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Biblio VT

 

 

 

 

 

1925

No hotel de Sorrento vimos a tarantela, mas era original e já tínhamos visto tantas adaptações mais criativas...

Um sol vindo do sul induzia o pátio do Quisisana à letargia. Aves estranhas manifestavam sua sonolência sob os ciprestes pujantes, enquanto Compton Mackenzie nos explicava por que morava em Capri: todo inglês precisa ter sua ilha.

O Tiberio era um hotel branco e elevado, com a base adornada pelos telhados redondos de Capri, em forma de taça para recolher a chuva que nunca cai. Subimos até ele por becos tortuosos e escuros, que abrigavam os açougues e as padarias de Rembrandt na ilha; depois descemos outra vez para a histeria pagã da Páscoa de Capri, a ressurreição do espírito do povo.

Quando voltamos a Marselha, indo de novo para o norte, as ruas de frente para o mar estavam iluminadas pelo brilho do porto, e pedestres alegres discutiam equívocos de horários em pequenos cafés de esquina. Estávamos felizes pra burro com aquela animação.

Em Lyon, o hotel exibia um ar obsoleto. Nunca tinham ouvido falar em batatas lionesas, e ficamos tão sem vontade de passear que deixamos o pequeno Renault ali e tomamos o trem para Paris.

O Hôtel Florida tinha quartos em diagonal; o dourado da haste da cortina estava descascado.

Quando retomamos a viagem, em direção ao sul, depois de alguns meses, dormimos num grupo de seis pessoas em Dijon (Hôtel du Dump, diária de dois francos, com água corrente) porque não havia outro lugar. Nossos amigos ficaram um pouco contrafeitos, mas roncaram até de manhã.

Em Salies-de-Béarn, nos Pireneus, fizemos tratamento para colite, a doença do ano, e descansamos num quarto de pinho branco do Hôtel Bellevue, banhado pelo sol fraco que descia dos montes. Havia uma estátua em bronze de Henrique IV na lareira, porque a mãe dele tinha nascido ali. As janelas do cassino, cobertas de tábuas, estavam manchadas de cocô de passarinho — ao longo das ruas enevoadas compramos bengalas com pontas em lança e ficamos um pouco desanimados de tudo. Havia uma peça nossa na Broadway e o cinema tinha oferecido sessenta mil dólares, mas na época nos sentíamos como almas gêmeas e nada disso parecia ter muita importância.

Quando aquilo acabou, uma limusine de aluguel nos levou a Toulouse, dando voltas em torno do bloco cinzento de Carcassonne e pelas vastas planícies da Côte d’Argent. Embora todo decorado, o Hôtel Tivollier estava decadente. Tocamos insistentemente a campainha para chamar o garçom e ter certeza de que havia vida em algum lugar da cripta lúgubre. Ele parecia amuado, e acabamos convencendo-o a trazer tanta cerveja que nossa melancolia aumentou.

No Hôtel O’Connor, senhoras vestidas de renda branca embalavam seu passado, circunspectas, com o movimento acalentador das cadeiras de balanço. Mas serviam crepúsculos azuis nos cafés da Promenade des Anglais ao preço de um cálice de vinho do Porto; dançamos os tangos deles e observamos as garotas que tremiam, com roupas mais adequadas à Côte d’Azur. Fomos ao Perroquet com amigos, um de nós usando um jacinto azul na lapela e o outro com um mau humor que o levou a comprar uma carrada de castanhas assadas e imediatamente espalhar o cheiro de queimado como uma dádiva na noite fria de primavera.

No melancólico agosto daquele ano, fizemos uma viagem a Mentone e pedimos bouillabaisse num pavilhão que parecia um aquário à beira-mar, em frente ao Hôtel Victoria. As colinas eram de um verde-oliva prateado e tinham a verdadeira forma das fronteiras.

Deixando a Riviera depois do terceiro verão, visitamos um amigo escritor no Hôtel Continental, em Cannes. Ele estava orgulhoso de sua independência por ter adotado um vira-lata preto. Tinha uma bela casa e uma bela mulher, e ficamos com inveja de suas acomodações confortáveis, que davam a impressão de que ele tinha se afastado do mundo depois de ter reunido e reservado para si tudo o que queria.

Quando voltamos aos Estados Unidos, fomos ao Roosevelt Hotel, em Washington, para visitar a mãe de um de nós. Os hotéis de papelão, comprados em conjuntos, nos deram a sensação de estar cometendo uma profanação ao morar neles — deixamos os pavimentos de tijolo, os olmos e as qualidades heterogêneas de Washington e rumamos mais para o sul.


1927

É tão demorado chegar à Califórnia, e eram tantas as maçanetas de níquel, as geringonças a evitar, os botões a apertar e coisas assim, um monte de novidades e Fred Harvey, que quando um de nós achou que estava com apendicite fomos para El Paso. Uma ponte tumultuada despeja as pessoas no México, onde os restaurantes são decorados com papel de seda e há perfumes contrabandeados — admiramos os guardas texanos, pois desde a guerra não víamos homens com armas nos quadris.

Chegamos à Califórnia a tempo de pegar um terremoto. Tempo ensolarado de dia e neblina à noite. Rosas brancas dançavam, luminosas, na névoa de uma treliça diante das janelas do Ambassador; um papagaio esperto e exagerado emitia gritos incompreensíveis numa piscina cor de água-marinha — é claro que todos interpretavam aquilo como obscenidades; gerânios ressaltavam a disciplina da flora californiana. Prestamos homenagem à concisão pálida e indiferente da beleza primitiva de Diana Manners e jantamos no Pickfair, maravilhados com o controle dinâmico de Mary Pickford sobre a vida. Uma limusine atenciosa nos levou pelas noites da Califórnia para ficarmos compreensivelmente tocados com a fragilidade de Lillian Gish, demasiado sedenta de vida, agarrando-se a ocultismos como uma trepadeira.

De lá fomos ao DuPont, em Wilmington. Um amigo nos levou para o chá nos recônditos de mogno de uma propriedade quase feudal, onde o sol resplandecia, pedindo desculpas, num jogo de chá de prata, e havia quatro tipos de bolinhos e quatro filhas indiscerníveis em traje de montaria, e uma dona de casa preocupada demais em preservar o charme de outra época para fazer distinção entre as crianças. Alugamos uma mansão enorme e velha à beira do rio Delaware. Os cômodos quadrados e o tamanho das colunas nos trariam uma tranquilidade ajuizada. Havia frondosos castanheiros-da-índia no quintal e um pinheiro branco vergado com a graça de uma aquarela japonesa.

Subimos para Princeton. Havia uma nova pousada colonial, mas o campus oferecia o mesmo gramado exaurido ao desfile dos românticos espectros de Light-Horse Harry Lee e Aaron Burr. Adoramos as formas sóbrias de tijolo antigo do Nassau Hall e o modo como ele ainda parecia um tribunal dos antigos ideais americanos, com as aleias de olmos e a pradaria, as janelas da faculdade abertas para a primavera — abertas, abertas para tudo na vida — por um minuto.

Os negros do Cavalier, em Virginia Beach, usam calções à altura dos joelhos. O hotel é teatralmente sulista, e por ser tão recente é um pouco árido, mas ali está a melhor praia dos Estados Unidos; na época, antes que fossem erguidos os chalés, havia dunas e a lua tropeçava e caía na areia ondulada diante do mar.

Da vez seguinte em que estivemos lá, perdidos e nos deixando levar como os demais, era numa viagem grátis para Québec, ao norte. Talvez pensassem que escreveríamos sobre a cidade. O Château Frontenac tinha sido feito de arcos de pedras de brinquedo, como o castelo de um soldado de lata. Nossas vozes ficavam abafadas pela neve pesada, as estalactites nos telhados transformavam a cidade numa caverna invernal; passamos a maior parte do tempo numa sala, cheia de ecos, entupida de esquis, porque o profissional de lá nos deu uma boa impressão sobre o esporte em que éramos tão ineptos. Mais tarde, ele foi contratado pelos DuPont nas mesmas condições e tornou-se um magnata da pólvora ou algo assim.

Quando decidimos voltar à França, passamos a noite no Pennsylvania, manipulando os novos fones de ouvido e os camareiros, onde um terno podia virar um cubo de gelo ao cair da noite. Ainda estávamos impressionados com a água corrente gelada, com os quartos autossustentáveis que podiam funcionar mesmo sitiados pelos acontecimentos de então. Tínhamos tão pouco contato com o mundo que aquilo nos parecia uma estação de metrô apinhada.

O hotel em Paris tinha forma triangular e dava para Saint-Germain-des-Près. Aos domingos nos sentávamos no Deux Magots observando as pessoas, reverentes como um coro de ópera, entrando pelas velhas portas, ou fitávamos franceses lendo jornais. Houve longas conversas sobre balé, comendo chucrute na Brasserie Lipp, e horas de recuperação debruçados sobre livros e gravuras na úmida Allée Bonaparte.

Agora as viagens tinham começado a ficar menos divertidas. A seguinte, para a Bretanha, foi interrompida em Le Mans. A cidade letárgica estava caindo aos pedaços, pulverizada pelo calor do verão branco e quente, e só caixeiros-viajantes arrastavam suas cadeiras, decididos, pelo piso sem carpete do salão de jantar. O caminho para La Baule era ladeado por plátanos.

No Palace, em La Baule, nos sentimos barulhentos entre tanta contenção chique. Crianças se bronzeavam na praia vazia azul e branca, enquanto a maré baixava tanto que lhes deixava caranguejos e estrelas-do-mar para escavarem na areia.


1929

Fomos para os Estados Unidos, mas não ficamos em hotéis. Quando voltamos à Europa, passamos a primeira noite numa hospedaria ensolarada, a Bertolini, em Gênova. Tínhamos um banheiro de azulejos verdes e um prestativo camareiro, e podíamos praticar balé usando o estrado da cama como barra. Era bom ver as flores brilhantes colidindo em explosões prismáticas sobre os socalcos e nos sentir estrangeiros mais uma vez.

Ao chegar a Nice, por economia, ficamos no Beau Rivage, que oferecia muitos vitrais dando para o fulgor mediterrâneo. Era primavera e fazia um frio quebradiço na Promenade des Anglais, embora as multidões continuassem a se mover, persistentes, no ritmo do verão. Admiramos as janelas pintadas dos palacetes reformados da Place Gambetta. Caminhando ao entardecer, chegavam até nós vozes sedutoras através do crepúsculo nebuloso, convidando-nos a compartilhar as primeiras estrelas, mas estávamos ocupados. Íamos aos balés ordinários do Casino no píer e rodávamos quase até Villefranche atrás de uma salada niçoise e uma bouillabaisse especialíssima.

Em Paris, economizamos novamente num hotel, cujo nome esqueci, em que o cimento ainda estava fresco. Acabou nos custando caro, porque comíamos fora todas as noites para evitar os engomados menus fixos. Sylvia Beach nos convidou para jantar, e a conversa toda foi dominada por gente que tinha descoberto Joyce. Visitamos amigos em hotéis melhores: Zoë Akins, que buscara o pitoresco nas fogueiras do Foyot; e Esther, no Port-Royal, que nos levou até o ateliê de Romaine Brooks, um pedaço envidraçado de céu balançando bem no alto sobre Paris.

Para o sul outra vez, desperdiçando a hora do jantar numa discussão sobre o hotel em que ficaríamos: havia um, em Beaune, cuja truta tinha sido apreciada por Ernest Hemingway. Finalmente, decidimos dirigir a noite toda e comemos bem numa antiga estrebaria que dava para um canal — o brilho verde esbranquiçado da Provence já começara a nos fascinar, portanto não importava se a comida era boa ou não. Naquela noite paramos debaixo de árvores de troncos brancos e abrimos o para-brisa para a lua e para o vento do sul que nos batia no rosto, sentindo melhor a fragrância que farfalhava sem descanso entre os álamos.

Em Fréjus Plage tinham construído um novo hotel, com uma estrutura despojada, que dava para a praia onde os marinheiros tomavam banho, e nos sentimos muito privilegiados por termos sido os primeiros turistas a desfrutar daquele lugar no verão.

Depois que acabou a temporada de banhos em Cannes e os polvos do ano já tinham crescido nas fendas das pedras, começamos a voltar para Paris. Na noite do crash da bolsa estávamos no Beau Rivage, em St. Raphaël, no mesmo quarto que tinha sido ocupado por Ring Lardner num ano anterior. Saímos assim que foi possível porque já tínhamos estado ali muitas vezes — é mais triste reencontrar o passado e achá-lo inadequado ao presente do que deixar-se iludir por ele e ficar para sempre com uma ideia harmoniosa na lembrança.

No Jules César, em Arles, ficamos num quarto que tinha sido uma capela. Seguindo as águas pútridas de um canal estagnado, chegamos às ruínas de uma residência romana. Havia uma forja instalada atrás das majestosas colunas, e algumas vacas esparsas comiam as flores douradas da relva.

Depois, sempre para cima. O céu crepuscular se estendia sobre o vale de Cévennes, fendendo as montanhas, e uma solidão aterradora entristecia os cumes achatados. Mordíamos castanhas crocantes na estrada e uma fumaça cheirosa evolava-se dos chalés da montanha. A pousada parecia ruim, o piso coberto de serragem, mas nos deram o melhor faisão que já provamos, uma excelente linguiça e magníficos colchões de penas.

Em Vichy, as folhas cobriam a praça até a altura do coreto de madeira. Havia avisos do Departamento de Saúde nas portas do Hôtel du Parc e no cardápio, mas o salão estava cheio de gente bebendo champanhe. Adoramos as árvores imensas de Vichy e o modo como a simpática cidade se aninha num buraco.

Quando chegamos a Tours, nos sentíamos como o cardeal Balue em sua gaiola dentro do pequeno Renault. O Hôtel de l’Univers era igualmente sufocante, mas depois do jantar encontramos um café lotado de gente que jogava damas e cantava em coro, e sentimos que poderíamos seguir para Paris, afinal.

Nosso hotel barato de Paris tinha se transformado numa escola para meninas — fomos para um hotel sem nome na Rue du Bac, onde palmeiras em vasos murchavam no ar viciado. Através das divisórias finas, testemunhávamos a vida privada e as funções fisiológicas de nossos vizinhos. Caminhando à noite, passamos pelas colunas do Odéon e identificamos a estátua gangrenosa detrás da cerca do Palácio do Luxemburgo como sendo de Catarina de Médici.

Era um inverno difícil, e para esquecer tempos ruins fomos a Argel. O Hôtel de l’Oasis era circundado por grades mouriscas, e o bar era um posto avançado de civilização, com pessoas que exageravam a própria excentricidade. Mendigos envoltos em lençóis brancos se escoravam nas paredes, e a ostentação dos uniformes coloniais dava aos cafés um ar desesperado de fanfarronada. Os berberes tinham olhos tristes e confiantes, mas confiavam mesmo era no Destino.

Em Bou Saada, o cheiro de resina era disseminado pelas ruas pelos largos mantos usados no deserto. Observamos a lua cambaleando sobre as dunas com um brilho pálido e acreditamos no guia que nos falava de um padre que conhecia capaz de destruir trens de ferro só com a força de vontade. As Ouled Naïls eram moças muito morenas e elegantes, impessoais à medida que se transformavam em instrumentos próprios para o sexo por meio de seu ritual de dança, tilintando seu ouro ao som de fidelidades selvagens ocultas nas colinas distantes.

O mundo se esfacelava em Biskra; as ruas rastejavam pela cidade como rios de lava branca e quente. Árabes vendiam torrones e bolos de um rosa tóxico sob o clarão de bicos de gás abertos. Desde O jardim de Alá e O sheik, a cidade se enchera de mulheres frustradas. Nos becos íngremes com calçamento de pedra, hesitamos diante do brilho das carcaças de carneiro penduradas nas barracas dos açougueiros.

Paramos em El Kantara numa pousada emoldurada por glicínias. O crepúsculo púrpura envolvia as profundezas de um desfiladeiro, e fomos à casa de um pintor que, naquelas montanhas longínquas, trabalhava em imitações de Meissonier.

E então a Suíça, e outra vida. A primavera florescia nos jardins do Grand Hôtel, em Glion, e um mundo panorâmico cintilava no ar da montanha. O sol impregnava de vapor as flores delicadas que se soltavam das rochas enquanto ao longe brilhava o lago de Genebra.

Para além da balaustrada do Lausanne Palace, velas de barcos emplumam-se na brisa, como aves. Salgueiros desenham motivos rendados no cascalho do terraço. As pessoas, fugitivos chiques da vida e da morte, entrechocam suas xícaras de chá numa emoção ranzinza na varanda profunda e protetora. Soletram nomes de hotéis e cidades da Suíça com canteiros de flores e chuva-de-ouro, e até os postes das ruas usavam coroas de verbenas.


                                                                                CONTINUA

 

 

                                                   

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