Irmandade da "Adaga Negra"
Capítulo OITO
Quando o nascer do sol começou a surgir no Leste, Xcor, o líder do Bando dos Bastardos, reassumiu forma em frente a uma modesta casa colonial. A casa que ele
e seus soldados usavam como esconderijo há quase um ano ficava no fim de uma rua sem saída em uma vizinhança cheia de humanos de meia-idade e da classe média. Throe
havia alugado com a perspectiva de comprá-la, apostando na veracidade da teoria de se esconder em plenas vistas, e a propriedade vinha funcionando satisfatoriamente.
Havia luzes no interior, a iluminação sangrava pelas frestas das cortinas fechadas e ele imaginou o que os seus guerreiros estavam fazendo lá dentro. Recém-saídos
da briga com lessers nos becos do centro de Caldwell, provavelmente estariam tirando as roupas manchadas de sangue e dividindo os mantimentos da geladeira e dos
armários da cozinha. Eles também deviam estar bebendo, embora não sangue para fazê-los mais fortes, e nem água para reidratá-los, mas ao invés disto, álcool, como
um remédio interno para sarar as novas contusões, cortes, hematomas.
Subitamente, sua nuca começou a formigar em apreensão, informando-o, como se a queimadura de pele exposta de suas mãos não o fizesse, que tinha pouco tempo para
esconder-se do sol, entrando na casa.
E ainda assim, não tinha vontade de entrar. Ver os soldados. Consumir alimento antes de se retirar para o andar de cima, para aquele quarto doentiamente feminino.
Seu vício não havia sido satisfeito.
Layla não viera esta noite.
Com uma maldição, tirou o aparelho celular e discou no teclado numérico, um número baseado em um padrão que havia memorizado. Levando o celular ao ouvido, ouviu
seu coração acelerado trovejar acima do toque de chamada.
Não havia mensagem personalizada de correio de voz ativada naquela conta, então após chamar seis vezes, um anúncio automático detalhando o número fez-se ouvir.
Ele não deixou uma mensagem.
Dirigindo-se à porta, preparou-se para o ataque de barulho e caos. Seus Bastardos inevitavelmente estariam eufóricos em ondas de adrenalina, queimando o resto
do combustível que os movera na luta, e que demorava a se dissipar.
Abrindo a porta Xcor congelou ao pisar na soleira.
Seus cinco guerreiros não estavam, de fato, conversando uns com os outros enquanto passavam entre si garrafas de álcool, junto com curativos e gazes para seus
machucados. Ao invés, estavam sentados nos móveis disponíveis que haviam sido alugados junto com a casa. Não havia bebidas em quaisquer mãos, e nem mesmo o som de
metal sobre metal de armas sendo limpas e adagas sendo amoladas.
Estavam todos lá: Zypher, Syphon, Balthazar, Syn... E Throe, que não pertencia ao Bando, mas que havia se tornado indispensável.
Nenhum deles o olhava nos olhos.
Não, aquilo não era verdade.
Throe, seu braço direito, era o único macho a encará-lo. Também o único do grupo a estar em pé.
Ah, então ele havia organizado este... Fosse lá o que fosse.
Xcor fechou a porta às suas costas. E manteve as armas.
- Tem algo a dizer? - Perguntou, parado à porta, sustentando o olhar de Throe.
Seu segundo em comando pigarreou e, quando falou, seu sotaque não era só da aristocracia, mas da classe social mais elevada dos vampiros: a glymera.
- Estamos preocupados com as suas inclinações, - o macho olhou em volta, - atuais.
- É mesmo?
Throe parecia esperar por algo mais como resposta. Quando nenhuma veio, murmurou uma maldição de frustração. - Xcor, onde está sua ambição? O Rei tem um único
herdeiro mestiço e você de repente se esquece de nossa jornada coletiva para o trono? Você despojou-se de seus objetivos como uma tigela vazia de seus conteúdos.
- Combater a Sociedade Lessening é tarefa de tempo integral.
- Talvez se você estivesse de fato combatendo.
- Os lessers que matei esta noite eram fruto de minha imaginação, então?
- Não é só isto que faz a noite.
Xcor expôs as presas. - Cuidado com onde está se metendo.
Throe ergueu uma sobrancelha em desafio. - Não devo falar na frente deles?
Quando sentiu os olhos de seus machos em cima de si, quis socar algo. Ele achara que seus encontros com Layla não haviam sido testemunhados. Claramente, estava
errado.
Se tivesse dito a Throe para calar a boca? Estaria condenando a si próprio a algo pior do que admitir o que andara fazendo.
- Não tenho nada a esconder, - rosnou.
- Permita-me discordar. Você passa tempo demais debaixo daquela árvore de bordo, como algum apaixonado qualquer.
Xcor materializou-se na frente do macho, de maneira que havia poucos centímetros separando-os. Ele não tocou em Throe, mas, ainda assim, o soldado recuou.
Mas não muito. - Quer contar a eles quem ela é? Ou eu conto?
- Ela é irrelevante. E minhas ambições não estão sendo restringidas por ninguém.
- Prove.
- A quem? - Xcor ergueu a cabeça e o queixo. - A quem? Ou o problema é com você?
- Prove que você não amoleceu.
Em um piscar de olhos, Xcor sacou a adaga de aço e pressionou-a na jugular do macho.
- Aqui? Agora?
Quando Throe engasgou, a ponta afiada penetrou sua carne, e uma linha de sangue vermelho brilhante sujou aquela lâmina tão brilhante.
- Devo provar em você? - Xcor disse, sombrio - Será suficiente?
- Você anda distraído, - Throe replicou. - Por uma fêmea. Você está fraco por ela!
- E você está louco! Eu escolhi não matar o Rei da Raça legalmente eleito e isto é um crime a ponto de fazê-lo começar um motim entre os meus guerreiros?
- Você estava tão perto! Quase conseguimos o trono! Os dominós estavam alinhados, a glymera ia atender as suas exigências...
Xcor pressionou mais uma vez a adaga, interrompendo a frase. - Esta reunião traidora é sobre minha ambição, ou sobre a sua? Permita-me perguntar precisamente
a perda de quem você está lamentando.
- Você não está mais nos liderando.
- Vamos perguntar a eles. - Xcor afastou-se e caminhou pela sala, olhando para as cabeças pendidas de seus soldados. - O que me dizem. Estão com ele, ou comigo?
- Quando súplicas se irromperam no ar cheio de tensão, ele virou-se para Throe. - Porque é isto o que está fazendo, não é? Apresentando a eles uma escolha. Você
ou eu. Então eu digo, vamos chegar logo ao final do jogo. Com quem ficarão, Bastardos meus?
Houve uma longa pausa.
E então Zypher ergueu os olhos - Quem é ela?
- Não foi esta a pergunta que eu fiz.
- Esta é a pergunta que eu quero que seja respondida.
Xcor sentiu seu mau humor aumentar. - Ela não é da sua conta.
De jeito nenhum no inferno ele iria explicar sua relação com sua Escolhida.
As narinas de Zypher se alargaram quando respirou fundo. - Jesus... Você se vinculou a ela.
- Não vinculei.
- Eu consigo sentir também, - alguém mais disse. - Quem é ela?
- Ela não tem importância.
Throe falou em voz alta, de forma bem clara. - Ela é uma Escolhida. Que vive com a Irmandade.
Eeeeee então se fez o caos que ele anteriormente antecipara: A sala se encheu de vozes masculinas, todos falando uns com os outros, fragmentos do Idioma Antigo
misturado com palavrões em Inglês e Alemão.
Enquanto isto, Throe retirou um lenço imaculado e pressionou o quadrado na ferida em sua garganta. - Eu ainda não consigo entender porque ela se encontra com
você... O que você oferece a ela? Deve haver algum tipo de persuasão... Dinheiro? Ou é algum tipo de ameaça?
Xcor deixou o insulto sem resposta, como se aquilo não estivesse nem perto da verdade; o macho havia acertado na mosca. A única razão pela qual a Escolhida Layla
se encontrava com ele era porque ele sabia a localização da mansão da Irmandade da Adaga Negra, e ela morria de medo de que ele fosse atacar a propriedade. Houve
uma noite, quase há um ano, quando ele havia seguido o rastro de sangue dela e se deparara com o grande segredo. E Throe estava certo, ele havia usado a descoberta
em seu favor.
Ela lhe prometera seu corpo em troca de ele se manter longe do local.
E embora ainda não tivesse possuído no sentido carnal, em respeito à sua gravidez, sua virtude e sua casta... Ele a teria.
Eventualmente, tomaria o que era dele e a marcaria como sendo sua...
Merda, ele tinha mesmo se vinculado?
Xcor voltou a atenção a Throe e aos Bastardos. - Vamos nos preocupar com este motim e não com a imaginação de qualquer um. Então o que dizem? Todos vocês. -
Houve uma longa pausa - Qualquer um de vocês.
Ele supôs, enquanto esperava pela resposta, que o fato de Throe permanecer vivo era prova de que Xcor tinha, de fato, amolecido de alguma forma. Treinado por
Bloodletter, ele não havia esquecido o que aprendera no campo de treinamento, mas, ultimamente, passara a perceber que força bruta e derramamento de sangue eram
simples meios para um fim e haviam outros que podiam ser mais eficientes.
Por exemplo, Wrath tinha provado isto no modo como havia resolvido o ataque final contra o trono. O Rei e sua companheira haviam rebatido todos os ataques contra
seu reinado, e isso sem matar ninguém, e a castração foi tão completa, que os poderes da própria lesser haviam sido extinguidos.
E Wrath, como o líder, agora eleito pelo povo, tinha poder irrestrito.
Throe rompeu o silêncio, dirigindo-se aos guerreiros. - Acredito que fui bem claro. Sinto fortemente que devíamos voltar à luta pelo trono. Ferimos Wrath uma
vez, podemos pegá-lo de novo. Ele pode ter sido eleito democraticamente, mas não pode continuar a governar se não estiver vivo. E então precisamos arregimentar apoio
com a glymera. Coordenando uma estratégia constitucional com os antigos membros do Conselho, podemos discutir que Wrath ultrapassou seus poderes e...
- Você é um tolo. - Xcor disse baixinho.
Throe virou-se e encarou-o com um olhar hostil. - E você é um fracasso!
Xcor negou com a cabeça. - As pessoas foram consultadas. Elas escolheram colocar Wrath no trono que havia anteriormente herdado, e não há luta a ser vencida
quando não há uma frente, mas milhares. Leis tradicionais e normas culturais são mantos frágeis de poder e influência. A democracia, no entanto, quando é exercida
de verdade, é uma fortaleza de pedra que não pode ser derrubada, explodida ou roubada. O que você não consegue entender, segundo em comando, é que não há nada mais
pelo que se lutar, se é que tem intenção de vencer alguma coisa.
Throe estreitou os olhos - Me diga isso, sua Escolhida tem te dado aulas? Jamais ouvi algo assim sair de sua boca.
Xcor forçou-se a ficar quieto.
Ele e seus guerreiros estavam juntos muito tempo antes de Throe ter se juntado a eles. Mas, e se aqueles machos não pudessem ver além daquela infeliz ambição?
Então que Throe ficasse com eles.
Xcor não se curvaria a ninguém ali.
No silêncio que se seguiu. Throe olhou em volta para os guerreiros que antigamente caçoavam de sua fraqueza de mauricinho, mas que haviam passado a respeitá-lo
ao longo dos últimos dois séculos. - Manipulação é mais bem-sucedida quando engendrada por alguém do sexo feminino. Acha que ele não está só repetindo as falas de
outra pessoa agora? Alimentando-se do que precisamente seduz mais a sua mente, seu corpo, emoções? Vocês mesmo sentiram o cheiro do vínculo. Saibam que a alma segue
os passos do coração, e o dele não está mais conosco, com nossos objetivos, com o que podemos obter. Não é mais a força que o move, mas o tipo de fraqueza que ele
certa vez deplorou nos outros. Veem? Mesmo agora, ele fica em silêncio!
Xcor deu de ombros, - Não tenho inclinação nenhuma em pontificar.
- Você sequer sabia o significado disto há seis meses? - Throe apontou.
- O que dizem? - Xcor olhou em volta com uma sensação crescente de tédio. - A escolha é de vocês, mas saibam de uma coisa. Uma vez que escolherem, é como tatuagem
na pele. Impossível de apagar.
Zypher foi o primeiro a se levantar. - Eu só tenho uma aliança.
Com isto, desembainhou sua adaga. Cortou a palma da própria mão e se aproximou de Xcor de mão estendida.
Xcor cumprimentou-o e teve de pigarrear. Balthazar foi o próximo, pegou a mesma faca e cortou-se, jorrando sangue. E Syphon o imitou com a mesma eficiência.
Syn observou tudo com olhos semicerrados, imóvel. Ele era, como sempre, o imprevisível, mas, mesmo ele, se levantou para se aproximar de Xcor. Tomando a lâmina,
apunhalou a mão e torceu, o lábio superior se curvando, como se gostasse da dor.
Xcor aceitou os votos do último de seus soldados e então olhou para Throe. Erguendo sua mão ensanguentada, alongou as presas e sibilou, mordendo sua própria
carne e então lambeu o sangue misturado.
- Como se isso fosse acabar de outro jeito, - sorriu, com crueldade. - Você jamais foi um de nós.
O rosto bonito de Throe se contorceu em uma expressão cruel. - Você me forçou a me juntar a vocês. Você fez isto comigo.
- Mas, você vai desfazer, não é mesmo? Ótimo, eu te libertei um ano atrás. Deixe sua ambição exercitar seu destino se quiser, mas uma vez que saia por aquela
porta, é um rompimento permanente. Estará morto para nós, suas questões serão suas e de mais ninguém.
Throe anuiu. - Que assim seja.
O macho marchou e pegou suas adagas e casaco; então foi para a porta. Virando-se, dirigiu-se ao grupo - Ele está errado sobre muitas coisas, mas, especialmente
sobre o trono. Uma guerra com milhares de frentes? Acho que não. Tudo o que é preciso é eliminar Wrath. Então o trono estará lá para ser conquistado pela mão mais
forte; e este macho não é mais o mais forte deste grupo.
O guerreiro fechou a porta atrás de si com uma batida.
Xcor cerrou os molares, sabendo malditamente bem que Throe devia ter elaborado um plano de contingência antes de expor suas cartas diante de todos, ou jamais
teria sido tão descuidado de sair poucos minutos antes do amanhecer.
Throe apostara e perdera, mas, só em se tratando deles. Onde isto os levaria? Xcor não fazia ideia.
Mas Wrath deveria se preocupar também.
Houve algum perambular em volta. Tossidelas. E então, é claro, comentários.
- Então, - Zypher soltou. - Vai nos dizer qual a cor dos olhos dela?
- É o mínimo que pode fazer, - Balthazar exclamou - Nos descreva.
- Uma Escolhida?
- Como no mundo você conseguiu...
De uma só vez, a casa voltou ao normal, vozes masculinas encheram o ar, bebidas foram servidas e divididas, curativos saíram das embalagens para serem enrolados
nas mãos feridas.
Xcor exalou em um alívio que ficou chocado por sentir, mas não se enganou. Embora seus guerreiros tenham ficado ao seu lado, ele agora tinha um novo inimigo
contra quem lutar; e Throe, graças ao treinamento que o próprio Xcor dera ao macho, era realmente perigoso.
Tirando o celular, olhou para baixo... E viu que sua chamada não havia sido retornada.
Dado o estado da deserção de Throe? Era imperativo que contatasse sua Escolhida... E agora se preocupava de que talvez Throe tivesse chegado a ela primeiro e
fosse por isto que ela não havia aparecido.
- Então? - Zypher disse. - Como ela é?
Houve um súbito silêncio, o qual pareceu invadir todo aquele barulho.
E ficou surpreso ao perceber que queria contar a eles. Há quanto tempo escondia aquilo?
Com palavras hesitantes, disse, - Ela é... A lua em meu céu noturno. E isto é o começo, meio e fim. Não há mais nada a ser dito além disto, e eu jamais voltarei
a falar dela novamente.
Enquanto se afastava e subia as escadas, podia sentir os olhares deles sobre si, e não eram olhares de desdém. Não, por mais que tentassem esconder, havia pena
fluindo de todos eles, um reconhecimento da fealdade de seu rosto e a natureza equivocada de um romance para ele com qualquer fêmea, muito menos uma Escolhida.
Ele parou com a mão no corrimão. - Amanhã, ao pôr-do-sol, peguem todas as provisões e empacotem os pertences. Devemos sair deste local e procurar outro. Esta
casa não é mais segura.
Subindo as escadas, ouviu a aquiescência dos guerreiros. E sentiu uma gratidão pungente por terem escolhido ele para liderá-los.
Ao invés da inteligência, educação e história de vida mais óbvia de Throe... E aparência, claro.
Palmas para o deformado, ele pensou ao trancar-se no quarto. Embora ele tenha perdido muitas coisas, pelos séculos de sua vida, cortesia de seu lábio leporino
e grosseria, aqueles soldados lá embaixo o valorizavam.
E ele os valorizava em retorno.
Capítulo NOVE
iAm retornou à grande mansão de pedra da Irmandade um pouco antes do nascer do sol, subiu correndo os degraus até a entrada estilo catedral, e abriu a porta
para o hall. Seguindo o protocolo, colocou a cara na frente da câmara de segurança e esperou.
Um momento depois, a porta interna se abriu e o som de uma animada conversação o saudou, junto com os ricos aromas de uma Última Refeição caprichada.
- Boa noite, senhor. - Fritz, o mordomo, disse com uma reverência. - Como vai?
- Ei, ouça, viu meu irmão? Estou tentando encontrar...
- Sim, ele voltou.
iAm quase praguejou de alívio. - Que ótimo. Simplesmente ótimo.
Pelo menos o pobre bastardo estava em casa a salvo e em um ambiente seguro. Mas, Cristo, Trez podia ao menos ter enviado uma mensagem de texto dizendo que estava
vivo. Quantas vezes tentara contatá-lo ligando para aquele celular que ele não atendia...
Da esquerda, uma sombra com movimentos ligeiros pulou no chão de mosaico, acertando-o como um míssil.
iAm pegou no colo o Gato Maldito, também conhecido por Boo. Ele absolutamente desprezava o animal... Ainda mais ultimamente, quando o saco de pulgas começara
a dormir com ele durante o dia. Todos aqueles afagos. Ronronadas.
Pior? Ele começava a se acostumar àquela tortura.
- ... Clínica.
- Como é? - iAm arranhou a garganta do gato e fez os olhos de Boo revirarem. - Não ouvi nada do que disse.
- Desculpe. - O mordomo fez uma nova reverência mesmo que não fosse culpa sua. - A Escolhida Selena ficou doente e foi levada à clínica. Trez está acompanhando-a
enquanto é examinada, acredito que o Primale e Cormia estão lá também. Sinto em dizer, mas a condição dela parece ser bem séria.
- Maldição... - iAm fechou os olhos e deixou a cabeça cair para trás. Eles estiveram esperando más notícias pelo lado do s'Hisbe. Não pela Escolhida por quem
seu irmão estava atraído. - Qual o problema com ela?
- Acredito que ainda não chegaram a um diagnóstico.
Merda. - Está bem, obrigado, cara, eu vou...
A Escolhida Layla apareceu na arcada da sala de jogos, com Qhuinn e Blay bem próximos a ela. - Perdoem-me, mas falavam de Selena?
Deixando o mordomo responder àquilo, iAm dirigiu-se às portas ocultas debaixo da escadaria principal, e não se surpreendeu ao ver que os outros rapidamente vieram
atrás dele.
Ao digitar o código para abrir a porta trancada, um celular tocou.
- É o seu de novo? - Qhuinn perguntou.
Layla silenciou o toque. - É só um humano ligando para o número errado.
- Quer que eu peça para V bloquear este número?
- Ah, não há motivo para incomodá-lo.
- Aqui, me dê que eu vejo...
Layla devolveu o celular às dobras de sua túnica. - Eles não vão ligar de novo. Vamos.
Após um sutil som de biiiiip, iAm abriu a porta e eles desceram uma escada curta até uma segunda porta trancada. Do outro lado dela havia um túnel subterrâneo
que ia da mansão ao Centro de Treinamento, e mais além, ao Pit, onde V e Butch moravam com suas companheiras.
Com cada passo na faixa de concreto murada, de teto baixo, a tensão nos ombros de iAm aumentava, os músculos ao longo de sua espinha se apertava com tanta força
que a dor reverberava o caminho todo até suas têmporas.
Quando emergiram no escritório, Tohr ergueu os olhos do computador. - Está tendo alguma convenção aqui esta noite?
- Selena está doente. - Qhuinn murmurou.
O Irmão levantou-se. - O que? Eu a vi há algumas horas. Ela ia alimentar Luchas e...
Acabou que tiveram então sete pares de pés e shitkickers cruzando o corredor.
O Centro de Treinamento era uma enorme instalação subterrânea que incluía uma piscina olímpica, área para prática de tiro a alvo, uma academia de personal trainer,
um ginásio olímpico, salas de equipamentos e um complemento de salas de aula que eram usadas para o ensino de alunos antes dos ataques. Havia também extensas instalações
médicas, com salas cirúrgicas e quartos de recuperação, e foi para lá que se dirigiram.
O fato de haver pessoas amontoadas em volta da porta fechada da sala de exames não era um bom sinal: Phury, Cormia, Rhage e Vishous estavam em modo de espera-ansiosa,
perambulando, encarando o chão, se contorcendo.
- Oh, graças a Deus. - Phury disse ao ver iAm. - Trez vai ficar contente de te ver. Não conseguimos te contatar.
Provavelmente porque seu celular tinha tocado, mas ele ignorara a coisa, enquanto abandonava o condomínio e ia tentar encontrar Trez na shAdoWs.
- Eles estão tirando radiografias, - V disse. - Por isto estamos aqui fora. Trez não saiu de perto dela.
Layla franziu o cenho - Por que estão fazendo isto? Ela quebrou um osso...
Cormia se aproximou da outra Escolhida e tomou as mãos de Layla. Palavras suaves foram trocadas e então Layla engasgou e oscilou em seus pés. Qhuinn a apoiou,
iAm decidiu que, fosse o que fosse, ele precisava entrar lá.
- Não vou esperar. - Disse ele, largando o gato e abrindo a porta.
De início, não conseguiu distinguir o que estava vendo. Quando a porta pesada fechou-se atrás de si silenciosamente, concentrou-se no que pareciam ser pernas
de mesa na plataforma de exames. Só que... Era Selena. Suas panturrilhas e coxas esguias estavam encurvadas, separadas de forma anormal e rígidas em ângulos ruins,
como se sentisse grande dor, e não era só a parte inferior do corpo dela que estava afetada. A posição da cabeça estava toda errada, e os braços dela estavam contorcidos
contra o peito, mesmo os dedos pareciam garras.
Era como se ela estivesse tendo um tipo de convulsão.
A Dra. Jane movia uma grande peça de maquinário na posição sobre o ombro de Selena, e a enfermeira, Ehlena, seguia atrás dela para que os vários cabos não se
emaranhassem. Trez estava ao lado da cabeça de Selena, as mãos trêmulas acariciavam para trás aqueles cabelos negros.
Ele nem olhou para cima. Não parecia estar consciente de que alguém mais entrara no quarto. Não parecia nem estar respirando.
- Okay, Ehlena, a placa? - A médica aceitou algo que tinha tamanho de uma folha de papel A4, mas, da grossura de um dedo. Cabos conectavam-se a uma extremidade
dele e iam até um notebook pousado sobre a mesinha rolante. - Eu ou tentar pegar o cotovelo aqui.
A placa foi deslizada sob a junta, e então a Dra. Jane olhou para Trez. - Você quer segurar esta aqui também?
Ele anuiu e estendeu a mão, obedecendo-a - Não vou mexer desta vez.
- Estes são raios-X digitais, então não tem problema, okay? - A médica deu um apertãozinho rápido no braço de Trez. - Vamos para trás daquela partição agora.
Dra. Jane olhou para cima e pulou um pouco, como se ela, também estivesse tão concentrada na paciente que não tomara conhecimento de sua presença. - Oh, iAm
bom, mas ouça, é melhor sair enquanto...
- Não vou a lugar algum.
- Eu não... - Trez praguejou, - não consigo manter isto firme.
Sem uma palavra, iAm cruzou o chão azulejado e estendeu a mão ao irmão, estabilizando os tremores - Deixe-me ajudar.
Trez não se assustou. Mas seus olhos se elevaram, e oh, Deus, aqueles olhos... Eram poços negros de tristeza.
E foi quando iAm soube que aquilo não ia acabar mal, mas MAL.
O macho não estava com medo.
Ele já estava de luto.
Trez não soube imediatamente quem era seu salvador. Não reconheceu a mão que se juntou à sua, mesmo que parecesse quase idêntica à sua. Não rastreou o novo aroma
no quarto. Não foi até olhar para cima que descobriu...
iAm, é claro.
Como se pudesse ser mais alguém.
A imagem de seu irmão oscilava. - iAm, ela está...
Ele não conseguia dizer as palavras. Seus processos de pensamentos entraram em pane, como se tivesse tido um derrame, ou algo assim.
- Vamos segurar a placa, - iAm disse, - juntos.
- Você devia ficar atrás da coisa de chumbo.
- Não.
Trez não se surpreendeu com a insistência de iAm, e murmurou um obrigado, porque achava que sua voz não funcionaria melhor do que seu cérebro ou mão.
- Vamos ficar o mais imóveis que conseguirmos. - Dra. Jane disse. Então houve um breve som zumbindo da máquina e a Dra. Jane e Ehlena voltaram à maca.
iAm foi quem devolveu a placa, uma coisa boa, porque Trez teria deixado cair. Dane-se sua mão, seu corpo inteiro tremia.
- Obrigada. - Dra. Jane disse. - Acho que é suficiente. Quer deixar os outros entrar?
Trez negou com a cabeça - Posso ter um momento a sós com ela?
- Precisamos ficar para olhar os raios-X.
- Oh, é, eu sei. Eu só... - ao olhar para a porta, soube que aquelas pessoas tinham tanto direito quanto ele de estar ali. Na verdade, tinham mais.
- Trez, - Dra. Jane disse gentilmente, - faremos do jeito que você quiser.
Mas o que Selena queria? Ele se perguntou, não pela primeira vez.
- Ouça, - Dra. Jane murmurou, - não parece haver motivo de emergência agora. Haverá tempo para os outros virem mais tarde... E se a condição dela mudar? Tomaremos
diferentes decisões dependendo do que acontecer.
- Está bem. - Ele acenou na direção do irmão. - Mas, não iAm. Eu quero que ele fique.
Seu irmão anuiu e aproximou uma cadeira, mas não para uso próprio. Empurrou-a por trás dos joelhos de Trez, e as juntas, funcionais como eram, cederam imediatamente.
Quando seu traseiro pousou no assento, pensou que se sentia mesmo meio zonzo. Provavelmente era uma boa ideia sentar-se.
Sem uma única palavra, iAm sentou-se no chão ao seu lado, e era incrível o modo como a mera presença do macho por perto já o acalmava.
Trez voltou a se concentrar em Selena. Ela ainda não havia se movido da posição em que a encontrara, e todos aqueles ângulos contorcidos de seu corpo eram um
pesadelo total.
De fato, a coisa toda parecia ser tão... Devastadora.
Pelo que Cormia dissera, a Doença do Aprisionamento atacava uma pequena parcela das fêmeas Escolhidas. Em toda a história, só uma dúzia, talvez menos, foram
acometidas, o que significava que a chance estatística de se ter o distúrbio eram muito baixas. Infelizmente, a condição era sempre fatal.
Maldição, ele não queria que nenhuma daquelas fêmeas adoecessem, mas, por que ela?
De todas elas, em toda a história da Raça, porque Selena tinha de ser uma das que morreria cedo assim?
E era uma forma horrível de morrer. Congelada em seu próprio corpo, incapaz de comunicar, presa em uma prisão desvanecente até que tudo escurecesse e você...
Ele fechou os olhos.
Merda, e se ela não o quisesse ali? Ele havia se vinculado, sim, e todo mundo o tratava com o respeito que um macho vinculado merecia naquela situação, mesmo
que se perguntassem como havia acontecido sem eles saberem.
O problema era, ele e Selena não estavam emparelhados. Em um relacionamento. Nem mesmo saindo juntos.
Inferno, eles não passaram mais do que dois minutos juntos há meses...
- Trez?
Com um susto, ele ergueu as pálpebras. Dra. Jane estava a sua frente, os olhos verde-floresta alertas e sérios. - Eu avaliei os raios-X.
Ele pigarreou. - Talvez os outros queiram entrar para isto?
Merda, ele devia se afastar para que Cormia ou outra pessoa segurasse a mão dela? Seria melhor? Seu corpo odiaria e sua alma também. Mas aquilo não era sobre
ele.
Uma porção de gente entrou, mais do que havia antes, e ele acenou para Tohr, Qhuinn e Blay; e ficou contente de que Layla estivesse ali, junto com Cormia e Phury.
Forçando-se a se levantar, ele ia dar um passo para trás, mas o Primale se aproximou e o fez sentar-se de novo.
- Fique onde está. - Phury disse, apertando seu ombro. - Você está exatamente no lugar onde precisa estar.
Trez soltou uma espécie de grasnido. Foi o melhor que pode fazer.
Dra. Jane pigarreou - Eu jamais vi algo assim. - Apontou para algo na tela do computador sobre a mesa. - É como se as próprias juntas tivessem se tornado ossos
sólidos.
A imagem em preto-e-branco era o que parecia ser o joelho de Selena e a Dra. Jane indicou áreas diferentes com a ponta da caneta dourada. - Em raios-X, os ossos
são registrados como branco e cinza pálido, onde o tecido conectivo, tipo ligamentos e tendões não oferecem nenhuma espécie de contraste. Aqui, - desenhou um círculo
em volta da junta, - deviam haver manchas escuras na junção entre o fêmur e a tíbia. Em vez disto, só há... Osso sólido. O mesmo ocorre com as juntas de seus pés,
cotovelos...
Mais daquelas imagens piscaram na tela, uma após a outra, e tudo o que ele pôde fazer foi balançar a cabeça. Era como se alguém tivesse colocado cimento em todas
as juntas.
- O que acho particularmente preocupante é isto, - uma nova imagem ficou visível, - este é o braço dela. Ao contrário das outras juntas, o osso crescido parece
estar se espalhando e invadindo a musculatura. Se continuar, seu corpo inteiro...
- Pedra. - Trez sussurrou.
Oh, Deus, aquelas estátuas de mármore naquele lugar onde a encontrara.
Não era um pátio... Era um cemitério. Cheio de fêmeas que sofreram e morreram disto.
- A única coisa que sei é que isto remotamente se assemelha à uma doença humana chamada fibrodisplasia ossificante progressiva. É uma condição genética extremamente
rara, que causa a formação de ossos onde há músculos, tendões e ligamentos, e como resultado, com o tempo, a restrição total de movimento, a ponto de pacientes poderem
escolher a posição em que preferem ser paralisados. O crescimento dos ossos acontece esporadicamente e pode ser desencadeada por trauma ou vírus, ou ser espontânea.
Não há tratamentos para a doença, e a remoção cirúrgica da área anormal só desencadeia novas gêneses. O que está acontecendo com Selena é tipo isto... Só que parece
acontecer no corpo inteiro de uma só vez.
Trez virou-se para as duas Escolhidas saudáveis no quarto. - Isto já foi tratado? Em algum momento do passado, alguém tentou descobrir um jeito de acabar com
isto?
Layla olhou para Cormia e esta última disse, - Nós rezamos... É só o que podemos fazer. E ainda assim, os ataques ocorrem.
- Então isto é... Um tipo de episódio? - Dra. Jane perguntou - Não o terminal?
- Eu não sei quantos destes ela já teve. - Cormia limpou uma lágrima de seu rosto. - Geralmente há um período deles antes do ataque final do qual não se recuperam.
Dra. Jane franziu o cenho. - Então o corpo se desbloqueia? Como?
- Eu não sei.
Trez falou para a Escolhida. - Vocês ao menos faziam ideia de que ela estava doente?
- Ninguém sabia. - Cormia se inclinou contra seu hellren como se precisasse de apoio. - Mas, considerando a condição em que ela está agora... Acho que ela deve
estar próxima ao fim da doença. Me parece que os primeiros episódios só afetam partes do corpo. Este atingiu o corpo inteiro.
Trez exalou, sentindo sua força escapar pela boca. A única coisa que o impedia de surtar era a possibilidade de Selena estar consciente do que estava acontecendo,
e ele queria parecer forte para ela.
Dra. Jane inclinou o quadril contra a mesa e cruzou os braços. - Não consigo imaginar como as juntas podem se recuperar deste tipo de estado.
Cormia meneou a cabeça, - Os ataques, os poucos que vi, vêm rápido e então... Não sei o que acontece. Horas, ou na noite seguinte, elas já conseguem se mover
de novo. Após um período de tempo, elas recobram mobilidade, mas, sempre acontece de novo. Sempre.
- Elas também escolhem uma posição, - Layla disse baixinho, também, tomada de lágrimas. - Como os humanos dos quais falou, nossas irmãs sempre escolhem... Elas
nos dizem como querem ficar e nos asseguramos de que...
Mais coisas foram ditas. Perguntas feitas. Explicações forjadas ao máximo das habilidades das pessoas. Mas ele parou de acompanhar.
Como um trem ganhando velocidade, sua mente, suas emoções, sua sensação de impotência total e todos os seus arrependimentos começaram a espumar ao longo de um
caminho definido, ganhando velocidade e intensidade.
Ele odiava que o cabelo dela estivesse emaranhado e que não pudesse arrumá-lo.
Odiava que houvesse manchas de terra e grama em sua túnica, manchas verde brilhantes onde os joelhos tocaram o chão.
Odiava que as sandálias dela tivessem caído.
Odiava que não pudesse fazer uma fodida coisa para salvá-la.
Odiava o fardo que carregava com o s'Hisbe e tudo o que aquilo o fizera fazer contra seu próprio corpo... Porque, talvez, se seus pais não tivessem o vendido
para a Rainha, ele não tivesse fodido todas aquelas humanas, e talvez assim tivesse sido minimamente merecedor dela. E então ele não teria perdido todos aqueles
meses. E talvez tivesse visto algo, ou feito algo, ou...
Como a conversação ao seu redor, os pensamentos continuaram a percorrer seu caminho pelo seu cérebro, mas ele não conseguia acompanhá-los mais do que as outras
coisas naquele quarto. Um rugido violento o dominou, invadindo-o como um tsunami, apagando tudo o mais exceto uma fúria que não podia ser contida.
Trez não teve consciência de estar se movendo. Em um minuto, segurava cuidadosamente a mão de Selena; no seguinte, estava à porta da sala de exames, então, atravessou-a,
seu corpo explodindo para frente, mais impulso do que coordenação.
Correndo, correndo... Pelos solavancos em sua visão e as paredes que passavam pelo corredor de concreto, ele estava correndo.
E então houve um bocado de barulho. O saguão vazio ecoava com algum tipo de barulho imenso, como se o mecanismo de uma máquina grande tivesse travado ou estivesse
triturando...
Alguém o segurou por trás antes que chegasse à porta da garagem, um agarre de aço travou-se ao seu redor.
iAm.
É claro.
- Larga, - veio o grito em seu ouvido. - Larga... Vamos, agora. Larga!
Trez meneou a cabeça - O que?
- Larga a arma, Trez. - A voz de iAm se partiu. - Preciso que largue a arma.
Trez sentiu-se congelar, só o que se mexia nele era a respiração entrecortada, e tentou entender o que seu irmão estava dizendo.
- Oh, Jesus, Trez, por favor...
Sacudindo a cabeça, Trez... Gradualmente se tornou consciente de que estava, de fato, com a .40 de alguém em sua mão direita. Provavelmente dele mesmo. Ele sempre
carregava uma no clube.
- Largue-a por mim, Trez. - Com seu dedo no gatilho do jeito que estava, seu irmão obviamente não ousava tentar tomar controle da arma por medo de apressar um
disparo. - Você precisa largar a arma.
Naquele momento, tudo se esclareceu: ele levantando-se de supetão, correndo rápido, disparando para fora da sala de exames e para o corredor. Correndo na direção
da garagem enquanto sacava a arma.
Na intenção de explodir os miolos assim que saísse do Centro de Treinamento.
Ele tinha uma vaga ideia de que, talvez, se houvesse mesmo um Fade, ele e Selena pudessem se reencontrar do outro lado e ficarem juntos, de um jeito que jamais
fizeram na Terra.
- Trez, ela ainda vive. Não faça isto. Quer se matar? Espere até o coração dela parar, mas não antes disto. Nem um fodido minuto antes disto.
Trez visualizou Selena caída naquela maca, e pensou, Merda...
iAm, como sempre, estava certo.
Os tremores retornaram assim que começou a baixar o braço, e ele o moveu lentamente, por medo de algum movimento disparar a .40. Mas, não precisava se preocupar
com isto. Assim que o cano se afastou do alcance de sua matéria cinzenta, seu irmão retirou-a dele, desarmando-o tão rápido quanto uma respiração, armando a trava
de segurança.
Trez ficou parado, entorpecido, enquanto iAm o revistava inteiro e removia mais algumas armas, e então permitiu-se ser levado de volta à sala de exames e ao
grupo de pessoas chocadas que ainda estavam perto da porta.
Não antes de ela partir, disse a si mesmo. Não enquanto ela ainda estiver aqui.
Infelizmente, temia que isso não seria por muito tempo.
Capítulo DEZ
Paradise, filha de sangue de Abalone, Primeiro Conselheiro do Rei, encarou a tela de seu notebook. Ela tem utilizado a biblioteca do seu pai desde que ele começou
a trabalhar todas as noites para Wrath, filho de Wrath, porque na velha mansão Tudor, o Wi-Fi era mais forte nesta escrivaninha. Não que um bom sinal estava ajudando
no momento. Seu Hotmail estava cheio de mensagens não lidas, porque, com iMessage em seu telefone mais Twitter, Instagram e Facebook, não existia nenhuma razão para
acessá-lo muito frequentemente.
- Aguarde um instante, como é chamado? - Ela disse em seu celular.
- "Nova turma de estágio". - Peyton, filho de sangue de Peythone, respondeu. - Eu encaminhei para você, mais ou menos, uma hora atrás.
Ela sentou mais para frente na cadeira do seu pai. - Tem tanto lixo aqui.
- Deixa eu reencaminhar...
- Espere, eu consegui. - Ela clicou e então clicou novamente no anexo.
- Uau. Está em cabeçalho oficial.
- Eu te falei.
Paradise observou a data, a saudação personalizada para Peyton, os dois parágrafos sobre o programa, e a conclusão. - Merda... Esta assinada por um Irmão.
- Tohrment, filho de Hharm.
- Bem, se for falso, alguém vai entrar em sérios problemas.
- Mas, você viu no segundo parágrafo?
Ela focou nas palavras. - Fêmeas? Whoa, whoa... Eles estão aceitando fêmeas?
- Eu sei, certo? - Havia um exalar borbulhante e um barulho como se Peyton tomasse outra respiração. - Isto não tem precedentes...
Paradise releu a carta, desta vez com mais atenção. Palavras decisivas chamando sua atenção: Aberta seleção para o programa de treinamento. As fêmeas e civis
são bem-vindas a participar de teste de apresentação física para entrada. Sessões ensinadas pela própria Irmandade. Inscrição? Gratuita.
- O que eles estão pensando? - Murmurou Peyton. - Eu quero dizer, isto deveria ser apenas para os filhos da glymera.
- Não mais, aparentemente.
Como Peyton começou a falar sobre o sexo frágil e o papel tradicional da mulher em casa e do homem no campo, Paradise encostou-se à poltrona de couro. Próximos
à ela, troncos trazidos pelo doggen da casa crepitavam com chamas laranjas na lareira decorada com mármore, o calor batendo em um lado de seu rosto e metade de seu
corpo. Ao redor, a biblioteca do seu pai brilhava com luz amarela, mogno polido e os detalhes dourados nas lombadas de sua coleção de livros de primeira edição.
A mansão que eles viviam era uma das principais de Caldwell, com quarenta outros quartos, equipadas com luxo igual a este aqui, se não ainda maior: belas sedas
pendiam dos vitrais da janela de chumbo. Finos tapetes orientais estendidos através de chão polido. Pinturas a óleo de antepassados foram montadas até as escadarias
e com destaque sobre cornijas e aparadores. A porcelana fina era estabelecida em uma mesa formal para todas as refeições, alimentos preparados e servidos pela extensa
equipe.
Ela viveu aqui com seu pai por anos e anos, tutelada por outras senhoras da glymera em todas as coisas que faziam as mulheres aristocráticas perfeitas companheiras:
Roupas. Entretenimento. Etiqueta. Ser a castelã de uma propriedade.
E o que era isso tudo? Sua festa de apresentação, que estava atrasada, assim como o programa de treinamento com a Irmandade, por causa das invasões de dois anos
atrás.
Planos para ela seriam restabelecidos, no entanto. O que sobrou da aristocracia retornou para Caldwell em suas adequadas casas seguras, e como ela era maior
de idade, tendo passado pelo menos quatro anos de sua transição, estava na hora de ela achar um companheiro.
Deus, como ela temia tudo aquilo.
- Alo? - Peyton disse. - Você ainda esta aí?
- Desculpe, sim. - Ela empurrou o telefone longe de sua orelha por causa do barulho alto de algo crepitando. - O que você está fazendo?
- Abrindo um pacote de batata chips Cape Cod. - Crack. Crackza. - Oh, droga, estas estão incríveis...
- Então o que você vai fazer?
- Eu ainda tenho 15 gramas sobrando. Então vou terminar isto e um pacote de chips. Então provavelmente vou dormir.
- Não, sobre o programa no Centro de Treinamento.
- Meu pai já me disse que estou indo. Está tudo bem, o que seja. Eu realmente não tenho feito nada nos últimos três anos, e teria me matriculado quando eles
abriram a primeira instalação, mas... Bem, você lembra o que aconteceu.
- Sim, e seria melhor você parar de fumar. Eles não vão gostar disto.
- O que eles não sabem não pode prejudicá-los. Além disso, eu tenho direitos da Primeira de Emenda.
Ela rolou seus olhos. - Certo, primeiro, você não é humano, então a Constituição não se aplica à você. E, segundo, isto é sobre a liberdade de expressão, não
sobre a liberdade acender um cigarro.
- Tanto faz.
Conforme Peyton tomou outra tragada, ela imaginou seu rosto bonito, seus ombros largos, e seus olhos muito azuis. Eles conheciam um ao outro por toda a sua
vida, suas famílias tendo casamentos ocorrendo por gerações, como todos os membros da aristocracia faziam.
Era o segredo menos secreto na glymera, que os pais dele e o dela recentemente começaram a conversar sobre serem companheiros.
O barulho alto na porta de entrada trouxe sua cabeça para o presente.
- Quem está aí?- Ela disse, levantando-se e inclinando-se para ver através do vestíbulo.
Seu mordomo, Fedricah, andou a passos largos através do assoalho, e embora seu pai nunca atendesse a porta ele mesmo, ele, também, saiu de seu escritório privado
do outro lado.
- Mestre? - O mordomo disse. - Você está esperando por alguém?
Abalone puxou seu paletó de volta no lugar. - Um parente distante. Eu deveria ter dito a você, minhas desculpas.
- Eu preciso ir. - Paradise disse. - Tenha bons sonhos.
Houve uma pausa. - Sim, você também, Parry. E você sabe que pode me chamar se tiver pesadelos, ok?
- Certo. O mesmo para você. Dia.
- Dia atrás em você.
Quando ela desligou, estava contente que seu amigo ainda estava por perto. Desde que os ataques tinham terminado e tantos haviam sido mortos, eles passavam horas
ao telefone durante o dia. A ligação foi indispensável após os ataques, e principalmente quando ela e seu pai foram para Catskills, e ficaram durante meses naquele
celeiro de estilo vitoriano.
Peyton era um bom amigo. Mas seria o certo acasalar com ele?
Ela não sabia como se sentia sobre este assunto.
Andando em volta da escrivaninha, ela foi até o vestíbulo, até que o seu pai a viu e sacudiu a cabeça. - Longe da vista, Paradise. Por favor.
As sobrancelhas dele estaladas. Este era o código para ela ir pelos túneis escondidos da casa. - O que esta acontecendo?
- Por favor, vá.
- Você disse que era um parente?
- Paradise!
Paradise voltou para a biblioteca, mas ficou no arco da porta, escutando.
O rangido suave da abertura da enorme porta da frente pareceu muito alto.
- É você, - seu pai disse em um tom estranho. - Fedricah, por favor, nos de licença.
- Mas é claro, mestre.
O mordomo foi embora, cruzando brevemente aquela parte do hall que Paradise podia ver. Depois de um momento, a porta da metade de trás da casa foi fechada.
- Bem? - Um macho disse. - Você vai me convidar a entrar?
- Eu não sei.
- Eu vou morrer aqui fora. Em questão de minutos.
Paradise lutou contra o desejo de pôr sua cabeça fora do arco e ver quem era. Ela não reconheceu a voz, mas a pronúncia precisa e sotaque arrogante sugeriam
que era alguém da aristocracia. Que fazia sentido, considerando que ele era um "parente".
- Você está vestindo vestes de guerra, - seu pai contrapôs. - Eu não as aceito em minha casa.
- São minhas associações ou minhas armas que o assustam mais?
- Eu não tenho receio de nenhum deles. Você foi espancado, se você se lembra.
- Mas, não derrotado, eu sinto muito em dizer. - Estalidos sugeriam sons de alguém segurando objetos de metal. E então houve um barulho, como se algo batesse
na pedra da frente. - Aqui, então, estou nu diante de você. Estou completamente desarmado, e minhas armas estão à sua porta, não dentro de suas paredes.
- Eu não sou seu primo.
- Você é meu sangue. Nós temos muitos antepassados em comum.
- Poupe-me. E qualquer mensagem que seu líder deseja enviar para o Rei, o faça ele mesmo.
- Eu não estou mais afiliado com Xcor. De qualquer forma.
- Como?
- Os laços foram cortados. - Houve um suspiro cansado. - Eu passei todos estes meses desde a eleição que devolveu Wrath ao trono, tentando convencer Xcor e o
Bando dos Bastardos para desistir de sua traição. Mesmo após súplicas e razões lógicas, extensos argumentos para um curso mais inteligente, entristece-me que não
consegui dissuadi-los de sua insensatez. Finalmente, eu tinha de partir. Andei furtivamente longe de onde eles estão, e agora, temo pela minha vida. Eu não tenho
nenhum outro lugar para ir, e quando falei com Salliah no velho mundo, ela sugeriu que eu parasse para uma visita.
Um primo distante, pensou Paradise. Ela reconheceu aquele nome.
- Por favor, - o macho disse. - Me tranque em um quarto se achar necessário.
- Eu sou um empregado leal do Rei.
- Então não vire as costas para uma vantagem tática.
- O que você está sugerindo?
- Em retorno pela segurança debaixo de seu teto, estou pronto para dizer a você tudo que eu sei sobre o Bando dos Bastardos. O que eles fazem durante as horas
do dia. Quais são seus padrões. Onde eles se encontram durante a noite. Como eles pensam e lutam. Seguramente isto vale a pena o uso de uma cama.
Paradise não podia aguentar. Ela tinha de ver quem ele era.
Avançando para fora, ela enrolou seu corpo em torno do arco da porta e olhou sobre os ombros rígidos de seu pai. Seu primeiro pensamento foi que a roupa de couro
e a esfarrapada camisa de botão não condiziam com sua entonação. Seu segundo pensamento foi que seus olhos estavam fundos, eles estavam tão cansados.
Ele realmente parecia ter vindo das linhas de frente de uma guerra, algo doce e doentio manchando o ar que envolvia seu corpo quando entrou na casa.
O macho a notou imediatamente, e seu rosto registrou algo que ele rapidamente escondeu.
Seu pai olhou por cima do ombro e a encarou. - Paradise, - ele sussurrou.
- Eu posso entender por que você hesita, - disse o macho, seus olhos nunca deixando os dela. - Realmente, ela é preciosa.
Seu pai virou. - Você deve ir.
O macho caiu a um joelho e curvou sua cabeça, pôs uma mão sobre seu coração e ergueu a outra mão aberta em direção ao céu.
No Antigo Idioma, disse suavemente, - Juro por este meio sobre nosso ancestral em comum que não trarei nenhum mal a você, sua filha de sangue ou qualquer coisa
viva dentro destas paredes... Ou a Virgem Escriba pode cortar minha vida diante de seus olhos.
Seu pai olhou para ela e cortou o braço no ar, uma ordem para ela sair e não voltar.
Ela levantou as mãos e assentiu com a cabeça, Okay, okay, okaaay.
Movendo-se depressa, ela voltou para a biblioteca transversalmente aos painéis junto à lareira. Atingindo sob a terceira prateleira do chão até o ponto de gatilho
oculto, ela apertou a alavanca e foi capaz de empurrar toda a carga de livros para fora e sobre a faixa bem oleada. Com um deslizamento rápido, ela surgiu para o
corredor totalmente acabado que corria em um quadrado em torno do primeiro andar da casa, proporcionando acesso, visual e real, para cada quarto através de portas
e ponto de vista ocultos.
Era como se fosse tirado de um filme de Alfred Hitchcock.
Trancando-se dentro da sala, Paradise foi para as escadas rasas que estavam por todo o caminho na parte de trás e, conforme subiu os degraus, ela desejou que
pudesse ouvir o que eles estavam dizendo. Como de costume, porém, ela estava no escuro; seu pai nunca lhe dizia nada sobre nada.
Fazia parte de sua mentalidade antiga: fêmeas bem nascidas não precisavam ser incomodadas com coisas como parentes misteriosos há tempos perdidos, que apareciam
sem avisar e armados até os dentes. Ou, dizer, onde o chefe da família trabalhava, quanto ele ganhava ou qual era o seu patrimônio líquido. Por exemplo, quando seu
pai foi nomeado Primeiro Conselheiro do Rei, isto foi tudo o que lhe foi dito. Ela não tinha nenhuma ideia como era o seu trabalho, o que ele fazia para o Rei e
para a Irmandade. Diabos, ela nem sabia aonde ele ia todas as noites.
Ela acreditava que ele realmente pensava que estava poupando-a. Mas, ela odiava estar no escuro sobre tanta coisa.
No topo da escada escondida, ela foi para frente cerca de cinco metros e parou em frente a um painel de inserção. O trinco foi para a esquerda e ela o destravou.
O quarto dela era todo feminino e macio, da cama com babados, aos laços nas janelas e os tapetes bordados, que eram como chinelos, que você não tem de usar.
Passando pela porta, ela virou a fechadura, sabendo que seria a primeira coisa que seu pai iria verificar quando ele subisse; e se ele não viesse, seria porque
ele estava com "seu convidado". Ele faria Fedricah vir e testar a fechadura.
Em sua cama, ela sentou-se, tirou os sapatos, e caiu para trás no edredom. Olhando para o dossel, ela balançou a cabeça.
Trancada em seu quarto. Fora de qualquer ação.
Imediatamente após os ataques, era o único lugar em que ela queria estar, a única forma de sentir-se segura. Mas, as noites de terror se transformaram em meses
de preocupação... Fazendo uma transição para uma desconfortável normalidade... Transformando sua vida em um dia após o outro.
De modo que agora ela se sentia presa. Nesta sala. Nesta casa. Nesta vida. Paradise olhou para a sua porta fechada, trancada.
Quem era aquele homem? Ela se perguntava.
Capítulo ONZE
Selena lentamente se tornou consciente de que não estava mais no Santuário. No entanto, ela não reconheceu onde estava. Seu cérebro demorou a processar ambos
os sinais, do seu corpo e de seu ambiente, como se o ataque houvesse congelado, não só a carne, mas sua mente.
Aos poucos, no entanto, lhe ocorreu que não tinha mais a grama em seu rosto. Sem árvores ou templos ao longe. Nenhum som suave da água corrente das fontes.
Ela tentou mover a cabeça e gemeu.
- Selena?
O rosto que entrou em sua visão trouxe lágrimas aos seus olhos. Era de Trez... Era Trez...
Certo de que ela o havia conjurado de um sonho, ele estava exatamente em frente a ela, e ela o absorveu: sua suave pele escura, seus olhos negros e amendoados,
seu cabelo preto cortado curto e sua presença ameaçadora, com seu peso e sua altura.
Seu primeiro instinto foi o de estender a mão para ele, mas uma explosão de dor a parou, fazendo-a ofegar.
- Dra. Jane, - ele gritou. - Ela está acordada!
Trez? ela disse. Trez, espere, eu preciso te dizer alguma coisa...
- Dra. Jane!
Não, não se preocupe com isso. Preciso...
- Ela não consegue respirar!
As coisas aconteceram tão rápido. Tudo de uma vez, uma máscara foi empurrada no rosto dela, e algo forçou seus pulmões a inflar. Vozes explodiram ao seu redor.
Um sinal sonoro estridente indicava que um alarme estava parando...
Alguém tentou endireitá-la, e suas articulações gritaram em protesto. Oh, espere, era ela tentando se mover... Ela estava tentando se sentar para ver o que estava
acontecendo.
- Ela está se movendo! - Isso era Trez, ela tinha certeza disso. - Seu braço se mexeu!
- Ela está em parada cardíaca. Você consegue endireitar seu tronco?
A dor que veio a seguir foi tão grande, ela gritou.
- Eu sinto muito, - disse Trez em seu ouvido, com a voz falhando. - Eu sinto muito, querida. Eu sinto tanto, mas preciso te endireitar.
Selena gritou de novo, mas ela não achava que registrou como som. E, em seguida, sua visão se embaçou, começando com a periférica e indo para o centro, como
se uma névoa chegasse rolando de todos os lados.
De repente, ela estava olhando para o lustre médico, o que significava que de alguma forma ele tinha conseguido colocá-la de costas. Depois veio a pressão sobre
seus ombros, coluna, braços. Sua visão entrava e saía, com manchas recuando e voltando quando grandes ondas de dor a torturavam.
- Não quero quebrar nada, - Trez disse entre dentes.
Então foi com as mãos no braço dela, forçando-o reto.
- Eu preciso chegar lá. Agora.
Dra. Jane apareceu no lado oposto da mesa, e em suas mãos estavam blocos do tamanho de sua palma com fios enrolados pendurados nas extremidades.
- Tire a túnica dela. - Dra. Jane olhou em outra direção. - Vocês, machos têm que sair ou ele não vai nos deixar chegar ao tórax dela.
Aquele alarme era tão alto agora, um som sólido e contínuo, não mais quebrado por intervalos.
- Afastem-se! - Dra. Jane ordenou.
Um raio atingiu o peito de Selena, levantando o seu tronco para cima da mesa, quebrando todas e cada uma de suas vértebras, estourando sua espinha fora de seu
controle.
Quando ela bateu de volta no colchão fino da mesa de exame, houve uma breve, marcante pausa durante a qual as três pessoas ao seu redor, Dra. Jane, a enfermeira
Ehlena, e Trez, todos a olhavam fixamente. Ela se concentrou em Trez, e foi quando ela viu uma quarta pessoa que estava em pé diretamente junto a ele, um grande
corpo virado de lado, a cabeça escura inclinada para baixo e para o lado.
iAm.
Oh, bem, ela estava feliz que ele estava lá para Trez.
Selena abriu a boca debaixo da máscara, olhando diretamente nos olhos negros de seu Sombra. Se ao menos pudesse dizer a ele...
O caos se acendeu ao redor dela mais uma vez, seus pulmões socavam contra as suas costelas, as vozes se inflamando, as pessoas mudando de posição.
- Pare a respiração artificial, - Dra. Jane gritou. - Afastem-se!
Uma segunda corrente poderosa passou através dela, contorcendo seu torso. Desta vez não houve pausa. Com esse duro, poderoso impulso, seus pulmões voltaram imediatamente
e aconteceu repetidas vezes.
- O que fazemos agora? - Perguntou Trez com a voz sufocada.
Oh, querida Virgem Escriba, ele estava chorando.
Trez, ela pensou para ele. Eu amo você...
Trez estava vivendo e morrendo através da máquina de sinais vitais que estava a cerca de trinta centímetros da cabeceira da mesa de exames. Um pequeno fio conectando
Selena ao aparelho, a tela mostrando várias informações que não significavam muito para ele. A única coisa que ele entendia, entretanto, e isso estava malditamente
claro, era que a linha amarela na parte inferior, supostamente, subia e descia em intervalos regulares quando seu coração batia.
Ela não estava subindo e descendo em um tranquilo e estável padrão, mesmo depois da coisa se descontrolar quando Dra. Jane colocou as pás no centro e na lateral
do torso de Selena e enviou toda aquela carga elétrica no peito da Escolhida.
Plano. Estava novamente plano.
Ehlena continuou pressionando, apertando as mãos em um balão azul claro que forçava o ar para dentro da caixa torácica de Selena. E enquanto isso, Trez olhava
para aquela linha amarela, desejando que pulasse, desejando que respondesse a uma batida do coração de Selena.
- Droga, reaja...
Algo roçou seu rosto e ele pulou para trás só para descobrir que Selena tinha realmente estendido sua mão, magra e pálida, em uma série de solavancos, como se
as articulações estivessem enferrujadas.
- Selena, - ele disse, se abaixando assim ela não precisava se esticar. - Selena...
Ele beijou a mão dela, os dedos, e então a deixou roçar em suas bochechas. Seus olhos eram incrivelmente azuis, luminosos, brilhantes. E, por um momento, tudo
se desvaneceu de modo que eram apenas os dois, as paredes da sala de exame, o seu equipamento e pessoal, até mesmo o seu amado irmão, desaparecendo para eles.
Seus lábios começaram a se mover sob a máscara de plástico transparente.
- Ok, ok, ok. - Ele não tinha ideia do que ela estava dizendo. - Você pode ficar comigo? Por favor, fique aqui, não vá.
Ela estava se mexendo, e isso era bom, certo?
- Selena! - Merda, seus olhos estavam rolando para trás. - Selena...!
- Estamos a perdendo!
Não houve nenhum pensamento consciente envolvido nele. No instante em que a Dra. Jane vociferou essas horríveis três palavras novamente, ele soprou sua forma
separada e cobriu o corpo de Selena com suas moléculas, sua energia, sua alma, a rodeando por cima, pelos lados, por baixo. Ele atirou-se para dentro dela, empurrando
através de sua pele, entrando profundamente, compartilhando tudo o que tinha na esperança de que pudesse, de alguma forma, fazer o que o carrinho de emergência não
podia.
Que ele pudesse de alguma forma trazê-la de volta...
E então aconteceu.
Certo como se Selena o alcançasse com as suas mãos e pegasse o que ele tinha a dar, um puxão vital se trancou sobre sua essência, puxando-o, levando dele.
É isso mesmo, ele pensou. Me use...
- Eu tenho um batimento cardíaco! - Disse alguém.
- Ela está respirando!
Ele ouviu o comentário não como som, mas como os pensamentos dos outros, ele não parou, no entanto. Muito cedo. Não o suficiente tinha sido dado.
E ainda cedo demais, a sua força começou a enfraquecer, a sua energia drenada em uma descarga, não qualquer coisa que fosse gradual. Por mais que quisesse continuar
a ajudando, ele sabia que tinha de voltar para sua forma física ou iria ficar preso como vapor, o que era uma sentença de morte.
Não até que ela se fosse, ele disse a si mesmo.
E ele poderia ajudá-la de novo, depois ele...
Trez aterrissou no chão de ladrilhos como se tivesse sido empurrado para baixo, todos os duros golpes e estalos ruins. Do seu ponto de vista, ele tinha um olhar
mais de perto dos Crocs vermelhos da Dra. Jane, os azuis da Ehlena, e os joelhos de seu irmão quando o macho imediatamente se agachou ao lado dele.
iAm era todo ação, nenhum atraso, enganchando uma retenção sob os braços de Trez, e o arrastando de volta para a cabeceira de Selena, levantando-o quando ele
não podia ficar em pé, ajoelhar-se, ou mesmo manter seu tronco na vertical.
Nenhum indício do que a Dra. Jane e Ehlena estavam fazendo, as duas faziam suas rondas na forma prostrada de Selena com todos os tipos de equipamento médico...
A porta do corredor se abriu. Manny Manello, o humano que era o médico parceiro da Jane, estava em trajes civis e completamente desalinhado, como se tivesse
estado correndo para voltar ao Centro de Treinamento.
Sexo errado. Considerando que Selena estava nua.
Os lábios de Trez se torceram para cima, suas presas de repente desceram, um rosnado filtrando para fora dele.
- O trânsito estava uma merda! - Manny disse. - Eu sinto tanto...
- Você precisa ir embora. - Dra. Jane gritou quando ela olhou para cima da verificação dos olhos de Selena com uma luz. - A menos que você queira ser mordido.
Quando Manny lhe lançou um olhar que estava cheio de sobrancelha, Trez podia sentir a força vindo de volta para ele. E ele não foi o único que percebeu. iAm
embrulhou seus braços pesados ao redor do seu tórax.
- Estarei fora em um segundo para uma consulta. - Dra. Jane disse a seu parceiro.
- Entendido. - Manny ergueu uma mão para Trez. - Desculpe, cara.
Você tinha de respeitar o seu tempo de resposta, Trez pensou quando o cara desapareceu.
- Ela tem dificuldade de locomoção em seus braços, das pontas dos dedos para os ombros, - Ehlena anunciou enquanto ia até a base da maca e pegava a perna de
Selena. - Encaixe do quadril. Joelho. Tornozelo. O mesmo.
- Sinais vitais estão estáveis, - Dra. Jane relatou. - Quero outra série de raios-X, logo que eu tenha certeza de que ela vai ficar com a gente.
Jane olhou para Trez. - Você a trouxe de volta. Você salvou a vida dela.
Como se ela ouvisse as palavras e as entendesse, Selena olhou para ele. Trez abriu a boca para responder, e não o fez. Como se alguém tivesse o desligado do
mundo, tudo desaparecendo em preto e ele foi flutuando na inconsciência.
A única coisa que ele tinha consciência? Mesmo depois que ele fodidamente desmaiou?
O bip bip bip constante da máquina marcando as batidas do coração de Selena.
Capítulo DOZE
ESCOLA BROWNSWICK PARA GAROTAS, CALDWELL, NOVA IORQUE
Denzel Washington tinha razão em O Gângster.
Os melhores traficantes de drogas eram bons homens de negócio. E não era preciso de nada aprendido em Harvard para chegar lá.
Sr. C, Forelesser da Sociedade Lessening, não tinha nenhum fodido diploma emoldurado em sua parede. Mas, havia nascido e crescido nas ruas e era malditamente
bom em produtos em movimento.
Enquanto o sol se punha do lado de fora da janela quebrada de seu escritório, ele continuava a contar seu dinheiro, as pilhas de notas de vinte amassadas, mantidas
juntas com os elásticos que roubara das copiadoras na agência da FedEx. Não parecia muito, mas isso era algo que os filmes geralmente retratavam mal.
O Sr. C se inclinou e tirou outro punhado de notas amassadas da sacola no chão. Ele exigia que seus homens esvaziassem os bolsos a cada anoitecer, aqui na diretoria,
e mesmo se lhe tomasse o dia todo, ninguém o ajudava a contar.
Àquela altura, após quase um ano no negócio, tinha uns cem traficantes trabalhando para ele, o número variava dependendo de seus esforços em recrutá-los diante
da eficiência da Irmandade da Adaga Negra em matá-los. Sua ideia de concentrar toda a Sociedade Lessening em um só lugar, nesta escola preparatória abandonada, havia
sido inteligente. Ele podia controlar os lessers como uma unidade militar, abrigando-os juntos, mantendo um cronograma, monitorando pessoalmente cada movimento e
cada venda.
Havia uma montanha de reformas a serem feitas.
Logo após o Ômega vir a ele e promovê-lo a Forelesser, havia percebido que a promoção não valia merda nenhuma. A Sociedade não tinha dinheiro. Nem armas ou munição.
Sem abrigo. Sem organização e sem planejamento. Tudo estava diferente agora: uma aliança incomum e desagradável havia resolvido o problema, e aquilo cuidava do segundo
e terceiro. O quarto dependia dele.
Àquele ponto, tudo o que ele tinha de fazer era manter a merda fluindo. Certificar-se que andavam na linha. Rastrear a entrada e saída da grana. Começar a juntar
alguns brinquedinhos de guerra. Depois que estivesse armado?
Iria detonar a Irmandade da Adaga Negra, e entraria para a história como aquele que finalmente havia conseguido fazer o seu trabalho.
Sr. C terminou a contagem bem na hora em que os últimos raios de luz eram drenados do céu, agora noturno. Levantando-se, guardou nos coldres duas .40 e um pouco
da grana em uma sacola de ginástica. O total era quatrocentos mil dólares.
Nada mal para quarenta e oito horas de trabalho.
Ao sair, não viu motivos para trancar as coisas, porque havia como acessar o prédio por todos os lugares. A diretoria tinha as janelas mais esburacadas do que
uma peneira e portas se soltando das dobradiças, e em maior escala, o terreno decrépito da escola apodrecida era rodeado por cercas de aço com mais seções quebradas
do que inteiras.
O que mantinha as pessoas longe?
Os lessers que transitavam constantemente pela propriedade, sentinelas cujo único trabalho era afastar qualquer pessoa que se aproximasse demais.
Boas notícias? Dizia-se que o local era assombrado, então quando aqueles adolescentes vândalos tentavam invadir, alguns truques do Ômega cuidavam do problema.
Bônus? Seus garotos gostavam de assustar aqueles tolos, e era melhor do que matar os putos. Livrar-se de cadáveres era um pé no saco, e ele não queria envolvimento
da polícia humana.
Afinal, havia somente uma regra na guerra contra os vampiros: nenhum humano era bem vindo à festa.
Do lado de fora, Sr. C entrou em seu Lincoln Nav preto e manobrou sobre a grama morta e não podada. No crepúsculo, conseguia sentir seus garotos se movendo pela
área, mesmo sem conseguir vê-los, o eco do sangue do Ômega neles, melhor do que chips de GPS enfiados em seus rabos.
Então, sim, ele sabia que um da sua equipe havia morrido na noite passada. Havia sentido a morte como um choque sob sua pele pálida pastosa. Fodida Irmandade.
E o imbecil que havia sido morto estava com drogas e grana, de forma que perderam ali pelo menos quinhentos.
Em qualquer noite, ele tinha de vinte a vinte e cinco traficantes nas ruas por vez, cada um trabalhando por turnos de quatro horas. Os turnos eram críticos.
Qualquer período mais longo do que dois mil e quarenta minutos, e os lessers teriam muito dinheiro com eles, dinheiro demais para perder, caso fossem pegos pela
polícia ou mortos pela Irmandade. Revelariam coisas demais sobre eles.
Ele aprendera a administrar seus negócios em épocas antigas, quando ainda era humano e dava seus golpes na rua, tentando crescer.
E a verdade nua e crua? O Ômega fodidamente precisava dele. Não o contrário.
A rota que ele tomava até seu fornecedor era diferente a cada vez, e ele tinha cuidado de rastrear quaisquer carros atrás dele, em caso de estar sendo seguido
pela polícia. Da mesma forma, não havia comunicação por telefone com seu fornecedor... Avanços tecnológicos por parte de agentes locais e federais tornavam isto
muito arriscado. Planos eram elaborados e mudados nos próprios encontros, e então, se um dos dois não aparecesse, um arranjo de contingência previamente feito garantia
que eles sabiam quando e onde voltariam a entrar em contato.
Nenhum de seus homens sabia a identidade de seu fornecedor, e ele precisava manter as coisas assim. Ele já fora um deles... A última coisa que queria era alguém
tentando passá-lo para trás.
E o fato de seu fornecedor ser um vampiro?
Merda engraçada.
A negociação desta semana havia sido agendada para noventa minutos após o próximo pôr-do-sol, mas, não perto demais da pedreira. Levou-lhe bons quarenta e cinco
minutos de viagem pela rodovia para chegar aos arredores, e aí teve de desacelerar. A estrada que levava ao estacionamento de cem acres era de mão única, tão movimentada
quanto um abandonado caminho de bodes, e mantida tão conservada quanto uma casa de tráfico. Árvores e arbustos altos até os ombros transformavam a coisa em um túnel,
e placas de sinalização de proteção ambiental brilhavam sob a luz de seus faróis.
Ele desligou a iluminação cerca de duzentos metros depois. Como seu fornecedor, ele havia modificado o SUV para operar às escuras, e seus olhos levaram somente
um segundo para se ajustarem.
Obrigado, Ômega.
O desvio que procurava apareceu quatrocentos metros à esquerda, e ele pegou a estrada de terra ainda mais lentamente. No passado, quando humano e começando nesta
merda de tráfico, seu coração sempre se acelerava quando dirigia. Agora, não somente não tinha nenhum equipamento cardíaco no peito, mas não havia como sentir-se
excitado. Graças às modificações em seu chassis e na química cerebral, feitas pelo seu chefe, ele era capaz de enfrentar qualquer coisa que acontecesse, com ou sem
reforço adicional, como armas e munição.
Então não, ele não estava preocupado. Mesmo que quase um milhão de dólares estivesse a ponto de mudar de mãos entre os dois elementos criminosos.
Quando finalmente chegou ao local do encontro, o Range Rover de seu "parceiro" já estava na clareira, tendo passado por cima das mudas e arbustos em uma manobra
em K, para que ficasse com a frente virada para a rota de saída. Quando estacionou emparelhando as portas do motorista, ambos baixaram as janelas.
O vampiro, que tocava o lado importação do negócio, era tipo Drácula: cabelos pretos penteados para trás, olhos que eram como a mira laser de uma Glock, boca
cheia de presas, com um ar de que gostava de machucar pessoas.
Mas, seu cérebro funcionava como o do Sr. C.
- Quatrocentos. - Sr. C falou, esticando a mão e oferecendo a sacola.
Quando a estendeu pela janela, o vampiro pegou e devolveu uma outra idêntica. - Quatrocentos.
- Quarenta e oito? - Sr. C perguntou.
- Quarenta e oito. Um quarenta e nove e quarenta?
- Ao pôr-do-sol. Noventa.
- Ao pôr-do-sol. Noventa.
Eles ergueram as janelas ao mesmo tempo e o vampiro acelerou, afastando-se sem quaisquer luzes acesas.
Sr. C imitou-o com eficiência e seguiu-o pelo caminho; no segundo em que eles chegaram à estrada asfaltada, o fornecedor virou à esquerda e ele foi à direita.
Sem testemunhas. Sem complicações. Nada fora de sincronia.
Para dois inimigos declarados em lados opostos da guerra, eles se davam bem para caramba.
Abalone, filho de Abalone, retomou forma em frente à casa histórica em uma das áreas mais abastadas de Caldwell.
Esta era a ducentésima septuagésima primeira vez que vinha até a bela mansão.
Era uma contagem tola, é claro, mas não conseguia evitar. Com a morte de sua shellan, e sua filha a ponto de ser apresentada à glymera para emparelhar, a posição
dele como Primeiro Conselheiro de Wrath, filho de Wrath, era o único aniversário que ele tinha pelo qual ansiar.
Não havia uma só noite em que não se orgulhasse em reviver o legado de seu pai de servir ao trono. Ou pelo menos, geralmente era o que acontecia. No entanto,
pela primeira vez, sentia como se estivesse falhando tanto com seu pai quanto com o Rei.
Aproximando-se da porta da frente, engoliu em seco e abriu-a com a chave de cobre que a Irmandade havia lhe dado há quase um ano. Ao empurrar a porta para entrar
na mansão, respirou fundo e sentiu cheiro de sabonete Murphy Oil, cera de abelha e limão.
Era o cheiro da riqueza e da distinção.
O Rei ainda não havia chegado, e Abalone retirou o celular e verificou, para certificar-se que não perdera nenhuma chamada. Nenhuma. Aquelas três vezes que havia
ligado para Wrath, deixando mensagens de voz não resultaram em nenhum retorno de comunicação do Rei.
Incapaz de permanecer imóvel, foi ao salão à esquerda, com a suave decoração amarela, o quadro de tamanho real de um rei francês, e as recém-organizadas cadeiras
estofadas se alinhavam às paredes como se fosse a luxuosa sala de espera de um médico. Logando em seu computador na mesa próxima à arcada, não conseguiu sentar-se.
Wrath havia reassumido a venerável tradição de audiências com seus civis, e o que havia sido uma conexão vital entre os governantes da Raça e seus cidadãos,
havia evoluído para uma mistura curiosa de velho e novo. Encontros agora eram agendados por e-mail. Confirmações eram enviadas da mesma maneira. Solicitações eram
catalogadas em uma planilha do Excel que podia ser filtrada por data, assunto, família ou resolução. Era também possível pesquisar estatutos da Antiga Lei, não em
sua forma ancestral de tomos, mas como parte de um banco de dados criado graças à Saxton.
Mas, a interação cara a cara, continuava imutável e ancestral, nada além do pleiteante e o Rei, comunicando-se em privacidade, reafirmando aquele laço importante
e fortalecendo o tecido da Raça.
Abalone havia criado, e mantinha atualizado, o registro moderno dos procedimentos, e o sistema estava se provando inestimável. Mas, com o crescente aumento do
volume de requisições, o número havia mais do que quadruplicado só nos últimos três meses, ele estava começando a afogar-se na papelada e nos agendamentos.
Os atrasos eram inaceitáveis, um desrespeito tanto à Wrath quanto aos pleiteantes.
Portanto, estava se tornando evidente de que ele iria precisar de ajuda. Mas não fazia ideia de onde encontrá-la.
Confiança era um problema. Ele precisava de alguém em quem pudesse confiar irrestritamente.
O problema era que ele não sabia onde começar a busca, especialmente quando as únicas pessoas que conhecia eram aristocratas e a glymera não havia sido somente
a fonte dos ataques de traição que quase tiraram Wrath do trono, eles foram destituídos de seu poder político.
Seria uma loucura assumir que os dissidentes haviam desaparecido magicamente.
E aquela era somente uma das razões que tornavam tão perturbadora, a aparição indesejável de Throe na soleira de sua porta, ao amanhecer.
Forçando-se a se concentrar, Abalone imprimiu os documentos da tarde e então foi até a sala do trono verificar se tudo estava onde deveria estar. Estava. No
espaço que, antigamente, era usado para refeições, agora as audiências com Wrath eram feitas; mas, típico do Rei, tudo era discreto. Não havia assentos dourados,
nem cortinas de veludo nem tapetes majestosos. Só algumas cadeiras e poltronas umas de frente para as outras, em frente à lareira que lançava chamas animadas no
outono e inverno, e ostentava flores frescas do jardim, durante a primavera e verão.
As toras já estavam posicionadas e ele se aproximou para acendê-las.
O verdadeiro trono, o que havia sido do pai de Wrath, e de seu pai antes dele, ficava na mansão da Irmandade. Ou pelo menos era o que Abalone achava. Ele jamais
estivera no complexo secreto e não tinha interesse em saber sua localização, ou visitar a instalação.
Algumas informações eram perigosas demais e não valia a pena conhecer.
E no fim, aquela era a única razão pela qual ele não havia chutado seu primo para a luz do dia, quando se tornou óbvio que o Rei estava impossível de ser contatado.
Mesmo se Throe seguisse Abalone? O macho não descobriria nada relevante, nada que pudesse prejudicar Wrath ou a Irmandade. Este local era guardado por Irmãos
quando Wrath estava nas instalações, e o Irmão Vishous insistira em instalar vidros a prova de bala, proteção contra incêndio, malha de aço em volta da sala de jantar
e cozinha, e outras medidas de segurança que Abalone não podia nem começar a imaginar.
A residência era agora tão fortificada quanto o Fort Knox.
Ele não tinha medo do Bando dos Bastardos chegar ali. Ou da Sociedade Lessening.
Além disto, Throe havia se retirado para um quarto de hóspedes e dormira como se para se recuperar de um ferimento mortal. Ele causara menos problema do que
qualquer outro convidado teria causado.
Sim.
Quando os minutos continuaram a passar, Abalone perambulou pela sala de audiências.
- Você está bem?
Abalone girou tão rápido que seus sapatos Bally rangeram no chão polido. - Meu senhor...!
Wrath havia, de alguma forma, conseguido chegar não à casa, mas ao próprio cômodo, sem fazer barulho algum; e não pela primeira vez, Abalone viu-se admirando
o macho. O Rei tinha quase dois metros e quinze e tão musculoso, que sua natureza de guerreiro era uma presença física que era de fazer alguém querer erguer as mãos
para a cabeça e baixar a cabeça e se submeter só para deixar as coisas bem claras. Com os cabelos pretos cascateando até os quadris, e óculos escuros escondendo
os olhos cegos de todo mundo, exceto de sua amada Rainha, ele era tanto aristocraticamente bonito quanto brutalmente poderoso. E então, havia as representações tangíveis
de seu status exaltado: o anel de diamante negro no dedo médio de sua mão direita, e as densas tatuagens de sua linhagem que corriam a parte interna de seus braços.
O macho era sempre um pouco chocante, não importava quantas horas Abalone já houvesse passado em sua presença. Mas, aquilo parecia especialmente verdade em uma
noite como esta.
O Rei se abaixou e libertou o cão guia, George, da coleira, e então olhou por sobre o ombro.
- Butch? Fique aí um minuto, ok?
- Pode deixar.
O Irmão com sotaque de Boston fechou as portas deslizantes e, quando os painéis se travaram no lugar, Abalone podia honestamente dizer que jamais pensara em
si próprio como pleiteante a uma audiência com o governante.
As narinas de Wrath flamejaram. - Você tem algo em mente.
Por alguma razão, Abalone sentiu vontade de se ajoelhar - Eu tentei te contatar, meu senhor.
- É, eu sei. Eu estava passando um raro dia em Manhattan com minha shellan. Só recebi as mensagens há cinco minutos. Imaginei que, fosse o que fosse, seria melhor
falarmos pessoalmente.
- Sim. De fato.
- Então o que está acontecendo?
Querida Virgem Escriba, isto deve ser semelhante a confessar uma traição a um companheiro, Abalone pensou. - Eu...
- Seja o que for, pode me dizer. E vamos resolver.
- Eu, ah, recebi uma visita esta manhã, minutos antes do nascer do sol. De um primo meu.
- E não eram boas notícias?
- Era... Throe.
Ao invés de recuar ou praguejar, o Rei riu suavemente, mais como um grande felino ronronaria diante da perspectiva de uma refeição. - E as bênçãos nunca acabam.
Você não me disse que ele era parente seu.
- Eu não sabia. Recebi uma chamada telefônica de meu primo em terceiro grau. Acredito que o laço é por casamento. Se eu fizesse a menor ideia...
- Não se preocupe. Não se pode evitar o que está em sua árvore genealógica. - Novamente aquelas narinas flamejaram - Acho que ele não foi bem-vindo em sua casa,
foi?
- Não, meu senhor. Eu o deixei entrar somente porque ele ofereceu informações do Bando dos Bastardos. Ele diz que não está mais com eles e está preparado para
revelar sua locação, estratégia, posições.
O Rei sorriu, revelando presas tão longas quanto adagas. - Então certamente quero me encontrar com ele.
Abalone cedeu a seus instintos, se aproximou e ajoelhou-se no chão de madeira nu. - Meu senhor, o senhor deve saber que...
O Rei pousou a mão no ombro de Abalone, e aquela palma era tão grande que parecia engolfar o torso inteiro de Abalone. - Sua lealdade é a mim e somente a mim.
Eu posso cheirá-la. Posso senti-la. Deixe de culpas. Ele está em sua casa agora?
- Sim.
- Então eu irei até ele.
- Não seria melhor enviar um emissário?
- Não tenho nada a esconder, e não tenho medo dele ou do bando de garotinhas de Xcor. Eles tentaram me matar uma vez, lembra? Não funcionou. Tentou me destronar?
Ainda estou no trono. Eles não podem fodidamente me tocar.
Como se Wrath pudesse ler mentes, estendeu a mão do diamante negro e Abalone agarrou o que era oferecido, pressionando os lábios na gema sagrada, quente pela
carne do grande macho.
- Butch. - Wrath chamou. - Chame a Irmandade. Temos de fazer uma visita social.
O Irmão respondeu do outro lado da porta, enquanto o Rei movia o rosto para baixo, como se buscando o olhar de Abalone. - Agora, Primeiro Conselheiro, quero
que reagende as primeiras duas horas de minhas audiências.
- Sim, meu senhor. Imediatamente.
- E então, vamos à sua casa.
- O que desejar, meu senhor. O que desejar.
Capítulo TREZE
O que salvou Trez de seu cativeiro acabou não sendo uma pessoa. Na verdade, não foi nem mesmo um objeto.
Sua liberdade, quando veio, foi por cortesia de um tubo de ventilação localizado no canto superior direito da vasta suíte onde estava aprisionado.
Três noites antes de sua eventual fuga, estava deitado de costas, contemplando absolutamente nada, quando um sopro de ar gelado atingiu as joias em suas vestes
e esfriou sua pele. Franzindo o cenho, olhou para cima e viu a grade parafusada na parede totalmente branca.
Câmeras de segurança de primeira geração vigiavam cada movimento seu, então sabia que seria melhor não demonstrar nenhum interesse específico. Mas o deixou pensativo.
Sombras podiam se desmaterializar, e podiam até virar fumaça; o que permitia que viajasse vastas distâncias, permanecendo invisível ao chegar ao destino.
Ele havia tentado ambas as coisas muitas vezes, e falhara, e, de início, relegara qualquer plano de fuga ventilada à falha por conta disto.
Mas, na noite seguinte, por nenhuma razão específica, olhou para baixo, para o que tinham posto sobre seu corpo. As joias... As pedras preciosas brilhantes que
ele achava estarem encrustadas sobre ouro. O metal tinha cor de prata. Ouro branco, certo?
A menos... Que fosse aço inoxidável. Que era a única coisa que neutralizava o poder de desmaterialização dos vampiros, mesmo os da linhagem Sombra.
Ele havia olhado pelo cômodo de mármore até a suíte de banho. Mesmo no banho, quando seu corpo era limpo de forma ritual... Eles o mantinham envolto em safiras
e diamantes, colares de pedras preciosas incrustadas no pescoço, ombros, pulsos e tornozelos antes que entrasse na água. Assim que ele saía? A cota de malha de joias
era posta sobre sua pele de novo.
Ele fechou os olhos. Porque jamais pensara nisto?
Levara-lhe mais duas noites, dois ciclos de amanhecer e anoitecer, antes de desenvolver um plano. O cronograma de alimentação, banho, exercício e estudos nunca
era o mesmo, como se propositadamente manipulada a uma falta de padrão, e as idas e vindas de iAm eram igualmente aleatórias, pois, não sendo O Consagrado, ele tinha
certas liberdades de movimento, certas permissões de sair pelo palácio para se exercitar ou se alimentar, embora mesmo aquilo não fosse incondicional.
Durante suas deliberações, Trez foi enfático em não mudar nada em sua aparência, atitude ou hábitos, mas, internamente, sua mente criava, manipulava, testava
teorias para as complicações ou falhas em potencial.
Ele havia antecipado esperar por mais tempo, mas o momento se apresentou inesperadamente, cortesia de uma bandeja de metal derrubada. Uma serviçal havia escorregado
no chão de mármore recém-polido e, alimentos, pratos e pratarias espalharam-se por todo canto. iAm, sempre prestativo, havia se voluntariado para ajudar a lidar
com a bagunça, e ele e a serviçal haviam partido em busca de materiais de limpeza no área de suprimentos.
A fechadura da porta da cela oculta fez clique.
E então chegou a hora.
Movendo-se rapidamente, Trez despiu-se, arrancando a cota fina e as joias de si mesmo, libertando-se dos zíperes, abrindo todo tipo de fivelas, cintos e fechos
de segurança. Então, nu e sangrando pelo esforço, fechou os olhos e se concentrou.
Sua ansiedade era tamanha que quase falhou, especialmente ao ouvir gritos do outro lado de sua porta, as câmeras de segurança haviam reportado suas atividades
com espontaneidade e exatidão.
Sua convicção de aquela ser sua única chance havia lhe fornecido ímpeto para buscar e retirar de dentro de si mesmo alguma força maior.
Bem antes de desaparecer no ar, s'Ex havia derrubado a porta, e eles se encararam por uma fração de segundo.
Então ele entrou e atravessou o tubo de ventilação.
Puf!
Ele seguira pelo sistema de dutos mantendo-se na corrente que vinha contra ele, na esperança que o vento lhe mostrasse o caminho até o lado exterior. E estava
certo. Momentos depois cambaleara na noite fria, expelindo-se acima de seu local prévio de confinamento, tão chocado por ter efetivamente saído que quase retomou
forma e caiu do telhado do palácio.
Rapidamente recobrou a cabeça e fluiu, sem direção, sem planos adicionais, sem suprimentos, sem dinheiro.
Mas, a liberdade era inestimável... E eventualmente o levaria a cruzar o caminho de um vampiro que mudaria os rumos de sua vida...
- Trez? Camarada?
Trez disparou para fora de seu sono, do mesmo modo como disparara daquele sistema de ventilação, e por um momento, não tinha a mais fodida ideia de onde estava.
Mas, um piscar de olhos mais tarde, um par de olhos ametista diretamente em frente ao seu rosto trouxe tudo de volta: o Centro de Treinamento, Selena, o presente,
não o passado.
- Selena.
Rehvenge esticou a mão, - Uou, calma. Eles estão quase terminando de banhá-la.
- Banhá-la... - Trez esfregou o rosto e olhou em volta, vendo uma grande extensão de parede de concreto.
Cristo, estava tão exausto, que colapsara no corredor do lado de fora da sala de exames, nos quarenta e dois segundos que levara para sentar o traseiro e respirar
fundo.
Rehvenge grunhiu ao usar a bengala para ajudá-lo a se abaixar no chão de concreto. Estendendo as pernas, dobrou seu casaco de mink de corpo inteiro em volta
das coxas, mesmo que não estivesse menos do que 20 graus Celsius.
- Minha Ehlena me chamou. - Rehv deu a Trez uma olhada de cima abaixo, e pela tensão em sua expressão, não gostou do que viu. - Eu teria vindo mais cedo, mas
estava resolvendo uns problemas no norte.
- Como vai a sua colônia? Ainda psicótica?
- Como você está?
- Estou bem, Vossa Alteza.
- Não tente me foder, está bem?
- Desculpe. - Trez recostou a cabeça contra a parede fria. - Não estou em minha melhor forma.
Rehv olhou para a porta fechada da sala de exames. - Onde está iAm?
- No vestiário. Acho que foi lá para um banho.
- Soube que ele está aqui embaixo com você.
- Sim.
Houve um período de silêncio. E então Rehv disse, - Há quanto tempo nos conhecemos?
- Um milhão de anos.
O devorador de pecados riu fortemente, - Parece mesmo.
- É.
- Então por que não me contou?
- Sobre...? - Quando Rehv só ergueu uma sobrancelha, Trez deu um suspiro entrecortado. É claro que o cara queria saber sobre Selena e o vínculo. - Ouça, nem
eu mesmo queria tomar consciência do que sentia por ela. Eu só... Merda, sabe como eu era com as putas. Como diabos eu iria falar sobre isto com alguém como uma
Escolhida? Mas, agora isto. Pelo amor da porra, tudo aquilo foi perda de tempo. Não que nós, necessariamente, terminaríamos juntos, mas... Talvez eu pudesse tê-la
ajudado. Ou...
Embora, pelo que a Escolhida tinha dito, parecia que a doença ou distúrbio, ou fosse qual porra fosse, seguiria seu próprio curso, independente do que alguém
fizesse.
- Eu tenho um pouco de experiência com isto. - Rehv murmurou. - Quando conheci Ehlena? Ela não sabia que eu era metade devorador de pecados, muito menos herdeiro
do trono dos Symphaths. Eu, certo como a merda, não estava com muita pressa para revelar, mas não era como se pudesse esconder os traços em meus braços, ou meus
impulsos, ou quem eu era. E lembre-se, eu tinha o mesmo trabalho noturno que você. Não exatamente boas notícias para uma fêmea. Lutei o quanto pude, e quando a verdade
veio à tona? Eu sabia que ela ia me abandonar. Estava convencido disto. Por um tempo ela me abandonou, e não deixei de amá-la, de qualquer forma. Mas no final? Funcionou.
Trez desejou conseguir tirar alguma inspiração daquilo. - Selena vai morrer.
- Talvez. Talvez não. Ouça, não sou fã de minha subespécie, mas temos alguns conhecimentos no norte. Deixe-me ver o que consigo descobrir para você.
Trez virou a cabeça e encarou o macho. - Você não precisa...
- Pare.
Trez teve de desviar os olhos. - Não me faça chorar. Eu odeio me sentir um marica.
- Você faria o mesmo por mim.
- Você já me salvou uma vez.
- Prefiro pensar que salvamos um ao outro.
Trez pensou na noite em que os dois se conheceram. Quando e onde, na cabana na montanha, a primeira estrutura que Trez encontrou quando finalmente saiu do ar...
Também o lugar onde Rehv tinha de cumprir sua obrigação com aquela Princesa Symphath nojenta que andava chantageando-o.
Trez havia se escondido quando Rehv chegara e fodera a cadela em pé algumas vezes. Depois, ela havia o deixado uma bagunça no chão, debilitado pelo veneno que
usava na pele.
Cuidar do cara só parecera natural.
E em retorno? Ele e aquele bastardo de olhos ametista haviam se tornado meio irmãos. A ponto de que, quando iAm apareceu lá fora, os três haviam se aliado, a
lealdade e gratidão de Trez fazendo ele e o irmão se ligarem ao devorador de pecados.
Se havia uma coisa que sabia sobre Rehvenge, após todos estes anos, era que ele era um macho de valor. Apesar de ser um cafetão e dono de casa noturna, um degenerado
e execrado, ter o coração maligno, ser um filho da puta sádico... Ele era e sempre seria um dos melhores machos que Trez já conhecera.
- Então eu vou, - Rehv disse.
Com alguns gemidos, o macho se levantou, e quando ficou em pé com aquele casaco de mink varrendo o chão nu do Centro de Treinamento, ele pigarreou e não olhou
para Trez. Não era uma surpresa, e um tipo de dádiva. Trez também não lidava bem com grandes emoções.
- Obrigado, - Trez disse asperamente.
- Guarde a gratidão para quando eu voltar com alguma informação relevante.
- Não é disto que estou falando.
Rehv se inclinou, oferecendo sua mão direita. - Tudo o que precisar.
Trez teve de piscar fortemente. Então passou a mão sobre os olhos. - Sua amizade é tudo o que preciso, meu amigo. Porque é praticamente inestimável.
Quando iAm saiu do vestiário masculino, verificou se os botões de sua camisa estavam corretamente abotoados. O banho de chuveiro durara no máximo cinco minutos,
mas a água estava gelada e ele achou que sentiria um pouco mais com ela.
Difícil dizer, com o seu cérebro torrado como estava.
Ele parou ao olhar para cima e ver Trez e Rehv cumprimentando-se. Por alguma razão, o momento silencioso entre os machos levou-o de volta para a noite em que
Trez escapara.
Tão estranho que os caminhos se cruzassem quando menos se esperava.
Rehv olhou em sua direção quando dos dois soltaram as mãos, - Ei, iAm.
- Ei, cara.
Como se estivessem em algum tipo de funeral, os dois executaram o cumprimento de tapinhas nas costas típico de machos quando havia sentimentos demais no ar.
Um momento depois, Rehv saiu, sem olhar para trás, andando para o escritório, o casaco esvoaçando atrás dele, a bengala vermelha apoiando-o no chão para equilíbrio.
- Que bom que ele veio, - iAm disse, ao olhar para porta fechada da sala de exames. Achou que eles ainda estavam limpando Selena.
Que porra de noite. Dia. Fosse o que fosse.
- É.
iAm verificou o relógio. Bem, quem diria. Era oito da noite. Já anoitecera. Eles estavam ali há, tipo, doze horas seguidas.
- Então você vai me contar o que há em sua mente?
iAm baixou o braço e olhou para o irmão. - Do que está falando?
- Vamos, cara. - Trez soltou uma imprecação exausta. - Você acha que não consigo te ler. Sério?
iAm andou alguns metros. Voltou. Andou de novo.
- Mais notícias boas, huh? - Trez murmurou.
- É.
- Desembuche. Pelo menos um de nós se sentirá melhor.
- Duvido.
- Como se a merda não pudesse piorar?
- A Rainha deu à luz.
- E...
- Não era.
Trez fechou os olhos e pareceu decair em sua própria pele. - Momento perfeito.
- É por isto que s'Ex estava te ligando. Ele me rastreou quando você não atendeu e, sim, aí está.
Trez exalou. - Sabe qual é minha maior fantasia? Não é nem pornô. Seriam boas notícias. Por uma vez em minha fodida vida, eu adoraria ter uma boa notícia.
- Eles estão em período de luto. - Quando Trez meneou a cabeça, iAm sentiu como o inferno de novo. - Temos uma semana, então...
- Então eles vão querer de volta o dildo vivo de carne e osso deles, huh?
Quando Trez olhou para a porta fechada da sala de exames, pareceu envelhecer diante dos olhos de iAm, a pele de seu rosto parecia se derreter da estrutura óssea
por baixo, os cantos de seus olhos caíram, a boca relaxou.
- Trez...
- Diga a s'Ex que quero me encontrar com ele. Não posso sair agora por causa...
- Você não está pensando realmente em voltar, está?
O olhar de Trez não se desviou a porta fechada.
- Trez. Me responda. Não está pensando em voltar...
Quando o silêncio se estendeu, iAm praguejou. - Trez? Olá?
- Eu tenho de encontrar s'Ex. Mas só depois... - Trez pigarreou. - É. Depois.
iAm anuiu porque o que mais poderia fazer? Não havia como culpar o cara por este tipo de priorização.
Infelizmente, o s'Hisbe não seria tão compreensivo. Mas, era aí que iAm entrava. De jeito nenhum alguém iria forçar fisicamente seu irmão a partir, enquanto
esta merda com Selena ainda estivesse se desenrolando.
Ele não se importava com o que precisasse fazer: Trez ia ficar livre para cuidar de sua fêmea.
A Rainha que se fodesse.
Capítulo CATORZE
Layla se sentiu perseguida enquanto mantinha um pé no acelerador e ambas as mãos no volante da sua Mercedes azul pálida. Qhuinn comprou-lhe a E350 4MATIC, seja
lá o que for que isto quer dizer, há cerca de três meses. Ele queria algo mais chamativo, maior, mais rápido, mas no fim, o pequeno sedan foi o que a deixou mais
confortável. E ela escolheu a cor porque a lembrava das piscinas de banho no Santuário.
A fazenda estava nos arredores do Caldwell rodeada por colinas e vales, e ela amava estes campos graciosamente ondulados com espigas de milho em julho e agosto,
que devem ser colhidos nos meses seguintes. Ela decorou toda a paisagem agora, uma rota que levava a uma subida bem específica, em um prado em particular, à uma
árvore agora significativa.
Quando ela veio para a base da pequena colina, desligou as luzes e esperou o carro parar. Ela nunca se sentiu bem vinda aqui, mas depois de ver o estado em
que Selena estava e sabendo o que isso significava, seu coração estava ainda mais pesado do que o habitual.
Saindo do carro, ela colocou suas mãos na parte inferior das costas e arqueou os seios, tentando soltar os músculos que pareciam travados continuamente.
- Você chegou adiantada.
Com um suspiro, ela se virou. Xcor estava parado a poucos metros da parte traseira do carro, e ela podia dizer imediatamente que havia algo de errado com ele.
Não era que seu rosto severo parecia diferente, do lábio leporino que o fazia parecer como se estivesse perpetuamente rosnando, até seus olhos astutos e sua mandíbula
pesada, todas as características eram as mesmas. E não existia uma mudança em seu cabelo raspado rente a cabeça, ou seu longo casaco de couro preto, ou até mesmo
seus couros ou suas botas de combate ou todas as armas que ela sabia que tinha, e que ele sempre escondeu cuidadosamente dela.
Ela não foi capaz de dizer o que tinha de errado com ele. Mas, seus instintos não mentiam, e nunca erraram.
- Você está indisposto? - Ela perguntou.
- Você está?
Ela colocou a mão sobre a barriga. - Estou bem.
- O que aconteceu ontem à noite? Por que você não veio?
Uma imagem de Qhuinn andando em torno da sala de bilhar com ela e Blay sentados no sofá vieram à sua mente. Então ela os imaginou na sala de exames do Centro
de Treinamento, estando ao lado de Selena, enquanto era avaliada e más noticias eram dadas.
- Eu tive uma emergência de família, - ela disse. - Bem, duas, na verdade.
- De que tipo?
- Nada que lhe diz respeito.
- Há pouco de você que não me diz respeito.
Olhando na direção da árvore que eles normalmente se sentavam debaixo, Layla estremeceu. - Eu...
- Você está com frio. Vamos entrar no carro.
Em sua forma habitual, Xcor assumiu o controle, abrindo a porta para ela e saindo do caminho, em uma demanda silenciosa. Por um momento, ela hesitou. Apesar
do ímpeto nobre para manter o Rei e os Irmãos seguros, ela soube em seu coração que ninguém aprovaria estas reuniões, estas palavras, estes momentos passados com
o inimigo jurado da Irmandade.
A pessoa que conspirou contra Wrath não apenas uma, mas duas vezes.
Sentar-se no carro que Qhuinn comprou para ela com Xcor era uma ofensa à suas relações mais valiosas.
Exceto que ela estava protegendo aqueles que amava, lembrou a si mesma.
- Entre, - disse Xcor.
E ela entrou.
Fechando a porta, Xcor deu a volta para o lado do passageiro, bateu na janela e ela destrancou a porta, pensando na falsa mitologia humana sobre vampiros, onde
os mortos-vivos tinham que ser convidados antes de poder entrar nos lugares.
Tão longe da realidade.
Xcor com o corpo de um soldado tomou quase todo espaço no sedan quando se sentou no banco ainda que para ela sobrasse espaço, mesmo estando grávida. Ela inalou
para se firmar, e odiou o fato de gostar da forma como ele cheirava, mas o fez. De fato, ele sempre se esforçou para estar limpo quando se encontravam, sua pele
cheirando uma colônia temperada que ela desesperadamente queria achar sem atrativo.
Isto seria mais aceitável se ela ficasse focada no fato de estar sendo coagida a este contato, tão próxima, tão perto.
Porque estar aqui com ele por vontade própria...
Deus, por que ela estava tão pensativa esta noite...
- Dirija, - ele disse. - Por favor.
- O que? - Seu coração começou a bater. - Por quê?
- Não é mais seguro aqui. Temos que nos encontrar em outro lugar.
- Por quê? - A realidade de quão pouco conhecia e confiava nele a fez perceber exatamente como eram distantes. - O que mudou?
Ele a examinou. - Por favor. Para sua segurança. Eu nunca vou prejudicá-la, e você sabe, portanto digo que aqui não é mais seguro para nós.
Ela segurou seus olhos por um longo momento. - Onde nós devemos ir?
- Eu assegurei outro local. Vá para oeste. Por favor.
Quando ela não se moveu, ele pôs sua mão sobre a dela e apertou. - Aqui não é seguro.
Quando ele soltou a mão dela, seus olhos nunca desviaram dos dela. E um momento mais tarde, ela assistiu de uma vasta distância quando alcançou e bateu o botão
de ignição para ligar o motor. - Certo.
Conforme ela colocava o carro em marcha, um sutil barulho soou. - Seu cinto de segurança, - ela disse. - Você precisa colocá-lo.
Ele obedeceu sem comentário, esticando o cinto longe, para estender acima de seu tórax volumoso, e então o clicando no lugar.
- A que distância?- Ela perguntou, enquanto uma pontada de medo fez seu coração acelerar novamente.
- Dezesseis quilômetros. - Xcor baixou a janela em uma rachadura e respirou como se tentando encontrar uma fragrância no ar. - É um local seguro.
- Você esta me sequestrando?
Ele recuou. - Não. Você é, como sempre, livre para ir e vir.
- Certo.
Ela esperou que ele estivesse dizendo a verdade. Rezou para que ele estivesse. E deixou o pensamento sobre o mortal jogo que estava jogando.
Isto tem de parar, ela pensou. Existia uma guerra contra os lessers. Ele era um traidor para o Rei.
Sua gravidez estava chegando à um estado avançado.
O problema era, que ela não sabia como cortar as cordas que os mantinham juntos.
Rhage foi o último dos Irmãos a materializar-se sobre o gramado de uma propriedade que parecia ter sido tirada diretamente de uma revista. Quando ele olhou para
grande casa na proximidade, ouviu o narrador do velho programa do Batman: "Enquanto isso, na mansão Wayne..."
A mansão estilo Tudor era situada entre gramados bem cuidados, como se fosse boa demais para competir com nada menos que a Casa Branca, com luzes ligadas no
interior, brilhando com luxo dourado suave como se talvez existissem gotas de ouro sólido em todas aquelas luminárias. Com eficiência rápida, um mordomo podia ser
visto cruzando na frente de um banco com painéis de diamante, seu uniforme formal, algo que Fritz vestiria.
Eles provavelmente tinham o mesmo alfaiate.
- Nós estamos prontos para Sua Alteza Real? - V perguntou estranhamente.
Existia um murmurar de acordo entre os cinco deles, e então Vishous desapareceu no ar. O plano era para ele se juntar a Butch no novíssimo Range Rover do policial,
que estava estacionado a mais ou menos seis quilômetros à leste com o Rei reclamando sobre todas as medidas de segurança no banco da frente. Os dois iriam trazer
Wrath, dando ao grupo vários caminhos para tirar o macho daqui se a merda batesse no ventilador.
Rhage odiou que tivessem de trazê-lo aqui para encontrar-se com Throe, mas Wrath recusou enviar um representante, e o que eles podiam fazer? Amarrá-lo à
uma fodida cadeira assim não viria sozinho?
- Para a sua informação... - Rhage desembainhou uma de suas adagas negras, - ... Não dou nenhuma garantia de que não vou fatiar este filho da puta.
- Eu o segurarei para você, - alguém tossiu atrás.
Um vento frio soprou do norte, espalhando folhas caídas sobre suas botas, e Rhage olhou por cima do ombro. Nada se movia à esquerda. Não tinha ninguém nos arbustos.
Nenhum cheiro ruim no ar.
Mas ele ainda foi muito cuidadoso.
Bem, duh. Qualquer coisa que tinha de fazer com o Bando dos Bastardos era dificilmente uma noite em casa no sofá fingindo que ele não estava de fato assistindo
Scandal.
Ou The Real housewives of New Jersey, se Lassiter tivesse o maldito controle remoto.
Dez minutos depois, o Range Rover virou a esquina e veio subindo pelo caminho, com os faróis iluminando toda a frente da casa assim como todo o grupo.
Butch dirigiu fazendo um círculo na frente da mansão de forma que o SUV ficasse de frente para a rota de fuga, e em seguida Wrath abriu a porta e saiu do banco
do passageiro. Em seus shitkickers, o macho se elevou acima do teto do veículo, e diferentemente do resto deles, ele não usava qualquer casaco ou jaqueta.
Apenas uma camiseta preta sob o colete Kevlar obrigatório.
Pelo menos eles tinham isto.
Graças à Beth.
Rhage caiu em formação com os outros e eles protegeram Wrath com seus corpos conforme se moviam adiante. No momento em que chegaram à porta da frente, Abalone
abriu as portas como se estivesse olhando pelas janelas para o gramado e esperando por sua chegada.
- Meu Senhor. Irmandade. Bem-vindos à minha casa.
Com o Primeiro Conselheiro se curvando profundamente, Rhage tinha de aprovar o cara. Applebottom, como eles o chamavam, era um dos poucos aristocratas que Rhage
conhecia que não tinha só metade de um cérebro, mas um coração cheio, debaixo do terno elegante.
- Se todos puderem seguir nesta direção? - O sujeito disse, indicando com a mão.
Parte do pré-acordo para isto era que a reunião seria na biblioteca e uma das janelas seria arrancada no caso de Wrath ter de se desmaterializar. Throe, que
estaria esperando em uma sala de estar separada, seria trazido para dentro por um Irmão, e escoltado para fora por um.
E existia um par de outras ressalvas.
Uma vez dentro do quarto cheio de livros, Rhage fez uma rápida, mas completa, inspeção na sala, e disse, - Me deixe buscar o bundão.
- Tem certeza? - V perguntou.
- Eu não o comerei. Ainda.
Ele cortou qualquer conversação quando saiu para onde Abalone estava pairando no vestíbulo, parecendo estar em um debate interno se vomitava sobre seus sapatos
ou se corria para o banheiro antes de perder a batalha.
- Então, onde esta seu primo? - Rhage deu ao cara um sorriso tranquilizante. Como se fosse embrulhar o bastardo em plástico bolha e nada mais. - Ali?
Abalone acenou em direção à porta fechada do outro lado. - Sim. Ele está na sala de estar masculina.
Rhage colocou uma mão no ombro do Primeiro Conselheiro. - Não se preocupe, Applebottom. Isso vai ser como tirar doce de uma criança.
Sentindo pena do pobre pedaço de merda enquanto ele exalava em alívio. - Sim, meu senhor. Obrigado.
Após outra rodada de perguntas se tudo estava certo, Rhage deslizou pela porta da sala de estar e a fechou atrás dele.
Throe estava em pé em uma sala de painéis, parecendo com o macho distinto que ele foi uma vez no Velho Continente, apesar de suas roupas serem comuns.
- Rhage? - O macho disse, avançando.
- Sim.
Throe teve a chance de esticar sua mão para um aperto, e foi isto. Rhage agarrou seu pulso, girando ele ao redor como uma bailarina, e o empurrou de cara na
parede mais próxima.
- O que você está...
- Prendendo você, idiota. - Certo, então talvez o esmurrando fosse um pouco mais preciso. - Espalhe.
- Está me machucan...
- Se eu achar uma arma, vou usá-la em você. Fui claro?
- Você deve ser tão...
- De frente. - Rhage empurrou o cara de volta por sua cintura, e o girou como um peão, então o bateu de cara na parede. - Não, cabeça erguida.
Ele segurou o queixo do cara na palma da mão e puxou a bela face para cima. Depois deu ao surpreendentemente grande tórax uma mamografia, estapeando seu caminho
para socar Throe forte o bastante para vomitar, fazendo o sujeito suspirar alto de dor.
- Eu imploro seu perdão!
- Não tem nada ai. Não é uma surpresa.
Abaixo das coxas. As panturrilhas. Voltando ao nível dos olhos.
- Aqui estão as regras. Se você fizer algum movimento em direção ao meu Rei, de qualquer forma, que eu não gostar? Você estará morto antes de pisar no chão.
Estamos entendidos?
- Eu vim aqui em paz. Estou cansado de lutar...
- Nós estamos entendidos? Se você se quer espirrar na direção dele, tentar apertar sua mão, ou olhar duas vezes em seu fodido shitkickers? Eu vou te mandar para
o necrotério.
- Você é sempre tão extremo?
- Este sou eu calmo, legal e pensativo, seu puto. Você não quer me ver zangado.
Rhage empurrou o cara em direção à porta, a abriu, e bloqueou uma mão atrás de pescoço de Throe.
- Eu posso caminhar sozinho, - o macho hesitou.
- Pode? Tem certeza disso?
Rhage mudou seu aperto no pescoço dele de forma que esmagou o rosto do macho em sua mão, conduzindo Throe pela conjunção dos olhos, nariz, e boca.
- Isto está funcionando melhor para você? Não? Huh, sua suposição deveria funcionar melhor.
Enquanto ele deliberadamente manteve Throe fora de equilíbrio, apreciou a rotina dançante de Fred Astaire enquanto passava por Abalone e entrava na biblioteca.
- Oh, isto já está indo tão bem. - V murmurou enquanto acendia o cigarro que tinha na mão.
- Pelo menos não tem molho de churrasco envolvido, - o policial tossiu.
- Ainda. - V exalou. - A noite é uma criança.
Rhage pigarreou. - Meu senhor e governante, Wrath, filho de Wrath, pai de sangue de Wrath, eu te apresento Throe, pedaço de merda.
Naquele momento, ele deu ao macho um bom empurrão na direção do tapete Oriental, dizendo você sabe o que fazer. E ele se colocou sobre seus joelhos que era onde
aquele filho da puta pertencia.
Aos pés do único e verdadeiro Rei.