Criar uma Loja Virtual Grátis
Translate to English Translate to Spanish Translate to French Translate to German Translate to Italian Translate to Russian Translate to Chinese Translate to Japanese

  

 

Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


OS SOMBRAS
OS SOMBRAS

 

 

 

                                                            Irmandade da "Adaga Negra"                                                                 

 

 

 

 

Capítulo QUINZE
- Não, eu cuido dela, obrigado.
Enquanto Trez falava, ele lançou um sorriso para Ehlena porque não queria que a enfermeira se ofendesse quando a enxotou. Mas, a verdade era que ele estava mais
do que pronto para ser a pessoa que conseguiria tirar Selena da sala de exame. Longe do Centro de Treinamento. Para... Algum lugar, qualquer outro lugar.
Embora isso não aconteceria. Apenas duas horas atrás ela perdera os sinais vitais, sendo atingida por dois bilhões de joules de carga elétrica na região peitoral,
e então, de alguma forma conseguiu voltar da beira do precipício graças a ele arrancando uma respiração viva de sua alma.
Oh, você sabe, apenas outro dia na vida.
Ou era noite?
Quem diabos saberia.
- Você está pronta? - Perguntou para Selena.
Parecia como algo saído do paraíso que ela realmente olhou em seus olhos e assentiu. Nunca teria adivinhado que a reconexão era possível, ou o fato que o corpo
dela realmente se curvou, como se supunha, entre os agarres que ele colocou debaixo dos joelhos e ombros dela.
- Eu serei... Gentil. - No momento em que sua voz falhou, quis chutar seu próprio rabo. - Delicado e devagar.
Ela assentiu com a cabeça novamente, e então ofegou quando ele a ergueu da maca de exame e a moveu para fora de debaixo do multi foco claro que tinha sido puxado,
perto do seu corpo.
- Em qual direção? - Ele perguntou novamente, embora já tivesse sido informado duas vezes.
Ehlena, quem estava a cargo de segurar a bolsa IV, liderou o caminho para uma porta. - Aqui.
No lado mais distante, o quarto de recuperação não era nada do que ele queria para sua fêmea. A cama era de hospital com grandes grades em ambos os lados, os
cobertores finos, e os lençóis lisos e brancos. Havia um suporte de soro instalado para pendurar a bolsa e uma grande quantidade de equipamentos de monitoração.
Os travesseiros pareciam ásperos.
Então, novamente, ele poderia estar deitando-a em um colchão de penas feito à mão e até mesmo isso teria sido inadequado.
Selena estremeceu quando ele a colocou na cama com cuidado. E então, quando tentou puxar as cobertas debaixo dela, ela fechou os olhos e sacudiu a cabeça.
- Um minuto? - Ela gemeu, como se tudo a machucasse.
- Sim. Claro. Com certeza.
Eeeeeeeeeeeee agora ele não tinha nada para fazer. Olhando em volta, avistou uma cadeira e percebeu que se ao menos sua bunda estivesse nisso, não estaria encurralando-a.
Quando se sentou, e Ehlena deixou-os com qualquer paz insignificante que pudessem encontrar, ele pensou, merda, Selena estava tão quieta. Mas, pelo menos suas
articulações estavam em ângulos seminormais, e estava respirando sozinha. E estava consciente.
Ainda estava muito pálida, entretanto. Quase como a cor dos lençóis. E embora seu cabelo tenha sido penteado, tinha nós nos comprimentos escuros.
- Me... Desculpe...
- O que? - Ele se levantou. - O que você disse?
- Desculpe...
- Sobre o que? Jesus, tipo, você se voluntariou para isso?
Quando ela começou a chorar, ele abandonou a cadeira e foi cuidadosamente até a cama, ficando de joelhos ao lado dela. Estendendo a mão, ele colocou a grade
para baixo e pegou a mão mais próxima dele.
- Selena, não chore. - Havia uma caixa de Kleenex na mesinha ao lado da cama e a agarrou, podendo assim, tirar um lenço e secar suas bochechas. - Oh, não, não
se desculpe. Você não pode se desculpar por algo como isso.
Sua inspiração era irregular. - Não queria que você soubesse. Eu não quis... Te preocupar.
- Eu queria que tivesse me dito.
- Nada pode ser feito.
Certo, aquilo não era uma faca bem entre suas malditas costelas. - Não sabemos disso. Manny vai conversar com alguns dos seus colegas humanos. Talvez...
- Eu amo você.
Conforme as palavras dela o atingiram como um bofetão de uma palma aberta, Trez tossiu, engasgou, estalou, e arquejou, ao mesmo tempo. Grande resposta. Apenas
realmente fodidamente masculino, lembrando-o, absurdamente, daquele sintetizador em Ferris Bueller quando o merdinha estava no telefone com seus colegas de classe.
Qual era o seu maldito problema? A fêmea por quem estava apaixonado, aquela que queria acima de tudo no mundo, lançou as Três Grandes Palavras nele... E ele
se transformou em uma função corporal gigante.
Tão romântico.
Então, novamente, pelo menos ele não se borrou em seu jeans Levi's.
- Eu... - ele gaguejou.
Antes que pudesse ir mais distante, ela apertou a mão dele e balançou a cabeça para trás e para frente no travesseiro. - Não precisa me dizer de volta. Quis
que você soubesse. Importante... Você saber. Não há tempo...
- Não diga isso. - Sua voz aumentou estridente. - Eu preciso que você nunca diga isso. Há tempo. Sempre há tempo...
- Não.
Deus, seus pálidos olhos azuis estavam remotos quando ela olhou-o fixamente. Até mesmo seu rosto perfeitamente sem marcas, com sua beleza brilhando apesar de
sua condição, aquele olhar fixo exausto a fez parecer idosa.
Era tão injusto. Ela naquela cama, ele ajoelhado em boa forma e saudável ao lado dela, sem nenhuma forma real para compartilhar a saúde que tinha em abundância.
Claro, quando ela teve uma parada cardíaca, ele pôde trazê-la de volta, mas ele não queria só arrastá-la para longe do limite. Queria curá-la.
Ele queria... Anos com ela.
E ainda, da mesma maneira que o pensamento o bateu, ele percebeu que nunca iria acontecer: Mesmo que o destino dela mudasse, o dele não mudaria.
- Amo você... - ela respirou.
Por um momento, sentiu que ele mesmo atingiu seu próprio limite, seu coração e alma trêmulos, à beira de cair em suas palavras, seus olhos, seu tudo que a fazia
feminina e misteriosa e maravilhosa... Mas, então, ele se lembrou de que ela quase morrera, estava meio acordada na melhor das hipóteses, e provavelmente não tinha
nenhuma ideia sobre o que estava dizendo.
E mais, Dra. Jane anunciou que ele salvara a vida dela. Que pode ou não ter sido verdade, mas, dado o drama, gratidão podia fazer alguém sentir algo que normalmente
não sentiria.
Ou talvez atiçar as chamas de afeto em uma emoção temporária que era muito mais forte.
- Não precisa me dizer de volta, - ela murmurou. - Precisava que soubesse.
- Selena, eu...
Ela levantou sua outra mão, a palma para cima. - Não precisa dizer mais nada.
Havia um silêncio ressonante, mas só no quarto. Em sua cúpula de cromo? Seu cérebro era fios vivos estáticos, todos os tipos de pensamentos e imagens tomando
sua consciência como se sua massa cinzenta tivesse se tornado um macaco e estava lançando cocô por toda parte de sua gaiola.
Focando novamente nela, disse a si mesmo que se controlasse e tentasse ajudá-la.
- Gostaria de se alimentar? - Ele levantou sua mão livre, cintilando seu pulso. - Por favor?
Quando ela assentiu foi um alívio total, e ele cortou sua carne com suas presas antes de se esticar, levando sua veia para a boca dela. A princípio ela mal sorveu,
tomando pouco, porém engolindo. Com um tempo, entretanto, ela começou a tomar algum controle, chupando nele, extraindo o que ele tinha para dar, profundamente dentro
dela.
Ele ficou duro.
Não podia evitar. Contudo, não era como tivesse algum apetite sexual. Estava muito distraído se preocupando com ela, perguntando-se se, a qualquer segundo, seu
corpo iria falhar novamente.
Estável, Dra. Jane dissera a eles. Ela estava tão estável quanto alguém poderia estar cento e vinte minutos depois de um colapso molecular total. Mas, pelo menos,
o segundo conjunto de radiografias tinha sido nada menos que milagroso. Considerando que nos primeiros existiam todos os tipos de osso no que deveriam ter sido as
partes móveis de suas articulações. Agora, de acordo com ambos os médicos, Jane e Manny, as coisas estavam mais "anatomicamente apropriadas".
Ninguém sabia para onde fora o material ruim. Ou por que se foi. Ou quando voltaria. O que eles com certeza sabiam, era que onde uma vez não existira nenhum
movimento, agora existia.
Depois de um tempo considerável, os lábios de Selena relaxaram e suas pálpebras se abaixaram. Recolhendo seu braço, ele lambeu o ferimento perfurado, depois
descansou seu antebraço no colchão e pôs seu queixo sobre ele.
- Como você me achou? - Ela perguntou com uma voz sonolenta. - Eu caí quando estava em cima do Santuário...
- Alguém apareceu e me disse.
- Quem...?
A Virgem Escriba, ele pensou para si mesmo enquanto ela soltava um ronco suave.
- Selena?
- Sim? - Ela tentou despertar, erguendo a cabeça e forçando os olhos se abrirem. - Sim...?
- Quero que saiba algo.
- Por favor.
- Não importe o que aconteça, não vou deixar você. Se me quiser ao redor, não importa... Onde seja, vou estar bem ao seu lado. Se você quiser que eu esteja,
é claro.
O olhar fixo dela vagou ao redor do seu rosto. - Você não sabe o que está me dizendo...
- O inferno que não sei.
- Vou morrer.
- Eu também. Mas, não sei quando e nem você.
Seus olhos luminosos arderam com uma emoção complicada. - Trez. Eu vi minhas irmãs passarem por isso. Sei o que...
- Uma merda que você sabe. Com todo devido respeito.
Ele levantou e foi até a base da cama. Puxando os lençóis e cobertores entre os colchões, ele olhou para baixo em seus pés.
- O que está fazendo?
Com uma mão gentil, ele inclinou um de seus tornozelos para cima, podendo assim olhar para a sola. - Não.
- Desculpe?
- Não vejo qualquer data de vencimento impressa aqui. - Fez o mesmo com o outro pé. - Nem aqui.
Ele abaixou as cobertas de volta. Aconchegou-as. Olhou fixamente para o corpo dela, e tentou deixar escapar o fato de que a mesma carne que desejou, potencialmente
poderia ser o que os separaria para sempre.
Exceto, então, ele se lembrou das notícias que iAm acabara de lhe dar no corredor.
Merda, não era como se não tivesse seu próprio conjunto de obstáculos na estrada.
- Eu não deixarei você, - ele jurou.
- Não quis te contar sobre tudo isso. - Os olhos dela se encheram d'água, as lágrimas transformando aquelas íris azuis em pedras preciosas. - Não quis que soubesse
e sentisse pena de mim.
- Não sinto pena de você.
- Não faça isso consigo mesmo, Trez. Só... Só saiba que eu amo você e me deixe ir.
Ele voltou até ela. - Posso ter sua mão?
Quando ela se virou rigidamente na cama e estendeu o braço, ele pegou a palma e a colocou entre suas pernas, no cume duro como pedra que estava empurrando para
fora em sua braguilha. O contato o fez silvar, suas presas descendo com pressa, o quadril ondulando.
- Isso parece como piedade para você? - Falou entredentes.
Porra, ele tinha de recuar. Apenas estimulara esse movimento bruto só para provar um ponto, mas ao invés, ele se encontrou pronto para gozar, seu corpo todo
de zero-a-cem em um nano segundo.
- Trez...
- Não estou dizendo que temos que ficar sexuais. De jeito nenhum. Mas, não estou aqui porque sinto pena de você, certo?
- Não posso pedir para você ficar.
- Você não está. Eu escolhi isso. Escolho... Você.
Assim que ele disse as palavras, percebeu, puta merda, isso era verdade. Pela primeira vez em sua vida, sentiu como se estivesse escolhendo algo, e de um modo
estranho, isso era bom. Mesmo que isso fosse triste, uma situação triste, sentiu se liberar para tudo, isso é meu.
Essa... Situação... Era algo que ele iria tomar posse por quanto tempo durasse, onde quer que os levem.
Supondo que Selena o quisesse aqui.
No silêncio que se seguiu, ele olhou em volta nas paredes vazias e soube que tinha de levá-la para fora do quarto do hospital. Claro, o lugar estava perto da
equipe médica se ela tivesse um problema, mas era um inferno sobre o humor, um trecho deprimente de Plantão Médico.
Trez concentrou-se nela novamente. - Qualquer coisa que precisar, estou aqui por você, certo? Se me quiser.
Após um momento, ela resmungou, - Eu quero você.
- Certo, então. - Ele exalou apressadamente, e depois levantou o dedo indicador. - Uma coisa. Sem data de vencimento, fechado? Vamos entrar nisto como se você
fosse viver para sempre.
A expressão dela mudou para descrença, mas, ele apenas balançou a cabeça. - Não. Essa é minha única regra.
Ele não era estúpido. Escutara o que as outras Escolhidas disseram, olhou as radiografias, vigiou as formas do seu corpo. Teve uma convicção interna de que a
perderia, e provavelmente, mais cedo do que mais tarde. Mas o presente que ele podia dar a ela? A coisa mais importante, inferno, talvez a única coisa, que podia
trazer para isso?
Esperança.
E ele não teve de acreditar que ela iria ser curada para sentir isso, compartilhar, ou viver isso.
Esteja presente. Ame-a até o fim. Nunca deixe seu lado até a última respiração dela.
Assim era como iria honrá-la, com seu coração e sua alma, mesmo que ele não fosse digno.
- Sem data de vencimento, - ele disse. - Vamos viver cada noite como se tivéssemos mil delas adiante.
Selena piscou para longe outra rodada de lágrimas. Em tantos níveis, ela não podia acreditar que Trez estava em pé perto de sua cama no hospital, encarando sua
alma com uma espécie de objetivo que sugeria que sua vontade por si só poderia mantê-la viva e saudável durante todo o tempo que ele quisesse.
- Eu não acho que temos mil noites, Trez, - ela disse.
- Você sabe disso? Com certeza?
- Não, mas...
- Então por que desperdiçar um momento do tempo que realmente temos pensando assim? O que vamos conseguir? Seriamente, como isso irá ajudar...
- Você se juntará na cama comigo?
Ele limpou garganta. - Tem certeza?
- Sim. Por favor.
Ela admirou o quão suavemente ele se moveu, subiu no colchão alto, deslocando-se ao redor, ajudando-a a dar espaço para ele. E como se lesse sua mente, ele a
arrumou em seus braços de forma que ela estava ao seu lado e sua cabeça em seu peito.
Suspiro. Irregular.
De ambos.
- Estou aliviada, - ela se ouviu dizer. - Quis que soubesse, mas...
- Shh. Você precisa dormir.
- Sim.
Fechando seus olhos, ela podia senti-lo em uma dimensão diferente agora, o sangue dele fazendo seu caminho através do sistema dela, fortalecendo-a depois do
episódio. Em sua mente, ela calculou exatamente quando aconteceu o congelamento pela última vez. Treze noites. E antes dessa? Dezesseis.
Mas, talvez, se não estava oferecendo sua veia para ninguém, teria até mais um adiamento. E talvez a força que ele acabara de lhe dar através do seu sangue,
iria ajudá-la a lutar contra quaisquer episódios, também.
- Eu me afastei, - ela disse, - por causa de tudo isso. Não por causa de você. Não me importo com seu passado. Só quero que saiba isso.
Trez começou a esfregar as costas dela, sua palma grande circulando. - Shh. Apenas tente descansar.
Selena ergueu a cabeça. - Você precisa me deixar dizer isto. Precisa ouvir e acreditar. Sei que você recuou porque pensou que eu... Te julguei ou algo assim.
Mas, me afastei por causa de tudo isso, não porque você esteve com muitos... Humanos. E nem por causa do seu noivado.
Ele fechou os olhos em um estremecimento. Então sacudiu a cabeça. - Eu preciso ser honesto com você. A última coisa que quero pensar justamente agora é...
- Eu não acho que você é sujo, Trez.
- Por favor. Pare.
Ela tomou sua mão e apertou, tentando chegar até ele, sentindo uma pressão para dizer tudo de uma vez, colocar tudo em cima da mesa. Sua teoria sobre as mil
noites era boa para fins de saúde mental, e ele chegara à mesma conclusão que ela: Não tinha uma data e um tempo marcado nela. Mas, vivera nesta realidade desde
o primeiro episódio muitas décadas atrás, e sua trajetória por sobrevivência era a de um carro saindo da estrada e deslizando em direção a uma vala.
Não existia vida passando por isso.
- Tenho de desabafar, Trez. Esperei muito tempo para conversar com você. Eu não perderei minha chance.
Vagamente, ela reconheceu que estava falando com mais ênfase, sentindo-se mais como ela mesma, se recuperando ainda mais graças ao presente da veia dele.
- Você é um macho digno, e acho que me apaixonei por você a primeira...
Trez explodiu para fora da cama, e por uma fração de segundo, pensou que continuaria indo, desatando porta afora e para longe dela e de sua enfermidade idiota.
E por um momento, ele pausou na frente da saída.
Porém, depois ele apenas começou a andar em torno do quarto.
- Por que é tão difícil aceitar isso? - Ela pensou em voz alta. - Que você é um macho bom. Que você vale a pena...
- Selena, você não sabe o que está falando.
- Você está rondando ao redor desse quarto como se estivesse sendo caçado. Então tenho bastante certeza que estou no caminho certo.
Ele parou e agitou a cabeça. - Olhe, isso é sobre você. Isso... - Ele acenou com a mão para frente e para trás entre eles, - é tudo sobre você. Estou aqui por
você e suas necessidades, quaisquer que sejam. Vamos me manter fora disso, certo?
Selena se empurrou mais para cima no travesseiro. A tensão em seus cotovelos e ombros a fez friccionar os dentes, e precisou recuperar o fôlego enquanto a dor
tomava seu tempo suave em desaparecer.
Mas, era melhor do que ser congelada duramente.
Quando os olhos dele se estreitaram com preocupação, ela disse, - Não, eu não preciso da Dra. Jane. Sério.
Enquanto ele esfregou o rosto, ela devidamente olhou-o pela primeira vez. Ele perdera algum peso ultimamente, suas bochechas se esvaziaram de modo que sua mandíbula
parecia ainda mais pronunciada, seus olhos mais fundos, seus lábios mais cheios. E, ainda assim, ele permaneceu um enorme macho de sua espécie, seus ombros três
vezes o tamanho dos dela, o peito e abdômen esculpidos com poder, cordas de músculos desciam por seus braços e pernas.
Ele era bonito. De sua pele escura até seus olhos pretos, do topo de sua cabeça raspada, até as solas dos seus pés calçados com botas.
- Você é tão digno, - ela murmurou. - E vai ter de aceitar isso.
- Oh, sério, - respondeu ironicamente. - Não estou tão certo sobre...
- Pare com isso.
Trez a olhou fixamente e então franziu a testa. - Sabe, não estou certo por que você continua com isso. Sem ofensa, mas você quase morreu naquele outro quarto.
Tipo, há quanto tempo? Parecem dez minutos. Minha merda não é importante aqui.
Selena olhou para o corpo dele. Estava vestindo uma bata azul bebê de hospital que tinha pequenos espirais azuis escuros em um padrão de repetição. A coisa amarrava
nas costas, e ela podia sentir os nós onde a alça do sutiã estaria se estivesse vestindo um, e mais para baixo, na parte inferior de suas costas.
Parecia estranho pensar que aquelas coisas em seu corpo agora estavam funcionando com uma normalidade relativa. E a realidade de que eles não se manteriam assim
por muito tempo trouxe uma claridade atordoante.
- Sabe, - ela murmurou, - nunca considerei o fato de que poderia haver uma parte boa em ter uma doença mortal.
- E qual é? - Ele perguntou firmemente.
Ela virou o olhar de volta ao dele. - Faz você destemido a dizer coisas que realmente queira dizer. Honestidade pode ser assustadora, a menos que você tenha
algo mais apavorante para mensurar contra isso, como a perspectiva de morrer. Então lhe direi exatamente por que penso que a sua "merda", como você chama, é importante.
O que está te guiando, o que está causando, - ela fez um gesto circular, abrangendo seu corpo inteiro, - ou causou esse vazio dentro de você? Eu acho que você usou
todas aquelas mulheres para tentar se livrar disso. Acho que você fodeu aqueles humanos por todos esses anos como uma distração, e o fato que você não quer reconhecer
isso? Preocupa-me que você só irá me usar como uma forma muito melhor e maior de evitar a si mesmo. O que poderia ser ainda mais sedutor ou eficaz se você não quiser
lidar com suas próprias questões que uma fêmea específica com uma doença mortal?
- Jesus Cristo, Selena, eu não penso assim. De jeito nenhum...
- Bem, talvez deveria. - Ela inclinou a cabeça, outra conclusão batendo nela como uma tonelada de tijolos. - E direi a você mais uma verdade. Se eu tiver mil
ou duas noites? Quero que elas sejam com você, mas, apenas de uma forma sincera. Eu não quero ser sua nova desculpa, Trez. Quero você aqui, quero você comigo, mas
preciso que seja real entre nós. Não tenho energia ou tempo para qualquer coisa menos que isso.
No silêncio longo que se seguiu, ela esperou pela resposta dele. Mas não importa o quanto as coisas tenham ficado estranhas, não retrataria uma palavra.
Ela dissera exatamente o que estava em sua mente.
Uma forma de liberdade, na verdade.
Capítulo DEZESSEIS
Abalone não estava acostumado à violência. Não no mundo exterior e, certamente, não na casa onde sua filha dormia e praticava suas lições de canto e compartilhava
suas refeições.
Quando Rhage fez a entrega expressa de Throe no chão à frente de Wrath, Abalone sufocou um arquejo com a palma da mão. Não era nada másculo demonstrar qualquer
sinal de surpresa em frente à Irmandade, e ele rezava para que nenhum deles tivesse percebido.
Eles certamente não pareceram perceber. Estavam concentrados no macho de cabelos louros e roupas simples que parecia, por todas as intenções e propósitos, um
tapete velho jogado diante dos shitkickers do Rei.
Wrath sorriu, expondo presas maiores do que os dedos de Abalone.
- Não espere que eu te ajude. - Quando Throe começou levantar-se de joelhos, o Rei lhe dobrou braços sobre peito. - E não peça pelo anel. Ficarei tentado a quebrar
sua cara com ele.
Uma vez em pé, Throe limpou-se da poeira sobre seu corpo e endireitou os ombros. Não chegava nem perto do tamanho de Wrath, mas estava longe de ser mirrado,
seu corpo era mais como o de um soldado do que esguio como uma vareta, que os machos de sua classe costumavam ter.
- Eu não fiz nada para merecer tocar o seu anel, - disse ele, em voz baixa e grave.
- Bem, quem diria, algo no que concordamos. - Os óculos escuros de Wrath se viraram para a direção da voz de Throe. - Então, meu garoto, Abalone diz que tem
algo a dizer.
- Eu abandonei Xcor e o Bando dos Bastardos.
- E você quer um selo comemorativo... - Butch murmurou.
- Posso estampá-lo com o para-choque do meu carro? - Rhage disse em uma tossidela.
As sobrancelhas de Wrath baixaram até a ponte do nariz daqueles óculos escuros, como se não apreciasse a intromissão de seus rapazes.
- Grande mudança para você, não é?
- Os objetivos de Xcor divergiram dos meus.
- É mesmo.
- Já faz um tempo que vinha ocorrendo. - Throe olhou por sobre os ombros, e Abalone preferiria não ser objeto daquele olhar. - Como meu primo distante se lembra,
não fui criado para ser soldado. Por circunstâncias alheias a meu controle, fui forçado a tirar vantagem da bondade dúbia de Xcor. Ele me pediu para retribuir com
um período de serviço. Como já sabem, desde que me encontraram sangrando naquele beco muitos, muitos meses atrás, os métodos que ele usa para garantir lealdade não
são de persuasiva natureza verbal.
Ah, sim, isto era verdade, Abalone se lembrava. Há algum tempo, Throe fora descoberto pela Irmandade, abandonado às portas da morte com uma punhalada na barriga,
que não fora feita por um lesser. De fato, pelo que Abalone ouvira, o macho fora ferido pelo próprio líder do Bando dos Bastardos. Throe fora então levado pela Irmandade,
que após obter informações, o soltara de volta ao mundo, com uma mensagem para Xcor.
Dizia-se que Layla alimentara o guerreiro quando estava à beira da morte, a Escolhida tendo oferecido sua veia a quem assumira ser um nobre soldado, ao invés
de um dos inimigos do Rei.
Que baita confusão fora aquilo.
As narinas de Wrath se expandiram, como se avaliando o odor do macho.
- Então o que espera que eu faça com este furo de reportagem? Sem ofensa, mas sua situação e suas alianças não afetam em nada o meu mundo.
- Mas, saber o paradeiro do Bando dos Bastardos afetaria.
- E você irá me revelar... - disse o Rei, em voz enfastiada.
- Acha que estou mentindo?
- Já ouviu falar do Filho da Puta de Tróia? - V cuspiu. - Porque estou olhando para ele.
A mandíbula de Wrath se ergueu.
- Nos dê um endereço, se é o que quer. Mas, assim como suas alianças políticas, o covil do Bando dos Bastardos não está no topo de minhas preocupações.
- Então você é um tolo...
De uma só vez, os membros da Irmandade avançaram e, claramente, o grito poderoso de Wrath foi a única coisa que manteve o couro de Throe sobre seus ossos.
O Rei se inclinou para frente e baixou a voz a um quase sussurro.
- Faça um favor a si mesmo, puto, e vá com calma. Este bando de filhos da puta raivosos não escutam direito, nem mesmo minhas ordens, e eles não gostam de você
mais do que eu gosto. Quer viver o bastante para ver outra noite? Repense sua atitude.
- Você devia se preocupar com Xcor, - disse Throe, imperturbável. - Ele é capaz de qualquer coisa, e os soldados que lutam com ele sofrem da mesma determinada
devoção que seus machos têm por você.
Wrath riu, de certa forma, o som foi mais cruel e mortal do que a aberta agressividade que os Irmãos haviam acabado de demonstrar.
- Obrigado pela dica. Tentarei me lembrar disto. Abalone?
Abalone soltou um ruído e pulou para frente.
- Sim, meu senhor.
- Pretende manter este macho sob seu teto? Em nome da relação familiar?
- Não, eu lhe disse para partir esta noite.
- Não precisa se livrar dele por minha causa. Não me importa onde ele fica ou para onde vai.
Abalone franziu o cenho, e teve de se perguntar se estava sendo dispensado.
- Minha lealdade é a ti e a ti somente. Aos meus olhos, ele está maculado, não importa o que ele diga sobre suas alianças atuais.
Wrath fez um som evasivo no fundo da garganta e realinhou seu rosto na direção de Throe.
- Você diz que as prioridades de Xcor são diferentes das suas.
- Sim.
- E que não tem intenção de lutar pelos objetivos dele.
- Não, não tenho. Muito definitivamente não.
Houve uma pausa onde as narinas de Wrath se expandiram novamente, como se farejando a essência do macho.
- Muito bem, então. - Wrath acenou para sua guarda particular. - Vamos sair daqui. Tenho trabalho de verdade a fazer.
Ninguém se moveu. Nem os Irmãos. Throe. Certamente não Abalone, que sentia como se com os sapatos pregados ao chão.
- V, - o Rei chamou, - vamos sair daqui.
Houve um momento esquisito e então o Irmão Vishous e o Irmão Butch deram um passo a frente para alinharem-se nas laterais do Rei. Colados aos seus ombros, caminharam
a passos lentos para fora, junto a Wrath, Zsadist foi na retaguarda do grupo.
Os outros ficaram para trás, claramente vigiando Throe até que o Rei deixasse a propriedade em segurança.
- Abalone, - Wrath disse, ao parar na porta da frente.
Ao ouvir o seu nome, Abalone correu para fora da biblioteca e atravessou o saguão, com o coração acelerado. Ele, há muito era consciente do quanto amava seu
Rei, mas a ideia de que perderia seu trabalho também? Ajudar civis a conseguirem suas audiências e a ajuda que necessitavam era...
- Não, você não está demitido, - Wrath sussurrou. - Pelo amor da porra. O que eu faria sem você?
- Oh, meu senhor, eu...
- Ouça, Abalone. Quero que o deixe ficar aqui pelo tempo que quiser. Não estou acreditando em nada dessa baboseira. Ele pode ter mesmo se debandado de Xcor e
os Bastardos, mas não confio nele, e sou um macho que acredita em manter os inimigos por perto.
- É claro, meu senhor. Sim, sim, é claro. - Abalone fez uma reverência, apesar do mal estar súbito que atravessou o seu corpo. - Farei qualquer coisa e tudo
o que você desejar.
Novamente, como se o Rei fosse capaz de ler mentes, Wrath disse: - Eu sei que se preocupa com sua filha. Até que isto se resolva, não quer deixá-la em minha
casa de audiências? Ela pode levar uma dama de companhia, e a segurança lá é monitorada vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana.
V se aproximou, - Temos dois túneis subterrâneos distintos que partem das suítes no porão, e enviaremos nosso doggen para cuidar dela. Ela estará perfeitamente
segura.
Oh, querida Virgem Escriba, pensou Abalone.
Só então refletiu que Paradise estava ficando inquieta, e não por estar apaixonada ou ansiosa para emparelhar. Era uma fêmea jovem e vibrante com tanta coisa
acontecendo ao seu redor, e ainda assim, como uma aristocrata, suas opções eram limitadas.
Talvez tirá-la de casa por um tempo fosse mesmo benéfico.
E, certamente, ele não a queria por perto de Throe.
Dividido entre a preocupação paternal, seu dever para com o Rei e a tristeza por sua filha única estar realmente crescendo, ele se viu concordando por entre
ataques de náusea. - Sim, por favor. Acredito que ela apreciaria.
- Eu me encarregarei pessoalmente da segurança dela. - Zsadist disse, inclinando a cabeça uma vez, como se fazendo um juramento. - Tenho uma filha. Sei o que
está sentindo.
Sim, Abalone pensou. Ele ouvira falar que o Irmão Zsadist, apesar de seu aspecto mais temível, havia mesmo se assentado como homem de família e tido uma adorada
criança.
De repente, Abalone se sentiu melhor e fez uma acentuada reverência diante do guerreiro cheio de cicatrizes. - Obrigado, senhor. Ela é o que tenho de mais precioso.
- Bom. Negócio fechado. - Subitamente, o rosto de Wrath mudou de direção, como se encarando por cima do ombro de Abalone, na direção da biblioteca. - Xcor é
previsível em sua brutalidade, um verdadeiro veterano saído direto da cartilha do Bloodletter. Mas, o golpe final contra meu trono foi tático, envolvendo a lei e
minha adorada Rainha mestiça. É assim que um aristocrata luta. Xcor não tirou um plano destes do rabo... O plano deve ter sido elaborado por Throe. É a única explicação.
Então ele, de fato, pode estar farto de Xcor, mas mesmo que não estiver mentindo sobre tudo o que falou? Por enquanto, não dá para saber onde sua lealdade realmente
está.
Abalone não queria, mas antes de se dar conta, suas mãos se estenderam e agarraram a mão do Rei. Trazendo o diamante negro do Rei aos lábios, beijou o anel.
E pensou de novo, Graças a Virgem Escriba, o macho certo está no trono.
- Minha lealdade é para com você, meu senhor, - ele sussurrou, - e somente a você.
Uma vez que Wrath já não estava mais na propriedade, sequer no mesmo código postal, era hora de mandar Throe se foder e bancar os Hardy Boys7 no endereço que
o bastardo havia fornecido.
Rhage foi o último a sair da biblioteca e só por diversão, quando passou na frente de Throe, fez um súbito movimento de Boo! que fez o puto pular de susto e
erguer os braços para proteger o rosto.
Marica.
Lá fora, no gramado, ele pegou seu celular e digitou uma mensagem de texto: Tudo bem. Wrath e todos ok. Saímos para verif. outro local. Fez uma pausa. E então
digitou: O que está vestindo?
Estava guardando a coisa no bolso quando franziu o cenho e enviou uma segunda mensagem a outra pessoa. Como vai? Precisa de algo?
- Tudo bem, todos prontos? - Vishous perguntou.
Phury e Z anuíram quando Rhage sumiu com o celular e estalou os dedos da mão. - Quero que os Bastardos estejam lá. Preciso de um pouco de ação. Tenho de conseguir.
- Eu te entendo, - alguém murmurou.
Um a um, desapareceram e viajaram em amontoados de moléculas, na direção de um tipo bem diferente de vizinhança. Quando retomaram forma, estavam diante de uma
rua sem saída, em um empreendimento imobiliário cheio de casas de duzentos ou trezentos mil dólares, provavelmente habitadas por pessoas que tinham filhos para criar,
trabalhavam em empregos executivos nos degraus mais baixos da escada corporativa e desesperadamente queriam trocar seus BMWs usados por zeros quilômetros.
Yuppies8 em ascensão.
Me poupe.
Nenhum som se ouviu quando passaram do estado armado-passivo ao estado armado-até-os-dentes-e-prontos-para-o-ataque. A aproximação da casa em questão foi em
várias frentes, os quatro se dividiram e se aproximaram da casa colonial na forma das posições dos indicadores de uma bússola.
Vestindo o capuz para que o cabelo louro não fosse tão gritantemente visível na escuridão, Rhage foi pelo canto traseiro esquerdo, desmaterializando-se na floresta,
se aproximando sob a cobertura das árvores. Apurando seus instintos, se perguntou o que haveria sob aquele telhado, por trás daquelas paredes sólidas, se escondendo
das vistas atrás das janelas escuras.
Nada o alertava de nenhuma presença. Não havia nenhum sinal de luz. Sem sombras se movendo do lado de dentro. Sem sons, do lado de dentro ou nas redondezas.
Fez um contato breve com Z, a quem podia ver com o canto do olho esquerdo, e Phury, que sabia estar à sua direita, ergueu-se... Então se desmaterializou para
o telhado.
As telhas davam boa tração e ele ficou agachado, bem ciente do bom alvo que era, delineado contra o céu noturno. Não havia lua, o que era bom, mas ele se sentia
um patinho de tiro ao alvo, ali em cima. Aproximou-se da chaminé, se debruçou pela pilha de tijolos e cimento e apurou os ouvidos.
Nenhum som.
Quando ouviu o assobio vindo de baixo, fechou os olhos e se transportou de volta ao chão.
Z, Vishous e Phury estavam juntos na retaguarda.
- Não há nada lá em cima. - Rhage sussurrou.
- Não vejo nada lá dentro. - Phury concordou.
V observou a casa. - Então temos de supor que é uma armadilha.
Sim. Era exatamente o que estava pensando.
- Você trouxe alguma coisa que sirva para desarmar qualquer merda que eles tenham montado?
V revirou os olhos diamantinos. - Eu sou uma porra de escoteiro. O que acha?
- Qual o plano?
Decidiram entrar por uma das janelas da cozinha. Portas eram óbvias demais, assim como a chaminé e qualquer plano que envolvesse a garagem.
Contornaram para a varanda dos fundos, V removeu a luva entrelaçada com chumbo, empunhou a adaga negra e se aproximou da janela que ficava acima da pia. Encostou
a ponta da arma no vidro e moveu a lâmina em círculo; então, colocou os dedos brilhantes dentro do furo e removeu a seção para que não caísse.
Três...
Dois...
Um...
Silêncio.
Rhage olhou em volta, procurando ouvir algum som: passos na vegetação rasteira, o clique de uma trava de segurança sendo solta, um farfalhar de tecido.
Nada.
V deslizou a mão normal através do buraco que fizera e acendeu a lanterna portátil. Dentro, uma cozinha nada especial foi iluminada pela luz fraca: geladeira,
forno, armários. Mais especificamente, não havia nada suspeito, caixas ou sacos com cabos visíveis, no meio do cômodo, ou luzes piscando, nem mesmo um painel de
alarme, que seria tão óbvio.
- Pronto? - Perguntou V.
Rhage respirou fundo, testando o ar que vinha da casa. Os aromas eram de suor masculino, bebidas alcoólicas, fluídos de limpar armas... Uma pizza... Comida.
E era tudo recente.
- Vou primeiro. - Rhage disse. Com sua besta, ele era o mais provável a sobreviver a uma explosão de bomba: qualquer extremo de temperatura, dor ou agressão
e sua outra metade assumia forma, em uma fração de segundos, provendo-o a um conjunto de escamas melhor do que qualquer coisa feita de Kevlar.
- Tenha cuidado, irmão. - Phury disse.
- Sempre. Ainda tenho muitas refeições para fazer.
Rhage desapareceu e voltou a tomar forma no linóleo. Hora de esperar. De novo.
Mas, não houve nenhum alarme sendo disparado. Nenhuma emboscada. Nada que gritasse ou mesmo sussurrasse ataque.
Deu um passo a frente. Outro. Um terceiro, esperando que uma mina escondida explodisse.
Sob seus shitkickers, o assoalho gemia e grunhia.
Só isto.
- Chega, Hollywood. - V ordenou pelo buraco da janela. - Vou entrar.
Vishous se juntou a ele, enquanto os gêmeos permaneciam do lado de fora, monitorando o exterior. Com movimentos rápidos e ensaiados, V colocou um fone de ouvido
e olhou ao redor. Tirou uma lata de spray aerosol e apertou a válvula, movendo em círculo.
- Está limpo, pelo que vejo.
Rhage olhou para a porta dos fundos. - Então, o teclado do alarme está lá.
O painel ADT não mostrava nenhum brilho em sua superfície, nenhum verde indicando livre. Nenhum vermelho indicando estar armado.
- Temos de vasculhar a casa toda. - V disse, de forma sombria.
Rhage anuiu. - Eu cuido do primeiro andar.
- Vamos juntos.
Com passos cuidadosos, seguiram para frente da casa, V com seus aparelhos, a pele de Rhage formigando, enquanto sua besta se juntava ao desfile de instintos.
A sala da frente era certamente onde os Bastardos passavam a maior parte do tempo. Havia alguns sofás dispostos em ângulos que formavam um círculo, e os aromas
estavam mais fortes ali, a ponto de Rhage achar que os guerreiros baixavam as cortinas e realmente dormiam por ali, durante as horas do dia.
Sujeira cobria o chão: caixas vazias de munição, sugerindo que tinham tanto rifles quanto calibre 40. Garrafas vazias de uísque, Jack e Jim. Sacolas plásticas
Hannaford cheias de embalagens amassadas de barrinhas de proteínas e frascos de Motrin sem as tampas e gazes cirúrgicas com manchas de sangue seco. Uma caixa aberta
de pizza do Papa John tinha uma única fatia dentro, fria, mas não mofada.
- Eles não moram mais aqui. - V disse.
- E partiram às pressas, - Rhage murmurou ao cutucar outra sacola Hannaford com o bico de aço de seu shitkicker.
Não havia nenhuma mochila. Sacola. Mala. E embora ele não achasse que o Bando dos Bastardos fizessem o tipo da revista Town & Country por suas aparências pessoais,
não havia nem mesmo uma meia perdida, botas reservas ou uma fodida escova de cabelo deixada para trás.
Quando Rhage voltou para a base da escada, sentiu o celular vibrar no bolso interior da jaqueta de couro. Mas não havia como ver o que era. Ele não ia se deixar
surpreender nessa casca vazia de casa e, quanto mais ele e o irmão avançassem, maiores as chances de se depararem com algo que lhes custaria um braço. Uma perna.
Ou suas vidas.
Aquela era a realidade de seu trabalho e algo que aceitava, porque: um, ele não ia deixar ninguém atacar sua raça ou o Rei, fosse um bando de assassinos de cheiro
fétido ou a turma imbecil de Xcor. E dois, não era como se ele soubesse fazer outra coisa.
Bem, outra coisa além de comer e foder e, Deus sabe que ele cuidava destas duas frentes muito, muito bem, no seu tempo de folga.
Inferno, mesmo em estado de alerta máximo para o que acontecia ali, no fundo de sua mente, já contava as horas até poder ter sua Mary fodidamente nua.
Noites como esta o faziam pensar com carinho em chupá-la por sete horas seguidas.
Forçando-se a se concentrar no momento, se aproximou da base da escada.
- Vou subir. - Ele disse ao irmão.
- Espere por mim.
Mas, é claro que não esperou. Ele só subiu, um pé após o outro após o outro. Provavelmente, uma decisão estúpida, mas jamais fora bom em esperar.
Simplesmente não fazia parte de sua natureza.
Capítulo DEZESSETE
Ao parar no canto do quarto de hospital de Selena, Trez sentiu-se... Merda, totalmente acuado.
Não queria ficar bravo com a fêmea. Pelo amor da porra, ela quase morrera à sua frente.
- O que? - Ela disse. - No que está pensando?
O lado bom era que ele andara observando, pelos últimos vinte minutos, mais ou menos, como as cores dela voltaram completamente, como os olhos estavam agora
penetrantes como tachinhas e como o corpo, embora ainda imóvel, estava tão mais próximo do normal.
O lado ruim era que a pequena dissertação dela, sobre a natureza de seu vício em sexo e da tentativa dele de tentar agir corretamente com ela, não era nada que
ele quisesse ouvir. E ele rezava a Deus que ela não insistisse no assunto.
- Selena, acho que você precisa descansar.
- Não me afaste, Trez.
Ele passou a mão pela cabeça. Desejou ter um cabelo longo até a bunda como o de Wrath só para ter algo o que puxar. - Ouça, não quero discutir com você.
- Então me diga que estou errada. Mesmo que não acredite. Mas, diga algo. Qualquer coisa.
Trez fez uma careta e negou com a cabeça. - Eu vou sair agora e...
- Trez...
- Não, não vamos fazer isto.
- Por que? Se temos mil noites, esta é uma conversa esquisita.
- Esta conversa é um diabo mais do que esquisita, querida. - Deus, ele podia ouvir o tom cortante na própria voz. Sentir o seu corpo se empertigando. - Sim,
eu acho que vou voltar...
- Eu ainda estarei aqui quando voltar. - Ela apontou dele para ela com a mão e, por um momento, ele ficou tão grato pelo movimento que se esqueceu do que estavam
falando. - A distância não vai nos ajudar a resolver isto.
O coração dele disparou. Como se temesse alguma coisa.
Mas, não era o que estava acontecendo.
Realmente. Não era.
- O que quer que eu diga? - Murmurou ele - Me diga o que, e como, que eu digo. Qualquer coisa para fazer isto acabar.
- O que está deixando de me contar?
- Nada.
Longa pausa.
- Tudo bem, - ela disse, derrotada.
Oh, ótimo. Aquilo o fez sentir-se tããããão melhor.
Como é que eles haviam cruzado a distância entre o alívio pela sobrevivência dela a uma tensão como esta, tão rápido?
Ele não ia lhe dizer sobre as notícias do s'Hisbe. Ela tinha mais do que o suficiente para se preocupar, e ele não queria preocupá-la com o fato de que o carrasco
da Rainha iria acorrentá-lo e arrastá-lo de volta para o Território a qualquer momento.
- Selena, ouça... - ele balançou a cabeça. - Se me envergonho do que fiz com aquelas humanas? Claro. Me arrependo? O tempo todo. Acredito que estou corrompido?
De acordo com minha cultura, estou totalmente corrompido. Mas, você precisa saber que, às vezes, uma puta é só uma puta. Uma vagabunda não passa de uma vagabunda.
Eu tinha um carro e lugar nenhum para ir com ele.
Ele desviou o olhar, encarando o chão.
O silêncio foi mais alto do que um grito.
- Acho que você está certo. - Ela disse.
Trez exalou de alívio. Graças a Deus ela estava acreditando...
- Você precisa mesmo sair.
- O que?
- Até conseguir ser honesto? Eu acho que precisa ficar longe. Porque ou você está mentindo a si mesmo ou está mentindo para mim. De qualquer jeito, precisa,
como os Irmãos diriam, reorganizar suas merdas.
Ele negou com a cabeça.
- É. Uau. Não é como eu colocaria as coisas.
- Nem eu.
- Okay. Então. É.
Quando ela só o encarou, o quarto esvaziou-se do estoque de ar. Pelo menos no que lhe dizia respeito.
Trez pigarreou.
- Caralho... Vou embora então.
Ele saiu, pela porta que dava para o corredor, ao invés de correr o risco de cruzar com a Dra. Jane e Ehlena na sala de exames.
Sim, pois ele realmente não queria platéia naquele momento.
Ainda bem que iAm partira para ver como as coisas estavam na shAdoWs, The Iron Mask e Sal's. Naquele momento, seu irmão era a última pessoa que queria por perto.
Movendo-se com rapidez, caminhou pesadamente pelo corredor e parou antes de cruzar a porta envidraçada do escritório. Quando não ouviu qualquer voz, olhou em
volta. Vazio.
Ponto para ele.
Ele foi até o armário de suprimentos e saiu pelo túnel sem dificuldades e, até mesmo desceu os degraus correndo. Digitou as senhas. Subiu degraus. A porta sob
a escada se abriu, silenciosamente.
O som de um aspirador de pó ligado na biblioteca não o surpreendeu. Mas, a falta de qualquer Irmão por perto sim. Geralmente, àquela hora da noite, os que estavam
de folga ficavam por ali na sala de jogos, assistindo a TV. Jogando sinuca. Bebendo.
Ele tirou vantagem do lugar vazio e foi até o bar. Ao examinar a prateleira de cima, parou um momento para considerar as opções e então escolheu um Woodford
Reserve. E Grey Goose. E uma garrafa de vinho chardonnay que estava esquecida, sem gelo, sobre o balcão de granito.
Como se ele fosse realmente se importar com o que porra ia beber.
A escadaria principal foi fácil e não ficou surpreso de ver o escritório do Rei vazio, já que Wrath passava a maioria de suas noites em audiências com seus civis.
Virou no corredor das estátuas, passou diante de todo aquele mármore e abriu a porta para as escadas que o levariam para o terceiro andar.
A suíte da Primeira Família ficava escondida atrás de um cofre bancário, mas seu quarto e o do irmão ficavam bem a vista, apenas duas portas de quarto normais
lado a lado.
Apesar da discussão com Selena, ele não ia fugir para o Commodore. Ele queria estar por ali caso ela...
Sim.
Fechando a porta, ele colocou seus três novos amigos na mesinha de cabeceira e acendeu o abajur. As cortinas de veludo estavam abaixadas e, deixou-as assim ao
seguir para o banheiro, já tirando as roupas. Com uma manivela no chuveiro, fez a água correr e cuidou de manter as luzes apagadas.
Não havia motivo para encarar seus olhos no espelho.
Esperou até a água esquentar, antes de entrar no box de mármore. Ele já tinha desconforto demais, muito obrigado.
Sabonete, por todos os lugares. Enxágue, por todos os lugares. Xampu, em sua cabeça, seguido por condicionador. Barbeador, na mandíbula, queixo, bochechas.
Então era hora de secar com a toalha e voltar, nu, ao quarto.
Enfiou-se sob as cobertas, por hábito, o cérebro cuidadosamente abdicando de todos os pensamentos, só a longa prática permitia-lhe beber na horizontal.
Quebrou o lacre da Grey Goose, tomou um grande gole e cerrou os dentes quando o ardor queimou garganta abaixo e acendeu suas entranhas como o estádio Fenway
Park.
Como V diria.
Como diabos a noite tinha acabado daquele jeito?
iAm não perderia tempo indo à shAdoWs, The Iron Mask ou o Sal's. Foda-se. Havia pessoal mais do que suficientemente competente nos três locais para cuidar dos
negócios. Ele só disse aquela mentira ao irmão porque ele não queria Trez ainda mais perturbado.
Materializou-se no terraço do condomínio deles, verificou o relógio e entrou. Andando em volta, acendeu algumas luzes, verificou a geladeira, mesmo sabendo que
não havia muita coisa lá dentro, e fuçou em alguns armários.
Ele não comia desde... Sal's, na noite passada, na verdade. E ele não se alimentava há... Merda, ele nem sabia há quanto tempo.
Provavelmente era melhor resolver aquilo, mas como sempre, não tinha muito interesse em veias. Não que ele não apreciasse ou respeitasse a Escolhida que servia
a ele e ao irmão. Ele só não gostava da coisa toda de sugar do pulso de alguém que lhe era estranho. É, é, dever, que fosse.
Provavelmente ele era muito mais apegado à cultura dos Sombras do que o irmão.
Em sua cultura, qualquer contato físico como aquele era sagrado. O que era um saco, porque a necessidade biológica o forçava a se alimentar cerca de seis vezes
por ano, e a cada vez que o fazia, era um exercício de autodisciplina... E não por ele querer trepar com quem o alimentava.
Ele era, no auge de sua maturidade, ainda virgem.
Ele culpava seu celibato àquela merda toda com Trez e aos ensinamentos e tradições de sua espécie, os quais ele, às vezes sentia como se levasse a sério demaaaaais...
Uau. Ele estava tão ferido que estava falando sozinho.
Sobre merdas que ele já sabia.
Que nem eram tão interessantes assim, para começo de conversa.
Perambulou em volta. Verificou o relógio de novo e então olhou para o terraço. Onde caralho estava...
- É você?
iAm virou para a voz masculina que vinha dos quartos. Cruzou o corredor, com a .40 em punho, mas dada a inflexão? Não ia haver problema.
E não ia mesmo, ao cruzar a porta do que antes era seu quarto, ele viu s'Ex esticado na cama, os lençóis amarfanhados em volta de seu corpo nu, uma garrafa de
dois litros de Ciroc aninhada entre os braços como um bebê.
- Achei que estivesse em período de luto. - iAm disse, ao guardar a arma.
- Estou. - s'Ex segurou a garrafa meio vazia. - Este é meu lenço.
- A Rainha não queria você no Território?
- Na verdade não. - O macho abanou a mão no ar. - Embaraçoso demais. Tudo bem foder comigo por trás de portas fechadas, mas ser vista comigo em público? Nada
feito. É claro, tudo seria perdoado se as estrelas tivessem se alinhado de outra forma. Mas, não.
iAm se recostou no batente da porta e cruzou os braços.
- Está aqui há quanto tempo?
- Desde que você saiu... Foi na noite passada? Você precisa comprar mais bebidas. Quando pode trazer? E quero algumas fêmeas.
O primeiro impulso de iAm foi mandar o cara se foder. Naturalmente. Mas ele precisava de uma coisa do bastardo.
- Posso providenciar. - Ele disse.
s'Ex fechou os olhos e ondulou os quadris sob os lençóis.
- Quando?
- Antes, você precisa fazer uma coisa para mim.
Aquelas pálpebras se ergueram lentamente, e os olhos negros brilharam.
- Não funciona assim.
- Na verdade, funciona sim.
- Foda-se.
- Foda-se você. - iAm manteve o olhar firme - Preciso entrar no palácio.
s'Ex fechou a boca. Então, ergueu o imenso tórax, as cobertas caíram, se amontoando na altura da cintura. Sob a luz do banheiro, as tatuagens que cobriam cada
centímetro de sua pele cintilaram como se fossem fluorescentes contra a pele escura.
- Jamais imaginei que ouviria você dizer isto, - ele murmurou. - Sem estar sob a ameaça de uma arma.
- O que preciso de você é uma garantia de saída.
- Então você quer roubar algo.
- Só quero acesso à biblioteca.
- Há muito material de leitura recreativa aqui no mundo humano.
- E eu preciso ir agora.
s'Ex olhou para ele por um momento. E então, bocejou como um leão, expondo grandes presas quando a mandíbula estalou.
- Agora! - iAm disse.
- O palácio está fechado para o período de luto.
- Você conseguiu sair.
s'Ex fez um ruído evasivo - Que tipo de informação está procurando?
- Não é relevante aos seus propósitos.
- O inferno que não é.
- Ouça, eu preciso ir agora, e tenho de voltar até o amanhecer. É uma emergência. Não estou pedindo para te bater.
s'Ex franziu o cenho.
- Como eu disse, o palácio está fechado.
- Então você vai ter de me infiltrar.
- Por que caralho você acha que vou te ajudar?
iAm sorriu friamente. - Me faça entrar e sair, e estará fodendo aquela sua Rainha.
- Nossa. E se eu quiser fodê-la, tudo o que tenho de fazer é me esgueirar até sua cama.
- Você acha que ela ainda te quer?
- Não dramatize. - s'Ex disse, sombriamente.
iAm deu de ombros.
- Tanto faz. O fato é que você jamais vai alcançar Trez a esta altura. E eu preciso tentar ajudá-lo.
E se Selena morresse? Todo mundo ia perdê-lo. Merda, tudo o que iAm tinha a fazer era lembrar do irmão disparando para fora daquela sala de exames, correndo
pelo corredor com uma arma apontada para a própria testa, pronto para apertar o gatilho.
s'Ex ergueu os olhos para ele por um tempo mais longo.
- O que diabos está acontecendo?
- Eu vou direto ao ponto. Seus interesses estão alinhados aos meus. Não quero meu irmão morto e nem você quer. Vamos lutar pelo que vai acontecer com ele no
fim disto, mas agora? Você precisa me ajudar a fazê-lo superar uma certa crise.
- Defina crise.
iAm desviou o olhar.
- Alguém que ele gosta está doente.
- Mas não é ele, é?
- Não.
- Você?
- Eu pareço doente? - iAm encarou o olhar do carrasco de novo. - Ouça, você e eu temos um problema de gestão com ele. Você acha que gosto de confiar em você?
Se houvesse qualquer outra opção, eu a escolheria. Mas, como você sabe em primeira mão, é preciso usar o que a vida nós dá. E eu preciso daquela maldita biblioteca.
O s'Hisbe tinha uma longa e destacada história de curandeirismo. E os Sombras, assim como os Symphaths, eram uma ramificação evolucionária dos vampiros, parecia
lógico que esta Doença do Aprisionamento possa já ter aparecido antes em algum ponto do passado de sua raça, se fosse este o caso, estaria na biblioteca.
Se tivessem sorte, os curandeiros teriam algum tipo de tratamento... Neste caso, a segunda parada seria o extenso estoque de farmacologia do s'Hisbe. Os Sombras
sintetizavam drogas de plantas e animais há séculos, titulavam todos os tipos de componentes para lidar com doenças e distúrbios, e assim como com a manutenção dos
registros, os curandeiros eram meticulosos sobre seus testes e pesquisas.
Seu povo trouxera o racionalismo à medicina bem antes dos humanos se livrarem do misticismo e aceitarem o pensamento científico.
Talvez houvesse esperança. Ele tinha de descobrir.
- Eu não quero confiar em você. - iAm disse grosseiramente. - Mas, preciso. Da mesma forma que você precisa fazer isto para mim se quiser alguma chance de capturar
Trez. Ele morrerá na hora que aquela fêmea morrer.
- Fêmea? - Quando iAm permaneceu em silêncio, s'Ex praguejou, - Vocês dois são um pé no meu saco, sabe disto?
- Sinto o mesmo sobre você e sua Rainha.
- Nossa. Você é um membro do s'Hisbe, não importa onde tenha escolhido viver.
Era, é claro, baboseira total sobre Trez voltar ao Território e entrar na linha com aquele mapa astrológico dele. Aquilo jamais aconteceria. Mas, iAm tinha de
usar quaisquer recursos que houvesse, e s'Ex estava provavelmente bêbado demais para analisar muito profundamente a motivação ali envolvida.
E, quem diria, funcionou.
Praguejando, o enorme macho afastou as cobertas, levantou-se, e por um momento, iAm vislumbrou aquelas tatuagens. Cristo. A pele do carrasco era coberta da garganta
ao tornozelo, ombro ao pulso, com marcações brancas, os únicos locais não marcados eram seu rosto, seu pau e bolas. Mesmo iAm ficou impressionado. A "tinta" era,
na verdade, veneno que descoloria a pele. A maioria dos machos se orgulhava de ter suportado a dor e enfermidade causada por um pequeno brasão de suas famílias no
ombro ou pelo nome de uma companheira sobre o coração.
O fato de s'Ex ter sobrevivido a tudo aquilo era confirmação visível de que ele era durão. Ou um psicótico masoquista.
Saindo do quarto, para deixar o cara se vestir, iAm foi para a sala de estar. Ao se aproximar das portas de vidro, olhou à distância, para a paisagem noturna
de Caldwell: a iluminação salpicada aleatoriamente espaçada dos arranha-céus, as alamedas gêmeas de faróis traseiros vermelhos e faróis dianteiros brancos, contornando
as curvas do Rio Hudson, um avião ou dois piscando alto no horizonte.
Entrar e sair, disse a si mesmo. É como teria de ser.
E se houvesse um Deus, talvez ele pudesse encontrar algo que ajudasse Selena.
Capítulo DEZOITO
- Viro aqui? - Layla perguntou, ao se debruçar sobre o volante de seu sedã.
- Sim. Aqui.
Ela ligou a seta e, enquanto a Mercedes exalava aquele pequeno som de chck, chck, chck, lembrou-se de Qhuinn ensinando-lhe os ondes e quandos daquele mistério
que era dirigir um carro. Com certeza, jamais passara pela cabeça dele que, um dia, ela usaria as habilidades adquiridas para levar Xcor a algum lugar.
- Onde estamos indo? - Ela perguntou. Os faróis altos mostravam, agora, pouco mais do que uma faixa de terra com um bocado de árvores outonais amontoando-se
ao longo da "estrada". Um muro baixo de pedra parecia conter a invasão das árvores, embora o pouco de espaço que houvesse, parecesse vencido por espinheiros e mato
alto.
- Não está longe. Faltam poucos quilômetros.
Seria aquele o seu fim? Ela se perguntou. Seria aquela, a noite em que sua paranóia se tornava bem fundamentada, em que Xcor tomaria controle da situação de
um jeito que não somente a feriria, mas a seu bebê e Qhuinn, dois inocentes totais naquilo tudo?
Querida Virgem Escriba, ela precisava sair...
Os faróis varreram os arredores e, o que ela viu fez seu coração gelar, e o pé abandonar o acelerador.
Era um pequeno chalé, o qual, apesar do mato crescido, era muito charmoso. A porta da frente era pintada de vermelho e com as duas janelas panorâmicas e um par
de mansardas no segundo andar, o lugar parecia de olhos arregalados e sorrindo. Havia também uma grande e frondosa árvore à esquerda com folhas douradas, da cor
do nascer do sol que ela havia visto somente na TV ou em livros e revistas, assim como uma passarela de ardósia que levava diretamente à esta visão acolhedora.
- Gosta? - Ele perguntou, tenso. Como se temesse a resposta.
- Talvez seja ingenuidade, - ela sussurrou, - mas parece que nada de ruim poderia jamais acontecer aqui.
- É o chalé do zelador da casa principal. Ela fica no final daquela alameda ali, está abandonada, mas uma velha doggen morava aqui até o mês passado. - Ele olhou
para ela - Vamos entrar.
Ela saiu sem desligar o motor, mas Xcor se inclinou e o fez, silenciando o ronronar, enquanto ela passava na frente dos faróis. Quando a iluminação foi cortada,
ela percebeu que havia velas brilhando dentro da casa, ou ao menos, era o que achava que estava criando aquela luz dourada bruxuleante.
À porta, ela tocou a pintura. Era antiga, rachada, mas não descascada. Vermelho cereja, ela pensou. E sem dúvida, de alto brilho, quando recém-aplicada.
- Abra, - ele disse. - Por favor.
A aldrava era feita de bronze, e estava velha e gasta, mas polida nos lugares onde as mãos seguravam. Um rangido sutil foi ouvido quando empurrou a porta surpreendentemente
pesada, mas o som era mais uma saudação rasgada, que algo sinistro.
Não eram velas. Era fogo.
A sala de estar era aberta e revestida de madeira avermelhada, a lareira feita de pedras de vários tamanhos, formatos e cores. O chão era nu, com tábuas largas
que falavam conforme ela caminhava sobre elas, tagarelando como se sentissem falta de companhia. Respirando fundo, ela sentiu o cheiro doce do fogo e uma essência
limpa, amadeirada subjacente.
Havia um sofá desleixado ao lado da lareira, posicionado de forma que alguém pudesse observar pela janela, quando sentado nele. Estava forrado por uma coleção
de mantas, os tecidos jogados uns sobre os outros, os tons e cores tão variados que a aglomeração formava seu próprio e único padrão. Havia também uma grande poltrona
acolchoada, alguns livros antiquados em prateleiras baixas e um tapete redondo de crochê que integrava tudo.
- Aqui fica a cozinha, - Xcor disse, ao fechar a porta da frente.
Ela passou por ele, o corpo imenso imóvel demais, os olhos se recusando a encarar os dela. O banheiro era modesto e equipado com um chuveiro, privada e uma pia.
A escada para o segundo andar era íngreme e estreita e revestida com uma passadeira desgastada. E a cozinha do outro lado estava cheia de aparelhos antigos intercalados
com trechos de balcões.
Layla se virou para ele. - Há quanto tempo é dono deste lugar?
- Como eu disse, a zeladora morreu no mês passado. Ela era uma doggen que cuidava de nós, sem família própria. - Ele se virou e começou a retirar seu casaco
pesado. - A família que ela cuidava vivia na casa grande, mas foram assassinados nos ataques. Ela ficou na propriedade porque não tinha para onde ir. Os lessers
não voltaram, então ela sobreviveu.
Xcor se virou e começou a se desarmar, os ombros largos flexionavam conforme removia o suporte que mantinha as adagas no lugar sob seu peito. Depois, desafivelou
o coldre nos quadris, ela viu os cotovelos se movendo e então, a faixa de couro se soltou.
Por alguma razão, ela notou o corpo sob as roupas que ele vestia, o modo como os músculos se contraíam e relaxavam sob aquela camisa preta de algodão, como as
calças se apertavam nas coxas, pernas, traseiro.
Ele estava falando com ela, lentamente, em sílabas medidas, mas ela não ouviu o que estava sendo dito.
Xcor virou-se. Olhou para ela. Silenciou.
- Você não quer ficar? - Ele disse, em voz baixa.
- Por que me trouxe aqui?
Ele pigarreou. - Não posso permitir que você, grávida, passe frio nas noites em que nos encontrarmos. Não agora, com a gravidez tão adiantada.
Subitamente, ela sentiu um jorro de calor. E não achava que era devido à lareira.
- Venha. - Ele deu um passo contra a porta, endireitando-se. - Está mais quente aqui.
Ela caminhou até ele. E continuou a caminhar.
Sentando-se na poltrona, recompôs sua túnica. Envolveu-se mais no casaco. Observou as chamas.
Xcor andou pela sala, fechando todas as cortinas antes de sentar-se no sofá.
- Obrigada, - ela ouviu-se dizer - Assim está bem mais confortável.
- Sim.
O silêncio se estendeu entre eles. Era estranho: no campo, com a vastidão do céu sobre suas cabeças e os campos ondulantes ao redor, ela não estivera tão consciente
de sua presença. Mas, entre estas quatro paredes, a presença dele parecia amplificada, qualquer movimento dele, uma simples respiração ou piscada, era registrado
e multiplicado.
Havia um curioso constrangimento entre eles, o crepitar alegre da lareira falhava em aliviar o peso crescente na casa.
- Você pretende consumar nosso acordo, - ela soltou. - Agora?
- Isto aqui é uma cidade fantasma, não é?
Quando V chamou do sótão da casa colonial, Rhage se inclinou para fora do banheiro da suíte principal. - Também não há nada aqui. Só essa porra de exagero de
tons cor de rosa na decoração.
Voltando ao quarto, deu mais uma olhada nas coisas rosadas. A merda estava em todos os lugares, do tapete e cortinas, ao papel de parede e lençóis, e o cheiro
de Xcor estava em todo o lugar. Claramente aquele era o quarto dele, e houve grande satisfação em saber que o fodido teve de dormir neste pesadelo carregado de estrogênio.
Como dormir em um maldito útero.
Rhage estremeceu ao sair para o corredor. - Me pergunto se ele anda sentindo uma vontade incontrolável de usar salto alto.
- Que imagem. - V saiu do buraco no teto e desceu pela escada dobrável. - Abandonado. Eles se mandaram e abandonaram este lugar.
Nada. Não havia absoluta e positivamente nada de suspeito ou ameaçador, sem armadilhas para eles, sem detonação de bombas, sem alarmes.
Também não havia nada pessoal no andar de cima, como a sala de estar, havia pilhas de lixo aqui e ali, mas sem roupas, armas, computadores ou telefones celulares.
Movendo-se rapidamente, desceram as escadas e recuaram pela casa vazia. Após se desmaterializarem para fora, pela janela aberta na cozinha, voltaram a se juntar
a Phury e Z.
- Nada. - V disse.
Rhage tirou o celular para uma rápida verificação, e não havia resposta a nenhuma de suas mensagens de textos, franziu o cenho e voltou a guardar a coisa. Inquieto,
remexeu do outro lado da jaqueta e tirou um pirulito, então, viu que era de laranja e trocou por um de uva. O papel roxo saiu com facilidade, como se esperasse por
ser descascado, e então, ele enfiou a bola doce na boca.
- Está completamente limpo? - Phury perguntou. - Não pode ser.
Rhage tirou o brinquedo da boca. - Não me entenda mal... Acho que desarmar bombas e armadilhas é um saco, mas estava disposto a dedicar meu tempo a isto. Não
entendo. Eles partiram porque Throe debandou e provavelmente os denunciaria? Eles devem saber que iríamos vir tão logo arrancássemos o endereço daquele puto.
Os olhos brancos de V se voltaram à casa vazia. - Perderam uma excelente chance.
- Nunca pensei que Xcor fosse estúpido... Ou preguiçoso. - Rhage deu de ombros. - Talvez eles estejam sem grana.
- Duvido que seja falta de recursos, - Phury murmurou. - Dá para ver que estão bem armados pela matança que executam no centro.
Após uma discussão rápida, decidiram voltar para relatar a Wrath que Throe não havia mentido. No entanto, antes de se desmaterializarem, Rhage falou com o pirulito
na boca.
- Ouça, se importam se eu me atrasar um pouco?
- Sem problemas, a gente vai na frente e adianta o relatório. - V disse.
- Obrigado, meus irmãos. Só preciso de dez minutos.
Ele saudou os companheiros guerreiros, e então, um a um, todos desapareceram...
... Mas ao invés de retomar forma no quintal dos fundos da antiga casa de Darius, aonde Wrath conduzia as audiências com seus civis, Rhage se materializou em
frente a uma casa grande, mas, muito menos opulenta, nos subúrbios. Um Volvo XC70 azul estava estacionado na aléia e, embora todas as cortinas estivessem baixadas,
luzes eram vistas em cada janela ao redor da casa de três andares.
Rhage pegou o celular, buscou em Favoritos, e apertou "Verde-significa-vai". Enquanto chamava, ele mudava o apoio do corpo, de pé para pé, com impaciência.
- Ei, - ele disse quando a chamada foi respondida. - Está bem?
- Ei, - sua Mary, sua perfeitamente linda e brilhante fêmea, soava mal. - Como você sabia?
Instantaneamente, a besta surgiu sob sua pele, pronta para despedaçar qualquer coisa ou qualquer um que ameaçasse a companheira deles. - O que aconteceu?
- Temos problemas com uma de nossas mães.
Os olhos de Rhage perscrutaram as janelas. - Posso ajudar?
- Onde você está?
- No gramado.
- Vou descer.
Rhage desligou o telefone e recompôs rapidamente a roupa, ajeitou o cabelo, assegurando-se de que a jaqueta estava em posição correta e puxou a calça de couro
para cima.
O Lugar Seguro foi fundado por Marissa para atender às necessidades das vítimas de violência doméstica dentro da Raça. Embora humanos tenham um monte de programas
e recursos para suas mulheres e crianças, vampiras fêmeas e seus filhos não tinham absolutamente nenhum lugar para onde correr até Marissa fundar aquele abrigo.
Contavam com assistentes sociais treinadas, graças ao mundo humano, curso noturno ou à distância, e enfermeiras chefiadas pela Dra. Jane e Ehlena, as residentes
podiam ficar, gratuitamente, por tanto tempo quanto precisassem até se recuperarem e se sentirem seguras.
Machos não eram permitidos lá dentro.
Pelo que sabia, havia pelo menos doze pessoas no abrigo, naquele momento, embora aquele número fosse variável, e graças ao Anexo Wellesandra, construído por
doação de Tohr em memória de sua amada primeira shellan, sempre havia vagas.
A porta principal se abriu e Mary saiu, trancando a porta às suas costas. De braços cruzados, ela estremeceu ao correr pelo gramado, e custou-lhe toda sua força
de vontade para não ser ele a cruzar a distância entre eles. Mas tinha de respeitar os limites da propriedade.
Abrindo bem os braços, caiu de joelhos quando ela chegou ao seu alcance, para poder abraçá-la e erguê-la do chão. Para ele, ela não pesava nada, mas oh Deus,
era vital, seu corpo cálido contra o dele, os braços enlaçando e apertando o seu pescoço, seu aroma acertando-o como calmante e uma dose de café expresso ao mesmo
tempo.
- Minha Mary, - ele suspirou. Dentro dele, sua besta ronronou de satisfação. - Minha garota Mary.
Ele começara a chamá-la daquele jeito há algum tempo. Não fazia ideia do motivo. Talvez porque, cada vez que o fazia, ela sorria.
Rhage tornou a colocá-la no chão, mas manteve-a abraçada contra si. Acariciando lhe os cabelos cor de coco, não gostou de sua palidez. - O que diabos está acontecendo?
O som que ela emitiu foi de exasperação. Exaustão. Tristeza. - Você se lembra daquela mulher e criança que resgatamos com Butch, cerca de dois anos atrás? Talvez
dois anos e meio? A mãe era vítima há anos, assim como o filho.
- Sim, foram as primeiras atendidas pelo programa.
- Bem, a mãe não está bem. Ela não disse a ninguém que estava grávida quando chegou aqui. Escondeu tão completamente, que nenhum de nós fazia a menor ideia do
que estava acontecendo. A gestação típica é de dezoito meses, mas pelo que Havers nos disse, alguns bebês podem morrer no útero e continuar por lá indefinidamente,
o que não é possível com humanos. No entanto, Havers disse que já viu acontecer, em casos raros.
- Espere. O que? Está dizendo que ela...
- Sim. É terrível.
Rhage tentou imaginar uma fêmea carregando um feto morto dentro do útero. - Jesus.
- Ela ficou cada vez mais doente e mais fraca... Até perder a consciência e chamarmos a Dra. Jane e Ehlena. Jane tirou o feto, mas a mãe... - Mary balançou a
cabeça. - A mãe não está se recuperando. Tem uma infecção que não está cedendo e não parece bem. Para piorar tudo, se recusa a ser tratada e nada a faz mudar de
ideia.
O que significava que Mary é quem havia estado na linha de frente.
Rhage abraçou-a contra o peito e sentiu-se um imbecil por ter enviado aquela mensagem de texto, enquanto ela lidava com questões de vida e morte. - Há algo que
eu possa fazer?
Ela se afastou e olhou para ele. - Na verdade, esta pequena pausa está me dando um novo fôlego. Sua vinda não poderia ter sido em melhor hora.
Ele pensou no que estava acontecendo na clínica com Selena. A situação estava pesando sobre ele por alguma razão, mesmo que ele não fosse tão próximo a Trez.
Mas era um bom macho. Um verdadeiro durão, mas com bom coração.
- Bom, me avise. - Ele acariciou o cabelo da companheira de novo. - Se houver algo que eu possa fazer.
Quando ela se ergueu na ponta dos pés, ele a encontrou no meio do caminho, beijando seus lábios uma, duas vezes e de novo. Ela era, mais ainda do que seu coração
ou seus Irmãos, a coisa mais importante em sua vida. Do instante em que ela falara com ele pela primeira vez, e ele fechara os olhos e cambaleara ao som daquela
voz, se perdera para ela.
Sem ela, como sua bússola? Ele seria pior do que amaldiçoado.
- Eu te amo, - ele sussurrou, - agora e para sempre.
- Tentarei voltar para casa ao amanhecer, mas não sei se vou conseguir.
- Faça o que precisar fazer aqui. Eu te ligo, e você me atualize quando puder.
- Você é tão compreensivo.
Como se ela soubesse que estar longe dela durante o dia era um tipo de inferno para ele.
- Você faz o mesmo por mim, garota Mary. E seu trabalho aqui é muito importante.
Ela ergueu a cabeça, com o olhar sério. - Obrigada. Sabe, isto é... Muito gentil da sua parte.
- É a verdade. - Ele beijou-a de novo - Vá agora. Volte à sua paciente.
Sua Mary tomou-lhe a mão e apertou. - Eu te amo também.
Ele ficou onde estava, observando-a correr de volta para a porta da frente, tirar sua chave e voltar a entrar na casa. Um pouco antes de desaparecer, ela lhe
deu um aceno.
Quando as portas se fecharam, ele imaginou-a fechando as trancas e ferrolhos, garantindo que todos estivessem seguros. Trabalhando para melhorar as vidas das
fêmeas e das crianças lá dentro.
Após um momento, ele pegou o celular e verificou de novo. Nada. Trez ainda não tinha respondido.
Fora para Trez a segunda mensagem de texto que ele enviara.
Com um palavrão, desmaterializou-se para a antiga casa de Darius, e enquanto viajava, a imagem de Trez disparando para fora da sala de exames o incomodava, o
consumia.
Merda, ele esperava que Selena estivesse bem. Por algum motivo, isto era de importância vital para ele.
Capítulo DEZENOVE
O coração de Xcor estava acelerado quando se sentou de frente para Layla. Ela escolheu a poltrona no canto para se sentar e, em consequência, a luz do fogo alcançava
apenas as pernas dela. No entanto podia imaginá-la toda, cada detalhe de seu rosto, sua garganta, conhecia seu corpo como o dele próprio.
A pergunta que ela lhe fez era como uma presença física entre eles.
- Então? - Perguntou. - Chegou o momento...?
O temor era evidente em sua voz, levantou a mão e acariciou seu rosto. Diferente dela ele estava totalmente iluminado e não queria que ela fosse capaz de vê-lo.
Se já estava ansiosa, a visão dele não iria ajudar.
- Xcor.
- Não sou um animal.
- Desculpe?
- Eu nunca... A tomaria em sua condição atual. Isso seria animalesco.
A respiração dela foi audível inclusive sobre o crepitar do fogo. E não pela primeira vez, odiou a posição em que se encontrava. Estava sendo ativamente dominante
sobre ela, obrigando-a a estar ali com ele, mantendo-a presa por um compromisso quando, obviamente, ela não o escolheria livremente, apesar do fato disto a colocar
em perigo.
A Irmandade da Adaga Negra não perdoava inimigos como ele. E confraternizar com um conhecido traidor era uma ofensa capital de acordo com as Antigas Leis. Considerando
que ele e seus Bastardos conseguiram colocar uma bala na garganta de Wrath no último outono? Isto não os colocava na categoria... De como eram chamados... Escoteiros?
- Nove meses.
- O que?
- Faz que nos encontramos.
Pensou novamente no início, quando ela lhe ofereceu seu pulso sob aquela arvore. E mais tarde, quando se desarmou e entrou no carro com ela. Ele a beijou então...
- Está excitado? - Perguntou.
Quando ele retrocedeu, seu corpo se moveu por vontade própria, seus quadris se elevaram antes que pudesse impedir o movimento.
- Você está?
- De verdade quer que responda a isto?
- Eu perguntei, não foi?
- Sim.
Houve uma longa pausa. - Você aceita que lhe pergunte isto?
Deixou cair uma mão e ficou em um canto escuro, dando-lhe todas as oportunidades para lembrar-se de exatamente com quem estava conversando. - Acho que teremos
que mudar de assunto.
- Responda.
- Eu já o fiz.
Dado o som que fez em sua garganta, ele sabia muito bem que ela estava engolindo em seco e não se arrependia fazê-la se sentir incomoda. Depois de muitas noites
repetidamente encontrando-se, toda semana, nunca foi para o seguinte nível. Ao menos, não enquanto ela estava em sua presença.
Quando estava somente com as lembranças dela? Todas as apostas subiam. Neste momento, no entanto, sentia-se no limite e queria cruzar a linha que não deveria
sequer ser comentada. E dizia a si mesmo que era por causa da gravidez.
Claro que era...
- Quero ver.
Xcor ficou lívido, seu fôlego congelado no peito assim como seu coração. - Por quê? Tenho certeza que conhece a anatomia masculina, e em qualquer caso, não posso
entender porque suas dimensões precisas seriam de interesse neste exato momento, por assim dizer, vamos.
- Mostre.
Franziu o cenho e olhou para as janelas. Tinha puxado as cortinas. Seus Bastardos foram lutar e não iriam regressar para a casa principal na propriedade até
perto da madrugada. Mas, aconteciam lesões no campo e em algumas ocasiões, requeriam tratamento fora das ruas do centro...
Espere um momento. Ele não iria abaixar a calça. Assim que esta reflexão era desnecessária.
Xcor ficou em pé e se negou a olhar além do fato de que ele não queria se expor a ela.
- Devemos concluir este encontro agora.
- Por quê? Eu gostaria de vê-lo. É um pedido muito simples.
Nem sequer de perto, pensou. - Porque quer fazer isto?
- Pensei que quisesse fazer sexo comigo. Este é o ponto de tudo isto, não é assim?
Xcor aproximou-se dela, seu temperamento aparecendo, junto com o calor em suas veias. Apoiando as mãos nos braços da poltrona, inclinou-se, obrigando-a a encostar-se
às almofadas.
- É minha intenção. - Respondeu. - Quando chegar o momento poderá olhar a vontade. Assim não vejo no que um show agora iria ajudá-la.
Uma onda de raiva substituiu o choque. Ela já havia demonstrado medo. Cortesia. Uma cortesia que o fez respeitá-la.
Isto era novo.
- O que te incomoda? - Perguntou. - O que já fiz para você neste estado?
Sem aviso e com uma força surpreendente, ela o empurrou fora do caminho e levantou-se da poltrona.
Layla andava ao redor, fazendo um círculo fechado em frente ao fogo e suas emoções eram tão fortes que vibravam no ar. Finalmente parou diante das chamas, colocando
as mãos nos quadris como pensasse em discutir com ele.
- Minha irmã está morrendo. - Disse.
Xcor soltou seu fôlego em uma maldição. - Sinto muito.
- Sua vida está chegando ao fim. - As mãos de Layla foram para seu ventre inchado. - Nunca tive um amante. Apesar desta gravidez, sinto-me como se fosse virgem.
Xcor colocou seu peso sobre o braço acolchoado da poltrona. Estava quase colapsando. Por um lado, odiava pensar na mecânica de como concebeu a criança. Por outro...
Balançou a cabeça, jogando pensamento de lado. - O macho não a maltratou, verdade?
- Oh não. Eu gosto de Qhuinn. Ele é da família. Mas, como disse, o ato aconteceu em minha necessidade com a única finalidade de ter uma criança. Mal posso me
lembrar do que aconteceu. - Ela o olhou, o resplendor vacilante deixando-a incrivelmente bonita. - Minha irmã está morrendo. E estou vida e não vivi. Por isso eu
peço... Me mostre.
Não era para ser assim entre eles.
Layla não tinha a intenção de revelar esta verdade sobre si mesma para Xcor. Ou mesmo pedir-lhe que fizesse isto. Mas, desde que entrou nesta casa, seu cérebro
funcionava em duas vias: uma ali com ele e outra de volta a sala de exames no Centro de Treinamento. Onde estava o corpo retorcido de sua irmã e todos horrorizados
ao descobrir que outro deles foi infectado.
Paranóia a fazia se perguntar se tinha doença; se poderia passar para sua criança. Não sentiu nenhum dos sintomas, mas, quando Selena sentiu? Layla era mais
nova que a Escolhida... Era apenas uma questão de tempo?
Claro, havia uma boa possibilidade de estar realmente paranóica, ainda mais por causa de seus hormônios. Percebeu que seus pensamentos se complicavam mais a
medida que a gravidez evoluía.
No entanto, não podia mudar a realidade, assim, era uma virgem que estava grávida e tinha medo de nunca descobrir o sexo. Sentia-se irritada pelo que lhe foi
negado devido a seu destino. Agradecia pela criança e, no entanto, sentia-se sufocada pelo progresso natural de seu corpo.
E Xcor era o único que podia mudar isto. Alguns Irmãos não estavam acasalados e ela não pensava neles sexualmente. Além disso, não era como se estivesse a ponto
de entrar em uma relação com alguns deles, de qualquer forma.
Xcor era sua única via para expressar a mistura tóxica de temor e anseio.
Limpou a garganta. - Precisa considerar isto melhor.
Abaixando o olhar, concentrou-se no quadril dele, na longitude avultada atrás do zíper da calça de combate. - E estou.
A forte inalação dele inflou o poderoso peito e deixou cair as mãos para se cobrir. As veias correndo entre seus dedos eram outro símbolo do poder de seu corpo
e, de repente, se perguntou como seriam as mãos dele em seu sexo.
- Pense novamente. - Disse. - E reconsidere.
- Não.
- Não sou um brinquedo, Layla. Não fui feito para brincar e depois ser guardado a sua vontade. Uma vez que abre certas portas, elas dificilmente são fechadas.
Você entende? Tenho toda intenção de tê-la, mas, vou me esforçar para honrá-la e respeitá-la por sua condição. Isto vai contra minha natureza, no entanto se me pressionar
demais vou mudar isto. Especialmente quando se trata de sexo.
Quando as palavras dele flutuaram sobre o ar tenso, os olhos desceram por seu corpo, fazendo-a se sentir nua apensar de estar completamente vestida. E redonda
pela gravidez.
- Apenas quero vê-lo. - Ouviu-se dizer. - Quero ver como é dar prazer a si mesmo. Gostaria de começar por aí.
Xcor fechou os olhos e estremeceu. - Layla.
- Está dizendo meu nome como um não?
- Não vou negar. - Ele gemeu, abrindo os olhos. - Mas, você tem de ter certeza de que quer isto. Pense mais um dia.
Neste momento, ele segurou seu membro, fechando o punho ao redor da ereção pesada.
- Amanhã à noite, então. - Ouviu-se dizer.
Mas, ela já sabia que o atraso não iria mudar nada, apesar de que entendia que em algum nível ele tinha razão. Estava a toda velocidade nisto, como se estivesse
usando todo o sofrimento por Selena e canalizando em algum tipo de expressão selvagem.
- Amanhã. - Afirmou. - Agora tem de ir.
Caminhando até a porta, se virou para olhá-lo. Ele possuía linhas afiadas, seus ombros apertados e altos, os antebraços cheios, as coxas pulsando como se fosse
saltar adiante a qualquer momento.
- Xcor...
- Vá. - Ele gritou. - Saia daqui. Saia pelo inferno daqui.
Segurando a maçaneta, ela abriu a porta e saiu na noite fria. Em comparação com o calor da casa, o ar estava forte e gelado em seu nariz e seu casado lhe ofereceu
pouco conforto. Ela não prestou atenção à forte mudança...
Xcor fechou a porta atrás dela, e conforme ela estrondava no local com a batida, ela ouviu clique do mecanismo de bloqueio!
Ela precisava ir embora.
Ela iria embora.
Ao invés, ficou onde estava, respirando com a boca aberta e soltando ar até ser consumida pelo frio. Olhando ao redor, não havia indícios de ninguém pela propriedade,
não havia sons de pessoas caminhando ou conversando, nem luzes se filtravam através das arvores.
Ela não queria ir embora.
Pisando com cuidado a fim de evitar galhos caídos que podiam delatar sua presença, ela foi para a janela da sacada. Uma fresta entre as cortinas lhe permitia
ver dentro da sala acolhedora.
Onde estava?
Abruptamente Xcor apareceu à vista, o ritmo de um animal enjaulado, adiante e atrás. Seu rosto estava duro em uma careta, as presas alongadas, os músculos da
forte coluna de seu pescoço tensos. Por último, girou ao redor da lareira e lançou o punho nas pedras como um morteiro.
Ela fez uma careta, mas ele não pareceu sentir nenhuma dor.
Estendendo as palmas ele apoiou seu peso contra a parede, inclinando seu corpo contra o fogo. O sangue escorria do dorso de sua mão e por entre seus dedos, duplos
rios de sangue escuro desciam pela manga de sua camisa preta. Um momento depois, ele deixou cair sua mão ensanguentada. A princípio pensou que estava tremendo pela
ferida. Mas, logo sua calça se moveu, sendo puxava para a esquerda e depois para a direita.
Seus ombros se agruparam e sua coluna vertebral se sacudiu.
Ele segurou a si mesmo.
Layla mordeu o lábio inferior e se inclinou mais perto, até que seu nariz bateu no vidro frio. O resplendor laranja cortava a silhueta negra do corpo de Xcor
e ampliava sua postura, sua cabeça estava inclinada adiante.
Seu cotovelo se movia para trás e para frente.
Ele estava acariciando a si mesmo.
Fechou os olhos por um momento, apoiando-se na janela da sacada. Quando abriu os olhos novamente ele estava trabalhando mais rápido. E mais rápido.
Xcor virou a cabeça de lado e mostrou as presas. Afundando suas presas afiadas nos músculos altos do ombro, através da camisa; seu rosto uma careta de dor como
se estivesse em uma agonia erótica.
E logo seus quadris foram para frente até as chamas, uma e outra vez até chegar a seu clímax.
Retrocedendo, ela... Tropeçou em um galho e caiu em nada além de ar. Entre sua grande barriga e sua distração, ela tentou se virar e se segurar em algo para
evitar o chão duro. Aterrorizada pela segurança de sua criança, ela caiu, seu quadril levando a maior parte do impacto, seu braço apoiando-a.
A agonia foi imediata e espantosa, uma onda de náuseas se apoderando dela. Gemendo, ficou completamente imóvel. - Certo, certo... Certo...
Ela realmente tinha de sair dali agora mesmo.
Lutando para ficar de pé, fez seu caminho até o carro enquanto mantinha o braço contra o corpo. Quando chegou o momento de abrir a porta do motorista, teve de
apoiar o braço machucado na janela de trás para ficar com uma mão livre e precisou recuperar o fôlego depois que se sentou atrás do volante.
Colocando a Mercedes em movimento, sentiu-se mais fraca, mas conseguiu dar a volta e entrar na estrada principal. Foi então que percebeu que sem a direção de
Xcor, não tinha ideia de como chegar em casa.
Lágrimas de frustração se agruparam em seus olhos e ela sentiu inveja da capacidade de Xcor de golpear algo. Se pudesse, teria feito.
Mas ela já tinha quebrado o braço.
Ela não precisava de juntas arrebentadas.
Capítulo VINTE
iAm seguiu as instruções de s'Ex ao pé da letra, esperando durante uma boa hora e meia antes de se desmaterializar do apartamento no Commodore para os arredores
do Território s'Hisbe. Quando recuperou sua forma na floresta, ele percorreu aproximadamente trezentos metros até o rio que circundava uma formação rochosa de granito
no formato da cabeça de Lincoln, o presidente humano.
Ele encontrou o traje onde o executor disse que estaria, dobrado sob o queixo fendido do rosto improvisado. Conforme tirava suas roupas e colocava a indumentária
tradicional farshi de um servo macho não acasalado das classes mais baixas, ele ficou surpreso ao descobrir que sentia-se completamente vulnerável sob a folgada
veste cinza.
Claro que ele manteve seu punhal e arma de fogo junto ao corpo: Contar com s'Ex era necessário nesta situação, mas ele não confiava no filho da puta mais longe
do que poderia atirá-lo.
O Território ficava ao norte de Caldwell, nas terras de transição entre os cumes do Parque Adirondack e a área plana nas cercanias de Plattsburg. Disfarçada
como uma colônia de artistas, a propriedade de dois mil hectares quadrados era toda cercada por um substancial muro de concreto que era tão alto e robusto quanto
um carvalho. Os poucos humanos nas comunidades adjacentes ao lote tinham, há muito, se acostumado com a presença dos "artistas" e pareciam ter um prazer perverso
em proteger a santidade da propriedade e a "arte" que estava sendo feita em seu meio.
O que funcionava bem para o s 'Hisbe.
A ironia, é claro, era que a meros trinta e dois quilômetros ao norte, no outro lado da montanha, sabe quem estavam? Os Symphaths, que também estabeleceram sua
presença.
A proximidade fazia sentido. Nenhuma das subespécies tinha enorme ânsia em fraternizar com qualquer outro; os devoradores de pecado não respeitavam humanos ou
outros vampiros mais do que os Sombras, então quanto mais isolado melhor. Sendo assim, nunca houve quaisquer enviados ou enlaces diplomáticos entre as duas nações.
Eles eram tão distantes quanto dois estranhos sentados lado a lado em um ônibus, querendo nada um do outro além de ser deixados em paz.
Ele não podia acreditar que estivesse voltando.
Deixando suas próprias roupas onde as que lhe foram fornecidas estavam escondidas antes, iAm partiu a passos largos. As correias de couro em seus pés eram mais
como luvas do que como sapatos, e na medida em que viajava através do terreno áspero, ele sentia nuances de varas caídas, pedras fortuitas e terra irregular. A vantagem
era o silêncio. Exceto por um ou outro estalo ocasional, ele era tão silencioso quanto o luar que caía dos céus.
Não demorou muito até que chegasse ao muro de contenção. Erguendo-se até muito alto, a enorme construção estava riscada por manchas de sujeira e vinhas ao acaso,
e aqui e ali galhos caídos inclinavam-se em ângulos estranhos contra seu flanco.
No entanto, iAm não foi enganado por sua aparência supostamente deteriorada, e ao passo que se desmaterializou por sobre e para o outro lado disso, ele não lembrava
quão larga essa coisa era.
Tomando forma novamente, ele levou um momento para se orientar. Fazia muito tempo desde que tinha posto os pés na terra de seu povo, mas, ele não devia ter se
preocupado que qualquer coisa mudasse. Ao contrário da fachada que era mostrada ao mundo exterior, a antepara no lado Sombra estava imaculada, com seu concreto pálido,
alvejado pelo sol e perpetuamente lavado, nem sequer lâminas de grama crescendo fora de lugar ao redor de sua base.
E nenhuma floresta desordenada. De jeito nenhum. As árvores que foram autorizadas a crescer estavam espaçadas como peças de xadrez em um tabuleiro branco e preto,
cada uma com seu próprio lugar delimitado, tendo até mesmo seus galhos cortados para que ficassem dentro de seus limites. O gramado estava igualmente mantido limpo
como um tapete. Apesar do outono ter conduzido a uma mudança de cor e inevitável queda de folhas dos galhos, não havia um único fragmento de qualquer coisa arruinando
aquela vastidão.
iAm pensara muitas vezes que o Território era como um globo de neve, uma versão construída da realidade que existia dentro de uma cápsula artificial.
Essa impressão ainda permanecia.
Retomando seu passo, ele correu por sobre a grama marrom. Logo os primeiros assentamentos surgiram, unidades habitacionais que eram pouco mais que barracas feitas
de madeira, pintadas de preto e que possuíam tetos forrados com painéis de estanho mantidos na cor prata. Tal como as árvores, os abrigos foram colocados em fileiras
ordenadas, com nenhuma luz brilhando do lado de dentro, nenhum cheiro de cozimento, nenhuma conversa filtrando-se para fora deles. Este era o lugar onde os empregados
do palácio residiam, e eles usavam as frágeis construções somente como local de dormir e fornicar. De outra maneira, eles eram alimentados, vestidos e banhados na
ala de funcionários do grande enclave da Rainha.
Os muros do palácio surgiam há certa distância adiante, e eram muito mais altos do que a primeira barreira. Com sua cobertura de mármore branco e polido a um
alto brilho, eles eram escrupulosamente conservados de ambos os lados, esfregados à mão durante o dia por encarregados da manutenção em escadas de dez metros de
altura.
Assumindo que as coisas ainda fossem feitas assim. E, vamos lá, nada mudava por aqui.
Seguindo em paralelo à parede, ele manteve-se rente a esta até que chegou a uma porta de entrada marcada com símbolos.
Caminho certo na primeira tentativa.
Verificando seu relógio, iAm esperou. Passeou de um lado para outro. Perguntou-se onde s'Ex estava.
Ninguém estava por perto. Esta era a parte de trás do palácio, longe de onde os aristocratas e de classe média viviam na parte dianteira do Território; mas então,
por causa do período de luto, era esperado que todos os cidadãos estivessem em suas casas, de joelhos, oferecendo seus respeitos ao céu noturno pela perda da Rainha.
Sendo assim, até mesmo uma abordagem frontal provavelmente teria sido boa.
O plano era que o executor abrisse a porta e o levasse furtivamente através do labirinto de corredores até a biblioteca. Como iAm estava usando os trajes de
um servo, não haveria perguntas. S'Ex sempre teve livre acesso ao palácio e à seus funcionários, graças à sua posição como capanga principal da Rainha...
O golpe veio de trás e pegou iAm no crânio, fazendo com que soassem sinos tão alto em sua cabeça que ele teve a merda de um blecaute em uma fração de segundo.
Ele nem estava ciente de cair de cara no chão. E nem houve tempo para amaldiçoar o fato de que cometeu um erro ao confiar naquele macho ou tentar puxar uma de
suas armas.
Tarde demais.
De volta à mansão da Irmandade, Selena emergiu do túnel subterrâneo e teve de tomar fôlego para se reorientar no foyer principal. Parecia que tinha se passado
cem anos desde que esteve no grande espaço.
Como as coisas tinham terminado assim? Ela pensou enquanto dava a volta na base da escadaria ornamentada.
Por um lado, ela não esperava estar viva, muito menos se movendo; ou sequer parcialmente se movendo. Por outro lado? Ela tinha ido de querer se apressar para
dizer a Trez como se sentia sobre ele... A querer arrancar a cabeça dele, como os Irmãos diriam.
- ... Primeira Refeição agora. E continuando os preparativos, nós devemos...
Ao som da voz de Fritz, o mordomo, ela começou a subida. Suas pernas estavam fracas, seus músculos se esforçando para ativar articulações que continuavam duras
e doloridas. A fim de manter o equilíbrio, ela teve de agarrar a balaustrada folheada a ouro com uma mão e então, quando mais perto do topo, com ambas as mãos. Sua
túnica, que tinha sido limpa em algum momento, parecia pesar cem quilos.
Uma onda de alívio atingiu-a quando chegou ao segundo andar sem ser notada. Não que ela não gostasse de Fritz ou seu pessoal ou qualquer membro da Irmandade.
Ela só sentia-se muito exposta. Parte do que lhe ajudara a lidar com sua doença foi mantê-la em sigilo. Então, quando ela estava ao redor dos outros podia fingir
que era igual a eles, com uma longa expectativa de vida e prioridades que envolviam coisas normais como trabalhar, dormir e comer.
Agora? Todo mundo saberia.
Não havia privacidade na mansão; e isso estava bem. As pessoas eram adoráveis e apoiavam uns aos outros. Era só que... Tinha levado anos e anos para que ela
chegasse a um acordo com sua doença.
Os outros seriam confrontados com sua realidade em pouco tempo, e ela não queria ser lamentada.
Indo para o início do corredor de estátuas, ela parou na discreta porta à esquerda. Abrindo-a com uma mão trêmula, ela enfrentou ainda outro lance de escada,
e teve de esperar um momento para reunir sua força.
Ela acabou subindo mais lentamente do que na escadaria principal. Mas então, ali era menos imperativo correr e se esconder. As únicas outras pessoas que usavam
esta escada eram as da Primeira Família, que viviam em um triplamente trancado e isolado espaço que ninguém, exceto Fritz, tinha permissão para acessar... E iAm
e Trez.
A porta do quarto de iAm acabou por estar escancarada, uma luminária ardendo em um canto distante iluminando o asseado e desocupado espaço com suas antiguidades
e tecidos finos.
A de Trez estava fechada.
Selena bateu, então encostou a orelha nos painéis. Quando não houve resposta, ela bateu novamente.
Talvez ele não tivesse subido para cá?
Ela sabia que ele tinha negócios no mundo humano, mas ele pareceu tão exausto quando deixou a clínica. Parecia apenas razoável que...
- Sim?
Engolindo em seco, ela disse:
- Sou eu.
Longo silêncio. Tão longo que ela se perguntou se ele tinha quebrado uma janela e se desmaterializado para fora do quarto apenas para evitá-la.
Mas, eventualmente, a voz dele ressurgiu:
- Você está bem?
- Eu posso...?
- Espere.
Um minuto mais tarde a porta se abriu, e ela teve de dar um passo para trás. Ele era tão grande... E estava tão desnudo; embora não era como se ele estivesse
mostrando qualquer coisa. Ele colocou um roupão, e a nua e escura pele de seu tórax revelava-se no V entre as lapelas.
Era impossível não imaginar como o resto dele se parecia sob isso.
- Você está bem? - Ele repetiu.
Por alguma razão, ela ficou frustrada por sua preocupação. O que era insano. Ele estava sendo cortês e solícito... Isso apenas a fazia sentir como se não fosse
nada além desta doença dentro de si.
- Eu, ah... - Ela olhou ao redor. - Nós podemos fazer isso em particular?
Em vez de responder, ele moveu-se para um lado e indicou o caminho com o braço. Depois que atravessou o limiar, ela ouviu a fechadura da porta clicar ao ser
trancada.
- Quero me desculpar. - Ela parou diante das janelas e se virou. - Eu sinto muito. Minhas emoções estão em carne viva nesse momento, e minha sinceridade fugiu
de mim.
Trez cruzou os braços sobre o peito e inclinou-se contra a porta. A expressão dele era inescrutável, os olhos escuros severos, seu cenho franzido.
Quando o silêncio prosseguiu, ela pigarreou. Trocou o peso do corpo de um lado para outro. Preencheu seu tempo examinando a cama desfeita. As roupas pretas largadas
sobre a chaise. Os sapatos tinham sido chutados perto do armário. A toalha tinha sido pendurada na porta que levava ao banheiro de mármore.
- Então... - Ela limpou a garganta. - É isso que vim aqui dizer.
Querida Virgem Escriba, seria assim entre eles?
- Quanto tempo? - Ele perguntou asperamente.
- Como assim?
- Quanto tempo você tem? Até o próximo... Seja lá o que for. Quando foi o último?
Há duas semanas... Ou, melhor dizendo, treze dias.
- Há um mês. Talvez mais tempo.
Os ombros dele relaxaram. - Eu queria ter perguntado isso antes.
Novamente, ele ficou em silêncio.
- Trez, eu realmente sinto muito...
- Não há nada pelo que se desculpar. As coisas são como são. Não estou insultado, e não vou tentar fazê-la mudar de ideia sobre como se sente.
- Você parece insultado.
- Eu não estou.
- Trez...
- Como você está se sentindo?
- Muito bem! - Ela disparou. E então conteve seu temperamento. - Sinto muito. Eu só... É como se você estivesse se afastando de mim.
- Eu não estou.
- Você não está conversando comigo.
- Então por que meus lábios estão se movendo?
- Como é que isso está acontecendo de novo? - Ela murmurou enquanto refletia sua postura, cruzando os braços sobre o próprio peito. - Só quero que as coisas
sejam... Normais entre nós.
- Elas estão.
- Besteira! Você está aí em pé feito uma estátua; esse é meu trabalho, ok? Eu sou a pessoa que deveria estar se afastando. Por que você não pode ser sincero,
e mandar que eu vá me foder, ou me dizer que fui uma vadia, ou...
- Você quer que eu seja honesto?
- Sim, droga! - Deus, ela estava soando cada vez menos como uma Escolhida. Amaldiçoando, usando a língua vernácula. Mas, então, ela estava se sentindo cada vez
menos como uma Escolhida. - Olá? Você ia dizer alguma coisa?
- Você tem certeza?
- Pelo amor de... Olha, se você quer que eu vá...
- Não. Quero você deitada de costas, em minha cama, com suas pernas abertas e minha boca por toda parte sua.
Selena deixou de falar. Respirar. Pensar.
Ele ergueu uma sobrancelha. - Isso foi honesto o suficiente para você? Ou quer que eu volte a fingir que não estou pensando em sexo agora mesmo? Com você.
Certo, agora ela era aquela a ficar em silêncio. E ele riu rudemente.
- Não era o que você tinha em mente, hein? Eu não te culpo. - Ele girou a maçaneta da porta, abrindo-a e repetindo seu gesto de "por esse caminho". - Se você
quiser continuar conversando agora, sugiro que deixe que me vista e me encontre com você em território neutro.
Selena olhou para os quadris dele. Ela havia experimentado todo seu corpo apenas uma vez, quando ele tirou sua virgindade, e ela estava bem ciente de que ele
era phearsom9.
Ele estava duro agora?
- Selena? - Um flash de aborrecimento vincou seu rosto. - Me deixe te encontrar lá embaixo. Na cozinha.
Inconscientemente, ela ergueu suas doloridas mãos para o cordão das próprias vestes.
Os olhos dele imediatamente seguiram o movimento.
- O que você está fazendo? - Ele exigiu.
Ela desatou o nó e deixou que a peça de seda escorregasse. Com cada fôlego que ela tomava a túnica descia cada vez mais por seus ombros, até que uma extensão
de carne que ia de sua garganta até o sexo foi exposta. O olhar fixo de Trez, aquele escuro olhar fixo, foi descendo, ao mesmo tempo em que a essência dele surgia,
enchendo o quarto com um tempero erótico.
Selena empurrou a túnica dos ombros, deixando o suave tecido escorregar para o chão.
- Você poderia fechar a porta? Eu gostaria de ter um pouco de privacidade.

 

 

CONTINUA