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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


PIKE / T.M. Frazier
PIKE / T.M. Frazier

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

Biblio VT

 

 

 

 

Nascido no caos.
Batizado na sarjeta.
Fui criado pelas leis das ruas violentas, derramando sangue sem o impedimento de emoções ou conexões inúteis.
Insensível.
Mal amado.
Sozinho.
Minha vida era perfeita.
Até ela.
Em uma caçada humana por um inimigo misterioso, um inferno empenhado em tirar tanto meus negócios quanto minha vida, encontro Mickey. Ela está coberta de lama e claramente fora de si.
Ela também é uma distração que não preciso.
Isso até descobrir uma conexão entre a garota e meu inimigo. Mickey não é mais uma distração.
Ela é a arma perfeita.
Uma que vou usar para me vingar.
O plano é fácil, mas há algo sobre Mickey que torna cada vez mais difícil.
Uma familiaridade que não consigo explicar. Uma necessidade que não posso explicar. Um desejo que tenho que negar. Afinal, ela não é minha para manter.
Ela é minha para sacrificar.

 

“Dos desejos mais profundos, geralmente vem o ódio mais mortal.”
SOCRATES

 

 

 


 

 

 


PRÓLOGO

PIKE

Amor é uma praga, infectando as massas com a mentira do FELIZES PARA SEMPRE.

É a religião suprema, seguida pelos que têm fé de que ele salvará suas almas miseráveis e lhes dará algum tipo de propósito mais profundo. Esse amor é o que faz a vida valer a pena.

Besteira.

O amor é um culto. Um tumulto de idiotas esperançosos, todos correndo para pular do mesmo penhasco que já ceifou a vida de milhões antes deles. Através do nevoeiro, eles são incapazes de enxergar seu destino, o que o amor realmente tem esperando por eles no fundo.

Nada além de um emaranhado horrível de carnificina. Então, eles pulam.

E quando tudo é dito e feito, o amor não os leva a encontrar um propósito, esperança ou significado nesta vida.

Termina juntando-se à porra da pilha.

Outro entalhe esculpido no cabo da arma do amor.

O único fim verdadeiro da praga é a morte ou algo que se parece muito quando a infecção se espalha para o coração e a alma, esmagando um homem por dentro.

O amor é confuso, sangrento e ignorante.

O ódio nasce na ausência de falsas promessas de amor. Uma evolução do homem.

O ódio é fácil. Puro em sua simplicidade. Não decepciona ou desencaminha.

Não há promessas falsas, nem nevoeiro nublando o que está esperando no fundo do penhasco.

O ódio é um produto de onde eu vim e uma direção para onde estou indo.

Logan’s Beach.

É uma cidade composta de partes iguais de areia e sádicos.

Praia e sangue.

Água salgada e pecados.

Canais e caos.

Os campos vazios e cobertos de vegetação abrigam o solo perfeito no qual as sementes do ódio são plantadas e florescem, produzindo um exército de homens sem alma. O sangue em suas veias, substituído pelo verde que flui da ganância. Eles empunham armas em vez de mãos e pedras em vez de corações. Invada seus caminhos, e você será derrubado.

A única lei nesta cidade é o poder. E os caminhos que você tem que trilhar para obter esse poder podem ser surpreendentes e horríveis. O respeito é conquistado através de atos sangrentos de violência e do tipo de brutalidade que fora desta cidade só existe em pesadelos.

Meu poder está na minha verdade. Não tenho falsas noções sobre quem sou ou do que sou capaz. Não tenho medo de retaliação, vingança ou do próprio ceifador.

Enfrento a vida sem minha arma escondida nas costas, mas nas mãos e em seu rosto, porque minha semente não foi plantada no nascimento, mas pelas circunstâncias.

Não sou uma vítima. Sou simplesmente o resultado. Um produto de Logan’s Beach. Um exilado. Um fora-da-lei. Apaixonado por sangue.

Estou preparado para qualquer coisa e qualquer pessoa. Exceto ela.

Minha vida depois de Mickey é uma granada viva sendo lançada no ar como um brinquedo de criança.

Enquanto estou distraído, tentando evitar que tudo pelo que trabalhei exploda, ela de alguma forma consegue deslizar seus pequenos dedos femininos além de todas as minhas barreiras, chega à minha alma negra ...

E puxa a porra do pino.


CAPÍTULO UM

MICKEY

QUATRO ANOS ATRÁS


Mamãe e papai sempre brilham de orgulho quando dizem às pessoas que tenho memoria fotográfica, apesar de sentir que esse talento é o menos espetacular entre as minhas três irmãs mais novas. Mallory, treze anos, já faz parte da equipe olímpica júnior de natação. Maya, dezesseis, recebeu recentemente sua carta de aceitação antecipada a Stanford. Mindy, de dezessete anos, pinta paisagens de aquarela espetaculares e conseguiu sua primeira exposição solo em Miami no mês que vem.

Então, sou eu. Mickey, dezenove anos, memória fotográfica, alto QI, socialmente inepta.

Eh, parece pálido em comparação. Talvez, porque as observei trabalhar tanto para alcançar seus objetivos, enquanto minhas realizações são apenas produtos de algo com que nasci. Nunca tive que tentar ser inteligente ou lembrar de coisas.

Apenas sou. Simplesmente posso.

Ouço a voz de papai na minha cabeça no jantar do mês passado com minha tia e tio. — Bob, eu já te disse que Mickey aqui tem memória fotográfica? É espantoso. Ela consegue se lembrar de todos os detalhes de tudo que vê. Nunca vi algo assim. Bob, me dê sua carteira de motorista. Ela lembrará dos números em dois segundos.

Ri comigo mesma da imagem do rosto atônito de Bob quando fiz exatamente isso, dando uma rápida olhada na carteira de motorista dele antes de devolvê-la e recitar não apenas o número da carteira, mas também o aniversário dele, a data em que a carteira foi renovada, e o fato de ele ser doador de órgãos. Adicionei a parte sobre ele ter uma mancha de ketchup na gola na foto por garantia.

Minha memória sempre foi minha superpotência. Ela nunca me falhou. Meu sorriso cai.

Até hoje.

Hoje, o orgulho do papai é uma mentira.

Porque algo aconteceu hoje, e pela primeira vez na minha vida, não me lembro o quê.

A memória está lá, mas está dentro do meu cérebro como uma imagem desfocada, flutuando ao vento. Quando sinto que estou chegando perto, tudo some. É como notar algo se movendo no canto do seu olho apenas para se virar e perceber que não há nada lá.

É como se estivesse perseguindo fantasmas.

O som do riso de minhas irmãs me traz de volta ao presente. Afasto a sensação desconfortável e dou um sorriso brilhante.

O que aconteceu não deve ter sido tão importante. Porque se fosse, tenho certeza que me lembraria. Porque é quem sou. Eu sou a filha que se lembra.

O que quer que esteja acontecendo com a minha memória terá que esperar, porque me recuso a deixar que alguma coisa me incomode, especialmente não aqui, meu lugar feliz.

A minha família e eu passamos férias aqui em Logan’s Beach todos os verões. Temos uma pequena casa de veraneio na praia. Todas as minhas melhores lembranças aconteceram nesta cidade. Perdi meu primeiro dente aqui. Tive meu primeiro quase beijo no píer, me afastando no último segundo depois de ver alguma coisa nojenta presa no aparelho de Hudson Yontz, mas a memória ainda me faz sorrir. Minha mãe me ensinou a nadar na piscina aqui na casa de veraneio. Minhas irmãs e eu até vencemos um torneio de pesca aqui. Chamamos nossa equipe de Snook Sisters e, naquele ano, as Snook Sisters levaram para casa o primeiro lugar. Você acharia que ganhamos na loteria em vez de um certificado de presente de 45 dólares para a Master Bait & Tackle.

O calor do sol começa a esfriar, e o calor implacável desaparece da parte de trás do meu pescoço, deixando um local fresco em seu lugar, enquanto a brisa passa pela minha pele molhada.

Olho para o céu e noto o sol caindo no horizonte. Pôr do sol já? Para onde foi o tempo? Não acabamos de deixar a casa para andar de caiaque há alguns minutos atrás?

Nós fizemos. Lembro disso. Nós embalamos a van. Amarramos os caiaques no teto. Paramos para comprar mais protetor solar.

Não foi? Ou foi no ano passado?

Estava chovendo? Acho que me lembro da chuva.

Está tudo muito embaçado.

Quero dizer, o tempo sempre voa durante nossos verões aqui. Não é tão incomum para mim perder o controle.

Mas não da sua memória.

Está tudo bem. Tudo ficará bem. Recuso-me a entrar nessa linha de conversa novamente com minha voz interior. Afinal, resta muito tempo. É o nosso último verão aqui em família, e quero aproveitar cada minuto dele.

A placa que diz, Bem-vindo à Logan’s Beach, brilha em verde sob a luz fraca quando me aproximo. Toda semana durante o verão, há um grande pênis preto pintado a spray por todo lado ou uma mancha de tinta cobrindo o dito pênis.

Hoje, é uma mancha.

Sorrio para mim mesma enquanto passo lentamente pela placa. Meus pés doem de caminhar. Sempre rainha do drama, ouço Mallory reclamar das coisas atrás de mim, e reviro os olhos.

Mamãe garante que estamos quase lá. Respondo com um sarcástico — Não estamos lá ainda?

Ninguém ri a não ser o papai.

Escuto enquanto papai conta uma piada toc-toc ruim que faz minhas irmãs e minha mãe simultaneamente gemer. Papai é estranho como eu. Não apenas compartilhamos o mesmo QI alto, mas também o mesmo senso de humor brega. Sou a única que ri da piada dele, e sou recompensada com uma de suas famosas piscadelas.

Mindy me repreende por encorajá-lo e geme ainda mais alto quando ele começa a contar outra piada.

Atormentar minhas irmãs é ainda mais doce aqui.

Até dividir o banheiro com minhas três irmãs é mais tolerável aqui do que em casa, e em casa tem duas pias, quando na casa de veraneio tem apenas uma.

Enquanto caminhamos, deixo um rastro de água como um caracol na calçada atrás de mim. Minhas roupas firam de molhadas para úmidas sob o calor do sol. Meu short jeans irrita a parte interna das minhas coxas, esfregando a pele em carne viva a cada passo. Minha massa selvagem de cabelo é uma esponja louca e, uma vez molhada, vaza como uma torneira escorrendo até que eu encontre uma toalha e um secador de cabelo, porque secar ao ar livre não é uma opção.

Maya percebe minha trilha molhada e brinca que eu deveria estar em um daqueles infomerciais de Shamwow1. Não como o vendedor gritando sobre quão fabuloso é o tecido absorvente de água, mas como o próprio tecido.

— Como se eu nunca tivesse ouvido isso antes, — murmuro. Ouvi. Várias centenas de vezes. Tudo de Maya.

Mamãe diz a ela para ser legal, e sorrio e enfio mostro a língua como uma criança, mesmo sendo uma mulher adulta. Gostaria de saber quando realmente me sentirei mulher. Meu corpo certamente não recebeu a mensagem de que a feminilidade já deveria ter atingido seu auge dentro de mim. Evidencia A as minhas pernas de galinha e a evidencia B a minha falta de graciosidade... Nadinha.

Papai nos diz para parar de andar e respirar o ar salgado.

Embora sejamos inteligentes e compartilhamos o mesmo ridículo senso de humor, é aqui que diferimos. Papai é sentimental de uma maneira quase caprichosa. Ele pode deixar de lado a lógica pelo sentimento.

Enquanto o vejo fechar os olhos e respirar fundo, percebo que o invejo. Que ele pode ter o melhor dos dois mundos, enquanto consigo viver dentro das fronteiras de apenas um.

Normalmente, eu revirava os olhos ou simplesmente fingia concordar com isso, mas é o meu último verão aqui antes de voltar para a faculdade e começar meu novo projeto de pesquisa, e quem sabe, talvez meu último verão aqui, e fiz uma promessa para mim mesma de que vou saborear cada minuto que me resta deste lugar. Então, faço o que papai diz e paro, encaro a água e fecho os olhos. O sal é tão espesso no ar que posso prová-lo na boca antes mesmo de ter a chance de inalar.

Tento respirar fundo, mas não consigo. Meus pulmões já estão cheios, mas não de ar. Solto uma daquelas tosses úmida e grossa, onde você pode sentir coisas se movendo nos pulmões. E o ar pode muito bem ser como uma lambida de sal, porque o que tusso parece como seu eu tivesse lambido um o dia todo.

Minha mãe se aproxima e pergunta se estou bem. Assinto, limpo a boca com as costas da mão e lanço um sorriso para ela, assegurando-lhe que estou bem. Ela me lembra que eu sempre fico resfriada no final do verão. Ela está certa. Sempre fico.

É o que dá minha tentativa de ser um espírito livre.

Sorrio para mim mesma. Mallory usará sua máscara cirúrgica durante toda a viagem para casa, para não pegar meu resfriado. Ela me dará seu habitual levantar de sobrancelha, olhares laterais toda vez que eu espirrar como se tivesse uma praga de zumbis. Faço uma anotação mental para dar alguns espirros e tosses falsos adicionais, por garantia.

Continuamos caminhando. Meus pés doem ao ponto de estar mancando. Faço o possível para esconder isso, para não preocupar mamãe. Também não quero reclamar, ela já ouviu muitas reclamações hoje. Além disso, ela disse que estamos quase lá, então poderei descansá-los em breve.

O branco e o amarelo dos faróis se aproximando espalhavam-se à luz do amanhecer como portais de sóis embaçados. Faço uma pausa e protejo meus olhos por um momento antes de todos continuarmos. Uma buzina alta soa de um carro passando, fazendo Maya pular e Mallory amaldiçoar enquanto ele desaparece na estrada.

Depois de mais alguns quilômetros, a estrada torna-se estreita e rachada, sem marcações separando as pistas. Não há mais luzes, bares ou pessoas.

Mindy geme para o papai, e ele assegura-lhe novamente que estamos quase lá, mas estou começando a achar que lá não existe.

Uma caminhonete preta para ao nosso lado. É enorme, com pneus altos. Eu estico meu pescoço quando a janela desce. Um homem aparece, embora esteja tão alto que não consigo distinguir seu rosto.

— Senhorita, você precisa de uma carona? — Ele pergunta, parecendo preocupado.

Sorrio e meus lábios racham. Um filete de sangue escorre pela minha mandíbula e limpo com a camisa molhada. Dói com o sal, mas meu sorriso não vacila. Estou muito feliz por estar com minha família. Estar aqui. Tenho que estar feliz.

Não posso deixar de sorrir.

Mas por que estou sangrando?

Todas as minhas irmãs estão implorando aos meus pais que nos deixem entrar na caminhonete desse estranho, mas sei que eles nunca permitirão. Então, por mais que aprecie a oferta, recuso educadamente.

— Muito obrigada, mas não, obrigada.

Minhas irmãs riem e, embora não possa ver o homem, percebo que ele deve ter uma aparência decente, porque minhas irmãs estão rindo como idiotas.

Viro minha cabeça. — Shhh, não sejam rudes, — digo entre os dentes e volto para o estranho. — Sinto muito por elas.

— ‘Elas’ — diz ele, como se não entendesse por que as meninas estão rindo em sua presença. Eu também posso estar, mas seu rosto está ainda mais desfocado agora do que quando ele parou. De fato, tudo está mais desfocado agora.

Precisamos continuar, para que possamos chegar lá.

Mas onde é lá? Onde estou?

— Mais uma vez obrigada pela oferta, — digo ao homem. — Mas, como pode ver, mesmo se aceitássemos sua gentil oferta, sua caminhonete não tem banco traseiro e acho que não pode acomodar nós seis.

— Todos vocês seis, — ele repete. Não é uma afirmação ou pergunta. Estou começando a pensar que ele não tem todo o poder cerebral necessário para calcular uma afirmação tão simples.

Ou contar até seis.

Meus pés doem e estou mudando de um para o outro. Estou ansiosa para dispensar esse estranho, e acho cada vez mais difícil permanecer em pé. — Você não acha que eu deixaria minha família aqui e iria com você, não é? — Viro para o meu pai e dou de ombros. Ele sorri com orgulho, sem dúvida, ao perceber que suas constantes conversas sobre perigo deram certo.

— Senhorita, onde está sua família? — Ele pergunta, hesitante.

Franzo a testa. Quero dizer, minha visão está embaçada, mas esse homem deve ser totalmente cego.

— Bem atrás de mim! — Aceno meus braços para onde minha família está reunida ao lado da estrada. Todos acenam de volta como se fossem uma pintura móvel da foto de família perfeita.

Ele abre a porta do motorista e salta para o asfalto. Registro braços de urso e uma camisa branca. Tatuagens. Seu cabelo é loiro escuro, lembrando-me do meu gato, Penny. Ele tem uma cicatriz na mandíbula e olhos brilhantes que se mantem saindo de foco. Não é à toa que minhas irmãs riram. Ele é muito digno de risos. Meu palpite é que ele é apenas um pouco mais velho que eu, embora sua voz profunda pareça muito mais madura.

Ele bate a porta com força.

Não sei se é o movimento repentino ou a longa caminhada que me faz oscilar.

O jovem olha por cima do meu ombro para o escuro e depois para mim antes de repetir o processo novamente. Seus traços faciais se assemelham agora a uma imagem em primeiro plano de uma mosca que estudei uma vez. Grande e sem sentido. Olhos demais.

Ele coça a cabeça em confusão.

Rosno de frustração e me viro para apontar minha família para ele, mas o movimento continua mesmo quando meu corpo para. Tudo gira. Minha família. A caminhonete, o estranho. A lua acima de mim. Mais e mais rápido como um carrossel fora de controle.

Pego um último vislumbre da minha família quando caio.

As últimas palavras que ouço antes de cair no chão são profundas e ilegíveis. — Não há ninguém atrás de você.

 

Pike

A noite começa como quase todas as noites: com duas meninas na minha cama. Fico entediado com facilidade e acho difícil me concentrar apenas em uma de cada vez. Meu amigo, Nine, chama isso de ADD sexual2.

Ele não está errado.

Além disso, sou um homem de 22 anos com um enorme apetite sexual.

Então, é isso.

Depois que as meninas partem, tomo banho rapidamente e saio para fazer o que faço de melhor. Vender drogas. Eu entrego uma quantidade astronômica de ecstasy, e maconha para um bando de garotos ricos fazendo uma rave no lado burguês da ponte de Logan’s Beach.

Depois de voltar para o meu lado da cidade, solto um suspiro de alívio. Quanto maior a distância que puder colocar entre mim e os malditos pirralhos ricos, e suas buscas determinadas para decepcionar os pais, melhor. Os imbecis têm tão poucos problemas na vida que precisam criá-los enquanto o resto do mundo que vive deste lado da ponte, a terra de areia e ruína, vagueia por um inferno literal na terra.

Inferno, ou não, eu amo essa cidade. Água salgada e areia correm pelas minhas veias.

Logan’s Beach é onde quero estar. No momento, moro em Coral Pines com Nine, mas estou de olho em uma merda de loja de antiguidades na Main Street, com um apartamento no segundo andar que espero transformar em minha própria loja de penhores logo que puder ganhar dinheiro suficiente.

O baixo ainda está pulsando nos meus ouvidos. Me obrigo a bocejar e puxar meu lóbulo da orelha para desentupi-la. O que aconteceu com a música real? Johnny Cash. Bush. Sam Hunt. A música rave que eles ouvem é pior do que a maioria das formas de tortura, mas acho que é aí que as drogas entram em cena. Você tem que estar chapado para dançar essa merda. Tenho a mesma idade da maioria das crianças, mas odeio a música deles e minha falta de privilégio me faz sentir muito mais velho. Doce alívio vem na forma de Johnny Cash. Ligo o rádio. — Gosto mais dessa merda, — digo para mim mesmo, batendo meus dedos contra o volante quando o primeiro verso de Cocaine Blues afoga o baixo nos meus ouvidos.

Passo pela placa Bem-vindo à Logan’s Beach e vejo uma figura se movendo nas sombras. Não é incomum ver um urso, javali, veado ou jacaré atravessando essa hora da noite. O incomum é que uma garota esteja mancando descalça na beira da estrada, parecendo uma daquelas garotas de filme de terror, caminhando lentamente pela estrada, com longos cabelos molhados no rosto.

A curiosidade leva a melhor sobre mim. Desacelerei a caminhonete e parei ao lado dela, surpreso pra caralho quando ela se aproxima da caminhonete. Ela vomita um absurdo sobre pessoas estarem atrás dela quando não há ninguém lá além dos malditos grilos e outras criaturas. Ela é mais nova que eu alguns anos. Magra, toda cotovelos e joelhos. Há uma selvageria em seus grandes olhos cinzentos, me lembrando uma boneca louca. Ela continua olhando para trás, vendo claramente algo que estou perdendo. Ela oscila em seus pés.

Pulo e a pego quando ela desmaia.

Agora, ela está no meu banco do passageiro, pingando lama e água no couro. — Ei... garota, — batendo levemente em suas bochechas na tentativa de trazê-la de volta à consciência. — Ei garota. Acorde, porra.

Seu cabelo molhado e pegajoso é da cor de uísque escuro, longo com ondas largas. Ela tem um pequeno espaço entre os dentes da frente perfeitos e uma pinta na bochecha esquerda acima dos lábios rachados. Há um corte acima do olho e arranhões nos pés e nas mãos.

Ela pisca algumas vezes antes de finalmente abrir os olhos, olha em volta para o interior da caminhonete antes que seus olhos caiam nos meus. — Oh, ei, — diz ela com uma voz áspera, e então sorri brilhantemente como se não tivesse acabado de dizer bobagens sobre estar cercada por pessoas antes de desmaiar em meus braços.

— Você esteve em uma briga de gaiola com uma galinha ou algo assim? Porque parece que esteve. E perdeu.

Ela se senta e balança a cabeça. — Não que eu saiba. — Ela olha para suas roupas. — O que aconteceu? — Ela toca o corte acima do olho e assobia.

— Não tenho certeza. Encontrei você assim.

Ela pensa por um momento. — Nadando. Eu devo ter nadado muito longe. Mamãe sempre me avisa sobre passar pelas pedras, mas nunca escuto. Acho que estava chovendo. Estávamos andando de caiaque? — Ela fecha os olhos, mordendo o lábio inferior e lutando para se lembrar. — É tudo... não me lembro.

Erro típico de turista. Um número incontável deles se afogou achando que podem nadar além das rochas e do sinal claro que diz, NÃO NADEM ALÉM DAS ROCHAS. Suspiro. Não é à toa que a garota achou que estava com sua família. Ela quase se afogou e provavelmente engoliu muita água. — Hospital ou casa? — Pergunto. Sou um cara de merda, mas mesmo os caras de merda não deixam jovens inocentes parecendo ratos afogados no lado da estrada à noite.

— Casa, — ela responde, descansando a cabeça no encosto de cabeça.

Contorno a caminhonete e entro, pegando a estrada. Olho para ela. Os olhos dela estão fechados. A pele das pálpebras está roxa e não sei dizer se é sombra, sujeira ou hematoma. — E onde é, querida?

Ela abre os olhos e senta com uma careta. — Vivemos em Ocala, mas passamos o verão aqui na praia. Um-doze-quatro-quatro Sycamore Drive. Esse é o endereço da casa de veraneio.

Pelo menos, ela sabe o seu endereço. Isso já é algo. — Você tem certeza que não precisa de um hospital?

Ela respira fundo e coloca um sorriso no rosto. — Tenho certeza. Só preciso me limpar. Meus pais vão ficar tão chateados. Eles provavelmente estão procurando por mim.

Concordo. — Posso te levar para casa rápido. Sei onde é a estrada. Não é longe de onde vim. — Enquanto dirijo, sinto o olhar dela em mim queimando um buraco no meu rosto.

Por fim, ela fala: — Obrigada. Quero dizer, pela carona. — Suas bochechas pálidas e fundas ganham um pouco de cor quando ela cora. Ela morde o lábio inferior e assobia, levantando os dedos para o corte no lábio que tinha esquecido.

Nos meus vinte e dois anos, não fiz muitas coisas que mereciam agradecimentos e, com certeza, também não fiz nada recentemente para merecer isso. Parece errado ela estar me agradecendo e ainda mais errado que eu não tenha ideia de como responder à simples gratidão.

Ficamos em silêncio pelo resto da viagem. Os únicos sons são os ocasionais carros passando e o eco de sapos coaxando das reservas vizinhas.

Entro em uma entrada com pavimento quebrado, alinhada a uma cerca torta manchada de laranja e canteiros de plantas que abrigam o tipo de palmeiras altas e finas que balançam com uma leve brisa como se estivessem em um furacão. Engraçado, esses filhos da puta são os que sobrevivem à maioria dos furacões quando tudo ao seu redor se transforma em escombros, porque se dobram como elásticos e sempre voltam para o lugar.

— É isso aí, — diz ela expirando, seu rosto se ilumina.

A casa em si tem uma cor amarela ensolarada, no alto de estacas com duas vagas de estacionamento embaixo, separadas por uma parede de blocos de concreto sem pintura. Persianas roxas cobrem as duas janelas. Pendurado embaixo de cada janela há um grande sol de metal enferrujado com o número da casa. Há um pequeno anexo ao lado que combina com o esquema de pintura da casa. É um duplex. Uma das centenas que revestem a praia. Como os outros, presumo que as escadas de madeira à esquerda e à direita levam a um deck na casa de veraneio onde fica a porta da frente, porque é assim que todas essas coisas são dispostas e há centenas delas alinhadas a praia. Quem sabe, eu poderia ter estado aqui antes, seja para negócios ou porque as férias de primavera tendem a trazer garotas selvagens com problemas paternos que amam nada mais do que fazer isso com os moradores locais nas férias de primavera.

O tipo de garota que não se importa em não ser a única na minha cama.

A garota abre a porta e desce, tropeçando na entrada da garagem.

— Merda, — praguejo, pulando e correndo para segurá-la na posição vertical. — Talvez um hospital tivesse sido uma ideia melhor.

— Não. Estou bem. Sempre fico bem quando estou aqui, — ela diz, seus olhos brilhando enquanto olha para a pequena casa como se fosse uma mansão coberta de diamantes. Mais uma vez, não estou vendo o que ela vê.

— Qual lado? Pergunto.

— As escadas à direita, — ela responde.

Envolvo um braço em volta da cintura dela e coloco seu braço sobre o meu ombro, guiando-a até as escadas.

— Sabe, passo todo verão aqui desde os oito anos, — ela começa. Ela vira a cabeça quando percebe a vaga de estacionamento vazia. — A van. Não está aqui. Talvez eles ainda não tenham voltado. Provavelmente ainda estão procurando por mim. Com certeza vou receber uma bronca do papai.

Os olhos dela brilham, voltando para o olhar que ela tinha quando a encontrei.

Aperto mais a cintura dela quando a sinto oscilar. — Você está bem?

— Eu... eu não sei. — Olhos arredondados e arregalados me encaram confusos. — Não sei o que está acontecendo. — Ela tropeça para trás e a puxo para perto, ancorando-a no meu peito. — A chuva. Os sons. O vidro. Onde foram todos?

Conheci algumas putas loucas na minha vida, mas essa pode ser ainda mais louca do que a garota que cortou meus pneus ou a que tentou incendiar meu apartamento. — Você sabe — digo. — Você me lembra minha professora de inglês da sexta série. — Descanso meu queixo em sua cabeça molhada enquanto ela esconde o rosto na minha camisa, buscando conforto em um estranho. De mim dentre todas as pessoas. — Porque eu também não entendia nada do que ela dizia.

O que diabos devo fazer com ela? Ela não é o tipo de louca que fica nua e toma decisões questionáveis para irritar seu pai, mas o tipo que termina em uma camisa de força e um livro de memórias sobre sua vida no manicômio. Eu a levo para casa; ou a deixo aqui? Ela não é problema meu. No entanto, quando ela envolve os braços em volta da minha cintura como se estivesse segurando uma árvore em uma tempestade, me sinto obrigado. Essa necessidade de protegê-la de tudo o que está acontecendo em seu cérebro que a faz tremer contra mim.

— Não sei o que fazer aqui, — digo a ela com uma risada. Não sei uma única coisa sobre consolar alguém.

— Também não sei, — ela suspira. — Você é uma boa distração. — Ela se afasta o suficiente para esticar o pescoço, olhando para mim. — Distrações são legais.

Distração? Agora, isso posso fazer.

Envolvo minha mão em seu pescoço, enrolo seu cabelo nos meus dedos e pressiono meus lábios nos dela.

Ela faz um barulho na minha boca e, a princípio, acho que é um gemido, então pressiono mais, enfiando minha língua entre seus lábios.

Ela empurra contra o meu peito. Não. Não foi um gemido. Eu a solto, dando um passo para trás.

— O que você está fazendo? — Ela grita, o peito arfando. Os olhos dela parecem mais claros. Furiosos pra caralho, mas mais claro. — Além de arruinar um momento. — Há algo mais por trás da raiva e confusão. Calor. Anseio.

Meu pau engrossa no meu jeans. Bom. Fico feliz por não ser o único que sente isso.

Ela senta no degrau mais baixo. Me inclino contra a grade, acendo um cigarro e dou de ombros. — Eu não sabia mais o que fazer. Você estava saindo um pouco dos trilhos. Tive que te puxar de volta antes que você caísse. Não sou bom em confortar. Nunca fiz isso antes. Você disse que queria uma distração.

Eu poderia distrai-la ainda mais.

Obviamente, a garota não está em sã consciência, e isso é de alguma forma contagioso, porque não há como realmente eu querer beijá-la novamente. Nunca quis beijar uma garota em toda a minha vida. Foder? Sim. Beijar? Nunca. Não é o meu estilo. As mulheres não são confiáveis ou beijáveis. Eu apostaria meu dinheiro no banco.

Se acreditasse em bancos. O que não faço.

Ela inclina a cabeça para o lado e estreita os olhos. — Você não sabia o que fazer, então me beijou? — Como se ela não pudesse acreditar que de todas as coisas que eu poderia ter feito no momento, essa foi a que escolhi.

Isso faz dois de nós, garota.

— Não faça alarde disso. Parece que você tem o suficiente no seu prato. Você é uma garota sexy. Eu sou... bem, eu. Te beijei. Não é grande coisa, — digo casualmente, dando uma profunda tragada.

Ela toca os lábios com as pontas dos dedos e, desta vez, sei que não é para testar sua lesão, mas para lembrar como meus lábios se sentiam nos dela. Ela está fazendo mais do que é.

Volto ao meu eu idiota habitual. — Você não precisa se preocupar. Não vou te forçar. Louca, emocional e muito magra não é exatamente o meu tipo. Prefiro louca e disposta a experimentar posições e homens questionáveis. Como eu.

A maioria das garotas retrucava com algum comentário igualmente ofensivo, ou pelo menos me chamava de idiota, mas essa garota me encara como se fosse algum tipo de criatura que ela nunca viu antes e está tentando classificar. Ela envolve os braços em volta do peito, como se seus braços magricelas pudessem protegê-la de alguém como eu. — Qual o seu nome?

Abro a boca para responder, mas minha voz é abafada pelo som de tiros. A entrada da garagem explode em várias pequenas rajadas, estilhaços de conchas atingem meu rosto e cobrem os cabelos da garota de pó branco. — Merda! — Pego a mão dela e a arrasto passando a casa para o lado da praia, puxando-a para trás do tronco de uma palmeira grossa, bem quando outra bala perfura o tronco pouco acima da cabeça da garota, acrescentando casca à poeira de conchas em seus cabelos.

— O que... o que está acontecendo? — Ela pergunta, soando mais do que em pânico, sua pequena mão tremendo na minha.

Largo a mão dela e pego minha arma, verificando o clipe. — Isso é chamado de balas. De quem eu não tenho a porra de certeza. — Lentamente espio ao redor da árvore. Há vários homens armados vestidos de preto, sinalizando um para o outro, de ambos os lados da entrada, enquanto se aproximam lentamente. Outra bala roça a casca. Afasto-me, agachando-me de costas contra a árvore.

— Por que você tem uma arma? — Ela sussurra, cobrindo a boca com as mãos enquanto olha a arma nas minhas.

— Sério? — Sussurro de volta. — Agora não é a hora do caralho.

— Estamos aqui pela garota. Mande-a para cá e sumiremos daqui — uma voz masculina grita nas proximidades.

— Eu? — Ela sussurra, apontando para o peito. — O que eles querem comigo?

Levanto uma sobrancelha. — Você está me dizendo que tem uma equipe de homens armados aqui por sua causa, e você não faz a menor ideia do porquê? — Assobio. Ela é realmente louca.

Ela balança a cabeça e uma lágrima escorre pelo seu rosto. De repente, seu corpo inteiro fica rígido. Seus olhos se arregalam e, assim, sei que ela se lembrou de algo, e pelo que parece, é algo nada bom.

Rosno e arrisco outro olhar além da segurança da árvore. Seus rostos estão sombreados, mas posso ver suas posições. Pela minha conta, há seis deles. Tenho seis balas. — Já estive em situações piores, — explico, observando enquanto eles ganham cada vez mais terreno. Esperarei o homem na escada pisar na areia. É nele que atirarei primeiro. — Nós vamos sair...

— Estou aqui, — ela anuncia em voz alta.

Me viro para encontrar a garota com as mãos levantadas para o ar, à vista dos homens. — Irei com vocês! Não atirem!

Ela está se rendendo?

— Que porra você está fazendo? — Digo entre os dentes. A menina quase morreu uma vez hoje. Ela está tão determinada a morrer de verdade? Nem a conheço, mas estou chateado como o inferno por ela estar desistindo tão cedo.

Ela me encara com olhos tristes e dá um passo adiante em direção aos homens, colocando mais distância entre nós. — Não posso deixa-lo morrer por mim. Você nem me conhece.

Ouço as botas dos homens levantando a areia enquanto se aproximam correndo. Uma lágrima escorre por sua bochecha. — Obrigada pela carona.

Os homens a cercam, a agarram pelos ombros e começam a arrastá-la pela areia em direção à entrada da garagem. Ela nem tenta combatê-los. Quem nem tentaria?

— Isso é besteira, — murmuro.

Se a conheço ou não, não importa. Quando alguém atira em você, você luta. Pode não ser da natureza humana, mas é da minha natureza.

Com minha arma levantada e apontada, saio de trás da árvore. E dou um único passo seguindo o grupo antes que algo duro atinja minha cabeça por trás.

Caio embaixo da árvore como um coco inútil na areia.


CAPÍTULO DOIS

PIKE

DIAS ATUAIS


Tortura.

Por definição, tortura é o ato de infligir dor excruciante, como punição ou vingança, como um meio de obter uma confissão ou informação, ou por pura crueldade.

Minha vida tem sido uma tortura, dando e recebendo.

É claro que prefiro dar, mas agora estou lidando com um novo tipo de tortura, que envolve recuperar meu carregamento. Um carregamento que está atualmente na forma de merda líquida. Infelizmente, merda líquida não é código para outra coisa.

— Por que vai fazer isso sozinho? Você não tem pessoas para isso? — Nine pergunta.

Estamos diante de um grande caminhão séptico estacionado atrás da minha loja de penhores. As luzes da rua e os insetos já estão zumbindo, e o sol se pôs há alguns minutos. Infelizmente, o cheiro da grama depois da chuva a tarde não é pungente o suficiente para anular um caminhão cheio de esgoto humano.

Apago o cigarro e enfio os braços no macacão marrom, fechando-o por cima da roupa. Nine faz o mesmo.

— Porque consegui um inferno de um negócio. É um investimento enorme da minha parte, e não vou deixar ninguém mais lidar com isso. Preciso estar aqui. — Olho para o meu amigo. — Você, por outro lado, não precisa estar aqui. Na verdade, te falei para não estar aqui. O que você disse a Poe que está fazendo, afinal?

Nine é meu único amigo íntimo desde que o conheci no reformatório, uma década e meia atrás. Ele se reconectou recentemente com sua namorada. É uma longa história, mas ele a procurava há muito tempo, e mesmo que acredite que o amor seja um conceito idiota, Poe é um tipo de garota leal até o fim, e o homem está mais feliz que já o vi. Na verdade, é a primeira vez que o vejo feliz, então não lhe dou merda sobre isso. Bem, não muita merda.

— A verdade. Que vamos dirigir um caminhão de merda para encontrar um barco e sugar uma tonelada de ecstasy junto com um monte de merda real de dentro dele para trazer de volta à Logan’s Beach, para que Pike possa começar seu reinado como o lixo branco Pablo Escobar, — ele anuncia, com um aceno dramático de sua mão e um arco exagerado.

Coloco um boné de beisebol com Logan's Beach Septic impresso na minha cabeça. Certifico-me de que a aba esteja baixa sobre meus olhos e meu cabelo preso dentro, para que não seja muito reconhecível se for pego em qualquer câmera de trânsito ou segurança. O mesmo logotipo está pintado na lateral do caminhão e bordado na parte de trás do nosso macacão.

— Não vou mentir, — digo a ele, pensando no nome. — Não odeio esse nome. Lixo Branco Pablo Escobar. — Rio. — Devia mandar fazer cartões de visita.

— Idiota, — Nine ri.

Trinta minutos depois, estamos no cais. Passou mais de uma hora antes do barco que esperamos aparecer lentamente. “Charley's Charters” li o nome na lateral do barco calmamente para Nine. — É esse.

O barco de pesca de quinze metros desliza no espaço vazio diante de nós, e o motor é desligado. As grandes varas de pesca montadas nos suportes na parte de trás barco chacoalham e balançam com o movimento do barco. Uma corda é atirada para o lado e depois outra, aterrissando aos nossos pés. Nine e eu trabalhamos rapidamente para amarrar o barco na doca.

Um homem com barba longa e preta e um chapéu de capitão branco desce do volante secundário, empoleirado vários metros acima do convés principal. Quatro homens usando shorts polo e camisas estilo havaiano sobem e o encontram na parte de trás do barco, onde outro homem usando uma camisa com Charley’ Charter abre uma pequena portinhola e abaixa os degraus. — Senhores, espero que tenham gostado do seu tempo hoje. Eu falei que vocês eram todos pescadores e acho que hoje provaram que estou certo.

— Grande momento!

— Vamos fazer isso de novo!

— Foi ótimo conhecê-lo, capitão! — Os três homens dizem quando saem do barco, um pouco tontos e rindo, dando tapa nas costas com sorrisos nos rostos de guaxinim queimados pelo sol. Eles sobem os degraus em direção ao estacionamento atrás do edifício de armazenamento de barcos, sem nos reconhecerem quando passam.

— Rapazes, façam o que tem que fazer, — diz o capitão, sem a alegria que acabara de mostrar aos seus clientes. Seu imediato já está limpando os refrigeradores. — Eu não sei de nada.

Dou de ombros. — Então, não precisará ser pago.

Ele franze os lábios. Seu rosto fica vermelho. — Você sabe o que quero dizer. Apenas termine isso.

Nine corre para o caminhão séptico que está estacionado de frente para nós, logo acima da área rebaixada do cais. Ele tira a mangueira e a traz de volta para a doca, conectando-a ao sistema de coleta de esgoto do barco. Ele liga o interruptor e o som de vácuo enche o ar. O capitão chega ao cais e para ao meu lado. Ele se inclina para amarrar o sapato e seu chapéu cai nas pranchas de madeira. Pego e, antes de devolvê-lo, puxo o envelope de dinheiro do meu macacão e o coloco dentro.

O capitão finge que não vê, e dobra o chapéu nas mãos, seguindo pela noite assobiando.

O imediato desce a rampa com dois baldes na mão. Ele está olhando para as costas do capitão.

— Ei, cara, — o paro. — Está tudo bem? — Preciso ter certeza de que esta operação ocorra tranquilamente e, se o imediato estiver prestes a assassinar o capitão no estacionamento, é uma atenção que não posso pagar.

— Sei o que vocês estão fazendo, — diz ele, ainda olhando para onde o capitão sumiu há muito tempo.

Olho-o cautelosamente e levo à mão as costas, procurando minha arma debaixo do meu macacão. — E? O que exatamente isso significa para você?

Ele encontra meu olhar, percebendo o que acabou de dizer, seu rosto empalidece. O garoto não tem mais de dezoito anos. Ele está com medo, mas muito chateado com o capitão para entender o quão fodido pode estar dependendo de sua próxima escolha de palavras. — Hoje ganhei oitenta dólares. O contrato era mais de mil e quinhentos, e o fodido gordo não levantou um dedo. Todos os locais de pesca para onde fomos, encontrei por conta própria e, quando atracamos nas Bahamas, fui eu quem carregou sua remessa. Não ele. — Ele olha para a mangueira e abaixa a voz. — Tudo isso e por oitenta dólares. Ele nem sequer dividiu a gorjeta comigo quando deveria ter sido toda minha.

— Isso é péssimo, garoto, mas você não respondeu à minha pergunta, — respondo. Toco meus dedos no metal da minha arma como um piano, mas música não é o que esse garoto tem reservado para ele, se isso der errado. — Temos um maldito problema?

Ele revira os olhos. — Não, não temos um maldito problema. Pelo menos não com você. Meu nome é Joe Watershed. Nascido e criado em Logan’s Beach. Sei quem vocês são e não vou dizer nada. Não desejo morrer. Meu problema não é com você. É com ele, — ele rangeu. — Sabe, um dia, vou comprar meu próprio barco de pesca e ter meus próprios contratos, e não vou tratar a porra da minha equipe do jeito que aquele pedaço gordo de merda inútil faz.

— Watershed? Você tem um irmão motociclista dos Lawless? — Pergunto, o sobrenome parece familiar.

— Sim, Angel. — O garoto responde. Um pouco da raiva desaparece, suavizando sua expressão assassina anterior.

— Seu irmão ficaria chateado se soubesse que o capitão está fodendo com você, — digo, acendendo um cigarro.

— Ele ficaria irritado e faria algo a respeito, mas não quero que faça. Posso lutar minhas próprias batalhas, — ele diz, estufando o peito côncavo. — Eu não preciso chorar para o meu irmão toda vez que alguém me fode.

Aprecio o garoto querendo fazer as coisas por conta própria. Me lembra uma versão mais jovem e horrenda de mim mesmo. — Como você vai lutar esta batalha? — Pergunto, genuinamente curioso.

Estufando as bochechas, ele solta um suspiro. —Honestamente, não tenho muita certeza.

Sorrio, apoiando-me em um dos grossos pilares de madeira. — Acho que posso ajudar.

— Como? — Ele pergunta. Ofereço a ele um cigarro e meu isqueiro, e ele pega, espalhando a fumaça para longe de seus olhos.

— Escolhemos esse capitão porque ele está com dificuldades financeiras. Seu barco está sendo retomado. Ele precisa do dinheiro que acabei de lhe dar para pagar o banco na segunda-feira antes de ia a leilão terça-feira à tarde, — digo a ele.

Os ombros de Joe caem. — Se o banco tirar o barco dele ficarei desempregado. Como isso me ajuda?

— Não ajuda. Mas o que vai te ajudar é você levar o barco para outra doca e estacioná-lo lá hoje à noite. Cubra-o. Então traga de volta para cá. Deixe exatamente onde está, e vá ao leilão. Que é na segunda-feira à tarde. Nós te avisaremos.

— Mas eu não tenho... — ele para quando assobio para Nine, que para a mangueira e me joga um envelope grosso de sua bota.

Enfio o dinheiro nas mãos do garoto. — Você compra o barco. Há mais dois mil aqui, do que dei ao capitão. Se ele descobrir que é segunda-feira, em vez de terça-feira, ainda não terá dinheiro para comprá-lo. — Eu dou um tapa no ombro dele. — Capitão Watershed.

Ele balança a cabeça em descrença, olhando fixamente para o dinheiro em sua mão antes de olhar de volta para mim. — Não entendo. Como isso te beneficia?

— Este foi um negócio de uma única vez. O próprio capitão disse isso. Ele só precisava de dinheiro suficiente para pagar ao banco e salvar seu barco. No entanto... — Deixei que ele preenchesse os espaços em branco.

— Se o barco for meu, então posso fazer isso novamente para você.

Sabia que o garoto era inteligente. Bem, inteligente o suficiente. Solto fumaça pelo nariz. — Você com certeza pode, e ficará com cada centavo dos contratos e disso. — Eu dou uma tapinha no envelope em suas mãos. — Exceto que faria o dobro disso a cada trabalho.

O garoto sorri de orelha a orelha. — Obrigado. Muito obrigado. Estou dentro. O que você precisar.

— Acha que seu irmão ficará bem com isso? — Pergunto, lembrando que Angel está no MC, e não estou prestes a colocar o garoto em algo que irritaria um membro do Lawless. Bear, o presidente, é amigo de Nine e um dos meus sócios. Não posso deixar meu nome ser arrastado pela porra do clube.

Joe zomba. — Você está de brincadeira? Ele provavelmente se oferecerá para ser meu imediato, — ele sorri.

— Agora, cai fora, garoto. — Aponto para ele com meu cigarro e abaixo a voz. — E se alguém perguntar por que estávamos aqui hoje à noite...

— Mas vocês não estavam, — diz ele, correndo de volta para o barco, esquecendo os baldes no cais.

— Vá para North Captiva. Há uma casa no final da ilha. Três andares. Azul. Está escondida da vista de todos. O cais estará vazio porque os proprietários voltaram para o norte após a temporada! — grito. — Ancore lá!

Ele sobe no deck do capitão e liga o motor. Nine desliga o interruptor da bomba depois de se certificar que a fossa séptica está vazia e o caminhão cheio. Solto as cordas que prendem o barco no cais. O garoto sorri e acena enquanto se afasta com o barco, desaparecendo do outro lado do rio Caloosahatchee.

Ajudo Nine a colocar a mangueira de volta na lateral do caminhão.

Estamos na estrada há alguns minutos antes de estacionar em uma parada de caminhões ao lado da rodovia. Encho o tanque de gasolina, embora ainda esteja meio cheio, enquanto Badger, um membro do Lawless e um membro de confiança da minha equipe, pula no caminhão atrás de Nine. O papel de Badger em tudo isso é por proteção e porque ele conhece o gerente da empresa séptica.

Voltamos à estrada e seguimos para a estação séptica, onde o gerente nos espera para ajudar a separar a merda do meu produto.

— O que você trouxe aqui, além de merda? — Badger pergunta, farejando o ar e franzindo o nariz. — Quero dizer, eu sei o quê, mas quanto?

— Mais do que você pode imaginar, — respondo, totalmente incapaz de acreditar na quantidade de ecstasy em minha posse atualmente.

Badger assobia. — Porra, Pike, você será capaz de circular tudo isso?

— Tenho certeza que sim — respondo orgulhosamente.

— Quem é o comprador? — Nine pergunta.

— Tino de Jacksonville, — respondo. — Seu suprimento da Colombia secou, e ele me contatou porque sabe que tenho conexões no Peru, e então... aqui estamos, porra.

Investi minhas economias neste negócio, além de King e Preppy antecipar o dinheiro para fazer isso acontecer com a promessa de um retorno rápido com uma tonelada de merda de juros. Trocadilho intencional. 1.9 milhões de dólares e, em menos de vinte e quatro horas, espero transformá-lo em 2.8 milhões. Depois das despesas, dar a Badger e a Nine sua parte, e pagar a King e Preppy, sairei com quase meio milhão no meu bolso rasgado.

Depois de esperar horas na instalação séptica, sinto-me ainda mais confiante carregando nossa remessa em uma van preta sem identificação. Sinto-me absolutamente vitorioso quando partimos com meia dúzia de barris cheios de ecstasy cuidadosamente embalados e com cheiro de merda, pronto para ser entregue ao meu comprador.

Aparentemente, não estou destinado à vitória hoje. Porque um pneu estoura e o volante escapa das minhas mãos. Me seguro enquanto batemos no canteiro central e de frente em um poste de luz de cimento no topo da porra da ponte.

Minha cabeça lateja. Sangue escorre pela minha testa no meu olho. Limpo antes que possa embaçar minha visão, espalhando-o em volta da minha sobrancelha. — Todo mundo está bem? — Pergunto.

Nine parece em pânico, mas vivo. — Acabei de ver minha vida passar diante dos meus olhos, — ele geme. — E minha vida foi uma merda.

Badger geme do banco de trás. Viro-me para vê-lo deitado de lado, segurando suas costelas. — Sim, só uma pancada, — diz ele, sibilando enquanto volta a sentar.

— Vamos sair daqui antes que a polícia apareça, falo, — Pegue o estepe, — ordeno. Empurro a porta e salto da van para verificar o pneu. Tem um prego enorme nele. — Que merda, — murmuro, inclinando-me para inspecioná-lo de perto. Não é um prego. É a porra de um espigão. Um pressentimento me envolve como uma auréola negra. Levanto para alertar Nine e Badger, mas chego atrasado. Vários homens usando capuz e badanas pretas de esqueleto na metade inferior do rosto cercam o caminhão, com espingardas apontadas.

— Jesus, porra Cristo, — murmuro enquanto sou empurrado de cara contra o caminhão.

— Não se mexa! — Outro homem grita seguido pelo som de um único tiro e um lamento que pertence a Badger.

— Vou matar cada um de vocês, filhos da puta, — falo, minha bochecha raspando contra a pintura enferrujada da van.

Minha arma é retirada da cintura da minha calça e jogada sobre a grade. — Diga a King que existe um novo rei da Ponte agora, e isso continuará acontecendo, a menos que consigamos o que queremos. — O homem me empurra para o lado e me joga de joelhos, enquanto os outros trocam o pneu.

Eles trabalham em uníssono como uma porra de equipe da corrida de Daytona quinhentos. Rápido e eficiente. Dentro de alguns minutos, minha remessa, meu investimento e minha reputação estão sendo levados para a escuridão.

Os três homens restantes recuam lentamente voltando para uma van branca, disparando alguns tiros de aviso aos nossos pés.

— Vá se foder, — grita Badger, dando-lhes um duplo dedo médio de despedida. Sua perna esquerda está jorrando sangue. Outro tiro soa quando a van acelera.

— Foda-se, — Badger geme, pulando em uma perna e pressionando a mão sobre o sangue jorrando do mais novo buraco de bala em sua coxa. Ele cai de bunda, levantando os joelhos no peito. — Consegui dois por um, meninos, — diz ele, cerrando os dentes. — E não do tipo bom como quando a cerveja está à venda no Stop-N-Go.

— Por que eles não nos mataram? — Nine pergunta, estupefato enquanto olha para a escuridão atrás da van. — Por que nos manter vivos se estão passando por todo esse trabalho? Não faz nenhum sentido, porra.

— Não sei, porra. — Balanço a cabeça e cerro os punhos enquanto uma raiva que nunca senti antes, troveja através do meu corpo como um furacão esperando para cair em terra firme. — Mas o que sei é que, quando pegá-los, os farei desejar terem nos matado.


CAPÍTULO TRÊS

PIKE


Há tempestades normais e então há tempestades de merda. Agora mesmo, Nine e eu estamos em um tsunami de uma tempestade de merda como nunca tinha visto antes.

E está prestes a ficar muito pior, porque logo nos encontraremos com King. Há uma razão pela qual ele administra esta cidade. Ele não aceita nenhuma besteira.

— Você vai contar a ele? — Nine pergunta. Além de estar machucado e fodido, seu rosto está cheio de preocupação. Ele nunca vai admitir, mas sei que está nervoso.

Dou de ombros. — Ele já sabe e já está chateado. Não há muito mais a dizer. Você não precisa estar aqui, irmão. Esta é a minha bagunça. Eu devo ser o único a suportar o peso da ira de King, não você.

— Você nunca me deixou. Estou aqui, e se você tentar me chutar, não dou a mínima. Vou ficar de qualquer maneira.

Aprecio Nine mais do que ele jamais saberá. Ele é a própria definição de matar ou morrer. — Obrigado, cara.

Estamos esperando por King na moldura da adição inacabada de sua casa. Serragem cobre o chão e o cheiro de madeira recém cortada anula o cheiro pungente de água salgada que permeia a baía a apenas alguns passos de distância, no quintal.

Estou girando minhas pulseiras feitas de algemas nos pulsos quando King entra como uma besta saindo de sua caverna. Sua mandíbula está rígida e sua postura ainda mais rígida.

Ele olha para nós dois, observando o corte no meu olho e o machucado embaixo do de Nine.

Nine está no telefone, mas olha para cima quando ouve King se aproximar e o coloca de volta no bolso.

Nine vira um balde de construção e senta, pronto para os negócios.

— Conte-me tudo, — exige King. — O que diabos vocês descobriram? — Ele acende um cigarro, e acho que é para impedir suas mãos de derrubar a porra das paredes. Não posso culpá-lo. Não sou realmente a imagem da calma e serenidade também. Dever dinheiro a King me deixa mais determinado a encontrar os responsáveis por tentar me fazer parecer um idiota. Tomamos todas as precauções, mas ainda não consegui descobrir como eles sabiam que estávamos chegando ou por que foram estúpidos o suficiente para mexer em algo ligado a King. Sei que eu não seria tão idiota. Quem quer que tenha sido, têm coragem pra caralho.

Nine suspira. Ele está com o lábio rachado e uma marca vermelha na bochecha. — Estamos verificando, mas ainda não tivemos muita sorte.

King dá um passo em sua direção e posso ver a veia pulsando em sua testa a cada passo. Os músculos em seu pescoço tencionam. Ele se inclina e aponta o cigarro para Nine. — Ninguém brinca conosco nesta cidade. Essa é a regra número um, e quem estiver por trás disso descobrirá da maneira mais difícil.

Nine não se amedronta com King. Ele parece abraçar isso. Ganha confiança com isso. Assim como eu.

Os ombros de Nine se endireitam e ele assente.

King se vira para mim com as sobrancelhas franzidas. — Não pare de procurar até que tenha interrogado todo mundo nesta cidade, até que revire todos os grãos de areia naquela porra de praia. Não pare até ter um nome ou, melhor ainda, um corpo.

Nine se ergue. — É para já, Chefe.

— Então, o que sabemos? — Pergunta King.

Empurro a parede e torço as mãos. — Nós sabemos que aqueles filhos da puta usavam máscaras. Máscaras de esqui com esqueletos de merdas. Eles não soavam ou pareciam familiares. Se você me perguntar, eles são contratados ou afiliados. A maneira como nos roubaram foi imprudente e mal planejada. Eles dispararam contra os pneus do caminhão por trás do corrimão e batemos no canteiro central. Eles cercaram o caminhão antes que pudéssemos reagir e nos mandam sair dele. Quando Badger os mandou se foder, eles atiraram nele.

— Como ele está? — King pergunta, deixando cair a raiva por um nano segundo. Ele parecia genuinamente preocupado.

Acendo um baseado. — A bala atravessou. Nós o levamos a casa da enfermeira Jill. Ele ficou com meia garrafa de Jack e alguns blues. Ele está assobiando Dixie há seis horas. Literalmente. Então, acho que é certo que ele ficará bem. Bem, depois da enorme ressaca, suspeito que o filho da puta ficará.

King assente. — Você disse que eles não pareciam familiares. Então, o que eles disseram?

Hesito porque dizer palavras em voz alta só vai enfurecer King ainda mais, não está realmente no topo da lista de merdas que eu quero fazer agora.

— Diga a ele, — Nine pede.

Respiro fundo. — Um deles disse para lhe avisar que há um novo rei da ponte na cidade, e que vai tirar tudo de você, a menos que...

— A menos que o quê? — King pergunta, seus bíceps parecem que estão prestes a se rasgar sua pele. — Cuspa!

Encontro seu olhar enfurecido. — A menos que você lhe dê o que ele quer.

— E que porra é essa?

— Perguntei a mesma coisa. Ele disse que você descobrirá em breve. — Nine leva a mão a testa e toca o galo vermelho logo abaixo da linha do cabelo. — Então, ele usou a coronha da arma e me nocauteou.

King pensa por um momento antes de emitir nossas ordens. — Entre em todas as câmeras de segurança daqui até a porra de Miami. Descubram para onde foi aquele maldito caminhão. Pike, ligue para todas suas conexões sanguessugas que você tem, desde traficantes de rua até o cartel. Quero a porra de um nome. E quando conseguir um — ele dá uma tragada profunda, soltando a fumaça lentamente pelas narinas como o dragão zangado que ele é — me ligue primeiro.

— Feito, — Nine responde com um breve aceno de cabeça.

King sai e nós dois respiramos fundo, embora isso não traga alívio, porque já sabemos que estamos mergulhados na merda. Saímos da adição e descemos a garagem, prontos para começar a cavar nosso caminho fora da merda.


Capítulo Quatro

Pike


— O que você conseguiu? — Pergunto, tirando minha jaqueta de couro e jogando-a no balcão.

Nine se levanta e se move para o lado para que eu possa dar uma olhada em seu laptop. — É uma transmissão ao vivo do armazém em Coral Pines. A van está lá. Agora, tudo o que temos que fazer é esperar que alguém saia, e o pegamos.

— Essa coisa pode se mover? — Pergunto, apontando para o laptop.

Nine revira os olhos e segura um tablet. — Minha tecnologia pode ir a qualquer lugar.

— Então, arrume tudo. Vamos chegar o mais perto que pudermos do armazém sem ser notados. Assim que alguém entrar nessa porra de van, os pegaremos.

Nine balança a cabeça e fecha o laptop, colocando-o debaixo do braço. Ele esvazia o resto de sua cerveja e a coloca no balcão com tanta força que o fundo da garrafa se quebra. — Vamos matar esses filhos da puta.

— Estou feliz que você esteja tão ansioso quanto eu, irmão, — digo a Nine enquanto seguimos para minha van. Sento no banco do motorista e fecho a porta. Ligo o motor e me viro para meu amigo mais antigo. — Mas não podemos matá-los.

Nine levanta as sobrancelhas. — Isso é algo muito estranho para você dizer. Você está se sentindo bem?

Estou me sentindo ótimo, o melhor que me senti desde que nossa merda foi roubada. A estrada para a vingança foi liberada e estou prestes a descer a toda velocidade. — Quero dizer, não podemos matá-los imediatamente. Você ouviu King. Temos que descobrir quem é o responsável por ameaçar sua família e roubar nossa merda.

— Não sei nada sobre isso, — Nine diz, acendendo um cigarro. Um V profundo se forma no centro de sua testa quando saio do estacionamento da loja de penhores.

Eles podem chamar Nine de príncipe de Logan’s Beach, mas ele ainda tem muito a provar aos homens que lhe deram esse título. King, Preppy e Bear. Os três fodidos que não aceitam merda de ninguém. Eles fizeram desta cidade o que é e ganharam o direito fazendo isso por meio de suor de sangue e mais sangue. Nine tem dinheiro agora e muito, tanto por meio de sua operação legítima de cultivo de maconha com seu irmão Preppy quanto pelo negócio de investimento que deu errado antes de ele reverter tudo e conseguir consertar as coisas no final.

Ele até tirou sua garota da situação.

Dito isso, dinheiro não significa nada quando se trata de provar a si mesmo e ganhar respeito.

Entendo a necessidade de Nine mostrar-lhes que está aqui para merecer o mesmo direito. Sou o maior fornecedor da cidade. King e eu temos um acordo e ele me permitiu fazer negócios aqui. Merda, ele até conseguiu o dinheiro para o carregamento que foi roubado na outra noite. Nine pode ter muito em jogo aqui e ainda ter algo a provar, mas não é o único. Tenho que pegar esta remessa de volta ou meus dias de negócios aqui em Logan’s Beach acabaram.

Estamos estacionados a cerca de 800 metros do armazém, nas sombras, ao lado do controle de tráfego do estacionamento. Nine e eu estamos grudados na câmera de vigilância em preto e branco do seu tablet apoiado no console central. Exatamente três horas e meio maço de cigarros depois, finalmente há movimento no canto da tela. Três homens aparecem de um dos compartimentos da garagem enquanto outro tira um caminhão.

Não um caminhão qualquer.

— Minha fodida merda, — rosno. Uma veia atrás do meu olho pulsa com meu sangue furioso. Viro uma das algemas quebradas que uso nos pulsos repetidamente, sem me importar em tirar sangue da pele por baixo; o metal está ligeiramente enferrujado e não tão liso como costumava ser. Não dou a mínima para meus pulsos, no entanto. Não dou a mínima para o meu próprio sangue. O único sangue que me interessa neste maldito segundo é o sangue dos filhos da puta que me roubaram. Já posso sentir o gosto da vingança em meus lábios. Não é doce. É pecaminoso. É decadente. É totalmente erótico.

— Está pronto? — Nine pergunta.

Ligo a van e aceno. — Que comecem as preliminares.

— Espere, — Nine diz, enquanto coloco a van em marcha. Seus olhos estão na tela mais uma vez. Ele vira para que eu tenha uma visão melhor e os três homens não estão mais na van ou no caminhão. — Eles simplesmente entraram. Devemos... — ele para quando outra pessoa aparece, mas não são os três homens de antes. Esta pessoa é menor e está usando um moletom, e parece estar com pressa quando entra na van e sai do estacionamento.

— Eles devem estar trocando de local novamente, — diz Nine. Eles fizeram isso várias vezes ao longo do dia anterior em um esforço de nos impedir de localizá-los.

Tarde demais.

— Nossa merda esta lá dentro? — Pergunto, apontando para a van.

Nine balança a cabeça. — Não tudo. Eles devem estar transportando em remessas menores.

— Não importa. Precisamos de informações. Você viu mais alguém entrar na van?

Nine sorri. — Não. Apenas o motorista.

Minha adrenalina dispara enquanto acelero e sigo em direção ao armazém. Há apenas uma estrada da cidade para chegar e sair do armazém. Não há como escapar de nós agora.

Dirigimos por menos de um minuto antes de eu notar os faróis da van branca acelerando em nossa direção na pista errada. — Que tipo de motorista de merda eles contrataram? — Nine pergunta.

O motorista nos avista e desvia para a próxima pista para nos ultrapassar. — Oh, não, você não vai, porra, — digo, e assim que nos aproximamos de um pequeno viaduto, aquele acima do canal que conecta a baía ao rio, puxo o volante. Giramos bem na frente da van; cujo motorista gira o volante a toda velocidade. Não ouço barulho da batida. A pergunta anterior de Nine se repete em minha cabeça. Que tipo de motorista de merda eles contrataram?

Perseguimos a van por quase uma hora. Ela entra no campo e a perdemos na plantação de milho.

Bato meus punhos no volante quando a realização bate em meu cérebro. — Porra!

Nine olha para o computador. — Eles estão movendo nossa merda. Nossa porra de van acabou de sair.

Estamos longe demais para alcançá-los agora. — Foi uma manobra de distração. Essa porra de perseguição inteira foi um show para nos distrair.

Em vez de nos safarmos da porra da tempestade de merda, conseguimos nos enterrar mais fundo.


Capítulo Cinco

Mickey


Nunca imaginei descobrir o cheiro da minha própria carne enquanto queima, mas hoje é esse dia.

No início, cheira muito a carvão na grelha. Estranhamente, quando a pele queima, o chiado da gordura derretida e a formação de bolhas nos músculos cheiram muito como a cozinha costumava cheirar depois que minha mãe fritava carne moída na frigideira.

Meu estômago revira com o fedor, mas é o menor dos meus problemas e, infelizmente, o cheiro não me distrai da sensação. É excruciante, como lava derretida escorrendo pelas minhas costas.

Meus dentes rangem e todo o meu corpo entra em convulsão. Deixo cair meu queixo no meu peito, minha cabeça parecendo muito pesada para o meu pescoço. Meu cabelo cai no meu rosto. Os músculos das minhas costas estão pulando por todo lugar. É como se eles não tivessem certeza de como lidar com a inflição de tal lesão.

Conforme a dor lancinante aumenta, o mesmo acontece com o revirar no meu estômago. Ele eleva e repuxa. Mordo meu lábio para me impedir de vomitar, tirando sangue, sentindo o gosto de cobre inundar minha boca, revestindo meus dentes.

Tento respirar através da dor, mas meu corpo está respondendo de puro pânico. Só consigo extrair vários suspiros rasos pontuados.

Fechando meus olhos, tento bloquear a imagem dos homens sorridentes ao meu redor para me concentrar em permanecer consciente. Infelizmente, não consigo fechar meus ouvidos e abafar o som das risadas e assobios enquanto testemunham a mutilação do meu corpo.

— Está feito, — anuncia uma voz masculina que eu poderia reconhecer em qualquer lugar.

O calor abrasador se afasta da minha carne. O vapor sobe do balde de água quente ao meu lado, embaçando minha visão. O cheiro de carne cozida, minha carne, é demais para o meu estômago. Me inclino para o lado e o vômito jorra da minha boca como um cano quebrado. A ferida recente em meu lábio arde quando o conteúdo do meu estômago espirra na grama.

A lava se transformou em cinzas, mas ainda está queimando. A ferida é apenas nas minhas costas, mas posso senti-la irradiando por todo o meu corpo.

Antes que possa sentir qualquer alívio, sou violentamente arrancada da cadeira por vários pares de braços e passada pela multidão para que os homens possam se revezar me parabenizando com um golpe forte nas minhas costas recém queimadas. Vejo estrelas a cada toque, mas de alguma forma consigo ficar de pé. Ainda sinto a dor lancinante. Não tenho certeza se é a memória da dor ou se é real, mas ainda sinto no fundo da minha espinha. Meus nervos estão disparando em todas as direções, fazendo todo o meu corpo se contorcer. A cada passo torto, estremeço e sacudo como se estivesse possuída pelo próprio diabo.

E talvez eu esteja.

Porque me ofereci para isso.

Pedi por isso.

A multidão se separa revelando o homem careca parado em frente à enorme fogueira, seus olhos escuros fixos nos meus.

Levanto meu queixo em reconhecimento. Seus lábios finos se curvam para cima em um sorriso torto, me lembrando que o que estou sentindo no meu corpo é uma picada no dedo em comparação com a dor no meu coração.

É essa dor que me impulsiona para frente, cambaleando até parar ao lado do careca.

A luz do fogo brilha em seu couro cabeludo enquanto ele puxa meu pulso, fazendo-me ver estrelas. Ele levanta meu braço com orgulho no ar. — Bem-vinda à família, Michaela, — ele anuncia com orgulho.

A multidão irrompe mais uma vez.

Olho em volta para os rostos borrados dos homens e imagino como seria colocar uma bala entre seus olhos.

Consigo dar um pequeno sorriso.

— Você fez bem, criança, — diz o careca, suas palavras arranhando meus nervos como as garras de um gato.

Ele incha o peito de satisfação quando o buraco de bala imaginário entre seus olhos redondos toma forma diante de mim. Raiva reprimida ferve de dentro, queimando ainda mais que a marca nas minhas costas.

— Você é uma de nós agora, — diz ele, entrelaçando sua mão na minha e pressionando um beijo em meus dedos que felizmente não posso sentir por causa do latejar nas minhas costas. — E tenho a segunda tarefa perfeita em mente para você.

— Obrigada, senhor, — digo com uma respiração instável.

Não importa que me tenham marcado porque não sou um deles. Nunca serei um deles. Para mim, não somos nem da mesma espécie, e a única semelhança que temos é que um dia estaremos todos mortos.

Eles não sabem ainda, mas já estão praticamente mortos.

Possuída pelo diabo ou não, haverá um inferno a pagar.


Capítulo Seis

Pike


Poke’s Pawn era originalmente para ser um disfarce. Uma empresa para lavar dinheiro e um lugar para descansar a cabeça à noite no apartamento do segundo andar. Por último, mas não menos importante, uma razão para me mudar para Logan’s Beach. Mas nos anos desde que se tornou Pike’s Pawn, geralmente passei a apreciar o lugar além dos benefícios de ocultar meus empreendimentos ilícitos.

Além disso, me dá uma tonelada de dinheiro.

Com o passar do tempo, descobri uma relação pelo lugar. Um sentimento de orgulho pela empresa que criei e o primeiro lugar que realmente pude chamar de lar.

Pena que terei que vendê-lo e tudo dentro dele para pagar King. Mesmo assim, ainda lhe devo uma tonelada de dinheiro.

Nine olha para mim. — Sei o que você está pensando, e não terá que vender essa merda. Estou nadando em dinheiro. E meu irmão continua me dando dinheiro ou escondendo nas paredes da porra da minha casa. Pagarei King e liquidarei a dívida. É o mínimo que te devo depois de tudo que você fez por mim.

Zombo. — Obrigado, mas vá se foder também. Não. King também nada em dinheiro, mas não é assim que essa merda funciona, e você sabe disso. Peguei o dinheiro dele e eu devolverei. E é mais do que dinheiro. Não posso construir confiança ou reputação com os homens que dirigem esta cidade se permitir que você pague minhas dívidas por mim. Eu pagarei.

De uma forma ou de outra.

— Tanto faz. Faça do seu jeito. — Enquanto esperamos que a filmagem de segurança daquela noite na ponte carregue no computador de Nine, fazemos o que dois homens que enfrentam uma tarefa impossível fazem.

Ficamos bêbados.

— Ei, você se lembra desse punk? — Nine pergunta, apontando para a pequena TV apoiada em um banquinho no canto.

Com a cerveja na mão, paro meu ritual de fechamento do caixa e olho atentamente. Instantaneamente, reconheço o homem na tela. Eu me lembraria dessa arrogância em qualquer lugar. Percy Alban. Ele está saindo pelos portões da prisão com a mão na virilha, como se estivesse impedindo seu pau balançando de rasgar o macacão laranja brilhante. Ele cai nos braços de um homem careca mais velho que parece uma versão futura de Percy. O punk parece muito mais velho do que me lembrava com muito mais tatuagens, mas, novamente, a última vez que o vi, tínhamos quinze anos. — Sim, eu me lembro dele. Esse skinhead foi meu companheiro de cela por cerca de seis meses no centro de detenção.

Nine se recosta na cadeira e apoia os pés no balcão. — Não posso acreditar que o deixaram sair. Esse filho da puta nasceu para viver na prisão.

— A família dele tem dinheiro, — falo, jogando minha cerveja vazia na lata de lixo no canto.

— O pai dele não é tipo o Dumbledore dos supremacistas brancos?

Inclino minha cabeça. — Dumbledore?

Nine balança sua cerveja no ar. — Sim, você sabe, o cara feiticeiro principal ou o sei lá como chamam o líder de seu império. Como o cara de Hogwarts, se Hogwarts fosse cheia de pequenos neonazistas em vez de bruxos.

Empurro os pés de Nine para fora do balcão para pegar outra cerveja. — Não importa. Ele vai acabar voltando pra lá. Atualmente, estou mais preocupado em me manter fora do lugar do que me perguntando por que deixaram um pedaço de merda de lixo branco sair. — Retiro o dinheiro da caixa registradora e coloco na bolsa do banco. — Além disso, esse filho da puta foi preso. Ele falou para todos que quisessem ouvir, e mesmo aqueles que não queriam ouvir, sobre todas as merdas que fez. Alguém estava fadado a delatar o filho da puta estúpido.

— Se alguém delatou, então faz sentido ele ter sido julgado como adulto, — Nine reflete. — Me pergunto quem fez isso? Talvez aquele garoto magrelo de óculos que se mijava todas as noites?

Fecho o caixa com meu quadril. — Não foi você?

Nine franze a testa. — Ei, eu... tenho contatos.

Empurro seus pés do balcão novamente para poder passar. — Tudo que sei é que eles enviaram todos em um raio de três celas para centros de detenção diferentes depois que apresentaram novas acusações contra ele. Provavelmente para descobrir quem o denunciou.

Nine torce seus lábios. — Então foi por isso que te transferiram?

Assinto. Nine e eu nos conhecemos no reformatório e perdemos contato depois que me transferiram para um centro em Tallahassee. Ele me encontrou de novo quando saiu do sistema, e nessa altura estava em uma porra de uma temporada difícil. O garoto estava prestes a se foder. O coloquei sob minha proteção, dei-lhe um lugar para ficar e o ensinei como ganhar dinheiro na rua e transformar nada em algo antes de encontrar seu irmão.

Nine tem família agora, mas ainda é a coisa mais próxima de uma família que tenho e a única pessoa em quem confio.

Bem, ele e Thorne.

— O que vocês estão aprontando? — Thorne pergunta, entrando da sala dos fundos.

— Pensando na porra do diabo, — canto.

Ela pisca para mim. — É bom saber que estavam pensando em mim.

O que lhe rende um revirar de olhos meu.

Thorne remove um elástico de seu pulso e amarra seu cabelo laranja brilhante em um nó no topo da cabeça, fazendo-a parecer ainda mais alta do que seus 1,80m. Sua camiseta preta da Amy Winehouse é pequena e justa, revelando seu estômago pálido. Seus jeans são largos nas pernas, cobrindo a maior parte de seus pés de chinelo. Se você olhar para todos os elementos da aparência de Thorne separadamente, o anel de septo, as tatuagens, a camisa justa com jeans largos, os chinelos que você só consegue ver quando ela caminha, o cabelo laranja brilhante pra caralho, parece um desastre total. Mas juntos, em Thorne, funciona.

— Oh, você sabe, apenas sentado falando sobre skinheads, — Nine responde secamente.

Thorne pega a cerveja da minha mão e a esvazia. — Legal, — ela diz, sem se intrometer mais, porque ela não é desse tipo. Gosto de pensar que é porque ela sabe que não deve fazer muitas perguntas, mas na realidade é provavelmente porque não dá a mínima. — Pike, fiz os cálculos de hoje e postei o novo estoque na loja online. Encontrei um comprador para o Rolex penhorado que não foi pego e Jordan deixou outra mensagem. Ele vai pegar a pintura pela manhã. — Ela joga sua pequena mochila coberta de botões sobre os ombros e se dirige para a porta.

— Vejo você de manhã, — digo atrás dela.

Thorne responde sem olhar para trás e com uma saudação com um dedo. Sua versão de boa noite.

Saio de trás do balcão e tranco a porta atrás dela, virando a placa para fechado.

— Então, você e Thorne... Thorne e você... — Nine começa, mas ele não precisa terminar para saber aonde quer chegar.

— Porra, não, — cuspo. Não porque Thorne não seja atraente porque ela é. Ela simplesmente não é atraente para mim. Provavelmente porque quero mantê-la por perto, e as mulheres com quem fodo não são do tipo que quero ter por aqui e tomar uma cerveja. Orgasmos e finais são a minha praia, mas nunca com Thorne.

— O que? Ela é gostosa, — Nine fala.

— Sim, mas acha-la gostosa e ter certeza que ela é gostosa são duas coisas diferentes pra caralho.

— São? — Nine pergunta, cético.

Suspiro. — São, irmão. Além disso, confio nela, gosto dela e não fodo com mulheres de quem gosto.

— Está certo. Você prefere foder as mulheres que odeia.

— Há uma grande seleção dessa maneira. Além disso, mantém as coisas simples, — respondo, porque é a verdade. — Além disso, Thorne já tem alguém na vida dela. A namorada dela.

— Ah, sim, então é isso.

Rio. — Sim, então é isso.

— Então, o verdadeiro motivo pelo qual você não ficou com ela é porque ela sente repulsa pelo seu pau, — Nine ri, espirrando cerveja na porra do meu balcão de vidro.

Jogo nele um rolo de papel toalha. — Cale a boca. E limpe isso.

Nine limpa a boca e esvazia o resto da cerveja. — Você quer ir para o bar? — Ele pergunta, limpando o balcão e pegando outra cerveja. — Sabe, tomar uma cerveja?

— Claro, por que não, — respondo, olhando ao redor da loja. As paredes estão cheias de instrumentos pendurados mal tocados, as prateleiras estão cheias de lâmpadas e bugigangas vendidas ou esquecidas e as vitrines estão cheias de joias penhoradas por um dinheirinho rápido que revenderei por vários dólares rápidos. É um tesouro de merda de outras pessoas, e amo cada centímetro dele porque não importa a quem pertenceu antes, porque, pelo menos por enquanto, é todo meu. — Só tenho que levar toda a merda do caixa para o cofre primeiro.

Nine muda de canal na TV. — Sem pressa. Não tenho nada para fazer.

Destranco o caixa um por um e esvazio o conteúdo em um saco. Estou abrindo o último caixa quando a campainha toca. Nine olha para mim e levanta as sobrancelhas porque não são os sinos na porta da frente indicando um cliente, especialmente porque já tranquei a porta, mas a outra campainha. A que está escondida atrás de um tijolo na porta dos fundos, usada apenas pelas pessoas com quem faço meus outros negócios. — Você está esperando alguém? — Ele pergunta.

— Não. — Jogo o saco no balcão. Verifico as câmeras de segurança na tela atrás da caixa registradora e só consigo ver uma figura sombria esperando na porta. Um boné de beisebol cobrindo seu rosto. Não é incomum. Quem entra pela porta dos fundos da minha loja não é alguém que deseja que seu negócio seja facilmente reconhecido. — Já volto, — digo a Nine.

— Estarei bem aqui, — Nine diz, apoiando os pés de volta no meu balcão.

Atravessando pelo meu escritório e pelo depósito, chego à porta e começo a destrancar a intrincada série de cadeados e correntes. — Quem é? — Pergunto, esperando pela resposta antes de remover o último cadeado.

— Jimmy me enviou.

Não existe nenhum Jimmy, claro, mas é um código reservado apenas para os meus clientes clandestinos. Muda toda semana, e esta semana é Jimmy. Na semana passada, foi Jamal.

Abro o último cadeado e giro a maçaneta. A porta está aberta apenas cerca de uma polegada quando é chutada, me acertando no rosto. Vejo estrelas enquanto a sala se enche de homens encapuzados familiares com bandanas de esqueleto amarradas na metade inferior de seus rostos.

As mesmas malditas espingardas apontadas e prontas.

Pego minha arma quando uma espingarda é enfiada na minha cara.

— Mãos ao alto, filho da puta, — uma voz masculina avisa.

Lentamente levanto minhas mãos quando duas das figuras encapuzadas voltam da loja, mas eles não estão sozinhos, estão empurrando Nine na frente deles com o cano de suas armas.

— Parece que temos companhia, — Nine diz secamente. Sorrio porque Nine e eu passamos por tanta merda em nossas vidas que pouquíssimas coisas podem nos deixar com mais raiva ou medo do que quase todos os dias de nossa infância. Quero dizer, esses filhos da puta vão morrer, mas a maneira como são tão dramáticos sobre toda essa provação é risível.

Além disso, posso estar um pouco bêbado.

— Parece que você está certo, irmão, — respondo.

Nine olha em volta. — Essas bandanas de esqueleto são bregas pra caralho. Vocês as lavam? Ou estão só ficando chapados com o cheiro do seu próprio medo? Porque não consigo imaginar outra razão pela qual vocês seriam tão estúpidos.

— Cale a boca. Vocês dois. Calem a boca! — Um dos homens grita.

— Pike, — Nine diz com uma risadinha de colegial. — Acho que ele quer que a gente cale a boca. — Ele é atingido com o cabo de uma espingarda na cabeça. Nine cai de bunda no chão, mas permanece consciente, esfregando a têmpora agora inchada e estremecendo. — Sério pra caralho, — ele murmura.

— Encontrei, — diz uma voz, vinda do menor homem do grupo. Ele está segurando o quadro que deveria entregar a Jordan pela manhã. Mas não é qualquer pintura; o forro na parte de trás está escondendo... O homem que atingiu Nine rasga o forro, expondo fileiras de sacos plásticos contendo uma grande quantidade de munição colada na parte traseira.

Porra!

Agora eles atingiram um nervo e ganharam horas de tortura. Bater em mim uma vez e tomar minhas merdas os torna ingênuos, fazer isso duas vezes os torna estúpidos pra caralho, e agora, é pessoal. Estou fazendo uma lista mental das ferramentas que usarei em cada um dos filhos da puta. Para fazê-los sofrer. Para fazê-los gritar.

O rapaz abre uma mochila de zíper enquanto outro homem arranca os sacos colados com fita adesiva na pintura e os joga dentro. — Foi bom fazer negócios com vocês, filhos da puta. — Eles saem em fila, um por um, até que apenas o líder e o menor sobrem. — Até a próxima.

O falador de merda está no meio da porta, aproveito a oportunidade e a chuto fechando com meu pé, prendendo o grandalhão do lado de fora e o menor dentro. Uso meu cotovelo para apertar o botão no chão, fechando as travas automáticas.

Com a atenção do intruso voltada para mim, Nine pega a espingarda dele, que se vira, tentando pegar sua arma. Percebendo que sua arma está na posse de Nine, ele se vira. Salto do chão, agarro seus ombros e impulsiono minha cabeça para trás, dando uma cabeçada tão forte que vibra em meu crânio muito depois de seus olhos revirarem e ele tombar no chão.

Felizmente, a combinação de adrenalina e álcool diminui minha própria dor, mas sei que esse filho da puta sentiu. Ele está caído de lado, amontoado e inconsciente, mas ainda respirando. Agacho-me sobre ele. — Parece que vou ter que começar a acreditar em Deus porque minhas malditas orações podem ter acabado de ser respondidas, — digo.

Nine corre até os monitores próximos ao computador de Thorne. — Os filhos da puta se foram. Deixaram um deles como os maricas que são.

O capuz do ladrão escorregou ligeiramente de sua cabeça na briga, revelando fios de cabelo escuro e brilhante caindo sobre uma maçã do rosto alta.

Espere, uma maçã do rosto alta?

— Que porra é essa? — Sussurro para mim mesmo. Não pode ser. Isso não pode ser.

Uma suspeita me atinge.

Me agacho e puxo o capuz completamente, expondo uma longa e espessa juba ondulada.

Puta merda.

Minha suspeita estava certa.

— Pelo menos, o carinha caiu fácil, — Nine comenta. Ele tira os olhos dos monitores e olha para mim por cima do ombro.

Eu levanto um punhado de cabelo para mostrar a ele o que encontrei. — Provavelmente porque ele... é ela.


Capítulo Sete

Mickey


— As férias acabaram. Temos que sair e agora, — papai diz, correndo pela sala de estar, pegando sua carteira da mesa e vestindo uma camisa.

— Mas as férias ainda não acabaram! — Mallory choraminga. — Ainda temos mais uma semana.

— Acabou agora. Entre na van. Todas vocês. Vamos. — Papa pega suas chaves e abre a porta da frente.

— Ainda temos que fazer as malas, — argumenta mamãe. — O que está acontecendo?

Ele responde com um olhar que nunca esquecerei. É um apelo e uma ordem.

Uma com o qual ela não discute enquanto seus olhos se arregalam em compreensão. — Meninas, ouçam seu pai. Vamos. Agora. — Ela joga a bolsa no ombro. — Você não precisa de sapatos! — Ela grita para Mindy, que deixa cair os sapatos no chão. Ela conduz minhas irmãs pela porta.

— E quanto a Penny? — Pergunto, procurando embaixo do sofá pelo gato da família. Ela está sempre se escondendo em algum lugar.

— Michaela, agora! — Meu pai ordena. — Esqueça o gato.

Me levanto e faço meu melhor beicinho. Geralmente funciona para conseguir o que desejo, mas não hoje. Meu pai corre em minha direção, me levanta do chão e me carrega por cima do ombro até a van onde minha mãe e três irmãs já estão dentro. Ele me coloca dentro e bate a porta.

Minhas irmãs e eu trocamos olhares preocupados, mas nenhuma de nós ousa falar.

Papai entra e liga o motor, nos chacoalhando enquanto sai da garagem. — Cintos! — Minha mãe grita. Lutamos para encontrar as fivelas enfiadas entre os assentos enquanto balançamos de um lado para o outro.

— O que está acontecendo, papai? Você está nos assustando! — Mallory, minha irmã mais nova chora. A ajudo com o cinto de segurança antes de encontrar o meu, encaixando-o no lugar.

Papai não fala até estarmos na estrada principal, saindo da cidade. — Nós vamos ficar bem, meninas. Nós só precisávamos sair. Vou explicar tudo mais tarde, — diz ele. Ele olha para suas quatro adolescentes pelo espelho retrovisor e nos dá um sorriso tranquilizador, mas vejo a preocupação e o medo por trás. — Vai ficar tudo bem, — acrescenta ele, tranquilizando-se tanto quanto está nos tranquilizando.

Mama estende a mão e agarra a dele, entrelaçando os dedos no console central.

Um som alto como o escapamento de um carro explode ao nosso redor, fazendo minha espinha pular como se estivesse em uma corda.

— O que foi isso? — Maya grita.

Viro-me no assento e vejo a van preta nos seguindo. Lá dentro estão dois homens usando capuzes com bandanas pretas de esqueleto cobrindo a metade inferior do rosto. O homem no banco do passageiro está inclinado para fora da janela... segurando uma arma.

O som. Não era um carro.

Estamos sendo alvejados.

— Meninas, abaixem-se! — Mamãe grita.

Disfarçados ou não, reconheço os homens. Homens que conheci toda a minha vida. Homens com quem meu pai insistia que todos interagissem por causa de sua pesquisa.

Percebo que a pesquisa obviamente tomou o rumo que minha mãe sempre temeu. Esses não são homens razoáveis. Esses são homens com o coração cheio de ódio e, neste momento, esse ódio se transformou em armas. E, assim como a arma, está apontado diretamente para nós.

Me viro em meu assento para que minhas irmãs não vejam o que está atrás de nós. Tento esconder o pânico consumindo meu corpo e meu cérebro por causa delas.

Encontro os olhos de meu pai pelo espelho retrovisor mais uma vez e, com um olhar, sei que ele vê o que vejo. Quero perguntar por que estão atirando em nós, mas já sei.

Papa foi descoberto.

Envolvo meu braço em volta de Mallory e empurro seus ombros para que sua cabeça fique abaixada, espelhando a posição de Maya e Mindy. — Shhhh. Vai ficar tudo bem. Apenas uma pequena viagem não programada, — digo para tentar acalmar seus medos, mas seus ombros estão tremendo incontrolavelmente.

— Ben, — diz minha mãe, com a voz embargada.

Papa põe o pé no acelerador. — Abaixem-se! — Ele grita quando o vidro traseiro é quebrada. Chove vidro ao nosso redor.

Tudo acontece muito rápido.

O guincho de pneus no asfalto.

Minhas irmãs gritando.

Minha mãe orando.

O som da grade de proteção de metal enquanto passamos por ela. O impacto do cinto de segurança puxando dolorosamente contra minha cintura.

A sensação de queda.

Queda.

Queda.

A esmagadora percepção de que esta será minha última memória.

De sempre.

Os gritos. Oh, Deus, os gritos.

A água gelada correndo para dentro da van.

Apenas um grito permanece.

O meu.

Seguido pelo som mais terrível que já ouvi, e nunca esquecerei.

O silêncio.

 

As horas nerds.

É assim que minhas irmãs chamam as duas horas que passo todas as manhãs fazendo pesquisas ou conduzindo experimentos enquanto o resto da casa está dormindo.

Não é minha culpa ser a primeira pessoa a acordar. A janela do meu quarto é voltada para o nascer do sol. Todas as manhãs, os primeiros raios de sol piscam em minha janela até formar um feixe constante, aquecendo meu rosto e iluminando minhas pálpebras até que sou forçada a reconhecer o novo dia e finalmente abrir os olhos. Poderia colocar cortinas mais grossas na janela, mas acho que perderia o puxão do sol de volta à consciência. Além disso, faço muito nessas duas horas em que a casa está silenciosa, exceto por mim e a tagarelice interminável dos meus pensamentos curiosos.

Hoje, a luz está acenando para mim do outro lado das minhas pálpebras, balançando como se alguém estivesse brincando de pega-pega com o sol, jogando-o de um lado para o outro. O calor que estou sentindo não é a lembrança gentil da manhã que estou acostumada, mas um calor escaldante invadindo meu subconsciente, me arrastando, chutando e gritando do meu sono.

Abrir meus olhos é uma tarefa impossível. Pisco várias vezes contra a pulsação intrusiva da luz, mas não consigo manter os olhos abertos. Tento proteger os olhos, mas não consigo usar as mãos.

As puxo novamente.

O pânico se infiltra em meus poros e corre em minhas veias, infectando meus sentidos.

Não consigo mover minhas mãos... porque estão amarradas nas minhas costas.

O colchão é tão fino que posso sentir o chão duro.

Isso é estranho, meu colchão é grosso e macio.

Esta não é minha cama.

Onde diabos...

A música mais alta que já ouvi grita com raiva em meus ouvidos. O baixo é um aríete contra minhas costelas, batendo cada vez mais forte, como se estivesse tentando romper o meu coração em convulsão. Tusso e cuspo. Então, tão rápido quanto veio, a música sumiu de novo, e a luz também.

Fantasmas de luz dançam em minha visão. Quando eles desaparecem o suficiente e minha visão fica clara, ainda não consigo ver nada, porque está escuro como breu.

— Olá? — Pergunto para o abismo. Minha voz ecoa várias vezes. Ambas desejando que alguém responda e orando a Deus que ninguém o faça.

Um movimento no canto do meu olho me assusta. Suspiro, procurando nas sombras a causa do movimento. Consigo distinguir a silhueta de um homem grande sentado com as pernas bem abertas em uma cadeira a apenas alguns metros de distância.

A luz do quarto muda e percebo que há uma janela bem acima da minha cabeça. As paredes são de chapas de metal enferrujado. Deve ser algum tipo de galpão ou depósito. O novo raio de luar expõe apenas suas mãos, onde ele usa uma única algema em torno de cada um de seus punhos tatuados. Há algo brilhando em suas mãos. Uma faca. E não qualquer faca. Uma com uma lâmina longa e ameaçadora com dentes e pontas afiadas. Ele brinca com ela, virando a ponta afiada contra o centro da palma da mão.

O sangue corre por meus ouvidos tão alto que posso ouvir meu pulso batendo dentro da minha cabeça latejante.

— Quem diabos é você? — Ele pergunta. Sua voz profunda é um soco raivoso no meu peito.

— Onde... onde estou? — Pergunto, engasgando com a onda de medo crescendo na minha garganta. — Como cheguei aqui? — Procuro minha última lembrança e, pela segunda vez na vida, não consigo encontrar.

Ele levanta um pequeno controle remoto do braço da cadeira, o polegar pairando sobre um botão vermelho. — Resposta errada. — Mais uma vez, sou atacada por flashes de luzes queimando meus olhos e a música alternativa alta que soa e parece mais como uma bomba explodindo do que letras em uma batida.

Para de repente, e meus ombros caem para frente, meu queixo encontra meu peito. Acabou. Tento respirar fundo e me acalmar por tempo suficiente para avaliar a situação, seja ela qual for.

Ouço a voz de papai na minha cabeça. Pense, Mickey. Use esse seu grande cérebro. Você não pode sair daqui a menos que saiba como chegou. Um experimento não pode ser conduzido e concluído a menos que você tenha uma hipótese de trabalho.

— Quem. É. Você? — O homem pergunta novamente, estalando os nós dos dedos.

— Por favor, não me machuque, — imploro, odiando o quão fraca pareço. Não sou essa garota, ou pelo menos, não sou mais essa garota. Sou alguém mais forte, mas quem? Quero gritar e não por causa de onde estou ou por causa das luzes e da música, mas porque não consigo organizar meus pensamentos por tempo suficiente para me concentrar em um único que possa me ajudar agora.

Meu silêncio é recompensado com outro show de luzes e música. Atinge meus ouvidos como se ele estivesse usando sua lâmina. As luzes cegam através da pele fina de minhas pálpebras fechadas. Desta vez, quando felizmente acaba, sinto que minha pele está tentando se livrar dos meus músculos. Meus ossos estremecem. Alguém está gritando.

Sou eu. Sou eu que estou gritando.

— Responda a porra da pergunta! Quem diabos é você? — Ele exige. Sinto o aviso em suas palavras quando ele as lança contra mim como granadas vivas. — Posso fazer isso a noite toda. Responda a porra da pergunta.

O homem por trás da voz sai das sombras, para a luz da lua e para o meu novo pesadelo vivo. Seus pés estão nus, assim como seu peito, com exceção das tatuagens que decoram seu tórax e abdominais musculosos. Ele é ainda maior do que sua sombra sugeria. Bem mais de um metro e oitenta de pura intimidação. Um monstro à espreita no quarto de uma criança. Seu cabelo é da cor de feno molhado, indomável, e longo o suficiente para roçar as orelhas. Seu cavanhaque é da mesma cor de seu cabelo, exceto no centro, onde a ponta é alguns tons mais claros. Seus jeans são baixos e justos.

É o ódio nublando seus olhos que fazem meu lábio tremer enquanto ele se aproxima lentamente da cama. Escuros e selvagens, fervendo de raiva desenfreada.

Uma adaga de puro terror apunhala minha espinha, manchando meu sangue com um medo venenoso.

O vilão da minha história parece um anjo zangado. Não há como esse homem ter sido esculpido da mesma argila que o resto da humanidade. Músculos perfeitamente delgados envoltos em pele bronzeada e tatuada. O único lembrete de que ele é realmente humano são as poucas cicatrizes desbotadas e irregulares sob seu olho esquerdo e a ligeira curvatura em seu nariz.

Um arquivo de memória é aberto em meu cérebro, apresentando-me detalhes em câmera lenta. É daquela noite. A primeira vez que minha memória falhou.

É ele.

— Eu te conheço, — sussurro, incapaz de acreditar que é o mesmo homem. Ele tem os mesmos olhos e cabelo, embora seus ombros estejam muito mais largos. Sua mandíbula mais definida. A maior diferença é a que mais importa na minha situação atual. Anos atrás, ele tinha um traço de bondade em seus olhos.

Agora, não há nenhum.

— Você não me conhece, porra, — ele cospe. Ele me encara por alguns segundos que se prolongam em silêncio, como se anos estivessem passando entre nós mais uma vez.

Talvez seja o latejar na minha cabeça pelo que agora me lembro que foi uma cabeçada, cortesia de... — Pike. Ei... seu nome é Pike.

— Parabéns, você sabe o nome do seu alvo, — ele diz categoricamente. — Agora, me diga quem diabos você é!

A praia. As balas. O... — Você me encontrou na estrada, — explico, procurando em seus olhos por reconhecimento. Ele chega mais perto, pairando acima de mim, a testa franzida, uma carranca nos lábios.

No momento em que ele percebe que me encontrou antes desta noite, ele balança a cabeça lentamente de um lado para o outro e fica de pé mais uma vez. Uma montanha de homem olhando para uma ovelha em seu campo.

Seu movimento de cabeça continua. — Sempre achei que você estivesse morta, — ele diz como se quisesse que fosse verdade.

Aquela noite. A van. Minha família.

As razões por trás de cada ação minha. Não sou mais uma versão fragmentada de mim mesma. A lógica e a memória novamente ocupam seu lugar de direito no trono em minha mente, usurpando o medo.

Flexionando meus dedos dentro das minhas restrições, me inclino para frente. — Você achou errado. — Seu polegar paira sobre o botão. — Não!

— Nome, — ele exige, mal movendo os lábios. — Não descobri da primeira vez.

— Eu... eu sou Michaela. Mickey.

— Por que diabos você veio aqui? — Ele pergunta. — Quem te mandou?

Minha cabeça lateja de dor, mas tenho meus motivos para não lhe contar a verdade. Cinco deles para ser exata. — Não sei por que estou aqui, — minto.

— Besteira!

Sou agredida de novo, gritando em agonia. Desta vez, quando para, há um zumbido em meus ouvidos e uma vibração ecoando por todo o meu corpo.

— Para quem você trabalha? — Ele pressiona, me levantando da cama. Chuto e grito enquanto ele me força a sentar em uma cadeira de madeira dura no centro da sala.

Ele paira sobre mim, me intimidando com sua proximidade, mas não vou quebrar, não por ele. Por ninguém. Há um zumbido no ar, uma vibração em meio à animosidade que salta entre nossos corpos.

Balanço minha cabeça. — Ninguém. Não trabalho para ninguém. Ajo sozinha.

Ele ri, mas a maldade em sua voz me diz que acha minha resposta tudo menos engraçada.

Seu cabelo cai sobre o rosto quando ele olha para baixo, e agora entendo perfeitamente o significado de se olhares pudessem matar. Ele passa os dedos pelo meu queixo e tento me afastar, mas ele me segura com força, pressionando minhas bochechas e me forçando a olhar em seus olhos como se precisasse que eu visse que sua determinação não é um jogo e que ele vai ganhar. — Você vai me dizer com quem diabos está, ou vai se arrepender. Vai ser divertido brincar com essa sua linda pele. Cortar e fazer sangrar. Você está diferente da última vez que te vi. Toda crescida. Curvilínea. Linda pra caralho. — Ele faz uma pausa. — Duvido que fique tão bem quando todas as suas partes bonitas estiverem em pedaços.

Ele tira uma faca da bota, a lâmina brilhando ao luar. Ele libera minha mandíbula e coloca a ponta cega da lâmina em minha garganta. — Com quem você está?

Com quem estou? Repito na minha cabeça e começo a tagarelar uma resposta para que ele não aperte o botão de novo. Ele quer uma verdade, então lhe dou uma. — Eu... eu tenho três irmãs, uma mãe e um pai. Estou na Mensa3 em seu programa de elite para jovens. Eu tinha uma bolsa de estudos para a Florida Gulf Coast University e estou matriculada em seu programa de ciências. Dou palestras e ensino alguns cursos de laboratório.

Ele dá um passo para trás e vira de costas para mim, passando a mão pelo cabelo em frustração. Ele gira novamente com o dedo pairando sobre o botão.

— Não! — Grito. — Respondi à pergunta. Eu respondi, — imploro. Meu rosto está queimando. Lágrimas escorrem pelo meu rosto. Não por mim, mas pelas respostas que não posso lhe dar. Tanto de frustração quanto de medo. — É a verdade. Eu juro.

— Você sabe que não é isso que estou procurando. Mas vá em frente. Jogue seus jogos e veja onde isso te leva.

Encontro sua determinação com a minha, levantando meu queixo do meu peito. Nossos olhos se encontram. — Faça o seu pior. Não vou te dizer merda nenhuma.

O lado de seu lábio se ergue em um sorriso diabólico. Sua voz está estranhamente calma. — Resposta. Errada. Porra.

Ele aperta o botão, e desta vez, a música queima em meus ouvidos como uma tocha. As luzes agridem violentamente meus sentidos. Rezo para que pare. Lamento, grito, imploro, choro e puxo minhas restrições, mas não adianta.

— Por favor. Chega, — sussurro, enquanto o mundo terrível que criei gira em torno de mim.

Para mais uma vez. — Última chance, — ele avisa.

— Eu... eu não posso. — É o mais próximo da verdade que posso lhe dar.

Ele se inclina sobre mim, envolvendo a mão em volta da minha garganta e apertando. — Isso não é bom o suficiente. — Seus olhos estão injetados, seus dentes à mostra como um animal furioso.

Não posso deixar de comparar o Pike de agora com o Pike que conheci na estrada naquela noite quando comecei a ficar fora do ar. Tudo é confuso.

Ele me solta de repente, com um rosnado zangado. Caio da cadeira no chão com um baque doloroso. Minha mandíbula recebe o impacto disso enquanto suspiro por ar.

Os pés descalços de Pike se movem de um lado para o outro da sala enquanto ele anda pelo piso de concreto. Sei que vou morrer porque nunca poderei lhe dizer o que ele quer saber.

Não posso evitar a risada que borbulha de algum lugar lá no fundo, ecoando na sala como se houvesse uma de mim em cada canto.

— O que é tão engraçado? — Pike ferve, apontando a lâmina para mim. Ele me empurra de costas e fica sobre mim, um pé de cada lado dos meus cotovelos.

Sorrio para ele. — Você vai me matar. — Minha voz é equivalente a uma lixa.

— Ainda louca, vejo, — ele estala.

Balanço minha cabeça. — Não, você não entende. Você vai me matar. — Outra explosão de risos me escapa. Encontro seus lindos olhos raivosos. — O único homem que me beijou.


Capítulo Oito

Pike


O único homem que me beijou


A verdade é que se não fosse por essas palavras, ela provavelmente estaria morta. No segundo em que cruzaram seus lábios, lembrei-me de sentir necessidade de pressionar meus lábios nos dela. Como ela estava vulnerável. Fraca. Quis protegê-la naquela noite.

Agora? Não tenho a porra da ideia. Tudo que sei é que a garota que tentei salvar, a única garota que já me senti compelido a beijar na vida, agora é minha maldita inimiga, amarrada na porra do meu armazém como um cachorro de ferro-velho.

E ela não está dizendo merda nenhuma.

O pior de tudo?

Ainda quero beijá-la, porra.

Desnecessário dizer, o segundo dia também não está indo bem. Mickey está ainda mais determinada a me levar ao limite de qualquer dilema moral momentâneo que estou tendo. A verdade é que, mesmo que ela me diga o que quero ouvir, o resultado final será o mesmo. É assim que esta merda funciona.

Deveria apenas colocar uma bala na porra do cérebro dela e acabar com isso. Mas, pela primeira vez na minha vida, isso não me cai bem. Não estou tendo aquela satisfação sanguinária só de pensar em acabar com a vida dela como faria depois de capturar um inimigo. Parece mais como tomar um gole da melhor cerveja e descobrir que engoliu uma vespa. É perturbador. E se ela ainda estiver viva? Também dói pra caralho.

Mickey. O nome dela é Mickey. Ela parece tão diferente agora, mas ainda a mesma. Ela está mais cheia. Antes toda cotovelos e joelhos, ela agora é a imagem de uma atleta. Músculos fortes e magros como os de uma ginasta, mas com uma quantidade absurda de curvas. Thorne foi quem a despiu e checou seus bolsos em busca de qualquer tipo de identificação. Não vi a extensão dessas curvas, mas isso não significa que não penso sobre elas quando ela endireita os ombros em desafio e sua camisa sobe até suas coxas.

Ondas escuras de longos cabelos castanhos caem sobre seu rosto. Ela joga a cabeça para o lado para tirar os cabelos de seus olhos grandes e expressivos marcados de vermelho. Agora mesmo, esses olhos estão expressando um grito silencioso, mas alto, de raiva e medo porque sua boca está ocupada com outra coisa.

Seus lábios são rosa escuro e seus dentes são retos enquanto ela morde a mordaça. Seu nariz é pequeno e reto. Além do hematoma da cabeçada e da veia saltando na testa, sua pele é limpa. Bem, exceto por aquela pequena marca. Ela ainda tem aquela pequena sarda em um lado do rosto entre o nariz e os lábios.

Claro, que ela tem. Essas coisas não desaparecem exatamente.

Ela não é a coisinha fraca que era naquela época.

Mas ela ainda é louca.

Ela também é mais. Muito mais.

Posso estar me sentindo mal por ter que matá-la e terei que matá-la eventualmente, mas não posso dizer o mesmo sobre torturá-la.

Torturá-la é um prazer inesperado. Vê-la sofrer apenas para se estabilizar e se preparar para outra rodada - está me afetando.

Está fazendo muito mais com a porra do meu pau.

No momento, ela está fingindo ser corajosa quando não tem motivo para fingir. A maioria em sua situação estaria implorando por suas vidas e se mijando agora.

Há algo intrigante em seu desafio. Algo... adorável. Estúpido pra caralho por me trair, mas ainda... adorável.

Traço a curva esguia de seu pescoço com minha lâmina. Sua garganta está me chamando para envolvê-la em minhas mãos novamente, e não tenho certeza se é para levar prazer ou dor.

Possivelmente ambos.

Vai ser uma pena ter que tirar a sua vida, mas isso é obra dela.

Sem segundas chances.

Sem merda nenhuma.

Outra sessão termina com Mickey desmaiada pela tortura sensorial e eu exausto e mais excitado do que já estive em toda a minha vida por uma garota.

Deixo o armazém e expiro. Agachando-me, tento recuperar o fôlego.

Que porra essa garota está fazendo comigo?

Minhas intenções com ela naquela época eram inocentes. Protegê-la. Ajudá-la.

Agora?

São tudo menos inocentes.

Há muitas coisas que quero fazer com Mickey. Para Mickey.

Mas agora, a única pessoa de quem ela precisa de proteção sou eu.

Minha voz interior ri. Ela sabe que uma parte de mim ainda sente vontade de ajudá-la. Proteger a criança inocente que conheci.

Talvez ela nunca tenha sido tão inocente para começar. Houve um tiroteio naquela noite. Alguém me atingiu na porra da cabeça. Sempre achei que eles estavam atrás dela, mas agora vejo que é mais provável que estivessem vindo por ela. Para protegê-la. Possivelmente de mim.

Porra. Quando se trata dessa garota, meus instintos estão em conflito.

Um me diz para punir.

O outro para proteger.

Apenas um pode vencer.

 


Quatro dias e ainda sem progresso. Achei que ela estava fingindo ser corajosa, mas se esse fosse o caso, ela já teria cedido. Ela não está fingindo. Ela é muito corajosa.

Ela ainda insiste que peguei a pessoa errada. Que ela não é quem estou procurando. Que ela não trabalha para ninguém. Que ela nunca vai me dizer merda nenhuma. Blah. Blah. Que ela tem família e está de férias. Blá, blá, blá. Isso foi o que ela me disse anos atrás. Então era mentira? Conheço besteira quando ouço, mas há algo sobre ela que faz com que um pouco de dúvida se insinue em meus pensamentos de que um pouco disso é verdade.

Ela não é o soldado típico que estou acostumado a interrogar, e me pergunto quais seriam seus motivos para se envolver com quem quer que esteja decidido a destruir minha vida.

Quase a admiro. A maneira como ela me desafia a fazer o meu pior com seus malditos olhos escuros faz meu coração disparar e meu pau pulsar.

Fico animado quando entro na sala, sem saber que coisa corajosa ela vai dizer a seguir. Sua bravura é tão erótica quanto enlouquecedora.

Mickey pode precisar de um pouco mais de sutileza. Vou ter que descobrir as motivações por trás de suas ações antes que ela desmorone.

Mas ela vai desmoronar.

Todos fazem.


Capítulo Nove

Pike


Nine levanta os olhos de seu laptop quando entro em meu escritório depois de outra tarde decepcionante, mas divertida com Mickey. Ele está sentado na minha mesa, seus dedos voando pelo teclado. É útil ter um amigo hacker. — Não acredito que você conhece essa garota, — diz ele.

— Não a conheço, — argumento. — Eu a encontrei uma vez e a levei para casa. — Puxo uma camiseta branca e afundo na cadeira em frente a ele.

— Isso foi há quatro anos, você disse? — Ele coça o queixo. — E foi só isso que você fez? Só a levou para casa?

Suspiro, sabendo aonde ele quer chegar. — Posso tê-la beijado.

Ele estala os dedos e sorri. — Eu sabia disso, porra.

Reviro meus olhos e coloco meus pés sobre a mesa. — Fiz isso para calá-la. Ela estava divagando sobre alguma bobagem maluca, e então parecia assustada e talvez precisasse de uma distração, então a distraí.

Nine volta para seu laptop. — Talvez, se você fizer isso de novo, ela fale.

Pensei sobre isso. Muito. — Cale a boca. — Aponto para seu laptop. — Você vai me dizer o que encontrou ou não?

— Acabei de puxar alguns arquivos dela. — Ele bate algumas teclas. — Lá vamos nós. Michaela Lovejoy.

— Lovejoy? — Questiono. — Nem parece um nome real. — Ainda assim, por incrível que pareça, se encaixa nela.

— Se já acabou de zombar do sobrenome da sua prisioneira... — Ele aperta os olhos para a tela. — Puta merda. Você nunca vai acreditar nessa merda.

— O que? — Pergunto, sentando-me ereto.

Os olhos de Nine se movem rapidamente da esquerda para a direita enquanto lê. — Diz aqui que ela se formou no ensino médio aos quatorze anos. Faculdade aos dezessete com duplo mestrado em neurociência comportamental. Ela ingressou na Mensa aos dez anos, com uma pontuação de QI de 160.

— Isso é alto? — Pergunto, não sabendo nada sobre pontuações de QI.

— Para as crianças, é o máximo que você pode marcar. — Nine esfrega a mão sobre a boca aberta, e me irrita que ele esteja impressionado com a garota amarrada à porra da minha cama.

Ele deve confundir minha irritação com confusão, porque continua: — Pense desta forma: eu tenho 135 que é bem acima da média, e Albert Einstein tinha 160. Ela alcançou isso aos dez anos.

— Ela disse que é professora. Dá palestras ou alguma merda, — ofereço.

Nine examina a tela. — Sim. Ela era uma professora. Ela não é apenas Michaela Lovejoy. Ela é a Dra. Michaela Lovejoy Sc.D. — Ele diz, com a boca aberta. Seus olhos em mim. — É uma doutora em ciência.

— Sei disso, — murmuro.

Eu não sabia disso.

Minha escolaridade consistia em nunca ir a nenhuma aula, chutar em todos os meus testes e, finalmente, abandonar o colégio antes do final do primeiro ano.

Levanto e contorno a mesa, olhando para a tela sobre o ombro de Nine e para uma foto de Mickey. Ela está sorrindo e sem machucados, mas não há dúvida de que a garota com o jaleco é a mesma garota no meu armazém. — O que você quer dizer com era uma professora?

— Foi porque ela sumiu do radar alguns anos atrás. Desaparecida. Ela não tem mídia social, nem presença online. Nem mesmo uma multa de estacionamento, e sua carteira de motorista expirou há seis meses.

— E a família dela? Ela está sempre divagando sobre eles. Você pode descobrir alguma coisa sobre eles?

Ele aperta algumas teclas. — A família dela é... foda-se. — Ele assobia, recostando-se na cadeira e cruzando as mãos atrás da cabeça.

— A família dela é o quê? — Odeio ter que insistir para ele me dizer as merdas. Eu mesmo leria, porra, se soubesse que não levaria uma hora para ler a mesma coisa que ele leva alguns segundos.

Seus olhos encontram os meus. — Eles desapareceram. Todos eles. Ao mesmo tempo que Mickey sumiu de vista, eles também. Diz aqui — ele rola para um artigo escrito no jornal da universidade. –– eles desapareceram durante as férias de verão aqui em Logan's Beach e nunca foram encontrados.

Que porra é essa? Balanço a cabeça. — Isso não pode estar certo. Ela fala sobre eles no presente, não no passado. Eles estão vivos, assim como ela, e aposto meu dinheiro que ela sabe onde eles estão. — Ando até a porta do escritório e volto novamente. — Alguém se beneficiaria se eles morressem?

— Você acha que eles fingiram suas próprias mortes?

Encolho. — É possível, se estivessem tentando cobrar um seguro ou algo assim.

Nine leva alguns minutos para acessar alguns registros do tribunal. — Não que possa localizar. Os pais de Mickey deviam muito dinheiro a muitas pessoas, mas nunca foram declarados mortos legalmente, o que precisariam para alguém receber qualquer coisa. Eles possuíam uma propriedade de veraneio aqui em Logan's Beach, um condomínio, bem como sua casa principal em Ocala. Ambas as propriedades foram devolvidas ao banco. — Nine franze a testa e mastiga a unha do polegar. — O que poderia uma garota com esse tipo de inteligência estar fazendo misturada com os filhos da puta que tem algum tipo de vingança contra nós?

— Não tenho ideia, — olho pela janela onde minha prisioneira está amordaçada e vendada. — Mas vou descobrir caralho.

— Mais tortura? — Nine pergunta. — Porque, honestamente, não sei como você pode suportar isso sozinho. Essa porra de música, ugh. EDM já é uma tortura sem estar naquele volume. O que aconteceu com a tortura à moda antiga, você sabe, com facas e merdas.

— Tampões de ouvido, respondo. — É assim que aguento. Tive a ideia depois de vender drogas para garotos em uma rave. O recurso de cancelamento de ruído é ativado quando aperto o botão.

Nine aplaude lentamente. — Estou impressionado, garoto Pikey. É bom saber que você não é apenas um rosto bonito. Acho que Mickey não é o único gênio na casa. — Ele cruza os pés na minha mesa. — Então, você vai usar facas ou não? Você ainda não me respondeu.

Fecho meus olhos e me imagino cortando a pele de Mickey e sangrando a verdade dela. Meus olhos se abrem. Balanço minha cabeça. — Não posso desmontá-la se ainda não sei o valor dela.

Nine fecha o laptop e o enfia na bolsa. — Embora realmente goste de sua comparação entre tortura e roubo de veículos, tenho que voltar para minha casa e lidar com meus próprios problemas. Deixe-me saber o que conseguiu com ela. Se você descobrir algo.

— Poe está bebendo de novo? — Pergunto. Poe é a garota de Nine. Ela tem mais edições do que a maioria das revistas, mas de alguma forma, até mesmo sua ansiedade nivela com Nine.

Nine suspira. — Não, é pior. Ela parou de beber. Não sei o que fazer com ela quando não está embalando uma garrafa de vodca como um bebê em seus braços. — Parando em seu caminho para a porta, ele enfia a mão na maleta do laptop e tira um documento dobrado. — Contei a Preppy o que está acontecendo. Com a pequena tripulação, a menina. Tudo isso.

— Não estou tentando esconder merda nenhuma de seu irmão ou de qualquer outra pessoa. Quero que ele seja informado e presumo que você contará com detalhes não tão agradáveis o que minha vida se tornou, — respondo.

Ele faz uma careta. — Sim, não é isso que estou querendo. — Ele me entrega o papel, depois tira uma caixa branca de sua bolsa e a coloca sobre a mesa. — Preppy me fez prometer dar isso a você. Confie em mim. Não queria, mas então ele disse algo sobre ser minha única família e me fez jurar sobre uma pilha de merdas de panquecas que meu pau cairia se eu não te desse.

— Parece sério, — rio.

Seus olhos se arregalam. — Mais sério do que você jamais poderia imaginar. Havia capas, pás e merdas.

— Não estou surpreso, — respondo. Porque não estou. Preppy não é apenas maluco, ele é o rei da porra dos malucos.

Nine se dirige para a porta. — Leia e chore. Ou ria. Ou ligue para uma linha direta de suporte.

Olho a caixa branca e desdobro os papéis. Tenho que admirá-lo, o título é cativante e muito Preppy.

Mandamentos de um sequestrador: um guia completo para cuidar de seu prisioneiro.


Capítulo Dez

Mickey


Me retiro para um lugar escuro. Um onde apenas minha alma quebrada e o som de meu próprio desespero são bem-vindos. Estou me afogando, prejudicando minha própria capacidade de me libertar da prisão que criei dentro de mim.

Salve-me, digo a ninguém, porque a única pessoa que pode realmente me salvar sou eu mesma, e neste momento não tenho certeza se isso é possível.

O desespero me drena como sangue de minhas veias, levando tudo o que tenho com ele, incluindo a vontade de viver. Sinto minha força vital enfraquecendo, e logo, estou no chão ofegando enquanto meu coração desacelera para um ritmo assustador que parece lutar para bater dentro da pulsação em meu pescoço.

Tristeza sangra através de mim. Invadindo-me como um parasita, não consigo me livrar enquanto se infiltra em meus vasos.

Diga a ele, a voz de minha irmã Maya sussurra em meu ouvido. Diga a ele e tudo isso acabará. Ele pode te ajudar.

— Não posso, — respondo, com lágrimas escorrendo pelo rosto. — Não posso dizer a ele. Se fizer isso, vou perder você para sempre. Todos vocês.

Apesar do ditado, o inimigo do meu inimigo não é meu maldito amigo. Não tenho amigos. Tudo o que tenho é lógica, minha memória e uma forte necessidade de dar o fora daqui e terminar o que comecei.

Uma solução de cada vez. Você não faz um de seus experimentos e apresenta tudo de uma vez, certo? Você introduz um de cada vez.

— Variáveis, — a corrijo. Maya nunca gostou de ciências, exceto quando trabalhava com um garoto bonito como seu parceiro de laboratório. — São chamados de variáveis.

Seja como for, você me entendeu. Não tente pensar em como você vai sair daqui de uma vez, como se fosse um problema. Pergunte a si mesma o que precisa acontecer antes de pensar em escapar.

Isso me atinge. — Preciso ser desamarrada.

Comece com isso, mana.

Posso fazer isso. Eu posso. Se provar que posso ser útil a Pike de alguma forma, talvez consiga persuadi-lo a me desamarrar.

A resposta me chega no segundo em que a porta se abre, cegando-me com a luz de fora. — Tenho uma memória fotográfica, — deixo escapar, precisando colocar todas as minhas cartas na mesa antes que a tortura comece e eu não consiga pensar direito.

Pike fecha a porta com um estrondo. — Por que devo me importar se você tem uma memória fotográfica? — Ele pergunta com uma sobrancelha levantada enquanto se aproxima. Hoje, ele não está com o peito nu, como de costume. Ele está usando uma camisa branca com uma jaqueta de couro preta e jeans justos de cintura baixa. Suas botas pesadas ecoam no concreto conforme ele se aproxima.

— Pode ser útil para você. Podemos negociar. Poderia ajudá-lo com algo, e você poderia me desamarrar, — ofereço. — Não vou tentar escapar, — minto. — Só quero ser desamarrada. Posso te ajudar. Eu juro.

— Não negocio com terroristas, — ele responde.

Endireitando minhas costas, limpo minha garganta seca. — Mas os terroristas podem negociar entre si.

— Agora, você é uma terrorista? — Ele ri. — Pelo menos, você admite.

— Você sabe o que quero dizer.

— Eu sei. — Ele balança a cabeça, — Não. Não é assim que isto funciona. A troca é sua vida por respostas. — Ele tira a jaqueta e a coloca em algum tipo de tanque de metal enferrujado. Ele cruza os braços mostrando seus bíceps protuberantes. Ironicamente, a palavra verdade está tatuada no meio de um deles.

— Não me importo com a minha vida, — respondo, sentindo o peso das minhas palavras nos ombros. — É a menor das minhas preocupações.

— E não me importo com sua memória. Não vejo como isso vai me ajudar, considerando... — ele levanta o queixo. — Não ajudou sua família.

Um raio de choque me percorre. Viro meus olhos para os dele. — O que você sabe sobre minha família? — Pergunto.

Ele dá de ombros e puxa uma cadeira na minha frente, montando nela com suas longas pernas, apoiando os antebraços nas costas. — Nada. Só que ninguém viu sua mãe, pai ou mesmo a pobre Mallory, Maya ou... Missy, é isso?

— Mindy, — fervo, odiando seus nomes nos lábios dele.

Ele estala os dedos. — Mindy, é isso. — Ele dá de ombros, embora haja um brilho de cumplicidade em seus olhos. — Ninguém os vê há anos. O que aconteceu com eles, eu me pergunto? — Ele medita. Ele aponta para mim. — Você sabe? Ou talvez, você é aquela que saiu dos trilhos e matou todos eles. Talvez, quando te encontrei naquela noite, você tivesse acabado de estrangular cada um deles enquanto dormiam.

Ele não está certo, mas está chegando muito perto de casa. Meu estômago revira. Fecho os olhos e encontro o início de uma memória que não posso reviver. Não enquanto estou com ele. Ele não pode me ver no meu estado mais fraco. Agora não. Nunca.

— Já chega. Minha família está bem. Eles estão se escondendo por minha causa. Por algo que fiz. Você nunca os encontrará, e nunca te direi nada sobre eles. Isso não faz parte da negociação.

Ele tira a faca da bota e aponta para mim. — Você ainda acha que isso é uma negociação? Que bonitinho. — Ele se levanta novamente, me circulando lentamente. — Veremos sobre isso. Muitas vezes, as pessoas que não querem ser encontradas ficam bastante surpresas quando apareço em sua porta. — Ele está na minha frente agora, olhando para mim com algo ilegível em seus olhos. Ele bate no lábio inferior com a língua e passa o olhar pelas minhas pernas. — Me pergunto se todas as suas irmãs compartilham seus... atrativos.

Meu sangue ferve. Lambo meus lábios secos e estreito meus olhos para o fodido presunçoso. — Foda-se você. Deixe-os fora disso.

— Você está me ameaçando? — Ele se agacha para que fiquemos no nível dos olhos. — Você não me deixa fora disso, então por que deveria deixá-los fora disso? — Ele se inclina tão perto que posso sentir sua respiração em meus lábios. — Você começou este jogo, Mic. E, infelizmente para você, é assim que eu jogo, porra.

Ele se afasta e pega sua jaqueta, voltando para a porta.

Começo a entrar em pânico. Ele não pode ir embora. Ainda não. Tenho que ser desamarrada. — Não posso te dizer o que você precisa saber, mas posso te dar qualquer outra coisa. O que você quiser! — Grito.

Ele para e se vira devagar. — O que eu quiser? — Posso ouvir seu sorriso tanto quanto posso ver. Há uma implicação, uma insinuação em sua voz que me faz estremecer.

— Não! — Grito, puxando minhas restrições em vão. — Isso não. Não foi isso o que eu quis dizer! — Meus pulsos queimam contra o metal enferrujado.

Ele se aproxima, pairando sobre mim como Zeus no alto de sua montanha. — Uma oferta tentadora. Mas você parece tão bem amarrada. Continue sangrando seus pulsos assim, e posso simplesmente mantê-la afinal.

— Pulsos ensanguentados te deixam excitado, seu doente de merda? — Chego à conhecida bifurcação da estrada onde o medo e a raiva se encontram novamente. E agora, escolho seguir o caminho da raiva.

Ele sorri. — Entre outras coisas.

— Como o quê? — Cuspo. — Churrasquinho de bebês?

Ele se agacha para ficarmos ao nível dos olhos. Recuo quando ele passa o dedo pela lágrima na minha bochecha e esfrega a umidade entre o polegar e o indicador. Ele lambe o polegar de maneira duvidosa, e sinto que coro completamente. — Como estas.

Seguro seu olhar. — Você gosta das minhas lágrimas? — Zombo. — Uau, seus pais devem ter abandonado você no nascimento.

Seus olhos escurecem. Ele se levanta abruptamente.

Aparentemente, atingi um ponto nevrálgico.

— Pouco tempo depois, mas não foi o meu passado que te levou a ficar presa aqui. Foi o seu. Você não pode culpar ninguém por essa merda além de si mesma. O que quer que eu faça com você é culpa sua e somente sua.

Quero discutir, mas não posso. — Você está certo. É minha culpa, — admito. — É a verdade. Existem outros para culpar por minhas ações, mas a escolha, todas as escolhas, foram minhas.

— Então, por que você não me diz quem são esses outros, e tudo isso acabará, — ele oferece, gentilmente. Por um nano segundo ele soa sincero, suas palavras contendo a mais leve gota de simpatia.

Sinto outra lágrima cair. — Não posso. Já te disse. Simplesmente não posso.

— Então, isso é obra sua. — Pike tira algo do bolso e empurra pela minha cabeça. É uma venda. Ele abaixa sobre meus olhos. É espessa, bloqueando até mesmo o fraco feixe de luz. No entanto, apesar da minha total falta de visão, me encontro instintivamente virando minha cabeça da esquerda para a direita, procurando seus passos firmes se movendo com lenta precisão calculada de um lado para o outro da sala. Ele está andando.

Não. Não andado

Perseguindo.

— Você está tremendo, garota, — ele murmura de algum lugar da sala.

Claro que estou tremendo. Estou aterrorizada. O som doentio de satisfação em sua voz serpenteia em meu cérebro. Cada palavra sua é um golpe de aríete contra a porta imaginária que coloquei entre mim e ele até que ela se abra. Espero que o medo opressor me aleije, mas ele nunca chega. O que encontro em vez de medo é algo totalmente diferente.

Minha coragem.

— Você está com medo de mim, — diz ele, soando como se estivesse diretamente na minha frente. — Posso sentir o cheiro. Seu medo. — O ouço inspirar profundamente.

Com uma renovada sensação de força, endireito os ombros. As restrições em torno dos meus braços e pulsos me prendendo à cama apertam, machucando minha pele já em carne viva. Ignoro a dor. — Não. Eu não tenho medo de você.

— Não? Mas você deveria ter medo. — Ele está perto agora. Tão perto que sinto sua respiração fria contra minha testa.

Levanto meu queixo em desafio e sorrio, mas é muito mais do que apenas um sorriso.

É um desafio.

— Não, — repito sem um tremor em minha voz. — É você quem deve ter medo.

Sorrio de satisfação, mas minha vitória dura pouco.

A música ecoa em meu crânio. A venda é arrancada da minha cabeça enquanto as luzes me cegam mais uma vez.


Capítulo Onze

Mickey


— Já faz quatro dias, — digo a Mallory. — Quatro dias inteiros. Não sei quais são seus planos agora, mas ele deve saber neste momento que não vou lhe dizer merda nenhuma.

Ela aponta para a porta e ri.

— Não está ajudando, — murmuro.

A porta do compartimento se abre. Pike entra como uma nuvem de tempestade em um dia já chuvoso, apenas para causar estragos e caos.

Me preparo mentalmente para outra rodada de tortura sensorial. Sento-me o mais ereta que posso, lembrando a mim mesma que já passei por muito pior e posso aguentar muito mais. A essa altura, estou surpresa de ainda ouvir as botas de Pike no chão.

Ou qualquer coisa nesse sentido.

— Olá, Mic, — sua voz é lenta e suave com um tom de diversão fazendo cócegas em seu leve sotaque sulista. Odeio que ele tenha começado a me chamar de Mic. É como minhas irmãs me chamam. Ele não ganhou o direito de usar o apelido. Ele não é especial como elas.

Embora, ele seja único.

Jaqueta de couro suja. O cabelo loiro castanho mais longo do que dita a moda atual. A primeira vez que o vi, anos atrás, lembro que a cor me lembrou da nossa gata Penny. Uma mistura de rockstar, motociclista e anjo caído... com os olhos do diabo.

— Com quem você estava falando? — Ele pergunta, fazendo seu giro usual da ponta afiada de uma faca na palma da mão.

— Minha irmã, — respondo.

Ele olha ao redor da sala. — Engraçado, porque não vejo ninguém aqui e a única voz que ouvi foi a sua.

— Só porque ela não está aqui, não significa que não posso falar com ela, — argumento.

Ele assobia. — Ah, então você ainda é uma maluca. — Ele acena para si mesmo. — Bom saber.

Prefiro ser agredida pela música do que por seus insultos. Prefiro ferimento físico do que emocional. — Eu sou maluca? — Pergunto. — Você é quem está interpretando o vilão neste filme. Pessoas sem problemas mentais não mantêm as pessoas cativas.

— Tenho meus problemas, mas a insanidade não é um deles. Você está aqui porque roubou de mim, não porque sou o louco.

Estou tão farta da sua santidade. — Não continue jogando como se fosse o inocente em tudo isso. Você não é uma vítima, — grito, ficando com mais raiva e mais frustrada. — Você obviamente não sabe o que significa amar tão profundamente que faria qualquer coisa por alguém. Qualquer coisa para proteger o que esse amor significa. Você pode me chamar de louca porque falo com minhas irmãs, mas não é loucura. É amor. Amor implacável, irracional às vezes, eterno.

Pike olha para mim por um ou dois segundos com uma pergunta não feita em seus olhos. — Não. Não sei o que isso significa. E não quero, porra. Mas sei o que faria para punir aqueles que cruzam e fodem com o meu negócio, e garanto que é muito mais do que qualquer um faria pela mentira que é o amor. — Ele sorri, jogando minhas palavras de volta na minha cara. — E isso é ódio. Ódio inflexível, irracional às vezes, eterno.

Reviro meus olhos. — Você vai chegar à parte da tortura do dia ou é só isso?

— Ah, a garota maluca faz piadas. Não devo estar fazendo um bom trabalho em torturá-la se você ainda é capaz de ser engraçada. — Suas palavras se tornam sombrias. — Terei que me lembrar de fazer um trabalho melhor no futuro. — Ele me olha como se estivesse tentando me entender. — Mas, por enquanto, vamos mudar um pouco as coisas.

Sinto o sangue fugir do meu rosto enquanto penso em todas as coisas que suas palavras podem significar.

Ele vê meu pânico e ri. — Não se preocupe. Não haverá jogo de faca hoje. Na verdade... — Ele bate na ponta do meu nariz com a lâmina. — Decidi que vou mantê-la viva. — Ele rapidamente acrescenta: — Por enquanto.

— Por quê? — No segundo que a palavra passa pelos meus lábios, quero engoli-las porque soa como se estivesse questionando sua escolha. Pressiono meus lábios para evitar que outras pulem do navio.

— Por quê? — Ele repete. Pike se agacha para que fiquemos no nível dos olhos. Seus olhos queimando com intensidade. — Porque vou usá-la.

Minha mente gira. Milhares de maneiras diferentes de como Pike poderia me usar passam através do meu cérebro e nenhuma delas é nada menos que aterrorizante. Engulo em seco. — Me usar para quê? — Atrevo-me a perguntar.

Pike sorri, mas não é de alegria. É do tipo sombrio com nada além de maldade por trás disso. O tipo que envia milhares de aranhas de medo pela minha espinha. Um sorriso que veio direto das profundezas do inferno.

— Isca.


Capítulo Doze

Mickey


— Papai, eu errei, — confesso que a minha cabeça está nadando quando a imagem dele aparece diante de mim.

Ele sorri e aponta para a porta.

— Não, não posso sair, — respondo, puxando minhas restrições. — Eu tentei.

Seus olhos caem para as cordas que prendem meus pulsos e acena para eu sair como se não fizesse diferença estar amarrada a uma cadeira. Ele aponta para a janela alta.

— Sério? Não há como eu...

Ele acena com a cabeça e sorri. Sim você pode. Eu o ouço dizer, embora seus lábios não se movam. Você é a pessoa mais inteligente que já conheci. Não há nada que você não possa fazer.

— Não posso fazer isso. Achei que pudesse. Achei que era forte. Queria ser forte por você, pela mãe e pelas minhas irmãs, mas é demais. — Lágrimas escorrem pelo meu rosto. Tenho pescado. Isso nunca acaba bem para a isca.

Papai se agacha na minha frente. Você não chegou tão longe para desistir agora, Mickey. Tudo o que precisa fazer é pensar... Ele se levanta.

— Não saia. Por favor, não vá. Preciso de você, papai, —choro, fechando meus olhos. Quando os abro novamente, ele se foi.

A porta se abre. Desta vez não há luz do dia ofuscante, apenas céu escuro.

— Uh, com quem diabos você está falando? — Uma jovem pergunta. Seu cabelo é de um tom laranja brilhante e não natural. Ela está segurando uma bandeja de comida e, por baixo, uma sacola de compras plástica está pendurada em uma das mãos.

Ela não fecha a porta.

Já que sou incapaz de fazer isso fisicamente, uma limpeza mental das minhas lágrimas terá que ser suficiente. Fungo e respiro fundo. — Ninguém, apenas divagando comigo mesma.

Ela olha ao redor do armazém como se esperasse que algo aparecesse. — Você é louca ou algo assim? — Ela pousa a bandeja na cadeira que Pike costuma ocupar durante nossas “sessões” e coloca a sacola no chão ao lado dela.

— Isso foi o que me disseram, — respondo. O cheiro da comida alerta todo o meu corpo para sua presença. Se minha boca pudesse encher de água, encheria totalmente. Bebi apenas alguns goles de água aqui e ali, e Pike me deu pedaços de uma barra de proteína. Mas há quanto tempo foi isso? Um dia? Dois?

— Quem é você? — Pergunto. Instantaneamente, ouço a voz do meu torturador. Quem é você? Me encolho com minha própria pergunta.

— Eu sou Thorne. Trabalho para Pike.

— Por favor, você tem que me ajudar, — imploro.

Thorne me olha e franze a testa. Há um anel conectando suas narinas no meio como um touro. Sua blusa preta é curta, mal cobrindo seus seios generosos enquanto mostra uma manga cheia de tatuagens coloridas escorrendo pelo braço direito e uma argola na barriga com um pingente brilhante que diz 666. Seus olhos estão fortemente delineados de preto, e são verdes brilhantes.

— Desculpe, não é meu departamento, — ela fala sem rodeios.

Resmungo de frustração. — Qual não é o seu departamento? Libertar alguém que foi sequestrado?

— Bem, aquele que é sequestrado é levado à força. Você é uma cativa para todos os efeitos e propósitos. Você veio até aqui. Ele não foi te procurar. Além disso, meu departamento atual é distribuição de alimentos e produtos de higiene pessoal, embora seja frequentemente contabilidade, manutenção de registros, vigia, vadia do almoço, rainha das vendas pela Internet, etc., etc. — Ela acena com a mão no ar.

Quero discutir mais com ela, defender minha causa, mas minha boca saliva com o cheiro do que está na tigela coberta com um papel toalha na bandeja ao meu lado. Embora, poderia ser comida de cachorro e não importaria. Meu estômago ronca, e percebo que estou faminta. Não me lembro da última vez que comi.

Apesar da minha fome, faço uma última tentativa. — Por favor, ele vai me matar.

— Você fez alguma coisa para merecer ser morta? — Ela pergunta, enfiando uma toalha de papel no topo da minha camisa.

Ótimo, ela segue as mesmas ideologias de Pike. — As ações de alguém merecem a morte?

— Presumo que você não seja uma fã da pena de morte? Mas pense nisso, porque todos nós fizemos algo para merecer a ira de alguém em algum momento de nossas vidas. Tenho certeza que você vai descobrir algo que a levou a estar aqui.

Ela levanta a toalha de papel da tigela, que percebo ser uma espécie de canja de galinha. Meu estômago ronca tão alto que até Thorne ouve, olhando para o meu estômago.

— Sabe, isso seria mais fácil se minhas mãos não estivessem amarradas, — aponto.

Ela suspira e deixa cair a colher na tigela de cerâmica com um estalo. Ela coloca a mão livre no joelho. — Seria mais fácil se você não estivesse aqui. Já tenho merda suficiente para fazer e ser empregada da cativa de Pike não está na porra da lista. Você quer comida ou não? Porque seu estômago diz que sim. Posso ouvir essa merda rosnando do meu escritório ao lado. A merda da música já é ruim o suficiente.

Aceno e percebo que minha abordagem está totalmente errada. Ela é obviamente leal a Pike. Só preciso encontrar as palavras certas para perfurar sua pele tatuada e fazer com que ela me ajude. Me liberte. Ela leva a colher à minha boca e engulo avidamente, sem mastigar. Continuamos o processo em um ritmo frenético. Cada bocado que enche meu estômago também alimenta meu cérebro, limpando um pouco da névoa.

— Calma, ou você vomitará, — diz Thorne, como se soubesse algo sobre estar realmente com fome.

— Então, você trabalha para Pike? — Pergunto entre bocados.

— Algo assim, — ela murmura.

— Você não se preocupa que isso te atinja? Que pode ir para a cadeia por ajudá-lo? — Pergunto, comendo outra colherada do caldo salgado junto com um pedaço de frango desfiado. — Cúmplice no crime?

— Você deveria se preocupar em ir para a cadeia porque da última vez que verifiquei, arrombamento é crime, mas você tinha uma arma e assalto à mão armada vem com preço de uma porra de um tempo difícil. — Ela me dá outra colherada. — Sei que você não conhecia Pike. Porque se conhecesse, então saberia que ele levaria a culpa por tudo isso antes de me deixar se atingida pela merda que ele fez. Além disso, ele não seria pego em primeiro lugar. Estou aqui apenas como suporte do herói ou suporte do vilão, da maneira que você quiser ver.

Outro pensamento passa pela minha cabeça enquanto ela fala sobre Pike com afeto em sua voz. — Então, você é namorada dele?

Ela pausa a colher no ar e franze o nariz. — Oh Deus, porra, não.

— Então por que? — Pergunto, realmente curiosa. Se ela não está romanticamente envolvida, então por que ajudá-lo nisso?

Suas palavras se suavizam. — Devo a ele minha vida e muito mais. É tudo que você precisa saber. Sou uma pessoa leal, e Pike é a pessoa mais leal que já conheci. Ele não é um bom homem de forma alguma, mas para mim, lealdade significa mais do que amor.

— Você tem família? — Pergunto.

— O que há com todas as perguntas? — Thorne está claramente irritada. Ela coloca a colher na tigela agora vazia.

— Desculpe, simplesmente não consegui falar com ninguém por um tempo, — digo sem adicionar, você é minha primeira oportunidade de tentar escapar, e estou me esforçando. — Quero dizer, qualquer outra pessoa.

Ela leva um copo d'água à minha boca e o engulo em alguns goles. Ela enxuga a água e comida do canto dos meus lábios com um guardanapo. Ela procura algo em meus olhos, mas não tenho certeza do quê. — Pike é o mais próximo que tenho de família. Farei qualquer coisa que ele pedir e até a merda que ele não me pediria. Sem dúvida. Sem hesitação.

Agora, isso eu entendo. — Entendi. Você faria qualquer coisa pela família. Eu também. Tenho três irmãs e dois pais e, embora eles achem que sabem o que é melhor para mim do que eu, faria qualquer coisa por eles. — Sorrio, mas não há felicidade por trás disso. — Pelo menos, estou tentando fazer tudo por eles. — Suspiro. — Não está realmente funcionando no momento.

Thorne ignora a tristeza em minha voz. — Oh, bem, então você entende, — diz ela, levantando-se e escovando as mãos na calça jeans. — Então você pode parar de me perguntar essas merdas.

— Bom ponto, — ofereço.

Ela desembainha uma faca da perna da calça. Recuo, quase derrubando a cadeira. Ela estende a mão e a pega antes que caia, colocando as pernas de volta no chão. — Calma, assassina, — ela diz, cortando minhas amarras.

— Você... você vai me deixar ir? — Pergunto, esperançosamente.

— Não. Há segurança suficiente para mantê-la aqui sem toda a corda queimando seus pulsos. Bloqueios. Luzes. Sirenes. Detectores de movimento. Câmeras por todo lugar. — Ela aponta para uma luz piscando no canto superior da sala. — Estas foram as ordens do chefe. Alimentá-la, então desamarrá-la. Apenas faço o que me mandam. Não faço perguntas.

Meus braços estão tão doloridos. Cada osso do meu corpo estala e range quando os tiro de trás das minhas costas para descansar no meu colo. Esfrego meus pulsos avermelhados. — Por que você não me desamarrou primeiro?

— Canja de galinha quente na cara não é agradável, — ela comenta. — Vamos. Siga-me.

— Onde estamos indo? — Pergunto. Fico de pé, mas minhas pernas cedem debaixo de mim. Caio de joelhos.

— Aqui, — ela diz, envolvendo um dos meus braços em volta de seu ombro. — Vamos lá para cima.

Ela pega o saco plástico que trouxe com a outra mão e me ajuda a levantar e sair pela porta. O ar da noite é espesso e quente e é tão bom estar do lado de fora, quando muitas vezes pensei que nunca estaria novamente. — Você vai me dizer para onde estamos indo? — Pergunto novamente.

— Você quer estar em qualquer lugar além da porra da garagem? — Ela responde.

— Touché.

Caminhamos lentamente pelo beco, passando por alguns gatos vadios que miam para nós ao longo do caminho. — Xô, — diz Thorne, chutando para afastá-los, mas sendo gatos, é claro que eles não ouvem. Em vez disso, se sentam e nos observam, seus olhos nos seguindo até que estejamos em algum lugar que reconheço.

A porta dos fundos do Pike’s Pawn.

Thorne pressiona alguns botões no teclado ao lado da porta e a fechadura se abre. Ela gira a maçaneta e empurra com o pé para abri-la, virando-nos de lado pela porta. Passamos pelo pequeno escritório, onde todo esse drama mudou para pior, pelo menos para mim, e seguimos por um depósito até o pé de uma escada alta e estreita. — Suba, — diz ela.

Lanço um olhar de que não há nenhuma maneira que eu possa fazer isso.

Ela revira os olhos e remove meu braço de seu ombro. — Vou ficar atrás de você o caminho todo e me certificar de que não caia. Um passo de cada vez, como dizem no NA4. Vamos.

Não pergunto sobre a parte do NA porque estou muito ocupada tentando erguer meus pés alto o suficiente para dar cada passo quando os músculos da coxa estão tremendo com o esforço. Quando meu pé pousa em um degrau, Thorne me empurra para frente. Degrau. Empurrão. Degrau. Empurrão. Repetimos isso até chegar ao topo da escada, apenas dez minutos depois.

Thorne me ajuda a passar por uma porta em um apartamento escuro e depois por outra porta em um quarto pequeno, mas limpo.

— Este é o seu quarto? — Pergunto.

Ela fecha a porta e digita um código em um teclado na parede, igual ao da porta dos fundos, e uma fechadura se fecha. — Não, este é o apartamento de Pike. — Ela me guia para outra porta. — Aqui, apoie-se ai, — ela diz, deixando-me em outra porta. Ela acende uma luz revelando um banheiro pequeno, mas limpo, que precisa de uma reforma com azulejos amarelos no chuveiro e uma pia de porcelana rosa.

Ela coloca a sacola plástica no balcão e tira uma calça de ioga preta e um suéter cinza claro, colocando-os na parte de trás do banheiro. Ela pega um monte de produtos de higiene pessoal. Sabonete. Xampu. Uma escova e pasta de dentes. Ela os arruma no chuveiro e no balcão.

Ela cheira o ar ao meu redor e aperta o nariz. — Recomendo que passe shampoo e enxágue pelo menos duas vezes. Você acha que consegue?

Aceno, empurrando a parede e testando minhas pernas. Elas estão formigando com a sensação de alfinetes e agulhas, mas estão resistindo. — Obrigada. — Estico meus braços acima da minha cabeça e inclino meu pescoço para os dois lados, estralando as juntas rígidas novamente. — Sério. Obrigada, Thorne.

Seu sorriso é desconfortável e tenso quando ela sai. Ela fecha a porta e a fechadura.

Olho para o banheiro onde Thorne colocou todas as coisas que vou precisar para um banho. Sufoco um gemido ao pensar na água quente correndo sobre meus músculos doloridos e decido que é exatamente o que preciso para fazer meu sangue fluir antes de poder avaliar a situação mais a fundo e planejar minha fuga.

Sorrio para mim mesma. A etapa um foi realizada. Estou desamarrada. Maya ficará orgulhosa.

Entro no chuveiro de azulejos amarelos e ligo o jato. Tiro minha camiseta e calcinha, gemendo com a dor em meus ossos. É um processo lento, mas consigo. Amasso as únicas roupas que usei em cinco dias e as jogo no chão ao lado do vaso sanitário. As jogaria em um recipiente de descarte de risco biológico se pudesse, elas cheiram muito mal, mas infelizmente este não é um laboratório, e não há um acessível.

Apoiada no balcão, olho no espelho. Minhas bochechas estão fundas e meus olhos têm olheiras. O hematoma da cabeçada de Pike na minha testa está desaparecendo, embora nunca tenha percebido como estava ruim para começar. Meu cabelo escuro está oleoso, salpicado de sujeira e poeira da garagem. Está tudo agrupado em mechas grossas, projetando-se em todas as direções como uma Medusa suja.

O vapor cobre o espelho e distorce minha imagem desgrenhada. Solto o balcão e lentamente vou até o chuveiro, entrando no calor. Sigo o conselho de Thorne e lavo meu cabelo duas vezes, lavando uma terceira para garantir. Coloco o condicionador no meu cabelo e não o enxáguo até terminar de esfregar meu corpo com uma toalha e uma barra de sabão. Tem cheiro de pepino e frutas, mas qualquer cheiro é melhor do que vários dias sem tomar banho e sobre sua própria sujeira.

Quando termino, fecho a água e procuro cegamente a toalha no balcão, apenas para tê-la colocada em minhas mãos. Suspiro e rapidamente enxugo a água dos meus olhos. Olho para cima encontrando Pike olhando para mim através do vapor. — Você será uma isca muito bonita, — diz ele. Sua voz amplificada no pequeno banheiro.

Rapidamente enrolo a toalha em volta dos meus ombros, com cuidado para cobrir meu ombro esquerdo, embora deixe o restante de mim nua da parte inferior dos meus seios para baixo. Estou nua diante dele, aberta para seu escrutínio de olhos escuros. Nunca estive nua na frente de um homem antes, muito menos esse tipo de homem. Papai nunca me viu nua, provavelmente nem quando era um bebê.

— O que você quer? — Pergunto, pressionando minhas costas contra a parede de azulejos para colocar tanto espaço entre nós quanto possível.

Pike passa o olhar dos meus pés para entre as minhas pernas e depois para os meus seios. — Com medo de que eu a mate e que a comida e o banho seja uma situação de cadáver limpo e última refeição? — Ele pergunta.

— Eu não estava pensando isso até você mencionar, — respondo.

Ele ri. — Não vou te matar. Não hoje, de qualquer maneira. Tenho um uso melhor para você agora que como um cadáver sexy pra caralho.

Sexy pra caralho? Cadáver?

Suas palavras vibram através de mim de uma maneira que não consigo identificar com nenhum sentimento ou emoção.

— Isso foi uma ameaça ou um elogio? — Pergunto.

Ele sorri, cruzando os braços sobre o peito. — Talvez ambos. — Ele inclina a cabeça para o lado e seus olhos caem para o meu peito mais uma vez. — Talvez nenhum dos dois.

— E ... para quê, exatamente, você vai me usar? — Indago, pressionando a parede molhada atrás de mim.

Ele entra no chuveiro totalmente vestido, mas já estou contra a parede. Não há para onde ir. Ele me prende, levantando meu queixo para encontrar meus olhos. — Isca.

Ele me deixa parada no vapor, meu corpo inteiro tremendo. — A porta está destrancada. Vista-se e me encontre na cozinha.

— Por quê? — Pergunto, sem fôlego.

Ele se vira e me encara. — Por quê?

— Por que se preocupar com isso? Não vou te dizer nada. Se você vai me torturar um pouco mais, ainda assim não vou te dizer, então você pode muito bem me matar agora e acabar com isso, — minhas palavras são corajosas, mas por dentro, sou uma criança trêmula vacilando por uma mão levantada.

— Você entendeu mal o ponto da tortura, então.

— Entendo perfeitamente bem, — digo, endireitando meus ombros. Mordo meu lábio para evitar que ele trema, sibilo quando movo a crosta em volta dos meus lábios, e ela puxa dolorosamente minha pele.

Ele volta até mim e me encara, parecendo genuinamente desapontado. — Desistindo tão cedo?

Preparo meus nervos e tento fingir que sua proximidade não envia uma onda de medo por todo o meu corpo. — Não, é isso que estou tentando te dizer. Não estou desistindo. Nunca vou desistir.

Ele volta para dentro do chuveiro e passa a ponta dos dedos pelo lado do meu rosto. Meu corpo esquenta e não do vapor. Me afasto de seu toque, com raiva dele, da minha reação e da própria biologia por causar essa reação.

A expressão de decepção é substituída por um novo brilho em seus olhos. Sua risada vibra em meu peito. — Bom. Você parece o tipo que não desiste de uma boa luta. — Ele se inclina e roça seus lábios contra meu pescoço enquanto fala e a onda de medo se transforma em um furacão de biologia e hormônios, me atingindo com uma força que torna difícil ficar de pé. Estou molhada e não tem nada a ver com meu banho e tudo a ver com ele. — E estaria mentindo se dissesse que não estou ansioso por isso.


Capítulo Treze

Mickey


Depois de finalmente me acalmar o suficiente para parar de tremer, enrolo a toalha em volta do meu corpo com força e escovo os dentes três vezes antes de passar um pente de plástico pelo cabelo. Demora um pouco para soltar os nós, puxando dolorosamente meu couro cabeludo até que o pente não tranca mais e os nós estejam suficientemente lisos.

Coloco a calça de ioga e o suéter que Thorne deixou para mim e reprimo um gemido ao ver o tecido macio e limpo roçar suavemente minha pele. O suéter é grande, mas confortável. A calça ficou perfeita, abraçando meu corpo sem ficar muito apertada. Estar limpa e vestida novamente me dá uma resolução totalmente nova. A água quente do chuveiro fez com que o formigamento em meus braços e pernas se dissipasse, e agora, estão apenas doloridos, mas não é nada que não possa controlar.

No momento em que volto para o quarto, me sinto mais afiada e mais parecida comigo do que há dias.

O quarto em si não é o que espero de Pike. Embora, nada além de uma masmorra com dragões cuspidores de fogo e uma coleção de bolas de correntes não seria o que esperava para ele. É tijolo em todos os lados, pintado de branco para dar ao quarto um toque mais aberto e moderno. A cama é uma queen simples, com um edredom cinza e duas almofadas brancas simples. Uma das mesinhas de cabeceira nada mais é do que um caixote de madeira de cabeça para baixo, abrigando uma variedade de cintos e trocados junto com uma garrafa vazia de uísque. A outra mesa de cabeceira não é realmente uma mesa de cabeceira, mas um cofre com fechaduras digitais. Os interruptores elétricos são do tipo conectados a tubos de metal que alojam a fiação que sobe pelas paredes e ao redor do teto.

Quando termino de examinar o quarto, fecho meus olhos e respiro fundo.

Frequentemente, a imagem em minha mente se destaca mais claramente do que o visual que consigo com meus olhos, e se tiver alguma chance de escapar, preciso ver tudo.

Em minha mente, vejo a janela e percebo que foi selada com tinta. As paredes da sala são de tinta verde-menta desbotada sobre blocos de concreto. Várias rachaduras percorrem os vãos do chão ao teto. A porta está... espere. As paredes. As rachaduras.

Abro os olhos e corro até a parede, onde um dos blocos tem rachaduras em todos os lados. É o único na sala assim. Empurro o bloco e envio uma prece silenciosa em agradecimento a qualquer divindade que tornou isso possível quando ele se move. Enfio meus dedos através das rachaduras e puxo o bloco de um lado até que ele deslize o suficiente para que possa alcançá-lo. Imagino encontrar apenas poeira até avançar um pouco mais e as pontas dos meus dedos tocarem algo frio e metálico.

Deslizo para trás e envolvo meus dedos em torno dele, tirando minha mão até que esteja livre da parede.

Olho para baixo e sorrio para a faca brilhando em minha mão.

 


A cozinha de Pike é pequena, pequena demais para duas pessoas trabalharem ao mesmo tempo, mas limpa. As paredes são brancas, mas um branco esmaecido, como se os anos de cores de tinta abaixo estivessem tentando abrir caminho para serem vistos.

É uma cozinha estilo galley5 com uma pequena janela no final do corredor estreito que deixa entrar luz apenas o suficiente para distinguir as sombras das barras a cobrindo do outro lado. Emoldurando a janela há um par de cortinas xadrez amarela, marrom e laranja, amarradas com borlas desbotadas apenas por dentro voltadas para o sol, me dizendo que as cortinas estão sempre na mesma posição.

De um lado tem uma mesa em forma de meia-lua empurrada contra a parede, sua tinta marrom lascada nas bordas. Três bancos sem encosto com almofadas laranja-escuras desbotadas no meio pelo uso estão embaixo. O outro lado da cozinha é forrado com balcões de madeira escura com armários na cor mostarda onde está embutida uma pequena geladeira, uma pia de aço inoxidável com uma bacia e um micro-ondas de bancada preto. Pendurado acima do backsplash6 de ladrilhos cor de lama existem dois armários brancos modernos com uma porta de vidro deslizante horizontal escuro de um lado.

As paredes da sala são de um laranja forte. Duas plantas artificiais em vasos estão em uma mesa redonda com uma perna quebrada ao lado da grande janela. Um futon ocupa a maior parte da parede ao lado dela, coberto com um edredom cinza simples e uma pintura tão escura que acho que é apenas um pedaço emoldurado de tela preta.

Um aparelho de ar condicionado fica dentro da janela, soprando as cortinas de renda amarelada como um fantasma sujo assombrando o lugar até que alguém o resgate com um pouco de alvejante.

Na parede oposta há uma TV de tela plana, para a qual presumo seja um dos cinquenta controles remotos na mesa de centro, e uma estante de livros cheia de centenas de títulos e duas prateleiras de discos, cada uma coberta com plástico.

— O que você esperava? Uma espelunca? — Pike pergunta, tirando-me dos meus pensamentos.

Me viro para enfrentar seu sorriso e respiro fundo, tentando não parecer tão abalada quanto me sinto. — Não esperava estar aqui, com certeza. — Continuo minha expedição como se não me importasse em ter sido pega bisbilhotando ou que sua presença arrepiasse meus braços. Ele me trouxe aqui e de acordo com sua lógica sobre sequestradores e cativos e quem começou o quê, me leva a acreditar que o que estou fazendo não é intrusivo.

— Engraçado, parece que você planejava estar aqui. Ou você e os outros capangas simplesmente decidiram que não me roubaram o suficiente e foi mais como uma coisa de última hora.

Abro a boca para responder e fecho com a mesma rapidez. Ele me pegou nessa.

Encolho os ombros, continuando a fingir que não estou afetada por sua presença.

— O gato comeu sua língua, Mic? — Ele pergunta, encostado no balcão com os cotovelos.

— Gosto de gatos, — respondo, parecendo entediada. — Fiel. Autolimpante. Afetuoso. Você tem um monte deles no beco. Eles parecem famintos. Você deve alimentá-los.

— Preciso de mais do que fome como motivo para alimentar alguém, — ele responde. Seus lábios se contraem. — Você gosta de gatos? — Ele pergunta como se não pudesse acreditar que alguém pudesse gostar de gatos.

— Amo gatos, — respondo, abrindo e fechando um dos armários da cozinha sem realmente olhar para dentro.

Olho para Pike, que está tentando não sorrir e percebo o que está fazendo.

— O que? — Pergunto, de pé em frente ao balcão dele. — Sem comentário sexista sarcástico sobre como você gosta de boceta7?

Seus olhos seguram os meus. — Nah, muito fácil.

— Ah, então você gosta de um desafio. — Aponto, espelhando sua posição com meus cotovelos no balcão.

Ele sorri. — Tentando me entender, Mic?

— Não. Já desvendei você. — Aponto para o sofá de couro preto gasto na pequena sala de estar. — Solteiro. — Aceno com a mão para o próprio Pike, para sua blusa branca apertada envolvendo seus músculos abdominais como uma daquelas máquinas de embalar a vácuo dos infomerciais. É ridículo como ele é lindo por fora. A máscara perfeita para esconder o que ele realmente é por dentro.

Pike limpa a garganta, sorrindo quando me pega olhando.

Afasto meu olhar, sentindo o rubor subir em minhas bochechas. — Você cuida de si mesmo. Obviamente treina para ficar... uh, assim. Você come muito bem. — Aponto para o cigarro apagado pendurado em seus lábios. — Mas você também não segue as regras e está disposto a arriscar, sabendo muito bem as consequências.

Pike não está impressionado. — Então, acho que eles estão distribuindo boas pontuações de QI para qualquer pessoa com olhos na cabeça?

Considero um desafio cavar mais fundo. Ele obviamente fez uma pesquisa sobre mim, mas a única pesquisa que tenho disponível quando se trata dele é este apartamento.

A estante do canto está completamente vazia. — Inteligente e astuto, mas não é inteligência vinda de livros. Direi que você não terminou a escola, não porque não é inteligente o suficiente, porque é, mas porque faltou interesse. — Vejo uma nota no balcão. É para Thorne sobre o inventário. As letras quase não são legíveis. O inventário está escrito incorretamente e em letras minúsculas, sem vírgulas ou pontos. Sorrio com confiança. — Além disso, em relação à escola, acho que a disgrafia não ajudou.

Pike inclina a cabeça e arranca o cigarro dos lábios. — A porra do quê?

Explico. — O que a dislexia é para a leitura, a disgrafia é para a escrita. É uma deficiência visual em que a pessoa tem dificuldade em usar letras maiúsculas ou pontuação de forma consistente. Adultos que não foram diagnosticados quando crianças tendem a usar letras minúsculas, além de evitarem a pontuação ao mesmo tempo. — Deslizo o bilhete para ele.

— Em primeiro lugar, qualquer um poderia me dizer que sou solteiro e inteligente. Isso não significa que você me desvendou, — ele aponta para mim com o cigarro. — E fui diagnosticado como disléxico desde criança. Nunca ouvi falar da outra coisa, mas parece certo. Isso foi...

— Impressionante?

— Irritante, — ele rebate.

Um novo tipo de desconforto torna sua presença conhecida. Como se o universo estivesse totalmente ciente de que ter esse tipo de conversa fácil com o homem que está me torturando vai contra tudo que é natural ou certo no mundo. Faço uma nota mental para informar ao universo que estou plenamente ciente dessa estranheza e pergunto como resolver.

Lembro-me da faca enfiada na parte de trás da minha calça.

Assim que escapar.

Meus pés descalços raspam no chão áspero. Olho para baixo para ver que metade do piso da cozinha foi destruído, e há várias caixas sinalizadas “AZULEJO” contra a parede sob a pequena janela da cozinha.

— Reformando? — Indago.

Ele assente. — Sim, quando comprei o prédio, havia uma inquilina nele. Tive que esperar até que ela partisse para me mudar e começar a reforma.

— Como um senhor de terras. Um assassino, um torturador, um traficante de drogas e um faça-você-mesmo. Quem teria pensado? — Pisco meus cílios.

— Espertinha, — ele resmunga. Ele se endireita e, pela primeira vez, percebo algo diferente de raiva em seus olhos. Ele parece cansado. O tipo de cansaço que desgasta a alma e não apenas o corpo.

O mesmo tipo de cansaço que sinto.

Limpo minha garganta. — Uh, sua inquilina. Ela se mudou para um lugar melhor?

Interiormente, faço uma careta com a pergunta estúpida e irrelevante.

Pike passa a mão pelo cabelo e o sacode. — Acho que você pode dizer isso se acredita na vida após a morte. Não sei. Você terá que perguntar ao filho dela. Ele ainda vem na loja de vez em quando.

Não ouço o resto porque estou encolhendo tão forte que estou preocupada em implodir.

Ele percebe meu desconforto e sorri, apoiando-se no balcão mais uma vez. — Não me diga que a gênia científica tem medo de fantasmas?

Lentamente, levanto meu queixo para ver a diversão em seus olhos. Bufo. — Escute, sou uma pessoa lógica, e fantasmas não têm lugar na lógica. Sei disso. Meu cérebro sabe disso. Mas saber que não é lógico não impede o medo, porque o próprio medo não está enraizado na lógica. Portanto, — respiro fundo e estremeço. — Odeio fantasmas, porra. — Assinalo uma lista em meus dedos. — Junto com filmes de terror. Qualquer menção a cemitérios. Vida após a morte. Casas mal assombradas. E romances de Steven King.

Ele ri, e todo o meu corpo congela porque sua risada é profunda e genuína e, embora odeie admitir, bonita.

— Você venceu, — digo. — Chega de conversa sobre fantasmas.

— Você nem vai me perguntar se ela morreu aqui? — Pike pergunta, me incitando. Não me surpreende que ele esteja gostando desse tipo de tortura tanto quanto gosta dos outros tipos.

Levanto minha palma. — Não, não me ocorreu perguntar. Não me importo.

— Sério? — Ele pergunta, parecendo genuinamente confuso. — Isso é o que a maioria das pessoas pergunta de cara quando vem aqui.

— Você quer dizer a maioria das garotas que vêm aqui, — corrijo.

Ele não responde, e não precisa. Posso ver com meus próprios olhos e, como uma mulher heterossexual que atualmente não está morta, é tudo que preciso para saber que estou certa. E por causa da minha maldita memória fotográfica, muito depois que esse pesadelo acabar, se acabar, poderei olhar cada detalhe de sua perfeição bárbara pelo resto dos meus dias e relembrar cada segundo deste inferno em vida.

— Não sou a maioria das pessoas ou a maioria das garotas. — Minhas palavras são um lembrete para mim mesma das provocações a que fui submetida na escola.

Muito inteligente. Muito nerd. Exibida. Pária.

De repente me sentindo claustrofóbica na pequena cozinha, passo por Pike, que não faz nenhum esforço para se afastar. Quando me viro de lado e passo por ele, meus seios roçando levemente suas costas, estou muito certa que ele pode sentir o calor que estou sentindo a partir da porra dos meus dedos dos pés.

Quando estou na segurança da sala de estar, me viro e encontro Pike me olhando como se me visse pela primeira vez. Seus olhos me percorrem do rosto pelo meu corpo lentamente, me aquecendo e me constrangendo até alcançar meus dedos dos pés e depois sobe novamente como se não se importasse em ser pego olhando para mim. Como se não tivesse nenhuma preocupação no mundo. — Não, você não é, — ele murmura.

— O que você disse? — Não sei se o ouvi bem.

Pike dá de ombros, — Absolutamente nada. Você ainda está ouvindo coisas, ou talvez, seja sua irmã de novo. — Ele dá aquele sorriso irritante que faz uma covinha aparecer em sua bochecha direita. O homem robusto com cicatrizes nos nós dos dedos de repente parece um menino, e se não soubesse em primeira mão o que ele é capaz de fazer, poderia até chamá-lo de sexy.

Porra.

— Ou talvez seja o fantasma? — Ele provoca, balançando as sobrancelhas. — Porque Edna é conhecida por vagar por aqui em...

Cruzo meus braços sobre meu peito. — Não tenho medo de fantasmas, — respondo. Tenho medo de você.

Pike se aproxima de mim e coloca as mãos nos meus ombros. — Preciso que você faça algo por mim. — Seu tom não é uma exigência ou uma ordem. — Feche seus olhos. — É um pedido suave.

— Não sei que tipo de doente...

— Apenas feche seus olhos. É uma experiência para ver como isso funciona.

Ansiosa para acabar com tudo isso e ainda mais ansiosa para saber o que exatamente é isso e voltar a planejar minha fuga, obedeço e fecho meus olhos, respirando fundo.

O que ele diz não é nem de perto o que esperava. — Como é minha cozinha?

— O que? — Pergunto, meus olhos se abrindo novamente.

Seu rosto está sério, seus lábios em uma linha reta. — Feche os olhos, — diz ele, desta vez com um pouco mais de exigência em sua voz.

Fecho de novo e ele repete a pergunta. — Como é a minha cozinha? Em detalhes.

Torço meu nariz. — Feia.

Seus dedos apertam meus ombros. — Diga-me como você vê isso agora. Da sua memória.

Este pedido é fácil para mim. Sempre foi. Tão fácil quanto olhar para uma imagem em suas mãos e recitar o que você vê. Dou-lhe todos os detalhes completos, com cortinas de borla desbotada sobre a pequena janela e uma descrição de cada lasca e arranhão no balcão de madeira as barras tortas do lado de fora da janela. — Pelo menos, são barras ornamentadas e têm um pouco de charme. O design da flor de lis em metal do que é basicamente uma gaiola sobre a janela é um toque agradável no que diz respeito às gaiolas decorativas. Mas as grades nas janelas realmente precisam ser decorativas? É uma espécie de oximoro, se você me perguntar. Como floreiras no topo de uma pilha no depósito de lixo.

Por alguns segundos, há apenas silêncio. Abro os olhos para encontrar Pike olhando para mim com perplexidade em seus olhos.

— Passei ou falhei? — Pergunto, sem saber qual era a hipótese desse experimento para começar.

O rosto de Pike voltou a ficar frio e sem emoção. — Ambos.

Suas mãos deslizam dos meus ombros, pelos meus braços, em seguida, ao redor da minha cintura, me puxando com força contra seu peito. Ele deixa cair sua mão no topo das minhas coxas, então mais alto, massageando minha bunda. — O que você está fazendo? — Sussurro, sentindo meu corpo queimando de vergonha, choque e porra de biologia.

Seus lábios roçam minha orelha. Um arrepio de corpo inteiro percorre minha pele.

Pike tira uma de suas mãos da minha bunda e passa os nós dos dedos pelos arrepios no meu antebraço. A outra mão se move da minha bunda para a parte inferior das minhas costas, empurrando a parte de trás da minha camisa. Estou imóvel como uma estátua.

— A questão é, Mic, que porra você pensa que está fazendo? — Ele tira a mão das minhas costas e a outra agarra meu antebraço com força. — Você não vai precisar disso. — Ele empurra meu braço com um olhar de desgosto torcendo seu rosto bonito.

Ele se afasta e meu olhar cai para sua mão.

A mão que agora está segurando minha faca.

A merda das câmeras.


Mandamentos de um sequestrador


O GUIA COMPLETO PARA CUIDAR DO SEU CATIVO

Por Samuel, filho da puta, Clearwater


Você se encontra na posição de ter que torturar e cuidar de um prisioneiro relutante? Você está planejando conseguir um cativo relutante em um futuro próximo? Ou talvez você esteja apenas sonhando acordado com o dia em que terá seu próprio prisioneiro relutante.

Pois bem, essas diretrizes são para você.

Tendo sido sequestrador e prisioneiro, desenvolvi essas diretrizes infalíveis para garantir uma experiência bem-sucedida para o sequestrador (você), ao mesmo tempo em que tenho em mente as necessidades do infeliz ao seu alcance.

Não sou apenas o presidente, pessoal. Eu também sou um membro filho da puta.

DIRETRIZES

* Não abandone seu prisioneiro. Outra pessoa além do sequestrador (você) deve estar ciente do paradeiro de seu prisioneiro o tempo todo, no caso improvável de morte prematura do sequestrador. E lembre-se, um prisioneiro solitário é um prisioneiro que não coopera. Eles já estão sendo torturados. Agora, dê a eles o presente do seu tempo.

* Permita ao seu prisioneiro alguma liberdade. Como, você pergunta? Braceletes de prisão domiciliar com explosivos embutidos são uma boa maneira de manter seu prisioneiro com medo de se tornar arte abstrata humana, permitindo-lhe um pouco de exercício. É uma boa prática fazer o sangue fluir antes de fazer o sangue fluir. Além disso, só a merda mental que o cativo experimentará enquanto questiona a dita liberdade restrita não tem preço.

* Não se deve permitir que feridas infeccionem. O kit inicial de tortura em anexo contém tudo que você precisa para limpar todos os tipos de feridas, incluindo, mas não se limitando àquelas infligidas por: armas, facas, picadores de gelo, navalhas, facas, lâminas de barbear, tacos de beisebol cobertos de arame farpado, cordas, lâmpadas domésticas, CDs quebrados de Britney Spears e brinquedos infantis. Recomendo que você reserve um tempo para abrir seu kit e se familiarizar com o conteúdo antes de iniciar seu próximo sequestro. Lembrem-se, crianças, antes de infligir novos ferimentos eles não serão eficazes se seu prisioneiro estiver morrendo de sepse. Um sequestrador feliz é um sequestrador preparado.

* Água deve ser dada ao prisioneiro a cada vinte e quatro horas. Acredite em mim, isso ainda vai ser uma merda para eles, mas vai mantê-lo vivo até que seja hora de eles não existirem.

* Após quatro dias, a comida deve ser oferecida ao seu prisioneiro. Algo saudável e nutritivo. Em anexo, você encontrará as diretrizes e regulamentações da FDA para uma dieta saudável. Se você estiver lendo isso em formato de e-mail, incluí links de algumas das minhas receitas favoritas de trinta minutos ou menos que certamente agradarão qualquer tipo de prisioneiro contra sua vontade. Experimente as panquecas. Yum!

* Qualquer prisioneiro mantido por mais de uma semana deve ser morto quando o relógio bater meia-noite no 5º dia ou recebido pela família de braços abertos. Todas as informações sobre as datas e horários do casamento podem ser publicadas no meu site compartilhado KNOT.COM. Você também descobrirá que disponibilizei modelos de registro de casamento pré-preenchidos na Amazon, Home Depot, Kinkyshit-R-Us e Weapons Depot, apenas para você começar.

* Não se esqueça da regra mais importante de todas. Divirta-se! Faça desse sequestro uma experiência agradável, que você vai querer lembrar por muitos anos. Então, seja criativo! Expresse-se enquanto expulsa seus demônios internos às custas de seu prisioneiro. Lembre-se, só porque seu prisioneiro não está se divertindo, não significa que você não possa. Eles estão fodidos, mas você não estará se seguir as orientações acima.

Isso é tudo, pessoal.

Lembre-se de ajudar a controlar a população de animais de estimação e esterilizá-los ou castrá-los.

Avise sua mãe,

Samuel, filho da puta, Clearwater, também conhecido como — Preppy.


Capítulo Quatorze

Mickey


— Quem escreveu isso? — Pergunto, olhando para as palavras que não posso acreditar que realmente existam ou que estavam apenas esquecidas no banco do passageiro da caminhonete de Pike. — Mandamentos de um sequestrador?

Pike suspira e gira o volante. Passamos por um buraco e esmago as páginas na minha mão. — Um amigo meu escreveu. Ele... passou por alguma merda.

— Claramente, — respondo, sacudindo as páginas amassadas para ele. Então, seus amigos são como ele. Aparentemente, sequestro é uma coisa tão comum entre eles que teve a necessidade de escrever diretrizes.

— Você acha que isso é ruim, você deveria ver a porra do kit, — comenta Pike, baixando a janela e acendendo um cigarro.

Percebendo que não tenho ideia para onde estamos indo, fico nervosa. — É agora que você começa a me usar como isca?

— Não, isso vai começar na loja de penhores. Vou deixa-la sentar na frente da loja com Thorne. As pessoas falam nesta cidade e, se eu estiver certo, falarão sobre você. Quanto mais as pessoas falam, mais a notícia se espalha, mais provavelmente seu pessoal saberá que você está viva e virão atrás de você. — Ele olha para mim. — E estarei pronto.

— Eles não são meu pessoal, — murmuro.

— O que você disse? — Ele pergunta.

— Absolutamente nada, — resmungo, olhando pela janela enquanto a estrada em que estamos fica mais estreita e os prédios menores e mais distantes entre eles, estamos nos afastando de Logan’s Beach. Logo, estou me sentindo claustrofóbica enquanto vegetações gigantes se estendem de ambos os lados, como se estivesse congelada prestes a nos engolir inteiros.

Um dos pneus do caminhonete afunda em um grande buraco. Agarro a alça 'puta merda' acima de mim para proteger minha cabeça de colidir com o teto. — Para onde você está me levando? — Pergunto, sentindo cada vez mais desconforto. Já passamos da civilização há muito tempo e estamos entrando no que parece ser o país do banjo.

Pike sai da estrada escassamente pavimentada e entra em uma estrada de terra ainda mais acidentada. Minha bunda levanta e bate de volta no banco várias vezes. Passamos sob um dossel de árvores arqueadas na estrada acima de nossas cabeças. Através das folhas, o sol poente cintila como mil estrelas rosa e laranja, derramando beleza em um momento que de outra forma seria sinistro.

— Tenho que encontrar alguém, — responde Pike, olhando pelo para-brisa e parecendo perdido em pensamentos.

— Por que está me levando com você?

— O que há com todas essas perguntas do caralho? — Ele pergunta.

— Talvez você não seja o único que gosta de torturar pessoas? — Digo sarcasticamente.

Isso me rende um revirar de olhos e uma contração de seus lábios, que estou percebendo que ele faz quando está tentando não sorrir. — Porque depois da besteira da faca, não confio que você não tente alguma merda, e não posso permitir que tente esfaquear minha ajudante durante o horário comercial.

Encolho os ombros. Seu raciocínio não está errado. Faria o mesmo se fosse ele. Embora ele não precise saber que eu não esfaquearia Thorne. A menos, claro, que ela tente me esfaquear primeiro. Nesse caso, tudo está em jogo.

Pike estaciona o caminhonete no meio da estrada e desce.

— E se alguém quiser passar por nós? — Digo atrás dele.

Ele não se vira. — Ninguém vem aqui, — ele responde.

Ninguém.

Pike se vira e vê que não estou o seguindo. — Você vem ou vai ficar ai e ser comida pelas criaturas?

Cruzo meus braços sobre meu peito. — É melhor do que ir com você e ser alimento para as criaturas, — argumento.

Pike vem até mim e levanta meu queixo com os dedos. O empurro para longe. — Se eu quisesse te matar...

Levanto minhas sobrancelhas.

— Se quisesse matá-la hoje, tenho mil lugares melhores do que este para me livrar do seu corpinho e, além disso, você já estaria morta antes que a arrastasse até aqui.

Se suas palavras são para me confortar, elas falham. — Por que já estaria morta? — Pergunto, buscando uma resposta lógica para sua declaração absurda.

Pike responde como se fosse óbvio e ele não pode acreditar que tem que explicar isso para mim. — Ninguém quer dirigir até aqui para um lugar como esse com uma gritadora no porta-malas. — Ele se vira e segue por um caminho estreito.

Hesito, olhando ao redor. O sol está quase se pondo e os insetos estão cantando e zumbindo ao meu redor. Um sapo coaxa. Uma coruja pia. Um coiote... merda.

Corro para alcançar Pike, que ri baixinho. Não quero admitir, mas a situação é engraçada, até porque também é ridícula. Estou procurando segurança voluntariamente das criaturas com Pike, de todas as pessoas, quando correr em um campo de coiotes provavelmente seria a escolha mais segura. Mas mesmo pessoas lógicas têm momentos ilógicos e, obviamente, este é um dos meus, e um de muitos quando se trata de Pike.

— O que exatamente, você vai encontrar no meio do nada? — Pergunto, imaginando que tipo de pessoa viria aqui por vontade própria.

Bem, além de Pike.

Pike faz uma pausa quando chegamos a uma pequena clareira com um lago raso semelhante a um pântano no meio, cercado por grama alta. — É quem. — Ele aponta para um homem parado em um aerobarco a cerca de seis metros de distância.

Sujeira cobre as bochechas afundadas do homem, juntamente com o macacão e o que presumo costumava ser uma camiseta branca por baixo. Ele nos vê e sorri, acentuando as rugas ao redor de seus olhos e lábios bronzeados. Um punhado de longos bigodes brancos pende de um queixo pontudo. Ele cobre os lábios com o dedo indicador avisando que devemos ficar quietos, em seguida, olha para baixo com determinação para algo na proa do barco. Ele não parece uma pessoa no meio do pântano, mas sim uma parte dele. Como uma rã ou árvore. Ele apenas deveria estar aqui.

Estico o pescoço para ver o que é que mantém o homem tão obcecado, mas não consigo ver nada na frente do barco. — O que ele está fazendo?

— Apenas observe, — Pike sussurra.

O homem agarra o que parece uma vara de rolo de pintura, mas sem a parte do rolo no gancho de metal. Depois de alguns minutos imóveis, ele de repente acerta um pedaço de grama alta. Me assusto com o movimento repentino. Ele se ajoelha e agarra algo com a mão, seus músculos tensos com o esforço necessário para fazer o que quer que esteja fazendo. Largando a vara de pintura, ele leva sua mão agora livre até um saco de estopa.

Ele se levanta e começa a colocar algo no saco. Uma coisa muito grande e longa que desliza.

— Aquilo é uma... cobra? — Pergunto, notando o padrão brilhante bege, marrom e amarelo em sua pele.

— Píton! — O homem anuncia triunfantemente. Acho que não precisamos mais ficar quietos. Seu sorriso revela a falta de um dente da frente.

Uma Píton? Procuro em meu cérebro por qualquer arquivo sobre Píton, e a única informação que consigo é que elas não são nativas desta área.

— Esse é Gutter, — explica Pike.

Ele continua a colocar o corpo da cobra no saco pelo que parece uma eternidade. Deve ter pelo menos 3,6 metros de comprimento. É espessa também. Minhas mãos nem se fechariam se a agarrasse. Estremeço com a ideia de realmente colocar minhas mãos sobre ela, e fico aliviada quando a cobra está totalmente no saco. Ele o amarra e coloca o saco dentro de outro saco, fechando-o na parte superior, mas ainda não terminou. Ele pega um rolo de fita isolante na parte de trás, enrolando-o ao redor do saco várias vezes antes de cortá-lo com os dentes e colocar a cobra dentro de uma área de contenção quadrada na frente do barco. Gutter então gira a manivela do motor elétrico do barco e segue em nossa direção, encalhando o barco na lama a apenas 30 ou 60 centímetros de distância.

Gutter se joga da beirada do barco e nos cumprimenta com um leve toque na aba de seu boné. Agora que ele está mais perto, posso ler o que está escrito, Willie Nelson 2020.

Me inclino sobre a borda do barco e olho para o saco contendo a cobra, fascinada com o porquê de ela estar lá e a experiência com que Gutter a pegou. Tenho um milhão de perguntas enchendo minha mente, mas não tenho certeza com qual começar. Tudo que sei é que preciso mais de informações do que de respirar.

Gutter estala os dedos. — Oh, quase esqueci uma coisa. — Ele tira uma folha de papel do bolso da frente do macacão e tira algo dela, colando na fita adesiva do saco. É um adesivo com a foto dele. Ele está sorrindo com os dois polegares para cima. A legenda abaixo diz ENSACADO E MARCADO POR GUTTER. RÉPTIL PERIGOSO DENTRO. — Esse é o meu terceiro hoje, e é incrível também.

— Três delas? — Suspiro, em seguida, olho em volta dos meus pés. — Quantas estão aqui?

O homem encolhe os ombros. — Aqui no Everglades? — Ele coça os longos bigodes em seu queixo. — Centenas de milhares, acho.

— Mas as Pítons não são nativas do sudoeste da Flórida... — pondero.

Gutter sorri e lança um olhar para Pike que diz que ele está impressionado. — Você está certa. Elas não são nativas e não têm predadores reais para eliminá-las. As pessoas começaram a jogá-las aqui quando ficaram grandes demais para serem usadas como animais de estimação. Até vi uma tentando engolir um gatinho de tamanho decente um tempo atrás. De qualquer forma, o Tio Sam paga um bom dinheiro por cada uma que levo.

Isso é bom e tudo, mas meus pensamentos ainda estão presos em centenas de milhares.

Pike acende um cigarro. — Vendendo-se por um trabalho no governo afinal, hein, Gutter?

Gutter revira os olhos. — Foda-se, Pike. Todos por aqui sabem que não sou um funcionário do governo e nunca serei. — Ele cospe no chão próximo a seus pés para enfatizar seu ponto. — Apenas me beneficiando dos filhos da puta pela merda que eu faria, mesmo se eles não estivessem me pagando para fazer isso.

— O que quer que te deixe dormir à noite, amigo. — Pike dá uma tapinha em seu ombro e Gutter dá um tapa em sua mão. Qualquer que seja a relação entre os homens, é confortável. Não imagino que Pike não retaliaria um tapa de alguém com quem não se sente confortável, por mais brincalhão que seja.

Gutter olha para mim, cruza os braços sobre o peito e depois faz uma reverência dramática. — E quem é esta linda jovem? — Ele pergunta, endireitando-se, ele me dá uma piscadela.

— Mickey, este é o Gutter. Gutter, este é a Mickey.

— Mickey, como o rato? — Ele provoca.

Sorrio, não consigo evitar. A personalidade de Gutter ou é infecciosa, ou preciso urgentemente de um contato humano que não esteja amarrado em um nó de ameaças. — Mickey de Michaela, mas sim, também como o rato.

Gutter coça o queixo. — Michaela funciona melhor para mim. Nunca me importei com aquele camundongo, já que aquele sujeito da Disney era um maldito nazista, — diz ele, como se fosse de conhecimento comum.

— Sério? — Pike zomba. — Você precisa arrastar o nome de Walt Disney para a lama?

— É verdade, — digo em defesa de Gutter.

Pike levanta as sobrancelhas.

Explico. — É um fato conhecido que a Disney participou de reuniões de uma organização pró-nazista na década de 1930, e há rumores de que ele e Himmler, o segundo em comando de Hitler, se encontraram na Disney World quando foi inaugurada, embora isso nunca tenha sido provado. Portanto, Gutter não está totalmente errado. — Olho para Gutter. — Sem ofensa, não totalmente certo também.

— Não ofendeu! — Ele diz alegremente. — Gosto dessa garota, Pike. Sinta-se à vontade para trazê-la aqui com mais frequência. Agora, diga-me o que você achou daquele sujeito em Hollywood que sei que é um espião russo secreto.

— Quem? — Pergunto, sem saber de quem ele poderia estar falando.

Gutter franze os lábios. — Aquele imprestável John Stamos, é quem.

Rio e olho por cima do ombro de Gutter para Pike, cujo lábio está fazendo aquela coisa nervosa novamente. — Não ouvi nada sobre ele, mas avisarei se ouvir.

— Faça isso, garota. — Ele dá um tapa no ombro de Pike. — Agora, o que traz gente como você aqui, porra, para encontrar um velho como eu?

Pike acende outro cigarro e entrega um a Gutter, que o pega com um aceno de agradecimento. — Muito obrigado, meu jovem.

Gutter olha de Pike para mim, depois de volta para Pike novamente. — Você está aqui para se livrar de um corpo? — Ele aponta para mim com seu cigarro. — Porque ela ainda parece um pouco viva, então acho que você está fodendo esta aqui, garoto. E ela é muito bonita para alimentar os crocodilos. — Ele pisca para mim.

Pike revira os olhos. — Estou aqui para te trazer isso. — Ele passa um envelope para Gutter, que o enfia no bolso. — Você não precisa fazer isso o tempo todo, garoto. Já falamos sobre isso.

Pike zomba. — Não preciso fazer nenhuma das merdas que faço. Mas não me impede de fazê-las.

Gutter ri. — A porra do apocalipse não poderia te parar quando você coloca sua mente em algo, garoto. Já devia saber melhor à esta altura.

Gutter me entrega uma cerveja. Sento-me na borda do barco enquanto Pike e Gutter mexem em seu motor. — Não deixe seus membros balançarem, — diz Gutter, vindo se sentar ao meu lado. — A menos que você use botas como essas, — ele bate nas botas de plástico brancas e gastas que cobrem as pernas do macacão até os joelhos. — É assim que pegamos jacarés, pendurando a isca sobre a água.

Pike me lança um olhar divertido.

— É bom saber, — murmuro, colocando meus pés no barco. Cruzo minhas pernas debaixo de mim, prendendo-as com força.

Pike ainda está mexendo no motor, ocasionalmente xingando baixinho quando Gutter senta ao meu lado.

— Você conhece Pike há muito tempo? — Pergunto, tomando um gole da minha cerveja gelada. As bolhas fazem cócegas na minha garganta na descida.

Gutter acena com a cabeça. — Sim. Desde antes de ele ter pelos nas bolas. Encontrei seu pequeno traseiro magro tremendo nos juncos uma noite, e embora continuasse dizendo ao nanico para não voltar — ele aponta para trás de seu ombro com sua garrafa de cerveja. — Obviamente a criança não escuta merda nenhuma.

Não, ele não. Olho para Pike, que tirou a camisa. Seus músculos tencionam e flexionam enquanto ele trabalha no motor, sua pele brilhando de suor, fazendo com que suas tatuagens pareçam animadas sob a luz da lua. Tremo, e provavelmente é o gotejamento da condensação na garrafa caindo na minha perna, porque é a única coisa que poderia ser.

Gutter cutuca meu ombro, me tirando dos meus pensamentos. — Desculpe, estou apenas tentando imaginar Pike sendo pequeno, magro ou um nanico.

Ele ri. — Claro, era isso que você estava fazendo.

Tomo outro gole da minha cerveja, tentando cobrir meu rubor com a garrafa.

— Pike é um bom garoto. Ele pode ser um ser humano terrível, mas um bom garoto. — Gutter diz, embora não tenha certeza do que distingue os dois. — Os dois não podem ser separados.

— Não vi muito do lado bom, — admito.

— Você está viva, não está? — Gutter pergunta. — Você está no lado bom se me perguntar.

— Só porque sou parte de seus planos mais covardes, — argumento.

— Sim, continue dizendo isso a si mesma. — Gutter tira do bolso o envelope que Pike deu a ele e o entrega para mim.

Viro em minhas mãos. — O que é isso?

Gutter aponta com os olhos para o envelope. — Esse é o problema dos envelopes. Você tem que abri-los para descobrir.

Não está selado, a aba apenas dobrada para dentro. Puxo para fora. Não tenho certeza do que espero encontrar, mas quando retiro o conteúdo. É dinheiro, e não apenas um pouco. Deve haver pelo menos alguns milhares de dólares em notas de cem dentro. Coloco a aba de volta e entrego para Gutter. Ele o abre novamente, retirando algo de trás das notas antes de colocá-lo novamente em segurança no bolso do macacão.

— Então, ele te dá dinheiro? — Pergunto, afirmando o óbvio e não fazendo a pergunta mais importante do por quê.

Gutter toma um gole de sua cerveja e a joga sobre o ombro no barco atrás dele. Ele pega mais duas do refrigerador e abre a tampa de ambas, colocando um na minha mão. — Pike tem me dado dinheiro há anos. Ele diz que é uma dívida que está pagando por eu ter salvado sua vida ou algo assim, mas não consigo fazê-lo parar. Até ameaçou queimá-lo uma vez e ameaçou comprar-me uma maldita casa se eu não o pegasse. — Ele suspira e olha para as mãos onde está segurando o que agora posso ver é uma foto. — Mas isso aqui não é sobre uma dívida. — Ele me entrega a foto. É uma mulher e um homem segurando um bebê nos braços. — É uma questão de gentileza, embora o senhor saiba que não mereço.

O casal parece ter quase 30 anos. Eles estão sorrindo para o bebê entre eles com amor brilhando em seus olhos. — Quem são eles?

Ele aponta para a foto. — Essa, aqui, é minha filha, Edie, e o marido dela, Glen. Essa é minha neta, Julia. — Ele esfrega um dedo manchado de sujeira em seu rostinho rechonchudo. — Fiz muita merda ruim na minha vida. Não para eles especificamente, mas os afetou com certeza. — Gutter suspira, sua voz cheia de pesar. — Merda que me custou minha garotinha. — Ele acena com a mão dispensando suas emoções, explicando com um simples: — Não havia nenhuma ordem de restrição ou algo assim naquela época. Mas não falo uma palavra com ela desde que ela tinha oito anos.

Minha lógica exige que eu faça a pergunta óbvia. — Por que você não tenta fazer contato?

Gutter balança a cabeça. — Esse barco afundou há muito tempo, e é preciso ser um homem para saber quando as pessoas que ama estão realmente melhores sem ele. Mas essas fotos... — Ele sorri para baixo mais uma vez. — Elas deixam um velho feliz em saber que estão bem. Que eles estão felizes. Mesmo que eu não tenha nada a ver com essa felicidade.

Abro a boca para discutir, sentindo a necessidade de lhe dizer algo que o faria se sentir melhor, mas Gutter levanta as mãos, me cortando antes que possa dizer uma palavra. — Não estou dizendo isso por uma réplica ou por lisonja, garota não sou um maldito democrata. Estou dizendo por que é verdade.

— Então, Pike traz fotos de sua família ... — Não é bem uma pergunta.

Gutter olha para Pike, que enxuga o suor da testa com o antebraço. Ele lança um rápido olhar em nossa direção antes de se ajoelhar sobre o motor.

— Um dia, disse a ele que gostaria de vê-los novamente, não pessoalmente porque é melhor não arrastar o passado para fora do pântano fora da temporada, mas talvez por foto. Não tenho internet aqui, e não estou prestes a ir a algum lugar e me inscrever nas redes sociais e ter os malditos russos monitorando cada porra de movimento. — Ele aponta o dedo médio para o céu.

Levanto uma sobrancelha.

— Satélites russos, — explica ele.

— Então, ele imprime as fotos das redes sociais e as traz para você?

Gutter ri, — Algo assim. — Ele enfia a foto de volta no bolso e dá uma tapinha no tecido. — Ele não precisa me trazer nenhum maldito dinheiro, mas isso... isso é como trazer de volta um pequeno pedaço do meu coração partido.

Meu coração aperta por Gutter enquanto seus olhos se vidram com lágrimas não derramadas. Ele toma outro gole de sua cerveja e balança a cabeça como se para livrar-se de uma vida inteira de arrependimento. — Agora, — diz ele, batendo na coxa com a mão. — Vamos conversar sobre você. Conte-me tudo.

Paro com minha cerveja a meio caminho dos meus lábios. — Tudo?

Ele cutuca meu ombro com o dele. — Sim, tudo o que aconteceu para trazê-la até Pike e sentar sua linda bunda no meu barco de cobras no meio do maldito pântano.

No começo, acho que ele está brincando, mas não há riso em seu rosto enquanto ele me encara com uma intensidade séria. — Vá em frente garota. Não fiz nada bom o suficiente na minha vida para valer a honra de julgar outra pessoa, então não se preocupe com isso. — Ele olha por cima do ombro para Pike. — Além disso, o jeito que aquele menino está bagunçando meu motor, podemos ficar aqui a noite toda.

Com nada além de tempo em nossas mãos e o grito das rãs e grilos que nos cercam, conto tudo a ele.

Bem, quase tudo.

Deixo de fora as informações que Pike deseja desesperadamente, entre outras coisas que podem atrapalhar meus planos.

Afinal, tenho um QI de cento e sessenta.

Não sou idiota.


Capítulo Quinze

Pike


Depois de consertar o motor de Gutter, vamos de barco para Everglades, onde a casa flutuante de Gutter está ancorada. É uma pequena cabana de um cômodo em uma balsa com laterais de estanho e um conjunto de portas de armário jogadas fora que levam para dentro. Dois feixes de gravetos grossos são amarrados em cada lado da entrada formando um arco caipira. Acima da varanda está pendurado o crânio de um crocodilo com o esqueleto de um grande pássaro na boca.

— Não é muito, garota, mas é um lar, — diz Gutter, estendendo a mão para Mickey.

Ela olha para a pequena cabana e sorri. — É muito... você.

Ele tira o chapéu para ela. — Vou aceitar isso como um elogio.

— Era para ser um, — ela responde.

Gutter sorri com seu sorriso de dente perdido. — Por que você não entra. Tem água corrente e mais cervejas no refrigerador ao lado da mesa. Vou ter uma conversinha aqui com o seu homem.

Trocamos olhares, mas nenhum de nós o corrige. Empurro meu queixo para ela, e ela desaparece lá dentro.

Gutter não perde tempo, virando-se para mim com os polegares sob os suspensórios do macacão. Ele balança nos calcanhares. — O que, em nome de Merle Haggard, você se meteu com essa garota?

Suspiro, e sento sobre uma cadeira quebrada no convés.

Gutter puxa uma cadeira dobrável com um grande rasgo nas costas e se senta ao meu lado. Por um momento, nós dois olhamos para a água negra. Os olhos amarelo-esverdeados brilhantes de um crocodilo aparecem a alguns metros de distância antes de desaparecer entre os juncos. Um animal virando o jantar de outro animal mais acima na cadeia alimentar, ecoa na grama alta.

— Ela te contou tudo? — Pergunto.

Gutter acena com a cabeça. — Ela me contou algumas coisas, mas não sei se é tudo, porque não sou ela. — Ele toma um gole de sua cerveja. — Presumo que você a trouxe aqui para que eu diga se a garota está mentindo ou não, mas preciso ouvir de você agora.

— Ouvir o que? — Pergunto.

Ele enfia o dedo no meu peito. — Sua versão da história.

Esfrego minha nuca, onde a tensão começou a aumentar nas últimas semanas, e então continuo contando como conheci Mickey e tudo o mais que trouxe até este momento. Mesmo enquanto reconto, me pego passando por vários estágios de raiva. Quando termino, meus dedos estão firmes nas costas da cadeira e espero que Gutter pense sobre o que acabei de dizer.

Gutter não fala sem pensar. É uma das coisas que sempre gostei nele. Quando termino, ele não se lança em nada. Ele simplesmente fica sentado em silêncio, permitindo que minhas palavras penetrem em seu cérebro.

A música de um milhão de grilos fica mais alta no silêncio até que está zumbindo tão alto que posso sentir vibrando contra minha pele.

Finalmente, Gutter fala. — Minha pergunta para você é o que você espera descobrir ao trazê-la aqui?

Antes de Gutter ser, bem, Gutter, ele era Christopher Andrews, um ficologista do exército. Ele passou seu tempo estudando como a mente é afetada pela tortura e decidindo quais técnicas funcionavam melhor e quais não funcionavam. Ele era muito bom, também. Eles costumavam chamá-lo de detector de mentiras humano. Não porque ele pudesse dizer necessariamente se a pessoa estava mentindo ou não, mas porque sabia exatamente o que fazer para extrair a verdade.

Nem preciso dizer que mentir para Gutter é inútil, então nunca fiz isso. — Só preciso saber se estou perdendo meu tempo com ela. Se ela em algum momento me dirá o que preciso saber

— Você disse que ela sofreu um ferimento na cabeça. Como? — Gutter pergunta.

Lembro-me de um momento antes de descobrir que Mickey era ela e não ele.

— Por meio de cabeçada, — respondo. — Depois disso, ela pareceu confusa por um tempo. Quando a conheci, ela era do mesmo jeito. Achando que havia pessoas ao seu redor que não estavam lá. Não sei o que aconteceu com ela naquela noite. Ela disse que foi um acidente de caiaque ou nado ou alguma merda, mas não sei, porra.

— O que você sabe? — Gutter pergunta.

Sinto que não sei mais nada com certeza, exceto por duas coisas. Preciso das informações que só ela sabe e quero transar com ela mais do que quero respirar.

Não digo a Gutter nenhuma dessas coisas. Embora pelo olhar divertido em seu rosto, ele já saiba.

Gutter coça os bigodes. — Bem, se vale alguma coisa, acho que ela está dizendo a verdade. — Ele pega mais duas cervejas e passa uma para mim. — O que ela me disse, de qualquer maneira. Mas posso sentir que suas intenções não estão de acordo com as intenções das pessoas para quem ela está trabalhando. Essa menina tem seus próprios planos, então você deve descobrir o que é se tem alguma esperança de quebrá-la.

Gutter está certo. Se ela tiver motivos próprios por trás de suas ações, posso usar esses motivos para fazer com que ela me dê as informações que preciso.

Ele levanta uma sobrancelha para mim. — Você esperava que ela estivesse mentindo para você?

— Esperava que você me dissesse para enfiar uma faca na carne dela, ou remover as unhas dos seus dedos, e ela me contaria tudo. — Pressiono a garrafa gelada na minha testa para aliviar a dor de cabeça que ameaça estourar no meu crânio.

— Não. Ela é o que eu chamaria de resistente. Sua vontade é forte demais para qualquer uma das artimanhas usuais. Como disse, descubra a verdade dela e descobrirá a verdade. — Gutter apoia os cotovelos nas coxas. — Vou te dizer uma coisa: você não pode manter a garota trancada. Isso não vai ajudar em nada. Não com uma garota assim. No mínimo, isso a deixará mais determinada a manter a boca fechada.

— Por que? — Pressiono.

— Simples. Se ela te odiar, não se abrirá com você. Você tem que ganhar a confiança dela. Deixar que ela tome a decisão sozinha. Deixe-a saber que seu mundo não vai implodir se ela desabafar contando-lhe seus segredos.

Solto um suspiro e estalo meu pescoço. — Não acho que tenho esse tipo de tempo. Ou se é possível neste momento. — Penso no que a sujeitei e não vejo como ela confiaria em mim depois disso ou como não verá através do ato.

Gutter sorri. — Ela é inteligente. Ela não vai cair nas suas táticas, porque sabe que são táticas. Contei a ela sobre sua bondade e abri a porta. Você apenas tem que engolir seu orgulho e superar isso. Seja o mais real possível. Não é difícil ser gentil com ela. Ela é uma boa alma. Lembra-me da minha Atty. — Gutter olha para o céu com um sorriso triste.

— Tem certeza de que uma faca em sua carne não vai funcionar? — Gemo.

— Um coelho de cinco quilos é um coelho grande? — Ele rebate.

Não sei muito sobre coelhos e não tenho ideia se um coelho de cinco quilos é, de fato, um coelho grande. — Com certeza espero que sim.

— Você tem sentimentos por essa garota ou algo assim? — Ele pergunta de repente.

Rio. — Tenho sentimentos por ela, ok. Nenhum deles é bom. — Me levanto e jogo uma garrafa de cerveja vazia no balde que funciona como uma lata de lixo. Vou até a porta para pegar Mickey.

— Pike, — Gutter grita.

Olho por cima do ombro. Gutter se levanta e coloca os polegares sob os suspensórios novamente, balançando-se sobre os saltos das botas de plástico. — O que acontecerá com a garota depois que você descobrir a verdade?

— Isso depende de qual é a verdade.

Gutter franze a testa. Sua voz é calma, embora nem um pouco triste. — Tenha cuidado, Pike. Eles dizem que a verdade dói por um motivo de merda.

Isso é algo que já sei muito bem.

Empurrando as portas, olho ao redor da casa-barco. O que encontro faz minha raiva aumentar e um rugido rasga minha garganta.

Porque o que encontro não é nada.

Mickey desapareceu.


Capítulo Dezesseis

Mickey


Dentro da casa flutuante de Gutter há um quarto de solteiro rodeado por paredes sanfonadas metálico. A cozinha consiste em uma pia enferrujada, um queimador elétrico portátil colocado em cima de uma caixa e o refrigerador que ele disse que eu encontraria aqui dentro. Uma cama dobrável fica no canto, com uma rede de malha pendurada no teto acima.

De repente, estou muito consciente de que estou sozinha, embora Gutter e Pike estejam conversando a apenas alguns metros de distância. Parece errado como sempre, especialmente porque, crescendo com três irmãs, raramente ficava sozinha. Os últimos cinco dias foram uma lição sobre ficar sozinha, bem como um teste do quanto posso... esperar.

Qualquer cativo mantido por mais de um período de uma semana deve ser morto quando o relógio bater meia-noite no quinto dia ...

É uma das diretrizes do memorando ridículo que encontrei na caminhonete de Pike. Pelo menos, achei ridículo até que percebi que hoje é o quinto dia.

Se Pike está planejando seguir essas diretrizes, isso significa que estou quase sem tempo.

Afasto meu pânico, procurando lógica entre o medo.

Sei o que preciso fazer.

Não, o que tenho que fazer.

Arrisco uma olhada por uma fresta na porta. Pike e Gutter estão em uma conversa profunda. Bom. Isso me dará tempo.

Movo-me rápida e silenciosamente. Enquanto meu cérebro grita para que eu comece a correr, vou o mais devagar que posso, avançando para o fundo da sala. Em um ritmo mais lento do que o de um caracol, empurro para o lado um dos painéis de metal no fundo da sala. A água turva abaixo parece um barril de alcatrão.

Não pense nisso. Apenas faça.

Com uma respiração profunda, me agacho sobre as pranchas de madeira, em seguida, desço lentamente para a água de modo a não fazer a menor ondulação. Está mais de vinte e sete graus aqui fora, mas a água pode muito bem ser do Ártico. Está muito fria. Meus dentes batem quando começo a me mover, caminhando lentamente pela água até a cintura, devagar demais para o ritmo da minha mente acelerada e coração batendo. Só quando estou profundamente dentro dos juncos escondida da vista é que aumento o meu ritmo. Felizmente, a água negra é mais rasa aqui, atingindo meus joelhos. Mas também é espessa e cheia de grama e ervas daninhas e não quero saber mais o quê. Minhas coxas queimam com o esforço necessário para levantar meus pés da lama que os suga a cada passo. Ando pelo que parecem horas, mas na realidade não tenho ideia de quanto tempo. Mantenho meus olhos treinados direto na escuridão para evitar avistar quaisquer criaturas que possam estar espreitando ao redor.

O que você não sabe não pode machucá-la. Não se aplica exatamente a essa situação porque tenho certeza que um crocodilo que não sei se está por aqui pode me machucar, mas vou continuar e fingir que faz sentido.

Um suspiro de alívio me escapa quando chego a uma área cercada por ciprestes, onde a água atinge apenas os tornozelos. Meu jeans está encharcado, molhado e pesado contra minha pele. Bato em um mosquito na minha bochecha, sacudindo o inseto morto e sangrento da minha palma. O ar quente da noite parece gelado enquanto sopra sobre minha pele molhada. Tremo, esfregando as mãos nos braços.

O toque de uma buzina à distância atrai minha atenção para um aterro à frente. O mais rápido que posso, caminho em direção ao som. Quando não ouço de novo, acho que o imaginei.

Mas vejo luzes. Faróis.

Meus sapatos são sugados pela lama, caindo dos meus pés, mas logo meu pé pousa em solo mais sólido. Meus pés doem e ardem quando piso em incontáveis galhos e pedras afiadas. Preciso de tudo que me resta para escalar o dique.

Meu cabelo fica preso em um galho. Desembaraçar levará um tempo que não tenho, então uso minha mão e o puxo, arrancando-o da árvore e um pouco da minha cabeça.

Quando meus pés atingem o asfalto, sei que encontrei a estrada.

Minutos se passam sem outro carro e me lembro que estou no meio do nada em Everglades. As chances de encontrar outro carro aqui no meio da noite são quase nulas.

Sem nada a fazer a não ser esperar, começo a caminhar em direção a onde acho que a rodovia pode estar. Um javali atravessa a estrada alguns metros à minha frente, e cubro minha boca para não gritar e chamar atenção para mim.

Faróis aparecem atrás de mim. Me viro, feliz em ver que é um carro e não a caminhonete de Pike. Pulo no meio da estrada, acenando e pulando freneticamente até que ele pare.

Contorno o carro, um Cadillac preto clássico do estilo mais antigo. Chego à janela do motorista no momento em que ele a desce.

— Muito obrigada por parar, — digo, sem perceber como estou sem fôlego até que preciso parar para respirar por um segundo e poder continuar. — Fui sequestrada. Preciso ir à polícia. Ou para qualquer lugar onde haja pessoas. Um posto de gasolina se a delegacia de polícia for muito longe.

Não poderia realmente entrar em uma estação policial, mas pedir uma carona até onde realmente preciso ir geraria perguntas que não posso responder. Mais do que tudo, só preciso ir para a cidade.

O homem inclina a cabeça e me olha, revelando um emaranhado de tatuagens de videira em cada lado de sua cabeça. — Quem te sequestrou? — Ele dá uma tragada no cigarro, e rapidamente percebo pelo cheiro que não é tabaco que ele está fumando.

— O nome dele é Pike. Estive trancada em seu apartamento. Ele me trouxe aqui para encontrar alguém, e escapei pelo pântano.

— Então é esse o cheiro... — diz ele, observando meu estado coberto de lama. — Ok, ok, entre. Vou te dar uma carona até a delegacia de polícia de Logan's Beach. Estou indo nessa direção de qualquer maneira. — Ele se estica para o lado do passageiro e abre a porta.

Solto um suspiro de alívio e dou a volta no carro. Pulo para dentro e bato a porta.

— Você está ferrada? — O homem pergunta, colocando o carro em movimento. Sua camisa está enrolada até os cotovelos, expondo seus antebraços tatuados enquanto ele brinca com a estação de rádio.

Balaço minha cabeça. — Não. Quer dizer, acho que não. Só um pouco machucada.

— Então, esse tal de Pike, ele é um sequestrador gentil?

Passamos por um poste de luz e noto a gravata-borboleta amarela do homem e os suspensórios combinando. Iluminação pública. Estamos nos aproximando da civilização.

Lembro-me de sua pergunta anterior. — Existem diferentes níveis de detenção contra a sua vontade?

Ele concorda. — Vários.

Agora, estou curiosa. — Como você sabe?

Ele sorri e balança a cabeça ao som da música da Taylor Swift tocando no rádio. — Confie em mim, conheço todos os níveis de sequestro e tortura que há para saber. Estive lá. Fiz isso. Vesti a porra da camiseta. — Ele vira em uma estrada próxima à rodovia, e quase choro de alegria quando avistamos uma placa que diz. Bem-vindo à Logan’s Beach.

— Qual o seu nome? — Ele pergunta.

Esfrego as mãos nos braços, sentindo frio mesmo com o calor, enquanto a água seca na minha pele. — Michaela, mas me chamam de Mickey.

Ele tira uma mão do volante e a estende para mim. — Eu sou...

O telefone que pensei em lhe perguntar se posso usar toca. Ele atende antes que possa tocar uma segunda vez. — Ei, Doc o que houve? — Há uma pequena pausa. Seus olhos se arregalam. — Ele fez o quê? De novo? — Ele diz, tentando lutar contra um sorriso. — É a minha mulher, — ele explica.

Outra pausa. — Oh, é só a Mickey. Ela foi sequestrada. Encontrei-a na beira da estrada. Estou apenas lhe dando uma carona. Muito magnânimo da minha parte, eu sei. Mas, de volta ao Bo.

Sua esposa não parece se importar com o que ele acabou de dizer ou, pelo menos, não está surpresa porque sua resposta me diz que eles, de fato, voltaram à conversa anterior.

— Não entendo o problema. Escrevi uma carta ao diretor explicando tudo. Não é isso que os pais fazem? Escrever cartas explicando o comportamento homicida limítrofe de seus filhos? — Ele diz, batendo os dedos no volante.

Ele solta um suspiro. — O que você quer dizer com não existe tal coisa como uma faca de apoio emocional?

Pausa.

— Não há um cachorro que possamos comprar para ele? Como um cachorro homicida?

Pausa.

— Não, não sabia que não era isso que um cão de homicídio fazia. Mas você tem que admitir, seria legal se o fizessem. — Ele ri.

Viramos em outra rua e as luzes da cidade aparecem à distância.

— Tudo bem, vamos conversar sobre isso esta noite depois do sexo, mas antes da varredura de armas, — ele cede, desligando o telefone.

— Você tem filhos? — Ele pergunta, acendendo outro baseado.

— Não que eu saiba, — respondo, me sentindo o melhor que tenho em dias, sabendo que estou livre.

Ele balança a cabeça ao som da música novamente. — Sequestrada e ainda faz piadas? Uau, temos muito mais coisas em comum do que imaginava. Apesar de tudo.

— Apesar de tudo? — Eu questiono.

Olho para fora e reconheço a rua. Vejo a Pike’s Pawn mais à frente e o medo enche meu estômago.

Pare de se preocupar. Você está livre agora. Fica na estrada principal. Temos que passar para chegar a qualquer lugar nesta cidade.

O carro começa a desacelerar. Ele estaciona na calçada em frente à loja de penhores.

Meu peito se aperta de pânico. — Por que paramos aqui? — Pergunto, virando-me de lado em direção a ele no meu assento.

— Nunca abandone seu cativo, — diz ele, e imediatamente reconheço essas palavras.

Não respondo porque a porta do passageiro está aberta e sou puxada do meu assento por um forte par de braços. — Nããão! — Grito.

— Olá, novamente, Mic. — Olho para os familiares olhos escuros, queimando de raiva e algo mais sádico.

Minha pele aquece e arrepia.

Olho de volta para o homem. Um último apelo silencioso por ajuda. Um olhar me diz que a ajuda não virá. Não conheço o homem, mas sua traição machuca, me deixando vulnerável e exposta. Por quê? Pergunto silenciosamente.

Ele sorri como se fosse um motorista do Uber esperando uma classificação decente. — Porque não traímos os nossos aqui, — responde ele, como se a resposta fosse tão simples para ele. — Além disso, assim como meu filho, Bo, Pike não é tão ruim depois que você passa por toda essa merda assustadora. — Ele pensa por um minuto. — Se você conseguir superar essa merda assustadora. — Ele põe o carro em movimento. — A propósito, sou Samuel Clearwater. Meus amigos me chamam de Preppy.

Preppy sai com um aceno. — Divirtam-se crianças!

Diversão. Okay, certo. Existem tantas possibilidades do que vai acontecer agora, mas diversão certamente não é uma delas.

Pike embala meu rosto em suas mãos grandes e ásperas, me forçando a olhar para ele. O metal das algemas é frio e áspero contra minhas bochechas. — O que fazer com você agora? — Ele pergunta, procurando meus olhos. Não é seu aviso usual. Tenho a sensação de que ele não está me perguntando, mas fazendo a pergunta a si mesmo.

Pike me empurra lentamente para trás, as mãos ainda no rosto, até que estou pressionada contra a base de uma das grandes palmeiras ao longo da estrada.

Preppy está errado. Não haverá como superar essa merda assustadora. Não com Pike. Agora não.

Nunca.

Mas já lidei com meu quinhão de homens assustadores e lembro a mim mesma que não sou a garota assustada que já fui. Sou forte e capaz.

Antes que possa completar o pensamento, ajo, pousando meu punho abaixo de suas costelas. Minha mão arde. — Vadia, — ele respira, a narina dilatando enquanto ele olha para onde meu punho está fechado.

Ele não esperava meu soco, então acho que o próximo virá como uma surpresa ainda maior. Balanço meu braço esquerdo para cima, conectando-o com a parte inferior de seu cotovelo. Sua mão cai do meu rosto. Jogando minha cabeça para trás e rangendo os dentes, pego uma página do livro de Pike e vou para a cabeçada. Só que Pike é muito mais alto do que eu. Só consigo me conectar com seu queixo e fazer minha visão ficar momentaneamente embaçada.

— Foda-se, — ele diz, esfregando o queixo.

Passo por baixo do seu braço e corro. O asfalto corta meus pés já feridos. Só consigo dar alguns passos antes de seu corpo enorme colidir com minhas costas, me jogando no chão.

Ofego para respirar quando o ar é tirado de mim. — Ainda tem alguma luta em você, Mic. Veremos o que podemos fazer para mudar isso. — Sua respiração está baixa em meu ouvido enquanto minha bochecha é pressionada contra o cascalho afiado.

Ele sai de cima de mim e finalmente consigo respirar fundo. Ele me vira, prendendo meus pulsos acima da cabeça. Seu cabelo cai em seus olhos enquanto seu olhar me absorve.

O frio no ar esquenta. Os cabelos do meu braço se arrepiam enquanto olhamos um para o outro sem dizer uma palavra.

Um silêncio denso preenche o espaço entre nós. O único som é uma respiração pesada e meu próprio batimento cardíaco acelerado. Conto as batidas para marcar o tempo. Ba-boom. Um. Ba-boom. Dois.

Os olhos escuros de Pike estão me prendendo ao chão tanto quanto suas mãos nos meus pulsos.

Ba-boom. Três.

E então seus lábios estão nos meus.

Empurro seu peito apenas para perceber que peguei um punhado de sua camisa, e não estou empurrando, mas puxando-o contra mim. Os lábios dele nos meus parecem...

A evidência de sua excitação se estica contra seu jeans, suspiro quando ele se projeta contra minha coxa.

— Disse que gosto quando você reage, — ele geme contra meus lábios.

Ele é tão arrogante e seus lábios são o paraíso e o inferno. Mordo seu lábio, tirando sangue apenas para ser recompensada com uma mordida dele. Ele se levanta e limpa a mancha vermelha em meu lábio com o polegar, sugando-o em sua boca.

Ele me levanta do chão me colocando escarranchada em seu colo no meio-fio. Bato em seu rosto com tanta força que minhas palmas doem. Seus olhos escurecem e percebo tarde demais que foi a coisa errada a fazer. Ele envolve a mão em volta da minha garganta, apertando, mas não forte o suficiente para que eu não seja capaz de respirar. Seus lábios estão nos meus novamente, e odeio gemer quando sua língua empurra a costura dos meus lábios e nossas línguas guerreiam uma com a outra. Ele enfia a outra mão no meu cabelo, puxando com força. Pego seu cabelo com as duas mãos e faço o mesmo. Ele sibila e depois sorri. Seguimos assim. Um ciclo interminável de punição e prazer.

Sua mão aperta minha coxa, antes de desabotoar meu jeans. Ele enfia a mão dentro, e é errado pra caralho, mas tão certo. Estou molhada por ele, ansiando que ele me toque lá. Sua mão áspera na minha pele me faz tremer de ansiedade enquanto seus dedos descem mais e mais. Seus lábios sugam e mordem meu pescoço. O prazer passa por mim e gemo alto em seu ouvido. Seu dedo alcança meu clitóris, mal o acariciando, mas o choque e o prazer me fazem contorcer em seu colo.

— Pike! — O grito de Thorne é um balde de gelo, derramando realidade fria em cima de nossas cabeças, apagando as chamas alimentadas pela luxúria.

Chamas que nunca deveriam estar queimando em primeiro lugar.


Capítulo dezessete

Mickey


— Pike! — A voz de Thorne chama novamente.

Pike se levanta, me jogando de seu colo. Ele parece calmo e tranquilo enquanto acende um cigarro. A única evidência do que acabamos de fazer é a grande protuberância esticando a frente de sua calça.

Eu, por outro lado, pareço ter acabado de nadar em um pântano. O que eu fiz.

Estamos nas sombras e tenho quase certeza de que Thorne não pode nos ver de onde está, mas tenho ainda mais certeza de que Pike não quer que ela nos veja porque ele dá um passo na minha frente, bloqueando-me da vista.

— Encontre-me na garagem. Rápido! — Ela acrescenta, desaparecendo ao redor do prédio. Pike pega minha mão e me arrasta em sua direção. Ainda sinto o gosto de seus lábios nos meus e fico tonta com tudo isso, mas ele parece tão controlado e zangado como sempre.

Agradeço a interrupção. Uma chance de organizar meus pensamentos. Para me tornar lógica em vez de imprudente.

Pike se vira. Mais uma vez, seu rosto está frio e impassível. — Isso não muda nada, — ele comenta categoricamente.

Suas palavras doem e entendo o que ele falou, mas então por que ouço outra coisa? Algo por trás de sua frieza. Como se ele realmente tivesse dito: Isso muda tudo.

Pike agarra minha mão, me puxando para fora das sombras e pelo estacionamento.

Thorne me dá uma olhada, balançando sua arma. — O que diabos aconteceu com você?

— O pântano aconteceu comigo, — respondo.

Ela encolhe os ombros e, como me disse antes, não faz perguntas.

— Que porra você quer me mostrar? Tenho algo que preciso cuidar, — Pike cospe, me lançando um olhar.

Eu. Ele tem que cuidar de mim. E não tipo no banho de espuma e massagem nos pés.

Thorne se inclina e abre o compartimento da garagem. Dentro está um grande caminhão branco sem marcações. O reconheço instantaneamente como o caminhão que ajudei a roubar de Pike. Não havia menção de trazê-lo de volta. Não faz sentido que esteja aqui.

Que merda está acontecendo? Seja qual for a parte do plano, eu não estava lá quando foi discutido porque nem mesmo entendo os motivos por trás de todos os problemas para roubar algo assim, só para trazê-lo de volta.

Pike dá um passo à frente como se não pudesse acreditar no que está vendo.

— Você acredita nisso? — Thorne pergunta, sorrindo de orelha a orelha.

— Como? — Pike pergunta, pressionando a palma da mão no para-choque e se saltando para dentro da porta aberto. Existem barris de resíduos perigosos revestindo ambos os lados do caminhão. Ele abre alguns para verificar o conteúdo.

Ele olha para mim e repete a pergunta. — Como?

— Para ser sincera, a verdade é que não faço ideia, — respondo. — Estou tão confusa quanto você.

Thorne dá de ombros. — Também não tenho ideia. Vim guardar uma Vespa e, quando abri o compartimento, bum, ele estava de volta. — Ela faz um gesto de surpresa com as mãos.

O som de uma motocicleta entrando no estacionamento vibra através da garagem, o eco aumentando tanto que cubro meus ouvidos até que uma moto preta brilhante estaciona e desliga o motor.

O homem é enorme e todo vestido de preto. Há cintos enrolados em seus antebraços musculosos. Ele olha para o caminhão e depois para Pike. Seus olhos verdes brilhando de fúria.

— O que está acontecendo? — Sussurro para Thorne. Seus olhos estão arregalados e ela pressiona um dedo sobre a boca, indicando que devo fechar a minha.

O homem empurra o queixo para o caminhão. — Importa-se de explicar por que recebi um telefonema misterioso sugerindo verificar a porra da sua garagem e que quando o fizesse, te encontraria parado aqui com o caminhão que você me disse que foi roubado? — Ele volta os olhos verdes suspeitos para Pike. — Precisamos conversar, porra.

 


Thorne me leva de volta ao quarto de Pike e se certifica de que novamente tenho tudo o que preciso para um banho. Quando pergunto quem é o homem na garagem, ela simplesmente diz: — King.

Reconheço o nome. Já o ouvi antes, mas nunca em um contexto que me desse informações suficientes para classificá-lo como inimigo, amigo ou associado.

Enrolo uma toalha em volta do meu corpo e me sento na beira da cama. Há um laptop aberto na cômoda. Vou até ele e pressiono uma tecla. A tela ganha vida. Não é protegido por senha. — Idiota, — murmuro. A tela tem vários quadrados de vídeos em preto e branco. O canto superior direito é a garagem. Rebobino até ver homens familiares com máscaras de caveira parando o caminhão antes de correr para uma van a espera e sair em alta velocidade.

Avanço para agora, quando King e Pike estão em uma conversa profunda. Gostaria que o vídeo tivesse som para que eu pudesse ouvir o que estão discutindo. Mas outra coisa chama minha atenção dentro da porta aberta do caminhão. Amplio a imagem e comparo com a memória da noite em que o pegamos, procurando por uma diferença que sei que está lá.

As fechaduras se abrem. Instintivamente, aperto a toalha em volta do meu corpo. Pike entra e percebe o que estou assistindo. — Importa-se de explicar? — Ele pergunta.

— Gostaria de poder, — respondo honestamente.

— Você precisa explicar, ou isso não vai acabar bem pra você, porra, — Pike vocifera. Não é bem um aviso, mas uma explicação, um apelo pela verdade que nunca poderei lhe dar. — Isto não é um jogo de merda, Mic, e estou cansado de jogar, porra. Fale agora.

— Você... você me mataria, — respondo. Não é uma pergunta.

— Mic, estou ficando sem paciência, e sim, mataria qualquer um que atravessasse meu caminho. Eu não discrimino. Não só seus amigos me roubaram, mas devolveram minha merda para me incriminar e fazer parecer que estava tentando ficar com todos os lucros para mim. Quem quer que esteja por trás disso quer destruir minha vida. Tudo pelo qual trabalhei. Tive que convencer King para sair da porra de um precipício, e ele ainda não está satisfeito com a minha resposta de não saber como diabos isso veio parar aqui ou por que diabos está de volta.

Não sei o que dizer para tirar a dor e a raiva de seu rosto e não destruir tudo pelo que tenho trabalhado tanto. Eu respiro fundo. — É o quinto dia. O que você vai fazer?

Ele me olha com desconfiança. — Jesus Cristo! Não estou seguindo essas regras do caralho. Estou apenas tentando proteger o que é meu e ferir as pessoas que estão prejudicando meu negócio. Meus amigos. — Ele me encara; seus olhos são adagas sendo atiradas em meu coração. — Mas você não saberia sobre como proteger as pessoas. Você é muito egoísta e presa em algumas besteiras que acha mais importantes. Você pode ser inteligente, mas também é egoísta.

Suas palavras abriram uma caverna em meu peito. Um lugar vazio antes apenas preenchido por ódio e tristeza, não uma extensão de dor. Porque ele não está errado, mas também não está certo. — Você está certo. Minhas intenções são egoístas. Mas não pense por um segundo de merda que você detém os direitos de proteger aqueles que ama, porque você não sabe merda nenhuma sobre o que passei ou por que estou fazendo isso.

— Porque você não me conta, porra! — Ele grita.

Pike vem até mim e me agarra pelo pescoço. Uma pontada aguda de medo se expande em meu peito. Olho ao redor em busca de uma arma, mas só encontro a tela do computador. De repente, o que estava procurando antes se torna óbvio. — Espere! — Grito, empurrando contra seu peito. — Os barris. Eles têm uma embalagem branca com um pedaço de fita preta por cima.

— E? — Ele diz, lentamente liberando seu domínio sobre mim, piscando para afastar a raiva que o possui.

Eu aponto para a tela. — Veja. No vídeo, eles têm a mesma fita, mas é mais grossa do que vi no andar de baixo e está embrulhada de forma diferente. Dá duas voltas pelos pacotes em vez de uma.

— Eles foram adulterados, — diz ele, olhando para a tela.

— É que estou achando. — Mantendo a toalha apertada em volta do meu corpo. — Você tem caneta e papel?

— Por quê?

— Porque há algumas coisas que precisamos se você quiser ter certeza.

 


Depois de escrever o que vou precisar, Pike sai intempestivamente. Aproveito para vestir uma das camisetas de Pike que encontro na cômoda, já que não quero colocar as enlameadas novamente. Penteio meu cabelo molhado e escovo meus dentes. Verifico o despertador na mesa de cabeceira. Ele se foi há mais de uma hora e estou começando a pensar que não vai voltar e descartou minha ideia como outra tática de manipulação.

Depois de quase duas horas, a porta se abre. Pike entra com um dos pacotes do caminhão e uma caixa contendo jarros de plástico com os produtos químicos que solicitei. Não vou perguntar como ele os conseguiu, pois o único lugar que conheço que os teria em mãos são laboratórios e fábricas de produtos químicos industriais.

— Na cozinha será mais fácil, — sugiro. — Mais espaço.

Ele faz um gesto para que eu o siga. Ele coloca tudo no balcão e começo a separar o que vou precisar, certificando-me de identificar cada líquido individualmente e colocando-os em fila na ordem em que vou usá-los. — Você tem uma tigela limpa? De preferencia de vidro.

Ele abre os armários e pega um copo de conhaque, colocando-o no balcão ao lado do meu cotovelo. — Isso vai servir.

Pike senta ao balcão em um dos banquinhos e observa enquanto trabalho, combinando delicadamente uma frágil mistura de produtos químicos que, se não for manuseado adequadamente, pode explodir este lugar em pedacinhos.

Ele balança a cabeça como se não pudesse acreditar que concordou com isso. — Pelo que sei, você poderia estar construindo uma porra de uma bomba.

Balanço a cabeça e giro o conteúdo do copo. — Não, mas pode causar algum dano em mãos destreinadas, — ofereço. — Uma bomba exigiria uma corrente. Uma bateria de carro ou... — Percebo Pike olhando para mim. Provavelmente é melhor não lhe explicar como construir uma bomba, não importa que ele saiba que agora posso construir uma com utensílios domésticos. Uma poderosa também. — Uh, não importa.

Olho para o pacote plástico. — Abra, — o instruo.

Pike desembainha sua faca e está prestes a cortar o pacote.

Estendo minha mão para detê-lo.

— O que foi? — Ele ladra.

Sorrio categoricamente. — Lave primeiro.

Ele se levanta e lava a faca na pia com água e sabão. O espaço no balcão é limitado, seu bíceps roçando meu antebraço enquanto ele seca a faca agora reluzente. A corrente elétrica que senti do lado de fora zumbe entre nós mais uma vez. Minha pele fica muito ciente de sua presença, e fecho bem minhas pernas para parar a pulsação da necessidade não atendida batendo lá.

Solto um suspiro quando ele contorna o balcão e novamente se empoleira em seu banquinho, colocando uma distancia muito necessária entre nós.

Ele abre um buraco no pacote. — Quantos você precisa?

— Apenas um, — respondo. — Jogue no copo.

Ele pega um comprimido do pacote e paira a faca acima do copo. — Lentamente, — digo, agachando-me para que fique no nível do copo. Levanto minha palma. — Muito devagar.

Pike abaixa a lâmina dentro do copo sem tocar no líquido. Ele a vira lentamente, deixando cair a pílula branca no líquido claro e espesso. — E agora? — Ele pergunta, embainhando a faca na bota.

— Agora, vamos esperar. — Levanto o copo, girando lentamente o conteúdo. — Deve levar poucos... — O líquido começa a mudar para um azul claro e, depois de alguns segundos, fica bem mais escuro, a cor do material usado para desentupir ralos, confirmando minhas suspeitas.

Coloco o copo na mesa com cuidado.

Pike se inclina sobre o balcão, olhando para o copo. — E então?

Aponto para o copo. — Definitivamente foi adulterado. O ecstasy foi misturado com fentanil e a julgar pela cor... — Bato na borda. — Esta única pílula contém uma tonelada disso. Se fosse ingerida... — Faço uma pausa, incapaz de processar como alguém poderia ter como alvo crianças inocentes procurando se divertir, independentemente do motivo por trás disso.

— O que? — Pike pergunta, batendo as mãos no balcão.

Pulo. — Seria letal.

Pike pega o copo.

— O que você está fazendo? — Pergunto, curiosamente.

Ele não responde. Em vez disso, Pike pega o copo inteiro na mão e olha para a cor como se não acreditasse no que está vendo. Então, com um rugido raivoso, ele joga o copo sobre minha cabeça e ele se espatifa contra os armários. Agacho-me atrás do armário, uma tentativa fracassada de me esconder de sua ira.

— Vá dormir, — ele ordena.

— Você ... não vai? — Pergunto, sem saber como terminar minha frase porque realmente não sei o que estou perguntando. Você não vai me matar agora? Parecia muito um lembrete para mantê-lo concentrado na tarefa.

Ele cerra os punhos. Seu peito está pesado. Ele inclina a cabeça contra a parede e a soca com o punho. — Não essa noite. Hoje à noite, tenho outra merda que preciso lidar.

Sinto uma forte necessidade de confortá-lo, o que é estranho dadas as circunstâncias.

— Vá para a cama, — ele ordena novamente. Ele sai da sala. As fechaduras clicam. O ouço falando ao telefone, sua voz sumindo enquanto desce as escadas.

Cama? Como posso dormir agora? Depois de tudo o que aconteceu? Mas o pensamento de como não posso dormir ou apenas dormir me faz bocejar, e percebo que estou cansada. Mentalmente. Fisicamente.

Minha mente volta para o beijo.

Emocionalmente.

Vou até a cama e puxo as cobertas, me jogando com zero graça. Puxo o cobertor sobre o peito. O sono não vem. Fico lá por horas, executando todos os cenários que posso pensar sobre para onde iremos a partir daqui. Nenhum deles termina comigo viva, exceto uma invasão alienígena onde os alienígenas acidentalmente me atingem com seu feixe a laser me puxando para sua nave e eu caio em uma pilha de feno.

A fechadura se abre e a porta fecha suavemente e volta a abrir no quarto. Ouço Pike se aproximar da cama e tirar as botas, jogando a camisa no chão, seguido pelo som inconfundível de seu cinto e, em seguida, seu jeans batendo no chão.

Sinto o colchão afundar ao meu lado.

— Você vai dormir aqui? — Sussurro, puxando o cobertor mais apertado sobre o meu peito.

— Você vê outra cama? — Ele pergunta.

— Não, — digo.

— Vá dormir, Mic. Haverá muito tempo para discutir e querer matar um ao outro amanhã. Esta noite, você fez algo bom. A merda ruim ainda estará aqui para se preocupar quando o sol nascer.

— O que fiz de bom? — Pergunto, precisando saber ao que ele está se referindo.

Ele suspira. — Você mostrou que os pacotes foram adulterados e que havia fentanil suficiente naqueles comprimidos para matar as crianças estúpidas que os tomam. — Sinto a tensão em seu corpo do outro lado da cama. — Minha pergunta é por quê? Por que me contar afinal? Por que simplesmente não deixar acontecer?

— Isso não é algo bom. Só não quero que pessoas inocentes morram, — digo simplesmente. — Não quero que ninguém morra.

— Mas, por que ir contra seu próprio pessoal? São planos?

Agora é minha vez de suspirar. — Só posso te dizer que cada decisão que tomo é por ninguém além de mim e minha própria consciência, e sinceramente lamento que isso esteja te machucando. — Meu peito aperta.

— Que jogo você está jogando, Mic? — Ele pergunta, calmamente. Muito calmo.

Eu rio. — Jogar insinua que posso perder. Não estou jogando nenhum jogo porque perder não é uma opção.

— Você não pertence a esse mundo, — diz ele, parecendo totalmente sincero. — Ou aquele. Simplesmente não.

— Não, eu não pertenço, — admito, e é a verdade. Não pertenço a esse mundo.

Mas quando tudo isso acabar, esse mundo me pertencerá.


Capítulo Dezoito

Pike


O encontro com King e Nine foi brutal. Embora, King agora entenda que não estou tentando enganá-lo fingindo roubar minha própria remessa que ele financiou. A pior parte é que Nine atestou por mim. Se King continuasse acreditando que não sou confiável, no final das contas, Nine pagaria. Não posso permitir que isso aconteça com meu amigo, certamente não por minha causa.

Mas isso não vai acontecer. Por causa dela.

Fico olhando para Mickey, dormindo profundamente, seu pequeno ronronar sendo o único som no quarto silencioso.

Quero envolver minhas mãos em torno de sua linda garganta e sufocar a informação de sua boca perfeita, mas Gutter está certo. A garota é forte e a violência física faria com que ela não confiasse em mim e quero que ela confie em mim se pretendo descobrir o que preciso.

Encolhi-me ao ver os olhos dela quando lhe disse depois do beijo que isso não muda nada. Era mentira. Isso muda tudo. Uma vez que a provei, não consegui parar de saboreá-la. Coberta de lama ou não, não posso mentir para mim mesmo e fingir que não estava pronto para tomá-la ali mesmo na calçada.

Movimento estúpido da minha parte. Ceder ao meu desejo primitivo de beijá-la, de reclamá-la, em seguida, dispensá-la logo depois de sermos interrompidos não vai abrir as portas para a honestidade.

Afasto o cabelo de seus olhos e não posso deixar de sorrir quando ela faz um barulho de protesto e move a cabeça enfiando a cara no travesseiro.

A maneira como ela usou sua memória fotográfica e seu grande cérebro impressionante, mesmo depois de tê-la tratado com tanta frieza para me alertar sobre a adulteração. Apenas para arruinar os planos que seu próprio pessoal obviamente orquestrou para destruir minha reputação e minha conexão com King. Ela me ajudou.

Não, lembro. Não posso pensar assim. Ela fez isso para salvar pessoas, não eu. E, no entanto, isso não me faz sentir menos idiota pela forma como a tenho tratado. O que acontece é que, olhando para trás em minha vida, não consigo me lembrar de uma época em que me senti culpado por ser um idiota. Não há nada em minha vida que possa dizer que me arrependa de ter dito ou feito, mesmo que essas ações tenham resultado em ferir outras pessoas, física ou emocionalmente.

Ela não é a pessoa egoísta de que a acusei. Pessoas egoístas não salvam a vida de milhares de ravers desavisados determinados a ter um bom momento. Não ferram seu próprio pessoal em nome de outros.

Mas Mickey sim.

O que me leva a acreditar que Gutter está certo de outra maneira. Ela tem sua própria agenda. Ela praticamente me disse isso. Ela pode não ser capaz de me dizer quem está por trás de tudo isso, mas se o que Gutter disse estiver certo e eu conseguir que ela me conte o que é, isso poderia me dar o suficiente para me levar direto à porta do filho da puta.

Meus olhos ardem de exaustão.

Não consigo dormir. Não apenas por causa de toda a merda que aconteceu nos últimos dias, mas por causa dela.

Meu pau endurece com o pensamento de Mickey na minha cama. De saber que ela está ao alcance do braço e que está usando apenas uma das minhas camisetas.

Foda-se isso. Saio da cama, vou ao banheiro e ligo o chuveiro, girando a torneira para o frio. Entro sob o jato, mas mesmo a explosão gelada não é o suficiente para apagar a necessidade ardente que lateja em meu pau.

De frente para o azulejo, pego meu pau na mão. Respirando fundo, permito que meus pensamentos corram livres. Penso em como Mickey reagiu ao meu beijo. Sua inocência mostrada na maneira como não sabia exatamente como me beijar de volta, mas o fez de qualquer maneira porque queria. Tudo que dei a ela naquele beijo, ela me devolveu. O tempo todo nós dois estávamos lutando contra essa coisa estranha nos unindo. A porra do desejo em seus olhos. A maneira como seu corpo respondeu ao meu. Seus pequenos gemidos e suspiros. Se Thorne não tivesse nos interrompido, sei que poderia tê-la feito gozar bem ali na porra da calçada. A maneira como ela me cavalgou, buscando seu próprio prazer, sabendo que eu poderia dar a ela.

Não demora muito até que minhas bolas fiquem tensas e eu goze em longas e fortes rajadas, fluindo dias de desejo reprimido por todo o ladrilho amarelo. Depois de recuperar o fôlego, giro o chuveiro para enxaguar a parede. Me ensaboo e enxaguo, pego uma toalha pendurada em um gancho na parede enquanto saio do chuveiro.

Limpo a água do rosto e sinto o cheiro do xampu feminino de pepino que Thorne deu a Mickey.

Instantaneamente, estou duro de novo.

Xingo mentalmente, me secando o mais rápido possível.

Desligando a luz do banheiro, volto para a cama e levanto os cobertores, o colchão mergulhando sob o meu peso enquanto coloco minha cabeça no travesseiro. Viro minha cabeça e olho para a pequena sombra sob os cobertores ao meu lado.

Agora, mais do que nunca, percebo que quero saber o que motiva Mickey.

Rolo para longe dela enfrentando a porta. Fecho meus olhos, mas não o pensamento indesejado que se segue.

Não quero conhecê-la por qualquer admissão da verdade, mas porque realmente quero saber tudo o que há para saber sobre ela.

Finalmente adormeço apenas para ter um sonho que não tenho há anos. Mas não é um sonho.

É um soco no estômago da porra de uma memória.

Cinco anos de idade

— Ei, garotão. Venha comigo para que possamos conversar um minuto, ok? — Mamãe olha para mim, mas seus olhos não parecem bem. Eles estão injetados e vítreos, com bolsas embaixo. Já a vi chateada antes, muitas vezes, mas nunca assim. Sua mão está tremendo e suada quando ela pega a minha, me levando para a pequena sala de estar. Ela me senta no sofá. Sua mão nunca deixa a minha. — Papai nos deixou. Para sempre desta vez.

Ela está esperando por uma reação que nunca virá. Nunca via o homem e, quando o fiz, ele estava batendo na minha mãe. Por que ela está tão chateada? Pessoas que não são boas em nossas vidas não deveriam estar em nossas vidas. — O que acontece é que não posso fazer isso sozinha. Eu não estou ... eu não posso... simplesmente não posso, — ela soluça. — Sinto muito, baby. Você merece muito melhor.

Não me importo com o que mereço. Eu a quero.

— Não entendo, — digo, segurando sua mão com mais força enquanto ela tenta se afastar.

Ela olha para mim por alguns segundos antes de sorrir tristemente. Ela bagunça meu cabelo. — Deixa pra lá. A mamãe te ama. Vou sempre te amar. É tudo que você precisa saber. Tudo vai ficar bem. Prometo.

Ela funga e enxuga as lágrimas. Ela se levanta. — Você quer assistir um filme?

Aceno, convencido de que tudo vai ficar bem como ela disse, porque tenho cinco anos e ela é minha mãe.

Ela desaparece na cozinha e alguns minutos depois volta com uma tigela grande de pipoca, uma garrafa de água e todos os meus doces favoritos. Ela clica no controle remoto e pressiona o play no meu filme de super-herói favorito.

— Mamãe tem que cuidar de alguma coisa. Já volto, — diz ela. Ou, pelo menos, é o que acho que ela diz. Estou muito absorto na batalha da cena de abertura diante de mim para realmente ouvir. Nem percebo a porta abrindo ou fechando ou qualquer outra coisa porque adormeço.

Quando eu acordo de um coma induzido por junk-food, há três homens uniformizados olhando para mim. Policiais. — Você está sozinho, garoto? — Eles perguntaram.

Olho em volta. — Minha mamãe está aqui. Estávamos assistindo a um filme. Adormeci.

Os policiais trocam um olhar de cumplicidade. — Não tem ninguém aqui, garoto. Foi sua mãe quem nos ligou. Vamos. Você tem que vir conosco. Vai ficar tudo bem.

Não acredito nele, não como acredito na minha mãe. Ela vai voltar. Ela disse que voltaria.

— Ela vai voltar! — Grito enquanto eles me pegam. Chuto e choro fora de seu alcance. — Ela vai voltar!

Um suspira alto e parece mais triste do que minha mãe parecia. — Não, garoto. Ela não vai voltar.

Eles me levam até a viatura, e um fica no banco de trás comigo, enquanto os outros dois vão para frente.

A última coisa que me lembro de ver enquanto partíamos é minha mãe escondida atrás das latas de lixo no beco ao lado da nossa casa. Ela está pressionando o dedo médio nos lábios para me silenciar enquanto as lágrimas escorrem pelo seu rosto.

Eu estava triste, mas também com raiva. Virei-me e olhei para as costas do assento.

Ela disse que me amava, mas me deixou.

Se o amor é assim, não quero fazer parte disso.


Capítulo Dezenove

Mickey


Na manhã seguinte, Pike me arrasta escada abaixo até a loja de penhores antes que eu esteja totalmente acordada. A loja cheira a limpa prata e cigarro rançoso. É a primeira vez que fico nela tempo suficiente para olhar em volta e assimilar, mas não consigo porque Pike me coloca em uma cadeira ao lado do balcão.

Dirijo meus olhos de um lado para o outro da sala, esperando o monstro pré-verbal pular em cima de mim. — O que está acontecendo?

Pike se agacha na minha frente. — Matei você ontem?

Inclino minha cabeça e respiro profundamente. Ainda viva. — Não.

Pike sorri. — Da maneira que vejo, você e eu precisamos chegar a um entendimento. Você não vai tentar fugir de novo e não vou te machucar enquanto estiver tentando descobrir essa merda. Não há necessidade de ficarmos na garganta um do outro o tempo todo. Tenho merda suficiente com que me preocupar.

Estou hesitante em aceitar sua oferta de trégua, mas meu pensamento é interrompido quando uma linda garota loira não muito mais velha que eu entra pela porta. Ela está usando uma camiseta rosa que diz: “Ok, Karen”. Sem cumprimentar Pike, ela começa a remover as ferramentas de uma sacola azul que colocou aos meus pés.

Thorne entra na sala. — Pike, preciso de você, — ela diz.

Pike se levanta. — Volto logo.

Ele me deixa sozinha com a garota loira que está cantarolando para si mesma enquanto trabalha.

— Quem é você? — Pergunto.

Ela remove uma pequena caixa preta de sua bolsa e pressiona uma chave de fenda em um dos orifícios até que uma faixa preta a conectando seja liberada de um lado. — Sou Rage. Serei sua amigável instaladora de pulseira de prisão domiciliar hoje. — Ela tira um par de luvas de látex do bolso de trás e as veste. — Diga-me, você espirrou, tossiu ou teve febre nas últimas quarenta e oito horas?

Instaladora de pulseira de prisão domiciliar? Ele disse que não seguiria as diretrizes! — Oh não.

— Bom. Você comeu alguma coisa do bar ao lado ou tocou em qualquer coisa do referido bar, incluindo, mas não se limitando a: maçanetas, bancos do bar, puxadores do box do banheiro, etc.? — Ela se ajoelha aos meus pés e coloca a faixa em volta do meu tornozelo. Novamente, ela usa a chave de fenda, mas desta vez para encaixar a pulseira no lugar.

Aponto para o dispositivo. — Não, mas o que isso tem a ver com o que quer que você esteja fazendo?

Rage balança a cabeça, chicoteando seu rabo de cavalo loiro de um lado para o outro de seu rosto. — Nada. Só não quero pegar a peste enquanto instalo esta bela obra de arte, e o bar ao lado parece uma porra de uma fossa. — Ela se encolhe.

— O que exatamente essa coisa faz? — Pergunto, nunca tendo usado uma pulseira de prisão domiciliar. Rage gira a chave de controle mais uma vez e levanta para admirar seu trabalho.

— É uma bomba, — diz ela, casualmente, confirmando minhas suspeitas. — Pronto. Tudo feito.

— Me desculpe, é o quê? — Pergunto, branca e apertando a cadeira.

Rage olha para mim e inclina a cabeça. — Você sabe... uma bomba? Bombas fazem boom? — Ela faz um movimento explosivo com as mãos. — Por que as pessoas parecem nunca entender o que é uma bomba? O que estão ensinando na escola atualmente?

— Não como instalar bombas em pessoas! — Tive todo o meu conhecimento sobre bombas muito depois de terminar a escola.

Ela encolhe os ombros. — Vergonha.

Tento organizar meus pensamentos. — Sei o que é uma bomba. Eu só quero saber por que uma está presa ao meu tornozelo.

Ela revira os olhos. — Porque ficaria feia em seu pulso.

— Ela está te dando problemas? — Pike pergunta. Ele se move atrás de mim parando ao lado de Rage.

— Não, mas ela não sabe o que é uma bomba, — murmura Rage. — Você com certeza sabe como escolhê-las, Pike.

Ele não discute com ela. Não diz a ela que não me escolheu e que estou sendo mantida contra a minha vontade, mas não acho que Rage ficaria surpresa... ou se importaria, já que ela simplesmente prendeu um explosivo no meu corpo.

Olho para Pike. — Está tudo bem aqui, Pike. Apenas nós, meninas, tendo uma sessão de manicure e pedicure com instalação de bomba.

— Ugh, até parece, — Rage diz, seu nariz enruga em desgosto. — Você sabe que tipo de bactéria pode ser encontrada nas ferramentas dos salões de manicure? — Ela enfia a chave de fenda em uma bolsa azul com um megafone ao lado. — Ok, isso é tudo para mim. Pike, vou enviar-lhe a minha conta. Se você não pagar, vou te mandar em pedaços para seus amigos pelo correio.

— Como está Nolan atualmente? — Pike pergunta.

Ela suspira sonhadora. — Um modelo de civil perfeito não assassino como sempre, — ela responde. Ela pega sua bolsa e me lança um último olhar, então olha para Pike, apontando o queixo em minha direção. — Ensine a menina o que é uma bomba, ok?

A campainha acima da porta toca, anunciando sua saída.

— Eu sei o que é uma bomba, — murmuro. Através do vidro, vejo Rage montando em uma Vespa azul bebê. Ela sai do estacionamento, levantado cascalho em seu rastro.

— Você disse que não estava seguindo essas diretrizes estúpidas, — acuso.

— Se as estivesse seguindo, você já estaria morta, — ressalta. Ele não está errado. É o sexto dia, pelas minhas contas.

Pike fica na minha frente e se inclina pela cintura, colocando as mãos ao meu lado nos braços da cadeira. — Nós dois sabemos que você sabe o que é uma bomba, então estamos na mesma página. O que preciso explicar é que, se você for além do estacionamento ou do beco, ouvirá um bipe de aviso. Depois disso, tem dez segundos para voltar onde precisa estar antes de disparar. A mesma coisa acontece com a adulteração, exceto que você não receberá nenhum aviso.

Pike vai para a sala dos fundos.

Com minha liberdade recém-descoberta, eu deveria sair e respirar um pouco de ar fresco, mas, em vez disso, acabo seguindo Pike. Quando o encontro, ele está curvado sobre algum tipo de livro e, para minha surpresa, há um par de óculos de leitura pretos empoleirados em seu nariz. — Por que você me levou para ver Gutter no outro dia?

— Já te disse. Eu precisava falar com ele.

— Quer dizer que você precisava dar dinheiro a ele?

Isso chama sua atenção. Ele olha para mim. — Ele te disse isso?

— Entre outras coisas, mas o que ele não me disse é por que você me levou lá. Você poderia ter me deixado amarrada a alguma coisa. Você realmente não precisava me levar.

Pike fecha o livro e se dirige para o estacionamento. — Lembre-se, se soar, você foi avisada.

Bato meu pé no chão. — Idiota arrogante, — murmuro baixinho.

— Porque ele queria saber a verdade, — Thorne diz, fazendo sua presença conhecida. Ela está curvada no canto, tirando fotos de um conjunto de porcelana. — Para postar na loja online, — ela explica quando me vê olhando.

— O que quer dizer, porque ele queria saber a verdade, — pergunto, empoleirando-me em um banquinho.

— Gutter é um enigma. Um daqueles sábios ou como quiser chamá-lo. — Ela arruma uma das delicadas xícaras de chá azuis para esconder uma lasca no canto e tira algumas fotos, verificando a tela de sua câmera após cada uma. — Ele pode ver entre as rachaduras quando outras pessoas não podem. É por isso que Pike a levou lá.

— Ele é um gênio? — Quase caio do banquinho. — Não teria imaginado isso.

— Ninguém imaginaria.

— Gostei de Gutter, — admito. — Agora, sinto que o julguei muito rapidamente e não quero ser essa pessoa. Aquela que coloca alguém em uma caixa à qual não pertence.

Thorne remove o jogo de chá do pano de fundo, embrulhando cuidadosamente cada um em jornal antes de colocá-lo delicadamente de volta em uma caixa com divisórias para cada peça. — Você pode pegar aquele violino?

Escorrego do banquinho e vejo uma caixa de violino em uma mesa próxima. Clico para destravá-la e cuidadosamente o puxo do forro de veludo azul. Ela coloca a caixa com o jogo de chá na prateleira acima de sua mesa e estende a mão para o violino. O entrego e ela novamente começa a organizá-lo meticulosamente sobre o fundo verde brilhante. — Não seja tão dura consigo mesma por julgá-lo. Gutter pertence à essa caixa. Na verdade, ele se colocou nessa caixa. — Ela levanta os olhos da câmera. — Não, risque isso. Ele construiu a porra da caixa.

Thorne ri e tira outra foto. Ela olha para a tela da câmera e se vira para mim. — Ele não é tecnicamente um gênio pela extensão da fantasia, mas tem uma habilidade sobre-humana. Ele inclusive tinha um contrato com os militares como especialista em tortura por causa disso.

Especialista em tortura?

Agora estou me perguntando se a tortura sensorial não foi inteiramente ideia de Pike.

Observo Thorne trabalhar, fascinada por como ela é cuidadosa com cada peça, como se fosse algo transmitido a ela por um parente próximo e querido ao seu coração.

— Qual é exatamente essa habilidade que o torna um bom candidato a especialista em tortura? — Pergunto, intrigada.

Thorne se afasta, contorcendo o corpo em várias posições diferentes até que finalmente está satisfeita com a foto. — Gutter era conhecido em sua época como o detector de mentiras humano.

— Contei tudo a ele, — digo. — Bem, quase tudo.

— Eu sei. Ele disse a Pike que você estava dizendo a verdade como a vê, o que não é a mesma coisa que a verdade. Mas também que você está escondendo algo. Um segredo que pode não ser seu para contar.

— Ele não está errado, — digo, envolvendo meus braços sobre minha barriga.

Thorne aponta para o novo acessório no meu tornozelo. — Por agora? Para você? — Ela sorri. — Isso significa que você subiu de nível.

Inclino minha cabeça. — Thorne, é uma bomba. — Levanto meu pé e bato meu calcanhar na mesa. — Em. Meu. Corpo. — Eu abaixo o pé. — O que, significa, exatamente, subi de nível?

Ela levanta dois dedos. — Cativa. Nível dois.

 

Pike


Mickey olha ao redor da loja de penhores como se estivesse fazendo um inventário mental. — Tentando descobrir o que mais você pode roubar? — Pergunto. É para ser uma provocação, mas sai mais duro do que queria. Até agora, essa coisa de ganhar a confiança dela está indo muito bem.

Suas costas pulam. Sorrio, tendo grande prazer em ser capaz de assustá-la tão facilmente.

Ela corre as mãos pela lombada de um violoncelo apoiado em um suporte no final de um dos corredores. — Não, ainda estou tentando descobrir outra coisa.

— E o que, exatamente, seria isso? — Desço o corredor e a encontro no final.

— Quem você realmente é. Claro, percebi algumas coisas no seu apartamento, mas você está certo, essas eram as coisas óbvias. Coisas que você não tenta esconder. — Ela dedilha uma das cordas do violoncelo. — Percebi que não quero julgar alguém rapidamente porque as pessoas são muito mais complicadas do que parecem. Até você.

— Uh, obrigado? — Por um momento, sinto que vou sufocar. — Você não tem que tentar me analisar. Vou te dizer agora quem sou. Alguém com quem você não fode. Isso é tudo que precisa saber. — Respiro calmamente e tento novamente. Desta vez com menos raiva em minha voz. — Você já sabe o suficiente, — falo, sinceramente.

Ela cruza os braços sobre o peito. O movimento empurra seus seios para cima e os faz balançar, chamando minha atenção para os montes perfeitamente redondos que aparecem no decote de sua camisa. Estou começando a reconhecer quando o lado tímido dela muda para o lado confiante. Gosto disso quase tanto quanto assustá-la.

A coisa dos peitos também não é tão ruim.

— Besteira, — ela responde.

Passo por ela, roçando seu ombro. — Chame do que você quiser. Você sabe o suficiente. — Faço um grande alvoroço ao endireitar o violoncelo já reto, como se ela o tivesse derrubado no chão. Olho para ela por cima do ombro. — Você pode tentar o quanto quiser, Mic. — Fico de pé novamente, pairando sobre ela. Ela não cede ou recuar. Passo meu olhar sobre seus seios de dar água na boca e de volta para seus grandes olhos cinzentos. Ela cora e lambo meus lábios, gostando de como posso transformar seu rosto de branco claro para rosa com um olhar simples. — Não sou um experimento ou uma variável que possa ser respondida ou resolvida. Não procure por merda que não está aí, ou merda que não quer encontrar.

Minhas palavras são para ser honestas, mas Mickey leva isso como um desafio, endireitando-se ainda mais e projetando seu queixo.

Chupo meu lábio inferior para me impedir de fazer algo estúpido. Que porra há com essa garota que me faz querer beijá-la? Senti naquela noite, e estou sentindo agora. E não estou falando apenas sobre a baixa vibração que saí cantarolando de meus lábios, obrigando-me a pressioná-los contra os dela. Também estou falando sobre a pulsação do meu pau se esforçando para se libertar do meu jeans com o mero pensamento de beijá-la. Ergo a mão e seguro seu rosto, esfregando meu polegar sobre sua mandíbula. Seus lábios se separaram. Suas pupilas dilatam. Sei que ela sente isso também. Estamos tão perto que posso praticamente prová-la. Deslizo minha mão em torno de seu pescoço.

Mickey se inclina e passa sob meu braço, virando-se para me encarar no corredor central. Ela limpa a garganta. — Entendo por que você tem a loja de penhores agora.

Bufo de aborrecimento, mas comigo mesmo do que com ela. Deveria estar grato por ela se afastar quando o fez, mas não estou. Tentar transar com ela não é ganhar sua confiança.

Ligue para as gêmeas Baker esta noite. Você precisa foder essa garota de seus pensamentos. Me lembro. — Você sabe por que tenho a loja de penhores? — Pergunto. — Porque comprei de uma senhora idosa. Era uma loja de antiguidades. Forneço drogas pela porta dos fundos. Mas você já sabia disso antes de invadi-la para roubar minhas coisas. — Faço uma careta. — Quero dizer, antes de você entrar aqui pela primeira vez. Isso não é você me entendendo, Mic. Isso é você fazendo sua lição de casa.

— Não é minha intenção... ofender seu negócio paralelo. Não era isso que estava tentando dizer, — ela se corrige, deixando cair os braços. Suas bochechas ruborizam. Ela está envergonhada.

— Sinto uma alegria doentia em ver seu rosto ficar vermelho, — digo a ela, sem pensar.

Mickey olha de uma parede para a outra e faz gestos para elas com as mãos. — Tudo isso me diz algo mais. É a sua história não falada. Aquela que não conheço.

— Isso deve ser bom. Vou morder. Ilumine-me, Mic. Quem diabos sou agora? Você sabe, além de uma criança com distúrbio de aprendizagem e um cara solteiro com uma cozinha feia.

Ela caminha por um corredor passando as pontas dos dedos sobre várias lâmpadas e tigelas de cristal. Ela pega uma caixa de música prateada e a abre. Uma bailarina aparece e a caixa de música toca uma canção de ninar simples.

— Você viveu toda a sua vida sem ter muita coisa.

Reviro meus olhos. — Dizer a um traficante que ele cresceu sem merda nenhuma é como dizer a uma stripper que elas têm problemas com os pais. Vamos, Mic. Impressione-me com esse seu grande cérebro, — a encorajo. Desafiando-a.

— Todas essas coisas aqui são pedaços de vidas que outras pessoas viveram. — Ela acena com a mão para a caixa de joias e depois para a parede de trás. — Alianças de casamento. Instrumentos. Armas. Cadeiras de balanço. Pinturas e retratos de família. — Ela levanta a caixa de música. — Isso provavelmente tocou no quarto de uma criança em algum momento. Talvez, um presente de seus pais ou avós? Talvez, um lembrete de uma música que um ente querido cantou para ela à noite. — Ela olha da caixa para mim. — Você não teve nada enquanto crescia. Ninguém. — Ela bate a tampa. — E agora você tem tudo. Não apenas coisas, mas pedaços de uma vida que nunca teve a chance de viver.

Bem, foda-me.

Aponto para ela. — Vamos deixar uma coisa bem clara. Você não me conhece, porra, e nunca conhecerá. — Corro minha mão pelo meu cabelo. — Que porra é essa sobre você que me faz querer te foder e brigar com você, mas não me deixa ser um idiota de merda com você.

— Eu não sei, — ela responde, suavemente. Ela coloca a bailarina de volta na prateleira. — Não estou fingindo que te conheço, Pike. Estou apenas apontando o que você está dizendo silenciosamente para o resto do mundo, pessoas que não são inteligentes o suficiente para notar ou, mais provavelmente, simplesmente não têm tempo para perceber. — Mickey fica na ponta dos pés. — Diga que estou errada.

Não sei o que está me irritando mais. O cheiro do shampoo feminino de pepino flutuando do seu cabelo ou o calor subindo de seus peitinhos perfeitos enquanto seus mamilos roçam meu peito. Meu pau salta em atenção, e se a parede não estivesse cheia de instrumentos caros, eu faria um buraco nela.

Abaixo meus lábios em seu ouvido e sussurro, — Foda-se.

 

Mickey


— Que porra você está olhando, senhora? — Um menino pergunta, projetando o queixo e o peito como se não fosse a criatura mais magra e de aparência mais frágil que já vi. Um gatinho que ladra.

Abro a boca para responder, mas não tenho chance porque Pike entra. — Jo Jo! O que foi, garoto?

Jo Jo abandona a postura e estende a mão para Pike, e eles dão aquele meio abraço de ombro que só vi homens fazerem.

Estou surpresa que o homem que me amarrou no escuro com toda a intenção de me matar dê ao menino uma batida indiferente em seu boné, baixando a aba sobre seus olhos.

Jo Jo ajusta o boné e sorri para Pike como se estivesse tendo um encontro casual com uma celebridade. A admiração dançando em seus olhos muito tristes.

— O que te traz aqui, garoto?

Jo Jo encolhe os ombros. — Betty está recebendo pessoas esta noite e me disse para desaparecer.

Pike não diz nada sobre a má educação de Betty, mas aponta para a porta dos fundos. — Você sempre pode ficar por aqui até a fumaça assentar. Tem merda de sanduíche na geladeira lá em cima, se estiver com fome. Você sabe o código.

Jo Jo dá uma tapinha em seu estômago. — Estou sempre com fome. — Ele começa a correr para a porta dos fundos que leva às escadas quando para, mais uma vez notando minha presença. Ele faz uma pausa e aponta o polegar na minha direção. — Pike, quem é a garota com cara de vadia irritada?

Pike olha para mim como se também estivesse percebendo que estou aqui. — No momento, ela é minha prisioneira.

— E depois? — O menino pergunta.

Pike me encara e solta um suspiro, afastando o cabelo da testa. — Quem sabe, garoto.

Cerro meus punhos. — Você não precisa falar de mim como se eu fosse um cachorro dormindo no canto. Estou aqui e posso falar por mim.

Jo Jo me ignora e torce o nariz. — Ela ficará com a gente esta noite?

Pike sorri e se inclina contra o balcão de vidro, cruzando os pés na altura dos tornozelos. — Vamos apenas dizer que ela não vai a lugar nenhum.

Jo Jo encolhe os ombros como se aceitasse minha presença menos que desejada e novamente vai para a sala dos fundos quando seus movimentos o fazem perder o boné. Ele o pega e, quando se levanta, revela o que nunca pensei estar escondido embaixo dele. Cabelo louro, comprido e ondulado.

Ele coloca o boné ao contrário e continua subindo as escadas. Olho para Pike, que viu a mesma coisa que eu, mas não parece nem um pouco surpreso. Quando ouço a porta fechar, viro minha cabeça na direção de Pike. — Essa coisinha rude é uma menina? — Pergunto, percebendo como soa.

— O que? Você acha que apenas meninos podem ser rudes? Isso é sexista. Isso é tão ultrapassado. As pessoas não pensam mais assim.

— Você acabou de fazer uma piada? — Pergunto, inclinando minha cabeça para ter uma visão melhor do homem abstrato diante de mim, mas nada se torna mais claro, exceto que ele pode ter um transtorno de personalidade múltipla não diagnosticada.

— Isso te ofende também ou apenas garotas que se vestem como garotos? — Ele pergunta, caminhando até o banquinho.

Rosno em frustração. — Não, seu idiota ignorante. Não estou ofendida, mas estou surpresa que esconda aquele cabelo lindo sob aquele boné surrado. Ou devo chamá-la de ele? Como ela se identifica?

Pike franze a testa. — Quem se identifica como o quê? Que porra você está falando?

— Tanto para saber as coisas atuais, — murmuro, em seguida, esclareço. — Estou perguntando se a criança prefere ser tratada como ele, ela ou ambos.

Pike acena em compreensão. — Ela, mas isso muda de vez em quando.

Agora, sou a única confusa. — Merda, talvez não esteja tão atualizada, não sabia que podia mudar assim.

Pike ri, e fico irritada com o prazer que ele está recebendo com minha confusão. E ainda mais irritada por querer que ele me beijasse de novo mais cedo no violoncelo. Não dormi muito e não podia nem me virar, porque toda vez que dormia, uma parte de mim entrava em contato com os músculos quentes dele e começava toda a agitação no sono de novo.

— Não, Jo Jo é Josephine. Ela é uma garota. Ela se identifica como uma garota. Ela gosta de meninos, mas também gosta de bater neles. Mas ela se veste de menino ou menina, dependendo do lar adotivo em que está e do gênero que manterá os patifes à distância e lhe causará menos problemas. Um dos meninos mais velhos gosta de implicar com os meninos menores? Então, ela é uma menina. Se o pai adotivo olhar para as outras meninas por mais tempo que um pai deveria? Ela é um menino. Ela percebe a situação em poucos minutos. Ela é talentosa assim, e isso a mantém longe de um monte de problemas.

— Inteligente, — reconheço. Embora, me sinta triste que ela ainda tenha que fazer algo tão drástico como esconder seu gênero para mantê-la segura.

— É, — ele concorda. — Ela é uma sobrevivente. Assim como eu. E se quando tem problemas que não consegue controlar, ela vem para cá. — Ele pega o telefone e a veia em seu pescoço começa a latejar. — O que me lembra. — Ele pressiona alguns botões. — Ei, Badger. Faça uma visita a Betty hoje à noite. — Pausa. — Não, não diga que está indo. Faça uma surpresa. Ela está recebendo pessoas, e sei o quanto você adora invadir uma festa. — Pausa. — Não, apenas um pequeno lembrete de suas responsabilidades vai funcionar. — Ele desliga.

— Um pequeno lembrete de quê? — Pergunto.

— Que não posso ser fodido. — Seu humor está mais sombrio agora. Ele se inclina sobre mim e inclina meu queixo para encontrar seu olhar. Seu toque aquece minha pele. — Algo que sempre tento te ensinar.

— Acho que não aprendo tão rápido quanto pensava, — respondo.

— Não, — ele balança a cabeça lentamente, esfregando o polegar sobre meu lábio. Há algo que soa muito como orgulho em sua voz, misturado com confusão e... luxúria. — Não, você não aprendeu.

Ele retira a mão e segue Jo Jo. — Vamos, Mic, — ele grita, desaparecendo subindo as escadas. — Talvez, Jo Jo e eu possamos lhe ensinar uma ou duas coisas sobre Banco Imobiliário.

Deslizo para fora do banquinho e o sigo. Amo Banco Imobiliário e sou muito boa nisso. Sou campeã da minha família desde os seis anos. Não há nada que ele possa me ensinar sobre o jogo de tabuleiro que ainda não saiba.

Mas há uma coisa que aprendi hoje: o dispositivo no meu tornozelo não é uma bomba. Embora isso seja outra coisa que não direi a Pike.


Capítulo Vinte

Pike


Aprendi algumas coisas sobre Mickey nos últimos dias.

Ela é uma perfeccionista. Meu apartamento inteiro foi organizado e limpo. Ela até conseguiu fazer o velho piso de linóleo brilhar quando achei que não seria possível. Ela também é empática como poucas. Onde não sinto nada, ela chora a cada comercial e chora a cada visão de um gato de rua. Estranho para uma ladra e soldado de um exército desconhecido, por isso fico mais intrigado com o enigma que é Mickey a cada dia que passa.

Ela também é competitiva pra caralho, levando Jo Jo e eu a falência no Banco Imobiliário e esfregando em nossas caras uma dança da vitória que novamente fez meus olhos se fixar no que sua camisa estava cobrindo.

Depois de um longo dia de reuniões que me deixou cansado e irritado, encontro Mickey no beco atrás da loja. Ela está agachada perto de uma parede, colocando pratos de papel com comida e Tupperware com leite.

Meus olhos pousam onde o material de sua calça rosa se estende em sua bunda em forma de coração perfeita. Quem está torturando quem aqui? — Que diabos você pensa que está fazendo? — Minhas palavras saem novamente mais duras do que pretendia. Não tem nada a ver com os gatos, mas velhos hábitos são difíceis de morrer, e atacar é tudo que consigo fazer hoje em dia. Gutter disse para ser bom com ela. Para ganhar sua confiança.

Estou falhando em ambos. Fodendo-a com os olhos? Agora, estou me superando.

— Alimentando os gatos, — ela responde sem olhar para cima.

Adicione empatia à lista de coisas que aprendi sobre Mickey.

Olho ao redor do beco vazio. — Que gatos? — Assim que as palavras saem dos meus lábios, meia dúzia de pequenos filhos da puta sujos caminham até as tigelas. Cada um parando para se esfregar nas pernas de Mickey antes de roubar a comida um do outro.

Ela passa a mão nas costas de um gato que acho que pode ser branco sob toda a sujeira cinza e fuligem. — Esses gatos, — diz ela com um sorriso de lábios apertados, como se estivesse tentando não rir.

Levanto uma sobrancelha e me inclino contra a parede. — E daí? Você é a senhora dos gatos da vizinhança agora?

Ela pega o menor do grupo, embalando-o nos braços e coçando atrás das orelhas. É bege com orelhas e pés pretos. — Como você se sentiria se estivesse com fome e ninguém te alimentasse?

Ela provavelmente está se referindo a si mesma durante seus primeiros dias aqui, mas uma imagem mental de um dos meus muitos lares adotivos vem à mente. — Eles vão superar isso e aprender a se defender sozinhos. Isso foi o que fiz.

A boca de Mickey se abre e seus olhos se enchem de simpatia que eu não estava procurando. — Você já sentiu fome antes?

A empatia dela, aparentemente, não se aplica apenas aos gatos, também se estende a mim. O homem a mantendo contra sua vontade. Sou a última pessoa de quem ela deveria sentir pena, mas ainda assim posso sentir a tristeza irradiando de sua pele como o calor de uma luz fluorescente zumbindo.

Encolho os ombros e acendo um cigarro. — Não é grande coisa. Não fui o primeiro filho e não serei o último.

Ela larga o gato com cuidado, afastando alguns dos maiores para lhe dar acesso às tigelas. — É por isso que você cuida de Jo Jo? Para que ela não tenha que passar pelo que você passou?

Depois do dia que tive, não estou com humor para sua análise, principalmente porque não preciso ouvir meu passado repetido para mim. Durante anos, fingi que ele não existia, mas Mickey tem a incrível capacidade de trazer a merda à tona que tenho empurrado para baixo quando ela está comigo.

— Esqueça que falei essa merda.

Ela se encolhe. — Isso não é realmente possível. Não comigo. Boa memória e tal.

Certo. — Tudo bem, então finja que eu não disse nada.

Ela torce os lábios em pensamento e depois me dá um sorriso. Um sorriso tão inesperado e imerecido que sinto tanto no pau quanto no peito. — Posso trabalhar com isso.

Dou outra tragada enquanto os gatos terminam de comer. Quando terminam, se aproximam de Mickey, que está agachada no chão, aceitando seus gratos presentes afetuosos com pura alegria no rosto.

Ela é uma senhora dos gatos louca e viva.

Ela também está fingindo que eu não disse nada, e estou fingindo que toda essa cena não é adorável pra caralho e que sua bunda não me faz querer rasgar seu jeans e enfiar minha língua nela... Afasto o pensamento para fazer meu pau se acalmar. A última coisa que preciso é que Mickey pense que um bando de gatos me deixa duro.

Nos últimos dias, me encontrei com líderes de várias organizações com ligações em Logan's Beach. Gutter foi junto e, após cada reunião, balançou a cabeça e disse. — Não é ele, garoto.

Para piorar, há uma porra de furacão chegando.

Depois de alguns dias, estou surpreso que ninguém tenha vindo atrás de Mickey. Não a deixei sozinha, mas fiz o que disse que faria e a usei como uma isca, dando-lhe liberdade suficiente para ser vista, mas não para conversar, com dezenas de clientes e fornecedores, até mesmo alguns dos que vêm pela porta dos fundos. Ninguém a reconheceu e ninguém invadiu minha loja com armas em punhos prontos para levá-la de volta.

Talvez eu não seja o único a usá-la como isca. Talvez ela devesse ser deixada para trás.

Por quê? Não sei, porra, mas conspirações são tudo que tenho agora e a única explicação para alguém deixar um soldado para trás.

Música e risos flutuam pelo beco do Hanson's, o bar ao lado. O que me dá uma ideia. — Vamos, — digo, agarrando a mão de Mickey e arrastando-a para longe dos gatos.

— Onde estamos indo? — Ela pergunta, relutantemente colocando o nanico no chão. Ele mia enquanto nos dirigimos para a porta dos fundos do bar. Quase me sinto mal pelo filho da puta.

— O bar? — Ela pergunta, franzindo o nariz. — Rage disse que é sujo.

— Rage acha que tudo é sujo. A tempestade está chegando, e vamos ficar escondidos por alguns dias. Não sei sobre você, mas poderia tomar uma bebida antes que isso aconteça.

Ela me olha com desconfiança. — Você quer dizer que não há pessoas suficientes me vendo por aqui, e quer ter certeza de que os crocodilos estão circulando sua isca?

Abro a porta e aceno minha mão. — Espertinha, — murmuro enquanto ela ri e entra.

O bar está cheio e cheira a tudo cerveja derramada e suor, mas enquanto nos dirigimos para uma mesa, o riso estridente morre quando a cabeça de cada motociclista e degenerado no local se vira na direção de Mickey. Ela não parece notar enquanto senta em um banquinho e apoia os cotovelos na mesa alta pegajosa, mas sei que percebe. Ela é muito intuitiva para não notar os sussurros e olhares apreciativos.

Outra coisa que percebo enquanto olho para cada maldito motoqueiro no lugar é que sou protetor da minha pequena prisioneira, e que o próximo homem que foder Mic com os olhos vai ter a cara cheia da porra do meu punho.

Duas mulheres que reconheço e possivelmente tive na minha cama ao mesmo tempo acenam para mim do bar.

— Amigas suas? — Mickey pergunta, revirando os olhos.

Me inclino para perto. — Talvez. Por quê? Com ciúmes?

Ela não hesita. — Sim.

Pisco para afastar minha surpresa. Mickey está com ciúmes. Se esse ciúme significa que ela me quer tanto quanto a quero, estou mais fodido do que pensei inicialmente. Passo minha mão pelo meu rosto. — De todas as coisas que você poderia ter escolhido em ser honesta é isso que diz, porra, — murmuro, irritado com o latejar em meu jeans. Uma garçonete põe duas cervejas na mesa e sai. Bato no copo com minha unha. — Acho que é a primeira vez que você me diz a porra da verdade.

Ela escreve seu nome na condensação do lado de fora de sua cerveja. Seu rosto permanece inexpressivo, mas contemplativo. — Pela minha experiência, não são as mentiras que te matam. É a verdade.

Ela está certa. Irritantemente certa.

Olho fixamente enquanto ela passa o dedo pela garrafa, desenhando círculos ao redor de seu nome. Ajusto minha posição no banquinho e desvio meu olhar para limpar minha imaginação dela fazendo a mesma coisa com meu pau.

Limpo minha garganta e Mickey ergue os olhos. Ela não parece notar meu desconforto. Ela está olhando para outro lugar. Sigo sua atenção até a janela da frente onde, do lado de fora, um casal obviamente turista com seus chapéus e câmeras anda pela calçada, de mãos dadas com três meninas de alturas variadas.

Eu vejo sua expressão mudar de desejo para algo muito profundo e mais triste enquanto seus olhos vidram.

— Esta. Não foi uma boa ideia. — Ela diz de repente, empurrando o banco para trás. Ele cai no chão. Ela pula por cima e sai correndo pela porta dos fundos.

— Mic, — grito, mas ela não para. A sigo apenas para ser interrompido por Gregory, um dos maiores e mais irritantes motociclistas que conheço. — Você tem jeito com as mulheres, hein, Pike? — Ele dá um tapa no meu ombro e todo o meu corpo fica tenso. Flexiono meus dedos, coçando para quebrar a porra do seu nariz. — Ela é bonita. Diga-lhe que farei o que é certo por ela se terminar com você, e juro que ela não fugirá...

Não vejo nada além de vermelho quando meu punho acerta o rosto de Gregory, jogando-o contra a mesa. As pernas se quebram e as pessoas sentadas ao redor se espalham quando ele cai com a mesa no chão.

Contornando a bagunça, vou para a porta dos fundos.

— Custo normal da mesa, Pike, — Sally grita de trás do bar.

— Vou mandar Thorne depois, — respondo. No beco, a porta da loja de penhores bate e, desta vez, quando sou parado, não é por Gregory, mas por um mar de gatos sujos miando que tenho que passar como uma pista de obstáculos peluda. — Ela está aqui há um minuto, e vocês, rapazes, já estão do lado dela, — murmuro.

Um preto gordo sibila para mim do topo de uma caixa virada.

— Foda-se você também, idiota, — respondo, dando-lhe um dedo médio.

Ele se vira e levanta a cauda, fazendo um grande show ao me mostrar que é um idiota real. Traidores. Esta é a porra do meu beco. Não dela.

— Pike! — Thorne grita, saindo para o beco.

— Chame um exterminador, — digo a ela, apontando para os gatos que agora estão todos sentados e nos observando em silêncio como se estivéssemos fazendo algum tipo de peça para um exército de gatos assustadores, todos sendo manipulados pelo mesmo mestre. — Por que alguém gosta desses filhos da puta?

— Um exterminador? — Ela torce o nariz. — Para os gatos?

— Ou a sociedade protetora dos animais ou aquele restaurante modesto perto do posto de gasolina. Qualquer pessoa interessada em se livrar dos filhos da puta.

— Pesado, — ela responde, fechando a porta enquanto passo por ela e me dirijo para as escadas. — Preciso falar com você. E não sobre o seu problema estranho, se não castrador, com gatos de rua inocentes.

— Agora não, Thorne. — Passo por ela e sigo para as escadas para encontrar Mickey. — Tenho que cuidar de uma merda. Sally tem uma conta para você. Tome conta disso. Quatro cadeiras e uma mesa.

— Outra? — Ela bufa. — Vou cuidar disso, mas você tem que me ouvir agora.

A ignoro, quase até o topo da escada.

— Mickey está bem. Ela está no apartamento. Vou ver como ela está em um minuto, mas preciso falar com você. Qualquer que seja o motivo de homem das cavernas para segui-la, pode esperar. Isso é mais importante. — Há um mal-estar em sua voz, um nervosismo que não estou acostumado a ouvir, pelo menos não dela. Ela bate o pé no chão. — Pike! Pare e me escute, seu filho da puta teimoso!

Paro no patamar. Thorne não levanta a voz para mim. Nunca. A irritação junto com a preocupação em sua explosão repentina me faz virar. Rosno e desço, o som dos meus passos pesados ecoando na escada estreita.

Ela não espera que eu chegue ao fim antes de lançar a razão por trás de sua explosão, além de eu sendo um idiota como sempre. — É o furacão, — ela começa. Ela mastiga o lado da unha do polegar, o outro antebraço enrolado em volta da cintura, agarrando o tecido de sua camisa. — Está chegando à Logan’s Beach. Eles estão falando sobre um impacto direto no noticiário.

Encolho os ombros. — Já passamos por furacões antes. Nós cuidaremos disso.

Ela balança a cabeça. — Não como este. É maior e mais rápido do que eles pensavam. Estará aqui...

As luzes piscam como um chute sinistro nas bolas. — Logo, — ela termina, enquanto as luzes voltam à vida.

Parece que a tempestade de merda da minha vida agora inclui uma tempestade de verdade.


Capítulo Vinte e Um

Pike


Depois de terminar os preparativos para o furacão - instalando as venezianas e certificando-me de que temos água, lanternas e baterias suficientes para nos ajudar a atravessar a tempestade - finalmente vou em busca de Mickey. Precisando saber por que ela fugiu no bar.

E querendo explorar a coisa do ciúme.

A porta do meu apartamento está aberta. Thorne está parada na porta, com os braços cruzados em diversão, observando enquanto Mickey dança pela sala cantando uma música pop no rádio, soluçando entre cada linha.

— Isso é coisa sua? — Pergunto, apontando para a garrafa de vodca na mão de Mickey.

Thorne levanta as mãos em autodefesa e balança a cabeça. — Nããão. Ela estava assim quando a encontrei. Embora seja muito divertida. Deveria tê-la embebedado antes. Ela é muito mais tolerável quando está bêbada.

Olho para Thorne, que revira os olhos e sai com uma saudação do dedo médio sobre a cabeça.

Fecho a porta e me inclino contra ela, observando a cena diante de mim. Mickey está dançando de olhos fechados, batendo nos móveis que a enviam para trás dançando para o outro lado da sala. Quando ela bate contra a parede, começa tudo de novo como um jogo de pingue-pongue humano.

Pingue-pongue humano bêbado.

Seus olhos se abrem e seu sorriso some, assim como a letra em seus lábios. — Você fez essas tatuagens na prisão? — Ela pergunta, apontando para o meu pescoço com a mão ainda segurando a garrafa.

— Algumas delas. As outras no reformatório. Algumas delas King fez.

— Eu as odeio.

Bom saber.

Ela balança a cabeça, seu cabelo caindo em seus olhos. Ela os afasta e, quando isso não funciona, ela explode. — As odeio porque você ainda é lindo, e nunca achei alguém tão bonito antes, mas acho que você é. Quero dizer. Bem perfeito, para o seu tipo. Se você gosta desse tipo de coisa e tudo mais. Certamente não. Não. Você não é sexy. Não quero fazer sexo com você. De modo nenhum. Sim, eu quero.

Ela está cambaleando, e não posso deixar de sorrir para a pequena ladra bêbada.

— Você me acha sexy? — Pergunto, envolvendo minha mão em torno da dela, a que está segurando o gargalo da garrafa.

Ela torce o nariz. — Acho que acabei de lhe dizer que certamente não. Sim.

Movo minha mão por seu braço e ela não tenta esconder sua reação. Graças à bebida. Seus lábios se abrem e sua pele se rompe em milhares de pequenos arrepios. Sussurro em seu ouvido. — Você quer que eu te foda, Mic?

Seu rosto vermelho, combinando com seu nariz já vermelho. Seus olhos se abrem. Ela coloca a palma da mão no meu peito. Em seguida, começa a movê-la com cautela no início e, em seguida, uma exploração completa das cristas dos músculos que descem pelo meu estômago. Ela acalma a mão e a puxa para trás. — Achei que estava quebrada, — diz ela. — Quero dizer. Eu estou quebrada. Nunca antes. Nunca ninguém além de você. Mas agora, eu sei que estou quebrada porque acho que você é sexy quando nunca encontrei ninguém sexy antes. Quero dizer, — ela ri e tropeça. Estendo a mão para pegá-la. — Por que você? Por que você e todos os seus irritantes músculos duros, a linha da mandíbula esculpida irritante, os belos olhos irritantes e os lábios irritantes beijáveis? Porque quero você?

Fico olhando para ela por alguns segundos, pois não consigo encontrar as palavras para responder a sua admissão, porque tenho a mesma maldita pergunta. — Posso te perguntar a mesma coisa, — finalmente consigo dizer. Ajuda o fato de ela estar bêbada e provavelmente não se lembrará, então aproveito a oportunidade para ser honesto e acrescentar: — Porque quero você mais do que jamais quis alguém em toda a porra da minha vida.

Ela me olha como se esperasse que eu dissesse mais, mas não há mais nada a dizer. Estou confuso e muito excitado pela forma como sua camisa sobe, expondo sua barriga lisa e tonificada e o arredondamento de seus seios sem sutiã. Não vou tirar vantagem de uma garota bêbada. Sou um maldito degenerado com certeza, mas não sou um maldito monstro.

— Não sei por que você, — ela diz e não tenho certeza se é mesmo uma pergunta. Seus olhos estão selvagens com pensamentos bêbados e tenho certeza que ela nem sabe se é uma pergunta.

Ela encolhe os ombros casualmente e toma outro gole, como se estivesse ignorando qualquer pensamento urgente passando por sua mente. — E sei muito, sabe. Eu sei de tudo. Não sei isso. Não sei por que te quero.

— Acho que eu deveria te levar para a cama.

Seu rubor se aprofunda. Ela balança o dedo indicador para mim. — Não, uh. Não, não. Só porque você é bonito, e gosto da maneira como seus músculos do abdômen fazem essa coisa. Isso não significa que irei para a cama com você. E você não pode me forçar porque é evoluído e a vista é perfeita e tudo mais.

Ela cambaleia de volta para mim e agarro seu dedo, e ela engasga. Entendo sua reação ao simples toque porque também sinto. Como um raio de corrente atingindo meu peito e muito mais abaixo. Meu pau pulsa sob minha calça jeans e todo o meu corpo aquece de uma maneira que nunca senti e não entendo.

Talvez esteja bêbado por tabela.

Pego a garrafa de suas mãos e tomo um gole. Ela reclama como se eu tivesse roubado seu cachorrinho. — Isso é meu.

Mantenho seu olhar. — Se está no meu apartamento, é meu.

Seus olhos se arregalam de medo e desejo, e me encontro traçando o contorno de sua mandíbula com o polegar. — Achado não é roubado se aplica aqui, — ela murmura. Ela fecha os olhos e se inclina ao meu toque. — Isso é bom. Isso me faz sentir um formigamento. — Seus olhos se abrem. — Por toda parte.

— Acho que você precisa se deitar, — digo, limpando a garganta.

Ela acena com a cabeça e tropeça até o sofá, onde cai de cara nas almofadas.

Rio. — Isso foi gracioso. Você aprendeu esse movimento enquanto fazia seu doutorado?

A única resposta que recebo é um ronco suave, porque Mickey desmaiou.


Capítulo Vinte e Dois

Mickey


Estou tendo o sonho de novo.

Aquele em que estou me afogando em água escura e turva.

Só que desta vez, parece mais real. Posso sentir o gosto da água salgada, sentir a textura áspera da lama espessa na minha língua. Ela desce pela minha garganta enquanto desejo que meus pulmões em chamas não a respirem. Meus olhos continuam abertos, mas não adianta, não consigo ver nada além de escuridão diante de mim. Como se estivesse flutuando no vasto vazio do espaço.

Estou com medo. Mais assustada do que nunca. Minha pulsação acelera e o terror percorre meu corpo como uma invasão de vespas me picando. Estou nadando, forçando meus braços e pernas a se moverem, embora não tenha certeza de qual o caminho, porque tenho que fazer algo, e esse algo agora é lutar pela minha vida, mesmo que pareça que o resultado já foi escrito e o destino está rindo de mim por me incomodar em tentar sobreviver.

Quando minha mão toca a lama macia e as algas no fundo do rio, percebo que a esperança está perdida. Não consigo voltar na outra direção. Meus pulmões em chamas forçam minha boca a abrir e inalo a espessa água salgada. Estou em pânico quando de repente sou arrancada do rio. Não por alguém vindo em meu socorro, mas por um som. Um grande estrondo.

Acordo assustada, segurando minha garganta e ofegando por ar como se eu finalmente tivesse quebrado a superfície. Ainda está escuro e não consigo ver nada na frente do meu rosto, mas a realidade me acalma quando percebo que não estou na água. Foi apenas um sonho. Estou na cama.

Depois de alguns segundos, consigo acalmar minha respiração. Corro minhas mãos sobre o colchão ao meu redor, e o medo decrescente ruge de volta à vida.

Estou em uma cama, mas não é a minha.

Um grande corpo masculino se agita ao meu lado, limpando o torpor do sono e me lembrando de onde estou e com quem estou.

Pike.

Um grande estrondo contra a janela me faz pular. Minha cabeça lateja com a lembrança do quanto bebi ontem à noite. Ou esta manhã. Não sei que horas são porque não há luz brilhando através das janelas, agora cobertas com o que parecem ser venezianas de metal corrugado.

As venezianas batem contra a janela enquanto o som do apocalipse explode lá fora. Começo a tremer. Nunca tive medo de tempestades antes. Logicamente, não há razão para ter medo do vento e da chuva se você estiver abrigado, mas este é um furacão enorme e, embora Thorne tenha explicado que estamos seguros e preparados, não posso deixar de sentir o contrário.

Levanto os joelhos até o peito e tento acalmar minha respiração.

— Já era hora de você acordar, — diz uma voz. — O furacão está quase acabando. Você dormiu a maior parte do tempo. Nós ficaremos bem. Mandei reforçar as treliças quando me mudei. A estrutura é sólida e não estamos numa zona de inundação.

Suas palavras deveriam ser reconfortantes, mas tempestade ou não, não estou segura.

Especialmente de Pike. Meu medo só aumenta quando ele se vira para mim, o cobertor caindo de seu peito musculoso e nu. Seus músculos abdominais flexionam a cada movimento. Tremo de novo, mas desta vez por um motivo totalmente diferente.

Pike levanta o cobertor sobre meu corpo, confundindo meu tremor com calafrios, mas não posso mais tolerar a confusão. Seu conforto. Prefiro que ele me dê um soco ou me apunhale porque ser gentil comigo de alguma forma dói mais do que qualquer coisa que ele possa fazer comigo fisicamente.

Há piedade nos olhos sonolentos de Pike, e não aguento. Chuto os cobertores. — Posso ser inteligente e ter uma boa memória e gostar de livros e números, e já passei por algumas merdas terríveis, mas nunca me confunda com uma idiota ou alguém esperando para ser resgatada. Você não precisa ter pena de mim ou sentir pena de mim. Me meti nessa merda e, de alguma forma, vou me livrar.

Pike levanta as sobrancelhas. — Confie em mim. De todos os pensamentos que tive sobre você, nunca tive pena ou senti pena de você. Nem uma vez.

— Então, por que você está me olhando assim? — Grito.

— Estava me perguntando por que você saiu correndo quando viu aquela família no bar, — diz ele. Seu comportamento calmo enquanto se apoia no cotovelo só me irrita mais.

Encolho os ombros. — Sinto falta da minha família.

— Por que você os deixou em primeiro lugar? — Ele pergunta, como se fosse simples assim. — Por que eles se esconderam e você não?

Rio e respondo honestamente. — É complicado, mas não tive escolha.

Ele me encara em silêncio como se entendesse quando não tem a mínima ideia do que passei ou por quê. — Sei como é isso, — ele oferece, e o brilho em seus olhos me diz que é sincero.

Descanso meu queixo nos joelhos novamente. — Não posso imaginar o que você pensa de mim, — rio, mas não há humor nisso. — A garota maluca que fala com a família dela mesmo que eles não estejam aqui. Aquela que não vai te dar as respostas que você precisa tão desesperadamente. — Olho para o teto e suspiro. — O engraçado é que te entendo. Se eu fosse você, também me odiaria. Portanto, não me olhe com pena, porque não mereço a sua pena.

Pike se senta, apoiando os cotovelos nos joelhos. O cobertor cai ainda mais, revelando o vinco entre os globos de sua bunda e o V profundo em sua cintura. Desvio meus olhos de volta para o teto, então ele não me pega olhando.

— Você acha que tenho pena de você? Não tenho pena de você, mas entendo. Fiz as merdas que tive que fazer, embora fosse a coisa errada. Mesmo que as pessoas tenham se machucado. — Ele balança a cabeça como se não pudesse acreditar que tem que explicar isso para mim. Seu olhar percorre meu corpo. — Pensei muito em você, Mic. Sim, sobre a merda que você está me fazendo passar, mas sobre outras coisas, também. — Seu olhar aquece e meu corpo também. — Sobre como seus lábios se sentiram contra os meus quando te beijei. Sobre como se sentiriam em outras partes do meu corpo. Sobre qual seria seu gosto, em outros lugares. Sobre como poderia te fazer gritar a porra do meu nome e esquecer todo o resto. Mesmo que só por pouco tempo. Mas não tenha dúvidas, Mic. De todos os pensamentos que tive sobre você, nunca achei que você fosse a porra de uma idiota.

Depois de uma vida inteira sendo confundida com recatada e tímida porque minhas paixões estavam em outro lugar que não na companhia de outras pessoas, esta é a coisa mais erótica e sexualmente carregada que alguém já me disse. Tanto que tremo até onde uma dor começa a crescer entre minhas pernas.

A atração é o sentimento menos lógico porque não é um sentimento. É uma compulsão, mas seja o que for, sou compelida a querer estar com Pike. Para tocá-lo e fazer com que ele me toque. Para explorar um ao outro além de seus lábios nos meus. Para senti-lo, sua pele contra a minha.

Engulo em seco quando meu coração começa a bater mais rápido enquanto minha fantasia assume a minha realidade.

A verdade é que acredito em Pike e, de certa forma, ele pode não saber tudo, mas me entende mais do que qualquer um antes. Essa compreensão que compartilhamos é provavelmente o que me manteve viva, bem como a causa da consciência pinicando em meu corpo como mil agulhas minúsculas trazendo cada terminação nervosa à vida.

Puxo os joelhos até o peito, mas isso só desperta uma dor entre minhas pernas. Estou com calor. Muito quente. Minha pele está tensa. Estou lutando para manter minha merda sob controle, e toda vez que penso que me acalmei, meus pensamentos se voltam para Pike, e a sensação começa novamente, dez vezes mais forte do que antes.

Os olhos de Pike escurecem, suas pálpebras se fechando como se soubesse exatamente o que estou sentindo. Preciso fazer algo porque meu corpo está pegando fogo e minha mente está uma bagunça. Não consigo pensar com clareza e se há algo que odeio é isso.

— O que você está fazendo comigo? — Pike pergunta, aproximando-se até ficar bem ao meu lado, seu peito roçando meu ombro. Ruborizo com a sensação do calor de seu peito duro contra minha pele e solto um suspiro audível.

— Não posso, — começo, sentindo todo o meu corpo ficar vermelho. — Nós... não podemos.

Ele segura meu joelho, puxando minhas pernas, olhando para baixo entre elas como se fosse um banquete e ele tivesse passado fome a vida inteira. Suspiro.

— Posso te ajudar, — ele oferece. — Deixe-me ajudá-la.

Começo a protestar, mas ele arrasta a ponta dos dedos ao longo da minha coxa, e percebo que não quero protestar. Quero isso. Quero ele. É doentio e não faz sentido, mas é a verdade.

Estou usando apenas uma calcinha de algodão e uma das camisetas brancas grandes demais de Pike e, ao que parece, ele não está usando nada. — Você quer muito gozar, não é? — Ele diz, massageando minha coxa. A dor agora é uma invasão total dos meus sentidos. Um rugido baixo de antecipação está crescendo dentro de mim. Me consumindo.

— Sim, — respiro enquanto seus dedos pastam onde mais quero que ele me toque.

Então, seu toque desaparece. Meus olhos encontram os dele.

— Diga, — ele insiste, sua voz grossa e áspera de sua própria necessidade. — Diga-me, Mic. Você quer que eu te faça gozar?

Sim, sim, isso é tudo que eu quero. Foda-se todo o resto.

Eu assinto.

— Diga-me. Diga-me que você quer que eu te faça gozar, — ele brinca, mas o desejo em seus olhos não é uma piada. É cru e feroz, e envia um choque de necessidade pelo meu corpo, fazendo com que meus mamilos endureçam contra o tecido macio da camiseta. — Quero ouvi-la dizer isso.

— Eu... eu quero que você me faça gozar, — consigo dizer, me sentindo envergonhada e aliviada.

O sorriso de Pike é tão perverso que quase lamento minha admissão. — Oh, Mic, no que você se meteu? — E com essas palavras mal saindo de sua boca, seus lábios estão nos meus. Ele nos rola para ficar por cima, acomodado entre minhas pernas, seus dedos emaranhados no meu cabelo e sua boca saqueando a minha como se ele fosse um ladrão, roubando cada segundo do beijo como se eu não estivesse lhe dando de boa vontade.

Uma mão segura minha bunda e a levanta da cama. Seu pau duro esfrega contra meu clitóris brutalmente inchado através da minha calcinha, e gemo com a sensação e ele grunhe, o som me fazendo abrir os olhos e olhar para este homem que geralmente é muito controlado, mas agora, com o cabelo despenteado e esse brilho em seus olhos ardentes, ele parece selvagem, como um animal enjaulado que acaba de ser libertado.

Ele me acaricia novamente. Um ataque aos meus sentidos. Repetidamente, seu eixo rígido empurra contra mim até que estou levantando meus quadris por vontade própria, tentando tomar o que preciso, o que não consigo encontrar sozinha. — Oh, não, ainda não, — brinca Pike, pausando seus movimentos.

— Este é um tipo diferente de tortura, — gemo.

— Você não sabe merda nenhuma sobre tortura... ainda, — diz ele, descendo sobre meu corpo até que seu rosto esteja no nível das minhas partes mais íntimas, abertas para uma visão completa. Ele inala profundamente, e não tenho tempo para ficar envergonhada com o que ele acabou de fazer porque sua boca está em mim, levemente no início, apenas um beijo como se ele estivesse beijando meus lábios. Sua língua circula meu clitóris, e ele suga levemente a carne sensível. Ele encontra um padrão que me faz suspirar e gemer. Circulando, sugando e liberando até que estou ofegando como um animal.

— Você sabe o que eu mais odeio em você? — Ele pergunta de repente, olhando para mim por entre as minhas pernas.

Balanço a cabeça enquanto tento recuperar o fôlego, incapaz de raciocinar sobre o que está acontecendo, sem me importar com sua pergunta. Meu corpo inteiro está vibrando de necessidade, querendo mais.

Ele fica de joelhos, cobrindo meu corpo mais uma vez com o dele. Ele traça os dedos da minha clavícula entre os meus seios, circulando meu umbigo.

Sua voz ainda está rouca, mas de alguma forma mais suave nas bordas. — O que mais odeio em você... — seus olhos encontram os meus. — É que não te odeio de jeito nenhum. — Pike tira um fio de cabelo do meu rosto. — Você me pertence, — diz ele, como se fosse um fato que eu devesse saber. Seu olhar é aquecido e determinado. Seu peito nu subindo e descendo com cada respiração raivosa. — Desde aquela primeira noite.

A ideia de pertencer a alguém aquece meu sangue. Passei muito tempo fingindo ser parte de pessoas que odeio. — Não sou um de seus pertences da loja de penhores. Você não me comprou e não sou algo que ficou para trás.

Ele levanta uma sobrancelha. — Não é?

Percebo a ironia do que acabei de dizer. Fui deixada para trás.

— Você sabe que não é a mesma coisa, — digo, estalando meus dentes em seus lábios enquanto ele tenta se aproximar para outro beijo.

Ele segura meus braços e seu rosto está a centímetros do meu. — Você não é um objeto para mim. Você não é uma posse, mas a possuo de uma forma que nunca quis possuir algo antes. Não te quero em exposição ou em minhas prateleiras para outros verem. Tocarem. E com certeza não quero vende-la para outra pessoa.

— Então, o que você quer de mim? — Pergunto, odiando as lágrimas que ameaçam cair dos meus olhos.

Ele agarra meu queixo, me forçando a olhar para ele. — Porra, Mic, eu quero você.

Ele está me deixando nua, e não me refiro apenas às minhas roupas. Mas à medida que uma camada sai e depois outra, minhas inibições também saem, e quando ele me puxa contra seu peito e estamos pele quente contra pele quente, percebo que nunca me senti mais livre do que agora, totalmente exposta a Pike, nua em seus braços.

— Porra, você é perfeita, — ele geme.

É a adrenalina, digo a mim mesma, que faz com que o ar se mova ao nosso redor. Não tenho tempo para perguntar quem ou o que está acontecendo, porque no segundo que meus lábios se abrem para falar, Pike desce sobre mim, cobrindo meus lábios com os dele.

Não sei se estamos brigando ou nos beijando, mas é agressivo e apaixonado. Nossas línguas guerreando uma com a outra. Gemo em sua boca.

— O que estamos fazendo? — Pergunto, sem fôlego.

— Não sei, porra, — Pike responde, pressionando seus lábios nos meus mais uma vez. Ele mói seu eixo onde mais preciso, e vejo estrelas. Levanto meus quadris, buscando mais conexão. Levantando-me para ficar escarranchada sobre ele, seu pau enorme se sobressaindo entre nós. Me esfrego contra ele enquanto seus lábios sugam e beijam meu pescoço e mandíbula. — O que quer que seja. É bom pra caralho. Você é gostosa pra caralho, Mic.

Nossos olhos se encontram.

Não tenho dúvidas de que, se nossa luxúria fosse inflamável, a menor faísca nos queimaria vivos.

Ele me vira, pressionando meu peito no colchão. Ele aperta minha bunda com os dedos, esfregando seu pau entre minhas nádegas.

Gemo e arqueio minha bunda em sua direção, mas ele se foi. Apenas o ar frio lambe minha pele. Seus dedos cavam em meu ombro, e o ar muda ao nosso redor de luxúria para algo muito mais sinistro. Eu suspiro, sabendo exatamente o que ele encontrou.

Merda. Merda. Merda.

— Que porra é essa? — Ele resmunga me virando para encará-lo. Ele paira sobre mim com as duas mãos no colchão ao lado da minha cabeça.

— Não é nada. É ... — Mas sei que é tarde demais. Sei que fui descoberta. Meu cérebro confuso de luxúria parou por um segundo e mostrou-lhe tudo que estive trabalhando tão duro para esconder. Acabou agora. Não há como voltar atrás. O que quer que Pike e eu tenhamos começado, nunca terminará.

— É uma marca do caralho, — diz ele com os dentes cerrados. Ele se empurra para fora da cama e fica na beirada, sua ereção é grossa e dura, apesar da raiva em sua voz e da tensão em seus ombros.

Pego a camiseta e puxo de volta sobre minha cabeça.

— Foda-se isso. Foda-se você. Eu não posso... — Pike não termina seu pensamento. Ele balança a cabeça e puxa a calça jeans. Quero explicar. Quero lhe contar tudo, mas as palavras não saem. Sinto a distância entre nós aumentar, a conexão que compartilhamos rompendo quando ele se vira e caminha para a porta. Ele para com a mão na maçaneta. — Ahhhhhhhhhhh! — Recuando, ele bate com o punho na parede com um rugido raivoso saindo de sua garganta, que posso sentir como se fosse eu quem gritasse.

Minha espinha salta quando a porta se fecha, deixando-me sozinha enquanto a tempestade continua furiosa lá fora e um novo tipo de dor torturante tece seu caminho pelo que resta do meu coração.


Capítulo Vinte e Três

Pike


— Você está acordado, dorminhoco? — Nine pergunta, olhando para mim.

Ótimo, pela porra da segunda vez, tive a porra do sonho. Que maneira de começar a porra do dia. Ah, isso e lembrar da porra da marca que descobri no ombro do Mickey.

Mudo para uma posição sentada e esfrego meus olhos, minhas costas doem de dormir na cama em meu escritório. Há uma poça de suor na cama, e mais suor escorre pelas minhas costas, mas é esperado, já que o ar condicionado não funciona sem energia.

Já se passaram anos desde que tive esse sonho. Uma lembrança da primeira vez em minha vida que me senti traído. Depois daquele momento, toda a minha vida foi governada por uma regra do caralho.

Não baixe a guarda.

Foi a tentativa de ganhar a confiança de Mickey que me matou ou, se fosse mais primitivo, meu corpo respondendo ao desejo irresistível que vinha crescendo por Mickey nas últimas semanas, mas em algum lugar baixei a guarda e eu a deixei entrar o suficiente para que quando visse a marca em seu ombro, sentisse mais do que raiva.

Eu estava... magoado.

O que é ridículo, já que não há motivo para me sentir magoado. Eventualmente chegaria a este momento vendo a marca ou não, mas ainda assim, não estava preparado para a pedra cair no meu peito com a visão do Quatro marcado em sua pele como a porra de um animal de fazenda.

Nine se apoia na minha mesa. — O furacão acabou. Suas telhas estão um pouco fodidas e uma árvore caiu em um dos painéis do armazém, mas fora isso, você o atravessou melhor do que a maioria dos filhos da puta nesta cidade. Quase não consegui sobreviver com toda a inundação. As estradas também estão fodidas. Árvores e fios de energia caíram em todos os lugares. Preppy me disse que a casa de King está um show de merda, então considere-se com sorte.

Quando não respondo, Nine me olha, torcendo os lábios. — Sem ofensa, cara, mas você parece uma merda. O que diabos está acontecendo aqui? Onde está Mickey? — Ele olha ao redor do meu escritório vazio e através do corredor para a loja de penhores igualmente vazia.

— Tudo aconteceu aqui, porra, — resmungo, empurrando meu cabelo para trás. — Mickey está lá em cima, provavelmente costurando meus lençóis em capuzes.

— Uh, pode ser mais específico? Ou ela realmente gosta de artesanato agora?

Solto um longo suspiro, acendo um cigarro e conto tudo a ele.

Quando termino, Nine apenas fica parado parecendo ter sido eletrocutado. — Mickey? Mickey é uma maldita racista? — Ele senta na beirada da minha mesa e acende um baseado, dando uma tragada profunda.

— Parece que sim. — Dou uma tragada no baseado que ele me passa e devolvo. — De todos os malditos degenerados desta cidade, ela tem que fazer parte da porra do Fourth Reich. O pior de todos. Seu ódio não vem de negócios que deram errado ou de proteção, mas da ignorância. O pior tipo de criminoso é o ignorante.

— Sim, sim, irmão. Concordo totalmente.

Thorne entra e bate uma bandeja de isopor na minha mesa. O café salta de dentro das quatro xícaras, espirrando no meu colo. Limpo minha calça jeans com a mão.

Thorne não faz nenhum esforço para me ajudar a limpar ou se desculpar. Em vez disso, ela para com os ombros para trás e coloca as mãos nos quadris. Seu charmoso piercing na barriga balança com o movimento. É roxo e brilhante e diz foda-se. — Ela não é uma porra de racista, seus idiotas.

— Olá para você também, — murmuro, removendo o café menos bagunçado da bandeja. — Como você se saiu com a tempestade? Estamos bem, obrigado por perguntar, porra.

Ela encolhe os ombros. — Estou viva. Meu apartamento fica no terceiro andar, então estamos todos bem. Mas quis vir e verifica-lo, e descobri que você parece pior do que a porra das estradas. — Ela toma um gole de seu próprio café em uma caneca reutilizável que diz EU TE ODEIO. Aparentemente, Thorne tem um tema hoje. — Então, onde eu estava? — Ela coloca um dedo no canto dos lábios. — Oh sim, agora me lembro, — ela bate as palmas das mãos na minha mesa, sacudindo o café mais uma vez. — Mickey não é racista.

— A marca no ombro dela diz o contrário, — ofereço, desejando que a maconha funcione mais rápido para que possa enterrar minha confusão no meu barato, em vez de tentar encontrar respostas para perguntas que não fazem a porra do sentido. — Além disso, como você saberia?

Thorne projeta o queixo. — Meu avô era um Grande Dragão da Klan.

Nine espalha seu café no chão. — Com licença? O que diabos ele era?

Thorne revira os olhos. — Tão dramático, — diz ela, abaixando-se na cadeira. Ela pega o telefone e seus polegares voam sobre a tela. — Felizmente, a torre de celular ainda está funcionando. Ah, lá vamos nós. — Ela vira a tela para mim, apontando para a foto de um homem vestindo uma túnica Klan e um chapéu branco de bruxa. O uniforme padrão da ignorância. — Este era ele. Meu avô. Nos amava e odiava quase todo mundo.

— Então, seu avô era um pedaço de merda, e isso de alguma forma não torna Mickey um pedaço de merda? — Nine pergunta.

Ela revira os olhos. — Cresci com a linguagem do ódio. As palavras. A propagação. Os sentimentos que eles tentam instigar em você. O ódio é algo que é ensinado. Não é algo que temos instintivamente em relação aos outros. Não houve uma palavra de Mickey ou ação que ela tomou para me fazer acreditar que ela é racista. Capto essas coisas e confie em mim, ela não exibiu nenhuma delas. Fui criada e ensinada a odiar, mas nunca assimilei. Amava meu avô, mas nunca acreditei no que ele acreditava. Nem por um segundo. Acho que com Mickey é a mesma coisa. Ela pode usar a marca, mas é exatamente o que é. Apenas uma marca. Algo na superfície que só vai até a pele. Como uma tatuagem em letras chinesas que você acha que diz amor e luz, mas na verdade diz sanduíche de presunto.

Nine ri. — Então, o que você está dizendo é que só porque ela tem um sanduíche de presunto tatuado no corpo, não significa que ela adore sanduíches de presunto. — Ele coça a cabeça. — Mas todo mundo adora sanduíches de presunto. É um fato comprovado. Ciência e merda. Mickey saberia. Vou perguntar a ela.

— Talvez ela seja uma boa atriz? — Respondo, querendo sentir raiva mais do que mágoa, procurando razões para tirar essa raiva de debaixo da dor e usá-la para colocar meu escudo de volta na porra do lugar onde ele pertence.

Thorne balança a cabeça. — Ela tem sido gentil com Jo Jo mesmo quando Jo Jo não é gentil com ela. — Ela puxa o colar de sua camisa e levanta o pingente. É a estrela de David. — Quando ela viu isso, ela não piscou.

— Por que você usa uma estrela de Davi se o seu avô era da Klan?

— É da minha namorada. Ela me deu. A questão é que o ódio é uma agenda. Esses filhos da puta são enfadonhos. Qualquer motivo que ela tenha para fazer parte do Fourth Reich não tem nada a ver com o ódio aos outros.

Algo me ocorre. — Não do tipo racista, pelo menos.

— O que você está pensando? — Nine pergunta. Somos interrompidos quando seu telefone toca. Ele o pega, andando pela sala. — Espere aí, vou te colocar no viva-voz, — ele diz, clicando em um botão e colocando o telefone no balcão. — Vá em frente, King.

— Quem quer que esteja atrás de mim mandou a louca da mãe biológica da minha filha atrás dela durante a tempestade. Quase matou minha esposa e minhas duas filhas, — King vocifera. — Nós derrubamos vários de seus pistoleiros, mas nenhum deles falou antes de morrer, exceto para dizer a porra do seu nome Pike. Essa merda acabou e acabou agora. Descubra quem está por trás disso e por que querem te derrubar e todos os outros ao seu redor, então me dê a porra de um nome. Ninguém envolvido nisso ficará respirando, entendeu?

Thorne range os dentes e desliza para a sala dos fundos, e gostaria de poder ir com ela.

Nine e eu trocamos olhares. Ele levanta as sobrancelhas perguntando silenciosamente: Você vai contar a ele sobre ela?

— Entendi, — digo, meu pescoço e ombros se contraem de tensão e raiva. Olho para as ruas. — Tenho uma pista. Vou deixa-lo saber o que acontece.

A linha fica muda.

— Direi a ele, — digo a Nine, esfregando os olhos, — quando houver algo concreto para contar.

Agora que sei quem é realmente Mickey, percebo o tempo todo que ela está fazendo um jogo comigo, independentemente de seus motivos. Uma parte de mim gostaria de nunca ter visto aquela marca, mas vi e não há como voltar atrás. Mas há dois jogadores em seu jogo.

E nunca perco.

Ela quer jogar?

Vou jogar. E vou ganhar, porra.

— Ligue para Darius Alban, — digo a Nine. — Organize uma troca. A garota por uma trégua.

Ele enfia o telefone no bolso. — Você realmente quer uma trégua e não um assassinato em massa?

— A troca é apenas o cenário, — estalo os nós dos dedos. — Para o assassinato em massa.


Capítulo Vinte e Quatro

Pike


Nine me segue escada acima, e estou pronto para a batalha ou pior quando abro a porta, mas Mickey está caída no chão, soluçando. Ela olha para mim com os olhos cheios de lágrimas. Meu peito aperta ao vê-la tão triste, fraca, vulnerável como nunca tinha visto antes. O que aconteceu com a garota corajosa que estava pronta para assumir tudo o que eu estava preparado para dar?

Vim aqui pronto para a guerra e ela já é um dano colateral.

Me lembro que ela não é mais minha Mic. Ela nunca foi realmente. Ela é um soldado do maldito Fourth Reich.

Nine olha para mim, mas não consigo falar, então ele fala por mim. Ele conta a Mickey tudo o que King acabou de dizer sobre sua esposa e filhas estarem em perigo e sobre a mulher que o Fourth Reich enviou atrás deles.

Ela fica de joelhos e afasta o cabelo dos olhos. Não há necessidade de ameaçá-la, porque vejo na maneira como seus ombros caíram, que ela já desistiu. Seus olhos encontram os meus. — Vou te contar tudo. Está na hora. Estou machucando as pessoas por não dizer a verdade. Não apenas você. Crianças. Eu não posso... não posso mais fazer isso.

Nine se senta na cômoda e coloca a arma ao lado dele, mantendo-a ao alcance.

Levanto Mickey do chão e a coloco na cama, mas ela imediatamente se levanta, se livrando do meu corpo. Ela caminha até a janela e me empoleiro na ponta da cama, pronto para ouvir o que ela tem a dizer.

Depois de alguns segundos, ela respira fundo e fala conosco enquanto ainda olha pela janela. — Meu pai não era um homem afetuoso, mas nunca duvidamos de que ele nos amava. Ele deu tudo o que pôde para minhas irmãs, minha mãe e eu. Ele nunca foi cruel. Mas ele também não era um livro aberto. Ele era reservado. Seus elogios e cumprimentos limitavam-se às nossas realizações e nunca eram dados ao nosso caráter. Todas as minhas irmãs tiveram sucesso em diferentes áreas. Acho que até certo ponto foi para agradá-lo, porque viram toda a atenção que ele me deu quando ganhava um prêmio ou fui a mais jovem a receber o doutorado em ciências na minha universidade. Embora tenham recebido elogios, nunca era do tipo que ele me dava. Talvez fosse porque erámos da mesma área. Mas, independentemente, com qualquer uma de nós, nunca foi o tipo de atenção ou orgulho que terminava com um Eu te amo. A ponto de minhas irmãs e eu nos agarrarmos às poucas palavras de carinho que ele oferecia como se fossem os abraços que ansiávamos tão desesperadamente. Mas nós o amávamos de qualquer modo, e possivelmente apesar disso.

— Vamos avançar um pouco. Por que o Fourth Reich? Quer dizer, tenho muitos motivos para odiar muitas pessoas, mas raça não é um deles, — Nine comenta, saltando à frente na história. — Basicamente, minha pergunta é: quando você se tornou uma vadia odiosa e por quê? — Ele aponta para ela. — E vá daí.

— Não sou racista, — ela insiste. — Tenho o mesmo ódio em meu coração que eles, mas o único grupo de pessoas que odeio como um todo são eles.

Nine levanta a mão. — Uh, professora, estou um pouco perdido aqui. Você pode explicar, por favor? Exemplificar? Qualquer coisa?

— Abaixe a porra da mão, — murmuro.

Mickey anda pelo quarto, torcendo as mãos. — Há quatro anos venho treinando como soldado do exército do Fourth Reich. Mal sabem eles para o que me treinaram.

— Como exatamente isso funciona? — Nine pergunta.

Ela se vira e fico presa em seu olhar. — Justiça. Eles me treinaram, e eu usaria esse treinamento neles e conseguiria a justiça muito merecida e necessária.

— Você quer dizer vingança, — argumento.

Ela concorda. — Nesse caso, eles são a mesma coisa. Embora justiça faça parecer mais heroico e menos...

— Como assassinato premeditado? — Nine acaba.

— Acho que você pode dizer isso, — ela responde, rindo, sacudindo as mãos nervosamente. — Porque é verdade. Não importa quais palavras você use.

Me inclino para frente, apoiando os cotovelos nos joelhos. — Vingança pelo quê? — Pergunto, porque preciso saber, porra.

— É uma história muito longa, — ela responde, seus olhos vidrados com lágrimas não derramadas.

— Não vamos a lugar nenhum. Diga-nos, — falo, precisando entender sua afiliação com os bastardos racistas. Olho para Nine. — Sem interromper. Deixe-a falar, porra.

Ela pensa por alguns segundos. — Meu pai estava no mesmo campo de estudos que estou. Que eu estava. Ele se infiltrou antes de eu nascer no Fourth Reich. Ele nos levava, a família toda, para suas reuniões. Todos repetíamos os cânticos doentios. Aplaudíamos a crença. À noite, quando estávamos em casa, ele nos falava do sucesso de sua pesquisa e que contribuíamos muito para esse sucesso. Tudo o que precisávamos fazer era continuar fazendo nossa parte e seríamos recompensados quando sua pesquisa lhe rendesse uma vaga na CNN e seu livro se transformasse em filme. Seus delírios de grandeza eram imensos que o tornaram ganancioso. Isso o fez ficar muito tempo depois que deveria ter saído.

Resisto colocar minha mão em sua coxa porque, por mais que queira confortá-la, ela não merece meu conforto, e não posso arriscar, tocá-la novamente pode afetar minha visão de tudo isso. — O que aconteceu? O que deu errado? — Pergunto.

Ela olha para o teto como se a resposta estivesse colada nele. — Não sei os detalhes, mas eles devem ter descoberto quem meu pai realmente era e o que estava fazendo lá. Vinte anos é muito tempo, e acho que não gostaram da ideia de que passaram por tolos por tanto tempo. Lembro-me de quando meu pai voltou para a casa de veraneio um dia parecendo exausto. Assustado. Tivemos que sair muito rápido. Nem mesmo fizemos as malas. Nós apenas entramos na van e partimos. — Ela tira os olhos do teto e olha para mim.

— Eles nos alcançaram. Houve tiros. Minhas irmãs gritaram. O rosto de minha mãe estava o mais pálido que já vi. Ela estava apavorada. Houve um barulho como um pop rápido e, em seguida, o rosto de minha mãe ficou todo vermelho. Meu pai... ele levou um tiro na cabeça. Ele estava morto. Minha mãe tentou segurar o volante, mas o pé dele estava pressionando o acelerador. Não havia nada que ela pudesse fazer. Nós arrebentamos a grade de proteção. Houve muitos gritos. A água estava muito rápida. Muito funda. Gritei por minha mãe, mas ela não respondeu. Minhas irmãs... elas estavam todas contorcidas, e não sei se ainda estavam vivas, mas não estavam conscientes. Não houve mais gritos. Tentei sentir o pulso em minha irmã Mindy, mas a água estava no meu pescoço e sobre a cabeça dela, e não consegui sentir nada.

Ela sorri para mim em meio às lágrimas, e quero matar, porra, cada pessoa que a fez chorar. — Você me encontrou naquela noite e me levou para casa. Eu estava delirando. Não percebi - o que aconteceu - até que eles começaram a atirar em nós na praia. Rendi-me porque não queria que você morresse pelos pecados do meu pai.

— O que aconteceu depois que eles te levaram? — Pergunto, percebendo agora que não foi um resgate, afinal.

— Psicologia aconteceu. Quando Darius me viu, eu sabia que ele estava prestes a me matar. Mas a única razão que ele teria para me querer morta seria se eu acreditasse que ele era o vilão, o homem que matou minha família. — Ela respira fundo para se acalmar. — Então, quando o vi pela primeira vez, passei meus braços em volta dele e chorei ao tio Darius que sofremos um acidente de carro porque alguém nos tirou da estrada e atirou em nós e que estava muito feliz em ver que ele estava bem porque temia que quem matou minha família pudesse estar atrás dele também. E lhe agradeci por me resgatar.

— E ele acreditou em você? — Nine pergunta.

— Eu não lhe dei uma razão para não acreditar em mim. O deixei acreditar que era o salvador da minha história e ele, por sua vez, desempenhou o papel.

Cerro meus punhos, compreensão e simpatia inundando qualquer maldita reserva que vinha tentando construir entre nós. — Jesus fodido Cristo. Você se colocou em um cercado com os malditos lobos.

Ela senta na cama e eu não consigo evitar. Desta vez, coloco minha mão em sua coxa e aperto. Ela não vacila, embora seus olhos se arregalem de surpresa. Você e eu, digo a ela em silêncio, sentindo seus músculos relaxarem sob meu toque.

— Não, não me coloquei no cercado com eles, — explica ela. — Me tornei um lobo. Pelo menos, no que diz respeito a eles.

— Então, seu plano era matá-los? — Eu pergunto.

Ela concorda. — Cada um deles, começando pela base e subindo. Não é uma morte rápida. É mais como uma arma biológica. Queria matá-los por dentro, lenta e dolorosamente. Toda a organização como um todo. Eu não queria tirar suas vidas, queria tirar sua lealdade ao Fourth Reich, suas crenças, tudo que os mantinha unidos, mas primeiro, precisava ganhar sua confiança. Seguir suas ordens. Darius chegou a me alimentar com uma mentira sobre quem realmente foi o responsável pela morte dos meus pais.

— Quem? — Eu pergunto, apertando sua coxa novamente.

Ela olha para mim. — Você.

Levanto como se tivesse levado um tiro. — Aquele filho da puta!

— Não é como se eu acreditasse nele, — ela me garante. — Eu sabia que era Darius o tempo todo, e sei que ele tem um plano que tem a ver com te destruir, mas não tem nada a ver com como ele destruiu minha família. Ele estava só me contando uma mentira para cumprir esse plano, então o deixei pensar que acreditei nele.

— Percy, — murmuro. — O filho da puta acha que fui eu que o delatei anos atrás.

— Isso realmente faz sentido pra caralho, — Nine responde. — Não é como se tivéssemos feito negócios com eles. Eles não teriam outro motivo para nos odiar. Quer dizer, não sei se você notou, mas somos brancos pra caralho. Constrangedoramente assim.

— Foi o que pensei, — diz Mickey com uma fungada. — Mas sei que não foi você quem o delatou.

— Como? — Pergunto, parando meu andar furioso pelo quarto.

— Porque... fui eu.

 

Mickey


— Porque... fui eu, — digo com orgulho e arrependimento enchendo minha voz. — Meu pai e Darius sempre empurravam, Percy e eu um para o outro na esperança de sermos os novos rostos do Reich. Claro, meu pai me disse que tudo fazia parte de sua pesquisa, e concordei com tudo o que ele propôs, em nome do conhecimento. Sua pesquisa era importante. Ele estava sempre tão perto do fim. Para descobrir o que fazia o cérebro humano odiar.

— Ele deixou você se aproximar de um monstro de merda, — Pike rosna, seu pescoço latejando de raiva. Uma veia em seu antebraço pulsa sob uma tatuagem do nome Greyson.

Assinto. — Ele me pediu para visitá-lo uma vez no centro de detenção e, enquanto estava lá, fui abordada pelo FBI. Eu era jovem e assustada, e eles ameaçaram prender meu pai, mas o verdadeiro motivo de usar aquela escuta era porque parecia a coisa certa a fazer. Agora, olhando para trás... — Não posso mais evitar as lágrimas que escorrem pelo meu rosto. — Provavelmente foi o que levou meu pai a ser descoberto e minha família inteira ser morta.

Pike cai de joelhos diante de mim. — Não foi sua porra de culpa, — ele diz, agarrando minhas mãos nas suas. — Nada disso foi sua porra de culpa, — ele diz as palavras com tanta paixão e determinação que quase acredito nele, mas sendo a pessoa lógica que sou, fatos são fatos. Minhas ações podem ter levado à morte de meu pai.

Nine está digitando furiosamente em seu laptop. Ele finalmente olha para cima e sua expressão é de confusão. — Você disse que seu pai estava disfarçado? Foi isso que ele disse a você? — Nine pergunta.

— Sim, por quê? — Pergunto, hesitante.

Pike se levanta, mas mantém minha mão presa na sua.

Nine traz seu laptop e o coloca na cama. — Porque isso diz o contrário. — É um artigo. Ou melhor, um boletim informativo. Reconheço-o como propaganda do Fourth Reich. Há uma foto de um Darius muito mais jovem com outro homem cujos olhos são do mesmo tom de cinza que os meus.

Suspiro e sinto meu rosto empalidecer. Não, isso não pode ser verdade. Não pode ser. Puxo minha mão de Pike e caminho até a janela.

— O que? — Pike rosna para Nine.

Posso sentir os olhos de Pike em mim enquanto Nine responde. — Isso é de mais de trinta anos atrás, não de vinte. O pai de Mickey não estava disfarçado no Quarto Reich. — Nine toca na tela. — Ele foi um membro fundador.


Capítulo Vinte e Cinco

Mickey


Encontro Thorne no escritório.

Pike e Nine estão no andar de cima amontoados para dar sentido a essa bagunça que fiz, e eu não aguentei mais. Estava sufocando com minha própria tristeza e culpa.

Sei que eles contaram tudo a Thorne porque os ouvi lá embaixo. O olhar que Thorne me lança quando entro não é de ódio ou pena, mas de simpatia.

— Estou curiosa, — diz ela. — Como funciona essa sua memória fotográfica?

Agradeço a pergunta, qualquer dúvida sobre qualquer coisa que não seja sobre minha situação atual. Respondo imediatamente. — Pense desta forma: se você ler uma página de um livro, verá letras pretas em uma página branca. Posso saber que são letras pretas em uma página branca, mas as interpreto como letras brancas em torno delas em preto. É como meu cérebro é capaz de processar mais de uma coisa ao mesmo tempo.

Ela encolhe os ombros. — Acho que você nunca teve que estudar muito.

Franzo meus lábios e penso. — Sim e não. Posso dar uma rápida olhada no livro texto e memorizar as respostas, mas para realmente aprender algo e saber sem ter que reverter para aquela memória em particular, tenho que ler algumas vezes, assim como todo mundo, e dessa forma, sim, ainda tenho que estudar. Há uma grande diferença entre saber algo e realmente compreender o significado por trás disso.

— Existe uma desvantagem? — Ela pergunta.

Apenas lembrar de tudo que você nunca quis lembrar em detalhes vívidos. — Várias. Às vezes, tenho dificuldade em acompanhar uma conversa. As coisas ficam confusas no meu cérebro. Digamos que meus pais começam a falar sobre voltar a um restaurante que fomos no verão passado em nossas férias. Bem, meu cérebro abre automaticamente o álbum sob o arquivo daquele restaurante, e perco o resto que eles estão dizendo porque estou muito ocupada lembrando como o garçom deixou uma mecha de cabelo sob sua orelha perto de seu queixo que perdeu enquanto fazia a barba, ou como o toldo tem um rasgo no lado esquerdo sob a letra A do nome do restaurante, ou como o box do banheiro tinha um anúncio na porta de um estabelecimento totalmente diferente vendendo o mesmo tipo de comida, e então estou recitando o número de telefone do concorrente em voz alta e, quando termino, volto a mim e meus pais e irmãs estão todos olhando para mim, esperando que eu regresse a Terra do meu próprio cérebro.

— Como você lida com isso? — Ela pergunta, parecendo genuinamente interessada.

— Como é que alguém lida com qualquer coisa? — Respondo, olhando para as luzes fluorescentes no teto quando zumbem para a vida.

— O gerador deve ter entrado em ação, — diz Thorne. — Continue.

— Eu não lido, realmente. Apenas vivo. Acredito que é um dom na maior parte e isso me faz, bem ... eu.

Por um momento, perambulo pelo escritório enquanto Thorne trabalha. Esta pode ser a última vez que a vejo, e algo sobre ela está marinando em meu cérebro.

— Quando você vai contar a Pike? — Pergunto, colocando minhas mãos nos bolsos de trás.

— Contar a ele o quê? — Ela olha para mim.

— Que você é irmã dele.

Seu queixo cai. — Como... como você sabe? — Ela esfrega a marca de nascença atrás da orelha.

Sorrio. — Você quer dizer além do fato de que vocês dois têm a mesma expressão quando estão preocupados com algo, mas tentam parecer que não estão preocupados? — Pergunto. — Ou a marca de nascença em forma de lua que vocês dois têm atrás da orelha esquerda?

Ela percebe o que está fazendo e para.

— Por que você não contou a ele? — Pressiono.

Thorne suspira, girando sem pensar na cadeira. — Você sabe como ele é. Ele não gosta de família. Quando descobri sobre ele, vim para lhe contar, e quando comecei a falar sobre família preparando o terreno, ele me disse que família não significava nada para ele. Que é besteira fingir laços entre as pessoas para inventar desculpas por suas vidas. Ele realmente não deixou muita abertura e meio que nunca mais surgiu.

— E você quer significar algo para ele, — percebo em voz alta.

Ela sorri. — Eu queria. E significo.

— Você não se preocupou que ele se sentisse atraído por você? Tentasse algo com você? — Pergunto, curiosa. Ela é uma garota linda e Pike ... bem, ele é Pike. Meu estômago se contorce de arrependimento e dor pelo que fiz e pelo que ainda vou fazer.

Seus olhos se arregalam. — Hum. Ai credo. Não, — ela diz, mas então suspira quando não aceito sua resposta simples. — Não há atração entre nós, e sei que ele sente isso também, mas apenas no caso, tinha um plano de contingência.

— Que é?

Ela sorri brilhantemente. — Disse a ele que era lésbica. E embora tenha uma colega de quarto, ela é minha melhor amiga, mas desempenha bem o papel quando ele está por perto.

Rio. — Ah, boa ideia.

Ela me examina. — Sabe, não somos muito diferentes. Nós duas queremos fazer parte da vida dele, mas dizer a ele o quanto realmente significa para nós pode destruir tudo.

— Mas eu...

Meu protesto é interrompido pelos sinos acima da porta.

— Salva pelos sinos, — diz Thorne, passando por mim e entrando na loja de penhores. — Te vejo mais tarde. Tenho que cuidar dessa merda elétrica. Ver se volta a funcionar. — Ela olha para mim. — Só ara constar, nunca achei que você fosse racista, e foi por isso que não contei a Pike sobre a marca na primeira noite em que a vi.

Ela entra na outra sala, deixando-me em estado de choque.

Ela sabia. Todo esse tempo, Thorne sabia.

Subo as escadas novamente, dando mais uma olhada para Thorne, que está conversando com um eletricista de capacete, carregando uma prancheta. Ela é a primeira pessoa em anos que consideraria uma amiga. Vou sentir mais falta dela do que quero admitir para mim mesma.

Adeus Thorne.

Caminhando de volta para as escadas, fico surpresa ao ouvir o barulho de uma sala que presumi ser um depósito. A porta está entreaberta, então escuto. — O negocio vai acontecer dois dias a partir de hoje no armazém em Coral Pines, — ouço Pike dizer.

— A garota por uma trégua? — Reconheço a voz de King.

— Foi o que Darius concordou, — Pike responde, enquanto o meu coração se despedaça no meu peito. É só parcialmente porque ele está muito disposto a me negociar porque meu lado lógico deveria ter previsto isso, mas é porque ele acha que Darius Alban concordaria com uma trégua quando sei em meu coração que será uma emboscada.

— Vou ligar para os meninos. Estaremos todos esperando por eles. Eles verão o que espera por eles, e o Fourth Reich será uma memória distante em Logan’s Beach na porra do sábado de manhã, — King diz.

Aparentemente, eles estão planejando sua própria emboscada.

Não posso deixar isso acontecer. Não posso deixar mais pessoas morrerem. Tenho que voltar ao Fourth Reich e avançar rapidamente com meus planos.

Vou até o apartamento e entro no quarto de Pike sem nem mesmo deixar a porta ranger. Corro até o cofre que funciona como uma mesa de cabeceira e começo a trabalhar para abri-lo.


Capítulo Vinte e Seis

Mickey


— Sei que você nos ouviu, e não é o que pensa! — Pike grita com raiva do outro lado da porta trancada.

É exatamente o que penso. Eles estão prestes a se matar, embora ele ache que me tranquei em seu quarto porque o ouvi falando sobre me trocar quando, na verdade, estou apenas ganhando algum tempo.

Finalmente, na milésima tentativa, o cofre se abre, e o que eu preciso está ali na primeira prateleira ao lado de uma pilha de dinheiro. Deixo o dinheiro, mas pego a arma. Verifico para ter certeza de que está carregada.

Sim.

Me empurro para o canto mais distante do quarto.

— Sei que você está com a porra da minha arma. Você pode ser inteligente, mas não sou idiota. Câmeras, lembra? Se você acha que vai sair daqui com isso ou mesmo sem, está errada. — Ele bate contra porta novamente. — Abra a maldita porta, Mic! — Ele grita. A raiva e a mágoa em sua voz perfuram meu peito, e sinto como se fosse minha.

Por alguns segundos, acho que ele saiu porque não ouço nada além do som da minha própria respiração acelerada. Até a porta bater, empurrando a cômoda que coloquei na frente dela apenas o suficiente para criar um pequeno vão.

O corpo maciço de Pike está parado sombreando a porta, sua raiva irradiando dele como produtos químicos tóxicos subindo no ar.

Prendo minha respiração e enrijeço meus nervos. Pike entra, com o peito nu e brilhando de suor. Seu jeans está aberto e baixo na cintura, expondo a faixa de sua cueca boxer preta.

Levanto a arma com as duas mãos, mirando em seu peito. — Tenho que ir. Você não pode me impedir, — digo, com toda a determinação que me resta. — Você vai me trocar e emboscá-los, mas não acha que eles têm o mesmo plano para você? Tenho que ir, e assim, menos gente morrerá. VOCÊ não vai morrer. Então, deixe-me sair. Tenho um plano. Vai funcionar. Vou derrubá-los por nós dois.

— Não. — Pike olha de mim para a arma. — E como já disse antes, você não vai a lugar nenhum. — Suas palavras são sombrias e ameaçadoras. Um sorriso divertido aparece nos cantos de seus lábios.

É irritante. Ele é irritante.

Endireito meus ombros. — O que é tão engraçado? — Pergunto, engolindo o medo crescente na minha garganta. Lembro-me de um fato importante para não engasgar com esse medo.

Sou eu quem está segurando a arma.

Em vez de congelar ou recuar como alguém faria nessa situação, Pike dá um passo ousado para frente, me pegando desprevenida. Cambaleio para trás, mas não sou rápida o suficiente. Ele estende a mão e, a princípio, acho que está indo para a arma, mas não. Ele me confunde enquanto envolve suas mãos nas minhas, aumentando meu aperto em torno da arma. Ele levanta minhas mãos e se inclina ligeiramente na cintura, pressionando com força o cano contra sua testa. — Você quer atirar em mim, Mic? Então, atire em mim, porra, — ele ousa, com olhos injetados de sangue.

Minha boca se abre, mas as palavras não saem. Esperava que Pike se defendesse. Que me atacasse. Recuasse e me deixasse ir embora, embora fosse o menos provável de todos os resultados. Eu não planejei isso.

Eu posso fazer isso. Tenho que fazer isso

— Não era o que você esperava? — Seu tom é zombeteiro e cheio de raiva. — Sei o que esse seu cérebro bonito está pensando. Você quer que eu te ataque e torne puxar o gatilho mais fácil para sua consciência. — Ele solta uma risada. — Não vai acontecer. Se você quiser fazer isso, não vou te impedir, mas você também não vai embora. Então, vamos lá. Atire em mim. Vá em frente. Faça o que planejou fazer. — Seus olhos se estreitam com determinação. Minhas mãos tremem nas dele. — Puxe a porra do gatilho!

O ar ao nosso redor é denso e carregado. Minha pele começa a brilhar de suor. Minha adrenalina aumenta e me sinto muito alerta. Muito ciente do que está acontecendo entre nós.

Aperto a arma com mais força e olho em seus olhos escuros, suas pupilas estão dilatadas e cobrem todos os sinais de cor dentro deles. Por trás da raiva e da determinação, há algo mais que eu não esperava. Algo com o qual estou muito familiarizada. Dor. Dor que reflete a minha. Desespero que me chama como um pedaço da minha alma presa dentro de Pike.

— Atire em mim! — Ele grita, seu rosto vermelho de raiva, os dentes à mostra como um animal selvagem. — Porra, atire em mim!

Com essas palavras, minha resolução ígnea se dissolve em cinzas.

Dou um passo para trás, precisando colocar alguma distância entre nós, mas Pike não tem o mesmo pensamento. Ele me segue, mantendo seu aperto em minhas mãos e a arma entre elas.

— Eu ... eu não posso fazer isso, — sussurro, liberando meu controle sobre a arma.

Pike me solta, pegando a arma antes que ela caia no chão.

Merda.

Olho para a janela, mas é muito alta, e Pike está bem na frente da única porta. Não há escapatória. Tanto para ser corajosa. Em vez disso, assinei minha própria sentença de morte. Meu coração dispara erraticamente com a percepção de que é isso. Acabou.

Estou acabada.

— Este foi um movimento realmente estúpido para alguém que afirma ser tão inteligente, — zomba Pike. Ele levanta a arma.

Aperto meus olhos, esperando sentir a bala de sua ira perfurar minha pele. Ouço um baque e meus olhos se abrem e pousam no tapete onde Pike jogou a arma no chão.

Meus olhos encontram os dele em uma pergunta silenciosa. Por quê?

Ele responde cobrando, a explosão de um homem que não posso evitar quando ele se choca contra mim. Seu peito bate contra o meu, e minha cabeça se conecta com a parede com um baque que sacode meus ossos. Estou tonta enquanto o medo atinge minhas entranhas como uma bola de fogo. Minha pulsação acelera enquanto sua proximidade me consome. O cheiro de colônia e cigarros permanece entre nós - um traço de uísque em seu hálito.

— Você vai se arrepender de não ter puxado o gatilho, — ele zomba. A escuridão nos olhos de Pike me diz que, com ou sem arma, não vou sair impune.

Ou possivelmente viva.

Engulo em seco.

Ele me prende com as mãos contra a parede ao meu lado, me envolvendo no calor e na raiva que irradia de seu corpo rígido. Sinto seu coração batendo rápido sob seu peito agora pressionado contra o meu. — O que fazer com você agora? — Pike medita, sua respiração irregular. Sua voz cheia de promessas e advertências. Ele roça os lábios na minha têmpora. Tremo com o contato. — Você vai pagar por essa pequena façanha, Mic.

Ele está perto. Muito perto. Estou totalmente rígida, congelada no lugar. Isso não deveria acontecer. Como deixei isso acontecer? Estou mais apavorada que já estive, mas há outra coisa que não consigo entender. Outra coisa entre nós que está carregando o ar, me fazendo tremer, e não apenas de medo. Ódio misturado com necessidade. O desejo que neguei por ele não está mais adormecido. É tão real quanto a dor crescendo em meu estômago, a umidade entre minhas coxas. Se pensei que o quarto parecia carregado antes, ele está quase pegando fogo agora. As chamas do desejo e do ódio lambem as paredes ao nosso redor, deixando tudo em chamas, fazendo o pequeno quarto parecer menor, fechando ao nosso redor.

Meus mamilos endurecem quando roçam em seu peito. Sugo uma respiração.

Ele não perde minha reação. Ele olha para onde meus mamilos estão pressionados contra minha camisa com olhos aquecidos.

O único som no quarto é da respiração pesada mútua enquanto ele lentamente tira o olhar do meu peito. Seus olhos se fixam nos meus. Por alguns segundos, nós apenas olhamos um para o outro - testas cheias de confusão e raiva.

Um desafio silencioso.

Minha mente, por outro lado, está tudo menos silenciosa.

— Devo te matar ou te foder? — Ele medita. E, honestamente, não tenho certeza do que me assusta mais. Sua raiva ou seu desejo. Ele esfrega os nós dos dedos contra meu queixo. — Talvez ambos.

— O que você... — Não tenho tempo de terminar minha pergunta porque seus lábios estão nos meus. Ele me levanta no ar e minhas pernas envolvem sua cintura por instinto.

É uma união raivosa de dentes batendo e lábios mordendo. Uma guerra que ainda estamos lutando um com o outro e nós mesmos. Ele rosna para mim quando mordo seu lábio, tirando sangue. Ele lambe o sangue com a língua e me beija de novo, desta vez com mais força. Um beijo punitivo que me faz rosnar para ele em troca. Seu sangue acobreado na minha língua tem gosto de vitória. Ele lambe seu caminho entre meus lábios, empurrando sua língua em minha boca, provando e devorando com golpes ásperos e determinados. Com um movimento de seus quadris, ele pressiona a ereção maciça sob sua calça jeans entre as minhas pernas, o prazer que me atravessa me faz ver estrelas momentaneamente. Moo contra ele em troca.

Ele sibila em resposta, mostrando seus dentes contra meus lábios. — Você vai pagar por isso, Mic, — ele avisa, tomando minha boca em outro beijo que nos faz grunhir e rosnar um para o outro como animais famintos lutando pelo último pedaço de comida. Mas nenhum de nós está prestes a desistir. Ele me empurra de costas na cama, caindo sobre meu corpo, minhas pernas abertas em ambos os lados de seus quadris enquanto ele pressiona seu pau novamente entre minhas pernas. Arqueio minhas costas, precisando sentir mais. Precisando que não haja nada entre nós além do desejo. Um pelo outro e o de vencer. Mas, este não é mais um jogo que estamos jogando. É uma batalha. Uma guerra que nenhum de nós pode vencer.

Mas, uma em que ambos iremos lutar.

Ele fica de joelhos, expondo as linhas profundas de músculos recortados por gotas de suor. Uso minha língua para provar sua pele salgada. Ele fecha os olhos com um gemido, em seguida, enfia a mão atrás de mim, puxando-me para uma posição sentada tempo suficiente para arrancar a camiseta pela minha cabeça e jogá-la no chão com a dele. Ele pressiona entre meus seios, me mandando de volta para o colchão, em seguida, tira meu short e calcinha com um puxão. Sinto o ar em minha pele nua por um breve momento e um flash de terror percorre meu peito.

Pike me cobre novamente com seu corpo, seu peito nu contra o meu é uma sensação como nunca senti. Duro contra macio. Meus mamilos doem sob sua pele quente. Seu pau está duro e quente sob sua calça jeans enquanto ele pressiona meu clitóris me causando uma onda de prazer. Estremeço quando minha boceta aperta com o vazio, e gemo enquanto a dor exige ser saciada, enquanto meu corpo exige ser preenchido.

Passo minhas unhas nas costas de Pike, punindo-o por não estar dentro de mim. Punindo-o por me fazer desejá-lo, por me fazer sentir medo de desejá-lo, mas o silvo entre seus dentes não é de dor. É de excitação, uma necessidade pura que reflete a minha própria.

Pike puxa meu cabelo com uma mão, empurrando as calças até os pés com a outra, chutando-as.

E aí está ele. Nu diante de mim. A visão me faz engasgar. O corpo de Pike é uma obra de arte, todo musculoso e magro. Suas tatuagens envolvem seus quadris em um desenho intrincado que quero traçar com meus dedos e minha língua. Seus abdominais são delineados em sombras tão profundas que parecem ter sido desenhados. Ele é a perfeição absoluta. É ao mesmo tempo furioso e excitante que este homem, dentre todos os homens, aquele que age como o próprio diabo, seja esculpido à imagem de um Deus. Um anjo com um halo de ódio e dor que penetra em minha alma.

E seu pau é tão enorme e intimidante quanto o resto dele. Projetando-se diante dele, roçando seu umbigo, me deixando com medo, mas de uma forma muito diferente.

Ele se acaricia. Uma vez, lentamente, e fico hipnotizada pelo movimento, lutando contra a vontade de estender a mão e agarrá-lo para descobrir como seria na minha própria mão.

Pike me olha lentamente e meu corpo aquece sob seu olhar. Estou quase nua com minhas pernas abertas diante dele. De repente, nunca me senti tão exposta. Fecho minhas pernas, e ele imediatamente libera meu cabelo para afastá-las. Seus olhos ficam ainda mais escuros enquanto ele se fixa na umidade acumulada ali. Não pensei que fosse possível, mas ele parece ainda mais faminto do que antes.

Suas narinas dilatam e, de novo, fico com medo do que ele é capaz, mas por uma razão totalmente diferente.

Pike me cobre novamente com seu corpo, puxando meus seios do meu sutiã. Ele lambe um dos meus mamilos, em seguida, morde. Gemo com a picada de prazer e arqueio minhas costas, silenciosamente implorando por mais. Quando seu eixo agora nu se conecta com o meu clitóris e lateja contra mim, grito. Grito quando minhas entranhas se retorcem de necessidade e prazer insatisfeito.

Ele lambe e chupa meu mamilo, e pego um punhado de seu cabelo, segurando-o contra mim, levantando meus quadris em um pedido silencioso por mais.

Ele levanta a cabeça e libera meu mamilo com um pop, o ar frio encontra a umidade e os endurece ainda mais. Ele enfia a mão entre nós e empunha a base de seu eixo. Sua mão é grande, mas seu pau ainda parece enorme em seu aperto. Ele desliza uma mão atrás da minha cabeça, uma vez mais a emaranhando no meu cabelo. A outra desce para a parte inferior das minhas costas, levantando meus quadris da cama. Ele me beija novamente, forte, furiosamente. Há uma cutucada na minha entrada. Aço aquecido contra seda. Ele geme em minha boca enquanto empurra, me empalando com seu pau enorme que me estica até eu achar que estou prestes a quebrar. Meus olhos marejam, lágrimas escorrem dos cantos. Isso queima e dói, e nunca quero que pare.

Ele move seus lábios pelos meus olhos e lambe as lágrimas que eu não sabia que tinham caído. Isso dói, muito, não apenas no meu corpo, mas no meu coração.

— Você é tão apertada, — ele diz com um gemido estrangulado. — Porra, você é tão boa. Muito melhor do que qualquer coisa... — ele se esforça para dizer, parando. — Pensei sobre isso. Sobre você. Muito. Porra, Mic.

A maneira como seu rosto se contorce em agonia e prazer me encoraja ainda mais. Levanto meus quadris, levando-o mais fundo, e ainda assim, não é o suficiente. A dor diminui com o movimento, então faço de novo.

Ele sibila, levantando os olhos para o teto e depois os fechando.

Faço novamente.

Seus olhos se abrem e encontram os meus. Dou a ele um olhar ousado que diz faça o seu pior. Ele sorri em resposta, empurrando ainda mais forte, me tocando ainda mais fundo.

E a batalha recomeça.

O encontro impulso por impulso enquanto mantemos o olhar um do outro.

Ele para, então se afasta e empurra para frente com tanta força que minha cabeça bate na cabeceira da cama, mas não me importo. A sensação de tê-lo dentro de mim, me esticando, me enchendo, é tão boa que estou prestes a explodir.

Ele ainda me segura em seus braços, puxando-me contra ele enquanto dá golpes rápidos e fortes para que eu sinta tudo dele, tudo o que ele tem para dar. É opressor, mas é perfeito da mesma forma que é imperfeito.

Como Pike.

— Te odeio pra caralho, — gemo contra seus lábios, enquanto ele me beija mais uma vez, mas não quero dizer isso.

— Também te odeio, porra, — ele zomba, e sei que ele não quis dizer isso também.

Deveríamos, mas não fazemos. Não podemos.

Como posso odiar alguém que faz parte de mim?

Não somos inimigos. Somos vítimas das circunstâncias, presos no que achamos que deveríamos fazer, enquanto nos consumimos pelo que queremos fazer um ao outro.

Levanto meus quadris novamente, e suas estocadas tornam-se selvagens e erráticas até que a tensão no meu estômago explode em um emaranhado de sentimentos, me quebrando em pedaços como uma marreta em uma janela.

— Pike! — Grito quando as sensações me oprimem em onda após onda de prazer que me faz ver nada além de branco.

O pau de Pike endurece ainda mais dentro de mim. — Mic, — ele rosna, e com um gemido que me faz gozar ainda mais forte quando o sinto gozar em longos jorros quentes, enchendo meu corpo... enquanto quebra meu maldito coração. — Oh, porra, Mic. O que fizemos?

— Não sei, — respondo, outra lágrima deslizando do meu olho.

Ele lambe a lágrima da minha bochecha. — Isso muda tudo.

Suas palavras contrastam com o que ele disse depois do nosso beijo na calçada.

Coloco minha mão em seu rosto. Ele vira a cabeça e beija minha palma.

Pike e eu não estamos em guerra. Nós nunca estivemos.

Somos o que sobrou depois que a batalha já foi perdida por ambos os lados.

Não somos soldados.

Somos uma carnificina.


Capítulo Vinte e Sete

Pike


Sei o que quero, e o que quero é a Mickey. Ela não vai lutar esta batalha sozinha. Vou lutar com ela. Passei a manhã toda fazendo planos para mantê-la segura enquanto acabo com a porra do Four Reich, começando pelo próprio Darius.

Estou parado na caixa registradora. O sino acima da porta toca depois que um cliente sai. Há um som na sala dos fundos. Risos vindos de Mickey e Thorne enquanto elas arrumam castiçais antigos para tirar fotos para o site.

Nunca entendi a importância do som até hoje.

O som é uma coisa incrível. O som da risada de Mickey. O som das unhas de Thorne batendo nas teclas. A câmera clicando a distância. Até mesmo o toque do sino acima da porta da loja. O som de Mic gemendo meu nome enquanto a faço gozar. Este é o meu favorito.

É o som do normal. Talvez não seja normal para os outros, mas normal para nós.

E vou proteger esse novo normal, custe o que custar.

Outro som que nada tem a ver com nosso novo normal vem do estacionamento lá fora, pneus guinchando no asfalto.

Correndo para fora, percebo que Mickey está atrás de mim. — Fique para trás, — digo a ela enquanto uma caminhonete derrapa e para na frente da loja.

Observo enquanto homens vestidos de esqueleto familiares saem da caminhonete. Eles estão carregando alguém com um capuz de estopa cobrindo sua cabeça. Reconheço o saco de estopa e o homem embaixo dele imediatamente.

Vou para minha arma.

— Toque na arma e ele morre, — avisa um deles enquanto colocam Gutter de joelhos.

Um dos homens armados arranca o capuz da cabeça de G. Ele pisca para afastar o borrão. Então, seus olhos pousam em mim. Ele sorri. — Não é sua culpa, Pike. Eu mereço isso a muito tempo, então não se culpe. Não é sua culpa. Eu não te culpo. Você é a melhor coisa que já aconteceu na minha vida. Considero você como um filho. Não se mate por alguém como eu. Entendeu?

Um homem anda até ele com um pé de cabra na mão. — Não! — Grito, novamente pegando minha arma. Outro homem atira nos meus pés em advertência, criando uma colcha de retalhos de buracos no asfalto.

— Eu te amo, garoto, — diz Gutter com um movimento do queixo.

É apenas um segundo, mas parecem horas enquanto o homem recua e bate na parte de trás do crânio de Gutter.

Balas ou não, corro até Gutter, disparando minha própria arma contra a caminhonete que agora está acelerando.

Largo a arma e puxo Gutter em meus braços, mas não há como ele estar vivo. Há muito sangue. Eu levanto sua cabeça, e pedaços dela caem no estacionamento. E não crânio suficiente. Freneticamente tento pressionar os fragmentos de osso contra o sangue e massa gotejando de seu cérebro como se pudesse trazê-lo de volta à vida se conseguisse montar sua cabeça novamente. — Gutter. Foda-se, Gutter. Não morra, — grito para ele. — Não morri por você, então você não pode morrer por mim, — digo em um soluço estrangulado. Largando o pedaço de seu crânio no asfalto, puxo seu corpo magro e sem vida contra o meu. — Você não pode morrer porra! — Grito, mas sei que ele não pode me ouvir.

Ele nunca mais vai me ouvir.


Mickey

— O som dos pneus no asfalto. Isso sempre vai me lembrar daquele momento. Dele, — Pike diz, parecendo distante, como se não estivesse na mesma sala que eu. Ele ainda está coberto pelo sangue de Gutter.

Faço um movimento para tocá-lo, e ele se afasta.

— Memória ecoica. Outro nome para memória de som. Ela registra momentos específicos e os conecta a informações auditivas, — digo, percebendo que uma lição sobre como a memória sonora funciona não é realmente o que Pike está querendo agora. Faço uma careta, — Desculpe.

Ele sorri, mas só o faz parecer mais triste. — Nunca se desculpe por ser inteligente, Mic. É o seu negócio. Domine essa merda.

Seu olhar vagueia pelo quarto como se estivesse percebendo pela primeira vez. Ele vagueia, passando pelas mãos nas paredes, parecendo realmente perdido.

Ele se acalma quando vê uma foto na mesa de cabeceira dele e Gutter segurando peixes e sorrindo como idiotas. Ele pega e passa as mãos sobre a imagem.

Meu coração se parte por ele quando seus olhos vidram. Seus ombros caem em derrota. Lentamente, ele abaixa a imagem. Endireitando-a várias vezes. — Como você sobreviveu à morte de toda a sua família? — Ele pergunta em um sussurro que não reconheceria como sua voz se não tivesse visto as palavras passarem por seus lábios com meus próprios olhos.

Pike cai no chão e me junto a ele, de costas para a cama. Reconheço a dor em seus olhos. As questões. A culpa. Sinto isso como se fosse comigo, porque de certa forma possuo esse tipo de dor. Não penso antes de agir. Estendendo a mão, envolvo meu braço em volta de sua cabeça e o puxo para o meu colo.

— De certa forma, não o fiz, — confesso, alisando seu cabelo para trás, acariciando-o como se ele fosse um gato perdido que precisa de carinho. — Uma grande parte de mim morreu quando eles morreram, e o que sobrou de mim não é mais alguém que reconheço.

Pike se inclina para o meu toque. Limpo minha garganta, sufocando as lágrimas que ele não precisa me ver derramar agora. — Sabe, — ofereço, — uma coisa que ajuda é conversar com eles.

— Já ouvi você falando com eles antes, — responde Pike. — Você estava falando com eles quando te encontrei naquela noite. Pensei que você era louca.

— Você não estava errado. Eu estava delirando naquela noite, mas mesmo agora, não é algo que tento esconder. Não me importo se as pessoas acham que sou louca. Ajuda-me imaginar que eles estão ao meu redor, aqui sempre que preciso deles ou quando tudo se torna muito e acho que não posso... — Fungo. — Sabe, mesmo em minha imaginação, minha irmã Mallory ainda me incomoda.

— Acho que eu teria gostado de Mallory, — diz ele suavemente.

Sorrio. — Acho que ela teria gostado de você. — Rio, imaginando como os olhos de menina louca de Mallory ficariam na primeira vez que ela visse Pike. — Demais.

— Isso para de doer? — Ele pergunta, olhando para o teto.

— Não, — respondo honestamente. — Mas a dor muda com o tempo. Ela se transforma de algo que parece mãos em volta do seu pescoço te sufocando para algo que é como alguém constantemente beliscando sua pele. Ainda dói, mas é uma dor com a qual você aprende a conviver.

— Sua vingança. Você acha que se conseguir vai doer ainda menos? — Ele pergunta.

— Pode não doer menos, mas acho que tornará viver com isso mais suportável. No final das contas, não se trata da minha dor, mas de fazê-los sofrer pelo que fizeram. Fazendo-os sentir o que sentiram, o que eu sinto.

Pike está quieto enquanto acaricio sua cabeça. — Você sabe que não posso ficar, — digo com um suspiro. Lágrimas se formam em meus olhos. — Não porque não queira, mas porque tenho que ir. Tenho que terminar o que comecei.

Ele não responde.

Olho para baixo para encontrar seus olhos fechados.

Por enquanto, o sono o faz parecer em paz. Isto é, até que suas mãos se contraiam. Mesmo durante o sono, as mãos de Pike estão fechadas em punhos, os nós dos dedos brancos e prontos para a luta.

Mas essa luta é minha. Eles começaram. Serei a única a acabar com isso.

E se tudo correr como deve, Pike não será pego no fogo cruzado.


Capítulo Vinte e Oito

Pike


Acordo com o que parece ser mil gatos passeando pelo telhado. O quarto cheira a terra fresca. Está chovendo, eu percebo enquanto pisco para afastar a névoa do sono.

Gutter está morto e falta um pedaço de mim. Não apenas no meu coração, mas na minha cama. Está vazia e fria.

Viro a cabeça e descubro que Mickey não está mais dormindo ao meu lado. Uma rápida varredura no quarto e a encontro de pé na janela. Ela está de pernas nuas, usando um grande suéter branco que cai em um ombro e é longo o suficiente para cobrir sua bunda, revelando a inclinação suave de suas coxas esguias e atléticas. As mangas compridas cobrem as mãos, o excesso de material se acumula em suas palmas como luvas improvisadas.

Ela é linda de um jeito que me faz perceber que nunca entendi a beleza antes. Meu estômago se contorce com a mesma necessidade que senti ontem à noite enquanto a observava dormir. A necessidade de mantê-la segura, de mantê-la feliz.

De mantê-la.

É mais forte do que qualquer outra compulsão que já senti antes, e é porque não é uma compulsão de forma alguma. É só ela.

Por um momento, a observo em silêncio enquanto ela inclina um ombro contra o vidro da janela. Seus olhos estão focados no céu, observando a tempestade passando. Ela levanta a mão e puxa a manga até o pulso, pressionando a ponta dos dedos no vidro enquanto tenta diminuir a distância entre ela e a chuva.

Percebo que ela está ciente que estou acordado quando fala, embora mantenha os olhos fixos na janela. — Uma vez perguntei ao meu pai se ele podia ver o que eu via nas gotas da chuva. A forma como a luz ilumina de maneira diferente cada uma. As formas variadas, as diferentes cores refletidas. — Sua voz está estranhamente calma e suave. — Ele me disse que não. Ele disse que é necessário um dom especial como o meu para ser capaz de encontrar algo único sobre cada gota onde a maioria das pessoas apenas vê água caindo do céu.

Deslizando meus pés para fora da cama, fico de pé e me aproximo de Mickey, encostando-me na parede ao lado da janela para que possa encará-la, olhando momentaneamente para a chuva que a tem tão concentrada.

Ela achata a palma da mão no vidro. — É... acho uma pena que as pessoas não consigam ver o que vejo, mas às vezes gostaria de poder ver como elas veem.

Estou surpreso com o pensamento de que ela quer ser como todo mundo, porque Mickey não é como ninguém. Nem mesmo perto. Ela é uma espécie diferente de ser humano, um tipo que odeio admitir, que na verdade gosto, respeito até. — É um dom. É o seu dom. Não deseje que isso desapareça. É o que te faz... — Aceno minha mão para ela, desejando ser tão bom com as palavras quanto ela. — Você.

Ela encosta o lado da cabeça na janela, virando-se para me encarar. Encontro olhos injetados de sangue e bochechas manchadas de lágrimas. Mickey está chorando. Percebendo onde minha atenção está focada, ela enxuga o rosto com a manga do suéter.

— É uma maldição da mesma forma que é um dom. — Seus olhos vidram enquanto se enchem de lágrimas. Sua voz calma fica trêmula, presa na garganta. — Existem bilhões de pessoas na terra, mas nenhuma delas é como você, Pike. Você não é apenas água caindo do céu. Você é tão original e especial, e ninguém nunca vai te ver do jeito que vejo. E por causa dessa maldição e dessa memória, não posso nunca deixar de vê-lo. — Ela funga, mas sou eu quem sente meu peito apertar e minha garganta fechar. Ela pisca e uma lágrima escorre por sua bochecha, percorrendo o mesmo caminho das manchas de lágrimas que vieram antes dessa. — Mesmo se quisesse. Mesmo se tentasse muito. Você estará aqui. — Ela pressiona minha mão em sua têmpora. — Refletindo um tipo de luz diferente do que qualquer outra pessoa.

— Você não precisa deixar de me ver, — digo a ela. — Estarei bem aqui. Contigo.

Agarro seu pulso e pressiono sua palma contra meu peito para que ela possa sentir as batidas do meu coração. Seus cílios molhados vibram contra suas bochechas enquanto ela olha para mim com incerteza em seus olhos. Não tenho palavras de conforto para oferecer a ela. Sem palavras de encorajamento ou significativas. Nada que a faça se sentir melhor, porque não tenho ideia do que o futuro reserva para nenhum de nós. Puxo-a em meu peito e envolvo meus braços em torno dela, descansando meu queixo no topo de sua cabeça. Ela se encaixa tão perfeitamente contra mim, neste quarto e na minha vida.

A levanto e a carrego de volta para a cama, onde me deito com ela em cima de mim, mantendo seu corpo macio pressionado contra o meu enquanto ela soluça contra minha pele. Suas lágrimas escorrendo pelo lado do meu peito em um fluxo quente de veneno contagioso que pica em meus olhos, lágrimas ameaçadoras que nunca soube que era capaz de produzir.

Ela agarra meu peito, as unhas cravando em minha pele. Cerro os dentes e aceito porque é o mínimo que posso fazer depois que ela me confortou na noite passada. Depois de alguns momentos, ela para. O choro para e o ritmo de sua respiração se equilibra e diminui. Ela está dormindo.

Meu peito se contrai, e não pelo peso de Mickey. Ela não é pesada o suficiente para machucar, muito menos esmagar meu peito.

Com meus lábios pressionados no cabelo de Mickey, inalo o cheiro de seu shampoo feminino enquanto sua pequena exalação aquece a pele na curva do meu pescoço. Vejo sua cabeça pela janela enquanto a chuva cai cada vez mais forte. Aperto os olhos e tento discernir uma gota de chuva da próxima enquanto caem em lençóis, borrando o céu. Claro, que não posso fazer o que ela pode. Tudo parece água para mim.

Você não é apenas água caindo do céu. Você é tão único e especial e ninguém nunca vai te ver do jeito que eu vejo.

Ninguém nunca me disse algo assim e mais, eu nunca teria me importado se alguém tivesse me dito isso antes. Mas me importo agora e só por causa dela.

Posso não conseguir distinguir uma gota de chuva da outra, mas não preciso diferenciar a chuva para sentir algo diferente acontecendo em meu coração. Ser capaz de ver algo especial e único em algo que os outros poderiam ver como uma das massas.

Ela me vê e eu a vejo.

E agora, minha própria gota de chuva está dormindo profundamente no meu peito. Não posso lhe oferecer nada além de um corpo quente. Um peito para chorar. É tudo o que tenho, e é dela para tomar.

As lágrimas que ameaçaram derramar tornaram sua presença conhecida e fluíram de meus lábios para o cabelo de Mickey. Por ela e sua família e o que eles passaram. Por Gutter.

Tudo o que tenho para dar a ela sou eu.

E sei que não é o suficiente.

Depois de um tempo, a coloco ao meu lado e me visto para terminar meus planos que foram interrompidos quando Gutter foi assassinado na porra da minha porta. Verifico Mickey algumas vezes ao longo do dia e, a cada vez, ela está dormindo com novas manchas de lágrimas cobrindo suas bochechas e posso senti-las, como se a tristeza dela e a minha fossem a mesma.

Quando o dia acaba e os planos estão feitos, volto para o meu apartamento, pronto para dizer a Mickey que não vou arriscar a vida dela e que vou ajudá-la na sua vingança, como se fosse minha, mas desta vez, ela não está chorando ou dormindo.

Mickey se foi.

E minha arma também.


Capítulo Vinte e Nove

Mickey


— Achei que tinha me deixado lá para morrer, — digo com raiva.

— Achei que você estava morta, — responde Darius enfurecido.

O que acontece com Darius Alban é que, quando ele diz algo ou faz uma pergunta, está sempre questionando algo totalmente diferente. O truque é ler o verdadeiro significado por trás de suas palavras. É algo que aperfeiçoei ao longo dos anos.

Ele sorri com curiosidade. — Estávamos esperando que Pike viesse a procura de vingança.

O que você disse a ele? É o que ele está realmente perguntando.

— Ele não sabe que foi você quem roubou a remessa dele, — minto. — Ou que foi você quem a devolveu. Ele não sabe que estou com você. Eu não disse nada. Fingi uma lesão cerebral.

— Como você conseguiu fazer isso? — Ele levanta uma sobrancelha desconfiada e cruza uma perna sobre a outra.

Estou tentando descobrir se você está mentindo.

Estico a verdade. — Pike me nocauteou quando os outros fugiram. — Estreito meus olhos para os homens que estavam comigo naquela noite. — Quando acordei, disse que não me lembrava por que estava lá ou com quem estava. O convenci de que havia perdido a memória.

— E ele acreditou em você?

Isso é muito inteligente. Se for verdade.

Assinto. — Ele me fez passar por um detector de mentiras. Eu passei.

— Ele não viu a marca? — Ele pergunta, desconfiado.

Ele te viu nua?

— Não. Outra mulher era responsável por meus cuidados e ela não viu nada. Se viu, não sabia o significado e não disse nada.

— Ele te machucou, minha querida? — Darius pergunta, brincando com as pontas do bigode.

Ele te fodeu?

— Nada que eu não pudesse controlar, — respondo, com o queixo erguido e as mãos atrás das costas como um bom soldado. — Isso não aconteceu até eu escapar. — Aponto para minha perna.

— Ele não te estuprou? — Ele pergunta como se não acreditasse porque, aparentemente, sou capaz de ser super violada.

Isto ele realmente quis dizer.

Balanço minha cabeça. — Não. Seu interesse era descobrir para quem eu trabalhava. Ele passou seu tempo comigo tentando ativar minha memória.

Darius parece satisfeito com minhas respostas à sua inquisição. Ele dá um tapa nos braços da cadeira e se levanta. Seu rosto estampa um sorriso vitorioso. — Bem-vinda ao lar, Michaela. — Ele abre os braços e me envolve em um abraço. Seu coração bate contra minha bochecha, e me ressinto de cada batida. — Nossos planos continuarão conforme planejado. Você é uma menina inteligente. Sabia que não nos decepcionaria. — Ele estala os dedos. — Alguém traga Banjo aqui e peça para ele cuidar do ferimento dela.

O ferimento a que ele está se referindo é o tiro auto infligido na minha coxa. Está jorrando sangue pelo pedaço da camiseta de Pike que eu envolvi nele.

Se você precisa voltar para o inferno e encontrar o próprio diabo, vá preparado ou não vá.

Darius coloca seus braços em volta do meu ombro e estala os dedos no ar. Um de seus homens abre a porta atrás de sua cadeira. — Mas agora, temos muito que comemorar porque sua noiva finalmente está em casa.

Lentamente, uma figura surge das sombras até que fique em frente à luz do fogo. Ele é alto e musculoso. Seu torso pálido sem camisa coberto com odiosas tatuagens racistas que se estendem da parte de trás de sua cabeça calva até o centro do couro cabeludo.

Darius tira o braço do meu ombro. — Vá lá. Cumprimente seu noivo.

Ando até Percy e dou meu melhor sorriso. Finjo espanto com meus olhos como se estivesse feliz que a porra do skinhead foi solto da prisão onde merecia apodrecer e muito pior. — Percy. Bem-vindo a casa.

Percy agarra meu pulso e leva minha mão aos seus lábios finos nojentos. — Então, finalmente nos vemos de novo, — diz ele, me despindo com os olhos. Tento não engasgar enquanto ele passa os lábios nos nós dos meus dedos mais uma vez, imaginando como ficará seu cadáver empilhado em cima do de seu pai.

Com esse pensamento, respiro fundo e, mesmo com um ferimento de bala jorrando e a dor latejante na minha coxa, finalmente consigo um sorriso verdadeiro.


Capítulo Trinta

Mickey


Ouço um choro fraco. Afasto-o como o vento, mas ouço novamente. Não é o vento. É humano. Mulher. E... familiar.

Saio da sala e sigo o som até chegar ao armazém nos fundos da propriedade. Abro as portas. Está escuro como breu, mas o choro ecoante me diz que estou no lugar certo.

Sigo os soluços até parar no que parece ser uma gaiola de cão.

Lá dentro, enrolada como uma bola, está uma menina magra.

— O que diabos eles têm feito desde que parti? — Murmuro.

A garota se arrasta para o outro lado da gaiola, tornando-se menor possível.

— Está tudo bem. Não vou te machucar, — digo a ela. — Vou tirá-la daqui eu prometo.

Seu corpo se transforma em pedra. Nem mesmo vejo suas costas subindo com sua respiração. Então, muito lentamente, ela levanta a cabeça, revelando olhos cinzentos fundos da mesma cor dos meus.

Estou vendo coisas. Sei que estou. É uma das minhas conversas imaginárias. Tem que ser, mas por que a imaginaria nessa situação?

— Mickey?

Dou um passo para trás. Nunca em minha imaginação alguém falou antes. Não Mallory ou Maya ou Mindy ou minha mãe ou mesmo meu pai.

Mas, isso é porque não é minha imaginação. Isso é real. Ela é real.

Caio no chão e agarro as barras com ambas as mãos para me equilibrar. Como uma pessoa lógica, isso não é apenas ilógico e, ainda assim, não é impossível.

Simplesmente não pode ser.

Não pode ser ela.

A garota rasteja até mim e espelha minha posição de joelhos. Tenho certeza de que este momento é real quando minha irmã coloca a mão sobre a minha. Engasgo com um soluço.

— Mindy?

 


                              Continua...

  

                                                                  T.M. Frazier

 

 

 

 

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