pergunte a si mesmo o que será de você quando eu me for. Se for honesto, não acho que vai gostar da resposta, mais do que eu gosto."
Sem estar consciente de ter tomado uma decisão, iAm virou-se e atravessou o vestíbulo. Na varanda da frente da imensa mansão cinzenta, ele parou sob o vento...
... E saiu voando.
Em uma jornada rumo ao seu destino, pedaços do passado o atingiam: Trez escapando do palácio. iAm sendo mantido preso até prometer trazer o macho de volta...
Que era a última coisa que ele realmente tinha intenção de fazer. A caçada louca.
A cabana na Montanha Black Snake.
Quando iAm retomou forma, teve uma náusea momentânea ao pousar na estrutura envelhecida, com seu tapume áspero e irregular, suas telhas de cedro e aquela chaminé
de pedras que se erguiam do teto como um dente podre. Parecia... Exatamente igual. Bem, não exatamente igual, com as janelas diferentes, arbustos crescendo ou árvores
tendo caído ou crescido demais.
Não, por uma fração de segundo, não soube sequer se estava ali agora mesmo ou se tinha voltado ao passado.
Sacudindo-se, andou até a porta da frente. As dobradiças rangeram ao abrir a casa e, pelo menos ele estava melhor preparado para o que viu.
Precisamente o mesmo. Da disposição desleixada dos móveis, ao cheiro de fogo velho, aos esboços dependurados pelas paredes.
Ele fechou a porta atrás de si e circulou, as botas fazendo o assoalho nu estalar e gemer. Perto da lareira de pedra, encontrou um generoso suprimento de toras,
achou que os últimos caçadores que usaram o lugar tentaram ser bons cristãos e passaram a bênção adiante.
Suas mãos tremiam ao jogar toras na lareira e agulhas de pinheiro por baixo. Tirando o isqueiro que sempre trazia consigo após ter trabalhado com diversos fogões
temperamentais, acendeu a coisa, abanou, e avivou as chamas.
Disse a si mesmo que era perda de tempo e calor. Ela não viria. Não havia jeito de ela vir.
Ele só ficaria por ali por cerca de meia hora, bancando a testemunha para os pensamentos sombrios de seu cérebro que enveredavam em território perigoso, e então
apagaria o fogo e voltaria para Caldie.
Os clubes. Ele iria aos clubes primeiro, e então...
O som daquela porta rangendo ao se abrir deixou-o rígido.
O aroma da maichen invadiu o interior da sala.
Virando a cabeça em sua direção, ele ergueu os olhos. Lá na porta, estava ela em carne e osso, suas vestes revoando no vento gelado que soprava por trás.
Ela não passava de um fantasma... E sua vitalidade era comovente.
Quando ele olhou para ela, soube exatamente porque ambos tinham vindo.
Capítulo CINQUENTA E TRÊS
Selena andou lentamente pelo longo túnel que levava ao Centro de Treinamento. Um passo de cada vez, da base da escada curta que levava à passagem subterrânea
à porta que abria para o armário do escritório. Cada vez que tinha de digitar uma senha para atravessar alguma porta, esperava que a sua consciência a fizesse mudar
de ideia. A reviravolta ocorrer. A urgência de dar meia volta se manifestar.
Ao invés disto, acabou não só emergindo na área de trabalho de Tohr, mas, atravessando as portas de vidro e saindo para o corredor de concreto que ficava mais
além.
A clínica ficava cerca de vinte e sete metros abaixo, e havia uma coleção de portas anunciando todo tipo de destinos alternativos que se apresentavam: salas
de levantamento de peso, ginásio, vestiário.
Seus pés não pararam diante de nenhuma delas.
Não, eles a levaram direto ao único lugar que ela resolvera jamais retornar voluntariamente.
Sua batida foi suave, uma oportunidade para que não houvesse resposta ou por não haver ninguém lá (ponto!) ou por estarem ocupados ajudando a outra pessoa (triste,
mas também um alívio) ou tão imersos no trabalho que não a ouviram (o que era como deixar uma mensagem de voz para alguém com quem você nem queria mesmo falar).
Dra. Jane abriu a porta. E fez um recuo estilo uou-ei! - Selena, oi.
Ela ergueu a palma da mão, desajeitadamente - Oi.
Houve uma pausa. E então a médica disse, - Está aqui em visita social ou precisa...
- Você deve estar bem ocupada, certo.
- Na verdade, depois de trabalhar quase três dias diretos, eu só estava atualizando os prontuários médicos. - A fêmea lhe deu espaço - Entre, se quiser.
Selena se preparou, pisou na soleira. Tentou desesperadamente não olhar para a maca de exames.
Enquanto isto, a Dra. Jane se afastou e sentou-se em um banquinho rolante, ajeitou o jaleco e cruzou as pernas. O uniforme que usava por baixo era azul. Os Crocs
eram vermelhos.
Os olhos dela eram verde-floresta. E estavam muito sérios.
Selena começou a perambular, mas, para todo lugar que olhava, só o que via eram gabinetes de aço inox com portas de vidros com instrumentos de tortura dentro.
Aturdida, olhou para a porta para o corredor, que estava se fechando sozinha, lenta e silenciosamente.
Como a tampa de um caixão.
- Ei, - Dra. Jane disse, - eu estava mesmo a ponto de esticar as pernas. Quer vir comigo dar umas voltas no ginásio?
- Oh, Deus, sim. Obrigada.
As duas saíram juntas, passando várias portas e muitos, muitos metros de corredores. Ao chegarem ao destino, a Dra. Jane abriu a pesada porta de aço e ligou
as luzes do teto.
- Eu sei que é estranho, mas adoro este lugar. - Jane disse. - A madeira com esta bela cor amarelo-mel e tudo cheira a desinfetante cítrico. O que é meio doido
porque odeio produtos químicos no ar, ou nas coisas.
Quando a médica iniciou a caminhada em volta das quadras de basquete, Selena teve quase certeza que ela ia a passos lentos de propósito.
Elas seguiram pelo lado curto, embaixo da cesta, e para a curva à esquerda para ao longo das arquibancadas, antes de Selena dizer alguma coisa.
- Eu acho... - Lágrimas inundaram seus olhos e ela percebeu que estava morrendo de medo.
- Temos todo o tempo que precisar. - Dra. Jane disse, suavemente.
Selena limpou os dois olhos. - Tenho medo de falar sobre isto. Como se, caso eu falasse...
- Você está tendo algum sintoma?
Ela não conseguia falar. Mas, viu-se acenando - Eu acho... Sim.
Dra. Jane emitiu um som de mmm-hmmm - Quer me dizer quais?
Selena estendeu a mão, a que ficara congelada na maçaneta, e estendeu os dedos. Ao flexionar, abrindo e fechando, sua mente caiu em uma corrida desenfreada de
Será que pioraram? Será que melhoraram? Estão na mesma?
- Suas mãos? - Quando tudo o que ela fez foi anuir de novo, a Dra. Jane perguntou - Mais algum lugar?
Pelo menos desta vez ela conseguiu negar com a cabeça.
- Você se lembra, - a médica disse, - se quando um ataque veio antes, se teve algum prodromal?
- O que é isto?
- Algum tipo de sinal de alerta?
Selena esfregou os olhos de novo e limpou as mãos nas calças. Trez possuíra seu corpo não mais do que meia hora antes. Com uma onda de agonia, ela quis voltar
àquele momento, de volta ao tempo antes de sua doença se manifestar.
- Eu não sei. Não me lembro de jamais ter notado algo. Mas, antes... Eu costumava ignorá-lo o máximo que podia. Eu não queria pensar nisto. - Ela olhou para
a médica. - Eu sinto muito não ter voltado para vê-la, sabe, depois que eu...
Dra. Jane fez um gesto no ar. - Deus, garota, não se preocupe com isto. Não há regras e você tem de fazer o que sente que é certo. As pessoas precisam controlar
as próprias vidas.
- Há alguma coisa que pode fazer por mim? Qualquer coisa... Que eu devesse fazer?
A médica levou um tempo para responder. - Eu vou ser direta com você, está bem?
Ah, sim. Não havia nada a fazer. - Eu agradeceria.
- Nas últimas quarenta e oito horas, muitas pessoas procuraram uma solução. Manny contatou seus colegas humanos. Eu falei com Havers. Rehv foi ao território
Symphath... E recebi uma mensagem de texto de iAm dizendo que iria ao s'Hisbe.
- Nada?
- Havers só sabia de pacientes que enfrentam episódios isolados, artrites que afetam mãos ou joelhos, quadris ou ombros. Nada com sintomas sistêmicos tão severos
como os que você apresenta. Ele trata os pacientes com anti-inflamatórios e analgésicos, mesmo que tenha testado algumas drogas humanas, não teve nenhum resultado
relevante na prevenção ou cura. E nem os Symphaths ou os Sombras tinham conhecimento neste assunto.
Manutenção. Era o máximo que poderia esperar.
- Pode me dizer quanto tempo eu tenho?
Dra. Jane negou com a cabeça. - Posso analisar seus marcadores inflamatórios. Mas não tenho realmente nada com o que compará-los... E os ataques vêm rápido,
pelo que entendo. Isto sugere um surto súbito, como um terremoto.
Elas continuaram a circular o ginásio, descendo, descendo, descendo até o canto oposto, onde havia uma porta onde estava escrito: SALA DE EQUIPAMENTOS E PT.
- Acho que devíamos voltar para você verificar minhas... Sabe, - Selena circulou o ar próximo a ela com a mão, - coisas inflamatórias.
- Podemos, se quiser. Mas, acho que a coisa mais importante é fazer seja lá o que te deixe mais tranquila e calma.
- Está bem. Está certo.
Um momento depois, sentiu a Dra. Jane pegar sua mão e apertar. E ao encará-la, se surpreendeu ao ver emoção no rosto da médica. Essa tristeza austera, uma dor
que ia fundo.
Selena fez a outra fêmea parar. - Não é culpa sua.
Aqueles olhos verde-floresta fitaram a cavernosa extensão do ginásio, sem focar em nada - Eu só... Quero ajudar. Quero te proporcionar o restante de seus muitos,
muitos e muitos anos de vida. Quero que você viva. E o fato de não encontrar uma solução... Eu sinto tanto, Selena. Sinto tanto... E vou continuar lutando. Vou continuar
tentando, buscando...
Pareceu a coisa mais natural do mundo passar o braço ao redor da mulher e abraçar.
- Sinto muito. - Dra. Jane soluçou.
Mais tarde, Selena iria perceber...
... Que aquela era a primeira de suas despedidas.
maichen havia demorado para encontrar a cabana. A Montanha Black Snake havia sido fácil. Lado leste do pico também não havia sido um problema. E detectar o aroma
do fogo deveria ser simples, porque mesmo quando em forma molecular, seu olfato era forte e não havia nada mais claro do que fumaça em uma noite de outono. Ainda
assim, havia sido difícil. Ela havia viajado pelo ar, buscando, buscando...
Estava a ponto de virar e voltar, uma tristeza dolorida dominando-a por dentro... Mas então aquela fumaça havia se erguido pela brisa e ela havia disparado em
seu encalço, rastreando a força do aroma, focando em sua fonte.
E lá estava a cabana que ele havia mencionado.
Ela havia se aproximado como uma Sombra, permanecendo em sua forma de energia, sobrevoando o chão sujo, contornando a estrutura pequena e simples... Certificando-se
de que era, de fato, ele e somente ele.
Retomando forma, se aproximou da porta e bateu. Quando não houve resposta, ela abriu.
Ele estava perto da lareira, agachado, avivando as chamas.
Instantaneamente, o corpo grande levantou-se, e a luz tremeluzente criava uma aura detrás dele.
Quando ela entrou, o vento bateu a porta e a batida a assustou.
- Está frio aqui, - ele disse, rudemente, - estou tentando aquecer.
Vê-lo era suficiente para fazê-la esquecer-se de tudo o que a cercava. Ela podia estar em um deserto, no oceano, em uma calota polar e não teria registrado coisa
alguma.
- Aproxime-se, - ele acenou com a mão. - Do fogo.
O corpo dela obedeceu sem hesitação, só que foi até ele que ela andou, não para as chamas. E quando parou ao seu lado, ele se afastou como se não quisesse oprimi-la.
- Deixe-me arrumar um lugar para você se sentar.
Antes que ela pudesse dizer que não se incomodasse, ele foi até uma plataforma de dormir e puxou o acolchoado do topo com alguns cobertores. Com mãos firmes,
arrumou tudo e então voltou a se afastar.
O sexo que emanava dele era irresistível.
Por mais frio que estivesse tentando se mostrar, mais respeitoso que estivesse sendo, ela podia sentir a necessidade nele.
Sim, ela percebeu... De fato, era por isto que ela havia arriscado tanto para vir aqui.
Ela também o desejava. Mesmo que isto fosse criar uma crise. Mesmo que fosse irresponsável. Mesmo que não fizesse sentido.
Ela seguira as regras a vida inteira. Mas não havia responsabilidade ou dever que lhe fosse tão impossível resistir, e seu tempo de relativa liberdade estava
se esgotando.
Baixando-se para o sofá improvisado, ela cruzou as pernas sob seu manto pesado. - Por favor. Sente-se comigo.
- Tem certeza que quer que eu faça isto? - Ele se avolumou à sua frente, seu rosto sombrio absorvendo aquela luz lúdica.
- Sim, - ela sussurrou.
Ele ajoelhou-se, seus olhos semicerrados se movendo pelas vestes que a cobriam do topo da cabeça até a sola do pé.
- Você me deixará vê-la? - Disse ele, em voz profunda.
maichen engoliu em seco. Então ergueu as mãos para a malha que cobria seu rosto, mas, para segurar a máscara no lugar. - Tenho medo.
- Do que?
E se ele não gostasse do que visse?
- Eu já sei que você é linda, - disse ele, como se pudesse ler sua mente.
- Como?
Ele tocou o centro do peito amplo. - Eu te vejo aqui. Eu te conheço... Aqui. Você é muito bonita para mim, não importa sua aparência.
Profundamente consciente de tudo o que não lhe contara sobre si mesma, ela sussurrou, - Nós não conhecemos um ao outro.
- Isto importa para você?
- Não.
- Nem para mim. - Ele franziu o cenho e olhou para o fogo. - As últimas noites, com tudo o que aconteceu comigo e meu irmão... Foram uma revelação. Não quero
mais perder tempo. Quero viver a minha vida, ao invés de pairar pelo pesadelo da zona neutra dele, esperando o machado descer.
- Seu irmão... Ele jamais voltará ao Território? Dizem... Que ele se recusa a cumprir o seu dever, mesmo que a Rainha tenha decretado que após o luto...
Ela teve de parar. A ansiedade era grande demais.
Ela supostamente devia se emparelhar intocada.
E isto não ia acontecer.
Mas, o que o Consagrado poderia fazer a ela? Ambos estavam sendo forçados ao emparelhamento, e a tradição ditava que ele era essencialmente propriedade dela.
Um protesto dele será como uma cadeira discutindo com quem se senta sobre ela.
iAm negou com a cabeça. - Depois de Trez perder Selena, o jogo acaba... E francamente, aquela Princesa? Ela não vai querer o que vai sobrar dele, não a menos
que ela curta necrofilia. Ele vai estar morto, estando em vida, ou em um túmulo.
maichen baixou a cabeça. Ela jamais deixara de saber sobre o emparelhamento que a aguardava. Ele fizera parte da sua criação, a espera pelo Consagrado que havia
sido destinado pelas estrelas para ser seu companheiro procriador, e que com ele e através dele, ela asseguraria que a linhagem de sua mãe continuaria a governar
o s'Hisbe.
Predestinada. Escrito nas sagradas estrelas.
Ela havia aceitado o que era seu dever do mesmo jeito que aceitava tudo em sua vida, de sua casta à solidão, à perpétua sensação de que estava perdendo tanto,
embora não por sua própria escolha.
Ela pigarreou. - Eu imagino que a Princesa poderia libertá-lo, se pudesse. Ela não ia querer ninguém sofrendo, muito menos alguém que perdeu uma fêmea de valor.
- Você a conhece?
- Eu já a servi.
- Como ela é? - Antes que ela pudesse responder, ele ergueu a mão. - Na verdade, não preciso saber...
- Acho que ela diria que está tão presa na armadilha como seu irmão. Acho... Que ela também é uma prisioneira do destino.
Ele esfregou o rosto. - Isto realmente me faz odiá-la menos. Acho que nunca pensei em como tudo isso seria para ela.
- A ela foi revelado qual seria o seu destino, do mesmo modo que como a ele. Ela não teve nenhuma escolha nisto.
iAm solto um riso ríspido. - Talvez eles possam mandar a Rainha se foder. Se ambos se recusarem a jogar o jogo, pode ser que seja o fim. Não que isto impeça
meu irmão de perder sua amada.
- Mas, as estrelas revelaram os destinos deles.
Aquele olhar escuro voltou à ela. - Você crê nisto? Digo, acha realmente que o alinhamento de um punhado de planetas desinteressados, a um milhão de anos-luz
deveria ser usado como um mapa para a vida das pessoas? Eu não.
- É assim há gerações. - Ela disse, em voz fraca.
- Isto não o torna correto. De fato, torna tudo ainda mais ofensivo. Pense no quanto foi arruinado.
O peito de maichen se contraiu quando ele disse em voz alta as coisas que ela andara pensando desde que aprendera que, há muitos anos atrás, o macho com quem
ela iria emparelhar achara seu destino tão desagradável que fugira do Território sob ameaça de morte e sob punição de expulsão.
- Chega deste papo, - ele disse. - Não foi por isto que viemos. Foi?
Os olhos dela se cravaram nos dele sob a malha. - Não, não foi.
O olhar dele voltou para suas vestes, como se em sua mente, ele já estivesse despindo-a.
O coração dela começou a martelar de novo, as mãos começaram a suar. - Eu preciso que saiba que eu jamais... Eu não...
- Nem eu.
Ela recuou. Não pôde evitar. Ele era tão másculo, tão belo, tão...
- Mudou de ideia? - Ele interpelou. - Não é nada sexy, é?
- Como é possível? - Ela se espantou. - Você é tão phearsom.
Houve uma pausa. E então, sem aviso, ele jogou a cabeça para trás e riu. O som saiu tão inesperado e... Cativante... Que ela quase se afastou, surpresa, de novo.
Quando ele voltou a olhar para ela, sorriu pela primeira vez. E tirou-lhe o fôlego.
- Este foi o melhor elogio que eu já recebi.
Ela sentiu-se sorrir sob a malha... Mas, então, ele ficou sério de novo, e ela também.
Não haveria retorno, ela pensou. Se ela não saísse agora, antes de ele tirar seu capuz... Ela não sairia até tudo acabar.
As mãos de maichen se ergueram para sua máscara, sua decisão tomada.
Agarrando a barra da malha, começou a erguê-la. Ansiedade fazia seu coração falhar batidas, mas, ela não parou... Ela não pararia.
Os planetas não deveriam governar as escolhas dos vivos ou o legado dos mortos, ela pensou quando o ar mais frio atingiu sua garganta, sua mandíbula... Sua boca.
Ela estava escolhendo isto.
Ela escolhia ele.
Capítulo CINQUENTA E QUATRO
iAm sentia-se como se suspenso no tempo enquanto o rosto da maichen ia sendo revelado centímetro a centímetro. Os lábios dela eram cheios e profundamente vermelhos,
a pele suave e ligeiramente mais escura do que a dele, as maçãs do rosto altas e salientes...
Ele parou de conseguir formular qualquer pensamento quando os olhos dela se revelaram.
Olhos profundos e cílios espessos, eram de um brilhante verde iridescente. Mas, então, ela estava emocionada e aquele era um dos sinais disto, uma característica
dos olhares dos Sombras.
Talvez os dele estivessem assim também.
E então os cabelos. Profundamente ondulados, flutuavam de sua cabeça e caíam pelos ombros e as costas. Era tão longo que não dava para ver onde terminava.
Ela era, bem simplesmente, a coisa mais extraordinária que ele já havia visto.
Ela era tanto exótica, porque ele vivia entre humanos por tantos anos que perdera as feições de seu povo, quanto completamente normal, porque sua beleza e cores
eram naturais.
- É um crime você andar coberta, - ele sussurrou.
O rubor que subiu pelo pescoço dela fez as presas dele se alongarem, e as mãos se curvarem de necessidade de tocá-la.
- Verdade? - Ela suspirou.
- Juro pelo meu sangue.
Como se o olhar dele lhe desse coragem, ela afastou a malha, e continuou a se despir, liberando a fivela de bronze na clavícula e deixando a primeira camada
de tecido deslizar pelos seus ombros.
Ela era de constituição delicada, mas, também era toda fêmea, e por mais que ele tentasse não se apegar à aparência de seu corpo, seus olhos se recusavam a se
desviar.
Aquela veia pulsando na lateral do pescoço dela era um convite a uma mordida.
O volume de seus seios era uma súplica por um toque.
O aroma do sexo dela, um chamado a ser respondido.
iAm engoliu a imprecação que quis escapar de sua boca. Ela era demais, linda demais, vibrante demais. Seu coração estava pulsando e seu pau estava duro como
pedra dentro da calça.
Ele deveria ter tomado um drinque antes de ir para lá.
Ou seis.
- Você tem fome, - ela sussurrou.
- Sim.
- Você gostaria de tomar minha...
Ele não acreditava onde ela estava tentando chegar, - Sua veia?
- Se quiser.
Oh, fodido fosse ele, sim. - Eu imploraria por tal...
- Não precisa.
Ele esperava que ela lhe oferecesse o pulso, mas quando ela ergueu o queixo expondo a garganta, ele sentiu-se real e verdadeiramente muito estúpido.
iAm sabia que devia perguntar se ela tinha certeza, pressioná-la a repensar sua decisão. Tudo ia acontecer rápido demais se encostasse as presas nela.
Ao invés disto, ele gemeu, - Por favor, me diga seu nome.
- É maichen eu já lhe disse. É o único nome que sinto ser meu.
Ele cerrou os dentes. - maichen, preciso que saiba... Não acho que consigo parar. Se começar isso.
- Eu sei. É por isto que te quero em minha garganta. Sem retorno.
Os olhos dele reviraram e seu tórax ondulou. - Mas, você não tem um pai em sua casa? Alguém que se importará por você...
Ele sabia que os padrões eram diferentes para membros da classe dos serviçais, não se esperava virgindade das fêmeas, já que elas eram requisitadas para qualquer
serviço que lhe demandassem. Mas, ainda assim...
- Está certa disto? - Ele disse.
Sua ereção gritava para ele calar a porra da boca, mas, sua consciência ainda era mais forte do que aquela viagem alucinante.
- Estou.
Aqueles olhos iridescentes estavam firmes, fortes, certos.
Hora de parar de falar.
iAm tomou-a, inclinando-se para a frente, agarrou a nuca dela, curvando-a para trás, apertando-a nos braços e pousando a boca sobre sua carne. Ele jamais tomara
de uma fêmea deste jeito, e não mordeu de imediato. Ele estava subjugado pelo aroma dela, pela pele suave sob seus lábios ao estender a língua e lamber sua veia.
Ele queria acariciá-la mais, mas, quando as mãos dela seguraram seus ombros e ela se arqueou para ele, não pode esperar. Ele sibilou e perfurou sua pele.
À mordida, ela gritou, mas ao invés de empurrá-lo, puxou-o para ainda mais perto.
O sangue dela foi uma explosão em sua boca, gosto de vinho encorpado e promessa de uma intoxicação que começou a dominá-lo no instante em que ele engoliu. Sugando-a,
ele passou a mão pelo seu corpo, encontrando a curva da cintura e o contorno de seu quadril. Mais, ele tomou mais enquanto sua pelve convulsionava para frente, buscando
aquela junção vital dela que ainda estava coberta por camadas de tecido.
Zonzo e totalmente focado ao mesmo tempo, ele deitou-a e montou em seu corpo, como um animal selvagem protegendo sua presa. Mas, ele queria dar a ela também.
Movendo um de seus braços para cima, colocou o próprio pulso sobre a boca dela, esfregando-o em seus lábios.
Aceitando, ela tomou sua veia também, enquanto ele tomava a dela, completando um círculo que explodiu com o calor entre eles.
Antes de saber o que estava fazendo, ele começou a erguer o manto dela, puxando cada vez mais alto, a barra, as camadas, o peso. As coxas dela eram macias e
flexíveis, e se abriram para ele, dando acesso ao que ele queria mais.
Sem calcinhas. Sombras não as usavam.
Quando ele esfregou a mão sobre seu sexo, ela gemeu e sugou mais forte o que ele lhe provia, e ele queria que ela o drenasse até a secura. Mas, não o contrário.
Forçando-se a liberar a veia dela, ele lambeu os pontinhos feridos para fechá-los e então desceu os lábios, passando pela graciosidade de sua clavícula. Chegando
aos seios, ele pegou o topo do manto com as presas e rasgou, o tecido cedeu até...
- Oh, Doce Jesus, - ele arfou.
Os seios dela eram firmes e eretos, adornados com mamilos pequenos que ele não passou muito tempo olhando. Não, buscou-os com a boca, idolatrando-os enquanto
ela continuava a tomar de seu pulso.
E ainda assim, ele queria mais dela.
Bem quando ele estava faminto por baixar ainda mais a cabeça, mesmo sem ter ideia do que estava fazendo, ela liberou a veia dele e o libertou. Sem lhe dar chance
de selar as mordidas, ele subiu novamente e segurou com as mãos, os dois lados do que começara a rasgar.
Riiiiiiiiiiiiiiiiiiiiip.
Com aquilo, as vestes de baixo se abriram em duas e ela ficou nua na sua frente.
A pele escura banhada pela luz do fogo ondulava, e o corpo dela estava marcado com manchas vermelhas do sangue dele, e não é que aquilo o fazia querer colocar
outras coisas dele nela?
Para que todos soubessem que ela era dele.
Vagamente, no fundo de seu cérebro avariado, sentiu-se surpreso de que as histórias que ouvira e que assumira ser ficção, aqueles contos de machos se vinculando
à primeira vista, eram de fato, total e absolutamente verdade.
Ele havia visto o rosto dela há apenas alguns momentos, e agora tinha passado pelo buraco de minhoca, se perdido e se encontrado ao mesmo tempo, empanturrado
e faminto por mais, tudo ao mesmo tempo.
- Minha, - ele rosnou.
Nua diante dos olhos de seu amante, maichen havia esperado sentir-se autoconsciente ou envergonhada. Somente a fêmea que a banhava havia visto o que iAm estava
olhando.
Em vez disto?
Livrou-se dos mantos que envolviam suas mãos, e ergueu-as para oferecer os seios. - Seus, - ela ouviu-se dizer. Então, moveu-as para baixo e tocou o sexo exposto
- Seu.
O lábio superior dele se recolheu e ele emitiu um grunhido que era tanto reverente quanto um pouco malévolo.
Então ele tirou o casaco, a camisa. Os sapatos e calças.
A luz do fogo moveu-se sobre a pele dele, lançando sombras sobre o contorno dos músculos que marcavam os braços, peito e abdômen.
Sua ereção era enorme.
Estava tudo tão fora de controle, esta série extraordinária de eventos, e a culminação ainda estava por vir. O que aconteceria depois, ela se perguntou? Ela
fora nominalmente instruída sobre o ato sexual, em preparação para seu emparelhamento, o médico havia lhe dado algumas orientações anatômicas sobre como as coisas
iriam acontecer, e teve aquela vez quando flagrara s'Ex com aquelas humanas. Mas, nenhuma destas trocas estranhas havia feito nada para explicar como seria elétrico.
O quanto ela iria ansiar pela união. Como se sentiria desesperada.
Plantando as mãos nos dois lados de seu corpo, iAm suspendeu-se sobre o corpo dela e lentamente colou seus lábios nos dela. O contato foi leve e fugaz, deixando-a
faminta por mais, mas, então, ele gradualmente deitou-se sobre ela, seu peso impossivelmente erótico, seus contornos firmes marcando-a.
O sexo duro dele esfregando-se em seu núcleo.
Ela começou a se arquear sob ele, flexionando as pernas, buscando por algo que nem sabia o que era.
- Deixa comigo, - ele disse. - Eu cuido disto.
Mas, não cuidou. Ele só a beijou e tornou tudo pior, lentamente lambendo-a na boca, esfregando-se contra seus seios, a parte interna de suas coxas... Tudo sem
penetrá-la.
- Porque espera? - Ela gemeu.
- Preciso me certificar de que você esteja pronta, senão vai doer.
Os olhos dela se arregalaram - Não vai doer. Vai?
- Quanto você... Ah, sabe sobre...?
A boca dela começou a se mover e ela achou que estava falando, e ele estava anuindo, dizendo algo em resposta. Mas, ela não fazia ideia do que estava sendo dito
de nenhuma das partes.
Exceto que as mãos dele se moveram para baixo, para o meio deles, esfregando mais o sexo dela, explorando. O prazer que despertou nela foi como a luz do fogo,
quente e pelo corpo inteiro, levando-a a outro nível de consciência.
Então houve uma pressão em seu núcleo, mas, nada doloroso. Só um empurrão, um empurrão gentil que a fez ceder internamente.
Quando a mão dele reapareceu ao seu lado, ela percebeu que era a ereção dele penetrando-a, não os dedos.
Movendo o quadril para acomodá-lo melhor, ela tornou-se consciente de um choque comprimindo, uma barreira cedendo e, então, a união foi tão profunda que ela
sentiu como se ele estivesse penetrando-a com o corpo inteiro. Bom, tão bom... Ela se deleitou no quão próximo ele estava, seu contato pele a pele aquecendo-a por
dentro e por fora, uma vida inteira de proibição de toques sendo apagadas.
E, então, ele começou a se mover. Lento de início, com impulso crescente, ela foi transportada junto com ele em um prazer cintilante e crescente.
Acariciando as costas dele com as mãos, ela amou a sua virilidade, e o conhecimento de que este macho, em específico, era o primeiro a tomar seu corpo.
E então uma barreira se quebrou e tudo se tornou muito mais vívido, uma pressa urgente empurrando-a para cima, para aquele corpo dele.
Sua boca se abriu e ela gritou, mas, não de dor.
Ele gritou também, e houve uma pulsação dentro de seu núcleo.
Mas, não era o fim. Ele não parou. Ele continuou, bombeando contra ela, nela, sobre ela.
O médico não havia dito que seria tão bom.
Não mesmo.
Capítulo CINQUENTA E CINCO
Ele entrou em sua vida usando um boné de beisebol do Syracuse e calças jeans esburacadas.
Paradise estava em sua mesa, digitando coisas no sistema, preenchendo solicitações no e-mail, acomodando visitantes nas cadeiras, quando outro vento gelado atravessou
o salão. Àquela altura, ela já havia se acostumado às mudanças de temperatura, havia mais ar gelado, a cada vez que a porta da frente se abria e fechava com a chegada
de um novo visitante.
Então ela não olhou realmente para cima até sentir uma grande presença perto de sua mesa.
Quando ergueu o olhar, tinha um sorriso profissional no rosto, mas, prontamente perdeu a expressão.
A sua frente havia um macho de cerca de dois metros de altura, com ombros tão largos quanto uma porta, e um maxilar tão pronunciado quanto uma flecha. Ele tinha
um tipo de jaqueta, embora estivesse frio o bastante para um casaco apropriado, e sem luvas.
E então havia o boné laranja e aqueles jeans.
- Posso te ajudar? - Ela perguntou.
A aba daquele boné estava tão abaixada que ela não conseguia ver os olhos, mas podia sentir o seu impacto.
- Estou aqui para o programa de treinamento.
A voz dele era muito profunda e surpreendentemente baixa. Dada a forma física, ela teria esperado uma voz mais alta.
- O programa de treinamento?
- Para os soldados da Irmandade da Adaga Negra.
- Oh sim, eu sei, mas não é... Digo, não é aqui. Nesta casa.
Quando ele olhou em volta, ela tentou ver seus olhos. - Eu sei, - ele disse. - Quer dizer, preciso de um formulário de inscrição, e pensei que aqui poderia conseguir
um.
- Os formulários foram enviados por e-mail. Gostaria que eu te encaminhasse?
- Eu, ah... - Ele olhou em volta de novo. Enfiou as mãos nos bolsos daqueles jeans, - Você tem um formulário impresso?
- Eu posso te enviar a coisa toda agora mesmo... Qual seu endereço de e-mail?
Quando ele concentrou o olhar na parede atrás de sua cabeça, ela decidiu que seu cabelo era escuro. Escuro e muito curto.
- Eu não tenho um endereço de e-mail, - ele disse, suavemente.
Paradise piscou. - O hotmail é gratuito.
- Tudo bem, - o macho disse, recuando um passo. - Eu vou encontrar outro modo de conseguir um.
- Espere. - Ela abriu a gaveta da mesa. - Aqui. Leve o meu... Digo, este aqui.
Ele hesitou. Estendeu um braço longo. Aceitou o que ela havia tirado anteriormente da cesta de lixo.
- Obrigado. - Ele olhou para baixo e franziu o cenho, pelo menos ela pensou ter visto um franzir. - Este já está preenchido no topo?
Quando ele lhe devolveu, ela praguejou. - Desculpe. Eu... Deixa eu imprimir um novo.
Clicando no mouse, ela logou em seu e-mail, achou aquele que Peyton, o Imbecil, havia encaminhado, abriu o anexo e apertou imprimir.
Quando a máquina atrás da mesa acordou e começou a emitir ruídos, o macho depositou o formulário sobre sua mesa. - Você vai participar do programa?
Ótimo. Como se ela precisasse de mais um Sermão de um completo estranho.
Ela pegou o papel de volta. - Fêmeas são permitidas entrar, sabia. Está no e-mail. Nós podemos nos juntar...
- Eu acho que deviam. Mesmo que escolha não lutar, acho que fêmeas deviam ser treinadas, nunca se sabe quando ou sob qual circunstância será necessário se proteger.
É lógico.
Paradise só ergueu os olhos para ele - Eu... - ela pigarreou, - concordo com você.
Quando a impressora silenciou, ela virou a cadeira e pegou os papéis quentes do alto da HP. Não havia necessidade real de grampo ou clipes de papel, ou de qualquer
forma juntá-los, mas ela abriu outra gaveta e remexeu em seu conteúdo.
- Você pode entregá-lo aqui, - ela disse, ao entregar-lhe. - Depois de preencher, posso entregar aos Irmãos.
Ele dobrou o formulário uma vez e colocou por dentro do casaco. - Obrigado.
E então tirou o boné e fez uma reverência a ela.
Quando ele se endireitou, ela deu uma boa olhada nele, e arquivou-o na gaveta "Oh Meu Deus!" de sua mente.
Talvez fosse mais adequado "Oh Meu Fodido Deus!".
Os olhos dele eram de um perfeito azul celeste, profundos com sobrancelhas e cílios escuros. Seu rosto era fino, porque ele era um pouco magro demais, mas, aquilo
só evidenciava a estrutura óssea máscula. E a boca era...
Se ele não tivesse atraído sua atenção antes, ele meio que a deixaria de quatro agora.
Graças a Deus pela cadeira.
- Qual o seu nome? - Ela perguntou quando ele se virou para ir embora.
Ele colocou o boné de volta - Craeg.
Ela levantou-se e estendeu a mão. - Eu sou Paradise, - bem, você provavelmente já sabe disto, porque você viu que eu preenchi...
Ótimo, ela estava balbuciando.
- Prazer em conhecê-lo, Craeg, - ela disse, quando ele não fez nenhum movimento de se aproximar.
Ele anuiu uma vez, e então saiu, deixando-a de mão estendida.
Enrubescendo, ela voltou a se sentar, e percebeu que oooooh, cerca de cinco pessoas haviam testemunhado toda a conversa. E estavam agora folheando revistas People
e Time, tentando parecer ocupados. Um dos machos mais velhos até mesmo ergueu um Caldwell Courier Journal e cobriu o rosto.
Bem, ela podia brincar de parecer ocupada também.
Digitando bem ruidosamente em seu teclado, ela tentava disfarçar o rubor de corpo inteiro que a acometia.
Ela nunca o vira antes. Tipo, nunca. Talvez ele tenha acabado de chegar do Continente Antigo, só que, quais eram as chances disto? A grande maioria da população
estava em Caldwell há quanto tempo? Além disto, ele não tinha sotaque. Então ele devia ser... Bem, um estrangeiro, obviamente. Mas, tinha de ser membro da aristocracia
se ouvira falar do programa de treinamento, certo?
Olhando para a arcada pela qual ele saíra, ela se viu desejando que ele viesse entregar o formulário preenchido em mãos.
Quem seria ele...
- Paradise?
Ela pulou. E concentrou-se no pai, que aparecera do nada. - Sim? - Percebendo que sua voz soou perto do normal, e que ela supostamente estaria brava com ele,
ela pigarreou. - O que posso fazer pelo senhor?
Como se ele fosse somente outra pessoa com quem ela lidava.
- Eu só queria perguntar como você está?
Sua aparência não era agressiva. Pelo contrário, ele parecia preocupado... Maldição. Ela queria manter-se com raiva dele.
Ela suspirou. - Estou bem, Pai.
- Você está fazendo um trabalho maravilhoso. Verdade. Tudo está correndo tão bem. O Rei está tão satisfeito... E eu estou muito orgulhoso.
Vê, isto era bem a cara dele. Era impossível ficar puta quando era confrontada com este... Esta sinceridade, sua versão de um pedido de desculpas.
- Posso te trazer algo para comer ou beber?
- O senhor não é um doggen, Pai.
- Talvez precise de uma pausa?
- Não. - Ela revirou os olhos. Levantou-se. Foi na direção dele. - Você me deixa louca.
Ela lhe deu um abraço porque aquilo era o que ele estava querendo. Então ela recuou. - Oster, filho de Sanye é o próximo.
Quando ela indicou o cavalheiro em questão, e o civil ficou em pé, seu pai lhe deu um aperto na mão e então reassumiu seus deveres oficiais.
Seguindo seu exemplo, ela sentou-se de novo. Olhou para o computador à sua frente. E ainda sentiu-se engaiolada.
Mas, o que ia fazer? Mesmo que ele, tecnicamente, não pudesse impedi-la; ela era maior de idade, e não havia nenhuma especificação no formulário que dissesse
que uma fêmea deveria apresentar o consentimento de um macho mais velho para aprovar a inscrição, ela ainda assim, sentia-se paralisada.
Era difícil se rebelar contra seus pais quando só havia restado um.
E ele era tudo o que ela tinha no mundo.
Selena odiara quase tudo no exame, a coleta do sangue, o procedimento de radiografia. E sentia-se mal por isto. Não era como se a Dra. Jane estivesse sendo menos
do que perfeitamente gentil e muito paciente. Mas estar em um daqueles camisolões de hospital, sendo furada e cutucada, virada e fotografada, era como ter a contagem
regressiva de alguma espécie de detonação acontecendo bem na sua frente.
Além disto, ela odiava o antisséptico falso de limão que eles usavam em todo lugar.
E o fato de que estava com frio, mesmo depois de colocarem um cobertor sobre suas pernas.
E então havia aquela luz brilhante pendurada sobre sua cabeça.
Mas, na maior parte, não era o ambiente externo que era difícil de lidar. Era o grito interno que ela achava que tinha de dominar por força de vontade.
- Okay, acho que este é nosso último Raio-X, - a Dra. Jane disse, de sua mesa.
Na tela do computador, uma imagem fantasmagórica do joelho de Selena estava centralizada, mas, ela se recusava a olhar.
Ela tinha de ficar deitada até a Dra. Jane voltar e mover o braço do raio-X para fora do caminho. Então, se sentou, a médica pegou a placa sob sua perna e afastou-a.
- Então... Agora o que? - Selena perguntou.
Ela estava entorpecida. Com frio. Suada.
Mas, mais do que tudo, ela se sentia rígida. E não só nas mãos.
- Deixe-me avaliar atentamente estes raios-X com Manny. E então, volto para falar com você.
Selena baixou as pernas pela borda da maca e ficou em pé. Flexionou uma e então a outra, seu cérebro em uma espiral de Melhor? Pior? O mesmo?
- Quando? - Ela disse, rudemente.
- Porque não conversamos perto do alvorecer? Trez pode vir com você, se quiser...
O barulho veio de fora do quarto, e ambas olharam para a porta do outro lado. Quando o som se repetiu, a Dra. Jane correu, e Selena também.
No final das contas, ela não estava paralisada ainda, e parecia uma boa hora para se lembrar disto.
As duas correram pelo corredor e ouviram atentamente. O Centro de Treinamento estava silencioso, com os Irmãos se exercitando em campo, e não havia, felizmente,
ninguém ferido nos leitos.
O barulho veio de novo, e elas correram, avançando mais duas portas.
Dra. Jane abriu a porta.
A médica teve de se abaixar quando algo veio voando do quarto. Uma bandeja. Era uma bandeja de metal, e ela quicou no chão de concreto, como se a coisa estivesse
realmente feliz por se libertar de lá, e tentasse ficar a uma distância extra.
Lá dentro, Luchas estava descontrolado, na cama. Metade dele parecia estar amarrado, mas, uma mão e braço estavam livres e ele os usava para destruir qualquer
coisa que alcançasse. Bateu em alguns equipamentos de monitoramento com o pedestal do intravenoso, fez o mesmo com a mesinha rolante que tinha um tipo de comida
sobre ela, e agora agarrava a cabeceira da cama, como se tentasse destruí-la.
- Luchas. - Dra. Jane disse, com uma tranquilidade admirável. - O que está...
- Vai se foder!
Selena recuou. Ela estivera ali para alimentar o irmão de Qhuinn ao longo dos últimos meses, e ele sempre fora um perfeito cavalheiro.
- Luchas...
- Foda-se isto! - Ele soltou a cabeceira da cama e agarrou a mesinha de cabeceira, empurrando tão forte que a coisa desceu, as gavetas explodindo, como se fosse
sua forma de sangrar. - Vão se foder!
Dra. Jane recuou e murmurou. - Tenho de pegar um sedativo. Não entre lá.
Quando a médica saiu correndo, Selena ficou parada na soleira.
- Está olhando o que? - Ele gritou com ela. - Que porra você quer?
Havia uma mancha vermelha na cama. Os lençóis, de um lado, estavam um pouco mais do que metade baixados, manchados... Ele estava sangrando. De algum tipo de
ferimento...
- Sua perna, - sussurrou ela, ciente da infecção que o atacava. - Cuidado com sua perna...
- Eu queria morrer! - Ele cuspiu. - Eu estava tentando morrer!
O rosto dele era uma cópia retorcida das feições que ela conhecia bem, sua pele branca demais, tensa quase a ponto de se partir sobre a estrutura óssea que,
sem dúvida, era invejável antes de ter sido torturado pela Sociedade Lessening.
- Eles arrancaram minha perna para me salvar! - Ele afastou os lençóis. - Para me salvar!
O coto estava cuidadosamente enfaixado em camadas de gaze cirúrgica, mas, por baixo não parecia bem... O sangue escorria, manchando tudo.
Ele começou a arranhar o que restava e foi quando ela teve de se envolver.
Marchou pelo quarto, segurou as mãos agitadas e prendeu-as contra a cama, na altura da cabeça dele.
Luchas. Ficou. Maluco.
Gritou, se contorceu, praguejou.
Tudo o que ela fez foi balançar a cabeça e deixá-lo se esgotar... O que não levou muito tempo.
Quando ele parou de lutar, ela disse. - Você tem tanta sorte. Tanta maldita sorte.
Aquilo o fez se calar. Provavelmente do jeito que um confronto direto não teria feito.
- O que? - Ele berrou.
- Eu estou morrendo, - ela disse, sinceramente, - e se alguém tivesse de tirar parte de minha perna para me salvar? Para que eu pudesse continuar aqui com aqueles
que eu amo? Não pensaria duas vezes. Então sim, eu acho que você tem muita sorte.
Ele ainda respirava com dificuldade, mas, a tensão abandonou seu corpo. - Morrendo?
- Receio que sim, - ela o soltou e deu um passo para trás. - Não desperdice o tempo que tem. Eu sei que está ferido, e não duvido que esteja bravo agora. Mas,
pessoalmente, eu trocaria de lugar com você em um piscar de olhos.
A Dra. Jane voltou, e parou quando viu que o local não estava em chamas ou algo assim.
- Eu vou me vestir. - Selena disse, ao se dirigir à porta. - Estou com frio com esta camisola. Precisa de ajuda para limpar?
Dra. Jane olhou de um para outro, claramente se perguntando o que fora dito ou feito para mudar as coisas. - Ah, não, eu cuido disto.
- Está bem. - Selena anuiu para a médica e então olhou de volta para Luchas. - Cuide-se bem.
Ela sentia os olhos dele sobre si ao sair para o corredor. Continuou a senti-lo mesmo ao voltar para o consultório, para se vestir. Quando voltou a entrar no
túnel, ela começou a ficar paranóica de que fosse ter um ataque no meio do caminho até a casa principal, e ficaria ali esquecida sob as luzes fluorescentes. Ou talvez
acontecesse na escada para o saguão... Ou...
Okay, melhor parar com isto.
Ela tinha o bastante com o que se preocupar sem buscar mais problemas.
Capítulo CINQUENTA E SEIS
Ele não conseguia tirar os olhos dela.
Deitado nu em frente ao fogo que aquecia, o corpo de iAm estava entrelaçado ao de maichen, suas pernas enfiadas entre as dela, os quadris colados, os sexos próximos,
mas, não unidos. Ela estava com a cabeça pousada sobre o braço dobrado; a dele estava um pouco erguida.
- Quero te ver de novo. - Sussurrou ele.
Ele queria dizer o quanto precisava de mais um pouco daquele tempo especial, daquele refúgio completo contra toda aquela merda que não podia mudar, e não faria
diferença se estivesse em Caldwell. Estar ali era como se brevemente desse um passo para o lado, alterasse seu caminho, e pudesse respirar. Não era um desvio permanente
e não queria que fosse; de jeito nenhum abandonaria o irmão.
Mas, era suficiente para lhe dar um novo fôlego.
- É difícil eu conseguir sair de lá, - ela beijou as pontas dos dedos dele, - restam somente mais alguns dias enquanto ainda será fácil. Após o período de luto,
ficará muito mais difícil.
- Amanhã à noite, então. À meia-noite.
maichen anuiu. - Estarei aqui.
Ele olhou ao redor da cabana decrépita. - Não, venha para Caldwell. Me encontre na cidade.
Diante da hesitação dela, ele disse, - Eu tenho uma casa lá. É particular. Ninguém saberá... E poderei deixá-la mais confortável.
Ele a queria em uma cama. No chuveiro. Talvez em cima do balcão da cozinha.
Para persuadi-la, iAm abaixou a cabeça e tomou a boca dela, acariciando os lábios dela com seus próprios, lambendo-a toda por dentro. - Siga o sinal do meu sangue
e me encontrará.
O som que ela emitiu do fundo da garganta, foi todo rendição, e antes que se desse conta, ele a rolou de costas e montou-a de novo. O fato de que eles tinham
mesmo feito sexo, era tão monumental, que ele não podia nem pensar nisto enquanto estava com ela.
Era um marco muito grande.
Guiando-se para dentro dela, ele gemeu e abaixou a cabeça para o pescoço dela. Com grandes impulsos ondulantes, penetrou-a, encontrando um ritmo cada vez mais
intenso. Seu corpo sabia exatamente o que fazer, e foi um choque, chegar ao orgasmo e descobrir que estava feliz por ter esperado por esta fêmea em particular.
Também era loucura pensar que uma parte dele começava a planejar um jeito de libertá-la do s'Hisbe.
Então, agora ele tinha dois naquela lista.
As unhas dela se enterraram em suas costas e as coxas enlaçaram seu quadril, enquanto ela alcançava seu próprio clímax, os movimentos internos ordenhando-o e
desencadeando outro golpe agudo de prazer, ao gozar de novo.
Ao final, ele desabou sobre ela de novo.
- Desculpe, - ele murmurou, tentando juntar forças para fazer qualquer outra coisa além de respirar. - Pesado.
- Não, eu gosto de seu peso. - Ela acariciou lhe a pele. - Você é mesmo tão poderoso quanto aparenta.
- Não quero ir embora.
- Eu também não.
Eventualmente, ele se viu na terra da falta de escolhas. Primeiro, o fogo havia se apagado e estava ficando frio, mas, mais importante, ele não queria que ela
se metesse em problemas por ausentar-se de suas obrigações.
Pelo menos ele não teria de se preocupar sobre ela e o amanhecer que se aproximava.
Ele ficaria psicótico.
Afastando-se dela, deslizou para fora de seu sexo e percebeu, merda, ela estava recoberta por sua essência.
- Qual o problema? - Ela perguntou, aqueles olhos iridescentes olhando para cima, para ele.
- Devíamos limpá-la, - mas a maldita cabana não tinha água encanada. - Da próxima vez, faremos isto em Caldwell.
- Eu tomarei cuidado. Há uma fonte termal nos limites do Território. Posso me lavar lá.
- E suas roupas? - Quando estendeu o amontoado de tecido para ela, praguejou. A merda estava toda amarrotada. Rasgada. Coberta de poeira. - Maldição.
Ele devia ter pendurado as roupas dela. No que inferno estava pensando?
Levantando-se, ajudou-a a se vestir, arrumando as roupas que iam por baixo do manto, abotoando a camada de cima com a fivela de bronze, arrumando o capuz e malha
de cobertura facial.
- Deixa que eu faço isto, - ele disse, ao começar a cobrir os cabelos e rosto.
Ele odiou cobri-la, seu estômago se contorceu e a boca ficou seca: aquilo tornava o fato de ele estar enviando-a desprotegida de volta ao Território, ainda mais
evidente. E então ele deu um passo para trás e olhou para o que estivera tão bem composto e intocado quando ela chegou, e que agora era uma bagunça excitada.
Ele meio que sentiu como se tivesse tomado algo que não era dele para tomar, arruinando-a no processo.
- Eu deveria voltar com você, - ele disse. - Me certificar de que...
- Isso seria mais difícil para mim. Ficarei bem. Eu me tornei bem competente em me esconder depois de todos esses anos.
E assim não havia mais nada a ser dito, nenhuma combinação de palavras poderia ser dita para fazê-lo sentir-se melhor sobre nada daquilo.
Com uma súplica, iAm tomou o braço dela e acompanhou-a até a porta. - Tenha cuidado. Aquele é um local perigoso.
- Terei.
Quando ela ia fazer-lhe uma reverência, ele a impediu. - Não. Não faça isto. Somos iguais, você e eu.
Por um momento, ela só olhou para ele. Ele podia sentir o olhar dela através da malha que cobria os olhos. - Não somos, - ela disse. - Infelizmente, não somos.
Com isto, ela saiu pela porta e desapareceu antes que ele pudesse pará-la. E quando o ar gelado golpeou seu corpo nu, ele sentiu dor... E não do tipo física.
Após vestir-se novamente, certificou-se de que o fogo estava totalmente extinto e então saiu da cabana. Ao fechar as portas e se afastar, pensou que era completamente
bizarro como tanta coisa de sua vida havia acontecido naquele local aleatório: encontrar seu irmão, conhecer Rehv... E agora, esta noite.
Desmaterializando-se, ele retornou rapidamente à mansão da Irmandade, retomando forma no gramado. Ao olhar para a grande construção de pedra, com as gárgulas
góticas acima das torres, as janelas em formato de diamante, e todas as sombras que se amontoavam nos cantos, ele percebeu estar avaliando a segurança e sua posição
defensiva.
Então, sim, ele estava pensando em trazer maichen para cá.
Só que então, que tipo de vida ela teria? Ele ainda preocupava-se com Trez e Selena. E o que aconteceria se a única maneira de manter seu irmão livre do s'Hisbe
fosse desaparecer pelo mundo, sem jamais parar no mesmo lugar por muito tempo?
Ela viveria esta vida de fugitiva? E se o s'Hisbe a encontrasse com eles?
Ela seria morta em um piscar de olhos.
Era outra situação sem escapatória.
Bem o que ele precisava.
A bunda de Rhage estava dormente.
Mas, também, ele estava sentado em uma rocha, vigiando através da floresta a casa de vidro de Assail há quanto tempo? Horas. E tudo o que o cara fizera fora
atirar um punhado de documentos sobre a mesa.
Pelo menos o traficante tinha uma bela cadeira na qual se sentar.
Rhage conferiu o relógio. O amanhecer não tardaria. - Estamos perdendo tempo aqui, pessoal.
No momento em que estava prestes a pegar o celular, para ver como estava V no rastreio dos dois primos, o Irmão materializou-se ao seu lado, e o Range Rover
no qual a dupla de traficantes havia saído, apareceu na curva da casa.
- Aonde eles foram? - Rhage perguntou.
- Ao centro. Foram até uma casa de barcos no rio. Ninguém apareceu para encontrá-los, até onde vi. É totalmente possível que um deles tenha se desmaterializado
de lá por um curto período de tempo para ir para outro lugar. Não dá para saber.
Enquanto V esfregava os olhos como se estivessem cheios de areia, Rhage perguntou - Meu irmão, quando foi a última vez que dormiu?
V deixou o braço cair e se endireitou como se estivesse fazendo um difícil cálculo matemático - Foi... Ah... Eu digo, é... Foi...
Rhage olhou para a porta da garagem, que estava se fechando. - Eles estão recolhidos para o dia. Vamos sumir.
- O que Assail fez?
- Além de encher as fuças de cocaína?
- Ele não saiu, então.
- Nada. Além de brincar com seus papéis e fazer duas chamadas que não duraram trinta segundos cada, permaneceu sentado. - Ele deu um tapinha no ombro de V. -
Vamos pegá-los amanhã à noite.
V ainda praguejava ao saírem e viajarem para casa, através do frio ar da noite. Ao chegarem ao gramado à frente da mansão, viram iAm encarando a fachada da casa
como se esperasse que o Godzilla aparecesse para esmagar tudo com o pé e varrer tudo com o rabo.
- Ei cara, está bem? - Rhage perguntou.
iAm pulou. - Oh, merda!
Quando o vento mudou de direção e trouxe o aroma do macho, Rhage ergueu as sobrancelhas. O Sombra estava coberto do cheiro de uma fêmea; e não o tipo de aroma
que se compra em lojas.
Oh, o cara havia se dado bem.
Naquele tempo todo em que conhecia o cara, jamais vira iAm prestando nenhuma atenção particular às fêmeas. Ou aos machos. Pessoalmente, Rhage sempre pensara
que o pobre bastardo sofria da Síndrome de Phury: aquela condição onde um irmão estava tão fodido que o outro caía em um buraco negro tentando salvá-lo.
Infelizmente, não parecia que Trez sairia de sua queda livre tão logo. Mas, claramente, iAm havia resolvido parar de se foder.
Fodendo outra pessoa.
Bom para ele, Rhage pensou. Era hora de o macho ter um descanso.
- Então, - V disse, ao acender um cigarro enrolado a mão - Como foi a sua noite, Sombra?
Evidentemente, ele também havia sentido o cheiro.
- Boa. - iAm disse.
- Mm-hmm. - V exalou. - Fez alguma coisa interessante?
- Não. Vocês?
- Nada. - Rhage replicou quando os três começaram a se dirigir para o vestíbulo. - Só negócios, como sempre.
Na verdade, a noite com Assail havia sido extremamente frustrante, mas, mais que isto, ele estivera esperando notícias de Mary sobre a fêmea que havia sido levada
para a clínica de Havers em coma. Nada. Nenhuma notícia. Estaria ela viva? Morta?
Maldição, ele só encontrara aquela mahmen uma vez; na noite horrível em que resgataram ela e o filho daquele macho violento. Mas, a situação estava preocupando
sua Mary, pesando sobre ela; e isto significava que também estava em seu radar.
Além disto, sua shellan não vinha para casa há duas noites. E ele estava começando a ficar desesperado. Celulares não eram substitutos para o contato de verdade.
Pelo menos não o tipo de contato que necessitava dela.
Ao chegarem no vestíbulo, Rhage pôs a cara diante das lentes da câmera de segurança. Um segundo depois, a tranca foi liberada e eles entraram no saguão. A Última
Refeição estava se iniciando, os doggens ocupados traziam comida à sala de jantar, pessoas se juntavam na arcada, mais membros desciam as escadas.
iAm parecia prestes a escapar, seus olhos grudados no tapete vermelho que subia as escadas até o segundo andar, como se, em sua mente, ele já estivesse a meio
caminho de seu quarto. Fora das vistas.
Sem dúvida rapidamente indo para o chuveiro.
Mesmo que tivesse acabado de olhar para o celular e ver que a coisa estava em modo de vibração, Rhage pegou o celular de novo, e verificou de novo se havia perdido
alguma coisa...
Lassiter saiu da sala de jogos, os cabelos louros e pretos trançados em um cordão espesso que descia pelos peitorais. Ele tinha uma caixa Yoo-hoo em uma mão,
uma luva de Starbust na outra e havia tanto ouro no cara, que seu corpo parecia ter quilate próprio.
- Alguém mais assistiu Real Housewives of New Jersey?
Pessoas se viraram para encarar o cara.
- Como é que você permanece um convidado nesta casa? - Alguém perguntou. - Ainda não foi embora?
- Eu vou chamar um táxi para ele, - alguém mais murmurou. - Ou talvez a gente deva jogá-lo montanha abaixo.
- Tenho um lançador de batatas, - disse Butch. - O buraco é pequeno, mas podemos forçar um pouco que ele acaba entrando.
- Oh, não vou embora. - Lassiter sorriu. - Vamos lá, como se eu fosse perder toda essa comida grátis e a TV a cabo... Espere um minuto. - Aqueles brilhantes
olhos de cor estranha se estreitaram em iAm... E então ele gritou - Puta merda, você transou!
No silêncio congelado que se seguiu, Rhage bateu na própria cabeça. - Anjo, sua noção de tato é ainda pior do que a minha, camarada.
Capítulo CINQUENTA E SETE
- E então, o que tem em mente, Primeiro Conselheiro?
Abalone fez uma reverência quando Wrath se dirigiu a ele. - Obrigado, meu senhor. - Ao entrar na sala de audiências, fechou a porta deslizante atrás de si. -
Muito obrigado.
- Deve ser sério para você nos fechar aqui, - o Rei murmurou.
- Meu senhor... - ele pigarreou, - procuro servi-lo. De todas as maneiras.
- Isto eu já sei. Então o que há?
Não pela primeira vez, Abalone desejou poder olhar nos olhos do macho. Mas, talvez fosse melhor que aqueles óculos escuros escondessem tanto. Ele preferia manter
seu cólon sob controle.
Notou as presenças de Phury e Zsadist, assim como a realidade da hora. Eles não tinham mais do que cinco ou dez minutos antes de poderem retornar ao complexo
com Wrath. Mas, isto não podia esperar.
- Meu senhor, aprecio que tenha deixado Paradise ficar aqui. É muita generosidade de sua parte...
- Mas, quer que ela volte para casa e não gosta de ter Throe por lá.
Abalone fechou os olhos. - Sim, meu senhor. Ela é... A separação é mais difícil do que antecipei. E, por favor, saiba que não é que eu sinta que ela esteja em
perigo aqui. Ela provavelmente está mais segura do que...
- Eu te coloquei em uma situaçãozinha de merda, não foi? - Wrath interrompeu. - Não é justo pedir para que banque a babá de um imbecil qualquer como ele, às
custas de sua própria vida pessoal. Peço desculpas.
Abalone piscou. De todas as maneiras que achou que aquilo ocorreria, Wrath pedindo desculpas não estava nem perto de entrar na lista. - Meu senhor, por favor,
sou eu quem está falhando com o senhor...
- Quer que nos livremos dele?
Phury falou. - Rhage adoraria fazer isto.
- Meu senhor, o senhor é tão...
Wrath ignorou-o e focou nos guerreiros. - Então quais os planos? Vocês querem ir para lá agora com ele fazer a evacuação?
Os olhos de Zsadist mudaram de amarelo para preto. - Vamos acabar com ele...
- Espere, espere. - Abalone ergueu as mãos. - É melhor eu falar com ele primeiro.
Wrath meneou a cabeça. - Não sozinho, não vai. Você é valioso demais para mim. Diga a Paradise para ficar aqui mais uma noite enquanto limpamos tudo para vocês.
E foi assim que, mais ou menos dez minutos depois, ele acabou se desmaterializando para sua casa, flanqueado por um par dos guardas pessoais do Rei.
Quando retomou forma em frente às pesadas portas frontais estilo Tudor, olhou para as janelas brilhantes e se perguntou onde Throe estaria, o que estaria fazendo...
O que estava procurando. A criadagem havia dito que o macho tinha dormido o tempo todo naquela primeira noite, e que não parecia provável que acontecesse de novo.
Desta forma, Abalone havia tido o cuidado de trancar todas as portas antes de sair, e havia muitos doggens com olhos vigilantes por lá.
Alinhando os ombros, olhou para os Irmãos que estavam, um de cada lado seu, como um par de aparadores de livros de Sun Tzu.
- Eu gostaria de ser o primeiro a falar com ele.
Phury anuiu. - A casa é sua. Você é quem deve desconvidá-lo.
Abalone abriu a fechadura de cobre com a chave, e não sentiu nem um pouco do conforto habitual ao cruzar a soleira, nenhuma tranquilidade quando seu amado mordomo
se aproximou atravessando o saguão para tirar seu casaco.
- Mestre, - o doggen disse, com uma acentuada reverência. - Posso servir seus convidados na Última Refeição?
- Eles não vão ficar muito tempo. Onde está Throe, posso saber?
- Ele passou o dia em seu quarto. Eu tenho ido lá verificar... A porta permaneceu fechada e ele não desceu para as refeições. A única vez que bati, no início
da tarde, respondeu que estava descansando.
Abalone não hesitou. Subiu as escadas, mantendo a chave de cobre na mão. Ao chegar ao topo, continuou avançando, passando pelas portas até chegar ao segundo
melhor quarto de hóspedes.
Parecera uma honra não-merecida colocar o macho no melhor quarto de hóspedes, mesmo que Throe não soubesse disso.
- Throe, - Abalone disse, asperamente. - Preciso falar com você.
Diante da falta de resposta, ele bateu com força com o nó dos dedos na porta fechada...
A porta se abriu sozinha, revelando uma luz fraca no interior. Estava a ponto de entrar quando uma mão pesada segurou-o pelo ombro.
- Permita meu irmão, - Phury disse, gentilmente. - Não sabemos o que pode haver ai.
Z entrou com uma arma baixada contra a coxa. Um momento depois, após aqueles passos pesados percorrerem o quarto todo, ele disse, - Tudo limpo.
Abalone se apressou em entrar. De fato, o quarto estava vazio; a cama estava até arrumada. Não havia sinal de que qualquer pessoa sequer tivesse estado ali.
Exceto pela janela levemente aberta do outro lado do cômodo.
Na verdade, um dos painéis reforçados com malha de aço havia sido forçado e deixado entreaberto.
- Ele não era um prisioneiro aqui, - Abalone disse ao se aproximar e reposicionar a cobertura. - Por que fugir?
- A pergunta mais importante, - Phury disse, - seria: como podemos ter certeza de que ele realmente partiu? Esta é uma casa grande. Há muitos lugares para se
esconder...
- Talvez isto explique as coisas. - Z se aproximou da mesa no canto e pegou um envelope selado. - Tem seu nome escrito.
O Irmão trouxe a carta e entregou à Abalone.
Com mãos trêmulas, Abalone abriu o envelope e retirou uma única folha de papel que havia sido dobrada ao meio. O papel timbrado era o seu próprio, com a gravura
de uma casa no topo:
Caro Abalone, filho de Abalone,
Perdoe-me por não lhe agradecer pessoalmente. Sua hospitalidade foi muito apreciada, assim como sua generosidade. Em reconhecimento à posição difícil que minha
presença sem dúvida lhe colocou, buscarei abrigo em outra parte.
Espero ansiosamente que nossos caminhos voltem a se cruzar, primo meu.
Até lá, muito obrigado de novo por me abrir as portas de sua casa, e até lá, eu permaneço,
Seu parente de sangue,
Throe
- O que diz? - Phury perguntou.
Quando as persianas automáticas começaram a baixar para o período do dia, Abalone entregou-lhe a carta. - Nada importante. Eu concordo. Preciso fazer uma busca
na casa, mas temo que levará tempo demais para que possam retornar em segurança ao complexo.
- Então ficaremos aqui com você o dia todo. - Phury disse enquanto lia a carta. - Mas, até sabermos que você e sua equipe estão seguros? Não vamos sair daqui.
Z riu de modo tenso. - Acha que vamos querer voltar e dizer a Wrath que cortaram sua garganta porque não fizemos nosso trabalho? Não é o tipo de relatório que
eu iria querer fazer ao Rei.
Phury devolveu a carta e colocou a mão sobre o ombro de Abalone de novo. - E nos deixe fazer o trabalho sujo, é mais seguro para todo mundo. Onde fica seu quarto?
- No fim do corredor.
- Vamos, te levaremos lá e então vasculharemos os aposentos dos criados. Depois disto, vamos passar um pente fino nesta casa até saber que não ficou para trás
nada além desta carta.
Abalone anuiu. - Obrigado, senhores. Muito obrigado.
- Estou deliciada por você ter me procurado. E desculpe ter te deixado esperando.
Throe sorriu para a fêmea que se dirigia a ele e indicou o sofá confortável no qual estava sentado desde que havia chegado à propriedade. - Não foi difícil.
Estou aquecido e seco. Na verdade, você foi a anfitriã mais graciosa que poderia ser.
A fêmea aristocrata sorriu, exibindo dentes brancos como os diamantes que trazia no pescoço. Nos pulsos. Nos dedos e orelhas. Na residência modesta do zelador
de sua imensa propriedade, ela parecia uma modelo que se apresentara para a sessão de fotos errada.
- Meu companheiro está doente, - ela disse, em tom grave. - Tenho de cuidar dele.
Vestida daquele jeito, em um vestido curto em estampa de leopardo, era de se perguntar exatamente que tipo de necessidades o hellren dela teria.
Aquilo dificilmente era o tipo de coisa que uma shellan usaria para enfiar um velhote na cama.
Mais provavelmente, Throe pensou, ela se vestira daquele jeito para encontrá-lo.
- Sim, eu me recordo da doença dele. - Ele disse, suavemente. - Sinto muito.
- Isto me aflige também.
- Como poderia não afligir?
- Eu logo serei uma viúva.
Ao anuir em solene simpatia, deliberadamente permitiu que os olhos vagassem sobre ela, dos lisos cabelos escuros até os pés apetitosos.
Da última vez que tinham se encontrado, também havia sido aqui, mas havia muito menos roupas envolvidas; em ambos, além de seus companheiros Bastardos. Ela havia
se deitado diante da lareira, e ele e os soldados avançaram sobre sua pele nua, se alimentando e fodendo. Aquilo havia sido há cerca de um mês, a mais recente das
sessões que aconteceram pelo ano anterior em intervalos regulares.
- Será só você esta noite? - Ela perguntou, de um jeito rouco.
- Sim, e devo lhe dizer que dividimos nossos caminhos, Xcor e eu. Estou abandonando a luta dele.
- É mesmo? - Ela ronronou - E onde está ficando?
- No momento, estou procurando um local.
- Mesmo?
- Sim.
Ela se aproximou, cruzando a sala pequena para ficar ao alcance dele. - O amanhecer se aproxima.
Ele novamente vagueou o olhar pelo corpo dela - É mesmo. Bem, então acho melhor ir.
- Tão cedo? - Ela fez beicinho.
- É mais seguro. - Vagamente, ele correu as pontas dos dedos pelos quadris dela, pela barriga... Descendo para a junção das coxas. Pressionando através do vestido,
acariciou levemente seu sexo. - Assim, temo que seja melhor pararmos por aqui...
- Talvez você e eu possamos fazer um acordo, - ela disse.
- Oh? - Disse ele.
- Meu hellren é muito mais velho que eu. Ele é meu verdadeiro amor, é claro.
- É claro.
- Mas, por causa de sua idade avançada há algumas necessidades que ele não é mais capaz de atender regularmente.
- Acredito que você já conheça minhas habilidades neste quesito.
A fêmea sorriu de um jeito feroz. - Sim, conheço.
- E me parece justo que, se me oferecer pousada e refeições, você seja compensada da maneira que achar apropriada.
A fêmea colocou um de seus pés calçados em sapatos de salto agulha no braço do sofá e ergueu a barra do vestido até a cintura, expondo a ele, seu sexo nu. -
Talvez primeiro, você possa refrescar minha memória quanto à seus talentos.
Throe ronronou no fundo da garganta e se inclinou para ela, estendendo a língua para lamber em volta de sua fenda. Quando ela arremeteu o quadril na direção
dele e jogou a cabeça para trás, ele sugou o seu clitóris...
E então parou. Recostou-se no sofá. - Eu só tenho um problema.
- Sim? - Ela gemeu, endireitando novamente a cabeça.
- Não posso ficar aqui no chalé. Não se o Bando dos Bastardos vier te... Visitar. Certamente em uma propriedade tão grande, deve haver outras acomodações disponíveis?
Ela franziu o cenho. - Você é da linhagem de Bluerme, não?
- Sim. Pelo lado materno.
- Então você é um parente distante de meu hellren e, desta forma, seria rude de nossa parte não te oferecer abrigo. É claro, se for ficar na casa principal,
teremos de te arrumar roupas adequadas.
Throe sorriu para ela. Era um acordo perfeito.
Afinal, ela e seu marido haviam apoiado a guerra política contra Wrath, e de jeito nenhum estariam felizes com a debandada do Rei contra o Conselho.
Ele conseguira abrigo, além de uma base de operações.
- Isto seria aceitável, - ele disse, deslizando as mãos pelos quadris dela e puxando-a de volta para sua boca.
Contra o sexo dela, ele murmurou, - Agora, permita-me demonstrar minha gratidão pela sua generosidade.
Capítulo CINQUENTA E OITO
- Eu trabalho sozinha. - A prostituta dizia ao recolher as roupas. - Não tenho um cafetão. Se me quiser de novo, sabe onde me achar.
Xcor olhou para a área de estar do chalé, observando a fêmea se vestir com uma eficiência e rapidez que só perdia para a velocidade do som.
A loira partiu sem nenhuma despedida, tendo feito seu trabalho e recebido seu pagamento de dois mil dólares. Quando a porta se fechou atrás dela, ele ergueu
os olhos para o fogo que morria na lareira. Ele havia pagado para fodê-la de todas as formas e posições que quisesse e era exatamente o que havia feito. Repetidamente.
Ele havia também tomado de sua veia.
Pela qual teve de pagar os outros dois mil dólares.
Graças à sua audição aguçada, ouviu-a do lado de fora, caminhando por sobre as folhas. E então a voz atravessou as paredes finas da estrutura que ele havia comprado
para outra.
- É, estou saindo agora. É. Ele era feio, mas trepava como um animal...
Foi a última coisa que ouviu, então ela deve ter se desmaterializado.
Seu corpo ainda estava nu quando se sentou no chão diante da lareira, joelhos para cima, cotovelos apoiados, braços caídos. O suor esfriava em sua pele, as presas
ainda alongadas pela alimentação, o sexo flácido, encolhido e vermelho de tanta ação a que foi submetido.
O cheiro de tudo o que havia feito empesteava o ar, cada respiração em seu nariz era um lembrete das coisas que seu corpo havia feito.
E com quem.
Baixando a cabeça, esfregou seu cabelo comprido demais, vagamente pensando que devia cortá-lo.
Imagens rodopiavam em sua mente, ele virando a fêmea de quatro e comendo-a como um cão. Suas bolas haviam batido contra o sexo dela, enquanto fodia sua bunda
e ele havia gozado tantas vezes que, ao sair dela, havia a deixado pingando.
Ele havia tentado fazer tudo tão sujo quanto possível, e tinha até mesmo beijado a fêmea. Pelo corpo todo.
Ele queria macular cada pedaço de sua pele com a experiência. Mudar seu corpo. Alterar sua mente.
Apagar a lousa totalmente.
Ao invés disto, ao se sentar sozinho no chão duro, viu que havia feito o oposto. Layla era a única coisa em que conseguia pensar: seu rosto adorável e tímido,
aqueles olhos verdes tão inteligentes e gentis, o corpo do qual ele só havia tido impressões. A sessão com a prostituta havia somente diminuído a luz ao seu redor,
de forma que a iluminação oferecida por aquela a quem ele amava, brilhava ainda mais forte, no contraste.
Como estratégia, aquilo havia sido um fracasso total.
Então ele tinha de encontrar outra. Ou tentar isto de novo, sim, ele tentaria de novo com outra, ou com a mesma ou mais três ou quatro. O dinheiro era escasso,
mas Balthazar e Zypher eram tão sedutores que Xcor tinha certeza que podiam negociar em seu lugar.
E sempre havia o álcool para ajudá-lo.
E a guerra, que era uma excelente drenadora de energia.
O que não podia fazer era ceder à quase sufocante necessidade de telefonar para Layla para ouvir sua voz, e implorar para ela vê-lo apesar do que havia lhe dito.
Aquilo só seria mais uma morte para ele.
Bloodletter havia lhe ensinado que, parte da força era a eliminação da fraqueza, e vezes sem fim, com a repetida exposição àquela Escolhida, suas emoções o haviam
castrado: Ele estava fazendo escolhas e distraindo-se com coisas que comprometiam a integridade de seu guerreiro interior.
E de alguma forma, ela havia descoberto e lhe mostrara aquela verdade.
O conhecimento dela sobre tudo o que ele sacrificara por causa dela havia sido o que o despertara, e somente um tolo não perceberia o caminho que estava trilhando;
ele precisava alterar o destino do que ela se tornara para ele, desviar daquela situação insustentável com ela, proceder com entusiasmo de volta à clareza que uma
vez possuíra.
Senão o que seria o futuro deles? Mais encontros às escondidas aqui? Até que, eventualmente, um Irmão a seguisse devido a alguma pequena gafe que ela tivesse
dado ou alguma suspeita sobre a qual ela não tivesse consciência? Seus soldados e ele precisavam de um local seguro para descansar e se recuperar durante as horas
do dia, e ele não podia comprometer isto.
Onde ele estivera com a cabeça? Ao trazê-la aqui?
Ele e seus Bastardos não tinham dinheiro para se mudar de novo tão logo, o aluguel da propriedade era um fardo grande demais agora que Throe havia partido.
Pelo menos Xcor sentia que podia confiar nela. Ela tivera nove meses para delatar o local nos prados onde sempre se encontravam, e ele ainda sabia onde o Complexo
da Irmandade ficava. Era uma troca mútua... Se ela divulgasse este lugar, havia de saber que sua reação seria um ataque direto à mansão sagrada da Irmandade.
Onde, se as fofocas fossem reais, o primogênito do Rei dormia em seu berço.
Não, ela não diria nada...
Bing!
O som de seu celular tocando o fez virar a cabeça. O aparelho celular estava no chão perto da porta, no emaranhado de suas calças.
Pulou em pé e correu pelo espaço, suas mãos parecendo atrapalhadas ao remexer pelas camadas de tecido, e lutando contra o fecho do bolso, retirou o aparelho.
Ele não havia tido resposta nenhuma dela quanto à mensagem que havia convertido de voz para texto para lhe enviar.
Digitando uma senha de quatro dígitos no teclado numérico, desbloqueou o aparelho e vasculhou pelas mensagens de texto. Seu analfabetismo era tão grande que
tinha de usar um aplicativo conversor de texto-para-áudio para conseguir receber as mensagens de seus soldados e dela.
Mas, sabia o suficiente para ver que, o que recebera não era da Escolhida.
Ele afastou o celular sem ouvir o que era.
O fato de ter caminhado e parado em frente à porta de entrada, como se estivesse perdido, o emputeceu.
Ele não podia, não iria permitir que esta castração continuasse. Havia coisas demais em sua vida que eram mais destrutivas do que deixar uma fêmea que não era
dele, só para começar: sua mãe havia odiado sua aparência e o havia abandonado por causa de seu lábio leporino; ele havia suportado abusos inimagináveis no campo
de treinamento do Bloodletter; e então seguiram-se os séculos de depravação nesta guerra, seu ódio desenfreado pelo mundo o definia, o guiava.
Este assunto com Layla não iria derrotá-lo.
Forçando seus pés adiante, entrou no banheiro e ligou o chuveiro. O sangue que a puta havia lhe fornecido o provia de uma força física que ele não sentia desde...
Não, ele não podia mais pensar em Layla.
Ele tinha de esquecê-la. Desligar suas emoções.
Era como uma morte, disse a si mesmo. E as Destinos sabiam que ele conhecia isto bem demais, e conseguia lidar definitivamente com o conceito.
Entrando sob o jato de água gelada, pegou o sabonete e começou a lavar sua pele, mas, então parou.
Não, ele precisava manter o fedor em sua carne.
O propósito do banho era somente acordá-lo da letargia pós-alimentação que confundia seu cérebro. Depois disto, ia até seus soldados.
Era hora de voltar a focar e renovar seus esforços na guerra.
E reassumir o curso natural de sua vida.
CONTINUA
Capítulo QUARENTA E QUATRO
- Ele me disse que precisava de uma parka.
Na noite seguinte, quando a escuridão caiu sobre o Complexo e as persianas se levantaram, Selena olhou para trás e para frente entre as duas capas que Fritz
levou até ela. Uma era vermelha, a outra negra; ambas eram de lã e relativamente largas.
- Oh, sinto muito, senhora. - Virou-se para armário da sala que dava para a garagem. - Que tal um destes?
Desta vez, ele lhe ofereceu uma escolha entre um casaco de cintura larga que parecia ter sido feito de biscoitos e um muito mais largo. Ambos eram negros e tinham
pequenas etiquetas que diziam: PATAGONIA.
- É uma noite relativamente leve, - disse Fritz. - Talvez o mais curto dos dois?
- Sim, acho que tem razão.
Deslizando dentro da coisa, foi surpreendida pela luz e depois de puxar o casaco rapidamente para cima, procurou dentro dos bolsos.
- Isto é fantástico.
O mordomo sorriu. - Meu prazer. Luvas?
- Acho que vou manter minhas mãos aqui.
- Como quiser senhora.
Ao sair da cozinha, sentiu-se como se estivesse borbulhando. Trez se negou a dizer-lhe algo sobre onde iriam e o desconhecido era como um vinho embriagante,
fazia sua cabeça zumbir e seu corpo flutuar.
Ela vacilou diante da porta para a sala de jantar. Os sons, os cheiros do café da manhã eram óbvios e suaves, as vozes que conhecia bem, os cheiros que faziam
seu estômago rugir. E, no entanto, deu a volta e se dirigiu para a outra saída da cozinha, a que se abria de lado para uma grande escada.
Todo o mundo foi amável na noite anterior, todas as mulheres lhe deram atenção e um apoio incrível.
Não queria incomodá-los novamente e realmente não queria uma relação extra.
Sentia-se um pouco cansada e queria guardar todas suas forças para uma nova oportunidade.
Quando entrou no vestíbulo, viu Trez e Manny em pé e muito próximos do lado do mosaico de macieira no chão. Conversavam com atenção, cada um mais sério que o
outro.
Seu coração parou. O médico estava insistindo que ficasse em casa? Ou iria levá-la para a clínica pela primeira vez?
Olhou para trás e considerou suas opções. Não ficaria sob a terra, ainda que...
- Precisa cuidar dela. - Manny advertiu.
- Eu o farei. Juro pela vida do meu irmão.
Oh...
Manny tirou algo do bolso. Um tipo de chaveiro.
Pendurando-o na frente do rosto de Trez disse. - Ela nunca foi dirigida por ninguém mais.
- Então porque está entregando para mim?
- Por que você tem de ir com estilo. Está levando sua mulher para sair e não pode ser em uma BMW qualquer.
- Você é um esnobe com carros.
Selena franziu o cenho. Carro? Falavam sobre...
Trez deu a volta como se houvesse percebido seu cheiro no ar e no instante em que a viu, começou a sorrir. - Ei, pronta, minha rainha?
Caminhando através do vasto espaço, ela lhe devolveu o sorriso. Deixou o cabelo solto novamente, porque sabia pela forma que a olhava, brincava com ele e o acariciava,
que ele preferia assim.
O coque das Escolhidas supunha-se que poderia lhe dar um diabo de uma dor de cabeça depois de algumas horas.
Ficou na ponta dos pés, beijou-o na boca e logo ficou ao lado dele, encaixada perfeitamente sob seu braço. - Estou tão pronta.
Manny aplaudiu Trez e logo disse em voz baixa. - Nós acertamos.
- Obrigado, homem.
Logo o médico lhe piscou, caminhou para a cozinha e para todas as pessoas que ali estavam.
- O que significa isto? - Perguntou Selena quando Trez abriu a porta para o vestíbulo. - Isto de acertamos?
- Nada.
Inclinando-se para frente, abriu a segunda porta e o frio da noite entrou fazendo cócegas no nariz dela e colorindo as bochechas.
- Demais? - Perguntou.
- O que?
- Muito frio? Você estremeceu.
- Adoro.
- Bom, quero ir de cima abaixo.
Estacionado justo de frente as escadas de pedra estava um maravilhoso carro preto, com rodas negras e algum tipo coisa na parte da frente.
- Querida Virgem Escriba, o que é isto? - Disse.
- É um Porche 911 turbo.
- Oh meu...
Descendo, ela se aproximou da máquina, tirando a mão do bolso e passando os dedos de lado. Suave, brilhante, frio como o gelo.
- Mas tem um teto, não? - Disse.
- Tem alguns truques.
Ao abrir a porta, ela sentou-se do lado do passageiro. - É o novo bebê de Manny. Ele o conseguiu há algumas semanas e é o mesmo modelo e marca do seu último,
mas por dentro é diferente. Isto foi o que disse, em todo caso.
Por dentro cheirava a couro, o perfume do humano e o cheiro de Payne.
Trez sentou-se ao volante e fechou a porta. Quando virou uma chave, um grande grunhido se colocou em marcha, uma vibração sutil passou pelo interior.
- Olhe isto. - Ele apertou outro botão. - Para cima.
Como por magia, tudo o que estava sobre sua cabeça se afastou, retraindo-se em uma serie de dobras no compartimento traseiro.
- Pensei que quisesse ver as estrelas. - Ele sorriu e ligou o aquecedor. - Tem uma tela, então não precisa se preocupar com o vento.
Inclinando-se para trás, viu... O céu de veludo com suas luzes piscando.
Deixando escapar um grito de alegria, lançou os braços ao redor do pescoço dele e o puxou para lhe dar um beijo. - Isto é incrível!
Ele riu. - Não posso acreditar que nunca viu um conversível antes.
- Nunca ando de carro. A menos que esteja com você.
- Bom, coloque o cinto. Esta cadela vai voar.
Quando ele pisou no acelerador, o carro saltou para frente como um cavalo galopando e ela não pôde deixar de olhar o céu noturno e sorrir com tanta força que
suas bochechas doeram.
Inclusive com o mhis, estava bem rápido, disparando pela montanha até que chegaram a uma estrada na parte inferior. Virou à esquerda.
- Aonde vamos? - Perguntou enquanto ele pisava no acelerador novamente e ela era absorvida pelos contornos de seu assento quando o motor rugiu.
- Já verá. - Olhou. - Quente o suficiente?
- Perfeitamente sim!
Era forte e estimulante, um torvelinho de ar frio ao redor de sua cabeça, com o ar quente a seus pés, o carro rugindo e apoiando-se nas curvas da estrada. Antes
de perceber, seu coração estava acelerado e fazia seu estomago se contorcer, sentiu o octano em suas veias.
- Espero que seja uma longa viagem! - Gritou.
- O que?
- Esqueça!
Ela perdeu a conta dos minutos e dos quilômetros, mas pouco a pouco percebeu que a paisagem florestal aumentou, salpicada de casas humanas. Logo, havia lojas,
bairros com casas, um parque e muitos edifícios de apartamentos apareceram.
- Onde estamos? - Perguntou enquanto diminuía a velocidade para parar em um semáforo vermelho.
- Fora de Caldie.
- Vamos ao centro novamente?
- Não. - Ele sorriu. - Mas, estamos quase em nosso destino.
Um pequeno carro mais baixo e de cor amarela parou junto a eles e ela sentiu o condutor olhar para cima. Música pulsava dentro do outro carro e o motor estava
acelerado.
- Está tendo uma espécie de espasmo. - Perguntou. - Nos pés?
- Não, está acontecendo em outro lugar. - Trez murmurou.
Quando o semáforo ficou verde, o pequeno carro explodiu adiante, seus pneus gritando, um cheiro desagradável de queimado deixando seu rastro.
- O que foi tudo isso? - Perguntou.
- Espere.
Efetivamente, um carro com luzes azuis e brancas saiu de um estacionamento e foi em perseguição. Mas não atrás dela e Trez.
Trez negou com a cabeça. - O pequeno merda deveria saber que nunca deve fazer isto por esta rua. Além disso, está louco em andar com este carro. - Ele se aproximou
e lhe tocou. - Está pronta?
- Oh sim. - Olhou ao redor e não viu mais que algumas empresas unidas entre si por um teto comum e um estacionamento. - Chegamos?
- Quase.
Na realidade, era um pouco adiante, além das lojas com a palavra Outlet destacada. E logo apareceram algumas casinhas de madeira em uma pequena colina com...
Estacionamentos. Lotes vazios enormes para estacionar como os jardins do Santuário. Exceto do outro lado do carro. - O que é isto?
- Bem vinda à Storytown.
Selena se inclinou adiante. No outro extremo havia um sinal luminoso indicando a entrada, era alto e largo e desafiava a compreensão. Mas o que viria depois
disto? Era ainda mais surpreendente. Vastos mecanismos que alcançavam até o céu e se iluminavam como um arco-íris, todas as luzes intermitentes como se fossem brinquedos
feitos por gigantes.
Trez girou o carro de Manny por todo o asfalto e rugiu através da superfície, em direção à porta do lado esquerdo no que parecia ser uma zona de faturamento.
Quando parou ante uma entrada lateral, tiveram que esperar um momento antes que um homem com uniforme azul marinho soltasse algo e os deixasse passar.
- Ei Senhor Latimer.
Trez estendeu a mão e ofereceu a sua. - Pode me chamar Trez.
- Sou Ted. - Estreitaram a mão e o homem assentiu com a cabeça à Selena. - Iremos cuidar muito bem de vocês esta noite. Por aqui.
- Certo. Obrigado, homem.
- Sem problemas.
Quando ele pisou no acelerador, Selena se viu abrumada por todas as luzes de neon. - O que é este lugar. Isto é... Mágico.
- E é todo nosso. Não há ninguém mais aqui, apenas eu e você.
- Como é isto possível?
- Um dos meus garotos da segurança é irmão do chefe da segurança aqui. Conversaram com os proprietários e eles estão me fazendo um favor.
Quando encontraram um segundo guarda, Trez parou o carro e desligou o motor. - Gostou daquela louca viagem pelo centro ontem à noite, não?
- Oh sim, sim, muito.
Inclinou-se e a beijou. - Espere para ver, minha rainha.
iAm observava de uma torre alta de segurança no centro do parque de atrações quando Trez manobrou o Porche através da porta e parou no segundo ponto de segurança.
- Quer binóculos?
Olhou por cima do ombro para Big Rob. - Não. Estou bem.
O gorila da shAdoWs silvou enquanto colocava novamente o binóculo perto dos olhos. - Você tem olhos impressionantes para ver tão longe.
iAm encolheu os ombros e tomou outro gole de sua caneca térmica. Dentro, o café era forte e quente o suficiente para queimar a língua. Assim como gostava. Ele
não estava dormindo, mas, estava em coma esta manhã, quando seu irmão o acordou com esta ideia brilhante por volta das dez horas. O plano era louco, claro. Quem
demônios alugava todo um parque por três horas?
Especialmente quando a maldita coisa fechou na temporada anterior? Trez o fez. Bem assim.
E iAm ajudou o garoto a resolver tudo.
Fazer com que tudo isso acontecesse para Selena levou uma quantidade incrível de dinheiro e algumas ligações telefônicas que sinceramente foram difíceis. Mas,
graças à Big Rob que estava ali e o irmão dele, Jim, também conhecido como Jimbo e a esposa do proprietário que acabou de perder seu pai com câncer no verão anterior,
conseguiram preparar tudo: O pessoal foi chamado de suas folgas e as máquinas que estavam paradas foram ligadas novamente. Inclusive as tendas de comida estavam
funcionando... Graças aos garçons do Sal's.
A alegria no rosto de Selena e o orgulho de seu irmão, evidente inclusive dali da torre, fazia com que valesse a pena.
E sabe, era impossível desprezar os seres humanos esta noite. Pelo amor de Deus, os proprietários não guardaram o dinheiro deste aluguel, eles doaram à Sociedade
Americana de Câncer. Às vezes as pessoas surpreendem. Estes realmente o surpreenderam.
- Então, quem é ela? - Perguntou Big Rob. - Quero dizer, ouvi que ele tinha uma namorada, mas, não sabia que estava... Sabe, doente. Eles estão juntos há muito
tempo?
- O suficiente.
Houve um silêncio espesso. - Ele não vai voltar ao trabalho, não é?
- Não por um tempo.
- Vocês, rapazes vão nos vender?
- Não sei. Não chegamos tão longe.
iAm olhou para o relógio novamente. Oito e meia. Perfeitamente a tempo para sua saída programada para as onze e meia. O centro cirúrgico de luxo de Manny estava
estacionado no centro, a zona ainda estava fervendo pela festa do dia anterior, para mover a coisa, mas tinham um bom plano de contingência para Selena. Manny ainda
tinha uma velha ambulância normal e a coisa estava em estado de alerta, perto do parque de diversões esperando e o bom doutor e a médica estavam de prontidão.
- Posso entender porque ele não disse nada. - Big Rob murmurou enquanto deixava cair o binóculo. - E não é por nada, mas uau, ela parece estar em outro mundo.
- Ela também é uma boa pessoa.
- Ela sabe o que ele fez... Você sabe. Uma mulher de classe assim, quero dizer...
- Para ser honesto, acho que esta merda é a ultima coisa em sua mente.
- Sim. Claro. Quero dizer, sim.
iAm olhou para o rapaz. - Não se preocupe, está tudo bem. Pode ir para o clube.
O humano assentiu com a cabeça. - Eu devo ir.
À medida que o homem vacilava, iAm estendeu a palma. - E quanto aos planos futuros com os negócios, nós cuidaremos de todos, prometo. Não importa o que aconteça.
Big Rob estremeceu. - Obrigado homem. Mas, tenho de dizer, gostamos muito de trabalhar para você. Além disso, não sei se Silent Tom conseguiria passar por uma
entrevista. Quase o mataram há cinco anos, quando ajudou Trez.
- Sim, acho que disse menos de doze palavras pelo tempo que o conheço. Dirija com segurança.
- Obrigado. Ligue se precisar de algo.
Big Rob colocou o binóculo na mesa e parou um último momento, olhando para onde Trez e Selena caminhavam entre os carros bate-bate e uma lanchonete. Balançando
a cabeça, dirigiu-se para a saída e fechou a porta atrás de si quando se foi.
iAm olhou o relógio novamente.
Três horas.
E então o quê? Que demônios faria à respeito de maichen?
O que aconteceria se Trez e Selena precisassem dele... E estivesse fora se encontrando com esta mulher?
Jesus, depois de toda uma vida de celibato, era uma surpresa descobrir que fazia arranjos para se encontrar sozinho com um membro do sexo oposto. E não era para
conversar.
Não, ele não estava com ânimo para conversar.
Esfregando os olhos, imaginou a mulher envolta em todas aquelas túnicas de cor azul claro e a vontade de entrar sob elas o levava ao limite obsessivo. Diabos,
se não fosse pela exaustão, provavelmente teria passado todo o dia olhando o teto sobre sua cama pensando no que iria fazer com ela. Como sempre, foi dormir com
uma ereção e acordou com uma também.
Não fez nada a respeito. Masturbar-se, de alguma forma, parecia muito real.
E pela mesma razão, não disse nada à seu irmão sobre sua viagem ao s'Hisbe ou sobre a fêmea que conheceu ou o "encontro" que o marcou.
Comparado com o que Trez enfrentava, tudo era tão pequeno, como batatinhas. E havia também um mundo de sonhos em tudo isso, e se surpreendeu ao descobrir que
queria manter tudo no lugar.
Talvez porque deixava as coisas menos intimidantes?
Mas, vamos, ele não pensava que estava indo. Como poderia partir...?
Não, ele não iria. Pela primeira vez em sua vida, ele não pensava que poderia confiar em si mesmo para não ir diretamente para cima de uma pobre mulher, como
um animal. E inferno, ela provavelmente estava tendo segundos pensamentos, também. Encontrar-se com um homem desconhecido no meio do nada? Estaria louca por fazer
algo assim.
Sobre tudo porque ela tinha de saber o que estava na mente dele.
Não, disse a si mesmo. Nenhum deles iria aparecer na cabana à meia noite. Isto era o melhor para todos.
Realmente. Era.
Capítulo QUARENTA E CINCO
- Ele já está morto! Deuses, já morreu... Pare!
Não, Xcor pensou. Ele não iria parar.
Enquanto continuava a apunhalar o lesser, sangue negro espirrava em seu rosto, peito e antebraço. Sangue negro empoçou-se no asfalto frio do beco. Sangue negro
entrou nos olhos dele.
Ainda assim, continuou o ataque, seu ombro guiando a lâmina para diversos pontos, exceto o peito vazio, enquanto Zypher gritava, puxava-o, amaldiçoava-o.
Mas, foi tudo em vão. Enlouquecido, era uma besta descontrolada, sua mente flutuando acima do esforço, levando-o somente a matar, matar, matar...
O puxão que finalmente o fez largar a presa foi como um reboque de caminhão, força suficiente para separá-lo da carcaça mutilada e gosmenta.
Ele não gostou da realocação involuntária. Virando-se, golpeou o ar com a adaga, quase acertando a garganta de Zypher. O soldado recuou para fora de seu alcance,
ao mesmo tempo em que desembainhava sua própria arma, preparado para lutar.
Preso entre uma estocada e um recuo, Xcor arfou, com grandes nuvens de vapor saindo de sua boca. Ele havia saído da deserta casa de fazenda, sem nenhum deles,
rumando desenfreadamente para o palco do conflito, seminu e totalmente enlouquecido.
E havia sido para o bem de seus próprios soldados.
- Qual o seu problema?! - Zypher exclamou. - O que te aflige?
Xcor exibiu as presas - Me deixe em paz.
- Para poder se matar?
- Me deixe!
O eco de seu grito repercutiu acima e para fora do beco, as palavras ricocheteando entre as paredes de tijolo dos prédios, antes de sumirem na escuridão como
morcegos libertados de uma caverna.
O rosto de Zypher era pura fúria. - Eles têm armas, lembra? Ou a noite passada é uma lembrança muito vaga para você?
- Eles sempre tiveram armas!
- Não desse tipo!
Xcor baixou o olhar para o lesser. Mesmo quase desmembrado, ainda se movia, erguendo os braços em câmera lenta, pernas convulsionando em uma mistura de vísceras
e óleo preto.
Rosnando para a coisa, gritou, e então lhe deu a punhalada final. A claridade foi tão forte, que ele ficou cego pelo brilho, suas retinas reviraram com o reflexo.
Mas adaptou-se logo, cada piscada clareava a visão um pouco mais.
Ele precisava mais. Precisava encontrar mais... Precisava de outra coisa também.
- Me arrume uma prostituta. - Ele resmungou.
Zypher recuou - O que?
- Você ouviu. Me encontre uma. Traga-a para o chalé.
- Humana ou vampira?
- Tanto faz. Só certifique-se de pagar bem para que ela esteja disposta.
Ele esperava perguntas. Não houve nenhuma.
Zypher só inclinou a cabeça. - Como quiser.
Xcor afastou-se, preparado para caçar, lutar e matar. E, antes de correr, olhou por sobre o ombro. - Loira. Eu a quero loira. E deve ter cabelos longos.
- Eu sei a quem chamar.
Com um aceno, Xcor correu pelo beco, seus shitkickers trovejando sobre o asfalto irregular. Farejando a brisa, seu cérebro filtrou os cheiros de fumaça de diesel
misturado à restaurantes xexelentos, e mendigos humanos, sem teto e sem banho, misturado com peixes apodrecendo no rio.
Sua ira contra si próprio aguçava cada sentido que possuía...
- Ei, cara, quer um bagulho?
Parando seus passos, voltou-se e soube pelo cheiro que invadiu suas entranhas que não era um humano ali nas sombras.
O inimigo a quem buscava o havia encontrado, o lesser ainda não sabia com quem estava falando.
- Sim. - Disse ele - Eu gostaria de um bagulho.
- Filho da puta estrangeiro, - disse o lesser. - O que você quer?
- O que você tem?
- Só coisa boa. Heroína pura em pó, colombiana, não essa merda mexicana que...
Xcor não permitiu que o discurso de venda chegasse à uma conclusão. Com uma estocada cruel, se inclinou à frente lançando sua adaga em um arco, e atingiu o lesser
em cheio no rosto, na altura dos olhos. Instantaneamente, o morto-vivo ergueu as mãos, dobrando-se em dois, uivando de dor... E Xcor tirou vantagem disto, recuando
sua bota direita e chutando-lhe o crânio como se fosse uma bola de futebol, mandando o morto-vivo pelos ares até o outro lado do beco.
Saltando alto no ar, pousou sobre o lesser, rolou-o e prendeu suas mãos sobre a cabeça, com uma de suas mãos. O fedor era leite azedo e suor fétido, e o cheiro
adocicado reforçou seu instinto de matar.
A raiva que não vinha conseguindo conter desde que Layla tinha ido embora, voltou novamente. Colocando sua adaga no suporte, fez um punho com a mão dominante
e atingiu várias vezes o rosto pálido do lesser, até as feições praticamente se liquefazerem com os golpes, os ossos quebrarem, a mandíbula cair frouxa. A cada inalação
ele erguia o braço, a cada exalação, o punho descia, o ritmo regular de sua respiração guiava os golpes.
Era melhor Zypher arranjar tudo depressa.
Ele precisava foder até seu humor melhorar.
Sentada na beirada da cama, as mãos de Layla tremiam ao segurar o celular entre as mãos. Ela já havia lido a mensagem, e não só uma vez. De fato, vinha lendo
as palavras desde que havia acordado, ao anoitecer, com o som do celular vibrando na mesinha de cabeceira.
Não venha mais me ver. Eu jamais voltarei ao chalé ou à casa de fazenda de novo, ou consentirei estar em sua presença. Não tenho interesse em nada do que tem
a me oferecer.
Xcor deve ter ditado aquilo em seu iPhone. Ele jamais havia lhe enviado nada via mensagem de texto antes, e ela sempre suspeitara que ele não sabia ler ou escrever.
De todas as maneiras que ela havia imaginado o término da relação deles, de todas as maneiras que havia imaginado a separação deles, não era para ser assim.
Não por ela ter tirado a roupa dele e depois tê-lo obrigado a se alimentar dela.
- ... Olá?
Ela pulou, e o celular voou de suas mãos, caindo no tapete. Quando Qhuinn se aproximou para pegar a coisa, ela entrou em pânico e se levantou rápido da cama
para chegar lá primeiro. Ou tentou se levantar.
Com sua barriga, não conseguia se mover rápido, e ela prendeu a respiração quando ele se inclinou para pegar o celular.
- Você está bem? - Ele disse - Parece pálida.
Não olhe para ele. Não olhe para a tela...
- Oh, meu Deus, está chorando?
- Não. - Ela estendeu a mão - Não estou.
Me dê o celular, me dê...
Qhuinn veio até ela e ergueu seu rosto, - O que está havendo?
Quando o polegar dele acariciou sua bochecha, ele colocou o fodido celular no lugar dele, sobre a mesinha de cabeceira. Com a tela virada para baixo.
- Eu bati na porta e ninguém respondeu, - disse ele - Fiquei preocupado.
Com um tremor, ela fechou os olhos, seus nervos tensos ainda vibrando pelo seu quase flagrante. - Só estava lendo uma história triste online. Acho que estou
mais emotiva do que pensava.
Ele se sentou próximo dela. - Aconteceu merda demais nos últimos dias...
Antes que pudesse se conter, explodiu em prantos e encostou-se no amplo peito dele.
Enlaçando-a com braços fortes, ele abraçou-a gentilmente e deixou-a chorar, botar tudo para fora... E o fato de ele ter erroneamente assumido que as lágrimas
eram só porque estava grávida de gêmeos e com sobrecarga hormonal, a fez chorar ainda mais.
Ela chorou pelos meses e meses de mentiras e decepções; chorou por todas as idas àquele prado; por ela ter se esgueirado para fora e para dentro da casa; por
usar o carro que Qhuinn havia comprado para ela para fazer aquilo.
E mais do que tudo, chorou devido a uma sensação de perda tão poderosa, que era como se alguém houvesse morrido na sua frente e não houvesse nada que pudesse
ter feito para salvá-lo.
Imagens de Xcor golpeavam-na, das suas tentativas de fazer-se apresentável, tentando estar sempre limpo, mesmo recém-saído da batalha... Seu jeito no chuveiro,
delineado enquanto seu corpo gozava por trás da cortina... A derrota que havia pendido sua cabeça enquanto olhava para o fogo como se alguma parte vital de si próprio
estivesse exposta, sangrando, enfraquecendo-o, transformando-o.
Ela tentou dizer a si mesma que era melhor assim. Chega de vida dupla. Sem mais falsidade. Sem mais esconder o celular ou se preocupar se suas fugas seriam descobertas.
Chega de Xcor...
- Eu vou chamar a Dra. Jane. - Qhuinn disse, preocupado, enquanto ia até o telefone.
- O que? Não, eu estou...
- Seu peito está doendo muito?
- O que? - Disse ela, fungando - O que está...
Ele apontou para seu tórax. Baixando o olhar, viu que ela mesma havia agarrado a frente de sua camisola de flanela, o tecido suave jazia embolado entre seu punho
apertado.
Era a origem de suas lágrimas, ela pensou.
Vinham de seu coração.
- Honestamente, - ela sussurrou, - estou bem. Só tinha de botar para fora... Sinto muito.
A mão de Qhuinn parou sobre o telefone. E mesmo quando ele finalmente recolheu o braço, ela teve certeza que ele não estava convencido.
- Eu acho que preciso comer alguma coisa, - ela disse.
Era a última de suas preocupações, mas ele imediatamente entrou modo de solicitude, ligando para Fritz ao invés da médica, pedindo por uma variedade de comida.
A preocupação dele para com seu bem-estar, e toda sua atenção só a fez voltar a chorar.
Querida Virgem Escriba... Ela estava de luto, não estava?
Capítulo QUARENTA E SEIS
- Está bem, então entramos aqui.
Selena agarrou a mão que Trez ofereceu e andou até a beirada da primeira cápsula de uma fileira de seis. As pequenas gôndolas em formato de ervilha estavam montadas
em um par de trilhos e continham dois assentos lado a lado com uma barra de segurança que se erguia acima do capô pouco alto. Após Trez se juntar a ela, um operador
uniformizado lhes deu um aceno de um painel de controle do outro lado da plataforma.
- Isto vai por aquele caminho? - Ela perguntou, apontando para a montanha a frente. - Vamos subir ali?
Trez teve de pigarrear. Duas vezes - Ah, sim. Vamos.
- Oh, meu Deus, é tão alto!
- Eu, ah... É. É sim.
Ela virou-se para ele quando a barra de segurança desceu e travou-se sobre suas pernas. - Trez, sério, você vai odiar isto.
Houve um tranco e então começaram a se mover para frente no trilho, um sonzinho de chk-chk-chk foi emitido enquanto as rodas a giravam em velocidade crescente.
- Você, no entanto, vai amar. - Ele disse, beijando-a - Acho que é melhor se segurar.
Ao iniciarem uma subida quase vertical, suas costas pressionaram o assento acolchoado e suas mãos agarraram a barra de metal frio. Por um momento, ela desejou
ter pegado as luvas que haviam lhe oferecido antes de sair de casa, mas então, esqueceu todo o desconforto.
Mais alto, mais alto, mais alto... Impossivelmente alto.
Voltando-se para o lado, ela riu. - Oh, meu Deus, estamos subindo tanto!
E eles só estavam a meio caminho do topo.
O chk-chk-chk se tornou muito alto e os trancos, mais fortes, até ela sentir como se alguém empurrasse seus ombros. A brisa ficou cada vez mais fria e mais violenta
também, seu cabelo esvoaçava, a parka a desafiava a manter o seu tórax aquecido.
- A vista é incrível, - ela suspirou.
Não tão alto quanto eles estiveram na noite passada, mas sem chão entre ela e a toda aquela altura, sem painéis de vidro para impedir uma queda, nada além do
trilho e a crescente distância do chão, ela sentia-se flutuando.
E as luzes do parque eram magníficas. Brilhantes e multicoloridas, estavam lá embaixo por todos os lados em que ela olhava, acentuando os contornos de vários
dos brinquedos, refletindo nos espelhos e brilhando nos topos vermelhos e amarelos e azuis dos estandes e barraquinhas.
- É como se o céu estivesse invertido e as estrelas estivessem lá embaixo.
- É. Oh, uh-huh... É. Eu acho que chegamos ao topo... Oh, é. Uau. Uh-huh.
Abruptamente nivelaram e tudo silenciou, exceto o vento que golpeava seus ouvidos, a viagem se tornando suave e gentil ao fazerem uma curva fácil.
Um olhar rápido para o macho, e ela viu que, apesar de sua pele escura, estava pálido como um fantasma.
Ela soltou uma das mãos e cobriu a dele. - Trez, acho melhor nos mantermos no chão após isto, ok?
- Oh, não, tudo bem... Estou bem, estou legal.
Uh-huh. Certo. O maxilar dele estava tão fortemente cerrado que ela se preocupou com seus dentes de trás, e o pescoço estava enrijecido acima da gola da jaqueta
de couro. De fato, a única coisa que se movia no corpo inteiro dele era o joelho direito. Estava oscilando para cima e para baixo, para cima e para baixo, cima-baixo,
cima-baixo-cima-baixo-cima-baixo.
- Lá vamos nós, - murmurou ele. Como se preparando para levar um soco na cara.
Ela olhou para frente bem a tempo de não ver absolutamente nada a sua frente. Havia somente o ar aberto, como se os trilhos tivessem sumido.
- Onde estão...
Whoooooosh!
De repente eles estavam a uma velocidade suicida, sem peso e voando, lançados impetuosamente para baixo, baixo, baixo.
Selena riu como se estivesse louca, soltando as mãos e jogando os braços para cima. - Siiiiiiiim!
Tão veloz, o ar golpeava por entre seus cabelos, estapeava lhe o rosto, empurrava-a contra o assento; então bruscamente à direita, à esquerda, zum-zum-zum, subindo
outra subida gigante quando o chk-chk-chk voltou e então...
- Oh, meu Deus! - Trez berrou.
Para o alto e em volta, para que o mundo virasse e ficasse de ponta cabeça antes de se endireitar de novo. E outro looping e então um que os inclinou para o
lado.
Era como aquela volta para casa de novo, somente mais vívida e indomável e maravilhosa.
- Eu podia fazer isto para sempre! - Ela gritou quando outra sequência se aproximava. - Para sempre!
- Oh, Cristo, não de novo!
Quatro vezes.
Seguidas.
E por insistência de Trez.
Quando o pequeno carro dos horrores voltou novamente à plataforma, ele estava preparado para continuar a tortura.
Selena estava extasiada e fazia tudo valer a pena... Mesmo os loopings intestinais da montanha russa.
Que tornava suas próprias tripas uma bagunça efervescente.
- Vamos de novo, - ele disse, tentando abanar a bandeira. Mesmo que àquela altura alguém tivesse de remover cirurgicamente suas mãos da barra de segurança.
- Não, eu acho que já é suficiente.
- Está brincando? Eu adorei essa merda...
- Terminamos, - ela chamou o operador.
- Eu tirei fotos de vocês, - o macho humano disse, enquanto baixava a alavanca e um motor que não estava às vistas parou subitamente. - Estão sendo reveladas.
Está beeeeem, hora de sair. Sim.
- Trez?
Soltando seu agarre da barra, ele observou seu salvador de metal se erguer e se encaixar no lugar apropriado acima de suas cabeças. - É, estou saindo. - Agora
mesmo, - lá vou eu.
Quando Selena se levantou e se apoiou na barra em busca de equilíbrio, ele se sentia pronto a segui-la. Andar até ela, e até o operador. Pegar aquelas fotos
que ele nem sabia que alguém iria tirar.
Em vez disto, ele só permaneceu sentado, respirando com muita dificuldade. Mas, vamos lá, ele não era um marica. Forçando-se a ficar em pé, descobriu que suas
pernas estavam dormentes do meio da coxa para baixo, mas, em um cambalear confuso, de alguma forma, conseguiu sair do carrinho e foi para a plataforma sem passar
muita vergonha.
Apesar do fato de Selena ter de apoiá-lo não ter sido, exatamente, uma declaração de reafirmação de sua verticalidade.
- Oh, obrigada, - ele ouviu-a dizer ao operador. Então olhou para ele, - Ei, vamos até aquele banco olhar as fotos.
Antes que se desse conta, estava sentado em um pedaço de aço fundido, frio e gelado e olhando para as fotografias de Selena se divertindo e ele com a cara de
alguém com as bolas presas em um torno. Enquanto isto, a mão dela acariciava suas costas, correndo o couro da jaqueta em um círculo lento.
- Aqui está, senhora.
- Muito obrigada, - ela ofereceu-lhe algo. - Porque não toma isto?
Ele estava enjoado demais para responder de novo que estava tudo bem. Apenas aceitou o que ela oferecia, colocou na boca e obedeceu ao comando de beber.
- Oh, isto é bom. - Suspirou quando finalmente baixou a garrafa de refrigerante.
- Ginger Ale. A Dra. Jane indicou.
Cerca de dez minutos depois, ele conseguiu se concentrar apropriadamente no que, supostamente, estava olhando. - Você é tão linda, - disse ele, ao fitar a imagem
dos dois juntos.
- Não tenho certeza disto, mas te digo uma coisa, aquele foi o ponto alto da minha vida, bem ali. Como se sente?
Ele esfregou o dedão sobre a foto do rosto dela. - Você está tão viva. Olhe para você, seus olhos estão incríveis.
Uma a uma, ele estudou as fotografias. Haviam sido tiradas após a segunda subida, quando se tinha a sensação de falta de peso e o vento rugia e não se ficava
muito convencido de que aquela merda iria terminar bem quando chegasse ao fim.
Ele podia praticamente sentir a agitação percorrendo o corpo de Selena, a excitação, o prazer, a vibrante força vital transformando-a em um contido relâmpago
de alegria.
Já ele? Jamais se sentira tão pálido, sua pele escura sem cor como a merda...
Quem diria.
- Devíamos fazer um calendário destas, - ele anunciou, - metade delas, mais ou menos.
- Você parece bem melhor. Menos verde. Você estava meio verde.
- Eu encararia aquela filha da puta milhões de vez se você quisesse.
Ela se inclinou, virou o rosto dele para sua direção, e beijou-o - Você sabe o que acabou de provar?
- O que? Que mesmo verdadeiros machões precisam de saquinhos de vômito às vezes?
- Não. - Ela beijou-o de novo - Que é possível dizer "eu te amo" sem usar palavras.
O peito dele estufou. Ele não conseguiu evitar. - Veja só. Sou um Casanova... Quem diria.
Terminando seu Ginger Ale, ele jogou a garrafa vazia na lixeira que ficava a um metro e meio de distância e colocou as fotos no bolso interno de sua jaqueta.
Levantando-se, ele lhe ofereceu o braço. - O que acha de comer algo nutricionalmente deficiente, mas totalmente gostoso? Estamos falando de produtos químicos
de verdade e tudo totalmente ultra processado. O tipo de coisa que humanos geralmente gostam de comer, mas tem de tomar sal de frutas quando chega em casa?
- Soa delicioso. - Ela aceitou a oferta. - Estou ansiosa para ver o que servem aqui.
Trez acenou para o atendente, e então considerou que talvez fosse melhor fazer umas poses de fisiculturista só para retificar sua prejudicada imagem de macho.
A área de alimentação ficava atrás e à direita, e conforme eles contornavam a base daquela montanha-russa, ele olhou para cima, muito para cima, para a geringonça
de metal que mantinha os trilhos no ar. Cara, que bom ele não ter tido esta vista antes de subir lá.
Quanto mais pensava nisto, mais seu chilique ameaçava retornar, o suor inundava as palmas das mãos e a área acima do lábio superior, mas as boas novas vieram
na forma de distração do estande de cachorro-quente que estava aberto só para eles.
Aproximando-se do balcão, ele abraçou Selena bem forte, captando o aroma dela além do xampu e sabonete que ela usara antes de saírem da casa.
Uma fêmea humana de corpo roliço e sorriso simpático se aproximou, largando seu exemplar da revista People. - Em que posso servi-los?
- Deus do céu, tem tanta coisa. - Selena disse.
O cardápio era iluminado em painéis vermelhos com letras amarelas, oferecendo o tipo de coisa que certamente era deliciosa ao ser ingerida, mas que causaria
problemas ao ser digerida. Mas, como havia dito a ela, era para isto que existiam os antiácidos.
- O que vai pedir? - Ela perguntou.
- Vou de Especial Coney Island, - ele anunciou. - Com uma Coca-cola grande, muito gelo.
- É para já, - a atendente disse - Senhora, já sabe o que vai querer?
Selena franziu o cenho - Eu queria mesmo um hambúrguer. Mas, queria experimentar o cachorro-quente.
- Pode comer um pouco do meu.
- Ótimo. Eu quero um hambúrguer com queijo e batatas fritas.
- Sem problema. - A mulher apontou para outra seção do menu, - Quer alguma coisa nelas?
- Como é?
- Em suas batatas. Tipo chili, queijo, pimenta jalapeño... A lista está bem aqui.
Enquanto Selena considerava o segundo turno de suas opções, Trez aproveitou a oportunidade para estudar o deslumbrante perfil de sua rainha. Aqueles lábios dela
eram quase irresistíveis e quanto mais olhava para eles, mais o ardor residual de toda aquela descarga de adrenalina evoluía de luta ou voo para pura e inegável
luxúria.
Com um movimento discreto, ele precisou reposicionar seu órgão.
Mal podia esperar para levá-la para casa. Tirar a roupa dela.
Seus olhos desceram até os seios. A jaqueta Gucci que ela usava havia aderido sobre aquelas curvas que ele amava tanto...
- Trez?
- Huh?
- Você tem dinheiro? Eu não pensei em trazer human...
Ele interrompeu. - Você não vai pagar nada. - Tirando a carteira, ele disse à garota - Quanto?
- É por conta da casa.
- Deixe-me dar uma gorjeta então.
- Ah, está bem. Eu sei por que você está...
Trez adiantou-se, colocando cem dólares sobre a fórmica e empurrando-o adiante. - Pegue. Por ser tão gentil conosco.
Os olhos da mulher se arregalaram. - Tem certeza?
- Absoluta.
Primeiro, ele não queria deixá-la terminar o que estava falando e fazer Selena sentir-se como um caso de caridade. Segundo, a humana havia saído em uma noite
fria somente para algumas horas de trabalho. As festas de fim de ano se aproximavam. Sem dúvida ela aproveitaria aquele dinheirinho extra.
- Uau. Obrigada.
Quando a mulher se afastou para preparar os lanches, ele pôde sentir Selena olhando para ele com respeito, e aquilo o fez sentir-se todo estufado de novo na
região peitoral.
Por falar em seu cartão de macho, dane-se dar uma de Arnold. Do jeito que ela olhava para ele? Fazia-se sentir-se grande como uma montanha.
Alguns minutos depois, seguiram para uma mesa de piquenique pintada de azul berrante e sentaram-se lado a lado.
O ar estava frio, a comida, fumegando, os refrigerantes estavam espumantes e doces. Manusear os pães super-recheados era difícil, com ambos inclinando as cabeças
e usando guardanapos, mas até aquilo era um tipo de diversão. E a conversa, quando conseguiam mantê-la, era sobre o sabor e o tempero e a língua queimando... O passeio
de montanha-russa... O que iriam fazer em seguida... Se iam comer algodão-doce ou sorvetes com calda quente, de sobremesa.
Era magnificamente, belamente, ressonantemente normal.
E ao se sentar com sua fêmea e talvez limpar o canto da boca dela com seu guardanapo, ou dividir seu refrigerante com ela, ou rir quando ela sugerisse irem ao
carrossel em seguida, porque só ficava a meio metro do chão, ele banhou-se nas lembranças, até elas permearem sua mente, corpo e alma com um brilho que nunca havia
sentido antes.
Só por estar com ela. Sem fazer nada especial. No meio do parque de diversões.
Era um milagre.
Uma bênção indescritível.
Franzindo o cenho, percebeu que, não fosse pela realidade pairando nas proximidades deste momento perfeito, espiando-os por trás, como um tipo de sombra maligna...
Ele bem poderia estar passando este tempo com ela, com sua metade de cérebro preocupada com a abertura da shAdoWs, ou imaginando como andariam as coisas no s'Hisbe,
ou obcecado com o que quer que estivesse pinicando seu rabo àquela altura.
Ele jamais teria aproveitado isto, como um macho rico, de cujos bolsos os diamantes caíam simplesmente porque tinha toneladas deles em casa.
Raridade vinha de mãos dadas com a reverência.
- Eu podia me sentar aqui para sempre, - ele disse, enquanto engolia seu último pedaço - Este é o meu paraíso.
Selena olhou para ele e sorriu - O meu também.
Capítulo QUARENTA E SETE
Um pouco antes do primeiro civil chegar para sua audiência com o Rei, Paradise entregou uma pasta ao seu pai, com visível orgulho. - Eu organizei a agenda de
audiências. Penso que vai achar que facilitou as coisas para você e para o Rei.
Seu pai sorriu ao abrir a capa e viu as planilhas listando cada nome de civil, linhagem familiar, assunto corrente e qualquer histórico que Wrath precisasse
abordar.
- Isto é tão... Útil, - disse ele, ao percorrer as colunas com o dedo indicador.
- Eu achei que melhoraria o modo como as coisas estavam sendo feitas.
Ele olhou para cima - E melhorou.
- Em seguida, - ela pegou a segunda das muitas folhas de papel, - há um dossiê para cada assunto, bem mais detalhado.
Abalone fez uma careta ao revisar as anotações, e então folheou os relatórios. - Como descobriu tudo isto?
- Eu tenho minhas fontes, - ela sorriu. - Está bem, algumas informações eu peguei das páginas deles no Facebook, e outras coisas de alguns amigos.
- Isto é... Eu não sabia que ele havia emparelhado. - Seu pai entregou-lhe a pasta - Ele?
- Ano passado. Foi uma coisa discreta. - Paradise baixou a voz, mesmo estando sozinhos. - Houve comentários de que ela estava grávida.
- Ah, então agora ele quer validar o emparelhamento.
- Ela está quase dando à luz. Se eu fosse Wrath pouparia o pobre macho da indignidade de responder a muitas perguntas sobre a data real, e só lhe daria o respeito
que ele quer prover ao seu filho.
- Está tentando fazer o trabalho de seu pai? - A voz de Wrath exclamou.
Quando o Rei Cego em pessoa apareceu na arcada do salão, Paradise pulou. - Não foi minha intenção, oh, não, eu...
O Rei sorriu. - Estou impressionado com a sua linha de pensamento. Continue o bom trabalho, Paradise.
Com isto, ele e seu cão dourado atravessaram para a sala de jantar.
- Não consigo sentir meus pés, - ela murmurou.
Seu pai abraçou-a. - Você está superando todas as minhas expectativas.
Ela recuou e empurrou o cabelo para trás do ombro. - Estou gostando. De verdade.
- Você está me enchendo de orgulho.
Para esconder o seu rubor, ela sentou-se atrás do computador que já sentia como sendo seu. - Como estão as coisas em casa? Com...
- Bem. Estou muito bem, embora sinta sua falta.
- Eu podia voltar.
- Não, não, é melhor ficar aqui. - Ele enfiou a pasta embaixo do braço. - Você e Peyton se divertiram ontem?
- Ele saiu logo depois de você.
Abalone franziu o cenho. - Espero que não tenham brigado.
- Ele tem um jeito antiquado de ver as coisas.
- Ele vem de uma família tradicional.
Ela pegou uma das canetas Montblanc que havia encontrado na mesa. Batucando-a na palma da mão, puxou a saia azul marinho mais para o joelho. - Ah... Pai.
- Sim?
Respirando fundo, abriu a gaveta de cima e tirou o formulário de inscrição para o programa do Centro de Treinamento. - Pai, você me deixaria fazer algo assim?
Quando lhe entregou o papel e os olhos dele começaram a ler as palavras, ela se adiantou em completar: - Não estou dizendo que quero entrar em combate ou coisa
assim. É só que, eles estão aceitando fêmeas, e eu...
- Lutar? Isto é... Isto é para lutar.
- Eu sei. Mas, veja... - ela se levantou e apontou para uma parte no preâmbulo, - eles dizem que podem treinar fêmeas.
- Paradise.
Eeeee eis que o ponto de vista dele estava basicamente expresso na maneira que havia dito o nome dela: uma combinação de "fala sério" com "não parta meu coração".
- Você não foi feita para isto, - ele disse.
- Porque sou uma fêmea, certo? - Ela contrapôs amargamente. - O que significa, no máximo, trabalho de escritório... E somente até estar emparelhada.
- Isto é guerra. Você entende o que é na realidade? - Ele balançou o formulário. - Isto é morte pronta para acontecer. Não é um filme de Hollywood ou fantasia
romântica.
Ela ergueu o queixo - Eu sei disto.
- Sabe?
- Não sou tão ingênua quanto você acha. A família que perdeu nos ataques era meu sangue também, Pai. Meus amigos morreram. Eu sei o que é.
- Não, Paradise, não vou permitir. - Ele se abaixou e jogou o formulário no lixo. - Não é para você.
Sem mais uma palavra, ele se virou e saiu, de alguma forma conseguindo fechar a porta oculta na cara dela, mesmo que os painéis continuassem em seu bolsões nas
paredes.
Throe se materializou a cerca de oitocentos metros da casa para onde Abalone ia todas as noites.
O localizador GPS que Throe havia colocado no bolso externo do casaco de pele de camelo do macho, havia funcionado como um sonho. E a vizinhança abastada era
admirável.
Nada mal, nada mal mesmo.
Caminhando com passos casuais, analisou as casas enquanto seguia na direção aonde o sinal de seu celular o enviava. Na verdade, o termo apropriado para as residências
ali seria mansões. Estes lugares eram grandes demais para serem meras casas: vários andares, espaçosos, afastados da rua, todos com uma iluminação noturna dramática
enfatizando seus exteriores, como se os humanos ricos que morassem ali não aguentassem pensar que seus status pudessem ser ignorados durante as horas noturnas.
Enquanto prosseguia, teve de controlar a frustração. Sentia falta da luta, mais do que imaginara. De fato, a falta de derramamento de sangue, de qualquer tipo,
era uma chocante insatisfação. Quando se juntara ao Bando dos Bastardos, ficara horrorizado com toda aquela agressão e violência. Mas, após vários séculos, o clima
de guerra passara a ser o que considerava normal.
A mansão de pedra que vinha a seguir era afeminada, uma versão modernizada e melhorada da pilha medieval de rochas onde o Bando dos Bastardos morava no Antigo
Continente, e ele parou em frente, avaliando. Figuras se moviam dentro, atravessando janelas emolduradas por camadas pesadas de tecidos enquanto as luzes de dentro
iluminavam reflexos de ouro e prata na parede.
E, subitamente, não pensava mais no antigo covil de Xcor.
Ele se lembrava de onde viera, suas verdadeiras origens de privilégio e riqueza.
Na busca por vingar sua irmã, ele se vendera ao diabo. Agora, do outro lado da barganha, estava pobre, sozinho e sem nenhuma perspectiva.
A única coisa que o movia, era a sua ambição.
Pelo menos havia combustível suficiente para movê-lo pelos meses de inverno que chegariam.
Throe voltou a andar, o frio cortando através do casaco de couro que vestia, ainda manchado da matança que executara noites atrás.
Antes que tudo mudasse.
A casa que era o seu alvo apareceu à esquerda, do outro lado da rua. Era grande e histórica, uma mansão federal branca com estrutura óssea de verdadeira beleza,
cuja manutenção somente os muito abastados poderiam bancar em uma velha propriedade: Nada de tinta descascando ali. Sem arbustos altos demais. Sem telhados ou pórticos
danificados.
Ao contrário das outras, não havia como espiar para dentro.
As cortinas estavam todas fechadas e eram tão pesadas que não dava para ver nem luzes através delas. Não havia carros na entrada, mas esperou, escondendo-se
atrás de uns arbustos, então captou a visão de dois indivíduos se aproximando da porta da frente... Mesmo sem terem chegado à casa de nenhum jeito motorizado apropriado.
Porque eram vampiros que haviam se desmaterializado no lugar.
Dez minutos depois, teve outra visão. Quinze minutos depois daquilo, mais duas.
Eram discretos e nem todos usavam a porta da frente... Sem dúvidas, para evitar suspeita.
Throe verificou o celular, apesar de saber que a locação estava correta. Sim, Abalone estava ali.
Mantendo-se nas sombras, ficou um pouco mais, não por ter qualquer plano específico de invadir, pelo contrário, ainda tinha de formulá-lo. Sua ambição, por mais
forte que fosse, ainda não era um motor em funcionamento, ele tinha de reconhecer o terreno, descobrir fraquezas, definir estratégias.
Um carro virou a esquina e desceu a rua.
Quando passou pelo poste de luz do outro lado da rua, viu que era um Rolls Royce, preto com o típico capô claro da marca.
E lá estava ele, sem um automóvel.
De fato, sua falta de perspectivas era um problema.
Como ele ia arregimentar recursos? Perguntou-se. Como ia se sustentar enquanto construía alianças?
A resposta, quando veio, foi tão óbvia, que era como se o destino iluminasse um caminho em meio a escuridão para ele. Sim, pensou, aquele era o caminho...
Um momento depois, voltou às acomodações mais generosas de Abalone com um sorriso no rosto.
Capítulo QUARENTA E OITO
Em seu leito de hospital, Luchas entrava e saía da consciência, ondas de dor atravessavam seu corpo, deixando-o quase sem sentidos. Quando já não aguentava mais,
remexeu a mão que ainda tinha dedos. Encontrando a campainha para chamar ajuda, pressionou-a com o polegar até seu ouvido registrar um bip.
A porta foi aberta e a Dra. Jane entrou, - Luchas?
- Minha perna... - ele gemeu. - Dói.
Ela se aproximou, verificou os equipamentos, o acesso intravenoso e só Deus sabia mais o quê. - Eu vou te dar algo para a...
- A infecção... - balbuciou ele, virando a cabeça de um lado para outro. - Minha perna...
Seu plano havia sido definhar, mas, ao invés disto, parecia ter decidido se matar se enfiando em uma fogueira: primeiro com os pés, seguidos pelo seu tornozelo
quebrado e a panturrilha.
Em um jorro súbito de loucura, ele se sentou e começou a afastar os lençóis. A Dra. Jane segurou os seus ombros e tentou deitá-lo novamente, ao mesmo tempo,
em que alguém entrava no quarto. Qhuinn, era o seu irmão.
- Luchas, Luchas, pare...
Era Qhuinn, se aproximando, tentando prender suas mãos, e forçá-lo a deitar. Não era uma luta justa. Ele estava fraco, tão fraco... E então pôs-se a levitar,
uma súbita sensação de leveza substituindo a sensação de ardor que antes havia lá embaixo.
Olhando para o lado, viu Dra. Jane retirando uma seringa do tubo plástico transparente enfiado em seu braço.
O rosto de Qhuinn apareceu acima do seu, aqueles intensos olhos incompatíveis. - Luchas, relaxe. Estamos com você.
- Minha perna...
A droga executava a sua mágica, acalmando-o como se seu corpo tivesse sido afundado em uma banheira morna. A dor ainda estava lá; ele só não se importava mais
com ela.
- Está piorando, - ouviu-se dizendo. - A infecção... Achei que estaria morto a esta altura.
- Luchas...
Algo sobre a aparência do irmão foi registrada, algo sobre seu tom de voz, a tensão em sua boca e olhos.
- O quê? - Luchas disse - O quê?
Qhuinn olhou para a Dra. Jane como se esperasse pela proverbial cavalaria que viesse salvá-lo.
- Luchas, - disse o irmão - Eu precisava salvá-lo.
Salvá-lo? Mas, qual era o ponto disto tudo. Ele queria morrer. - O quê?
- Eu a autorizei amputar a perna. Para salvar sua vida.
Luchas ficou silencioso. Devia ter ouvido errado, a tradução apropriada do que fora falado deve ter sido atrapalhada pelos analgésicos que lhe deram.
- Era a única chance. Estávamos te perdendo.
- O que você fez comigo? - Disse ele lentamente - O que você...?
- Acalme-se.
Luchas elevou-se dos travesseiros, um indescritível horror fazendo todo o seu sangue sumir da cabeça. Olhando para a parte inferior de seu corpo, viu que os
lençóis finos revelavam os contornos da coxa, joelho, panturrilha e pé de sua perna esquerda... Mas, somente a coxa e joelho da direita.
Com um berro, procurou pelo que devia estar ali, puxando os lençóis, arrancando-os como se, de alguma forma, escondessem o que não estava mais lá.
- O que você fez? - Virou-se para o irmão, agarrando sua camiseta, puxando, apertando com os dedos que lhe restavam. - Que porra você fez?
- Você ia morrer.
- Porque eu queria! Como pôde?
Ele bateu em Qhuinn, o punho voando de forma ineficaz, a mão arruinada estapeando.
Qhuinn não se defendeu. Ele só permitiu que batesse... Não que o ataque tenha sido forte. E Luchas não durou muito. Logo sua energia se exauriu, e ele caiu de
volta no travesseiro, o peito magro arfando para cima e para baixo, sangue escorrendo de seu acesso intravenoso, os olhos entrando e saindo de foco.
E, ainda assim, o membro que não estava lá, doía.
- Saia, - disse ele de forma entorpecida. - Não quero te ver de novo.
Virando o rosto para a parede, ouviu uma conversa sussurrada, e então a porta se abriu e fechou suavemente.
- Como está seu nível de dor agora? - Dra. Jane perguntou.
- Por que ela dói...? - Murmurou ele. - Vocês a arrancaram.
Deus, agora estava ainda mais aleijado, mais uma parte do que ele havia sido, e havia tido, se perdera.
- É chamado dor do membro fantasma. Mas, a sensação é muito real.
- Foi você... Foi você quem a cortou?
- Sim.
- Então saia daqui também. Eu não autorizei...
- Você estava morrendo...
- Eu não quero ouvi-la. Saia.
Houve uma pausa, então ele detestou o modo como ela olhou para ele, cheia de gentileza, preocupação, cuidados.
- Com o tempo, Luchas, você vai se sentir melhor...
Ele virou a cabeça - Você me negou minha morte. Você mutilou o meu corpo como uma açougueira, sem minha permissão. Então, me desculpe se não tenho interesse
nenhum em nada do que tenha a me dizer.
A médica fechou os olhos brevemente. - Mandarei Ehlena aqui com alguma coisa para você comer.
- Não se preocupe. Você só adiou o inevitável. Eu mesmo vou terminar o serviço.
Luchas mexeu no acesso intravenoso enfiado em seu braço, puxando-o até a coisa sair, o líquido claro e sangue vermelho espirrando para todo canto...
Pessoas vieram correndo por cada porta que havia ali, correndo em pânico, agarrando-o, falando alto. Lutou contra elas, se contorcendo e empurrando, lutando
para se manter em pé, apesar da perna e pé perdidos.
Alguém deve ter lhe dado outra injeção, porque, de repente, seu corpo relaxou. Mesmo que o cérebro ordenasse todo tipo de movimento, nenhum membro correspondia.
Quando seus olhos reviraram, ele viu a imagem de Qhuinn parado na porta, seu corpo amplo, forte e saudável, boqueando o caminho.
Bem podia ser a porta para o Fade que o macho bloqueava.
- Eu odeio você! - Luchas gritou. - Eu te odeio!
De volta à casa de audiências do Rei, Rhage estava na sala de jantar, em pé com as costas apoiadas nas portas fechadas, os braços cruzados sobre o peito. A maior
parte da Irmandade estava na sala, atulhando o ar com energia cinética demais.
Wrath estava sentado em sua poltrona, as pernas cruzadas com o tornozelo sobre o joelho, a cabeça do cão em seu colo. - Ele está atrasado. Aquele filho da puta
está atrasado.
Rehv anuiu do local onde estava, na frente da lareira e esfregando as mãos, como se sentisse frio. - Ele virá.
- Tenho pessoas para ver.
Hollywood verificou o relógio de pulso. - Quer que eu vá buscá-lo? Posso jogar um laço de corda nele e arrastá-lo para cá pelo pau...
A campainha da porta soou com um toque, e V entreabriu a cortina da janela do outro lado. - Falando do diabo.
- Me deixem recebê-lo. - Rhage murmurou ao sair.
- Ele não está sozinho. - V rosnou.
- Nem eu.
Fechando a porta, atravessou o salão. - Paradise. - Quando a garota ergueu os olhos da mesa, ele sorriu para ela. - Vou fechar sua sala por um segundo. Me faz
um favor e fique aqui até eu te chamar?
Os olhos bonitos e grandes dela ficaram ainda maiores. - Está tudo bem?
- Sim, mas quero que fique aqui.
- Está bem. É claro.
Ele piscou para ela - Boa garota. E tranque a porta depois que eu sair, está bem?
- Claro.
Encostando a porta, ele esperou até ouvir a fechadura de bronze ser trancada pelo lado dela, e então foi até a porta da frente. Abrindo-a, deu um olhar de cima
abaixo em Assail. O cara era tão bem vestido quanto Butch, roupas de alfaiataria, tudo combinando, ajustando-se como se a merda houvesse sido desenhada em seu corpo.
Por trás dele, um par de caras idênticos estavam parados, lado a lado. O fato de que também usavam folgadas roupas pretas, duh.
Ele só podia imaginar o poder de fogo que havia escondido sob aqueles casacos.
- Pensei que viria sozinho, - disse ele.
- Seu Rei queria conhecer minha equipe. Aqui estão, meus primos.
Rhage se inclinou. - Esta não é sua equipe inteira, é?
- Posso te garantir que estes dois são os únicos que uso.
Rhage deu um passo para trás e indicou para entrarem no vestíbulo. - Preciso revistá-los.
- Estamos armados até os dentes.
- Não brinca.
Quando os três entraram um após o outro, Rhage apontou para uma imensa bandeja de prata na mesa, sob um espelho dourado. - Coloque-as ali. E certifiquem-se de
se livrarem de todas as armas. Se eu achar algo, vou ficar muito puto.
Clink... Clink... Clink... Clank... Clank...
Rhage não queria ficar impressionado, mas, tinha de lhes dar algum crédito. Belas armas e muitas lâminas afiadas.
- Você primeiro. - disse para um dos gêmeos.
O outro deu um passo à frente. - Comece por mim. Meu irmão é um pouco agitado.
- Com é? Será que não li o memorando onde te nomearam o chefe, saco de bosta? - Ele meneou a cabeça na direção do Sr. Impaciente para que se aproximasse e o
revistou. - Pronto, agora quer um pirulito por ter sido tão corajoso? Agora você, com a sua lista de exigências, venha aqui.
Ele despachou o número dois, e então se aproximou de Assail, que estivera assistindo ao show como uma cobra.
- Belo perfume. - Hollywood murmurou ao jogar os braços do cara para cima, e começar a apalpar um tórax surpreendentemente musculoso. - Onde conseguiu estes,
toma bomba?
- Você é sempre assim, rude? - Assail perguntou, em um tom enfastiado.
- Você é a segunda pessoa a me perguntar algo assim nas últimas quarenta e oito horas. - Ele chutou os chiques sapatos italianos do cara para afastar mais as
pernas. - Se tem um problema comigo, registre uma queixa no setor de departamento pessoal.
- Quanto profissionalismo.
Rhage endireitou-se após revistar a parte inferior do corpo do cara. - Para sua informação, Vishous, filho de Bloodletter é nosso chefe de RH. Ele prefere reclamações
feitas pessoalmente. Boa sorte com isto.
Terminado com os três, ele dirigiu-se até as portas fechadas da sala de audiências, sabendo que o seguiriam. Abrindo bem as portas, afastou-se para o lado e
viu os filhos da puta entrarem um atrás do outro.
- Assail. - Wrath resmungou. - Nos encontramos de novo.
- E desta vez, sem tiros, - o traficante respondeu.
- Por enquanto. - Um dos Irmãos murmurou.
Os olhos de Assail passaram pela multidão reunida. - Bela proteção você tem aqui.
Wrath deu de ombros. - Eu tinha a escolha de colecionar eles ou bibelôs de porcelana. Foi uma escolha difícil.
- A que devo a honra desta intimação de comparecimento?
- Rehv? Explique você, já que conhece o assunto.
O devorador de pecados se afastou da lareira e sorriu como se estivesse a ponto de devorar algo. - Temos motivos para acreditar que você esteja participando
do mercado de drogas em Caldwell.
Assail não hesitou. - Eu jamais escondi meus negócios.
- Já viu isto antes?
Quando Rehv jogou um pacote no ar, Assail pegou a coisa e analisou. - Heroína.
- O símbolo é seu, não é?
- Quem disse?
Rhage falou. - Encontramos alguns destes com um lesser no clube que por acaso pertence a um amigo nosso.
Wrath sorriu friamente ao abaixar a mão para acariciar o pelo dourado do seu cão-guia. - Então você pode ver como isto nos coloca em uma situação estranha. Você
está usando um inimigo para distribuir seu produto. Não está?
De novo, Assail não demonstrou qualquer reação. - E se estiver, qual o problema?
- Você está enchendo o bolso deles de grana.
- E...? Daí?
- Não seja fodidamente ingênuo. Com que porra você acha que irão gastá-lo?
- Noite passada, - Rhage disse, - nos metemos em um fogo cruzado entre o Bando dos Bastardos e alguns lessers. Adivinha o que os mortos-vivos estavam ostentando?
AK-47. É a arma com maior poder letal que já vimos nesta cidade desde os ataques.
Assail deu de ombros e ergueu as mãos. - E o que isto tem a ver comigo? Sou um homem de negócios...
Wrath endireitou-se na poltrona. - Seu negócio está pondo em risco a vida de meus garotos. E isto me tira do sério, imbecil. Então o seu negócio passa a ser
meu.
- Você não tem o direito de me impedir.
- Se vocês três não conseguirem sair daqui vivos, acho que será fim de jogo, não acha?
Em uníssono, cada irmão na sala sacou uma adaga. Rhage preparou-se para algum tipo de explosão, mas, Assail continuou tão frio quanto um pepino. Ele não se agitou,
não piscou, não tentou justificar. Talvez o filho da puta não tivesse sistema nervoso central.
- O que você achou que iria acontecer, - Wrath disse, - quando eu descobrisse? Achou que eu só ia deixar a porra desse conflito grande correr solto?
Houve um grande período de silêncio.
Finalmente, Assail baixou a cabeça. - Está bem. Eu vou parar negociar com eles.
As narinas de Wrath se expandiram como se avaliassem o aroma do macho. Um momento depois, disse, - Bom, agora dá a porra do fora daqui. Mas, saiba que se eu
encontrar qualquer merda destas em um lesser sequer, vou atrás de você e não vai ser para conversar.
Rhage franziu o cenho, mas quando Wrath indicou a saída, abriu a porta e observou os três saírem, irem até as armas misturadas na bandeja e sanarem sua deficiência
de ferro. Então, saíram pela porta e da propriedade.
- Ele mentiu. - Wrath disse, de forma sombria.
- Sabia que estava fácil demais. - Rhage murmurou. - Por que permitiu que fossem?
- Quero que vão atrás dele. - Wrath indicou Rhage e V. - Os dois. Se matarmos Assail agora, não encontramos o seu fornecedor e não temos como garantir que a
Sociedade Lessening perca todo o acesso ao produto. Siga aquele filho da puta, descubra onde ele consegue aquela merda, e então faça com que o inimigo não tenha
nada para vender em Caldwell. - O Rei inclinou-se para frente em sua cadeira. - E então, ponham uma bala no peito de cada um daqueles três.
- Sem problemas, meu senhor. - Rhage olhou para V, que acenou de volta. - Considere feito.
Capítulo QUARENTA E NOVE
Movendo-se rapidamente, mas não rápido demais, maichen percorreu os corredores vazios do palácio, em direção à câmara ritual da Rainha. De tempo em tempo, passava
por guardas, outras serviçais, mesmo um Prime ou dois. Ninguém prestou atenção alguma nela.
Porque estava escondida sob o disfarce de seu humilde álter ego.
Se qualquer um deles soubesse quem estava sob aquele manto azul pálido, seria uma grande comoção.
Ao invés disto, quando chegou ao seu destino, os guardas parados à esquerda e à direita mal olharam para ela. Eles estavam exaustos, no final de seus turnos,
e era por isto que aquele horário havia sido bem escolhido.
- Limpeza para a Rainha. - Disse ela, com uma reverência respeitosa.
Eles abriram a porta, e ela esgueirou-se para dentro.
O espaço sagrado era todo de mármore preto, do chão ao teto, e não havia nada que diminuísse o perturbador efeito de estar rodeada por toda aquela brilhante
escuridão: não havia tapetes, móveis, somente alguns armários embutidos no canto onde a comida era armazenada e substituída. A iluminação vinha de lamparinas com
chamas nos pavios, os óleos especiais sendo consumidos lançavam um brilho verde esbranquiçado.
Ela não olhou em volta. Ela há muito havia aprendido a não fazer isto.
Havia algo aterrorizante no quarto, especialmente se passasse um tempo considerável nele. Quanto mais se sentasse em seu confinamento, mais se perdia o senso
de orientação, até não ter mais certeza se as quatro paredes e tudo embaixo e acima havia desaparecido e você se localizava no meio de uma grande noite escura, suspensa
sem gravidade, em outra dimensão que não se sabia se jamais te libertaria.
Ela odiava aquele aposento.
Mas, havia sido compelida a ir ali.
Sua mãe, a Rainha, sentava-se no centro de tudo aquilo, virada para o norte, vestida de negro que cintilava e caía no chão à sua volta, cascateando desde sua
cabeça encoberta, para se unir com o mármore.
Até que parecesse que as pedras haviam se tornado líquidas e tentavam consumi-la.
Sua mãe estava imóvel, nem respirava.
Ela estava em plena meditação do luto.
Aquilo era bom.
maichen foi até o canto e abriu uma das portas do armário sem fazer nenhum ruído. Nenhuma das refeições que haviam sido deixadas ali mais cedo foi tocada. Outro
sinal positivo.
Em menos de uma hora, à meia-noite, o Sumo Sacerdote, AnsLai, se apresentaria ali junto com o Astrólogo Chefe e executariam rituais, onde fragmentos de meteoritos
seriam esmagados e consumidos em chás sagrados, como modo de comungar com as estrelas que determinavam tudo para os Sombras. Então haveria derramamento de sangue
e a cópula ritual. Após isto, a Rainha seria deixada novamente para se afastar das coisas terrenas, e encontrar consolo para seu sofrimento.
Sofrimento?
Era difícil acreditar que a fêmea realmente sentisse qualquer coisa por aqueles a quem dava à luz.
Agora, certa de que o ritual estava ainda em progresso, de fato, maichen recuou até a porta. Antes de atravessá-la, olhou para a mãe. Sua vida inteira, ela vira
a fêmea somente em ocasiões formais, quando maichen era trazida para ser exibida na corte cheia de nobres bem vestidos, mais como um vaso precioso ou obra de arte.
Preservada para aquelas exibições, que eram para o bem do Território, ela vivia em aposentos sagrados, cercada de guardas.
Ela jamais havia sido visitada pela fêmea que, imediatamente após o parto, havia a entregado para uma equipe especialmente treinada, naquela suíte de quartos
que era uma prisão.
Era assim a vida da Princesa do s'Hisbe.
Mas, ela havia encontrado um modo de fugir.
E andara vagando pelo palácio desde então, disfarçada de serviçal, uma sacerdote menor, mesmo um astrólogo.
maichen esgueirou-se e energicamente se afastou.
Nada como descobrir que s'Ex, o amante favorito da mãe, tinha um encontro com duas fêmeas humanas, quem ele, evidentemente, havia trazido escondidas, provavelmente
pela entrada traseira. maichen não tinha intenção de descobrir o segredo dele, mas ela havia descoberto que havia uma fresta no alto do muro, e aprendera que, caso
se desmaterializasse ali, poderia viajar pelo sistema de aquecimento e dutos de ar-condicionado.
Por um período, aquilo não passou de um jogo para passar o tempo, e não havia descoberto nada com sua espionagem. Mas, uma noite, aquilo mudara, quando, em sua
forma Sombra, ela havia olhado para baixo através de uma das frestas, e tivera sua primeira e única visão do ato sexual.
Embora... Bem, havia uma porção de partes de corpos.
Ela não tinha muita certeza do que tinha visto.
Ela deve ter feito algum barulho ou algo assim, porque s'Ex havia congelado e olhado para cima, encontrando seu olhar, mesmo enquanto as humanas continuavam
a se mover e se esfregar nele...
s'Ex viera à sua cela logo depois, e eles fecharam seu pequeno acordo. Em troca de não revelar o que havia visto e de não mais usar os sistema de ventilação,
seria permitido a ela sair dos aposentos, desde que ficasse dentro do palácio e sempre se disfarçasse.
A indiscrição de s'Ex bem podia lhe custar a vida: os Sombras acreditavam que o sexo era um ato sagrado. E a Rainha teria ficado furiosa de saber que certas
partes do corpo dela haviam sido, tecnicamente... Expostas... Às partes de corpos de humanas por conta dos deslizes de s'Ex.
Supostamente, aquele macho deveria ser somente dela. Todo mundo sabia daquilo.
E aquelas mulheres humanas? Era mais ou menos como estar com ovelhas naquela cama dele.
Conforme maichen caminhava, percorrendo corredores, seu estômago começou a revirar. Conforme ia crescendo, lhe havia sido concedida uma privacidade relativa,
de forma que ela podia mandar todos os atendentes para fora de seus aposentos... E ela havia exercitado este privilégio mais uma vez aquela noite: antes de ir verificar
se a mãe estava, de fato, em ritual de luto, havia dito às suas servas para saírem do quarto, já que estava exausta do estresse e desejava um pouco de privacidade
enquanto executava a sua parte do ritual.
Nenhuma delas havia questionado. E ninguém voltaria até o amanhecer. Seria fácil usar o sistema de tubulação para escapar para o mundo. Encontrar com o irmão
de seu destinado.
E...
Bem, ela não sabia o quê.
Estrelas do céu, ela ia mesmo fazer aquilo? Ela não estava exatamente certa de saber onde ficava a cabana que ele havia mencionado.
Não, isto era tolice. Estúpido. Descuidado...
Uma imagem de iAm em pé, nu à sua frente, transpassou-a. Quando seu corpo começou a se esquentar de dentro para fora, ela percebeu que, apesar de tudo o que
sua mente estava lhe dizendo, sua carne ia fazê-la ir.
Ela iria... Deus a ajudasse... Estava indo.
E lidaria com as consequências, quais pudessem ser, mais tarde.
Capítulo CINQUENTA
Trez precisava admitir: em se tratando de Storytown, ele só era bom nos brinquedos de criancinhas. Coisas como Xícaras Malucas, e o Rabo do Dragão, que eram
passeios em que não se elevavam do chão e mal causavam uma brisa no rosto, e a porra do carrossel, com sua música de elevador e aqueles cavalos e unicórnios de assento
duro, empalados, subindo e descendo.
Falando em empalação e movimentos repetitivos...
- Está pronta para ir para casa? - Ele perguntou.
Selena olhou para ele. - Estou. Foi tão divertido.
- Eu sei, certo? Melhor noite da minha vida.
Ela se inclinou para o corpo dele, dando-lhe um apertão. - Isto não é totalmente verdade. Achei que você ia enlouquecer naquela montanha-russa.
Ele parou. Virou-a para ele. Afastou o cabelo do rosto dela. - Eu estava com você. Então foi perfeito.
O beijo era para ser um daqueles gestos de "eu-venci-a-discussão", uma afirmação rápida de que estava certo no que dizia. Mas ele vinha desejando-a a noite inteira
e, antes de perceber, ele teve de erguê-la, os seios espremidos contra seu peito, os quadris agarrados por suas mãos, a língua acariciando a dela.
- Quer sair daqui? - Ele resmungou de novo.
- Sim, - ela disse, contra a boca dele.
Provavelmente já era mesmo hora, pensou, com uma rápida verificada no relógio. - É, já são onze e quinze.
Mesmo que seu pau estivesse ansioso para mandar ver, ele não quis perder a caminhada até onde o carro estava estacionado. Com o braço em volta dos ombros dela,
e os passos sincronizados, percorreram os caminhos de volta por todos os brinquedos onde andaram, passaram pela mesa azul de piquenique onde comeram o cachorro quente
e hambúrguer, pela barraquinha de algodão doce onde haviam comprado um cone grande açucarado azul, estilo cabelo da Marge Simpson, que ofereceram um ao outro, aos
pedaços.
- Faltou um bichinho de pelúcia... - disse ele.
- Comprar um? Oh, eu não preciso...
- Não, ganhar um para você. Tipo, em um estande de tiro ao alvo.
Ela lhe deu um olhar por sob as pálpebras. - Eu sei como pode se redimir. Lembra-se de comer aquele algodão doce?
- Sim...
- Sua língua pareceu muito jeitosa...
Enquanto todo tipo de imagens sagradas do corpo dela nu com as coxas separadas o atingiam, teve de se perguntar se não haveria um motel no caminho para casa.
- Deus, queria que fosse verão... - ele grunhiu.
- Oh?
- Daí eu poderia te levar para um canto escuro e baixar essas suas calças.
- Você poderia fazer isto agora, sabe.
Ele parou. - Está frio demais.
- Está? - Ela pegou as mãos dele e puxou-o - Olhe ali. Não há luzes. Estaremos abrigados.
Estariam mesmo, o Centro de Visitantes, cujas luzes estavam apagadas, pois o parque estava fechado e só abrira para eles, era uma instalação em forma de estrela,
com entradas múltiplas irradiando do corpo central, criando bolsões de escuridão densa e privativa.
- Ninguém vai ver, - ela sussurrou, contra a garganta dele.
Sem nenhuma luz exterior, o canto para o qual ela o levou estava preto como carvão, e o sexo dele despertou antes mesmo do cérebro. Virando-a para encará-lo,
beijou-a com força e pressionou-a contra a divisória pintada, as mãos explorando sob a parka e em busca dos seios. Seus mamilos ficaram eriçados ao beliscá-los por
cima do sutiã e blusa, provocando e acariciando-os enquanto enfiava as suas coxas entre as dela.
- Porra, eu quis fazer isto a noite toda. - Ele disse antes de tomar os lábios dela de novo.
Ela estava quente e fluida sob suas mãos e contra seu corpo, pronta, tão fodidamente pronta, assim como ele. Ele queria-a totalmente nua, havia algo fodidamente
excitante na ideia dela nua e ele totalmente vestido; além disto, seria capaz de tomar seus mamilos nos lábios. Mas, estava frio demais para isto e, além disto,
tinha em mente uma rapidinha naquele lugar escondido, desde que ninguém mais pudesse vê-la naquele estado, toda gloriosamente desnuda e gostosa como o inferno.
O macho vinculado nele poderia resolver despedaçar algum pobre Bom Samaritano humano com as presas.
Não exatamente o final romântico para a noite que ele tinha planejado.
Suas mãos desceram até a cintura das calças dela e rapidamente desabotoaram, baixaram o zíper e fizeram deslizar. Elas eram apropriadas para serem usadas com
botas, ainda bem, então uma das pernas deslizou pelo sapato dela, sem enroscar, como um sonho.
- Quer que eu tire as calcinhas? - Ela perguntou com a respiração pesada.
- Não, vou te foder com elas.
E assim fez. Ele agarrou o traseiro perfeito dela e suspendeu-a do chão, enroscando-a ao redor de seus quadris. Acariciou-a por trás, sentindo como estava pronta,
como estava quente, como estava desesperada.
Ele queria passar a noite toda ali. Ao invés disto, afastou a delicada peça de seda para o lado e...
- Oh, Deus, Selena... - ele sibilou.
Úmida e quente, apertada e vital, a penetração o abalou e o manteve firme ao mesmo tempo. Quando começou a se mover, segurou-a pelo traseiro e puxou-a para frente
e para trás. O cabelo dela estava em seu rosto; o aroma em seu nariz; ela era uma maré esmagadora na qual ele desejava se afogar.
Mais rápido. Mais forte.
Ela gozou primeiro e ele amou aquilo, os movimentos internos rítmicos ordenhando-o ainda mais. E, então, ele também se jogou na montanha-russa onde queria andar
por toda a eternidade, seu pau espasmando por dentro dela, o orgasmo levando-o a uma união de almas.
Ao acabarem, ele arfou contra ela até começar a se preocupar por estar sufocando-a. - Sinto muito.
- Mmmm. - Ela buscou sua boca, sugando seu lábio inferior e mordiscando-o - Mais.
Instantaneamente, ele ficou pronto de novo, mas, mesmo quando seu quadril já começava a ondular, teve de parar. - Em casa. - Ele grunhiu. - Precisamos fazer
isto em casa.
- Ainda preocupado com o frio? - Ela murmurou, correndo uma presa pela mandíbula até a jugular dele. - E aqui estou eu, me sentindo tão quente.
Trez gemeu e cambaleou nas botas. - Sou guloso. Quero mais acesso a você do que consigo aqui.
O riso dela foi como uma carícia sobre sua pele nua. - Então, definitivamente, me leve para sua cama.
Foi difícil ajudá-la a voltar a vestir aquelas calças. Particularmente ao se ajoelhar no chão e ficar cara a cara com o sexo dela.
Cerrando os dentes, de alguma forma, ele conseguiu vesti-la e guardar o próprio pau atrás do zíper sem dar uma de homem das cavernas para cima dela. Então saíram
apressados e deselegantemente das sombras, com cara de "não estou fazendo nada demais", antes de trazê-la de volta para o seu lado.
- Isto foi tão incrível, - ela sussurrou. - Ainda consigo senti-lo dentro de mim.
Trez começou a andar engraçado. Era isto ou quebrar um órgão que seria impossível engessar.
Ao chegarem ao carro, já estava calculando o tempo estimado exato de viagem até seu quarto, assumindo que ele fosse a duzentos e cinquenta quilômetros por hora.
Ei, era um Porsche, certo?
Abrindo a porta para ela, ele ajudou-a a sentar e fechou a porta, e então correu para o para o lado do motorista. No segundo em que sua bunda atingiu o assento,
ligou o motor.
- Oh! Frio! - Ela gritou.
O aquecimento estava ligado quando ele desligara tudo, e agora aquele sopro poderoso estava fazendo-os congelar. Ambos se inclinaram para frente, apertando vários
botões e alavancas...
Música explodiu pelo sistema de som do carro, graças à estação de rádio Sirius, e antes que ele pudesse desligar a coisa, começou a tocar a música "Hold You
Down", do DJ Khaled.
- Espere, - ele disse. - Não, deixe tocar.
Saiu do carro, e voltou novamente para o lado dela, abriu a porta e estendeu-lhe a mão. - Dance comigo.
- O que?
- Dance comigo, minha rainha.
Arrancando-a do assento, levou-a para frente do Porsche, para a luz dos faróis, puxando-a para bem perto. Juntos dançaram, os corpos se movendo lentamente com
os dedos entrelaçados, a batida transformando o estacionamento e a área aberta do parque de diversões em um salão de baile particular.
- Para sempre... - ele murmurou contra ela, cantando. - Eu te abraçarei...
Trez baixou a cabeça até pousá-la sobre o ombro dela, de modo que seu corpo muito maior estava todo em volta dela, envelopando-a, protegendo e amando-a.
Juntos, dançaram de um lado para outro, à luz dos faróis.
Da torre de segurança, iAm observou o irmão retirar novamente Selena do carro e levá-la para frente do veículo. Não havia como saber a música que estava tocando,
e também não importava. Só observar os dois juntos, se movendo como um só, ao som da música, abraçando-se tão fortemente, era suficiente.
iAm precisou esfregar os dois olhos para poder clarear a visão.
Era malditamente difícil olhar.
Virando-se para o outro lado, perambulou em volta do espaço apertado e pensou no quanto Trez devia ter odiado subir tão alto, com nada além da visão panorâmica
e a queda para o chão no que se concentrar. O macho sempre odiara altura, a ponto de ter sido um milagre conseguir convencê-lo a comprar um apartamento no décimo
oitavo andar do Commodore.
Ele estava observando a montanha-russa quando, alguns minutos depois, seu celular vibrou no bolso da jaqueta de couro. Ele tirou a coisa.
Hora de ir. Era só o que a mensagem dizia.
Quase imediatamente uma segunda chegou, de seu irmão: Muito obrigado.
Trez nunca escrevia palavras completas em mensagens de texto. Então, ele realmente devia estar sendo sincero.
iAm hesitou na resposta. Então mandou : Feliz em ajudar. Vj vc em casa.
Ia guardar a coisa no bolso de novo, quando hesitou, pensando em enviar um: Prcs rslvr umas coisas.
Era uma mensagem que já enviara um milhão de vezes nos últimos anos. E de fato, estava sendo sincero. Ia verificar o restaurante e os clubes, como estavam funcionando,
se alguém precisava de alguma coisa.
Era exatamente o que precisava fazer em seguida. E exatamente o que o impediria de ir àquela maldita cabana.
Hora de ir.
Sem ninguém mais ao redor para testemunhar o ato, ele estava livre para se desmaterializar para onde estacionara o BMW X que ele e o irmão dividiam. Um momento
depois, o Porsche foi liberado pelo portão lateral e ele o seguiu a uma distância discreta, pelo estacionamento vazio de dois acres... Assim como Manny, em uma ambulância
convencional.
Em todo o caminho de volta ao Complexo da Irmandade, iAm manteve em mente aquela imagem de seu irmão e Selena, os dois dançando na frente do carro, como um casal
de adolescentes.
Que pena estarem em um livro do John Green.
Quantas noites mais eles teriam, se perguntou.
Merda, ele se sentia mórbido pensando assim, mas havia um relógio correndo. Com cada hora que passava, era mais provável que Selena tivesse outro surto.
E, então, que porra ele ia fazer com o irmão?
Jesus Cristo, Trez ia ficar incontrolável.
Com pensamentos felizes como estes inundando sua mente, perdeu a noção do tempo, e antes de perceber ter cruzado qualquer distância, eles subiam a elevação coberta
de mhis até a mansão, Manny havia desviado, para entrar com a ambulância pela entrada dos fundos.
Com sorte, Selena jamais saberia das precauções que haviam tomado em relação à ela.
Teria sido broxante. Como poderia não ser?
iAm foi cuidadoso em manter distância ao se aproximarem da última curva em frente à mansão, dando à Trez tempo para levá-la para dentro. Quando finalmente entrou
no gramado, foi até a fonte e estacionou ao lado do GTO de Rhage.
Que não ia ficar lá fora muito tempo. O Irmão sempre o levava para garagem nos meses de inverno.
O Porsche de Manny estava na base da escada, com a capota erguida, a chave sem dúvida em vias de ser devolvida ao médico para que também pudesse levá-lo para
a garagem do Centro de Treinamento.
iAm desligou o BMW. Saiu e trancou mesmo sem ser necessário.
E ficou parado ali fora.
Olhando para o céu, viu a respiração que saía de sua boca se elevar e desaparecer. Aquela imagem de Trez e Selena dançando, era como um cão com os dentes fincados
em sua matéria cinzenta, a memória se recusava a esmaecer; e não era, ele estava envergonhado de admitir, só porque pensava em tudo o que o irmão estava arriscado
a perder, ou por ele se preocupar com como recolheria os pedaços do triste bastardo do chão quando as coisas terminassem mal.
Ao invés isto, ele se perguntava...
Merda, ele estava se perguntando qual seria a sensação. De abraçar uma fêmea junto a seu corpo. Ter o cheiro dela em seu nariz e as mãos dela em seu ombro, cintura,
quadril. Ele queria saber como era erguer o rosto dela para o seu e...
Okay, ele precisava parar com aquilo.
Porque nada daquilo iria acontecer com ele. Não agora. Não em meia hora, se fosse para aquela cabana. Não daqui uma semana ou um mês...
Como se fosse um sinal, a brisa gelada aumentou de intensidade. Como se o universo quisesse destacar todo o frio e solidão que ele enfrentava.
O som da porta do vestíbulo sendo aberta chamou sua atenção. Ele gostava de Manny, mas não precisava do cara saindo para manobrar o carro, encontrando-o ali.
Não era o bom médico.
Trez saía da casa. Descia os degraus correndo. Cruzava o gramado.
Merda.
iAm colocou a mão sobre o celular caso precisasse ligar... A quem porra fosse. - Ei, ela está...
Ele não chegou à parte do "bem".
Seu irmão o agarrou em um abraço de urso. - Muito obrigado por esta noite.
De início, iAm não soube como responder. Ele e seu irmão não se abraçavam com frequência.
- Eu fiquei tão feliz por você estar lá. Significou muito para mim.
iAm pigarreou - Eu, ah...
Trez apertou mais o abraço.
Cautelosamente, iAm colocou os braços ao redor de Trez. O movimento pareceu esquisito, mas, quando finalmente abraçou o cara em retorno, sentiu o irmão estremecer.
Sinto muito, cara ,ele disse, em sua mente. Eu não queria isto para você.
O vento frio continuava a soprar, e após um longo momento, eles se separaram.
Trez havia tirado a jaqueta, então enfiou as mãos nos bolsos das calças - Eu recebi sua mensagem. Me sinto mal de ter jogado tudo isto nas suas costas.
- Tudo bem.
- Não está, não.
- Trez, você precisa ficar ao lado dela e tomar conta de sua fêmea. Esta é a coisa mais importante. O resto é só conversa.
Aqueles olhos escuros se focaram em algo acima do ombro esquerdo de iAm. Ou talvez o que quer que estivesse acima de seu ouvido.
- Eu realmente não sei porque você está aqui fora, perdendo tempo comigo. - iAm murmurou.
- Você merece muito mais do que isto.
- Acontece que eu gosto do meu emprego no Sal's.
Seu irmão fitou-o fixamente. - Não é o que quero dizer, e você sabe.
iAm juntou-se ao clube de Enfiadores de Mãos nos Bolsos Anônimos. - Chega de falar. Volte para sua fêmea.
Trez era um teimoso filho da puta, capaz de atos tremendos de negação. Mas iAm, como sempre, convenceu-o.
O macho se virou, mas, andou somente metade do caminho até a entrada da mansão, antes de parar e olhar por sobre o ombro.
- Não desperdice sua vida inteira comigo, okay? - Trez balançou a cabeça. - Eu não valho a pena, e você merece muito mais do que isto.
iAm revirou os olhos. - Pare de pensar. Volte a andar.
- Pergunte a si mesmo o que será de você quando eu me for. Se for honesto, não acho que vá gostar da resposta mais do que eu gosto. E poupe-me dos seus "tudo-vai-ficar-bem".
Nenhum de nós é tão ingênuo.
- Por que está se distraindo com isto? Sério, Trez.
- Não é uma distração. É o tipo de merda que te come vivo quando se ama alguém.
Dito isto, Trez continuou a andar, subindo os degraus de pedra e desaparecendo através da porta do vestíbulo.
iAm fechou os olhos e se apoiou no SUV. Ele não precisava daquele pequeno monólogo do irmão na sua cabeça naquela hora. Ele realmente não precisava.
Capítulo CINQUENTA E UM
As mãos de Selena estavam rígidas.
Em pé, perto do balcão da cozinha da Irmandade, ela tentava abrir uma lata de Coca, e viu que seus dedos se recusavam a agarrar o lacre direito. Ao invés de
puxar a aba de metal para liberar, eles tropeçavam no topo.
Enquanto todos os tipos sinais de aviso soavam em sua cabeça, controlou o pânico, lembrando a si mesma que havia passado três horas no frio, sem luvas.
Fazendo alguns exercícios de abrir e fechar as mãos, ela soprou-as, então balançou os braços. Estalou os dedos. Tentou não começar a procurar por outros problemas
em outros lugares do corpo.
Pessoas com a sua doença ainda podiam ter início de hipotermia.
Ela encarou a lata de novo, seu coração trovejando enquanto observava a uma grande distância, ao tentar o lacre de novo. Ela olhou para suas mãos e dedos desapaixonadamente,
como se fizessem parte do braço de outra pessoa, se movessem pela ordem do cérebro de outra pessoa.
Crack! Fizz!
Ela exalou e teve de se apoiar no granito para se firmar.
- Você está bem?
Encobrindo o alívio, sorriu quando Trez entrou, vindo da sala de jantar. - Só estava pegando um refrigerante. Estou com sede.
- Como está o seu estômago?
- Muito bem. E o seu?
Quando ele se aproximou, ela teve a impressão de que ele também escondia alguma coisa. E foi um choque descobrir que, apesar de seu discurso de ser a grande
mantenedora da verdade após seu último Aprisionamento, ela queria que ele mantivesse o seu segredo, do mesmo modo que queria manter o dela: eles tiveram uma noite
tão maravilhosa; a última coisa que precisavam era arruiná-la com uma conversa pesada que só exporia problemas que não podiam ser resolvidos, e questões não iam
ser respondidas até que fosse tarde demais.
- O estômago está bem.
Ela forçou um sorriso. - Gostaria de subir?
- Seria ótimo.
Pegando o refrigerante, ela aceitou a mão que ele ofereceu a ela e saiu com ele pela sala de jantar e para o saguão. A casa estava essencialmente vazia, os
Irmãos no trabalho, Wrath atendendo aos civis, Beth, Marissa e Mary no Lugar Seguro, Bella de babá do P.W. e de Nalla lá em cima no novo berçário, os doggens cumprindo
suas funções.
Tudo aquilo ia continuar, ela pensou, quando se fosse. Todas as portas se abrindo e se fechando, cardápios seriam planejados e consumidos, pessoas viveriam
suas vidas.
Querida Virgem Escriba, ela queria ficar com eles. Ela não queria partir para o que bem poderia ser um nada absoluto, uma completa dissociação de quem ela era
e o que lhe importava agora e de como se sentia e o que pensava.
Desapareceria. Não restaria nada.
Ela havia sido treinada, na verdade, programada, para acreditar na vida após a morte, para servir à Mãe da Raça e aderir às tradições que nem estabelecera,
nem se voluntariara para seguir. E tudo aquilo, sem questionar.
Chegando agora, ao fim da vida, ela desejava ter questionado, desafiado e elevado a voz.
Tanto tempo desperdiçado.
Quando começou a subir as escadas com Trez, pegou-se imaginando por que, se existe um Fade e as pessoas continuavam lá em cima; por que então a Virgem Escriba
demandava que tudo na Terra fosse registrado no Santuário? Por que todos aqueles volumes e volumes de vidas vividas... Se após a morte as pessoas ainda existiam,
só que de forma diferente?
Era preciso preservar somente o que era perdido.
Seu coração começou a trovejar, um súbito terror a dominou...
- Oh, merda. - Trez suspirou.
Claramente ele leu sua mente. - Não sei o que estou pensando. Provavelmente besteira...
Ele estendeu a mão livre para o corrimão e oscilou.
- Trez! Qual o problema?
- Merda. Porra. - Ele olhava para ela, mas, seus olhos estavam fora de foco. - Pode me ajudar a chegar ao quarto? Não consigo ver...
- Querida Virgem Escriba, vou chamar a Dra. Jane!
- Não, não, é só uma enxaqueca, - ele endireitou-se com a ajuda dela. - Não tenho muito tempo. Tenho de subir para um quarto escuro e deitar.
- Vou chamar a Dra. Jane...
- Não, como já te disse, tive essas crises a vida toda. Eu sei o que está por vir. Vai ser o inferno por oito horas, mas não pode realmente me machucar.
Selena tentou apoiar o máximo do peso dele que conseguia, enquanto cambaleavam até o patamar do segundo andar e então seguiam para a porta que levava ao terceiro
andar. Seu corpo grande se movia com lentidão, e a certa altura, ele desistiu totalmente de tentar enxergar, aqueles olhos dele se fecharam.
De alguma forma, ela conseguiu levá-lo ao quarto e à própria cama.
- A escuridão vai ajudar, - ele disse, colocando o antebraço sobre o rosto. - Pode aproximar aquela lixeira?
Andando pelo quarto, ela apagou todas as luzes, exceto a do banheiro e certificou-se de que houvesse um recipiente perto da cama. - Quer que eu tire suas roupas?
- Okay. Sim.
Não era exatamente a experiência pela qual ela estivera ansiando, mas então, seu humor já estava arruinado mesmo antes daquilo. E quando ela cumpria a tarefa,
ela foi oh, tão cuidadosa com ele, ajudando-o com a jaqueta, então tirando as botas e meias e livrando-o das calças.
- Eu vou ficar de camiseta. Não tenho energia para tirar, - ele pegou a mão dela e a fez sentar-se ao seu lado. - Não é a maneira que eu imaginei terminar a
noite.
Ela beijou a palma da mão dele. - O que mais posso fazer por você?
- Só me deixe deitado aqui pelas próximas seis ou oito horas. E não se preocupe, como eu disse, tudo isto da dor de cabeça à náusea, é normal. Infelizmente.
- O que causa estas crises?
- Estresse.
- Quer que eu ligue para o iAm?
- Merda, não. Ele já tem muito problema na cabeça. Na verdade, acho que é por causa dele que fiquei assim.
- Tem algo errado com ele?
Quando Trez silenciou, ela quis pressionar, mas ele estava doente.
- Você não precisa ir, - ele disse.
- Não quero te perturbar.
- E não vai. - Ele esfregou sua mão com as dele, e os lábios, a única coisa que estava à mostra, abriu-se em um sorriso. - Amo suas mãos. Eu já te disse isto,
não? São tão suaves e macias... Dedos longos...
Um pouco mais tarde, ele exalou um gemido suave, sua boca contorcendo, o corpo tenso. E então, começou a engolir.
- Preciso que você saia, - ele murmurou. - Desculpe... Não quero que veja isto...
- Tem certeza...
- Por favor. Agora.
Era a última coisa que queria fazer, mas levantou-se. - Estou por perto, okay? Não vou sair da casa. Me chame se...
Ele se inclinou para o lado e buscou o balde. Pairando por sobre a coisa, abriu os olhos e fitou-a com um olhar esgotado. - Você precisa sair agora.
- Eu te amo, - ela disse, correndo para a porta. - Queria poder ajudar.
Ela não teve certeza se ele ouviu esta última parte, ao se esgueirar para fora, e bem quando fechou a porta, os sons dele vomitando a fizeram estremecer.
Por uma fração de segundo, pensou que podia acampar no corredor em frente à porta. Mas, então, enquanto debatia aonde iria se sentar no chão, percebeu que não
conseguia largar a maçaneta.
Sua mão havia congelado no bronze.
- É claro que não vou parar. Não seja burro.
Enquanto falava com seus primos na cozinha da casa de vidro, Assail estava em um péssimo humor, e afundava cada vez mais na ira diante do interrogatório de
Ehric.
- Mas o Rei...
- Não tem nenhum direito de interferir nas questões de comércio que concerne a humanos, - ele convenientemente evitava pensar ou comentar a questão sobre o
conflito de interesses. - E não tenho intenção nenhuma de obedecer àquela ordem dele.
- Então o que vai fazer?
- Ele vai nos vigiar. É o que eu faria se fosse ele. Quero que vocês dois avisem meu sócio. Nós suspenderemos as operações por um breve período e faremos um
reconhecimento.
- Está bem.
Após os dois saírem, ele ficou na cozinha de forma que, qualquer Irmão que estivesse vigiando a casa o tivesse em visão plena. Retirando o seu vidrinho de cocaína,
descobriu que estava, de novo, quase vazio, mas pelo menos havia o suficiente para um "tiro".
Quando terminou de inalar, dirigiu-se ao escritório do outro lado de sua casa. Ali também havia janelas de vidro, e ele acendeu a luminária da mesa para que
pudessem mantê-lo sob vigilância. Sentando-se, olhou para a pilha de papéis que produzira. Contas de investimento. Contas de corretagem. Grana nos Estados Unidos
e no estrangeiro.
Aumentando, aumentando, aumentando.
A fortuna ao seu dispor havia tido uma guinada há cerca de um mês, o dinheiro lavado nas Ilhas Cayman transferido para contas mais legais entre o Reino Unido
e Suíça.
Tanto dinheiro, e todo montante acumulando juros, dividendos e apreciação.
Quando começara no negócio das drogas, logo após chegar à América, vindo do Antigo Continente, há cerca de um ano, ele já vinha bem estabelecido até para seus
próprios padrões. Agora, havia o dobro daquele montante em suas várias contas.
Pegando uns papéis aleatoriamente, olhou para o relatório de fechamento de mês. O relatório diário que ficava em seu computador era ainda mais recente.
A despeito de sua riqueza, a ideia de Wrath estar se metendo em seus assuntos o enfurecia até a medula.
Mas, não por um motivo que ele pudesse admitir a qualquer um.
Sem isto... Ele não tinha nada.
O que havia começado como uma extensão de seus negócios europeus, havia crescido até se tornar a razão de seu viver, o único propósito que tinha na vida, o
único motivo que o fazia sair da cama ao anoitecer, se vestir e sair pela porta.
Para ser justo, ele sempre gostara de ganhar dinheiro.
Mas desde o último inverno...
Praguejando, ele se inclinou em sua poltrona de couro e colocou a cabeça entre as mãos. Então sem olhar, ele remexeu no bolso da jaqueta e pegou o celular.
Ele há muito, havia memorizado o número de Sola. Mas não tinha ligado. Não desde que ela se mudara com a avó, de Caldwell para Miami. Não desde que ela saíra
dali exatamente para fugir do tipo de vida criminosa que ele levava.
Em seu telefone, acionou o teclando digital numérico. Como havia feito tantas vezes antes, ele apertou a sequência de dez números, um após o outro, os dedos
seguindo o padrão conhecido.
Não, ele não tinha ligado. Mas, regularmente, fazia isto: dez dígitos que estavam longe de serem aleatórios para ele, discados em seu celular... E deletados
antes de apertar o botão verde.
Se o Rei tirasse seu modo de vida? Então, ele não teria porra nenhuma para fazer, exceto encarar o fato de que a única mulher que desejava, estava totalmente
fora de seu alcance.
Mulher. Não fêmea.
Ela era humana, não vampira. Inferno, ela nem mesmo sabia que vampiros existiam.
E aquele era o problema. Mesmo que ele parasse com o negócio das drogas? Não era como se pudesse ir até Miami, aparecer na frente da porta dela, e chegar tipo,
Ei! Vamos retomar de onde paramos!
Não ia acontecer... Porque cedo ou tarde, a espécie dele ia descobrir e então para onde eles iriam?
Por alguma razão, a imobilidade e silêncio de sua casa de vidro pesaram, lembrando-lhe exatamente quão sozinho ele estava, e ficaria se parasse com os negócios.
Inferno, seus primos não iam ficar contentes em vê-lo sentado por aí, lamentando a fêmea por quem não estavam apaixonados, ele os perderia também.
Deus, ele era bem patético, não era?
Resumindo, o que ele iria fazer?
Com a cocaína borbulhando em suas veias, seu cérebro fez uma matemática básica baseada em uma ideia totalmente absurda.
Que ainda assim, oferecia-lhe uma bela solução para tudo aquilo.
Endireitando-se em seu assento, franziu o cenho e olhou em volta da sala, seus olhos vagando enquanto seu cérebro desenvolvia o plano. Quando não achou mais
falhas, deletou os dígitos de Sola da tela de seu celular e discou para Ehric. Quando caiu no correio de voz, imaginou que eles ainda estariam desmaterializados.
Um segundo depois, seu celular tocou e ele atendeu, sem se importar em cumprimentar. - Já entregou o símbolo para ele?
A resposta de Ehric foi abafada pelo vento que soprava rio abaixo. - Acabamos de chegar.
- Espere por ele. Não revele sua posição.
Assail continuou com as instruções e, ao final de tudo, a resposta de Ehric foi perfeita, - Como quiser.
Assail encerrou a chamada e voltou a afundar-se na cadeira. Respirando fundo, praguejou. Aquilo ia dar um trabalho danado. Mas, era a única solução que parecia
haver.
Além disto, o fato de que isto o consumiria por um futuro considerável? Era exatamente o que queria. E se não funcionasse? Bem, então estaria morto e não se
importaria com mais nada.
Nem mesmo com a mulher por quem ansiava com cada centímetro do seu corpo e todo o seu coração bastardo e sombrio.
A mãe dela havia acertado com aquele nome dela.
Marisol havia mesmo lhe roubado a alma.
Capítulo CINQUENTA E DOIS
iAm não queria que as palavras de Trez o atingissem mais do que a brisa gelada, quando estava em pé no gramado. Ele planejara entrar, comer algo rápido e esquecer
que toda a interação ocorrera. Cuidar de seus negócios. Ir aos clubes e ao restaurante. Cuidar de papelada, assumir o controle, tomar algumas decisões concretas
e sólidas.
Ao invés, estava preso no saguão, olhando para cima, para o teto alto que havia sido pintado por algum grande artista. Ele achava que a intenção da pintura era
inspiradora: heróis em garanhões veneráveis, guerreando nas nuvens, guerreiros celestiais que eram bravos e fortes e estavam ao lado dos justos.
Mas, toda aquela glória não era o motivo de ele estar em modo de pausa.
O destino de Trez era um jogo de cartas, uma coisa delicada e complicada que teria de ser resolvido pelos dois. Cada movimento que iAm fizesse, teria de ser
cuidadoso, deliberado e calculado com o objetivo de sobrevivência.
A sobrevivência de seu irmão.
Ele era um virgem de centenas de anos por causa disto.
Inferno, ele não havia sequer olhado para uma fêmea, tipo, nunca.
Enquanto Trez fodia com elas nos clubes, ou assistindo pornô na TV, ou falando sobre o que havia feito em cima da mesa, no banco traseiro do carro, do lado de
fora da porra do estacionamento, iAm jamais teve interesse em nada daquilo.
Ele havia sido um fodido filho da puta.
Um filho da puta não fodido, melhor dizendo.
E sim, ele tentara a coisa toda pelo lado gay, imaginando que talvez, pudesse se sentir atraído por homens e machos.
Não.
O que o levava ao ponto de, se não fosse pelo fato de ter de lavá-las todas as noites, ele teria se perguntado se sequer tinha bolas.
"Pergunte a si mesmo o que será de você quando eu me for. Se for honesto, não acho que vai gostar da resposta, mais do que eu gosto."
Sem estar consciente de ter tomado uma decisão, iAm virou-se e atravessou o vestíbulo. Na varanda da frente da imensa mansão cinzenta, ele parou sob o vento...
... E saiu voando.
Em uma jornada rumo ao seu destino, pedaços do passado o atingiam: Trez escapando do palácio. iAm sendo mantido preso até prometer trazer o macho de volta...
Que era a última coisa que ele realmente tinha intenção de fazer. A caçada louca.
A cabana na Montanha Black Snake.
Quando iAm retomou forma, teve uma náusea momentânea ao pousar na estrutura envelhecida, com seu tapume áspero e irregular, suas telhas de cedro e aquela chaminé
de pedras que se erguiam do teto como um dente podre. Parecia... Exatamente igual. Bem, não exatamente igual, com as janelas diferentes, arbustos crescendo ou árvores
tendo caído ou crescido demais.
Não, por uma fração de segundo, não soube sequer se estava ali agora mesmo ou se tinha voltado ao passado.
Sacudindo-se, andou até a porta da frente. As dobradiças rangeram ao abrir a casa e, pelo menos ele estava melhor preparado para o que viu.
Precisamente o mesmo. Da disposição desleixada dos móveis, ao cheiro de fogo velho, aos esboços dependurados pelas paredes.
Ele fechou a porta atrás de si e circulou, as botas fazendo o assoalho nu estalar e gemer. Perto da lareira de pedra, encontrou um generoso suprimento de toras,
achou que os últimos caçadores que usaram o lugar tentaram ser bons cristãos e passaram a bênção adiante.
Suas mãos tremiam ao jogar toras na lareira e agulhas de pinheiro por baixo. Tirando o isqueiro que sempre trazia consigo após ter trabalhado com diversos fogões
temperamentais, acendeu a coisa, abanou, e avivou as chamas.
Disse a si mesmo que era perda de tempo e calor. Ela não viria. Não havia jeito de ela vir.
Ele só ficaria por ali por cerca de meia hora, bancando a testemunha para os pensamentos sombrios de seu cérebro que enveredavam em território perigoso, e então
apagaria o fogo e voltaria para Caldie.
Os clubes. Ele iria aos clubes primeiro, e então...
O som daquela porta rangendo ao se abrir deixou-o rígido.
O aroma da maichen invadiu o interior da sala.
Virando a cabeça em sua direção, ele ergueu os olhos. Lá na porta, estava ela em carne e osso, suas vestes revoando no vento gelado que soprava por trás.
Ela não passava de um fantasma... E sua vitalidade era comovente.
Quando ele olhou para ela, soube exatamente porque ambos tinham vindo.
Capítulo CINQUENTA E TRÊS
Selena andou lentamente pelo longo túnel que levava ao Centro de Treinamento. Um passo de cada vez, da base da escada curta que levava à passagem subterrânea
à porta que abria para o armário do escritório. Cada vez que tinha de digitar uma senha para atravessar alguma porta, esperava que a sua consciência a fizesse mudar
de ideia. A reviravolta ocorrer. A urgência de dar meia volta se manifestar.
Ao invés disto, acabou não só emergindo na área de trabalho de Tohr, mas, atravessando as portas de vidro e saindo para o corredor de concreto que ficava mais
além.
A clínica ficava cerca de vinte e sete metros abaixo, e havia uma coleção de portas anunciando todo tipo de destinos alternativos que se apresentavam: salas
de levantamento de peso, ginásio, vestiário.
Seus pés não pararam diante de nenhuma delas.
Não, eles a levaram direto ao único lugar que ela resolvera jamais retornar voluntariamente.
Sua batida foi suave, uma oportunidade para que não houvesse resposta ou por não haver ninguém lá (ponto!) ou por estarem ocupados ajudando a outra pessoa (triste,
mas também um alívio) ou tão imersos no trabalho que não a ouviram (o que era como deixar uma mensagem de voz para alguém com quem você nem queria mesmo falar).
Dra. Jane abriu a porta. E fez um recuo estilo uou-ei! - Selena, oi.
Ela ergueu a palma da mão, desajeitadamente - Oi.
Houve uma pausa. E então a médica disse, - Está aqui em visita social ou precisa...
- Você deve estar bem ocupada, certo.
- Na verdade, depois de trabalhar quase três dias diretos, eu só estava atualizando os prontuários médicos. - A fêmea lhe deu espaço - Entre, se quiser.
Selena se preparou, pisou na soleira. Tentou desesperadamente não olhar para a maca de exames.
Enquanto isto, a Dra. Jane se afastou e sentou-se em um banquinho rolante, ajeitou o jaleco e cruzou as pernas. O uniforme que usava por baixo era azul. Os Crocs
eram vermelhos.
Os olhos dela eram verde-floresta. E estavam muito sérios.
Selena começou a perambular, mas, para todo lugar que olhava, só o que via eram gabinetes de aço inox com portas de vidros com instrumentos de tortura dentro.
Aturdida, olhou para a porta para o corredor, que estava se fechando sozinha, lenta e silenciosamente.
Como a tampa de um caixão.
- Ei, - Dra. Jane disse, - eu estava mesmo a ponto de esticar as pernas. Quer vir comigo dar umas voltas no ginásio?
- Oh, Deus, sim. Obrigada.
As duas saíram juntas, passando várias portas e muitos, muitos metros de corredores. Ao chegarem ao destino, a Dra. Jane abriu a pesada porta de aço e ligou
as luzes do teto.
- Eu sei que é estranho, mas adoro este lugar. - Jane disse. - A madeira com esta bela cor amarelo-mel e tudo cheira a desinfetante cítrico. O que é meio doido
porque odeio produtos químicos no ar, ou nas coisas.
Quando a médica iniciou a caminhada em volta das quadras de basquete, Selena teve quase certeza que ela ia a passos lentos de propósito.
Elas seguiram pelo lado curto, embaixo da cesta, e para a curva à esquerda para ao longo das arquibancadas, antes de Selena dizer alguma coisa.
- Eu acho... - Lágrimas inundaram seus olhos e ela percebeu que estava morrendo de medo.
- Temos todo o tempo que precisar. - Dra. Jane disse, suavemente.
Selena limpou os dois olhos. - Tenho medo de falar sobre isto. Como se, caso eu falasse...
- Você está tendo algum sintoma?
Ela não conseguia falar. Mas, viu-se acenando - Eu acho... Sim.
Dra. Jane emitiu um som de mmm-hmmm - Quer me dizer quais?
Selena estendeu a mão, a que ficara congelada na maçaneta, e estendeu os dedos. Ao flexionar, abrindo e fechando, sua mente caiu em uma corrida desenfreada de
Será que pioraram? Será que melhoraram? Estão na mesma?
- Suas mãos? - Quando tudo o que ela fez foi anuir de novo, a Dra. Jane perguntou - Mais algum lugar?
Pelo menos desta vez ela conseguiu negar com a cabeça.
- Você se lembra, - a médica disse, - se quando um ataque veio antes, se teve algum prodromal?
- O que é isto?
- Algum tipo de sinal de alerta?
Selena esfregou os olhos de novo e limpou as mãos nas calças. Trez possuíra seu corpo não mais do que meia hora antes. Com uma onda de agonia, ela quis voltar
àquele momento, de volta ao tempo antes de sua doença se manifestar.
- Eu não sei. Não me lembro de jamais ter notado algo. Mas, antes... Eu costumava ignorá-lo o máximo que podia. Eu não queria pensar nisto. - Ela olhou para
a médica. - Eu sinto muito não ter voltado para vê-la, sabe, depois que eu...
Dra. Jane fez um gesto no ar. - Deus, garota, não se preocupe com isto. Não há regras e você tem de fazer o que sente que é certo. As pessoas precisam controlar
as próprias vidas.
- Há alguma coisa que pode fazer por mim? Qualquer coisa... Que eu devesse fazer?
A médica levou um tempo para responder. - Eu vou ser direta com você, está bem?
Ah, sim. Não havia nada a fazer. - Eu agradeceria.
- Nas últimas quarenta e oito horas, muitas pessoas procuraram uma solução. Manny contatou seus colegas humanos. Eu falei com Havers. Rehv foi ao território
Symphath... E recebi uma mensagem de texto de iAm dizendo que iria ao s'Hisbe.
- Nada?
- Havers só sabia de pacientes que enfrentam episódios isolados, artrites que afetam mãos ou joelhos, quadris ou ombros. Nada com sintomas sistêmicos tão severos
como os que você apresenta. Ele trata os pacientes com anti-inflamatórios e analgésicos, mesmo que tenha testado algumas drogas humanas, não teve nenhum resultado
relevante na prevenção ou cura. E nem os Symphaths ou os Sombras tinham conhecimento neste assunto.
Manutenção. Era o máximo que poderia esperar.
- Pode me dizer quanto tempo eu tenho?
Dra. Jane negou com a cabeça. - Posso analisar seus marcadores inflamatórios. Mas não tenho realmente nada com o que compará-los... E os ataques vêm rápido,
pelo que entendo. Isto sugere um surto súbito, como um terremoto.
Elas continuaram a circular o ginásio, descendo, descendo, descendo até o canto oposto, onde havia uma porta onde estava escrito: SALA DE EQUIPAMENTOS E PT.
- Acho que devíamos voltar para você verificar minhas... Sabe, - Selena circulou o ar próximo a ela com a mão, - coisas inflamatórias.
- Podemos, se quiser. Mas, acho que a coisa mais importante é fazer seja lá o que te deixe mais tranquila e calma.
- Está bem. Está certo.
Um momento depois, sentiu a Dra. Jane pegar sua mão e apertar. E ao encará-la, se surpreendeu ao ver emoção no rosto da médica. Essa tristeza austera, uma dor
que ia fundo.
Selena fez a outra fêmea parar. - Não é culpa sua.
Aqueles olhos verde-floresta fitaram a cavernosa extensão do ginásio, sem focar em nada - Eu só... Quero ajudar. Quero te proporcionar o restante de seus muitos,
muitos e muitos anos de vida. Quero que você viva. E o fato de não encontrar uma solução... Eu sinto tanto, Selena. Sinto tanto... E vou continuar lutando. Vou continuar
tentando, buscando...
Pareceu a coisa mais natural do mundo passar o braço ao redor da mulher e abraçar.
- Sinto muito. - Dra. Jane soluçou.
Mais tarde, Selena iria perceber...
... Que aquela era a primeira de suas despedidas.
maichen havia demorado para encontrar a cabana. A Montanha Black Snake havia sido fácil. Lado leste do pico também não havia sido um problema. E detectar o aroma
do fogo deveria ser simples, porque mesmo quando em forma molecular, seu olfato era forte e não havia nada mais claro do que fumaça em uma noite de outono. Ainda
assim, havia sido difícil. Ela havia viajado pelo ar, buscando, buscando...
Estava a ponto de virar e voltar, uma tristeza dolorida dominando-a por dentro... Mas então aquela fumaça havia se erguido pela brisa e ela havia disparado em
seu encalço, rastreando a força do aroma, focando em sua fonte.
E lá estava a cabana que ele havia mencionado.
Ela havia se aproximado como uma Sombra, permanecendo em sua forma de energia, sobrevoando o chão sujo, contornando a estrutura pequena e simples... Certificando-se
de que era, de fato, ele e somente ele.
Retomando forma, se aproximou da porta e bateu. Quando não houve resposta, ela abriu.
Ele estava perto da lareira, agachado, avivando as chamas.
Instantaneamente, o corpo grande levantou-se, e a luz tremeluzente criava uma aura detrás dele.
Quando ela entrou, o vento bateu a porta e a batida a assustou.
- Está frio aqui, - ele disse, rudemente, - estou tentando aquecer.
Vê-lo era suficiente para fazê-la esquecer-se de tudo o que a cercava. Ela podia estar em um deserto, no oceano, em uma calota polar e não teria registrado coisa
alguma.
- Aproxime-se, - ele acenou com a mão. - Do fogo.
O corpo dela obedeceu sem hesitação, só que foi até ele que ela andou, não para as chamas. E quando parou ao seu lado, ele se afastou como se não quisesse oprimi-la.
- Deixe-me arrumar um lugar para você se sentar.
Antes que ela pudesse dizer que não se incomodasse, ele foi até uma plataforma de dormir e puxou o acolchoado do topo com alguns cobertores. Com mãos firmes,
arrumou tudo e então voltou a se afastar.
O sexo que emanava dele era irresistível.
Por mais frio que estivesse tentando se mostrar, mais respeitoso que estivesse sendo, ela podia sentir a necessidade nele.
Sim, ela percebeu... De fato, era por isto que ela havia arriscado tanto para vir aqui.
Ela também o desejava. Mesmo que isto fosse criar uma crise. Mesmo que fosse irresponsável. Mesmo que não fizesse sentido.
Ela seguira as regras a vida inteira. Mas não havia responsabilidade ou dever que lhe fosse tão impossível resistir, e seu tempo de relativa liberdade estava
se esgotando.
Baixando-se para o sofá improvisado, ela cruzou as pernas sob seu manto pesado. - Por favor. Sente-se comigo.
- Tem certeza que quer que eu faça isto? - Ele se avolumou à sua frente, seu rosto sombrio absorvendo aquela luz lúdica.
- Sim, - ela sussurrou.
Ele ajoelhou-se, seus olhos semicerrados se movendo pelas vestes que a cobriam do topo da cabeça até a sola do pé.
- Você me deixará vê-la? - Disse ele, em voz profunda.
maichen engoliu em seco. Então ergueu as mãos para a malha que cobria seu rosto, mas, para segurar a máscara no lugar. - Tenho medo.
- Do que?
E se ele não gostasse do que visse?
- Eu já sei que você é linda, - disse ele, como se pudesse ler sua mente.
- Como?
Ele tocou o centro do peito amplo. - Eu te vejo aqui. Eu te conheço... Aqui. Você é muito bonita para mim, não importa sua aparência.
Profundamente consciente de tudo o que não lhe contara sobre si mesma, ela sussurrou, - Nós não conhecemos um ao outro.
- Isto importa para você?
- Não.
- Nem para mim. - Ele franziu o cenho e olhou para o fogo. - As últimas noites, com tudo o que aconteceu comigo e meu irmão... Foram uma revelação. Não quero
mais perder tempo. Quero viver a minha vida, ao invés de pairar pelo pesadelo da zona neutra dele, esperando o machado descer.
- Seu irmão... Ele jamais voltará ao Território? Dizem... Que ele se recusa a cumprir o seu dever, mesmo que a Rainha tenha decretado que após o luto...
Ela teve de parar. A ansiedade era grande demais.
Ela supostamente devia se emparelhar intocada.
E isto não ia acontecer.
Mas, o que o Consagrado poderia fazer a ela? Ambos estavam sendo forçados ao emparelhamento, e a tradição ditava que ele era essencialmente propriedade dela.
Um protesto dele será como uma cadeira discutindo com quem se senta sobre ela.
iAm negou com a cabeça. - Depois de Trez perder Selena, o jogo acaba... E francamente, aquela Princesa? Ela não vai querer o que vai sobrar dele, não a menos
que ela curta necrofilia. Ele vai estar morto, estando em vida, ou em um túmulo.
maichen baixou a cabeça. Ela jamais deixara de saber sobre o emparelhamento que a aguardava. Ele fizera parte da sua criação, a espera pelo Consagrado que havia
sido destinado pelas estrelas para ser seu companheiro procriador, e que com ele e através dele, ela asseguraria que a linhagem de sua mãe continuaria a governar
o s'Hisbe.
Predestinada. Escrito nas sagradas estrelas.
Ela havia aceitado o que era seu dever do mesmo jeito que aceitava tudo em sua vida, de sua casta à solidão, à perpétua sensação de que estava perdendo tanto,
embora não por sua própria escolha.
Ela pigarreou. - Eu imagino que a Princesa poderia libertá-lo, se pudesse. Ela não ia querer ninguém sofrendo, muito menos alguém que perdeu uma fêmea de valor.
- Você a conhece?
- Eu já a servi.
- Como ela é? - Antes que ela pudesse responder, ele ergueu a mão. - Na verdade, não preciso saber...
- Acho que ela diria que está tão presa na armadilha como seu irmão. Acho... Que ela também é uma prisioneira do destino.
Ele esfregou o rosto. - Isto realmente me faz odiá-la menos. Acho que nunca pensei em como tudo isso seria para ela.
- A ela foi revelado qual seria o seu destino, do mesmo modo que como a ele. Ela não teve nenhuma escolha nisto.
iAm solto um riso ríspido. - Talvez eles possam mandar a Rainha se foder. Se ambos se recusarem a jogar o jogo, pode ser que seja o fim. Não que isto impeça
meu irmão de perder sua amada.
- Mas, as estrelas revelaram os destinos deles.
Aquele olhar escuro voltou à ela. - Você crê nisto? Digo, acha realmente que o alinhamento de um punhado de planetas desinteressados, a um milhão de anos-luz
deveria ser usado como um mapa para a vida das pessoas? Eu não.
- É assim há gerações. - Ela disse, em voz fraca.
- Isto não o torna correto. De fato, torna tudo ainda mais ofensivo. Pense no quanto foi arruinado.
O peito de maichen se contraiu quando ele disse em voz alta as coisas que ela andara pensando desde que aprendera que, há muitos anos atrás, o macho com quem
ela iria emparelhar achara seu destino tão desagradável que fugira do Território sob ameaça de morte e sob punição de expulsão.
- Chega deste papo, - ele disse. - Não foi por isto que viemos. Foi?
Os olhos dela se cravaram nos dele sob a malha. - Não, não foi.
O olhar dele voltou para suas vestes, como se em sua mente, ele já estivesse despindo-a.
O coração dela começou a martelar de novo, as mãos começaram a suar. - Eu preciso que saiba que eu jamais... Eu não...
- Nem eu.
Ela recuou. Não pôde evitar. Ele era tão másculo, tão belo, tão...
- Mudou de ideia? - Ele interpelou. - Não é nada sexy, é?
- Como é possível? - Ela se espantou. - Você é tão phearsom.
Houve uma pausa. E então, sem aviso, ele jogou a cabeça para trás e riu. O som saiu tão inesperado e... Cativante... Que ela quase se afastou, surpresa, de novo.
Quando ele voltou a olhar para ela, sorriu pela primeira vez. E tirou-lhe o fôlego.
- Este foi o melhor elogio que eu já recebi.
Ela sentiu-se sorrir sob a malha... Mas, então, ele ficou sério de novo, e ela também.
Não haveria retorno, ela pensou. Se ela não saísse agora, antes de ele tirar seu capuz... Ela não sairia até tudo acabar.
As mãos de maichen se ergueram para sua máscara, sua decisão tomada.
Agarrando a barra da malha, começou a erguê-la. Ansiedade fazia seu coração falhar batidas, mas, ela não parou... Ela não pararia.
Os planetas não deveriam governar as escolhas dos vivos ou o legado dos mortos, ela pensou quando o ar mais frio atingiu sua garganta, sua mandíbula... Sua boca.
Ela estava escolhendo isto.
Ela escolhia ele.
Capítulo CINQUENTA E QUATRO
iAm sentia-se como se suspenso no tempo enquanto o rosto da maichen ia sendo revelado centímetro a centímetro. Os lábios dela eram cheios e profundamente vermelhos,
a pele suave e ligeiramente mais escura do que a dele, as maçãs do rosto altas e salientes...
Ele parou de conseguir formular qualquer pensamento quando os olhos dela se revelaram.
Olhos profundos e cílios espessos, eram de um brilhante verde iridescente. Mas, então, ela estava emocionada e aquele era um dos sinais disto, uma característica
dos olhares dos Sombras.
Talvez os dele estivessem assim também.
E então os cabelos. Profundamente ondulados, flutuavam de sua cabeça e caíam pelos ombros e as costas. Era tão longo que não dava para ver onde terminava.
Ela era, bem simplesmente, a coisa mais extraordinária que ele já havia visto.
Ela era tanto exótica, porque ele vivia entre humanos por tantos anos que perdera as feições de seu povo, quanto completamente normal, porque sua beleza e cores
eram naturais.
- É um crime você andar coberta, - ele sussurrou.
O rubor que subiu pelo pescoço dela fez as presas dele se alongarem, e as mãos se curvarem de necessidade de tocá-la.
- Verdade? - Ela suspirou.
- Juro pelo meu sangue.
Como se o olhar dele lhe desse coragem, ela afastou a malha, e continuou a se despir, liberando a fivela de bronze na clavícula e deixando a primeira camada
de tecido deslizar pelos seus ombros.
Ela era de constituição delicada, mas, também era toda fêmea, e por mais que ele tentasse não se apegar à aparência de seu corpo, seus olhos se recusavam a se
desviar.
Aquela veia pulsando na lateral do pescoço dela era um convite a uma mordida.
O volume de seus seios era uma súplica por um toque.
O aroma do sexo dela, um chamado a ser respondido.
iAm engoliu a imprecação que quis escapar de sua boca. Ela era demais, linda demais, vibrante demais. Seu coração estava pulsando e seu pau estava duro como
pedra dentro da calça.
Ele deveria ter tomado um drinque antes de ir para lá.
Ou seis.
- Você tem fome, - ela sussurrou.
- Sim.
- Você gostaria de tomar minha...
Ele não acreditava onde ela estava tentando chegar, - Sua veia?
- Se quiser.
Oh, fodido fosse ele, sim. - Eu imploraria por tal...
- Não precisa.
Ele esperava que ela lhe oferecesse o pulso, mas quando ela ergueu o queixo expondo a garganta, ele sentiu-se real e verdadeiramente muito estúpido.
iAm sabia que devia perguntar se ela tinha certeza, pressioná-la a repensar sua decisão. Tudo ia acontecer rápido demais se encostasse as presas nela.
Ao invés disto, ele gemeu, - Por favor, me diga seu nome.
- É maichen eu já lhe disse. É o único nome que sinto ser meu.
Ele cerrou os dentes. - maichen, preciso que saiba... Não acho que consigo parar. Se começar isso.
- Eu sei. É por isto que te quero em minha garganta. Sem retorno.
Os olhos dele reviraram e seu tórax ondulou. - Mas, você não tem um pai em sua casa? Alguém que se importará por você...
Ele sabia que os padrões eram diferentes para membros da classe dos serviçais, não se esperava virgindade das fêmeas, já que elas eram requisitadas para qualquer
serviço que lhe demandassem. Mas, ainda assim...
- Está certa disto? - Ele disse.
Sua ereção gritava para ele calar a porra da boca, mas, sua consciência ainda era mais forte do que aquela viagem alucinante.
- Estou.
Aqueles olhos iridescentes estavam firmes, fortes, certos.
Hora de parar de falar.
iAm tomou-a, inclinando-se para a frente, agarrou a nuca dela, curvando-a para trás, apertando-a nos braços e pousando a boca sobre sua carne. Ele jamais tomara
de uma fêmea deste jeito, e não mordeu de imediato. Ele estava subjugado pelo aroma dela, pela pele suave sob seus lábios ao estender a língua e lamber sua veia.
Ele queria acariciá-la mais, mas, quando as mãos dela seguraram seus ombros e ela se arqueou para ele, não pode esperar. Ele sibilou e perfurou sua pele.
À mordida, ela gritou, mas ao invés de empurrá-lo, puxou-o para ainda mais perto.
O sangue dela foi uma explosão em sua boca, gosto de vinho encorpado e promessa de uma intoxicação que começou a dominá-lo no instante em que ele engoliu. Sugando-a,
ele passou a mão pelo seu corpo, encontrando a curva da cintura e o contorno de seu quadril. Mais, ele tomou mais enquanto sua pelve convulsionava para frente, buscando
aquela junção vital dela que ainda estava coberta por camadas de tecido.
Zonzo e totalmente focado ao mesmo tempo, ele deitou-a e montou em seu corpo, como um animal selvagem protegendo sua presa. Mas, ele queria dar a ela também.
Movendo um de seus braços para cima, colocou o próprio pulso sobre a boca dela, esfregando-o em seus lábios.
Aceitando, ela tomou sua veia também, enquanto ele tomava a dela, completando um círculo que explodiu com o calor entre eles.
Antes de saber o que estava fazendo, ele começou a erguer o manto dela, puxando cada vez mais alto, a barra, as camadas, o peso. As coxas dela eram macias e
flexíveis, e se abriram para ele, dando acesso ao que ele queria mais.
Sem calcinhas. Sombras não as usavam.
Quando ele esfregou a mão sobre seu sexo, ela gemeu e sugou mais forte o que ele lhe provia, e ele queria que ela o drenasse até a secura. Mas, não o contrário.
Forçando-se a liberar a veia dela, ele lambeu os pontinhos feridos para fechá-los e então desceu os lábios, passando pela graciosidade de sua clavícula. Chegando
aos seios, ele pegou o topo do manto com as presas e rasgou, o tecido cedeu até...
- Oh, Doce Jesus, - ele arfou.
Os seios dela eram firmes e eretos, adornados com mamilos pequenos que ele não passou muito tempo olhando. Não, buscou-os com a boca, idolatrando-os enquanto
ela continuava a tomar de seu pulso.
E ainda assim, ele queria mais dela.
Bem quando ele estava faminto por baixar ainda mais a cabeça, mesmo sem ter ideia do que estava fazendo, ela liberou a veia dele e o libertou. Sem lhe dar chance
de selar as mordidas, ele subiu novamente e segurou com as mãos, os dois lados do que começara a rasgar.
Riiiiiiiiiiiiiiiiiiiiip.
Com aquilo, as vestes de baixo se abriram em duas e ela ficou nua na sua frente.
A pele escura banhada pela luz do fogo ondulava, e o corpo dela estava marcado com manchas vermelhas do sangue dele, e não é que aquilo o fazia querer colocar
outras coisas dele nela?
Para que todos soubessem que ela era dele.
Vagamente, no fundo de seu cérebro avariado, sentiu-se surpreso de que as histórias que ouvira e que assumira ser ficção, aqueles contos de machos se vinculando
à primeira vista, eram de fato, total e absolutamente verdade.
Ele havia visto o rosto dela há apenas alguns momentos, e agora tinha passado pelo buraco de minhoca, se perdido e se encontrado ao mesmo tempo, empanturrado
e faminto por mais, tudo ao mesmo tempo.
- Minha, - ele rosnou.
Nua diante dos olhos de seu amante, maichen havia esperado sentir-se autoconsciente ou envergonhada. Somente a fêmea que a banhava havia visto o que iAm estava
olhando.
Em vez disto?
Livrou-se dos mantos que envolviam suas mãos, e ergueu-as para oferecer os seios. - Seus, - ela ouviu-se dizer. Então, moveu-as para baixo e tocou o sexo exposto
- Seu.
O lábio superior dele se recolheu e ele emitiu um grunhido que era tanto reverente quanto um pouco malévolo.
Então ele tirou o casaco, a camisa. Os sapatos e calças.
A luz do fogo moveu-se sobre a pele dele, lançando sombras sobre o contorno dos músculos que marcavam os braços, peito e abdômen.
Sua ereção era enorme.
Estava tudo tão fora de controle, esta série extraordinária de eventos, e a culminação ainda estava por vir. O que aconteceria depois, ela se perguntou? Ela
fora nominalmente instruída sobre o ato sexual, em preparação para seu emparelhamento, o médico havia lhe dado algumas orientações anatômicas sobre como as coisas
iriam acontecer, e teve aquela vez quando flagrara s'Ex com aquelas humanas. Mas, nenhuma destas trocas estranhas havia feito nada para explicar como seria elétrico.
O quanto ela iria ansiar pela união. Como se sentiria desesperada.
Plantando as mãos nos dois lados de seu corpo, iAm suspendeu-se sobre o corpo dela e lentamente colou seus lábios nos dela. O contato foi leve e fugaz, deixando-a
faminta por mais, mas, então, ele gradualmente deitou-se sobre ela, seu peso impossivelmente erótico, seus contornos firmes marcando-a.
O sexo duro dele esfregando-se em seu núcleo.
Ela começou a se arquear sob ele, flexionando as pernas, buscando por algo que nem sabia o que era.
- Deixa comigo, - ele disse. - Eu cuido disto.
Mas, não cuidou. Ele só a beijou e tornou tudo pior, lentamente lambendo-a na boca, esfregando-se contra seus seios, a parte interna de suas coxas... Tudo sem
penetrá-la.
- Porque espera? - Ela gemeu.
- Preciso me certificar de que você esteja pronta, senão vai doer.
Os olhos dela se arregalaram - Não vai doer. Vai?
- Quanto você... Ah, sabe sobre...?
A boca dela começou a se mover e ela achou que estava falando, e ele estava anuindo, dizendo algo em resposta. Mas, ela não fazia ideia do que estava sendo dito
de nenhuma das partes.
Exceto que as mãos dele se moveram para baixo, para o meio deles, esfregando mais o sexo dela, explorando. O prazer que despertou nela foi como a luz do fogo,
quente e pelo corpo inteiro, levando-a a outro nível de consciência.
Então houve uma pressão em seu núcleo, mas, nada doloroso. Só um empurrão, um empurrão gentil que a fez ceder internamente.
Quando a mão dele reapareceu ao seu lado, ela percebeu que era a ereção dele penetrando-a, não os dedos.
Movendo o quadril para acomodá-lo melhor, ela tornou-se consciente de um choque comprimindo, uma barreira cedendo e, então, a união foi tão profunda que ela
sentiu como se ele estivesse penetrando-a com o corpo inteiro. Bom, tão bom... Ela se deleitou no quão próximo ele estava, seu contato pele a pele aquecendo-a por
dentro e por fora, uma vida inteira de proibição de toques sendo apagadas.
E, então, ele começou a se mover. Lento de início, com impulso crescente, ela foi transportada junto com ele em um prazer cintilante e crescente.
Acariciando as costas dele com as mãos, ela amou a sua virilidade, e o conhecimento de que este macho, em específico, era o primeiro a tomar seu corpo.
E então uma barreira se quebrou e tudo se tornou muito mais vívido, uma pressa urgente empurrando-a para cima, para aquele corpo dele.
Sua boca se abriu e ela gritou, mas, não de dor.
Ele gritou também, e houve uma pulsação dentro de seu núcleo.
Mas, não era o fim. Ele não parou. Ele continuou, bombeando contra ela, nela, sobre ela.
O médico não havia dito que seria tão bom.
Não mesmo.
Capítulo CINQUENTA E CINCO
Ele entrou em sua vida usando um boné de beisebol do Syracuse e calças jeans esburacadas.
Paradise estava em sua mesa, digitando coisas no sistema, preenchendo solicitações no e-mail, acomodando visitantes nas cadeiras, quando outro vento gelado atravessou
o salão. Àquela altura, ela já havia se acostumado às mudanças de temperatura, havia mais ar gelado, a cada vez que a porta da frente se abria e fechava com a chegada
de um novo visitante.
Então ela não olhou realmente para cima até sentir uma grande presença perto de sua mesa.
Quando ergueu o olhar, tinha um sorriso profissional no rosto, mas, prontamente perdeu a expressão.
A sua frente havia um macho de cerca de dois metros de altura, com ombros tão largos quanto uma porta, e um maxilar tão pronunciado quanto uma flecha. Ele tinha
um tipo de jaqueta, embora estivesse frio o bastante para um casaco apropriado, e sem luvas.
E então havia o boné laranja e aqueles jeans.
- Posso te ajudar? - Ela perguntou.
A aba daquele boné estava tão abaixada que ela não conseguia ver os olhos, mas podia sentir o seu impacto.
- Estou aqui para o programa de treinamento.
A voz dele era muito profunda e surpreendentemente baixa. Dada a forma física, ela teria esperado uma voz mais alta.
- O programa de treinamento?
- Para os soldados da Irmandade da Adaga Negra.
- Oh sim, eu sei, mas não é... Digo, não é aqui. Nesta casa.
Quando ele olhou em volta, ela tentou ver seus olhos. - Eu sei, - ele disse. - Quer dizer, preciso de um formulário de inscrição, e pensei que aqui poderia conseguir
um.
- Os formulários foram enviados por e-mail. Gostaria que eu te encaminhasse?
- Eu, ah... - Ele olhou em volta de novo. Enfiou as mãos nos bolsos daqueles jeans, - Você tem um formulário impresso?
- Eu posso te enviar a coisa toda agora mesmo... Qual seu endereço de e-mail?
Quando ele concentrou o olhar na parede atrás de sua cabeça, ela decidiu que seu cabelo era escuro. Escuro e muito curto.
- Eu não tenho um endereço de e-mail, - ele disse, suavemente.
Paradise piscou. - O hotmail é gratuito.
- Tudo bem, - o macho disse, recuando um passo. - Eu vou encontrar outro modo de conseguir um.
- Espere. - Ela abriu a gaveta da mesa. - Aqui. Leve o meu... Digo, este aqui.
Ele hesitou. Estendeu um braço longo. Aceitou o que ela havia tirado anteriormente da cesta de lixo.
- Obrigado. - Ele olhou para baixo e franziu o cenho, pelo menos ela pensou ter visto um franzir. - Este já está preenchido no topo?
Quando ele lhe devolveu, ela praguejou. - Desculpe. Eu... Deixa eu imprimir um novo.
Clicando no mouse, ela logou em seu e-mail, achou aquele que Peyton, o Imbecil, havia encaminhado, abriu o anexo e apertou imprimir.
Quando a máquina atrás da mesa acordou e começou a emitir ruídos, o macho depositou o formulário sobre sua mesa. - Você vai participar do programa?
Ótimo. Como se ela precisasse de mais um Sermão de um completo estranho.
Ela pegou o papel de volta. - Fêmeas são permitidas entrar, sabia. Está no e-mail. Nós podemos nos juntar...
- Eu acho que deviam. Mesmo que escolha não lutar, acho que fêmeas deviam ser treinadas, nunca se sabe quando ou sob qual circunstância será necessário se proteger.
É lógico.
Paradise só ergueu os olhos para ele - Eu... - ela pigarreou, - concordo com você.
Quando a impressora silenciou, ela virou a cadeira e pegou os papéis quentes do alto da HP. Não havia necessidade real de grampo ou clipes de papel, ou de qualquer
forma juntá-los, mas ela abriu outra gaveta e remexeu em seu conteúdo.
- Você pode entregá-lo aqui, - ela disse, ao entregar-lhe. - Depois de preencher, posso entregar aos Irmãos.
Ele dobrou o formulário uma vez e colocou por dentro do casaco. - Obrigado.
E então tirou o boné e fez uma reverência a ela.
Quando ele se endireitou, ela deu uma boa olhada nele, e arquivou-o na gaveta "Oh Meu Deus!" de sua mente.
Talvez fosse mais adequado "Oh Meu Fodido Deus!".
Os olhos dele eram de um perfeito azul celeste, profundos com sobrancelhas e cílios escuros. Seu rosto era fino, porque ele era um pouco magro demais, mas, aquilo
só evidenciava a estrutura óssea máscula. E a boca era...
Se ele não tivesse atraído sua atenção antes, ele meio que a deixaria de quatro agora.
Graças a Deus pela cadeira.
- Qual o seu nome? - Ela perguntou quando ele se virou para ir embora.
Ele colocou o boné de volta - Craeg.
Ela levantou-se e estendeu a mão. - Eu sou Paradise, - bem, você provavelmente já sabe disto, porque você viu que eu preenchi...
Ótimo, ela estava balbuciando.
- Prazer em conhecê-lo, Craeg, - ela disse, quando ele não fez nenhum movimento de se aproximar.
Ele anuiu uma vez, e então saiu, deixando-a de mão estendida.
Enrubescendo, ela voltou a se sentar, e percebeu que oooooh, cerca de cinco pessoas haviam testemunhado toda a conversa. E estavam agora folheando revistas People
e Time, tentando parecer ocupados. Um dos machos mais velhos até mesmo ergueu um Caldwell Courier Journal e cobriu o rosto.
Bem, ela podia brincar de parecer ocupada também.
Digitando bem ruidosamente em seu teclado, ela tentava disfarçar o rubor de corpo inteiro que a acometia.
Ela nunca o vira antes. Tipo, nunca. Talvez ele tenha acabado de chegar do Continente Antigo, só que, quais eram as chances disto? A grande maioria da população
estava em Caldwell há quanto tempo? Além disto, ele não tinha sotaque. Então ele devia ser... Bem, um estrangeiro, obviamente. Mas, tinha de ser membro da aristocracia
se ouvira falar do programa de treinamento, certo?
Olhando para a arcada pela qual ele saíra, ela se viu desejando que ele viesse entregar o formulário preenchido em mãos.
Quem seria ele...
- Paradise?
Ela pulou. E concentrou-se no pai, que aparecera do nada. - Sim? - Percebendo que sua voz soou perto do normal, e que ela supostamente estaria brava com ele,
ela pigarreou. - O que posso fazer pelo senhor?
Como se ele fosse somente outra pessoa com quem ela lidava.
- Eu só queria perguntar como você está?
Sua aparência não era agressiva. Pelo contrário, ele parecia preocupado... Maldição. Ela queria manter-se com raiva dele.
Ela suspirou. - Estou bem, Pai.
- Você está fazendo um trabalho maravilhoso. Verdade. Tudo está correndo tão bem. O Rei está tão satisfeito... E eu estou muito orgulhoso.
Vê, isto era bem a cara dele. Era impossível ficar puta quando era confrontada com este... Esta sinceridade, sua versão de um pedido de desculpas.
- Posso te trazer algo para comer ou beber?
- O senhor não é um doggen, Pai.
- Talvez precise de uma pausa?
- Não. - Ela revirou os olhos. Levantou-se. Foi na direção dele. - Você me deixa louca.
Ela lhe deu um abraço porque aquilo era o que ele estava querendo. Então ela recuou. - Oster, filho de Sanye é o próximo.
Quando ela indicou o cavalheiro em questão, e o civil ficou em pé, seu pai lhe deu um aperto na mão e então reassumiu seus deveres oficiais.
Seguindo seu exemplo, ela sentou-se de novo. Olhou para o computador à sua frente. E ainda sentiu-se engaiolada.
Mas, o que ia fazer? Mesmo que ele, tecnicamente, não pudesse impedi-la; ela era maior de idade, e não havia nenhuma especificação no formulário que dissesse
que uma fêmea deveria apresentar o consentimento de um macho mais velho para aprovar a inscrição, ela ainda assim, sentia-se paralisada.
Era difícil se rebelar contra seus pais quando só havia restado um.
E ele era tudo o que ela tinha no mundo.
Selena odiara quase tudo no exame, a coleta do sangue, o procedimento de radiografia. E sentia-se mal por isto. Não era como se a Dra. Jane estivesse sendo menos
do que perfeitamente gentil e muito paciente. Mas estar em um daqueles camisolões de hospital, sendo furada e cutucada, virada e fotografada, era como ter a contagem
regressiva de alguma espécie de detonação acontecendo bem na sua frente.
Além disto, ela odiava o antisséptico falso de limão que eles usavam em todo lugar.
E o fato de que estava com frio, mesmo depois de colocarem um cobertor sobre suas pernas.
E então havia aquela luz brilhante pendurada sobre sua cabeça.
Mas, na maior parte, não era o ambiente externo que era difícil de lidar. Era o grito interno que ela achava que tinha de dominar por força de vontade.
- Okay, acho que este é nosso último Raio-X, - a Dra. Jane disse, de sua mesa.
Na tela do computador, uma imagem fantasmagórica do joelho de Selena estava centralizada, mas, ela se recusava a olhar.
Ela tinha de ficar deitada até a Dra. Jane voltar e mover o braço do raio-X para fora do caminho. Então, se sentou, a médica pegou a placa sob sua perna e afastou-a.
- Então... Agora o que? - Selena perguntou.
Ela estava entorpecida. Com frio. Suada.
Mas, mais do que tudo, ela se sentia rígida. E não só nas mãos.
- Deixe-me avaliar atentamente estes raios-X com Manny. E então, volto para falar com você.
Selena baixou as pernas pela borda da maca e ficou em pé. Flexionou uma e então a outra, seu cérebro em uma espiral de Melhor? Pior? O mesmo?
- Quando? - Ela disse, rudemente.
- Porque não conversamos perto do alvorecer? Trez pode vir com você, se quiser...
O barulho veio de fora do quarto, e ambas olharam para a porta do outro lado. Quando o som se repetiu, a Dra. Jane correu, e Selena também.
No final das contas, ela não estava paralisada ainda, e parecia uma boa hora para se lembrar disto.
As duas correram pelo corredor e ouviram atentamente. O Centro de Treinamento estava silencioso, com os Irmãos se exercitando em campo, e não havia, felizmente,
ninguém ferido nos leitos.
O barulho veio de novo, e elas correram, avançando mais duas portas.
Dra. Jane abriu a porta.
A médica teve de se abaixar quando algo veio voando do quarto. Uma bandeja. Era uma bandeja de metal, e ela quicou no chão de concreto, como se a coisa estivesse
realmente feliz por se libertar de lá, e tentasse ficar a uma distância extra.
Lá dentro, Luchas estava descontrolado, na cama. Metade dele parecia estar amarrado, mas, uma mão e braço estavam livres e ele os usava para destruir qualquer
coisa que alcançasse. Bateu em alguns equipamentos de monitoramento com o pedestal do intravenoso, fez o mesmo com a mesinha rolante que tinha um tipo de comida
sobre ela, e agora agarrava a cabeceira da cama, como se tentasse destruí-la.
- Luchas. - Dra. Jane disse, com uma tranquilidade admirável. - O que está...
- Vai se foder!
Selena recuou. Ela estivera ali para alimentar o irmão de Qhuinn ao longo dos últimos meses, e ele sempre fora um perfeito cavalheiro.
- Luchas...
- Foda-se isto! - Ele soltou a cabeceira da cama e agarrou a mesinha de cabeceira, empurrando tão forte que a coisa desceu, as gavetas explodindo, como se fosse
sua forma de sangrar. - Vão se foder!
Dra. Jane recuou e murmurou. - Tenho de pegar um sedativo. Não entre lá.
Quando a médica saiu correndo, Selena ficou parada na soleira.
- Está olhando o que? - Ele gritou com ela. - Que porra você quer?
Havia uma mancha vermelha na cama. Os lençóis, de um lado, estavam um pouco mais do que metade baixados, manchados... Ele estava sangrando. De algum tipo de
ferimento...
- Sua perna, - sussurrou ela, ciente da infecção que o atacava. - Cuidado com sua perna...
- Eu queria morrer! - Ele cuspiu. - Eu estava tentando morrer!
O rosto dele era uma cópia retorcida das feições que ela conhecia bem, sua pele branca demais, tensa quase a ponto de se partir sobre a estrutura óssea que,
sem dúvida, era invejável antes de ter sido torturado pela Sociedade Lessening.
- Eles arrancaram minha perna para me salvar! - Ele afastou os lençóis. - Para me salvar!
O coto estava cuidadosamente enfaixado em camadas de gaze cirúrgica, mas, por baixo não parecia bem... O sangue escorria, manchando tudo.
Ele começou a arranhar o que restava e foi quando ela teve de se envolver.
Marchou pelo quarto, segurou as mãos agitadas e prendeu-as contra a cama, na altura da cabeça dele.
Luchas. Ficou. Maluco.
Gritou, se contorceu, praguejou.
Tudo o que ela fez foi balançar a cabeça e deixá-lo se esgotar... O que não levou muito tempo.
Quando ele parou de lutar, ela disse. - Você tem tanta sorte. Tanta maldita sorte.
Aquilo o fez se calar. Provavelmente do jeito que um confronto direto não teria feito.
- O que? - Ele berrou.
- Eu estou morrendo, - ela disse, sinceramente, - e se alguém tivesse de tirar parte de minha perna para me salvar? Para que eu pudesse continuar aqui com aqueles
que eu amo? Não pensaria duas vezes. Então sim, eu acho que você tem muita sorte.
Ele ainda respirava com dificuldade, mas, a tensão abandonou seu corpo. - Morrendo?
- Receio que sim, - ela o soltou e deu um passo para trás. - Não desperdice o tempo que tem. Eu sei que está ferido, e não duvido que esteja bravo agora. Mas,
pessoalmente, eu trocaria de lugar com você em um piscar de olhos.
A Dra. Jane voltou, e parou quando viu que o local não estava em chamas ou algo assim.
- Eu vou me vestir. - Selena disse, ao se dirigir à porta. - Estou com frio com esta camisola. Precisa de ajuda para limpar?
Dra. Jane olhou de um para outro, claramente se perguntando o que fora dito ou feito para mudar as coisas. - Ah, não, eu cuido disto.
- Está bem. - Selena anuiu para a médica e então olhou de volta para Luchas. - Cuide-se bem.
Ela sentia os olhos dele sobre si ao sair para o corredor. Continuou a senti-lo mesmo ao voltar para o consultório, para se vestir. Quando voltou a entrar no
túnel, ela começou a ficar paranóica de que fosse ter um ataque no meio do caminho até a casa principal, e ficaria ali esquecida sob as luzes fluorescentes. Ou talvez
acontecesse na escada para o saguão... Ou...
Okay, melhor parar com isto.
Ela tinha o bastante com o que se preocupar sem buscar mais problemas.
Capítulo CINQUENTA E SEIS
Ele não conseguia tirar os olhos dela.
Deitado nu em frente ao fogo que aquecia, o corpo de iAm estava entrelaçado ao de maichen, suas pernas enfiadas entre as dela, os quadris colados, os sexos próximos,
mas, não unidos. Ela estava com a cabeça pousada sobre o braço dobrado; a dele estava um pouco erguida.
- Quero te ver de novo. - Sussurrou ele.
Ele queria dizer o quanto precisava de mais um pouco daquele tempo especial, daquele refúgio completo contra toda aquela merda que não podia mudar, e não faria
diferença se estivesse em Caldwell. Estar ali era como se brevemente desse um passo para o lado, alterasse seu caminho, e pudesse respirar. Não era um desvio permanente
e não queria que fosse; de jeito nenhum abandonaria o irmão.
Mas, era suficiente para lhe dar um novo fôlego.
- É difícil eu conseguir sair de lá, - ela beijou as pontas dos dedos dele, - restam somente mais alguns dias enquanto ainda será fácil. Após o período de luto,
ficará muito mais difícil.
- Amanhã à noite, então. À meia-noite.
maichen anuiu. - Estarei aqui.
Ele olhou ao redor da cabana decrépita. - Não, venha para Caldwell. Me encontre na cidade.
Diante da hesitação dela, ele disse, - Eu tenho uma casa lá. É particular. Ninguém saberá... E poderei deixá-la mais confortável.
Ele a queria em uma cama. No chuveiro. Talvez em cima do balcão da cozinha.
Para persuadi-la, iAm abaixou a cabeça e tomou a boca dela, acariciando os lábios dela com seus próprios, lambendo-a toda por dentro. - Siga o sinal do meu sangue
e me encontrará.
O som que ela emitiu do fundo da garganta, foi todo rendição, e antes que se desse conta, ele a rolou de costas e montou-a de novo. O fato de que eles tinham
mesmo feito sexo, era tão monumental, que ele não podia nem pensar nisto enquanto estava com ela.
Era um marco muito grande.
Guiando-se para dentro dela, ele gemeu e abaixou a cabeça para o pescoço dela. Com grandes impulsos ondulantes, penetrou-a, encontrando um ritmo cada vez mais
intenso. Seu corpo sabia exatamente o que fazer, e foi um choque, chegar ao orgasmo e descobrir que estava feliz por ter esperado por esta fêmea em particular.
Também era loucura pensar que uma parte dele começava a planejar um jeito de libertá-la do s'Hisbe.
Então, agora ele tinha dois naquela lista.
As unhas dela se enterraram em suas costas e as coxas enlaçaram seu quadril, enquanto ela alcançava seu próprio clímax, os movimentos internos ordenhando-o e
desencadeando outro golpe agudo de prazer, ao gozar de novo.
Ao final, ele desabou sobre ela de novo.
- Desculpe, - ele murmurou, tentando juntar forças para fazer qualquer outra coisa além de respirar. - Pesado.
- Não, eu gosto de seu peso. - Ela acariciou lhe a pele. - Você é mesmo tão poderoso quanto aparenta.
- Não quero ir embora.
- Eu também não.
Eventualmente, ele se viu na terra da falta de escolhas. Primeiro, o fogo havia se apagado e estava ficando frio, mas, mais importante, ele não queria que ela
se metesse em problemas por ausentar-se de suas obrigações.
Pelo menos ele não teria de se preocupar sobre ela e o amanhecer que se aproximava.
Ele ficaria psicótico.
Afastando-se dela, deslizou para fora de seu sexo e percebeu, merda, ela estava recoberta por sua essência.
- Qual o problema? - Ela perguntou, aqueles olhos iridescentes olhando para cima, para ele.
- Devíamos limpá-la, - mas a maldita cabana não tinha água encanada. - Da próxima vez, faremos isto em Caldwell.
- Eu tomarei cuidado. Há uma fonte termal nos limites do Território. Posso me lavar lá.
- E suas roupas? - Quando estendeu o amontoado de tecido para ela, praguejou. A merda estava toda amarrotada. Rasgada. Coberta de poeira. - Maldição.
Ele devia ter pendurado as roupas dela. No que inferno estava pensando?
Levantando-se, ajudou-a a se vestir, arrumando as roupas que iam por baixo do manto, abotoando a camada de cima com a fivela de bronze, arrumando o capuz e malha
de cobertura facial.
- Deixa que eu faço isto, - ele disse, ao começar a cobrir os cabelos e rosto.
Ele odiou cobri-la, seu estômago se contorceu e a boca ficou seca: aquilo tornava o fato de ele estar enviando-a desprotegida de volta ao Território, ainda mais
evidente. E então ele deu um passo para trás e olhou para o que estivera tão bem composto e intocado quando ela chegou, e que agora era uma bagunça excitada.
Ele meio que sentiu como se tivesse tomado algo que não era dele para tomar, arruinando-a no processo.
- Eu deveria voltar com você, - ele disse. - Me certificar de que...
- Isso seria mais difícil para mim. Ficarei bem. Eu me tornei bem competente em me esconder depois de todos esses anos.
E assim não havia mais nada a ser dito, nenhuma combinação de palavras poderia ser dita para fazê-lo sentir-se melhor sobre nada daquilo.
Com uma súplica, iAm tomou o braço dela e acompanhou-a até a porta. - Tenha cuidado. Aquele é um local perigoso.
- Terei.
Quando ela ia fazer-lhe uma reverência, ele a impediu. - Não. Não faça isto. Somos iguais, você e eu.
Por um momento, ela só olhou para ele. Ele podia sentir o olhar dela através da malha que cobria os olhos. - Não somos, - ela disse. - Infelizmente, não somos.
Com isto, ela saiu pela porta e desapareceu antes que ele pudesse pará-la. E quando o ar gelado golpeou seu corpo nu, ele sentiu dor... E não do tipo física.
Após vestir-se novamente, certificou-se de que o fogo estava totalmente extinto e então saiu da cabana. Ao fechar as portas e se afastar, pensou que era completamente
bizarro como tanta coisa de sua vida havia acontecido naquele local aleatório: encontrar seu irmão, conhecer Rehv... E agora, esta noite.
Desmaterializando-se, ele retornou rapidamente à mansão da Irmandade, retomando forma no gramado. Ao olhar para a grande construção de pedra, com as gárgulas
góticas acima das torres, as janelas em formato de diamante, e todas as sombras que se amontoavam nos cantos, ele percebeu estar avaliando a segurança e sua posição
defensiva.
Então, sim, ele estava pensando em trazer maichen para cá.
Só que então, que tipo de vida ela teria? Ele ainda preocupava-se com Trez e Selena. E o que aconteceria se a única maneira de manter seu irmão livre do s'Hisbe
fosse desaparecer pelo mundo, sem jamais parar no mesmo lugar por muito tempo?
Ela viveria esta vida de fugitiva? E se o s'Hisbe a encontrasse com eles?
Ela seria morta em um piscar de olhos.
Era outra situação sem escapatória.
Bem o que ele precisava.
A bunda de Rhage estava dormente.
Mas, também, ele estava sentado em uma rocha, vigiando através da floresta a casa de vidro de Assail há quanto tempo? Horas. E tudo o que o cara fizera fora
atirar um punhado de documentos sobre a mesa.
Pelo menos o traficante tinha uma bela cadeira na qual se sentar.
Rhage conferiu o relógio. O amanhecer não tardaria. - Estamos perdendo tempo aqui, pessoal.
No momento em que estava prestes a pegar o celular, para ver como estava V no rastreio dos dois primos, o Irmão materializou-se ao seu lado, e o Range Rover
no qual a dupla de traficantes havia saído, apareceu na curva da casa.
- Aonde eles foram? - Rhage perguntou.
- Ao centro. Foram até uma casa de barcos no rio. Ninguém apareceu para encontrá-los, até onde vi. É totalmente possível que um deles tenha se desmaterializado
de lá por um curto período de tempo para ir para outro lugar. Não dá para saber.
Enquanto V esfregava os olhos como se estivessem cheios de areia, Rhage perguntou - Meu irmão, quando foi a última vez que dormiu?
V deixou o braço cair e se endireitou como se estivesse fazendo um difícil cálculo matemático - Foi... Ah... Eu digo, é... Foi...
Rhage olhou para a porta da garagem, que estava se fechando. - Eles estão recolhidos para o dia. Vamos sumir.
- O que Assail fez?
- Além de encher as fuças de cocaína?
- Ele não saiu, então.
- Nada. Além de brincar com seus papéis e fazer duas chamadas que não duraram trinta segundos cada, permaneceu sentado. - Ele deu um tapinha no ombro de V. -
Vamos pegá-los amanhã à noite.
V ainda praguejava ao saírem e viajarem para casa, através do frio ar da noite. Ao chegarem ao gramado à frente da mansão, viram iAm encarando a fachada da casa
como se esperasse que o Godzilla aparecesse para esmagar tudo com o pé e varrer tudo com o rabo.
- Ei cara, está bem? - Rhage perguntou.
iAm pulou. - Oh, merda!
Quando o vento mudou de direção e trouxe o aroma do macho, Rhage ergueu as sobrancelhas. O Sombra estava coberto do cheiro de uma fêmea; e não o tipo de aroma
que se compra em lojas.
Oh, o cara havia se dado bem.
Naquele tempo todo em que conhecia o cara, jamais vira iAm prestando nenhuma atenção particular às fêmeas. Ou aos machos. Pessoalmente, Rhage sempre pensara
que o pobre bastardo sofria da Síndrome de Phury: aquela condição onde um irmão estava tão fodido que o outro caía em um buraco negro tentando salvá-lo.
Infelizmente, não parecia que Trez sairia de sua queda livre tão logo. Mas, claramente, iAm havia resolvido parar de se foder.
Fodendo outra pessoa.
Bom para ele, Rhage pensou. Era hora de o macho ter um descanso.
- Então, - V disse, ao acender um cigarro enrolado a mão - Como foi a sua noite, Sombra?
Evidentemente, ele também havia sentido o cheiro.
- Boa. - iAm disse.
- Mm-hmm. - V exalou. - Fez alguma coisa interessante?
- Não. Vocês?
- Nada. - Rhage replicou quando os três começaram a se dirigir para o vestíbulo. - Só negócios, como sempre.
Na verdade, a noite com Assail havia sido extremamente frustrante, mas, mais que isto, ele estivera esperando notícias de Mary sobre a fêmea que havia sido levada
para a clínica de Havers em coma. Nada. Nenhuma notícia. Estaria ela viva? Morta?
Maldição, ele só encontrara aquela mahmen uma vez; na noite horrível em que resgataram ela e o filho daquele macho violento. Mas, a situação estava preocupando
sua Mary, pesando sobre ela; e isto significava que também estava em seu radar.
Além disto, sua shellan não vinha para casa há duas noites. E ele estava começando a ficar desesperado. Celulares não eram substitutos para o contato de verdade.
Pelo menos não o tipo de contato que necessitava dela.
Ao chegarem no vestíbulo, Rhage pôs a cara diante das lentes da câmera de segurança. Um segundo depois, a tranca foi liberada e eles entraram no saguão. A Última
Refeição estava se iniciando, os doggens ocupados traziam comida à sala de jantar, pessoas se juntavam na arcada, mais membros desciam as escadas.
iAm parecia prestes a escapar, seus olhos grudados no tapete vermelho que subia as escadas até o segundo andar, como se, em sua mente, ele já estivesse a meio
caminho de seu quarto. Fora das vistas.
Sem dúvida rapidamente indo para o chuveiro.
Mesmo que tivesse acabado de olhar para o celular e ver que a coisa estava em modo de vibração, Rhage pegou o celular de novo, e verificou de novo se havia perdido
alguma coisa...
Lassiter saiu da sala de jogos, os cabelos louros e pretos trançados em um cordão espesso que descia pelos peitorais. Ele tinha uma caixa Yoo-hoo em uma mão,
uma luva de Starbust na outra e havia tanto ouro no cara, que seu corpo parecia ter quilate próprio.
- Alguém mais assistiu Real Housewives of New Jersey?
Pessoas se viraram para encarar o cara.
- Como é que você permanece um convidado nesta casa? - Alguém perguntou. - Ainda não foi embora?
- Eu vou chamar um táxi para ele, - alguém mais murmurou. - Ou talvez a gente deva jogá-lo montanha abaixo.
- Tenho um lançador de batatas, - disse Butch. - O buraco é pequeno, mas podemos forçar um pouco que ele acaba entrando.
- Oh, não vou embora. - Lassiter sorriu. - Vamos lá, como se eu fosse perder toda essa comida grátis e a TV a cabo... Espere um minuto. - Aqueles brilhantes
olhos de cor estranha se estreitaram em iAm... E então ele gritou - Puta merda, você transou!
No silêncio congelado que se seguiu, Rhage bateu na própria cabeça. - Anjo, sua noção de tato é ainda pior do que a minha, camarada.
Capítulo CINQUENTA E SETE
- E então, o que tem em mente, Primeiro Conselheiro?
Abalone fez uma reverência quando Wrath se dirigiu a ele. - Obrigado, meu senhor. - Ao entrar na sala de audiências, fechou a porta deslizante atrás de si. -
Muito obrigado.
- Deve ser sério para você nos fechar aqui, - o Rei murmurou.
- Meu senhor... - ele pigarreou, - procuro servi-lo. De todas as maneiras.
- Isto eu já sei. Então o que há?
Não pela primeira vez, Abalone desejou poder olhar nos olhos do macho. Mas, talvez fosse melhor que aqueles óculos escuros escondessem tanto. Ele preferia manter
seu cólon sob controle.
Notou as presenças de Phury e Zsadist, assim como a realidade da hora. Eles não tinham mais do que cinco ou dez minutos antes de poderem retornar ao complexo
com Wrath. Mas, isto não podia esperar.
- Meu senhor, aprecio que tenha deixado Paradise ficar aqui. É muita generosidade de sua parte...
- Mas, quer que ela volte para casa e não gosta de ter Throe por lá.
Abalone fechou os olhos. - Sim, meu senhor. Ela é... A separação é mais difícil do que antecipei. E, por favor, saiba que não é que eu sinta que ela esteja em
perigo aqui. Ela provavelmente está mais segura do que...
- Eu te coloquei em uma situaçãozinha de merda, não foi? - Wrath interrompeu. - Não é justo pedir para que banque a babá de um imbecil qualquer como ele, às
custas de sua própria vida pessoal. Peço desculpas.
Abalone piscou. De todas as maneiras que achou que aquilo ocorreria, Wrath pedindo desculpas não estava nem perto de entrar na lista. - Meu senhor, por favor,
sou eu quem está falhando com o senhor...
- Quer que nos livremos dele?
Phury falou. - Rhage adoraria fazer isto.
- Meu senhor, o senhor é tão...
Wrath ignorou-o e focou nos guerreiros. - Então quais os planos? Vocês querem ir para lá agora com ele fazer a evacuação?
Os olhos de Zsadist mudaram de amarelo para preto. - Vamos acabar com ele...
- Espere, espere. - Abalone ergueu as mãos. - É melhor eu falar com ele primeiro.
Wrath meneou a cabeça. - Não sozinho, não vai. Você é valioso demais para mim. Diga a Paradise para ficar aqui mais uma noite enquanto limpamos tudo para vocês.
E foi assim que, mais ou menos dez minutos depois, ele acabou se desmaterializando para sua casa, flanqueado por um par dos guardas pessoais do Rei.
Quando retomou forma em frente às pesadas portas frontais estilo Tudor, olhou para as janelas brilhantes e se perguntou onde Throe estaria, o que estaria fazendo...
O que estava procurando. A criadagem havia dito que o macho tinha dormido o tempo todo naquela primeira noite, e que não parecia provável que acontecesse de novo.
Desta forma, Abalone havia tido o cuidado de trancar todas as portas antes de sair, e havia muitos doggens com olhos vigilantes por lá.
Alinhando os ombros, olhou para os Irmãos que estavam, um de cada lado seu, como um par de aparadores de livros de Sun Tzu.
- Eu gostaria de ser o primeiro a falar com ele.
Phury anuiu. - A casa é sua. Você é quem deve desconvidá-lo.
Abalone abriu a fechadura de cobre com a chave, e não sentiu nem um pouco do conforto habitual ao cruzar a soleira, nenhuma tranquilidade quando seu amado mordomo
se aproximou atravessando o saguão para tirar seu casaco.
- Mestre, - o doggen disse, com uma acentuada reverência. - Posso servir seus convidados na Última Refeição?
- Eles não vão ficar muito tempo. Onde está Throe, posso saber?
- Ele passou o dia em seu quarto. Eu tenho ido lá verificar... A porta permaneceu fechada e ele não desceu para as refeições. A única vez que bati, no início
da tarde, respondeu que estava descansando.
Abalone não hesitou. Subiu as escadas, mantendo a chave de cobre na mão. Ao chegar ao topo, continuou avançando, passando pelas portas até chegar ao segundo
melhor quarto de hóspedes.
Parecera uma honra não-merecida colocar o macho no melhor quarto de hóspedes, mesmo que Throe não soubesse disso.
- Throe, - Abalone disse, asperamente. - Preciso falar com você.
Diante da falta de resposta, ele bateu com força com o nó dos dedos na porta fechada...
A porta se abriu sozinha, revelando uma luz fraca no interior. Estava a ponto de entrar quando uma mão pesada segurou-o pelo ombro.
- Permita meu irmão, - Phury disse, gentilmente. - Não sabemos o que pode haver ai.
Z entrou com uma arma baixada contra a coxa. Um momento depois, após aqueles passos pesados percorrerem o quarto todo, ele disse, - Tudo limpo.
Abalone se apressou em entrar. De fato, o quarto estava vazio; a cama estava até arrumada. Não havia sinal de que qualquer pessoa sequer tivesse estado ali.
Exceto pela janela levemente aberta do outro lado do cômodo.
Na verdade, um dos painéis reforçados com malha de aço havia sido forçado e deixado entreaberto.
- Ele não era um prisioneiro aqui, - Abalone disse ao se aproximar e reposicionar a cobertura. - Por que fugir?
- A pergunta mais importante, - Phury disse, - seria: como podemos ter certeza de que ele realmente partiu? Esta é uma casa grande. Há muitos lugares para se
esconder...
- Talvez isto explique as coisas. - Z se aproximou da mesa no canto e pegou um envelope selado. - Tem seu nome escrito.
O Irmão trouxe a carta e entregou à Abalone.
Com mãos trêmulas, Abalone abriu o envelope e retirou uma única folha de papel que havia sido dobrada ao meio. O papel timbrado era o seu próprio, com a gravura
de uma casa no topo:
Caro Abalone, filho de Abalone,
Perdoe-me por não lhe agradecer pessoalmente. Sua hospitalidade foi muito apreciada, assim como sua generosidade. Em reconhecimento à posição difícil que minha
presença sem dúvida lhe colocou, buscarei abrigo em outra parte.
Espero ansiosamente que nossos caminhos voltem a se cruzar, primo meu.
Até lá, muito obrigado de novo por me abrir as portas de sua casa, e até lá, eu permaneço,
Seu parente de sangue,
Throe
- O que diz? - Phury perguntou.
Quando as persianas automáticas começaram a baixar para o período do dia, Abalone entregou-lhe a carta. - Nada importante. Eu concordo. Preciso fazer uma busca
na casa, mas temo que levará tempo demais para que possam retornar em segurança ao complexo.
- Então ficaremos aqui com você o dia todo. - Phury disse enquanto lia a carta. - Mas, até sabermos que você e sua equipe estão seguros? Não vamos sair daqui.
Z riu de modo tenso. - Acha que vamos querer voltar e dizer a Wrath que cortaram sua garganta porque não fizemos nosso trabalho? Não é o tipo de relatório que
eu iria querer fazer ao Rei.
Phury devolveu a carta e colocou a mão sobre o ombro de Abalone de novo. - E nos deixe fazer o trabalho sujo, é mais seguro para todo mundo. Onde fica seu quarto?
- No fim do corredor.
- Vamos, te levaremos lá e então vasculharemos os aposentos dos criados. Depois disto, vamos passar um pente fino nesta casa até saber que não ficou para trás
nada além desta carta.
Abalone anuiu. - Obrigado, senhores. Muito obrigado.
- Estou deliciada por você ter me procurado. E desculpe ter te deixado esperando.
Throe sorriu para a fêmea que se dirigia a ele e indicou o sofá confortável no qual estava sentado desde que havia chegado à propriedade. - Não foi difícil.
Estou aquecido e seco. Na verdade, você foi a anfitriã mais graciosa que poderia ser.
A fêmea aristocrata sorriu, exibindo dentes brancos como os diamantes que trazia no pescoço. Nos pulsos. Nos dedos e orelhas. Na residência modesta do zelador
de sua imensa propriedade, ela parecia uma modelo que se apresentara para a sessão de fotos errada.
- Meu companheiro está doente, - ela disse, em tom grave. - Tenho de cuidar dele.
Vestida daquele jeito, em um vestido curto em estampa de leopardo, era de se perguntar exatamente que tipo de necessidades o hellren dela teria.
Aquilo dificilmente era o tipo de coisa que uma shellan usaria para enfiar um velhote na cama.
Mais provavelmente, Throe pensou, ela se vestira daquele jeito para encontrá-lo.
- Sim, eu me recordo da doença dele. - Ele disse, suavemente. - Sinto muito.
- Isto me aflige também.
- Como poderia não afligir?
- Eu logo serei uma viúva.
Ao anuir em solene simpatia, deliberadamente permitiu que os olhos vagassem sobre ela, dos lisos cabelos escuros até os pés apetitosos.
Da última vez que tinham se encontrado, também havia sido aqui, mas havia muito menos roupas envolvidas; em ambos, além de seus companheiros Bastardos. Ela havia
se deitado diante da lareira, e ele e os soldados avançaram sobre sua pele nua, se alimentando e fodendo. Aquilo havia sido há cerca de um mês, a mais recente das
sessões que aconteceram pelo ano anterior em intervalos regulares.
- Será só você esta noite? - Ela perguntou, de um jeito rouco.
- Sim, e devo lhe dizer que dividimos nossos caminhos, Xcor e eu. Estou abandonando a luta dele.
- É mesmo? - Ela ronronou - E onde está ficando?
- No momento, estou procurando um local.
- Mesmo?
- Sim.
Ela se aproximou, cruzando a sala pequena para ficar ao alcance dele. - O amanhecer se aproxima.
Ele novamente vagueou o olhar pelo corpo dela - É mesmo. Bem, então acho melhor ir.
- Tão cedo? - Ela fez beicinho.
- É mais seguro. - Vagamente, ele correu as pontas dos dedos pelos quadris dela, pela barriga... Descendo para a junção das coxas. Pressionando através do vestido,
acariciou levemente seu sexo. - Assim, temo que seja melhor pararmos por aqui...
- Talvez você e eu possamos fazer um acordo, - ela disse.
- Oh? - Disse ele.
- Meu hellren é muito mais velho que eu. Ele é meu verdadeiro amor, é claro.
- É claro.
- Mas, por causa de sua idade avançada há algumas necessidades que ele não é mais capaz de atender regularmente.
- Acredito que você já conheça minhas habilidades neste quesito.
A fêmea sorriu de um jeito feroz. - Sim, conheço.
- E me parece justo que, se me oferecer pousada e refeições, você seja compensada da maneira que achar apropriada.
A fêmea colocou um de seus pés calçados em sapatos de salto agulha no braço do sofá e ergueu a barra do vestido até a cintura, expondo a ele, seu sexo nu. -
Talvez primeiro, você possa refrescar minha memória quanto à seus talentos.
Throe ronronou no fundo da garganta e se inclinou para ela, estendendo a língua para lamber em volta de sua fenda. Quando ela arremeteu o quadril na direção
dele e jogou a cabeça para trás, ele sugou o seu clitóris...
E então parou. Recostou-se no sofá. - Eu só tenho um problema.
- Sim? - Ela gemeu, endireitando novamente a cabeça.
- Não posso ficar aqui no chalé. Não se o Bando dos Bastardos vier te... Visitar. Certamente em uma propriedade tão grande, deve haver outras acomodações disponíveis?
Ela franziu o cenho. - Você é da linhagem de Bluerme, não?
- Sim. Pelo lado materno.
- Então você é um parente distante de meu hellren e, desta forma, seria rude de nossa parte não te oferecer abrigo. É claro, se for ficar na casa principal,
teremos de te arrumar roupas adequadas.
Throe sorriu para ela. Era um acordo perfeito.
Afinal, ela e seu marido haviam apoiado a guerra política contra Wrath, e de jeito nenhum estariam felizes com a debandada do Rei contra o Conselho.
Ele conseguira abrigo, além de uma base de operações.
- Isto seria aceitável, - ele disse, deslizando as mãos pelos quadris dela e puxando-a de volta para sua boca.
Contra o sexo dela, ele murmurou, - Agora, permita-me demonstrar minha gratidão pela sua generosidade.
Capítulo CINQUENTA E OITO
- Eu trabalho sozinha. - A prostituta dizia ao recolher as roupas. - Não tenho um cafetão. Se me quiser de novo, sabe onde me achar.
Xcor olhou para a área de estar do chalé, observando a fêmea se vestir com uma eficiência e rapidez que só perdia para a velocidade do som.
A loira partiu sem nenhuma despedida, tendo feito seu trabalho e recebido seu pagamento de dois mil dólares. Quando a porta se fechou atrás dela, ele ergueu
os olhos para o fogo que morria na lareira. Ele havia pagado para fodê-la de todas as formas e posições que quisesse e era exatamente o que havia feito. Repetidamente.
Ele havia também tomado de sua veia.
Pela qual teve de pagar os outros dois mil dólares.
Graças à sua audição aguçada, ouviu-a do lado de fora, caminhando por sobre as folhas. E então a voz atravessou as paredes finas da estrutura que ele havia comprado
para outra.
- É, estou saindo agora. É. Ele era feio, mas trepava como um animal...
Foi a última coisa que ouviu, então ela deve ter se desmaterializado.
Seu corpo ainda estava nu quando se sentou no chão diante da lareira, joelhos para cima, cotovelos apoiados, braços caídos. O suor esfriava em sua pele, as presas
ainda alongadas pela alimentação, o sexo flácido, encolhido e vermelho de tanta ação a que foi submetido.
O cheiro de tudo o que havia feito empesteava o ar, cada respiração em seu nariz era um lembrete das coisas que seu corpo havia feito.
E com quem.
Baixando a cabeça, esfregou seu cabelo comprido demais, vagamente pensando que devia cortá-lo.
Imagens rodopiavam em sua mente, ele virando a fêmea de quatro e comendo-a como um cão. Suas bolas haviam batido contra o sexo dela, enquanto fodia sua bunda
e ele havia gozado tantas vezes que, ao sair dela, havia a deixado pingando.
Ele havia tentado fazer tudo tão sujo quanto possível, e tinha até mesmo beijado a fêmea. Pelo corpo todo.
Ele queria macular cada pedaço de sua pele com a experiência. Mudar seu corpo. Alterar sua mente.
Apagar a lousa totalmente.
Ao invés disto, ao se sentar sozinho no chão duro, viu que havia feito o oposto. Layla era a única coisa em que conseguia pensar: seu rosto adorável e tímido,
aqueles olhos verdes tão inteligentes e gentis, o corpo do qual ele só havia tido impressões. A sessão com a prostituta havia somente diminuído a luz ao seu redor,
de forma que a iluminação oferecida por aquela a quem ele amava, brilhava ainda mais forte, no contraste.
Como estratégia, aquilo havia sido um fracasso total.
Então ele tinha de encontrar outra. Ou tentar isto de novo, sim, ele tentaria de novo com outra, ou com a mesma ou mais três ou quatro. O dinheiro era escasso,
mas Balthazar e Zypher eram tão sedutores que Xcor tinha certeza que podiam negociar em seu lugar.
E sempre havia o álcool para ajudá-lo.
E a guerra, que era uma excelente drenadora de energia.
O que não podia fazer era ceder à quase sufocante necessidade de telefonar para Layla para ouvir sua voz, e implorar para ela vê-lo apesar do que havia lhe dito.
Aquilo só seria mais uma morte para ele.
Bloodletter havia lhe ensinado que, parte da força era a eliminação da fraqueza, e vezes sem fim, com a repetida exposição àquela Escolhida, suas emoções o haviam
castrado: Ele estava fazendo escolhas e distraindo-se com coisas que comprometiam a integridade de seu guerreiro interior.
E de alguma forma, ela havia descoberto e lhe mostrara aquela verdade.
O conhecimento dela sobre tudo o que ele sacrificara por causa dela havia sido o que o despertara, e somente um tolo não perceberia o caminho que estava trilhando;
ele precisava alterar o destino do que ela se tornara para ele, desviar daquela situação insustentável com ela, proceder com entusiasmo de volta à clareza que uma
vez possuíra.
Senão o que seria o futuro deles? Mais encontros às escondidas aqui? Até que, eventualmente, um Irmão a seguisse devido a alguma pequena gafe que ela tivesse
dado ou alguma suspeita sobre a qual ela não tivesse consciência? Seus soldados e ele precisavam de um local seguro para descansar e se recuperar durante as horas
do dia, e ele não podia comprometer isto.
Onde ele estivera com a cabeça? Ao trazê-la aqui?
Ele e seus Bastardos não tinham dinheiro para se mudar de novo tão logo, o aluguel da propriedade era um fardo grande demais agora que Throe havia partido.
Pelo menos Xcor sentia que podia confiar nela. Ela tivera nove meses para delatar o local nos prados onde sempre se encontravam, e ele ainda sabia onde o Complexo
da Irmandade ficava. Era uma troca mútua... Se ela divulgasse este lugar, havia de saber que sua reação seria um ataque direto à mansão sagrada da Irmandade.
Onde, se as fofocas fossem reais, o primogênito do Rei dormia em seu berço.
Não, ela não diria nada...
Bing!
O som de seu celular tocando o fez virar a cabeça. O aparelho celular estava no chão perto da porta, no emaranhado de suas calças.
Pulou em pé e correu pelo espaço, suas mãos parecendo atrapalhadas ao remexer pelas camadas de tecido, e lutando contra o fecho do bolso, retirou o aparelho.
Ele não havia tido resposta nenhuma dela quanto à mensagem que havia convertido de voz para texto para lhe enviar.
Digitando uma senha de quatro dígitos no teclado numérico, desbloqueou o aparelho e vasculhou pelas mensagens de texto. Seu analfabetismo era tão grande que
tinha de usar um aplicativo conversor de texto-para-áudio para conseguir receber as mensagens de seus soldados e dela.
Mas, sabia o suficiente para ver que, o que recebera não era da Escolhida.
Ele afastou o celular sem ouvir o que era.
O fato de ter caminhado e parado em frente à porta de entrada, como se estivesse perdido, o emputeceu.
Ele não podia, não iria permitir que esta castração continuasse. Havia coisas demais em sua vida que eram mais destrutivas do que deixar uma fêmea que não era
dele, só para começar: sua mãe havia odiado sua aparência e o havia abandonado por causa de seu lábio leporino; ele havia suportado abusos inimagináveis no campo
de treinamento do Bloodletter; e então seguiram-se os séculos de depravação nesta guerra, seu ódio desenfreado pelo mundo o definia, o guiava.
Este assunto com Layla não iria derrotá-lo.
Forçando seus pés adiante, entrou no banheiro e ligou o chuveiro. O sangue que a puta havia lhe fornecido o provia de uma força física que ele não sentia desde...
Não, ele não podia mais pensar em Layla.
Ele tinha de esquecê-la. Desligar suas emoções.
Era como uma morte, disse a si mesmo. E as Destinos sabiam que ele conhecia isto bem demais, e conseguia lidar definitivamente com o conceito.
Entrando sob o jato de água gelada, pegou o sabonete e começou a lavar sua pele, mas, então parou.
Não, ele precisava manter o fedor em sua carne.
O propósito do banho era somente acordá-lo da letargia pós-alimentação que confundia seu cérebro. Depois disto, ia até seus soldados.
Era hora de voltar a focar e renovar seus esforços na guerra.
E reassumir o curso natural de sua vida.
CONTINUA
Capítulo QUARENTA E QUATRO
- Ele me disse que precisava de uma parka.
Na noite seguinte, quando a escuridão caiu sobre o Complexo e as persianas se levantaram, Selena olhou para trás e para frente entre as duas capas que Fritz
levou até ela. Uma era vermelha, a outra negra; ambas eram de lã e relativamente largas.
- Oh, sinto muito, senhora. - Virou-se para armário da sala que dava para a garagem. - Que tal um destes?
Desta vez, ele lhe ofereceu uma escolha entre um casaco de cintura larga que parecia ter sido feito de biscoitos e um muito mais largo. Ambos eram negros e tinham
pequenas etiquetas que diziam: PATAGONIA.
- É uma noite relativamente leve, - disse Fritz. - Talvez o mais curto dos dois?
- Sim, acho que tem razão.
Deslizando dentro da coisa, foi surpreendida pela luz e depois de puxar o casaco rapidamente para cima, procurou dentro dos bolsos.
- Isto é fantástico.
O mordomo sorriu. - Meu prazer. Luvas?
- Acho que vou manter minhas mãos aqui.
- Como quiser senhora.
Ao sair da cozinha, sentiu-se como se estivesse borbulhando. Trez se negou a dizer-lhe algo sobre onde iriam e o desconhecido era como um vinho embriagante,
fazia sua cabeça zumbir e seu corpo flutuar.
Ela vacilou diante da porta para a sala de jantar. Os sons, os cheiros do café da manhã eram óbvios e suaves, as vozes que conhecia bem, os cheiros que faziam
seu estômago rugir. E, no entanto, deu a volta e se dirigiu para a outra saída da cozinha, a que se abria de lado para uma grande escada.
Todo o mundo foi amável na noite anterior, todas as mulheres lhe deram atenção e um apoio incrível.
Não queria incomodá-los novamente e realmente não queria uma relação extra.
Sentia-se um pouco cansada e queria guardar todas suas forças para uma nova oportunidade.
Quando entrou no vestíbulo, viu Trez e Manny em pé e muito próximos do lado do mosaico de macieira no chão. Conversavam com atenção, cada um mais sério que o
outro.
Seu coração parou. O médico estava insistindo que ficasse em casa? Ou iria levá-la para a clínica pela primeira vez?
Olhou para trás e considerou suas opções. Não ficaria sob a terra, ainda que...
- Precisa cuidar dela. - Manny advertiu.
- Eu o farei. Juro pela vida do meu irmão.
Oh...
Manny tirou algo do bolso. Um tipo de chaveiro.
Pendurando-o na frente do rosto de Trez disse. - Ela nunca foi dirigida por ninguém mais.
- Então porque está entregando para mim?
- Por que você tem de ir com estilo. Está levando sua mulher para sair e não pode ser em uma BMW qualquer.
- Você é um esnobe com carros.
Selena franziu o cenho. Carro? Falavam sobre...
Trez deu a volta como se houvesse percebido seu cheiro no ar e no instante em que a viu, começou a sorrir. - Ei, pronta, minha rainha?
Caminhando através do vasto espaço, ela lhe devolveu o sorriso. Deixou o cabelo solto novamente, porque sabia pela forma que a olhava, brincava com ele e o acariciava,
que ele preferia assim.
O coque das Escolhidas supunha-se que poderia lhe dar um diabo de uma dor de cabeça depois de algumas horas.
Ficou na ponta dos pés, beijou-o na boca e logo ficou ao lado dele, encaixada perfeitamente sob seu braço. - Estou tão pronta.
Manny aplaudiu Trez e logo disse em voz baixa. - Nós acertamos.
- Obrigado, homem.
Logo o médico lhe piscou, caminhou para a cozinha e para todas as pessoas que ali estavam.
- O que significa isto? - Perguntou Selena quando Trez abriu a porta para o vestíbulo. - Isto de acertamos?
- Nada.
Inclinando-se para frente, abriu a segunda porta e o frio da noite entrou fazendo cócegas no nariz dela e colorindo as bochechas.
- Demais? - Perguntou.
- O que?
- Muito frio? Você estremeceu.
- Adoro.
- Bom, quero ir de cima abaixo.
Estacionado justo de frente as escadas de pedra estava um maravilhoso carro preto, com rodas negras e algum tipo coisa na parte da frente.
- Querida Virgem Escriba, o que é isto? - Disse.
- É um Porche 911 turbo.
- Oh meu...
Descendo, ela se aproximou da máquina, tirando a mão do bolso e passando os dedos de lado. Suave, brilhante, frio como o gelo.
- Mas tem um teto, não? - Disse.
- Tem alguns truques.
Ao abrir a porta, ela sentou-se do lado do passageiro. - É o novo bebê de Manny. Ele o conseguiu há algumas semanas e é o mesmo modelo e marca do seu último,
mas por dentro é diferente. Isto foi o que disse, em todo caso.
Por dentro cheirava a couro, o perfume do humano e o cheiro de Payne.
Trez sentou-se ao volante e fechou a porta. Quando virou uma chave, um grande grunhido se colocou em marcha, uma vibração sutil passou pelo interior.
- Olhe isto. - Ele apertou outro botão. - Para cima.
Como por magia, tudo o que estava sobre sua cabeça se afastou, retraindo-se em uma serie de dobras no compartimento traseiro.
- Pensei que quisesse ver as estrelas. - Ele sorriu e ligou o aquecedor. - Tem uma tela, então não precisa se preocupar com o vento.
Inclinando-se para trás, viu... O céu de veludo com suas luzes piscando.
Deixando escapar um grito de alegria, lançou os braços ao redor do pescoço dele e o puxou para lhe dar um beijo. - Isto é incrível!
Ele riu. - Não posso acreditar que nunca viu um conversível antes.
- Nunca ando de carro. A menos que esteja com você.
- Bom, coloque o cinto. Esta cadela vai voar.
Quando ele pisou no acelerador, o carro saltou para frente como um cavalo galopando e ela não pôde deixar de olhar o céu noturno e sorrir com tanta força que
suas bochechas doeram.
Inclusive com o mhis, estava bem rápido, disparando pela montanha até que chegaram a uma estrada na parte inferior. Virou à esquerda.
- Aonde vamos? - Perguntou enquanto ele pisava no acelerador novamente e ela era absorvida pelos contornos de seu assento quando o motor rugiu.
- Já verá. - Olhou. - Quente o suficiente?
- Perfeitamente sim!
Era forte e estimulante, um torvelinho de ar frio ao redor de sua cabeça, com o ar quente a seus pés, o carro rugindo e apoiando-se nas curvas da estrada. Antes
de perceber, seu coração estava acelerado e fazia seu estomago se contorcer, sentiu o octano em suas veias.
- Espero que seja uma longa viagem! - Gritou.
- O que?
- Esqueça!
Ela perdeu a conta dos minutos e dos quilômetros, mas pouco a pouco percebeu que a paisagem florestal aumentou, salpicada de casas humanas. Logo, havia lojas,
bairros com casas, um parque e muitos edifícios de apartamentos apareceram.
- Onde estamos? - Perguntou enquanto diminuía a velocidade para parar em um semáforo vermelho.
- Fora de Caldie.
- Vamos ao centro novamente?
- Não. - Ele sorriu. - Mas, estamos quase em nosso destino.
Um pequeno carro mais baixo e de cor amarela parou junto a eles e ela sentiu o condutor olhar para cima. Música pulsava dentro do outro carro e o motor estava
acelerado.
- Está tendo uma espécie de espasmo. - Perguntou. - Nos pés?
- Não, está acontecendo em outro lugar. - Trez murmurou.
Quando o semáforo ficou verde, o pequeno carro explodiu adiante, seus pneus gritando, um cheiro desagradável de queimado deixando seu rastro.
- O que foi tudo isso? - Perguntou.
- Espere.
Efetivamente, um carro com luzes azuis e brancas saiu de um estacionamento e foi em perseguição. Mas não atrás dela e Trez.
Trez negou com a cabeça. - O pequeno merda deveria saber que nunca deve fazer isto por esta rua. Além disso, está louco em andar com este carro. - Ele se aproximou
e lhe tocou. - Está pronta?
- Oh sim. - Olhou ao redor e não viu mais que algumas empresas unidas entre si por um teto comum e um estacionamento. - Chegamos?
- Quase.
Na realidade, era um pouco adiante, além das lojas com a palavra Outlet destacada. E logo apareceram algumas casinhas de madeira em uma pequena colina com...
Estacionamentos. Lotes vazios enormes para estacionar como os jardins do Santuário. Exceto do outro lado do carro. - O que é isto?
- Bem vinda à Storytown.
Selena se inclinou adiante. No outro extremo havia um sinal luminoso indicando a entrada, era alto e largo e desafiava a compreensão. Mas o que viria depois
disto? Era ainda mais surpreendente. Vastos mecanismos que alcançavam até o céu e se iluminavam como um arco-íris, todas as luzes intermitentes como se fossem brinquedos
feitos por gigantes.
Trez girou o carro de Manny por todo o asfalto e rugiu através da superfície, em direção à porta do lado esquerdo no que parecia ser uma zona de faturamento.
Quando parou ante uma entrada lateral, tiveram que esperar um momento antes que um homem com uniforme azul marinho soltasse algo e os deixasse passar.
- Ei Senhor Latimer.
Trez estendeu a mão e ofereceu a sua. - Pode me chamar Trez.
- Sou Ted. - Estreitaram a mão e o homem assentiu com a cabeça à Selena. - Iremos cuidar muito bem de vocês esta noite. Por aqui.
- Certo. Obrigado, homem.
- Sem problemas.
Quando ele pisou no acelerador, Selena se viu abrumada por todas as luzes de neon. - O que é este lugar. Isto é... Mágico.
- E é todo nosso. Não há ninguém mais aqui, apenas eu e você.
- Como é isto possível?
- Um dos meus garotos da segurança é irmão do chefe da segurança aqui. Conversaram com os proprietários e eles estão me fazendo um favor.
Quando encontraram um segundo guarda, Trez parou o carro e desligou o motor. - Gostou daquela louca viagem pelo centro ontem à noite, não?
- Oh sim, sim, muito.
Inclinou-se e a beijou. - Espere para ver, minha rainha.
iAm observava de uma torre alta de segurança no centro do parque de atrações quando Trez manobrou o Porche através da porta e parou no segundo ponto de segurança.
- Quer binóculos?
Olhou por cima do ombro para Big Rob. - Não. Estou bem.
O gorila da shAdoWs silvou enquanto colocava novamente o binóculo perto dos olhos. - Você tem olhos impressionantes para ver tão longe.
iAm encolheu os ombros e tomou outro gole de sua caneca térmica. Dentro, o café era forte e quente o suficiente para queimar a língua. Assim como gostava. Ele
não estava dormindo, mas, estava em coma esta manhã, quando seu irmão o acordou com esta ideia brilhante por volta das dez horas. O plano era louco, claro. Quem
demônios alugava todo um parque por três horas?
Especialmente quando a maldita coisa fechou na temporada anterior? Trez o fez. Bem assim.
E iAm ajudou o garoto a resolver tudo.
Fazer com que tudo isso acontecesse para Selena levou uma quantidade incrível de dinheiro e algumas ligações telefônicas que sinceramente foram difíceis. Mas,
graças à Big Rob que estava ali e o irmão dele, Jim, também conhecido como Jimbo e a esposa do proprietário que acabou de perder seu pai com câncer no verão anterior,
conseguiram preparar tudo: O pessoal foi chamado de suas folgas e as máquinas que estavam paradas foram ligadas novamente. Inclusive as tendas de comida estavam
funcionando... Graças aos garçons do Sal's.
A alegria no rosto de Selena e o orgulho de seu irmão, evidente inclusive dali da torre, fazia com que valesse a pena.
E sabe, era impossível desprezar os seres humanos esta noite. Pelo amor de Deus, os proprietários não guardaram o dinheiro deste aluguel, eles doaram à Sociedade
Americana de Câncer. Às vezes as pessoas surpreendem. Estes realmente o surpreenderam.
- Então, quem é ela? - Perguntou Big Rob. - Quero dizer, ouvi que ele tinha uma namorada, mas, não sabia que estava... Sabe, doente. Eles estão juntos há muito
tempo?
- O suficiente.
Houve um silêncio espesso. - Ele não vai voltar ao trabalho, não é?
- Não por um tempo.
- Vocês, rapazes vão nos vender?
- Não sei. Não chegamos tão longe.
iAm olhou para o relógio novamente. Oito e meia. Perfeitamente a tempo para sua saída programada para as onze e meia. O centro cirúrgico de luxo de Manny estava
estacionado no centro, a zona ainda estava fervendo pela festa do dia anterior, para mover a coisa, mas tinham um bom plano de contingência para Selena. Manny ainda
tinha uma velha ambulância normal e a coisa estava em estado de alerta, perto do parque de diversões esperando e o bom doutor e a médica estavam de prontidão.
- Posso entender porque ele não disse nada. - Big Rob murmurou enquanto deixava cair o binóculo. - E não é por nada, mas uau, ela parece estar em outro mundo.
- Ela também é uma boa pessoa.
- Ela sabe o que ele fez... Você sabe. Uma mulher de classe assim, quero dizer...
- Para ser honesto, acho que esta merda é a ultima coisa em sua mente.
- Sim. Claro. Quero dizer, sim.
iAm olhou para o rapaz. - Não se preocupe, está tudo bem. Pode ir para o clube.
O humano assentiu com a cabeça. - Eu devo ir.
À medida que o homem vacilava, iAm estendeu a palma. - E quanto aos planos futuros com os negócios, nós cuidaremos de todos, prometo. Não importa o que aconteça.
Big Rob estremeceu. - Obrigado homem. Mas, tenho de dizer, gostamos muito de trabalhar para você. Além disso, não sei se Silent Tom conseguiria passar por uma
entrevista. Quase o mataram há cinco anos, quando ajudou Trez.
- Sim, acho que disse menos de doze palavras pelo tempo que o conheço. Dirija com segurança.
- Obrigado. Ligue se precisar de algo.
Big Rob colocou o binóculo na mesa e parou um último momento, olhando para onde Trez e Selena caminhavam entre os carros bate-bate e uma lanchonete. Balançando
a cabeça, dirigiu-se para a saída e fechou a porta atrás de si quando se foi.
iAm olhou o relógio novamente.
Três horas.
E então o quê? Que demônios faria à respeito de maichen?
O que aconteceria se Trez e Selena precisassem dele... E estivesse fora se encontrando com esta mulher?
Jesus, depois de toda uma vida de celibato, era uma surpresa descobrir que fazia arranjos para se encontrar sozinho com um membro do sexo oposto. E não era para
conversar.
Não, ele não estava com ânimo para conversar.
Esfregando os olhos, imaginou a mulher envolta em todas aquelas túnicas de cor azul claro e a vontade de entrar sob elas o levava ao limite obsessivo. Diabos,
se não fosse pela exaustão, provavelmente teria passado todo o dia olhando o teto sobre sua cama pensando no que iria fazer com ela. Como sempre, foi dormir com
uma ereção e acordou com uma também.
Não fez nada a respeito. Masturbar-se, de alguma forma, parecia muito real.
E pela mesma razão, não disse nada à seu irmão sobre sua viagem ao s'Hisbe ou sobre a fêmea que conheceu ou o "encontro" que o marcou.
Comparado com o que Trez enfrentava, tudo era tão pequeno, como batatinhas. E havia também um mundo de sonhos em tudo isso, e se surpreendeu ao descobrir que
queria manter tudo no lugar.
Talvez porque deixava as coisas menos intimidantes?
Mas, vamos, ele não pensava que estava indo. Como poderia partir...?
Não, ele não iria. Pela primeira vez em sua vida, ele não pensava que poderia confiar em si mesmo para não ir diretamente para cima de uma pobre mulher, como
um animal. E inferno, ela provavelmente estava tendo segundos pensamentos, também. Encontrar-se com um homem desconhecido no meio do nada? Estaria louca por fazer
algo assim.
Sobre tudo porque ela tinha de saber o que estava na mente dele.
Não, disse a si mesmo. Nenhum deles iria aparecer na cabana à meia noite. Isto era o melhor para todos.
Realmente. Era.
Capítulo QUARENTA E CINCO
- Ele já está morto! Deuses, já morreu... Pare!
Não, Xcor pensou. Ele não iria parar.
Enquanto continuava a apunhalar o lesser, sangue negro espirrava em seu rosto, peito e antebraço. Sangue negro empoçou-se no asfalto frio do beco. Sangue negro
entrou nos olhos dele.
Ainda assim, continuou o ataque, seu ombro guiando a lâmina para diversos pontos, exceto o peito vazio, enquanto Zypher gritava, puxava-o, amaldiçoava-o.
Mas, foi tudo em vão. Enlouquecido, era uma besta descontrolada, sua mente flutuando acima do esforço, levando-o somente a matar, matar, matar...
O puxão que finalmente o fez largar a presa foi como um reboque de caminhão, força suficiente para separá-lo da carcaça mutilada e gosmenta.
Ele não gostou da realocação involuntária. Virando-se, golpeou o ar com a adaga, quase acertando a garganta de Zypher. O soldado recuou para fora de seu alcance,
ao mesmo tempo em que desembainhava sua própria arma, preparado para lutar.
Preso entre uma estocada e um recuo, Xcor arfou, com grandes nuvens de vapor saindo de sua boca. Ele havia saído da deserta casa de fazenda, sem nenhum deles,
rumando desenfreadamente para o palco do conflito, seminu e totalmente enlouquecido.
E havia sido para o bem de seus próprios soldados.
- Qual o seu problema?! - Zypher exclamou. - O que te aflige?
Xcor exibiu as presas - Me deixe em paz.
- Para poder se matar?
- Me deixe!
O eco de seu grito repercutiu acima e para fora do beco, as palavras ricocheteando entre as paredes de tijolo dos prédios, antes de sumirem na escuridão como
morcegos libertados de uma caverna.
O rosto de Zypher era pura fúria. - Eles têm armas, lembra? Ou a noite passada é uma lembrança muito vaga para você?
- Eles sempre tiveram armas!
- Não desse tipo!
Xcor baixou o olhar para o lesser. Mesmo quase desmembrado, ainda se movia, erguendo os braços em câmera lenta, pernas convulsionando em uma mistura de vísceras
e óleo preto.
Rosnando para a coisa, gritou, e então lhe deu a punhalada final. A claridade foi tão forte, que ele ficou cego pelo brilho, suas retinas reviraram com o reflexo.
Mas adaptou-se logo, cada piscada clareava a visão um pouco mais.
Ele precisava mais. Precisava encontrar mais... Precisava de outra coisa também.
- Me arrume uma prostituta. - Ele resmungou.
Zypher recuou - O que?
- Você ouviu. Me encontre uma. Traga-a para o chalé.
- Humana ou vampira?
- Tanto faz. Só certifique-se de pagar bem para que ela esteja disposta.
Ele esperava perguntas. Não houve nenhuma.
Zypher só inclinou a cabeça. - Como quiser.
Xcor afastou-se, preparado para caçar, lutar e matar. E, antes de correr, olhou por sobre o ombro. - Loira. Eu a quero loira. E deve ter cabelos longos.
- Eu sei a quem chamar.
Com um aceno, Xcor correu pelo beco, seus shitkickers trovejando sobre o asfalto irregular. Farejando a brisa, seu cérebro filtrou os cheiros de fumaça de diesel
misturado à restaurantes xexelentos, e mendigos humanos, sem teto e sem banho, misturado com peixes apodrecendo no rio.
Sua ira contra si próprio aguçava cada sentido que possuía...
- Ei, cara, quer um bagulho?
Parando seus passos, voltou-se e soube pelo cheiro que invadiu suas entranhas que não era um humano ali nas sombras.
O inimigo a quem buscava o havia encontrado, o lesser ainda não sabia com quem estava falando.
- Sim. - Disse ele - Eu gostaria de um bagulho.
- Filho da puta estrangeiro, - disse o lesser. - O que você quer?
- O que você tem?
- Só coisa boa. Heroína pura em pó, colombiana, não essa merda mexicana que...
Xcor não permitiu que o discurso de venda chegasse à uma conclusão. Com uma estocada cruel, se inclinou à frente lançando sua adaga em um arco, e atingiu o lesser
em cheio no rosto, na altura dos olhos. Instantaneamente, o morto-vivo ergueu as mãos, dobrando-se em dois, uivando de dor... E Xcor tirou vantagem disto, recuando
sua bota direita e chutando-lhe o crânio como se fosse uma bola de futebol, mandando o morto-vivo pelos ares até o outro lado do beco.
Saltando alto no ar, pousou sobre o lesser, rolou-o e prendeu suas mãos sobre a cabeça, com uma de suas mãos. O fedor era leite azedo e suor fétido, e o cheiro
adocicado reforçou seu instinto de matar.
A raiva que não vinha conseguindo conter desde que Layla tinha ido embora, voltou novamente. Colocando sua adaga no suporte, fez um punho com a mão dominante
e atingiu várias vezes o rosto pálido do lesser, até as feições praticamente se liquefazerem com os golpes, os ossos quebrarem, a mandíbula cair frouxa. A cada inalação
ele erguia o braço, a cada exalação, o punho descia, o ritmo regular de sua respiração guiava os golpes.
Era melhor Zypher arranjar tudo depressa.
Ele precisava foder até seu humor melhorar.
Sentada na beirada da cama, as mãos de Layla tremiam ao segurar o celular entre as mãos. Ela já havia lido a mensagem, e não só uma vez. De fato, vinha lendo
as palavras desde que havia acordado, ao anoitecer, com o som do celular vibrando na mesinha de cabeceira.
Não venha mais me ver. Eu jamais voltarei ao chalé ou à casa de fazenda de novo, ou consentirei estar em sua presença. Não tenho interesse em nada do que tem
a me oferecer.
Xcor deve ter ditado aquilo em seu iPhone. Ele jamais havia lhe enviado nada via mensagem de texto antes, e ela sempre suspeitara que ele não sabia ler ou escrever.
De todas as maneiras que ela havia imaginado o término da relação deles, de todas as maneiras que havia imaginado a separação deles, não era para ser assim.
Não por ela ter tirado a roupa dele e depois tê-lo obrigado a se alimentar dela.
- ... Olá?
Ela pulou, e o celular voou de suas mãos, caindo no tapete. Quando Qhuinn se aproximou para pegar a coisa, ela entrou em pânico e se levantou rápido da cama
para chegar lá primeiro. Ou tentou se levantar.
Com sua barriga, não conseguia se mover rápido, e ela prendeu a respiração quando ele se inclinou para pegar o celular.
- Você está bem? - Ele disse - Parece pálida.
Não olhe para ele. Não olhe para a tela...
- Oh, meu Deus, está chorando?
- Não. - Ela estendeu a mão - Não estou.
Me dê o celular, me dê...
Qhuinn veio até ela e ergueu seu rosto, - O que está havendo?
Quando o polegar dele acariciou sua bochecha, ele colocou o fodido celular no lugar dele, sobre a mesinha de cabeceira. Com a tela virada para baixo.
- Eu bati na porta e ninguém respondeu, - disse ele - Fiquei preocupado.
Com um tremor, ela fechou os olhos, seus nervos tensos ainda vibrando pelo seu quase flagrante. - Só estava lendo uma história triste online. Acho que estou
mais emotiva do que pensava.
Ele se sentou próximo dela. - Aconteceu merda demais nos últimos dias...
Antes que pudesse se conter, explodiu em prantos e encostou-se no amplo peito dele.
Enlaçando-a com braços fortes, ele abraçou-a gentilmente e deixou-a chorar, botar tudo para fora... E o fato de ele ter erroneamente assumido que as lágrimas
eram só porque estava grávida de gêmeos e com sobrecarga hormonal, a fez chorar ainda mais.
Ela chorou pelos meses e meses de mentiras e decepções; chorou por todas as idas àquele prado; por ela ter se esgueirado para fora e para dentro da casa; por
usar o carro que Qhuinn havia comprado para ela para fazer aquilo.
E mais do que tudo, chorou devido a uma sensação de perda tão poderosa, que era como se alguém houvesse morrido na sua frente e não houvesse nada que pudesse
ter feito para salvá-lo.
Imagens de Xcor golpeavam-na, das suas tentativas de fazer-se apresentável, tentando estar sempre limpo, mesmo recém-saído da batalha... Seu jeito no chuveiro,
delineado enquanto seu corpo gozava por trás da cortina... A derrota que havia pendido sua cabeça enquanto olhava para o fogo como se alguma parte vital de si próprio
estivesse exposta, sangrando, enfraquecendo-o, transformando-o.
Ela tentou dizer a si mesma que era melhor assim. Chega de vida dupla. Sem mais falsidade. Sem mais esconder o celular ou se preocupar se suas fugas seriam descobertas.
Chega de Xcor...
- Eu vou chamar a Dra. Jane. - Qhuinn disse, preocupado, enquanto ia até o telefone.
- O que? Não, eu estou...
- Seu peito está doendo muito?
- O que? - Disse ela, fungando - O que está...
Ele apontou para seu tórax. Baixando o olhar, viu que ela mesma havia agarrado a frente de sua camisola de flanela, o tecido suave jazia embolado entre seu punho
apertado.
Era a origem de suas lágrimas, ela pensou.
Vinham de seu coração.
- Honestamente, - ela sussurrou, - estou bem. Só tinha de botar para fora... Sinto muito.
A mão de Qhuinn parou sobre o telefone. E mesmo quando ele finalmente recolheu o braço, ela teve certeza que ele não estava convencido.
- Eu acho que preciso comer alguma coisa, - ela disse.
Era a última de suas preocupações, mas ele imediatamente entrou modo de solicitude, ligando para Fritz ao invés da médica, pedindo por uma variedade de comida.
A preocupação dele para com seu bem-estar, e toda sua atenção só a fez voltar a chorar.
Querida Virgem Escriba... Ela estava de luto, não estava?
Capítulo QUARENTA E SEIS
- Está bem, então entramos aqui.
Selena agarrou a mão que Trez ofereceu e andou até a beirada da primeira cápsula de uma fileira de seis. As pequenas gôndolas em formato de ervilha estavam montadas
em um par de trilhos e continham dois assentos lado a lado com uma barra de segurança que se erguia acima do capô pouco alto. Após Trez se juntar a ela, um operador
uniformizado lhes deu um aceno de um painel de controle do outro lado da plataforma.
- Isto vai por aquele caminho? - Ela perguntou, apontando para a montanha a frente. - Vamos subir ali?
Trez teve de pigarrear. Duas vezes - Ah, sim. Vamos.
- Oh, meu Deus, é tão alto!
- Eu, ah... É. É sim.
Ela virou-se para ele quando a barra de segurança desceu e travou-se sobre suas pernas. - Trez, sério, você vai odiar isto.
Houve um tranco e então começaram a se mover para frente no trilho, um sonzinho de chk-chk-chk foi emitido enquanto as rodas a giravam em velocidade crescente.
- Você, no entanto, vai amar. - Ele disse, beijando-a - Acho que é melhor se segurar.
Ao iniciarem uma subida quase vertical, suas costas pressionaram o assento acolchoado e suas mãos agarraram a barra de metal frio. Por um momento, ela desejou
ter pegado as luvas que haviam lhe oferecido antes de sair de casa, mas então, esqueceu todo o desconforto.
Mais alto, mais alto, mais alto... Impossivelmente alto.
Voltando-se para o lado, ela riu. - Oh, meu Deus, estamos subindo tanto!
E eles só estavam a meio caminho do topo.
O chk-chk-chk se tornou muito alto e os trancos, mais fortes, até ela sentir como se alguém empurrasse seus ombros. A brisa ficou cada vez mais fria e mais violenta
também, seu cabelo esvoaçava, a parka a desafiava a manter o seu tórax aquecido.
- A vista é incrível, - ela suspirou.
Não tão alto quanto eles estiveram na noite passada, mas sem chão entre ela e a toda aquela altura, sem painéis de vidro para impedir uma queda, nada além do
trilho e a crescente distância do chão, ela sentia-se flutuando.
E as luzes do parque eram magníficas. Brilhantes e multicoloridas, estavam lá embaixo por todos os lados em que ela olhava, acentuando os contornos de vários
dos brinquedos, refletindo nos espelhos e brilhando nos topos vermelhos e amarelos e azuis dos estandes e barraquinhas.
- É como se o céu estivesse invertido e as estrelas estivessem lá embaixo.
- É. Oh, uh-huh... É. Eu acho que chegamos ao topo... Oh, é. Uau. Uh-huh.
Abruptamente nivelaram e tudo silenciou, exceto o vento que golpeava seus ouvidos, a viagem se tornando suave e gentil ao fazerem uma curva fácil.
Um olhar rápido para o macho, e ela viu que, apesar de sua pele escura, estava pálido como um fantasma.
Ela soltou uma das mãos e cobriu a dele. - Trez, acho melhor nos mantermos no chão após isto, ok?
- Oh, não, tudo bem... Estou bem, estou legal.
Uh-huh. Certo. O maxilar dele estava tão fortemente cerrado que ela se preocupou com seus dentes de trás, e o pescoço estava enrijecido acima da gola da jaqueta
de couro. De fato, a única coisa que se movia no corpo inteiro dele era o joelho direito. Estava oscilando para cima e para baixo, para cima e para baixo, cima-baixo,
cima-baixo-cima-baixo-cima-baixo.
- Lá vamos nós, - murmurou ele. Como se preparando para levar um soco na cara.
Ela olhou para frente bem a tempo de não ver absolutamente nada a sua frente. Havia somente o ar aberto, como se os trilhos tivessem sumido.
- Onde estão...
Whoooooosh!
De repente eles estavam a uma velocidade suicida, sem peso e voando, lançados impetuosamente para baixo, baixo, baixo.
Selena riu como se estivesse louca, soltando as mãos e jogando os braços para cima. - Siiiiiiiim!
Tão veloz, o ar golpeava por entre seus cabelos, estapeava lhe o rosto, empurrava-a contra o assento; então bruscamente à direita, à esquerda, zum-zum-zum, subindo
outra subida gigante quando o chk-chk-chk voltou e então...
- Oh, meu Deus! - Trez berrou.
Para o alto e em volta, para que o mundo virasse e ficasse de ponta cabeça antes de se endireitar de novo. E outro looping e então um que os inclinou para o
lado.
Era como aquela volta para casa de novo, somente mais vívida e indomável e maravilhosa.
- Eu podia fazer isto para sempre! - Ela gritou quando outra sequência se aproximava. - Para sempre!
- Oh, Cristo, não de novo!
Quatro vezes.
Seguidas.
E por insistência de Trez.
Quando o pequeno carro dos horrores voltou novamente à plataforma, ele estava preparado para continuar a tortura.
Selena estava extasiada e fazia tudo valer a pena... Mesmo os loopings intestinais da montanha russa.
Que tornava suas próprias tripas uma bagunça efervescente.
- Vamos de novo, - ele disse, tentando abanar a bandeira. Mesmo que àquela altura alguém tivesse de remover cirurgicamente suas mãos da barra de segurança.
- Não, eu acho que já é suficiente.
- Está brincando? Eu adorei essa merda...
- Terminamos, - ela chamou o operador.
- Eu tirei fotos de vocês, - o macho humano disse, enquanto baixava a alavanca e um motor que não estava às vistas parou subitamente. - Estão sendo reveladas.
Está beeeeem, hora de sair. Sim.
- Trez?
Soltando seu agarre da barra, ele observou seu salvador de metal se erguer e se encaixar no lugar apropriado acima de suas cabeças. - É, estou saindo. - Agora
mesmo, - lá vou eu.
Quando Selena se levantou e se apoiou na barra em busca de equilíbrio, ele se sentia pronto a segui-la. Andar até ela, e até o operador. Pegar aquelas fotos
que ele nem sabia que alguém iria tirar.
Em vez disto, ele só permaneceu sentado, respirando com muita dificuldade. Mas, vamos lá, ele não era um marica. Forçando-se a ficar em pé, descobriu que suas
pernas estavam dormentes do meio da coxa para baixo, mas, em um cambalear confuso, de alguma forma, conseguiu sair do carrinho e foi para a plataforma sem passar
muita vergonha.
Apesar do fato de Selena ter de apoiá-lo não ter sido, exatamente, uma declaração de reafirmação de sua verticalidade.
- Oh, obrigada, - ele ouviu-a dizer ao operador. Então olhou para ele, - Ei, vamos até aquele banco olhar as fotos.
Antes que se desse conta, estava sentado em um pedaço de aço fundido, frio e gelado e olhando para as fotografias de Selena se divertindo e ele com a cara de
alguém com as bolas presas em um torno. Enquanto isto, a mão dela acariciava suas costas, correndo o couro da jaqueta em um círculo lento.
- Aqui está, senhora.
- Muito obrigada, - ela ofereceu-lhe algo. - Porque não toma isto?
Ele estava enjoado demais para responder de novo que estava tudo bem. Apenas aceitou o que ela oferecia, colocou na boca e obedeceu ao comando de beber.
- Oh, isto é bom. - Suspirou quando finalmente baixou a garrafa de refrigerante.
- Ginger Ale. A Dra. Jane indicou.
Cerca de dez minutos depois, ele conseguiu se concentrar apropriadamente no que, supostamente, estava olhando. - Você é tão linda, - disse ele, ao fitar a imagem
dos dois juntos.
- Não tenho certeza disto, mas te digo uma coisa, aquele foi o ponto alto da minha vida, bem ali. Como se sente?
Ele esfregou o dedão sobre a foto do rosto dela. - Você está tão viva. Olhe para você, seus olhos estão incríveis.
Uma a uma, ele estudou as fotografias. Haviam sido tiradas após a segunda subida, quando se tinha a sensação de falta de peso e o vento rugia e não se ficava
muito convencido de que aquela merda iria terminar bem quando chegasse ao fim.
Ele podia praticamente sentir a agitação percorrendo o corpo de Selena, a excitação, o prazer, a vibrante força vital transformando-a em um contido relâmpago
de alegria.
Já ele? Jamais se sentira tão pálido, sua pele escura sem cor como a merda...
Quem diria.
- Devíamos fazer um calendário destas, - ele anunciou, - metade delas, mais ou menos.
- Você parece bem melhor. Menos verde. Você estava meio verde.
- Eu encararia aquela filha da puta milhões de vez se você quisesse.
Ela se inclinou, virou o rosto dele para sua direção, e beijou-o - Você sabe o que acabou de provar?
- O que? Que mesmo verdadeiros machões precisam de saquinhos de vômito às vezes?
- Não. - Ela beijou-o de novo - Que é possível dizer "eu te amo" sem usar palavras.
O peito dele estufou. Ele não conseguiu evitar. - Veja só. Sou um Casanova... Quem diria.
Terminando seu Ginger Ale, ele jogou a garrafa vazia na lixeira que ficava a um metro e meio de distância e colocou as fotos no bolso interno de sua jaqueta.
Levantando-se, ele lhe ofereceu o braço. - O que acha de comer algo nutricionalmente deficiente, mas totalmente gostoso? Estamos falando de produtos químicos
de verdade e tudo totalmente ultra processado. O tipo de coisa que humanos geralmente gostam de comer, mas tem de tomar sal de frutas quando chega em casa?
- Soa delicioso. - Ela aceitou a oferta. - Estou ansiosa para ver o que servem aqui.
Trez acenou para o atendente, e então considerou que talvez fosse melhor fazer umas poses de fisiculturista só para retificar sua prejudicada imagem de macho.
A área de alimentação ficava atrás e à direita, e conforme eles contornavam a base daquela montanha-russa, ele olhou para cima, muito para cima, para a geringonça
de metal que mantinha os trilhos no ar. Cara, que bom ele não ter tido esta vista antes de subir lá.
Quanto mais pensava nisto, mais seu chilique ameaçava retornar, o suor inundava as palmas das mãos e a área acima do lábio superior, mas as boas novas vieram
na forma de distração do estande de cachorro-quente que estava aberto só para eles.
Aproximando-se do balcão, ele abraçou Selena bem forte, captando o aroma dela além do xampu e sabonete que ela usara antes de saírem da casa.
Uma fêmea humana de corpo roliço e sorriso simpático se aproximou, largando seu exemplar da revista People. - Em que posso servi-los?
- Deus do céu, tem tanta coisa. - Selena disse.
O cardápio era iluminado em painéis vermelhos com letras amarelas, oferecendo o tipo de coisa que certamente era deliciosa ao ser ingerida, mas que causaria
problemas ao ser digerida. Mas, como havia dito a ela, era para isto que existiam os antiácidos.
- O que vai pedir? - Ela perguntou.
- Vou de Especial Coney Island, - ele anunciou. - Com uma Coca-cola grande, muito gelo.
- É para já, - a atendente disse - Senhora, já sabe o que vai querer?
Selena franziu o cenho - Eu queria mesmo um hambúrguer. Mas, queria experimentar o cachorro-quente.
- Pode comer um pouco do meu.
- Ótimo. Eu quero um hambúrguer com queijo e batatas fritas.
- Sem problema. - A mulher apontou para outra seção do menu, - Quer alguma coisa nelas?
- Como é?
- Em suas batatas. Tipo chili, queijo, pimenta jalapeño... A lista está bem aqui.
Enquanto Selena considerava o segundo turno de suas opções, Trez aproveitou a oportunidade para estudar o deslumbrante perfil de sua rainha. Aqueles lábios dela
eram quase irresistíveis e quanto mais olhava para eles, mais o ardor residual de toda aquela descarga de adrenalina evoluía de luta ou voo para pura e inegável
luxúria.
Com um movimento discreto, ele precisou reposicionar seu órgão.
Mal podia esperar para levá-la para casa. Tirar a roupa dela.
Seus olhos desceram até os seios. A jaqueta Gucci que ela usava havia aderido sobre aquelas curvas que ele amava tanto...
- Trez?
- Huh?
- Você tem dinheiro? Eu não pensei em trazer human...
Ele interrompeu. - Você não vai pagar nada. - Tirando a carteira, ele disse à garota - Quanto?
- É por conta da casa.
- Deixe-me dar uma gorjeta então.
- Ah, está bem. Eu sei por que você está...
Trez adiantou-se, colocando cem dólares sobre a fórmica e empurrando-o adiante. - Pegue. Por ser tão gentil conosco.
Os olhos da mulher se arregalaram. - Tem certeza?
- Absoluta.
Primeiro, ele não queria deixá-la terminar o que estava falando e fazer Selena sentir-se como um caso de caridade. Segundo, a humana havia saído em uma noite
fria somente para algumas horas de trabalho. As festas de fim de ano se aproximavam. Sem dúvida ela aproveitaria aquele dinheirinho extra.
- Uau. Obrigada.
Quando a mulher se afastou para preparar os lanches, ele pôde sentir Selena olhando para ele com respeito, e aquilo o fez sentir-se todo estufado de novo na
região peitoral.
Por falar em seu cartão de macho, dane-se dar uma de Arnold. Do jeito que ela olhava para ele? Fazia-se sentir-se grande como uma montanha.
Alguns minutos depois, seguiram para uma mesa de piquenique pintada de azul berrante e sentaram-se lado a lado.
O ar estava frio, a comida, fumegando, os refrigerantes estavam espumantes e doces. Manusear os pães super-recheados era difícil, com ambos inclinando as cabeças
e usando guardanapos, mas até aquilo era um tipo de diversão. E a conversa, quando conseguiam mantê-la, era sobre o sabor e o tempero e a língua queimando... O passeio
de montanha-russa... O que iriam fazer em seguida... Se iam comer algodão-doce ou sorvetes com calda quente, de sobremesa.
Era magnificamente, belamente, ressonantemente normal.
E ao se sentar com sua fêmea e talvez limpar o canto da boca dela com seu guardanapo, ou dividir seu refrigerante com ela, ou rir quando ela sugerisse irem ao
carrossel em seguida, porque só ficava a meio metro do chão, ele banhou-se nas lembranças, até elas permearem sua mente, corpo e alma com um brilho que nunca havia
sentido antes.
Só por estar com ela. Sem fazer nada especial. No meio do parque de diversões.
Era um milagre.
Uma bênção indescritível.
Franzindo o cenho, percebeu que, não fosse pela realidade pairando nas proximidades deste momento perfeito, espiando-os por trás, como um tipo de sombra maligna...
Ele bem poderia estar passando este tempo com ela, com sua metade de cérebro preocupada com a abertura da shAdoWs, ou imaginando como andariam as coisas no s'Hisbe,
ou obcecado com o que quer que estivesse pinicando seu rabo àquela altura.
Ele jamais teria aproveitado isto, como um macho rico, de cujos bolsos os diamantes caíam simplesmente porque tinha toneladas deles em casa.
Raridade vinha de mãos dadas com a reverência.
- Eu podia me sentar aqui para sempre, - ele disse, enquanto engolia seu último pedaço - Este é o meu paraíso.
Selena olhou para ele e sorriu - O meu também.
Capítulo QUARENTA E SETE
Um pouco antes do primeiro civil chegar para sua audiência com o Rei, Paradise entregou uma pasta ao seu pai, com visível orgulho. - Eu organizei a agenda de
audiências. Penso que vai achar que facilitou as coisas para você e para o Rei.
Seu pai sorriu ao abrir a capa e viu as planilhas listando cada nome de civil, linhagem familiar, assunto corrente e qualquer histórico que Wrath precisasse
abordar.
- Isto é tão... Útil, - disse ele, ao percorrer as colunas com o dedo indicador.
- Eu achei que melhoraria o modo como as coisas estavam sendo feitas.
Ele olhou para cima - E melhorou.
- Em seguida, - ela pegou a segunda das muitas folhas de papel, - há um dossiê para cada assunto, bem mais detalhado.
Abalone fez uma careta ao revisar as anotações, e então folheou os relatórios. - Como descobriu tudo isto?
- Eu tenho minhas fontes, - ela sorriu. - Está bem, algumas informações eu peguei das páginas deles no Facebook, e outras coisas de alguns amigos.
- Isto é... Eu não sabia que ele havia emparelhado. - Seu pai entregou-lhe a pasta - Ele?
- Ano passado. Foi uma coisa discreta. - Paradise baixou a voz, mesmo estando sozinhos. - Houve comentários de que ela estava grávida.
- Ah, então agora ele quer validar o emparelhamento.
- Ela está quase dando à luz. Se eu fosse Wrath pouparia o pobre macho da indignidade de responder a muitas perguntas sobre a data real, e só lhe daria o respeito
que ele quer prover ao seu filho.
- Está tentando fazer o trabalho de seu pai? - A voz de Wrath exclamou.
Quando o Rei Cego em pessoa apareceu na arcada do salão, Paradise pulou. - Não foi minha intenção, oh, não, eu...
O Rei sorriu. - Estou impressionado com a sua linha de pensamento. Continue o bom trabalho, Paradise.
Com isto, ele e seu cão dourado atravessaram para a sala de jantar.
- Não consigo sentir meus pés, - ela murmurou.
Seu pai abraçou-a. - Você está superando todas as minhas expectativas.
Ela recuou e empurrou o cabelo para trás do ombro. - Estou gostando. De verdade.
- Você está me enchendo de orgulho.
Para esconder o seu rubor, ela sentou-se atrás do computador que já sentia como sendo seu. - Como estão as coisas em casa? Com...
- Bem. Estou muito bem, embora sinta sua falta.
- Eu podia voltar.
- Não, não, é melhor ficar aqui. - Ele enfiou a pasta embaixo do braço. - Você e Peyton se divertiram ontem?
- Ele saiu logo depois de você.
Abalone franziu o cenho. - Espero que não tenham brigado.
- Ele tem um jeito antiquado de ver as coisas.
- Ele vem de uma família tradicional.
Ela pegou uma das canetas Montblanc que havia encontrado na mesa. Batucando-a na palma da mão, puxou a saia azul marinho mais para o joelho. - Ah... Pai.
- Sim?
Respirando fundo, abriu a gaveta de cima e tirou o formulário de inscrição para o programa do Centro de Treinamento. - Pai, você me deixaria fazer algo assim?
Quando lhe entregou o papel e os olhos dele começaram a ler as palavras, ela se adiantou em completar: - Não estou dizendo que quero entrar em combate ou coisa
assim. É só que, eles estão aceitando fêmeas, e eu...
- Lutar? Isto é... Isto é para lutar.
- Eu sei. Mas, veja... - ela se levantou e apontou para uma parte no preâmbulo, - eles dizem que podem treinar fêmeas.
- Paradise.
Eeeee eis que o ponto de vista dele estava basicamente expresso na maneira que havia dito o nome dela: uma combinação de "fala sério" com "não parta meu coração".
- Você não foi feita para isto, - ele disse.
- Porque sou uma fêmea, certo? - Ela contrapôs amargamente. - O que significa, no máximo, trabalho de escritório... E somente até estar emparelhada.
- Isto é guerra. Você entende o que é na realidade? - Ele balançou o formulário. - Isto é morte pronta para acontecer. Não é um filme de Hollywood ou fantasia
romântica.
Ela ergueu o queixo - Eu sei disto.
- Sabe?
- Não sou tão ingênua quanto você acha. A família que perdeu nos ataques era meu sangue também, Pai. Meus amigos morreram. Eu sei o que é.
- Não, Paradise, não vou permitir. - Ele se abaixou e jogou o formulário no lixo. - Não é para você.
Sem mais uma palavra, ele se virou e saiu, de alguma forma conseguindo fechar a porta oculta na cara dela, mesmo que os painéis continuassem em seu bolsões nas
paredes.
Throe se materializou a cerca de oitocentos metros da casa para onde Abalone ia todas as noites.
O localizador GPS que Throe havia colocado no bolso externo do casaco de pele de camelo do macho, havia funcionado como um sonho. E a vizinhança abastada era
admirável.
Nada mal, nada mal mesmo.
Caminhando com passos casuais, analisou as casas enquanto seguia na direção aonde o sinal de seu celular o enviava. Na verdade, o termo apropriado para as residências
ali seria mansões. Estes lugares eram grandes demais para serem meras casas: vários andares, espaçosos, afastados da rua, todos com uma iluminação noturna dramática
enfatizando seus exteriores, como se os humanos ricos que morassem ali não aguentassem pensar que seus status pudessem ser ignorados durante as horas noturnas.
Enquanto prosseguia, teve de controlar a frustração. Sentia falta da luta, mais do que imaginara. De fato, a falta de derramamento de sangue, de qualquer tipo,
era uma chocante insatisfação. Quando se juntara ao Bando dos Bastardos, ficara horrorizado com toda aquela agressão e violência. Mas, após vários séculos, o clima
de guerra passara a ser o que considerava normal.
A mansão de pedra que vinha a seguir era afeminada, uma versão modernizada e melhorada da pilha medieval de rochas onde o Bando dos Bastardos morava no Antigo
Continente, e ele parou em frente, avaliando. Figuras se moviam dentro, atravessando janelas emolduradas por camadas pesadas de tecidos enquanto as luzes de dentro
iluminavam reflexos de ouro e prata na parede.
E, subitamente, não pensava mais no antigo covil de Xcor.
Ele se lembrava de onde viera, suas verdadeiras origens de privilégio e riqueza.
Na busca por vingar sua irmã, ele se vendera ao diabo. Agora, do outro lado da barganha, estava pobre, sozinho e sem nenhuma perspectiva.
A única coisa que o movia, era a sua ambição.
Pelo menos havia combustível suficiente para movê-lo pelos meses de inverno que chegariam.
Throe voltou a andar, o frio cortando através do casaco de couro que vestia, ainda manchado da matança que executara noites atrás.
Antes que tudo mudasse.
A casa que era o seu alvo apareceu à esquerda, do outro lado da rua. Era grande e histórica, uma mansão federal branca com estrutura óssea de verdadeira beleza,
cuja manutenção somente os muito abastados poderiam bancar em uma velha propriedade: Nada de tinta descascando ali. Sem arbustos altos demais. Sem telhados ou pórticos
danificados.
Ao contrário das outras, não havia como espiar para dentro.
As cortinas estavam todas fechadas e eram tão pesadas que não dava para ver nem luzes através delas. Não havia carros na entrada, mas esperou, escondendo-se
atrás de uns arbustos, então captou a visão de dois indivíduos se aproximando da porta da frente... Mesmo sem terem chegado à casa de nenhum jeito motorizado apropriado.
Porque eram vampiros que haviam se desmaterializado no lugar.
Dez minutos depois, teve outra visão. Quinze minutos depois daquilo, mais duas.
Eram discretos e nem todos usavam a porta da frente... Sem dúvidas, para evitar suspeita.
Throe verificou o celular, apesar de saber que a locação estava correta. Sim, Abalone estava ali.
Mantendo-se nas sombras, ficou um pouco mais, não por ter qualquer plano específico de invadir, pelo contrário, ainda tinha de formulá-lo. Sua ambição, por mais
forte que fosse, ainda não era um motor em funcionamento, ele tinha de reconhecer o terreno, descobrir fraquezas, definir estratégias.
Um carro virou a esquina e desceu a rua.
Quando passou pelo poste de luz do outro lado da rua, viu que era um Rolls Royce, preto com o típico capô claro da marca.
E lá estava ele, sem um automóvel.
De fato, sua falta de perspectivas era um problema.
Como ele ia arregimentar recursos? Perguntou-se. Como ia se sustentar enquanto construía alianças?
A resposta, quando veio, foi tão óbvia, que era como se o destino iluminasse um caminho em meio a escuridão para ele. Sim, pensou, aquele era o caminho...
Um momento depois, voltou às acomodações mais generosas de Abalone com um sorriso no rosto.
Capítulo QUARENTA E OITO
Em seu leito de hospital, Luchas entrava e saía da consciência, ondas de dor atravessavam seu corpo, deixando-o quase sem sentidos. Quando já não aguentava mais,
remexeu a mão que ainda tinha dedos. Encontrando a campainha para chamar ajuda, pressionou-a com o polegar até seu ouvido registrar um bip.
A porta foi aberta e a Dra. Jane entrou, - Luchas?
- Minha perna... - ele gemeu. - Dói.
Ela se aproximou, verificou os equipamentos, o acesso intravenoso e só Deus sabia mais o quê. - Eu vou te dar algo para a...
- A infecção... - balbuciou ele, virando a cabeça de um lado para outro. - Minha perna...
Seu plano havia sido definhar, mas, ao invés disto, parecia ter decidido se matar se enfiando em uma fogueira: primeiro com os pés, seguidos pelo seu tornozelo
quebrado e a panturrilha.
Em um jorro súbito de loucura, ele se sentou e começou a afastar os lençóis. A Dra. Jane segurou os seus ombros e tentou deitá-lo novamente, ao mesmo tempo,
em que alguém entrava no quarto. Qhuinn, era o seu irmão.
- Luchas, Luchas, pare...
Era Qhuinn, se aproximando, tentando prender suas mãos, e forçá-lo a deitar. Não era uma luta justa. Ele estava fraco, tão fraco... E então pôs-se a levitar,
uma súbita sensação de leveza substituindo a sensação de ardor que antes havia lá embaixo.
Olhando para o lado, viu Dra. Jane retirando uma seringa do tubo plástico transparente enfiado em seu braço.
O rosto de Qhuinn apareceu acima do seu, aqueles intensos olhos incompatíveis. - Luchas, relaxe. Estamos com você.
- Minha perna...
A droga executava a sua mágica, acalmando-o como se seu corpo tivesse sido afundado em uma banheira morna. A dor ainda estava lá; ele só não se importava mais
com ela.
- Está piorando, - ouviu-se dizendo. - A infecção... Achei que estaria morto a esta altura.
- Luchas...
Algo sobre a aparência do irmão foi registrada, algo sobre seu tom de voz, a tensão em sua boca e olhos.
- O quê? - Luchas disse - O quê?
Qhuinn olhou para a Dra. Jane como se esperasse pela proverbial cavalaria que viesse salvá-lo.
- Luchas, - disse o irmão - Eu precisava salvá-lo.
Salvá-lo? Mas, qual era o ponto disto tudo. Ele queria morrer. - O quê?
- Eu a autorizei amputar a perna. Para salvar sua vida.
Luchas ficou silencioso. Devia ter ouvido errado, a tradução apropriada do que fora falado deve ter sido atrapalhada pelos analgésicos que lhe deram.
- Era a única chance. Estávamos te perdendo.
- O que você fez comigo? - Disse ele lentamente - O que você...?
- Acalme-se.
Luchas elevou-se dos travesseiros, um indescritível horror fazendo todo o seu sangue sumir da cabeça. Olhando para a parte inferior de seu corpo, viu que os
lençóis finos revelavam os contornos da coxa, joelho, panturrilha e pé de sua perna esquerda... Mas, somente a coxa e joelho da direita.
Com um berro, procurou pelo que devia estar ali, puxando os lençóis, arrancando-os como se, de alguma forma, escondessem o que não estava mais lá.
- O que você fez? - Virou-se para o irmão, agarrando sua camiseta, puxando, apertando com os dedos que lhe restavam. - Que porra você fez?
- Você ia morrer.
- Porque eu queria! Como pôde?
Ele bateu em Qhuinn, o punho voando de forma ineficaz, a mão arruinada estapeando.
Qhuinn não se defendeu. Ele só permitiu que batesse... Não que o ataque tenha sido forte. E Luchas não durou muito. Logo sua energia se exauriu, e ele caiu de
volta no travesseiro, o peito magro arfando para cima e para baixo, sangue escorrendo de seu acesso intravenoso, os olhos entrando e saindo de foco.
E, ainda assim, o membro que não estava lá, doía.
- Saia, - disse ele de forma entorpecida. - Não quero te ver de novo.
Virando o rosto para a parede, ouviu uma conversa sussurrada, e então a porta se abriu e fechou suavemente.
- Como está seu nível de dor agora? - Dra. Jane perguntou.
- Por que ela dói...? - Murmurou ele. - Vocês a arrancaram.
Deus, agora estava ainda mais aleijado, mais uma parte do que ele havia sido, e havia tido, se perdera.
- É chamado dor do membro fantasma. Mas, a sensação é muito real.
- Foi você... Foi você quem a cortou?
- Sim.
- Então saia daqui também. Eu não autorizei...
- Você estava morrendo...
- Eu não quero ouvi-la. Saia.
Houve uma pausa, então ele detestou o modo como ela olhou para ele, cheia de gentileza, preocupação, cuidados.
- Com o tempo, Luchas, você vai se sentir melhor...
Ele virou a cabeça - Você me negou minha morte. Você mutilou o meu corpo como uma açougueira, sem minha permissão. Então, me desculpe se não tenho interesse
nenhum em nada do que tenha a me dizer.
A médica fechou os olhos brevemente. - Mandarei Ehlena aqui com alguma coisa para você comer.
- Não se preocupe. Você só adiou o inevitável. Eu mesmo vou terminar o serviço.
Luchas mexeu no acesso intravenoso enfiado em seu braço, puxando-o até a coisa sair, o líquido claro e sangue vermelho espirrando para todo canto...
Pessoas vieram correndo por cada porta que havia ali, correndo em pânico, agarrando-o, falando alto. Lutou contra elas, se contorcendo e empurrando, lutando
para se manter em pé, apesar da perna e pé perdidos.
Alguém deve ter lhe dado outra injeção, porque, de repente, seu corpo relaxou. Mesmo que o cérebro ordenasse todo tipo de movimento, nenhum membro correspondia.
Quando seus olhos reviraram, ele viu a imagem de Qhuinn parado na porta, seu corpo amplo, forte e saudável, boqueando o caminho.
Bem podia ser a porta para o Fade que o macho bloqueava.
- Eu odeio você! - Luchas gritou. - Eu te odeio!
De volta à casa de audiências do Rei, Rhage estava na sala de jantar, em pé com as costas apoiadas nas portas fechadas, os braços cruzados sobre o peito. A maior
parte da Irmandade estava na sala, atulhando o ar com energia cinética demais.
Wrath estava sentado em sua poltrona, as pernas cruzadas com o tornozelo sobre o joelho, a cabeça do cão em seu colo. - Ele está atrasado. Aquele filho da puta
está atrasado.
Rehv anuiu do local onde estava, na frente da lareira e esfregando as mãos, como se sentisse frio. - Ele virá.
- Tenho pessoas para ver.
Hollywood verificou o relógio de pulso. - Quer que eu vá buscá-lo? Posso jogar um laço de corda nele e arrastá-lo para cá pelo pau...
A campainha da porta soou com um toque, e V entreabriu a cortina da janela do outro lado. - Falando do diabo.
- Me deixem recebê-lo. - Rhage murmurou ao sair.
- Ele não está sozinho. - V rosnou.
- Nem eu.
Fechando a porta, atravessou o salão. - Paradise. - Quando a garota ergueu os olhos da mesa, ele sorriu para ela. - Vou fechar sua sala por um segundo. Me faz
um favor e fique aqui até eu te chamar?
Os olhos bonitos e grandes dela ficaram ainda maiores. - Está tudo bem?
- Sim, mas quero que fique aqui.
- Está bem. É claro.
Ele piscou para ela - Boa garota. E tranque a porta depois que eu sair, está bem?
- Claro.
Encostando a porta, ele esperou até ouvir a fechadura de bronze ser trancada pelo lado dela, e então foi até a porta da frente. Abrindo-a, deu um olhar de cima
abaixo em Assail. O cara era tão bem vestido quanto Butch, roupas de alfaiataria, tudo combinando, ajustando-se como se a merda houvesse sido desenhada em seu corpo.
Por trás dele, um par de caras idênticos estavam parados, lado a lado. O fato de que também usavam folgadas roupas pretas, duh.
Ele só podia imaginar o poder de fogo que havia escondido sob aqueles casacos.
- Pensei que viria sozinho, - disse ele.
- Seu Rei queria conhecer minha equipe. Aqui estão, meus primos.
Rhage se inclinou. - Esta não é sua equipe inteira, é?
- Posso te garantir que estes dois são os únicos que uso.
Rhage deu um passo para trás e indicou para entrarem no vestíbulo. - Preciso revistá-los.
- Estamos armados até os dentes.
- Não brinca.
Quando os três entraram um após o outro, Rhage apontou para uma imensa bandeja de prata na mesa, sob um espelho dourado. - Coloque-as ali. E certifiquem-se de
se livrarem de todas as armas. Se eu achar algo, vou ficar muito puto.
Clink... Clink... Clink... Clank... Clank...
Rhage não queria ficar impressionado, mas, tinha de lhes dar algum crédito. Belas armas e muitas lâminas afiadas.
- Você primeiro. - disse para um dos gêmeos.
O outro deu um passo à frente. - Comece por mim. Meu irmão é um pouco agitado.
- Com é? Será que não li o memorando onde te nomearam o chefe, saco de bosta? - Ele meneou a cabeça na direção do Sr. Impaciente para que se aproximasse e o
revistou. - Pronto, agora quer um pirulito por ter sido tão corajoso? Agora você, com a sua lista de exigências, venha aqui.
Ele despachou o número dois, e então se aproximou de Assail, que estivera assistindo ao show como uma cobra.
- Belo perfume. - Hollywood murmurou ao jogar os braços do cara para cima, e começar a apalpar um tórax surpreendentemente musculoso. - Onde conseguiu estes,
toma bomba?
- Você é sempre assim, rude? - Assail perguntou, em um tom enfastiado.
- Você é a segunda pessoa a me perguntar algo assim nas últimas quarenta e oito horas. - Ele chutou os chiques sapatos italianos do cara para afastar mais as
pernas. - Se tem um problema comigo, registre uma queixa no setor de departamento pessoal.
- Quanto profissionalismo.
Rhage endireitou-se após revistar a parte inferior do corpo do cara. - Para sua informação, Vishous, filho de Bloodletter é nosso chefe de RH. Ele prefere reclamações
feitas pessoalmente. Boa sorte com isto.
Terminado com os três, ele dirigiu-se até as portas fechadas da sala de audiências, sabendo que o seguiriam. Abrindo bem as portas, afastou-se para o lado e
viu os filhos da puta entrarem um atrás do outro.
- Assail. - Wrath resmungou. - Nos encontramos de novo.
- E desta vez, sem tiros, - o traficante respondeu.
- Por enquanto. - Um dos Irmãos murmurou.
Os olhos de Assail passaram pela multidão reunida. - Bela proteção você tem aqui.
Wrath deu de ombros. - Eu tinha a escolha de colecionar eles ou bibelôs de porcelana. Foi uma escolha difícil.
- A que devo a honra desta intimação de comparecimento?
- Rehv? Explique você, já que conhece o assunto.
O devorador de pecados se afastou da lareira e sorriu como se estivesse a ponto de devorar algo. - Temos motivos para acreditar que você esteja participando
do mercado de drogas em Caldwell.
Assail não hesitou. - Eu jamais escondi meus negócios.
- Já viu isto antes?
Quando Rehv jogou um pacote no ar, Assail pegou a coisa e analisou. - Heroína.
- O símbolo é seu, não é?
- Quem disse?
Rhage falou. - Encontramos alguns destes com um lesser no clube que por acaso pertence a um amigo nosso.
Wrath sorriu friamente ao abaixar a mão para acariciar o pelo dourado do seu cão-guia. - Então você pode ver como isto nos coloca em uma situação estranha. Você
está usando um inimigo para distribuir seu produto. Não está?
De novo, Assail não demonstrou qualquer reação. - E se estiver, qual o problema?
- Você está enchendo o bolso deles de grana.
- E...? Daí?
- Não seja fodidamente ingênuo. Com que porra você acha que irão gastá-lo?
- Noite passada, - Rhage disse, - nos metemos em um fogo cruzado entre o Bando dos Bastardos e alguns lessers. Adivinha o que os mortos-vivos estavam ostentando?
AK-47. É a arma com maior poder letal que já vimos nesta cidade desde os ataques.
Assail deu de ombros e ergueu as mãos. - E o que isto tem a ver comigo? Sou um homem de negócios...
Wrath endireitou-se na poltrona. - Seu negócio está pondo em risco a vida de meus garotos. E isto me tira do sério, imbecil. Então o seu negócio passa a ser
meu.
- Você não tem o direito de me impedir.
- Se vocês três não conseguirem sair daqui vivos, acho que será fim de jogo, não acha?
Em uníssono, cada irmão na sala sacou uma adaga. Rhage preparou-se para algum tipo de explosão, mas, Assail continuou tão frio quanto um pepino. Ele não se agitou,
não piscou, não tentou justificar. Talvez o filho da puta não tivesse sistema nervoso central.
- O que você achou que iria acontecer, - Wrath disse, - quando eu descobrisse? Achou que eu só ia deixar a porra desse conflito grande correr solto?
Houve um grande período de silêncio.
Finalmente, Assail baixou a cabeça. - Está bem. Eu vou parar negociar com eles.
As narinas de Wrath se expandiram como se avaliassem o aroma do macho. Um momento depois, disse, - Bom, agora dá a porra do fora daqui. Mas, saiba que se eu
encontrar qualquer merda destas em um lesser sequer, vou atrás de você e não vai ser para conversar.
Rhage franziu o cenho, mas quando Wrath indicou a saída, abriu a porta e observou os três saírem, irem até as armas misturadas na bandeja e sanarem sua deficiência
de ferro. Então, saíram pela porta e da propriedade.
- Ele mentiu. - Wrath disse, de forma sombria.
- Sabia que estava fácil demais. - Rhage murmurou. - Por que permitiu que fossem?
- Quero que vão atrás dele. - Wrath indicou Rhage e V. - Os dois. Se matarmos Assail agora, não encontramos o seu fornecedor e não temos como garantir que a
Sociedade Lessening perca todo o acesso ao produto. Siga aquele filho da puta, descubra onde ele consegue aquela merda, e então faça com que o inimigo não tenha
nada para vender em Caldwell. - O Rei inclinou-se para frente em sua cadeira. - E então, ponham uma bala no peito de cada um daqueles três.
- Sem problemas, meu senhor. - Rhage olhou para V, que acenou de volta. - Considere feito.
Capítulo QUARENTA E NOVE
Movendo-se rapidamente, mas não rápido demais, maichen percorreu os corredores vazios do palácio, em direção à câmara ritual da Rainha. De tempo em tempo, passava
por guardas, outras serviçais, mesmo um Prime ou dois. Ninguém prestou atenção alguma nela.
Porque estava escondida sob o disfarce de seu humilde álter ego.
Se qualquer um deles soubesse quem estava sob aquele manto azul pálido, seria uma grande comoção.
Ao invés disto, quando chegou ao seu destino, os guardas parados à esquerda e à direita mal olharam para ela. Eles estavam exaustos, no final de seus turnos,
e era por isto que aquele horário havia sido bem escolhido.
- Limpeza para a Rainha. - Disse ela, com uma reverência respeitosa.
Eles abriram a porta, e ela esgueirou-se para dentro.
O espaço sagrado era todo de mármore preto, do chão ao teto, e não havia nada que diminuísse o perturbador efeito de estar rodeada por toda aquela brilhante
escuridão: não havia tapetes, móveis, somente alguns armários embutidos no canto onde a comida era armazenada e substituída. A iluminação vinha de lamparinas com
chamas nos pavios, os óleos especiais sendo consumidos lançavam um brilho verde esbranquiçado.
Ela não olhou em volta. Ela há muito havia aprendido a não fazer isto.
Havia algo aterrorizante no quarto, especialmente se passasse um tempo considerável nele. Quanto mais se sentasse em seu confinamento, mais se perdia o senso
de orientação, até não ter mais certeza se as quatro paredes e tudo embaixo e acima havia desaparecido e você se localizava no meio de uma grande noite escura, suspensa
sem gravidade, em outra dimensão que não se sabia se jamais te libertaria.
Ela odiava aquele aposento.
Mas, havia sido compelida a ir ali.
Sua mãe, a Rainha, sentava-se no centro de tudo aquilo, virada para o norte, vestida de negro que cintilava e caía no chão à sua volta, cascateando desde sua
cabeça encoberta, para se unir com o mármore.
Até que parecesse que as pedras haviam se tornado líquidas e tentavam consumi-la.
Sua mãe estava imóvel, nem respirava.
Ela estava em plena meditação do luto.
Aquilo era bom.
maichen foi até o canto e abriu uma das portas do armário sem fazer nenhum ruído. Nenhuma das refeições que haviam sido deixadas ali mais cedo foi tocada. Outro
sinal positivo.
Em menos de uma hora, à meia-noite, o Sumo Sacerdote, AnsLai, se apresentaria ali junto com o Astrólogo Chefe e executariam rituais, onde fragmentos de meteoritos
seriam esmagados e consumidos em chás sagrados, como modo de comungar com as estrelas que determinavam tudo para os Sombras. Então haveria derramamento de sangue
e a cópula ritual. Após isto, a Rainha seria deixada novamente para se afastar das coisas terrenas, e encontrar consolo para seu sofrimento.
Sofrimento?
Era difícil acreditar que a fêmea realmente sentisse qualquer coisa por aqueles a quem dava à luz.
Agora, certa de que o ritual estava ainda em progresso, de fato, maichen recuou até a porta. Antes de atravessá-la, olhou para a mãe. Sua vida inteira, ela vira
a fêmea somente em ocasiões formais, quando maichen era trazida para ser exibida na corte cheia de nobres bem vestidos, mais como um vaso precioso ou obra de arte.
Preservada para aquelas exibições, que eram para o bem do Território, ela vivia em aposentos sagrados, cercada de guardas.
Ela jamais havia sido visitada pela fêmea que, imediatamente após o parto, havia a entregado para uma equipe especialmente treinada, naquela suíte de quartos
que era uma prisão.
Era assim a vida da Princesa do s'Hisbe.
Mas, ela havia encontrado um modo de fugir.
E andara vagando pelo palácio desde então, disfarçada de serviçal, uma sacerdote menor, mesmo um astrólogo.
maichen esgueirou-se e energicamente se afastou.
Nada como descobrir que s'Ex, o amante favorito da mãe, tinha um encontro com duas fêmeas humanas, quem ele, evidentemente, havia trazido escondidas, provavelmente
pela entrada traseira. maichen não tinha intenção de descobrir o segredo dele, mas ela havia descoberto que havia uma fresta no alto do muro, e aprendera que, caso
se desmaterializasse ali, poderia viajar pelo sistema de aquecimento e dutos de ar-condicionado.
Por um período, aquilo não passou de um jogo para passar o tempo, e não havia descoberto nada com sua espionagem. Mas, uma noite, aquilo mudara, quando, em sua
forma Sombra, ela havia olhado para baixo através de uma das frestas, e tivera sua primeira e única visão do ato sexual.
Embora... Bem, havia uma porção de partes de corpos.
Ela não tinha muita certeza do que tinha visto.
Ela deve ter feito algum barulho ou algo assim, porque s'Ex havia congelado e olhado para cima, encontrando seu olhar, mesmo enquanto as humanas continuavam
a se mover e se esfregar nele...
s'Ex viera à sua cela logo depois, e eles fecharam seu pequeno acordo. Em troca de não revelar o que havia visto e de não mais usar os sistema de ventilação,
seria permitido a ela sair dos aposentos, desde que ficasse dentro do palácio e sempre se disfarçasse.
A indiscrição de s'Ex bem podia lhe custar a vida: os Sombras acreditavam que o sexo era um ato sagrado. E a Rainha teria ficado furiosa de saber que certas
partes do corpo dela haviam sido, tecnicamente... Expostas... Às partes de corpos de humanas por conta dos deslizes de s'Ex.
Supostamente, aquele macho deveria ser somente dela. Todo mundo sabia daquilo.
E aquelas mulheres humanas? Era mais ou menos como estar com ovelhas naquela cama dele.
Conforme maichen caminhava, percorrendo corredores, seu estômago começou a revirar. Conforme ia crescendo, lhe havia sido concedida uma privacidade relativa,
de forma que ela podia mandar todos os atendentes para fora de seus aposentos... E ela havia exercitado este privilégio mais uma vez aquela noite: antes de ir verificar
se a mãe estava, de fato, em ritual de luto, havia dito às suas servas para saírem do quarto, já que estava exausta do estresse e desejava um pouco de privacidade
enquanto executava a sua parte do ritual.
Nenhuma delas havia questionado. E ninguém voltaria até o amanhecer. Seria fácil usar o sistema de tubulação para escapar para o mundo. Encontrar com o irmão
de seu destinado.
E...
Bem, ela não sabia o quê.
Estrelas do céu, ela ia mesmo fazer aquilo? Ela não estava exatamente certa de saber onde ficava a cabana que ele havia mencionado.
Não, isto era tolice. Estúpido. Descuidado...
Uma imagem de iAm em pé, nu à sua frente, transpassou-a. Quando seu corpo começou a se esquentar de dentro para fora, ela percebeu que, apesar de tudo o que
sua mente estava lhe dizendo, sua carne ia fazê-la ir.
Ela iria... Deus a ajudasse... Estava indo.
E lidaria com as consequências, quais pudessem ser, mais tarde.
Capítulo CINQUENTA
Trez precisava admitir: em se tratando de Storytown, ele só era bom nos brinquedos de criancinhas. Coisas como Xícaras Malucas, e o Rabo do Dragão, que eram
passeios em que não se elevavam do chão e mal causavam uma brisa no rosto, e a porra do carrossel, com sua música de elevador e aqueles cavalos e unicórnios de assento
duro, empalados, subindo e descendo.
Falando em empalação e movimentos repetitivos...
- Está pronta para ir para casa? - Ele perguntou.
Selena olhou para ele. - Estou. Foi tão divertido.
- Eu sei, certo? Melhor noite da minha vida.
Ela se inclinou para o corpo dele, dando-lhe um apertão. - Isto não é totalmente verdade. Achei que você ia enlouquecer naquela montanha-russa.
Ele parou. Virou-a para ele. Afastou o cabelo do rosto dela. - Eu estava com você. Então foi perfeito.
O beijo era para ser um daqueles gestos de "eu-venci-a-discussão", uma afirmação rápida de que estava certo no que dizia. Mas ele vinha desejando-a a noite inteira
e, antes de perceber, ele teve de erguê-la, os seios espremidos contra seu peito, os quadris agarrados por suas mãos, a língua acariciando a dela.
- Quer sair daqui? - Ele resmungou de novo.
- Sim, - ela disse, contra a boca dele.
Provavelmente já era mesmo hora, pensou, com uma rápida verificada no relógio. - É, já são onze e quinze.
Mesmo que seu pau estivesse ansioso para mandar ver, ele não quis perder a caminhada até onde o carro estava estacionado. Com o braço em volta dos ombros dela,
e os passos sincronizados, percorreram os caminhos de volta por todos os brinquedos onde andaram, passaram pela mesa azul de piquenique onde comeram o cachorro quente
e hambúrguer, pela barraquinha de algodão doce onde haviam comprado um cone grande açucarado azul, estilo cabelo da Marge Simpson, que ofereceram um ao outro, aos
pedaços.
- Faltou um bichinho de pelúcia... - disse ele.
- Comprar um? Oh, eu não preciso...
- Não, ganhar um para você. Tipo, em um estande de tiro ao alvo.
Ela lhe deu um olhar por sob as pálpebras. - Eu sei como pode se redimir. Lembra-se de comer aquele algodão doce?
- Sim...
- Sua língua pareceu muito jeitosa...
Enquanto todo tipo de imagens sagradas do corpo dela nu com as coxas separadas o atingiam, teve de se perguntar se não haveria um motel no caminho para casa.
- Deus, queria que fosse verão... - ele grunhiu.
- Oh?
- Daí eu poderia te levar para um canto escuro e baixar essas suas calças.
- Você poderia fazer isto agora, sabe.
Ele parou. - Está frio demais.
- Está? - Ela pegou as mãos dele e puxou-o - Olhe ali. Não há luzes. Estaremos abrigados.
Estariam mesmo, o Centro de Visitantes, cujas luzes estavam apagadas, pois o parque estava fechado e só abrira para eles, era uma instalação em forma de estrela,
com entradas múltiplas irradiando do corpo central, criando bolsões de escuridão densa e privativa.
- Ninguém vai ver, - ela sussurrou, contra a garganta dele.
Sem nenhuma luz exterior, o canto para o qual ela o levou estava preto como carvão, e o sexo dele despertou antes mesmo do cérebro. Virando-a para encará-lo,
beijou-a com força e pressionou-a contra a divisória pintada, as mãos explorando sob a parka e em busca dos seios. Seus mamilos ficaram eriçados ao beliscá-los por
cima do sutiã e blusa, provocando e acariciando-os enquanto enfiava as suas coxas entre as dela.
- Porra, eu quis fazer isto a noite toda. - Ele disse antes de tomar os lábios dela de novo.
Ela estava quente e fluida sob suas mãos e contra seu corpo, pronta, tão fodidamente pronta, assim como ele. Ele queria-a totalmente nua, havia algo fodidamente
excitante na ideia dela nua e ele totalmente vestido; além disto, seria capaz de tomar seus mamilos nos lábios. Mas, estava frio demais para isto e, além disto,
tinha em mente uma rapidinha naquele lugar escondido, desde que ninguém mais pudesse vê-la naquele estado, toda gloriosamente desnuda e gostosa como o inferno.
O macho vinculado nele poderia resolver despedaçar algum pobre Bom Samaritano humano com as presas.
Não exatamente o final romântico para a noite que ele tinha planejado.
Suas mãos desceram até a cintura das calças dela e rapidamente desabotoaram, baixaram o zíper e fizeram deslizar. Elas eram apropriadas para serem usadas com
botas, ainda bem, então uma das pernas deslizou pelo sapato dela, sem enroscar, como um sonho.
- Quer que eu tire as calcinhas? - Ela perguntou com a respiração pesada.
- Não, vou te foder com elas.
E assim fez. Ele agarrou o traseiro perfeito dela e suspendeu-a do chão, enroscando-a ao redor de seus quadris. Acariciou-a por trás, sentindo como estava pronta,
como estava quente, como estava desesperada.
Ele queria passar a noite toda ali. Ao invés disto, afastou a delicada peça de seda para o lado e...
- Oh, Deus, Selena... - ele sibilou.
Úmida e quente, apertada e vital, a penetração o abalou e o manteve firme ao mesmo tempo. Quando começou a se mover, segurou-a pelo traseiro e puxou-a para frente
e para trás. O cabelo dela estava em seu rosto; o aroma em seu nariz; ela era uma maré esmagadora na qual ele desejava se afogar.
Mais rápido. Mais forte.
Ela gozou primeiro e ele amou aquilo, os movimentos internos rítmicos ordenhando-o ainda mais. E, então, ele também se jogou na montanha-russa onde queria andar
por toda a eternidade, seu pau espasmando por dentro dela, o orgasmo levando-o a uma união de almas.
Ao acabarem, ele arfou contra ela até começar a se preocupar por estar sufocando-a. - Sinto muito.
- Mmmm. - Ela buscou sua boca, sugando seu lábio inferior e mordiscando-o - Mais.
Instantaneamente, ele ficou pronto de novo, mas, mesmo quando seu quadril já começava a ondular, teve de parar. - Em casa. - Ele grunhiu. - Precisamos fazer
isto em casa.
- Ainda preocupado com o frio? - Ela murmurou, correndo uma presa pela mandíbula até a jugular dele. - E aqui estou eu, me sentindo tão quente.
Trez gemeu e cambaleou nas botas. - Sou guloso. Quero mais acesso a você do que consigo aqui.
O riso dela foi como uma carícia sobre sua pele nua. - Então, definitivamente, me leve para sua cama.
Foi difícil ajudá-la a voltar a vestir aquelas calças. Particularmente ao se ajoelhar no chão e ficar cara a cara com o sexo dela.
Cerrando os dentes, de alguma forma, ele conseguiu vesti-la e guardar o próprio pau atrás do zíper sem dar uma de homem das cavernas para cima dela. Então saíram
apressados e deselegantemente das sombras, com cara de "não estou fazendo nada demais", antes de trazê-la de volta para o seu lado.
- Isto foi tão incrível, - ela sussurrou. - Ainda consigo senti-lo dentro de mim.
Trez começou a andar engraçado. Era isto ou quebrar um órgão que seria impossível engessar.
Ao chegarem ao carro, já estava calculando o tempo estimado exato de viagem até seu quarto, assumindo que ele fosse a duzentos e cinquenta quilômetros por hora.
Ei, era um Porsche, certo?
Abrindo a porta para ela, ele ajudou-a a sentar e fechou a porta, e então correu para o para o lado do motorista. No segundo em que sua bunda atingiu o assento,
ligou o motor.
- Oh! Frio! - Ela gritou.
O aquecimento estava ligado quando ele desligara tudo, e agora aquele sopro poderoso estava fazendo-os congelar. Ambos se inclinaram para frente, apertando vários
botões e alavancas...
Música explodiu pelo sistema de som do carro, graças à estação de rádio Sirius, e antes que ele pudesse desligar a coisa, começou a tocar a música "Hold You
Down", do DJ Khaled.
- Espere, - ele disse. - Não, deixe tocar.
Saiu do carro, e voltou novamente para o lado dela, abriu a porta e estendeu-lhe a mão. - Dance comigo.
- O que?
- Dance comigo, minha rainha.
Arrancando-a do assento, levou-a para frente do Porsche, para a luz dos faróis, puxando-a para bem perto. Juntos dançaram, os corpos se movendo lentamente com
os dedos entrelaçados, a batida transformando o estacionamento e a área aberta do parque de diversões em um salão de baile particular.
- Para sempre... - ele murmurou contra ela, cantando. - Eu te abraçarei...
Trez baixou a cabeça até pousá-la sobre o ombro dela, de modo que seu corpo muito maior estava todo em volta dela, envelopando-a, protegendo e amando-a.
Juntos, dançaram de um lado para outro, à luz dos faróis.
Da torre de segurança, iAm observou o irmão retirar novamente Selena do carro e levá-la para frente do veículo. Não havia como saber a música que estava tocando,
e também não importava. Só observar os dois juntos, se movendo como um só, ao som da música, abraçando-se tão fortemente, era suficiente.
iAm precisou esfregar os dois olhos para poder clarear a visão.
Era malditamente difícil olhar.
Virando-se para o outro lado, perambulou em volta do espaço apertado e pensou no quanto Trez devia ter odiado subir tão alto, com nada além da visão panorâmica
e a queda para o chão no que se concentrar. O macho sempre odiara altura, a ponto de ter sido um milagre conseguir convencê-lo a comprar um apartamento no décimo
oitavo andar do Commodore.
Ele estava observando a montanha-russa quando, alguns minutos depois, seu celular vibrou no bolso da jaqueta de couro. Ele tirou a coisa.
Hora de ir. Era só o que a mensagem dizia.
Quase imediatamente uma segunda chegou, de seu irmão: Muito obrigado.
Trez nunca escrevia palavras completas em mensagens de texto. Então, ele realmente devia estar sendo sincero.
iAm hesitou na resposta. Então mandou : Feliz em ajudar. Vj vc em casa.
Ia guardar a coisa no bolso de novo, quando hesitou, pensando em enviar um: Prcs rslvr umas coisas.
Era uma mensagem que já enviara um milhão de vezes nos últimos anos. E de fato, estava sendo sincero. Ia verificar o restaurante e os clubes, como estavam funcionando,
se alguém precisava de alguma coisa.
Era exatamente o que precisava fazer em seguida. E exatamente o que o impediria de ir àquela maldita cabana.
Hora de ir.
Sem ninguém mais ao redor para testemunhar o ato, ele estava livre para se desmaterializar para onde estacionara o BMW X que ele e o irmão dividiam. Um momento
depois, o Porsche foi liberado pelo portão lateral e ele o seguiu a uma distância discreta, pelo estacionamento vazio de dois acres... Assim como Manny, em uma ambulância
convencional.
Em todo o caminho de volta ao Complexo da Irmandade, iAm manteve em mente aquela imagem de seu irmão e Selena, os dois dançando na frente do carro, como um casal
de adolescentes.
Que pena estarem em um livro do John Green.
Quantas noites mais eles teriam, se perguntou.
Merda, ele se sentia mórbido pensando assim, mas havia um relógio correndo. Com cada hora que passava, era mais provável que Selena tivesse outro surto.
E, então, que porra ele ia fazer com o irmão?
Jesus Cristo, Trez ia ficar incontrolável.
Com pensamentos felizes como estes inundando sua mente, perdeu a noção do tempo, e antes de perceber ter cruzado qualquer distância, eles subiam a elevação coberta
de mhis até a mansão, Manny havia desviado, para entrar com a ambulância pela entrada dos fundos.
Com sorte, Selena jamais saberia das precauções que haviam tomado em relação à ela.
Teria sido broxante. Como poderia não ser?
iAm foi cuidadoso em manter distância ao se aproximarem da última curva em frente à mansão, dando à Trez tempo para levá-la para dentro. Quando finalmente entrou
no gramado, foi até a fonte e estacionou ao lado do GTO de Rhage.
Que não ia ficar lá fora muito tempo. O Irmão sempre o levava para garagem nos meses de inverno.
O Porsche de Manny estava na base da escada, com a capota erguida, a chave sem dúvida em vias de ser devolvida ao médico para que também pudesse levá-lo para
a garagem do Centro de Treinamento.
iAm desligou o BMW. Saiu e trancou mesmo sem ser necessário.
E ficou parado ali fora.
Olhando para o céu, viu a respiração que saía de sua boca se elevar e desaparecer. Aquela imagem de Trez e Selena dançando, era como um cão com os dentes fincados
em sua matéria cinzenta, a memória se recusava a esmaecer; e não era, ele estava envergonhado de admitir, só porque pensava em tudo o que o irmão estava arriscado
a perder, ou por ele se preocupar com como recolheria os pedaços do triste bastardo do chão quando as coisas terminassem mal.
Ao invés isto, ele se perguntava...
Merda, ele estava se perguntando qual seria a sensação. De abraçar uma fêmea junto a seu corpo. Ter o cheiro dela em seu nariz e as mãos dela em seu ombro, cintura,
quadril. Ele queria saber como era erguer o rosto dela para o seu e...
Okay, ele precisava parar com aquilo.
Porque nada daquilo iria acontecer com ele. Não agora. Não em meia hora, se fosse para aquela cabana. Não daqui uma semana ou um mês...
Como se fosse um sinal, a brisa gelada aumentou de intensidade. Como se o universo quisesse destacar todo o frio e solidão que ele enfrentava.
O som da porta do vestíbulo sendo aberta chamou sua atenção. Ele gostava de Manny, mas não precisava do cara saindo para manobrar o carro, encontrando-o ali.
Não era o bom médico.
Trez saía da casa. Descia os degraus correndo. Cruzava o gramado.
Merda.
iAm colocou a mão sobre o celular caso precisasse ligar... A quem porra fosse. - Ei, ela está...
Ele não chegou à parte do "bem".
Seu irmão o agarrou em um abraço de urso. - Muito obrigado por esta noite.
De início, iAm não soube como responder. Ele e seu irmão não se abraçavam com frequência.
- Eu fiquei tão feliz por você estar lá. Significou muito para mim.
iAm pigarreou - Eu, ah...
Trez apertou mais o abraço.
Cautelosamente, iAm colocou os braços ao redor de Trez. O movimento pareceu esquisito, mas, quando finalmente abraçou o cara em retorno, sentiu o irmão estremecer.
Sinto muito, cara ,ele disse, em sua mente. Eu não queria isto para você.
O vento frio continuava a soprar, e após um longo momento, eles se separaram.
Trez havia tirado a jaqueta, então enfiou as mãos nos bolsos das calças - Eu recebi sua mensagem. Me sinto mal de ter jogado tudo isto nas suas costas.
- Tudo bem.
- Não está, não.
- Trez, você precisa ficar ao lado dela e tomar conta de sua fêmea. Esta é a coisa mais importante. O resto é só conversa.
Aqueles olhos escuros se focaram em algo acima do ombro esquerdo de iAm. Ou talvez o que quer que estivesse acima de seu ouvido.
- Eu realmente não sei porque você está aqui fora, perdendo tempo comigo. - iAm murmurou.
- Você merece muito mais do que isto.
- Acontece que eu gosto do meu emprego no Sal's.
Seu irmão fitou-o fixamente. - Não é o que quero dizer, e você sabe.
iAm juntou-se ao clube de Enfiadores de Mãos nos Bolsos Anônimos. - Chega de falar. Volte para sua fêmea.
Trez era um teimoso filho da puta, capaz de atos tremendos de negação. Mas iAm, como sempre, convenceu-o.
O macho se virou, mas, andou somente metade do caminho até a entrada da mansão, antes de parar e olhar por sobre o ombro.
- Não desperdice sua vida inteira comigo, okay? - Trez balançou a cabeça. - Eu não valho a pena, e você merece muito mais do que isto.
iAm revirou os olhos. - Pare de pensar. Volte a andar.
- Pergunte a si mesmo o que será de você quando eu me for. Se for honesto, não acho que vá gostar da resposta mais do que eu gosto. E poupe-me dos seus "tudo-vai-ficar-bem".
Nenhum de nós é tão ingênuo.
- Por que está se distraindo com isto? Sério, Trez.
- Não é uma distração. É o tipo de merda que te come vivo quando se ama alguém.
Dito isto, Trez continuou a andar, subindo os degraus de pedra e desaparecendo através da porta do vestíbulo.
iAm fechou os olhos e se apoiou no SUV. Ele não precisava daquele pequeno monólogo do irmão na sua cabeça naquela hora. Ele realmente não precisava.
Capítulo CINQUENTA E UM
As mãos de Selena estavam rígidas.
Em pé, perto do balcão da cozinha da Irmandade, ela tentava abrir uma lata de Coca, e viu que seus dedos se recusavam a agarrar o lacre direito. Ao invés de
puxar a aba de metal para liberar, eles tropeçavam no topo.
Enquanto todos os tipos sinais de aviso soavam em sua cabeça, controlou o pânico, lembrando a si mesma que havia passado três horas no frio, sem luvas.
Fazendo alguns exercícios de abrir e fechar as mãos, ela soprou-as, então balançou os braços. Estalou os dedos. Tentou não começar a procurar por outros problemas
em outros lugares do corpo.
Pessoas com a sua doença ainda podiam ter início de hipotermia.
Ela encarou a lata de novo, seu coração trovejando enquanto observava a uma grande distância, ao tentar o lacre de novo. Ela olhou para suas mãos e dedos desapaixonadamente,
como se fizessem parte do braço de outra pessoa, se movessem pela ordem do cérebro de outra pessoa.
Crack! Fizz!
Ela exalou e teve de se apoiar no granito para se firmar.
- Você está bem?
Encobrindo o alívio, sorriu quando Trez entrou, vindo da sala de jantar. - Só estava pegando um refrigerante. Estou com sede.
- Como está o seu estômago?
- Muito bem. E o seu?
Quando ele se aproximou, ela teve a impressão de que ele também escondia alguma coisa. E foi um choque descobrir que, apesar de seu discurso de ser a grande
mantenedora da verdade após seu último Aprisionamento, ela queria que ele mantivesse o seu segredo, do mesmo modo que queria manter o dela: eles tiveram uma noite
tão maravilhosa; a última coisa que precisavam era arruiná-la com uma conversa pesada que só exporia problemas que não podiam ser resolvidos, e questões não iam
ser respondidas até que fosse tarde demais.
- O estômago está bem.
Ela forçou um sorriso. - Gostaria de subir?
- Seria ótimo.
Pegando o refrigerante, ela aceitou a mão que ele ofereceu a ela e saiu com ele pela sala de jantar e para o saguão. A casa estava essencialmente vazia, os
Irmãos no trabalho, Wrath atendendo aos civis, Beth, Marissa e Mary no Lugar Seguro, Bella de babá do P.W. e de Nalla lá em cima no novo berçário, os doggens cumprindo
suas funções.
Tudo aquilo ia continuar, ela pensou, quando se fosse. Todas as portas se abrindo e se fechando, cardápios seriam planejados e consumidos, pessoas viveriam
suas vidas.
Querida Virgem Escriba, ela queria ficar com eles. Ela não queria partir para o que bem poderia ser um nada absoluto, uma completa dissociação de quem ela era
e o que lhe importava agora e de como se sentia e o que pensava.
Desapareceria. Não restaria nada.
Ela havia sido treinada, na verdade, programada, para acreditar na vida após a morte, para servir à Mãe da Raça e aderir às tradições que nem estabelecera,
nem se voluntariara para seguir. E tudo aquilo, sem questionar.
Chegando agora, ao fim da vida, ela desejava ter questionado, desafiado e elevado a voz.
Tanto tempo desperdiçado.
Quando começou a subir as escadas com Trez, pegou-se imaginando por que, se existe um Fade e as pessoas continuavam lá em cima; por que então a Virgem Escriba
demandava que tudo na Terra fosse registrado no Santuário? Por que todos aqueles volumes e volumes de vidas vividas... Se após a morte as pessoas ainda existiam,
só que de forma diferente?
Era preciso preservar somente o que era perdido.
Seu coração começou a trovejar, um súbito terror a dominou...
- Oh, merda. - Trez suspirou.
Claramente ele leu sua mente. - Não sei o que estou pensando. Provavelmente besteira...
Ele estendeu a mão livre para o corrimão e oscilou.
- Trez! Qual o problema?
- Merda. Porra. - Ele olhava para ela, mas, seus olhos estavam fora de foco. - Pode me ajudar a chegar ao quarto? Não consigo ver...
- Querida Virgem Escriba, vou chamar a Dra. Jane!
- Não, não, é só uma enxaqueca, - ele endireitou-se com a ajuda dela. - Não tenho muito tempo. Tenho de subir para um quarto escuro e deitar.
- Vou chamar a Dra. Jane...
- Não, como já te disse, tive essas crises a vida toda. Eu sei o que está por vir. Vai ser o inferno por oito horas, mas não pode realmente me machucar.
Selena tentou apoiar o máximo do peso dele que conseguia, enquanto cambaleavam até o patamar do segundo andar e então seguiam para a porta que levava ao terceiro
andar. Seu corpo grande se movia com lentidão, e a certa altura, ele desistiu totalmente de tentar enxergar, aqueles olhos dele se fecharam.
De alguma forma, ela conseguiu levá-lo ao quarto e à própria cama.
- A escuridão vai ajudar, - ele disse, colocando o antebraço sobre o rosto. - Pode aproximar aquela lixeira?
Andando pelo quarto, ela apagou todas as luzes, exceto a do banheiro e certificou-se de que houvesse um recipiente perto da cama. - Quer que eu tire suas roupas?
- Okay. Sim.
Não era exatamente a experiência pela qual ela estivera ansiando, mas então, seu humor já estava arruinado mesmo antes daquilo. E quando ela cumpria a tarefa,
ela foi oh, tão cuidadosa com ele, ajudando-o com a jaqueta, então tirando as botas e meias e livrando-o das calças.
- Eu vou ficar de camiseta. Não tenho energia para tirar, - ele pegou a mão dela e a fez sentar-se ao seu lado. - Não é a maneira que eu imaginei terminar a
noite.
Ela beijou a palma da mão dele. - O que mais posso fazer por você?
- Só me deixe deitado aqui pelas próximas seis ou oito horas. E não se preocupe, como eu disse, tudo isto da dor de cabeça à náusea, é normal. Infelizmente.
- O que causa estas crises?
- Estresse.
- Quer que eu ligue para o iAm?
- Merda, não. Ele já tem muito problema na cabeça. Na verdade, acho que é por causa dele que fiquei assim.
- Tem algo errado com ele?
Quando Trez silenciou, ela quis pressionar, mas ele estava doente.
- Você não precisa ir, - ele disse.
- Não quero te perturbar.
- E não vai. - Ele esfregou sua mão com as dele, e os lábios, a única coisa que estava à mostra, abriu-se em um sorriso. - Amo suas mãos. Eu já te disse isto,
não? São tão suaves e macias... Dedos longos...
Um pouco mais tarde, ele exalou um gemido suave, sua boca contorcendo, o corpo tenso. E então, começou a engolir.
- Preciso que você saia, - ele murmurou. - Desculpe... Não quero que veja isto...
- Tem certeza...
- Por favor. Agora.
Era a última coisa que queria fazer, mas levantou-se. - Estou por perto, okay? Não vou sair da casa. Me chame se...
Ele se inclinou para o lado e buscou o balde. Pairando por sobre a coisa, abriu os olhos e fitou-a com um olhar esgotado. - Você precisa sair agora.
- Eu te amo, - ela disse, correndo para a porta. - Queria poder ajudar.
Ela não teve certeza se ele ouviu esta última parte, ao se esgueirar para fora, e bem quando fechou a porta, os sons dele vomitando a fizeram estremecer.
Por uma fração de segundo, pensou que podia acampar no corredor em frente à porta. Mas, então, enquanto debatia aonde iria se sentar no chão, percebeu que não
conseguia largar a maçaneta.
Sua mão havia congelado no bronze.
- É claro que não vou parar. Não seja burro.
Enquanto falava com seus primos na cozinha da casa de vidro, Assail estava em um péssimo humor, e afundava cada vez mais na ira diante do interrogatório de
Ehric.
- Mas o Rei...
- Não tem nenhum direito de interferir nas questões de comércio que concerne a humanos, - ele convenientemente evitava pensar ou comentar a questão sobre o
conflito de interesses. - E não tenho intenção nenhuma de obedecer àquela ordem dele.
- Então o que vai fazer?
- Ele vai nos vigiar. É o que eu faria se fosse ele. Quero que vocês dois avisem meu sócio. Nós suspenderemos as operações por um breve período e faremos um
reconhecimento.
- Está bem.
Após os dois saírem, ele ficou na cozinha de forma que, qualquer Irmão que estivesse vigiando a casa o tivesse em visão plena. Retirando o seu vidrinho de cocaína,
descobriu que estava, de novo, quase vazio, mas pelo menos havia o suficiente para um "tiro".
Quando terminou de inalar, dirigiu-se ao escritório do outro lado de sua casa. Ali também havia janelas de vidro, e ele acendeu a luminária da mesa para que
pudessem mantê-lo sob vigilância. Sentando-se, olhou para a pilha de papéis que produzira. Contas de investimento. Contas de corretagem. Grana nos Estados Unidos
e no estrangeiro.
Aumentando, aumentando, aumentando.
A fortuna ao seu dispor havia tido uma guinada há cerca de um mês, o dinheiro lavado nas Ilhas Cayman transferido para contas mais legais entre o Reino Unido
e Suíça.
Tanto dinheiro, e todo montante acumulando juros, dividendos e apreciação.
Quando começara no negócio das drogas, logo após chegar à América, vindo do Antigo Continente, há cerca de um ano, ele já vinha bem estabelecido até para seus
próprios padrões. Agora, havia o dobro daquele montante em suas várias contas.
Pegando uns papéis aleatoriamente, olhou para o relatório de fechamento de mês. O relatório diário que ficava em seu computador era ainda mais recente.
A despeito de sua riqueza, a ideia de Wrath estar se metendo em seus assuntos o enfurecia até a medula.
Mas, não por um motivo que ele pudesse admitir a qualquer um.
Sem isto... Ele não tinha nada.
O que havia começado como uma extensão de seus negócios europeus, havia crescido até se tornar a razão de seu viver, o único propósito que tinha na vida, o
único motivo que o fazia sair da cama ao anoitecer, se vestir e sair pela porta.
Para ser justo, ele sempre gostara de ganhar dinheiro.
Mas desde o último inverno...
Praguejando, ele se inclinou em sua poltrona de couro e colocou a cabeça entre as mãos. Então sem olhar, ele remexeu no bolso da jaqueta e pegou o celular.
Ele há muito, havia memorizado o número de Sola. Mas não tinha ligado. Não desde que ela se mudara com a avó, de Caldwell para Miami. Não desde que ela saíra
dali exatamente para fugir do tipo de vida criminosa que ele levava.
Em seu telefone, acionou o teclando digital numérico. Como havia feito tantas vezes antes, ele apertou a sequência de dez números, um após o outro, os dedos
seguindo o padrão conhecido.
Não, ele não tinha ligado. Mas, regularmente, fazia isto: dez dígitos que estavam longe de serem aleatórios para ele, discados em seu celular... E deletados
antes de apertar o botão verde.
Se o Rei tirasse seu modo de vida? Então, ele não teria porra nenhuma para fazer, exceto encarar o fato de que a única mulher que desejava, estava totalmente
fora de seu alcance.
Mulher. Não fêmea.
Ela era humana, não vampira. Inferno, ela nem mesmo sabia que vampiros existiam.
E aquele era o problema. Mesmo que ele parasse com o negócio das drogas? Não era como se pudesse ir até Miami, aparecer na frente da porta dela, e chegar tipo,
Ei! Vamos retomar de onde paramos!
Não ia acontecer... Porque cedo ou tarde, a espécie dele ia descobrir e então para onde eles iriam?
Por alguma razão, a imobilidade e silêncio de sua casa de vidro pesaram, lembrando-lhe exatamente quão sozinho ele estava, e ficaria se parasse com os negócios.
Inferno, seus primos não iam ficar contentes em vê-lo sentado por aí, lamentando a fêmea por quem não estavam apaixonados, ele os perderia também.
Deus, ele era bem patético, não era?
Resumindo, o que ele iria fazer?
Com a cocaína borbulhando em suas veias, seu cérebro fez uma matemática básica baseada em uma ideia totalmente absurda.
Que ainda assim, oferecia-lhe uma bela solução para tudo aquilo.
Endireitando-se em seu assento, franziu o cenho e olhou em volta da sala, seus olhos vagando enquanto seu cérebro desenvolvia o plano. Quando não achou mais
falhas, deletou os dígitos de Sola da tela de seu celular e discou para Ehric. Quando caiu no correio de voz, imaginou que eles ainda estariam desmaterializados.
Um segundo depois, seu celular tocou e ele atendeu, sem se importar em cumprimentar. - Já entregou o símbolo para ele?
A resposta de Ehric foi abafada pelo vento que soprava rio abaixo. - Acabamos de chegar.
- Espere por ele. Não revele sua posição.
Assail continuou com as instruções e, ao final de tudo, a resposta de Ehric foi perfeita, - Como quiser.
Assail encerrou a chamada e voltou a afundar-se na cadeira. Respirando fundo, praguejou. Aquilo ia dar um trabalho danado. Mas, era a única solução que parecia
haver.
Além disto, o fato de que isto o consumiria por um futuro considerável? Era exatamente o que queria. E se não funcionasse? Bem, então estaria morto e não se
importaria com mais nada.
Nem mesmo com a mulher por quem ansiava com cada centímetro do seu corpo e todo o seu coração bastardo e sombrio.
A mãe dela havia acertado com aquele nome dela.
Marisol havia mesmo lhe roubado a alma.
Capítulo CINQUENTA E DOIS
iAm não queria que as palavras de Trez o atingissem mais do que a brisa gelada, quando estava em pé no gramado. Ele planejara entrar, comer algo rápido e esquecer
que toda a interação ocorrera. Cuidar de seus negócios. Ir aos clubes e ao restaurante. Cuidar de papelada, assumir o controle, tomar algumas decisões concretas
e sólidas.
Ao invés, estava preso no saguão, olhando para cima, para o teto alto que havia sido pintado por algum grande artista. Ele achava que a intenção da pintura era
inspiradora: heróis em garanhões veneráveis, guerreando nas nuvens, guerreiros celestiais que eram bravos e fortes e estavam ao lado dos justos.
Mas, toda aquela glória não era o motivo de ele estar em modo de pausa.
O destino de Trez era um jogo de cartas, uma coisa delicada e complicada que teria de ser resolvido pelos dois. Cada movimento que iAm fizesse, teria de ser
cuidadoso, deliberado e calculado com o objetivo de sobrevivência.
A sobrevivência de seu irmão.
Ele era um virgem de centenas de anos por causa disto.
Inferno, ele não havia sequer olhado para uma fêmea, tipo, nunca.
Enquanto Trez fodia com elas nos clubes, ou assistindo pornô na TV, ou falando sobre o que havia feito em cima da mesa, no banco traseiro do carro, do lado de
fora da porra do estacionamento, iAm jamais teve interesse em nada daquilo.
Ele havia sido um fodido filho da puta.
Um filho da puta não fodido, melhor dizendo.
E sim, ele tentara a coisa toda pelo lado gay, imaginando que talvez, pudesse se sentir atraído por homens e machos.
Não.
O que o levava ao ponto de, se não fosse pelo fato de ter de lavá-las todas as noites, ele teria se perguntado se sequer tinha bolas.
"Pergunte a si mesmo o que será de você quando eu me for. Se for honesto, não acho que vai gostar da resposta, mais do que eu gosto."
Sem estar consciente de ter tomado uma decisão, iAm virou-se e atravessou o vestíbulo. Na varanda da frente da imensa mansão cinzenta, ele parou sob o vento...
... E saiu voando.
Em uma jornada rumo ao seu destino, pedaços do passado o atingiam: Trez escapando do palácio. iAm sendo mantido preso até prometer trazer o macho de volta...
Que era a última coisa que ele realmente tinha intenção de fazer. A caçada louca.
A cabana na Montanha Black Snake.
Quando iAm retomou forma, teve uma náusea momentânea ao pousar na estrutura envelhecida, com seu tapume áspero e irregular, suas telhas de cedro e aquela chaminé
de pedras que se erguiam do teto como um dente podre. Parecia... Exatamente igual. Bem, não exatamente igual, com as janelas diferentes, arbustos crescendo ou árvores
tendo caído ou crescido demais.
Não, por uma fração de segundo, não soube sequer se estava ali agora mesmo ou se tinha voltado ao passado.
Sacudindo-se, andou até a porta da frente. As dobradiças rangeram ao abrir a casa e, pelo menos ele estava melhor preparado para o que viu.
Precisamente o mesmo. Da disposição desleixada dos móveis, ao cheiro de fogo velho, aos esboços dependurados pelas paredes.
Ele fechou a porta atrás de si e circulou, as botas fazendo o assoalho nu estalar e gemer. Perto da lareira de pedra, encontrou um generoso suprimento de toras,
achou que os últimos caçadores que usaram o lugar tentaram ser bons cristãos e passaram a bênção adiante.
Suas mãos tremiam ao jogar toras na lareira e agulhas de pinheiro por baixo. Tirando o isqueiro que sempre trazia consigo após ter trabalhado com diversos fogões
temperamentais, acendeu a coisa, abanou, e avivou as chamas.
Disse a si mesmo que era perda de tempo e calor. Ela não viria. Não havia jeito de ela vir.
Ele só ficaria por ali por cerca de meia hora, bancando a testemunha para os pensamentos sombrios de seu cérebro que enveredavam em território perigoso, e então
apagaria o fogo e voltaria para Caldie.
Os clubes. Ele iria aos clubes primeiro, e então...
O som daquela porta rangendo ao se abrir deixou-o rígido.
O aroma da maichen invadiu o interior da sala.
Virando a cabeça em sua direção, ele ergueu os olhos. Lá na porta, estava ela em carne e osso, suas vestes revoando no vento gelado que soprava por trás.
Ela não passava de um fantasma... E sua vitalidade era comovente.
Quando ele olhou para ela, soube exatamente porque ambos tinham vindo.
Capítulo CINQUENTA E TRÊS
Selena andou lentamente pelo longo túnel que levava ao Centro de Treinamento. Um passo de cada vez, da base da escada curta que levava à passagem subterrânea
à porta que abria para o armário do escritório. Cada vez que tinha de digitar uma senha para atravessar alguma porta, esperava que a sua consciência a fizesse mudar
de ideia. A reviravolta ocorrer. A urgência de dar meia volta se manifestar.
Ao invés disto, acabou não só emergindo na área de trabalho de Tohr, mas, atravessando as portas de vidro e saindo para o corredor de concreto que ficava mais
além.
A clínica ficava cerca de vinte e sete metros abaixo, e havia uma coleção de portas anunciando todo tipo de destinos alternativos que se apresentavam: salas
de levantamento de peso, ginásio, vestiário.
Seus pés não pararam diante de nenhuma delas.
Não, eles a levaram direto ao único lugar que ela resolvera jamais retornar voluntariamente.
Sua batida foi suave, uma oportunidade para que não houvesse resposta ou por não haver ninguém lá (ponto!) ou por estarem ocupados ajudando a outra pessoa (triste,
mas também um alívio) ou tão imersos no trabalho que não a ouviram (o que era como deixar uma mensagem de voz para alguém com quem você nem queria mesmo falar).
Dra. Jane abriu a porta. E fez um recuo estilo uou-ei! - Selena, oi.
Ela ergueu a palma da mão, desajeitadamente - Oi.
Houve uma pausa. E então a médica disse, - Está aqui em visita social ou precisa...
- Você deve estar bem ocupada, certo.
- Na verdade, depois de trabalhar quase três dias diretos, eu só estava atualizando os prontuários médicos. - A fêmea lhe deu espaço - Entre, se quiser.
Selena se preparou, pisou na soleira. Tentou desesperadamente não olhar para a maca de exames.
Enquanto isto, a Dra. Jane se afastou e sentou-se em um banquinho rolante, ajeitou o jaleco e cruzou as pernas. O uniforme que usava por baixo era azul. Os Crocs
eram vermelhos.
Os olhos dela eram verde-floresta. E estavam muito sérios.
Selena começou a perambular, mas, para todo lugar que olhava, só o que via eram gabinetes de aço inox com portas de vidros com instrumentos de tortura dentro.
Aturdida, olhou para a porta para o corredor, que estava se fechando sozinha, lenta e silenciosamente.
Como a tampa de um caixão.
- Ei, - Dra. Jane disse, - eu estava mesmo a ponto de esticar as pernas. Quer vir comigo dar umas voltas no ginásio?
- Oh, Deus, sim. Obrigada.
As duas saíram juntas, passando várias portas e muitos, muitos metros de corredores. Ao chegarem ao destino, a Dra. Jane abriu a pesada porta de aço e ligou
as luzes do teto.
- Eu sei que é estranho, mas adoro este lugar. - Jane disse. - A madeira com esta bela cor amarelo-mel e tudo cheira a desinfetante cítrico. O que é meio doido
porque odeio produtos químicos no ar, ou nas coisas.
Quando a médica iniciou a caminhada em volta das quadras de basquete, Selena teve quase certeza que ela ia a passos lentos de propósito.
Elas seguiram pelo lado curto, embaixo da cesta, e para a curva à esquerda para ao longo das arquibancadas, antes de Selena dizer alguma coisa.
- Eu acho... - Lágrimas inundaram seus olhos e ela percebeu que estava morrendo de medo.
- Temos todo o tempo que precisar. - Dra. Jane disse, suavemente.
Selena limpou os dois olhos. - Tenho medo de falar sobre isto. Como se, caso eu falasse...
- Você está tendo algum sintoma?
Ela não conseguia falar. Mas, viu-se acenando - Eu acho... Sim.
Dra. Jane emitiu um som de mmm-hmmm - Quer me dizer quais?
Selena estendeu a mão, a que ficara congelada na maçaneta, e estendeu os dedos. Ao flexionar, abrindo e fechando, sua mente caiu em uma corrida desenfreada de
Será que pioraram? Será que melhoraram? Estão na mesma?
- Suas mãos? - Quando tudo o que ela fez foi anuir de novo, a Dra. Jane perguntou - Mais algum lugar?
Pelo menos desta vez ela conseguiu negar com a cabeça.
- Você se lembra, - a médica disse, - se quando um ataque veio antes, se teve algum prodromal?
- O que é isto?
- Algum tipo de sinal de alerta?
Selena esfregou os olhos de novo e limpou as mãos nas calças. Trez possuíra seu corpo não mais do que meia hora antes. Com uma onda de agonia, ela quis voltar
àquele momento, de volta ao tempo antes de sua doença se manifestar.
- Eu não sei. Não me lembro de jamais ter notado algo. Mas, antes... Eu costumava ignorá-lo o máximo que podia. Eu não queria pensar nisto. - Ela olhou para
a médica. - Eu sinto muito não ter voltado para vê-la, sabe, depois que eu...
Dra. Jane fez um gesto no ar. - Deus, garota, não se preocupe com isto. Não há regras e você tem de fazer o que sente que é certo. As pessoas precisam controlar
as próprias vidas.
- Há alguma coisa que pode fazer por mim? Qualquer coisa... Que eu devesse fazer?
A médica levou um tempo para responder. - Eu vou ser direta com você, está bem?
Ah, sim. Não havia nada a fazer. - Eu agradeceria.
- Nas últimas quarenta e oito horas, muitas pessoas procuraram uma solução. Manny contatou seus colegas humanos. Eu falei com Havers. Rehv foi ao território
Symphath... E recebi uma mensagem de texto de iAm dizendo que iria ao s'Hisbe.
- Nada?
- Havers só sabia de pacientes que enfrentam episódios isolados, artrites que afetam mãos ou joelhos, quadris ou ombros. Nada com sintomas sistêmicos tão severos
como os que você apresenta. Ele trata os pacientes com anti-inflamatórios e analgésicos, mesmo que tenha testado algumas drogas humanas, não teve nenhum resultado
relevante na prevenção ou cura. E nem os Symphaths ou os Sombras tinham conhecimento neste assunto.
Manutenção. Era o máximo que poderia esperar.
- Pode me dizer quanto tempo eu tenho?
Dra. Jane negou com a cabeça. - Posso analisar seus marcadores inflamatórios. Mas não tenho realmente nada com o que compará-los... E os ataques vêm rápido,
pelo que entendo. Isto sugere um surto súbito, como um terremoto.
Elas continuaram a circular o ginásio, descendo, descendo, descendo até o canto oposto, onde havia uma porta onde estava escrito: SALA DE EQUIPAMENTOS E PT.
- Acho que devíamos voltar para você verificar minhas... Sabe, - Selena circulou o ar próximo a ela com a mão, - coisas inflamatórias.
- Podemos, se quiser. Mas, acho que a coisa mais importante é fazer seja lá o que te deixe mais tranquila e calma.
- Está bem. Está certo.
Um momento depois, sentiu a Dra. Jane pegar sua mão e apertar. E ao encará-la, se surpreendeu ao ver emoção no rosto da médica. Essa tristeza austera, uma dor
que ia fundo.
Selena fez a outra fêmea parar. - Não é culpa sua.
Aqueles olhos verde-floresta fitaram a cavernosa extensão do ginásio, sem focar em nada - Eu só... Quero ajudar. Quero te proporcionar o restante de seus muitos,
muitos e muitos anos de vida. Quero que você viva. E o fato de não encontrar uma solução... Eu sinto tanto, Selena. Sinto tanto... E vou continuar lutando. Vou continuar
tentando, buscando...
Pareceu a coisa mais natural do mundo passar o braço ao redor da mulher e abraçar.
- Sinto muito. - Dra. Jane soluçou.
Mais tarde, Selena iria perceber...
... Que aquela era a primeira de suas despedidas.
maichen havia demorado para encontrar a cabana. A Montanha Black Snake havia sido fácil. Lado leste do pico também não havia sido um problema. E detectar o aroma
do fogo deveria ser simples, porque mesmo quando em forma molecular, seu olfato era forte e não havia nada mais claro do que fumaça em uma noite de outono. Ainda
assim, havia sido difícil. Ela havia viajado pelo ar, buscando, buscando...
Estava a ponto de virar e voltar, uma tristeza dolorida dominando-a por dentro... Mas então aquela fumaça havia se erguido pela brisa e ela havia disparado em
seu encalço, rastreando a força do aroma, focando em sua fonte.
E lá estava a cabana que ele havia mencionado.
Ela havia se aproximado como uma Sombra, permanecendo em sua forma de energia, sobrevoando o chão sujo, contornando a estrutura pequena e simples... Certificando-se
de que era, de fato, ele e somente ele.
Retomando forma, se aproximou da porta e bateu. Quando não houve resposta, ela abriu.
Ele estava perto da lareira, agachado, avivando as chamas.
Instantaneamente, o corpo grande levantou-se, e a luz tremeluzente criava uma aura detrás dele.
Quando ela entrou, o vento bateu a porta e a batida a assustou.
- Está frio aqui, - ele disse, rudemente, - estou tentando aquecer.
Vê-lo era suficiente para fazê-la esquecer-se de tudo o que a cercava. Ela podia estar em um deserto, no oceano, em uma calota polar e não teria registrado coisa
alguma.
- Aproxime-se, - ele acenou com a mão. - Do fogo.
O corpo dela obedeceu sem hesitação, só que foi até ele que ela andou, não para as chamas. E quando parou ao seu lado, ele se afastou como se não quisesse oprimi-la.
- Deixe-me arrumar um lugar para você se sentar.
Antes que ela pudesse dizer que não se incomodasse, ele foi até uma plataforma de dormir e puxou o acolchoado do topo com alguns cobertores. Com mãos firmes,
arrumou tudo e então voltou a se afastar.
O sexo que emanava dele era irresistível.
Por mais frio que estivesse tentando se mostrar, mais respeitoso que estivesse sendo, ela podia sentir a necessidade nele.
Sim, ela percebeu... De fato, era por isto que ela havia arriscado tanto para vir aqui.
Ela também o desejava. Mesmo que isto fosse criar uma crise. Mesmo que fosse irresponsável. Mesmo que não fizesse sentido.
Ela seguira as regras a vida inteira. Mas não havia responsabilidade ou dever que lhe fosse tão impossível resistir, e seu tempo de relativa liberdade estava
se esgotando.
Baixando-se para o sofá improvisado, ela cruzou as pernas sob seu manto pesado. - Por favor. Sente-se comigo.
- Tem certeza que quer que eu faça isto? - Ele se avolumou à sua frente, seu rosto sombrio absorvendo aquela luz lúdica.
- Sim, - ela sussurrou.
Ele ajoelhou-se, seus olhos semicerrados se movendo pelas vestes que a cobriam do topo da cabeça até a sola do pé.
- Você me deixará vê-la? - Disse ele, em voz profunda.
maichen engoliu em seco. Então ergueu as mãos para a malha que cobria seu rosto, mas, para segurar a máscara no lugar. - Tenho medo.
- Do que?
E se ele não gostasse do que visse?
- Eu já sei que você é linda, - disse ele, como se pudesse ler sua mente.
- Como?
Ele tocou o centro do peito amplo. - Eu te vejo aqui. Eu te conheço... Aqui. Você é muito bonita para mim, não importa sua aparência.
Profundamente consciente de tudo o que não lhe contara sobre si mesma, ela sussurrou, - Nós não conhecemos um ao outro.
- Isto importa para você?
- Não.
- Nem para mim. - Ele franziu o cenho e olhou para o fogo. - As últimas noites, com tudo o que aconteceu comigo e meu irmão... Foram uma revelação. Não quero
mais perder tempo. Quero viver a minha vida, ao invés de pairar pelo pesadelo da zona neutra dele, esperando o machado descer.
- Seu irmão... Ele jamais voltará ao Território? Dizem... Que ele se recusa a cumprir o seu dever, mesmo que a Rainha tenha decretado que após o luto...
Ela teve de parar. A ansiedade era grande demais.
Ela supostamente devia se emparelhar intocada.
E isto não ia acontecer.
Mas, o que o Consagrado poderia fazer a ela? Ambos estavam sendo forçados ao emparelhamento, e a tradição ditava que ele era essencialmente propriedade dela.
Um protesto dele será como uma cadeira discutindo com quem se senta sobre ela.
iAm negou com a cabeça. - Depois de Trez perder Selena, o jogo acaba... E francamente, aquela Princesa? Ela não vai querer o que vai sobrar dele, não a menos
que ela curta necrofilia. Ele vai estar morto, estando em vida, ou em um túmulo.
maichen baixou a cabeça. Ela jamais deixara de saber sobre o emparelhamento que a aguardava. Ele fizera parte da sua criação, a espera pelo Consagrado que havia
sido destinado pelas estrelas para ser seu companheiro procriador, e que com ele e através dele, ela asseguraria que a linhagem de sua mãe continuaria a governar
o s'Hisbe.
Predestinada. Escrito nas sagradas estrelas.
Ela havia aceitado o que era seu dever do mesmo jeito que aceitava tudo em sua vida, de sua casta à solidão, à perpétua sensação de que estava perdendo tanto,
embora não por sua própria escolha.
Ela pigarreou. - Eu imagino que a Princesa poderia libertá-lo, se pudesse. Ela não ia querer ninguém sofrendo, muito menos alguém que perdeu uma fêmea de valor.
- Você a conhece?
- Eu já a servi.
- Como ela é? - Antes que ela pudesse responder, ele ergueu a mão. - Na verdade, não preciso saber...
- Acho que ela diria que está tão presa na armadilha como seu irmão. Acho... Que ela também é uma prisioneira do destino.
Ele esfregou o rosto. - Isto realmente me faz odiá-la menos. Acho que nunca pensei em como tudo isso seria para ela.
- A ela foi revelado qual seria o seu destino, do mesmo modo que como a ele. Ela não teve nenhuma escolha nisto.
iAm solto um riso ríspido. - Talvez eles possam mandar a Rainha se foder. Se ambos se recusarem a jogar o jogo, pode ser que seja o fim. Não que isto impeça
meu irmão de perder sua amada.
- Mas, as estrelas revelaram os destinos deles.
Aquele olhar escuro voltou à ela. - Você crê nisto? Digo, acha realmente que o alinhamento de um punhado de planetas desinteressados, a um milhão de anos-luz
deveria ser usado como um mapa para a vida das pessoas? Eu não.
- É assim há gerações. - Ela disse, em voz fraca.
- Isto não o torna correto. De fato, torna tudo ainda mais ofensivo. Pense no quanto foi arruinado.
O peito de maichen se contraiu quando ele disse em voz alta as coisas que ela andara pensando desde que aprendera que, há muitos anos atrás, o macho com quem
ela iria emparelhar achara seu destino tão desagradável que fugira do Território sob ameaça de morte e sob punição de expulsão.
- Chega deste papo, - ele disse. - Não foi por isto que viemos. Foi?
Os olhos dela se cravaram nos dele sob a malha. - Não, não foi.
O olhar dele voltou para suas vestes, como se em sua mente, ele já estivesse despindo-a.
O coração dela começou a martelar de novo, as mãos começaram a suar. - Eu preciso que saiba que eu jamais... Eu não...
- Nem eu.
Ela recuou. Não pôde evitar. Ele era tão másculo, tão belo, tão...
- Mudou de ideia? - Ele interpelou. - Não é nada sexy, é?
- Como é possível? - Ela se espantou. - Você é tão phearsom.
Houve uma pausa. E então, sem aviso, ele jogou a cabeça para trás e riu. O som saiu tão inesperado e... Cativante... Que ela quase se afastou, surpresa, de novo.
Quando ele voltou a olhar para ela, sorriu pela primeira vez. E tirou-lhe o fôlego.
- Este foi o melhor elogio que eu já recebi.
Ela sentiu-se sorrir sob a malha... Mas, então, ele ficou sério de novo, e ela também.
Não haveria retorno, ela pensou. Se ela não saísse agora, antes de ele tirar seu capuz... Ela não sairia até tudo acabar.
As mãos de maichen se ergueram para sua máscara, sua decisão tomada.
Agarrando a barra da malha, começou a erguê-la. Ansiedade fazia seu coração falhar batidas, mas, ela não parou... Ela não pararia.
Os planetas não deveriam governar as escolhas dos vivos ou o legado dos mortos, ela pensou quando o ar mais frio atingiu sua garganta, sua mandíbula... Sua boca.
Ela estava escolhendo isto.
Ela escolhia ele.
Capítulo CINQUENTA E QUATRO
iAm sentia-se como se suspenso no tempo enquanto o rosto da maichen ia sendo revelado centímetro a centímetro. Os lábios dela eram cheios e profundamente vermelhos,
a pele suave e ligeiramente mais escura do que a dele, as maçãs do rosto altas e salientes...
Ele parou de conseguir formular qualquer pensamento quando os olhos dela se revelaram.
Olhos profundos e cílios espessos, eram de um brilhante verde iridescente. Mas, então, ela estava emocionada e aquele era um dos sinais disto, uma característica
dos olhares dos Sombras.
Talvez os dele estivessem assim também.
E então os cabelos. Profundamente ondulados, flutuavam de sua cabeça e caíam pelos ombros e as costas. Era tão longo que não dava para ver onde terminava.
Ela era, bem simplesmente, a coisa mais extraordinária que ele já havia visto.
Ela era tanto exótica, porque ele vivia entre humanos por tantos anos que perdera as feições de seu povo, quanto completamente normal, porque sua beleza e cores
eram naturais.
- É um crime você andar coberta, - ele sussurrou.
O rubor que subiu pelo pescoço dela fez as presas dele se alongarem, e as mãos se curvarem de necessidade de tocá-la.
- Verdade? - Ela suspirou.
- Juro pelo meu sangue.
Como se o olhar dele lhe desse coragem, ela afastou a malha, e continuou a se despir, liberando a fivela de bronze na clavícula e deixando a primeira camada
de tecido deslizar pelos seus ombros.
Ela era de constituição delicada, mas, também era toda fêmea, e por mais que ele tentasse não se apegar à aparência de seu corpo, seus olhos se recusavam a se
desviar.
Aquela veia pulsando na lateral do pescoço dela era um convite a uma mordida.
O volume de seus seios era uma súplica por um toque.
O aroma do sexo dela, um chamado a ser respondido.
iAm engoliu a imprecação que quis escapar de sua boca. Ela era demais, linda demais, vibrante demais. Seu coração estava pulsando e seu pau estava duro como
pedra dentro da calça.
Ele deveria ter tomado um drinque antes de ir para lá.
Ou seis.
- Você tem fome, - ela sussurrou.
- Sim.
- Você gostaria de tomar minha...
Ele não acreditava onde ela estava tentando chegar, - Sua veia?
- Se quiser.
Oh, fodido fosse ele, sim. - Eu imploraria por tal...
- Não precisa.
Ele esperava que ela lhe oferecesse o pulso, mas quando ela ergueu o queixo expondo a garganta, ele sentiu-se real e verdadeiramente muito estúpido.
iAm sabia que devia perguntar se ela tinha certeza, pressioná-la a repensar sua decisão. Tudo ia acontecer rápido demais se encostasse as presas nela.
Ao invés disto, ele gemeu, - Por favor, me diga seu nome.
- É maichen eu já lhe disse. É o único nome que sinto ser meu.
Ele cerrou os dentes. - maichen, preciso que saiba... Não acho que consigo parar. Se começar isso.
- Eu sei. É por isto que te quero em minha garganta. Sem retorno.
Os olhos dele reviraram e seu tórax ondulou. - Mas, você não tem um pai em sua casa? Alguém que se importará por você...
Ele sabia que os padrões eram diferentes para membros da classe dos serviçais, não se esperava virgindade das fêmeas, já que elas eram requisitadas para qualquer
serviço que lhe demandassem. Mas, ainda assim...
- Está certa disto? - Ele disse.
Sua ereção gritava para ele calar a porra da boca, mas, sua consciência ainda era mais forte do que aquela viagem alucinante.
- Estou.
Aqueles olhos iridescentes estavam firmes, fortes, certos.
Hora de parar de falar.
iAm tomou-a, inclinando-se para a frente, agarrou a nuca dela, curvando-a para trás, apertando-a nos braços e pousando a boca sobre sua carne. Ele jamais tomara
de uma fêmea deste jeito, e não mordeu de imediato. Ele estava subjugado pelo aroma dela, pela pele suave sob seus lábios ao estender a língua e lamber sua veia.
Ele queria acariciá-la mais, mas, quando as mãos dela seguraram seus ombros e ela se arqueou para ele, não pode esperar. Ele sibilou e perfurou sua pele.
À mordida, ela gritou, mas ao invés de empurrá-lo, puxou-o para ainda mais perto.
O sangue dela foi uma explosão em sua boca, gosto de vinho encorpado e promessa de uma intoxicação que começou a dominá-lo no instante em que ele engoliu. Sugando-a,
ele passou a mão pelo seu corpo, encontrando a curva da cintura e o contorno de seu quadril. Mais, ele tomou mais enquanto sua pelve convulsionava para frente, buscando
aquela junção vital dela que ainda estava coberta por camadas de tecido.
Zonzo e totalmente focado ao mesmo tempo, ele deitou-a e montou em seu corpo, como um animal selvagem protegendo sua presa. Mas, ele queria dar a ela também.
Movendo um de seus braços para cima, colocou o próprio pulso sobre a boca dela, esfregando-o em seus lábios.
Aceitando, ela tomou sua veia também, enquanto ele tomava a dela, completando um círculo que explodiu com o calor entre eles.
Antes de saber o que estava fazendo, ele começou a erguer o manto dela, puxando cada vez mais alto, a barra, as camadas, o peso. As coxas dela eram macias e
flexíveis, e se abriram para ele, dando acesso ao que ele queria mais.
Sem calcinhas. Sombras não as usavam.
Quando ele esfregou a mão sobre seu sexo, ela gemeu e sugou mais forte o que ele lhe provia, e ele queria que ela o drenasse até a secura. Mas, não o contrário.
Forçando-se a liberar a veia dela, ele lambeu os pontinhos feridos para fechá-los e então desceu os lábios, passando pela graciosidade de sua clavícula. Chegando
aos seios, ele pegou o topo do manto com as presas e rasgou, o tecido cedeu até...
- Oh, Doce Jesus, - ele arfou.
Os seios dela eram firmes e eretos, adornados com mamilos pequenos que ele não passou muito tempo olhando. Não, buscou-os com a boca, idolatrando-os enquanto
ela continuava a tomar de seu pulso.
E ainda assim, ele queria mais dela.
Bem quando ele estava faminto por baixar ainda mais a cabeça, mesmo sem ter ideia do que estava fazendo, ela liberou a veia dele e o libertou. Sem lhe dar chance
de selar as mordidas, ele subiu novamente e segurou com as mãos, os dois lados do que começara a rasgar.
Riiiiiiiiiiiiiiiiiiiiip.
Com aquilo, as vestes de baixo se abriram em duas e ela ficou nua na sua frente.
A pele escura banhada pela luz do fogo ondulava, e o corpo dela estava marcado com manchas vermelhas do sangue dele, e não é que aquilo o fazia querer colocar
outras coisas dele nela?
Para que todos soubessem que ela era dele.
Vagamente, no fundo de seu cérebro avariado, sentiu-se surpreso de que as histórias que ouvira e que assumira ser ficção, aqueles contos de machos se vinculando
à primeira vista, eram de fato, total e absolutamente verdade.
Ele havia visto o rosto dela há apenas alguns momentos, e agora tinha passado pelo buraco de minhoca, se perdido e se encontrado ao mesmo tempo, empanturrado
e faminto por mais, tudo ao mesmo tempo.
- Minha, - ele rosnou.
Nua diante dos olhos de seu amante, maichen havia esperado sentir-se autoconsciente ou envergonhada. Somente a fêmea que a banhava havia visto o que iAm estava
olhando.
Em vez disto?
Livrou-se dos mantos que envolviam suas mãos, e ergueu-as para oferecer os seios. - Seus, - ela ouviu-se dizer. Então, moveu-as para baixo e tocou o sexo exposto
- Seu.
O lábio superior dele se recolheu e ele emitiu um grunhido que era tanto reverente quanto um pouco malévolo.
Então ele tirou o casaco, a camisa. Os sapatos e calças.
A luz do fogo moveu-se sobre a pele dele, lançando sombras sobre o contorno dos músculos que marcavam os braços, peito e abdômen.
Sua ereção era enorme.
Estava tudo tão fora de controle, esta série extraordinária de eventos, e a culminação ainda estava por vir. O que aconteceria depois, ela se perguntou? Ela
fora nominalmente instruída sobre o ato sexual, em preparação para seu emparelhamento, o médico havia lhe dado algumas orientações anatômicas sobre como as coisas
iriam acontecer, e teve aquela vez quando flagrara s'Ex com aquelas humanas. Mas, nenhuma destas trocas estranhas havia feito nada para explicar como seria elétrico.
O quanto ela iria ansiar pela união. Como se sentiria desesperada.
Plantando as mãos nos dois lados de seu corpo, iAm suspendeu-se sobre o corpo dela e lentamente colou seus lábios nos dela. O contato foi leve e fugaz, deixando-a
faminta por mais, mas, então, ele gradualmente deitou-se sobre ela, seu peso impossivelmente erótico, seus contornos firmes marcando-a.
O sexo duro dele esfregando-se em seu núcleo.
Ela começou a se arquear sob ele, flexionando as pernas, buscando por algo que nem sabia o que era.
- Deixa comigo, - ele disse. - Eu cuido disto.
Mas, não cuidou. Ele só a beijou e tornou tudo pior, lentamente lambendo-a na boca, esfregando-se contra seus seios, a parte interna de suas coxas... Tudo sem
penetrá-la.
- Porque espera? - Ela gemeu.
- Preciso me certificar de que você esteja pronta, senão vai doer.
Os olhos dela se arregalaram - Não vai doer. Vai?
- Quanto você... Ah, sabe sobre...?
A boca dela começou a se mover e ela achou que estava falando, e ele estava anuindo, dizendo algo em resposta. Mas, ela não fazia ideia do que estava sendo dito
de nenhuma das partes.
Exceto que as mãos dele se moveram para baixo, para o meio deles, esfregando mais o sexo dela, explorando. O prazer que despertou nela foi como a luz do fogo,
quente e pelo corpo inteiro, levando-a a outro nível de consciência.
Então houve uma pressão em seu núcleo, mas, nada doloroso. Só um empurrão, um empurrão gentil que a fez ceder internamente.
Quando a mão dele reapareceu ao seu lado, ela percebeu que era a ereção dele penetrando-a, não os dedos.
Movendo o quadril para acomodá-lo melhor, ela tornou-se consciente de um choque comprimindo, uma barreira cedendo e, então, a união foi tão profunda que ela
sentiu como se ele estivesse penetrando-a com o corpo inteiro. Bom, tão bom... Ela se deleitou no quão próximo ele estava, seu contato pele a pele aquecendo-a por
dentro e por fora, uma vida inteira de proibição de toques sendo apagadas.
E, então, ele começou a se mover. Lento de início, com impulso crescente, ela foi transportada junto com ele em um prazer cintilante e crescente.
Acariciando as costas dele com as mãos, ela amou a sua virilidade, e o conhecimento de que este macho, em específico, era o primeiro a tomar seu corpo.
E então uma barreira se quebrou e tudo se tornou muito mais vívido, uma pressa urgente empurrando-a para cima, para aquele corpo dele.
Sua boca se abriu e ela gritou, mas, não de dor.
Ele gritou também, e houve uma pulsação dentro de seu núcleo.
Mas, não era o fim. Ele não parou. Ele continuou, bombeando contra ela, nela, sobre ela.
O médico não havia dito que seria tão bom.
Não mesmo.
Capítulo CINQUENTA E CINCO
Ele entrou em sua vida usando um boné de beisebol do Syracuse e calças jeans esburacadas.
Paradise estava em sua mesa, digitando coisas no sistema, preenchendo solicitações no e-mail, acomodando visitantes nas cadeiras, quando outro vento gelado atravessou
o salão. Àquela altura, ela já havia se acostumado às mudanças de temperatura, havia mais ar gelado, a cada vez que a porta da frente se abria e fechava com a chegada
de um novo visitante.
Então ela não olhou realmente para cima até sentir uma grande presença perto de sua mesa.
Quando ergueu o olhar, tinha um sorriso profissional no rosto, mas, prontamente perdeu a expressão.
A sua frente havia um macho de cerca de dois metros de altura, com ombros tão largos quanto uma porta, e um maxilar tão pronunciado quanto uma flecha. Ele tinha
um tipo de jaqueta, embora estivesse frio o bastante para um casaco apropriado, e sem luvas.
E então havia o boné laranja e aqueles jeans.
- Posso te ajudar? - Ela perguntou.
A aba daquele boné estava tão abaixada que ela não conseguia ver os olhos, mas podia sentir o seu impacto.
- Estou aqui para o programa de treinamento.
A voz dele era muito profunda e surpreendentemente baixa. Dada a forma física, ela teria esperado uma voz mais alta.
- O programa de treinamento?
- Para os soldados da Irmandade da Adaga Negra.
- Oh sim, eu sei, mas não é... Digo, não é aqui. Nesta casa.
Quando ele olhou em volta, ela tentou ver seus olhos. - Eu sei, - ele disse. - Quer dizer, preciso de um formulário de inscrição, e pensei que aqui poderia conseguir
um.
- Os formulários foram enviados por e-mail. Gostaria que eu te encaminhasse?
- Eu, ah... - Ele olhou em volta de novo. Enfiou as mãos nos bolsos daqueles jeans, - Você tem um formulário impresso?
- Eu posso te enviar a coisa toda agora mesmo... Qual seu endereço de e-mail?
Quando ele concentrou o olhar na parede atrás de sua cabeça, ela decidiu que seu cabelo era escuro. Escuro e muito curto.
- Eu não tenho um endereço de e-mail, - ele disse, suavemente.
Paradise piscou. - O hotmail é gratuito.
- Tudo bem, - o macho disse, recuando um passo. - Eu vou encontrar outro modo de conseguir um.
- Espere. - Ela abriu a gaveta da mesa. - Aqui. Leve o meu... Digo, este aqui.
Ele hesitou. Estendeu um braço longo. Aceitou o que ela havia tirado anteriormente da cesta de lixo.
- Obrigado. - Ele olhou para baixo e franziu o cenho, pelo menos ela pensou ter visto um franzir. - Este já está preenchido no topo?
Quando ele lhe devolveu, ela praguejou. - Desculpe. Eu... Deixa eu imprimir um novo.
Clicando no mouse, ela logou em seu e-mail, achou aquele que Peyton, o Imbecil, havia encaminhado, abriu o anexo e apertou imprimir.
Quando a máquina atrás da mesa acordou e começou a emitir ruídos, o macho depositou o formulário sobre sua mesa. - Você vai participar do programa?
Ótimo. Como se ela precisasse de mais um Sermão de um completo estranho.
Ela pegou o papel de volta. - Fêmeas são permitidas entrar, sabia. Está no e-mail. Nós podemos nos juntar...
- Eu acho que deviam. Mesmo que escolha não lutar, acho que fêmeas deviam ser treinadas, nunca se sabe quando ou sob qual circunstância será necessário se proteger.
É lógico.
Paradise só ergueu os olhos para ele - Eu... - ela pigarreou, - concordo com você.
Quando a impressora silenciou, ela virou a cadeira e pegou os papéis quentes do alto da HP. Não havia necessidade real de grampo ou clipes de papel, ou de qualquer
forma juntá-los, mas ela abriu outra gaveta e remexeu em seu conteúdo.
- Você pode entregá-lo aqui, - ela disse, ao entregar-lhe. - Depois de preencher, posso entregar aos Irmãos.
Ele dobrou o formulário uma vez e colocou por dentro do casaco. - Obrigado.
E então tirou o boné e fez uma reverência a ela.
Quando ele se endireitou, ela deu uma boa olhada nele, e arquivou-o na gaveta "Oh Meu Deus!" de sua mente.
Talvez fosse mais adequado "Oh Meu Fodido Deus!".
Os olhos dele eram de um perfeito azul celeste, profundos com sobrancelhas e cílios escuros. Seu rosto era fino, porque ele era um pouco magro demais, mas, aquilo
só evidenciava a estrutura óssea máscula. E a boca era...
Se ele não tivesse atraído sua atenção antes, ele meio que a deixaria de quatro agora.
Graças a Deus pela cadeira.
- Qual o seu nome? - Ela perguntou quando ele se virou para ir embora.
Ele colocou o boné de volta - Craeg.
Ela levantou-se e estendeu a mão. - Eu sou Paradise, - bem, você provavelmente já sabe disto, porque você viu que eu preenchi...
Ótimo, ela estava balbuciando.
- Prazer em conhecê-lo, Craeg, - ela disse, quando ele não fez nenhum movimento de se aproximar.
Ele anuiu uma vez, e então saiu, deixando-a de mão estendida.
Enrubescendo, ela voltou a se sentar, e percebeu que oooooh, cerca de cinco pessoas haviam testemunhado toda a conversa. E estavam agora folheando revistas People
e Time, tentando parecer ocupados. Um dos machos mais velhos até mesmo ergueu um Caldwell Courier Journal e cobriu o rosto.
Bem, ela podia brincar de parecer ocupada também.
Digitando bem ruidosamente em seu teclado, ela tentava disfarçar o rubor de corpo inteiro que a acometia.
Ela nunca o vira antes. Tipo, nunca. Talvez ele tenha acabado de chegar do Continente Antigo, só que, quais eram as chances disto? A grande maioria da população
estava em Caldwell há quanto tempo? Além disto, ele não tinha sotaque. Então ele devia ser... Bem, um estrangeiro, obviamente. Mas, tinha de ser membro da aristocracia
se ouvira falar do programa de treinamento, certo?
Olhando para a arcada pela qual ele saíra, ela se viu desejando que ele viesse entregar o formulário preenchido em mãos.
Quem seria ele...
- Paradise?
Ela pulou. E concentrou-se no pai, que aparecera do nada. - Sim? - Percebendo que sua voz soou perto do normal, e que ela supostamente estaria brava com ele,
ela pigarreou. - O que posso fazer pelo senhor?
Como se ele fosse somente outra pessoa com quem ela lidava.
- Eu só queria perguntar como você está?
Sua aparência não era agressiva. Pelo contrário, ele parecia preocupado... Maldição. Ela queria manter-se com raiva dele.
Ela suspirou. - Estou bem, Pai.
- Você está fazendo um trabalho maravilhoso. Verdade. Tudo está correndo tão bem. O Rei está tão satisfeito... E eu estou muito orgulhoso.
Vê, isto era bem a cara dele. Era impossível ficar puta quando era confrontada com este... Esta sinceridade, sua versão de um pedido de desculpas.
- Posso te trazer algo para comer ou beber?
- O senhor não é um doggen, Pai.
- Talvez precise de uma pausa?
- Não. - Ela revirou os olhos. Levantou-se. Foi na direção dele. - Você me deixa louca.
Ela lhe deu um abraço porque aquilo era o que ele estava querendo. Então ela recuou. - Oster, filho de Sanye é o próximo.
Quando ela indicou o cavalheiro em questão, e o civil ficou em pé, seu pai lhe deu um aperto na mão e então reassumiu seus deveres oficiais.
Seguindo seu exemplo, ela sentou-se de novo. Olhou para o computador à sua frente. E ainda sentiu-se engaiolada.
Mas, o que ia fazer? Mesmo que ele, tecnicamente, não pudesse impedi-la; ela era maior de idade, e não havia nenhuma especificação no formulário que dissesse
que uma fêmea deveria apresentar o consentimento de um macho mais velho para aprovar a inscrição, ela ainda assim, sentia-se paralisada.
Era difícil se rebelar contra seus pais quando só havia restado um.
E ele era tudo o que ela tinha no mundo.
Selena odiara quase tudo no exame, a coleta do sangue, o procedimento de radiografia. E sentia-se mal por isto. Não era como se a Dra. Jane estivesse sendo menos
do que perfeitamente gentil e muito paciente. Mas estar em um daqueles camisolões de hospital, sendo furada e cutucada, virada e fotografada, era como ter a contagem
regressiva de alguma espécie de detonação acontecendo bem na sua frente.
Além disto, ela odiava o antisséptico falso de limão que eles usavam em todo lugar.
E o fato de que estava com frio, mesmo depois de colocarem um cobertor sobre suas pernas.
E então havia aquela luz brilhante pendurada sobre sua cabeça.
Mas, na maior parte, não era o ambiente externo que era difícil de lidar. Era o grito interno que ela achava que tinha de dominar por força de vontade.
- Okay, acho que este é nosso último Raio-X, - a Dra. Jane disse, de sua mesa.
Na tela do computador, uma imagem fantasmagórica do joelho de Selena estava centralizada, mas, ela se recusava a olhar.
Ela tinha de ficar deitada até a Dra. Jane voltar e mover o braço do raio-X para fora do caminho. Então, se sentou, a médica pegou a placa sob sua perna e afastou-a.
- Então... Agora o que? - Selena perguntou.
Ela estava entorpecida. Com frio. Suada.
Mas, mais do que tudo, ela se sentia rígida. E não só nas mãos.
- Deixe-me avaliar atentamente estes raios-X com Manny. E então, volto para falar com você.
Selena baixou as pernas pela borda da maca e ficou em pé. Flexionou uma e então a outra, seu cérebro em uma espiral de Melhor? Pior? O mesmo?
- Quando? - Ela disse, rudemente.
- Porque não conversamos perto do alvorecer? Trez pode vir com você, se quiser...
O barulho veio de fora do quarto, e ambas olharam para a porta do outro lado. Quando o som se repetiu, a Dra. Jane correu, e Selena também.
No final das contas, ela não estava paralisada ainda, e parecia uma boa hora para se lembrar disto.
As duas correram pelo corredor e ouviram atentamente. O Centro de Treinamento estava silencioso, com os Irmãos se exercitando em campo, e não havia, felizmente,
ninguém ferido nos leitos.
O barulho veio de novo, e elas correram, avançando mais duas portas.
Dra. Jane abriu a porta.
A médica teve de se abaixar quando algo veio voando do quarto. Uma bandeja. Era uma bandeja de metal, e ela quicou no chão de concreto, como se a coisa estivesse
realmente feliz por se libertar de lá, e tentasse ficar a uma distância extra.
Lá dentro, Luchas estava descontrolado, na cama. Metade dele parecia estar amarrado, mas, uma mão e braço estavam livres e ele os usava para destruir qualquer
coisa que alcançasse. Bateu em alguns equipamentos de monitoramento com o pedestal do intravenoso, fez o mesmo com a mesinha rolante que tinha um tipo de comida
sobre ela, e agora agarrava a cabeceira da cama, como se tentasse destruí-la.
- Luchas. - Dra. Jane disse, com uma tranquilidade admirável. - O que está...
- Vai se foder!
Selena recuou. Ela estivera ali para alimentar o irmão de Qhuinn ao longo dos últimos meses, e ele sempre fora um perfeito cavalheiro.
- Luchas...
- Foda-se isto! - Ele soltou a cabeceira da cama e agarrou a mesinha de cabeceira, empurrando tão forte que a coisa desceu, as gavetas explodindo, como se fosse
sua forma de sangrar. - Vão se foder!
Dra. Jane recuou e murmurou. - Tenho de pegar um sedativo. Não entre lá.
Quando a médica saiu correndo, Selena ficou parada na soleira.
- Está olhando o que? - Ele gritou com ela. - Que porra você quer?
Havia uma mancha vermelha na cama. Os lençóis, de um lado, estavam um pouco mais do que metade baixados, manchados... Ele estava sangrando. De algum tipo de
ferimento...
- Sua perna, - sussurrou ela, ciente da infecção que o atacava. - Cuidado com sua perna...
- Eu queria morrer! - Ele cuspiu. - Eu estava tentando morrer!
O rosto dele era uma cópia retorcida das feições que ela conhecia bem, sua pele branca demais, tensa quase a ponto de se partir sobre a estrutura óssea que,
sem dúvida, era invejável antes de ter sido torturado pela Sociedade Lessening.
- Eles arrancaram minha perna para me salvar! - Ele afastou os lençóis. - Para me salvar!
O coto estava cuidadosamente enfaixado em camadas de gaze cirúrgica, mas, por baixo não parecia bem... O sangue escorria, manchando tudo.
Ele começou a arranhar o que restava e foi quando ela teve de se envolver.
Marchou pelo quarto, segurou as mãos agitadas e prendeu-as contra a cama, na altura da cabeça dele.
Luchas. Ficou. Maluco.
Gritou, se contorceu, praguejou.
Tudo o que ela fez foi balançar a cabeça e deixá-lo se esgotar... O que não levou muito tempo.
Quando ele parou de lutar, ela disse. - Você tem tanta sorte. Tanta maldita sorte.
Aquilo o fez se calar. Provavelmente do jeito que um confronto direto não teria feito.
- O que? - Ele berrou.
- Eu estou morrendo, - ela disse, sinceramente, - e se alguém tivesse de tirar parte de minha perna para me salvar? Para que eu pudesse continuar aqui com aqueles
que eu amo? Não pensaria duas vezes. Então sim, eu acho que você tem muita sorte.
Ele ainda respirava com dificuldade, mas, a tensão abandonou seu corpo. - Morrendo?
- Receio que sim, - ela o soltou e deu um passo para trás. - Não desperdice o tempo que tem. Eu sei que está ferido, e não duvido que esteja bravo agora. Mas,
pessoalmente, eu trocaria de lugar com você em um piscar de olhos.
A Dra. Jane voltou, e parou quando viu que o local não estava em chamas ou algo assim.
- Eu vou me vestir. - Selena disse, ao se dirigir à porta. - Estou com frio com esta camisola. Precisa de ajuda para limpar?
Dra. Jane olhou de um para outro, claramente se perguntando o que fora dito ou feito para mudar as coisas. - Ah, não, eu cuido disto.
- Está bem. - Selena anuiu para a médica e então olhou de volta para Luchas. - Cuide-se bem.
Ela sentia os olhos dele sobre si ao sair para o corredor. Continuou a senti-lo mesmo ao voltar para o consultório, para se vestir. Quando voltou a entrar no
túnel, ela começou a ficar paranóica de que fosse ter um ataque no meio do caminho até a casa principal, e ficaria ali esquecida sob as luzes fluorescentes. Ou talvez
acontecesse na escada para o saguão... Ou...
Okay, melhor parar com isto.
Ela tinha o bastante com o que se preocupar sem buscar mais problemas.
Capítulo CINQUENTA E SEIS
Ele não conseguia tirar os olhos dela.
Deitado nu em frente ao fogo que aquecia, o corpo de iAm estava entrelaçado ao de maichen, suas pernas enfiadas entre as dela, os quadris colados, os sexos próximos,
mas, não unidos. Ela estava com a cabeça pousada sobre o braço dobrado; a dele estava um pouco erguida.
- Quero te ver de novo. - Sussurrou ele.
Ele queria dizer o quanto precisava de mais um pouco daquele tempo especial, daquele refúgio completo contra toda aquela merda que não podia mudar, e não faria
diferença se estivesse em Caldwell. Estar ali era como se brevemente desse um passo para o lado, alterasse seu caminho, e pudesse respirar. Não era um desvio permanente
e não queria que fosse; de jeito nenhum abandonaria o irmão.
Mas, era suficiente para lhe dar um novo fôlego.
- É difícil eu conseguir sair de lá, - ela beijou as pontas dos dedos dele, - restam somente mais alguns dias enquanto ainda será fácil. Após o período de luto,
ficará muito mais difícil.
- Amanhã à noite, então. À meia-noite.
maichen anuiu. - Estarei aqui.
Ele olhou ao redor da cabana decrépita. - Não, venha para Caldwell. Me encontre na cidade.
Diante da hesitação dela, ele disse, - Eu tenho uma casa lá. É particular. Ninguém saberá... E poderei deixá-la mais confortável.
Ele a queria em uma cama. No chuveiro. Talvez em cima do balcão da cozinha.
Para persuadi-la, iAm abaixou a cabeça e tomou a boca dela, acariciando os lábios dela com seus próprios, lambendo-a toda por dentro. - Siga o sinal do meu sangue
e me encontrará.
O som que ela emitiu do fundo da garganta, foi todo rendição, e antes que se desse conta, ele a rolou de costas e montou-a de novo. O fato de que eles tinham
mesmo feito sexo, era tão monumental, que ele não podia nem pensar nisto enquanto estava com ela.
Era um marco muito grande.
Guiando-se para dentro dela, ele gemeu e abaixou a cabeça para o pescoço dela. Com grandes impulsos ondulantes, penetrou-a, encontrando um ritmo cada vez mais
intenso. Seu corpo sabia exatamente o que fazer, e foi um choque, chegar ao orgasmo e descobrir que estava feliz por ter esperado por esta fêmea em particular.
Também era loucura pensar que uma parte dele começava a planejar um jeito de libertá-la do s'Hisbe.
Então, agora ele tinha dois naquela lista.
As unhas dela se enterraram em suas costas e as coxas enlaçaram seu quadril, enquanto ela alcançava seu próprio clímax, os movimentos internos ordenhando-o e
desencadeando outro golpe agudo de prazer, ao gozar de novo.
Ao final, ele desabou sobre ela de novo.
- Desculpe, - ele murmurou, tentando juntar forças para fazer qualquer outra coisa além de respirar. - Pesado.
- Não, eu gosto de seu peso. - Ela acariciou lhe a pele. - Você é mesmo tão poderoso quanto aparenta.
- Não quero ir embora.
- Eu também não.
Eventualmente, ele se viu na terra da falta de escolhas. Primeiro, o fogo havia se apagado e estava ficando frio, mas, mais importante, ele não queria que ela
se metesse em problemas por ausentar-se de suas obrigações.
Pelo menos ele não teria de se preocupar sobre ela e o amanhecer que se aproximava.
Ele ficaria psicótico.
Afastando-se dela, deslizou para fora de seu sexo e percebeu, merda, ela estava recoberta por sua essência.
- Qual o problema? - Ela perguntou, aqueles olhos iridescentes olhando para cima, para ele.
- Devíamos limpá-la, - mas a maldita cabana não tinha água encanada. - Da próxima vez, faremos isto em Caldwell.
- Eu tomarei cuidado. Há uma fonte termal nos limites do Território. Posso me lavar lá.
- E suas roupas? - Quando estendeu o amontoado de tecido para ela, praguejou. A merda estava toda amarrotada. Rasgada. Coberta de poeira. - Maldição.
Ele devia ter pendurado as roupas dela. No que inferno estava pensando?
Levantando-se, ajudou-a a se vestir, arrumando as roupas que iam por baixo do manto, abotoando a camada de cima com a fivela de bronze, arrumando o capuz e malha
de cobertura facial.
- Deixa que eu faço isto, - ele disse, ao começar a cobrir os cabelos e rosto.
Ele odiou cobri-la, seu estômago se contorceu e a boca ficou seca: aquilo tornava o fato de ele estar enviando-a desprotegida de volta ao Território, ainda mais
evidente. E então ele deu um passo para trás e olhou para o que estivera tão bem composto e intocado quando ela chegou, e que agora era uma bagunça excitada.
Ele meio que sentiu como se tivesse tomado algo que não era dele para tomar, arruinando-a no processo.
- Eu deveria voltar com você, - ele disse. - Me certificar de que...
- Isso seria mais difícil para mim. Ficarei bem. Eu me tornei bem competente em me esconder depois de todos esses anos.
E assim não havia mais nada a ser dito, nenhuma combinação de palavras poderia ser dita para fazê-lo sentir-se melhor sobre nada daquilo.
Com uma súplica, iAm tomou o braço dela e acompanhou-a até a porta. - Tenha cuidado. Aquele é um local perigoso.
- Terei.
Quando ela ia fazer-lhe uma reverência, ele a impediu. - Não. Não faça isto. Somos iguais, você e eu.
Por um momento, ela só olhou para ele. Ele podia sentir o olhar dela através da malha que cobria os olhos. - Não somos, - ela disse. - Infelizmente, não somos.
Com isto, ela saiu pela porta e desapareceu antes que ele pudesse pará-la. E quando o ar gelado golpeou seu corpo nu, ele sentiu dor... E não do tipo física.
Após vestir-se novamente, certificou-se de que o fogo estava totalmente extinto e então saiu da cabana. Ao fechar as portas e se afastar, pensou que era completamente
bizarro como tanta coisa de sua vida havia acontecido naquele local aleatório: encontrar seu irmão, conhecer Rehv... E agora, esta noite.
Desmaterializando-se, ele retornou rapidamente à mansão da Irmandade, retomando forma no gramado. Ao olhar para a grande construção de pedra, com as gárgulas
góticas acima das torres, as janelas em formato de diamante, e todas as sombras que se amontoavam nos cantos, ele percebeu estar avaliando a segurança e sua posição
defensiva.
Então, sim, ele estava pensando em trazer maichen para cá.
Só que então, que tipo de vida ela teria? Ele ainda preocupava-se com Trez e Selena. E o que aconteceria se a única maneira de manter seu irmão livre do s'Hisbe
fosse desaparecer pelo mundo, sem jamais parar no mesmo lugar por muito tempo?
Ela viveria esta vida de fugitiva? E se o s'Hisbe a encontrasse com eles?
Ela seria morta em um piscar de olhos.
Era outra situação sem escapatória.
Bem o que ele precisava.
A bunda de Rhage estava dormente.
Mas, também, ele estava sentado em uma rocha, vigiando através da floresta a casa de vidro de Assail há quanto tempo? Horas. E tudo o que o cara fizera fora
atirar um punhado de documentos sobre a mesa.
Pelo menos o traficante tinha uma bela cadeira na qual se sentar.
Rhage conferiu o relógio. O amanhecer não tardaria. - Estamos perdendo tempo aqui, pessoal.
No momento em que estava prestes a pegar o celular, para ver como estava V no rastreio dos dois primos, o Irmão materializou-se ao seu lado, e o Range Rover
no qual a dupla de traficantes havia saído, apareceu na curva da casa.
- Aonde eles foram? - Rhage perguntou.
- Ao centro. Foram até uma casa de barcos no rio. Ninguém apareceu para encontrá-los, até onde vi. É totalmente possível que um deles tenha se desmaterializado
de lá por um curto período de tempo para ir para outro lugar. Não dá para saber.
Enquanto V esfregava os olhos como se estivessem cheios de areia, Rhage perguntou - Meu irmão, quando foi a última vez que dormiu?
V deixou o braço cair e se endireitou como se estivesse fazendo um difícil cálculo matemático - Foi... Ah... Eu digo, é... Foi...
Rhage olhou para a porta da garagem, que estava se fechando. - Eles estão recolhidos para o dia. Vamos sumir.
- O que Assail fez?
- Além de encher as fuças de cocaína?
- Ele não saiu, então.
- Nada. Além de brincar com seus papéis e fazer duas chamadas que não duraram trinta segundos cada, permaneceu sentado. - Ele deu um tapinha no ombro de V. -
Vamos pegá-los amanhã à noite.
V ainda praguejava ao saírem e viajarem para casa, através do frio ar da noite. Ao chegarem ao gramado à frente da mansão, viram iAm encarando a fachada da casa
como se esperasse que o Godzilla aparecesse para esmagar tudo com o pé e varrer tudo com o rabo.
- Ei cara, está bem? - Rhage perguntou.
iAm pulou. - Oh, merda!
Quando o vento mudou de direção e trouxe o aroma do macho, Rhage ergueu as sobrancelhas. O Sombra estava coberto do cheiro de uma fêmea; e não o tipo de aroma
que se compra em lojas.
Oh, o cara havia se dado bem.
Naquele tempo todo em que conhecia o cara, jamais vira iAm prestando nenhuma atenção particular às fêmeas. Ou aos machos. Pessoalmente, Rhage sempre pensara
que o pobre bastardo sofria da Síndrome de Phury: aquela condição onde um irmão estava tão fodido que o outro caía em um buraco negro tentando salvá-lo.
Infelizmente, não parecia que Trez sairia de sua queda livre tão logo. Mas, claramente, iAm havia resolvido parar de se foder.
Fodendo outra pessoa.
Bom para ele, Rhage pensou. Era hora de o macho ter um descanso.
- Então, - V disse, ao acender um cigarro enrolado a mão - Como foi a sua noite, Sombra?
Evidentemente, ele também havia sentido o cheiro.
- Boa. - iAm disse.
- Mm-hmm. - V exalou. - Fez alguma coisa interessante?
- Não. Vocês?
- Nada. - Rhage replicou quando os três começaram a se dirigir para o vestíbulo. - Só negócios, como sempre.
Na verdade, a noite com Assail havia sido extremamente frustrante, mas, mais que isto, ele estivera esperando notícias de Mary sobre a fêmea que havia sido levada
para a clínica de Havers em coma. Nada. Nenhuma notícia. Estaria ela viva? Morta?
Maldição, ele só encontrara aquela mahmen uma vez; na noite horrível em que resgataram ela e o filho daquele macho violento. Mas, a situação estava preocupando
sua Mary, pesando sobre ela; e isto significava que também estava em seu radar.
Além disto, sua shellan não vinha para casa há duas noites. E ele estava começando a ficar desesperado. Celulares não eram substitutos para o contato de verdade.
Pelo menos não o tipo de contato que necessitava dela.
Ao chegarem no vestíbulo, Rhage pôs a cara diante das lentes da câmera de segurança. Um segundo depois, a tranca foi liberada e eles entraram no saguão. A Última
Refeição estava se iniciando, os doggens ocupados traziam comida à sala de jantar, pessoas se juntavam na arcada, mais membros desciam as escadas.
iAm parecia prestes a escapar, seus olhos grudados no tapete vermelho que subia as escadas até o segundo andar, como se, em sua mente, ele já estivesse a meio
caminho de seu quarto. Fora das vistas.
Sem dúvida rapidamente indo para o chuveiro.
Mesmo que tivesse acabado de olhar para o celular e ver que a coisa estava em modo de vibração, Rhage pegou o celular de novo, e verificou de novo se havia perdido
alguma coisa...
Lassiter saiu da sala de jogos, os cabelos louros e pretos trançados em um cordão espesso que descia pelos peitorais. Ele tinha uma caixa Yoo-hoo em uma mão,
uma luva de Starbust na outra e havia tanto ouro no cara, que seu corpo parecia ter quilate próprio.
- Alguém mais assistiu Real Housewives of New Jersey?
Pessoas se viraram para encarar o cara.
- Como é que você permanece um convidado nesta casa? - Alguém perguntou. - Ainda não foi embora?
- Eu vou chamar um táxi para ele, - alguém mais murmurou. - Ou talvez a gente deva jogá-lo montanha abaixo.
- Tenho um lançador de batatas, - disse Butch. - O buraco é pequeno, mas podemos forçar um pouco que ele acaba entrando.
- Oh, não vou embora. - Lassiter sorriu. - Vamos lá, como se eu fosse perder toda essa comida grátis e a TV a cabo... Espere um minuto. - Aqueles brilhantes
olhos de cor estranha se estreitaram em iAm... E então ele gritou - Puta merda, você transou!
No silêncio congelado que se seguiu, Rhage bateu na própria cabeça. - Anjo, sua noção de tato é ainda pior do que a minha, camarada.
Capítulo CINQUENTA E SETE
- E então, o que tem em mente, Primeiro Conselheiro?
Abalone fez uma reverência quando Wrath se dirigiu a ele. - Obrigado, meu senhor. - Ao entrar na sala de audiências, fechou a porta deslizante atrás de si. -
Muito obrigado.
- Deve ser sério para você nos fechar aqui, - o Rei murmurou.
- Meu senhor... - ele pigarreou, - procuro servi-lo. De todas as maneiras.
- Isto eu já sei. Então o que há?
Não pela primeira vez, Abalone desejou poder olhar nos olhos do macho. Mas, talvez fosse melhor que aqueles óculos escuros escondessem tanto. Ele preferia manter
seu cólon sob controle.
Notou as presenças de Phury e Zsadist, assim como a realidade da hora. Eles não tinham mais do que cinco ou dez minutos antes de poderem retornar ao complexo
com Wrath. Mas, isto não podia esperar.
- Meu senhor, aprecio que tenha deixado Paradise ficar aqui. É muita generosidade de sua parte...
- Mas, quer que ela volte para casa e não gosta de ter Throe por lá.
Abalone fechou os olhos. - Sim, meu senhor. Ela é... A separação é mais difícil do que antecipei. E, por favor, saiba que não é que eu sinta que ela esteja em
perigo aqui. Ela provavelmente está mais segura do que...
- Eu te coloquei em uma situaçãozinha de merda, não foi? - Wrath interrompeu. - Não é justo pedir para que banque a babá de um imbecil qualquer como ele, às
custas de sua própria vida pessoal. Peço desculpas.
Abalone piscou. De todas as maneiras que achou que aquilo ocorreria, Wrath pedindo desculpas não estava nem perto de entrar na lista. - Meu senhor, por favor,
sou eu quem está falhando com o senhor...
- Quer que nos livremos dele?
Phury falou. - Rhage adoraria fazer isto.
- Meu senhor, o senhor é tão...
Wrath ignorou-o e focou nos guerreiros. - Então quais os planos? Vocês querem ir para lá agora com ele fazer a evacuação?
Os olhos de Zsadist mudaram de amarelo para preto. - Vamos acabar com ele...
- Espere, espere. - Abalone ergueu as mãos. - É melhor eu falar com ele primeiro.
Wrath meneou a cabeça. - Não sozinho, não vai. Você é valioso demais para mim. Diga a Paradise para ficar aqui mais uma noite enquanto limpamos tudo para vocês.
E foi assim que, mais ou menos dez minutos depois, ele acabou se desmaterializando para sua casa, flanqueado por um par dos guardas pessoais do Rei.
Quando retomou forma em frente às pesadas portas frontais estilo Tudor, olhou para as janelas brilhantes e se perguntou onde Throe estaria, o que estaria fazendo...
O que estava procurando. A criadagem havia dito que o macho tinha dormido o tempo todo naquela primeira noite, e que não parecia provável que acontecesse de novo.
Desta forma, Abalone havia tido o cuidado de trancar todas as portas antes de sair, e havia muitos doggens com olhos vigilantes por lá.
Alinhando os ombros, olhou para os Irmãos que estavam, um de cada lado seu, como um par de aparadores de livros de Sun Tzu.
- Eu gostaria de ser o primeiro a falar com ele.
Phury anuiu. - A casa é sua. Você é quem deve desconvidá-lo.
Abalone abriu a fechadura de cobre com a chave, e não sentiu nem um pouco do conforto habitual ao cruzar a soleira, nenhuma tranquilidade quando seu amado mordomo
se aproximou atravessando o saguão para tirar seu casaco.
- Mestre, - o doggen disse, com uma acentuada reverência. - Posso servir seus convidados na Última Refeição?
- Eles não vão ficar muito tempo. Onde está Throe, posso saber?
- Ele passou o dia em seu quarto. Eu tenho ido lá verificar... A porta permaneceu fechada e ele não desceu para as refeições. A única vez que bati, no início
da tarde, respondeu que estava descansando.
Abalone não hesitou. Subiu as escadas, mantendo a chave de cobre na mão. Ao chegar ao topo, continuou avançando, passando pelas portas até chegar ao segundo
melhor quarto de hóspedes.
Parecera uma honra não-merecida colocar o macho no melhor quarto de hóspedes, mesmo que Throe não soubesse disso.
- Throe, - Abalone disse, asperamente. - Preciso falar com você.
Diante da falta de resposta, ele bateu com força com o nó dos dedos na porta fechada...
A porta se abriu sozinha, revelando uma luz fraca no interior. Estava a ponto de entrar quando uma mão pesada segurou-o pelo ombro.
- Permita meu irmão, - Phury disse, gentilmente. - Não sabemos o que pode haver ai.
Z entrou com uma arma baixada contra a coxa. Um momento depois, após aqueles passos pesados percorrerem o quarto todo, ele disse, - Tudo limpo.
Abalone se apressou em entrar. De fato, o quarto estava vazio; a cama estava até arrumada. Não havia sinal de que qualquer pessoa sequer tivesse estado ali.
Exceto pela janela levemente aberta do outro lado do cômodo.
Na verdade, um dos painéis reforçados com malha de aço havia sido forçado e deixado entreaberto.
- Ele não era um prisioneiro aqui, - Abalone disse ao se aproximar e reposicionar a cobertura. - Por que fugir?
- A pergunta mais importante, - Phury disse, - seria: como podemos ter certeza de que ele realmente partiu? Esta é uma casa grande. Há muitos lugares para se
esconder...
- Talvez isto explique as coisas. - Z se aproximou da mesa no canto e pegou um envelope selado. - Tem seu nome escrito.
O Irmão trouxe a carta e entregou à Abalone.
Com mãos trêmulas, Abalone abriu o envelope e retirou uma única folha de papel que havia sido dobrada ao meio. O papel timbrado era o seu próprio, com a gravura
de uma casa no topo:
Caro Abalone, filho de Abalone,
Perdoe-me por não lhe agradecer pessoalmente. Sua hospitalidade foi muito apreciada, assim como sua generosidade. Em reconhecimento à posição difícil que minha
presença sem dúvida lhe colocou, buscarei abrigo em outra parte.
Espero ansiosamente que nossos caminhos voltem a se cruzar, primo meu.
Até lá, muito obrigado de novo por me abrir as portas de sua casa, e até lá, eu permaneço,
Seu parente de sangue,
Throe
- O que diz? - Phury perguntou.
Quando as persianas automáticas começaram a baixar para o período do dia, Abalone entregou-lhe a carta. - Nada importante. Eu concordo. Preciso fazer uma busca
na casa, mas temo que levará tempo demais para que possam retornar em segurança ao complexo.
- Então ficaremos aqui com você o dia todo. - Phury disse enquanto lia a carta. - Mas, até sabermos que você e sua equipe estão seguros? Não vamos sair daqui.
Z riu de modo tenso. - Acha que vamos querer voltar e dizer a Wrath que cortaram sua garganta porque não fizemos nosso trabalho? Não é o tipo de relatório que
eu iria querer fazer ao Rei.
Phury devolveu a carta e colocou a mão sobre o ombro de Abalone de novo. - E nos deixe fazer o trabalho sujo, é mais seguro para todo mundo. Onde fica seu quarto?
- No fim do corredor.
- Vamos, te levaremos lá e então vasculharemos os aposentos dos criados. Depois disto, vamos passar um pente fino nesta casa até saber que não ficou para trás
nada além desta carta.
Abalone anuiu. - Obrigado, senhores. Muito obrigado.
- Estou deliciada por você ter me procurado. E desculpe ter te deixado esperando.
Throe sorriu para a fêmea que se dirigia a ele e indicou o sofá confortável no qual estava sentado desde que havia chegado à propriedade. - Não foi difícil.
Estou aquecido e seco. Na verdade, você foi a anfitriã mais graciosa que poderia ser.
A fêmea aristocrata sorriu, exibindo dentes brancos como os diamantes que trazia no pescoço. Nos pulsos. Nos dedos e orelhas. Na residência modesta do zelador
de sua imensa propriedade, ela parecia uma modelo que se apresentara para a sessão de fotos errada.
- Meu companheiro está doente, - ela disse, em tom grave. - Tenho de cuidar dele.
Vestida daquele jeito, em um vestido curto em estampa de leopardo, era de se perguntar exatamente que tipo de necessidades o hellren dela teria.
Aquilo dificilmente era o tipo de coisa que uma shellan usaria para enfiar um velhote na cama.
Mais provavelmente, Throe pensou, ela se vestira daquele jeito para encontrá-lo.
- Sim, eu me recordo da doença dele. - Ele disse, suavemente. - Sinto muito.
- Isto me aflige também.
- Como poderia não afligir?
- Eu logo serei uma viúva.
Ao anuir em solene simpatia, deliberadamente permitiu que os olhos vagassem sobre ela, dos lisos cabelos escuros até os pés apetitosos.
Da última vez que tinham se encontrado, também havia sido aqui, mas havia muito menos roupas envolvidas; em ambos, além de seus companheiros Bastardos. Ela havia
se deitado diante da lareira, e ele e os soldados avançaram sobre sua pele nua, se alimentando e fodendo. Aquilo havia sido há cerca de um mês, a mais recente das
sessões que aconteceram pelo ano anterior em intervalos regulares.
- Será só você esta noite? - Ela perguntou, de um jeito rouco.
- Sim, e devo lhe dizer que dividimos nossos caminhos, Xcor e eu. Estou abandonando a luta dele.
- É mesmo? - Ela ronronou - E onde está ficando?
- No momento, estou procurando um local.
- Mesmo?
- Sim.
Ela se aproximou, cruzando a sala pequena para ficar ao alcance dele. - O amanhecer se aproxima.
Ele novamente vagueou o olhar pelo corpo dela - É mesmo. Bem, então acho melhor ir.
- Tão cedo? - Ela fez beicinho.
- É mais seguro. - Vagamente, ele correu as pontas dos dedos pelos quadris dela, pela barriga... Descendo para a junção das coxas. Pressionando através do vestido,
acariciou levemente seu sexo. - Assim, temo que seja melhor pararmos por aqui...
- Talvez você e eu possamos fazer um acordo, - ela disse.
- Oh? - Disse ele.
- Meu hellren é muito mais velho que eu. Ele é meu verdadeiro amor, é claro.
- É claro.
- Mas, por causa de sua idade avançada há algumas necessidades que ele não é mais capaz de atender regularmente.
- Acredito que você já conheça minhas habilidades neste quesito.
A fêmea sorriu de um jeito feroz. - Sim, conheço.
- E me parece justo que, se me oferecer pousada e refeições, você seja compensada da maneira que achar apropriada.
A fêmea colocou um de seus pés calçados em sapatos de salto agulha no braço do sofá e ergueu a barra do vestido até a cintura, expondo a ele, seu sexo nu. -
Talvez primeiro, você possa refrescar minha memória quanto à seus talentos.
Throe ronronou no fundo da garganta e se inclinou para ela, estendendo a língua para lamber em volta de sua fenda. Quando ela arremeteu o quadril na direção
dele e jogou a cabeça para trás, ele sugou o seu clitóris...
E então parou. Recostou-se no sofá. - Eu só tenho um problema.
- Sim? - Ela gemeu, endireitando novamente a cabeça.
- Não posso ficar aqui no chalé. Não se o Bando dos Bastardos vier te... Visitar. Certamente em uma propriedade tão grande, deve haver outras acomodações disponíveis?
Ela franziu o cenho. - Você é da linhagem de Bluerme, não?
- Sim. Pelo lado materno.
- Então você é um parente distante de meu hellren e, desta forma, seria rude de nossa parte não te oferecer abrigo. É claro, se for ficar na casa principal,
teremos de te arrumar roupas adequadas.
Throe sorriu para ela. Era um acordo perfeito.
Afinal, ela e seu marido haviam apoiado a guerra política contra Wrath, e de jeito nenhum estariam felizes com a debandada do Rei contra o Conselho.
Ele conseguira abrigo, além de uma base de operações.
- Isto seria aceitável, - ele disse, deslizando as mãos pelos quadris dela e puxando-a de volta para sua boca.
Contra o sexo dela, ele murmurou, - Agora, permita-me demonstrar minha gratidão pela sua generosidade.
Capítulo CINQUENTA E OITO
- Eu trabalho sozinha. - A prostituta dizia ao recolher as roupas. - Não tenho um cafetão. Se me quiser de novo, sabe onde me achar.
Xcor olhou para a área de estar do chalé, observando a fêmea se vestir com uma eficiência e rapidez que só perdia para a velocidade do som.
A loira partiu sem nenhuma despedida, tendo feito seu trabalho e recebido seu pagamento de dois mil dólares. Quando a porta se fechou atrás dela, ele ergueu
os olhos para o fogo que morria na lareira. Ele havia pagado para fodê-la de todas as formas e posições que quisesse e era exatamente o que havia feito. Repetidamente.
Ele havia também tomado de sua veia.
Pela qual teve de pagar os outros dois mil dólares.
Graças à sua audição aguçada, ouviu-a do lado de fora, caminhando por sobre as folhas. E então a voz atravessou as paredes finas da estrutura que ele havia comprado
para outra.
- É, estou saindo agora. É. Ele era feio, mas trepava como um animal...
Foi a última coisa que ouviu, então ela deve ter se desmaterializado.
Seu corpo ainda estava nu quando se sentou no chão diante da lareira, joelhos para cima, cotovelos apoiados, braços caídos. O suor esfriava em sua pele, as presas
ainda alongadas pela alimentação, o sexo flácido, encolhido e vermelho de tanta ação a que foi submetido.
O cheiro de tudo o que havia feito empesteava o ar, cada respiração em seu nariz era um lembrete das coisas que seu corpo havia feito.
E com quem.
Baixando a cabeça, esfregou seu cabelo comprido demais, vagamente pensando que devia cortá-lo.
Imagens rodopiavam em sua mente, ele virando a fêmea de quatro e comendo-a como um cão. Suas bolas haviam batido contra o sexo dela, enquanto fodia sua bunda
e ele havia gozado tantas vezes que, ao sair dela, havia a deixado pingando.
Ele havia tentado fazer tudo tão sujo quanto possível, e tinha até mesmo beijado a fêmea. Pelo corpo todo.
Ele queria macular cada pedaço de sua pele com a experiência. Mudar seu corpo. Alterar sua mente.
Apagar a lousa totalmente.
Ao invés disto, ao se sentar sozinho no chão duro, viu que havia feito o oposto. Layla era a única coisa em que conseguia pensar: seu rosto adorável e tímido,
aqueles olhos verdes tão inteligentes e gentis, o corpo do qual ele só havia tido impressões. A sessão com a prostituta havia somente diminuído a luz ao seu redor,
de forma que a iluminação oferecida por aquela a quem ele amava, brilhava ainda mais forte, no contraste.
Como estratégia, aquilo havia sido um fracasso total.
Então ele tinha de encontrar outra. Ou tentar isto de novo, sim, ele tentaria de novo com outra, ou com a mesma ou mais três ou quatro. O dinheiro era escasso,
mas Balthazar e Zypher eram tão sedutores que Xcor tinha certeza que podiam negociar em seu lugar.
E sempre havia o álcool para ajudá-lo.
E a guerra, que era uma excelente drenadora de energia.
O que não podia fazer era ceder à quase sufocante necessidade de telefonar para Layla para ouvir sua voz, e implorar para ela vê-lo apesar do que havia lhe dito.
Aquilo só seria mais uma morte para ele.
Bloodletter havia lhe ensinado que, parte da força era a eliminação da fraqueza, e vezes sem fim, com a repetida exposição àquela Escolhida, suas emoções o haviam
castrado: Ele estava fazendo escolhas e distraindo-se com coisas que comprometiam a integridade de seu guerreiro interior.
E de alguma forma, ela havia descoberto e lhe mostrara aquela verdade.
O conhecimento dela sobre tudo o que ele sacrificara por causa dela havia sido o que o despertara, e somente um tolo não perceberia o caminho que estava trilhando;
ele precisava alterar o destino do que ela se tornara para ele, desviar daquela situação insustentável com ela, proceder com entusiasmo de volta à clareza que uma
vez possuíra.
Senão o que seria o futuro deles? Mais encontros às escondidas aqui? Até que, eventualmente, um Irmão a seguisse devido a alguma pequena gafe que ela tivesse
dado ou alguma suspeita sobre a qual ela não tivesse consciência? Seus soldados e ele precisavam de um local seguro para descansar e se recuperar durante as horas
do dia, e ele não podia comprometer isto.
Onde ele estivera com a cabeça? Ao trazê-la aqui?
Ele e seus Bastardos não tinham dinheiro para se mudar de novo tão logo, o aluguel da propriedade era um fardo grande demais agora que Throe havia partido.
Pelo menos Xcor sentia que podia confiar nela. Ela tivera nove meses para delatar o local nos prados onde sempre se encontravam, e ele ainda sabia onde o Complexo
da Irmandade ficava. Era uma troca mútua... Se ela divulgasse este lugar, havia de saber que sua reação seria um ataque direto à mansão sagrada da Irmandade.
Onde, se as fofocas fossem reais, o primogênito do Rei dormia em seu berço.
Não, ela não diria nada...
Bing!
O som de seu celular tocando o fez virar a cabeça. O aparelho celular estava no chão perto da porta, no emaranhado de suas calças.
Pulou em pé e correu pelo espaço, suas mãos parecendo atrapalhadas ao remexer pelas camadas de tecido, e lutando contra o fecho do bolso, retirou o aparelho.
Ele não havia tido resposta nenhuma dela quanto à mensagem que havia convertido de voz para texto para lhe enviar.
Digitando uma senha de quatro dígitos no teclado numérico, desbloqueou o aparelho e vasculhou pelas mensagens de texto. Seu analfabetismo era tão grande que
tinha de usar um aplicativo conversor de texto-para-áudio para conseguir receber as mensagens de seus soldados e dela.
Mas, sabia o suficiente para ver que, o que recebera não era da Escolhida.
Ele afastou o celular sem ouvir o que era.
O fato de ter caminhado e parado em frente à porta de entrada, como se estivesse perdido, o emputeceu.
Ele não podia, não iria permitir que esta castração continuasse. Havia coisas demais em sua vida que eram mais destrutivas do que deixar uma fêmea que não era
dele, só para começar: sua mãe havia odiado sua aparência e o havia abandonado por causa de seu lábio leporino; ele havia suportado abusos inimagináveis no campo
de treinamento do Bloodletter; e então seguiram-se os séculos de depravação nesta guerra, seu ódio desenfreado pelo mundo o definia, o guiava.
Este assunto com Layla não iria derrotá-lo.
Forçando seus pés adiante, entrou no banheiro e ligou o chuveiro. O sangue que a puta havia lhe fornecido o provia de uma força física que ele não sentia desde...
Não, ele não podia mais pensar em Layla.
Ele tinha de esquecê-la. Desligar suas emoções.
Era como uma morte, disse a si mesmo. E as Destinos sabiam que ele conhecia isto bem demais, e conseguia lidar definitivamente com o conceito.
Entrando sob o jato de água gelada, pegou o sabonete e começou a lavar sua pele, mas, então parou.
Não, ele precisava manter o fedor em sua carne.
O propósito do banho era somente acordá-lo da letargia pós-alimentação que confundia seu cérebro. Depois disto, ia até seus soldados.
Era hora de voltar a focar e renovar seus esforços na guerra.
E reassumir o curso natural de sua vida.