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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


OS SOMBRAS
OS SOMBRAS

 

 

 

                                                            Irmandade da "Adaga Negra"                                                                 

 

 

 

 

Capítulo VINTE E UM
O pau de Trez tinha sua própria pulsação. E isto antes de Selena ficar totalmente nua à sua frente. Após aquela revelação? A maldita coisa passou a ter seu próprio
padrão de pensamento.
Minha.
Ao ouvir a porta se fechar, Trez não soube se foi uma de suas mãos que a fechou, ou se simplesmente desejou que a coisa voltasse ao seu lugar.
- Tem certeza disto? - Gemeu ele, já dando um passo na direção dela. - Porque não vou conseguir parar.
- Sim. - Os olhos dela não se ergueram para encontrar os dele. Estavam travados em no quadril. - Oh, sim. Me deixe te ver.
Quando ele parou bem na frente dela, ele disse:
- E todas as humanas com as quais fiquei?
- Vai falar delas agora? - Ela abriu a faixa do roupão dele com uma das mãos. - Sério?
Ele impediu-a de abrir o roupão.
- Nada mudou em mim.
- Azar o seu, não meu.
- Na minha tradição...
- Que não é a minha.
- ... Eu estou corrompido.
- Por que é que você continua falando?
Com isto, ela livrou-se da mão que a segurava, tirou a faixa, abriu as laterais do tecido preto. O sexo dele estava totalmente ereto, se sobressaindo entre eles.
E foi a próxima coisa a qual ela tomou nas mãos.
Trez gemeu e jogou a cabeça para trás.
- Você está quente. - Ela suspirou ao se inclinar e beijar a pele sobre seu coração. - E duro.
- Selena, estou falando sério. - Ele tentou impedi-la de continuar as carícias. - Eu quero te respeitar...
- Você está perdendo tempo.
Com isto ela caiu de joelhos e assumiu o controle. Como era uma fêmea alta, sua boca ficava na altura perfeita e, Deus os ajudasse, ela a pôs para trabalhar,
estendendo a língua rosada para lamber a cabeça. O toque aveludado o deixou trêmulo e, antes que seguisse o caminho dos roupões e caísse na porra do chão, se inclinou
para frente e apoiou ambas as mãos na coisa mais próxima que conseguiu achar.
A escrivaninha. Ou pode ter sido o capô de um carro. O trenó do Papai Noel. Uma geladeira.
Quente e úmida, ela abocanhou, a sucção e aquelas lambidas apagando o mundo, trazendo-o instantaneamente à beira do orgasmo.
Cerrando os dentes, ele gemeu - Eu vou gozar... Ah caralho... Eu vou...
Ele vagamente pensou em não desrespeitá-la ejaculando em sua bo...
Selena se afastou, abriu a boca e estendeu aquela língua mágica. Olhando para ele, de baixo para cima, começou a masturbá-lo com força ao mesmo tempo em que,
preguiçosamente, lambia sua ponta.
Trez segurou, oh, talvez um segundo e meio. Quando sua liberação jorrou, ela tomou-a toda, engolindo, sugando, se afastando para lambuzar os lábios e rosto.
Deus a ajudasse, ele continuou ejaculando, uma infinita urgência sexual travando o seu corpo, enquanto a marcava, sua essência cobrindo-a de uma posse que era primordial.
Defender. Proteger. Amar.
Tudo isto naquele local sagrado.
Minha.
Quando finalmente se esgotou, ela se sentou de volta sobre os tornozelos e então, com uma série de movimentos lânguidos e matadores, lambeu os lábios. Ergueu
os dedos, capturou a trilha pegajosa no queixo, e sugou até limpar. Olhou para baixo, para os seios perfeitos.
Espalmando os pesos gêmeos, sorriu para o que caíra sobre eles, fazendo os montes e aqueles mamilos tesos brilharem. - Você me melecou.
- Onde você aprendeu a fazer isto? - Ele engasgou.
Pelo menos foi o que pretendia dizer. As sílabas saíram em um amontoado de sons incoerentes.
- O quê? - Ela suspirou, antes de erguer um dos seios e baixar a cabeça, com a língua para fora.
Ela lambeu a si mesma.
O rosnado que saiu da boca de Trez foi algo que, se estivesse em seu lugar, ele teria temido.
Selena não temeu. Ela só emitiu uma risada rouca. - Há algo mais que você queira marcar?
Liberdade.
Quando Selena se ajoelhou à frente de Trez, com o gosto dele em sua boca e sua essência sobre todo o seu corpo, se deleitou na sensação de liberdade sexual que
a invadiu. A liberação pareceu inteiramente o oposto da sentença de morte sob a qual vinha vivendo e, ainda que sua falta de tempo fosse o que a impedisse de sentir
qualquer estranheza ou preocupação consciente, ela sentia-se voando acima das amarras que há tanto tempo a prendiam ao chão, seu treinamento como ehros permitia-lhe
entregar-se às correntes de sexo que se estendiam, grossas como cordas tangíveis, entre os corpos deles.
Sem saber quanto tempo lhe restava, e sob a frustração de ter perdido tanto tempo, sentia urgência de expressão pessoal, e abraçava cada desejo que tinha, na
total intenção de satisfazê-los.
Todos eles eram com Trez.
Como se sentisse o mesmo, ele se inclinou e levantou-a do chão. Suas juntas protestaram pela mudança de posição, mas as reclamações não eram mais do que murmúrios
contra a luxúria desenfreada que ela sentia por ele.
Ela precisava da penetração. Pelo corpo dele.
Trez levou-a a cama e deixou-a de barriga para baixo, suas mãos grandes e quentes acariciando-a do ombro até as costas das coxas, antes de erguê-la de quatro
e afastar seus joelhos. Selena abaixou a cabeça, ela queria vê-lo, e olhou para além dos montes dependurados de seus seios, observando-o se aproximar dela por trás,
com o sexo pulsando enquanto ele tomava posição para...
Não foi sua ereção que se esfregou nela.
Quando as mãos dele agarraram seu quadril, os polegares se enfiaram em sua bunda e afastaram, até o sexo dela se abrir totalmente para ele. E então ele veio
com a boca, os lábios tocando-a, carícias úmidas sobre a umidade, sugando, devorando. Com dominação total, a língua dele lambeu de cima abaixo, penetrou, tintilou
no topo do sexo dela até ela convulsionar em orgasmo, cada onda de prazer esfregando-a mais e mais contra o rosto dele.
Quando finalmente acabou, ele se afastou, os punhos apoiados nos lençóis de ambos os lados dela.
- Eu vou te foder agora, - ele falou por entredentes em seu ouvido.
- Oh, Deus, por favor...
Selena gritou alto quando ele a penetrou, esticando seu interior quase além do limite. A dor foi em uma medida perfeita, e então ele começou a bombear. Nada
de movimentos lentos e regulares; eram violentos, puro poder, poder que a fez ver estrelas até perder a força de manter o corpo elevado da cama. Caindo de cara nos
lençóis que tinham o cheiro dele, ela lutou para respirar e amou a sensação de sufocamento que sentia a cada arremetida que a fazia esfregar o rosto nos travesseiros.
Bang! Bang! Bang!
A cabeceira estava tendo a mesma experiência violenta que ela, batendo na parede, o som reverberando junto com os gemidos dele, que era todo animal.
Virando a cabeça para olhar acima do ombro, ela tentou vê-lo.
Trez estava magnífico, os peitorais e ombros elevados, os enormes braços esculpidos em músculos, o abdômen definido, enquanto os quadris arremetiam contra ela.
Quando ele gozou, jogou a cabeça para trás como quando ela o dominou, e uivou, expondo as presas brancas longas e mortais, os tendões do pescoço saltaram nas laterais,
os quadris bateram contra ela enquanto ele metia, metia e metia...
Ele gozou dentro dela.
E o sexo dela o ordenhou, provocando-o até ela sentir a umidade escorrendo pelas coxas.
Ele mal retirou o corpo de dentro dela e caiu para o lado, como se cada gota de força houvesse sido drenada dele. A cabeceira deu um último bam! quando ele se
jogou e quicou, as mãos, braços, tórax e pernas relaxando de todo aquele esforço físico. A boca dele se moveu, os olhos escuros encontraram os dela e ali ficaram.
Ela não fazia ideia do que ele estava falando. E não importava. Sua bunda ainda estava para cima, o sexo formigando pelo modo violento como foi tratado, seu
corpo tão saciado quanto a aparência dele. Correntes de ar, da ventilação acima, vinham do teto, tocando tudo o que estava exposto, fazendo cócegas, esfriando.
Aquele havia sido o melhor sexo de sua vida. Selvagem e rude, do jeito que lhe haviam contado, e para o qual fora treinada, do jeito que devia ser.
Antes de Selena permitir-se deitar-se ao lado dele e deslizar para seu próprio sono, sorriu tão largamente que suas bochechas doeram.
Ela fora, pela primeira vez na vida, não só bem e verdadeiramente fodida, mas marcada pelo macho que amava. Mesmo com o futuro que tinha de enfrentar, era difícil
não se sentir abençoada.
Capítulo VINTE E DOIS
iAm recobrou consciência, mas manteve os olhos fechados. O que o acordou foi a dor excruciante na parte de trás da cabeça; aquilo e o frio do chão sobre o qual
estava deitado. Por um momento, considerou bancar o gambá e tentar descobrir onde estava pela audição, olfato e instintos, mas não havia motivo para isto.
Ele sabia exatamente onde o tinham posto.
Bastardo traidor fodido.
Levantou as pálpebras e viu uma grande porção de nada. Só que, estava deitado de bruços, um braço por baixo do tórax como se tivesse sido jogado...
Uma porta abriu no canto atrás de si. E ele percebeu não pelo ranger de dobradiças, mas pela súbita adição de vozes e passos na cela.
- Porque eu checaria suas marcas? - um macho perguntou. Não era s'Ex.
- É o protocolo.
Sim. Nada havia mudado.
iAm voltou a fechar os olhos e ficou perfeitamente parado, exceto por respirar superficialmente enquanto as pegadas se aproximavam.
Houve um engasgo. E então dedos apalparam suas costas, como se esticassem a pele onde havia sido marcado, como todos os machos eram, aos seis anos de idade.
- Isto não pode estar certo.
Os passos se afastaram apressadamente e, ele supôs que a porta voltou a ser fechada.
Erguendo a cabeça, sua visão borrou-se e voltou ao foco. Não havia mais ninguém na cela bem iluminada de seis metros por seis, as paredes branco brilhante, tão
lisas que ele poderia ver seu reflexo escuro nos painéis de mármore.
Sua cabeça doía tão infernalmente que foi forçado a deitá-la de novo, a bochecha achando o exato ponto na pedra que havia sido aquecido pela temperatura de seu
corpo desmaiado. Seu braço estava matando-o, sentia o membro anestesiado e dolorido ao mesmo tempo, mas, lhe faltava energia para se mover e tirar o peso do corpo
de cima dele. Deitado ali, respirando, existindo, ele não fazia ideia de quanto tempo havia se passado, o que iam fazer com ele, ou se ele ia descobrir que sua brilhante
ideia de que estava vivo era um engano.
Do nada, veio-lhe uma imagem mental dele saindo do Sal's na noite anterior, saindo livremente do restaurante que amava, conversando com os garçons.
Pegou-se desejando poder rebobinar o tempo e voltar àquela encarnação de si mesmo, suas lembranças do jeito que a noite sentia-se fria em seu rosto, e como a
fumaça dos cigarros dos garçons subiam espiraladas das pontas acesas, tão claro que, por um momento, pareceu impossível não poder retornar àquele lugar no tempo...
Pisar nos sapatos que calçava então... Reassumir a vestimenta de sua pele, do mesmo modo como reassumia sua forma após se desmaterializar.
Mas é claro, o tempo não funcionava assim. E a memória era como um show de televisão da própria vida, uma tela de filme ao qual se podia testemunhar, mas, não
interagir, mudar o curso ou redirecionar.
O desespero por Trez, grande motivador de sua vida, havia o levado de volta ao coração do inimigo que ele e o irmão dividiam.
E havia uma chance muito boa de que esta merda fosse vencê-lo.
Com um gemido, rolou para o lado e piscou algumas vezes. Suas armas, assim como a túnica que vestia, haviam desaparecido. E não havia mais nada na cela...
A porta abriu, o painel deslizou silenciosamente na parede. E quem entrou estava coberto da cabeça aos pés em camadas sobrepostas de tecido, o rosto coberto,
o pé coberto, mesmo as mãos enluvadas.
Seria a Morte? Perguntou-se. Teria ele desmaiado e estaria sonhando...
Um sutil aroma foi registrado.
Mas não em seu nariz. Em todo o seu corpo.
Como uma corrente de eletricidade.
A porta foi fechada por trás da figura alta e coberta. E enquanto o macho se aproximava, iAm fez de tudo para assumir um tipo de postura defensiva.
Não conseguiu muito.
Uma mão enluvada se esticou; ele foi rolado de volta; e então sentiu o toque na base de sua coluna.
- Eu vou... Matá-lo... - iAm murmurou. - Machucá-lo.
De que forma, não fazia ideia. Mas ia lutar, isso era uma maldita certeza.
A figura recuou um passo. Inclinou a cabeça como se considerando o método de morte que seria usado.
No s'Hisbe, a maior parte dos prisioneiros eram primeiro torturados. Amaciados, iAm sempre pensara. Então eram massacrados, enterrados ou devorados por s'Ex
e seus guardas, dependendo do crime.
Este último era uma tradição orgulhosa. Também simplificava a questão sobre o que fazer com o corpo.
iAm fechou os punhos e preparou-se para o que se abateria sobre ele.
Só que a figura simplesmente o observou por um longo momento. E então recuou para a porta e saiu.
Oh. Okay. Eles verificaram quem ele era, e viram que não havia motivo para matá-lo antes de capturarem Trez novamente. Aquilo seria um desperdício de recursos.
Merda.
Relaxando os músculos, ele tentou mover-se e rezou que as habilidades naturais de cura de seu corpo cuidassem da concussão rapidamente.
Ele ia precisar ser capaz de enfatizar suas palavras de resistência com mais do que um corpo inerte e membros feitos de chumbo.
Maldição, ele jamais devia ter confiado em s'Ex.
De volta em Caldwell, Paradise sentou-se na cama, sobre as pernas, olhos fixos no céu noturno do outro lado de suas janelas fechadas e trancadas.
- Então você vai mesmo? - disse ela, ao celular.
Peyton riu.
- Diabos, claro, está brincando? Estou morrendo de vontade de sair daqui. Desde os ataques estou trancado, e o fato de meus pais me deixarem entrar neste programa
de treinamento é um milagre.
Ela olhou para as trancas na porta de seu próprio quarto, as quais, a propósito, estavam trancadas naquele momento.
- Me pergunto se meu pai me deixaria ir, - murmurou.
Houve uma pausa. Então uma risada.
- Oh, meu Deus, Paradise. Não. Uh uh. De jeito nenhum.
- É, você deve ter razão. Ele é realmente protetor...
- Aquele programa não é para fêmeas.
Ela fechou a cara.
- Com licença. O decreto da Irmandade dizia que seriamos bem-vindas se quiséssemos tentar.
- Okay, primeiro, "tentar" não significa "ser aceita". Você sequer já fez uma flexão?
- Bem, tenho certeza que conseguiria se eu...
- Segundo, você nem é uma fêmea comum. Digo, olá, você é membro de uma Família Fundadora. Seu pai é o Primeiro Conselheiro do Rei. Você precisa ser preservada
para procriação.
A boca de Paradise se abriu em choque. - Não acredito que acabou de dizer isto.
- O quê? É verdade. Não finja que as regras são as mesmas para fêmeas como você. Como, se um sujeito civil, que só por acaso use saias, quiser fazer uma tentativa,
tudo bem. Seria uma perda que não significaria nada para a espécie. Mas, Parry, não sobraram muitas como você. Para machos como eu? Não queremos nos emparelhar com
ninguém menos que vocês, e existem hoje quantas, quatro ou cinco de vocês?
- Esta é a racionalização mais machista que já ouvi. Vou desligar.
- Aw, vamos lá. Não fique assim.
- Vai se foder. Eu sou mais do que só um par de ovários no qual se pode colocar uma aliança.
Ela desligou e pensou em arremessar o celular contra a parede. Quando não conseguiu seguir o impulso, começou a se preocupar com todos os seus modos inatos que
no fundo só reforçavam que Peyton estava certo.
Ela era mesmo só uma flor de estufa, não prestava para nada além de xícaras de chá, ter filhos e...
Quando seu celular começou a tocar de novo, ela jogou-o sob o edredom, deitou-se no chão e plantou a palma das mãos sobre o tapete de crochê. Esticando as mãos,
equilibrou na ponta dos dedos dos pés.
- Certo, - ela disse, cerrando os dentes. - Para cima e para baixo. Cem vezes.
Ela conseguiu descer sem dificuldades, os braços mais do que famintos por obedecer. E quando seu nariz tocou o padrão de um vaso de flores que havia no tapete,
ela sentia-se uma fera, pronta para arrebentar com tudo.
Subir foi... Aceitável.
Descer de novo para o tapete. Eeeeee subir.
Mais ou menos. Os músculos em seus bíceps começaram a tremer; os cotovelos falsearam; os ombros gritaram.
Ela conseguiu três vezes. Ou, tipo, duas vezes e meia. Antes de cair no...
- O que está fazendo?
Com um ganido, Paradise levantou-se. Seu pai estava na porta do quarto, segurando a chave que ele usava para abrir todas as portas, e as sobrancelhas dele se
ergueram tanto, que quase encostaram na linha do cabelo.
- Flexões, - ela disse, arfando.
- Para que?
Pergunte, ela pensou. Desembuche e diga, Eu quero me juntar ao programa do Centro de Treinamento da Irmandade...
Seu telefone tocou de novo.
- Não vai atender? - Seu pai perguntou.
- Não. Pai, eu tenho uma...
- Algo aconteceu, querida. - Ele fechou e voltou a trancar a porta. - E preciso ser franco com você.
Paradise dobrou as pernas e enlaçou-as com o braço.
- Fiz algo errado?
- Oh, não. Claro que não. - Ele meneou a cabeça ao olhar para ela. - Você é a melhor filha que qualquer macho poderia desejar ter.
Quando seu telefone parou de tocar, ela teve de se perguntar quanto dos pontos de vista de Peyton seu pai dividiria. E quantas vezes Peyton ia tentar ligar para
ela de novo.
- Preciso que faça suas malas, - ele disse.
Paradise recuou.
- Por quê?
- Preciso que fique longe daqui por algumas semanas.
Um jato de frio atravessou-a.
- Por quê?
- Oh, amor. - Ele se aproximou e se ajoelhou. - Por nada. É só que, eu achei que poderia gostar de ter um emprego.
Agora foram as sobrancelhas dela que se ergueram.
- Sério?
Ela havia levantado o assunto alguns meses atrás, quando, após outra noite tomando lições de piano e fazendo bordados complicados e intrincados a fizeram sentir-se
como se fosse enlouquecer. Mas, ele havia cuidadosamente negado, no interesse de sua segurança, um ponto que ela tanto respeitava quanto a deixava frustrada.
Era difícil discutir que o mundo não era um lugar muito perigoso para vampiros.
- O que mudou? - Então ela se lembrou do parente distante. - Espere, aquele macho vai continuar por aqui?
- Não é nada com ele. Além disto, meu cargo de Primeiro Conselheiro está ficando mais complicado e trabalhoso, e preciso de alguém em quem possa confiar para
me ajudar com os negócios do Rei. Eu não posso imaginar ninguém mais apropriado do que você.
- Sério? - Ela disse, estreitando os olhos. - Não há nenhuma outra razão?
- De verdade. Prometo. - Ele sorriu. - Então o que diz... Gostaria de trabalhar comigo?
Com um súbito movimento de felicidade, ela agarrou o pai em um abraço. - Oh, obrigada! Sim! Estou tão animada.
Ele riu.
- Okay, mas você terá de se mudar para a mansão de audiências do Rei. Não se preocupe, não estará sozinha. Pode levar sua dama de companhia doggen, e a Irmandade
tem a equipe completa no local...
Paradise ergueu-se e correu para o closet. Abriu as portas e começou a separar as peças de seu conjunto de bagagens Louis Vuitton.
- Estarei pronta em meia hora! Quinze minutos! - Ela abria gavetas, pegando roupas de baixo, sutiãs, camisetas. - Oh, o senhor chama Vuchie? Ela ficará tão animada!
Vagamente, ouviu o pai rir.
- Como desejar, minha senhora. Como desejar.
Capítulo VINTE E TRÊS
Rhage retomou forma no gramado da antiga mansão de Darius, e caminhou para a entrada da frente. No momento em que entrou na casa, ouviu uma série de suspiros,
e olhou para a esquerda. No salão, havia um monte de civis amontoados em pé, em um grupo estranho, como se não se sentissem confortáveis sentados em todos aqueles
móveis elegantes revestidos de seda, e os olhos que se arregalaram ao vê-lo.
É, sua reputação ainda o precedia.
Jesus, bastava ter sido um puto por alguns séculos, e as pessoas continuariam te julgando, mesmo depois de você se redimir e emparelhar adequadamente.
Era um pé no saco e, em uma noite normal, teria se aproximado e se apresentado, só para falar de Mary.
Esta noite, no entanto, se dirigiu às portas fechadas do que certa vez fora a sala de jantar. Batendo duas vezes, disse. - Sou eu.
Tohr abriu a porta com uma saudação, e Rhage entrou em uma sala mais cavernosa, mais vazia: Tudo o que havia ali eram algumas cadeiras, uma mesa com uma cadeira
de escritório, e alguns assentos auxiliares, para serem usados em alguma audiência que tivesse gente demais para acomodar.
- Sem explosivos, - Wrath estava dizendo de uma das poltronas. - Nem armadilhas.
V estava em meio ao processo de acender um cigarro enrolado à mão, e ao tragar, o aroma de tabaco turco flutuou.
- Hollywood e eu repassamos a casa como um pente fino. Eles claramente estiveram lá. Tinham partido pelo que pudemos apurar. Mas, não se incomodaram de tentar
nos foder.
Com sua mão da adaga, Wrath acariciou a cabeça do golden retriever que o ajudava a se locomover. George, sempre em adoração a seu dono, tinha o focinho voltado
para o Rei, oferecendo livremente a garganta. - Então Throe não mentiu.
- Pelo menos não sobre isto, - V murmurou.
- Interessante.
Rhage olhou em volta para os rostos de seus irmãos. Z e Phury estavam em pé, juntos como sempre. Qhuinn estava próximo a Z, e então Blay e John Matthew, mesmo
os machos não sendo membros, estavam ao seu lado. Butch estava do lado oposto ao Rei, com os braços pousados no apoio da poltrona onde apoiava seu peso; V estava
atrás ele. Tohr estava perto da porta.
- O que fazemos agora? - Rhage perguntou.
- Esperamos. - Wrath se inclinou ainda mais e acariciou os pelos do cão. - Se ele começar a remexer na merda, vai se enforcar. A aristocracia terá de ser monitorada...
Precisamos de uma fonte infiltrada. Alguma ideia?
Naquele momento, houve outra batida na porta. Tohr encostou o ouvido no painel e então abriu a porta. - Peça e receberá.
Abalone enfiou a cabeça pela porta.
- Meu senhor? Sinto muito me intrometer, mas posso, por favor, apresentar minha filha, antes de começarmos as audiências desta noite?
Wrath gesticulou para o macho se aproximar com a mão livre. - Sim, traga-a.
Abalone retirou a cabeça da fresta da porta e houve uma conversa sussurrada. Então reapareceu, puxando um projeto de fêmea. Com os cabelos louros, corpo magricelo
e pernas longas, ela estava mais para o lado Princesa Ártica do sexo frágil.
Bela. Muito bela. Talvez até mesmo linda... Embora não chegasse aos pés de sua Mary.
Abalone levou a garota até se aproximar, uma mão guiando-a pelo cotovelo, seu orgulho de pai estufando o seu peito. - Meu estimado governante, grande Rei de
toda...
- É, é, chega disto, - Wrath cortou, - Paradise, soube que está se mudando para a casa de minha shellan e seu irmão. Seja bem-vinda.
Quando ofereceu o diamante negro, Paradise fez uma reverência, as mãos tremendo tanto que pareciam tremular à luz do candelabro.
- Meu senhor, - ela sussurrou antes de beijar a joia.
Liberando a mão dele, ela endireitou-se e olhou para o chão, os ombros encurvados, pés travados.
- Quer conhecer meu cão? - o Rei perguntou.
George, sempre pronto para um carinho na cabeça, bateu com a cauda no chão, o som como o de alguém batendo corda no chão de terra.
- Pode fazer carinho nele, - Wrath disse. - Eu deixo.
A garota olhou rapidamente para o resto da Irmandade, os olhos baixados para os shitkickers. E foi quando até Rhage sentiu pena dela. Uma grande parte da aristocracia
tratava suas fêmeas tão mal, que nunca eram admitidas na presença de machos de quem não fossem parentes, então esta era, sem dúvida a primeira vez que ela ficava
em um ambiente com tanta testosterona.
- Vá em frente, George. Diga oi.
Ao incentivo de Wrath, o cão veio para frente e sentou a bunda peluda bem em frente a ela, com os ouvidos inquietos, e aquela cauda balançando de um lado para
outro.
- É... É um garoto? - Perguntou ela, suavemente quando se abaixou no chão e estendeu a mão para todo aquele pelo.
- Sim. - Wrath olhou para cima. - Está certo, bando de imbecis, apresentem-se, está bem? E sejam educados.
Todos pigarrearam. Por fim, Phury deu um passo à frente e fez as apresentações. Provavelmente foi melhor assim... ele era o mais próximo de um cavalheiro que
tinham.
- Que bom que está aqui, - o Primale disse. - Eu sou Phury... Nós amamos seu pai, a propósito. É um cara legal.
Eeeeeee isto fez Abalone quase levitar para fora de seus sapatos Bally.
Ela olhou para aqueles olhos amarelados e lhe deu um sorriso. - Oi.
- Aquele ali é meu gêmeo, - ele indicou Z, e Zsadist, sempre consciente de sua aparência ameaçadora com aquela cicatriz no rosto, continuou afastado, erguendo
a mão quando Paradise recuou. - Zsadist é emparelhado e tem uma filha chamada Nalla. Ela é maravilhosa... Olha aqui uma foto dela.
Enquanto Phury estendia seu celular, a garota olhou para a foto. Olhou para Z. Voltou a olhar para a foto.
- Minha bebezinha, - Z disse, em uma voz profunda. - Ela tem dois anos, e parece com sua mahmen.
Instantaneamente a garota relaxou. Então Phury apresentou Vishous, que só acenou e Butch, que lhe deu um "Oi, como vai!" típico de Boston. John Matthew, Blay
e Qhuinn foram os próximos e então Phury indicou Rhage.
- E o Brad Pitt ali é Hollywood.
Ele sorriu. - Prazer em conhecê-la.
O olhar de Paradise fixou-se nele, os olhos arregalaram, mas não de medo. Longe disto.
- É, ele é lindo, - alguém disse. - Até conhecê-lo melhor.
- Aww, vamos lá, - Rhage respondeu. - Não me difame.
A conversa brotou, com Wrath fazendo à Paradise algumas perguntas para encorajá-la a falar de si. Quando a garota voltou a atenção ao Rei, Rhage pensou na época
antes de conhecer Mary. Sem dúvida ele teria dado em cima daquela inocente... E teria conseguido conquistá-la. Ele nunca falhava, já que controlava sua besta fodendo
com tudo e com todos que passavam perto dele. O que era bom para ele. Não tão bom para as fêmeas que queriam manter sua virtude.
E ele não tinha dúvida de que Paradise era uma dessas.
Então sim, ele estava feliz de conhecê-la sob estas circunstâncias, quando não havia absolutamente nenhuma chance de ele dar em cima dela. Ele emparelhara com
sua Virgem, do jeito que Vishous previra que ocorreria, e sua vida fora salva.
Por alguma razão, um sentimento de enjôo o transpassou.
Levou a mão até o bolso, tirou o celular. Verificou as mensagens de texto.
Trez, o pobre bastardo, ainda não tinha respondido. Parecia estúpido incomodar o cara de novo, dado tudo aquilo com o que ele já tinha de lidar, mas, era difícil
não tentar contatá-lo de novo.
Rhage desejava que houvesse algo mais a fazer para ajudar o cara e sua Escolhida.
Ele realmente desejava.
Não havia como ligar a seta.
Quando Layla dirigiu sua Mercedes de volta à mansão da Irmandade, ela trazia seu braço machucado pousado no console entre os assentos, uma jaqueta sobressalente
amontoada por baixo para aumentar a altura e diminuir os balanços.
A dor era atordoante, o tipo de coisa tão forte que era sentido nas entranhas.
Então não, não havia como sinalizar direita ou esquerda.
Pelo menos não havia ninguém naquela estradinha rural tão tarde da noite.
Passaram-se horas, talvez dias até ela chegar à montanha da mansão, e o mhis foi um pesadelo. A distorção da paisagem de V, uma medida de segurança para manter
sua posição em segredo, implicava em ver tudo borrado, como se uma neblina houvesse caído sobre a floresta. Exausta de tanto conter a vontade de vomitar, em combinação
com a visão falha, significava que ela se sentia completamente perdida, e seu instinto foi se inclinar e se aproximar do pára-brisa... O que não ajudou.
Tudo aquilo só fez seu braço doer ainda mais.
Quando as luzes brilhantes da mansão finalmente entraram em foco, ela rezou, rezou para que os Irmãos estivessem todos lutando para que ela conseguisse chegar
ao quarto sem ninguém vê-la. Contornando a fonte que já estava coberta para o inverno, ela estacionou perto do GTO roxo de Rhage e do brinquedo novo de Butch, uma
Mercedes preta que parecia uma caixa de pão.
Ela teve de se contorcer para controlar o volante e empurrar a alavanca da marcha para estacionar o carro na vaga... E descobriu que tinha de se esticar ainda
mais para apertar o botão Stop/Start para desligar o sedã. Daí foi questão de respirar superficialmente pela boca enquanto se recuperava do esforço. Olhando pelo
espelho retrovisor, ela teve uma visão da entrada da mansão... E não fez ideia de como chegaria até lá. Muito menos de como se arrastaria até o quarto.
Não havia outra escolha. Ou ela fazia isto sozinha, ou teria de pedir para outra pessoa mentir por ela: não tinha como esconder o ferimento, não enquanto tão
fresco. E ela não podia deixar Qhuinn descobrir o que acontecera.
Ou, pior ainda, o que ela andara fazendo quando caíra.
Maldição, esta situação era punição por sua vida dupla... Suas duas realidades opostas se chocando, nocauteando-a, expondo-a.
Potencialmente.
Hora de entrar.
Layla teve uma nova uma lição em termos de dor ao abrir a porta e tentar erguer-se do assento de couro, o braço gritando quando o osso quebrado se moveu.
Recuperar o fôlego. Vários deles.
E então de alguma forma, conseguiu sair do carro.
A mansão sempre fora assim tão longe da área de estacionamento?
Contornar a fonte não foi muita questão de botar um pé em frente ao outro, mas cambalear sobre os paralelepípedos tentando não desmaiar. Quando chegou aos degraus
de pedra que levavam às portas do tamanho de catedrais, ela quis chorar. Em vez disto, subiu de uma só vez.
Ao abrir as portas do vestíbulo, percebeu que cometera dois erros: deixara o carro destrancado, e ela teria, de fato, de interagir com alguém... Não havia jeito
de entrar na casa sem colocar a cara na frente da câmera de segurança e esperar ser atendida.
Olhando de volta para a Mercedes, não teve energia para voltar e fechá-lo. E tentar dar a volta para a entrada de serviço da garagem estava...
Foi onde as coisas acabaram.
Enquanto sua mente se debatia entre as suas opções limitadas, seu corpo desconectou-se sozinho da tomada da consciência: desligou e a gravidade fez sua mágica,
o degrau se ergueu para saudá-la com um abraço duro, muito duro.
Que ela não sentiu.
Capítulo VINTE E QUATRO
Era quatro da manhã quando Assail guiou seu Range Rover blindado até a beira do Rio Hudson. A alameda onde estava era tão larga quanto um lápis e suave como
uma corrida de obstáculos. Ao lado dele, Ehric estava calado, a .40 do macho pousada sobre as coxas, um dedo inquieto sobre o gatilho, pronto para atirar ao menor
sinal de movimento ou barulho.
Um rápido olhar pelo espelho retrovisor mostrou-lhe que o gêmeo de Ehric, Evale, encontrava-se igualmente alerta e preparado para qualquer coisa.
Cerca de vinte metros adiante da "estrada", era possível ver a clareira pouco profunda na margem. O procedimento era o mesmo todas as vezes: Ele pararia o SUV
na linha das árvores e daria a volta de forma que, se algo imprevisto acontecesse, ele poderia sair rapidamente com o dinheiro ou as drogas. Então ele esperaria
com seus rapazes, geralmente, cerca de dez minutos, antes que o barco de pesca ruidosamente aparecesse.
Seus primos usavam coletes à prova de balas. Ele não.
Eles estavam sóbrios. Ele não.
Nem isto era surpresa. Ele jamais se importara com qualquer tipo de proteção peitoral, e a outra coisa? A esta altura, teria de abster por vários dias para que
a cocaína saísse completamente de seu sistema.
Ao continuar dirigindo, deixou sua mente vaguear, a imagem de outro tipo de baía, um tipo diferente de água, apresentando-se e se recusando a sumir.
Ele viu a praia. O oceano. Palmeiras. Tudo isto brilhando à luz da lua.
Viu uma fêmea caminhando sozinha ao longo do calor acariciante do mar, seus braços cruzados sobre o peito, a cabeça baixa, a aura de uma sobrevivente cheia de
arrependimentos...
- Cuidado! - Ehric exclamou.
Assail forçou-se a se concentrar bem antes do Range Rover comer carvalho como Última Refeição... Ou, mais provável, seria o contrário.
Felizmente, a viagem acabou minutos depois, e ele conseguiu manobrar sem dificuldades, amassando o mato seco e curto até a grade imensa do SUV estar virada para
frente. Não havia faróis foi outra das modificações que ele havia providenciado junto com a blindagem.
O motor silenciou e seus dois passageiros saíram. Antes de se juntar a eles, retirou um vidrinho de dentro de seu casaco de lã. Um giro rápido. Colher na mão.
Sniff. Sniff.
E duas outras para a outra narina.
Após um rápido bufar para se assegurar que tudo estava onde devia, saiu do interior morno. Devolveu seu estoque para o local seguro, se envolveu ainda mais no
casaco. O ar noturno estava muito frio, e folhas caídas eram trituradas sob suas botas ao se juntar aos primos.
Não houve conversa.
E ainda assim, a desaprovação pelo seu nível de consumo estava evidente pela tensão em suas mandíbulas.
Mas isto não importava a ele. Tanto fazia eles desperdiçarem o fôlego com palavras, ou simplesmente o fitarem com ar zangado, como agora, ele não tinha intenção
de mudar seus hábitos.
O som de um único barco à motor vindo em velocidade baixa surgiu tão baixinho que, de início, não seria possível distingui-lo dos ruídos do ambiente da floresta
e do rio. Mas, logo, o barco de pesca deu a volta para a curva da costa, lento e baixo para a água. Havia dois indivíduos sentados no casco aberto, ambos vestidos
como pescadores acima de qualquer suspeita com seus bonés e coletes camuflados, somente as máscaras pretas indicavam algo nefasto. Também havia varas de pesca montadas
em corrente, estendendo-se por trás da popa.
O capitão aproximou o barco humilde de frente, desacelerando o motor para que parasse com um beijo, e não um soco.
Os primos se aproximaram enquanto Assail manteve-se na retaguarda, com sua própria .40 a postos. Os aromas dos dois machos humanos os identificaram como diferentes,
mas relacionados aos dois que vieram da última vez. E da vez antes daquela. E assim por diante.
- Onde estão os outros? - Assail exigiu.
Os homens pararam no processo de pegar três das cinco sacolas que estavam escondidas sob uma lona camuflada.
Assail sorriu fracamente diante de sua surpresa. - Acharam que eu não saberia?
- Eu sou irmão, - o da esquerda disse em um pesado sotaque inglês. - Ele é primo.
Assail inclinou a cabeça, aceitando a explicação. Na verdade, ele não se importava quem entregava seus produtos, contanto que fossem pontuais, pelo preço e qualidade
acordados e sem interferência de agentes da lei humana.
Até agora, tudo bem com estes dois.
Momentos depois, Ehric e o irmão aceitaram as bolsas e se afastaram, um olhando para frente, outro para trás, para cobrirem todo o terreno.
- Um momento, - Assail pediu lentamente. - Se não se importam.
Os humanos pararam de novo, e ele sentiu a ansiedade deles de modo tão claro quanto uma reverberação na superfície de uma mesa, a transferência de energia viajando
facilmente através do ar que separava seus corpos.
- O que mais tem aí embaixo? - disse ele, apontando para a lona. - Há mais duas sacolas, não há?
O mais baixo deles, o primo, arrumou a cobertura de volta no lugar e voltou-se para os controles do barco.
- O esquema mês que vem, - o outro disse, - o mesmo?
- Entrarei em contato com seus chefes.
- Muito bem.
Só isto, eles voltaram a seu caminho, ruidosamente contra a corrente vagarosa de água fria, com a propaganda de outra empresa na lateral.
Franzindo o cenho, Assail observou enquanto eles cruzavam o leito das águas e prosseguiam paralelamente à margem oposta.
Um momento depois, voltou ao Range Rover e quando bateu na janela da porta do passageiro, Ehric baixou o vidro.
- Sim? - O macho disse.
- Vou segui-los. - Assail acenou na direção do barco. - Eles estão negociando com outra pessoa. Quero descobrir quem.
Com um gesto curto de concordância, Ehric desmaterializou para o assento do motorista e engatou o SUV. - Eu também percebi. Ligue se precisar de ajuda.
Quando o Range Rover se afastou, Assail se virou e caminhou de novo para a água. Fechando os olhos, teve de lutar contra o efeito da cocaína para se acalmar,
e levou um tempo até poder se desmaterializar no vento gelado. Quando retomou forma, alguns quilômetros abaixo do rio, esperou até o barco aparecer de novo. Os homens
não percebiam sua presença, já que ele se escondeu entre as árvores coloridas e contrastava com a vegetação marrom, observando-os passar.
Mesma velocidade de motor. Mesmo protocolo para entregar as mercadorias para ele. A questão era: quem era o próximo cliente?
E que tipo de drogas eles estariam vendendo?
O chefe deles havia concordado em lidar exclusivamente com ele nesta parte do estado de Nova Iorque. E embora a competição fosse boa para o capitalismo, não
era bem-vinda em seu território; também desnecessária à declaração de renda deles. Seus pedidos eram suficientemente grandes e tão constantes que ele valia por vários
negócios dignos de respeito.
Os bastardos.
De fato, era necessária honra entre os fora-da-lei. Para o bem de todo mundo. E ele havia elevado a sua parte da barganha, pagando cada vez mais. Mês após mês
após mês.
Mas estava preparado para resolver este problema.
Prontamente.
Mortalmente.
Rhage, Tohr e V voltaram à mansão não muito depois de conhecer o motivo de orgulho e alegria de Applebottom, com Butch seguindo no Range Rover. Quando os três
reassumiram suas formas físicas no quintal, uma luz brilhava entre a fila de carros e chamou a atenção deles.
Rhage foi até a porta aberta da Mercedes azul bebê. - Layla?
Só que não havia ninguém lá dentro, remexendo a bolsa ou juntando sacolas, antes de ir atravessar o gramado até a casa.
Ele fechou a porta. - Ela não...
- Layla! - Tohr gritou. - Oh, merda!
Rhage olhou na direção da entrada da mansão. A pesada porta do vestíbulo estava meio aberta, uma perna se estendia ao nível do chão, o tornozelo mantinha os
painéis abertos.
Os três dispararam até os degraus. Enquanto Rhage abria mais o tremendo peso da porta, V, com seus conhecimentos médicos, pulou sobre o corpo colapsado e começou
a checar os sinais vitais.
- Tohr, - Rhage disse, - chame...
Mas seu irmão já estava com o telefone no ouvido - Oi, Jane? Precisamos de você aqui no vestíbulo. Layla desmaiou. V, sinais?
Quando o irmão botou o celular na cara de V, Vishous disse à companheira, - Batimentos cardíacos estáveis, mas lentos. Assim como a respiração. Sem sinal visível
de trauma.
- Ouviu isto? - Tohr disse, voltando a falar. - Bom, obrigado! - Ele encerrou a chamada, e imediatamente voltou a discar. - Ela está trazendo Manny e Ehlena.
- De volta ao ouvido. Espera. Espera.
Ele estava, obviamente, ligando para Qhuinn...
Por alguma razão, o mundo ficou vacilante para Rhage: em um minuto, ele olhava para Layla, e pensava que não havia nada mais aterrorizante do que uma fêmea grávida
caída em qualquer tipo de chão. No seguinte, o vestíbulo girava em volta dele como uma bola no fim de um barbante, sua cabeça, o ponto central da tontura, seu equilíbrio
estranhamente não comprometido...
- Ele vai cair!
Huh. Acho que ele não estava tão firme quanto achou.
Quando sentiu uma mordida em seu bíceps, baixou o olhar e viu a mão de Tohr travar-se em seu bíceps, segurando-o.
Uau. Que másculo, Rhage pensou.
Uma rodada de sais vitorianos só porque uma fêmea está...
- Layla!
A aparição em pânico de Qhuinn bem perto dele lhe deu o estímulo para acordar de que precisava, sua mente clareou enquanto o macho abria seu caminho até chegar
à fêmea que carregava seu filho. Blay, como sempre, estava logo atrás dele, pronto a fazer qualquer coisa para apoiar o companheiro.
- O que diabos aconteceu? - Qhuinn exigiu.
V começou a falar. Dra. Jane e equipe chegaram. Equipamentos médicos foram tirados de uma maleta preta antiquada.
Virando-se para Tohr, que ainda o amparava, Rhage ouviu uma estranha versão de sua voz dizer, - Estou tendo problemas para respirar, irmão.
Tohr voltou a cabeça para sua direção. - Qual o problema?
- Eu não sei. Não... Consigo respirar. - Ele massageou o peito com a mão livre. - É como se houvesse um balão aqui. Tomando todo o espaço.
Enquanto a equipe médica rolava Layla de costas, o pessoal da primeira fila praguejou. O braço dela estava no ângulo errado, a parte abaixo do cotovelo mostrando
uma torção feia que deve ter acontecido quando ela desmaiou.
- Rhage? - Alguém lhe disse, - Olá?
Ele olhou para Tohrment, - O que?
Thor inclinou-se, - Quer tomar um pouco de ar fresco?
- Já não estamos do lado de fora? - Para responder a esta pergunta, olhou para o céu - Sim, estamos...
- Que tal darmos uma voltinha?
- Quero ajudar.
- Sim, eu sei disto. Mas, acho que sair para caminhar é uma boa ideia. Você está branco como papel, e se apagar agora, posso garantir que não vai ter ninguém
para amaciar sua queda e não precisamos de mais pacientes agora.
- Huh?
- Vamos.
Quando seu irmão puxou o braço, Rhage começou a esfregar o peito. - Eu não sei porque não consigo respirar...
A última imagem que teve, ao se afastar, foi do rosto de Layla virado para o lado, os olhos abertos, mas, sem enxergar nada.
- Ela morreu? - Ele sussurrou. - Ela morreu?
- Vamos, irmão meu...
- Morreu?
- Não. Está viva.
Cada vez que piscava, via seu cabelo louro no mármore como líquido derramado, os lábios tão pálidos quanto o rosto, aqueles olhos verde-jade, opacos e imóveis.
- Mary? Sim, Mary, tenho uma situação aqui com seu garoto. Pode vir agora?
Quem estava falando? Oh sim, Tohr. Ao telefone. O Irmão havia sacado o telefone.
Rhage começou a balançar a cabeça. - Não, ela não pode vir. A mãe no Lugar Seguro. Ela tem de ficar...
- Está bem, obrigado. - Tohr desligou - Ela está vindo agora.
- Não, eles precisam dela...
- Irmão? - Tohr aproximou o rosto do rosto de Rhage. - Tenho certeza que você não sabe como está sua aparência agora. Faz o favor de sentar aqui... Sim, bem
no chão. Bom garoto, está indo bem.
Os joelhos de Rhage seguiram as instruções, seu cérebro estava preocupado demais com o quanto sua shellan não precisava perder seu tempo precioso com ele. Mas,
parecia que aquele ônibus já tinha partido do ponto.
Colocando a cabeça entre as mãos, Rhage se inclinou para frente e se perguntou se não teria algo errado com seus pulmões. Uma gripe vampírica de ação rápida.
Uma infecção. Um veneno qualquer.
A grande mão de seu irmão fez círculos lentos em suas costas, e sob aquela palma pesada, a besta, em sua forma de tatuagem, surgiu e se moveu como se o pequeno
ataque de Rhage tivesse deixando-a nervosa.
- Sinto-me estranho. - Rhage disse. - Não consigo... Respirar...
Capítulo VINTE E CINCO
Nos primeiros quilômetros, Assail se satisfez em se desmaterializar no encalço do barco. No entanto, por volta da quarta vez em que retomou forma, se impacientou
pela chegada ao destino, a troca que seria feita, identidade do terceiro envolvido a ser revelada.
E havia outro motivo para ficar inquieto. Com o aumento da distância viajada, os dois homens se aproximavam cada vez mais da cidade de Caldwell, o que era uma
ideia idiota.
Mesmo que já fosse noite avançada, o centro da cidade não era como o subúrbio e estariam rodeados por humanos por todos os lados; com certeza, dificilmente humanos
com crédito com a polícia, mas, olhos curiosos eram olhos curiosos, e cada rato sem rabo, por mais ignorante que fosse, tinha um celular nos dias de hoje.
Ele até poderia ser capaz de se desmaterializar, mas, aquela dupla no barco não sabia executar aquele truque... E ele queria ser a pessoa a ensinar uma lição,
não deixaria o Departamento de Polícia de Caldwell chegar na frente.
Desaparecendo de novo, foi forçado a retomar forma em meio às árvores plantadas à beira de um dos parques públicos da margem de Caldwell. E o barco continuou
em frente.
Inacreditável.
Enquanto esperava para ver se indicavam a nova posição, e havia uma boa chance de que indicassem, porque não havia mais cobertura na costa, um comichão familiar
começou a formigar na base de seu pescoço, desencadeando a necessidade por mais coca.
A necessidade vinha cada vez mais rápido ultimamente. A ponto de ele ser forçado a reconhecer sua sorte por curar-se tão rápido. Se fosse um mero humano? Já
teria desviado o septo há meses.
Buscando em seu bolso, tirou o vidrinho. Só sentir a suavidade do frasco o fazia relaxar. Ele queria consumir a droga, mas não podia correr o risco de não conseguir
se desmaterializar. O problema com o seu vício era que a necessidade por uma nova dose estava surgindo antes que o efeito da dose anterior tivesse sequer começado
a diminuir, a lombriga em suas entranhas se remexendo, remexendo, exigindo mais e mais enquanto seu corpo e cérebro lutavam para lidar com as velozes e enormes cargas
da droga que consumia.
E de novo, a última coisa que queria era se colocar em dificuldades por estar nervoso demais para desaparecer.
Deus, ter isto em comum com a espécie humana com quem negociava era humilhante demais para descrever...
- Oh, só pode ser brincadeira. - Ele murmurou quando o barco finalmente demonstrou estar entrando em um lugar para aportar.
Mas não um lugar seguro. Certamente não um que ele teria escolhido.
A dupla pilotou a embarcação em direção à uma casa de barcos vitoriana. Claro que as janelas estavam escuras, mas havia luzes de segurança brilhando nas ripas
que revestiam seu exterior, e sem dúvida uma patrulha do Departamento de Polícia, fazia turnos regulares no espaço que havia por trás da estrutura.
Mesmo assim, ele teria de entrar, caso eles entrassem.
E eles entraram.
Sem ideia do layout do interior do local, programou-se para retomar forma nas sombras entre aquelas irritantes luzes externas, suas roupas pretas mimetizando-o
contra a lateral envelhecida da casa de barcos. Quando o barco entrou em uma das vagas, o som de seu motor patético ecoou, soando como um homem velho nos estertores
finais de um ataque de tosse mortal.
Virando-se para uma das janelas, Assail concentrou seu olhar astuto através do vidro canelado. A área interior era bem extensa e, assim que identificou o seu
ponto, se desmaterializou e passou através da mesma entrada que os entregadores usaram. Teve o cuidado de reassumir sua forma física, encolhido em um canto apertado
no extremo oposto, entre uma estante de suprimentos de tripulação, caída em montes, e uma floresta de dispositivos pessoais de flutuação cor de laranja pendurados
em ganchos.
O motor foi desligado e o par conversava suavemente em idioma estrangeiro. Após silenciarem, o único som era a água se movendo e gargalhando por baixo do barco
e através do escoramento das docas.
Assail odiava cheiro de peixe morto, flora decomposta e lonas úmidas no ar.
Após um tempo, a aproximação de algo no exterior chamou sua atenção, e então, uma luz amarela penetrou o interior. Localizando uma janela empoeirada, olhou para
fora, só para ver um caminhão do Departamento de Parques Públicos de Caldwell estacionando.
Bem, agora, isto está a ponto de ficar interessante.
Ou a entrega ia ser interceptada e chamariam a polícia... Ou algum humano que trabalhava para os parques estava tentando aumentar sua renda mensal através de
suborno.
Descobriu que errou nas duas.
A porta principal rangeu ao ser aberta e, no instante em que uma figura masculina apareceu no umbral, o ar gelado que vinha de trás, espalhou o cheiro de lesser
na casa de barcos.
E então, o Forelesser com quem Assail havia feito negócios, entrou com uma sacola de ginástica na mão.
Filho da Puta.
Como se atreve o bastardo a me passar para trás, pensou Assail, ao mesmo tempo em que suas presas se alongavam, por vontade própria. E como infernos aquele matador
havia conseguido fazer contato com o fornecedor?
Formulando um plano para a emboscada, Assail sacou suas duas armas .40, e desejou ter tido o cuidado de colocar silenciadores. Não havia esperado usá-las na
porra do centro de Caldwell, pelo amor de Deus.
- Me deixe vê-las. - O Forelesser declarou. - Abra as sacolas e me deixe vê-las.
Assail deu um passo à frente, pensando que poderia...
Cada um dos carregadores abriu uma mala e exibiu o conteúdo.
Não. Eram. Drogas.
Nada parecido.
Ao invés dos grandes tijolos selados em camadas de papel celofane, havia...
Armas. De grosso calibre, que se esfregavam, metal contra metal, umas contra as outras nas sacolas de ginástica.
Na escuridão era difícil determinar, exatamente, as especificações das armas, mas parecia haver uma variedade de metralhadoras ou rifles.
O lábio superior recuado de Assail voltou a ao lugar.
Embora estivesse preparado para interceder na eventualidade de uma negociação de drogas/dinheiro, não sentia mais tal compulsão.
Se o Forelesser quisesse usar seu lucro para comprar armas, era problema dele.
Deixando a casa de barcos do mesmo jeito que havia entrado, Assail dirigiu-se rio acima, em direção à sua casa envidraçada na península.
A única coisa com a qual se importava era se aquele lesser continuaria a vender seus produtos nas ruas e clubes de Caldwell em tempo hábil, confiável e honesto.
- Não, não, estou bem. Juro.
Enquanto falava, Rhage sentou-se à mesa de madeira maciça na cozinha da mansão da Irmandade. Os outros habitantes da casa estavam se reunindo para uma tardia
Última Refeição, os doggens enfileirando-se para dentro e para fora da porta vai-e-vem, levando bandejas de prata do tamanho de tampos de mesas, cheias de todos
os tipos de comidas recém-preparadas, molhos e vegetais.
Do outro lado, Mary encostou-se à ilha com topo de granito que ficava no centro da cozinha, com os braços cruzados sobre o peito, os olhos treinados fixos nele,
como se avaliando um de seus pacientes do serviço social.
Contorcendo-se, ele quis se juntar aos irmãos e suas shellans, mas, pela expressão dela, aquilo não aconteceria tão cedo.
- Fritz? - Disse ela. - Vou preparar alguma coisa para ele, tudo bem?
O mordomo parou em meio ao processo de trazer um conjunto de mesa. - Eu ia fazer um prato na outra sala e trazer para cá...
- Eu quero cuidar de meu marido, - disse ela gentilmente, mas com firmeza. - Mas, se quiser... Mesmo que isto vá contra cada instinto autossuficiente de meu
corpo, eu deixo as panelas e os pratos para você lavar.
O rosto velho e enrugado de Fritz assumiu a expressão de um cãozinho basset a quem tivessem negado frango com a promessa de mais tarde ter um bife: tanto preocupado
quanto excitado. - Se houver qualquer coisa em que eu possa ajudar...
Três membros da equipe, em seus uniformes cinzentos e brancos, voltaram de mãos vazias da sala de jantar, o trio se dirigindo para o carregamento final que era
destinado a ser levado e servido nas várias mesas de apoio daquele enorme espaço iluminado.
- Na verdade, - sua Mary murmurou, - você acha que ele e eu podemos ter um pouco de privacidade aqui?
- Oh, sim, senhora. - Fritz de alguma forma se iluminou. - Assim que servirmos os pratos principais, eu mesmo levarei a equipe para o saguão. Eles ficarão mais
do que satisfeitos em esperar lá.
- Obrigada. - Ela apertou levemente seu braço, o que o fez corar. - E só até a hora da sobremesa. Eu sei que vai querer a cozinha livre para ela.
- Sim, senhora. Obrigado, senhora. E eu pessoalmente limparei tudo após sua saída.
O mordomo fez uma acentuada reverência, pegou a última bandeja de prata, e tirou todo mundo dali. Quando a porta vai e vem parou, a adorada shellan de Rhage
olhou para ele.
- Ovos? - Ela disse.
Diante daquela única palavra, o estômago de Rhage rugiu. - Oh, Deus, seria maravilhoso.
Mary anuiu e foi até a geladeira. Pegou uma bandeja fechada de ovos, um galão cheio de leite e uma caixa de manteiga; então, no armário, uma frigideira, uma
grande tigela de misturar e vários utensílios recém-lavados.
- Então, - disse ela, ao partir o primeiro dos doze ovos. - Eu queria mesmo saber o que aconteceu lá.
Até aquele momento, Rhage fora bem sucedido em evitar a questão. Aparentemente, o indulto havia acabado.
- Estou bem, sério.
- Ok. - Ela parou em meio ao ato de quebrar um ovo e sorriu para ele. - Mas, como sua esposa, seu bem-estar é realmente importante para mim. Então, se tem alguma
coisa te incomodando, não saber o que é faz eu me sentir excluída.
Ai. Só... Ai.
Quando ela começou a bater a mistura crescente de ovos, o som úmido o fez imaginar o conteúdo de sua própria cabeça.
Baixou os olhos para o tampo esburacado da mesa e deslizou o dedo em um dos veios da madeira de carvalho.
- A verdade é que eu não sei o que houve. Eu só me senti muito estranho e tive de me sentar. Mas, agora estou bem. Provavelmente foi só uma coisa passageira.
- Mmm, bem, me conte como foi sua noite.
- Não aconteceu nada demais. Fui até o esconderijo do Bando dos Bastardos e invadi...
- Não começou na clínica, com Trez e Selena?
- Oh, sim. Mas, isto foi tipo, ontem, quando ela estava... Sabe, quando ela foi levada para lá. - Ele balançou a cabeça. - Não quero pensar nisto agora, se não
se importa.
- Está bem, então esta noite você foi até o esconderijo do Bando dos Bastardos?
- Bem, primeiro passamos na casa de Abalone. O primo dele debandou das tropas de Xcor e nos disse onde ficava o esconderijo. De qualquer forma, eu e V invadimos
o lugar.
- O que procuravam?
Ele deu de ombros. - Bombas. Armadilhas. Este tipo de coisa. Nada demais.
Ela emitiu outro som de mmmm ao derramar o conteúdo da tigela em uma frigideira do tamanho do assento do banco do Hummer de Qhuinn. - E você ficou preocupado
em se ferir lá?
- Não. Bem... Eu me preocupei com os irmãos, claro. Mas, faz parte do trabalho.
- Está bem. E então, foram para onde?
- Fui te ver. Daí à antiga casa do D., fizemos um relatório para Wrath e voltamos para cá. Era para eu me consultar com Manny para dar uma olhada no processo
de cura daquele ferimento. V também.
- Está bem. - Ela foi até a torradeira com capacidade para seis torradas e carregou-a com o pão branco industrializado, total e plasticamente fantástico que
era o favorito dele. - Então, você chegou aqui, e o que viu?
Ele piscou e viu o pé de Layla esticado para fora do vestíbulo. Então visualizou o rosto de Qhuinn ao se abaixar para a fêmea caída que carregava seu filho.
- Oh, você sabe.
- Mmmmm? - O cheiro de ovos sendo preparados acionou o botão do modo "Coma-agora" em seu organismo. - O que?
- Bem, você sabe o que aconteceu.
Quando Mary chegou, uma maca havia sido trazida da clínica e Layla havia sido carregada, o corpo transferido do chão para a maca, cuidadosamente, por Qhuinn
e Blay.
Rhage caiu em silêncio e massageou o peito.
Pop! Fez a torradeira, e um momento depois, um prato com tudo feito exatamente do jeito que ele gostava, foi posto a sua frente.
Junto com uma caneca de chocolate quente, um guardanapo e talheres... Mas, o mais importante, sua adorável Mary.
- Esta é a melhor refeição de minha vida, - disse ele, só de olhar para a comida.
- Você sempre diz isto.
- Só quando você cozinha para mim.
Era engraçado. Como humana, sua Mary jamais conseguiria entender a reação de um vampiro macho, quando a fêmea com a qual era vinculado preparava comida com as
próprias mãos, para ele. Esse tipo de coisa era um ato secreto, porque ia contra o âmago do instinto masculino que era prover e satisfazer as necessidades de sua
companheira, acima de tudo e todos, incluindo ele próprio, os irmãos, o Rei e todos os filhos que pudessem vir a ter.
Rhage era programado para alimentá-la primeiro e só então comer o que sobrasse. Mas, antes que ela mandasse Fritz e os doggens para fora, ela havia dito estar
cheia, já que havia feito um lanche no Lugar Seguro uma hora atrás.
- Vai esfriar. - Ela disse, esfregando o braço dele.
Por alguma razão, os olhos dele se enevoaram e ele teve de piscar para afastar as lágrimas.
- Rhage? - Ela sussurrou. - Seja o que for, pode dizer.
Com um movimento rápido, ele negou com a cabeça. - Estou bem. Só quero aproveitar o banquete.
Ele ergueu o garfo e começou a alternar: uma garfada de ovos, uma mordida na torrada, uma garfada de ovos, uma mordida na torrada, gole, gole, gole de chocolate
quente. E repetiu tudo até limpar o prato.
- Como a fêmea está? - Perguntou ele, ao limpar a boca e se recostar no espaldar da cadeira.
- Eu não sei, - Mary meneou a cabeça. - Simplesmente não faço ideia como isto vai acabar.
- É grave assim? - Quando ela estremeceu, ele disse, - Se houver algo que eu possa fazer...
- Bem, na verdade...
- É só dizer.
Ela estendeu o braço e tomou a mão dele, virando a palma para cima. Levou um tempo até ela falar, e quando ele já começava a se preocupar, ela disse:
- Quero que você imagine, apenas por um momento, que pode ter sido perturbador para você ver Selena quase morrer e testemunhar a dor de Trez. Quero que considere
que não é "só trabalho rotineiro", para ninguém, ter de invadir uma casa onde jamais esteve, sem saber se algo irá explodir ou te emboscar ou matar você ou alguém
que você ama. Quero que reflita que, ir até Wrath e não poder dizer-lhe que encontrou os Bastardos, ou que desarmou uma bomba, ou coletou algum tipo de informação,
soa como fracasso para você. E finalmente, quero que entenda que, voltar para casa e ver Layla no chão, sabendo que está grávida, e o quanto se importa com ela,
Qhuinn e Blay, é outro trauma. Acho que você teve um dia difícil, e suas emoções meio que entraram em pane.
- Eu não me sinto perturbado, minha Mary. Por nada disto. Estava tudo bem...
- Até você ter o ataque de pânico na frente da casa.
- Eu não tive um ataque de pânico.
- Você disse que não conseguia respirar. Que suas mãos e pés formigavam. Que estava tendo problemas para se conectar à realidade. Para mim soa sintomas típicos
de um ataque de pânico.
Ele negou com a cabeça. - Eu não acho que foi isto.
- Está bem.
Rhage inalou profundamente e fitou o rosto de sua amada. - Você é a fêmea mais linda que eu já vi.
- Tenho certeza que não...
Ele tomou o rosto dela entre as mãos, acariciando com carinho. Enquanto seus olhos vasculhavam as feições familiares, ele não conseguia ter o suficiente dela.
Deus, nunca era o suficiente. Nem uma noite, um mês, um ano, uma década... Nem a eternidade que a Virgem Escriba tinha milagrosamente lhes concedido, jamais seria
suficiente para ele.
- Você é a fêmea mais linda que eu já vi. - Ele acariciou os lábios dela com os seus. - Não sei o que fiz para merecer um destino com você, mas jamais, jamais
vou te subestimar.
O sorriso que teve em resposta foi melhor do que o brilho do sol que ele jamais via, envergonhando até a bola de fogo que sustentava toda a vida, inclusive as
daqueles que não suportavam seus raios.
Eles ainda estavam sentados daquele jeito, perdidos no olhar um do outro, quando os doggens vieram, para a sobremesa.
- Quer subir? - Ele disse em uma voz profunda e sombria, sua besta começando a surgir sob sua pele. - Estou pronto para a sobremesa.
O aroma dela chamejou. - Está?
- Mmm hmm.
- Quer que eu pegue um pouco de sorvete para você?
Ele estreitou o olhar na boca dela. - Nada disto. Eu quero chupar outra coisa.
- Bem, então, - ela sussurrou, colando a boca na dele, - vamos te alimentar.
Capítulo VINTE E SEIS
Suor frio.
Trez acordou suando frio, cada centímetro de sua pele encharcado, sua temperatura interior gelada a níveis árticos, o coração batendo tão rápido, que parecia
que alguém havia enfiado a coisa em uma batedeira de bolos. Erguendo-se do travesseiro, gritou...
Cama. Ao invés de algo terrível e chocante... Tudo o que viu foi uma porção de sua cama, e tudo estava absolutamente normal, do abajur que brilhava próximo à
ele, a suas roupas jogadas sobre a chaise, aos sapatos caídos obliquamente onde foram chutados no amanhecer passado.
Por um momento, ficou confuso. Virgem Escriba. Um lugar qualquer, místico. Selena na grama, na clínica, congelada, congelada...
Um gemido suave quebrou o fio entre pesadelo e realidade.
Virando-se subitamente, viu Selena deitada em sua cama, os ombros nus aparecendo acima dos lençóis, os cabelos negros espalhados na fronha branca, rosto e corpo
virados para o outro lado.
Fechando seus olhos, ele cedeu, e desejou que tudo tivesse sido um sonho ruim.
Mas, então, voltou ao foco e se concentrou em sua fêmea, puxando o edredom mais para cima, para mantê-la aquecida, discretamente se inclinando para verificar
se ela ainda estava respirando, se perguntando se deveria arranjar um pouco de comida para ela.
Como se sentisse sua presença, ela se revirou e, mesmo no sono, seu rosto se fechou em uma careta, como se o movimento causasse dor.
Caralho. O sexo fora selvagem, cru, violento. Depois do corpo dela ter enfrentado tudo aquilo.
Maldito fosse ele, pensou, ao passar a palma da mão pelo rosto. Como podia ter feito aquilo com ela? Devia ter se contentado em somente se masturbar até o pau
ficar insensível.
Pior de tudo? Ele não sabia se poderiam realmente resolver as coisas entre eles. Ainda assim, se sentia um imbecil.
Estendendo a mão para a mesinha de cabeceira, pegou o celular e viu que horas eram. Quatro e quarenta e quatro da manhã.
Ele não iria dormir mais. Livrando-se dos lençóis, foi até o banheiro, fechou a porta, usou o banheiro e tomou um banho rápido. Então voltou, tirando seu par
de fones de ouvido da gaveta da mesa de cabeceira, antes de voltar a se enfiar na cama.
Movendo-se lentamente, foi tão cuidadoso em voltar para a cama quanto fora para sair dela, manobrando seu peso de quase cento e quarenta quilos no colchão, sem
deslocar Selena como se fosse um trampolim.
Ao ele se reposicionar, deu uma rápida checada em sua fêmea e ficou aliviado ao descobrir que ela ainda dormia. O que meio que o aterrorizou. E se ela estivesse
em coma ou...
Como se procurasse por ele, ela tateou pelo edredom.
- Estou bem aqui, - ele sussurrou.
Instantaneamente, ela parou a busca, e quando ele segurou sua mão, a palma estava quente, vital, do jeito que sempre estivera.
Ele levou um tempo para estudar os dedos dela, dobrando-os, medindo os movimentos, procurando por pontos de resistência. O que não era certo, ele pensou.
Era injusto tentar tirar informações do corpo dela sem seu conhecimento e consciência... E como forma de se desculpar, ele interrompeu-se, e alisou as unhas
cor de rosa e os semicírculos brancos e curtos que ela aparava regularmente. Quando o sono a reclamou novamente, ele se sentiu... Devastadoramente sozinho. Mesmo
que estivessem lado a lado, ele recostado na cabeceira da cama, com ela aninhada em seu corpo, não parecia estar conectado a ela. Disse a si mesmo que era uma simples
questão de dormir e acordar. Aquela era a divisão... Nada tão assustador quanto o fato das ondas cerebrais serem lidas diferentes em uma tomografia computadorizada.
Era besteira, claro. E quanto mais tentava forçar-se a acreditar na mentira, mais preso se sentia... Então, para calar seu conflito interno, ele ligou o rádio
na estação SiriusXM em seu celular, conectou os fones de ouvido e tentou ficar confortável. Ou confortável de alguma forma.
Ou... Pelo menos, não consumido pela necessidade de pular para fora de sua própria pele.
Naturalmente, porque sua sorte era uma bosta, a primeira coisa que ouviu no rádio, foi mais más notícias.
- Está brincando? - Ele murmurou alto quando a voz de Howard Stern inundou seu crânio. - Eric, o ator está m...
As sobrancelhas de Selena se contraíram como se considerasse acordar e ele fechou a matraca. Mas, não conseguia acreditar que mais um do Wack Pack10 se fora.
Parecia cruel à luz de tudo o que ele estava passando.
Merda, era como se as notícias ruins estivessem fazendo um esforço concentrado para sair das sombras e encontrá-lo.
Selena acordou lentamente, e o aroma do corpo de Trez foi a primeira coisa que notou. O som da voz dele foi em seguida. A sensação das mãos dele sobre as suas,
a terceira.
Abrindo os olhos, ela o viu sentado ao seu lado na cama, os olhos negros, absorto em seu celular, as sobrancelhas baixas como se houvesse recebido notícias perturbadoras
através de uma mensagem de texto ou...
- Está tudo bem? - Ela perguntou.
Quando ele não respondeu, ela percebeu que ele tinha fios saindo do celular para seus ouvidos como se estivesse ouvindo alguma coisa.
No instante em que ela apertou sua mão, ele pulou tão alto que os fones caíram.
- Oh, meu Deus! Você está acordada.
- Sinto muito, não queria assust...
- Merda, não sinta... Está bem? Precisa da Dra. Jane?
- Não, não... - Ela tentou fazer o cérebro funcionar. - Estou bem, é só... Parece perturbado?
Quando ele olhou para ela, o único som no quarto era o ruído dos fones.
Ela puxou as cobertas mais ainda para cima. - Há algo errado comigo?
- Oh, Deus, não. Eu, ah, não... Não é nada. - Ele olhou para o celular. - Só, um cara que era do The Stern Show morr...
Quando ele se interrompeu, os olhos arregalados, como se quase houvesse dito algo imperdoável.
- Morreu? - Ela terminou por ele.
- Eu, ah...
- Você ainda pode pronunciar a palavra, - ela deu um aperto na mão dele de novo. - De verdade.
Trez pigarreou e afastou o celular. - Está com fome?
- Na verdade não.
- Com sede?
- Não.
Ele mexia nos lençóis. O edredom. - Está quentinho aí?
Franzindo o cenho, ela sentou-se e encostou-se aos travesseiros. Olhando para ele, sorriu. - Estou contente de ter vindo aqui. Para conversar e... Fazer aquelas
outras coisas.
- Está mesmo? - Os olhos dele, aqueles lindos olhos amendoados, se voltaram para ela. - Sério? Eu acho que fui violento demais no modo como...
O sorriso dela se estendeu. - Eu realmente, realmente, perdi minha virgindade agora.
Ele corou. Corou da verdade, uma mancha vermelha tingiu suas bochechas. - Me preocupa ter te machucado.
- Nem um pouco. Quando podemos fazer de novo...
O engasgo de Trez foi súbito e ruidoso, e ela teve de bater nas costas dele para ajudá-lo a respirar novamente.
- Está bem? - Ela disse, ainda sorrindo.
- Ah, sim. É que você tem um jeito de me surpreender.
Por um momento, ela se lembrou dele vindo a ela no Santuário. Mesmo paralisada na ocasião, ela soubera o instante em que ele chegara. Fora um milagre. Mas, como
ele soubera?
- Como me encontrou? Lá em cima, no Santuário?
Ele meneou lentamente a cabeça. - Você não vai acreditar.
- Tente.
- A Virgem Escriba. Eu estava em meu clube, resolvendo uns assuntos, Rhage e V estavam comigo. De repente, aquela... Figura apareceu... Vestida de preto, iluminada
por baixo do tecido, uma voz que eu ouvi aqui dentro, - indicou a cabeça, - ao invés de nos ouvidos. A próxima coisa que vi? Eu estava... Bem, de qualquer forma.
Eu estava com você.
Agora foi a vez dela de mexer nas cosias. - Eu sinto muito.
- Por quê?
- Por você ter me visto assim. Sinto muito por tudo isto.
- Diabos... Como eu disse antes, como se fosse culpa sua estar doente?
- Eu sei, mas ainda assim. Eu queria... - ela tentou virar a cabeça para trás para poder olhar para o teto, mas o pescoço anda estava dolorido demais.
- Você está sentindo dor.
- Não é incomum. É como sempre me sinto. Eu... Bem, que seja.
Aparentemente, dois podiam fazer aquele jogo de evitar um assunto.
- Isto é tão forçado, - ela soltou.
- O que?
Ela teve de virar o tórax para poder olhar para ele de verdade. E vagamente, avaliou como era bela a pele escura dele contra os lençóis brancos, o contraste
fazia ambos parecerem cintilar.
Selena tentou achar as palavras. - Eu sinto como se houvesse esta enorme... Não sei, distância ou algo assim... Entre nós. Não faz sentido, digo, você está bem
aqui ao meu lado... Mas, há palavras nas quais estamos tropeçando, assuntos sobre os quais não queremos falar... Bem, isto é um saco. Porque agora? Esta é a melhor
parte, digo, dá uma olhada.
Ela ergueu a mão livre com os dedos esticados, fechou-os e tornou a abrir.
- Acordada e flexível é tão melhor do que o jeito que eu estava antes, não é? - Quando ele simplesmente olhou para ela, sentiu-se tola. - Desculpe, acho que
isto soa estranho.
Trez se inclinou e beijou-a, seus lábios demorando-se. - Não... - ele se afastou. - Isto... Eu sei o que quer dizer. Não é loucura e você está certa. Esta é
a melhor parte...
- Você está tão quente.
Trez soltou outra tossida. - Maldição, fêmea. O que deu em você...
- Eu lhe disse a noite passada, ou céus, que horas eram? De qualquer forma, eu te disse antes, sou toda honestidade agora.
As pálpebras dele caíram. - Gosto de honestidade. Então, me deixe perguntar, se eu te pegasse no colo e te carregasse para o chuveiro, você...
- Me ajoelharia de novo sob o jato quente para ver se você é tão gostoso quanto eu me lembro?
O som que ele fez não foi uma tossida. Mas, também não foi nada coerente. Foi parte grunhido, parte rosnado, com um pequeno gemido no meio, como se estivesse
se preparando para implorar...
Mais ou menos a coisa mais sexy que ele já ouvira.
- Isto foi um sim? - Ela falou lentamente.
Ele beijou-a novamente, com mais força desta vez. Por mais tempo também. Então ele a fitou, com olhos que ferviam. - Merda, estou morrendo aqui.
Quando Trez interrompeu-se de novo, ela sentiu-se atingida pela palavra de novo. Em se tratando deles, aquela era realmente, uma palavra matadora. Mas, era ela,
e não ele.
- Sinto muito, - ela forçou-se a sorrir. - Vamos lavar nossas preocupações...
- Eu vou achar uma cura para isto, - ele disse, com seriedade. - Eu não vou deixá-la perder a luta, Selena. Eu vou, literalmente, mover céus e terras para mantê-la
ao meu lado... Para que não haja nada no meio de nós dois, nada além de nossa pele nua... Nossas almas.
Lágrimas subiram aos olhos dela, e ela as conteve, desejando que sumissem e não voltassem a aparecer. Estendendo a mão para o rosto bonito dele, passou as pontas
dos dedos sobre suas feições.
- Eu te amo, Trez.
- Deus, eu te amo também.
Capítulo VINTE E SETE
Quando Layla acordou, estava deitada de lado em uma superfície muito mais suave do que o chão do vestíbulo. Em pânico, levou a mão à barriga.
Tudo parecia o mesmo, o inchaço firme, do tamanho que sempre fora... Mas, querida Virgem Escriba, teria ela machucado a criança? Ela conseguia se lembrar de
sair do carro, da luta para caminhar até a entrada da mansão, e de lá ter perdido a consciência...
- Bebê, - ela murmurou, - bebê, está bem? Bebê?
Instantaneamente, os olhos azul e verde de Qhuinn estavam bem à sua frente. - Você está bem...
Como se ela se importasse com ela mesma naquela hora. - Bebê!
Com uma súplica, pensou, por que antigamente reclamara de estar grávida? Talvez aquilo fosse punição por ter...
- Está tudo bem. - Qhuinn olhou para o outro lado do quarto, se concentrando em alguém que ela não conseguia ver. - Bem, apenas... Okay, é... Bem.
Ela jamais se perdoaria.
O alívio foi tão grande, que lágrimas subiram aos seus olhos. Se ela tivesse perdido o filho deles por estar no encontro com Xcor? Porque andara bisbilhotando
enquanto ele... Fazia aquilo com seu próprio sexo?
Ela jamais se perdoaria.
Com um pedido, ela se perguntou por que sequer pedira ao macho para fazer aquelas coisas. Era tão errado em diversas formas, adicionando ainda mais culpa quando
ela já estava com a coisa atolada até a garganta.
- Oh, Deus, - ela gemeu.
- Você está com dor? Merda, Jane...
- Estou bem aqui. - A boa doutora ajoelhou-se ao lado de Qhuinn, parecendo cansada, mas alerta. - Olá, Layla. Que bom que voltou. Só para saber, Manny engessou
seu braço. Havia uma fratura.
Houve algumas explicações sobre seu tempo de recuperação e quando o gesso poderia ser retirado, mas ela não prestou atenção em nada daquilo. Dra. Jane e Qhuinn
estavam escondendo algo dela: Os sorrisos de tranquilidade eram como fotografias da coisa real... Pareciam reais, mas eram falsos.
- O que não estão me dizendo?
Silêncio.
Quando ela lutou para se sentar, foi Blay que ajudou, gentilmente apoiando o braço bom e para lhe dar um pouco de impulso.
- O que? - Ela exigiu.
Dra. Jane encarou Qhuinn. Qhuinn olhou para Blay. E Blay... Foi o que eventualmente enfrentou o seu olhar.
- Há algo inesperado, - o guerreiro disse, - no ultrassom.
- Se me fizer perguntar "o que", de novo, - ela disse, por entre dentes cerrados, - vou começar a jogar coisas, e que se dane o meu braço quebrado.
- Gêmeos.
Como se o tempo e a realidade fossem um carro que subitamente tivessem seus freios acionados, houve um metafórico som de freada em sua mente.
Layla piscou. - Desculpe... O que?
- Gêmeos, - Qhuinn repetiu. - O ultrassom mostrou que são gêmeos.
- E perfeitamente saudáveis. - Dra. Jane completou. - Um é significantemente menor, e seu desenvolvimento está atrasado, mas parece viável. Eu não vi o segundo
feto nos ultrassons anteriores porque, Havers me contou que as gestações em vampiros são diferentes das humanas. Acontece que aparentemente outro óvulo fertilizado
pode se implantar, mas não entra em um estágio de significante embriogênese até muito mais tarde... Seu último ultrassom foi há dois meses, por exemplo, e eu não
vi nada antes.
- Gêmeos? - Layla sufocou.
- Gêmeos. - Um dos três repetiu.
Por algum motivo, ela se lembrou do momento em que descobriu estar realmente grávida. Mesmo que a gravidez fosse o objetivo e ela e Qhuinn houvessem feito o
que fizeram só para chegar lá, a confirmação de que sua necessidade vingara meio que a estonteara. Parecia milagroso, e avassalador... Uma alegria assustadora que
ela não estava inteiramente certa de que não fosse derrotá-la.
Agora ela sentia o mesmo.
Tirando a parte da alegria.
Ela sabia de duas de suas irmãs que esperaram gêmeos, e uma das gestações não deu certo. Da outra, havia nascido um único bebê vivo.
Lágrimas começaram a se derramar de seus olhos.
Aquelas não eram boas novas.
- Ei! - Blay se inclinou, com um lenço. - Isto não é ruim. Não é.
Qhuinn concordou, embora seu rosto continuasse uma máscara. - É... Inesperado. Mas não é de todo ruim.
Layla colocou as mãos sobre o estômago. Dois. Havia dois bebês que agora, tinha de levar em segurança até a reta final.
Dois.
Querida Virgem Escriba, como isto acontecera? O que ela ia fazer?
Enquanto as questões corriam por sua cabeça, ela percebeu... Bem, inferno. Como muitas coisas na vida, aquilo estava fora de suas mãos. Uma impossibilidade manifestada;
sua função, agora, era fazer o que pudesse para ajudar a si mesma e aos bebês descansarem, se nutrirem e ter os cuidados médicos necessários.
Esta era a única coisa que podia diretamente controlar. O resto?
Só cabia ao destino.
- Pode haver outros? - Layla perguntou.
Dra. Jane deu de ombros. - Acho altamente improvável, mas gostaria de enviar uma amostra do seu sangue para Havers. Ele tem muito mais experiência do que eu
nisto, e após analisar o hormônio específico da gravidez vampira, ele crê que pode arriscar a dizer a sua situação. Ele disse, no entanto, que trigêmeos são virtualmente
inéditos, e que o seu caso está no curso típico de gestação de múltiplos. A menos em casos extremamente raros de gêmeos idênticos como Z e Phury, o segundo embrião
atrasa seu desenvolvimento até a gravidez estar bem avançada. Quase como se na espera para ver se as coisas estão indo bem antes de se juntar à festa.
Layla baixou os olhos para seu abdômen distendido, e jurou nunca, jamais reclamar sobre coisa alguma. Nem de tornozelos inchados, ou dos seios doloridos, ou
de ter de ir ao banheiro a cada dez minutos. Sem. Mais. Chororô.
Nunca mais.
O fato de ela ter perdido a consciência, caindo de cara em um chão de mármore, e ainda conseguir ter aquele bebê...
Aqueles bebês, ela se corrigiu em choque.
... Em seu corpo, em segurança, era um lembrete que as dores e os desconfortos eram menores em comparação ao cenário maior, o grande objetivo, a grande preocupação.
Que era dar à luz a eles no momento certo, e fazê-los sobreviver.
- Então você consente? - Dra. Jane perguntou.
- Desculpe, o que?
- Tudo bem eu enviar uma amostra do seu sangue para Havers analisar?
- Oh sim. - Ela estendeu o braço bom. - Pode tirar...
- Não, já coletamos a amostra.
Ah, o que explicava a bolinha de algodão colada na parte interna de seu cotovelo.
Seu cérebro não estava funcionando direito.
- Foi por isto que ela desmaiou? - Qhuinn perguntou. - Por causa do outro bebê?
Dra. Jane deu de ombros de novo. - As amostras dela parecem bem... E já estão estáveis há um tempo. Quando foi a última vez que se alimentou, Layla?
O problema não era se ela tinha tomado veia recentemente. - Eu...
- Podemos resolver isto agora. - Qhuinn anunciou - Blay e eu podemos ambos lhe oferecer nossas veias.
Dra. Jane anuiu. - É lógico pensar que, com o segundo bebê requerendo mais nutrição, suas necessidades calóricas e de sangue devem ser maiores do que tenha percebido.
Eu acho possível que você tenha extrapolado seus limites e isto acabou por te esgotar.
Layla sentiu-se totalmente entorpecida e teve de forçar um sorriso. - Eu tomarei mais cuidado. E obrigada. Eu realmente agradeço seus cuidados.
- De nada. - Dra. Jane deu ao pé de Layla um leve aperto por cima das cobertas leves. - Descanse. Você vai ficar ótima.
Quando a médica saiu, Layla pensou nos estranhos anseios sexuais que vinha sentindo ultimamente, além do relativamente súbito aumento de seus sintomas físicos.
Será que era pelo outro bebê...?
- Quer que eu traga algo mais confortável do que isto? - Qhuinn perguntou.
Ela forçou-se a voltar o foco. - Desculpe, mais confortável que...?
- Esta camisola de hospital.
Baixando os olhos, viu que não estava mais com suas roupas. - Oh, Bem. Na verdade, está um pouco mais frio aqui. Uma das minhas túnicas seria legal, mas não
quero que se encrenque.
- Sem problemas. Eu levo suas coisas de volta para seu quarto e pego uma camisola e uma túnica... Enquanto isto, Blay, você pode lhe dar sua veia?
Como resposta, o pulso do soldado apareceu bem à frente dela. - Tome o quanto precisar.
Naquele momento, ela teve uma vontade avassaladora de lhes contar. Confessar. Livrar-se do estresse do último ano, não importando as consequências.
Ela só queria se livrar do fardo terrível que carregava. Assustava.
Atormentava.
Sem dúvida aquilo poderia aumentar as chances de ela carregar melhor aqueles bebês... Menos estresse era bom para fêmeas grávidas, não era? E agora havia duas
vidas em risco, além da dela.
- Layla?
Ela engoliu em seco. Olhou para os dois ali em pé, próximos à cama, preocupados. Ela não queria trair a única família que tinha. Além disto, talvez se contasse
a eles sobre Xcor, eles pudessem... Tornar o local mais seguro. Ou...
Layla pigarreou e agarrou as cobertas na cama como se fosse um rolo compressor entrando em uma curva fechada. - Ouçam, eu preciso...
Quando ela não terminou. Qhuinn quebrou o silêncio - Você precisa se alimentar. É o que precisa fazer.
Como se suas presas tivessem ouvido, elas se alongaram em sua boca, e ela se tornou consciente do fato de que, sim, ela estava morrendo de vontade de se alimentar
de uma veia.
E não, ela não podia contar a eles. Só... Não era bom. Não havia uma boa solução para ela. Eles a odiariam por colocar arriscar sua vida e sua gravidez... E
enquanto isto, Xcor ainda saberia onde eles vivem, porque a Irmandade jamais largaria aquele lugar. Aquela era a casa deles e eles a defenderiam quando ele atacasse
depois que parasse de vê-lo.
Pessoas morreriam. Pessoas que ela amava.
Merda.
- Obrigada, - ela disse, roucamente, para Blay.
- Qualquer coisa por você, - ele respondeu, acariciando os cabelos dela para trás.
Ela tentou tomar o mais gentilmente que podia, mas Blay demonstrou nem ligar. Claro, quando ele e Qhuinn faziam amor, sem dúvida costumavam dar mordidas muito
mais violentas.
Assim que começou a sugar da fonte familiar, absorvendo a nutrição que seu corpo precisava e só obtinha através desta dádiva de um macho de sua espécie, Qhuinn
foi para onde suas roupas foram colocadas em uma cadeira no canto. Ao pegá-las, ele franziu o cenho e olhou para baixo. Então mexeu nas camadas de tecido como se
procurando alguma coisa.
Um momento depois, ela fingiu estar concentrada no que estava fazendo. Ela não tinha ideia do que ele encontrara ou porque estava olhando para ela daquele jeito.
Mas dado o modo como ela vinha vivendo, ela tinha muito que esconder.
- Quando deve ir?
Diante da pergunta de Trez, Selena se concentrou na tigela quente de mingau de aveia que ele havia acabado de fazer para ela. Como já passava muito do amanhecer,
toda a equipe de doggens já estava recolhida em seus aposentos, então ela e Trez estavam sozinhos na cozinha enorme, sentados lado a lado na mesa de carvalho.
- Selena. A que horas é sua consulta?
Ela devia ter ficado de boca fechada. Dois segundos antes, enquanto aproveitava aquela bela preparação de aveia Quaker, com acompanhamento farto de creme e açúcar
mascavo, os dois flutuavam no brilho do que fizeram no chuveiro, em paz e relaxados.
E agora?
Acabou-se, como diziam.
- Primeira hora da manhã.
Trez verificou o celular. - Está bem, está bem. É quase oito. Então se terminarmos rapidinho, conseguimos chegar a tempo.
- Eu não quero ir. - Ela podia senti-lo encarando. - Não quero. Não estou com muita pressa de voltar para lá.
- A Dra. Jane diz que temos de fazer radiografias de suas juntas para monitorar...
- Bem, eu não quero. - Ela colocou uma colher cheia na boca e não sentiu gosto algum. Era só textura. - Sinto muito, mas estou bem agora. Não quero descer e
ser cutucada e furada de novo.
A reticência dela era apoiada pelo fato de que agora estavam na parte boa, e ela não sabia quanto tempo ia durar. Já que nada poderia parar aquilo, por que eles
precisariam sequer se incomodar com...
- Significaria muito para mim se você fosse ver a Jane.
Ela olhou para cima. Trez olhava para as janelas atrás dela, mesmo que as persianas estivessem baixadas e não houvesse nada para ver.
Os olhos dele pareciam atormentados. Como se soubesse que ela não iria à clínica... E que não havia nada que ele pudesse fazer sobre isto.
- Sabe do que tenho mais medo? - Ela ouviu-se dizendo.
Os olhos dele se voltaram para ela - O que?
Ela revirou sua aveia. Provou novamente, o que somente registrou como algo quente. - Tenho medo de ficar presa.
- Como assim?
- Não quero ficar presa aqui, - ela disse, em voz baixa. Então indicou o peito, os braços, as coxas sob a mesa. - Em meu corpo. Tenho medo dos episódios. Estou
viva, sabe, trancada e... Quando acontece, é difícil ouvir e ver, mas, registro as coisas. Eu soube, quando você veio me buscar. Fez toda a diferença. Quando você
estava comigo, eu não me sentia... Mais tão presa.
Quando ele permaneceu em silêncio, ela voltou a olhar para ele. Ele estava olhando de novo para as janelas, que não mostravam nada do dia lá fora, nem se estava
nublado ou ensolarado, se estava chovendo, ou se havia um vento soprando as folhas outonais pelo gramado marrom.
- Trez? - Ela chamou.
- Desculpe, - ele voltou sua atenção. - Desculpe, me distraí por um momento.
Ele se virou na cadeira, apoiando os pés nos degraus sob o seu assento. Então pegou sua mão, a que não segurava a colher e abriu-a contra a própria palma.
- Você tem as mãos mais bonitas que já vi, - ele murmurou.
Ela riu. - Eu acho que está sendo tendencioso, mas, vou aceitar o elogio.
Ele franziu o cenho, as sobrancelhas se juntaram. - Eu posso imaginar como... - ele inalou longa e lentamente, - eu não consigo imaginar nada mais aterrorizante
no mundo do que estar trancado em um local do qual não seja possível escapar; e estar aprisionado no próprio corpo? É inconcebível. É de foder a cabeça de qualquer
um.
- Sim.
Houve um longo período de silêncio àquela altura, com ele sentado à frente de sua tigela, que esfriava, sem tocá-la, e ela brincando com a sua aveia, fazendo
pequenos símbolos "S" com a ponta da colher.
A discussão que estavam tendo ressoava no ar entre eles, o argumento dele de que "é-para-o-seu-próprio-bem" guerreava com o dela "não-até-eu-ser-absolutamente-obrigada".
Não havia razão real para dizer as palavras em voz alta. Ela não ia recuar. E aquilo significava que a única opção dele seria jogá-la em cima do ombro e dar uma
de homem das cavernas, arrastando-a até o Centro de Treinamento.
Finalmente, Selena não aguentou mais e teve de mudar de assunto.
- Às vezes me pergunto... - ela estremeceu, - digo, e se todo mundo estiver errado sobre a morte? E se não houver Fade, mas ao invés dele, a gente só ficar presa
no próprio corpo para sempre, consciente, mas incapaz de se mover?
Ótimo. Ela estava tentando aliviar o clima.
Bela. Tentativa.
- Bem, os corpos... - ele pigarreou, - Sabe... Apodrecem.
- Hmmm, tem razão.
- Embora, como pesadelo de pós vida para mim? Me preocupa um apocalipse zumbi. - Ele pegou a colher e começou a comer, ainda segurando a mão livre dela. - Seria
um saco. Você morre e então passa a vagar pela Terra, fedendo por todo canto, em uma dieta Atkins que, tipo, jamais terminaria.
Ela ergueu a colher para interrompê-lo. - Espere um minuto, veja, você só teria fome, certo? Se encontrasse pessoas para comer, então, a vida seria bem boa para
um zumbi.
- Não se a metade inferior de seu rosto caísse. Sem mandíbula, como se alimentaria? Então seria só fome e não poderia fazer nada para resolver. Um saco total.
- Canudos.
- O que?
- Bastariam canudos.
- Difícil passar um fêmur através de um canudo.
- E um processador. Canudos e processador. E está resolvido.
Com uma gargalhada ruidosa, Trez jogou a cabeça para trás e riu tanto, que foi sorte não acordar a mansão inteira.
- Oh, meu Deus, isso é tão insano. - Ele se inclinou e a beijou. - Tão fodidamente insano.
De repente ela sorria também... Tão forte que as bochechas doeram. - Totalmente insano. Deve ser por isto que chamam de humor negro?
- É. Especialmente se alguém levar a pior. - Trez ficou sério. - E, está bem, então não vá.
- O que? Levar a pior? Claro que não.
- Ver Jane. Se não quer ir, não vou te pressionar.
Selena exalou em um suspiro. - Obrigada. Eu realmente aprecio isto.
- Não precisa agradecer. Não é minha decisão. É sua. - Ele correu a colher pelo interior da tigela. - Acho que é importante que você tenha tanto poder de decisão
quanto possível em cada aspecto de sua vida, especialmente na doença e no modo como lidar com ela. Acho que você se sente como se não tivesse escolha sobre tanta
coisa... Destino... Que se abate sobre você, e isto torna as oportunidades de fazer escolhas especialmente importantes. - Ele olhou para ela, - eu posso ter a minha
opinião, e pode apostar seu traseiro que te direi qual é, mas, a última coisa que quero é pressioná-la. Você já tem problemas suficientes para resolver. Não vou
adicionar mais isto.
- Como você sabe... Deus, é como se soubesse exatamente o que estou pensando.
Ele deu de ombros e seus olhos assumiram um ar alheio. Então ele indicou a lateral da cabeça. - Só um chute. - Ele voltou a se focar nela. - Então, a questão
é, aonde você quer ir?
- Desculpe?
- Aonde quer ir? A clínica está fora de questão... Então o quê?
Selena sentou-se de volta na cadeira. Agora era ela olhando as janelas. - Eu gosto do Grande Acampamento do Rehvenge, se é isto o que quer dizer.
- Seja ousada. Pense grande. Vamos lá, deve haver algum lugar excitante. O Taj Mahal, Paris...
- Não podemos ir a Paris.
- Quem disse?
- Ahh...
- Nunca encontrei nenhum Ahhh, não o conheço, não me importo do quão grande ele seja... Se estiver em nosso caminho? Vou matar o filho da puta.
- Você é tão adorável. - Selena se inclinou e beijou-o na boca. Então tentou forçar seu cérebro a surgir com alguma coisa, qualquer coisa. - Que sorte a minha.
Finalmente consigo um passe livre... E não consigo pensar em nad... Oh! Já sei!
- Diga e realizarei.
- Eu quero ir ao Circle the World.
Trez se recostou também. - O restaurante?
- É. - Ela limpou a boca com um guardanapo. - Quero ir ao Circle the World para um jantar.
- É aquele que gira, no topo do...
- Do prédio mais alto de Caldwell! Eu vi na TV uma vez, enquanto fazia companhia à Layla em seu quarto. Dá para sentar perto da vidraça e olhar para a cidade
toda durante a refeição. - Ela franziu o cenho ao vê-lo engolir em seco, e não por ter engolido uma colher cheia de aveia, - você está bem?
- Oh, sim, absolutamente. - Trez anuiu e estufou o peito ao dar uma de machão para cima dela. - Eu acho que é uma grande ideia. Vamos pedir para Fritz fazer
a reserva para esta noite. Tenho um pouco de influência nesta cidade, então não vai ser um problema. E eles servem jantar até às nove e dez da noite.
Selena começou a sorrir, imaginando-se em uma das túnicas de Escolhida, os cabelos perfeitamente penteados, o corpo normal... E Trez do outro lado da mesa brilhante
que apareceu no comercial de TV, com o guardanapo tão branco, os pratos tão quadrados, a prataria brilhando a luz dos candelabros.
Perfeito.
Romântico.
E nada a ver com estar doente.
- Estou tão excitada. - Ela disse.
A próxima colherada de aveia que pôs na boca estava doce e cremosa e completavam o mais perfeito... Como os humanos chamavam? Desjejum?
Não fazia sentido. Mas, quem se importava.
- Então é um encontro, não é? - Ela percebeu. - Louvada seja a Virgem Escriba, eu tenho um encontro!
Trez riu, o som foi um estrondo em seu peito largo. - Pode acreditar que sim. E vou te tratar como uma rainha. Minha rainha.
Quando ambos voltaram a comer com vontade, ela pensou, uau, que cenário emocional estranho aquilo tudo era, vales profundos de desespero, seguidos por vastas
paisagens, tão emocionalmente puras e belas, que ela sentiu-se honrada por tê-las. Era quase como se sua vida, com o tempo limitado que restava, tivesse sido amarrada
como uma faixa de tecido, que poderia ser suave e normal, mas agora ondulava com grande ressonância.
Ela teria preferido o luxo de séculos. Mas, neste momento, agora, se sentia tão profundamente viva. De um jeito que não podia afirmar jamais ter sentido antes.
- Obrigada. - Disse ela, abruptamente.
- Pelo quê?
Ela baixou os olhos para seu prato de aveia, sentindo o rosto enrubescer. - Por esta noite. É a melhor noite que já tive.
- Você não viu nada, minha rainha.
- Ainda assim, é a melhor noite, - ela olhou dentro dos olhos escuros dele, - de minha vida inteira.
Capítulo VINTE E OITO
iAm acordou ao cheirar a sopa, e assim que seu cérebro se acendeu novamente, não houve nenhuma besteira do tipo "Será que isso é um sonho?" rolando com ele.
Apesar do fato de que esteve apagado por causa de uma concussão, nem um segundo do que levou ao seu desembarque nesta cela no palácio da Rainha foi perdido por ele:
Não a troca rápida de roupa na frente da quase réplica de Abraão Lincoln, nem a entrada pelos fundos do Território, nem o golpe na cabeça que se seguiu ao seu breve
caminhar de um lado para o outro antes disso.
A sopa, entretanto, foi uma surpresa. Era algo que se lembrava de sua infância, uma mistura de abóbora e nata, especiarias e arroz.
E havia outro perfume na cela. O mesmo que encheu seu nariz quando aquele sacerdote tinha vindo para checar suas marcações.
Abrindo os olhos, ele...
Recuou.
Uma maichen, ou seja, uma criada, estava de joelhos diante dele, seu corpo e cabeça envoltos no pálido azul que correspondia à sua função, o rosto coberto por
uma máscara de malha que mostrava absolutamente nada de seus olhos ou características. Nas mãos dela havia uma fina bandeja de madeira que continha a tigela, uma
colher, uma jarra e um copo, assim como também um grande pedaço de pão.
Nenhum sacerdote. Ninguém mais estava com eles.
Ele inalou mais uma vez; então percebeu que a fêmea deve ter entrado com o oficial da corte antes e ele apenas não tinha percebido.
Ele se ergueu do chão. E foi então que percebeu que estava nu.
Que seja. Ele não quis fazer a maichen sentir-se desconfortável, mas se ela não gostasse da vista, podia partir.
Não que ela estivesse olhando para ele. Sua cabeça estava abaixada em submissão, como ela havia sido treinada.
S'Ex aparentemente estava disposto a dispensar algum cuidado a ele enquanto estivesse na prisão; ou pelo menos a mantê-lo vivo por enquanto. E por um momento
ele teve pena desta pobre fêmea cuja posição social era tão baixa que ela era enviada, sozinha, para machos potencialmente perigosos sem nenhuma consideração para
com sua segurança ou seu sexo.
Mas, então, na hierarquia das coisas, ela era considerada como sendo algo essencialmente sem valor.
Triste. Mas ele tinha outros problemas com que se preocupar.
Sem dar atenção à maichen ou à sua situação de estar como veio ao mundo, ele se levantou e caminhou até o biombo no canto mais distante. As instalações de água
ficavam atrás disso e ele fez uso delas, recebendo outro lembrete de que não estava mais no Kansas.
Quando se curvou sobre uma pia como as usadas pela plebe para lavar o rosto, ele teve apenas uma única manopla para ligar a torneira em vez de uma separada para
quente e outra para frio.
Não era por ele ser um prisioneiro: Tudo isso de esperar-ter-água-quente estava entre as coisas com as quais ele teve de se acostumar fora do Território. Os
humanos insistiam em alternar uma mistura de opostos para ter uma temperatura perfeita. Aqui no s'Hisbe? Toda água estava a 36 graus. De água para beber, à água
para escovar os dentes, era uma única constante, nem quente nem frio.
Salpicando o rosto, ele pegou a toalha preta que estava em um suporte de parede e secou-se. Macia. Tão macia. Nada como as dos humanos, e ele era apenas um prisioneiro.
Ele recolocou o tecido úmido no suporte por hábito e caminhou para fora do biombo.
- Diga a s'Ex que eu quero vê-lo.
Prisioneiros normalmente não se davam ao luxo de fazer pedidos, mas ele não se importava. Ele também se recusava a falar no Idioma Antigo ou no dialeto dos Sombras.
Devido a predominância da cultura humana, o inglês era ensinado nas escolas dos Sombras, e era esperado que até mesmo os criados tivessem algum conhecimento rudimentar
da língua.
- E eu não vou comer isso. - Ele acenou com a cabeça para a bandeja. - Então você pode levá-la.
Só Deus sabia o que havia nessa merda, se seria uma droga ou algum tipo de veneno. Ele estava muito confiante de que seu tratamento ali não continuaria sendo
tão bondoso. Eles iriam, muito provavelmente, puxar seus braços e pernas para fora de seus soquetes em algum momento; embora não até que eles notificassem Trez acerca
de seu cativeiro.
Merda. Ele nunca devia ter confiado...
A maichen colocou a bandeja no chão. Então estendeu a mão, pegou a colher, mergulhou-a na sopa e ergueu. Com a mão livre ela levantou a malha o suficiente para
expor sua boca e provar a comida. Então ela fez o mesmo com o pão e a sidra de maçã fermentada que estava na jarra.
Permitindo que a malha voltasse para o lugar, ela sentou-se de novo sobre as solas dos chinelos de couro em seus pés.
Infelizmente o gesto não fez nada para diminuir as suspeitas dele. maichens estavam tão abaixo na cadeia alimentar que até mesmo a própria palavra recebia pouco
respeito no começo das frases. Que ela pudesse ser envenenada ou comprometida? Ninguém se importaria.
O estômago dele, porém, ficou seriamente encorajado quando ela continuou a respirar.
Antes que pudesse se conter, ele foi até ela e a bandeja. maichen não olhou para cima, mas, então, ela o temia; por uma boa razão.
O cheiro de seu medo se misturava muito bem com aquela sopa picante.
Assim como o cheiro da pele dela.
Inalando pelo nariz, ele sentiu outro choque atravessar seu sistema, seus músculos se contraindo; assim como seu pênis.
O que não fazia nenhum sentido. Ali estava ele, enfiado na merda até o queixo, e seu sexo decidiu se interessar? Sério isso?
Não era à toa que chamavam essa coisa de "alavanca estúpida".
Em pé erguendo-se sobre ela, ele pôs as mãos nos quadris e ficou atento à sinais de que ela fosse ter um treco. Quando ela continuou na vertical, ele esperou
mais um pouco. Ela estava tremendo, mas, tinha estado desde que ele se levantou.
iAm ajoelhou-se no chão de pedra dura, espelhando a pose dela. Quase imediatamente os joelhos dele começaram a doer; outro lembrete de quanto tempo fazia desde
que ele esteve em contato com seu povo. Tal maneira de se sentar era uma trivialidade aqui no Território.
Conveniente se você estava com a bunda de fora, também. Não te deixava completamente exposto.
Ele comeu rápido, mas não descuidadamente, e foi uma boa pedida. Seu cérebro precisava das calorias; seu corpo também, se ele estivesse indo forçar sua saída
dali.
Esse era o plano.
- S 'Ex. - Ele exigiu quando terminou. - Vá buscá-lo.
Com isso, ele empurrou a bandeja em direção à fêmea. Como era costume, ela se curvou adiante em reverência, sua fronte coberta quase terminando na tigela branca
vazia.
Ela levantou a bandeja, endireitando o torso, e graciosamente ficou em pé sem cambalear ou deixar cair qualquer coisa. Saindo da cela, ela acionou a porta colocando
a sola de seu sapato contra uma seção da parede. Um momento depois, porque a saída era claramente monitorada, alguém abriu a coisa remotamente; ou isso, ou a saída
era de alguma forma acionada com pisadas.
E ela foi para fora.
Enquanto o painel se fechava com um som estilo Star Trek, ele sabia que teria sido inútil dominá-la e tentar usá-la como moeda de troca. S'Ex e seus guardas
estariam mais propensos a negociar para salvar um cão.
Andando de um lado para o outro, ele lembrou-se de seu irmão ao lado de Selena enquanto ela jazia naquela mesa de exame, sob aquela luz intensa, o corpo dela
todo contorcido e uma expressão congelada no rosto.
Deus, ele nunca deveria ter feito isso. Fale sobre uma situação em que todos perdiam: Trez iria querer vir para tirá-lo dali, mas deixar aquela fêmea quando
ela estava doente iria matá-lo.
Nada como jogar gasolina no fogo. Junto com mais ou menos uma tonelada de dinamite.
Trez quis dizer cada palavra que disse sobre Selena e a liberdade dela de escolha.
À medida que atravessava a passos largos o túnel subterrâneo rumo à clínica do Centro de Treinamento ele estava cem por cento certo de uma, e apenas uma, coisa;
bem, de duas, mas o fato de que estava apaixonado por ela era o básico. A outra coisa ele sabia com certeza que era Selena, e apenas Selena, quem decidiria como
sua condição seria administrada, e se alguém tentasse forçá-la a qualquer coisa? Ele estava indo atirá-los para longe como você apenas leu.
Mas isso não queria dizer que ele não estaria indo falar com a Dra. Jane.
Sobre sua rainha.
Deus, esse apelido para Selena era tão engraçado. No momento em que ele tinha saído de sua boca, algo tinha clicado. Como se seu vocabulário tivesse se acasalado
com essa palavra assim como seu corpo acasalou-se com o dela.
E ela seria a única rainha para ele. Não importando o que acontecesse com eles, ou onde ele terminasse, ela seria sua fêmea regente, e nenhuma outra suplantaria
o lugar dela em seu coração, seu respeito ou na expressão vocal daquela palavra.
Arrastando a palma pelo rosto, ele forçou seus pés a continuarem em um ritmo de caminhada, embora uma grande parte dele quisesse correr a toda velocidade para
a clínica. Não havia pressa, porém, pelo menos no que concernia à sua fêmea. Selena estava lá em cima no quarto dele, nua na banheira, mergulhando seu lindo corpo
em água morna e perfumada.
Ela não estava completamente livre da dor. Ela escondia a rigidez persistente e desconforto bem, mas os indicadores estavam nos estremecimentos sutis de sua
face e na forma espasmódica como ela movia as mãos e braços. O banho e algumas aspirinas leves iriam ajudar, entretanto. E quando tivesse tido um bom e longo banho,
ela iria para a cama dele para um descanso antes do "encontro" deles.
A alegria dela diante da perspectiva de seu jantar a dois era contagiante. Ele literalmente sentia o calor dentro de seus ossos, como se a felicidade dela possuísse
uma magia cinética que, através de seu acasalamento, estendia-se para dentro de sua própria carne. Inferno, tudo que ele tinha de fazer era pensar sobre ela à mesa
do café da manhã, sorrindo por sobre suas tigelas de mingau de aveia, ou pensar sobre o som de sua voz ficando excitada quando eles estavam... E ele ficava sublimemente
em paz.
Nunca houve nada perto disso para ele. Nem mesmo o amor e compromisso que ele tinha para com seu irmão chegava perto do sentimento.
De uma forma doentia, ele supunha que a doença dela tinha sido algo bom para Selena e ele. Trez não podia conceber como teriam cortado o papo furado entre eles
tão eficazmente ou totalmente sem isso...
Isso foi um inferno de um perde-e-ganha, no entanto.
Quando chegou ao ponto de acesso ao Centro de Treinamento, ele digitou os códigos adequados, então passou pelo almoxarifado e pelo escritório de Tohr. O Irmão
não estava atrás da escrivaninha, o que era uma boa coisa, e não uma surpresa. Era por volta de cinco da tarde, e Tohr estava, sem dúvidas, acordando em seu leito
de acasalado com sua Autumn, prestes a preparar-se para a noite que vinha adiante.
O que tinha sido uma surpresa foi que a Dra. Jane estivesse disposta a vê-lo nesse horário estranho do dia. Com as horas ela tinha estado trabalhando ultimamente
entre as lesões e enfermidade do irmão de Qhuinn, parecia que ela, Manny e Ehlena tinham estado de plantão constantemente.
Isso fez com que ele a respeitasse muito.
Passando pela porta de vidro. Descendo pelo corredor principal de concreto. Várias portas adiante à esquerda.
Entrando na sala de exames, ele...
- Oh, merda!
Saltando de volta para o corredor, ele levou a dobra de seu cotovelo até os olhos e rezou para que aquilo que tinha acabado de ver não tivesse sido queimado
permanente em suas retinas.
Havia algumas coisas que você não precisava saber acerca das pessoas com quem você vivia, não importa quanto você os amasse.
Uma fração de segundo mais tarde, V abriu a porta, e o ziiiiiiiiip! de quando ele fechou a frente de seus couros foi alto.
- Ela verá você agora. - Ele disse com total naturalidade.
Como se dois segundos atrás ele não tivesse estado batendo a sempre amada merda para fora de sua shellan enquanto ela sentava-se em sua mesa.
- Eu posso voltar depois? - Trez perguntou.
- Que nada, ela está pronta. Selena está bem?
- Eu, ah... Sim. Ela está se movendo, está... Bem, eu estou levando-a para sair hoje à noite.
V puxou um cigarro enrolado à mão. - Não brinca. Para onde?
Em todas as suas ruminações, Trez tinha estado cuidadosamente evitando pensar precisamente sobre seu lugar de destino. A ideia de sair em um encontro era ótima,
a comida seria de abalar... Havia apenas um problema com que ele teria que absorver e lidar.
- Aquele restaurante. - Ele apontou para o teto. - Você sabe, no centro da cidade, que, tipo, fica girando em círculos?
- Oh, sim. Bem lá em cima. - O Irmão exalou. - Uma vista dos diabos.
Uh-huh. Cinquenta-mais histórias. Ele tinha navegado no site para descobrir exatamente o quão ruim era. - Sim. Uma vista dos diabos.
- Deixe-me sabe se há alguma coisa que eu possa fazer. Por qualquer um de vocês.
V deu nele um tapinha no ombro e começou a se afastar a passos largos.
- Vishous.
O Irmão parou, mas não se virou. E à luz acima da cabeça dele, o tendril de fumaça de seu fumo enrolado à mão formava um elegante redemoinho no ar.
- Quanto tempo eu ainda tenho com ela?
O Irmão girou a cabeça, então seu poderoso perfil de cavanhaque foi cortado por um pálido filete daquela luz, e as tatuagens em sua têmpora pareceram mais sinistras
do que o habitual.
- Quanto? - Trez repetiu. - Eu sei que você viu isso.
Houve um silvar sutil quando o Irmão inalou, a ponta do seu cigarro ardendo em um vívido laranja. - O que eu recebo não é tão específico. Desculpe.
- Você está mentindo.
Aquela sobrancelha escura ergueu-se. - Vou te perdoar pela ofensa. Uma vez.
Com isso, o macho voltou a se afastar a passos largos, aqueles ombros volumosos deslocando-se no ritmo dos quadris, e seu corpo de guerreiro não era exatamente
o tipo de coisa que alguém, mesmo alguém do tamanho de Trez e com suas habilidades de Sombra, enfrentaria voluntariamente.
Especialmente com aquela mão incandescente dele.
Mas não haveria uma rixa entre eles. Não sobre esse assunto, pelo menos.
Os dois sabiam que ele mentia.
V era o Irmão com a inteligência, as visões místicas, aquele nascido diretamente do corpo da Virgem Escriba. Ele também era incapaz de sacanear alguém pelo motivo
que fosse. Isso só não fazia parte de sua fiação interna; aquele cérebro incrível dele estava muito ocupado para se importar se tinha ofendido ou não, ou se sua
postura foi ou não apropriada, ou se ele tinha expressado as coisas de um jeito agradável para seu requerente.
Assim sendo, quando ele tinha se recusado a se virar? Quando tudo que ele fez foi mostrar seu perfil?
Ele tinha respondido a pergunta bem o bastante.
Vishous nunca iria, jamais voluntariamente magoar ou ferir um macho que ele respeitava. Isso estava ainda mais arraigado nele do que a coisa do eu-não-minto.
E sim, Trez tinha ouvido falar que normalmente não havia uma cronologia nas visões de V sobre morte; mas, claramente, era diferente nesse caso.
Talvez porque o que tinha sido visto era menos sobre a morte da Escolhida, e mais sobre que acontecia com Trez após isso.
Existem duas fêmeas. E em ambos os casos, você está correndo contra o tempo.
- ... Trez? - A Dra. Jane disse, como se ela estivesse tentado chamar a atenção dele. - Você está pronto para falar comigo?
Não, ele pensou, enquanto V desaparecia através das portas de vidro do escritório. Ele não estava.

 

CONTINUA

Capítulo VINTE E UM
O pau de Trez tinha sua própria pulsação. E isto antes de Selena ficar totalmente nua à sua frente. Após aquela revelação? A maldita coisa passou a ter seu próprio
padrão de pensamento.
Minha.
Ao ouvir a porta se fechar, Trez não soube se foi uma de suas mãos que a fechou, ou se simplesmente desejou que a coisa voltasse ao seu lugar.
- Tem certeza disto? - Gemeu ele, já dando um passo na direção dela. - Porque não vou conseguir parar.
- Sim. - Os olhos dela não se ergueram para encontrar os dele. Estavam travados em no quadril. - Oh, sim. Me deixe te ver.
Quando ele parou bem na frente dela, ele disse:
- E todas as humanas com as quais fiquei?
- Vai falar delas agora? - Ela abriu a faixa do roupão dele com uma das mãos. - Sério?
Ele impediu-a de abrir o roupão.
- Nada mudou em mim.
- Azar o seu, não meu.
- Na minha tradição...
- Que não é a minha.
- ... Eu estou corrompido.
- Por que é que você continua falando?
Com isto, ela livrou-se da mão que a segurava, tirou a faixa, abriu as laterais do tecido preto. O sexo dele estava totalmente ereto, se sobressaindo entre eles.
E foi a próxima coisa a qual ela tomou nas mãos.
Trez gemeu e jogou a cabeça para trás.
- Você está quente. - Ela suspirou ao se inclinar e beijar a pele sobre seu coração. - E duro.
- Selena, estou falando sério. - Ele tentou impedi-la de continuar as carícias. - Eu quero te respeitar...
- Você está perdendo tempo.
Com isto ela caiu de joelhos e assumiu o controle. Como era uma fêmea alta, sua boca ficava na altura perfeita e, Deus os ajudasse, ela a pôs para trabalhar,
estendendo a língua rosada para lamber a cabeça. O toque aveludado o deixou trêmulo e, antes que seguisse o caminho dos roupões e caísse na porra do chão, se inclinou
para frente e apoiou ambas as mãos na coisa mais próxima que conseguiu achar.
A escrivaninha. Ou pode ter sido o capô de um carro. O trenó do Papai Noel. Uma geladeira.
Quente e úmida, ela abocanhou, a sucção e aquelas lambidas apagando o mundo, trazendo-o instantaneamente à beira do orgasmo.
Cerrando os dentes, ele gemeu - Eu vou gozar... Ah caralho... Eu vou...
Ele vagamente pensou em não desrespeitá-la ejaculando em sua bo...
Selena se afastou, abriu a boca e estendeu aquela língua mágica. Olhando para ele, de baixo para cima, começou a masturbá-lo com força ao mesmo tempo em que,
preguiçosamente, lambia sua ponta.
Trez segurou, oh, talvez um segundo e meio. Quando sua liberação jorrou, ela tomou-a toda, engolindo, sugando, se afastando para lambuzar os lábios e rosto.
Deus a ajudasse, ele continuou ejaculando, uma infinita urgência sexual travando o seu corpo, enquanto a marcava, sua essência cobrindo-a de uma posse que era primordial.
Defender. Proteger. Amar.
Tudo isto naquele local sagrado.
Minha.
Quando finalmente se esgotou, ela se sentou de volta sobre os tornozelos e então, com uma série de movimentos lânguidos e matadores, lambeu os lábios. Ergueu
os dedos, capturou a trilha pegajosa no queixo, e sugou até limpar. Olhou para baixo, para os seios perfeitos.
Espalmando os pesos gêmeos, sorriu para o que caíra sobre eles, fazendo os montes e aqueles mamilos tesos brilharem. - Você me melecou.
- Onde você aprendeu a fazer isto? - Ele engasgou.
Pelo menos foi o que pretendia dizer. As sílabas saíram em um amontoado de sons incoerentes.
- O quê? - Ela suspirou, antes de erguer um dos seios e baixar a cabeça, com a língua para fora.
Ela lambeu a si mesma.
O rosnado que saiu da boca de Trez foi algo que, se estivesse em seu lugar, ele teria temido.
Selena não temeu. Ela só emitiu uma risada rouca. - Há algo mais que você queira marcar?
Liberdade.
Quando Selena se ajoelhou à frente de Trez, com o gosto dele em sua boca e sua essência sobre todo o seu corpo, se deleitou na sensação de liberdade sexual que
a invadiu. A liberação pareceu inteiramente o oposto da sentença de morte sob a qual vinha vivendo e, ainda que sua falta de tempo fosse o que a impedisse de sentir
qualquer estranheza ou preocupação consciente, ela sentia-se voando acima das amarras que há tanto tempo a prendiam ao chão, seu treinamento como ehros permitia-lhe
entregar-se às correntes de sexo que se estendiam, grossas como cordas tangíveis, entre os corpos deles.
Sem saber quanto tempo lhe restava, e sob a frustração de ter perdido tanto tempo, sentia urgência de expressão pessoal, e abraçava cada desejo que tinha, na
total intenção de satisfazê-los.
Todos eles eram com Trez.
Como se sentisse o mesmo, ele se inclinou e levantou-a do chão. Suas juntas protestaram pela mudança de posição, mas as reclamações não eram mais do que murmúrios
contra a luxúria desenfreada que ela sentia por ele.
Ela precisava da penetração. Pelo corpo dele.
Trez levou-a a cama e deixou-a de barriga para baixo, suas mãos grandes e quentes acariciando-a do ombro até as costas das coxas, antes de erguê-la de quatro
e afastar seus joelhos. Selena abaixou a cabeça, ela queria vê-lo, e olhou para além dos montes dependurados de seus seios, observando-o se aproximar dela por trás,
com o sexo pulsando enquanto ele tomava posição para...
Não foi sua ereção que se esfregou nela.
Quando as mãos dele agarraram seu quadril, os polegares se enfiaram em sua bunda e afastaram, até o sexo dela se abrir totalmente para ele. E então ele veio
com a boca, os lábios tocando-a, carícias úmidas sobre a umidade, sugando, devorando. Com dominação total, a língua dele lambeu de cima abaixo, penetrou, tintilou
no topo do sexo dela até ela convulsionar em orgasmo, cada onda de prazer esfregando-a mais e mais contra o rosto dele.
Quando finalmente acabou, ele se afastou, os punhos apoiados nos lençóis de ambos os lados dela.
- Eu vou te foder agora, - ele falou por entredentes em seu ouvido.
- Oh, Deus, por favor...
Selena gritou alto quando ele a penetrou, esticando seu interior quase além do limite. A dor foi em uma medida perfeita, e então ele começou a bombear. Nada
de movimentos lentos e regulares; eram violentos, puro poder, poder que a fez ver estrelas até perder a força de manter o corpo elevado da cama. Caindo de cara nos
lençóis que tinham o cheiro dele, ela lutou para respirar e amou a sensação de sufocamento que sentia a cada arremetida que a fazia esfregar o rosto nos travesseiros.
Bang! Bang! Bang!
A cabeceira estava tendo a mesma experiência violenta que ela, batendo na parede, o som reverberando junto com os gemidos dele, que era todo animal.
Virando a cabeça para olhar acima do ombro, ela tentou vê-lo.
Trez estava magnífico, os peitorais e ombros elevados, os enormes braços esculpidos em músculos, o abdômen definido, enquanto os quadris arremetiam contra ela.
Quando ele gozou, jogou a cabeça para trás como quando ela o dominou, e uivou, expondo as presas brancas longas e mortais, os tendões do pescoço saltaram nas laterais,
os quadris bateram contra ela enquanto ele metia, metia e metia...
Ele gozou dentro dela.
E o sexo dela o ordenhou, provocando-o até ela sentir a umidade escorrendo pelas coxas.
Ele mal retirou o corpo de dentro dela e caiu para o lado, como se cada gota de força houvesse sido drenada dele. A cabeceira deu um último bam! quando ele se
jogou e quicou, as mãos, braços, tórax e pernas relaxando de todo aquele esforço físico. A boca dele se moveu, os olhos escuros encontraram os dela e ali ficaram.
Ela não fazia ideia do que ele estava falando. E não importava. Sua bunda ainda estava para cima, o sexo formigando pelo modo violento como foi tratado, seu
corpo tão saciado quanto a aparência dele. Correntes de ar, da ventilação acima, vinham do teto, tocando tudo o que estava exposto, fazendo cócegas, esfriando.
Aquele havia sido o melhor sexo de sua vida. Selvagem e rude, do jeito que lhe haviam contado, e para o qual fora treinada, do jeito que devia ser.
Antes de Selena permitir-se deitar-se ao lado dele e deslizar para seu próprio sono, sorriu tão largamente que suas bochechas doeram.
Ela fora, pela primeira vez na vida, não só bem e verdadeiramente fodida, mas marcada pelo macho que amava. Mesmo com o futuro que tinha de enfrentar, era difícil
não se sentir abençoada.
Capítulo VINTE E DOIS
iAm recobrou consciência, mas manteve os olhos fechados. O que o acordou foi a dor excruciante na parte de trás da cabeça; aquilo e o frio do chão sobre o qual
estava deitado. Por um momento, considerou bancar o gambá e tentar descobrir onde estava pela audição, olfato e instintos, mas não havia motivo para isto.
Ele sabia exatamente onde o tinham posto.
Bastardo traidor fodido.
Levantou as pálpebras e viu uma grande porção de nada. Só que, estava deitado de bruços, um braço por baixo do tórax como se tivesse sido jogado...
Uma porta abriu no canto atrás de si. E ele percebeu não pelo ranger de dobradiças, mas pela súbita adição de vozes e passos na cela.
- Porque eu checaria suas marcas? - um macho perguntou. Não era s'Ex.
- É o protocolo.
Sim. Nada havia mudado.
iAm voltou a fechar os olhos e ficou perfeitamente parado, exceto por respirar superficialmente enquanto as pegadas se aproximavam.
Houve um engasgo. E então dedos apalparam suas costas, como se esticassem a pele onde havia sido marcado, como todos os machos eram, aos seis anos de idade.
- Isto não pode estar certo.
Os passos se afastaram apressadamente e, ele supôs que a porta voltou a ser fechada.
Erguendo a cabeça, sua visão borrou-se e voltou ao foco. Não havia mais ninguém na cela bem iluminada de seis metros por seis, as paredes branco brilhante, tão
lisas que ele poderia ver seu reflexo escuro nos painéis de mármore.
Sua cabeça doía tão infernalmente que foi forçado a deitá-la de novo, a bochecha achando o exato ponto na pedra que havia sido aquecido pela temperatura de seu
corpo desmaiado. Seu braço estava matando-o, sentia o membro anestesiado e dolorido ao mesmo tempo, mas, lhe faltava energia para se mover e tirar o peso do corpo
de cima dele. Deitado ali, respirando, existindo, ele não fazia ideia de quanto tempo havia se passado, o que iam fazer com ele, ou se ele ia descobrir que sua brilhante
ideia de que estava vivo era um engano.
Do nada, veio-lhe uma imagem mental dele saindo do Sal's na noite anterior, saindo livremente do restaurante que amava, conversando com os garçons.
Pegou-se desejando poder rebobinar o tempo e voltar àquela encarnação de si mesmo, suas lembranças do jeito que a noite sentia-se fria em seu rosto, e como a
fumaça dos cigarros dos garçons subiam espiraladas das pontas acesas, tão claro que, por um momento, pareceu impossível não poder retornar àquele lugar no tempo...
Pisar nos sapatos que calçava então... Reassumir a vestimenta de sua pele, do mesmo modo como reassumia sua forma após se desmaterializar.
Mas é claro, o tempo não funcionava assim. E a memória era como um show de televisão da própria vida, uma tela de filme ao qual se podia testemunhar, mas, não
interagir, mudar o curso ou redirecionar.
O desespero por Trez, grande motivador de sua vida, havia o levado de volta ao coração do inimigo que ele e o irmão dividiam.
E havia uma chance muito boa de que esta merda fosse vencê-lo.
Com um gemido, rolou para o lado e piscou algumas vezes. Suas armas, assim como a túnica que vestia, haviam desaparecido. E não havia mais nada na cela...
A porta abriu, o painel deslizou silenciosamente na parede. E quem entrou estava coberto da cabeça aos pés em camadas sobrepostas de tecido, o rosto coberto,
o pé coberto, mesmo as mãos enluvadas.
Seria a Morte? Perguntou-se. Teria ele desmaiado e estaria sonhando...
Um sutil aroma foi registrado.
Mas não em seu nariz. Em todo o seu corpo.
Como uma corrente de eletricidade.
A porta foi fechada por trás da figura alta e coberta. E enquanto o macho se aproximava, iAm fez de tudo para assumir um tipo de postura defensiva.
Não conseguiu muito.
Uma mão enluvada se esticou; ele foi rolado de volta; e então sentiu o toque na base de sua coluna.
- Eu vou... Matá-lo... - iAm murmurou. - Machucá-lo.
De que forma, não fazia ideia. Mas ia lutar, isso era uma maldita certeza.
A figura recuou um passo. Inclinou a cabeça como se considerando o método de morte que seria usado.
No s'Hisbe, a maior parte dos prisioneiros eram primeiro torturados. Amaciados, iAm sempre pensara. Então eram massacrados, enterrados ou devorados por s'Ex
e seus guardas, dependendo do crime.
Este último era uma tradição orgulhosa. Também simplificava a questão sobre o que fazer com o corpo.
iAm fechou os punhos e preparou-se para o que se abateria sobre ele.
Só que a figura simplesmente o observou por um longo momento. E então recuou para a porta e saiu.
Oh. Okay. Eles verificaram quem ele era, e viram que não havia motivo para matá-lo antes de capturarem Trez novamente. Aquilo seria um desperdício de recursos.
Merda.
Relaxando os músculos, ele tentou mover-se e rezou que as habilidades naturais de cura de seu corpo cuidassem da concussão rapidamente.
Ele ia precisar ser capaz de enfatizar suas palavras de resistência com mais do que um corpo inerte e membros feitos de chumbo.
Maldição, ele jamais devia ter confiado em s'Ex.
De volta em Caldwell, Paradise sentou-se na cama, sobre as pernas, olhos fixos no céu noturno do outro lado de suas janelas fechadas e trancadas.
- Então você vai mesmo? - disse ela, ao celular.
Peyton riu.
- Diabos, claro, está brincando? Estou morrendo de vontade de sair daqui. Desde os ataques estou trancado, e o fato de meus pais me deixarem entrar neste programa
de treinamento é um milagre.
Ela olhou para as trancas na porta de seu próprio quarto, as quais, a propósito, estavam trancadas naquele momento.
- Me pergunto se meu pai me deixaria ir, - murmurou.
Houve uma pausa. Então uma risada.
- Oh, meu Deus, Paradise. Não. Uh uh. De jeito nenhum.
- É, você deve ter razão. Ele é realmente protetor...
- Aquele programa não é para fêmeas.
Ela fechou a cara.
- Com licença. O decreto da Irmandade dizia que seriamos bem-vindas se quiséssemos tentar.
- Okay, primeiro, "tentar" não significa "ser aceita". Você sequer já fez uma flexão?
- Bem, tenho certeza que conseguiria se eu...
- Segundo, você nem é uma fêmea comum. Digo, olá, você é membro de uma Família Fundadora. Seu pai é o Primeiro Conselheiro do Rei. Você precisa ser preservada
para procriação.
A boca de Paradise se abriu em choque. - Não acredito que acabou de dizer isto.
- O quê? É verdade. Não finja que as regras são as mesmas para fêmeas como você. Como, se um sujeito civil, que só por acaso use saias, quiser fazer uma tentativa,
tudo bem. Seria uma perda que não significaria nada para a espécie. Mas, Parry, não sobraram muitas como você. Para machos como eu? Não queremos nos emparelhar com
ninguém menos que vocês, e existem hoje quantas, quatro ou cinco de vocês?
- Esta é a racionalização mais machista que já ouvi. Vou desligar.
- Aw, vamos lá. Não fique assim.
- Vai se foder. Eu sou mais do que só um par de ovários no qual se pode colocar uma aliança.
Ela desligou e pensou em arremessar o celular contra a parede. Quando não conseguiu seguir o impulso, começou a se preocupar com todos os seus modos inatos que
no fundo só reforçavam que Peyton estava certo.
Ela era mesmo só uma flor de estufa, não prestava para nada além de xícaras de chá, ter filhos e...
Quando seu celular começou a tocar de novo, ela jogou-o sob o edredom, deitou-se no chão e plantou a palma das mãos sobre o tapete de crochê. Esticando as mãos,
equilibrou na ponta dos dedos dos pés.
- Certo, - ela disse, cerrando os dentes. - Para cima e para baixo. Cem vezes.
Ela conseguiu descer sem dificuldades, os braços mais do que famintos por obedecer. E quando seu nariz tocou o padrão de um vaso de flores que havia no tapete,
ela sentia-se uma fera, pronta para arrebentar com tudo.
Subir foi... Aceitável.
Descer de novo para o tapete. Eeeeee subir.
Mais ou menos. Os músculos em seus bíceps começaram a tremer; os cotovelos falsearam; os ombros gritaram.
Ela conseguiu três vezes. Ou, tipo, duas vezes e meia. Antes de cair no...
- O que está fazendo?
Com um ganido, Paradise levantou-se. Seu pai estava na porta do quarto, segurando a chave que ele usava para abrir todas as portas, e as sobrancelhas dele se
ergueram tanto, que quase encostaram na linha do cabelo.
- Flexões, - ela disse, arfando.
- Para que?
Pergunte, ela pensou. Desembuche e diga, Eu quero me juntar ao programa do Centro de Treinamento da Irmandade...
Seu telefone tocou de novo.
- Não vai atender? - Seu pai perguntou.
- Não. Pai, eu tenho uma...
- Algo aconteceu, querida. - Ele fechou e voltou a trancar a porta. - E preciso ser franco com você.
Paradise dobrou as pernas e enlaçou-as com o braço.
- Fiz algo errado?
- Oh, não. Claro que não. - Ele meneou a cabeça ao olhar para ela. - Você é a melhor filha que qualquer macho poderia desejar ter.
Quando seu telefone parou de tocar, ela teve de se perguntar quanto dos pontos de vista de Peyton seu pai dividiria. E quantas vezes Peyton ia tentar ligar para
ela de novo.
- Preciso que faça suas malas, - ele disse.
Paradise recuou.
- Por quê?
- Preciso que fique longe daqui por algumas semanas.
Um jato de frio atravessou-a.
- Por quê?
- Oh, amor. - Ele se aproximou e se ajoelhou. - Por nada. É só que, eu achei que poderia gostar de ter um emprego.
Agora foram as sobrancelhas dela que se ergueram.
- Sério?
Ela havia levantado o assunto alguns meses atrás, quando, após outra noite tomando lições de piano e fazendo bordados complicados e intrincados a fizeram sentir-se
como se fosse enlouquecer. Mas, ele havia cuidadosamente negado, no interesse de sua segurança, um ponto que ela tanto respeitava quanto a deixava frustrada.
Era difícil discutir que o mundo não era um lugar muito perigoso para vampiros.
- O que mudou? - Então ela se lembrou do parente distante. - Espere, aquele macho vai continuar por aqui?
- Não é nada com ele. Além disto, meu cargo de Primeiro Conselheiro está ficando mais complicado e trabalhoso, e preciso de alguém em quem possa confiar para
me ajudar com os negócios do Rei. Eu não posso imaginar ninguém mais apropriado do que você.
- Sério? - Ela disse, estreitando os olhos. - Não há nenhuma outra razão?
- De verdade. Prometo. - Ele sorriu. - Então o que diz... Gostaria de trabalhar comigo?
Com um súbito movimento de felicidade, ela agarrou o pai em um abraço. - Oh, obrigada! Sim! Estou tão animada.
Ele riu.
- Okay, mas você terá de se mudar para a mansão de audiências do Rei. Não se preocupe, não estará sozinha. Pode levar sua dama de companhia doggen, e a Irmandade
tem a equipe completa no local...
Paradise ergueu-se e correu para o closet. Abriu as portas e começou a separar as peças de seu conjunto de bagagens Louis Vuitton.
- Estarei pronta em meia hora! Quinze minutos! - Ela abria gavetas, pegando roupas de baixo, sutiãs, camisetas. - Oh, o senhor chama Vuchie? Ela ficará tão animada!
Vagamente, ouviu o pai rir.
- Como desejar, minha senhora. Como desejar.
Capítulo VINTE E TRÊS
Rhage retomou forma no gramado da antiga mansão de Darius, e caminhou para a entrada da frente. No momento em que entrou na casa, ouviu uma série de suspiros,
e olhou para a esquerda. No salão, havia um monte de civis amontoados em pé, em um grupo estranho, como se não se sentissem confortáveis sentados em todos aqueles
móveis elegantes revestidos de seda, e os olhos que se arregalaram ao vê-lo.
É, sua reputação ainda o precedia.
Jesus, bastava ter sido um puto por alguns séculos, e as pessoas continuariam te julgando, mesmo depois de você se redimir e emparelhar adequadamente.
Era um pé no saco e, em uma noite normal, teria se aproximado e se apresentado, só para falar de Mary.
Esta noite, no entanto, se dirigiu às portas fechadas do que certa vez fora a sala de jantar. Batendo duas vezes, disse. - Sou eu.
Tohr abriu a porta com uma saudação, e Rhage entrou em uma sala mais cavernosa, mais vazia: Tudo o que havia ali eram algumas cadeiras, uma mesa com uma cadeira
de escritório, e alguns assentos auxiliares, para serem usados em alguma audiência que tivesse gente demais para acomodar.
- Sem explosivos, - Wrath estava dizendo de uma das poltronas. - Nem armadilhas.
V estava em meio ao processo de acender um cigarro enrolado à mão, e ao tragar, o aroma de tabaco turco flutuou.
- Hollywood e eu repassamos a casa como um pente fino. Eles claramente estiveram lá. Tinham partido pelo que pudemos apurar. Mas, não se incomodaram de tentar
nos foder.
Com sua mão da adaga, Wrath acariciou a cabeça do golden retriever que o ajudava a se locomover. George, sempre em adoração a seu dono, tinha o focinho voltado
para o Rei, oferecendo livremente a garganta. - Então Throe não mentiu.
- Pelo menos não sobre isto, - V murmurou.
- Interessante.
Rhage olhou em volta para os rostos de seus irmãos. Z e Phury estavam em pé, juntos como sempre. Qhuinn estava próximo a Z, e então Blay e John Matthew, mesmo
os machos não sendo membros, estavam ao seu lado. Butch estava do lado oposto ao Rei, com os braços pousados no apoio da poltrona onde apoiava seu peso; V estava
atrás ele. Tohr estava perto da porta.
- O que fazemos agora? - Rhage perguntou.
- Esperamos. - Wrath se inclinou ainda mais e acariciou os pelos do cão. - Se ele começar a remexer na merda, vai se enforcar. A aristocracia terá de ser monitorada...
Precisamos de uma fonte infiltrada. Alguma ideia?
Naquele momento, houve outra batida na porta. Tohr encostou o ouvido no painel e então abriu a porta. - Peça e receberá.
Abalone enfiou a cabeça pela porta.
- Meu senhor? Sinto muito me intrometer, mas posso, por favor, apresentar minha filha, antes de começarmos as audiências desta noite?
Wrath gesticulou para o macho se aproximar com a mão livre. - Sim, traga-a.
Abalone retirou a cabeça da fresta da porta e houve uma conversa sussurrada. Então reapareceu, puxando um projeto de fêmea. Com os cabelos louros, corpo magricelo
e pernas longas, ela estava mais para o lado Princesa Ártica do sexo frágil.
Bela. Muito bela. Talvez até mesmo linda... Embora não chegasse aos pés de sua Mary.
Abalone levou a garota até se aproximar, uma mão guiando-a pelo cotovelo, seu orgulho de pai estufando o seu peito. - Meu estimado governante, grande Rei de
toda...
- É, é, chega disto, - Wrath cortou, - Paradise, soube que está se mudando para a casa de minha shellan e seu irmão. Seja bem-vinda.
Quando ofereceu o diamante negro, Paradise fez uma reverência, as mãos tremendo tanto que pareciam tremular à luz do candelabro.
- Meu senhor, - ela sussurrou antes de beijar a joia.
Liberando a mão dele, ela endireitou-se e olhou para o chão, os ombros encurvados, pés travados.
- Quer conhecer meu cão? - o Rei perguntou.
George, sempre pronto para um carinho na cabeça, bateu com a cauda no chão, o som como o de alguém batendo corda no chão de terra.
- Pode fazer carinho nele, - Wrath disse. - Eu deixo.
A garota olhou rapidamente para o resto da Irmandade, os olhos baixados para os shitkickers. E foi quando até Rhage sentiu pena dela. Uma grande parte da aristocracia
tratava suas fêmeas tão mal, que nunca eram admitidas na presença de machos de quem não fossem parentes, então esta era, sem dúvida a primeira vez que ela ficava
em um ambiente com tanta testosterona.
- Vá em frente, George. Diga oi.
Ao incentivo de Wrath, o cão veio para frente e sentou a bunda peluda bem em frente a ela, com os ouvidos inquietos, e aquela cauda balançando de um lado para
outro.
- É... É um garoto? - Perguntou ela, suavemente quando se abaixou no chão e estendeu a mão para todo aquele pelo.
- Sim. - Wrath olhou para cima. - Está certo, bando de imbecis, apresentem-se, está bem? E sejam educados.
Todos pigarrearam. Por fim, Phury deu um passo à frente e fez as apresentações. Provavelmente foi melhor assim... ele era o mais próximo de um cavalheiro que
tinham.
- Que bom que está aqui, - o Primale disse. - Eu sou Phury... Nós amamos seu pai, a propósito. É um cara legal.
Eeeeeee isto fez Abalone quase levitar para fora de seus sapatos Bally.
Ela olhou para aqueles olhos amarelados e lhe deu um sorriso. - Oi.
- Aquele ali é meu gêmeo, - ele indicou Z, e Zsadist, sempre consciente de sua aparência ameaçadora com aquela cicatriz no rosto, continuou afastado, erguendo
a mão quando Paradise recuou. - Zsadist é emparelhado e tem uma filha chamada Nalla. Ela é maravilhosa... Olha aqui uma foto dela.
Enquanto Phury estendia seu celular, a garota olhou para a foto. Olhou para Z. Voltou a olhar para a foto.
- Minha bebezinha, - Z disse, em uma voz profunda. - Ela tem dois anos, e parece com sua mahmen.
Instantaneamente a garota relaxou. Então Phury apresentou Vishous, que só acenou e Butch, que lhe deu um "Oi, como vai!" típico de Boston. John Matthew, Blay
e Qhuinn foram os próximos e então Phury indicou Rhage.
- E o Brad Pitt ali é Hollywood.
Ele sorriu. - Prazer em conhecê-la.
O olhar de Paradise fixou-se nele, os olhos arregalaram, mas não de medo. Longe disto.
- É, ele é lindo, - alguém disse. - Até conhecê-lo melhor.
- Aww, vamos lá, - Rhage respondeu. - Não me difame.
A conversa brotou, com Wrath fazendo à Paradise algumas perguntas para encorajá-la a falar de si. Quando a garota voltou a atenção ao Rei, Rhage pensou na época
antes de conhecer Mary. Sem dúvida ele teria dado em cima daquela inocente... E teria conseguido conquistá-la. Ele nunca falhava, já que controlava sua besta fodendo
com tudo e com todos que passavam perto dele. O que era bom para ele. Não tão bom para as fêmeas que queriam manter sua virtude.
E ele não tinha dúvida de que Paradise era uma dessas.
Então sim, ele estava feliz de conhecê-la sob estas circunstâncias, quando não havia absolutamente nenhuma chance de ele dar em cima dela. Ele emparelhara com
sua Virgem, do jeito que Vishous previra que ocorreria, e sua vida fora salva.
Por alguma razão, um sentimento de enjôo o transpassou.
Levou a mão até o bolso, tirou o celular. Verificou as mensagens de texto.
Trez, o pobre bastardo, ainda não tinha respondido. Parecia estúpido incomodar o cara de novo, dado tudo aquilo com o que ele já tinha de lidar, mas, era difícil
não tentar contatá-lo de novo.
Rhage desejava que houvesse algo mais a fazer para ajudar o cara e sua Escolhida.
Ele realmente desejava.
Não havia como ligar a seta.
Quando Layla dirigiu sua Mercedes de volta à mansão da Irmandade, ela trazia seu braço machucado pousado no console entre os assentos, uma jaqueta sobressalente
amontoada por baixo para aumentar a altura e diminuir os balanços.
A dor era atordoante, o tipo de coisa tão forte que era sentido nas entranhas.
Então não, não havia como sinalizar direita ou esquerda.
Pelo menos não havia ninguém naquela estradinha rural tão tarde da noite.
Passaram-se horas, talvez dias até ela chegar à montanha da mansão, e o mhis foi um pesadelo. A distorção da paisagem de V, uma medida de segurança para manter
sua posição em segredo, implicava em ver tudo borrado, como se uma neblina houvesse caído sobre a floresta. Exausta de tanto conter a vontade de vomitar, em combinação
com a visão falha, significava que ela se sentia completamente perdida, e seu instinto foi se inclinar e se aproximar do pára-brisa... O que não ajudou.
Tudo aquilo só fez seu braço doer ainda mais.
Quando as luzes brilhantes da mansão finalmente entraram em foco, ela rezou, rezou para que os Irmãos estivessem todos lutando para que ela conseguisse chegar
ao quarto sem ninguém vê-la. Contornando a fonte que já estava coberta para o inverno, ela estacionou perto do GTO roxo de Rhage e do brinquedo novo de Butch, uma
Mercedes preta que parecia uma caixa de pão.
Ela teve de se contorcer para controlar o volante e empurrar a alavanca da marcha para estacionar o carro na vaga... E descobriu que tinha de se esticar ainda
mais para apertar o botão Stop/Start para desligar o sedã. Daí foi questão de respirar superficialmente pela boca enquanto se recuperava do esforço. Olhando pelo
espelho retrovisor, ela teve uma visão da entrada da mansão... E não fez ideia de como chegaria até lá. Muito menos de como se arrastaria até o quarto.
Não havia outra escolha. Ou ela fazia isto sozinha, ou teria de pedir para outra pessoa mentir por ela: não tinha como esconder o ferimento, não enquanto tão
fresco. E ela não podia deixar Qhuinn descobrir o que acontecera.
Ou, pior ainda, o que ela andara fazendo quando caíra.
Maldição, esta situação era punição por sua vida dupla... Suas duas realidades opostas se chocando, nocauteando-a, expondo-a.
Potencialmente.
Hora de entrar.
Layla teve uma nova uma lição em termos de dor ao abrir a porta e tentar erguer-se do assento de couro, o braço gritando quando o osso quebrado se moveu.
Recuperar o fôlego. Vários deles.
E então de alguma forma, conseguiu sair do carro.
A mansão sempre fora assim tão longe da área de estacionamento?
Contornar a fonte não foi muita questão de botar um pé em frente ao outro, mas cambalear sobre os paralelepípedos tentando não desmaiar. Quando chegou aos degraus
de pedra que levavam às portas do tamanho de catedrais, ela quis chorar. Em vez disto, subiu de uma só vez.
Ao abrir as portas do vestíbulo, percebeu que cometera dois erros: deixara o carro destrancado, e ela teria, de fato, de interagir com alguém... Não havia jeito
de entrar na casa sem colocar a cara na frente da câmera de segurança e esperar ser atendida.
Olhando de volta para a Mercedes, não teve energia para voltar e fechá-lo. E tentar dar a volta para a entrada de serviço da garagem estava...
Foi onde as coisas acabaram.
Enquanto sua mente se debatia entre as suas opções limitadas, seu corpo desconectou-se sozinho da tomada da consciência: desligou e a gravidade fez sua mágica,
o degrau se ergueu para saudá-la com um abraço duro, muito duro.
Que ela não sentiu.
Capítulo VINTE E QUATRO
Era quatro da manhã quando Assail guiou seu Range Rover blindado até a beira do Rio Hudson. A alameda onde estava era tão larga quanto um lápis e suave como
uma corrida de obstáculos. Ao lado dele, Ehric estava calado, a .40 do macho pousada sobre as coxas, um dedo inquieto sobre o gatilho, pronto para atirar ao menor
sinal de movimento ou barulho.
Um rápido olhar pelo espelho retrovisor mostrou-lhe que o gêmeo de Ehric, Evale, encontrava-se igualmente alerta e preparado para qualquer coisa.
Cerca de vinte metros adiante da "estrada", era possível ver a clareira pouco profunda na margem. O procedimento era o mesmo todas as vezes: Ele pararia o SUV
na linha das árvores e daria a volta de forma que, se algo imprevisto acontecesse, ele poderia sair rapidamente com o dinheiro ou as drogas. Então ele esperaria
com seus rapazes, geralmente, cerca de dez minutos, antes que o barco de pesca ruidosamente aparecesse.
Seus primos usavam coletes à prova de balas. Ele não.
Eles estavam sóbrios. Ele não.
Nem isto era surpresa. Ele jamais se importara com qualquer tipo de proteção peitoral, e a outra coisa? A esta altura, teria de abster por vários dias para que
a cocaína saísse completamente de seu sistema.
Ao continuar dirigindo, deixou sua mente vaguear, a imagem de outro tipo de baía, um tipo diferente de água, apresentando-se e se recusando a sumir.
Ele viu a praia. O oceano. Palmeiras. Tudo isto brilhando à luz da lua.
Viu uma fêmea caminhando sozinha ao longo do calor acariciante do mar, seus braços cruzados sobre o peito, a cabeça baixa, a aura de uma sobrevivente cheia de
arrependimentos...
- Cuidado! - Ehric exclamou.
Assail forçou-se a se concentrar bem antes do Range Rover comer carvalho como Última Refeição... Ou, mais provável, seria o contrário.
Felizmente, a viagem acabou minutos depois, e ele conseguiu manobrar sem dificuldades, amassando o mato seco e curto até a grade imensa do SUV estar virada para
frente. Não havia faróis foi outra das modificações que ele havia providenciado junto com a blindagem.
O motor silenciou e seus dois passageiros saíram. Antes de se juntar a eles, retirou um vidrinho de dentro de seu casaco de lã. Um giro rápido. Colher na mão.
Sniff. Sniff.
E duas outras para a outra narina.
Após um rápido bufar para se assegurar que tudo estava onde devia, saiu do interior morno. Devolveu seu estoque para o local seguro, se envolveu ainda mais no
casaco. O ar noturno estava muito frio, e folhas caídas eram trituradas sob suas botas ao se juntar aos primos.
Não houve conversa.
E ainda assim, a desaprovação pelo seu nível de consumo estava evidente pela tensão em suas mandíbulas.
Mas isto não importava a ele. Tanto fazia eles desperdiçarem o fôlego com palavras, ou simplesmente o fitarem com ar zangado, como agora, ele não tinha intenção
de mudar seus hábitos.
O som de um único barco à motor vindo em velocidade baixa surgiu tão baixinho que, de início, não seria possível distingui-lo dos ruídos do ambiente da floresta
e do rio. Mas, logo, o barco de pesca deu a volta para a curva da costa, lento e baixo para a água. Havia dois indivíduos sentados no casco aberto, ambos vestidos
como pescadores acima de qualquer suspeita com seus bonés e coletes camuflados, somente as máscaras pretas indicavam algo nefasto. Também havia varas de pesca montadas
em corrente, estendendo-se por trás da popa.
O capitão aproximou o barco humilde de frente, desacelerando o motor para que parasse com um beijo, e não um soco.
Os primos se aproximaram enquanto Assail manteve-se na retaguarda, com sua própria .40 a postos. Os aromas dos dois machos humanos os identificaram como diferentes,
mas relacionados aos dois que vieram da última vez. E da vez antes daquela. E assim por diante.
- Onde estão os outros? - Assail exigiu.
Os homens pararam no processo de pegar três das cinco sacolas que estavam escondidas sob uma lona camuflada.
Assail sorriu fracamente diante de sua surpresa. - Acharam que eu não saberia?
- Eu sou irmão, - o da esquerda disse em um pesado sotaque inglês. - Ele é primo.
Assail inclinou a cabeça, aceitando a explicação. Na verdade, ele não se importava quem entregava seus produtos, contanto que fossem pontuais, pelo preço e qualidade
acordados e sem interferência de agentes da lei humana.
Até agora, tudo bem com estes dois.
Momentos depois, Ehric e o irmão aceitaram as bolsas e se afastaram, um olhando para frente, outro para trás, para cobrirem todo o terreno.
- Um momento, - Assail pediu lentamente. - Se não se importam.
Os humanos pararam de novo, e ele sentiu a ansiedade deles de modo tão claro quanto uma reverberação na superfície de uma mesa, a transferência de energia viajando
facilmente através do ar que separava seus corpos.
- O que mais tem aí embaixo? - disse ele, apontando para a lona. - Há mais duas sacolas, não há?
O mais baixo deles, o primo, arrumou a cobertura de volta no lugar e voltou-se para os controles do barco.
- O esquema mês que vem, - o outro disse, - o mesmo?
- Entrarei em contato com seus chefes.
- Muito bem.
Só isto, eles voltaram a seu caminho, ruidosamente contra a corrente vagarosa de água fria, com a propaganda de outra empresa na lateral.
Franzindo o cenho, Assail observou enquanto eles cruzavam o leito das águas e prosseguiam paralelamente à margem oposta.
Um momento depois, voltou ao Range Rover e quando bateu na janela da porta do passageiro, Ehric baixou o vidro.
- Sim? - O macho disse.
- Vou segui-los. - Assail acenou na direção do barco. - Eles estão negociando com outra pessoa. Quero descobrir quem.
Com um gesto curto de concordância, Ehric desmaterializou para o assento do motorista e engatou o SUV. - Eu também percebi. Ligue se precisar de ajuda.
Quando o Range Rover se afastou, Assail se virou e caminhou de novo para a água. Fechando os olhos, teve de lutar contra o efeito da cocaína para se acalmar,
e levou um tempo até poder se desmaterializar no vento gelado. Quando retomou forma, alguns quilômetros abaixo do rio, esperou até o barco aparecer de novo. Os homens
não percebiam sua presença, já que ele se escondeu entre as árvores coloridas e contrastava com a vegetação marrom, observando-os passar.
Mesma velocidade de motor. Mesmo protocolo para entregar as mercadorias para ele. A questão era: quem era o próximo cliente?
E que tipo de drogas eles estariam vendendo?
O chefe deles havia concordado em lidar exclusivamente com ele nesta parte do estado de Nova Iorque. E embora a competição fosse boa para o capitalismo, não
era bem-vinda em seu território; também desnecessária à declaração de renda deles. Seus pedidos eram suficientemente grandes e tão constantes que ele valia por vários
negócios dignos de respeito.
Os bastardos.
De fato, era necessária honra entre os fora-da-lei. Para o bem de todo mundo. E ele havia elevado a sua parte da barganha, pagando cada vez mais. Mês após mês
após mês.
Mas estava preparado para resolver este problema.
Prontamente.
Mortalmente.
Rhage, Tohr e V voltaram à mansão não muito depois de conhecer o motivo de orgulho e alegria de Applebottom, com Butch seguindo no Range Rover. Quando os três
reassumiram suas formas físicas no quintal, uma luz brilhava entre a fila de carros e chamou a atenção deles.
Rhage foi até a porta aberta da Mercedes azul bebê. - Layla?
Só que não havia ninguém lá dentro, remexendo a bolsa ou juntando sacolas, antes de ir atravessar o gramado até a casa.
Ele fechou a porta. - Ela não...
- Layla! - Tohr gritou. - Oh, merda!
Rhage olhou na direção da entrada da mansão. A pesada porta do vestíbulo estava meio aberta, uma perna se estendia ao nível do chão, o tornozelo mantinha os
painéis abertos.
Os três dispararam até os degraus. Enquanto Rhage abria mais o tremendo peso da porta, V, com seus conhecimentos médicos, pulou sobre o corpo colapsado e começou
a checar os sinais vitais.
- Tohr, - Rhage disse, - chame...
Mas seu irmão já estava com o telefone no ouvido - Oi, Jane? Precisamos de você aqui no vestíbulo. Layla desmaiou. V, sinais?
Quando o irmão botou o celular na cara de V, Vishous disse à companheira, - Batimentos cardíacos estáveis, mas lentos. Assim como a respiração. Sem sinal visível
de trauma.
- Ouviu isto? - Tohr disse, voltando a falar. - Bom, obrigado! - Ele encerrou a chamada, e imediatamente voltou a discar. - Ela está trazendo Manny e Ehlena.
- De volta ao ouvido. Espera. Espera.
Ele estava, obviamente, ligando para Qhuinn...
Por alguma razão, o mundo ficou vacilante para Rhage: em um minuto, ele olhava para Layla, e pensava que não havia nada mais aterrorizante do que uma fêmea grávida
caída em qualquer tipo de chão. No seguinte, o vestíbulo girava em volta dele como uma bola no fim de um barbante, sua cabeça, o ponto central da tontura, seu equilíbrio
estranhamente não comprometido...
- Ele vai cair!
Huh. Acho que ele não estava tão firme quanto achou.
Quando sentiu uma mordida em seu bíceps, baixou o olhar e viu a mão de Tohr travar-se em seu bíceps, segurando-o.
Uau. Que másculo, Rhage pensou.
Uma rodada de sais vitorianos só porque uma fêmea está...
- Layla!
A aparição em pânico de Qhuinn bem perto dele lhe deu o estímulo para acordar de que precisava, sua mente clareou enquanto o macho abria seu caminho até chegar
à fêmea que carregava seu filho. Blay, como sempre, estava logo atrás dele, pronto a fazer qualquer coisa para apoiar o companheiro.
- O que diabos aconteceu? - Qhuinn exigiu.
V começou a falar. Dra. Jane e equipe chegaram. Equipamentos médicos foram tirados de uma maleta preta antiquada.
Virando-se para Tohr, que ainda o amparava, Rhage ouviu uma estranha versão de sua voz dizer, - Estou tendo problemas para respirar, irmão.
Tohr voltou a cabeça para sua direção. - Qual o problema?
- Eu não sei. Não... Consigo respirar. - Ele massageou o peito com a mão livre. - É como se houvesse um balão aqui. Tomando todo o espaço.
Enquanto a equipe médica rolava Layla de costas, o pessoal da primeira fila praguejou. O braço dela estava no ângulo errado, a parte abaixo do cotovelo mostrando
uma torção feia que deve ter acontecido quando ela desmaiou.
- Rhage? - Alguém lhe disse, - Olá?
Ele olhou para Tohrment, - O que?
Thor inclinou-se, - Quer tomar um pouco de ar fresco?
- Já não estamos do lado de fora? - Para responder a esta pergunta, olhou para o céu - Sim, estamos...
- Que tal darmos uma voltinha?
- Quero ajudar.
- Sim, eu sei disto. Mas, acho que sair para caminhar é uma boa ideia. Você está branco como papel, e se apagar agora, posso garantir que não vai ter ninguém
para amaciar sua queda e não precisamos de mais pacientes agora.
- Huh?
- Vamos.
Quando seu irmão puxou o braço, Rhage começou a esfregar o peito. - Eu não sei porque não consigo respirar...
A última imagem que teve, ao se afastar, foi do rosto de Layla virado para o lado, os olhos abertos, mas, sem enxergar nada.
- Ela morreu? - Ele sussurrou. - Ela morreu?
- Vamos, irmão meu...
- Morreu?
- Não. Está viva.
Cada vez que piscava, via seu cabelo louro no mármore como líquido derramado, os lábios tão pálidos quanto o rosto, aqueles olhos verde-jade, opacos e imóveis.
- Mary? Sim, Mary, tenho uma situação aqui com seu garoto. Pode vir agora?
Quem estava falando? Oh sim, Tohr. Ao telefone. O Irmão havia sacado o telefone.
Rhage começou a balançar a cabeça. - Não, ela não pode vir. A mãe no Lugar Seguro. Ela tem de ficar...
- Está bem, obrigado. - Tohr desligou - Ela está vindo agora.
- Não, eles precisam dela...
- Irmão? - Tohr aproximou o rosto do rosto de Rhage. - Tenho certeza que você não sabe como está sua aparência agora. Faz o favor de sentar aqui... Sim, bem
no chão. Bom garoto, está indo bem.
Os joelhos de Rhage seguiram as instruções, seu cérebro estava preocupado demais com o quanto sua shellan não precisava perder seu tempo precioso com ele. Mas,
parecia que aquele ônibus já tinha partido do ponto.
Colocando a cabeça entre as mãos, Rhage se inclinou para frente e se perguntou se não teria algo errado com seus pulmões. Uma gripe vampírica de ação rápida.
Uma infecção. Um veneno qualquer.
A grande mão de seu irmão fez círculos lentos em suas costas, e sob aquela palma pesada, a besta, em sua forma de tatuagem, surgiu e se moveu como se o pequeno
ataque de Rhage tivesse deixando-a nervosa.
- Sinto-me estranho. - Rhage disse. - Não consigo... Respirar...
Capítulo VINTE E CINCO
Nos primeiros quilômetros, Assail se satisfez em se desmaterializar no encalço do barco. No entanto, por volta da quarta vez em que retomou forma, se impacientou
pela chegada ao destino, a troca que seria feita, identidade do terceiro envolvido a ser revelada.
E havia outro motivo para ficar inquieto. Com o aumento da distância viajada, os dois homens se aproximavam cada vez mais da cidade de Caldwell, o que era uma
ideia idiota.
Mesmo que já fosse noite avançada, o centro da cidade não era como o subúrbio e estariam rodeados por humanos por todos os lados; com certeza, dificilmente humanos
com crédito com a polícia, mas, olhos curiosos eram olhos curiosos, e cada rato sem rabo, por mais ignorante que fosse, tinha um celular nos dias de hoje.
Ele até poderia ser capaz de se desmaterializar, mas, aquela dupla no barco não sabia executar aquele truque... E ele queria ser a pessoa a ensinar uma lição,
não deixaria o Departamento de Polícia de Caldwell chegar na frente.
Desaparecendo de novo, foi forçado a retomar forma em meio às árvores plantadas à beira de um dos parques públicos da margem de Caldwell. E o barco continuou
em frente.
Inacreditável.
Enquanto esperava para ver se indicavam a nova posição, e havia uma boa chance de que indicassem, porque não havia mais cobertura na costa, um comichão familiar
começou a formigar na base de seu pescoço, desencadeando a necessidade por mais coca.
A necessidade vinha cada vez mais rápido ultimamente. A ponto de ele ser forçado a reconhecer sua sorte por curar-se tão rápido. Se fosse um mero humano? Já
teria desviado o septo há meses.
Buscando em seu bolso, tirou o vidrinho. Só sentir a suavidade do frasco o fazia relaxar. Ele queria consumir a droga, mas não podia correr o risco de não conseguir
se desmaterializar. O problema com o seu vício era que a necessidade por uma nova dose estava surgindo antes que o efeito da dose anterior tivesse sequer começado
a diminuir, a lombriga em suas entranhas se remexendo, remexendo, exigindo mais e mais enquanto seu corpo e cérebro lutavam para lidar com as velozes e enormes cargas
da droga que consumia.
E de novo, a última coisa que queria era se colocar em dificuldades por estar nervoso demais para desaparecer.
Deus, ter isto em comum com a espécie humana com quem negociava era humilhante demais para descrever...
- Oh, só pode ser brincadeira. - Ele murmurou quando o barco finalmente demonstrou estar entrando em um lugar para aportar.
Mas não um lugar seguro. Certamente não um que ele teria escolhido.
A dupla pilotou a embarcação em direção à uma casa de barcos vitoriana. Claro que as janelas estavam escuras, mas havia luzes de segurança brilhando nas ripas
que revestiam seu exterior, e sem dúvida uma patrulha do Departamento de Polícia, fazia turnos regulares no espaço que havia por trás da estrutura.
Mesmo assim, ele teria de entrar, caso eles entrassem.
E eles entraram.
Sem ideia do layout do interior do local, programou-se para retomar forma nas sombras entre aquelas irritantes luzes externas, suas roupas pretas mimetizando-o
contra a lateral envelhecida da casa de barcos. Quando o barco entrou em uma das vagas, o som de seu motor patético ecoou, soando como um homem velho nos estertores
finais de um ataque de tosse mortal.
Virando-se para uma das janelas, Assail concentrou seu olhar astuto através do vidro canelado. A área interior era bem extensa e, assim que identificou o seu
ponto, se desmaterializou e passou através da mesma entrada que os entregadores usaram. Teve o cuidado de reassumir sua forma física, encolhido em um canto apertado
no extremo oposto, entre uma estante de suprimentos de tripulação, caída em montes, e uma floresta de dispositivos pessoais de flutuação cor de laranja pendurados
em ganchos.
O motor foi desligado e o par conversava suavemente em idioma estrangeiro. Após silenciarem, o único som era a água se movendo e gargalhando por baixo do barco
e através do escoramento das docas.
Assail odiava cheiro de peixe morto, flora decomposta e lonas úmidas no ar.
Após um tempo, a aproximação de algo no exterior chamou sua atenção, e então, uma luz amarela penetrou o interior. Localizando uma janela empoeirada, olhou para
fora, só para ver um caminhão do Departamento de Parques Públicos de Caldwell estacionando.
Bem, agora, isto está a ponto de ficar interessante.
Ou a entrega ia ser interceptada e chamariam a polícia... Ou algum humano que trabalhava para os parques estava tentando aumentar sua renda mensal através de
suborno.
Descobriu que errou nas duas.
A porta principal rangeu ao ser aberta e, no instante em que uma figura masculina apareceu no umbral, o ar gelado que vinha de trás, espalhou o cheiro de lesser
na casa de barcos.
E então, o Forelesser com quem Assail havia feito negócios, entrou com uma sacola de ginástica na mão.
Filho da Puta.
Como se atreve o bastardo a me passar para trás, pensou Assail, ao mesmo tempo em que suas presas se alongavam, por vontade própria. E como infernos aquele matador
havia conseguido fazer contato com o fornecedor?
Formulando um plano para a emboscada, Assail sacou suas duas armas .40, e desejou ter tido o cuidado de colocar silenciadores. Não havia esperado usá-las na
porra do centro de Caldwell, pelo amor de Deus.
- Me deixe vê-las. - O Forelesser declarou. - Abra as sacolas e me deixe vê-las.
Assail deu um passo à frente, pensando que poderia...
Cada um dos carregadores abriu uma mala e exibiu o conteúdo.
Não. Eram. Drogas.
Nada parecido.
Ao invés dos grandes tijolos selados em camadas de papel celofane, havia...
Armas. De grosso calibre, que se esfregavam, metal contra metal, umas contra as outras nas sacolas de ginástica.
Na escuridão era difícil determinar, exatamente, as especificações das armas, mas parecia haver uma variedade de metralhadoras ou rifles.
O lábio superior recuado de Assail voltou a ao lugar.
Embora estivesse preparado para interceder na eventualidade de uma negociação de drogas/dinheiro, não sentia mais tal compulsão.
Se o Forelesser quisesse usar seu lucro para comprar armas, era problema dele.
Deixando a casa de barcos do mesmo jeito que havia entrado, Assail dirigiu-se rio acima, em direção à sua casa envidraçada na península.
A única coisa com a qual se importava era se aquele lesser continuaria a vender seus produtos nas ruas e clubes de Caldwell em tempo hábil, confiável e honesto.
- Não, não, estou bem. Juro.
Enquanto falava, Rhage sentou-se à mesa de madeira maciça na cozinha da mansão da Irmandade. Os outros habitantes da casa estavam se reunindo para uma tardia
Última Refeição, os doggens enfileirando-se para dentro e para fora da porta vai-e-vem, levando bandejas de prata do tamanho de tampos de mesas, cheias de todos
os tipos de comidas recém-preparadas, molhos e vegetais.
Do outro lado, Mary encostou-se à ilha com topo de granito que ficava no centro da cozinha, com os braços cruzados sobre o peito, os olhos treinados fixos nele,
como se avaliando um de seus pacientes do serviço social.
Contorcendo-se, ele quis se juntar aos irmãos e suas shellans, mas, pela expressão dela, aquilo não aconteceria tão cedo.
- Fritz? - Disse ela. - Vou preparar alguma coisa para ele, tudo bem?
O mordomo parou em meio ao processo de trazer um conjunto de mesa. - Eu ia fazer um prato na outra sala e trazer para cá...
- Eu quero cuidar de meu marido, - disse ela gentilmente, mas com firmeza. - Mas, se quiser... Mesmo que isto vá contra cada instinto autossuficiente de meu
corpo, eu deixo as panelas e os pratos para você lavar.
O rosto velho e enrugado de Fritz assumiu a expressão de um cãozinho basset a quem tivessem negado frango com a promessa de mais tarde ter um bife: tanto preocupado
quanto excitado. - Se houver qualquer coisa em que eu possa ajudar...
Três membros da equipe, em seus uniformes cinzentos e brancos, voltaram de mãos vazias da sala de jantar, o trio se dirigindo para o carregamento final que era
destinado a ser levado e servido nas várias mesas de apoio daquele enorme espaço iluminado.
- Na verdade, - sua Mary murmurou, - você acha que ele e eu podemos ter um pouco de privacidade aqui?
- Oh, sim, senhora. - Fritz de alguma forma se iluminou. - Assim que servirmos os pratos principais, eu mesmo levarei a equipe para o saguão. Eles ficarão mais
do que satisfeitos em esperar lá.
- Obrigada. - Ela apertou levemente seu braço, o que o fez corar. - E só até a hora da sobremesa. Eu sei que vai querer a cozinha livre para ela.
- Sim, senhora. Obrigado, senhora. E eu pessoalmente limparei tudo após sua saída.
O mordomo fez uma acentuada reverência, pegou a última bandeja de prata, e tirou todo mundo dali. Quando a porta vai e vem parou, a adorada shellan de Rhage
olhou para ele.
- Ovos? - Ela disse.
Diante daquela única palavra, o estômago de Rhage rugiu. - Oh, Deus, seria maravilhoso.
Mary anuiu e foi até a geladeira. Pegou uma bandeja fechada de ovos, um galão cheio de leite e uma caixa de manteiga; então, no armário, uma frigideira, uma
grande tigela de misturar e vários utensílios recém-lavados.
- Então, - disse ela, ao partir o primeiro dos doze ovos. - Eu queria mesmo saber o que aconteceu lá.
Até aquele momento, Rhage fora bem sucedido em evitar a questão. Aparentemente, o indulto havia acabado.
- Estou bem, sério.
- Ok. - Ela parou em meio ao ato de quebrar um ovo e sorriu para ele. - Mas, como sua esposa, seu bem-estar é realmente importante para mim. Então, se tem alguma
coisa te incomodando, não saber o que é faz eu me sentir excluída.
Ai. Só... Ai.
Quando ela começou a bater a mistura crescente de ovos, o som úmido o fez imaginar o conteúdo de sua própria cabeça.
Baixou os olhos para o tampo esburacado da mesa e deslizou o dedo em um dos veios da madeira de carvalho.
- A verdade é que eu não sei o que houve. Eu só me senti muito estranho e tive de me sentar. Mas, agora estou bem. Provavelmente foi só uma coisa passageira.
- Mmm, bem, me conte como foi sua noite.
- Não aconteceu nada demais. Fui até o esconderijo do Bando dos Bastardos e invadi...
- Não começou na clínica, com Trez e Selena?
- Oh, sim. Mas, isto foi tipo, ontem, quando ela estava... Sabe, quando ela foi levada para lá. - Ele balançou a cabeça. - Não quero pensar nisto agora, se não
se importa.
- Está bem, então esta noite você foi até o esconderijo do Bando dos Bastardos?
- Bem, primeiro passamos na casa de Abalone. O primo dele debandou das tropas de Xcor e nos disse onde ficava o esconderijo. De qualquer forma, eu e V invadimos
o lugar.
- O que procuravam?
Ele deu de ombros. - Bombas. Armadilhas. Este tipo de coisa. Nada demais.
Ela emitiu outro som de mmmm ao derramar o conteúdo da tigela em uma frigideira do tamanho do assento do banco do Hummer de Qhuinn. - E você ficou preocupado
em se ferir lá?
- Não. Bem... Eu me preocupei com os irmãos, claro. Mas, faz parte do trabalho.
- Está bem. E então, foram para onde?
- Fui te ver. Daí à antiga casa do D., fizemos um relatório para Wrath e voltamos para cá. Era para eu me consultar com Manny para dar uma olhada no processo
de cura daquele ferimento. V também.
- Está bem. - Ela foi até a torradeira com capacidade para seis torradas e carregou-a com o pão branco industrializado, total e plasticamente fantástico que
era o favorito dele. - Então, você chegou aqui, e o que viu?
Ele piscou e viu o pé de Layla esticado para fora do vestíbulo. Então visualizou o rosto de Qhuinn ao se abaixar para a fêmea caída que carregava seu filho.
- Oh, você sabe.
- Mmmmm? - O cheiro de ovos sendo preparados acionou o botão do modo "Coma-agora" em seu organismo. - O que?
- Bem, você sabe o que aconteceu.
Quando Mary chegou, uma maca havia sido trazida da clínica e Layla havia sido carregada, o corpo transferido do chão para a maca, cuidadosamente, por Qhuinn
e Blay.
Rhage caiu em silêncio e massageou o peito.
Pop! Fez a torradeira, e um momento depois, um prato com tudo feito exatamente do jeito que ele gostava, foi posto a sua frente.
Junto com uma caneca de chocolate quente, um guardanapo e talheres... Mas, o mais importante, sua adorável Mary.
- Esta é a melhor refeição de minha vida, - disse ele, só de olhar para a comida.
- Você sempre diz isto.
- Só quando você cozinha para mim.
Era engraçado. Como humana, sua Mary jamais conseguiria entender a reação de um vampiro macho, quando a fêmea com a qual era vinculado preparava comida com as
próprias mãos, para ele. Esse tipo de coisa era um ato secreto, porque ia contra o âmago do instinto masculino que era prover e satisfazer as necessidades de sua
companheira, acima de tudo e todos, incluindo ele próprio, os irmãos, o Rei e todos os filhos que pudessem vir a ter.
Rhage era programado para alimentá-la primeiro e só então comer o que sobrasse. Mas, antes que ela mandasse Fritz e os doggens para fora, ela havia dito estar
cheia, já que havia feito um lanche no Lugar Seguro uma hora atrás.
- Vai esfriar. - Ela disse, esfregando o braço dele.
Por alguma razão, os olhos dele se enevoaram e ele teve de piscar para afastar as lágrimas.
- Rhage? - Ela sussurrou. - Seja o que for, pode dizer.
Com um movimento rápido, ele negou com a cabeça. - Estou bem. Só quero aproveitar o banquete.
Ele ergueu o garfo e começou a alternar: uma garfada de ovos, uma mordida na torrada, uma garfada de ovos, uma mordida na torrada, gole, gole, gole de chocolate
quente. E repetiu tudo até limpar o prato.
- Como a fêmea está? - Perguntou ele, ao limpar a boca e se recostar no espaldar da cadeira.
- Eu não sei, - Mary meneou a cabeça. - Simplesmente não faço ideia como isto vai acabar.
- É grave assim? - Quando ela estremeceu, ele disse, - Se houver algo que eu possa fazer...
- Bem, na verdade...
- É só dizer.
Ela estendeu o braço e tomou a mão dele, virando a palma para cima. Levou um tempo até ela falar, e quando ele já começava a se preocupar, ela disse:
- Quero que você imagine, apenas por um momento, que pode ter sido perturbador para você ver Selena quase morrer e testemunhar a dor de Trez. Quero que considere
que não é "só trabalho rotineiro", para ninguém, ter de invadir uma casa onde jamais esteve, sem saber se algo irá explodir ou te emboscar ou matar você ou alguém
que você ama. Quero que reflita que, ir até Wrath e não poder dizer-lhe que encontrou os Bastardos, ou que desarmou uma bomba, ou coletou algum tipo de informação,
soa como fracasso para você. E finalmente, quero que entenda que, voltar para casa e ver Layla no chão, sabendo que está grávida, e o quanto se importa com ela,
Qhuinn e Blay, é outro trauma. Acho que você teve um dia difícil, e suas emoções meio que entraram em pane.
- Eu não me sinto perturbado, minha Mary. Por nada disto. Estava tudo bem...
- Até você ter o ataque de pânico na frente da casa.
- Eu não tive um ataque de pânico.
- Você disse que não conseguia respirar. Que suas mãos e pés formigavam. Que estava tendo problemas para se conectar à realidade. Para mim soa sintomas típicos
de um ataque de pânico.
Ele negou com a cabeça. - Eu não acho que foi isto.
- Está bem.
Rhage inalou profundamente e fitou o rosto de sua amada. - Você é a fêmea mais linda que eu já vi.
- Tenho certeza que não...
Ele tomou o rosto dela entre as mãos, acariciando com carinho. Enquanto seus olhos vasculhavam as feições familiares, ele não conseguia ter o suficiente dela.
Deus, nunca era o suficiente. Nem uma noite, um mês, um ano, uma década... Nem a eternidade que a Virgem Escriba tinha milagrosamente lhes concedido, jamais seria
suficiente para ele.
- Você é a fêmea mais linda que eu já vi. - Ele acariciou os lábios dela com os seus. - Não sei o que fiz para merecer um destino com você, mas jamais, jamais
vou te subestimar.
O sorriso que teve em resposta foi melhor do que o brilho do sol que ele jamais via, envergonhando até a bola de fogo que sustentava toda a vida, inclusive as
daqueles que não suportavam seus raios.
Eles ainda estavam sentados daquele jeito, perdidos no olhar um do outro, quando os doggens vieram, para a sobremesa.
- Quer subir? - Ele disse em uma voz profunda e sombria, sua besta começando a surgir sob sua pele. - Estou pronto para a sobremesa.
O aroma dela chamejou. - Está?
- Mmm hmm.
- Quer que eu pegue um pouco de sorvete para você?
Ele estreitou o olhar na boca dela. - Nada disto. Eu quero chupar outra coisa.
- Bem, então, - ela sussurrou, colando a boca na dele, - vamos te alimentar.
Capítulo VINTE E SEIS
Suor frio.
Trez acordou suando frio, cada centímetro de sua pele encharcado, sua temperatura interior gelada a níveis árticos, o coração batendo tão rápido, que parecia
que alguém havia enfiado a coisa em uma batedeira de bolos. Erguendo-se do travesseiro, gritou...
Cama. Ao invés de algo terrível e chocante... Tudo o que viu foi uma porção de sua cama, e tudo estava absolutamente normal, do abajur que brilhava próximo à
ele, a suas roupas jogadas sobre a chaise, aos sapatos caídos obliquamente onde foram chutados no amanhecer passado.
Por um momento, ficou confuso. Virgem Escriba. Um lugar qualquer, místico. Selena na grama, na clínica, congelada, congelada...
Um gemido suave quebrou o fio entre pesadelo e realidade.
Virando-se subitamente, viu Selena deitada em sua cama, os ombros nus aparecendo acima dos lençóis, os cabelos negros espalhados na fronha branca, rosto e corpo
virados para o outro lado.
Fechando seus olhos, ele cedeu, e desejou que tudo tivesse sido um sonho ruim.
Mas, então, voltou ao foco e se concentrou em sua fêmea, puxando o edredom mais para cima, para mantê-la aquecida, discretamente se inclinando para verificar
se ela ainda estava respirando, se perguntando se deveria arranjar um pouco de comida para ela.
Como se sentisse sua presença, ela se revirou e, mesmo no sono, seu rosto se fechou em uma careta, como se o movimento causasse dor.
Caralho. O sexo fora selvagem, cru, violento. Depois do corpo dela ter enfrentado tudo aquilo.
Maldito fosse ele, pensou, ao passar a palma da mão pelo rosto. Como podia ter feito aquilo com ela? Devia ter se contentado em somente se masturbar até o pau
ficar insensível.
Pior de tudo? Ele não sabia se poderiam realmente resolver as coisas entre eles. Ainda assim, se sentia um imbecil.
Estendendo a mão para a mesinha de cabeceira, pegou o celular e viu que horas eram. Quatro e quarenta e quatro da manhã.
Ele não iria dormir mais. Livrando-se dos lençóis, foi até o banheiro, fechou a porta, usou o banheiro e tomou um banho rápido. Então voltou, tirando seu par
de fones de ouvido da gaveta da mesa de cabeceira, antes de voltar a se enfiar na cama.
Movendo-se lentamente, foi tão cuidadoso em voltar para a cama quanto fora para sair dela, manobrando seu peso de quase cento e quarenta quilos no colchão, sem
deslocar Selena como se fosse um trampolim.
Ao ele se reposicionar, deu uma rápida checada em sua fêmea e ficou aliviado ao descobrir que ela ainda dormia. O que meio que o aterrorizou. E se ela estivesse
em coma ou...
Como se procurasse por ele, ela tateou pelo edredom.
- Estou bem aqui, - ele sussurrou.
Instantaneamente, ela parou a busca, e quando ele segurou sua mão, a palma estava quente, vital, do jeito que sempre estivera.
Ele levou um tempo para estudar os dedos dela, dobrando-os, medindo os movimentos, procurando por pontos de resistência. O que não era certo, ele pensou.
Era injusto tentar tirar informações do corpo dela sem seu conhecimento e consciência... E como forma de se desculpar, ele interrompeu-se, e alisou as unhas
cor de rosa e os semicírculos brancos e curtos que ela aparava regularmente. Quando o sono a reclamou novamente, ele se sentiu... Devastadoramente sozinho. Mesmo
que estivessem lado a lado, ele recostado na cabeceira da cama, com ela aninhada em seu corpo, não parecia estar conectado a ela. Disse a si mesmo que era uma simples
questão de dormir e acordar. Aquela era a divisão... Nada tão assustador quanto o fato das ondas cerebrais serem lidas diferentes em uma tomografia computadorizada.
Era besteira, claro. E quanto mais tentava forçar-se a acreditar na mentira, mais preso se sentia... Então, para calar seu conflito interno, ele ligou o rádio
na estação SiriusXM em seu celular, conectou os fones de ouvido e tentou ficar confortável. Ou confortável de alguma forma.
Ou... Pelo menos, não consumido pela necessidade de pular para fora de sua própria pele.
Naturalmente, porque sua sorte era uma bosta, a primeira coisa que ouviu no rádio, foi mais más notícias.
- Está brincando? - Ele murmurou alto quando a voz de Howard Stern inundou seu crânio. - Eric, o ator está m...
As sobrancelhas de Selena se contraíram como se considerasse acordar e ele fechou a matraca. Mas, não conseguia acreditar que mais um do Wack Pack10 se fora.
Parecia cruel à luz de tudo o que ele estava passando.
Merda, era como se as notícias ruins estivessem fazendo um esforço concentrado para sair das sombras e encontrá-lo.
Selena acordou lentamente, e o aroma do corpo de Trez foi a primeira coisa que notou. O som da voz dele foi em seguida. A sensação das mãos dele sobre as suas,
a terceira.
Abrindo os olhos, ela o viu sentado ao seu lado na cama, os olhos negros, absorto em seu celular, as sobrancelhas baixas como se houvesse recebido notícias perturbadoras
através de uma mensagem de texto ou...
- Está tudo bem? - Ela perguntou.
Quando ele não respondeu, ela percebeu que ele tinha fios saindo do celular para seus ouvidos como se estivesse ouvindo alguma coisa.
No instante em que ela apertou sua mão, ele pulou tão alto que os fones caíram.
- Oh, meu Deus! Você está acordada.
- Sinto muito, não queria assust...
- Merda, não sinta... Está bem? Precisa da Dra. Jane?
- Não, não... - Ela tentou fazer o cérebro funcionar. - Estou bem, é só... Parece perturbado?
Quando ele olhou para ela, o único som no quarto era o ruído dos fones.
Ela puxou as cobertas mais ainda para cima. - Há algo errado comigo?
- Oh, Deus, não. Eu, ah, não... Não é nada. - Ele olhou para o celular. - Só, um cara que era do The Stern Show morr...
Quando ele se interrompeu, os olhos arregalados, como se quase houvesse dito algo imperdoável.
- Morreu? - Ela terminou por ele.
- Eu, ah...
- Você ainda pode pronunciar a palavra, - ela deu um aperto na mão dele de novo. - De verdade.
Trez pigarreou e afastou o celular. - Está com fome?
- Na verdade não.
- Com sede?
- Não.
Ele mexia nos lençóis. O edredom. - Está quentinho aí?
Franzindo o cenho, ela sentou-se e encostou-se aos travesseiros. Olhando para ele, sorriu. - Estou contente de ter vindo aqui. Para conversar e... Fazer aquelas
outras coisas.
- Está mesmo? - Os olhos dele, aqueles lindos olhos amendoados, se voltaram para ela. - Sério? Eu acho que fui violento demais no modo como...
O sorriso dela se estendeu. - Eu realmente, realmente, perdi minha virgindade agora.
Ele corou. Corou da verdade, uma mancha vermelha tingiu suas bochechas. - Me preocupa ter te machucado.
- Nem um pouco. Quando podemos fazer de novo...
O engasgo de Trez foi súbito e ruidoso, e ela teve de bater nas costas dele para ajudá-lo a respirar novamente.
- Está bem? - Ela disse, ainda sorrindo.
- Ah, sim. É que você tem um jeito de me surpreender.
Por um momento, ela se lembrou dele vindo a ela no Santuário. Mesmo paralisada na ocasião, ela soubera o instante em que ele chegara. Fora um milagre. Mas, como
ele soubera?
- Como me encontrou? Lá em cima, no Santuário?
Ele meneou lentamente a cabeça. - Você não vai acreditar.
- Tente.
- A Virgem Escriba. Eu estava em meu clube, resolvendo uns assuntos, Rhage e V estavam comigo. De repente, aquela... Figura apareceu... Vestida de preto, iluminada
por baixo do tecido, uma voz que eu ouvi aqui dentro, - indicou a cabeça, - ao invés de nos ouvidos. A próxima coisa que vi? Eu estava... Bem, de qualquer forma.
Eu estava com você.
Agora foi a vez dela de mexer nas cosias. - Eu sinto muito.
- Por quê?
- Por você ter me visto assim. Sinto muito por tudo isto.
- Diabos... Como eu disse antes, como se fosse culpa sua estar doente?
- Eu sei, mas ainda assim. Eu queria... - ela tentou virar a cabeça para trás para poder olhar para o teto, mas o pescoço anda estava dolorido demais.
- Você está sentindo dor.
- Não é incomum. É como sempre me sinto. Eu... Bem, que seja.
Aparentemente, dois podiam fazer aquele jogo de evitar um assunto.
- Isto é tão forçado, - ela soltou.
- O que?
Ela teve de virar o tórax para poder olhar para ele de verdade. E vagamente, avaliou como era bela a pele escura dele contra os lençóis brancos, o contraste
fazia ambos parecerem cintilar.
Selena tentou achar as palavras. - Eu sinto como se houvesse esta enorme... Não sei, distância ou algo assim... Entre nós. Não faz sentido, digo, você está bem
aqui ao meu lado... Mas, há palavras nas quais estamos tropeçando, assuntos sobre os quais não queremos falar... Bem, isto é um saco. Porque agora? Esta é a melhor
parte, digo, dá uma olhada.
Ela ergueu a mão livre com os dedos esticados, fechou-os e tornou a abrir.
- Acordada e flexível é tão melhor do que o jeito que eu estava antes, não é? - Quando ele simplesmente olhou para ela, sentiu-se tola. - Desculpe, acho que
isto soa estranho.
Trez se inclinou e beijou-a, seus lábios demorando-se. - Não... - ele se afastou. - Isto... Eu sei o que quer dizer. Não é loucura e você está certa. Esta é
a melhor parte...
- Você está tão quente.
Trez soltou outra tossida. - Maldição, fêmea. O que deu em você...
- Eu lhe disse a noite passada, ou céus, que horas eram? De qualquer forma, eu te disse antes, sou toda honestidade agora.
As pálpebras dele caíram. - Gosto de honestidade. Então, me deixe perguntar, se eu te pegasse no colo e te carregasse para o chuveiro, você...
- Me ajoelharia de novo sob o jato quente para ver se você é tão gostoso quanto eu me lembro?
O som que ele fez não foi uma tossida. Mas, também não foi nada coerente. Foi parte grunhido, parte rosnado, com um pequeno gemido no meio, como se estivesse
se preparando para implorar...
Mais ou menos a coisa mais sexy que ele já ouvira.
- Isto foi um sim? - Ela falou lentamente.
Ele beijou-a novamente, com mais força desta vez. Por mais tempo também. Então ele a fitou, com olhos que ferviam. - Merda, estou morrendo aqui.
Quando Trez interrompeu-se de novo, ela sentiu-se atingida pela palavra de novo. Em se tratando deles, aquela era realmente, uma palavra matadora. Mas, era ela,
e não ele.
- Sinto muito, - ela forçou-se a sorrir. - Vamos lavar nossas preocupações...
- Eu vou achar uma cura para isto, - ele disse, com seriedade. - Eu não vou deixá-la perder a luta, Selena. Eu vou, literalmente, mover céus e terras para mantê-la
ao meu lado... Para que não haja nada no meio de nós dois, nada além de nossa pele nua... Nossas almas.
Lágrimas subiram aos olhos dela, e ela as conteve, desejando que sumissem e não voltassem a aparecer. Estendendo a mão para o rosto bonito dele, passou as pontas
dos dedos sobre suas feições.
- Eu te amo, Trez.
- Deus, eu te amo também.
Capítulo VINTE E SETE
Quando Layla acordou, estava deitada de lado em uma superfície muito mais suave do que o chão do vestíbulo. Em pânico, levou a mão à barriga.
Tudo parecia o mesmo, o inchaço firme, do tamanho que sempre fora... Mas, querida Virgem Escriba, teria ela machucado a criança? Ela conseguia se lembrar de
sair do carro, da luta para caminhar até a entrada da mansão, e de lá ter perdido a consciência...
- Bebê, - ela murmurou, - bebê, está bem? Bebê?
Instantaneamente, os olhos azul e verde de Qhuinn estavam bem à sua frente. - Você está bem...
Como se ela se importasse com ela mesma naquela hora. - Bebê!
Com uma súplica, pensou, por que antigamente reclamara de estar grávida? Talvez aquilo fosse punição por ter...
- Está tudo bem. - Qhuinn olhou para o outro lado do quarto, se concentrando em alguém que ela não conseguia ver. - Bem, apenas... Okay, é... Bem.
Ela jamais se perdoaria.
O alívio foi tão grande, que lágrimas subiram aos seus olhos. Se ela tivesse perdido o filho deles por estar no encontro com Xcor? Porque andara bisbilhotando
enquanto ele... Fazia aquilo com seu próprio sexo?
Ela jamais se perdoaria.
Com um pedido, ela se perguntou por que sequer pedira ao macho para fazer aquelas coisas. Era tão errado em diversas formas, adicionando ainda mais culpa quando
ela já estava com a coisa atolada até a garganta.
- Oh, Deus, - ela gemeu.
- Você está com dor? Merda, Jane...
- Estou bem aqui. - A boa doutora ajoelhou-se ao lado de Qhuinn, parecendo cansada, mas alerta. - Olá, Layla. Que bom que voltou. Só para saber, Manny engessou
seu braço. Havia uma fratura.
Houve algumas explicações sobre seu tempo de recuperação e quando o gesso poderia ser retirado, mas ela não prestou atenção em nada daquilo. Dra. Jane e Qhuinn
estavam escondendo algo dela: Os sorrisos de tranquilidade eram como fotografias da coisa real... Pareciam reais, mas eram falsos.
- O que não estão me dizendo?
Silêncio.
Quando ela lutou para se sentar, foi Blay que ajudou, gentilmente apoiando o braço bom e para lhe dar um pouco de impulso.
- O que? - Ela exigiu.
Dra. Jane encarou Qhuinn. Qhuinn olhou para Blay. E Blay... Foi o que eventualmente enfrentou o seu olhar.
- Há algo inesperado, - o guerreiro disse, - no ultrassom.
- Se me fizer perguntar "o que", de novo, - ela disse, por entre dentes cerrados, - vou começar a jogar coisas, e que se dane o meu braço quebrado.
- Gêmeos.
Como se o tempo e a realidade fossem um carro que subitamente tivessem seus freios acionados, houve um metafórico som de freada em sua mente.
Layla piscou. - Desculpe... O que?
- Gêmeos, - Qhuinn repetiu. - O ultrassom mostrou que são gêmeos.
- E perfeitamente saudáveis. - Dra. Jane completou. - Um é significantemente menor, e seu desenvolvimento está atrasado, mas parece viável. Eu não vi o segundo
feto nos ultrassons anteriores porque, Havers me contou que as gestações em vampiros são diferentes das humanas. Acontece que aparentemente outro óvulo fertilizado
pode se implantar, mas não entra em um estágio de significante embriogênese até muito mais tarde... Seu último ultrassom foi há dois meses, por exemplo, e eu não
vi nada antes.
- Gêmeos? - Layla sufocou.
- Gêmeos. - Um dos três repetiu.
Por algum motivo, ela se lembrou do momento em que descobriu estar realmente grávida. Mesmo que a gravidez fosse o objetivo e ela e Qhuinn houvessem feito o
que fizeram só para chegar lá, a confirmação de que sua necessidade vingara meio que a estonteara. Parecia milagroso, e avassalador... Uma alegria assustadora que
ela não estava inteiramente certa de que não fosse derrotá-la.
Agora ela sentia o mesmo.
Tirando a parte da alegria.
Ela sabia de duas de suas irmãs que esperaram gêmeos, e uma das gestações não deu certo. Da outra, havia nascido um único bebê vivo.
Lágrimas começaram a se derramar de seus olhos.
Aquelas não eram boas novas.
- Ei! - Blay se inclinou, com um lenço. - Isto não é ruim. Não é.
Qhuinn concordou, embora seu rosto continuasse uma máscara. - É... Inesperado. Mas não é de todo ruim.
Layla colocou as mãos sobre o estômago. Dois. Havia dois bebês que agora, tinha de levar em segurança até a reta final.
Dois.
Querida Virgem Escriba, como isto acontecera? O que ela ia fazer?
Enquanto as questões corriam por sua cabeça, ela percebeu... Bem, inferno. Como muitas coisas na vida, aquilo estava fora de suas mãos. Uma impossibilidade manifestada;
sua função, agora, era fazer o que pudesse para ajudar a si mesma e aos bebês descansarem, se nutrirem e ter os cuidados médicos necessários.
Esta era a única coisa que podia diretamente controlar. O resto?
Só cabia ao destino.
- Pode haver outros? - Layla perguntou.
Dra. Jane deu de ombros. - Acho altamente improvável, mas gostaria de enviar uma amostra do seu sangue para Havers. Ele tem muito mais experiência do que eu
nisto, e após analisar o hormônio específico da gravidez vampira, ele crê que pode arriscar a dizer a sua situação. Ele disse, no entanto, que trigêmeos são virtualmente
inéditos, e que o seu caso está no curso típico de gestação de múltiplos. A menos em casos extremamente raros de gêmeos idênticos como Z e Phury, o segundo embrião
atrasa seu desenvolvimento até a gravidez estar bem avançada. Quase como se na espera para ver se as coisas estão indo bem antes de se juntar à festa.
Layla baixou os olhos para seu abdômen distendido, e jurou nunca, jamais reclamar sobre coisa alguma. Nem de tornozelos inchados, ou dos seios doloridos, ou
de ter de ir ao banheiro a cada dez minutos. Sem. Mais. Chororô.
Nunca mais.
O fato de ela ter perdido a consciência, caindo de cara em um chão de mármore, e ainda conseguir ter aquele bebê...
Aqueles bebês, ela se corrigiu em choque.
... Em seu corpo, em segurança, era um lembrete que as dores e os desconfortos eram menores em comparação ao cenário maior, o grande objetivo, a grande preocupação.
Que era dar à luz a eles no momento certo, e fazê-los sobreviver.
- Então você consente? - Dra. Jane perguntou.
- Desculpe, o que?
- Tudo bem eu enviar uma amostra do seu sangue para Havers analisar?
- Oh sim. - Ela estendeu o braço bom. - Pode tirar...
- Não, já coletamos a amostra.
Ah, o que explicava a bolinha de algodão colada na parte interna de seu cotovelo.
Seu cérebro não estava funcionando direito.
- Foi por isto que ela desmaiou? - Qhuinn perguntou. - Por causa do outro bebê?
Dra. Jane deu de ombros de novo. - As amostras dela parecem bem... E já estão estáveis há um tempo. Quando foi a última vez que se alimentou, Layla?
O problema não era se ela tinha tomado veia recentemente. - Eu...
- Podemos resolver isto agora. - Qhuinn anunciou - Blay e eu podemos ambos lhe oferecer nossas veias.
Dra. Jane anuiu. - É lógico pensar que, com o segundo bebê requerendo mais nutrição, suas necessidades calóricas e de sangue devem ser maiores do que tenha percebido.
Eu acho possível que você tenha extrapolado seus limites e isto acabou por te esgotar.
Layla sentiu-se totalmente entorpecida e teve de forçar um sorriso. - Eu tomarei mais cuidado. E obrigada. Eu realmente agradeço seus cuidados.
- De nada. - Dra. Jane deu ao pé de Layla um leve aperto por cima das cobertas leves. - Descanse. Você vai ficar ótima.
Quando a médica saiu, Layla pensou nos estranhos anseios sexuais que vinha sentindo ultimamente, além do relativamente súbito aumento de seus sintomas físicos.
Será que era pelo outro bebê...?
- Quer que eu traga algo mais confortável do que isto? - Qhuinn perguntou.
Ela forçou-se a voltar o foco. - Desculpe, mais confortável que...?
- Esta camisola de hospital.
Baixando os olhos, viu que não estava mais com suas roupas. - Oh, Bem. Na verdade, está um pouco mais frio aqui. Uma das minhas túnicas seria legal, mas não
quero que se encrenque.
- Sem problemas. Eu levo suas coisas de volta para seu quarto e pego uma camisola e uma túnica... Enquanto isto, Blay, você pode lhe dar sua veia?
Como resposta, o pulso do soldado apareceu bem à frente dela. - Tome o quanto precisar.
Naquele momento, ela teve uma vontade avassaladora de lhes contar. Confessar. Livrar-se do estresse do último ano, não importando as consequências.
Ela só queria se livrar do fardo terrível que carregava. Assustava.
Atormentava.
Sem dúvida aquilo poderia aumentar as chances de ela carregar melhor aqueles bebês... Menos estresse era bom para fêmeas grávidas, não era? E agora havia duas
vidas em risco, além da dela.
- Layla?
Ela engoliu em seco. Olhou para os dois ali em pé, próximos à cama, preocupados. Ela não queria trair a única família que tinha. Além disto, talvez se contasse
a eles sobre Xcor, eles pudessem... Tornar o local mais seguro. Ou...
Layla pigarreou e agarrou as cobertas na cama como se fosse um rolo compressor entrando em uma curva fechada. - Ouçam, eu preciso...
Quando ela não terminou. Qhuinn quebrou o silêncio - Você precisa se alimentar. É o que precisa fazer.
Como se suas presas tivessem ouvido, elas se alongaram em sua boca, e ela se tornou consciente do fato de que, sim, ela estava morrendo de vontade de se alimentar
de uma veia.
E não, ela não podia contar a eles. Só... Não era bom. Não havia uma boa solução para ela. Eles a odiariam por colocar arriscar sua vida e sua gravidez... E
enquanto isto, Xcor ainda saberia onde eles vivem, porque a Irmandade jamais largaria aquele lugar. Aquela era a casa deles e eles a defenderiam quando ele atacasse
depois que parasse de vê-lo.
Pessoas morreriam. Pessoas que ela amava.
Merda.
- Obrigada, - ela disse, roucamente, para Blay.
- Qualquer coisa por você, - ele respondeu, acariciando os cabelos dela para trás.
Ela tentou tomar o mais gentilmente que podia, mas Blay demonstrou nem ligar. Claro, quando ele e Qhuinn faziam amor, sem dúvida costumavam dar mordidas muito
mais violentas.
Assim que começou a sugar da fonte familiar, absorvendo a nutrição que seu corpo precisava e só obtinha através desta dádiva de um macho de sua espécie, Qhuinn
foi para onde suas roupas foram colocadas em uma cadeira no canto. Ao pegá-las, ele franziu o cenho e olhou para baixo. Então mexeu nas camadas de tecido como se
procurando alguma coisa.
Um momento depois, ela fingiu estar concentrada no que estava fazendo. Ela não tinha ideia do que ele encontrara ou porque estava olhando para ela daquele jeito.
Mas dado o modo como ela vinha vivendo, ela tinha muito que esconder.
- Quando deve ir?
Diante da pergunta de Trez, Selena se concentrou na tigela quente de mingau de aveia que ele havia acabado de fazer para ela. Como já passava muito do amanhecer,
toda a equipe de doggens já estava recolhida em seus aposentos, então ela e Trez estavam sozinhos na cozinha enorme, sentados lado a lado na mesa de carvalho.
- Selena. A que horas é sua consulta?
Ela devia ter ficado de boca fechada. Dois segundos antes, enquanto aproveitava aquela bela preparação de aveia Quaker, com acompanhamento farto de creme e açúcar
mascavo, os dois flutuavam no brilho do que fizeram no chuveiro, em paz e relaxados.
E agora?
Acabou-se, como diziam.
- Primeira hora da manhã.
Trez verificou o celular. - Está bem, está bem. É quase oito. Então se terminarmos rapidinho, conseguimos chegar a tempo.
- Eu não quero ir. - Ela podia senti-lo encarando. - Não quero. Não estou com muita pressa de voltar para lá.
- A Dra. Jane diz que temos de fazer radiografias de suas juntas para monitorar...
- Bem, eu não quero. - Ela colocou uma colher cheia na boca e não sentiu gosto algum. Era só textura. - Sinto muito, mas estou bem agora. Não quero descer e
ser cutucada e furada de novo.
A reticência dela era apoiada pelo fato de que agora estavam na parte boa, e ela não sabia quanto tempo ia durar. Já que nada poderia parar aquilo, por que eles
precisariam sequer se incomodar com...
- Significaria muito para mim se você fosse ver a Jane.
Ela olhou para cima. Trez olhava para as janelas atrás dela, mesmo que as persianas estivessem baixadas e não houvesse nada para ver.
Os olhos dele pareciam atormentados. Como se soubesse que ela não iria à clínica... E que não havia nada que ele pudesse fazer sobre isto.
- Sabe do que tenho mais medo? - Ela ouviu-se dizendo.
Os olhos dele se voltaram para ela - O que?
Ela revirou sua aveia. Provou novamente, o que somente registrou como algo quente. - Tenho medo de ficar presa.
- Como assim?
- Não quero ficar presa aqui, - ela disse, em voz baixa. Então indicou o peito, os braços, as coxas sob a mesa. - Em meu corpo. Tenho medo dos episódios. Estou
viva, sabe, trancada e... Quando acontece, é difícil ouvir e ver, mas, registro as coisas. Eu soube, quando você veio me buscar. Fez toda a diferença. Quando você
estava comigo, eu não me sentia... Mais tão presa.
Quando ele permaneceu em silêncio, ela voltou a olhar para ele. Ele estava olhando de novo para as janelas, que não mostravam nada do dia lá fora, nem se estava
nublado ou ensolarado, se estava chovendo, ou se havia um vento soprando as folhas outonais pelo gramado marrom.
- Trez? - Ela chamou.
- Desculpe, - ele voltou sua atenção. - Desculpe, me distraí por um momento.
Ele se virou na cadeira, apoiando os pés nos degraus sob o seu assento. Então pegou sua mão, a que não segurava a colher e abriu-a contra a própria palma.
- Você tem as mãos mais bonitas que já vi, - ele murmurou.
Ela riu. - Eu acho que está sendo tendencioso, mas, vou aceitar o elogio.
Ele franziu o cenho, as sobrancelhas se juntaram. - Eu posso imaginar como... - ele inalou longa e lentamente, - eu não consigo imaginar nada mais aterrorizante
no mundo do que estar trancado em um local do qual não seja possível escapar; e estar aprisionado no próprio corpo? É inconcebível. É de foder a cabeça de qualquer
um.
- Sim.
Houve um longo período de silêncio àquela altura, com ele sentado à frente de sua tigela, que esfriava, sem tocá-la, e ela brincando com a sua aveia, fazendo
pequenos símbolos "S" com a ponta da colher.
A discussão que estavam tendo ressoava no ar entre eles, o argumento dele de que "é-para-o-seu-próprio-bem" guerreava com o dela "não-até-eu-ser-absolutamente-obrigada".
Não havia razão real para dizer as palavras em voz alta. Ela não ia recuar. E aquilo significava que a única opção dele seria jogá-la em cima do ombro e dar uma
de homem das cavernas, arrastando-a até o Centro de Treinamento.
Finalmente, Selena não aguentou mais e teve de mudar de assunto.
- Às vezes me pergunto... - ela estremeceu, - digo, e se todo mundo estiver errado sobre a morte? E se não houver Fade, mas ao invés dele, a gente só ficar presa
no próprio corpo para sempre, consciente, mas incapaz de se mover?
Ótimo. Ela estava tentando aliviar o clima.
Bela. Tentativa.
- Bem, os corpos... - ele pigarreou, - Sabe... Apodrecem.
- Hmmm, tem razão.
- Embora, como pesadelo de pós vida para mim? Me preocupa um apocalipse zumbi. - Ele pegou a colher e começou a comer, ainda segurando a mão livre dela. - Seria
um saco. Você morre e então passa a vagar pela Terra, fedendo por todo canto, em uma dieta Atkins que, tipo, jamais terminaria.
Ela ergueu a colher para interrompê-lo. - Espere um minuto, veja, você só teria fome, certo? Se encontrasse pessoas para comer, então, a vida seria bem boa para
um zumbi.
- Não se a metade inferior de seu rosto caísse. Sem mandíbula, como se alimentaria? Então seria só fome e não poderia fazer nada para resolver. Um saco total.
- Canudos.
- O que?
- Bastariam canudos.
- Difícil passar um fêmur através de um canudo.
- E um processador. Canudos e processador. E está resolvido.
Com uma gargalhada ruidosa, Trez jogou a cabeça para trás e riu tanto, que foi sorte não acordar a mansão inteira.
- Oh, meu Deus, isso é tão insano. - Ele se inclinou e a beijou. - Tão fodidamente insano.
De repente ela sorria também... Tão forte que as bochechas doeram. - Totalmente insano. Deve ser por isto que chamam de humor negro?
- É. Especialmente se alguém levar a pior. - Trez ficou sério. - E, está bem, então não vá.
- O que? Levar a pior? Claro que não.
- Ver Jane. Se não quer ir, não vou te pressionar.
Selena exalou em um suspiro. - Obrigada. Eu realmente aprecio isto.
- Não precisa agradecer. Não é minha decisão. É sua. - Ele correu a colher pelo interior da tigela. - Acho que é importante que você tenha tanto poder de decisão
quanto possível em cada aspecto de sua vida, especialmente na doença e no modo como lidar com ela. Acho que você se sente como se não tivesse escolha sobre tanta
coisa... Destino... Que se abate sobre você, e isto torna as oportunidades de fazer escolhas especialmente importantes. - Ele olhou para ela, - eu posso ter a minha
opinião, e pode apostar seu traseiro que te direi qual é, mas, a última coisa que quero é pressioná-la. Você já tem problemas suficientes para resolver. Não vou
adicionar mais isto.
- Como você sabe... Deus, é como se soubesse exatamente o que estou pensando.
Ele deu de ombros e seus olhos assumiram um ar alheio. Então ele indicou a lateral da cabeça. - Só um chute. - Ele voltou a se focar nela. - Então, a questão
é, aonde você quer ir?
- Desculpe?
- Aonde quer ir? A clínica está fora de questão... Então o quê?
Selena sentou-se de volta na cadeira. Agora era ela olhando as janelas. - Eu gosto do Grande Acampamento do Rehvenge, se é isto o que quer dizer.
- Seja ousada. Pense grande. Vamos lá, deve haver algum lugar excitante. O Taj Mahal, Paris...
- Não podemos ir a Paris.
- Quem disse?
- Ahh...
- Nunca encontrei nenhum Ahhh, não o conheço, não me importo do quão grande ele seja... Se estiver em nosso caminho? Vou matar o filho da puta.
- Você é tão adorável. - Selena se inclinou e beijou-o na boca. Então tentou forçar seu cérebro a surgir com alguma coisa, qualquer coisa. - Que sorte a minha.
Finalmente consigo um passe livre... E não consigo pensar em nad... Oh! Já sei!
- Diga e realizarei.
- Eu quero ir ao Circle the World.
Trez se recostou também. - O restaurante?
- É. - Ela limpou a boca com um guardanapo. - Quero ir ao Circle the World para um jantar.
- É aquele que gira, no topo do...
- Do prédio mais alto de Caldwell! Eu vi na TV uma vez, enquanto fazia companhia à Layla em seu quarto. Dá para sentar perto da vidraça e olhar para a cidade
toda durante a refeição. - Ela franziu o cenho ao vê-lo engolir em seco, e não por ter engolido uma colher cheia de aveia, - você está bem?
- Oh, sim, absolutamente. - Trez anuiu e estufou o peito ao dar uma de machão para cima dela. - Eu acho que é uma grande ideia. Vamos pedir para Fritz fazer
a reserva para esta noite. Tenho um pouco de influência nesta cidade, então não vai ser um problema. E eles servem jantar até às nove e dez da noite.
Selena começou a sorrir, imaginando-se em uma das túnicas de Escolhida, os cabelos perfeitamente penteados, o corpo normal... E Trez do outro lado da mesa brilhante
que apareceu no comercial de TV, com o guardanapo tão branco, os pratos tão quadrados, a prataria brilhando a luz dos candelabros.
Perfeito.
Romântico.
E nada a ver com estar doente.
- Estou tão excitada. - Ela disse.
A próxima colherada de aveia que pôs na boca estava doce e cremosa e completavam o mais perfeito... Como os humanos chamavam? Desjejum?
Não fazia sentido. Mas, quem se importava.
- Então é um encontro, não é? - Ela percebeu. - Louvada seja a Virgem Escriba, eu tenho um encontro!
Trez riu, o som foi um estrondo em seu peito largo. - Pode acreditar que sim. E vou te tratar como uma rainha. Minha rainha.
Quando ambos voltaram a comer com vontade, ela pensou, uau, que cenário emocional estranho aquilo tudo era, vales profundos de desespero, seguidos por vastas
paisagens, tão emocionalmente puras e belas, que ela sentiu-se honrada por tê-las. Era quase como se sua vida, com o tempo limitado que restava, tivesse sido amarrada
como uma faixa de tecido, que poderia ser suave e normal, mas agora ondulava com grande ressonância.
Ela teria preferido o luxo de séculos. Mas, neste momento, agora, se sentia tão profundamente viva. De um jeito que não podia afirmar jamais ter sentido antes.
- Obrigada. - Disse ela, abruptamente.
- Pelo quê?
Ela baixou os olhos para seu prato de aveia, sentindo o rosto enrubescer. - Por esta noite. É a melhor noite que já tive.
- Você não viu nada, minha rainha.
- Ainda assim, é a melhor noite, - ela olhou dentro dos olhos escuros dele, - de minha vida inteira.
Capítulo VINTE E OITO
iAm acordou ao cheirar a sopa, e assim que seu cérebro se acendeu novamente, não houve nenhuma besteira do tipo "Será que isso é um sonho?" rolando com ele.
Apesar do fato de que esteve apagado por causa de uma concussão, nem um segundo do que levou ao seu desembarque nesta cela no palácio da Rainha foi perdido por ele:
Não a troca rápida de roupa na frente da quase réplica de Abraão Lincoln, nem a entrada pelos fundos do Território, nem o golpe na cabeça que se seguiu ao seu breve
caminhar de um lado para o outro antes disso.
A sopa, entretanto, foi uma surpresa. Era algo que se lembrava de sua infância, uma mistura de abóbora e nata, especiarias e arroz.
E havia outro perfume na cela. O mesmo que encheu seu nariz quando aquele sacerdote tinha vindo para checar suas marcações.
Abrindo os olhos, ele...
Recuou.
Uma maichen, ou seja, uma criada, estava de joelhos diante dele, seu corpo e cabeça envoltos no pálido azul que correspondia à sua função, o rosto coberto por
uma máscara de malha que mostrava absolutamente nada de seus olhos ou características. Nas mãos dela havia uma fina bandeja de madeira que continha a tigela, uma
colher, uma jarra e um copo, assim como também um grande pedaço de pão.
Nenhum sacerdote. Ninguém mais estava com eles.
Ele inalou mais uma vez; então percebeu que a fêmea deve ter entrado com o oficial da corte antes e ele apenas não tinha percebido.
Ele se ergueu do chão. E foi então que percebeu que estava nu.
Que seja. Ele não quis fazer a maichen sentir-se desconfortável, mas se ela não gostasse da vista, podia partir.
Não que ela estivesse olhando para ele. Sua cabeça estava abaixada em submissão, como ela havia sido treinada.
S'Ex aparentemente estava disposto a dispensar algum cuidado a ele enquanto estivesse na prisão; ou pelo menos a mantê-lo vivo por enquanto. E por um momento
ele teve pena desta pobre fêmea cuja posição social era tão baixa que ela era enviada, sozinha, para machos potencialmente perigosos sem nenhuma consideração para
com sua segurança ou seu sexo.
Mas, então, na hierarquia das coisas, ela era considerada como sendo algo essencialmente sem valor.
Triste. Mas ele tinha outros problemas com que se preocupar.
Sem dar atenção à maichen ou à sua situação de estar como veio ao mundo, ele se levantou e caminhou até o biombo no canto mais distante. As instalações de água
ficavam atrás disso e ele fez uso delas, recebendo outro lembrete de que não estava mais no Kansas.
Quando se curvou sobre uma pia como as usadas pela plebe para lavar o rosto, ele teve apenas uma única manopla para ligar a torneira em vez de uma separada para
quente e outra para frio.
Não era por ele ser um prisioneiro: Tudo isso de esperar-ter-água-quente estava entre as coisas com as quais ele teve de se acostumar fora do Território. Os
humanos insistiam em alternar uma mistura de opostos para ter uma temperatura perfeita. Aqui no s'Hisbe? Toda água estava a 36 graus. De água para beber, à água
para escovar os dentes, era uma única constante, nem quente nem frio.
Salpicando o rosto, ele pegou a toalha preta que estava em um suporte de parede e secou-se. Macia. Tão macia. Nada como as dos humanos, e ele era apenas um prisioneiro.
Ele recolocou o tecido úmido no suporte por hábito e caminhou para fora do biombo.
- Diga a s'Ex que eu quero vê-lo.
Prisioneiros normalmente não se davam ao luxo de fazer pedidos, mas ele não se importava. Ele também se recusava a falar no Idioma Antigo ou no dialeto dos Sombras.
Devido a predominância da cultura humana, o inglês era ensinado nas escolas dos Sombras, e era esperado que até mesmo os criados tivessem algum conhecimento rudimentar
da língua.
- E eu não vou comer isso. - Ele acenou com a cabeça para a bandeja. - Então você pode levá-la.
Só Deus sabia o que havia nessa merda, se seria uma droga ou algum tipo de veneno. Ele estava muito confiante de que seu tratamento ali não continuaria sendo
tão bondoso. Eles iriam, muito provavelmente, puxar seus braços e pernas para fora de seus soquetes em algum momento; embora não até que eles notificassem Trez acerca
de seu cativeiro.
Merda. Ele nunca devia ter confiado...
A maichen colocou a bandeja no chão. Então estendeu a mão, pegou a colher, mergulhou-a na sopa e ergueu. Com a mão livre ela levantou a malha o suficiente para
expor sua boca e provar a comida. Então ela fez o mesmo com o pão e a sidra de maçã fermentada que estava na jarra.
Permitindo que a malha voltasse para o lugar, ela sentou-se de novo sobre as solas dos chinelos de couro em seus pés.
Infelizmente o gesto não fez nada para diminuir as suspeitas dele. maichens estavam tão abaixo na cadeia alimentar que até mesmo a própria palavra recebia pouco
respeito no começo das frases. Que ela pudesse ser envenenada ou comprometida? Ninguém se importaria.
O estômago dele, porém, ficou seriamente encorajado quando ela continuou a respirar.
Antes que pudesse se conter, ele foi até ela e a bandeja. maichen não olhou para cima, mas, então, ela o temia; por uma boa razão.
O cheiro de seu medo se misturava muito bem com aquela sopa picante.
Assim como o cheiro da pele dela.
Inalando pelo nariz, ele sentiu outro choque atravessar seu sistema, seus músculos se contraindo; assim como seu pênis.
O que não fazia nenhum sentido. Ali estava ele, enfiado na merda até o queixo, e seu sexo decidiu se interessar? Sério isso?
Não era à toa que chamavam essa coisa de "alavanca estúpida".
Em pé erguendo-se sobre ela, ele pôs as mãos nos quadris e ficou atento à sinais de que ela fosse ter um treco. Quando ela continuou na vertical, ele esperou
mais um pouco. Ela estava tremendo, mas, tinha estado desde que ele se levantou.
iAm ajoelhou-se no chão de pedra dura, espelhando a pose dela. Quase imediatamente os joelhos dele começaram a doer; outro lembrete de quanto tempo fazia desde
que ele esteve em contato com seu povo. Tal maneira de se sentar era uma trivialidade aqui no Território.
Conveniente se você estava com a bunda de fora, também. Não te deixava completamente exposto.
Ele comeu rápido, mas não descuidadamente, e foi uma boa pedida. Seu cérebro precisava das calorias; seu corpo também, se ele estivesse indo forçar sua saída
dali.
Esse era o plano.
- S 'Ex. - Ele exigiu quando terminou. - Vá buscá-lo.
Com isso, ele empurrou a bandeja em direção à fêmea. Como era costume, ela se curvou adiante em reverência, sua fronte coberta quase terminando na tigela branca
vazia.
Ela levantou a bandeja, endireitando o torso, e graciosamente ficou em pé sem cambalear ou deixar cair qualquer coisa. Saindo da cela, ela acionou a porta colocando
a sola de seu sapato contra uma seção da parede. Um momento depois, porque a saída era claramente monitorada, alguém abriu a coisa remotamente; ou isso, ou a saída
era de alguma forma acionada com pisadas.
E ela foi para fora.
Enquanto o painel se fechava com um som estilo Star Trek, ele sabia que teria sido inútil dominá-la e tentar usá-la como moeda de troca. S'Ex e seus guardas
estariam mais propensos a negociar para salvar um cão.
Andando de um lado para o outro, ele lembrou-se de seu irmão ao lado de Selena enquanto ela jazia naquela mesa de exame, sob aquela luz intensa, o corpo dela
todo contorcido e uma expressão congelada no rosto.
Deus, ele nunca deveria ter feito isso. Fale sobre uma situação em que todos perdiam: Trez iria querer vir para tirá-lo dali, mas deixar aquela fêmea quando
ela estava doente iria matá-lo.
Nada como jogar gasolina no fogo. Junto com mais ou menos uma tonelada de dinamite.
Trez quis dizer cada palavra que disse sobre Selena e a liberdade dela de escolha.
À medida que atravessava a passos largos o túnel subterrâneo rumo à clínica do Centro de Treinamento ele estava cem por cento certo de uma, e apenas uma, coisa;
bem, de duas, mas o fato de que estava apaixonado por ela era o básico. A outra coisa ele sabia com certeza que era Selena, e apenas Selena, quem decidiria como
sua condição seria administrada, e se alguém tentasse forçá-la a qualquer coisa? Ele estava indo atirá-los para longe como você apenas leu.
Mas isso não queria dizer que ele não estaria indo falar com a Dra. Jane.
Sobre sua rainha.
Deus, esse apelido para Selena era tão engraçado. No momento em que ele tinha saído de sua boca, algo tinha clicado. Como se seu vocabulário tivesse se acasalado
com essa palavra assim como seu corpo acasalou-se com o dela.
E ela seria a única rainha para ele. Não importando o que acontecesse com eles, ou onde ele terminasse, ela seria sua fêmea regente, e nenhuma outra suplantaria
o lugar dela em seu coração, seu respeito ou na expressão vocal daquela palavra.
Arrastando a palma pelo rosto, ele forçou seus pés a continuarem em um ritmo de caminhada, embora uma grande parte dele quisesse correr a toda velocidade para
a clínica. Não havia pressa, porém, pelo menos no que concernia à sua fêmea. Selena estava lá em cima no quarto dele, nua na banheira, mergulhando seu lindo corpo
em água morna e perfumada.
Ela não estava completamente livre da dor. Ela escondia a rigidez persistente e desconforto bem, mas os indicadores estavam nos estremecimentos sutis de sua
face e na forma espasmódica como ela movia as mãos e braços. O banho e algumas aspirinas leves iriam ajudar, entretanto. E quando tivesse tido um bom e longo banho,
ela iria para a cama dele para um descanso antes do "encontro" deles.
A alegria dela diante da perspectiva de seu jantar a dois era contagiante. Ele literalmente sentia o calor dentro de seus ossos, como se a felicidade dela possuísse
uma magia cinética que, através de seu acasalamento, estendia-se para dentro de sua própria carne. Inferno, tudo que ele tinha de fazer era pensar sobre ela à mesa
do café da manhã, sorrindo por sobre suas tigelas de mingau de aveia, ou pensar sobre o som de sua voz ficando excitada quando eles estavam... E ele ficava sublimemente
em paz.
Nunca houve nada perto disso para ele. Nem mesmo o amor e compromisso que ele tinha para com seu irmão chegava perto do sentimento.
De uma forma doentia, ele supunha que a doença dela tinha sido algo bom para Selena e ele. Trez não podia conceber como teriam cortado o papo furado entre eles
tão eficazmente ou totalmente sem isso...
Isso foi um inferno de um perde-e-ganha, no entanto.
Quando chegou ao ponto de acesso ao Centro de Treinamento, ele digitou os códigos adequados, então passou pelo almoxarifado e pelo escritório de Tohr. O Irmão
não estava atrás da escrivaninha, o que era uma boa coisa, e não uma surpresa. Era por volta de cinco da tarde, e Tohr estava, sem dúvidas, acordando em seu leito
de acasalado com sua Autumn, prestes a preparar-se para a noite que vinha adiante.
O que tinha sido uma surpresa foi que a Dra. Jane estivesse disposta a vê-lo nesse horário estranho do dia. Com as horas ela tinha estado trabalhando ultimamente
entre as lesões e enfermidade do irmão de Qhuinn, parecia que ela, Manny e Ehlena tinham estado de plantão constantemente.
Isso fez com que ele a respeitasse muito.
Passando pela porta de vidro. Descendo pelo corredor principal de concreto. Várias portas adiante à esquerda.
Entrando na sala de exames, ele...
- Oh, merda!
Saltando de volta para o corredor, ele levou a dobra de seu cotovelo até os olhos e rezou para que aquilo que tinha acabado de ver não tivesse sido queimado
permanente em suas retinas.
Havia algumas coisas que você não precisava saber acerca das pessoas com quem você vivia, não importa quanto você os amasse.
Uma fração de segundo mais tarde, V abriu a porta, e o ziiiiiiiiip! de quando ele fechou a frente de seus couros foi alto.
- Ela verá você agora. - Ele disse com total naturalidade.
Como se dois segundos atrás ele não tivesse estado batendo a sempre amada merda para fora de sua shellan enquanto ela sentava-se em sua mesa.
- Eu posso voltar depois? - Trez perguntou.
- Que nada, ela está pronta. Selena está bem?
- Eu, ah... Sim. Ela está se movendo, está... Bem, eu estou levando-a para sair hoje à noite.
V puxou um cigarro enrolado à mão. - Não brinca. Para onde?
Em todas as suas ruminações, Trez tinha estado cuidadosamente evitando pensar precisamente sobre seu lugar de destino. A ideia de sair em um encontro era ótima,
a comida seria de abalar... Havia apenas um problema com que ele teria que absorver e lidar.
- Aquele restaurante. - Ele apontou para o teto. - Você sabe, no centro da cidade, que, tipo, fica girando em círculos?
- Oh, sim. Bem lá em cima. - O Irmão exalou. - Uma vista dos diabos.
Uh-huh. Cinquenta-mais histórias. Ele tinha navegado no site para descobrir exatamente o quão ruim era. - Sim. Uma vista dos diabos.
- Deixe-me sabe se há alguma coisa que eu possa fazer. Por qualquer um de vocês.
V deu nele um tapinha no ombro e começou a se afastar a passos largos.
- Vishous.
O Irmão parou, mas não se virou. E à luz acima da cabeça dele, o tendril de fumaça de seu fumo enrolado à mão formava um elegante redemoinho no ar.
- Quanto tempo eu ainda tenho com ela?
O Irmão girou a cabeça, então seu poderoso perfil de cavanhaque foi cortado por um pálido filete daquela luz, e as tatuagens em sua têmpora pareceram mais sinistras
do que o habitual.
- Quanto? - Trez repetiu. - Eu sei que você viu isso.
Houve um silvar sutil quando o Irmão inalou, a ponta do seu cigarro ardendo em um vívido laranja. - O que eu recebo não é tão específico. Desculpe.
- Você está mentindo.
Aquela sobrancelha escura ergueu-se. - Vou te perdoar pela ofensa. Uma vez.
Com isso, o macho voltou a se afastar a passos largos, aqueles ombros volumosos deslocando-se no ritmo dos quadris, e seu corpo de guerreiro não era exatamente
o tipo de coisa que alguém, mesmo alguém do tamanho de Trez e com suas habilidades de Sombra, enfrentaria voluntariamente.
Especialmente com aquela mão incandescente dele.
Mas não haveria uma rixa entre eles. Não sobre esse assunto, pelo menos.
Os dois sabiam que ele mentia.
V era o Irmão com a inteligência, as visões místicas, aquele nascido diretamente do corpo da Virgem Escriba. Ele também era incapaz de sacanear alguém pelo motivo
que fosse. Isso só não fazia parte de sua fiação interna; aquele cérebro incrível dele estava muito ocupado para se importar se tinha ofendido ou não, ou se sua
postura foi ou não apropriada, ou se ele tinha expressado as coisas de um jeito agradável para seu requerente.
Assim sendo, quando ele tinha se recusado a se virar? Quando tudo que ele fez foi mostrar seu perfil?
Ele tinha respondido a pergunta bem o bastante.
Vishous nunca iria, jamais voluntariamente magoar ou ferir um macho que ele respeitava. Isso estava ainda mais arraigado nele do que a coisa do eu-não-minto.
E sim, Trez tinha ouvido falar que normalmente não havia uma cronologia nas visões de V sobre morte; mas, claramente, era diferente nesse caso.
Talvez porque o que tinha sido visto era menos sobre a morte da Escolhida, e mais sobre que acontecia com Trez após isso.
Existem duas fêmeas. E em ambos os casos, você está correndo contra o tempo.
- ... Trez? - A Dra. Jane disse, como se ela estivesse tentado chamar a atenção dele. - Você está pronto para falar comigo?
Não, ele pensou, enquanto V desaparecia através das portas de vidro do escritório. Ele não estava.

 

CONTINUA

Capítulo VINTE E UM
O pau de Trez tinha sua própria pulsação. E isto antes de Selena ficar totalmente nua à sua frente. Após aquela revelação? A maldita coisa passou a ter seu próprio
padrão de pensamento.
Minha.
Ao ouvir a porta se fechar, Trez não soube se foi uma de suas mãos que a fechou, ou se simplesmente desejou que a coisa voltasse ao seu lugar.
- Tem certeza disto? - Gemeu ele, já dando um passo na direção dela. - Porque não vou conseguir parar.
- Sim. - Os olhos dela não se ergueram para encontrar os dele. Estavam travados em no quadril. - Oh, sim. Me deixe te ver.
Quando ele parou bem na frente dela, ele disse:
- E todas as humanas com as quais fiquei?
- Vai falar delas agora? - Ela abriu a faixa do roupão dele com uma das mãos. - Sério?
Ele impediu-a de abrir o roupão.
- Nada mudou em mim.
- Azar o seu, não meu.
- Na minha tradição...
- Que não é a minha.
- ... Eu estou corrompido.
- Por que é que você continua falando?
Com isto, ela livrou-se da mão que a segurava, tirou a faixa, abriu as laterais do tecido preto. O sexo dele estava totalmente ereto, se sobressaindo entre eles.
E foi a próxima coisa a qual ela tomou nas mãos.
Trez gemeu e jogou a cabeça para trás.
- Você está quente. - Ela suspirou ao se inclinar e beijar a pele sobre seu coração. - E duro.
- Selena, estou falando sério. - Ele tentou impedi-la de continuar as carícias. - Eu quero te respeitar...
- Você está perdendo tempo.
Com isto ela caiu de joelhos e assumiu o controle. Como era uma fêmea alta, sua boca ficava na altura perfeita e, Deus os ajudasse, ela a pôs para trabalhar,
estendendo a língua rosada para lamber a cabeça. O toque aveludado o deixou trêmulo e, antes que seguisse o caminho dos roupões e caísse na porra do chão, se inclinou
para frente e apoiou ambas as mãos na coisa mais próxima que conseguiu achar.
A escrivaninha. Ou pode ter sido o capô de um carro. O trenó do Papai Noel. Uma geladeira.
Quente e úmida, ela abocanhou, a sucção e aquelas lambidas apagando o mundo, trazendo-o instantaneamente à beira do orgasmo.
Cerrando os dentes, ele gemeu - Eu vou gozar... Ah caralho... Eu vou...
Ele vagamente pensou em não desrespeitá-la ejaculando em sua bo...
Selena se afastou, abriu a boca e estendeu aquela língua mágica. Olhando para ele, de baixo para cima, começou a masturbá-lo com força ao mesmo tempo em que,
preguiçosamente, lambia sua ponta.
Trez segurou, oh, talvez um segundo e meio. Quando sua liberação jorrou, ela tomou-a toda, engolindo, sugando, se afastando para lambuzar os lábios e rosto.
Deus a ajudasse, ele continuou ejaculando, uma infinita urgência sexual travando o seu corpo, enquanto a marcava, sua essência cobrindo-a de uma posse que era primordial.
Defender. Proteger. Amar.
Tudo isto naquele local sagrado.
Minha.
Quando finalmente se esgotou, ela se sentou de volta sobre os tornozelos e então, com uma série de movimentos lânguidos e matadores, lambeu os lábios. Ergueu
os dedos, capturou a trilha pegajosa no queixo, e sugou até limpar. Olhou para baixo, para os seios perfeitos.
Espalmando os pesos gêmeos, sorriu para o que caíra sobre eles, fazendo os montes e aqueles mamilos tesos brilharem. - Você me melecou.
- Onde você aprendeu a fazer isto? - Ele engasgou.
Pelo menos foi o que pretendia dizer. As sílabas saíram em um amontoado de sons incoerentes.
- O quê? - Ela suspirou, antes de erguer um dos seios e baixar a cabeça, com a língua para fora.
Ela lambeu a si mesma.
O rosnado que saiu da boca de Trez foi algo que, se estivesse em seu lugar, ele teria temido.
Selena não temeu. Ela só emitiu uma risada rouca. - Há algo mais que você queira marcar?
Liberdade.
Quando Selena se ajoelhou à frente de Trez, com o gosto dele em sua boca e sua essência sobre todo o seu corpo, se deleitou na sensação de liberdade sexual que
a invadiu. A liberação pareceu inteiramente o oposto da sentença de morte sob a qual vinha vivendo e, ainda que sua falta de tempo fosse o que a impedisse de sentir
qualquer estranheza ou preocupação consciente, ela sentia-se voando acima das amarras que há tanto tempo a prendiam ao chão, seu treinamento como ehros permitia-lhe
entregar-se às correntes de sexo que se estendiam, grossas como cordas tangíveis, entre os corpos deles.
Sem saber quanto tempo lhe restava, e sob a frustração de ter perdido tanto tempo, sentia urgência de expressão pessoal, e abraçava cada desejo que tinha, na
total intenção de satisfazê-los.
Todos eles eram com Trez.
Como se sentisse o mesmo, ele se inclinou e levantou-a do chão. Suas juntas protestaram pela mudança de posição, mas as reclamações não eram mais do que murmúrios
contra a luxúria desenfreada que ela sentia por ele.
Ela precisava da penetração. Pelo corpo dele.
Trez levou-a a cama e deixou-a de barriga para baixo, suas mãos grandes e quentes acariciando-a do ombro até as costas das coxas, antes de erguê-la de quatro
e afastar seus joelhos. Selena abaixou a cabeça, ela queria vê-lo, e olhou para além dos montes dependurados de seus seios, observando-o se aproximar dela por trás,
com o sexo pulsando enquanto ele tomava posição para...
Não foi sua ereção que se esfregou nela.
Quando as mãos dele agarraram seu quadril, os polegares se enfiaram em sua bunda e afastaram, até o sexo dela se abrir totalmente para ele. E então ele veio
com a boca, os lábios tocando-a, carícias úmidas sobre a umidade, sugando, devorando. Com dominação total, a língua dele lambeu de cima abaixo, penetrou, tintilou
no topo do sexo dela até ela convulsionar em orgasmo, cada onda de prazer esfregando-a mais e mais contra o rosto dele.
Quando finalmente acabou, ele se afastou, os punhos apoiados nos lençóis de ambos os lados dela.
- Eu vou te foder agora, - ele falou por entredentes em seu ouvido.
- Oh, Deus, por favor...
Selena gritou alto quando ele a penetrou, esticando seu interior quase além do limite. A dor foi em uma medida perfeita, e então ele começou a bombear. Nada
de movimentos lentos e regulares; eram violentos, puro poder, poder que a fez ver estrelas até perder a força de manter o corpo elevado da cama. Caindo de cara nos
lençóis que tinham o cheiro dele, ela lutou para respirar e amou a sensação de sufocamento que sentia a cada arremetida que a fazia esfregar o rosto nos travesseiros.
Bang! Bang! Bang!
A cabeceira estava tendo a mesma experiência violenta que ela, batendo na parede, o som reverberando junto com os gemidos dele, que era todo animal.
Virando a cabeça para olhar acima do ombro, ela tentou vê-lo.
Trez estava magnífico, os peitorais e ombros elevados, os enormes braços esculpidos em músculos, o abdômen definido, enquanto os quadris arremetiam contra ela.
Quando ele gozou, jogou a cabeça para trás como quando ela o dominou, e uivou, expondo as presas brancas longas e mortais, os tendões do pescoço saltaram nas laterais,
os quadris bateram contra ela enquanto ele metia, metia e metia...
Ele gozou dentro dela.
E o sexo dela o ordenhou, provocando-o até ela sentir a umidade escorrendo pelas coxas.
Ele mal retirou o corpo de dentro dela e caiu para o lado, como se cada gota de força houvesse sido drenada dele. A cabeceira deu um último bam! quando ele se
jogou e quicou, as mãos, braços, tórax e pernas relaxando de todo aquele esforço físico. A boca dele se moveu, os olhos escuros encontraram os dela e ali ficaram.
Ela não fazia ideia do que ele estava falando. E não importava. Sua bunda ainda estava para cima, o sexo formigando pelo modo violento como foi tratado, seu
corpo tão saciado quanto a aparência dele. Correntes de ar, da ventilação acima, vinham do teto, tocando tudo o que estava exposto, fazendo cócegas, esfriando.
Aquele havia sido o melhor sexo de sua vida. Selvagem e rude, do jeito que lhe haviam contado, e para o qual fora treinada, do jeito que devia ser.
Antes de Selena permitir-se deitar-se ao lado dele e deslizar para seu próprio sono, sorriu tão largamente que suas bochechas doeram.
Ela fora, pela primeira vez na vida, não só bem e verdadeiramente fodida, mas marcada pelo macho que amava. Mesmo com o futuro que tinha de enfrentar, era difícil
não se sentir abençoada.
Capítulo VINTE E DOIS
iAm recobrou consciência, mas manteve os olhos fechados. O que o acordou foi a dor excruciante na parte de trás da cabeça; aquilo e o frio do chão sobre o qual
estava deitado. Por um momento, considerou bancar o gambá e tentar descobrir onde estava pela audição, olfato e instintos, mas não havia motivo para isto.
Ele sabia exatamente onde o tinham posto.
Bastardo traidor fodido.
Levantou as pálpebras e viu uma grande porção de nada. Só que, estava deitado de bruços, um braço por baixo do tórax como se tivesse sido jogado...
Uma porta abriu no canto atrás de si. E ele percebeu não pelo ranger de dobradiças, mas pela súbita adição de vozes e passos na cela.
- Porque eu checaria suas marcas? - um macho perguntou. Não era s'Ex.
- É o protocolo.
Sim. Nada havia mudado.
iAm voltou a fechar os olhos e ficou perfeitamente parado, exceto por respirar superficialmente enquanto as pegadas se aproximavam.
Houve um engasgo. E então dedos apalparam suas costas, como se esticassem a pele onde havia sido marcado, como todos os machos eram, aos seis anos de idade.
- Isto não pode estar certo.
Os passos se afastaram apressadamente e, ele supôs que a porta voltou a ser fechada.
Erguendo a cabeça, sua visão borrou-se e voltou ao foco. Não havia mais ninguém na cela bem iluminada de seis metros por seis, as paredes branco brilhante, tão
lisas que ele poderia ver seu reflexo escuro nos painéis de mármore.
Sua cabeça doía tão infernalmente que foi forçado a deitá-la de novo, a bochecha achando o exato ponto na pedra que havia sido aquecido pela temperatura de seu
corpo desmaiado. Seu braço estava matando-o, sentia o membro anestesiado e dolorido ao mesmo tempo, mas, lhe faltava energia para se mover e tirar o peso do corpo
de cima dele. Deitado ali, respirando, existindo, ele não fazia ideia de quanto tempo havia se passado, o que iam fazer com ele, ou se ele ia descobrir que sua brilhante
ideia de que estava vivo era um engano.
Do nada, veio-lhe uma imagem mental dele saindo do Sal's na noite anterior, saindo livremente do restaurante que amava, conversando com os garçons.
Pegou-se desejando poder rebobinar o tempo e voltar àquela encarnação de si mesmo, suas lembranças do jeito que a noite sentia-se fria em seu rosto, e como a
fumaça dos cigarros dos garçons subiam espiraladas das pontas acesas, tão claro que, por um momento, pareceu impossível não poder retornar àquele lugar no tempo...
Pisar nos sapatos que calçava então... Reassumir a vestimenta de sua pele, do mesmo modo como reassumia sua forma após se desmaterializar.
Mas é claro, o tempo não funcionava assim. E a memória era como um show de televisão da própria vida, uma tela de filme ao qual se podia testemunhar, mas, não
interagir, mudar o curso ou redirecionar.
O desespero por Trez, grande motivador de sua vida, havia o levado de volta ao coração do inimigo que ele e o irmão dividiam.
E havia uma chance muito boa de que esta merda fosse vencê-lo.
Com um gemido, rolou para o lado e piscou algumas vezes. Suas armas, assim como a túnica que vestia, haviam desaparecido. E não havia mais nada na cela...
A porta abriu, o painel deslizou silenciosamente na parede. E quem entrou estava coberto da cabeça aos pés em camadas sobrepostas de tecido, o rosto coberto,
o pé coberto, mesmo as mãos enluvadas.
Seria a Morte? Perguntou-se. Teria ele desmaiado e estaria sonhando...
Um sutil aroma foi registrado.
Mas não em seu nariz. Em todo o seu corpo.
Como uma corrente de eletricidade.
A porta foi fechada por trás da figura alta e coberta. E enquanto o macho se aproximava, iAm fez de tudo para assumir um tipo de postura defensiva.
Não conseguiu muito.
Uma mão enluvada se esticou; ele foi rolado de volta; e então sentiu o toque na base de sua coluna.
- Eu vou... Matá-lo... - iAm murmurou. - Machucá-lo.
De que forma, não fazia ideia. Mas ia lutar, isso era uma maldita certeza.
A figura recuou um passo. Inclinou a cabeça como se considerando o método de morte que seria usado.
No s'Hisbe, a maior parte dos prisioneiros eram primeiro torturados. Amaciados, iAm sempre pensara. Então eram massacrados, enterrados ou devorados por s'Ex
e seus guardas, dependendo do crime.
Este último era uma tradição orgulhosa. Também simplificava a questão sobre o que fazer com o corpo.
iAm fechou os punhos e preparou-se para o que se abateria sobre ele.
Só que a figura simplesmente o observou por um longo momento. E então recuou para a porta e saiu.
Oh. Okay. Eles verificaram quem ele era, e viram que não havia motivo para matá-lo antes de capturarem Trez novamente. Aquilo seria um desperdício de recursos.
Merda.
Relaxando os músculos, ele tentou mover-se e rezou que as habilidades naturais de cura de seu corpo cuidassem da concussão rapidamente.
Ele ia precisar ser capaz de enfatizar suas palavras de resistência com mais do que um corpo inerte e membros feitos de chumbo.
Maldição, ele jamais devia ter confiado em s'Ex.
De volta em Caldwell, Paradise sentou-se na cama, sobre as pernas, olhos fixos no céu noturno do outro lado de suas janelas fechadas e trancadas.
- Então você vai mesmo? - disse ela, ao celular.
Peyton riu.
- Diabos, claro, está brincando? Estou morrendo de vontade de sair daqui. Desde os ataques estou trancado, e o fato de meus pais me deixarem entrar neste programa
de treinamento é um milagre.
Ela olhou para as trancas na porta de seu próprio quarto, as quais, a propósito, estavam trancadas naquele momento.
- Me pergunto se meu pai me deixaria ir, - murmurou.
Houve uma pausa. Então uma risada.
- Oh, meu Deus, Paradise. Não. Uh uh. De jeito nenhum.
- É, você deve ter razão. Ele é realmente protetor...
- Aquele programa não é para fêmeas.
Ela fechou a cara.
- Com licença. O decreto da Irmandade dizia que seriamos bem-vindas se quiséssemos tentar.
- Okay, primeiro, "tentar" não significa "ser aceita". Você sequer já fez uma flexão?
- Bem, tenho certeza que conseguiria se eu...
- Segundo, você nem é uma fêmea comum. Digo, olá, você é membro de uma Família Fundadora. Seu pai é o Primeiro Conselheiro do Rei. Você precisa ser preservada
para procriação.
A boca de Paradise se abriu em choque. - Não acredito que acabou de dizer isto.
- O quê? É verdade. Não finja que as regras são as mesmas para fêmeas como você. Como, se um sujeito civil, que só por acaso use saias, quiser fazer uma tentativa,
tudo bem. Seria uma perda que não significaria nada para a espécie. Mas, Parry, não sobraram muitas como você. Para machos como eu? Não queremos nos emparelhar com
ninguém menos que vocês, e existem hoje quantas, quatro ou cinco de vocês?
- Esta é a racionalização mais machista que já ouvi. Vou desligar.
- Aw, vamos lá. Não fique assim.
- Vai se foder. Eu sou mais do que só um par de ovários no qual se pode colocar uma aliança.
Ela desligou e pensou em arremessar o celular contra a parede. Quando não conseguiu seguir o impulso, começou a se preocupar com todos os seus modos inatos que
no fundo só reforçavam que Peyton estava certo.
Ela era mesmo só uma flor de estufa, não prestava para nada além de xícaras de chá, ter filhos e...
Quando seu celular começou a tocar de novo, ela jogou-o sob o edredom, deitou-se no chão e plantou a palma das mãos sobre o tapete de crochê. Esticando as mãos,
equilibrou na ponta dos dedos dos pés.
- Certo, - ela disse, cerrando os dentes. - Para cima e para baixo. Cem vezes.
Ela conseguiu descer sem dificuldades, os braços mais do que famintos por obedecer. E quando seu nariz tocou o padrão de um vaso de flores que havia no tapete,
ela sentia-se uma fera, pronta para arrebentar com tudo.
Subir foi... Aceitável.
Descer de novo para o tapete. Eeeeee subir.
Mais ou menos. Os músculos em seus bíceps começaram a tremer; os cotovelos falsearam; os ombros gritaram.
Ela conseguiu três vezes. Ou, tipo, duas vezes e meia. Antes de cair no...
- O que está fazendo?
Com um ganido, Paradise levantou-se. Seu pai estava na porta do quarto, segurando a chave que ele usava para abrir todas as portas, e as sobrancelhas dele se
ergueram tanto, que quase encostaram na linha do cabelo.
- Flexões, - ela disse, arfando.
- Para que?
Pergunte, ela pensou. Desembuche e diga, Eu quero me juntar ao programa do Centro de Treinamento da Irmandade...
Seu telefone tocou de novo.
- Não vai atender? - Seu pai perguntou.
- Não. Pai, eu tenho uma...
- Algo aconteceu, querida. - Ele fechou e voltou a trancar a porta. - E preciso ser franco com você.
Paradise dobrou as pernas e enlaçou-as com o braço.
- Fiz algo errado?
- Oh, não. Claro que não. - Ele meneou a cabeça ao olhar para ela. - Você é a melhor filha que qualquer macho poderia desejar ter.
Quando seu telefone parou de tocar, ela teve de se perguntar quanto dos pontos de vista de Peyton seu pai dividiria. E quantas vezes Peyton ia tentar ligar para
ela de novo.
- Preciso que faça suas malas, - ele disse.
Paradise recuou.
- Por quê?
- Preciso que fique longe daqui por algumas semanas.
Um jato de frio atravessou-a.
- Por quê?
- Oh, amor. - Ele se aproximou e se ajoelhou. - Por nada. É só que, eu achei que poderia gostar de ter um emprego.
Agora foram as sobrancelhas dela que se ergueram.
- Sério?
Ela havia levantado o assunto alguns meses atrás, quando, após outra noite tomando lições de piano e fazendo bordados complicados e intrincados a fizeram sentir-se
como se fosse enlouquecer. Mas, ele havia cuidadosamente negado, no interesse de sua segurança, um ponto que ela tanto respeitava quanto a deixava frustrada.
Era difícil discutir que o mundo não era um lugar muito perigoso para vampiros.
- O que mudou? - Então ela se lembrou do parente distante. - Espere, aquele macho vai continuar por aqui?
- Não é nada com ele. Além disto, meu cargo de Primeiro Conselheiro está ficando mais complicado e trabalhoso, e preciso de alguém em quem possa confiar para
me ajudar com os negócios do Rei. Eu não posso imaginar ninguém mais apropriado do que você.
- Sério? - Ela disse, estreitando os olhos. - Não há nenhuma outra razão?
- De verdade. Prometo. - Ele sorriu. - Então o que diz... Gostaria de trabalhar comigo?
Com um súbito movimento de felicidade, ela agarrou o pai em um abraço. - Oh, obrigada! Sim! Estou tão animada.
Ele riu.
- Okay, mas você terá de se mudar para a mansão de audiências do Rei. Não se preocupe, não estará sozinha. Pode levar sua dama de companhia doggen, e a Irmandade
tem a equipe completa no local...
Paradise ergueu-se e correu para o closet. Abriu as portas e começou a separar as peças de seu conjunto de bagagens Louis Vuitton.
- Estarei pronta em meia hora! Quinze minutos! - Ela abria gavetas, pegando roupas de baixo, sutiãs, camisetas. - Oh, o senhor chama Vuchie? Ela ficará tão animada!
Vagamente, ouviu o pai rir.
- Como desejar, minha senhora. Como desejar.
Capítulo VINTE E TRÊS
Rhage retomou forma no gramado da antiga mansão de Darius, e caminhou para a entrada da frente. No momento em que entrou na casa, ouviu uma série de suspiros,
e olhou para a esquerda. No salão, havia um monte de civis amontoados em pé, em um grupo estranho, como se não se sentissem confortáveis sentados em todos aqueles
móveis elegantes revestidos de seda, e os olhos que se arregalaram ao vê-lo.
É, sua reputação ainda o precedia.
Jesus, bastava ter sido um puto por alguns séculos, e as pessoas continuariam te julgando, mesmo depois de você se redimir e emparelhar adequadamente.
Era um pé no saco e, em uma noite normal, teria se aproximado e se apresentado, só para falar de Mary.
Esta noite, no entanto, se dirigiu às portas fechadas do que certa vez fora a sala de jantar. Batendo duas vezes, disse. - Sou eu.
Tohr abriu a porta com uma saudação, e Rhage entrou em uma sala mais cavernosa, mais vazia: Tudo o que havia ali eram algumas cadeiras, uma mesa com uma cadeira
de escritório, e alguns assentos auxiliares, para serem usados em alguma audiência que tivesse gente demais para acomodar.
- Sem explosivos, - Wrath estava dizendo de uma das poltronas. - Nem armadilhas.
V estava em meio ao processo de acender um cigarro enrolado à mão, e ao tragar, o aroma de tabaco turco flutuou.
- Hollywood e eu repassamos a casa como um pente fino. Eles claramente estiveram lá. Tinham partido pelo que pudemos apurar. Mas, não se incomodaram de tentar
nos foder.
Com sua mão da adaga, Wrath acariciou a cabeça do golden retriever que o ajudava a se locomover. George, sempre em adoração a seu dono, tinha o focinho voltado
para o Rei, oferecendo livremente a garganta. - Então Throe não mentiu.
- Pelo menos não sobre isto, - V murmurou.
- Interessante.
Rhage olhou em volta para os rostos de seus irmãos. Z e Phury estavam em pé, juntos como sempre. Qhuinn estava próximo a Z, e então Blay e John Matthew, mesmo
os machos não sendo membros, estavam ao seu lado. Butch estava do lado oposto ao Rei, com os braços pousados no apoio da poltrona onde apoiava seu peso; V estava
atrás ele. Tohr estava perto da porta.
- O que fazemos agora? - Rhage perguntou.
- Esperamos. - Wrath se inclinou ainda mais e acariciou os pelos do cão. - Se ele começar a remexer na merda, vai se enforcar. A aristocracia terá de ser monitorada...
Precisamos de uma fonte infiltrada. Alguma ideia?
Naquele momento, houve outra batida na porta. Tohr encostou o ouvido no painel e então abriu a porta. - Peça e receberá.
Abalone enfiou a cabeça pela porta.
- Meu senhor? Sinto muito me intrometer, mas posso, por favor, apresentar minha filha, antes de começarmos as audiências desta noite?
Wrath gesticulou para o macho se aproximar com a mão livre. - Sim, traga-a.
Abalone retirou a cabeça da fresta da porta e houve uma conversa sussurrada. Então reapareceu, puxando um projeto de fêmea. Com os cabelos louros, corpo magricelo
e pernas longas, ela estava mais para o lado Princesa Ártica do sexo frágil.
Bela. Muito bela. Talvez até mesmo linda... Embora não chegasse aos pés de sua Mary.
Abalone levou a garota até se aproximar, uma mão guiando-a pelo cotovelo, seu orgulho de pai estufando o seu peito. - Meu estimado governante, grande Rei de
toda...
- É, é, chega disto, - Wrath cortou, - Paradise, soube que está se mudando para a casa de minha shellan e seu irmão. Seja bem-vinda.
Quando ofereceu o diamante negro, Paradise fez uma reverência, as mãos tremendo tanto que pareciam tremular à luz do candelabro.
- Meu senhor, - ela sussurrou antes de beijar a joia.
Liberando a mão dele, ela endireitou-se e olhou para o chão, os ombros encurvados, pés travados.
- Quer conhecer meu cão? - o Rei perguntou.
George, sempre pronto para um carinho na cabeça, bateu com a cauda no chão, o som como o de alguém batendo corda no chão de terra.
- Pode fazer carinho nele, - Wrath disse. - Eu deixo.
A garota olhou rapidamente para o resto da Irmandade, os olhos baixados para os shitkickers. E foi quando até Rhage sentiu pena dela. Uma grande parte da aristocracia
tratava suas fêmeas tão mal, que nunca eram admitidas na presença de machos de quem não fossem parentes, então esta era, sem dúvida a primeira vez que ela ficava
em um ambiente com tanta testosterona.
- Vá em frente, George. Diga oi.
Ao incentivo de Wrath, o cão veio para frente e sentou a bunda peluda bem em frente a ela, com os ouvidos inquietos, e aquela cauda balançando de um lado para
outro.
- É... É um garoto? - Perguntou ela, suavemente quando se abaixou no chão e estendeu a mão para todo aquele pelo.
- Sim. - Wrath olhou para cima. - Está certo, bando de imbecis, apresentem-se, está bem? E sejam educados.
Todos pigarrearam. Por fim, Phury deu um passo à frente e fez as apresentações. Provavelmente foi melhor assim... ele era o mais próximo de um cavalheiro que
tinham.
- Que bom que está aqui, - o Primale disse. - Eu sou Phury... Nós amamos seu pai, a propósito. É um cara legal.
Eeeeeee isto fez Abalone quase levitar para fora de seus sapatos Bally.
Ela olhou para aqueles olhos amarelados e lhe deu um sorriso. - Oi.
- Aquele ali é meu gêmeo, - ele indicou Z, e Zsadist, sempre consciente de sua aparência ameaçadora com aquela cicatriz no rosto, continuou afastado, erguendo
a mão quando Paradise recuou. - Zsadist é emparelhado e tem uma filha chamada Nalla. Ela é maravilhosa... Olha aqui uma foto dela.
Enquanto Phury estendia seu celular, a garota olhou para a foto. Olhou para Z. Voltou a olhar para a foto.
- Minha bebezinha, - Z disse, em uma voz profunda. - Ela tem dois anos, e parece com sua mahmen.
Instantaneamente a garota relaxou. Então Phury apresentou Vishous, que só acenou e Butch, que lhe deu um "Oi, como vai!" típico de Boston. John Matthew, Blay
e Qhuinn foram os próximos e então Phury indicou Rhage.
- E o Brad Pitt ali é Hollywood.
Ele sorriu. - Prazer em conhecê-la.
O olhar de Paradise fixou-se nele, os olhos arregalaram, mas não de medo. Longe disto.
- É, ele é lindo, - alguém disse. - Até conhecê-lo melhor.
- Aww, vamos lá, - Rhage respondeu. - Não me difame.
A conversa brotou, com Wrath fazendo à Paradise algumas perguntas para encorajá-la a falar de si. Quando a garota voltou a atenção ao Rei, Rhage pensou na época
antes de conhecer Mary. Sem dúvida ele teria dado em cima daquela inocente... E teria conseguido conquistá-la. Ele nunca falhava, já que controlava sua besta fodendo
com tudo e com todos que passavam perto dele. O que era bom para ele. Não tão bom para as fêmeas que queriam manter sua virtude.
E ele não tinha dúvida de que Paradise era uma dessas.
Então sim, ele estava feliz de conhecê-la sob estas circunstâncias, quando não havia absolutamente nenhuma chance de ele dar em cima dela. Ele emparelhara com
sua Virgem, do jeito que Vishous previra que ocorreria, e sua vida fora salva.
Por alguma razão, um sentimento de enjôo o transpassou.
Levou a mão até o bolso, tirou o celular. Verificou as mensagens de texto.
Trez, o pobre bastardo, ainda não tinha respondido. Parecia estúpido incomodar o cara de novo, dado tudo aquilo com o que ele já tinha de lidar, mas, era difícil
não tentar contatá-lo de novo.
Rhage desejava que houvesse algo mais a fazer para ajudar o cara e sua Escolhida.
Ele realmente desejava.
Não havia como ligar a seta.
Quando Layla dirigiu sua Mercedes de volta à mansão da Irmandade, ela trazia seu braço machucado pousado no console entre os assentos, uma jaqueta sobressalente
amontoada por baixo para aumentar a altura e diminuir os balanços.
A dor era atordoante, o tipo de coisa tão forte que era sentido nas entranhas.
Então não, não havia como sinalizar direita ou esquerda.
Pelo menos não havia ninguém naquela estradinha rural tão tarde da noite.
Passaram-se horas, talvez dias até ela chegar à montanha da mansão, e o mhis foi um pesadelo. A distorção da paisagem de V, uma medida de segurança para manter
sua posição em segredo, implicava em ver tudo borrado, como se uma neblina houvesse caído sobre a floresta. Exausta de tanto conter a vontade de vomitar, em combinação
com a visão falha, significava que ela se sentia completamente perdida, e seu instinto foi se inclinar e se aproximar do pára-brisa... O que não ajudou.
Tudo aquilo só fez seu braço doer ainda mais.
Quando as luzes brilhantes da mansão finalmente entraram em foco, ela rezou, rezou para que os Irmãos estivessem todos lutando para que ela conseguisse chegar
ao quarto sem ninguém vê-la. Contornando a fonte que já estava coberta para o inverno, ela estacionou perto do GTO roxo de Rhage e do brinquedo novo de Butch, uma
Mercedes preta que parecia uma caixa de pão.
Ela teve de se contorcer para controlar o volante e empurrar a alavanca da marcha para estacionar o carro na vaga... E descobriu que tinha de se esticar ainda
mais para apertar o botão Stop/Start para desligar o sedã. Daí foi questão de respirar superficialmente pela boca enquanto se recuperava do esforço. Olhando pelo
espelho retrovisor, ela teve uma visão da entrada da mansão... E não fez ideia de como chegaria até lá. Muito menos de como se arrastaria até o quarto.
Não havia outra escolha. Ou ela fazia isto sozinha, ou teria de pedir para outra pessoa mentir por ela: não tinha como esconder o ferimento, não enquanto tão
fresco. E ela não podia deixar Qhuinn descobrir o que acontecera.
Ou, pior ainda, o que ela andara fazendo quando caíra.
Maldição, esta situação era punição por sua vida dupla... Suas duas realidades opostas se chocando, nocauteando-a, expondo-a.
Potencialmente.
Hora de entrar.
Layla teve uma nova uma lição em termos de dor ao abrir a porta e tentar erguer-se do assento de couro, o braço gritando quando o osso quebrado se moveu.
Recuperar o fôlego. Vários deles.
E então de alguma forma, conseguiu sair do carro.
A mansão sempre fora assim tão longe da área de estacionamento?
Contornar a fonte não foi muita questão de botar um pé em frente ao outro, mas cambalear sobre os paralelepípedos tentando não desmaiar. Quando chegou aos degraus
de pedra que levavam às portas do tamanho de catedrais, ela quis chorar. Em vez disto, subiu de uma só vez.
Ao abrir as portas do vestíbulo, percebeu que cometera dois erros: deixara o carro destrancado, e ela teria, de fato, de interagir com alguém... Não havia jeito
de entrar na casa sem colocar a cara na frente da câmera de segurança e esperar ser atendida.
Olhando de volta para a Mercedes, não teve energia para voltar e fechá-lo. E tentar dar a volta para a entrada de serviço da garagem estava...
Foi onde as coisas acabaram.
Enquanto sua mente se debatia entre as suas opções limitadas, seu corpo desconectou-se sozinho da tomada da consciência: desligou e a gravidade fez sua mágica,
o degrau se ergueu para saudá-la com um abraço duro, muito duro.
Que ela não sentiu.
Capítulo VINTE E QUATRO
Era quatro da manhã quando Assail guiou seu Range Rover blindado até a beira do Rio Hudson. A alameda onde estava era tão larga quanto um lápis e suave como
uma corrida de obstáculos. Ao lado dele, Ehric estava calado, a .40 do macho pousada sobre as coxas, um dedo inquieto sobre o gatilho, pronto para atirar ao menor
sinal de movimento ou barulho.
Um rápido olhar pelo espelho retrovisor mostrou-lhe que o gêmeo de Ehric, Evale, encontrava-se igualmente alerta e preparado para qualquer coisa.
Cerca de vinte metros adiante da "estrada", era possível ver a clareira pouco profunda na margem. O procedimento era o mesmo todas as vezes: Ele pararia o SUV
na linha das árvores e daria a volta de forma que, se algo imprevisto acontecesse, ele poderia sair rapidamente com o dinheiro ou as drogas. Então ele esperaria
com seus rapazes, geralmente, cerca de dez minutos, antes que o barco de pesca ruidosamente aparecesse.
Seus primos usavam coletes à prova de balas. Ele não.
Eles estavam sóbrios. Ele não.
Nem isto era surpresa. Ele jamais se importara com qualquer tipo de proteção peitoral, e a outra coisa? A esta altura, teria de abster por vários dias para que
a cocaína saísse completamente de seu sistema.
Ao continuar dirigindo, deixou sua mente vaguear, a imagem de outro tipo de baía, um tipo diferente de água, apresentando-se e se recusando a sumir.
Ele viu a praia. O oceano. Palmeiras. Tudo isto brilhando à luz da lua.
Viu uma fêmea caminhando sozinha ao longo do calor acariciante do mar, seus braços cruzados sobre o peito, a cabeça baixa, a aura de uma sobrevivente cheia de
arrependimentos...
- Cuidado! - Ehric exclamou.
Assail forçou-se a se concentrar bem antes do Range Rover comer carvalho como Última Refeição... Ou, mais provável, seria o contrário.
Felizmente, a viagem acabou minutos depois, e ele conseguiu manobrar sem dificuldades, amassando o mato seco e curto até a grade imensa do SUV estar virada para
frente. Não havia faróis foi outra das modificações que ele havia providenciado junto com a blindagem.
O motor silenciou e seus dois passageiros saíram. Antes de se juntar a eles, retirou um vidrinho de dentro de seu casaco de lã. Um giro rápido. Colher na mão.
Sniff. Sniff.
E duas outras para a outra narina.
Após um rápido bufar para se assegurar que tudo estava onde devia, saiu do interior morno. Devolveu seu estoque para o local seguro, se envolveu ainda mais no
casaco. O ar noturno estava muito frio, e folhas caídas eram trituradas sob suas botas ao se juntar aos primos.
Não houve conversa.
E ainda assim, a desaprovação pelo seu nível de consumo estava evidente pela tensão em suas mandíbulas.
Mas isto não importava a ele. Tanto fazia eles desperdiçarem o fôlego com palavras, ou simplesmente o fitarem com ar zangado, como agora, ele não tinha intenção
de mudar seus hábitos.
O som de um único barco à motor vindo em velocidade baixa surgiu tão baixinho que, de início, não seria possível distingui-lo dos ruídos do ambiente da floresta
e do rio. Mas, logo, o barco de pesca deu a volta para a curva da costa, lento e baixo para a água. Havia dois indivíduos sentados no casco aberto, ambos vestidos
como pescadores acima de qualquer suspeita com seus bonés e coletes camuflados, somente as máscaras pretas indicavam algo nefasto. Também havia varas de pesca montadas
em corrente, estendendo-se por trás da popa.
O capitão aproximou o barco humilde de frente, desacelerando o motor para que parasse com um beijo, e não um soco.
Os primos se aproximaram enquanto Assail manteve-se na retaguarda, com sua própria .40 a postos. Os aromas dos dois machos humanos os identificaram como diferentes,
mas relacionados aos dois que vieram da última vez. E da vez antes daquela. E assim por diante.
- Onde estão os outros? - Assail exigiu.
Os homens pararam no processo de pegar três das cinco sacolas que estavam escondidas sob uma lona camuflada.
Assail sorriu fracamente diante de sua surpresa. - Acharam que eu não saberia?
- Eu sou irmão, - o da esquerda disse em um pesado sotaque inglês. - Ele é primo.
Assail inclinou a cabeça, aceitando a explicação. Na verdade, ele não se importava quem entregava seus produtos, contanto que fossem pontuais, pelo preço e qualidade
acordados e sem interferência de agentes da lei humana.
Até agora, tudo bem com estes dois.
Momentos depois, Ehric e o irmão aceitaram as bolsas e se afastaram, um olhando para frente, outro para trás, para cobrirem todo o terreno.
- Um momento, - Assail pediu lentamente. - Se não se importam.
Os humanos pararam de novo, e ele sentiu a ansiedade deles de modo tão claro quanto uma reverberação na superfície de uma mesa, a transferência de energia viajando
facilmente através do ar que separava seus corpos.
- O que mais tem aí embaixo? - disse ele, apontando para a lona. - Há mais duas sacolas, não há?
O mais baixo deles, o primo, arrumou a cobertura de volta no lugar e voltou-se para os controles do barco.
- O esquema mês que vem, - o outro disse, - o mesmo?
- Entrarei em contato com seus chefes.
- Muito bem.
Só isto, eles voltaram a seu caminho, ruidosamente contra a corrente vagarosa de água fria, com a propaganda de outra empresa na lateral.
Franzindo o cenho, Assail observou enquanto eles cruzavam o leito das águas e prosseguiam paralelamente à margem oposta.
Um momento depois, voltou ao Range Rover e quando bateu na janela da porta do passageiro, Ehric baixou o vidro.
- Sim? - O macho disse.
- Vou segui-los. - Assail acenou na direção do barco. - Eles estão negociando com outra pessoa. Quero descobrir quem.
Com um gesto curto de concordância, Ehric desmaterializou para o assento do motorista e engatou o SUV. - Eu também percebi. Ligue se precisar de ajuda.
Quando o Range Rover se afastou, Assail se virou e caminhou de novo para a água. Fechando os olhos, teve de lutar contra o efeito da cocaína para se acalmar,
e levou um tempo até poder se desmaterializar no vento gelado. Quando retomou forma, alguns quilômetros abaixo do rio, esperou até o barco aparecer de novo. Os homens
não percebiam sua presença, já que ele se escondeu entre as árvores coloridas e contrastava com a vegetação marrom, observando-os passar.
Mesma velocidade de motor. Mesmo protocolo para entregar as mercadorias para ele. A questão era: quem era o próximo cliente?
E que tipo de drogas eles estariam vendendo?
O chefe deles havia concordado em lidar exclusivamente com ele nesta parte do estado de Nova Iorque. E embora a competição fosse boa para o capitalismo, não
era bem-vinda em seu território; também desnecessária à declaração de renda deles. Seus pedidos eram suficientemente grandes e tão constantes que ele valia por vários
negócios dignos de respeito.
Os bastardos.
De fato, era necessária honra entre os fora-da-lei. Para o bem de todo mundo. E ele havia elevado a sua parte da barganha, pagando cada vez mais. Mês após mês
após mês.
Mas estava preparado para resolver este problema.
Prontamente.
Mortalmente.
Rhage, Tohr e V voltaram à mansão não muito depois de conhecer o motivo de orgulho e alegria de Applebottom, com Butch seguindo no Range Rover. Quando os três
reassumiram suas formas físicas no quintal, uma luz brilhava entre a fila de carros e chamou a atenção deles.
Rhage foi até a porta aberta da Mercedes azul bebê. - Layla?
Só que não havia ninguém lá dentro, remexendo a bolsa ou juntando sacolas, antes de ir atravessar o gramado até a casa.
Ele fechou a porta. - Ela não...
- Layla! - Tohr gritou. - Oh, merda!
Rhage olhou na direção da entrada da mansão. A pesada porta do vestíbulo estava meio aberta, uma perna se estendia ao nível do chão, o tornozelo mantinha os
painéis abertos.
Os três dispararam até os degraus. Enquanto Rhage abria mais o tremendo peso da porta, V, com seus conhecimentos médicos, pulou sobre o corpo colapsado e começou
a checar os sinais vitais.
- Tohr, - Rhage disse, - chame...
Mas seu irmão já estava com o telefone no ouvido - Oi, Jane? Precisamos de você aqui no vestíbulo. Layla desmaiou. V, sinais?
Quando o irmão botou o celular na cara de V, Vishous disse à companheira, - Batimentos cardíacos estáveis, mas lentos. Assim como a respiração. Sem sinal visível
de trauma.
- Ouviu isto? - Tohr disse, voltando a falar. - Bom, obrigado! - Ele encerrou a chamada, e imediatamente voltou a discar. - Ela está trazendo Manny e Ehlena.
- De volta ao ouvido. Espera. Espera.
Ele estava, obviamente, ligando para Qhuinn...
Por alguma razão, o mundo ficou vacilante para Rhage: em um minuto, ele olhava para Layla, e pensava que não havia nada mais aterrorizante do que uma fêmea grávida
caída em qualquer tipo de chão. No seguinte, o vestíbulo girava em volta dele como uma bola no fim de um barbante, sua cabeça, o ponto central da tontura, seu equilíbrio
estranhamente não comprometido...
- Ele vai cair!
Huh. Acho que ele não estava tão firme quanto achou.
Quando sentiu uma mordida em seu bíceps, baixou o olhar e viu a mão de Tohr travar-se em seu bíceps, segurando-o.
Uau. Que másculo, Rhage pensou.
Uma rodada de sais vitorianos só porque uma fêmea está...
- Layla!
A aparição em pânico de Qhuinn bem perto dele lhe deu o estímulo para acordar de que precisava, sua mente clareou enquanto o macho abria seu caminho até chegar
à fêmea que carregava seu filho. Blay, como sempre, estava logo atrás dele, pronto a fazer qualquer coisa para apoiar o companheiro.
- O que diabos aconteceu? - Qhuinn exigiu.
V começou a falar. Dra. Jane e equipe chegaram. Equipamentos médicos foram tirados de uma maleta preta antiquada.
Virando-se para Tohr, que ainda o amparava, Rhage ouviu uma estranha versão de sua voz dizer, - Estou tendo problemas para respirar, irmão.
Tohr voltou a cabeça para sua direção. - Qual o problema?
- Eu não sei. Não... Consigo respirar. - Ele massageou o peito com a mão livre. - É como se houvesse um balão aqui. Tomando todo o espaço.
Enquanto a equipe médica rolava Layla de costas, o pessoal da primeira fila praguejou. O braço dela estava no ângulo errado, a parte abaixo do cotovelo mostrando
uma torção feia que deve ter acontecido quando ela desmaiou.
- Rhage? - Alguém lhe disse, - Olá?
Ele olhou para Tohrment, - O que?
Thor inclinou-se, - Quer tomar um pouco de ar fresco?
- Já não estamos do lado de fora? - Para responder a esta pergunta, olhou para o céu - Sim, estamos...
- Que tal darmos uma voltinha?
- Quero ajudar.
- Sim, eu sei disto. Mas, acho que sair para caminhar é uma boa ideia. Você está branco como papel, e se apagar agora, posso garantir que não vai ter ninguém
para amaciar sua queda e não precisamos de mais pacientes agora.
- Huh?
- Vamos.
Quando seu irmão puxou o braço, Rhage começou a esfregar o peito. - Eu não sei porque não consigo respirar...
A última imagem que teve, ao se afastar, foi do rosto de Layla virado para o lado, os olhos abertos, mas, sem enxergar nada.
- Ela morreu? - Ele sussurrou. - Ela morreu?
- Vamos, irmão meu...
- Morreu?
- Não. Está viva.
Cada vez que piscava, via seu cabelo louro no mármore como líquido derramado, os lábios tão pálidos quanto o rosto, aqueles olhos verde-jade, opacos e imóveis.
- Mary? Sim, Mary, tenho uma situação aqui com seu garoto. Pode vir agora?
Quem estava falando? Oh sim, Tohr. Ao telefone. O Irmão havia sacado o telefone.
Rhage começou a balançar a cabeça. - Não, ela não pode vir. A mãe no Lugar Seguro. Ela tem de ficar...
- Está bem, obrigado. - Tohr desligou - Ela está vindo agora.
- Não, eles precisam dela...
- Irmão? - Tohr aproximou o rosto do rosto de Rhage. - Tenho certeza que você não sabe como está sua aparência agora. Faz o favor de sentar aqui... Sim, bem
no chão. Bom garoto, está indo bem.
Os joelhos de Rhage seguiram as instruções, seu cérebro estava preocupado demais com o quanto sua shellan não precisava perder seu tempo precioso com ele. Mas,
parecia que aquele ônibus já tinha partido do ponto.
Colocando a cabeça entre as mãos, Rhage se inclinou para frente e se perguntou se não teria algo errado com seus pulmões. Uma gripe vampírica de ação rápida.
Uma infecção. Um veneno qualquer.
A grande mão de seu irmão fez círculos lentos em suas costas, e sob aquela palma pesada, a besta, em sua forma de tatuagem, surgiu e se moveu como se o pequeno
ataque de Rhage tivesse deixando-a nervosa.
- Sinto-me estranho. - Rhage disse. - Não consigo... Respirar...
Capítulo VINTE E CINCO
Nos primeiros quilômetros, Assail se satisfez em se desmaterializar no encalço do barco. No entanto, por volta da quarta vez em que retomou forma, se impacientou
pela chegada ao destino, a troca que seria feita, identidade do terceiro envolvido a ser revelada.
E havia outro motivo para ficar inquieto. Com o aumento da distância viajada, os dois homens se aproximavam cada vez mais da cidade de Caldwell, o que era uma
ideia idiota.
Mesmo que já fosse noite avançada, o centro da cidade não era como o subúrbio e estariam rodeados por humanos por todos os lados; com certeza, dificilmente humanos
com crédito com a polícia, mas, olhos curiosos eram olhos curiosos, e cada rato sem rabo, por mais ignorante que fosse, tinha um celular nos dias de hoje.
Ele até poderia ser capaz de se desmaterializar, mas, aquela dupla no barco não sabia executar aquele truque... E ele queria ser a pessoa a ensinar uma lição,
não deixaria o Departamento de Polícia de Caldwell chegar na frente.
Desaparecendo de novo, foi forçado a retomar forma em meio às árvores plantadas à beira de um dos parques públicos da margem de Caldwell. E o barco continuou
em frente.
Inacreditável.
Enquanto esperava para ver se indicavam a nova posição, e havia uma boa chance de que indicassem, porque não havia mais cobertura na costa, um comichão familiar
começou a formigar na base de seu pescoço, desencadeando a necessidade por mais coca.
A necessidade vinha cada vez mais rápido ultimamente. A ponto de ele ser forçado a reconhecer sua sorte por curar-se tão rápido. Se fosse um mero humano? Já
teria desviado o septo há meses.
Buscando em seu bolso, tirou o vidrinho. Só sentir a suavidade do frasco o fazia relaxar. Ele queria consumir a droga, mas não podia correr o risco de não conseguir
se desmaterializar. O problema com o seu vício era que a necessidade por uma nova dose estava surgindo antes que o efeito da dose anterior tivesse sequer começado
a diminuir, a lombriga em suas entranhas se remexendo, remexendo, exigindo mais e mais enquanto seu corpo e cérebro lutavam para lidar com as velozes e enormes cargas
da droga que consumia.
E de novo, a última coisa que queria era se colocar em dificuldades por estar nervoso demais para desaparecer.
Deus, ter isto em comum com a espécie humana com quem negociava era humilhante demais para descrever...
- Oh, só pode ser brincadeira. - Ele murmurou quando o barco finalmente demonstrou estar entrando em um lugar para aportar.
Mas não um lugar seguro. Certamente não um que ele teria escolhido.
A dupla pilotou a embarcação em direção à uma casa de barcos vitoriana. Claro que as janelas estavam escuras, mas havia luzes de segurança brilhando nas ripas
que revestiam seu exterior, e sem dúvida uma patrulha do Departamento de Polícia, fazia turnos regulares no espaço que havia por trás da estrutura.
Mesmo assim, ele teria de entrar, caso eles entrassem.
E eles entraram.
Sem ideia do layout do interior do local, programou-se para retomar forma nas sombras entre aquelas irritantes luzes externas, suas roupas pretas mimetizando-o
contra a lateral envelhecida da casa de barcos. Quando o barco entrou em uma das vagas, o som de seu motor patético ecoou, soando como um homem velho nos estertores
finais de um ataque de tosse mortal.
Virando-se para uma das janelas, Assail concentrou seu olhar astuto através do vidro canelado. A área interior era bem extensa e, assim que identificou o seu
ponto, se desmaterializou e passou através da mesma entrada que os entregadores usaram. Teve o cuidado de reassumir sua forma física, encolhido em um canto apertado
no extremo oposto, entre uma estante de suprimentos de tripulação, caída em montes, e uma floresta de dispositivos pessoais de flutuação cor de laranja pendurados
em ganchos.
O motor foi desligado e o par conversava suavemente em idioma estrangeiro. Após silenciarem, o único som era a água se movendo e gargalhando por baixo do barco
e através do escoramento das docas.
Assail odiava cheiro de peixe morto, flora decomposta e lonas úmidas no ar.
Após um tempo, a aproximação de algo no exterior chamou sua atenção, e então, uma luz amarela penetrou o interior. Localizando uma janela empoeirada, olhou para
fora, só para ver um caminhão do Departamento de Parques Públicos de Caldwell estacionando.
Bem, agora, isto está a ponto de ficar interessante.
Ou a entrega ia ser interceptada e chamariam a polícia... Ou algum humano que trabalhava para os parques estava tentando aumentar sua renda mensal através de
suborno.
Descobriu que errou nas duas.
A porta principal rangeu ao ser aberta e, no instante em que uma figura masculina apareceu no umbral, o ar gelado que vinha de trás, espalhou o cheiro de lesser
na casa de barcos.
E então, o Forelesser com quem Assail havia feito negócios, entrou com uma sacola de ginástica na mão.
Filho da Puta.
Como se atreve o bastardo a me passar para trás, pensou Assail, ao mesmo tempo em que suas presas se alongavam, por vontade própria. E como infernos aquele matador
havia conseguido fazer contato com o fornecedor?
Formulando um plano para a emboscada, Assail sacou suas duas armas .40, e desejou ter tido o cuidado de colocar silenciadores. Não havia esperado usá-las na
porra do centro de Caldwell, pelo amor de Deus.
- Me deixe vê-las. - O Forelesser declarou. - Abra as sacolas e me deixe vê-las.
Assail deu um passo à frente, pensando que poderia...
Cada um dos carregadores abriu uma mala e exibiu o conteúdo.
Não. Eram. Drogas.
Nada parecido.
Ao invés dos grandes tijolos selados em camadas de papel celofane, havia...
Armas. De grosso calibre, que se esfregavam, metal contra metal, umas contra as outras nas sacolas de ginástica.
Na escuridão era difícil determinar, exatamente, as especificações das armas, mas parecia haver uma variedade de metralhadoras ou rifles.
O lábio superior recuado de Assail voltou a ao lugar.
Embora estivesse preparado para interceder na eventualidade de uma negociação de drogas/dinheiro, não sentia mais tal compulsão.
Se o Forelesser quisesse usar seu lucro para comprar armas, era problema dele.
Deixando a casa de barcos do mesmo jeito que havia entrado, Assail dirigiu-se rio acima, em direção à sua casa envidraçada na península.
A única coisa com a qual se importava era se aquele lesser continuaria a vender seus produtos nas ruas e clubes de Caldwell em tempo hábil, confiável e honesto.
- Não, não, estou bem. Juro.
Enquanto falava, Rhage sentou-se à mesa de madeira maciça na cozinha da mansão da Irmandade. Os outros habitantes da casa estavam se reunindo para uma tardia
Última Refeição, os doggens enfileirando-se para dentro e para fora da porta vai-e-vem, levando bandejas de prata do tamanho de tampos de mesas, cheias de todos
os tipos de comidas recém-preparadas, molhos e vegetais.
Do outro lado, Mary encostou-se à ilha com topo de granito que ficava no centro da cozinha, com os braços cruzados sobre o peito, os olhos treinados fixos nele,
como se avaliando um de seus pacientes do serviço social.
Contorcendo-se, ele quis se juntar aos irmãos e suas shellans, mas, pela expressão dela, aquilo não aconteceria tão cedo.
- Fritz? - Disse ela. - Vou preparar alguma coisa para ele, tudo bem?
O mordomo parou em meio ao processo de trazer um conjunto de mesa. - Eu ia fazer um prato na outra sala e trazer para cá...
- Eu quero cuidar de meu marido, - disse ela gentilmente, mas com firmeza. - Mas, se quiser... Mesmo que isto vá contra cada instinto autossuficiente de meu
corpo, eu deixo as panelas e os pratos para você lavar.
O rosto velho e enrugado de Fritz assumiu a expressão de um cãozinho basset a quem tivessem negado frango com a promessa de mais tarde ter um bife: tanto preocupado
quanto excitado. - Se houver qualquer coisa em que eu possa ajudar...
Três membros da equipe, em seus uniformes cinzentos e brancos, voltaram de mãos vazias da sala de jantar, o trio se dirigindo para o carregamento final que era
destinado a ser levado e servido nas várias mesas de apoio daquele enorme espaço iluminado.
- Na verdade, - sua Mary murmurou, - você acha que ele e eu podemos ter um pouco de privacidade aqui?
- Oh, sim, senhora. - Fritz de alguma forma se iluminou. - Assim que servirmos os pratos principais, eu mesmo levarei a equipe para o saguão. Eles ficarão mais
do que satisfeitos em esperar lá.
- Obrigada. - Ela apertou levemente seu braço, o que o fez corar. - E só até a hora da sobremesa. Eu sei que vai querer a cozinha livre para ela.
- Sim, senhora. Obrigado, senhora. E eu pessoalmente limparei tudo após sua saída.
O mordomo fez uma acentuada reverência, pegou a última bandeja de prata, e tirou todo mundo dali. Quando a porta vai e vem parou, a adorada shellan de Rhage
olhou para ele.
- Ovos? - Ela disse.
Diante daquela única palavra, o estômago de Rhage rugiu. - Oh, Deus, seria maravilhoso.
Mary anuiu e foi até a geladeira. Pegou uma bandeja fechada de ovos, um galão cheio de leite e uma caixa de manteiga; então, no armário, uma frigideira, uma
grande tigela de misturar e vários utensílios recém-lavados.
- Então, - disse ela, ao partir o primeiro dos doze ovos. - Eu queria mesmo saber o que aconteceu lá.
Até aquele momento, Rhage fora bem sucedido em evitar a questão. Aparentemente, o indulto havia acabado.
- Estou bem, sério.
- Ok. - Ela parou em meio ao ato de quebrar um ovo e sorriu para ele. - Mas, como sua esposa, seu bem-estar é realmente importante para mim. Então, se tem alguma
coisa te incomodando, não saber o que é faz eu me sentir excluída.
Ai. Só... Ai.
Quando ela começou a bater a mistura crescente de ovos, o som úmido o fez imaginar o conteúdo de sua própria cabeça.
Baixou os olhos para o tampo esburacado da mesa e deslizou o dedo em um dos veios da madeira de carvalho.
- A verdade é que eu não sei o que houve. Eu só me senti muito estranho e tive de me sentar. Mas, agora estou bem. Provavelmente foi só uma coisa passageira.
- Mmm, bem, me conte como foi sua noite.
- Não aconteceu nada demais. Fui até o esconderijo do Bando dos Bastardos e invadi...
- Não começou na clínica, com Trez e Selena?
- Oh, sim. Mas, isto foi tipo, ontem, quando ela estava... Sabe, quando ela foi levada para lá. - Ele balançou a cabeça. - Não quero pensar nisto agora, se não
se importa.
- Está bem, então esta noite você foi até o esconderijo do Bando dos Bastardos?
- Bem, primeiro passamos na casa de Abalone. O primo dele debandou das tropas de Xcor e nos disse onde ficava o esconderijo. De qualquer forma, eu e V invadimos
o lugar.
- O que procuravam?
Ele deu de ombros. - Bombas. Armadilhas. Este tipo de coisa. Nada demais.
Ela emitiu outro som de mmmm ao derramar o conteúdo da tigela em uma frigideira do tamanho do assento do banco do Hummer de Qhuinn. - E você ficou preocupado
em se ferir lá?
- Não. Bem... Eu me preocupei com os irmãos, claro. Mas, faz parte do trabalho.
- Está bem. E então, foram para onde?
- Fui te ver. Daí à antiga casa do D., fizemos um relatório para Wrath e voltamos para cá. Era para eu me consultar com Manny para dar uma olhada no processo
de cura daquele ferimento. V também.
- Está bem. - Ela foi até a torradeira com capacidade para seis torradas e carregou-a com o pão branco industrializado, total e plasticamente fantástico que
era o favorito dele. - Então, você chegou aqui, e o que viu?
Ele piscou e viu o pé de Layla esticado para fora do vestíbulo. Então visualizou o rosto de Qhuinn ao se abaixar para a fêmea caída que carregava seu filho.
- Oh, você sabe.
- Mmmmm? - O cheiro de ovos sendo preparados acionou o botão do modo "Coma-agora" em seu organismo. - O que?
- Bem, você sabe o que aconteceu.
Quando Mary chegou, uma maca havia sido trazida da clínica e Layla havia sido carregada, o corpo transferido do chão para a maca, cuidadosamente, por Qhuinn
e Blay.
Rhage caiu em silêncio e massageou o peito.
Pop! Fez a torradeira, e um momento depois, um prato com tudo feito exatamente do jeito que ele gostava, foi posto a sua frente.
Junto com uma caneca de chocolate quente, um guardanapo e talheres... Mas, o mais importante, sua adorável Mary.
- Esta é a melhor refeição de minha vida, - disse ele, só de olhar para a comida.
- Você sempre diz isto.
- Só quando você cozinha para mim.
Era engraçado. Como humana, sua Mary jamais conseguiria entender a reação de um vampiro macho, quando a fêmea com a qual era vinculado preparava comida com as
próprias mãos, para ele. Esse tipo de coisa era um ato secreto, porque ia contra o âmago do instinto masculino que era prover e satisfazer as necessidades de sua
companheira, acima de tudo e todos, incluindo ele próprio, os irmãos, o Rei e todos os filhos que pudessem vir a ter.
Rhage era programado para alimentá-la primeiro e só então comer o que sobrasse. Mas, antes que ela mandasse Fritz e os doggens para fora, ela havia dito estar
cheia, já que havia feito um lanche no Lugar Seguro uma hora atrás.
- Vai esfriar. - Ela disse, esfregando o braço dele.
Por alguma razão, os olhos dele se enevoaram e ele teve de piscar para afastar as lágrimas.
- Rhage? - Ela sussurrou. - Seja o que for, pode dizer.
Com um movimento rápido, ele negou com a cabeça. - Estou bem. Só quero aproveitar o banquete.
Ele ergueu o garfo e começou a alternar: uma garfada de ovos, uma mordida na torrada, uma garfada de ovos, uma mordida na torrada, gole, gole, gole de chocolate
quente. E repetiu tudo até limpar o prato.
- Como a fêmea está? - Perguntou ele, ao limpar a boca e se recostar no espaldar da cadeira.
- Eu não sei, - Mary meneou a cabeça. - Simplesmente não faço ideia como isto vai acabar.
- É grave assim? - Quando ela estremeceu, ele disse, - Se houver algo que eu possa fazer...
- Bem, na verdade...
- É só dizer.
Ela estendeu o braço e tomou a mão dele, virando a palma para cima. Levou um tempo até ela falar, e quando ele já começava a se preocupar, ela disse:
- Quero que você imagine, apenas por um momento, que pode ter sido perturbador para você ver Selena quase morrer e testemunhar a dor de Trez. Quero que considere
que não é "só trabalho rotineiro", para ninguém, ter de invadir uma casa onde jamais esteve, sem saber se algo irá explodir ou te emboscar ou matar você ou alguém
que você ama. Quero que reflita que, ir até Wrath e não poder dizer-lhe que encontrou os Bastardos, ou que desarmou uma bomba, ou coletou algum tipo de informação,
soa como fracasso para você. E finalmente, quero que entenda que, voltar para casa e ver Layla no chão, sabendo que está grávida, e o quanto se importa com ela,
Qhuinn e Blay, é outro trauma. Acho que você teve um dia difícil, e suas emoções meio que entraram em pane.
- Eu não me sinto perturbado, minha Mary. Por nada disto. Estava tudo bem...
- Até você ter o ataque de pânico na frente da casa.
- Eu não tive um ataque de pânico.
- Você disse que não conseguia respirar. Que suas mãos e pés formigavam. Que estava tendo problemas para se conectar à realidade. Para mim soa sintomas típicos
de um ataque de pânico.
Ele negou com a cabeça. - Eu não acho que foi isto.
- Está bem.
Rhage inalou profundamente e fitou o rosto de sua amada. - Você é a fêmea mais linda que eu já vi.
- Tenho certeza que não...
Ele tomou o rosto dela entre as mãos, acariciando com carinho. Enquanto seus olhos vasculhavam as feições familiares, ele não conseguia ter o suficiente dela.
Deus, nunca era o suficiente. Nem uma noite, um mês, um ano, uma década... Nem a eternidade que a Virgem Escriba tinha milagrosamente lhes concedido, jamais seria
suficiente para ele.
- Você é a fêmea mais linda que eu já vi. - Ele acariciou os lábios dela com os seus. - Não sei o que fiz para merecer um destino com você, mas jamais, jamais
vou te subestimar.
O sorriso que teve em resposta foi melhor do que o brilho do sol que ele jamais via, envergonhando até a bola de fogo que sustentava toda a vida, inclusive as
daqueles que não suportavam seus raios.
Eles ainda estavam sentados daquele jeito, perdidos no olhar um do outro, quando os doggens vieram, para a sobremesa.
- Quer subir? - Ele disse em uma voz profunda e sombria, sua besta começando a surgir sob sua pele. - Estou pronto para a sobremesa.
O aroma dela chamejou. - Está?
- Mmm hmm.
- Quer que eu pegue um pouco de sorvete para você?
Ele estreitou o olhar na boca dela. - Nada disto. Eu quero chupar outra coisa.
- Bem, então, - ela sussurrou, colando a boca na dele, - vamos te alimentar.
Capítulo VINTE E SEIS
Suor frio.
Trez acordou suando frio, cada centímetro de sua pele encharcado, sua temperatura interior gelada a níveis árticos, o coração batendo tão rápido, que parecia
que alguém havia enfiado a coisa em uma batedeira de bolos. Erguendo-se do travesseiro, gritou...
Cama. Ao invés de algo terrível e chocante... Tudo o que viu foi uma porção de sua cama, e tudo estava absolutamente normal, do abajur que brilhava próximo à
ele, a suas roupas jogadas sobre a chaise, aos sapatos caídos obliquamente onde foram chutados no amanhecer passado.
Por um momento, ficou confuso. Virgem Escriba. Um lugar qualquer, místico. Selena na grama, na clínica, congelada, congelada...
Um gemido suave quebrou o fio entre pesadelo e realidade.
Virando-se subitamente, viu Selena deitada em sua cama, os ombros nus aparecendo acima dos lençóis, os cabelos negros espalhados na fronha branca, rosto e corpo
virados para o outro lado.
Fechando seus olhos, ele cedeu, e desejou que tudo tivesse sido um sonho ruim.
Mas, então, voltou ao foco e se concentrou em sua fêmea, puxando o edredom mais para cima, para mantê-la aquecida, discretamente se inclinando para verificar
se ela ainda estava respirando, se perguntando se deveria arranjar um pouco de comida para ela.
Como se sentisse sua presença, ela se revirou e, mesmo no sono, seu rosto se fechou em uma careta, como se o movimento causasse dor.
Caralho. O sexo fora selvagem, cru, violento. Depois do corpo dela ter enfrentado tudo aquilo.
Maldito fosse ele, pensou, ao passar a palma da mão pelo rosto. Como podia ter feito aquilo com ela? Devia ter se contentado em somente se masturbar até o pau
ficar insensível.
Pior de tudo? Ele não sabia se poderiam realmente resolver as coisas entre eles. Ainda assim, se sentia um imbecil.
Estendendo a mão para a mesinha de cabeceira, pegou o celular e viu que horas eram. Quatro e quarenta e quatro da manhã.
Ele não iria dormir mais. Livrando-se dos lençóis, foi até o banheiro, fechou a porta, usou o banheiro e tomou um banho rápido. Então voltou, tirando seu par
de fones de ouvido da gaveta da mesa de cabeceira, antes de voltar a se enfiar na cama.
Movendo-se lentamente, foi tão cuidadoso em voltar para a cama quanto fora para sair dela, manobrando seu peso de quase cento e quarenta quilos no colchão, sem
deslocar Selena como se fosse um trampolim.
Ao ele se reposicionar, deu uma rápida checada em sua fêmea e ficou aliviado ao descobrir que ela ainda dormia. O que meio que o aterrorizou. E se ela estivesse
em coma ou...
Como se procurasse por ele, ela tateou pelo edredom.
- Estou bem aqui, - ele sussurrou.
Instantaneamente, ela parou a busca, e quando ele segurou sua mão, a palma estava quente, vital, do jeito que sempre estivera.
Ele levou um tempo para estudar os dedos dela, dobrando-os, medindo os movimentos, procurando por pontos de resistência. O que não era certo, ele pensou.
Era injusto tentar tirar informações do corpo dela sem seu conhecimento e consciência... E como forma de se desculpar, ele interrompeu-se, e alisou as unhas
cor de rosa e os semicírculos brancos e curtos que ela aparava regularmente. Quando o sono a reclamou novamente, ele se sentiu... Devastadoramente sozinho. Mesmo
que estivessem lado a lado, ele recostado na cabeceira da cama, com ela aninhada em seu corpo, não parecia estar conectado a ela. Disse a si mesmo que era uma simples
questão de dormir e acordar. Aquela era a divisão... Nada tão assustador quanto o fato das ondas cerebrais serem lidas diferentes em uma tomografia computadorizada.
Era besteira, claro. E quanto mais tentava forçar-se a acreditar na mentira, mais preso se sentia... Então, para calar seu conflito interno, ele ligou o rádio
na estação SiriusXM em seu celular, conectou os fones de ouvido e tentou ficar confortável. Ou confortável de alguma forma.
Ou... Pelo menos, não consumido pela necessidade de pular para fora de sua própria pele.
Naturalmente, porque sua sorte era uma bosta, a primeira coisa que ouviu no rádio, foi mais más notícias.
- Está brincando? - Ele murmurou alto quando a voz de Howard Stern inundou seu crânio. - Eric, o ator está m...
As sobrancelhas de Selena se contraíram como se considerasse acordar e ele fechou a matraca. Mas, não conseguia acreditar que mais um do Wack Pack10 se fora.
Parecia cruel à luz de tudo o que ele estava passando.
Merda, era como se as notícias ruins estivessem fazendo um esforço concentrado para sair das sombras e encontrá-lo.
Selena acordou lentamente, e o aroma do corpo de Trez foi a primeira coisa que notou. O som da voz dele foi em seguida. A sensação das mãos dele sobre as suas,
a terceira.
Abrindo os olhos, ela o viu sentado ao seu lado na cama, os olhos negros, absorto em seu celular, as sobrancelhas baixas como se houvesse recebido notícias perturbadoras
através de uma mensagem de texto ou...
- Está tudo bem? - Ela perguntou.
Quando ele não respondeu, ela percebeu que ele tinha fios saindo do celular para seus ouvidos como se estivesse ouvindo alguma coisa.
No instante em que ela apertou sua mão, ele pulou tão alto que os fones caíram.
- Oh, meu Deus! Você está acordada.
- Sinto muito, não queria assust...
- Merda, não sinta... Está bem? Precisa da Dra. Jane?
- Não, não... - Ela tentou fazer o cérebro funcionar. - Estou bem, é só... Parece perturbado?
Quando ele olhou para ela, o único som no quarto era o ruído dos fones.
Ela puxou as cobertas mais ainda para cima. - Há algo errado comigo?
- Oh, Deus, não. Eu, ah, não... Não é nada. - Ele olhou para o celular. - Só, um cara que era do The Stern Show morr...
Quando ele se interrompeu, os olhos arregalados, como se quase houvesse dito algo imperdoável.
- Morreu? - Ela terminou por ele.
- Eu, ah...
- Você ainda pode pronunciar a palavra, - ela deu um aperto na mão dele de novo. - De verdade.
Trez pigarreou e afastou o celular. - Está com fome?
- Na verdade não.
- Com sede?
- Não.
Ele mexia nos lençóis. O edredom. - Está quentinho aí?
Franzindo o cenho, ela sentou-se e encostou-se aos travesseiros. Olhando para ele, sorriu. - Estou contente de ter vindo aqui. Para conversar e... Fazer aquelas
outras coisas.
- Está mesmo? - Os olhos dele, aqueles lindos olhos amendoados, se voltaram para ela. - Sério? Eu acho que fui violento demais no modo como...
O sorriso dela se estendeu. - Eu realmente, realmente, perdi minha virgindade agora.
Ele corou. Corou da verdade, uma mancha vermelha tingiu suas bochechas. - Me preocupa ter te machucado.
- Nem um pouco. Quando podemos fazer de novo...
O engasgo de Trez foi súbito e ruidoso, e ela teve de bater nas costas dele para ajudá-lo a respirar novamente.
- Está bem? - Ela disse, ainda sorrindo.
- Ah, sim. É que você tem um jeito de me surpreender.
Por um momento, ela se lembrou dele vindo a ela no Santuário. Mesmo paralisada na ocasião, ela soubera o instante em que ele chegara. Fora um milagre. Mas, como
ele soubera?
- Como me encontrou? Lá em cima, no Santuário?
Ele meneou lentamente a cabeça. - Você não vai acreditar.
- Tente.
- A Virgem Escriba. Eu estava em meu clube, resolvendo uns assuntos, Rhage e V estavam comigo. De repente, aquela... Figura apareceu... Vestida de preto, iluminada
por baixo do tecido, uma voz que eu ouvi aqui dentro, - indicou a cabeça, - ao invés de nos ouvidos. A próxima coisa que vi? Eu estava... Bem, de qualquer forma.
Eu estava com você.
Agora foi a vez dela de mexer nas cosias. - Eu sinto muito.
- Por quê?
- Por você ter me visto assim. Sinto muito por tudo isto.
- Diabos... Como eu disse antes, como se fosse culpa sua estar doente?
- Eu sei, mas ainda assim. Eu queria... - ela tentou virar a cabeça para trás para poder olhar para o teto, mas o pescoço anda estava dolorido demais.
- Você está sentindo dor.
- Não é incomum. É como sempre me sinto. Eu... Bem, que seja.
Aparentemente, dois podiam fazer aquele jogo de evitar um assunto.
- Isto é tão forçado, - ela soltou.
- O que?
Ela teve de virar o tórax para poder olhar para ele de verdade. E vagamente, avaliou como era bela a pele escura dele contra os lençóis brancos, o contraste
fazia ambos parecerem cintilar.
Selena tentou achar as palavras. - Eu sinto como se houvesse esta enorme... Não sei, distância ou algo assim... Entre nós. Não faz sentido, digo, você está bem
aqui ao meu lado... Mas, há palavras nas quais estamos tropeçando, assuntos sobre os quais não queremos falar... Bem, isto é um saco. Porque agora? Esta é a melhor
parte, digo, dá uma olhada.
Ela ergueu a mão livre com os dedos esticados, fechou-os e tornou a abrir.
- Acordada e flexível é tão melhor do que o jeito que eu estava antes, não é? - Quando ele simplesmente olhou para ela, sentiu-se tola. - Desculpe, acho que
isto soa estranho.
Trez se inclinou e beijou-a, seus lábios demorando-se. - Não... - ele se afastou. - Isto... Eu sei o que quer dizer. Não é loucura e você está certa. Esta é
a melhor parte...
- Você está tão quente.
Trez soltou outra tossida. - Maldição, fêmea. O que deu em você...
- Eu lhe disse a noite passada, ou céus, que horas eram? De qualquer forma, eu te disse antes, sou toda honestidade agora.
As pálpebras dele caíram. - Gosto de honestidade. Então, me deixe perguntar, se eu te pegasse no colo e te carregasse para o chuveiro, você...
- Me ajoelharia de novo sob o jato quente para ver se você é tão gostoso quanto eu me lembro?
O som que ele fez não foi uma tossida. Mas, também não foi nada coerente. Foi parte grunhido, parte rosnado, com um pequeno gemido no meio, como se estivesse
se preparando para implorar...
Mais ou menos a coisa mais sexy que ele já ouvira.
- Isto foi um sim? - Ela falou lentamente.
Ele beijou-a novamente, com mais força desta vez. Por mais tempo também. Então ele a fitou, com olhos que ferviam. - Merda, estou morrendo aqui.
Quando Trez interrompeu-se de novo, ela sentiu-se atingida pela palavra de novo. Em se tratando deles, aquela era realmente, uma palavra matadora. Mas, era ela,
e não ele.
- Sinto muito, - ela forçou-se a sorrir. - Vamos lavar nossas preocupações...
- Eu vou achar uma cura para isto, - ele disse, com seriedade. - Eu não vou deixá-la perder a luta, Selena. Eu vou, literalmente, mover céus e terras para mantê-la
ao meu lado... Para que não haja nada no meio de nós dois, nada além de nossa pele nua... Nossas almas.
Lágrimas subiram aos olhos dela, e ela as conteve, desejando que sumissem e não voltassem a aparecer. Estendendo a mão para o rosto bonito dele, passou as pontas
dos dedos sobre suas feições.
- Eu te amo, Trez.
- Deus, eu te amo também.
Capítulo VINTE E SETE
Quando Layla acordou, estava deitada de lado em uma superfície muito mais suave do que o chão do vestíbulo. Em pânico, levou a mão à barriga.
Tudo parecia o mesmo, o inchaço firme, do tamanho que sempre fora... Mas, querida Virgem Escriba, teria ela machucado a criança? Ela conseguia se lembrar de
sair do carro, da luta para caminhar até a entrada da mansão, e de lá ter perdido a consciência...
- Bebê, - ela murmurou, - bebê, está bem? Bebê?
Instantaneamente, os olhos azul e verde de Qhuinn estavam bem à sua frente. - Você está bem...
Como se ela se importasse com ela mesma naquela hora. - Bebê!
Com uma súplica, pensou, por que antigamente reclamara de estar grávida? Talvez aquilo fosse punição por ter...
- Está tudo bem. - Qhuinn olhou para o outro lado do quarto, se concentrando em alguém que ela não conseguia ver. - Bem, apenas... Okay, é... Bem.
Ela jamais se perdoaria.
O alívio foi tão grande, que lágrimas subiram aos seus olhos. Se ela tivesse perdido o filho deles por estar no encontro com Xcor? Porque andara bisbilhotando
enquanto ele... Fazia aquilo com seu próprio sexo?
Ela jamais se perdoaria.
Com um pedido, ela se perguntou por que sequer pedira ao macho para fazer aquelas coisas. Era tão errado em diversas formas, adicionando ainda mais culpa quando
ela já estava com a coisa atolada até a garganta.
- Oh, Deus, - ela gemeu.
- Você está com dor? Merda, Jane...
- Estou bem aqui. - A boa doutora ajoelhou-se ao lado de Qhuinn, parecendo cansada, mas alerta. - Olá, Layla. Que bom que voltou. Só para saber, Manny engessou
seu braço. Havia uma fratura.
Houve algumas explicações sobre seu tempo de recuperação e quando o gesso poderia ser retirado, mas ela não prestou atenção em nada daquilo. Dra. Jane e Qhuinn
estavam escondendo algo dela: Os sorrisos de tranquilidade eram como fotografias da coisa real... Pareciam reais, mas eram falsos.
- O que não estão me dizendo?
Silêncio.
Quando ela lutou para se sentar, foi Blay que ajudou, gentilmente apoiando o braço bom e para lhe dar um pouco de impulso.
- O que? - Ela exigiu.
Dra. Jane encarou Qhuinn. Qhuinn olhou para Blay. E Blay... Foi o que eventualmente enfrentou o seu olhar.
- Há algo inesperado, - o guerreiro disse, - no ultrassom.
- Se me fizer perguntar "o que", de novo, - ela disse, por entre dentes cerrados, - vou começar a jogar coisas, e que se dane o meu braço quebrado.
- Gêmeos.
Como se o tempo e a realidade fossem um carro que subitamente tivessem seus freios acionados, houve um metafórico som de freada em sua mente.
Layla piscou. - Desculpe... O que?
- Gêmeos, - Qhuinn repetiu. - O ultrassom mostrou que são gêmeos.
- E perfeitamente saudáveis. - Dra. Jane completou. - Um é significantemente menor, e seu desenvolvimento está atrasado, mas parece viável. Eu não vi o segundo
feto nos ultrassons anteriores porque, Havers me contou que as gestações em vampiros são diferentes das humanas. Acontece que aparentemente outro óvulo fertilizado
pode se implantar, mas não entra em um estágio de significante embriogênese até muito mais tarde... Seu último ultrassom foi há dois meses, por exemplo, e eu não
vi nada antes.
- Gêmeos? - Layla sufocou.
- Gêmeos. - Um dos três repetiu.
Por algum motivo, ela se lembrou do momento em que descobriu estar realmente grávida. Mesmo que a gravidez fosse o objetivo e ela e Qhuinn houvessem feito o
que fizeram só para chegar lá, a confirmação de que sua necessidade vingara meio que a estonteara. Parecia milagroso, e avassalador... Uma alegria assustadora que
ela não estava inteiramente certa de que não fosse derrotá-la.
Agora ela sentia o mesmo.
Tirando a parte da alegria.
Ela sabia de duas de suas irmãs que esperaram gêmeos, e uma das gestações não deu certo. Da outra, havia nascido um único bebê vivo.
Lágrimas começaram a se derramar de seus olhos.
Aquelas não eram boas novas.
- Ei! - Blay se inclinou, com um lenço. - Isto não é ruim. Não é.
Qhuinn concordou, embora seu rosto continuasse uma máscara. - É... Inesperado. Mas não é de todo ruim.
Layla colocou as mãos sobre o estômago. Dois. Havia dois bebês que agora, tinha de levar em segurança até a reta final.
Dois.
Querida Virgem Escriba, como isto acontecera? O que ela ia fazer?
Enquanto as questões corriam por sua cabeça, ela percebeu... Bem, inferno. Como muitas coisas na vida, aquilo estava fora de suas mãos. Uma impossibilidade manifestada;
sua função, agora, era fazer o que pudesse para ajudar a si mesma e aos bebês descansarem, se nutrirem e ter os cuidados médicos necessários.
Esta era a única coisa que podia diretamente controlar. O resto?
Só cabia ao destino.
- Pode haver outros? - Layla perguntou.
Dra. Jane deu de ombros. - Acho altamente improvável, mas gostaria de enviar uma amostra do seu sangue para Havers. Ele tem muito mais experiência do que eu
nisto, e após analisar o hormônio específico da gravidez vampira, ele crê que pode arriscar a dizer a sua situação. Ele disse, no entanto, que trigêmeos são virtualmente
inéditos, e que o seu caso está no curso típico de gestação de múltiplos. A menos em casos extremamente raros de gêmeos idênticos como Z e Phury, o segundo embrião
atrasa seu desenvolvimento até a gravidez estar bem avançada. Quase como se na espera para ver se as coisas estão indo bem antes de se juntar à festa.
Layla baixou os olhos para seu abdômen distendido, e jurou nunca, jamais reclamar sobre coisa alguma. Nem de tornozelos inchados, ou dos seios doloridos, ou
de ter de ir ao banheiro a cada dez minutos. Sem. Mais. Chororô.
Nunca mais.
O fato de ela ter perdido a consciência, caindo de cara em um chão de mármore, e ainda conseguir ter aquele bebê...
Aqueles bebês, ela se corrigiu em choque.
... Em seu corpo, em segurança, era um lembrete que as dores e os desconfortos eram menores em comparação ao cenário maior, o grande objetivo, a grande preocupação.
Que era dar à luz a eles no momento certo, e fazê-los sobreviver.
- Então você consente? - Dra. Jane perguntou.
- Desculpe, o que?
- Tudo bem eu enviar uma amostra do seu sangue para Havers analisar?
- Oh sim. - Ela estendeu o braço bom. - Pode tirar...
- Não, já coletamos a amostra.
Ah, o que explicava a bolinha de algodão colada na parte interna de seu cotovelo.
Seu cérebro não estava funcionando direito.
- Foi por isto que ela desmaiou? - Qhuinn perguntou. - Por causa do outro bebê?
Dra. Jane deu de ombros de novo. - As amostras dela parecem bem... E já estão estáveis há um tempo. Quando foi a última vez que se alimentou, Layla?
O problema não era se ela tinha tomado veia recentemente. - Eu...
- Podemos resolver isto agora. - Qhuinn anunciou - Blay e eu podemos ambos lhe oferecer nossas veias.
Dra. Jane anuiu. - É lógico pensar que, com o segundo bebê requerendo mais nutrição, suas necessidades calóricas e de sangue devem ser maiores do que tenha percebido.
Eu acho possível que você tenha extrapolado seus limites e isto acabou por te esgotar.
Layla sentiu-se totalmente entorpecida e teve de forçar um sorriso. - Eu tomarei mais cuidado. E obrigada. Eu realmente agradeço seus cuidados.
- De nada. - Dra. Jane deu ao pé de Layla um leve aperto por cima das cobertas leves. - Descanse. Você vai ficar ótima.
Quando a médica saiu, Layla pensou nos estranhos anseios sexuais que vinha sentindo ultimamente, além do relativamente súbito aumento de seus sintomas físicos.
Será que era pelo outro bebê...?
- Quer que eu traga algo mais confortável do que isto? - Qhuinn perguntou.
Ela forçou-se a voltar o foco. - Desculpe, mais confortável que...?
- Esta camisola de hospital.
Baixando os olhos, viu que não estava mais com suas roupas. - Oh, Bem. Na verdade, está um pouco mais frio aqui. Uma das minhas túnicas seria legal, mas não
quero que se encrenque.
- Sem problemas. Eu levo suas coisas de volta para seu quarto e pego uma camisola e uma túnica... Enquanto isto, Blay, você pode lhe dar sua veia?
Como resposta, o pulso do soldado apareceu bem à frente dela. - Tome o quanto precisar.
Naquele momento, ela teve uma vontade avassaladora de lhes contar. Confessar. Livrar-se do estresse do último ano, não importando as consequências.
Ela só queria se livrar do fardo terrível que carregava. Assustava.
Atormentava.
Sem dúvida aquilo poderia aumentar as chances de ela carregar melhor aqueles bebês... Menos estresse era bom para fêmeas grávidas, não era? E agora havia duas
vidas em risco, além da dela.
- Layla?
Ela engoliu em seco. Olhou para os dois ali em pé, próximos à cama, preocupados. Ela não queria trair a única família que tinha. Além disto, talvez se contasse
a eles sobre Xcor, eles pudessem... Tornar o local mais seguro. Ou...
Layla pigarreou e agarrou as cobertas na cama como se fosse um rolo compressor entrando em uma curva fechada. - Ouçam, eu preciso...
Quando ela não terminou. Qhuinn quebrou o silêncio - Você precisa se alimentar. É o que precisa fazer.
Como se suas presas tivessem ouvido, elas se alongaram em sua boca, e ela se tornou consciente do fato de que, sim, ela estava morrendo de vontade de se alimentar
de uma veia.
E não, ela não podia contar a eles. Só... Não era bom. Não havia uma boa solução para ela. Eles a odiariam por colocar arriscar sua vida e sua gravidez... E
enquanto isto, Xcor ainda saberia onde eles vivem, porque a Irmandade jamais largaria aquele lugar. Aquela era a casa deles e eles a defenderiam quando ele atacasse
depois que parasse de vê-lo.
Pessoas morreriam. Pessoas que ela amava.
Merda.
- Obrigada, - ela disse, roucamente, para Blay.
- Qualquer coisa por você, - ele respondeu, acariciando os cabelos dela para trás.
Ela tentou tomar o mais gentilmente que podia, mas Blay demonstrou nem ligar. Claro, quando ele e Qhuinn faziam amor, sem dúvida costumavam dar mordidas muito
mais violentas.
Assim que começou a sugar da fonte familiar, absorvendo a nutrição que seu corpo precisava e só obtinha através desta dádiva de um macho de sua espécie, Qhuinn
foi para onde suas roupas foram colocadas em uma cadeira no canto. Ao pegá-las, ele franziu o cenho e olhou para baixo. Então mexeu nas camadas de tecido como se
procurando alguma coisa.
Um momento depois, ela fingiu estar concentrada no que estava fazendo. Ela não tinha ideia do que ele encontrara ou porque estava olhando para ela daquele jeito.
Mas dado o modo como ela vinha vivendo, ela tinha muito que esconder.
- Quando deve ir?
Diante da pergunta de Trez, Selena se concentrou na tigela quente de mingau de aveia que ele havia acabado de fazer para ela. Como já passava muito do amanhecer,
toda a equipe de doggens já estava recolhida em seus aposentos, então ela e Trez estavam sozinhos na cozinha enorme, sentados lado a lado na mesa de carvalho.
- Selena. A que horas é sua consulta?
Ela devia ter ficado de boca fechada. Dois segundos antes, enquanto aproveitava aquela bela preparação de aveia Quaker, com acompanhamento farto de creme e açúcar
mascavo, os dois flutuavam no brilho do que fizeram no chuveiro, em paz e relaxados.
E agora?
Acabou-se, como diziam.
- Primeira hora da manhã.
Trez verificou o celular. - Está bem, está bem. É quase oito. Então se terminarmos rapidinho, conseguimos chegar a tempo.
- Eu não quero ir. - Ela podia senti-lo encarando. - Não quero. Não estou com muita pressa de voltar para lá.
- A Dra. Jane diz que temos de fazer radiografias de suas juntas para monitorar...
- Bem, eu não quero. - Ela colocou uma colher cheia na boca e não sentiu gosto algum. Era só textura. - Sinto muito, mas estou bem agora. Não quero descer e
ser cutucada e furada de novo.
A reticência dela era apoiada pelo fato de que agora estavam na parte boa, e ela não sabia quanto tempo ia durar. Já que nada poderia parar aquilo, por que eles
precisariam sequer se incomodar com...
- Significaria muito para mim se você fosse ver a Jane.
Ela olhou para cima. Trez olhava para as janelas atrás dela, mesmo que as persianas estivessem baixadas e não houvesse nada para ver.
Os olhos dele pareciam atormentados. Como se soubesse que ela não iria à clínica... E que não havia nada que ele pudesse fazer sobre isto.
- Sabe do que tenho mais medo? - Ela ouviu-se dizendo.
Os olhos dele se voltaram para ela - O que?
Ela revirou sua aveia. Provou novamente, o que somente registrou como algo quente. - Tenho medo de ficar presa.
- Como assim?
- Não quero ficar presa aqui, - ela disse, em voz baixa. Então indicou o peito, os braços, as coxas sob a mesa. - Em meu corpo. Tenho medo dos episódios. Estou
viva, sabe, trancada e... Quando acontece, é difícil ouvir e ver, mas, registro as coisas. Eu soube, quando você veio me buscar. Fez toda a diferença. Quando você
estava comigo, eu não me sentia... Mais tão presa.
Quando ele permaneceu em silêncio, ela voltou a olhar para ele. Ele estava olhando de novo para as janelas, que não mostravam nada do dia lá fora, nem se estava
nublado ou ensolarado, se estava chovendo, ou se havia um vento soprando as folhas outonais pelo gramado marrom.
- Trez? - Ela chamou.
- Desculpe, - ele voltou sua atenção. - Desculpe, me distraí por um momento.
Ele se virou na cadeira, apoiando os pés nos degraus sob o seu assento. Então pegou sua mão, a que não segurava a colher e abriu-a contra a própria palma.
- Você tem as mãos mais bonitas que já vi, - ele murmurou.
Ela riu. - Eu acho que está sendo tendencioso, mas, vou aceitar o elogio.
Ele franziu o cenho, as sobrancelhas se juntaram. - Eu posso imaginar como... - ele inalou longa e lentamente, - eu não consigo imaginar nada mais aterrorizante
no mundo do que estar trancado em um local do qual não seja possível escapar; e estar aprisionado no próprio corpo? É inconcebível. É de foder a cabeça de qualquer
um.
- Sim.
Houve um longo período de silêncio àquela altura, com ele sentado à frente de sua tigela, que esfriava, sem tocá-la, e ela brincando com a sua aveia, fazendo
pequenos símbolos "S" com a ponta da colher.
A discussão que estavam tendo ressoava no ar entre eles, o argumento dele de que "é-para-o-seu-próprio-bem" guerreava com o dela "não-até-eu-ser-absolutamente-obrigada".
Não havia razão real para dizer as palavras em voz alta. Ela não ia recuar. E aquilo significava que a única opção dele seria jogá-la em cima do ombro e dar uma
de homem das cavernas, arrastando-a até o Centro de Treinamento.
Finalmente, Selena não aguentou mais e teve de mudar de assunto.
- Às vezes me pergunto... - ela estremeceu, - digo, e se todo mundo estiver errado sobre a morte? E se não houver Fade, mas ao invés dele, a gente só ficar presa
no próprio corpo para sempre, consciente, mas incapaz de se mover?
Ótimo. Ela estava tentando aliviar o clima.
Bela. Tentativa.
- Bem, os corpos... - ele pigarreou, - Sabe... Apodrecem.
- Hmmm, tem razão.
- Embora, como pesadelo de pós vida para mim? Me preocupa um apocalipse zumbi. - Ele pegou a colher e começou a comer, ainda segurando a mão livre dela. - Seria
um saco. Você morre e então passa a vagar pela Terra, fedendo por todo canto, em uma dieta Atkins que, tipo, jamais terminaria.
Ela ergueu a colher para interrompê-lo. - Espere um minuto, veja, você só teria fome, certo? Se encontrasse pessoas para comer, então, a vida seria bem boa para
um zumbi.
- Não se a metade inferior de seu rosto caísse. Sem mandíbula, como se alimentaria? Então seria só fome e não poderia fazer nada para resolver. Um saco total.
- Canudos.
- O que?
- Bastariam canudos.
- Difícil passar um fêmur através de um canudo.
- E um processador. Canudos e processador. E está resolvido.
Com uma gargalhada ruidosa, Trez jogou a cabeça para trás e riu tanto, que foi sorte não acordar a mansão inteira.
- Oh, meu Deus, isso é tão insano. - Ele se inclinou e a beijou. - Tão fodidamente insano.
De repente ela sorria também... Tão forte que as bochechas doeram. - Totalmente insano. Deve ser por isto que chamam de humor negro?
- É. Especialmente se alguém levar a pior. - Trez ficou sério. - E, está bem, então não vá.
- O que? Levar a pior? Claro que não.
- Ver Jane. Se não quer ir, não vou te pressionar.
Selena exalou em um suspiro. - Obrigada. Eu realmente aprecio isto.
- Não precisa agradecer. Não é minha decisão. É sua. - Ele correu a colher pelo interior da tigela. - Acho que é importante que você tenha tanto poder de decisão
quanto possível em cada aspecto de sua vida, especialmente na doença e no modo como lidar com ela. Acho que você se sente como se não tivesse escolha sobre tanta
coisa... Destino... Que se abate sobre você, e isto torna as oportunidades de fazer escolhas especialmente importantes. - Ele olhou para ela, - eu posso ter a minha
opinião, e pode apostar seu traseiro que te direi qual é, mas, a última coisa que quero é pressioná-la. Você já tem problemas suficientes para resolver. Não vou
adicionar mais isto.
- Como você sabe... Deus, é como se soubesse exatamente o que estou pensando.
Ele deu de ombros e seus olhos assumiram um ar alheio. Então ele indicou a lateral da cabeça. - Só um chute. - Ele voltou a se focar nela. - Então, a questão
é, aonde você quer ir?
- Desculpe?
- Aonde quer ir? A clínica está fora de questão... Então o quê?
Selena sentou-se de volta na cadeira. Agora era ela olhando as janelas. - Eu gosto do Grande Acampamento do Rehvenge, se é isto o que quer dizer.
- Seja ousada. Pense grande. Vamos lá, deve haver algum lugar excitante. O Taj Mahal, Paris...
- Não podemos ir a Paris.
- Quem disse?
- Ahh...
- Nunca encontrei nenhum Ahhh, não o conheço, não me importo do quão grande ele seja... Se estiver em nosso caminho? Vou matar o filho da puta.
- Você é tão adorável. - Selena se inclinou e beijou-o na boca. Então tentou forçar seu cérebro a surgir com alguma coisa, qualquer coisa. - Que sorte a minha.
Finalmente consigo um passe livre... E não consigo pensar em nad... Oh! Já sei!
- Diga e realizarei.
- Eu quero ir ao Circle the World.
Trez se recostou também. - O restaurante?
- É. - Ela limpou a boca com um guardanapo. - Quero ir ao Circle the World para um jantar.
- É aquele que gira, no topo do...
- Do prédio mais alto de Caldwell! Eu vi na TV uma vez, enquanto fazia companhia à Layla em seu quarto. Dá para sentar perto da vidraça e olhar para a cidade
toda durante a refeição. - Ela franziu o cenho ao vê-lo engolir em seco, e não por ter engolido uma colher cheia de aveia, - você está bem?
- Oh, sim, absolutamente. - Trez anuiu e estufou o peito ao dar uma de machão para cima dela. - Eu acho que é uma grande ideia. Vamos pedir para Fritz fazer
a reserva para esta noite. Tenho um pouco de influência nesta cidade, então não vai ser um problema. E eles servem jantar até às nove e dez da noite.
Selena começou a sorrir, imaginando-se em uma das túnicas de Escolhida, os cabelos perfeitamente penteados, o corpo normal... E Trez do outro lado da mesa brilhante
que apareceu no comercial de TV, com o guardanapo tão branco, os pratos tão quadrados, a prataria brilhando a luz dos candelabros.
Perfeito.
Romântico.
E nada a ver com estar doente.
- Estou tão excitada. - Ela disse.
A próxima colherada de aveia que pôs na boca estava doce e cremosa e completavam o mais perfeito... Como os humanos chamavam? Desjejum?
Não fazia sentido. Mas, quem se importava.
- Então é um encontro, não é? - Ela percebeu. - Louvada seja a Virgem Escriba, eu tenho um encontro!
Trez riu, o som foi um estrondo em seu peito largo. - Pode acreditar que sim. E vou te tratar como uma rainha. Minha rainha.
Quando ambos voltaram a comer com vontade, ela pensou, uau, que cenário emocional estranho aquilo tudo era, vales profundos de desespero, seguidos por vastas
paisagens, tão emocionalmente puras e belas, que ela sentiu-se honrada por tê-las. Era quase como se sua vida, com o tempo limitado que restava, tivesse sido amarrada
como uma faixa de tecido, que poderia ser suave e normal, mas agora ondulava com grande ressonância.
Ela teria preferido o luxo de séculos. Mas, neste momento, agora, se sentia tão profundamente viva. De um jeito que não podia afirmar jamais ter sentido antes.
- Obrigada. - Disse ela, abruptamente.
- Pelo quê?
Ela baixou os olhos para seu prato de aveia, sentindo o rosto enrubescer. - Por esta noite. É a melhor noite que já tive.
- Você não viu nada, minha rainha.
- Ainda assim, é a melhor noite, - ela olhou dentro dos olhos escuros dele, - de minha vida inteira.
Capítulo VINTE E OITO
iAm acordou ao cheirar a sopa, e assim que seu cérebro se acendeu novamente, não houve nenhuma besteira do tipo "Será que isso é um sonho?" rolando com ele.
Apesar do fato de que esteve apagado por causa de uma concussão, nem um segundo do que levou ao seu desembarque nesta cela no palácio da Rainha foi perdido por ele:
Não a troca rápida de roupa na frente da quase réplica de Abraão Lincoln, nem a entrada pelos fundos do Território, nem o golpe na cabeça que se seguiu ao seu breve
caminhar de um lado para o outro antes disso.
A sopa, entretanto, foi uma surpresa. Era algo que se lembrava de sua infância, uma mistura de abóbora e nata, especiarias e arroz.
E havia outro perfume na cela. O mesmo que encheu seu nariz quando aquele sacerdote tinha vindo para checar suas marcações.
Abrindo os olhos, ele...
Recuou.
Uma maichen, ou seja, uma criada, estava de joelhos diante dele, seu corpo e cabeça envoltos no pálido azul que correspondia à sua função, o rosto coberto por
uma máscara de malha que mostrava absolutamente nada de seus olhos ou características. Nas mãos dela havia uma fina bandeja de madeira que continha a tigela, uma
colher, uma jarra e um copo, assim como também um grande pedaço de pão.
Nenhum sacerdote. Ninguém mais estava com eles.
Ele inalou mais uma vez; então percebeu que a fêmea deve ter entrado com o oficial da corte antes e ele apenas não tinha percebido.
Ele se ergueu do chão. E foi então que percebeu que estava nu.
Que seja. Ele não quis fazer a maichen sentir-se desconfortável, mas se ela não gostasse da vista, podia partir.
Não que ela estivesse olhando para ele. Sua cabeça estava abaixada em submissão, como ela havia sido treinada.
S'Ex aparentemente estava disposto a dispensar algum cuidado a ele enquanto estivesse na prisão; ou pelo menos a mantê-lo vivo por enquanto. E por um momento
ele teve pena desta pobre fêmea cuja posição social era tão baixa que ela era enviada, sozinha, para machos potencialmente perigosos sem nenhuma consideração para
com sua segurança ou seu sexo.
Mas, então, na hierarquia das coisas, ela era considerada como sendo algo essencialmente sem valor.
Triste. Mas ele tinha outros problemas com que se preocupar.
Sem dar atenção à maichen ou à sua situação de estar como veio ao mundo, ele se levantou e caminhou até o biombo no canto mais distante. As instalações de água
ficavam atrás disso e ele fez uso delas, recebendo outro lembrete de que não estava mais no Kansas.
Quando se curvou sobre uma pia como as usadas pela plebe para lavar o rosto, ele teve apenas uma única manopla para ligar a torneira em vez de uma separada para
quente e outra para frio.
Não era por ele ser um prisioneiro: Tudo isso de esperar-ter-água-quente estava entre as coisas com as quais ele teve de se acostumar fora do Território. Os
humanos insistiam em alternar uma mistura de opostos para ter uma temperatura perfeita. Aqui no s'Hisbe? Toda água estava a 36 graus. De água para beber, à água
para escovar os dentes, era uma única constante, nem quente nem frio.
Salpicando o rosto, ele pegou a toalha preta que estava em um suporte de parede e secou-se. Macia. Tão macia. Nada como as dos humanos, e ele era apenas um prisioneiro.
Ele recolocou o tecido úmido no suporte por hábito e caminhou para fora do biombo.
- Diga a s'Ex que eu quero vê-lo.
Prisioneiros normalmente não se davam ao luxo de fazer pedidos, mas ele não se importava. Ele também se recusava a falar no Idioma Antigo ou no dialeto dos Sombras.
Devido a predominância da cultura humana, o inglês era ensinado nas escolas dos Sombras, e era esperado que até mesmo os criados tivessem algum conhecimento rudimentar
da língua.
- E eu não vou comer isso. - Ele acenou com a cabeça para a bandeja. - Então você pode levá-la.
Só Deus sabia o que havia nessa merda, se seria uma droga ou algum tipo de veneno. Ele estava muito confiante de que seu tratamento ali não continuaria sendo
tão bondoso. Eles iriam, muito provavelmente, puxar seus braços e pernas para fora de seus soquetes em algum momento; embora não até que eles notificassem Trez acerca
de seu cativeiro.
Merda. Ele nunca devia ter confiado...
A maichen colocou a bandeja no chão. Então estendeu a mão, pegou a colher, mergulhou-a na sopa e ergueu. Com a mão livre ela levantou a malha o suficiente para
expor sua boca e provar a comida. Então ela fez o mesmo com o pão e a sidra de maçã fermentada que estava na jarra.
Permitindo que a malha voltasse para o lugar, ela sentou-se de novo sobre as solas dos chinelos de couro em seus pés.
Infelizmente o gesto não fez nada para diminuir as suspeitas dele. maichens estavam tão abaixo na cadeia alimentar que até mesmo a própria palavra recebia pouco
respeito no começo das frases. Que ela pudesse ser envenenada ou comprometida? Ninguém se importaria.
O estômago dele, porém, ficou seriamente encorajado quando ela continuou a respirar.
Antes que pudesse se conter, ele foi até ela e a bandeja. maichen não olhou para cima, mas, então, ela o temia; por uma boa razão.
O cheiro de seu medo se misturava muito bem com aquela sopa picante.
Assim como o cheiro da pele dela.
Inalando pelo nariz, ele sentiu outro choque atravessar seu sistema, seus músculos se contraindo; assim como seu pênis.
O que não fazia nenhum sentido. Ali estava ele, enfiado na merda até o queixo, e seu sexo decidiu se interessar? Sério isso?
Não era à toa que chamavam essa coisa de "alavanca estúpida".
Em pé erguendo-se sobre ela, ele pôs as mãos nos quadris e ficou atento à sinais de que ela fosse ter um treco. Quando ela continuou na vertical, ele esperou
mais um pouco. Ela estava tremendo, mas, tinha estado desde que ele se levantou.
iAm ajoelhou-se no chão de pedra dura, espelhando a pose dela. Quase imediatamente os joelhos dele começaram a doer; outro lembrete de quanto tempo fazia desde
que ele esteve em contato com seu povo. Tal maneira de se sentar era uma trivialidade aqui no Território.
Conveniente se você estava com a bunda de fora, também. Não te deixava completamente exposto.
Ele comeu rápido, mas não descuidadamente, e foi uma boa pedida. Seu cérebro precisava das calorias; seu corpo também, se ele estivesse indo forçar sua saída
dali.
Esse era o plano.
- S 'Ex. - Ele exigiu quando terminou. - Vá buscá-lo.
Com isso, ele empurrou a bandeja em direção à fêmea. Como era costume, ela se curvou adiante em reverência, sua fronte coberta quase terminando na tigela branca
vazia.
Ela levantou a bandeja, endireitando o torso, e graciosamente ficou em pé sem cambalear ou deixar cair qualquer coisa. Saindo da cela, ela acionou a porta colocando
a sola de seu sapato contra uma seção da parede. Um momento depois, porque a saída era claramente monitorada, alguém abriu a coisa remotamente; ou isso, ou a saída
era de alguma forma acionada com pisadas.
E ela foi para fora.
Enquanto o painel se fechava com um som estilo Star Trek, ele sabia que teria sido inútil dominá-la e tentar usá-la como moeda de troca. S'Ex e seus guardas
estariam mais propensos a negociar para salvar um cão.
Andando de um lado para o outro, ele lembrou-se de seu irmão ao lado de Selena enquanto ela jazia naquela mesa de exame, sob aquela luz intensa, o corpo dela
todo contorcido e uma expressão congelada no rosto.
Deus, ele nunca deveria ter feito isso. Fale sobre uma situação em que todos perdiam: Trez iria querer vir para tirá-lo dali, mas deixar aquela fêmea quando
ela estava doente iria matá-lo.
Nada como jogar gasolina no fogo. Junto com mais ou menos uma tonelada de dinamite.
Trez quis dizer cada palavra que disse sobre Selena e a liberdade dela de escolha.
À medida que atravessava a passos largos o túnel subterrâneo rumo à clínica do Centro de Treinamento ele estava cem por cento certo de uma, e apenas uma, coisa;
bem, de duas, mas o fato de que estava apaixonado por ela era o básico. A outra coisa ele sabia com certeza que era Selena, e apenas Selena, quem decidiria como
sua condição seria administrada, e se alguém tentasse forçá-la a qualquer coisa? Ele estava indo atirá-los para longe como você apenas leu.
Mas isso não queria dizer que ele não estaria indo falar com a Dra. Jane.
Sobre sua rainha.
Deus, esse apelido para Selena era tão engraçado. No momento em que ele tinha saído de sua boca, algo tinha clicado. Como se seu vocabulário tivesse se acasalado
com essa palavra assim como seu corpo acasalou-se com o dela.
E ela seria a única rainha para ele. Não importando o que acontecesse com eles, ou onde ele terminasse, ela seria sua fêmea regente, e nenhuma outra suplantaria
o lugar dela em seu coração, seu respeito ou na expressão vocal daquela palavra.
Arrastando a palma pelo rosto, ele forçou seus pés a continuarem em um ritmo de caminhada, embora uma grande parte dele quisesse correr a toda velocidade para
a clínica. Não havia pressa, porém, pelo menos no que concernia à sua fêmea. Selena estava lá em cima no quarto dele, nua na banheira, mergulhando seu lindo corpo
em água morna e perfumada.
Ela não estava completamente livre da dor. Ela escondia a rigidez persistente e desconforto bem, mas os indicadores estavam nos estremecimentos sutis de sua
face e na forma espasmódica como ela movia as mãos e braços. O banho e algumas aspirinas leves iriam ajudar, entretanto. E quando tivesse tido um bom e longo banho,
ela iria para a cama dele para um descanso antes do "encontro" deles.
A alegria dela diante da perspectiva de seu jantar a dois era contagiante. Ele literalmente sentia o calor dentro de seus ossos, como se a felicidade dela possuísse
uma magia cinética que, através de seu acasalamento, estendia-se para dentro de sua própria carne. Inferno, tudo que ele tinha de fazer era pensar sobre ela à mesa
do café da manhã, sorrindo por sobre suas tigelas de mingau de aveia, ou pensar sobre o som de sua voz ficando excitada quando eles estavam... E ele ficava sublimemente
em paz.
Nunca houve nada perto disso para ele. Nem mesmo o amor e compromisso que ele tinha para com seu irmão chegava perto do sentimento.
De uma forma doentia, ele supunha que a doença dela tinha sido algo bom para Selena e ele. Trez não podia conceber como teriam cortado o papo furado entre eles
tão eficazmente ou totalmente sem isso...
Isso foi um inferno de um perde-e-ganha, no entanto.
Quando chegou ao ponto de acesso ao Centro de Treinamento, ele digitou os códigos adequados, então passou pelo almoxarifado e pelo escritório de Tohr. O Irmão
não estava atrás da escrivaninha, o que era uma boa coisa, e não uma surpresa. Era por volta de cinco da tarde, e Tohr estava, sem dúvidas, acordando em seu leito
de acasalado com sua Autumn, prestes a preparar-se para a noite que vinha adiante.
O que tinha sido uma surpresa foi que a Dra. Jane estivesse disposta a vê-lo nesse horário estranho do dia. Com as horas ela tinha estado trabalhando ultimamente
entre as lesões e enfermidade do irmão de Qhuinn, parecia que ela, Manny e Ehlena tinham estado de plantão constantemente.
Isso fez com que ele a respeitasse muito.
Passando pela porta de vidro. Descendo pelo corredor principal de concreto. Várias portas adiante à esquerda.
Entrando na sala de exames, ele...
- Oh, merda!
Saltando de volta para o corredor, ele levou a dobra de seu cotovelo até os olhos e rezou para que aquilo que tinha acabado de ver não tivesse sido queimado
permanente em suas retinas.
Havia algumas coisas que você não precisava saber acerca das pessoas com quem você vivia, não importa quanto você os amasse.
Uma fração de segundo mais tarde, V abriu a porta, e o ziiiiiiiiip! de quando ele fechou a frente de seus couros foi alto.
- Ela verá você agora. - Ele disse com total naturalidade.
Como se dois segundos atrás ele não tivesse estado batendo a sempre amada merda para fora de sua shellan enquanto ela sentava-se em sua mesa.
- Eu posso voltar depois? - Trez perguntou.
- Que nada, ela está pronta. Selena está bem?
- Eu, ah... Sim. Ela está se movendo, está... Bem, eu estou levando-a para sair hoje à noite.
V puxou um cigarro enrolado à mão. - Não brinca. Para onde?
Em todas as suas ruminações, Trez tinha estado cuidadosamente evitando pensar precisamente sobre seu lugar de destino. A ideia de sair em um encontro era ótima,
a comida seria de abalar... Havia apenas um problema com que ele teria que absorver e lidar.
- Aquele restaurante. - Ele apontou para o teto. - Você sabe, no centro da cidade, que, tipo, fica girando em círculos?
- Oh, sim. Bem lá em cima. - O Irmão exalou. - Uma vista dos diabos.
Uh-huh. Cinquenta-mais histórias. Ele tinha navegado no site para descobrir exatamente o quão ruim era. - Sim. Uma vista dos diabos.
- Deixe-me sabe se há alguma coisa que eu possa fazer. Por qualquer um de vocês.
V deu nele um tapinha no ombro e começou a se afastar a passos largos.
- Vishous.
O Irmão parou, mas não se virou. E à luz acima da cabeça dele, o tendril de fumaça de seu fumo enrolado à mão formava um elegante redemoinho no ar.
- Quanto tempo eu ainda tenho com ela?
O Irmão girou a cabeça, então seu poderoso perfil de cavanhaque foi cortado por um pálido filete daquela luz, e as tatuagens em sua têmpora pareceram mais sinistras
do que o habitual.
- Quanto? - Trez repetiu. - Eu sei que você viu isso.
Houve um silvar sutil quando o Irmão inalou, a ponta do seu cigarro ardendo em um vívido laranja. - O que eu recebo não é tão específico. Desculpe.
- Você está mentindo.
Aquela sobrancelha escura ergueu-se. - Vou te perdoar pela ofensa. Uma vez.
Com isso, o macho voltou a se afastar a passos largos, aqueles ombros volumosos deslocando-se no ritmo dos quadris, e seu corpo de guerreiro não era exatamente
o tipo de coisa que alguém, mesmo alguém do tamanho de Trez e com suas habilidades de Sombra, enfrentaria voluntariamente.
Especialmente com aquela mão incandescente dele.
Mas não haveria uma rixa entre eles. Não sobre esse assunto, pelo menos.
Os dois sabiam que ele mentia.
V era o Irmão com a inteligência, as visões místicas, aquele nascido diretamente do corpo da Virgem Escriba. Ele também era incapaz de sacanear alguém pelo motivo
que fosse. Isso só não fazia parte de sua fiação interna; aquele cérebro incrível dele estava muito ocupado para se importar se tinha ofendido ou não, ou se sua
postura foi ou não apropriada, ou se ele tinha expressado as coisas de um jeito agradável para seu requerente.
Assim sendo, quando ele tinha se recusado a se virar? Quando tudo que ele fez foi mostrar seu perfil?
Ele tinha respondido a pergunta bem o bastante.
Vishous nunca iria, jamais voluntariamente magoar ou ferir um macho que ele respeitava. Isso estava ainda mais arraigado nele do que a coisa do eu-não-minto.
E sim, Trez tinha ouvido falar que normalmente não havia uma cronologia nas visões de V sobre morte; mas, claramente, era diferente nesse caso.
Talvez porque o que tinha sido visto era menos sobre a morte da Escolhida, e mais sobre que acontecia com Trez após isso.
Existem duas fêmeas. E em ambos os casos, você está correndo contra o tempo.
- ... Trez? - A Dra. Jane disse, como se ela estivesse tentado chamar a atenção dele. - Você está pronto para falar comigo?
Não, ele pensou, enquanto V desaparecia através das portas de vidro do escritório. Ele não estava.

 

CONTINUA

Capítulo VINTE E UM
O pau de Trez tinha sua própria pulsação. E isto antes de Selena ficar totalmente nua à sua frente. Após aquela revelação? A maldita coisa passou a ter seu próprio
padrão de pensamento.
Minha.
Ao ouvir a porta se fechar, Trez não soube se foi uma de suas mãos que a fechou, ou se simplesmente desejou que a coisa voltasse ao seu lugar.
- Tem certeza disto? - Gemeu ele, já dando um passo na direção dela. - Porque não vou conseguir parar.
- Sim. - Os olhos dela não se ergueram para encontrar os dele. Estavam travados em no quadril. - Oh, sim. Me deixe te ver.
Quando ele parou bem na frente dela, ele disse:
- E todas as humanas com as quais fiquei?
- Vai falar delas agora? - Ela abriu a faixa do roupão dele com uma das mãos. - Sério?
Ele impediu-a de abrir o roupão.
- Nada mudou em mim.
- Azar o seu, não meu.
- Na minha tradição...
- Que não é a minha.
- ... Eu estou corrompido.
- Por que é que você continua falando?
Com isto, ela livrou-se da mão que a segurava, tirou a faixa, abriu as laterais do tecido preto. O sexo dele estava totalmente ereto, se sobressaindo entre eles.
E foi a próxima coisa a qual ela tomou nas mãos.
Trez gemeu e jogou a cabeça para trás.
- Você está quente. - Ela suspirou ao se inclinar e beijar a pele sobre seu coração. - E duro.
- Selena, estou falando sério. - Ele tentou impedi-la de continuar as carícias. - Eu quero te respeitar...
- Você está perdendo tempo.
Com isto ela caiu de joelhos e assumiu o controle. Como era uma fêmea alta, sua boca ficava na altura perfeita e, Deus os ajudasse, ela a pôs para trabalhar,
estendendo a língua rosada para lamber a cabeça. O toque aveludado o deixou trêmulo e, antes que seguisse o caminho dos roupões e caísse na porra do chão, se inclinou
para frente e apoiou ambas as mãos na coisa mais próxima que conseguiu achar.
A escrivaninha. Ou pode ter sido o capô de um carro. O trenó do Papai Noel. Uma geladeira.
Quente e úmida, ela abocanhou, a sucção e aquelas lambidas apagando o mundo, trazendo-o instantaneamente à beira do orgasmo.
Cerrando os dentes, ele gemeu - Eu vou gozar... Ah caralho... Eu vou...
Ele vagamente pensou em não desrespeitá-la ejaculando em sua bo...
Selena se afastou, abriu a boca e estendeu aquela língua mágica. Olhando para ele, de baixo para cima, começou a masturbá-lo com força ao mesmo tempo em que,
preguiçosamente, lambia sua ponta.
Trez segurou, oh, talvez um segundo e meio. Quando sua liberação jorrou, ela tomou-a toda, engolindo, sugando, se afastando para lambuzar os lábios e rosto.
Deus a ajudasse, ele continuou ejaculando, uma infinita urgência sexual travando o seu corpo, enquanto a marcava, sua essência cobrindo-a de uma posse que era primordial.
Defender. Proteger. Amar.
Tudo isto naquele local sagrado.
Minha.
Quando finalmente se esgotou, ela se sentou de volta sobre os tornozelos e então, com uma série de movimentos lânguidos e matadores, lambeu os lábios. Ergueu
os dedos, capturou a trilha pegajosa no queixo, e sugou até limpar. Olhou para baixo, para os seios perfeitos.
Espalmando os pesos gêmeos, sorriu para o que caíra sobre eles, fazendo os montes e aqueles mamilos tesos brilharem. - Você me melecou.
- Onde você aprendeu a fazer isto? - Ele engasgou.
Pelo menos foi o que pretendia dizer. As sílabas saíram em um amontoado de sons incoerentes.
- O quê? - Ela suspirou, antes de erguer um dos seios e baixar a cabeça, com a língua para fora.
Ela lambeu a si mesma.
O rosnado que saiu da boca de Trez foi algo que, se estivesse em seu lugar, ele teria temido.
Selena não temeu. Ela só emitiu uma risada rouca. - Há algo mais que você queira marcar?
Liberdade.
Quando Selena se ajoelhou à frente de Trez, com o gosto dele em sua boca e sua essência sobre todo o seu corpo, se deleitou na sensação de liberdade sexual que
a invadiu. A liberação pareceu inteiramente o oposto da sentença de morte sob a qual vinha vivendo e, ainda que sua falta de tempo fosse o que a impedisse de sentir
qualquer estranheza ou preocupação consciente, ela sentia-se voando acima das amarras que há tanto tempo a prendiam ao chão, seu treinamento como ehros permitia-lhe
entregar-se às correntes de sexo que se estendiam, grossas como cordas tangíveis, entre os corpos deles.
Sem saber quanto tempo lhe restava, e sob a frustração de ter perdido tanto tempo, sentia urgência de expressão pessoal, e abraçava cada desejo que tinha, na
total intenção de satisfazê-los.
Todos eles eram com Trez.
Como se sentisse o mesmo, ele se inclinou e levantou-a do chão. Suas juntas protestaram pela mudança de posição, mas as reclamações não eram mais do que murmúrios
contra a luxúria desenfreada que ela sentia por ele.
Ela precisava da penetração. Pelo corpo dele.
Trez levou-a a cama e deixou-a de barriga para baixo, suas mãos grandes e quentes acariciando-a do ombro até as costas das coxas, antes de erguê-la de quatro
e afastar seus joelhos. Selena abaixou a cabeça, ela queria vê-lo, e olhou para além dos montes dependurados de seus seios, observando-o se aproximar dela por trás,
com o sexo pulsando enquanto ele tomava posição para...
Não foi sua ereção que se esfregou nela.
Quando as mãos dele agarraram seu quadril, os polegares se enfiaram em sua bunda e afastaram, até o sexo dela se abrir totalmente para ele. E então ele veio
com a boca, os lábios tocando-a, carícias úmidas sobre a umidade, sugando, devorando. Com dominação total, a língua dele lambeu de cima abaixo, penetrou, tintilou
no topo do sexo dela até ela convulsionar em orgasmo, cada onda de prazer esfregando-a mais e mais contra o rosto dele.
Quando finalmente acabou, ele se afastou, os punhos apoiados nos lençóis de ambos os lados dela.
- Eu vou te foder agora, - ele falou por entredentes em seu ouvido.
- Oh, Deus, por favor...
Selena gritou alto quando ele a penetrou, esticando seu interior quase além do limite. A dor foi em uma medida perfeita, e então ele começou a bombear. Nada
de movimentos lentos e regulares; eram violentos, puro poder, poder que a fez ver estrelas até perder a força de manter o corpo elevado da cama. Caindo de cara nos
lençóis que tinham o cheiro dele, ela lutou para respirar e amou a sensação de sufocamento que sentia a cada arremetida que a fazia esfregar o rosto nos travesseiros.
Bang! Bang! Bang!
A cabeceira estava tendo a mesma experiência violenta que ela, batendo na parede, o som reverberando junto com os gemidos dele, que era todo animal.
Virando a cabeça para olhar acima do ombro, ela tentou vê-lo.
Trez estava magnífico, os peitorais e ombros elevados, os enormes braços esculpidos em músculos, o abdômen definido, enquanto os quadris arremetiam contra ela.
Quando ele gozou, jogou a cabeça para trás como quando ela o dominou, e uivou, expondo as presas brancas longas e mortais, os tendões do pescoço saltaram nas laterais,
os quadris bateram contra ela enquanto ele metia, metia e metia...
Ele gozou dentro dela.
E o sexo dela o ordenhou, provocando-o até ela sentir a umidade escorrendo pelas coxas.
Ele mal retirou o corpo de dentro dela e caiu para o lado, como se cada gota de força houvesse sido drenada dele. A cabeceira deu um último bam! quando ele se
jogou e quicou, as mãos, braços, tórax e pernas relaxando de todo aquele esforço físico. A boca dele se moveu, os olhos escuros encontraram os dela e ali ficaram.
Ela não fazia ideia do que ele estava falando. E não importava. Sua bunda ainda estava para cima, o sexo formigando pelo modo violento como foi tratado, seu
corpo tão saciado quanto a aparência dele. Correntes de ar, da ventilação acima, vinham do teto, tocando tudo o que estava exposto, fazendo cócegas, esfriando.
Aquele havia sido o melhor sexo de sua vida. Selvagem e rude, do jeito que lhe haviam contado, e para o qual fora treinada, do jeito que devia ser.
Antes de Selena permitir-se deitar-se ao lado dele e deslizar para seu próprio sono, sorriu tão largamente que suas bochechas doeram.
Ela fora, pela primeira vez na vida, não só bem e verdadeiramente fodida, mas marcada pelo macho que amava. Mesmo com o futuro que tinha de enfrentar, era difícil
não se sentir abençoada.
Capítulo VINTE E DOIS
iAm recobrou consciência, mas manteve os olhos fechados. O que o acordou foi a dor excruciante na parte de trás da cabeça; aquilo e o frio do chão sobre o qual
estava deitado. Por um momento, considerou bancar o gambá e tentar descobrir onde estava pela audição, olfato e instintos, mas não havia motivo para isto.
Ele sabia exatamente onde o tinham posto.
Bastardo traidor fodido.
Levantou as pálpebras e viu uma grande porção de nada. Só que, estava deitado de bruços, um braço por baixo do tórax como se tivesse sido jogado...
Uma porta abriu no canto atrás de si. E ele percebeu não pelo ranger de dobradiças, mas pela súbita adição de vozes e passos na cela.
- Porque eu checaria suas marcas? - um macho perguntou. Não era s'Ex.
- É o protocolo.
Sim. Nada havia mudado.
iAm voltou a fechar os olhos e ficou perfeitamente parado, exceto por respirar superficialmente enquanto as pegadas se aproximavam.
Houve um engasgo. E então dedos apalparam suas costas, como se esticassem a pele onde havia sido marcado, como todos os machos eram, aos seis anos de idade.
- Isto não pode estar certo.
Os passos se afastaram apressadamente e, ele supôs que a porta voltou a ser fechada.
Erguendo a cabeça, sua visão borrou-se e voltou ao foco. Não havia mais ninguém na cela bem iluminada de seis metros por seis, as paredes branco brilhante, tão
lisas que ele poderia ver seu reflexo escuro nos painéis de mármore.
Sua cabeça doía tão infernalmente que foi forçado a deitá-la de novo, a bochecha achando o exato ponto na pedra que havia sido aquecido pela temperatura de seu
corpo desmaiado. Seu braço estava matando-o, sentia o membro anestesiado e dolorido ao mesmo tempo, mas, lhe faltava energia para se mover e tirar o peso do corpo
de cima dele. Deitado ali, respirando, existindo, ele não fazia ideia de quanto tempo havia se passado, o que iam fazer com ele, ou se ele ia descobrir que sua brilhante
ideia de que estava vivo era um engano.
Do nada, veio-lhe uma imagem mental dele saindo do Sal's na noite anterior, saindo livremente do restaurante que amava, conversando com os garçons.
Pegou-se desejando poder rebobinar o tempo e voltar àquela encarnação de si mesmo, suas lembranças do jeito que a noite sentia-se fria em seu rosto, e como a
fumaça dos cigarros dos garçons subiam espiraladas das pontas acesas, tão claro que, por um momento, pareceu impossível não poder retornar àquele lugar no tempo...
Pisar nos sapatos que calçava então... Reassumir a vestimenta de sua pele, do mesmo modo como reassumia sua forma após se desmaterializar.
Mas é claro, o tempo não funcionava assim. E a memória era como um show de televisão da própria vida, uma tela de filme ao qual se podia testemunhar, mas, não
interagir, mudar o curso ou redirecionar.
O desespero por Trez, grande motivador de sua vida, havia o levado de volta ao coração do inimigo que ele e o irmão dividiam.
E havia uma chance muito boa de que esta merda fosse vencê-lo.
Com um gemido, rolou para o lado e piscou algumas vezes. Suas armas, assim como a túnica que vestia, haviam desaparecido. E não havia mais nada na cela...
A porta abriu, o painel deslizou silenciosamente na parede. E quem entrou estava coberto da cabeça aos pés em camadas sobrepostas de tecido, o rosto coberto,
o pé coberto, mesmo as mãos enluvadas.
Seria a Morte? Perguntou-se. Teria ele desmaiado e estaria sonhando...
Um sutil aroma foi registrado.
Mas não em seu nariz. Em todo o seu corpo.
Como uma corrente de eletricidade.
A porta foi fechada por trás da figura alta e coberta. E enquanto o macho se aproximava, iAm fez de tudo para assumir um tipo de postura defensiva.
Não conseguiu muito.
Uma mão enluvada se esticou; ele foi rolado de volta; e então sentiu o toque na base de sua coluna.
- Eu vou... Matá-lo... - iAm murmurou. - Machucá-lo.
De que forma, não fazia ideia. Mas ia lutar, isso era uma maldita certeza.
A figura recuou um passo. Inclinou a cabeça como se considerando o método de morte que seria usado.
No s'Hisbe, a maior parte dos prisioneiros eram primeiro torturados. Amaciados, iAm sempre pensara. Então eram massacrados, enterrados ou devorados por s'Ex
e seus guardas, dependendo do crime.
Este último era uma tradição orgulhosa. Também simplificava a questão sobre o que fazer com o corpo.
iAm fechou os punhos e preparou-se para o que se abateria sobre ele.
Só que a figura simplesmente o observou por um longo momento. E então recuou para a porta e saiu.
Oh. Okay. Eles verificaram quem ele era, e viram que não havia motivo para matá-lo antes de capturarem Trez novamente. Aquilo seria um desperdício de recursos.
Merda.
Relaxando os músculos, ele tentou mover-se e rezou que as habilidades naturais de cura de seu corpo cuidassem da concussão rapidamente.
Ele ia precisar ser capaz de enfatizar suas palavras de resistência com mais do que um corpo inerte e membros feitos de chumbo.
Maldição, ele jamais devia ter confiado em s'Ex.
De volta em Caldwell, Paradise sentou-se na cama, sobre as pernas, olhos fixos no céu noturno do outro lado de suas janelas fechadas e trancadas.
- Então você vai mesmo? - disse ela, ao celular.
Peyton riu.
- Diabos, claro, está brincando? Estou morrendo de vontade de sair daqui. Desde os ataques estou trancado, e o fato de meus pais me deixarem entrar neste programa
de treinamento é um milagre.
Ela olhou para as trancas na porta de seu próprio quarto, as quais, a propósito, estavam trancadas naquele momento.
- Me pergunto se meu pai me deixaria ir, - murmurou.
Houve uma pausa. Então uma risada.
- Oh, meu Deus, Paradise. Não. Uh uh. De jeito nenhum.
- É, você deve ter razão. Ele é realmente protetor...
- Aquele programa não é para fêmeas.
Ela fechou a cara.
- Com licença. O decreto da Irmandade dizia que seriamos bem-vindas se quiséssemos tentar.
- Okay, primeiro, "tentar" não significa "ser aceita". Você sequer já fez uma flexão?
- Bem, tenho certeza que conseguiria se eu...
- Segundo, você nem é uma fêmea comum. Digo, olá, você é membro de uma Família Fundadora. Seu pai é o Primeiro Conselheiro do Rei. Você precisa ser preservada
para procriação.
A boca de Paradise se abriu em choque. - Não acredito que acabou de dizer isto.
- O quê? É verdade. Não finja que as regras são as mesmas para fêmeas como você. Como, se um sujeito civil, que só por acaso use saias, quiser fazer uma tentativa,
tudo bem. Seria uma perda que não significaria nada para a espécie. Mas, Parry, não sobraram muitas como você. Para machos como eu? Não queremos nos emparelhar com
ninguém menos que vocês, e existem hoje quantas, quatro ou cinco de vocês?
- Esta é a racionalização mais machista que já ouvi. Vou desligar.
- Aw, vamos lá. Não fique assim.
- Vai se foder. Eu sou mais do que só um par de ovários no qual se pode colocar uma aliança.
Ela desligou e pensou em arremessar o celular contra a parede. Quando não conseguiu seguir o impulso, começou a se preocupar com todos os seus modos inatos que
no fundo só reforçavam que Peyton estava certo.
Ela era mesmo só uma flor de estufa, não prestava para nada além de xícaras de chá, ter filhos e...
Quando seu celular começou a tocar de novo, ela jogou-o sob o edredom, deitou-se no chão e plantou a palma das mãos sobre o tapete de crochê. Esticando as mãos,
equilibrou na ponta dos dedos dos pés.
- Certo, - ela disse, cerrando os dentes. - Para cima e para baixo. Cem vezes.
Ela conseguiu descer sem dificuldades, os braços mais do que famintos por obedecer. E quando seu nariz tocou o padrão de um vaso de flores que havia no tapete,
ela sentia-se uma fera, pronta para arrebentar com tudo.
Subir foi... Aceitável.
Descer de novo para o tapete. Eeeeee subir.
Mais ou menos. Os músculos em seus bíceps começaram a tremer; os cotovelos falsearam; os ombros gritaram.
Ela conseguiu três vezes. Ou, tipo, duas vezes e meia. Antes de cair no...
- O que está fazendo?
Com um ganido, Paradise levantou-se. Seu pai estava na porta do quarto, segurando a chave que ele usava para abrir todas as portas, e as sobrancelhas dele se
ergueram tanto, que quase encostaram na linha do cabelo.
- Flexões, - ela disse, arfando.
- Para que?
Pergunte, ela pensou. Desembuche e diga, Eu quero me juntar ao programa do Centro de Treinamento da Irmandade...
Seu telefone tocou de novo.
- Não vai atender? - Seu pai perguntou.
- Não. Pai, eu tenho uma...
- Algo aconteceu, querida. - Ele fechou e voltou a trancar a porta. - E preciso ser franco com você.
Paradise dobrou as pernas e enlaçou-as com o braço.
- Fiz algo errado?
- Oh, não. Claro que não. - Ele meneou a cabeça ao olhar para ela. - Você é a melhor filha que qualquer macho poderia desejar ter.
Quando seu telefone parou de tocar, ela teve de se perguntar quanto dos pontos de vista de Peyton seu pai dividiria. E quantas vezes Peyton ia tentar ligar para
ela de novo.
- Preciso que faça suas malas, - ele disse.
Paradise recuou.
- Por quê?
- Preciso que fique longe daqui por algumas semanas.
Um jato de frio atravessou-a.
- Por quê?
- Oh, amor. - Ele se aproximou e se ajoelhou. - Por nada. É só que, eu achei que poderia gostar de ter um emprego.
Agora foram as sobrancelhas dela que se ergueram.
- Sério?
Ela havia levantado o assunto alguns meses atrás, quando, após outra noite tomando lições de piano e fazendo bordados complicados e intrincados a fizeram sentir-se
como se fosse enlouquecer. Mas, ele havia cuidadosamente negado, no interesse de sua segurança, um ponto que ela tanto respeitava quanto a deixava frustrada.
Era difícil discutir que o mundo não era um lugar muito perigoso para vampiros.
- O que mudou? - Então ela se lembrou do parente distante. - Espere, aquele macho vai continuar por aqui?
- Não é nada com ele. Além disto, meu cargo de Primeiro Conselheiro está ficando mais complicado e trabalhoso, e preciso de alguém em quem possa confiar para
me ajudar com os negócios do Rei. Eu não posso imaginar ninguém mais apropriado do que você.
- Sério? - Ela disse, estreitando os olhos. - Não há nenhuma outra razão?
- De verdade. Prometo. - Ele sorriu. - Então o que diz... Gostaria de trabalhar comigo?
Com um súbito movimento de felicidade, ela agarrou o pai em um abraço. - Oh, obrigada! Sim! Estou tão animada.
Ele riu.
- Okay, mas você terá de se mudar para a mansão de audiências do Rei. Não se preocupe, não estará sozinha. Pode levar sua dama de companhia doggen, e a Irmandade
tem a equipe completa no local...
Paradise ergueu-se e correu para o closet. Abriu as portas e começou a separar as peças de seu conjunto de bagagens Louis Vuitton.
- Estarei pronta em meia hora! Quinze minutos! - Ela abria gavetas, pegando roupas de baixo, sutiãs, camisetas. - Oh, o senhor chama Vuchie? Ela ficará tão animada!
Vagamente, ouviu o pai rir.
- Como desejar, minha senhora. Como desejar.
Capítulo VINTE E TRÊS
Rhage retomou forma no gramado da antiga mansão de Darius, e caminhou para a entrada da frente. No momento em que entrou na casa, ouviu uma série de suspiros,
e olhou para a esquerda. No salão, havia um monte de civis amontoados em pé, em um grupo estranho, como se não se sentissem confortáveis sentados em todos aqueles
móveis elegantes revestidos de seda, e os olhos que se arregalaram ao vê-lo.
É, sua reputação ainda o precedia.
Jesus, bastava ter sido um puto por alguns séculos, e as pessoas continuariam te julgando, mesmo depois de você se redimir e emparelhar adequadamente.
Era um pé no saco e, em uma noite normal, teria se aproximado e se apresentado, só para falar de Mary.
Esta noite, no entanto, se dirigiu às portas fechadas do que certa vez fora a sala de jantar. Batendo duas vezes, disse. - Sou eu.
Tohr abriu a porta com uma saudação, e Rhage entrou em uma sala mais cavernosa, mais vazia: Tudo o que havia ali eram algumas cadeiras, uma mesa com uma cadeira
de escritório, e alguns assentos auxiliares, para serem usados em alguma audiência que tivesse gente demais para acomodar.
- Sem explosivos, - Wrath estava dizendo de uma das poltronas. - Nem armadilhas.
V estava em meio ao processo de acender um cigarro enrolado à mão, e ao tragar, o aroma de tabaco turco flutuou.
- Hollywood e eu repassamos a casa como um pente fino. Eles claramente estiveram lá. Tinham partido pelo que pudemos apurar. Mas, não se incomodaram de tentar
nos foder.
Com sua mão da adaga, Wrath acariciou a cabeça do golden retriever que o ajudava a se locomover. George, sempre em adoração a seu dono, tinha o focinho voltado
para o Rei, oferecendo livremente a garganta. - Então Throe não mentiu.
- Pelo menos não sobre isto, - V murmurou.
- Interessante.
Rhage olhou em volta para os rostos de seus irmãos. Z e Phury estavam em pé, juntos como sempre. Qhuinn estava próximo a Z, e então Blay e John Matthew, mesmo
os machos não sendo membros, estavam ao seu lado. Butch estava do lado oposto ao Rei, com os braços pousados no apoio da poltrona onde apoiava seu peso; V estava
atrás ele. Tohr estava perto da porta.
- O que fazemos agora? - Rhage perguntou.
- Esperamos. - Wrath se inclinou ainda mais e acariciou os pelos do cão. - Se ele começar a remexer na merda, vai se enforcar. A aristocracia terá de ser monitorada...
Precisamos de uma fonte infiltrada. Alguma ideia?
Naquele momento, houve outra batida na porta. Tohr encostou o ouvido no painel e então abriu a porta. - Peça e receberá.
Abalone enfiou a cabeça pela porta.
- Meu senhor? Sinto muito me intrometer, mas posso, por favor, apresentar minha filha, antes de começarmos as audiências desta noite?
Wrath gesticulou para o macho se aproximar com a mão livre. - Sim, traga-a.
Abalone retirou a cabeça da fresta da porta e houve uma conversa sussurrada. Então reapareceu, puxando um projeto de fêmea. Com os cabelos louros, corpo magricelo
e pernas longas, ela estava mais para o lado Princesa Ártica do sexo frágil.
Bela. Muito bela. Talvez até mesmo linda... Embora não chegasse aos pés de sua Mary.
Abalone levou a garota até se aproximar, uma mão guiando-a pelo cotovelo, seu orgulho de pai estufando o seu peito. - Meu estimado governante, grande Rei de
toda...
- É, é, chega disto, - Wrath cortou, - Paradise, soube que está se mudando para a casa de minha shellan e seu irmão. Seja bem-vinda.
Quando ofereceu o diamante negro, Paradise fez uma reverência, as mãos tremendo tanto que pareciam tremular à luz do candelabro.
- Meu senhor, - ela sussurrou antes de beijar a joia.
Liberando a mão dele, ela endireitou-se e olhou para o chão, os ombros encurvados, pés travados.
- Quer conhecer meu cão? - o Rei perguntou.
George, sempre pronto para um carinho na cabeça, bateu com a cauda no chão, o som como o de alguém batendo corda no chão de terra.
- Pode fazer carinho nele, - Wrath disse. - Eu deixo.
A garota olhou rapidamente para o resto da Irmandade, os olhos baixados para os shitkickers. E foi quando até Rhage sentiu pena dela. Uma grande parte da aristocracia
tratava suas fêmeas tão mal, que nunca eram admitidas na presença de machos de quem não fossem parentes, então esta era, sem dúvida a primeira vez que ela ficava
em um ambiente com tanta testosterona.
- Vá em frente, George. Diga oi.
Ao incentivo de Wrath, o cão veio para frente e sentou a bunda peluda bem em frente a ela, com os ouvidos inquietos, e aquela cauda balançando de um lado para
outro.
- É... É um garoto? - Perguntou ela, suavemente quando se abaixou no chão e estendeu a mão para todo aquele pelo.
- Sim. - Wrath olhou para cima. - Está certo, bando de imbecis, apresentem-se, está bem? E sejam educados.
Todos pigarrearam. Por fim, Phury deu um passo à frente e fez as apresentações. Provavelmente foi melhor assim... ele era o mais próximo de um cavalheiro que
tinham.
- Que bom que está aqui, - o Primale disse. - Eu sou Phury... Nós amamos seu pai, a propósito. É um cara legal.
Eeeeeee isto fez Abalone quase levitar para fora de seus sapatos Bally.
Ela olhou para aqueles olhos amarelados e lhe deu um sorriso. - Oi.
- Aquele ali é meu gêmeo, - ele indicou Z, e Zsadist, sempre consciente de sua aparência ameaçadora com aquela cicatriz no rosto, continuou afastado, erguendo
a mão quando Paradise recuou. - Zsadist é emparelhado e tem uma filha chamada Nalla. Ela é maravilhosa... Olha aqui uma foto dela.
Enquanto Phury estendia seu celular, a garota olhou para a foto. Olhou para Z. Voltou a olhar para a foto.
- Minha bebezinha, - Z disse, em uma voz profunda. - Ela tem dois anos, e parece com sua mahmen.
Instantaneamente a garota relaxou. Então Phury apresentou Vishous, que só acenou e Butch, que lhe deu um "Oi, como vai!" típico de Boston. John Matthew, Blay
e Qhuinn foram os próximos e então Phury indicou Rhage.
- E o Brad Pitt ali é Hollywood.
Ele sorriu. - Prazer em conhecê-la.
O olhar de Paradise fixou-se nele, os olhos arregalaram, mas não de medo. Longe disto.
- É, ele é lindo, - alguém disse. - Até conhecê-lo melhor.
- Aww, vamos lá, - Rhage respondeu. - Não me difame.
A conversa brotou, com Wrath fazendo à Paradise algumas perguntas para encorajá-la a falar de si. Quando a garota voltou a atenção ao Rei, Rhage pensou na época
antes de conhecer Mary. Sem dúvida ele teria dado em cima daquela inocente... E teria conseguido conquistá-la. Ele nunca falhava, já que controlava sua besta fodendo
com tudo e com todos que passavam perto dele. O que era bom para ele. Não tão bom para as fêmeas que queriam manter sua virtude.
E ele não tinha dúvida de que Paradise era uma dessas.
Então sim, ele estava feliz de conhecê-la sob estas circunstâncias, quando não havia absolutamente nenhuma chance de ele dar em cima dela. Ele emparelhara com
sua Virgem, do jeito que Vishous previra que ocorreria, e sua vida fora salva.
Por alguma razão, um sentimento de enjôo o transpassou.
Levou a mão até o bolso, tirou o celular. Verificou as mensagens de texto.
Trez, o pobre bastardo, ainda não tinha respondido. Parecia estúpido incomodar o cara de novo, dado tudo aquilo com o que ele já tinha de lidar, mas, era difícil
não tentar contatá-lo de novo.
Rhage desejava que houvesse algo mais a fazer para ajudar o cara e sua Escolhida.
Ele realmente desejava.
Não havia como ligar a seta.
Quando Layla dirigiu sua Mercedes de volta à mansão da Irmandade, ela trazia seu braço machucado pousado no console entre os assentos, uma jaqueta sobressalente
amontoada por baixo para aumentar a altura e diminuir os balanços.
A dor era atordoante, o tipo de coisa tão forte que era sentido nas entranhas.
Então não, não havia como sinalizar direita ou esquerda.
Pelo menos não havia ninguém naquela estradinha rural tão tarde da noite.
Passaram-se horas, talvez dias até ela chegar à montanha da mansão, e o mhis foi um pesadelo. A distorção da paisagem de V, uma medida de segurança para manter
sua posição em segredo, implicava em ver tudo borrado, como se uma neblina houvesse caído sobre a floresta. Exausta de tanto conter a vontade de vomitar, em combinação
com a visão falha, significava que ela se sentia completamente perdida, e seu instinto foi se inclinar e se aproximar do pára-brisa... O que não ajudou.
Tudo aquilo só fez seu braço doer ainda mais.
Quando as luzes brilhantes da mansão finalmente entraram em foco, ela rezou, rezou para que os Irmãos estivessem todos lutando para que ela conseguisse chegar
ao quarto sem ninguém vê-la. Contornando a fonte que já estava coberta para o inverno, ela estacionou perto do GTO roxo de Rhage e do brinquedo novo de Butch, uma
Mercedes preta que parecia uma caixa de pão.
Ela teve de se contorcer para controlar o volante e empurrar a alavanca da marcha para estacionar o carro na vaga... E descobriu que tinha de se esticar ainda
mais para apertar o botão Stop/Start para desligar o sedã. Daí foi questão de respirar superficialmente pela boca enquanto se recuperava do esforço. Olhando pelo
espelho retrovisor, ela teve uma visão da entrada da mansão... E não fez ideia de como chegaria até lá. Muito menos de como se arrastaria até o quarto.
Não havia outra escolha. Ou ela fazia isto sozinha, ou teria de pedir para outra pessoa mentir por ela: não tinha como esconder o ferimento, não enquanto tão
fresco. E ela não podia deixar Qhuinn descobrir o que acontecera.
Ou, pior ainda, o que ela andara fazendo quando caíra.
Maldição, esta situação era punição por sua vida dupla... Suas duas realidades opostas se chocando, nocauteando-a, expondo-a.
Potencialmente.
Hora de entrar.
Layla teve uma nova uma lição em termos de dor ao abrir a porta e tentar erguer-se do assento de couro, o braço gritando quando o osso quebrado se moveu.
Recuperar o fôlego. Vários deles.
E então de alguma forma, conseguiu sair do carro.
A mansão sempre fora assim tão longe da área de estacionamento?
Contornar a fonte não foi muita questão de botar um pé em frente ao outro, mas cambalear sobre os paralelepípedos tentando não desmaiar. Quando chegou aos degraus
de pedra que levavam às portas do tamanho de catedrais, ela quis chorar. Em vez disto, subiu de uma só vez.
Ao abrir as portas do vestíbulo, percebeu que cometera dois erros: deixara o carro destrancado, e ela teria, de fato, de interagir com alguém... Não havia jeito
de entrar na casa sem colocar a cara na frente da câmera de segurança e esperar ser atendida.
Olhando de volta para a Mercedes, não teve energia para voltar e fechá-lo. E tentar dar a volta para a entrada de serviço da garagem estava...
Foi onde as coisas acabaram.
Enquanto sua mente se debatia entre as suas opções limitadas, seu corpo desconectou-se sozinho da tomada da consciência: desligou e a gravidade fez sua mágica,
o degrau se ergueu para saudá-la com um abraço duro, muito duro.
Que ela não sentiu.
Capítulo VINTE E QUATRO
Era quatro da manhã quando Assail guiou seu Range Rover blindado até a beira do Rio Hudson. A alameda onde estava era tão larga quanto um lápis e suave como
uma corrida de obstáculos. Ao lado dele, Ehric estava calado, a .40 do macho pousada sobre as coxas, um dedo inquieto sobre o gatilho, pronto para atirar ao menor
sinal de movimento ou barulho.
Um rápido olhar pelo espelho retrovisor mostrou-lhe que o gêmeo de Ehric, Evale, encontrava-se igualmente alerta e preparado para qualquer coisa.
Cerca de vinte metros adiante da "estrada", era possível ver a clareira pouco profunda na margem. O procedimento era o mesmo todas as vezes: Ele pararia o SUV
na linha das árvores e daria a volta de forma que, se algo imprevisto acontecesse, ele poderia sair rapidamente com o dinheiro ou as drogas. Então ele esperaria
com seus rapazes, geralmente, cerca de dez minutos, antes que o barco de pesca ruidosamente aparecesse.
Seus primos usavam coletes à prova de balas. Ele não.
Eles estavam sóbrios. Ele não.
Nem isto era surpresa. Ele jamais se importara com qualquer tipo de proteção peitoral, e a outra coisa? A esta altura, teria de abster por vários dias para que
a cocaína saísse completamente de seu sistema.
Ao continuar dirigindo, deixou sua mente vaguear, a imagem de outro tipo de baía, um tipo diferente de água, apresentando-se e se recusando a sumir.
Ele viu a praia. O oceano. Palmeiras. Tudo isto brilhando à luz da lua.
Viu uma fêmea caminhando sozinha ao longo do calor acariciante do mar, seus braços cruzados sobre o peito, a cabeça baixa, a aura de uma sobrevivente cheia de
arrependimentos...
- Cuidado! - Ehric exclamou.
Assail forçou-se a se concentrar bem antes do Range Rover comer carvalho como Última Refeição... Ou, mais provável, seria o contrário.
Felizmente, a viagem acabou minutos depois, e ele conseguiu manobrar sem dificuldades, amassando o mato seco e curto até a grade imensa do SUV estar virada para
frente. Não havia faróis foi outra das modificações que ele havia providenciado junto com a blindagem.
O motor silenciou e seus dois passageiros saíram. Antes de se juntar a eles, retirou um vidrinho de dentro de seu casaco de lã. Um giro rápido. Colher na mão.
Sniff. Sniff.
E duas outras para a outra narina.
Após um rápido bufar para se assegurar que tudo estava onde devia, saiu do interior morno. Devolveu seu estoque para o local seguro, se envolveu ainda mais no
casaco. O ar noturno estava muito frio, e folhas caídas eram trituradas sob suas botas ao se juntar aos primos.
Não houve conversa.
E ainda assim, a desaprovação pelo seu nível de consumo estava evidente pela tensão em suas mandíbulas.
Mas isto não importava a ele. Tanto fazia eles desperdiçarem o fôlego com palavras, ou simplesmente o fitarem com ar zangado, como agora, ele não tinha intenção
de mudar seus hábitos.
O som de um único barco à motor vindo em velocidade baixa surgiu tão baixinho que, de início, não seria possível distingui-lo dos ruídos do ambiente da floresta
e do rio. Mas, logo, o barco de pesca deu a volta para a curva da costa, lento e baixo para a água. Havia dois indivíduos sentados no casco aberto, ambos vestidos
como pescadores acima de qualquer suspeita com seus bonés e coletes camuflados, somente as máscaras pretas indicavam algo nefasto. Também havia varas de pesca montadas
em corrente, estendendo-se por trás da popa.
O capitão aproximou o barco humilde de frente, desacelerando o motor para que parasse com um beijo, e não um soco.
Os primos se aproximaram enquanto Assail manteve-se na retaguarda, com sua própria .40 a postos. Os aromas dos dois machos humanos os identificaram como diferentes,
mas relacionados aos dois que vieram da última vez. E da vez antes daquela. E assim por diante.
- Onde estão os outros? - Assail exigiu.
Os homens pararam no processo de pegar três das cinco sacolas que estavam escondidas sob uma lona camuflada.
Assail sorriu fracamente diante de sua surpresa. - Acharam que eu não saberia?
- Eu sou irmão, - o da esquerda disse em um pesado sotaque inglês. - Ele é primo.
Assail inclinou a cabeça, aceitando a explicação. Na verdade, ele não se importava quem entregava seus produtos, contanto que fossem pontuais, pelo preço e qualidade
acordados e sem interferência de agentes da lei humana.
Até agora, tudo bem com estes dois.
Momentos depois, Ehric e o irmão aceitaram as bolsas e se afastaram, um olhando para frente, outro para trás, para cobrirem todo o terreno.
- Um momento, - Assail pediu lentamente. - Se não se importam.
Os humanos pararam de novo, e ele sentiu a ansiedade deles de modo tão claro quanto uma reverberação na superfície de uma mesa, a transferência de energia viajando
facilmente através do ar que separava seus corpos.
- O que mais tem aí embaixo? - disse ele, apontando para a lona. - Há mais duas sacolas, não há?
O mais baixo deles, o primo, arrumou a cobertura de volta no lugar e voltou-se para os controles do barco.
- O esquema mês que vem, - o outro disse, - o mesmo?
- Entrarei em contato com seus chefes.
- Muito bem.
Só isto, eles voltaram a seu caminho, ruidosamente contra a corrente vagarosa de água fria, com a propaganda de outra empresa na lateral.
Franzindo o cenho, Assail observou enquanto eles cruzavam o leito das águas e prosseguiam paralelamente à margem oposta.
Um momento depois, voltou ao Range Rover e quando bateu na janela da porta do passageiro, Ehric baixou o vidro.
- Sim? - O macho disse.
- Vou segui-los. - Assail acenou na direção do barco. - Eles estão negociando com outra pessoa. Quero descobrir quem.
Com um gesto curto de concordância, Ehric desmaterializou para o assento do motorista e engatou o SUV. - Eu também percebi. Ligue se precisar de ajuda.
Quando o Range Rover se afastou, Assail se virou e caminhou de novo para a água. Fechando os olhos, teve de lutar contra o efeito da cocaína para se acalmar,
e levou um tempo até poder se desmaterializar no vento gelado. Quando retomou forma, alguns quilômetros abaixo do rio, esperou até o barco aparecer de novo. Os homens
não percebiam sua presença, já que ele se escondeu entre as árvores coloridas e contrastava com a vegetação marrom, observando-os passar.
Mesma velocidade de motor. Mesmo protocolo para entregar as mercadorias para ele. A questão era: quem era o próximo cliente?
E que tipo de drogas eles estariam vendendo?
O chefe deles havia concordado em lidar exclusivamente com ele nesta parte do estado de Nova Iorque. E embora a competição fosse boa para o capitalismo, não
era bem-vinda em seu território; também desnecessária à declaração de renda deles. Seus pedidos eram suficientemente grandes e tão constantes que ele valia por vários
negócios dignos de respeito.
Os bastardos.
De fato, era necessária honra entre os fora-da-lei. Para o bem de todo mundo. E ele havia elevado a sua parte da barganha, pagando cada vez mais. Mês após mês
após mês.
Mas estava preparado para resolver este problema.
Prontamente.
Mortalmente.
Rhage, Tohr e V voltaram à mansão não muito depois de conhecer o motivo de orgulho e alegria de Applebottom, com Butch seguindo no Range Rover. Quando os três
reassumiram suas formas físicas no quintal, uma luz brilhava entre a fila de carros e chamou a atenção deles.
Rhage foi até a porta aberta da Mercedes azul bebê. - Layla?
Só que não havia ninguém lá dentro, remexendo a bolsa ou juntando sacolas, antes de ir atravessar o gramado até a casa.
Ele fechou a porta. - Ela não...
- Layla! - Tohr gritou. - Oh, merda!
Rhage olhou na direção da entrada da mansão. A pesada porta do vestíbulo estava meio aberta, uma perna se estendia ao nível do chão, o tornozelo mantinha os
painéis abertos.
Os três dispararam até os degraus. Enquanto Rhage abria mais o tremendo peso da porta, V, com seus conhecimentos médicos, pulou sobre o corpo colapsado e começou
a checar os sinais vitais.
- Tohr, - Rhage disse, - chame...
Mas seu irmão já estava com o telefone no ouvido - Oi, Jane? Precisamos de você aqui no vestíbulo. Layla desmaiou. V, sinais?
Quando o irmão botou o celular na cara de V, Vishous disse à companheira, - Batimentos cardíacos estáveis, mas lentos. Assim como a respiração. Sem sinal visível
de trauma.
- Ouviu isto? - Tohr disse, voltando a falar. - Bom, obrigado! - Ele encerrou a chamada, e imediatamente voltou a discar. - Ela está trazendo Manny e Ehlena.
- De volta ao ouvido. Espera. Espera.
Ele estava, obviamente, ligando para Qhuinn...
Por alguma razão, o mundo ficou vacilante para Rhage: em um minuto, ele olhava para Layla, e pensava que não havia nada mais aterrorizante do que uma fêmea grávida
caída em qualquer tipo de chão. No seguinte, o vestíbulo girava em volta dele como uma bola no fim de um barbante, sua cabeça, o ponto central da tontura, seu equilíbrio
estranhamente não comprometido...
- Ele vai cair!
Huh. Acho que ele não estava tão firme quanto achou.
Quando sentiu uma mordida em seu bíceps, baixou o olhar e viu a mão de Tohr travar-se em seu bíceps, segurando-o.
Uau. Que másculo, Rhage pensou.
Uma rodada de sais vitorianos só porque uma fêmea está...
- Layla!
A aparição em pânico de Qhuinn bem perto dele lhe deu o estímulo para acordar de que precisava, sua mente clareou enquanto o macho abria seu caminho até chegar
à fêmea que carregava seu filho. Blay, como sempre, estava logo atrás dele, pronto a fazer qualquer coisa para apoiar o companheiro.
- O que diabos aconteceu? - Qhuinn exigiu.
V começou a falar. Dra. Jane e equipe chegaram. Equipamentos médicos foram tirados de uma maleta preta antiquada.
Virando-se para Tohr, que ainda o amparava, Rhage ouviu uma estranha versão de sua voz dizer, - Estou tendo problemas para respirar, irmão.
Tohr voltou a cabeça para sua direção. - Qual o problema?
- Eu não sei. Não... Consigo respirar. - Ele massageou o peito com a mão livre. - É como se houvesse um balão aqui. Tomando todo o espaço.
Enquanto a equipe médica rolava Layla de costas, o pessoal da primeira fila praguejou. O braço dela estava no ângulo errado, a parte abaixo do cotovelo mostrando
uma torção feia que deve ter acontecido quando ela desmaiou.
- Rhage? - Alguém lhe disse, - Olá?
Ele olhou para Tohrment, - O que?
Thor inclinou-se, - Quer tomar um pouco de ar fresco?
- Já não estamos do lado de fora? - Para responder a esta pergunta, olhou para o céu - Sim, estamos...
- Que tal darmos uma voltinha?
- Quero ajudar.
- Sim, eu sei disto. Mas, acho que sair para caminhar é uma boa ideia. Você está branco como papel, e se apagar agora, posso garantir que não vai ter ninguém
para amaciar sua queda e não precisamos de mais pacientes agora.
- Huh?
- Vamos.
Quando seu irmão puxou o braço, Rhage começou a esfregar o peito. - Eu não sei porque não consigo respirar...
A última imagem que teve, ao se afastar, foi do rosto de Layla virado para o lado, os olhos abertos, mas, sem enxergar nada.
- Ela morreu? - Ele sussurrou. - Ela morreu?
- Vamos, irmão meu...
- Morreu?
- Não. Está viva.
Cada vez que piscava, via seu cabelo louro no mármore como líquido derramado, os lábios tão pálidos quanto o rosto, aqueles olhos verde-jade, opacos e imóveis.
- Mary? Sim, Mary, tenho uma situação aqui com seu garoto. Pode vir agora?
Quem estava falando? Oh sim, Tohr. Ao telefone. O Irmão havia sacado o telefone.
Rhage começou a balançar a cabeça. - Não, ela não pode vir. A mãe no Lugar Seguro. Ela tem de ficar...
- Está bem, obrigado. - Tohr desligou - Ela está vindo agora.
- Não, eles precisam dela...
- Irmão? - Tohr aproximou o rosto do rosto de Rhage. - Tenho certeza que você não sabe como está sua aparência agora. Faz o favor de sentar aqui... Sim, bem
no chão. Bom garoto, está indo bem.
Os joelhos de Rhage seguiram as instruções, seu cérebro estava preocupado demais com o quanto sua shellan não precisava perder seu tempo precioso com ele. Mas,
parecia que aquele ônibus já tinha partido do ponto.
Colocando a cabeça entre as mãos, Rhage se inclinou para frente e se perguntou se não teria algo errado com seus pulmões. Uma gripe vampírica de ação rápida.
Uma infecção. Um veneno qualquer.
A grande mão de seu irmão fez círculos lentos em suas costas, e sob aquela palma pesada, a besta, em sua forma de tatuagem, surgiu e se moveu como se o pequeno
ataque de Rhage tivesse deixando-a nervosa.
- Sinto-me estranho. - Rhage disse. - Não consigo... Respirar...
Capítulo VINTE E CINCO
Nos primeiros quilômetros, Assail se satisfez em se desmaterializar no encalço do barco. No entanto, por volta da quarta vez em que retomou forma, se impacientou
pela chegada ao destino, a troca que seria feita, identidade do terceiro envolvido a ser revelada.
E havia outro motivo para ficar inquieto. Com o aumento da distância viajada, os dois homens se aproximavam cada vez mais da cidade de Caldwell, o que era uma
ideia idiota.
Mesmo que já fosse noite avançada, o centro da cidade não era como o subúrbio e estariam rodeados por humanos por todos os lados; com certeza, dificilmente humanos
com crédito com a polícia, mas, olhos curiosos eram olhos curiosos, e cada rato sem rabo, por mais ignorante que fosse, tinha um celular nos dias de hoje.
Ele até poderia ser capaz de se desmaterializar, mas, aquela dupla no barco não sabia executar aquele truque... E ele queria ser a pessoa a ensinar uma lição,
não deixaria o Departamento de Polícia de Caldwell chegar na frente.
Desaparecendo de novo, foi forçado a retomar forma em meio às árvores plantadas à beira de um dos parques públicos da margem de Caldwell. E o barco continuou
em frente.
Inacreditável.
Enquanto esperava para ver se indicavam a nova posição, e havia uma boa chance de que indicassem, porque não havia mais cobertura na costa, um comichão familiar
começou a formigar na base de seu pescoço, desencadeando a necessidade por mais coca.
A necessidade vinha cada vez mais rápido ultimamente. A ponto de ele ser forçado a reconhecer sua sorte por curar-se tão rápido. Se fosse um mero humano? Já
teria desviado o septo há meses.
Buscando em seu bolso, tirou o vidrinho. Só sentir a suavidade do frasco o fazia relaxar. Ele queria consumir a droga, mas não podia correr o risco de não conseguir
se desmaterializar. O problema com o seu vício era que a necessidade por uma nova dose estava surgindo antes que o efeito da dose anterior tivesse sequer começado
a diminuir, a lombriga em suas entranhas se remexendo, remexendo, exigindo mais e mais enquanto seu corpo e cérebro lutavam para lidar com as velozes e enormes cargas
da droga que consumia.
E de novo, a última coisa que queria era se colocar em dificuldades por estar nervoso demais para desaparecer.
Deus, ter isto em comum com a espécie humana com quem negociava era humilhante demais para descrever...
- Oh, só pode ser brincadeira. - Ele murmurou quando o barco finalmente demonstrou estar entrando em um lugar para aportar.
Mas não um lugar seguro. Certamente não um que ele teria escolhido.
A dupla pilotou a embarcação em direção à uma casa de barcos vitoriana. Claro que as janelas estavam escuras, mas havia luzes de segurança brilhando nas ripas
que revestiam seu exterior, e sem dúvida uma patrulha do Departamento de Polícia, fazia turnos regulares no espaço que havia por trás da estrutura.
Mesmo assim, ele teria de entrar, caso eles entrassem.
E eles entraram.
Sem ideia do layout do interior do local, programou-se para retomar forma nas sombras entre aquelas irritantes luzes externas, suas roupas pretas mimetizando-o
contra a lateral envelhecida da casa de barcos. Quando o barco entrou em uma das vagas, o som de seu motor patético ecoou, soando como um homem velho nos estertores
finais de um ataque de tosse mortal.
Virando-se para uma das janelas, Assail concentrou seu olhar astuto através do vidro canelado. A área interior era bem extensa e, assim que identificou o seu
ponto, se desmaterializou e passou através da mesma entrada que os entregadores usaram. Teve o cuidado de reassumir sua forma física, encolhido em um canto apertado
no extremo oposto, entre uma estante de suprimentos de tripulação, caída em montes, e uma floresta de dispositivos pessoais de flutuação cor de laranja pendurados
em ganchos.
O motor foi desligado e o par conversava suavemente em idioma estrangeiro. Após silenciarem, o único som era a água se movendo e gargalhando por baixo do barco
e através do escoramento das docas.
Assail odiava cheiro de peixe morto, flora decomposta e lonas úmidas no ar.
Após um tempo, a aproximação de algo no exterior chamou sua atenção, e então, uma luz amarela penetrou o interior. Localizando uma janela empoeirada, olhou para
fora, só para ver um caminhão do Departamento de Parques Públicos de Caldwell estacionando.
Bem, agora, isto está a ponto de ficar interessante.
Ou a entrega ia ser interceptada e chamariam a polícia... Ou algum humano que trabalhava para os parques estava tentando aumentar sua renda mensal através de
suborno.
Descobriu que errou nas duas.
A porta principal rangeu ao ser aberta e, no instante em que uma figura masculina apareceu no umbral, o ar gelado que vinha de trás, espalhou o cheiro de lesser
na casa de barcos.
E então, o Forelesser com quem Assail havia feito negócios, entrou com uma sacola de ginástica na mão.
Filho da Puta.
Como se atreve o bastardo a me passar para trás, pensou Assail, ao mesmo tempo em que suas presas se alongavam, por vontade própria. E como infernos aquele matador
havia conseguido fazer contato com o fornecedor?
Formulando um plano para a emboscada, Assail sacou suas duas armas .40, e desejou ter tido o cuidado de colocar silenciadores. Não havia esperado usá-las na
porra do centro de Caldwell, pelo amor de Deus.
- Me deixe vê-las. - O Forelesser declarou. - Abra as sacolas e me deixe vê-las.
Assail deu um passo à frente, pensando que poderia...
Cada um dos carregadores abriu uma mala e exibiu o conteúdo.
Não. Eram. Drogas.
Nada parecido.
Ao invés dos grandes tijolos selados em camadas de papel celofane, havia...
Armas. De grosso calibre, que se esfregavam, metal contra metal, umas contra as outras nas sacolas de ginástica.
Na escuridão era difícil determinar, exatamente, as especificações das armas, mas parecia haver uma variedade de metralhadoras ou rifles.
O lábio superior recuado de Assail voltou a ao lugar.
Embora estivesse preparado para interceder na eventualidade de uma negociação de drogas/dinheiro, não sentia mais tal compulsão.
Se o Forelesser quisesse usar seu lucro para comprar armas, era problema dele.
Deixando a casa de barcos do mesmo jeito que havia entrado, Assail dirigiu-se rio acima, em direção à sua casa envidraçada na península.
A única coisa com a qual se importava era se aquele lesser continuaria a vender seus produtos nas ruas e clubes de Caldwell em tempo hábil, confiável e honesto.
- Não, não, estou bem. Juro.
Enquanto falava, Rhage sentou-se à mesa de madeira maciça na cozinha da mansão da Irmandade. Os outros habitantes da casa estavam se reunindo para uma tardia
Última Refeição, os doggens enfileirando-se para dentro e para fora da porta vai-e-vem, levando bandejas de prata do tamanho de tampos de mesas, cheias de todos
os tipos de comidas recém-preparadas, molhos e vegetais.
Do outro lado, Mary encostou-se à ilha com topo de granito que ficava no centro da cozinha, com os braços cruzados sobre o peito, os olhos treinados fixos nele,
como se avaliando um de seus pacientes do serviço social.
Contorcendo-se, ele quis se juntar aos irmãos e suas shellans, mas, pela expressão dela, aquilo não aconteceria tão cedo.
- Fritz? - Disse ela. - Vou preparar alguma coisa para ele, tudo bem?
O mordomo parou em meio ao processo de trazer um conjunto de mesa. - Eu ia fazer um prato na outra sala e trazer para cá...
- Eu quero cuidar de meu marido, - disse ela gentilmente, mas com firmeza. - Mas, se quiser... Mesmo que isto vá contra cada instinto autossuficiente de meu
corpo, eu deixo as panelas e os pratos para você lavar.
O rosto velho e enrugado de Fritz assumiu a expressão de um cãozinho basset a quem tivessem negado frango com a promessa de mais tarde ter um bife: tanto preocupado
quanto excitado. - Se houver qualquer coisa em que eu possa ajudar...
Três membros da equipe, em seus uniformes cinzentos e brancos, voltaram de mãos vazias da sala de jantar, o trio se dirigindo para o carregamento final que era
destinado a ser levado e servido nas várias mesas de apoio daquele enorme espaço iluminado.
- Na verdade, - sua Mary murmurou, - você acha que ele e eu podemos ter um pouco de privacidade aqui?
- Oh, sim, senhora. - Fritz de alguma forma se iluminou. - Assim que servirmos os pratos principais, eu mesmo levarei a equipe para o saguão. Eles ficarão mais
do que satisfeitos em esperar lá.
- Obrigada. - Ela apertou levemente seu braço, o que o fez corar. - E só até a hora da sobremesa. Eu sei que vai querer a cozinha livre para ela.
- Sim, senhora. Obrigado, senhora. E eu pessoalmente limparei tudo após sua saída.
O mordomo fez uma acentuada reverência, pegou a última bandeja de prata, e tirou todo mundo dali. Quando a porta vai e vem parou, a adorada shellan de Rhage
olhou para ele.
- Ovos? - Ela disse.
Diante daquela única palavra, o estômago de Rhage rugiu. - Oh, Deus, seria maravilhoso.
Mary anuiu e foi até a geladeira. Pegou uma bandeja fechada de ovos, um galão cheio de leite e uma caixa de manteiga; então, no armário, uma frigideira, uma
grande tigela de misturar e vários utensílios recém-lavados.
- Então, - disse ela, ao partir o primeiro dos doze ovos. - Eu queria mesmo saber o que aconteceu lá.
Até aquele momento, Rhage fora bem sucedido em evitar a questão. Aparentemente, o indulto havia acabado.
- Estou bem, sério.
- Ok. - Ela parou em meio ao ato de quebrar um ovo e sorriu para ele. - Mas, como sua esposa, seu bem-estar é realmente importante para mim. Então, se tem alguma
coisa te incomodando, não saber o que é faz eu me sentir excluída.
Ai. Só... Ai.
Quando ela começou a bater a mistura crescente de ovos, o som úmido o fez imaginar o conteúdo de sua própria cabeça.
Baixou os olhos para o tampo esburacado da mesa e deslizou o dedo em um dos veios da madeira de carvalho.
- A verdade é que eu não sei o que houve. Eu só me senti muito estranho e tive de me sentar. Mas, agora estou bem. Provavelmente foi só uma coisa passageira.
- Mmm, bem, me conte como foi sua noite.
- Não aconteceu nada demais. Fui até o esconderijo do Bando dos Bastardos e invadi...
- Não começou na clínica, com Trez e Selena?
- Oh, sim. Mas, isto foi tipo, ontem, quando ela estava... Sabe, quando ela foi levada para lá. - Ele balançou a cabeça. - Não quero pensar nisto agora, se não
se importa.
- Está bem, então esta noite você foi até o esconderijo do Bando dos Bastardos?
- Bem, primeiro passamos na casa de Abalone. O primo dele debandou das tropas de Xcor e nos disse onde ficava o esconderijo. De qualquer forma, eu e V invadimos
o lugar.
- O que procuravam?
Ele deu de ombros. - Bombas. Armadilhas. Este tipo de coisa. Nada demais.
Ela emitiu outro som de mmmm ao derramar o conteúdo da tigela em uma frigideira do tamanho do assento do banco do Hummer de Qhuinn. - E você ficou preocupado
em se ferir lá?
- Não. Bem... Eu me preocupei com os irmãos, claro. Mas, faz parte do trabalho.
- Está bem. E então, foram para onde?
- Fui te ver. Daí à antiga casa do D., fizemos um relatório para Wrath e voltamos para cá. Era para eu me consultar com Manny para dar uma olhada no processo
de cura daquele ferimento. V também.
- Está bem. - Ela foi até a torradeira com capacidade para seis torradas e carregou-a com o pão branco industrializado, total e plasticamente fantástico que
era o favorito dele. - Então, você chegou aqui, e o que viu?
Ele piscou e viu o pé de Layla esticado para fora do vestíbulo. Então visualizou o rosto de Qhuinn ao se abaixar para a fêmea caída que carregava seu filho.
- Oh, você sabe.
- Mmmmm? - O cheiro de ovos sendo preparados acionou o botão do modo "Coma-agora" em seu organismo. - O que?
- Bem, você sabe o que aconteceu.
Quando Mary chegou, uma maca havia sido trazida da clínica e Layla havia sido carregada, o corpo transferido do chão para a maca, cuidadosamente, por Qhuinn
e Blay.
Rhage caiu em silêncio e massageou o peito.
Pop! Fez a torradeira, e um momento depois, um prato com tudo feito exatamente do jeito que ele gostava, foi posto a sua frente.
Junto com uma caneca de chocolate quente, um guardanapo e talheres... Mas, o mais importante, sua adorável Mary.
- Esta é a melhor refeição de minha vida, - disse ele, só de olhar para a comida.
- Você sempre diz isto.
- Só quando você cozinha para mim.
Era engraçado. Como humana, sua Mary jamais conseguiria entender a reação de um vampiro macho, quando a fêmea com a qual era vinculado preparava comida com as
próprias mãos, para ele. Esse tipo de coisa era um ato secreto, porque ia contra o âmago do instinto masculino que era prover e satisfazer as necessidades de sua
companheira, acima de tudo e todos, incluindo ele próprio, os irmãos, o Rei e todos os filhos que pudessem vir a ter.
Rhage era programado para alimentá-la primeiro e só então comer o que sobrasse. Mas, antes que ela mandasse Fritz e os doggens para fora, ela havia dito estar
cheia, já que havia feito um lanche no Lugar Seguro uma hora atrás.
- Vai esfriar. - Ela disse, esfregando o braço dele.
Por alguma razão, os olhos dele se enevoaram e ele teve de piscar para afastar as lágrimas.
- Rhage? - Ela sussurrou. - Seja o que for, pode dizer.
Com um movimento rápido, ele negou com a cabeça. - Estou bem. Só quero aproveitar o banquete.
Ele ergueu o garfo e começou a alternar: uma garfada de ovos, uma mordida na torrada, uma garfada de ovos, uma mordida na torrada, gole, gole, gole de chocolate
quente. E repetiu tudo até limpar o prato.
- Como a fêmea está? - Perguntou ele, ao limpar a boca e se recostar no espaldar da cadeira.
- Eu não sei, - Mary meneou a cabeça. - Simplesmente não faço ideia como isto vai acabar.
- É grave assim? - Quando ela estremeceu, ele disse, - Se houver algo que eu possa fazer...
- Bem, na verdade...
- É só dizer.
Ela estendeu o braço e tomou a mão dele, virando a palma para cima. Levou um tempo até ela falar, e quando ele já começava a se preocupar, ela disse:
- Quero que você imagine, apenas por um momento, que pode ter sido perturbador para você ver Selena quase morrer e testemunhar a dor de Trez. Quero que considere
que não é "só trabalho rotineiro", para ninguém, ter de invadir uma casa onde jamais esteve, sem saber se algo irá explodir ou te emboscar ou matar você ou alguém
que você ama. Quero que reflita que, ir até Wrath e não poder dizer-lhe que encontrou os Bastardos, ou que desarmou uma bomba, ou coletou algum tipo de informação,
soa como fracasso para você. E finalmente, quero que entenda que, voltar para casa e ver Layla no chão, sabendo que está grávida, e o quanto se importa com ela,
Qhuinn e Blay, é outro trauma. Acho que você teve um dia difícil, e suas emoções meio que entraram em pane.
- Eu não me sinto perturbado, minha Mary. Por nada disto. Estava tudo bem...
- Até você ter o ataque de pânico na frente da casa.
- Eu não tive um ataque de pânico.
- Você disse que não conseguia respirar. Que suas mãos e pés formigavam. Que estava tendo problemas para se conectar à realidade. Para mim soa sintomas típicos
de um ataque de pânico.
Ele negou com a cabeça. - Eu não acho que foi isto.
- Está bem.
Rhage inalou profundamente e fitou o rosto de sua amada. - Você é a fêmea mais linda que eu já vi.
- Tenho certeza que não...
Ele tomou o rosto dela entre as mãos, acariciando com carinho. Enquanto seus olhos vasculhavam as feições familiares, ele não conseguia ter o suficiente dela.
Deus, nunca era o suficiente. Nem uma noite, um mês, um ano, uma década... Nem a eternidade que a Virgem Escriba tinha milagrosamente lhes concedido, jamais seria
suficiente para ele.
- Você é a fêmea mais linda que eu já vi. - Ele acariciou os lábios dela com os seus. - Não sei o que fiz para merecer um destino com você, mas jamais, jamais
vou te subestimar.
O sorriso que teve em resposta foi melhor do que o brilho do sol que ele jamais via, envergonhando até a bola de fogo que sustentava toda a vida, inclusive as
daqueles que não suportavam seus raios.
Eles ainda estavam sentados daquele jeito, perdidos no olhar um do outro, quando os doggens vieram, para a sobremesa.
- Quer subir? - Ele disse em uma voz profunda e sombria, sua besta começando a surgir sob sua pele. - Estou pronto para a sobremesa.
O aroma dela chamejou. - Está?
- Mmm hmm.
- Quer que eu pegue um pouco de sorvete para você?
Ele estreitou o olhar na boca dela. - Nada disto. Eu quero chupar outra coisa.
- Bem, então, - ela sussurrou, colando a boca na dele, - vamos te alimentar.
Capítulo VINTE E SEIS
Suor frio.
Trez acordou suando frio, cada centímetro de sua pele encharcado, sua temperatura interior gelada a níveis árticos, o coração batendo tão rápido, que parecia
que alguém havia enfiado a coisa em uma batedeira de bolos. Erguendo-se do travesseiro, gritou...
Cama. Ao invés de algo terrível e chocante... Tudo o que viu foi uma porção de sua cama, e tudo estava absolutamente normal, do abajur que brilhava próximo à
ele, a suas roupas jogadas sobre a chaise, aos sapatos caídos obliquamente onde foram chutados no amanhecer passado.
Por um momento, ficou confuso. Virgem Escriba. Um lugar qualquer, místico. Selena na grama, na clínica, congelada, congelada...
Um gemido suave quebrou o fio entre pesadelo e realidade.
Virando-se subitamente, viu Selena deitada em sua cama, os ombros nus aparecendo acima dos lençóis, os cabelos negros espalhados na fronha branca, rosto e corpo
virados para o outro lado.
Fechando seus olhos, ele cedeu, e desejou que tudo tivesse sido um sonho ruim.
Mas, então, voltou ao foco e se concentrou em sua fêmea, puxando o edredom mais para cima, para mantê-la aquecida, discretamente se inclinando para verificar
se ela ainda estava respirando, se perguntando se deveria arranjar um pouco de comida para ela.
Como se sentisse sua presença, ela se revirou e, mesmo no sono, seu rosto se fechou em uma careta, como se o movimento causasse dor.
Caralho. O sexo fora selvagem, cru, violento. Depois do corpo dela ter enfrentado tudo aquilo.
Maldito fosse ele, pensou, ao passar a palma da mão pelo rosto. Como podia ter feito aquilo com ela? Devia ter se contentado em somente se masturbar até o pau
ficar insensível.
Pior de tudo? Ele não sabia se poderiam realmente resolver as coisas entre eles. Ainda assim, se sentia um imbecil.
Estendendo a mão para a mesinha de cabeceira, pegou o celular e viu que horas eram. Quatro e quarenta e quatro da manhã.
Ele não iria dormir mais. Livrando-se dos lençóis, foi até o banheiro, fechou a porta, usou o banheiro e tomou um banho rápido. Então voltou, tirando seu par
de fones de ouvido da gaveta da mesa de cabeceira, antes de voltar a se enfiar na cama.
Movendo-se lentamente, foi tão cuidadoso em voltar para a cama quanto fora para sair dela, manobrando seu peso de quase cento e quarenta quilos no colchão, sem
deslocar Selena como se fosse um trampolim.
Ao ele se reposicionar, deu uma rápida checada em sua fêmea e ficou aliviado ao descobrir que ela ainda dormia. O que meio que o aterrorizou. E se ela estivesse
em coma ou...
Como se procurasse por ele, ela tateou pelo edredom.
- Estou bem aqui, - ele sussurrou.
Instantaneamente, ela parou a busca, e quando ele segurou sua mão, a palma estava quente, vital, do jeito que sempre estivera.
Ele levou um tempo para estudar os dedos dela, dobrando-os, medindo os movimentos, procurando por pontos de resistência. O que não era certo, ele pensou.
Era injusto tentar tirar informações do corpo dela sem seu conhecimento e consciência... E como forma de se desculpar, ele interrompeu-se, e alisou as unhas
cor de rosa e os semicírculos brancos e curtos que ela aparava regularmente. Quando o sono a reclamou novamente, ele se sentiu... Devastadoramente sozinho. Mesmo
que estivessem lado a lado, ele recostado na cabeceira da cama, com ela aninhada em seu corpo, não parecia estar conectado a ela. Disse a si mesmo que era uma simples
questão de dormir e acordar. Aquela era a divisão... Nada tão assustador quanto o fato das ondas cerebrais serem lidas diferentes em uma tomografia computadorizada.
Era besteira, claro. E quanto mais tentava forçar-se a acreditar na mentira, mais preso se sentia... Então, para calar seu conflito interno, ele ligou o rádio
na estação SiriusXM em seu celular, conectou os fones de ouvido e tentou ficar confortável. Ou confortável de alguma forma.
Ou... Pelo menos, não consumido pela necessidade de pular para fora de sua própria pele.
Naturalmente, porque sua sorte era uma bosta, a primeira coisa que ouviu no rádio, foi mais más notícias.
- Está brincando? - Ele murmurou alto quando a voz de Howard Stern inundou seu crânio. - Eric, o ator está m...
As sobrancelhas de Selena se contraíram como se considerasse acordar e ele fechou a matraca. Mas, não conseguia acreditar que mais um do Wack Pack10 se fora.
Parecia cruel à luz de tudo o que ele estava passando.
Merda, era como se as notícias ruins estivessem fazendo um esforço concentrado para sair das sombras e encontrá-lo.
Selena acordou lentamente, e o aroma do corpo de Trez foi a primeira coisa que notou. O som da voz dele foi em seguida. A sensação das mãos dele sobre as suas,
a terceira.
Abrindo os olhos, ela o viu sentado ao seu lado na cama, os olhos negros, absorto em seu celular, as sobrancelhas baixas como se houvesse recebido notícias perturbadoras
através de uma mensagem de texto ou...
- Está tudo bem? - Ela perguntou.
Quando ele não respondeu, ela percebeu que ele tinha fios saindo do celular para seus ouvidos como se estivesse ouvindo alguma coisa.
No instante em que ela apertou sua mão, ele pulou tão alto que os fones caíram.
- Oh, meu Deus! Você está acordada.
- Sinto muito, não queria assust...
- Merda, não sinta... Está bem? Precisa da Dra. Jane?
- Não, não... - Ela tentou fazer o cérebro funcionar. - Estou bem, é só... Parece perturbado?
Quando ele olhou para ela, o único som no quarto era o ruído dos fones.
Ela puxou as cobertas mais ainda para cima. - Há algo errado comigo?
- Oh, Deus, não. Eu, ah, não... Não é nada. - Ele olhou para o celular. - Só, um cara que era do The Stern Show morr...
Quando ele se interrompeu, os olhos arregalados, como se quase houvesse dito algo imperdoável.
- Morreu? - Ela terminou por ele.
- Eu, ah...
- Você ainda pode pronunciar a palavra, - ela deu um aperto na mão dele de novo. - De verdade.
Trez pigarreou e afastou o celular. - Está com fome?
- Na verdade não.
- Com sede?
- Não.
Ele mexia nos lençóis. O edredom. - Está quentinho aí?
Franzindo o cenho, ela sentou-se e encostou-se aos travesseiros. Olhando para ele, sorriu. - Estou contente de ter vindo aqui. Para conversar e... Fazer aquelas
outras coisas.
- Está mesmo? - Os olhos dele, aqueles lindos olhos amendoados, se voltaram para ela. - Sério? Eu acho que fui violento demais no modo como...
O sorriso dela se estendeu. - Eu realmente, realmente, perdi minha virgindade agora.
Ele corou. Corou da verdade, uma mancha vermelha tingiu suas bochechas. - Me preocupa ter te machucado.
- Nem um pouco. Quando podemos fazer de novo...
O engasgo de Trez foi súbito e ruidoso, e ela teve de bater nas costas dele para ajudá-lo a respirar novamente.
- Está bem? - Ela disse, ainda sorrindo.
- Ah, sim. É que você tem um jeito de me surpreender.
Por um momento, ela se lembrou dele vindo a ela no Santuário. Mesmo paralisada na ocasião, ela soubera o instante em que ele chegara. Fora um milagre. Mas, como
ele soubera?
- Como me encontrou? Lá em cima, no Santuário?
Ele meneou lentamente a cabeça. - Você não vai acreditar.
- Tente.
- A Virgem Escriba. Eu estava em meu clube, resolvendo uns assuntos, Rhage e V estavam comigo. De repente, aquela... Figura apareceu... Vestida de preto, iluminada
por baixo do tecido, uma voz que eu ouvi aqui dentro, - indicou a cabeça, - ao invés de nos ouvidos. A próxima coisa que vi? Eu estava... Bem, de qualquer forma.
Eu estava com você.
Agora foi a vez dela de mexer nas cosias. - Eu sinto muito.
- Por quê?
- Por você ter me visto assim. Sinto muito por tudo isto.
- Diabos... Como eu disse antes, como se fosse culpa sua estar doente?
- Eu sei, mas ainda assim. Eu queria... - ela tentou virar a cabeça para trás para poder olhar para o teto, mas o pescoço anda estava dolorido demais.
- Você está sentindo dor.
- Não é incomum. É como sempre me sinto. Eu... Bem, que seja.
Aparentemente, dois podiam fazer aquele jogo de evitar um assunto.
- Isto é tão forçado, - ela soltou.
- O que?
Ela teve de virar o tórax para poder olhar para ele de verdade. E vagamente, avaliou como era bela a pele escura dele contra os lençóis brancos, o contraste
fazia ambos parecerem cintilar.
Selena tentou achar as palavras. - Eu sinto como se houvesse esta enorme... Não sei, distância ou algo assim... Entre nós. Não faz sentido, digo, você está bem
aqui ao meu lado... Mas, há palavras nas quais estamos tropeçando, assuntos sobre os quais não queremos falar... Bem, isto é um saco. Porque agora? Esta é a melhor
parte, digo, dá uma olhada.
Ela ergueu a mão livre com os dedos esticados, fechou-os e tornou a abrir.
- Acordada e flexível é tão melhor do que o jeito que eu estava antes, não é? - Quando ele simplesmente olhou para ela, sentiu-se tola. - Desculpe, acho que
isto soa estranho.
Trez se inclinou e beijou-a, seus lábios demorando-se. - Não... - ele se afastou. - Isto... Eu sei o que quer dizer. Não é loucura e você está certa. Esta é
a melhor parte...
- Você está tão quente.
Trez soltou outra tossida. - Maldição, fêmea. O que deu em você...
- Eu lhe disse a noite passada, ou céus, que horas eram? De qualquer forma, eu te disse antes, sou toda honestidade agora.
As pálpebras dele caíram. - Gosto de honestidade. Então, me deixe perguntar, se eu te pegasse no colo e te carregasse para o chuveiro, você...
- Me ajoelharia de novo sob o jato quente para ver se você é tão gostoso quanto eu me lembro?
O som que ele fez não foi uma tossida. Mas, também não foi nada coerente. Foi parte grunhido, parte rosnado, com um pequeno gemido no meio, como se estivesse
se preparando para implorar...
Mais ou menos a coisa mais sexy que ele já ouvira.
- Isto foi um sim? - Ela falou lentamente.
Ele beijou-a novamente, com mais força desta vez. Por mais tempo também. Então ele a fitou, com olhos que ferviam. - Merda, estou morrendo aqui.
Quando Trez interrompeu-se de novo, ela sentiu-se atingida pela palavra de novo. Em se tratando deles, aquela era realmente, uma palavra matadora. Mas, era ela,
e não ele.
- Sinto muito, - ela forçou-se a sorrir. - Vamos lavar nossas preocupações...
- Eu vou achar uma cura para isto, - ele disse, com seriedade. - Eu não vou deixá-la perder a luta, Selena. Eu vou, literalmente, mover céus e terras para mantê-la
ao meu lado... Para que não haja nada no meio de nós dois, nada além de nossa pele nua... Nossas almas.
Lágrimas subiram aos olhos dela, e ela as conteve, desejando que sumissem e não voltassem a aparecer. Estendendo a mão para o rosto bonito dele, passou as pontas
dos dedos sobre suas feições.
- Eu te amo, Trez.
- Deus, eu te amo também.
Capítulo VINTE E SETE
Quando Layla acordou, estava deitada de lado em uma superfície muito mais suave do que o chão do vestíbulo. Em pânico, levou a mão à barriga.
Tudo parecia o mesmo, o inchaço firme, do tamanho que sempre fora... Mas, querida Virgem Escriba, teria ela machucado a criança? Ela conseguia se lembrar de
sair do carro, da luta para caminhar até a entrada da mansão, e de lá ter perdido a consciência...
- Bebê, - ela murmurou, - bebê, está bem? Bebê?
Instantaneamente, os olhos azul e verde de Qhuinn estavam bem à sua frente. - Você está bem...
Como se ela se importasse com ela mesma naquela hora. - Bebê!
Com uma súplica, pensou, por que antigamente reclamara de estar grávida? Talvez aquilo fosse punição por ter...
- Está tudo bem. - Qhuinn olhou para o outro lado do quarto, se concentrando em alguém que ela não conseguia ver. - Bem, apenas... Okay, é... Bem.
Ela jamais se perdoaria.
O alívio foi tão grande, que lágrimas subiram aos seus olhos. Se ela tivesse perdido o filho deles por estar no encontro com Xcor? Porque andara bisbilhotando
enquanto ele... Fazia aquilo com seu próprio sexo?
Ela jamais se perdoaria.
Com um pedido, ela se perguntou por que sequer pedira ao macho para fazer aquelas coisas. Era tão errado em diversas formas, adicionando ainda mais culpa quando
ela já estava com a coisa atolada até a garganta.
- Oh, Deus, - ela gemeu.
- Você está com dor? Merda, Jane...
- Estou bem aqui. - A boa doutora ajoelhou-se ao lado de Qhuinn, parecendo cansada, mas alerta. - Olá, Layla. Que bom que voltou. Só para saber, Manny engessou
seu braço. Havia uma fratura.
Houve algumas explicações sobre seu tempo de recuperação e quando o gesso poderia ser retirado, mas ela não prestou atenção em nada daquilo. Dra. Jane e Qhuinn
estavam escondendo algo dela: Os sorrisos de tranquilidade eram como fotografias da coisa real... Pareciam reais, mas eram falsos.
- O que não estão me dizendo?
Silêncio.
Quando ela lutou para se sentar, foi Blay que ajudou, gentilmente apoiando o braço bom e para lhe dar um pouco de impulso.
- O que? - Ela exigiu.
Dra. Jane encarou Qhuinn. Qhuinn olhou para Blay. E Blay... Foi o que eventualmente enfrentou o seu olhar.
- Há algo inesperado, - o guerreiro disse, - no ultrassom.
- Se me fizer perguntar "o que", de novo, - ela disse, por entre dentes cerrados, - vou começar a jogar coisas, e que se dane o meu braço quebrado.
- Gêmeos.
Como se o tempo e a realidade fossem um carro que subitamente tivessem seus freios acionados, houve um metafórico som de freada em sua mente.
Layla piscou. - Desculpe... O que?
- Gêmeos, - Qhuinn repetiu. - O ultrassom mostrou que são gêmeos.
- E perfeitamente saudáveis. - Dra. Jane completou. - Um é significantemente menor, e seu desenvolvimento está atrasado, mas parece viável. Eu não vi o segundo
feto nos ultrassons anteriores porque, Havers me contou que as gestações em vampiros são diferentes das humanas. Acontece que aparentemente outro óvulo fertilizado
pode se implantar, mas não entra em um estágio de significante embriogênese até muito mais tarde... Seu último ultrassom foi há dois meses, por exemplo, e eu não
vi nada antes.
- Gêmeos? - Layla sufocou.
- Gêmeos. - Um dos três repetiu.
Por algum motivo, ela se lembrou do momento em que descobriu estar realmente grávida. Mesmo que a gravidez fosse o objetivo e ela e Qhuinn houvessem feito o
que fizeram só para chegar lá, a confirmação de que sua necessidade vingara meio que a estonteara. Parecia milagroso, e avassalador... Uma alegria assustadora que
ela não estava inteiramente certa de que não fosse derrotá-la.
Agora ela sentia o mesmo.
Tirando a parte da alegria.
Ela sabia de duas de suas irmãs que esperaram gêmeos, e uma das gestações não deu certo. Da outra, havia nascido um único bebê vivo.
Lágrimas começaram a se derramar de seus olhos.
Aquelas não eram boas novas.
- Ei! - Blay se inclinou, com um lenço. - Isto não é ruim. Não é.
Qhuinn concordou, embora seu rosto continuasse uma máscara. - É... Inesperado. Mas não é de todo ruim.
Layla colocou as mãos sobre o estômago. Dois. Havia dois bebês que agora, tinha de levar em segurança até a reta final.
Dois.
Querida Virgem Escriba, como isto acontecera? O que ela ia fazer?
Enquanto as questões corriam por sua cabeça, ela percebeu... Bem, inferno. Como muitas coisas na vida, aquilo estava fora de suas mãos. Uma impossibilidade manifestada;
sua função, agora, era fazer o que pudesse para ajudar a si mesma e aos bebês descansarem, se nutrirem e ter os cuidados médicos necessários.
Esta era a única coisa que podia diretamente controlar. O resto?
Só cabia ao destino.
- Pode haver outros? - Layla perguntou.
Dra. Jane deu de ombros. - Acho altamente improvável, mas gostaria de enviar uma amostra do seu sangue para Havers. Ele tem muito mais experiência do que eu
nisto, e após analisar o hormônio específico da gravidez vampira, ele crê que pode arriscar a dizer a sua situação. Ele disse, no entanto, que trigêmeos são virtualmente
inéditos, e que o seu caso está no curso típico de gestação de múltiplos. A menos em casos extremamente raros de gêmeos idênticos como Z e Phury, o segundo embrião
atrasa seu desenvolvimento até a gravidez estar bem avançada. Quase como se na espera para ver se as coisas estão indo bem antes de se juntar à festa.
Layla baixou os olhos para seu abdômen distendido, e jurou nunca, jamais reclamar sobre coisa alguma. Nem de tornozelos inchados, ou dos seios doloridos, ou
de ter de ir ao banheiro a cada dez minutos. Sem. Mais. Chororô.
Nunca mais.
O fato de ela ter perdido a consciência, caindo de cara em um chão de mármore, e ainda conseguir ter aquele bebê...
Aqueles bebês, ela se corrigiu em choque.
... Em seu corpo, em segurança, era um lembrete que as dores e os desconfortos eram menores em comparação ao cenário maior, o grande objetivo, a grande preocupação.
Que era dar à luz a eles no momento certo, e fazê-los sobreviver.
- Então você consente? - Dra. Jane perguntou.
- Desculpe, o que?
- Tudo bem eu enviar uma amostra do seu sangue para Havers analisar?
- Oh sim. - Ela estendeu o braço bom. - Pode tirar...
- Não, já coletamos a amostra.
Ah, o que explicava a bolinha de algodão colada na parte interna de seu cotovelo.
Seu cérebro não estava funcionando direito.
- Foi por isto que ela desmaiou? - Qhuinn perguntou. - Por causa do outro bebê?
Dra. Jane deu de ombros de novo. - As amostras dela parecem bem... E já estão estáveis há um tempo. Quando foi a última vez que se alimentou, Layla?
O problema não era se ela tinha tomado veia recentemente. - Eu...
- Podemos resolver isto agora. - Qhuinn anunciou - Blay e eu podemos ambos lhe oferecer nossas veias.
Dra. Jane anuiu. - É lógico pensar que, com o segundo bebê requerendo mais nutrição, suas necessidades calóricas e de sangue devem ser maiores do que tenha percebido.
Eu acho possível que você tenha extrapolado seus limites e isto acabou por te esgotar.
Layla sentiu-se totalmente entorpecida e teve de forçar um sorriso. - Eu tomarei mais cuidado. E obrigada. Eu realmente agradeço seus cuidados.
- De nada. - Dra. Jane deu ao pé de Layla um leve aperto por cima das cobertas leves. - Descanse. Você vai ficar ótima.
Quando a médica saiu, Layla pensou nos estranhos anseios sexuais que vinha sentindo ultimamente, além do relativamente súbito aumento de seus sintomas físicos.
Será que era pelo outro bebê...?
- Quer que eu traga algo mais confortável do que isto? - Qhuinn perguntou.
Ela forçou-se a voltar o foco. - Desculpe, mais confortável que...?
- Esta camisola de hospital.
Baixando os olhos, viu que não estava mais com suas roupas. - Oh, Bem. Na verdade, está um pouco mais frio aqui. Uma das minhas túnicas seria legal, mas não
quero que se encrenque.
- Sem problemas. Eu levo suas coisas de volta para seu quarto e pego uma camisola e uma túnica... Enquanto isto, Blay, você pode lhe dar sua veia?
Como resposta, o pulso do soldado apareceu bem à frente dela. - Tome o quanto precisar.
Naquele momento, ela teve uma vontade avassaladora de lhes contar. Confessar. Livrar-se do estresse do último ano, não importando as consequências.
Ela só queria se livrar do fardo terrível que carregava. Assustava.
Atormentava.
Sem dúvida aquilo poderia aumentar as chances de ela carregar melhor aqueles bebês... Menos estresse era bom para fêmeas grávidas, não era? E agora havia duas
vidas em risco, além da dela.
- Layla?
Ela engoliu em seco. Olhou para os dois ali em pé, próximos à cama, preocupados. Ela não queria trair a única família que tinha. Além disto, talvez se contasse
a eles sobre Xcor, eles pudessem... Tornar o local mais seguro. Ou...
Layla pigarreou e agarrou as cobertas na cama como se fosse um rolo compressor entrando em uma curva fechada. - Ouçam, eu preciso...
Quando ela não terminou. Qhuinn quebrou o silêncio - Você precisa se alimentar. É o que precisa fazer.
Como se suas presas tivessem ouvido, elas se alongaram em sua boca, e ela se tornou consciente do fato de que, sim, ela estava morrendo de vontade de se alimentar
de uma veia.
E não, ela não podia contar a eles. Só... Não era bom. Não havia uma boa solução para ela. Eles a odiariam por colocar arriscar sua vida e sua gravidez... E
enquanto isto, Xcor ainda saberia onde eles vivem, porque a Irmandade jamais largaria aquele lugar. Aquela era a casa deles e eles a defenderiam quando ele atacasse
depois que parasse de vê-lo.
Pessoas morreriam. Pessoas que ela amava.
Merda.
- Obrigada, - ela disse, roucamente, para Blay.
- Qualquer coisa por você, - ele respondeu, acariciando os cabelos dela para trás.
Ela tentou tomar o mais gentilmente que podia, mas Blay demonstrou nem ligar. Claro, quando ele e Qhuinn faziam amor, sem dúvida costumavam dar mordidas muito
mais violentas.
Assim que começou a sugar da fonte familiar, absorvendo a nutrição que seu corpo precisava e só obtinha através desta dádiva de um macho de sua espécie, Qhuinn
foi para onde suas roupas foram colocadas em uma cadeira no canto. Ao pegá-las, ele franziu o cenho e olhou para baixo. Então mexeu nas camadas de tecido como se
procurando alguma coisa.
Um momento depois, ela fingiu estar concentrada no que estava fazendo. Ela não tinha ideia do que ele encontrara ou porque estava olhando para ela daquele jeito.
Mas dado o modo como ela vinha vivendo, ela tinha muito que esconder.
- Quando deve ir?
Diante da pergunta de Trez, Selena se concentrou na tigela quente de mingau de aveia que ele havia acabado de fazer para ela. Como já passava muito do amanhecer,
toda a equipe de doggens já estava recolhida em seus aposentos, então ela e Trez estavam sozinhos na cozinha enorme, sentados lado a lado na mesa de carvalho.
- Selena. A que horas é sua consulta?
Ela devia ter ficado de boca fechada. Dois segundos antes, enquanto aproveitava aquela bela preparação de aveia Quaker, com acompanhamento farto de creme e açúcar
mascavo, os dois flutuavam no brilho do que fizeram no chuveiro, em paz e relaxados.
E agora?
Acabou-se, como diziam.
- Primeira hora da manhã.
Trez verificou o celular. - Está bem, está bem. É quase oito. Então se terminarmos rapidinho, conseguimos chegar a tempo.
- Eu não quero ir. - Ela podia senti-lo encarando. - Não quero. Não estou com muita pressa de voltar para lá.
- A Dra. Jane diz que temos de fazer radiografias de suas juntas para monitorar...
- Bem, eu não quero. - Ela colocou uma colher cheia na boca e não sentiu gosto algum. Era só textura. - Sinto muito, mas estou bem agora. Não quero descer e
ser cutucada e furada de novo.
A reticência dela era apoiada pelo fato de que agora estavam na parte boa, e ela não sabia quanto tempo ia durar. Já que nada poderia parar aquilo, por que eles
precisariam sequer se incomodar com...
- Significaria muito para mim se você fosse ver a Jane.
Ela olhou para cima. Trez olhava para as janelas atrás dela, mesmo que as persianas estivessem baixadas e não houvesse nada para ver.
Os olhos dele pareciam atormentados. Como se soubesse que ela não iria à clínica... E que não havia nada que ele pudesse fazer sobre isto.
- Sabe do que tenho mais medo? - Ela ouviu-se dizendo.
Os olhos dele se voltaram para ela - O que?
Ela revirou sua aveia. Provou novamente, o que somente registrou como algo quente. - Tenho medo de ficar presa.
- Como assim?
- Não quero ficar presa aqui, - ela disse, em voz baixa. Então indicou o peito, os braços, as coxas sob a mesa. - Em meu corpo. Tenho medo dos episódios. Estou
viva, sabe, trancada e... Quando acontece, é difícil ouvir e ver, mas, registro as coisas. Eu soube, quando você veio me buscar. Fez toda a diferença. Quando você
estava comigo, eu não me sentia... Mais tão presa.
Quando ele permaneceu em silêncio, ela voltou a olhar para ele. Ele estava olhando de novo para as janelas, que não mostravam nada do dia lá fora, nem se estava
nublado ou ensolarado, se estava chovendo, ou se havia um vento soprando as folhas outonais pelo gramado marrom.
- Trez? - Ela chamou.
- Desculpe, - ele voltou sua atenção. - Desculpe, me distraí por um momento.
Ele se virou na cadeira, apoiando os pés nos degraus sob o seu assento. Então pegou sua mão, a que não segurava a colher e abriu-a contra a própria palma.
- Você tem as mãos mais bonitas que já vi, - ele murmurou.
Ela riu. - Eu acho que está sendo tendencioso, mas, vou aceitar o elogio.
Ele franziu o cenho, as sobrancelhas se juntaram. - Eu posso imaginar como... - ele inalou longa e lentamente, - eu não consigo imaginar nada mais aterrorizante
no mundo do que estar trancado em um local do qual não seja possível escapar; e estar aprisionado no próprio corpo? É inconcebível. É de foder a cabeça de qualquer
um.
- Sim.
Houve um longo período de silêncio àquela altura, com ele sentado à frente de sua tigela, que esfriava, sem tocá-la, e ela brincando com a sua aveia, fazendo
pequenos símbolos "S" com a ponta da colher.
A discussão que estavam tendo ressoava no ar entre eles, o argumento dele de que "é-para-o-seu-próprio-bem" guerreava com o dela "não-até-eu-ser-absolutamente-obrigada".
Não havia razão real para dizer as palavras em voz alta. Ela não ia recuar. E aquilo significava que a única opção dele seria jogá-la em cima do ombro e dar uma
de homem das cavernas, arrastando-a até o Centro de Treinamento.
Finalmente, Selena não aguentou mais e teve de mudar de assunto.
- Às vezes me pergunto... - ela estremeceu, - digo, e se todo mundo estiver errado sobre a morte? E se não houver Fade, mas ao invés dele, a gente só ficar presa
no próprio corpo para sempre, consciente, mas incapaz de se mover?
Ótimo. Ela estava tentando aliviar o clima.
Bela. Tentativa.
- Bem, os corpos... - ele pigarreou, - Sabe... Apodrecem.
- Hmmm, tem razão.
- Embora, como pesadelo de pós vida para mim? Me preocupa um apocalipse zumbi. - Ele pegou a colher e começou a comer, ainda segurando a mão livre dela. - Seria
um saco. Você morre e então passa a vagar pela Terra, fedendo por todo canto, em uma dieta Atkins que, tipo, jamais terminaria.
Ela ergueu a colher para interrompê-lo. - Espere um minuto, veja, você só teria fome, certo? Se encontrasse pessoas para comer, então, a vida seria bem boa para
um zumbi.
- Não se a metade inferior de seu rosto caísse. Sem mandíbula, como se alimentaria? Então seria só fome e não poderia fazer nada para resolver. Um saco total.
- Canudos.
- O que?
- Bastariam canudos.
- Difícil passar um fêmur através de um canudo.
- E um processador. Canudos e processador. E está resolvido.
Com uma gargalhada ruidosa, Trez jogou a cabeça para trás e riu tanto, que foi sorte não acordar a mansão inteira.
- Oh, meu Deus, isso é tão insano. - Ele se inclinou e a beijou. - Tão fodidamente insano.
De repente ela sorria também... Tão forte que as bochechas doeram. - Totalmente insano. Deve ser por isto que chamam de humor negro?
- É. Especialmente se alguém levar a pior. - Trez ficou sério. - E, está bem, então não vá.
- O que? Levar a pior? Claro que não.
- Ver Jane. Se não quer ir, não vou te pressionar.
Selena exalou em um suspiro. - Obrigada. Eu realmente aprecio isto.
- Não precisa agradecer. Não é minha decisão. É sua. - Ele correu a colher pelo interior da tigela. - Acho que é importante que você tenha tanto poder de decisão
quanto possível em cada aspecto de sua vida, especialmente na doença e no modo como lidar com ela. Acho que você se sente como se não tivesse escolha sobre tanta
coisa... Destino... Que se abate sobre você, e isto torna as oportunidades de fazer escolhas especialmente importantes. - Ele olhou para ela, - eu posso ter a minha
opinião, e pode apostar seu traseiro que te direi qual é, mas, a última coisa que quero é pressioná-la. Você já tem problemas suficientes para resolver. Não vou
adicionar mais isto.
- Como você sabe... Deus, é como se soubesse exatamente o que estou pensando.
Ele deu de ombros e seus olhos assumiram um ar alheio. Então ele indicou a lateral da cabeça. - Só um chute. - Ele voltou a se focar nela. - Então, a questão
é, aonde você quer ir?
- Desculpe?
- Aonde quer ir? A clínica está fora de questão... Então o quê?
Selena sentou-se de volta na cadeira. Agora era ela olhando as janelas. - Eu gosto do Grande Acampamento do Rehvenge, se é isto o que quer dizer.
- Seja ousada. Pense grande. Vamos lá, deve haver algum lugar excitante. O Taj Mahal, Paris...
- Não podemos ir a Paris.
- Quem disse?
- Ahh...
- Nunca encontrei nenhum Ahhh, não o conheço, não me importo do quão grande ele seja... Se estiver em nosso caminho? Vou matar o filho da puta.
- Você é tão adorável. - Selena se inclinou e beijou-o na boca. Então tentou forçar seu cérebro a surgir com alguma coisa, qualquer coisa. - Que sorte a minha.
Finalmente consigo um passe livre... E não consigo pensar em nad... Oh! Já sei!
- Diga e realizarei.
- Eu quero ir ao Circle the World.
Trez se recostou também. - O restaurante?
- É. - Ela limpou a boca com um guardanapo. - Quero ir ao Circle the World para um jantar.
- É aquele que gira, no topo do...
- Do prédio mais alto de Caldwell! Eu vi na TV uma vez, enquanto fazia companhia à Layla em seu quarto. Dá para sentar perto da vidraça e olhar para a cidade
toda durante a refeição. - Ela franziu o cenho ao vê-lo engolir em seco, e não por ter engolido uma colher cheia de aveia, - você está bem?
- Oh, sim, absolutamente. - Trez anuiu e estufou o peito ao dar uma de machão para cima dela. - Eu acho que é uma grande ideia. Vamos pedir para Fritz fazer
a reserva para esta noite. Tenho um pouco de influência nesta cidade, então não vai ser um problema. E eles servem jantar até às nove e dez da noite.
Selena começou a sorrir, imaginando-se em uma das túnicas de Escolhida, os cabelos perfeitamente penteados, o corpo normal... E Trez do outro lado da mesa brilhante
que apareceu no comercial de TV, com o guardanapo tão branco, os pratos tão quadrados, a prataria brilhando a luz dos candelabros.
Perfeito.
Romântico.
E nada a ver com estar doente.
- Estou tão excitada. - Ela disse.
A próxima colherada de aveia que pôs na boca estava doce e cremosa e completavam o mais perfeito... Como os humanos chamavam? Desjejum?
Não fazia sentido. Mas, quem se importava.
- Então é um encontro, não é? - Ela percebeu. - Louvada seja a Virgem Escriba, eu tenho um encontro!
Trez riu, o som foi um estrondo em seu peito largo. - Pode acreditar que sim. E vou te tratar como uma rainha. Minha rainha.
Quando ambos voltaram a comer com vontade, ela pensou, uau, que cenário emocional estranho aquilo tudo era, vales profundos de desespero, seguidos por vastas
paisagens, tão emocionalmente puras e belas, que ela sentiu-se honrada por tê-las. Era quase como se sua vida, com o tempo limitado que restava, tivesse sido amarrada
como uma faixa de tecido, que poderia ser suave e normal, mas agora ondulava com grande ressonância.
Ela teria preferido o luxo de séculos. Mas, neste momento, agora, se sentia tão profundamente viva. De um jeito que não podia afirmar jamais ter sentido antes.
- Obrigada. - Disse ela, abruptamente.
- Pelo quê?
Ela baixou os olhos para seu prato de aveia, sentindo o rosto enrubescer. - Por esta noite. É a melhor noite que já tive.
- Você não viu nada, minha rainha.
- Ainda assim, é a melhor noite, - ela olhou dentro dos olhos escuros dele, - de minha vida inteira.
Capítulo VINTE E OITO
iAm acordou ao cheirar a sopa, e assim que seu cérebro se acendeu novamente, não houve nenhuma besteira do tipo "Será que isso é um sonho?" rolando com ele.
Apesar do fato de que esteve apagado por causa de uma concussão, nem um segundo do que levou ao seu desembarque nesta cela no palácio da Rainha foi perdido por ele:
Não a troca rápida de roupa na frente da quase réplica de Abraão Lincoln, nem a entrada pelos fundos do Território, nem o golpe na cabeça que se seguiu ao seu breve
caminhar de um lado para o outro antes disso.
A sopa, entretanto, foi uma surpresa. Era algo que se lembrava de sua infância, uma mistura de abóbora e nata, especiarias e arroz.
E havia outro perfume na cela. O mesmo que encheu seu nariz quando aquele sacerdote tinha vindo para checar suas marcações.
Abrindo os olhos, ele...
Recuou.
Uma maichen, ou seja, uma criada, estava de joelhos diante dele, seu corpo e cabeça envoltos no pálido azul que correspondia à sua função, o rosto coberto por
uma máscara de malha que mostrava absolutamente nada de seus olhos ou características. Nas mãos dela havia uma fina bandeja de madeira que continha a tigela, uma
colher, uma jarra e um copo, assim como também um grande pedaço de pão.
Nenhum sacerdote. Ninguém mais estava com eles.
Ele inalou mais uma vez; então percebeu que a fêmea deve ter entrado com o oficial da corte antes e ele apenas não tinha percebido.
Ele se ergueu do chão. E foi então que percebeu que estava nu.
Que seja. Ele não quis fazer a maichen sentir-se desconfortável, mas se ela não gostasse da vista, podia partir.
Não que ela estivesse olhando para ele. Sua cabeça estava abaixada em submissão, como ela havia sido treinada.
S'Ex aparentemente estava disposto a dispensar algum cuidado a ele enquanto estivesse na prisão; ou pelo menos a mantê-lo vivo por enquanto. E por um momento
ele teve pena desta pobre fêmea cuja posição social era tão baixa que ela era enviada, sozinha, para machos potencialmente perigosos sem nenhuma consideração para
com sua segurança ou seu sexo.
Mas, então, na hierarquia das coisas, ela era considerada como sendo algo essencialmente sem valor.
Triste. Mas ele tinha outros problemas com que se preocupar.
Sem dar atenção à maichen ou à sua situação de estar como veio ao mundo, ele se levantou e caminhou até o biombo no canto mais distante. As instalações de água
ficavam atrás disso e ele fez uso delas, recebendo outro lembrete de que não estava mais no Kansas.
Quando se curvou sobre uma pia como as usadas pela plebe para lavar o rosto, ele teve apenas uma única manopla para ligar a torneira em vez de uma separada para
quente e outra para frio.
Não era por ele ser um prisioneiro: Tudo isso de esperar-ter-água-quente estava entre as coisas com as quais ele teve de se acostumar fora do Território. Os
humanos insistiam em alternar uma mistura de opostos para ter uma temperatura perfeita. Aqui no s'Hisbe? Toda água estava a 36 graus. De água para beber, à água
para escovar os dentes, era uma única constante, nem quente nem frio.
Salpicando o rosto, ele pegou a toalha preta que estava em um suporte de parede e secou-se. Macia. Tão macia. Nada como as dos humanos, e ele era apenas um prisioneiro.
Ele recolocou o tecido úmido no suporte por hábito e caminhou para fora do biombo.
- Diga a s'Ex que eu quero vê-lo.
Prisioneiros normalmente não se davam ao luxo de fazer pedidos, mas ele não se importava. Ele também se recusava a falar no Idioma Antigo ou no dialeto dos Sombras.
Devido a predominância da cultura humana, o inglês era ensinado nas escolas dos Sombras, e era esperado que até mesmo os criados tivessem algum conhecimento rudimentar
da língua.
- E eu não vou comer isso. - Ele acenou com a cabeça para a bandeja. - Então você pode levá-la.
Só Deus sabia o que havia nessa merda, se seria uma droga ou algum tipo de veneno. Ele estava muito confiante de que seu tratamento ali não continuaria sendo
tão bondoso. Eles iriam, muito provavelmente, puxar seus braços e pernas para fora de seus soquetes em algum momento; embora não até que eles notificassem Trez acerca
de seu cativeiro.
Merda. Ele nunca devia ter confiado...
A maichen colocou a bandeja no chão. Então estendeu a mão, pegou a colher, mergulhou-a na sopa e ergueu. Com a mão livre ela levantou a malha o suficiente para
expor sua boca e provar a comida. Então ela fez o mesmo com o pão e a sidra de maçã fermentada que estava na jarra.
Permitindo que a malha voltasse para o lugar, ela sentou-se de novo sobre as solas dos chinelos de couro em seus pés.
Infelizmente o gesto não fez nada para diminuir as suspeitas dele. maichens estavam tão abaixo na cadeia alimentar que até mesmo a própria palavra recebia pouco
respeito no começo das frases. Que ela pudesse ser envenenada ou comprometida? Ninguém se importaria.
O estômago dele, porém, ficou seriamente encorajado quando ela continuou a respirar.
Antes que pudesse se conter, ele foi até ela e a bandeja. maichen não olhou para cima, mas, então, ela o temia; por uma boa razão.
O cheiro de seu medo se misturava muito bem com aquela sopa picante.
Assim como o cheiro da pele dela.
Inalando pelo nariz, ele sentiu outro choque atravessar seu sistema, seus músculos se contraindo; assim como seu pênis.
O que não fazia nenhum sentido. Ali estava ele, enfiado na merda até o queixo, e seu sexo decidiu se interessar? Sério isso?
Não era à toa que chamavam essa coisa de "alavanca estúpida".
Em pé erguendo-se sobre ela, ele pôs as mãos nos quadris e ficou atento à sinais de que ela fosse ter um treco. Quando ela continuou na vertical, ele esperou
mais um pouco. Ela estava tremendo, mas, tinha estado desde que ele se levantou.
iAm ajoelhou-se no chão de pedra dura, espelhando a pose dela. Quase imediatamente os joelhos dele começaram a doer; outro lembrete de quanto tempo fazia desde
que ele esteve em contato com seu povo. Tal maneira de se sentar era uma trivialidade aqui no Território.
Conveniente se você estava com a bunda de fora, também. Não te deixava completamente exposto.
Ele comeu rápido, mas não descuidadamente, e foi uma boa pedida. Seu cérebro precisava das calorias; seu corpo também, se ele estivesse indo forçar sua saída
dali.
Esse era o plano.
- S 'Ex. - Ele exigiu quando terminou. - Vá buscá-lo.
Com isso, ele empurrou a bandeja em direção à fêmea. Como era costume, ela se curvou adiante em reverência, sua fronte coberta quase terminando na tigela branca
vazia.
Ela levantou a bandeja, endireitando o torso, e graciosamente ficou em pé sem cambalear ou deixar cair qualquer coisa. Saindo da cela, ela acionou a porta colocando
a sola de seu sapato contra uma seção da parede. Um momento depois, porque a saída era claramente monitorada, alguém abriu a coisa remotamente; ou isso, ou a saída
era de alguma forma acionada com pisadas.
E ela foi para fora.
Enquanto o painel se fechava com um som estilo Star Trek, ele sabia que teria sido inútil dominá-la e tentar usá-la como moeda de troca. S'Ex e seus guardas
estariam mais propensos a negociar para salvar um cão.
Andando de um lado para o outro, ele lembrou-se de seu irmão ao lado de Selena enquanto ela jazia naquela mesa de exame, sob aquela luz intensa, o corpo dela
todo contorcido e uma expressão congelada no rosto.
Deus, ele nunca deveria ter feito isso. Fale sobre uma situação em que todos perdiam: Trez iria querer vir para tirá-lo dali, mas deixar aquela fêmea quando
ela estava doente iria matá-lo.
Nada como jogar gasolina no fogo. Junto com mais ou menos uma tonelada de dinamite.
Trez quis dizer cada palavra que disse sobre Selena e a liberdade dela de escolha.
À medida que atravessava a passos largos o túnel subterrâneo rumo à clínica do Centro de Treinamento ele estava cem por cento certo de uma, e apenas uma, coisa;
bem, de duas, mas o fato de que estava apaixonado por ela era o básico. A outra coisa ele sabia com certeza que era Selena, e apenas Selena, quem decidiria como
sua condição seria administrada, e se alguém tentasse forçá-la a qualquer coisa? Ele estava indo atirá-los para longe como você apenas leu.
Mas isso não queria dizer que ele não estaria indo falar com a Dra. Jane.
Sobre sua rainha.
Deus, esse apelido para Selena era tão engraçado. No momento em que ele tinha saído de sua boca, algo tinha clicado. Como se seu vocabulário tivesse se acasalado
com essa palavra assim como seu corpo acasalou-se com o dela.
E ela seria a única rainha para ele. Não importando o que acontecesse com eles, ou onde ele terminasse, ela seria sua fêmea regente, e nenhuma outra suplantaria
o lugar dela em seu coração, seu respeito ou na expressão vocal daquela palavra.
Arrastando a palma pelo rosto, ele forçou seus pés a continuarem em um ritmo de caminhada, embora uma grande parte dele quisesse correr a toda velocidade para
a clínica. Não havia pressa, porém, pelo menos no que concernia à sua fêmea. Selena estava lá em cima no quarto dele, nua na banheira, mergulhando seu lindo corpo
em água morna e perfumada.
Ela não estava completamente livre da dor. Ela escondia a rigidez persistente e desconforto bem, mas os indicadores estavam nos estremecimentos sutis de sua
face e na forma espasmódica como ela movia as mãos e braços. O banho e algumas aspirinas leves iriam ajudar, entretanto. E quando tivesse tido um bom e longo banho,
ela iria para a cama dele para um descanso antes do "encontro" deles.
A alegria dela diante da perspectiva de seu jantar a dois era contagiante. Ele literalmente sentia o calor dentro de seus ossos, como se a felicidade dela possuísse
uma magia cinética que, através de seu acasalamento, estendia-se para dentro de sua própria carne. Inferno, tudo que ele tinha de fazer era pensar sobre ela à mesa
do café da manhã, sorrindo por sobre suas tigelas de mingau de aveia, ou pensar sobre o som de sua voz ficando excitada quando eles estavam... E ele ficava sublimemente
em paz.
Nunca houve nada perto disso para ele. Nem mesmo o amor e compromisso que ele tinha para com seu irmão chegava perto do sentimento.
De uma forma doentia, ele supunha que a doença dela tinha sido algo bom para Selena e ele. Trez não podia conceber como teriam cortado o papo furado entre eles
tão eficazmente ou totalmente sem isso...
Isso foi um inferno de um perde-e-ganha, no entanto.
Quando chegou ao ponto de acesso ao Centro de Treinamento, ele digitou os códigos adequados, então passou pelo almoxarifado e pelo escritório de Tohr. O Irmão
não estava atrás da escrivaninha, o que era uma boa coisa, e não uma surpresa. Era por volta de cinco da tarde, e Tohr estava, sem dúvidas, acordando em seu leito
de acasalado com sua Autumn, prestes a preparar-se para a noite que vinha adiante.
O que tinha sido uma surpresa foi que a Dra. Jane estivesse disposta a vê-lo nesse horário estranho do dia. Com as horas ela tinha estado trabalhando ultimamente
entre as lesões e enfermidade do irmão de Qhuinn, parecia que ela, Manny e Ehlena tinham estado de plantão constantemente.
Isso fez com que ele a respeitasse muito.
Passando pela porta de vidro. Descendo pelo corredor principal de concreto. Várias portas adiante à esquerda.
Entrando na sala de exames, ele...
- Oh, merda!
Saltando de volta para o corredor, ele levou a dobra de seu cotovelo até os olhos e rezou para que aquilo que tinha acabado de ver não tivesse sido queimado
permanente em suas retinas.
Havia algumas coisas que você não precisava saber acerca das pessoas com quem você vivia, não importa quanto você os amasse.
Uma fração de segundo mais tarde, V abriu a porta, e o ziiiiiiiiip! de quando ele fechou a frente de seus couros foi alto.
- Ela verá você agora. - Ele disse com total naturalidade.
Como se dois segundos atrás ele não tivesse estado batendo a sempre amada merda para fora de sua shellan enquanto ela sentava-se em sua mesa.
- Eu posso voltar depois? - Trez perguntou.
- Que nada, ela está pronta. Selena está bem?
- Eu, ah... Sim. Ela está se movendo, está... Bem, eu estou levando-a para sair hoje à noite.
V puxou um cigarro enrolado à mão. - Não brinca. Para onde?
Em todas as suas ruminações, Trez tinha estado cuidadosamente evitando pensar precisamente sobre seu lugar de destino. A ideia de sair em um encontro era ótima,
a comida seria de abalar... Havia apenas um problema com que ele teria que absorver e lidar.
- Aquele restaurante. - Ele apontou para o teto. - Você sabe, no centro da cidade, que, tipo, fica girando em círculos?
- Oh, sim. Bem lá em cima. - O Irmão exalou. - Uma vista dos diabos.
Uh-huh. Cinquenta-mais histórias. Ele tinha navegado no site para descobrir exatamente o quão ruim era. - Sim. Uma vista dos diabos.
- Deixe-me sabe se há alguma coisa que eu possa fazer. Por qualquer um de vocês.
V deu nele um tapinha no ombro e começou a se afastar a passos largos.
- Vishous.
O Irmão parou, mas não se virou. E à luz acima da cabeça dele, o tendril de fumaça de seu fumo enrolado à mão formava um elegante redemoinho no ar.
- Quanto tempo eu ainda tenho com ela?
O Irmão girou a cabeça, então seu poderoso perfil de cavanhaque foi cortado por um pálido filete daquela luz, e as tatuagens em sua têmpora pareceram mais sinistras
do que o habitual.
- Quanto? - Trez repetiu. - Eu sei que você viu isso.
Houve um silvar sutil quando o Irmão inalou, a ponta do seu cigarro ardendo em um vívido laranja. - O que eu recebo não é tão específico. Desculpe.
- Você está mentindo.
Aquela sobrancelha escura ergueu-se. - Vou te perdoar pela ofensa. Uma vez.
Com isso, o macho voltou a se afastar a passos largos, aqueles ombros volumosos deslocando-se no ritmo dos quadris, e seu corpo de guerreiro não era exatamente
o tipo de coisa que alguém, mesmo alguém do tamanho de Trez e com suas habilidades de Sombra, enfrentaria voluntariamente.
Especialmente com aquela mão incandescente dele.
Mas não haveria uma rixa entre eles. Não sobre esse assunto, pelo menos.
Os dois sabiam que ele mentia.
V era o Irmão com a inteligência, as visões místicas, aquele nascido diretamente do corpo da Virgem Escriba. Ele também era incapaz de sacanear alguém pelo motivo
que fosse. Isso só não fazia parte de sua fiação interna; aquele cérebro incrível dele estava muito ocupado para se importar se tinha ofendido ou não, ou se sua
postura foi ou não apropriada, ou se ele tinha expressado as coisas de um jeito agradável para seu requerente.
Assim sendo, quando ele tinha se recusado a se virar? Quando tudo que ele fez foi mostrar seu perfil?
Ele tinha respondido a pergunta bem o bastante.
Vishous nunca iria, jamais voluntariamente magoar ou ferir um macho que ele respeitava. Isso estava ainda mais arraigado nele do que a coisa do eu-não-minto.
E sim, Trez tinha ouvido falar que normalmente não havia uma cronologia nas visões de V sobre morte; mas, claramente, era diferente nesse caso.
Talvez porque o que tinha sido visto era menos sobre a morte da Escolhida, e mais sobre que acontecia com Trez após isso.
Existem duas fêmeas. E em ambos os casos, você está correndo contra o tempo.
- ... Trez? - A Dra. Jane disse, como se ela estivesse tentado chamar a atenção dele. - Você está pronto para falar comigo?
Não, ele pensou, enquanto V desaparecia através das portas de vidro do escritório. Ele não estava.

 

CONTINUA

Capítulo VINTE E UM
O pau de Trez tinha sua própria pulsação. E isto antes de Selena ficar totalmente nua à sua frente. Após aquela revelação? A maldita coisa passou a ter seu próprio
padrão de pensamento.
Minha.
Ao ouvir a porta se fechar, Trez não soube se foi uma de suas mãos que a fechou, ou se simplesmente desejou que a coisa voltasse ao seu lugar.
- Tem certeza disto? - Gemeu ele, já dando um passo na direção dela. - Porque não vou conseguir parar.
- Sim. - Os olhos dela não se ergueram para encontrar os dele. Estavam travados em no quadril. - Oh, sim. Me deixe te ver.
Quando ele parou bem na frente dela, ele disse:
- E todas as humanas com as quais fiquei?
- Vai falar delas agora? - Ela abriu a faixa do roupão dele com uma das mãos. - Sério?
Ele impediu-a de abrir o roupão.
- Nada mudou em mim.
- Azar o seu, não meu.
- Na minha tradição...
- Que não é a minha.
- ... Eu estou corrompido.
- Por que é que você continua falando?
Com isto, ela livrou-se da mão que a segurava, tirou a faixa, abriu as laterais do tecido preto. O sexo dele estava totalmente ereto, se sobressaindo entre eles.
E foi a próxima coisa a qual ela tomou nas mãos.
Trez gemeu e jogou a cabeça para trás.
- Você está quente. - Ela suspirou ao se inclinar e beijar a pele sobre seu coração. - E duro.
- Selena, estou falando sério. - Ele tentou impedi-la de continuar as carícias. - Eu quero te respeitar...
- Você está perdendo tempo.
Com isto ela caiu de joelhos e assumiu o controle. Como era uma fêmea alta, sua boca ficava na altura perfeita e, Deus os ajudasse, ela a pôs para trabalhar,
estendendo a língua rosada para lamber a cabeça. O toque aveludado o deixou trêmulo e, antes que seguisse o caminho dos roupões e caísse na porra do chão, se inclinou
para frente e apoiou ambas as mãos na coisa mais próxima que conseguiu achar.
A escrivaninha. Ou pode ter sido o capô de um carro. O trenó do Papai Noel. Uma geladeira.
Quente e úmida, ela abocanhou, a sucção e aquelas lambidas apagando o mundo, trazendo-o instantaneamente à beira do orgasmo.
Cerrando os dentes, ele gemeu - Eu vou gozar... Ah caralho... Eu vou...
Ele vagamente pensou em não desrespeitá-la ejaculando em sua bo...
Selena se afastou, abriu a boca e estendeu aquela língua mágica. Olhando para ele, de baixo para cima, começou a masturbá-lo com força ao mesmo tempo em que,
preguiçosamente, lambia sua ponta.
Trez segurou, oh, talvez um segundo e meio. Quando sua liberação jorrou, ela tomou-a toda, engolindo, sugando, se afastando para lambuzar os lábios e rosto.
Deus a ajudasse, ele continuou ejaculando, uma infinita urgência sexual travando o seu corpo, enquanto a marcava, sua essência cobrindo-a de uma posse que era primordial.
Defender. Proteger. Amar.
Tudo isto naquele local sagrado.
Minha.
Quando finalmente se esgotou, ela se sentou de volta sobre os tornozelos e então, com uma série de movimentos lânguidos e matadores, lambeu os lábios. Ergueu
os dedos, capturou a trilha pegajosa no queixo, e sugou até limpar. Olhou para baixo, para os seios perfeitos.
Espalmando os pesos gêmeos, sorriu para o que caíra sobre eles, fazendo os montes e aqueles mamilos tesos brilharem. - Você me melecou.
- Onde você aprendeu a fazer isto? - Ele engasgou.
Pelo menos foi o que pretendia dizer. As sílabas saíram em um amontoado de sons incoerentes.
- O quê? - Ela suspirou, antes de erguer um dos seios e baixar a cabeça, com a língua para fora.
Ela lambeu a si mesma.
O rosnado que saiu da boca de Trez foi algo que, se estivesse em seu lugar, ele teria temido.
Selena não temeu. Ela só emitiu uma risada rouca. - Há algo mais que você queira marcar?
Liberdade.
Quando Selena se ajoelhou à frente de Trez, com o gosto dele em sua boca e sua essência sobre todo o seu corpo, se deleitou na sensação de liberdade sexual que
a invadiu. A liberação pareceu inteiramente o oposto da sentença de morte sob a qual vinha vivendo e, ainda que sua falta de tempo fosse o que a impedisse de sentir
qualquer estranheza ou preocupação consciente, ela sentia-se voando acima das amarras que há tanto tempo a prendiam ao chão, seu treinamento como ehros permitia-lhe
entregar-se às correntes de sexo que se estendiam, grossas como cordas tangíveis, entre os corpos deles.
Sem saber quanto tempo lhe restava, e sob a frustração de ter perdido tanto tempo, sentia urgência de expressão pessoal, e abraçava cada desejo que tinha, na
total intenção de satisfazê-los.
Todos eles eram com Trez.
Como se sentisse o mesmo, ele se inclinou e levantou-a do chão. Suas juntas protestaram pela mudança de posição, mas as reclamações não eram mais do que murmúrios
contra a luxúria desenfreada que ela sentia por ele.
Ela precisava da penetração. Pelo corpo dele.
Trez levou-a a cama e deixou-a de barriga para baixo, suas mãos grandes e quentes acariciando-a do ombro até as costas das coxas, antes de erguê-la de quatro
e afastar seus joelhos. Selena abaixou a cabeça, ela queria vê-lo, e olhou para além dos montes dependurados de seus seios, observando-o se aproximar dela por trás,
com o sexo pulsando enquanto ele tomava posição para...
Não foi sua ereção que se esfregou nela.
Quando as mãos dele agarraram seu quadril, os polegares se enfiaram em sua bunda e afastaram, até o sexo dela se abrir totalmente para ele. E então ele veio
com a boca, os lábios tocando-a, carícias úmidas sobre a umidade, sugando, devorando. Com dominação total, a língua dele lambeu de cima abaixo, penetrou, tintilou
no topo do sexo dela até ela convulsionar em orgasmo, cada onda de prazer esfregando-a mais e mais contra o rosto dele.
Quando finalmente acabou, ele se afastou, os punhos apoiados nos lençóis de ambos os lados dela.
- Eu vou te foder agora, - ele falou por entredentes em seu ouvido.
- Oh, Deus, por favor...
Selena gritou alto quando ele a penetrou, esticando seu interior quase além do limite. A dor foi em uma medida perfeita, e então ele começou a bombear. Nada
de movimentos lentos e regulares; eram violentos, puro poder, poder que a fez ver estrelas até perder a força de manter o corpo elevado da cama. Caindo de cara nos
lençóis que tinham o cheiro dele, ela lutou para respirar e amou a sensação de sufocamento que sentia a cada arremetida que a fazia esfregar o rosto nos travesseiros.
Bang! Bang! Bang!
A cabeceira estava tendo a mesma experiência violenta que ela, batendo na parede, o som reverberando junto com os gemidos dele, que era todo animal.
Virando a cabeça para olhar acima do ombro, ela tentou vê-lo.
Trez estava magnífico, os peitorais e ombros elevados, os enormes braços esculpidos em músculos, o abdômen definido, enquanto os quadris arremetiam contra ela.
Quando ele gozou, jogou a cabeça para trás como quando ela o dominou, e uivou, expondo as presas brancas longas e mortais, os tendões do pescoço saltaram nas laterais,
os quadris bateram contra ela enquanto ele metia, metia e metia...
Ele gozou dentro dela.
E o sexo dela o ordenhou, provocando-o até ela sentir a umidade escorrendo pelas coxas.
Ele mal retirou o corpo de dentro dela e caiu para o lado, como se cada gota de força houvesse sido drenada dele. A cabeceira deu um último bam! quando ele se
jogou e quicou, as mãos, braços, tórax e pernas relaxando de todo aquele esforço físico. A boca dele se moveu, os olhos escuros encontraram os dela e ali ficaram.
Ela não fazia ideia do que ele estava falando. E não importava. Sua bunda ainda estava para cima, o sexo formigando pelo modo violento como foi tratado, seu
corpo tão saciado quanto a aparência dele. Correntes de ar, da ventilação acima, vinham do teto, tocando tudo o que estava exposto, fazendo cócegas, esfriando.
Aquele havia sido o melhor sexo de sua vida. Selvagem e rude, do jeito que lhe haviam contado, e para o qual fora treinada, do jeito que devia ser.
Antes de Selena permitir-se deitar-se ao lado dele e deslizar para seu próprio sono, sorriu tão largamente que suas bochechas doeram.
Ela fora, pela primeira vez na vida, não só bem e verdadeiramente fodida, mas marcada pelo macho que amava. Mesmo com o futuro que tinha de enfrentar, era difícil
não se sentir abençoada.
Capítulo VINTE E DOIS
iAm recobrou consciência, mas manteve os olhos fechados. O que o acordou foi a dor excruciante na parte de trás da cabeça; aquilo e o frio do chão sobre o qual
estava deitado. Por um momento, considerou bancar o gambá e tentar descobrir onde estava pela audição, olfato e instintos, mas não havia motivo para isto.
Ele sabia exatamente onde o tinham posto.
Bastardo traidor fodido.
Levantou as pálpebras e viu uma grande porção de nada. Só que, estava deitado de bruços, um braço por baixo do tórax como se tivesse sido jogado...
Uma porta abriu no canto atrás de si. E ele percebeu não pelo ranger de dobradiças, mas pela súbita adição de vozes e passos na cela.
- Porque eu checaria suas marcas? - um macho perguntou. Não era s'Ex.
- É o protocolo.
Sim. Nada havia mudado.
iAm voltou a fechar os olhos e ficou perfeitamente parado, exceto por respirar superficialmente enquanto as pegadas se aproximavam.
Houve um engasgo. E então dedos apalparam suas costas, como se esticassem a pele onde havia sido marcado, como todos os machos eram, aos seis anos de idade.
- Isto não pode estar certo.
Os passos se afastaram apressadamente e, ele supôs que a porta voltou a ser fechada.
Erguendo a cabeça, sua visão borrou-se e voltou ao foco. Não havia mais ninguém na cela bem iluminada de seis metros por seis, as paredes branco brilhante, tão
lisas que ele poderia ver seu reflexo escuro nos painéis de mármore.
Sua cabeça doía tão infernalmente que foi forçado a deitá-la de novo, a bochecha achando o exato ponto na pedra que havia sido aquecido pela temperatura de seu
corpo desmaiado. Seu braço estava matando-o, sentia o membro anestesiado e dolorido ao mesmo tempo, mas, lhe faltava energia para se mover e tirar o peso do corpo
de cima dele. Deitado ali, respirando, existindo, ele não fazia ideia de quanto tempo havia se passado, o que iam fazer com ele, ou se ele ia descobrir que sua brilhante
ideia de que estava vivo era um engano.
Do nada, veio-lhe uma imagem mental dele saindo do Sal's na noite anterior, saindo livremente do restaurante que amava, conversando com os garçons.
Pegou-se desejando poder rebobinar o tempo e voltar àquela encarnação de si mesmo, suas lembranças do jeito que a noite sentia-se fria em seu rosto, e como a
fumaça dos cigarros dos garçons subiam espiraladas das pontas acesas, tão claro que, por um momento, pareceu impossível não poder retornar àquele lugar no tempo...
Pisar nos sapatos que calçava então... Reassumir a vestimenta de sua pele, do mesmo modo como reassumia sua forma após se desmaterializar.
Mas é claro, o tempo não funcionava assim. E a memória era como um show de televisão da própria vida, uma tela de filme ao qual se podia testemunhar, mas, não
interagir, mudar o curso ou redirecionar.
O desespero por Trez, grande motivador de sua vida, havia o levado de volta ao coração do inimigo que ele e o irmão dividiam.
E havia uma chance muito boa de que esta merda fosse vencê-lo.
Com um gemido, rolou para o lado e piscou algumas vezes. Suas armas, assim como a túnica que vestia, haviam desaparecido. E não havia mais nada na cela...
A porta abriu, o painel deslizou silenciosamente na parede. E quem entrou estava coberto da cabeça aos pés em camadas sobrepostas de tecido, o rosto coberto,
o pé coberto, mesmo as mãos enluvadas.
Seria a Morte? Perguntou-se. Teria ele desmaiado e estaria sonhando...
Um sutil aroma foi registrado.
Mas não em seu nariz. Em todo o seu corpo.
Como uma corrente de eletricidade.
A porta foi fechada por trás da figura alta e coberta. E enquanto o macho se aproximava, iAm fez de tudo para assumir um tipo de postura defensiva.
Não conseguiu muito.
Uma mão enluvada se esticou; ele foi rolado de volta; e então sentiu o toque na base de sua coluna.
- Eu vou... Matá-lo... - iAm murmurou. - Machucá-lo.
De que forma, não fazia ideia. Mas ia lutar, isso era uma maldita certeza.
A figura recuou um passo. Inclinou a cabeça como se considerando o método de morte que seria usado.
No s'Hisbe, a maior parte dos prisioneiros eram primeiro torturados. Amaciados, iAm sempre pensara. Então eram massacrados, enterrados ou devorados por s'Ex
e seus guardas, dependendo do crime.
Este último era uma tradição orgulhosa. Também simplificava a questão sobre o que fazer com o corpo.
iAm fechou os punhos e preparou-se para o que se abateria sobre ele.
Só que a figura simplesmente o observou por um longo momento. E então recuou para a porta e saiu.
Oh. Okay. Eles verificaram quem ele era, e viram que não havia motivo para matá-lo antes de capturarem Trez novamente. Aquilo seria um desperdício de recursos.
Merda.
Relaxando os músculos, ele tentou mover-se e rezou que as habilidades naturais de cura de seu corpo cuidassem da concussão rapidamente.
Ele ia precisar ser capaz de enfatizar suas palavras de resistência com mais do que um corpo inerte e membros feitos de chumbo.
Maldição, ele jamais devia ter confiado em s'Ex.
De volta em Caldwell, Paradise sentou-se na cama, sobre as pernas, olhos fixos no céu noturno do outro lado de suas janelas fechadas e trancadas.
- Então você vai mesmo? - disse ela, ao celular.
Peyton riu.
- Diabos, claro, está brincando? Estou morrendo de vontade de sair daqui. Desde os ataques estou trancado, e o fato de meus pais me deixarem entrar neste programa
de treinamento é um milagre.
Ela olhou para as trancas na porta de seu próprio quarto, as quais, a propósito, estavam trancadas naquele momento.
- Me pergunto se meu pai me deixaria ir, - murmurou.
Houve uma pausa. Então uma risada.
- Oh, meu Deus, Paradise. Não. Uh uh. De jeito nenhum.
- É, você deve ter razão. Ele é realmente protetor...
- Aquele programa não é para fêmeas.
Ela fechou a cara.
- Com licença. O decreto da Irmandade dizia que seriamos bem-vindas se quiséssemos tentar.
- Okay, primeiro, "tentar" não significa "ser aceita". Você sequer já fez uma flexão?
- Bem, tenho certeza que conseguiria se eu...
- Segundo, você nem é uma fêmea comum. Digo, olá, você é membro de uma Família Fundadora. Seu pai é o Primeiro Conselheiro do Rei. Você precisa ser preservada
para procriação.
A boca de Paradise se abriu em choque. - Não acredito que acabou de dizer isto.
- O quê? É verdade. Não finja que as regras são as mesmas para fêmeas como você. Como, se um sujeito civil, que só por acaso use saias, quiser fazer uma tentativa,
tudo bem. Seria uma perda que não significaria nada para a espécie. Mas, Parry, não sobraram muitas como você. Para machos como eu? Não queremos nos emparelhar com
ninguém menos que vocês, e existem hoje quantas, quatro ou cinco de vocês?
- Esta é a racionalização mais machista que já ouvi. Vou desligar.
- Aw, vamos lá. Não fique assim.
- Vai se foder. Eu sou mais do que só um par de ovários no qual se pode colocar uma aliança.
Ela desligou e pensou em arremessar o celular contra a parede. Quando não conseguiu seguir o impulso, começou a se preocupar com todos os seus modos inatos que
no fundo só reforçavam que Peyton estava certo.
Ela era mesmo só uma flor de estufa, não prestava para nada além de xícaras de chá, ter filhos e...
Quando seu celular começou a tocar de novo, ela jogou-o sob o edredom, deitou-se no chão e plantou a palma das mãos sobre o tapete de crochê. Esticando as mãos,
equilibrou na ponta dos dedos dos pés.
- Certo, - ela disse, cerrando os dentes. - Para cima e para baixo. Cem vezes.
Ela conseguiu descer sem dificuldades, os braços mais do que famintos por obedecer. E quando seu nariz tocou o padrão de um vaso de flores que havia no tapete,
ela sentia-se uma fera, pronta para arrebentar com tudo.
Subir foi... Aceitável.
Descer de novo para o tapete. Eeeeee subir.
Mais ou menos. Os músculos em seus bíceps começaram a tremer; os cotovelos falsearam; os ombros gritaram.
Ela conseguiu três vezes. Ou, tipo, duas vezes e meia. Antes de cair no...
- O que está fazendo?
Com um ganido, Paradise levantou-se. Seu pai estava na porta do quarto, segurando a chave que ele usava para abrir todas as portas, e as sobrancelhas dele se
ergueram tanto, que quase encostaram na linha do cabelo.
- Flexões, - ela disse, arfando.
- Para que?
Pergunte, ela pensou. Desembuche e diga, Eu quero me juntar ao programa do Centro de Treinamento da Irmandade...
Seu telefone tocou de novo.
- Não vai atender? - Seu pai perguntou.
- Não. Pai, eu tenho uma...
- Algo aconteceu, querida. - Ele fechou e voltou a trancar a porta. - E preciso ser franco com você.
Paradise dobrou as pernas e enlaçou-as com o braço.
- Fiz algo errado?
- Oh, não. Claro que não. - Ele meneou a cabeça ao olhar para ela. - Você é a melhor filha que qualquer macho poderia desejar ter.
Quando seu telefone parou de tocar, ela teve de se perguntar quanto dos pontos de vista de Peyton seu pai dividiria. E quantas vezes Peyton ia tentar ligar para
ela de novo.
- Preciso que faça suas malas, - ele disse.
Paradise recuou.
- Por quê?
- Preciso que fique longe daqui por algumas semanas.
Um jato de frio atravessou-a.
- Por quê?
- Oh, amor. - Ele se aproximou e se ajoelhou. - Por nada. É só que, eu achei que poderia gostar de ter um emprego.
Agora foram as sobrancelhas dela que se ergueram.
- Sério?
Ela havia levantado o assunto alguns meses atrás, quando, após outra noite tomando lições de piano e fazendo bordados complicados e intrincados a fizeram sentir-se
como se fosse enlouquecer. Mas, ele havia cuidadosamente negado, no interesse de sua segurança, um ponto que ela tanto respeitava quanto a deixava frustrada.
Era difícil discutir que o mundo não era um lugar muito perigoso para vampiros.
- O que mudou? - Então ela se lembrou do parente distante. - Espere, aquele macho vai continuar por aqui?
- Não é nada com ele. Além disto, meu cargo de Primeiro Conselheiro está ficando mais complicado e trabalhoso, e preciso de alguém em quem possa confiar para
me ajudar com os negócios do Rei. Eu não posso imaginar ninguém mais apropriado do que você.
- Sério? - Ela disse, estreitando os olhos. - Não há nenhuma outra razão?
- De verdade. Prometo. - Ele sorriu. - Então o que diz... Gostaria de trabalhar comigo?
Com um súbito movimento de felicidade, ela agarrou o pai em um abraço. - Oh, obrigada! Sim! Estou tão animada.
Ele riu.
- Okay, mas você terá de se mudar para a mansão de audiências do Rei. Não se preocupe, não estará sozinha. Pode levar sua dama de companhia doggen, e a Irmandade
tem a equipe completa no local...
Paradise ergueu-se e correu para o closet. Abriu as portas e começou a separar as peças de seu conjunto de bagagens Louis Vuitton.
- Estarei pronta em meia hora! Quinze minutos! - Ela abria gavetas, pegando roupas de baixo, sutiãs, camisetas. - Oh, o senhor chama Vuchie? Ela ficará tão animada!
Vagamente, ouviu o pai rir.
- Como desejar, minha senhora. Como desejar.
Capítulo VINTE E TRÊS
Rhage retomou forma no gramado da antiga mansão de Darius, e caminhou para a entrada da frente. No momento em que entrou na casa, ouviu uma série de suspiros,
e olhou para a esquerda. No salão, havia um monte de civis amontoados em pé, em um grupo estranho, como se não se sentissem confortáveis sentados em todos aqueles
móveis elegantes revestidos de seda, e os olhos que se arregalaram ao vê-lo.
É, sua reputação ainda o precedia.
Jesus, bastava ter sido um puto por alguns séculos, e as pessoas continuariam te julgando, mesmo depois de você se redimir e emparelhar adequadamente.
Era um pé no saco e, em uma noite normal, teria se aproximado e se apresentado, só para falar de Mary.
Esta noite, no entanto, se dirigiu às portas fechadas do que certa vez fora a sala de jantar. Batendo duas vezes, disse. - Sou eu.
Tohr abriu a porta com uma saudação, e Rhage entrou em uma sala mais cavernosa, mais vazia: Tudo o que havia ali eram algumas cadeiras, uma mesa com uma cadeira
de escritório, e alguns assentos auxiliares, para serem usados em alguma audiência que tivesse gente demais para acomodar.
- Sem explosivos, - Wrath estava dizendo de uma das poltronas. - Nem armadilhas.
V estava em meio ao processo de acender um cigarro enrolado à mão, e ao tragar, o aroma de tabaco turco flutuou.
- Hollywood e eu repassamos a casa como um pente fino. Eles claramente estiveram lá. Tinham partido pelo que pudemos apurar. Mas, não se incomodaram de tentar
nos foder.
Com sua mão da adaga, Wrath acariciou a cabeça do golden retriever que o ajudava a se locomover. George, sempre em adoração a seu dono, tinha o focinho voltado
para o Rei, oferecendo livremente a garganta. - Então Throe não mentiu.
- Pelo menos não sobre isto, - V murmurou.
- Interessante.
Rhage olhou em volta para os rostos de seus irmãos. Z e Phury estavam em pé, juntos como sempre. Qhuinn estava próximo a Z, e então Blay e John Matthew, mesmo
os machos não sendo membros, estavam ao seu lado. Butch estava do lado oposto ao Rei, com os braços pousados no apoio da poltrona onde apoiava seu peso; V estava
atrás ele. Tohr estava perto da porta.
- O que fazemos agora? - Rhage perguntou.
- Esperamos. - Wrath se inclinou ainda mais e acariciou os pelos do cão. - Se ele começar a remexer na merda, vai se enforcar. A aristocracia terá de ser monitorada...
Precisamos de uma fonte infiltrada. Alguma ideia?
Naquele momento, houve outra batida na porta. Tohr encostou o ouvido no painel e então abriu a porta. - Peça e receberá.
Abalone enfiou a cabeça pela porta.
- Meu senhor? Sinto muito me intrometer, mas posso, por favor, apresentar minha filha, antes de começarmos as audiências desta noite?
Wrath gesticulou para o macho se aproximar com a mão livre. - Sim, traga-a.
Abalone retirou a cabeça da fresta da porta e houve uma conversa sussurrada. Então reapareceu, puxando um projeto de fêmea. Com os cabelos louros, corpo magricelo
e pernas longas, ela estava mais para o lado Princesa Ártica do sexo frágil.
Bela. Muito bela. Talvez até mesmo linda... Embora não chegasse aos pés de sua Mary.
Abalone levou a garota até se aproximar, uma mão guiando-a pelo cotovelo, seu orgulho de pai estufando o seu peito. - Meu estimado governante, grande Rei de
toda...
- É, é, chega disto, - Wrath cortou, - Paradise, soube que está se mudando para a casa de minha shellan e seu irmão. Seja bem-vinda.
Quando ofereceu o diamante negro, Paradise fez uma reverência, as mãos tremendo tanto que pareciam tremular à luz do candelabro.
- Meu senhor, - ela sussurrou antes de beijar a joia.
Liberando a mão dele, ela endireitou-se e olhou para o chão, os ombros encurvados, pés travados.
- Quer conhecer meu cão? - o Rei perguntou.
George, sempre pronto para um carinho na cabeça, bateu com a cauda no chão, o som como o de alguém batendo corda no chão de terra.
- Pode fazer carinho nele, - Wrath disse. - Eu deixo.
A garota olhou rapidamente para o resto da Irmandade, os olhos baixados para os shitkickers. E foi quando até Rhage sentiu pena dela. Uma grande parte da aristocracia
tratava suas fêmeas tão mal, que nunca eram admitidas na presença de machos de quem não fossem parentes, então esta era, sem dúvida a primeira vez que ela ficava
em um ambiente com tanta testosterona.
- Vá em frente, George. Diga oi.
Ao incentivo de Wrath, o cão veio para frente e sentou a bunda peluda bem em frente a ela, com os ouvidos inquietos, e aquela cauda balançando de um lado para
outro.
- É... É um garoto? - Perguntou ela, suavemente quando se abaixou no chão e estendeu a mão para todo aquele pelo.
- Sim. - Wrath olhou para cima. - Está certo, bando de imbecis, apresentem-se, está bem? E sejam educados.
Todos pigarrearam. Por fim, Phury deu um passo à frente e fez as apresentações. Provavelmente foi melhor assim... ele era o mais próximo de um cavalheiro que
tinham.
- Que bom que está aqui, - o Primale disse. - Eu sou Phury... Nós amamos seu pai, a propósito. É um cara legal.
Eeeeeee isto fez Abalone quase levitar para fora de seus sapatos Bally.
Ela olhou para aqueles olhos amarelados e lhe deu um sorriso. - Oi.
- Aquele ali é meu gêmeo, - ele indicou Z, e Zsadist, sempre consciente de sua aparência ameaçadora com aquela cicatriz no rosto, continuou afastado, erguendo
a mão quando Paradise recuou. - Zsadist é emparelhado e tem uma filha chamada Nalla. Ela é maravilhosa... Olha aqui uma foto dela.
Enquanto Phury estendia seu celular, a garota olhou para a foto. Olhou para Z. Voltou a olhar para a foto.
- Minha bebezinha, - Z disse, em uma voz profunda. - Ela tem dois anos, e parece com sua mahmen.
Instantaneamente a garota relaxou. Então Phury apresentou Vishous, que só acenou e Butch, que lhe deu um "Oi, como vai!" típico de Boston. John Matthew, Blay
e Qhuinn foram os próximos e então Phury indicou Rhage.
- E o Brad Pitt ali é Hollywood.
Ele sorriu. - Prazer em conhecê-la.
O olhar de Paradise fixou-se nele, os olhos arregalaram, mas não de medo. Longe disto.
- É, ele é lindo, - alguém disse. - Até conhecê-lo melhor.
- Aww, vamos lá, - Rhage respondeu. - Não me difame.
A conversa brotou, com Wrath fazendo à Paradise algumas perguntas para encorajá-la a falar de si. Quando a garota voltou a atenção ao Rei, Rhage pensou na época
antes de conhecer Mary. Sem dúvida ele teria dado em cima daquela inocente... E teria conseguido conquistá-la. Ele nunca falhava, já que controlava sua besta fodendo
com tudo e com todos que passavam perto dele. O que era bom para ele. Não tão bom para as fêmeas que queriam manter sua virtude.
E ele não tinha dúvida de que Paradise era uma dessas.
Então sim, ele estava feliz de conhecê-la sob estas circunstâncias, quando não havia absolutamente nenhuma chance de ele dar em cima dela. Ele emparelhara com
sua Virgem, do jeito que Vishous previra que ocorreria, e sua vida fora salva.
Por alguma razão, um sentimento de enjôo o transpassou.
Levou a mão até o bolso, tirou o celular. Verificou as mensagens de texto.
Trez, o pobre bastardo, ainda não tinha respondido. Parecia estúpido incomodar o cara de novo, dado tudo aquilo com o que ele já tinha de lidar, mas, era difícil
não tentar contatá-lo de novo.
Rhage desejava que houvesse algo mais a fazer para ajudar o cara e sua Escolhida.
Ele realmente desejava.
Não havia como ligar a seta.
Quando Layla dirigiu sua Mercedes de volta à mansão da Irmandade, ela trazia seu braço machucado pousado no console entre os assentos, uma jaqueta sobressalente
amontoada por baixo para aumentar a altura e diminuir os balanços.
A dor era atordoante, o tipo de coisa tão forte que era sentido nas entranhas.
Então não, não havia como sinalizar direita ou esquerda.
Pelo menos não havia ninguém naquela estradinha rural tão tarde da noite.
Passaram-se horas, talvez dias até ela chegar à montanha da mansão, e o mhis foi um pesadelo. A distorção da paisagem de V, uma medida de segurança para manter
sua posição em segredo, implicava em ver tudo borrado, como se uma neblina houvesse caído sobre a floresta. Exausta de tanto conter a vontade de vomitar, em combinação
com a visão falha, significava que ela se sentia completamente perdida, e seu instinto foi se inclinar e se aproximar do pára-brisa... O que não ajudou.
Tudo aquilo só fez seu braço doer ainda mais.
Quando as luzes brilhantes da mansão finalmente entraram em foco, ela rezou, rezou para que os Irmãos estivessem todos lutando para que ela conseguisse chegar
ao quarto sem ninguém vê-la. Contornando a fonte que já estava coberta para o inverno, ela estacionou perto do GTO roxo de Rhage e do brinquedo novo de Butch, uma
Mercedes preta que parecia uma caixa de pão.
Ela teve de se contorcer para controlar o volante e empurrar a alavanca da marcha para estacionar o carro na vaga... E descobriu que tinha de se esticar ainda
mais para apertar o botão Stop/Start para desligar o sedã. Daí foi questão de respirar superficialmente pela boca enquanto se recuperava do esforço. Olhando pelo
espelho retrovisor, ela teve uma visão da entrada da mansão... E não fez ideia de como chegaria até lá. Muito menos de como se arrastaria até o quarto.
Não havia outra escolha. Ou ela fazia isto sozinha, ou teria de pedir para outra pessoa mentir por ela: não tinha como esconder o ferimento, não enquanto tão
fresco. E ela não podia deixar Qhuinn descobrir o que acontecera.
Ou, pior ainda, o que ela andara fazendo quando caíra.
Maldição, esta situação era punição por sua vida dupla... Suas duas realidades opostas se chocando, nocauteando-a, expondo-a.
Potencialmente.
Hora de entrar.
Layla teve uma nova uma lição em termos de dor ao abrir a porta e tentar erguer-se do assento de couro, o braço gritando quando o osso quebrado se moveu.
Recuperar o fôlego. Vários deles.
E então de alguma forma, conseguiu sair do carro.
A mansão sempre fora assim tão longe da área de estacionamento?
Contornar a fonte não foi muita questão de botar um pé em frente ao outro, mas cambalear sobre os paralelepípedos tentando não desmaiar. Quando chegou aos degraus
de pedra que levavam às portas do tamanho de catedrais, ela quis chorar. Em vez disto, subiu de uma só vez.
Ao abrir as portas do vestíbulo, percebeu que cometera dois erros: deixara o carro destrancado, e ela teria, de fato, de interagir com alguém... Não havia jeito
de entrar na casa sem colocar a cara na frente da câmera de segurança e esperar ser atendida.
Olhando de volta para a Mercedes, não teve energia para voltar e fechá-lo. E tentar dar a volta para a entrada de serviço da garagem estava...
Foi onde as coisas acabaram.
Enquanto sua mente se debatia entre as suas opções limitadas, seu corpo desconectou-se sozinho da tomada da consciência: desligou e a gravidade fez sua mágica,
o degrau se ergueu para saudá-la com um abraço duro, muito duro.
Que ela não sentiu.
Capítulo VINTE E QUATRO
Era quatro da manhã quando Assail guiou seu Range Rover blindado até a beira do Rio Hudson. A alameda onde estava era tão larga quanto um lápis e suave como
uma corrida de obstáculos. Ao lado dele, Ehric estava calado, a .40 do macho pousada sobre as coxas, um dedo inquieto sobre o gatilho, pronto para atirar ao menor
sinal de movimento ou barulho.
Um rápido olhar pelo espelho retrovisor mostrou-lhe que o gêmeo de Ehric, Evale, encontrava-se igualmente alerta e preparado para qualquer coisa.
Cerca de vinte metros adiante da "estrada", era possível ver a clareira pouco profunda na margem. O procedimento era o mesmo todas as vezes: Ele pararia o SUV
na linha das árvores e daria a volta de forma que, se algo imprevisto acontecesse, ele poderia sair rapidamente com o dinheiro ou as drogas. Então ele esperaria
com seus rapazes, geralmente, cerca de dez minutos, antes que o barco de pesca ruidosamente aparecesse.
Seus primos usavam coletes à prova de balas. Ele não.
Eles estavam sóbrios. Ele não.
Nem isto era surpresa. Ele jamais se importara com qualquer tipo de proteção peitoral, e a outra coisa? A esta altura, teria de abster por vários dias para que
a cocaína saísse completamente de seu sistema.
Ao continuar dirigindo, deixou sua mente vaguear, a imagem de outro tipo de baía, um tipo diferente de água, apresentando-se e se recusando a sumir.
Ele viu a praia. O oceano. Palmeiras. Tudo isto brilhando à luz da lua.
Viu uma fêmea caminhando sozinha ao longo do calor acariciante do mar, seus braços cruzados sobre o peito, a cabeça baixa, a aura de uma sobrevivente cheia de
arrependimentos...
- Cuidado! - Ehric exclamou.
Assail forçou-se a se concentrar bem antes do Range Rover comer carvalho como Última Refeição... Ou, mais provável, seria o contrário.
Felizmente, a viagem acabou minutos depois, e ele conseguiu manobrar sem dificuldades, amassando o mato seco e curto até a grade imensa do SUV estar virada para
frente. Não havia faróis foi outra das modificações que ele havia providenciado junto com a blindagem.
O motor silenciou e seus dois passageiros saíram. Antes de se juntar a eles, retirou um vidrinho de dentro de seu casaco de lã. Um giro rápido. Colher na mão.
Sniff. Sniff.
E duas outras para a outra narina.
Após um rápido bufar para se assegurar que tudo estava onde devia, saiu do interior morno. Devolveu seu estoque para o local seguro, se envolveu ainda mais no
casaco. O ar noturno estava muito frio, e folhas caídas eram trituradas sob suas botas ao se juntar aos primos.
Não houve conversa.
E ainda assim, a desaprovação pelo seu nível de consumo estava evidente pela tensão em suas mandíbulas.
Mas isto não importava a ele. Tanto fazia eles desperdiçarem o fôlego com palavras, ou simplesmente o fitarem com ar zangado, como agora, ele não tinha intenção
de mudar seus hábitos.
O som de um único barco à motor vindo em velocidade baixa surgiu tão baixinho que, de início, não seria possível distingui-lo dos ruídos do ambiente da floresta
e do rio. Mas, logo, o barco de pesca deu a volta para a curva da costa, lento e baixo para a água. Havia dois indivíduos sentados no casco aberto, ambos vestidos
como pescadores acima de qualquer suspeita com seus bonés e coletes camuflados, somente as máscaras pretas indicavam algo nefasto. Também havia varas de pesca montadas
em corrente, estendendo-se por trás da popa.
O capitão aproximou o barco humilde de frente, desacelerando o motor para que parasse com um beijo, e não um soco.
Os primos se aproximaram enquanto Assail manteve-se na retaguarda, com sua própria .40 a postos. Os aromas dos dois machos humanos os identificaram como diferentes,
mas relacionados aos dois que vieram da última vez. E da vez antes daquela. E assim por diante.
- Onde estão os outros? - Assail exigiu.
Os homens pararam no processo de pegar três das cinco sacolas que estavam escondidas sob uma lona camuflada.
Assail sorriu fracamente diante de sua surpresa. - Acharam que eu não saberia?
- Eu sou irmão, - o da esquerda disse em um pesado sotaque inglês. - Ele é primo.
Assail inclinou a cabeça, aceitando a explicação. Na verdade, ele não se importava quem entregava seus produtos, contanto que fossem pontuais, pelo preço e qualidade
acordados e sem interferência de agentes da lei humana.
Até agora, tudo bem com estes dois.
Momentos depois, Ehric e o irmão aceitaram as bolsas e se afastaram, um olhando para frente, outro para trás, para cobrirem todo o terreno.
- Um momento, - Assail pediu lentamente. - Se não se importam.
Os humanos pararam de novo, e ele sentiu a ansiedade deles de modo tão claro quanto uma reverberação na superfície de uma mesa, a transferência de energia viajando
facilmente através do ar que separava seus corpos.
- O que mais tem aí embaixo? - disse ele, apontando para a lona. - Há mais duas sacolas, não há?
O mais baixo deles, o primo, arrumou a cobertura de volta no lugar e voltou-se para os controles do barco.
- O esquema mês que vem, - o outro disse, - o mesmo?
- Entrarei em contato com seus chefes.
- Muito bem.
Só isto, eles voltaram a seu caminho, ruidosamente contra a corrente vagarosa de água fria, com a propaganda de outra empresa na lateral.
Franzindo o cenho, Assail observou enquanto eles cruzavam o leito das águas e prosseguiam paralelamente à margem oposta.
Um momento depois, voltou ao Range Rover e quando bateu na janela da porta do passageiro, Ehric baixou o vidro.
- Sim? - O macho disse.
- Vou segui-los. - Assail acenou na direção do barco. - Eles estão negociando com outra pessoa. Quero descobrir quem.
Com um gesto curto de concordância, Ehric desmaterializou para o assento do motorista e engatou o SUV. - Eu também percebi. Ligue se precisar de ajuda.
Quando o Range Rover se afastou, Assail se virou e caminhou de novo para a água. Fechando os olhos, teve de lutar contra o efeito da cocaína para se acalmar,
e levou um tempo até poder se desmaterializar no vento gelado. Quando retomou forma, alguns quilômetros abaixo do rio, esperou até o barco aparecer de novo. Os homens
não percebiam sua presença, já que ele se escondeu entre as árvores coloridas e contrastava com a vegetação marrom, observando-os passar.
Mesma velocidade de motor. Mesmo protocolo para entregar as mercadorias para ele. A questão era: quem era o próximo cliente?
E que tipo de drogas eles estariam vendendo?
O chefe deles havia concordado em lidar exclusivamente com ele nesta parte do estado de Nova Iorque. E embora a competição fosse boa para o capitalismo, não
era bem-vinda em seu território; também desnecessária à declaração de renda deles. Seus pedidos eram suficientemente grandes e tão constantes que ele valia por vários
negócios dignos de respeito.
Os bastardos.
De fato, era necessária honra entre os fora-da-lei. Para o bem de todo mundo. E ele havia elevado a sua parte da barganha, pagando cada vez mais. Mês após mês
após mês.
Mas estava preparado para resolver este problema.
Prontamente.
Mortalmente.
Rhage, Tohr e V voltaram à mansão não muito depois de conhecer o motivo de orgulho e alegria de Applebottom, com Butch seguindo no Range Rover. Quando os três
reassumiram suas formas físicas no quintal, uma luz brilhava entre a fila de carros e chamou a atenção deles.
Rhage foi até a porta aberta da Mercedes azul bebê. - Layla?
Só que não havia ninguém lá dentro, remexendo a bolsa ou juntando sacolas, antes de ir atravessar o gramado até a casa.
Ele fechou a porta. - Ela não...
- Layla! - Tohr gritou. - Oh, merda!
Rhage olhou na direção da entrada da mansão. A pesada porta do vestíbulo estava meio aberta, uma perna se estendia ao nível do chão, o tornozelo mantinha os
painéis abertos.
Os três dispararam até os degraus. Enquanto Rhage abria mais o tremendo peso da porta, V, com seus conhecimentos médicos, pulou sobre o corpo colapsado e começou
a checar os sinais vitais.
- Tohr, - Rhage disse, - chame...
Mas seu irmão já estava com o telefone no ouvido - Oi, Jane? Precisamos de você aqui no vestíbulo. Layla desmaiou. V, sinais?
Quando o irmão botou o celular na cara de V, Vishous disse à companheira, - Batimentos cardíacos estáveis, mas lentos. Assim como a respiração. Sem sinal visível
de trauma.
- Ouviu isto? - Tohr disse, voltando a falar. - Bom, obrigado! - Ele encerrou a chamada, e imediatamente voltou a discar. - Ela está trazendo Manny e Ehlena.
- De volta ao ouvido. Espera. Espera.
Ele estava, obviamente, ligando para Qhuinn...
Por alguma razão, o mundo ficou vacilante para Rhage: em um minuto, ele olhava para Layla, e pensava que não havia nada mais aterrorizante do que uma fêmea grávida
caída em qualquer tipo de chão. No seguinte, o vestíbulo girava em volta dele como uma bola no fim de um barbante, sua cabeça, o ponto central da tontura, seu equilíbrio
estranhamente não comprometido...
- Ele vai cair!
Huh. Acho que ele não estava tão firme quanto achou.
Quando sentiu uma mordida em seu bíceps, baixou o olhar e viu a mão de Tohr travar-se em seu bíceps, segurando-o.
Uau. Que másculo, Rhage pensou.
Uma rodada de sais vitorianos só porque uma fêmea está...
- Layla!
A aparição em pânico de Qhuinn bem perto dele lhe deu o estímulo para acordar de que precisava, sua mente clareou enquanto o macho abria seu caminho até chegar
à fêmea que carregava seu filho. Blay, como sempre, estava logo atrás dele, pronto a fazer qualquer coisa para apoiar o companheiro.
- O que diabos aconteceu? - Qhuinn exigiu.
V começou a falar. Dra. Jane e equipe chegaram. Equipamentos médicos foram tirados de uma maleta preta antiquada.
Virando-se para Tohr, que ainda o amparava, Rhage ouviu uma estranha versão de sua voz dizer, - Estou tendo problemas para respirar, irmão.
Tohr voltou a cabeça para sua direção. - Qual o problema?
- Eu não sei. Não... Consigo respirar. - Ele massageou o peito com a mão livre. - É como se houvesse um balão aqui. Tomando todo o espaço.
Enquanto a equipe médica rolava Layla de costas, o pessoal da primeira fila praguejou. O braço dela estava no ângulo errado, a parte abaixo do cotovelo mostrando
uma torção feia que deve ter acontecido quando ela desmaiou.
- Rhage? - Alguém lhe disse, - Olá?
Ele olhou para Tohrment, - O que?
Thor inclinou-se, - Quer tomar um pouco de ar fresco?
- Já não estamos do lado de fora? - Para responder a esta pergunta, olhou para o céu - Sim, estamos...
- Que tal darmos uma voltinha?
- Quero ajudar.
- Sim, eu sei disto. Mas, acho que sair para caminhar é uma boa ideia. Você está branco como papel, e se apagar agora, posso garantir que não vai ter ninguém
para amaciar sua queda e não precisamos de mais pacientes agora.
- Huh?
- Vamos.
Quando seu irmão puxou o braço, Rhage começou a esfregar o peito. - Eu não sei porque não consigo respirar...
A última imagem que teve, ao se afastar, foi do rosto de Layla virado para o lado, os olhos abertos, mas, sem enxergar nada.
- Ela morreu? - Ele sussurrou. - Ela morreu?
- Vamos, irmão meu...
- Morreu?
- Não. Está viva.
Cada vez que piscava, via seu cabelo louro no mármore como líquido derramado, os lábios tão pálidos quanto o rosto, aqueles olhos verde-jade, opacos e imóveis.
- Mary? Sim, Mary, tenho uma situação aqui com seu garoto. Pode vir agora?
Quem estava falando? Oh sim, Tohr. Ao telefone. O Irmão havia sacado o telefone.
Rhage começou a balançar a cabeça. - Não, ela não pode vir. A mãe no Lugar Seguro. Ela tem de ficar...
- Está bem, obrigado. - Tohr desligou - Ela está vindo agora.
- Não, eles precisam dela...
- Irmão? - Tohr aproximou o rosto do rosto de Rhage. - Tenho certeza que você não sabe como está sua aparência agora. Faz o favor de sentar aqui... Sim, bem
no chão. Bom garoto, está indo bem.
Os joelhos de Rhage seguiram as instruções, seu cérebro estava preocupado demais com o quanto sua shellan não precisava perder seu tempo precioso com ele. Mas,
parecia que aquele ônibus já tinha partido do ponto.
Colocando a cabeça entre as mãos, Rhage se inclinou para frente e se perguntou se não teria algo errado com seus pulmões. Uma gripe vampírica de ação rápida.
Uma infecção. Um veneno qualquer.
A grande mão de seu irmão fez círculos lentos em suas costas, e sob aquela palma pesada, a besta, em sua forma de tatuagem, surgiu e se moveu como se o pequeno
ataque de Rhage tivesse deixando-a nervosa.
- Sinto-me estranho. - Rhage disse. - Não consigo... Respirar...
Capítulo VINTE E CINCO
Nos primeiros quilômetros, Assail se satisfez em se desmaterializar no encalço do barco. No entanto, por volta da quarta vez em que retomou forma, se impacientou
pela chegada ao destino, a troca que seria feita, identidade do terceiro envolvido a ser revelada.
E havia outro motivo para ficar inquieto. Com o aumento da distância viajada, os dois homens se aproximavam cada vez mais da cidade de Caldwell, o que era uma
ideia idiota.
Mesmo que já fosse noite avançada, o centro da cidade não era como o subúrbio e estariam rodeados por humanos por todos os lados; com certeza, dificilmente humanos
com crédito com a polícia, mas, olhos curiosos eram olhos curiosos, e cada rato sem rabo, por mais ignorante que fosse, tinha um celular nos dias de hoje.
Ele até poderia ser capaz de se desmaterializar, mas, aquela dupla no barco não sabia executar aquele truque... E ele queria ser a pessoa a ensinar uma lição,
não deixaria o Departamento de Polícia de Caldwell chegar na frente.
Desaparecendo de novo, foi forçado a retomar forma em meio às árvores plantadas à beira de um dos parques públicos da margem de Caldwell. E o barco continuou
em frente.
Inacreditável.
Enquanto esperava para ver se indicavam a nova posição, e havia uma boa chance de que indicassem, porque não havia mais cobertura na costa, um comichão familiar
começou a formigar na base de seu pescoço, desencadeando a necessidade por mais coca.
A necessidade vinha cada vez mais rápido ultimamente. A ponto de ele ser forçado a reconhecer sua sorte por curar-se tão rápido. Se fosse um mero humano? Já
teria desviado o septo há meses.
Buscando em seu bolso, tirou o vidrinho. Só sentir a suavidade do frasco o fazia relaxar. Ele queria consumir a droga, mas não podia correr o risco de não conseguir
se desmaterializar. O problema com o seu vício era que a necessidade por uma nova dose estava surgindo antes que o efeito da dose anterior tivesse sequer começado
a diminuir, a lombriga em suas entranhas se remexendo, remexendo, exigindo mais e mais enquanto seu corpo e cérebro lutavam para lidar com as velozes e enormes cargas
da droga que consumia.
E de novo, a última coisa que queria era se colocar em dificuldades por estar nervoso demais para desaparecer.
Deus, ter isto em comum com a espécie humana com quem negociava era humilhante demais para descrever...
- Oh, só pode ser brincadeira. - Ele murmurou quando o barco finalmente demonstrou estar entrando em um lugar para aportar.
Mas não um lugar seguro. Certamente não um que ele teria escolhido.
A dupla pilotou a embarcação em direção à uma casa de barcos vitoriana. Claro que as janelas estavam escuras, mas havia luzes de segurança brilhando nas ripas
que revestiam seu exterior, e sem dúvida uma patrulha do Departamento de Polícia, fazia turnos regulares no espaço que havia por trás da estrutura.
Mesmo assim, ele teria de entrar, caso eles entrassem.
E eles entraram.
Sem ideia do layout do interior do local, programou-se para retomar forma nas sombras entre aquelas irritantes luzes externas, suas roupas pretas mimetizando-o
contra a lateral envelhecida da casa de barcos. Quando o barco entrou em uma das vagas, o som de seu motor patético ecoou, soando como um homem velho nos estertores
finais de um ataque de tosse mortal.
Virando-se para uma das janelas, Assail concentrou seu olhar astuto através do vidro canelado. A área interior era bem extensa e, assim que identificou o seu
ponto, se desmaterializou e passou através da mesma entrada que os entregadores usaram. Teve o cuidado de reassumir sua forma física, encolhido em um canto apertado
no extremo oposto, entre uma estante de suprimentos de tripulação, caída em montes, e uma floresta de dispositivos pessoais de flutuação cor de laranja pendurados
em ganchos.
O motor foi desligado e o par conversava suavemente em idioma estrangeiro. Após silenciarem, o único som era a água se movendo e gargalhando por baixo do barco
e através do escoramento das docas.
Assail odiava cheiro de peixe morto, flora decomposta e lonas úmidas no ar.
Após um tempo, a aproximação de algo no exterior chamou sua atenção, e então, uma luz amarela penetrou o interior. Localizando uma janela empoeirada, olhou para
fora, só para ver um caminhão do Departamento de Parques Públicos de Caldwell estacionando.
Bem, agora, isto está a ponto de ficar interessante.
Ou a entrega ia ser interceptada e chamariam a polícia... Ou algum humano que trabalhava para os parques estava tentando aumentar sua renda mensal através de
suborno.
Descobriu que errou nas duas.
A porta principal rangeu ao ser aberta e, no instante em que uma figura masculina apareceu no umbral, o ar gelado que vinha de trás, espalhou o cheiro de lesser
na casa de barcos.
E então, o Forelesser com quem Assail havia feito negócios, entrou com uma sacola de ginástica na mão.
Filho da Puta.
Como se atreve o bastardo a me passar para trás, pensou Assail, ao mesmo tempo em que suas presas se alongavam, por vontade própria. E como infernos aquele matador
havia conseguido fazer contato com o fornecedor?
Formulando um plano para a emboscada, Assail sacou suas duas armas .40, e desejou ter tido o cuidado de colocar silenciadores. Não havia esperado usá-las na
porra do centro de Caldwell, pelo amor de Deus.
- Me deixe vê-las. - O Forelesser declarou. - Abra as sacolas e me deixe vê-las.
Assail deu um passo à frente, pensando que poderia...
Cada um dos carregadores abriu uma mala e exibiu o conteúdo.
Não. Eram. Drogas.
Nada parecido.
Ao invés dos grandes tijolos selados em camadas de papel celofane, havia...
Armas. De grosso calibre, que se esfregavam, metal contra metal, umas contra as outras nas sacolas de ginástica.
Na escuridão era difícil determinar, exatamente, as especificações das armas, mas parecia haver uma variedade de metralhadoras ou rifles.
O lábio superior recuado de Assail voltou a ao lugar.
Embora estivesse preparado para interceder na eventualidade de uma negociação de drogas/dinheiro, não sentia mais tal compulsão.
Se o Forelesser quisesse usar seu lucro para comprar armas, era problema dele.
Deixando a casa de barcos do mesmo jeito que havia entrado, Assail dirigiu-se rio acima, em direção à sua casa envidraçada na península.
A única coisa com a qual se importava era se aquele lesser continuaria a vender seus produtos nas ruas e clubes de Caldwell em tempo hábil, confiável e honesto.
- Não, não, estou bem. Juro.
Enquanto falava, Rhage sentou-se à mesa de madeira maciça na cozinha da mansão da Irmandade. Os outros habitantes da casa estavam se reunindo para uma tardia
Última Refeição, os doggens enfileirando-se para dentro e para fora da porta vai-e-vem, levando bandejas de prata do tamanho de tampos de mesas, cheias de todos
os tipos de comidas recém-preparadas, molhos e vegetais.
Do outro lado, Mary encostou-se à ilha com topo de granito que ficava no centro da cozinha, com os braços cruzados sobre o peito, os olhos treinados fixos nele,
como se avaliando um de seus pacientes do serviço social.
Contorcendo-se, ele quis se juntar aos irmãos e suas shellans, mas, pela expressão dela, aquilo não aconteceria tão cedo.
- Fritz? - Disse ela. - Vou preparar alguma coisa para ele, tudo bem?
O mordomo parou em meio ao processo de trazer um conjunto de mesa. - Eu ia fazer um prato na outra sala e trazer para cá...
- Eu quero cuidar de meu marido, - disse ela gentilmente, mas com firmeza. - Mas, se quiser... Mesmo que isto vá contra cada instinto autossuficiente de meu
corpo, eu deixo as panelas e os pratos para você lavar.
O rosto velho e enrugado de Fritz assumiu a expressão de um cãozinho basset a quem tivessem negado frango com a promessa de mais tarde ter um bife: tanto preocupado
quanto excitado. - Se houver qualquer coisa em que eu possa ajudar...
Três membros da equipe, em seus uniformes cinzentos e brancos, voltaram de mãos vazias da sala de jantar, o trio se dirigindo para o carregamento final que era
destinado a ser levado e servido nas várias mesas de apoio daquele enorme espaço iluminado.
- Na verdade, - sua Mary murmurou, - você acha que ele e eu podemos ter um pouco de privacidade aqui?
- Oh, sim, senhora. - Fritz de alguma forma se iluminou. - Assim que servirmos os pratos principais, eu mesmo levarei a equipe para o saguão. Eles ficarão mais
do que satisfeitos em esperar lá.
- Obrigada. - Ela apertou levemente seu braço, o que o fez corar. - E só até a hora da sobremesa. Eu sei que vai querer a cozinha livre para ela.
- Sim, senhora. Obrigado, senhora. E eu pessoalmente limparei tudo após sua saída.
O mordomo fez uma acentuada reverência, pegou a última bandeja de prata, e tirou todo mundo dali. Quando a porta vai e vem parou, a adorada shellan de Rhage
olhou para ele.
- Ovos? - Ela disse.
Diante daquela única palavra, o estômago de Rhage rugiu. - Oh, Deus, seria maravilhoso.
Mary anuiu e foi até a geladeira. Pegou uma bandeja fechada de ovos, um galão cheio de leite e uma caixa de manteiga; então, no armário, uma frigideira, uma
grande tigela de misturar e vários utensílios recém-lavados.
- Então, - disse ela, ao partir o primeiro dos doze ovos. - Eu queria mesmo saber o que aconteceu lá.
Até aquele momento, Rhage fora bem sucedido em evitar a questão. Aparentemente, o indulto havia acabado.
- Estou bem, sério.
- Ok. - Ela parou em meio ao ato de quebrar um ovo e sorriu para ele. - Mas, como sua esposa, seu bem-estar é realmente importante para mim. Então, se tem alguma
coisa te incomodando, não saber o que é faz eu me sentir excluída.
Ai. Só... Ai.
Quando ela começou a bater a mistura crescente de ovos, o som úmido o fez imaginar o conteúdo de sua própria cabeça.
Baixou os olhos para o tampo esburacado da mesa e deslizou o dedo em um dos veios da madeira de carvalho.
- A verdade é que eu não sei o que houve. Eu só me senti muito estranho e tive de me sentar. Mas, agora estou bem. Provavelmente foi só uma coisa passageira.
- Mmm, bem, me conte como foi sua noite.
- Não aconteceu nada demais. Fui até o esconderijo do Bando dos Bastardos e invadi...
- Não começou na clínica, com Trez e Selena?
- Oh, sim. Mas, isto foi tipo, ontem, quando ela estava... Sabe, quando ela foi levada para lá. - Ele balançou a cabeça. - Não quero pensar nisto agora, se não
se importa.
- Está bem, então esta noite você foi até o esconderijo do Bando dos Bastardos?
- Bem, primeiro passamos na casa de Abalone. O primo dele debandou das tropas de Xcor e nos disse onde ficava o esconderijo. De qualquer forma, eu e V invadimos
o lugar.
- O que procuravam?
Ele deu de ombros. - Bombas. Armadilhas. Este tipo de coisa. Nada demais.
Ela emitiu outro som de mmmm ao derramar o conteúdo da tigela em uma frigideira do tamanho do assento do banco do Hummer de Qhuinn. - E você ficou preocupado
em se ferir lá?
- Não. Bem... Eu me preocupei com os irmãos, claro. Mas, faz parte do trabalho.
- Está bem. E então, foram para onde?
- Fui te ver. Daí à antiga casa do D., fizemos um relatório para Wrath e voltamos para cá. Era para eu me consultar com Manny para dar uma olhada no processo
de cura daquele ferimento. V também.
- Está bem. - Ela foi até a torradeira com capacidade para seis torradas e carregou-a com o pão branco industrializado, total e plasticamente fantástico que
era o favorito dele. - Então, você chegou aqui, e o que viu?
Ele piscou e viu o pé de Layla esticado para fora do vestíbulo. Então visualizou o rosto de Qhuinn ao se abaixar para a fêmea caída que carregava seu filho.
- Oh, você sabe.
- Mmmmm? - O cheiro de ovos sendo preparados acionou o botão do modo "Coma-agora" em seu organismo. - O que?
- Bem, você sabe o que aconteceu.
Quando Mary chegou, uma maca havia sido trazida da clínica e Layla havia sido carregada, o corpo transferido do chão para a maca, cuidadosamente, por Qhuinn
e Blay.
Rhage caiu em silêncio e massageou o peito.
Pop! Fez a torradeira, e um momento depois, um prato com tudo feito exatamente do jeito que ele gostava, foi posto a sua frente.
Junto com uma caneca de chocolate quente, um guardanapo e talheres... Mas, o mais importante, sua adorável Mary.
- Esta é a melhor refeição de minha vida, - disse ele, só de olhar para a comida.
- Você sempre diz isto.
- Só quando você cozinha para mim.
Era engraçado. Como humana, sua Mary jamais conseguiria entender a reação de um vampiro macho, quando a fêmea com a qual era vinculado preparava comida com as
próprias mãos, para ele. Esse tipo de coisa era um ato secreto, porque ia contra o âmago do instinto masculino que era prover e satisfazer as necessidades de sua
companheira, acima de tudo e todos, incluindo ele próprio, os irmãos, o Rei e todos os filhos que pudessem vir a ter.
Rhage era programado para alimentá-la primeiro e só então comer o que sobrasse. Mas, antes que ela mandasse Fritz e os doggens para fora, ela havia dito estar
cheia, já que havia feito um lanche no Lugar Seguro uma hora atrás.
- Vai esfriar. - Ela disse, esfregando o braço dele.
Por alguma razão, os olhos dele se enevoaram e ele teve de piscar para afastar as lágrimas.
- Rhage? - Ela sussurrou. - Seja o que for, pode dizer.
Com um movimento rápido, ele negou com a cabeça. - Estou bem. Só quero aproveitar o banquete.
Ele ergueu o garfo e começou a alternar: uma garfada de ovos, uma mordida na torrada, uma garfada de ovos, uma mordida na torrada, gole, gole, gole de chocolate
quente. E repetiu tudo até limpar o prato.
- Como a fêmea está? - Perguntou ele, ao limpar a boca e se recostar no espaldar da cadeira.
- Eu não sei, - Mary meneou a cabeça. - Simplesmente não faço ideia como isto vai acabar.
- É grave assim? - Quando ela estremeceu, ele disse, - Se houver algo que eu possa fazer...
- Bem, na verdade...
- É só dizer.
Ela estendeu o braço e tomou a mão dele, virando a palma para cima. Levou um tempo até ela falar, e quando ele já começava a se preocupar, ela disse:
- Quero que você imagine, apenas por um momento, que pode ter sido perturbador para você ver Selena quase morrer e testemunhar a dor de Trez. Quero que considere
que não é "só trabalho rotineiro", para ninguém, ter de invadir uma casa onde jamais esteve, sem saber se algo irá explodir ou te emboscar ou matar você ou alguém
que você ama. Quero que reflita que, ir até Wrath e não poder dizer-lhe que encontrou os Bastardos, ou que desarmou uma bomba, ou coletou algum tipo de informação,
soa como fracasso para você. E finalmente, quero que entenda que, voltar para casa e ver Layla no chão, sabendo que está grávida, e o quanto se importa com ela,
Qhuinn e Blay, é outro trauma. Acho que você teve um dia difícil, e suas emoções meio que entraram em pane.
- Eu não me sinto perturbado, minha Mary. Por nada disto. Estava tudo bem...
- Até você ter o ataque de pânico na frente da casa.
- Eu não tive um ataque de pânico.
- Você disse que não conseguia respirar. Que suas mãos e pés formigavam. Que estava tendo problemas para se conectar à realidade. Para mim soa sintomas típicos
de um ataque de pânico.
Ele negou com a cabeça. - Eu não acho que foi isto.
- Está bem.
Rhage inalou profundamente e fitou o rosto de sua amada. - Você é a fêmea mais linda que eu já vi.
- Tenho certeza que não...
Ele tomou o rosto dela entre as mãos, acariciando com carinho. Enquanto seus olhos vasculhavam as feições familiares, ele não conseguia ter o suficiente dela.
Deus, nunca era o suficiente. Nem uma noite, um mês, um ano, uma década... Nem a eternidade que a Virgem Escriba tinha milagrosamente lhes concedido, jamais seria
suficiente para ele.
- Você é a fêmea mais linda que eu já vi. - Ele acariciou os lábios dela com os seus. - Não sei o que fiz para merecer um destino com você, mas jamais, jamais
vou te subestimar.
O sorriso que teve em resposta foi melhor do que o brilho do sol que ele jamais via, envergonhando até a bola de fogo que sustentava toda a vida, inclusive as
daqueles que não suportavam seus raios.
Eles ainda estavam sentados daquele jeito, perdidos no olhar um do outro, quando os doggens vieram, para a sobremesa.
- Quer subir? - Ele disse em uma voz profunda e sombria, sua besta começando a surgir sob sua pele. - Estou pronto para a sobremesa.
O aroma dela chamejou. - Está?
- Mmm hmm.
- Quer que eu pegue um pouco de sorvete para você?
Ele estreitou o olhar na boca dela. - Nada disto. Eu quero chupar outra coisa.
- Bem, então, - ela sussurrou, colando a boca na dele, - vamos te alimentar.
Capítulo VINTE E SEIS
Suor frio.
Trez acordou suando frio, cada centímetro de sua pele encharcado, sua temperatura interior gelada a níveis árticos, o coração batendo tão rápido, que parecia
que alguém havia enfiado a coisa em uma batedeira de bolos. Erguendo-se do travesseiro, gritou...
Cama. Ao invés de algo terrível e chocante... Tudo o que viu foi uma porção de sua cama, e tudo estava absolutamente normal, do abajur que brilhava próximo à
ele, a suas roupas jogadas sobre a chaise, aos sapatos caídos obliquamente onde foram chutados no amanhecer passado.
Por um momento, ficou confuso. Virgem Escriba. Um lugar qualquer, místico. Selena na grama, na clínica, congelada, congelada...
Um gemido suave quebrou o fio entre pesadelo e realidade.
Virando-se subitamente, viu Selena deitada em sua cama, os ombros nus aparecendo acima dos lençóis, os cabelos negros espalhados na fronha branca, rosto e corpo
virados para o outro lado.
Fechando seus olhos, ele cedeu, e desejou que tudo tivesse sido um sonho ruim.
Mas, então, voltou ao foco e se concentrou em sua fêmea, puxando o edredom mais para cima, para mantê-la aquecida, discretamente se inclinando para verificar
se ela ainda estava respirando, se perguntando se deveria arranjar um pouco de comida para ela.
Como se sentisse sua presença, ela se revirou e, mesmo no sono, seu rosto se fechou em uma careta, como se o movimento causasse dor.
Caralho. O sexo fora selvagem, cru, violento. Depois do corpo dela ter enfrentado tudo aquilo.
Maldito fosse ele, pensou, ao passar a palma da mão pelo rosto. Como podia ter feito aquilo com ela? Devia ter se contentado em somente se masturbar até o pau
ficar insensível.
Pior de tudo? Ele não sabia se poderiam realmente resolver as coisas entre eles. Ainda assim, se sentia um imbecil.
Estendendo a mão para a mesinha de cabeceira, pegou o celular e viu que horas eram. Quatro e quarenta e quatro da manhã.
Ele não iria dormir mais. Livrando-se dos lençóis, foi até o banheiro, fechou a porta, usou o banheiro e tomou um banho rápido. Então voltou, tirando seu par
de fones de ouvido da gaveta da mesa de cabeceira, antes de voltar a se enfiar na cama.
Movendo-se lentamente, foi tão cuidadoso em voltar para a cama quanto fora para sair dela, manobrando seu peso de quase cento e quarenta quilos no colchão, sem
deslocar Selena como se fosse um trampolim.
Ao ele se reposicionar, deu uma rápida checada em sua fêmea e ficou aliviado ao descobrir que ela ainda dormia. O que meio que o aterrorizou. E se ela estivesse
em coma ou...
Como se procurasse por ele, ela tateou pelo edredom.
- Estou bem aqui, - ele sussurrou.
Instantaneamente, ela parou a busca, e quando ele segurou sua mão, a palma estava quente, vital, do jeito que sempre estivera.
Ele levou um tempo para estudar os dedos dela, dobrando-os, medindo os movimentos, procurando por pontos de resistência. O que não era certo, ele pensou.
Era injusto tentar tirar informações do corpo dela sem seu conhecimento e consciência... E como forma de se desculpar, ele interrompeu-se, e alisou as unhas
cor de rosa e os semicírculos brancos e curtos que ela aparava regularmente. Quando o sono a reclamou novamente, ele se sentiu... Devastadoramente sozinho. Mesmo
que estivessem lado a lado, ele recostado na cabeceira da cama, com ela aninhada em seu corpo, não parecia estar conectado a ela. Disse a si mesmo que era uma simples
questão de dormir e acordar. Aquela era a divisão... Nada tão assustador quanto o fato das ondas cerebrais serem lidas diferentes em uma tomografia computadorizada.
Era besteira, claro. E quanto mais tentava forçar-se a acreditar na mentira, mais preso se sentia... Então, para calar seu conflito interno, ele ligou o rádio
na estação SiriusXM em seu celular, conectou os fones de ouvido e tentou ficar confortável. Ou confortável de alguma forma.
Ou... Pelo menos, não consumido pela necessidade de pular para fora de sua própria pele.
Naturalmente, porque sua sorte era uma bosta, a primeira coisa que ouviu no rádio, foi mais más notícias.
- Está brincando? - Ele murmurou alto quando a voz de Howard Stern inundou seu crânio. - Eric, o ator está m...
As sobrancelhas de Selena se contraíram como se considerasse acordar e ele fechou a matraca. Mas, não conseguia acreditar que mais um do Wack Pack10 se fora.
Parecia cruel à luz de tudo o que ele estava passando.
Merda, era como se as notícias ruins estivessem fazendo um esforço concentrado para sair das sombras e encontrá-lo.
Selena acordou lentamente, e o aroma do corpo de Trez foi a primeira coisa que notou. O som da voz dele foi em seguida. A sensação das mãos dele sobre as suas,
a terceira.
Abrindo os olhos, ela o viu sentado ao seu lado na cama, os olhos negros, absorto em seu celular, as sobrancelhas baixas como se houvesse recebido notícias perturbadoras
através de uma mensagem de texto ou...
- Está tudo bem? - Ela perguntou.
Quando ele não respondeu, ela percebeu que ele tinha fios saindo do celular para seus ouvidos como se estivesse ouvindo alguma coisa.
No instante em que ela apertou sua mão, ele pulou tão alto que os fones caíram.
- Oh, meu Deus! Você está acordada.
- Sinto muito, não queria assust...
- Merda, não sinta... Está bem? Precisa da Dra. Jane?
- Não, não... - Ela tentou fazer o cérebro funcionar. - Estou bem, é só... Parece perturbado?
Quando ele olhou para ela, o único som no quarto era o ruído dos fones.
Ela puxou as cobertas mais ainda para cima. - Há algo errado comigo?
- Oh, Deus, não. Eu, ah, não... Não é nada. - Ele olhou para o celular. - Só, um cara que era do The Stern Show morr...
Quando ele se interrompeu, os olhos arregalados, como se quase houvesse dito algo imperdoável.
- Morreu? - Ela terminou por ele.
- Eu, ah...
- Você ainda pode pronunciar a palavra, - ela deu um aperto na mão dele de novo. - De verdade.
Trez pigarreou e afastou o celular. - Está com fome?
- Na verdade não.
- Com sede?
- Não.
Ele mexia nos lençóis. O edredom. - Está quentinho aí?
Franzindo o cenho, ela sentou-se e encostou-se aos travesseiros. Olhando para ele, sorriu. - Estou contente de ter vindo aqui. Para conversar e... Fazer aquelas
outras coisas.
- Está mesmo? - Os olhos dele, aqueles lindos olhos amendoados, se voltaram para ela. - Sério? Eu acho que fui violento demais no modo como...
O sorriso dela se estendeu. - Eu realmente, realmente, perdi minha virgindade agora.
Ele corou. Corou da verdade, uma mancha vermelha tingiu suas bochechas. - Me preocupa ter te machucado.
- Nem um pouco. Quando podemos fazer de novo...
O engasgo de Trez foi súbito e ruidoso, e ela teve de bater nas costas dele para ajudá-lo a respirar novamente.
- Está bem? - Ela disse, ainda sorrindo.
- Ah, sim. É que você tem um jeito de me surpreender.
Por um momento, ela se lembrou dele vindo a ela no Santuário. Mesmo paralisada na ocasião, ela soubera o instante em que ele chegara. Fora um milagre. Mas, como
ele soubera?
- Como me encontrou? Lá em cima, no Santuário?
Ele meneou lentamente a cabeça. - Você não vai acreditar.
- Tente.
- A Virgem Escriba. Eu estava em meu clube, resolvendo uns assuntos, Rhage e V estavam comigo. De repente, aquela... Figura apareceu... Vestida de preto, iluminada
por baixo do tecido, uma voz que eu ouvi aqui dentro, - indicou a cabeça, - ao invés de nos ouvidos. A próxima coisa que vi? Eu estava... Bem, de qualquer forma.
Eu estava com você.
Agora foi a vez dela de mexer nas cosias. - Eu sinto muito.
- Por quê?
- Por você ter me visto assim. Sinto muito por tudo isto.
- Diabos... Como eu disse antes, como se fosse culpa sua estar doente?
- Eu sei, mas ainda assim. Eu queria... - ela tentou virar a cabeça para trás para poder olhar para o teto, mas o pescoço anda estava dolorido demais.
- Você está sentindo dor.
- Não é incomum. É como sempre me sinto. Eu... Bem, que seja.
Aparentemente, dois podiam fazer aquele jogo de evitar um assunto.
- Isto é tão forçado, - ela soltou.
- O que?
Ela teve de virar o tórax para poder olhar para ele de verdade. E vagamente, avaliou como era bela a pele escura dele contra os lençóis brancos, o contraste
fazia ambos parecerem cintilar.
Selena tentou achar as palavras. - Eu sinto como se houvesse esta enorme... Não sei, distância ou algo assim... Entre nós. Não faz sentido, digo, você está bem
aqui ao meu lado... Mas, há palavras nas quais estamos tropeçando, assuntos sobre os quais não queremos falar... Bem, isto é um saco. Porque agora? Esta é a melhor
parte, digo, dá uma olhada.
Ela ergueu a mão livre com os dedos esticados, fechou-os e tornou a abrir.
- Acordada e flexível é tão melhor do que o jeito que eu estava antes, não é? - Quando ele simplesmente olhou para ela, sentiu-se tola. - Desculpe, acho que
isto soa estranho.
Trez se inclinou e beijou-a, seus lábios demorando-se. - Não... - ele se afastou. - Isto... Eu sei o que quer dizer. Não é loucura e você está certa. Esta é
a melhor parte...
- Você está tão quente.
Trez soltou outra tossida. - Maldição, fêmea. O que deu em você...
- Eu lhe disse a noite passada, ou céus, que horas eram? De qualquer forma, eu te disse antes, sou toda honestidade agora.
As pálpebras dele caíram. - Gosto de honestidade. Então, me deixe perguntar, se eu te pegasse no colo e te carregasse para o chuveiro, você...
- Me ajoelharia de novo sob o jato quente para ver se você é tão gostoso quanto eu me lembro?
O som que ele fez não foi uma tossida. Mas, também não foi nada coerente. Foi parte grunhido, parte rosnado, com um pequeno gemido no meio, como se estivesse
se preparando para implorar...
Mais ou menos a coisa mais sexy que ele já ouvira.
- Isto foi um sim? - Ela falou lentamente.
Ele beijou-a novamente, com mais força desta vez. Por mais tempo também. Então ele a fitou, com olhos que ferviam. - Merda, estou morrendo aqui.
Quando Trez interrompeu-se de novo, ela sentiu-se atingida pela palavra de novo. Em se tratando deles, aquela era realmente, uma palavra matadora. Mas, era ela,
e não ele.
- Sinto muito, - ela forçou-se a sorrir. - Vamos lavar nossas preocupações...
- Eu vou achar uma cura para isto, - ele disse, com seriedade. - Eu não vou deixá-la perder a luta, Selena. Eu vou, literalmente, mover céus e terras para mantê-la
ao meu lado... Para que não haja nada no meio de nós dois, nada além de nossa pele nua... Nossas almas.
Lágrimas subiram aos olhos dela, e ela as conteve, desejando que sumissem e não voltassem a aparecer. Estendendo a mão para o rosto bonito dele, passou as pontas
dos dedos sobre suas feições.
- Eu te amo, Trez.
- Deus, eu te amo também.
Capítulo VINTE E SETE
Quando Layla acordou, estava deitada de lado em uma superfície muito mais suave do que o chão do vestíbulo. Em pânico, levou a mão à barriga.
Tudo parecia o mesmo, o inchaço firme, do tamanho que sempre fora... Mas, querida Virgem Escriba, teria ela machucado a criança? Ela conseguia se lembrar de
sair do carro, da luta para caminhar até a entrada da mansão, e de lá ter perdido a consciência...
- Bebê, - ela murmurou, - bebê, está bem? Bebê?
Instantaneamente, os olhos azul e verde de Qhuinn estavam bem à sua frente. - Você está bem...
Como se ela se importasse com ela mesma naquela hora. - Bebê!
Com uma súplica, pensou, por que antigamente reclamara de estar grávida? Talvez aquilo fosse punição por ter...
- Está tudo bem. - Qhuinn olhou para o outro lado do quarto, se concentrando em alguém que ela não conseguia ver. - Bem, apenas... Okay, é... Bem.
Ela jamais se perdoaria.
O alívio foi tão grande, que lágrimas subiram aos seus olhos. Se ela tivesse perdido o filho deles por estar no encontro com Xcor? Porque andara bisbilhotando
enquanto ele... Fazia aquilo com seu próprio sexo?
Ela jamais se perdoaria.
Com um pedido, ela se perguntou por que sequer pedira ao macho para fazer aquelas coisas. Era tão errado em diversas formas, adicionando ainda mais culpa quando
ela já estava com a coisa atolada até a garganta.
- Oh, Deus, - ela gemeu.
- Você está com dor? Merda, Jane...
- Estou bem aqui. - A boa doutora ajoelhou-se ao lado de Qhuinn, parecendo cansada, mas alerta. - Olá, Layla. Que bom que voltou. Só para saber, Manny engessou
seu braço. Havia uma fratura.
Houve algumas explicações sobre seu tempo de recuperação e quando o gesso poderia ser retirado, mas ela não prestou atenção em nada daquilo. Dra. Jane e Qhuinn
estavam escondendo algo dela: Os sorrisos de tranquilidade eram como fotografias da coisa real... Pareciam reais, mas eram falsos.
- O que não estão me dizendo?
Silêncio.
Quando ela lutou para se sentar, foi Blay que ajudou, gentilmente apoiando o braço bom e para lhe dar um pouco de impulso.
- O que? - Ela exigiu.
Dra. Jane encarou Qhuinn. Qhuinn olhou para Blay. E Blay... Foi o que eventualmente enfrentou o seu olhar.
- Há algo inesperado, - o guerreiro disse, - no ultrassom.
- Se me fizer perguntar "o que", de novo, - ela disse, por entre dentes cerrados, - vou começar a jogar coisas, e que se dane o meu braço quebrado.
- Gêmeos.
Como se o tempo e a realidade fossem um carro que subitamente tivessem seus freios acionados, houve um metafórico som de freada em sua mente.
Layla piscou. - Desculpe... O que?
- Gêmeos, - Qhuinn repetiu. - O ultrassom mostrou que são gêmeos.
- E perfeitamente saudáveis. - Dra. Jane completou. - Um é significantemente menor, e seu desenvolvimento está atrasado, mas parece viável. Eu não vi o segundo
feto nos ultrassons anteriores porque, Havers me contou que as gestações em vampiros são diferentes das humanas. Acontece que aparentemente outro óvulo fertilizado
pode se implantar, mas não entra em um estágio de significante embriogênese até muito mais tarde... Seu último ultrassom foi há dois meses, por exemplo, e eu não
vi nada antes.
- Gêmeos? - Layla sufocou.
- Gêmeos. - Um dos três repetiu.
Por algum motivo, ela se lembrou do momento em que descobriu estar realmente grávida. Mesmo que a gravidez fosse o objetivo e ela e Qhuinn houvessem feito o
que fizeram só para chegar lá, a confirmação de que sua necessidade vingara meio que a estonteara. Parecia milagroso, e avassalador... Uma alegria assustadora que
ela não estava inteiramente certa de que não fosse derrotá-la.
Agora ela sentia o mesmo.
Tirando a parte da alegria.
Ela sabia de duas de suas irmãs que esperaram gêmeos, e uma das gestações não deu certo. Da outra, havia nascido um único bebê vivo.
Lágrimas começaram a se derramar de seus olhos.
Aquelas não eram boas novas.
- Ei! - Blay se inclinou, com um lenço. - Isto não é ruim. Não é.
Qhuinn concordou, embora seu rosto continuasse uma máscara. - É... Inesperado. Mas não é de todo ruim.
Layla colocou as mãos sobre o estômago. Dois. Havia dois bebês que agora, tinha de levar em segurança até a reta final.
Dois.
Querida Virgem Escriba, como isto acontecera? O que ela ia fazer?
Enquanto as questões corriam por sua cabeça, ela percebeu... Bem, inferno. Como muitas coisas na vida, aquilo estava fora de suas mãos. Uma impossibilidade manifestada;
sua função, agora, era fazer o que pudesse para ajudar a si mesma e aos bebês descansarem, se nutrirem e ter os cuidados médicos necessários.
Esta era a única coisa que podia diretamente controlar. O resto?
Só cabia ao destino.
- Pode haver outros? - Layla perguntou.
Dra. Jane deu de ombros. - Acho altamente improvável, mas gostaria de enviar uma amostra do seu sangue para Havers. Ele tem muito mais experiência do que eu
nisto, e após analisar o hormônio específico da gravidez vampira, ele crê que pode arriscar a dizer a sua situação. Ele disse, no entanto, que trigêmeos são virtualmente
inéditos, e que o seu caso está no curso típico de gestação de múltiplos. A menos em casos extremamente raros de gêmeos idênticos como Z e Phury, o segundo embrião
atrasa seu desenvolvimento até a gravidez estar bem avançada. Quase como se na espera para ver se as coisas estão indo bem antes de se juntar à festa.
Layla baixou os olhos para seu abdômen distendido, e jurou nunca, jamais reclamar sobre coisa alguma. Nem de tornozelos inchados, ou dos seios doloridos, ou
de ter de ir ao banheiro a cada dez minutos. Sem. Mais. Chororô.
Nunca mais.
O fato de ela ter perdido a consciência, caindo de cara em um chão de mármore, e ainda conseguir ter aquele bebê...
Aqueles bebês, ela se corrigiu em choque.
... Em seu corpo, em segurança, era um lembrete que as dores e os desconfortos eram menores em comparação ao cenário maior, o grande objetivo, a grande preocupação.
Que era dar à luz a eles no momento certo, e fazê-los sobreviver.
- Então você consente? - Dra. Jane perguntou.
- Desculpe, o que?
- Tudo bem eu enviar uma amostra do seu sangue para Havers analisar?
- Oh sim. - Ela estendeu o braço bom. - Pode tirar...
- Não, já coletamos a amostra.
Ah, o que explicava a bolinha de algodão colada na parte interna de seu cotovelo.
Seu cérebro não estava funcionando direito.
- Foi por isto que ela desmaiou? - Qhuinn perguntou. - Por causa do outro bebê?
Dra. Jane deu de ombros de novo. - As amostras dela parecem bem... E já estão estáveis há um tempo. Quando foi a última vez que se alimentou, Layla?
O problema não era se ela tinha tomado veia recentemente. - Eu...
- Podemos resolver isto agora. - Qhuinn anunciou - Blay e eu podemos ambos lhe oferecer nossas veias.
Dra. Jane anuiu. - É lógico pensar que, com o segundo bebê requerendo mais nutrição, suas necessidades calóricas e de sangue devem ser maiores do que tenha percebido.
Eu acho possível que você tenha extrapolado seus limites e isto acabou por te esgotar.
Layla sentiu-se totalmente entorpecida e teve de forçar um sorriso. - Eu tomarei mais cuidado. E obrigada. Eu realmente agradeço seus cuidados.
- De nada. - Dra. Jane deu ao pé de Layla um leve aperto por cima das cobertas leves. - Descanse. Você vai ficar ótima.
Quando a médica saiu, Layla pensou nos estranhos anseios sexuais que vinha sentindo ultimamente, além do relativamente súbito aumento de seus sintomas físicos.
Será que era pelo outro bebê...?
- Quer que eu traga algo mais confortável do que isto? - Qhuinn perguntou.
Ela forçou-se a voltar o foco. - Desculpe, mais confortável que...?
- Esta camisola de hospital.
Baixando os olhos, viu que não estava mais com suas roupas. - Oh, Bem. Na verdade, está um pouco mais frio aqui. Uma das minhas túnicas seria legal, mas não
quero que se encrenque.
- Sem problemas. Eu levo suas coisas de volta para seu quarto e pego uma camisola e uma túnica... Enquanto isto, Blay, você pode lhe dar sua veia?
Como resposta, o pulso do soldado apareceu bem à frente dela. - Tome o quanto precisar.
Naquele momento, ela teve uma vontade avassaladora de lhes contar. Confessar. Livrar-se do estresse do último ano, não importando as consequências.
Ela só queria se livrar do fardo terrível que carregava. Assustava.
Atormentava.
Sem dúvida aquilo poderia aumentar as chances de ela carregar melhor aqueles bebês... Menos estresse era bom para fêmeas grávidas, não era? E agora havia duas
vidas em risco, além da dela.
- Layla?
Ela engoliu em seco. Olhou para os dois ali em pé, próximos à cama, preocupados. Ela não queria trair a única família que tinha. Além disto, talvez se contasse
a eles sobre Xcor, eles pudessem... Tornar o local mais seguro. Ou...
Layla pigarreou e agarrou as cobertas na cama como se fosse um rolo compressor entrando em uma curva fechada. - Ouçam, eu preciso...
Quando ela não terminou. Qhuinn quebrou o silêncio - Você precisa se alimentar. É o que precisa fazer.
Como se suas presas tivessem ouvido, elas se alongaram em sua boca, e ela se tornou consciente do fato de que, sim, ela estava morrendo de vontade de se alimentar
de uma veia.
E não, ela não podia contar a eles. Só... Não era bom. Não havia uma boa solução para ela. Eles a odiariam por colocar arriscar sua vida e sua gravidez... E
enquanto isto, Xcor ainda saberia onde eles vivem, porque a Irmandade jamais largaria aquele lugar. Aquela era a casa deles e eles a defenderiam quando ele atacasse
depois que parasse de vê-lo.
Pessoas morreriam. Pessoas que ela amava.
Merda.
- Obrigada, - ela disse, roucamente, para Blay.
- Qualquer coisa por você, - ele respondeu, acariciando os cabelos dela para trás.
Ela tentou tomar o mais gentilmente que podia, mas Blay demonstrou nem ligar. Claro, quando ele e Qhuinn faziam amor, sem dúvida costumavam dar mordidas muito
mais violentas.
Assim que começou a sugar da fonte familiar, absorvendo a nutrição que seu corpo precisava e só obtinha através desta dádiva de um macho de sua espécie, Qhuinn
foi para onde suas roupas foram colocadas em uma cadeira no canto. Ao pegá-las, ele franziu o cenho e olhou para baixo. Então mexeu nas camadas de tecido como se
procurando alguma coisa.
Um momento depois, ela fingiu estar concentrada no que estava fazendo. Ela não tinha ideia do que ele encontrara ou porque estava olhando para ela daquele jeito.
Mas dado o modo como ela vinha vivendo, ela tinha muito que esconder.
- Quando deve ir?
Diante da pergunta de Trez, Selena se concentrou na tigela quente de mingau de aveia que ele havia acabado de fazer para ela. Como já passava muito do amanhecer,
toda a equipe de doggens já estava recolhida em seus aposentos, então ela e Trez estavam sozinhos na cozinha enorme, sentados lado a lado na mesa de carvalho.
- Selena. A que horas é sua consulta?
Ela devia ter ficado de boca fechada. Dois segundos antes, enquanto aproveitava aquela bela preparação de aveia Quaker, com acompanhamento farto de creme e açúcar
mascavo, os dois flutuavam no brilho do que fizeram no chuveiro, em paz e relaxados.
E agora?
Acabou-se, como diziam.
- Primeira hora da manhã.
Trez verificou o celular. - Está bem, está bem. É quase oito. Então se terminarmos rapidinho, conseguimos chegar a tempo.
- Eu não quero ir. - Ela podia senti-lo encarando. - Não quero. Não estou com muita pressa de voltar para lá.
- A Dra. Jane diz que temos de fazer radiografias de suas juntas para monitorar...
- Bem, eu não quero. - Ela colocou uma colher cheia na boca e não sentiu gosto algum. Era só textura. - Sinto muito, mas estou bem agora. Não quero descer e
ser cutucada e furada de novo.
A reticência dela era apoiada pelo fato de que agora estavam na parte boa, e ela não sabia quanto tempo ia durar. Já que nada poderia parar aquilo, por que eles
precisariam sequer se incomodar com...
- Significaria muito para mim se você fosse ver a Jane.
Ela olhou para cima. Trez olhava para as janelas atrás dela, mesmo que as persianas estivessem baixadas e não houvesse nada para ver.
Os olhos dele pareciam atormentados. Como se soubesse que ela não iria à clínica... E que não havia nada que ele pudesse fazer sobre isto.
- Sabe do que tenho mais medo? - Ela ouviu-se dizendo.
Os olhos dele se voltaram para ela - O que?
Ela revirou sua aveia. Provou novamente, o que somente registrou como algo quente. - Tenho medo de ficar presa.
- Como assim?
- Não quero ficar presa aqui, - ela disse, em voz baixa. Então indicou o peito, os braços, as coxas sob a mesa. - Em meu corpo. Tenho medo dos episódios. Estou
viva, sabe, trancada e... Quando acontece, é difícil ouvir e ver, mas, registro as coisas. Eu soube, quando você veio me buscar. Fez toda a diferença. Quando você
estava comigo, eu não me sentia... Mais tão presa.
Quando ele permaneceu em silêncio, ela voltou a olhar para ele. Ele estava olhando de novo para as janelas, que não mostravam nada do dia lá fora, nem se estava
nublado ou ensolarado, se estava chovendo, ou se havia um vento soprando as folhas outonais pelo gramado marrom.
- Trez? - Ela chamou.
- Desculpe, - ele voltou sua atenção. - Desculpe, me distraí por um momento.
Ele se virou na cadeira, apoiando os pés nos degraus sob o seu assento. Então pegou sua mão, a que não segurava a colher e abriu-a contra a própria palma.
- Você tem as mãos mais bonitas que já vi, - ele murmurou.
Ela riu. - Eu acho que está sendo tendencioso, mas, vou aceitar o elogio.
Ele franziu o cenho, as sobrancelhas se juntaram. - Eu posso imaginar como... - ele inalou longa e lentamente, - eu não consigo imaginar nada mais aterrorizante
no mundo do que estar trancado em um local do qual não seja possível escapar; e estar aprisionado no próprio corpo? É inconcebível. É de foder a cabeça de qualquer
um.
- Sim.
Houve um longo período de silêncio àquela altura, com ele sentado à frente de sua tigela, que esfriava, sem tocá-la, e ela brincando com a sua aveia, fazendo
pequenos símbolos "S" com a ponta da colher.
A discussão que estavam tendo ressoava no ar entre eles, o argumento dele de que "é-para-o-seu-próprio-bem" guerreava com o dela "não-até-eu-ser-absolutamente-obrigada".
Não havia razão real para dizer as palavras em voz alta. Ela não ia recuar. E aquilo significava que a única opção dele seria jogá-la em cima do ombro e dar uma
de homem das cavernas, arrastando-a até o Centro de Treinamento.
Finalmente, Selena não aguentou mais e teve de mudar de assunto.
- Às vezes me pergunto... - ela estremeceu, - digo, e se todo mundo estiver errado sobre a morte? E se não houver Fade, mas ao invés dele, a gente só ficar presa
no próprio corpo para sempre, consciente, mas incapaz de se mover?
Ótimo. Ela estava tentando aliviar o clima.
Bela. Tentativa.
- Bem, os corpos... - ele pigarreou, - Sabe... Apodrecem.
- Hmmm, tem razão.
- Embora, como pesadelo de pós vida para mim? Me preocupa um apocalipse zumbi. - Ele pegou a colher e começou a comer, ainda segurando a mão livre dela. - Seria
um saco. Você morre e então passa a vagar pela Terra, fedendo por todo canto, em uma dieta Atkins que, tipo, jamais terminaria.
Ela ergueu a colher para interrompê-lo. - Espere um minuto, veja, você só teria fome, certo? Se encontrasse pessoas para comer, então, a vida seria bem boa para
um zumbi.
- Não se a metade inferior de seu rosto caísse. Sem mandíbula, como se alimentaria? Então seria só fome e não poderia fazer nada para resolver. Um saco total.
- Canudos.
- O que?
- Bastariam canudos.
- Difícil passar um fêmur através de um canudo.
- E um processador. Canudos e processador. E está resolvido.
Com uma gargalhada ruidosa, Trez jogou a cabeça para trás e riu tanto, que foi sorte não acordar a mansão inteira.
- Oh, meu Deus, isso é tão insano. - Ele se inclinou e a beijou. - Tão fodidamente insano.
De repente ela sorria também... Tão forte que as bochechas doeram. - Totalmente insano. Deve ser por isto que chamam de humor negro?
- É. Especialmente se alguém levar a pior. - Trez ficou sério. - E, está bem, então não vá.
- O que? Levar a pior? Claro que não.
- Ver Jane. Se não quer ir, não vou te pressionar.
Selena exalou em um suspiro. - Obrigada. Eu realmente aprecio isto.
- Não precisa agradecer. Não é minha decisão. É sua. - Ele correu a colher pelo interior da tigela. - Acho que é importante que você tenha tanto poder de decisão
quanto possível em cada aspecto de sua vida, especialmente na doença e no modo como lidar com ela. Acho que você se sente como se não tivesse escolha sobre tanta
coisa... Destino... Que se abate sobre você, e isto torna as oportunidades de fazer escolhas especialmente importantes. - Ele olhou para ela, - eu posso ter a minha
opinião, e pode apostar seu traseiro que te direi qual é, mas, a última coisa que quero é pressioná-la. Você já tem problemas suficientes para resolver. Não vou
adicionar mais isto.
- Como você sabe... Deus, é como se soubesse exatamente o que estou pensando.
Ele deu de ombros e seus olhos assumiram um ar alheio. Então ele indicou a lateral da cabeça. - Só um chute. - Ele voltou a se focar nela. - Então, a questão
é, aonde você quer ir?
- Desculpe?
- Aonde quer ir? A clínica está fora de questão... Então o quê?
Selena sentou-se de volta na cadeira. Agora era ela olhando as janelas. - Eu gosto do Grande Acampamento do Rehvenge, se é isto o que quer dizer.
- Seja ousada. Pense grande. Vamos lá, deve haver algum lugar excitante. O Taj Mahal, Paris...
- Não podemos ir a Paris.
- Quem disse?
- Ahh...
- Nunca encontrei nenhum Ahhh, não o conheço, não me importo do quão grande ele seja... Se estiver em nosso caminho? Vou matar o filho da puta.
- Você é tão adorável. - Selena se inclinou e beijou-o na boca. Então tentou forçar seu cérebro a surgir com alguma coisa, qualquer coisa. - Que sorte a minha.
Finalmente consigo um passe livre... E não consigo pensar em nad... Oh! Já sei!
- Diga e realizarei.
- Eu quero ir ao Circle the World.
Trez se recostou também. - O restaurante?
- É. - Ela limpou a boca com um guardanapo. - Quero ir ao Circle the World para um jantar.
- É aquele que gira, no topo do...
- Do prédio mais alto de Caldwell! Eu vi na TV uma vez, enquanto fazia companhia à Layla em seu quarto. Dá para sentar perto da vidraça e olhar para a cidade
toda durante a refeição. - Ela franziu o cenho ao vê-lo engolir em seco, e não por ter engolido uma colher cheia de aveia, - você está bem?
- Oh, sim, absolutamente. - Trez anuiu e estufou o peito ao dar uma de machão para cima dela. - Eu acho que é uma grande ideia. Vamos pedir para Fritz fazer
a reserva para esta noite. Tenho um pouco de influência nesta cidade, então não vai ser um problema. E eles servem jantar até às nove e dez da noite.
Selena começou a sorrir, imaginando-se em uma das túnicas de Escolhida, os cabelos perfeitamente penteados, o corpo normal... E Trez do outro lado da mesa brilhante
que apareceu no comercial de TV, com o guardanapo tão branco, os pratos tão quadrados, a prataria brilhando a luz dos candelabros.
Perfeito.
Romântico.
E nada a ver com estar doente.
- Estou tão excitada. - Ela disse.
A próxima colherada de aveia que pôs na boca estava doce e cremosa e completavam o mais perfeito... Como os humanos chamavam? Desjejum?
Não fazia sentido. Mas, quem se importava.
- Então é um encontro, não é? - Ela percebeu. - Louvada seja a Virgem Escriba, eu tenho um encontro!
Trez riu, o som foi um estrondo em seu peito largo. - Pode acreditar que sim. E vou te tratar como uma rainha. Minha rainha.
Quando ambos voltaram a comer com vontade, ela pensou, uau, que cenário emocional estranho aquilo tudo era, vales profundos de desespero, seguidos por vastas
paisagens, tão emocionalmente puras e belas, que ela sentiu-se honrada por tê-las. Era quase como se sua vida, com o tempo limitado que restava, tivesse sido amarrada
como uma faixa de tecido, que poderia ser suave e normal, mas agora ondulava com grande ressonância.
Ela teria preferido o luxo de séculos. Mas, neste momento, agora, se sentia tão profundamente viva. De um jeito que não podia afirmar jamais ter sentido antes.
- Obrigada. - Disse ela, abruptamente.
- Pelo quê?
Ela baixou os olhos para seu prato de aveia, sentindo o rosto enrubescer. - Por esta noite. É a melhor noite que já tive.
- Você não viu nada, minha rainha.
- Ainda assim, é a melhor noite, - ela olhou dentro dos olhos escuros dele, - de minha vida inteira.
Capítulo VINTE E OITO
iAm acordou ao cheirar a sopa, e assim que seu cérebro se acendeu novamente, não houve nenhuma besteira do tipo "Será que isso é um sonho?" rolando com ele.
Apesar do fato de que esteve apagado por causa de uma concussão, nem um segundo do que levou ao seu desembarque nesta cela no palácio da Rainha foi perdido por ele:
Não a troca rápida de roupa na frente da quase réplica de Abraão Lincoln, nem a entrada pelos fundos do Território, nem o golpe na cabeça que se seguiu ao seu breve
caminhar de um lado para o outro antes disso.
A sopa, entretanto, foi uma surpresa. Era algo que se lembrava de sua infância, uma mistura de abóbora e nata, especiarias e arroz.
E havia outro perfume na cela. O mesmo que encheu seu nariz quando aquele sacerdote tinha vindo para checar suas marcações.
Abrindo os olhos, ele...
Recuou.
Uma maichen, ou seja, uma criada, estava de joelhos diante dele, seu corpo e cabeça envoltos no pálido azul que correspondia à sua função, o rosto coberto por
uma máscara de malha que mostrava absolutamente nada de seus olhos ou características. Nas mãos dela havia uma fina bandeja de madeira que continha a tigela, uma
colher, uma jarra e um copo, assim como também um grande pedaço de pão.
Nenhum sacerdote. Ninguém mais estava com eles.
Ele inalou mais uma vez; então percebeu que a fêmea deve ter entrado com o oficial da corte antes e ele apenas não tinha percebido.
Ele se ergueu do chão. E foi então que percebeu que estava nu.
Que seja. Ele não quis fazer a maichen sentir-se desconfortável, mas se ela não gostasse da vista, podia partir.
Não que ela estivesse olhando para ele. Sua cabeça estava abaixada em submissão, como ela havia sido treinada.
S'Ex aparentemente estava disposto a dispensar algum cuidado a ele enquanto estivesse na prisão; ou pelo menos a mantê-lo vivo por enquanto. E por um momento
ele teve pena desta pobre fêmea cuja posição social era tão baixa que ela era enviada, sozinha, para machos potencialmente perigosos sem nenhuma consideração para
com sua segurança ou seu sexo.
Mas, então, na hierarquia das coisas, ela era considerada como sendo algo essencialmente sem valor.
Triste. Mas ele tinha outros problemas com que se preocupar.
Sem dar atenção à maichen ou à sua situação de estar como veio ao mundo, ele se levantou e caminhou até o biombo no canto mais distante. As instalações de água
ficavam atrás disso e ele fez uso delas, recebendo outro lembrete de que não estava mais no Kansas.
Quando se curvou sobre uma pia como as usadas pela plebe para lavar o rosto, ele teve apenas uma única manopla para ligar a torneira em vez de uma separada para
quente e outra para frio.
Não era por ele ser um prisioneiro: Tudo isso de esperar-ter-água-quente estava entre as coisas com as quais ele teve de se acostumar fora do Território. Os
humanos insistiam em alternar uma mistura de opostos para ter uma temperatura perfeita. Aqui no s'Hisbe? Toda água estava a 36 graus. De água para beber, à água
para escovar os dentes, era uma única constante, nem quente nem frio.
Salpicando o rosto, ele pegou a toalha preta que estava em um suporte de parede e secou-se. Macia. Tão macia. Nada como as dos humanos, e ele era apenas um prisioneiro.
Ele recolocou o tecido úmido no suporte por hábito e caminhou para fora do biombo.
- Diga a s'Ex que eu quero vê-lo.
Prisioneiros normalmente não se davam ao luxo de fazer pedidos, mas ele não se importava. Ele também se recusava a falar no Idioma Antigo ou no dialeto dos Sombras.
Devido a predominância da cultura humana, o inglês era ensinado nas escolas dos Sombras, e era esperado que até mesmo os criados tivessem algum conhecimento rudimentar
da língua.
- E eu não vou comer isso. - Ele acenou com a cabeça para a bandeja. - Então você pode levá-la.
Só Deus sabia o que havia nessa merda, se seria uma droga ou algum tipo de veneno. Ele estava muito confiante de que seu tratamento ali não continuaria sendo
tão bondoso. Eles iriam, muito provavelmente, puxar seus braços e pernas para fora de seus soquetes em algum momento; embora não até que eles notificassem Trez acerca
de seu cativeiro.
Merda. Ele nunca devia ter confiado...
A maichen colocou a bandeja no chão. Então estendeu a mão, pegou a colher, mergulhou-a na sopa e ergueu. Com a mão livre ela levantou a malha o suficiente para
expor sua boca e provar a comida. Então ela fez o mesmo com o pão e a sidra de maçã fermentada que estava na jarra.
Permitindo que a malha voltasse para o lugar, ela sentou-se de novo sobre as solas dos chinelos de couro em seus pés.
Infelizmente o gesto não fez nada para diminuir as suspeitas dele. maichens estavam tão abaixo na cadeia alimentar que até mesmo a própria palavra recebia pouco
respeito no começo das frases. Que ela pudesse ser envenenada ou comprometida? Ninguém se importaria.
O estômago dele, porém, ficou seriamente encorajado quando ela continuou a respirar.
Antes que pudesse se conter, ele foi até ela e a bandeja. maichen não olhou para cima, mas, então, ela o temia; por uma boa razão.
O cheiro de seu medo se misturava muito bem com aquela sopa picante.
Assim como o cheiro da pele dela.
Inalando pelo nariz, ele sentiu outro choque atravessar seu sistema, seus músculos se contraindo; assim como seu pênis.
O que não fazia nenhum sentido. Ali estava ele, enfiado na merda até o queixo, e seu sexo decidiu se interessar? Sério isso?
Não era à toa que chamavam essa coisa de "alavanca estúpida".
Em pé erguendo-se sobre ela, ele pôs as mãos nos quadris e ficou atento à sinais de que ela fosse ter um treco. Quando ela continuou na vertical, ele esperou
mais um pouco. Ela estava tremendo, mas, tinha estado desde que ele se levantou.
iAm ajoelhou-se no chão de pedra dura, espelhando a pose dela. Quase imediatamente os joelhos dele começaram a doer; outro lembrete de quanto tempo fazia desde
que ele esteve em contato com seu povo. Tal maneira de se sentar era uma trivialidade aqui no Território.
Conveniente se você estava com a bunda de fora, também. Não te deixava completamente exposto.
Ele comeu rápido, mas não descuidadamente, e foi uma boa pedida. Seu cérebro precisava das calorias; seu corpo também, se ele estivesse indo forçar sua saída
dali.
Esse era o plano.
- S 'Ex. - Ele exigiu quando terminou. - Vá buscá-lo.
Com isso, ele empurrou a bandeja em direção à fêmea. Como era costume, ela se curvou adiante em reverência, sua fronte coberta quase terminando na tigela branca
vazia.
Ela levantou a bandeja, endireitando o torso, e graciosamente ficou em pé sem cambalear ou deixar cair qualquer coisa. Saindo da cela, ela acionou a porta colocando
a sola de seu sapato contra uma seção da parede. Um momento depois, porque a saída era claramente monitorada, alguém abriu a coisa remotamente; ou isso, ou a saída
era de alguma forma acionada com pisadas.
E ela foi para fora.
Enquanto o painel se fechava com um som estilo Star Trek, ele sabia que teria sido inútil dominá-la e tentar usá-la como moeda de troca. S'Ex e seus guardas
estariam mais propensos a negociar para salvar um cão.
Andando de um lado para o outro, ele lembrou-se de seu irmão ao lado de Selena enquanto ela jazia naquela mesa de exame, sob aquela luz intensa, o corpo dela
todo contorcido e uma expressão congelada no rosto.
Deus, ele nunca deveria ter feito isso. Fale sobre uma situação em que todos perdiam: Trez iria querer vir para tirá-lo dali, mas deixar aquela fêmea quando
ela estava doente iria matá-lo.
Nada como jogar gasolina no fogo. Junto com mais ou menos uma tonelada de dinamite.
Trez quis dizer cada palavra que disse sobre Selena e a liberdade dela de escolha.
À medida que atravessava a passos largos o túnel subterrâneo rumo à clínica do Centro de Treinamento ele estava cem por cento certo de uma, e apenas uma, coisa;
bem, de duas, mas o fato de que estava apaixonado por ela era o básico. A outra coisa ele sabia com certeza que era Selena, e apenas Selena, quem decidiria como
sua condição seria administrada, e se alguém tentasse forçá-la a qualquer coisa? Ele estava indo atirá-los para longe como você apenas leu.
Mas isso não queria dizer que ele não estaria indo falar com a Dra. Jane.
Sobre sua rainha.
Deus, esse apelido para Selena era tão engraçado. No momento em que ele tinha saído de sua boca, algo tinha clicado. Como se seu vocabulário tivesse se acasalado
com essa palavra assim como seu corpo acasalou-se com o dela.
E ela seria a única rainha para ele. Não importando o que acontecesse com eles, ou onde ele terminasse, ela seria sua fêmea regente, e nenhuma outra suplantaria
o lugar dela em seu coração, seu respeito ou na expressão vocal daquela palavra.
Arrastando a palma pelo rosto, ele forçou seus pés a continuarem em um ritmo de caminhada, embora uma grande parte dele quisesse correr a toda velocidade para
a clínica. Não havia pressa, porém, pelo menos no que concernia à sua fêmea. Selena estava lá em cima no quarto dele, nua na banheira, mergulhando seu lindo corpo
em água morna e perfumada.
Ela não estava completamente livre da dor. Ela escondia a rigidez persistente e desconforto bem, mas os indicadores estavam nos estremecimentos sutis de sua
face e na forma espasmódica como ela movia as mãos e braços. O banho e algumas aspirinas leves iriam ajudar, entretanto. E quando tivesse tido um bom e longo banho,
ela iria para a cama dele para um descanso antes do "encontro" deles.
A alegria dela diante da perspectiva de seu jantar a dois era contagiante. Ele literalmente sentia o calor dentro de seus ossos, como se a felicidade dela possuísse
uma magia cinética que, através de seu acasalamento, estendia-se para dentro de sua própria carne. Inferno, tudo que ele tinha de fazer era pensar sobre ela à mesa
do café da manhã, sorrindo por sobre suas tigelas de mingau de aveia, ou pensar sobre o som de sua voz ficando excitada quando eles estavam... E ele ficava sublimemente
em paz.
Nunca houve nada perto disso para ele. Nem mesmo o amor e compromisso que ele tinha para com seu irmão chegava perto do sentimento.
De uma forma doentia, ele supunha que a doença dela tinha sido algo bom para Selena e ele. Trez não podia conceber como teriam cortado o papo furado entre eles
tão eficazmente ou totalmente sem isso...
Isso foi um inferno de um perde-e-ganha, no entanto.
Quando chegou ao ponto de acesso ao Centro de Treinamento, ele digitou os códigos adequados, então passou pelo almoxarifado e pelo escritório de Tohr. O Irmão
não estava atrás da escrivaninha, o que era uma boa coisa, e não uma surpresa. Era por volta de cinco da tarde, e Tohr estava, sem dúvidas, acordando em seu leito
de acasalado com sua Autumn, prestes a preparar-se para a noite que vinha adiante.
O que tinha sido uma surpresa foi que a Dra. Jane estivesse disposta a vê-lo nesse horário estranho do dia. Com as horas ela tinha estado trabalhando ultimamente
entre as lesões e enfermidade do irmão de Qhuinn, parecia que ela, Manny e Ehlena tinham estado de plantão constantemente.
Isso fez com que ele a respeitasse muito.
Passando pela porta de vidro. Descendo pelo corredor principal de concreto. Várias portas adiante à esquerda.
Entrando na sala de exames, ele...
- Oh, merda!
Saltando de volta para o corredor, ele levou a dobra de seu cotovelo até os olhos e rezou para que aquilo que tinha acabado de ver não tivesse sido queimado
permanente em suas retinas.
Havia algumas coisas que você não precisava saber acerca das pessoas com quem você vivia, não importa quanto você os amasse.
Uma fração de segundo mais tarde, V abriu a porta, e o ziiiiiiiiip! de quando ele fechou a frente de seus couros foi alto.
- Ela verá você agora. - Ele disse com total naturalidade.
Como se dois segundos atrás ele não tivesse estado batendo a sempre amada merda para fora de sua shellan enquanto ela sentava-se em sua mesa.
- Eu posso voltar depois? - Trez perguntou.
- Que nada, ela está pronta. Selena está bem?
- Eu, ah... Sim. Ela está se movendo, está... Bem, eu estou levando-a para sair hoje à noite.
V puxou um cigarro enrolado à mão. - Não brinca. Para onde?
Em todas as suas ruminações, Trez tinha estado cuidadosamente evitando pensar precisamente sobre seu lugar de destino. A ideia de sair em um encontro era ótima,
a comida seria de abalar... Havia apenas um problema com que ele teria que absorver e lidar.
- Aquele restaurante. - Ele apontou para o teto. - Você sabe, no centro da cidade, que, tipo, fica girando em círculos?
- Oh, sim. Bem lá em cima. - O Irmão exalou. - Uma vista dos diabos.
Uh-huh. Cinquenta-mais histórias. Ele tinha navegado no site para descobrir exatamente o quão ruim era. - Sim. Uma vista dos diabos.
- Deixe-me sabe se há alguma coisa que eu possa fazer. Por qualquer um de vocês.
V deu nele um tapinha no ombro e começou a se afastar a passos largos.
- Vishous.
O Irmão parou, mas não se virou. E à luz acima da cabeça dele, o tendril de fumaça de seu fumo enrolado à mão formava um elegante redemoinho no ar.
- Quanto tempo eu ainda tenho com ela?
O Irmão girou a cabeça, então seu poderoso perfil de cavanhaque foi cortado por um pálido filete daquela luz, e as tatuagens em sua têmpora pareceram mais sinistras
do que o habitual.
- Quanto? - Trez repetiu. - Eu sei que você viu isso.
Houve um silvar sutil quando o Irmão inalou, a ponta do seu cigarro ardendo em um vívido laranja. - O que eu recebo não é tão específico. Desculpe.
- Você está mentindo.
Aquela sobrancelha escura ergueu-se. - Vou te perdoar pela ofensa. Uma vez.
Com isso, o macho voltou a se afastar a passos largos, aqueles ombros volumosos deslocando-se no ritmo dos quadris, e seu corpo de guerreiro não era exatamente
o tipo de coisa que alguém, mesmo alguém do tamanho de Trez e com suas habilidades de Sombra, enfrentaria voluntariamente.
Especialmente com aquela mão incandescente dele.
Mas não haveria uma rixa entre eles. Não sobre esse assunto, pelo menos.
Os dois sabiam que ele mentia.
V era o Irmão com a inteligência, as visões místicas, aquele nascido diretamente do corpo da Virgem Escriba. Ele também era incapaz de sacanear alguém pelo motivo
que fosse. Isso só não fazia parte de sua fiação interna; aquele cérebro incrível dele estava muito ocupado para se importar se tinha ofendido ou não, ou se sua
postura foi ou não apropriada, ou se ele tinha expressado as coisas de um jeito agradável para seu requerente.
Assim sendo, quando ele tinha se recusado a se virar? Quando tudo que ele fez foi mostrar seu perfil?
Ele tinha respondido a pergunta bem o bastante.
Vishous nunca iria, jamais voluntariamente magoar ou ferir um macho que ele respeitava. Isso estava ainda mais arraigado nele do que a coisa do eu-não-minto.
E sim, Trez tinha ouvido falar que normalmente não havia uma cronologia nas visões de V sobre morte; mas, claramente, era diferente nesse caso.
Talvez porque o que tinha sido visto era menos sobre a morte da Escolhida, e mais sobre que acontecia com Trez após isso.
Existem duas fêmeas. E em ambos os casos, você está correndo contra o tempo.
- ... Trez? - A Dra. Jane disse, como se ela estivesse tentado chamar a atenção dele. - Você está pronto para falar comigo?
Não, ele pensou, enquanto V desaparecia através das portas de vidro do escritório. Ele não estava.

 

CONTINUA

Capítulo VINTE E UM
O pau de Trez tinha sua própria pulsação. E isto antes de Selena ficar totalmente nua à sua frente. Após aquela revelação? A maldita coisa passou a ter seu próprio
padrão de pensamento.
Minha.
Ao ouvir a porta se fechar, Trez não soube se foi uma de suas mãos que a fechou, ou se simplesmente desejou que a coisa voltasse ao seu lugar.
- Tem certeza disto? - Gemeu ele, já dando um passo na direção dela. - Porque não vou conseguir parar.
- Sim. - Os olhos dela não se ergueram para encontrar os dele. Estavam travados em no quadril. - Oh, sim. Me deixe te ver.
Quando ele parou bem na frente dela, ele disse:
- E todas as humanas com as quais fiquei?
- Vai falar delas agora? - Ela abriu a faixa do roupão dele com uma das mãos. - Sério?
Ele impediu-a de abrir o roupão.
- Nada mudou em mim.
- Azar o seu, não meu.
- Na minha tradição...
- Que não é a minha.
- ... Eu estou corrompido.
- Por que é que você continua falando?
Com isto, ela livrou-se da mão que a segurava, tirou a faixa, abriu as laterais do tecido preto. O sexo dele estava totalmente ereto, se sobressaindo entre eles.
E foi a próxima coisa a qual ela tomou nas mãos.
Trez gemeu e jogou a cabeça para trás.
- Você está quente. - Ela suspirou ao se inclinar e beijar a pele sobre seu coração. - E duro.
- Selena, estou falando sério. - Ele tentou impedi-la de continuar as carícias. - Eu quero te respeitar...
- Você está perdendo tempo.
Com isto ela caiu de joelhos e assumiu o controle. Como era uma fêmea alta, sua boca ficava na altura perfeita e, Deus os ajudasse, ela a pôs para trabalhar,
estendendo a língua rosada para lamber a cabeça. O toque aveludado o deixou trêmulo e, antes que seguisse o caminho dos roupões e caísse na porra do chão, se inclinou
para frente e apoiou ambas as mãos na coisa mais próxima que conseguiu achar.
A escrivaninha. Ou pode ter sido o capô de um carro. O trenó do Papai Noel. Uma geladeira.
Quente e úmida, ela abocanhou, a sucção e aquelas lambidas apagando o mundo, trazendo-o instantaneamente à beira do orgasmo.
Cerrando os dentes, ele gemeu - Eu vou gozar... Ah caralho... Eu vou...
Ele vagamente pensou em não desrespeitá-la ejaculando em sua bo...
Selena se afastou, abriu a boca e estendeu aquela língua mágica. Olhando para ele, de baixo para cima, começou a masturbá-lo com força ao mesmo tempo em que,
preguiçosamente, lambia sua ponta.
Trez segurou, oh, talvez um segundo e meio. Quando sua liberação jorrou, ela tomou-a toda, engolindo, sugando, se afastando para lambuzar os lábios e rosto.
Deus a ajudasse, ele continuou ejaculando, uma infinita urgência sexual travando o seu corpo, enquanto a marcava, sua essência cobrindo-a de uma posse que era primordial.
Defender. Proteger. Amar.
Tudo isto naquele local sagrado.
Minha.
Quando finalmente se esgotou, ela se sentou de volta sobre os tornozelos e então, com uma série de movimentos lânguidos e matadores, lambeu os lábios. Ergueu
os dedos, capturou a trilha pegajosa no queixo, e sugou até limpar. Olhou para baixo, para os seios perfeitos.
Espalmando os pesos gêmeos, sorriu para o que caíra sobre eles, fazendo os montes e aqueles mamilos tesos brilharem. - Você me melecou.
- Onde você aprendeu a fazer isto? - Ele engasgou.
Pelo menos foi o que pretendia dizer. As sílabas saíram em um amontoado de sons incoerentes.
- O quê? - Ela suspirou, antes de erguer um dos seios e baixar a cabeça, com a língua para fora.
Ela lambeu a si mesma.
O rosnado que saiu da boca de Trez foi algo que, se estivesse em seu lugar, ele teria temido.
Selena não temeu. Ela só emitiu uma risada rouca. - Há algo mais que você queira marcar?
Liberdade.
Quando Selena se ajoelhou à frente de Trez, com o gosto dele em sua boca e sua essência sobre todo o seu corpo, se deleitou na sensação de liberdade sexual que
a invadiu. A liberação pareceu inteiramente o oposto da sentença de morte sob a qual vinha vivendo e, ainda que sua falta de tempo fosse o que a impedisse de sentir
qualquer estranheza ou preocupação consciente, ela sentia-se voando acima das amarras que há tanto tempo a prendiam ao chão, seu treinamento como ehros permitia-lhe
entregar-se às correntes de sexo que se estendiam, grossas como cordas tangíveis, entre os corpos deles.
Sem saber quanto tempo lhe restava, e sob a frustração de ter perdido tanto tempo, sentia urgência de expressão pessoal, e abraçava cada desejo que tinha, na
total intenção de satisfazê-los.
Todos eles eram com Trez.
Como se sentisse o mesmo, ele se inclinou e levantou-a do chão. Suas juntas protestaram pela mudança de posição, mas as reclamações não eram mais do que murmúrios
contra a luxúria desenfreada que ela sentia por ele.
Ela precisava da penetração. Pelo corpo dele.
Trez levou-a a cama e deixou-a de barriga para baixo, suas mãos grandes e quentes acariciando-a do ombro até as costas das coxas, antes de erguê-la de quatro
e afastar seus joelhos. Selena abaixou a cabeça, ela queria vê-lo, e olhou para além dos montes dependurados de seus seios, observando-o se aproximar dela por trás,
com o sexo pulsando enquanto ele tomava posição para...
Não foi sua ereção que se esfregou nela.
Quando as mãos dele agarraram seu quadril, os polegares se enfiaram em sua bunda e afastaram, até o sexo dela se abrir totalmente para ele. E então ele veio
com a boca, os lábios tocando-a, carícias úmidas sobre a umidade, sugando, devorando. Com dominação total, a língua dele lambeu de cima abaixo, penetrou, tintilou
no topo do sexo dela até ela convulsionar em orgasmo, cada onda de prazer esfregando-a mais e mais contra o rosto dele.
Quando finalmente acabou, ele se afastou, os punhos apoiados nos lençóis de ambos os lados dela.
- Eu vou te foder agora, - ele falou por entredentes em seu ouvido.
- Oh, Deus, por favor...
Selena gritou alto quando ele a penetrou, esticando seu interior quase além do limite. A dor foi em uma medida perfeita, e então ele começou a bombear. Nada
de movimentos lentos e regulares; eram violentos, puro poder, poder que a fez ver estrelas até perder a força de manter o corpo elevado da cama. Caindo de cara nos
lençóis que tinham o cheiro dele, ela lutou para respirar e amou a sensação de sufocamento que sentia a cada arremetida que a fazia esfregar o rosto nos travesseiros.
Bang! Bang! Bang!
A cabeceira estava tendo a mesma experiência violenta que ela, batendo na parede, o som reverberando junto com os gemidos dele, que era todo animal.
Virando a cabeça para olhar acima do ombro, ela tentou vê-lo.
Trez estava magnífico, os peitorais e ombros elevados, os enormes braços esculpidos em músculos, o abdômen definido, enquanto os quadris arremetiam contra ela.
Quando ele gozou, jogou a cabeça para trás como quando ela o dominou, e uivou, expondo as presas brancas longas e mortais, os tendões do pescoço saltaram nas laterais,
os quadris bateram contra ela enquanto ele metia, metia e metia...
Ele gozou dentro dela.
E o sexo dela o ordenhou, provocando-o até ela sentir a umidade escorrendo pelas coxas.
Ele mal retirou o corpo de dentro dela e caiu para o lado, como se cada gota de força houvesse sido drenada dele. A cabeceira deu um último bam! quando ele se
jogou e quicou, as mãos, braços, tórax e pernas relaxando de todo aquele esforço físico. A boca dele se moveu, os olhos escuros encontraram os dela e ali ficaram.
Ela não fazia ideia do que ele estava falando. E não importava. Sua bunda ainda estava para cima, o sexo formigando pelo modo violento como foi tratado, seu
corpo tão saciado quanto a aparência dele. Correntes de ar, da ventilação acima, vinham do teto, tocando tudo o que estava exposto, fazendo cócegas, esfriando.
Aquele havia sido o melhor sexo de sua vida. Selvagem e rude, do jeito que lhe haviam contado, e para o qual fora treinada, do jeito que devia ser.
Antes de Selena permitir-se deitar-se ao lado dele e deslizar para seu próprio sono, sorriu tão largamente que suas bochechas doeram.
Ela fora, pela primeira vez na vida, não só bem e verdadeiramente fodida, mas marcada pelo macho que amava. Mesmo com o futuro que tinha de enfrentar, era difícil
não se sentir abençoada.
Capítulo VINTE E DOIS
iAm recobrou consciência, mas manteve os olhos fechados. O que o acordou foi a dor excruciante na parte de trás da cabeça; aquilo e o frio do chão sobre o qual
estava deitado. Por um momento, considerou bancar o gambá e tentar descobrir onde estava pela audição, olfato e instintos, mas não havia motivo para isto.
Ele sabia exatamente onde o tinham posto.
Bastardo traidor fodido.
Levantou as pálpebras e viu uma grande porção de nada. Só que, estava deitado de bruços, um braço por baixo do tórax como se tivesse sido jogado...
Uma porta abriu no canto atrás de si. E ele percebeu não pelo ranger de dobradiças, mas pela súbita adição de vozes e passos na cela.
- Porque eu checaria suas marcas? - um macho perguntou. Não era s'Ex.
- É o protocolo.
Sim. Nada havia mudado.
iAm voltou a fechar os olhos e ficou perfeitamente parado, exceto por respirar superficialmente enquanto as pegadas se aproximavam.
Houve um engasgo. E então dedos apalparam suas costas, como se esticassem a pele onde havia sido marcado, como todos os machos eram, aos seis anos de idade.
- Isto não pode estar certo.
Os passos se afastaram apressadamente e, ele supôs que a porta voltou a ser fechada.
Erguendo a cabeça, sua visão borrou-se e voltou ao foco. Não havia mais ninguém na cela bem iluminada de seis metros por seis, as paredes branco brilhante, tão
lisas que ele poderia ver seu reflexo escuro nos painéis de mármore.
Sua cabeça doía tão infernalmente que foi forçado a deitá-la de novo, a bochecha achando o exato ponto na pedra que havia sido aquecido pela temperatura de seu
corpo desmaiado. Seu braço estava matando-o, sentia o membro anestesiado e dolorido ao mesmo tempo, mas, lhe faltava energia para se mover e tirar o peso do corpo
de cima dele. Deitado ali, respirando, existindo, ele não fazia ideia de quanto tempo havia se passado, o que iam fazer com ele, ou se ele ia descobrir que sua brilhante
ideia de que estava vivo era um engano.
Do nada, veio-lhe uma imagem mental dele saindo do Sal's na noite anterior, saindo livremente do restaurante que amava, conversando com os garçons.
Pegou-se desejando poder rebobinar o tempo e voltar àquela encarnação de si mesmo, suas lembranças do jeito que a noite sentia-se fria em seu rosto, e como a
fumaça dos cigarros dos garçons subiam espiraladas das pontas acesas, tão claro que, por um momento, pareceu impossível não poder retornar àquele lugar no tempo...
Pisar nos sapatos que calçava então... Reassumir a vestimenta de sua pele, do mesmo modo como reassumia sua forma após se desmaterializar.
Mas é claro, o tempo não funcionava assim. E a memória era como um show de televisão da própria vida, uma tela de filme ao qual se podia testemunhar, mas, não
interagir, mudar o curso ou redirecionar.
O desespero por Trez, grande motivador de sua vida, havia o levado de volta ao coração do inimigo que ele e o irmão dividiam.
E havia uma chance muito boa de que esta merda fosse vencê-lo.
Com um gemido, rolou para o lado e piscou algumas vezes. Suas armas, assim como a túnica que vestia, haviam desaparecido. E não havia mais nada na cela...
A porta abriu, o painel deslizou silenciosamente na parede. E quem entrou estava coberto da cabeça aos pés em camadas sobrepostas de tecido, o rosto coberto,
o pé coberto, mesmo as mãos enluvadas.
Seria a Morte? Perguntou-se. Teria ele desmaiado e estaria sonhando...
Um sutil aroma foi registrado.
Mas não em seu nariz. Em todo o seu corpo.
Como uma corrente de eletricidade.
A porta foi fechada por trás da figura alta e coberta. E enquanto o macho se aproximava, iAm fez de tudo para assumir um tipo de postura defensiva.
Não conseguiu muito.
Uma mão enluvada se esticou; ele foi rolado de volta; e então sentiu o toque na base de sua coluna.
- Eu vou... Matá-lo... - iAm murmurou. - Machucá-lo.
De que forma, não fazia ideia. Mas ia lutar, isso era uma maldita certeza.
A figura recuou um passo. Inclinou a cabeça como se considerando o método de morte que seria usado.
No s'Hisbe, a maior parte dos prisioneiros eram primeiro torturados. Amaciados, iAm sempre pensara. Então eram massacrados, enterrados ou devorados por s'Ex
e seus guardas, dependendo do crime.
Este último era uma tradição orgulhosa. Também simplificava a questão sobre o que fazer com o corpo.
iAm fechou os punhos e preparou-se para o que se abateria sobre ele.
Só que a figura simplesmente o observou por um longo momento. E então recuou para a porta e saiu.
Oh. Okay. Eles verificaram quem ele era, e viram que não havia motivo para matá-lo antes de capturarem Trez novamente. Aquilo seria um desperdício de recursos.
Merda.
Relaxando os músculos, ele tentou mover-se e rezou que as habilidades naturais de cura de seu corpo cuidassem da concussão rapidamente.
Ele ia precisar ser capaz de enfatizar suas palavras de resistência com mais do que um corpo inerte e membros feitos de chumbo.
Maldição, ele jamais devia ter confiado em s'Ex.
De volta em Caldwell, Paradise sentou-se na cama, sobre as pernas, olhos fixos no céu noturno do outro lado de suas janelas fechadas e trancadas.
- Então você vai mesmo? - disse ela, ao celular.
Peyton riu.
- Diabos, claro, está brincando? Estou morrendo de vontade de sair daqui. Desde os ataques estou trancado, e o fato de meus pais me deixarem entrar neste programa
de treinamento é um milagre.
Ela olhou para as trancas na porta de seu próprio quarto, as quais, a propósito, estavam trancadas naquele momento.
- Me pergunto se meu pai me deixaria ir, - murmurou.
Houve uma pausa. Então uma risada.
- Oh, meu Deus, Paradise. Não. Uh uh. De jeito nenhum.
- É, você deve ter razão. Ele é realmente protetor...
- Aquele programa não é para fêmeas.
Ela fechou a cara.
- Com licença. O decreto da Irmandade dizia que seriamos bem-vindas se quiséssemos tentar.
- Okay, primeiro, "tentar" não significa "ser aceita". Você sequer já fez uma flexão?
- Bem, tenho certeza que conseguiria se eu...
- Segundo, você nem é uma fêmea comum. Digo, olá, você é membro de uma Família Fundadora. Seu pai é o Primeiro Conselheiro do Rei. Você precisa ser preservada
para procriação.
A boca de Paradise se abriu em choque. - Não acredito que acabou de dizer isto.
- O quê? É verdade. Não finja que as regras são as mesmas para fêmeas como você. Como, se um sujeito civil, que só por acaso use saias, quiser fazer uma tentativa,
tudo bem. Seria uma perda que não significaria nada para a espécie. Mas, Parry, não sobraram muitas como você. Para machos como eu? Não queremos nos emparelhar com
ninguém menos que vocês, e existem hoje quantas, quatro ou cinco de vocês?
- Esta é a racionalização mais machista que já ouvi. Vou desligar.
- Aw, vamos lá. Não fique assim.
- Vai se foder. Eu sou mais do que só um par de ovários no qual se pode colocar uma aliança.
Ela desligou e pensou em arremessar o celular contra a parede. Quando não conseguiu seguir o impulso, começou a se preocupar com todos os seus modos inatos que
no fundo só reforçavam que Peyton estava certo.
Ela era mesmo só uma flor de estufa, não prestava para nada além de xícaras de chá, ter filhos e...
Quando seu celular começou a tocar de novo, ela jogou-o sob o edredom, deitou-se no chão e plantou a palma das mãos sobre o tapete de crochê. Esticando as mãos,
equilibrou na ponta dos dedos dos pés.
- Certo, - ela disse, cerrando os dentes. - Para cima e para baixo. Cem vezes.
Ela conseguiu descer sem dificuldades, os braços mais do que famintos por obedecer. E quando seu nariz tocou o padrão de um vaso de flores que havia no tapete,
ela sentia-se uma fera, pronta para arrebentar com tudo.
Subir foi... Aceitável.
Descer de novo para o tapete. Eeeeee subir.
Mais ou menos. Os músculos em seus bíceps começaram a tremer; os cotovelos falsearam; os ombros gritaram.
Ela conseguiu três vezes. Ou, tipo, duas vezes e meia. Antes de cair no...
- O que está fazendo?
Com um ganido, Paradise levantou-se. Seu pai estava na porta do quarto, segurando a chave que ele usava para abrir todas as portas, e as sobrancelhas dele se
ergueram tanto, que quase encostaram na linha do cabelo.
- Flexões, - ela disse, arfando.
- Para que?
Pergunte, ela pensou. Desembuche e diga, Eu quero me juntar ao programa do Centro de Treinamento da Irmandade...
Seu telefone tocou de novo.
- Não vai atender? - Seu pai perguntou.
- Não. Pai, eu tenho uma...
- Algo aconteceu, querida. - Ele fechou e voltou a trancar a porta. - E preciso ser franco com você.
Paradise dobrou as pernas e enlaçou-as com o braço.
- Fiz algo errado?
- Oh, não. Claro que não. - Ele meneou a cabeça ao olhar para ela. - Você é a melhor filha que qualquer macho poderia desejar ter.
Quando seu telefone parou de tocar, ela teve de se perguntar quanto dos pontos de vista de Peyton seu pai dividiria. E quantas vezes Peyton ia tentar ligar para
ela de novo.
- Preciso que faça suas malas, - ele disse.
Paradise recuou.
- Por quê?
- Preciso que fique longe daqui por algumas semanas.
Um jato de frio atravessou-a.
- Por quê?
- Oh, amor. - Ele se aproximou e se ajoelhou. - Por nada. É só que, eu achei que poderia gostar de ter um emprego.
Agora foram as sobrancelhas dela que se ergueram.
- Sério?
Ela havia levantado o assunto alguns meses atrás, quando, após outra noite tomando lições de piano e fazendo bordados complicados e intrincados a fizeram sentir-se
como se fosse enlouquecer. Mas, ele havia cuidadosamente negado, no interesse de sua segurança, um ponto que ela tanto respeitava quanto a deixava frustrada.
Era difícil discutir que o mundo não era um lugar muito perigoso para vampiros.
- O que mudou? - Então ela se lembrou do parente distante. - Espere, aquele macho vai continuar por aqui?
- Não é nada com ele. Além disto, meu cargo de Primeiro Conselheiro está ficando mais complicado e trabalhoso, e preciso de alguém em quem possa confiar para
me ajudar com os negócios do Rei. Eu não posso imaginar ninguém mais apropriado do que você.
- Sério? - Ela disse, estreitando os olhos. - Não há nenhuma outra razão?
- De verdade. Prometo. - Ele sorriu. - Então o que diz... Gostaria de trabalhar comigo?
Com um súbito movimento de felicidade, ela agarrou o pai em um abraço. - Oh, obrigada! Sim! Estou tão animada.
Ele riu.
- Okay, mas você terá de se mudar para a mansão de audiências do Rei. Não se preocupe, não estará sozinha. Pode levar sua dama de companhia doggen, e a Irmandade
tem a equipe completa no local...
Paradise ergueu-se e correu para o closet. Abriu as portas e começou a separar as peças de seu conjunto de bagagens Louis Vuitton.
- Estarei pronta em meia hora! Quinze minutos! - Ela abria gavetas, pegando roupas de baixo, sutiãs, camisetas. - Oh, o senhor chama Vuchie? Ela ficará tão animada!
Vagamente, ouviu o pai rir.
- Como desejar, minha senhora. Como desejar.
Capítulo VINTE E TRÊS
Rhage retomou forma no gramado da antiga mansão de Darius, e caminhou para a entrada da frente. No momento em que entrou na casa, ouviu uma série de suspiros,
e olhou para a esquerda. No salão, havia um monte de civis amontoados em pé, em um grupo estranho, como se não se sentissem confortáveis sentados em todos aqueles
móveis elegantes revestidos de seda, e os olhos que se arregalaram ao vê-lo.
É, sua reputação ainda o precedia.
Jesus, bastava ter sido um puto por alguns séculos, e as pessoas continuariam te julgando, mesmo depois de você se redimir e emparelhar adequadamente.
Era um pé no saco e, em uma noite normal, teria se aproximado e se apresentado, só para falar de Mary.
Esta noite, no entanto, se dirigiu às portas fechadas do que certa vez fora a sala de jantar. Batendo duas vezes, disse. - Sou eu.
Tohr abriu a porta com uma saudação, e Rhage entrou em uma sala mais cavernosa, mais vazia: Tudo o que havia ali eram algumas cadeiras, uma mesa com uma cadeira
de escritório, e alguns assentos auxiliares, para serem usados em alguma audiência que tivesse gente demais para acomodar.
- Sem explosivos, - Wrath estava dizendo de uma das poltronas. - Nem armadilhas.
V estava em meio ao processo de acender um cigarro enrolado à mão, e ao tragar, o aroma de tabaco turco flutuou.
- Hollywood e eu repassamos a casa como um pente fino. Eles claramente estiveram lá. Tinham partido pelo que pudemos apurar. Mas, não se incomodaram de tentar
nos foder.
Com sua mão da adaga, Wrath acariciou a cabeça do golden retriever que o ajudava a se locomover. George, sempre em adoração a seu dono, tinha o focinho voltado
para o Rei, oferecendo livremente a garganta. - Então Throe não mentiu.
- Pelo menos não sobre isto, - V murmurou.
- Interessante.
Rhage olhou em volta para os rostos de seus irmãos. Z e Phury estavam em pé, juntos como sempre. Qhuinn estava próximo a Z, e então Blay e John Matthew, mesmo
os machos não sendo membros, estavam ao seu lado. Butch estava do lado oposto ao Rei, com os braços pousados no apoio da poltrona onde apoiava seu peso; V estava
atrás ele. Tohr estava perto da porta.
- O que fazemos agora? - Rhage perguntou.
- Esperamos. - Wrath se inclinou ainda mais e acariciou os pelos do cão. - Se ele começar a remexer na merda, vai se enforcar. A aristocracia terá de ser monitorada...
Precisamos de uma fonte infiltrada. Alguma ideia?
Naquele momento, houve outra batida na porta. Tohr encostou o ouvido no painel e então abriu a porta. - Peça e receberá.
Abalone enfiou a cabeça pela porta.
- Meu senhor? Sinto muito me intrometer, mas posso, por favor, apresentar minha filha, antes de começarmos as audiências desta noite?
Wrath gesticulou para o macho se aproximar com a mão livre. - Sim, traga-a.
Abalone retirou a cabeça da fresta da porta e houve uma conversa sussurrada. Então reapareceu, puxando um projeto de fêmea. Com os cabelos louros, corpo magricelo
e pernas longas, ela estava mais para o lado Princesa Ártica do sexo frágil.
Bela. Muito bela. Talvez até mesmo linda... Embora não chegasse aos pés de sua Mary.
Abalone levou a garota até se aproximar, uma mão guiando-a pelo cotovelo, seu orgulho de pai estufando o seu peito. - Meu estimado governante, grande Rei de
toda...
- É, é, chega disto, - Wrath cortou, - Paradise, soube que está se mudando para a casa de minha shellan e seu irmão. Seja bem-vinda.
Quando ofereceu o diamante negro, Paradise fez uma reverência, as mãos tremendo tanto que pareciam tremular à luz do candelabro.
- Meu senhor, - ela sussurrou antes de beijar a joia.
Liberando a mão dele, ela endireitou-se e olhou para o chão, os ombros encurvados, pés travados.
- Quer conhecer meu cão? - o Rei perguntou.
George, sempre pronto para um carinho na cabeça, bateu com a cauda no chão, o som como o de alguém batendo corda no chão de terra.
- Pode fazer carinho nele, - Wrath disse. - Eu deixo.
A garota olhou rapidamente para o resto da Irmandade, os olhos baixados para os shitkickers. E foi quando até Rhage sentiu pena dela. Uma grande parte da aristocracia
tratava suas fêmeas tão mal, que nunca eram admitidas na presença de machos de quem não fossem parentes, então esta era, sem dúvida a primeira vez que ela ficava
em um ambiente com tanta testosterona.
- Vá em frente, George. Diga oi.
Ao incentivo de Wrath, o cão veio para frente e sentou a bunda peluda bem em frente a ela, com os ouvidos inquietos, e aquela cauda balançando de um lado para
outro.
- É... É um garoto? - Perguntou ela, suavemente quando se abaixou no chão e estendeu a mão para todo aquele pelo.
- Sim. - Wrath olhou para cima. - Está certo, bando de imbecis, apresentem-se, está bem? E sejam educados.
Todos pigarrearam. Por fim, Phury deu um passo à frente e fez as apresentações. Provavelmente foi melhor assim... ele era o mais próximo de um cavalheiro que
tinham.
- Que bom que está aqui, - o Primale disse. - Eu sou Phury... Nós amamos seu pai, a propósito. É um cara legal.
Eeeeeee isto fez Abalone quase levitar para fora de seus sapatos Bally.
Ela olhou para aqueles olhos amarelados e lhe deu um sorriso. - Oi.
- Aquele ali é meu gêmeo, - ele indicou Z, e Zsadist, sempre consciente de sua aparência ameaçadora com aquela cicatriz no rosto, continuou afastado, erguendo
a mão quando Paradise recuou. - Zsadist é emparelhado e tem uma filha chamada Nalla. Ela é maravilhosa... Olha aqui uma foto dela.
Enquanto Phury estendia seu celular, a garota olhou para a foto. Olhou para Z. Voltou a olhar para a foto.
- Minha bebezinha, - Z disse, em uma voz profunda. - Ela tem dois anos, e parece com sua mahmen.
Instantaneamente a garota relaxou. Então Phury apresentou Vishous, que só acenou e Butch, que lhe deu um "Oi, como vai!" típico de Boston. John Matthew, Blay
e Qhuinn foram os próximos e então Phury indicou Rhage.
- E o Brad Pitt ali é Hollywood.
Ele sorriu. - Prazer em conhecê-la.
O olhar de Paradise fixou-se nele, os olhos arregalaram, mas não de medo. Longe disto.
- É, ele é lindo, - alguém disse. - Até conhecê-lo melhor.
- Aww, vamos lá, - Rhage respondeu. - Não me difame.
A conversa brotou, com Wrath fazendo à Paradise algumas perguntas para encorajá-la a falar de si. Quando a garota voltou a atenção ao Rei, Rhage pensou na época
antes de conhecer Mary. Sem dúvida ele teria dado em cima daquela inocente... E teria conseguido conquistá-la. Ele nunca falhava, já que controlava sua besta fodendo
com tudo e com todos que passavam perto dele. O que era bom para ele. Não tão bom para as fêmeas que queriam manter sua virtude.
E ele não tinha dúvida de que Paradise era uma dessas.
Então sim, ele estava feliz de conhecê-la sob estas circunstâncias, quando não havia absolutamente nenhuma chance de ele dar em cima dela. Ele emparelhara com
sua Virgem, do jeito que Vishous previra que ocorreria, e sua vida fora salva.
Por alguma razão, um sentimento de enjôo o transpassou.
Levou a mão até o bolso, tirou o celular. Verificou as mensagens de texto.
Trez, o pobre bastardo, ainda não tinha respondido. Parecia estúpido incomodar o cara de novo, dado tudo aquilo com o que ele já tinha de lidar, mas, era difícil
não tentar contatá-lo de novo.
Rhage desejava que houvesse algo mais a fazer para ajudar o cara e sua Escolhida.
Ele realmente desejava.
Não havia como ligar a seta.
Quando Layla dirigiu sua Mercedes de volta à mansão da Irmandade, ela trazia seu braço machucado pousado no console entre os assentos, uma jaqueta sobressalente
amontoada por baixo para aumentar a altura e diminuir os balanços.
A dor era atordoante, o tipo de coisa tão forte que era sentido nas entranhas.
Então não, não havia como sinalizar direita ou esquerda.
Pelo menos não havia ninguém naquela estradinha rural tão tarde da noite.
Passaram-se horas, talvez dias até ela chegar à montanha da mansão, e o mhis foi um pesadelo. A distorção da paisagem de V, uma medida de segurança para manter
sua posição em segredo, implicava em ver tudo borrado, como se uma neblina houvesse caído sobre a floresta. Exausta de tanto conter a vontade de vomitar, em combinação
com a visão falha, significava que ela se sentia completamente perdida, e seu instinto foi se inclinar e se aproximar do pára-brisa... O que não ajudou.
Tudo aquilo só fez seu braço doer ainda mais.
Quando as luzes brilhantes da mansão finalmente entraram em foco, ela rezou, rezou para que os Irmãos estivessem todos lutando para que ela conseguisse chegar
ao quarto sem ninguém vê-la. Contornando a fonte que já estava coberta para o inverno, ela estacionou perto do GTO roxo de Rhage e do brinquedo novo de Butch, uma
Mercedes preta que parecia uma caixa de pão.
Ela teve de se contorcer para controlar o volante e empurrar a alavanca da marcha para estacionar o carro na vaga... E descobriu que tinha de se esticar ainda
mais para apertar o botão Stop/Start para desligar o sedã. Daí foi questão de respirar superficialmente pela boca enquanto se recuperava do esforço. Olhando pelo
espelho retrovisor, ela teve uma visão da entrada da mansão... E não fez ideia de como chegaria até lá. Muito menos de como se arrastaria até o quarto.
Não havia outra escolha. Ou ela fazia isto sozinha, ou teria de pedir para outra pessoa mentir por ela: não tinha como esconder o ferimento, não enquanto tão
fresco. E ela não podia deixar Qhuinn descobrir o que acontecera.
Ou, pior ainda, o que ela andara fazendo quando caíra.
Maldição, esta situação era punição por sua vida dupla... Suas duas realidades opostas se chocando, nocauteando-a, expondo-a.
Potencialmente.
Hora de entrar.
Layla teve uma nova uma lição em termos de dor ao abrir a porta e tentar erguer-se do assento de couro, o braço gritando quando o osso quebrado se moveu.
Recuperar o fôlego. Vários deles.
E então de alguma forma, conseguiu sair do carro.
A mansão sempre fora assim tão longe da área de estacionamento?
Contornar a fonte não foi muita questão de botar um pé em frente ao outro, mas cambalear sobre os paralelepípedos tentando não desmaiar. Quando chegou aos degraus
de pedra que levavam às portas do tamanho de catedrais, ela quis chorar. Em vez disto, subiu de uma só vez.
Ao abrir as portas do vestíbulo, percebeu que cometera dois erros: deixara o carro destrancado, e ela teria, de fato, de interagir com alguém... Não havia jeito
de entrar na casa sem colocar a cara na frente da câmera de segurança e esperar ser atendida.
Olhando de volta para a Mercedes, não teve energia para voltar e fechá-lo. E tentar dar a volta para a entrada de serviço da garagem estava...
Foi onde as coisas acabaram.
Enquanto sua mente se debatia entre as suas opções limitadas, seu corpo desconectou-se sozinho da tomada da consciência: desligou e a gravidade fez sua mágica,
o degrau se ergueu para saudá-la com um abraço duro, muito duro.
Que ela não sentiu.
Capítulo VINTE E QUATRO
Era quatro da manhã quando Assail guiou seu Range Rover blindado até a beira do Rio Hudson. A alameda onde estava era tão larga quanto um lápis e suave como
uma corrida de obstáculos. Ao lado dele, Ehric estava calado, a .40 do macho pousada sobre as coxas, um dedo inquieto sobre o gatilho, pronto para atirar ao menor
sinal de movimento ou barulho.
Um rápido olhar pelo espelho retrovisor mostrou-lhe que o gêmeo de Ehric, Evale, encontrava-se igualmente alerta e preparado para qualquer coisa.
Cerca de vinte metros adiante da "estrada", era possível ver a clareira pouco profunda na margem. O procedimento era o mesmo todas as vezes: Ele pararia o SUV
na linha das árvores e daria a volta de forma que, se algo imprevisto acontecesse, ele poderia sair rapidamente com o dinheiro ou as drogas. Então ele esperaria
com seus rapazes, geralmente, cerca de dez minutos, antes que o barco de pesca ruidosamente aparecesse.
Seus primos usavam coletes à prova de balas. Ele não.
Eles estavam sóbrios. Ele não.
Nem isto era surpresa. Ele jamais se importara com qualquer tipo de proteção peitoral, e a outra coisa? A esta altura, teria de abster por vários dias para que
a cocaína saísse completamente de seu sistema.
Ao continuar dirigindo, deixou sua mente vaguear, a imagem de outro tipo de baía, um tipo diferente de água, apresentando-se e se recusando a sumir.
Ele viu a praia. O oceano. Palmeiras. Tudo isto brilhando à luz da lua.
Viu uma fêmea caminhando sozinha ao longo do calor acariciante do mar, seus braços cruzados sobre o peito, a cabeça baixa, a aura de uma sobrevivente cheia de
arrependimentos...
- Cuidado! - Ehric exclamou.
Assail forçou-se a se concentrar bem antes do Range Rover comer carvalho como Última Refeição... Ou, mais provável, seria o contrário.
Felizmente, a viagem acabou minutos depois, e ele conseguiu manobrar sem dificuldades, amassando o mato seco e curto até a grade imensa do SUV estar virada para
frente. Não havia faróis foi outra das modificações que ele havia providenciado junto com a blindagem.
O motor silenciou e seus dois passageiros saíram. Antes de se juntar a eles, retirou um vidrinho de dentro de seu casaco de lã. Um giro rápido. Colher na mão.
Sniff. Sniff.
E duas outras para a outra narina.
Após um rápido bufar para se assegurar que tudo estava onde devia, saiu do interior morno. Devolveu seu estoque para o local seguro, se envolveu ainda mais no
casaco. O ar noturno estava muito frio, e folhas caídas eram trituradas sob suas botas ao se juntar aos primos.
Não houve conversa.
E ainda assim, a desaprovação pelo seu nível de consumo estava evidente pela tensão em suas mandíbulas.
Mas isto não importava a ele. Tanto fazia eles desperdiçarem o fôlego com palavras, ou simplesmente o fitarem com ar zangado, como agora, ele não tinha intenção
de mudar seus hábitos.
O som de um único barco à motor vindo em velocidade baixa surgiu tão baixinho que, de início, não seria possível distingui-lo dos ruídos do ambiente da floresta
e do rio. Mas, logo, o barco de pesca deu a volta para a curva da costa, lento e baixo para a água. Havia dois indivíduos sentados no casco aberto, ambos vestidos
como pescadores acima de qualquer suspeita com seus bonés e coletes camuflados, somente as máscaras pretas indicavam algo nefasto. Também havia varas de pesca montadas
em corrente, estendendo-se por trás da popa.
O capitão aproximou o barco humilde de frente, desacelerando o motor para que parasse com um beijo, e não um soco.
Os primos se aproximaram enquanto Assail manteve-se na retaguarda, com sua própria .40 a postos. Os aromas dos dois machos humanos os identificaram como diferentes,
mas relacionados aos dois que vieram da última vez. E da vez antes daquela. E assim por diante.
- Onde estão os outros? - Assail exigiu.
Os homens pararam no processo de pegar três das cinco sacolas que estavam escondidas sob uma lona camuflada.
Assail sorriu fracamente diante de sua surpresa. - Acharam que eu não saberia?
- Eu sou irmão, - o da esquerda disse em um pesado sotaque inglês. - Ele é primo.
Assail inclinou a cabeça, aceitando a explicação. Na verdade, ele não se importava quem entregava seus produtos, contanto que fossem pontuais, pelo preço e qualidade
acordados e sem interferência de agentes da lei humana.
Até agora, tudo bem com estes dois.
Momentos depois, Ehric e o irmão aceitaram as bolsas e se afastaram, um olhando para frente, outro para trás, para cobrirem todo o terreno.
- Um momento, - Assail pediu lentamente. - Se não se importam.
Os humanos pararam de novo, e ele sentiu a ansiedade deles de modo tão claro quanto uma reverberação na superfície de uma mesa, a transferência de energia viajando
facilmente através do ar que separava seus corpos.
- O que mais tem aí embaixo? - disse ele, apontando para a lona. - Há mais duas sacolas, não há?
O mais baixo deles, o primo, arrumou a cobertura de volta no lugar e voltou-se para os controles do barco.
- O esquema mês que vem, - o outro disse, - o mesmo?
- Entrarei em contato com seus chefes.
- Muito bem.
Só isto, eles voltaram a seu caminho, ruidosamente contra a corrente vagarosa de água fria, com a propaganda de outra empresa na lateral.
Franzindo o cenho, Assail observou enquanto eles cruzavam o leito das águas e prosseguiam paralelamente à margem oposta.
Um momento depois, voltou ao Range Rover e quando bateu na janela da porta do passageiro, Ehric baixou o vidro.
- Sim? - O macho disse.
- Vou segui-los. - Assail acenou na direção do barco. - Eles estão negociando com outra pessoa. Quero descobrir quem.
Com um gesto curto de concordância, Ehric desmaterializou para o assento do motorista e engatou o SUV. - Eu também percebi. Ligue se precisar de ajuda.
Quando o Range Rover se afastou, Assail se virou e caminhou de novo para a água. Fechando os olhos, teve de lutar contra o efeito da cocaína para se acalmar,
e levou um tempo até poder se desmaterializar no vento gelado. Quando retomou forma, alguns quilômetros abaixo do rio, esperou até o barco aparecer de novo. Os homens
não percebiam sua presença, já que ele se escondeu entre as árvores coloridas e contrastava com a vegetação marrom, observando-os passar.
Mesma velocidade de motor. Mesmo protocolo para entregar as mercadorias para ele. A questão era: quem era o próximo cliente?
E que tipo de drogas eles estariam vendendo?
O chefe deles havia concordado em lidar exclusivamente com ele nesta parte do estado de Nova Iorque. E embora a competição fosse boa para o capitalismo, não
era bem-vinda em seu território; também desnecessária à declaração de renda deles. Seus pedidos eram suficientemente grandes e tão constantes que ele valia por vários
negócios dignos de respeito.
Os bastardos.
De fato, era necessária honra entre os fora-da-lei. Para o bem de todo mundo. E ele havia elevado a sua parte da barganha, pagando cada vez mais. Mês após mês
após mês.
Mas estava preparado para resolver este problema.
Prontamente.
Mortalmente.
Rhage, Tohr e V voltaram à mansão não muito depois de conhecer o motivo de orgulho e alegria de Applebottom, com Butch seguindo no Range Rover. Quando os três
reassumiram suas formas físicas no quintal, uma luz brilhava entre a fila de carros e chamou a atenção deles.
Rhage foi até a porta aberta da Mercedes azul bebê. - Layla?
Só que não havia ninguém lá dentro, remexendo a bolsa ou juntando sacolas, antes de ir atravessar o gramado até a casa.
Ele fechou a porta. - Ela não...
- Layla! - Tohr gritou. - Oh, merda!
Rhage olhou na direção da entrada da mansão. A pesada porta do vestíbulo estava meio aberta, uma perna se estendia ao nível do chão, o tornozelo mantinha os
painéis abertos.
Os três dispararam até os degraus. Enquanto Rhage abria mais o tremendo peso da porta, V, com seus conhecimentos médicos, pulou sobre o corpo colapsado e começou
a checar os sinais vitais.
- Tohr, - Rhage disse, - chame...
Mas seu irmão já estava com o telefone no ouvido - Oi, Jane? Precisamos de você aqui no vestíbulo. Layla desmaiou. V, sinais?
Quando o irmão botou o celular na cara de V, Vishous disse à companheira, - Batimentos cardíacos estáveis, mas lentos. Assim como a respiração. Sem sinal visível
de trauma.
- Ouviu isto? - Tohr disse, voltando a falar. - Bom, obrigado! - Ele encerrou a chamada, e imediatamente voltou a discar. - Ela está trazendo Manny e Ehlena.
- De volta ao ouvido. Espera. Espera.
Ele estava, obviamente, ligando para Qhuinn...
Por alguma razão, o mundo ficou vacilante para Rhage: em um minuto, ele olhava para Layla, e pensava que não havia nada mais aterrorizante do que uma fêmea grávida
caída em qualquer tipo de chão. No seguinte, o vestíbulo girava em volta dele como uma bola no fim de um barbante, sua cabeça, o ponto central da tontura, seu equilíbrio
estranhamente não comprometido...
- Ele vai cair!
Huh. Acho que ele não estava tão firme quanto achou.
Quando sentiu uma mordida em seu bíceps, baixou o olhar e viu a mão de Tohr travar-se em seu bíceps, segurando-o.
Uau. Que másculo, Rhage pensou.
Uma rodada de sais vitorianos só porque uma fêmea está...
- Layla!
A aparição em pânico de Qhuinn bem perto dele lhe deu o estímulo para acordar de que precisava, sua mente clareou enquanto o macho abria seu caminho até chegar
à fêmea que carregava seu filho. Blay, como sempre, estava logo atrás dele, pronto a fazer qualquer coisa para apoiar o companheiro.
- O que diabos aconteceu? - Qhuinn exigiu.
V começou a falar. Dra. Jane e equipe chegaram. Equipamentos médicos foram tirados de uma maleta preta antiquada.
Virando-se para Tohr, que ainda o amparava, Rhage ouviu uma estranha versão de sua voz dizer, - Estou tendo problemas para respirar, irmão.
Tohr voltou a cabeça para sua direção. - Qual o problema?
- Eu não sei. Não... Consigo respirar. - Ele massageou o peito com a mão livre. - É como se houvesse um balão aqui. Tomando todo o espaço.
Enquanto a equipe médica rolava Layla de costas, o pessoal da primeira fila praguejou. O braço dela estava no ângulo errado, a parte abaixo do cotovelo mostrando
uma torção feia que deve ter acontecido quando ela desmaiou.
- Rhage? - Alguém lhe disse, - Olá?
Ele olhou para Tohrment, - O que?
Thor inclinou-se, - Quer tomar um pouco de ar fresco?
- Já não estamos do lado de fora? - Para responder a esta pergunta, olhou para o céu - Sim, estamos...
- Que tal darmos uma voltinha?
- Quero ajudar.
- Sim, eu sei disto. Mas, acho que sair para caminhar é uma boa ideia. Você está branco como papel, e se apagar agora, posso garantir que não vai ter ninguém
para amaciar sua queda e não precisamos de mais pacientes agora.
- Huh?
- Vamos.
Quando seu irmão puxou o braço, Rhage começou a esfregar o peito. - Eu não sei porque não consigo respirar...
A última imagem que teve, ao se afastar, foi do rosto de Layla virado para o lado, os olhos abertos, mas, sem enxergar nada.
- Ela morreu? - Ele sussurrou. - Ela morreu?
- Vamos, irmão meu...
- Morreu?
- Não. Está viva.
Cada vez que piscava, via seu cabelo louro no mármore como líquido derramado, os lábios tão pálidos quanto o rosto, aqueles olhos verde-jade, opacos e imóveis.
- Mary? Sim, Mary, tenho uma situação aqui com seu garoto. Pode vir agora?
Quem estava falando? Oh sim, Tohr. Ao telefone. O Irmão havia sacado o telefone.
Rhage começou a balançar a cabeça. - Não, ela não pode vir. A mãe no Lugar Seguro. Ela tem de ficar...
- Está bem, obrigado. - Tohr desligou - Ela está vindo agora.
- Não, eles precisam dela...
- Irmão? - Tohr aproximou o rosto do rosto de Rhage. - Tenho certeza que você não sabe como está sua aparência agora. Faz o favor de sentar aqui... Sim, bem
no chão. Bom garoto, está indo bem.
Os joelhos de Rhage seguiram as instruções, seu cérebro estava preocupado demais com o quanto sua shellan não precisava perder seu tempo precioso com ele. Mas,
parecia que aquele ônibus já tinha partido do ponto.
Colocando a cabeça entre as mãos, Rhage se inclinou para frente e se perguntou se não teria algo errado com seus pulmões. Uma gripe vampírica de ação rápida.
Uma infecção. Um veneno qualquer.
A grande mão de seu irmão fez círculos lentos em suas costas, e sob aquela palma pesada, a besta, em sua forma de tatuagem, surgiu e se moveu como se o pequeno
ataque de Rhage tivesse deixando-a nervosa.
- Sinto-me estranho. - Rhage disse. - Não consigo... Respirar...
Capítulo VINTE E CINCO
Nos primeiros quilômetros, Assail se satisfez em se desmaterializar no encalço do barco. No entanto, por volta da quarta vez em que retomou forma, se impacientou
pela chegada ao destino, a troca que seria feita, identidade do terceiro envolvido a ser revelada.
E havia outro motivo para ficar inquieto. Com o aumento da distância viajada, os dois homens se aproximavam cada vez mais da cidade de Caldwell, o que era uma
ideia idiota.
Mesmo que já fosse noite avançada, o centro da cidade não era como o subúrbio e estariam rodeados por humanos por todos os lados; com certeza, dificilmente humanos
com crédito com a polícia, mas, olhos curiosos eram olhos curiosos, e cada rato sem rabo, por mais ignorante que fosse, tinha um celular nos dias de hoje.
Ele até poderia ser capaz de se desmaterializar, mas, aquela dupla no barco não sabia executar aquele truque... E ele queria ser a pessoa a ensinar uma lição,
não deixaria o Departamento de Polícia de Caldwell chegar na frente.
Desaparecendo de novo, foi forçado a retomar forma em meio às árvores plantadas à beira de um dos parques públicos da margem de Caldwell. E o barco continuou
em frente.
Inacreditável.
Enquanto esperava para ver se indicavam a nova posição, e havia uma boa chance de que indicassem, porque não havia mais cobertura na costa, um comichão familiar
começou a formigar na base de seu pescoço, desencadeando a necessidade por mais coca.
A necessidade vinha cada vez mais rápido ultimamente. A ponto de ele ser forçado a reconhecer sua sorte por curar-se tão rápido. Se fosse um mero humano? Já
teria desviado o septo há meses.
Buscando em seu bolso, tirou o vidrinho. Só sentir a suavidade do frasco o fazia relaxar. Ele queria consumir a droga, mas não podia correr o risco de não conseguir
se desmaterializar. O problema com o seu vício era que a necessidade por uma nova dose estava surgindo antes que o efeito da dose anterior tivesse sequer começado
a diminuir, a lombriga em suas entranhas se remexendo, remexendo, exigindo mais e mais enquanto seu corpo e cérebro lutavam para lidar com as velozes e enormes cargas
da droga que consumia.
E de novo, a última coisa que queria era se colocar em dificuldades por estar nervoso demais para desaparecer.
Deus, ter isto em comum com a espécie humana com quem negociava era humilhante demais para descrever...
- Oh, só pode ser brincadeira. - Ele murmurou quando o barco finalmente demonstrou estar entrando em um lugar para aportar.
Mas não um lugar seguro. Certamente não um que ele teria escolhido.
A dupla pilotou a embarcação em direção à uma casa de barcos vitoriana. Claro que as janelas estavam escuras, mas havia luzes de segurança brilhando nas ripas
que revestiam seu exterior, e sem dúvida uma patrulha do Departamento de Polícia, fazia turnos regulares no espaço que havia por trás da estrutura.
Mesmo assim, ele teria de entrar, caso eles entrassem.
E eles entraram.
Sem ideia do layout do interior do local, programou-se para retomar forma nas sombras entre aquelas irritantes luzes externas, suas roupas pretas mimetizando-o
contra a lateral envelhecida da casa de barcos. Quando o barco entrou em uma das vagas, o som de seu motor patético ecoou, soando como um homem velho nos estertores
finais de um ataque de tosse mortal.
Virando-se para uma das janelas, Assail concentrou seu olhar astuto através do vidro canelado. A área interior era bem extensa e, assim que identificou o seu
ponto, se desmaterializou e passou através da mesma entrada que os entregadores usaram. Teve o cuidado de reassumir sua forma física, encolhido em um canto apertado
no extremo oposto, entre uma estante de suprimentos de tripulação, caída em montes, e uma floresta de dispositivos pessoais de flutuação cor de laranja pendurados
em ganchos.
O motor foi desligado e o par conversava suavemente em idioma estrangeiro. Após silenciarem, o único som era a água se movendo e gargalhando por baixo do barco
e através do escoramento das docas.
Assail odiava cheiro de peixe morto, flora decomposta e lonas úmidas no ar.
Após um tempo, a aproximação de algo no exterior chamou sua atenção, e então, uma luz amarela penetrou o interior. Localizando uma janela empoeirada, olhou para
fora, só para ver um caminhão do Departamento de Parques Públicos de Caldwell estacionando.
Bem, agora, isto está a ponto de ficar interessante.
Ou a entrega ia ser interceptada e chamariam a polícia... Ou algum humano que trabalhava para os parques estava tentando aumentar sua renda mensal através de
suborno.
Descobriu que errou nas duas.
A porta principal rangeu ao ser aberta e, no instante em que uma figura masculina apareceu no umbral, o ar gelado que vinha de trás, espalhou o cheiro de lesser
na casa de barcos.
E então, o Forelesser com quem Assail havia feito negócios, entrou com uma sacola de ginástica na mão.
Filho da Puta.
Como se atreve o bastardo a me passar para trás, pensou Assail, ao mesmo tempo em que suas presas se alongavam, por vontade própria. E como infernos aquele matador
havia conseguido fazer contato com o fornecedor?
Formulando um plano para a emboscada, Assail sacou suas duas armas .40, e desejou ter tido o cuidado de colocar silenciadores. Não havia esperado usá-las na
porra do centro de Caldwell, pelo amor de Deus.
- Me deixe vê-las. - O Forelesser declarou. - Abra as sacolas e me deixe vê-las.
Assail deu um passo à frente, pensando que poderia...
Cada um dos carregadores abriu uma mala e exibiu o conteúdo.
Não. Eram. Drogas.
Nada parecido.
Ao invés dos grandes tijolos selados em camadas de papel celofane, havia...
Armas. De grosso calibre, que se esfregavam, metal contra metal, umas contra as outras nas sacolas de ginástica.
Na escuridão era difícil determinar, exatamente, as especificações das armas, mas parecia haver uma variedade de metralhadoras ou rifles.
O lábio superior recuado de Assail voltou a ao lugar.
Embora estivesse preparado para interceder na eventualidade de uma negociação de drogas/dinheiro, não sentia mais tal compulsão.
Se o Forelesser quisesse usar seu lucro para comprar armas, era problema dele.
Deixando a casa de barcos do mesmo jeito que havia entrado, Assail dirigiu-se rio acima, em direção à sua casa envidraçada na península.
A única coisa com a qual se importava era se aquele lesser continuaria a vender seus produtos nas ruas e clubes de Caldwell em tempo hábil, confiável e honesto.
- Não, não, estou bem. Juro.
Enquanto falava, Rhage sentou-se à mesa de madeira maciça na cozinha da mansão da Irmandade. Os outros habitantes da casa estavam se reunindo para uma tardia
Última Refeição, os doggens enfileirando-se para dentro e para fora da porta vai-e-vem, levando bandejas de prata do tamanho de tampos de mesas, cheias de todos
os tipos de comidas recém-preparadas, molhos e vegetais.
Do outro lado, Mary encostou-se à ilha com topo de granito que ficava no centro da cozinha, com os braços cruzados sobre o peito, os olhos treinados fixos nele,
como se avaliando um de seus pacientes do serviço social.
Contorcendo-se, ele quis se juntar aos irmãos e suas shellans, mas, pela expressão dela, aquilo não aconteceria tão cedo.
- Fritz? - Disse ela. - Vou preparar alguma coisa para ele, tudo bem?
O mordomo parou em meio ao processo de trazer um conjunto de mesa. - Eu ia fazer um prato na outra sala e trazer para cá...
- Eu quero cuidar de meu marido, - disse ela gentilmente, mas com firmeza. - Mas, se quiser... Mesmo que isto vá contra cada instinto autossuficiente de meu
corpo, eu deixo as panelas e os pratos para você lavar.
O rosto velho e enrugado de Fritz assumiu a expressão de um cãozinho basset a quem tivessem negado frango com a promessa de mais tarde ter um bife: tanto preocupado
quanto excitado. - Se houver qualquer coisa em que eu possa ajudar...
Três membros da equipe, em seus uniformes cinzentos e brancos, voltaram de mãos vazias da sala de jantar, o trio se dirigindo para o carregamento final que era
destinado a ser levado e servido nas várias mesas de apoio daquele enorme espaço iluminado.
- Na verdade, - sua Mary murmurou, - você acha que ele e eu podemos ter um pouco de privacidade aqui?
- Oh, sim, senhora. - Fritz de alguma forma se iluminou. - Assim que servirmos os pratos principais, eu mesmo levarei a equipe para o saguão. Eles ficarão mais
do que satisfeitos em esperar lá.
- Obrigada. - Ela apertou levemente seu braço, o que o fez corar. - E só até a hora da sobremesa. Eu sei que vai querer a cozinha livre para ela.
- Sim, senhora. Obrigado, senhora. E eu pessoalmente limparei tudo após sua saída.
O mordomo fez uma acentuada reverência, pegou a última bandeja de prata, e tirou todo mundo dali. Quando a porta vai e vem parou, a adorada shellan de Rhage
olhou para ele.
- Ovos? - Ela disse.
Diante daquela única palavra, o estômago de Rhage rugiu. - Oh, Deus, seria maravilhoso.
Mary anuiu e foi até a geladeira. Pegou uma bandeja fechada de ovos, um galão cheio de leite e uma caixa de manteiga; então, no armário, uma frigideira, uma
grande tigela de misturar e vários utensílios recém-lavados.
- Então, - disse ela, ao partir o primeiro dos doze ovos. - Eu queria mesmo saber o que aconteceu lá.
Até aquele momento, Rhage fora bem sucedido em evitar a questão. Aparentemente, o indulto havia acabado.
- Estou bem, sério.
- Ok. - Ela parou em meio ao ato de quebrar um ovo e sorriu para ele. - Mas, como sua esposa, seu bem-estar é realmente importante para mim. Então, se tem alguma
coisa te incomodando, não saber o que é faz eu me sentir excluída.
Ai. Só... Ai.
Quando ela começou a bater a mistura crescente de ovos, o som úmido o fez imaginar o conteúdo de sua própria cabeça.
Baixou os olhos para o tampo esburacado da mesa e deslizou o dedo em um dos veios da madeira de carvalho.
- A verdade é que eu não sei o que houve. Eu só me senti muito estranho e tive de me sentar. Mas, agora estou bem. Provavelmente foi só uma coisa passageira.
- Mmm, bem, me conte como foi sua noite.
- Não aconteceu nada demais. Fui até o esconderijo do Bando dos Bastardos e invadi...
- Não começou na clínica, com Trez e Selena?
- Oh, sim. Mas, isto foi tipo, ontem, quando ela estava... Sabe, quando ela foi levada para lá. - Ele balançou a cabeça. - Não quero pensar nisto agora, se não
se importa.
- Está bem, então esta noite você foi até o esconderijo do Bando dos Bastardos?
- Bem, primeiro passamos na casa de Abalone. O primo dele debandou das tropas de Xcor e nos disse onde ficava o esconderijo. De qualquer forma, eu e V invadimos
o lugar.
- O que procuravam?
Ele deu de ombros. - Bombas. Armadilhas. Este tipo de coisa. Nada demais.
Ela emitiu outro som de mmmm ao derramar o conteúdo da tigela em uma frigideira do tamanho do assento do banco do Hummer de Qhuinn. - E você ficou preocupado
em se ferir lá?
- Não. Bem... Eu me preocupei com os irmãos, claro. Mas, faz parte do trabalho.
- Está bem. E então, foram para onde?
- Fui te ver. Daí à antiga casa do D., fizemos um relatório para Wrath e voltamos para cá. Era para eu me consultar com Manny para dar uma olhada no processo
de cura daquele ferimento. V também.
- Está bem. - Ela foi até a torradeira com capacidade para seis torradas e carregou-a com o pão branco industrializado, total e plasticamente fantástico que
era o favorito dele. - Então, você chegou aqui, e o que viu?
Ele piscou e viu o pé de Layla esticado para fora do vestíbulo. Então visualizou o rosto de Qhuinn ao se abaixar para a fêmea caída que carregava seu filho.
- Oh, você sabe.
- Mmmmm? - O cheiro de ovos sendo preparados acionou o botão do modo "Coma-agora" em seu organismo. - O que?
- Bem, você sabe o que aconteceu.
Quando Mary chegou, uma maca havia sido trazida da clínica e Layla havia sido carregada, o corpo transferido do chão para a maca, cuidadosamente, por Qhuinn
e Blay.
Rhage caiu em silêncio e massageou o peito.
Pop! Fez a torradeira, e um momento depois, um prato com tudo feito exatamente do jeito que ele gostava, foi posto a sua frente.
Junto com uma caneca de chocolate quente, um guardanapo e talheres... Mas, o mais importante, sua adorável Mary.
- Esta é a melhor refeição de minha vida, - disse ele, só de olhar para a comida.
- Você sempre diz isto.
- Só quando você cozinha para mim.
Era engraçado. Como humana, sua Mary jamais conseguiria entender a reação de um vampiro macho, quando a fêmea com a qual era vinculado preparava comida com as
próprias mãos, para ele. Esse tipo de coisa era um ato secreto, porque ia contra o âmago do instinto masculino que era prover e satisfazer as necessidades de sua
companheira, acima de tudo e todos, incluindo ele próprio, os irmãos, o Rei e todos os filhos que pudessem vir a ter.
Rhage era programado para alimentá-la primeiro e só então comer o que sobrasse. Mas, antes que ela mandasse Fritz e os doggens para fora, ela havia dito estar
cheia, já que havia feito um lanche no Lugar Seguro uma hora atrás.
- Vai esfriar. - Ela disse, esfregando o braço dele.
Por alguma razão, os olhos dele se enevoaram e ele teve de piscar para afastar as lágrimas.
- Rhage? - Ela sussurrou. - Seja o que for, pode dizer.
Com um movimento rápido, ele negou com a cabeça. - Estou bem. Só quero aproveitar o banquete.
Ele ergueu o garfo e começou a alternar: uma garfada de ovos, uma mordida na torrada, uma garfada de ovos, uma mordida na torrada, gole, gole, gole de chocolate
quente. E repetiu tudo até limpar o prato.
- Como a fêmea está? - Perguntou ele, ao limpar a boca e se recostar no espaldar da cadeira.
- Eu não sei, - Mary meneou a cabeça. - Simplesmente não faço ideia como isto vai acabar.
- É grave assim? - Quando ela estremeceu, ele disse, - Se houver algo que eu possa fazer...
- Bem, na verdade...
- É só dizer.
Ela estendeu o braço e tomou a mão dele, virando a palma para cima. Levou um tempo até ela falar, e quando ele já começava a se preocupar, ela disse:
- Quero que você imagine, apenas por um momento, que pode ter sido perturbador para você ver Selena quase morrer e testemunhar a dor de Trez. Quero que considere
que não é "só trabalho rotineiro", para ninguém, ter de invadir uma casa onde jamais esteve, sem saber se algo irá explodir ou te emboscar ou matar você ou alguém
que você ama. Quero que reflita que, ir até Wrath e não poder dizer-lhe que encontrou os Bastardos, ou que desarmou uma bomba, ou coletou algum tipo de informação,
soa como fracasso para você. E finalmente, quero que entenda que, voltar para casa e ver Layla no chão, sabendo que está grávida, e o quanto se importa com ela,
Qhuinn e Blay, é outro trauma. Acho que você teve um dia difícil, e suas emoções meio que entraram em pane.
- Eu não me sinto perturbado, minha Mary. Por nada disto. Estava tudo bem...
- Até você ter o ataque de pânico na frente da casa.
- Eu não tive um ataque de pânico.
- Você disse que não conseguia respirar. Que suas mãos e pés formigavam. Que estava tendo problemas para se conectar à realidade. Para mim soa sintomas típicos
de um ataque de pânico.
Ele negou com a cabeça. - Eu não acho que foi isto.
- Está bem.
Rhage inalou profundamente e fitou o rosto de sua amada. - Você é a fêmea mais linda que eu já vi.
- Tenho certeza que não...
Ele tomou o rosto dela entre as mãos, acariciando com carinho. Enquanto seus olhos vasculhavam as feições familiares, ele não conseguia ter o suficiente dela.
Deus, nunca era o suficiente. Nem uma noite, um mês, um ano, uma década... Nem a eternidade que a Virgem Escriba tinha milagrosamente lhes concedido, jamais seria
suficiente para ele.
- Você é a fêmea mais linda que eu já vi. - Ele acariciou os lábios dela com os seus. - Não sei o que fiz para merecer um destino com você, mas jamais, jamais
vou te subestimar.
O sorriso que teve em resposta foi melhor do que o brilho do sol que ele jamais via, envergonhando até a bola de fogo que sustentava toda a vida, inclusive as
daqueles que não suportavam seus raios.
Eles ainda estavam sentados daquele jeito, perdidos no olhar um do outro, quando os doggens vieram, para a sobremesa.
- Quer subir? - Ele disse em uma voz profunda e sombria, sua besta começando a surgir sob sua pele. - Estou pronto para a sobremesa.
O aroma dela chamejou. - Está?
- Mmm hmm.
- Quer que eu pegue um pouco de sorvete para você?
Ele estreitou o olhar na boca dela. - Nada disto. Eu quero chupar outra coisa.
- Bem, então, - ela sussurrou, colando a boca na dele, - vamos te alimentar.
Capítulo VINTE E SEIS
Suor frio.
Trez acordou suando frio, cada centímetro de sua pele encharcado, sua temperatura interior gelada a níveis árticos, o coração batendo tão rápido, que parecia
que alguém havia enfiado a coisa em uma batedeira de bolos. Erguendo-se do travesseiro, gritou...
Cama. Ao invés de algo terrível e chocante... Tudo o que viu foi uma porção de sua cama, e tudo estava absolutamente normal, do abajur que brilhava próximo à
ele, a suas roupas jogadas sobre a chaise, aos sapatos caídos obliquamente onde foram chutados no amanhecer passado.
Por um momento, ficou confuso. Virgem Escriba. Um lugar qualquer, místico. Selena na grama, na clínica, congelada, congelada...
Um gemido suave quebrou o fio entre pesadelo e realidade.
Virando-se subitamente, viu Selena deitada em sua cama, os ombros nus aparecendo acima dos lençóis, os cabelos negros espalhados na fronha branca, rosto e corpo
virados para o outro lado.
Fechando seus olhos, ele cedeu, e desejou que tudo tivesse sido um sonho ruim.
Mas, então, voltou ao foco e se concentrou em sua fêmea, puxando o edredom mais para cima, para mantê-la aquecida, discretamente se inclinando para verificar
se ela ainda estava respirando, se perguntando se deveria arranjar um pouco de comida para ela.
Como se sentisse sua presença, ela se revirou e, mesmo no sono, seu rosto se fechou em uma careta, como se o movimento causasse dor.
Caralho. O sexo fora selvagem, cru, violento. Depois do corpo dela ter enfrentado tudo aquilo.
Maldito fosse ele, pensou, ao passar a palma da mão pelo rosto. Como podia ter feito aquilo com ela? Devia ter se contentado em somente se masturbar até o pau
ficar insensível.
Pior de tudo? Ele não sabia se poderiam realmente resolver as coisas entre eles. Ainda assim, se sentia um imbecil.
Estendendo a mão para a mesinha de cabeceira, pegou o celular e viu que horas eram. Quatro e quarenta e quatro da manhã.
Ele não iria dormir mais. Livrando-se dos lençóis, foi até o banheiro, fechou a porta, usou o banheiro e tomou um banho rápido. Então voltou, tirando seu par
de fones de ouvido da gaveta da mesa de cabeceira, antes de voltar a se enfiar na cama.
Movendo-se lentamente, foi tão cuidadoso em voltar para a cama quanto fora para sair dela, manobrando seu peso de quase cento e quarenta quilos no colchão, sem
deslocar Selena como se fosse um trampolim.
Ao ele se reposicionar, deu uma rápida checada em sua fêmea e ficou aliviado ao descobrir que ela ainda dormia. O que meio que o aterrorizou. E se ela estivesse
em coma ou...
Como se procurasse por ele, ela tateou pelo edredom.
- Estou bem aqui, - ele sussurrou.
Instantaneamente, ela parou a busca, e quando ele segurou sua mão, a palma estava quente, vital, do jeito que sempre estivera.
Ele levou um tempo para estudar os dedos dela, dobrando-os, medindo os movimentos, procurando por pontos de resistência. O que não era certo, ele pensou.
Era injusto tentar tirar informações do corpo dela sem seu conhecimento e consciência... E como forma de se desculpar, ele interrompeu-se, e alisou as unhas
cor de rosa e os semicírculos brancos e curtos que ela aparava regularmente. Quando o sono a reclamou novamente, ele se sentiu... Devastadoramente sozinho. Mesmo
que estivessem lado a lado, ele recostado na cabeceira da cama, com ela aninhada em seu corpo, não parecia estar conectado a ela. Disse a si mesmo que era uma simples
questão de dormir e acordar. Aquela era a divisão... Nada tão assustador quanto o fato das ondas cerebrais serem lidas diferentes em uma tomografia computadorizada.
Era besteira, claro. E quanto mais tentava forçar-se a acreditar na mentira, mais preso se sentia... Então, para calar seu conflito interno, ele ligou o rádio
na estação SiriusXM em seu celular, conectou os fones de ouvido e tentou ficar confortável. Ou confortável de alguma forma.
Ou... Pelo menos, não consumido pela necessidade de pular para fora de sua própria pele.
Naturalmente, porque sua sorte era uma bosta, a primeira coisa que ouviu no rádio, foi mais más notícias.
- Está brincando? - Ele murmurou alto quando a voz de Howard Stern inundou seu crânio. - Eric, o ator está m...
As sobrancelhas de Selena se contraíram como se considerasse acordar e ele fechou a matraca. Mas, não conseguia acreditar que mais um do Wack Pack10 se fora.
Parecia cruel à luz de tudo o que ele estava passando.
Merda, era como se as notícias ruins estivessem fazendo um esforço concentrado para sair das sombras e encontrá-lo.
Selena acordou lentamente, e o aroma do corpo de Trez foi a primeira coisa que notou. O som da voz dele foi em seguida. A sensação das mãos dele sobre as suas,
a terceira.
Abrindo os olhos, ela o viu sentado ao seu lado na cama, os olhos negros, absorto em seu celular, as sobrancelhas baixas como se houvesse recebido notícias perturbadoras
através de uma mensagem de texto ou...
- Está tudo bem? - Ela perguntou.
Quando ele não respondeu, ela percebeu que ele tinha fios saindo do celular para seus ouvidos como se estivesse ouvindo alguma coisa.
No instante em que ela apertou sua mão, ele pulou tão alto que os fones caíram.
- Oh, meu Deus! Você está acordada.
- Sinto muito, não queria assust...
- Merda, não sinta... Está bem? Precisa da Dra. Jane?
- Não, não... - Ela tentou fazer o cérebro funcionar. - Estou bem, é só... Parece perturbado?
Quando ele olhou para ela, o único som no quarto era o ruído dos fones.
Ela puxou as cobertas mais ainda para cima. - Há algo errado comigo?
- Oh, Deus, não. Eu, ah, não... Não é nada. - Ele olhou para o celular. - Só, um cara que era do The Stern Show morr...
Quando ele se interrompeu, os olhos arregalados, como se quase houvesse dito algo imperdoável.
- Morreu? - Ela terminou por ele.
- Eu, ah...
- Você ainda pode pronunciar a palavra, - ela deu um aperto na mão dele de novo. - De verdade.
Trez pigarreou e afastou o celular. - Está com fome?
- Na verdade não.
- Com sede?
- Não.
Ele mexia nos lençóis. O edredom. - Está quentinho aí?
Franzindo o cenho, ela sentou-se e encostou-se aos travesseiros. Olhando para ele, sorriu. - Estou contente de ter vindo aqui. Para conversar e... Fazer aquelas
outras coisas.
- Está mesmo? - Os olhos dele, aqueles lindos olhos amendoados, se voltaram para ela. - Sério? Eu acho que fui violento demais no modo como...
O sorriso dela se estendeu. - Eu realmente, realmente, perdi minha virgindade agora.
Ele corou. Corou da verdade, uma mancha vermelha tingiu suas bochechas. - Me preocupa ter te machucado.
- Nem um pouco. Quando podemos fazer de novo...
O engasgo de Trez foi súbito e ruidoso, e ela teve de bater nas costas dele para ajudá-lo a respirar novamente.
- Está bem? - Ela disse, ainda sorrindo.
- Ah, sim. É que você tem um jeito de me surpreender.
Por um momento, ela se lembrou dele vindo a ela no Santuário. Mesmo paralisada na ocasião, ela soubera o instante em que ele chegara. Fora um milagre. Mas, como
ele soubera?
- Como me encontrou? Lá em cima, no Santuário?
Ele meneou lentamente a cabeça. - Você não vai acreditar.
- Tente.
- A Virgem Escriba. Eu estava em meu clube, resolvendo uns assuntos, Rhage e V estavam comigo. De repente, aquela... Figura apareceu... Vestida de preto, iluminada
por baixo do tecido, uma voz que eu ouvi aqui dentro, - indicou a cabeça, - ao invés de nos ouvidos. A próxima coisa que vi? Eu estava... Bem, de qualquer forma.
Eu estava com você.
Agora foi a vez dela de mexer nas cosias. - Eu sinto muito.
- Por quê?
- Por você ter me visto assim. Sinto muito por tudo isto.
- Diabos... Como eu disse antes, como se fosse culpa sua estar doente?
- Eu sei, mas ainda assim. Eu queria... - ela tentou virar a cabeça para trás para poder olhar para o teto, mas o pescoço anda estava dolorido demais.
- Você está sentindo dor.
- Não é incomum. É como sempre me sinto. Eu... Bem, que seja.
Aparentemente, dois podiam fazer aquele jogo de evitar um assunto.
- Isto é tão forçado, - ela soltou.
- O que?
Ela teve de virar o tórax para poder olhar para ele de verdade. E vagamente, avaliou como era bela a pele escura dele contra os lençóis brancos, o contraste
fazia ambos parecerem cintilar.
Selena tentou achar as palavras. - Eu sinto como se houvesse esta enorme... Não sei, distância ou algo assim... Entre nós. Não faz sentido, digo, você está bem
aqui ao meu lado... Mas, há palavras nas quais estamos tropeçando, assuntos sobre os quais não queremos falar... Bem, isto é um saco. Porque agora? Esta é a melhor
parte, digo, dá uma olhada.
Ela ergueu a mão livre com os dedos esticados, fechou-os e tornou a abrir.
- Acordada e flexível é tão melhor do que o jeito que eu estava antes, não é? - Quando ele simplesmente olhou para ela, sentiu-se tola. - Desculpe, acho que
isto soa estranho.
Trez se inclinou e beijou-a, seus lábios demorando-se. - Não... - ele se afastou. - Isto... Eu sei o que quer dizer. Não é loucura e você está certa. Esta é
a melhor parte...
- Você está tão quente.
Trez soltou outra tossida. - Maldição, fêmea. O que deu em você...
- Eu lhe disse a noite passada, ou céus, que horas eram? De qualquer forma, eu te disse antes, sou toda honestidade agora.
As pálpebras dele caíram. - Gosto de honestidade. Então, me deixe perguntar, se eu te pegasse no colo e te carregasse para o chuveiro, você...
- Me ajoelharia de novo sob o jato quente para ver se você é tão gostoso quanto eu me lembro?
O som que ele fez não foi uma tossida. Mas, também não foi nada coerente. Foi parte grunhido, parte rosnado, com um pequeno gemido no meio, como se estivesse
se preparando para implorar...
Mais ou menos a coisa mais sexy que ele já ouvira.
- Isto foi um sim? - Ela falou lentamente.
Ele beijou-a novamente, com mais força desta vez. Por mais tempo também. Então ele a fitou, com olhos que ferviam. - Merda, estou morrendo aqui.
Quando Trez interrompeu-se de novo, ela sentiu-se atingida pela palavra de novo. Em se tratando deles, aquela era realmente, uma palavra matadora. Mas, era ela,
e não ele.
- Sinto muito, - ela forçou-se a sorrir. - Vamos lavar nossas preocupações...
- Eu vou achar uma cura para isto, - ele disse, com seriedade. - Eu não vou deixá-la perder a luta, Selena. Eu vou, literalmente, mover céus e terras para mantê-la
ao meu lado... Para que não haja nada no meio de nós dois, nada além de nossa pele nua... Nossas almas.
Lágrimas subiram aos olhos dela, e ela as conteve, desejando que sumissem e não voltassem a aparecer. Estendendo a mão para o rosto bonito dele, passou as pontas
dos dedos sobre suas feições.
- Eu te amo, Trez.
- Deus, eu te amo também.
Capítulo VINTE E SETE
Quando Layla acordou, estava deitada de lado em uma superfície muito mais suave do que o chão do vestíbulo. Em pânico, levou a mão à barriga.
Tudo parecia o mesmo, o inchaço firme, do tamanho que sempre fora... Mas, querida Virgem Escriba, teria ela machucado a criança? Ela conseguia se lembrar de
sair do carro, da luta para caminhar até a entrada da mansão, e de lá ter perdido a consciência...
- Bebê, - ela murmurou, - bebê, está bem? Bebê?
Instantaneamente, os olhos azul e verde de Qhuinn estavam bem à sua frente. - Você está bem...
Como se ela se importasse com ela mesma naquela hora. - Bebê!
Com uma súplica, pensou, por que antigamente reclamara de estar grávida? Talvez aquilo fosse punição por ter...
- Está tudo bem. - Qhuinn olhou para o outro lado do quarto, se concentrando em alguém que ela não conseguia ver. - Bem, apenas... Okay, é... Bem.
Ela jamais se perdoaria.
O alívio foi tão grande, que lágrimas subiram aos seus olhos. Se ela tivesse perdido o filho deles por estar no encontro com Xcor? Porque andara bisbilhotando
enquanto ele... Fazia aquilo com seu próprio sexo?
Ela jamais se perdoaria.
Com um pedido, ela se perguntou por que sequer pedira ao macho para fazer aquelas coisas. Era tão errado em diversas formas, adicionando ainda mais culpa quando
ela já estava com a coisa atolada até a garganta.
- Oh, Deus, - ela gemeu.
- Você está com dor? Merda, Jane...
- Estou bem aqui. - A boa doutora ajoelhou-se ao lado de Qhuinn, parecendo cansada, mas alerta. - Olá, Layla. Que bom que voltou. Só para saber, Manny engessou
seu braço. Havia uma fratura.
Houve algumas explicações sobre seu tempo de recuperação e quando o gesso poderia ser retirado, mas ela não prestou atenção em nada daquilo. Dra. Jane e Qhuinn
estavam escondendo algo dela: Os sorrisos de tranquilidade eram como fotografias da coisa real... Pareciam reais, mas eram falsos.
- O que não estão me dizendo?
Silêncio.
Quando ela lutou para se sentar, foi Blay que ajudou, gentilmente apoiando o braço bom e para lhe dar um pouco de impulso.
- O que? - Ela exigiu.
Dra. Jane encarou Qhuinn. Qhuinn olhou para Blay. E Blay... Foi o que eventualmente enfrentou o seu olhar.
- Há algo inesperado, - o guerreiro disse, - no ultrassom.
- Se me fizer perguntar "o que", de novo, - ela disse, por entre dentes cerrados, - vou começar a jogar coisas, e que se dane o meu braço quebrado.
- Gêmeos.
Como se o tempo e a realidade fossem um carro que subitamente tivessem seus freios acionados, houve um metafórico som de freada em sua mente.
Layla piscou. - Desculpe... O que?
- Gêmeos, - Qhuinn repetiu. - O ultrassom mostrou que são gêmeos.
- E perfeitamente saudáveis. - Dra. Jane completou. - Um é significantemente menor, e seu desenvolvimento está atrasado, mas parece viável. Eu não vi o segundo
feto nos ultrassons anteriores porque, Havers me contou que as gestações em vampiros são diferentes das humanas. Acontece que aparentemente outro óvulo fertilizado
pode se implantar, mas não entra em um estágio de significante embriogênese até muito mais tarde... Seu último ultrassom foi há dois meses, por exemplo, e eu não
vi nada antes.
- Gêmeos? - Layla sufocou.
- Gêmeos. - Um dos três repetiu.
Por algum motivo, ela se lembrou do momento em que descobriu estar realmente grávida. Mesmo que a gravidez fosse o objetivo e ela e Qhuinn houvessem feito o
que fizeram só para chegar lá, a confirmação de que sua necessidade vingara meio que a estonteara. Parecia milagroso, e avassalador... Uma alegria assustadora que
ela não estava inteiramente certa de que não fosse derrotá-la.
Agora ela sentia o mesmo.
Tirando a parte da alegria.
Ela sabia de duas de suas irmãs que esperaram gêmeos, e uma das gestações não deu certo. Da outra, havia nascido um único bebê vivo.
Lágrimas começaram a se derramar de seus olhos.
Aquelas não eram boas novas.
- Ei! - Blay se inclinou, com um lenço. - Isto não é ruim. Não é.
Qhuinn concordou, embora seu rosto continuasse uma máscara. - É... Inesperado. Mas não é de todo ruim.
Layla colocou as mãos sobre o estômago. Dois. Havia dois bebês que agora, tinha de levar em segurança até a reta final.
Dois.
Querida Virgem Escriba, como isto acontecera? O que ela ia fazer?
Enquanto as questões corriam por sua cabeça, ela percebeu... Bem, inferno. Como muitas coisas na vida, aquilo estava fora de suas mãos. Uma impossibilidade manifestada;
sua função, agora, era fazer o que pudesse para ajudar a si mesma e aos bebês descansarem, se nutrirem e ter os cuidados médicos necessários.
Esta era a única coisa que podia diretamente controlar. O resto?
Só cabia ao destino.
- Pode haver outros? - Layla perguntou.
Dra. Jane deu de ombros. - Acho altamente improvável, mas gostaria de enviar uma amostra do seu sangue para Havers. Ele tem muito mais experiência do que eu
nisto, e após analisar o hormônio específico da gravidez vampira, ele crê que pode arriscar a dizer a sua situação. Ele disse, no entanto, que trigêmeos são virtualmente
inéditos, e que o seu caso está no curso típico de gestação de múltiplos. A menos em casos extremamente raros de gêmeos idênticos como Z e Phury, o segundo embrião
atrasa seu desenvolvimento até a gravidez estar bem avançada. Quase como se na espera para ver se as coisas estão indo bem antes de se juntar à festa.
Layla baixou os olhos para seu abdômen distendido, e jurou nunca, jamais reclamar sobre coisa alguma. Nem de tornozelos inchados, ou dos seios doloridos, ou
de ter de ir ao banheiro a cada dez minutos. Sem. Mais. Chororô.
Nunca mais.
O fato de ela ter perdido a consciência, caindo de cara em um chão de mármore, e ainda conseguir ter aquele bebê...
Aqueles bebês, ela se corrigiu em choque.
... Em seu corpo, em segurança, era um lembrete que as dores e os desconfortos eram menores em comparação ao cenário maior, o grande objetivo, a grande preocupação.
Que era dar à luz a eles no momento certo, e fazê-los sobreviver.
- Então você consente? - Dra. Jane perguntou.
- Desculpe, o que?
- Tudo bem eu enviar uma amostra do seu sangue para Havers analisar?
- Oh sim. - Ela estendeu o braço bom. - Pode tirar...
- Não, já coletamos a amostra.
Ah, o que explicava a bolinha de algodão colada na parte interna de seu cotovelo.
Seu cérebro não estava funcionando direito.
- Foi por isto que ela desmaiou? - Qhuinn perguntou. - Por causa do outro bebê?
Dra. Jane deu de ombros de novo. - As amostras dela parecem bem... E já estão estáveis há um tempo. Quando foi a última vez que se alimentou, Layla?
O problema não era se ela tinha tomado veia recentemente. - Eu...
- Podemos resolver isto agora. - Qhuinn anunciou - Blay e eu podemos ambos lhe oferecer nossas veias.
Dra. Jane anuiu. - É lógico pensar que, com o segundo bebê requerendo mais nutrição, suas necessidades calóricas e de sangue devem ser maiores do que tenha percebido.
Eu acho possível que você tenha extrapolado seus limites e isto acabou por te esgotar.
Layla sentiu-se totalmente entorpecida e teve de forçar um sorriso. - Eu tomarei mais cuidado. E obrigada. Eu realmente agradeço seus cuidados.
- De nada. - Dra. Jane deu ao pé de Layla um leve aperto por cima das cobertas leves. - Descanse. Você vai ficar ótima.
Quando a médica saiu, Layla pensou nos estranhos anseios sexuais que vinha sentindo ultimamente, além do relativamente súbito aumento de seus sintomas físicos.
Será que era pelo outro bebê...?
- Quer que eu traga algo mais confortável do que isto? - Qhuinn perguntou.
Ela forçou-se a voltar o foco. - Desculpe, mais confortável que...?
- Esta camisola de hospital.
Baixando os olhos, viu que não estava mais com suas roupas. - Oh, Bem. Na verdade, está um pouco mais frio aqui. Uma das minhas túnicas seria legal, mas não
quero que se encrenque.
- Sem problemas. Eu levo suas coisas de volta para seu quarto e pego uma camisola e uma túnica... Enquanto isto, Blay, você pode lhe dar sua veia?
Como resposta, o pulso do soldado apareceu bem à frente dela. - Tome o quanto precisar.
Naquele momento, ela teve uma vontade avassaladora de lhes contar. Confessar. Livrar-se do estresse do último ano, não importando as consequências.
Ela só queria se livrar do fardo terrível que carregava. Assustava.
Atormentava.
Sem dúvida aquilo poderia aumentar as chances de ela carregar melhor aqueles bebês... Menos estresse era bom para fêmeas grávidas, não era? E agora havia duas
vidas em risco, além da dela.
- Layla?
Ela engoliu em seco. Olhou para os dois ali em pé, próximos à cama, preocupados. Ela não queria trair a única família que tinha. Além disto, talvez se contasse
a eles sobre Xcor, eles pudessem... Tornar o local mais seguro. Ou...
Layla pigarreou e agarrou as cobertas na cama como se fosse um rolo compressor entrando em uma curva fechada. - Ouçam, eu preciso...
Quando ela não terminou. Qhuinn quebrou o silêncio - Você precisa se alimentar. É o que precisa fazer.
Como se suas presas tivessem ouvido, elas se alongaram em sua boca, e ela se tornou consciente do fato de que, sim, ela estava morrendo de vontade de se alimentar
de uma veia.
E não, ela não podia contar a eles. Só... Não era bom. Não havia uma boa solução para ela. Eles a odiariam por colocar arriscar sua vida e sua gravidez... E
enquanto isto, Xcor ainda saberia onde eles vivem, porque a Irmandade jamais largaria aquele lugar. Aquela era a casa deles e eles a defenderiam quando ele atacasse
depois que parasse de vê-lo.
Pessoas morreriam. Pessoas que ela amava.
Merda.
- Obrigada, - ela disse, roucamente, para Blay.
- Qualquer coisa por você, - ele respondeu, acariciando os cabelos dela para trás.
Ela tentou tomar o mais gentilmente que podia, mas Blay demonstrou nem ligar. Claro, quando ele e Qhuinn faziam amor, sem dúvida costumavam dar mordidas muito
mais violentas.
Assim que começou a sugar da fonte familiar, absorvendo a nutrição que seu corpo precisava e só obtinha através desta dádiva de um macho de sua espécie, Qhuinn
foi para onde suas roupas foram colocadas em uma cadeira no canto. Ao pegá-las, ele franziu o cenho e olhou para baixo. Então mexeu nas camadas de tecido como se
procurando alguma coisa.
Um momento depois, ela fingiu estar concentrada no que estava fazendo. Ela não tinha ideia do que ele encontrara ou porque estava olhando para ela daquele jeito.
Mas dado o modo como ela vinha vivendo, ela tinha muito que esconder.
- Quando deve ir?
Diante da pergunta de Trez, Selena se concentrou na tigela quente de mingau de aveia que ele havia acabado de fazer para ela. Como já passava muito do amanhecer,
toda a equipe de doggens já estava recolhida em seus aposentos, então ela e Trez estavam sozinhos na cozinha enorme, sentados lado a lado na mesa de carvalho.
- Selena. A que horas é sua consulta?
Ela devia ter ficado de boca fechada. Dois segundos antes, enquanto aproveitava aquela bela preparação de aveia Quaker, com acompanhamento farto de creme e açúcar
mascavo, os dois flutuavam no brilho do que fizeram no chuveiro, em paz e relaxados.
E agora?
Acabou-se, como diziam.
- Primeira hora da manhã.
Trez verificou o celular. - Está bem, está bem. É quase oito. Então se terminarmos rapidinho, conseguimos chegar a tempo.
- Eu não quero ir. - Ela podia senti-lo encarando. - Não quero. Não estou com muita pressa de voltar para lá.
- A Dra. Jane diz que temos de fazer radiografias de suas juntas para monitorar...
- Bem, eu não quero. - Ela colocou uma colher cheia na boca e não sentiu gosto algum. Era só textura. - Sinto muito, mas estou bem agora. Não quero descer e
ser cutucada e furada de novo.
A reticência dela era apoiada pelo fato de que agora estavam na parte boa, e ela não sabia quanto tempo ia durar. Já que nada poderia parar aquilo, por que eles
precisariam sequer se incomodar com...
- Significaria muito para mim se você fosse ver a Jane.
Ela olhou para cima. Trez olhava para as janelas atrás dela, mesmo que as persianas estivessem baixadas e não houvesse nada para ver.
Os olhos dele pareciam atormentados. Como se soubesse que ela não iria à clínica... E que não havia nada que ele pudesse fazer sobre isto.
- Sabe do que tenho mais medo? - Ela ouviu-se dizendo.
Os olhos dele se voltaram para ela - O que?
Ela revirou sua aveia. Provou novamente, o que somente registrou como algo quente. - Tenho medo de ficar presa.
- Como assim?
- Não quero ficar presa aqui, - ela disse, em voz baixa. Então indicou o peito, os braços, as coxas sob a mesa. - Em meu corpo. Tenho medo dos episódios. Estou
viva, sabe, trancada e... Quando acontece, é difícil ouvir e ver, mas, registro as coisas. Eu soube, quando você veio me buscar. Fez toda a diferença. Quando você
estava comigo, eu não me sentia... Mais tão presa.
Quando ele permaneceu em silêncio, ela voltou a olhar para ele. Ele estava olhando de novo para as janelas, que não mostravam nada do dia lá fora, nem se estava
nublado ou ensolarado, se estava chovendo, ou se havia um vento soprando as folhas outonais pelo gramado marrom.
- Trez? - Ela chamou.
- Desculpe, - ele voltou sua atenção. - Desculpe, me distraí por um momento.
Ele se virou na cadeira, apoiando os pés nos degraus sob o seu assento. Então pegou sua mão, a que não segurava a colher e abriu-a contra a própria palma.
- Você tem as mãos mais bonitas que já vi, - ele murmurou.
Ela riu. - Eu acho que está sendo tendencioso, mas, vou aceitar o elogio.
Ele franziu o cenho, as sobrancelhas se juntaram. - Eu posso imaginar como... - ele inalou longa e lentamente, - eu não consigo imaginar nada mais aterrorizante
no mundo do que estar trancado em um local do qual não seja possível escapar; e estar aprisionado no próprio corpo? É inconcebível. É de foder a cabeça de qualquer
um.
- Sim.
Houve um longo período de silêncio àquela altura, com ele sentado à frente de sua tigela, que esfriava, sem tocá-la, e ela brincando com a sua aveia, fazendo
pequenos símbolos "S" com a ponta da colher.
A discussão que estavam tendo ressoava no ar entre eles, o argumento dele de que "é-para-o-seu-próprio-bem" guerreava com o dela "não-até-eu-ser-absolutamente-obrigada".
Não havia razão real para dizer as palavras em voz alta. Ela não ia recuar. E aquilo significava que a única opção dele seria jogá-la em cima do ombro e dar uma
de homem das cavernas, arrastando-a até o Centro de Treinamento.
Finalmente, Selena não aguentou mais e teve de mudar de assunto.
- Às vezes me pergunto... - ela estremeceu, - digo, e se todo mundo estiver errado sobre a morte? E se não houver Fade, mas ao invés dele, a gente só ficar presa
no próprio corpo para sempre, consciente, mas incapaz de se mover?
Ótimo. Ela estava tentando aliviar o clima.
Bela. Tentativa.
- Bem, os corpos... - ele pigarreou, - Sabe... Apodrecem.
- Hmmm, tem razão.
- Embora, como pesadelo de pós vida para mim? Me preocupa um apocalipse zumbi. - Ele pegou a colher e começou a comer, ainda segurando a mão livre dela. - Seria
um saco. Você morre e então passa a vagar pela Terra, fedendo por todo canto, em uma dieta Atkins que, tipo, jamais terminaria.
Ela ergueu a colher para interrompê-lo. - Espere um minuto, veja, você só teria fome, certo? Se encontrasse pessoas para comer, então, a vida seria bem boa para
um zumbi.
- Não se a metade inferior de seu rosto caísse. Sem mandíbula, como se alimentaria? Então seria só fome e não poderia fazer nada para resolver. Um saco total.
- Canudos.
- O que?
- Bastariam canudos.
- Difícil passar um fêmur através de um canudo.
- E um processador. Canudos e processador. E está resolvido.
Com uma gargalhada ruidosa, Trez jogou a cabeça para trás e riu tanto, que foi sorte não acordar a mansão inteira.
- Oh, meu Deus, isso é tão insano. - Ele se inclinou e a beijou. - Tão fodidamente insano.
De repente ela sorria também... Tão forte que as bochechas doeram. - Totalmente insano. Deve ser por isto que chamam de humor negro?
- É. Especialmente se alguém levar a pior. - Trez ficou sério. - E, está bem, então não vá.
- O que? Levar a pior? Claro que não.
- Ver Jane. Se não quer ir, não vou te pressionar.
Selena exalou em um suspiro. - Obrigada. Eu realmente aprecio isto.
- Não precisa agradecer. Não é minha decisão. É sua. - Ele correu a colher pelo interior da tigela. - Acho que é importante que você tenha tanto poder de decisão
quanto possível em cada aspecto de sua vida, especialmente na doença e no modo como lidar com ela. Acho que você se sente como se não tivesse escolha sobre tanta
coisa... Destino... Que se abate sobre você, e isto torna as oportunidades de fazer escolhas especialmente importantes. - Ele olhou para ela, - eu posso ter a minha
opinião, e pode apostar seu traseiro que te direi qual é, mas, a última coisa que quero é pressioná-la. Você já tem problemas suficientes para resolver. Não vou
adicionar mais isto.
- Como você sabe... Deus, é como se soubesse exatamente o que estou pensando.
Ele deu de ombros e seus olhos assumiram um ar alheio. Então ele indicou a lateral da cabeça. - Só um chute. - Ele voltou a se focar nela. - Então, a questão
é, aonde você quer ir?
- Desculpe?
- Aonde quer ir? A clínica está fora de questão... Então o quê?
Selena sentou-se de volta na cadeira. Agora era ela olhando as janelas. - Eu gosto do Grande Acampamento do Rehvenge, se é isto o que quer dizer.
- Seja ousada. Pense grande. Vamos lá, deve haver algum lugar excitante. O Taj Mahal, Paris...
- Não podemos ir a Paris.
- Quem disse?
- Ahh...
- Nunca encontrei nenhum Ahhh, não o conheço, não me importo do quão grande ele seja... Se estiver em nosso caminho? Vou matar o filho da puta.
- Você é tão adorável. - Selena se inclinou e beijou-o na boca. Então tentou forçar seu cérebro a surgir com alguma coisa, qualquer coisa. - Que sorte a minha.
Finalmente consigo um passe livre... E não consigo pensar em nad... Oh! Já sei!
- Diga e realizarei.
- Eu quero ir ao Circle the World.
Trez se recostou também. - O restaurante?
- É. - Ela limpou a boca com um guardanapo. - Quero ir ao Circle the World para um jantar.
- É aquele que gira, no topo do...
- Do prédio mais alto de Caldwell! Eu vi na TV uma vez, enquanto fazia companhia à Layla em seu quarto. Dá para sentar perto da vidraça e olhar para a cidade
toda durante a refeição. - Ela franziu o cenho ao vê-lo engolir em seco, e não por ter engolido uma colher cheia de aveia, - você está bem?
- Oh, sim, absolutamente. - Trez anuiu e estufou o peito ao dar uma de machão para cima dela. - Eu acho que é uma grande ideia. Vamos pedir para Fritz fazer
a reserva para esta noite. Tenho um pouco de influência nesta cidade, então não vai ser um problema. E eles servem jantar até às nove e dez da noite.
Selena começou a sorrir, imaginando-se em uma das túnicas de Escolhida, os cabelos perfeitamente penteados, o corpo normal... E Trez do outro lado da mesa brilhante
que apareceu no comercial de TV, com o guardanapo tão branco, os pratos tão quadrados, a prataria brilhando a luz dos candelabros.
Perfeito.
Romântico.
E nada a ver com estar doente.
- Estou tão excitada. - Ela disse.
A próxima colherada de aveia que pôs na boca estava doce e cremosa e completavam o mais perfeito... Como os humanos chamavam? Desjejum?
Não fazia sentido. Mas, quem se importava.
- Então é um encontro, não é? - Ela percebeu. - Louvada seja a Virgem Escriba, eu tenho um encontro!
Trez riu, o som foi um estrondo em seu peito largo. - Pode acreditar que sim. E vou te tratar como uma rainha. Minha rainha.
Quando ambos voltaram a comer com vontade, ela pensou, uau, que cenário emocional estranho aquilo tudo era, vales profundos de desespero, seguidos por vastas
paisagens, tão emocionalmente puras e belas, que ela sentiu-se honrada por tê-las. Era quase como se sua vida, com o tempo limitado que restava, tivesse sido amarrada
como uma faixa de tecido, que poderia ser suave e normal, mas agora ondulava com grande ressonância.
Ela teria preferido o luxo de séculos. Mas, neste momento, agora, se sentia tão profundamente viva. De um jeito que não podia afirmar jamais ter sentido antes.
- Obrigada. - Disse ela, abruptamente.
- Pelo quê?
Ela baixou os olhos para seu prato de aveia, sentindo o rosto enrubescer. - Por esta noite. É a melhor noite que já tive.
- Você não viu nada, minha rainha.
- Ainda assim, é a melhor noite, - ela olhou dentro dos olhos escuros dele, - de minha vida inteira.
Capítulo VINTE E OITO
iAm acordou ao cheirar a sopa, e assim que seu cérebro se acendeu novamente, não houve nenhuma besteira do tipo "Será que isso é um sonho?" rolando com ele.
Apesar do fato de que esteve apagado por causa de uma concussão, nem um segundo do que levou ao seu desembarque nesta cela no palácio da Rainha foi perdido por ele:
Não a troca rápida de roupa na frente da quase réplica de Abraão Lincoln, nem a entrada pelos fundos do Território, nem o golpe na cabeça que se seguiu ao seu breve
caminhar de um lado para o outro antes disso.
A sopa, entretanto, foi uma surpresa. Era algo que se lembrava de sua infância, uma mistura de abóbora e nata, especiarias e arroz.
E havia outro perfume na cela. O mesmo que encheu seu nariz quando aquele sacerdote tinha vindo para checar suas marcações.
Abrindo os olhos, ele...
Recuou.
Uma maichen, ou seja, uma criada, estava de joelhos diante dele, seu corpo e cabeça envoltos no pálido azul que correspondia à sua função, o rosto coberto por
uma máscara de malha que mostrava absolutamente nada de seus olhos ou características. Nas mãos dela havia uma fina bandeja de madeira que continha a tigela, uma
colher, uma jarra e um copo, assim como também um grande pedaço de pão.
Nenhum sacerdote. Ninguém mais estava com eles.
Ele inalou mais uma vez; então percebeu que a fêmea deve ter entrado com o oficial da corte antes e ele apenas não tinha percebido.
Ele se ergueu do chão. E foi então que percebeu que estava nu.
Que seja. Ele não quis fazer a maichen sentir-se desconfortável, mas se ela não gostasse da vista, podia partir.
Não que ela estivesse olhando para ele. Sua cabeça estava abaixada em submissão, como ela havia sido treinada.
S'Ex aparentemente estava disposto a dispensar algum cuidado a ele enquanto estivesse na prisão; ou pelo menos a mantê-lo vivo por enquanto. E por um momento
ele teve pena desta pobre fêmea cuja posição social era tão baixa que ela era enviada, sozinha, para machos potencialmente perigosos sem nenhuma consideração para
com sua segurança ou seu sexo.
Mas, então, na hierarquia das coisas, ela era considerada como sendo algo essencialmente sem valor.
Triste. Mas ele tinha outros problemas com que se preocupar.
Sem dar atenção à maichen ou à sua situação de estar como veio ao mundo, ele se levantou e caminhou até o biombo no canto mais distante. As instalações de água
ficavam atrás disso e ele fez uso delas, recebendo outro lembrete de que não estava mais no Kansas.
Quando se curvou sobre uma pia como as usadas pela plebe para lavar o rosto, ele teve apenas uma única manopla para ligar a torneira em vez de uma separada para
quente e outra para frio.
Não era por ele ser um prisioneiro: Tudo isso de esperar-ter-água-quente estava entre as coisas com as quais ele teve de se acostumar fora do Território. Os
humanos insistiam em alternar uma mistura de opostos para ter uma temperatura perfeita. Aqui no s'Hisbe? Toda água estava a 36 graus. De água para beber, à água
para escovar os dentes, era uma única constante, nem quente nem frio.
Salpicando o rosto, ele pegou a toalha preta que estava em um suporte de parede e secou-se. Macia. Tão macia. Nada como as dos humanos, e ele era apenas um prisioneiro.
Ele recolocou o tecido úmido no suporte por hábito e caminhou para fora do biombo.
- Diga a s'Ex que eu quero vê-lo.
Prisioneiros normalmente não se davam ao luxo de fazer pedidos, mas ele não se importava. Ele também se recusava a falar no Idioma Antigo ou no dialeto dos Sombras.
Devido a predominância da cultura humana, o inglês era ensinado nas escolas dos Sombras, e era esperado que até mesmo os criados tivessem algum conhecimento rudimentar
da língua.
- E eu não vou comer isso. - Ele acenou com a cabeça para a bandeja. - Então você pode levá-la.
Só Deus sabia o que havia nessa merda, se seria uma droga ou algum tipo de veneno. Ele estava muito confiante de que seu tratamento ali não continuaria sendo
tão bondoso. Eles iriam, muito provavelmente, puxar seus braços e pernas para fora de seus soquetes em algum momento; embora não até que eles notificassem Trez acerca
de seu cativeiro.
Merda. Ele nunca devia ter confiado...
A maichen colocou a bandeja no chão. Então estendeu a mão, pegou a colher, mergulhou-a na sopa e ergueu. Com a mão livre ela levantou a malha o suficiente para
expor sua boca e provar a comida. Então ela fez o mesmo com o pão e a sidra de maçã fermentada que estava na jarra.
Permitindo que a malha voltasse para o lugar, ela sentou-se de novo sobre as solas dos chinelos de couro em seus pés.
Infelizmente o gesto não fez nada para diminuir as suspeitas dele. maichens estavam tão abaixo na cadeia alimentar que até mesmo a própria palavra recebia pouco
respeito no começo das frases. Que ela pudesse ser envenenada ou comprometida? Ninguém se importaria.
O estômago dele, porém, ficou seriamente encorajado quando ela continuou a respirar.
Antes que pudesse se conter, ele foi até ela e a bandeja. maichen não olhou para cima, mas, então, ela o temia; por uma boa razão.
O cheiro de seu medo se misturava muito bem com aquela sopa picante.
Assim como o cheiro da pele dela.
Inalando pelo nariz, ele sentiu outro choque atravessar seu sistema, seus músculos se contraindo; assim como seu pênis.
O que não fazia nenhum sentido. Ali estava ele, enfiado na merda até o queixo, e seu sexo decidiu se interessar? Sério isso?
Não era à toa que chamavam essa coisa de "alavanca estúpida".
Em pé erguendo-se sobre ela, ele pôs as mãos nos quadris e ficou atento à sinais de que ela fosse ter um treco. Quando ela continuou na vertical, ele esperou
mais um pouco. Ela estava tremendo, mas, tinha estado desde que ele se levantou.
iAm ajoelhou-se no chão de pedra dura, espelhando a pose dela. Quase imediatamente os joelhos dele começaram a doer; outro lembrete de quanto tempo fazia desde
que ele esteve em contato com seu povo. Tal maneira de se sentar era uma trivialidade aqui no Território.
Conveniente se você estava com a bunda de fora, também. Não te deixava completamente exposto.
Ele comeu rápido, mas não descuidadamente, e foi uma boa pedida. Seu cérebro precisava das calorias; seu corpo também, se ele estivesse indo forçar sua saída
dali.
Esse era o plano.
- S 'Ex. - Ele exigiu quando terminou. - Vá buscá-lo.
Com isso, ele empurrou a bandeja em direção à fêmea. Como era costume, ela se curvou adiante em reverência, sua fronte coberta quase terminando na tigela branca
vazia.
Ela levantou a bandeja, endireitando o torso, e graciosamente ficou em pé sem cambalear ou deixar cair qualquer coisa. Saindo da cela, ela acionou a porta colocando
a sola de seu sapato contra uma seção da parede. Um momento depois, porque a saída era claramente monitorada, alguém abriu a coisa remotamente; ou isso, ou a saída
era de alguma forma acionada com pisadas.
E ela foi para fora.
Enquanto o painel se fechava com um som estilo Star Trek, ele sabia que teria sido inútil dominá-la e tentar usá-la como moeda de troca. S'Ex e seus guardas
estariam mais propensos a negociar para salvar um cão.
Andando de um lado para o outro, ele lembrou-se de seu irmão ao lado de Selena enquanto ela jazia naquela mesa de exame, sob aquela luz intensa, o corpo dela
todo contorcido e uma expressão congelada no rosto.
Deus, ele nunca deveria ter feito isso. Fale sobre uma situação em que todos perdiam: Trez iria querer vir para tirá-lo dali, mas deixar aquela fêmea quando
ela estava doente iria matá-lo.
Nada como jogar gasolina no fogo. Junto com mais ou menos uma tonelada de dinamite.
Trez quis dizer cada palavra que disse sobre Selena e a liberdade dela de escolha.
À medida que atravessava a passos largos o túnel subterrâneo rumo à clínica do Centro de Treinamento ele estava cem por cento certo de uma, e apenas uma, coisa;
bem, de duas, mas o fato de que estava apaixonado por ela era o básico. A outra coisa ele sabia com certeza que era Selena, e apenas Selena, quem decidiria como
sua condição seria administrada, e se alguém tentasse forçá-la a qualquer coisa? Ele estava indo atirá-los para longe como você apenas leu.
Mas isso não queria dizer que ele não estaria indo falar com a Dra. Jane.
Sobre sua rainha.
Deus, esse apelido para Selena era tão engraçado. No momento em que ele tinha saído de sua boca, algo tinha clicado. Como se seu vocabulário tivesse se acasalado
com essa palavra assim como seu corpo acasalou-se com o dela.
E ela seria a única rainha para ele. Não importando o que acontecesse com eles, ou onde ele terminasse, ela seria sua fêmea regente, e nenhuma outra suplantaria
o lugar dela em seu coração, seu respeito ou na expressão vocal daquela palavra.
Arrastando a palma pelo rosto, ele forçou seus pés a continuarem em um ritmo de caminhada, embora uma grande parte dele quisesse correr a toda velocidade para
a clínica. Não havia pressa, porém, pelo menos no que concernia à sua fêmea. Selena estava lá em cima no quarto dele, nua na banheira, mergulhando seu lindo corpo
em água morna e perfumada.
Ela não estava completamente livre da dor. Ela escondia a rigidez persistente e desconforto bem, mas os indicadores estavam nos estremecimentos sutis de sua
face e na forma espasmódica como ela movia as mãos e braços. O banho e algumas aspirinas leves iriam ajudar, entretanto. E quando tivesse tido um bom e longo banho,
ela iria para a cama dele para um descanso antes do "encontro" deles.
A alegria dela diante da perspectiva de seu jantar a dois era contagiante. Ele literalmente sentia o calor dentro de seus ossos, como se a felicidade dela possuísse
uma magia cinética que, através de seu acasalamento, estendia-se para dentro de sua própria carne. Inferno, tudo que ele tinha de fazer era pensar sobre ela à mesa
do café da manhã, sorrindo por sobre suas tigelas de mingau de aveia, ou pensar sobre o som de sua voz ficando excitada quando eles estavam... E ele ficava sublimemente
em paz.
Nunca houve nada perto disso para ele. Nem mesmo o amor e compromisso que ele tinha para com seu irmão chegava perto do sentimento.
De uma forma doentia, ele supunha que a doença dela tinha sido algo bom para Selena e ele. Trez não podia conceber como teriam cortado o papo furado entre eles
tão eficazmente ou totalmente sem isso...
Isso foi um inferno de um perde-e-ganha, no entanto.
Quando chegou ao ponto de acesso ao Centro de Treinamento, ele digitou os códigos adequados, então passou pelo almoxarifado e pelo escritório de Tohr. O Irmão
não estava atrás da escrivaninha, o que era uma boa coisa, e não uma surpresa. Era por volta de cinco da tarde, e Tohr estava, sem dúvidas, acordando em seu leito
de acasalado com sua Autumn, prestes a preparar-se para a noite que vinha adiante.
O que tinha sido uma surpresa foi que a Dra. Jane estivesse disposta a vê-lo nesse horário estranho do dia. Com as horas ela tinha estado trabalhando ultimamente
entre as lesões e enfermidade do irmão de Qhuinn, parecia que ela, Manny e Ehlena tinham estado de plantão constantemente.
Isso fez com que ele a respeitasse muito.
Passando pela porta de vidro. Descendo pelo corredor principal de concreto. Várias portas adiante à esquerda.
Entrando na sala de exames, ele...
- Oh, merda!
Saltando de volta para o corredor, ele levou a dobra de seu cotovelo até os olhos e rezou para que aquilo que tinha acabado de ver não tivesse sido queimado
permanente em suas retinas.
Havia algumas coisas que você não precisava saber acerca das pessoas com quem você vivia, não importa quanto você os amasse.
Uma fração de segundo mais tarde, V abriu a porta, e o ziiiiiiiiip! de quando ele fechou a frente de seus couros foi alto.
- Ela verá você agora. - Ele disse com total naturalidade.
Como se dois segundos atrás ele não tivesse estado batendo a sempre amada merda para fora de sua shellan enquanto ela sentava-se em sua mesa.
- Eu posso voltar depois? - Trez perguntou.
- Que nada, ela está pronta. Selena está bem?
- Eu, ah... Sim. Ela está se movendo, está... Bem, eu estou levando-a para sair hoje à noite.
V puxou um cigarro enrolado à mão. - Não brinca. Para onde?
Em todas as suas ruminações, Trez tinha estado cuidadosamente evitando pensar precisamente sobre seu lugar de destino. A ideia de sair em um encontro era ótima,
a comida seria de abalar... Havia apenas um problema com que ele teria que absorver e lidar.
- Aquele restaurante. - Ele apontou para o teto. - Você sabe, no centro da cidade, que, tipo, fica girando em círculos?
- Oh, sim. Bem lá em cima. - O Irmão exalou. - Uma vista dos diabos.
Uh-huh. Cinquenta-mais histórias. Ele tinha navegado no site para descobrir exatamente o quão ruim era. - Sim. Uma vista dos diabos.
- Deixe-me sabe se há alguma coisa que eu possa fazer. Por qualquer um de vocês.
V deu nele um tapinha no ombro e começou a se afastar a passos largos.
- Vishous.
O Irmão parou, mas não se virou. E à luz acima da cabeça dele, o tendril de fumaça de seu fumo enrolado à mão formava um elegante redemoinho no ar.
- Quanto tempo eu ainda tenho com ela?
O Irmão girou a cabeça, então seu poderoso perfil de cavanhaque foi cortado por um pálido filete daquela luz, e as tatuagens em sua têmpora pareceram mais sinistras
do que o habitual.
- Quanto? - Trez repetiu. - Eu sei que você viu isso.
Houve um silvar sutil quando o Irmão inalou, a ponta do seu cigarro ardendo em um vívido laranja. - O que eu recebo não é tão específico. Desculpe.
- Você está mentindo.
Aquela sobrancelha escura ergueu-se. - Vou te perdoar pela ofensa. Uma vez.
Com isso, o macho voltou a se afastar a passos largos, aqueles ombros volumosos deslocando-se no ritmo dos quadris, e seu corpo de guerreiro não era exatamente
o tipo de coisa que alguém, mesmo alguém do tamanho de Trez e com suas habilidades de Sombra, enfrentaria voluntariamente.
Especialmente com aquela mão incandescente dele.
Mas não haveria uma rixa entre eles. Não sobre esse assunto, pelo menos.
Os dois sabiam que ele mentia.
V era o Irmão com a inteligência, as visões místicas, aquele nascido diretamente do corpo da Virgem Escriba. Ele também era incapaz de sacanear alguém pelo motivo
que fosse. Isso só não fazia parte de sua fiação interna; aquele cérebro incrível dele estava muito ocupado para se importar se tinha ofendido ou não, ou se sua
postura foi ou não apropriada, ou se ele tinha expressado as coisas de um jeito agradável para seu requerente.
Assim sendo, quando ele tinha se recusado a se virar? Quando tudo que ele fez foi mostrar seu perfil?
Ele tinha respondido a pergunta bem o bastante.
Vishous nunca iria, jamais voluntariamente magoar ou ferir um macho que ele respeitava. Isso estava ainda mais arraigado nele do que a coisa do eu-não-minto.
E sim, Trez tinha ouvido falar que normalmente não havia uma cronologia nas visões de V sobre morte; mas, claramente, era diferente nesse caso.
Talvez porque o que tinha sido visto era menos sobre a morte da Escolhida, e mais sobre que acontecia com Trez após isso.
Existem duas fêmeas. E em ambos os casos, você está correndo contra o tempo.
- ... Trez? - A Dra. Jane disse, como se ela estivesse tentado chamar a atenção dele. - Você está pronto para falar comigo?
Não, ele pensou, enquanto V desaparecia através das portas de vidro do escritório. Ele não estava.

 

CONTINUA

Capítulo VINTE E UM
O pau de Trez tinha sua própria pulsação. E isto antes de Selena ficar totalmente nua à sua frente. Após aquela revelação? A maldita coisa passou a ter seu próprio
padrão de pensamento.
Minha.
Ao ouvir a porta se fechar, Trez não soube se foi uma de suas mãos que a fechou, ou se simplesmente desejou que a coisa voltasse ao seu lugar.
- Tem certeza disto? - Gemeu ele, já dando um passo na direção dela. - Porque não vou conseguir parar.
- Sim. - Os olhos dela não se ergueram para encontrar os dele. Estavam travados em no quadril. - Oh, sim. Me deixe te ver.
Quando ele parou bem na frente dela, ele disse:
- E todas as humanas com as quais fiquei?
- Vai falar delas agora? - Ela abriu a faixa do roupão dele com uma das mãos. - Sério?
Ele impediu-a de abrir o roupão.
- Nada mudou em mim.
- Azar o seu, não meu.
- Na minha tradição...
- Que não é a minha.
- ... Eu estou corrompido.
- Por que é que você continua falando?
Com isto, ela livrou-se da mão que a segurava, tirou a faixa, abriu as laterais do tecido preto. O sexo dele estava totalmente ereto, se sobressaindo entre eles.
E foi a próxima coisa a qual ela tomou nas mãos.
Trez gemeu e jogou a cabeça para trás.
- Você está quente. - Ela suspirou ao se inclinar e beijar a pele sobre seu coração. - E duro.
- Selena, estou falando sério. - Ele tentou impedi-la de continuar as carícias. - Eu quero te respeitar...
- Você está perdendo tempo.
Com isto ela caiu de joelhos e assumiu o controle. Como era uma fêmea alta, sua boca ficava na altura perfeita e, Deus os ajudasse, ela a pôs para trabalhar,
estendendo a língua rosada para lamber a cabeça. O toque aveludado o deixou trêmulo e, antes que seguisse o caminho dos roupões e caísse na porra do chão, se inclinou
para frente e apoiou ambas as mãos na coisa mais próxima que conseguiu achar.
A escrivaninha. Ou pode ter sido o capô de um carro. O trenó do Papai Noel. Uma geladeira.
Quente e úmida, ela abocanhou, a sucção e aquelas lambidas apagando o mundo, trazendo-o instantaneamente à beira do orgasmo.
Cerrando os dentes, ele gemeu - Eu vou gozar... Ah caralho... Eu vou...
Ele vagamente pensou em não desrespeitá-la ejaculando em sua bo...
Selena se afastou, abriu a boca e estendeu aquela língua mágica. Olhando para ele, de baixo para cima, começou a masturbá-lo com força ao mesmo tempo em que,
preguiçosamente, lambia sua ponta.
Trez segurou, oh, talvez um segundo e meio. Quando sua liberação jorrou, ela tomou-a toda, engolindo, sugando, se afastando para lambuzar os lábios e rosto.
Deus a ajudasse, ele continuou ejaculando, uma infinita urgência sexual travando o seu corpo, enquanto a marcava, sua essência cobrindo-a de uma posse que era primordial.
Defender. Proteger. Amar.
Tudo isto naquele local sagrado.
Minha.
Quando finalmente se esgotou, ela se sentou de volta sobre os tornozelos e então, com uma série de movimentos lânguidos e matadores, lambeu os lábios. Ergueu
os dedos, capturou a trilha pegajosa no queixo, e sugou até limpar. Olhou para baixo, para os seios perfeitos.
Espalmando os pesos gêmeos, sorriu para o que caíra sobre eles, fazendo os montes e aqueles mamilos tesos brilharem. - Você me melecou.
- Onde você aprendeu a fazer isto? - Ele engasgou.
Pelo menos foi o que pretendia dizer. As sílabas saíram em um amontoado de sons incoerentes.
- O quê? - Ela suspirou, antes de erguer um dos seios e baixar a cabeça, com a língua para fora.
Ela lambeu a si mesma.
O rosnado que saiu da boca de Trez foi algo que, se estivesse em seu lugar, ele teria temido.
Selena não temeu. Ela só emitiu uma risada rouca. - Há algo mais que você queira marcar?
Liberdade.
Quando Selena se ajoelhou à frente de Trez, com o gosto dele em sua boca e sua essência sobre todo o seu corpo, se deleitou na sensação de liberdade sexual que
a invadiu. A liberação pareceu inteiramente o oposto da sentença de morte sob a qual vinha vivendo e, ainda que sua falta de tempo fosse o que a impedisse de sentir
qualquer estranheza ou preocupação consciente, ela sentia-se voando acima das amarras que há tanto tempo a prendiam ao chão, seu treinamento como ehros permitia-lhe
entregar-se às correntes de sexo que se estendiam, grossas como cordas tangíveis, entre os corpos deles.
Sem saber quanto tempo lhe restava, e sob a frustração de ter perdido tanto tempo, sentia urgência de expressão pessoal, e abraçava cada desejo que tinha, na
total intenção de satisfazê-los.
Todos eles eram com Trez.
Como se sentisse o mesmo, ele se inclinou e levantou-a do chão. Suas juntas protestaram pela mudança de posição, mas as reclamações não eram mais do que murmúrios
contra a luxúria desenfreada que ela sentia por ele.
Ela precisava da penetração. Pelo corpo dele.
Trez levou-a a cama e deixou-a de barriga para baixo, suas mãos grandes e quentes acariciando-a do ombro até as costas das coxas, antes de erguê-la de quatro
e afastar seus joelhos. Selena abaixou a cabeça, ela queria vê-lo, e olhou para além dos montes dependurados de seus seios, observando-o se aproximar dela por trás,
com o sexo pulsando enquanto ele tomava posição para...
Não foi sua ereção que se esfregou nela.
Quando as mãos dele agarraram seu quadril, os polegares se enfiaram em sua bunda e afastaram, até o sexo dela se abrir totalmente para ele. E então ele veio
com a boca, os lábios tocando-a, carícias úmidas sobre a umidade, sugando, devorando. Com dominação total, a língua dele lambeu de cima abaixo, penetrou, tintilou
no topo do sexo dela até ela convulsionar em orgasmo, cada onda de prazer esfregando-a mais e mais contra o rosto dele.
Quando finalmente acabou, ele se afastou, os punhos apoiados nos lençóis de ambos os lados dela.
- Eu vou te foder agora, - ele falou por entredentes em seu ouvido.
- Oh, Deus, por favor...
Selena gritou alto quando ele a penetrou, esticando seu interior quase além do limite. A dor foi em uma medida perfeita, e então ele começou a bombear. Nada
de movimentos lentos e regulares; eram violentos, puro poder, poder que a fez ver estrelas até perder a força de manter o corpo elevado da cama. Caindo de cara nos
lençóis que tinham o cheiro dele, ela lutou para respirar e amou a sensação de sufocamento que sentia a cada arremetida que a fazia esfregar o rosto nos travesseiros.
Bang! Bang! Bang!
A cabeceira estava tendo a mesma experiência violenta que ela, batendo na parede, o som reverberando junto com os gemidos dele, que era todo animal.
Virando a cabeça para olhar acima do ombro, ela tentou vê-lo.
Trez estava magnífico, os peitorais e ombros elevados, os enormes braços esculpidos em músculos, o abdômen definido, enquanto os quadris arremetiam contra ela.
Quando ele gozou, jogou a cabeça para trás como quando ela o dominou, e uivou, expondo as presas brancas longas e mortais, os tendões do pescoço saltaram nas laterais,
os quadris bateram contra ela enquanto ele metia, metia e metia...
Ele gozou dentro dela.
E o sexo dela o ordenhou, provocando-o até ela sentir a umidade escorrendo pelas coxas.
Ele mal retirou o corpo de dentro dela e caiu para o lado, como se cada gota de força houvesse sido drenada dele. A cabeceira deu um último bam! quando ele se
jogou e quicou, as mãos, braços, tórax e pernas relaxando de todo aquele esforço físico. A boca dele se moveu, os olhos escuros encontraram os dela e ali ficaram.
Ela não fazia ideia do que ele estava falando. E não importava. Sua bunda ainda estava para cima, o sexo formigando pelo modo violento como foi tratado, seu
corpo tão saciado quanto a aparência dele. Correntes de ar, da ventilação acima, vinham do teto, tocando tudo o que estava exposto, fazendo cócegas, esfriando.
Aquele havia sido o melhor sexo de sua vida. Selvagem e rude, do jeito que lhe haviam contado, e para o qual fora treinada, do jeito que devia ser.
Antes de Selena permitir-se deitar-se ao lado dele e deslizar para seu próprio sono, sorriu tão largamente que suas bochechas doeram.
Ela fora, pela primeira vez na vida, não só bem e verdadeiramente fodida, mas marcada pelo macho que amava. Mesmo com o futuro que tinha de enfrentar, era difícil
não se sentir abençoada.
Capítulo VINTE E DOIS
iAm recobrou consciência, mas manteve os olhos fechados. O que o acordou foi a dor excruciante na parte de trás da cabeça; aquilo e o frio do chão sobre o qual
estava deitado. Por um momento, considerou bancar o gambá e tentar descobrir onde estava pela audição, olfato e instintos, mas não havia motivo para isto.
Ele sabia exatamente onde o tinham posto.
Bastardo traidor fodido.
Levantou as pálpebras e viu uma grande porção de nada. Só que, estava deitado de bruços, um braço por baixo do tórax como se tivesse sido jogado...
Uma porta abriu no canto atrás de si. E ele percebeu não pelo ranger de dobradiças, mas pela súbita adição de vozes e passos na cela.
- Porque eu checaria suas marcas? - um macho perguntou. Não era s'Ex.
- É o protocolo.
Sim. Nada havia mudado.
iAm voltou a fechar os olhos e ficou perfeitamente parado, exceto por respirar superficialmente enquanto as pegadas se aproximavam.
Houve um engasgo. E então dedos apalparam suas costas, como se esticassem a pele onde havia sido marcado, como todos os machos eram, aos seis anos de idade.
- Isto não pode estar certo.
Os passos se afastaram apressadamente e, ele supôs que a porta voltou a ser fechada.
Erguendo a cabeça, sua visão borrou-se e voltou ao foco. Não havia mais ninguém na cela bem iluminada de seis metros por seis, as paredes branco brilhante, tão
lisas que ele poderia ver seu reflexo escuro nos painéis de mármore.
Sua cabeça doía tão infernalmente que foi forçado a deitá-la de novo, a bochecha achando o exato ponto na pedra que havia sido aquecido pela temperatura de seu
corpo desmaiado. Seu braço estava matando-o, sentia o membro anestesiado e dolorido ao mesmo tempo, mas, lhe faltava energia para se mover e tirar o peso do corpo
de cima dele. Deitado ali, respirando, existindo, ele não fazia ideia de quanto tempo havia se passado, o que iam fazer com ele, ou se ele ia descobrir que sua brilhante
ideia de que estava vivo era um engano.
Do nada, veio-lhe uma imagem mental dele saindo do Sal's na noite anterior, saindo livremente do restaurante que amava, conversando com os garçons.
Pegou-se desejando poder rebobinar o tempo e voltar àquela encarnação de si mesmo, suas lembranças do jeito que a noite sentia-se fria em seu rosto, e como a
fumaça dos cigarros dos garçons subiam espiraladas das pontas acesas, tão claro que, por um momento, pareceu impossível não poder retornar àquele lugar no tempo...
Pisar nos sapatos que calçava então... Reassumir a vestimenta de sua pele, do mesmo modo como reassumia sua forma após se desmaterializar.
Mas é claro, o tempo não funcionava assim. E a memória era como um show de televisão da própria vida, uma tela de filme ao qual se podia testemunhar, mas, não
interagir, mudar o curso ou redirecionar.
O desespero por Trez, grande motivador de sua vida, havia o levado de volta ao coração do inimigo que ele e o irmão dividiam.
E havia uma chance muito boa de que esta merda fosse vencê-lo.
Com um gemido, rolou para o lado e piscou algumas vezes. Suas armas, assim como a túnica que vestia, haviam desaparecido. E não havia mais nada na cela...
A porta abriu, o painel deslizou silenciosamente na parede. E quem entrou estava coberto da cabeça aos pés em camadas sobrepostas de tecido, o rosto coberto,
o pé coberto, mesmo as mãos enluvadas.
Seria a Morte? Perguntou-se. Teria ele desmaiado e estaria sonhando...
Um sutil aroma foi registrado.
Mas não em seu nariz. Em todo o seu corpo.
Como uma corrente de eletricidade.
A porta foi fechada por trás da figura alta e coberta. E enquanto o macho se aproximava, iAm fez de tudo para assumir um tipo de postura defensiva.
Não conseguiu muito.
Uma mão enluvada se esticou; ele foi rolado de volta; e então sentiu o toque na base de sua coluna.
- Eu vou... Matá-lo... - iAm murmurou. - Machucá-lo.
De que forma, não fazia ideia. Mas ia lutar, isso era uma maldita certeza.
A figura recuou um passo. Inclinou a cabeça como se considerando o método de morte que seria usado.
No s'Hisbe, a maior parte dos prisioneiros eram primeiro torturados. Amaciados, iAm sempre pensara. Então eram massacrados, enterrados ou devorados por s'Ex
e seus guardas, dependendo do crime.
Este último era uma tradição orgulhosa. Também simplificava a questão sobre o que fazer com o corpo.
iAm fechou os punhos e preparou-se para o que se abateria sobre ele.
Só que a figura simplesmente o observou por um longo momento. E então recuou para a porta e saiu.
Oh. Okay. Eles verificaram quem ele era, e viram que não havia motivo para matá-lo antes de capturarem Trez novamente. Aquilo seria um desperdício de recursos.
Merda.
Relaxando os músculos, ele tentou mover-se e rezou que as habilidades naturais de cura de seu corpo cuidassem da concussão rapidamente.
Ele ia precisar ser capaz de enfatizar suas palavras de resistência com mais do que um corpo inerte e membros feitos de chumbo.
Maldição, ele jamais devia ter confiado em s'Ex.
De volta em Caldwell, Paradise sentou-se na cama, sobre as pernas, olhos fixos no céu noturno do outro lado de suas janelas fechadas e trancadas.
- Então você vai mesmo? - disse ela, ao celular.
Peyton riu.
- Diabos, claro, está brincando? Estou morrendo de vontade de sair daqui. Desde os ataques estou trancado, e o fato de meus pais me deixarem entrar neste programa
de treinamento é um milagre.
Ela olhou para as trancas na porta de seu próprio quarto, as quais, a propósito, estavam trancadas naquele momento.
- Me pergunto se meu pai me deixaria ir, - murmurou.
Houve uma pausa. Então uma risada.
- Oh, meu Deus, Paradise. Não. Uh uh. De jeito nenhum.
- É, você deve ter razão. Ele é realmente protetor...
- Aquele programa não é para fêmeas.
Ela fechou a cara.
- Com licença. O decreto da Irmandade dizia que seriamos bem-vindas se quiséssemos tentar.
- Okay, primeiro, "tentar" não significa "ser aceita". Você sequer já fez uma flexão?
- Bem, tenho certeza que conseguiria se eu...
- Segundo, você nem é uma fêmea comum. Digo, olá, você é membro de uma Família Fundadora. Seu pai é o Primeiro Conselheiro do Rei. Você precisa ser preservada
para procriação.
A boca de Paradise se abriu em choque. - Não acredito que acabou de dizer isto.
- O quê? É verdade. Não finja que as regras são as mesmas para fêmeas como você. Como, se um sujeito civil, que só por acaso use saias, quiser fazer uma tentativa,
tudo bem. Seria uma perda que não significaria nada para a espécie. Mas, Parry, não sobraram muitas como você. Para machos como eu? Não queremos nos emparelhar com
ninguém menos que vocês, e existem hoje quantas, quatro ou cinco de vocês?
- Esta é a racionalização mais machista que já ouvi. Vou desligar.
- Aw, vamos lá. Não fique assim.
- Vai se foder. Eu sou mais do que só um par de ovários no qual se pode colocar uma aliança.
Ela desligou e pensou em arremessar o celular contra a parede. Quando não conseguiu seguir o impulso, começou a se preocupar com todos os seus modos inatos que
no fundo só reforçavam que Peyton estava certo.
Ela era mesmo só uma flor de estufa, não prestava para nada além de xícaras de chá, ter filhos e...
Quando seu celular começou a tocar de novo, ela jogou-o sob o edredom, deitou-se no chão e plantou a palma das mãos sobre o tapete de crochê. Esticando as mãos,
equilibrou na ponta dos dedos dos pés.
- Certo, - ela disse, cerrando os dentes. - Para cima e para baixo. Cem vezes.
Ela conseguiu descer sem dificuldades, os braços mais do que famintos por obedecer. E quando seu nariz tocou o padrão de um vaso de flores que havia no tapete,
ela sentia-se uma fera, pronta para arrebentar com tudo.
Subir foi... Aceitável.
Descer de novo para o tapete. Eeeeee subir.
Mais ou menos. Os músculos em seus bíceps começaram a tremer; os cotovelos falsearam; os ombros gritaram.
Ela conseguiu três vezes. Ou, tipo, duas vezes e meia. Antes de cair no...
- O que está fazendo?
Com um ganido, Paradise levantou-se. Seu pai estava na porta do quarto, segurando a chave que ele usava para abrir todas as portas, e as sobrancelhas dele se
ergueram tanto, que quase encostaram na linha do cabelo.
- Flexões, - ela disse, arfando.
- Para que?
Pergunte, ela pensou. Desembuche e diga, Eu quero me juntar ao programa do Centro de Treinamento da Irmandade...
Seu telefone tocou de novo.
- Não vai atender? - Seu pai perguntou.
- Não. Pai, eu tenho uma...
- Algo aconteceu, querida. - Ele fechou e voltou a trancar a porta. - E preciso ser franco com você.
Paradise dobrou as pernas e enlaçou-as com o braço.
- Fiz algo errado?
- Oh, não. Claro que não. - Ele meneou a cabeça ao olhar para ela. - Você é a melhor filha que qualquer macho poderia desejar ter.
Quando seu telefone parou de tocar, ela teve de se perguntar quanto dos pontos de vista de Peyton seu pai dividiria. E quantas vezes Peyton ia tentar ligar para
ela de novo.
- Preciso que faça suas malas, - ele disse.
Paradise recuou.
- Por quê?
- Preciso que fique longe daqui por algumas semanas.
Um jato de frio atravessou-a.
- Por quê?
- Oh, amor. - Ele se aproximou e se ajoelhou. - Por nada. É só que, eu achei que poderia gostar de ter um emprego.
Agora foram as sobrancelhas dela que se ergueram.
- Sério?
Ela havia levantado o assunto alguns meses atrás, quando, após outra noite tomando lições de piano e fazendo bordados complicados e intrincados a fizeram sentir-se
como se fosse enlouquecer. Mas, ele havia cuidadosamente negado, no interesse de sua segurança, um ponto que ela tanto respeitava quanto a deixava frustrada.
Era difícil discutir que o mundo não era um lugar muito perigoso para vampiros.
- O que mudou? - Então ela se lembrou do parente distante. - Espere, aquele macho vai continuar por aqui?
- Não é nada com ele. Além disto, meu cargo de Primeiro Conselheiro está ficando mais complicado e trabalhoso, e preciso de alguém em quem possa confiar para
me ajudar com os negócios do Rei. Eu não posso imaginar ninguém mais apropriado do que você.
- Sério? - Ela disse, estreitando os olhos. - Não há nenhuma outra razão?
- De verdade. Prometo. - Ele sorriu. - Então o que diz... Gostaria de trabalhar comigo?
Com um súbito movimento de felicidade, ela agarrou o pai em um abraço. - Oh, obrigada! Sim! Estou tão animada.
Ele riu.
- Okay, mas você terá de se mudar para a mansão de audiências do Rei. Não se preocupe, não estará sozinha. Pode levar sua dama de companhia doggen, e a Irmandade
tem a equipe completa no local...
Paradise ergueu-se e correu para o closet. Abriu as portas e começou a separar as peças de seu conjunto de bagagens Louis Vuitton.
- Estarei pronta em meia hora! Quinze minutos! - Ela abria gavetas, pegando roupas de baixo, sutiãs, camisetas. - Oh, o senhor chama Vuchie? Ela ficará tão animada!
Vagamente, ouviu o pai rir.
- Como desejar, minha senhora. Como desejar.
Capítulo VINTE E TRÊS
Rhage retomou forma no gramado da antiga mansão de Darius, e caminhou para a entrada da frente. No momento em que entrou na casa, ouviu uma série de suspiros,
e olhou para a esquerda. No salão, havia um monte de civis amontoados em pé, em um grupo estranho, como se não se sentissem confortáveis sentados em todos aqueles
móveis elegantes revestidos de seda, e os olhos que se arregalaram ao vê-lo.
É, sua reputação ainda o precedia.
Jesus, bastava ter sido um puto por alguns séculos, e as pessoas continuariam te julgando, mesmo depois de você se redimir e emparelhar adequadamente.
Era um pé no saco e, em uma noite normal, teria se aproximado e se apresentado, só para falar de Mary.
Esta noite, no entanto, se dirigiu às portas fechadas do que certa vez fora a sala de jantar. Batendo duas vezes, disse. - Sou eu.
Tohr abriu a porta com uma saudação, e Rhage entrou em uma sala mais cavernosa, mais vazia: Tudo o que havia ali eram algumas cadeiras, uma mesa com uma cadeira
de escritório, e alguns assentos auxiliares, para serem usados em alguma audiência que tivesse gente demais para acomodar.
- Sem explosivos, - Wrath estava dizendo de uma das poltronas. - Nem armadilhas.
V estava em meio ao processo de acender um cigarro enrolado à mão, e ao tragar, o aroma de tabaco turco flutuou.
- Hollywood e eu repassamos a casa como um pente fino. Eles claramente estiveram lá. Tinham partido pelo que pudemos apurar. Mas, não se incomodaram de tentar
nos foder.
Com sua mão da adaga, Wrath acariciou a cabeça do golden retriever que o ajudava a se locomover. George, sempre em adoração a seu dono, tinha o focinho voltado
para o Rei, oferecendo livremente a garganta. - Então Throe não mentiu.
- Pelo menos não sobre isto, - V murmurou.
- Interessante.
Rhage olhou em volta para os rostos de seus irmãos. Z e Phury estavam em pé, juntos como sempre. Qhuinn estava próximo a Z, e então Blay e John Matthew, mesmo
os machos não sendo membros, estavam ao seu lado. Butch estava do lado oposto ao Rei, com os braços pousados no apoio da poltrona onde apoiava seu peso; V estava
atrás ele. Tohr estava perto da porta.
- O que fazemos agora? - Rhage perguntou.
- Esperamos. - Wrath se inclinou ainda mais e acariciou os pelos do cão. - Se ele começar a remexer na merda, vai se enforcar. A aristocracia terá de ser monitorada...
Precisamos de uma fonte infiltrada. Alguma ideia?
Naquele momento, houve outra batida na porta. Tohr encostou o ouvido no painel e então abriu a porta. - Peça e receberá.
Abalone enfiou a cabeça pela porta.
- Meu senhor? Sinto muito me intrometer, mas posso, por favor, apresentar minha filha, antes de começarmos as audiências desta noite?
Wrath gesticulou para o macho se aproximar com a mão livre. - Sim, traga-a.
Abalone retirou a cabeça da fresta da porta e houve uma conversa sussurrada. Então reapareceu, puxando um projeto de fêmea. Com os cabelos louros, corpo magricelo
e pernas longas, ela estava mais para o lado Princesa Ártica do sexo frágil.
Bela. Muito bela. Talvez até mesmo linda... Embora não chegasse aos pés de sua Mary.
Abalone levou a garota até se aproximar, uma mão guiando-a pelo cotovelo, seu orgulho de pai estufando o seu peito. - Meu estimado governante, grande Rei de
toda...
- É, é, chega disto, - Wrath cortou, - Paradise, soube que está se mudando para a casa de minha shellan e seu irmão. Seja bem-vinda.
Quando ofereceu o diamante negro, Paradise fez uma reverência, as mãos tremendo tanto que pareciam tremular à luz do candelabro.
- Meu senhor, - ela sussurrou antes de beijar a joia.
Liberando a mão dele, ela endireitou-se e olhou para o chão, os ombros encurvados, pés travados.
- Quer conhecer meu cão? - o Rei perguntou.
George, sempre pronto para um carinho na cabeça, bateu com a cauda no chão, o som como o de alguém batendo corda no chão de terra.
- Pode fazer carinho nele, - Wrath disse. - Eu deixo.
A garota olhou rapidamente para o resto da Irmandade, os olhos baixados para os shitkickers. E foi quando até Rhage sentiu pena dela. Uma grande parte da aristocracia
tratava suas fêmeas tão mal, que nunca eram admitidas na presença de machos de quem não fossem parentes, então esta era, sem dúvida a primeira vez que ela ficava
em um ambiente com tanta testosterona.
- Vá em frente, George. Diga oi.
Ao incentivo de Wrath, o cão veio para frente e sentou a bunda peluda bem em frente a ela, com os ouvidos inquietos, e aquela cauda balançando de um lado para
outro.
- É... É um garoto? - Perguntou ela, suavemente quando se abaixou no chão e estendeu a mão para todo aquele pelo.
- Sim. - Wrath olhou para cima. - Está certo, bando de imbecis, apresentem-se, está bem? E sejam educados.
Todos pigarrearam. Por fim, Phury deu um passo à frente e fez as apresentações. Provavelmente foi melhor assim... ele era o mais próximo de um cavalheiro que
tinham.
- Que bom que está aqui, - o Primale disse. - Eu sou Phury... Nós amamos seu pai, a propósito. É um cara legal.
Eeeeeee isto fez Abalone quase levitar para fora de seus sapatos Bally.
Ela olhou para aqueles olhos amarelados e lhe deu um sorriso. - Oi.
- Aquele ali é meu gêmeo, - ele indicou Z, e Zsadist, sempre consciente de sua aparência ameaçadora com aquela cicatriz no rosto, continuou afastado, erguendo
a mão quando Paradise recuou. - Zsadist é emparelhado e tem uma filha chamada Nalla. Ela é maravilhosa... Olha aqui uma foto dela.
Enquanto Phury estendia seu celular, a garota olhou para a foto. Olhou para Z. Voltou a olhar para a foto.
- Minha bebezinha, - Z disse, em uma voz profunda. - Ela tem dois anos, e parece com sua mahmen.
Instantaneamente a garota relaxou. Então Phury apresentou Vishous, que só acenou e Butch, que lhe deu um "Oi, como vai!" típico de Boston. John Matthew, Blay
e Qhuinn foram os próximos e então Phury indicou Rhage.
- E o Brad Pitt ali é Hollywood.
Ele sorriu. - Prazer em conhecê-la.
O olhar de Paradise fixou-se nele, os olhos arregalaram, mas não de medo. Longe disto.
- É, ele é lindo, - alguém disse. - Até conhecê-lo melhor.
- Aww, vamos lá, - Rhage respondeu. - Não me difame.
A conversa brotou, com Wrath fazendo à Paradise algumas perguntas para encorajá-la a falar de si. Quando a garota voltou a atenção ao Rei, Rhage pensou na época
antes de conhecer Mary. Sem dúvida ele teria dado em cima daquela inocente... E teria conseguido conquistá-la. Ele nunca falhava, já que controlava sua besta fodendo
com tudo e com todos que passavam perto dele. O que era bom para ele. Não tão bom para as fêmeas que queriam manter sua virtude.
E ele não tinha dúvida de que Paradise era uma dessas.
Então sim, ele estava feliz de conhecê-la sob estas circunstâncias, quando não havia absolutamente nenhuma chance de ele dar em cima dela. Ele emparelhara com
sua Virgem, do jeito que Vishous previra que ocorreria, e sua vida fora salva.
Por alguma razão, um sentimento de enjôo o transpassou.
Levou a mão até o bolso, tirou o celular. Verificou as mensagens de texto.
Trez, o pobre bastardo, ainda não tinha respondido. Parecia estúpido incomodar o cara de novo, dado tudo aquilo com o que ele já tinha de lidar, mas, era difícil
não tentar contatá-lo de novo.
Rhage desejava que houvesse algo mais a fazer para ajudar o cara e sua Escolhida.
Ele realmente desejava.
Não havia como ligar a seta.
Quando Layla dirigiu sua Mercedes de volta à mansão da Irmandade, ela trazia seu braço machucado pousado no console entre os assentos, uma jaqueta sobressalente
amontoada por baixo para aumentar a altura e diminuir os balanços.
A dor era atordoante, o tipo de coisa tão forte que era sentido nas entranhas.
Então não, não havia como sinalizar direita ou esquerda.
Pelo menos não havia ninguém naquela estradinha rural tão tarde da noite.
Passaram-se horas, talvez dias até ela chegar à montanha da mansão, e o mhis foi um pesadelo. A distorção da paisagem de V, uma medida de segurança para manter
sua posição em segredo, implicava em ver tudo borrado, como se uma neblina houvesse caído sobre a floresta. Exausta de tanto conter a vontade de vomitar, em combinação
com a visão falha, significava que ela se sentia completamente perdida, e seu instinto foi se inclinar e se aproximar do pára-brisa... O que não ajudou.
Tudo aquilo só fez seu braço doer ainda mais.
Quando as luzes brilhantes da mansão finalmente entraram em foco, ela rezou, rezou para que os Irmãos estivessem todos lutando para que ela conseguisse chegar
ao quarto sem ninguém vê-la. Contornando a fonte que já estava coberta para o inverno, ela estacionou perto do GTO roxo de Rhage e do brinquedo novo de Butch, uma
Mercedes preta que parecia uma caixa de pão.
Ela teve de se contorcer para controlar o volante e empurrar a alavanca da marcha para estacionar o carro na vaga... E descobriu que tinha de se esticar ainda
mais para apertar o botão Stop/Start para desligar o sedã. Daí foi questão de respirar superficialmente pela boca enquanto se recuperava do esforço. Olhando pelo
espelho retrovisor, ela teve uma visão da entrada da mansão... E não fez ideia de como chegaria até lá. Muito menos de como se arrastaria até o quarto.
Não havia outra escolha. Ou ela fazia isto sozinha, ou teria de pedir para outra pessoa mentir por ela: não tinha como esconder o ferimento, não enquanto tão
fresco. E ela não podia deixar Qhuinn descobrir o que acontecera.
Ou, pior ainda, o que ela andara fazendo quando caíra.
Maldição, esta situação era punição por sua vida dupla... Suas duas realidades opostas se chocando, nocauteando-a, expondo-a.
Potencialmente.
Hora de entrar.
Layla teve uma nova uma lição em termos de dor ao abrir a porta e tentar erguer-se do assento de couro, o braço gritando quando o osso quebrado se moveu.
Recuperar o fôlego. Vários deles.
E então de alguma forma, conseguiu sair do carro.
A mansão sempre fora assim tão longe da área de estacionamento?
Contornar a fonte não foi muita questão de botar um pé em frente ao outro, mas cambalear sobre os paralelepípedos tentando não desmaiar. Quando chegou aos degraus
de pedra que levavam às portas do tamanho de catedrais, ela quis chorar. Em vez disto, subiu de uma só vez.
Ao abrir as portas do vestíbulo, percebeu que cometera dois erros: deixara o carro destrancado, e ela teria, de fato, de interagir com alguém... Não havia jeito
de entrar na casa sem colocar a cara na frente da câmera de segurança e esperar ser atendida.
Olhando de volta para a Mercedes, não teve energia para voltar e fechá-lo. E tentar dar a volta para a entrada de serviço da garagem estava...
Foi onde as coisas acabaram.
Enquanto sua mente se debatia entre as suas opções limitadas, seu corpo desconectou-se sozinho da tomada da consciência: desligou e a gravidade fez sua mágica,
o degrau se ergueu para saudá-la com um abraço duro, muito duro.
Que ela não sentiu.
Capítulo VINTE E QUATRO
Era quatro da manhã quando Assail guiou seu Range Rover blindado até a beira do Rio Hudson. A alameda onde estava era tão larga quanto um lápis e suave como
uma corrida de obstáculos. Ao lado dele, Ehric estava calado, a .40 do macho pousada sobre as coxas, um dedo inquieto sobre o gatilho, pronto para atirar ao menor
sinal de movimento ou barulho.
Um rápido olhar pelo espelho retrovisor mostrou-lhe que o gêmeo de Ehric, Evale, encontrava-se igualmente alerta e preparado para qualquer coisa.
Cerca de vinte metros adiante da "estrada", era possível ver a clareira pouco profunda na margem. O procedimento era o mesmo todas as vezes: Ele pararia o SUV
na linha das árvores e daria a volta de forma que, se algo imprevisto acontecesse, ele poderia sair rapidamente com o dinheiro ou as drogas. Então ele esperaria
com seus rapazes, geralmente, cerca de dez minutos, antes que o barco de pesca ruidosamente aparecesse.
Seus primos usavam coletes à prova de balas. Ele não.
Eles estavam sóbrios. Ele não.
Nem isto era surpresa. Ele jamais se importara com qualquer tipo de proteção peitoral, e a outra coisa? A esta altura, teria de abster por vários dias para que
a cocaína saísse completamente de seu sistema.
Ao continuar dirigindo, deixou sua mente vaguear, a imagem de outro tipo de baía, um tipo diferente de água, apresentando-se e se recusando a sumir.
Ele viu a praia. O oceano. Palmeiras. Tudo isto brilhando à luz da lua.
Viu uma fêmea caminhando sozinha ao longo do calor acariciante do mar, seus braços cruzados sobre o peito, a cabeça baixa, a aura de uma sobrevivente cheia de
arrependimentos...
- Cuidado! - Ehric exclamou.
Assail forçou-se a se concentrar bem antes do Range Rover comer carvalho como Última Refeição... Ou, mais provável, seria o contrário.
Felizmente, a viagem acabou minutos depois, e ele conseguiu manobrar sem dificuldades, amassando o mato seco e curto até a grade imensa do SUV estar virada para
frente. Não havia faróis foi outra das modificações que ele havia providenciado junto com a blindagem.
O motor silenciou e seus dois passageiros saíram. Antes de se juntar a eles, retirou um vidrinho de dentro de seu casaco de lã. Um giro rápido. Colher na mão.
Sniff. Sniff.
E duas outras para a outra narina.
Após um rápido bufar para se assegurar que tudo estava onde devia, saiu do interior morno. Devolveu seu estoque para o local seguro, se envolveu ainda mais no
casaco. O ar noturno estava muito frio, e folhas caídas eram trituradas sob suas botas ao se juntar aos primos.
Não houve conversa.
E ainda assim, a desaprovação pelo seu nível de consumo estava evidente pela tensão em suas mandíbulas.
Mas isto não importava a ele. Tanto fazia eles desperdiçarem o fôlego com palavras, ou simplesmente o fitarem com ar zangado, como agora, ele não tinha intenção
de mudar seus hábitos.
O som de um único barco à motor vindo em velocidade baixa surgiu tão baixinho que, de início, não seria possível distingui-lo dos ruídos do ambiente da floresta
e do rio. Mas, logo, o barco de pesca deu a volta para a curva da costa, lento e baixo para a água. Havia dois indivíduos sentados no casco aberto, ambos vestidos
como pescadores acima de qualquer suspeita com seus bonés e coletes camuflados, somente as máscaras pretas indicavam algo nefasto. Também havia varas de pesca montadas
em corrente, estendendo-se por trás da popa.
O capitão aproximou o barco humilde de frente, desacelerando o motor para que parasse com um beijo, e não um soco.
Os primos se aproximaram enquanto Assail manteve-se na retaguarda, com sua própria .40 a postos. Os aromas dos dois machos humanos os identificaram como diferentes,
mas relacionados aos dois que vieram da última vez. E da vez antes daquela. E assim por diante.
- Onde estão os outros? - Assail exigiu.
Os homens pararam no processo de pegar três das cinco sacolas que estavam escondidas sob uma lona camuflada.
Assail sorriu fracamente diante de sua surpresa. - Acharam que eu não saberia?
- Eu sou irmão, - o da esquerda disse em um pesado sotaque inglês. - Ele é primo.
Assail inclinou a cabeça, aceitando a explicação. Na verdade, ele não se importava quem entregava seus produtos, contanto que fossem pontuais, pelo preço e qualidade
acordados e sem interferência de agentes da lei humana.
Até agora, tudo bem com estes dois.
Momentos depois, Ehric e o irmão aceitaram as bolsas e se afastaram, um olhando para frente, outro para trás, para cobrirem todo o terreno.
- Um momento, - Assail pediu lentamente. - Se não se importam.
Os humanos pararam de novo, e ele sentiu a ansiedade deles de modo tão claro quanto uma reverberação na superfície de uma mesa, a transferência de energia viajando
facilmente através do ar que separava seus corpos.
- O que mais tem aí embaixo? - disse ele, apontando para a lona. - Há mais duas sacolas, não há?
O mais baixo deles, o primo, arrumou a cobertura de volta no lugar e voltou-se para os controles do barco.
- O esquema mês que vem, - o outro disse, - o mesmo?
- Entrarei em contato com seus chefes.
- Muito bem.
Só isto, eles voltaram a seu caminho, ruidosamente contra a corrente vagarosa de água fria, com a propaganda de outra empresa na lateral.
Franzindo o cenho, Assail observou enquanto eles cruzavam o leito das águas e prosseguiam paralelamente à margem oposta.
Um momento depois, voltou ao Range Rover e quando bateu na janela da porta do passageiro, Ehric baixou o vidro.
- Sim? - O macho disse.
- Vou segui-los. - Assail acenou na direção do barco. - Eles estão negociando com outra pessoa. Quero descobrir quem.
Com um gesto curto de concordância, Ehric desmaterializou para o assento do motorista e engatou o SUV. - Eu também percebi. Ligue se precisar de ajuda.
Quando o Range Rover se afastou, Assail se virou e caminhou de novo para a água. Fechando os olhos, teve de lutar contra o efeito da cocaína para se acalmar,
e levou um tempo até poder se desmaterializar no vento gelado. Quando retomou forma, alguns quilômetros abaixo do rio, esperou até o barco aparecer de novo. Os homens
não percebiam sua presença, já que ele se escondeu entre as árvores coloridas e contrastava com a vegetação marrom, observando-os passar.
Mesma velocidade de motor. Mesmo protocolo para entregar as mercadorias para ele. A questão era: quem era o próximo cliente?
E que tipo de drogas eles estariam vendendo?
O chefe deles havia concordado em lidar exclusivamente com ele nesta parte do estado de Nova Iorque. E embora a competição fosse boa para o capitalismo, não
era bem-vinda em seu território; também desnecessária à declaração de renda deles. Seus pedidos eram suficientemente grandes e tão constantes que ele valia por vários
negócios dignos de respeito.
Os bastardos.
De fato, era necessária honra entre os fora-da-lei. Para o bem de todo mundo. E ele havia elevado a sua parte da barganha, pagando cada vez mais. Mês após mês
após mês.
Mas estava preparado para resolver este problema.
Prontamente.
Mortalmente.
Rhage, Tohr e V voltaram à mansão não muito depois de conhecer o motivo de orgulho e alegria de Applebottom, com Butch seguindo no Range Rover. Quando os três
reassumiram suas formas físicas no quintal, uma luz brilhava entre a fila de carros e chamou a atenção deles.
Rhage foi até a porta aberta da Mercedes azul bebê. - Layla?
Só que não havia ninguém lá dentro, remexendo a bolsa ou juntando sacolas, antes de ir atravessar o gramado até a casa.
Ele fechou a porta. - Ela não...
- Layla! - Tohr gritou. - Oh, merda!
Rhage olhou na direção da entrada da mansão. A pesada porta do vestíbulo estava meio aberta, uma perna se estendia ao nível do chão, o tornozelo mantinha os
painéis abertos.
Os três dispararam até os degraus. Enquanto Rhage abria mais o tremendo peso da porta, V, com seus conhecimentos médicos, pulou sobre o corpo colapsado e começou
a checar os sinais vitais.
- Tohr, - Rhage disse, - chame...
Mas seu irmão já estava com o telefone no ouvido - Oi, Jane? Precisamos de você aqui no vestíbulo. Layla desmaiou. V, sinais?
Quando o irmão botou o celular na cara de V, Vishous disse à companheira, - Batimentos cardíacos estáveis, mas lentos. Assim como a respiração. Sem sinal visível
de trauma.
- Ouviu isto? - Tohr disse, voltando a falar. - Bom, obrigado! - Ele encerrou a chamada, e imediatamente voltou a discar. - Ela está trazendo Manny e Ehlena.
- De volta ao ouvido. Espera. Espera.
Ele estava, obviamente, ligando para Qhuinn...
Por alguma razão, o mundo ficou vacilante para Rhage: em um minuto, ele olhava para Layla, e pensava que não havia nada mais aterrorizante do que uma fêmea grávida
caída em qualquer tipo de chão. No seguinte, o vestíbulo girava em volta dele como uma bola no fim de um barbante, sua cabeça, o ponto central da tontura, seu equilíbrio
estranhamente não comprometido...
- Ele vai cair!
Huh. Acho que ele não estava tão firme quanto achou.
Quando sentiu uma mordida em seu bíceps, baixou o olhar e viu a mão de Tohr travar-se em seu bíceps, segurando-o.
Uau. Que másculo, Rhage pensou.
Uma rodada de sais vitorianos só porque uma fêmea está...
- Layla!
A aparição em pânico de Qhuinn bem perto dele lhe deu o estímulo para acordar de que precisava, sua mente clareou enquanto o macho abria seu caminho até chegar
à fêmea que carregava seu filho. Blay, como sempre, estava logo atrás dele, pronto a fazer qualquer coisa para apoiar o companheiro.
- O que diabos aconteceu? - Qhuinn exigiu.
V começou a falar. Dra. Jane e equipe chegaram. Equipamentos médicos foram tirados de uma maleta preta antiquada.
Virando-se para Tohr, que ainda o amparava, Rhage ouviu uma estranha versão de sua voz dizer, - Estou tendo problemas para respirar, irmão.
Tohr voltou a cabeça para sua direção. - Qual o problema?
- Eu não sei. Não... Consigo respirar. - Ele massageou o peito com a mão livre. - É como se houvesse um balão aqui. Tomando todo o espaço.
Enquanto a equipe médica rolava Layla de costas, o pessoal da primeira fila praguejou. O braço dela estava no ângulo errado, a parte abaixo do cotovelo mostrando
uma torção feia que deve ter acontecido quando ela desmaiou.
- Rhage? - Alguém lhe disse, - Olá?
Ele olhou para Tohrment, - O que?
Thor inclinou-se, - Quer tomar um pouco de ar fresco?
- Já não estamos do lado de fora? - Para responder a esta pergunta, olhou para o céu - Sim, estamos...
- Que tal darmos uma voltinha?
- Quero ajudar.
- Sim, eu sei disto. Mas, acho que sair para caminhar é uma boa ideia. Você está branco como papel, e se apagar agora, posso garantir que não vai ter ninguém
para amaciar sua queda e não precisamos de mais pacientes agora.
- Huh?
- Vamos.
Quando seu irmão puxou o braço, Rhage começou a esfregar o peito. - Eu não sei porque não consigo respirar...
A última imagem que teve, ao se afastar, foi do rosto de Layla virado para o lado, os olhos abertos, mas, sem enxergar nada.
- Ela morreu? - Ele sussurrou. - Ela morreu?
- Vamos, irmão meu...
- Morreu?
- Não. Está viva.
Cada vez que piscava, via seu cabelo louro no mármore como líquido derramado, os lábios tão pálidos quanto o rosto, aqueles olhos verde-jade, opacos e imóveis.
- Mary? Sim, Mary, tenho uma situação aqui com seu garoto. Pode vir agora?
Quem estava falando? Oh sim, Tohr. Ao telefone. O Irmão havia sacado o telefone.
Rhage começou a balançar a cabeça. - Não, ela não pode vir. A mãe no Lugar Seguro. Ela tem de ficar...
- Está bem, obrigado. - Tohr desligou - Ela está vindo agora.
- Não, eles precisam dela...
- Irmão? - Tohr aproximou o rosto do rosto de Rhage. - Tenho certeza que você não sabe como está sua aparência agora. Faz o favor de sentar aqui... Sim, bem
no chão. Bom garoto, está indo bem.
Os joelhos de Rhage seguiram as instruções, seu cérebro estava preocupado demais com o quanto sua shellan não precisava perder seu tempo precioso com ele. Mas,
parecia que aquele ônibus já tinha partido do ponto.
Colocando a cabeça entre as mãos, Rhage se inclinou para frente e se perguntou se não teria algo errado com seus pulmões. Uma gripe vampírica de ação rápida.
Uma infecção. Um veneno qualquer.
A grande mão de seu irmão fez círculos lentos em suas costas, e sob aquela palma pesada, a besta, em sua forma de tatuagem, surgiu e se moveu como se o pequeno
ataque de Rhage tivesse deixando-a nervosa.
- Sinto-me estranho. - Rhage disse. - Não consigo... Respirar...
Capítulo VINTE E CINCO
Nos primeiros quilômetros, Assail se satisfez em se desmaterializar no encalço do barco. No entanto, por volta da quarta vez em que retomou forma, se impacientou
pela chegada ao destino, a troca que seria feita, identidade do terceiro envolvido a ser revelada.
E havia outro motivo para ficar inquieto. Com o aumento da distância viajada, os dois homens se aproximavam cada vez mais da cidade de Caldwell, o que era uma
ideia idiota.
Mesmo que já fosse noite avançada, o centro da cidade não era como o subúrbio e estariam rodeados por humanos por todos os lados; com certeza, dificilmente humanos
com crédito com a polícia, mas, olhos curiosos eram olhos curiosos, e cada rato sem rabo, por mais ignorante que fosse, tinha um celular nos dias de hoje.
Ele até poderia ser capaz de se desmaterializar, mas, aquela dupla no barco não sabia executar aquele truque... E ele queria ser a pessoa a ensinar uma lição,
não deixaria o Departamento de Polícia de Caldwell chegar na frente.
Desaparecendo de novo, foi forçado a retomar forma em meio às árvores plantadas à beira de um dos parques públicos da margem de Caldwell. E o barco continuou
em frente.
Inacreditável.
Enquanto esperava para ver se indicavam a nova posição, e havia uma boa chance de que indicassem, porque não havia mais cobertura na costa, um comichão familiar
começou a formigar na base de seu pescoço, desencadeando a necessidade por mais coca.
A necessidade vinha cada vez mais rápido ultimamente. A ponto de ele ser forçado a reconhecer sua sorte por curar-se tão rápido. Se fosse um mero humano? Já
teria desviado o septo há meses.
Buscando em seu bolso, tirou o vidrinho. Só sentir a suavidade do frasco o fazia relaxar. Ele queria consumir a droga, mas não podia correr o risco de não conseguir
se desmaterializar. O problema com o seu vício era que a necessidade por uma nova dose estava surgindo antes que o efeito da dose anterior tivesse sequer começado
a diminuir, a lombriga em suas entranhas se remexendo, remexendo, exigindo mais e mais enquanto seu corpo e cérebro lutavam para lidar com as velozes e enormes cargas
da droga que consumia.
E de novo, a última coisa que queria era se colocar em dificuldades por estar nervoso demais para desaparecer.
Deus, ter isto em comum com a espécie humana com quem negociava era humilhante demais para descrever...
- Oh, só pode ser brincadeira. - Ele murmurou quando o barco finalmente demonstrou estar entrando em um lugar para aportar.
Mas não um lugar seguro. Certamente não um que ele teria escolhido.
A dupla pilotou a embarcação em direção à uma casa de barcos vitoriana. Claro que as janelas estavam escuras, mas havia luzes de segurança brilhando nas ripas
que revestiam seu exterior, e sem dúvida uma patrulha do Departamento de Polícia, fazia turnos regulares no espaço que havia por trás da estrutura.
Mesmo assim, ele teria de entrar, caso eles entrassem.
E eles entraram.
Sem ideia do layout do interior do local, programou-se para retomar forma nas sombras entre aquelas irritantes luzes externas, suas roupas pretas mimetizando-o
contra a lateral envelhecida da casa de barcos. Quando o barco entrou em uma das vagas, o som de seu motor patético ecoou, soando como um homem velho nos estertores
finais de um ataque de tosse mortal.
Virando-se para uma das janelas, Assail concentrou seu olhar astuto através do vidro canelado. A área interior era bem extensa e, assim que identificou o seu
ponto, se desmaterializou e passou através da mesma entrada que os entregadores usaram. Teve o cuidado de reassumir sua forma física, encolhido em um canto apertado
no extremo oposto, entre uma estante de suprimentos de tripulação, caída em montes, e uma floresta de dispositivos pessoais de flutuação cor de laranja pendurados
em ganchos.
O motor foi desligado e o par conversava suavemente em idioma estrangeiro. Após silenciarem, o único som era a água se movendo e gargalhando por baixo do barco
e através do escoramento das docas.
Assail odiava cheiro de peixe morto, flora decomposta e lonas úmidas no ar.
Após um tempo, a aproximação de algo no exterior chamou sua atenção, e então, uma luz amarela penetrou o interior. Localizando uma janela empoeirada, olhou para
fora, só para ver um caminhão do Departamento de Parques Públicos de Caldwell estacionando.
Bem, agora, isto está a ponto de ficar interessante.
Ou a entrega ia ser interceptada e chamariam a polícia... Ou algum humano que trabalhava para os parques estava tentando aumentar sua renda mensal através de
suborno.
Descobriu que errou nas duas.
A porta principal rangeu ao ser aberta e, no instante em que uma figura masculina apareceu no umbral, o ar gelado que vinha de trás, espalhou o cheiro de lesser
na casa de barcos.
E então, o Forelesser com quem Assail havia feito negócios, entrou com uma sacola de ginástica na mão.
Filho da Puta.
Como se atreve o bastardo a me passar para trás, pensou Assail, ao mesmo tempo em que suas presas se alongavam, por vontade própria. E como infernos aquele matador
havia conseguido fazer contato com o fornecedor?
Formulando um plano para a emboscada, Assail sacou suas duas armas .40, e desejou ter tido o cuidado de colocar silenciadores. Não havia esperado usá-las na
porra do centro de Caldwell, pelo amor de Deus.
- Me deixe vê-las. - O Forelesser declarou. - Abra as sacolas e me deixe vê-las.
Assail deu um passo à frente, pensando que poderia...
Cada um dos carregadores abriu uma mala e exibiu o conteúdo.
Não. Eram. Drogas.
Nada parecido.
Ao invés dos grandes tijolos selados em camadas de papel celofane, havia...
Armas. De grosso calibre, que se esfregavam, metal contra metal, umas contra as outras nas sacolas de ginástica.
Na escuridão era difícil determinar, exatamente, as especificações das armas, mas parecia haver uma variedade de metralhadoras ou rifles.
O lábio superior recuado de Assail voltou a ao lugar.
Embora estivesse preparado para interceder na eventualidade de uma negociação de drogas/dinheiro, não sentia mais tal compulsão.
Se o Forelesser quisesse usar seu lucro para comprar armas, era problema dele.
Deixando a casa de barcos do mesmo jeito que havia entrado, Assail dirigiu-se rio acima, em direção à sua casa envidraçada na península.
A única coisa com a qual se importava era se aquele lesser continuaria a vender seus produtos nas ruas e clubes de Caldwell em tempo hábil, confiável e honesto.
- Não, não, estou bem. Juro.
Enquanto falava, Rhage sentou-se à mesa de madeira maciça na cozinha da mansão da Irmandade. Os outros habitantes da casa estavam se reunindo para uma tardia
Última Refeição, os doggens enfileirando-se para dentro e para fora da porta vai-e-vem, levando bandejas de prata do tamanho de tampos de mesas, cheias de todos
os tipos de comidas recém-preparadas, molhos e vegetais.
Do outro lado, Mary encostou-se à ilha com topo de granito que ficava no centro da cozinha, com os braços cruzados sobre o peito, os olhos treinados fixos nele,
como se avaliando um de seus pacientes do serviço social.
Contorcendo-se, ele quis se juntar aos irmãos e suas shellans, mas, pela expressão dela, aquilo não aconteceria tão cedo.
- Fritz? - Disse ela. - Vou preparar alguma coisa para ele, tudo bem?
O mordomo parou em meio ao processo de trazer um conjunto de mesa. - Eu ia fazer um prato na outra sala e trazer para cá...
- Eu quero cuidar de meu marido, - disse ela gentilmente, mas com firmeza. - Mas, se quiser... Mesmo que isto vá contra cada instinto autossuficiente de meu
corpo, eu deixo as panelas e os pratos para você lavar.
O rosto velho e enrugado de Fritz assumiu a expressão de um cãozinho basset a quem tivessem negado frango com a promessa de mais tarde ter um bife: tanto preocupado
quanto excitado. - Se houver qualquer coisa em que eu possa ajudar...
Três membros da equipe, em seus uniformes cinzentos e brancos, voltaram de mãos vazias da sala de jantar, o trio se dirigindo para o carregamento final que era
destinado a ser levado e servido nas várias mesas de apoio daquele enorme espaço iluminado.
- Na verdade, - sua Mary murmurou, - você acha que ele e eu podemos ter um pouco de privacidade aqui?
- Oh, sim, senhora. - Fritz de alguma forma se iluminou. - Assim que servirmos os pratos principais, eu mesmo levarei a equipe para o saguão. Eles ficarão mais
do que satisfeitos em esperar lá.
- Obrigada. - Ela apertou levemente seu braço, o que o fez corar. - E só até a hora da sobremesa. Eu sei que vai querer a cozinha livre para ela.
- Sim, senhora. Obrigado, senhora. E eu pessoalmente limparei tudo após sua saída.
O mordomo fez uma acentuada reverência, pegou a última bandeja de prata, e tirou todo mundo dali. Quando a porta vai e vem parou, a adorada shellan de Rhage
olhou para ele.
- Ovos? - Ela disse.
Diante daquela única palavra, o estômago de Rhage rugiu. - Oh, Deus, seria maravilhoso.
Mary anuiu e foi até a geladeira. Pegou uma bandeja fechada de ovos, um galão cheio de leite e uma caixa de manteiga; então, no armário, uma frigideira, uma
grande tigela de misturar e vários utensílios recém-lavados.
- Então, - disse ela, ao partir o primeiro dos doze ovos. - Eu queria mesmo saber o que aconteceu lá.
Até aquele momento, Rhage fora bem sucedido em evitar a questão. Aparentemente, o indulto havia acabado.
- Estou bem, sério.
- Ok. - Ela parou em meio ao ato de quebrar um ovo e sorriu para ele. - Mas, como sua esposa, seu bem-estar é realmente importante para mim. Então, se tem alguma
coisa te incomodando, não saber o que é faz eu me sentir excluída.
Ai. Só... Ai.
Quando ela começou a bater a mistura crescente de ovos, o som úmido o fez imaginar o conteúdo de sua própria cabeça.
Baixou os olhos para o tampo esburacado da mesa e deslizou o dedo em um dos veios da madeira de carvalho.
- A verdade é que eu não sei o que houve. Eu só me senti muito estranho e tive de me sentar. Mas, agora estou bem. Provavelmente foi só uma coisa passageira.
- Mmm, bem, me conte como foi sua noite.
- Não aconteceu nada demais. Fui até o esconderijo do Bando dos Bastardos e invadi...
- Não começou na clínica, com Trez e Selena?
- Oh, sim. Mas, isto foi tipo, ontem, quando ela estava... Sabe, quando ela foi levada para lá. - Ele balançou a cabeça. - Não quero pensar nisto agora, se não
se importa.
- Está bem, então esta noite você foi até o esconderijo do Bando dos Bastardos?
- Bem, primeiro passamos na casa de Abalone. O primo dele debandou das tropas de Xcor e nos disse onde ficava o esconderijo. De qualquer forma, eu e V invadimos
o lugar.
- O que procuravam?
Ele deu de ombros. - Bombas. Armadilhas. Este tipo de coisa. Nada demais.
Ela emitiu outro som de mmmm ao derramar o conteúdo da tigela em uma frigideira do tamanho do assento do banco do Hummer de Qhuinn. - E você ficou preocupado
em se ferir lá?
- Não. Bem... Eu me preocupei com os irmãos, claro. Mas, faz parte do trabalho.
- Está bem. E então, foram para onde?
- Fui te ver. Daí à antiga casa do D., fizemos um relatório para Wrath e voltamos para cá. Era para eu me consultar com Manny para dar uma olhada no processo
de cura daquele ferimento. V também.
- Está bem. - Ela foi até a torradeira com capacidade para seis torradas e carregou-a com o pão branco industrializado, total e plasticamente fantástico que
era o favorito dele. - Então, você chegou aqui, e o que viu?
Ele piscou e viu o pé de Layla esticado para fora do vestíbulo. Então visualizou o rosto de Qhuinn ao se abaixar para a fêmea caída que carregava seu filho.
- Oh, você sabe.
- Mmmmm? - O cheiro de ovos sendo preparados acionou o botão do modo "Coma-agora" em seu organismo. - O que?
- Bem, você sabe o que aconteceu.
Quando Mary chegou, uma maca havia sido trazida da clínica e Layla havia sido carregada, o corpo transferido do chão para a maca, cuidadosamente, por Qhuinn
e Blay.
Rhage caiu em silêncio e massageou o peito.
Pop! Fez a torradeira, e um momento depois, um prato com tudo feito exatamente do jeito que ele gostava, foi posto a sua frente.
Junto com uma caneca de chocolate quente, um guardanapo e talheres... Mas, o mais importante, sua adorável Mary.
- Esta é a melhor refeição de minha vida, - disse ele, só de olhar para a comida.
- Você sempre diz isto.
- Só quando você cozinha para mim.
Era engraçado. Como humana, sua Mary jamais conseguiria entender a reação de um vampiro macho, quando a fêmea com a qual era vinculado preparava comida com as
próprias mãos, para ele. Esse tipo de coisa era um ato secreto, porque ia contra o âmago do instinto masculino que era prover e satisfazer as necessidades de sua
companheira, acima de tudo e todos, incluindo ele próprio, os irmãos, o Rei e todos os filhos que pudessem vir a ter.
Rhage era programado para alimentá-la primeiro e só então comer o que sobrasse. Mas, antes que ela mandasse Fritz e os doggens para fora, ela havia dito estar
cheia, já que havia feito um lanche no Lugar Seguro uma hora atrás.
- Vai esfriar. - Ela disse, esfregando o braço dele.
Por alguma razão, os olhos dele se enevoaram e ele teve de piscar para afastar as lágrimas.
- Rhage? - Ela sussurrou. - Seja o que for, pode dizer.
Com um movimento rápido, ele negou com a cabeça. - Estou bem. Só quero aproveitar o banquete.
Ele ergueu o garfo e começou a alternar: uma garfada de ovos, uma mordida na torrada, uma garfada de ovos, uma mordida na torrada, gole, gole, gole de chocolate
quente. E repetiu tudo até limpar o prato.
- Como a fêmea está? - Perguntou ele, ao limpar a boca e se recostar no espaldar da cadeira.
- Eu não sei, - Mary meneou a cabeça. - Simplesmente não faço ideia como isto vai acabar.
- É grave assim? - Quando ela estremeceu, ele disse, - Se houver algo que eu possa fazer...
- Bem, na verdade...
- É só dizer.
Ela estendeu o braço e tomou a mão dele, virando a palma para cima. Levou um tempo até ela falar, e quando ele já começava a se preocupar, ela disse:
- Quero que você imagine, apenas por um momento, que pode ter sido perturbador para você ver Selena quase morrer e testemunhar a dor de Trez. Quero que considere
que não é "só trabalho rotineiro", para ninguém, ter de invadir uma casa onde jamais esteve, sem saber se algo irá explodir ou te emboscar ou matar você ou alguém
que você ama. Quero que reflita que, ir até Wrath e não poder dizer-lhe que encontrou os Bastardos, ou que desarmou uma bomba, ou coletou algum tipo de informação,
soa como fracasso para você. E finalmente, quero que entenda que, voltar para casa e ver Layla no chão, sabendo que está grávida, e o quanto se importa com ela,
Qhuinn e Blay, é outro trauma. Acho que você teve um dia difícil, e suas emoções meio que entraram em pane.
- Eu não me sinto perturbado, minha Mary. Por nada disto. Estava tudo bem...
- Até você ter o ataque de pânico na frente da casa.
- Eu não tive um ataque de pânico.
- Você disse que não conseguia respirar. Que suas mãos e pés formigavam. Que estava tendo problemas para se conectar à realidade. Para mim soa sintomas típicos
de um ataque de pânico.
Ele negou com a cabeça. - Eu não acho que foi isto.
- Está bem.
Rhage inalou profundamente e fitou o rosto de sua amada. - Você é a fêmea mais linda que eu já vi.
- Tenho certeza que não...
Ele tomou o rosto dela entre as mãos, acariciando com carinho. Enquanto seus olhos vasculhavam as feições familiares, ele não conseguia ter o suficiente dela.
Deus, nunca era o suficiente. Nem uma noite, um mês, um ano, uma década... Nem a eternidade que a Virgem Escriba tinha milagrosamente lhes concedido, jamais seria
suficiente para ele.
- Você é a fêmea mais linda que eu já vi. - Ele acariciou os lábios dela com os seus. - Não sei o que fiz para merecer um destino com você, mas jamais, jamais
vou te subestimar.
O sorriso que teve em resposta foi melhor do que o brilho do sol que ele jamais via, envergonhando até a bola de fogo que sustentava toda a vida, inclusive as
daqueles que não suportavam seus raios.
Eles ainda estavam sentados daquele jeito, perdidos no olhar um do outro, quando os doggens vieram, para a sobremesa.
- Quer subir? - Ele disse em uma voz profunda e sombria, sua besta começando a surgir sob sua pele. - Estou pronto para a sobremesa.
O aroma dela chamejou. - Está?
- Mmm hmm.
- Quer que eu pegue um pouco de sorvete para você?
Ele estreitou o olhar na boca dela. - Nada disto. Eu quero chupar outra coisa.
- Bem, então, - ela sussurrou, colando a boca na dele, - vamos te alimentar.
Capítulo VINTE E SEIS
Suor frio.
Trez acordou suando frio, cada centímetro de sua pele encharcado, sua temperatura interior gelada a níveis árticos, o coração batendo tão rápido, que parecia
que alguém havia enfiado a coisa em uma batedeira de bolos. Erguendo-se do travesseiro, gritou...
Cama. Ao invés de algo terrível e chocante... Tudo o que viu foi uma porção de sua cama, e tudo estava absolutamente normal, do abajur que brilhava próximo à
ele, a suas roupas jogadas sobre a chaise, aos sapatos caídos obliquamente onde foram chutados no amanhecer passado.
Por um momento, ficou confuso. Virgem Escriba. Um lugar qualquer, místico. Selena na grama, na clínica, congelada, congelada...
Um gemido suave quebrou o fio entre pesadelo e realidade.
Virando-se subitamente, viu Selena deitada em sua cama, os ombros nus aparecendo acima dos lençóis, os cabelos negros espalhados na fronha branca, rosto e corpo
virados para o outro lado.
Fechando seus olhos, ele cedeu, e desejou que tudo tivesse sido um sonho ruim.
Mas, então, voltou ao foco e se concentrou em sua fêmea, puxando o edredom mais para cima, para mantê-la aquecida, discretamente se inclinando para verificar
se ela ainda estava respirando, se perguntando se deveria arranjar um pouco de comida para ela.
Como se sentisse sua presença, ela se revirou e, mesmo no sono, seu rosto se fechou em uma careta, como se o movimento causasse dor.
Caralho. O sexo fora selvagem, cru, violento. Depois do corpo dela ter enfrentado tudo aquilo.
Maldito fosse ele, pensou, ao passar a palma da mão pelo rosto. Como podia ter feito aquilo com ela? Devia ter se contentado em somente se masturbar até o pau
ficar insensível.
Pior de tudo? Ele não sabia se poderiam realmente resolver as coisas entre eles. Ainda assim, se sentia um imbecil.
Estendendo a mão para a mesinha de cabeceira, pegou o celular e viu que horas eram. Quatro e quarenta e quatro da manhã.
Ele não iria dormir mais. Livrando-se dos lençóis, foi até o banheiro, fechou a porta, usou o banheiro e tomou um banho rápido. Então voltou, tirando seu par
de fones de ouvido da gaveta da mesa de cabeceira, antes de voltar a se enfiar na cama.
Movendo-se lentamente, foi tão cuidadoso em voltar para a cama quanto fora para sair dela, manobrando seu peso de quase cento e quarenta quilos no colchão, sem
deslocar Selena como se fosse um trampolim.
Ao ele se reposicionar, deu uma rápida checada em sua fêmea e ficou aliviado ao descobrir que ela ainda dormia. O que meio que o aterrorizou. E se ela estivesse
em coma ou...
Como se procurasse por ele, ela tateou pelo edredom.
- Estou bem aqui, - ele sussurrou.
Instantaneamente, ela parou a busca, e quando ele segurou sua mão, a palma estava quente, vital, do jeito que sempre estivera.
Ele levou um tempo para estudar os dedos dela, dobrando-os, medindo os movimentos, procurando por pontos de resistência. O que não era certo, ele pensou.
Era injusto tentar tirar informações do corpo dela sem seu conhecimento e consciência... E como forma de se desculpar, ele interrompeu-se, e alisou as unhas
cor de rosa e os semicírculos brancos e curtos que ela aparava regularmente. Quando o sono a reclamou novamente, ele se sentiu... Devastadoramente sozinho. Mesmo
que estivessem lado a lado, ele recostado na cabeceira da cama, com ela aninhada em seu corpo, não parecia estar conectado a ela. Disse a si mesmo que era uma simples
questão de dormir e acordar. Aquela era a divisão... Nada tão assustador quanto o fato das ondas cerebrais serem lidas diferentes em uma tomografia computadorizada.
Era besteira, claro. E quanto mais tentava forçar-se a acreditar na mentira, mais preso se sentia... Então, para calar seu conflito interno, ele ligou o rádio
na estação SiriusXM em seu celular, conectou os fones de ouvido e tentou ficar confortável. Ou confortável de alguma forma.
Ou... Pelo menos, não consumido pela necessidade de pular para fora de sua própria pele.
Naturalmente, porque sua sorte era uma bosta, a primeira coisa que ouviu no rádio, foi mais más notícias.
- Está brincando? - Ele murmurou alto quando a voz de Howard Stern inundou seu crânio. - Eric, o ator está m...
As sobrancelhas de Selena se contraíram como se considerasse acordar e ele fechou a matraca. Mas, não conseguia acreditar que mais um do Wack Pack10 se fora.
Parecia cruel à luz de tudo o que ele estava passando.
Merda, era como se as notícias ruins estivessem fazendo um esforço concentrado para sair das sombras e encontrá-lo.
Selena acordou lentamente, e o aroma do corpo de Trez foi a primeira coisa que notou. O som da voz dele foi em seguida. A sensação das mãos dele sobre as suas,
a terceira.
Abrindo os olhos, ela o viu sentado ao seu lado na cama, os olhos negros, absorto em seu celular, as sobrancelhas baixas como se houvesse recebido notícias perturbadoras
através de uma mensagem de texto ou...
- Está tudo bem? - Ela perguntou.
Quando ele não respondeu, ela percebeu que ele tinha fios saindo do celular para seus ouvidos como se estivesse ouvindo alguma coisa.
No instante em que ela apertou sua mão, ele pulou tão alto que os fones caíram.
- Oh, meu Deus! Você está acordada.
- Sinto muito, não queria assust...
- Merda, não sinta... Está bem? Precisa da Dra. Jane?
- Não, não... - Ela tentou fazer o cérebro funcionar. - Estou bem, é só... Parece perturbado?
Quando ele olhou para ela, o único som no quarto era o ruído dos fones.
Ela puxou as cobertas mais ainda para cima. - Há algo errado comigo?
- Oh, Deus, não. Eu, ah, não... Não é nada. - Ele olhou para o celular. - Só, um cara que era do The Stern Show morr...
Quando ele se interrompeu, os olhos arregalados, como se quase houvesse dito algo imperdoável.
- Morreu? - Ela terminou por ele.
- Eu, ah...
- Você ainda pode pronunciar a palavra, - ela deu um aperto na mão dele de novo. - De verdade.
Trez pigarreou e afastou o celular. - Está com fome?
- Na verdade não.
- Com sede?
- Não.
Ele mexia nos lençóis. O edredom. - Está quentinho aí?
Franzindo o cenho, ela sentou-se e encostou-se aos travesseiros. Olhando para ele, sorriu. - Estou contente de ter vindo aqui. Para conversar e... Fazer aquelas
outras coisas.
- Está mesmo? - Os olhos dele, aqueles lindos olhos amendoados, se voltaram para ela. - Sério? Eu acho que fui violento demais no modo como...
O sorriso dela se estendeu. - Eu realmente, realmente, perdi minha virgindade agora.
Ele corou. Corou da verdade, uma mancha vermelha tingiu suas bochechas. - Me preocupa ter te machucado.
- Nem um pouco. Quando podemos fazer de novo...
O engasgo de Trez foi súbito e ruidoso, e ela teve de bater nas costas dele para ajudá-lo a respirar novamente.
- Está bem? - Ela disse, ainda sorrindo.
- Ah, sim. É que você tem um jeito de me surpreender.
Por um momento, ela se lembrou dele vindo a ela no Santuário. Mesmo paralisada na ocasião, ela soubera o instante em que ele chegara. Fora um milagre. Mas, como
ele soubera?
- Como me encontrou? Lá em cima, no Santuário?
Ele meneou lentamente a cabeça. - Você não vai acreditar.
- Tente.
- A Virgem Escriba. Eu estava em meu clube, resolvendo uns assuntos, Rhage e V estavam comigo. De repente, aquela... Figura apareceu... Vestida de preto, iluminada
por baixo do tecido, uma voz que eu ouvi aqui dentro, - indicou a cabeça, - ao invés de nos ouvidos. A próxima coisa que vi? Eu estava... Bem, de qualquer forma.
Eu estava com você.
Agora foi a vez dela de mexer nas cosias. - Eu sinto muito.
- Por quê?
- Por você ter me visto assim. Sinto muito por tudo isto.
- Diabos... Como eu disse antes, como se fosse culpa sua estar doente?
- Eu sei, mas ainda assim. Eu queria... - ela tentou virar a cabeça para trás para poder olhar para o teto, mas o pescoço anda estava dolorido demais.
- Você está sentindo dor.
- Não é incomum. É como sempre me sinto. Eu... Bem, que seja.
Aparentemente, dois podiam fazer aquele jogo de evitar um assunto.
- Isto é tão forçado, - ela soltou.
- O que?
Ela teve de virar o tórax para poder olhar para ele de verdade. E vagamente, avaliou como era bela a pele escura dele contra os lençóis brancos, o contraste
fazia ambos parecerem cintilar.
Selena tentou achar as palavras. - Eu sinto como se houvesse esta enorme... Não sei, distância ou algo assim... Entre nós. Não faz sentido, digo, você está bem
aqui ao meu lado... Mas, há palavras nas quais estamos tropeçando, assuntos sobre os quais não queremos falar... Bem, isto é um saco. Porque agora? Esta é a melhor
parte, digo, dá uma olhada.
Ela ergueu a mão livre com os dedos esticados, fechou-os e tornou a abrir.
- Acordada e flexível é tão melhor do que o jeito que eu estava antes, não é? - Quando ele simplesmente olhou para ela, sentiu-se tola. - Desculpe, acho que
isto soa estranho.
Trez se inclinou e beijou-a, seus lábios demorando-se. - Não... - ele se afastou. - Isto... Eu sei o que quer dizer. Não é loucura e você está certa. Esta é
a melhor parte...
- Você está tão quente.
Trez soltou outra tossida. - Maldição, fêmea. O que deu em você...
- Eu lhe disse a noite passada, ou céus, que horas eram? De qualquer forma, eu te disse antes, sou toda honestidade agora.
As pálpebras dele caíram. - Gosto de honestidade. Então, me deixe perguntar, se eu te pegasse no colo e te carregasse para o chuveiro, você...
- Me ajoelharia de novo sob o jato quente para ver se você é tão gostoso quanto eu me lembro?
O som que ele fez não foi uma tossida. Mas, também não foi nada coerente. Foi parte grunhido, parte rosnado, com um pequeno gemido no meio, como se estivesse
se preparando para implorar...
Mais ou menos a coisa mais sexy que ele já ouvira.
- Isto foi um sim? - Ela falou lentamente.
Ele beijou-a novamente, com mais força desta vez. Por mais tempo também. Então ele a fitou, com olhos que ferviam. - Merda, estou morrendo aqui.
Quando Trez interrompeu-se de novo, ela sentiu-se atingida pela palavra de novo. Em se tratando deles, aquela era realmente, uma palavra matadora. Mas, era ela,
e não ele.
- Sinto muito, - ela forçou-se a sorrir. - Vamos lavar nossas preocupações...
- Eu vou achar uma cura para isto, - ele disse, com seriedade. - Eu não vou deixá-la perder a luta, Selena. Eu vou, literalmente, mover céus e terras para mantê-la
ao meu lado... Para que não haja nada no meio de nós dois, nada além de nossa pele nua... Nossas almas.
Lágrimas subiram aos olhos dela, e ela as conteve, desejando que sumissem e não voltassem a aparecer. Estendendo a mão para o rosto bonito dele, passou as pontas
dos dedos sobre suas feições.
- Eu te amo, Trez.
- Deus, eu te amo também.
Capítulo VINTE E SETE
Quando Layla acordou, estava deitada de lado em uma superfície muito mais suave do que o chão do vestíbulo. Em pânico, levou a mão à barriga.
Tudo parecia o mesmo, o inchaço firme, do tamanho que sempre fora... Mas, querida Virgem Escriba, teria ela machucado a criança? Ela conseguia se lembrar de
sair do carro, da luta para caminhar até a entrada da mansão, e de lá ter perdido a consciência...
- Bebê, - ela murmurou, - bebê, está bem? Bebê?
Instantaneamente, os olhos azul e verde de Qhuinn estavam bem à sua frente. - Você está bem...
Como se ela se importasse com ela mesma naquela hora. - Bebê!
Com uma súplica, pensou, por que antigamente reclamara de estar grávida? Talvez aquilo fosse punição por ter...
- Está tudo bem. - Qhuinn olhou para o outro lado do quarto, se concentrando em alguém que ela não conseguia ver. - Bem, apenas... Okay, é... Bem.
Ela jamais se perdoaria.
O alívio foi tão grande, que lágrimas subiram aos seus olhos. Se ela tivesse perdido o filho deles por estar no encontro com Xcor? Porque andara bisbilhotando
enquanto ele... Fazia aquilo com seu próprio sexo?
Ela jamais se perdoaria.
Com um pedido, ela se perguntou por que sequer pedira ao macho para fazer aquelas coisas. Era tão errado em diversas formas, adicionando ainda mais culpa quando
ela já estava com a coisa atolada até a garganta.
- Oh, Deus, - ela gemeu.
- Você está com dor? Merda, Jane...
- Estou bem aqui. - A boa doutora ajoelhou-se ao lado de Qhuinn, parecendo cansada, mas alerta. - Olá, Layla. Que bom que voltou. Só para saber, Manny engessou
seu braço. Havia uma fratura.
Houve algumas explicações sobre seu tempo de recuperação e quando o gesso poderia ser retirado, mas ela não prestou atenção em nada daquilo. Dra. Jane e Qhuinn
estavam escondendo algo dela: Os sorrisos de tranquilidade eram como fotografias da coisa real... Pareciam reais, mas eram falsos.
- O que não estão me dizendo?
Silêncio.
Quando ela lutou para se sentar, foi Blay que ajudou, gentilmente apoiando o braço bom e para lhe dar um pouco de impulso.
- O que? - Ela exigiu.
Dra. Jane encarou Qhuinn. Qhuinn olhou para Blay. E Blay... Foi o que eventualmente enfrentou o seu olhar.
- Há algo inesperado, - o guerreiro disse, - no ultrassom.
- Se me fizer perguntar "o que", de novo, - ela disse, por entre dentes cerrados, - vou começar a jogar coisas, e que se dane o meu braço quebrado.
- Gêmeos.
Como se o tempo e a realidade fossem um carro que subitamente tivessem seus freios acionados, houve um metafórico som de freada em sua mente.
Layla piscou. - Desculpe... O que?
- Gêmeos, - Qhuinn repetiu. - O ultrassom mostrou que são gêmeos.
- E perfeitamente saudáveis. - Dra. Jane completou. - Um é significantemente menor, e seu desenvolvimento está atrasado, mas parece viável. Eu não vi o segundo
feto nos ultrassons anteriores porque, Havers me contou que as gestações em vampiros são diferentes das humanas. Acontece que aparentemente outro óvulo fertilizado
pode se implantar, mas não entra em um estágio de significante embriogênese até muito mais tarde... Seu último ultrassom foi há dois meses, por exemplo, e eu não
vi nada antes.
- Gêmeos? - Layla sufocou.
- Gêmeos. - Um dos três repetiu.
Por algum motivo, ela se lembrou do momento em que descobriu estar realmente grávida. Mesmo que a gravidez fosse o objetivo e ela e Qhuinn houvessem feito o
que fizeram só para chegar lá, a confirmação de que sua necessidade vingara meio que a estonteara. Parecia milagroso, e avassalador... Uma alegria assustadora que
ela não estava inteiramente certa de que não fosse derrotá-la.
Agora ela sentia o mesmo.
Tirando a parte da alegria.
Ela sabia de duas de suas irmãs que esperaram gêmeos, e uma das gestações não deu certo. Da outra, havia nascido um único bebê vivo.
Lágrimas começaram a se derramar de seus olhos.
Aquelas não eram boas novas.
- Ei! - Blay se inclinou, com um lenço. - Isto não é ruim. Não é.
Qhuinn concordou, embora seu rosto continuasse uma máscara. - É... Inesperado. Mas não é de todo ruim.
Layla colocou as mãos sobre o estômago. Dois. Havia dois bebês que agora, tinha de levar em segurança até a reta final.
Dois.
Querida Virgem Escriba, como isto acontecera? O que ela ia fazer?
Enquanto as questões corriam por sua cabeça, ela percebeu... Bem, inferno. Como muitas coisas na vida, aquilo estava fora de suas mãos. Uma impossibilidade manifestada;
sua função, agora, era fazer o que pudesse para ajudar a si mesma e aos bebês descansarem, se nutrirem e ter os cuidados médicos necessários.
Esta era a única coisa que podia diretamente controlar. O resto?
Só cabia ao destino.
- Pode haver outros? - Layla perguntou.
Dra. Jane deu de ombros. - Acho altamente improvável, mas gostaria de enviar uma amostra do seu sangue para Havers. Ele tem muito mais experiência do que eu
nisto, e após analisar o hormônio específico da gravidez vampira, ele crê que pode arriscar a dizer a sua situação. Ele disse, no entanto, que trigêmeos são virtualmente
inéditos, e que o seu caso está no curso típico de gestação de múltiplos. A menos em casos extremamente raros de gêmeos idênticos como Z e Phury, o segundo embrião
atrasa seu desenvolvimento até a gravidez estar bem avançada. Quase como se na espera para ver se as coisas estão indo bem antes de se juntar à festa.
Layla baixou os olhos para seu abdômen distendido, e jurou nunca, jamais reclamar sobre coisa alguma. Nem de tornozelos inchados, ou dos seios doloridos, ou
de ter de ir ao banheiro a cada dez minutos. Sem. Mais. Chororô.
Nunca mais.
O fato de ela ter perdido a consciência, caindo de cara em um chão de mármore, e ainda conseguir ter aquele bebê...
Aqueles bebês, ela se corrigiu em choque.
... Em seu corpo, em segurança, era um lembrete que as dores e os desconfortos eram menores em comparação ao cenário maior, o grande objetivo, a grande preocupação.
Que era dar à luz a eles no momento certo, e fazê-los sobreviver.
- Então você consente? - Dra. Jane perguntou.
- Desculpe, o que?
- Tudo bem eu enviar uma amostra do seu sangue para Havers analisar?
- Oh sim. - Ela estendeu o braço bom. - Pode tirar...
- Não, já coletamos a amostra.
Ah, o que explicava a bolinha de algodão colada na parte interna de seu cotovelo.
Seu cérebro não estava funcionando direito.
- Foi por isto que ela desmaiou? - Qhuinn perguntou. - Por causa do outro bebê?
Dra. Jane deu de ombros de novo. - As amostras dela parecem bem... E já estão estáveis há um tempo. Quando foi a última vez que se alimentou, Layla?
O problema não era se ela tinha tomado veia recentemente. - Eu...
- Podemos resolver isto agora. - Qhuinn anunciou - Blay e eu podemos ambos lhe oferecer nossas veias.
Dra. Jane anuiu. - É lógico pensar que, com o segundo bebê requerendo mais nutrição, suas necessidades calóricas e de sangue devem ser maiores do que tenha percebido.
Eu acho possível que você tenha extrapolado seus limites e isto acabou por te esgotar.
Layla sentiu-se totalmente entorpecida e teve de forçar um sorriso. - Eu tomarei mais cuidado. E obrigada. Eu realmente agradeço seus cuidados.
- De nada. - Dra. Jane deu ao pé de Layla um leve aperto por cima das cobertas leves. - Descanse. Você vai ficar ótima.
Quando a médica saiu, Layla pensou nos estranhos anseios sexuais que vinha sentindo ultimamente, além do relativamente súbito aumento de seus sintomas físicos.
Será que era pelo outro bebê...?
- Quer que eu traga algo mais confortável do que isto? - Qhuinn perguntou.
Ela forçou-se a voltar o foco. - Desculpe, mais confortável que...?
- Esta camisola de hospital.
Baixando os olhos, viu que não estava mais com suas roupas. - Oh, Bem. Na verdade, está um pouco mais frio aqui. Uma das minhas túnicas seria legal, mas não
quero que se encrenque.
- Sem problemas. Eu levo suas coisas de volta para seu quarto e pego uma camisola e uma túnica... Enquanto isto, Blay, você pode lhe dar sua veia?
Como resposta, o pulso do soldado apareceu bem à frente dela. - Tome o quanto precisar.
Naquele momento, ela teve uma vontade avassaladora de lhes contar. Confessar. Livrar-se do estresse do último ano, não importando as consequências.
Ela só queria se livrar do fardo terrível que carregava. Assustava.
Atormentava.
Sem dúvida aquilo poderia aumentar as chances de ela carregar melhor aqueles bebês... Menos estresse era bom para fêmeas grávidas, não era? E agora havia duas
vidas em risco, além da dela.
- Layla?
Ela engoliu em seco. Olhou para os dois ali em pé, próximos à cama, preocupados. Ela não queria trair a única família que tinha. Além disto, talvez se contasse
a eles sobre Xcor, eles pudessem... Tornar o local mais seguro. Ou...
Layla pigarreou e agarrou as cobertas na cama como se fosse um rolo compressor entrando em uma curva fechada. - Ouçam, eu preciso...
Quando ela não terminou. Qhuinn quebrou o silêncio - Você precisa se alimentar. É o que precisa fazer.
Como se suas presas tivessem ouvido, elas se alongaram em sua boca, e ela se tornou consciente do fato de que, sim, ela estava morrendo de vontade de se alimentar
de uma veia.
E não, ela não podia contar a eles. Só... Não era bom. Não havia uma boa solução para ela. Eles a odiariam por colocar arriscar sua vida e sua gravidez... E
enquanto isto, Xcor ainda saberia onde eles vivem, porque a Irmandade jamais largaria aquele lugar. Aquela era a casa deles e eles a defenderiam quando ele atacasse
depois que parasse de vê-lo.
Pessoas morreriam. Pessoas que ela amava.
Merda.
- Obrigada, - ela disse, roucamente, para Blay.
- Qualquer coisa por você, - ele respondeu, acariciando os cabelos dela para trás.
Ela tentou tomar o mais gentilmente que podia, mas Blay demonstrou nem ligar. Claro, quando ele e Qhuinn faziam amor, sem dúvida costumavam dar mordidas muito
mais violentas.
Assim que começou a sugar da fonte familiar, absorvendo a nutrição que seu corpo precisava e só obtinha através desta dádiva de um macho de sua espécie, Qhuinn
foi para onde suas roupas foram colocadas em uma cadeira no canto. Ao pegá-las, ele franziu o cenho e olhou para baixo. Então mexeu nas camadas de tecido como se
procurando alguma coisa.
Um momento depois, ela fingiu estar concentrada no que estava fazendo. Ela não tinha ideia do que ele encontrara ou porque estava olhando para ela daquele jeito.
Mas dado o modo como ela vinha vivendo, ela tinha muito que esconder.
- Quando deve ir?
Diante da pergunta de Trez, Selena se concentrou na tigela quente de mingau de aveia que ele havia acabado de fazer para ela. Como já passava muito do amanhecer,
toda a equipe de doggens já estava recolhida em seus aposentos, então ela e Trez estavam sozinhos na cozinha enorme, sentados lado a lado na mesa de carvalho.
- Selena. A que horas é sua consulta?
Ela devia ter ficado de boca fechada. Dois segundos antes, enquanto aproveitava aquela bela preparação de aveia Quaker, com acompanhamento farto de creme e açúcar
mascavo, os dois flutuavam no brilho do que fizeram no chuveiro, em paz e relaxados.
E agora?
Acabou-se, como diziam.
- Primeira hora da manhã.
Trez verificou o celular. - Está bem, está bem. É quase oito. Então se terminarmos rapidinho, conseguimos chegar a tempo.
- Eu não quero ir. - Ela podia senti-lo encarando. - Não quero. Não estou com muita pressa de voltar para lá.
- A Dra. Jane diz que temos de fazer radiografias de suas juntas para monitorar...
- Bem, eu não quero. - Ela colocou uma colher cheia na boca e não sentiu gosto algum. Era só textura. - Sinto muito, mas estou bem agora. Não quero descer e
ser cutucada e furada de novo.
A reticência dela era apoiada pelo fato de que agora estavam na parte boa, e ela não sabia quanto tempo ia durar. Já que nada poderia parar aquilo, por que eles
precisariam sequer se incomodar com...
- Significaria muito para mim se você fosse ver a Jane.
Ela olhou para cima. Trez olhava para as janelas atrás dela, mesmo que as persianas estivessem baixadas e não houvesse nada para ver.
Os olhos dele pareciam atormentados. Como se soubesse que ela não iria à clínica... E que não havia nada que ele pudesse fazer sobre isto.
- Sabe do que tenho mais medo? - Ela ouviu-se dizendo.
Os olhos dele se voltaram para ela - O que?
Ela revirou sua aveia. Provou novamente, o que somente registrou como algo quente. - Tenho medo de ficar presa.
- Como assim?
- Não quero ficar presa aqui, - ela disse, em voz baixa. Então indicou o peito, os braços, as coxas sob a mesa. - Em meu corpo. Tenho medo dos episódios. Estou
viva, sabe, trancada e... Quando acontece, é difícil ouvir e ver, mas, registro as coisas. Eu soube, quando você veio me buscar. Fez toda a diferença. Quando você
estava comigo, eu não me sentia... Mais tão presa.
Quando ele permaneceu em silêncio, ela voltou a olhar para ele. Ele estava olhando de novo para as janelas, que não mostravam nada do dia lá fora, nem se estava
nublado ou ensolarado, se estava chovendo, ou se havia um vento soprando as folhas outonais pelo gramado marrom.
- Trez? - Ela chamou.
- Desculpe, - ele voltou sua atenção. - Desculpe, me distraí por um momento.
Ele se virou na cadeira, apoiando os pés nos degraus sob o seu assento. Então pegou sua mão, a que não segurava a colher e abriu-a contra a própria palma.
- Você tem as mãos mais bonitas que já vi, - ele murmurou.
Ela riu. - Eu acho que está sendo tendencioso, mas, vou aceitar o elogio.
Ele franziu o cenho, as sobrancelhas se juntaram. - Eu posso imaginar como... - ele inalou longa e lentamente, - eu não consigo imaginar nada mais aterrorizante
no mundo do que estar trancado em um local do qual não seja possível escapar; e estar aprisionado no próprio corpo? É inconcebível. É de foder a cabeça de qualquer
um.
- Sim.
Houve um longo período de silêncio àquela altura, com ele sentado à frente de sua tigela, que esfriava, sem tocá-la, e ela brincando com a sua aveia, fazendo
pequenos símbolos "S" com a ponta da colher.
A discussão que estavam tendo ressoava no ar entre eles, o argumento dele de que "é-para-o-seu-próprio-bem" guerreava com o dela "não-até-eu-ser-absolutamente-obrigada".
Não havia razão real para dizer as palavras em voz alta. Ela não ia recuar. E aquilo significava que a única opção dele seria jogá-la em cima do ombro e dar uma
de homem das cavernas, arrastando-a até o Centro de Treinamento.
Finalmente, Selena não aguentou mais e teve de mudar de assunto.
- Às vezes me pergunto... - ela estremeceu, - digo, e se todo mundo estiver errado sobre a morte? E se não houver Fade, mas ao invés dele, a gente só ficar presa
no próprio corpo para sempre, consciente, mas incapaz de se mover?
Ótimo. Ela estava tentando aliviar o clima.
Bela. Tentativa.
- Bem, os corpos... - ele pigarreou, - Sabe... Apodrecem.
- Hmmm, tem razão.
- Embora, como pesadelo de pós vida para mim? Me preocupa um apocalipse zumbi. - Ele pegou a colher e começou a comer, ainda segurando a mão livre dela. - Seria
um saco. Você morre e então passa a vagar pela Terra, fedendo por todo canto, em uma dieta Atkins que, tipo, jamais terminaria.
Ela ergueu a colher para interrompê-lo. - Espere um minuto, veja, você só teria fome, certo? Se encontrasse pessoas para comer, então, a vida seria bem boa para
um zumbi.
- Não se a metade inferior de seu rosto caísse. Sem mandíbula, como se alimentaria? Então seria só fome e não poderia fazer nada para resolver. Um saco total.
- Canudos.
- O que?
- Bastariam canudos.
- Difícil passar um fêmur através de um canudo.
- E um processador. Canudos e processador. E está resolvido.
Com uma gargalhada ruidosa, Trez jogou a cabeça para trás e riu tanto, que foi sorte não acordar a mansão inteira.
- Oh, meu Deus, isso é tão insano. - Ele se inclinou e a beijou. - Tão fodidamente insano.
De repente ela sorria também... Tão forte que as bochechas doeram. - Totalmente insano. Deve ser por isto que chamam de humor negro?
- É. Especialmente se alguém levar a pior. - Trez ficou sério. - E, está bem, então não vá.
- O que? Levar a pior? Claro que não.
- Ver Jane. Se não quer ir, não vou te pressionar.
Selena exalou em um suspiro. - Obrigada. Eu realmente aprecio isto.
- Não precisa agradecer. Não é minha decisão. É sua. - Ele correu a colher pelo interior da tigela. - Acho que é importante que você tenha tanto poder de decisão
quanto possível em cada aspecto de sua vida, especialmente na doença e no modo como lidar com ela. Acho que você se sente como se não tivesse escolha sobre tanta
coisa... Destino... Que se abate sobre você, e isto torna as oportunidades de fazer escolhas especialmente importantes. - Ele olhou para ela, - eu posso ter a minha
opinião, e pode apostar seu traseiro que te direi qual é, mas, a última coisa que quero é pressioná-la. Você já tem problemas suficientes para resolver. Não vou
adicionar mais isto.
- Como você sabe... Deus, é como se soubesse exatamente o que estou pensando.
Ele deu de ombros e seus olhos assumiram um ar alheio. Então ele indicou a lateral da cabeça. - Só um chute. - Ele voltou a se focar nela. - Então, a questão
é, aonde você quer ir?
- Desculpe?
- Aonde quer ir? A clínica está fora de questão... Então o quê?
Selena sentou-se de volta na cadeira. Agora era ela olhando as janelas. - Eu gosto do Grande Acampamento do Rehvenge, se é isto o que quer dizer.
- Seja ousada. Pense grande. Vamos lá, deve haver algum lugar excitante. O Taj Mahal, Paris...
- Não podemos ir a Paris.
- Quem disse?
- Ahh...
- Nunca encontrei nenhum Ahhh, não o conheço, não me importo do quão grande ele seja... Se estiver em nosso caminho? Vou matar o filho da puta.
- Você é tão adorável. - Selena se inclinou e beijou-o na boca. Então tentou forçar seu cérebro a surgir com alguma coisa, qualquer coisa. - Que sorte a minha.
Finalmente consigo um passe livre... E não consigo pensar em nad... Oh! Já sei!
- Diga e realizarei.
- Eu quero ir ao Circle the World.
Trez se recostou também. - O restaurante?
- É. - Ela limpou a boca com um guardanapo. - Quero ir ao Circle the World para um jantar.
- É aquele que gira, no topo do...
- Do prédio mais alto de Caldwell! Eu vi na TV uma vez, enquanto fazia companhia à Layla em seu quarto. Dá para sentar perto da vidraça e olhar para a cidade
toda durante a refeição. - Ela franziu o cenho ao vê-lo engolir em seco, e não por ter engolido uma colher cheia de aveia, - você está bem?
- Oh, sim, absolutamente. - Trez anuiu e estufou o peito ao dar uma de machão para cima dela. - Eu acho que é uma grande ideia. Vamos pedir para Fritz fazer
a reserva para esta noite. Tenho um pouco de influência nesta cidade, então não vai ser um problema. E eles servem jantar até às nove e dez da noite.
Selena começou a sorrir, imaginando-se em uma das túnicas de Escolhida, os cabelos perfeitamente penteados, o corpo normal... E Trez do outro lado da mesa brilhante
que apareceu no comercial de TV, com o guardanapo tão branco, os pratos tão quadrados, a prataria brilhando a luz dos candelabros.
Perfeito.
Romântico.
E nada a ver com estar doente.
- Estou tão excitada. - Ela disse.
A próxima colherada de aveia que pôs na boca estava doce e cremosa e completavam o mais perfeito... Como os humanos chamavam? Desjejum?
Não fazia sentido. Mas, quem se importava.
- Então é um encontro, não é? - Ela percebeu. - Louvada seja a Virgem Escriba, eu tenho um encontro!
Trez riu, o som foi um estrondo em seu peito largo. - Pode acreditar que sim. E vou te tratar como uma rainha. Minha rainha.
Quando ambos voltaram a comer com vontade, ela pensou, uau, que cenário emocional estranho aquilo tudo era, vales profundos de desespero, seguidos por vastas
paisagens, tão emocionalmente puras e belas, que ela sentiu-se honrada por tê-las. Era quase como se sua vida, com o tempo limitado que restava, tivesse sido amarrada
como uma faixa de tecido, que poderia ser suave e normal, mas agora ondulava com grande ressonância.
Ela teria preferido o luxo de séculos. Mas, neste momento, agora, se sentia tão profundamente viva. De um jeito que não podia afirmar jamais ter sentido antes.
- Obrigada. - Disse ela, abruptamente.
- Pelo quê?
Ela baixou os olhos para seu prato de aveia, sentindo o rosto enrubescer. - Por esta noite. É a melhor noite que já tive.
- Você não viu nada, minha rainha.
- Ainda assim, é a melhor noite, - ela olhou dentro dos olhos escuros dele, - de minha vida inteira.
Capítulo VINTE E OITO
iAm acordou ao cheirar a sopa, e assim que seu cérebro se acendeu novamente, não houve nenhuma besteira do tipo "Será que isso é um sonho?" rolando com ele.
Apesar do fato de que esteve apagado por causa de uma concussão, nem um segundo do que levou ao seu desembarque nesta cela no palácio da Rainha foi perdido por ele:
Não a troca rápida de roupa na frente da quase réplica de Abraão Lincoln, nem a entrada pelos fundos do Território, nem o golpe na cabeça que se seguiu ao seu breve
caminhar de um lado para o outro antes disso.
A sopa, entretanto, foi uma surpresa. Era algo que se lembrava de sua infância, uma mistura de abóbora e nata, especiarias e arroz.
E havia outro perfume na cela. O mesmo que encheu seu nariz quando aquele sacerdote tinha vindo para checar suas marcações.
Abrindo os olhos, ele...
Recuou.
Uma maichen, ou seja, uma criada, estava de joelhos diante dele, seu corpo e cabeça envoltos no pálido azul que correspondia à sua função, o rosto coberto por
uma máscara de malha que mostrava absolutamente nada de seus olhos ou características. Nas mãos dela havia uma fina bandeja de madeira que continha a tigela, uma
colher, uma jarra e um copo, assim como também um grande pedaço de pão.
Nenhum sacerdote. Ninguém mais estava com eles.
Ele inalou mais uma vez; então percebeu que a fêmea deve ter entrado com o oficial da corte antes e ele apenas não tinha percebido.
Ele se ergueu do chão. E foi então que percebeu que estava nu.
Que seja. Ele não quis fazer a maichen sentir-se desconfortável, mas se ela não gostasse da vista, podia partir.
Não que ela estivesse olhando para ele. Sua cabeça estava abaixada em submissão, como ela havia sido treinada.
S'Ex aparentemente estava disposto a dispensar algum cuidado a ele enquanto estivesse na prisão; ou pelo menos a mantê-lo vivo por enquanto. E por um momento
ele teve pena desta pobre fêmea cuja posição social era tão baixa que ela era enviada, sozinha, para machos potencialmente perigosos sem nenhuma consideração para
com sua segurança ou seu sexo.
Mas, então, na hierarquia das coisas, ela era considerada como sendo algo essencialmente sem valor.
Triste. Mas ele tinha outros problemas com que se preocupar.
Sem dar atenção à maichen ou à sua situação de estar como veio ao mundo, ele se levantou e caminhou até o biombo no canto mais distante. As instalações de água
ficavam atrás disso e ele fez uso delas, recebendo outro lembrete de que não estava mais no Kansas.
Quando se curvou sobre uma pia como as usadas pela plebe para lavar o rosto, ele teve apenas uma única manopla para ligar a torneira em vez de uma separada para
quente e outra para frio.
Não era por ele ser um prisioneiro: Tudo isso de esperar-ter-água-quente estava entre as coisas com as quais ele teve de se acostumar fora do Território. Os
humanos insistiam em alternar uma mistura de opostos para ter uma temperatura perfeita. Aqui no s'Hisbe? Toda água estava a 36 graus. De água para beber, à água
para escovar os dentes, era uma única constante, nem quente nem frio.
Salpicando o rosto, ele pegou a toalha preta que estava em um suporte de parede e secou-se. Macia. Tão macia. Nada como as dos humanos, e ele era apenas um prisioneiro.
Ele recolocou o tecido úmido no suporte por hábito e caminhou para fora do biombo.
- Diga a s'Ex que eu quero vê-lo.
Prisioneiros normalmente não se davam ao luxo de fazer pedidos, mas ele não se importava. Ele também se recusava a falar no Idioma Antigo ou no dialeto dos Sombras.
Devido a predominância da cultura humana, o inglês era ensinado nas escolas dos Sombras, e era esperado que até mesmo os criados tivessem algum conhecimento rudimentar
da língua.
- E eu não vou comer isso. - Ele acenou com a cabeça para a bandeja. - Então você pode levá-la.
Só Deus sabia o que havia nessa merda, se seria uma droga ou algum tipo de veneno. Ele estava muito confiante de que seu tratamento ali não continuaria sendo
tão bondoso. Eles iriam, muito provavelmente, puxar seus braços e pernas para fora de seus soquetes em algum momento; embora não até que eles notificassem Trez acerca
de seu cativeiro.
Merda. Ele nunca devia ter confiado...
A maichen colocou a bandeja no chão. Então estendeu a mão, pegou a colher, mergulhou-a na sopa e ergueu. Com a mão livre ela levantou a malha o suficiente para
expor sua boca e provar a comida. Então ela fez o mesmo com o pão e a sidra de maçã fermentada que estava na jarra.
Permitindo que a malha voltasse para o lugar, ela sentou-se de novo sobre as solas dos chinelos de couro em seus pés.
Infelizmente o gesto não fez nada para diminuir as suspeitas dele. maichens estavam tão abaixo na cadeia alimentar que até mesmo a própria palavra recebia pouco
respeito no começo das frases. Que ela pudesse ser envenenada ou comprometida? Ninguém se importaria.
O estômago dele, porém, ficou seriamente encorajado quando ela continuou a respirar.
Antes que pudesse se conter, ele foi até ela e a bandeja. maichen não olhou para cima, mas, então, ela o temia; por uma boa razão.
O cheiro de seu medo se misturava muito bem com aquela sopa picante.
Assim como o cheiro da pele dela.
Inalando pelo nariz, ele sentiu outro choque atravessar seu sistema, seus músculos se contraindo; assim como seu pênis.
O que não fazia nenhum sentido. Ali estava ele, enfiado na merda até o queixo, e seu sexo decidiu se interessar? Sério isso?
Não era à toa que chamavam essa coisa de "alavanca estúpida".
Em pé erguendo-se sobre ela, ele pôs as mãos nos quadris e ficou atento à sinais de que ela fosse ter um treco. Quando ela continuou na vertical, ele esperou
mais um pouco. Ela estava tremendo, mas, tinha estado desde que ele se levantou.
iAm ajoelhou-se no chão de pedra dura, espelhando a pose dela. Quase imediatamente os joelhos dele começaram a doer; outro lembrete de quanto tempo fazia desde
que ele esteve em contato com seu povo. Tal maneira de se sentar era uma trivialidade aqui no Território.
Conveniente se você estava com a bunda de fora, também. Não te deixava completamente exposto.
Ele comeu rápido, mas não descuidadamente, e foi uma boa pedida. Seu cérebro precisava das calorias; seu corpo também, se ele estivesse indo forçar sua saída
dali.
Esse era o plano.
- S 'Ex. - Ele exigiu quando terminou. - Vá buscá-lo.
Com isso, ele empurrou a bandeja em direção à fêmea. Como era costume, ela se curvou adiante em reverência, sua fronte coberta quase terminando na tigela branca
vazia.
Ela levantou a bandeja, endireitando o torso, e graciosamente ficou em pé sem cambalear ou deixar cair qualquer coisa. Saindo da cela, ela acionou a porta colocando
a sola de seu sapato contra uma seção da parede. Um momento depois, porque a saída era claramente monitorada, alguém abriu a coisa remotamente; ou isso, ou a saída
era de alguma forma acionada com pisadas.
E ela foi para fora.
Enquanto o painel se fechava com um som estilo Star Trek, ele sabia que teria sido inútil dominá-la e tentar usá-la como moeda de troca. S'Ex e seus guardas
estariam mais propensos a negociar para salvar um cão.
Andando de um lado para o outro, ele lembrou-se de seu irmão ao lado de Selena enquanto ela jazia naquela mesa de exame, sob aquela luz intensa, o corpo dela
todo contorcido e uma expressão congelada no rosto.
Deus, ele nunca deveria ter feito isso. Fale sobre uma situação em que todos perdiam: Trez iria querer vir para tirá-lo dali, mas deixar aquela fêmea quando
ela estava doente iria matá-lo.
Nada como jogar gasolina no fogo. Junto com mais ou menos uma tonelada de dinamite.
Trez quis dizer cada palavra que disse sobre Selena e a liberdade dela de escolha.
À medida que atravessava a passos largos o túnel subterrâneo rumo à clínica do Centro de Treinamento ele estava cem por cento certo de uma, e apenas uma, coisa;
bem, de duas, mas o fato de que estava apaixonado por ela era o básico. A outra coisa ele sabia com certeza que era Selena, e apenas Selena, quem decidiria como
sua condição seria administrada, e se alguém tentasse forçá-la a qualquer coisa? Ele estava indo atirá-los para longe como você apenas leu.
Mas isso não queria dizer que ele não estaria indo falar com a Dra. Jane.
Sobre sua rainha.
Deus, esse apelido para Selena era tão engraçado. No momento em que ele tinha saído de sua boca, algo tinha clicado. Como se seu vocabulário tivesse se acasalado
com essa palavra assim como seu corpo acasalou-se com o dela.
E ela seria a única rainha para ele. Não importando o que acontecesse com eles, ou onde ele terminasse, ela seria sua fêmea regente, e nenhuma outra suplantaria
o lugar dela em seu coração, seu respeito ou na expressão vocal daquela palavra.
Arrastando a palma pelo rosto, ele forçou seus pés a continuarem em um ritmo de caminhada, embora uma grande parte dele quisesse correr a toda velocidade para
a clínica. Não havia pressa, porém, pelo menos no que concernia à sua fêmea. Selena estava lá em cima no quarto dele, nua na banheira, mergulhando seu lindo corpo
em água morna e perfumada.
Ela não estava completamente livre da dor. Ela escondia a rigidez persistente e desconforto bem, mas os indicadores estavam nos estremecimentos sutis de sua
face e na forma espasmódica como ela movia as mãos e braços. O banho e algumas aspirinas leves iriam ajudar, entretanto. E quando tivesse tido um bom e longo banho,
ela iria para a cama dele para um descanso antes do "encontro" deles.
A alegria dela diante da perspectiva de seu jantar a dois era contagiante. Ele literalmente sentia o calor dentro de seus ossos, como se a felicidade dela possuísse
uma magia cinética que, através de seu acasalamento, estendia-se para dentro de sua própria carne. Inferno, tudo que ele tinha de fazer era pensar sobre ela à mesa
do café da manhã, sorrindo por sobre suas tigelas de mingau de aveia, ou pensar sobre o som de sua voz ficando excitada quando eles estavam... E ele ficava sublimemente
em paz.
Nunca houve nada perto disso para ele. Nem mesmo o amor e compromisso que ele tinha para com seu irmão chegava perto do sentimento.
De uma forma doentia, ele supunha que a doença dela tinha sido algo bom para Selena e ele. Trez não podia conceber como teriam cortado o papo furado entre eles
tão eficazmente ou totalmente sem isso...
Isso foi um inferno de um perde-e-ganha, no entanto.
Quando chegou ao ponto de acesso ao Centro de Treinamento, ele digitou os códigos adequados, então passou pelo almoxarifado e pelo escritório de Tohr. O Irmão
não estava atrás da escrivaninha, o que era uma boa coisa, e não uma surpresa. Era por volta de cinco da tarde, e Tohr estava, sem dúvidas, acordando em seu leito
de acasalado com sua Autumn, prestes a preparar-se para a noite que vinha adiante.
O que tinha sido uma surpresa foi que a Dra. Jane estivesse disposta a vê-lo nesse horário estranho do dia. Com as horas ela tinha estado trabalhando ultimamente
entre as lesões e enfermidade do irmão de Qhuinn, parecia que ela, Manny e Ehlena tinham estado de plantão constantemente.
Isso fez com que ele a respeitasse muito.
Passando pela porta de vidro. Descendo pelo corredor principal de concreto. Várias portas adiante à esquerda.
Entrando na sala de exames, ele...
- Oh, merda!
Saltando de volta para o corredor, ele levou a dobra de seu cotovelo até os olhos e rezou para que aquilo que tinha acabado de ver não tivesse sido queimado
permanente em suas retinas.
Havia algumas coisas que você não precisava saber acerca das pessoas com quem você vivia, não importa quanto você os amasse.
Uma fração de segundo mais tarde, V abriu a porta, e o ziiiiiiiiip! de quando ele fechou a frente de seus couros foi alto.
- Ela verá você agora. - Ele disse com total naturalidade.
Como se dois segundos atrás ele não tivesse estado batendo a sempre amada merda para fora de sua shellan enquanto ela sentava-se em sua mesa.
- Eu posso voltar depois? - Trez perguntou.
- Que nada, ela está pronta. Selena está bem?
- Eu, ah... Sim. Ela está se movendo, está... Bem, eu estou levando-a para sair hoje à noite.
V puxou um cigarro enrolado à mão. - Não brinca. Para onde?
Em todas as suas ruminações, Trez tinha estado cuidadosamente evitando pensar precisamente sobre seu lugar de destino. A ideia de sair em um encontro era ótima,
a comida seria de abalar... Havia apenas um problema com que ele teria que absorver e lidar.
- Aquele restaurante. - Ele apontou para o teto. - Você sabe, no centro da cidade, que, tipo, fica girando em círculos?
- Oh, sim. Bem lá em cima. - O Irmão exalou. - Uma vista dos diabos.
Uh-huh. Cinquenta-mais histórias. Ele tinha navegado no site para descobrir exatamente o quão ruim era. - Sim. Uma vista dos diabos.
- Deixe-me sabe se há alguma coisa que eu possa fazer. Por qualquer um de vocês.
V deu nele um tapinha no ombro e começou a se afastar a passos largos.
- Vishous.
O Irmão parou, mas não se virou. E à luz acima da cabeça dele, o tendril de fumaça de seu fumo enrolado à mão formava um elegante redemoinho no ar.
- Quanto tempo eu ainda tenho com ela?
O Irmão girou a cabeça, então seu poderoso perfil de cavanhaque foi cortado por um pálido filete daquela luz, e as tatuagens em sua têmpora pareceram mais sinistras
do que o habitual.
- Quanto? - Trez repetiu. - Eu sei que você viu isso.
Houve um silvar sutil quando o Irmão inalou, a ponta do seu cigarro ardendo em um vívido laranja. - O que eu recebo não é tão específico. Desculpe.
- Você está mentindo.
Aquela sobrancelha escura ergueu-se. - Vou te perdoar pela ofensa. Uma vez.
Com isso, o macho voltou a se afastar a passos largos, aqueles ombros volumosos deslocando-se no ritmo dos quadris, e seu corpo de guerreiro não era exatamente
o tipo de coisa que alguém, mesmo alguém do tamanho de Trez e com suas habilidades de Sombra, enfrentaria voluntariamente.
Especialmente com aquela mão incandescente dele.
Mas não haveria uma rixa entre eles. Não sobre esse assunto, pelo menos.
Os dois sabiam que ele mentia.
V era o Irmão com a inteligência, as visões místicas, aquele nascido diretamente do corpo da Virgem Escriba. Ele também era incapaz de sacanear alguém pelo motivo
que fosse. Isso só não fazia parte de sua fiação interna; aquele cérebro incrível dele estava muito ocupado para se importar se tinha ofendido ou não, ou se sua
postura foi ou não apropriada, ou se ele tinha expressado as coisas de um jeito agradável para seu requerente.
Assim sendo, quando ele tinha se recusado a se virar? Quando tudo que ele fez foi mostrar seu perfil?
Ele tinha respondido a pergunta bem o bastante.
Vishous nunca iria, jamais voluntariamente magoar ou ferir um macho que ele respeitava. Isso estava ainda mais arraigado nele do que a coisa do eu-não-minto.
E sim, Trez tinha ouvido falar que normalmente não havia uma cronologia nas visões de V sobre morte; mas, claramente, era diferente nesse caso.
Talvez porque o que tinha sido visto era menos sobre a morte da Escolhida, e mais sobre que acontecia com Trez após isso.
Existem duas fêmeas. E em ambos os casos, você está correndo contra o tempo.
- ... Trez? - A Dra. Jane disse, como se ela estivesse tentado chamar a atenção dele. - Você está pronto para falar comigo?
Não, ele pensou, enquanto V desaparecia através das portas de vidro do escritório. Ele não estava.

 

CONTINUA

Capítulo VINTE E UM
O pau de Trez tinha sua própria pulsação. E isto antes de Selena ficar totalmente nua à sua frente. Após aquela revelação? A maldita coisa passou a ter seu próprio
padrão de pensamento.
Minha.
Ao ouvir a porta se fechar, Trez não soube se foi uma de suas mãos que a fechou, ou se simplesmente desejou que a coisa voltasse ao seu lugar.
- Tem certeza disto? - Gemeu ele, já dando um passo na direção dela. - Porque não vou conseguir parar.
- Sim. - Os olhos dela não se ergueram para encontrar os dele. Estavam travados em no quadril. - Oh, sim. Me deixe te ver.
Quando ele parou bem na frente dela, ele disse:
- E todas as humanas com as quais fiquei?
- Vai falar delas agora? - Ela abriu a faixa do roupão dele com uma das mãos. - Sério?
Ele impediu-a de abrir o roupão.
- Nada mudou em mim.
- Azar o seu, não meu.
- Na minha tradição...
- Que não é a minha.
- ... Eu estou corrompido.
- Por que é que você continua falando?
Com isto, ela livrou-se da mão que a segurava, tirou a faixa, abriu as laterais do tecido preto. O sexo dele estava totalmente ereto, se sobressaindo entre eles.
E foi a próxima coisa a qual ela tomou nas mãos.
Trez gemeu e jogou a cabeça para trás.
- Você está quente. - Ela suspirou ao se inclinar e beijar a pele sobre seu coração. - E duro.
- Selena, estou falando sério. - Ele tentou impedi-la de continuar as carícias. - Eu quero te respeitar...
- Você está perdendo tempo.
Com isto ela caiu de joelhos e assumiu o controle. Como era uma fêmea alta, sua boca ficava na altura perfeita e, Deus os ajudasse, ela a pôs para trabalhar,
estendendo a língua rosada para lamber a cabeça. O toque aveludado o deixou trêmulo e, antes que seguisse o caminho dos roupões e caísse na porra do chão, se inclinou
para frente e apoiou ambas as mãos na coisa mais próxima que conseguiu achar.
A escrivaninha. Ou pode ter sido o capô de um carro. O trenó do Papai Noel. Uma geladeira.
Quente e úmida, ela abocanhou, a sucção e aquelas lambidas apagando o mundo, trazendo-o instantaneamente à beira do orgasmo.
Cerrando os dentes, ele gemeu - Eu vou gozar... Ah caralho... Eu vou...
Ele vagamente pensou em não desrespeitá-la ejaculando em sua bo...
Selena se afastou, abriu a boca e estendeu aquela língua mágica. Olhando para ele, de baixo para cima, começou a masturbá-lo com força ao mesmo tempo em que,
preguiçosamente, lambia sua ponta.
Trez segurou, oh, talvez um segundo e meio. Quando sua liberação jorrou, ela tomou-a toda, engolindo, sugando, se afastando para lambuzar os lábios e rosto.
Deus a ajudasse, ele continuou ejaculando, uma infinita urgência sexual travando o seu corpo, enquanto a marcava, sua essência cobrindo-a de uma posse que era primordial.
Defender. Proteger. Amar.
Tudo isto naquele local sagrado.
Minha.
Quando finalmente se esgotou, ela se sentou de volta sobre os tornozelos e então, com uma série de movimentos lânguidos e matadores, lambeu os lábios. Ergueu
os dedos, capturou a trilha pegajosa no queixo, e sugou até limpar. Olhou para baixo, para os seios perfeitos.
Espalmando os pesos gêmeos, sorriu para o que caíra sobre eles, fazendo os montes e aqueles mamilos tesos brilharem. - Você me melecou.
- Onde você aprendeu a fazer isto? - Ele engasgou.
Pelo menos foi o que pretendia dizer. As sílabas saíram em um amontoado de sons incoerentes.
- O quê? - Ela suspirou, antes de erguer um dos seios e baixar a cabeça, com a língua para fora.
Ela lambeu a si mesma.
O rosnado que saiu da boca de Trez foi algo que, se estivesse em seu lugar, ele teria temido.
Selena não temeu. Ela só emitiu uma risada rouca. - Há algo mais que você queira marcar?
Liberdade.
Quando Selena se ajoelhou à frente de Trez, com o gosto dele em sua boca e sua essência sobre todo o seu corpo, se deleitou na sensação de liberdade sexual que
a invadiu. A liberação pareceu inteiramente o oposto da sentença de morte sob a qual vinha vivendo e, ainda que sua falta de tempo fosse o que a impedisse de sentir
qualquer estranheza ou preocupação consciente, ela sentia-se voando acima das amarras que há tanto tempo a prendiam ao chão, seu treinamento como ehros permitia-lhe
entregar-se às correntes de sexo que se estendiam, grossas como cordas tangíveis, entre os corpos deles.
Sem saber quanto tempo lhe restava, e sob a frustração de ter perdido tanto tempo, sentia urgência de expressão pessoal, e abraçava cada desejo que tinha, na
total intenção de satisfazê-los.
Todos eles eram com Trez.
Como se sentisse o mesmo, ele se inclinou e levantou-a do chão. Suas juntas protestaram pela mudança de posição, mas as reclamações não eram mais do que murmúrios
contra a luxúria desenfreada que ela sentia por ele.
Ela precisava da penetração. Pelo corpo dele.
Trez levou-a a cama e deixou-a de barriga para baixo, suas mãos grandes e quentes acariciando-a do ombro até as costas das coxas, antes de erguê-la de quatro
e afastar seus joelhos. Selena abaixou a cabeça, ela queria vê-lo, e olhou para além dos montes dependurados de seus seios, observando-o se aproximar dela por trás,
com o sexo pulsando enquanto ele tomava posição para...
Não foi sua ereção que se esfregou nela.
Quando as mãos dele agarraram seu quadril, os polegares se enfiaram em sua bunda e afastaram, até o sexo dela se abrir totalmente para ele. E então ele veio
com a boca, os lábios tocando-a, carícias úmidas sobre a umidade, sugando, devorando. Com dominação total, a língua dele lambeu de cima abaixo, penetrou, tintilou
no topo do sexo dela até ela convulsionar em orgasmo, cada onda de prazer esfregando-a mais e mais contra o rosto dele.
Quando finalmente acabou, ele se afastou, os punhos apoiados nos lençóis de ambos os lados dela.
- Eu vou te foder agora, - ele falou por entredentes em seu ouvido.
- Oh, Deus, por favor...
Selena gritou alto quando ele a penetrou, esticando seu interior quase além do limite. A dor foi em uma medida perfeita, e então ele começou a bombear. Nada
de movimentos lentos e regulares; eram violentos, puro poder, poder que a fez ver estrelas até perder a força de manter o corpo elevado da cama. Caindo de cara nos
lençóis que tinham o cheiro dele, ela lutou para respirar e amou a sensação de sufocamento que sentia a cada arremetida que a fazia esfregar o rosto nos travesseiros.
Bang! Bang! Bang!
A cabeceira estava tendo a mesma experiência violenta que ela, batendo na parede, o som reverberando junto com os gemidos dele, que era todo animal.
Virando a cabeça para olhar acima do ombro, ela tentou vê-lo.
Trez estava magnífico, os peitorais e ombros elevados, os enormes braços esculpidos em músculos, o abdômen definido, enquanto os quadris arremetiam contra ela.
Quando ele gozou, jogou a cabeça para trás como quando ela o dominou, e uivou, expondo as presas brancas longas e mortais, os tendões do pescoço saltaram nas laterais,
os quadris bateram contra ela enquanto ele metia, metia e metia...
Ele gozou dentro dela.
E o sexo dela o ordenhou, provocando-o até ela sentir a umidade escorrendo pelas coxas.
Ele mal retirou o corpo de dentro dela e caiu para o lado, como se cada gota de força houvesse sido drenada dele. A cabeceira deu um último bam! quando ele se
jogou e quicou, as mãos, braços, tórax e pernas relaxando de todo aquele esforço físico. A boca dele se moveu, os olhos escuros encontraram os dela e ali ficaram.
Ela não fazia ideia do que ele estava falando. E não importava. Sua bunda ainda estava para cima, o sexo formigando pelo modo violento como foi tratado, seu
corpo tão saciado quanto a aparência dele. Correntes de ar, da ventilação acima, vinham do teto, tocando tudo o que estava exposto, fazendo cócegas, esfriando.
Aquele havia sido o melhor sexo de sua vida. Selvagem e rude, do jeito que lhe haviam contado, e para o qual fora treinada, do jeito que devia ser.
Antes de Selena permitir-se deitar-se ao lado dele e deslizar para seu próprio sono, sorriu tão largamente que suas bochechas doeram.
Ela fora, pela primeira vez na vida, não só bem e verdadeiramente fodida, mas marcada pelo macho que amava. Mesmo com o futuro que tinha de enfrentar, era difícil
não se sentir abençoada.
Capítulo VINTE E DOIS
iAm recobrou consciência, mas manteve os olhos fechados. O que o acordou foi a dor excruciante na parte de trás da cabeça; aquilo e o frio do chão sobre o qual
estava deitado. Por um momento, considerou bancar o gambá e tentar descobrir onde estava pela audição, olfato e instintos, mas não havia motivo para isto.
Ele sabia exatamente onde o tinham posto.
Bastardo traidor fodido.
Levantou as pálpebras e viu uma grande porção de nada. Só que, estava deitado de bruços, um braço por baixo do tórax como se tivesse sido jogado...
Uma porta abriu no canto atrás de si. E ele percebeu não pelo ranger de dobradiças, mas pela súbita adição de vozes e passos na cela.
- Porque eu checaria suas marcas? - um macho perguntou. Não era s'Ex.
- É o protocolo.
Sim. Nada havia mudado.
iAm voltou a fechar os olhos e ficou perfeitamente parado, exceto por respirar superficialmente enquanto as pegadas se aproximavam.
Houve um engasgo. E então dedos apalparam suas costas, como se esticassem a pele onde havia sido marcado, como todos os machos eram, aos seis anos de idade.
- Isto não pode estar certo.
Os passos se afastaram apressadamente e, ele supôs que a porta voltou a ser fechada.
Erguendo a cabeça, sua visão borrou-se e voltou ao foco. Não havia mais ninguém na cela bem iluminada de seis metros por seis, as paredes branco brilhante, tão
lisas que ele poderia ver seu reflexo escuro nos painéis de mármore.
Sua cabeça doía tão infernalmente que foi forçado a deitá-la de novo, a bochecha achando o exato ponto na pedra que havia sido aquecido pela temperatura de seu
corpo desmaiado. Seu braço estava matando-o, sentia o membro anestesiado e dolorido ao mesmo tempo, mas, lhe faltava energia para se mover e tirar o peso do corpo
de cima dele. Deitado ali, respirando, existindo, ele não fazia ideia de quanto tempo havia se passado, o que iam fazer com ele, ou se ele ia descobrir que sua brilhante
ideia de que estava vivo era um engano.
Do nada, veio-lhe uma imagem mental dele saindo do Sal's na noite anterior, saindo livremente do restaurante que amava, conversando com os garçons.
Pegou-se desejando poder rebobinar o tempo e voltar àquela encarnação de si mesmo, suas lembranças do jeito que a noite sentia-se fria em seu rosto, e como a
fumaça dos cigarros dos garçons subiam espiraladas das pontas acesas, tão claro que, por um momento, pareceu impossível não poder retornar àquele lugar no tempo...
Pisar nos sapatos que calçava então... Reassumir a vestimenta de sua pele, do mesmo modo como reassumia sua forma após se desmaterializar.
Mas é claro, o tempo não funcionava assim. E a memória era como um show de televisão da própria vida, uma tela de filme ao qual se podia testemunhar, mas, não
interagir, mudar o curso ou redirecionar.
O desespero por Trez, grande motivador de sua vida, havia o levado de volta ao coração do inimigo que ele e o irmão dividiam.
E havia uma chance muito boa de que esta merda fosse vencê-lo.
Com um gemido, rolou para o lado e piscou algumas vezes. Suas armas, assim como a túnica que vestia, haviam desaparecido. E não havia mais nada na cela...
A porta abriu, o painel deslizou silenciosamente na parede. E quem entrou estava coberto da cabeça aos pés em camadas sobrepostas de tecido, o rosto coberto,
o pé coberto, mesmo as mãos enluvadas.
Seria a Morte? Perguntou-se. Teria ele desmaiado e estaria sonhando...
Um sutil aroma foi registrado.
Mas não em seu nariz. Em todo o seu corpo.
Como uma corrente de eletricidade.
A porta foi fechada por trás da figura alta e coberta. E enquanto o macho se aproximava, iAm fez de tudo para assumir um tipo de postura defensiva.
Não conseguiu muito.
Uma mão enluvada se esticou; ele foi rolado de volta; e então sentiu o toque na base de sua coluna.
- Eu vou... Matá-lo... - iAm murmurou. - Machucá-lo.
De que forma, não fazia ideia. Mas ia lutar, isso era uma maldita certeza.
A figura recuou um passo. Inclinou a cabeça como se considerando o método de morte que seria usado.
No s'Hisbe, a maior parte dos prisioneiros eram primeiro torturados. Amaciados, iAm sempre pensara. Então eram massacrados, enterrados ou devorados por s'Ex
e seus guardas, dependendo do crime.
Este último era uma tradição orgulhosa. Também simplificava a questão sobre o que fazer com o corpo.
iAm fechou os punhos e preparou-se para o que se abateria sobre ele.
Só que a figura simplesmente o observou por um longo momento. E então recuou para a porta e saiu.
Oh. Okay. Eles verificaram quem ele era, e viram que não havia motivo para matá-lo antes de capturarem Trez novamente. Aquilo seria um desperdício de recursos.
Merda.
Relaxando os músculos, ele tentou mover-se e rezou que as habilidades naturais de cura de seu corpo cuidassem da concussão rapidamente.
Ele ia precisar ser capaz de enfatizar suas palavras de resistência com mais do que um corpo inerte e membros feitos de chumbo.
Maldição, ele jamais devia ter confiado em s'Ex.
De volta em Caldwell, Paradise sentou-se na cama, sobre as pernas, olhos fixos no céu noturno do outro lado de suas janelas fechadas e trancadas.
- Então você vai mesmo? - disse ela, ao celular.
Peyton riu.
- Diabos, claro, está brincando? Estou morrendo de vontade de sair daqui. Desde os ataques estou trancado, e o fato de meus pais me deixarem entrar neste programa
de treinamento é um milagre.
Ela olhou para as trancas na porta de seu próprio quarto, as quais, a propósito, estavam trancadas naquele momento.
- Me pergunto se meu pai me deixaria ir, - murmurou.
Houve uma pausa. Então uma risada.
- Oh, meu Deus, Paradise. Não. Uh uh. De jeito nenhum.
- É, você deve ter razão. Ele é realmente protetor...
- Aquele programa não é para fêmeas.
Ela fechou a cara.
- Com licença. O decreto da Irmandade dizia que seriamos bem-vindas se quiséssemos tentar.
- Okay, primeiro, "tentar" não significa "ser aceita". Você sequer já fez uma flexão?
- Bem, tenho certeza que conseguiria se eu...
- Segundo, você nem é uma fêmea comum. Digo, olá, você é membro de uma Família Fundadora. Seu pai é o Primeiro Conselheiro do Rei. Você precisa ser preservada
para procriação.
A boca de Paradise se abriu em choque. - Não acredito que acabou de dizer isto.
- O quê? É verdade. Não finja que as regras são as mesmas para fêmeas como você. Como, se um sujeito civil, que só por acaso use saias, quiser fazer uma tentativa,
tudo bem. Seria uma perda que não significaria nada para a espécie. Mas, Parry, não sobraram muitas como você. Para machos como eu? Não queremos nos emparelhar com
ninguém menos que vocês, e existem hoje quantas, quatro ou cinco de vocês?
- Esta é a racionalização mais machista que já ouvi. Vou desligar.
- Aw, vamos lá. Não fique assim.
- Vai se foder. Eu sou mais do que só um par de ovários no qual se pode colocar uma aliança.
Ela desligou e pensou em arremessar o celular contra a parede. Quando não conseguiu seguir o impulso, começou a se preocupar com todos os seus modos inatos que
no fundo só reforçavam que Peyton estava certo.
Ela era mesmo só uma flor de estufa, não prestava para nada além de xícaras de chá, ter filhos e...
Quando seu celular começou a tocar de novo, ela jogou-o sob o edredom, deitou-se no chão e plantou a palma das mãos sobre o tapete de crochê. Esticando as mãos,
equilibrou na ponta dos dedos dos pés.
- Certo, - ela disse, cerrando os dentes. - Para cima e para baixo. Cem vezes.
Ela conseguiu descer sem dificuldades, os braços mais do que famintos por obedecer. E quando seu nariz tocou o padrão de um vaso de flores que havia no tapete,
ela sentia-se uma fera, pronta para arrebentar com tudo.
Subir foi... Aceitável.
Descer de novo para o tapete. Eeeeee subir.
Mais ou menos. Os músculos em seus bíceps começaram a tremer; os cotovelos falsearam; os ombros gritaram.
Ela conseguiu três vezes. Ou, tipo, duas vezes e meia. Antes de cair no...
- O que está fazendo?
Com um ganido, Paradise levantou-se. Seu pai estava na porta do quarto, segurando a chave que ele usava para abrir todas as portas, e as sobrancelhas dele se
ergueram tanto, que quase encostaram na linha do cabelo.
- Flexões, - ela disse, arfando.
- Para que?
Pergunte, ela pensou. Desembuche e diga, Eu quero me juntar ao programa do Centro de Treinamento da Irmandade...
Seu telefone tocou de novo.
- Não vai atender? - Seu pai perguntou.
- Não. Pai, eu tenho uma...
- Algo aconteceu, querida. - Ele fechou e voltou a trancar a porta. - E preciso ser franco com você.
Paradise dobrou as pernas e enlaçou-as com o braço.
- Fiz algo errado?
- Oh, não. Claro que não. - Ele meneou a cabeça ao olhar para ela. - Você é a melhor filha que qualquer macho poderia desejar ter.
Quando seu telefone parou de tocar, ela teve de se perguntar quanto dos pontos de vista de Peyton seu pai dividiria. E quantas vezes Peyton ia tentar ligar para
ela de novo.
- Preciso que faça suas malas, - ele disse.
Paradise recuou.
- Por quê?
- Preciso que fique longe daqui por algumas semanas.
Um jato de frio atravessou-a.
- Por quê?
- Oh, amor. - Ele se aproximou e se ajoelhou. - Por nada. É só que, eu achei que poderia gostar de ter um emprego.
Agora foram as sobrancelhas dela que se ergueram.
- Sério?
Ela havia levantado o assunto alguns meses atrás, quando, após outra noite tomando lições de piano e fazendo bordados complicados e intrincados a fizeram sentir-se
como se fosse enlouquecer. Mas, ele havia cuidadosamente negado, no interesse de sua segurança, um ponto que ela tanto respeitava quanto a deixava frustrada.
Era difícil discutir que o mundo não era um lugar muito perigoso para vampiros.
- O que mudou? - Então ela se lembrou do parente distante. - Espere, aquele macho vai continuar por aqui?
- Não é nada com ele. Além disto, meu cargo de Primeiro Conselheiro está ficando mais complicado e trabalhoso, e preciso de alguém em quem possa confiar para
me ajudar com os negócios do Rei. Eu não posso imaginar ninguém mais apropriado do que você.
- Sério? - Ela disse, estreitando os olhos. - Não há nenhuma outra razão?
- De verdade. Prometo. - Ele sorriu. - Então o que diz... Gostaria de trabalhar comigo?
Com um súbito movimento de felicidade, ela agarrou o pai em um abraço. - Oh, obrigada! Sim! Estou tão animada.
Ele riu.
- Okay, mas você terá de se mudar para a mansão de audiências do Rei. Não se preocupe, não estará sozinha. Pode levar sua dama de companhia doggen, e a Irmandade
tem a equipe completa no local...
Paradise ergueu-se e correu para o closet. Abriu as portas e começou a separar as peças de seu conjunto de bagagens Louis Vuitton.
- Estarei pronta em meia hora! Quinze minutos! - Ela abria gavetas, pegando roupas de baixo, sutiãs, camisetas. - Oh, o senhor chama Vuchie? Ela ficará tão animada!
Vagamente, ouviu o pai rir.
- Como desejar, minha senhora. Como desejar.
Capítulo VINTE E TRÊS
Rhage retomou forma no gramado da antiga mansão de Darius, e caminhou para a entrada da frente. No momento em que entrou na casa, ouviu uma série de suspiros,
e olhou para a esquerda. No salão, havia um monte de civis amontoados em pé, em um grupo estranho, como se não se sentissem confortáveis sentados em todos aqueles
móveis elegantes revestidos de seda, e os olhos que se arregalaram ao vê-lo.
É, sua reputação ainda o precedia.
Jesus, bastava ter sido um puto por alguns séculos, e as pessoas continuariam te julgando, mesmo depois de você se redimir e emparelhar adequadamente.
Era um pé no saco e, em uma noite normal, teria se aproximado e se apresentado, só para falar de Mary.
Esta noite, no entanto, se dirigiu às portas fechadas do que certa vez fora a sala de jantar. Batendo duas vezes, disse. - Sou eu.
Tohr abriu a porta com uma saudação, e Rhage entrou em uma sala mais cavernosa, mais vazia: Tudo o que havia ali eram algumas cadeiras, uma mesa com uma cadeira
de escritório, e alguns assentos auxiliares, para serem usados em alguma audiência que tivesse gente demais para acomodar.
- Sem explosivos, - Wrath estava dizendo de uma das poltronas. - Nem armadilhas.
V estava em meio ao processo de acender um cigarro enrolado à mão, e ao tragar, o aroma de tabaco turco flutuou.
- Hollywood e eu repassamos a casa como um pente fino. Eles claramente estiveram lá. Tinham partido pelo que pudemos apurar. Mas, não se incomodaram de tentar
nos foder.
Com sua mão da adaga, Wrath acariciou a cabeça do golden retriever que o ajudava a se locomover. George, sempre em adoração a seu dono, tinha o focinho voltado
para o Rei, oferecendo livremente a garganta. - Então Throe não mentiu.
- Pelo menos não sobre isto, - V murmurou.
- Interessante.
Rhage olhou em volta para os rostos de seus irmãos. Z e Phury estavam em pé, juntos como sempre. Qhuinn estava próximo a Z, e então Blay e John Matthew, mesmo
os machos não sendo membros, estavam ao seu lado. Butch estava do lado oposto ao Rei, com os braços pousados no apoio da poltrona onde apoiava seu peso; V estava
atrás ele. Tohr estava perto da porta.
- O que fazemos agora? - Rhage perguntou.
- Esperamos. - Wrath se inclinou ainda mais e acariciou os pelos do cão. - Se ele começar a remexer na merda, vai se enforcar. A aristocracia terá de ser monitorada...
Precisamos de uma fonte infiltrada. Alguma ideia?
Naquele momento, houve outra batida na porta. Tohr encostou o ouvido no painel e então abriu a porta. - Peça e receberá.
Abalone enfiou a cabeça pela porta.
- Meu senhor? Sinto muito me intrometer, mas posso, por favor, apresentar minha filha, antes de começarmos as audiências desta noite?
Wrath gesticulou para o macho se aproximar com a mão livre. - Sim, traga-a.
Abalone retirou a cabeça da fresta da porta e houve uma conversa sussurrada. Então reapareceu, puxando um projeto de fêmea. Com os cabelos louros, corpo magricelo
e pernas longas, ela estava mais para o lado Princesa Ártica do sexo frágil.
Bela. Muito bela. Talvez até mesmo linda... Embora não chegasse aos pés de sua Mary.
Abalone levou a garota até se aproximar, uma mão guiando-a pelo cotovelo, seu orgulho de pai estufando o seu peito. - Meu estimado governante, grande Rei de
toda...
- É, é, chega disto, - Wrath cortou, - Paradise, soube que está se mudando para a casa de minha shellan e seu irmão. Seja bem-vinda.
Quando ofereceu o diamante negro, Paradise fez uma reverência, as mãos tremendo tanto que pareciam tremular à luz do candelabro.
- Meu senhor, - ela sussurrou antes de beijar a joia.
Liberando a mão dele, ela endireitou-se e olhou para o chão, os ombros encurvados, pés travados.
- Quer conhecer meu cão? - o Rei perguntou.
George, sempre pronto para um carinho na cabeça, bateu com a cauda no chão, o som como o de alguém batendo corda no chão de terra.
- Pode fazer carinho nele, - Wrath disse. - Eu deixo.
A garota olhou rapidamente para o resto da Irmandade, os olhos baixados para os shitkickers. E foi quando até Rhage sentiu pena dela. Uma grande parte da aristocracia
tratava suas fêmeas tão mal, que nunca eram admitidas na presença de machos de quem não fossem parentes, então esta era, sem dúvida a primeira vez que ela ficava
em um ambiente com tanta testosterona.
- Vá em frente, George. Diga oi.
Ao incentivo de Wrath, o cão veio para frente e sentou a bunda peluda bem em frente a ela, com os ouvidos inquietos, e aquela cauda balançando de um lado para
outro.
- É... É um garoto? - Perguntou ela, suavemente quando se abaixou no chão e estendeu a mão para todo aquele pelo.
- Sim. - Wrath olhou para cima. - Está certo, bando de imbecis, apresentem-se, está bem? E sejam educados.
Todos pigarrearam. Por fim, Phury deu um passo à frente e fez as apresentações. Provavelmente foi melhor assim... ele era o mais próximo de um cavalheiro que
tinham.
- Que bom que está aqui, - o Primale disse. - Eu sou Phury... Nós amamos seu pai, a propósito. É um cara legal.
Eeeeeee isto fez Abalone quase levitar para fora de seus sapatos Bally.
Ela olhou para aqueles olhos amarelados e lhe deu um sorriso. - Oi.
- Aquele ali é meu gêmeo, - ele indicou Z, e Zsadist, sempre consciente de sua aparência ameaçadora com aquela cicatriz no rosto, continuou afastado, erguendo
a mão quando Paradise recuou. - Zsadist é emparelhado e tem uma filha chamada Nalla. Ela é maravilhosa... Olha aqui uma foto dela.
Enquanto Phury estendia seu celular, a garota olhou para a foto. Olhou para Z. Voltou a olhar para a foto.
- Minha bebezinha, - Z disse, em uma voz profunda. - Ela tem dois anos, e parece com sua mahmen.
Instantaneamente a garota relaxou. Então Phury apresentou Vishous, que só acenou e Butch, que lhe deu um "Oi, como vai!" típico de Boston. John Matthew, Blay
e Qhuinn foram os próximos e então Phury indicou Rhage.
- E o Brad Pitt ali é Hollywood.
Ele sorriu. - Prazer em conhecê-la.
O olhar de Paradise fixou-se nele, os olhos arregalaram, mas não de medo. Longe disto.
- É, ele é lindo, - alguém disse. - Até conhecê-lo melhor.
- Aww, vamos lá, - Rhage respondeu. - Não me difame.
A conversa brotou, com Wrath fazendo à Paradise algumas perguntas para encorajá-la a falar de si. Quando a garota voltou a atenção ao Rei, Rhage pensou na época
antes de conhecer Mary. Sem dúvida ele teria dado em cima daquela inocente... E teria conseguido conquistá-la. Ele nunca falhava, já que controlava sua besta fodendo
com tudo e com todos que passavam perto dele. O que era bom para ele. Não tão bom para as fêmeas que queriam manter sua virtude.
E ele não tinha dúvida de que Paradise era uma dessas.
Então sim, ele estava feliz de conhecê-la sob estas circunstâncias, quando não havia absolutamente nenhuma chance de ele dar em cima dela. Ele emparelhara com
sua Virgem, do jeito que Vishous previra que ocorreria, e sua vida fora salva.
Por alguma razão, um sentimento de enjôo o transpassou.
Levou a mão até o bolso, tirou o celular. Verificou as mensagens de texto.
Trez, o pobre bastardo, ainda não tinha respondido. Parecia estúpido incomodar o cara de novo, dado tudo aquilo com o que ele já tinha de lidar, mas, era difícil
não tentar contatá-lo de novo.
Rhage desejava que houvesse algo mais a fazer para ajudar o cara e sua Escolhida.
Ele realmente desejava.
Não havia como ligar a seta.
Quando Layla dirigiu sua Mercedes de volta à mansão da Irmandade, ela trazia seu braço machucado pousado no console entre os assentos, uma jaqueta sobressalente
amontoada por baixo para aumentar a altura e diminuir os balanços.
A dor era atordoante, o tipo de coisa tão forte que era sentido nas entranhas.
Então não, não havia como sinalizar direita ou esquerda.
Pelo menos não havia ninguém naquela estradinha rural tão tarde da noite.
Passaram-se horas, talvez dias até ela chegar à montanha da mansão, e o mhis foi um pesadelo. A distorção da paisagem de V, uma medida de segurança para manter
sua posição em segredo, implicava em ver tudo borrado, como se uma neblina houvesse caído sobre a floresta. Exausta de tanto conter a vontade de vomitar, em combinação
com a visão falha, significava que ela se sentia completamente perdida, e seu instinto foi se inclinar e se aproximar do pára-brisa... O que não ajudou.
Tudo aquilo só fez seu braço doer ainda mais.
Quando as luzes brilhantes da mansão finalmente entraram em foco, ela rezou, rezou para que os Irmãos estivessem todos lutando para que ela conseguisse chegar
ao quarto sem ninguém vê-la. Contornando a fonte que já estava coberta para o inverno, ela estacionou perto do GTO roxo de Rhage e do brinquedo novo de Butch, uma
Mercedes preta que parecia uma caixa de pão.
Ela teve de se contorcer para controlar o volante e empurrar a alavanca da marcha para estacionar o carro na vaga... E descobriu que tinha de se esticar ainda
mais para apertar o botão Stop/Start para desligar o sedã. Daí foi questão de respirar superficialmente pela boca enquanto se recuperava do esforço. Olhando pelo
espelho retrovisor, ela teve uma visão da entrada da mansão... E não fez ideia de como chegaria até lá. Muito menos de como se arrastaria até o quarto.
Não havia outra escolha. Ou ela fazia isto sozinha, ou teria de pedir para outra pessoa mentir por ela: não tinha como esconder o ferimento, não enquanto tão
fresco. E ela não podia deixar Qhuinn descobrir o que acontecera.
Ou, pior ainda, o que ela andara fazendo quando caíra.
Maldição, esta situação era punição por sua vida dupla... Suas duas realidades opostas se chocando, nocauteando-a, expondo-a.
Potencialmente.
Hora de entrar.
Layla teve uma nova uma lição em termos de dor ao abrir a porta e tentar erguer-se do assento de couro, o braço gritando quando o osso quebrado se moveu.
Recuperar o fôlego. Vários deles.
E então de alguma forma, conseguiu sair do carro.
A mansão sempre fora assim tão longe da área de estacionamento?
Contornar a fonte não foi muita questão de botar um pé em frente ao outro, mas cambalear sobre os paralelepípedos tentando não desmaiar. Quando chegou aos degraus
de pedra que levavam às portas do tamanho de catedrais, ela quis chorar. Em vez disto, subiu de uma só vez.
Ao abrir as portas do vestíbulo, percebeu que cometera dois erros: deixara o carro destrancado, e ela teria, de fato, de interagir com alguém... Não havia jeito
de entrar na casa sem colocar a cara na frente da câmera de segurança e esperar ser atendida.
Olhando de volta para a Mercedes, não teve energia para voltar e fechá-lo. E tentar dar a volta para a entrada de serviço da garagem estava...
Foi onde as coisas acabaram.
Enquanto sua mente se debatia entre as suas opções limitadas, seu corpo desconectou-se sozinho da tomada da consciência: desligou e a gravidade fez sua mágica,
o degrau se ergueu para saudá-la com um abraço duro, muito duro.
Que ela não sentiu.
Capítulo VINTE E QUATRO
Era quatro da manhã quando Assail guiou seu Range Rover blindado até a beira do Rio Hudson. A alameda onde estava era tão larga quanto um lápis e suave como
uma corrida de obstáculos. Ao lado dele, Ehric estava calado, a .40 do macho pousada sobre as coxas, um dedo inquieto sobre o gatilho, pronto para atirar ao menor
sinal de movimento ou barulho.
Um rápido olhar pelo espelho retrovisor mostrou-lhe que o gêmeo de Ehric, Evale, encontrava-se igualmente alerta e preparado para qualquer coisa.
Cerca de vinte metros adiante da "estrada", era possível ver a clareira pouco profunda na margem. O procedimento era o mesmo todas as vezes: Ele pararia o SUV
na linha das árvores e daria a volta de forma que, se algo imprevisto acontecesse, ele poderia sair rapidamente com o dinheiro ou as drogas. Então ele esperaria
com seus rapazes, geralmente, cerca de dez minutos, antes que o barco de pesca ruidosamente aparecesse.
Seus primos usavam coletes à prova de balas. Ele não.
Eles estavam sóbrios. Ele não.
Nem isto era surpresa. Ele jamais se importara com qualquer tipo de proteção peitoral, e a outra coisa? A esta altura, teria de abster por vários dias para que
a cocaína saísse completamente de seu sistema.
Ao continuar dirigindo, deixou sua mente vaguear, a imagem de outro tipo de baía, um tipo diferente de água, apresentando-se e se recusando a sumir.
Ele viu a praia. O oceano. Palmeiras. Tudo isto brilhando à luz da lua.
Viu uma fêmea caminhando sozinha ao longo do calor acariciante do mar, seus braços cruzados sobre o peito, a cabeça baixa, a aura de uma sobrevivente cheia de
arrependimentos...
- Cuidado! - Ehric exclamou.
Assail forçou-se a se concentrar bem antes do Range Rover comer carvalho como Última Refeição... Ou, mais provável, seria o contrário.
Felizmente, a viagem acabou minutos depois, e ele conseguiu manobrar sem dificuldades, amassando o mato seco e curto até a grade imensa do SUV estar virada para
frente. Não havia faróis foi outra das modificações que ele havia providenciado junto com a blindagem.
O motor silenciou e seus dois passageiros saíram. Antes de se juntar a eles, retirou um vidrinho de dentro de seu casaco de lã. Um giro rápido. Colher na mão.
Sniff. Sniff.
E duas outras para a outra narina.
Após um rápido bufar para se assegurar que tudo estava onde devia, saiu do interior morno. Devolveu seu estoque para o local seguro, se envolveu ainda mais no
casaco. O ar noturno estava muito frio, e folhas caídas eram trituradas sob suas botas ao se juntar aos primos.
Não houve conversa.
E ainda assim, a desaprovação pelo seu nível de consumo estava evidente pela tensão em suas mandíbulas.
Mas isto não importava a ele. Tanto fazia eles desperdiçarem o fôlego com palavras, ou simplesmente o fitarem com ar zangado, como agora, ele não tinha intenção
de mudar seus hábitos.
O som de um único barco à motor vindo em velocidade baixa surgiu tão baixinho que, de início, não seria possível distingui-lo dos ruídos do ambiente da floresta
e do rio. Mas, logo, o barco de pesca deu a volta para a curva da costa, lento e baixo para a água. Havia dois indivíduos sentados no casco aberto, ambos vestidos
como pescadores acima de qualquer suspeita com seus bonés e coletes camuflados, somente as máscaras pretas indicavam algo nefasto. Também havia varas de pesca montadas
em corrente, estendendo-se por trás da popa.
O capitão aproximou o barco humilde de frente, desacelerando o motor para que parasse com um beijo, e não um soco.
Os primos se aproximaram enquanto Assail manteve-se na retaguarda, com sua própria .40 a postos. Os aromas dos dois machos humanos os identificaram como diferentes,
mas relacionados aos dois que vieram da última vez. E da vez antes daquela. E assim por diante.
- Onde estão os outros? - Assail exigiu.
Os homens pararam no processo de pegar três das cinco sacolas que estavam escondidas sob uma lona camuflada.
Assail sorriu fracamente diante de sua surpresa. - Acharam que eu não saberia?
- Eu sou irmão, - o da esquerda disse em um pesado sotaque inglês. - Ele é primo.
Assail inclinou a cabeça, aceitando a explicação. Na verdade, ele não se importava quem entregava seus produtos, contanto que fossem pontuais, pelo preço e qualidade
acordados e sem interferência de agentes da lei humana.
Até agora, tudo bem com estes dois.
Momentos depois, Ehric e o irmão aceitaram as bolsas e se afastaram, um olhando para frente, outro para trás, para cobrirem todo o terreno.
- Um momento, - Assail pediu lentamente. - Se não se importam.
Os humanos pararam de novo, e ele sentiu a ansiedade deles de modo tão claro quanto uma reverberação na superfície de uma mesa, a transferência de energia viajando
facilmente através do ar que separava seus corpos.
- O que mais tem aí embaixo? - disse ele, apontando para a lona. - Há mais duas sacolas, não há?
O mais baixo deles, o primo, arrumou a cobertura de volta no lugar e voltou-se para os controles do barco.
- O esquema mês que vem, - o outro disse, - o mesmo?
- Entrarei em contato com seus chefes.
- Muito bem.
Só isto, eles voltaram a seu caminho, ruidosamente contra a corrente vagarosa de água fria, com a propaganda de outra empresa na lateral.
Franzindo o cenho, Assail observou enquanto eles cruzavam o leito das águas e prosseguiam paralelamente à margem oposta.
Um momento depois, voltou ao Range Rover e quando bateu na janela da porta do passageiro, Ehric baixou o vidro.
- Sim? - O macho disse.
- Vou segui-los. - Assail acenou na direção do barco. - Eles estão negociando com outra pessoa. Quero descobrir quem.
Com um gesto curto de concordância, Ehric desmaterializou para o assento do motorista e engatou o SUV. - Eu também percebi. Ligue se precisar de ajuda.
Quando o Range Rover se afastou, Assail se virou e caminhou de novo para a água. Fechando os olhos, teve de lutar contra o efeito da cocaína para se acalmar,
e levou um tempo até poder se desmaterializar no vento gelado. Quando retomou forma, alguns quilômetros abaixo do rio, esperou até o barco aparecer de novo. Os homens
não percebiam sua presença, já que ele se escondeu entre as árvores coloridas e contrastava com a vegetação marrom, observando-os passar.
Mesma velocidade de motor. Mesmo protocolo para entregar as mercadorias para ele. A questão era: quem era o próximo cliente?
E que tipo de drogas eles estariam vendendo?
O chefe deles havia concordado em lidar exclusivamente com ele nesta parte do estado de Nova Iorque. E embora a competição fosse boa para o capitalismo, não
era bem-vinda em seu território; também desnecessária à declaração de renda deles. Seus pedidos eram suficientemente grandes e tão constantes que ele valia por vários
negócios dignos de respeito.
Os bastardos.
De fato, era necessária honra entre os fora-da-lei. Para o bem de todo mundo. E ele havia elevado a sua parte da barganha, pagando cada vez mais. Mês após mês
após mês.
Mas estava preparado para resolver este problema.
Prontamente.
Mortalmente.
Rhage, Tohr e V voltaram à mansão não muito depois de conhecer o motivo de orgulho e alegria de Applebottom, com Butch seguindo no Range Rover. Quando os três
reassumiram suas formas físicas no quintal, uma luz brilhava entre a fila de carros e chamou a atenção deles.
Rhage foi até a porta aberta da Mercedes azul bebê. - Layla?
Só que não havia ninguém lá dentro, remexendo a bolsa ou juntando sacolas, antes de ir atravessar o gramado até a casa.
Ele fechou a porta. - Ela não...
- Layla! - Tohr gritou. - Oh, merda!
Rhage olhou na direção da entrada da mansão. A pesada porta do vestíbulo estava meio aberta, uma perna se estendia ao nível do chão, o tornozelo mantinha os
painéis abertos.
Os três dispararam até os degraus. Enquanto Rhage abria mais o tremendo peso da porta, V, com seus conhecimentos médicos, pulou sobre o corpo colapsado e começou
a checar os sinais vitais.
- Tohr, - Rhage disse, - chame...
Mas seu irmão já estava com o telefone no ouvido - Oi, Jane? Precisamos de você aqui no vestíbulo. Layla desmaiou. V, sinais?
Quando o irmão botou o celular na cara de V, Vishous disse à companheira, - Batimentos cardíacos estáveis, mas lentos. Assim como a respiração. Sem sinal visível
de trauma.
- Ouviu isto? - Tohr disse, voltando a falar. - Bom, obrigado! - Ele encerrou a chamada, e imediatamente voltou a discar. - Ela está trazendo Manny e Ehlena.
- De volta ao ouvido. Espera. Espera.
Ele estava, obviamente, ligando para Qhuinn...
Por alguma razão, o mundo ficou vacilante para Rhage: em um minuto, ele olhava para Layla, e pensava que não havia nada mais aterrorizante do que uma fêmea grávida
caída em qualquer tipo de chão. No seguinte, o vestíbulo girava em volta dele como uma bola no fim de um barbante, sua cabeça, o ponto central da tontura, seu equilíbrio
estranhamente não comprometido...
- Ele vai cair!
Huh. Acho que ele não estava tão firme quanto achou.
Quando sentiu uma mordida em seu bíceps, baixou o olhar e viu a mão de Tohr travar-se em seu bíceps, segurando-o.
Uau. Que másculo, Rhage pensou.
Uma rodada de sais vitorianos só porque uma fêmea está...
- Layla!
A aparição em pânico de Qhuinn bem perto dele lhe deu o estímulo para acordar de que precisava, sua mente clareou enquanto o macho abria seu caminho até chegar
à fêmea que carregava seu filho. Blay, como sempre, estava logo atrás dele, pronto a fazer qualquer coisa para apoiar o companheiro.
- O que diabos aconteceu? - Qhuinn exigiu.
V começou a falar. Dra. Jane e equipe chegaram. Equipamentos médicos foram tirados de uma maleta preta antiquada.
Virando-se para Tohr, que ainda o amparava, Rhage ouviu uma estranha versão de sua voz dizer, - Estou tendo problemas para respirar, irmão.
Tohr voltou a cabeça para sua direção. - Qual o problema?
- Eu não sei. Não... Consigo respirar. - Ele massageou o peito com a mão livre. - É como se houvesse um balão aqui. Tomando todo o espaço.
Enquanto a equipe médica rolava Layla de costas, o pessoal da primeira fila praguejou. O braço dela estava no ângulo errado, a parte abaixo do cotovelo mostrando
uma torção feia que deve ter acontecido quando ela desmaiou.
- Rhage? - Alguém lhe disse, - Olá?
Ele olhou para Tohrment, - O que?
Thor inclinou-se, - Quer tomar um pouco de ar fresco?
- Já não estamos do lado de fora? - Para responder a esta pergunta, olhou para o céu - Sim, estamos...
- Que tal darmos uma voltinha?
- Quero ajudar.
- Sim, eu sei disto. Mas, acho que sair para caminhar é uma boa ideia. Você está branco como papel, e se apagar agora, posso garantir que não vai ter ninguém
para amaciar sua queda e não precisamos de mais pacientes agora.
- Huh?
- Vamos.
Quando seu irmão puxou o braço, Rhage começou a esfregar o peito. - Eu não sei porque não consigo respirar...
A última imagem que teve, ao se afastar, foi do rosto de Layla virado para o lado, os olhos abertos, mas, sem enxergar nada.
- Ela morreu? - Ele sussurrou. - Ela morreu?
- Vamos, irmão meu...
- Morreu?
- Não. Está viva.
Cada vez que piscava, via seu cabelo louro no mármore como líquido derramado, os lábios tão pálidos quanto o rosto, aqueles olhos verde-jade, opacos e imóveis.
- Mary? Sim, Mary, tenho uma situação aqui com seu garoto. Pode vir agora?
Quem estava falando? Oh sim, Tohr. Ao telefone. O Irmão havia sacado o telefone.
Rhage começou a balançar a cabeça. - Não, ela não pode vir. A mãe no Lugar Seguro. Ela tem de ficar...
- Está bem, obrigado. - Tohr desligou - Ela está vindo agora.
- Não, eles precisam dela...
- Irmão? - Tohr aproximou o rosto do rosto de Rhage. - Tenho certeza que você não sabe como está sua aparência agora. Faz o favor de sentar aqui... Sim, bem
no chão. Bom garoto, está indo bem.
Os joelhos de Rhage seguiram as instruções, seu cérebro estava preocupado demais com o quanto sua shellan não precisava perder seu tempo precioso com ele. Mas,
parecia que aquele ônibus já tinha partido do ponto.
Colocando a cabeça entre as mãos, Rhage se inclinou para frente e se perguntou se não teria algo errado com seus pulmões. Uma gripe vampírica de ação rápida.
Uma infecção. Um veneno qualquer.
A grande mão de seu irmão fez círculos lentos em suas costas, e sob aquela palma pesada, a besta, em sua forma de tatuagem, surgiu e se moveu como se o pequeno
ataque de Rhage tivesse deixando-a nervosa.
- Sinto-me estranho. - Rhage disse. - Não consigo... Respirar...
Capítulo VINTE E CINCO
Nos primeiros quilômetros, Assail se satisfez em se desmaterializar no encalço do barco. No entanto, por volta da quarta vez em que retomou forma, se impacientou
pela chegada ao destino, a troca que seria feita, identidade do terceiro envolvido a ser revelada.
E havia outro motivo para ficar inquieto. Com o aumento da distância viajada, os dois homens se aproximavam cada vez mais da cidade de Caldwell, o que era uma
ideia idiota.
Mesmo que já fosse noite avançada, o centro da cidade não era como o subúrbio e estariam rodeados por humanos por todos os lados; com certeza, dificilmente humanos
com crédito com a polícia, mas, olhos curiosos eram olhos curiosos, e cada rato sem rabo, por mais ignorante que fosse, tinha um celular nos dias de hoje.
Ele até poderia ser capaz de se desmaterializar, mas, aquela dupla no barco não sabia executar aquele truque... E ele queria ser a pessoa a ensinar uma lição,
não deixaria o Departamento de Polícia de Caldwell chegar na frente.
Desaparecendo de novo, foi forçado a retomar forma em meio às árvores plantadas à beira de um dos parques públicos da margem de Caldwell. E o barco continuou
em frente.
Inacreditável.
Enquanto esperava para ver se indicavam a nova posição, e havia uma boa chance de que indicassem, porque não havia mais cobertura na costa, um comichão familiar
começou a formigar na base de seu pescoço, desencadeando a necessidade por mais coca.
A necessidade vinha cada vez mais rápido ultimamente. A ponto de ele ser forçado a reconhecer sua sorte por curar-se tão rápido. Se fosse um mero humano? Já
teria desviado o septo há meses.
Buscando em seu bolso, tirou o vidrinho. Só sentir a suavidade do frasco o fazia relaxar. Ele queria consumir a droga, mas não podia correr o risco de não conseguir
se desmaterializar. O problema com o seu vício era que a necessidade por uma nova dose estava surgindo antes que o efeito da dose anterior tivesse sequer começado
a diminuir, a lombriga em suas entranhas se remexendo, remexendo, exigindo mais e mais enquanto seu corpo e cérebro lutavam para lidar com as velozes e enormes cargas
da droga que consumia.
E de novo, a última coisa que queria era se colocar em dificuldades por estar nervoso demais para desaparecer.
Deus, ter isto em comum com a espécie humana com quem negociava era humilhante demais para descrever...
- Oh, só pode ser brincadeira. - Ele murmurou quando o barco finalmente demonstrou estar entrando em um lugar para aportar.
Mas não um lugar seguro. Certamente não um que ele teria escolhido.
A dupla pilotou a embarcação em direção à uma casa de barcos vitoriana. Claro que as janelas estavam escuras, mas havia luzes de segurança brilhando nas ripas
que revestiam seu exterior, e sem dúvida uma patrulha do Departamento de Polícia, fazia turnos regulares no espaço que havia por trás da estrutura.
Mesmo assim, ele teria de entrar, caso eles entrassem.
E eles entraram.
Sem ideia do layout do interior do local, programou-se para retomar forma nas sombras entre aquelas irritantes luzes externas, suas roupas pretas mimetizando-o
contra a lateral envelhecida da casa de barcos. Quando o barco entrou em uma das vagas, o som de seu motor patético ecoou, soando como um homem velho nos estertores
finais de um ataque de tosse mortal.
Virando-se para uma das janelas, Assail concentrou seu olhar astuto através do vidro canelado. A área interior era bem extensa e, assim que identificou o seu
ponto, se desmaterializou e passou através da mesma entrada que os entregadores usaram. Teve o cuidado de reassumir sua forma física, encolhido em um canto apertado
no extremo oposto, entre uma estante de suprimentos de tripulação, caída em montes, e uma floresta de dispositivos pessoais de flutuação cor de laranja pendurados
em ganchos.
O motor foi desligado e o par conversava suavemente em idioma estrangeiro. Após silenciarem, o único som era a água se movendo e gargalhando por baixo do barco
e através do escoramento das docas.
Assail odiava cheiro de peixe morto, flora decomposta e lonas úmidas no ar.
Após um tempo, a aproximação de algo no exterior chamou sua atenção, e então, uma luz amarela penetrou o interior. Localizando uma janela empoeirada, olhou para
fora, só para ver um caminhão do Departamento de Parques Públicos de Caldwell estacionando.
Bem, agora, isto está a ponto de ficar interessante.
Ou a entrega ia ser interceptada e chamariam a polícia... Ou algum humano que trabalhava para os parques estava tentando aumentar sua renda mensal através de
suborno.
Descobriu que errou nas duas.
A porta principal rangeu ao ser aberta e, no instante em que uma figura masculina apareceu no umbral, o ar gelado que vinha de trás, espalhou o cheiro de lesser
na casa de barcos.
E então, o Forelesser com quem Assail havia feito negócios, entrou com uma sacola de ginástica na mão.
Filho da Puta.
Como se atreve o bastardo a me passar para trás, pensou Assail, ao mesmo tempo em que suas presas se alongavam, por vontade própria. E como infernos aquele matador
havia conseguido fazer contato com o fornecedor?
Formulando um plano para a emboscada, Assail sacou suas duas armas .40, e desejou ter tido o cuidado de colocar silenciadores. Não havia esperado usá-las na
porra do centro de Caldwell, pelo amor de Deus.
- Me deixe vê-las. - O Forelesser declarou. - Abra as sacolas e me deixe vê-las.
Assail deu um passo à frente, pensando que poderia...
Cada um dos carregadores abriu uma mala e exibiu o conteúdo.
Não. Eram. Drogas.
Nada parecido.
Ao invés dos grandes tijolos selados em camadas de papel celofane, havia...
Armas. De grosso calibre, que se esfregavam, metal contra metal, umas contra as outras nas sacolas de ginástica.
Na escuridão era difícil determinar, exatamente, as especificações das armas, mas parecia haver uma variedade de metralhadoras ou rifles.
O lábio superior recuado de Assail voltou a ao lugar.
Embora estivesse preparado para interceder na eventualidade de uma negociação de drogas/dinheiro, não sentia mais tal compulsão.
Se o Forelesser quisesse usar seu lucro para comprar armas, era problema dele.
Deixando a casa de barcos do mesmo jeito que havia entrado, Assail dirigiu-se rio acima, em direção à sua casa envidraçada na península.
A única coisa com a qual se importava era se aquele lesser continuaria a vender seus produtos nas ruas e clubes de Caldwell em tempo hábil, confiável e honesto.
- Não, não, estou bem. Juro.
Enquanto falava, Rhage sentou-se à mesa de madeira maciça na cozinha da mansão da Irmandade. Os outros habitantes da casa estavam se reunindo para uma tardia
Última Refeição, os doggens enfileirando-se para dentro e para fora da porta vai-e-vem, levando bandejas de prata do tamanho de tampos de mesas, cheias de todos
os tipos de comidas recém-preparadas, molhos e vegetais.
Do outro lado, Mary encostou-se à ilha com topo de granito que ficava no centro da cozinha, com os braços cruzados sobre o peito, os olhos treinados fixos nele,
como se avaliando um de seus pacientes do serviço social.
Contorcendo-se, ele quis se juntar aos irmãos e suas shellans, mas, pela expressão dela, aquilo não aconteceria tão cedo.
- Fritz? - Disse ela. - Vou preparar alguma coisa para ele, tudo bem?
O mordomo parou em meio ao processo de trazer um conjunto de mesa. - Eu ia fazer um prato na outra sala e trazer para cá...
- Eu quero cuidar de meu marido, - disse ela gentilmente, mas com firmeza. - Mas, se quiser... Mesmo que isto vá contra cada instinto autossuficiente de meu
corpo, eu deixo as panelas e os pratos para você lavar.
O rosto velho e enrugado de Fritz assumiu a expressão de um cãozinho basset a quem tivessem negado frango com a promessa de mais tarde ter um bife: tanto preocupado
quanto excitado. - Se houver qualquer coisa em que eu possa ajudar...
Três membros da equipe, em seus uniformes cinzentos e brancos, voltaram de mãos vazias da sala de jantar, o trio se dirigindo para o carregamento final que era
destinado a ser levado e servido nas várias mesas de apoio daquele enorme espaço iluminado.
- Na verdade, - sua Mary murmurou, - você acha que ele e eu podemos ter um pouco de privacidade aqui?
- Oh, sim, senhora. - Fritz de alguma forma se iluminou. - Assim que servirmos os pratos principais, eu mesmo levarei a equipe para o saguão. Eles ficarão mais
do que satisfeitos em esperar lá.
- Obrigada. - Ela apertou levemente seu braço, o que o fez corar. - E só até a hora da sobremesa. Eu sei que vai querer a cozinha livre para ela.
- Sim, senhora. Obrigado, senhora. E eu pessoalmente limparei tudo após sua saída.
O mordomo fez uma acentuada reverência, pegou a última bandeja de prata, e tirou todo mundo dali. Quando a porta vai e vem parou, a adorada shellan de Rhage
olhou para ele.
- Ovos? - Ela disse.
Diante daquela única palavra, o estômago de Rhage rugiu. - Oh, Deus, seria maravilhoso.
Mary anuiu e foi até a geladeira. Pegou uma bandeja fechada de ovos, um galão cheio de leite e uma caixa de manteiga; então, no armário, uma frigideira, uma
grande tigela de misturar e vários utensílios recém-lavados.
- Então, - disse ela, ao partir o primeiro dos doze ovos. - Eu queria mesmo saber o que aconteceu lá.
Até aquele momento, Rhage fora bem sucedido em evitar a questão. Aparentemente, o indulto havia acabado.
- Estou bem, sério.
- Ok. - Ela parou em meio ao ato de quebrar um ovo e sorriu para ele. - Mas, como sua esposa, seu bem-estar é realmente importante para mim. Então, se tem alguma
coisa te incomodando, não saber o que é faz eu me sentir excluída.
Ai. Só... Ai.
Quando ela começou a bater a mistura crescente de ovos, o som úmido o fez imaginar o conteúdo de sua própria cabeça.
Baixou os olhos para o tampo esburacado da mesa e deslizou o dedo em um dos veios da madeira de carvalho.
- A verdade é que eu não sei o que houve. Eu só me senti muito estranho e tive de me sentar. Mas, agora estou bem. Provavelmente foi só uma coisa passageira.
- Mmm, bem, me conte como foi sua noite.
- Não aconteceu nada demais. Fui até o esconderijo do Bando dos Bastardos e invadi...
- Não começou na clínica, com Trez e Selena?
- Oh, sim. Mas, isto foi tipo, ontem, quando ela estava... Sabe, quando ela foi levada para lá. - Ele balançou a cabeça. - Não quero pensar nisto agora, se não
se importa.
- Está bem, então esta noite você foi até o esconderijo do Bando dos Bastardos?
- Bem, primeiro passamos na casa de Abalone. O primo dele debandou das tropas de Xcor e nos disse onde ficava o esconderijo. De qualquer forma, eu e V invadimos
o lugar.
- O que procuravam?
Ele deu de ombros. - Bombas. Armadilhas. Este tipo de coisa. Nada demais.
Ela emitiu outro som de mmmm ao derramar o conteúdo da tigela em uma frigideira do tamanho do assento do banco do Hummer de Qhuinn. - E você ficou preocupado
em se ferir lá?
- Não. Bem... Eu me preocupei com os irmãos, claro. Mas, faz parte do trabalho.
- Está bem. E então, foram para onde?
- Fui te ver. Daí à antiga casa do D., fizemos um relatório para Wrath e voltamos para cá. Era para eu me consultar com Manny para dar uma olhada no processo
de cura daquele ferimento. V também.
- Está bem. - Ela foi até a torradeira com capacidade para seis torradas e carregou-a com o pão branco industrializado, total e plasticamente fantástico que
era o favorito dele. - Então, você chegou aqui, e o que viu?
Ele piscou e viu o pé de Layla esticado para fora do vestíbulo. Então visualizou o rosto de Qhuinn ao se abaixar para a fêmea caída que carregava seu filho.
- Oh, você sabe.
- Mmmmm? - O cheiro de ovos sendo preparados acionou o botão do modo "Coma-agora" em seu organismo. - O que?
- Bem, você sabe o que aconteceu.
Quando Mary chegou, uma maca havia sido trazida da clínica e Layla havia sido carregada, o corpo transferido do chão para a maca, cuidadosamente, por Qhuinn
e Blay.
Rhage caiu em silêncio e massageou o peito.
Pop! Fez a torradeira, e um momento depois, um prato com tudo feito exatamente do jeito que ele gostava, foi posto a sua frente.
Junto com uma caneca de chocolate quente, um guardanapo e talheres... Mas, o mais importante, sua adorável Mary.
- Esta é a melhor refeição de minha vida, - disse ele, só de olhar para a comida.
- Você sempre diz isto.
- Só quando você cozinha para mim.
Era engraçado. Como humana, sua Mary jamais conseguiria entender a reação de um vampiro macho, quando a fêmea com a qual era vinculado preparava comida com as
próprias mãos, para ele. Esse tipo de coisa era um ato secreto, porque ia contra o âmago do instinto masculino que era prover e satisfazer as necessidades de sua
companheira, acima de tudo e todos, incluindo ele próprio, os irmãos, o Rei e todos os filhos que pudessem vir a ter.
Rhage era programado para alimentá-la primeiro e só então comer o que sobrasse. Mas, antes que ela mandasse Fritz e os doggens para fora, ela havia dito estar
cheia, já que havia feito um lanche no Lugar Seguro uma hora atrás.
- Vai esfriar. - Ela disse, esfregando o braço dele.
Por alguma razão, os olhos dele se enevoaram e ele teve de piscar para afastar as lágrimas.
- Rhage? - Ela sussurrou. - Seja o que for, pode dizer.
Com um movimento rápido, ele negou com a cabeça. - Estou bem. Só quero aproveitar o banquete.
Ele ergueu o garfo e começou a alternar: uma garfada de ovos, uma mordida na torrada, uma garfada de ovos, uma mordida na torrada, gole, gole, gole de chocolate
quente. E repetiu tudo até limpar o prato.
- Como a fêmea está? - Perguntou ele, ao limpar a boca e se recostar no espaldar da cadeira.
- Eu não sei, - Mary meneou a cabeça. - Simplesmente não faço ideia como isto vai acabar.
- É grave assim? - Quando ela estremeceu, ele disse, - Se houver algo que eu possa fazer...
- Bem, na verdade...
- É só dizer.
Ela estendeu o braço e tomou a mão dele, virando a palma para cima. Levou um tempo até ela falar, e quando ele já começava a se preocupar, ela disse:
- Quero que você imagine, apenas por um momento, que pode ter sido perturbador para você ver Selena quase morrer e testemunhar a dor de Trez. Quero que considere
que não é "só trabalho rotineiro", para ninguém, ter de invadir uma casa onde jamais esteve, sem saber se algo irá explodir ou te emboscar ou matar você ou alguém
que você ama. Quero que reflita que, ir até Wrath e não poder dizer-lhe que encontrou os Bastardos, ou que desarmou uma bomba, ou coletou algum tipo de informação,
soa como fracasso para você. E finalmente, quero que entenda que, voltar para casa e ver Layla no chão, sabendo que está grávida, e o quanto se importa com ela,
Qhuinn e Blay, é outro trauma. Acho que você teve um dia difícil, e suas emoções meio que entraram em pane.
- Eu não me sinto perturbado, minha Mary. Por nada disto. Estava tudo bem...
- Até você ter o ataque de pânico na frente da casa.
- Eu não tive um ataque de pânico.
- Você disse que não conseguia respirar. Que suas mãos e pés formigavam. Que estava tendo problemas para se conectar à realidade. Para mim soa sintomas típicos
de um ataque de pânico.
Ele negou com a cabeça. - Eu não acho que foi isto.
- Está bem.
Rhage inalou profundamente e fitou o rosto de sua amada. - Você é a fêmea mais linda que eu já vi.
- Tenho certeza que não...
Ele tomou o rosto dela entre as mãos, acariciando com carinho. Enquanto seus olhos vasculhavam as feições familiares, ele não conseguia ter o suficiente dela.
Deus, nunca era o suficiente. Nem uma noite, um mês, um ano, uma década... Nem a eternidade que a Virgem Escriba tinha milagrosamente lhes concedido, jamais seria
suficiente para ele.
- Você é a fêmea mais linda que eu já vi. - Ele acariciou os lábios dela com os seus. - Não sei o que fiz para merecer um destino com você, mas jamais, jamais
vou te subestimar.
O sorriso que teve em resposta foi melhor do que o brilho do sol que ele jamais via, envergonhando até a bola de fogo que sustentava toda a vida, inclusive as
daqueles que não suportavam seus raios.
Eles ainda estavam sentados daquele jeito, perdidos no olhar um do outro, quando os doggens vieram, para a sobremesa.
- Quer subir? - Ele disse em uma voz profunda e sombria, sua besta começando a surgir sob sua pele. - Estou pronto para a sobremesa.
O aroma dela chamejou. - Está?
- Mmm hmm.
- Quer que eu pegue um pouco de sorvete para você?
Ele estreitou o olhar na boca dela. - Nada disto. Eu quero chupar outra coisa.
- Bem, então, - ela sussurrou, colando a boca na dele, - vamos te alimentar.
Capítulo VINTE E SEIS
Suor frio.
Trez acordou suando frio, cada centímetro de sua pele encharcado, sua temperatura interior gelada a níveis árticos, o coração batendo tão rápido, que parecia
que alguém havia enfiado a coisa em uma batedeira de bolos. Erguendo-se do travesseiro, gritou...
Cama. Ao invés de algo terrível e chocante... Tudo o que viu foi uma porção de sua cama, e tudo estava absolutamente normal, do abajur que brilhava próximo à
ele, a suas roupas jogadas sobre a chaise, aos sapatos caídos obliquamente onde foram chutados no amanhecer passado.
Por um momento, ficou confuso. Virgem Escriba. Um lugar qualquer, místico. Selena na grama, na clínica, congelada, congelada...
Um gemido suave quebrou o fio entre pesadelo e realidade.
Virando-se subitamente, viu Selena deitada em sua cama, os ombros nus aparecendo acima dos lençóis, os cabelos negros espalhados na fronha branca, rosto e corpo
virados para o outro lado.
Fechando seus olhos, ele cedeu, e desejou que tudo tivesse sido um sonho ruim.
Mas, então, voltou ao foco e se concentrou em sua fêmea, puxando o edredom mais para cima, para mantê-la aquecida, discretamente se inclinando para verificar
se ela ainda estava respirando, se perguntando se deveria arranjar um pouco de comida para ela.
Como se sentisse sua presença, ela se revirou e, mesmo no sono, seu rosto se fechou em uma careta, como se o movimento causasse dor.
Caralho. O sexo fora selvagem, cru, violento. Depois do corpo dela ter enfrentado tudo aquilo.
Maldito fosse ele, pensou, ao passar a palma da mão pelo rosto. Como podia ter feito aquilo com ela? Devia ter se contentado em somente se masturbar até o pau
ficar insensível.
Pior de tudo? Ele não sabia se poderiam realmente resolver as coisas entre eles. Ainda assim, se sentia um imbecil.
Estendendo a mão para a mesinha de cabeceira, pegou o celular e viu que horas eram. Quatro e quarenta e quatro da manhã.
Ele não iria dormir mais. Livrando-se dos lençóis, foi até o banheiro, fechou a porta, usou o banheiro e tomou um banho rápido. Então voltou, tirando seu par
de fones de ouvido da gaveta da mesa de cabeceira, antes de voltar a se enfiar na cama.
Movendo-se lentamente, foi tão cuidadoso em voltar para a cama quanto fora para sair dela, manobrando seu peso de quase cento e quarenta quilos no colchão, sem
deslocar Selena como se fosse um trampolim.
Ao ele se reposicionar, deu uma rápida checada em sua fêmea e ficou aliviado ao descobrir que ela ainda dormia. O que meio que o aterrorizou. E se ela estivesse
em coma ou...
Como se procurasse por ele, ela tateou pelo edredom.
- Estou bem aqui, - ele sussurrou.
Instantaneamente, ela parou a busca, e quando ele segurou sua mão, a palma estava quente, vital, do jeito que sempre estivera.
Ele levou um tempo para estudar os dedos dela, dobrando-os, medindo os movimentos, procurando por pontos de resistência. O que não era certo, ele pensou.
Era injusto tentar tirar informações do corpo dela sem seu conhecimento e consciência... E como forma de se desculpar, ele interrompeu-se, e alisou as unhas
cor de rosa e os semicírculos brancos e curtos que ela aparava regularmente. Quando o sono a reclamou novamente, ele se sentiu... Devastadoramente sozinho. Mesmo
que estivessem lado a lado, ele recostado na cabeceira da cama, com ela aninhada em seu corpo, não parecia estar conectado a ela. Disse a si mesmo que era uma simples
questão de dormir e acordar. Aquela era a divisão... Nada tão assustador quanto o fato das ondas cerebrais serem lidas diferentes em uma tomografia computadorizada.
Era besteira, claro. E quanto mais tentava forçar-se a acreditar na mentira, mais preso se sentia... Então, para calar seu conflito interno, ele ligou o rádio
na estação SiriusXM em seu celular, conectou os fones de ouvido e tentou ficar confortável. Ou confortável de alguma forma.
Ou... Pelo menos, não consumido pela necessidade de pular para fora de sua própria pele.
Naturalmente, porque sua sorte era uma bosta, a primeira coisa que ouviu no rádio, foi mais más notícias.
- Está brincando? - Ele murmurou alto quando a voz de Howard Stern inundou seu crânio. - Eric, o ator está m...
As sobrancelhas de Selena se contraíram como se considerasse acordar e ele fechou a matraca. Mas, não conseguia acreditar que mais um do Wack Pack10 se fora.
Parecia cruel à luz de tudo o que ele estava passando.
Merda, era como se as notícias ruins estivessem fazendo um esforço concentrado para sair das sombras e encontrá-lo.
Selena acordou lentamente, e o aroma do corpo de Trez foi a primeira coisa que notou. O som da voz dele foi em seguida. A sensação das mãos dele sobre as suas,
a terceira.
Abrindo os olhos, ela o viu sentado ao seu lado na cama, os olhos negros, absorto em seu celular, as sobrancelhas baixas como se houvesse recebido notícias perturbadoras
através de uma mensagem de texto ou...
- Está tudo bem? - Ela perguntou.
Quando ele não respondeu, ela percebeu que ele tinha fios saindo do celular para seus ouvidos como se estivesse ouvindo alguma coisa.
No instante em que ela apertou sua mão, ele pulou tão alto que os fones caíram.
- Oh, meu Deus! Você está acordada.
- Sinto muito, não queria assust...
- Merda, não sinta... Está bem? Precisa da Dra. Jane?
- Não, não... - Ela tentou fazer o cérebro funcionar. - Estou bem, é só... Parece perturbado?
Quando ele olhou para ela, o único som no quarto era o ruído dos fones.
Ela puxou as cobertas mais ainda para cima. - Há algo errado comigo?
- Oh, Deus, não. Eu, ah, não... Não é nada. - Ele olhou para o celular. - Só, um cara que era do The Stern Show morr...
Quando ele se interrompeu, os olhos arregalados, como se quase houvesse dito algo imperdoável.
- Morreu? - Ela terminou por ele.
- Eu, ah...
- Você ainda pode pronunciar a palavra, - ela deu um aperto na mão dele de novo. - De verdade.
Trez pigarreou e afastou o celular. - Está com fome?
- Na verdade não.
- Com sede?
- Não.
Ele mexia nos lençóis. O edredom. - Está quentinho aí?
Franzindo o cenho, ela sentou-se e encostou-se aos travesseiros. Olhando para ele, sorriu. - Estou contente de ter vindo aqui. Para conversar e... Fazer aquelas
outras coisas.
- Está mesmo? - Os olhos dele, aqueles lindos olhos amendoados, se voltaram para ela. - Sério? Eu acho que fui violento demais no modo como...
O sorriso dela se estendeu. - Eu realmente, realmente, perdi minha virgindade agora.
Ele corou. Corou da verdade, uma mancha vermelha tingiu suas bochechas. - Me preocupa ter te machucado.
- Nem um pouco. Quando podemos fazer de novo...
O engasgo de Trez foi súbito e ruidoso, e ela teve de bater nas costas dele para ajudá-lo a respirar novamente.
- Está bem? - Ela disse, ainda sorrindo.
- Ah, sim. É que você tem um jeito de me surpreender.
Por um momento, ela se lembrou dele vindo a ela no Santuário. Mesmo paralisada na ocasião, ela soubera o instante em que ele chegara. Fora um milagre. Mas, como
ele soubera?
- Como me encontrou? Lá em cima, no Santuário?
Ele meneou lentamente a cabeça. - Você não vai acreditar.
- Tente.
- A Virgem Escriba. Eu estava em meu clube, resolvendo uns assuntos, Rhage e V estavam comigo. De repente, aquela... Figura apareceu... Vestida de preto, iluminada
por baixo do tecido, uma voz que eu ouvi aqui dentro, - indicou a cabeça, - ao invés de nos ouvidos. A próxima coisa que vi? Eu estava... Bem, de qualquer forma.
Eu estava com você.
Agora foi a vez dela de mexer nas cosias. - Eu sinto muito.
- Por quê?
- Por você ter me visto assim. Sinto muito por tudo isto.
- Diabos... Como eu disse antes, como se fosse culpa sua estar doente?
- Eu sei, mas ainda assim. Eu queria... - ela tentou virar a cabeça para trás para poder olhar para o teto, mas o pescoço anda estava dolorido demais.
- Você está sentindo dor.
- Não é incomum. É como sempre me sinto. Eu... Bem, que seja.
Aparentemente, dois podiam fazer aquele jogo de evitar um assunto.
- Isto é tão forçado, - ela soltou.
- O que?
Ela teve de virar o tórax para poder olhar para ele de verdade. E vagamente, avaliou como era bela a pele escura dele contra os lençóis brancos, o contraste
fazia ambos parecerem cintilar.
Selena tentou achar as palavras. - Eu sinto como se houvesse esta enorme... Não sei, distância ou algo assim... Entre nós. Não faz sentido, digo, você está bem
aqui ao meu lado... Mas, há palavras nas quais estamos tropeçando, assuntos sobre os quais não queremos falar... Bem, isto é um saco. Porque agora? Esta é a melhor
parte, digo, dá uma olhada.
Ela ergueu a mão livre com os dedos esticados, fechou-os e tornou a abrir.
- Acordada e flexível é tão melhor do que o jeito que eu estava antes, não é? - Quando ele simplesmente olhou para ela, sentiu-se tola. - Desculpe, acho que
isto soa estranho.
Trez se inclinou e beijou-a, seus lábios demorando-se. - Não... - ele se afastou. - Isto... Eu sei o que quer dizer. Não é loucura e você está certa. Esta é
a melhor parte...
- Você está tão quente.
Trez soltou outra tossida. - Maldição, fêmea. O que deu em você...
- Eu lhe disse a noite passada, ou céus, que horas eram? De qualquer forma, eu te disse antes, sou toda honestidade agora.
As pálpebras dele caíram. - Gosto de honestidade. Então, me deixe perguntar, se eu te pegasse no colo e te carregasse para o chuveiro, você...
- Me ajoelharia de novo sob o jato quente para ver se você é tão gostoso quanto eu me lembro?
O som que ele fez não foi uma tossida. Mas, também não foi nada coerente. Foi parte grunhido, parte rosnado, com um pequeno gemido no meio, como se estivesse
se preparando para implorar...
Mais ou menos a coisa mais sexy que ele já ouvira.
- Isto foi um sim? - Ela falou lentamente.
Ele beijou-a novamente, com mais força desta vez. Por mais tempo também. Então ele a fitou, com olhos que ferviam. - Merda, estou morrendo aqui.
Quando Trez interrompeu-se de novo, ela sentiu-se atingida pela palavra de novo. Em se tratando deles, aquela era realmente, uma palavra matadora. Mas, era ela,
e não ele.
- Sinto muito, - ela forçou-se a sorrir. - Vamos lavar nossas preocupações...
- Eu vou achar uma cura para isto, - ele disse, com seriedade. - Eu não vou deixá-la perder a luta, Selena. Eu vou, literalmente, mover céus e terras para mantê-la
ao meu lado... Para que não haja nada no meio de nós dois, nada além de nossa pele nua... Nossas almas.
Lágrimas subiram aos olhos dela, e ela as conteve, desejando que sumissem e não voltassem a aparecer. Estendendo a mão para o rosto bonito dele, passou as pontas
dos dedos sobre suas feições.
- Eu te amo, Trez.
- Deus, eu te amo também.
Capítulo VINTE E SETE
Quando Layla acordou, estava deitada de lado em uma superfície muito mais suave do que o chão do vestíbulo. Em pânico, levou a mão à barriga.
Tudo parecia o mesmo, o inchaço firme, do tamanho que sempre fora... Mas, querida Virgem Escriba, teria ela machucado a criança? Ela conseguia se lembrar de
sair do carro, da luta para caminhar até a entrada da mansão, e de lá ter perdido a consciência...
- Bebê, - ela murmurou, - bebê, está bem? Bebê?
Instantaneamente, os olhos azul e verde de Qhuinn estavam bem à sua frente. - Você está bem...
Como se ela se importasse com ela mesma naquela hora. - Bebê!
Com uma súplica, pensou, por que antigamente reclamara de estar grávida? Talvez aquilo fosse punição por ter...
- Está tudo bem. - Qhuinn olhou para o outro lado do quarto, se concentrando em alguém que ela não conseguia ver. - Bem, apenas... Okay, é... Bem.
Ela jamais se perdoaria.
O alívio foi tão grande, que lágrimas subiram aos seus olhos. Se ela tivesse perdido o filho deles por estar no encontro com Xcor? Porque andara bisbilhotando
enquanto ele... Fazia aquilo com seu próprio sexo?
Ela jamais se perdoaria.
Com um pedido, ela se perguntou por que sequer pedira ao macho para fazer aquelas coisas. Era tão errado em diversas formas, adicionando ainda mais culpa quando
ela já estava com a coisa atolada até a garganta.
- Oh, Deus, - ela gemeu.
- Você está com dor? Merda, Jane...
- Estou bem aqui. - A boa doutora ajoelhou-se ao lado de Qhuinn, parecendo cansada, mas alerta. - Olá, Layla. Que bom que voltou. Só para saber, Manny engessou
seu braço. Havia uma fratura.
Houve algumas explicações sobre seu tempo de recuperação e quando o gesso poderia ser retirado, mas ela não prestou atenção em nada daquilo. Dra. Jane e Qhuinn
estavam escondendo algo dela: Os sorrisos de tranquilidade eram como fotografias da coisa real... Pareciam reais, mas eram falsos.
- O que não estão me dizendo?
Silêncio.
Quando ela lutou para se sentar, foi Blay que ajudou, gentilmente apoiando o braço bom e para lhe dar um pouco de impulso.
- O que? - Ela exigiu.
Dra. Jane encarou Qhuinn. Qhuinn olhou para Blay. E Blay... Foi o que eventualmente enfrentou o seu olhar.
- Há algo inesperado, - o guerreiro disse, - no ultrassom.
- Se me fizer perguntar "o que", de novo, - ela disse, por entre dentes cerrados, - vou começar a jogar coisas, e que se dane o meu braço quebrado.
- Gêmeos.
Como se o tempo e a realidade fossem um carro que subitamente tivessem seus freios acionados, houve um metafórico som de freada em sua mente.
Layla piscou. - Desculpe... O que?
- Gêmeos, - Qhuinn repetiu. - O ultrassom mostrou que são gêmeos.
- E perfeitamente saudáveis. - Dra. Jane completou. - Um é significantemente menor, e seu desenvolvimento está atrasado, mas parece viável. Eu não vi o segundo
feto nos ultrassons anteriores porque, Havers me contou que as gestações em vampiros são diferentes das humanas. Acontece que aparentemente outro óvulo fertilizado
pode se implantar, mas não entra em um estágio de significante embriogênese até muito mais tarde... Seu último ultrassom foi há dois meses, por exemplo, e eu não
vi nada antes.
- Gêmeos? - Layla sufocou.
- Gêmeos. - Um dos três repetiu.
Por algum motivo, ela se lembrou do momento em que descobriu estar realmente grávida. Mesmo que a gravidez fosse o objetivo e ela e Qhuinn houvessem feito o
que fizeram só para chegar lá, a confirmação de que sua necessidade vingara meio que a estonteara. Parecia milagroso, e avassalador... Uma alegria assustadora que
ela não estava inteiramente certa de que não fosse derrotá-la.
Agora ela sentia o mesmo.
Tirando a parte da alegria.
Ela sabia de duas de suas irmãs que esperaram gêmeos, e uma das gestações não deu certo. Da outra, havia nascido um único bebê vivo.
Lágrimas começaram a se derramar de seus olhos.
Aquelas não eram boas novas.
- Ei! - Blay se inclinou, com um lenço. - Isto não é ruim. Não é.
Qhuinn concordou, embora seu rosto continuasse uma máscara. - É... Inesperado. Mas não é de todo ruim.
Layla colocou as mãos sobre o estômago. Dois. Havia dois bebês que agora, tinha de levar em segurança até a reta final.
Dois.
Querida Virgem Escriba, como isto acontecera? O que ela ia fazer?
Enquanto as questões corriam por sua cabeça, ela percebeu... Bem, inferno. Como muitas coisas na vida, aquilo estava fora de suas mãos. Uma impossibilidade manifestada;
sua função, agora, era fazer o que pudesse para ajudar a si mesma e aos bebês descansarem, se nutrirem e ter os cuidados médicos necessários.
Esta era a única coisa que podia diretamente controlar. O resto?
Só cabia ao destino.
- Pode haver outros? - Layla perguntou.
Dra. Jane deu de ombros. - Acho altamente improvável, mas gostaria de enviar uma amostra do seu sangue para Havers. Ele tem muito mais experiência do que eu
nisto, e após analisar o hormônio específico da gravidez vampira, ele crê que pode arriscar a dizer a sua situação. Ele disse, no entanto, que trigêmeos são virtualmente
inéditos, e que o seu caso está no curso típico de gestação de múltiplos. A menos em casos extremamente raros de gêmeos idênticos como Z e Phury, o segundo embrião
atrasa seu desenvolvimento até a gravidez estar bem avançada. Quase como se na espera para ver se as coisas estão indo bem antes de se juntar à festa.
Layla baixou os olhos para seu abdômen distendido, e jurou nunca, jamais reclamar sobre coisa alguma. Nem de tornozelos inchados, ou dos seios doloridos, ou
de ter de ir ao banheiro a cada dez minutos. Sem. Mais. Chororô.
Nunca mais.
O fato de ela ter perdido a consciência, caindo de cara em um chão de mármore, e ainda conseguir ter aquele bebê...
Aqueles bebês, ela se corrigiu em choque.
... Em seu corpo, em segurança, era um lembrete que as dores e os desconfortos eram menores em comparação ao cenário maior, o grande objetivo, a grande preocupação.
Que era dar à luz a eles no momento certo, e fazê-los sobreviver.
- Então você consente? - Dra. Jane perguntou.
- Desculpe, o que?
- Tudo bem eu enviar uma amostra do seu sangue para Havers analisar?
- Oh sim. - Ela estendeu o braço bom. - Pode tirar...
- Não, já coletamos a amostra.
Ah, o que explicava a bolinha de algodão colada na parte interna de seu cotovelo.
Seu cérebro não estava funcionando direito.
- Foi por isto que ela desmaiou? - Qhuinn perguntou. - Por causa do outro bebê?
Dra. Jane deu de ombros de novo. - As amostras dela parecem bem... E já estão estáveis há um tempo. Quando foi a última vez que se alimentou, Layla?
O problema não era se ela tinha tomado veia recentemente. - Eu...
- Podemos resolver isto agora. - Qhuinn anunciou - Blay e eu podemos ambos lhe oferecer nossas veias.
Dra. Jane anuiu. - É lógico pensar que, com o segundo bebê requerendo mais nutrição, suas necessidades calóricas e de sangue devem ser maiores do que tenha percebido.
Eu acho possível que você tenha extrapolado seus limites e isto acabou por te esgotar.
Layla sentiu-se totalmente entorpecida e teve de forçar um sorriso. - Eu tomarei mais cuidado. E obrigada. Eu realmente agradeço seus cuidados.
- De nada. - Dra. Jane deu ao pé de Layla um leve aperto por cima das cobertas leves. - Descanse. Você vai ficar ótima.
Quando a médica saiu, Layla pensou nos estranhos anseios sexuais que vinha sentindo ultimamente, além do relativamente súbito aumento de seus sintomas físicos.
Será que era pelo outro bebê...?
- Quer que eu traga algo mais confortável do que isto? - Qhuinn perguntou.
Ela forçou-se a voltar o foco. - Desculpe, mais confortável que...?
- Esta camisola de hospital.
Baixando os olhos, viu que não estava mais com suas roupas. - Oh, Bem. Na verdade, está um pouco mais frio aqui. Uma das minhas túnicas seria legal, mas não
quero que se encrenque.
- Sem problemas. Eu levo suas coisas de volta para seu quarto e pego uma camisola e uma túnica... Enquanto isto, Blay, você pode lhe dar sua veia?
Como resposta, o pulso do soldado apareceu bem à frente dela. - Tome o quanto precisar.
Naquele momento, ela teve uma vontade avassaladora de lhes contar. Confessar. Livrar-se do estresse do último ano, não importando as consequências.
Ela só queria se livrar do fardo terrível que carregava. Assustava.
Atormentava.
Sem dúvida aquilo poderia aumentar as chances de ela carregar melhor aqueles bebês... Menos estresse era bom para fêmeas grávidas, não era? E agora havia duas
vidas em risco, além da dela.
- Layla?
Ela engoliu em seco. Olhou para os dois ali em pé, próximos à cama, preocupados. Ela não queria trair a única família que tinha. Além disto, talvez se contasse
a eles sobre Xcor, eles pudessem... Tornar o local mais seguro. Ou...
Layla pigarreou e agarrou as cobertas na cama como se fosse um rolo compressor entrando em uma curva fechada. - Ouçam, eu preciso...
Quando ela não terminou. Qhuinn quebrou o silêncio - Você precisa se alimentar. É o que precisa fazer.
Como se suas presas tivessem ouvido, elas se alongaram em sua boca, e ela se tornou consciente do fato de que, sim, ela estava morrendo de vontade de se alimentar
de uma veia.
E não, ela não podia contar a eles. Só... Não era bom. Não havia uma boa solução para ela. Eles a odiariam por colocar arriscar sua vida e sua gravidez... E
enquanto isto, Xcor ainda saberia onde eles vivem, porque a Irmandade jamais largaria aquele lugar. Aquela era a casa deles e eles a defenderiam quando ele atacasse
depois que parasse de vê-lo.
Pessoas morreriam. Pessoas que ela amava.
Merda.
- Obrigada, - ela disse, roucamente, para Blay.
- Qualquer coisa por você, - ele respondeu, acariciando os cabelos dela para trás.
Ela tentou tomar o mais gentilmente que podia, mas Blay demonstrou nem ligar. Claro, quando ele e Qhuinn faziam amor, sem dúvida costumavam dar mordidas muito
mais violentas.
Assim que começou a sugar da fonte familiar, absorvendo a nutrição que seu corpo precisava e só obtinha através desta dádiva de um macho de sua espécie, Qhuinn
foi para onde suas roupas foram colocadas em uma cadeira no canto. Ao pegá-las, ele franziu o cenho e olhou para baixo. Então mexeu nas camadas de tecido como se
procurando alguma coisa.
Um momento depois, ela fingiu estar concentrada no que estava fazendo. Ela não tinha ideia do que ele encontrara ou porque estava olhando para ela daquele jeito.
Mas dado o modo como ela vinha vivendo, ela tinha muito que esconder.
- Quando deve ir?
Diante da pergunta de Trez, Selena se concentrou na tigela quente de mingau de aveia que ele havia acabado de fazer para ela. Como já passava muito do amanhecer,
toda a equipe de doggens já estava recolhida em seus aposentos, então ela e Trez estavam sozinhos na cozinha enorme, sentados lado a lado na mesa de carvalho.
- Selena. A que horas é sua consulta?
Ela devia ter ficado de boca fechada. Dois segundos antes, enquanto aproveitava aquela bela preparação de aveia Quaker, com acompanhamento farto de creme e açúcar
mascavo, os dois flutuavam no brilho do que fizeram no chuveiro, em paz e relaxados.
E agora?
Acabou-se, como diziam.
- Primeira hora da manhã.
Trez verificou o celular. - Está bem, está bem. É quase oito. Então se terminarmos rapidinho, conseguimos chegar a tempo.
- Eu não quero ir. - Ela podia senti-lo encarando. - Não quero. Não estou com muita pressa de voltar para lá.
- A Dra. Jane diz que temos de fazer radiografias de suas juntas para monitorar...
- Bem, eu não quero. - Ela colocou uma colher cheia na boca e não sentiu gosto algum. Era só textura. - Sinto muito, mas estou bem agora. Não quero descer e
ser cutucada e furada de novo.
A reticência dela era apoiada pelo fato de que agora estavam na parte boa, e ela não sabia quanto tempo ia durar. Já que nada poderia parar aquilo, por que eles
precisariam sequer se incomodar com...
- Significaria muito para mim se você fosse ver a Jane.
Ela olhou para cima. Trez olhava para as janelas atrás dela, mesmo que as persianas estivessem baixadas e não houvesse nada para ver.
Os olhos dele pareciam atormentados. Como se soubesse que ela não iria à clínica... E que não havia nada que ele pudesse fazer sobre isto.
- Sabe do que tenho mais medo? - Ela ouviu-se dizendo.
Os olhos dele se voltaram para ela - O que?
Ela revirou sua aveia. Provou novamente, o que somente registrou como algo quente. - Tenho medo de ficar presa.
- Como assim?
- Não quero ficar presa aqui, - ela disse, em voz baixa. Então indicou o peito, os braços, as coxas sob a mesa. - Em meu corpo. Tenho medo dos episódios. Estou
viva, sabe, trancada e... Quando acontece, é difícil ouvir e ver, mas, registro as coisas. Eu soube, quando você veio me buscar. Fez toda a diferença. Quando você
estava comigo, eu não me sentia... Mais tão presa.
Quando ele permaneceu em silêncio, ela voltou a olhar para ele. Ele estava olhando de novo para as janelas, que não mostravam nada do dia lá fora, nem se estava
nublado ou ensolarado, se estava chovendo, ou se havia um vento soprando as folhas outonais pelo gramado marrom.
- Trez? - Ela chamou.
- Desculpe, - ele voltou sua atenção. - Desculpe, me distraí por um momento.
Ele se virou na cadeira, apoiando os pés nos degraus sob o seu assento. Então pegou sua mão, a que não segurava a colher e abriu-a contra a própria palma.
- Você tem as mãos mais bonitas que já vi, - ele murmurou.
Ela riu. - Eu acho que está sendo tendencioso, mas, vou aceitar o elogio.
Ele franziu o cenho, as sobrancelhas se juntaram. - Eu posso imaginar como... - ele inalou longa e lentamente, - eu não consigo imaginar nada mais aterrorizante
no mundo do que estar trancado em um local do qual não seja possível escapar; e estar aprisionado no próprio corpo? É inconcebível. É de foder a cabeça de qualquer
um.
- Sim.
Houve um longo período de silêncio àquela altura, com ele sentado à frente de sua tigela, que esfriava, sem tocá-la, e ela brincando com a sua aveia, fazendo
pequenos símbolos "S" com a ponta da colher.
A discussão que estavam tendo ressoava no ar entre eles, o argumento dele de que "é-para-o-seu-próprio-bem" guerreava com o dela "não-até-eu-ser-absolutamente-obrigada".
Não havia razão real para dizer as palavras em voz alta. Ela não ia recuar. E aquilo significava que a única opção dele seria jogá-la em cima do ombro e dar uma
de homem das cavernas, arrastando-a até o Centro de Treinamento.
Finalmente, Selena não aguentou mais e teve de mudar de assunto.
- Às vezes me pergunto... - ela estremeceu, - digo, e se todo mundo estiver errado sobre a morte? E se não houver Fade, mas ao invés dele, a gente só ficar presa
no próprio corpo para sempre, consciente, mas incapaz de se mover?
Ótimo. Ela estava tentando aliviar o clima.
Bela. Tentativa.
- Bem, os corpos... - ele pigarreou, - Sabe... Apodrecem.
- Hmmm, tem razão.
- Embora, como pesadelo de pós vida para mim? Me preocupa um apocalipse zumbi. - Ele pegou a colher e começou a comer, ainda segurando a mão livre dela. - Seria
um saco. Você morre e então passa a vagar pela Terra, fedendo por todo canto, em uma dieta Atkins que, tipo, jamais terminaria.
Ela ergueu a colher para interrompê-lo. - Espere um minuto, veja, você só teria fome, certo? Se encontrasse pessoas para comer, então, a vida seria bem boa para
um zumbi.
- Não se a metade inferior de seu rosto caísse. Sem mandíbula, como se alimentaria? Então seria só fome e não poderia fazer nada para resolver. Um saco total.
- Canudos.
- O que?
- Bastariam canudos.
- Difícil passar um fêmur através de um canudo.
- E um processador. Canudos e processador. E está resolvido.
Com uma gargalhada ruidosa, Trez jogou a cabeça para trás e riu tanto, que foi sorte não acordar a mansão inteira.
- Oh, meu Deus, isso é tão insano. - Ele se inclinou e a beijou. - Tão fodidamente insano.
De repente ela sorria também... Tão forte que as bochechas doeram. - Totalmente insano. Deve ser por isto que chamam de humor negro?
- É. Especialmente se alguém levar a pior. - Trez ficou sério. - E, está bem, então não vá.
- O que? Levar a pior? Claro que não.
- Ver Jane. Se não quer ir, não vou te pressionar.
Selena exalou em um suspiro. - Obrigada. Eu realmente aprecio isto.
- Não precisa agradecer. Não é minha decisão. É sua. - Ele correu a colher pelo interior da tigela. - Acho que é importante que você tenha tanto poder de decisão
quanto possível em cada aspecto de sua vida, especialmente na doença e no modo como lidar com ela. Acho que você se sente como se não tivesse escolha sobre tanta
coisa... Destino... Que se abate sobre você, e isto torna as oportunidades de fazer escolhas especialmente importantes. - Ele olhou para ela, - eu posso ter a minha
opinião, e pode apostar seu traseiro que te direi qual é, mas, a última coisa que quero é pressioná-la. Você já tem problemas suficientes para resolver. Não vou
adicionar mais isto.
- Como você sabe... Deus, é como se soubesse exatamente o que estou pensando.
Ele deu de ombros e seus olhos assumiram um ar alheio. Então ele indicou a lateral da cabeça. - Só um chute. - Ele voltou a se focar nela. - Então, a questão
é, aonde você quer ir?
- Desculpe?
- Aonde quer ir? A clínica está fora de questão... Então o quê?
Selena sentou-se de volta na cadeira. Agora era ela olhando as janelas. - Eu gosto do Grande Acampamento do Rehvenge, se é isto o que quer dizer.
- Seja ousada. Pense grande. Vamos lá, deve haver algum lugar excitante. O Taj Mahal, Paris...
- Não podemos ir a Paris.
- Quem disse?
- Ahh...
- Nunca encontrei nenhum Ahhh, não o conheço, não me importo do quão grande ele seja... Se estiver em nosso caminho? Vou matar o filho da puta.
- Você é tão adorável. - Selena se inclinou e beijou-o na boca. Então tentou forçar seu cérebro a surgir com alguma coisa, qualquer coisa. - Que sorte a minha.
Finalmente consigo um passe livre... E não consigo pensar em nad... Oh! Já sei!
- Diga e realizarei.
- Eu quero ir ao Circle the World.
Trez se recostou também. - O restaurante?
- É. - Ela limpou a boca com um guardanapo. - Quero ir ao Circle the World para um jantar.
- É aquele que gira, no topo do...
- Do prédio mais alto de Caldwell! Eu vi na TV uma vez, enquanto fazia companhia à Layla em seu quarto. Dá para sentar perto da vidraça e olhar para a cidade
toda durante a refeição. - Ela franziu o cenho ao vê-lo engolir em seco, e não por ter engolido uma colher cheia de aveia, - você está bem?
- Oh, sim, absolutamente. - Trez anuiu e estufou o peito ao dar uma de machão para cima dela. - Eu acho que é uma grande ideia. Vamos pedir para Fritz fazer
a reserva para esta noite. Tenho um pouco de influência nesta cidade, então não vai ser um problema. E eles servem jantar até às nove e dez da noite.
Selena começou a sorrir, imaginando-se em uma das túnicas de Escolhida, os cabelos perfeitamente penteados, o corpo normal... E Trez do outro lado da mesa brilhante
que apareceu no comercial de TV, com o guardanapo tão branco, os pratos tão quadrados, a prataria brilhando a luz dos candelabros.
Perfeito.
Romântico.
E nada a ver com estar doente.
- Estou tão excitada. - Ela disse.
A próxima colherada de aveia que pôs na boca estava doce e cremosa e completavam o mais perfeito... Como os humanos chamavam? Desjejum?
Não fazia sentido. Mas, quem se importava.
- Então é um encontro, não é? - Ela percebeu. - Louvada seja a Virgem Escriba, eu tenho um encontro!
Trez riu, o som foi um estrondo em seu peito largo. - Pode acreditar que sim. E vou te tratar como uma rainha. Minha rainha.
Quando ambos voltaram a comer com vontade, ela pensou, uau, que cenário emocional estranho aquilo tudo era, vales profundos de desespero, seguidos por vastas
paisagens, tão emocionalmente puras e belas, que ela sentiu-se honrada por tê-las. Era quase como se sua vida, com o tempo limitado que restava, tivesse sido amarrada
como uma faixa de tecido, que poderia ser suave e normal, mas agora ondulava com grande ressonância.
Ela teria preferido o luxo de séculos. Mas, neste momento, agora, se sentia tão profundamente viva. De um jeito que não podia afirmar jamais ter sentido antes.
- Obrigada. - Disse ela, abruptamente.
- Pelo quê?
Ela baixou os olhos para seu prato de aveia, sentindo o rosto enrubescer. - Por esta noite. É a melhor noite que já tive.
- Você não viu nada, minha rainha.
- Ainda assim, é a melhor noite, - ela olhou dentro dos olhos escuros dele, - de minha vida inteira.
Capítulo VINTE E OITO
iAm acordou ao cheirar a sopa, e assim que seu cérebro se acendeu novamente, não houve nenhuma besteira do tipo "Será que isso é um sonho?" rolando com ele.
Apesar do fato de que esteve apagado por causa de uma concussão, nem um segundo do que levou ao seu desembarque nesta cela no palácio da Rainha foi perdido por ele:
Não a troca rápida de roupa na frente da quase réplica de Abraão Lincoln, nem a entrada pelos fundos do Território, nem o golpe na cabeça que se seguiu ao seu breve
caminhar de um lado para o outro antes disso.
A sopa, entretanto, foi uma surpresa. Era algo que se lembrava de sua infância, uma mistura de abóbora e nata, especiarias e arroz.
E havia outro perfume na cela. O mesmo que encheu seu nariz quando aquele sacerdote tinha vindo para checar suas marcações.
Abrindo os olhos, ele...
Recuou.
Uma maichen, ou seja, uma criada, estava de joelhos diante dele, seu corpo e cabeça envoltos no pálido azul que correspondia à sua função, o rosto coberto por
uma máscara de malha que mostrava absolutamente nada de seus olhos ou características. Nas mãos dela havia uma fina bandeja de madeira que continha a tigela, uma
colher, uma jarra e um copo, assim como também um grande pedaço de pão.
Nenhum sacerdote. Ninguém mais estava com eles.
Ele inalou mais uma vez; então percebeu que a fêmea deve ter entrado com o oficial da corte antes e ele apenas não tinha percebido.
Ele se ergueu do chão. E foi então que percebeu que estava nu.
Que seja. Ele não quis fazer a maichen sentir-se desconfortável, mas se ela não gostasse da vista, podia partir.
Não que ela estivesse olhando para ele. Sua cabeça estava abaixada em submissão, como ela havia sido treinada.
S'Ex aparentemente estava disposto a dispensar algum cuidado a ele enquanto estivesse na prisão; ou pelo menos a mantê-lo vivo por enquanto. E por um momento
ele teve pena desta pobre fêmea cuja posição social era tão baixa que ela era enviada, sozinha, para machos potencialmente perigosos sem nenhuma consideração para
com sua segurança ou seu sexo.
Mas, então, na hierarquia das coisas, ela era considerada como sendo algo essencialmente sem valor.
Triste. Mas ele tinha outros problemas com que se preocupar.
Sem dar atenção à maichen ou à sua situação de estar como veio ao mundo, ele se levantou e caminhou até o biombo no canto mais distante. As instalações de água
ficavam atrás disso e ele fez uso delas, recebendo outro lembrete de que não estava mais no Kansas.
Quando se curvou sobre uma pia como as usadas pela plebe para lavar o rosto, ele teve apenas uma única manopla para ligar a torneira em vez de uma separada para
quente e outra para frio.
Não era por ele ser um prisioneiro: Tudo isso de esperar-ter-água-quente estava entre as coisas com as quais ele teve de se acostumar fora do Território. Os
humanos insistiam em alternar uma mistura de opostos para ter uma temperatura perfeita. Aqui no s'Hisbe? Toda água estava a 36 graus. De água para beber, à água
para escovar os dentes, era uma única constante, nem quente nem frio.
Salpicando o rosto, ele pegou a toalha preta que estava em um suporte de parede e secou-se. Macia. Tão macia. Nada como as dos humanos, e ele era apenas um prisioneiro.
Ele recolocou o tecido úmido no suporte por hábito e caminhou para fora do biombo.
- Diga a s'Ex que eu quero vê-lo.
Prisioneiros normalmente não se davam ao luxo de fazer pedidos, mas ele não se importava. Ele também se recusava a falar no Idioma Antigo ou no dialeto dos Sombras.
Devido a predominância da cultura humana, o inglês era ensinado nas escolas dos Sombras, e era esperado que até mesmo os criados tivessem algum conhecimento rudimentar
da língua.
- E eu não vou comer isso. - Ele acenou com a cabeça para a bandeja. - Então você pode levá-la.
Só Deus sabia o que havia nessa merda, se seria uma droga ou algum tipo de veneno. Ele estava muito confiante de que seu tratamento ali não continuaria sendo
tão bondoso. Eles iriam, muito provavelmente, puxar seus braços e pernas para fora de seus soquetes em algum momento; embora não até que eles notificassem Trez acerca
de seu cativeiro.
Merda. Ele nunca devia ter confiado...
A maichen colocou a bandeja no chão. Então estendeu a mão, pegou a colher, mergulhou-a na sopa e ergueu. Com a mão livre ela levantou a malha o suficiente para
expor sua boca e provar a comida. Então ela fez o mesmo com o pão e a sidra de maçã fermentada que estava na jarra.
Permitindo que a malha voltasse para o lugar, ela sentou-se de novo sobre as solas dos chinelos de couro em seus pés.
Infelizmente o gesto não fez nada para diminuir as suspeitas dele. maichens estavam tão abaixo na cadeia alimentar que até mesmo a própria palavra recebia pouco
respeito no começo das frases. Que ela pudesse ser envenenada ou comprometida? Ninguém se importaria.
O estômago dele, porém, ficou seriamente encorajado quando ela continuou a respirar.
Antes que pudesse se conter, ele foi até ela e a bandeja. maichen não olhou para cima, mas, então, ela o temia; por uma boa razão.
O cheiro de seu medo se misturava muito bem com aquela sopa picante.
Assim como o cheiro da pele dela.
Inalando pelo nariz, ele sentiu outro choque atravessar seu sistema, seus músculos se contraindo; assim como seu pênis.
O que não fazia nenhum sentido. Ali estava ele, enfiado na merda até o queixo, e seu sexo decidiu se interessar? Sério isso?
Não era à toa que chamavam essa coisa de "alavanca estúpida".
Em pé erguendo-se sobre ela, ele pôs as mãos nos quadris e ficou atento à sinais de que ela fosse ter um treco. Quando ela continuou na vertical, ele esperou
mais um pouco. Ela estava tremendo, mas, tinha estado desde que ele se levantou.
iAm ajoelhou-se no chão de pedra dura, espelhando a pose dela. Quase imediatamente os joelhos dele começaram a doer; outro lembrete de quanto tempo fazia desde
que ele esteve em contato com seu povo. Tal maneira de se sentar era uma trivialidade aqui no Território.
Conveniente se você estava com a bunda de fora, também. Não te deixava completamente exposto.
Ele comeu rápido, mas não descuidadamente, e foi uma boa pedida. Seu cérebro precisava das calorias; seu corpo também, se ele estivesse indo forçar sua saída
dali.
Esse era o plano.
- S 'Ex. - Ele exigiu quando terminou. - Vá buscá-lo.
Com isso, ele empurrou a bandeja em direção à fêmea. Como era costume, ela se curvou adiante em reverência, sua fronte coberta quase terminando na tigela branca
vazia.
Ela levantou a bandeja, endireitando o torso, e graciosamente ficou em pé sem cambalear ou deixar cair qualquer coisa. Saindo da cela, ela acionou a porta colocando
a sola de seu sapato contra uma seção da parede. Um momento depois, porque a saída era claramente monitorada, alguém abriu a coisa remotamente; ou isso, ou a saída
era de alguma forma acionada com pisadas.
E ela foi para fora.
Enquanto o painel se fechava com um som estilo Star Trek, ele sabia que teria sido inútil dominá-la e tentar usá-la como moeda de troca. S'Ex e seus guardas
estariam mais propensos a negociar para salvar um cão.
Andando de um lado para o outro, ele lembrou-se de seu irmão ao lado de Selena enquanto ela jazia naquela mesa de exame, sob aquela luz intensa, o corpo dela
todo contorcido e uma expressão congelada no rosto.
Deus, ele nunca deveria ter feito isso. Fale sobre uma situação em que todos perdiam: Trez iria querer vir para tirá-lo dali, mas deixar aquela fêmea quando
ela estava doente iria matá-lo.
Nada como jogar gasolina no fogo. Junto com mais ou menos uma tonelada de dinamite.
Trez quis dizer cada palavra que disse sobre Selena e a liberdade dela de escolha.
À medida que atravessava a passos largos o túnel subterrâneo rumo à clínica do Centro de Treinamento ele estava cem por cento certo de uma, e apenas uma, coisa;
bem, de duas, mas o fato de que estava apaixonado por ela era o básico. A outra coisa ele sabia com certeza que era Selena, e apenas Selena, quem decidiria como
sua condição seria administrada, e se alguém tentasse forçá-la a qualquer coisa? Ele estava indo atirá-los para longe como você apenas leu.
Mas isso não queria dizer que ele não estaria indo falar com a Dra. Jane.
Sobre sua rainha.
Deus, esse apelido para Selena era tão engraçado. No momento em que ele tinha saído de sua boca, algo tinha clicado. Como se seu vocabulário tivesse se acasalado
com essa palavra assim como seu corpo acasalou-se com o dela.
E ela seria a única rainha para ele. Não importando o que acontecesse com eles, ou onde ele terminasse, ela seria sua fêmea regente, e nenhuma outra suplantaria
o lugar dela em seu coração, seu respeito ou na expressão vocal daquela palavra.
Arrastando a palma pelo rosto, ele forçou seus pés a continuarem em um ritmo de caminhada, embora uma grande parte dele quisesse correr a toda velocidade para
a clínica. Não havia pressa, porém, pelo menos no que concernia à sua fêmea. Selena estava lá em cima no quarto dele, nua na banheira, mergulhando seu lindo corpo
em água morna e perfumada.
Ela não estava completamente livre da dor. Ela escondia a rigidez persistente e desconforto bem, mas os indicadores estavam nos estremecimentos sutis de sua
face e na forma espasmódica como ela movia as mãos e braços. O banho e algumas aspirinas leves iriam ajudar, entretanto. E quando tivesse tido um bom e longo banho,
ela iria para a cama dele para um descanso antes do "encontro" deles.
A alegria dela diante da perspectiva de seu jantar a dois era contagiante. Ele literalmente sentia o calor dentro de seus ossos, como se a felicidade dela possuísse
uma magia cinética que, através de seu acasalamento, estendia-se para dentro de sua própria carne. Inferno, tudo que ele tinha de fazer era pensar sobre ela à mesa
do café da manhã, sorrindo por sobre suas tigelas de mingau de aveia, ou pensar sobre o som de sua voz ficando excitada quando eles estavam... E ele ficava sublimemente
em paz.
Nunca houve nada perto disso para ele. Nem mesmo o amor e compromisso que ele tinha para com seu irmão chegava perto do sentimento.
De uma forma doentia, ele supunha que a doença dela tinha sido algo bom para Selena e ele. Trez não podia conceber como teriam cortado o papo furado entre eles
tão eficazmente ou totalmente sem isso...
Isso foi um inferno de um perde-e-ganha, no entanto.
Quando chegou ao ponto de acesso ao Centro de Treinamento, ele digitou os códigos adequados, então passou pelo almoxarifado e pelo escritório de Tohr. O Irmão
não estava atrás da escrivaninha, o que era uma boa coisa, e não uma surpresa. Era por volta de cinco da tarde, e Tohr estava, sem dúvidas, acordando em seu leito
de acasalado com sua Autumn, prestes a preparar-se para a noite que vinha adiante.
O que tinha sido uma surpresa foi que a Dra. Jane estivesse disposta a vê-lo nesse horário estranho do dia. Com as horas ela tinha estado trabalhando ultimamente
entre as lesões e enfermidade do irmão de Qhuinn, parecia que ela, Manny e Ehlena tinham estado de plantão constantemente.
Isso fez com que ele a respeitasse muito.
Passando pela porta de vidro. Descendo pelo corredor principal de concreto. Várias portas adiante à esquerda.
Entrando na sala de exames, ele...
- Oh, merda!
Saltando de volta para o corredor, ele levou a dobra de seu cotovelo até os olhos e rezou para que aquilo que tinha acabado de ver não tivesse sido queimado
permanente em suas retinas.
Havia algumas coisas que você não precisava saber acerca das pessoas com quem você vivia, não importa quanto você os amasse.
Uma fração de segundo mais tarde, V abriu a porta, e o ziiiiiiiiip! de quando ele fechou a frente de seus couros foi alto.
- Ela verá você agora. - Ele disse com total naturalidade.
Como se dois segundos atrás ele não tivesse estado batendo a sempre amada merda para fora de sua shellan enquanto ela sentava-se em sua mesa.
- Eu posso voltar depois? - Trez perguntou.
- Que nada, ela está pronta. Selena está bem?
- Eu, ah... Sim. Ela está se movendo, está... Bem, eu estou levando-a para sair hoje à noite.
V puxou um cigarro enrolado à mão. - Não brinca. Para onde?
Em todas as suas ruminações, Trez tinha estado cuidadosamente evitando pensar precisamente sobre seu lugar de destino. A ideia de sair em um encontro era ótima,
a comida seria de abalar... Havia apenas um problema com que ele teria que absorver e lidar.
- Aquele restaurante. - Ele apontou para o teto. - Você sabe, no centro da cidade, que, tipo, fica girando em círculos?
- Oh, sim. Bem lá em cima. - O Irmão exalou. - Uma vista dos diabos.
Uh-huh. Cinquenta-mais histórias. Ele tinha navegado no site para descobrir exatamente o quão ruim era. - Sim. Uma vista dos diabos.
- Deixe-me sabe se há alguma coisa que eu possa fazer. Por qualquer um de vocês.
V deu nele um tapinha no ombro e começou a se afastar a passos largos.
- Vishous.
O Irmão parou, mas não se virou. E à luz acima da cabeça dele, o tendril de fumaça de seu fumo enrolado à mão formava um elegante redemoinho no ar.
- Quanto tempo eu ainda tenho com ela?
O Irmão girou a cabeça, então seu poderoso perfil de cavanhaque foi cortado por um pálido filete daquela luz, e as tatuagens em sua têmpora pareceram mais sinistras
do que o habitual.
- Quanto? - Trez repetiu. - Eu sei que você viu isso.
Houve um silvar sutil quando o Irmão inalou, a ponta do seu cigarro ardendo em um vívido laranja. - O que eu recebo não é tão específico. Desculpe.
- Você está mentindo.
Aquela sobrancelha escura ergueu-se. - Vou te perdoar pela ofensa. Uma vez.
Com isso, o macho voltou a se afastar a passos largos, aqueles ombros volumosos deslocando-se no ritmo dos quadris, e seu corpo de guerreiro não era exatamente
o tipo de coisa que alguém, mesmo alguém do tamanho de Trez e com suas habilidades de Sombra, enfrentaria voluntariamente.
Especialmente com aquela mão incandescente dele.
Mas não haveria uma rixa entre eles. Não sobre esse assunto, pelo menos.
Os dois sabiam que ele mentia.
V era o Irmão com a inteligência, as visões místicas, aquele nascido diretamente do corpo da Virgem Escriba. Ele também era incapaz de sacanear alguém pelo motivo
que fosse. Isso só não fazia parte de sua fiação interna; aquele cérebro incrível dele estava muito ocupado para se importar se tinha ofendido ou não, ou se sua
postura foi ou não apropriada, ou se ele tinha expressado as coisas de um jeito agradável para seu requerente.
Assim sendo, quando ele tinha se recusado a se virar? Quando tudo que ele fez foi mostrar seu perfil?
Ele tinha respondido a pergunta bem o bastante.
Vishous nunca iria, jamais voluntariamente magoar ou ferir um macho que ele respeitava. Isso estava ainda mais arraigado nele do que a coisa do eu-não-minto.
E sim, Trez tinha ouvido falar que normalmente não havia uma cronologia nas visões de V sobre morte; mas, claramente, era diferente nesse caso.
Talvez porque o que tinha sido visto era menos sobre a morte da Escolhida, e mais sobre que acontecia com Trez após isso.
Existem duas fêmeas. E em ambos os casos, você está correndo contra o tempo.
- ... Trez? - A Dra. Jane disse, como se ela estivesse tentado chamar a atenção dele. - Você está pronto para falar comigo?
Não, ele pensou, enquanto V desaparecia através das portas de vidro do escritório. Ele não estava.

 

CONTINUA

Capítulo VINTE E UM
O pau de Trez tinha sua própria pulsação. E isto antes de Selena ficar totalmente nua à sua frente. Após aquela revelação? A maldita coisa passou a ter seu próprio
padrão de pensamento.
Minha.
Ao ouvir a porta se fechar, Trez não soube se foi uma de suas mãos que a fechou, ou se simplesmente desejou que a coisa voltasse ao seu lugar.
- Tem certeza disto? - Gemeu ele, já dando um passo na direção dela. - Porque não vou conseguir parar.
- Sim. - Os olhos dela não se ergueram para encontrar os dele. Estavam travados em no quadril. - Oh, sim. Me deixe te ver.
Quando ele parou bem na frente dela, ele disse:
- E todas as humanas com as quais fiquei?
- Vai falar delas agora? - Ela abriu a faixa do roupão dele com uma das mãos. - Sério?
Ele impediu-a de abrir o roupão.
- Nada mudou em mim.
- Azar o seu, não meu.
- Na minha tradição...
- Que não é a minha.
- ... Eu estou corrompido.
- Por que é que você continua falando?
Com isto, ela livrou-se da mão que a segurava, tirou a faixa, abriu as laterais do tecido preto. O sexo dele estava totalmente ereto, se sobressaindo entre eles.
E foi a próxima coisa a qual ela tomou nas mãos.
Trez gemeu e jogou a cabeça para trás.
- Você está quente. - Ela suspirou ao se inclinar e beijar a pele sobre seu coração. - E duro.
- Selena, estou falando sério. - Ele tentou impedi-la de continuar as carícias. - Eu quero te respeitar...
- Você está perdendo tempo.
Com isto ela caiu de joelhos e assumiu o controle. Como era uma fêmea alta, sua boca ficava na altura perfeita e, Deus os ajudasse, ela a pôs para trabalhar,
estendendo a língua rosada para lamber a cabeça. O toque aveludado o deixou trêmulo e, antes que seguisse o caminho dos roupões e caísse na porra do chão, se inclinou
para frente e apoiou ambas as mãos na coisa mais próxima que conseguiu achar.
A escrivaninha. Ou pode ter sido o capô de um carro. O trenó do Papai Noel. Uma geladeira.
Quente e úmida, ela abocanhou, a sucção e aquelas lambidas apagando o mundo, trazendo-o instantaneamente à beira do orgasmo.
Cerrando os dentes, ele gemeu - Eu vou gozar... Ah caralho... Eu vou...
Ele vagamente pensou em não desrespeitá-la ejaculando em sua bo...
Selena se afastou, abriu a boca e estendeu aquela língua mágica. Olhando para ele, de baixo para cima, começou a masturbá-lo com força ao mesmo tempo em que,
preguiçosamente, lambia sua ponta.
Trez segurou, oh, talvez um segundo e meio. Quando sua liberação jorrou, ela tomou-a toda, engolindo, sugando, se afastando para lambuzar os lábios e rosto.
Deus a ajudasse, ele continuou ejaculando, uma infinita urgência sexual travando o seu corpo, enquanto a marcava, sua essência cobrindo-a de uma posse que era primordial.
Defender. Proteger. Amar.
Tudo isto naquele local sagrado.
Minha.
Quando finalmente se esgotou, ela se sentou de volta sobre os tornozelos e então, com uma série de movimentos lânguidos e matadores, lambeu os lábios. Ergueu
os dedos, capturou a trilha pegajosa no queixo, e sugou até limpar. Olhou para baixo, para os seios perfeitos.
Espalmando os pesos gêmeos, sorriu para o que caíra sobre eles, fazendo os montes e aqueles mamilos tesos brilharem. - Você me melecou.
- Onde você aprendeu a fazer isto? - Ele engasgou.
Pelo menos foi o que pretendia dizer. As sílabas saíram em um amontoado de sons incoerentes.
- O quê? - Ela suspirou, antes de erguer um dos seios e baixar a cabeça, com a língua para fora.
Ela lambeu a si mesma.
O rosnado que saiu da boca de Trez foi algo que, se estivesse em seu lugar, ele teria temido.
Selena não temeu. Ela só emitiu uma risada rouca. - Há algo mais que você queira marcar?
Liberdade.
Quando Selena se ajoelhou à frente de Trez, com o gosto dele em sua boca e sua essência sobre todo o seu corpo, se deleitou na sensação de liberdade sexual que
a invadiu. A liberação pareceu inteiramente o oposto da sentença de morte sob a qual vinha vivendo e, ainda que sua falta de tempo fosse o que a impedisse de sentir
qualquer estranheza ou preocupação consciente, ela sentia-se voando acima das amarras que há tanto tempo a prendiam ao chão, seu treinamento como ehros permitia-lhe
entregar-se às correntes de sexo que se estendiam, grossas como cordas tangíveis, entre os corpos deles.
Sem saber quanto tempo lhe restava, e sob a frustração de ter perdido tanto tempo, sentia urgência de expressão pessoal, e abraçava cada desejo que tinha, na
total intenção de satisfazê-los.
Todos eles eram com Trez.
Como se sentisse o mesmo, ele se inclinou e levantou-a do chão. Suas juntas protestaram pela mudança de posição, mas as reclamações não eram mais do que murmúrios
contra a luxúria desenfreada que ela sentia por ele.
Ela precisava da penetração. Pelo corpo dele.
Trez levou-a a cama e deixou-a de barriga para baixo, suas mãos grandes e quentes acariciando-a do ombro até as costas das coxas, antes de erguê-la de quatro
e afastar seus joelhos. Selena abaixou a cabeça, ela queria vê-lo, e olhou para além dos montes dependurados de seus seios, observando-o se aproximar dela por trás,
com o sexo pulsando enquanto ele tomava posição para...
Não foi sua ereção que se esfregou nela.
Quando as mãos dele agarraram seu quadril, os polegares se enfiaram em sua bunda e afastaram, até o sexo dela se abrir totalmente para ele. E então ele veio
com a boca, os lábios tocando-a, carícias úmidas sobre a umidade, sugando, devorando. Com dominação total, a língua dele lambeu de cima abaixo, penetrou, tintilou
no topo do sexo dela até ela convulsionar em orgasmo, cada onda de prazer esfregando-a mais e mais contra o rosto dele.
Quando finalmente acabou, ele se afastou, os punhos apoiados nos lençóis de ambos os lados dela.
- Eu vou te foder agora, - ele falou por entredentes em seu ouvido.
- Oh, Deus, por favor...
Selena gritou alto quando ele a penetrou, esticando seu interior quase além do limite. A dor foi em uma medida perfeita, e então ele começou a bombear. Nada
de movimentos lentos e regulares; eram violentos, puro poder, poder que a fez ver estrelas até perder a força de manter o corpo elevado da cama. Caindo de cara nos
lençóis que tinham o cheiro dele, ela lutou para respirar e amou a sensação de sufocamento que sentia a cada arremetida que a fazia esfregar o rosto nos travesseiros.
Bang! Bang! Bang!
A cabeceira estava tendo a mesma experiência violenta que ela, batendo na parede, o som reverberando junto com os gemidos dele, que era todo animal.
Virando a cabeça para olhar acima do ombro, ela tentou vê-lo.
Trez estava magnífico, os peitorais e ombros elevados, os enormes braços esculpidos em músculos, o abdômen definido, enquanto os quadris arremetiam contra ela.
Quando ele gozou, jogou a cabeça para trás como quando ela o dominou, e uivou, expondo as presas brancas longas e mortais, os tendões do pescoço saltaram nas laterais,
os quadris bateram contra ela enquanto ele metia, metia e metia...
Ele gozou dentro dela.
E o sexo dela o ordenhou, provocando-o até ela sentir a umidade escorrendo pelas coxas.
Ele mal retirou o corpo de dentro dela e caiu para o lado, como se cada gota de força houvesse sido drenada dele. A cabeceira deu um último bam! quando ele se
jogou e quicou, as mãos, braços, tórax e pernas relaxando de todo aquele esforço físico. A boca dele se moveu, os olhos escuros encontraram os dela e ali ficaram.
Ela não fazia ideia do que ele estava falando. E não importava. Sua bunda ainda estava para cima, o sexo formigando pelo modo violento como foi tratado, seu
corpo tão saciado quanto a aparência dele. Correntes de ar, da ventilação acima, vinham do teto, tocando tudo o que estava exposto, fazendo cócegas, esfriando.
Aquele havia sido o melhor sexo de sua vida. Selvagem e rude, do jeito que lhe haviam contado, e para o qual fora treinada, do jeito que devia ser.
Antes de Selena permitir-se deitar-se ao lado dele e deslizar para seu próprio sono, sorriu tão largamente que suas bochechas doeram.
Ela fora, pela primeira vez na vida, não só bem e verdadeiramente fodida, mas marcada pelo macho que amava. Mesmo com o futuro que tinha de enfrentar, era difícil
não se sentir abençoada.
Capítulo VINTE E DOIS
iAm recobrou consciência, mas manteve os olhos fechados. O que o acordou foi a dor excruciante na parte de trás da cabeça; aquilo e o frio do chão sobre o qual
estava deitado. Por um momento, considerou bancar o gambá e tentar descobrir onde estava pela audição, olfato e instintos, mas não havia motivo para isto.
Ele sabia exatamente onde o tinham posto.
Bastardo traidor fodido.
Levantou as pálpebras e viu uma grande porção de nada. Só que, estava deitado de bruços, um braço por baixo do tórax como se tivesse sido jogado...
Uma porta abriu no canto atrás de si. E ele percebeu não pelo ranger de dobradiças, mas pela súbita adição de vozes e passos na cela.
- Porque eu checaria suas marcas? - um macho perguntou. Não era s'Ex.
- É o protocolo.
Sim. Nada havia mudado.
iAm voltou a fechar os olhos e ficou perfeitamente parado, exceto por respirar superficialmente enquanto as pegadas se aproximavam.
Houve um engasgo. E então dedos apalparam suas costas, como se esticassem a pele onde havia sido marcado, como todos os machos eram, aos seis anos de idade.
- Isto não pode estar certo.
Os passos se afastaram apressadamente e, ele supôs que a porta voltou a ser fechada.
Erguendo a cabeça, sua visão borrou-se e voltou ao foco. Não havia mais ninguém na cela bem iluminada de seis metros por seis, as paredes branco brilhante, tão
lisas que ele poderia ver seu reflexo escuro nos painéis de mármore.
Sua cabeça doía tão infernalmente que foi forçado a deitá-la de novo, a bochecha achando o exato ponto na pedra que havia sido aquecido pela temperatura de seu
corpo desmaiado. Seu braço estava matando-o, sentia o membro anestesiado e dolorido ao mesmo tempo, mas, lhe faltava energia para se mover e tirar o peso do corpo
de cima dele. Deitado ali, respirando, existindo, ele não fazia ideia de quanto tempo havia se passado, o que iam fazer com ele, ou se ele ia descobrir que sua brilhante
ideia de que estava vivo era um engano.
Do nada, veio-lhe uma imagem mental dele saindo do Sal's na noite anterior, saindo livremente do restaurante que amava, conversando com os garçons.
Pegou-se desejando poder rebobinar o tempo e voltar àquela encarnação de si mesmo, suas lembranças do jeito que a noite sentia-se fria em seu rosto, e como a
fumaça dos cigarros dos garçons subiam espiraladas das pontas acesas, tão claro que, por um momento, pareceu impossível não poder retornar àquele lugar no tempo...
Pisar nos sapatos que calçava então... Reassumir a vestimenta de sua pele, do mesmo modo como reassumia sua forma após se desmaterializar.
Mas é claro, o tempo não funcionava assim. E a memória era como um show de televisão da própria vida, uma tela de filme ao qual se podia testemunhar, mas, não
interagir, mudar o curso ou redirecionar.
O desespero por Trez, grande motivador de sua vida, havia o levado de volta ao coração do inimigo que ele e o irmão dividiam.
E havia uma chance muito boa de que esta merda fosse vencê-lo.
Com um gemido, rolou para o lado e piscou algumas vezes. Suas armas, assim como a túnica que vestia, haviam desaparecido. E não havia mais nada na cela...
A porta abriu, o painel deslizou silenciosamente na parede. E quem entrou estava coberto da cabeça aos pés em camadas sobrepostas de tecido, o rosto coberto,
o pé coberto, mesmo as mãos enluvadas.
Seria a Morte? Perguntou-se. Teria ele desmaiado e estaria sonhando...
Um sutil aroma foi registrado.
Mas não em seu nariz. Em todo o seu corpo.
Como uma corrente de eletricidade.
A porta foi fechada por trás da figura alta e coberta. E enquanto o macho se aproximava, iAm fez de tudo para assumir um tipo de postura defensiva.
Não conseguiu muito.
Uma mão enluvada se esticou; ele foi rolado de volta; e então sentiu o toque na base de sua coluna.
- Eu vou... Matá-lo... - iAm murmurou. - Machucá-lo.
De que forma, não fazia ideia. Mas ia lutar, isso era uma maldita certeza.
A figura recuou um passo. Inclinou a cabeça como se considerando o método de morte que seria usado.
No s'Hisbe, a maior parte dos prisioneiros eram primeiro torturados. Amaciados, iAm sempre pensara. Então eram massacrados, enterrados ou devorados por s'Ex
e seus guardas, dependendo do crime.
Este último era uma tradição orgulhosa. Também simplificava a questão sobre o que fazer com o corpo.
iAm fechou os punhos e preparou-se para o que se abateria sobre ele.
Só que a figura simplesmente o observou por um longo momento. E então recuou para a porta e saiu.
Oh. Okay. Eles verificaram quem ele era, e viram que não havia motivo para matá-lo antes de capturarem Trez novamente. Aquilo seria um desperdício de recursos.
Merda.
Relaxando os músculos, ele tentou mover-se e rezou que as habilidades naturais de cura de seu corpo cuidassem da concussão rapidamente.
Ele ia precisar ser capaz de enfatizar suas palavras de resistência com mais do que um corpo inerte e membros feitos de chumbo.
Maldição, ele jamais devia ter confiado em s'Ex.
De volta em Caldwell, Paradise sentou-se na cama, sobre as pernas, olhos fixos no céu noturno do outro lado de suas janelas fechadas e trancadas.
- Então você vai mesmo? - disse ela, ao celular.
Peyton riu.
- Diabos, claro, está brincando? Estou morrendo de vontade de sair daqui. Desde os ataques estou trancado, e o fato de meus pais me deixarem entrar neste programa
de treinamento é um milagre.
Ela olhou para as trancas na porta de seu próprio quarto, as quais, a propósito, estavam trancadas naquele momento.
- Me pergunto se meu pai me deixaria ir, - murmurou.
Houve uma pausa. Então uma risada.
- Oh, meu Deus, Paradise. Não. Uh uh. De jeito nenhum.
- É, você deve ter razão. Ele é realmente protetor...
- Aquele programa não é para fêmeas.
Ela fechou a cara.
- Com licença. O decreto da Irmandade dizia que seriamos bem-vindas se quiséssemos tentar.
- Okay, primeiro, "tentar" não significa "ser aceita". Você sequer já fez uma flexão?
- Bem, tenho certeza que conseguiria se eu...
- Segundo, você nem é uma fêmea comum. Digo, olá, você é membro de uma Família Fundadora. Seu pai é o Primeiro Conselheiro do Rei. Você precisa ser preservada
para procriação.
A boca de Paradise se abriu em choque. - Não acredito que acabou de dizer isto.
- O quê? É verdade. Não finja que as regras são as mesmas para fêmeas como você. Como, se um sujeito civil, que só por acaso use saias, quiser fazer uma tentativa,
tudo bem. Seria uma perda que não significaria nada para a espécie. Mas, Parry, não sobraram muitas como você. Para machos como eu? Não queremos nos emparelhar com
ninguém menos que vocês, e existem hoje quantas, quatro ou cinco de vocês?
- Esta é a racionalização mais machista que já ouvi. Vou desligar.
- Aw, vamos lá. Não fique assim.
- Vai se foder. Eu sou mais do que só um par de ovários no qual se pode colocar uma aliança.
Ela desligou e pensou em arremessar o celular contra a parede. Quando não conseguiu seguir o impulso, começou a se preocupar com todos os seus modos inatos que
no fundo só reforçavam que Peyton estava certo.
Ela era mesmo só uma flor de estufa, não prestava para nada além de xícaras de chá, ter filhos e...
Quando seu celular começou a tocar de novo, ela jogou-o sob o edredom, deitou-se no chão e plantou a palma das mãos sobre o tapete de crochê. Esticando as mãos,
equilibrou na ponta dos dedos dos pés.
- Certo, - ela disse, cerrando os dentes. - Para cima e para baixo. Cem vezes.
Ela conseguiu descer sem dificuldades, os braços mais do que famintos por obedecer. E quando seu nariz tocou o padrão de um vaso de flores que havia no tapete,
ela sentia-se uma fera, pronta para arrebentar com tudo.
Subir foi... Aceitável.
Descer de novo para o tapete. Eeeeee subir.
Mais ou menos. Os músculos em seus bíceps começaram a tremer; os cotovelos falsearam; os ombros gritaram.
Ela conseguiu três vezes. Ou, tipo, duas vezes e meia. Antes de cair no...
- O que está fazendo?
Com um ganido, Paradise levantou-se. Seu pai estava na porta do quarto, segurando a chave que ele usava para abrir todas as portas, e as sobrancelhas dele se
ergueram tanto, que quase encostaram na linha do cabelo.
- Flexões, - ela disse, arfando.
- Para que?
Pergunte, ela pensou. Desembuche e diga, Eu quero me juntar ao programa do Centro de Treinamento da Irmandade...
Seu telefone tocou de novo.
- Não vai atender? - Seu pai perguntou.
- Não. Pai, eu tenho uma...
- Algo aconteceu, querida. - Ele fechou e voltou a trancar a porta. - E preciso ser franco com você.
Paradise dobrou as pernas e enlaçou-as com o braço.
- Fiz algo errado?
- Oh, não. Claro que não. - Ele meneou a cabeça ao olhar para ela. - Você é a melhor filha que qualquer macho poderia desejar ter.
Quando seu telefone parou de tocar, ela teve de se perguntar quanto dos pontos de vista de Peyton seu pai dividiria. E quantas vezes Peyton ia tentar ligar para
ela de novo.
- Preciso que faça suas malas, - ele disse.
Paradise recuou.
- Por quê?
- Preciso que fique longe daqui por algumas semanas.
Um jato de frio atravessou-a.
- Por quê?
- Oh, amor. - Ele se aproximou e se ajoelhou. - Por nada. É só que, eu achei que poderia gostar de ter um emprego.
Agora foram as sobrancelhas dela que se ergueram.
- Sério?
Ela havia levantado o assunto alguns meses atrás, quando, após outra noite tomando lições de piano e fazendo bordados complicados e intrincados a fizeram sentir-se
como se fosse enlouquecer. Mas, ele havia cuidadosamente negado, no interesse de sua segurança, um ponto que ela tanto respeitava quanto a deixava frustrada.
Era difícil discutir que o mundo não era um lugar muito perigoso para vampiros.
- O que mudou? - Então ela se lembrou do parente distante. - Espere, aquele macho vai continuar por aqui?
- Não é nada com ele. Além disto, meu cargo de Primeiro Conselheiro está ficando mais complicado e trabalhoso, e preciso de alguém em quem possa confiar para
me ajudar com os negócios do Rei. Eu não posso imaginar ninguém mais apropriado do que você.
- Sério? - Ela disse, estreitando os olhos. - Não há nenhuma outra razão?
- De verdade. Prometo. - Ele sorriu. - Então o que diz... Gostaria de trabalhar comigo?
Com um súbito movimento de felicidade, ela agarrou o pai em um abraço. - Oh, obrigada! Sim! Estou tão animada.
Ele riu.
- Okay, mas você terá de se mudar para a mansão de audiências do Rei. Não se preocupe, não estará sozinha. Pode levar sua dama de companhia doggen, e a Irmandade
tem a equipe completa no local...
Paradise ergueu-se e correu para o closet. Abriu as portas e começou a separar as peças de seu conjunto de bagagens Louis Vuitton.
- Estarei pronta em meia hora! Quinze minutos! - Ela abria gavetas, pegando roupas de baixo, sutiãs, camisetas. - Oh, o senhor chama Vuchie? Ela ficará tão animada!
Vagamente, ouviu o pai rir.
- Como desejar, minha senhora. Como desejar.
Capítulo VINTE E TRÊS
Rhage retomou forma no gramado da antiga mansão de Darius, e caminhou para a entrada da frente. No momento em que entrou na casa, ouviu uma série de suspiros,
e olhou para a esquerda. No salão, havia um monte de civis amontoados em pé, em um grupo estranho, como se não se sentissem confortáveis sentados em todos aqueles
móveis elegantes revestidos de seda, e os olhos que se arregalaram ao vê-lo.
É, sua reputação ainda o precedia.
Jesus, bastava ter sido um puto por alguns séculos, e as pessoas continuariam te julgando, mesmo depois de você se redimir e emparelhar adequadamente.
Era um pé no saco e, em uma noite normal, teria se aproximado e se apresentado, só para falar de Mary.
Esta noite, no entanto, se dirigiu às portas fechadas do que certa vez fora a sala de jantar. Batendo duas vezes, disse. - Sou eu.
Tohr abriu a porta com uma saudação, e Rhage entrou em uma sala mais cavernosa, mais vazia: Tudo o que havia ali eram algumas cadeiras, uma mesa com uma cadeira
de escritório, e alguns assentos auxiliares, para serem usados em alguma audiência que tivesse gente demais para acomodar.
- Sem explosivos, - Wrath estava dizendo de uma das poltronas. - Nem armadilhas.
V estava em meio ao processo de acender um cigarro enrolado à mão, e ao tragar, o aroma de tabaco turco flutuou.
- Hollywood e eu repassamos a casa como um pente fino. Eles claramente estiveram lá. Tinham partido pelo que pudemos apurar. Mas, não se incomodaram de tentar
nos foder.
Com sua mão da adaga, Wrath acariciou a cabeça do golden retriever que o ajudava a se locomover. George, sempre em adoração a seu dono, tinha o focinho voltado
para o Rei, oferecendo livremente a garganta. - Então Throe não mentiu.
- Pelo menos não sobre isto, - V murmurou.
- Interessante.
Rhage olhou em volta para os rostos de seus irmãos. Z e Phury estavam em pé, juntos como sempre. Qhuinn estava próximo a Z, e então Blay e John Matthew, mesmo
os machos não sendo membros, estavam ao seu lado. Butch estava do lado oposto ao Rei, com os braços pousados no apoio da poltrona onde apoiava seu peso; V estava
atrás ele. Tohr estava perto da porta.
- O que fazemos agora? - Rhage perguntou.
- Esperamos. - Wrath se inclinou ainda mais e acariciou os pelos do cão. - Se ele começar a remexer na merda, vai se enforcar. A aristocracia terá de ser monitorada...
Precisamos de uma fonte infiltrada. Alguma ideia?
Naquele momento, houve outra batida na porta. Tohr encostou o ouvido no painel e então abriu a porta. - Peça e receberá.
Abalone enfiou a cabeça pela porta.
- Meu senhor? Sinto muito me intrometer, mas posso, por favor, apresentar minha filha, antes de começarmos as audiências desta noite?
Wrath gesticulou para o macho se aproximar com a mão livre. - Sim, traga-a.
Abalone retirou a cabeça da fresta da porta e houve uma conversa sussurrada. Então reapareceu, puxando um projeto de fêmea. Com os cabelos louros, corpo magricelo
e pernas longas, ela estava mais para o lado Princesa Ártica do sexo frágil.
Bela. Muito bela. Talvez até mesmo linda... Embora não chegasse aos pés de sua Mary.
Abalone levou a garota até se aproximar, uma mão guiando-a pelo cotovelo, seu orgulho de pai estufando o seu peito. - Meu estimado governante, grande Rei de
toda...
- É, é, chega disto, - Wrath cortou, - Paradise, soube que está se mudando para a casa de minha shellan e seu irmão. Seja bem-vinda.
Quando ofereceu o diamante negro, Paradise fez uma reverência, as mãos tremendo tanto que pareciam tremular à luz do candelabro.
- Meu senhor, - ela sussurrou antes de beijar a joia.
Liberando a mão dele, ela endireitou-se e olhou para o chão, os ombros encurvados, pés travados.
- Quer conhecer meu cão? - o Rei perguntou.
George, sempre pronto para um carinho na cabeça, bateu com a cauda no chão, o som como o de alguém batendo corda no chão de terra.
- Pode fazer carinho nele, - Wrath disse. - Eu deixo.
A garota olhou rapidamente para o resto da Irmandade, os olhos baixados para os shitkickers. E foi quando até Rhage sentiu pena dela. Uma grande parte da aristocracia
tratava suas fêmeas tão mal, que nunca eram admitidas na presença de machos de quem não fossem parentes, então esta era, sem dúvida a primeira vez que ela ficava
em um ambiente com tanta testosterona.
- Vá em frente, George. Diga oi.
Ao incentivo de Wrath, o cão veio para frente e sentou a bunda peluda bem em frente a ela, com os ouvidos inquietos, e aquela cauda balançando de um lado para
outro.
- É... É um garoto? - Perguntou ela, suavemente quando se abaixou no chão e estendeu a mão para todo aquele pelo.
- Sim. - Wrath olhou para cima. - Está certo, bando de imbecis, apresentem-se, está bem? E sejam educados.
Todos pigarrearam. Por fim, Phury deu um passo à frente e fez as apresentações. Provavelmente foi melhor assim... ele era o mais próximo de um cavalheiro que
tinham.
- Que bom que está aqui, - o Primale disse. - Eu sou Phury... Nós amamos seu pai, a propósito. É um cara legal.
Eeeeeee isto fez Abalone quase levitar para fora de seus sapatos Bally.
Ela olhou para aqueles olhos amarelados e lhe deu um sorriso. - Oi.
- Aquele ali é meu gêmeo, - ele indicou Z, e Zsadist, sempre consciente de sua aparência ameaçadora com aquela cicatriz no rosto, continuou afastado, erguendo
a mão quando Paradise recuou. - Zsadist é emparelhado e tem uma filha chamada Nalla. Ela é maravilhosa... Olha aqui uma foto dela.
Enquanto Phury estendia seu celular, a garota olhou para a foto. Olhou para Z. Voltou a olhar para a foto.
- Minha bebezinha, - Z disse, em uma voz profunda. - Ela tem dois anos, e parece com sua mahmen.
Instantaneamente a garota relaxou. Então Phury apresentou Vishous, que só acenou e Butch, que lhe deu um "Oi, como vai!" típico de Boston. John Matthew, Blay
e Qhuinn foram os próximos e então Phury indicou Rhage.
- E o Brad Pitt ali é Hollywood.
Ele sorriu. - Prazer em conhecê-la.
O olhar de Paradise fixou-se nele, os olhos arregalaram, mas não de medo. Longe disto.
- É, ele é lindo, - alguém disse. - Até conhecê-lo melhor.
- Aww, vamos lá, - Rhage respondeu. - Não me difame.
A conversa brotou, com Wrath fazendo à Paradise algumas perguntas para encorajá-la a falar de si. Quando a garota voltou a atenção ao Rei, Rhage pensou na época
antes de conhecer Mary. Sem dúvida ele teria dado em cima daquela inocente... E teria conseguido conquistá-la. Ele nunca falhava, já que controlava sua besta fodendo
com tudo e com todos que passavam perto dele. O que era bom para ele. Não tão bom para as fêmeas que queriam manter sua virtude.
E ele não tinha dúvida de que Paradise era uma dessas.
Então sim, ele estava feliz de conhecê-la sob estas circunstâncias, quando não havia absolutamente nenhuma chance de ele dar em cima dela. Ele emparelhara com
sua Virgem, do jeito que Vishous previra que ocorreria, e sua vida fora salva.
Por alguma razão, um sentimento de enjôo o transpassou.
Levou a mão até o bolso, tirou o celular. Verificou as mensagens de texto.
Trez, o pobre bastardo, ainda não tinha respondido. Parecia estúpido incomodar o cara de novo, dado tudo aquilo com o que ele já tinha de lidar, mas, era difícil
não tentar contatá-lo de novo.
Rhage desejava que houvesse algo mais a fazer para ajudar o cara e sua Escolhida.
Ele realmente desejava.
Não havia como ligar a seta.
Quando Layla dirigiu sua Mercedes de volta à mansão da Irmandade, ela trazia seu braço machucado pousado no console entre os assentos, uma jaqueta sobressalente
amontoada por baixo para aumentar a altura e diminuir os balanços.
A dor era atordoante, o tipo de coisa tão forte que era sentido nas entranhas.
Então não, não havia como sinalizar direita ou esquerda.
Pelo menos não havia ninguém naquela estradinha rural tão tarde da noite.
Passaram-se horas, talvez dias até ela chegar à montanha da mansão, e o mhis foi um pesadelo. A distorção da paisagem de V, uma medida de segurança para manter
sua posição em segredo, implicava em ver tudo borrado, como se uma neblina houvesse caído sobre a floresta. Exausta de tanto conter a vontade de vomitar, em combinação
com a visão falha, significava que ela se sentia completamente perdida, e seu instinto foi se inclinar e se aproximar do pára-brisa... O que não ajudou.
Tudo aquilo só fez seu braço doer ainda mais.
Quando as luzes brilhantes da mansão finalmente entraram em foco, ela rezou, rezou para que os Irmãos estivessem todos lutando para que ela conseguisse chegar
ao quarto sem ninguém vê-la. Contornando a fonte que já estava coberta para o inverno, ela estacionou perto do GTO roxo de Rhage e do brinquedo novo de Butch, uma
Mercedes preta que parecia uma caixa de pão.
Ela teve de se contorcer para controlar o volante e empurrar a alavanca da marcha para estacionar o carro na vaga... E descobriu que tinha de se esticar ainda
mais para apertar o botão Stop/Start para desligar o sedã. Daí foi questão de respirar superficialmente pela boca enquanto se recuperava do esforço. Olhando pelo
espelho retrovisor, ela teve uma visão da entrada da mansão... E não fez ideia de como chegaria até lá. Muito menos de como se arrastaria até o quarto.
Não havia outra escolha. Ou ela fazia isto sozinha, ou teria de pedir para outra pessoa mentir por ela: não tinha como esconder o ferimento, não enquanto tão
fresco. E ela não podia deixar Qhuinn descobrir o que acontecera.
Ou, pior ainda, o que ela andara fazendo quando caíra.
Maldição, esta situação era punição por sua vida dupla... Suas duas realidades opostas se chocando, nocauteando-a, expondo-a.
Potencialmente.
Hora de entrar.
Layla teve uma nova uma lição em termos de dor ao abrir a porta e tentar erguer-se do assento de couro, o braço gritando quando o osso quebrado se moveu.
Recuperar o fôlego. Vários deles.
E então de alguma forma, conseguiu sair do carro.
A mansão sempre fora assim tão longe da área de estacionamento?
Contornar a fonte não foi muita questão de botar um pé em frente ao outro, mas cambalear sobre os paralelepípedos tentando não desmaiar. Quando chegou aos degraus
de pedra que levavam às portas do tamanho de catedrais, ela quis chorar. Em vez disto, subiu de uma só vez.
Ao abrir as portas do vestíbulo, percebeu que cometera dois erros: deixara o carro destrancado, e ela teria, de fato, de interagir com alguém... Não havia jeito
de entrar na casa sem colocar a cara na frente da câmera de segurança e esperar ser atendida.
Olhando de volta para a Mercedes, não teve energia para voltar e fechá-lo. E tentar dar a volta para a entrada de serviço da garagem estava...
Foi onde as coisas acabaram.
Enquanto sua mente se debatia entre as suas opções limitadas, seu corpo desconectou-se sozinho da tomada da consciência: desligou e a gravidade fez sua mágica,
o degrau se ergueu para saudá-la com um abraço duro, muito duro.
Que ela não sentiu.
Capítulo VINTE E QUATRO
Era quatro da manhã quando Assail guiou seu Range Rover blindado até a beira do Rio Hudson. A alameda onde estava era tão larga quanto um lápis e suave como
uma corrida de obstáculos. Ao lado dele, Ehric estava calado, a .40 do macho pousada sobre as coxas, um dedo inquieto sobre o gatilho, pronto para atirar ao menor
sinal de movimento ou barulho.
Um rápido olhar pelo espelho retrovisor mostrou-lhe que o gêmeo de Ehric, Evale, encontrava-se igualmente alerta e preparado para qualquer coisa.
Cerca de vinte metros adiante da "estrada", era possível ver a clareira pouco profunda na margem. O procedimento era o mesmo todas as vezes: Ele pararia o SUV
na linha das árvores e daria a volta de forma que, se algo imprevisto acontecesse, ele poderia sair rapidamente com o dinheiro ou as drogas. Então ele esperaria
com seus rapazes, geralmente, cerca de dez minutos, antes que o barco de pesca ruidosamente aparecesse.
Seus primos usavam coletes à prova de balas. Ele não.
Eles estavam sóbrios. Ele não.
Nem isto era surpresa. Ele jamais se importara com qualquer tipo de proteção peitoral, e a outra coisa? A esta altura, teria de abster por vários dias para que
a cocaína saísse completamente de seu sistema.
Ao continuar dirigindo, deixou sua mente vaguear, a imagem de outro tipo de baía, um tipo diferente de água, apresentando-se e se recusando a sumir.
Ele viu a praia. O oceano. Palmeiras. Tudo isto brilhando à luz da lua.
Viu uma fêmea caminhando sozinha ao longo do calor acariciante do mar, seus braços cruzados sobre o peito, a cabeça baixa, a aura de uma sobrevivente cheia de
arrependimentos...
- Cuidado! - Ehric exclamou.
Assail forçou-se a se concentrar bem antes do Range Rover comer carvalho como Última Refeição... Ou, mais provável, seria o contrário.
Felizmente, a viagem acabou minutos depois, e ele conseguiu manobrar sem dificuldades, amassando o mato seco e curto até a grade imensa do SUV estar virada para
frente. Não havia faróis foi outra das modificações que ele havia providenciado junto com a blindagem.
O motor silenciou e seus dois passageiros saíram. Antes de se juntar a eles, retirou um vidrinho de dentro de seu casaco de lã. Um giro rápido. Colher na mão.
Sniff. Sniff.
E duas outras para a outra narina.
Após um rápido bufar para se assegurar que tudo estava onde devia, saiu do interior morno. Devolveu seu estoque para o local seguro, se envolveu ainda mais no
casaco. O ar noturno estava muito frio, e folhas caídas eram trituradas sob suas botas ao se juntar aos primos.
Não houve conversa.
E ainda assim, a desaprovação pelo seu nível de consumo estava evidente pela tensão em suas mandíbulas.
Mas isto não importava a ele. Tanto fazia eles desperdiçarem o fôlego com palavras, ou simplesmente o fitarem com ar zangado, como agora, ele não tinha intenção
de mudar seus hábitos.
O som de um único barco à motor vindo em velocidade baixa surgiu tão baixinho que, de início, não seria possível distingui-lo dos ruídos do ambiente da floresta
e do rio. Mas, logo, o barco de pesca deu a volta para a curva da costa, lento e baixo para a água. Havia dois indivíduos sentados no casco aberto, ambos vestidos
como pescadores acima de qualquer suspeita com seus bonés e coletes camuflados, somente as máscaras pretas indicavam algo nefasto. Também havia varas de pesca montadas
em corrente, estendendo-se por trás da popa.
O capitão aproximou o barco humilde de frente, desacelerando o motor para que parasse com um beijo, e não um soco.
Os primos se aproximaram enquanto Assail manteve-se na retaguarda, com sua própria .40 a postos. Os aromas dos dois machos humanos os identificaram como diferentes,
mas relacionados aos dois que vieram da última vez. E da vez antes daquela. E assim por diante.
- Onde estão os outros? - Assail exigiu.
Os homens pararam no processo de pegar três das cinco sacolas que estavam escondidas sob uma lona camuflada.
Assail sorriu fracamente diante de sua surpresa. - Acharam que eu não saberia?
- Eu sou irmão, - o da esquerda disse em um pesado sotaque inglês. - Ele é primo.
Assail inclinou a cabeça, aceitando a explicação. Na verdade, ele não se importava quem entregava seus produtos, contanto que fossem pontuais, pelo preço e qualidade
acordados e sem interferência de agentes da lei humana.
Até agora, tudo bem com estes dois.
Momentos depois, Ehric e o irmão aceitaram as bolsas e se afastaram, um olhando para frente, outro para trás, para cobrirem todo o terreno.
- Um momento, - Assail pediu lentamente. - Se não se importam.
Os humanos pararam de novo, e ele sentiu a ansiedade deles de modo tão claro quanto uma reverberação na superfície de uma mesa, a transferência de energia viajando
facilmente através do ar que separava seus corpos.
- O que mais tem aí embaixo? - disse ele, apontando para a lona. - Há mais duas sacolas, não há?
O mais baixo deles, o primo, arrumou a cobertura de volta no lugar e voltou-se para os controles do barco.
- O esquema mês que vem, - o outro disse, - o mesmo?
- Entrarei em contato com seus chefes.
- Muito bem.
Só isto, eles voltaram a seu caminho, ruidosamente contra a corrente vagarosa de água fria, com a propaganda de outra empresa na lateral.
Franzindo o cenho, Assail observou enquanto eles cruzavam o leito das águas e prosseguiam paralelamente à margem oposta.
Um momento depois, voltou ao Range Rover e quando bateu na janela da porta do passageiro, Ehric baixou o vidro.
- Sim? - O macho disse.
- Vou segui-los. - Assail acenou na direção do barco. - Eles estão negociando com outra pessoa. Quero descobrir quem.
Com um gesto curto de concordância, Ehric desmaterializou para o assento do motorista e engatou o SUV. - Eu também percebi. Ligue se precisar de ajuda.
Quando o Range Rover se afastou, Assail se virou e caminhou de novo para a água. Fechando os olhos, teve de lutar contra o efeito da cocaína para se acalmar,
e levou um tempo até poder se desmaterializar no vento gelado. Quando retomou forma, alguns quilômetros abaixo do rio, esperou até o barco aparecer de novo. Os homens
não percebiam sua presença, já que ele se escondeu entre as árvores coloridas e contrastava com a vegetação marrom, observando-os passar.
Mesma velocidade de motor. Mesmo protocolo para entregar as mercadorias para ele. A questão era: quem era o próximo cliente?
E que tipo de drogas eles estariam vendendo?
O chefe deles havia concordado em lidar exclusivamente com ele nesta parte do estado de Nova Iorque. E embora a competição fosse boa para o capitalismo, não
era bem-vinda em seu território; também desnecessária à declaração de renda deles. Seus pedidos eram suficientemente grandes e tão constantes que ele valia por vários
negócios dignos de respeito.
Os bastardos.
De fato, era necessária honra entre os fora-da-lei. Para o bem de todo mundo. E ele havia elevado a sua parte da barganha, pagando cada vez mais. Mês após mês
após mês.
Mas estava preparado para resolver este problema.
Prontamente.
Mortalmente.
Rhage, Tohr e V voltaram à mansão não muito depois de conhecer o motivo de orgulho e alegria de Applebottom, com Butch seguindo no Range Rover. Quando os três
reassumiram suas formas físicas no quintal, uma luz brilhava entre a fila de carros e chamou a atenção deles.
Rhage foi até a porta aberta da Mercedes azul bebê. - Layla?
Só que não havia ninguém lá dentro, remexendo a bolsa ou juntando sacolas, antes de ir atravessar o gramado até a casa.
Ele fechou a porta. - Ela não...
- Layla! - Tohr gritou. - Oh, merda!
Rhage olhou na direção da entrada da mansão. A pesada porta do vestíbulo estava meio aberta, uma perna se estendia ao nível do chão, o tornozelo mantinha os
painéis abertos.
Os três dispararam até os degraus. Enquanto Rhage abria mais o tremendo peso da porta, V, com seus conhecimentos médicos, pulou sobre o corpo colapsado e começou
a checar os sinais vitais.
- Tohr, - Rhage disse, - chame...
Mas seu irmão já estava com o telefone no ouvido - Oi, Jane? Precisamos de você aqui no vestíbulo. Layla desmaiou. V, sinais?
Quando o irmão botou o celular na cara de V, Vishous disse à companheira, - Batimentos cardíacos estáveis, mas lentos. Assim como a respiração. Sem sinal visível
de trauma.
- Ouviu isto? - Tohr disse, voltando a falar. - Bom, obrigado! - Ele encerrou a chamada, e imediatamente voltou a discar. - Ela está trazendo Manny e Ehlena.
- De volta ao ouvido. Espera. Espera.
Ele estava, obviamente, ligando para Qhuinn...
Por alguma razão, o mundo ficou vacilante para Rhage: em um minuto, ele olhava para Layla, e pensava que não havia nada mais aterrorizante do que uma fêmea grávida
caída em qualquer tipo de chão. No seguinte, o vestíbulo girava em volta dele como uma bola no fim de um barbante, sua cabeça, o ponto central da tontura, seu equilíbrio
estranhamente não comprometido...
- Ele vai cair!
Huh. Acho que ele não estava tão firme quanto achou.
Quando sentiu uma mordida em seu bíceps, baixou o olhar e viu a mão de Tohr travar-se em seu bíceps, segurando-o.
Uau. Que másculo, Rhage pensou.
Uma rodada de sais vitorianos só porque uma fêmea está...
- Layla!
A aparição em pânico de Qhuinn bem perto dele lhe deu o estímulo para acordar de que precisava, sua mente clareou enquanto o macho abria seu caminho até chegar
à fêmea que carregava seu filho. Blay, como sempre, estava logo atrás dele, pronto a fazer qualquer coisa para apoiar o companheiro.
- O que diabos aconteceu? - Qhuinn exigiu.
V começou a falar. Dra. Jane e equipe chegaram. Equipamentos médicos foram tirados de uma maleta preta antiquada.
Virando-se para Tohr, que ainda o amparava, Rhage ouviu uma estranha versão de sua voz dizer, - Estou tendo problemas para respirar, irmão.
Tohr voltou a cabeça para sua direção. - Qual o problema?
- Eu não sei. Não... Consigo respirar. - Ele massageou o peito com a mão livre. - É como se houvesse um balão aqui. Tomando todo o espaço.
Enquanto a equipe médica rolava Layla de costas, o pessoal da primeira fila praguejou. O braço dela estava no ângulo errado, a parte abaixo do cotovelo mostrando
uma torção feia que deve ter acontecido quando ela desmaiou.
- Rhage? - Alguém lhe disse, - Olá?
Ele olhou para Tohrment, - O que?
Thor inclinou-se, - Quer tomar um pouco de ar fresco?
- Já não estamos do lado de fora? - Para responder a esta pergunta, olhou para o céu - Sim, estamos...
- Que tal darmos uma voltinha?
- Quero ajudar.
- Sim, eu sei disto. Mas, acho que sair para caminhar é uma boa ideia. Você está branco como papel, e se apagar agora, posso garantir que não vai ter ninguém
para amaciar sua queda e não precisamos de mais pacientes agora.
- Huh?
- Vamos.
Quando seu irmão puxou o braço, Rhage começou a esfregar o peito. - Eu não sei porque não consigo respirar...
A última imagem que teve, ao se afastar, foi do rosto de Layla virado para o lado, os olhos abertos, mas, sem enxergar nada.
- Ela morreu? - Ele sussurrou. - Ela morreu?
- Vamos, irmão meu...
- Morreu?
- Não. Está viva.
Cada vez que piscava, via seu cabelo louro no mármore como líquido derramado, os lábios tão pálidos quanto o rosto, aqueles olhos verde-jade, opacos e imóveis.
- Mary? Sim, Mary, tenho uma situação aqui com seu garoto. Pode vir agora?
Quem estava falando? Oh sim, Tohr. Ao telefone. O Irmão havia sacado o telefone.
Rhage começou a balançar a cabeça. - Não, ela não pode vir. A mãe no Lugar Seguro. Ela tem de ficar...
- Está bem, obrigado. - Tohr desligou - Ela está vindo agora.
- Não, eles precisam dela...
- Irmão? - Tohr aproximou o rosto do rosto de Rhage. - Tenho certeza que você não sabe como está sua aparência agora. Faz o favor de sentar aqui... Sim, bem
no chão. Bom garoto, está indo bem.
Os joelhos de Rhage seguiram as instruções, seu cérebro estava preocupado demais com o quanto sua shellan não precisava perder seu tempo precioso com ele. Mas,
parecia que aquele ônibus já tinha partido do ponto.
Colocando a cabeça entre as mãos, Rhage se inclinou para frente e se perguntou se não teria algo errado com seus pulmões. Uma gripe vampírica de ação rápida.
Uma infecção. Um veneno qualquer.
A grande mão de seu irmão fez círculos lentos em suas costas, e sob aquela palma pesada, a besta, em sua forma de tatuagem, surgiu e se moveu como se o pequeno
ataque de Rhage tivesse deixando-a nervosa.
- Sinto-me estranho. - Rhage disse. - Não consigo... Respirar...
Capítulo VINTE E CINCO
Nos primeiros quilômetros, Assail se satisfez em se desmaterializar no encalço do barco. No entanto, por volta da quarta vez em que retomou forma, se impacientou
pela chegada ao destino, a troca que seria feita, identidade do terceiro envolvido a ser revelada.
E havia outro motivo para ficar inquieto. Com o aumento da distância viajada, os dois homens se aproximavam cada vez mais da cidade de Caldwell, o que era uma
ideia idiota.
Mesmo que já fosse noite avançada, o centro da cidade não era como o subúrbio e estariam rodeados por humanos por todos os lados; com certeza, dificilmente humanos
com crédito com a polícia, mas, olhos curiosos eram olhos curiosos, e cada rato sem rabo, por mais ignorante que fosse, tinha um celular nos dias de hoje.
Ele até poderia ser capaz de se desmaterializar, mas, aquela dupla no barco não sabia executar aquele truque... E ele queria ser a pessoa a ensinar uma lição,
não deixaria o Departamento de Polícia de Caldwell chegar na frente.
Desaparecendo de novo, foi forçado a retomar forma em meio às árvores plantadas à beira de um dos parques públicos da margem de Caldwell. E o barco continuou
em frente.
Inacreditável.
Enquanto esperava para ver se indicavam a nova posição, e havia uma boa chance de que indicassem, porque não havia mais cobertura na costa, um comichão familiar
começou a formigar na base de seu pescoço, desencadeando a necessidade por mais coca.
A necessidade vinha cada vez mais rápido ultimamente. A ponto de ele ser forçado a reconhecer sua sorte por curar-se tão rápido. Se fosse um mero humano? Já
teria desviado o septo há meses.
Buscando em seu bolso, tirou o vidrinho. Só sentir a suavidade do frasco o fazia relaxar. Ele queria consumir a droga, mas não podia correr o risco de não conseguir
se desmaterializar. O problema com o seu vício era que a necessidade por uma nova dose estava surgindo antes que o efeito da dose anterior tivesse sequer começado
a diminuir, a lombriga em suas entranhas se remexendo, remexendo, exigindo mais e mais enquanto seu corpo e cérebro lutavam para lidar com as velozes e enormes cargas
da droga que consumia.
E de novo, a última coisa que queria era se colocar em dificuldades por estar nervoso demais para desaparecer.
Deus, ter isto em comum com a espécie humana com quem negociava era humilhante demais para descrever...
- Oh, só pode ser brincadeira. - Ele murmurou quando o barco finalmente demonstrou estar entrando em um lugar para aportar.
Mas não um lugar seguro. Certamente não um que ele teria escolhido.
A dupla pilotou a embarcação em direção à uma casa de barcos vitoriana. Claro que as janelas estavam escuras, mas havia luzes de segurança brilhando nas ripas
que revestiam seu exterior, e sem dúvida uma patrulha do Departamento de Polícia, fazia turnos regulares no espaço que havia por trás da estrutura.
Mesmo assim, ele teria de entrar, caso eles entrassem.
E eles entraram.
Sem ideia do layout do interior do local, programou-se para retomar forma nas sombras entre aquelas irritantes luzes externas, suas roupas pretas mimetizando-o
contra a lateral envelhecida da casa de barcos. Quando o barco entrou em uma das vagas, o som de seu motor patético ecoou, soando como um homem velho nos estertores
finais de um ataque de tosse mortal.
Virando-se para uma das janelas, Assail concentrou seu olhar astuto através do vidro canelado. A área interior era bem extensa e, assim que identificou o seu
ponto, se desmaterializou e passou através da mesma entrada que os entregadores usaram. Teve o cuidado de reassumir sua forma física, encolhido em um canto apertado
no extremo oposto, entre uma estante de suprimentos de tripulação, caída em montes, e uma floresta de dispositivos pessoais de flutuação cor de laranja pendurados
em ganchos.
O motor foi desligado e o par conversava suavemente em idioma estrangeiro. Após silenciarem, o único som era a água se movendo e gargalhando por baixo do barco
e através do escoramento das docas.
Assail odiava cheiro de peixe morto, flora decomposta e lonas úmidas no ar.
Após um tempo, a aproximação de algo no exterior chamou sua atenção, e então, uma luz amarela penetrou o interior. Localizando uma janela empoeirada, olhou para
fora, só para ver um caminhão do Departamento de Parques Públicos de Caldwell estacionando.
Bem, agora, isto está a ponto de ficar interessante.
Ou a entrega ia ser interceptada e chamariam a polícia... Ou algum humano que trabalhava para os parques estava tentando aumentar sua renda mensal através de
suborno.
Descobriu que errou nas duas.
A porta principal rangeu ao ser aberta e, no instante em que uma figura masculina apareceu no umbral, o ar gelado que vinha de trás, espalhou o cheiro de lesser
na casa de barcos.
E então, o Forelesser com quem Assail havia feito negócios, entrou com uma sacola de ginástica na mão.
Filho da Puta.
Como se atreve o bastardo a me passar para trás, pensou Assail, ao mesmo tempo em que suas presas se alongavam, por vontade própria. E como infernos aquele matador
havia conseguido fazer contato com o fornecedor?
Formulando um plano para a emboscada, Assail sacou suas duas armas .40, e desejou ter tido o cuidado de colocar silenciadores. Não havia esperado usá-las na
porra do centro de Caldwell, pelo amor de Deus.
- Me deixe vê-las. - O Forelesser declarou. - Abra as sacolas e me deixe vê-las.
Assail deu um passo à frente, pensando que poderia...
Cada um dos carregadores abriu uma mala e exibiu o conteúdo.
Não. Eram. Drogas.
Nada parecido.
Ao invés dos grandes tijolos selados em camadas de papel celofane, havia...
Armas. De grosso calibre, que se esfregavam, metal contra metal, umas contra as outras nas sacolas de ginástica.
Na escuridão era difícil determinar, exatamente, as especificações das armas, mas parecia haver uma variedade de metralhadoras ou rifles.
O lábio superior recuado de Assail voltou a ao lugar.
Embora estivesse preparado para interceder na eventualidade de uma negociação de drogas/dinheiro, não sentia mais tal compulsão.
Se o Forelesser quisesse usar seu lucro para comprar armas, era problema dele.
Deixando a casa de barcos do mesmo jeito que havia entrado, Assail dirigiu-se rio acima, em direção à sua casa envidraçada na península.
A única coisa com a qual se importava era se aquele lesser continuaria a vender seus produtos nas ruas e clubes de Caldwell em tempo hábil, confiável e honesto.
- Não, não, estou bem. Juro.
Enquanto falava, Rhage sentou-se à mesa de madeira maciça na cozinha da mansão da Irmandade. Os outros habitantes da casa estavam se reunindo para uma tardia
Última Refeição, os doggens enfileirando-se para dentro e para fora da porta vai-e-vem, levando bandejas de prata do tamanho de tampos de mesas, cheias de todos
os tipos de comidas recém-preparadas, molhos e vegetais.
Do outro lado, Mary encostou-se à ilha com topo de granito que ficava no centro da cozinha, com os braços cruzados sobre o peito, os olhos treinados fixos nele,
como se avaliando um de seus pacientes do serviço social.
Contorcendo-se, ele quis se juntar aos irmãos e suas shellans, mas, pela expressão dela, aquilo não aconteceria tão cedo.
- Fritz? - Disse ela. - Vou preparar alguma coisa para ele, tudo bem?
O mordomo parou em meio ao processo de trazer um conjunto de mesa. - Eu ia fazer um prato na outra sala e trazer para cá...
- Eu quero cuidar de meu marido, - disse ela gentilmente, mas com firmeza. - Mas, se quiser... Mesmo que isto vá contra cada instinto autossuficiente de meu
corpo, eu deixo as panelas e os pratos para você lavar.
O rosto velho e enrugado de Fritz assumiu a expressão de um cãozinho basset a quem tivessem negado frango com a promessa de mais tarde ter um bife: tanto preocupado
quanto excitado. - Se houver qualquer coisa em que eu possa ajudar...
Três membros da equipe, em seus uniformes cinzentos e brancos, voltaram de mãos vazias da sala de jantar, o trio se dirigindo para o carregamento final que era
destinado a ser levado e servido nas várias mesas de apoio daquele enorme espaço iluminado.
- Na verdade, - sua Mary murmurou, - você acha que ele e eu podemos ter um pouco de privacidade aqui?
- Oh, sim, senhora. - Fritz de alguma forma se iluminou. - Assim que servirmos os pratos principais, eu mesmo levarei a equipe para o saguão. Eles ficarão mais
do que satisfeitos em esperar lá.
- Obrigada. - Ela apertou levemente seu braço, o que o fez corar. - E só até a hora da sobremesa. Eu sei que vai querer a cozinha livre para ela.
- Sim, senhora. Obrigado, senhora. E eu pessoalmente limparei tudo após sua saída.
O mordomo fez uma acentuada reverência, pegou a última bandeja de prata, e tirou todo mundo dali. Quando a porta vai e vem parou, a adorada shellan de Rhage
olhou para ele.
- Ovos? - Ela disse.
Diante daquela única palavra, o estômago de Rhage rugiu. - Oh, Deus, seria maravilhoso.
Mary anuiu e foi até a geladeira. Pegou uma bandeja fechada de ovos, um galão cheio de leite e uma caixa de manteiga; então, no armário, uma frigideira, uma
grande tigela de misturar e vários utensílios recém-lavados.
- Então, - disse ela, ao partir o primeiro dos doze ovos. - Eu queria mesmo saber o que aconteceu lá.
Até aquele momento, Rhage fora bem sucedido em evitar a questão. Aparentemente, o indulto havia acabado.
- Estou bem, sério.
- Ok. - Ela parou em meio ao ato de quebrar um ovo e sorriu para ele. - Mas, como sua esposa, seu bem-estar é realmente importante para mim. Então, se tem alguma
coisa te incomodando, não saber o que é faz eu me sentir excluída.
Ai. Só... Ai.
Quando ela começou a bater a mistura crescente de ovos, o som úmido o fez imaginar o conteúdo de sua própria cabeça.
Baixou os olhos para o tampo esburacado da mesa e deslizou o dedo em um dos veios da madeira de carvalho.
- A verdade é que eu não sei o que houve. Eu só me senti muito estranho e tive de me sentar. Mas, agora estou bem. Provavelmente foi só uma coisa passageira.
- Mmm, bem, me conte como foi sua noite.
- Não aconteceu nada demais. Fui até o esconderijo do Bando dos Bastardos e invadi...
- Não começou na clínica, com Trez e Selena?
- Oh, sim. Mas, isto foi tipo, ontem, quando ela estava... Sabe, quando ela foi levada para lá. - Ele balançou a cabeça. - Não quero pensar nisto agora, se não
se importa.
- Está bem, então esta noite você foi até o esconderijo do Bando dos Bastardos?
- Bem, primeiro passamos na casa de Abalone. O primo dele debandou das tropas de Xcor e nos disse onde ficava o esconderijo. De qualquer forma, eu e V invadimos
o lugar.
- O que procuravam?
Ele deu de ombros. - Bombas. Armadilhas. Este tipo de coisa. Nada demais.
Ela emitiu outro som de mmmm ao derramar o conteúdo da tigela em uma frigideira do tamanho do assento do banco do Hummer de Qhuinn. - E você ficou preocupado
em se ferir lá?
- Não. Bem... Eu me preocupei com os irmãos, claro. Mas, faz parte do trabalho.
- Está bem. E então, foram para onde?
- Fui te ver. Daí à antiga casa do D., fizemos um relatório para Wrath e voltamos para cá. Era para eu me consultar com Manny para dar uma olhada no processo
de cura daquele ferimento. V também.
- Está bem. - Ela foi até a torradeira com capacidade para seis torradas e carregou-a com o pão branco industrializado, total e plasticamente fantástico que
era o favorito dele. - Então, você chegou aqui, e o que viu?
Ele piscou e viu o pé de Layla esticado para fora do vestíbulo. Então visualizou o rosto de Qhuinn ao se abaixar para a fêmea caída que carregava seu filho.
- Oh, você sabe.
- Mmmmm? - O cheiro de ovos sendo preparados acionou o botão do modo "Coma-agora" em seu organismo. - O que?
- Bem, você sabe o que aconteceu.
Quando Mary chegou, uma maca havia sido trazida da clínica e Layla havia sido carregada, o corpo transferido do chão para a maca, cuidadosamente, por Qhuinn
e Blay.
Rhage caiu em silêncio e massageou o peito.
Pop! Fez a torradeira, e um momento depois, um prato com tudo feito exatamente do jeito que ele gostava, foi posto a sua frente.
Junto com uma caneca de chocolate quente, um guardanapo e talheres... Mas, o mais importante, sua adorável Mary.
- Esta é a melhor refeição de minha vida, - disse ele, só de olhar para a comida.
- Você sempre diz isto.
- Só quando você cozinha para mim.
Era engraçado. Como humana, sua Mary jamais conseguiria entender a reação de um vampiro macho, quando a fêmea com a qual era vinculado preparava comida com as
próprias mãos, para ele. Esse tipo de coisa era um ato secreto, porque ia contra o âmago do instinto masculino que era prover e satisfazer as necessidades de sua
companheira, acima de tudo e todos, incluindo ele próprio, os irmãos, o Rei e todos os filhos que pudessem vir a ter.
Rhage era programado para alimentá-la primeiro e só então comer o que sobrasse. Mas, antes que ela mandasse Fritz e os doggens para fora, ela havia dito estar
cheia, já que havia feito um lanche no Lugar Seguro uma hora atrás.
- Vai esfriar. - Ela disse, esfregando o braço dele.
Por alguma razão, os olhos dele se enevoaram e ele teve de piscar para afastar as lágrimas.
- Rhage? - Ela sussurrou. - Seja o que for, pode dizer.
Com um movimento rápido, ele negou com a cabeça. - Estou bem. Só quero aproveitar o banquete.
Ele ergueu o garfo e começou a alternar: uma garfada de ovos, uma mordida na torrada, uma garfada de ovos, uma mordida na torrada, gole, gole, gole de chocolate
quente. E repetiu tudo até limpar o prato.
- Como a fêmea está? - Perguntou ele, ao limpar a boca e se recostar no espaldar da cadeira.
- Eu não sei, - Mary meneou a cabeça. - Simplesmente não faço ideia como isto vai acabar.
- É grave assim? - Quando ela estremeceu, ele disse, - Se houver algo que eu possa fazer...
- Bem, na verdade...
- É só dizer.
Ela estendeu o braço e tomou a mão dele, virando a palma para cima. Levou um tempo até ela falar, e quando ele já começava a se preocupar, ela disse:
- Quero que você imagine, apenas por um momento, que pode ter sido perturbador para você ver Selena quase morrer e testemunhar a dor de Trez. Quero que considere
que não é "só trabalho rotineiro", para ninguém, ter de invadir uma casa onde jamais esteve, sem saber se algo irá explodir ou te emboscar ou matar você ou alguém
que você ama. Quero que reflita que, ir até Wrath e não poder dizer-lhe que encontrou os Bastardos, ou que desarmou uma bomba, ou coletou algum tipo de informação,
soa como fracasso para você. E finalmente, quero que entenda que, voltar para casa e ver Layla no chão, sabendo que está grávida, e o quanto se importa com ela,
Qhuinn e Blay, é outro trauma. Acho que você teve um dia difícil, e suas emoções meio que entraram em pane.
- Eu não me sinto perturbado, minha Mary. Por nada disto. Estava tudo bem...
- Até você ter o ataque de pânico na frente da casa.
- Eu não tive um ataque de pânico.
- Você disse que não conseguia respirar. Que suas mãos e pés formigavam. Que estava tendo problemas para se conectar à realidade. Para mim soa sintomas típicos
de um ataque de pânico.
Ele negou com a cabeça. - Eu não acho que foi isto.
- Está bem.
Rhage inalou profundamente e fitou o rosto de sua amada. - Você é a fêmea mais linda que eu já vi.
- Tenho certeza que não...
Ele tomou o rosto dela entre as mãos, acariciando com carinho. Enquanto seus olhos vasculhavam as feições familiares, ele não conseguia ter o suficiente dela.
Deus, nunca era o suficiente. Nem uma noite, um mês, um ano, uma década... Nem a eternidade que a Virgem Escriba tinha milagrosamente lhes concedido, jamais seria
suficiente para ele.
- Você é a fêmea mais linda que eu já vi. - Ele acariciou os lábios dela com os seus. - Não sei o que fiz para merecer um destino com você, mas jamais, jamais
vou te subestimar.
O sorriso que teve em resposta foi melhor do que o brilho do sol que ele jamais via, envergonhando até a bola de fogo que sustentava toda a vida, inclusive as
daqueles que não suportavam seus raios.
Eles ainda estavam sentados daquele jeito, perdidos no olhar um do outro, quando os doggens vieram, para a sobremesa.
- Quer subir? - Ele disse em uma voz profunda e sombria, sua besta começando a surgir sob sua pele. - Estou pronto para a sobremesa.
O aroma dela chamejou. - Está?
- Mmm hmm.
- Quer que eu pegue um pouco de sorvete para você?
Ele estreitou o olhar na boca dela. - Nada disto. Eu quero chupar outra coisa.
- Bem, então, - ela sussurrou, colando a boca na dele, - vamos te alimentar.
Capítulo VINTE E SEIS
Suor frio.
Trez acordou suando frio, cada centímetro de sua pele encharcado, sua temperatura interior gelada a níveis árticos, o coração batendo tão rápido, que parecia
que alguém havia enfiado a coisa em uma batedeira de bolos. Erguendo-se do travesseiro, gritou...
Cama. Ao invés de algo terrível e chocante... Tudo o que viu foi uma porção de sua cama, e tudo estava absolutamente normal, do abajur que brilhava próximo à
ele, a suas roupas jogadas sobre a chaise, aos sapatos caídos obliquamente onde foram chutados no amanhecer passado.
Por um momento, ficou confuso. Virgem Escriba. Um lugar qualquer, místico. Selena na grama, na clínica, congelada, congelada...
Um gemido suave quebrou o fio entre pesadelo e realidade.
Virando-se subitamente, viu Selena deitada em sua cama, os ombros nus aparecendo acima dos lençóis, os cabelos negros espalhados na fronha branca, rosto e corpo
virados para o outro lado.
Fechando seus olhos, ele cedeu, e desejou que tudo tivesse sido um sonho ruim.
Mas, então, voltou ao foco e se concentrou em sua fêmea, puxando o edredom mais para cima, para mantê-la aquecida, discretamente se inclinando para verificar
se ela ainda estava respirando, se perguntando se deveria arranjar um pouco de comida para ela.
Como se sentisse sua presença, ela se revirou e, mesmo no sono, seu rosto se fechou em uma careta, como se o movimento causasse dor.
Caralho. O sexo fora selvagem, cru, violento. Depois do corpo dela ter enfrentado tudo aquilo.
Maldito fosse ele, pensou, ao passar a palma da mão pelo rosto. Como podia ter feito aquilo com ela? Devia ter se contentado em somente se masturbar até o pau
ficar insensível.
Pior de tudo? Ele não sabia se poderiam realmente resolver as coisas entre eles. Ainda assim, se sentia um imbecil.
Estendendo a mão para a mesinha de cabeceira, pegou o celular e viu que horas eram. Quatro e quarenta e quatro da manhã.
Ele não iria dormir mais. Livrando-se dos lençóis, foi até o banheiro, fechou a porta, usou o banheiro e tomou um banho rápido. Então voltou, tirando seu par
de fones de ouvido da gaveta da mesa de cabeceira, antes de voltar a se enfiar na cama.
Movendo-se lentamente, foi tão cuidadoso em voltar para a cama quanto fora para sair dela, manobrando seu peso de quase cento e quarenta quilos no colchão, sem
deslocar Selena como se fosse um trampolim.
Ao ele se reposicionar, deu uma rápida checada em sua fêmea e ficou aliviado ao descobrir que ela ainda dormia. O que meio que o aterrorizou. E se ela estivesse
em coma ou...
Como se procurasse por ele, ela tateou pelo edredom.
- Estou bem aqui, - ele sussurrou.
Instantaneamente, ela parou a busca, e quando ele segurou sua mão, a palma estava quente, vital, do jeito que sempre estivera.
Ele levou um tempo para estudar os dedos dela, dobrando-os, medindo os movimentos, procurando por pontos de resistência. O que não era certo, ele pensou.
Era injusto tentar tirar informações do corpo dela sem seu conhecimento e consciência... E como forma de se desculpar, ele interrompeu-se, e alisou as unhas
cor de rosa e os semicírculos brancos e curtos que ela aparava regularmente. Quando o sono a reclamou novamente, ele se sentiu... Devastadoramente sozinho. Mesmo
que estivessem lado a lado, ele recostado na cabeceira da cama, com ela aninhada em seu corpo, não parecia estar conectado a ela. Disse a si mesmo que era uma simples
questão de dormir e acordar. Aquela era a divisão... Nada tão assustador quanto o fato das ondas cerebrais serem lidas diferentes em uma tomografia computadorizada.
Era besteira, claro. E quanto mais tentava forçar-se a acreditar na mentira, mais preso se sentia... Então, para calar seu conflito interno, ele ligou o rádio
na estação SiriusXM em seu celular, conectou os fones de ouvido e tentou ficar confortável. Ou confortável de alguma forma.
Ou... Pelo menos, não consumido pela necessidade de pular para fora de sua própria pele.
Naturalmente, porque sua sorte era uma bosta, a primeira coisa que ouviu no rádio, foi mais más notícias.
- Está brincando? - Ele murmurou alto quando a voz de Howard Stern inundou seu crânio. - Eric, o ator está m...
As sobrancelhas de Selena se contraíram como se considerasse acordar e ele fechou a matraca. Mas, não conseguia acreditar que mais um do Wack Pack10 se fora.
Parecia cruel à luz de tudo o que ele estava passando.
Merda, era como se as notícias ruins estivessem fazendo um esforço concentrado para sair das sombras e encontrá-lo.
Selena acordou lentamente, e o aroma do corpo de Trez foi a primeira coisa que notou. O som da voz dele foi em seguida. A sensação das mãos dele sobre as suas,
a terceira.
Abrindo os olhos, ela o viu sentado ao seu lado na cama, os olhos negros, absorto em seu celular, as sobrancelhas baixas como se houvesse recebido notícias perturbadoras
através de uma mensagem de texto ou...
- Está tudo bem? - Ela perguntou.
Quando ele não respondeu, ela percebeu que ele tinha fios saindo do celular para seus ouvidos como se estivesse ouvindo alguma coisa.
No instante em que ela apertou sua mão, ele pulou tão alto que os fones caíram.
- Oh, meu Deus! Você está acordada.
- Sinto muito, não queria assust...
- Merda, não sinta... Está bem? Precisa da Dra. Jane?
- Não, não... - Ela tentou fazer o cérebro funcionar. - Estou bem, é só... Parece perturbado?
Quando ele olhou para ela, o único som no quarto era o ruído dos fones.
Ela puxou as cobertas mais ainda para cima. - Há algo errado comigo?
- Oh, Deus, não. Eu, ah, não... Não é nada. - Ele olhou para o celular. - Só, um cara que era do The Stern Show morr...
Quando ele se interrompeu, os olhos arregalados, como se quase houvesse dito algo imperdoável.
- Morreu? - Ela terminou por ele.
- Eu, ah...
- Você ainda pode pronunciar a palavra, - ela deu um aperto na mão dele de novo. - De verdade.
Trez pigarreou e afastou o celular. - Está com fome?
- Na verdade não.
- Com sede?
- Não.
Ele mexia nos lençóis. O edredom. - Está quentinho aí?
Franzindo o cenho, ela sentou-se e encostou-se aos travesseiros. Olhando para ele, sorriu. - Estou contente de ter vindo aqui. Para conversar e... Fazer aquelas
outras coisas.
- Está mesmo? - Os olhos dele, aqueles lindos olhos amendoados, se voltaram para ela. - Sério? Eu acho que fui violento demais no modo como...
O sorriso dela se estendeu. - Eu realmente, realmente, perdi minha virgindade agora.
Ele corou. Corou da verdade, uma mancha vermelha tingiu suas bochechas. - Me preocupa ter te machucado.
- Nem um pouco. Quando podemos fazer de novo...
O engasgo de Trez foi súbito e ruidoso, e ela teve de bater nas costas dele para ajudá-lo a respirar novamente.
- Está bem? - Ela disse, ainda sorrindo.
- Ah, sim. É que você tem um jeito de me surpreender.
Por um momento, ela se lembrou dele vindo a ela no Santuário. Mesmo paralisada na ocasião, ela soubera o instante em que ele chegara. Fora um milagre. Mas, como
ele soubera?
- Como me encontrou? Lá em cima, no Santuário?
Ele meneou lentamente a cabeça. - Você não vai acreditar.
- Tente.
- A Virgem Escriba. Eu estava em meu clube, resolvendo uns assuntos, Rhage e V estavam comigo. De repente, aquela... Figura apareceu... Vestida de preto, iluminada
por baixo do tecido, uma voz que eu ouvi aqui dentro, - indicou a cabeça, - ao invés de nos ouvidos. A próxima coisa que vi? Eu estava... Bem, de qualquer forma.
Eu estava com você.
Agora foi a vez dela de mexer nas cosias. - Eu sinto muito.
- Por quê?
- Por você ter me visto assim. Sinto muito por tudo isto.
- Diabos... Como eu disse antes, como se fosse culpa sua estar doente?
- Eu sei, mas ainda assim. Eu queria... - ela tentou virar a cabeça para trás para poder olhar para o teto, mas o pescoço anda estava dolorido demais.
- Você está sentindo dor.
- Não é incomum. É como sempre me sinto. Eu... Bem, que seja.
Aparentemente, dois podiam fazer aquele jogo de evitar um assunto.
- Isto é tão forçado, - ela soltou.
- O que?
Ela teve de virar o tórax para poder olhar para ele de verdade. E vagamente, avaliou como era bela a pele escura dele contra os lençóis brancos, o contraste
fazia ambos parecerem cintilar.
Selena tentou achar as palavras. - Eu sinto como se houvesse esta enorme... Não sei, distância ou algo assim... Entre nós. Não faz sentido, digo, você está bem
aqui ao meu lado... Mas, há palavras nas quais estamos tropeçando, assuntos sobre os quais não queremos falar... Bem, isto é um saco. Porque agora? Esta é a melhor
parte, digo, dá uma olhada.
Ela ergueu a mão livre com os dedos esticados, fechou-os e tornou a abrir.
- Acordada e flexível é tão melhor do que o jeito que eu estava antes, não é? - Quando ele simplesmente olhou para ela, sentiu-se tola. - Desculpe, acho que
isto soa estranho.
Trez se inclinou e beijou-a, seus lábios demorando-se. - Não... - ele se afastou. - Isto... Eu sei o que quer dizer. Não é loucura e você está certa. Esta é
a melhor parte...
- Você está tão quente.
Trez soltou outra tossida. - Maldição, fêmea. O que deu em você...
- Eu lhe disse a noite passada, ou céus, que horas eram? De qualquer forma, eu te disse antes, sou toda honestidade agora.
As pálpebras dele caíram. - Gosto de honestidade. Então, me deixe perguntar, se eu te pegasse no colo e te carregasse para o chuveiro, você...
- Me ajoelharia de novo sob o jato quente para ver se você é tão gostoso quanto eu me lembro?
O som que ele fez não foi uma tossida. Mas, também não foi nada coerente. Foi parte grunhido, parte rosnado, com um pequeno gemido no meio, como se estivesse
se preparando para implorar...
Mais ou menos a coisa mais sexy que ele já ouvira.
- Isto foi um sim? - Ela falou lentamente.
Ele beijou-a novamente, com mais força desta vez. Por mais tempo também. Então ele a fitou, com olhos que ferviam. - Merda, estou morrendo aqui.
Quando Trez interrompeu-se de novo, ela sentiu-se atingida pela palavra de novo. Em se tratando deles, aquela era realmente, uma palavra matadora. Mas, era ela,
e não ele.
- Sinto muito, - ela forçou-se a sorrir. - Vamos lavar nossas preocupações...
- Eu vou achar uma cura para isto, - ele disse, com seriedade. - Eu não vou deixá-la perder a luta, Selena. Eu vou, literalmente, mover céus e terras para mantê-la
ao meu lado... Para que não haja nada no meio de nós dois, nada além de nossa pele nua... Nossas almas.
Lágrimas subiram aos olhos dela, e ela as conteve, desejando que sumissem e não voltassem a aparecer. Estendendo a mão para o rosto bonito dele, passou as pontas
dos dedos sobre suas feições.
- Eu te amo, Trez.
- Deus, eu te amo também.
Capítulo VINTE E SETE
Quando Layla acordou, estava deitada de lado em uma superfície muito mais suave do que o chão do vestíbulo. Em pânico, levou a mão à barriga.
Tudo parecia o mesmo, o inchaço firme, do tamanho que sempre fora... Mas, querida Virgem Escriba, teria ela machucado a criança? Ela conseguia se lembrar de
sair do carro, da luta para caminhar até a entrada da mansão, e de lá ter perdido a consciência...
- Bebê, - ela murmurou, - bebê, está bem? Bebê?
Instantaneamente, os olhos azul e verde de Qhuinn estavam bem à sua frente. - Você está bem...
Como se ela se importasse com ela mesma naquela hora. - Bebê!
Com uma súplica, pensou, por que antigamente reclamara de estar grávida? Talvez aquilo fosse punição por ter...
- Está tudo bem. - Qhuinn olhou para o outro lado do quarto, se concentrando em alguém que ela não conseguia ver. - Bem, apenas... Okay, é... Bem.
Ela jamais se perdoaria.
O alívio foi tão grande, que lágrimas subiram aos seus olhos. Se ela tivesse perdido o filho deles por estar no encontro com Xcor? Porque andara bisbilhotando
enquanto ele... Fazia aquilo com seu próprio sexo?
Ela jamais se perdoaria.
Com um pedido, ela se perguntou por que sequer pedira ao macho para fazer aquelas coisas. Era tão errado em diversas formas, adicionando ainda mais culpa quando
ela já estava com a coisa atolada até a garganta.
- Oh, Deus, - ela gemeu.
- Você está com dor? Merda, Jane...
- Estou bem aqui. - A boa doutora ajoelhou-se ao lado de Qhuinn, parecendo cansada, mas alerta. - Olá, Layla. Que bom que voltou. Só para saber, Manny engessou
seu braço. Havia uma fratura.
Houve algumas explicações sobre seu tempo de recuperação e quando o gesso poderia ser retirado, mas ela não prestou atenção em nada daquilo. Dra. Jane e Qhuinn
estavam escondendo algo dela: Os sorrisos de tranquilidade eram como fotografias da coisa real... Pareciam reais, mas eram falsos.
- O que não estão me dizendo?
Silêncio.
Quando ela lutou para se sentar, foi Blay que ajudou, gentilmente apoiando o braço bom e para lhe dar um pouco de impulso.
- O que? - Ela exigiu.
Dra. Jane encarou Qhuinn. Qhuinn olhou para Blay. E Blay... Foi o que eventualmente enfrentou o seu olhar.
- Há algo inesperado, - o guerreiro disse, - no ultrassom.
- Se me fizer perguntar "o que", de novo, - ela disse, por entre dentes cerrados, - vou começar a jogar coisas, e que se dane o meu braço quebrado.
- Gêmeos.
Como se o tempo e a realidade fossem um carro que subitamente tivessem seus freios acionados, houve um metafórico som de freada em sua mente.
Layla piscou. - Desculpe... O que?
- Gêmeos, - Qhuinn repetiu. - O ultrassom mostrou que são gêmeos.
- E perfeitamente saudáveis. - Dra. Jane completou. - Um é significantemente menor, e seu desenvolvimento está atrasado, mas parece viável. Eu não vi o segundo
feto nos ultrassons anteriores porque, Havers me contou que as gestações em vampiros são diferentes das humanas. Acontece que aparentemente outro óvulo fertilizado
pode se implantar, mas não entra em um estágio de significante embriogênese até muito mais tarde... Seu último ultrassom foi há dois meses, por exemplo, e eu não
vi nada antes.
- Gêmeos? - Layla sufocou.
- Gêmeos. - Um dos três repetiu.
Por algum motivo, ela se lembrou do momento em que descobriu estar realmente grávida. Mesmo que a gravidez fosse o objetivo e ela e Qhuinn houvessem feito o
que fizeram só para chegar lá, a confirmação de que sua necessidade vingara meio que a estonteara. Parecia milagroso, e avassalador... Uma alegria assustadora que
ela não estava inteiramente certa de que não fosse derrotá-la.
Agora ela sentia o mesmo.
Tirando a parte da alegria.
Ela sabia de duas de suas irmãs que esperaram gêmeos, e uma das gestações não deu certo. Da outra, havia nascido um único bebê vivo.
Lágrimas começaram a se derramar de seus olhos.
Aquelas não eram boas novas.
- Ei! - Blay se inclinou, com um lenço. - Isto não é ruim. Não é.
Qhuinn concordou, embora seu rosto continuasse uma máscara. - É... Inesperado. Mas não é de todo ruim.
Layla colocou as mãos sobre o estômago. Dois. Havia dois bebês que agora, tinha de levar em segurança até a reta final.
Dois.
Querida Virgem Escriba, como isto acontecera? O que ela ia fazer?
Enquanto as questões corriam por sua cabeça, ela percebeu... Bem, inferno. Como muitas coisas na vida, aquilo estava fora de suas mãos. Uma impossibilidade manifestada;
sua função, agora, era fazer o que pudesse para ajudar a si mesma e aos bebês descansarem, se nutrirem e ter os cuidados médicos necessários.
Esta era a única coisa que podia diretamente controlar. O resto?
Só cabia ao destino.
- Pode haver outros? - Layla perguntou.
Dra. Jane deu de ombros. - Acho altamente improvável, mas gostaria de enviar uma amostra do seu sangue para Havers. Ele tem muito mais experiência do que eu
nisto, e após analisar o hormônio específico da gravidez vampira, ele crê que pode arriscar a dizer a sua situação. Ele disse, no entanto, que trigêmeos são virtualmente
inéditos, e que o seu caso está no curso típico de gestação de múltiplos. A menos em casos extremamente raros de gêmeos idênticos como Z e Phury, o segundo embrião
atrasa seu desenvolvimento até a gravidez estar bem avançada. Quase como se na espera para ver se as coisas estão indo bem antes de se juntar à festa.
Layla baixou os olhos para seu abdômen distendido, e jurou nunca, jamais reclamar sobre coisa alguma. Nem de tornozelos inchados, ou dos seios doloridos, ou
de ter de ir ao banheiro a cada dez minutos. Sem. Mais. Chororô.
Nunca mais.
O fato de ela ter perdido a consciência, caindo de cara em um chão de mármore, e ainda conseguir ter aquele bebê...
Aqueles bebês, ela se corrigiu em choque.
... Em seu corpo, em segurança, era um lembrete que as dores e os desconfortos eram menores em comparação ao cenário maior, o grande objetivo, a grande preocupação.
Que era dar à luz a eles no momento certo, e fazê-los sobreviver.
- Então você consente? - Dra. Jane perguntou.
- Desculpe, o que?
- Tudo bem eu enviar uma amostra do seu sangue para Havers analisar?
- Oh sim. - Ela estendeu o braço bom. - Pode tirar...
- Não, já coletamos a amostra.
Ah, o que explicava a bolinha de algodão colada na parte interna de seu cotovelo.
Seu cérebro não estava funcionando direito.
- Foi por isto que ela desmaiou? - Qhuinn perguntou. - Por causa do outro bebê?
Dra. Jane deu de ombros de novo. - As amostras dela parecem bem... E já estão estáveis há um tempo. Quando foi a última vez que se alimentou, Layla?
O problema não era se ela tinha tomado veia recentemente. - Eu...
- Podemos resolver isto agora. - Qhuinn anunciou - Blay e eu podemos ambos lhe oferecer nossas veias.
Dra. Jane anuiu. - É lógico pensar que, com o segundo bebê requerendo mais nutrição, suas necessidades calóricas e de sangue devem ser maiores do que tenha percebido.
Eu acho possível que você tenha extrapolado seus limites e isto acabou por te esgotar.
Layla sentiu-se totalmente entorpecida e teve de forçar um sorriso. - Eu tomarei mais cuidado. E obrigada. Eu realmente agradeço seus cuidados.
- De nada. - Dra. Jane deu ao pé de Layla um leve aperto por cima das cobertas leves. - Descanse. Você vai ficar ótima.
Quando a médica saiu, Layla pensou nos estranhos anseios sexuais que vinha sentindo ultimamente, além do relativamente súbito aumento de seus sintomas físicos.
Será que era pelo outro bebê...?
- Quer que eu traga algo mais confortável do que isto? - Qhuinn perguntou.
Ela forçou-se a voltar o foco. - Desculpe, mais confortável que...?
- Esta camisola de hospital.
Baixando os olhos, viu que não estava mais com suas roupas. - Oh, Bem. Na verdade, está um pouco mais frio aqui. Uma das minhas túnicas seria legal, mas não
quero que se encrenque.
- Sem problemas. Eu levo suas coisas de volta para seu quarto e pego uma camisola e uma túnica... Enquanto isto, Blay, você pode lhe dar sua veia?
Como resposta, o pulso do soldado apareceu bem à frente dela. - Tome o quanto precisar.
Naquele momento, ela teve uma vontade avassaladora de lhes contar. Confessar. Livrar-se do estresse do último ano, não importando as consequências.
Ela só queria se livrar do fardo terrível que carregava. Assustava.
Atormentava.
Sem dúvida aquilo poderia aumentar as chances de ela carregar melhor aqueles bebês... Menos estresse era bom para fêmeas grávidas, não era? E agora havia duas
vidas em risco, além da dela.
- Layla?
Ela engoliu em seco. Olhou para os dois ali em pé, próximos à cama, preocupados. Ela não queria trair a única família que tinha. Além disto, talvez se contasse
a eles sobre Xcor, eles pudessem... Tornar o local mais seguro. Ou...
Layla pigarreou e agarrou as cobertas na cama como se fosse um rolo compressor entrando em uma curva fechada. - Ouçam, eu preciso...
Quando ela não terminou. Qhuinn quebrou o silêncio - Você precisa se alimentar. É o que precisa fazer.
Como se suas presas tivessem ouvido, elas se alongaram em sua boca, e ela se tornou consciente do fato de que, sim, ela estava morrendo de vontade de se alimentar
de uma veia.
E não, ela não podia contar a eles. Só... Não era bom. Não havia uma boa solução para ela. Eles a odiariam por colocar arriscar sua vida e sua gravidez... E
enquanto isto, Xcor ainda saberia onde eles vivem, porque a Irmandade jamais largaria aquele lugar. Aquela era a casa deles e eles a defenderiam quando ele atacasse
depois que parasse de vê-lo.
Pessoas morreriam. Pessoas que ela amava.
Merda.
- Obrigada, - ela disse, roucamente, para Blay.
- Qualquer coisa por você, - ele respondeu, acariciando os cabelos dela para trás.
Ela tentou tomar o mais gentilmente que podia, mas Blay demonstrou nem ligar. Claro, quando ele e Qhuinn faziam amor, sem dúvida costumavam dar mordidas muito
mais violentas.
Assim que começou a sugar da fonte familiar, absorvendo a nutrição que seu corpo precisava e só obtinha através desta dádiva de um macho de sua espécie, Qhuinn
foi para onde suas roupas foram colocadas em uma cadeira no canto. Ao pegá-las, ele franziu o cenho e olhou para baixo. Então mexeu nas camadas de tecido como se
procurando alguma coisa.
Um momento depois, ela fingiu estar concentrada no que estava fazendo. Ela não tinha ideia do que ele encontrara ou porque estava olhando para ela daquele jeito.
Mas dado o modo como ela vinha vivendo, ela tinha muito que esconder.
- Quando deve ir?
Diante da pergunta de Trez, Selena se concentrou na tigela quente de mingau de aveia que ele havia acabado de fazer para ela. Como já passava muito do amanhecer,
toda a equipe de doggens já estava recolhida em seus aposentos, então ela e Trez estavam sozinhos na cozinha enorme, sentados lado a lado na mesa de carvalho.
- Selena. A que horas é sua consulta?
Ela devia ter ficado de boca fechada. Dois segundos antes, enquanto aproveitava aquela bela preparação de aveia Quaker, com acompanhamento farto de creme e açúcar
mascavo, os dois flutuavam no brilho do que fizeram no chuveiro, em paz e relaxados.
E agora?
Acabou-se, como diziam.
- Primeira hora da manhã.
Trez verificou o celular. - Está bem, está bem. É quase oito. Então se terminarmos rapidinho, conseguimos chegar a tempo.
- Eu não quero ir. - Ela podia senti-lo encarando. - Não quero. Não estou com muita pressa de voltar para lá.
- A Dra. Jane diz que temos de fazer radiografias de suas juntas para monitorar...
- Bem, eu não quero. - Ela colocou uma colher cheia na boca e não sentiu gosto algum. Era só textura. - Sinto muito, mas estou bem agora. Não quero descer e
ser cutucada e furada de novo.
A reticência dela era apoiada pelo fato de que agora estavam na parte boa, e ela não sabia quanto tempo ia durar. Já que nada poderia parar aquilo, por que eles
precisariam sequer se incomodar com...
- Significaria muito para mim se você fosse ver a Jane.
Ela olhou para cima. Trez olhava para as janelas atrás dela, mesmo que as persianas estivessem baixadas e não houvesse nada para ver.
Os olhos dele pareciam atormentados. Como se soubesse que ela não iria à clínica... E que não havia nada que ele pudesse fazer sobre isto.
- Sabe do que tenho mais medo? - Ela ouviu-se dizendo.
Os olhos dele se voltaram para ela - O que?
Ela revirou sua aveia. Provou novamente, o que somente registrou como algo quente. - Tenho medo de ficar presa.
- Como assim?
- Não quero ficar presa aqui, - ela disse, em voz baixa. Então indicou o peito, os braços, as coxas sob a mesa. - Em meu corpo. Tenho medo dos episódios. Estou
viva, sabe, trancada e... Quando acontece, é difícil ouvir e ver, mas, registro as coisas. Eu soube, quando você veio me buscar. Fez toda a diferença. Quando você
estava comigo, eu não me sentia... Mais tão presa.
Quando ele permaneceu em silêncio, ela voltou a olhar para ele. Ele estava olhando de novo para as janelas, que não mostravam nada do dia lá fora, nem se estava
nublado ou ensolarado, se estava chovendo, ou se havia um vento soprando as folhas outonais pelo gramado marrom.
- Trez? - Ela chamou.
- Desculpe, - ele voltou sua atenção. - Desculpe, me distraí por um momento.
Ele se virou na cadeira, apoiando os pés nos degraus sob o seu assento. Então pegou sua mão, a que não segurava a colher e abriu-a contra a própria palma.
- Você tem as mãos mais bonitas que já vi, - ele murmurou.
Ela riu. - Eu acho que está sendo tendencioso, mas, vou aceitar o elogio.
Ele franziu o cenho, as sobrancelhas se juntaram. - Eu posso imaginar como... - ele inalou longa e lentamente, - eu não consigo imaginar nada mais aterrorizante
no mundo do que estar trancado em um local do qual não seja possível escapar; e estar aprisionado no próprio corpo? É inconcebível. É de foder a cabeça de qualquer
um.
- Sim.
Houve um longo período de silêncio àquela altura, com ele sentado à frente de sua tigela, que esfriava, sem tocá-la, e ela brincando com a sua aveia, fazendo
pequenos símbolos "S" com a ponta da colher.
A discussão que estavam tendo ressoava no ar entre eles, o argumento dele de que "é-para-o-seu-próprio-bem" guerreava com o dela "não-até-eu-ser-absolutamente-obrigada".
Não havia razão real para dizer as palavras em voz alta. Ela não ia recuar. E aquilo significava que a única opção dele seria jogá-la em cima do ombro e dar uma
de homem das cavernas, arrastando-a até o Centro de Treinamento.
Finalmente, Selena não aguentou mais e teve de mudar de assunto.
- Às vezes me pergunto... - ela estremeceu, - digo, e se todo mundo estiver errado sobre a morte? E se não houver Fade, mas ao invés dele, a gente só ficar presa
no próprio corpo para sempre, consciente, mas incapaz de se mover?
Ótimo. Ela estava tentando aliviar o clima.
Bela. Tentativa.
- Bem, os corpos... - ele pigarreou, - Sabe... Apodrecem.
- Hmmm, tem razão.
- Embora, como pesadelo de pós vida para mim? Me preocupa um apocalipse zumbi. - Ele pegou a colher e começou a comer, ainda segurando a mão livre dela. - Seria
um saco. Você morre e então passa a vagar pela Terra, fedendo por todo canto, em uma dieta Atkins que, tipo, jamais terminaria.
Ela ergueu a colher para interrompê-lo. - Espere um minuto, veja, você só teria fome, certo? Se encontrasse pessoas para comer, então, a vida seria bem boa para
um zumbi.
- Não se a metade inferior de seu rosto caísse. Sem mandíbula, como se alimentaria? Então seria só fome e não poderia fazer nada para resolver. Um saco total.
- Canudos.
- O que?
- Bastariam canudos.
- Difícil passar um fêmur através de um canudo.
- E um processador. Canudos e processador. E está resolvido.
Com uma gargalhada ruidosa, Trez jogou a cabeça para trás e riu tanto, que foi sorte não acordar a mansão inteira.
- Oh, meu Deus, isso é tão insano. - Ele se inclinou e a beijou. - Tão fodidamente insano.
De repente ela sorria também... Tão forte que as bochechas doeram. - Totalmente insano. Deve ser por isto que chamam de humor negro?
- É. Especialmente se alguém levar a pior. - Trez ficou sério. - E, está bem, então não vá.
- O que? Levar a pior? Claro que não.
- Ver Jane. Se não quer ir, não vou te pressionar.
Selena exalou em um suspiro. - Obrigada. Eu realmente aprecio isto.
- Não precisa agradecer. Não é minha decisão. É sua. - Ele correu a colher pelo interior da tigela. - Acho que é importante que você tenha tanto poder de decisão
quanto possível em cada aspecto de sua vida, especialmente na doença e no modo como lidar com ela. Acho que você se sente como se não tivesse escolha sobre tanta
coisa... Destino... Que se abate sobre você, e isto torna as oportunidades de fazer escolhas especialmente importantes. - Ele olhou para ela, - eu posso ter a minha
opinião, e pode apostar seu traseiro que te direi qual é, mas, a última coisa que quero é pressioná-la. Você já tem problemas suficientes para resolver. Não vou
adicionar mais isto.
- Como você sabe... Deus, é como se soubesse exatamente o que estou pensando.
Ele deu de ombros e seus olhos assumiram um ar alheio. Então ele indicou a lateral da cabeça. - Só um chute. - Ele voltou a se focar nela. - Então, a questão
é, aonde você quer ir?
- Desculpe?
- Aonde quer ir? A clínica está fora de questão... Então o quê?
Selena sentou-se de volta na cadeira. Agora era ela olhando as janelas. - Eu gosto do Grande Acampamento do Rehvenge, se é isto o que quer dizer.
- Seja ousada. Pense grande. Vamos lá, deve haver algum lugar excitante. O Taj Mahal, Paris...
- Não podemos ir a Paris.
- Quem disse?
- Ahh...
- Nunca encontrei nenhum Ahhh, não o conheço, não me importo do quão grande ele seja... Se estiver em nosso caminho? Vou matar o filho da puta.
- Você é tão adorável. - Selena se inclinou e beijou-o na boca. Então tentou forçar seu cérebro a surgir com alguma coisa, qualquer coisa. - Que sorte a minha.
Finalmente consigo um passe livre... E não consigo pensar em nad... Oh! Já sei!
- Diga e realizarei.
- Eu quero ir ao Circle the World.
Trez se recostou também. - O restaurante?
- É. - Ela limpou a boca com um guardanapo. - Quero ir ao Circle the World para um jantar.
- É aquele que gira, no topo do...
- Do prédio mais alto de Caldwell! Eu vi na TV uma vez, enquanto fazia companhia à Layla em seu quarto. Dá para sentar perto da vidraça e olhar para a cidade
toda durante a refeição. - Ela franziu o cenho ao vê-lo engolir em seco, e não por ter engolido uma colher cheia de aveia, - você está bem?
- Oh, sim, absolutamente. - Trez anuiu e estufou o peito ao dar uma de machão para cima dela. - Eu acho que é uma grande ideia. Vamos pedir para Fritz fazer
a reserva para esta noite. Tenho um pouco de influência nesta cidade, então não vai ser um problema. E eles servem jantar até às nove e dez da noite.
Selena começou a sorrir, imaginando-se em uma das túnicas de Escolhida, os cabelos perfeitamente penteados, o corpo normal... E Trez do outro lado da mesa brilhante
que apareceu no comercial de TV, com o guardanapo tão branco, os pratos tão quadrados, a prataria brilhando a luz dos candelabros.
Perfeito.
Romântico.
E nada a ver com estar doente.
- Estou tão excitada. - Ela disse.
A próxima colherada de aveia que pôs na boca estava doce e cremosa e completavam o mais perfeito... Como os humanos chamavam? Desjejum?
Não fazia sentido. Mas, quem se importava.
- Então é um encontro, não é? - Ela percebeu. - Louvada seja a Virgem Escriba, eu tenho um encontro!
Trez riu, o som foi um estrondo em seu peito largo. - Pode acreditar que sim. E vou te tratar como uma rainha. Minha rainha.
Quando ambos voltaram a comer com vontade, ela pensou, uau, que cenário emocional estranho aquilo tudo era, vales profundos de desespero, seguidos por vastas
paisagens, tão emocionalmente puras e belas, que ela sentiu-se honrada por tê-las. Era quase como se sua vida, com o tempo limitado que restava, tivesse sido amarrada
como uma faixa de tecido, que poderia ser suave e normal, mas agora ondulava com grande ressonância.
Ela teria preferido o luxo de séculos. Mas, neste momento, agora, se sentia tão profundamente viva. De um jeito que não podia afirmar jamais ter sentido antes.
- Obrigada. - Disse ela, abruptamente.
- Pelo quê?
Ela baixou os olhos para seu prato de aveia, sentindo o rosto enrubescer. - Por esta noite. É a melhor noite que já tive.
- Você não viu nada, minha rainha.
- Ainda assim, é a melhor noite, - ela olhou dentro dos olhos escuros dele, - de minha vida inteira.
Capítulo VINTE E OITO
iAm acordou ao cheirar a sopa, e assim que seu cérebro se acendeu novamente, não houve nenhuma besteira do tipo "Será que isso é um sonho?" rolando com ele.
Apesar do fato de que esteve apagado por causa de uma concussão, nem um segundo do que levou ao seu desembarque nesta cela no palácio da Rainha foi perdido por ele:
Não a troca rápida de roupa na frente da quase réplica de Abraão Lincoln, nem a entrada pelos fundos do Território, nem o golpe na cabeça que se seguiu ao seu breve
caminhar de um lado para o outro antes disso.
A sopa, entretanto, foi uma surpresa. Era algo que se lembrava de sua infância, uma mistura de abóbora e nata, especiarias e arroz.
E havia outro perfume na cela. O mesmo que encheu seu nariz quando aquele sacerdote tinha vindo para checar suas marcações.
Abrindo os olhos, ele...
Recuou.
Uma maichen, ou seja, uma criada, estava de joelhos diante dele, seu corpo e cabeça envoltos no pálido azul que correspondia à sua função, o rosto coberto por
uma máscara de malha que mostrava absolutamente nada de seus olhos ou características. Nas mãos dela havia uma fina bandeja de madeira que continha a tigela, uma
colher, uma jarra e um copo, assim como também um grande pedaço de pão.
Nenhum sacerdote. Ninguém mais estava com eles.
Ele inalou mais uma vez; então percebeu que a fêmea deve ter entrado com o oficial da corte antes e ele apenas não tinha percebido.
Ele se ergueu do chão. E foi então que percebeu que estava nu.
Que seja. Ele não quis fazer a maichen sentir-se desconfortável, mas se ela não gostasse da vista, podia partir.
Não que ela estivesse olhando para ele. Sua cabeça estava abaixada em submissão, como ela havia sido treinada.
S'Ex aparentemente estava disposto a dispensar algum cuidado a ele enquanto estivesse na prisão; ou pelo menos a mantê-lo vivo por enquanto. E por um momento
ele teve pena desta pobre fêmea cuja posição social era tão baixa que ela era enviada, sozinha, para machos potencialmente perigosos sem nenhuma consideração para
com sua segurança ou seu sexo.
Mas, então, na hierarquia das coisas, ela era considerada como sendo algo essencialmente sem valor.
Triste. Mas ele tinha outros problemas com que se preocupar.
Sem dar atenção à maichen ou à sua situação de estar como veio ao mundo, ele se levantou e caminhou até o biombo no canto mais distante. As instalações de água
ficavam atrás disso e ele fez uso delas, recebendo outro lembrete de que não estava mais no Kansas.
Quando se curvou sobre uma pia como as usadas pela plebe para lavar o rosto, ele teve apenas uma única manopla para ligar a torneira em vez de uma separada para
quente e outra para frio.
Não era por ele ser um prisioneiro: Tudo isso de esperar-ter-água-quente estava entre as coisas com as quais ele teve de se acostumar fora do Território. Os
humanos insistiam em alternar uma mistura de opostos para ter uma temperatura perfeita. Aqui no s'Hisbe? Toda água estava a 36 graus. De água para beber, à água
para escovar os dentes, era uma única constante, nem quente nem frio.
Salpicando o rosto, ele pegou a toalha preta que estava em um suporte de parede e secou-se. Macia. Tão macia. Nada como as dos humanos, e ele era apenas um prisioneiro.
Ele recolocou o tecido úmido no suporte por hábito e caminhou para fora do biombo.
- Diga a s'Ex que eu quero vê-lo.
Prisioneiros normalmente não se davam ao luxo de fazer pedidos, mas ele não se importava. Ele também se recusava a falar no Idioma Antigo ou no dialeto dos Sombras.
Devido a predominância da cultura humana, o inglês era ensinado nas escolas dos Sombras, e era esperado que até mesmo os criados tivessem algum conhecimento rudimentar
da língua.
- E eu não vou comer isso. - Ele acenou com a cabeça para a bandeja. - Então você pode levá-la.
Só Deus sabia o que havia nessa merda, se seria uma droga ou algum tipo de veneno. Ele estava muito confiante de que seu tratamento ali não continuaria sendo
tão bondoso. Eles iriam, muito provavelmente, puxar seus braços e pernas para fora de seus soquetes em algum momento; embora não até que eles notificassem Trez acerca
de seu cativeiro.
Merda. Ele nunca devia ter confiado...
A maichen colocou a bandeja no chão. Então estendeu a mão, pegou a colher, mergulhou-a na sopa e ergueu. Com a mão livre ela levantou a malha o suficiente para
expor sua boca e provar a comida. Então ela fez o mesmo com o pão e a sidra de maçã fermentada que estava na jarra.
Permitindo que a malha voltasse para o lugar, ela sentou-se de novo sobre as solas dos chinelos de couro em seus pés.
Infelizmente o gesto não fez nada para diminuir as suspeitas dele. maichens estavam tão abaixo na cadeia alimentar que até mesmo a própria palavra recebia pouco
respeito no começo das frases. Que ela pudesse ser envenenada ou comprometida? Ninguém se importaria.
O estômago dele, porém, ficou seriamente encorajado quando ela continuou a respirar.
Antes que pudesse se conter, ele foi até ela e a bandeja. maichen não olhou para cima, mas, então, ela o temia; por uma boa razão.
O cheiro de seu medo se misturava muito bem com aquela sopa picante.
Assim como o cheiro da pele dela.
Inalando pelo nariz, ele sentiu outro choque atravessar seu sistema, seus músculos se contraindo; assim como seu pênis.
O que não fazia nenhum sentido. Ali estava ele, enfiado na merda até o queixo, e seu sexo decidiu se interessar? Sério isso?
Não era à toa que chamavam essa coisa de "alavanca estúpida".
Em pé erguendo-se sobre ela, ele pôs as mãos nos quadris e ficou atento à sinais de que ela fosse ter um treco. Quando ela continuou na vertical, ele esperou
mais um pouco. Ela estava tremendo, mas, tinha estado desde que ele se levantou.
iAm ajoelhou-se no chão de pedra dura, espelhando a pose dela. Quase imediatamente os joelhos dele começaram a doer; outro lembrete de quanto tempo fazia desde
que ele esteve em contato com seu povo. Tal maneira de se sentar era uma trivialidade aqui no Território.
Conveniente se você estava com a bunda de fora, também. Não te deixava completamente exposto.
Ele comeu rápido, mas não descuidadamente, e foi uma boa pedida. Seu cérebro precisava das calorias; seu corpo também, se ele estivesse indo forçar sua saída
dali.
Esse era o plano.
- S 'Ex. - Ele exigiu quando terminou. - Vá buscá-lo.
Com isso, ele empurrou a bandeja em direção à fêmea. Como era costume, ela se curvou adiante em reverência, sua fronte coberta quase terminando na tigela branca
vazia.
Ela levantou a bandeja, endireitando o torso, e graciosamente ficou em pé sem cambalear ou deixar cair qualquer coisa. Saindo da cela, ela acionou a porta colocando
a sola de seu sapato contra uma seção da parede. Um momento depois, porque a saída era claramente monitorada, alguém abriu a coisa remotamente; ou isso, ou a saída
era de alguma forma acionada com pisadas.
E ela foi para fora.
Enquanto o painel se fechava com um som estilo Star Trek, ele sabia que teria sido inútil dominá-la e tentar usá-la como moeda de troca. S'Ex e seus guardas
estariam mais propensos a negociar para salvar um cão.
Andando de um lado para o outro, ele lembrou-se de seu irmão ao lado de Selena enquanto ela jazia naquela mesa de exame, sob aquela luz intensa, o corpo dela
todo contorcido e uma expressão congelada no rosto.
Deus, ele nunca deveria ter feito isso. Fale sobre uma situação em que todos perdiam: Trez iria querer vir para tirá-lo dali, mas deixar aquela fêmea quando
ela estava doente iria matá-lo.
Nada como jogar gasolina no fogo. Junto com mais ou menos uma tonelada de dinamite.
Trez quis dizer cada palavra que disse sobre Selena e a liberdade dela de escolha.
À medida que atravessava a passos largos o túnel subterrâneo rumo à clínica do Centro de Treinamento ele estava cem por cento certo de uma, e apenas uma, coisa;
bem, de duas, mas o fato de que estava apaixonado por ela era o básico. A outra coisa ele sabia com certeza que era Selena, e apenas Selena, quem decidiria como
sua condição seria administrada, e se alguém tentasse forçá-la a qualquer coisa? Ele estava indo atirá-los para longe como você apenas leu.
Mas isso não queria dizer que ele não estaria indo falar com a Dra. Jane.
Sobre sua rainha.
Deus, esse apelido para Selena era tão engraçado. No momento em que ele tinha saído de sua boca, algo tinha clicado. Como se seu vocabulário tivesse se acasalado
com essa palavra assim como seu corpo acasalou-se com o dela.
E ela seria a única rainha para ele. Não importando o que acontecesse com eles, ou onde ele terminasse, ela seria sua fêmea regente, e nenhuma outra suplantaria
o lugar dela em seu coração, seu respeito ou na expressão vocal daquela palavra.
Arrastando a palma pelo rosto, ele forçou seus pés a continuarem em um ritmo de caminhada, embora uma grande parte dele quisesse correr a toda velocidade para
a clínica. Não havia pressa, porém, pelo menos no que concernia à sua fêmea. Selena estava lá em cima no quarto dele, nua na banheira, mergulhando seu lindo corpo
em água morna e perfumada.
Ela não estava completamente livre da dor. Ela escondia a rigidez persistente e desconforto bem, mas os indicadores estavam nos estremecimentos sutis de sua
face e na forma espasmódica como ela movia as mãos e braços. O banho e algumas aspirinas leves iriam ajudar, entretanto. E quando tivesse tido um bom e longo banho,
ela iria para a cama dele para um descanso antes do "encontro" deles.
A alegria dela diante da perspectiva de seu jantar a dois era contagiante. Ele literalmente sentia o calor dentro de seus ossos, como se a felicidade dela possuísse
uma magia cinética que, através de seu acasalamento, estendia-se para dentro de sua própria carne. Inferno, tudo que ele tinha de fazer era pensar sobre ela à mesa
do café da manhã, sorrindo por sobre suas tigelas de mingau de aveia, ou pensar sobre o som de sua voz ficando excitada quando eles estavam... E ele ficava sublimemente
em paz.
Nunca houve nada perto disso para ele. Nem mesmo o amor e compromisso que ele tinha para com seu irmão chegava perto do sentimento.
De uma forma doentia, ele supunha que a doença dela tinha sido algo bom para Selena e ele. Trez não podia conceber como teriam cortado o papo furado entre eles
tão eficazmente ou totalmente sem isso...
Isso foi um inferno de um perde-e-ganha, no entanto.
Quando chegou ao ponto de acesso ao Centro de Treinamento, ele digitou os códigos adequados, então passou pelo almoxarifado e pelo escritório de Tohr. O Irmão
não estava atrás da escrivaninha, o que era uma boa coisa, e não uma surpresa. Era por volta de cinco da tarde, e Tohr estava, sem dúvidas, acordando em seu leito
de acasalado com sua Autumn, prestes a preparar-se para a noite que vinha adiante.
O que tinha sido uma surpresa foi que a Dra. Jane estivesse disposta a vê-lo nesse horário estranho do dia. Com as horas ela tinha estado trabalhando ultimamente
entre as lesões e enfermidade do irmão de Qhuinn, parecia que ela, Manny e Ehlena tinham estado de plantão constantemente.
Isso fez com que ele a respeitasse muito.
Passando pela porta de vidro. Descendo pelo corredor principal de concreto. Várias portas adiante à esquerda.
Entrando na sala de exames, ele...
- Oh, merda!
Saltando de volta para o corredor, ele levou a dobra de seu cotovelo até os olhos e rezou para que aquilo que tinha acabado de ver não tivesse sido queimado
permanente em suas retinas.
Havia algumas coisas que você não precisava saber acerca das pessoas com quem você vivia, não importa quanto você os amasse.
Uma fração de segundo mais tarde, V abriu a porta, e o ziiiiiiiiip! de quando ele fechou a frente de seus couros foi alto.
- Ela verá você agora. - Ele disse com total naturalidade.
Como se dois segundos atrás ele não tivesse estado batendo a sempre amada merda para fora de sua shellan enquanto ela sentava-se em sua mesa.
- Eu posso voltar depois? - Trez perguntou.
- Que nada, ela está pronta. Selena está bem?
- Eu, ah... Sim. Ela está se movendo, está... Bem, eu estou levando-a para sair hoje à noite.
V puxou um cigarro enrolado à mão. - Não brinca. Para onde?
Em todas as suas ruminações, Trez tinha estado cuidadosamente evitando pensar precisamente sobre seu lugar de destino. A ideia de sair em um encontro era ótima,
a comida seria de abalar... Havia apenas um problema com que ele teria que absorver e lidar.
- Aquele restaurante. - Ele apontou para o teto. - Você sabe, no centro da cidade, que, tipo, fica girando em círculos?
- Oh, sim. Bem lá em cima. - O Irmão exalou. - Uma vista dos diabos.
Uh-huh. Cinquenta-mais histórias. Ele tinha navegado no site para descobrir exatamente o quão ruim era. - Sim. Uma vista dos diabos.
- Deixe-me sabe se há alguma coisa que eu possa fazer. Por qualquer um de vocês.
V deu nele um tapinha no ombro e começou a se afastar a passos largos.
- Vishous.
O Irmão parou, mas não se virou. E à luz acima da cabeça dele, o tendril de fumaça de seu fumo enrolado à mão formava um elegante redemoinho no ar.
- Quanto tempo eu ainda tenho com ela?
O Irmão girou a cabeça, então seu poderoso perfil de cavanhaque foi cortado por um pálido filete daquela luz, e as tatuagens em sua têmpora pareceram mais sinistras
do que o habitual.
- Quanto? - Trez repetiu. - Eu sei que você viu isso.
Houve um silvar sutil quando o Irmão inalou, a ponta do seu cigarro ardendo em um vívido laranja. - O que eu recebo não é tão específico. Desculpe.
- Você está mentindo.
Aquela sobrancelha escura ergueu-se. - Vou te perdoar pela ofensa. Uma vez.
Com isso, o macho voltou a se afastar a passos largos, aqueles ombros volumosos deslocando-se no ritmo dos quadris, e seu corpo de guerreiro não era exatamente
o tipo de coisa que alguém, mesmo alguém do tamanho de Trez e com suas habilidades de Sombra, enfrentaria voluntariamente.
Especialmente com aquela mão incandescente dele.
Mas não haveria uma rixa entre eles. Não sobre esse assunto, pelo menos.
Os dois sabiam que ele mentia.
V era o Irmão com a inteligência, as visões místicas, aquele nascido diretamente do corpo da Virgem Escriba. Ele também era incapaz de sacanear alguém pelo motivo
que fosse. Isso só não fazia parte de sua fiação interna; aquele cérebro incrível dele estava muito ocupado para se importar se tinha ofendido ou não, ou se sua
postura foi ou não apropriada, ou se ele tinha expressado as coisas de um jeito agradável para seu requerente.
Assim sendo, quando ele tinha se recusado a se virar? Quando tudo que ele fez foi mostrar seu perfil?
Ele tinha respondido a pergunta bem o bastante.
Vishous nunca iria, jamais voluntariamente magoar ou ferir um macho que ele respeitava. Isso estava ainda mais arraigado nele do que a coisa do eu-não-minto.
E sim, Trez tinha ouvido falar que normalmente não havia uma cronologia nas visões de V sobre morte; mas, claramente, era diferente nesse caso.
Talvez porque o que tinha sido visto era menos sobre a morte da Escolhida, e mais sobre que acontecia com Trez após isso.
Existem duas fêmeas. E em ambos os casos, você está correndo contra o tempo.
- ... Trez? - A Dra. Jane disse, como se ela estivesse tentado chamar a atenção dele. - Você está pronto para falar comigo?
Não, ele pensou, enquanto V desaparecia através das portas de vidro do escritório. Ele não estava.

 

CONTINUA

Capítulo VINTE E UM
O pau de Trez tinha sua própria pulsação. E isto antes de Selena ficar totalmente nua à sua frente. Após aquela revelação? A maldita coisa passou a ter seu próprio
padrão de pensamento.
Minha.
Ao ouvir a porta se fechar, Trez não soube se foi uma de suas mãos que a fechou, ou se simplesmente desejou que a coisa voltasse ao seu lugar.
- Tem certeza disto? - Gemeu ele, já dando um passo na direção dela. - Porque não vou conseguir parar.
- Sim. - Os olhos dela não se ergueram para encontrar os dele. Estavam travados em no quadril. - Oh, sim. Me deixe te ver.
Quando ele parou bem na frente dela, ele disse:
- E todas as humanas com as quais fiquei?
- Vai falar delas agora? - Ela abriu a faixa do roupão dele com uma das mãos. - Sério?
Ele impediu-a de abrir o roupão.
- Nada mudou em mim.
- Azar o seu, não meu.
- Na minha tradição...
- Que não é a minha.
- ... Eu estou corrompido.
- Por que é que você continua falando?
Com isto, ela livrou-se da mão que a segurava, tirou a faixa, abriu as laterais do tecido preto. O sexo dele estava totalmente ereto, se sobressaindo entre eles.
E foi a próxima coisa a qual ela tomou nas mãos.
Trez gemeu e jogou a cabeça para trás.
- Você está quente. - Ela suspirou ao se inclinar e beijar a pele sobre seu coração. - E duro.
- Selena, estou falando sério. - Ele tentou impedi-la de continuar as carícias. - Eu quero te respeitar...
- Você está perdendo tempo.
Com isto ela caiu de joelhos e assumiu o controle. Como era uma fêmea alta, sua boca ficava na altura perfeita e, Deus os ajudasse, ela a pôs para trabalhar,
estendendo a língua rosada para lamber a cabeça. O toque aveludado o deixou trêmulo e, antes que seguisse o caminho dos roupões e caísse na porra do chão, se inclinou
para frente e apoiou ambas as mãos na coisa mais próxima que conseguiu achar.
A escrivaninha. Ou pode ter sido o capô de um carro. O trenó do Papai Noel. Uma geladeira.
Quente e úmida, ela abocanhou, a sucção e aquelas lambidas apagando o mundo, trazendo-o instantaneamente à beira do orgasmo.
Cerrando os dentes, ele gemeu - Eu vou gozar... Ah caralho... Eu vou...
Ele vagamente pensou em não desrespeitá-la ejaculando em sua bo...
Selena se afastou, abriu a boca e estendeu aquela língua mágica. Olhando para ele, de baixo para cima, começou a masturbá-lo com força ao mesmo tempo em que,
preguiçosamente, lambia sua ponta.
Trez segurou, oh, talvez um segundo e meio. Quando sua liberação jorrou, ela tomou-a toda, engolindo, sugando, se afastando para lambuzar os lábios e rosto.
Deus a ajudasse, ele continuou ejaculando, uma infinita urgência sexual travando o seu corpo, enquanto a marcava, sua essência cobrindo-a de uma posse que era primordial.
Defender. Proteger. Amar.
Tudo isto naquele local sagrado.
Minha.
Quando finalmente se esgotou, ela se sentou de volta sobre os tornozelos e então, com uma série de movimentos lânguidos e matadores, lambeu os lábios. Ergueu
os dedos, capturou a trilha pegajosa no queixo, e sugou até limpar. Olhou para baixo, para os seios perfeitos.
Espalmando os pesos gêmeos, sorriu para o que caíra sobre eles, fazendo os montes e aqueles mamilos tesos brilharem. - Você me melecou.
- Onde você aprendeu a fazer isto? - Ele engasgou.
Pelo menos foi o que pretendia dizer. As sílabas saíram em um amontoado de sons incoerentes.
- O quê? - Ela suspirou, antes de erguer um dos seios e baixar a cabeça, com a língua para fora.
Ela lambeu a si mesma.
O rosnado que saiu da boca de Trez foi algo que, se estivesse em seu lugar, ele teria temido.
Selena não temeu. Ela só emitiu uma risada rouca. - Há algo mais que você queira marcar?
Liberdade.
Quando Selena se ajoelhou à frente de Trez, com o gosto dele em sua boca e sua essência sobre todo o seu corpo, se deleitou na sensação de liberdade sexual que
a invadiu. A liberação pareceu inteiramente o oposto da sentença de morte sob a qual vinha vivendo e, ainda que sua falta de tempo fosse o que a impedisse de sentir
qualquer estranheza ou preocupação consciente, ela sentia-se voando acima das amarras que há tanto tempo a prendiam ao chão, seu treinamento como ehros permitia-lhe
entregar-se às correntes de sexo que se estendiam, grossas como cordas tangíveis, entre os corpos deles.
Sem saber quanto tempo lhe restava, e sob a frustração de ter perdido tanto tempo, sentia urgência de expressão pessoal, e abraçava cada desejo que tinha, na
total intenção de satisfazê-los.
Todos eles eram com Trez.
Como se sentisse o mesmo, ele se inclinou e levantou-a do chão. Suas juntas protestaram pela mudança de posição, mas as reclamações não eram mais do que murmúrios
contra a luxúria desenfreada que ela sentia por ele.
Ela precisava da penetração. Pelo corpo dele.
Trez levou-a a cama e deixou-a de barriga para baixo, suas mãos grandes e quentes acariciando-a do ombro até as costas das coxas, antes de erguê-la de quatro
e afastar seus joelhos. Selena abaixou a cabeça, ela queria vê-lo, e olhou para além dos montes dependurados de seus seios, observando-o se aproximar dela por trás,
com o sexo pulsando enquanto ele tomava posição para...
Não foi sua ereção que se esfregou nela.
Quando as mãos dele agarraram seu quadril, os polegares se enfiaram em sua bunda e afastaram, até o sexo dela se abrir totalmente para ele. E então ele veio
com a boca, os lábios tocando-a, carícias úmidas sobre a umidade, sugando, devorando. Com dominação total, a língua dele lambeu de cima abaixo, penetrou, tintilou
no topo do sexo dela até ela convulsionar em orgasmo, cada onda de prazer esfregando-a mais e mais contra o rosto dele.
Quando finalmente acabou, ele se afastou, os punhos apoiados nos lençóis de ambos os lados dela.
- Eu vou te foder agora, - ele falou por entredentes em seu ouvido.
- Oh, Deus, por favor...
Selena gritou alto quando ele a penetrou, esticando seu interior quase além do limite. A dor foi em uma medida perfeita, e então ele começou a bombear. Nada
de movimentos lentos e regulares; eram violentos, puro poder, poder que a fez ver estrelas até perder a força de manter o corpo elevado da cama. Caindo de cara nos
lençóis que tinham o cheiro dele, ela lutou para respirar e amou a sensação de sufocamento que sentia a cada arremetida que a fazia esfregar o rosto nos travesseiros.
Bang! Bang! Bang!
A cabeceira estava tendo a mesma experiência violenta que ela, batendo na parede, o som reverberando junto com os gemidos dele, que era todo animal.
Virando a cabeça para olhar acima do ombro, ela tentou vê-lo.
Trez estava magnífico, os peitorais e ombros elevados, os enormes braços esculpidos em músculos, o abdômen definido, enquanto os quadris arremetiam contra ela.
Quando ele gozou, jogou a cabeça para trás como quando ela o dominou, e uivou, expondo as presas brancas longas e mortais, os tendões do pescoço saltaram nas laterais,
os quadris bateram contra ela enquanto ele metia, metia e metia...
Ele gozou dentro dela.
E o sexo dela o ordenhou, provocando-o até ela sentir a umidade escorrendo pelas coxas.
Ele mal retirou o corpo de dentro dela e caiu para o lado, como se cada gota de força houvesse sido drenada dele. A cabeceira deu um último bam! quando ele se
jogou e quicou, as mãos, braços, tórax e pernas relaxando de todo aquele esforço físico. A boca dele se moveu, os olhos escuros encontraram os dela e ali ficaram.
Ela não fazia ideia do que ele estava falando. E não importava. Sua bunda ainda estava para cima, o sexo formigando pelo modo violento como foi tratado, seu
corpo tão saciado quanto a aparência dele. Correntes de ar, da ventilação acima, vinham do teto, tocando tudo o que estava exposto, fazendo cócegas, esfriando.
Aquele havia sido o melhor sexo de sua vida. Selvagem e rude, do jeito que lhe haviam contado, e para o qual fora treinada, do jeito que devia ser.
Antes de Selena permitir-se deitar-se ao lado dele e deslizar para seu próprio sono, sorriu tão largamente que suas bochechas doeram.
Ela fora, pela primeira vez na vida, não só bem e verdadeiramente fodida, mas marcada pelo macho que amava. Mesmo com o futuro que tinha de enfrentar, era difícil
não se sentir abençoada.
Capítulo VINTE E DOIS
iAm recobrou consciência, mas manteve os olhos fechados. O que o acordou foi a dor excruciante na parte de trás da cabeça; aquilo e o frio do chão sobre o qual
estava deitado. Por um momento, considerou bancar o gambá e tentar descobrir onde estava pela audição, olfato e instintos, mas não havia motivo para isto.
Ele sabia exatamente onde o tinham posto.
Bastardo traidor fodido.
Levantou as pálpebras e viu uma grande porção de nada. Só que, estava deitado de bruços, um braço por baixo do tórax como se tivesse sido jogado...
Uma porta abriu no canto atrás de si. E ele percebeu não pelo ranger de dobradiças, mas pela súbita adição de vozes e passos na cela.
- Porque eu checaria suas marcas? - um macho perguntou. Não era s'Ex.
- É o protocolo.
Sim. Nada havia mudado.
iAm voltou a fechar os olhos e ficou perfeitamente parado, exceto por respirar superficialmente enquanto as pegadas se aproximavam.
Houve um engasgo. E então dedos apalparam suas costas, como se esticassem a pele onde havia sido marcado, como todos os machos eram, aos seis anos de idade.
- Isto não pode estar certo.
Os passos se afastaram apressadamente e, ele supôs que a porta voltou a ser fechada.
Erguendo a cabeça, sua visão borrou-se e voltou ao foco. Não havia mais ninguém na cela bem iluminada de seis metros por seis, as paredes branco brilhante, tão
lisas que ele poderia ver seu reflexo escuro nos painéis de mármore.
Sua cabeça doía tão infernalmente que foi forçado a deitá-la de novo, a bochecha achando o exato ponto na pedra que havia sido aquecido pela temperatura de seu
corpo desmaiado. Seu braço estava matando-o, sentia o membro anestesiado e dolorido ao mesmo tempo, mas, lhe faltava energia para se mover e tirar o peso do corpo
de cima dele. Deitado ali, respirando, existindo, ele não fazia ideia de quanto tempo havia se passado, o que iam fazer com ele, ou se ele ia descobrir que sua brilhante
ideia de que estava vivo era um engano.
Do nada, veio-lhe uma imagem mental dele saindo do Sal's na noite anterior, saindo livremente do restaurante que amava, conversando com os garçons.
Pegou-se desejando poder rebobinar o tempo e voltar àquela encarnação de si mesmo, suas lembranças do jeito que a noite sentia-se fria em seu rosto, e como a
fumaça dos cigarros dos garçons subiam espiraladas das pontas acesas, tão claro que, por um momento, pareceu impossível não poder retornar àquele lugar no tempo...
Pisar nos sapatos que calçava então... Reassumir a vestimenta de sua pele, do mesmo modo como reassumia sua forma após se desmaterializar.
Mas é claro, o tempo não funcionava assim. E a memória era como um show de televisão da própria vida, uma tela de filme ao qual se podia testemunhar, mas, não
interagir, mudar o curso ou redirecionar.
O desespero por Trez, grande motivador de sua vida, havia o levado de volta ao coração do inimigo que ele e o irmão dividiam.
E havia uma chance muito boa de que esta merda fosse vencê-lo.
Com um gemido, rolou para o lado e piscou algumas vezes. Suas armas, assim como a túnica que vestia, haviam desaparecido. E não havia mais nada na cela...
A porta abriu, o painel deslizou silenciosamente na parede. E quem entrou estava coberto da cabeça aos pés em camadas sobrepostas de tecido, o rosto coberto,
o pé coberto, mesmo as mãos enluvadas.
Seria a Morte? Perguntou-se. Teria ele desmaiado e estaria sonhando...
Um sutil aroma foi registrado.
Mas não em seu nariz. Em todo o seu corpo.
Como uma corrente de eletricidade.
A porta foi fechada por trás da figura alta e coberta. E enquanto o macho se aproximava, iAm fez de tudo para assumir um tipo de postura defensiva.
Não conseguiu muito.
Uma mão enluvada se esticou; ele foi rolado de volta; e então sentiu o toque na base de sua coluna.
- Eu vou... Matá-lo... - iAm murmurou. - Machucá-lo.
De que forma, não fazia ideia. Mas ia lutar, isso era uma maldita certeza.
A figura recuou um passo. Inclinou a cabeça como se considerando o método de morte que seria usado.
No s'Hisbe, a maior parte dos prisioneiros eram primeiro torturados. Amaciados, iAm sempre pensara. Então eram massacrados, enterrados ou devorados por s'Ex
e seus guardas, dependendo do crime.
Este último era uma tradição orgulhosa. Também simplificava a questão sobre o que fazer com o corpo.
iAm fechou os punhos e preparou-se para o que se abateria sobre ele.
Só que a figura simplesmente o observou por um longo momento. E então recuou para a porta e saiu.
Oh. Okay. Eles verificaram quem ele era, e viram que não havia motivo para matá-lo antes de capturarem Trez novamente. Aquilo seria um desperdício de recursos.
Merda.
Relaxando os músculos, ele tentou mover-se e rezou que as habilidades naturais de cura de seu corpo cuidassem da concussão rapidamente.
Ele ia precisar ser capaz de enfatizar suas palavras de resistência com mais do que um corpo inerte e membros feitos de chumbo.
Maldição, ele jamais devia ter confiado em s'Ex.
De volta em Caldwell, Paradise sentou-se na cama, sobre as pernas, olhos fixos no céu noturno do outro lado de suas janelas fechadas e trancadas.
- Então você vai mesmo? - disse ela, ao celular.
Peyton riu.
- Diabos, claro, está brincando? Estou morrendo de vontade de sair daqui. Desde os ataques estou trancado, e o fato de meus pais me deixarem entrar neste programa
de treinamento é um milagre.
Ela olhou para as trancas na porta de seu próprio quarto, as quais, a propósito, estavam trancadas naquele momento.
- Me pergunto se meu pai me deixaria ir, - murmurou.
Houve uma pausa. Então uma risada.
- Oh, meu Deus, Paradise. Não. Uh uh. De jeito nenhum.
- É, você deve ter razão. Ele é realmente protetor...
- Aquele programa não é para fêmeas.
Ela fechou a cara.
- Com licença. O decreto da Irmandade dizia que seriamos bem-vindas se quiséssemos tentar.
- Okay, primeiro, "tentar" não significa "ser aceita". Você sequer já fez uma flexão?
- Bem, tenho certeza que conseguiria se eu...
- Segundo, você nem é uma fêmea comum. Digo, olá, você é membro de uma Família Fundadora. Seu pai é o Primeiro Conselheiro do Rei. Você precisa ser preservada
para procriação.
A boca de Paradise se abriu em choque. - Não acredito que acabou de dizer isto.
- O quê? É verdade. Não finja que as regras são as mesmas para fêmeas como você. Como, se um sujeito civil, que só por acaso use saias, quiser fazer uma tentativa,
tudo bem. Seria uma perda que não significaria nada para a espécie. Mas, Parry, não sobraram muitas como você. Para machos como eu? Não queremos nos emparelhar com
ninguém menos que vocês, e existem hoje quantas, quatro ou cinco de vocês?
- Esta é a racionalização mais machista que já ouvi. Vou desligar.
- Aw, vamos lá. Não fique assim.
- Vai se foder. Eu sou mais do que só um par de ovários no qual se pode colocar uma aliança.
Ela desligou e pensou em arremessar o celular contra a parede. Quando não conseguiu seguir o impulso, começou a se preocupar com todos os seus modos inatos que
no fundo só reforçavam que Peyton estava certo.
Ela era mesmo só uma flor de estufa, não prestava para nada além de xícaras de chá, ter filhos e...
Quando seu celular começou a tocar de novo, ela jogou-o sob o edredom, deitou-se no chão e plantou a palma das mãos sobre o tapete de crochê. Esticando as mãos,
equilibrou na ponta dos dedos dos pés.
- Certo, - ela disse, cerrando os dentes. - Para cima e para baixo. Cem vezes.
Ela conseguiu descer sem dificuldades, os braços mais do que famintos por obedecer. E quando seu nariz tocou o padrão de um vaso de flores que havia no tapete,
ela sentia-se uma fera, pronta para arrebentar com tudo.
Subir foi... Aceitável.
Descer de novo para o tapete. Eeeeee subir.
Mais ou menos. Os músculos em seus bíceps começaram a tremer; os cotovelos falsearam; os ombros gritaram.
Ela conseguiu três vezes. Ou, tipo, duas vezes e meia. Antes de cair no...
- O que está fazendo?
Com um ganido, Paradise levantou-se. Seu pai estava na porta do quarto, segurando a chave que ele usava para abrir todas as portas, e as sobrancelhas dele se
ergueram tanto, que quase encostaram na linha do cabelo.
- Flexões, - ela disse, arfando.
- Para que?
Pergunte, ela pensou. Desembuche e diga, Eu quero me juntar ao programa do Centro de Treinamento da Irmandade...
Seu telefone tocou de novo.
- Não vai atender? - Seu pai perguntou.
- Não. Pai, eu tenho uma...
- Algo aconteceu, querida. - Ele fechou e voltou a trancar a porta. - E preciso ser franco com você.
Paradise dobrou as pernas e enlaçou-as com o braço.
- Fiz algo errado?
- Oh, não. Claro que não. - Ele meneou a cabeça ao olhar para ela. - Você é a melhor filha que qualquer macho poderia desejar ter.
Quando seu telefone parou de tocar, ela teve de se perguntar quanto dos pontos de vista de Peyton seu pai dividiria. E quantas vezes Peyton ia tentar ligar para
ela de novo.
- Preciso que faça suas malas, - ele disse.
Paradise recuou.
- Por quê?
- Preciso que fique longe daqui por algumas semanas.
Um jato de frio atravessou-a.
- Por quê?
- Oh, amor. - Ele se aproximou e se ajoelhou. - Por nada. É só que, eu achei que poderia gostar de ter um emprego.
Agora foram as sobrancelhas dela que se ergueram.
- Sério?
Ela havia levantado o assunto alguns meses atrás, quando, após outra noite tomando lições de piano e fazendo bordados complicados e intrincados a fizeram sentir-se
como se fosse enlouquecer. Mas, ele havia cuidadosamente negado, no interesse de sua segurança, um ponto que ela tanto respeitava quanto a deixava frustrada.
Era difícil discutir que o mundo não era um lugar muito perigoso para vampiros.
- O que mudou? - Então ela se lembrou do parente distante. - Espere, aquele macho vai continuar por aqui?
- Não é nada com ele. Além disto, meu cargo de Primeiro Conselheiro está ficando mais complicado e trabalhoso, e preciso de alguém em quem possa confiar para
me ajudar com os negócios do Rei. Eu não posso imaginar ninguém mais apropriado do que você.
- Sério? - Ela disse, estreitando os olhos. - Não há nenhuma outra razão?
- De verdade. Prometo. - Ele sorriu. - Então o que diz... Gostaria de trabalhar comigo?
Com um súbito movimento de felicidade, ela agarrou o pai em um abraço. - Oh, obrigada! Sim! Estou tão animada.
Ele riu.
- Okay, mas você terá de se mudar para a mansão de audiências do Rei. Não se preocupe, não estará sozinha. Pode levar sua dama de companhia doggen, e a Irmandade
tem a equipe completa no local...
Paradise ergueu-se e correu para o closet. Abriu as portas e começou a separar as peças de seu conjunto de bagagens Louis Vuitton.
- Estarei pronta em meia hora! Quinze minutos! - Ela abria gavetas, pegando roupas de baixo, sutiãs, camisetas. - Oh, o senhor chama Vuchie? Ela ficará tão animada!
Vagamente, ouviu o pai rir.
- Como desejar, minha senhora. Como desejar.
Capítulo VINTE E TRÊS
Rhage retomou forma no gramado da antiga mansão de Darius, e caminhou para a entrada da frente. No momento em que entrou na casa, ouviu uma série de suspiros,
e olhou para a esquerda. No salão, havia um monte de civis amontoados em pé, em um grupo estranho, como se não se sentissem confortáveis sentados em todos aqueles
móveis elegantes revestidos de seda, e os olhos que se arregalaram ao vê-lo.
É, sua reputação ainda o precedia.
Jesus, bastava ter sido um puto por alguns séculos, e as pessoas continuariam te julgando, mesmo depois de você se redimir e emparelhar adequadamente.
Era um pé no saco e, em uma noite normal, teria se aproximado e se apresentado, só para falar de Mary.
Esta noite, no entanto, se dirigiu às portas fechadas do que certa vez fora a sala de jantar. Batendo duas vezes, disse. - Sou eu.
Tohr abriu a porta com uma saudação, e Rhage entrou em uma sala mais cavernosa, mais vazia: Tudo o que havia ali eram algumas cadeiras, uma mesa com uma cadeira
de escritório, e alguns assentos auxiliares, para serem usados em alguma audiência que tivesse gente demais para acomodar.
- Sem explosivos, - Wrath estava dizendo de uma das poltronas. - Nem armadilhas.
V estava em meio ao processo de acender um cigarro enrolado à mão, e ao tragar, o aroma de tabaco turco flutuou.
- Hollywood e eu repassamos a casa como um pente fino. Eles claramente estiveram lá. Tinham partido pelo que pudemos apurar. Mas, não se incomodaram de tentar
nos foder.
Com sua mão da adaga, Wrath acariciou a cabeça do golden retriever que o ajudava a se locomover. George, sempre em adoração a seu dono, tinha o focinho voltado
para o Rei, oferecendo livremente a garganta. - Então Throe não mentiu.
- Pelo menos não sobre isto, - V murmurou.
- Interessante.
Rhage olhou em volta para os rostos de seus irmãos. Z e Phury estavam em pé, juntos como sempre. Qhuinn estava próximo a Z, e então Blay e John Matthew, mesmo
os machos não sendo membros, estavam ao seu lado. Butch estava do lado oposto ao Rei, com os braços pousados no apoio da poltrona onde apoiava seu peso; V estava
atrás ele. Tohr estava perto da porta.
- O que fazemos agora? - Rhage perguntou.
- Esperamos. - Wrath se inclinou ainda mais e acariciou os pelos do cão. - Se ele começar a remexer na merda, vai se enforcar. A aristocracia terá de ser monitorada...
Precisamos de uma fonte infiltrada. Alguma ideia?
Naquele momento, houve outra batida na porta. Tohr encostou o ouvido no painel e então abriu a porta. - Peça e receberá.
Abalone enfiou a cabeça pela porta.
- Meu senhor? Sinto muito me intrometer, mas posso, por favor, apresentar minha filha, antes de começarmos as audiências desta noite?
Wrath gesticulou para o macho se aproximar com a mão livre. - Sim, traga-a.
Abalone retirou a cabeça da fresta da porta e houve uma conversa sussurrada. Então reapareceu, puxando um projeto de fêmea. Com os cabelos louros, corpo magricelo
e pernas longas, ela estava mais para o lado Princesa Ártica do sexo frágil.
Bela. Muito bela. Talvez até mesmo linda... Embora não chegasse aos pés de sua Mary.
Abalone levou a garota até se aproximar, uma mão guiando-a pelo cotovelo, seu orgulho de pai estufando o seu peito. - Meu estimado governante, grande Rei de
toda...
- É, é, chega disto, - Wrath cortou, - Paradise, soube que está se mudando para a casa de minha shellan e seu irmão. Seja bem-vinda.
Quando ofereceu o diamante negro, Paradise fez uma reverência, as mãos tremendo tanto que pareciam tremular à luz do candelabro.
- Meu senhor, - ela sussurrou antes de beijar a joia.
Liberando a mão dele, ela endireitou-se e olhou para o chão, os ombros encurvados, pés travados.
- Quer conhecer meu cão? - o Rei perguntou.
George, sempre pronto para um carinho na cabeça, bateu com a cauda no chão, o som como o de alguém batendo corda no chão de terra.
- Pode fazer carinho nele, - Wrath disse. - Eu deixo.
A garota olhou rapidamente para o resto da Irmandade, os olhos baixados para os shitkickers. E foi quando até Rhage sentiu pena dela. Uma grande parte da aristocracia
tratava suas fêmeas tão mal, que nunca eram admitidas na presença de machos de quem não fossem parentes, então esta era, sem dúvida a primeira vez que ela ficava
em um ambiente com tanta testosterona.
- Vá em frente, George. Diga oi.
Ao incentivo de Wrath, o cão veio para frente e sentou a bunda peluda bem em frente a ela, com os ouvidos inquietos, e aquela cauda balançando de um lado para
outro.
- É... É um garoto? - Perguntou ela, suavemente quando se abaixou no chão e estendeu a mão para todo aquele pelo.
- Sim. - Wrath olhou para cima. - Está certo, bando de imbecis, apresentem-se, está bem? E sejam educados.
Todos pigarrearam. Por fim, Phury deu um passo à frente e fez as apresentações. Provavelmente foi melhor assim... ele era o mais próximo de um cavalheiro que
tinham.
- Que bom que está aqui, - o Primale disse. - Eu sou Phury... Nós amamos seu pai, a propósito. É um cara legal.
Eeeeeee isto fez Abalone quase levitar para fora de seus sapatos Bally.
Ela olhou para aqueles olhos amarelados e lhe deu um sorriso. - Oi.
- Aquele ali é meu gêmeo, - ele indicou Z, e Zsadist, sempre consciente de sua aparência ameaçadora com aquela cicatriz no rosto, continuou afastado, erguendo
a mão quando Paradise recuou. - Zsadist é emparelhado e tem uma filha chamada Nalla. Ela é maravilhosa... Olha aqui uma foto dela.
Enquanto Phury estendia seu celular, a garota olhou para a foto. Olhou para Z. Voltou a olhar para a foto.
- Minha bebezinha, - Z disse, em uma voz profunda. - Ela tem dois anos, e parece com sua mahmen.
Instantaneamente a garota relaxou. Então Phury apresentou Vishous, que só acenou e Butch, que lhe deu um "Oi, como vai!" típico de Boston. John Matthew, Blay
e Qhuinn foram os próximos e então Phury indicou Rhage.
- E o Brad Pitt ali é Hollywood.
Ele sorriu. - Prazer em conhecê-la.
O olhar de Paradise fixou-se nele, os olhos arregalaram, mas não de medo. Longe disto.
- É, ele é lindo, - alguém disse. - Até conhecê-lo melhor.
- Aww, vamos lá, - Rhage respondeu. - Não me difame.
A conversa brotou, com Wrath fazendo à Paradise algumas perguntas para encorajá-la a falar de si. Quando a garota voltou a atenção ao Rei, Rhage pensou na época
antes de conhecer Mary. Sem dúvida ele teria dado em cima daquela inocente... E teria conseguido conquistá-la. Ele nunca falhava, já que controlava sua besta fodendo
com tudo e com todos que passavam perto dele. O que era bom para ele. Não tão bom para as fêmeas que queriam manter sua virtude.
E ele não tinha dúvida de que Paradise era uma dessas.
Então sim, ele estava feliz de conhecê-la sob estas circunstâncias, quando não havia absolutamente nenhuma chance de ele dar em cima dela. Ele emparelhara com
sua Virgem, do jeito que Vishous previra que ocorreria, e sua vida fora salva.
Por alguma razão, um sentimento de enjôo o transpassou.
Levou a mão até o bolso, tirou o celular. Verificou as mensagens de texto.
Trez, o pobre bastardo, ainda não tinha respondido. Parecia estúpido incomodar o cara de novo, dado tudo aquilo com o que ele já tinha de lidar, mas, era difícil
não tentar contatá-lo de novo.
Rhage desejava que houvesse algo mais a fazer para ajudar o cara e sua Escolhida.
Ele realmente desejava.
Não havia como ligar a seta.
Quando Layla dirigiu sua Mercedes de volta à mansão da Irmandade, ela trazia seu braço machucado pousado no console entre os assentos, uma jaqueta sobressalente
amontoada por baixo para aumentar a altura e diminuir os balanços.
A dor era atordoante, o tipo de coisa tão forte que era sentido nas entranhas.
Então não, não havia como sinalizar direita ou esquerda.
Pelo menos não havia ninguém naquela estradinha rural tão tarde da noite.
Passaram-se horas, talvez dias até ela chegar à montanha da mansão, e o mhis foi um pesadelo. A distorção da paisagem de V, uma medida de segurança para manter
sua posição em segredo, implicava em ver tudo borrado, como se uma neblina houvesse caído sobre a floresta. Exausta de tanto conter a vontade de vomitar, em combinação
com a visão falha, significava que ela se sentia completamente perdida, e seu instinto foi se inclinar e se aproximar do pára-brisa... O que não ajudou.
Tudo aquilo só fez seu braço doer ainda mais.
Quando as luzes brilhantes da mansão finalmente entraram em foco, ela rezou, rezou para que os Irmãos estivessem todos lutando para que ela conseguisse chegar
ao quarto sem ninguém vê-la. Contornando a fonte que já estava coberta para o inverno, ela estacionou perto do GTO roxo de Rhage e do brinquedo novo de Butch, uma
Mercedes preta que parecia uma caixa de pão.
Ela teve de se contorcer para controlar o volante e empurrar a alavanca da marcha para estacionar o carro na vaga... E descobriu que tinha de se esticar ainda
mais para apertar o botão Stop/Start para desligar o sedã. Daí foi questão de respirar superficialmente pela boca enquanto se recuperava do esforço. Olhando pelo
espelho retrovisor, ela teve uma visão da entrada da mansão... E não fez ideia de como chegaria até lá. Muito menos de como se arrastaria até o quarto.
Não havia outra escolha. Ou ela fazia isto sozinha, ou teria de pedir para outra pessoa mentir por ela: não tinha como esconder o ferimento, não enquanto tão
fresco. E ela não podia deixar Qhuinn descobrir o que acontecera.
Ou, pior ainda, o que ela andara fazendo quando caíra.
Maldição, esta situação era punição por sua vida dupla... Suas duas realidades opostas se chocando, nocauteando-a, expondo-a.
Potencialmente.
Hora de entrar.
Layla teve uma nova uma lição em termos de dor ao abrir a porta e tentar erguer-se do assento de couro, o braço gritando quando o osso quebrado se moveu.
Recuperar o fôlego. Vários deles.
E então de alguma forma, conseguiu sair do carro.
A mansão sempre fora assim tão longe da área de estacionamento?
Contornar a fonte não foi muita questão de botar um pé em frente ao outro, mas cambalear sobre os paralelepípedos tentando não desmaiar. Quando chegou aos degraus
de pedra que levavam às portas do tamanho de catedrais, ela quis chorar. Em vez disto, subiu de uma só vez.
Ao abrir as portas do vestíbulo, percebeu que cometera dois erros: deixara o carro destrancado, e ela teria, de fato, de interagir com alguém... Não havia jeito
de entrar na casa sem colocar a cara na frente da câmera de segurança e esperar ser atendida.
Olhando de volta para a Mercedes, não teve energia para voltar e fechá-lo. E tentar dar a volta para a entrada de serviço da garagem estava...
Foi onde as coisas acabaram.
Enquanto sua mente se debatia entre as suas opções limitadas, seu corpo desconectou-se sozinho da tomada da consciência: desligou e a gravidade fez sua mágica,
o degrau se ergueu para saudá-la com um abraço duro, muito duro.
Que ela não sentiu.
Capítulo VINTE E QUATRO
Era quatro da manhã quando Assail guiou seu Range Rover blindado até a beira do Rio Hudson. A alameda onde estava era tão larga quanto um lápis e suave como
uma corrida de obstáculos. Ao lado dele, Ehric estava calado, a .40 do macho pousada sobre as coxas, um dedo inquieto sobre o gatilho, pronto para atirar ao menor
sinal de movimento ou barulho.
Um rápido olhar pelo espelho retrovisor mostrou-lhe que o gêmeo de Ehric, Evale, encontrava-se igualmente alerta e preparado para qualquer coisa.
Cerca de vinte metros adiante da "estrada", era possível ver a clareira pouco profunda na margem. O procedimento era o mesmo todas as vezes: Ele pararia o SUV
na linha das árvores e daria a volta de forma que, se algo imprevisto acontecesse, ele poderia sair rapidamente com o dinheiro ou as drogas. Então ele esperaria
com seus rapazes, geralmente, cerca de dez minutos, antes que o barco de pesca ruidosamente aparecesse.
Seus primos usavam coletes à prova de balas. Ele não.
Eles estavam sóbrios. Ele não.
Nem isto era surpresa. Ele jamais se importara com qualquer tipo de proteção peitoral, e a outra coisa? A esta altura, teria de abster por vários dias para que
a cocaína saísse completamente de seu sistema.
Ao continuar dirigindo, deixou sua mente vaguear, a imagem de outro tipo de baía, um tipo diferente de água, apresentando-se e se recusando a sumir.
Ele viu a praia. O oceano. Palmeiras. Tudo isto brilhando à luz da lua.
Viu uma fêmea caminhando sozinha ao longo do calor acariciante do mar, seus braços cruzados sobre o peito, a cabeça baixa, a aura de uma sobrevivente cheia de
arrependimentos...
- Cuidado! - Ehric exclamou.
Assail forçou-se a se concentrar bem antes do Range Rover comer carvalho como Última Refeição... Ou, mais provável, seria o contrário.
Felizmente, a viagem acabou minutos depois, e ele conseguiu manobrar sem dificuldades, amassando o mato seco e curto até a grade imensa do SUV estar virada para
frente. Não havia faróis foi outra das modificações que ele havia providenciado junto com a blindagem.
O motor silenciou e seus dois passageiros saíram. Antes de se juntar a eles, retirou um vidrinho de dentro de seu casaco de lã. Um giro rápido. Colher na mão.
Sniff. Sniff.
E duas outras para a outra narina.
Após um rápido bufar para se assegurar que tudo estava onde devia, saiu do interior morno. Devolveu seu estoque para o local seguro, se envolveu ainda mais no
casaco. O ar noturno estava muito frio, e folhas caídas eram trituradas sob suas botas ao se juntar aos primos.
Não houve conversa.
E ainda assim, a desaprovação pelo seu nível de consumo estava evidente pela tensão em suas mandíbulas.
Mas isto não importava a ele. Tanto fazia eles desperdiçarem o fôlego com palavras, ou simplesmente o fitarem com ar zangado, como agora, ele não tinha intenção
de mudar seus hábitos.
O som de um único barco à motor vindo em velocidade baixa surgiu tão baixinho que, de início, não seria possível distingui-lo dos ruídos do ambiente da floresta
e do rio. Mas, logo, o barco de pesca deu a volta para a curva da costa, lento e baixo para a água. Havia dois indivíduos sentados no casco aberto, ambos vestidos
como pescadores acima de qualquer suspeita com seus bonés e coletes camuflados, somente as máscaras pretas indicavam algo nefasto. Também havia varas de pesca montadas
em corrente, estendendo-se por trás da popa.
O capitão aproximou o barco humilde de frente, desacelerando o motor para que parasse com um beijo, e não um soco.
Os primos se aproximaram enquanto Assail manteve-se na retaguarda, com sua própria .40 a postos. Os aromas dos dois machos humanos os identificaram como diferentes,
mas relacionados aos dois que vieram da última vez. E da vez antes daquela. E assim por diante.
- Onde estão os outros? - Assail exigiu.
Os homens pararam no processo de pegar três das cinco sacolas que estavam escondidas sob uma lona camuflada.
Assail sorriu fracamente diante de sua surpresa. - Acharam que eu não saberia?
- Eu sou irmão, - o da esquerda disse em um pesado sotaque inglês. - Ele é primo.
Assail inclinou a cabeça, aceitando a explicação. Na verdade, ele não se importava quem entregava seus produtos, contanto que fossem pontuais, pelo preço e qualidade
acordados e sem interferência de agentes da lei humana.
Até agora, tudo bem com estes dois.
Momentos depois, Ehric e o irmão aceitaram as bolsas e se afastaram, um olhando para frente, outro para trás, para cobrirem todo o terreno.
- Um momento, - Assail pediu lentamente. - Se não se importam.
Os humanos pararam de novo, e ele sentiu a ansiedade deles de modo tão claro quanto uma reverberação na superfície de uma mesa, a transferência de energia viajando
facilmente através do ar que separava seus corpos.
- O que mais tem aí embaixo? - disse ele, apontando para a lona. - Há mais duas sacolas, não há?
O mais baixo deles, o primo, arrumou a cobertura de volta no lugar e voltou-se para os controles do barco.
- O esquema mês que vem, - o outro disse, - o mesmo?
- Entrarei em contato com seus chefes.
- Muito bem.
Só isto, eles voltaram a seu caminho, ruidosamente contra a corrente vagarosa de água fria, com a propaganda de outra empresa na lateral.
Franzindo o cenho, Assail observou enquanto eles cruzavam o leito das águas e prosseguiam paralelamente à margem oposta.
Um momento depois, voltou ao Range Rover e quando bateu na janela da porta do passageiro, Ehric baixou o vidro.
- Sim? - O macho disse.
- Vou segui-los. - Assail acenou na direção do barco. - Eles estão negociando com outra pessoa. Quero descobrir quem.
Com um gesto curto de concordância, Ehric desmaterializou para o assento do motorista e engatou o SUV. - Eu também percebi. Ligue se precisar de ajuda.
Quando o Range Rover se afastou, Assail se virou e caminhou de novo para a água. Fechando os olhos, teve de lutar contra o efeito da cocaína para se acalmar,
e levou um tempo até poder se desmaterializar no vento gelado. Quando retomou forma, alguns quilômetros abaixo do rio, esperou até o barco aparecer de novo. Os homens
não percebiam sua presença, já que ele se escondeu entre as árvores coloridas e contrastava com a vegetação marrom, observando-os passar.
Mesma velocidade de motor. Mesmo protocolo para entregar as mercadorias para ele. A questão era: quem era o próximo cliente?
E que tipo de drogas eles estariam vendendo?
O chefe deles havia concordado em lidar exclusivamente com ele nesta parte do estado de Nova Iorque. E embora a competição fosse boa para o capitalismo, não
era bem-vinda em seu território; também desnecessária à declaração de renda deles. Seus pedidos eram suficientemente grandes e tão constantes que ele valia por vários
negócios dignos de respeito.
Os bastardos.
De fato, era necessária honra entre os fora-da-lei. Para o bem de todo mundo. E ele havia elevado a sua parte da barganha, pagando cada vez mais. Mês após mês
após mês.
Mas estava preparado para resolver este problema.
Prontamente.
Mortalmente.
Rhage, Tohr e V voltaram à mansão não muito depois de conhecer o motivo de orgulho e alegria de Applebottom, com Butch seguindo no Range Rover. Quando os três
reassumiram suas formas físicas no quintal, uma luz brilhava entre a fila de carros e chamou a atenção deles.
Rhage foi até a porta aberta da Mercedes azul bebê. - Layla?
Só que não havia ninguém lá dentro, remexendo a bolsa ou juntando sacolas, antes de ir atravessar o gramado até a casa.
Ele fechou a porta. - Ela não...
- Layla! - Tohr gritou. - Oh, merda!
Rhage olhou na direção da entrada da mansão. A pesada porta do vestíbulo estava meio aberta, uma perna se estendia ao nível do chão, o tornozelo mantinha os
painéis abertos.
Os três dispararam até os degraus. Enquanto Rhage abria mais o tremendo peso da porta, V, com seus conhecimentos médicos, pulou sobre o corpo colapsado e começou
a checar os sinais vitais.
- Tohr, - Rhage disse, - chame...
Mas seu irmão já estava com o telefone no ouvido - Oi, Jane? Precisamos de você aqui no vestíbulo. Layla desmaiou. V, sinais?
Quando o irmão botou o celular na cara de V, Vishous disse à companheira, - Batimentos cardíacos estáveis, mas lentos. Assim como a respiração. Sem sinal visível
de trauma.
- Ouviu isto? - Tohr disse, voltando a falar. - Bom, obrigado! - Ele encerrou a chamada, e imediatamente voltou a discar. - Ela está trazendo Manny e Ehlena.
- De volta ao ouvido. Espera. Espera.
Ele estava, obviamente, ligando para Qhuinn...
Por alguma razão, o mundo ficou vacilante para Rhage: em um minuto, ele olhava para Layla, e pensava que não havia nada mais aterrorizante do que uma fêmea grávida
caída em qualquer tipo de chão. No seguinte, o vestíbulo girava em volta dele como uma bola no fim de um barbante, sua cabeça, o ponto central da tontura, seu equilíbrio
estranhamente não comprometido...
- Ele vai cair!
Huh. Acho que ele não estava tão firme quanto achou.
Quando sentiu uma mordida em seu bíceps, baixou o olhar e viu a mão de Tohr travar-se em seu bíceps, segurando-o.
Uau. Que másculo, Rhage pensou.
Uma rodada de sais vitorianos só porque uma fêmea está...
- Layla!
A aparição em pânico de Qhuinn bem perto dele lhe deu o estímulo para acordar de que precisava, sua mente clareou enquanto o macho abria seu caminho até chegar
à fêmea que carregava seu filho. Blay, como sempre, estava logo atrás dele, pronto a fazer qualquer coisa para apoiar o companheiro.
- O que diabos aconteceu? - Qhuinn exigiu.
V começou a falar. Dra. Jane e equipe chegaram. Equipamentos médicos foram tirados de uma maleta preta antiquada.
Virando-se para Tohr, que ainda o amparava, Rhage ouviu uma estranha versão de sua voz dizer, - Estou tendo problemas para respirar, irmão.
Tohr voltou a cabeça para sua direção. - Qual o problema?
- Eu não sei. Não... Consigo respirar. - Ele massageou o peito com a mão livre. - É como se houvesse um balão aqui. Tomando todo o espaço.
Enquanto a equipe médica rolava Layla de costas, o pessoal da primeira fila praguejou. O braço dela estava no ângulo errado, a parte abaixo do cotovelo mostrando
uma torção feia que deve ter acontecido quando ela desmaiou.
- Rhage? - Alguém lhe disse, - Olá?
Ele olhou para Tohrment, - O que?
Thor inclinou-se, - Quer tomar um pouco de ar fresco?
- Já não estamos do lado de fora? - Para responder a esta pergunta, olhou para o céu - Sim, estamos...
- Que tal darmos uma voltinha?
- Quero ajudar.
- Sim, eu sei disto. Mas, acho que sair para caminhar é uma boa ideia. Você está branco como papel, e se apagar agora, posso garantir que não vai ter ninguém
para amaciar sua queda e não precisamos de mais pacientes agora.
- Huh?
- Vamos.
Quando seu irmão puxou o braço, Rhage começou a esfregar o peito. - Eu não sei porque não consigo respirar...
A última imagem que teve, ao se afastar, foi do rosto de Layla virado para o lado, os olhos abertos, mas, sem enxergar nada.
- Ela morreu? - Ele sussurrou. - Ela morreu?
- Vamos, irmão meu...
- Morreu?
- Não. Está viva.
Cada vez que piscava, via seu cabelo louro no mármore como líquido derramado, os lábios tão pálidos quanto o rosto, aqueles olhos verde-jade, opacos e imóveis.
- Mary? Sim, Mary, tenho uma situação aqui com seu garoto. Pode vir agora?
Quem estava falando? Oh sim, Tohr. Ao telefone. O Irmão havia sacado o telefone.
Rhage começou a balançar a cabeça. - Não, ela não pode vir. A mãe no Lugar Seguro. Ela tem de ficar...
- Está bem, obrigado. - Tohr desligou - Ela está vindo agora.
- Não, eles precisam dela...
- Irmão? - Tohr aproximou o rosto do rosto de Rhage. - Tenho certeza que você não sabe como está sua aparência agora. Faz o favor de sentar aqui... Sim, bem
no chão. Bom garoto, está indo bem.
Os joelhos de Rhage seguiram as instruções, seu cérebro estava preocupado demais com o quanto sua shellan não precisava perder seu tempo precioso com ele. Mas,
parecia que aquele ônibus já tinha partido do ponto.
Colocando a cabeça entre as mãos, Rhage se inclinou para frente e se perguntou se não teria algo errado com seus pulmões. Uma gripe vampírica de ação rápida.
Uma infecção. Um veneno qualquer.
A grande mão de seu irmão fez círculos lentos em suas costas, e sob aquela palma pesada, a besta, em sua forma de tatuagem, surgiu e se moveu como se o pequeno
ataque de Rhage tivesse deixando-a nervosa.
- Sinto-me estranho. - Rhage disse. - Não consigo... Respirar...
Capítulo VINTE E CINCO
Nos primeiros quilômetros, Assail se satisfez em se desmaterializar no encalço do barco. No entanto, por volta da quarta vez em que retomou forma, se impacientou
pela chegada ao destino, a troca que seria feita, identidade do terceiro envolvido a ser revelada.
E havia outro motivo para ficar inquieto. Com o aumento da distância viajada, os dois homens se aproximavam cada vez mais da cidade de Caldwell, o que era uma
ideia idiota.
Mesmo que já fosse noite avançada, o centro da cidade não era como o subúrbio e estariam rodeados por humanos por todos os lados; com certeza, dificilmente humanos
com crédito com a polícia, mas, olhos curiosos eram olhos curiosos, e cada rato sem rabo, por mais ignorante que fosse, tinha um celular nos dias de hoje.
Ele até poderia ser capaz de se desmaterializar, mas, aquela dupla no barco não sabia executar aquele truque... E ele queria ser a pessoa a ensinar uma lição,
não deixaria o Departamento de Polícia de Caldwell chegar na frente.
Desaparecendo de novo, foi forçado a retomar forma em meio às árvores plantadas à beira de um dos parques públicos da margem de Caldwell. E o barco continuou
em frente.
Inacreditável.
Enquanto esperava para ver se indicavam a nova posição, e havia uma boa chance de que indicassem, porque não havia mais cobertura na costa, um comichão familiar
começou a formigar na base de seu pescoço, desencadeando a necessidade por mais coca.
A necessidade vinha cada vez mais rápido ultimamente. A ponto de ele ser forçado a reconhecer sua sorte por curar-se tão rápido. Se fosse um mero humano? Já
teria desviado o septo há meses.
Buscando em seu bolso, tirou o vidrinho. Só sentir a suavidade do frasco o fazia relaxar. Ele queria consumir a droga, mas não podia correr o risco de não conseguir
se desmaterializar. O problema com o seu vício era que a necessidade por uma nova dose estava surgindo antes que o efeito da dose anterior tivesse sequer começado
a diminuir, a lombriga em suas entranhas se remexendo, remexendo, exigindo mais e mais enquanto seu corpo e cérebro lutavam para lidar com as velozes e enormes cargas
da droga que consumia.
E de novo, a última coisa que queria era se colocar em dificuldades por estar nervoso demais para desaparecer.
Deus, ter isto em comum com a espécie humana com quem negociava era humilhante demais para descrever...
- Oh, só pode ser brincadeira. - Ele murmurou quando o barco finalmente demonstrou estar entrando em um lugar para aportar.
Mas não um lugar seguro. Certamente não um que ele teria escolhido.
A dupla pilotou a embarcação em direção à uma casa de barcos vitoriana. Claro que as janelas estavam escuras, mas havia luzes de segurança brilhando nas ripas
que revestiam seu exterior, e sem dúvida uma patrulha do Departamento de Polícia, fazia turnos regulares no espaço que havia por trás da estrutura.
Mesmo assim, ele teria de entrar, caso eles entrassem.
E eles entraram.
Sem ideia do layout do interior do local, programou-se para retomar forma nas sombras entre aquelas irritantes luzes externas, suas roupas pretas mimetizando-o
contra a lateral envelhecida da casa de barcos. Quando o barco entrou em uma das vagas, o som de seu motor patético ecoou, soando como um homem velho nos estertores
finais de um ataque de tosse mortal.
Virando-se para uma das janelas, Assail concentrou seu olhar astuto através do vidro canelado. A área interior era bem extensa e, assim que identificou o seu
ponto, se desmaterializou e passou através da mesma entrada que os entregadores usaram. Teve o cuidado de reassumir sua forma física, encolhido em um canto apertado
no extremo oposto, entre uma estante de suprimentos de tripulação, caída em montes, e uma floresta de dispositivos pessoais de flutuação cor de laranja pendurados
em ganchos.
O motor foi desligado e o par conversava suavemente em idioma estrangeiro. Após silenciarem, o único som era a água se movendo e gargalhando por baixo do barco
e através do escoramento das docas.
Assail odiava cheiro de peixe morto, flora decomposta e lonas úmidas no ar.
Após um tempo, a aproximação de algo no exterior chamou sua atenção, e então, uma luz amarela penetrou o interior. Localizando uma janela empoeirada, olhou para
fora, só para ver um caminhão do Departamento de Parques Públicos de Caldwell estacionando.
Bem, agora, isto está a ponto de ficar interessante.
Ou a entrega ia ser interceptada e chamariam a polícia... Ou algum humano que trabalhava para os parques estava tentando aumentar sua renda mensal através de
suborno.
Descobriu que errou nas duas.
A porta principal rangeu ao ser aberta e, no instante em que uma figura masculina apareceu no umbral, o ar gelado que vinha de trás, espalhou o cheiro de lesser
na casa de barcos.
E então, o Forelesser com quem Assail havia feito negócios, entrou com uma sacola de ginástica na mão.
Filho da Puta.
Como se atreve o bastardo a me passar para trás, pensou Assail, ao mesmo tempo em que suas presas se alongavam, por vontade própria. E como infernos aquele matador
havia conseguido fazer contato com o fornecedor?
Formulando um plano para a emboscada, Assail sacou suas duas armas .40, e desejou ter tido o cuidado de colocar silenciadores. Não havia esperado usá-las na
porra do centro de Caldwell, pelo amor de Deus.
- Me deixe vê-las. - O Forelesser declarou. - Abra as sacolas e me deixe vê-las.
Assail deu um passo à frente, pensando que poderia...
Cada um dos carregadores abriu uma mala e exibiu o conteúdo.
Não. Eram. Drogas.
Nada parecido.
Ao invés dos grandes tijolos selados em camadas de papel celofane, havia...
Armas. De grosso calibre, que se esfregavam, metal contra metal, umas contra as outras nas sacolas de ginástica.
Na escuridão era difícil determinar, exatamente, as especificações das armas, mas parecia haver uma variedade de metralhadoras ou rifles.
O lábio superior recuado de Assail voltou a ao lugar.
Embora estivesse preparado para interceder na eventualidade de uma negociação de drogas/dinheiro, não sentia mais tal compulsão.
Se o Forelesser quisesse usar seu lucro para comprar armas, era problema dele.
Deixando a casa de barcos do mesmo jeito que havia entrado, Assail dirigiu-se rio acima, em direção à sua casa envidraçada na península.
A única coisa com a qual se importava era se aquele lesser continuaria a vender seus produtos nas ruas e clubes de Caldwell em tempo hábil, confiável e honesto.
- Não, não, estou bem. Juro.
Enquanto falava, Rhage sentou-se à mesa de madeira maciça na cozinha da mansão da Irmandade. Os outros habitantes da casa estavam se reunindo para uma tardia
Última Refeição, os doggens enfileirando-se para dentro e para fora da porta vai-e-vem, levando bandejas de prata do tamanho de tampos de mesas, cheias de todos
os tipos de comidas recém-preparadas, molhos e vegetais.
Do outro lado, Mary encostou-se à ilha com topo de granito que ficava no centro da cozinha, com os braços cruzados sobre o peito, os olhos treinados fixos nele,
como se avaliando um de seus pacientes do serviço social.
Contorcendo-se, ele quis se juntar aos irmãos e suas shellans, mas, pela expressão dela, aquilo não aconteceria tão cedo.
- Fritz? - Disse ela. - Vou preparar alguma coisa para ele, tudo bem?
O mordomo parou em meio ao processo de trazer um conjunto de mesa. - Eu ia fazer um prato na outra sala e trazer para cá...
- Eu quero cuidar de meu marido, - disse ela gentilmente, mas com firmeza. - Mas, se quiser... Mesmo que isto vá contra cada instinto autossuficiente de meu
corpo, eu deixo as panelas e os pratos para você lavar.
O rosto velho e enrugado de Fritz assumiu a expressão de um cãozinho basset a quem tivessem negado frango com a promessa de mais tarde ter um bife: tanto preocupado
quanto excitado. - Se houver qualquer coisa em que eu possa ajudar...
Três membros da equipe, em seus uniformes cinzentos e brancos, voltaram de mãos vazias da sala de jantar, o trio se dirigindo para o carregamento final que era
destinado a ser levado e servido nas várias mesas de apoio daquele enorme espaço iluminado.
- Na verdade, - sua Mary murmurou, - você acha que ele e eu podemos ter um pouco de privacidade aqui?
- Oh, sim, senhora. - Fritz de alguma forma se iluminou. - Assim que servirmos os pratos principais, eu mesmo levarei a equipe para o saguão. Eles ficarão mais
do que satisfeitos em esperar lá.
- Obrigada. - Ela apertou levemente seu braço, o que o fez corar. - E só até a hora da sobremesa. Eu sei que vai querer a cozinha livre para ela.
- Sim, senhora. Obrigado, senhora. E eu pessoalmente limparei tudo após sua saída.
O mordomo fez uma acentuada reverência, pegou a última bandeja de prata, e tirou todo mundo dali. Quando a porta vai e vem parou, a adorada shellan de Rhage
olhou para ele.
- Ovos? - Ela disse.
Diante daquela única palavra, o estômago de Rhage rugiu. - Oh, Deus, seria maravilhoso.
Mary anuiu e foi até a geladeira. Pegou uma bandeja fechada de ovos, um galão cheio de leite e uma caixa de manteiga; então, no armário, uma frigideira, uma
grande tigela de misturar e vários utensílios recém-lavados.
- Então, - disse ela, ao partir o primeiro dos doze ovos. - Eu queria mesmo saber o que aconteceu lá.
Até aquele momento, Rhage fora bem sucedido em evitar a questão. Aparentemente, o indulto havia acabado.
- Estou bem, sério.
- Ok. - Ela parou em meio ao ato de quebrar um ovo e sorriu para ele. - Mas, como sua esposa, seu bem-estar é realmente importante para mim. Então, se tem alguma
coisa te incomodando, não saber o que é faz eu me sentir excluída.
Ai. Só... Ai.
Quando ela começou a bater a mistura crescente de ovos, o som úmido o fez imaginar o conteúdo de sua própria cabeça.
Baixou os olhos para o tampo esburacado da mesa e deslizou o dedo em um dos veios da madeira de carvalho.
- A verdade é que eu não sei o que houve. Eu só me senti muito estranho e tive de me sentar. Mas, agora estou bem. Provavelmente foi só uma coisa passageira.
- Mmm, bem, me conte como foi sua noite.
- Não aconteceu nada demais. Fui até o esconderijo do Bando dos Bastardos e invadi...
- Não começou na clínica, com Trez e Selena?
- Oh, sim. Mas, isto foi tipo, ontem, quando ela estava... Sabe, quando ela foi levada para lá. - Ele balançou a cabeça. - Não quero pensar nisto agora, se não
se importa.
- Está bem, então esta noite você foi até o esconderijo do Bando dos Bastardos?
- Bem, primeiro passamos na casa de Abalone. O primo dele debandou das tropas de Xcor e nos disse onde ficava o esconderijo. De qualquer forma, eu e V invadimos
o lugar.
- O que procuravam?
Ele deu de ombros. - Bombas. Armadilhas. Este tipo de coisa. Nada demais.
Ela emitiu outro som de mmmm ao derramar o conteúdo da tigela em uma frigideira do tamanho do assento do banco do Hummer de Qhuinn. - E você ficou preocupado
em se ferir lá?
- Não. Bem... Eu me preocupei com os irmãos, claro. Mas, faz parte do trabalho.
- Está bem. E então, foram para onde?
- Fui te ver. Daí à antiga casa do D., fizemos um relatório para Wrath e voltamos para cá. Era para eu me consultar com Manny para dar uma olhada no processo
de cura daquele ferimento. V também.
- Está bem. - Ela foi até a torradeira com capacidade para seis torradas e carregou-a com o pão branco industrializado, total e plasticamente fantástico que
era o favorito dele. - Então, você chegou aqui, e o que viu?
Ele piscou e viu o pé de Layla esticado para fora do vestíbulo. Então visualizou o rosto de Qhuinn ao se abaixar para a fêmea caída que carregava seu filho.
- Oh, você sabe.
- Mmmmm? - O cheiro de ovos sendo preparados acionou o botão do modo "Coma-agora" em seu organismo. - O que?
- Bem, você sabe o que aconteceu.
Quando Mary chegou, uma maca havia sido trazida da clínica e Layla havia sido carregada, o corpo transferido do chão para a maca, cuidadosamente, por Qhuinn
e Blay.
Rhage caiu em silêncio e massageou o peito.
Pop! Fez a torradeira, e um momento depois, um prato com tudo feito exatamente do jeito que ele gostava, foi posto a sua frente.
Junto com uma caneca de chocolate quente, um guardanapo e talheres... Mas, o mais importante, sua adorável Mary.
- Esta é a melhor refeição de minha vida, - disse ele, só de olhar para a comida.
- Você sempre diz isto.
- Só quando você cozinha para mim.
Era engraçado. Como humana, sua Mary jamais conseguiria entender a reação de um vampiro macho, quando a fêmea com a qual era vinculado preparava comida com as
próprias mãos, para ele. Esse tipo de coisa era um ato secreto, porque ia contra o âmago do instinto masculino que era prover e satisfazer as necessidades de sua
companheira, acima de tudo e todos, incluindo ele próprio, os irmãos, o Rei e todos os filhos que pudessem vir a ter.
Rhage era programado para alimentá-la primeiro e só então comer o que sobrasse. Mas, antes que ela mandasse Fritz e os doggens para fora, ela havia dito estar
cheia, já que havia feito um lanche no Lugar Seguro uma hora atrás.
- Vai esfriar. - Ela disse, esfregando o braço dele.
Por alguma razão, os olhos dele se enevoaram e ele teve de piscar para afastar as lágrimas.
- Rhage? - Ela sussurrou. - Seja o que for, pode dizer.
Com um movimento rápido, ele negou com a cabeça. - Estou bem. Só quero aproveitar o banquete.
Ele ergueu o garfo e começou a alternar: uma garfada de ovos, uma mordida na torrada, uma garfada de ovos, uma mordida na torrada, gole, gole, gole de chocolate
quente. E repetiu tudo até limpar o prato.
- Como a fêmea está? - Perguntou ele, ao limpar a boca e se recostar no espaldar da cadeira.
- Eu não sei, - Mary meneou a cabeça. - Simplesmente não faço ideia como isto vai acabar.
- É grave assim? - Quando ela estremeceu, ele disse, - Se houver algo que eu possa fazer...
- Bem, na verdade...
- É só dizer.
Ela estendeu o braço e tomou a mão dele, virando a palma para cima. Levou um tempo até ela falar, e quando ele já começava a se preocupar, ela disse:
- Quero que você imagine, apenas por um momento, que pode ter sido perturbador para você ver Selena quase morrer e testemunhar a dor de Trez. Quero que considere
que não é "só trabalho rotineiro", para ninguém, ter de invadir uma casa onde jamais esteve, sem saber se algo irá explodir ou te emboscar ou matar você ou alguém
que você ama. Quero que reflita que, ir até Wrath e não poder dizer-lhe que encontrou os Bastardos, ou que desarmou uma bomba, ou coletou algum tipo de informação,
soa como fracasso para você. E finalmente, quero que entenda que, voltar para casa e ver Layla no chão, sabendo que está grávida, e o quanto se importa com ela,
Qhuinn e Blay, é outro trauma. Acho que você teve um dia difícil, e suas emoções meio que entraram em pane.
- Eu não me sinto perturbado, minha Mary. Por nada disto. Estava tudo bem...
- Até você ter o ataque de pânico na frente da casa.
- Eu não tive um ataque de pânico.
- Você disse que não conseguia respirar. Que suas mãos e pés formigavam. Que estava tendo problemas para se conectar à realidade. Para mim soa sintomas típicos
de um ataque de pânico.
Ele negou com a cabeça. - Eu não acho que foi isto.
- Está bem.
Rhage inalou profundamente e fitou o rosto de sua amada. - Você é a fêmea mais linda que eu já vi.
- Tenho certeza que não...
Ele tomou o rosto dela entre as mãos, acariciando com carinho. Enquanto seus olhos vasculhavam as feições familiares, ele não conseguia ter o suficiente dela.
Deus, nunca era o suficiente. Nem uma noite, um mês, um ano, uma década... Nem a eternidade que a Virgem Escriba tinha milagrosamente lhes concedido, jamais seria
suficiente para ele.
- Você é a fêmea mais linda que eu já vi. - Ele acariciou os lábios dela com os seus. - Não sei o que fiz para merecer um destino com você, mas jamais, jamais
vou te subestimar.
O sorriso que teve em resposta foi melhor do que o brilho do sol que ele jamais via, envergonhando até a bola de fogo que sustentava toda a vida, inclusive as
daqueles que não suportavam seus raios.
Eles ainda estavam sentados daquele jeito, perdidos no olhar um do outro, quando os doggens vieram, para a sobremesa.
- Quer subir? - Ele disse em uma voz profunda e sombria, sua besta começando a surgir sob sua pele. - Estou pronto para a sobremesa.
O aroma dela chamejou. - Está?
- Mmm hmm.
- Quer que eu pegue um pouco de sorvete para você?
Ele estreitou o olhar na boca dela. - Nada disto. Eu quero chupar outra coisa.
- Bem, então, - ela sussurrou, colando a boca na dele, - vamos te alimentar.
Capítulo VINTE E SEIS
Suor frio.
Trez acordou suando frio, cada centímetro de sua pele encharcado, sua temperatura interior gelada a níveis árticos, o coração batendo tão rápido, que parecia
que alguém havia enfiado a coisa em uma batedeira de bolos. Erguendo-se do travesseiro, gritou...
Cama. Ao invés de algo terrível e chocante... Tudo o que viu foi uma porção de sua cama, e tudo estava absolutamente normal, do abajur que brilhava próximo à
ele, a suas roupas jogadas sobre a chaise, aos sapatos caídos obliquamente onde foram chutados no amanhecer passado.
Por um momento, ficou confuso. Virgem Escriba. Um lugar qualquer, místico. Selena na grama, na clínica, congelada, congelada...
Um gemido suave quebrou o fio entre pesadelo e realidade.
Virando-se subitamente, viu Selena deitada em sua cama, os ombros nus aparecendo acima dos lençóis, os cabelos negros espalhados na fronha branca, rosto e corpo
virados para o outro lado.
Fechando seus olhos, ele cedeu, e desejou que tudo tivesse sido um sonho ruim.
Mas, então, voltou ao foco e se concentrou em sua fêmea, puxando o edredom mais para cima, para mantê-la aquecida, discretamente se inclinando para verificar
se ela ainda estava respirando, se perguntando se deveria arranjar um pouco de comida para ela.
Como se sentisse sua presença, ela se revirou e, mesmo no sono, seu rosto se fechou em uma careta, como se o movimento causasse dor.
Caralho. O sexo fora selvagem, cru, violento. Depois do corpo dela ter enfrentado tudo aquilo.
Maldito fosse ele, pensou, ao passar a palma da mão pelo rosto. Como podia ter feito aquilo com ela? Devia ter se contentado em somente se masturbar até o pau
ficar insensível.
Pior de tudo? Ele não sabia se poderiam realmente resolver as coisas entre eles. Ainda assim, se sentia um imbecil.
Estendendo a mão para a mesinha de cabeceira, pegou o celular e viu que horas eram. Quatro e quarenta e quatro da manhã.
Ele não iria dormir mais. Livrando-se dos lençóis, foi até o banheiro, fechou a porta, usou o banheiro e tomou um banho rápido. Então voltou, tirando seu par
de fones de ouvido da gaveta da mesa de cabeceira, antes de voltar a se enfiar na cama.
Movendo-se lentamente, foi tão cuidadoso em voltar para a cama quanto fora para sair dela, manobrando seu peso de quase cento e quarenta quilos no colchão, sem
deslocar Selena como se fosse um trampolim.
Ao ele se reposicionar, deu uma rápida checada em sua fêmea e ficou aliviado ao descobrir que ela ainda dormia. O que meio que o aterrorizou. E se ela estivesse
em coma ou...
Como se procurasse por ele, ela tateou pelo edredom.
- Estou bem aqui, - ele sussurrou.
Instantaneamente, ela parou a busca, e quando ele segurou sua mão, a palma estava quente, vital, do jeito que sempre estivera.
Ele levou um tempo para estudar os dedos dela, dobrando-os, medindo os movimentos, procurando por pontos de resistência. O que não era certo, ele pensou.
Era injusto tentar tirar informações do corpo dela sem seu conhecimento e consciência... E como forma de se desculpar, ele interrompeu-se, e alisou as unhas
cor de rosa e os semicírculos brancos e curtos que ela aparava regularmente. Quando o sono a reclamou novamente, ele se sentiu... Devastadoramente sozinho. Mesmo
que estivessem lado a lado, ele recostado na cabeceira da cama, com ela aninhada em seu corpo, não parecia estar conectado a ela. Disse a si mesmo que era uma simples
questão de dormir e acordar. Aquela era a divisão... Nada tão assustador quanto o fato das ondas cerebrais serem lidas diferentes em uma tomografia computadorizada.
Era besteira, claro. E quanto mais tentava forçar-se a acreditar na mentira, mais preso se sentia... Então, para calar seu conflito interno, ele ligou o rádio
na estação SiriusXM em seu celular, conectou os fones de ouvido e tentou ficar confortável. Ou confortável de alguma forma.
Ou... Pelo menos, não consumido pela necessidade de pular para fora de sua própria pele.
Naturalmente, porque sua sorte era uma bosta, a primeira coisa que ouviu no rádio, foi mais más notícias.
- Está brincando? - Ele murmurou alto quando a voz de Howard Stern inundou seu crânio. - Eric, o ator está m...
As sobrancelhas de Selena se contraíram como se considerasse acordar e ele fechou a matraca. Mas, não conseguia acreditar que mais um do Wack Pack10 se fora.
Parecia cruel à luz de tudo o que ele estava passando.
Merda, era como se as notícias ruins estivessem fazendo um esforço concentrado para sair das sombras e encontrá-lo.
Selena acordou lentamente, e o aroma do corpo de Trez foi a primeira coisa que notou. O som da voz dele foi em seguida. A sensação das mãos dele sobre as suas,
a terceira.
Abrindo os olhos, ela o viu sentado ao seu lado na cama, os olhos negros, absorto em seu celular, as sobrancelhas baixas como se houvesse recebido notícias perturbadoras
através de uma mensagem de texto ou...
- Está tudo bem? - Ela perguntou.
Quando ele não respondeu, ela percebeu que ele tinha fios saindo do celular para seus ouvidos como se estivesse ouvindo alguma coisa.
No instante em que ela apertou sua mão, ele pulou tão alto que os fones caíram.
- Oh, meu Deus! Você está acordada.
- Sinto muito, não queria assust...
- Merda, não sinta... Está bem? Precisa da Dra. Jane?
- Não, não... - Ela tentou fazer o cérebro funcionar. - Estou bem, é só... Parece perturbado?
Quando ele olhou para ela, o único som no quarto era o ruído dos fones.
Ela puxou as cobertas mais ainda para cima. - Há algo errado comigo?
- Oh, Deus, não. Eu, ah, não... Não é nada. - Ele olhou para o celular. - Só, um cara que era do The Stern Show morr...
Quando ele se interrompeu, os olhos arregalados, como se quase houvesse dito algo imperdoável.
- Morreu? - Ela terminou por ele.
- Eu, ah...
- Você ainda pode pronunciar a palavra, - ela deu um aperto na mão dele de novo. - De verdade.
Trez pigarreou e afastou o celular. - Está com fome?
- Na verdade não.
- Com sede?
- Não.
Ele mexia nos lençóis. O edredom. - Está quentinho aí?
Franzindo o cenho, ela sentou-se e encostou-se aos travesseiros. Olhando para ele, sorriu. - Estou contente de ter vindo aqui. Para conversar e... Fazer aquelas
outras coisas.
- Está mesmo? - Os olhos dele, aqueles lindos olhos amendoados, se voltaram para ela. - Sério? Eu acho que fui violento demais no modo como...
O sorriso dela se estendeu. - Eu realmente, realmente, perdi minha virgindade agora.
Ele corou. Corou da verdade, uma mancha vermelha tingiu suas bochechas. - Me preocupa ter te machucado.
- Nem um pouco. Quando podemos fazer de novo...
O engasgo de Trez foi súbito e ruidoso, e ela teve de bater nas costas dele para ajudá-lo a respirar novamente.
- Está bem? - Ela disse, ainda sorrindo.
- Ah, sim. É que você tem um jeito de me surpreender.
Por um momento, ela se lembrou dele vindo a ela no Santuário. Mesmo paralisada na ocasião, ela soubera o instante em que ele chegara. Fora um milagre. Mas, como
ele soubera?
- Como me encontrou? Lá em cima, no Santuário?
Ele meneou lentamente a cabeça. - Você não vai acreditar.
- Tente.
- A Virgem Escriba. Eu estava em meu clube, resolvendo uns assuntos, Rhage e V estavam comigo. De repente, aquela... Figura apareceu... Vestida de preto, iluminada
por baixo do tecido, uma voz que eu ouvi aqui dentro, - indicou a cabeça, - ao invés de nos ouvidos. A próxima coisa que vi? Eu estava... Bem, de qualquer forma.
Eu estava com você.
Agora foi a vez dela de mexer nas cosias. - Eu sinto muito.
- Por quê?
- Por você ter me visto assim. Sinto muito por tudo isto.
- Diabos... Como eu disse antes, como se fosse culpa sua estar doente?
- Eu sei, mas ainda assim. Eu queria... - ela tentou virar a cabeça para trás para poder olhar para o teto, mas o pescoço anda estava dolorido demais.
- Você está sentindo dor.
- Não é incomum. É como sempre me sinto. Eu... Bem, que seja.
Aparentemente, dois podiam fazer aquele jogo de evitar um assunto.
- Isto é tão forçado, - ela soltou.
- O que?
Ela teve de virar o tórax para poder olhar para ele de verdade. E vagamente, avaliou como era bela a pele escura dele contra os lençóis brancos, o contraste
fazia ambos parecerem cintilar.
Selena tentou achar as palavras. - Eu sinto como se houvesse esta enorme... Não sei, distância ou algo assim... Entre nós. Não faz sentido, digo, você está bem
aqui ao meu lado... Mas, há palavras nas quais estamos tropeçando, assuntos sobre os quais não queremos falar... Bem, isto é um saco. Porque agora? Esta é a melhor
parte, digo, dá uma olhada.
Ela ergueu a mão livre com os dedos esticados, fechou-os e tornou a abrir.
- Acordada e flexível é tão melhor do que o jeito que eu estava antes, não é? - Quando ele simplesmente olhou para ela, sentiu-se tola. - Desculpe, acho que
isto soa estranho.
Trez se inclinou e beijou-a, seus lábios demorando-se. - Não... - ele se afastou. - Isto... Eu sei o que quer dizer. Não é loucura e você está certa. Esta é
a melhor parte...
- Você está tão quente.
Trez soltou outra tossida. - Maldição, fêmea. O que deu em você...
- Eu lhe disse a noite passada, ou céus, que horas eram? De qualquer forma, eu te disse antes, sou toda honestidade agora.
As pálpebras dele caíram. - Gosto de honestidade. Então, me deixe perguntar, se eu te pegasse no colo e te carregasse para o chuveiro, você...
- Me ajoelharia de novo sob o jato quente para ver se você é tão gostoso quanto eu me lembro?
O som que ele fez não foi uma tossida. Mas, também não foi nada coerente. Foi parte grunhido, parte rosnado, com um pequeno gemido no meio, como se estivesse
se preparando para implorar...
Mais ou menos a coisa mais sexy que ele já ouvira.
- Isto foi um sim? - Ela falou lentamente.
Ele beijou-a novamente, com mais força desta vez. Por mais tempo também. Então ele a fitou, com olhos que ferviam. - Merda, estou morrendo aqui.
Quando Trez interrompeu-se de novo, ela sentiu-se atingida pela palavra de novo. Em se tratando deles, aquela era realmente, uma palavra matadora. Mas, era ela,
e não ele.
- Sinto muito, - ela forçou-se a sorrir. - Vamos lavar nossas preocupações...
- Eu vou achar uma cura para isto, - ele disse, com seriedade. - Eu não vou deixá-la perder a luta, Selena. Eu vou, literalmente, mover céus e terras para mantê-la
ao meu lado... Para que não haja nada no meio de nós dois, nada além de nossa pele nua... Nossas almas.
Lágrimas subiram aos olhos dela, e ela as conteve, desejando que sumissem e não voltassem a aparecer. Estendendo a mão para o rosto bonito dele, passou as pontas
dos dedos sobre suas feições.
- Eu te amo, Trez.
- Deus, eu te amo também.
Capítulo VINTE E SETE
Quando Layla acordou, estava deitada de lado em uma superfície muito mais suave do que o chão do vestíbulo. Em pânico, levou a mão à barriga.
Tudo parecia o mesmo, o inchaço firme, do tamanho que sempre fora... Mas, querida Virgem Escriba, teria ela machucado a criança? Ela conseguia se lembrar de
sair do carro, da luta para caminhar até a entrada da mansão, e de lá ter perdido a consciência...
- Bebê, - ela murmurou, - bebê, está bem? Bebê?
Instantaneamente, os olhos azul e verde de Qhuinn estavam bem à sua frente. - Você está bem...
Como se ela se importasse com ela mesma naquela hora. - Bebê!
Com uma súplica, pensou, por que antigamente reclamara de estar grávida? Talvez aquilo fosse punição por ter...
- Está tudo bem. - Qhuinn olhou para o outro lado do quarto, se concentrando em alguém que ela não conseguia ver. - Bem, apenas... Okay, é... Bem.
Ela jamais se perdoaria.
O alívio foi tão grande, que lágrimas subiram aos seus olhos. Se ela tivesse perdido o filho deles por estar no encontro com Xcor? Porque andara bisbilhotando
enquanto ele... Fazia aquilo com seu próprio sexo?
Ela jamais se perdoaria.
Com um pedido, ela se perguntou por que sequer pedira ao macho para fazer aquelas coisas. Era tão errado em diversas formas, adicionando ainda mais culpa quando
ela já estava com a coisa atolada até a garganta.
- Oh, Deus, - ela gemeu.
- Você está com dor? Merda, Jane...
- Estou bem aqui. - A boa doutora ajoelhou-se ao lado de Qhuinn, parecendo cansada, mas alerta. - Olá, Layla. Que bom que voltou. Só para saber, Manny engessou
seu braço. Havia uma fratura.
Houve algumas explicações sobre seu tempo de recuperação e quando o gesso poderia ser retirado, mas ela não prestou atenção em nada daquilo. Dra. Jane e Qhuinn
estavam escondendo algo dela: Os sorrisos de tranquilidade eram como fotografias da coisa real... Pareciam reais, mas eram falsos.
- O que não estão me dizendo?
Silêncio.
Quando ela lutou para se sentar, foi Blay que ajudou, gentilmente apoiando o braço bom e para lhe dar um pouco de impulso.
- O que? - Ela exigiu.
Dra. Jane encarou Qhuinn. Qhuinn olhou para Blay. E Blay... Foi o que eventualmente enfrentou o seu olhar.
- Há algo inesperado, - o guerreiro disse, - no ultrassom.
- Se me fizer perguntar "o que", de novo, - ela disse, por entre dentes cerrados, - vou começar a jogar coisas, e que se dane o meu braço quebrado.
- Gêmeos.
Como se o tempo e a realidade fossem um carro que subitamente tivessem seus freios acionados, houve um metafórico som de freada em sua mente.
Layla piscou. - Desculpe... O que?
- Gêmeos, - Qhuinn repetiu. - O ultrassom mostrou que são gêmeos.
- E perfeitamente saudáveis. - Dra. Jane completou. - Um é significantemente menor, e seu desenvolvimento está atrasado, mas parece viável. Eu não vi o segundo
feto nos ultrassons anteriores porque, Havers me contou que as gestações em vampiros são diferentes das humanas. Acontece que aparentemente outro óvulo fertilizado
pode se implantar, mas não entra em um estágio de significante embriogênese até muito mais tarde... Seu último ultrassom foi há dois meses, por exemplo, e eu não
vi nada antes.
- Gêmeos? - Layla sufocou.
- Gêmeos. - Um dos três repetiu.
Por algum motivo, ela se lembrou do momento em que descobriu estar realmente grávida. Mesmo que a gravidez fosse o objetivo e ela e Qhuinn houvessem feito o
que fizeram só para chegar lá, a confirmação de que sua necessidade vingara meio que a estonteara. Parecia milagroso, e avassalador... Uma alegria assustadora que
ela não estava inteiramente certa de que não fosse derrotá-la.
Agora ela sentia o mesmo.
Tirando a parte da alegria.
Ela sabia de duas de suas irmãs que esperaram gêmeos, e uma das gestações não deu certo. Da outra, havia nascido um único bebê vivo.
Lágrimas começaram a se derramar de seus olhos.
Aquelas não eram boas novas.
- Ei! - Blay se inclinou, com um lenço. - Isto não é ruim. Não é.
Qhuinn concordou, embora seu rosto continuasse uma máscara. - É... Inesperado. Mas não é de todo ruim.
Layla colocou as mãos sobre o estômago. Dois. Havia dois bebês que agora, tinha de levar em segurança até a reta final.
Dois.
Querida Virgem Escriba, como isto acontecera? O que ela ia fazer?
Enquanto as questões corriam por sua cabeça, ela percebeu... Bem, inferno. Como muitas coisas na vida, aquilo estava fora de suas mãos. Uma impossibilidade manifestada;
sua função, agora, era fazer o que pudesse para ajudar a si mesma e aos bebês descansarem, se nutrirem e ter os cuidados médicos necessários.
Esta era a única coisa que podia diretamente controlar. O resto?
Só cabia ao destino.
- Pode haver outros? - Layla perguntou.
Dra. Jane deu de ombros. - Acho altamente improvável, mas gostaria de enviar uma amostra do seu sangue para Havers. Ele tem muito mais experiência do que eu
nisto, e após analisar o hormônio específico da gravidez vampira, ele crê que pode arriscar a dizer a sua situação. Ele disse, no entanto, que trigêmeos são virtualmente
inéditos, e que o seu caso está no curso típico de gestação de múltiplos. A menos em casos extremamente raros de gêmeos idênticos como Z e Phury, o segundo embrião
atrasa seu desenvolvimento até a gravidez estar bem avançada. Quase como se na espera para ver se as coisas estão indo bem antes de se juntar à festa.
Layla baixou os olhos para seu abdômen distendido, e jurou nunca, jamais reclamar sobre coisa alguma. Nem de tornozelos inchados, ou dos seios doloridos, ou
de ter de ir ao banheiro a cada dez minutos. Sem. Mais. Chororô.
Nunca mais.
O fato de ela ter perdido a consciência, caindo de cara em um chão de mármore, e ainda conseguir ter aquele bebê...
Aqueles bebês, ela se corrigiu em choque.
... Em seu corpo, em segurança, era um lembrete que as dores e os desconfortos eram menores em comparação ao cenário maior, o grande objetivo, a grande preocupação.
Que era dar à luz a eles no momento certo, e fazê-los sobreviver.
- Então você consente? - Dra. Jane perguntou.
- Desculpe, o que?
- Tudo bem eu enviar uma amostra do seu sangue para Havers analisar?
- Oh sim. - Ela estendeu o braço bom. - Pode tirar...
- Não, já coletamos a amostra.
Ah, o que explicava a bolinha de algodão colada na parte interna de seu cotovelo.
Seu cérebro não estava funcionando direito.
- Foi por isto que ela desmaiou? - Qhuinn perguntou. - Por causa do outro bebê?
Dra. Jane deu de ombros de novo. - As amostras dela parecem bem... E já estão estáveis há um tempo. Quando foi a última vez que se alimentou, Layla?
O problema não era se ela tinha tomado veia recentemente. - Eu...
- Podemos resolver isto agora. - Qhuinn anunciou - Blay e eu podemos ambos lhe oferecer nossas veias.
Dra. Jane anuiu. - É lógico pensar que, com o segundo bebê requerendo mais nutrição, suas necessidades calóricas e de sangue devem ser maiores do que tenha percebido.
Eu acho possível que você tenha extrapolado seus limites e isto acabou por te esgotar.
Layla sentiu-se totalmente entorpecida e teve de forçar um sorriso. - Eu tomarei mais cuidado. E obrigada. Eu realmente agradeço seus cuidados.
- De nada. - Dra. Jane deu ao pé de Layla um leve aperto por cima das cobertas leves. - Descanse. Você vai ficar ótima.
Quando a médica saiu, Layla pensou nos estranhos anseios sexuais que vinha sentindo ultimamente, além do relativamente súbito aumento de seus sintomas físicos.
Será que era pelo outro bebê...?
- Quer que eu traga algo mais confortável do que isto? - Qhuinn perguntou.
Ela forçou-se a voltar o foco. - Desculpe, mais confortável que...?
- Esta camisola de hospital.
Baixando os olhos, viu que não estava mais com suas roupas. - Oh, Bem. Na verdade, está um pouco mais frio aqui. Uma das minhas túnicas seria legal, mas não
quero que se encrenque.
- Sem problemas. Eu levo suas coisas de volta para seu quarto e pego uma camisola e uma túnica... Enquanto isto, Blay, você pode lhe dar sua veia?
Como resposta, o pulso do soldado apareceu bem à frente dela. - Tome o quanto precisar.
Naquele momento, ela teve uma vontade avassaladora de lhes contar. Confessar. Livrar-se do estresse do último ano, não importando as consequências.
Ela só queria se livrar do fardo terrível que carregava. Assustava.
Atormentava.
Sem dúvida aquilo poderia aumentar as chances de ela carregar melhor aqueles bebês... Menos estresse era bom para fêmeas grávidas, não era? E agora havia duas
vidas em risco, além da dela.
- Layla?
Ela engoliu em seco. Olhou para os dois ali em pé, próximos à cama, preocupados. Ela não queria trair a única família que tinha. Além disto, talvez se contasse
a eles sobre Xcor, eles pudessem... Tornar o local mais seguro. Ou...
Layla pigarreou e agarrou as cobertas na cama como se fosse um rolo compressor entrando em uma curva fechada. - Ouçam, eu preciso...
Quando ela não terminou. Qhuinn quebrou o silêncio - Você precisa se alimentar. É o que precisa fazer.
Como se suas presas tivessem ouvido, elas se alongaram em sua boca, e ela se tornou consciente do fato de que, sim, ela estava morrendo de vontade de se alimentar
de uma veia.
E não, ela não podia contar a eles. Só... Não era bom. Não havia uma boa solução para ela. Eles a odiariam por colocar arriscar sua vida e sua gravidez... E
enquanto isto, Xcor ainda saberia onde eles vivem, porque a Irmandade jamais largaria aquele lugar. Aquela era a casa deles e eles a defenderiam quando ele atacasse
depois que parasse de vê-lo.
Pessoas morreriam. Pessoas que ela amava.
Merda.
- Obrigada, - ela disse, roucamente, para Blay.
- Qualquer coisa por você, - ele respondeu, acariciando os cabelos dela para trás.
Ela tentou tomar o mais gentilmente que podia, mas Blay demonstrou nem ligar. Claro, quando ele e Qhuinn faziam amor, sem dúvida costumavam dar mordidas muito
mais violentas.
Assim que começou a sugar da fonte familiar, absorvendo a nutrição que seu corpo precisava e só obtinha através desta dádiva de um macho de sua espécie, Qhuinn
foi para onde suas roupas foram colocadas em uma cadeira no canto. Ao pegá-las, ele franziu o cenho e olhou para baixo. Então mexeu nas camadas de tecido como se
procurando alguma coisa.
Um momento depois, ela fingiu estar concentrada no que estava fazendo. Ela não tinha ideia do que ele encontrara ou porque estava olhando para ela daquele jeito.
Mas dado o modo como ela vinha vivendo, ela tinha muito que esconder.
- Quando deve ir?
Diante da pergunta de Trez, Selena se concentrou na tigela quente de mingau de aveia que ele havia acabado de fazer para ela. Como já passava muito do amanhecer,
toda a equipe de doggens já estava recolhida em seus aposentos, então ela e Trez estavam sozinhos na cozinha enorme, sentados lado a lado na mesa de carvalho.
- Selena. A que horas é sua consulta?
Ela devia ter ficado de boca fechada. Dois segundos antes, enquanto aproveitava aquela bela preparação de aveia Quaker, com acompanhamento farto de creme e açúcar
mascavo, os dois flutuavam no brilho do que fizeram no chuveiro, em paz e relaxados.
E agora?
Acabou-se, como diziam.
- Primeira hora da manhã.
Trez verificou o celular. - Está bem, está bem. É quase oito. Então se terminarmos rapidinho, conseguimos chegar a tempo.
- Eu não quero ir. - Ela podia senti-lo encarando. - Não quero. Não estou com muita pressa de voltar para lá.
- A Dra. Jane diz que temos de fazer radiografias de suas juntas para monitorar...
- Bem, eu não quero. - Ela colocou uma colher cheia na boca e não sentiu gosto algum. Era só textura. - Sinto muito, mas estou bem agora. Não quero descer e
ser cutucada e furada de novo.
A reticência dela era apoiada pelo fato de que agora estavam na parte boa, e ela não sabia quanto tempo ia durar. Já que nada poderia parar aquilo, por que eles
precisariam sequer se incomodar com...
- Significaria muito para mim se você fosse ver a Jane.
Ela olhou para cima. Trez olhava para as janelas atrás dela, mesmo que as persianas estivessem baixadas e não houvesse nada para ver.
Os olhos dele pareciam atormentados. Como se soubesse que ela não iria à clínica... E que não havia nada que ele pudesse fazer sobre isto.
- Sabe do que tenho mais medo? - Ela ouviu-se dizendo.
Os olhos dele se voltaram para ela - O que?
Ela revirou sua aveia. Provou novamente, o que somente registrou como algo quente. - Tenho medo de ficar presa.
- Como assim?
- Não quero ficar presa aqui, - ela disse, em voz baixa. Então indicou o peito, os braços, as coxas sob a mesa. - Em meu corpo. Tenho medo dos episódios. Estou
viva, sabe, trancada e... Quando acontece, é difícil ouvir e ver, mas, registro as coisas. Eu soube, quando você veio me buscar. Fez toda a diferença. Quando você
estava comigo, eu não me sentia... Mais tão presa.
Quando ele permaneceu em silêncio, ela voltou a olhar para ele. Ele estava olhando de novo para as janelas, que não mostravam nada do dia lá fora, nem se estava
nublado ou ensolarado, se estava chovendo, ou se havia um vento soprando as folhas outonais pelo gramado marrom.
- Trez? - Ela chamou.
- Desculpe, - ele voltou sua atenção. - Desculpe, me distraí por um momento.
Ele se virou na cadeira, apoiando os pés nos degraus sob o seu assento. Então pegou sua mão, a que não segurava a colher e abriu-a contra a própria palma.
- Você tem as mãos mais bonitas que já vi, - ele murmurou.
Ela riu. - Eu acho que está sendo tendencioso, mas, vou aceitar o elogio.
Ele franziu o cenho, as sobrancelhas se juntaram. - Eu posso imaginar como... - ele inalou longa e lentamente, - eu não consigo imaginar nada mais aterrorizante
no mundo do que estar trancado em um local do qual não seja possível escapar; e estar aprisionado no próprio corpo? É inconcebível. É de foder a cabeça de qualquer
um.
- Sim.
Houve um longo período de silêncio àquela altura, com ele sentado à frente de sua tigela, que esfriava, sem tocá-la, e ela brincando com a sua aveia, fazendo
pequenos símbolos "S" com a ponta da colher.
A discussão que estavam tendo ressoava no ar entre eles, o argumento dele de que "é-para-o-seu-próprio-bem" guerreava com o dela "não-até-eu-ser-absolutamente-obrigada".
Não havia razão real para dizer as palavras em voz alta. Ela não ia recuar. E aquilo significava que a única opção dele seria jogá-la em cima do ombro e dar uma
de homem das cavernas, arrastando-a até o Centro de Treinamento.
Finalmente, Selena não aguentou mais e teve de mudar de assunto.
- Às vezes me pergunto... - ela estremeceu, - digo, e se todo mundo estiver errado sobre a morte? E se não houver Fade, mas ao invés dele, a gente só ficar presa
no próprio corpo para sempre, consciente, mas incapaz de se mover?
Ótimo. Ela estava tentando aliviar o clima.
Bela. Tentativa.
- Bem, os corpos... - ele pigarreou, - Sabe... Apodrecem.
- Hmmm, tem razão.
- Embora, como pesadelo de pós vida para mim? Me preocupa um apocalipse zumbi. - Ele pegou a colher e começou a comer, ainda segurando a mão livre dela. - Seria
um saco. Você morre e então passa a vagar pela Terra, fedendo por todo canto, em uma dieta Atkins que, tipo, jamais terminaria.
Ela ergueu a colher para interrompê-lo. - Espere um minuto, veja, você só teria fome, certo? Se encontrasse pessoas para comer, então, a vida seria bem boa para
um zumbi.
- Não se a metade inferior de seu rosto caísse. Sem mandíbula, como se alimentaria? Então seria só fome e não poderia fazer nada para resolver. Um saco total.
- Canudos.
- O que?
- Bastariam canudos.
- Difícil passar um fêmur através de um canudo.
- E um processador. Canudos e processador. E está resolvido.
Com uma gargalhada ruidosa, Trez jogou a cabeça para trás e riu tanto, que foi sorte não acordar a mansão inteira.
- Oh, meu Deus, isso é tão insano. - Ele se inclinou e a beijou. - Tão fodidamente insano.
De repente ela sorria também... Tão forte que as bochechas doeram. - Totalmente insano. Deve ser por isto que chamam de humor negro?
- É. Especialmente se alguém levar a pior. - Trez ficou sério. - E, está bem, então não vá.
- O que? Levar a pior? Claro que não.
- Ver Jane. Se não quer ir, não vou te pressionar.
Selena exalou em um suspiro. - Obrigada. Eu realmente aprecio isto.
- Não precisa agradecer. Não é minha decisão. É sua. - Ele correu a colher pelo interior da tigela. - Acho que é importante que você tenha tanto poder de decisão
quanto possível em cada aspecto de sua vida, especialmente na doença e no modo como lidar com ela. Acho que você se sente como se não tivesse escolha sobre tanta
coisa... Destino... Que se abate sobre você, e isto torna as oportunidades de fazer escolhas especialmente importantes. - Ele olhou para ela, - eu posso ter a minha
opinião, e pode apostar seu traseiro que te direi qual é, mas, a última coisa que quero é pressioná-la. Você já tem problemas suficientes para resolver. Não vou
adicionar mais isto.
- Como você sabe... Deus, é como se soubesse exatamente o que estou pensando.
Ele deu de ombros e seus olhos assumiram um ar alheio. Então ele indicou a lateral da cabeça. - Só um chute. - Ele voltou a se focar nela. - Então, a questão
é, aonde você quer ir?
- Desculpe?
- Aonde quer ir? A clínica está fora de questão... Então o quê?
Selena sentou-se de volta na cadeira. Agora era ela olhando as janelas. - Eu gosto do Grande Acampamento do Rehvenge, se é isto o que quer dizer.
- Seja ousada. Pense grande. Vamos lá, deve haver algum lugar excitante. O Taj Mahal, Paris...
- Não podemos ir a Paris.
- Quem disse?
- Ahh...
- Nunca encontrei nenhum Ahhh, não o conheço, não me importo do quão grande ele seja... Se estiver em nosso caminho? Vou matar o filho da puta.
- Você é tão adorável. - Selena se inclinou e beijou-o na boca. Então tentou forçar seu cérebro a surgir com alguma coisa, qualquer coisa. - Que sorte a minha.
Finalmente consigo um passe livre... E não consigo pensar em nad... Oh! Já sei!
- Diga e realizarei.
- Eu quero ir ao Circle the World.
Trez se recostou também. - O restaurante?
- É. - Ela limpou a boca com um guardanapo. - Quero ir ao Circle the World para um jantar.
- É aquele que gira, no topo do...
- Do prédio mais alto de Caldwell! Eu vi na TV uma vez, enquanto fazia companhia à Layla em seu quarto. Dá para sentar perto da vidraça e olhar para a cidade
toda durante a refeição. - Ela franziu o cenho ao vê-lo engolir em seco, e não por ter engolido uma colher cheia de aveia, - você está bem?
- Oh, sim, absolutamente. - Trez anuiu e estufou o peito ao dar uma de machão para cima dela. - Eu acho que é uma grande ideia. Vamos pedir para Fritz fazer
a reserva para esta noite. Tenho um pouco de influência nesta cidade, então não vai ser um problema. E eles servem jantar até às nove e dez da noite.
Selena começou a sorrir, imaginando-se em uma das túnicas de Escolhida, os cabelos perfeitamente penteados, o corpo normal... E Trez do outro lado da mesa brilhante
que apareceu no comercial de TV, com o guardanapo tão branco, os pratos tão quadrados, a prataria brilhando a luz dos candelabros.
Perfeito.
Romântico.
E nada a ver com estar doente.
- Estou tão excitada. - Ela disse.
A próxima colherada de aveia que pôs na boca estava doce e cremosa e completavam o mais perfeito... Como os humanos chamavam? Desjejum?
Não fazia sentido. Mas, quem se importava.
- Então é um encontro, não é? - Ela percebeu. - Louvada seja a Virgem Escriba, eu tenho um encontro!
Trez riu, o som foi um estrondo em seu peito largo. - Pode acreditar que sim. E vou te tratar como uma rainha. Minha rainha.
Quando ambos voltaram a comer com vontade, ela pensou, uau, que cenário emocional estranho aquilo tudo era, vales profundos de desespero, seguidos por vastas
paisagens, tão emocionalmente puras e belas, que ela sentiu-se honrada por tê-las. Era quase como se sua vida, com o tempo limitado que restava, tivesse sido amarrada
como uma faixa de tecido, que poderia ser suave e normal, mas agora ondulava com grande ressonância.
Ela teria preferido o luxo de séculos. Mas, neste momento, agora, se sentia tão profundamente viva. De um jeito que não podia afirmar jamais ter sentido antes.
- Obrigada. - Disse ela, abruptamente.
- Pelo quê?
Ela baixou os olhos para seu prato de aveia, sentindo o rosto enrubescer. - Por esta noite. É a melhor noite que já tive.
- Você não viu nada, minha rainha.
- Ainda assim, é a melhor noite, - ela olhou dentro dos olhos escuros dele, - de minha vida inteira.
Capítulo VINTE E OITO
iAm acordou ao cheirar a sopa, e assim que seu cérebro se acendeu novamente, não houve nenhuma besteira do tipo "Será que isso é um sonho?" rolando com ele.
Apesar do fato de que esteve apagado por causa de uma concussão, nem um segundo do que levou ao seu desembarque nesta cela no palácio da Rainha foi perdido por ele:
Não a troca rápida de roupa na frente da quase réplica de Abraão Lincoln, nem a entrada pelos fundos do Território, nem o golpe na cabeça que se seguiu ao seu breve
caminhar de um lado para o outro antes disso.
A sopa, entretanto, foi uma surpresa. Era algo que se lembrava de sua infância, uma mistura de abóbora e nata, especiarias e arroz.
E havia outro perfume na cela. O mesmo que encheu seu nariz quando aquele sacerdote tinha vindo para checar suas marcações.
Abrindo os olhos, ele...
Recuou.
Uma maichen, ou seja, uma criada, estava de joelhos diante dele, seu corpo e cabeça envoltos no pálido azul que correspondia à sua função, o rosto coberto por
uma máscara de malha que mostrava absolutamente nada de seus olhos ou características. Nas mãos dela havia uma fina bandeja de madeira que continha a tigela, uma
colher, uma jarra e um copo, assim como também um grande pedaço de pão.
Nenhum sacerdote. Ninguém mais estava com eles.
Ele inalou mais uma vez; então percebeu que a fêmea deve ter entrado com o oficial da corte antes e ele apenas não tinha percebido.
Ele se ergueu do chão. E foi então que percebeu que estava nu.
Que seja. Ele não quis fazer a maichen sentir-se desconfortável, mas se ela não gostasse da vista, podia partir.
Não que ela estivesse olhando para ele. Sua cabeça estava abaixada em submissão, como ela havia sido treinada.
S'Ex aparentemente estava disposto a dispensar algum cuidado a ele enquanto estivesse na prisão; ou pelo menos a mantê-lo vivo por enquanto. E por um momento
ele teve pena desta pobre fêmea cuja posição social era tão baixa que ela era enviada, sozinha, para machos potencialmente perigosos sem nenhuma consideração para
com sua segurança ou seu sexo.
Mas, então, na hierarquia das coisas, ela era considerada como sendo algo essencialmente sem valor.
Triste. Mas ele tinha outros problemas com que se preocupar.
Sem dar atenção à maichen ou à sua situação de estar como veio ao mundo, ele se levantou e caminhou até o biombo no canto mais distante. As instalações de água
ficavam atrás disso e ele fez uso delas, recebendo outro lembrete de que não estava mais no Kansas.
Quando se curvou sobre uma pia como as usadas pela plebe para lavar o rosto, ele teve apenas uma única manopla para ligar a torneira em vez de uma separada para
quente e outra para frio.
Não era por ele ser um prisioneiro: Tudo isso de esperar-ter-água-quente estava entre as coisas com as quais ele teve de se acostumar fora do Território. Os
humanos insistiam em alternar uma mistura de opostos para ter uma temperatura perfeita. Aqui no s'Hisbe? Toda água estava a 36 graus. De água para beber, à água
para escovar os dentes, era uma única constante, nem quente nem frio.
Salpicando o rosto, ele pegou a toalha preta que estava em um suporte de parede e secou-se. Macia. Tão macia. Nada como as dos humanos, e ele era apenas um prisioneiro.
Ele recolocou o tecido úmido no suporte por hábito e caminhou para fora do biombo.
- Diga a s'Ex que eu quero vê-lo.
Prisioneiros normalmente não se davam ao luxo de fazer pedidos, mas ele não se importava. Ele também se recusava a falar no Idioma Antigo ou no dialeto dos Sombras.
Devido a predominância da cultura humana, o inglês era ensinado nas escolas dos Sombras, e era esperado que até mesmo os criados tivessem algum conhecimento rudimentar
da língua.
- E eu não vou comer isso. - Ele acenou com a cabeça para a bandeja. - Então você pode levá-la.
Só Deus sabia o que havia nessa merda, se seria uma droga ou algum tipo de veneno. Ele estava muito confiante de que seu tratamento ali não continuaria sendo
tão bondoso. Eles iriam, muito provavelmente, puxar seus braços e pernas para fora de seus soquetes em algum momento; embora não até que eles notificassem Trez acerca
de seu cativeiro.
Merda. Ele nunca devia ter confiado...
A maichen colocou a bandeja no chão. Então estendeu a mão, pegou a colher, mergulhou-a na sopa e ergueu. Com a mão livre ela levantou a malha o suficiente para
expor sua boca e provar a comida. Então ela fez o mesmo com o pão e a sidra de maçã fermentada que estava na jarra.
Permitindo que a malha voltasse para o lugar, ela sentou-se de novo sobre as solas dos chinelos de couro em seus pés.
Infelizmente o gesto não fez nada para diminuir as suspeitas dele. maichens estavam tão abaixo na cadeia alimentar que até mesmo a própria palavra recebia pouco
respeito no começo das frases. Que ela pudesse ser envenenada ou comprometida? Ninguém se importaria.
O estômago dele, porém, ficou seriamente encorajado quando ela continuou a respirar.
Antes que pudesse se conter, ele foi até ela e a bandeja. maichen não olhou para cima, mas, então, ela o temia; por uma boa razão.
O cheiro de seu medo se misturava muito bem com aquela sopa picante.
Assim como o cheiro da pele dela.
Inalando pelo nariz, ele sentiu outro choque atravessar seu sistema, seus músculos se contraindo; assim como seu pênis.
O que não fazia nenhum sentido. Ali estava ele, enfiado na merda até o queixo, e seu sexo decidiu se interessar? Sério isso?
Não era à toa que chamavam essa coisa de "alavanca estúpida".
Em pé erguendo-se sobre ela, ele pôs as mãos nos quadris e ficou atento à sinais de que ela fosse ter um treco. Quando ela continuou na vertical, ele esperou
mais um pouco. Ela estava tremendo, mas, tinha estado desde que ele se levantou.
iAm ajoelhou-se no chão de pedra dura, espelhando a pose dela. Quase imediatamente os joelhos dele começaram a doer; outro lembrete de quanto tempo fazia desde
que ele esteve em contato com seu povo. Tal maneira de se sentar era uma trivialidade aqui no Território.
Conveniente se você estava com a bunda de fora, também. Não te deixava completamente exposto.
Ele comeu rápido, mas não descuidadamente, e foi uma boa pedida. Seu cérebro precisava das calorias; seu corpo também, se ele estivesse indo forçar sua saída
dali.
Esse era o plano.
- S 'Ex. - Ele exigiu quando terminou. - Vá buscá-lo.
Com isso, ele empurrou a bandeja em direção à fêmea. Como era costume, ela se curvou adiante em reverência, sua fronte coberta quase terminando na tigela branca
vazia.
Ela levantou a bandeja, endireitando o torso, e graciosamente ficou em pé sem cambalear ou deixar cair qualquer coisa. Saindo da cela, ela acionou a porta colocando
a sola de seu sapato contra uma seção da parede. Um momento depois, porque a saída era claramente monitorada, alguém abriu a coisa remotamente; ou isso, ou a saída
era de alguma forma acionada com pisadas.
E ela foi para fora.
Enquanto o painel se fechava com um som estilo Star Trek, ele sabia que teria sido inútil dominá-la e tentar usá-la como moeda de troca. S'Ex e seus guardas
estariam mais propensos a negociar para salvar um cão.
Andando de um lado para o outro, ele lembrou-se de seu irmão ao lado de Selena enquanto ela jazia naquela mesa de exame, sob aquela luz intensa, o corpo dela
todo contorcido e uma expressão congelada no rosto.
Deus, ele nunca deveria ter feito isso. Fale sobre uma situação em que todos perdiam: Trez iria querer vir para tirá-lo dali, mas deixar aquela fêmea quando
ela estava doente iria matá-lo.
Nada como jogar gasolina no fogo. Junto com mais ou menos uma tonelada de dinamite.
Trez quis dizer cada palavra que disse sobre Selena e a liberdade dela de escolha.
À medida que atravessava a passos largos o túnel subterrâneo rumo à clínica do Centro de Treinamento ele estava cem por cento certo de uma, e apenas uma, coisa;
bem, de duas, mas o fato de que estava apaixonado por ela era o básico. A outra coisa ele sabia com certeza que era Selena, e apenas Selena, quem decidiria como
sua condição seria administrada, e se alguém tentasse forçá-la a qualquer coisa? Ele estava indo atirá-los para longe como você apenas leu.
Mas isso não queria dizer que ele não estaria indo falar com a Dra. Jane.
Sobre sua rainha.
Deus, esse apelido para Selena era tão engraçado. No momento em que ele tinha saído de sua boca, algo tinha clicado. Como se seu vocabulário tivesse se acasalado
com essa palavra assim como seu corpo acasalou-se com o dela.
E ela seria a única rainha para ele. Não importando o que acontecesse com eles, ou onde ele terminasse, ela seria sua fêmea regente, e nenhuma outra suplantaria
o lugar dela em seu coração, seu respeito ou na expressão vocal daquela palavra.
Arrastando a palma pelo rosto, ele forçou seus pés a continuarem em um ritmo de caminhada, embora uma grande parte dele quisesse correr a toda velocidade para
a clínica. Não havia pressa, porém, pelo menos no que concernia à sua fêmea. Selena estava lá em cima no quarto dele, nua na banheira, mergulhando seu lindo corpo
em água morna e perfumada.
Ela não estava completamente livre da dor. Ela escondia a rigidez persistente e desconforto bem, mas os indicadores estavam nos estremecimentos sutis de sua
face e na forma espasmódica como ela movia as mãos e braços. O banho e algumas aspirinas leves iriam ajudar, entretanto. E quando tivesse tido um bom e longo banho,
ela iria para a cama dele para um descanso antes do "encontro" deles.
A alegria dela diante da perspectiva de seu jantar a dois era contagiante. Ele literalmente sentia o calor dentro de seus ossos, como se a felicidade dela possuísse
uma magia cinética que, através de seu acasalamento, estendia-se para dentro de sua própria carne. Inferno, tudo que ele tinha de fazer era pensar sobre ela à mesa
do café da manhã, sorrindo por sobre suas tigelas de mingau de aveia, ou pensar sobre o som de sua voz ficando excitada quando eles estavam... E ele ficava sublimemente
em paz.
Nunca houve nada perto disso para ele. Nem mesmo o amor e compromisso que ele tinha para com seu irmão chegava perto do sentimento.
De uma forma doentia, ele supunha que a doença dela tinha sido algo bom para Selena e ele. Trez não podia conceber como teriam cortado o papo furado entre eles
tão eficazmente ou totalmente sem isso...
Isso foi um inferno de um perde-e-ganha, no entanto.
Quando chegou ao ponto de acesso ao Centro de Treinamento, ele digitou os códigos adequados, então passou pelo almoxarifado e pelo escritório de Tohr. O Irmão
não estava atrás da escrivaninha, o que era uma boa coisa, e não uma surpresa. Era por volta de cinco da tarde, e Tohr estava, sem dúvidas, acordando em seu leito
de acasalado com sua Autumn, prestes a preparar-se para a noite que vinha adiante.
O que tinha sido uma surpresa foi que a Dra. Jane estivesse disposta a vê-lo nesse horário estranho do dia. Com as horas ela tinha estado trabalhando ultimamente
entre as lesões e enfermidade do irmão de Qhuinn, parecia que ela, Manny e Ehlena tinham estado de plantão constantemente.
Isso fez com que ele a respeitasse muito.
Passando pela porta de vidro. Descendo pelo corredor principal de concreto. Várias portas adiante à esquerda.
Entrando na sala de exames, ele...
- Oh, merda!
Saltando de volta para o corredor, ele levou a dobra de seu cotovelo até os olhos e rezou para que aquilo que tinha acabado de ver não tivesse sido queimado
permanente em suas retinas.
Havia algumas coisas que você não precisava saber acerca das pessoas com quem você vivia, não importa quanto você os amasse.
Uma fração de segundo mais tarde, V abriu a porta, e o ziiiiiiiiip! de quando ele fechou a frente de seus couros foi alto.
- Ela verá você agora. - Ele disse com total naturalidade.
Como se dois segundos atrás ele não tivesse estado batendo a sempre amada merda para fora de sua shellan enquanto ela sentava-se em sua mesa.
- Eu posso voltar depois? - Trez perguntou.
- Que nada, ela está pronta. Selena está bem?
- Eu, ah... Sim. Ela está se movendo, está... Bem, eu estou levando-a para sair hoje à noite.
V puxou um cigarro enrolado à mão. - Não brinca. Para onde?
Em todas as suas ruminações, Trez tinha estado cuidadosamente evitando pensar precisamente sobre seu lugar de destino. A ideia de sair em um encontro era ótima,
a comida seria de abalar... Havia apenas um problema com que ele teria que absorver e lidar.
- Aquele restaurante. - Ele apontou para o teto. - Você sabe, no centro da cidade, que, tipo, fica girando em círculos?
- Oh, sim. Bem lá em cima. - O Irmão exalou. - Uma vista dos diabos.
Uh-huh. Cinquenta-mais histórias. Ele tinha navegado no site para descobrir exatamente o quão ruim era. - Sim. Uma vista dos diabos.
- Deixe-me sabe se há alguma coisa que eu possa fazer. Por qualquer um de vocês.
V deu nele um tapinha no ombro e começou a se afastar a passos largos.
- Vishous.
O Irmão parou, mas não se virou. E à luz acima da cabeça dele, o tendril de fumaça de seu fumo enrolado à mão formava um elegante redemoinho no ar.
- Quanto tempo eu ainda tenho com ela?
O Irmão girou a cabeça, então seu poderoso perfil de cavanhaque foi cortado por um pálido filete daquela luz, e as tatuagens em sua têmpora pareceram mais sinistras
do que o habitual.
- Quanto? - Trez repetiu. - Eu sei que você viu isso.
Houve um silvar sutil quando o Irmão inalou, a ponta do seu cigarro ardendo em um vívido laranja. - O que eu recebo não é tão específico. Desculpe.
- Você está mentindo.
Aquela sobrancelha escura ergueu-se. - Vou te perdoar pela ofensa. Uma vez.
Com isso, o macho voltou a se afastar a passos largos, aqueles ombros volumosos deslocando-se no ritmo dos quadris, e seu corpo de guerreiro não era exatamente
o tipo de coisa que alguém, mesmo alguém do tamanho de Trez e com suas habilidades de Sombra, enfrentaria voluntariamente.
Especialmente com aquela mão incandescente dele.
Mas não haveria uma rixa entre eles. Não sobre esse assunto, pelo menos.
Os dois sabiam que ele mentia.
V era o Irmão com a inteligência, as visões místicas, aquele nascido diretamente do corpo da Virgem Escriba. Ele também era incapaz de sacanear alguém pelo motivo
que fosse. Isso só não fazia parte de sua fiação interna; aquele cérebro incrível dele estava muito ocupado para se importar se tinha ofendido ou não, ou se sua
postura foi ou não apropriada, ou se ele tinha expressado as coisas de um jeito agradável para seu requerente.
Assim sendo, quando ele tinha se recusado a se virar? Quando tudo que ele fez foi mostrar seu perfil?
Ele tinha respondido a pergunta bem o bastante.
Vishous nunca iria, jamais voluntariamente magoar ou ferir um macho que ele respeitava. Isso estava ainda mais arraigado nele do que a coisa do eu-não-minto.
E sim, Trez tinha ouvido falar que normalmente não havia uma cronologia nas visões de V sobre morte; mas, claramente, era diferente nesse caso.
Talvez porque o que tinha sido visto era menos sobre a morte da Escolhida, e mais sobre que acontecia com Trez após isso.
Existem duas fêmeas. E em ambos os casos, você está correndo contra o tempo.
- ... Trez? - A Dra. Jane disse, como se ela estivesse tentado chamar a atenção dele. - Você está pronto para falar comigo?
Não, ele pensou, enquanto V desaparecia através das portas de vidro do escritório. Ele não estava.

 

 

CONTINUA