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Series & Trilogias Literarias
XI
TERRITÓRIO INIMIGO
A quatrocentos e cinquenta quilômetros do sargento Ding Chávez, o coronel Félix Cortez, antes do DGI cubano, cochilava no escritório do chefe. Tinha chegado há várias horas, mas o chefe estava ocupado... provavelmente com uma amante. Ou talvez com sua esposa, pensou Cortez; não, era impossível, mas improvável.
Bebeu duas xícaras do excelente café local – antes o produto de exportação mais rentável da Colômbia – , mas não se sentiu melhor. Estava cansado, devido ao esforço da noite anterior, a viagem e a adaptação ao fuso horário da região. Queria dormir, mas o chefe esperava seu relatório. O considerava um filho da puta. No DGI teria apresentado um relatório breve e depois teriam permitido a ele que descansasse antes de voltar para trabalho. Mas no DGI eram profissionais, e ele tinha escolhido trabalhar para um amador.
Pouco depois da 1:30 escutou passos no corredor. Cortez levantou-se e se esticou. O chefe apareceu na porta com expressão plácida e feliz. Uma amante então, pensou Cortez.
– Que informação você traz? – perguntou Escobedo sem preâmbulos.
– Até o momento, nada de concreto – respondeu Cortez com um bocejo. Em cinco minutos o informou de tudo o que tinha averiguado.
– Pago para ter resultados, coronel – disse Escobedo.
– É verdade, mas nesses níveis altos é preciso ter paciência. Com os métodos de investigação que você usava antes, você só saberia que desapareceram alguns aviões e que dois transportes caíram nas mãos dos ianques.
– O que me diz do interrogatório no navio?
– Me pareceu muito estranho, talvez tenham tentado de tudo. – Cortez se acomodou no assento.
Queria mais café – . Talvez seja verdade, mas eu duvido. Não os conheço, não sei até que ponto são confiáveis.
– Os dois são de Medellín. O irmão maior de Ramón que me serviu com lealdade. Morreu como um soldado nas guerras contra o M-19. Ramón também me serviu.
Tive que dar a ele uma oportunidade – disse Escobedo – . Era uma questão de honra. Não é inteligente, mas muito leal.
– Sua morte não lhe causará problemas?
Escobedo balançou a cabeça sem vacilar.
– Não. Ele conhecia os perigos. Não sabia por que era necessário matar o americano. Não pode dizer nada a eles sobre isso. Quanto ao morto, era um ladrão, e muito idiota. Achou que não descobriríamos seus roubos. enganou-se. Por isso o eliminamos.
E à família também, pensou Cortez. Matar era uma coisa... violar crianças, outra muito diferente.
Mas não era problema dele.
– Está certo de que não poderão nos dedurar aos ianques...?
– Mandamos que eles embarcassem nesse iate, que mostrassem o dinheiro para demonstrar sua boa fé e que escondessem as drogas. Uma vez realizada a tarefa deviam dirigir-se às Bahamas, entregar o dinheiro a um de meus banqueiros, destruir o iate discretamente e levar as drogas até a Filadélfia pelas vias normais. Sabiam que eu estava zangado com o americano, mas desconheciam o motivo.
– Talvez sabiam que fazia lavagem dinheiro e disseram aos federais – aventurou Cortez sem perder a calma.
– Sim. Mas, por sorte, o americano era muito hábil. Tomamos precauções, coronel. Asseguramo-nos de antemão de que ninguém soubesse exatamente o que tinha feito o ladrão. – Escobedo sorriu; ainda durava o efeito dos serviços de Pinta – . Ah, sim, era muito astuto esse americano.
– E se ele mantinha um registro do que fazia?
– Não tinha não. Um oficial de Polícia dessa cidade revistou sua casa e seu escritório a nosso pedido antes de que eu autorizasse as mortes. E o fez tão bem, que os federais não descobriram.
Cortez tomou fôlego antes de falar.
– Chefe, compreenda, por favor, que eu devo saber de coisas como esta. Por que me contratou se não deseja aproveitar de meus conhecimentos?
– Nós fazemos isso há anos. Podemos dirigir nossos negócios sem necessidade de...
– Os russos o enviariam a Sibéria por ser idiota!
– Cuidado, esquece seu lugar senhor Cortez!
Félix conteve sua reação com esforço e baixou a voz.
– Você acha que os norte-americanos são idiotas porque não podem impedir o contrabando. Sua fraqueza é um problema político, não de falta de habilidade profissional. Como você não compreende, me permita que eu explique. Suas fronteiras são fáceis de penetrar porque têm uma tradição de fronteiras abertas.
Você acredita que se deve à incompetência, mas se engana. Sua Polícia é muito eficiente, e seus métodos científicos, os melhores do mundo. A KGB estuda os manuais da Polícia americana e cópia seus métodos. A Polícia está presos, porque sua direção política não permite que eles atuem como quisessem...
como poderiam fazer se levantassem essas restrições. O FBI, os federais, têm recursos dos quais você não pode conceber. Eu os conheço muito bem. Caçaram-me em Porto Rico e estive a ponto de cair em suas redes junto com a Ojeda... eu, que sou um oficial de Inteligência treinado.
– Sim, sim – disse Escobedo, impaciente– , aonde quer chegar?
– Exatamente, que fazia o americano morto?
– Lavava enormes somas; esse dinheiro continua gerando lucros. Montou uma operação de lavagem de dinheiro que continuamos empregando e...
– Tire seu dinheiro daí, agora mesmo. Se o ianque era tão eficiente como você diz, é provável que deixasse rastros. E se for assim, é certo serão encontrados.
– Se fosse assim, por que não fizeram nada? passou mais de um mês. – Escobedo pegou uma garrafa de conhaque. Dificilmente bebia, mas a ocasião exigia. Tinha desfrutado dos serviços de Pinta e desfrutava agora ao demonstrar a Cortez que seus serviços não eram indispensáveis.
– Chefe, talvez não aconteça desta vez, mas algum dia compreenderá que é uma tolice correr estes riscos.
– Se você diz coronel – respondeu Escobedo, aspirando o aroma do conhaque – . Bom, quais são essas regras novas que você mencionou?
Certamente que a instrução tinha sido exaustiva. Como parte dela, tinham “percorrido” previamente o terreno, reproduzido num caixão de areia e tanto Chávez quanto seus camaradas tinham memorizado todas suas configurações. Seu objetivo era uma pista aérea designada com o nome de Rena. Tinham-lhes mostrado fotografias tiradas via satélite, e outras oblíquas de baixa altitude. Não sabiam que essas fotos tinham sido tiradas por um tal Bert Russo, cujas declarações confirmaram um relatório de Inteligência anterior. Era uma pista de cascalho de mil e quinhentos metros de comprimento, ideal para um bimotor e bastante segura para um avião grande que transportasse uma carga leve, por exemplo, maconha, que ocupava muito lugar mas não era muito pesada.
O sargento navegava com a bússola de pulso. Avançava cinquenta metros, parava, escolhia uma árvore ou outro objeto no rumo marcado e se dirigia para ali, para repetir logo depois o mesmo procedimento. Caminhava lenta e sigilosamente, com os ouvidos aguçados para captar qualquer ruído produzido pelo homem e olhando a seu redor através dos óculos de visão noturna. Levava a arma carregada e com projétil na câmara, mas com a trava acionada. Vega, o segundo da formação, atuava como amortecedor entre a posição de ponta de Chávez e o corpo principal da unidade, que o seguia a cinquenta metros atrás. Sua metralhadora pesada era um amortecedor formidável. Se estabelecessem contato com o inimigo, evitariam a confrontação; mas, se isso não fosse possível, as ordens eram eliminar qualquer obstáculo com a maior rapidez e violência possíveis.
Ao fim de dois quilômetros, e duas horas de marcha, Ding escolheu um lugar onde descansar, em um ponto de reunião prelecionado. Elevou a mão e a moveu em círculos para comunicar sua intenção.
Poderiam ter avançado mais, mas ficaram cansados com o voo prolongado de helicóptero, e o capitão não queria forçar a marcha. Deviam alcançar seu objetivo na noite seguinte. A palavra usada nas instruções prévias tinha sido: “Cuidado!”. Chávez tinha rido com desdém, mas já não achava tão divertido. Esse sujeito, Clark, tinha razão: as coisas eram diferentes no território inimigo. O preço de um engano era algo mais alto que um zumbido no rádio.
Chávez sacudiu a cabeça: não devia pensar assim. Tinha uma tarefa a cumprir, para a qual estava bem treinado e equipado e que, além disso, ele queria realizar.
Para descansar, escolheu uma pequena colina seca e, antes de sentar-se, estudou-a em busca de cobras. Estudou a zona pela última vez antes de desligar os óculos para economizar pilhas. Bebeu um gole de seu cantil. A temperatura era alta, mas não tanto como para se abafada: mais ou menos trinta graus, e a umidade também era alta. Se fizesse tanto calor de noite, não queria nem pensar como seria durante o dia. Ao menos, durante essas horas parariam para dormir. Chávez estava habituado ao calor.
Tinha saído das montanhas de Hunter-Liggett a temperaturas superiores aos quarenta graus. Não gostava, mas podia fazê-lo sem problemas.
– Como estamos, Chávez?
– Muito bem, capitão.
Acredito que avançamos dois ou três quilômetros. Esse é o ponto de controle Pinça.
– Viu algo suspeito?
– Negativo. Pássaros, insetos e nada mais, nem sequer um javali..., será que alguém vem caçar por aqui?
– Boa pergunta – disse Ramírez depois de uma pausa – . Vamos levar isso em conta, Ding.
Chávez olhou a seu redor. Dava para ver um homem, mas o resto se confundia com o terreno. A princípio, a cor da roupa, diferente do uniforme de camuflagem a que estava habituado, tinha sido motivo de preocupação, mas se dissimulava bem. Bebeu outro gole e agitou o cantil. O bom dos cantis de plástico era que a água fazia muito menos ruído que nos de alumínio que usavam antes. De qualquer maneira, teria que o ser levado ter em conta, como qualquer outro ruído na selva. ficou um caramelo na boca para mantê-lo úmido e preparou-se para sair.
– A próxima parada é no ponto de controle Serrucho. Quem teve a ideia de pôr esses nomes tão idiotas, capitão?
– Eu os inventei, sargento – disse Ramírez com um sorriso – . Mas não se preocupe. Minha ex também se queixava de meu mau gosto, assim que me deixou para se casar com um corretor.
– Todas são umas cadelas.
– A minha com certeza era.
O capitão também, pensou Chávez. Deus! Nenhum de nós tem noiva nem família... Era uma ideia perturbadora, mas a tarefa agora era ir de Pinça a Serrucho em menos de duas horas.
No lance seguinte tiveram que cruzar uma estrada... ou o que ali se denominava estrada. Era uma estrada de terra e cascalho que se estendia até o infinito nas duas direções. Chávez se aproximou e a cruzou lentamente. O resto do pelotão se deteve cinquenta metros atrás para lhe dar tempo a percorrê-la vários metros a direita e esquerda do lugar do cruzamento. Logo se comunicou com o capitão Ramírez por rádio, em espanhol:
– Cruze despejado (Cruzamento espaçoso).
Como resposta, o capitão apertou duas vezes o botão de transmissão de seu rádio, Chávez confirmou o recebimento da mesma maneira e esperou ao pelotão.
O terreno era tão plano que se perguntou por que tinham treinado nas altas montanhas, onde o ar era rarefeito. Talvez porque fosse um lugar oculto, pensou.
A selva era densa, mas nem tanto corno no Panamá. Havia muitas clareiras onde parecia que os pequenos agricultores da zona tinham tentado cultivar algo. Tinha passado meia dúzia de choças semi destruídas onde algum pobre diabo tentou cultivar feijões ou criar uma família ou o que quer que tenha sido, em todo caso, tinham fracassado. Essas amostras de pobreza acabaram por deprimi-lo. Os habitantes da região tinham nomes similares ao dele, falavam um idioma que só diferia do de sua infância pelo sotaque. Se seu bisavô não tivesse tomado a decisão de mudar para a Califórnia para trabalhar nas plantações de alfaces, talvez ele tivesse se criado num lugar como esse. Se fosse esse o caso, a que se dedicaria? A transportar drogas ou a servir de capanga dos chefões do Cartel? Era uma ideia perturbadora.
Seu amor próprio não lhe permitia considerar seriamente essa possibilidade, mas era uma verdade elementar que espreitava em sua consciência. Ali havia pobreza, e os pobres se agarravam à primeira oportunidade que surgisse. Como olhar seus filhos nos olhos e dizer que não tinha como os alimentar, sem cometer um crime? Impossível. O que uma criança entenderia com a barriga vazia? Os pobres não tinham muita escolha. Chávez tinha descoberto o Exército quase por acaso, e nele tinha encontrado um ambiente de segurança, oportunidade, camaradagem e respeito. E aqui...?
Pobres diabos. Mas, o que dizer dos do seu próprio bairro? Vistas envenenadas, ambiente de corrupção. Quem tinha a culpa?
Pensa menos e trabalha mais, irmão, pensou. Ao iniciar o lance seguinte, ligou os óculos de visão noturna.
Deslocava-se erguido, não escondido, como era de se esperar. Seus pés acariciavam o chão para assegurar-se de não romper um ramo e evitava os arbustos que pudessem ter folhas ou espinhos para que não roçassem sua roupa. Na medida do possível, atravessava as clareiras sempre junto às árvores para que sua silueta não aparecesse contra o céu nublado. Mas o principal inimigo durante a noite não era a visão, e sim a audição. Na selva, o ouvido se ficava incrivelmente agudo.
Chávez acreditava que escuta cada inseto, cada gorjeio de uma ave, cada brisa nas folhas mais altas.
Não havia ruídos humanos: nem tosses nem murmúrios nem ruídos metálicos característicos dos homens.
Sem relaxar, deslocava-se, crédulo, como nos treinamentos. Cada cinquenta metros se detinha a escutar.
Não havia o menor ruído do pelotão, nem sequer de Urso com sua metralhadora e sua carga pesada.
O silêncio significava segurança.
E como é o inimigo?, perguntou-se. Provavelmente estava bem equipado. Com tanto dinheiro podia-se comprar qualquer tipo de armamento, nos Estados Unidos ou em qualquer outro país. Mas certamente não eram soldados bem treinados.
Serão bons ou não?, perguntou-se. Talvez fossem como os garotos das gangues. Faziam um culto a força física, mas não de maneira disciplinada. Eram valentões, muito valentes quando levavam vantagem em número ou armas. Precisamente por isso não eram hábeis no manejo das armas nem no aproveitamento do terreno; confiavam na intimidação, e quem não se intimidasse os surpreendiam. Talvez alguns soubessem caçar, mas não trabalhar em equipe.
Não tinham a menor concepção de supervisão, o apoio mútuo e o poder de fogo. Talvez sabiam fazer uma emboscada, mas não aproveitar os acidentes do terreno ao máximo. Não tinha disciplina.
Chávez estava certo que no objetivo veria os sentinelas fumando em seus postos. A arte do soldado se adquiria com tempo, e também com disciplina e vontade. Não, seus adversários eram valentões, e os valentões eram covardes, mercenários que combatiam por dinheiro. Chávez se orgulhava de cumprir com seu dever por amor a seu país e por amor a seus camaradas. O desassossego provocado pela partida do helicóptero desvaneceu. Embora a sua missão fosse de reconhecimento – recolhimento de informação – , desejava ter a oportunidade de usar o MP-5 SD2.
Chegou a Serrucho na hora prevista. Descansaram um pouco e Chávez reiniciou a marcha até o último objetivo da noite, o ponto de reunião Lima. Era uma colina pequena e arborizada, a cinco quilômetros do objetivo. Ding estudou o lugar com cuidado. Procurou rastros de animais de caça e rastros de caçadores: nada. O pelotão chegou vinte minutos depois de que os avisou por rádio porque tinham
“dobrado” o caminho para assegurar-se de que não eram seguidos. O capitão Ramírez estudou o lugar tão minuciosamente quanto Chávez, e chegou à mesma conclusão positiva. Os soldados se distribuíram em duplas para comer e dormir. Ding e o sargento Vega escolheram um posto de segurança no eixo de ataque potencial mais provável – o Nordeste– para instalar uma das duas metralhadoras SAW do pelotão. O
enfermeiro da unidade, sargento Olivero, e outro homem foram a um riacho próximo para encher os cantis e jogar neles pastilhas de cloro. Escolheram um lugar para usar como latrina e deixar os resíduos de suas refeições. Mas a primeira medida era a manutenção das armas, apesar de não terem-nas usado. Cada dupla fez a manutenção das suas, e depois se ocuparam das rações.
– Não foi nada mal, depois de tudo – disse Vega quando o sol apareceu sobre as árvores.
– Terreno plano – assentiu Chávez entre bocejos– . Claro que vai fazer um calor fodido aqui.
– Tome um destes, mano. – Vega lhe estendeu um envelope com pó “Gatorade”.
– Que bom! – Chávez adorava. Abriu o envelope, verteu o pó no cantil e o agitou– . O capitão está sabendo?
– Nãoo... por que preocupá-lo?
– Tem razão. – Chávez guardou o envelope vazio num bolso– . Pena que fazem cerveja em pó, não é verdade? – Riram juntos. Nenhum dos dois cometeria semelhante idiotice, mas como ideia abstrata, uma cerveja gelada não era nada mal.
– Cara ou coroa para ver quem dorme primeiro – disse Vega. Tinha uma moeda de vinte e cinco centavos. Tinham dado a eles o equivalente a quinhentos dólares em moeda local, mas tudo em notas porque as moedas fazem ruído. Saiu cara, Chávez assumiu a metralhadora e Vega foi dormir.
Ding ocupou a posição. Julio tinha escolhido um bom lugar, atrás de um arbusto largo e baixo com uma pequena fortificação de terra, capaz de deter uma bala mas sem impedir a visibilidade. Assim, o SAW tinha um campo livre de quase trezentos metros. Ding verificou se a arma estava carregada, com um projétil na câmara e a trava acionada. Estudou a passagem com seus binóculos.
– Como vê a passagem, sargento? – perguntou o capitão Ramírez.
– Nada se move absolutamente, capitão. por que não dorme um pouco? Estamos atentos. – Ding sabia que teriam que cuidar dos oficiais. E os quem mais o faria a não ser os sargentos?
Ramírez estudou a posição. Tinham-na escolhido bem. Os dois homens tinham se alimentado e feito suas necessidades, como bons soldados. Tinham mais de dez horas a frente até o momento de partir, ao por do sol. O capitão tocou no ombro de Chávez e retornou a sua própria posição.
– Tudo pronto, capitão – disse o radio-operador, sargento Ingeles. A antena da rádio já estava instalada. Formavam-na duas peças de aço do tamanho das réguas escolares, unidas em cruz e sustentadas com um arame. Ramírez olhou seu relógio: hora de comunicar-se.
– FACA para VARIÁVEL, câmbio. – O sinal subiu trinta e cinco mil quilômetros até um satélite geosincrónico de comunicações que a retransmitiu ao Panamá num terço de segundo. A resposta chegou dois segundos depois, em um circuito livre dos desagradáveis ruídos estáticos.
– VARIÁVEL para FACA. Sinal perfeito, câmbio.
– Estamos em posição no ponto de reunião Lima. Sem novidade, nada a informar, câmbio.
– Entendido, câmbio e desligo.
Clark ocupava um assento na porta do caminhão de comunicações. Não era o chefe da operação –
de jeito nenhum – , mas Ritter queria contar com sua experiência e seus conhecimentos táticos. Na parede oposta aos aparelhos de comunicação havia um grande mapa do terreno onde apareciam os pontos de reunião dos diferentes pelotões. Todos na hora prevista. O sujeito que tinha elaborado a operação sabia o que e que não podia exigir dos homens na selva, ou pelo menos tinha consultado os peritos. As metas de tempo e distância eram razoáveis.
Uma mudança positiva, pensou Clark. Olhou a seu redor. Além dos operadores, havia dois altos funcionários da direção de Operações, nenhum dos quais tinha, na opinião de Clark, os conhecimentos necessários para esse tipo de operação. Em todo caso, eram homens de confiança de Ritter. Além disso –
pensou – , os que têm a experiência que eu tenho estão quase todos aposentados.
O coração de Clark acompanhava os homens no terreno. Nunca tinha operado nas selvas americanas, mas tinha estado “lá fora”, na selva, totalmente sozinho, onde o único meio para voltar para as próprias linhas era num helicóptero, que podia chegar ou não, e o único vínculo, um radiotransmissor.
Os transmissores modernos eram muito mais confiáveis que os do passado: essa era uma modificação positiva, embora não valesse grande coisa. Porque se algo saía errado, esses transmissores não convocariam uma esquadrilha de aviões com motores a estremecendo o ar e cujas bombas caíam na terra em quinze minutos depois do pedido de socorro. Não, isso não pode acontecer.
Por Deus, eles sabem disso? Têm ideia de que isto significa realmente?
Não têm nem poderiam tê-la. São muito jovens. Garotos. São só garotos. O que importa se são maiores, mais altos e mais fortes que seus próprios filhos.
Clark combateu no Camboja e no Vietnam, tanto do Norte como do Sul. Sempre em incursões com pequenas unidades que levavam armas e transmissores, geralmente de maneira furtiva, para reunir informação e escapar do lugar o mais cedo possível. Em geral, as missões tinham dado certo, mas, em algumas ocasiões, salvou-se por um fio.
– Até agora estamos bem – disse o funcionário superior das Operações ao servir-se um café. O
outro assentiu.
Clark levantou a sobrancelha: E que diabos vocês entendem disto?
O diretor estava mais que satisfeito com os progressos de TARPÓN. Moira o observou ao tomar notas. Demoraria aproximadamente uma semana, mas já estavam fazendo os primeiros sequestros de recursos. Quatro especialistas do Ministério da Justiça tinham dedicado um dia inteiro a analisar o relatório de Mark Bright. Os sistemas eletrônicos facilitavam a tarefa. Em algum lugar do Ministério havia um funcionário que tinha acesso aos arquivos computadorizados de todos os Bancos do mundo. Ou talvez não fosse do Ministério, mas sim de alguma Agência de Inteligência, ou possivelmente se tratava de um empreiteiro privado, porque a legalidade do procedimento era duvidosa. Seja como for, ao comparar os assentos na agência supervisora do sistema financeiro com as transações bancárias, identificaram o dinheiro proveniente do narcotráfico utilizado para financiar os projetos nos quais a
“vítima” – sua esposa e seus filhos é que o eram vítimas, pensou Moira – tinha sido lavado. Nunca tinha visto as rodas da justiça girar com tanta rapidez.
Que abusados, pensando que poderiam investir e lavar seu dinheiro sob nossos narizes! Juan tinha razão sobre essa gente e sua arrogância, pensou.
Bom, mas tinham pouco tempo para rir. O Governo se apropriaria de seiscentos milhões de dólares, e isso só em espécie, faltava acrescentar o valor das propriedades que seriam sequestradas. Seiscentos milhões de dólares! Era uma cifra incrível. Certamente, falava-se dos “milhares de milhões” do narcotráfico, mas os cálculos da Imprensa eram tão confiáveis como a previsão do tempo. Evidentemente, ditou-lhe o diretor, o Cartel estava insatisfeito com suas operações de lavagem e/ou descobriu que a repatriação do dinheiro em espécie gerava problemas em lugar de resolvê-los. Por isso, uma vez que os ganhos primários eram lavados – e tendo conseguido, de passagem, um benefício relevante – , abriam contas que lhes permitiam criar um grande fundo fiduciário de investimentos a fim de apoderar-se legalmente das empresas de seu país, ou de qualquer outro, onde queriam adquirir poder político ou econômico. O mais interessante de tudo isto, prosseguia o relatório de Emil, era que possivelmente aspiravam legalizar a si mesmos – no velho jargão criminal americano, “voltar-se legítimos”– a num grau que fossem aceitáveis para o mundo político ibero-americano.
– Quando precisa disso, senhor? – perguntou a Sra. Wolfe.
– Amanhã pela manhã tenho uma audiência com o Presidente.
– Quantas cópias?
– Cinco, todas numeradas. É material secreto, Moira, não esqueça.
– Quando terminar, eu comerei o disquete – assegurou ela– . O diretor adjunto Grady vem para o almoço e o ministro cancelou o jantar de amanhã. Viaja para São Francisco.
– E o que o Ministro da Justiça vai fazer em São Francisco?
– Vai para o casamento do seu filho, foi algo inesperado.
– É claro que sim – assentiu Jacobs – . Quando você fará o mesmo?
– Não muito. Quando você viaja a Colômbia? Preciso saber para refazer sua agenda.
– Sinto muito, ainda não sei. Mas não acredito que altere nada. Irei uma sexta-feira, cedo, e estarei de volta na segunda-feira seguinte ao meio dia, assim não haverá modificações importantes.
– Ah, de acordo. – Moira abandonou o escritório com um sorriso.
– Bom dia.
Edwin Davidoff, o procurador federal, de trinta e sete anos, tinha a ambição de ser o primeiro senador judeu do Estado do Alabama. Homem alto, forte, ex-campeão universitário de luta livre, tinha usado sua nomeação para ganhar fama como defensor do povo, duro, eficiente e honrado. Na defesa dos direitos humanos, falava da Lei da Nação e Dos Princípios Fundamentais dos Estados Unidos. Quando de um importante processo criminal, referia-se à Lei e A Ordem e O Amparo que o Povo Exige. Falava em público com frequência. Em três anos tinha percorrido quase todos os “Rotary” e outros clubes sociais de Alabama e não tinha passado por cima um só Departamento de Polícia. Suas tarefas como promotor público nesse distrito eram principalmente administrativas; mas, às vezes, assumia o comando de algum caso, ainda mais quando atraía a atenção da Imprensa. Seu alvo preferido era a corrupção política, e, como resultado disso, três legisladores do Estado tinham perderam seus mandatos e se estavam cortando grama no campo de golfe para oficiais da base aérea Eglin.
Edward Stuart se sentou em frente dele. Davidoff, homem amável, pôs-se em pé para recebê-lo. Os promotores amigáveis eram os mais perigosos.
– Enfim pudemos confirmar a identidade de seus clientes – disse Davidoff. Poderia fingir surpresa, mas preferia sempre a seriedade – . São cidadãos colombianos. Seus históricos são bem extensos. Não você disse que eram costa-riquenhos?
– Por que demoraram tanto com a identificação? – perguntou Stuart para ganhar tempo.
– Não sei; além disso, não tem importância. Pedi que o julgamento comece o mais cedo o possível.
– O que me diz dos maus tratos que sofreu meu cliente nas mãos dos guarda costeira?
– Essa declaração ele fez depois de confessar, e também importa: não vamos usar a confissão. Não precisamos dela.
– Porque a obtiveram por meios absolutamente...
– Bem, não faremos rodeios. Não vamos usar ela. Essa confissão não existe, e ponto. De acordo?
Advogado, seus clientes cometeram um massacre, e vão pagar por isso.
Stuart se inclinou sobre o escritório.
– Posso lhe proporcionar informação...
– Não me interessa – disse Davidoff – . É um caso de homicídio.
– Não é assim como resolvem estes casos.
– Nisso estou de acordo com você, e por isso temos tantos problemas. Com este caso vamos dar um exemplo.
– Vai executar a meus clientes só para dar um exemplo?
– Sei que não concordamos sobre o valor da pena de morte como fator de dissuasão.
– Estou disposto a oferecer uma confissão completa e muita informação em troca de prisão perpétua.
– Não há acordo.
– Está você realmente certo de que ganhará o caso?
– Você já conhece as provas que temos – repôs Davidoff.
De acordo com o código de procedimentos, a defesa tinha direito a conhecer todas as provas que o promotor possuía, mas não o inverso. Era um meio fundamental para assegurar um julgamento justo ao acusado, coisa que atrapalhava os fiscais e à Polícia. Entretanto, era a lei, e Davidoff jamais se desviava dela. Por isso era um adversário tão perigoso no Tribunal. Nunca perdeu um julgamento ou uma apelação por razões de procedimento. Era um técnico legal muito brilhante.
– Se matarmos esses dois, nós nos rebaixamos ao mesmo nível deles.
– Vivemos num sistema democrático, Ed. Em última instância, é o povo o que aprova as leis. O
povo quer a pena de morte.
– Farei todo o possível por evitá-lo.
– Me decepcionaria muito se não o fizesse.
Por Deus, será um senador de primeira. Tão imparcial, tão tolerante com os que não pensam como você em questões de princípios. Por isso os jornais te adoram.
– Nada mais por agora sobre a Europa do Leste – observou o juiz Moore – . Me parece que a situação tende a estabilizar-se.
– Sim, senhor, assim parece. Ao menos, por agora – replicou Ryan.
O diretor da CIA assentiu e mudou de tema.
– Foi ver James ontem à noite?
– Sim, senhor. Encontrei-o de bom humor, mas já está informado do que tem. – Ryan não gostava de apresentar desses assuntos médicos.
– Irei ver ele esta noite – disse Ritter – . Sabe se precisa de alguma coisa?
– Trabalho. Ele quer trabalhar.
– O que ele quiser, levem para ele – disse Moore, e Ritter fez um leve gesto de contrariedade que não passou despercebido para Ryan – . Sr. Ryan, eu gosto de seu trabalho.
Se eu lhe sugerisse ao Presidente que você está em condições de comandar a subdiretoria de investigações...; sei o que sente por James; lembre-se que eu o conheci antes que você... e...
– O almirante Greer não morreu... senhor – o interrompeu Jack, e se repreendeu mentalmente por ter estado a ponto de dizer mais.
– Não há esperanças para ele, Jack – disse Moore com suavidade – . Eu lamento mais do que ninguém. Mas estamos aqui para servir o país, que é mais importante que qualquer pessoa, inclusive James. Além disso, ele é um profissional e se sentiria ofendido por sua atitude.
Ryan conseguiu conservar a calma exterior ante a censura. Mas se sentiu ferido, ainda mais porque o juiz tinha razão. Tomou fôlego e assentiu.
– Na semana passada, James me pediu que eu designasse você como seu sucessor. Acredito que está preparado. O que opina você?
– Senhor juiz, acredito que estou preparado do ponto de vista técnico, mas me falta a experiência política que o posto requer.
– Bom, há uma só maneira de adquirir essa experiência... e, que diabos! Se espera que a política não não tenha lugar na Diretoria de Inteligência. – Moore sorriu para destacar a ironia da sua afirmação e prosseguiu – : Ele é respeitado tanto na Casa Branca como no Congresso. A partir de agora você será designado subdiretor de Inteligência interino. A nomeação será efetivada depois das eleições presidenciais; mas, no momento, você fica no comando. Se James se curar, melhor. A experiência não fará mal a você sob suas ordens. Mas embora se recupere, terá que se aposentar.
Todos somos substituíveis. James acredita que você está em condições de comandar, e eu coincido com sua opinião.
Ryan não soube o que responder. Ainda não tinha completado quarenta e era o titular de um dos cargos de Inteligência mais altos do mundo. Na prática o exercia há vários meses – alguns diriam anos – , mas agora era oficial, quer dizer, diferente. Iriam a ele em busca de opiniões e julgamentos.
Isso também acontecia há algum tempo, mas sempre tinha a quem recorrer. Em adiante não seria assim. Apresentaria suas informações ao juiz Moore e receberia a opinião final deste, mas a responsabilidade de ter razão seria dele. Antes apresentava suas opiniões e alternativas a seus superiores.
A partir desse momento, apresentaria elas aos responsáveis por tomar as últimas decisões. A diferença, embora sutil, era imensa.
– ainda se aplica o critério de saber só o necessário? – perguntou Ritter.
– É obvio – respondeu Ryan.
– Falarei com Nancy e com os chefes de departamento – disse Moore – . Lerei para eles uma carta que James redigiu. Tome uma cópia.
Ryan ficou em pé para recebê-la.
– Acredito que tem muito o que fazer, Sr. Ryan – disse Moore.
– Sim, senhor. – Jack girou e saiu do escritório. Não se sentia feliz, e sim preso, e acreditava saber o porquê.
Ritter esperou a que fechasse a porta.
– É muito cedo, Arthur.
– Compreendo o que quer dizer, Bob, mas não podemos permitir que Investigações siga à deriva porque você não quer que ele esteja informado a respeito de SHOWBOAT.
De acordo, vamos mante-lo à margem dessa operação, ou ao menos do que vocês fazem. Teremos que lhe comunicar as informações que recebemos..., seus conhecimentos financeiros nos serão muito úteis. Basta que não saiba como recebemos as informações. Além disso, se o Presidente e o Congresso nos dão a autorização, já não há nada que temer.
– Quando você irá ao Congresso?
– Amanhã a tarde virão quatro deputados. Invocaremos a norma sobre operações perigosas e especiais.
Essa norma é uma cláusula adicional extraoficial dos códigos de supervisão. A lei autorizava ao Congresso a fiscalizar todas as operações de Inteligência; mas, dois anos antes, uma infiltração de um comitê do Senado tinha causado a morte de um alto funcionário da CIA e de um desertor importante. Em vez de informar à Imprensa, o juiz Moore se reuniu com os comitês das duas câmaras e tinha obtido o acordo escrito de que, em certos casos, só o presidente e vice-presidente de cada partido teriam acesso à informação e logo teriam a responsabilidade pela decisão de revelar aos comitês. Esperava-se que a presença dos dois partidos políticos evitaria a politicagem. Na realidade, o juiz Moore os prendeu numa sutil armadilha.
Ninguém podia afirmar a necessidade de disseminar a informação sem correr o risco de que o acusassem de servir interesses políticos. Por outro lado, a maior seletividade gerada pela norma criava uma situação de privilégio que conspirava contra a difusão da informação. Era uma garantia de que o Congresso não ia opinar, salvo em operações de alto risco político. O mais notável era que Moore tinha obtido o acordo dos comitês. A presença na audiência executiva da viúva e os filhos do funcionário da CIA morto tinha ajudado muito. Uma coisa era a conversa abstrata sobre o estado de direito e outra muito diferente enfrentar os resultados de um erro, e mais ainda se um deles fosse uma menina de dez anos que tinha ficado órfã de pai. Os golpes de efeito político não eram exclusivos dos funcionários eleitos.
– E a investigação presidencial?
– Está terminada. “determinou-se que o contrabando de drogas constitui um perigo real e imediato para a segurança nacional. O Presidente autoriza o emprego prudente da força militar de acordo com as normas operativas vigentes para proteger à cidadania”, etcétera, etcétera.
– Eu não gosto do aspecto político.
– O Congresso também não vai gostar disso – riu Moore – . Por isso mesmo manteremos em segredo. Se o Presidente o informar à Imprensa para demonstrar que se preocupa com o problema, a oposição vai acusar lhe de político, e vice-versa. A uma e outro lhes interessa respeitar a clandestinidade.
Desta vez, o fator político eleitoral nos favorece. Esse almirante Cutter é um cara astuto.
– Não tanto quanto ele acredita – repôs Ritter, desdenhoso – . Mas, quem é?
– Tem razão. Olhe, é uma pena que James não tenha chegado a participar disto.
– Vamos jogar o de menos – assentiu Ritter– . Quem me dera que eu pudesse lhe levar algo, porém, não foi tão difícil.
– Sim, penso o mesmo – disse o juiz Moore – . Cedo ou tarde, Ryan deverá ser informado.
– Eu não gosto disso.
– O que você não gosta, Bob, é que Ryan tenha participado de duas operações que deram excelentes resultados, além de sua eficiência no trabalho de escritório.
É verdade que se intrometeu em seu território, mas sempre com seu apoio, Bob. E se tivesse fracassado você o estimaria mais? Robert, eu não gosto que meus chefes de diretório disputem para ver quem vai mais longe, como Cutter e os caras do Congresso.
Ritter piscou pela reprimenda.
– Faz tempo que eu digo que ele está avançando muito rápido, e contínuo achando o mesmo.
Concordo que é eficiente, mas falta a ele experiência política para este tipo de operações. Ainda não demonstrou se possuir a capacidade necessária para fiscalizar. Vai nos representar na conferência de Inteligência da OTAN. Em todo caso, não é lógico colocar ele a par de SHOWBOAT antes disso, não acha?
Moore conteve-se de lembrar a ele que o almirante Greer só não estava ciente devido a sua doença, embora isso fosse somente parte da verdade. A diretriz presidencial determinava que a operação estivesse no controle de um grupo seleto de pessoas que fossem realmente peritas em matéria de narcotráfico. Era a história de sempre: impunha-se um critério de segurança tão seletivo que excluía as pessoas capazes de fazer uma contribuição importante à operação.
Sabiam de casos em que operações fracassaram por ter se excluído quem possuía conhecimentos de importância crucial. Mas a história também tinha vários exemplos de desastres causados pelo excesso de pessoal, que tinha paralisado o processo decisório e comprometido a segurança. Historicamente, transpor a linha de demarcatória entre a segurança e a eficiência operativas era a missão mais difícil de um chefe.
A única norma geral era que a operação devia ter êxito. Um dos ingredientes mais comuns nos romances de espionagem era esse sexto sentido, misterioso e infalível, que se esperava que os agentes de Inteligência possuíssem. Mas se até os melhores cirurgiões cometiam erros, se os pilotos mais hábeis morriam em acidentes aéreos, se os jogadores de futebol profissionais erravam o pênalti, por que não aconteceria o mesmo com um chefe de espiões? A única diferença entre o sábio e o idiota era que o sábio cometia erros mais graves porque ninguém confiava as decisões cruciais a um idiota: só o sábio tinha a oportunidade de perder uma batalha ou uma guerra.
– Acho que tem razão quanto a isso da conferência da OTAN. Está bem, Bob, aceito. No momento.
– O juiz Moore franziu a sobrancelha – . Como vai a operação?
– Os quatro pelotões estão a poucas horas de marcha de seus postos de vigilância. Se todos progredirem de acordo com o previsto, amanhã ao amanhecer estarão em seus postos e, a partir do dia seguinte, começarão a enviar informações. Os sujeitos que apanhamos o outro dia nos deram todos os relatórios preliminares.
Duas das pistas aéreas que escolhemos estão em uso, e provavelmente uma terceira.
– Amanhã tenho uma reunião com o Presidente. Parece que o FBI tem descobriu algo importante.
Emil está muito excitado. Acredito que encontraram uma grande operação de lavagem de dinheiro.
– Poderemos aproveitar desse material?
– Parece que sim. A documentação é reservada.
– Nós damos o coelho e eles dão o molho – sorriu Ritter– . Juntos desta vez vamos dar possivelmente um sério golpe nos traficantes.
Chávez Acordou de seu segundo turno uma hora antes do crepúsculo. Foi difícil dormir. As temperaturas diurnas superavam os quarenta graus e a umidade era tão grande que a selva parecia um forno apesar da sombra. A primeira coisa que fez ao despertar foi beber mais de um quarto de litro de água com “o Gatorade” para recuperar o líquido perdido na transpiração enquanto dormia. Depois tomou duas cápsulas de “Tylenol”. Os infantes tomavam para aliviar a dor e as doenças provocados por seu regime de exercícios físicos. Neste caso, era uma dor de cabeça produzida pelo calor, similar ao efeito de uma bebedeira leve.
– Eles que fiquem com esta selva de merda. Para que diabos nós a queremos? – murmurou.
– De acordo, mano – riu Vega.
O sargento Chávez se sentou com esforço e esfregou o rosto com força para limpar-se. A barba cerrada que tinha crescia com sua costumeira rapidez, mas não podia barbear-se. Grunhiu ao pensá-lo. A rotina militar normal insistia na higiene pessoal e os infantes leves, como soldados de elite, são “bonitos”.
Já cheirava pior que um jogadores de futebol depois do segundo tempo, mas não podia lavar-se, nem mudar-se de roupa. O que ia fazer, era limpar sua arma. depois de assegurar-se de que Julio tinha feito o mesmo com seu SAW, Chávez separou as seis peças de seu MP-5 e as estudou com cuidado. A terminação negro mate resistia bem a oxidação. Apesar disso, lubrificou todas as superfícies, esfregou as peças móveis com a escova de dentes, verificou se as molas estavam flexíveis e as câmaras livres de terra e pó. Montou a metralhadora e acionou o mecanismo para assegurar-se de que tudo funcionava com perfeição. Finalmente inseriu um carregador, colocou um projétil na câmara e travou a arma. Depois verificou se suas armas brancas estivessem limpas e afiadas. além de suas facas, tinha as estrelas ninjas.
– O capitão vai ficar furioso ver essas estrelas – sussurrou Vega.
– Me trazem sorte – disse Chávez as guardando no bolso– . Além disso, a gente nunca sabe... –
Revisou o resto do equipamento: tudo em ordem. Estava preparado para trabalhar.
Tirou os mapas.
– É aqui aonde vamos?
– Rena. – Chávez assinalou o lugar no mapa – . a menos de cinco quilômetros. – Estudou o mapa minuciosamente e memorizou os detalhes. Não podia marcá-lo. Se fosse perdido ou capturado essas marcas revelariam informação perigosa a pessoas indesejáveis.
– Vejam. – O capitão Ramírez se juntou a eles e mostrou uma foto de satélite.
– Estes mapas parecem novos, capitão.
– Sim, são. O serviço de cartografia não tinha mapas detalhados desta zona até muito recentemente.
Fizeram-nos baseando-se nas fotografias tiradas por satélite. Acha que haverá algum problema?
– Não – sorriu Chávez– . O terreno é plano, com poucas árvores. Menos trabalhoso que ontem à noite, capitão.
– Quando estivermos ali, quero que se aproxime do objetivo deste ângulo. – Ramírez assinalou o lugar na foto – . Eu irei com você para fazer o reconhecimento “do comandante”.
– Entendido, capitão – disse Ding.
– O primeiro descanso é aqui, no ponto de controle Cavilha.
– Entendido.
Ramírez olhou ao redor.
– Lembre-se das instruções. Talvez estes caras tenham um serviço de segurança eficiente e pode ter armadilhas. Se vir algo, comunique-me isso imediatamente..., sempre que for seguro. Se depara com o armadilha, lembre-se que esta é uma operação clandestina.
– Chegaremos bem, capitão.
– Sinto muito, Ding – se desculpou Ramírez– . Sei que pareço uma mulher nervosa.
– Suas pernas não são de mulher, capitão – disse Chávez com um sorriso malicioso.
– Pode carregar o SAW a noite inteira, Urso? – perguntou Ramírez a Vega.
– Carreguei troncos mais pesados, chefe.
Ramírez riu e se afastou para continuar seu percurso.
– Conheci capitães piores– disse Vega quando Ramírez se afastou.
– Muito trabalhador – assentiu Chávez.
Apareceu o sargento Olivero.
– Como está a água?
– Falta um litro a cada um – disse Vega.
– Bebam um litro, agora mesmo.
– Vamos, doutor – grunhiu Chávez.
– Sem discussão, senhores. Se alguém sofrer uma desidratação, me cortam o pescoço. Se não tem vontades de mijar, é porque lhes falta água. Imaginem-se que é cerveja – sugeriu – . Lembrem-se: se não tiver vontade de mijar, bebam. Vamos, Ding, você sabe disso, esteve no Hunter-Liggett. Este clima de merda te deixa seco num instante, e eu não quero carregar ninguém, seco ou não.
Olivero tinha razão é claro. Chávez esvaziou seu cantil. Vega e o enfermeiro foram ao riacho próximo encher de novo os cantis. Urso voltou vários minutos depois, com vários envelopes a mais “de Gatorade” para seu amigo que o enfermeiro tinha lhe dado. Pena que as pastilhas de cloro não combinavam bem com o “Gatorade”, mas não tomavam pelo sabor mas sim pelos eletrólitos.
Ramírez reuniu os homens ao entardecer e repetiu as instruções que já tinha dado a cada dupla. A repetição era a chave da memorização: Chávez tinha lido isso em algum manual. Todos estavam sujos. As barbas cerradas e o cabelo revolto aumentavam a camuflagem e quase não precisavam pintar-se.
Alguns sentiam câimbras e dores, provocados pela dureza do chão sobre o qual tinham dormido, mas todos estavam descansados e em boas condições.
E ansiosos por seguir a marcha. Juntaram e enterraram o lixo. antes de cobri-lo com terra, Olivero jogou pó de gás lacrimogêneo para manter afastados aos animais por algumas semanas. O capitão Ramírez estudou o lugar à última luz da tarde. Quando Chávez iniciou a marcha, ali não ficara o menor sinal de sua presença.
Ding cruzou a clareira o mais rápido que pôde sem comprometer a segurança, com os óculos de visão noturna ativados. Ajudado pela bússola e pelos acidentes que tinha memorizado, avançava depressa, pois já conhecia melhor o terreno. Não havia outros ruídos que os da Natureza, e a selva era menos densa.
Avançava a mais de um quilômetro por hora. E o melhor de tudo era que não tinha visto uma só cobra.
Chegou a Cavilha em menos de duas horas e ficou satisfeito. Deteve-se duas vezes para beber água e para escutar, mas não houve novidade. Cada meia hora se comunicava por radio com o capitão Ramírez.
Parou para descansar e o resto do pelotão demorou dez minutos para alcançá-lo. Esperou dez minutos mais e reiniciou a marcha para o último ponto de descanso, Maça. Tomara que acabem os nomes de ferramentas, pensou.
Agora estava mais precavido. Lembrava do mapa de cor e sabia que quanto mais se aproximasse do objetivo, maiores eram as probabilidades de cruzar com alguém.
Sem se dar conta, sua marcha estava lenta. Quando estava a meio quilômetro de Cavilha escutou um ruído a sua direita. Apenas um sussurro, mas algo estava caminhando. levantou a mão para deter o pelotão enquanto ele verificava. Vega apontou seu SAW nessa direção, embora o ruído se afastasse para o Sudoeste.
Ding estava quase certo de que se tratava de algum animal, mas esperou vários minutos para reiniciar a marcha. O vento soprava por atrás e da esquerda para a direita, e se perguntou alguém seria capaz de captar o cheiro de sua transpiração. Decidiu que isso era difícil, no meio dos aromas fortes da selva. Mas se lavar de vez em quando não era má ideia...
Chegou sem novidade a Maça, a um quilômetro do objetivo. Ali se reuniu o pelotão. Encheram os cantis em um riacho. O lance seguinte os levaria a ponto de reunião, próximo ao objetivo, escolhido porque era fácil de identificar. Ding demorou menos de uma hora para chegar. O pelotão formou um perímetro defensivo para que o explorador e o capitão pudessem conferenciar.
Ramírez desdobrou o mapa, os dois acenderam as luzes infravermelhas incorporadas aos óculos e trocaram ideias sobre as cartas e as fotografias. Também estava presente o sargento de operações, que levava o sobrenome muito apropriado de Guerra. O caminho para a pista aérea vinha do lado oposto e cruzava um riacho que o pelotão tinha seguido até o ponto de reunião. O único edifício visível na fotografia também estava no outro extremo do objetivo.
– Eu gosto desta via de entrada, capitão – disse Chávez.
– Acho que tem razão – assentiu Ramírez– . Sargento Guerra?
– Parece-me bom, capitão.
– Bem, senhores, se houver contato, será nesta vizinhança. É hora de tomar posições. Chávez, vou com você. Guerra, assuma o comando do resto do pelotão e nos siga se por acaso houver problemas.
– Entendido – disseram ambos os sargentos em uníssono.
Por força do hábito, Ding camuflou o rosto com maquiagem negra e verde. Depois colocou as luvas. O suor das mãos era incomodo, mas o couro negro camuflava as mãos. Avançou, seguido de perto pelo capitão Ramírez. Os dois levavam os óculos acionados e se deslocavam com lentidão.
O riacho que margeavam desde meio quilômetro atrás drenava o terreno, que parecia seco e firme sob seus pés. Claro, por isso tinham escolhido o lugar para instalar uma pista aérea. Prevendo que houvesse armadilhas, a cada passo Chávez estudava o chão e depois a vegetação na altura dos joelhos e do rosto em busca de arames estendidos. Também procurava sinais de poços. De novo se perguntou se havia animais de caça na zona.
Eles também ativariam as armadilhas, não? E nesse caso, como reagiria o inimigo? Talvez enviassem a um sujeito para investigar... o que seria inconveniente.
Devagar e tranquilo, mano, pensou Chávez.
Ruídos, enfim. O vento os levava até ele. Era o suave e longínquo murmúrio de homens que conversavam. Muito esporádico e confuso para adivinhar o idioma, mas sem dúvida eram vozes humanas.
Contato.
Chávez se voltou para o capitão, assinalou o lugar de onde parecia lhes chegar o ruído e levou o dedo à orelha. Ramírez assentiu e indicou ao sargento que avançasse.
Não são muito preparados, amadores – disse Chávez mentalmente a sua presa– . Falam tão alto que são ouvidos a mais de duzentos metros. Melhor para mim. Isso não o incomodava absolutamente. Só o fato de estar ali era bem fatigante.
Chegaram no caminho. Chávez se ajoelhou em busca de rastros humanos. Havia muitos, e nas duas direções. Deu um passo comprido para cruzar o caminho sem pisá-lo e se parou. Ramírez e Chávez constituíam uma equipe de dois homens, bem separados para que não pudessem serem alcançados com uma só rajada, mas nem tanto que não se dessem apoio mútuo. O capitão Ramírez era um oficial com experiência, que tinha de comandado uma companhia de Infantaria ligeira, mas a destreza de Chávez para deslocar-se na selva era superior. Como ele mesmo havia dito minutos atrás, era o momento de tomar posições, e as maiores preocupações eram as suas. Estava no comando da unidade. Por isso o êxito da missão era de sua exclusiva responsabilidade, como também era a vida de seus homens. Levou dez homens ao território inimigo e devia sair dali com os dez. Era o único oficial da unidade, e, como tal, tinha que agir com a mesma eficácia que qualquer de seus homens ou, se possível, melhor em cada especialidade. Não era uma expectativa realista, mas todos a tinham, inclusive Ramírez, apesar de sua maturidade. Mas ao ver Chávez na imagem esverdeada dos óculos, deslocando-se como um fantasma, silencioso como a brisa, teve que combater a sensação de sua própria deficiência. Continuando, sobreveio a euforia. Isso era melhor que comandar uma companhia. Eram dez especialistas de elite, dez dos melhores homens que o Exército tinha, e ele era seu chefe... Uma parte de sua mente compreendeu que experimentava a montanha russa emocional própria das situações de combate. O oficial, jovem inteligente, começava a assimilar a lição que a história mencionava mas nunca conseguia entender de todo: por mais que falasse, lesse e conversasse sobre isso, nada substituía à experiência. O treinamento atenuava o estresse do combate, mas não o eliminava. Sua própria clareza mental o assombrava. Seus sentidos nunca estiveram tão aguçados, sua mente funcionava com rapidez e clareza. Estava disposto a confrontar o estresse e os perigos, e esse era o motivo daquela euforia. Enquanto isso, uma parte remota de seu intelecto vigiava e avaliava seu desempenho, percebia que, igual aos esportes com bola, o pelotão necessitava o contato físico com o adversário para trabalhar. O problema era que deviam evitar esse contato.
Chávez levantou a mão e se escondeu atrás de uma árvore. depois de uns arbustos estava o motivo para o sargento se deter.
A pista aérea.
Melhor ainda, a uma centena de metros estava o avião. Seus motores, embora desligados, geravam uma imagem infravermelha nos óculos.
– Parece que estamos no caminho certo, capitão – sussurrou Ding.
Ramírez e Chávez se deslocaram a direita e esquerda, sempre atrás das árvores, em busca de sentinelas. Não havia nenhum. O objetivo, chamado Reno, era como indicado nos relatórios prévios.
depois de assegurar-se disso, Ramírez voltou para ponto de reunião, enquanto Chávez tomava posição para vigiar a situação. Vinte minutos mais tarde, o pelotão ocupava o lugar designado, uma elevação ao nordeste da pista que dominava uma frente de uns duzentos metros. Certamente tinha sido a terra de um camponês pobre, e a pista era uma extensão dos campos arrasados. Tinham um panorama claro da pista aérea. Chávez e Vega ocupavam o extremo direito; Guerra e o outro metralhador, o esquerdo; Ramírez, com seu operador de rádio, o sargento Ingeles, o centro.
XII
PANO DE FUNDO
– VARIÁVEL, aqui FACA, preparados para receber relatório, câmbio.
O sinal transmitido via satélite era nítido como o de uma emissora comercial de FM. O técnico apagou seu cigarro e se ajustou os auriculares.
– FACA, aqui VARIÁVEL, seu sinal é claro. Preparados para receber relatório, câmbio.
Atrás do técnico, Clark se voltou em sua cadeira giratória para olhar o mapa.
– Estamos no Objetivo Reno. Temos um avião bimotor à vista e vários homens carregando-o com caixas de papelão. Câmbio.
Clark girou rapidamente para olhar os aparelhos de rádio. Estava surpreso: As informações de Inteligência eram tão boas assim?
– Pode ler a matrícula no leme, câmbio.
– Negativo, o ângulo não o permite. Mas vai passar em nossa frente. Estamos na posição prevista.
Não observamos a presença de efetivos de segurança neste momento.
– Maravilha – murmurou um dos técnicos. Pegou um microfone manual – : Aqui VARIÁVEL.
Reno informa, o pássaro está no ninho, tempo zero e três um e seis Zulú...
Entendido. Avisarei. Desligo. – voltou-se para seu companheiro – : Efetivos, estão a uma hora.
“Perfeito”, pensou o outro homem.
Ramírez e Chávez viram como dois homens terminavam de acomodar a carga no avião.
Determinaram que era um “Piper Cheyenne”, um avião de alguma empresa, médio, com uma autonomia razoavelmente ampla, embora sujeita ao peso da carga e as condições de voo. O comércio local podia lhes prover os depósitos suplementares para aumentar a autonomia de voo. A carga transportada aos Estados Unidos pelos narcotraficantes não tinha problemas de peso nem de tamanho, salvo no caso da maconha.
O único limite era o dinheiro. Um só avião podia transportar cocaína pura suficiente para deixar em números vermelhos a um Banco da Reserva Federal, inclusive a preço de atacado.
Os pilotos abordaram o avião depois de apertar as mãos do pessoal de terra, um gesto que seus observadores acharam tão rotineiro como o da partida de um avião de linha. Ligaram os motores, cujo rugido ensurdeceu os infantes.
– Merda – sussurrou o sargento Veja – . Eu poderia derrubá-lo sem dar tempo a ele de levantar voo.
Merda. – Certamente, sua arma estava travada.
– Assim daríamos um pouco de emoção a nossas vidas – replicou Chávez– . Sim, não é má ideia, Urso. Os caras da segurança estavam ao redor do avião e agora vão para todos os lados. – Tomou o transmissor– : Capitão...
– Já vi. Fique alerta, se por acaso precisamos retroceder.
O “Piper” deslizou lentamente até o extremo da pista, saltando como um pássaro ferido sobre os buracos abertos em aterrissagens anteriores. A pista estava iluminada por um punhado de tochas, muito menos das que estavam acostumados a usar. Aos observadores pareceu perigoso, e Chávez observou que uma decolagem fracassada significaria a morte de alguns de seus próprios camaradas...
O nariz do avião baixou um pouco quando o piloto elevou a potência ao máximo e logo a reduziu para verificar que os motores não se apagavam. Satisfeito, elevou a potência, soltou os freios e o avião entrou em marcha. Chávez deixou os binóculos de lado. O avião, estava muito pesado por causa do excesso de combustível, elevou-se a escassos vinte metros da copa das árvores. O piloto, quem quer que fosse, era um tipo temerário, pensou o sargento.
– Acaba de decolar: um “Piper Cheyenne” – disse Ramírez, e leu o número pintado na cauda.
Matricula dos Estados Unidos – . Rumo aproximado três e três zero.
– Por isso dirigia-se ao canal do Yucatán, entre o México e Cuba.
– Pode descrever ele Reno? – disse o operador ao tomar nota de tudo.
– Conto seis pessoas. Quatro levam fuzis, os outros não se distinguem. Uma caminhonete pickup e as choças que se veem nas fotos. A caminhonete está em movimento, parece-me que... sim, apagam as tochas. Atenção, a caminhonete vem para cá.
À esquerda de Ramírez, Vega levantou a metralhadora sobre o bipe e apontou para caminhonete que percorria a margem esquerda da pista. detinha-se a cada cem metros para que o passageiro apagasse com terra as tochas.
– Devagarinho, devagarinho, atiramos na sua carinha... – cantarolou Vega.
– Fique tranquilo, Urso – murmurou Ding.
– Não há problema. – Vega mantinha o polegar sobre a trava e o indicador no guarda mato e não sobre o gatilho.
apagaram as tochas, uma por uma. A caminhonete passou a apenas cento e cinquenta metros dos soldados, mas não se dirigiu para eles. Simplesmente tinha que passar por ali. A arma a seguiu até que afastou-se. Depois Vega apoiou a culatra no chão e se voltou para seu camarada.
– Que pena! – disse com uma careta de fingida resignação.
Chávez reprimiu uma risada. Que curioso, pensou. Estavam em território inimigo, armados para enfrentar um batalhão, mas brincando de esconde-esconde, como crianças no Natal. No fundo era o jogo mais sério existia, mas mesmo assim era engraçado. Mas isso podia mudar rapidamente.
Apontar uma metralhadora para dois caras num caminhão não era uma piada. Ou sim?
Chávez colocou os óculos. No outro extremo da pista, vários homens acendiam cigarros. As imagens difusas adquiriram forma e cor branca graças à energia gerada pelo calor. O fogo impedia a visão noturna. Ding, observando sua forma se mover deles, percebeu que estavam descansando. A tarefa do dia
– ou da noite– tinha acabado. A caminhonete se afastou, levando todos menos dois. Aparentemente, essa dupla eram a guarda de segurança da pista.
Só dois homens, e fumavam durante a noite. Armados ou não – pareciam usar fuzis AK-47 ou um pouco parecido– , não eram um inimigo cuidadoso.
– O que acha que fumam? – perguntou Vega.
– Não tinha pensado nisso – grunhiu Chávez– . Não são tão idiotas.
– Não são soldados, velho. Filhos da puta, teríamos os esmagado como baratas. Dez segundos no máximo.
– Só tome cuidado – sussurrou Chávez.
– Claro – assentiu Isso Vega é o que nos dá a vantagem.
– Seis a Faca – disse Ramírez pelo transmissor– . Voltem para ponto de reunião.
– Você primeiro, eu te cubro – disse Chávez a Vega.
Julio se levantou, levantou a metralhadora ao ombro, com um tinido metálico, leve mas perigoso: a munição, pensou Ding. É para se levar em consideração. Esperou vários minutos antes de seguir seu camarada.
O ponto de reunião era uma árvore muito alta, junto ao riacho. Olivero insistiu em que todos enchessem os cantis. Teve que desinfetar o rosto de um homem, talhado por um ramo baixo: fora isso, a unidade estava intacta. Levantaram o acampamento a quinhentos metros da pista. Haveria um guarda permanente no posto de observação, o mesmo que Chávez tinha escolhido. Ding e Vega fizeram o primeiro turno de guarda para serem substituídos ao amanhecer por Guerra e um homem armado com o MP-5 com silenciador. Em todo tempo haveria uma metralhadora SAW ou um lança-granadas, se por acaso o inimigo se mostrasse ativo. Se houvesse um tiroteio, deviam pôr fim nele com a maior rapidez.
Os infantes leves não são muito hábeis com os tanques e os canhões, mas, como todos os soldados, pensam em poder de fogo, um conceito tipicamente americano.
Ding estava assombrado pela facilidade com que tinham estabelecido uma rotina. Uma hora antes do amanhecer, ele e Vega estudaram a pista aérea da sua pequena elevação. Um dos dois sentinelas estava alerta, enquanto o outro, sentado de costas a uma choupana, fumava alguma coisa. O primeiro caminhava um pouco, mas em círculos, sem afastar-se.
– Novidades, Ding?
– Você se deixou escutar, capitão.
– Tropecei, sinto muito.
Chávez descreveu rapidamente a situação e Ramírez observou o inimigo com seus binóculos para verificar.
– Parece que o Exército e a Polícia não os incomodam – disse o capitão.
– Foram todos subornados?
– Não, parece que desestimulados pela falta de resultados. Assim traficantes usam uma meia dúzia de pistas como esta, já é uma rotina. vamos passar um tempo aqui. – Fez uma pausa– . Se aparecer qualquer novidade...
– O chamaremos imediatamente, capitão – prometeu Vega.
– Alguma cobra andou por aqui?
– Graças a Deus, não.
O capitão mostrou os dentes num sorriso, bateu no ombro de Chávez e desapareceu.
– Qual o lance com as cobras Chávez? – perguntou Vega.
O capitão Winters observou a aterrissagem do “Piper” com certa decepção. Já foram dois seguidos.
O avião grande da noite anterior tinha desaparecido.
Não sabia para onde eram levados depois, talvez para o grande cemitério do deserto. Ninguém perceberia a presença de um avião a mais. E quanto aos “Piper”, não era difícil encontrar um comprador.
A metralhadora calibre .50 era mais impressionante quando apontava para o rosto, mas os refletores perdiam um pouco de eficácia à luz do amanhecer. Esta vez não usaram o conto do avião espião. Os fuzileiros trataram os traficantes com a mesma falta de delicadeza de antes e com isso obtiveram o resultado desejado. O oficial da CIA que dirigia a operação tinha estado antes na DEA, mas gostava da mudança nos métodos do interrogatório. Apesar da matrícula do avião, os dois pilotos eram colombianos.
Sua valentia desvaneceu ao ver Nicodemus. Podiam mostrar-se valentes contra um revólver ou um cão policial, mas um sáurio açougueiro era outra história. Em menos de uma hora pegou a declaração e depois ficaram a disposição do juiz federal do turno.
– Quantos aviões não chegam aqui? – perguntou o sargento de Artilharia Black ao afastar-se.
– A que se refere, sargento?
– Vi o caça, senhor. Certamente o piloto disse ao sujeito, “Vá por ali ou então...”. nos chamam uma vez ou outra, mas em certas ocasiões o avião não chega, não é? O que quero dizer, senhor, é que, bom, alguns tipos não atendem a voz da razão e então, o cara no comando do caça mostra a ele as consequências.
– Isso é algo que não lhe interessa, sargento – sublinhou o homem da CIA.
– Claro, entendo. Não me importo nada com o destino desses traficantes, senhor. A primeira vez que estive no Vietnam, vi como acabaram com o nosso pelotão porque vários usavam cocaína. Lá pelo ano de 74 ou 75 pequei um infeliz vendendo drogas no meu pelotão. Quase matei de porradas o filho da puta. Isso me causou alguns problemas.
O oficial assentiu como se estivesse surpreso, mas não estava nem um pouco.
– Lembre-se que não tem que saber, sargento – repetiu.
– Entendido, senhor. – O sargento de Artilharia Black reuniu a seu pessoal e todos subiram no helicóptero que os esperava.
Esse era o problema de operações “negras”, pensou o oficial da CIA ao se despedir dos fuzileiros. A gente pede aos melhores, os mais confiáveis e inteligentes, para levar a cabo a operação. Mas os melhores, os mais confiáveis e inteligentes, têm imaginação e sabem raciocinar. Além disso, não era difícil chegar às conclusões certas. As operações “negras” se tornavam cinzas, era só questão de tempo.
Como o amanhecer. Claro que a presença da luz nem sempre era o mais conveniente.
O almirante Cutter recebeu os diretores Moore e Jacobs no vestíbulo e os três se dirigiram ao escritório presidencial. Os agentes Connor e D'Agostino, de serviço no escritório das secretárias, registraram-nos como de costume. Apesar dos hábitos, passaram diretamente ao escritório de VAQUEIRO.
– Boa tarde, senhor Presidente – disseram, um após o outro.
O Presidente se levantou de sua poltrona e foi se sentou numa cadeira antiga junto à chaminé, como em todas as reuniões “íntimas”. Não gostava muito: essa cadeira não era tão confortável quanto a poltrona da mesa, feita sob medida, e ultimamente sofria das costas, mas os presidentes também têm que satisfazer as expectativas alheias.
– Se eu não entendi errado, este é um relatório de situação. Comece você juiz, por favor.
– SHOWBOAT está em andamento. Para começar, tivemos um golpe de sorte. A primeira equipe de vigilância que chegou em seu destino fez a tempo para informar a partida de um avião. – Moore os olhou com um amplo sorriso – . Tudo aconteceu conforme os planos. Os dois contrabandistas estão numa prisão federal.
Claro que foi um golpe de sorte, suave e certo. Nem sempre será assim, mas interceptamos noventa quilos de cocaína, o que não está nada mal para um só golpe. As quatro unidades clandestinas chegaram a seus postos sem serem descobertas.
– O satélite funciona?
– Falta calibrar alguns instrumentos. É um problema do computador, mais não é nada. A parte da operação que utilizará o “Rhyolite” não começará até a semana que vem. Essa parte do plano foi montada com certa pressa, ainda tocamos de ouvido. O problema, se é que posso chamá-lo assim, é instalar o software do computador, isso nos vai levar uns dois dias.
– O que se passa no Congresso?
– Verei-os esta tarde – disse o juiz Moore – . Não acredito que haja problemas.
– Não é a primeira vez que você diz isso – assinalou Cutter.
Moore o olhou sem dissimular seu aborrecimento.
– Preparamos o terreno. Não estou acostumado a invocar com frequência as normas sobre operações especiais; mas, quando o faço, em geral, não está costuma haver problemas.
– Não acredito que alguém se oponha, Jim – assentiu o Presidente– . Eu também preparei o terreno.
Emil, está muito calado esta manhã.
– É que já conversamos sobre esses aspectos da operação, senhor Presidente. Não tenho dúvidas legais, simplesmente porque não existe lei alguma que o contemple. A Constituição lhe outorga plenos poderes para recorrer à força militar em defesa da segurança nacional, quando você mesmo determina que está ameaçada. Os precedentes legais se remontam à presidência de Jefferson. O aspecto político é outra coisa, mas não cabe a mim opinar a esse respeito. Seja como for, o FBI descobriu o que parece ser uma grande operação de lavagem de dinheiro. Estamos a ponto de entrar em ação.
– O que exatamente significa uma grande operação? – perguntou Cutter, para aborrecimento do Presidente, que tinha a mesma pergunta na ponta da língua.
– Identificamos um total de quinhentos e oitenta e oito milhões de “narcodólares” depositados em vinte e dois Bancos, de Liechtenstein a Califórnia, e investidos em bens raízes, todos em nosso território.
Nossa gente esteve trabalhando nisto toda a semana, as vinte e quatro horas do dia.
– Quanto dinheiro você disse? – adiantou-se em perguntar o Presidente, que não era o único a querer ouvir outra vez a cifra.
– Quase seiscentos milhões – repetiu o diretor do FBI – . A soma era mais elevada há dois dias, mas houve uma transferência importante na quarta-feira passada..., parece que foi um transação de rotina, mas vigiaremos bem todas as contas.
– O que você vai fazer a respeito disso?
– Esta noite teremos a documentação pertinente de todas as contas. Amanhã, os agregados legais de nossas Embaixadas de ultramar e as divisões que fiscalizam os Bancos nacionais congelarão as contas...
– Com a cooperação dos suíços e outros países europeus? – interrompeu Cutter.
– Com sua cooperação, sim. exagerou-se a mística das contas numeradas, como o presidente Marcos descobriu faz alguns anos. Se demonstrarmos que os recursos depositados provêm de atividades criminosas, os Governos de cada país os congelarão. Na Suíça, o dinheiro passa ao Governo local para uso local. Além do problema moral, existe um interesse econômico, e estamos protegidos pelos tratados correspondentes. Por exemplo, se o dinheiro ficar na Suíça, isso não causará transtornos à economia desse país, não é verdade? Mas, acontece justamente o contrário. Temos motivos para esperar que a operação seja um êxito total e cause ao Cartel uma perda da ordem de um bilhão de dólares. Esta é uma estimativa nossa que inclui a perda de propriedades e o lucro disponível. Em troca, os quinhentos e oitenta e oito milhões são em espécie. Chamamos de Operação Tarpón. A lei nacional está do nosso lado, e vai ser muito difícil que alguns desses recursos sejam liberados. O aspecto legal não é tão claro quanto na Europa, mas acredito que teremos cooperação. Os Governos europeus começam a detectar alguns problemas com o narcotráfico em seus respectivos países, e me parece que sua atitude frente à questão legal é mas... bem... acredito que a palavra justa é “pragmática”. – Jacobs sorriu – : O senhor fará o anúncio?
Os olhos do Presidente lançavam chispas de satisfação. Fariam o anúncio na sala de Imprensa.
Apresentaria um alto funcionário de Justiça, mas na Casa Branca, para que os jornalistas tirassem conclusões. Senhores jornalistas, bom dia. Acabo de informar ao senhor Presidente que obtivemos uma vitória significativa em nossa guerra incessante contra...
– Como você avalia a magnitude do golpe? – perguntou o Presidente.
– Até agora só podemos especular sobre as cifras que trabalham. O mais interessante é que a lavagem do dinheiro parece ter por objeto legitimar suas operações na Colômbia. Embora a estas horas é difícil avaliar, parece que o Cartel procura um meio não tão flagrantemente criminoso para se infiltrar na sua economia nacional. O objetivo da operação parece ser político, já que, em termos econômicos, não é necessário. Quanto a sua pergunta, senhor Presidente, a perda econômica será um golpe duro para eles, mas de em modo algum os paralisará. Em troca, as ramificações políticas podem nos trazer benefícios de uma magnitude que ainda não podemos avaliar.
– Um bilhão de dólares... – murmurou o Presidente – . Uma boa notícia para transmitir aos colombianos, não?
– Não vão ficar tristes, sem dúvida. As repercussões políticas das ações do Cartel foram muito perturbadoras.
– Mas não tanto como para obrigar que eles tomassem medidas – comentou Cutter.
A observação irritou a Jacobs.
– Veja, almirante, o ministro da Justiça colombiano é meu amigo. Seu corpo de segurança é o dobro do que o de nosso Presidente. A insegurança é tão grande, que a gente procura abrigo cada vez que um carro faz barulho de tiros. A Colômbia faz um grande esforço por conservar a democracia autêntica numa região onde as democracias não são abundantes... o que, me permita lhe recordar, é nossa culpa. O que quer que eles façam? Que joguem pela privada as poucas instituições que têm, como na Argentina?
Merda, o FBI e a DEA juntos não têm pessoal suficiente para perseguir as máfias da droga que já conhecemos, embora nossos recursos são mil vezes maiores que os deles. Que merda você quer, que eles voltem para fascismo para caçar aos barões da droga porque nos convém?
Foi o que aconteceu por nossa causa durante mais de cem anos... e veja o que conseguimos!
“Espera-se que você, seu palhaço, seja um perito em assuntos ibero-americanos – se absteve de dizer Jacobs – “. E Quem é você para dizer isso? Um almirante e nunca comandou um barco de pesca sequer.
A conclusão tácita – pensou o juiz Moore – é que Emil não gosta da operação. Ao menos, sua atitude teve o efeito de impor silêncio a Cutter. Jacobs era um homem baixinho, mas com uma dignidade e uma estatura moral mais alta que uma montanha.
– Você não terminou que expressar o que pensa, Emil – sorriu o Presidente – . Bom, prossiga.
– Cancele a operação – disse o diretor do FBI – . Detenha-a antes de que vá muito longe. me dê os pessoal que eu preciso: eu posso conseguir aqui, dentro da lei, muito mais do que se obterá com essa idiotice das operações clandestinas. TARPÓN é a melhor demonstração do que eu digo. É o maior êxito que já obtivemos até o momento, e possível com métodos estritamente policiais.
– E a um capitão da guarda costeira se desviou um pouco da norma – lhe recordou o juiz Moore– .
Se não, teria sido um caso de pirataria e homicídio, nada mais. Não esqueça isso, Emil.
– Não é a primeira vez que isso acontece, Arthur. Mas há uma diferença: desta vez não se deveu a planos elaborados em Washington.
– Espero que isto não prejudique o capitão – murmurou o Presidente.
– Não, senhor, nos certificamos disso – lhe tranquilizou Jacobs.
– Bem, espero que assim seja. Emil, respeito seu ponto de vista, mas temos que p tentar novos métodos. Não posso convencer o Congresso que me dê os recursos para duplicar os efetivos do FBI e da DEA. Você sabe disso.
Não consegue por que você não o tenta, quis dizer Jacobs, mas calou-se e assentiu, submisso.
– Além disso, pensei que você tinha dado seu acordo à operação.
– É verdade senhor Presidente. – Como pude me deixar apanhar nisto?, perguntou-se Jacobs. Esse caminho, como muitos outros, estava cheio de boas intenções.
A operação não era estritamente ilegal; do mesmo modo, a prática do voo em asa Delta não era um esporte perigoso..., sempre que tudo acontecesse de acordo com as previsões.
– Quando viajará a Bogotá?
– Na semana que vem, senhor. enviei uma carta ao adido legal para que a entregue ao ministro.
Cuidaremos a segurança do encontro.
– Muito bem. Cuide-se, Emil. Preciso de você, sobre tudo necessito seus conselhos – disse o Presidente, amável – . Embora não sempre os siga.
Nosso presidente é o campeão mundial de deixar às pessoas contentes, pensou Moore. Mas assim era Emil Jacobs. Sempre jogava em equipe, desde que se incorporou à equipe do promotor federal de Chicago, trinta anos antes.
– Algo mais?
– Designei Jack Ryan como subdiretor de investigações interino – disse Moore– . James o recomendou, acredito que está preparado.
– Conhece o SHOWBOAT? – perguntou Cutter rapidamente.
– Não, senhor, você deu instruções precisas sobre segurança.
– Como está Greer?
– O prognóstico não é favorável, senhor Presidente – disse Moore.
– É uma pena. A semana que vem tenho que ir a Bethesda para um controle de pressão arterial.
Passarei para vê-lo.
– Nos apreciaremos muito, senhor.
Ryan percebeu logo de início que todo mundo se mostrava mais solícito com ele. sentia-se como um intruso no escritório, mas Nancy Cummings – secretária do SDI muito antes da época do Greer – não o tratava como tal, e seus guardas o chamavam senhor, embora dois deles fossem mais velhos que ele. O
melhor de tudo foi descobrir que tinha um motorista: um oficial de segurança que levava uma pistola automática “Beretta” 92-F sob a axila esquerda e um objeto ainda mais contundente sob o piso do carro.
Para Ryan, significava que já não teria que dirigir durante cinquenta e oito minutos pela manhã e de noite.
de agora em diante, como VIP, viajaria no assento traseiro do veloz automóvel, falando pelo telefone móvel, estudando documentos importantes ou lendo o jornal. O carro oficial o deixaria no estacionamento subterrâneo da CIA, perto do elevador de executivos, que o levaria rapidamente ao décimo andar sem passar por essa cansativa rotina de segurança na porta. Almoçaria no restaurante dos executivos, com seus móveis de mogno e seus elegantes talheres de prata.
O aumento de salário também era impressionante; melhor dizendo, teria sido se se aproximasse do que Cathy, sua esposa, ganhava como cirurgiã e professora adjunta no “Johns Hopkins.” Mas nenhum funcionário do Governo – nem sequer o Presidente – podia aspirar a ganhar tanto quanto um bom cirurgião. Também tinha um grau equivalente ao de tenente- general, ou almirante, apesar de ser somente subdiretor “interino”.
Sua primeira tarefa, depois de fechar a porta do escritório, foi abrir a caixa forte. Estava vazia. Ryan memorizou a combinação e percebeu que a do SDO estava escrita na mesma folha. Seu escritório gozava do maior privilégio que existia no Governo: um banheiro privado. Um monitor de televisão de alta definição lhe permitiria receber imagens via satélite do mundo inteiro sem necessidade de ir ao salão, na asa nova do edifício. Também tinha um terminal de computador que lhe permitia comunicar-se com outros escritórios; quer dizer, se desejasse, porque o teclado estava cheio de poeira; Greer jamais o tinha usado. O mais importante de tudo era o tamanho do escritório: havia lugar para passear enquanto pensava.
Seu posto lhe concedia acesso ilimitado ao diretor.
Se estivesse ausente – e até mesmo se não estivesse – , Ryan podia chamar à Casa Branca para solicitar uma reunião imediata com o Presidente. Tinha que solicitá-la ao chefe de pessoal – passando por cima de Cutter, se o desejasse – , mas se dissesse, “Devo ver o Presidente agora mesmo!”, fariam o encontro acontecer imediatamente. Claro que precisaria ter uma excelente razão para isso.
Jack se sentou na poltrona, de costas para às janelas blindadas. Tinha chegado. Tinha realizado suas máximas aspirações na CIA antes dos quarenta anos. Ganhou muito dinheiro como corredor na Bolsa, e esse dinheiro continuava aumentando; seu salário da CIA era tão necessário para ele como um terceiro sapato; tinha obtido o doutorado, escrito livros, ensinado História, forjado uma carreira nova e interessante e chegado à cúpula. antes dos quarenta anos. Brindou-se com um sorriso de satisfação, de não ter recordado a esse cavalheiro paternal que agonizava no “Centro Médico Naval da Bethesda”; e que, graças a essa morte lenta e dolorosa, agora ele ocupava essa poltrona, esse escritório, esse cargo.
Se for assim não vale a pena, não o vale, pensou Jack. Seus pais morreram num acidente de avião em Chicago: o golpe tinha sido duro, brusco e repentino como um murro. Por sorte, se pode se chamar isso de sorte, tudo tinha acontecido com extrema rapidez. Não compreendeu naquela hora, mas agora, sim. Ryan visitava almirante Greer três vezes por semana, observava como seu corpo se encolhia igual a uma planta ao murchar, como a dor riscava sulcos em seu nobre rosto enquanto liberava com dignidade uma batalha que sabia perdida. Ryan não tinha sofrido a agonia de seus pais, mas Greer tinha sido como um segundo pai para ele, e Ryan cumpria seus deveres filiais. Agora compreendia por que sua esposa se dedicava à cirurgia ocular. Era um trabalho difícil e delicado, no que um pequeno engano podia causar a cegueira, mas para Cathy as pessoas não morriam. O que podia ser mais dilacerador que... mas sabia a resposta. Sua filha se encontrou próxima da morte: a sorte e uma excelente equipe de cirurgiões a tinham salvo.
Que valentes são, pensou Jack. Uma coisa era lutar contra o homem: ele mesmo o tinha feito. Outra muito diferente fazer contra a morte, conscientes de que, em última instância, era uma batalha perdida.
Essa era a essência da profissão médica.
Merda você está tão mórbido como um filho de puta esta manhã.
O que diria o almirante?
Que começasse com o fodido trabalho.
A vida exigia que alguém seguisse adiante, que se esforçasse por alcançar um mundo melhor. Jack era o primeiro em reconhecer que a CIA podia parecer um lugar bem estranho para conseguir esse propósito, mas ele considerava que seu trabalho ali, embora fora do comum, conseguia resultados úteis.
Percebeu um aroma agradável e girou na poltrona. A cafeteira elétrica estava acesa. Certamente era coisa da Nancy. Mas em lugar das xícaras do almirante Greer, algumas xícaras com o logotipo da CIA ocupavam a bandeja de prata. Então bateram na porta e Nancy mostrou a cabeça.
– A reunião com os chefes de departamento começa dentro de dois minutos, Sr. Ryan.
– Obrigado, Sra. Cummings. Quem preparou o café?
– O almirante me chamou esta manhã. Disse que lhe cairia bem um bom café em seu primeiro dia.
– Ah, eu lhe agradecerei eu mesmo esta tarde, quando for visitá-lo.
– Parecia sentir-se um pouco melhor – disse Nancy.
– Deus a ouça.
Os chefes de departamento chegaram juntos e pontuais. Serviu café para todos e ficaram a trabalhar.
O primeiro relatório, como sempre, era referente à União Soviética, seguido pelos de outros lugares do mundo. Jack tinha assistido a essas reuniões de rotina durante anos, mas agora ele ocupava a mesa. Sabia como dirigir a reunião e não se separou das normas. Acontecesse o que acontecesse, o dever estava por cima de tudo. O almirante não ia querer que fosse de outra forma.
Uma vez obtida à autorização presidencial, o processo se desenvolveu com rapidez. A agência nacional de segurança comandou, como sempre, das comunicações com as Embaixadas estrangeiras, sem outro inconveniente que o causado pelos fusos horários. Enviou-se um sinal de alerta prévio aos adjuntos legais de várias Embaixadas na Europa, e, na hora combinada, os teletipos – em primeiro lugar o de Berna
– começaram a receber sinais cifrados e a imprimir os textos correspondentes. Nas salas de comunicações de todas as Embaixadas, os técnicos perceberam que estavam usando os canais mais protegidos. A primeira folha, chamada de registro, indicava-lhes que deviam procurar a correspondente sequencia de anotação única nas caixas fortes onde se guardavam os códigos.
Tratando-se de comunicações muito delicadas – por exemplo, a mensagem de que uma guerra estava a ponto a ser declarada –, as máquinas de cifrar convencionais eram totalmente inadequadas, como foi demonstrado no caso de espionagem Walker-Whitworth. Essas revelações tinham obrigado os americanos a fazer uma mudança rápida e drástica na matéria. Cada Embaixada tinha um cofre-forte especial – dentro de outro, maior – onde guardavam uma quantidade de fitas K-7 gravadas de aspecto comum. Cada uma estava envolvida numa envelope de plástico, a vácuo, cuja cor correspondia à natureza do código. Cada uma tinha dois números impressos. Um – neste caso o número 342 – era o número de série geral; o outro – que na Embaixada na Berna era o número 68 – que correspondia a essa fitas em particular dentro da série 342. Se em algum lugar do mundo aparecesse uma fita com o pacote de plástico violado, esmigalhado ou sequer enrugado, considerava-se que o segredo tinha sido violado e eram destruídas todas as fitas as dessa série.
O técnico de comunicações retirou a fitas da caixa, olhou o número e na presença de seu supervisor, disse:
– Leão o número, é o três e quatro dois.
– Afirmativo – confirmou o supervisor – . Três e quatro dois.
– Abrirei a fita – disse o técnico, balançando a cabeça, pois tanta solenidade parecia absurda.
Jogou o envelope na cesta de lixo junto a sua mesa e pôs a fita num reprodutor de aspecto comum, mas muito caro, conectado eletronicamente a outro teletipo, a três metros daquele.
A mensagem, cifrada na fita 342 mestra em Fort Meade, Maryland, tinha sido cifrada de novo com o código de máxima segurança do Departamento de Estado, chamado Stripe, mesmo que a chave caísse em mãos inimigas, a mensagem resultante continha palavras como DEERAMO WERAC KEWJRT e outras do mesmo tipo devido ao sistema de dupla codificação imposto pela fita. Isso não deixaria de irritar quem acreditasse ter decifrado as comunicações secretas americanas.
E, certamente, irritava o técnico, que tinha que esforçar-se para datilografar “palavras” tais como DEERAMO WERAC KEWJRT.
Cada letra cruzava o reprodutor da fita, que a transformava em um número do 1 (A) ao 26 (Z) e o somava ao que estava gravado na fita. Assim, se o 1 (A) do texto original correspondia outro 1 (A) na toca-fitas, obtinha um 2 que se convertia em um B no texto decifrado. As transposições na fita tinham sido geradas ao acaso em Fort Meade, a partir de ruído atmosférico radial. Era um sistema impossível de decifrar sem a chave, que na terminologia técnica se chamava sistema de anotação única. Por definição, não se pode ordenar nem predizer o acaso. Enquanto as fitas estivessem a salvo, não havia maneira de decifrar o código. O único motivo para não generalizar este sistema, chamado Tapdance, era que requeria fabricar, assegurar e seguir o rastro de milhares de fitas, mas se previa que, em pouco tempo, o disco laser substituiria o sistema de fitas K-7. O ofício de decifrador remontava à época isabelina, mas os novos avanços ameaçavam relegar essa profissão ao mesmo sótão que a régua de cálculo.
O técnico esmurrava o teclado, amaldiçoava a hora e tentava se concentrar-se. Seu horário normal terminava as dezoito e o esperavam para jantar num lugar agradável e acolhedor, a poucas quadras da Embaixada. Certamente, não conseguia ler o texto decifrado que aparecia a menos de três metros, mas não se importava nem um pouco com isso. Vinha fazendo o mesmo durante nove anos, e não pedia demissão porque gostava de viajar. Berna era seu terceiro destino no exterior.
Não era tão divertida quanto Bangkok, mas era muito mais interessante que sua cidade natal em Ithaca, no Estado de Nova Iorque.
A mensagem tinha uns dezessete mil caracteres, ou duas mil e quinhentas palavras. Datilografou o mais rápido possível.
– Está tudo bem? – perguntou ao terminar. A última “palavra” que era ERYTPESM.
– Assim parece – disse o adido legal.
– Menos mal. – O técnico introduziu a folha do teletipo no triturador da sala, que a reduziu a fragmentos. Depois pegou a fita, e, na frente do supervisor de turno, foi a um canto da sala onde havia um ímã grande, em forma de ferradura, preso a um cabo em espiral que saía da parede. Passou a fita nas pontas do ímã para destruir a informação magnética gravada e depois a jogou na lata de lixo a ser queimado. Essa noite, um dos fuzileiros de guarda, sob o olhar de outro supervisor de turno, jogaria o saco de lixo no incinerador da Embaixada, onde os papéis e outros resíduos do dia seriam reduzidos a cinzas por uma chama de gás natural. O Sr. Bernardi levantou os olhos depois de ler a mensagem.
– Quem dera que a minha secretária datilografasse tão rápido quanto você, Charlie. Só dois erros!
Lamento que tenha tido que trabalhar até estas horas. – O adido legal lhe deu uma nota de cinco francos –
: Tome umas cervejas.
– Obrigado, Sr. Bernardi.
Chuck Bernardi era um alto funcionário do FBI, cujo grau civil equivalia ao de um brigadeiro do Exército americano, serviu como oficial na Infantaria há muito tempo atrás. Seu período de serviço em Berna estava a ponto de terminar; depois teria um posto no quartel geral do FBI ou talvez uma chefia local. Sua especialidade no FBI era a máfia, por isso tinha sido enviado à Suíça. Chuck Bernardi era um perito em seguir o rastro dos recursos clandestinos, que em boa parte passavam pelo sistema financeiro suíço. Seu trabalho, metade diplomático e metade policial, tinha-o levado a estabelecer uma estreita relação de trabalho com os mais altos funcionários da Polícia Suíça. Na sua opinião, a Polícia local era inteligente, profissional e extremamente eficaz. Uma menininha poderia andar pelas ruas de Berna com uma bolsa cheia de dinheiro sem o menor problema. E algumas pessoas certamente faziam isso, pensou com um sorriso ao dirigir-se a seu escritório.
Ali, acendeu o abajur da mesa e um charuto. Mas antes que este começasse a consumir-se, tornou-se atrás no assento e cravou a vista no teto.
– Santa mãe de Deus! – Agarrou o telefone para chamar policial mais importante que conhecia.
– Sou Chuck Bernardi. me passe para o doutor Lang, por favor. Obrigado... Olá, Karl, sou eu Chuck. Preciso falar com você... agora mesmo, se for possível...
É muito importante, Karl... Não, melhor em seu escritório... Por telefone, não, Karl... Bem, obrigado, amigo. Asseguro-lhe que vale a pena. Chegarei em quinze minutos.
Cortou a comunicação, dirigiu-se a copiadora de seu escritório, fez uma cópia do documento e deixou anotado no caderno correspondente seu nome e a quantidade de cópias. Antes de sair, guardou o original em sua cofre-forte e a cópia no bolso da jaqueta. Gostaria de ver o aborrecimento de Karl quando se inteirasse de que os cofres de seu país iriam receber duzentos milhões de dólares. Os suíços congelariam as contas. Seis de seus Bancos conservariam os interesses gerados por esse capital e possivelmente também este outro valor. Se a identidade do Governo que fosse o legítimo destinatário dos recursos não fosse claro, os suíços se seriam “obrigados” a conservar os recursos, e de forma definitiva, entregariam os recursos aos Governos locais. E as pessoas se perguntavam por que a Suíça era um país tão rico, pacífico e encantador. Certamente, o esqui e o chocolate não eram os únicos motivos.
Em menos de uma hora, a notícia chegou a seis Embaixadas, e enquanto o sol seguia sua trajetória sobre a Terra, agentes especiais do FBI visitaram os executivos de vários Bancos “de serviços”
americanos, os que entregaram os números de várias contas, ou os nomes de seus titulares. Os importantes recursos depositados nessas ficaram congelados rapidamente por meio de um fecho eletrônico computadorizado. A medida se realizou com toda discrição. Ninguém devia inteirar-se, e a importância de conservar o segredo foi explicada em termos muito diretos – nos Estados Unidos e em outros países – de altos funcionários do Governo a presidentes de Bancos que, em todos os casos, comprometeram sua plena cooperação. (depois de tudo, o dinheiro era dele, não?) Disse aos chefes de Polícia que as contas não eram muito ativas: a média era de duas ou três transações por mês, todas com somas muito elevadas. Seguiriam recebendo depósitos, e um funcionário belga sugeriu que, se o FBI tivesse os relatórios necessários sobre outras contas, para autorizarem as transferências de recursos de uma conta para outra – sem sair do país, obviamente – para não alertar os depositantes. Além de tudo, acrescentou, a droga era inimigo comum de todos os homens civilizados e, é obvio, de todas as Policias.
A sugestão foi aceita imediatamente pelo diretor Jacobs e ratificada pelo ministro da Justiça. Até mesmo os holandeses deram sua colaboração, apesar de seu Governo vender drogas, em estabelecimentos especiais, aos mais viciados entre seus jovens cidadãos. Era uma amostra evidente do capitalismo em ação. Havia muito dinheiro sujo em circulação, dinheiro que não chegou a seus detentores atuais por meios legítimos: os Governos não podiam permiti-lo. Por isso, apoderaram-se desses recursos para utilizá-los a sua conveniência. Aos Bancos se impôs um segredo que deviam conservar tão zelosamente quanto os nomes de seus clientes.
A operação terminou pouco antes da última hora comercial da sexta-feira. Os sistemas computadorizados dos Bancos continuaram operando, para que os funcionários de Justiça estudassem, durante o fim de semana, os caminhos seguidos por esses recursos. Os recursos relacionados com as contas já investigadas seriam congelados, e confiscados se fossem europeus. O primeiro golpe aconteceu em Luxemburgo. Embora os Bancos suíços se destacassem pelas leis de confidencialidade que os protegem, a única diferença entre eles e os de outros países europeus é que a Bélgica, por exemplo, não está rodeada pelos Alpes, e que a Suíça não sofreu invasões recentes de exércitos estrangeiros, como aconteceu a seus vizinhos. A integridade dos Bancos é a mesma em todas partes, e se sabe de banqueiros não suíços que odeiam a cadeia alpina por lhes outorgar a seus colegas helvéticos essa vantagem comercial adicional e acidental.
Seja como for, neste caso sobressai-se a norma da cooperação internacional. Antes da noite do domingo, os investigadores identificaram outras seis contas “sujas” e puseram sob trava computadorizada cento e trinta e cinco milhões de dólares.
Em Washington, o diretor Jacobs, o subdiretor adjunto Murray, os especialistas em assuntos da Máfia e os funcionários do Ministério da Justiça fecharam seus escritórios e comemoraram com um bom jantar no restaurante “Jóquei Clube”. Protegidos pelos guarda-costas do diretor, os dez homens tomaram um esplêndido jantar a custa do Governo. Talvez algum jornalista ou ativista poderia protestar; mas, neste caso, o prêmio era merecido. A Operação Tarpón era a vitória mais importante até o momento na Guerra contra as drogas. Antes do fim de semana seria público.
– Cavalheiros – disse Dan Murray, levantando pela milésima vez a taça de Chablis que tinha regado generosamente o jantar, certamente peixe – , brindo ao Serviço de Guarda costeira dos Estados Unidos.
A gargalhada geral que acompanhou ao brinde e o coro de “Saúde!” deve ter incomodado a outros comensais. Infelizmente, como comentou um advogado do Ministério, ninguém lembrava a letra do Semper paratus (Hino oficial do Serviço de Guarda costeira dos Estados Unidos).
A festa terminou às vinte e duas. Os guarda-costas do diretor se olharam: Emil não estava acostumado a beber tanto, no dia seguinte se comportaria como um urso resmungão..., e pediria desculpas a todos antes do almoço.
– Voamos a Bogotá na sexta-feira a tarde – lhes comunicou na privacidade de seu “Oldsmobile”
oficial – . Preparem tudo, mas não avisem à Força Aérea até na quarta-feira. Não quero nenhuma infiltração.
– Entendido – disse o chefe de segurança. Não gostava da ideia, sobre tudo agora, que os traficantes estavam furiosos. Mas essa viagem os surpreenderiam.
Os jornais informariam que Jacobs permaneceria em Washington; ocupado com o caso, ninguém saberia da viagem a Colômbia. De todas as formas, montariam um forte dispositivo de segurança. Os agentes passariam algumas horas no estande de tiro do Edifício Hoover para praticar com suas pistolas e metralhadoras.
Não podiam permitir que acontecesse algo a Emil.
Moira soube na terça-feira pela manhã. Certamente, estava inteirada do Tarpón. Sabia que a viagem era secreta, e, indubitavelmente, perigosa. Não falaria com o Juan antes de quinta-feira a noite. Além de tudo, ela devia andar com cuidado. Durante o resto da semana se perguntou como seria esse lugar especial que ele tinha nos Montes Blue Ridge.
Que o uniforme fosse de cor cáqui em vez da camuflagem habitual da selva não tinha importância.
Graças às manchas de suor e de terra, tinha a mesma cor da terra onde se ocultavam. Tomaram banho uma vez no riacho de onde tiravam a água para beber, mas sem sabão, por medo que a espuma ou o aroma ou o que quer que fosse chamasse a atenção de alguém rio abaixo. Nessas condições, lavar-se sem sabão era tão divertido como beijar à própria irmã. Pelo menos se refrescaram, e para Chávez essa era uma lembrança agradável. Durante uns dez minutos se havia sentido confortável. Mas, logo, o suor havia retornado. O clima era horrível, com temperaturas que chegavam quase aos cinquenta graus ao sol. Se era uma selva, por que diabos não chovia, perguntava-se Chávez. Por sorte não tinham que se mover muito.
Os dois idiotas que vigiavam a pista passavam a maior parte do tempo dormindo, fumando –
provavelmente maconha – e fazendo cigarros. Numa ocasião o tinham se assustado porque os vigias praticavam tiro ao alvo com latas que tinham colocado na pista. O exercício não foi perigoso para os soldados porque a direção dos disparos não apontava para o posto de observação, e Chávez tinha aproveitado a ocasião para avaliar sua perícia. Uma merda, disse a Vega. Voltavam a praticar. Colocaram três grandes latas de feijões a uns cem metros e começaram a disparar da cintura, como atores de cinema.
– Droga que merdas – comentou, olhando-os com os binóculos.
– Deixe-me ver – disse Vega, e os levantou os binóculos justo quando um deles derrubava uma lata ao terceiro disparo – . Merda, eu as acertaria daqui...
– Ponta, aqui seis, que está acontecendo aí? – chiou o rádio.
Vega respondeu.
– Seis, aqui Ponta. Nossos amigos praticam tiro. O eixo de fogo aponta a outra parte, capitão.
Tentam furar umas latas, mas atiram muito mal.
– Vou para ai.
– Entendido. – Ding deixou o rádio – . O capitão vem ai. Parece que o ruído o deixa nervoso.
– Preocupa-se muito, não? – disse Vega.
– Bom, é um oficial. Para isso lhe pagam.
Ramírez apareceu em três minutos. Chávez lhe ofereceu os binóculos, mas o capitão tinha os seus.
estendeu-se de barriga para baixo e os elevou a tempo de ver uns disparos.
– Ah.
– Dois carregadores inteiros para atirar em duas latas – explicou Chávez– . Gostam do ruído. Parece que as munições são baratas por aqui.
Os dois guardas fumavam, riam e brincavam durante a prática. Devem estar tão aborrecidos quanto nós, pensou Ramírez. Não tinha havido novidades em Rena depois da partida do primeiro avião, e os soldados detestam o aborrecimento ainda mais que o cidadão comum. Um deles – era difícil diferenciá-
los, já que tinham quase a mesma estatura e vestiam o mesmo tipo de roupa– inseriu outro carregador no AK-47 e soltou uma rajada de dez projéteis.
A fileira de disparos passou perto da lata, sem tocá-la.
– Não pensei que seria tão fácil, capitão – disse Vega, olhando-os através da mira da metralhadora–
. Que par de merdas!
– Se pensar assim, Urso, será igual a eles – repôs Ramírez, muito sério.
– Tá bom capitão eu entendo, mas eu não tenho a culpa de ver o que vejo.
Ramírez terminou sua reprimenda com um sorriso.
– Bom, nisso você tem razão.
Caiu a terceira lata. Necessitavam uns trinta disparos por alvo. Depois continuaram disparando para as fazer saltar.
– Sabe de uma coisa – disse Vega– , ainda não os vi limpar suas armas. – Para o pelotão, a limpeza das armas era uma rotina tão sagrada como as orações matinais e vespertinas para os sacerdotes.
– O AK aguenta bem – disse Ramírez– . É uma arma muito sólida.
– Sim, capitão.
Os guardas se aborreceram de seu jogo. Um deles recolheu as latas. Nesse momento, apareceu um caminhão. Sem fazer ruído, para surpresa de Chávez.
Embora tivesse vento contrário, pensou que o ruído delataria qualquer veículo, mas não era assim.
Deveria lembrar-se. Havia três pessoas no caminhão, duas na cabine e uma atrás. O condutor desceu e aproximou-se dos guardas. Mostrou o chão e ficou gritando: escutavam sua voz a quinhentos metros, apesar de que não terem ouvido o motor do caminhão. Muito estranho.
– O que se passa lá abaixo? – perguntou Vega.
– DOE – riu o capitão Ramírez– . Está furioso por causa dos DOE.
– O que é DOE?
– Danos causados por Objetos Estranhos. Se uma turbina de avião aspira esses detritos, adeus motor. Vejam, já estão recolhendo as latas.
Chávez apontou seus binóculos para o caminhão.
– Tem umas caixas, capitão. Talvez venham esta noite. Não trazem latas de combustível... Capitão, a vez passada também não encheram os depósitos do avião.
– O voo começa numa pista, a trinta quilômetros daqui. Talvez não precisem reabastecer... Mas é bem estranho.
– Terão barris de combustível na cabana? – perguntou Vega.
O capitão Ramírez respondeu com um grunhido. Teria enviado uma dupla para reconhecer o terreno, mas as ordens eram claras: só podiam patrulhar a zona circundante em busca de pessoal de segurança. Não deviam correr o menor risco de estabelecer contato com o inimigo. Por isso, não podiam estender a zona de patrulha, embora dessa maneira pudessem averiguar mais sobre o inimigo, inteirar-se de coisas que depois seriam úteis. Era o mais elementar na arte da guerra, e a ordem de não fazer isso parecia uma tolice porque gerava mais riscos dos que esperavam evitar. Mas ordens eram ordens. Seu autor não conhecia bem a arte militar. Era a primeira vez que Ramírez experimentava esse fenômeno: como seus soldados, era muito jovem para lembrar do Vietnam.
– Vão demorar o dia todo – disse Chávez. Parecia que o condutor do caminhão estava obrigando eles a contarem os estojos, mas é impossível recolher todas essas merdas.
Vega olhou seu relógio.
– Em duas horas vi escurecer. Alguém quer apostar que teremos ação esta noite? Aposto cem pesos a que o avião chega antes das vinte e duas.
– Não há aposta – disse Ramírez– . Esse tipo alto ao lado do caminhão tem abriu uma caixa de luzes portáteis. – O capitão se afastou. Era hora de comunicar-se.
Em Coreza, tinham passado dois dias sem novidade. Clark voltava de um almoço no cassino de oficiais de Fort Amador – o comandante do Exército panamenho tinha seu escritório no mesmo edifício, o que era estranho porque não se dava muito bem com os militares americanos – seguido de uma breve sesta. Os costumes locais, sobre tudo a de dormir durante as horas de mais calor, tinham sua lógica, –
pensou. Terminou de despertar com o ar frio do caminhão climatizado para proteger a equipe eletrônica do calor, e, sobre tudo, da umidade.
O grupo Faca marcou um tanto na primeira noite com um só avião. Outros dois pelotões também tinham acertado, mas um dos aviões conseguiu chegar a seu destino porque o radar do F-15 o perdeu quinze minutos depois de sua decolagem, para vergonha de todos. Mas eram os problemas que deviam esperar com mão de obra tão escassa. Dois acertos em três possíveis era uma boa média, Ainda mais que um mês atrás a média era bem menor, os agentes da alfândega antes conseguiam interceptar um avião por mês. O quarto pelotão não tinha novidades. A pista que vigiavam permanecia inativa, apesar dos informes de Inteligência uma semana antes permitiam prever o contrário. Esse era outro dos riscos das operações no mundo real.
– VARIÁVEL, aqui Faca, câmbio – disse a voz, sem preâmbulos.
– Faca, aqui VARIÁVEL. A recepção é perfeita. Preparados para receber mensagem, câmbio, receber mensagem, câmbio.
– Há atividade em Rena, possível viagem esta noite. Os Manteremos informados, câmbio.
– Entendido. Estaremos aqui. Desligo. – O técnico passou para outro canal –: Ninho da Águia, aqui VARIÁVEL. Preparados... Entendido. Estaremos de sobreaviso. Desligo.
Voltou-se em seu assento –: Já estão em alerta e o avião está preparado. Parece que o radar estava danificado e já o consertaram. A Força Aérea envia suas desculpas.
– É o mínimo que eles podem fazer – grunhiu o outro operador.
– Vocês não acham que a operação está indo muito bem? – perguntou Clark do seu assento no canto.
O operador sênior queria responder com uma frase desdenhosa, mas não o fez.
– Devem estar pensando que está acontecendo alguma coisa estranha. Não é bom que se descubram antes do tempo – explicou Clark ao outro técnico. acomodou-se e fechou os olhos. A noite ia ser muito longa: era melhor prolongar um pouco a sesta.
Pouco depois do entardecer, Chávez teve o que desejava. Começou a garoar, e as chuvas que vinham do Oeste pressagiavam uma tempestade. A equipe de solo instalou as tochas pirotécnicas – em muita maior quantidade que antes –, e, pouco depois, o avião chegou.
A chuva dificultava a visibilidade. Pareceu para Chávez que eles tiravam uma mangueira de combustível de dentro da cabana. Talvez houvesse depósitos de combustível e uma bomba manual lá dentro, mas a chuva o impedia de ver dessa distância. Houve outra novidade. O caminhão percorreu a pista e o condutor lançou dez tochas pirotécnicas a mais para assinalar a linha central. O avião decolou vinte minutos depois de chegar e Ramírez enviou a mensagem por seu transmissor via satélite.
– Tem o número de matrícula? – perguntou VARIÁVEL.
– Negativo – disse o capitão –. Chove muito, a visibilidade é uma merda. Mas decolou a vinte-cinquenta-um Lima, rumo Nor-Noroeste.
– Entendido. Câmbio e desligo.
Preocupado pela visibilidade reduzida, Ramírez enviou outra dupla de soldados ao posto de observação, mas dava no mesmo. Os guardas não apagaram as tochas pirotécnicas: deixaram que a chuva as apagassem. Pouco depois da decolagem, o caminhão partiu, e os dois guardas castigados pela chuva procuraram refúgio na cabana. Mais fácil, impossível, pensou.
Potro também estava aborrecido. Não se incomodava de ter que cumprir essa missão, só que esta não exigia muito. Além disso, só faltava para ele derrubar um só avião a mais para ser considerado um ás.
O piloto sabia que para os fins da missão era preferível capturá-los com vida...; mas, caralho, matar esses filhos da puta era uma alegria, embora não fosse difícil. Seu avião era projetado para combater contra os melhores aparelhos russos. Derrubar um “Beech” bimotor era tão difícil como ir de carro ao cassino de oficiais e tomar uma cerveja. Talvez essa noite fizesse algo diferente... mas, o que?
Era algo em que pensar enquanto orbitava o norte do canal de Yucatán, atrás do E-2C e fora das rotas aéreas habituais. Recebeu o aviso quase na hora prevista. Virou para o Sul e em dez minutos, avistou o alvo.
– Ao ataque – disse ao “Hawkeye”–. Alvo à vista.
Era outro bimotor, outro contrabandista de cocaína. O capitão Winters estava furioso pelo da noite anterior. Alguém tinha esquecido verificar o calendário de manutenção do “Eagle”, e esse pedacinho de merda falhou às quinhentas e três horas de voo, como o fabricante havia advertido. Era assombroso que pudessem calcular isso com tanta precisão. E que um avião de combate de tantos milhões de dólares ficasse inutilizado quando falhasse uma quinquilharia, diodo, chip ou o que merda que fosse... O sargento mecânico tinha-lhe dito que essa peça custava cinco dólares.
Bom, ali estava. Um bimotor, modelo “Beech Air King”. Voava sem luzes, a uma altitude muito abaixo da de cruzeiro.
Aí vamos nós, pensou Potro. Acendeu os refletores e efetuou sua primeira chamada de advertência.
Era um traficante, sem dúvida. Cometeu a estupidez de sempre: reduziu a potência, baixou os flaps e desceu abruptamente. Winters nunca tinha conseguiu superar o quarto nível de dificuldade nos vídeos games, mas era muito mais fácil derrubar um avião de verdade, e nem sequer tinha que colocar dinheiro na máquina... mas estava aborrecido.
Bom, esta vez vamos fazer diferente.
Manteve sua altitude e velocidade para ultrapassar o outro, verificou que todas suas luzes estivessem apagadas e efetuou uma volta fechada à esquerda. Seu radar de controle de fogo apontou para o “Air King”, que apareceu na tela infravermelha, conectada, igual ao resto do seu armamento, a uma câmara de vídeo.
Achou que conseguiu escapar, não é?
Agora vinha o melhor. A noite era realmente escura. Não havia estrelas nem lua, o céu aparecia coberto por uma densa capa de nuvens de tempestade. O “Eagle” era de cor cinza azulado, uma cor mais adequada para o voo noturno que o preto fosco. Ficava virtualmente invisível à noite. Sabia que os tripulantes do “Beech” olhavam a todos os lados para tentar avistá-lo. A todos os lados... menos para frente.
Voavam a dezessete metros de altura, a esteira de suas hélices levantava espuma a dois ou três metros das ondas. Nivelou o aparelho a trinta e cinco metros e a quinhentos nós de velocidade; depois, a mil e quinhentos metros do alvo, acendeu as luzes.
Aconteceu como tinha previsto. O piloto do “Beech”, atônito com os faróis que se dirigiam retos para ele, reagiu por instinto como qualquer outro piloto teria feito. Virou à direita, desceu abruptamente –
exatamente dezessete metros – e, depois de uma série de espetaculares cambalhotas, afundou no mar.
Talvez nem sequer tenha tido tempo para se dar conta de seu erro, pensou Potro ao acionar a alavanca de controle para ganhar altitude e lançar um último olhar. Esse sim que foi um golpe com estilo, pensou o capitão Winters quando retornava à base. os caras da CIA ficariam felizes. E melhor de tudo já era um ás. Não precisava disparar, só derrubar o inimigo.
XIII
FIM DE SEMANA SANGRENTO
Não era justo fazê-lo esperar, pensou Moira na quarta-feira à tarde, enquanto se dirigia para sua casa. E se ele não pudesse viajar? E se teria que o avisar com antecedência? E se por algum motivo não pudesse chegar?
Tinha que ligar para ele.
A Sra. Wolfe tateou a carteira a seu lado. A folha com o cabeçalho do hotel ficava no compartimento fechado com zíper. Ao tocá-la, sentia os números que queimavam sua pele. Tinha que ligar para ele.
O transito estava pesado. Alguém teve um pneu furado na ponte da Rua 14. Suas mãos suavam no plástico do volante: e se não pudesse viajar?
E os seus meninos? Já eram maiores, cuidavam-se sozinhos: o problema não era esse e sim como explicar para eles que sua mãe ficaria fora durante o fim de semana... Como diziam eles? Para “ir a farrear”. Sua mãe. O que iriam pensar? Não tinha ocorrido a ela que seu segredo horrível não era tão secreto, teria ficado atônita em saber que seus filhos, seus colegas, seu chefe, todos desejavam fervorosamente que ela fosse farrear. Moira Wolfe perdeu a revolução sexual por apenas um ano ou dois.
Chegou à noite de bodas com medo, paixão, esperança e sua virgindade nas costas, e estava convencida de que igual com seu marido.
Não podia ser de outra forma, porque nessa noite o tinham feito tudo muito mal. Mas, em três dias, já conheciam os rudimentos – o vigor juvenil e o amor o vencem tudo – e durante os vinte e dois anos seguintes sua relação floresceu.
A morte de seu marido tinha deixado um vazio em sua vida, como uma chaga que nunca se curava.
Ainda tinha junto a sua cama a última foto, tirada um ano antes de sua morte, em que consertava seu barco a vela. Já não era jovem, mostrava pneusinho na cintura, tinha perdeu o cabelo, mas conservava aquele sorriso. O que havia dito Juan? Olhe com amor e verá o amor retribuído. Que linda frase, pensou Moira.
Meu deus, o que diria Rich? Muitas vezes formulou essa pergunta. Fazia essa pergunta ao ver a foto antes de dormir, também a ver seus filhos quando entravam ou saíam da casa, com a esperança de que não suspeitassem nada, mas sabendo num nível inconsciente que era impossível que não desconfiassem. Que alternativa ela tinha? Dedicar-se ao luto...; por sorte, esse costume tinha sido enterrado. Já tinha levado luto bastante tempo.
Tinha chorado em sua cama ao lembrar-se de alguma frase, nos aniversários dessas datas que adquirem um significado especial ao longo de vinte e dois anos em que duas vistas se fundem em uma e, às vezes, ao contemplar essa foto de Rich no barco que tinham comprado com tanto sacrifício...
O que esperam de mim?, perguntou-se, angustiada. Tenho uma vida para viver. Tenho minhas necessidades.
O que diria Rich?
Ele não teve tempo para dizer nada. Morreu quando para o trabalho, dois meses depois de um controle médico de rotina em que lhe haviam dito que devia perder alguns quilos, que tinha hipertensão arterial um pouco alta embora não fosse para preocupar-se, que o nível de colesterol não estava mal para um homem de quarenta e tantos e que fizesse um novo exame ao fim de um ano. Nessa manhã, exatamente às 7:39, seu carro se saiu da pista e subiu o meio-fio e se parou junto ao trilho de contenção.
Um Policial, a uma quadra do lugar, perguntou-se como era possível que as pessoas se embebedassem a essa hora da manhã, mas ao aproximar-se verificou que ele não tinha pulso. Chamou uma ambulância, que ao chegar encontrou o agente lhe fazendo uma massagem cardíaca na hipótese de um enfarte. Os paramédicos chegaram à mesma conclusão e agiram de acordo, mas não houve nada a se fazer. Era um aneurisma cerebral. O médico que realizou a autópsia explicou que rompeu a parede de um vaso sanguíneo. Ninguém poderia salvá-lo. E por que...? Talvez era um problema hereditário, ou possivelmente não. A pressão arterial não tinha nada a ver com isso. Era quase impossível de diagnosticar. Tinha sofrido enxaquecas? Nem sequer isso? O médico se afastou em silêncio, lamentando não poder lhe dizer algo mais, frustrado porque a medicina não conhecia todas as respostas e não era muito o que podia dizer. (essa coisas acontecem, comentavam os médicos entre si, mas não podiam dizer isso aos familiares.) Não tinha sofrido, assegurou-lhe o médico sem saber se era verdade ou não, mas isso já não tinha importância, de maneira que, para consolar, disse-lhe que esse tipo de morte era rápida e indolor. Depois, o enterro. Emil Jacobs estava presente, como em uma antecipação da morte de sua esposa; ela mesma tinha saiu do hospital para assistir o enterro junto com seu marido, que deixaria pouco depois. Tantas lágrimas...
Não era justo. Ele tinha saído esse dia quase sem despedir-se, com um beijo rápido, com sabor a café, dizendo que passaria pelo supermercado antes de voltar para casa, e ela nem sequer o acompanhou à porta como costumava fazer. Essa ideia a tinha angustiado durante meses.
O que diria Rich?
Mas Rich estava morto, e dois anos era um longo tempo mais que suficiente.
Quando chegou em casa, os meninos tinham preparado o jantar. Foi a seu quarto trocar-se e seu olhar posou no telefone junto à cama. Sobre a mesa de cabeceira, onde estava a foto de Rich. sentou-se na cama e olhou nos olhos dele, mas passaram alguns minutos antes de que pudesse fazê-lo.
Tirou a folha de papel, tomou fôlego e começou a discar o número. Escutou os ruídos próprios de uma chamada internacional.
– Diaz e Diaz – disse uma voz.
– Por favor, pode-me comunicar com Juan Diaz? – perguntou Moira à mulher.
– Quem deseja, por favor? – perguntou a voz, agora em inglês.
– Sou Moira Wolfe.
– Ah, senhora Wolfe! Sou Consuelo. Um momento, por favor. – Durante um minuto só escutou rangidos – . Senhora Wolfe, ele está percorrendo a fábrica. Não o encontro. Quer que eu lhe chame quando ele voltar?
– Sim. Estou em casa.
– Sim, direi a ele. Senhora...
– Pode falar.
– Me perdoe, quero lhe dizer algo. Desde que Maria morreu... bom, o senhor Juan é como um filho para mim. Desde que conheceu você, voltou a ser feliz. Pensei que jamais voltaria a... bem, por favor, não diga nada a ele, mas quero lhe agradecer pelo bem que lhe faz ao senhor Juan. Aqui, no escritório, rezamos para que vocês dois encontrem a felicidade.
Era justamente o que precisava ouvir.
– Consuelo, Juan me falou que você é maravilhosa. Por favor, me chame Moira.
– Já falei muito. Encontrarei o senhor Juan, em qualquer lugar que esteja.
– Obrigado, Consuelo. Adeus.
Consuelo, que em realidade se chamava Maria – e tinha emprestado o nome à esposa morta de Félix (Juan) – tinha vinte e cinco anos e um título de secretária de uma escola local. Para melhorar sua situação econômica, transportou drogas para os Estados Unidos, via Miami e Atlanta, até que numa ocasião esteve a ponto de ser presa e resolveu mudar de ofício. Agora realizava alguns trabalhos para seus antigos patrões uma vez que tinha seu próprio comércio nos subúrbios de Caracas. Ele pagavam para ela cinco mil dólares por semana para receber chamadas. Melhor dizendo, esse era a só a metade do trabalho. A outra metade do trabalho, era ligar para Felix. Uma série de ruídos estranhos na linha confirmaram sua suspeita de que sua chamada era transferida para outro número que ela desconhecia.
– Olá.
– Senhor Diaz, fala Consuelo.
– Pode falar.
– Moira acaba de chamar. Pede que a telefone para sua casa.
– Obrigado. – cortou a comunicação.
Cortez olhou seu relógio. Deixaria passar... vinte e três minutos. Vivia num luxuoso apartamento em Medellín, na mesma quadra de casas que seu patrão. Seria essa a chamada que esperava? Lembrava-se de quando era um jovem oficial de Inteligência, era difícil ser paciente, mas tinha passado muitos anos.
Voltou para os papéis.
Vinte minutos depois, voltou a olhar a hora, acendeu um cigarro e contemplou a marcha dos ponteiros. Perguntou-se como seria a espera dela, a três mil quilômetros dali. No que pensava? Quando o cigarro estava consumido pela metade, considerou que já era hora de verificar isso. levantou o auricular e discou o número.
Foi Dave quem atendeu a ligação:
– Olá. – Franziu a sobrancelha – . A ligação está muito ruim, poderia repetir, por favor? Ah, sim, um momento. – voltou-se; e deparou com os olhos de sua mãe que estavam cravados nele – . É para você.
– Irei para meu quarto – disse ela, e foi à escada tentando de não precipitar-se.
Dave tampou o receptor com a mão.
– Adivinhe quem é.
– Os meninos se olharam e sorriram.
Dave escutou a voz de sua mãe na extensão e cortou com suavidade. Boa sorte, mamãe.
– Moira, sou eu Juan.
– Está livre este fim de semana?
– Este fim de semana? Está certa?
– Estou livre de sexta-feira ao meio dia até segunda-feira pela manhã.
– Deixe-me ver... deixe-me pensar... – A três mil quilômetros dali, Cortez olhou pela janela o edifício em frente. Não seria uma armadilha? E se a Divisão de Inteligência do FBI..., e se tudo era...?
Não, claro que não – . Moira, tenho que falar com alguém. Pode esperar um momento na linha?
– Claro!
O entusiasmo de sua voz era inconfundível. Tampou o bocal do telefone e a fez esperar dois minutos.
– Chegarei a Washington na sexta-feira a tarde.
– Chegará na hora... bem a tempo.
– Onde nos encontraremos? Já sei, no aeroporto. Pode me esperar no aeroporto?
– Sim.
– Não sei em que voo viajarei. Esperarei você no... na locadora de veículos “Hertz” às três. Estará ali?
– Sim estarei.
– E eu também, Moira. Até lá então, meu amor. Moira Wolfe olhou a foto mais uma vez. O sorriso não era acusador.
Cortez se levantou e saiu do escritório. O guarda ficou em pé.
– Vou ver o Jefe – disse sem preâmbulos. O guarda pegou seu telefone celular para fazer uma chamada.
Os problemas técnicos eram complexos. O mais elementar era o da potência. As estações de base emitiam uns quinhentos watts, mas rádios portáteis emitiam menos de sete, e os aparelhos manuais a bateria que às pessoas gostam tanto, usavam trezentos miliwatts. Por mais que se tivesse com uma gigantesca antena parabólica, os sinais eram como sussurros. Mas o “Rhyolite-J” era um instrumento extremamente complexo, o produto de um investimento de milhões de dólares em pesquisa e desenvolvimento. O problema era resolvido, em parte, com a eletrônica super-refrigerada, e, em parte, com vários computadores. Um computador bem simples transformava os sinais recebidos num código digital de uns e zeros e as transmitia a Fort Huachuca, onde outro, muito mais poderoso, estudava os fragmentos de informação brutos e tentava lhes achar algum significado. Para eliminar os ruídos gerados ao acaso, um método – um algoritmo – matematicamente simples de repetições sucessivas comparava os fragmentos e mediante um processamento de valores numéricos médios eliminava mais de 90 por cento do ruído de fundo. Depois, o computador extraía uma conversação inteligível da informação recebida por satélite. Mas isso era apenas o primeiro passo.
O Cartel utilizava telefones celulares para suas comunicações cotidianas, por razões de segurança.
Eram umas seiscentas frequências diferentes, todas na banda UHF, de 825 a 845 e de 870 a 890 mega-hertz. Para completar uma comunicação, o computador na estação de base escolhia uma das frequências disponíveis ao acaso e era capaz de passar a outra se a comunicação falhasse. podia-se utilizar a mesma frequência para estabelecer diversas comunicações simultâneas em “células” (daí o nome do sistema) vizinhas da mesma rede global. devido a esta característica, nenhuma força policial do mundo era capaz de vigiar as comunicações efetuadas num sistema celular. podiam-se efetuar todo tipo de comunicações sem necessidade de recorrer ao emprego de um código.
Ou isso se acreditava, pelo menos.
O Governo americano tinha começado a interceptar as comunicações de rádio estrangeiras da época da célebre Câmara Negra de Yardley. Não havia melhor fonte de informação que as palavras do inimigo a sua própria tropa, o que no jargão técnico se chamava comint ou sigint, as siglas de intercepção de comunicações ou de sinais. Os Estados Unidos tinha um grande desenvolvimento nesse campo. Tinha lançado constelações inteiras de satélites para espionar as nações do mundo, interceptar transmissões de rádio e sinais emitidos por torres de micro-ondas. Quase todos esses sinais estavam cifrados, por isso eram processadas no quartel geral da Agência Nacional de Segurança, situado em Fort Meade, Maryland, entre Washington e Baltimore, cujos vastos porões alojam os maiores computadores do mundo.
Rastreava-se constantemente as seiscentas frequências utilizadas pelo sistema telefônico celular de Medellín. Essa tarefa, irrealizável para qualquer força policial do mundo, era relativamente simples para a NSA, que vigiava constantemente dezenas de milhares de canais eletrônicos de todo o tipo. Essa agência é muito maior que a CIA, mais secreta e com um orçamento maior. Tem uma estação de recepção em Fort Huachuca, Arizona. Ali há um supercomputador, um brilhante Cray conectado por cabos de fibra óptica aos centros móveis de comunicação. Cada centro cumpre funções que outros desconhecem.
A segunda tarefa era pôr em funcionamento o computador. O Governo conhecia os nomes e as identidades de muitos chefes do Cartel. Os programadores tinham utilizado as vozes registradas para elaborar um algoritmo capaz de reconhecê-las em qualquer das frequências celulares. Depois tinham identificado às vozes de quem os chamava. O computador era capaz de reconhecer e identificar mais de trinta vozes e o número aumentava dia a dia. Às vezes, a falta de potência dificultava a identificação, e era inevitável que algumas comunicações se perdessem, mas o chefe técnico calculava que interceptavam 60 por cento, e que, com a ampliação da base de dados, chegariam rapidamente aos 85 por cento.
Identificavam as vozes não relacionadas com os nomes conhecidos por meio de números. A voz 23
acabava de chamar à voz 17. Vinte e três era um guarda de segurança. Identificaram-no porque chamou 17, guarda-costas do Sujeito Eco, o nome dado pela equipe comint a Escobedo. “Ele está indo para ai”: isso foi tudo o que interceptaram. Não sabiam quem ia ver nem o porquê, era uma voz não registrada, ou não identificada, ainda. Os especialistas eram pacientes.
Esse caso avançou mais rápido que o esperado. O alvo tinha uma grande organização, mas nem sonhava que pudessem interceptar suas comunicações, e, por isso, não tomava precauções para essa eventualidade. Em menos de um mês, a equipe comint teria conhecimento suficiente sobre o alvo para poder obter todo tipo de relatórios táticos úteis. Era questão de tempo. Os técnicos se perguntavam quando começariam as operações. A operação sigint sempre precedia ao envio de tropas ao teatro dos acontecimentos.
– O que está acontecendo? – perguntou Escobedo sem preâmbulos.
– O diretor do FBI viaja amanhã a Bogotá. Sai de Washington um pouco depois de meio-dia, numa viagem secreta. Eu diria que usarão um avião oficial, da esquadrilha da Base Aérea Andrews. Haverá um plano de voo dissimulado. O voo se acontecerá entre as dezesseis e as vinte. Diria que será um bimotor executivo, talvez o G-3, embora possa ser outro. Vem a se reunir com o ministro da Justiça, certamente para discutir questões de grande importância. Vou a Washington, a ver o que posso averiguar. Partirei dentro de três horas, num voo para o México.
– Vejo que sua fonte é muito boa – disse Escobedo, sem poder ocultar sua admiração.
– Sim, chefe – sorriu Cortez– . Espero me inteirar do que vão falar. Não posso lhe prometer nada, mas tentarei.
– Uma mulher – comentou Escobedo– . Jovem e formosa, sem dúvida.
– Se você o disse. Bom, já vou.
– Desfrute o fim de semana, coronel. Eu também desfrutarei.
Menos de uma hora depois, um telex lhe informou que o avião correio da noite anterior não chegou a seu destino, no Sul da Geórgia. A satisfação por ter recebido essa informação secreta se transformou em raiva. O chefe pensou em chamar Cortez pelo telefone celular, mas lembrou que seu empregado se negava a discutir questões importantes por uma linha que considerava “insegura”. Escobedo balançou a cabeça: esse coronel do DGI parecia uma velha. Nesse momento, o telefone do chefe tocou.
– Sinal – disse um homem no caminhão, a três mil quilômetros daí.
VOZ IDENT, anunciou a tela de seu terminal: SUJEITO BRAVO EMI CHAMADA AO SUJEITO
ECO FREC 848.970 MHz CHAMADA INI 2349Z INTERCEP IDENT 345.
– Parece que temos nosso primeiro acerto, Tony.
O técnico, batizado Antonio, de quarenta e sete anos, colocou os auriculares. A conversa era gravada em fita de alta velocidade, na verdade, em videotape de três quartos de polegada devido ao tipo de sistema empregado para interceptar o sinal. Esta ficava registrada em quatro aparelhos, todos comerciais de marca “Sony” com algumas modificações realizadas pela equipe técnica da Agência.
– Ahá! Parece que o señor Bravo está um pouco zangado – disse Tony ao escutar um fragmento da conversa – . Avise a Meade que por fim temos um home run (No jogo de beisebol, batida que permite que um jogador faça uma volta completa no campo de jogo). – Esse era o termo que usavam na NSA para indicar uma interceptação muito importante. A temporada de beisebol estava para de começar.
– Tem bom sinal?
– Claro como água. Merda, por que alguma vez me ocorreu comprar ações da TRW? – Antonio reprimiu uma gargalhada – : Merda, ele está bem furioso!
A comunicação durou apenas dois minutos. Tony conectou a entrada de seus auriculares a um dos gravadores e deslizou sua cadeira para uma teleimpresora, onde começou a escrever.
R FLASH
Top SECRET ***** CAPER
2358Z
RELATÓRIO SIGINT
INTERCEP 345 INI 2349Z FREC 836.970 MHz
EMI: SUJEITO BRAVO
RECEP: SUJEITO ECO
B: PERDEMOS OUTRO CARREGAMENTO (AGITAÇÃO)
E: O QUE ACONTECEU?
B: O MALDITO NÃO APARECEU. O QUE TE PARECE? (AGITAÇÃO)
E: ESTÃO FAZENDO ALGO DIFERENTE, COMO EU TE DISSE. ESTAMOS TENTANDO
AVERIGUAR.
B: QUANDO NÓS SABEREMOS?
E: ESTAMOS TRABALHANDO NISSO. NOSSO HOMEM VAI A WASHINGTON PARA VER
O QUE PODE DESCOBRIR. MAS HÁ ALGO MAIS.
B: O QUE? (AGITAÇÃO)
E: PROPONHO QUE NOS REUNAMOS AMANHÃ PARA DISCUTIR ISSO.
B: A REUNIÃO ORDINÁRIA É NA TERÇA-FEIRA.
E: MAS ISTO É IMPORTANTE. TODOS DEVEM TOMAR CONHECIMENTO, PABLO.
B: NÃO PODE ME ADIANTAR NADA?
E: OS NORTE-AMERICANOS ESTÃO MUDANDO AS REGRAS DO JOGO. O QUE AINDA NÃO SABEMOS É COMO AS ESTÃO MUDANDO.
B: E PARA QUE PAGAMOS A ESSE CUBANO RENEGADO? (AGITAÇÃO)
E: ESTÁ FAZENDO UM TRABALHO EXCELENTE. TALVEZ DESCUBRA ALGO MAIS EM
SUA VIAGEM A WASHINGTON, MAS O TEMA DA REUNIÃO SERÁ O QUE DESCOBRIU ATÉ
AGORA.
B: ESTÁ BEM, CONVOCAREI A REUNIÃO.
E: OBRIGADO, PABLO.
R FIM CHAMADA. SINAL DESCONECTADO. FIM DA INTERCEPTAÇÃO.
– Que diabos significa “agitação”?
– É que não posso escrever “está de mau humor” numa mensagem oficial – disse Antonio – Isso é importante. trata-se de informação operacional.
Apertou o botão transmissor de seu terminal, que enviou o sinal a um destino desconhecido para os técnicos do caminhão. Só sabiam que lhe correspondia a palavra chave CAPER.
Bob Ritter se dirigia para sua casa, mas depois de percorrer apenas alguns quilômetros pela autoestrada George Washington recebeu uma chamada no telefone celular.
– Sim?
– Mensagem de CAPER – disse a voz.
– Muito bem – disse o subdiretor adjunto no comando das operações. Reprimiu um suspiro. –
Vamos voltar – disse ao seu motorista.
– Sim, senhor.
Embora se fosse um alto funcionário da CIA, voltar significava encontrar a forma de pegar a autoestrada em sentido contrário e marcar passo no transito engarrafado da hora do rush, que em sua majestosa lentidão impõe uma velocidade de trinta quilômetros por hora a ricos, pobres e VIP igualmente.
O sentinela abriu o portão e cinco minutos depois estava em seu escritório. O juiz Moore já tinha saído. Só quatro oficiais de serviço conheciam a operação. Era o número mínimo requerido para esperar e avaliar os sinais. O oficial do turno acabava de assumir seu posto. Entregou a mensagem.
– Parece importante – disse.
– E é. Cortez, nada menos – disse Ritter depois de olhar rapidamente.
– Sim, tem que ser ele.
– E viaja para cá... mas não conhecemos seu rosto. Se o FBI tivesse fotografado ele em Porto Rico...
Conhece a descrição?
– Cabelo negro ou castanho. Estatura e textura médias, às vezes usa bigode. Não tem sinais visíveis
– disse o oficial de cor. Não era difícil memorizar nada, já que era o que se sabia sobre Félix Cortez.
– Quem é seu contato no FBI?
– Tom Burke, um oficial de Inteligência de hierarquia média. Um bom agente. Resolveu o caso Henderson.
– Bom, passe o relatório. Talvez eles descubram a maneira de caçar esse filho da puta. Algo mais?
– Não, senhor – negou Ritter, e foi para casa pela segunda vez.
O oficial de serviço subiu a seu escritório, no quinto andar, para chamar o FBI. Teve sorte: Burke estava no seu escritório. Claro que não podiam falar do assunto por telefone. O oficial da CIA, Paul Hooker, foi ao edifício do FBI, na esquina da Décima com a Pennsylvania.
Embora a CIA e o FBI disputem casos de espionagem e recursos do orçamento federal, seus empregados mantém mútua colaboração no trabalho; lançam dardos afiados, mas no fundo amistosos.
– Vem um turista, aqui, à capital – disse Hooker uma vez instalados.
– Quem é? – perguntou Burke, enquanto apontava a cafeteira.
Hooker balançou a cabeça ao mesmo tempo que dizia: “Félix Cortez”. entregou a ele uma fotocópia do telex. Algumas frases estavam tachadas com tinta preta. Certamente, Burke compreendeu. Como agente da Divisão de Inteligência, encarregada de perseguir os espiões, conhecia o princípio de “saber só o necessário”.
– Vocês acham que é Cortez – disse o agente do FBI, e sorriu – . Claro que eu não apostaria o contrário. Se tivéssemos uma foto do sujeito, poderíamos apanhá-lo. Mas, enfim... – suspirou – . Porei vigilância nos aeroportos de Dulles, National e BWI. Faremos o possível, embora tenhamos todas as probabilidades contra. – Se a CIA o tivesse fotografado quando atuava sobre no terreno ou quando estudava na Academia da KGB, nosso trabalho seria muito mais fácil...
– Acho que virá nos próximos quatro dias. Verificaremos todos os voos diretos e os transbordos.
Era um problema quase matemático. Não havia muitos voos diretos da Colômbia, Venezuela, Panamá e países vizinhos à zona de Washington. Mas se o sujeito fazia transbordo em Porto Rico, nas Bahamas, no México ou qualquer uma das várias dezenas de cidades, entre elas as americanas, esse número se multiplicava por dez. Se fizesse uma ou mais escala intermediarias dentro dos Estados Unidos, o número de voos possíveis era da ordem de várias centenas.
Cortez, um profissional treinado pela KGB, também sabia. A tarefa não era impossível. A Polícia sempre procura pelo golpe de sorte, porque até o adversário mais hábil pode ser vítima da má sorte ou de um descuido. Assim era nesse caso. A única esperança era um golpe de sorte.
Mas não tiveram sorte. Cortez voou pela Avianca até a Cidade do México, dali comprou uma passagem para o voo Dallas-Fort Worth, pela American Airlines, onde passou por migrações e transbordou para outro voo a Nova Iorque. Ali se hospedou no hotel “St. Moritz”, na zona do Central Park. Eram três da manhã, estava exausto. Pediu que despertassem as dez e lhe reservassem uma passagem de primeira classe no trem Metroliner das onze para a Union Station de Washington. Sabia que havia telefone a bordo desse trem. Poderia chamá-la se surgisse algum inconveniente. Ou talvez... não, não a chamaria no trabalho; certamente o FBI interceptava seus próprios telefones. A última coisa que fez antes de tombar na cama foi destruir a passagem de avião e os talões de bagagem.
O Despertaram às 9:56. Quase sete horas de sono, pensou. Eram como sete segundos, mas não tinha tempo para vadiar. Meia hora depois, desceu na gerencia, entregou o formulário e recebeu a passagem de trem. Esteve a ponto de perdê-lo devido ao transito habitual de Manhattan, mas chegou e ocupou um lugar na última fila no vagão para fumantes. Uma rapaz sorridente, de colete vermelho, ofereceu-lhe uma xícara de café descafeinado e o jornal USA Today. O café da manhã foi similar ao que teriam servido num avião, embora um pouco mais quente. antes de chegar a Filadélfia dormiu.
Tinha necessidade de descansar. O rapaz que foi recolheu a bandeja observou o sorriso do passageiro dormindo e se perguntou o que estaria sonhando.
A uma, quando o Metroliner 111 entrava em Baltimore, acenderam-se os refletores da televisão na sala de Imprensa da Casa Branca. Os jornalistas já tinham sido avisados “por uma fonte, geralmente bem informada” que o ministro da Justiça efetuaria um anúncio importante relacionado com o narcotráfico. As grandes cadeias não interromperam as novelas da tarde – não se podia cortar impunemente “Meu pecado foi te amar” – , mas a CNN montou imediatamente sua operação de “relatório especial”. O fato não passou despercebido para o Centro Nacional de Comando Militar no Pentágono, cujos oficiais de Inteligência tinham os televisores sintonizados sempre nessa cadeia de notícias por cabo. Era uma situação muito reveladora da capacidade das agências de Inteligência para manter informado de seu Governo, mas as grandes cadeias não a comentavam por razões evidentes.
O Ministro da Justiça se dirigiu ao estrado com passo vacilante. Apesar de sua experiência, não era bom orador, já que tinha como especialidade a assessoria de empresas e de campanhas políticas.
Entretanto, era um homem fotogênico e elegante, sempre disposto a dar um furo quando havia poucas notícias: daí a avaliação que gozava entre os meios de comunicação.
– Senhores jornalistas – disse, vasculhando entre seus apontamentos – , vocês receberão uma sinopse referente à Operação TARPÓN. É a mais eficaz operação, até a presente data, contra o Cartel internacional do narcotráfico. – levantou os olhos e tentou ver os rostos dos jornalistas à frente do clarão das luzes – . Investigações realizadas pelo FBI por ordem deste Ministério permitiram a identificação de uma série de contas bancárias, aqui e no exterior, utilizadas para a lavagem de dinheiro numa escala sem precedentes. As contas estão depositadas em vinte e nove Bancos, de Liechstenstein a Califórnia, e as somas depositadas superam, de acordo com os últimos cálculos, os seiscentos e cinquenta milhões de dólares. – levantou os olhos novamente ao escutar um “merda!” em meio à multidão. Sorriu. Não era fácil surpreender os jornalistas credenciados na Casa Branca. Uma rajada de flashs iluminava mais ainda a cena.
Em colaboração com seis Governos estrangeiros, tomamos medidas necessárias para expropriar esses recursos, assim como oito joint ventures de investimento d bens de raízes dentro do país que constituíam o meio principal da lavagem de dinheiro. Em resumo: está enquadrado em extorsão e associação ilícita.
Cabe ainda resaltar que muitos investidores inocentes depositaram seus recursos nesta operação; ditos recursos legais não, repito, não, serão afetados pela ação legal. Foram vítimas do dolo perpetrado pelo Cartel e seu dinheiro lhes será reintegrado.
– Desculpe-me – interrompeu o jornalista do Associated Press – : O senhor disse seiscentos e cinquenta milhões de dólares?
– Perfeitamente, embora possa ser uma soma maior. – O ministro prosseguiu com uma descrição geral da operação, mas não explicou como conseguiram a pista nem os métodos empregados para rastrear o dinheiro – . Como vocês sabem, temos tratados com vários Governos para casos como este. Os recursos do narcotráfico, depositados em Bancos estrangeiros, serão expropriados pelos Governos correspondentes. Por exemplo, nos Bancos suíços há aproximadamente... – consultou seus apontamentos
– ...parece que uns duzentos e trinta e sete milhões de dólares que passam a poder do Governo suíço.
– Quanto disso corresponde aos EUA? – perguntou o repórter do Washington Post.
– Ainda não sabemos. É uma operação tão complexa... a auditoria vai levar várias semanas.
– O que nos pode dizer da colaboração dos Governos estrangeiros? – perguntou outro jornalista.
Não faça perguntas óbvias, pensou o colega vizinho.
– A colaboração que recebemos supera todos os elogios. – O ministro sorriu, encantado – : Nossos amigos de além-mar agiram com grande rapidez e profissionalismo.
Roubar semelhante soma e anunciar publicamente que se faz pelo bem da sociedade é algo que não acontece todos os dias, pensou jornalista silencioso.
CNN é um serviço mundial. A transmissão foi recebida na Colômbia por dois homens cujo trabalho consistia em seguir os noticiários americanos. Eram jornalistas da cadeia colombiana “Inravisión”. Um deles saiu da sala de controle, efetuou uma chamada Telefônica e retornou.
Tony e seu companheiro voltaram para seu caminhão de comunicações para encontrar um telex preso à parede: previa-se que receberiam sinais do circuito telefônico celular ao redor das 18, hora Zulu.
A previsão se cumpriu.
– Poderemos falar com o diretor Jacobs sobre o tema? – perguntou um jornalista.
– O diretor Jacobs lida com o caso, mas não pôde assistir a esta conferência – disse o ministro – . O
fará isso na a semana que vem; mas, neste momento, ele e seus assessores estão muito ocupados. – Com essa afirmação não violava nenhuma regra. Dava a impressão de que Emil se encontrava na cidade, e os jornalistas, que interpretaram corretamente as palavras e o tom do ministro, deixaram-no passar. Na verdade, o avião de Emil havia partido da Base Aérea Andrews vinte e cinco minutos antes.
– Madre de Dios! – exclamou Escobedo. Logo que terminou a conversa banal que precede sempre a um conclave de assassinos. Todos os membros do Cartel se achavam reunidos no mesmo lugar, o que era incomum. Embora o edifício estivesse rodeado por um verdadeiro exercito de guardas, preocupavam-se com sua segurança.
O edifício tinha uma antena parabólica que recebia o sinal doa CNN. A reunião, convocada para discutir certos problemas que surgiram nas operações de contrabando, viu-se obrigada a abordar temas muito mais graves. O mais preocupado deles era Escobedo, já que esse plano de lavagem de dinheiro tinha sido ideia sua e de outros dois membros do Cartel. Durante os dois anos anteriores, a eficácia do sistema tinha lhe granjeado os elogios de seus colegas; mas, nesse momento, os olhares não eram animadores.
– Não podemos fazer nada? – perguntou alguém.
– Ainda não sabemos – respondeu o membro do Cartel que cumpria funções de encarregado de finanças –. Lembrem-se que o dinheiro arrecadado por meio deste sistema é quase o equivalente dos nossos lucros normais. Por isso se pode dizer que perdemos apenas o que esperávamos ganhar com estes investimentos. – Era uma explicação pouco convincente, inclusive para ele.
– Acredito que não devemos tolerar novas interferências – disse Escobedo com energia – . O diretor dos federais dos Estados Unidos chegará hoje a Bogotá.
– Ah, sim? Como você soube?
– Cortez. Como eu disse a vocês, os serviços dele são valiosos. Eu convoquei esta reunião para dar a vocês as informações reunidas por ele.
– Isto é inaceitável – interveio outro membro – . Devemos agir com energia.
Todos assentiram. O Cartel não aprendeu que jamais devem ser tomadas decisões importantes nos momentos de raiva, mas entre os pressente não havia ninguém capaz de aconselhar um pouco de prudência. Por outro lado, essa não era uma qualidade própria desses homens.
O trem Metroliner 111 chegou a 1.48, um minuto antes de seu horário normal. Cortez pegou suas malas e se dirigiu ao ponto de táxis em frente à estação. O taxista sorriu com prazer quando o passageiro pediu que o levasse a aeroporto Dulles. Foi uma viagem de meia hora em que ele ganhou o que para o Cortez era uma gorjeta adequada: dois dólares. Subiu ao andar superior, virou à esquerda, desceu a escada rolante e procurou o balcão de “Hertz”. Alugou um “Cevy” grande, e colocou as malas no bagageiro.
Quando voltou, eram quase três. Moira chegou bem a tempo. Abraçaram-se. Não gostava dos beijos em público.
– Onde você estacionou?
– No estacionamento exterior. Deixei minha bagagem lá.
– Vamos buscá-la.
– Aonde você vai me levar?
– Há um lugar em Skyline Drive onde a “General Motores” costuma realizar reuniões importantes.
Os chalés não têm telefone nem televisão, e não há jornais.
– Conheço o lugar! Como conseguiu vaga com tão pouca antecedência?
– Reservei uma suíte todos os fins de semana desde última vez que nos vimos – disse Cortez. Era a verdade. Bruscamente se deteve – . Você acha que... cometi uma imprudência? – A essas alturas, as vacilações lhe saíam com toda naturalidade.
– Não, absolutamente – disse Moira, e agarrou no seu braço.
– Vejo que teremos um longo fim de semana.
Poucos minutos depois entravam na estrada 66 para os Montes Blue Ridge.
Quatro oficiais de segurança da Embaixada vestidos com roupa de trabalho dos empregados de manutenção do aeroporto deram um último olhar a seu redor; depois, um deles conectou um complexo radio-telefone e deu a autorização.
O VC-20A, versão militar do jato de empresa G-III, enviou um sinal comercial em seu radiofarol, e às 17:39 aterrissou no Aeroporto Internacional El Dorado, a uns quinze quilômetros de Bogotá. A diferença da maior parte dos VC-20A da 89ª Divisão de Transporte Aéreo Militar com base no aeroporto Andrews, este aparelho estava adaptado para as zonas de alto risco, com equipamento especial, inventado pelos israelenses, para desviar mísseis terra-ar lançados por terroristas... ou empresários. O avião virou, efetuou uma aterrissagem perfeita contra os ventos suaves do Este e deslizou até o extremo do terminal de carga, onde vários carros e jipes o aguardavam. A identidade da máquina tinha deixado de ser um segredo para qualquer que se tivesse o trabalho de olhar bem. Apenas parou e os jipes se enfileiraram no seu lado esquerdo. Um pelotão de soldados entrou em formação e suas armas automáticas apontavam para ameaças que podiam ser reais ou não. A porta abriu e a escada desceu. O primeiro homem que desceu por ela saltou diretamente em terra com uma mão oculta sob o paletó. Foi seguido por outro guarda. Eram agentes especiais do FBI cuja missão era velar pela segurança física de seu chefe, o diretor Emil Jacobs.
Estavam rodeados pelo círculo de soldados, todos de uma unidade de contra terrorismo do Exército colombiano. As medidas de segurança nesse país não tinham nada de rotineiras: muitas pessoas morreram.
Depois Jacobs desceu, seguido por seu ajudante e por Harry Jefferson, titular da DEA. Nesse momento, a limusine do embaixador estacionou o que não demorou muito tempo. O embaixador desembarcou para receber seus hóspedes, mas todos subiram no veículo em menos de um minuto. Os soldados ocuparam seus lugares nos jipes, que rodearam o carro oficial. O chefe da tripulação fechou a porta do avião “Gulfstream”, e o VC-20A, cujas turbinas não pararam em nenhum momento, iniciou seu percurso prévio para a decolagem. Seu destino era a pista aérea de Granada, que os cubanos tinham tido a amabilidade de construir uns anos antes. Era mais fácil vigiá-lo ali.
– Teve boa viagem, Emil? – perguntou o embaixador.
– Cinco horas, bem confortável – disse o diretor. Acomodou no assento de veludo. O veículo estava cheio. No assento dianteiro iam o condutor e o guarda-costas do embaixador. Por isso, haviam quatro metralhadoras no automóvel, e Harry Jefferson levava uma pistola automática.
Jacobs jamais tinha usado uma arma, nem nunca quis isso. Além disso, se seus dois guarda-costas e seu ajudante – um excelente atirador – não fossem capazes de protegê-lo, de nada lhe serviria levar uma arma. Jacobs não era um homem de uma valentia excepcional, mas depois de quarenta anos a enfrentar criminosos de todo tipo – a máfia de Chicago o tinha ameaçado – , estava farto das medidas de segurança.
Terminou por se adaptar ao perigo. Era parte do cenário, como a cor da parede, e já nem sequer percebia sua presença.
Percebeu o problema da altitude. Bogotá ocupa um platô a 3.400 metros do nível do mar, entre montanhas muito altas. O ar era escasso. perguntou-se se o embaixador tinha se acostumado. Nem os ventos invernais gélidos do lago Michigan nem a umidade de verão de Washington eram tão incômodos.
– Amanhã as nove, não? – perguntou.
O embaixador assentiu.
– Acredito que vão nos dar a cooperação que pedirmos.
Obviamente, o embaixador não conhecia o motivo da reunião. Não gostava disso. Fora encarregado de negócios em Moscou, onde a segurança era menos rígida que na Colômbia.
– Esse não é o problema – disse Jefferson –. Quero dizer, depois de tantos juízes e policiais mortos, quem pode duvidar disso? A questão é se farão o que queremos.
O que nós faríamos nas mesmas circunstâncias? – murmurou Jacobs, e desviou a conversa para temas menos perigosos– . A verdade, não fomos bons vizinhos.
– Em que sentido? – perguntou o embaixador.
– Quero dizer, cada vez que foi conveniente a nossos interesses, permitimos que estes países fossem governados por assassinos. Cada vez que a democracia estava para florescer, dávamos um passo de lado, e inclusive nos queixávamos se suas ideias não eram como as nossas. E agora que os traficantes ameaçam seus Governos devido ao produto que nossos cidadãos consomem... jogamos neles a culpa .
– É difícil arraigar a democracia nestes países – disse o embaixador – . Os espanhóis não eram muito partidários de...
– Se tivéssemos feito com nosso dever a cem anos, ou cinquenta, hoje não teríamos tantos problemas. Já que não o fizemos então, façamos isso agora.
– Se tiver alguma sugestão, Emil...
Jacobs riu.
– Merda sou policial, ou advogado, Andy. Em todo caso, não sou diplomata. Esse é seu campo.
Como está Kay?
– Muito bem.
O embaixador Andy Westerfield não perguntou como estava Mrs. Jacobs. Sabia que Emil enterrara a sua esposa nove meses antes, depois de uma dura batalha contra o câncer. Sofreu muito, mas restavam as boas lembranças de Ruth. E um trabalho que o mantinha muito ocupado. Isso era importante, sobre tudo para alguém como Jacobs.
No terminal, um homem tirava fotos há duas horas com uma “Nikon” de 35 milímetros e lente telescópica. Quando a limusine e sua escolta abandonaram o aeroporto, separou a lente do corpo da câmara, guardou os dois implementos em sua bolsa e se dirigiu à fila de telefones públicos.
A limusine se deslocava com rapidez, precedida por um jipe e seguida por outro. Na Colômbia não era estranho ver um carro luxuoso escoltado por homens armados.
Teria que ver a matrícula para descobrir que o automóvel era dos Estados Unidos. Os quatro soldados de cada jipe não se inteiraram de sua missão de escolta até cinco minutos antes, e a rota era previsível mas curta. Em teoria, não havia tempo suficiente para montar uma emboscada... se é que alguém queria cometer essa loucura.
Porque atacar o embaixador americano era uma loucura; algo que só acontecia em Suam, Afeganistão, Paquistão..., e ninguém jamais atacou um diretor do FBI.
O chassi do carro era de um “Cadillac” modelo Fleetwood. Era equipado com vidros grossos de Lexan, a prova de balas de metralhadora, e a chapa do lado de passageiros era reforçada com Kevlar. Os pneus estavam cheios com espuma de borracha e o tanque de combustível era de um desenho especial antiexplosivo, similar ao dos aviões militares. Não era por nada que o pessoal da Embaixada o chamava o
“tanque”.
O motorista era tão hábil quanto um piloto de Fórmula Um. Podia chegar a cento e cinquenta quilômetros por hora, jogar o veículo de três toneladas numa curva fechada e trocar de marcha com a perícia de um duble de cinema. Seus olhos se moviam constantemente entre o caminho e o espelho retrovisor. Um carro os seguiu alguns quilômetros, mas depois se desviou. Não é nada, pensou. Alguém que vai do aeroporto para casa. O veículo tinha um moderno aparelho de rádio para pedir ajuda. Foram para a Embaixada. A residência do embaixador era uma linda casa de dois andares no meio de seis hectares de jardins e bosques, mas não reunia medidas de segurança suficientes para alojar a seus hóspedes. Como a maioria das Embaixadas norte-americanas, esta parecia uma mescla de edifício de escritórios e de bunker da Linha Sigfrid.
VOZ IDENT, apareceu no terminal do computador, a três mil quilômetros dali. VOZ 34 EMI CHAMADA AO RECEP DESCONHECIDO FREC 889.980. MHz CHAMADA INI 2258Z INTERCEP
IDENT 381.
Tony colocou os auriculares e escutou a transmissão através do sistema de fita atrasada.
– Nada – disse um momento mais tarde – . Alguém saiu a passear.
Na Embaixada, o adido legal andava nervoso pelo vestíbulo. O agente especial do FBI, Pete Morais, queria ir ao aeroporto e receber seu diretor, mas os idiotas de segurança disseram que não podia ir mais de um carro porque era uma visita não oficial, e não prevista..., e todos sabiam que a surpresa era mais efetiva que demonstração de força. Morais estava entre os achavam isso: para ele, demonstração de força era mais eficaz.
Era bem irritante para ele morar ali. Morais era californiano; apesar de seu sobrenome espanhol, sua família vivia em São Francisco há muitos anos.
Para assumir seu cargo atual teve que estudar sua esquecida língua materna e também separar-se de sua mulher e filhos. Seu último relatório dizia que era um país muito perigoso, tanto para os nativos como para os americanos, e sobre tudo para os policiais.
Morais olhou seu relógio. Faltavam apenas dois minutos. Foi para a porta.
– Bem a tempo – disse um homem a três quadras da Embaixada, por meio de seu transmissor manual.
Até pouco tempo antes, o RPG-7D tinha sido a arma antitanque leve habitual do Exército Soviético.
Era uma modificação do antigo “Panzerfaust” alemão, e, ultimamente, haviam-na substituído pelo RPG-18, que era quase uma cópia do míssil americano M-72 LAW. Graças à nova arma, milhões de exemplares do modelo anterior tinham ficado em desuso e se somaram ao já bem provido mercado de armas ilegais mundial. Era uma arma desenhada para perfurar o alvo e seu manejo não era simples. Por isso, quatro delas apontavam para a limusine do embaixador.
O automóvel se dirigia para o Sul pela Estrada Treze, no bairro de Palermo. A marcha era lenta devido ao transito. Se os guarda-costas do diretor conhecessem o número da artéria e o nome do distrito, talvez tivessem forçado uma mudança de rota por pura superstição. Todo mundo estava nervoso devido à lentidão da marcha, e os soldados dos jipes estiravam o pescoço para tentar olhar as janelas dos edifícios.
Há um fato óbvio em que poucos prestam atenção: em geral, não se pode ver o interior de um edifício de fora. Uma janela aberta não é mais que um retângulo mais escuro que a parede exterior, e o olho se adapta à luz ambiente, não a de um lugar preciso. Não houve aviso.
A morte dos americanos era inevitável devido a um fato nada fora do comum. Um técnico de manutenção reparava um semáforo que tinha provocado várias queixas, e quando verificou o mecanismo de relojoaria, passou da luz verde à vermelha. Tiveram que para quase à vista da Embaixada.
Quatro projéteis RPG-7D saíram de janelas de ambos os lados da rua, três deles acertaram diretamente no carro, dois deles no teto.
Bastou ver o clarão e antes de que o estrondo da explosão chegasse à Embaixada, Morais se precipitava à rua, embora consciente da futilidade do gesto. Tirou a “Smith and Wesson” do coldre e correu para o lugar do tiroteio carregando-a de forma regulamentar, apontando para o alto. Demorou dois minutos para chegar.
O motorista ainda estava vivo, a explosão o tinha lançado sobre o meio-fio e seu corpo aparecia cheio de orifícios que nenhum médico seria capaz de fechar a tempo. Dos soldados do primeiro jipe não restava nada a não ser uma poça de sangue. O motorista do jipe da retaguarda estava em seu posto, agarrava o rosto destroçado pelas lascas de vidro. O homem a seu lado estava morto e os outros dois tinham desaparecido.
Em seguida soube o motivo. Houve fogo de armas automáticas no edifício a sua esquerda. Uma rajada, depois outra. Um grito que se cortou de repente. Sentiu o impulso de correr para o edifício, mas sabia que não tinha jurisdição e, além disso, era muito profissional para cometer semelhante estupidez.
Foi inspecionar a limusine, embora soubesse que era um gesto inútil.
A morte tinha foi instantânea, ou tão instantânea quanto à morte de um homem pode ser. Os guarda-costas vestiam coletes reforçados com kevlar, capazes de deter os projéteis, mas não os fragmentos de uma ogiva antitanque, que também tinham atravessado a blindagem do tanque. Morais compreendeu que o ataque tinha sido perpetrado com armas desenhadas para destruir blindados verdadeiros. Quanto aos ocupantes, apenas conservavam resquícios da forma humana. Ninguém podia fazer nada, salvo talvez um padre... ou um rabino. Morais desviou os olhos.
Parado no meio da rua, permanecia sereno; só seu treinamento profissional lhe impedia de se deixar levar por seus sentimentos. O único soldado vivo à vista estava ferido gravemente, talvez não tivesse consciência de onde estava nem do que tinha acontecido. Nenhum dos pedestres se aproximou para prestar ajuda..., mas alguns estavam feridos e outros se ocupavam deles. Além disso, o estado do automóvel indicava a quem queria prestar ajuda que ali não havia nada a se fazer. O agente olhou ao seu redor. Não viu o técnico do semáforo, que já tinha se perdido em meio à confusão.
Dois soldados saíram de um edifício: um deles levava o que parecia ser uma unidade de lançamento RPG-7. Morais reconheceu o outro: era o capitão Edmundo Garça. Sua camisa e calça estavam manchados de sangue e tinha esse olhar extraviado que Morais não havia visto depois de sua baixa dos fuzileiros. Outros dois soldados saíram atrás dele carregando um terceiro, ferido nos braços e na pélvis.
Morais guardou sua pistola e se aproximou lentamente, com as mãos à vista, para assegurar-se de que o reconhecessem.
– Capitán... – disse Morais.
– Outro morto lá encima e um dos meus. Quatro grupos eles fugiram de carros. – Garza olhou o sangue que saia de seu braço com um desgosto que se converteu em preocupação. Mas o choque impedia a dor. O capitão olhou o carro pela primeira vez em vários minutos, com a esperança de que sua primeira impressão tivesse sido errada, mas quase certo que isso era impossível. Seu ensanguentado rosto se voltou para americano, que balançou a cabeça em resposta. Garza tinha amor próprio, era um soldado profissional totalmente dedicado ao seu país e tinham escolhido ele para essa missão devido a sua perícia e integridade. Não temia a morte, mas acabava de ver materializado o pior medo do militar. Não tinha completado sua missão. E desconhecia os motivos para isso.
Desviou os olhos de suas próprias feridas para olhar para o único prisioneiro.
– Já falarei com você – prometeu, antes de cair desacordado nos braços de Morais.
– Olá, Jack!
Dan e Liz Murray acabavam de chegar à casa dos Ryan. Dan tirou o coldre com a pistola automática e a deixou sobre uma prateleira, ruborizando um pouco.
– Pensei que você usava um revólver – disse Jack com um sorriso malicioso. Era a primeira vez que convidavam os Murray.
– Eu gostava mais do meu “Python”, mas o FBI prefere as pistolas. Além disso, já não persigo criminosos. Persigo memorandos, ordens do dia e cálculos orçamentários. – Balançou a cabeça com tristeza – . Muito distraído.
– Entendo o que você sente – assentiu Ryan, e o conduziu à cozinha – . O que acha de uma cerveja?
– Perfeito.
Conheceram-se anos antes em Londres, mais precisamente no hospital “St. Thomas”, quando Murray era adido legal da Embaixada e Ryan tinha sofrido ferimentos num tiroteio. Homem alto e esbelto, cujo cabelo começava a cair, mas não embranquecer, Murray era também uma pessoa amável e alegre de quem ninguém pensaria que fosse policial e um dos melhores. Excelente investigador, caçou todo o tipo de criminais, e, embora lamentasse que o tivessem tirado das ruas, realizava suas tarefas administrativas com a eficiência de sempre.
– Soube que acabam de dar um grande golpe – disse Jack.
– Sim, a Operação TARPÓN. O Cartel assassinou a um sujeito que lavava o dinheiro deles em grande escala... e, de passagem, ficava com uma suculenta porção.
Deixou um registro de suas atividades e o achamos, tivemos uma quinzena bem atarefada, seguindo todas as pistas que encontramos.
– Escutei que são mais ou menos seiscentos milhões.
– Vão ser mais. Hoje os suíços descobriram outra conta.
– Epa. – Ryan abriu duas garrafas de cerveja –. É um golpe sério.
– Um direto no queixo – assentiu Murray –. Diga-me é verdade o que escutei sobre seu novo posto?
– Sim, é verdade. O que acontece é que teria preferido ganhar posto de outra forma.
– Sim, entendo. Não conheço almirante Greer, mas o diretor sente uma grande estima por ele.
– É que se parecem. Dois honoráveis cavalheiros à antiga – disse Jack – . Uma espécie em perigo de extinção.
– Olá, Sr. Murray – disse Sally Ryan da porta.
– Sr. Murray?
– Tio Dan! – Sally se equilibrou sobre ele e lhe espremeu o pescoço– . Tia Liz diz que se papai e você não saírem agora mesmo, vão ver o que é bom – disse com uma risita.
– Por que permitimos que abusem de dois guerreiros como nós, Jack?
– É que são mais brabas que nós – disse Ryan.
– Sim, tem razão – riu. Nesse momento soou seu Pager. Murray pegou a caixinha de plástico que levava presa ao cinto: o visor digital mostrou o número a que devia telefonar – . Se pudesse, mataria o sujeito que inventou estes aparelhos.
– Morreu – respondeu Jack, muito sério– . Se apareceu na emergência do hospital com dores no peito, o médico o reconheceu e demorou um pouco o tratamento.
Depois explicou que tinha tido que atender uma chamada telefônica muito importante e... bom... –
Ryan ficou sério – . Quer uma linha segura? Use o telefone da biblioteca.
– Não acredito que seja tão importante – disse Murray – . Posso chamar por este?
– Claro. O último botão é para comunicar-se com Washington.
Murray apertou o número indicado, que era o do escritório de Shaw.
– Fala Murray. Você me chamou, Alice? Bom... Olá, Bill. O que há?
Foi como se um vento frio atravessasse a cozinha. Ryan o sentiu antes de ver a expressão de Murray.
– Então não há possibilidade de que... ah, sim, conheço o Pete. – Murray olhou seu relógio – .
Chego em quarenta minutos. – Desligou.
– O que aconteceu?
– Assassinaram o diretor – disse Dan sem dar voltas.
– O que...? Onde?
– Em Bogotá. Viajou para lá com o diretor do DEA, para assistir a uma reunião muito secreta.
– Não há possibilidade de que...
Murray balançou a cabeça.
– O adido é Pete Morais. Um bom agente, trabalhei com ele. Diz que a morte foi instantânea. Emil, Harry Jefferson, o embaixador, os guarda-costas...– interrompeu-se ao ver a expressão do Jack – . Sim, alguém tinha boa informação.
– É o que estava pensando nisso agora – assentiu Ryan.
– Não há um agente no FBI que não o quisesse como a um pai. – Murray deixou o copo de cerveja sobre a mesa.
– Sinto muito, cara.
– Como você diz, é uma espécie em perigo de extinção. – Murray meneou a cabeça e foi em busca de sua esposa. Não tinham terminado as despedidas quando o telefone de segurança do Ryan soou.
O hotel “The Hideaway”, a poucos quilômetros das cavernas Luray, era um edifício moderno que não tinha algumas comodidades modernas. Era a política da casa. Não havia televisão a cabo nem via satélite; nem entregavam o jornal da manhã, mas havia ambiente climatizado, água encanada, e um cardápio de seis páginas com uma carta de vinhos de dez. Quase todos os clientes eram recém-casados que precisavam de poucas distrações, e casais que escapavam das distrações para salvar o casamento. Era um serviço no estilo europeu. O cliente não fazia outra coisa além de comer, beber e dessarumar os lençóis, embora se pudesse sair para cavalgar, jogar tênis ou nadar na piscina se a banheira de sua suíte não fosse o bem grande. Quando o viu dar uma gorjeta de dez dólares aos carregadores, lhe ocorreu a pergunta óbvia.
– Em nome de quem você fez a reserva?
– Sr. Juan Diaz e senhora. – Outra vez o olhar tímido – . Perdoe-Me, não me ocorreu outra coisa.
Não pensei... – Fingiu vacilar – . Eu não quis... e que outra coisa podia dizer sem passar vergonha? – disse com um gesto de impotência.
– Bom, quero tomar banho. Já que somos marido e mulher, pode tomar banho comigo. Acho que a banheira cabe duas pessoas. – Ao sair do quarto, Moira deixou cair sua blusa de seda sobre a cama.
Cinco minutos mais tarde, Cortez chegou à conclusão de que na banheira cabiam quatro pessoas. O
que era muito melhor.
O Presidente tinha ido para Camp David para passar o fim de semana e não terminou tomar banho quando seu ajudante do turno, um tenente dos fuzileiros, lhe entregou um telefone sem fio.
– Sim... O que está acontecendo?
Ao ver o rosto do Presidente, o tenente se perguntou onde estava sua pistola.
– Quero que o ministro, o almirante Cutter, o juiz Moore e Bob Ritter venham aqui imediatamente.
E diga ao secretário de Imprensa que me chame em quinze minutos para preparar uma declaração para a mídia. Eu ficarei aqui. O transporte dos corpos e o enterro? Está bem, mais tarde falaremos disso. Vamos seguir com o procedimento normal nesses casos. Sim. Não o Departamento de Estado não fará declarações. Eu farei isso, depois eles falarão. Obrigado. – O Presidente cortou a comunicação e entregou o aparelho ao fuzileiro.
– Senhor Presidente, há algo que a guarda deva...?
– Não. – Explicou-lhe brevemente o que tinha acontecido – . Continue, tenente.
– Sim, senhor. – O fuzileiro saiu.
O Presidente vestiu o robe e foi se pentear. Limpou com a toalha a umidade condensada no espelho.
Se tivesse percebido, perguntaria como era possível que o vidro resistisse a seu olhar sem quebrar.
– Okay – disse o Presidente dos Estados Unidos ao espelho – . É assim que esses filhos da puta querem jogar...
Fizeram o voo da Base Aérea Andrews a Camp David num dos helicópteros VH-60 Blackhawk adquiridos recentemente pela 89ª Divisão Aérea Militar. O aparelho tinha todas as comodidades para transportar seus passageiros VIP, mas o ruído era excessivo para permitir uma conversa normal.
Os quatro passageiros olhavam as montanhas ocidentais de Maryland, cada um a sós com sua ira e com sua dor. Chegaram em vinte minutos. Tinham ordenado ao piloto que fosse o mais rápido possível.
Em terra, um automóvel os conduziu até cabana presidencial. Quando entraram, o Presidente terminava de dar um telefonema. Demoraram mais de meia hora para achar seu secretário de Imprensa, o que não tinha melhorado seu humor em nada.
O almirante Cutter ia fazer um breve discurso sobre as circunstâncias, mas interrompeu ao ver a expressão do Presidente.
Ele se sentou num sofá, de frente para a chaminé. Em frente dele havia algo parecido com uma mesa de café, mas ao se tirar a tampa surgiam teclados de computador e impressoras a laser conectadas com as agências de notícias e outros canais de informação do Governo. num quarto próximo, quatro televisores estavam sintonizados na CNN e nas outras três grandes cadeias de notícias. Os quatro o olharam: a fúria transbordava dele, como o vapor de uma caldeira.
– Desta vez não nos limitaremos a lamentar o caso – disse o Presidente, levantando os olhos mas não a voz – . assassinaram meu amigo. assassinaram meu embaixador. Desafiaram abertamente o poder soberano dos Estados Unidos da América. Querem jogar na primeira divisão – prosseguiu, num tom que era grotesco de tão sereno – . Muito bem, terão que aceitar as regras do jogo. Peter – disse ao ministro – , o Presidente considera que o Cartel da droga começou uma guerra não declarada contra o Governo dos Estados Unidos. Decidiram agir como um Estado nacional hostil, e como tal os trataremos. Como Presidente da Nação, resolvi levar a guerra ao território inimigo, como o faríamos num caso de terrorismo de Estado.
O ministro não gostou da ideia, mas assentiu. O Presidente voltou-se para Moore e Ritter.
– Chega de luvas de pelica. Acabo de redigir uma declaração para a imprensa sobre as circunstâncias, mas chega de luvas de pelica. Tracem um plano, algo que doa nesses filhos da puta. Chega de bate-papo e de advertências. Quero mandar uma mensagem mesmo que não atendam o telefone. Sr.
Ritter, você tem equipamento de caçar, sem limite de peças. Está claro para você?
– Sim, senhor Presidente – disse o SDO. Na realidade, não estava. O Presidente não tinha pronunciado o verbo “matar”, como demonstrariam os gravadores que certamente estavam ocultos na casa. Mas há coisas que não se fazem: uma delas é obrigar ao Presidente a falar claro quando quer evitá-
lo.
– Instalem-se numa cabana, elaborem um plano. Peter, você ficará comigo. – A mensagem era clara: o ministro da Justiça devia referendar a decisão presidencial de tomar medidas, mas não era necessário que ele as conhecesse. O almirante Cutter, que conhecia Camp David melhor que os outros dois, conduziu-os a uma cabana para hóspedes. Ia a frente de Moore e Ritter, que não puderam ver o sorriso em seu rosto.
Ryan chegou ao escritório no seu carro: não era fácil para ele lembrar que devia chamar o motorista.
O oficial de serviço o esperava no corredor. Em quatro minutos o pôs a par de tudo. Depois, Jack se sentou na sua mesa. Era estranho, mas não tinha nada para fazer. Agora sabia tanto quanto qualquer outro alto funcionário sobre o atentado, o que não era muito mais do que os boletins do rádio que diziam; apenas que “altas fontes pediram para não ser identificadas”. O que, nesse caso, não tinha a menor importância. O diretor da CIA e o SDO tinham sido convocados a Camp David pelo Presidente.
Por que eu não? Perguntou-se com surpresa.
A resposta deve ter lhe ocorrido imediatamente, mas ainda não se costumara a seu status de alto funcionário. Agora que não tinha nada o que fazer, deixou que seus pensamentos fossem por essa tangente. A conclusão era óbvia. Não havia motivos para que estivesse informado da conversa... mas isso significava que algo estava em andamento. O que era? Quanto duraria?
No meio dia seguinte, um avião de transporte C-141B “Starlifter” da Força Aérea aterrissou no aeroporto internacional de El Dorado. Não se via semelhante dispositivo de segurança desde a morte de Anwar el Sadat. Helicópteros armados patrulhavam o espaço aéreo. Veículos blindados apontavam seus canhões em todas as direções. Um batalhão de paraquedistas rodeava o aeroporto, que foi enclausurado durante três horas. Além disso, havia uma guarda de honra, em que as tropas sentiam que faltava honra, que seu Exército e seu país tinham sido despojados dela por... eles.
O cardeal Esteban Valdez pronunciou uma breve missa, acompanhado pelo rabino da pequena comunidade judaica de Bogotá. O Governo dos Estados Unidos foi representado por seu vice-presidente, e o Exército colombiano fez entrega dos caixões aos portadores, soldados de todas as Forças Armadas americanas.
Foram pronunciados os discursos de praxe; o mais comovente foi o do Ministro da Justiça colombiano, que não ocultou suas lágrimas ao lembrar de seu amigo e companheiro de faculdade. O vice-presidente embarcou em seu avião e partiu, seguido pelo grande avião de transporte “Lockheed”.
A declaração presidencial reafirmava o estado de direito, causa a qual Emil Jacobs tinha dedicado sua vida. Mas aos menos avisados cidadãos, essas palavras pareciam tão tênues quanto ar no aeroporto internacional de El Dorado. No Eight Mele, um subúrbio de Mobile, Alabama, o sargento de polícia, Ernie Braden, cortava a grama de seu jardim. Investigador da Divisão de Roubos, conhecia todas as manhas desses criminosos, inclusive os métodos que usavam para burlar os sistemas de alarme mais complexos, como os dos banqueiros ricos. Graças a suas habilidades e à informação que recolhera – a DEA que tinha o escritório adjacente ao de Roubos – , estava em condições de oferecer seus serviços a pessoas que tinham dinheiro suficiente para que ele pudesse pagar a ortodontia e a educação de seus filhos. Na realidade, não era um policial corrupto; mas, ao cabo de vinte anos na Força, se importava muito pouco. Se alguém quisesse consumir drogas, que ele se danasse. Se os traficantes se matassem entre si, melhor para o resto da sociedade. E se um distinto banqueiro era um ladrão entre ladrões, que pena; só lhe tinham pedido que revistasse a casa para se certificar que o sujeito não tinha deixado rastros.
Lamentava a mulher e os filhos, mas quem brincava com fogo...
Para tranquilizar sua consciência, Braden continuava investigando os roubos de casas e de vez em quando, apanhava a um ladrão de verdade. Claro que isso não acontecia muito frequentemente. O roubo de casas era um crime com poucos riscos. Não prestavam a atenção que merecia. Na verdade os encarregados de reprimir esses crimes constituíam o setor menos reconhecido das forças de segurança.
Fazia nove anos que esperava a promoção a tenente, mas nunca chegava.
Braden precisava, ou ao menos desejava, o aumento de salário que acompanhava à promoção, mas estes só eram para os da Narcóticos e Homicídios. Enquanto isso, ele ficava relegado... por que não aceitaria suborno? Mais que tudo Ernie Braden estava farto. Farto de trabalhar tantas horas, farto que as vítimas descarregassem sua raiva sobre ele quando tentava cumprir seu dever, farto que a comunidade dos servidores da lei não reconhecessem seus esforços, e de que o enviassem aos colégios da região para dar essas conferências sobre prevenção de um crime que ninguém prestava atenção. Inclusive estava farto de treinar as equipes de beisebol infantis, antes o grande prazer de sua vida. Estava cansado de tudo, mas não podia pedir aposentadoria. No momento, não.
O ruído da cortadora elétrica “Sears” impregnava o ar quente e úmido da rua onde vivia com sua família. secou o suor do rosto com um lenço e pensou na cerveja gelada que beberia depois de terminar a tarefa. Poderia ser pior. Até três anos antes, tinha que empurrar uma cortadora de grama manual. Agora tinha uma elétrica com carrinho que lhe permitia trabalhar sentado enquanto cortava esse pasto de merda.
Sua esposa insistia que queria um jardim da frente bem cuidado. E quem se importa, resmungou para si.
Concentrado na tarefa de que as lâminas cortantes passassem pelo menos duas vezes sobre cada centímetro quadrado dessa merda verde – que nessa época do ano crescia mais rápido do que alguém demorava para cortá-la – não percebeu que uma caminhonete “Plymouth” descia pela rua. Não sabia que seus empregadores clandestinos estavam extremamente insatisfeitos com seu trabalho mais recente.
Como muitos homens, sobre tudo os policiais, Braden tinha seus hábitos, e um deles era estar sempre armado quando saía da casa, embora só fosse cortar a grama. Levava sob o cinto um “Smith and Wesson” Chiefs Special, um revólver de aço inoxidável com tambor de cinco tiros, a única coisa em sua vida que tinha a palavra chief.
Finalmente percebeu a presença da caminhonete que acabava de deter-se atrás de seu velho
“Chevy”. Só viu que havia dois homens nela e que o olhavam com grande atenção.
Seu instinto de polícia não falhou de todo. Os sujeitos o olhavam, e ele lhes devolveu o olhar, por pura curiosidade. Quem viria buscá-lo num sábado a tarde? Mas então a porta abriu, uma arma apareceu e as perguntas se desvaneceram de sua mente.
Ao jogar da cortadora para o chão, esta, ao contrário de um carro, avançou menos de um metro e parou enquanto suas folhas giravam sobre a grama, mescla de sedosa e lastón, do jardim do policial.
Braden caiu junto ao escapamento da cortadora, sentiu a rajada de areia e terra contra seus joelhos, mas não deu importância. Puxou o revólver quando o homem da caminhonete disparou a primeira rajada.
A arma era uma “Ingram” MAC-10, provavelmente calibre .9, e o homem não era destro. O
primeiro projétil se aproximou do alvo, mas os oito restantes perfuraram o ar quando a arma, conhecida por sua falta de estabilidade, quase saltou das suas mãos. O sargento Braden disparou dois projéteis, mas a distância era de mais de dez metros, e o Chiefs Special, com seu cano de duas polegadas, era efetivo só a distâncias mais curta. devido a isso e ao estresse provocado pela surpresa, um projétil impactou na caminhonete, enquanto que outro se perdia na rua.
O fogo de metralhadora produz um ruído característico, que não se confunde com o de um foguete de São João nem nenhum outro, e a vizinhança compreendeu que alguma coisa muito estranha acontecia.
Na casa da frente, um menino de quinze anos limpava seu fuzil. Era um velho “Marlin” calibre .22 com alavanca de ação que tinha pertencido a seu avô. Seu orgulhoso dono tinha aprendido a jogar beisebol com o sargento Braden, por quem sentia grande admiração. O jovem em questão, Erik Sanderson, abandonou sua tarefa e se aproximou da janela: oculto atrás de sua cortadora de grama, o treinador trocava tiros com alguém. Com a clareza própria das circunstâncias, Erik Sanderson compreendeu que alguém tentava matar seu treinador, suboficial de Polícia e que ele tinha seu fuzil carregado ao alcance de sua mão e que deveria ir ajudar ao policial “Seria o correto”. Estava preparado para isso porque durante a manhã tinha praticado tiro ao alvo com umas latas vazias. A grande ambição de Erik Sanderson era alistar-se nos Fuzileiros Navais. Agora tinha a oportunidade de conhecer o ofício antecipadamente.
No meio do ruído dos disparos, pegou seu fuzil e um punhado de projéteis de cobre e saiu à varanda da casa. Em primeiro lugar extraiu a varinha que impulsionava os projéteis dentro do carregador, sob o canhão da arma. Ela caiu das suas mãos, mas teve o bom censo de deixar passar no momento.
Introduziu os projéteis .22 de um em um, surpreso de que suas mãos transpirassem tanto. Depois de carregar os quatorze projéteis, inclinou-se para recolher a varinha, mas dois caíram ao chão. Recolheu-os, inseriu a varinha, enroscou-a e finalmente acionou a alavanca para introduzir um projétil na antecâmara e martelar a arma.
Comprovou com surpresa que não via o alvo e correu para a rua para refugiar-se atrás da caminhonete de seu pai. Dali via os dois homens que disparavam suas metralhadoras, as sustentando na altura da cintura. Nesse momento, o sargento Braden disparou seu último projétil, que saiu tão desviado como os quatro anteriores. O policial ficou em pé e tentou refugiar-se em casa, mas tropeçou e teve dificuldades para se levantar. Os dois assassinos de aluguel avançaram para ele de uma vez e inseriam carregadores novos em suas metralhadoras. Erik Sanderson levantou seu fuzil com mãos tremulas. Era uma arma antiga, com alça e mira; teve que fazer um esforço para se lembrar o que ensinaram a ele nos Exploradores, como apontar a arma centrando a mira no centro da alça e ambas no alvo.
Viu com horror que era tarde. Os dois homens destroçaram ao treinador com rajadas longas, disparadas a queima-roupa. Nesse momento, algo explodiu na cabeça de Erik. Apontou na cabeça do assassino mais próximo a ele e disparou.
Como atirador jovem e inexperiente que era, a primeira coisa que fez foi levantar os olhos para ver o resultado de seu disparo. Errou: com um fuzil, tinha errado o tiro a apenas trinta metros. Atônito, voltou a apontar, apertou o gatilho, mas não aconteceu. Tinha esquecido carregar a arma. Murmurou umas palavras, que se sua mãe tivesse escutado, teria lhe dado uma sonora bofetada, carregou o “Marlin” .22, apontou com cuidado e disparou.
Os assassinos não tinham escutado o primeiro disparo; ensurdecidos por suas próprias rajadas, tampouco ouviram o segundo, mas um deles sacudiu bruscamente a cabeça ao receber o impacto do projétil, fino e penetrante como o aguilhão de uma vespa. Consciente do que tinha acontecido, girou para sua esquerda e disparou uma longa rajada, apesar da dor insuportável na sua cabeça. O outro viu Erik e também disparou.
Mas o jovem já recarregava e disparava um projétil atrás do outro. Furioso por errar os disparos, encolhia-se instintivamente ao escutar as rajadas e voltava a disparar: queria matá-los sem dar tempo a eles para voltar para seu carro. Teve a sensação de vê-los correr em busca de refúgio e esbanjou seus três últimos projéteis em disparos no carro. Mas uma arma calibre .22 não pode perfurar a carroceria de um veículo, e a caminhonete se afastou.
Erik a olhou afastar-se, frustrado porque não restava nem um só projétil para disparar no vidro traseiro da caminhonete antes de que esta virasse à esquerda e desaparecesse na curva da esquina.
Faltou coragem ao jovem para se aproximar do corpo do sargento Braden. Apoiado contra a caminhonete, amaldiçoou-se uma e depois outra por ter permitido que escapassem.
Não sabia – e jamais acreditaria – que tinha se saído melhor do que mais de um oficial de Polícia teria feito.
Na caminhonete, o assassino ferido se preocupava mais pelo orifício do peito que pelo da cabeça.
Mas este foi o que causou sua morte. Ao inclinar a cabeça, uma artéria rasgada terminou de romper-se e o sangue regou o interior do veículo, para surpresa do moribundo, que nem teve tempo para compreender o que tinha acontecido.
Outro avião da Força Aérea, que por acaso também era um C-141 B, transportou o Sr. Clark do Panamá para a Base Aérea de Andrews, onde se realizavam os preparativos para a cerimônia de recepção.
Mas antes de que o avião fúnebre chegasse, Clark se reuniu com seu chefe, Bob Ritter, no quartel-general em Langley. Pela primeira vez em anos, a Diretoria de Operações recebeu do Presidente uma licença para
“caçar”. John Clark, que de acordo com a lista de nomes era um instrutor de agentes, era o “caçador”
chefe da CIA. Fazia anos que não lhe pediam que exercesse seus conhecimentos na matéria, mas ainda os conservava.
Ritter e Clark não viram a cerimônia pela televisão. Isso já era parte da História, e embora os dois se interessassem por essa disciplina, era referente, sobre tudo, ao tipo de sucessos que não aparecem nos livros de história.
– Vamos falar outra vez sobre essa ideia que você expôs em St. Kitts – disse o subdiretor de Operações.
– Qual é o objetivo? – perguntou Clark com cautela. Não era difícil compreender o motivo, nem quem era o autor da iniciativa.
– Em poucas palavras, vingança – respondeu Ritter.
– Castigo justo é um termo mais adequado – falou Clark. Era autodidata, mas lia muito.
– Os alvos representam um perigo real e imediato para a segurança nacional.
– O Presidente disse isso?
– Sim, e com todas as letras.
– Perfeito. Assim é legal. Não menos perigoso, mas legal.
– Você fará?
Clark o olhou com um sorriso, distante e vaga.
– É minha parte na operação, e vou fazer do meu jeito. Se não for assim não farei. Não quero que me vigiem, nem que ninguém interfira comigo daqui. Vocês me dão os alvos e me dão as tropas que eu precisar. O trabalho eu farei da minha maneira e eu fixarei os prazos.
– De acordo – assentiu Ritter, para grande surpresa de Clark.
– Nesse caso, aceito. O que farão com esses rapazes que enviaram à selva?
– Vamos retirá-los esta noite.
– E para aonde os enviarão? – perguntou Clark.
Ritter lhe deu a resposta.
– É muito perigoso – disse o agente, embora a resposta não o surpreendeu. Provavelmente o tinham planejado isso desde o início. Mas nesse caso...
– Nós sabemos.
– Eu não gosto de – disse Clark depois de pensá-lo um instante – . Complicar a situação.
– Não pagamos você para gostar.
Clark teve que assentir. Mas era honesto consigo mesmo e reconhecia que gostava da tarefa. Anos atrás, uma missão como essa o lançou nos braços protetores da CIA. Mas tinha trabalhado como freelancer. Este trabalho era sancionada, embora não de todo. Antes isso não teria importado, mas agora que era marido e pai de família.
– Posso passar uns dias com minha família?
– É obvio. Vai levar alguns dias montar toda a operação. Enviarei a informação que precisar para a granja.
– Como se chama a operação?
– RECIPROCIDADE.
– Um nome bem adequado – sorriu Clark. Saiu do escritório e se dirigiu ao elevador. cruzou com o Sr. Ryan, o novo SDI que se dirigia ao escritório do juiz Moore. Não tinham sido apresentados formalmente e esse não era o momento, mas seus caminhos já tinham se cruzado em duas ocasiões.
XIV
RESGATE E FUGA
– Estou em dívida com seu diretor Jacobs – disse Juan – . Talvez você nos apresente algum dia. –
Dessa vez tinha procedido com lentidão. Calculava que em pouco tempo mais ela lhe daria toda a informação que ele queria, com a confiança íntima que deve reinar entre amantes. Por acaso o verdadeiro amor não excluía os segredos?
– Talvez – repôs Moira depois de uma pausa. Em sua mente já ganhava terreno a ideia de que o diretor assistiria ao casamento. Não era pedir muito não é?
– Por que ele foi à Colômbia? – perguntou enquanto as pontas de seus dedos exploravam o que já era terreno conhecido.
– Bom a essa altura já é de domínio público. Chamam-na Operação TARPÓN. – Moira o explicou.
As carícias do Juan não se alteraram absolutamente.
Isso se devia a sua experiência como oficial de Inteligência. Contemplava o teto com um sorriso de satisfação. Idiota. Eu o avisei. E disse mais de uma vez, em seu escritório, mas não: ele é muito esperto, tem muita confiança em sua própria sagacidade para seguir meus conselhos. Bom, talvez o filho da puta acabe de compreendendo que vale a pena me escutar... Mas então se perguntou como reagiria o seu patrão, e os sorrisos e carícias cessaram de repente.
– O que aconteceu, Juan?
– Seu diretor escolheu um mau momento para viajar para Bogotá. É perigoso, eles estarão furiosos.
Se descobrirem que ele se encontra no país...
– É uma viagem secreta. O ministro da Justiça colombiano é seu amigo, acho que estudaram juntos.
Conhecem-se há quarenta anos.
A viagem era um segredo. Cortez tentou se convencer de que não seriam tão imprudentes para..., mas eles eram imprudentes. Estava assombrado que Moira não sentisse os calafrios que percorriam seu corpo. Entretanto, não havia nada que ele pudesse fazer.
A família de Clark, como as dos militares e os executivos de vendas, estava habituada a suas frequentes ausências e por lapsos de tempo variáveis. Também estava acostumada a suas voltas imprevistos. Era como um jogo, e sua esposa aceitava as regras. Nessa ocasião, pegou um automóvel da CIA e ele mesmo o conduziu até sua casa em Yorktown, Virginia. Eram duas horas e meia de viagem, mas queria aproveitar esse tempo para pensar sozinho na missão que estava a ponto de iniciar. Quando chegou ao cruzamento da autoestrada 64 já havia resolvido quase todos os problemas de procedimento: antes de passar aos detalhes, teria que ler as informações que Ritter tinha prometido.
A casa de Clark era a de um executivo de média categoria, uma casa de tijolos com quatro quartos e sala em desnível, em meio a um hectare de terreno semeado desses pinheiros de agulhas largas, característicos do sul dos Estados Unidos. Demorava dez minutos dali até a Granja, o centro de instrução da CIA, cuja direção postal é Williamsburg Virginia; , mas que, na realidade, está mais perto de Yorktown, ao lado de uma base onde a Marinha armazena mísseis submarinos e ogivas nucleares. Quase todos seus vizinhos eram colegas deles, o que evitava a necessidade de elaborar complicadas histórias para explicar seus movimentos. Claro que sua família tinha uma ideia bem exata sobre a fonte de sua renda. Suas filhas, Maggie, de dezessete anos, e Patrícia, de quatorze, estavam acostumados a chamá-lo
“senhor agente secreto”, como era chamado o personagem de uma velha série cômica de televisão.
Sabiam que não deviam falar disso com suas amigas, mas alertavam os ocasionais “pretendentes” que deviam ter muito boa conduta em presença de seu pai.
A precaução era desnecessária. Quase todos os homens, por o instinto achavam que deviam mostrar-se muito sérios na presença do Sr. Clark. Embora John Clark não tivesse chifres nem cascos, bastava seu olhar para mostrar que era um homem que não tolerava a frivolidade. Sandy, sua esposa, conhecia sua vida antes de entrar na CIA. Era enfermeira diplomada e professora de enfermagem cirúrgica no hospital universitário local. Sabia confrontar os problemas da vida e da morte, e era um consolo para ela saber que seu marido era um dos poucos “leigos” que compreendiam do que se tratava, embora do ponto de vista oposto. Para sua esposa e filhas, John Terence Clark era marido e pai terno e carinhoso, embora, em algumas ocasiões se mostrasse superprotetor.
Numa ocasião, Maggie se tinha zangado com ele por afugentar um “namorado” em potencial com um só olhar. Depois, para aborrecimento dela, os fatos tinham dado a razão a seu pai: a Polícia deteve o menino por dirigir embriagado. Era muito mais tolerante que a mãe em questões tais como saídas e passeios, e sabia consolar. Quando estava com sua família, seus conselhos eram sensatos, sua voz terna e seu humor, alegre. Fora de casa, sua maneira de ser mudava completamente, mas sua família não se importava.
Chegou pouco antes do jantar, pegou sua mala e entrou pela cozinha, impregnada de um delicioso aroma a comida. depois de tantas chegadas imprevistas, Sandy já não tinha que queixar-se sobre a quantidade de comida que tinha preparado.
– Onde esteve? – perguntou, e sem esperar resposta iniciou a charada de sempre – : Não está muito bronzeado bem vejamos. Ou seja estava num lugar frio ou nublado.
– Quase todo o tempo teto baixo – disse Clark, o que era verdade. Preso com dois idiotas num furgão de merda numa colina no meio da selva.
Quase como nos velhos tempos, que era melhor que não voltassem. Apesar de sua inteligência, dificilmente ela poderia adivinhar onde ele tinha estado. Ainda bem.
– Quanto...?
– Uns dois dias, depois devo partir para uma missão importante.
– Tem a ver com... – assinalou o televisor da cozinha.
Clark sorriu e balançou a cabeça.
– O que aconteceu?
– Parece que os traficantes deram um golpe de sorte – sorriu.
Sandy sabia o que seu marido opinava sobre os traficantes e por que. Cada um tem seu objeto de ódio particular. Este era compartilhado: ela, como enfermeira, conhecia através do seu trabalho as consequências do abuso de drogas. Ele não estava costumava dar sermões às garotas, mas o tinha feito sobre esse tema, e embora elas fossem tão rebeldes como qualquer outro adolescente é, jamais se atreveriam a aproximar-se desse limite, e nem pensar em cruzá-lo.
– O Presidente está furioso.
– É lógico, não? O diretor do FBI era seu amigo..., na medida que um político tem amigos. – Clark desconfiava dos políticos, inclusive daqueles pelos que votava.
– E o que vai fazer?
– Não sei, Sandy. – Ainda não sei – . As garotas?
– No parque Busch, com seus amigos. Devem estar gritando como loucas na nova montanha russa.
– Tenho tempo para tomar um banho? Viajei durante todo o dia.
– O jantar estará pronto em meia hora.
– Perfeito.
Beijou-a outra vez e foi ao quarto. antes de entrar no banheiro, deixou a roupa suja no cesto.
Descansaria dia com a família antes de começar a planejar tudo. Não tinha pressa. Pelo contrário, nesse tipo de missão, a presa levava a morte. Esperava que os políticos o compreendessem.
Claro que não compreenderiam, pensou caminho do banho. Eles não entendem nada.
– Não se sinta mal – disse Moira – . Está cansado, me perdoe. – Embalou a cabeça dele sobre seu seio. Era um homem, não uma máquina. Cinco vezes em pouco mais de um dia... era muito para pedir a um amante. Devia dormir, descansar. E eu também, pensou ao dormir.
Minutos depois, Cortez se endireitou sem despertá-la. Escutou sua respiração, lenta e profunda, contemplou seu plácido e satisfeito sorriso, e se perguntou que diabos iria fazer. Nada, talvez.
Telefonar..., arriscar-se em numa conversa breve por uma linha pública? A Polícia colombiana, os americanos, alguém interceptava esses telefonemas. Não, isso era o mais perigoso.
Seu profissionalismo indicou que o mais seguro era não fazer nada. Cortez se olhou. Nada era justamente o que acabava de fazer: a primeira vez em muito tempo que ocorria com ele algo assim.
É obvio que o pelotão Faca ignorava total – embora não felizmente – os acontecimentos do dia anterior. Não havia noticiários na selva, e seu receptor de rádio só recebia emissões oficiais. Daí a surpresa provocada pela mensagem. Chávez e Vega ocupavam o posto de guarda no meio do calor úmido que sobreveio depois de uma tempestade elétrica. Tinham caído cinquenta milímetros de chuva numa hora, o posto de guarda era um atoleiro e voltaria a chover antes de que fosse limpo.
O capitão Ramírez apareceu sem aviso prévio, nem sequer a Chávez, sempre tão orgulhoso de sua perícia. Para consolar-se, pensou que o capitão era seu discípulo nessa matéria.
– Capitão – disse Vega como saudação.
– Alguma novidade? – perguntou Ramírez.
Chávez respondeu sem baixar os binóculos.
– Nossos amigos desfrutam de sua sesta da manhã. – Também dormiam à tarde. As palavras seguintes do oficial lhe fizeram baixar os binóculos bruscamente.
– Me alegro que a desfrutem, porque é a última.
– O que está dizendo capitão? – perguntou Vega.
– O helicóptero vem nos pegar essa noite. vai aterrissar ali em baixo. – Assinalou a pista – . antes de ir, arrasamos com tudo.
Chávez meditou brevemente sobre o que acabava de escutar. Nunca tinham gostado dos traficantes, e menos ainda depois de olhá-los fazer seu trabalho tão tranquilos, como se jogassem golfe.
– Entendido, capitão – disse Ding – . Como faremos isso?
– Ao entardecer, você e eu os rodeamos pelo lado Norte. O resto do pelotão se divide em dois para nos dar apoio se for preciso. Vega fica aqui com o SAW. O outro desce uns quatrocentos metros.
Eliminamos os sentinelas e montamos uma armadilha com os tanques de combustível da cabana, como presente de despedida. O “heli” deve nos buscar às vinte e três. Levamos os cadáveres para jogá-los ao mar.
Mas o que você acha disso, pensou Chávez.
– Vamos demorar trinta a quarenta minutos para rodeá-los. É só por segurança, mas com esses dois filhos da puta não vai haver problema, capitão. – O sargento sabia que matá-los seria sua tarefa, já que levava a arma com silenciador.
– Acham que deve me perguntar se faremos mesmo o serviço – disse o capitão Ramírez. Ele acabava de fazer essa pergunta pelo rádio.
– Capitão, pela maneira que você o disse me dei conta de que vai ser pra valer. Por mim, não há problema – assegurou o sargento Domingo Chávez a seu superior.
– Muito bem. Iremos ao escurecer.
– Entendido, capitão.
O oficial tocou no ombro dos dois homens e partiu. Uma vez que desapareceu, Chávez pegou seu cantil. Desenroscou a tampa de plástico e bebeu um gole muito comprido antes de olhar para Vega.
– Que merda! – exclamou o metralhador.
– Parece que nasceu alguns de ovos no dono deste circo – assentiu Ding.
– Não vejo a hora de voltar para o banho e o ar condicionado – disse Vega. O fato de que dois homens tivessem que morrer para que isso fosse possível já estava resolvido e, portanto, não tinha muita importância. O que dava muito que pensar era que depois de tantos anos de serviço, por fim tinham ordenado realizar aquilo para o qual tinham dedicado incontáveis horas de treinamento. O problema moral não entrava nos seus pensamentos. Eram soldados de seu país, o qual havia resolvido que dois homens que dormiam a algumas centenas de metros dali eram inimigos que deviam morrer. E ponto, embora os dois se perguntassem como aconteceria na vida real.
– Planejemos bem as coisas – disse Chávez, levando os binóculos até seus olhos – . Quero que tenha muito cuidado com o SAW, Urso.
Vega o pensou uns minutos.
– Não vou disparar à esquerda da cabana a menos que você peça.
– De acordo. Eu me vou aproximar dessa árvore grande. Não vai haver problemas – pensou em voz alta.
– Claro que não.
Salvo que dessa vez era pra valer. Chávez seguiu observando os dois homens que ia matar em algumas horas.
Aproximadamente nesse momento, o coronel Johns recebeu a ordem de alerta e um jogo de mapas táticos. Entrou no seu alojamento com o capitão Willis para planejar a operação de resgate e fuga. Iriam retirar as tropas infiltradas muito antes do previsto. PJ acreditava saber o motivo, ao menos em parte.
– Diretamente nas pistas? – perguntou o capitão.
– Sim. Isso significa que não estava acontecendo nada ou que nossos amigos terão que tomar elas antes de que aterrissemos.
– Está bem. – Willis compreendeu depois de pensar um instante.
– Fale com o Buck, diga a ele que volte a controlar o armamento. Ele entenderá. Quero ver o relatório meteorológico.
– A ordem de retirada é a inversa da de entrega?
– Sim. Enchemos os tanques a setenta e cinco quilômetros da praia e outra vez depois de recolher o pessoal.
– Entendido. – Willis foi em busca do sargento Zimmer.
PJ foi na direção contrária, para o serviço meteorológico da base. O relatório o decepcionou: ventos suaves, céu limpo, lua crescente. Condições perfeitas para todo mundo, menos para o pessoal de operações especiais. Bom, mas não havia muito que se pudesse fazer.
Partiram a meio-dia. Cortez agradeceu à sorte que ela tivesse decidido interromper bruscamente o fim de semana, dizendo que devia retornar para perto de seus filhos, embora ele suspeitasse que ela tinha tomado aquela decisão para aliviar seu amante. Nunca antes nenhuma mulher havia sentido a necessidade de ficar com pena dele, e aquele insulto era compensado pela necessidade de Cortez saber que diabos se passava. dirigiram-se a Interestadual 81, em silêncio como de costume. Cortez tinha alugado um veículo cujos assentos dianteiros eram como um banco; os dois foram muito apertados e ele tinha passado seu braço direito sobre o ombro dela, carinhosamente. Pareciam adolescentes, exceto pelo silêncio que guardavam; ele sentiu grande apreço por ela.
Mas desta vez não foi por aquela tranquila paixão. A mente do Cortez ia mais rápida que seu carro, o qual conduzia à máxima velocidade permitida.
Ele podia ter ligado o rádio, mas isso não seria apropriada naquele momento. Não podia correr tal risco, ou poderia? Cortez teve que admitir que seu chefe possuía uma grande inteligência. Escobedo tinha uma grande visão em seus negócios, embora Cortez lembrasse também a arrogância daquele homem.
Além disso, ofendia-se facilmente. A Escobedo não bastava ganhar, tinha a necessidade de humilhar; esmagar e destruir cruelmente a quem contrariava até do modo mais leve. Tinha poder e uma quantidade de dinheiro como só possuíam os países; mas lhe faltava perspectiva. Apesar de sua inteligência era um homem que se regia por emoções infantis. Tudo isto foi à mente de Cortez quando se situou na I-66, agora indo em direção a Washington.
Era estranho, murmurou com uma sorriso amarga, que num mundo repleto de informação, fosse forçado a especular como um menino enquanto bastaria ligar o rádio para saber o precisava saber, mas se controlou para não fazê-lo.
Chegaram ao estacionamento do aeroporto pontualmente. aproximou-se do carro de Moira e desceu de seu veículo para tirar a bagagem dela.
– Juan...
– Sim?
– Não se lamente pelo de ontem à noite. Foi minha culpa – disse ela brandamente.
– Já te disse que não sou um garotinho. – Ele conseguiu esboçar um sorriso – . Essas coisas são assim mesmo. Da próxima vez estarei mais descansado e as coisas serão diferentes.
– Quando?
– Não sei. Eu ligo para você. – Beijou-a carinhosamente.
Instantes depois, ela partiu em seu carro. Ele permaneceu de pé no estacionamento, vendo como ela se afastava; depois entrou no carro. Eram quase quatro e ele ligou o rádio para ouvir as notícias. Dois minutos mais tarde estacionou seu carro em outro estacionamento, tirou as malas e se dirigiu ao terminal, em busca de qualquer avião próximo a decolar. O mais cedo disponível era um voo da “United” a Atlanta, e Cortez soube que poderia efetuar os contatos necessários naquele terminal. Subiu ao aparelho um pouco antes da partida.
Moira Wolfe dirigiu para sua casa levando nos lábios um sorriso culpado. O que tinha acontecido a Juan a noite anterior era uma das coisas mais humilhantes que lhe podiam passar a um homem, e a culpa era totalmente dela. Moira tinha esperado muito de Cortez e este, segundo ele mesmo disse, já não era tão jovem. Ela tinha permitido que seu entusiasmo prevalecesse sobre sua sensatez, e com isso tinha ferido um homem que... amava. Agora estava certa disso. Moira tinha acreditou que não ia voltar a experimentar aquela emoção, mas tinha acontecido, com todo o impetuoso esplendor de sua juventude, e embora a Juan tivesse faltado o vigor daqueles anos, tinha-o compensado sobradamente com sua paciência e fantástica habilidade. Ligou o rádio de seu carro e sintonizou uma emissora do FM que tocava música de outros tempos. O resto de sua viagem experimentou a mais prazenteira das emoções: suas lembranças de uma juventude feliz se viram estimulados pelas melodias de umas baladas para adolescentes que ela tinha dançado trinta anos antes.
Surpreendeu-se ao ver o que parecia um carro de polícia estacionado em frente de sua casa...
embora também podia ser outro tipo de veículo, a não ser pela antena. Era um carro de polícia, e ela se surpreendeu. Estacionou no meio-fio, desceu e tirou sua bagagem. Ia andando pela calçada quando viu que a porta era aberta. Apareceram Frank Weber.
– Olá, Frank.
O agente especial Weber a ajudou com as malas, mas seu semblante era grave.
Não ia ser fácil contar e Weber se sentiu culpado por magoar Moira naquele fim de semana tão especial.
– Alguma coisa está errada? – perguntou ela.
– Mataram o Emil na sexta-feira de noite. Tentamos falar com você.
– Como?
– Mataram-no a caminho da Embaixada. Também mataram os outros. O funeral do Emil será amanhã. o dos outros, na terça-feira.
– Oh, Meu deus! – Moira teve que sentar-se numa cadeira – . Eddie... Leo... Ela lembrou que considerava como seus próprios filhos os agentes que escoltavam a Emil.
– Todos – repetiu Weber.
– Não sabia de nada – disse – . Não leio um jornal nem escuto o rádio desde... sexta-feira. Onde...?
– Seus filhos foram ao cinema. Precisamos que venha conosco, há muito que fazer. Deixaremos uma pessoa para contar para eles.
Mas se passaram vários minutos antes que ela pudesse reagir. E quando as palavras do Weber atravessaram o muro de seus novos sentimentos, pôde chorar.
O capitão Ramírez estava satisfeito com a ideia de acompanhar Chávez. Não era por covardia, mas sim por uma concepção de suas tarefas. De algum jeito, suas responsabilidades eram pouco claras. Como capitão chefe de uma companhia, tinha aprendido que “comandar” não é o mesmo que “dirigir”. Supõe-se que o chefe da companhia se instala a certa distância da primeira linha de fogo para dirigir – palavra que desagrada aos militares – a ação de combate. Ele ordena os deslocamentos das unidades e mantém uma visão de conjunto do campo de batalha, enquanto que os comandantes de pelotão dirigem a ação propriamente dita. Como tenente tinha aprendido a “dirigir do fronte” e agora devia aplicar o aprendido num nível superior, embora o capitão devesse ficar à frente em certas ocasiões. Nesse caso estava no comando de um pelotão, e, apesar da missão exigir prudência e julgamento, o tamanho da unidade exigia que ele ficasse à frente. Além disso, não podia enviar a dois homens para matar pela primeira vez sem estar presente na ação, embora Chávez possuísse uma destreza muito superior a que Ramírez podia aspirar. A contradição entre as responsabilidades de comando e a direção preocupava ao jovem oficial, mas a transformou em favor deste último termo, como era seu dever. depois de tudo, não podia mandar sem ganhar a confiança de seus homens, e para isso devia demonstrar que sabia comandar. Algo lhe dizia que se tudo sairia bem, esse dilema jamais voltaria a acontecer. Talvez sempre resolvesse assim, pensou.
Uma vez instalados os dois grupos de apoio, ele e Chávez se dirigiram ao flanco norte da pista. O
sargento o precedia e tudo estava bem. Os alvos descansavam, fumavam seus bagulhos – ou o que fosse –
e conversavam com voz muito alta, que se escutavam a mais de cem metros de distância. Chávez tinha planejado a aproximação no objetivo com grande cuidado, com base nas patrulhas noturnas ordenados pelo capitão. Não houve surpresas e, ao cabo de vinte minutos, detiveram-se para orientar-se para a pista.
Seu avanço era lento.
Chávez conservava a dianteira. O caminho dos caminhões era a melhor guia: seguiram-na pelo lado norte, fora da zona de fogo das metralhadoras.
No momento previsto, aproximaram-se da cabana. Chávez esperou que o oficial se aproximasse até dez metros. comunicavam-se por meio de gestos de cabeça e mãos. Chávez avançaria em linha reta, o capitão a sua direita. O sargento dispararia primeiro, mas se houvesse algum inconveniente, Ramírez estaria preparado para apoiá-lo. O capitão emitiu quatro sinais com seu transmissor manual: responderam-lhe dois. O pelotão estava em posição no outro extremo da pista, informado do que acontecia e preparado para entrar em ação se fosse necessário.
Ramírez deu o sinal de avanço.
Chávez tomou fôlego, surpreso pelo rápido pulsar de seu coração. Era algo que tinha feito centenas de vezes. Sacudiu os braços para afrouxar os músculos, depois ajustou a correia da arma. Com o polegar pôs o seletor do MP-5 em posição de rajada de três tiros. As miras estavam pintadas com um pouco de trítio, brilhavam apenas o suficiente para ser visíveis na escuridão quase total da selva equatorial. Levava os óculos de visão noturna no bolso, porque lhe incomodavam.
Avançou com bem devagar, desviando de árvores e arbustos, apoiando cada pé sobre terreno firme e limpo ou afastando as folhas secas com a ponta da bota.
Era muito sério. A tensão desapareço, mas uma espécie de vozinha no ouvido dizia a ele que não estava num exercício.
Ali.
Estavam numa clareira, um a dois metros um do outro, a uns vinte metros da árvore em que se apoiava. Conversavam, e embora ele entendesse as palavras, por algum motivo, eram para ele tão estranhas quanto o latido de um cachorro. Poderia ter se aproximado mais, mas não queria correr riscos, e vinte metros era uma boa distância. Os Via claramente, além de outra árvore.
Agora.
Levantou a arma lentamente, centrou o aro da mira anterior na abertura da posterior, certificou-se que via o círculo branco completo e apontou a guia central direito à massa circular negra que, embora fosse a nuca de um homem, não era parte de um ser humano, mas sim de um alvo: uma simples coisa. O
dedo apertou o gatilho com suavidade.
A arma sacudiu levemente, mas a bandoleira impediu que se desviasse. O alvo caiu, mas antes de que chegasse ao chão, ele já apontava para o outro, que girava surpreso sob a luz da lua. Disparou uma segunda rajada. Quase não houve ruído. Chávez esperou, apontando para um e outro corpo, mas estavam imóveis.
Aproximou-se rapidamente entre as árvores. Um dos corpos segurava um AK-47. Afastou-o com um chute, tirou uma pequena lanterna do bolso e a apontou aos alvos. Um recebeu três impactos na nuca, o outro, duas no testa. O rosto do segundo denotava surpresa. O primeiro não tinha rosto. O sargento pôs joelho em terra e olhou ao redor, mas ninguém se movia. Sua única sensação era a euforia. Tanto aprendizagem, tanta instrução... funcionava! Não era como se diz uma moleza, embora tampouco fosse grande coisa.
É verdade, a noite é dos ninja.
Um momento depois, Ramírez chegou. Havia uma só coisa a dizer.
– Bom trabalho, sargento. Veja o que há na cabana. – Pegou seu transmissor – : Seis a todos. Alvo abatido, prossigam.
O pelotão entrou na cabana em poucos minutos. Ordenadamente como soldados, rodearam os cadáveres: era sua primeira experiência real de guerra O especialista de Inteligência os revistou, enquanto o capitão formava um perímetro defensivo.
– eles tem pouca coisa – disse o sargento a seu chefe.
– Vamos ver cabana.
Chávez se assegurou de que não haviam mais sentinelas. Ramírez encontrou quatro tambores de gasolina e uma bomba manual. Uma caixa de cigarros abandonada sobre um dos tambores suscitou um comentário depreciativo do capitão. Havia comida enlatada numas prateleiras toscas e um pacote com dois rolos de papel higiênico. Não havia livros, mapas nem documentos... O único objeto adicional que acharam foi um maço de cartas gordurentos.
– Como quer montar a armadilha capitão? – perguntou o sargento de Inteligência. Combateu com os
“Boinas Verdes” e era especialista em demolição.
– Três vias.
– Entendido.
Foi muito fácil. Com as mãos, cavou um pequeno fosso no chão poeirento, em cujas bordas firmou com pedaços de madeira. Colocou nele um bloco de meio quilo de explosivo plástico C-4, comum em todo mundo. Inseriu dois detonadores elétricos e um interruptor a pressão, como o de uma mina terrestre.
Conectou dois cabos de controle a interruptores respectivamente na porta e na janela, instalados de maneira que fossem invisíveis de fora, e enterrou os cabos.
Por último, rolou o tambor de combustível cheio até colocá-lo levemente sobre o interruptor de pressão. Se alguém abrisse a porta ou a janela, o C-4 explodiria embaixo de um tambor de duzentos litros de combustível de aviação, com o resultado que era de esperar. Melhor ainda, uma pessoa muito ardilosa que descobrisse os detonadores elétricos na porta e na janela, seguiria os cabos até o tambor a fim de recuperar os explosivos para usá-los mais tarde... e passaria desta para a melhor. Qualquer um podia eliminar um inimigo estúpido, mas para matar a um adversário inteligente deveria ser um artista.
– Está instalado, capitão. Vamos nos certificar que ninguém se aproxime da cabana, senhor – disse o sargento de Inteligência a seu superior.
– De acordo.
Em seguida foram dadas ordens e dois homens arrastaram os cadáveres para o centro da pista e todos se prepararam para esperar a chegada do helicóptero. Ramírez desdobrou os homens para vigiar a zona, mas sua principal preocupação era que todo mundo fizesse um inventário de seu equipamento, para que nada ficasse abandonado.
PJ se encarregou do reabastecimento. A boa visibilidade era uma vantagem, mas também era para quem vigiasse de terra. A manga se estendeu do tanque na asa do MC-130E Combat Talon, no extremo de uma mangueira de borracha reforçada, e a sonda de abastecimento do “Pave Low” se estendeu para ela e se introduziu no centro. Embora muitos observadores dissessem que essa forma de reabastecer um helicóptero era uma loucura – a manga e a sonda se uniam a quatro metros do arco da hélice, e o menor contato entre as bordas das paletas e a mangueira significaria a morte dos tripulantes do helicóptero – , os homens dos “Pave Low” insistiam que era perfeitamente normal, e que lhes sobrava experiência. Mas ainda assim o coronel Johns e o capitão Willis deixavam de prestar a máxima atenção em todo o processo, sem pronunciar uma palavra desnecessária.
– Separação, separação – disse PJ ao afastar-se da manga e retirar sua sonda. Levantou o aparelho e apertou a alavanca para afastar as paletas da mangueira.
Ao receber a ordem, o MC-130E se elevou a sua altitude de cruzeiro, onde devia permanecer voando em círculos até o retorno do helicóptero. O Pave Low III dirigiu-se para a praia, para cruzá-la num lugar despovoado.
“Epa”, sussurrou Chávez para si mesmo ao escutar o ruído. Era de um motor V-8 que tinha falta manutenção e um silencioso novo. Aumentava segundo a segundo.
– Ponta a seis, cambio.
– Aqui seis. Prossiga – respondeu o capitão Ramírez.
– Capitão, temos visitas. Parece um caminhão.
Ramírez reagiu imediatamente.
– Seis a Faca. Retrocedam para o Oeste. Ocupem os refúgios. Ponta, retroceder já.
– Entendido.
– Estou á caminho.
Chávez abandonou seu posto de vigilância sobre o caminho de terra, rodeou a cabana – a boa distância– e cruzou a pista de aterrissagem. Ramírez e Guerra arrastavam os cadáveres para as árvores.
Ajudou o capitão a arrastar sua carga, depois voltou para ajudar o especialista em operações.
refugiaram-se entre as árvores vinte segundos antes que os inimigos chegassem.
A caminhonete estava com as luzes acesas. O clarão virou a direita e esquerda pelo caminho, iluminou a mata e finalmente parou muito perto da cabana. A perplexidade dos homens era quase evidente até mesmo antes de desligar o motor e descerem. Depois de apagarem os faróis, Chávez ligou seus óculos de visão noturna. E igual às ocasiões anteriores, dois homens viajavam na cabine, outros duas na caçamba notava-se rapidamente que o motorista era o chefe. Olhava ao seu redor com raiva, vociferava, finalmente fez sinal a um dos homens que tinha descido da caçamba. Um deles foi resolutamente à cabana...
– Que merda! – Ramírez pegou seu transmissor – . Fiquem abrigados! – ordenou desnecessariamente.
...e abriu a porta.
Um tambor de combustível subiu como um foguete espacial e atravessou o teto da cabana, deixando uma esteira de chamas brancas. As chamas de outros tambores se estenderam em círculo. O homem que abriu a porta ficou com uma silueta negra, como se acabasse de abrir a porta do inferno, mas desapareceu imediatamente em meio às chamas. O mesmo torvelinho branco amarelado tragou mais dois daqueles homens. O terceiro, mais afastado da explosão inicial, correu diretamente para os soldados, mas o combustível do tambor voador caiu sobre ele e o converteu numa tocha humana que parou ao avançar dez passos. As chamas formavam um círculo de quarenta metros de diâmetro, de cujo centro se elevavam os chiados dos quatro homens, claramente audíveis no meio do grave rugido das chamas. O tanque da caminhonete explodiu por sua vez. Dos setecentos litros de combustível ardente se elevava uma nuvem em forma de cogumelo, iluminada por baixo pelas chamas. Em menos de um minuto os carregadores das diversas armas começaram a explodir, como bombinhas de São João no meio do rugido. Só a intensa chuva da tarde impediu que as chamas se estendessem à floresta.
Chávez voltou à cabeça para o especialista em Inteligência, estendido a seu lado.
– Essa armadilha bem que funcionou.
– Quem dera que esses filhos da puta tivessem esperado um pouco. – Os gritos tinham cessado.
– Sim.
– Todo mundo, reportem-se já – ordenou Ramírez. Não havia feridos.
As chamas apagavam rapidamente. O combustível de aviação se estendeu como uma fina capa sobre um grande espaço de terreno e se consumiu rapidamente.
Em três minutos, só restava uma ampla extensão encerrada num perímetro de erva e arbustos em chamas. Da caminhonete só restava um esqueleto negro, mas as tochas de luz que levava continuavam ardendo.
– Que merda foi isso? – murmurou o capitão Willis no assento esquerdo do helicóptero. Acabavam de recolher ao primeiro grupo, e ao voltar para a altitude de cruzeiro perceberam o clarão no horizonte, que se parecia como um alvorecer nos seus sistemas de visão de infravermelhos.
– Talvez um avião tenha explodido... justo na direção do último grupo – insinuou o coronel Johns.
– Ah, mas que maravilha.
– Buck, possível atividade hostil no ponto quatro.
– Entendido, coronel – disse o sargento Zimmer.
Depois dessa observação, o coronel Johns foi adiante. Já saberia o que queria saber. Passo a passo.
Trinta minutos depois da explosão, o fogo diminuiu o suficiente para permitir que o especialista em Inteligência tentasse recuperar os detonadores. Encontrou um só, quase destruído, mas era inútil.
Deixaram os cadáveres nos seus lugar, porque não tinha objeto revistá-los. Talvez levassem alguma identificação – as carteiras de couro são bastante resistentes à ação do fogo – , mas sua ausência chamaria a atenção. Arrastaram os cadáveres dos dois guardas para o centro do extremo norte da pista, onde deviam ser recolhidos, e Ramírez desdobrou seus homens prevenindo que alguém tivesse percebido o incêndio e o tivesse informado. Preocupava-se com a provável chegada do avião dos traficantes. A experiência indicava que faltavam duas horas, mas só tinham presenciado um ciclo completo, o qual era uma base muito débil para tentar fazer prognóstico.
O que acontece o avião chegar?, perguntou-se Ramírez. A possibilidade se converteu em uma ameaça imediata.
Não se podia permitir que a tripulação desse avião informasse a presença de um helicóptero grande.
Mas um avião de pequeno porte com orifício de bala na fuselagem era uma mensagem muito clara do acontecido.
E uma vez que estamos aqui, disse-se Ramírez, por que diabos nos mandaram matar esses pobres filhos da puta e embarcar aqui em vez de voltar para ponto de retirada indicado?
Bom, o que acontece se o avião chegar?
Não sabia o que responder. Não podia aterrissar a pista não estivesse assinalada pelas tochas de luz.
Além disso, na caminhonete traziam um pequeno transmissor VHF. Os traficantes eram ardilosos, tinham códigos de rádio para indicar ao avião que podia aterrissar. Mas se não pudesse, sobrevoaria a zona para inspecionar. O helicóptero poderia derrubá-lo? E se tentasse e conseguisse? E se? E se?
Antes de começar a missão, Ramírez estava convencido de que tudo tinha sido planejado até os menores detalhes, que cada contingência estava prevista... e era verdade, mas agora eram resgatados muito antes do tempo e mudavam os planos. Quem era o imbecil que tomava essas decisões?
Que merda está acontecendo?, perguntou-se. Para seus homens, era a fonte de informação, conhecimentos, condução e segurança. Tinha que fingir que tudo estava bem e sob controle. O que era mentira. Seu maior conhecimento global da operação o fazia mais consciente de sua ignorância da verdadeira situação.
Estava habituado a que o movessem como uma peça de xadrez, a sina do oficial ajudante... mas isto era sério. Por alguma razão havia seis mortos.
– Faca, aqui Falcão Noturno, câmbio – rangeu o transmissor.
– Falcão, aqui Faca. Aterrisse no extremo norte de Rena. Preparados para embarcar, câmbio.
– Bravo Raio x, câmbio.
O coronel Johns perguntava se havia problemas. Julieta Zulú era a chave de que estavam em mãos inimigas e seria impossível recolhê-los. Charlie Foxtrot significava que havia um enfrentamento, mas que podiam ser retirados. Lima Whiskey era o sinal de que não havia perigo.
– Lima Whiskey, câmbio.
– Repita, Faca, câmbio.
– Lima Whiskey, câmbio.
– Entendido, câmbio e desligo.
– Preparem as armas – ordenou PJ à tripulação de voo. O sargento Zimmer abandonou o painel de instrumentos para se encarregar da mini metralhadora direita e ativou os seis canhões. A novíssima versão da antiga “Gatling” começou a girar, livre para pegar os projéteis da gaveta à esquerda de Zimmer.
– Direita, pronta – disse pelo intercomunicador.
– Esquerda, pronta – disse Bean, no outro extremo.
Os dois estudaram as árvores através dos óculos noturnos em busca de presenças hostis.
– Luz estroboscópica as dez – disse Willis a PJ.
– Vejo-a. Merda... o que ocorreu aqui?
O “Sikorsky” desceu lentamente. Havia quatro cadáveres perto dos restos da cabana... Também havia um caminhão. Mas o pelotão Faca se achava no lugar previsto. E havia outros dois cadáveres.
– Parece que tudo está bem, Buck.
– Entendido, PJ.
Zimmer deixou sua arma e foi para trás. O sargento Bean podia utilizar uma ou outra metralhadora, segundo fora necessário, mas Zimmer tinha a tarefa de contar os resgatados. Tentou tomar cuidado com seus passos, mas ninguém protestou ao ser pisoteado. Em geral os soldados se mostram muito tolerantes com os que vão resgatar os de território inimigo.
Chávez manteve acesa a luz estroboscópica até que o helicóptero tocou terra, depois correu para se reunir com os outros. Parado junto à rampa, o capitão Ramírez contava os homens à medida que subiam.
Ding esperou até sentir a mão sobre seu ombro e gritou “dez”.
Ao saltar por cima dos corpos estendidos sobre a rampa escutou o grito do sargento da Força Aérea:
– Dez! Onze! Vamos, embora!
O helicóptero se elevou imediatamente. Chávez caiu sobre a plataforma de aço, onde Vega o recebeu. Ramírez caiu a seu lado, levantou-se e seguiu Zimmer à cabine.
– O que aconteceu? – perguntou PJ a Ramírez. O oficial de Infantaria lhe deu um relatório sucinto.
O coronel Johns aumentou a potência e seguiu voando baixo, como teria feito em todo caso. Ordenou a Zimmer que permanecesse na rampa durante dois minutos por via das dúvidas que surgisse um avião hostil, mas não aconteceu. Buck desativou sua arma e voltou para o painel de instrumentos. Em dez minutos sobrevoavam outra vez a água e esperavam o avião cisterna para reabastecer e seguir voo ao Panamá. Os infantes ajustaram seus cinto e dormiram quase imediatamente.
Chávez e Vega não: estavam sentados junto a uma fileira de dez cadáveres. Era algo impressionante, inclusive por tratar-se de soldados profissionais, um dos quais tinha matado dois daqueles. Mas o pior tinha sido as explosões. Jamais tinham visto ninguém morrer queimado, e concordaram que era uma maneira feia de morrer, embora fossem traficantes.
O voo ficou agitado quando o “Pave Low” entrou na esteira do cisterna, mas isso durou pouco.
Minutos depois, o sargento Bean – a quem Chávez identificava como o mais baixinho – foi para a parte de trás, tentando não pisar nos soldados. Prendeu seu cinto de segurança a um grampo na plataforma e disse umas palavras pelo microfone dentro do capacete. Assentiu e foi à rampa. Fez- um gesto a Chávez para que lhe desse uma mão. Ding agarrou o cinto dele enquanto ele jogava os cadáveres no mar.
Pareceu-lhe um ato de insensibilidade, mas em seguida refletiu que para os traficante dava o mesmo.
Não se aproximou para vê-los cair na água, e depois que concluiu a operação, acomodou-se para dormir.
A cento e cinquenta quilômetros dali, um avião de pequeno porte bimotor voava em círculos sobre o lugar onde a pista – que para eles era simplesmente a número seis – estava marcada vagamente por um círculo de chamas. Conseguiam ver a clareira, mas a pista mesma não estava marcada com tochas de luz, e sem essa referência visual, só um louco teria tentado aterrissar. Furiosos, e aliviados ao mesmo tempo –
sabiam que nas últimas duas semanas tinham desaparecido vários aviões – , voltaram para sua pista de origem e de ali telefonaram.
Cortez se arriscou ao pegar uma passagem num voo direto do Panamá a Medellín, embora tomasse a precaução de pagar com um cartão de crédito falso, a fim de que não pudessem rastrear o nome. Voltou para sua casa em seu próprio carro e dali tentou se comunicar-se com Escobedo, mas lhe disseram que se encontrava na fazenda. Félix estava muito cansado para ir lá nessa mesma noite, e por outro lado, negava-se a manter uma conversa reservada por um telefone celular, por muita garantias que lhe dessem.
Cansado, furioso e frustrado por várias razões, serviu-se de uma bebida forte e se deitou. Tanto esforço e para nada, disse-se na escuridão. Não podia voltar a usar Moira. Nem telefonar nem falar com ela, nem voltar a vê-la. E para cúmulo, falhou na sua última performance com ela precisamente por causa dos temores – fundados!– sobre o que seu chefe acabava de fazer.
Antes do amanhecer, meia dúzia de caminhões visitaram outras pistas aéreas. Dois grupos de homens morreram devorados pelas chamas. Um terceiro entrou na cabana e encontrou o que esperava: nada. Nos outros três não havia novidade: os guardas estavam em seus postos, satisfeitos embora aborrecidos devido à monotonia. Dois dos caminhões não voltaram. Outros foram em sua busca e rapidamente enviaram os relatórios correspondentes a Medellín. Cortez despertou ao escutar a campainha do telefone e recebeu novas ordens para viajar.
No Panamá, os infantes dormiam profundamente. Deram-lhes um dia de folga, banhos quentes, ambientes climatizados e refeições não muito saborosas, mas diferentes das rações da última semana. Os quatro oficiais foram levados à outra parte para informações e novas ordens. inteiraram-se de que a Operação SHOWBOAT tinha entrado numa nova etapa, muito mais séria. Também lhes explicaram o motivo e a fonte de suas novas ordens que era tão emocionante quanto perturbadora.
O novo S-3, ou oficial de operações, do 3º Batalhão da 17ª de Infantaria, que integrava a Primeira Brigada da 7ª Divisão de Infantaria (Ligeira) foi conhecer seu escritório enquanto sua esposa brigava com os encarregados da mudança. Achou sobre sua mesa um capacete Mark-2, de kevlar, que chamavam Fritz por sua semelhança com os da velha Wehrmacht alemã. Os capacetes da 7ª DIL, tinha no forro retalhos do material do uniforme de combate camuflado. As algemas os chamavam de repolho, e, como esse vegetal, tinha uma configuração irregular, por isso o capacete era mais difícil de descobrir.
O chefe do batalhão e seu sargento estavam numa reunião, por isso o brilhante S-3 saiu em busca do S-1, o oficial de pessoal. Reconheceram-se: cinco anos antes tinham estado juntos na Alemanha, de maneira que se sentaram a beber café e a ficar a par de suas respectivas histórias.
– Bom, me conte algo sobre o Panamá.
– Um lugar quente, horrível e quanto à situação política, já a conhece. Agora me lembrei, um pouco antes de vir para cá tive um encontro com um de seus ninjas.
– Não me diga. Quem?
– Chávez. Acredito que é sargento. O filho da puta me matou durante um exercício.
– Sim, Lembro dele. Era um dos bons. Estava com... esteee... sargento Bascomb.
– Sim, major? – Uma cabeça apareceu à porta.
– O sargento Chávez, com quem estava?
– Companhia Bravo, senhor. O pelotão do tenente Jackson, acho... Sim, o cabo Ozkanian o substituiu. Chávez foi destinado a Fort Benning, como instrutor.
– Está certo disso? – perguntou o novo S-3.
– Sim, senhor. Houve problemas com a papelada. É um dos que tiveram que ir-se de repente, lembra-se, major?
– Ah, sim. Uma embrulhada filha da mãe.
– Sim, major – assentiu o suboficial.
– Que diabos fazia numa operação de combate na zona do canal? – perguntou o oficial de operações.
– Talvez o tenente Jackson saiba, major – disse Bascomb.
– Você conhecê-lo amanhã – disse o S-1 ao novo S-3.
– Ele é bom?
– Por se tratar de um pombinho recém saído de West Point, muito bom. Conheço a família. O pai é uma espécie de pregador, e tem um irmão na aviação da Marinha. Acho que é comandante de uma esquadrilha. Conheci-o em Monterrey faz algum tempo. Bom, mas Tim tem um bom sargento para lhe ensinar os fundamentos.
– Esse garoto Chávez realmente é muito bom. Não estou acostumado a ser pego de surpresa! – O S-3 se apalpou a cicatriz do rosto – . Mas ele consegui isso, que filho da mãe!
– Há bons soldados aqui, Ed. Você vai gostar. Vamos almoçar?
– Ok. A que hora começa o treinamento?
– Seis e meia. O chefe adora correr.
O novo S-3 grunhiu ao sair. Assim era o Exército.
– Parece que nossos amiguinhos estão aborrecidos – murmurou o almirante Cutter enquanto lia um telex enviado pela divisão CAPER da operação global –. Quem teve a ideia de interceptar as comunicações?
– Sr. Clark – respondeu o SDO.
– O mesmo que...?
– Ele mesmo.
– O que você pode me dizer sobre ele?
– Mergulhador naval, esteve durante dezenove meses no Sudeste Asiático, num desses grupos especiais que nunca existiram oficialmente. Foi ferido algumas vezes – explicou Ritter – . Quando pediu baixa, tinha vinte e oito anos e era contramestre major, um dos melhores que houve. É o sujeito que salvou a vida do filho de Dutch Maxwell.
Cutter abriu bem os olhos.
– Conheci Dutch Maxwell, estive em seu Estado-Maior quando eu era oficial ajudante. Então foi ele quem salvou a Sonny? Não sabia.
– O almirante Maxwell o promoveu a suboficial major. Naquele tempo naquele tempo era chefe da aviação naval no Pacífico. Pediu baixa, casou-se e montou uma empresa comercial de demolições submarinas. É especialista em explosivos, além de mergulhador. Mas sua esposa morreu num acidente de transito no Mississipi, e depois tudo começou a dar errado. Conheceu outra garota, mas um chefe do trafico local a sequestrou e a matou: parece que ela era correio de drogas para os narcotraficantes antes de conhecê-lo. O ex-marinheiro decidiu dedicar-se à caça grande por conta própria. Foi muito bem, mas a Polícia começou a seguir sua pista. O almirante Maxwell estava no Pentágono e parece que chegou até ele a informação. Conhecia James Greer há muito tempo, e assim se deram as coisas. Decidimos que podíamos aproveitar os conhecimentos do Sr. Clark. Arrumamos sua “Morte” num acidente num barco, demos a ele um novo nome. E agora trabalha conosco.
– Como...?
– É fácil. Sua folha de serviços desapareceu. Igual aos que estão na SHOWBOAT. Alteramos os registros digitais no prontuário do FBI... era a época em que Hoover chefiava e havia algumas maneiras de fazer as coisas. Morreu e ressuscitou como John Clark.
– O que ele fez depois? – perguntou Cutter.
– É instrutor na Granja, mas de vez em quando aparece uma tarefa sob medida para seus conhecimentos especiais. Ele foi resgatar à esposa e filha do Gerasimov.
– Caramba. E tudo por causa das drogas?
– É verdade. Tem uma rixa com os traficantes, odeia esses filhos da puta mais que a tudo no mundo.
É a única coisa que o faz perder seu profissionalismo.
– Perde seu pró...
– Não é isso o que eu quis dizer, mas vai desfrutar desta missão. Vai ser tão eficiente como sempre, mas vai desfrutar. Esclareço a você que Clark é um agente muito capaz, com muito bom instinto e muito inteligente. Sabe planejar e também executar.
– Bom, me explique seu plano.
– Você vai ficar bem satisfeito.
Ritter tirou um maço de papéis de sua pasta e os desdobrou. A maioria eram fotos obtidas por satélite.
– Tenente Jackson.
– Bom dia, senhor – disse Tim, com uma continência impecável ao novo oficial de operações do batalhão. O S-3 andava pelo quartel, e se apresentava.
– Falaram-me muito bem de você. – Eram as palavras que um tenente acanhado sempre queria escutar– . Conheci um de seus sargentos.
– A qual, se posso perguntar, senhor?
– Acho que se chama Chávez.
– Ah, então, o senhor vem de Fort Benning, major?
– Não, venho do cargo de instrutor na Escola de Guerra na Selva, no Panamá.
– E que fazia Chávez lá? – perguntou-se o tenente Jackson com estranheza.
– Estava me matando – sorriu o major– . Todos seus sargentos são tão bons?
– Ele é um dos melhores. Mas estou perplexo, porque me disseram que seu novo destino era como sargento instrutor.
– Bom, assim é o Exército. Só vim a lhe dizer que manhã vou com a companhia Bravo ao exercício no Hunter-Liggett...
– Será muito agradável lhe ter conosco, major. – disse Tim Jackson. O que não era de tudo verdade.
Era apenas um aprendiz em matéria de comandar os homens, e se sentia incomodado quando era fiscalizado, mas não havia maneira de evitar. Por outro lado, a notícia sobre Chávez o tinha deixado perplexo.
Diria ao sargento Mitchell que averiguasse o que pudesse. Ding continuava sendo um de seus homens.
– Clark. – Era sua maneira de atender o telefone; além disso, a chamada veio por sua linha
“profissional”.
– Aprovado. Venha amanhã às dez.
– Entendido. – Cortou.
– Quando? – perguntou Sandy.
– Amanhã.
– Quanto tempo?
– Umas duas semanas, mas menos de um mês. – Eu acho, absteve-se de adicionar.
– É...?
– Perigoso? – John Clark abraçou a sua esposa e sorriu– . Meu amor, se fizer as coisas bem, não é perigoso.
– Por que será que estou com cabelos brancos? – perguntou Sandra Burns Clark.
– Porque logo vai ao salão de beleza e resolve o problema.
– Assunto de drogas?
– Sabe que não posso falar disso. Além do mais, só vai conseguir se preocupar, e não há motivo para isso – mentiu. O fazia com frequência. Ela sabia, e, em geral, queria que ele a reconfortasse. Mas esta vez, não.
Clark se sentou para ver a televisão. Sorriu para si mesmo. Fazia muito tempo que não saía para perseguir traficantes, e jamais num nível tão alto. Antes não dispunha dos conhecimentos nem da informação necessários. Agora tinha tudo o que precisava, inclusive a autorização presidencial. Era vantajoso trabalhar para a CIA.
115
Cortez estudou a pista – melhor dizendo, os restos dela – com uma mescla de fúria e satisfação.
Nem a Polícia nem o Exército tinham visitado o lugar, mas não deixariam de fazê-lo cedo ou tarde. Quem quer que tivesse passado por ali, tinha realizado uma tarefa exaustiva e profissional.
E quem executou isso?, perguntou-se. Eram “Boinas Verdes”? Tinha percorrido as cinco pistas, de helicóptero. Embora não fosse detetive policial, tinha estudado exaustivamente as armadilhas e sabia como as investigar, além de saber montá-las.
Os guardas dessa pista, como das outras, desapareceram. Evidentemente, estavam mortos, embora a única coisa que sabia com certeza era que não se achavam em seu posto. Talvez quisessem que pensasse que eles tinham posto os explosivos, mas eram camponeses pobres soldo do Cartel, infelizes que nem sequer tinham percorrido os arredores para assegurar-se de...
– Venham comigo. – Desceu do helicóptero seguido por um de seus ajudantes, um ex-policial que tinha certa inteligência rudimentar e ao menos sabia obedecer a uma ordem simples.
Se eu quisesse vigiar um lugar como este... eu procuraria um bom esconderijo, pensando na direção do vento e na rota mais curta para escapar.
Os militares eram pessoas previsíveis.
Procurariam um lugar do qual dominariam toda a pista sem perder de vista a cabana com o combustível. Por isso, era uma das duas pontas, pensou Cortez, e optou por inspecionar a do extremo noroeste. Durante meia hora percorreu as clareiras entre os arbustos, seguido por um homem confuso.
“Eles estiveram aqui”, disse-se Félix. Havia um pequeno montículo atrás do qual a terra estava muito alisada. Um ou mais homens tinham estado estendidos nesse lugar. Também ficavam as marcas do bipe de uma metralhadora.
Embora não soubesse quanto tempo tinham vigiado a pista, suspeitava que ali estivesse a chave do desaparecimento de tantos aviões. Os americanos?
Nesse caso, qual de suas Agências? A CIA? DEA? Uma unidade militar de operações especiais? E
por que os retiraram? Por que deixaram tantos sinais de sua partida?
E se os guardas não estivessem mortos? Se foram subornados pelos norte-americanos?
Cortez se endireitou e se sacudiu o barro das calças. Era uma mensagem. Claro que sim. Depois do assassinato do diretor do FBI – ainda não tinha abordado esse ato de loucura com o chefe – , enviavam uma mensagem: que não se repita.
O estranho era que tivessem tomado alguma medida, qualquer que fosse. Pois um dos crimes mais fáceis de cometer era o sequestro e/ou assassinato de um cidadão americano. A CIA tinha permitido que um de seus chefes fosse torturado pelos libaneses até morrer... e não tinha reagido.
Tantos fuzileiros mortos em atentados com bombas... e os Estados Unidos nunca tinham reagido.
De vez em quando enviavam uma mensagem. Eram uns idiotas. Durante dez anos tinham enviado mensagens aos norte-vietnamitas, mas não aprendiam. Desta vez em lugar de ficar quietos, fizeram algo que era pior que não fazer nada. Têm tanto poder e tão pouco conhecimento de seu uso, pensou Cortez.
Não eram como os russos. Quando um de seus agentes foi sequestrado no Líbano, os homens do Primeiro Diretório da KGB fizeram reféns e depois os haviam devolvido – a um sem cabeça, a outro sem suas partes íntimas – até que os russos desaparecidos reapareceram, e com as desculpas de praxe. Os russos eram gente bruta, mas compreendiam as regras do jogo. Eram previsíveis, aplicavam as regras clássicas da conduta clandestina para que seus inimigos soubessem o que não estavam dispostos a tolerar. Eram pessoas sérias, e agiam a sério.
Justamente o contrário dos norte-americanos. Apesar de sua insistência que cuidavam de seu pessoal, Cortez estava convencido que não reagiriam pelo ultraje do assassinato de altos funcionários de seu Governo.
Que pena, pensou Cortez. Poderia ter usado isso em proveito próprio.
– Boa noite, chefe – disse Ryan ao sentar-se.
– Tudo bem, Jack. – O almirante Greer tentou sorrir – . Como se sente no seu novo cargo?
– Por hora esquento a cadeira para o senhor.
– A cadeira é sua, filho – disse o SDI com energia – . Mesmo que eu saia daqui, acho que chegou a hora de me aposentar.
Jack não gostou daquela palavra: “mesmo”.
– Não sei se estou preparado, senhor.
– Ninguém está preparado. Que droga, na Marinha, quando pensei que por fim tinha aprendido o ofício, tive que me aposentar. Assim é a vida, Jack.
Ryan olhou ao seu redor enquanto meditava sobre isso. O almirante Greer era alimentado por meio de tubos de plástico transparentes. Um aparelho verde azulado, parecido com uma atadura, prendia as agulhas no braço, mas se percebiam alguns machucados desagradáveis ali onde os tubos intravenosos se
“infiltraram”. Mau sinal. Junto ao frasco de soro havia outro, menor, que continha o D5W. Era a medicação que lhe administravam, como quimioterapia.
Esses nomes rimbombantes não podiam ocultar a realidade de que o medicamento era um veneno, um biocida que supostamente matava o câncer um pouco mais rápido que o paciente. Não sabia o que era: esse composto era fabricado pelo Instituto Nacional de Saúde em algum lugar do Centro de Guerra Química do Exército.
Talvez colaborassem para produzir essas poções. Em todo caso, Greer parecia ser vítima de uma experiência, horrível e perversa.
Mas não era verdade. Os melhores médicos aplicavam todos seus conhecimentos para tentar de mantê-lo vivo. Mas tudo era em vão. Nunca o vira tão magro. Ryan o visitava pelo menos de três vezes por semana, e em cada visita parecia vê-lo mais debilitado. Seu olhar era tão desafiador quanto antes, mas a luz ao final desse penoso túnel não era a cura. E ele sabia disso. Jack, também. E única coisa que podiam fazer era aliviar sua dor, e por isso ia ver o. Tirou vários documentos de sua pasta.
– Dê uma olhada neles – disse Ryan.
Quase se enredaram com os tubos, e Greer murmurou aborrecido ao afastar o macarrão de plástico.
– Você viaja para a Bélgica amanhã de noite?
– Sim, senhor.
– Dê minhas lembranças a Rudi e a Franz do BND. E cuidado com a cerveja dali, filho.
– Entendido – riu Ryan.
O almirante Greer olhou o primeiro dossiê.
– Vejo que os húngaros voltaram para os velhos hábitos.
– Foi sugerido a eles que se aquietassem um pouco, e eles têm feito isso em parte, mas o problema subjacente não resolve de qualquer jeito. Acredito que se eles se acalmassem um pouco, isso beneficiaria a todos. Nosso amigo Gerasimov nos deu algumas indicações sobre como fazer chegar à mensagem a alguns sujeitos.
Greer quase soltou uma gargalhada.
– Sim, é lógico. O ex-diretor da KGB se adapta bem vida nos Estados Unidos?
– Não tanto quanto sua filha. Acontece que ela sempre quis fazer uma cirurgia plástica no nariz, e por fim conseguiu seu desejo. – Jack sorriu – . A última vez que a vi, estava se bronzeando. Voltará para a Universidade em uns meses. A esposa está um pouco nervosa, e Gerasimov continua colaborando. O que não sabemos é o que faremos com ele mais a frente.
– Diga a Arthur que lhe mostre minha casa no Maine. Ele vai gostar do clima, e é fácil de vigiar.
– Eu direi.
– Bom, me diga: Está achando interessante todo isso das Operações? – perguntou James Greer.
– O pouco que vi é bem interessante, mas sempre resta o problema de que quem pode ou não saber.
– Quem o diz isso? – perguntou o SDI, surpreso.
– O juiz – respondeu Jack –. Há algumas coisas acontecendo das que não querem que eu esteja informado.
– Não me diga. – Greer se calou um instante– . Escute, Jack. O diretor, o subdiretor... esse posto ainda não está preenchido, não é...?, e os chefes de diretório têm que estar a par de tudo. Você é chefe de diretório, não há nada que deva desconhecer. Ao contrário, tem que estar informado. E quem informa ao Congresso? Você.
Ryan quis mudar de tema. Não tinha tanta importância.
– Bom, talvez o juiz pense o contrário e...
O SDI tratou de erguer-se.
– Escute bem, filho. O que acaba de me dizer é uma estupidez. Diga a Arthur que eu opino que tem que você deve estar informado de tudo. Essa conversa mole sobre o que se pode ou não saber não chega a meu escritório.
– Sim, senhor, farei disso. – Ryan queria evitar que ele se excitasse. Ele era apenas chefe interino, estava habituado a que o marginalizassem das questões operacionais; além disso, preferia que outros se ocupassem delas. Ainda não estava preparado para enfrentar a diretor, embora fosse realmente levantar a voz sobre sua responsabilidade de informar o Congresso.
– Eu falo sério, Jack.
– Sim, senhor. – Ryan abriu outro dossiê. Havia resolvido adiar essa batalha até sua volta da Europa
–. Bem, estes sucessos no Sul da África são muito interessantes e eu gostaria de saber sua opinião...
XV
ENTREGADORES
“Clark chegou a San Diego, num voo da United”, e ali alugou um carro até a grande base naval, a curta distância do aeroporto. Como sempre, a nostalgia o embargou ao contemplar aqueles imensos navios cinzas. Tinha tomado parte nessa equipe, e embora então fosse jovem e inocente, tudo parecia mais simples que agora.
A bordo do USS Ranger reinava uma atividade febril. Clark estacionou seu carro nas vagas reservadas aos tripulantes e se aproximou das docas margeando caminhões, gruas e outros equipamentos móveis que realizavam diferentes tarefas. O porta-aviões zarparia em menos de oito horas, e seus milhares de tripulantes carregavam todo o tipo de provisão. Na plataforma de aterrissagem só havia um velho caça F-4 Phantom, sem seus motores, que se usava para treinar os tripulantes de pista. A dotação de aviões estava distribuída em três bases da aviação naval, à espera que o navio zarpasse para depois unir-se a ele. Desse jeito, poupavam os pilotos da agitação dos preparativos. Todos os pilotos menos um.
Clark subiu à recepção acompanhado por um cabo fuzileiro, encarregado de verificar que seu nome estivesse anotado na lista de visitas oficiais. O marinheiro marcou o nome na lista e efetuou uma chamada pelo telefone interno, conforme exigiam as instruções. Clark subiu as escadas, entrou no navio pela plataforma de hangares e procurou uma maneira de continuar. Para os não iniciados é difícil orientar-se num porta-aviões, mas era apenas uma questão ir subindo até encontrar a plataforma de aterrissagem.
Assim fez e se dirigiu para o elevador de estibordo. Ali era esperado por um oficial que, na gola de sua camisa parda, levava a insígnia chapeada de capitão de fragata da Marinha dos Estados Unidos. A estrela dourada presa no bolso indicava um posto de comando em alto mar. Clark procurava o chefe de uma esquadrilha de bombardeiros de médio porte, Grumman A-6E Intruder.
– Você é Jensen? – perguntou. Ele pegou um voo nas primeiras horas para chegar à entrevista.
– Sim, senhor. Roy Jensen. Sr. Carlson?
– Algo assim – sorriu Clark. Indicou ao oficial que o seguisse para a proa, onde havia pouco movimento. A maior parte das tarefas na plataforma de aterrissagem era realizada perto da popa.
Cruzaram para o setor coberto de material antiderrapante, bem similar ao asfalto de qualquer estrada.
Tinham que erguer a voz para fazer-se ouvir por cima do estrondo que se subia das docas e o assobio do vento de quinze nós. Embora estivessem à vista de todos, era difícil que alguém reparasse neles no meio do agitação da plataforma de aterrissagem, o qual, por outro lado, não era possível instalar microfones ocultos. Clark entregou para ele um envelope, cujo conteúdo Jensen leu para logo devolver-lhe encontravam-se entre as duas catapultas de proa.
– Isto é sério, não é? Não se trata de um exercício de treinamento.
– Positivo. Pode fazer isso?
Jensen o pensou um instante enquanto observava a base naval.
– Claro que sim. Quem vai estar em terra?
– Não deveria te dizer, mas serei eu.
– Supõe-se que o grupo de combate não vai para lá...
– Já nos ocupamos desse problema.
– E as armas?
– Amanhã as carregadas no Shasta. Pintaram-nas que azul, são leves...
– Sei. Fiz um do lançamentos sobre o China Lake faz mas semanas.
– Seu superior imediato receberá a ordem dentro de três dias. Mas nem ele nem ninguém sabe do que se trata. Um técnico viajará com as armas para vigiar esse aspecto da missão. Entregue as fitas a ele.
Ninguém mais deve as ver. Ele trará seu próprio jogo, seladas com fita laranja e violeta para que não se confundam com outras. Pode confiar em que seu B/N mantenha o pico fechado?
– Com estas ordens? Não duvide disso – disse o capitão Jensen.
– Perfeito. O técnico lhe informará sobre os detalhes. Primeiro se apresentará a seu chefe, mas depois pedirá falar com você. A partir de então, só fala com você. Seu chefe sabe que ninguém mais deve saber disto. Se perguntar, diga que é um exercício de bombardeio para estudar uma nova arma. – Clark levantou uma sobrancelha– : Na verdade não é mais que isso, certo?
– As pessoas que vamos ata...
– Que pessoas? Você não precisa saber nada, nem tampouco quer isso – disse Clark – . Se tiver algum problema...
– Ouça, eu disse que não há problema. É só curiosidade.
– Você é bem grandinho, sabe que não deve ser curioso. – Moderou o tom de sua voz para não ofender o oficial. Mas tinha que lhe fazer entender as coisas.
– Está bem.
O Ranger preparava-se para um exercício de combate com o propósito de exercitar à tripulação. Seu destino posterior era o oceano Índico. Durante as manobras, que durariam três semanas, ensaiariam aterrissagens, reabastecimento e inclusive um ataque a cargo de uma esquadrilha de combate que voltava do Pacífico ocidental. Mas a operação seria levada a cabo a uns quinhentos quilômetros do Panamá, não no lugar previsto inicialmente. O capitão Jensen se perguntou quem tinha tanta influência para desviar de seu rumo um total de trinta e um navios, alguns dos quais consumiam quantidades astronômicas de combustível. Isso tinha confirmado a ele que suas ordens vinham de muito acima. Jensen era um homem minucioso. Apesar do telefonema oficial e que das ordens entregues pelo Sr. Carlson lhe diziam tudo o que precisava saber tranquilizava-lhe as confirmar por uma via independente.
– Isso é tudo. Avisarão a você no momento oportuno. Calculo umas oito horas de antecedência. É o suficiente?
– Não há problema. Eu me certifiquei de que os armeiros guardem as armas no lugar indicado. E
você cuide-se em terra, Sr. Carlson.
– Farei isso. – Clark apertou a mão do piloto e se dirigiu a popa para desembarcar. Seu avião partia em duas horas.
Os policiais do Mobile estavam de péssimo humor. Um de seus camaradas tinha sido assassinado de maneira brutal e a plena luz do dia, e, para piorar, a Sra. Braden tinha cometido o erro de sair para ver o que estava acontecendo tinha sido ferida. Apesar de todos os esforços dos cirurgiões para salvá-la, foi em vão. No fim das contas, a única coisa que tinham era um rapazinho que afirmava ter ferido um dos assassinos com o “Marlin” 1939 de seu avô e algumas de manchas de sangue que talvez comprovassem suas palavras, ou talvez não. A Polícia queria acreditar que era Braden quem o tinha acertado com seus disparos, mas os peritos investigadores sabiam que um revólver de cano curto era pouco menos que inútil, a menos que o tiroteio ocorresse no interior de um elevador lotado de gente. Todos os agentes do Mississipi, Alabama, Florida e Louisiana procuravam uma caminhonete “Plymouth” Voyager azul com dois homens brancos, cabelo negro, altura média, idênticos, armados, perigosos, suspeitos de ter assassinado um policial.
A caminhonete apareceu na segunda-feira à tarde. Um cidadão responsável – em Alabama há pessoas assim – ligou para a delegacia de polícia local, que a sua vez deu o aviso a Mobile.
– O garoto tem razão – disse o tenente a cargo do caso. O corpo no assento traseiro da caminhonete apresentava um aspecto tão desagradável como pode ser um cadáver dentro de um veículo durante dois dias em pleno verão do Sul, mas o orifício perto da nuca, justo onde terminava o cabelo, era sem dúvida de um 22. Também era evidente que tinha morreu sentado no assento dianteiro direito, de uma hemorragia profusa provocada pela ferida na cabeça. Havia algo mais.
– Conheço este sujeito. Era um narcotraficante – observou outro investigador.
– Ou seja, Ernie estava metido em algo estranho?
– Quem sabe. E os filhos dele? Acabam de perder a seus dois pais... vamos declarar para o mundo que seu papai era um corrupto? Você acha que podemos fazer isso a dois órfãos?
Bastou um olhar para que ficassem de acordo em que não podiam fazer algo assim. Procurariam uma maneira de fazer que Ernie ficasse como um herói e de que alguém fizesse chegar um agradecimento a esse garoto Sanderson.
– Não se compreende o que acaba de fazer – disse Cortez. Estava resolvido a manter a calma. Nessa organização de latinos, a sua seria a voz da razão.
O Respeitariam por isso assim como os católicos apreciavam a castidade, uma qualidade incomum e digna de admiração, mas em outros.
– Ensinamos uma lição a esses norte-americanos – disse Escobedo com um ar de soberba que quase lhe fez esquecer seu propósito.
– E como replicaram?
Escobedo fez um gesto de poder e satisfação.
– Uma picada de inseto.
– Você deve compreender que todos meus esforços por obter uma fonte de informação valiosa foram anuladas. Você ferrou com eles...
– E qual era a fonte?
– A secretária particular do diretor do FBI – respondeu Cortez, também com um sorriso satisfeito.
– Não pode voltar a usá-la? – perguntou Escobedo, perplexo.
Idiota!
– Não, a menos que queira que eu seja preso, chefe. E, nesse caso, não voltaria a lhe ser útil. A informação que essa mulher nos dava, os a teríamos usado durante anos. Teria nos permitido descobrir qualquer intenção de se infiltrar na organização e também as novas ideias dos americanos. Teríamos as rebatido cuidadosamente, e teríamos protegido nosso negócio de uma vez por todas e teríamos lhes permitido algum outro êxito, para evitar suspeitas.
Cortez esteve a ponto de dizer que tinha descoberto por que desapareciam tantos aviões, mas calou.
Na verdade, não conseguia dominar sua ira. Na verdade, era possível substituir o homem que se sentava atrás da mesa. Mas antes devia demonstrar seu valor, para que os criminosos compreendessem que ele lhes seria mais útil que esse bufão. Melhor deixar que se cozessem em seu próprio molho: assim apreciavam a diferença entre um profissional da espionagem e uma manada de contrabandistas, autodidatas e excessivamente ricos.
Ryan via o oceano de doze mil metros de altitude. Não era difícil se acostumar a ser tratado como um VIP. Como chefe de uma diretória, correspondia-lhe um voo especial de Andrews até uma base aérea militar no quartel da OTAN, em Monza. Representava à CIA numa reunião bienal com outros chefes de inteligência da Aliança Europeia. Era uma reunião importante. Tinha que apresentar um relatório e causar boa impressão. Embora conhecesse muitos dos assistentes, só tinha sido um mensageiro particular de James Greer até então. Agora tinha que demonstrar o que valia. E estava certo que conseguiria. Era um homem importante, acompanhavam-no três chefes de departamento e tinha um assento muito cômodo num VC-20A. Não sabia que Emil Jacobs tinha viajado nesse mesmo avião para a Colômbia. Era bem melhor não ser disso; apesar de sua cultura, Ryan era supersticioso.
Como diretor executivo adjunto no comando das investigações, Bill Shaw era o funcionário mais graduado do FBI e, portanto, o diretor interino até que o Presidente designasse um novo diretor, de acordo com o Senado. Isto levaria algum tempo. Esse ano haveriam eleições presidenciais, e as pessoas, no começo do verão, não pensavam em designações, só em congressos partidários. A Shaw não isso incomodava. Ele estava no comando e num caso de semelhante envergadura era conveniente para o FBI ter um policial experiente no leme. As “realidades políticas” não incomodavam a William Shaw. Os agentes existiam para resolver casos criminais, e isso era a única coisa que lhe importava. A primeira que coisa fez ao inteirar-se da morte do diretor Jacobs foi chamar seu amigo, Dan Murray, para que assumisse o caso como subdiretor adjunto. Havia dois aspectos da questão: a investigação na Colômbia e a outra em Washington. Com sua experiência em Londres, Murray saberia avaliar se a investigação no estrangeiro se desenvolvia satisfatoriamente na visão do FBI.
Murray chegou ao escritório de Shaw às sete da manhã. Tinha dormido muito pouco nas últimas quarenta e oito horas, mas teria tempo de dar umas cabeçadas no avião, durante a viagem a Chicago para assistir o funeral do diretor.
– Bom, fale.
– Acabo de falar com Morais em Bogotá – disse Dan ao abrir o dossiê – . O sujeito que foi preso é um atirador do M-19. Não sabe merda nenhuma. Héctor Buente, 20 anos, expulso da Universidade dos Andes por más qualificações. Parece que os locais lhe sacudiram o pó um pouco. Morais diz que estão bem furiosos, mas o problema é que o cara sabe muito pouco. Avisaram há vários dias que estivessem alerta porque havia um trabalho importante, mas só se inteiraram do que e do onde com quatro horas de antecedência. Não sabiam que havia outra pessoa no carro, além do embaixador. E de acordo com ele, havia outro grupo de atiradores, emboscados em outra rota. A Polícia tem alguns nomes, e não deixam pedra sobre pedra. Parece-me que por esse lado não vamos a nenhuma parte. Foi um trabalho contratado, e os responsáveis desapareceram sem deixar rastros.
– E os lugares de onde dispararam?
– São dois apartamentos é certo que foram estudado muito bem. No momento certo, entraram, amarraram os ocupantes, ou mais precisamente os algemaram, e se sentaram para esperar. Um trabalho muito profissional do princípio ao fim – disse Murray.
– Quatro horas?
– Exato.
– Ou seja, depois de que o avião decolou de Andrews – murmurou Shaw.
– Isso significa que a infiltração aconteceu aqui – assentiu Murray – . O destino final do avião era Granada, onde foi parar. Mudaram de rota duas horas antes de chegar ao destino. O único colombiano que estava informado da viagem era o ministro da Justiça, que avisou seu governo três horas antes da aterrissagem. Outros altos funcionários de Governo sabiam que algo ia acontecer, daí a alerta a nossos amigos do M-19, mas os tempos não batem. A infiltração se produziu aqui, a menos que seja o ministro em pessoa. Morais diz que não é possível. Que é incorruptível, honrado como Deus, e tem muita coragem. Não tem amantes que pudessem falar. Não resta dúvida de que foi aqui, Bill.
Shaw se esfregou os olhos com força. Queria um café, mas já tinha tomado cafeína em quantidade suficiente para hiperactivar uma estátua.
– Prossiga.
– Falamos com todos aqueles que tiveram algo que ver com a viagem. É obvio que ninguém admite ter falado. Pedi uma ordem judicial para verificar as comunicações telefônicas, mas acredito que não vamos descobrir nada por esse lado.
– O que me diz de...?
– Já sei, o pessoal na base Andrews – sorriu Dan – . Estão todos na lista de suspeitos. Eram quarenta, no máximo, os que sabiam que o diretor ia viajar. Isso inclui os que se inteiraram uma hora depois da decolagem.
– As provas físicas?
– Temos um lança-missel RPG e armas variadas. Os soldados colombianos reagiram muito bem...
tem que ter coragem para entrar num edifício onde a gente sabe que há armas pesadas. Os do M-19
levavam armas leves do bloco soviético, acho que de Cuba, mas isso é circunstancial. Quero pedir aos soviéticos que nos ajudem a identificar o lote e o embarque do RPG.
– Acredita que nos ajudarão?
– Negar-se é o pior podem fazer, Bill. Vejamos se a glasnost é algo mais que conversa fiada.
– Está bem, prossiga com isso.
– De resto, o aspecto físico não tem muitos segredos, no máximo confirmará o que já sabemos.
Talvez os colombianos possam descobrir algo através do M-19, embora eu duvide disso. Faz anos que tentam de desarticular esse grupo, mas é um osso duro de roer.
– De acordo.
– Parece exausto, Bill – comentou Murray – . Deixe que os agentes jovens façam o esforço. Os velhos como nós temos que economizar forças.
– Sim, eu sei, mas veja o trabalho que tenho acumulado – disse Shaw mostrando sua mesa.
– Quando vamos?
– Às dez e meia.
– Bom, vou jogar fazer uma sesta no sofá de meu escritório. Por que não faz o mesmo?
Não é má ideia, pensou Shaw. Em dez minutos, apesar dos inúmeros cafés que bebeu, dormia estendido no seu sofá. Uma hora mais tarde, Moira Wolfe chamou a sua porta. A secretária de Shaw não tinha chegado ainda. Tinha algo importante que lhe dizer, mas não queria abrir a porta nem despertá-lo.
O diria mais tarde, no avião.
– Bom dia, Moira – disse a secretária de Shaw, que chegava nesse momento – . Algum problema?
– Queria falar com o Sr. Shaw, mas acho que ele está dormindo. Esteve trabalhando sem descanso desde...
– Sei. E não algumas horas de sono não lhe fariam mal.
– Dormirei esta noite.
– Quer que lhe diga...?
– Não, falarei com ele no avião.
Houve inconvenientes com a ordem judicial. O promotor se enganou de juiz, e o agente teve que ficar na sala de espera até 9:30, porque, essa segunda-feira, o magistrado chegou tarde em seu escritório.
Obtido o documento legal, dirigiu-se ao escritório mais próximo da Bell Telephone, que tinha acesso aos registros de chamadas.
A lista tinha quase uma centena de nomes, mais de duzentos números e sessenta e um cartões de crédito, alguns dos quais não eram da American Telephone and Telegraph. Uma hora depois, o agente recebeu a lista dos registros e verificou os números que tinha marcado para assegurar-se de que não houvesse enganos nem descontinuidade. Era um agente novato, recém saído da Academia, e era a primeira vez que o destinavam ao escritório de Washington.
Cumpria uma importante tarefa de mensageiro enquanto o supervisor lhe ensinava os rudimentos do trabalho na rua, e não prestou a suficiente atenção aos dados que acabava de obter. Por exemplo, ignorava que 58 era o prefixo indicativo de uma chamada internacional a Venezuela. Mas era jovem, e descobriria esse detalhe antes do almoço.
O avião era um VC-135, a versão militar do velho 707. Não tinha janelas, para prazer dos passageiros, mas tinha uma grande porta traseira, por onde colocaram o diretor Jacobs para seu último voo. O Presidente viajava em outro avião, que devia chegar ao aeroporto internacional de Ou'Hare minutos antes deste. Estava previsto que falasse no templo e no cemitério.
Shaw, Murray e outros altos funcionários do FBI viajavam no segundo avião, que costumava ser usado para esse tipo de tarefa e estava equipado com as ferragens necessárias para prender o ataúde no setor dianteiro da cabine. Assim tinham oportunidade de contemplar o caixão de carvalho lustrado durante toda a viagem, sem uma só janela que os distraísse. Isso era o mais deprimente. A viagem transcorreu em silêncio, só o zumbido das turbinas acompanhava os vivos e os mortos.
Mas o avião pertencia à frota presidencial, e estava dotado dos equipamentos de comunicações correspondentes. Um tenente da Força Aérea entrou na cabine, perguntou quem era Murray e o conduziu ao console de comunicações.
Sentada dez metros atrás dos funcionários, Sra. Wolfe chorava em silêncio. Lembrava-se que devia falar com o Sr. Shaw, mas não era o momento nem o lugar.
Além disso, não tinha importância: tinha cometido um erro no interrogatório na tarde anterior.
Certamente se devia ao choque produzido pelo acontecido.
Era tão... horrível. Nos últimos anos tinha perdido a entes queridos, e depois desse fim de semana se sentia... como? Confundida? Talvez. Mas não era o momento. Agora devia lembrar do melhor chefe que jamais tinha tido, que tinha sido tão atencioso com ela como com os agentes que o lisonjeavam.
Viu que Sr. Murray se dirigia para o nariz do aparelho, passando junto ao caixão que ela tinha roçado com a mão para dar o último adeus ao diretor.
A comunicação durou apenas um minuto. Depois Murray saiu da cabine de transmissões, com o rosto impassível, como sempre. Moira observou que não olhava o ataúde ao passar. Manteve a vista cravada no fundo da cabine até chegar a seu assento, junto a sua esposa.
– Merda! – murmurou Dan ao sentar-se. Sua esposa o olhou surpreendida. As pessoas não falavam assim durante um funeral. Roçou-lhe o braço, mas Murray balançou a cabeça.
Quando a olhou, sua expressão não era de dor, mas sim de tristeza.
O voo durou pouco mais de uma hora. O ataúde do diretor foi retirado pela guarda de honra, muito elegante com suas fardas de gala. Depois, os passageiros desceram à pista de asfalto, onde o resto do cortejo os aguardava, sob o olhar de longínquas câmaras de televisão. A guarda de honra ergueu o ataúde e iniciou a marcha atrás de duas bandeiras, a de sua nação e a do FBI, com a divisa “Fidelidade-Bravura-Integridade”. Murray contemplou a bandeira que ondeava ao vento. Palavras intangíveis, na verdade. Mas não era o momento de falar com Bill, pois os outros perceberiam.
– Agora sabemos por que destruímos a pista – disse Chávez, que via a cerimônia pela televisão, no cassino de suboficiais do quartel. Por fim compreendia do que se tratava.
– Então, por que nos tiraram daquele lugar? – perguntou Vega.
– Voltaremos, Urso. E para um lugar onde há pouco ar.
Larson não precisou inteirar-se pela televisão. Inclinado sobre o mapa, indicava os centros, conhecidos e possíveis, do processamento de drogas ao sudoeste do Medellín. Conhecia a zona geral, como todos, mas marcar os laboratórios propriamente ditos... era mais difícil. Em todo caso, tratava-se de um problema tecnológico. Nos Estados Unidos lhes tinha levado três décadas aperfeiçoar a tecnologia de reconhecimento de terreno. Tinha viajado aos Estados Unidos, conforme disse a seus patrões, para receber um novo avião que, aparentemente, tinha problemas nos motores.
– Quando começou isto?
– Há alguns de meses – disse Ritter.
Apesar da escassez de dados, a tarefa não era tão difícil. Tinham registrados todos os povos e aldeias da zona, inclusive as casas. Como havia corrente elétrica, eram localizadas com facilidade, e o computador eletrônico ia apagando. As fontes de energia que ficassem não eram povoados, aldeias nem propriedades rurais isoladas. Haviam resolvido arbitrariamente que tudo o que aparecesse duas vezes numa mesma semana era muito óbvio e devia ser apagado. Ficavam assim uns sessenta pontos que apareciam e desapareciam de acordo com uma tabela adjacente ao mapa e às fotografias. Cada um representava um possível centro de processamento de folhas de coca. Certamente, eram acampamentos dos narcotraficantes colombianos.
– Não se pode localizar por métodos químicos – disse Ritter – . Já tentei. As concentrações de éter e acetona no ar são as que se esperariam pelo uso normal de esmalte de unhas. Além disso, todos os processos bioquímicos são próprios do lugar. É uma selva, não? A matéria orgânica apodrece no chão e libera todo o tipo de substâncias químicas. Assim que o satélite só nos dá as imagens infravermelhas. Eles ainda trabalham de noite? Por quê?
– Permaneceu o costume da época em que o Exército os caçava ativamente. Suponho que o façam por força do hábito.
– Bom, temos um ponto de partida, não?
– E aonde isso nos deixa?
Murray jamais tinha assistido a um funeral judeu. Não era muito diferente da cerimônia católica.
Embora não compreendesse o idioma, a mensagem era similar. Senhor, devolvemos a um bom homem.
Obrigado por nos emprestar ele durante um tempo. As homenagens presidenciais, escritas pelo melhor escritor de discursos da Casa Branca, era bem engenhoso, com passagens da Torá, o Talmud e o Novo Testamento. Depois se referia à justiça, o deus secular a que Emil tinha servido durante toda sua vida adulta. Entretanto, na última parte do discurso, quando disse que os homens deviam expulsar o desejo de vingança de seus corações, Murray pensou que... não eram palavras sinceras. O discurso era muito poético, mas, nesse momento, falava como um político. Estou-me deixando levar por meu cinismo?
Perguntou-se o agente. Era um policial, a justiça para ele significava que os filhos da puta que cometiam crimes deviam sofrer o correspondente castigo. Evidentemente, apesar de falar como um estadista, o Presidente pensava o mesmo. O que para Murray parecia muito bom.
Os soldados viam a cena pela televisão, quase em silêncio. Alguns afiavam suas facas nas pedras de amolar, mas a maioria escutava em silencio seu Presidente. Sabiam quem matou o homem cujo nome poucos tinham ouvido mencionar antes de sua morte. Chávez tinha sido o primeiro a chegar à conclusão certa, mas não era preciso muita imaginação para isso. Receberam a notícia implícita como um cuspe no rosto. Era a prova adicional que o inimigo atacou um dos símbolos mais importantes da nação. Ali estava a bandeira dos Estados Unidos estendida sobre o ataúde. Também estava a bandeira da Agência que o homem tinha presidido, mas não era trabalho para a Polícia. Por isso os soldados se olhavam em silêncio enquanto o comandante em chefe pronunciava seu discurso. E quando terminou, seu próprio chefe entrou no cassino.
– Voltaremos esta noite. Felizmente, aonde vamos, não faz tanto calor – disse o capitão Ramírez a seus homens. Chávez olhou a Vega e lhe piscou um olho.
O USS Ranger zarpou com a maré, arrastado por uma flotilha de rebocadores, enquanto sua escolta o esperava fora do porto, agitados pelas grandes ondas do Pacífico. Uma hora depois, já fora do porto, navegava a vinte nós. Outra hora a mais, e foi o momento de iniciar as operações de voo.
Primeiro chegaram os helicópteros, um dos quais reabasteceu de combustível e levantou voo para ocupar seu posto de vigia aéreo em frente ao quarto de estibordo. Os primeiros aviões de asa fixa foram os bombardeiros “Intruder” sob o comando de seu chefe, o comandante Jensen. Ao partir tinha visto que o navio de munições, USS Shasta, esquentava seus motores. Esse navio era parte da frota de abastecimento, que zarpava duas horas depois da frota de combate. O Shasta levava as armas que Jensen lançaria.
Conhecia o tipo de alvos a que devia apontar. Ignorava os lugares exatos, mas tinha uma ideia geral, e, como disse a si mesmo ao descer de seu avião, não queria saber mais nada. Já lhe haviam dito que os
“danos colaterais” não eram problema dele.
Que palavra tão estranha, pensou. Danos colaterais. Que termo tão frio para referir-se a pessoas que iriam morrer, só porque o destino tinha determinado que estariam num determinado lugar e em determinada hora. Sentia pena dessas pessoas, embora não muita.
Clark chegou a Bogotá nessa mesma tarde. Ninguém foi o esperar. Alugou um carro, partiu e se parou num caminho vicinal, a certa distância do aeroporto.
Durante vários minutos esperou inquieto, que chegasse outro automóvel. O condutor, um agente da CIA do escritório local, entregou-lhe um pacote e se afastou sem dizer uma palavra. O pacote não era grande, pesava uns quinze quilos, a metade dos quais correspondiam a um robusto tripé. Colocou-o com cuidado no piso do carro e se afastou. Em sua vida entregou algumas “mensagens”, mas nenhuma tão contundente. A ideia era dele..., se não toda, grande parte dela. Isso o fazia um pouco mais passível.
O VC-135 partiu duas horas depois do funeral. Pena que não houvesse um velório em Chicago.
Esse era um costume irlandês, não de judeus oriundos da Europa Oriental, mas Dan Murray estava certo que Emil teria gostado. Onde quer que estivesse, teria sorrido ao ver como erguiam canecas de cerveja ou copos de uísque para brindar em sua memória. Mas não era o momento de pensar nisso. A pedido dela, sua esposa se sentou com a de Shaw noutra parte do avião para que ele pudesse conversar com o Bill.
Certamente, este se deu conta, mas antes de perguntar esperou a que o avião levantasse voo.
– O que está acontecendo?
Murray lhe entregou a folha que tinha retirado do fax do avião umas horas antes.
– Merda! – disse Shaw baixo – . Moira, não! Ela não!
XVI
LISTA DE ALVOS
– Estou aberto a qualquer sugestão – disse Murray, mas imediatamente sentiu remorsos.
– Por Deus, Dan! – exclamou Shaw de repente. Sua pele tinha tomado uma cor cinzenta.
– Perdoe-me, mas..., droga, Bill!, quer ir direito ao ponto ou procuramos a saída fácil?
– Vá direito o ponto.
– Um dos rapazes do escritório local fez o interrogatório de praxe com ela. Ela diz que não o comentou com ninguém. Pode ser, mas a quem diabos ela chamou na Venezuela? Verificaram os registros de tudo no ano anterior, mas não teve chamadas anteriores. O rapaz a quem entreguei a tarefa investigou um pouco mais. O número a que ela telefonou é de um apartamento, e o telefone de lá fez uma chamada para a Colômbia pouco depois de receber o de Moira.
– Meu Deus. – Shaw balançou a cabeça. Se fosse outra pessoa, sua reação teria sido de raiva, mas Moira trabalhava como secretária de Jacobs bem antes que ele fosse diretor, quando comandava o escritório de Nova Iorque.
– Talvez tenha sido um ato inocente, ou uma casualidade – disse Murray, mas isso não melhorou o ânimo do Bill.
– Quer avaliar as probabilidades ser assim?
– Não.
– Bom, do aeroporto vamos todos ao trabalho. A Chamarei em meu escritório uma hora depois de chegar. Quero que esteja presente.
– De acordo.
Murray balançou a cabeça. Tinha-a visto chorar junto à tumba. Tinha conhecido todo o tipo de traidor e visto muita deslealdade durante sua carreira, mas não podia pensar isso de Moira. É casualidade, não pode ser outra coisa. Talvez seu filho se corresponda com um menino de lá. Ou algo assim, pelo que sei! disse-se.
Os detetives que revistaram a casa do sargento Braden acharam o que procuravam. Pouca coisa: apenas o estojo de uma câmera. Mas era uma “Nikon” F-3 com lentes no valor de oito ou nove mil dólares. O salário de sargento de Polícia não permitia semelhante gasto. Enquanto os agentes revistavam o resto da casa, o oficial a cargo da investigação chamou o escritório da “Nikon” para perguntar se o dono da câmara com tal número de série tinha solicitado garantia. A resposta foi afirmativa. E ao escutar o nome correspondente, o oficial compreendeu que devia dar parte ao FBI. Era um caso federal, e, por outro lado, queria proteger a memória de um homem que em vida tinha sido um policial corrupto. Porque, independentemente do que tivesse feito, restavam seus filhos. Talvez o FBI o compreendesse.
Sabia que cometia um crime federal, mas o advogado considerava que tinha um dever para com seus defendidos. Era uma dessas questões escuras que aparecem pouco nos textos de Direito, mas com frequência nos tomos de jurisprudência. Estava convencido de que se cometeu um crime, que ninguém investigava, e que seu esclarecimento facilitaria a defesa de dois homens para quem o promotor tinha solicitado a pena máxima por homicídio. Pensava que não o descobririam, mas se isso acontecesse, teria bons argumentos para justificar sua ação ante a comissão de ética profissional do Colégio de Advogados do Estado. Tinha um dever profissional que cumprir, e, além disso, repudiava a pena de morte. Para o Edward Stuart, a decisão era inevitável.
Já não a chamavam de Happy Hour no cassino de suboficiais da base; embora, no fundo, nada tivesse mudado. Stuart serviu na Marinha como oficial auditor a bordo de um porta-aviões – uma cidade flutuante de seis mil pessoas precisava de um advogado ou dois – e conhecia bem os marinheiros. Em uma loja de uniformes tinha adquirido a roupa e os galões de um oficial de almoxarife dos guarda costeira. Quando chegou à base foi direito ao cassino, onde sabia que, enquanto pagasse suas bebidas em dinheiro, ninguém perceberia sua presença. Tinha servido como almoxarife no Eisenhower, e conhecia o jargão suficientemente para se aprovado um exame superficial de autenticidade. Agora tinha que identificar um tripulante do Panache.
O navio estava em manutenção, como sempre acontecia antes de iniciar uma missão de patrulha, e os tripulantes não deixariam de ir ao cassino a desfrutar de umas cervejas antes de zarpar. Era questão de identificar os sujeitos que precisava. Sabia seus nomes e tinha repassado os noticiários de televisão para recordar seus rostos. Por pura sorte, deparou-se com Bob Riley. Sabia mais dele que de outros suboficiais superiores.
O suboficial principal ajudante de contramestre chegou às 16.30, depois de ter ficado dez horas na tórrida coberta, fiscalizando diversos trabalhos de manutenção. Tinha comido pouco e considerava que umas algumas canecas de cerveja lhe devolveriam os fluidos e eletrólitos que tinha perdido sob o sol do Alabama. A garçonete o viu entrar e lhe serviu uma caneca bem grande de cerveja antes de que chegasse ao balcão. Um minuto, e meia cerveja, depois,
Edward Stuart o abordou.
– Bob Riley?
– Sim – disse o contramestre sem voltar-se – . Quem é você?
– Sabia que não me se lembraria de mim. Sou Matt Stevens. Uma vez, faz anos, chutou o meu traseiro no velho Mellon. Disse que não ia servir para merda nenhuma.
– Parece que me enganei – repôs Riley, tentando se lembrar daquele rosto.
– Não, tinha razão. Eu era um pobre infeliz, mas você..., bom, acredito que estou em dívida com você, principal. Aprendi e bem, sobre tudo pelo que você disse. – Stuart estendeu a mão – . Pelo menos, devo-lhe uma cerveja.
Não era a primeira vez que alguém abordava assim a Riley.
– Bom, o que vai fazer. A todos tem que levar uma sacudida de vez em quando. Fizeram comigo quando comecei.
– E eu já a fiz com um ou dois rapazes – sorriu Stuart – . Um suboficial principal tem que ser sério e responsável, não é? Se não, quem cuida dos oficiais?
Riley assentiu.
– Quem é seu chefe agora?
– O almirante Hally. Veio a Buzzard’s Point a conferenciar com os chefes da base. Acredito que foram a jogar golfe. Nunca aprendi a jogar. Você está no Panache, não é?
– Sim, senhor.
– Com o capitão Wegener?
– Isso. – Riley esvaziou sua caneca. Stuart indicou à garçonete que lhes servisse de novo.
– É tão bom como dizem?
– Rede é melhor marinheiro que eu – reconheceu Riley, muito sério.
– Isso é impossível, principal. Não me convence. Lembre-se que estive ali quando chegou esse navio... Como se chamava essa cisterna que se partiu em dois?
– Arctic Star. – Riley sorriu ao lembrar – . Droga, nesse dia fizemos por merecer o nosso pagamento.
– Sim, eu vi. Achei que você estava maluco. Agora, só piloto o computador pessoal do almirante, mas estive num rebocador que saía de Norfolk, antes de chegar a principal. Claro que não foi nada parecido ao do Arctic Star.
– Não se menospreze, Matt. Cada posto tem suas vantagens. Eu já estou velho para essas loucuras.
– Que tal é a cozinha daqui?
– Não está má.
– Então eu te convido.
– Matt, honestamente, nem sequer lembro do que aconteceu.
– Eu sim – lhe assegurou Stuart – . Se não fosse por isso, eu realmente não seria merda nenhuma.
Sério, tenho uma dívida com você. Vamos.
Ocuparam um reservado junto à parede e bebiam a terceira jarra de cerveja quando o suboficial major Oreza apareceu.
– Aqui, Português – disse Riley a seu camarada.
– Vejo que há boa cerveja, Bob.
– Te apresento a Matt Stevens. Estivemos juntos no Mellon. Alguma vez te falei sobre o Arctic Star?
– Apenas trinta ou quarenta vezes – disse Oreza.
– Lembra como foi, Matt?
– É que não cheguei a ver tudo o que aconteceu, e...
– Claro, os rapazes vomitavam até as tripas. Soprava um verdadeiro furacão. O helicóptero não podia decolar, e este navio tanque... quero dizer, o quarto de popa, porque o de proa se foi pique..., estava a ponto de...
Uma hora, e duas cervejas, depois, os três consumiam uma porção de salsichas alemãs com sauerkraut, a melhor combinação com a cerveja. Stuart lhes falou sobre seu almirante, o auditor em chefe do Serviço de Guarda costeira, no qual os oficiais do corpo também pertencem ao corpo de comando, sabem comandar navios e dirigir homens.
– Ouçam, fala-se muito sobre o que fizeram com esses dois traficantes filhos da puta. É verdade o que dizem?
– E o que é o que dizem? – perguntou Oreza, que ainda não estava embriagado de todo.
– Os caras do FBI vieram ver Hally, sabem. Eu mesmo gravei os informes no computador.
– E o que disseram os caras do FBI?
– É que não posso... bom, a merda com isso. Não passa nada com vocês. O FBI não vão perseguir vocês. Disseram ao capitão: “Vai e não peques mais”.
A confissão que arrancaram desses filhos da puta... não souberam? A Operação TARPÓN. Tudo começou graças a vocês. Não sabiam?
– Se sabíamos do que? – Fazia vários dias que Riley não lia o jornal nem via a televisão. Estava informado da morte do diretor do FBI, mas não tinha a menor ideia que tivesse alguma relação com seus preparativos de execução, como ele o chamava na intimidade de seu camarote.
Stuart lhes disse tudo o que sabia, o que era o bastante.
– Quinhentos milhões de dólares? – murmurou Oreza – . Poderiam comprar alguns de navio novos.
– Que não seria nada mal – assentiu Stuart – . me Digam, não é verdade que... enforcaram um dos infelizes. – O advogado tirou um micro-gravador “Radio Shack” do bolso e aumentou o volume ao máximo.
– Foi ideia do Português – disse Riley.
– Mas não poderia ter feito sem sua ajuda, Bob – o interrompeu Oreza, generoso.
– O problema era como fazê-lo – explicou Riley – . Tinha que parecer verdade para que o baixinho se cagasse de medo. A verdade, não foi grande coisa. O farmacêutico pôs uma injeção de éter para fazê-lo dormir e eu lhe atei um arnês às costas. Quando o erguemos da plataforma, o nó corrediço tinha também um gancho. Então lhe pus o nó corrediço no pescoço; mas, ao mesmo tempo, passamos o gancho pelo arnês. Erguemos ele pelas costas, não pelo pescoço. Não queríamos matá-lo...; melhor dizendo, eu, sim, mas Rede pensou que não era conveniente. – O contramestre e seu ajudante trocaram sorrisos.
– A outra questão era o capuz – disse Oreza – . Lhe tampamos a cabeça, mas dentro havia uma gaze empapada em éter. O filho da puta chiou como um porco, mas quando o erguemos na verga, ele já estava dormido.
– O baixinho acreditou. mijou-se nas calças! Quando o levamos ao salão, cantou tudo o que sabia.
Claro que o outro descemos em seguida. Tinham estado fumando bagulhos o dia todo, acho que não se deram conta de nada.
Claro que não.
– Bagulhos?
– Foi ideia de Rede. Tinham uma provisão... pareciam cigarros. Os devolvemos e passaram o dia fumando. Com isso e com o éter, não souberam o que lhes ocorreu.
Sim souberam um pouco, sim souberam, pensou Stuart, rogando para si mesmo que o aparelho gravador funcionasse bem.
– Quem dera que os tivéssemos enforcado a sério – disse Riley depois de uma pausa – . Velho, nunca vi coisa igual a esse iate. Eram quatro... mataram-nos como a vacas no matadouro. Eu não sabia o que era o aroma de sangue, mas ali me inteirei – assegurou o contramestre– . Violaram a esposa e a menina, e as esquartejaram como se fossem... merda! Até hoje tenho pesadelos. Pesadelos, eu! Merda, quem dera que eu pudesse esquecer! Minha filha é da mesma idade.
Os filhos de puta, violaram-na, mataram-na e a deram de comer aos tubarões. Uma menina que nem sequer tinha idade para sair com um menino.
Todos acham que somos profissionais, como a Polícia, não? Conservamos a cabeça, não nos deixamos alterar por nada, não? Merda!
– Assim diz o manual – assentiu Stuart.
– Quem escreveu esse manual nunca viu uma coisa assim – disse o Português – . Os sujeitos capazes de fazer isto... não são pessoas. Não sei que merda são, mas não são pessoas. que faz uma coisa assim deixa de ser, Matt.
– Bom, o que querem que eu diga? – repôs Stuart, na defensiva, abandonando por um instante seu papel – . A lei se ocupa desse tipo de gente.
– Mas me parece que com a lei não vamos a nenhum lugar – disse Riley.
A diferença entre os sujeitos que estava obrigado a defender e aqueles cujo testemunho devia impugnar, pensou Stuart em meio aos efeitos do álcool, era que os maus eram seus defendidos, os bons, não. Ao se fazer passar por suboficial da guarda costeira tinha violado uma lei para servir a um bem superior, uma causa moral superior. O mesmo tinham feito eles. perguntou-se quem entre eles tinha razão.
Claro que isso não tinha importância. A questão da “razão” estava em alguma parte, mas não nos textos de Direito nem nos de normas éticas. Então, onde merda estava? Mas Stuart era advogado, não lhe interessava a razão a não ser o direito. A razão era privativa de juízes e jurados. Algo assim. Cometera um erro ao beber tanto. A bebida esclarece a confusão e confunde a clareza.
Dessa vez a viagem foi muito mais agitada que antes. Os ventos do oeste vinham do Pacífico, chocavam-se contra os Andes e se erguiam em busca de passagens entre as montanhas, gerando turbulências a dez mil metros de altitude. O voo a cem metros sobre o nível solo era muito agitado, ainda mais que o “Pave Low” seguia em piloto automático, seguindo as configurações do terreno. Johns e Willis estavam bem presos a seus assentos para reduzir os efeitos, mas sabiam que os passageiros passavam muito mal com os saltos de cinco metros que o enorme “Sikorsky” dava a razão de dez por minuto. PJ não largava a alavanca: deixava o piloto automático agir, mas estava preparado para assumir o comando a menor falha do sistema. Costumava dizer que isso era voar a sério, o que significava perigoso.
Nesse momento sobrevoavam uma alta meseta entre um pico de três mil e duzentos metros ao Sul e outro de dois mil e quinhentos ao Norte. Boa parte do vento do Pacífico atravessava esse funil pelo qual passava o “Pave Low” a duzentos nós. Levavam muito peso, porque tinham os tanques cheios ao chegar à costa colombiana.
– Ali está Mistrato – disse o coronel Johns. O sistema de navegação computadorizado os desviara para o Norte para passar longe dessa cidade e das rotas circundantes. Os dois pilotos estudavam o terreno em busca das luzes de algum automóvel ou de uma casa. Tinham planejado a rota na base de fotografias diurnas e noturnas, mas sempre cabia a possibilidade de uma surpresa.
– Buck, primeira aterrissagem em quatro minutos – disse PJ.
– Entendido.
Sobrevoavam a província da Risaralda, parte do grande vale entre duas enormes cadeias montanhosas geradas por uma falha da crosta terrestre. PJ era aficionado por geologia. Era consciente da força requerida para erguer seu aparelho a semelhante altitude, mas a magnitude das forças capazes de elevar essas montanhas quase escapava a sua compreensão.
– Aterrissagem um à vista – disse o capitão Willis.
– Estou vendo. – O coronel pegou a alavanca e seu microfone – . Um minuto. Preparem as armas.
– Entendido.
O sargento Zimmer saiu de seu posto e foi para trás. O sargento Bean ativou sua metralhadora.
Zimmer escorregou num atoleiro de vômito e quase caiu no chão. Já estava acostumado com isso. O voo era menos agitado agora que as montanhas os protegiam do vento, mas lá atrás havia uns rapazes muito enjoados que desejavam descer para a terra firme o quanto antes possível. Para Zimmer, isso era incompreensível. Em terra haviam muitos perigos.
O helicóptero desceu e o primeiro pelotão se preparou para saltar. Fizeram isso logo que o aparelho se deteve. Zimmer os contou, verificou que ninguém estiva ferido e deu a voz de partir.
A próxima vez, pensou Chávez, a próxima vez não venho, merda! Não era a primeira vez que voava em condições turbulentas, mas nunca tinha lhe acontecido nada semelhante. Encabeçou o trote para as árvores e esperou o resto do pelotão.
– Que bom é estar em terra – disse Vega ao alcançá-lo.
– Não sabia que tinha comido tanto – gemeu Ding. Todo o conteúdo de seu estômago se foi com o helicóptero. Abriu seu cantil e bebeu quase meio litro, só para limpar o sabor amargo.
– Antes eu gostava de montanha russa – disse Urso – . Nunca mais, mano!
– Caralho! Eu digo o mesmo. – Chávez recordava das montanhas russas de Kontt's Beny Farm e outros parques de diversões da Califórnia. Nunca mais!
– Como você está se sentindo, Ding? – perguntou o capitão Ramírez.
– Sinto muito, capitão. Nunca me aconteceu algo assim, é a primeira vez na minha vida. Daqui a pouco vou estar bem – prometeu a seu chefe.
– Descanse um momento. Escolhemos um lugar bem tranquilo para a descida. – Isso eu espero.
Chávez sacudiu a cabeça com vigor. Não sabia que o enjoo se originava no ouvido interno; até meia hora antes, não conhecia o enjoo. Mas tomou fôlego e sacudiu a cabeça, a melhor maneira de recuperar o equilíbrio. Embora repetisse, para si, várias vezes que a terra não se movia sob os pés, parte de seu cérebro lhe assegurava outra coisa.
– Para onde, capitão?
– Para onde você estava indo. – Ramírez lhe tocou o ombro com força– . Em marcha.
Chávez colocou os óculos de visão noturna e iniciou a marcha através da floresta. Deus, que vergonha. Jamais voltaria a cometer semelhante estupidez.
A cabeça lhe dizia que suas pernas se deslocavam numa direção e seu corpo em outra. Concentrou-se no terreno e se adiantou rapidamente até deixar ao pelotão uns duzentos metros para trás. Pensava que a primeira missão, nos vales pantanosos, tinha sido um exercício. Mas agora era sério.
Com essa ideia, os últimos restos da náusea se dissiparam e começou a se mover a sério.
Nessa noite trabalharam até muito tarde. além da investigação, havia muito trabalho atrasado.
Quando Sr. Shaw convocou Moira a seu escritório, ela tinha reunido toda a informação requerida e era o momento de lhe dizer o que tinha esquecido no dia anterior. Não se surpreendeu ao ver o Sr. Murray, mas se surpreendeu com a sua pergunta.
– Moira, te interrogaram sobre a viagem de Emil? – perguntou Dan.
– Sim, mas esqueci mencionar um detalhe. Devia dizer ao Sr. Shaw esta manhã, mas não quis acordá-lo. Connie me viu – assegurou.
– Prossiga – disse Bill, enquanto se perguntava se isso melhorava as coisas.
A Sra. Wolfe se sentou e olhou para a porta aberta. Murray a fechou, e ao voltar tocou-lhe o ombro com suavidade.
– Não se preocupe, Moira.
– Tenho um amigo na Venezuela. Conhecemo-nos... bom, conhecemo-nos faz um mês e meio e...
custa-me muito falar disto. – Vacilou e olhou para o tapete uns instantes antes de prosseguir– . Estamos apaixonados. Ele viaja uma ou duas vezes por mês, e agora que o diretor estava ausente, queríamos passar um fim de semana em... conhecem “The Hideaway”, perto das cavernas do Luray?
– Sim, eu conheço – disse Shaw – . Um bom lugar para se afastar do barulho da civilização.
– Quando eu soube que Sr. Jacobs iria viajar e que tinha um fim de semana longo, eu liguei para ele. Ele é dono de uma fábrica de peças reposição de automóveis. Na verdade são duas fábricas, uma na Venezuela e outra na Costa Rica. Fabricam carburadores, e coisas do tipo.
– Ligou para sua casa? – perguntou Murray.
– Não. Ele trabalha tanto que liguei para a fábrica. Tenho o telefone. – Entregou a folha com cabeçalho do “Sheraton”. Quem me atendeu foi sua secretária, que se chama Consuelo, porque ele estava no fábrica. Depois ele me chamou, disse-lhe que podíamos passar o fim de semana, e então ele veio...
encontramo-nos na sextas-feiras no aeroporto. Fui pouco depois da partida do Sr. Jacobs.
– Em que aeroporto se encontraram?
– Dulles.
– Como se chama? – perguntou Shaw.
– Diaz. Juan Diaz. Podem ligar para a fábrica, que...
– Moira, esse telefone não é de uma fábrica mas sim de um apartamento – disse Murray.
Bruscamente e claramente.
– Mas... ele... – Vacilou– . Não. Não. Ele não é...
– Moira, queremos uma descrição exata.
– Não pode ser. – Abriu a boca de par em par. Olhou para um e para o outro, embargada pelo horror. Estava de luto, provavelmente o mesmo vestido que tinha usado no funeral de seu marido.
Durante algumas semanas voltara a ser uma mulher alegre, bela, feliz. Nunca mais. Os chefes do FBI perceberam sua dor, e detestaram ser a causa. Ela também era uma vítima. Mas também era uma pista, justo a que necessitavam.
Com a escassa dignidade lhe retava, Moira Wolfe lhes deu uma descrição exaustiva e precisa, numa voz frágil como o cristal. Depois perdeu o controle.
Shaw fez que seu próprio ajudante a levasse a casa.
– Cortez – disse Murray apenas se fechou a porta.
– Com certeza mais que provável – assentiu subdiretor adjunto de Investigações – . O relatório sobre ele diz que é um gênio para comprometer às pessoas. Melhor prova que esta, impossível. – Shaw balançou a cabeça ao servir o café – . Mas parece impossível que ele estivesse sabendo do atentado, não?
– Claro, se não, não teria sentido vir aqui – disse Murray – . Mas os criminosos não agem por lógica. Bom, começaremos pelos postos da imigração, hotéis e companhias aéreas. Para ver se podemos rastrear esse grande filho da puta. Eu cuidarei disso. O que faremos com a Moira?
– Acho que ela não violou nenhuma lei, ou sim? – Isso era o mais estranho – . Terá que lhe conseguir um posto onde não tenha acesso a materiais reservados, talvez em outra Agência. Não devemos destruí-la, Dan.
– É obvio que não.
Moira Wolfe chegou em sua casa pouco antes das onze. Seus filhos a esperavam acordados.
Acharam que suas lágrimas eram uma reação tardia depois do funeral. Tinham conhecido a Emil Jacobs e lamentavam sua morte tanto como qualquer de seus colaboradores do FBI. Ela falou muito pouco, deixou-os sentados em frente ao televisor e subiu para o seu quarto. A sós no banheiro, e viu no espelho o rosto da mulher que se deixou seduzir e se usada como... como uma idiota; não, pior: como uma velha estúpida, vaidosa, solitária, em busca da juventude perdida. Tão desesperada pela falta de amor que... A quantos tinha condenado? A sete? Tentou em vão se lembrar, enquanto observava seu rosto no espelho.
Os jovens agentes de segurança também tinham esposa e filhos. Ela mesma tinha tricotado um suéter para o primeiro filho de Leon. Era tão pequenino... nunca saberia que seu pai tinha sido um jovem amável e atraente.
Eu sou a culpada.
Ajudei a matá-los.
Abriu o espelho do estojo de primeiro socorros. Como a maioria das pessoas, os Wolfe não jogavam os frascos de medicamentos fora, e ali estava, a vasilha de plástico de “Placidy”, tal como se lembrava.
Restavam seis pílulas; certamente bastariam.
– A que se deve esta nova visita? – perguntou Timmy Jackson a seu irmão mais velho.
– Navegarei no Ranger para observar uma operação com a frota. vamos ensaiar umas novas táticas de interceptação que eu ajudei a elaborar. E deram o comando do Enterprise a um amigo meu, assim vim um dia antes para assistir a cerimônia. Amanhã vou a San Diego para pegar o COD até o Ranger.
– O que é o COD?
– É parecido com caminhão de partilha do porta-aviões – explicou Robby – . Um bimotor turboélice. Bom, como seguem as coisas na Infantaria leve?
– Sempre correndo pelas montanhas. Meu novo chefe de pelotão fudeu todo o exercício. Não é justo
– se lamentou Tim.
– O que aconteceu?
O tenente Jackson esvaziou sua xícara antes de responder.
– ”Um tenente inexperiente e um chefe de pelotão inexperiente são uma carga excessiva para qualquer unidade.” É isso que diz o novo S-3, que veio conosco. Claro que o capitão não pensa o mesmo.
Ontem chutou o meu traseiro. Merda, o que não daria de ter outra vez a Chávez.
– Quem?
– Ao chefe de pelotão que me tiraram. Ele... ainda não entendi bem. Foi enviado como instrutor ao centro de treinamento, mas foi parar em outro lugar. O S-3 diz que o viu no Panamá faz alguns semanas.
Pedi ao sargento que o rastreasse, para ver que diabos estava se passando..., é um de meus homens, compreende. – Robby assentiu. Compreendia – . Bom, perderam seus papéis, e que no Setor de Pessoal não sabem o que pensar. Chamaram Fort Benning para perguntar onde diabos ele estava, e que o estavam esperando. Ninguém sabe onde diabos está Ding. Acontece isto na Marinha também?
– Temos um ditado: que desaparece é porque quer desaparecer.
Tim balançou a cabeça.
– Se fosse outro eu acreditaria, mas Ding, não. Está alistado para toda a vida, nunca vai pedir a baixa. Vai chegar a sargento major comandante de tropa. Ele não é um desertor.
– Talvez eles tenham extraviado a papelada – disse Robby.
– Pode ser. Na verdade, não tenho experiência nessas coisas. Também me chamou a atenção que ele tenha aparecido lá, no meio da selva. Bom, vamos deixar isso de lado. Como vai a Sis?
A única vantagem do lugar era que não fazia calor. Ao contrário, a temperatura era relativamente baixa. Talvez a consequência da falta de ar, pensou Ding. A altitude era inferior apenas a do centro de treinamento no Colorado, mas eles já tinham saído de há várias semanas, e eles precisavam de alguns dias para voltar a se aclimar.
As colinas – ninguém chamaria de colinas esses montículos – eram bem escarpados e apesar da frondosa vegetação, teria que ter muito cuidado. Por sorte, o densa arvoredo dificultava a visibilidade.
Seus óculos de visão noturna, torcidos como uma boina mal feita, permitiam-lhe ver apenas cem metros, às vezes menos; as altas copas das árvores eliminavam a luz que o olho requeria para uma simples visão.
Era um lugar fantasmagórico e solitário, mas para o sargento Chávez, era como sua segunda casa.
Não se movia em linha reta para o objetivo nessa marcha noturna, mas seguia o modo preconizado pelo Exército: de virar constantemente à esquerda e a direita do rumo que deveria seguir. Cada meia hora parava, voltava um lance sobre seus passos e esperava que o resto do pelotão aparecesse.
Depois eles descansavam uns minutos enquanto verificavam se alguém se interessava por eles.
A bandoleira da sua MP-5 tinha um dobro do tamanho que lhe permitia levá-la em posição de tiro.
A boca do cano estava atada com fita isolante para impedir a entrada de objetos estranhos. Também tinha posto fita nas ferragens da bandoleira para diminuir o ruído. Seu pior inimigo era o ruído. Chávez se concentrava nisso, na visão e em várias outras coisas mais. Dessa vez era uma missão real. O relatório prévio tinha sido muito claro. Já não era uma missão de reconhecimento.
Depois de seis horas de marcha avistou o lugar onde passariam noite. Chávez enviou o sinal – cinco toques no botão do transmissor que eram respondidos com três – para que outros o esperassem enquanto ele reconhecia o lugar. Era um verdadeiro ninho de águias do qual dominavam um lance de muitos quilômetros da estrada principal de Manizales a Medellín. Os laboratórios de processamento estavam situados ao longo dessa via, seis deles a uma noite de marcha de onde ele se encontrava nesse momento.
Chávez percorreu a clareira em círculos, procurando pegadas ou qualquer outro resíduo que indicasse a presença humana. Era um lugar muito conveniente para que ninguém o tivesse descoberto antes. Talvez um fotógrafo da National Geographic tenha tirado fotos do vale. Claro que não era fácil chegar até ali.
Estavam a mil metros do nível da estrada, e não era o tipo de terreno que pudesse ser percorrido com um tanque, e muito menos num carro. Avançou seguindo uma rota em espiral até o centro sem achar nada.
Talvez fosse um sítio muito afastado. Esperou meia hora antes de enviar um novo sinal. O pelotão tinha tido tempo de sobra para verificar se alguém os seguia, em todo caso já teria havido contato. Amanhecia, e o sol tingia de vermelho o céu a leste do vale quando o capitão Ramírez apareceu. Por sorte, com a infiltração clandestina, a noite tinha sido muito breve. Meia noite de marcha os tinha cansado, mas não muito, e tinham um dia inteiro para voltar a adaptar-se à altura. Tinham percorrido sete quilômetros em linha reta do lugar da aterrissagem – que na verdade eram dez quilômetros de caminhada efetiva, e setecentos metros de subida.
Ramírez distribuiu os homens em pares. Havia um riacho perto, mas dessa vez ninguém se desidratou. Chávez e Vega ocuparam um das duas prováveis rotas de aproximação do refúgio, uma rampa suave com poucas árvores e um bom campo de tiro. Certamente Ding não entrou por ali.
– Tudo bem, Urso?
– Que bom se alguma vez nos mandassem para um lugar plano, fresco e com muito ar, não é?
O sargento Vega tirou cinto e o amontoou para fazer um travesseiro. Chávez o imitou.
– Sim, mas nesse tipo de lugar não são feitas guerras a não ser nos campos de golfe.
– Tá bom!
Vega instalou sua metralhadora junto a um montículo rochoso e a cobriu com tecido de camuflagem. Poderia ter arrancado um arbusto para ocultar a arma, mas não queriam deixar mais sinais de sua presença que os estritamente necessários. Ding ganhou no cara e coroa e dormiu sem uma palavra mais.
– Mamãe?
Eram sete horas, e nessa hora ela sempre estava acordada para servir o café da manhã a sua madrugadora família. Dave bateu na porta, mas não obteve resposta.
Sentiu medo. Já tinha perdido a seu pai, sabia que os pais não eram esses seres imortais e imutáveis que servem para ancorar o universo crescente de um menino. Era o pesadelo mais recorrente que os filhos de Moira nunca expressavam em voz alta, nem sequer entre eles, por temor ao que pudesse acontecer.
E se acontecesse alguma coisa com sua mamãe? Antes de tocar o trinco, Dave antecipou o que ia encontrar e seus olhos se encheram de lágrimas.
– Mamãe? – repetiu com voz tremula. Sentiu vergonha, e também receou de que seus irmãozinhos o escutassem. Girou o trinco e abriu a porta lentamente.
As persianas estavam abertas, a luz matinal banhava o quarto. Ela estava estendida sobre a cama, vestida de luto. Imóvel.
Parado no vão da porta, com o rosto empapado de lágrimas, sentiu-se aflito de repente pela realidade física de seus pesadelos.
– Mamãe...?
Dave Wolfe, valente como qualquer outro menino de sua idade, tomou fôlego e se aproximou da cama, onde agarrou a mão de sua mãe. Estava morna. Sentiu o pulso: débil, lento, mas regular.
Bruscamente se estremeceu, dirigiu-se ao telefone e discou 911.
– Emergência – disse uma voz.
– Preciso de uma ambulância. Minha mãe não acorda.
– Me dê o endereço. – Dave disse – . Bem, descreva seu estado.
– Está dormindo, não consigo acordá-la e...
– Sua mamãe bebe muito?
– Não! – exclamou furioso – . Ela trabalha no FBI. Ontem de noite se deitou ao voltar do trabalho.
Ela... – Então viu o frasco sobre a mesa de luz– . meu Deus, um frasco de remédios...
– Leia a etiqueta!
– P-l-a-c-i-d-e-l. É do meu papai, que...
A operadora não quis escutar mais.
– Está bem, a ambulância chegará em cinco minutos.
Chegou em quatro minutos e pouco: os Wolfe viviam a três quadras de um quartel de bombeiros.
Quando os paramédicos entraram na casa, os meninos menores ainda não sabiam de nada. No quarto acharam Dave que não soltava a mão de sua mãe e tremia como um galho num vendaval.
Um dos bombeiros o afastou, verificou a respiração, os reflexos oculares e o pulso.
– Quarenta, débil. Respiração, oito, superficial. tomou “Placidyl” – disse.
– Essa merda! – voltou-se para o Dave– . Quantas pílulas havia no frasco?
– Não sei. Era de meu papai, que...
– Vamos, Charlie. – O primeiro paramédico a ergueu – . me Deixe passar, menino, temos que sair. –
Não havia tempo para trazer a maca. Homem robusto e forte, ergueu o corpo inerte de Moira Wolfe como se fosse um bebê– . nos sigam até o hospital se quiserem.
– O que...
– Respira, menino. Não posso te dizer mais no momento.
Que diabos passa aqui?, perguntou-se Murray. Tinha passado a visitar Moira – cujo carro estava no estacionamento do FBI– e falar com ela para tentar aliviar sua sensação de culpa. Tinha violado as normas de segurança e feito uma grande tolice, mas tinha sido vítima de um homem capaz de descobrir os pontos vulneráveis de uma mulher e explorá-los com um profissionalismo absoluto. Todos são vulneráveis em algum sentido. Era uma lição a mais, depois de anos de serviço.
Não conhecia pessoalmente os meninos de Moira, embora por referências, e não era difícil saber quem saía atrás dos paramédicos. Parou seu carro oficial e desceu rapidamente.
– O que está acontecendo? – perguntou, mostrando sua identidade.
– Tentativa de suicídio. Pílulas. Mais alguma coisa? – perguntou o paramédico sentando-se ao volante.
– Não podem ir. – Murray voltou-se para certificar-se de que seu automóvel não fechasse o caminho da ambulância.
Olhou para os meninos. Evidentemente, era a primeira vez que se pronunciava em voz alta a palavra
“suicídio”, e ao escutá-la foi como se recebessem um golpe.
Cortez, seu grande filho da puta! Reze para que eu não o pegue!
– Meninos, sou Dan Murray. Trabalho com sua mãe. Querem que os leve ao hospital? – Que a investigação esperasse. O morto, estava morto, podia ser paciente. Emil o entenderia.
Deixou-os na entrada e foi estacionar e se comunicou com o escritório por meio de seu telefone móvel.
– Me ligue com o Shaw – ordenou ao oficial de guarda. Que respondeu imediatamente.
– Dan, Bill. O está acontecendo?
– Moira tentou se matar. Ontem à noite tomou um frasco de pílulas.
– O que você vai fazer?
– Terei que cuidar dos meninos. Conhece alguma amiga dela que possa fazer isso?
– Vou verificar.
– Até que alguém venha, ficarei com eles, Bill. É que...
– Claro, claro, está tudo bem. Quero que me mantenha informado.
– De acordo.
Murray desligou e cruzou o estacionamento do hospital. Os meninos estavam sentados na sala de espera. Dan sabia o que era essa sala num hospital. Também sabia que a placa dourada do FBI abria todas as portas, e esta não foi uma exceção.
– A mulher que acaba de entrar – disse ao primeiro médico que viu – . Moira Wolfe.
– Sim, a overdose.
É um ser humano, não uma overdose!, absteve-se de exclamar Murray. Assentiu e perguntou onde estava.
– Você não pode...
– Tem a ver com uma investigação muito importante. Devo saber o que está acontecendo.
O médico o conduziu ao lado de uma maca, de cuidados intensivos. Não era algo agradável de ver.
Tinham-lhe introduzido um tubo de oxigênio na garganta e injetado tubos intravenosos nos dois braços...
melhor dizendo, parecia que o sangue saía por um tubo, passava por um estranho aparelho e voltava a entrar pelo mesmo braço. Estava nua e tinha vários terminais do eletrocardiograma presas ao peito.
Murray desviou o olhar rapidamente. O hospital despojava de pudor às pessoas; mas a vida era mais importante que o pudor, não?
Por acaso Moira não sabia disso?
Como é que não percebeu os sinais, Dan? – perguntou-se Murray– . Por que não te ocorreu mantê-
la vigiada? Diabos, se tivesse prendido ela não poderia ter tentado se matar!
Talvez devêssemos ter gritado um pouco com ela, em vez de mostrar tanta consideração. Talvez o tenha interpretado errado. Possivelmente, possivelmente, possivelmente.
Cortez, seu filho da puta, você é um fodido morto. Só restava decidir quando.
– Vão conseguir salvá-la? – perguntou Murray.
– Quem diabos é você? – perguntou um médico sem voltar à cabeça.
– FBI. Tenho que saber.
– Eu também, amigo – repôs o médico sem olhá-lo– . tomou “Placidyl”, um sonífero muito potente.
Poucos médicos o receitam, porque a overdose é muito baixa. LD-50 é de cinco a dez pílulas. LD-50 é a dose que mata a metade dos que a ingerem. Não sei quantas tomou. Os sinais vitais não cessaram, mas são muito débeis. Fazemos diálise no sangue para eliminar a droga, espero que não seja uma perda de tempo. Estamos ministrando oxigênio a cem por cento, e soro. Só podemos esperar. Não vai despertar por um dia ou dois, talvez três. Também não sei que probabilidades tem de sobreviver. Agora sabe o mesmo eu. Vá embora, estou ocupado.
– Seus três filhos estão esperando, doutor.
O médico voltou à cabeça alguns de segundos.
– Diga a eles que as probabilidades são muito boas, mas ela vai passar um mau pedaço. Me perdoe, não posso lhe dizer mais nada. Só que se recuperar, vai se recuperar totalmente. Esta merda não deixa sequelas. A menos quando mata – adicionou.
– Obrigado.
Murray saiu para falar com os meninos. Pouco depois chegou uma vizinha para tomar conta deles e um agente para montar guarda na sala de espera. Moira era a única pessoa que podia levá-los a Cortez: portanto, outros talvez a quisessem morta. Calado e ainda furioso consigo mesmo, Murray chegou a seu escritório pouco depois das nove. Três agentes o esperavam. Indicou-lhes que o seguissem.
– Bom, o que descobriram?
– O tal Sr. Diaz pagou sua conta no The Hideaway com cartão “American Express”. O mesmo número apareceu no guichê de duas companhias aéreas... graças a Deus que existem esses computadores para verificar os cartões. depois de deixar a Sra. Wolfe, voou de Dulles para Atlanta, e dali para o Panamá, onde desaparece seu rastro. O certo é que pagou em dinheiro, porque não aparece ninguém com esse nome nos voos do dia. O empregado do balcão no Dulles se lembra dele: estava desesperado por embarcar nesse voo a Atlanta. Sua descrição coincide com a que temos. Se entrou a semana passada no país, não o fez no Dulles. Estamos verificando os arquivos de computador, digamos que as probabilidades de descobri-lo são cinquenta a cinquenta. Para mim, tem que ser no Dallas-Fort Worth, Kansas City, Chicago ou qualquer desses aeroportos com muitas conexões. Mas o mais interessante até o momento não é isso: “American Express” acaba de descobrir que emitiu vários cartões em nome do Juan Diaz. Várias deles são muito recentes. Não sabem como pôde acontecer isso.
– Ah, sim? – disse Murray enquanto servia o café– . Como é que não se deram conta?
– Primeiro, porque as contas foram canceladas antes do vencimento. As direções variam. O nome é bem comum para não chamar a atenção numa leitura rápida dos arquivos. Temos a impressão de que alguém pode penetrar em seus sistemas, inclusive no programa central. É uma pista que devemos seguir.
É provável que use o mesmo nome prevenindo que Moira visse seu cartão. Graças a isso, sabemos que esteve por aqui pelo menos cinco vezes nos últimos quatro meses. Alguém penetrou nos sistemas da
“American Express”. Esse alguém – prosseguiu o agente– é muito hábil, o suficiente para gerar linhas de crédito para Cortez e para quem quiser. Tem que haver uma forma de descobri-lo, mas não temos ilusão de conseguir em pouco tempo.
Nesse momento, bateram na porta.
– Dallas-Fort Worth – disse um jovem agente, e lhe estendeu uma folha de fax – . As assinaturas coincidem. Chegou tarde, voou diretamente para Nova Iorque, onde embarcou a meia-noite, hora local, na sexta-feira passada. Com certeza que pegou a ponte aérea a Washington para reunir-se com Moira. Falta verificar isso.
– Perfeito – disse Murray– . Assim sabemos todos seus movimentos, menos o aeroporto de origem.
– Estamos procurando, senhor. A passagem à Nova Iorque foi comprado diretamente no aeroporto.
Falamos com a Emigração para que verifiquem por onde entrou.
– Bom, que mais?
– Temos suas impressões digitais. Pudemos identificar uma digital do dedo maior esquerdo na folha que a Sra. Wolfe tinha com o recibo do cartão de crédito no Dulles.
Não foi fácil, mas os rapazes do laboratório usaram o laser. Enviamos gente ao “The Hideaway”, mas ainda não há nada. As empregadas da limpeza são muito eficientes; de todas as formas, continuamos procurando.
– Ou seja que temos tudo menos uma fotografia desse filho da puta. Tudo menos uma fotografia –
repetiu Murray – . aonde foi de Atlanta?
– Eu não disse? Teve uma espera breve e depois voou para o Panamá.
– Qual é o endereço do cartão “American Express”?
– É em Caracas, mas só são apenas caixas de correio.
– Como é que a Emigração...? Ah, sim claro – disse Murray com uma careta – . Deve ter uma coleção de passaportes para fazer jogo com os cartões.
– É um profissional de primeira. Não pensei que poderíamos verificar tanto em tão pouco tempo.
– Há alguma novidade na Colômbia? – perguntou a outro agente.
– Poucas. O laboratório descobriu algumas coisas, mas não fazem mais que confirmar o que já sabíamos. Os colombianos puderam descobrir o nome da metade dos sujeitos. O prisioneiro diz que não conhecia a todos, e parece que é a verdade. Iniciaram uma operação em grande escala, mas Morais não tem muitas esperanças. São sujeitos procurados há muito tempo, todos do M-19. Foi um trabalho contratado, como nós pensávamos.
Murray olhou seu relógio. Nesse dia seria celebrado na catedral de Washington o ofício pelos dois guarda-costas mortos com Emil e estava prevista a presença do Presidente. Soou o telefone.
– Murray!
– Mark Bright, de Mobile. Temos novidades.
– Prossiga.
– Um “tira” foi morto no sábado passado. Um trabalho contratado, “Ingrams” a queima roupa, mas um vizinho disparou num dos sujeitos com seu .22, e acertou bem na nuca. Acharam o cadáver dentro do veículo. A Polícia revistou a casa da vítima, era o sargento detetives Braden, e achou uma câmara fotográfica que pertencia ao morto do caso dos piratas. Braden pertencia a Roubos. Minha hipótese é que trabalhava para os narcotraficantes que foram revistar a casa da vítima antes do massacre, em busca desses registros que nós achamos.
Murray assentiu, pensativo. Era um dado a mais. antes de matar o homem e sua família no iate, quiseram ter certeza que o sujeito não tinha um registro de suas atividades. O policial corrupto tinha falhado em sua tarefa e pagou com sua vida. Isso era parte do assassinato do diretor Jacobs, era uma derivação adicional da Operação TARPÓN. Os filhos de puta estão fazendo uma demonstração de força.
– Algo mais? – perguntou.
– A Polícia local está bem furiosa. É a primeira vez que matam a um dos seus em plena luz do dia.
Além disso, uma bala perdida matou a sua mulher. Eu acho que os policiais estão bem aborrecidos, por assim dizer. Um narcotraficante local passou desta para a melhor ontem à noite. Dizem que foi num tiroteio, mas não acredito, nem me parece uma casualidade. Por hora nada mais.
– Obrigado, Mark. – Murray desligou – . Os filhos da puta nos declararam guerra – murmurou.
– Como é, senhor?
– Nada, não importa. verificaram as viagens anteriores de Cortez? Hotéis, aluguel de carros?
– Estamos investigando. Acredito que teremos os primeiros dados em algumas horas.
– Me tenham informado.
Nessa manhã, Stuart era o primeiro na agenda do promotor federal, e parecia estar muito alegre. A secretária não percebeu suas olheiras.
– Bom dia, Ed – disse Davidoff sem parar. Sua mesa estava lotada de papéis– . No que posso te servir?
– Não haverá pena de morte – disse Stuart ao se sentar – . Confissão de culpa em troca de vinte anos de prisão, e é minha última oferta.
– Veremo-nos no Tribunal, Ed – repôs Davidoff, e voltou para seus papéis.
– Quer saber o que consegui?
– Estou certo que se vale a pena, você me dirá isso no momento oportuno.
– Acho que é suficiente para conseguir o arquivamento. Você gostaria de vê-los sair em liberdade?
– É ver pra crer – disse Davidoff, mas prestou atenção. O promotor sabia que Stuart era um advogado defensor excessivamente entusiasta, mas honrado. Não mentia, pelo menos fora do Tribunal.
Stuart usava uma pasta antiquada, com abertura superior, de couro semiduro, em lugar dos elegantes attaché preferidos pela maioria dos advogados.
Sob o atento olhar do Davidoff, abriu-o e extraiu um gravador. Os dois eram advogados peritos, sabiam ocultar seus sentimentos e dizer o que teriam que dizer independente do que pensassem. Mas igual aos bons jogadores profissionais, sabiam descobrir no outro esses sinais sutis que outros passam por cima.
Ao apertar a tecla de play, Stuart percebeu que seu adversário estava preocupado. A fita durava vários minutos. A qualidade do som era péssima, mas as palavras se ouviam muito bem, e se ouviriam melhor depois de passar pelo laboratório de acústica.
Davidoff empregou o recurso que cabia esperar.
– Isso não tem relação com o julgamento. excluímos a informação contida nessa confissão. Pusemo-nos de acordo, não?
Agora que estava ganhando, Stuart moderou o tom de sua voz. Convinha mostrar-se magnânimo.
– Isso você está dizendo, mas eu não aceitei nada. O Governo violou grosseiramente os direitos constitucionais de meus clientes. A simulação de execução é, no mínimo, tortura mental. E, em todo caso, é ilegal. Quando chamar a esses dois guarda costeira ao estrado, vou crucificar eles. Isso bastará para impugnar todo seu testemunho. E ninguém sabe o que vai dizer o jurado, não é verdade?
– Também é possível que os jurados aplaudam o proceder dos marinheiros.
– Claro, é uma possibilidade real. Há uma só maneira de saber: ir a julgamento. – Stuart guardou o gravador – . Insiste em iniciá-lo o mais cedo possível? Com esta informação posso pôr dúvida à origem das provas. Se foram capazes de cometer esta loucura, o que aconteceria se meus clientes alegassem que os obrigaram a se masturbar para deixar essas amostras de sêmen que mencionou na conferência de Imprensa, ou que lhes puseram as armas nas mãos para deixar suas digitais, e eu relacionasse isso com o que sei sobre a vítima? Esclareço que eu não falei isso com eles. Acho que com todo esse material, tenho uma boa probabilidade de obter o arquivamento. – Stuart se inclinou para frente e apoiou os braços sobre a mesa – . Mas, por outro lado, tem razão: nunca se sabe o que vai dizer o júri. Assim que minha oferta é que se declaram culpados do que você queira que valha vinte anos, sem recomendações do juiz de que lhes faça cumprir toda a sentença. Dessa maneira sairão, mais ou menos, em oito anos. À Imprensa diz que houve um problema com as provas, que está furioso, mas que não há nada a se fazer. Meus defendidos ficam uns anos à sombra. Condene-os, mas não os mate. É minha última oferta. Tem alguns de dias para pensar.
Stuart se levantou, agarrou a pasta e saiu sem dizer uma palavra. Em seguida procurou o banheiro dos homens. Sentia a necessidade de lavar as mãos, embora não soubesse bem por que. Estava convencido de que tinha razão. Os criminosos – não havia dúvida de que eles eram– iriam para a prisão, mas não à cadeira elétrica, e talvez se reabilitassem. Esse é o tipo de mentira com a que os advogados se consolam. Não seria obrigado a destruir a carreira de alguns guarda costeira por haver-se errado uma vez na vida. Estava disposto a fazer isso, mas não gostaria. Graças a sua oferta, todos ganhariam. Era o melhor que se podia pedir. Mas igualmente queria lavar as mãos.
A situação de Edwin Davidoff era mais complicada. Não era só um caso criminal a mais. A mesma cadeira que enviaria os dois piratas ao inferno, abriria para eles as portas de um escritório de senador no edifício Dirksen. Na faculdade quando leu Advise and Consent, sua ambição era ocupar uma cadeira no Senado Federal. Fazia grandes esforços para conseguir isso: as melhores qualificações na Faculdade de Direito, muitas horas de trabalho com um baixo salário no Ministério da Justiça, muitas excursões ao longo e ao largo do Estado, ao ponto de quase pôr fim a seu casamento. Sacrificou a sua vida nos altares da justiça..., e da ambição, sem dúvida. E agora que o tinha ao alcance da mão, ao tirar a vida de dois criminosos que perderam todo direito de viver... isso ameaçava jogar tudo por terra. Se desse um passo atrás, e pedisse uma condenação de vinte anos, toda sua obra e seus discursos sobre a justiça seriam reduzidos a nada. num segundo.
Em troca, se fosse omisso as ameaças do Stuart e levasse o caso ao Tribunal, poderia passar à História como um perdedor. Podia jogar a culpa nos guarda costeira, mas em que altar sacrificaria suas carreiras e, possivelmente, sua liberdade? No da justiça? No da ambição? Talvez no da vingança?
Ganhasse ou perdesse o caso, esses homens pagariam caro por haver permitido ao Governo dar um muito duro golpe no Cartel.
“A droga”. No fundo, era isso. A droga tinha o poder de corromper as pessoas como jamais se viu.
As drogas corrompiam, obliteravam a inteligência, matavam.
Geravam dinheiro mais que suficiente para corromper os que não as consumiam. Corrompiam as instituições em todos os níveis, e de todas as maneiras concebíveis, corrompiam até aos Governos. Qual era a solução? Davidoff não a tinha, embora se alguma vez se apresentava para esse assento, juraria em frente das câmaras que a tinha, pelo menos em parte, se o povo de Alabama confiasse nele...
Caralho, o que vou fazer agora?
Esses dois piratas merecem morrer por seus crimes. Esse é meu dever para com as vítimas. Isso não era mentira. Davidoff realmente acreditava na Justiça, em que os homens instituíam leis para defender-se dos depredadores, em que sua missão na vida era ser um instrumento dessa justiça. Por que então tinha trabalhado tanto e pedido tão pouco? Não o fiz só por ambição, não?
Não.
Uma das vítimas era um criminoso, mas o que dizer das outras três? “Danos colaterais”: assim chamavam os militares. Significava que o ataque a um alvo determinado afetava outros objetivos que casualmente se achavam perto. Danos colaterais. O Estado os provocava em tempos de guerra, mas isto não era o mesmo: este era um caso de homicídio.
Não, não só de homicídio. Os filhos de puta o fizeram muito devagar, para desfrutá-lo. Oito anos é pena suficiente?
Mas o que acontece se eu perder o caso? Poderei sacrificar esses guarda costeira para ganhar? Acho que são “danos colaterais”?
Tinha que haver uma saída. Sempre a havia, e tinha dois dias para pensar nisso.
Dormiram bem, e a falta de ar os afetou menos que o previsto. Ao anoitecer, todos estavam acordados e ansiosos para pôr mãos à obra. Chávez bebeu café instantâneo enquanto estudava o mapa e se perguntava qual seria o objetivo da noite. Durante o dia tinham vigiado o caminho, sabendo mais ou menos o que esperavam. Um caminhão com recipientes de ácido. A mão de obra local, muito barata, descarregou-os para levá-los a um bosque, seguidos por outros que levavam mochilas cheias de folhas de coca e ferramentas leves. Ao anoitecer, outro caminhão parou, ficaram sem luz antes de que a atividade terminasse, e os óculos noturnos não serviam para ver de longe, mas o caminhão partiu rapidamente, e estava a três quilômetros de Hotel, um dos alvos marcados no mapa, a seis quilômetros de sua posição.
Levantar as cortinas. Cada um jogou uma boa quantidade de repelente de insetos nas mãos e se esfregou o rosto, pescoço e orelhas com ele. além de afastar aos insetos, servia para abrandar a pintura, uma estranha espécie de ruge. Cada um ajudava seu parceiro a pintar a fronte, o nariz e as maçãs do rosto com o tom mais escuro, as pálpebras e as bochechas com o normal. Não era pintura de guerra, como nos filmes de faroeste. O objeto era tornar invisível ao homem, não intimidar o inimigo. Tornar opaco os pontos brilhantes e dar brilho aos pontos opacos, os rostos deixavam de parecer isso, rostos.
Era o momento de merecer o pagamento. Selecionaram as rotas de aproximação e os pontos de reunião, e todos os memorizaram. expuseram e resolveram dúvidas e antes de que a parede oriental do vale sumisse na escuridão, Ramírez deu a ordem de partir costa abaixo para o objetivo.
XVII
EXECUÇÃO
Nas missões de combate, o procedimento militar padrão é conhecido com a sigla SMESSCS, que significa situação; missão; execução; serviço e suporte; comando; sinal.
Situação é a informação básica que os soldados devem conhecer para realizar a missão.
Missão é uma descrição muito breve da missão a realizar.
Execução é a metodologia, o forma de fazer as coisas.
Serviço e suporte se refere às tarefas que ajudam os soldados a levar a cabo sua tarefa.
Comando indica quem dá as ordens, o elo inicial da corrente, que teoricamente está no Pentágono, até o último elo, o soldado de menor graduação, que deveria dar ordens a si mesmo.
Sinal é, em geral, o procedimento a seguir em matéria de comunicações.
Os soldados já tinham recebido um relatório preliminar sobre a situação global, embora fosse quase desnecessário. Sabiam que havia certas mudanças, tanto na informação como na missão em si. O capitão Ramírez tinha informado a eles sobre a execução e outros aspectos relacionados com as tarefas do momento.
Não receberiam suporte externo, estavam limitados a suas próprias forças. Ramírez exercia o comando tático, os chefes ajudantes, encarregados de substituí-lo se ficasse incapacitado, estavam identificados e emitiram os códigos de rádio. A última coisa que fez antes de dar a ordem de partida foi transmitir suas intenções a VARIÁVEL: não sabia onde estava, mas precisava de sua aprovação.
Como sempre, o sargento Domingo Chávez era o homem ponta, a cem metros de Julio Vega, o qual a por sua vez, precedia o resto da unidade; que mantinha uma distância de dez metros entre os homens. A descida era um exercício árduo para as pernas, mas os soldados quase não sentiam devido à excitação.
Cada duzentos ou trezentos metros, Chávez procurava um ponto de observação para estudar o objetivo –
o alvo a atacar– e através de seus binóculos via o tênue clarão dos lampiões a querosene. Tinha o sol a suas costas, de maneira que não havia motivos para preocupar-se de que um brilho de suas lentes delatasse sua presença. O objetivo se encontrava no lugar indicado no mapa – se perguntou como tinham obtido essa informação – , e o procedimento que seguiam era exatamente o previsto. O autor da missão tinha sido realmente metódico. Calculava-se que haveria entre dez e quinze pessoas em Hotel. Esperava que também tivessem acertado nisso.
A marcha não era muito ruim. A vegetação, menos densa que nas terras baixas, tinha menos insetos.
Talvez sintam a falta de ar igual a nós, pensou. Os cantos dos pássaros e os ruídos habituais da selva dissimulavam os da unidade... embora estes fossem muito escassos. Numa ocasião, Chávez escutou o ruído de uma queda a cem metros na retaguarda, mas teria que ser ninja para perceber. Cobriu a metade da distância em pouco menos de uma hora e parou no ponto de reunião marcado até que o pelotão o alcançou.
– Até aqui vamos bem, capitão – disse– . Não vi nada, nem sequer uma chama – acrescentou para demonstrar que nada o preocupava– . Fica a pouco mais de três quilômetros.
– Está bem, siga até o próximo ponto de reunião. Lembre-se, pode haver gente passeando por aí.
– Entendido, capitão. – Chávez reiniciou a marcha imediatamente, outros esperaram alguns minutos.
Os movimentos do sargento eram mais lentos que antes. À medida que se aproximava de Hotel, a probabilidade de topar com o inimigo aumentava. Os narcotraficantes não tinham nada de idiotas, pensou, Alguns eram inteligentes, eles tinham empregado gente da região, criada no vale. Muitos estavam armados. Suas sensações não eram as mesmas da missão anterior, quando tinha observado e avaliado os alvos durante vários dias. Agora não sabia o número, que armas tinham nem se eram bons soldados.
Foda-se! Isto é combate pra valer. Não sabemos merda nenhuma.
Mas para isso é que somos ninja! Pensou, embora sua bravata não lhe servisse de grande consolo.
O mais estranho de tudo era a sensação do tempo. Cada passo durava uma eternidade, mas quando chegou ao lugar indicado, não tinha transcorrido tanto tempo como pensava. Visto através de seus óculos, o objetivo era um vago semicírculo verde, mas não se via nem ouvia nada. Quando chegou ao último ponto de reunião, parou junto a uma árvore e olhou para todos os lados, para reunir a maior quantidade de informação possível. Pareceu escutar alguns ruídos. Embora não fossem constantes, acreditou reconhecer certos sons não naturais que lhe chegavam de onde se achava o objetivo. Até o momento não tinha visto nada, além do clarão. Isso o preocupava.
– Está vendo alguma coisa? – sussurrou o capitão Ramírez.
– Escute.
– Sim – disse o capitão depois de um instante.
Os soldados deixaram suas mochilas no chão e se dividiram em grupos de acordo com o plano.
Chávez, Vega e Ingeles avançariam diretamente para Hotel enquanto o resto efetuava um desbordamento para a esquerda. Ingeles, o sargento de comunicações, levava um lança-granadas M-203 acoplado ao fuzil, Vega a metralhadora e Chávez seu MP-5 com silenciador. Sua tarefa era cuidar dos outros. Deviam aproximar-se o máximo possível para dar cobertura de fogo a quem realizaria o assalto. Se alguém se interpusesse, Chávez devia eliminá-lo em silêncio. Ding partiu para a ponta de seu grupo, o capitão Ramírez fez o mesmo um minuto depois. A distância entre homens se reduziu para cinco metros. Existia o perigo da confusão. Se um soldado perdesse contato com seus camaradas ou se um sentinela inimigo se mesclasse com o grupo, isso poderia ser fatal para a missão e para os homens.
Demoraram mais de meia hora para cobrir os últimos quinhentos metros. A posição de Ding estava marcada claramente no mapa, mas nem tanto no bosque noturno. De noite aconteciam coisas estranhas, e inclusive com os óculos, tudo parecia... diferente. De um modo vago, Chávez teve consciência do seu nervosismo.
Não era medo, e sim uma falta de segurança que nunca havia sentido. Cada dois ou três minutos se repetia que sabia bem o estava fazendo, mas isso apenas o tranquilizava, e novamente a incerteza o embargava. A lógica indicava que sofria o que os manuais chamam uma reação de ansiedade normal. Era uma sensação desagradável, embora não insuportável. Tal como os manuais diziam.
Viu um movimento e parou imediatamente. Levou a mão esquerda às costas, com a palma para cima, para indicar aos outros dois que parassem.
Manteve a cabeça erguida, como tinham lhe ensinado. Os manuais e sua experiência lhe diziam que, de noite, o olho humano só vê os objetos em movimento.
A menos que seu oponente levasse óculos...
Esse não os tinha. Era uma forma humana a uns cem metros que se deslocava lenta e despreocupadamente entre as árvores, e que se interpunha entre Chávez e o lugar aonde ele queria chegar.
Esse simples fato o condenava a uma morte prematura. Ding indicou a Vega e Ingeles que ficassem onde estavam enquanto ele ia para a direita, em direção oposta ao alvo para colocar-se a suas costas. Agora seus movimentos eram velozes, porque depois teria um quarto de hora para chegar ao lugar planejado na operação. Com os óculos postos para ver bem seu caminho, avançava a passo largos, tentando fazer o menor ruído possível ao pôr os pés no chão. Agora que sabia o que devia fazer, o amor próprio podia mais que a ansiedade. Ao avançar escondido, girava constantemente a cabeça do chão ao alvo e de volta.
Demorou um minuto para encontrar um bom lugar no caminho feito na mata. O sentinela a tinha aberto.
O estúpido segue sempre o mesmo caminho, pensou Chávez. Ninguém que agisse assim podia continuar vivendo.
O sentinela voltava com passos lentos, quase infantis, dobrando as pernas à altura dos joelhos..., mas não fazia ruído ao caminhar pela trilha.
Talvez não fosse tão idiota quanto parecia. Mantinha os olhos atentos, mas levava o fuzil em bandoleira. Quando o homem desviou o olhar, Chávez tirou os óculos. Com isso o perdeu de vista, alguma coisa parecida com um pequeno pânico apareceu na margem de sua consciência, mas logo foi reprimido. Voltaria ver ele quando voltasse.
Primeiro apareceu uma silhueta espectral, que se converteu em uma mancha negra no meio do caminho aberto na selva. Ding se escondeu junto a uma árvore, apontou à cabeça e esperou a que se aproximasse. Era melhor esperar um pouco para ter certeza do tiro. Pôs o seletor em posição de disparo.
O homem estava a dez metros. Chávez conteve o fôlego. Apontou ao centro da cabeça e apertou o gatilho uma vez.
O ruído metálico do trilho do “H&K” pareceu estrondosamente forte, mas bem mais alto foi o estalar do fuzil do sentinela quando este bateu no chão.
Chávez se precipitou sobre ele, apontando com a metralhadora, mas o homem – por que apesar de tudo, era um homem – não se moveu. Ao colocar os óculos, Chávez viu o orifício no centro do nariz. O
projétil tinha seguido uma trajetória ascendente, através da base do crânio, para provocar uma morte instantânea e silenciosa.
Ninja!, pensou exultante.
Parado junto ao cadáver, olhou morro acima e ergueu sua arma. Adiante. Momentos depois apareceram às silhuetas de Vega e Ingeles que desciam pela ladeira.
Procurou um lugar de onde pudesse dominar o objetivo, e os esperou ali.
Abaixo, a sessenta metros... O clarão dos lampiões a querosene o cegou um pouco: já podia prescindir dos óculos. Escutava várias vozes, inclusive distinguia algumas palavras. Era a conversa cotidiana, aborrecida, típica de gente fazendo seu trabalho. Também havia um ruído como de passos na água, como... como o que? Não sabia, e no momento não tinha importância. A posição que deviam ocupar estava à vista. Mas havia um problema.
A posição era ruim para dar apoio de fogo. As árvores que se esperava que protegessem seu flanco direito os impediam de disparar no objetivo.
Erraram de lugar para atacar, pensou Chávez com uma careta de desgosto. Rapidamente alterou os planos, consciente de que o capitão teria feito o mesmo. Encontraram outro lugar, quase tão bom quanto o primeiro, a quinze metros de este e com boa orientação. Olhou seu relógio. Estava quase na hora.
Efetuou a última e crucial inspeção do objetivo.
Eram doze homens. O centro da atividade... um pouco parecido com uma banheira portátil. Dois homens caminhavam em seu interior, esmagando ou revolvendo uma estranha sopa de folhas de coca e...
O que nos disseram que era?, perguntou-se. Água e ácido sulfúrico? Algo assim. Caralho, pensou mexendo com todo esse ácido fodido!
Os homens realizavam essa desagradável tarefa em turnos. Ao sair da banheira, lavavam os pés e as panturrilhas com água fresca. O ácido os queima!, pensou Ding. Entretanto, a trinta metros de distância, parecia reinar o bom humor. Um deles falava sobre sua noiva usando termos bem grosseiros, gabava-se do que ele fazia por ela e do que ela fazia por ele.
Seis homens estavam de fuzis AK. Foda-se, todo mundo usa essa merda. Ocupavam o perímetro da clareira, mas olhavam para dentro e não para fora. Os caras fumavam. Havia uma mochila junto ao lampião. Um dos caminhantes disse algo a um guarda, depois tirou uma garrafa de cerveja para si e outra para o que lhe tinha dado a permissão.
Idiotas! Pensou Ding. Escutou três estalos no fone de ouvido. Ramírez estava em sua posição e perguntava se Ding estava preparado. Este respondeu com dois estalos, depois olhou a direita e esquerda.
Vega tinha montado a metralhadora pesada e aberto a cartucheira de lona. Tinha um carregador de duzentos projéteis colocado já e outro preparado.
Chávez se apoiou contra uma árvore de tronco grosso e escolheu o alvo mais longe. Calculou que a distância era de uns oitenta metros, muito para apontar para a cabeça com essa arma. Pôs o seletor em posição de rajada, acomodou a arma e apontou cuidadosamente com mira telescópica.
A arma lançou três projéteis. O rosto do homem denotou surpresa quando dois lhe atravessaram o peito. Ante seu grito rouco, várias cabeças se voltaram para ele. Chávez apontou a outro homem armado, que já começava a erguer seu fuzil. Este tentou apontar apesar dos projéteis que se alojaram no seu peito.
Depois que viu que o ferido ainda estava em condições de abrir fogo, Vega o varreu com sua metralhadora e, continuando, apontou para outros dois sentinelas. Um deles conseguiu disparar, mas seu tiro desviou. A reação dos homens desarmados era mais lenta que a dos sentinelas. Dois tentaram correr, mas o fogo da Vega os varreu. Outros se jogaram no chão. Apareceram dois guardas a mais, ou, em todo caso, apareceram suas armas. As chamas de armas automáticas entre as árvores do outro extremo do acampamento brilharam na escuridão. E como estava previsto, apontavam para a equipe de cobertura.
O pelotão de assalto, encabeçado pelo capitão Ramírez, abriu fogo no flanco direito. O matraqueio típico dos M-16 se ergueu entre as árvores, enquanto Chávez, Vega e Ingeles disparavam no objetivo, em direção oposta ao pelotão de assalto. Um dos que disparavam das árvores devia estar ferido, porque as chamas de sua arma apontaram bruscamente para cima. Mas outros dois dispararam no pelotão de assalto antes de cair. Os soldados disparavam em tudo que se movesse. Um dos amassadores de coca tentou pegar um fuzil, mas foi muito lento. Outro se levantou, talvez com intenção de se entregar, mas antes que suas mãos chegassem à altura do peito, a SAW o atingiu no peito.
Chávez e sua equipe cessaram o fogo para que o pelotão de assalto pudesse tomar o objetivo. Dois soldados acabaram com a alguns de feridos que ainda mostravam sinais de vida. Então se fez silêncio. Os lampiões iluminavam o lugar, mas não havia outro ruído que os ecos dos disparos e os chiados de pássaros assustados.
Quatro soldados revistaram os cadáveres, enquanto o resto formava um perímetro defensivo ao redor do objetivo. Chávez, Vega e Ingeles puseram a trava em suas armas, recolheram sua equipe e desceram para o acampamento.
O panorama era horrível. Dois guardas ainda agonizavam. Um, a metralhadora de Vega tinha aberto o abdômen, enquanto que o outro tinha perdido as duas pernas e sangrava abundantemente. O enfermeiro os olhava, impassível. Morreram em menos de um minuto. As ordens referentes aos prisioneiros eram bem vagas. A lei proibia ordens de não fazer prisioneiros, de maneira que o capitão Ramírez explicou-se por meio de circunlóquios, mas a mensagem era clara. Pior para eles. Esses sujeitos envenenavam a juventude americana com suas drogas, o que também era uma violação das Convenções de Guerra, ou não? Pior para esses fodidos. Além disso, tinham outros problemas de que ocupar-se.
Quando Chávez entrou no acampamento, escutou um ruído. Todos o ouviram. Alguém escapava costa abaixo. Ramírez assinalou ao Ding, que se lançou em atrás do homem.
Enquanto corria tentava colocar os óculos, mas se deu conta de que correr era o pior que podia fazer. parou, levou os óculos aos olhos e então viu o caminho, e o homem que corria. Em algumas ocasiões se impõe a prudência; em outras, a audácia. Seu instinto lhe fez optar pela última.
Chávez comoçou a correr, certo de sua habilidade para não cair, e rapidamente foi diminuindo a distância com o ruído que tentava se afastar.
Em três minutos escutou o ruído produzido por um homem que tropeçava e caía entre os arbustos.
parou e colocou os óculos. Ele estava a escassos cem metros. De novo se começou a correr, acalorado.
Cinquenta metros. Ding deixou de correr. Prestando atenção no ruído, disse-se. O sujeito era dele. Saiu do caminho para a esquerda, em tangente; seus movimentos seguiam uma estranha coreografia. Cada cinquenta metros se detinha para usar a visão noturna.
Sua presa estava cansada, seus movimentos eram lentos. Chávez se adiantou, voltou para trás e o esperou.
Quase tinha errado o cálculo. Não terminava de erguer o fuzil quando a sombra apareceu, e quando a teve a três metros, o sargento disparou instintivamente ao peito. O homem caiu sobre ele com um gemido de dor e desespero. Ding o separou de si com força e disparou outra vez no peito. Não houve mais ruídos.
– Foda-se! – exclamou o sargento. Pôs joelho em terra e esperou até recuperar o fôlego. A quem matou? ficou os óculos e olhou.
Estava descalço. Vestia uma camisa de algodão e as calças típicas de... Chávez tinha matado a um camponês, um desses pobres filhos de puta que dançavam na sopa de coca. Que herói é você sargento!
A euforia que sempre sobrevém depois de um combate vitorioso o abandonou como o ar de um balão furado. O pobre infeliz nem sequer tinha sapatos. Os narcotraficantes os empregavam para carregar essa merda até as montanhas e lhes pagavam menos que nada por esse sujo e desagradável trabalho do pré-refinamento das folhas.
Levava o cinto desabotoado. Quando começaram os disparos, o homem se afastou para fazer suas necessidades; tinha tentado escapar, mas não pôde fazê-lo com as calças arriadas. Tinha mais ou menos a idade do Ding, era mais alto e magro, mas com o rosto inchado e gordinho devido à dieta camponesa, rica em amido. Seu rosto não tinha nada fora do comum além da expressão de medo, pânico e dor que acompanha à morte violenta.
Não estava armado. Era um peão. Morreu por estar no lugar e na hora errada.
Matá-lo não tinha sido um ato heroico. Pegou seu transmissor.
– Ponta a seis. Peguei-o. Um só.
– Precisa de ajuda?
– Negativo, posso com ele.
Chávez ergueu o cadáver sobre seus ombros para carregá-lo de volta ao objetivo. Foram dez exaustivos minutos morro acima, mas era parte da tarefa.
O sangue fluía dos seis orifícios no peito, manchavam-lhe a camisa, e talvez algo mais.
Quando chegou, já tinham revistado os cadáveres e os tinham alinhado cuidadosamente no chão.
Havia muitas bolsas de folhas de coca, vários frascos de ácido e um total de quatorze mortos, incluindo o que Chávez jogou no chão junto aos outros.
– Parece esgotado – disse Vega.
– Não sou grandote como você, Urso – ofegou Ding.
Fizeram o inventário: rádios portáteis, objetos pessoais, nada de valor militar. Alguns soldados olhavam de esguelha a bolsa cheia de garrafas de cerveja, mas ninguém fez a indicação esperada. Se havia códigos de rádio, estavam na mente de que tinha sido o chefe. Não tinham forma de identificá-lo: a morte iguala aos homens. Todos se vestiam igual, exceto pelos cintos de couro com cartucheira dos guardas. Era um espetáculo bem deprimente.
Uns sujeitos que meia hora antes estavam vivos, estavam mortos agora. Além disso, não era muito o que se podia dizer sobre a missão.
O mais importante era que o pelotão não tinha sofrido baixas, embora uma rajada quase tivesse roçado no sargento Guerra. Concluída a inspeção, Ramírez deu a ordem de marcha. De novo Chávez encabeçou a marcha.
Moviam-se com lentidão, morro acima. O capitão tinha tempo para pensar em coisas que por alguma razão não lhe tinham ocorrido antes.
Qual é o objetivo dessa missão? Para Ramírez, a palavra missão significava o motivo de sua presença nas montanhas colombianas, não só a tarefa de tomar um lugar por assalto.
Compreendia que a vigilância das pistas aéreas tinha o objeto de impedir os envios de droga aos Estados Unidos. Recolhiam informação que era aproveitada por outras pessoas: uma operação simples e além de lógica. Mas agora, que merda estavam fazendo? Seu pelotão acabava de levar a cabo um ataque perfeito.
O desempenho de seus homens não poderia ser melhor, embora a inépcia do inimigo os ajudou.
Isso não seria sempre assim. O inimigo aprenderia rapidamente, melhoraria seu dispositivo de segurança, inclusive antes de ficar pensando por que se produziu o ataque: para o caso, bastaria inteirar-se da eliminação física de um centro de processamento.
O que tinham conseguido com esse ataque? Que essa noite não se processariam umas centenas de quilos de folhas de coca. Ninguém ordenou que as levasse, e embora o fizesse, a única maneira das destruir era o fogo. Ele não cometeria a estupidez de acender um fogo de noite na ladeira de uma montanha, quaisquer que fossem suas ordens. Essa noite tinham conseguido... nada. No fundo, nada absolutamente nada. O Cartel processava toneladas de folhas de coca em dezenas – se não centenas – de laboratórios. Não tinham feito nem cócegas no narcotráfico.
Então, para que merda arriscamos a vida? Eram perguntas que devia ter formulado no Panamá, mas a fúria provocada pelo assassinato do diretor do FBI e de seus acompanhantes o ofuscou, igualmente aos outros três capitães. Os oficiais desse grau estavam mais habituados a receber ordens que às conferir.
Suas ordens vinham de comandantes de batalhão ou de brigada, soldados profissionais de mais de quarenta anos que, em geral, sabiam o que faziam. Mas, dessa vez, as ordens vinham de... quem e onde?
Não estava certo, mas se deixou levar pela ideia tranquilizadora de que o autor dessas ordens sabia que merda estava fazendo.
Por que diabos não fiz mais perguntas?
Essa noite tinha completado sua missão. Seus pensamentos se concentraram num objetivo. Mas já tinha concluído a missão e agora não via nenhum objetivo nisso. Sabia que deveria ter compreendido antes, mas era tarde.
O outro aspecto era ainda mais perturbador. Estava encurralado e devia dizer aos homens que tudo ia bem. Completou sua tarefa para a satisfação do chefe mais exigente. Mas...
O que diabos estamos fazendo aqui? Não sabia; ninguém tinha explicado a ele que muitos capitães só se faziam essa pergunta quando já era tarde, que era quase uma tradição das Forças Armadas americanas que oficiais jovens e inteligentes se perguntassem por que merda lhes ordenavam fazer algumas coisas.
E que quase sempre o perguntavam quando já era tarde.
Claro que não havia opção. Seu treinamento e sua experiência lhe indicavam que devia estar certo que a missão fazia algum sentido. Embora sua razão lhe indicasse o contrário – Ramírez não era de modo algum um homem estúpido – , devia confiar na cadeia de comando. Seus subordinados confiavam nele, ele devia confiar em seus superiores. Caso contrário, o Exército não poderia cumprir suas tarefas.
Duzentos metros à frente, Chávez sentia suas costas pegajosa e fazia outro tipo de perguntas. Jamais tinha pensado que alguma vez carregaria o cadáver ensanguentado de um inimigo pela ladeira de uma montanha. Não tinha antecipado essa carga sobre seu corpo e sua consciência. Matou um camponês. Não um homem armado nem um inimigo, e sim um pobre infeliz que aceitou fazer um trabalho sujo só para alimentar a sua família, se é que a tinha. Mas tampouco era a questão de permitir que ele escapasse.
Para o sargento era mais simples: seu oficial indicava o que devia fazer. O capitão Ramírez sabia o que fazia. Era oficial, sua tarefa era saber o que acontecia e dar as ordens oportunas. Isso aliviava um pouco a carga na árdua marcha morro acima para o lugar de concentração, mas sua ensanguentada camisa lhe pegava às costas, como as perguntas persistentes de uma consciência intranquila.
Tim Jackson chegou em seu escritório às 22:30, depois de um breve exercício de instrução em Fort Ord. Acabava de sentar-se em sua cadeira giratória quando soou o telefone. O exercício não tinha terminado bem. Ozkanian não aprendia como comandar seu grupo. Era a segunda vez seguida que se enganava e fazia ficar mal o tenente. O sargento Mitchell, que tinha esperanças no jovem oficial, estava furioso. Sabia que precisavam de quatro anos para formar um sargento chefe de grupo, e só se fosse tão bom quanto Chávez. Mas Ozkanian estava à frente do grupo, e Mitchell lhe explicava algumas coisas. O
fazia à maneira dos sargentos de pelotão, com energia, entusiasmo e algumas referências aos antepassados de Ozkanian. Se é que os tinha.
– Tenente Jackson – respondeu Tim depois do segundo toque.
– Tenente, aqui fala o coronel Ou'Mara, do comando de Operações Especiais.
– Sim, senhor!
– Soube que você tem feito algumas verificações sobre um sargento chamado Chávez. É verdade?
Nesse momento entrou Mitchell, com o capacete repolho sob o braço e um sorriso torcido nos lábios. Dessa vez, Ozkanian tinha compreendido.
– Correto coronel. Não está onde deveria. É um de meus homens e...
– Engana-se, tenente! É um dos meus agora. Está numa missão da qual você não tem por que estar informado, e não, repito, não voltará a usar o telefone para se meter em algo que não lhe concerne. ESTÁ
CLARO, TENENTE?
– Mas coronel, desculpe, mas...
– O que se passa, tem algo nos ouvidos, filho?
A voz serenou, e isso sim assustou a tenente, que já tinha tido um mau dia.
– Não, coronel. É que me chamaram de...
– Sei. Já me ocupei que isso. O sargento Chávez foi enviado a uma tarefa que a você não interessa.
Ponto. Final. Entendido?
– Entendido coronel.
Cortou-se a comunicação.
– Merda! – exclamou o tenente Jackson.
O sargento Mitchell não tinha captado toda a conversa, mas o zumbido do telefone chegava até a porta.
– Chávez?
– Sim. Um coronel de Operações Especiais, acho que de Fort MacDill, diz que está com eles e que o mandaram a algum lugar e que não me interessa. E que já se ocupou de Fort Benning por nós.
– Isso é pura merda – disse Mitchell, e se sentou no outro lado da mesa. Depois perguntou – : Posso me sentar, senhor?
– O que parece que está acontecendo?
– Não entendo nada de nada, senhor. Mas conheço um sujeito em MacDill. Acho que amanhã lhe telefonarei. Eu não gosto que se perca um de meus homens. Supõe-se que isso nunca acontece. Tampouco tinha que foder ao senhor. Você faz o que deve ao preocupar-se com seus homens, e não se fode um sujeito por cumprir com seu dever. Se não lhe disseram nada antes – prosseguiu Mitchell – , quando acontece algo assim não se chama o tenente. faz-se uma discreta chamada ao chefe do batalhão ou ao S-1, para que ele se ocupe. Os tenentes têm muitos problemas com seus próprios coronéis para que um estranho venha a fode-los. Por isso se segue a cadeia de comando, para que cada qual saiba quem pode foder a quem.
– Obrigado, sargento – sorriu Jackson– . É bom saber disso.
– Disse a Ozkanian que se preocupe mais em comandar seu grupo do que se fazer d super herói.
Acho que desta vez ele entendeu. É um bom garoto, só lhe faz falta pensar um pouco. – Mitchell ficou em pé e saudou– . boa noite, tenente. Até amanhã.
– Sim, boa noite, sargento.
Tim Jackson decidiu que era melhor dormir que trabalhar em seu escritório. Enquanto ia em seu carro ao cassino de oficiais, seguia pensando na chamada do coronel Ou'Mara, ou quem diabos fosse. Os tenentes não tinham muito contato com os coronéis. Marcava presença (obrigatória) na casa do chefe da brigada no Ano Novo, mas nada mais. Esperava-se dos tenentes que mantivessem um perfil baixo.
Entretanto, em West Point tinham lhe inculcado que o oficial era responsável por seu pessoal. Chávez não tinha ido parar ao Fort Benning, havia partido do Ord de maneira um tanto... irregular, e agora que ele tentava, como era lógico e natural de verificar o que estava acontecendo, só conseguia que um coronel o fodesse. Tudo isso não fazia mais que aumentar sua curiosidade.
Deixaria que Mitchell chamasse, mas ele não faria nada no momento: tentaria não chamar a atenção até saber o que estava acontecendo. Tim Jackson tinha sorte. Seu irmão mais velho trabalhava no Pentágono, sabia como funcionavam as coisas e o logo seria promovido 0-6, o equivalente naval a tenente-coronel ou coronel. Robby saberia lhe dar um conselho, o que era justamente o que precisava.
O voo no COD era sereno e agradável, mas Robby Jackson estava inquieto. Não gostava de sentar de cara para a popa, mas sobre tudo não gostava de voar quando o piloto não era ele mesmo. Piloto de combate e de testes, recentemente promovido a comandante de Tomcat, um dos esquadrões de elite da Marinha, sabia que era um dos melhores aviadores do mundo e não gostava de confiar sua vida às habilidades inferiores de outro piloto. Além disso, nos aviões da Marinha as aeromoças não valiam nada.
Nesta ocasião era um comissário de bordo, um menino com sotaque nova-iorquino que tinha derramado café sobre a perna de seu vizinho de assento.
– Estes voos são horríveis – disse o sujeito.
– Sim, não é como voar de primeira classe – disse Jackson, e guardou o dossiê na pasta. Conhecia o novo plano tático de cor, o que não era uma casualidade, já que ele mesmo era o autor principal.
O homem vestia uniforme pardo e uma jaqueta bordada com a sigla EUA no pescoço. Por isso, era um representante técnico, um civil que realizava algum tipo de tarefa para a Marinha. Eles existiam em todos os porta-aviões: eram técnicos em eletrônica ou engenheiros de diversas especialidades que realizavam a manutenção dos equipamentos novos ou adestravam o pessoal naval que depois se encarregaria de fazê-lo. Tinham grau de suboficial, mas recebiam o tratamento adequado aos oficiais, utilizavam seu refeitório e dispunham de camarote de luxo. Este último é um termo de valor bem relativo na Marinha, salvo que a gente fosse capitão de navio ou almirante, mas os técnicos não recebiam esse tratamento especial.
– Porque está indo pra lá? – perguntou Robby.
– Para um teste com um explosivo novo. Perdoe, não posso dizer mais nada.
– Ah! Você é um desses?
– Sim – disse o homem, com um olhar de desgosto à mancha de café sobre seu joelho.
– Faz isso com muita frequência?
– É minha primeira vez – respondeu o outro –. E você?
– Minha missão habitual é piloto de combate a bordo do porta-aviões; mas, na atualmente, estou destinado no Pentágono. Escritório de operações navais, táticas de combate.
– Nunca aterrissei em um porta-aviões. – O homem parecia nervoso.
– Não se preocupe – repôs Robby para tranquilizar –claro que é de noite.
– Não me diga. – A pesar do medo, o homem sabia que era de noite.
– Quero dizer que aterrissar em um porta-aviões não é tão difícil. Quando a gente vai descer numa pista em terra, olhe pela janela e escolhe o ponto onde vai tocar terra. No porta-aviões acontece o mesmo, salvo que a pista é muito mais curta. O problema é a escuridão, quando a gente não vê onde vai tocar a pista. É um pouco mais delicado. Não se preocupe, a piloto...
– Você disse a piloto? É uma garota?
– Sim, há muitas nestes COD. Dizem que esta é uma boa instrutora. – As pessoas se sentiam mais seguras quando o piloto era instrutor. Mas adicionou –: Vai de copiloto. Este é o voo de batismo de um aspirante.
Jackson gostava de assustar os que sentiam medo de voar. Sempre se divertia nas costas de seu amigo Jack Ryan.
– Aspirante?
– Sim, um menino formado recentemente em Pensacola. Ainda não tem horas de voo suficientes para que lhe confiem um caça ou um bombardeiro, por isso lhe dão o “caminhão de entregas”. Todo mundo tem que aprender, não é? Eu também tive que aterrissar pela primeira vez à noite num porta-aviões. Não é nada – disse Jackson. Verificou que os cintos de segurança estivessem bem presos. Com os anos tinha descoberto que o melhor remédio para o medo era transmitir-lhe a alguém.
– Obrigado.
– Vai participar do exercício?
– Como?
– Há uma operação de instrução, um exercício no que disparamos mísseis armados.
– Acho que não.
– Ah, pensei que você era técnico do "Hughes”. Queremos comprovar se o acessório no aparelho de orientação Phoenix funciona bem ou não.
– Compreendo. Não, pertenço à outra empresa.
– Tá bom. – Robby tirou um livro de sua pasta e ficou lendo. Agora que o outro passageiro estava mais incomodado que ele, podia concentrar-se na leitura.
Na verdade, não estava assustado. Só esperava que o pombinho sentado no assento do copiloto não esparramasse os passageiros do COD sobre a pista.
Mas não estava em condições de fazer nada a respeito.
Os soldados estavam cansados quando chegaram ao acampamento. Tomaram suas posições enquanto o capitão fazia as transmissões. Depois, um de cada dupla desmontou sua arma para limpá-la, embora não a tivesse disparado.
– Parece que o Urso e seu SAW tem boa pontaria – disse Vega enquanto limpava o interior do cano de vinte e uma polegadas –. Bom trabalho, Ding – acrescentou.
– Eles não eram grande coisa.
– Irmão, se fizermos bem o nosso trabalho, eles nunca vão ter a oportunidade de fazer o deles.
– Até agora foi muito fácil, amigo. Talvez nem sempre seja assim.
Vega o olhou.
– Sim, você tem razão.
Numa altitude geosincrónica sobre o Brasil, um satélite meteorológico da Agência Nacional de Estudos Oceânicos e Atmosféricos mantinha uma câmara de baixa resolução apontando permanentemente para o planeta que tinha abandonado onze meses antes e que nunca voltaria. Aparentemente permanecia imóvel a trinta e cinco mil quilômetros de altitude sobre as selvas verdes esmeralda da bacia Amazônica; mas, na verdade, deslocava-se a uns onze mil quilômetros por hora e sua velocidade orbital era idêntica a da rotação terrestre. O satélite levava diferentes instrumentos, mas essa câmara de televisão colorida tinha a tarefa mais simples. Observava as nuvens que flutuavam no ar como remotos flocos de algodão. Essa função tão prosaica na aparência era de suma importância, tanto que alguns nem sequer a reconheciam.
Esse satélite e seus antecessores tinham salvaram milhares de vidas e, para muitos, constituíam o setor mais útil e eficiente do programa espacial norte-americano. As vidas salvas eram, em sua maioria, as vidas de marinheiros cujos navios, por não receber o aviso, cruzaram o caminho de grandes tempestades.
Dessa altitude, o satélite dominava todo esse o setor do planeta, do grande Oceano Austral que rodeia a Antártida até o Cabo Boreal da Noruega, e nenhuma tempestade escapava a seus instrumentos.
Num ponto situado quase diretamente sob o satélite, fatores ainda não conhecidos de todo geravam tempestades ciclónicas nas mornas águas do Atlântico em frente à costa ocidental da África, de onde se deslocavam para o Oeste, até o Novo Mundo, continente em eram chamadas pelo nome antilhano de furacões. O satélite transmitia informação ao National Hurricane Center de Coral Gables, Florida, nesse local meteorologistas e peritos em computação desenvolviam um projeto de muitos anos de duração para descobrir a origem dessas tempestades e as causas de seu deslocamento. Começava a época mais ocupada do ano. Uma centena de pessoas, algumas com doutorados com vários anos, outras estudando ainda nas Universidades, examinavam as fotografias à espera da primeira tempestade do verão. Alguns desejavam que se produzissem muitas tempestades para que as pudessem estudar. Os cientistas mais experientes conheciam essa sensação, mas sabiam que essas colossais tempestades eram a força mais devastadora da natureza, causadoras de milhares de mortes nas costas.
Também sabiam que as tempestades se produziriam quando chegasse o momento, já que ninguém possuía um modelo que explicasse de maneira eficiente de como surgiam. O homem se limitava às observar, as rastrear, medir sua intensidade e dar aviso às populações afetadas. Também as batizava com anos de antecipação e em ordem alfabética. O primeiro nome na lista para o ano em curso era Adela.
Pelas lentes da câmara podiam ser observar que se acumulavam as nuvens, a setecentos e cinquenta quilômetros das ilhas de Cabo Verde, o berço dos furacões. Ainda não se podia determinar se se geraria um grande ciclone tropical ou apenas uma tempestade com chuvas fortes. A temporada começava então.
Mas os indícios eram os de uma temporada ativa. A temperatura primaveril era excessivamente alta no deserto da África Ocidental, e se demonstrou uma relação direta entre o calor dessa região e o nascimento dos furacões.
Na hora prevista, o caminhão chegou para procurar os homens e a massa de folhas de coca, mas não estavam no lugar marcado. Transcorreu uma hora. O motorista enviou os dois homens que o acompanhavam para inspecionar o lugar de processamento. O motorista era quem comandava os outros dois: não se cansar subindo essas montanhas de merda. Ficou fumando enquanto os outros subiam. Outra hora transcorreu. A estrada aparecia bem transitada, sobre tudo por grandes caminhões diesel cujos silenciadores e filtros eram menos eficientes que os utilizados em regiões mais prósperas e, além disso, muitos prescindiam deles para economizar combustível. Enormes caminhões com reboques e tratores rugiam ao passar, faziam vibrar o asfalto e geravam uma turbulência que sacudia o caminhão parado. Por isso não escutou o ruído. No fim de uma hora e meia de espera, era evidente que teria que subir para ver o que estava acontecendo. Fechou o caminhão, acendeu outro cigarro e começou a subir.
A subida era íngreme. O caminhoneiro nasceu nas colinas, quando era criança subia trezentos metros correndo, mas fazia anos que dirigia o caminhão e suas pernas estavam mais habituadas aos pedais que à caminhada. Nesta subida, que em outra época lhe teria custado quarenta minutos, consumiu mais de uma hora; além disso, a raiva e o cansaço lhe impediram de ver certos sinais que deviam ser óbvios.
Ainda escutava os ruídos da estrada e o canto dos pássaros, mas nada mais, quando deveria haver outros sons. Ao parar para tomar fôlego, percebeu o primeiro sinal. Era um ponto negro sobre a terra parda, mas poderia ser qualquer coisa e correr para descobrir qual era o problema, não parou para pensar.
Ultimamente não havia problemas com a Polícia nem com o Exército, por isso não tinha sentido realizar o trabalho tão longe da rota.
Cinco minutos depois, ao ver a pequena clareira, percebeu pela primeira vez que não havia ruídos humanos. O ar estava impregnado de um aroma estranho, azedo, certamente do ácido utilizado para processar a coca. Isso era sem dúvida. Mas ao aproximar-se um pouco mais, viu o que era.
O caminhoneiro não desconhecia a violência. Tinha participado das guerras anteriores à formação do Cartel e também matou a alguns simpatizantes do M-19 nas guerras como resultado das quais se formou o Cartel. Tinha visto sangue, ele mesmo o tinha vertido.
Mas isso era diferente. Os quatorze homens que transportara na noite anterior eram agora cadáveres alinhados cuidadosamente ombro a ombro no chão. Começavam a se decompor, e os animais tinham mordiscado suas feridas. Os dois homens enviados por ele para investigar também estavam mortos.
Embora o caminhoneiro não soubesse, foram mortos por uma mina que detonou quando moveram um dos cadáveres. Seus corpos tinham sido rasgados pelos estilhaços, grandes como esferas de aço, e o sangue não se coagulou de totalmente. O rosto de um denotava surpresa e horror. O outro estava estendido de barriga para baixo, faltava-lhe um pedaço das costas, do tamanho de uma caixa de sapatos.
O caminhoneiro observou a cena, apavorado, suas mãos tremulas abriram o pacote de cigarros e deixaram cair dois; antes de tirar o terceiro, começou a afastar-se lentamente morro abaixo. Depois de cem metros, começou a correr. Cada gorjeio de ave, cada sopro de brisa era como o passo de um soldado.
Porque eram soldados, sem dúvida. Só os soldados matavam com tanta precisão.
– Seu relatório desta tarde foi excelente. Não estudamos o problema das nacionalidades soviéticas tão exaustivamente quanto você. Sua análise são tão profundas como sempre. – Sir Basil Charleston ergueu sua taça –: E sua promoção, bem merecida. Felicitações, Sir John.
– Obrigado, Basil. Só esperava que não acontecesse assim.
– O estado dele é grave?
– Temo-me que sim – assentiu Jack.
– E ainda por cima, o assassinato de Emil Jacobs. Vocês não tem tido muita sorte ultimamente.
– É uma forma de dizê-lo – respondeu Ryan com um sorriso triste.
– E o que você vai fazer?
– Infelizmente eu não posso falar disso – disse Jack. A verdade é que eu não sei o que fazer, mas isso eu não posso confessar.
– Está bem. – O chefe do Serviço Secreto de Inteligência de Sua Majestade assentiu com ar de quem sabia das coisas –. Estou certo de que darão a resposta adequada.
Nesse momento Ryan se deu conta de que Greer tinha razão. Se não sabia dessas coisas, seus colegas do resto do mundo o considerariam um idiota.
Em poucos dias voltaria para casa e então falaria disso com o juiz Moore. Supunha-se que Ryan tinha certo peso na burocracia. Chegou o momento de saber até que ponto.
O capitão de fragata Jackson acordou ao fim de seis horas. Ele também desfrutava do máximo privilégio a bordo de um navio de guerra: um camarote particular. Com seu grau e seu posto de chefe de esquadrilha aérea, era um dos primeiros na lista VIP, e, por outro lado, havia um camarote desocupado na cidade flutuante. Estava na proa, sob o convés de voo. Pelos ruídos, devia estar perto das catapultas, razão pela qual os chefes de esquadrão do Ranger o tinham desprezado. A sua chegada se apresentou a seus superiores e não tinha deveres para cumprir até dentro de... Três horas. Depois de um banho, ter se barbeado e várias xícaras de café, resolveu sair para explorar por sua conta. Foi até o paiol.
Um recinto amplo, de teto bem baixo, onde se armazenavam as bombas e os mísseis. Na verdade, eram vários recintos com oficinas próprias, onde os técnicos de explosivos testavam e reparavam as armas “inteligentes”. Jackson se interessava pelos mísseis ar-ar AIM-54C Phoenix. Os sistemas de orientação apresentaram alguns problemas, e um dos objetivos das manobras de combate era comprovar a eficiência do acessório, fabricado por um empreiteiro privado.
Evidentemente, o lugar era de acesso restrito. Robby se identificou com um sargento major que o reconheceu em seguida: anos antes, serviram juntos no Kennedy. Entraram numa oficina onde vários peritos rodeavam um míssil que tinha um aparelho estranho, com uma espécie de caixa presa a seu chifre pontudo.
– O que você acha? – perguntou um.
– Parece que tudo está bem, Duke – disse outro, que controlava o osciloscópio –. Vamos ver, simulemos uma falha na transmissão.
– Estão preparando os mísseis para as manobras, senhor – explicou o suboficial –. Até agora parece que tudo está bem, mas...
– Não foi você quem descobriu o problema? – perguntou Robby.
– Fomos meu chefe, o tenente Frederickson, e eu – assentiu o suboficial. A descoberta desse erro significou ao empreiteiro uma multa milionária. E a Marinha tinha retirou do serviço os AIM-54C, que se supunham eram os mísseis ar-ar mais eficazes com que contavam. Aproximaram-se da mesa dos equipamentos de teste –. Quantos vamos disparar?
– O suficiente para saber se o acessório funciona ou não – disse Robby.
– Vai ser uma operação bem grande, então, senhor.
– Esses mísseis são baratos! – exclamou Robby. Era uma mentira flagrante; embora, num certo sentido, fosse verdade. Queria dizer que teria sido mais caro descobrir que esses mísseis de merda não funcionavam no meio de um conflito sobre o oceano Índico com uma esquadrilha de F-14A Tomcat iranianos (eles também tinham esses aviões). Essa era a maneira mais eficiente de eliminar uns pilotos que gastavam um milhão de dólares em cada manobra de instrução. Por sorte, o acessório funcionava bem, ao menos na mesa de testes. Robby informou ao sargento major que disparariam uma ou duas dezenas de Phoenix-C, além de vários Sparrow e Sidewinder. Foram até saída. Jackson satisfez sua curiosidade e os técnicos estavam muito ocupados.
– Parece que vamos esvaziar o paiol, senhor. Conhece as novas bombas?
– Não. Falei com um técnico no COD, mas não se mostrou muito comunicativo. Bom, o que têm de novas? Só são bombas, não?
– Venha vou te apresentar a nova bomba “chito-chito” – riu o suboficial.
– O que?
– Você não assistia o desenho animado Rocky e Bullwinkle, senhor?
– Sargento major, juro que não estou entendo nada.
– Quando eu era criança, eu gostava dos desenhos animados do Rocky, o esquilo voador, e de Bullwinkle, o cervo. Os bandidos da história eram um casal de espiões chamados Boris e Natasha que tentavam roubar a bomba “chito-chito”. Era um aparelho que explodia sem fazer barulho. Parece que os rapazes da China Lake a fabricaram de verdade!
Entraram no depósito de bombas. Os artefatos com formato aerodinâmico, as que não estavam com as aletas nem os detonadores até serem levadas ao convés, estavam empilhadas sobre pranchas e presas à coberta por meio de cadeias. Numa das pranchas próxima ao elevador de carga retangular que as transportava para a coberta havia um conjunto de bombas azuis. A cor indicava que eram as armas a utilizar durante o exercício, mas um letreiro indicava que estavam carregadas com os explosivos habituais. Robby Jackson era piloto de caça, não tinha jogado muitas bombas, mas esse era um aspecto a mais de sua profissão.
As armas à vista eram camisas padrão de uma tonelada, quer dizer, quatrocentos e trinta quilos de explosivo mais quinhentos e setenta quilo de camisa. A diferença visível entre uma bomba “idiota” ou de
“ferro” e um aparelho “inteligente” era que este tinha um rastreador na ponta e aletas móveis na cauda.
Ambas utilizavam o mesmo tipo de detonadores, que eram parte dos acessórios de orientação. Certamente estes estavam guardados em outro depósito. Contudo, o aspecto das camisas não apresentava nada fora do comum.
– Bom e aí? – perguntou.
O suboficial golpeou uma das bombas com os nódulos dos dedos. O estranho ruído despertou a curiosidade de Robby, que imitou ao suboficial.
– Mas... Isto não é aço.
– Celulose, senhor. Estes engenhos são de papel! O que você acha disso?
– Ah, entendo. Para evitar o radar.
– Mas terão que ser guiadas. E não fragmentam. – O objetivo da camisa de aço é que a explosão a transforme em milhares de navalhas voadoras capazes de destroçar tudo que se encontre no seu caminho.
Não é a explosão que mata as pessoas (esse é, certamente, o objeto da bomba) e sim os estilhaços que ela cria –. Por isso a chamamos “chito-chito”. A filha da puta vai fazer um tremendo estrondo, mas depois de que a fumaça se dissipa todos se perguntam que diabos se passou.
– As maravilhas da China Lake – observou Robby. Para que servia uma bomba que... Mas certamente fazia parte da dotação dos novos bombardeiros táticos Stealth, sobre os quais não sabia grande coisa. Seu trabalho não era esse, e sim as táticas de combate. Robby se dirigiu ao escritório do comandante do agrupamento aéreo para repassar seus apontamentos. A primeira parte das manobras de combate devia começar em pouco mais de vinte e quatro horas.
A notícia não demorou a chegar a Medellín. Por volta do meio-dia se soube que as perdas incluíam dois centros de processamento e trinta e um mortos. A perda da mão de obra era o menor dos problemas.
Eram camponeses da região que faziam o trabalho mais pesado e empregados permanentes de pouca importância, cujas armas afastavam os curiosos por meio do exemplo mais do que a persuasão. O
problema era que, se a notícia se espalhasse, seria difícil recrutar novos peões.
Mas o pior de tudo era que ninguém sabia o que estava acontecendo. Era o Exército colombiano que voltava para as montanhas? Uma traição do M-19 ou das FARC? Ou o que?
Ninguém sabia, e isso era o problema, porque gastavam muito dinheiro para obter informação. Mas o Cartel era um grupo de pessoas que não tomavam medidas sem as aprovar previamente por consenso.
Teria que ser convocada uma reunião. Mas isso podia ser perigoso. Evidentemente, nas colinas existiam pessoas pouco dispostas a respeitar a vida humana, o que incomodava os altos funcionários do Cartel.
Gente dotada de armas pesadas e os conhecimentos necessários para empregá-las. Por conseguinte, a reunião devia ser realizada no lugar mais seguro que fosse possível.
FLASH
Top SECRET ***** CAPER 1914Z
Relatório Sigint
Intercep 1993 Ini 1904Z Frec 887.020 MHz
Emi: Sujeito Foxtrot
Recep: Sujeito Uniform
F: Está resolvido. Nos veremos em sua casa amanhã de noite às [2000L].
U: Quem vêm aqui?
F: [Sujeito Echo] não pode assistir, mas a produção não é assunto dele. [Sujeito Alfa], [Sujeito Golfe] e [Sujeito Uísque] irão comigo. Você tem uma boa segurança?
U: Conhece meu [ênfase] castelo. [Risadas.] meu amigo, podemos desafiar a todo um regimento e além de tudo o meu helicóptero está sempre preparado. Como você viajará?
F: Não viu meu caminhão novo?
U: Seus pés grandes [desconhece-se significado]? Não, não vi seu maravilhoso brinquedo novo.
F: Você e que é culpado, Pablo. Por que não conserta a estrada para o seu castelo?
U: É que a chuva a destrói. Tem razão, deveria pavimentá-la, mas eu viajo de helicóptero.
F: Olhe quem fala de brinquedos! [Risadas.] Até manhã de noite, meu amigo.
U: Adeus.
Fim da chamada. Sinal desconectado. Fim de interceptação.
Pouco depois, a transcrição da mensagem interceptada chegou ao escritório de Bob Ritter. Era a oportunidade, o fim de toda a operação. Deu o sinal verde sem consultar o Presidente nem a Cutter. Por acaso não lhe tinham dado licença para caçar?
Uma hora depois, o representante técnico a bordo do Ranger recebeu sua mensagem cifrada, chamou o escritório do capitão de fragata Jensen e imediatamente subiu para falar com ele. Não era difícil se orientar. Era um oficial com experiência de combate e sua especialidade eram os mapas. Esses conhecimentos eram muito úteis a bordo de um porta-aviões, um labirinto cinza onde até os marinheiros mais experientes estavam costumavam se perder. O capitão Jensen se surpreendeu ao vê-lo chegar tão rápido, mas já tinha chamado a seu navegador para a reunião de instrução da missão.
Clark recebeu a mensagem quase na mesma hora. Comunicou-se com Larson para voar para o vale ao sul do Medellín. Queria efetuar o último reconhecimento do objetivo antes da operação.
Ding Chávez lavou as manchas de sua consciência junto com as de sua camisa. A cem metros do acampamento corria um bonito riacho, onde os soldados foram, um a um, a lavar a roupa e limpá-las o melhor possível apesar da falta de sabão. O camponês era um pobre idiota, pensou, mas tinha se metido onde não devia. O pior, segundo Chávez, era que tinha usado um carregador e meio e que lhes faria falta e de uma mina de terrestre, cuja explosão tinham escutado algumas horas antes. O especialista em Inteligência era um mago com as armadilhas explosivas. Terminada sua breve higiene pessoal, Ding voltou para perímetro ocupado pela unidade. Essa noite montariam um posto de vigilância a um duzentos metros e fariam uma patrulha de rotina para assegurar-se de que ninguém os caçava; mas, sobre tudo, descansariam. O capitão Ramírez lhes havia dito que não agiriam mais nessa região para não assustar a presa.
XVIII
FORÇA MAIOR
O sargento Mitchell não teve problemas para se comunicar com seu amigo em Fort MacDill. Serviu com Ernie Davis na 101ª Divisão Aerotransportada, compartilhou com ele um duplex e mais de uma cerveja depois de comer hambúrgueres e salsichas no pátio. Ambos tinham a graduação de primeiro sargento, com muita experiência no Exército, onde, no fundo, quem fazia todo o trabalho eram os suboficiais. Os oficiais ganhavam mais e se preocupavam mais, mas os suboficiais mantinham tudo funcionando. Consultou sua lista telefônica militar e chamou o número AUTOVON correspondente.
– Oi, Ernie aqui fala Mitch.
– Oi, velho, o que você anda fazendo, na terra do vinho?
– Corremos pelas montanhas. E a sua família, vai bem?
– Muito bem, Mitch. E a tua?
– Minha Avainnie já tem toda a pose de uma senhorita. Ouça, estou te ligando para perguntar se um dos nossos chegou ai. É o sargento Domingo Chávez. Você gostar desse rapaz, Ernie, ele é de primeira.
Bom, tivemos problemas com a papelada e queremos estar certos de que está onde deve estar.
– Vou ver isso já – disse Ernie –. Disse que se chama Chávez?
– Exato.
– Um momento, não desligue. Tenho que passar para outro telefone. – Momentos depois a voz de Ernie voltou acompanhada pelo típico som de um teclado de computador.
Aonde vamos parar? Perguntou-se Mitchell. Até os sargentos de Infantaria usavam esses aparelhos de merda
– Vou ter que consultar, repita o nome.
– Chávez, Domingo, E-6 – disse Mitchell e leu o número da matricula militar, que coincidia com o do seguro social.
– Ele não está aqui, Mitch.
– Como? Mas se seu coronel Ou'Mara nos chamou...
– Quem?
– Um tal de coronel Ou'Mara. Meu chefe recebeu a chamada e se agitou um pouco. É um tenente novato, tem muito que aprender – explicou Mitchell.
– Não conheço nenhum coronel Ou'Mara. Parece-me que você errou de unidade, Mitch.
– Que merda, não me diga! – exclamou Mitchell, perplexo–. Parece que ferraram o tenente. Bom, obrigado por tudo, Ernie. Dê um beijo de minha parte em Hazel.
– De nada, Mitch. Até logo.
– Hmmm. – Mitchell olhou o telefone durante vários minutos. Que diabos estava acontecendo?
Ding não estava em Benning nem em MacDill. Então, onde merdas ele estava?
O sargento de pelotão procurou o número de telefone do Centro de Pessoal Militar de Alexandria, Virginia. A comunidade dos sargentos, sobre tudo, dos primeiro sargentos, é muito unida. Com um pouco de dificuldade pôde localizar o primeiro sargento Peter Stankowski.
– Olá, Stan! Sou eu Mitch.
– Olá, quer trocar de quartel? – Stankowski trabalhava no escritório de pessoal e sua tarefa era atribuir novos destinos aos homens de sua graduação. Por isso, seu poder era bem grande.
– Não, não vão me conseguir tirar da Infantaria leve. Mas chegou o rumor de que você nos traiu por um blindado. – Mitchell estava informado de que a próxima colocação do Stankowski era para a 1ª
Divisão de Cavalaria baseada em Fort Hood. Comandaria seu pelotão do interior de um veículo de combate Bradley M-2.
– É que minhas pernas não são como antigamente, Mitch. Não te ocorreu que é agradável combater sentado? Além disso, essa metralhadora vinte e cinco não é nada má. Bom, me fale no que te posso ajudar?
– Procuro um sujeito, um dos meus sargentos, transferido a algumas de semanas. Temos que lhe enviar um pacote, mas não está onde esperávamos.
– Muito bem, me dê um momento para que eu ligue minha tela mágica. Como se chama o rapaz? –
perguntou Stankowski.
– Chávez, Domingo.
– É onze bravo, não? – 11B era a Especialidade Militar do Chávez, ou seja, a Infantaria ligeira.
Mecanizada-a era 11M.
– Exato. – Mitchell escutou um teclo.
– Escreve-se C-h-a-v-e-z?
– Sim.
– Aqui diz que deveria ter ido para Benning como instrutor...
– Esse é meu homem – exclamou Mitchell com alívio.
– ... mas houve uma nova ordem e o mandaram para o MacDill.
Mas não está no MacDill!, conteve-se de dizer Mitchell.
– Esses sim é que são uns sujeitos estranhos. Conhece o Ernie Davis, não? Ele está lá, por que não liga para ele?
– Está bem – disse Mitchell, que a essa altura estava realmente perplexo. É o que acabo de fazer! – .
Quando irá a Hood?
– Em setembro.
– Ah, bom. Estaaaa... Vou telefonar para o Ernie. Saúde Stan.
– Não se perca Mitch. Saudações à família.
– Mas que merda! – exclamou Mitchell depois de desligar. Acabava de descobrir que Chávez não existia. Que estranho. As pessoas não se perdiam no Exército. Pelo menos, isso não devia acontecer.
Perplexo, o sargento decidiu voltar a falar com seu tenente.
– Ontem à noite demos outro golpe – disse Ritter ao almirante Cutter – . A sorte nos acompanha.
Tivemos só um ferido, ferimento leve, mas já eliminamos três centros e provocado quarenta e quatro baixas ao inimigo...
– Continue.
– Esta noite, quatro chefões do Cartel se reunirão aqui – disse Ritter, ao lhe entregar uma cópia da foto e da transcrição da conversa interceptada– . Fernández, D'Alejandro, Wagner, Untiveros, todos os chefes da produção. Estão em nossas mãos.
– Prossiga com o plano – disse Cutter.
Nesse momento, Clark estudava a mesma fotografia, além de outras tiradas por ele mesmo e os planos de uma casa.
– Acha que será nessa mansão?
– Não conheço a casa, mas essa me parece o mais parecida com uma sala de reuniões – disse Larson– . Que distância precisam estar?
– O melhor é menos de quatro mil metros, mas a ILT tem um alcance máximo de seis mil.
– O que te parece este cume? Daí se vê o interior do complexo.
– Quanto tempo demoraríamos a chegar?
– Três horas. Duas de carro e uma a pé. Sabe, isto quase se poderia ser feito do ar...
– De seu avião? – perguntou Clark com um sorriso malicioso.
– Nem pense nisso! – Para chegar ali tinham um “Subaru” de tração 4X4. Larson tinha vários jogos de placas, e, além disso, o carro não era seu – . Tenho o número, e um telefone celular.
Clark assentiu. Não via a hora de começar. Não era a primeira vez que saía para caçar homens, mas nunca o fizera com autorização oficial e contra personagens tão importantes.
– Tenho que esperar a ordem final. Venha a me buscar as três.
Murray recebeu a notícia em seu escritório e imediatamente foi vê-la. As pessoas nunca tem bom aspecto no hospital, mas nas últimas sessenta horas Moira envelhecera dez anos. Os hospitais tampouco velam pela dignidade do indivíduo. Tinham-lhe prendido as mãos a cama e a mantinham sob vigilância por tentativa de suicídio. Murray sabia que era necessário – mais, era improvável – , mas sua personalidade tinha sofrido um rude golpe, e a situação não melhorava as coisas.
Havia vários buques de flores no quarto. Apenas um punhado de agentes sabiam do ocorrido, e no escritório pensavam que tudo era produto da depressão causada pela morte de Emil. O que não era mentira.
– Que susto você nos deu, garota.
– Sou a culpada de tudo. – Não se atrevia a olhar para ele mais de dois segundos.
– Você foi outra vítima, Moira. Ele é um dos sujeitos mais hábeis. São coisas que acontecem, inclusive com os melhores agentes. Pode acreditar em mim, vi com meus próprios olhos.
– Deixei que ele me usasse. Agi como uma puta...
–Pode para! Você errou e ponto final. Pode acontecer com qualquer um. Você não quis fazer mal a ninguém e não violou nenhuma lei. Não vale a pena morrer por isso, e menos ainda quando se têm filhos.
– O que eles vão pensar de mim? O que dirão quando souberem...?
– Você deu um baita susto neles. Querem você de volta Moira. Há alguma coisa mais importante que isso? – Murray balançou a cabeça– . Eu acho que não.
– Eles vão me desprezar.
– Eles têm medo. Eles se culpam a si mesmos. Acham que é culpa deles. – Isso sim a abalou.
– Mas não tem nada a ver! É culpa minha que...
– Não, Moira, não é. Quem a atropelou foi um caminhão chamado Félix Cortez!
– É seu nome verdadeiro?
– Era coronel do DGI, formado na academia da KGB; um dos melhores na sua especialidade.
Escolheu-a porque você é viúva, jovem e bonita. Estudou-a, descobriu que, como a maioria das viúvas, sentia-se sozinha, e usou todos seus encantos com você. Tem muito talento natural, além disso, foi formado pelos peritos da área. Você estava indefesa, a atropelo um caminhão que nem sequer você viu chegar. Você será avaliada por um psiquiatra, o doutor Lodge, da Tempere University. Ele vai dizer o mesmo que eu, embora vá lhe cobrar muito mais. Mas não se preocupe: o escritório pagará todos os gastos.
– Não poderei continuar ali.
– Isso é verdade. Não poderá ter acesso a material reservado – disse Dan – . Mas não se preocupe.
Te darão um posto na Secretaria de Agricultura, quase no mesmo edifício. O salário é o mesmo. Bill se ocupou de tudo.
– O Sr. Shaw? Mas... por quê?
– Porque você é uma das nossas, não uma espiã inimiga, Moira. Entenda isso de uma vez por todas.
– O que faremos? – perguntou Larson.
– Esperar e ver o que acontece – disse Clark enquanto estudava a folha de rota. Um dos lugares marcados se chamava Dom Diego. Talvez ali morasse alguém chamado “O Zorro”, pensou – . O que dirá que somos, se te perguntarem?
– Você é um geólogo em busca de jazidas de ouro. E eu sou seu piloto.
– Perfeito. – Era um dos vários disfarces de Clark. Aficionado por geologia, tema que conhecia tão bem o bastante que podia discutir com um professor. Inclusive já tinha feito isso mais de uma vez. Isso também explicaria a presença de certos instrumentos estranhos na caminhonete de tração 4X4, ao menos para um observador superficial ou ignorante. Diriam que o ILT era um instrumento de agrimensura, o que de certo modo era verdade.
Chegaram ao destino sem maiores inconvenientes. A qualidade da pavimentação não era tão quanto o dos Estados Unidos, e as estradas quase não tinham curvas, mas o maior perigo era constituído pelos motoristas locais, apaixonados por velocidade. Clark gostava dessa gente, e dos sul-americanos em geral.
Apesar dos problemas sociais, as pessoas demonstravam uma invejável gana de viver e muita alegria.
Talvez os americanos de um século atrás tivessem sido assim, pelo menos no Far West. Era admirável.
Infelizmente a economia não se desenvolveu, mas Clark não era um teórico social. Como filho da classe operária de seu país, sabia que, no fundo, os trabalhadores de todo o mundo se pareciam. As pessoas dali não sentiam amor pelos narcotraficantes. Ninguém gosta de criminosos, sobre tudo aos que fazem ostentação de poder, e provavelmente estavam furiosos porque a Polícia e o Exército não punham fim a suas atividades.
Furiosos e impotentes. O único grupo “popular” que tinha tentado de fazer algo a respeito era a guerrilha comunista M-19, que no fundo era um grupo elitista de intelectuais universitários urbanos.
Quando sequestraram à irmã de um grande traficante de cocaína, os outros se uniram para resgatá-la e de passagem mataram mais de duzentos militantes do M-19. Assim surgiu o Cartel de Medellín. Por isso, Clark sentia admiração pelo Cartel. Eram seus inimigos, mas obrigaram um grupo marxista revolucionário a ceder terreno ao enfrentá-lo com seus próprios métodos de guerrilha urbana. Seu erro –
além de dedicar-se a um negócio que Clark detestava com toda a alma – era achar que podiam enfrentar um inimigo mais capitalista com as mesmas regras, e que ele não reagiria. Pagar ao inimigo com sua própria moeda era uma forma de fair play, segundo Clark. Acomodou-se para dormir uma breve sesta.
Claro que era.
A quatrocentos quilômetros da costa colombiana, o Ranger virou para o vento para iniciar a operação de manobra aérea. Integravam a esquadrilha de combate o próprio porta-aviões, o cruzador classe Aegis Thomas S. Gates, outro cruzador, quatro destroiers e fragatas, todos com mísseis, e dois navios com armamento antissubmarino. A esquadra de abastecimento, integrada pelo navio tanque, o navio de munições Shasta e três escoltas, achava-se a setenta e cinco quilômetros, para o lado da costa. A setecentos e cinquenta quilômetros dali se encontrava uma esquadrilha similar que voltava de uma prolongada missão no oceano Índico. Esta simulava o ataque de uma formação inimiga; fingiam ser russos, embora ninguém empregasse esse termo na era do glasnost.
Da torre de controle do porta-aviões, Robby Jackson assistiu à partida dos primeiros aparelhos.
Eram interceptores F-14 Tomcat, carregados ao máximo, que lançavam cones de fogo pelos escapamentos ao serem lançados das catapultas. Era um espetáculo emocionante. Como um balé de tanques, os enormes e pesados aparelhos realizavam uma complexa coreografia na grande convés, guiados por jovens com camisas coloridas – as cores obedeciam a um código de sinalização – que lhes davam instruções por meio de gestos e se esquivavam dos escapamentos dos motores. Era um jogo perigoso e fascinante igual o jogo de se esquivar dos carros nas ruas da cidade durante a horário de pico.
Tripulantes de camisas violetas – chamados “uvas”– carregavam os tanques de combustível. Outros jovens, de camisas vermelhas, carregavam as armas azuis. Essa noite não haveria disparos. A primeira parte do exercício consistia em práticas de interceptação contra outros aviadores navais. Na noite seguinte, os C-130 da Força Aérea levantariam voo do Panamá, sairiam ao encontro da esquadrilha de combate e lançariam uma série de alvos que os Tomcat alcançariam em pleno voo – isso era o que se esperava– com os mísseis Phoenix AIM-54C, recentemente reparados.
Não era um teste para o empreiteiro. Os alvos seriam dirigidos a distancia por suboficiais da Força Aérea, encarregados de fugir do fogo inimigo como se suas vidas dependessem disso. Cada evasão conseguida significava que a tripulação do avião de ataque devia pagar uma grande multa em cerveja ou outro meio de cambio.
Depois da decolagem dos doze aviões, Robby desceu de novo ao convés de voo. Vestia seu uniforme de piloto cor verde oliva e levava seu capacete de aviador. Nessa noite ele voaria num avião radar E-2C “Hawkeye”, a diminuta versão naval dos enormes E-3A AWAC, do qual comprovaria se seu novo dispositivo tático era mais eficaz que os empregados pela Marinha na atualidade. Era nas simulações computadorizadas, mas os computadores não eram a vida real, fato que aqueles que trabalhavam no Pentágono costumavam esquecer.
A tripulação do E-2C o esperava na porta do convés de voo. O chefe de convés do “Hawkeye”, um suboficial principal de camisa parda, chegou para guiá-los até o avião. O convés de voo era um lugar perigoso para os pilotos, daí a necessidade que esse jovem de vinte e cinco anos, conhecedor do terreno, guiasse-os. No caminho, Robby percebeu a presença de um A-6E Intruder que era carregado com uma bomba azul com acessórios de orientação que a transformavam numa GBU-15, uma arma guiada por laser. O avião era do comandante da esquadrilha aérea. Por isso, pensou, preparava-se um teste de validação de sistemas, quer dizer, o lançamento de uma bomba de verdade. Isso não era frequente, e os comandantes de esquadrilha gostam de um pouco de diversão de vez em quando. Robby se perguntou qual seria o alvo – talvez uma balsa – , mas ele tinha outros problemas em que preocupar-se. Momentos depois chegaram a seu avião. Trocou umas palavras com o piloto, fez a continência e se retirou para cumprir seus deveres. Robby prendeu-se no assento ejetável do compartimento de radar; como sempre, desgostava-lhe voar como passageiro.
Finalizada a operação de checagem prévia de decolagem, o acionamento das turbo hélices estremeceu o aparelho. O “Hawkeye” se dirigiu lenta e torpemente para uma das catapultas do setor médio. Conectado o acessório da roda dianteira à lançadeira da catapulta, o piloto deu a máxima potencializa aos motores e advertiu a sua tripulação que se preparava para a decolagem. Em apenas três segundos, a velocidade do avião Grumman passou de zero a cento e quarenta nós. A cauda caiu um pouco ao sair da pista, depois o avião se nivelou e novamente se inclinou para subir a seis mil metros. Os controladores de radar verificaram seus sistemas, e vinte minutos mais tarde o E-2C ocupava seu posto a cento e vinte quilômetros do porta-aviões. Os sinais de radar de sua cúpula giratória sulcavam o céu para dar começo ao exercício. De seu assento, Jackson contemplava a “batalha” nas telas de radar; os auriculares de seu capacete estavam, conectados ao circuito de comando para comprovar se a esquadrilha aérea do Ranger executava seu plano, enquanto o “Hawkeye” se movia em círculos no céu.
Dessa posição, também se via a esquadrilha de combate. Meia hora depois de sua decolagem, Robby percebeu que dois aparelhos partiam simultaneamente do porta-aviões. O sistema computadorizado de radar os rastreou automaticamente. Subiram a dez mil metros e ali se reuniram: por isso, era um exercício de abastecimento em voo. Um dos aviões voltou para o porta-aviões, o outro tomou rumo Este-sudeste. Nesse momento o exercício de interceptação propriamente dito começou; mas, a intervalos de poucos segundos, Robby seguiu ao novo contato até que desapareceu de sua tela, sempre em direção à zona continental da America do Sul.
– Sim, sim, eu irei – disse Cortez – . Ainda não estou pronto, mas irei. – Cortou a comunicação, murmurou uma maldição e pegou as chaves de seu carro. Ainda não tinha tido tempo para inspecionar um dos centros de processamento destruídos e o convocavam a informar ao... o que o chefe chamava “Comitê de Produção”.
Que gracinha. Os idiotas estavam tão empenhados em apoderar do Governo que já usavam a terminologia oficial. Lançou outra maldição ao pensar que teria que dirigir até o castelo desse gordo delirante e pomposo. Olhou seu relógio. Demoraria duas horas, chegaria tarde e não teria nada novo que lhes dizer por que não lhe tinham dado tempo para investigar. E ficariam zangados com ele. E ele deveria mostrar-se humilde. Cortez estava farto de se humilhar diante dessa gente. Pagavam-lhe mais do que jamais tinha sonhado, mas seu amor próprio não tinha preço. Deveria ter pensado nisso antes de aceitar o trabalho. Pôs o carro em marcha, sem deixar de amaldiçoar para si mesmo.
A interceptação CAPER mais recente tinha o número 2091 e correspondia a uma comunicação de um telefone móvel à casa do sujeito Jogo. O texto apareceu na impressora do computador pessoal de Ritter. Trinta segundos depois apareceu o 2092. Chamou o seu ajudante.
– Cortez... Cortez vai para lá? Milagre, e ainda faltam seis meses para Natal.
– Terá que avisar ao Clark – disse Ritter.
– É impossível – disse o homem depois de pensar um pouco.
– Por quê?
– Não temos um canal de transmissão seguro o bastante. A menos que possamos usar um circuito VOX até o porta-aviões, daí ao A-6 e do A-6 a Clark.
Tocou ao Ritter lançar uma maldição. Não podiam fazer isso. O elo fraco era o porta-aviões. O
funcionário que fiscalizava esse aspecto da operação teria que falar com o comandante do navio –
seguindo toda a cadeia de comando – , e pedir um compartimento onde efetuar suas transmissões a sós.
O risco era excessivo, inclusive se o comandante aceitasse o pedido. Muitas perguntas, muitas pessoas incorporadas ao círculo dos que estavam informados.
Ia lançar outra maldição, mas se conteve. Talvez Cortez chegasse a tempo. Merda, que bom seria poder informar ao FBI que tinham eliminado o filho da puta! Melhor dizendo, que alguém o tinha feito, mas podia negá-lo. Ou talvez não. Não conhecia bem a Bill Shaw, e ignorava como reagiria.
Larson estacionou o “Subaru” a cem metros da estrada principal, num ponto escolhido previamente onde seria difícil serem descobertos. Depois subiram a pé por um declive suave até seu esconderijo, ao que chegaram antes do anoitecer. As fotografias tinham identificado um lugar perfeito, na crista de uma colina, de onde se dominava uma casa que era de tirar o fôlego. Eram seis mil metros quadrados – um quadrado de trinta metros, dois andares, sem porão – dentro de um terreno de seis hectares, a quatro quilômetros de distância e uns cem metros abaixo do esconderijo. Enquanto houve luz, Clark estudou o dispositivo de guarda com seus binóculos de magnitude sete. Eram vinte homens com armas automáticas.
Duas metralhadoras pesadas com sua correspondente dotação ocupavam duas torres construídas com essa fim sobre o muro do perímetro. Bob Ritter tinha encontrado o termo certo, essa tarde em St. Kitts: Mescla de Frank Lloyd Wright e Ludovico o Louco. Era uma casa formosa, de estilo espanhol neoclássico moderno com fortificações de alta tecnologia para manter longe os camponeses rebeldes. Não faltava o heliporto de praxe, com um novíssimo Sikorsky S-76.
– Que mais você pode-me dizer sobre a casa?
– Construção maciça, como se vê. É um problema. Esta é uma zona de terremotos. Eu preferiria algo mais leve, com colunas e vigas de madeira, mas eles gostam do concreto, acho que assim detém melhor as balas e os obuses.
– Vem bem a calhar – disse Clark. Abriu sua mochila. Tirou o pesado tripé e o instalou habilmente sobre terreno firme. Depois pegou o ILT, prendeu-o ao tripé e o calibrou. Finalmente tirou um aparelho de visão noturna “Varon Noctron-V”. O ILT também servia para isso, mas não queria usá-lo. O
“Noctron” tinha magnitude cinco (Clark preferia os binóculos de lente dupla), mas era pequeno, leve e prático. Magnificava a luz ambiental umas cinquenta mil vezes.
A tecnologia tinha avançado muito desde suas primeiras missões no Sudeste Asiático, mas igualmente lhe parecia magia negra. Percorrera a selva sem outra ajuda além de uma velha lente Mark-1.
Larson, que seria responsável pelas comunicações, já tinha instalado seus aparelhos. Agora era questão de esperar. Larson abriu um pacote de comida fria e os dois se acomodaram o melhor que puderam.
– Agora sabem o que significa “pés grandes” – riu Clark uma hora mais tarde. Os decifradores não conseguiram descobrir. Oferecendo o “Noctron” a Larson.
– Caralho! Mas o que é isso...
Era uma caminhonete “Ford” de três quartos de tonelada com tração 4X4. Melhor dizendo, isso ele foi ao sair da fábrica. Depois, uma oficina realizou as modificações necessárias para lhe colocar pneus de mais de um metro de largura. Não era tão grotesco como os “Big Foot”, esses caminhões monstruosos das exibições, mas causava quase o mesmo efeito. O mais estranho era que parecia um veículo muito prático.
A estrada para a mansão estava em mal estado, mas para o caminhão era igual a uma via pavimentada...
quem não estava satisfeitos eram os rapazes da segurança, que brigavam para se manter em cima do novo brinquedo do patrão.
– O consumo de combustível deve ser monstruoso – disse Larson ao devolver o binóculo.
– Não é problema para ele – disse Clark. O caminhão entrou, manobrou e então aconteceu o milagre. O idiota do motorista o estacionou junto a casa, sob as janelas da sala de conferências. Talvez não quisesse perder de vista seu brinquedo.
Dois homens descenderam do estranho veículo. O anfitrião os recebeu na varanda – Clark não podia lembrar o nome espanhol para aquela parte da casa – , com apertos de mão e abraços enquanto eram rodeados por homens armados, nervosos como uma guarda presidencial. Só relaxaram quando seus patrões entraram e ficaram a conversando animadamente com seus colegas; por acaso o Cartel não era uma grande família feliz?
É agora, disse-se Clark. Balançou a cabeça, atônito, ao contemplar o caminhão.
– Chegou o último que faltava. – Larson assinalou uns faróis que se aproximavam lentamente.
Era uma “Mercedes”, enorme, com a blindagem de um carro de combate... como o carro do embaixador, pensou Clark. Justiça poética. Esse VIP também foi recebido com as honras de sua investidura. Havia já meia centenas de sentinelas à vista. Os postos de guarda no muro do perímetro estavam todos ocupados, e diferentes grupos percorriam o terreno constantemente. Era estranho que não houvesse sentinelas por fora do muro. Ou talvez sim, mas ele não os via. Não tinha importância.
Acenderam-se as luzes na sala atrás do caminhão.
– Acho que você tinha razão, cara.
– Para isso e que me pagam – disse Larson– . Que distância há entre o caminhão...?
Clark já tinha verificado por meio do laser.
– Três metros até a parede. Bem perto.
Concluída a operação de reabastecimento, o capitão de fragata Jensen se desconectou do K-6.
Recuperou a mangueira e perdeu altura para que o cisterna pudesse manobrar e afastar-se. A missão era extremamente fácil. Correu a alavanca para a direita, tomou rumo um e um cinco e subiu até dez mil metros.
Tinha desligado o transponder de resposta IFF, tinha tempo para distender-se e desfrutar do voo. O
assento do “Intruder” é bem alto, para proporcionar ao piloto boa visibilidade durante o ataque... mas se sentia desprotegido quando lhe disparavam, lembrou. Jensen chegou a realizar algumas missões durante a guerra do Vietnam. Recordava claramente dos disparos dos canhões antiaéreos de Haifong, como fardos de algodão negro com luzes vermelhas no centro. Mas agora não se achava no Vietnam. Seu assento era um trono no céu. Brilhavam as estrelas. A lua minguante estava a ponto de sair. O mundo permanecia em paz. E, além disso, ele tinha uma missão. Melhor, impossível.
A luz das estrelas lhes permitia ver a costa a trezentos quilômetros. A velocidade cruzeiro do
“Intruder” era pouco inferior a quinhentos nós.
Depois que ficou fora do alcance do radar do E-2C, virou para o sul, para o Equador. Passada a costa mudou de rumo, para a esquerda para seguir a crista dos Andes. Então acendeu o transponder IFF.
Nem Equador nem Colômbia tinham uma rede de defesa antiaérea. Era um luxo desnecessário para esses países.
Portanto, os únicos radares que apareciam nos monitores ESM eram os de controle aéreo. Eram aparelhos muito modernos. Um dos paradoxos pouco conhecidas da tecnologia de radar é que os aparelhos mais modernos não detectam aviões e sim seus transponder. Todos os aviões comerciais do mundo levam uma pequena “caixa preta” – termo que se refere ao equipamento eletrônico – que recebe o sinal do radar e responde com a sua: assim, matrícula e outros dados do avião aparecem nas telas de controle da estação de radar – pelo general um aeroporto– para uso dos controladores. É um sistema mais barato e eficiente que o dos velhos radares, que se limitavam a detectar a presença de um aparelho, enquanto que a determinação de sua identidade, rumo e velocidade ficava liberada aos técnicos em terra, sempre abarrotados de trabalho. Um detalhe estranho na história da tecnologia era que o novo sistema significava um passo adiante, mas, também, um passo atrás.
O “Intruder” entrou rapidamente na zona de controle aéreo do aeroporto internacional El Dorado, nos subúrbios de Bogotá. Apenas seu código alfanumérico apareceu nas telas recebeu a chamada de um controlador.
– Recebido, El Dorado – replicou o capitão Jensen imediatamente– . Aqui quatro-três quilo. Voo de carga seis do Inter-América, de Quito rumo a LAX. Altitude três e zero zero, rumo três e cinco zero, velocidade quatro e nove cinco. Câmbio.
O controlador verificou os dados do radar e respondeu em inglês, o idioma do trafego aéreo internacional:
– Quatro três quilo, entendido. Notifico-lhe não há tráfico em sua zona. Condições meteorológicas CAVU. Mantenha rumo e altitude. Câmbio.
– Entendido, obrigado. Boa noite, senhor. – Jensen desligou o transmissor e ligou o interno – . Foi fácil, não? – disse-lhe ao bombardeiro/navegador – . Bom, ao trabalho.
No assento da direita, colocado um pouco abaixo e atrás da poltrona do piloto, o oficial de voo ligou seu transmissor logo depois de ativar o RBA, pendurado do eixo central do “Intruder”.
À hora T menos quinze minutos, Larson conectou seu telefone celular e digitou o número.
– Senhor Wagner, por favor.
– Um momento – respondeu a voz. Larson se perguntou quem seria.
– Wagner – disse outra voz uns segundos depois – . Quem fala?
Larson amassou um papel celofane de um pacote de cigarros em frente ao receptor telefônico enquanto pronunciava fragmentos de palavras, depois disse:
– Não consigo te ouvir, Carlos. Te chamarei depois. – Larson cortou a comunicação.
– Bom detalhe – disse Clark com gesto de aprovação – . Quem é Wagner?
– Seu papai era sargento da Allgemeine SS, destacado em Sobibor. Veio para aqui em quarenta e seis, casou-se com uma moça daqui; então se dedicou ao contrabando e morreu antes que o apanhassem.
De tal pai, tal filho – prosseguiu Larson– . Carlos é um desgraçado, gosta de bater em suas mulheres. Seus colegas não gostam dele pelo animal que existe nele, mas é eficiente no seu trabalho.
– Está na hora – avisou o Sr. Clark. Cinco minutos depois, o receptor rangeu.
– Bravo Uísque, aqui Zulu X-Ray, câmbio.
– Zulu X-Ray, aqui Bravo Uísque, recepção perfeita, cambio – disse Larson imediatamente. Seu transmissor era similar ao dos controladores aéreos, com banda cifrada de ultra-frequência.
– Relatório de sua situação, câmbio.
– Preparados. Missão em curso. Repito, missão em curso.
– Entendido missão em curso. Estamos há dez minutos. Ponham a música.
Larson se voltou para o Clark:
– Acenda.
O ILT já estava aceso. O Sr. Clark passou o seletor de espera para ativo. O ILT é um Apontador Laser de Terra. Aparelho destinado aos soldados em combate, projeta um feixe laser modulado (e invisível) através de um sistema de lentes, complexo mas a prova de choque. Este sistema está alinhado com um sensor infravermelho que indica ao operador para onde aponta: no fundo, é uma olhe telescópica.
O caminhão “pés grandes” tinha uma carroceria de fibra de vidro sobre a caixa. Clark enfocou a retícula sobre uma das janelas, manipulando cuidadosamente os ajustes micrométricos do tripé. O ponto do laser apareceu no lugar desejado, mas depois mudou de ideia: aproveitando que se achava a maior altura que o alvo, apontou no teto do veículo. Por último, ligou o videogravador conectado ao ILT. Os chefes em Washington queriam registrar até o último detalhe da operação.
– Perfeito – disse– . Alvo iluminado.
– A música está ligada, e soa muito bem – informou Larson por meio do transmissor.
Cortez subia pela ladeira em seu automóvel. Passou por um posto de segurança, ocupado por dois homens que bebiam cerveja, conforme percebeu com desgosto.
O estado da estrada era similar ao dos caminhos de sua Cuba natal, era obrigado a dirigir numa marcha lenta. Mas ainda assim reprovariam sua demora.
Muito fácil, pensou Jensen ao receber a resposta. Voava a dez mil metros, numa noite limpa, ninguém lhe disparava mísseis nem canhões antiaéreos.
Nem um treinamento com equipes de novatos era tão fácil.
– Estou vendo – disse o B/N, olhando sua tela. Em uma noite limpa, a dez mil metros de altitude, podia-se ver a uma distância enorme, sobre tudo se se conta com um aparelho de valor multimilionário.
Debaixo do “Intruder”, o Multissensor de Reconhecimento de Alvo e Ataque viu o laser a noventa quilômetros.
Era um feixe modulado, é obvio, e o MRBA conhecia seu sinal de transporte. Tinham confirmado a identidade do alvo.
– Zulu X-Ray confirma, a música se ouve bem – disse Jensen pelo transmissor. E pelo interno – : Próximo passo.
No posto de armas interno de bombordo, a cabeça rastreadora da bomba foi ativada, e, imediatamente, reconheceu o laser. No avião, um computador rastreava a posição, altitude, velocidade e rumo do próprio aparelho; o bombardeiro/navegador programou a posição do alvo com uma aproximação de duzentos metros. Poderia ter sido mais preciso, mas não era necessário. O lançamento seria automático e, dessa altitude, a “cesta” dentro da qual devia cair a bomba tinha um diâmetro de vários quilômetros. O
computador tomou nota de tudo e decidiu efetuar um ótimo lançamento, no setor mais favorável da cesta.
Clark não afastava os olhos do ILT. Apoiava-se sobre os cotovelos e evitava roçar o instrumento com qualquer parte de seu corpo que não fosse suas pestanas sobre a sobrancelha de borracha que protegia o ocular.
– A qualquer momento, agora – disse o B/N.
Jansen nivelou o “Intruder”, que seguia o caminho eletrônico definido pelos sistemas computadorizados que levava a bordo. O exercício estava fora de controle humano. O computador enviou um sinal ao lançador. Dispararam-se vários cartuchos de escopeta – eram precisamente isso – , que projetaram as “sapatas de lançamento” sobre umas pequenas placas de aço presas à camisa da bomba.
Esta se separou do avião.
O aparelho saltou um pouco ao perder de repente um peso de pouco mais de quinhentos quilos.
– Lançamento realizado – informou Jensen.
Em fim Cortez viu o muro. As rodas de seu carro – se o convocassem com frequência, teria que comprar um jipe– patinavam no cascalho, mas já se encontrava perto do portão, e o caminho interno estava pavimentado, provavelmente com os restos do material de construção do heliporto, pensou Cortez.
– Lá vai – disse Larson para Clark.
A bomba caía a uma velocidade de quinhentos nós. Ao separar-se do avião, a força de gravidade a pegou. Sua queda se acelerou no ar rarefeito, enquanto a cabeça rastreadora se deslocava milimetricamente para corrigir o arrasto do vento. A cabeça era de fibra de vidro, parecia uma bala romana com pequenas aletas. Quando o ponto de luz laser que lhe servia de alvo desaparecia do centro de seu campo visual, todo o rastreador se deslocava e corria as aletas de plástico na direção adequada. A queda era de sete mil e quinhentos metros, e o microchip do rastreador estava tentando acertar no centro exato. Tinha tempo de sobra para corrigir as variações.
Clark não estava certo do que ia acontecer. Passou muito tempo desde sua última incursão aérea e não lembrava de todos os detalhes: quando a gente pedia apoio aéreo, em geral não tinha tempo para se fixar nessas coisas. Se perguntou se haveria um assobio, não lembrava tê-lo escutado na guerra.
Não tirava os olhos do alvo, mas tinha muito cuidado de não tocar o ILT por medo de por tudo a perder. Vários homens rodeavam o caminhão. Eles acenderam cigarros e quase todos falavam ao mesmo tempo. O assunto parecia prolongar-se muito. Quando aconteceu, foi sem o menor aviso. Nem um assobio, nem nada.
O automóvel do Cortez inclinou bruscamente quando suas rodas dianteiras chegaram por fim ao pavimento.
Uma bomba guiada por laser GBU-15 tinha uma precisão “garantida” menor que três metros, mas isso era válido para uma situação de combate: neste caso, as condições eram muito mais simples. Caiu sobre o teto do caminhão, a uns centímetros do centro do alvo. A diferença da bomba de teste é que esta estava preparada para explodir no impacto. Um microssegundo depois de que a cabeça rastreadora tocou o teto, um microchip ativou os dois detonadores, o da cabeça e o da cauda. Estes disparadores eletrônicos estavam respaldados por dispositivos mecânicos. Neste caso não foram necessários, mas os explosivos precisam de um tempo para agir, e a bomba caiu outros noventa centímetros enquanto se desenvolvia o processo de detonação. Não atravessou todo o teto quando os detonadores ativaram o explosivo e as coisas começaram a acontecer com maior rapidez. O explosivo era octol, uma substância química muito cara, utilizada às vezes como detonador de artefatos nucleares, com uma velocidade de detonação superior aos oito mil metros por segundo. A camisa da bomba se reduziu a vapor em escassos microssegundos. O gás expansivo destroçou o caminhão, lançou os fragmentos metálicos em todas as direções, menos para cima; depois chegou a onda expansiva, dura como uma rocha. Os fragmentos e a onda se chocaram contra os muros de concreto em menos de uma milésimo de segundo, com os efeitos que eram previstos. O muro se desintegrou, converteu-se em milhões de fragmentos que voavam à velocidade de uma bala, enquanto a onda atrasada atacava o resto da casa. O sistema nervoso humano é incapaz de reagir com a suficiente rapidez ante tais fatores: os ocupantes da sala de reuniões não tiveram o menor aviso de sua morte iminente.
O sensor de luz de baixa intensidade do ILT adquiriu uma cor branca (com um matiz esverdeado).
Instintivamente, Clark desviou a vista do ocular para contemplar o clarão na zona atacada. Dessa distância, ainda não escutavam o ruído. Não é frequente que um ruído possa ser visto, mas as grandes bombas criam esse fenômeno. O ar comprimido da onda de expansão era um muro espectral que se expandia radialmente do caminhão, e o fazia a mais de trezentos e cinquenta metros por segundo. O ruído demorou doze segundos para chegar a Larson e Clark. Evidentemente os ocupantes da sala de reuniões estavam mortos, e o ruído surdo da onda de pressão foi como o grito de indignação das almas perdidas.
– Que merda! – exclamou Larson, impressionado pelo que acabava de presenciar.
– Parece que não economizaram dinamite – disse Clark, contendo com muita dificuldade a vontade de rir. Também para ele era a primeira vez. Matou a muitos inimigos, e nunca o tinha desfrutado disso.
Mas pela natureza do alvo e o método de ataque, isto parecia uma bomba extraordinária. Filhos da puta!
A pausa reflexiva lhe sobreveio mais tarde. Sua “brincadeira” tirou a vida de mais de vinte pessoas, das quais, só quatro eram alvos, e isso não tinha graça nenhuma. Desvaneceu o seu desejo de rir. Ele era um profissional, não um psicopata.
Cortez estava a menos de duzentos metros da explosão, mas se salvou porque, vindo de baixo, quase todos os fragmentos passaram por cima de sua cabeça. A terrível onda de expansão arrancou o para-brisa e o esmagou contra seu rosto, mas o vidro de segurança, embora tenha se quebrado, não estilhaçou graças à folha de polímero entre as duas pranchas. O carro deu uma cambalhota até ficar virado sobre o teto, mas pôde escapar enquanto sua mente ainda não tinha terminado de assimilar o que seus olhos acabavam de ver. Foram necessários seis segundos para pensar na palavra “explosão”. Contudo, suas reações eram muito mais rápidas que as dos guardas; a metade destes agonizavam ou estavam mortos. Sua primeira ação consciente foi pegar sua pistola e avançar para a casa.
Mas a casa tinha desaparecido. O estrondo o tinha ensurdecido e não escutava os gritos dos feridos.
Vários guardas perambulavam a esmo, as armas preparadas... mas não sabiam para que. Os menos afetados eram os do muro oposto. O corpo da casa absorveu a maior parte da onda de choque, lhes protegendo de tudo menos dos devastadores estilhaços.
– Bravo Uísque, aqui Zulu X-Ray, peço EDB, câmbio.
Pedia a Avaliação dos Danos causados pela Bomba. Larson pegou seu microfone pela última vez.
– Minha avaliação é alvo perfeito, repito, perfeito, com detonação alta. Máxima pontuação.
Câmbio.
– Entendo câmbio e desligo. – Jensen desconectou o transmissor– . Estava me lembrando – disse pelo interno – de quando estava servindo no Kennedy, no Mediterrâneo. Eu era aspirante. Os oficiais tinham medo de entrar em certas partes do navio porque a tropa consumia drogas.
– Sim, são uma merda – repôs o bombardeiro/navegante– . Não se preocupe comigo, senhor. É
muito difícil que a consciência me perturbe. Além disso, se a Casa Branca disser que está bem, está bem.
– É isso ai.
Em silêncio, Jensen sabia que devia seguir seu rumo até ficar fora do alcance do radar do aeroporo El Dorado, e depois virar para Sudoeste, para o Ranger. A verdade, era uma noite bonita. Perguntou-se como andaria a operação de defesa aérea.
Cortez tinha pouca experiência com as explosões e os caprichos de suas consequências eram novos para ele. Por exemplo, a fonte em frente da casa não tinha deixado de emanar. Os cabos subterrâneos que subministravam energia elétrica a casa estavam intactos e a caixa dos interruptores só sofreu danos parciais. Banho o rosto na água e quando se endireitou já se sentia bem, só lhe doía à cabeça.
No momento da explosão, havia mais de uma dezena de veículos no interior do complexo. A metade estavam destroçados, seus tanques de combustível estourado, e os focos isolados de fogo iluminavam o pátio. O brilhante helicóptero da Untiveros era uma massa de sucata contra os restos do muro. Vários homens corriam a esmo. Cortez parou e tentou se lembrar.
Tinha visto um caminhão com rodas enormes estacionado junto A... Andou para lá. Embora os três hectares em torno da casa estivessem cobertos de escombros, num determinado ponto o terreno estava livre deles. Era uma cratera de dois metros de profundidade e seis de diâmetro.
Um carro-bomba.
Uma bomba grande, de uns mil quilos pelo menos, pensou. Enquanto olhava a cratera, sua mente começou a funcionar.
– Acho que não há nada mais para ver – disse Clark. Jogou um último olhar através do ocular do ILT e o desconectou. Precisou de apenas três minutos para guardá-lo.
– Quem será aquele sujeito? – perguntou Larson enquanto erguia a mochila. Entregou-lhe o
“Noctron”.
– Parece que é o do “BMW”, o último que chegou. Será que é alguém importante?
– Quem sabe na próxima vez.
– Bom, em marcha. – Clark começou a descender pela colina.
Era coisa dos americanos. Só a CIA podia montar tal operação. Pagaram alguns dólares às pessoas certas, e, de algum jeito, tinham conseguido ocultar uma tonelada de explosivos na caçamba daquele caminhão monstruoso. Um golpe admiravelmente engenhoso. O caminhão era de Fernández: Tinham-lhe falado dele, mas nunca o tinha visto. E nunca o verei, pensou. Fernández estava fascinado com seu caminhão novo e o tinha estacionado frente A... Sim, claro. Um golpe de sorte para os americanos. Mas como o fizeram? Certamente não sujaram as próprias mãos. Por isso tinham usado A...
quem? Alguém – melhor dizendo, a vários – do M-19 ou as FARC...?
Sim, podia ser. Ou talvez um golpe indireto, através dos cubanos ou da KGB. Agora que havia tanto intercâmbio entre o Leste e o Oeste, talvez a CIA tivesse conseguido essa colaboração. Era difícil, mas não impossível. Um atentado direto a um alto funcionário de Governo, como o que o Cartel tinha perpetrado, dava lugar a todo tipo de alianças inconcebíveis.
Seria por acaso um acidente? Como os americanos souberam dessa reunião?
Escutou vozes vindas da pilha de escombros que até pouco antes tinha sido um castelo. Cortez se uniu aos guardas que investigavam. A família do Untiveros estava na casa. Esposa, dois filhos, oito ou dez empregados domésticos. Certamente eram tratados como escravos, pensou Cortez. Os chefes do Cartel eram assim. Talvez tivessem causado uma grande ofensa a algum deles: violaram sua filha, ou alguma cois do tipo. Todos o faziam. Droit du seigneur. Os chefes do narcotráfico não sabiam francês, mas conheciam o significado desse termo. Estúpidos, pensou Cortez. Suas perversões não conheciam limites.
Os guardas removiam os escombros. Era incrível que alguém pudesse ter sobrevivido. Começava a recuperar a audição e escutava os gritos agudos de algum infeliz. Perguntou-se quantas baixas haveria.
Talvez... Sim. Voltou para seu “BMW”. Caía gasolina do tanque, mas introduziu a mão para tirar seu telefone celular. Afastou-se vinte metros antes de ligá-lo.
– Jefe, sou Cortez. houve uma explosão aqui.
Que ironia, pensou Ritter, que a primeira notícia do êxito da missão chegasse a ele por meio de uma mensagem interceptada pelo CAPER. E o melhor, disseram os rapazes da NSA, era que tinham identificado à voz do Cortez. Assim melhoravam as possibilidades de apanhá-lo. É melhor que nada, pensou o SDO ao receber a mesma visita pela segunda vez no dia.
– Cortez escapou – disse ao almirante Cutter– . Eliminamos a D'Alejandro. Fernández, Wagner e Untiveros, além dos danos colaterais que eram de se esperar.
– O que significa isso?
Ritter olhou outra vez a fotografia da casa tirada por satélite. Era insuficiente para quantificar os danos.
– Quero dizer que havia muitos guardas na casa, é provável que tenham morrido alguns.
Infelizmente também estava ali a família do Untiveros: esposa, dois filhos, e empregados.
Cutter se ergueu bruscamente na cadeira.
– Não me disseram nada disso! Eu achava que era um golpe cirúrgico.
Ritter o olhou sem ocultar sua irritação.
– Merda, Jimmy! Que caralho você esperava? É você um oficial da Marinha, ou não? Ninguém te disse que sempre há vítimas inocentes? Ainda por cima, eu te lembro que atacamos com uma bomba, que merda. Não se pode fazer uma operação cirúrgica com uma bomba, apesar do que os “peritos” dizem.
Veja se entenda de uma ver por todas!
A ideia de que houvesse vítimas inocentes desagradava a Ritter, mas era o preço do sucesso... como bem sabiam os chefes do Cartel.
– Mas eu disse ao Presidente...
– O Presidente me disse que tenho licença para caçar, e sem limite de presas. Esta operação sou eu que está no comando, e ninguém mais.
– Mas isto é muito arriscado! O que acontecerá os jornais souberem disso? É um assassinato a sangue frio!
– E matar os chefões do tráfico e seus guardas um por acaso não é assassinato a sangue frio? Neste caso não, mas só porque o Presidente deu a ordem de atacar. Você diz que estamos em guerra. O
Presidente diz que atuemos como se estivéssemos em guerra. De acordo, faremos isso. Lamento que houvesse vítimas inocentes; mas, merda, sempre a há. Se existisse uma forma de evitar que os bons paguem com os maus, nós faríamos isso, mas não há.
A reação de Ritter não era simplesmente de perplexidade. Se pressupunha que o sujeito na sua frente fosse um militar de carreira: por definição, um profissional que sabia o que era matar um ser humano. Claro que a maior parte da carreira de Cutter transcorrera atrás de uma mesa no Pentágono; e o único sangue que vertera era a de seu rosto ao barbear-se. depois de trinta anos de serviço militar, não sabia que na vida real as armas eram menos precisas que no cinema. Oficial naval de carreira. Assessor presidencial de Segurança Nacional. Perfeito.
– Proponho um acordo, almirante – prosseguiu Ritter – . Se você não falar com a Imprensa, eu também não falarei. Você leu a mensagem interceptada. Cortez diz que foi uma bomba colocada num veículo. Clark executou a missão como estava prevista.
– E se a Polícia local investigar?
– Primeiro, não sabemos se a Polícia local terá acesso ao local. Segundo, o que te faz pensar que dispõem de recursos para averiguar alguma coisa? Montamos tudo para que parecesse uma bomba colocada num carro, e Cortez acreditou nisso. Terceiro, por que pensa que à Polícia local se importará como uns traficantes de merda morreram?
– Mas a mídia...!
– Não podem supor outra coisa. E além disso foi você que insistiu em que atacássemos esses sujeitos com tudo o que temos. Agora está arrependido? Acho que é um pouco tarde – disse Ritter, que já estava farto. Acabava de realizar a melhor operação em muitos anos, e o autor da ideia se mijava nas calças.
O almirante Cutter não prestava atenção à fúria de Ritter. Prometeu ao Presidente a eliminação cirúrgica dos assassinos de Jacobs e dos outros. Não tinha pensado na morte de pessoas “inocentes”. O
pior era que Wrangler também não tinha pensado nisso.
Chávez, que estava a muitos quilômetros ao sul, não escutou a explosão. O grupo rodeava outro centro de processamento. Evidentemente, trabalhavam por turnos. Dois homens montavam a banheira portátil, fiscalizados por guardas armados, e outros murmuravam e amaldiçoavam ao subir a ladeira.
Apareceram quatro camponeses com mochilas nas costas que transportavam frascos de ácido.
Acompanhavam-nos outros dois guardas.
Talvez não se espalhasse a notícia, pensou Ding. Estava certo que o trabalho realizado noites atrás desestimularia outros que esperavam melhorar seus ganhos por essa via. Não lhe ocorreu pensar que corriam esses riscos para que suas famílias não morressem de fome.
Dez minutos depois, o terceiro grupo de seis homens com folhas de coca apareceu, acompanhados por outros cinco guardas armados. Os trabalhadores traziam baldes de lona. foram procurar água num riacho próximo. O chefe ordenou a dois homens que montassem guarda entre as árvores, e isso pós tudo a perder.
Um deles se dirigiu para onde se escondia o grupo de assalto, a cinquenta metros da clareira.
– Droga – sussurrou Vega.
Chávez apertou quatro vezes o botão de seu transmissor: perigo.
O capitão respondeu com dois: Já os vi. E depois três: Preparados.
Urso ergueu sua metralhadora e lhe tirou a trava.
Tomara que o eliminem sem fazer barulho, rogou Chávez para si.
Os sujeitos voltavam com os baldes quando Chávez escutou um grito a sua esquerda. Os guardas reagiram imediatamente. Vega abriu fogo.
Os disparos de duas frentes confundiram os guardas, que, entretanto, reagiram ante a surpresa como sempre fazem aqueles que levam armas automáticas: abriram fogo em todas as direções.
– Merda! – grunhiu Ingeles, e lançou uma granada no centro da clareira. Ela explodiu entre os frascos, e banhou todo mundo com ácido sulfúrico. Os projéteis traçantes voavam por toda parte, as pessoas caíam feridas, mas no meio da confusão era impossível saber bem o que acontecia. Em poucos segundos os disparos cessaram. Não havia um ser vivo à vista. Então apareceu o grupo de assalto, e Chávez desceu correndo. Contou os cadáveres: faltavam três.
– Guerra, Chávez, apanhem-nos! – ordenou o capitão Ramírez. Não precisava dizer: matem-nos!
Não o fizeram. Guerra descobriu a um deles e o eliminou imediatamente. Chávez não encontrou ninguém. Achou um balde junto ao riacho, a trezentos metros do objetivo. Se estavam ali quando começou o tiroteio, levavam quatro ou cinco minutos de vantagem em seu próprio terreno. Durante há meia hora seguinte, os dois soldados correram daqui para lá, com pausas para observar e escutar, mas dois homens tinham escapado.
Quando voltaram para objetivo, souberam que isso não era o pior. Tinham uma baixa: o fuzileiro Rocha, com um tiro no meio do peito. Sua morte tinha sido foto. Os soldados estavam muito calados.
Jackson também estava furioso. A força agressora o tinha derrotado. Os defensores do Ranger não tinham compreendido. Seu plano tático havia fracassado quando uma das esquadrilhas fez uma volta inesperada e, o que devia ser uma armadilha mortal, transformou-se num caminho para que os “russos”
ficassem a distância de lançamento de míssil do porta-aviões. Era uma desconcertante virada de situação, embora não de toda inesperada. As ideias novas se aperfeiçoavam com o tempo, e talvez devesse modificar algumas disposições. Que tivesse dado certo na simulação de computador não significava que o plano fosse perfeito. Com o olhar fixo na tela do radar, tentava lembrar os deslocamentos dos diferentes móveis. Nesse momento, um ponto solitário que, com rumo Sudoeste se dirigia ao porta-aviões, apareceu na sua tela. Se perguntou quem poderia ser enquanto seu “Hawkeye” se preparava para aterrissar.
O E-2C fez uma aterrissagem perfeita, enganchou o cabo e avançou rapidamente para fazer dar lugar ao aparelho seguinte. Era um “Intruder”, o mesmo que tinha visto horas antes ao abordar o
“Hawkeye”. O aparelho pessoal do chefe de esquadrilha, que tinha seguido para a praia. Não tinha importância. O capitão de fragata Jackson se dirigiu ao escritório do comandante da operação para apresentar seu relatório.
O capitão de fragata Jensen taxiou até deixar livre a zona de aterrissagem. As asas do “Intruder” se dobraram para ocupar menos espaço no hangar de proa. Quando desceu do avião junto com seu B/N, eram esperados pelo instrumentista, que já tinha retirado à fita cassete. Entregou-a ao chefe – é o título que recebem os comandantes de esquadrilha – e os conduziu para um lugar seguro, fora da pista. Ali os esperava o representante técnico, a quem Jensen entregou a fita.
– Pontuação máxima, disseram os observadores – comentou o piloto. Jensen não parou.
O técnico levou a fita cassete para o seu camarote, onde a guardou numa caixa metálica com cadeado. Selou-a com uma fita multicolorida e lhe pôs vários rótulos autoadesivos com a legenda Top Secret. Colocou-a noutra maior e a levou ao convés, onde esperava um avião de transporte. Este partiu trinta minutos depois com destino ao Panamá. Ali, um agente a CIA recebeu a caixa para transportá-la à base aérea de Andrews, de onde a levaria a quartel central em Langley.
XIX
PRECIPITAÇÃO
Os serviços de Inteligência se gabam da rapidez com que transmitem a informação do ponto A aos pontos B, C, D e assim sucessivamente. Quando se trata de informação muito delicada, ou obtida por meios clandestinos, são extremamente eficientes. Mas se tratando das notícias, mostram-se muito mais lentos que a Imprensa comercial. Desde aí a fascinação que sente a comunidade secreta dos Estados Unidos – e a de outros países– com a CNN, a rede de notícias a cabo de Ted Turner.
Por isso, Ryan não se surpreendeu muito ao ler que as primeiras informações sobre a explosão no sul de Medellín provinham da CNN e outros serviços de notícias.
Era a hora do café da manhã em Monza. Estava hospedado no setor VIP norte-americano do complexo da OTAN e tinha acesso ao serviço via satélite da CNN. Ligou a televisão enquanto bebia sua primeira xícara de café, bem a tempo de ver uma imagem tomada, evidentemente de um helicóptero. O
letreiro dizia Medellín, Colômbia.
– Meu Deus! – sussurrou Jack.
O helicóptero se mantinha longe do solo, certamente por medo de receber um disparo, mas a imagem era eloquente. Uma enorme casa tinha fora reduzida a um monte de escombros junto a uma cratera no chão. O sinal era inconfundível. Ryan pensou: uma bomba num carro, antes que o locutor o dissesse.
Por isso a CIA não teve nada que ver com isso, pensou. Os norte-americanos não usam bombas, a não ser projéteis, e apontam direito para o alvo. A pontaria de precisão é uma invenção americano.
Entretanto, ao refletir sobre o incidente, desvaneceu sua certeza. Em primeiro lugar, a CIA certamente vigiava o Cartel, e em questões de vigilância a Agência era muito eficiente. Segundo, se havia uma operação de vigilância em curso, ele deveria sabido da explosão através dos canais da Agência e não por um noticiário de Televisão. Algo não encaixava bem no quadro.
O que foi o que Sir Basil disse? Nossa resposta será apropriada. O que significa? Na década passada, a espionagem se tornou um jogo bem civilizado.
Na década de 1950, a derrocada de Governos estrangeiros era um meio habitual para a promoção dos interesses nacionais. O assassinato era uma alternativa rara, mas real, à aplicação dos meios diplomáticos mais complexos. No caso da CIA, o fiasco na Baía dos Porcos e a má repercussão gerada por certas Operações no Vietnam – que em todo caso tinha sido uma guerra, e, portanto, um fato violento por definição – tinham posto fim nesse tipo de aventura. Era estranho, mas era o certo. A mesma KGB
raramente realizava “trabalhos molhados” – uma expressão russa da década de trinta derivada de que o sangue molha as mãos– , e preferia deixar isso para seus agentes búlgaros ou a grupos terroristas que realizavam esses trabalhos em troca de armas e treinamento. Mas isso também estava desparecendo. O
paradoxo era que, segundo Ryan, a era necessária a ação violenta em alguns casos, ainda mais agora que o mundo se afastava da guerra declarada para uma zona cinza onde preponderava o terrorismo de Estado e os conflitos de baixa intensidade. As forças preparadas para realizar “operações especiais” constituíam uma alternativa real e semicivilizada às formas de violência organizada e destrutiva associada com as forças armadas convencionais. E a guerra não era outra coisa que o homicídio legalizado em escala industrial, não é mais civilizado empregar a violência discretamente e contra alvos precisos?
Esse era um problema ético que devia ser bem ponderado durante o café da manhã.
Mas o mais complexo nesse nível era decidir onde terminava o bem e começava o mal. A lei, a ética e a religião aceitavam que o soldado que matasse em tempo de guerra lutando não era um criminoso. Mas com isso se dava por sentado algo que faltava elucidar: o que é a guerra? Para as gerações anteriores, a resposta era singela. As nações-estados reuniam as Forças Armadas, as enviavam para combater por uma razão, geralmente bem estúpida – depois do conflito tiravam o chapéu que tinha uma solução pacífica– , e isso era aceitável do ponto de vista moral. Mas o próprio caráter da guerra começava a mudar. Quem decidia o que era a guerra? As nações. Assim, podia uma nação determinar quais de seus interesses vitais interessavam e agiam de acordo? Que lugar tinha o terrorismo nessa equação? Anos antes, depois de ter sido vítima de um atentado, Ryan chegou à conclusão que o terrorismo era uma manifestação moderna de pirataria, cujos adeptos tinham sido sempre os inimigos comuns da humanidade. Por isso, sempre existia uma situação de guerra iminente em que se podiam empregar as Forças Armadas.
O que dizer então dos narcotraficantes internacionais? Eram criminosos civis que deviam ser tratados como tais? E se subvertiam uma nação até submetê-la a sua vontade, convertia-se essa nação em inimiga comum da humanidade, como os piratas bereberés de antigamente?
Merda, suspirou Ryan. Não conhecia a lei. Seu títulos de historiador não lhe serviam neste caso. O
único precedente era o de um estado capitalista que declarou uma “verdadeira” guerra para impor seu
“direito” de vender ópio a um povo cujo Governo se opôs a isso..., mas que perdera a guerra, e com ela o direito de proteger a seus cidadãos do consumo ilegal de drogas.
Era um precedente verdadeiramente perturbador.
Sua cultura lhe obrigava a procurar uma justificação. Acreditava no Bem e o Mal como valores diferenciados e distinguíveis, mas os livros da leis não tinham todas as respostas: às vezes devia recorrer a outras fontes. Como pai de família, detestava os narcotraficantes. Que certeza tinha que seus filhos alguma vez não sentiriam a tentação de provar essa porcaria? Não tinha o dever de proteger seus filhos? E
como membro das Forças de Inteligência de seu país, seu dever não se estendia a todos as crianças do país? O que acontecia se o inimigo desafiasse seu país? modificavam-se as regras? No caso do terrorismo, já sabia a resposta: quem desafia um Estado-nacional, corre um grave risco. nações, como os Estados Unidos, possuem recursos inconcebíveis. Os militares que dedicam sua vida treinando a arte de matar a seus congêneres. Praticam essa arte com ferramentas de aterradora eficácia. Sabem introduzir um projétil no peito de um homem a mil metros e lançar uma bomba teleguiada de mil quilos pela janela de um dormitório...
Merda.
Bateram na porta. Era um ajudante do Sir Basil, que lhe entregou um envelope e partiu.
“Quando voltar, lhe diga a Bob que eu o felicito pelo bom trabalho. Bs.”
Jack introduziu o bilhete no envelope e o guardou no bolso. claro que sim. Não cabia dúvida. Agora tinha que determinar se estava bem ou mau com isso. Logo saberia que era muito mais fácil meditar sobre essas decisões quando os outros a tomavam.
Tinham que ficar em movimento. Ramírez atribuiu tarefas a todo mundo. Quando se trabalhava muito, pensava-se pouco. Tinham que apagar todo rastro de sua presença.
Deviam enterrar a Rocha. No momento oportuno, sua família, se tivesse uma, receberia um ataúde metálico selado, com setenta e cinco quilos de lastro para simular a presença do cadáver. Chávez e Vega, encarregados de cavar a tumba, abriram uma fossa estreita de dois metros de profundidade. Não gostavam da ideia de deixá-lo ali. Tinham a esperança de que alguém fosse procurar o cadáver do camarada; mas, no fundo, sabiam que ninguém faria isso. Embora tivessem recebido sua formação militar em tempos de paz, não desconheciam a morte. Chávez lembrava os dois rapazes mortos na Coréia e a outros que haviam falecido em diversos acidentes durante as manobras ou em quedas de helicópteros. A vida do soldado é perigosa, embora não haja guerra. Portanto, queriam acreditar que tinha morrido por causa de um acidente. Mas sabiam que não era assim. Rocha tinha perdido a vida no cumprimento do dever, a serviço do país cujo uniforme vestia com orgulho e voluntariamente. Conhecia os riscos, tinha-os assumido como um homem, e agora jazia em solo estrangeiro.
Chávez compreendia a irracionalidade de achar que jamais aconteceria algo assim. A surpresa se devia a que Rocha, como o resto do pelotão, era um verdadeiro profissional, inteligente, valente, conhecedor de suas armas, hábil para deslocar-se na selva, um soldado consciente e sério, feliz de combater os traficantes... por motivos que jamais tinham revelado. Ao pensar nisso, sentiu-se melhor.
Rocha morrera cumprindo seu dever. Era a melhor despedida que um homem podia querer. Cavada a fossa, colocaram o cadáver nela com muito cuidado. O capitão Ramírez disse umas palavras. Depois a preencheram pela metade, Olivero aspergiu a terra com pó de gás lacrimogêneo para evitar que os animais o desenterrassem e, depois, acabaram de preenchê-la; cobriram-no com mato para apagar os rastros... Entretanto, Ramírez gravou em sua mente a posição da fossa por via das dúvidas de que alguma vez fora possível voltar a procurar a seu soldado. Chegou o momento de partir.
Amanhecia, mas continuaram a marcha para a base alternativa, a sete quilômetros e meio do solitário posto de sentinela de Rocha. Ramírez queria lhes dar um descanso e iniciar outra missão quanto antes. Com o trabalho teriam pouco tempo para pensar. Isso manuais assim orientavam.
Um porta-aviões, além de uma navio de guerra, é uma verdadeira comunidade, uma cidade de seis mil habitantes com hospital e centro comercial, igreja e sinagoga, Polícia e videoclube; nem sequer faltam um jornal e uma rede de Televisão. As jornadas de trabalho são longas, e em seus momentos de ócio os homens desfrutam merecidamente desses serviços. Mais importante ainda do ponto de vista da Marinha, marinheiros desfrutam desses serviços trabalham melhor.
A primeira coisa que Robby Jackson fez ao despertar foi tomar um banho e descer ao cassino de oficiais para tomar café. Esperava-lhe um café da manhã de trabalho com seu superior, mas queria estar bem acordado. Num canto havia uma televisão: os oficiais navais, como a maioria dos norte-americanos, iniciam sua jornada diária com as notícias.
“Ontem à noite, ao redor das nove horas – às vinte e uma, hora do Ranger – , aconteceu uma explosão na casa de um tal Esteban Untiveros”. O Sr. Untiveros era um dos chefes do Cartel de Medellín.
Aparentemente, um de seus amigos não era tão amigo assim. Informes indicam que uma bomba colocada num automóvel destroçou sua luxuosa residência, situada no topo de uma colina, e matou todos os seus ocupantes.
“No âmbito nacional, na próxima semana começa em Chicago a primeira das convenções políticas nacionais. O governador J. Robert Fowler é o principal oponente à candidatura presidencial de seu partido, ainda faltam para ele cem votos para obter a maioria, e se reunirá hoje com representantes de...”
Jackson se voltou. A uns dez metros dele, o capitão de fragata Jensen apontava para a televisão e dizia algo para um de seus homens, que tentava de ocultar seu sorriso de satisfação atrás da xícara de café.
Robby escutou um click em sua mente.
Um teste de bomba.
Um representante técnico que não queria falar de seu trabalho.
Um A-6E que se dirigia a costa equatorial com rumo um e um cinco e voltava para o Ranger com rumo dois e zero cinco. O outro lado desse triângulo devia – podia– sobrevoar... Colômbia.
Uma explosão.
Uma bomba com camisa combustível. Uma bomba inteligente com camisa combustível, retificou o capitão de fragata Jensen.
Bem, filho da puta...
Era motivo para rir, por mais de um motivo. A morte de um narcotraficante não o perturbava. Ao contrário, perguntava-se com frequência por que não derrubavam esses aviões de uma vez. Tanto bate-papo e político sobre as ameaças à segurança nacional, sobre a guerra química contra Estados Unidos...
Diabos, por que não saíam para caçá-los? Era mais barato que uma operação de treinamento, em que se derrubavam alvos caros. Não havia um só homem nas Forças Armadas que não sonhasse eliminar alguns quantos traficantes. O inimigo é o que é..., que o alto escalão diz que é. O trabalho do capitão de fragata Robert Jefferson Jackson era combater os inimigos de sua pátria. Se os eliminavam com uma bomba teleguiada e o faziam parecer outra coisa... bom, isso não era mais que um toque artístico.
Robby acreditava saber o que tinha acontecido. O problema dos segredos era que não podiam ser guardados, cedo ou tarde eram descobertos. Claro que não falaria disso com ninguém, isso é obvio. E, na verdade, era uma lástima não poder fazê-lo.
Por que tanto segredo?, perguntou-se. Ao matar ao diretor do FBI, os traficantes tinham declarado guerra. Por que não dizer publicamente: Cuidado, vamos nos vingar!? Além disso, era um ano eleitoral. E
alguma vez o povo subtraiu o apoio a Presidente quando este declarou a necessidade de recorrer à força?
Mas Jackson não era político. Era hora de apresentar-se ao chefe. Dois minutos depois, chegou ao camarote. Quando o sentinela lhe abriu a porta, Robby o achou lendo umas mensagens.
– Cuide seu uniforme! – disse o superior, muito severo.
– O que... O que está dizendo, senhor? – Baixou a vista para ver se estava com a braguilha corretamente fechada.
– Veja. – O comandante do Ranger se levantou e lhe estendeu uma das mensagens– . Lhe promoveram, Robby... perdão, capitão Jackson. Felicitações, Rob. Isto é melhor despertador que uma xícara de café, não?
– Obrigado, senhor.
– Bom, vejamos como melhoraremos essas táticas de combate que você inventou...
– Sim, senhor.
– Me chame Ritchie.
– De acordo, Ritchie.
– Claro que na ponte e em público ainda deverá me chamar de senhor – particularizou o capitão.
Sempre baixa a crista dos oficiais recém promovidos. Também lhes obrigavam a pagar os drinques.
As câmaras dos noticiários chegaram pela manhã bem cedo. Tiveram dificuldades para aproximar-se da casa de Untiveros. A Polícia já estava no lugar e nenhum dos jornalistas ou cameramen pensou perguntar se eram “subalternos”. Vestiam uniforme, levavam armas e agiam como policiais de verdade. A verdadeira busca de sobreviventes já tinha terminado, sob a supervisão de Cortez; já tinham levado os dois cadáveres, os superviventes e quase todas as armas. Os guardas de segurança eram coisa habitual na Colômbia, mas não as armas automáticas e as metralhadoras pesadas. Certamente Cortez partiu muito antes que as câmaras chegassem, e quando começaram a filmar, a Polícia já tinha iniciado seu trabalho.
Algumas equipes contavam com transmissão via satélite, embora um dos pesados estúdios móveis não tivesse conseguido subir a ladeira.
A parte mais simples da busca, registrada com tudo detalhe pelas câmaras, começou no que tinha sido a sala de reuniões, reduzida a um monte de um metro de escombros. A parte maior encontrada de um membro do Comitê de Produção (título não revelado aos noticiários) foi uma parte intacto de perna, do joelho até o pé, ainda com o sapato. Mais tarde se determinou que fazia parte dos “restos” mortais de Carlos Wagner. No momento da explosão, a esposa e os dois filhos de Untiveros assistiam um filme no andar superior da casa. Acharam o vídeo ainda ligado e funcionando junto aos cadáveres. Uma câmara seguiu o homem – um guarda de segurança sem seu AK-47– que levou o corpo inerte e ensanguentado de um menino para a ambulância que esperava fora.
– Meu deus – disse o Presidente ao ver a cena num dos televisores do Salão Oval – . Se descobrirem...
– Senhor Presidente, não é a primeira vez que enfrentamos uma situação como esta – replicou Cutter– . Lembre-se do bombardeio a Líbia ordenado por Reagan, as incursões sobre o Líbano e...
– E sempre nos trataram como lixo! Ninguém se importa por que o fizemos, só dirão que matamos gente inocente. Por Deus, Jim, era uma criança! O que você acha que devemos dizer? “Bem lamentamos, mas ele estava onde não devia.”
“Presume-se – dizia nesse instante o comentarista de Televisão– que o proprietário da casa era membro do Cartel de Medellín, mas fontes policiais asseguram que jamais foi acusado de nenhum crime e... – Fez uma pausa frente à câmara– . Bem, acabam de ver o que a explosão fez a sua esposa e a seus filhos.”
– Pois bem – grunhiu o Presidente, e desligou a televisão – . Esses filhos da puta fazem o que lhes dá a vontade com nossos rapazes, mas quando os atacamos em seu próprio terreno, eles é que são as vítimas. Moore falou com o Congresso?
– Não, senhor Presidente. A CIA é obrigada a informar quarenta e oito horas depois do começo da operação. Para fins administrativos, esta operação começou ontem pela tarde.
– Que não se comente nada. Se os informarmos, certamente vai haver vazamento. Avise a Moore e Ritter.
– Senhor Presidente, eu não posso...
– Ao diabo com isso! Se por acaso não percebeu, acabo de te dar uma ordem, senhor. – O
Presidente lhe deu as costas e se aproximou da janela panorâmica – . Eu achava que estas coisas não fossem acontecer – murmurou.
Certamente, Cutter o compreendia perfeitamente. Ao fim de poucos dias, começaria a convenção do partido da oposição. Seu candidato, Bob Fowler, governador do Missouri, levava vantagem nas pesquisas de opinião. Isso era de esperar. O chefe do Estado não enfrentara uma verdadeira oposição dentro de seu partido, a nomeação estava predeterminada; em troca, Fowler brigara com unhas e dentes e ainda lhe faltavam alguns votos para alcançar a maioria absoluta. Os eleitores se sentiam atraídos pelos candidatos dinâmicos, e embora Fowler fosse tão corajoso quanto um pano de pia, a eleição interna tinha despertado interesse. Como todos os candidatos a partir de Nixon e da primeira guerra contra a droga, acusara o Presidente de descumprir suas promessas de diminuir o narcotráfico. O mesmo tinha feito o Presidente, quatro anos antes, para acessar à Casa Branca. Só que ele tinha ensaiado uma medida drástica. E como resultado de sua decisão, o Governo dos Estados Unidos da América empregou suas armas mais modernas para assassinar a um par de meninos e à mãe destes. Fowler não deixaria de usar esse argumento na campanha eleitoral.
– Senhor Presidente, seria imprudente cancelar agora as operações que estão em marcha. Se seriamente quer vingar o diretor Jacobs e os outros, e atacar o narcotráfico, não pode parar agora, que vamos colher os primeiros frutos. A entrada de drogas no país diminuiu em vinte por cento – disse Cutter com ênfase– . Se o somarmos ao desbaratamento da operação de “lavagem de dinheiro”, podemos dizer que obtivemos uma vitória importante.
– E a bomba?
– Estive pensando nisso, senhor, e me ocorre o seguinte: dizemos que não temos conhecimento disso, mas que temos duas teorias. A primeira que o atentado foi realizado pelo M-19, que ultimamente esteve criticando os senhores da droga. A outra, que é o resultado de disputas internas do Cartel.
– Bem explique-se melhor – disse sem voltar-se. Era um mau sinal que Vaqueiro não olhasse alguém nos olhos. Realmente estava muito preocupado. A política era um jogo cansativo, mas o mais apaixonante de todos.
– O assassinato de Jacobs e dos outros foi um ato irresponsável. Todos sabem. Bom, deixamos transpirar que um setor do Cartel castiga os que tomaram uma medida drástica que põe em perigo toda a operação. – Cutter estava encantado com esse argumento. Pertencia a Ritter, mas o Presidente o ignorava– . Sabemos que os traficantes não se detêm ante a morte dos familiares...; ao contrário, é uma característica deles. Assim explicamos o que “eles” fazem. Em outras palavras, colhemos todos os prós e nenhum dos contra – disse como conclusão, com um sorriso à costas do Presidente.
Este se voltou para olhá-lo. Com cepticismo, mas...
– Acha seriamente que acreditarão nisso?
– Sim, senhor. Além disso, nos permite realizar pelo menos mais um ataque da Operação RECIPROCIDADE.
– Tenho que demonstrar que não estamos cruzados de braços – murmurou o Presidente– . Bom, o que estão fazendo os soldados destacados nas montanhas?
– Eliminaram cinco centros de processamento. Sofremos duas baixas e dois feridos, mas com ferimentos leves. É o custo inevitável, senhor. São soldados profissionais, conhecem os riscos e os assumem voluntariamente. Por esse lado não há problema. Logo vai se espalhar que os camponeses locais não devem trabalhar para os traficantes, e isso significará um golpe duro. Seu efeito não vai ser prolongado, no máximo durará uns meses, mas se fará sentir. Você poderá falar disso, e mencionar também o aumento do preço da cocaína nas ruas. Essa é a medida do êxito ou do fracasso das operações.
Essa notícia aparecerá nos jornais sem necessidade de que a anunciemos.
– Bom, assim é melhor. – O Presidente sorriu pela primeira vez– . Mas vamos ter mais cuidado.
– É obvio, senhor Presidente.
A 7ª Divisão iniciava suas atividades às 6:15. Esse era um dos motivos das austeras virtudes da unidade. Os soldados, sobre tudo os jovens, gostam de beber tanto quanto qualquer um dos outros setores da sociedade americana, mas o exercício físico sob os efeitos de uma ressaca se parece bem como uma agonia lenta. Era um dia quente no Fort Ord, e às sete, ao fim dos habituais cinco quilômetros de corrida, todo mundo transpirava profusamente.
Era a hora do café da manhã.
Os oficiais se sentavam na mesma mesa, e o tema da conversa dessa manhã era o mesmo de todas as mesas do país.
– Merda, já era hora – exclamou um capitão.
– Dizem que foi uma bomba – assinalou outro.
– A CIA sabe fazer essas coisas, depois da experiência no Líbano e em outros lugares – atravessou um segundo chefe de companhia.
– Não é tão fácil – disse o chefe de Inteligência do batalhão. Tinha comandado uma companhia de rangers e sabia bastante sobre bombas e armadilhas explosivas– .que fez isso, sabia o como fazer.
– Uma pena que não nos mandem para lá – disse um tenente, e outros oficiais ajudantes assentiram.
Os superiores ficaram calados. Era um tema de discussão entre os oficiais há anos. O desdobramento de unidades para a guerra – era disso se tratava– não se incluir à leve, embora existisse consenso geral em que era possível... se os Governos locais estivessem de acordo. Certamente, não o estavam. Isso, pensavam os oficiais, era compreensível, mas lamentável.
Era impossível exagerar quanto o Exército detestava as drogas. Os oficiais comandantes de batalhão, de major para acima, lembravam dos problemas da década de setenta, quando o Exército era tão permeável às drogas quanto seus críticos diziam e os oficiais não podiam ir a certos lugares sem uma escolta armada. A derrota desse inimigo requerera anos de esforço. Até na atualidade, todos os integrantes das Forças Armadas podiam ser submetidos a análise. Para os suboficiais superiores e os oficiais não havia perdão: bastava um resultado positivo para que fossem expulsos.
De sargento para abaixo, havia mais oportunidades: à primeira prova positiva, rebaixamento e reprimenda; à segunda, a baixa. A divisa oficial era clara e simples: EM MEU EXÉRCITO, NÃO! Mas o problema tinha outra cara. A maioria desses homens eram casados, tinham filhos, clientes em potencial de um vendedor local. aceitava-se que a vida do vendedor que se aproximasse com sua podre mercadoria do filho de um militar corria perigo. Isso raramente acontecia, porque, para o soldado, a disciplina estava acima de tudo, mas o desejo existia. E também a capacidade.
De vez em quando, um vendedor desaparecia e então se atribuía o fato a um ajuste de contas entre traficantes. Muitos desses assassinatos jamais eram resolvidos.
De maneira que foi aí que foi parar Chávez, pensou Tim Jackson. Havia muitas coincidências.
Chávez, Muñoz, Leon. Todos latinos, todos transferidos no mesmo dia. Levavam a cabo uma operação clandestina a pedido da CIA; inclusive perigosa, mas eram soldados, e conheciam os riscos. Mais sereno agora que “sabia” o que não devia saber: Chávez estava fazendo o que tinha que fazer. Não precisava preocupar-se com ele. Chávez era um soldado de primeira, ninguém melhor que ele para realizar esse trabalho.
Aborrecidos, os jornalistas da Televisão partiram para redigir suas notas e as gravar. Cortez retornou ao lugar quando percebeu que o último veículo partia pelo caminho para Medellín. Desta vez viajava de jipe. Estava cansado e irritado, mas a curiosidade era mais forte. Aconteceu algo muito estranho, que não sabia do que se tratava, e não se daria por satisfeito até esclarecer isso. Os dois sobreviventes da casa estavam em Medellín, aos cuidados de um médico de confiança. Cortez iria interrogar eles, mas o aguardava uma tarefa mais na casa. O contingente policial estava sob o comando de um capitão que anos atrás tinha chegara a um acordo com o Cartel. Félix estava certo que não choraria a morte de Untiveros e dos outros, mas isso não tinha a menor importância.
O cubano estacionou seu jipe e se aproximou do chefe de Polícia, que era acompanhado de dois homens.
– Buenos dias capitán, Já determinou que tipo de bomba usaram?
– Sim, foi colocada num carro – respondeu o policial, muito sério.
– Certo, como suspeitávamos – disse Cortez em igual tom– . E o explosivo?
– Não tenho a menor ideia – repôs o oficial, encolhendo os ombros.
– Talvez o descubra na rotina da investigação – sugeriu Félix.
– Claro que sim. Posso fazer isso.
– Obrigado. – Voltou para jipe e se dirigiu para o Norte. Uma bomba de fabricação local utilizaria dinamite, que era abundante e fácil de obter nas empresas mineiras, ou um explosivo plástico ou possivelmente um produto fabricado a partir de fertilizante nitrogenado. Em troca, se fosse o M-19, era mais lógico supor que usariam Semtex, um tipo de RDX fabricado na Alemanha Oriental, empregado pelos terroristas marxistas de todo o mundo devido a sua alta potencia e seu preço baixo. A determinação do tipo de explosivo era sempre uma pista valiosa. Cortez sorriu ao pensar que quem daria essa pista seria a Polícia.
Não era o único motivo de seu sorriso. A morte de quatro chefes do Cartel o afetava tanto quanto à polícia: eram empresários, indivíduos pelos quais Cortez não sentia grande respeito. Aceitava seu dinheiro e nada mais. O autor do atentado era um profissional de alto nível. Por isso, não podia ser a CIA, que não se dedicava a matar pessoas. Cortez não se sentia muito aflito por ter estado tão perto da morte, Era especialista em operações clandestinas e conhecia os riscos. Além disso, se o alvo principal de um plano tão elegante tivesse sido ele, logicamente, não teria sobrevivido para analisá-lo.
Seja como for, a morte de Untiveros, Fernández, Wagner e D'Alejandro significava a aparição de quatro vagas na cúpula do Cartel, assim como a eliminação de quatro poderosos obstáculos em seu caminho, se... Sim, pensou. por que não? Pelo menos, teria um lugar na mesa. Talvez algo mais. Mas antes, havia uma tarefa que realizar, um “crime” para resolver.
Quando chegou a Medellín, os dois sobreviventes da casa tinham recebido os primeiros socorros e estavam em condições de serem interrogados, junto com seis empregados do apartamento que o chefe morto possuía em Medellín. Os levou a um quarto a prova de balas e de som no piso superior de um edifício muito alto. Cortez achou aos oito empregados de confiança, sentados em cadeiras, com as mãos algemadas.
– Vocês estavam cientes da reunião de ontem à noite – disse em tom amável.
Todos assentiram. Untiveros era um falador, e os empregados estavam sempre escutando.
– Perfeito. Agora quero saber quem de vocês falou sobre isso e a para quem o disse – prosseguiu sem abandonar seu tom amável e sereno – . Lhes asseguro que ninguém sairá daqui até que me deem uma resposta satisfatória.
Ergueu-se um coro de protestos, como era de se esperar. Cortez estava certo de que muitas delas eram sinceras.
E isso não tinha nenhuma importância para ele.
Olhou para o chefe dos guardas e assinalou a cadeira do extremo esquerdo.
– Começaremos com ela.
O governador Fowler saiu da suíte do hotel com a segurança de que acabava de conseguir o objetivo a que tinha dedicado os últimos anos três. Quase certo, retificou para si: na política não havia certezas. Mas um legislador de Kentucky que tinha realizado uma campanha excelente para surpresa dos observadores, acabava de trocar os votos de seus delegados por um posto no gabinete, o que dava a Fowler uma margem de segurança de cem votos acima da maioria requerida. Claro que não podia dizer isso publicamente. O homem de Kentucky faria o anúncio na segunda jornada da convenção: assim teria a oportunidade de fazer sua última aparição em público... e em frente as câmaras. Pessoas dos dois lados deixariam transpirar a notícia, mas ele enfrentaria à Imprensa com seu célebre sorriso ingênuo e lhes diria que especulassem quanto quisessem: ele sabia a verdade. A política é tão condenadamente hipócrita, pensou Fowler. Pessoalmente era um homem sincero, mas não tanto para violar as regras do jogo.
Em obediência a essas regras, falou para as câmaras de Televisão durante seis minutos; ou seja, não havia dito nada. O governador e o congressista tinham mantido uma “discussão interessante” sobre “os grandes problemas que enfrenta o país”. Concordavam em seu “desejo de que surgissem novos líderes”
num país que – estavam convencidos disso, mas não podiam dizer – continuaria próspero ganhasse quem ganhasse as eleições, porque as mesquinhas diferenças entre os partidos e facções se extinguiam no edifício do Capitólio, e porque os partidos estavam tão desorganizados que ultimamente as campanhas presidenciais eram pouco mais que concursos de beleza. Possivelmente era melhor assim, pensou Fowler, embora desagradava-se a ideia de que o poder que tanto desejava fosse uma ilusão. Era o momento das perguntas.
A primeira o surpreendeu. Cegado pelas luzes – muitos meses depois da campanha se perguntava se poderia recuperar a visão perdida – , Fowler não viu o quem a formulou, mas achou que reconhecia o jornalista de um dos grandes jornais.
– Governador, notícias provenientes da Colômbia dizem que uma bomba destruiu a casa de um alto chefe do Cartel de Medellín matando a ele e a sua família. O senhor acha que existe alguma relação com os assassinatos recentes do diretor do FBI e de nosso embaixador na Colômbia?
– Infelizmente não pude ler os jornais esta manhã devido a meu café da manhã com o congressista.
O que você acha? – Sua postura mudou: não era a do candidato otimista, e sim a do estadista prudente...
ou o que diabos fosse, pensou. Antes lhe parecia tão claro.
– Especula-se que nosso Governo pôde ter algo que ver com esse atentado.
– Ah, sim? Bom, vocês sabem que discordo do senhor Presidente numa série de questões, várias delas muito graves, mas não lembro que algum governante nosso tenha cometido assassinatos a sangue frio e de maneira nenhuma, formularei semelhante acusação – disse com voz de estadista.
Sua intenção era dar uma resposta que, na verdade, não fosse tal – se esperava dos estadistas que respondessem com lugares comuns – e por outro lado tivesse realizado uma campanha de bom nível.
Inclusive seus inimigos mais inflamados – e tinha vários em seu partido, por não mencionar os da oposição – reconheciam que era um homem íntegro e responsável, que preferia os argumentos aos insultos, como se refletia agora em sua declaração. Mas sem saber e nem desejar isso, acabava de estender uma armadilha para seu oponente, que afetaria de maneira decisiva a política de seu Governo.
O Presidente planejara a viagem com muita antecedência. A cortesia e o uso exigia que o chefe do Executivo mantivesse uma atitude discreta para passar despercebido durante o congresso do partido de oposição. trabalhava bem em Camp David, inclusive melhor que na Casa Branca, sempre rodeada pelos jornalistas. Mas não podia evitar todo contato com eles. Quando o helicóptero VH-3 da Marinha posou no jardim, o Presidente saiu acompanhado pela Primeira Dama e dois funcionários. Ali estava a falange de jornalistas com suas câmaras e gravadores. Se perguntou se os russos saberiam o que lhes aguardava depois da glasnost.
– Senhor Presidente! – quem o chamava era um conhecido jornalista da Televisão– . O governador Fowler diz que espera que não tenhamos nada a ver com o atentado na Colômbia! Quer fazer algum comentário a respeito?
Sabia que cometia um erro ao responder, mas se sentia atraído pelos jornalistas como um salmão pelo mar. Não podia deixar de responder. Era impossível esconder que tinha escutado a pergunta, e a falta de resposta era um tipo de resposta em si mesma. O Presidente evitou responder ... Não podia abandonar a capital, passar uma semana em retiro, com a oposição no centro da cena e essa pergunta flutuando no ambiente.
– Os Estados Unidos – disse o Presidente – não matam mulheres e crianças inocentes. Os Estados Unidos lutam contra quem faz isso. Não desceremos ao nível dessas bestas. Está bem claro?
Disse isso com voz serena e tom moderado, mas com um olhar que fez baixar o olhar do jornalista.
Às vezes era bom pôr a um desses filhos da puta no seu lugar, pensou.
Era a segunda grande mentira política de uma jornada pobre em notícias. O governador Fowler lembrava que John e Robert Kennedy tinham conspirado para matar a Fidel Castro e outros cubanos com uma espécie de alegria elitista própria das novelas de Ian Fleming, mas tinham aprendido, havia muito a seu pesar, que o assassinato era um assunto sujo. Sobre tudo, porque não se podia evitar a morte de inocentes. O Presidente em exercício conhecia o termo “danos colaterais”. Não gostava, mas se referia a um ato necessário e impossível de explicar quem desconhecia o mundo real. Terroristas, criminosos e covardes de todo tipo – quase todos os tipos brutais são assim – se ocultavam atrás dos inocentes para desafiar os capitalistas. Utilizavam como arma o altruísmo de seus próprios inimigos. Não podem nos alcançar. Nós somos os “maus”. Vocês são os “bonzinhos”.
Não podem nos atacar sem que isso afete a sua imagem. Era a característica mais odiosa desses tipos repugnantes e às vezes – nem sempre, mas às vezes– , teria que lhes demonstrar que isso não funcionava. Mas isso era muito desagradável, como um acidente automobilístico internacional.
Como diabos explico isso a meus concidadãos? E ainda por cima num ano de eleições. Vote no Presidente que matou a uma esposa, dois filhos e vários empregados para proteger das drogas as crianças americanos... o governador Fowler não tinha ideia de quão ilusório era o poder presidencial... e o estrondo que se produzia quando dois princípios chocavam entre si? Um ruído mais forte que dos mesmos jornalistas, pensou. Balançou a cabeça ao se dirigir para o helicóptero.
O sargento da marinha que aguardava pé da escada lhe fez a continência. O Presidente respondeu de igual modo: era uma tradição, apesar de nenhum militar da ativa ter ocupado a presidência dos Estados Unidos. Apertou o cinto de segurança e observou à multidão. As câmeras registravam sua partida. Essa cena não apareceria nos informativos, mas as câmaras seguiam enfocadas no helicóptero, se por acaso explodisse ou caísse.
A Polícia de Mobile recebeu a notícia com certa demora. A papelada era tarefa do escrivão do tribunal, que é o buraco por onde costuma vazar a informação. O escrivão estava indignado.
Testemunhara muitos processos. Passava dos cinquenta anos, educara seus filhos e os defendera com êxito do flagelo das droga. Mas nem todos os pais de família de sua vizinhança podiam dizer o mesmo. O
filho menor de seu vizinho mais próximo fumou um cachimbo de crack e depois bateu a cento e vinte quilômetros por hora com seu carro contra o pilar de uma ponte. O escrivão o tinha visto crescer, ir ao colégio com seus próprios filhos, pagara a ele para que ele cortasse a grama. Selaram o caixão para realizar o funeral na igreja batista de Cypress Hill e se dizia que a mãe continuava tomando sedativos, depois de ter identificado os restos de seu filho. O pastor falou do flagelo das drogas como se falasse da paixão de Cristo. Era um bom sacerdote, um excelente orador, conforme à tradição batista do Sul, e ao orar em voz alta pela alma do rapaz tinha inflamado a fúria de seus paroquianos...
O escrivão estava atônito. Davidoff era um promotor extraordinário. Judeu ou não, era um eleito de Deus, um verdadeiro herói numa profissão dominada pelos enganadores. Era incrível, por certo. Esses dois criminosos, escória da humanidade, iriam sair em liberdade! Isso estava errado!
O escrivão não estava acostumado a frequentar os bares. Como batista tradicional, jamais bebia álcool. Uma só vez, em sua juventude, tinha tomado uma cerveja em resposta a um desafio, e ainda hoje sentia remorsos. Esse era um dos rasgos de estreiteza mental desse cidadão íntegro. O outro era sua fé na Justiça.
Acreditava nela como em Deus, apesar de seus trinta anos nos tribunais federais. Segundo ele, a Justiça, como a lei, provinha de Deus, não do homem.
Por acaso as leis ocidentais não se apoiavam, de algum jeito, nas Sagradas Escrituras? Venerava a Constituição por considerá-la um documento de inspiração divina: Deus queria que o homem vivesse em liberdade, para conhecê-lo e servir a Ele, não como escravo e sim com pleno direito a optar pelo Bem. O
problema era que o Bem não triunfava sempre. Com os anos, resignou-se a isso. Contudo, sabia que Deus era o último juiz e que ao fim impunha Sua Justiça.
Mas, em certas ocasiões, a Justiça de Deus necessitava uma mãozinha e se sabia que o Senhor escolhia seus instrumentos por meio da fé. Assim aconteceu nessa tarde abafadiça de verão em Alabama.
O escrivão tinha sua fé, e Deus tinha seu instrumento.
Sentado à mesa de um bar a meia quadra do Departamento de Polícia, o escrivão bebia um refrigerante para não chamar a atenção. O Policial o conhecia bem. Assistia os enterros dos agentes e presidia um comitê que ajudava as famílias de policiais e bombeiros mortos no cumprimento do dever.
Jamais pedia nada em troca. Nem sequer que passassem por cima de uma infração de transito; a verdade era que jamais tinha cometido falta alguma, mas a ninguém tinha ocorrido investigar.
– Olá, Bill – saudou um oficial de Homicídios.
– Como estão as coisas nos tribunais federais? – perguntou o tenente de detetives. Considerava o escrivão um sujeito estranho, mas não muito. Além disso, tentava ajudar à Polícia, razão suficiente para estimá-lo.
– Descobri algo que vocês deveriam saber.
– Ah, sim? – O tenente deixou sua jarra de cerveja. Ele era também batista, mas sem exagerar.
Nisso, e nos remorsos que estava acostumado a sentir, era como a maioria dos policiais do Alabama.
– Vão reduzir as penas contra os piratas.
– Como? – O tenente não se ocupava desse caso, mas para ele era um símbolo de tudo o que estava errado no mundo. E os piratas estavam na mesma prisão que seus presos.
O escrivão lhe contou o que sabia, que não era muito. Algo estava errado no caso. Tinha surgido um tecnicismo, o juiz não era claro nas suas explicações.
Davidoff estava furioso, mas não podia fazer nada. Concordaram que era uma pena, porque Davidoff era um dos bons rapazes. Então o escrivão lhe soltou a mentira. Não gostava de mentir, mas às vezes teria que fazer isso nos altares da Justiça. Isso aprendera nos tribunais federais. Era o ditado que o pastor dizia posto em prática: “Deus se move por caminhos misteriosos, para fazer seus milagres”.
Na verdade, só metade era mentira.
– Os sujeitos que mataram o sargento Braden tinham a ver com os piratas. O FBI pensa que os piratas pediram sua morte... e a de sua esposa.
– Está certo disso? – perguntou o policial.
– Mais certo, impossível. – O escrivão esvaziou seu copo e se levantou.
– Está bem – disse o detetive– . Obrigado. Se nos perguntarem, diremos que nos inteiramos por outra fonte. E já que você está aqui temos que te agradecer por ter cuidado dos meninos Braden.
O escrivão se sentiu incomodado. Quando ajudava as famílias de policiais e bombeiros, era para cumprir com um Dever. O Prêmio daria aquele que lhe atribuía esse Dever.
O escrivão se despediu e o policial se reuniu com seus companheiros noutra mesa. Concordaram que não podiam permitir isso. Quaisquer que fosse a jurisdição, os piratas tinham cometido estupro e homicídio, e além disso pareciam estar ligados com outro duplo homicídio que afetava de maneira direta à Polícia de Mobile. Já tinha se espalhado: a vida dos piratas corriam perigo. Agora teria que enviar outra mensagem. A vantagem que têm os oficiais de Polícia sobre os altos funcionários do Governo é que falam num idioma que os criminosos compreendem muito bem.
A questão era determinar quem enviaria a mensagem.
– Poderiam ser os irmãos Patterson? – sugeriu o tenente.
– Ah – disse o capitão. Pensou um instante e acrescentou– : Pode ser.
Era uma decisão muito mais simples de se tomar que as graves resoluções que os Governos adotam.
E muito mais fácil de executar.
Os dois camponeses chegaram a Medellín perto do entardecer. Nessa hora Cortez se sentia totalmente frustrado. Oito cadáveres – não era difícil desfazer-se deles em Medellín – e para nada. Agora estava certo. Tanto como seis horas antes o tinha estado do contrário. Então, por onde vazara a informação? Três mulheres e cinco homens tinham demonstrado com suas vidas que eles não tinham nada a ver com isso. Os dois últimos tinham sido mortos com disparos na nuca: ficaram catatônicos ao ver morrer os seis primeiros de forma muito pouco piedosa. A habitação era uma imundície e Cortez se sentia manchado, Tanto esforço para nada. Matar sem motivo. Mais que raiva, sentia vergonha.
Recebeu os camponeses em outro salão, depois de limpar-se e mudar de roupa. Estavam assustados; mas, para sua surpresa, a causa de seu medo não era ele.
Em poucos minutos descobriu o motivo. Permitiu que lhe contassem tudo a sua maneira, rápida e desconexa, com algumas contradições – o que era de se esperar– , mas memorizou os detalhes e depois passou às perguntas concretas.
– Não eram fuzis AK-47 – disse um deles com convicção– . Conheço o ruído. Era outra arma.
Seu companheiro encolheu os ombros; não sabia distinguir uma arma de outra.
– Viram alguém?
– Não, senhor. Escapamos ao escutar os ruídos e os gritos.
Muito sensato de sua parte.
– Então, houve gritos. Em que idioma?
– No nosso, senhor. Escutamos que nos perseguiam, e corremos. Não puderam nos apanhar. O
monte não tem segredos para nós – disse o conhecedor de armas.
– O que mais viram ou escutaram?
– Disparos, explosões, luzes..., chamas dos fuzis, nada mais.
– O lugar onde aconteceu... quantas vezes tinham foram lá?
– Muitas vezes, senhor. Ali é onde preparamos a massa.
– Muitas vezes – confirmou o outro– . Durante mais de um ano.
– Não dirão uma só palavra a ninguém de que vieram aqui, nem sobre o que viram – lhes disse Félix.
– Mas as famílias de...
– Nenhuma palavra – repetiu Cortez sem elevar a voz. Os dois perceberam o perigo– . Vocês receberão uma compensação pelo que me contaram, e as famílias dos outros serão indenizadas.
Cortez se considerava um homem justo. Esses dois montanheses tinham demonstrado lealdade, e receberiam o prêmio correspondente. Continuava sem saber onde estava o vazamento, mas se pudesse apanhar a um dos... o que?, do M-19? Algo lhe dizia que esse bando não tinha nada a ver com o assunto.
Então, quem?
Os norte-americanos?
Em todo caso, a morte de Rocha servira para afirmar sua convicção. Para o capitão Ramírez foi um duro golpe, mas isso era de se esperar por se tratar de um bom oficial. Instalaram-se a três quilômetros de uma das muitas plantações de café da região e à mesma distância, embora em outra direção, do centro de processamento da “coca”. Cumpriam sua rotina diurna normal. A metade dos homens dormia, a outra metade montava guarda.
Ramírez meditava, afastado dos outros. Seu raciocínio lhe dizia que a morte de um homem era parte do custo da missão. Mas o sentimento e a razão não iam juntos. Também é verdade, embora Ramírez não pensasse nisso, que não há maneira de saber a priori se um oficial é apto ou não para comandar uma missão de combate. Ramírez cometeu o típico erro dos combatentes: tinha ficado intimo com seus homens, não concebia que fossem peças descartáveis.
Não era questão de coragem. Ele a tinha de sobra, arriscava sua vida como qualquer um deles. Mas não conseguia aceitar que ao arriscar a vida de seus homens – algo que era parte do trabalho– era inevitável que alguns morressem. Tinha esquecido disso. Como chefe de companhia dirigira inumeráveis exercícios, treinado muito a seus homens; ensinado a trabalhar, e fustigado duramente quando os
“matavam”. Mas a morte de Rocha não era simulada. E Rocha não era um novato, e sim um bom profissional. Por isso, não soube proteger meus homens, pensou Ramírez, embora não fosse assim. Se os tivesse desdobrado melhor, se tivesse prestado mais atenção, se, se, se. O jovem capitão tentou pensar em outra coisa, mas foi incapaz de fazê-lo. Claro que tampouco poderia abandonar o jogo. Assim teria mais cuidado da próxima vez.
As fitas cassetes chegaram depois do meio-dia. Sem que ninguém soubesse, o COD do Ranger estava sincronizado com um correio desde Bogotá. Larson tinha cuidado disso, levou a fita cassete do ILT
ao El Dorado para entregá-la a outro oficial da CIA. Este funcionário juntou as duas toca-fitas em sua bolsa, embarcou num C-5A da Força Aérea e aproveitou o voo a Washington para dormir um par de horas, estendido numa cama de armar atrás, à direita do aparelho, junto à cabine. O avião aterrissou em Andrews; o correio desceu pela escada de carga diretamente ao subsolo do grande hangar, onde um carro o aguardava para levá-lo rapidamente ao quartel geral em Langley.
No escritório de Ritter havia duas televisões com seus correspondentes vídeos. Trancou-se sozinho e manipulou as fitas até as sincronizar. A imagens feitas do avião não eram muito boas. via-se a luz do laser, a silhueta da casa e nada mais, até o momento da explosão. a do Clark era muito melhor. via-se a casa com as janelas iluminadas, verdadeiras chamas no quadro de luz intensificada, e os sentinelas que perambulavam daqui para lá, os fumantes pareciam vaga-lumes, o clarão das brasas iluminava seus rostos. Depois, a bomba. Como num filme de Hitchcock, pensou Ritter, ele sabia o que acontecia, os personagens, não. Caminhavam de lá para cá, inconscientes do papel que lhes era atribuído num drama escrito na mesa do subdiretor de operações da Agência Central de Inteligência. Mas...
Que estranho,.., pensou Ritter. Retrocedeu a fita. Segundos antes da explosão, aparecia um carro em frente do portão. “Quem é você?”, perguntou à tela. Avançou a fita até depois da explosão. O automóvel
– um “BMW”– tinha sido derrubado pela onda de choque; mas, segundos depois, o motorista saía dele com uma pistola na mão.
“Cortez...” Congelou o quadro. A imagem não era nítida. Era um homem de estatura média.
Enquanto todos os superviventes corriam enlouquecidos entre os escombros, o homem permanecia uns instantes em seu lugar, depois lavara o rosto na fonte – que estranho vê-la intacta entre as ruínas!– , e se dirigia ao lugar da explosão. Não podia ser um simples lacaio de um chefe do Cartel.
Os outros procuravam entre os escombros, mas ele tentava deduzir o que tinha acontecido. Quase na hora em que a fita se convertesse em puro ruído, apareceu a imagem mais nítida de Cortez. Olhava a seu redor, pensava, tentava achar explicações..., um verdadeiro profissional.
Merda, que perto esteve – suspirou Ritter– . Um minuto mais e teria estacionado seu carro junto aos outros. Um minuto mais, maldito seja! Guardou as fitas em sua caixa de segurança, junto com todo o material das operações OLHO DE ÁGUIA, SHOWBOAT e RECIPROCIDADE. Na próxima vez, prometeu à caixa. Então ficou a pensar. O que Cortez tinha a ver com o assassinato?
– Meu Deus! – exclamou em voz alta. Tinha dado por certo... Mas que sentido tinha montar o atentado e depois viajar aos Estados Unidos? A secretária tinha declarado que ele não tinha tentado de surrupiar grande coisa. Passaram o típico fim de semana de dois amantes que querem afastar do mundo.
Era o esquema clássico. Primeiro, a sedução. Segundo, determinar se ela (ou ele; os Serviços de Inteligência ocidentais usavam mulheres para seduzir os homens, ao reverso dos orientais) possuía informação. Terceiro, consolidar a relação... e, então, usá-la. Se Ritter entendia o significado das provas, Cortez não chegara nesta etapa.
Então, Cortez não teve nada a ver. Tinha enviado a informação à medida que a recebia, sem saber que o FBI tinha desbaratado a operação de lavagem de dinheiro do Cartel. Não se encontrava presente quando alguém tomou a decisão de eliminar o Diretor. Se tivesse estado lá, se pronunciaria contra o atentado. Para que estragar uma boa fonte de informação? Isso não era profissional.
Félix, o que pensa disto tudo? Ritter teria pago um alto preço por poder lhe fazer essa pergunta, embora soubesse a resposta. Não era raro que os oficiais de Inteligência fossem traídos por seus chefes políticos. Não seria a primeira vez, mas igualmente estaria furioso. Como Ritter com o almirante Cutter.
Pela primeira vez, Ritter se perguntou qual seria a verdadeira função de Cortez. Possivelmente tinha desertado de Cuba para ser mercenário. O Cartel o tinha contratado por seus conhecimentos e experiência.
Para eles era um mercenário nada mais; de primeira, mas mercenário de cabo a rabo. Pagavam-lhe como a muitos policiais americanos – merda, policiais– e apolíticos. Mas um policial não era igual a um espião profissional treinado em Moscou. Assessorava-lhes, e certamente se sentia traído, ou pelo menos pensava que eram uns estúpidos ao se deixarem levar por suas emoções e matar a Emil Jacobs.
Como não compreendi antes? A resposta era clara: não o tinha visto porque precisava de um pretexto para levar a cabo seus planos. Não tinha pensado nisso porque, no fundo, sabia que essa ideia o teria afastado da ação.
Cortez não era um terrorista: isso estava fora de dúvida. Era um oficial de Inteligência. Tinha estado com os Cortadores porque era parte do trabalho.
Antes disso se dedicou à espionagem, e só porque tinha trabalhado com esses porto-riquenhos malucos, a CIA dera por certo que... Talvez esse fosse um dos motivos de sua deserção.
Agora tudo estava mais claro. O Cartel queria os conhecimentos e a experiência de Cortez; mas, ao contrário, tinham adotado um lobo para domesticá-lo.
E na verdade, domesticar a um lobo pode ser perigoso.
Fez a única coisa que podia fazer nesse momento: chamou um ajudante, indicou-lhe que procurasse o fotograma mais nítido do Cortez, passasse-o pelo ampliador fotográfico e enviasse a cópia ao FBI.
Valia a pena tentar isso. Era questão de isolar à figura do fundo, uma tarefa para o computador de realce de imagens.
O almirante Cutter trabalhava em seu escritório da Casa Branca enquanto o Presidente permanecia nas montanhas de Maryland. O helicóptero o levava todas as manhãs para apresentar seu relatório – um pouco mais tarde que o habitual, porque o Presidente estava “descansando”– , mas passava a maior parte do tempo em seu escritório. Um de seus deveres era fazer o papel de “alto funcionário do Governo”. Esse título, que ele reduzia ao AFG, substituía seu nome quando fazia declarações off the record à Imprensa.
Era um componente vital da política executiva e parte de um complexo jogo no que o Governo e a Imprensa faziam: o dos Vazamentos Oficiais.
Cutter lançava um “balão de ensaio”, o que no negócio de bens de consumo se chama uma sondagem de mercado. Quando o Presidente tinha uma iniciativa nova, Cutter – ou o membro apropriado do gabinete, já que cada um deles era também AFG – deixava que um pouco de informação básica vazasse para os grandes jornais; assim podiam julgar a reação do Congresso e da opinião pública antes de lhe dar o carimbo oficial. Os funcionários eleitos e outros atores podiam dançar e gesticular em cena sem ter que envergonhar-se: era uma concepção oriental que tinha muitas aplicações na capital.
Bob Holtzman, credenciado na Casa Branca como jornalista de um jornal de Washington, acomodou-se em frente a mesa de Cutter e aguardou as sensacionais revelações. Os dois compreendiam as regras do jogo. Cutter podia falar sem medo que mencionassem seu nome, título nem função.
Holtzman tinha liberdade para escrever o que quisesse, dentro de certos limites razoáveis, sem mencionar sua fonte de informação a não ser ao seu chefe de redação. Não havia avaliação mútua. Cutter detestava os jornalistas – era quase o único costume militar que conservava– , mas estava certo que sabia ocultar.
Considerava a todos eles, e em particular o que tinha em frente assim, uma turma de folgados, estúpidos, incompetentes, incapazes de escrever nem de pensar. Holtzman, por sua vez, considerava que Cutter era o homem menos indicado para o posto que ocupava: não gostava da ideia de ter a um militar como assessor presidencial; sobre tudo pensava que Cutter era um tipo superficial, autossuficiente, com manias de grandeza e um filho da puta arrogante que olhava os jornalistas como uma espécie de abutres semi domesticados e mais ou menos úteis. Apesar dessas opiniões, o trato entre ambos era bem cordial.
– Seguirá as deliberações da oposição? – perguntou Holtzman.
– Não me ocupo de política – disse Cutter– . Quer um café?
Tenho certeza disso!, pensou o jornalista.
– Não, obrigado. Bem, que diabos passa lá em cocalandia?
– Sei tanto como você... Não, sejamos francos. Faz tempo que vigiamos esses filhos da puta. Minha hipótese é que Emil foi morto por um setor do Cartel, não é a novidade, mas não foi uma decisão coletiva oficial. A bomba de ontem à noite parece indicar uma luta interna.
– Não cabe dúvida de que alguém está bem furioso – comentou Holtzman sem deixar de fazer apontamentos sob o cabeçalho correspondente ao alto funcionário de Governo Cutter, ou seja AFG-C– .
Se diz que o Cartel contratou o M-19, e que os colombianos se enfureceram com o sujeito pegaram vivo.
– É possível.
– Como souberam da viagem do diretor Jacobs?
– Isso eu não sei.
– Serio? Sabemos que a secretária do Jacobs tentou suicidar-se. O FBI está calado, mas me parece uma interessante coincidência.
– Quem é o encarregado do caso? Embora eu não acredite nisso, ignoro-o.
– Dan Murray, um dos subdiretores adjuntos. Não faz trabalho de campo, mas ele é quem informa a Shaw.
– Bom, não é meu terreno. Eu me ocupo da parte estrangeira do caso, mas a investigação dos aspectos locais passa por outro escritório – disse Cutter a fim de erigir um muro que Holtzman não pudesse perfurar.
– Ou seja que o Cartel estava furioso pelo da Operação TARPÓN e alguns de seus chefes decidiram eliminar Jacobs sem consultar o resto. E estes últimos pensam que foi uma ação irresponsável, por isso decidiram eliminar os primeiros. É assim?
– Digamos que, a esta altura, parece ser que sim. Compreenda, nossa informação neste caso é mínima.
– Sua informação é mínima sempre – particularizou o jornalista.
– Ah, bom, sobre isso fale com o Bob Ritter – disse Cutter enquanto deixava sua xícara de café.
– Como não – sorriu Holtzman. Se havia dois tipos herméticos em Washington, esses eram Bob Ritter e Arthur Moore– . O que me diz de Jack Ryan?
– Está-se instalando. Esteve na Bélgica na semana passada, na conferência de Inteligência da OTAN.
– No Congresso se comenta que terá que lidar com o Cartel, que o atentado contra Jacobs foi um ataque direto a...
– Eu também vejo as notícias, Bob. Falar não custa nada.
– E o que disse o governador Fowler esta manhã?
– Que os políticos se ocupem da política.
– Sabe você que aumentou o preço da cocaína na rua?
– Serio? Não sou cliente desse mercado. – Era verdade que Cutter não tinha recebido a notícia. Já começa...
– Não muito, mas aumentou. Corre a boca pequena que os embarques diminuíram.
– É bom saber disso.
– Mas e na sua opinião? – perguntou Holtzman– . Você é quem insiste que estamos em guerra com os narcotraficantes.
O sorriso do Cutter se desvaneceu.
– A decisão de ir à guerra é privativa do Presidente.
– E o Congresso?
– Também do Congresso, mas desde que sou funcionário não vi uma declaração desse tipo.
– O que sentiria você, como cidadão, se tivéssemos tido algo que ver com a bomba de ontem?
– Não sei. Não tivemos nada a ver com aquilo. – A entrevista escapava das suas mãos. E Holtzman sabia de algo?
– Pergunto como hipótese.
– Está bem. Isto é totalmente off the record, por completo. Hipoteticamente, se matássemos todos esses filhos da puta, eu não o lamentaria. E você?
– Off the record, o mesmo digo eu. Cresci aqui, e me lembro quando se podia caminhar sem problemas de noite pelas ruas. Agora leio a recontagem de cadáveres todas as manhãs e me pergunto se estou em Washington ou Beirut. Assim não tivemos nada a ver com a bomba.
– Absolutamente. Parece um serviço interno do Cartel. É só uma hipótese, mas no momento não sabemos nada mais.
– Está bem, acho que poderei montar um artigo com o que me deu.
XX
REVELAÇÕES
Era assustador, mas era verdade. Cortez passou mais de uma hora ali, acompanhado por seis homens armados e um cão farejador que buscava pistas de quem tinha atacado esse centro de produção.
Os estojos dos projéteis disparados eram os de 5.56 mm usados por quase todos os países da OTAN e seus aliados no mundo todo, e que a princípio, tinha sido o “Remington .223” esportivo. Americanos.
Também apareceram projéteis de 9 mm e um estojo usado de lança-granadas de 40 mm. Um dos atacantes estava ferido, talvez gravemente. Empregaram o método de ataque clássico: uma unidade de fogo ladeira acima e um grupo de assalto no mesmo nível, vindo do Norte. Abandonaram precipitadamente o lugar, sem deixar armadilhas explosivas debaixo dos cadáveres como nos outros dois casos. Talvez porque tinham um homem ferido, pensou Cortez. E porque sabiam... suspeitavam?
Não, era provável que perceberam que dois homens tinham escapado em busca de ajuda.
Havia mais de um grupo rondando pelas montanhas. Talvez fossem três, ou quatro, a julgar pela quantidade de ataques. Por isso, não era o M-19, que não tinha tal quantidade de homens treinados para esse trabalho. Melhor dizendo, não poderiam fazer isso sem que ele soubesse. Além de se infiltrar nas facções guerrilheiras locais, o Cartel tinha informantes em cada unidade; o Governo nunca tinha conseguido isso.
Portanto – pensou – , é provável que tenhamos uma operação clandestina dos americanos aqui, nas montanhas. Quais unidades e quantos são? Militares, ou mercenários, mas de primeira. Talvez fossem militares. A comunidade internacional de mercenários perdeu a escassa efetividade a que alguma vez chegou a possuir. Em Angola, Cortez viu as tropas africanas em ação. Os mercenários de primeira linha não faziam falta para os combates, mas tudo estava mudando no mundo, e certamente isso também.
Quem quer que fossem, já deviam estar longe, para poderem se distanciar da perseguição, embora outros devessem sair para caçá-los. Cortez era oficial de Inteligência, sabia que não possuía as habilidades próprias de um soldado. No momento se limitava a reunir provas à maneira da Polícia.
Os projéteis de fuzil e de metralhadora eram da mesma fábrica. Não guardava esse tipo de informação na sua memória, mas percebeu que os de 9 mm tinham o mesmo código – gravado numa extremidade – iguais aos encontrados numa das pistas aéreas perto da costa norte da Colômbia. As probabilidades de que fosse uma casualidade eram escassas. Então, quem vigiava as pistas aéreas se deslocou até aqui... como? O mais simples era fazê-lo de caminhão, ou de ônibus, à maneira do M-19.
Mas era muito simples, e arriscado se fossem americanos. Se fossem os ianques, usariam helicópteros. De que base? Um porta-aviões, ou possivelmente do Panamá. De acordo com que ele sabia, não se realizavam manobras navais norte-americanas tão perto da costa para alcançá-la de helicóptero. Por isso, tinha que ser um avião grande, que se pudesse reabastecer em voo. Só os americanos sabiam como fazer isso. E a base devia ser no Panamá. Ele tinha pessoal nesse país. Cortez guardou os estojos dos projéteis e iniciou a descida da ladeira. Já tinha um ponto de partida: para um homem treinado, era o que bastava.
Pouco depois do meio-dia, o VC-20A de Ryan – ainda não podia conceber que fosse seu avião–
levantou voo da pista aérea, nos subúrbios de Monza.
Sua primeira incursão oficial nas altas esferas da comunidade da espionagem internacional tinha sido um total êxito. Seu trabalho sobre a atividade soviética no leste europeu tinha lhe granjeado a aprovação geral, e, para sua satisfação, inteirou-se das mudanças na política do inimigo, os principais analistas dos Serviços de Inteligência da OTAN compartilhavam sua posição: ninguém sabia que diabos estava acontecendo. A gama de teorias ia de qué-diablos-fazemos-agora-que-vem-a-paz até não-é-mais-que-uma-armadilha-russa; mas, na hora de fazer uma análise séria, homens que se dedicavam a isso desde antes do nascimento de Jack balançavam a cabeça e murmuravam obscenidades com o olhar fixo na jarra de cerveja... exatamente igual a Ryan.
A melhor noticia do ano era o êxito obtido pelas diversas operações de contraespionagem que tinham posto a descoberto a KGB na Europa, e embora não tivessem explicado a ninguém como tinha acontecido (salvo a Sir Basil, que tinha participara da elaboração do plano), a CIA tinha ganhou muito prestígio por seu trabalho. Tal como Jack tinha previsto, chegou-se a uma situação em que, do ponto de vista militar, a OTAN estava em seu melhor momento, seus serviços de segurança tinham alcançado um nível de excelência inconcebível... Entretanto, do ponto de vista político, sua razão de ser estava sendo questionada. O que, para o Ryan, era o ponto alto do que seria desejável no cenário mundial, desde que os políticos não se deixassem entorpecer pelo êxito. Esse era motivo mais que suficiente para estar preocupado.
Por isso não faltavam motivos para sorrir enquanto contemplava os coloridos campos da Bélgica.
Ao menos, no que se referia a OTAN.
A prova mais contundente disso era que as conversas nos banquetes e nos intervalos entre as sessões não eram sobre temas próprios dos países participantes.
Os analistas de Inteligência da Alemanha, Itália, Inglaterra, Noruega, Dinamarca e Portugal expressavam sua preocupação sobre o problema das drogas em seus respectivos países. O mercado norte-americano era insuficiente para o Cartel, que começava a estender suas operações para o leste. Depois do assassinato de Emil Jacobs e dos outros, os especialistas se perguntavam em voz alta se o narco-terrorismo internacional adquirira uma face totalmente nova e muito perigosa... e como teriam que reagir frente ao fenômeno. Os franceses, sempre dispostos a agir com energia em defesa de sua terra, mostravam-se altamente satisfeitos com a explosão a bomba perto de Medellín e perplexos ante a resposta exasperada de Ryan: Sem comentários. Não sei de nada. Sua reação era previsível. Se um alto funcionário francês tivesse sido vítima de semelhante ataque e a DGSE respondesse com uma dura operação.
Os franceses sabiam como fazê-lo, e, por outro lado, tanto a mídia quanto a opinião pública do país compreendiam e aprovavam tais represálias. Por isso, os representantes do DGSE esperavam que Ryan acompanhasse seu sem comentários com um sorriso cúmplice, não com um olhar perplexo e fugidio. Não era assim que se jogava na Europa, e era uma excentricidade a mais dos americanos e dava o que pensar a seus aliados do velho mundo. Por que são tão imprevisíveis? Essa era uma boa estratégia contra os russos, mas não para os seus aliados.
E muito menos para os funcionários do seu próprio Governo – pensou Ryan– . Que merda está acontecendo?
A quatro mil quilômetros do país, Jack podia ter uma visão mais objetiva do problema global. A falta de um mecanismo legal viável, possivelmente a ação direta era a melhor resposta a tais crimes.
Quem desafia o poder de um País convida a uma reação direta. Se bombardeamos país estrangeiro por promover um atentado contra soldados dos Estados Unidos numa discoteca de Berlin, por que não...
podemos matar gente no território de uma democracia aliada americana?
Era um aspecto político do problema que ninguém parecia levar em conta.
Mas aí estava o cerne da questão. Na Colômbia imperava o estado de direito. Não era como na Líbia, governada por um lunático. Tampouco era como no Irã, uma teocracia perversa, com um líder que atestava os avanços da gerontologia. A Colômbia era um país com autênticas tradições democráticas, que tinha arriscado suas instituições e lutado para defender os cidadãos de outro país... de si mesmos.
Que diabos estamos fazendo?
Nesse patamar político, o bem e o mal adquiriam valores diferentes. Ou não? Quais eram as regras?
Qual a lei? Existiam regras e leis? Não podia responder sem saber dos fatos. Isso já era bem difícil.
acomodou-se em sua poltrona e contemplou o canal da Mancha, que se abria como um funil enquanto o avião se dirigia para o Land's End, o extremo ocidental das Ilhas Britânicas. além desse cabo solitário com suas rochas assassinas de navios, estendia-se o Atlântico, e depois deste, seu país. Tinha sete horas para resolver o que faria ao chegar. Sete longas horas, pensou Jack, e se perguntou quantas vezes formularia as mesmas perguntas para receber, por cada resposta, novos interrogações.
A lei é uma armadilha, pensou Murray. Uma deusa digna de adoração, uma formosa dama de bronze cuja a lâmpada mostrava o caminho em meio a escuridão. E se esse caminho conduzisse a lugar nenhum? Dispunham de todas as provas necessárias contra o único “suspeito” no assassinato do Diretor.
Os colombianos tinham arrancado uma confissão dele, trinta páginas datilografadas. Tinha ela sobre sua mesa. Havia provas físicas de sobra, devidamente processadas nos célebres laboratórios forenses do FBI.
Mas tinha um sério problema: o tratado de extradição com a Colômbia não estava em vigor O Tribunal Supremo colombiano – melhor dizendo, os ministros sobreviventes do assassinato de doze de seus colegas por um comando do M-19, justamente os doze que antes de sua morte violenta eram partidários da extradição – tinham descoberto que o tratado era contrário à Constituição de seu país. Por isso, não tinha tratado. Nem extradição. O assassino seria julgado na Colômbia, e, certamente, condenado a longos anos de prisão, mas Murray e o FBI queriam vê-lo preso em Marión, Illinois – a prisão federal de segurança máxima para criminosos muito perigosos; Alcatraz, mas sem a ilha – e o ministério público acreditava poder solicitar a pena máxima por assassinato relacionado com um caso de narcotráfico.
Contudo, a confissão arrancada pelos colombianos não se ajustava às normas processuais dos Estados Unidos, pelo qual – sustentavam os advogados – , talvez o juiz não a aceitaria; assim ficaria excluída a pena de morte. E o sujeito que tinha assassinado o diretor do FBI séria uma espécie de herói entre os habitantes de Marión, Illinois, que não sentiam por essa instituição o mesmo afeto que a maioria dos cidadãos americanos. O mesmo, conforme acabava de inteirar-se, acontecia no caso dos piratas. Seu advogado defensor, um filho da puta dos mais hábil, descobriu a artimanha dos guarda costeira. Por isso, não haveria pena de morte. A única boa noticia do momento era que o Governo – Murray estava certo disso – havia devolvido o golpe, mas com métodos que o Direito classificava de assassinato a sangue frio.
Ele se preocupava com o fato de considerá-lo uma boa notícia. Não era isso o que lhe tinham ensinado – nem ele a outros – como estudante e depois professor na academia do FBI. O que acontecia quando um Governo violava a lei? Os manuais diziam que caía na anarquia, ao menos quando o Governo violava suas próprias leis. Mas essa era a definição de um ato criminoso: sujeito culpado de violar a lei.
Não, pensou Murray. Durante toda sua vida tinha seguira essa luz, o único farol de prudência da sociedade nas noites escuras. Sua missão e a do FBI, era agir com lealdade e integridade para assegurar o cumprimento da lei. Havia uma margem – não se podia prescindir dela, por que as palavras escritas não previam todos os casos– , mas quando a letra da lei era insuficiente, eram guiados pelo princípio que lhe servia de base. A situação não era sempre a mais satisfatória, mas era melhor que a alternativa. Mas o que se fazia quando a lei era ineficaz? Isso era parte do jogo? No fundo, não era só um jogo?
A posição de Clark era diferente. Nunca pensava em termos legais, ao menos de forma direta. Algo
“legal” estava “bom” e ponto: não evocava em sua mente um conjunto de normas elaboradas pelos legisladores e assinadas por um Presidente. Significava que o presidente em exercício havia resolvido que a existência de uma determinada situação ou pessoa atentava contra os interesses do país. Iniciou seu serviço oficial com os SEAL, os esquivos comandos de elite da Marinha. Nessa comunidade, silenciosa e estreita, forjou um nome que ainda se pronunciava com respeito: Víbora, porque seus passos nunca eram ouvidos. Por isso sabia, nenhum inimigo o tinha visto e tinha vivido para contar. Seu nome nessa época não era o mesmo, porque, depois de receber baixa, cometera o erro – para ele o era só de um ponto de vista técnico – de aplicar seus conhecimentos como agente independente.
Agiu com muito êxito até o dia em que a polícia descobriu sua identidade. Dessa aventura ficou uma lição: “o que não era objeto de investigação no campo de batalha, era em outras situações”; portanto, devia ser muito mais cuidadoso. Cometeu uma burrice, mas por ter estado ao ponto de cair nas mãos da Polícia, seu nome chegou ao conhecimento da CIA, que precisava desse tipo de habilidades.
Expressavam-no como uma brincadeira: “Quando faz falta matar, procurem a alguém que viva do assassinato”. Quer dizer, nessa época, quase vinte anos atrás, parecia uma brincadeira.
Outros decidiam quem devia morrer. Esses outros eram os representantes devidamente eleitos do povo dos Estados Unidos, a quem tinha servido de uma maneira ou de outra durante a maior parte de sua vida. A única lei era que não havia lei: isso o percebido anos atrás. Se o Presidente desse a ordem de matar, Clark era só o instrumento da política do Governo, ainda mais que o executivo deveria obter a aprovação de certos membros, devidamente escolhidos, do legislativo. As normas ocasionais que proibiam tais atos eram disposições executivas emanadas do escritório presidencial, que o Presidente podia violar, ou melhor dizendo, adaptar a cada situação. Certamente, não era uma ação normal. Quase todos seus trabalhos eram aplicações de suas outras habilidades – em especial a de entrar e sair de diferentes lugares sem que fosse descoberto – nas que não tinha igual. Mas contrataram porque sabia matar, e para Clark, batizado John Terrence Kelly na paróquia de São Ignácio, em Indianápolis, Indiana, esse era um ato de guerra aprovado por seu país e por sua religião, em que acreditava vagamente. No Vietnam nunca foi declarada uma guerra, e se então estava bem matar aos inimigos de seu país, por que não podia fazê-lo agora? Para John T. Clark, assassinar era matar gente sem uma causa justa. A lei era coisa de advogados: sua definição de causa justa era prática e efetiva.
Agora se preocupava com o alvo seguinte. Dispunha de dois dias mais na esquadrilha do porta-aviões, e queria lançar uma bomba a mais se fosse possível.
Ocupava uma casa nos subúrbios de Bogotá, uma casa segura instalada pela CIA dez anos antes, que oficialmente pertencia a uma empresa, que a alugava a empresários americanos que estavam de passagem. Nada nela chamava a atenção a primeira vista. Possuía um telefone comum, salvo quando ele se conectava a um aparelho cifrador portátil, insuficiente para a Europa Oriental, mas efetivo em um país onde não havia grande perigo de interceptação. Também tinha uma antena de satélite oculta num buraco no teto, que também passava por aparelhagem cifrada, parecia um gravador portátil.
Qual é o próximo passo?, pensou. O atentado contra Untiveros passado por uma carro-bomba.
Talvez pudesse montar uma de verdade.
O problema era como assustar os alvos para lhes obrigar a se concentrar num lugar. Para isso devia montar um atentado crível, mas não tão efetivo que causasse a morte de inocentes. Esse era o problema dessas bombas.
Baixa detonação? Talvez. Quer dizer, que se parecesse com um atentado fracassado. Não seria muito difícil.
O melhor seria assassinar alguém com um tiro, mas era muito difícil de fazer. O lugar ideal com vista ao alvo era perigoso.
Os chefes do Cartel controlavam todas as janelas que davam para as ruas de seus domicílios. Se um norte-americano alugasse um desses apartamentos e depois alguém disparasse dessas janelas..., bom, a operação deixava de ser clandestina. Era importante que não descobrissem o que estava a acontecendo.
A ideia de Clark era elegante e simples, tanto que nem sequer ocorreu aos supostos peritos em
“artes negras” de Langley. Era, simplesmente, matar um número considerável de pessoas para difundir a paranoia dentro da comunidade alvo. O ideal era matar a todos; mas, isso, na prática, era impossível. Se matasse um número suficiente, provocaria uma reação.
O Cartel estava formado por gente desumana cuja inteligência se manifestava na astúcia que costumava associar-se com um inimigo hábil no campo de batalha.
Como bons soldados, sempre estavam atentos ao perigo; diferente dos militares, procuravam o perigo dentro e fora de suas próprias fileiras. Apesar do êxito de sua empresa coletiva, eram rivais.
Tinham dinheiro e poder, mas nunca o suficiente. Homens como eles jamais se davam por satisfeitos, sobre tudo quanto a ter o poder. Clark e outros na agencia pensavam que seu objetivo era ter o controle político de seu país, mas os países não são governados por um comitê, sobre tudo se forem comitês grandes. Se Clark conseguisse convencer os chefes do Cartel que estavam numa luta pelo poder dentro da hierarquia, se matariam entre si sem piedade, como os mafiosos da década de 1930.
Talvez fosse possível. Em sua estimativa, as probabilidades de êxito total eram de trinta por cento.
Mas se não alcançasse, ao menos teria eliminado alguns atores centrais, o qual seria um triunfo tático, já que não seria estratégico. Um Cartel debilitado talvez pudesse ser derrotado pelo próprio Governo colombiano, o que também seria um triunfo estratégico, mas não o único. Deste modo existia a possibilidade que a guerra que esperava deflagrar tivesse o mesmo desenlace que as lutas do Castellammare, chamadas de “Vésperas Sicilianas”, na qual dezenas de mafiosos morreram nas mãos de seus próprios cupinchas. Dessa noite sangrenta surgiu uma rede criminosa mais forte, organizada e perigosa, sob a sutil direção de Cario Luchiano e Veto Genovese.
Clark reconhecia a existência desse perigo. Mas em Washington diziam que as coisas não podiam ser piores, assim valia a pena fazer essa aposta.
Naquele momento Larson chegou na casa. Tinha-a visitado uma só vez e embora o cenário correspondesse ao papel de Clark como geólogo – haviam caixas de rochas por toda parte – , não gostava dessa parte da missão.
– O que dizem os jornais?
– Que foi um carro-bomba – sorriu Larson– . A próxima vez não teremos tanta sorte.
– Eu também penso assim. O próximo golpe tem que ser espetacular.
– No que você está pensando? Não espera que eu descubra quando será a próxima reunião, não é?
Era a melhor solução, pensou Clark, mas sabia que isso era impossível, e uma ordem em tal sentido seria desaconselhável.
– Não, só rezaremos por uma nova interceptação. Eles tem que se reunir para analisar o que aconteceu.
– Estou de acordo, mas talvez não o façam isso nas montanhas.
– Por quê?
– Eles também têm propriedades perto do mar.
Clark tinha esquecido. Ali seria mais difícil apontar no alvo.
– Pode-se apontar o laser de um avião?
– Imagino que sim. Mas depois de aterrissar, coloco combustível e me saio deste país de merda para nunca mais voltar.
Henry e Harvey Patterson, irmãos gêmeos de vinte e sete anos, eram a prova viva de qualquer teoria social que um criminologista quisesse sustentar.
Seu pai tinha sido um criminoso profissional durante toda sua breve vida, embora não muito eficiente: morreu com trinta e dois anos, quando o dono de uma loja de licores disparou nele a queima-roupa com uma escopeta de 12 mm de dois canos. Esse era um fator importante para os partidários da escola behaviorista, que em sua maioria são políticos conservadores. Também eram o produto de um lar sem pai, educação escassa, pressão adversa do grupo de seus iguais e uma vizinhança de menores recursos. Estes fatores eram os mais importantes para a escola ambientalista, povoada, em sua maior parte, por políticos progressistas.
Por estas ou outras razões, eram criminosos profissionais que desfrutavam dessa vida, e não se importavam se essas características eram herdadas ou adquiridas. Não eram estúpidos. Se os testes de inteligência não discriminassem os analfabetos, seu coeficiente intelectual teria sido levemente superior à média. Tinham a astúcia suficiente para de evadir da Polícia, um conhecimento da lei adquirido na rua que lhes permitia manipular o sistema com grande êxito. Também tinham certos princípios. Os irmãos Patterson eram bebedores – estavam a ponto de converter-se em alcoólatras – mas não consumiam drogas. Isto era bem estranho, assim como não se importavam com a lei, tampouco se preocupavam em ser o tipo criminal normal.
Juntos roubaram, invadido e assaltado no sul do Alabama desde a adolescência. Seus pares os tratavam com respeito. Várias pessoas morreram ao cruzar o caminho de um deles ou de ambos: Como eram gêmeos idênticos, dava no mesmo. Morte por traumatismo com objeto contundente (uma clava) ou penetrante (uma faca ou uma bala). A Polícia atribuía a eles cinco assassinatos. O problema era determinar qual dos dois os tinha cometido. O fato de serem idênticos expunha um problema técnico que seu advogado – um profissional muito eficiente, que conheciam há anos– usava com grande habilidade.
Cada vez que uma de suas vítimas morria, um policial podia apostar seu salário que um dos irmãos – em geral, que tinha motivos para matar– estaria de fato a vários quilômetros do lugar. Além disso, suas vítimas não eram cidadãos honrados e sim membros de sua própria comunidade criminal, o qual, invariavelmente, moderava as ânsias de justiça da Polícia.
Mas desta vez, não.
Quatorze anos depois de sua primeira infração oficial, Henry e Harvey cometeram o erro que os enviaria a prisão por muitos anos, conforme explicaram os delegados de polícia de todo o Estado a seus homens. Por fim foram apanhados com as mãos na massa, a causa, como perceberam com certo prazer, de outro par de gêmeos. Duas belas prostitutas de dezoito anos roubaram os corações dos irmãos Patterson.
Durante as cinco semanas antes, Henry e Harvey tinham ficado o maior tempo possível com Noreen e Doreen Grayson, e ao ver como o amor florescia entre eles, os policiais da delegacia de polícia local se perguntavam se eram capazes de reconhecer seus respectivos casais. Os behavioristas diziam que não tinha importância, os ambientalistas respondiam que isso era bate-papo pseudo científico, além de perversa do ponto de vista sexual, mas todos concordaram que era uma ideia divertida. Seja como for, o verdadeiro amor provocou a queda dos irmãos Patterson.
Henry e Harvey haviam resolvido liberar as irmãs Grayson de sua cafetão, um narcotraficante com fama de violento, que se suspeitava matara várias de suas mulheres. O fator detonante foi a feroz surra que ele deu nas irmãs por não elas não entregaram umas joias que os Patterson tinham presenteado a elas para comemorar o primeiro mês de sua relação. Noreen sofreu fratura de mandíbula; Doreen, perdeu seis dentes, e ambas foram parar ao centro médico da Universidade de Alabama, para grande indignação dos Patterson. Não podiam deixar barato semelhante ofensa: uma semana depois, nas sombras de um beco, os gêmeos dispararam seus revólveres “Smith and Wesson” para pôr fim à vida de Elrod Mcllvane.
Infelizmente, para eles, um policial se encontrava a meia quadra lugar. O mesma Policial que considerava que os Patterson neste caso tinham prestado um serviço valioso à cidade de Mobile.
O tenente os levou a sala do interrogatório, abatidos como flores murchas. Os revólveres tinham aparecido a menos de cinquenta metros da cena do crime. Embora não tivessem digitais identificáveis –
muitas armas não se prestam para isso– , os projéteis extraídos do cadáver de Mcllvane correspondiam com eles, a Polícia tinha prendeu os Patterson a quatro quadras do lugar; tinham rastros de pólvora nas mãos, sinal de que tinham disparado alguma arma, e motivos de sobra para eliminar o cafetão. Mais claro que isso, difícil. Só faltava a confissão, a única coisa que a polícia não pôde obter. A sorte deles tinha acabado. Seu próprio advogado era quem dizia isso. Não havia possibilidade de negociar as penas – o promotor detestava eles ainda mais que a polícia– , e embora fossem condenados há vários anos por homicídio, pelo menos não acabariam na cadeira elétrica, já que o jure, provavelmente, não executaria quem assassinou um cafetão e traficante que tinha enviara duas de suas putas para o hospital e matou outras. Era um crime passional, motivo que para a jurisprudência americana geralmente constitui um atenuante.
Vestidos com uniformes idênticos da prisão, os Patterson se sentaram em frente ao tenente. Este não sabia quem era quem, nem se incomodou em perguntar por que era provável que mentissem só para chateá-lo.
– Onde está nosso advogado? – disse Henry ou Harvey.
– Isso mesmo – sublinhou Harvey ou Henry.
– Hoje ele não fará falta. Rapazes eu vim perguntar a vocês se poderiam nos fazer um favor? –
perguntou o tenente – . Se fizerem isso, talvez nós façamos um favor para vocês. – Com isso, ficava resolvida a questão do advogado.
– E uma merda! – exclamou um dos gêmeos, só para negociar. Em sua situação, aferravam-se a qualquer possibilidade. Aguardava-os a prisão, e embora nunca tivessem sido condenados, tinham estado presos em diversas cadeias municipais por breves períodos, e não era uma perspectiva agradável.
– Sabem que serão condenados a prisão perpétua, não é? – disse o tenente, sem se alterar ante a bravata – . E sabem como é isso, em sete ou oito anos serão declaram reabilitados e porão em liberdade condicional. Isso, se tiverem sorte. Oito anos é muito tempo, não? O que vocês acham disso rapazes?
– Não somos idiotas. O que você quer? – perguntou o outro Patterson. Com isso queria dizer que estava disposto a negociar.
– Se nos fizerem um trabalhinho, bom, poderia acontecer uma coisa boa com vocês.
– Que trabalhinho? – Os dois estavam dispostos.
– Conhecem Ramón e Jesus?
– Os piratas? – disse um– . Merda!
Na comunidade prisional, como em qualquer outra comunidade, há uma hierarquia de status. Os estupradores ocupavam o posto mais baixo.
Os Patterson eram criminosos violentos, mas jamais tinham batido numa mulher. Só assaltavam a outros homens, geralmente mais fracos que eles, mas homens sempre. Isto era importante para sua autoestima coletiva.
– Sim, conhecemos essa dupla de filhos da puta – disse o outro, para ampliar a sintética observação de seu irmão – . Olhavam com o nariz franzido, como cheirando merda–. Ouça, nós somos caras maus, mas nunca estupramos nem matamos uma menina... E dizem que vão ser soltos? Merda! Nós matamos um rufião de merda que batia nas garotas e nos jogarão na perpétua, segundo você nos disse. Isso é justiça, senhor policial? Mer... da!
– Se acontecesse algo com Ramón e Jesus, digamos se tivessem um acidente muito sério – insinuou o tenente– , talvez surgiria alguma coisa. Algo que beneficiaria a vocês.
– Como o que?
– Como que poderiam ver Noreen e Doreen frequentemente. E até viver juntos.
– Merda! – exclamou Henry ou Harvey.
– É um bom negócio, rapazes – disse o tenente.
– Quer que matemos os filhos da puta? – perguntou Harvey, para desilusão de Henry, que se achava o mais inteligente dos dois.
O tenente os olhou em silêncio.
– Compreendemos – disse Henry– . Como sabemos que vai cumprir sua palavra?
– Que palavra? – perguntou o tenente– . Ramón e Jesus mataram toda uma família, mas antes estupraram à mulher e a menina. Parece que tiveram algo a ver com o assassinato de um policial de Mobile e de sua mulher. Mas houve um problema no caso, assim vão dar a eles vinte anos, e saem em sete ou oito, máximo. Isso parece justo?
Os dois gêmeos compreenderam. O tenente percebeu nos seus olhares, que eram idênticos. Chegou o momento da decisão. Os dois pares de olhos se entrecerraram ao pensar como fariam. Depois se abriram outra vez. Os dois Patterson assentiram: estava resolvido.
– Tomem cuidado, rapazes. A prisão é perigosa.
O tenente se levantou e chamou o carcereiro. Se perguntassem, ele diria que tinha mandado chamar os irmãos – que tinham aceito falar com ele sem a presença de seu advogado– para lhes perguntar sobre um roubo que não tinham participado, mas sobre o qual talvez possuíssem informação, em troca do qual lhes ofereceria ajuda no julgamento. Infelizmente tinham negaram possuir informação sobre o fato, e, em menos de cinco minutos, os tinha mandado de volta para a sua cela. Se alguma vez dissessem a verdade, seria a palavra de dois criminosos com um longo histórico criminal, acusados de homicídio, contra a de um tenente de Polícia. Na pior das hipóteses, apareceria nas páginas internas do Mobile Register, que, por outro lado, era partidário na aplicação severa da lei nos criminosos violentos. E dificilmente confessariam ser os autores de um duplo homicídio, embora o tivessem cometido a pedido da própria Polícia.
O tenente, homem de palavra, dedicou-se imediatamente a cumprir sua parte do trato, antecipando que os Patterson fariam a sua parte. Dos quatro projéteis extraídos do cadáver de Elrod Mcllvane, um era inútil aos fins da análise balística devido a sua deformação – as balas de chumbo sem camisa se danificam com facilidade – e outros estavam quase no mesmo estado, embora pudessem ser usados. O tenente pediu que as enviassem, junto com os apontamentos do técnico de laboratório e as fotografias. Teve que assinar o pedido para manter a “cadeia da prova”. Este requisito legal servia para assegurar-se que as provas utilizadas num julgamento, uma vez retiradas da cena do crime ou de qualquer outro lugar, e declaradas significativas, encontravam-se sempre num lugar conhecido e em mãos autorizadas. Desta maneira, defendia-se ao acusado das provas de condenação falsificadas. Uma prova perdida e depois recuperada não era admitida num julgamento porque era considerada contaminada. Quando o tenente chegou ao laboratório, os técnicos se dispunham a partir. Perguntou ao perito em balística se podia examinar de novo os projéteis do caso Patterson na primeira hora da segunda-feira e o homem disse que sim, embora uma das provas fosse um pouco débil a aceitariam para o julgamento. Claro que não, nenhum problema.
O tenente levou os projéteis para o seu escritório. Levava-os num envelope de papel manilha rotulado com o número do sumário, e posto que estavam em mãos autorizadas, com todas as assinaturas necessárias, a cadeia da prova seguia intacta. Anotou em sua agenda que não as deixaria na gaveta de seu escritório durante o fim de semana mas as levaria para sua casa dentro de sua pasta com fechadura de segurança. O tenente tinha cinquenta e três anos e lhe faltavam quatro meses para se aposentar com a pensão completa. Trinta anos de serviço eram mais que suficientes, e desejava dedicar seus dias à pesca.
Mas sua consciência não lhe permitia pedir aposentadoria quando dois assassinos de policiais fossem receber uma condenação de apenas oito anos.
O ingresso de divisas fortes por meio do narcotráfico produziu todo tipo de efeitos colaterais; um deles, embora parecesse irônico, é que a polícia desse país contava com um laboratório criminal dos mais modernos. Submetidos os escombros da casa de Untiveros à bateria de análise usuais, determinou-se que o agente explosivo era uma mescla de ciclotetrametilenetetranitramina e trinitrotolueno. Estas duas substâncias, mais conhecidos por seus nomes comerciais do HMX e TNT, combinadas numa proporção de 70-30, se transformavam num explosivo chamado “Octol”. Segundo o relatório, essa era uma substância explosiva muito estável, muito cara e extremamente violenta, fabricada, sobre tudo, nos Estados Unidos. Era possível adquiri-la em várias firmas norte-americanas, europeias e uma asiática. O
técnico do laboratório concluiu seu relatório e o entregou a sua secretária, que o enviou por fax a Medellín, onde outra secretária o fotocopiou. Vinte minutos depois, uma cópia chegava nas mãos de Félix Cortez.
Para o ex-oficial de Inteligência, o relatório foi uma peça a mais do quebra-cabeças. As empresas mineiras não usavam “Octol”, era muito caro. Quase todas as operações comerciais requeriam gelatinas explosivas nitrogenadas. Se precisassem um maior poder explosivo para quebrar as pedras, bastava abrir um buraco maior e introduzir maior quantidade de gel. Esse recurso era proibido às operações militares.
O tamanho máximo de um projétil de artilharia era igual ao diâmetro do canhão, e o de uma bomba dependia da capacidade imposto pelo avião que a transportava. Dadas as limitações de tamanho, as forças militares sempre tentavam obter explosivos mais potentes. Cortez consultou um de seus livros: com efeito, o “Octol” era um explosivo de uso quase exclusivamente militar. Era empregado para detonar artefatos nucleares. Quando Félix leu isso, soltou uma gargalhada.
Aí estava a explicação para algumas perguntas. “Primeiro pensou que na explosão tivessem empregado uma tonelada de dinamite, mas agora compreendia que bastava menos de quinhentos quilos de Octol” para obter o mesmo resultado. Em outro de seus livros de consulta leu que o peso do explosivo em uma bomba de mil quilos era inferior a quinhentos.
Por que não acharam os fragmentos? A metade do peso da bomba estava em sua camisa de aço. No momento deixou esse problema de lado.
Uma bomba lançada de um avião explicava várias coisas mais. Em Cuba, quando era estudante, assistira uma conferência de oficiais vietnamitas sobre os estragos causados nas pontes e nas fábricas de seu país pelas “bombas inteligentes”, utilizadas durante a campanha, breve mas violenta, de 1972. depois de anos de tentativas falhas, os americanos tinham destruído dezenas de alvos em poucos dias por meio de suas novas armas de precisão.
Uma bomba que caísse sobre um carro daria toda a impressão de ter sido um carro bomba...
E os fragmentos? Releu o relatório do laboratório. Tinham achado restos de celulose: segundo o técnico, provinham das caixas de papelão em que se guardavam os explosivos.
Celulose? Ou seja, fibras de papel ou de madeira. Uma bomba de papel? Cortez pegou outro de seus livros de consulta: Jane's Weapons Systems. Um livro pesado, de capa dura... Cartão recoberto com tecido! Assim bem simples. Se se podia fabricar um papel tão duro para encadernar um livro...
Cortez se acomodou no assento, acendeu um cigarro e se felicitou em seu foro interno... e também aos norte-americanos.
Era um plano brilhante. Um bombardeiro tinha lançado uma bomba especial sobre esse caminhão absurdo e não tinha ficado nada que pudesse chamar-se de pista. Perguntou-se quem seria o autor do plano. Era incrível que os norte-americanos fossem tão inteligentes. A KGB teria reunido uma companhia de comandos spetznaz para uma batalha de infantaria convencional. Deixariam todo o tipo de pistas e
“enviariam a mensagem” à maneira soviética, eficaz mas sem sutileza. Por uma vez, os norte-americanos tinham demonstrado possuir a astúcia de um espanhol... de um Cortez, pensou Félix com um sorriso.
Notável!
Agora que sabia o “como”, tinha que averiguar o “para que”. Claro! Os jornais americanos falavam de uma guerra entre gangues. Dos quatorze chefes de Cartel, sobraram dez. Os norte-americanos tentariam eliminar mais alguns..., como? Por acaso pensavam que bastava uma bomba para detonar uma selvagem guerra interna? Não, não era suficiente. Duas, talvez sim, mas uma, não.
Ou seja os americanos tinham infiltrado comandos nas montanhas ao sul de Medellín, tinham lançado uma bomba e faziam algo mais para deter as remessas de drogas. Novamente estava claro: derrubavam os aviões. Os soldados vigiavam as pistas e enviavam a informação que depois servia para passar à ação. Era uma operação integral. Embora o mais incrível fosse sua eficiência. Os norte-americanos haviam resolvido agir a sério. Isso sim é que era um milagre. A CIA sempre tinha demonstrado sua eficácia para recolher informação, mas não na hora de passar à ação.
Ficou em pé e se dirigiu para seu bar particular. A situação requeria muita reflexão, e esta, por sua vez, um bom conhaque. Serviu-se de uma medida tripla, esquentando-a com a mão para que os vapores aromáticos acariciassem seu olfato antes de beber o primeiro gole.
A linguagem chinês era ideográfica – Cortez tinha conheceu agentes de Inteligência desse país– e o símbolo de “crise” combinava os pictogramas de “perigo” e “oportunidade”. Essa dualidade lhe chamava sempre a atenção. As oportunidades como esta eram extremamente escassas e muito perigosas. Sobre tudo neste caso, porque desconhecia a fonte de informação dos norte-americanos. Todos os indícios assinalavam a existência de um infiltrado na organização. Alguém muito próximo à cúpula, mas não tanto quanto ele desejava. Os americanos tinham comprometido alguém; ele conhecia o método, tinha-o usado com muita frequência. A Agência o fazia muito bem. Alguém. Quem? Uma pessoa que se sentia profundamente ferida, que queria vingar-se e, de uma vez, acessar a um lugar na mesa dos chefes. Essa descrição abrangia algumas pessoas, e Félix Cortez entre elas. E em lugar de elaborar um plano para chegar a esse fim, deixaria que os norte-americanos o fizessem. Essa ideia de que eles servissem a seus fins era perturbadora, mas tinha sua graça. Suposta operação quase clandestina por antonomásia. A única coisa que tinha que fazer era permitir que os militares levassem a cabo seu plano. Deveria ter paciência e confiança em seu inimigo. Além disso, embora o risco fosse muito grande... valia a pena.
Não sabia como transmitir a informação aos norte-americanos, de modo que deveria confiar na sorte. Não, na sorte, não. De algum jeito recebiam a informação: devia confiar em que dessa vez também a informação chegaria a eles. Pegou seu telefone e, contra seu costume, deu algumas instruções. Depois refletiu e resolveu outra coisa. Não podia confiar que os americanos fizessem exatamente o que ele queria, e no momento certo. Algumas coisas ele teria que as levar a cabo em pessoa.
O avião de Ryan aterrissou na base aérea Andrews pouco depois das dezenove horas. Um de seus ajudantes – que bom era ter ajudantes– se tomou conta dos documentos para levá-los a Langley. Jack pôs sua bagagem no assento traseiro de seu “XJS” e se foi para casa. Tinha toda a noite para dormir, e à manhã seguinte voltaria para seu escritório. A primeira coisa que faria, pensou enquanto conduzia pela estrada 50, séria averiguar o que tramava a CIA em na América do Sul.
Ritter balançou a cabeça, agradecido e maravilhado. CAPER seguia obtendo resultados. Dessa vez era Cortez em pessoa. Não compreendiam que suas comunicações eram vulneráveis. Isso não era novo. O
mesmo tinha acontecido aos alemães e aos japoneses durante a Segunda guerra mundial.
E se repetiu algumas vezes. Era algo que os norte-americanos faziam melhor que ninguém. A oportunidade era incomensurável. Dispunham de porta-aviões durante trinta horas a mais, apenas o tempo suficiente para que a mensagem chegasse a seu pessoal a bordo do Ranger. Ritter escreveu as ordens e as instruções para a missão em seu computador pessoal. Uma vez terminado colocou-as num envelope e as entregou a um de seus ajudantes, que voou ao Panamá num avião de carga da Força Aérea.
O capitão Robby Jackson se sentia um pouco melhor. Acreditava sentir o peso do quarto galão na ombreira de sua camisa branca; além disso, a águia no pescoço era um símbolo mais adequado para um piloto que a folha de carvalho, não? A promoção obtida ao sul do Panamá, significava que era um postulante serio para comandar uma esquadrilha: o posto mais elevado de um piloto. Teria que pilotar diferentes tipos de aparelhos e seria responsável por mais de oitenta, com tripulações de voo e de manutenção, sem as quais os aviões eram meros elementos decorativos nos conveses dos navios.
Infelizmente, suas táticas não tinham sido tão efetivas quanto acreditava, mas sabia que todas as ideias novas requerem um tempo de maturação. Algumas de suas concepções eram errôneas, e as correções sugeridas pelos chefes de esquadrilha do Ranger tinham sido eficazes. Também isso era de esperar.
O mesmo acontecia com os mísseis “Phoenix”: seus dispositivos de orientação tinham funcionado bem, embora não tanto quanto o empreiteiro dizia. Isso acontecia quase sempre.
Encontrava-se no centro de Informação do porta-aviões. Nesse momento não havia aparelhos no ar.
O tempo continuaria instável durante várias horas; o pessoal de manutenção aproveitaria a ocasião para reparar as máquinas. Robby e os oficiais de defesa repassavam as fitas dos combates aéreos pela sexta vez. A força “inimiga” se saiu com notável eficiência, diagnosticando os planos de defesa do Ranger e reagindo com toda rapidez para colocar a seus aviões armados em posição de tiro. O fato que os aviões do Ranger os tivessem derrubado durante sua retirada não tinha importância. O objetivo do exercício de combate aéreo era derrubá-los quando tentavam iniciar o ataque.
A cena tinha sido registrada do radar do E-2C “Hawkeye” no que Robby tinha voado durante a batalha. Era a sexta vez que via o mesmo, não lhe encontrava nada novo e era difícil concentrar-se. Ali estava outra vez o “Intruder”, que se acoplava com o cisterna para ir para o Equador e desaparecer da tela, antes de chegar à costa. O capitão Jackson se acomodou no assento enquanto continuava a discussão.
Avançaram a fita para saltar a fase de aproximação; durante uma hora observaram o combate propriamente dito – que tinha sido muito breve, percebeu Jackson com preocupação– e a passaram de novo. O chefe da esquadrilha do Ranger estava extremamente aborrecido pelo descuido dos pilotos ao formar seus aparelhos para voltar para o navio. A medíocre organização dos aviões de combate mereceu alguns comentários mordazes do oficial que detinha o posto ao que Jackson aspirava. Seus comentários eram instrutivos, apesar dos termos pouco acadêmicos empregados pelo oficial. Durante a discussão, a fita seguiu seu avanço até... sim, ali estava outra vez o A-6 que voltava para porta-aviões depois de cumprir Deus sabe que missão. Robby sabia que os oficiais não devem fazer especulações. Mas não podia negar o que via.
– Permissão, capitão.
Um suboficial lhe estendia uma prancheta com duas folhas: uma mensagem e sua correspondente confirmação de recebimento.
– Alguma novidade, Rob? – perguntou o chefe da esquadrilha aérea.
– O almirante Painter quer que me reúna com ele na academia em vez de voltar para Washington.
Imagino que quer um relatório preliminar sobre o resultado de minhas maravilhosas táticas – respondeu Jackson.
– Não se preocupe, não vão tirar os seus galões.
– Não pensei bem em todos os detalhes – disse Robby, assinalando a tela.
– Acontece o mesmo com todo mundo.
Uma hora mais tarde se dissipou o mau tempo. O primeiro avião que decolou do Ranger foi o COD, que voou para o Panamá para deixar a correspondência e recolher várias coisas. O representante técnico o esperava, alertado por um sinal inócuo transmitido por um canal aberto. Leu a mensagem e chamou o camarote do capitão de fragata Jensen.
Levaram cópias da foto ao The Hideaway”, mas como a testemunha principal estava em Alexandria; ele mesmo a levou.
Murray não perguntou sobre a procedência da foto. Melhor dizendo, sabia que era uma espécie de telefoto tirada pela CIA, mas era melhor que não conhecesse os detalhes: isso se houvessem dito, se tivesse perguntado. Mas por sorte não o fez, porque, nesse caso, talvez não tivesse aceito o argumento sobre a “necessidade de estar informado”.
Moira evoluía favoravelmente. Já não precisavam ficar presa na cama, mas continuava internada devido a certas sequelas da overdose, que lhe tinham afetado o fígado. Contudo, respondia bem ao tratamento. Encontrou-a sentada na cama: certamente tinha recebido a visita de seus filhos, o que, segundo Murray, era a melhor terapia. A versão oficial falava de uma overdose acidental. As autoridades do hospital sabiam a verdade, mas o escritório de Imprensa do FBI argumentava que era um acidente porque não tinha ingerido uma dose mortal. O psiquiatra a visitava duas vezes por dia e seu prognóstico era favorável.
A tentativa de suicídio, embora real, tinha sido um ato impulsivo, não meditado. Com a terapia adequada se recuperaria por completo. O psiquiatra pensava que a ideia de Murray a ajudaria nesse processo.
– A encontro muito melhor. Como estão os meninos?
– Jamais voltarei a fazer uma coisa assim – exclamou Moira Wolfe– . Sou uma idiota, uma egoísta.
– Já lhe disse que um caminhão a tinha atropelado. – Murray se sentou junto à cama e tirou a fotografia do envelope de papel manilha– . Reconhece o caminhão?
Ela a contemplou durante vários minutos. A imagem não era nítida. Tinha sido tirada de uma distância de três mil metros, e, a pesar da lente de alto definição e da recomposição computadorizada, a imagem não tinha, nem por indício, a nitidez de uma fotografia amadores. Mas a expressão do rosto não é o único detalhe revelador. A forma da cabeça, o penteado, a posição do corpo e das mãos, a inclinação...
– É ele – disse– . É Juan Diaz. Como a conseguiram?
– Enviou-nos isso outra repartição oficial – disse Murray. Era a frase neutra com que se referiam à a CIA– . Estavam vigiando um lugar, não sei onde, e obtiveram esta fotografia. Pensam que é nosso homem. Para que saiba, esta é a primeira foto que pudemos obter do coronel Félix Cortez, ex-oficial do DGI. Por fim conhecemos o rosto deste filho da puta.
– Peguem ele.
– Claro que nos faremos isso – assentiu Murray.
– Sei que tomarão minha declaração... que os advogados vão tentar me destroçar. Não há problema, Sr. Murray. Farei o que for necessário.
Ele diz isso seriamente, pensou Dan. Não era a primeira vez que a vingança ajudava a salvar uma vida, comprovou com satisfação. Era um motivo a mais para viver e curar-se. Ele se vingaria por Moira e pelo FBI. O termo oficial era retribuição, mas não era o que as centenas de agentes atribuídos ao caso empregavam.
Na manhã seguinte, ao chegar a seu escritório, a primeira coisa que Jack encontrou foi uma nota do juiz Moore sobre sua mesa:
A convenção termina esta noite. Tem uma passagem reservada para você no último voo desta noite para Chicago. Amanhã você informará ao governador Fowler. Fazemos isso com todos os candidatos presidenciais. Anexo as pautas para o relatório e uma cópia do relatório apresentado na campanha presidencial de 1984. Pode lhe dar informação “reservada” e “confidencial”, mas não “secreta”. Prepare uma síntese por escrito para antes das 17 horas.
Isso levaria todo o dia. Ryan telefonou a sua casa para avisar que essa noite não iria dormir, e ficou trabalhando. As perguntas para Ritter e Moore teriam que esperar até segunda-feira. Além disso, Ritter passaria a maior parte do dia na Casa Branca. Jack chamou “o Bethesda” para saber do estado de saúde do almirante Greer e lhe pedir algum conselho. Para sua surpresa, este lhe disse que o relatório anterior tinha sido apresentado por ele mesmo. A voz do velho se debilitou muito desde sua conversa anterior.
Não perdia o bom humor; mas, ao escutá-lo, Jack lembrava da imagem de um campeão de patinação olímpica que deslizava sobre uma capa de gelo fina e quebradiça.